universidade federal do rio de janeiro programa de pós ... · pdf filegênero com...

184
Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós-Graduação em Música Área de Concentração em Práticas Interpretativas - Violão O VIOLÃO NO FREVO: UMA LINGUAGEM EM CONSTRUÇÃO Daniel Marques de Aguiar Contato: [email protected] Visite na web: www.myspace.com/danielmarques1 Rio de Janeiro

Upload: vanhuong

Post on 30-Jan-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Programa de Pós-Graduação em Música

Área de Concentração em Práticas Interpretativas - Violão

O VIOLÃO NO FREVO: UMA LINGUAGEM EM CONSTRUÇÃO

Daniel Marques de Aguiar Contato: [email protected]

Visite na web: www.myspace.com/danielmarques1

Rio de Janeiro

Page 2: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

ii

Junho de 2009 O VIOLÃO NO FREVO: UMA LINGUAGEM EM CONSTRUÇÃO

Daniel Marques de Aguiar

Dissertação de mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Música da

Escola de Música da Universidade Federal do Rio

de Janeiro, como requisito parcial para obtenção

do título de mestre em música com concentração

em práticas interpretativas (instrumento: violão).

Orientador: Turíbio Santos

Rio de Janeiro

Junho de 2009

Page 3: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

iii

O VIOLÃO NO FREVO: UMA LINGUAGEM EM CONSTRUÇÃO

Daniel Marques de Aguiar

Orientador: Turíbio Santos

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Música da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

requisito parcial para obtenção do título de mestre em música com concentração

em práticas interpretativas (instrumento: violão).

Aprovada por:

Presidente, Prof. Turíbio Santos (PPGM/UFRJ)

Prof. Dr. Marcelo Oliveira Verzoni (PPGM/UFRJ)

Prof. Dr. Luiz Paulo de O. Sampaio (PPGM/UNIRIO)

Rio de Janeiro

Junho de 2009

Page 4: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

iv

Ao violão brasileiro

Page 5: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

v

AGRADECIMENTOS

À Carla, minha família, Orquestra Frevo Diabo, Armando Lôbo, Ademir Araújo,

Henrique Annes, Bozó, Lygia Falcão e a todos os músicos, pernambucanos ou

não, que contribuíram com sua generosidade. Agradecimentos especiais a Turíbio

Santos e Regina Meirelles.

Page 6: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

vi

RESUMO

O VIOLÃO NO FREVO: UMA LINGUAGEM EM CONSTRUÇÃO

Daniel Marques de Aguiar

Orientador: Turíbio Santos

Estudo técnico interpretativo de três peças solo de violão frevísticas de três

compositores de diferentes gerações e origens, além de transcrições para violão

de acompanhamento da Orquestra Frevo Diabo e sugestões de ostinatos rítmicos

para violão. Informações sobre o gênero foram incluídas para esclarecê-lo e

fornecer dados que poderão ser úteis para novas interpretações destas

composições e de outras do mesmo gênero. A produção esporádica de material

violonístico de frevo foi discutida em função de entendermos melhor a sua

importância.

Palavras-chave: acompanhamento, frevo, música brasileira, solo, violão.

Rio de Janeiro

Junho de 2009

Page 7: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

vii

ABSTRACT

The Guitar on Frevo: a language under construction

Daniel Marques de Aguiar

Dissertation Adviser: Turíbio Santos

Interpretative technical study for guitar solo of three frevo pieces of three

composers from different generations and origins, besides transcriptions for guitar

accompaniment of the Orchestra "Frevo Diabo" and suggestions of rythmic

patterns for guitar. Information about this kind of rythm was included to make it

clear and provide data which may be useful for new interpretations of these

compositions and others of the same kind. The sporadic production of guitar

material for frevo was discussed in order to have its importance better understood.

Key words: accompaniment, frevo, brazilian music, solo, guitar.

Rio de Janeiro

June 2009

Page 8: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

viii

Sumário

Introdução……………………………………………………………………………......1

Capítulo 1: O Frevo................................................................................................5

1.1 A vibração paroxística do Frevo e o violão........................................................5

1.2 Etimologia........................................................................................................10

1.3 Música: características gerais..........................................................................14

1.4 Frevo-de-rua....................................................................................................21

1.5 Frevo-canção...................................................................................................23

1.6 Frevo-de-bloco.................................................................................................25

1.7 Modernização versus Tradição........................................................................28

1.8 Cem Anos de Frevo: Patrimônio do Brasil.......................................................34

1.9 Rozenblit..........................................................................................................39

Capítulo 2: O Violão no Frevo.............................................................................45

2.1 Orquestrações..................................................................................................45

2.2 Violonistas........................................................................................................52

2.3 Repertório........................................................................................................59

2.4 Acompanhamento............................................................................................62

2.5 Solo..................................................................................................................68

Capítulo 3: Análise de três obras frevísticas para violão solo........................70

3.1 Frevo: terceiro movimento da Petit Suite.........................................................70

3.1.1 Radamés Gnattali...............................................................................70

3.1.2 Análise de Frevo........................................................................... .....71

3.2 Henriquieto.......................................................................................................78

3.2.1 Guinga................................................................................................78

3.2.2 Análise de Henriquieto.......................................................................80

3.3 Festival dos Destinos.......................................................................................85

3.3.1 Armando Lôbo....................................................................................85

3.3.2 Análise de Festival dos Destinos........................................................85

Capítulo 4: Transcrições de três acompanhamentos a partir da Orquestra Frevo Diabo..........................................................................................................95

4.1 Orquestra Frevo Diabo.....................................................................................95

4.2 Edu Lobo......................................................................................................... 98

Page 9: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

ix

4.3 Cordão da Saideira........................................................................................100

4.4 Frevo Diabo....................................................................................................105

4.5 Frevo de Itamaracá........................................................................................110

4.6 Exemplos rítmicos de acompanhamento para a mão direita.........................116

Conclusões gerais.............................................................................................120

Bibliografia.........................................................................................................123

Anexo 1: Entrevistas...........................................................................................127 Anexo 2: Arranjos Integrais da Orquestra Frevo Diabo......................................141

Page 10: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

x

Lista de Figuras

1 Agenda do Centenário do Frevo.................................................................35

2 Frevo – Petit Suíte (terceiro movimento) - Cp.1-17 /Radamés Gnattali......72

3 Frevo – Petit Suíte (terceiro movimento) - Cp. 18-36 /Radamés Gnattali..73

4 Frevo – Petit Suíte (terceiro movimento) - Cp. 37-54 /Radamés Gnattali..74

5 Frevo – Petit Suíte (terceiro movimento) - Cp. 55-71 /Radamés Gnattali..75

6 Henriquieto - Cp. 1-19 / Guinga e Aldir Blanc.............................................81

7 Henriquieto - Cp. 20-45 / Guinga e Aldir Blanc...........................................82

8 Festival dos Destinos – Cp. 1-30 / Armando Lôbo......................................86

9 Festival dos Destinos – Cp. 31-66 / Armando Lôbo....................................87

10 Festival dos Destinos – Cp. 67-99 / Armando Lôbo....................................88

11 Festival dos Destinos – Cp. 100-159 / Armando Lôbo................................89

12 No Cordão da Saideira – Cp. 1-32 / Edu Lobo - Arr. Armando Lôbo........101

13 No Cordão da Saideira – Cp. 33-68 / Edu Lobo - Arr. Armando Lôbo .....102

14 No Cordão da Saideira – Cp.69-108 / Edu Lobo - Arr. Armando Lôbo.....103

15 No Cordão da Saideira – Cp.109-142 / Edu Lobo - Arr. Armando Lobo...104

16 Frevo Diabo – Cp.1- 54 / Edu Lobo e Chico Buarque - Arr. Banda

Armando Lôbo e Arr. Guitarra - Daniel Marques.....................................106

17 Frevo Diabo – Cp.55-108 / Edu Lobo e Chico Buarque............................107

18 Frevo Diabo – Cp.109–162 / Edu Lobo e Chico Buarque.........................108

19 Frevo Diabo – Cp.163-164 / Edu Lobo e Chico Buarque..........................109

20 Frevo de Itamaracá Cp.1-45 / Edu Lobo – Arr. Daniel Marques...............111

21 Frevo de Itamaracá Cp.46-90 / Edu Lobo - Arr. Daniel Marques..............112

22 Frevo de Itamaracá Cp.91-135 / Edu Lobo - Arr. Daniel Marques............113

23 Frevo de Itamaracá - Cp.136-180 / Edu Lobo - Arr. Daniel Marques........114

24 Frevo de Itamaracá - Cp.181-201 / Edu Lobo - Arr. Daniel Marques........115

25 Frevo – Levadas Rítmicas - Frevos 1 a 5 / Daniel Marques.....................117

26 Frevo – Levadas Rítmicas – Frevos 5 (cont.) a 8 / Daniel Marques.........118

27 Frevo – Levadas Rítmicas –Frevo-de-bloco 9 / Daniel Marques..............119

Page 11: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

xi

Lista de Quadros

1 Frevos para violão: Originais............................................................60

2 Frevos para violão: Arranjos.............................................................61

Page 12: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

INTRODUÇÃO

“... eu pensei assim: ‘Ninguém faz frevo, aqui ninguém faz frevo.’ ”

(Edu Lobo apud ALBUQUERQUE, 2006:143)

Completando o centenário no ano de 2007, é interessante indagar por que

uma manifestação musical e sócio-cultural tão importante como o frevo não tem

recebido, de certa forma, maior atenção por parte dos pesquisadores e músicos.

Há muita dificuldade de encontrar material acadêmico que discuta o frevo de

maneira formal. São raríssimas as dissertações não sendo encontrada, também,

nenhuma tese de doutorado sobre o gênero musical. Faltam discussões técnico-

musicais e análises formais de frevos, sobretudo em relação ao violão. Não existe

material algum, seja didático ou acadêmico, dedicado, exclusivamente, ao frevo

nesse instrumento, ainda mais no que diz respeito à sua função de

acompanhador.

A pesquisa discute as razões que fizeram com que o frevo e sua linguagem

violonística fossem pouco explorados e tornados tão inacessíveis, pretendendo,

com isso, contribuir para o incentivo do registro formal do frevo. Serão analisadas

três obras para violão solo e observadas três transcrições de violão de

acompanhamento. Analisaremos alguns aspectos técnicos das obras escolhidas

com o intuito de elaborar algum material para um futuro estudo ao violão.

Discutiremos como funcionam essas aplicações no instrumento (articulação,

dinâmicas, timbres etc.) tentando traduzir, da maneira mais próxima possível, a

qualidade plural de uma orquestra. Reconstituiremos o caminho do gênero

através de suas raízes e seu nascimento até o desenvolvimento fragmentado de

sua linguagem ao violão. Qualificamos de fragmentado porque, como solista, o

instrumento se sustenta até hoje devido a compositores, violonistas ou não, que

deram contribuições esporádicas compondo na maioria das vezes somente uma

ou duas peças frevísticas durante toda a sua carreira.

A despeito de algumas iniciativas frutíferas dos músicos de trabalhar o

gênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais

Page 13: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

2

brasileiros e estrangeiros, como o jazz, o frevo, de maneira geral, devido à falta

de material impresso e de divulgação, ficou reservado aos seus próprios

criadores: os pernambucanos. Por conta disso, chamaremos a atenção, na parte

de análise, para um repertório de violão solo que visa ressaltar, também, outras

formas de compor frevo para discutirmos diferentes abordagens técnicas do

instrumento. Assim, além do compositor pernambucano Armando Lôbo, foram

escolhidos, também, compositores de outras regiões do Brasil: Guinga, do Rio de

Janeiro - RJ e Radamés Gnattali, de Porto Alegre - RS. As possibilidades de

diversificação e renovação do gênero incluem a discussão sobre novas propostas

para o desenvolvimento da linguagem frevística ao violão.

