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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa De Pós-Graduação Em Psicologia PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE NA ABORDAGEM DO ATO INFRACIONAL ADOLESCENTE: CARACTERÍSTICAS, LIMITES E PERSPECTIVAS Pedro Paulo Lima de Andrade Natal/RN 2017

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa De Pós-Graduação Em Psicologia

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE NA ABORDAGEM DO ATO

INFRACIONAL ADOLESCENTE: CARACTERÍSTICAS, LIMITES E PERSPECTIVAS

Pedro Paulo Lima de Andrade

Natal/RN

2017

Page 2: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · A dissertação “Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato infracional adolescente: características,

i

Pedro Paulo Lima de Andrade

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE NA ABORDAGEM DO ATO

INFRACIONAL ADOLESCENTE: CARACTERÍSTICAS, LIMITES E PERSPECTIVAS

Dissertação elaborada sob orientação do Prof. Dr.

Jorge Tarcísio da Rocha Falcão e apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Psicologia da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

como requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em Psicologia.

Natal/RN

2017

Page 3: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · A dissertação “Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato infracional adolescente: características,

ii

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A dissertação “Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato infracional

adolescente: características, limites e perspectivas”, elaborada por Pedro Paulo Lima de

Andrade, foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita

pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título

de MESTRE EM PSICOLOGIA.

Natal/RN, 27 de setembro de 2017.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Jorge Tarcísio da Rocha Falcão ________________________________

Profª Dr.ª Ana Vládia Holanda Cruz ________________________________

Profª Drª. Ilana Lemos de Paiva ________________________________

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iii

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -

CCHLA

Andrade, Pedro Paulo Lima de.

Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato

infracional adolescente / Pedro Paulo Lima de Andrade. - 2017.

90f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa De

Pós-Graduação em Psicologia. Natal, RN, 2017.

Orientador: Prof. Dr. Jorge Tarcísio da Rocha Falcão.

1. Ato Infracional. 2. Medida Socioeducativa. 3. Prestação de

Serviços à Comunidade. I. Falcão, Jorge Tarcísio da Rocha. II.

Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 343.24:159.9

Page 5: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · A dissertação “Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato infracional adolescente: características,

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Se afasto do meu jardim os obstáculos que impedem o

sol e a água de fertilizar a terra, logo surgirão

plantas de cuja existência eu sequer suspeitava.

Da mesma forma, o desparecimento do sistema

punitivo estatal abrirá, num convívio mais sadio e

mais dinâmico, os caminhos de uma nova justiça.

LOUK HULSMAN

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v

Agradecimentos

Agradeço a Deus, por me fazer “andar acima dos problemas, acima das tribulações,

acima das minhas dores, acima das desilusões” (Diante do Trono).

Agradeço à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e ao Programa de

Pós-graduação em Psicologia (PPGPSI), por oportunizar a presente formação e o grau

acadêmico de mestre. Agradeço ao Prof. Dr. Jorge Tarcísio da Rocha Falcão, pela confiança,

pela oportunidade de trabalhar ao seu lado e por todo o conhecimento transmitido.

Agradeço à minha família, pelo conforto e segurança, à minha tia Mazinha, por ser a

maior incentivadora na superação de meus limites e à Kelly Dantas, pois você fez, faz e

sempre fará parte de minha vida.

Aos colegas de orientação, presentes na jornada acadêmica, e demais amigos que

sempre prestaram apoio e palavras de solidariedade na elaboração do presente documento.

À Prefeitura Municipal do Natal e à Secretaria de Trabalho e Assistência Social

(SEMTAS), por propiciar o espaço para a construção da dissertação, e aos adolescentes, pela

confiança que me foi e é depositada, neste desafio da socioeducação.

“Quem caminha sozinho pode até chegar mais rápido, mas aquele que vai

acompanhado, com certeza vai mais longe” (Clarice Lispector).

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Sumário

Lista de abreviações .............................................................................................................. viii

Lista de figuras ......................................................................................................................... x

Lista de tabelas ........................................................................................................................ xi

Resumo .................................................................................................................................... xii

Abstract .................................................................................................................................. xiii

1. Introdução ........................................................................................................................... 14

1.1. A escolha do tema de pesquisa ...................................................................................... 17

2. Fundamentação teórica ...................................................................................................... 18

2.1. Do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo ................................................. 18

2.2. A interface SUAS e SINASE ......................................................................................... 23

2.2.1. O papel dos municípios na política de atendimento socioeducativo ....................... 25

2.2.2. Fluxo do atendimento socioeducativo em Natal (RN) ............................................ 26

a) Fase policial ............................................................................................................... 26

b) Fase ministerial ......................................................................................................... 27

c) Fase judicial ............................................................................................................... 27

2.2.3. Dos programas de meio aberto ................................................................................ 28

2.2.4. O enfoque educacional da PSC: educação pelo trabalho ou socioeducação? ......... 30

2.2.5. Das unidades de prestação de serviços à comunidade ............................................ 34

2.3. A prestação de serviços à comunidade: delineamento normativo, aspectos históricos e

representações na sociedade ................................................................................................. 35

3. O prescrito, real e o real da atividade ............................................................................... 41

3.1. Acerca da tarefa prescrita na Prestação de Serviços à Comunidade .............................. 44

3.2. O trabalho como fator ressocializante ........................................................................... 48

4. Objetivos .............................................................................................................................. 52

4.1. Objetivos geral e específicos ......................................................................................... 52

5. Método ................................................................................................................................. 53

5.1. Acerca da proposta de pesquisa aqui apresentada (métodos mistos) ............................. 53

5.2. A escolha do projeto de métodos mistos........................................................................ 55

5.3. Estrutura e organização da implementação da pesquisa ................................................ 56

5.3.1. Fase 1: pesquisa documental ................................................................................... 57

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a) Delineamento da pesquisa documental ..................................................................... 59

5.3.2. Fase 2: entrevista clínica ......................................................................................... 63

a) Detalhamento das entrevistas .................................................................................... 64

6. Análise dos dados obtidos .................................................................................................. 64

6.1. Fase descritiva ................................................................................................................ 66

6.1.1. Perfil sociodemográfico .......................................................................................... 66

6.1.2. Aptidões .................................................................................................................. 67

6.1.3. Tarefas ..................................................................................................................... 69

6.1.4. Entidades que recebem os adolescentes em PSC .................................................... 72

6.1.5. Síntese ..................................................................................................................... 75

6.2. Resultados obtidos na fase qualitativa ........................................................................... 76

6.2.1. Perfil de caracterização dos participantes ............................................................... 76

6.2.2. Causas...................................................................................................................... 77

6.2.3. Tarefas prescritas..................................................................................................... 77

6.2.4. Tarefa real ............................................................................................................... 78

6.2.5. Avaliação da PSC .................................................................................................... 78

6.2.6. PSC e perspectivas de inclusão social ..................................................................... 79

7. Considerações finais ........................................................................................................... 81

Referências .............................................................................................................................. 81

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Lista de abreviações

Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU)

Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)

Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONSEC)

Coordenadoria Estadual da Infância e da Juventude (CEIJ)

Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA)

Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)

Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (CONANDA)

Centros de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS)

Delegacia Especializada de Atendimento ao Adolescente em Conflito com a Lei (DEA)

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)

Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM)

Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS)

Liberdade Assistida (LA)

Ministério do Desenvolvimento Social (MDS)

Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA)

Ministério Público (MP)

Organização das Nações Unidas (ONU)

Planos Individuais de Atendimento (PIA)

Prestação de Serviços à Comunidade (PSC)

Princípios Orientadores das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil (RIADE)

Proposta de Emenda à Constituição (PEC)

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Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração da Justiça Juvenil (Regras de

Beijing)

Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH)

Sistema de Garantia de Direitos (SGD)

Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (SEMTAS)

Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE)

Sistema Único de Assistência Social (SUAS)

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Lista de figuras

Figura 1. Organograma do SINASE (CONANDA & SEDH, 2006). ..................................... 21

Figura 2. Sistema de Garantia de Direitos. .............................................................................. 22

Figura 3. Fluxograma do atendimento socioeducativo............................................................ 28

Figura 4. Curva de distribuição de idades dos sujeitos da pesquisa... ..................................... 67

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Lista de tabelas

Tabela 1 Referenciais legais aos direitos dos adolescentes em atendimento socioeducativo. 19

Tabela 2 Referenciais nacionais aos direitos dos adolescentes em atendimento

socioeducativo .......................................................................................................................... 19

Tabela 3 Princípios do atendimento socioeducativo .............................................................. 20

Tabela 4 Procedimentos da implementação da pesquisa ........................................................ 57

Tabela 5 Distribuição das frequências das aptidões registradas ............................................. 70

Tabela 6 Cruzamento dos níveis de escolaridade e tipos de aptidão indicada ....................... 70

Tabela 7 Distribuição das frequências das tarefas registradas................................................ 71

Tabela 8 Distribuição dos tipos de tarefas em função do sexo ............................................... 71

Tabela 9 Distribuição dos tipos de tarefas em função da situação escolar ............................. 71

Tabela 10 Distribuição dos tipos de tarefas em função do nível de escolaridade .................. 72

Tabela 11 Distribuição dos níveis de renda familiar em função dos tipos de entidades ........ 73

Tabela 12 Distribuição dos níveis de escolaridade pelas entidades de destino ...................... 74

Tabela 13 Distribuição das frequências dos tipos de tarefas pelas entidades de destino ....... 74

Tabela 14 Distribuição das frequências da situação escolar por entidade de destino ............ 75

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Resumo

O estudo aqui reportado aborda a Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) por

adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas, no contexto jurídico-

normativo de reparação ao cometimento de atos infracionais. A pesquisa visou à

caracterização, registro e análise dos limites e perspectivas que se relacionam com o

fenômeno investigado. O delineamento deste estudo abarcou abordagens analíticas

complementares, combinando, primeiro, a coleta de dados quantitativos (pesquisa

documental) e, depois, a consideração de dados clínico-qualitativos (entrevista episódica) com

egressos da medida acima citada. Os resultados apontam que os serviços são necessários,

porém triviais e sem relação direta com a atividade-fim de destinação das entidades que

recebem esses adolescentes. Tais serviços se caracterizam pela pobreza em termos de aspectos

formativos, apesar de propiciarem ganhos pessoais e sociais para os adolescentes

participantes. Os dados obtidos permitiram, finalmente, concluir que a oferta dos serviços

comunitários tem apresentado poucas alternativas concretas e muitas carências e limites para

a efetivação do seu caráter sociopedagógico, visto que a sistematização da medida apresenta

pouca coerência com as regras e objetivos fixados pelas normativas institucionais,

notadamente, no que diz respeito ao estabelecimento de atividades de qualidade para a

formação e a preparação à reinserção social dos adolescentes autores de atos infracionais. Não

obstante, alternativas de encaminhamento, no bojo do próprio modelo, são retomadas e

sugeridas, como (1) zelar pela formação e qualificação profissional dos atores do SINASE;

(2) asseverar, minimamente, ao adolescente, formação técnico-profissional compatível com o

seu perfil biopsicossocial e história de vida, ao mesmo tempo em que proveem a comunidade

de serviços reais, e não tarefas esvaziadas e fictícias; (3) caberiam aperfeiçoamentos no

próprio texto legal que ordena a PSC; em seu formato atual, bastante sucinto, genérico e

alusivo, aspectos importantes ficam implícitos e ao sabor das equipes técnicas que se

encarregam de concretizá-los.

Palavras-chave: ato infracional; medida socioeducativa; prestação de serviços à comunidade;

socioeducação.

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Abstract

The study reported here addresses the Offer of Services to the Community (OSC) by

adolescents and young people in compliance with socio-educational measures, in the legal-

normative context of reparation for the commission of infractions. The research aims at

characterizing, recording and analyzing the limits and perspectives that are related to the

investigated phenomenon. The design of this study encompassed complementary analytical

approaches, combining, first, the collection of quantitative data (documentary research) and

then the consideration of clinical-qualitative data (episodic interview) with graduates of the

above-mentioned measure. The results indicate that services are necessary, but trivial and not

directly related to the final activity of destination of the entities that receive these adolescents.

These services are characterized by poverty in terms of formative aspects, in spite of

providing personal and social gains for the participating adolescents. The data obtained

allowed us to conclude that the offer of community services has presented few concrete

alternatives and many shortcomings and limits for the effectiveness of its sociopedagogical

character, since the systematization of the measure shows little coherence with the rules and

objectives set by institutional regulations, Which concerns the establishment of quality

activities for the training and preparation for the social reintegration of adolescents who are

responsible for infractions. Nevertheless, alternatives of referral within the model itself are

taken up and suggested, such as (1) ensuring the training and professional qualification of the

SINASE actors; (2) to assure to the adolescent, technically and vocationally, compatible with

their biopsychosocial profile and life history, while at the same time providing the community

with real services, not empty and fictitious tasks; (3) would fit improvements in the legal text

that orders the PSC; In its current format, quite succinct, generic and allusive, important

aspects are implicit and to the taste of the technical teams that are in charge of concretizing

them.

Keywords: Infraction; Socioeducative measure; Provision of services to the community;

Socioeducation.

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1. Introdução

Dados do último levantamento anual da Coordenação Geral do Sistema Nacional de

Atendimento Socioeducativo (SINASE), indicavam, para o ano de 2014, um número total de

65.612 adolescentes sentenciados à Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), sendo 28.786

indivíduos do sexo masculino e 4.850, do feminino (Ministério dos Direitos Humanos, 2017).

No Estado do Rio Grande do Norte, cerca de 13.696 adolescentes cumpriram medidas

socioeducativas, entre 2006 e 2013, dos quais 4.493 adolescentes em meio aberto e 9.203, em

unidades de internação. Segundo a Coordenadoria Estadual da Infância e da Juventude

(CEIJ), de 2007 a 2013 foram constituídos 4.493 processos de execução de medidas

socioeducativas no RN, dentre os quais, 874 (19,45%) foram referentes a PSC (Conselho

Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2015).

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a medida consiste na

atribuição de tarefas sem retribuição pecuniária e dar-se-á em entidades ou em programas

comunitários ou estatais. É oportuno consignar, conforme dispõe o art. 117, que o serviço

prestado seja de relevância social e comunitária em que toda a atividade desempenhada

reverta-se a favor do coletivo (lei nº 8.069, 1990).

Além do mais, o parágrafo único do referido dispositivo orienta no sentido de que as

tarefas sejam atribuídas conforme as “aptidões” do adolescente, devendo limitar-se à jornada

semanal máxima de oito horas, por período não superior a seis meses, de modo a não

interromper ou perturbar a frequência escolar ou a jornada normal de trabalho do adolescente-

participante. Finalmente, a seleção e credenciamento das entidades (Unidades de Apoio à

Prestação de Serviços) competem à direção dos Programas de Meio Aberto, e se espera que as

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escolhas sejam feitas conforme o perfil do socioeducando e o ambiente no qual a medida será

cumprida (Lei nº 12.594, 2012).

Ao considerar os referidos aspectos é importante ressaltar que a intencionalidade

pedagógica das medidas socioeducativas visam contribuir para a formação do adolescente, em

três níveis: em primeira instância, em termos da formação de valores destinadas a prepará-los

para o convívio social, em segundo lugar, torná-los elementos centrais de sua prática

educativa (protagonismo juvenil) e, por último, ampliar o rol de competências e habilidades

(trabalhabilidade) (Secretaria Especial dos Direitos Humano, 2006).

Isto posto, a PSC ambiciona o desenvolvimento de uma ação socioeducativa

sustentada junto à comunidade, partindo-se do pressuposto de que a organização social

cumpre papel importante na resolução de conflitos entre o indivíduo e a coletividade (Mourão

& Silveira, 2014; Slakmon, De Vitto, & Pinto, 2005). Para tal, a medida deve privilegiar os

serviços de relevância comunitária e a descoberta de novas potencialidades (Conselho

Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente & Secretaria Especial dos Direitos

Humanos, 2006).

Em face a tais considerações, surgem, de imediato, duas questões de pesquisa

consideradas relevantes aqui: em primeiro lugar, como concretamente se caracteriza a

experiência de inserção desses indivíduos na PSC? Ou seja, qual o rol de atividades, recursos,

vivências, que de fato descrevem o real dessa atividade (Clot, 2007) – o que se faz de fato, em

analogia com aquilo que se prescreveu fazer. Em segundo lugar, sejam quais forem as

atividades que compõem esse real da atividade PSC, quais seus efeitos concretos, quando se

analisam os egressos de tal sistema? Em outras palavras, qual a efetividade de tais medidas,

em termos de inclusão psicossocial do jovem a quem se atribui a autoria de ato infracional?