De acordo com essa idéia de apontar diversificações da linguagem do

frevo, foi escolhida a Orquestra Frevo Diabo, do Rio de Janeiro (primeiro grupo

não pernambucano dedicado exclusivamente ao frevo), como principal referência

no que diz respeito ao violão de acompanhamento. As três transcrições para esse

tipo de prática violonística foram feitas a partir de canções do compositor Edu

Lobo, gravadas no primeiro CD do grupo (“Frevo Diabo”, 2009), exemplificando o

contraste que existe entre a função de solista e de acompanhador que o violão

pode exercer.

A tradição das grandes orquestras sobrevive, mas são poucas as iniciativas

de inovação do gênero. Isso se reflete no desenvolvimento e na construção da

linguagem do violão no frevo, tendo em vista que por não ter se firmado como um

instrumento tradicional das orquestras de rua, também não se desenvolveu e se

solidificou em sua linguagem solista. Sua prática melódica não foi muito

desenvolvida e quando apresenta um caráter moderno é por conta da maneira de

compor e interpretar de violonistas que muitas vezes não são profundos

conhecedores do gênero e, naturalmente, acrescentam outras influências a essa

linguagem. A função de acompanhador se consolidou, o que não aconteceu com

a solista, por conta das agremiações ligadas ao frevo-de-bloco, porém, a falta de

conhecimento formal desses violonistas dificulta a pesquisa. Assim, escolheu-se

pesquisar o grupo Frevo Diabo porque, além de trabalhar com a guitarra e o

violão de acompanhamento muito presentes, tem sido considerada por

importantes compositores de frevo referência de sonoridade inovadora no gênero

Page 14: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

3

e porque é um grupo de músicos com formação acadêmica, o que facilitou a

pesquisa.

Para colhermos informações a respeito da técnica utilizada pelos

instrumentos de cordas no frevo foram realizadas entrevistas com diversos

músicos pernambucanos e violonistas brasileiros que compuseram frevos. Fez-se

também necessário um levantamento básico de partituras e gravações. Daí

surgiram as informações mais importantes sobre o violão no frevo e suas

possibilidades de interpretação que aplicaremos na análise das peças escolhidas.

O material colhido nas entrevistas permitiu constatar, por exemplo, que existe

uma problemática presente na diferença técnica de execução dos fraseados

melódicos entre os instrumentos de corda e de sopro, principalmente quando se

trata de articulação das notas. Por isso, observaremos possibilidades de

adaptações da escrita dos sopros para o violão.

Em virtude das comemorações do centenário do frevo em 2007, foram

reeditados e lançados livros a respeito do gênero. A Prefeitura do Recife investiu

muito nas comemorações. Essas festividades ocorreram em nível nacional e,

nesse mesmo ano, o frevo foi reconhecido como Patrimônio Histórico Imaterial do

Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)1. Apesar

disso, o estudo formal e musical do frevo pouco avançou, além de que o

conhecimento geral em relação ao frevo do grande público, e mesmo da maioria

dos músicos não pernambucanos, até hoje é muito superficial. Por conta de

certos sucessos esporádicos de alguns frevos cantados criou-se uma idéia muito

limitada do gênero enquanto música. Por isso se faz necessário, também,

conceituar e explicar suas complexidades visando melhor compreensão das

análises aqui apresentadas dos frevos de violão.

Esta pesquisa tem o seguinte objetivo: observar possibilidades técnicas de

interpretação do frevo no violão nunca discutidas antes, investigando as hipóteses 1 O IPHAN define como Patrimônio Cultural Imaterial da UNESCO: "as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural." (disponível em: http://:portal.iphan.gov.br)

Page 15: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

4

que justificam a ausência de material de frevo violonístico e que se refletem em

sua produção. O trabalho está dividido da seguinte forma:

Capítulo 1: Apresenta-se uma breve introdução à parte musical do frevo,

conceituando-o e observando complexidades essenciais para analisar alguns

aspectos das dificuldades de traduzi-lo para a linguagem violonística. Serão

discutidas questões sociológicas do frevo que refletiram em suas qualidades,

imprescindíveis para a compreensão desse trabalho.

Capítulo 2: Observa-se como e o quanto o violão se inseriu e se desenvolveu no

universo frevístico, chamando a atenção para as diferenças e dificuldades de se

adaptar um gênero essencialmente orquestral para um instrumento só. São

analisadas, também, as características que diferenciam as qualidades do

instrumento como acompanhador e como solista. São apontados alguns

violonistas que constituem referência para o gênero.

Capítulo 3: Contém uma análise musical de três peças frevísticas para violão

solo de três compositores de gerações diferentes: Frevo, terceiro movimento da

Petit Suíte de Radamés Gnattali, Henriquieto de Guinga e Festival dos Destinos

de Armando Lôbo. É feita uma breve apresentação de cada compositor.

Capítulo 4: São transcritos três arranjos comentados de acompanhamento para

violão gravados no CD da Orquestra Frevo Diabo. São composições de Edu

Lobo: Frevo Diabo, Frevo de Itamaracá e Cordão da Saideira. É apresentada uma

breve introdução ao trabalho do grupo Frevo Diabo e do compositor Edu Lobo.

Page 16: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

5

CAPÍTULO 1

O Frevo

1.1 A vibração paroxística do frevo2 e o violão

Os três principais referenciais teóricos utilizados na pesquisa foram os

livros “Frevo, Capoeira e Passo” (OLIVEIRA, 1971), “Frevos de Rua” (MENEZES,

2006) e “Frevo: 100 anos de Folia” (CASSOLI, 2007). O primeiro é um pioneiro no

assunto, o mais antigo trabalho encontrado, e o último um dos mais recentes. Os

dois se complementam porque apresentam abordagens distintas do assunto: a

pioneira e a atual. No decorrer da pesquisa bibliográfica, nenhum livro ou método

de violão no frevo foi encontrado.

Em Oliveira (1971), além de exemplos impressos em pequenos trechos de

partituras com detalhes técnicos sobre a música, encontramos dados sociais

importantes sobre as origens do frevo. Já o livro “Frevo: 100 Anos de Folia” faz

um panorama do frevo desde seu nascimento até os dias de hoje, apresentando

depoimentos de muitos músicos e estudiosos, assim como fotos e informações

significativas na sua trajetória. E o livro do maestro José Menezes é a primeira

edição completa de arranjos para frevo-de-rua3 por ele compostos e arranjados.

Suas partituras estão muito bem editadas com indicações de dinâmica e

articulações, raras de se encontrar no material frevístico em geral. Apesar do

maestro não ter se aprofundado na escrita dos instrumentos de corda e sim

essencialmente nos de sopro, tomaremos suas sugestões interpretativas como

referência principal para analisarmos as peças escolhidas para a presente

pesquisa. Esse referencial teórico foi essencial para ilustrar a complexidade e

diversificação desta manifestação cultural que é o frevo. Somente sua dança, por

exemplo, já justificaria sua importância. Aqui escolhemos a música,

especificamente no que diz respeito ao violão. Usaremos também, como apoio à

pesquisa, as informações técnicas colhidas em entrevistas, que muitas vezes

2 Termo definido por Mario de Andrade (1947). 3 Serão explicados na pesquisa os diferentes tipos de frevo.

Page 17: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

6

revelaram detalhes sobre o violão no frevo que não estão registrados em nenhum

livro ou método encontrado que incluem o gênero.

O gênero se subdivide, tradicionalmente, em três tipos de frevo que

possuem naturezas, ao mesmo tempo, muito diferentes e complementares. Muito

se pensa a respeito do frevo como um gênero menor, e que só aparece no

carnaval, sem força fora da época festiva. Essa percepção é tão limitada e a falta

de debate sobre esse assunto é tanta que se coloca a necessidade de conceituar

o frevo desde seus primórdios, tendo como base o referencial teórico citado,

passando sobre as diferentes vertentes de sua música, para que nossa discussão

a respeito do violão, no frevo, seja compreendida de forma mais aprofundada.

Assim sendo, um tópico sobre etimologia da palavra “frevo” se fez necessário.

A carência de informação também se deve à inexistência de materiais

acadêmicos sobre frevo à disposição. Pouco se formalizou a discussão sobre

seus paradoxos sociais e musicais. Isso inclui o violão diretamente, pois

justamente essa falta de reflexão pode ter resultado na falta de uma linguagem

consistente de frevo desenvolvida no violão. O instrumento foi pouco integrado ao

gênero, a ponto de não fundar uma tradição como solista. Como acompanhador,

não acrescentou tanto ao universo violonístico e não gerou interesse, por parte

dos violonistas em geral, de abarcá-lo. É comum que muitos violonistas nem

tomem conhecimento da existência dessa tradição de acompanhador de frevo.

As dificuldades de se adaptarem as técnicas de um tipo de instrumento em

outro são evidentes. Tanto é que, geralmente, o compositor quando concebe uma

melodia, arranjo etc. já pensa em um instrumento específico interpretando-o de

acordo com suas qualidades técnicas. O instrumento, com sua identidade, faz

parte da criação da música. Essa não existe por si só.

Para interpretar o frevo no violão, o instrumento deve se desmembrar ao

máximo para soar plural dentro de sua identidade singular, transcendendo a

técnica para dar conta das exigências expressivas de cada obra. Devem-se

utilizar os recursos de diferentes timbres no violão para ser capaz de traduzir o

frevo, que nasceu na orquestra com diferentes instrumentos, que sugerem um

colorido sonoro típico. Na presente pesquisa, interessa discutir a linguagem do

Page 18: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

7

violão e aplicá-la a esse gênero pouco explorado no instrumento. O violão é raro

na condição de solista e pouco ousado e difundido na sua pequena tradição de

acompanhador na época carnavalesca.

Serão discutidas as possibilidades de tradução do frevo ao violão

observando-se três aspectos para o seu estudo: a linguagem do instrumento e

suas peculiaridades; a linguagem do frevo que se desenvolveu, sobretudo, nos

instrumentos de sopro; e o que já foi produzido de material frevístico dedicado ao

violão. Foi levantada uma lista do repertório de violão solo no frevo com seus

respectivos autores no capítulo dois, onde percebemos que os autores, em sua

maioria, compuseram um ou dois frevos cada um. Com isso reforça-se a idéia de

sua produção ter sido esporádica, sempre sendo trabalhado pelos autores como

um gênero de certa forma experimental, ou ainda, exótico e idealizado, por conta

da falta de aprofundamento no mesmo.

Parece existir atualmente um movimento de reafirmação de identidade

brasileira de certos artistas a partir da prática de alguns gêneros musicais que

haviam sido deixados de lado em função da música estrangeira nas últimas

décadas. Como exemplo de dificuldades passadas por um músico que vivenciou

essas mudanças, citamos o violonista Dino Sete Cordas, já falecido e integrante

do grupo “Época de Ouro”, que foi obrigado a tocar guitarra elétrica nos bailes do

Rio de Janeiro para sobreviver, deixando o violão de lado durante determinada

época de sua vida quando o choro e o samba foram desvalorizados, por conta da

influência da música americana dominante nas rádios (BECKER, 1996).

Agora, certos gêneros musicais considerados “de raiz”, como o samba, o

choro, o forró e o maracatu, floresceram e retornaram ao interesse do público e

conseqüentemente do mercado. Desenvolveu-se uma vontade, principalmente

das novas gerações, de se afirmar brasileiro pela incorporação dessa música. O

frevo também se destacou recentemente na mídia em função das comemorações

de seu centenário. Esse destaque reflete a intencao de alguns de fazer com que

esse venha a se somar aos outros gêneros citados que retornaram ao gosto

popular. Essa necessidade de se afirmar brasileiro a partir de uma música

supostamente “popular”, que representa de forma figurativa uma luta de opostos -

Page 19: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

8

que podem ser representados pelos seguintes clichês: o dominado e o

dominador, o intelectual e o sem formação acadêmica, ou ainda o “erudito” e o

“popular” - acaba gerando uma falta de elaboração na estética da música e,

conseqüentemente, o uso superficial de uma linguagem regional, o que resulta

em uma música utilizada à forma de maneirismos, como o frevo, por exemplo.