Dados disponíveis na literatura alimentam debate intenso, havendo várias análises que

enfatizam a distância considerável entre o proposto nos textos que subsidiam a

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16

operacionalização da proposta do SINASE e sua concretização efetiva nos serviços

comunitários. A perspectiva subjacente à proposta é de que a manutenção do adolescente em

meio aberto asseguraria a preservação do convívio e o vínculo familiar/comunitário,

legitimando e evidenciando o papel indispensável do coletivo social na resolução de seus

próprios conflitos (Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, 2016).

Por outro lado, há quem observe haver fortes indícios de que a medida é executada de

maneira sofrível, de modo a violar as diretrizes institucionais, e sem orientação adequada, à

exceção de experiências particulares e não-representativas da realidade do sistema (Vidal,

2012). Nesse segmento, Gobbo e Muller (2009) apontam para a precarização e

indesejabilidade social, nas quais está contextualizada a PSC, em termos de atividade

efetivamente realizada.

Ao levar em consideração esse debate, é importante discutir seu contexto, avaliar a sua

intencionalidade pedagógica e suas possíveis implicações. Nesse jogo de interlocuções, cabe

buscar contribuir para o exame sistemático das características e possíveis consequências da

execução da medida de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC). Constata-se a carência de

estudos voltados para o conteúdo e natureza das tarefas prescritas, incluindo-se o local de

realização, e para as implicações psicossociais dessa experiência para os adolescentes

participantes.

À vista do exposto, o presente estudo almeja contribuir para essa discussão,

oferecendo dados que aperfeiçoem a descrição da proposta pedagógica, em termos de suas

características e resultados efetivos no âmbito socioeducativo. Tais dados, espera-se, poderão

contribuir para o aprofundamento da descrição dos esforços concretos referentes à PSC, bem

como para avaliação dos resultados obtidos em face das expectativas estabelecidas. Com isso,

almeja-se contribuir para o aumento da eficácia institucional e da efetividade social das

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17

medidas socioeducativas propostas adolescentes em situação de cumprimento de medida

socioeducativa.

1.1. A escolha do tema de pesquisa

A escolha da temática e do lócus de pesquisa tem relação com a inserção profissional

do pesquisador e, em decorrência disso, com possibilidades de oferta de aperfeiçoamentos da

política e da prática profissional relacionadas ao atendimento socioeducativo. Destaca-se que

o autor é psicólogo da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (SEMTAS) da

Prefeitura Municipal do Natal, lotado na Coordenação Geral dos Serviços de Proteção Social

a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de

Prestação de Serviços à Comunidade (PSC).

O pressuposto central, que motivou a presente pesquisa, abarca duas crenças opostas, a

serem verificadas com rigor científico: o trabalho reservado ao adolescente em cumprimento

de prestação de serviços à comunidade é uma ação pedagógica com potencial de oportunizar a

ressignificação da trajetória infracional e a construção de um novo projeto de vida ou; visa

apenas uma nova racionalidade punitiva?

A partir da problematização almeja-se contribuir para a o aumento da eficácia

institucional e da efetividade social da prestação de serviços à comunidade proposta ao

adolescente a quem se atribui autoria de ato infracional. Isto posto, o referido problema de

pesquisa espelha, portanto, o desejo do pesquisador de contribuir com o avanço de um campo

de problematização de inegável relevância social e carente de contribuições de possam

embasar a proposição de aperfeiçoamentos às iniciativas socioeducativas.

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2. Fundamentação teórica

A seção seguinte tratará da descrição dos aspectos centrais referentes ao Sistema

Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), como o estado do problema pesquisado,

sob o aspecto teórico e de outros estudos e pesquisas já realizados.

2.1. Do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

Em reconhecimento à importância dos referenciais legais que acompanham as

normativas e dão materialidade aos direitos dos/as adolescentes em atendimento

socioeducativo, o SINASE foi promulgado (Resolução nº 119, 2006). O objetivo era

materializar as diretrizes previstas nos marcos legais, visto que o ECA não produziu os efeitos

desejados, prevalecendo o velho paradigma da situação irregular (Decreto nº 17.943-A, 1927;

Lei nº 6.697, 1979).

O ECA, constituído pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, contrapõe-se a um

histórico de controle e de exclusão social, amparado na Doutrina da Proteção Integral. No

plano jurídico, toda e qualquer criança ou adolescente, sem qualquer distinção, é digna de

direitos e não tão somente um elemento de intervenção, como anteriormente. Muito embora o

ECA ofereça significativas mudanças e aquisições em relação ao conteúdo, ao método e à

gestão, ainda consta no ordenamento jurídico e político-conceitual, não chegando

efetivamente aos seus destinatários (Pilotti & Rizzini, 2011).

Dessa forma, visando concretizar os avanços contidos nos instrumentos legais,

internacionais (Tabela 1) e nacionais (Tabela 2), o SINASE regulamenta a aplicação das

medidas socioeducativas, criando um sistema próprio de atendimento, instituindo, por meio

de lei específica (Lei 12.594, 2012), as obrigações que esse sistema tem que responder, assim

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19

como os procedimentos judiciais que devem ser observados na aplicação das medidas

socioeducativas. Os instrumentos dispostos nas tabelas 1 e 2 foram fundamentais para a

adequação das políticas de atendimento socioeducativo e o esforço mundial de implementação

dos direitos humanos para crianças e adolescentes.

Tabela 1

Referenciais legais aos direitos dos adolescentes em atendimento socioeducativo

Ano Normativas internacionais

1985 Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração da Justiça Juvenil – Regras de Beijing

1989 Convenção Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança

1990 Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade

1990 Princípios Orientadores das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil – RIADE

Tabela 2

Referenciais nacionais aos direitos dos adolescentes em atendimento socioeducativo

Ano Normativas nacionais

1988 Constituição Federal

1990 Estatuto da Criança e do Adolescente

1996 Resolução n. 46 – Conanda (Regulamenta a execução da medida socioeducativa de internação

prevista no ECA)

1996 Resolução n. 47 – Conanda (Regulamenta a execução da medida socioeducativa de

semiliberdade, a que se refere o art.120 do Estatuto da Criança e do Adolescente)

2006 Resolução 119 – Conanda (Dispõe sobre o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo)

2012 Lei Federal 12.594 – Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase)

2013 Resolução nº 160 – Conanda (aprova Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo)

O SINASE é, também, regido pelos artigos referentes à socioeducação do ECA (lei

8.069, 1990), pela Resolução 119/2006 do CONANDA e pelo Plano Nacional de

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Atendimento Socioeducativo (Resolução 160/2013). Sendo assim, convém pôr em relevo que

o SINASE representa um marco para mudanças positivas no atendimento dos adolescentes a

quem se atribui a prática de ato infracional, uma importante revisão das concepções acerca da

adolescência, que supera as representações desta como objeto de controle e disciplinamento

social (Rizzini, 2011).

Objetiva, de forma primordial, o desenvolvimento de uma ação socioeducativa

sustentada nos princípios dos direitos humanos, enquanto promove alinhamentos conceitual,

estratégico e operacional, estruturados em bases éticas e pedagógicas (Mocelin, 2016). Em

vista disso, os princípios do SINASE (Tabela 3) visam a regulamentação da execução das

medidas socioeducativas, destinadas ao adolescente que pratique ato infracional, a partir da

proteção aos direitos fundamentais e do estabelecimento de um modelo de atenção garantista.

Tabela 3

Princípios do atendimento socioeducativo

Princípios do SINASE

1. Respeito aos direitos humanos.

2. Responsabilidade solidária da Família, Sociedade e Estado.

3. Adolescente como pessoa em situação peculiar de desenvolvimento, sujeito de direitos e

responsabilidades.

4. Prioridade absoluta.

5. Legalidade.

6. Respeito ao devido processo legal.

7. Excepcionalidade, brevidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

8. Incolumidade, integridade física e segurança.

9. Respeito à capacidade do adolescente de cumprir a medida; às circunstâncias; à gravidade da

infração e às necessidades pedagógicas do adolescente na escolha da medida, com preferência pelas

que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

10. Incompletude institucional.

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21

11. Garantia de atendimento especializado para adolescentes com deficiência.

12. Municipalização do atendimento.

13. Descentralização político administrativa.

14. Gestão democrática e participativa na formulação das políticas e no controle das ações em todos os

níveis.

15. Corresponsabilidade no financiamento do atendimento às medidas socioeducativas.

16. Mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação dos diversos segmentos

da sociedade.

Para tanto, na organização do SINASE (Figura 1), são indicadas competências,

atribuições e recomendações aos órgãos de deliberação, gestão e execução da política

socioeducativa e de controle, bem como de entidades envolvidas direta ou indiretamente no

atendimento ao adolescente em conflito com a lei, no processo de apuração, aplicação e

execução de medidas socioeducativas.

Figura 1. Organograma do SINASE (CONANDA & SEDH, 2006).

Além disso, o SINASE busca, enquanto sistema integrado, articular, em todo o

território nacional, os Governos Estaduais e Municipais, o Sistema de Justiça, as políticas

Orgão de deliberação

União Estados Municípios

Entidades de Atendimento

Estados Municípios ONGs

Órgãos de gestão e execução da Política

União Estados Municípios

Órgãos de controle

União Estados Municípios

Financiamento

União Estados Municípios

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setoriais básicas (Assistência Social, Saúde, Educação, Cultura, etc.), para assegurar

efetividade e eficácia na execução das Medidas Socioeducativas de Meio Aberto, de Privação

e Restrição de Liberdade, aplicadas ao adolescente que infracionou.

Claro está, portanto, que o atendimento ao adolescente em conflito com a lei não é

privativo do SINASE, mas também compete às diversas políticas públicas e aos eixos do

Sistema de Garantias de Direitos (Figura 2), que devem, em conjunto, operacionalizar os

programas de atendimento em meio aberto e de privação de liberdade. Portanto, é perceptível

que a incompletude institucional é um conceito importante e que, se não observada, poderá

comprometer o alcance da proteção integral. Isto é, a atenção integral requer ações globais

entre as várias políticas (Lei nº 8.069, 1990). Revela-se, assim, a lógica presente no SINASE

quanto à concepção inevitável de um conjunto articulado de ações governamentais e não-

governamentais, para a estruturação das políticas de atenção à infância e à juventude.

Figura 2. Sistema de Garantia de Direitos.

Acrescenta-se que, nesse novo formato da gestão da política pública da socioeducação,

os princípios gerais da gestão do atendimento socioeducativo visam a intencionalidade

Sistema Nacional de Atendimento

Socioeducativo

Sistema Único de

Saúde

Sistema Único de

Assistência Social

Sistema de Justiça e

Segurança Pública

Sistema Educacional

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pedagógica, a prevalência das medidas socioeducativas em meio aberto, a regionalização, a

gestão democrática e com participação social, a incompletude institucional e a

responsabilidade da gestão na garantia do processo legal (CONANDA & SEDH, 2006).

2.2. A interface SUAS e SINASE

Desde 2006, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e o Sistema Nacional de

Atendimento Socioeducativo (SINASE) passam a normatizar, associadamente, a gestão da

política de atendimento socioeducativo e, desse modo, compartilham os parâmetros para

oferta de serviços, financiamento, utilização de recursos, participação popular, controle social,

planejamento, monitoramento e avaliação.

O SUAS é um modelo de administração descentralizado e participativo, que regula e

organiza as ações socioassistenciais, em todo o território nacional (Ministério do

Desenvolvimento Social [MDS], 2004). O SINASE, por sua vez, é um conjunto ordenado de

princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e

administrativo, que envolve desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de

medida socioeducativa (lei 12.594, 2012).

O SUAS e o SINASE almejam normatizar a prescrição de ações socioassistenciais ou

socioeducativas, em todo o território brasileiro, atribuindo competências e constituindo ações

nas três esferas de governo e da sociedade civil. Todavia, o SUAS regula os serviços

socioassistenciais destinados aos sujeitos sem condições de aprovisionar a respectiva

subsistência de forma durável ou efêmera, e o SINASE regulamenta a ação da política de

Assistência Social como integrante do Sistema de Garantia de Direitos (SGD) (Gomes, 2012).

O SUAS funciona conforme a esfera de governo, com definição clara das

competências técnico-políticas e participação/mobilização da sociedade civil. Já o SINASE,

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24

atua a partir do encadeamento e integração do coletivo social com as instâncias públicas

governamentais, em particular os órgãos e entidades integrantes que operacionalizam as ações

da assistência social.

Os serviços socioassistenciais são organizados em concordância com as seguintes

menções: vigilância social, proteção social e defesa social (MDS, 2004). De acordo a Lei

Orgânica de Assistência Social (LOAS) (Lei 8.742, 1993), a proteção social se propende à

defesa da vida, ao arrefecimento de agravos e à precaução da incidência de riscos. Essa

referência subdivide-se em duas seções: proteção social básica e proteção social especial. A

primeira aspira precautelar situações de risco, enquanto que a outra visa o enfrentamento das

situações de violação de direitos.

Nesse âmbito, dada as normas da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais,

dispostas na Resolução nº 109 (2009) do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS),

os Centros de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) são incumbidos da

oferta do Serviços de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto. Assim, o CREAS passa a

ser também, entre as diversas políticas públicas envolvidas, estrutura básica do modelo de

gestão e execução do SINASE.

Dessa forma, reafirma-se o pacto cooperativo a ser estabelecido entre o SINASE e o

SUAS e, em especial, a municipalização do atendimento socioeducativo. Vale mencionar que

os princípios e diretrizes do SUAS e do SINASE não são coincidentes, mas não se

contradizem. Ambos os sistemas, portanto, se fortalecem mutuamente, pois que os dois

preconizam o respeito à dignidade do cidadão, a responsabilização do Estado, sociedade e a

família, a integralidade da atenção e do sujeito, o fortalecimento dos vínculos familiares e

comunitários e outras coisas mais.

Muitos são os eixos de aproximação entre o SUAS e o SINASE, no entanto, ainda

resta a discussão sobre qual política pública deverá assumir a coordenação do SINASE no

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25

âmbito estadual, municipal e do Distrito Federal. Ainda assim, a interface SUAS e SINASE é

necessária à Doutrina da Proteção Integral, visto que ambos definem as competências e

promovem a interação entre as três esferas de governo e destas com a sociedade civil.

À vista disso, é fundamental, portanto, afirmar que a combinação SUAS/SINASE

retrata um estratagema com potencialidade para o desmantelamento dos entraves

institucionais e sociais, tal como para o fortalecimento da lei 12.594 (2012). Cumpre destacar

que, dada sua atual promulgação, muitos desafios estão postos na adaptação, articulação e

efetiva implementação dos preceitos do SINASE.

2.2.1. O papel dos municípios na política de atendimento socioeducativo

A municipalização do atendimento às medidas socioeducativas em meio aberto é uma

normativa de referência para as ações de assistência socioeducativa, que exige papel ativo dos

municípios brasileiros na política de atendimento socioeducativo. Pôr a cargo do município às

medidas socioeducativas significa dizer que a instituição municipal deve delinear sua política

de atendimento socioeducativo dentro ou próximo de seus limites territoriais, porquanto que é

no contexto municipal que surgem os conflitos, as contradições e as demandas sociais

(Instituto Brasileiro de Administração Municipal [IBAM], 2008).

Diante do exposto, torna-se crucial a reestruturação das políticas públicas, já que a

execução das medidas em âmbito municipal é concebida como a melhor opção para dar forma

ao direito à convivência familiar e comunitária, no ínterim do curso da (re)integração social

dos jovens (Fundo das Nações Unidas para a Infância [UNICEF], 2014). Para esse fim, os

governos municipais vivenciam atribuições, até então inéditas, na construção histórica do

atendimento socioeducativo, e tendo em conta as demandas e especificidades locais da

população assistida.

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26

Em síntese, conforme o CONANDA e SEDH (2006), “o acesso às políticas sociais,

indispensável ao desenvolvimento dos adolescentes, dar-se-á, preferencialmente, por meio

dos equipamentos públicos mais próximos do local de residência do adolescente (pais ou

responsáveis) ou de cumprimento da medida” (p. 24). Além disso, as consequências e efeitos

da municipalização para o corpo social também não podem ser ignoradas. Submeter as

medidas socioeducativas ao regime municipal estimula o fortalecimento do protagonismo da

comunidade e da família dos e das adolescentes atendidos(as).

Evita-se, assim, o estigma social de que o adolescente autor de ato infracional deve ser

enviado para o isolamento em unidades de internação. Além do mais, fomenta-se o

compromisso social da comunidade para com a administração, solução e prevenção dos

conflitos.