Nesse caso o gênero musical serve a um fim não diretamente o artístico, quando

é incorporado e recriado com o intuito de representar uma atitude política: afirmar-

se brasileiro acolhendo parâmetros de identidade musical construída no passado,

sem necessariamente reinventá-lo à sua época. Assim, muitos se utilizam de

certos elementos típicos de um gênero, principalmente regional, para justificar

essa identidade brasileira, livrando-se da influência estrangeira mas sem um

estudo aprofundado do mesmo. No início da década de 1990 surgiram muitos

grupos dedicados a gêneros musicais brasileiros, e a tendência, dada a criação

de rádios e programas televisivos desde então dedicados à música chamada

“MPB”, parece ser a de que essa música considerada “popular” está em uma

nova fase de ascendência. Mas näo necessariamente está sendo recriada.

Em relação ao frevo essa falta de aprofundamento se faz presente pelo

fato de que sua música, embora tenha servido de inspiração para muitos

compositores, inclusive violonistas, não recebeu dedicação exclusiva de nenhum.

Vale ressaltar que nenhum grupo, fora as orquestras de frevo pernambucanas, se

dedicou exclusivamente ao frevo. A “Orquestra Frevo Diabo”, que inclui o violão

em sua formação, é a primeira iniciativa nesse sentido. Os grupos não

pernambucanos que trabalharam com o frevo o fizeram de forma esporádica, em

sua maioria como pequenos blocos carnavalescos e tocando arranjos de

maestros pernambucanos executados também por outras orquestras. O “Frevo

Diabo” trabalha com seus próprios arranjos, o que proporcionou um estudo

singular do violão de acompanhamento de frevo, observando sua integração ao

grupo através das transcrições feitas a partir de CD gravado (2009).

A linguagem desenvolvida do frevo é essencialmente orquestral, apresenta

uma pluralidade característica de orquestra. Essa estrutura coletiva tem como

identidade a variedade de complexos timbres, ritmos, melodias e harmonias.

Nessa pesquisa também propomos o violão como um tradutor alternativo do

Page 20: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

9

frevo, simplificando-o em relação à diversidade original do gênero com sua

dimensão orquestral. É interessante simplificá-lo tecnicamente, mas não

poeticamente, mantendo sua grandiosidade. Para isso se faz necessário um

estudo das características de orquestração trabalhadas pelos compositores junto

as suas respectivas bandas. A possibilidade de incluir o violão no frevo foi mínima

se comparada à grande tradição das orquestras e grupos de frevo e, por isso,

pretendemos colaborar e dialogar com essa tradição. Como traduzir uma

linguagem de rua como a do frevo para o universo intimista do violão, mantendo

sua alma festiva? Discutiremos a idéia de que o frevo é mais complexo que a

impressão geral que se tem do mesmo, e o quanto essa constatação deve ser

levada em consideração ao interpretá-lo no violão.

É importante observar que parte da música brasileira ainda está em fase

de assimilação nas academias de música, tendo em vista que os registros formais

de certos gêneros musicais ainda são raros. Essa lacuna existente no estudo

formal da música brasileira, que inclui o frevo, é um problema para quem quer se

aprofundar em seus estudos, restando, quase como opção única, o trabalho de

campo para colher informações sobre a maneira de se executar o frevo ao violão.

O que se revela um paradoxo: um gênero essencialmente orquestral, de certa

forma inacessível pelo estudo formal.

Discutimos aqui a parte musical do frevo traduzida para a linguagem do

violão, procurando entender sua trajetória e seu desenvolvimento, que ainda está

em construção, já que o instrumento sempre esteve à margem da prática

orquestral frevística. Por conta da literatura de frevo violonística ser quase

inexistente, ainda mais se comparada à literatura orquestral, são abordadas, de

forma complementar, através de nosso referencial teórico acima citado, certas

qualidades do gênero que não são exclusivas do instrumento ou que

simplesmente não dizem respeito ao violão no frevo de maneira direta. O intuito é

enriquecer o estudo dessa forma sócio-musical para entendermos as suas

questões na esfera instrumental, sobretudo violonística.

O frevo é uma música de paradoxos, onde opostos dialogam o tempo

inteiro. Seja nos contrapontos, nos conflitos entre orquestras rivais, no seu ritmo

Page 21: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

10

que se desloca no tempo, em altos e baixos de sua dinâmica ou representando

uma luta para se definir “popular” ou “erudito”. “Paradoxo” parece ser a melhor

palavra para definir esse gênero que nasceu na rua e tem a essência sofisticada e

intelectual da música de concerto.

1.2 Etimologia

Para enriquecer esse estudo se faz necessário conceituar a palavra “frevo”,

que anteriormente a substantivo, tem natureza adjetiva que traduz a alma de sua

música. A data de nascimento do gênero foi fixada quando a imprensa divulgou,

pela primeira vez, a palavra, em 09 de fevereiro de 1908. Não coincidentemente,

um período de atmosfera carnavalesca. Foi em uma publicação do Jornal

Pequeno do Recife que seu registro estreou na imprensa pernambucana. Em

Ribeiro (1949, apud Rabello4, 2004:14) foi encontrado o registro de uma chamada

para um baile da época: “Clube Carnavalesco Empalhadores do Feitosa”. O texto

se chamava “Olha aí o Frevo”, escrito pelo jornalista Osvaldo de Almeida, cujo

pseudônimo era Paula Judeu.

Essa reportagem informava ainda a respeito do repertório executado na noite de festa:

“O seu repertório é o seguinte: Marchas - Priminha, Empalhadores, Delícias, Amorosa, O Frevo, O Sol, Dois Pensamentos e Luiz do Monte, José de Lyra, Imprensa e Honorários; Ária - José da Luz; Tango - Pimentão.” 5

Esse registro foi muito bem aceito como data oficial do nascimento da

palavra frevo. É o primeiro registro encontrado ou, ainda, o registro mais antigo

descoberto até então. Vale observar que quando foram feitas as primeiras

gravações do gênero, na década de trinta, ainda não se chamavam frevo, e sim

marcha-nortista. Hoje se considera que essas gravações já eram frevo. Ou seja, a

palavra já tinha sido utilizada na imprensa por volta de trinta anos antes, mas seu

uso formal e definitivo pelos músicos ainda levaria algum tempo como aconteceu 4 Historiador Evandro Rabello 5 O grifo é nosso.

Page 22: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

11

com diversos outros gêneros brasileiros. Segundo Souza (2004), o frevo foi

lançado em disco por Francisco Alves, em 1930, ao gravar Frevo Pernambucano6,

composição de autoria de Luperce Miranda e Oswaldo Santiago, dois

pernambucanos. Antes disso a palavra frevo não tinha sido utilizada pela indústria

fonográfica. Um ano depois foi gravado “Vamo se Acabá” (Nelson Ferreira) pela

Orquestra Guanabara que recebeu a classificação de “frevo”. As duas canções

foram gravadas no Rio de Janeiro. Nos primórdios do frevo na indústria

fonográfica, a base das gravações feitas era no Rio. Essa indústria será discutida

no tópico “Rozenblit”.

Vale ressaltar que o nome frevo foi inaugurado em gravações por uma

composição de um bandolinista, que é um instrumentista de cordas, Luperce

Miranda. Segundo o bandolinista entrevistado Marco César (2007), Luperce

Miranda e os irmãos Nelson e Romualdo Miranda foram os primeiros a gravar

frevos em instrumentos de corda. Ou seja, Luperce fez duas inaugurações no

gênero. O violão poderia ter ocupado esse lugar, já que a natureza dos

instrumentos de corda é semelhante, não sendo uma limitação o fato de não ser o

compositor um instrumentista de sopro.

Para melhor compreensão do significado da palavra frevo, foram

encontradas algumas definições em dicionários e pesquisas etimológicas, que

expressam a alma da música e de sua festividade. Abaixo, relato de Mário de

Andrade no “Dicionário Musical Brasileiro” (ANDRADE, 1911:233).7

“Dança instrumental, marcha em tempo binário e andamento rapidíssimo, popular especialmente no carnaval do Recife, seu lugar de origem. Alguns autores datam seu aparecimento no ano de 1909, mas todos concordam que sua ascendência é a polca militar, ou polca-marcha. É dançado na rua ou nos salões, em roda ou em marcha; neste primeiro caso admite a entrada de um passista que sola coreografias com saca-rolhas, chã de barriguinha, tesoura, parafuso, dobradiça e outras inventadas conforme o dançarino (...). Pelo ritmo sincopado ser extremamente contagiante, admite-se que o nome frevo seja

6 É freqüente o uso da palavra “frevo” no nome de músicas desse gênero. 7 Vale notar que, à época, o registro mais antigo da palavra frevo datava de 1909, um ano depois da recente descoberta que oficializou seu nascimento. Assim, nada impede que em algum momento outra descoberta proponha uma nova data de aniversário. Os registros históricos, ao que tudo indica, não são definitivos.

Page 23: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

12

derivado de frever (ferver), por alusão ao comportamento da multidão dançante.”

A Fundação Joaquim Nabuco define:

“FREVO: A palavra frevo vem de ferver, por corruptela frever, dando origem à palavra frevo, que passou a designar: ‘Efervescência, agitação, confusão, rebuliço; apertão nas reuniões de grande massa popular no seu vai-e-vem em direções opostas como pelo Carnaval’, de acordo com o ‘Vocabulário Pernambucano de Pereira da Costa’. Divulgando o que a boca anônima do povo já espalhava, o Jornal Pequeno, vespertino do Recife, que mantinha a melhor secção carnavalesca da época, na edição de 12 de fevereiro de 1908, faz a primeira referência a palavra frevo.” (LIMA, 2007)8

Todas essas definições são extensas, o que nos leva a concluir que não é

simples definir o que é frevo. O dicionário Houaiss define e ainda explica porque

seu aparecimento foi datado anteriormente em 1909:

“FREVO: dança em compasso binário e andamento rápido, surgida no final do século XIX, na qual os dançarinos, portando guarda-chuvas fantasiosos, executam coreografia individual, marcada por ágil movimento de pernas que se dobram e se estiram freneticamente. Espécie de marcha em ritmo frenético que acompanha essa dança. Folia agitada, brincadeira calorosa, agitação, bulício, confusão. Corruptela da palavra ferver por alusão à agitação e ao calor da dança e da música. Um filme antigo da Agência Nacional datava esta palavra de 1909, dizendo ter sido a primeira vez que ela foi usada no sentido musical que tem hoje.” (HOUAISS, 2007:113)

Nota-se que Houaiss afirma ter o frevo surgido no final do século XIX. Essa

afirmação não parece errada no que se refere às evidências de nascimento do

gênero, porém não diz respeito à palavra "frevo" diretamente. É evidente que a

palavra tenha surgido depois da estética musical já ter se formado e o registro

formal na mídia naturalmente não garante que a palavra já não tivesse sido criada

muito antes.

O folclorista Joaquim Ribeiro talvez tenha sido o que mais se aprofundou na

discussão da origem da palavra frevo em seu livro “Etimologia do Frevo"

(RIBEIRO, 1949). Ele nega a hipótese da origem africana, como no samba e

8 Informação disponível em:

(http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=16&pageCode=303&textCode=923). Acessada em 20 de dezembro de 2007.

Page 24: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

13

outros gêneros, reafirmando sua origem local recifense. Nota-se que ele se refere

à origem do vocábulo, e não do frevo enquanto gênero:

“(...) O ‘localismo’ do vocábulo afasta a origem negra. Os vocábulos negros, de regra, possuem áreas-geográficas amplas e não se fixaram exclusivamente numa órbita urbana. O fato de ‘frevo’ ser batismo genuinamente recifense, urbano por excelência nos permite sugerir no étimo algo literário. A expressão ‘marcha frevo’ deve se entender ‘marcha ligeira’, como de fato é, aceitando-se ‘frevo’ como corruptela de ‘frívolo’, cujo significado geral é ligeiro, volúvel, etc.. Este étimo que surgiu só é admissível e defensável, enquanto estiver assentado que o ‘frevo’ é criação exclusivamente urbana de Recife.”9

Em todas as definições e hipóteses encontramos uma qualidade em

comum: a referência ao calor. Temperatura alta que se refere ao encontro das

multidões em pleno verão para festejar ao som da música singular que não deixa

ninguém descansar. Sejam os músicos em desfile, que vão à exaustão em função

do alto nível técnico e físico exigido pela música, ou os passistas junto à multidão,

que fazem coreografias acrobáticas que também os levam ao cansaço e ao suor.

É comum inclusive a perda da audição devido ao alto volume de som gerado nos

desfiles. Volume comparado ao de um show de rock. Resultados de uma

pesquisa na “Revista Brasileira de Otorrinolaringologia” revelam que “As queixas

auditivas mais freqüentemente citadas pelos músicos foram tontura e zumbido.”

(ANDRADE, A. et al, 2002:4)

Dessa maneira, o nome frevo parece perfeito para designar tudo que

engloba essa manifestação cultural. Sua natureza quente reflete toda a energia

despendida para fazê-lo acontecer. É notável o virtuosismo de todos seus

executantes, músicos instrumentistas e compositores, e seus dançarinos. É um

evento que exige energia de todos os participantes. E o mais surpreendente é o

quanto se ouve pessoas analfabetas ou semi-analfabetas a cantarolar melodias

instrumentais complexas, inclusive seus contrapontos.

9 Texto também publicado em Jangada Brasil, Ano IV. Edição 75. Fevereiro de 2005. Disponível em (http://www.jangadabrasil.com.br/revista/fevereiro75/fev75002a.asp). Acessada em dez/2008.

Page 25: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

14

1.3 Música: características gerais

O frevo é considerado um gênero exclusivamente urbano de Pernambuco,

tendo nascido em Recife, especificamente nos bairros de São José, Santo

Antônio e Boa Vista, sendo totalmente ligado à tradição carnavalesca. Apesar de

o gênero ser considerado nascido do “povo” (OLIVEIRA, 1946), o frevo não pode

ser considerado folclore porque tem seus compositores reconhecidos, com suas

maneiras pessoais de escrevê-lo e arranjá-lo. O frevo não surgiu de melodias

populares disseminadas pela tradição oral. Não pode ser considerado uma

música primitiva e nem é praticada somente por um restrito grupo étnico. Logo,

não se pode atribuir a isso a falta de estudo formal sobre o gênero: a raiz de suas

orquestrações é européia. Sua música foi elaborada sempre de forma complexa e

não ao acaso de uma situação festiva. Aqui não se está questionando sua

legitimidade enquanto gênero musical não pertencente ao folclore brasileiro, e sim

chamando a atenção para um fato que sugere uma discussão: o frevo, apesar de

não ser folclore, se limitou a um regionalismo, ou ainda, aos limites de seu estado

de nascença: Pernambuco. Embora tenha se expandido para alguns estados

vizinhos como, por exemplo, Alagoas, não criou tradição em nenhum deles.

“O povo do Recife nunca fez, nunca compôs um frevo” (OLIVEIRA,

1946:42). Seus autores sempre foram reconhecidos, desde a época de

“Vassourinhas” (1909), de autoria reconhecida de Mathias da Rocha e Joana

Baptista.

“O autor do frevo nunca é anônimo (...) como sucede na música folclórica (...). É a obra de um homem, aceita por uma coletividade (...). A categoria frevo se estabilizou, já, como expressão da índole própria e exclusiva de um corpo social.” (OLIVEIRA, 1971:43)

Tendo origem na tradição militar com a criação da Guarda Nacional (1831),

as bandas pernambucanas executavam no carnaval os seguintes gêneros

europeus: marchas, polcas, dobrados, galopes, tangos e quadrilhas. E o brasileiro

maxixe (CASSOLI et al, 2007:46). Devemos incluir também a influência da

capoeira através da dança que se refletiu na música e vice-versa. Sua coreografia

muitas vezes chega a ser uma demonstração acrobática, virtuosismo que

expressa as acrobacias técnicas exigidas também ao tocar o instrumento. Essas

Page 26: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

15

bandas militares do séc. XIX ajudaram a desenvolver a linguagem orquestral de

instrumentos de metal e percussão do frevo que conhecemos hoje. O violão

nunca pertenceu à instrumentação tradicional desse tipo de banda. Sua raiz

enquanto concertista e solista é fundamentada na escola da música clássica

européia, onde se pode citar como referência a obra de Villa-Lobos para violão

que tem a linguagem brasileira, porém os formatos europeus de estudos e

concertos. Logo, o fato da parte essencial da linguagem melódica e harmônica do

frevo ter nascido nos instrumentos de sopro faz ser necessário um trabalho de

adaptação para o violão.

Para entender os primórdios do frevo, voltemos a atenção para a sua

natureza violenta que se evidencia desde o início da história dessas bandas

pernambucanas. Os maestros e as orquestras por eles lideradas muito

rivalizavam entre si, numa espécie de competição comparada à dos clubes de

futebol atuais.

“As bandas rivais do Quarto (4o. Batalhão) e da Espanha (Guarda Nacional) desfilavam no carnaval pernambucano protegidas pela agilidade, pela valentia, pelos cacetes e pelas facas dos façanhudos capoeiras que aos saracoteios desafiavam os inimigos: 'Cresceu, caiu, partiu, morreu!'” (CARNEIRO, 1971:22)

O frevo surgiu da interação entre música e dança, a ponto de não se poder

distinguir “se o frevo, que é a música, trouxe o passo ou se o passo, que é a

dança, trouxe o frevo” (OLIVEIRA 1946:158). Abrindo caminho para o cortejo das

bandas, vinham os capoeiristas, cujas gingas e rasteiras deram nascimento ao

passo (SOUZA, 2004). Essa rivalidade e conflito se transferem diretamente para a

música quando melodias e ritmos brigam na forma de contrapontos ligeiros,

síncopes e mudanças súbitas de dinâmica, onde o violonista solista tem que usar

os recursos técnicos do instrumento ao máximo. “O violão possui grande riqueza

tímbrica e de ruídos” 10 (PEREIRA, 2003) que podem ser inclusive pancadas em

seu tampo de madeira. Ele dá conta de exprimir agressividade se preciso.

10 Prof. Marco Pereira, em depoimento em sala de aula na Escola de Música da UFRJ.

Page 27: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

16

Contrariando a imagem lúdica que se fixou no imaginário popular através

da imagem do dançarino que roda sua mítica sombrinha, que muitos identificam

como mero instrumento usado para manter o equilíbrio durante a performance,

vale acrescentar:

“A utilização da sombrinha, símbolo inquestionável do frevo, também remonta a esta época e aos capoeiras. Com a proibição da capoeira e a ação do Estado no sentido de controlar o carnaval e sua agitação, a sombrinha é uma espécie de arma branca, disfarçada – como o são, aliás, os símbolos de muitas agremiações carnavalescas, onde um cabo, cassetete em potencial, é muito recorrente: a pá, o machado (onde o que importa é o cabo, pois a “lâmina” era confeccionada em papel), o pão (feito de madeira), o abanador, a vassoura (...) se o samba diverte, o frevo fere; e isto está expresso nos símbolos, na expressão visual, na música e na dança do frevo.” (IPHAN11, 2007)

O violão também precisa se transformar em arma de guerra musical

poeticamente se quiser captar essa essência frevística. Essa explicação sobre as

sombrinhas expressa a natureza agressiva do chamado “frevo-de-rua”. O “frevo-

de-bloco”, mais lírico, se formou como alternativa a essa prática dos clubes

pedestres. Poderemos a partir daí entender um pouco melhor o motivo das

conseqüentes divisões sociais que existem nos diferentes tipos de frevo que

podem ser representadas pelas duas formas quase opostas de se tocar o frevo no

violão: solo e acompanhamento. O primeiro é associado aos clubes pedestres, de

rua, de trabalhadores da classe baixa. O segundo aos blocos líricos, organizados

pela classe média em ambiente familiar. Esses serão analisados no próximo

tópico.

A maioria dos historiadores identifica um compositor como sendo o

responsável pela fixação do gênero: José Lourenço da Silva. Maestro Zuzinha,

como era chamado, foi regente da banda do 40º Batalhão de Infantaria do Recife.

Pernambucano de Paudalho, Zona da Mata do estado, “estabeleceu a linha

divisória entre o que depois passou a chamar-se frevo e marcha-polca” (MELO in

TELES, 2000:37). Zuzinha teve esse mérito por conta de uma composição

11 Disponível no portal do Instituto do Patrimônio histórico e Artístico Nacional (IPHAN): (http://www.portal.iphan.gov.br), relativo ao dossiê de candidatura do frevo a patrimônio histórico, aprovado em 2007.

Page 28: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

17

específica. Anteriormente sem título identificado, o maestro Nelson Ferreira

batizou essa de “Divisor de Águas”. Zuzinha veio ao Rio de Janeiro na década de

vinte, época em que as gravadoras cariocas começaram a lançar frevos. Sua

função era fazer com que as gravações soassem mais “pernambucanas”, pois

muitos conhecedores do repertório estranhavam sua execução (CASSOLI, 2007).

Valdemar de Oliveira criticou:

“...Houve tempo em que mandávamos ao Rio o maestro Zuzinha para cuidar dessas coisas. E o que nos chegava satisfazia. Hoje deixamos plena liberdade aos executantes e intérpretes cariocas, e o resultado é desastroso...” (OLIVEIRA apud TELES, 2000:).

Esse resultado classificado de desastroso exemplifica a idéia que alguns

pernambucanos tinham de como deveria ser interpretada a própria música. Nota-

se a polêmica constante em relação a “verdadeira” estética do frevo. Por exemplo:

com opinião adversa a Valdemar, o maestro José Menezes afirmou: “Não tenho

muito do que me queixar, o meu ‘Freio a Óleo’ foi muito bem gravado no Rio, em

1950, pela orquestra de Zacarias” (apud TELES, 2000:28).

Os exemplos de disputas e discordâncias sobre formas de execução

poderiam ser infinitamente multiplicados, mas o que nos interessa aqui é notar

que as discussões nunca se referiam ao violão e ao seu papel. O violão solista

simplesmente não participou dessas orquestras; portanto, se o frevo já possuia

uma linguagem desenvolvida com identidade própria e de certa forma cristalizada,

como lidar com a inserção do violão no gênero? Por essa lógica, traduzir o frevo

para o violão seria uma deturpação? Ao transformar o repertório original para

instrumentos de sopro e adaptá-lo para o violão perde-se o seu caráter original,

mas ganha-se uma nova proposta de interpretar o gênero. Diante da

impossibilidade de imitar a performance dos metais, é preciso inventar novas

maneiras de traduzir a linguagem do frevo no universo do violão. Isso seria

inovação.

José Ramos Tinhorão (1978:60) não postula um marco inicial, mas faz

referência à maneira espontânea e popular de seu nascimento: “A prova de que

esse fenômeno da criação do frevo se deu realmente assim, é que até hoje não

se conseguiu uma composição capaz de merecer as glórias de primeiro frevo.”

Page 29: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

18

Contudo, o Vassourinhas, provavelmente composto em 1889 por Joana Batista

Ramos (versos) e Teodoro Matias da Rocha (melodia), é uma das mais antigas

músicas do carnaval pernambucano.

Matias da Rocha tocava e compôs “Vassourinhas” no violão; isso nos leva

a concluir que o frevo mais antigo que ainda faz parte do repertório das bandas de

hoje, além de ser executado como frevo instrumental, nasceu com o auxílio de um

violão. Talvez essa seja a maior prova da vocação frevística do violão. Ora, se

Vassourinhas foi originalmente composta como tema instrumental, então o violão

já estava inserido na linguagem dos frevos-de-rua (ver seção 1.2). No próximo

capítulo a relação de Matias com o instrumento será abordada.