2.2.2. Fluxo do atendimento socioeducativo em Natal (RN)

Esta seção descreve os caminhos trilhados pelos adolescentes no sistema

socioeducativo do município do Natal (RN). Trata-se de uma descrição sumária, que

intenciona apresentar as etapas que antecedem a inserção dos adolescentes nos Programas de

Meio Aberto, situar os agentes envolvidos e identificar a situação e o contexto no qual o

problema de pesquisa se insere.

a) Fase policial

O adolescente apreendido por força de ordem judicial será, prontamente, encaminhado

ao poder judiciário. Quando apreendido em flagrante de ato infracional, será, desde logo,

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27

conduzido à autoridade policial, preferencialmente em repartição policial especializada.1

Comparecendo qualquer dos pais ou responsável, o adolescente será liberado de imediato, sob

termo de compromisso e responsabilidade de sua apresentação ao representante do Ministério

Público, exceto quando, pela gravidade do ato infracional e sua repercussão social, deva o

adolescente permanecer sob internação, para garantia de sua segurança pessoal ou

manutenção da ordem pública.

b) Fase ministerial

Ocorre, na fase ministerial, a oitiva informal, prática processual administrativa pela

qual o adolescente, a quem se atribui autoria de ato infracional, é apresentado ao Promotor de

Justiça do Ministério Público (MP),2 para prestar explicações relevantes à apuração e autoria

do ato infracional. Dadas as informações, o representante do MP poderá: promover o

arquivamento dos autos, conceder a remissão ou representar à autoridade judiciária para

aplicação de medida socioeducativa (Lei nº 8.069, 1990).

c) Fase judicial

É o ato processual que integra o sistema de apuração de ato infracional conferido ao

adolescente. Então, o adolescente implicado é apresentado ao magistrado competente e terá a

ocasião de dar seu ponto de vista do ocorrido, pelo qual está sendo representado (denúncia),

ao poder judiciário. Após a oitiva do adolescente e seu responsável, o Juiz irá se posicionar

quanto: a) à aceitação da denúncia; b) à internação provisória; c) à ratificação da remissão

1 DEA – Delegacia Especializada de Atendimento ao Adolescente em Conflito com a Lei.

2 65ª Promotoria de Justiça da Comarca de Natal.

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oferecida pelo MP; d) ao oferecimento de remissão; e) a continuação do processo, gerando a

intimação da defesa para oferecimento de Defesa Prévia. A audiência de instrução e

julgamento é a audiência posterior à de apresentação, que ocorre quando o magistrado

acolheu a representação do Ministério Público. Essa é a etapa em que será composto o

processo e, provavelmente, será pronunciada a sentença condenatória ou absolvitória.

Figura 3. Fluxograma do atendimento socioeducativo.

2.2.3. Dos programas de meio aberto

Os Programas de Meio Aberto são entidades gestoras do atendimento socioeducativo,

que atrelam as esferas públicas governamentais e da sociedade civil a cooperar para que o

procedimento de responsabilização do adolescente contraia um caráter educativo, de modo

que as medidas socioeducativas (re)instituam direitos, interrompam o percurso infracional e

possibilitem aos adolescentes a inclusão social, educacional, profissional, etc. Compete aos

Fase policial

Fase ministerial

Fase judicial

Liberado com pais ou

responsáveis

Medida socioeducativa

Programas em meio aberto

Privação de liberdade

Liberado com pais ou

responsáveis

Internação provisória

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29

municípios a direção dos Programas de Meio Aberto e, a este último, a preparação e

realização do atendimento socioeducativo. A entidade executiva precisa conduzir a inscrição

de seu programa, tal como das Unidades de Prestação de Serviços, nos Conselhos Municipais

dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA).3

São atribuições dos programas, conforme a lei n. 12.594/2012: orientar adolescentes e

seus responsáveis sobre a finalidade da medida; selecionar e credenciar orientadores;

encaminhar o adolescente para o orientador credenciado; supervisionar e avaliar o

desenvolvimento da medida. É outorgado, ainda, ao programa, a realização de convênios4

com as Unidades de PSC, devendo esse procedimento ocorrer em função da situação pessoal,

familiar e comunitária do adolescente.

Na execução da medida, a equipe mínima deve ser composta por: um técnico para

cada vinte adolescentes; um profissional de nível superior ou com função de gerência ou

coordenação, proveniente da unidade de prestação de serviços, para cada grupo de até dez

adolescentes; e um guia socioeducativo, profissional da unidade ligado ao exercício da

atividade realizada pelo adolescente, para até dois adolescentes simultaneamente

(CONANDA & SEDH, 2006). Os programas em funcionamento são (re)avaliados pelo

CMDCA, no máximo, a cada dois anos, constituindo-se critérios para renovação da

autorização de funcionamento. Atuam também como instâncias de controle, o Judiciário, o

Ministério Público e os Conselhos Tutelares. Destarte, a política de atendimento ao

adolescente se configura como, eminentemente, uma política pública de caráter

intersetorial/interdisciplinar.

3 O Conselho exercer o “controle social” sobre a atuação do Governo na área infanto-juvenil, zelando para que

este cumpra seus deveres para com os adolescentes e suas respectivas famílias, bem como para que sejam

respeitadas as normas e princípios que norteiam a matéria.

4 A seleção e credenciamento das unidades condicionam-se a presença e disponibilidade destas entidades no

território de abrangência dos municípios. Julgando procedente, poderá o Ministério Público ou autoridade

judiciária impugnar o convênio que adequar-se ou aviltar o ECA.

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30

A fiscalização a ser desempenhada pelos órgãos legitimados deverá abranger tanto os

aspectos físicos dos estabelecimentos como os aspectos pedagógicos adotados pelos

dirigentes das entidades e executados pelos técnicos e monitores. Dessa forma, assegura-se

um plano de trabalho compatível com os princípios do Estatuto e a proteção dos

socioeducandos que se encontram sob os cuidados dos dirigentes das entidades.

2.2.4. O enfoque educacional da PSC: educação pelo trabalho ou socioeducação?

Antes de tudo, parece importante resgatar os antecedentes históricos implicados na

conjuntura que culminaram no advento da referida medida. Sabe-se que, em meados do século

XVI, o trabalho passou a ser incutido por um novo ethos, que suscitou uma abrupta mudança

mundial, no cenário político, econômico e social. Diferentemente de outrora, o trabalho não

está posto para a condição humana apenas como labor, subsistência, em vez disso, está

especialmente dotado de valor intrínseco (Weber, 2007).

Destarte, o aviltamento do trabalho manual que, na formação da cultura ocidental,

figurou, desde a antiguidade clássica, como expressão do indigno, passou a também designar,

nas sociedades escravistas, em especial na cultura brasileira, a diferenciação entre as relações

sociais de produção. O modo de produção escravista afastou a mão de obra livre do trabalho

manual e impôs a depreciação pelos ofícios artesanais e manufatureiros, na época do Brasil

Colônia e Império (Cunha, 2000). Os trabalhos cultos e eruditos eram privilégio das classes

senhoriais, sobrando, à maior parte dos indivíduos livres e pobres, o trabalho braçal. Dessa

maneira, a atividade manual fora abandonada pelos trabalhadores brancos e livres, de maneira

que o trabalho físico era imposto aos escravos e seus descendentes, em especial aos que não

possuíam meios para resistir, crianças e adolescentes.

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Os preconceitos contra o trabalho manual não envolviam apenas a mera discriminação

em direção a atividade física, mas também, e principalmente, contra aqueles que a realizavam.

Por conseguinte, a atividade manual era definida socialmente como objeto de rejeição. Diante

de tal situação, “o resultado foi o trabalho e a aprendizagem compulsórios: ensinar ofícios a

crianças e jovens que não tivessem escolha” (Cunha, 2005, p. 23). Dessa forma, sob o

delineamento de diversos projetos e programas de ensino,5 se desejou a instrução de crianças

para a construção de um país em que as estruturas e as desigualdades sociais continuassem

inalteradas, sob o pretexto de uma educação elementar comum e de uma cidadania

administrada e restrita para a grande parte da população (Schueler, 1999).

Na transição do trabalho escravo para o livre, ocorre a emergência histórica da

separação entre trabalho e educação.

A partir do escravismo antigo passaremos a ter duas modalidades distintas e separadas de educação:

uma para a classe proprietária, identificada como a educação dos homens livres, e outra para a classe

não proprietária, identificada como a educação dos escravos e serviçais. A primeira, centrada nas

atividades intelectuais, na arte da palavra e nos exercícios físicos de caráter lúdico ou militar. E a

segunda, assimilada ao próprio processo de trabalho (Saviani, 2007, p. 155).

Durante o caminho do império para a república, a conjuntura política e social, no

início do século XX, era demasiadamente conturbada. Nesse contexto, se estabelecia a

inquietação com a “delinquência” juvenil. A ênfase no combate à situação irregular das

crianças e adolescentes agregava uma concepção mais extensa de controle social, político e

cultural. Nesse diapasão, o ensino de ofícios artesanais e manufatureiros se revestiu de uma

aparência educacional/correcional com o fim de auxiliar e reabilitar a infância pobre e

criminalizada (Pilotti & Rizzini, 2011).

5 Ver Colégio das Fábricas (1808) (Recuperado de http://linux.an.gov.br/mapa/?p=3451); Instituto de Menores

Artesãos da Casa de Correção da Corte (1861) (Recuperado de http://linux.an.gov.br/mapa/?p=7419); Asilo dos

Meninos Desvalidos (1874) (Recuperado de http://linux.an.gov.br/mapa/?p=7459).

Page 33: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · A dissertação “Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato infracional adolescente: características,

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Sob essa atmosfera, vigorou, nas instituições de internamento infantojuvenil do século

XX, o trabalho manual e físico, como prática de “ressocialização”. Neste ínterim, originaram-

se as entidades que se utilizavam do trabalho como elemento educativo, disciplinador,

formativo e reabilitador (Londono, 1997; Passetti, 1997). Assim, as instituições disciplinares,

orientadas a partir do art. 202 do Código Mello Mattos, poderiam oferecer o aprendizado de

diversos ofícios, como, por exemplo: costura e trabalhos de agulha; lavagem de roupa;

engomagem; cozinha; manufatura de chapéus; datilografia; jardinagem, horticultura,

pomicultura e criação de aves (Decreto nº 17.943-A, 1927).

É oportuno consignar que que tal proposta não se fundamenta no projeto educacional

de Educação pelo Trabalho, implantado pelo pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa

(Costa, 2006), que consiste em um processo formativo com vistas a promoção de uma cultura

da trabalhabilidade. Ao contrário, o trabalho é concebido como mecanismo de conservação do

status quo vigente, que mirava o desenvolvimento de mão de obra barata, disciplinada e com

escassa capacidade reivindicativa (Foucault, 1999).

Em 1985, a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), na sua resolução 40/33,

estabelece as Regras de Beijing e convida os Estados membros a adaptarem, quando possível,

as suas leis, normas e políticas nacionais, assim como a dá-las a conhecer. As regras, entre

outras coisas, enumeram práticas importantes adotadas com sucesso em diferentes sistemas

jurídicos, para evitar, tanto quanto possível, o internamento. Assim, as autoridades

competentes são encorajadas a segui-las e aperfeiçoá-las. Nessa vereda, a AGNU assevera

que a prestação de serviços à comunidade “deve ser sistematicamente planificada e

implementada e fazer parte integrante do esforço de desenvolvimento nacional” (Resolução

40/33, 1985).

Paralelamente ao processo internacional de reestruturação da Justiça da Infância e da

Juventude, o período de redemocratização brasileira (1985-1988) se caracterizou pela

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internalização de uma série de normativas mundiais e nacionais para elaboração e

implementação de políticas sociais destinadas ao atendimento à criança e ao adolescente

(Passone & Perez, 2010). Assim, diversos marcos legais foram estabelecidos para a

elaboração de um novo padrão político, jurídico e social de justiça juvenil.

Neste passo, o ECA (Lei nº 8.069, 1990) estabeleceu uma nova base doutrinária, que

resultou na total interrupção da norma menorista e, por consequência, instaurou uma nova

diretriz em relação ao que deve ser feito para encarar as circunstâncias de violência que

envolvem adolescentes em conflito com a lei. Desta feita, o Estatuto institui um padrão de

responsabilidade juvenil assentado na Doutrina da Proteção Integral e, diante de tal sorte, dá-

se início o emprego da PSC no contexto socioeducativo. Conforme a letra da lei, a medida

incide na imputação de tarefas gratuitas e ocorrerá em entidades públicas ou em

estabelecimentos congêneres, tal qual em programas comunitários ou estatais. Sob a égide do

Direito Penal Mínimo, a medida guarda coerência com a pedagogia socioeducativa e opõe-se

aos exemplares de justiça fundamentados na perspectiva correcional e repressora (Bandeira,

2006).

Sendo assim, pressupõe-se que o serviço comunitário se trate do provimento de

utilidades, dispostas para a satisfação das necessidades gerais (Lei nº 8.069, 1990). Portanto,

deve ser considerado como prestação de serviços as tarefas de relevância pública, que

ambicionem uma dinâmica educativa que beneficie a eclosão de novas competências e

integração social (CONANDA & SEDH, 2006).

Pelo exposto, vimos que a análise dos dispositivos sociais e conceituais que

motivaram o trabalho e o ensino de ofícios às, então denominadas, crianças “pobres” e/ou

“desvalidas” evidencia sua relação com o contexto de transformação das relações de trabalho

e, consequentemente, com o uso e a exploração da força de trabalho infantojuvenil e a

manutenção do status quo. Nesse âmbito, a (re)introdução dos serviços e tarefas na gestão do

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atendimento da justiça juvenil significa um aparente avanço na administração da Justiça da

Infância e da Juventude, especialmente em atenção à restauração das relações, a

reorganização dos envolvidos e ao empoderamento do coletivo social. Apesar disso, resta

ainda incerto se tal medida não se trata de uma nova técnica coercitiva empregada para

reprimir a juventude envolvida com atos infracionais.

2.2.5. Das unidades de prestação de serviços à comunidade

As unidades de prestação de serviços são entidades de natureza comunitária ou

governamental,6 sem fins lucrativos, que ofertam atividades que tem por objeto a satisfação

das demandas coletivas, como, por exemplo: escolas, entidades assistenciais, hospitais, entre

outros. Em resumo, são instituições de serventia pública de importante incumbência política e

social. Em geral, são encaminhados a essas organizações os jovens que se adequem às

exigências da unidade, residam ou trabalhem nas proximidades da entidade e/ou apresentem

escolaridade compatível com as tarefas propostas. Além disso, tal ingresso condiciona-se à

disponibilidade da vaga na instituição encaminhada e às características do ato infracional

cometido.

Feito o encaminhamento do assistido, fica a cargo da instituição que irá recebê-lo: o

acolhimento, apresentação da instituição, exposição das normas institucionais e das garantias

e deveres, descrição da tarefa a ser executada pelo socioeducando e acompanhamento do

mesmo, acordo em relação às horas e dias de serviço e comunicação das faltas e demais

intercorrências à equipe do programa de meio aberto.

6 “Essas instituições devem estar previamente definidas por meio de parcerias interinstitucionais, não existindo

impedimento que sejam de âmbito federal, estadual, distrital e municipal” (MDSA, 2016).

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35

Para que a socioeducação se cumpra, é indispensável que, no local onde o adolescente

exercerá suas tarefas, exista a pessoa de referência, que exerça a função de educador,

ensinando-o a executar a tarefa e estabelecendo com ele relações positivas. Nesse âmbito, a

tarefa não deve adquirir um viés punitivo, mas deve colocar em relevo os propósitos

educativos na intervenção junto ao adolescente.

Acresce que, segundo normativas do SINASE, para tal fim, há nessas entidades dois

profissionais que auxiliam o jovem na execução da medida socioeducativa: o profissional de

referência socioeducativa, funcionário de nível superior ou com função de gerência ou

coordenação da unidade de prestação de serviços, e o guia socioeducativo, profissional da

unidade ligado ao exercício da atividade/serviço a ser realizada pelo socioeducando

(CONANDA & SEDH, 2006). Esses profissionais oferecem suporte aos socioeducandos, para

que eles possam fazer o que é preciso, para fazer o que desejam, por vezes sem conseguir,

ajudar a refazer o que já foi feito, evitar fazer sem tê-lo desejado. Além do que, estão

incumbidos de acompanhar qualitativamente o cumprimento da medida.

2.3. A prestação de serviços à comunidade: delineamento normativo, aspectos históricos

e representações na sociedade

A Prestação de Serviços à Comunidade se configura como uma determinação judicial,

que exige que um adolescente autor de ato infracional preste serviços comunitários

socialmente benéficos, não remunerados e sob supervisão, em vez de ir para a prisão. Vale

ressaltar, ainda, que a medida inclui a participação em atividades de desenvolvimento pessoal,

educação ou outros.

Em outras palavras, em substituição de uma sentença de internação, o poder judiciário

pode fazer uma solicitação de serviço comunitário, direcionando o adolescente para realizar

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tarefas por um número específico de horas. Trata-se de uma alternativa à custódia e oferece

aos adolescentes a chance de reparar suas ofensas, ao realizar uma tarefa não remunerada em

benefício da comunidade.

Dar-se-á em entidades assistenciais, escolas, hospitais e outros estabelecimentos

congêneres, em entidades comunitárias ou estatais. Conforme a lei, acrescenta-se, ainda, que

as tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas

durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias

úteis, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho (lei nº

8.069, 1990).

Dispondo das informações acima, pode-se também afirmar o que a PSC não pode ser.

De início, pode-se afirmar que, tal como orienta a lei nº 8.069/1990, a medida não pode

constituir-se como atividade perigosa, insalubre ou penosa, realizada em locais prejudiciais à

formação e ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social. Acrescenta-se, ainda, que o

serviço comunitário não se assemelha com a prática do voluntariado, em razão deste ser

consequência de uma disposição espontânea do sujeito e, de forma alguma, podendo ser

produto de uma decisão ou imposição externa (Costa, 2011). A PSC, de modo diferente, se dá

como medida judicial e, porém, ainda assim, não se configura como algo obrigatório, pois que

o efeito compulsório não compreenderá, para os fins de acordos internacionais:

qualquer trabalho ou serviço exigido de um indivíduo como consequência de

condenação pronunciada por decisão judiciária, contanto que esse trabalho ou serviço

seja executado sob a fiscalização e o controle das autoridades públicas e que dito

indivíduo não seja posto à disposição de particulares, companhias ou pessoas privadas;

ou pequenos trabalhos de uma comunidade, isto é, trabalhos executados no interesse

direto da coletividade pelos membros desta, trabalhos que, como tais, podem ser

considerados obrigações cívicas normais dos membros da coletividade, contanto, que a

própria população ou seus representantes diretos tenham o direito de se pronunciar

sobre a necessidade desse trabalho. (Convenção nº 29, 1930).

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37

A princípio, a Prestação de Serviços à Comunidade, como forma de penalidade, surge

no final do século XIX, numa constante busca por formas alternativas ao regime fechado.

Essa forma de sanção penal surgiu ante a ideia de que o encarceramento devia ser

gradativamente menos utilizado, por trazer maiores consequências com sua aplicação, dentre

as quais podemos destacar a superlotação de presídios, os altos custos para a manutenção do

sistema e as difíceis relações mantidas pelos presidiários (Cunha, 2016)

Um dos principais impulsos por trás da introdução da prestação de serviços

comunitários, na maioria das jurisdições, foi o custo. As ordens de serviço comunitário são

menos dispendiosas do que a maioria das outras formas de sentença – pelo menos aquelas

envolvendo prisão ou outros tipos de supervisão. No entanto, outros efeitos positivos podem

ser observados, como, por exemplo: a unidade familiar não é desnecessariamente

interrompida; a atividade profissional pode ser mantida; a escolaridade não precisa ser

interrompida; menos danos à autoestima serão acumulados; os riscos alternativos elevados de

exposição a elementos indesejáveis serão evitados, entre outras coisas.

A Rússia foi precursora a apreciar a prestação de serviços à comunidade como

alternativa à pena privativa de liberdade, no seu Código de 1960. Outros países do leste

europeu, como a Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia e Tchecoslováquia também

introduziram a Prestação de Serviços à Comunidade em suas respectivas legislações

(Bandeira, 2006). Já na Europa ocidental, a Inglaterra foi o primeiro país a implantar a

prestação de serviços à comunidade (Community Service Order) como pena, por meio do

Criminal Justice Act, em 1972, e, em 1982, como sanção aos adolescentes com idade a partir

de 16 anos (Criminal Justice Act, 1972).

Contagiado pelos festejados sucessos que foram alcançados em alguns países

europeus, o legislador brasileiro de 1984 acreditou no potencial não dessocializador da

“prestação de serviços à comunidade” e a incorporou ao Código Penal Brasileiro (Decreto-lei

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no 2.848, 1940), como uma das penas restritivas de direitos (Bitencourt, 2014) e, em 13 de

julho de 1990,7 ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069)

Em 14 de dezembro de 1990, a Organização das Nações Unidas (ONU), por meio do

8º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente,

adota as Regras Mínimas das Nações Unidas sobre as Medidas Não-privativas de Liberdade,

denominando-as de Regras de Tóquio. Essas Regras Mínimas Padrão exprimem uma série de

princípios basais que miram promover o uso de medidas não privativas de liberdade, bem

como garantias mínimas para os indivíduos submetidos a medidas substitutivas ao

aprisionamento (Conselho Nacional de Justiça [CNJ], 2016).

Em 1995, o Brasil estabelece a Lei n. 9.099, que versa sobre os Juizados Cíveis e

Criminais e, em 1998, aprova a Lei 9.714, Lei das Penas Alternativas. A Lei 9.099 já traz em

seu bojo algumas medidas alternativas à prisão. A Lei 9.714/98, por sua vez, vem sedimentar

as penas restritivas de direito, ampliando o leque de medidas até então previstas no

ordenamento jurídico brasileiro (Leite, 2016).

Em 2006, se estabelece a regulamentação específica para entidades e/ou programas

que executam a medida socioeducativa de prestação de serviço à comunidade, a partir da

prescrição de uma equipe mínima e da definição das atribuições, responsabilidades e

especificações dos requisitos de cada cargo nas entidades/programas (CONANDA & SEDH,

2006). Por fim, em 2016, o Caderno de Orientações Técnicas do Serviço de Medidas

Socioeducativas em Meio Aberto determina padrões mínimos para o exercício da medida e a

existência de normas éticas que garantam a adequada relação de cada adolescente com sua

práxis, de modo a responsabilizá-lo, pessoal e coletivamente (MDSA, 2016).

7 Segundo Saraiva, (2006, p. 178) “do ponto de vista das sanções, há medidas socioeducativas que têm a mesma

correspondência das penas alternativas, haja vista a prestação de serviços à comunidade, prevista em um e outro

sistema, com praticamente o mesmo perfil”. Percebe-se que o Estatuto, mesmo vivendo num período histórico

marcado pelo paradigma da proteção e do acolhimento às crianças/adolescentes, ainda adota o adulto como

parâmetro para tratar a infância e adolescência.

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Como apontam Silva & Torres (2011), nas medidas de prestação de serviços à

comunidade, constataremos a assertiva de que a pobreza é uma constante no sistema

socioeducativo brasileiro, visto que concentra adolescentes cujas vidas se encontram nos

limites da sobrevivência. Tal revelação condiz com a percepção de um Estado Penal, que

pode ser caracterizado pelo aumento da repressão estatal sobre as camadas excluídas

(Wacquant,1999).

Como visto por alguns autores (Gobbo & Muller, 2009; Junqueira, 2010), a assistência

social apresenta-se como área de atuação preponderante entre as entidades conveniadas.

Nesse contexto, a PSC encontra local propício para o exercício da prestação de serviços de

relevância comunitária pelo adolescente. Apesar de tudo, outros estudos (Miyagui, 2008),

embora tratando de situações particulares e, portanto, não generalizáveis, apresentam

conteúdos positivos acerca da forma como os socioeducandos concebem a medida. Indicam

uma visão mais aberta e apreciativa dos potenciais, das motivações e das capacidades

socioeducativas da PSC. Há também, embora escassa, a divulgação de experiências

inovadoras, que fortalecem e verificam a possibilidade de se realizar uma PSC com cultura

voltada para à promoção dos direitos humanos.

As orientações técnicas mais recentes têm pensado a atividade comunitária como base

do processo socioeducativo, não como objeto ou procedimento, mas como matéria-prima da

socioeducação, introduzindo-se não apenas a responsabilização, mas também a integração

social (MDSA, 2016). Dessa forma, o serviço visa o processo socioeducativo, instruindo para

o desempenho da cidadania e o desenvolvimento de potencialidades (Slakmon et al., 2005).

Assim, a medida não deve ser confundida com uma mera punição, por meio da

colocação do educando em um trabalho forçado. Dispor o serviço comunitário sob o objetivo

de punição comprometeria a socioeducação, posto que foca a medida na imposição de um

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suplício ao ofensor e prejuízo das potencialidades restaurativas (Brancher, 2006; Konzen,

2007).

Portanto, a medida deve assegurar a convivência comunitária, na tentativa de fomentar

uma recontextualização construtiva do conflito e oportunizar, à sociedade, o empoderamento

na busca de resolutividade de seus conflitos (CONANDA & SEDH, 2006). A julgar por isso,

observa-se que a medida possui uma diretriz essencialmente restaurativa,8 pois ambiciona a

reparação das violações à pessoa e às relações interpessoais, a experiência da vida

comunitária, de valores sociais e do compromisso social.

Ressalta-se que a tarefa desempenhada no cumprimento da medida deve ser resultante

da articulação entre a escolha do adolescente e a oferta posta pelos locais de prestação de

serviços, compatibilizando as habilidades dos socioeducandos, seus interesses e as demandas

comunitárias. Assim, cumpre destacar, ainda, que, como assinalam Digiácomo e Digiácomo

(2013), o serviço deve ser prestado “à comunidade”, e não “à entidade”. Logo, a entidade não

pode se utilizar da tarefa dos jovens em substituição aos profissionais da instituição,

tampouco fazê-los trabalhar em função da missão organizacional.

Além disso, não é, pois, possível a prestação de serviço numa entidade privada que

não cumpra nenhum programa comunitário, porque, nesse caso, haveria apropriação indevida

de mão de obra, evitando, por desvio ou abuso na execução, que a medida dê margem para

exploração do trabalho do adolescente pela entidade (Queiroz, 2008). Como expõe Liberati

(2006), o serviço pode ser uma tarefa, que se pode traduzir também em trabalho, atividade

física ou mental (diversa da relação de emprego), mas, como alerta o Caderno de orientações

técnicas: Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto, é importante que a PSC não

8A definição dos objetivos das medidas socioeducativas, descritos no artigo 1º, § 2º da lei do SINASE, oferecem

terreno fértil para a institucionalização e implementação da Justiça Juvenil Restaurativa (Ramidoff, 2012).

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se confunda com atividades laborais, pois as exigências educativas devem prevalecer sobre o

aspecto laboral da atividade.

Em resumo, a PSC pretende ser transformadora, construtiva e positiva. O desempenho

do adolescente está intimamente relacionado ao processo de tornar-se membro funcional de

uma comunidade, possibilitando maior confiança, crença pública e apoio a sanções

comunitárias.

3. O prescrito, real e o real da atividade

No presente capítulo, são discutidos alguns conceitos cruciais para a análise da

Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), a começar pelos conceitos de tarefa (aquilo que é

prescrito em termos de atividade formativa ou laboral) e trabalho efetivamente realizado (a

tradução real, na prática, do que foi preconizado na prescrição da tarefa).

Como destacado por Odelius, Ferreira e Gonçalves (2001), a distinção conceitual entre

o prescrito (tarefa) e o real (atividade) é um recurso analítico privilegiado para o

entendimento do comportamento do sujeito e do grupo nas circunstâncias laborais. Nesse

sentido, a atividade possui uma dimensão que supera a atividade realizada. Em matéria de

atividade, o realizado não possui a posse do real (Clot, 2006), por esse motivo fala-se também

em real da atividade.

A noção de trabalho prescrito, sob a forma de tarefa, surge com o modelo de

administração desenvolvido pelo engenheiro norte-americano Frederick Taylor (1856-1915),

no final do século XIX. A abordagem da “administração científica” buscou prescrever

tempos, regras e movimentos, visando ditar modos operatórios (Taylor, 1995).

Como exposto por Chiavenato (2003),

Essa abordagem prescritiva e normativa padroniza situações para poder prescrever a

maneira como elas deverão ser administradas. É uma abordagem com receitas

antecipadas, soluções enlatadas e princípios normativos que regem o como fazer as

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coisas dentro das organizações. Essa perspectiva visualiza a organização como ela

deveria funcionar ao invés de explicar seu funcionamento. (p. 72)

Schwartz (2000) enfatiza que no taylorismo há o uso de si pelos outros, já que o

trabalho é, em parte, heterodeterminado, por meio de normas, prescrições e valores

constituídos historicamente. Nessa perspectiva, o trabalho ou atividade prescrita pode ser

definida como aquela que deve ser executada, considerando os modos de utilização de

ferramentas e máquinas, o tempo concedido para cada operação, os modos de operação e as

regras a serem respeitadas (Daniellou, Laville, & Teiger, 1989). Brito (2008a) complementa

que o trabalho (ou tarefa) prescrito:

Refere-se ao que é esperado no âmbito de um processo de trabalho específico, com

suas singularidades locais. O “trabalho prescrito” é vinculado, de um lado, a regras e

objetivos fixados pela organização do trabalho e, de outro, às condições dadas. Pode-

se dizer, de forma sucinta, que indica aquilo que “se deve fazer” em um determinado

processo de trabalho. (p. 440)

A concepção de trabalho prescrito admite duas extensões integrantes: (a) teórica, em

sentido amplo, composta pelas representações sociais, jazendo as crenças e ideias dos

distintos indivíduos no campo da produção; e (b) prescrita, limitada num todo técnico

especializado, evidenciando os “braços invisíveis” da organização do trabalho que afixa os

códigos da produção.

À vista disso, pode-se concluir: (a) o prescrito é preexistente ou anterior ao real; (b) o

prescrito é resultante da concepção formal ou informal de quem determina a execução da

atividade; (c) a descrição de tarefa veicula, explícita ou implicitamente, um modelo idealizado

de sujeito; (d) toda tarefa requer do sujeito uma dupla atividade, de elaboração e de execução

(Ferreira & Freire, 2001).

Entretanto, há também uso de si por si, já que os trabalhadores regularizam as

imposições (prescrições) e cunham táticas próprias para encarar os desafios do seu ambiente.

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Esse conflito contraditório somente pode ser apreendido em um mecanismo de investigação

que articule e interpele os conhecimentos dos pesquisadores com a vivência dos trabalhadores

(Schwartz, 2000).

Para Brito (2008b) o trabalho real (atividade) é “aquilo que é posto em jogo pelo(s)

trabalhador(es) para realizar o trabalho prescrito (tarefa)” (p. 453). No que lhe concerne, a

ciência de trabalho real é concebida em termos da atividade dos trabalhadores e toma um

recinto hierárquico essencial no estudo do trabalho. A atividade resume e constitui os diversos

fatores que compõem o processo de trabalho (Guérin, Laville, Daniellou, Duraffourg, &

Kerguelen, 1997). É na circunstância autêntica de trabalho que a atividade dá visibilidade aos

determinantes que condicionam seu intercâmbio com o meio.

Ao longo de sua história, a produção científica em ergonomia da atividade tem,

insistentemente, mostrado que a distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real constitui

uma descontinuidade fundamental, fundadora de um conflito de duas lógicas: (a) do modelo

da realidade em geral e da (b) atividade em particular (Hubault, 1995; 2006).

O (des)compasso entre o trabalho prescrito (tarefa) e o trabalho real (atividade) pode

ser gerador de vivências de prazer-sofrimento nos trabalhadores, nos contextos de produção

de bens e serviços (Ferreira & Barros, 2003). A tarefa faz a mediação entre o que está

formalmente estabelecido (prescrito) e as características e exigências concretas de cada

situação de trabalho como distância a ser identificada e analisada, ela é uma fonte produtora

de conhecimento em ergonomia. Nesse sentido, estudos e pesquisas (Weill-Fassina, Rabardel,

& Dubois, 1993) colocam em evidência o caráter de imprevisibilidade da atividade, pois ela

requer, a cada instante, a inteligência criadora dos trabalhadores.

Às atividades prescrita e real, já previstas na Análise Ergonômica do Trabalho, Clot

acrescenta o real da atividade:

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A atividade possui então um volume que transborda a atividade realizada. Em matéria

de atividade, o realizado não possui o monopólio do real. A fadiga, o desgaste

violento, o estresse se compreende tanto por aquilo que os trabalhadores não podem

fazer, quanto por aquilo que eles fazem. As atividades suspensas, contrariadas ou

impedidas, e mesmo as contra-atividades, devem ser admitidas na análise assim como

as atividades improvisadas ou antecipadas. A atividade removida, oculta ou paralisada

não está ausente da vida do trabalho. A inatividade imposta – ou aquela que o

trabalhador se impõe – pesa com todo o seu peso na atividade concreta. Pretender

deixar estas coisas de lado em análise do trabalho significa extrair artificialmente

daqueles que trabalham os conflitos vitais dos quais eles buscam “se livrar” no real. O

conceito de atividade deve então, incorporar o possível ou o impossível a fim de

preservar nossas possibilidades de compreender o desenvolvimento e a sua entrada em

sofrimento. (Clot, 2001, p. 77)

Ele distingue, dessa forma, a atividade realizada do real da atividade: a primeira é o

que se faz e o segundo consiste no que não se pode fazer, no que se gostaria de fazer, no que

poderia ter sido feito e mesmo no que se faz para não fazer aquilo que deve ser feito (Lima,

2007).