É evidente a maneira caótica como nasceu o frevo, sendo uma

conseqüência natural, entre as muitas transformações e recriações de gêneros

que ocorriam em Pernambuco na época. Não é necessário eleger uma

composição específica para entender o processo que o originou. Os primeiros

compositores de frevo foram aproveitando o material musical com que tinham

contato. “A pena corria ao gosto popular da época. E o que mais se fazia era

apelar para os instrumentos de metal e para um aligeiramento dos desenhos

melódicos, em certas partes da obra, destinadas à dança” (OLIVEIRA,1971:27).

Se os músicos atribuem ao frevo um caráter democrático e este nasceu de

forma caótica, discutir as possibilidades de suas adaptações ao violão solista se

torna essencial à sua inovação e continuidade. Incluir o frevo no repertório de

violão parece ser um caminho natural, desenvolvendo uma nova linguagem de

frevo derivada dos sopros, mas reinventada no violão. Com o cuidado e o estudo

necessário do intérprete, o frevo mantém sua essência em qualquer instrumento

que não pertença ao universo da banda militar. Embora nenhum músico tenha

afirmado de maneira direta que o frevo não funciona no violão, a presente

pesquisa tem também o interesse de questionar porque as tentativas de adaptá-lo

ao violão foram mínimas. O segundo capítulo debate essa questão de forma

direta.

Sua música influenciou compositores de todo o Brasil como Tom Jobim e

Vinícius de Moraes, que compuseram “Frevo de Orfeu”; Radamés , Guinga,

Page 30: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

19

Armando Lôbo e Edu Lobo, que têm seus frevos analisados nos últimos capítulos;

e, ainda, Marlos Nobre, Chico Buarque, Pixinguinha, Guerra-Peixe, Francisco

Mignone, Egberto Gismonti, Marco Pereira, Canhoto da Paraíba, Baden Powell,

Sivuca, Gilson Peranzzetta, Moraes Moreira, Nelson Faria, Thiago Amud e

Romero Lubambo.

Hermeto Pascoal, por exemplo, alagoano que morou uma temporada em

Recife, desenvolvendo um conhecimento sobre o frevo por ter observado as

orquestras de perto, é um dos poucos que, apesar de não se dedicar,

exclusivamente, a gênero brasileiro algum, compôs um número significativo de

frevos. Em seu livro de partituras, “Calendário do Som”, relembra os momentos de

inspiração para seus frevos: “Aprendi muito escutando os ensaios com os

grandes maestros Clóvis Pereira, Guerra-Peixe, maestro Duda e muitos outros.”

(PASCOAL, 2000:215)

Mesmo assim, nenhum desses músicos brasileiros se dedicou

completamente aos estudos do frevo. Não há nenhuma metodologia de

orquestração baseada nos maiores compositores do gênero que possa ser

utilizada como referência para a presente pesquisa. Se fosse o caso, poderia

servir como proposta para aplicá-la no violão. Quem quiser aprender tem que

estudar as partituras por conta própria, como um autodidata. Esse é um dos

paradoxos do frevo: é de uma orquestração complexa, porém não possui nenhum

estudo ou livro editado sobre a composição e orquestração de suas obras mais

importantes. No entanto, quanto mais se pesquisa o frevo, mais se revela seu

peso artístico e cultural. Justifica-se assim a dificuldade técnica de traduzi-lo ao

violão. Se a tradição instrumental do frevo foi criada nas orquestras e essas até

hoje não receberam o cuidado de preservação através da edição de métodos e

análises técnico-musicais, então o violonista tem que inventar o frevo no violão

por conta de sua própria criatividade. De certo modo, a falta de informação e

aprofundamento do gênero pode ser positiva, pois quem cria o frevo no violão

acaba misturando-o com a linguagem de outros gêneros já explorados no

instrumento ou cria de forma muito pessoal. Porém seria muito positivo se um

violonista, assim como outros instrumentistas, tivessem a oportunidade de estudar

as possibilidades do frevo de uma maneira completa, com detalhes de sua

Page 31: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

20

instrumentação e com as diferentes maneiras de compôr já realizadas por

mestres do gênero. Seria possível, assim, recriar o frevo com uma base estética

enraizada no que já foi feito.

É claro que alguns maestros pernambucanos de hoje têm esse

enraizamento, porque além de terem uma ligação enquanto músicos que praticam

o gênero, possuem uma vivência do frevo comum ao pernambucano que participa

do carnaval. A dedicação à prática intensiva do frevo, na sua forma tradicional,

talvez não tenha favorecido uma reflexão, em grande escala, a respeito de sua

estética musical ao ponto de incluir o violão para além do que já foi feito. Assim,

não se deram conta de que, comparado à prática orquestral, o frevo no violão

quase não existiu. Será que não houve nenhum violonista que tenha tentado

suprir essa necessidade? Ou tal necessidade não existiu porque não houve uma

reflexão maior a respeito da questão, que poderia, inclusive, ter culminado num

ato de transformação? Não há nenhum registro ou depoimento afirmando que

algum violonista tenha tentado dedicar-se a uma obra frevística e não tenha

obtido êxito.

As duas maneiras de criar o frevo no violão apontadas no parágrafo

anterior (solo e acompanhamento) não estão em conflito. Quanto mais frevo se

crie no violão naturalmente, mais sua linguagem se constrói e amadurece, como

acontece a todo gênero em sua trajetória de formação. O fato é que faltou

quantidade e consequentemente qualidade na produção violonística, o seu

repertório escasso de violão não amadureceu a ponto de haver uma peça solo de

frevo que tenha grande destaque na prática do violonista. O frevo de Radamés

(Pequena Suíte), por exemplo, não era do conhecimento de grandes violonistas

brasileiros da atual geração até serem informados através da presente pesquisa.

Dentre eles podem ser citados: Yamandú Costa, Marcelo Gonçalves, Nando

Duarte, Zé Paulo Becker e Guinga. Nem os maestros pernambucanos Clóvis

Pereira e Ademir Araújo conheciam essa obra.

Assim como no choro, no frevo o violão apresenta duas vertentes de

linguagem com naturezas quase opostas, mas também complementares: o solista

e o acompanhador. Como cada uma está ligada a um tipo de frevo diferente, se

Page 32: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

21

faz necessário conceituá-los: frevo-de-rua, em que o violão reflete sua qualidade

de solista; frevo-de-bloco, no qual está inserido como acompanhador e; frevo-

canção, que consideramos um caso diferente, conforme será explicado mais

adiante. Essa tipologia se deu a partir da década de trinta, quando o gênero se

tornou popular através das rádios e gravações em disco.

1.4 Frevo-de-Rua

Primeiro tipo de frevo surgido, estritamente instrumental e acelerado que se

mistura à evolução dos passistas (dançarinos) numa espécie de coreografia

improvisada. Admite somente instrumentos de sopro e percussões. A disposição

dos instrumentos lembra uma big band americana, divididos em náipes de

trompetes, trombones, saxofones e tubas 12. Somam-se a isso as percussões que

são comuns em todo o tipo de frevo, sendo as principais: tarol, surdo e pandeiro.

Vale chamar a atenção para o pandeiro que possui a pele de náilon com uma

sonoridade mais estridente, diferente do pandeiro de pele de couro usado no

choro. Algumas orquestras acrescentam a requinta, tipo de clarineta com

tamanho menor e extensão maior na região aguda. Segundo CASSOLI et al

(2007), o número de integrantes dos conjuntos varia em torno de 36 músicos.

Sua forma tradicional "desdobra-se em duas partes, cada uma com 16

compassos, raramente chegando a 24" (OLIVEIRA,1946:49). Originalmente, não

possui letras que possam ser cantadas, o que sugere dança e movimentos

apenas com suas melodias e ritmos sincopados. As composições acabam num

acorde longo perfeito e os instrumentos de percussão continuam tocando sem

interrromper o cortejo. Com isso, dão um tempo de descanso para os

instrumentistas de sopro começarem um outro frevo13. Assim acontece nos

desfiles no meio da rua, que pode ser chamada de “habitat natural” do gênero.

12 Conforme observado em mais de 30 orquestras em Recife e Olinda: Spock Frevo, Orquestra

Popular do Recife, Orquestra da Pitombeira, entre outras. 13 Observado em Recife e Olinda

Page 33: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

22

Nas gravações, entretanto, os frevos simplesmente terminam após o acorde final,

seguido de silêncio total14.

Os frevos-de-rua possuem suas subdivisões de acordo com a intenção e a

maneira de sua escrita15:

Frevo-abafo: É chamado também de frevo-de-encontro. Tipo de frevo que

dá ênfase aos metais ou que requisite timbres estridentes: trombones, pistons,

clarinetas etc.. É tocado com o intuito de abafar o som da orquestra rival, com

muitas notas longas, quando coincidentemente se encontram no meio de um

desfile, “deixando de lado o esmero com a afinação” (IPHAN, 2007). Segundo

Rodrigues “o frevo de abafo é muito alto para os trombones e pistons, porém sua

execução é relativamente fácil, somente dependendo da força dos músicos”

(1991:71, apud VILA NOVA, 2007:43).

Frevo-coqueiro: marcado especialmente pelos tons agudos, exaltado

pelos trompetes. É chamado assim porque as notas agudas são escritas com

linhas suplementares no pentagrama, lembrando o desenho de um coqueiro.

Andamento acelerado com notas curtas.

Frevo-ventania: se caracteriza pela presença de um andamento bastante

rápido, exaltado pelos saxofones. Muitas notas em semi-colcheias seguidas.

Exige muita habilidade técnica dos instrumentistas. Exemplo: Mexe Com Tudo, de

Levino Ferreira.

Frevo-de-salão: são frevos destinados aos bailes, com a sonoridade

menos agressiva, com predominância dos instrumentos de palheta em vez dos

metais.

São exemplos famosos de frevo-de-rua: Vassourinhas (Matias da Rocha/

Joana Baptista), Último Dia (Levino Ferreira), Come e Dorme e Gostosão (Nelson

Ferreira), Corisco (Lourival Oliveira) e Duda no Frevo (Senô).

14 Vide lista de CDs consultados. 15 Dicionários Houaiss (2002:65) e Cravo Albin (2007:41).

Page 34: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

23

É importante ressaltar que o frevo se desenvolveu como música

instrumental no que diz respeito a sua melodia (IPHAN, 2007). É notável como as

subdivisões do frevo-de-rua são definidas com base nas peculiaridades dos

instrumentos de sopro. Além disso, a identidade de cada tipo de frevo foi gestada

no contexto dos encontros das orquestras nas ruas e suas rivalidades. Assim, os

estilos de frevo se tornam definições artísticas a partir da objetividade prática

inscrita no evento e seus acasos, encontros, acontecimentos, dinâmicas etc.

Sua melodia “essencialmente instrumental” revela uma complexidade

técnica que a diferencia da melodia vocal, podendo ser traduzida para outros

instrumentos que não fazem parte de sua tradição diretamente. O frevo-de-rua

não foi concebido para ser apresentado em uma sala de concerto, e sim onde o

próprio nome indica. Por isso mesmo apresenta-se o desafio de transformar essa

linguagem, originalmente estranha à sala de concerto, em outra mais intimista e

contemplativa traduzida pelo violão, mas sem perder seu calor e agressividade

essencial.

A diferença melódica entre o frevo instrumental e o cantado é esclarecida

no próximo tópico, onde se conceitua um tipo de frevo que pode ser considerado

derivado do frevo-de-rua.

1.5 Frevo-Canção

Geralmente com a mesma orquestração do frevo-de-rua, o frevo-canção

acrescenta um cantor para a melodia principal. Assemelha-se à marchinha

carioca, com introdução da orquestra antecedendo uma parte cantada derivada

da ária (SILVA apud NOVA, 2006:75), com estribilho no início ou no fim.