A distinção acima estabelecida entre trabalho prescrito e trabalho real é de crucial

importância, conforme comentado por Clot (2010; 2006). Parte-se, aqui, do pressuposto

segundo o qual aquilo que é prescrito, em contexto de atividade de trabalho (ou qualquer

outra atividade humana), nunca é rigorosamente realizado, cabendo buscar entender, em cada

caso, os aspectos que fizeram o realizado se distanciar do prescrito.

3.1. Acerca da tarefa prescrita na Prestação de Serviços à Comunidade

Para a Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), a tarefa é um componente para o

qual convergem ações coordenadas daquilo que faz parte do essencial da medida

socioeducativa. Em outras palavras, é a tentativa de efetivação, em termos de iniciativa

institucional, corporificada na proposta socioeducativa, do que foi prescrito. Não obstante, o

texto legal é, em seu formato atual, bastante sucinto e genérico, de modo que, já de partida,

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aspectos importantes ficam implícitos, o que abre diversas vertentes possíveis de

concretização do prescrito.

A definição de tarefa possui numerosas facetas, como apontado por Abbagnano

(2007). O conceito é recorrente desde a filosofia antiga até a contemporânea, com

repercussões em vários domínios da psicologia, como é o caso da psicologia do trabalho e da

psicologia escolar. Platão, em A República (versão de 2000), compreendia por tarefa referente

a uma coisa, aquilo que se sabe fazer, ou ao menos que se faz melhor, seja qual for a coisa.

Com o mesmo significado, Aristóteles, em Ética a Nicômaco (versão de 1991), utilizou esse

entendimento, quando declarava que a tarefa do homem é a atividade da alma conforme à

razão.

Na Psicologia, segundo a perspectiva de Pichon-Rivière (2005), a tarefa relaciona-se

com o direcionamento de um grupo ou de um sujeito para suas metas; ela é,

concomitantemente, uma ação e um itinerário de qualidade multifacetada e dialética. Tarefa é,

portanto, uma atividade – individual ou coletiva – que tem relação com demandas sociais e

objetivos específicos. Para a abordagem da clínica do trabalho, a tarefa traduz-se em todos os

objetivos que foram definidos pela organização do trabalho e concedidos à pessoa que

trabalha, que deverá buscar meios (internos a ela própria e externos) para realizá-la. Pelo

exposto, vamos definir a tarefa como Leontiev (2004), como um dado propósito, sob

condições específicas que condicionarão sempre o resultado final.

A noção de tarefa expressa na peça jurídica retrocitada (Lei nº 8.069, 1990) comporta

um significado ativo, relacionado pela mobilização do indivíduo e suas habilidades para

completar tarefas e atingir as metas sociopedagógicas estabelecidas. Nessa perspectiva, busca-

se “promover o adolescente pessoal e socialmente” e “(...) ajudá-lo a desenvolver suas

competências pessoais (aprender a ser) e suas competências relacionais (aprender a conviver)”

(Costa, 2006, p. 95). As tarefas são, portanto, prescritas e endereçadas aos adolescentes-

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participantes, em conformidade com o regramento jurídico-institucional, esperando-se que, à

medida que se envolvem nas tarefas prescritas, evoluirão em termos éticos, pedagógicos e

formativos.

Conforme discutido acima, as noções de tarefa e de trabalho são cruciais na presente

análise e têm especial relevo para o SINASE. O conceito de trabalho admite múltiplos

significados, vinculados a formas históricas específicas nos diferentes modos de produção da

existência humana. Para compreendermos o trabalho em toda sua extensão, desde sua

essência, ou seja, até seus diversos aspectos históricos, é imperioso considerarmos uma série

de fatores, dentre os quais o fato de que o trabalho é instrumento para fazer uso da natureza,

modificar o ambiente e satisfazer as necessidades humanas (Albornoz, 1994). Sobre isso,

Marx escreveu:

O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em

que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a

natureza. Ele se confronta com a matéria natural como com uma potência natural. A

fim de se apropriar da matéria natural de uma forma útil para sua própria vida, ele põe

em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporeidade: seus braços e

pernas, cabeça e mãos. Agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio

desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. (1867/2014,

pp. 326-327)

À vista do exposto, é importante, ainda, citar que, antes de mais nada, o trabalho é

caracterizado por dois elementos interdependentes: um deles, é a fabricação de instrumentos

(Engels, 1925/2000), o outro, se efetua em condições de atividade comum coletiva, de modo

que o homem, no seio desse processo, não entra apenas numa relação determinada com a

natureza, mas com outros homens, membros de uma dada sociedade (Leontiev, 2004).

Como posto por Leontiev:

O trabalho humano é em contrapartida, uma atividade originariamente social, assente

na cooperação entre indivíduos que supõe uma divisão técnica, embrionária que seja,

das funções do trabalho: assim, o trabalho é uma ação sobre a natureza, ligando entre

os participantes, mediatizando a sua comunicação. (2004, p. 81)

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O trabalho, é, portanto, desde a origem, mediatizado ao mesmo tempo pelo utensílio

(instrumento) e pelo coletivo. Em função disso, o trabalho torna-se artefato de

autoconsciência, de si e para si. Logo, por intercessão do trabalho é possível se cultivar e

aperfeiçoar, mas também se emancipar, visto que pode agir sobre o mundo natural (Hegel,

1807/1992).

Por esse motivo, Leontiev (2004) afirma que o trabalho, atividade vital humana, por

sua vez, é o processo por meio do qual se dá, em nível filogenético, a passagem do ser

biológico para o ser sócio-histórico e, em nível ontogenético, a possibilidade – mais ou menos

plena – de objetivação da personalidade humana. Lukács (2004) considera o trabalho como a

categoria ontológica fundamental do ser social, entende que as características ontológicas do

ser humano seriam aquelas que surgiram historicamente e se incorporaram de modo

irreversível e permanente ao gênero humano, transformando-se em um elemento constitutivo

do ser social.

Nesse sentido, o trabalho é uma categoria ontológica capital, visto que não pode haver

a humanidade sem o trabalho, por mais não civilizado que ele seja. De acordo com Lukács

(2004), “o trabalho é antes de mais nada, em termos genéticos, o ponto de partida da

humanização do homem, do refinamento das suas faculdades, processo do qual não se deve

esquecer o domínio sobre si mesmo” (p. 87).

Porém, como observou Marx (1932/2004), o trabalho tomou um papel negativo nas

sociedades capitalistas. Para o autor, se o trabalho é o fundamento do processo do tornar-se

homem (destacando-o de sua determinação natural), é, também, e ao mesmo tempo, fonte

cotidiana de alienação e de mortificação dos trabalhadores, tendo em vista o esvaziamento das

capacidades humanas em favor do capital.

O trabalho efetivado na coletividade capitalista traz os sinais dos mecanismos de

alienação vivenciados pelos homens na contemporaneidade, um mecanismo de afastamento e

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de conflito entre a riqueza material e intelectiva do ser humano e a vida de cada sujeito

(alienação). Marx e Engels (2012) evidenciam que, à medida que a atividade de trabalho se

esvazia, mais aproxima o homem de sua condição animal, quer dizer, o trabalho alienado não

possibilita ao trabalhador o completo desenvolvimento de suas competências e capacidades,

mas, sim, estimula seu empobrecimento físico-mental.

Podemos descobrir ainda muitos outros, mas o que é mais importante reter é que todos

fazem parte do conceito simples, totalizando uma fração na diferença. Portanto, a partir desta

concepção ontológica, o trabalho, como nos mostra Kosik (1986), não se reduz à atividade

laborativa ou emprego, mas à produção de todas as dimensões da vida humana. Na sua

dimensão mais crucial, o trabalho aparece como atividade que responde à produção dos

elementos necessários e imperativos à vida biológica dos seres humanos, como seres ou

animais evoluídos da natureza. Concomitantemente, porém, responde às necessidades de sua

vida intelectual, cultural, social, estética, simbólica, lúdica e afetiva. Tratam-se de

necessidades, que, por serem históricas, assumem especificidades no tempo e no espaço.

O trabalho, assim como a tarefa, é também uma atividade que permite organizar as

subjetividades individuais e coletivas. Nesse sentido, as duas almejam, em seus aspectos

positivos, criar espaços para que o sujeito, situado organicamente no mundo, empreenda, ele

próprio, a construção do seu ser em termos individuais e sociais. Apesar disso, as duas noções

comportam entre si aspectos negativos, como, por exemplo, não permitem ao trabalhador o

pleno desenvolvimento de suas capacidades e faculdades, mas, sim, provocam seu

esvaziamento físico e mental.

3.2. O trabalho como fator ressocializante

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A partir do final do século XVIII e início do século XIX, diversos movimentos

filosóficos e humanistas começaram a reexaminar a questão da execução penal. Disseminava-

se a tese de que as penas constituíam uma espécie de vingança coletiva e, por esse motivo, as

punições eram superiores e mais terríveis do que os prejuízos gerados pelos delitos (Beccaria,

1764/2015). Portanto, conclamava-se a transformação dos modelos de atenção e de gestão nos

serviços e sistemas penais. A partir de então, aparecem novos padrões penais, que

ressignificam o cárcere e, dentro ou fora dele, o trabalho prisional. A prisão adquire um novo

sentido: cercear a liberdade do acusado e prepará-lo para a volta à comunidade. Nessa vereda,

o trabalho assume uma acepção específica: ser uma possibilidade de “recuperação”,

alternativamente ao significado tradicional de castigo.9

Nessa nova perspectiva, o trabalho passa a ser prescrito por sua capacidade

restaurativa e terapêutica. Embora não se abandone a meta punitiva prevista pelo

encarceramento, a “recuperação” torna-se aspecto a ser considerado significativo. Assim, a

atividade ocupacional apresenta-se como fator ressocializante, de sorte que, pela ação do

trabalho, o indivíduo não seja coagido a regressar para a trajetória infracional após a

restituição de sua liberdade. Portanto, o trabalho é idealizado de maneira que constitua um

mecanismo que permita a reeducação daqueles que violam a norma penal e o seu consequente

enquadramento na sociedade.

Para Clot (2007), o trabalho ocupa uma função psicológica específica – e que, assim

sendo, não pode ser preenchida por alguma outra atividade. Para Dejours (1987/1994), “a

organização do trabalho exerce, sobre o homem, uma ação específica, cujo impacto é o

aparelho psíquico” (p. 98). O modelo ressocializador assentado no trabalho é polissêmico e

abre espaço para uma complexa discussão. Diversos teóricos sugerem que a função reservada

9 Trabalho enquanto traepallium, termo latino que descrevia um instrumento de tortura na antiguidade clássica

romana.

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ao trabalho nos sistemas penais visa novas racionalidades punitivas, outras que não a

promoção pessoal e social do indivíduo. Para Goffman (1974/2001), uma vida fechada e

formalmente administrada dentro de instituições totais nem sempre é compatível com o

conceito de autonomia dos sujeitos de direitos, sendo assim:

Qualquer que seja o incentivo dado ao trabalho, esse incentivo não terá a significação

estrutural que terá no mundo externo, pois que o indivíduo que no mundo externo

estava orientado para o trabalho tende a tornar-se desmoralizado pelo sistema de

trabalho da instituição total. (p. 21)

Essa sujeição internalizada (heteronomia) que um indivíduo deve ter diante da vontade

de terceiros, de um grupo ou mesmo de uma coletividade, é um instrumento para engendrar,

nos indivíduos, uma maior obediência às regras, fortalecendo a disciplina nas prisões

(Foucault, 1999).

Não é como atividade de produção que ele é intrinsecamente útil, mas pelos efeitos

que toma na mecânica humana. É um princípio de ordem e de regularidade; pelas

exigências que lhe são próprias, veicula, de maneira insensível, as formas de um poder

rigoroso; sujeita os corpos a movimentos regulares, exclui a agitação e a distração,

impõe uma hierarquia e uma vigilância que serão ainda mais bem aceitas, e penetrarão

ainda mais profundamente no comportamento dos condenados, por fazerem parte de

sua lógica: com o trabalho. (p. 271)

Além disso, o filósofo argumenta que o trabalho penitenciário é um mecanismo de

manutenção do status quo, uma vez que almeja a submissão dos detentos, de modo que, ao

ganharem a liberdade, aceitem a precariedade e o trabalho precário, permitindo o máximo de

extração de mais-valia.

A utilidade do trabalho penal? Não é um lucro; nem mesmo a formação de uma

habilidade útil; mas a constituição de uma relação de poder, de uma forma econômica

vazia, de um esquema da submissão individual e de seu ajustamento a um aparelho de

produção. (p. 272)

Atualmente, do trabalho dos apenados, espera-se extrair objetivamente duas utilidades:

reduzir os custos do direito de punir do estado e da garantia dos direitos individuais dos

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presos, assim como a redução da ociosidade nas cadeias. A primeira, visa limitar os gastos

públicos referentes a custódia e manutenção dos apenados, enquanto a segunda, baseia-se na

reforma moral do criminoso mediante a atividade ocupacional – em outras palavras, o

trabalho deve enriquecer a existência humana (Maia, Neto, Costa, & Bretas, 2009).

Muito se tem discutido, recentemente, acerca do ideal ressocializador das atividades

ocupacionais, configurado no modelo legal de execução socioeducativo e penal. No centro do

discurso que justifica e reivindica a presença das atividades laborativas, observa-se

perspectivas que apontam que estas podem oportunizar desenvolvimento pessoal e social para

aqueles que entraram em conflito com a lei, no entanto, se evidencia que o trabalho se

fundamenta no processo de transformação e socialização progressiva dos indivíduos, com

função essencialmente disciplinar.

À vista disso, é preciso repensar o papel das atividades laborativas em tal contexto, de

modo que se possa esperar delas uma configuração pela qual seja possível construir a

autonomia daqueles que, em dado momento, contravieram a lei, apreciando suas

competências e habilidades, assim como seu acervo de saberes empíricos junto à sua

individualidade. Dessa forma, o trabalho como fator integrativo deve ser disposto de maneira

que as tarefas efetuadas não representem apenas excitações maquinais, mas que, sobretudo, os

apenados encontrem, nas condições de trabalho, os fatores imperativos para o seu

desenvolvimento individual. Esse fato pode estar ligado à própria concepção que se tem do

trabalho como um todo.

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4. Objetivos

Uma vez configurada a problemática de pesquisa relacionada à oferta de medidas

alternativas à privação de liberdade para adolescentes autores de atos infracionais, bem como

os marcos teóricos apresentados e a contextualização sociocultural para a circunscrição da

referida problemática, o presente capítulo explicita os objetivos. Em seguida, serão abordadas

as questões de pesquisa e os caminhos de obtenção de respostas para tais questões.

4.1. Objetivos geral e específicos

A presente pesquisa visa à caracterização e análise das possibilidades, limites e

perspectivas referentes à utilização da medida socioeducativa de prestação de serviços à

comunidade como alternativa destinada à abordagem penal do adolescente autor de ato

infracional. Tal objetivo geral se desdobra, explicitamente, nos seguintes objetivos

específicos:

a) estabelecer o perfil dos socioeducandos, em termos de indicadores sociodemográficos;

b) analisar a relação entre a proposta de regulamentação da execução da PSC e a efetiva

aplicação desses preceitos;

b) identificar as tarefas propostas para os adolescentes participantes no cumprimento da

medida, levando em consideração as tarefas efetivamente executadas.

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53

5. Método

O delineamento deste estudo abarcou abordagens analíticas complementares,

combinando, primeiro, a coleta de dados documentais (fase descritivo-quantitativa) e, depois,

a consideração de dados clínico-qualitativos, coletados em entrevistas com adolescentes-

participantes do programa PSC. Na primeira fase do estudo, a fase quantitativa, foram

compilados dados oriundos do arquivo da Secretaria de Trabalho e Assistência Social da

Prefeitura do Natal (RN), com vistas a uma descrição, resumo e conclusões sobre o universo

alvo da pesquisa.

A fase subsequente, qualitativa, foi conduzida como um aprofundamento dos

resultados quantitativos. Nessa sequência exploratória, o plano experimental intencionou fazer

uso de dados verbais, por meio de entrevista episódica, para examinar os achados da etapa

anterior. Por fim, fez-se o resumo e interpretação dos achados combinando-os de modo a

analisar e descrever as fronteiras e aspectos alusivos à medida socioeducativa de prestação de

serviços à comunidade.

5.1. Acerca da proposta de pesquisa aqui apresentada (métodos mistos)

A pesquisa mista (mixed methods) constitui-se como terceiro paradigma em termos de

métodos de pesquisa, uma vez que não se circunscreve à esfera da abordagem descritivo-

inferencial quantitativa, e nem ao domínio dos métodos clínico-interpretativos, compondo,

portanto, uma terceira via, que não se resume a uma mera justaposição (e sim interlocução)

desses dois métodos de pesquisa. Foi estabelecida ao final dos anos 1980, a partir de vários

escritos, de diversas áreas do conhecimento, todos direcionados a caracterizar e conceituar o

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que hoje é conhecido como métodos mistos ou multimétodos. Tais publicações estavam

entrelaçadas ao surgimento de um sistema que desse conta da complexidade dos problemas de

pesquisa, ou seja, a sofisticação aumentada do objeto de discussão levou a coleta tanto de

dados quantitativos quanto qualitativos (Greene, 2008).

As origens intelectuais dessa orientação metodológica são geralmente rastreadas às

primeiras publicações de Campbell e Fiske (1959), Sieber (1973), Denzin (1978), Jick (1979)

e Cook e Reichardt (1979). Nesse período, foram introduzidas tentativas de sistematização e

uso de métodos diferentes em um projeto de pesquisa, para criar uma abordagem distinta de

investigação. Posteriormente, o progresso dessa nova metodologia passou por disputas

paradigmáticas (quanti x quali), evoluções procedimentais, período de defesa e expansão da

técnica e por um estágio reflexivo, ainda em desenvolvimento, baseado na avaliação atual do

campo e das perspectivas futuras, assim como nas críticas construtivas que desafiam a

emergência dos métodos mistos e o que eles se tornaram (Creswell & Clark, 2013).

Após esses estágios, os métodos mistos se consolidaram como procedimento técnico

individualizado, com sua própria perspectiva de mundo, linguagem e técnica. Na atualidade,

os principais proponentes dessa linha são: John Creswell, Abbas Tashakkori, Burke Johnson,

Anthony Onwuegbuzie, Jennifer Greene, Charles Teddlie e David Morgan. Como atentam

Onwuegbuzie e Leech (2009), o nome “pesquisa mista” está para além dos descritores

quantitativo e qualitativo, também se conectam a outros predicados, como às suposições

filosóficas e teóricas. Face a consideração aduzida, Tashakkori e Teddlie (2003) afirmam que

o pragmatismo é o aporte filosófico usualmente escolhido para os estudos mistos.

O pragmatismo como paradigma filosófico se origina da consideração privilegiada de

ações, situações e condições antecedentes como marcos fundamentais para se pensar os

fenômenos em estudo. Há, igualmente, compromisso com as aplicações – o que é efetivo e dá

solução aos problemas. Nesta perspectiva, o pragmatismo, são consideradas muitas

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abordagens para coletar e analisar dados, ao invés de subscrever apenas um caminho

(Creswell, 2013). Assim, de acordo com Johnson e Onwuegbuzie (2004), essa visão de

mundo ajuda a compreender como as abordagens de pesquisa podem ser integradas. A linha

de fundo é que as abordagens de pesquisa sejam incorporadas, de forma a oferecerem as

melhores oportunidades para responder importantes questões de pesquisa.

Para Creswell e Clark (2013), as bases teóricas assumidas pelos pesquisadores

proporcionam direção a muitas fases de um projeto de métodos mistos. Segundo eles, duas

teorias podem orientar a condução dos estudos mistos: a teoria das ciências sociais e a teoria

emancipatória. A primeira, se utiliza de uma estrutura explanatória que prevê e molda a

direção de um estudo de pesquisa, enquanto a outra assume uma postura teórica em favor de

grupos minoritários ou marginais.

Isto posto, a pesquisa mista pode ser conceituada como a combinação de métodos

(quanti e quali, dentre outros), uma filosofia e uma orientação metodológica, que ambiciona

uma melhor compreensão do problema de pesquisa e da questão do que qualquer método por

si só.

5.2. A escolha do projeto de métodos mistos

Como esclarecem Onwuegbuzie, Turner e Johnson (2007), a pesquisa mista deveria

ser utilizada quando o elo de contingências em uma circunstância, em relação às dificuldades

de pesquisa, aconselha que o uso de métodos mistos é virtualmente capaz de aprovisionar

achados de pesquisa superiores ao emprego de um único método disjunto. Dessa maneira,

adotou-se tal paradigma metodológico, pois avaliou-se que o objetivo geral da pesquisa

poderia ser melhor analisado com fases ou projetos múltiplos, em vez de a partir de uma única

fonte de dados.

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Ressalta-se que este é um projeto de métodos mistos fixos, quer dizer, é uma

investigação em que o uso de abordagens quantitativas e qualitativas foi predeterminado e

planejado no início do processo da pesquisa e os procedimentos foram postos em prática

como idealizado previamente (Creswell, 2010). A abordagem desta investigação se

fundamentou na tipologia, enfatizando a seleção e a adaptação de um projeto particular

(estudo misto de abordagem sequencial explanatória) ao propósito e às questões do estudo.

Creswell (2014) conceitua o projeto de métodos mistos sequencial explanatório, ou

explicativo, como aquele em que o pesquisador conduz primeiro a pesquisa quantitativa,

analisa os achados e, depois, fundamenta-se neles, para explicá-los com mais detalhes a partir

da pesquisa qualitativa.

O delineamento deste estudo se propôs a executar um projeto de métodos mistos

sequencial explanatório, combinando, primeiro, a coleta de dados quantitativos e, depois, a

extração de dados qualitativos coletados em profundidade.

5.3. Estrutura e organização da implementação da pesquisa

O procedimento metodológico geral da presente pesquisa pode ser resumido pela

Tabela 4, que abarca três fases principais.

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Tabela 4

Procedimentos da implementação da pesquisa (adaptado de Creswell & Clark, 2013)

FASE 1

Fase quantitativa:

Objetivo: Projeção do elemento quantitativo, estabelecendo a abordagem e questões da pesquisa

quantitativa.

Etapas:

• Pesquisa documental;

• Delineamento da pesquisa documental:

- Objetivos;

- Identificação;

- Elaboração do plano de trabalho;

- Localização da fonte e obtenção do material;

- Organização do material coletado;

• Análise de dados.

FASE 2

Fase qualitativa:

Objetivo: Determinação da abordagem e questões da pesquisa qualitativa que acompanham os

resultados quantitativos.

Etapas:

• Entrevista episódica;

• Procedimento de coleta de depoimentos;

• Cuidados éticos;

• Riscos;

• Benefícios;

• Análise clínico-interpretativa.

FASE 3

Integração das fases

Objetivo: Discussão sobre a maneira como os resultados qualitativos ajudam a explicar os

resultados quantitativos.

Etapas:

• Resumir e interpretar os resultados quantitativos e qualitativos.

5.3.1. Fase 1: pesquisa documental

A abordagem desta primeira fase teve como fonte primária de dados os Planos

Individuais de Atendimento (PIA), oriundos dos arquivos do Serviço de Proteção Social a

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Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de

Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) da Prefeitura do Natal (RN).

Tal acervo documental possibilitou o acesso a dados sociodemográficos dos

adolescentes participantes da PSC, em cumprimento a um dos objetivos específicos da

presente pesquisa, e em contexto de pesquisa documental (Tozoni-Reis, 2009). À vista do

exposto, a técnica se utiliza de documentos originais, não submetidos anteriormente a

procedimentos de intervenção analítica, que podem ser examinados sob várias perspectivas,

conforme as metas da investigação estabelecidas (Gil, 2008). Para Lee (2000), trata-se, aqui,

de acesso a dados que não envolvem elicitação direta de informações de sujeitos de pesquisa.

Além do mais, caracteriza-se, aqui, o estudo de informações oriundas de participantes com os

quais não se tem acesso direto.

A reunião de informações necessárias e suficientes ao estabelecimento do processo de

análise engloba suportes, escritos ou não, de caráter primário ou secundário e abrigados em

arquivos públicos ou particulares (Gil, 2002). Lakatos e Marconi (2003) afirmam que os

documentos oficiais, conservados em acervos públicos, constituem geralmente fonte relevante

de dados, mesmo se se considera que podem passar por filtros de natureza administrativa,

política ou ideológica. Tais filtros se tornam igualmente informativos, desde que, na análise,

não se perca de vista que o dado informativo tem essa dupla camada: o que ele informa e o

contexto em que se insere ou de onde se origina. Nesse sentido, May (2004) advoga a tese de

que a fonte documental possibilita o acesso a deliberações que pessoas ou instituições tomam

cotidianamente e a longo prazo, destarte, ela se torna um instrumento, por meio do qual o

pesquisador busca uma associação entre a sua descrição e os eventos aos quais ela se refere.

Assim, a fonte documental age como forma de expressão ou representação de elementos

relevantes do universo social, sendo possível rastrear ou “ler” aspectos desse universo por

meio dela (Mason, 2002).

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Por esses motivos, o emprego de fontes documentais, como procedência de

informações, tornou-se apropriado para a presente dissertação. Finalmente, insta esclarecer

que o emprego desse método não visa examinar os fatores que cercam o processo da produção

dos documentos, embora se utilize de algumas explicações para localizá-lo em um contexto

político e social amplo.

a) Delineamento da pesquisa documental

Identificação das fontes documentais primárias utilizadas

O documento utilizado como fonte primária de informação foi o Plano Individual de

Atendimento (PIA). Tal documento é definido como precursor importante para o

estabelecimento do plano de trabalho a ser oferecido ao adolescente participante da PSC,

plano este que busca, em consonância com a Lei nº 12.594 (2012), possibilitar o

desenvolvimento pessoal e social do adolescente, por meio do estabelecimento planificado de

ações a serem desenvolvidas no cumprimento da medida socioeducativa. A escolha da fonte

documental indicada partiu do pressuposto de que tal documento encerra informações de

interesse quanto ao perfil do adolescente participante e a atribuição de atividades que buscou

dar conta desse perfil, em conformidade com o que está estabelecido na lei de referência.

O PIA do Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida

Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC)

da Prefeitura do Natal (RN) é um documento semiestruturado, que apresenta uma seção com

anotações objetivas, definidas em meio a alternativas previamente estabelecidas, e outra seção

aberta, para registros textuais, a serem feitos pelo agente entrevistador. Dessa maneira, os

informes da primeira seção possibilitam, por sua própria natureza, classificação taxonômica

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conducente à análise de frequências quantitativa, enquanto que os dados oriundos da outra

seção necessitaram ser previamente preparados para possibilitar análises de frequências

descritivas e inferenciais (testes de hipótese).

Em face de tal estrutura de arranjo dos dados em sua base de registro, a coleta

documental intencionou compor um conjunto de informações complementares conducentes à

organização de um banco de dados. Esse banco de dados, na versão que foi construída para a

presente pesquisa, abarcou dez variáveis, sendo sete de caráter sociodemográfico,

previamente categorizadas, e três referentes a informações acerca do cumprimento da medida

por parte do adolescente.

Critérios de inclusão e exclusão dos documentos-fonte PIAs utilizados

Foram selecionados para consulta os documentos referentes a adolescentes e jovens

que cumpriram efetivamente a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade

entre os anos de 2013 e 2015. A opção pelos egressos do ano supradito aconteceu em função

da indisponibilidade de dados consolidados referentes ao ano de 2016 em diante.1 Foram

excluídos da consulta os arquivos de dados referentes a adolescentes ou jovens que vieram a

óbito, que foram transferidos de comarca, ou que, no decorrer da medida, foram inseridos em

mais de uma entidade de prestação de serviços à comunidade.

Entre os anos 2013 e 2015, foram elaborados 869 PIAs (universo), dos quais 250

(28%) referem-se a adolescentes e jovens sentenciados somente à PSC. A amostra documental

que se elegeu para a presente pesquisa, tendo em vista os critérios acima, foi constituída por

127 PIAs, o que caracteriza uma margem de erro amostral de 6%, com nível de confiança em

1 Muitos dos adolescentes, nesses casos, ainda estavam em cumprimento de medida socioeducativa na época da

coleta de dados da presente pesquisa.

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61

95%. A escolha dos elementos (PIAs) da amostra documental foi feita de forma aleatória.

Assim, os dados alvos da coleta puderam ter a mesma oportunidade de serem selecionados,

em prol da representatividade da amostra.

Localização da fonte documental

Os PIAs que serviram de base para a presente pesquisa foram oriundos do arquivo

público do Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida

Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC)

da Secretaria de Trabalho e Assistência Social da Prefeitura do Natal. O acesso a tal acervo

documental ocorreu mediante a assinatura do termo de concessão do uso de dados pela

gestora da instituição, após ter recebido todos os esclarecimentos sobre os objetivos e

procedimentos a serem seguidos na realização da pesquisa, e a aprovação no Comitê de Ética

em Pesquisa (protocolo 012246/2017).

Como ressalta Flick (2009), no desenho da pesquisa qualitativa, o autor do estudo

deve estar consciente de sua influência sobre o campo e sobre os objetos da pesquisa. Dessa

maneira, o manuseio do material de estudo esteve sujeito as seguintes condições: precisão do

registro dos dados, o que significa que não irá ocorrer qualquer omissão ou fraude com a

coleta de dados na prática da pesquisa; garantia do anonimato das informações e

armazenamento em local seguro.

Organização do material coletado

A organização do material coletado resultou na categorização das variáveis e na

criação de códigos para a entrada de dados. Pela própria estrutura do objeto da pesquisa

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documental, conducente à análise quantitativa, a maior parte dos dados extraídos já se

encontravam categorizados e, por isso, aptos a codificação e inserção em arquivo para

tratamento estatístico em ambiente informatizado.

Apesar disso, a categorização2 foi considerada em dois momentos: para construir

novas categorias mais apropriadas para a análise estatística desejada e na ocorrência de

elementos com amostras pequenas (frequência menor que 10%). Uma vez codificados, os

dados foram registrados em planilha informatizada para a devida análise de frequências e

inferencial (verificação de relações ou diferenças estatisticamente significativas).

Tratamento e análise dos dados registrados

A análise de dados da fase quantitativa foi dividida entre a estatística descritiva e a

inferencial, para isso, a análise foi assistida pelo software SPSS, versão 20. Na análise

descritiva, apresentam-se as variáveis com os dados coletados originariamente, já nas análises

subsequentes, inferências, utiliza-se os dados categorizados.

Foi realizada uma estatística descritiva para descrever e sumarizar o conjunto de dados

da amostra, estimando parâmetros populacionais, a partir das medidas de tendência central

(média; mediana e moda) e da descrição gráfica dos dados (histograma de frequências), tal

como da variação ou dispersão das distribuições observadas.

Dada a natureza das variáveis coletadas, categóricas, foram utilizados testes não

paramétricos para a análise dos dados. Assim, fez-se uso do teste de χ² de independência, para

2 Para tal operação, utilizou-se a categorização semântica (Bardin, 2010) e, a partir dela, foram identificados os

núcleos de sentidos presentes nas informações compiladas e, em seguida, os dados categorizados foram inseridos

em arquivo informatizado de tratamento de dados para posterior codificação e análise.

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averiguar a associação entre as variáveis descritas nos objetivos e examinar como os valores

observados podem ser aceitos como regidos pela regulamentação.

5.3.2. Fase 2: entrevista clínica

A escolha do método qualitativo de pesquisa intencionou assegurar a coesão entre as

singularidades da natureza do estudo, da área de pesquisa e dos participantes da investigação

(Minayo, 2009; Yin, 2016). Sua finalidade foi proporcionar um olhar geral, do tipo

aproximativo, acerca da matéria investigada (Gil, 2008). Em razão disso, o procedimento de

coleta de dados adotado foi a entrevista episódica.

O uso de entrevistas qualitativas como método de geração de dados é apropriado e

praticável para obter as informações quistas, uma vez que as entrevistas são prática comum

em uma variedade de situações da vida cotidiana. Além disso, elucidam experiências e pontos

de vista subjetivamente vividos a partir da perspectiva dos entrevistados (Tracy, 2013).

Segundo Flick (2002), a entrevista episódica é empregada intencionando reconstituir

aspectos significativos de uma vivência, com um foco contextual característico, a começar do

uso de narrativas. Assim, os acontecimentos importantes são selecionados do conjunto de

memórias episódicas e elucidados em sequência coesa dos eventos.

Por meio do enunciado proferido, as pessoas evocam os fatos, colocam suas vivências

em sequência, encontram possíveis interpretações para isso e jogam com a série de

acontecidos que engendram a vida pessoal e coletiva (Bauer & Jovchelovitch, 2002). Desse

modo, o método parte da compreensão da experiência como histórias vividas e narradas,

estruturando-se na intencionalidade de compreender e interpretar as dimensões

idiossincráticas para além de esquemas fechados, recortados e quantificáveis (Creswell,

2014).

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Com isso, esperava-se que os participantes pudessem “reviver” e relatar eventos que

aconteceram no cumprimento da medida socioeducativa, relembrar experiências marcantes,

fatos memoráveis, entre outros.

a) Detalhamento das entrevistas

A participação na entrevista (com gravação de voz) ocorreu mediante a assinatura do

termo de Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) e do Termo de autorização para

gravação de voz, após os participantes terem sido esclarecidos sobre os objetivos, importância

e o modo como os dados serão coletados nessa pesquisa, além de conhecer os riscos,

desconfortos e benefícios que ela proporcionaria. Além disto, foi garantido aos partícipes o

anonimato das informações e o direito de se recusarem a participar ou retirar seu

consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem nenhum prejuízo.