Um dos frevos-canção mais populares é O Teu Cabelo Não Nega Mulata

dos Irmãos Valença (SOUZA, 2004). Esse frevo foi gravado na RCA no Rio de

Janeiro e na época acabou sendo registrado como de autoria de Lamartine Babo.

Ficou famoso com arranjo de marchinha. Foi adaptada talvez tanto por falta de

conhecimento dos maestros do Rio de janeiro para fazer um arranjo com a

linguagem do frevo, como observou Guerra-Peixe (1978), quanto pela soberania

Page 35: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

24

da marcha no carnaval carioca em relação ao frevo-canção. Esse episódio

histórico evidencia o conflito regional representado pela diferença na linguagem

musical de cada estado. A composição pernambucana foi aproveitada mas seu

arranjo foi reinventado para se adequar ao gosto da época, mais especificamente

do carioca. Vale lembrar que o Rio era capital do Brasil e tinha maior

representatividade cultural em relação a Pernambuco. Alguns músicos

pernambucanos entrevistados16 afirmaram que na rádio o que se ouvia era

praticamente a música carioca: o samba, o choro e a bossa-nova. A própria

música de seu Estado não era comumente tocada na rádio tanto quanto a da

capital, na década de 1950 e 1960. Analisaremos melhor essa questão no tópico

sobre a gravadora especializada Rozenblit, que trabalhou com a música

nordestina em geral, dando maior destaque ao frevo.

Percebe-se que nesse episódio foi fechada uma porta de divulgação para o

frevo, evidenciando a falta de conhecimento do grande público em relação às

especificidades do gênero. Poucos conhecem a verdadeira origem de Seu Cabelo

Não Nega. O violão também perdeu muito com isso, porque ao passo que os

violonistas pernambucanos conheceram o gênero choro e desenvolveram sua

linguagem ao ponto de terem seus próprios compositores e intérpretes, o mesmo

não aconteceu com o frevo. O violonista pernambucano que teve estudo formal

em geral domina e sola choros, mas raramente frevos. Atualmente, podem-se

encontrar muitas partituras bem editadas de Pixinguinha, Jacob do Bandolim e

tantos outros, sem falar na bossa-nova e nos compositores cariocas como Chico

Buarque e Tom Jobim, porém, quase nenhuma de frevo. Para o violonista

pernambucano o acesso à música carioca editada para violão esteve e ainda está

mais acessível.

São exemplos de frevo-canção: É de amargar, Chapéu de Sol Aberto e Oh

Bela (Capiba); Hino de Elefante (Clídio Nigro); e Hino de Pitombeira (Alex

Caldas).

16 O bandolinista Marco Cesar e os violonistas Henrique Annes e Bozó.

Page 36: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

25

1.6 Frevo-de-Bloco

“Escuta Apolônio o que eu vou relembrar: os Camponeses, Camelo e Pavão, Bobos em Folia do Sebastião, também Flor da Lira com seus violões...” (João Santiago, Relembrando o passado)17

Aqui se encontra o que pode ser considerada a tradição do violão no frevo

de Pernambuco. Ainda chamado de marcha-de-bloco por alguns, possui como

características o andamento lento, por volta de 110bpm e 120bpm, e

instrumentação de madeiras e cordas (violões de sete e seis cordas, banjos,

cavaquinhos, bandolins, violinos, flautas, clarinetes, bombardinos e, em alguns

casos, até contrabaixo). Suas assim chamadas “orquestras de pau e corda”

(OLIVEIRA, 1946:19) acompanham um coro feminino de pastoras, geralmente

cantando em uníssono, que interpretam canções líricas repletas de nostalgia

carnavalesca, falando de amor e saudade, ou que exaltam seus clubes e

agremiações. Esse foi “o início da efetiva participação feminina no carnaval de rua

do Recife” (VILA NOVA, 2007:76).

“Recebeu influência musical dos saraus e serenatas e obedece a uma forma igual a do frevo-canção: uma introdução, parte A e B, tocado duas vezes no total. Por vezes são chamadas também de marcha-regresso, termo usado para designar as músicas cantadas no final do cortejo, de volta à sede” (IPHAN, 2007).

Tradicionalmente, era tocado nos clubes em festas fechadas, em que as

famílias de classe média preferiam pagar para se divertir, em vez de sair à rua e

participar do carnaval dos clubes pedestres e maracatus, que com suas raízes no

entrudo18, era considerado perigoso e de “pouco respeito” (VILA NOVA, 2006:76).

“Nesta brincadeira (...), a distinção entre os espaços privados – o lugar das

classes mais abastadas – e os públicos – o lugar do povo – era nítida.” (IPHAN,

2007)

17 João Santiago dos Reis: compositor do Bloco Batutas de São José, instrumentista e folclorista, nascido no Recife, em 1928. Em 1982, a Fábrica Rozenblit produziu um disco em sua homenagem e os 50 anos do Bloco Batutas de São José (LP 90021), reunindo diversos frevos-de-bloco. 18 Folguedo carnavalesco violento, aconteceu desde meados do século XVI, persistindo, com esse nome, até as primeiras décadas do século XX.

Page 37: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

26

Aparentemente, os resquícios dessa distinção de classes sociais ainda

estão vinculados aos diferentes tipos de frevo no dias de hoje. De acordo com

Vila Nova (2007:35), as origens sociais do frevo-de-bloco e do frevo-de-rua foram

diferentes. O frevo-de-rua está

“(...) de modo geral vinculado às camadas mais baixas da sociedade e às categorias profissionais ligadas ao trabalho proletário, a partir dos clubes pedestres; enquanto o frevo-de-bloco tem sua origem relacionada à classe média residente nos bairros centrais do Recife, como São José, Santo Antônio e Boa Vista.”

Hoje em dia, as troças que executam frevo-de-bloco saem às ruas com

freqüência, mas seu público continua sendo, predominantemente, famílias que

evitam as confusões das grandes orquestras.

Essa aura familiar, de bons costumes, se reflete diretamente na linguagem

de acompanhamento desenvolvida no violão. O frevo-de-bloco não é

necessariamente uma música cheia de conflitos como o frevo-de-rua. O violão

tem sua função bem delimitada nos blocos, que é a de executar a parte rítmica

dobrando algumas linhas de baixo com as tubas ou os trombones. O instrumento

aqui não trabalha os contrapontos nele mesmo: toca-se as harmonias ou os

fraseados graves em diferentes momentos.

Valdemar de Oliveira descreve algumas características típicas do frevo-de-

bloco, incluindo o violão em seu universo: “invenção de violonista, brincadeira

para as jovens que não agüentam rojão do frevo, grêmios familiares para moças,

braço com braço, o pai por perto pegado num violino ou um violão.” (apud VILA

NOVA, 2007:51). Nota-se que o violino e o violão são instrumentos usados nas

serenatas pernambucanas até os dias de hoje.

Uma característica exclusiva do frevo-de-bloco é começar tradicionalmente

com um apito do maestro, ao que a orquestra responde com o acorde do tom da

música. Logo após o término do acorde, o surdo toca uma nota que sugere o

andamento da música e começa a introdução. São exemplos de frevo-de-bloco:

“Madeira que Cupim Não Rói” (Capiba); “Evocação No. 1” e “Frevo de Saudade”

(Nelson Ferreira).

Page 38: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

27

Segundo o IPHAN (2007):

“As diferenças melódicas entre estes tipos de frevo podem ser vistas como relacionadas com o ethos viril do frevo-de-rua (associado ao masculino), em contraste com o ethos lírico do frevo-de-bloco (associado ao feminino). O frevo-canção seria um intermediário entre os dois modelos, embora mais próximo do frevo-de-rua. Assim, é no frevo-de-rua que encontramos o caráter melódico mais típico do frevo. As melodias dos outros tipos de frevo são de fato vocais.”

Essa colocação é a que melhor esclarece as diferentes naturezas do frevo,

que devem ser observadas ao serem transferidas para o violão. O instrumento

não trabalha como os sopros ou a voz, cujas notas, emitidas pelo ar, podem ser

controladas em sua dinâmica e duração. O violão não pode interpretar uma

melodia cantabile com a mesma eficiência. Porém, sua técnica de ataque das

notas não depende do fôlego do intérprete, que pode tocar notas sem interrupção,

quase ilimitadamente. “O violão é um instrumento macho” (ALAN, 2002) 19. Pode-

se concluir que o frevo-de-rua, que não criou uma tradição ao violão, mesmo

assim é compatível com o mesmo, devido, por exemplo, às suas melodias

ligeiras. Por não ter a mesma preocupação com o andamento, o violão, assim

como outros instrumentos de corda, pode executar suas melodias com maior

precisão. Assim, o “caráter melódico mais típico do frevo” pode ser totalmente

adaptado ao violão.

Muito de sua linguagem ainda não foi traduzida para esse instrumento. Isso

resultaria naturalmente em uma modernização do gênero, porque seria criada

uma nova maneira de interpretá-lo. Alguns aspectos técnicos e sonoros mudam,

mas sua essência permanece. A resistência de alguns em relação à possibilidade

de renovação do frevo talvez também contribua para que esse não fosse mais

experimentado no violão. A seguir discutiremos o caráter conservador que

sempre esteve presente no frevo.

19 Graça Alan é violonista, professora do Bacharelado em Violão da UFRJ. Depoimento em sala de aula.

Page 39: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

28

1.7 Modernização versus Tradição

“... os conflitos e tensões que também constituem o frevo, e/ou são constituídos por ele...” (IPHAN, 2007)

Mário de Andrade (1944:31) afirmou que o frevo “É um verdadeiro título de

glória, que o país ignora”. Essa afirmação parece ser atual quando lembramos

que não foi encontrada nenhuma orquestra de frevo fora de Pernambuco além da

Frevo Diabo. O interesse dentro da academia pelo frevo ainda é pequeno nos

dias de hoje. São quase inexistentes as dissertações e teses encontradas fora de

Pernambuco e mais ainda fora do Nordeste. Isso se reflete também na edição de

partituras. Poucos compositores tiveram a iniciativa de editar suas próprias

músicas, o que torna o acesso restrito a esse material. São poucos os arranjos de

orquestra disponíveis na internet. É necessário ir até Recife ou Olinda para se

aventurar a descobrir algumas partituras, não acessíveis em livrarias e raramente

em bibliotecas, que estejam, eventualmente, na posse de alguns poucos músicos

que trabalham com o frevo. Para divulgá-lo seria preciso que alguma editora, com

distribuição nacional, se interessasse por esse trabalho. Partituras de violão são

ainda mais raras e boa parte de seus arranjos estão conservados apenas na

memória de quem os elaborou.

Em Pernambuco, também o maracatu rural, o caboclinho e vários outros

gêneros musicais ainda se encontram isolados no local de nascimento, com

raríssimas gravações e partituras editadas. A inconteste falta de divulgação de

alguns gêneros regionais está ligada à questão do perigo de seu

desaparecimento e de como evitá-lo, o que suscita muitos debates e disputas.

Com relação ao frevo, apresentam-se três opiniões de importantes músicos sobre

essa questão: Guerra- Peixe, Antônio Maria20 e Ulisses de Aquino21.