Insta esclarecer que a previsão de riscos quanto a participação no estudo foi mínima,

ou seja, o risco foi semelhante àquele sentido num exame físico ou psicológico de rotina. No

entanto, os participantes podiam estar submetidos a desconfortos relacionados ao sigilo das

informações e ao dispêndio de tempo. Esses problemas foram minimizados por meio da

seleção de local capaz de prover a privacidade dos participantes e pela disponibilização, ao

sujeito da pesquisa, da escolha de data, horário e local para a realização da entrevista.

Não houve benefício direto para o participante, contudo foram informados de que a

participação poderia fomentar evidências necessárias para o aumento da eficácia institucional

e da efetividade social da medida socioeducativa.

Previa-se, a princípio, contar com a colaboração de cinco (5) participantes, porém

diversos indivíduos serviram-se de sua liberdade de recusa para não se envolverem com o

estudo, alegando falta de tempo para participação ou interesse colaborativo. Contudo, estas

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65

justificativas, podem ser resultado de um comportamento de fuga ou de esquiva de algo

notadamente inconveniente.

Os participantes serão selecionados de modo a recrutar participantes específicos e

capazes de oferecer evidências ou visões distintas (amostragem intencional). Inicialmente,

fora cotado realizar as entrevistas na residência dos participantes ou em local designado por

eles, porém, ante o pedido dos sujeitos de pesquisa, optou-se por fazê-las nas dependências do

Serviço3 de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de

Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) da Secretaria de

Trabalho e Assistência Social da Prefeitura do Natal.

3 Ciente dos objetivos e da metodologia da pesquisa, a instituição autorizou, via carta de anuência, a execução da

entrevista.

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66

6. Análise dos dados obtidos

A análise dos dados na pesquisa de métodos mistos consiste em analisar

separadamente os dados quantitativos, usando métodos quantitativos, e os dados qualitativos,

usando métodos qualitativos. A seguir, são apresentadas a exploração e análise de dados da

fase quantitativa e qualitativa.

6.1. Fase descritiva

6.1.1. Perfil sociodemográfico

A amostra de participantes, cujos dados documentais subsidiaram a presente análise,

foi originária de uma pesquisa de levantamento da qual participaram 127 egressos do sistema

socioeducativo em meio aberto, sendo 100 (78,7%) do sexo masculino, com idades entre 12 e

20 anos (média = 16,5; mediana = 17; moda = 17, desvio-padrão = 1,463), com distribuição

próxima da normalidade. A principal porta de entrada no sistema socioeducativo foram os

atos infracionais análogos aos crimes contra o patrimônio (53, 5%), seguido dos crimes contra

a pessoa (22,8%) e outros1 (23,6%).

Esses adolescentes são domiciliados, de forma majoritária (χ² = 10,03; gl = 3; p =

0,018), em regiões de maior adensamento populacional e vulnerabilidade social, como é o

caso das zonas oeste (32,9%) e norte (29,9%) da capital norte rio-grandense (SEMURB,

2013), com menor participação de domiciliados nas regiões leste (18,10%) e sul (18,10%). A

renda familiar mensal situa-se, predominantemente (χ² = 16,465; gl = 3; p = 0,001), na faixa

1 Encontram-se nesta última categoria os seguintes atos infracionais: ameaça, difamação, dirigir veículo

automóvel sem a devida permissão para dirigir, lesão corporal, porte ilegal de arma de fogo e tráfico ilícito de

drogas.

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entre 01 até 02 salários mínimos (40,2%), seguida da categoria mais de 03 salários mínimos

(22%), do grupo de até 01 salário mínimo (21,3%) e, finalmente, da faixa entre 02 e 03

salários mínimos (16,5%). O nível de escolaridade preponderante foi aquele referente ao

ensino fundamental II, 6º ao 9º ano (52%), seguido do grupo referente ao ensino fundamental

I, 1º ao 5º ano (28,3%) e, por fim, o ensino médio (19,7%). Destes, 55,1% encontram-se em

processo de escolarização.

Figura 4. Curva de distribuição de idades dos sujeitos da pesquisa.

6.1.2. Aptidões

O art. 117 do ECA dispõe, em seu parágrafo único, que as tarefas sejam atribuídas

conforme as “aptidões” do adolescente (lei nº 8.069, 1990). O conceito não recebe qualquer

especificação nesse documento legal, o que permite sua assimilação à ideia mais disseminada

de “inclinação” individual, decorrente de acervo de habilidades, competências e traços de

personalidade passíveis de vinculação a determinadas ocupações. Nesse sentido, a efetivação

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da medida repousa na expectativa do estabelecimento adequado de concatenação entre as

aptidões do adolescente e o rol de demandas e ofertas em determinada ocupação oferecida no

bojo da PSC.

De modo consequente, o adolescente pode ser definido como membro indiferente no

processo socioeducativo, numa concepção em que as competências e habilidades são inatas,

contidas desde o nascimento, e, portanto, não adquiridas ou aprendidos. Nesse cenário, é

possível que ocorra uma sistemática profundamente diretiva, em que a equipe técnica o

desconsidere-o como ciente de seus interesses e apropriada de fazer escolhas.

Em termos práticos, a detecção de aptidões repousa sobre dados fornecidos pelo

próprio adolescente, no contexto de entrevista com a equipe técnica encarregada da

construção dos PIAs. Os achados foram agrupados em termos genéricos, como indicativo de

competência frente a um determinado objetivo. Foram identificadas duas categorias principais

de aptidões (Tabela 5), que ocorrem com distribuições próximas (χ² = 2,03; gl = 3; p = 0,56),

aptidão para o trabalho (capacidade para desempenhar ocupações profissionais) e aptidão

esportiva (capacidade para o exercício da prática esportiva). Houve ainda efetivo importante

de não-reconhecimento de quaisquer aptidões, correspondendo aos casos em que o

socioeducando não conseguiu ou não quis explicitar à equipe de atendimento suas

capacidades, e finalmente, a classe outros agrega diversos registros que, individualmente,

apresentaram percentual irrelevante para o trato estatístico.

Tabela 5

Distribuição das frequências das aptidões registradas

Aptidão indicada Frequência Porcentual Porcentagem

válida

Porcentagem

acumulativa

Aptidão para o trabalho 27 21,3% 21,3% 21,3%

Aptidão esportiva 30 23,6% 23,6% 44,9%

Não reconhece 38 29,9% 29,9% 74,8%

Page 70: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · A dissertação “Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato infracional adolescente: características,

69

Outros 32 25,2% 25,2% 100,0%

Total 127 100,0% 100,0%

Quando tal quadro descritivo de aptidões é cruzado com os níveis de escolaridade dos

adolescentes participantes, verifica-se distribuição próxima entre os dois principais tipos de

aptidões considerados (Aptidão para o trabalho e Aptidão esportiva) para o Ensino

Fundamental I, predominância das aptidões para o trabalho dentre os adolescentes com

Ensino Fundamental II e predominância das aptidões esportivas dentre os adolescentes com

Ensino Médio (χ² = 13,08; gl = 6; p = 0,042) (cf. Tabela 6).

Tabela 6

Cruzamento das frequências de níveis de escolaridade e tipos de aptidão indicada

Aptidão indicada Escolaridade

Total Fundamental I Fundamental II Ensino Médio

Aptidão para o trabalho 7 17 3 27

Aptidão esportiva 6 12 12 30

Não reconhece 11 23 4 38

Outros 12 14 6 32

Total 36 66 25 127

6.1.3. Tarefas

A primeira observação importante a ser feita quanto a este tópico é que os registros

sobre as tarefas prescritas não apresentam definição de objetivos, de instruções e dos métodos

e procedimentos previstos para a sua execução, restringindo-se tais registros a identificar

genericamente a tarefa que integra a PSC. Em função disso, os adolescentes são

Page 71: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · A dissertação “Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato infracional adolescente: características,

70

encaminhados para as entidades alocadas sem esclarecimentos prévios acerca do que se

espera deles, somente na chegada à instituição ocorre a indicação do que se espera do

adolescente.

Os dados de base foram transformados e agregados em unidades classificativas,

visando nomear, codificar e descrever, de forma abrangente e sintética, as tarefas oferecidas

aos adolescentes em PSC nos serviços comunitários. Para tal, utilizou-se a concepção de

funções como unidades de classificação descritiva, abarcando conjuntos de tarefas similares

ou domínios de tarefas. Assim, as unidades de observação são as tarefas, vislumbradas dentro

de um conjunto de tarefas mais amplo (funções). É importante ressaltar que os domínios de

tarefas encontradas (Tabela 7) não apresentam correspondência ou relação sistemática

identificável com as aptidões referidas na seção anterior.

Tabela 7

Distribuição das frequências das tarefas registradas

Domínios de tarefas (Funções) Frequência Porcentual Porcentagem

válida

Porcentagem

acumulada

Limpeza e conservação 41 32,3% 32,3% 32,3%

Administrativas 55 43,3% 43,3% 75,6%

Outras 31 24,4% 24,4% 100,0%

Total 127 100,0% 100,0%

A distribuição resumida pela Tabela 7 permite observar a predominância da função

administrativa na alocação de tarefas na PSC, abarcando tarefas como organização de

arquivos, gestão de informações, classificação e revisão de documentos ou operação de

equipamentos diversos. Tal função é predominante para adolescentes do sexo feminino (χ² =

9,14; gl = 2; p = 0,01) (Tabela 8) e com processo de escolarização em curso (χ² = 15,32; gl =

Page 72: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · A dissertação “Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato infracional adolescente: características,

71

2; p = 0,001) (Tabela 9). Um ponto importante a considerar, aqui, diz respeito à questão da

presunção de “periculosidade” do adolescente em PSC. O saber prático-profissional dos

técnicos responsáveis pela destinação de adolescentes por entidade e por tipo de atividade

imputa a condição ou expectativa de “perigoso” (ou mais perigoso) aos adolescentes e jovens

do sexo masculino. À vista disso, busca-se evitar “situações de risco” e eleger pelo

direcionamento das adolescentes para tarefas e conjunturas administrativas, dado que elas

seriam, em tese, menos perigosas.

Tabela 8

Distribuição dos tipos de tarefas em função do sexo

Tarefas Sexo

Total Homens Mulheres

Limpeza e conservação 38 3 41

Administrativas 37 18 55

Outras 25 6 31

Total 100 27 127

Além do mais, as tarefas administrativas são designadas para os adolescentes com

níveis de escolaridade mais elevadas (Tabela 9), em limiar próximo da significância estatística

(χ² = 8,66; gl = 2; p = 0,07).

Tabela 9

Distribuição dos tipos de tarefas em função da situação escolar

Tarefas

Situação escolar

Total Em sala de

aula

Fora de sala de

aula

Limpeza e conservação 15 26 41

Administrativas 41 14 55

Page 73: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · A dissertação “Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato infracional adolescente: características,

72

Outras 14 17 31

Total 70 57 127

A categoria Limpeza e conservação incorpora atividades relacionadas aos serviços de

rotina de limpeza, manutenção e conservação de espaços interiores e exteriores. Sob tal

legenda, foram agrupadas anotações, como, por exemplo: “atividades de limpeza”, “copa”,

“limpeza” e “serviços gerais”. É conferida com maior frequência aos indivíduos do sexo

masculino (χ² = 9,13; gl = 2; p = 0,01) (Tabela 8), com processo de escolarização

interrompido (χ² = 15,32; gl = 2; p = 0,001) (Tabela 9) e associa-se significativamente (χ²

8,66; gl = 4; p = 0,07) com o ensino fundamental II (Tabela 10).

Tabela 10

Distribuição dos tipos de tarefas em função do nível de escolaridade

Tarefas Escolaridade

Total Fundamental I Fundamental II Ensino Médio

Limpeza e conservação 14 24 3 41

Administrativas 13 25 17 55

Outras 9 17 5 31

Total 36 66 25 127

6.1.4. Entidades que recebem os adolescentes em PSC

Este tópico diz respeito a entidades diversas associadas à administração pública,

aspirando ao contentamento de obrigações coletivas, dentre elas a recepção de adolescentes e

jovens em regime de PSC. Face à variedade de entes públicos envolvidos, procedeu-se a uma

categorização em função da atividade dominante de interesse social (definição material).

Page 74: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · A dissertação “Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato infracional adolescente: características,

73

Dessa maneira, obtiveram-se quatro categorias de tipos de entidades, com predomínio (χ² =

18,1; gl = 3; p = 0,001) daquelas dedicadas aos setores Educacional (37%) e Saúde (30%),

seguidos por entidades prestadoras de serviços socioassistenciais (21%) e entidades

vinculadas ao judiciário (12%).

As entidades educacionais são, portanto, aquelas incumbidas, na presente amostra, de

acolher o maior contingente de adolescentes a quem se atribuiu a prática de ato infracional.

Tais entidades foram responsáveis por receber, particularmente, os sujeitos com renda

familiar na faixa entre 1 e 2 salários mínimos (χ² = 24,09; gl = 9; p = 0,004) (Tabela 11),

portadores dos níveis mais básicos de escolaridade (χ² = 20,10; gl = 6; p = 0,003) (Tabela 12).

É comum, no referido espaço, as tarefas de limpeza e conservação e outros (Tabela 13).

Tabela 11

Distribuição dos níveis de renda familiar em função dos tipos de entidades de destino

Entidades

Renda familiar

(em unidades de salário mínimo) Total

Até 1 Entre 1 e 2 Entre 2 e 3 Mais de 3

Socioassistencial 5 14 4 4 27

Saúde 12 14 5 7 38

Educacional 9 21 10 7 47

Judiciário 1 2 2 10 15

Total 27 51 21 28 127

Nas organizações de saúde, encontram-se indivíduos de baixa renda, com os níveis de

escolaridade mais elementares, especialmente o ensino fundamental II (Tabela 12). São

encarregados, predominantemente, das funções administrativas e de conservação e limpeza

(Tabela 13).

Page 75: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · A dissertação “Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato infracional adolescente: características,

74

Tabela 12

Distribuição das frequências dos níveis de escolaridade pelas entidades de destino

Entidades Escolaridade Total

Fundamental I Fundamental II Ensino Médio

Socioassistencial 6 16 5 27

Saúde 12 23 3 38

Educacional 15 24 8 47

Judiciário 3 3 9 15

Total 36 66 25 127

Prepondera, nas entidades socioassistenciais, o perfil de indivíduos com renda familiar

mensal entre 01 e 02 salários mínimos (χ² = 24,09; gl = 9; p = 0,004) e nível de escolaridade

fundamental II. Realizam-se, nessas instituições, de forma predominante, atividades

administrativas (χ² = 36,8; gl = 6; p = 0,001) (Tabela 13).

Tabela 13

Distribuição das frequências dos tipos de tarefas pelas entidades de destino

Entidades

Tarefas

Total Limpeza e

conservação Administrativas Outras

Socioassistencial 7 14 6 27

Saúde 16 17 5 38

Educacional 18 9 20 47

Judiciário 0 15 0 15

Total 41 55 31 127

As entidades jurídicas abrigam o menor efetivo de adolescentes e jovens, todavia,

deve-se observar que são encaminhados para essas instituições um determinado subgrupo de

indivíduos, com perfil muito peculiar: trata-se daqueles que possuem a renda familiar mais

Page 76: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · A dissertação “Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato infracional adolescente: características,

75

elevada (χ² = 24,09; gl = 9; p = 0,004), com processo de escolarização em curso (χ² = 7,05; gl

= 3; p = 0,07) e com maior nível de escolaridade (χ² = 20,1; gl = 6; p = 0,003). Admite-se,

nessas unidades de prestação de serviços comunitários, apenas uma classe de tarefas

(administrativas).

Tabela 14

Distribuição das frequências da situação escolar por entidade de destino

Entidades Situação escolar

Total Em sala de aula Fora de sala de aula

Socioassistencial 16 11 27

Saúde 22 16 38

Educacional 20 27 47

Judiciário 12 3 15

Total 70 57 127

6.1.5. Síntese

Os dados disponíveis acerca das aptidões, e suas relações com as atividades previstas

para os adolescentes em PSC, evidenciam o quanto o prescrito se distancia do efetivamente

realizado. Nenhuma consideração é feita, nos textos de regramento, sobre a distribuição de

tarefas em função das competências e habilidades ou sobre como tal conjunto de

conhecimentos, habilidades e atitudes possibilitariam maior probabilidade de obtenção de

sucesso na execução de determinadas atividades.

As tarefas prescritas são aquelas não intrínsecas a finalidade principal das entidades,

portanto, necessárias, mas sem correspondência com as atividades-fim. Além do mais, não

evidenciam vinculação com o rol de aptidões dos educandos, nem com o plano mais amplo de

Page 77: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · A dissertação “Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato infracional adolescente: características,

76

formação ou capacitação profissional. Em decorrência de tais carências, as atividades para as

quais os adolescentes são encaminhados se configuram como esvaziadas e empobrecidas, o

que aparecerá mais claramente a partir das análises clínico-qualitativas da seção seguinte.

6.2. Resultados obtidos na fase qualitativa

6.2.1. Perfil de caracterização dos participantes

Dois2 adolescentes participaram da fase qualitativa, após estabelecimento de contatos

preliminares, em que se lhes explicou o que deles se esperava. Os elementos de informação

oriundos desta etapa de análise tiveram o intuito de complementar as informações oriundas do

corpo de análises descritivas, a partir de um olhar voltado para as vivências dos entrevistados.

Os participantes foram convidados a integrar o estudo por meio de contato telefônico, a partir

de registros do Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida

Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC)

da Secretaria de Trabalho e Assistência Social da Prefeitura do Natal. As entrevistas foram

realizadas nas dependências do referido serviço.

O participante 1 (P1), apreendido pela prática de um roubo majorado,3 cumpriu a PSC

em 2015, durante seis meses, época em que contava com 17 anos. Consta no PIA que, ao

longo desse tempo, foram-lhe atribuídas/ofertadas as funções de conservação e limpeza em

uma escola municipal. À época, o jovem residia na região oeste do município, a renda mensal

familiar era inferior a 1 salário mínimo e ele não frequentava instituição de ensino. O

2 Acredita-se que o pouco efetivo de participantes deve-se ao desejo de esquivar-se da reconstituição de aspectos

e vivências de problemas ou situações que podem gerar algum tipo de estresse.

3 O roubo majorado caracteriza-se pelo emprego de arma e/ou na companhia de outro(s) (Decreto-lei nº 2.848,

1940).

Page 78: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · A dissertação “Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato infracional adolescente: características,

77

participante 2 (P2) teve ato infracional igualmente tipificado como roubo majorado e cumpriu

a PSC em 2015, durante seis meses, contando, então, com 17 anos. Foram-lhe conferidas

funções administrativas em uma unidade de proteção social básica do serviço

socioassistencial do município. Naquele tempo, estava domiciliado na região norte da cidade,

apresentava renda mensal familiar inferior a 1 salário mínimo e frequentava o ensino médio.

6.2.2. Causas

Segundo registros, os entrevistados passaram a se envolver com atos infracionais

quando tiveram contato com drogas, para a manutenção do consumo.

Comecei fumando maconha e logo fui me envolvendo. Estava com vontade de

experimentar, mas não fiquei viciado. Usava pouco, era mais antes de ir para o crime.

Meu negócio mesmo era dinheiro. Procurei emprego, mas não consegui. Tinha que ter

estudo, aí fui roubar. (P1)

Eu fumava maconha. Fumei uma, duas, três e fui me viciando. Comecei a usar todo

dia, duas vezes no mesmo dia e foi só aumentando. Quando a pessoa que me dava foi

presa, até hoje ele se encontra no sistema penitenciário, aí eu já comecei a fazer

algumas coisas erradas: tentar fumar maconha, cheirar cocaína e papel. Certo tempo,

eu comecei a traficar. Quando vi que o tráfico não estava dando certo, comecei a

praticar assaltos. (P2)

6.2.3. Tarefas prescritas

Quando convidados a apresentar narrativas sobre acontecimentos ou situações acerca

das regras e objetivos fixados pela equipe técnica de atendimento socioeducativo, em relação

à proposta de engajamento na PSC, ficou evidente o desconhecimento dos adolescentes-

participantes acerca das atribuições, responsabilidades e especificações das tarefas que lhes

foram atribuídas:

Page 79: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · A dissertação “Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato infracional adolescente: características,

78

Pensei que iria assinar só a presença. Quando disseram que tinha que trabalhar, então

pensei que iria para a horta, igual o povo faz na prisão. Ela [profissional do CREAS]

falou que seria um trabalho, tipo um ajudante ou ASG. Disse que o guia

socioeducativo4 passaria o serviço e pronto. Na escola, a educadora de referência5

disse para acompanhar a ASG e assim comecei. (P1)

Fiquei um pouco nervoso, porque não sabia o que aconteceria. Eu achava que se

errasse voltaria preso. Mas eu vi que aqui é uma ajuda, a ajuda que eu precisava. As

pessoas me receberam bem, me explicaram o serviço e me deixaram a vontade para

fazer. (P2)

6.2.4. Tarefa real

Os relatos dos participantes evidenciam o caráter empobrecido das tarefas

efetivamente realizadas:

Foi como eu se eu tivesse trabalhando de ASG. Eu ajudava no que eu podia: varria

uma sala, organizava as cadeiras, colocava o garrafão de água no bebedouro, pegava

os pesos que as merendeiras não podiam. Era só pedir que eu fazia. Já trabalhei na

roça, limpando mato, esses negócios. (P1)

Eu fazia a digitação e entregava as fichas para o pessoal que vinha chegando, ficava no

atendimento. (P2)

6.2.5. Avaliação da PSC

A medida foi, para ambos, vivenciada como oportunidade para atribuir novos

significados à trajetória pessoal, tanto positivos quanto negativos: para P1, a medida

contribuiu para atenuar sua situação envolvendo as necessidades da vida cotidiana, como

4 Guia socioeducativo é a designação dada ao profissional do local de prestação de serviço diretamente

encarregado do acompanhamento da atividade realizada pelos adolescentes (SEDH & CONANDA, 2006).

5 Educadora de referência é a profissional de nível superior ou com função de gerência ou coordenação, nos

locais de prestação de serviço comunitário, responsável geral tanto pelo acompanhamento dos adolescentes

prestadores de serviço comunitário quanto pelo funcionário guia (SEDH & CONANDA, 2006).

Page 80: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · A dissertação “Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato infracional adolescente: características,

79

alimentação, ao mesmo tempo que lhe atraía atributos negativos relacionados à periculosidade

e indesejabilidade. Para P2, a PSC privilegiou a descoberta de novas potencialidades,

direcionando seu futuro construtivamente.

Fui bem recebido, soube agradar. Foi bom! Foi uma oportunidade. Devido o que eu

fazia, assalto, o povo me interpretava mal. Eu não esperava ser recebido daquela

forma, fui bem recebido, apesar do que eu fiz e de com quem eu estava, ele era bem

conhecido lá na comunidade. Me senti bem na presença deles, porque quando eu ia lá

eles me davam café, me ajudavam, sabe? Se eu estava precisando de um negócio, um

dinheiro emprestado, eu pedia emprestado, eles me davam. Me ajudaram bastante.

Teve uns momentos que foram difíceis. As crianças ficavam dizendo as coisas,

ficavam dizendo: “oh! o vagabundo”, “oh! o ladrão”, aí aquilo ia me deixando mais

tenso, com vontade de desistir, mas não podia, tinha que cumprir. (P1)

A PSC foi muito importante, pois me mostrou que posso realizar um bom trabalho, ser

útil e que tenho valor. Lá eu aprendi a ter responsabilidade, fui bem recebido, aprendi

a praticar determinadas funções em equipe, a cumprir horário. Aprendi que, como eu,

todos devem ter uma segunda chance. (P2)

6.2.6. PSC e perspectivas de inclusão social

Os comentários, aqui, reconhecem a ajuda e o apoio representados pela PSC, com

nuances relacionadas à carência de formação técnico-profissional e à escassez de oferta de

empregos:

Para a vida do crime de novo, nunca mais. Não vale a pena. Estou à procura de

emprego, espero conseguir, para me virar. A medida ajudou, né? Trabalhei lá na

escola, mas não me deram nenhum curso que me ajudasse. O que fiz lá eu já sabia, era

costumado. Quando a gente sai, não tem o que fazer. (P1)

Hoje já faço alguns trabalhos que aprendi no curso, quero terminar os estudos e fazer o

Enem esse ano. A medida foi boa, porque tive a oportunidade de estar perto de pessoas

que acreditavam em mim. (P2)

Tal como apontado nos dados quantitativos (seção Tarefas), os depoimentos assinalam

que as tarefas são prescritas sem esclarecimento prévio e sem pactuação com os próprios

sujeitos. A atividade proposta é, frequentemente, desconhecida pelo adolescente até seu

efetivo início e, por consequência, a subprescrição da tarefa conduz a explicações, crenças e

Page 81: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · A dissertação “Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato infracional adolescente: características,

80

ideias que evocam no adolescente representações relacionadas ao caráter de quitação de

“débito” com a justiça, preponderantemente à perspectiva de inclusão social por meio do

trabalho.

As transcrições das entrevistas com os adolescentes P1 e P2 evidenciam, ainda, certa

pobreza das tarefas prescritas, notadamente em termos de qualificação e competências

necessárias à sua realização. Esse não é o espírito da norma enquanto prescrição, mas o exame

dos dados oriundos dos PIAs, assim como das transcrições das entrevistas, permite avaliar

certo caráter de “trabalho vazio” (Lhuilier, 2005). Pode-se inferir, interpretativamente, dos

relatos de P1 e P2, que a PSC tem méritos sociais importantes (P2: “(...) A medida foi boa,

porque tive a oportunidade de estar perto de pessoas que acreditavam em mim.”), ao mesmo

tempo em que submete os adolescentes participantes a uma atividade que aparece, para eles

próprios, como pouco qualificada (P1: “Foi como eu se eu tivesse trabalhando de ASG. Eu

ajudava no que eu podia: varria uma sala, organizava as cadeiras, colocava o garrafão de água

no bebedouro, pegava os pesos que as merendeiras não podiam. Era só pedir que eu fazia. Já

trabalhei na roça, limpando mato, esses negócios.”).

Page 82: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · A dissertação “Prestação de serviços à comunidade na abordagem do ato infracional adolescente: características,

81

7. Considerações finais

A medida de prestação de serviços à comunidade, conforme observado anteriormente,

foi concebida de maneira a ser uma alternativa a penas convencionais, designadas ao ato

infracional adolescente, de modo específico, a penas de privação de liberdade. Além de

abrandar o aspecto punitivo referente às diversas modalidades de restrição da liberdade, tal

medida intencionou, em sua elaboração inédita, oportunizar possibilidades efetivas de

proteção social e de integração à sociedade, por meio do aspecto formativo das atividades

oferecidas, além da própria situação de inserção social no e pelo trabalho.

Para a perspectiva teórica da centralidade do trabalho (Clot, 2007; 2010), vincular-se a

um fazer profissional representa construir identidade psicossocial, por meio da admissão em

um coletivo e em um gênero profissional, o que tem especial valor na situação específica dos

adolescentes em situação de infração da lei e reparação penal. Nesse sentido, o conjunto de

atividades que constituem a PSC se assenta na suposição de sua capacidade restaurativa, de

sorte que, pela inclusão do adolescente em tal programa, sejam ampliadas as possibilidades de

inclusão social, após o término do período da medida socioeducativa.

Não obstante os elementos acima descritos, que configuram a norma enquanto

prescrição, os dados descritos e analisados permitem concluir que a oferta de prestação de

serviços à comunidade tem apresentado poucas alternativas concretas e muitas carências e

limites para a efetivação do seu caráter sociopedagógico, visto que a sistematização da

medida apresenta pouca coerência com as regras e objetivos fixados pelas normativas

institucionais, notadamente, no que diz respeito ao estabelecimento de atividades de qualidade

para a formação e a preparação à reinserção social.

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82

As informações de natureza documental apontam que os procedimentos e operações

técnicas referentes à produção, tramitação e uso do PIA baseiam-se em informações

superficiais, pouco explicativas, em termos do que se espera para o adolescente que é

encaminhado para esse contexto de reparação e formação. Como posto por Rocha,

Albuquerque, Moreira, Vasconcelos e Rocha (2015) “os formulários podem ser entendidos

como produtos de uma racionalidade técnica-instrumental, sendo que a razão instrumental

opera com eficiência, mas não deixa espaço para as manifestações da subjetividade” (p. 348).

Não deixa espaço para a consideração da distância que usualmente separa o prescrito do real,

distância que precisa ser levada em conta para que o prescrito tenha alguma possibilidade de

efetiva realização.

As análises dos dados oriundos dos resumos de informações dos PIAs, assim como as

narrativas e elaborações oriundas das entrevistas realizadas com os dois adolescentes-

participantes, revelam que as recomendações jurídico-institucionais que nortearam a

proposição da PSC, fundadas em valores de co-participação, solidariedade, ampliação de

possibilidades e inclusão social do adolescente em confronto com a lei, ainda padecem de

fragilidades estruturais. Tais fragilidades se traduzem, conforme discutido, na relação pouco

elaborada entre os construtos “aptidões” e tarefas.

Mesmo que se considere que o construto teórico “aptidão” se insere numa perspectiva

fortemente individualista, em que indivíduos são dotados de determinadas “faculdades” que

os habilitam (ou os tornam “aptos”) à realização mais ou menos competente de determinado

conjunto de tarefas, ainda assim, seria necessário um mínimo de esforço pedagógico para

estabelecer o vínculo aludido entre aptidões e tarefas prescritas. Isso não resolveria problemas

teóricos que cercam o referido conceito de “aptidão”, mas ao menos tornaria a oferta de

contextos de atividade e formação menos superficiais ou burocráticos.

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83

O estigma que atinge adolescentes em confronto com a lei e que tentam uma trajetória

fora das instituições correcionais, no domínio da PSC, se coordena com preconceitos que

atingem o jovem oriundo de classes sociais desfavorecidas no Brasil – ainda mais quando esse

jovem é negro e do sexo masculino. Tal estigma se manifesta em normas, práticas e

comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho oferecido em contexto de

PSC, contribuindo, adicionalmente, para o esvaziamento de uma iniciativa que, para muitos,

seria meramente bem-intencionada e condenada, já na origem, ao fracasso.

A despeito de toda crítica que se possa, com justeza, mobilizar em realização ao real

da PSC, quando comparado com o prescrito da norma, convém considerar que o modelo

sociopedagógico assentado na inserção no trabalho é complexo e multifacetado, ensejando,

necessariamente, uma complexa discussão. Os serviços comunitários devem favorecer um

estado psicológico em que se pode realizar as capacidades potencialmente atingíveis, outrora

interrompidas ou que se encontram em desenvolvimento. Sendo assim, deve-se favorecer uma

postura consciente no qual o indivíduo adota uma posição valorizante que não é apenas

passiva, pois inclui também uma participação intelectual ativa.

Tal finalidade assume papel de relevo e interesse, enquanto meta para o esforço de

apoio e amparo ao adolescente em confronto com a lei, inclusive, porque a completa falência

do modelo tradicional de privação de liberdade parece dispor de amplo acervo de evidências

empíricas e mesmo filosóficas (Foucault, 2007). É preciso, portanto, que se busquem formas

alternativas de oferta de possibilidade de inclusão para o adolescente em confronto com a lei,

se de fato o interesse é outro além da realização da profecia autorrealizável do preconceito, do

estigma (Goffman, 1974/2001), da indiferença social.

É preciso repensar, ou até reinventar, as atividades laborativas, de modo que se possa

esperar delas aquilo que visam favorecer: promoção da co-responsabilização com seu entorno,

com a sociedade e a (re)construção e retomada de novos projetos de vida. Ante o exposto,

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84

visualizamos pelo menos três vias de aperfeiçoamento que poderiam ser contempladas: em

primeiro lugar, é preciso zelar pela formação e qualificação profissional dos atores do

SINASE. Trata-se de estimar os profissionais da socioeducação e, por consequência, elevar o

atributo do trabalho socioeducacional.

Em segundo lugar, os Programas de Atendimento devem assegurar, minimamente, ao

adolescente, formação técnico-profissional, compatível com o seus interesses profissionais e

história de vida, ao mesmo tempo em que proveem a comunidade de serviços reais, e não de

atividades irreais e fictícias. Para tanto, uma alternativa viável e disponível seria aproveitar-se

dos instrumentos de cooperação, previstos na lei 12.594, para estabelecer parceria entre os

operadores dos Serviços Nacionais de Aprendizagem (Senac, Senai, Senar, Senat) e os

gestores dos Sistemas de Atendimento Socioeducativo locais.

Em terceiro e último lugar, caberiam aperfeiçoamentos no próprio texto legal que

ordena a PSC. Em seu formato atual, bastante sucinto, genérico e alusivo, aspectos

importantes ficam implícitos e ao sabor das equipes técnicas que se encarregam de concretizá-

los. Se é verdade que nenhuma prescrição poderá esgotar a gama de possibilidades do mundo

real, por outro lado, não se pode descuidar de um mínimo de elaboração de determinados

conceitos e procedimentos, como se os mesmos fossem naturais ou auto evidentes. No bojo

desse esforço de reformulação, a oferta de serviços comunitários pode se aproximar dos

objetivos de inegável valor que presidiram sua proposição.

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