Segundo Guerra-Peixe:

“Infelizmente a notável tradição do frevo está condenada a desaparecer, quando o carioca começar a produzi-lo e quando os recifenses começarem a dar ouvido a essas banalidades – como

20 Compositor de frevos-canção, autor de “Frevo No. 1 do Recife”. 21 Compositor de frevos-de-rua.

Page 40: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

29

aconteceu no ano passado (...) com o frevo que nos veio de... São Paulo” (apud CASSOLI et al., 2007:68)

Antônio Maria pensava o oposto:

“(...) é preciso encontrar uma maneira de levá-lo ao mundo. Isto é, descobrir um modo de simplificá-lo (mesmo adulterando-o), até torná-lo possível ao gosto e aos nervos do mundo.” (apud CASSOLI et al., 2007:67)

E para Ulisses de Aquino:

“O nosso frevo precisa sair de onde está e apresentar-se ousado e inédito. Anos a fio, o frevo ostenta uma uniformidade alarmante.” (in CASSOLI et al., 2007:67)

O próprio jornalista José Teles, recentemente, afirmou:

“Embora no carnaval de Recife e Olinda, com um número de foliões que aumenta a cada ano, o frevo seja a música predominante (apesar de dividir espaço com outros ritmos pernambucanos, inclusive com o manguebeat), a verdade é que o frevo não se renovou em três décadas. (...) E o frevo, além de não se modernizar _ ou por isso mesmo _, distanciou-se das novas gerações de músicos.” (TELES, 2000:38)

Ao que tudo indica, essa questão sempre foi polêmica e aponta um tabu

em relação ao frevo que pode ter ajudado a deixar uma lacuna na história de sua

divulgação no país. Acredito ser essa questão um dos motivos mais importantes

para a falta de registro e debate em relação ao gênero que tem por sua vez

consequências no repertório violonístico. Alguns músicos pernambucanos

chamam a atenção para o fato de que os tradicionalistas ainda não consideram

como frevo aquele que não satisfaz ao gosto “popular”, classificando os frevos de

concerto como música “erudita” 22. Segundo o mesmo raciocínio, talvez os

“Choros” de Villa-Lobos não seriam choro. Alguns festivais de frevo já

desclassificaram ou deram notas baixas a composições de alto nível, que

segundo o júri eram sofisticadas demais para ser “frevo”. Isto aconteceu uma vez

ao compositor pernambucano Armando Lobo23, que teve um frevo de sua autoria

não classificado para o festival Recifrevo, mas, no entanto, foi convidado a fazer

parte do júri. Também Ademir Araújo sofreu com esse tradicionalismo no

22 Marco César (2007) em depoimento pessoal. 23 Armando Lôbo (2005) em depoimento pessoal.

Page 41: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

30

Concurso da Prefeitura, em 1965, com o frevo “No Ano 2000”, obtendo nota baixa

do júri, de que fazia parte o pesquisador Valdemar de Oliveira. Oliveira explica

esse episódio:

“Chamou-me particularmente a atenção o frevo ‘No Ano 2000’, de Ademir Araújo. Dei-lhe, como a maioria dos juízes, nota baixa. E isso simplesmente porque não é um frevo de rua típico, o capaz de arrastar multidões, o que atiça o passista. Transcende do popularesco para chegar ao semi-erudito, por força dos seus caprichos de composição, seus ousados acordes, sua fatura de qualidade superior.” (OLIVEIRA apud ARAÚJO24, 2007)

Há uma clara separação entre “erudito” e “popular”. Nestes exemplos, ao

contrário do que era comum no século XIX, o aparente preconceito é do músico

“popular”, que exclui e não agrega o “erudito”. O conservadorismo também existe

na música popular, impedindo-a de se desenvolver na própria linguagem,

fechando portas para iniciativas de pessoas talentosas. Consta que “a separação

entre a música erudita e a música popular” também chamou a atenção do

compositor pernambucano Marlos Nobre, “... que ele não entendia, mas que,

posteriormente, seria objeto de profunda reflexão e teria um papel central em sua

estética” (SILVA, 2007:10). Nobre, que compôs frevos inclusive para sinfônica, ao

ingressar no Conservatório Pernambucano de Música foi advertido pelo diretor:

“aqui é lugar de música séria, você não pode tocar essa música de rua” (SILVA,

2007:10). Nesse caso o preconceito é do “erudito” que exclui o “popular”.

As idéias de Mário de Andrade despertaram o interesse de Marlos Nobre e

o fizeram concluir que, para o melhor da música no Brasil,

“a separação da música popular e da clássica ou tradicional (...) cabia aos compositores amalgamá-las em um todo resultante. Quer dizer, pra mim era a solução de um problema que me angustiava.” (Marlos Nobre apud SILVA, 2007:11).

Essa idéia parece ser a mais interessante do ponto de vista da presente

pesquisa, pois acreditamos ser a mais construtiva para o aprofundamento e

compreensão da música brasileira. A fundição dos estereótipos “popular” e

“erudito” e, conseqüentemente, o desaparecimento desses termos

24 Fonte: encarte do CD “E o Frevo Continua ...”, gravado em 2007 pela Orquestra Popular de Recife, sob a batuta do Maestro Ademir Araújo.

Page 42: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

31

definitivamente, parecem ser o caminho mais coerente com a essência da música

nascida no Brasil: a junção de tantas outras. Acreditamos que o violão, pelo

histórico de tantos violonistas bem sucedidos em integrar o instrumento em

diversas situações musicais, pode se adequar a qualquer gênero nesse país.

Se Armando foi convidado a fazer parte do júri e Ademir teve um frevo

chamado de “qualidade superior”, é porque são considerados músicos de gabarito

no que diz respeito ao frevo. Mas parecem transbordar as delimitações para o

gênero criadas por alguns em função de uma suposta qualidade “popular”. Onde

está a democracia, alma do frevo, como definem estudiosos, nesse raciocínio?

Por que existe o interesse de alguns em que o frevo se mantenha “popular”? É

notável a maneira como os universos “erudito” e o “popular” buscam sempre

delinear seus espaços muitas vezes um querendo excluir o outro.

Em 2001, o musicólogo dos Estados Unidos, Larry Crook, durante a

temporada de oito meses que passou no Recife pesquisando ritmos nordestinos

para a Universidade da Flórida, notou o quanto a questão tradição versus

modernização ainda existe. À época, O Caderno C do Jornal do Commércio

relatou:

“... Crook agora focaliza sua pesquisa no frevo. No Recife, entrevista vários arranjadores. ‘Quero saber como funciona o frevo hoje’, diz. Numa primeira análise, pareceu surpreso com a tensão que há entre tradição e modernidade. Crook acredita que o frevo deva ser conservado como algo tradicional, mas abrindo espaço para músicos criativos. ‘Daqui a uns cinco anos, uma pessoa vai fazer algo muito interessante com o frevo.’ “(TOLEDO, 2001:19)

A visão do estrangeiro pode ser interessante porque expõe a análise

distanciada de alguém que não tem o frevo como parte de sua cultura. Sua

surpresa com a “tensão que há entre tradição e modernidade” confirma a

impressão obtida através de nossas entrevistas.

Se em torno do frevo existe resistência por conta dos músicos

tradicionalistas, então começa a ficar clara uma das hipóteses para o fato de o

mesmo não ter se desenvolvido profundamente ao violão. Sua tradição é de

instrumentos de sopro solistas, logo, por que transformá-la ao violão?

Inevitavelmente, quanto mais se desenvolver o frevo no instrumento, mais se

Page 43: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

32

criarão elementos novos da própria linguagem violonística no gênero e, claro,

vice-versa. Assim como a guitarra elétrica propôs uma nova linguagem em tantos

gêneros musicais no mundo todo, inclusive no frevo, o violão pode propor novos

caminhos. Basta imaginarmos se um violonista de importância revolucionária,

como incontestavelmente foi Baden Powell, tivesse se dedicado ao frevo.

Certamente haveria uma nova maneira de fazer frevo, como Baden criou uma

nova maneira de tocar o samba.

É importante notarmos que o frevo ainda se encontra reservado a

Pernambuco. A ampliação de suas fronteiras geográficas implica na divulgação e

inevitável transformação do gênero, compreendidas aqui como um

desenvolvimento positivo da sua linguagem. Tal desenvolvimento pode não

significar descaracterização do frevo, mas recriação da maneira de fazê-lo, para

que sobreviva. Alguns músicos25 expressaram em entrevista suas insatisfações

quanto à falta de divulgação e interesse de renovação do gênero. Ademir Araújo,

por exemplo, declarou não ter ouvido até hoje alguém fazer o frevo que ele

gostaria de ouvir: mais ousado e transcendendo as barreiras entre a rua e as

salas de concerto. Armando Lôbo chamou a atenção para o fato de as formas

frevísticas serem ainda as mesmas, e as harmonias idem. Segundo ele falta

explorar mais os contrapontos que a linguagem do frevo oferece. Marco César

explicou que faltou aos maestros darem mais atenção aos instrumentos de corda,

principalmente o violão. Bozó acha que a música tradicional pernambucana de

forma geral merece mais cuidado, assim como seus músicos. Alguns observaram

que a tendência das novas bandas de rock ao misturarem elementos eletrônicos e

instrumentos elétricos, apesar de agradar a nova geração, não necessariamente

representa uma renovação da linguagem como um todo. Essa renovação foi feita

de maneira parcial e ainda estão em aberto muitas possibilidades de criação e

ousadia que possa apontar outros caminhos. Isso não diz respeito à

instrumentação de tais bandas, tendo em vista que guitarras elétricas deixaram de

ser novidade há cinquenta anos atrás. Falta um comprometimento maior com o

aprofundamento estético-musical que não aponte somente os caminhos da

música “pop”. Talvez compositores como Marlos Nobre e outros que tenham

25 Em depoimento pessoal.

Page 44: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

33

como objetivo em geral a sala de concerto, tenham feito um trabalho diferenciado.

Mas mesmo assim ainda há caminhos que não foram tentados. Essa instigação

de criação encontrada nesses músicos citados acima é bem retratada por Pablo

Picasso quando diz que: "Só um sentido de invenção e uma necessidade intensa

de criar levam o homem a revoltar-se, a descobrir e a descobrir-se com lucidez” 26. Chamamos a atenção para o conceito de inovação de Jacob do Bandolim para

esclarecer esse raciocínio:

“... o que Jacob sempre repudiou não foi a inovação em música, visto que ele era um inovador, mas a deturpação do gênero em função de influências externas impostas muitas vezes pela massificação cultural.” (CARRILHO apud BECKER, 1996:82)

Essa questão é interessante porque independentemente de qual seja a

opinião de cada um, às vezes os limites entre inovação e deturpação são

controversos e é importante termos em mente que essa discussão não acabe

paralisando a criatividade artística. Um ideal de inovação muito radical pode ser

limitador. O que pode ser considerado inovação ou deturpação? Depende se o

resultado da criação tem valor artístico. Essa discussão corre o risco de parecer

muito subjetiva e acabar sendo como as críticas do filósofo Nietzsche ao

compositor de óperas Wagner: por mais que Nietzsche tivesse bons argumentos

filosóficos contra Wagner, sua música é reconhecidamente inovadora e genial27.

Dessa forma o violão pode fazer sentido em qualquer gênero musical,

dependendo do talento e da sensibilidade de quem o traduz e o transforma no

instrumento. Poeticamente falando é simples: um poema pode ser apenas

simples palavras ou poesia profunda, dependendo da qualidade do poeta.

Por fim, o dossiê apresentado ao IPHAN como proposta para inclusão do

frevo como registro de bem imaterial conclui nossa discussão:

“Se em sua origem o frevo representava, ou condensava as resistências de classe e de raça, a análise do frevo de hoje não deixa de apontar para uma outra forma de resistência: a de formas de expressão tradicionais num contexto de culturas de massas e de globalização de produtos culturais.” (IPHAN, 2007)

26 Frase encontrada no site português “CITADOR”

(http://www.citador.pt/citacoes.php?Pablo_Picasso=Pablo_Picasso&cit=1&op=7&author=95&firstrec=20) 27 “Nietzsche contra Wagner” (Nietzsche,1889).

Page 45: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

34

Essa declaração mostra que as tensões relativas ao frevo mudaram de

plano. Se antes era no plano da classe e da raça, agora é no plano da cultura:

tradição versus globalização. Várias manifestações culturais, que antes tinham

outros significados, recentemente ganharam esse significado de “tradição” por

causa da globalização. Não é só com o frevo, é no mundo todo. Manifestações

artísticas de um povo vão ganhando significados político-identitários, o que, se

por um lado lhes dá visibilidade pública (“Cem anos de Frevo”, festividades,

registro de bem imaterial, “expressão cultural autêntica do Brasil”, e vários outros

acontecimentos e discursos que dão visibilidade ao frevo), por outro podem

funcionar um pouco como uma camisa de força, restringindo a criatividade e

inovação. Atender aos princípios tradicionais do frevo eternamente ou modernizá-

lo de acordo com referências massificadoras não dão a dinâmica que um gênero

precisa para se perpetuar.

1.8 Cem Anos de Frevo: Patrimônio do Brasil

“Estamos difundindo o frevo como uma importante expressão cultural do Brasil, fruto da criatividade nordestina e vocacionado para ultrapassar limites, divisas, fronteiras, irradiando a sua força e o seu encanto dentro e fora do país - antes, durante e depois do ciclo carnavalesco.” (FALCÃO, 2008:4)

Como foi citado no subtítulo “Etimologia” (seção 1.1), a partir do

reconhecimento da data 9 de fevereiro de 1908 como sendo o primeiro registro da

palavra “frevo”, a data passou a ser simbolicamente a refêrencia para o

nascimento do gênero. A partir disso deu-se, esse ano, o seu centenário com

investimentos oficiais do governo para que o mesmo fosse divulgado e

comemorado. A declaração acima deixa clara a intenção de levar o frevo para

além de Pernambuco e da época carnavalesca, inclusive divulgando-o

internacionalmente.

Foram gravados e remasterizados CD´s de frevo, lançados livros como

"Frevo: 100 Anos de Folia" (CASSOLI et al., 2007) promovidas festas e sobretudo

concertos com muitas orquestas no dia 9/02/2008. Segue a agenda elaborada

para o dia de seu aniversário publicada no Boletim Diário da Prefeitura do Recife,

coordenadoria de comunicação social:

Page 46: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

35

Fonte: Boletim Diário - Prefeitura do Recife, Coordenadoria de Comunicação Social,

9 de fevereiro de 2007

Figura 1: Agenda do Centenário do Frevo

Agenda do Centenário

6h - Acorda Povo com orquestras de frevo nas seis RPAs e queima de fogos;

6h30 - Clarinada com 12 clarins no Marco Zero;

8h – Atrás da Orquestra: diversas orquestras itinerantes e de tradicionais blocos líricos do carnaval do Recife percorrerão 19 pontos do Recife (Conde da Boa Vista, Praça da Independência, Praça do Carmo, Pátio de São Pedro, Guararapes, Sete de Setembro, Rua Nova, Duque de Caxias, Rua Direita, Rua do Sol, Mercado de São José, Rua do Hospício, Rua da Imperatriz, Parque da Jaqueira, Aeroporto, Parque 13 de maio, Av. Brasília Formosa e no bairro de Boa Viagem, estará entre o 1º e o 3º jardim, além da Praça de Boa Viagem);

9h - Lançamento do Paço do Frevo, uma parceria entre a Prefeitura do Recife e a Fundação Roberto Marinho, no prédio da Western, nº 91, Praça do Arsenal da Marinha;

10h – Homenagem a 100 personalidades ligadas ao frevo no Teatro do Parque;

14h – Reunião fechada do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN), na Sacristia da Igreja São Pedro dos Clérigos, no Pátio de São Pedro, bairro de São José, para análise do pedido da Prefeitura do Recife para que o Frevo obtenha o Registro de Patrimônio Imaterial do Brasil;

16h30 – Concentração para o Arrastão do Frevo sob o comando de Antônio Nóbrega;

17h – O Ministro Gilberto Gil anuncia o resultado do Registro do Frevo como Patrimônio Imaterial do Brasil;

17h30 – Saída do Arrastão do Frevo;

19h30 – Chegada do Arrastão do Frevo no Marco Zero com Queima de Fogos;

20h – Show de lançamento do CD duplo 100 Anos do Frevo – É de perder o sapato, produzido pela Prefeitura do Recife em parceria com a Biscoito Fino;

22h – Show com a banda A Troça, resultado do projeto O Frevo, com participação de 22 músicos da nova cena pernambucana tocando frevo

Page 47: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

36

Segundo Lygia Falcão28, a Prefeitura

“... vem desenvolvendo, desde 2006, um projeto que não se limita às comemorações festivas e ao período do Carnaval, mas se desdobra em programas e ações voltados para a preservação, a difusão, o estudo, o apoio aos compositores e intérpretes e às agremiações carnavalescas.” (FALCÃO, 2007:6)

O principal CD gravado nesse projeto chama-se “100 Anos do Frevo. É de

perder o Sapato". Um CD duplo que se divide em instrumental (CD 1) e cantado

(CD 2) e conta com a participação de vários artistas populares brasileiros

interpretando frevos-canção e frevos-de-bloco. São eles Gilberto Gil, Lenine,

Maria Rita, Alceu Valença, Maria Betânia, Vanessa da Mata, Elba Ramalho,

Claudionor Germano, Ney Matogrosso entre outros. O CD instrumental contém

frevos-de-rua tradicionais interpretados pela orquestra Spok Frevo e, inclusive,

uma faixa sinfônica intitulada “Fantasia de Carnaval”. Nota-se que ao dividir esse

projeto em dois CDs, divide-se o frevo em suas duas vertentes discutidas nessa

pesquisa que refletem no violão: solo (instrumental) e acompanhamento

(cantado). No caso foi utilizada mais a guitarra do que o violão nas gravações em

função da identidade jazzística da “Spok Frevo”. A divisão entre os frevo-de-bloco

e frevo-de-rua ainda se faz presente nos dias de hoje.

Foi feito um convênio junto a Fundação Roberto Marinho para fundar o

“Passo do Frevo”, espaço que contará com “... um centro de pesquisa, auditório,

estúdio de gravação, salas de aula para a música e o passo, além de manter uma

exposição permanente sobre a história do frevo.” (FALCÃO, 2008:6)

A iniciativa mais ousada foi a parceria com a Estação Primeira de

Mangueira, que no ano do centenário promoveu um concurso de sambas-enredo

com o tema “100 Anos do Frevo, é de Perder o Sapato. Recife Mandou me

Chamar.” O samba vencedor foi cantado durante o desfile da Mangueira no

Sambódromo do Rio de Janeiro no dia 04/02/2008 durante o carnaval.

Durante as festas prévias que anteciparam essa semana foram promovidos

eventos na quadra da Escola que chegou a receber a Orquestra Popular do

Recife sob a batuta do maestro Ademir Araújo, o “Formiga”. Cantores como 28 Secretária de Gestão Estratégica e Comunicação Social da Prefeitura do Recife (2007)

Page 48: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

37

Claudionor Germano e o Coral Edgar Moraes também participaram cantando

frevos clássicos do carnaval pernambucano para uma platéia que pouco conhecia

tal repertório. Para dirigir o Coral, principalmente, nos frevos-de-bloco, o

bandolinista e maestro Marco César esteve presente.

Os personagens carnavalescos Pernambucanos, assim como a referência

a blocos tradicionais e às orquestras de frevo na Avenida, foram destacados nos

carros alegóricos e fantasias da Estação Primeira de Mangueira. Observa-se

assim o processo oficial de valorização e resgate do frevo, que pela primeira vez

teve sua cultura elevada a esse nível de exposição na mídia: em seu centenário.

A idéia de lançá-lo ao Sambódromo carioca reafirma sua essência carnavalesca,

cheia de tradições, personagens e costumes que caracterizam seus rituais

festivos, fundindo assim dois dos maiores caranavais do Brasil. A Apoteose, que

chega a ser o maior símbolo do carnaval brasileiro no exterior, é um palco de

celebração do samba de carnaval que também tem suas raízes na marcha. Logo,

o frevo ocupa seu espaço dentro dessa festa, reclamando pra si, também o posto

de uma cultura símbolo do carnaval brasileiro, e que reafirma sua tradição

centenária. Pode-se dizer que é uma contribuição didática do que ele representa

porque se traduziram alegoricamente os detalhes sociológicos e simbólicos que

estão agregados em sua música. Falar de frevo dificilmente é falar somente de

música.

O processo que se iniciou nos cem anos do frevo pretende criar uma

espécie de renascimento do gênero a nível nacional. A assimilação é lenta, mas

se aposta que sua música seja praticada e desenvolvida cada vez mais para que

se possa chegar ao nível de ser legitimada na alma do músico brasileiro de

maneira profunda, e não seja utilizada somente como um maneirismo, como se

observa na prática musical de muitos. O violão pode ganhar muito em linguagem

com isso.

Em 2007 ocorreu o pedido formal de inclusão do frevo no Livro das Formas

de Expressão como Patrimônio Cultural Brasileiro, que foi aprovado no ano

seguinte, na data de seu centenário, registrando um capítulo histórico em sua

trajetória. Pertence agora a uma lista de quatorze Patrimônios Imateriais, que

Page 49: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

38

inclui o Jongo e a Roda de Capoeira, por exemplo. O dossiê com 270 páginas que

foi entregue ao IPHAN (2007) junto a um vídeo-documentário, dentre tantas

qualidades do frevo discutidas nessa pesquisa, exaltou algumas dimensões sócio-

culturais como justificativa para a aprovação:

“O parecer da Superintendência Regional afirma suas razões favoráveis ao registro: a riqueza de uma expressão artística ao mesmo tempo popular e erudita diversidade cultural condensada no frevo, num processo dinâmico de diálogo entre várias tradições, não de um grupo étnico específico, mas como símbolo de “pernambucanidade”, e, num sentido mais amplo, de “brasilidade”. (...) História que não é apenas recifense, mas do Brasil, embora tenha sido aqui que estes elementos tenham culminado nesta expressão artística tão rica como é o frevo. Conhecer o frevo é conhecer um pouco mais do Brasil. (...) Reconhecê-lo é corroborar para preservar e ampliar os canais de participação, expressão, necessidades e visões de mundo, profundamente internalizadas e traduzidas numa manifestação tão singular musical e coreograficamente.”

É interessante observar que o dossiê o caracteriza como “popular” e

“erudito” ao mesmo tempo. Apesar do emprego dos termos “popular” e “erudito”

soarem ultrapassados para alguns, essas expressões ainda são utilizadas por

muitos. Isso sugere que uma segregação musical ainda existe e se expressa

através desses termos interpretados como opostos: erudito, a prática musical

decorrente da formalidade; e popular, decorrente da informalidade. No Brasil,

essa concepcão pode ser observada pelo fato de determinados instrumentos

tocados por muitos músicos, ainda não fazerem parte dos cursos de graduação

em música. Podemos citar a guitarra elétrica e o contrabaixo elétrico como

exemplo. Quando o IPHAN utiliza “popular” e “erudito” como qualidades do frevo,

isso reafirma nossa discussão a respeito de como o gênero abarca tantos

universos num só, característica revelada ainda quando diz que o frevo vem de

um diálogo de diversas tradições e não pertence a um grupo étnico específico.

Sua identidade plural traduz uma característica essencialmente brasileira

revelando que seria limitador supor que sua natureza não seja sofisticada,

atribuindo essa qualidade a uma suposta elitização da música, o que pode ser um

equívoco já que, tendo nascido no “povo” em meio a festividades, se conclui que

o mesmo o sofisticou. Ou seja, o frevo já nasceu sofisticado e a idéia de recriar

sua sofisticação não deveria ser encarada como uma forma de transformá-lo em

Page 50: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

39

erudito e elitizado, e sim como seu caminho natural. A inserção do violão não

deveria ser um problema e sim uma consequência: para o instrumento que é

considerado o mais popular do país e para um gênero que reclama para si a

democracia.

Ao obter o aval do IPHAN, houve uma legitimação formal do frevo obtida

com o intuito de preservá-lo para que se torne parte da memória das novas

gerações. Vale ressaltar que nossa pesquisa se dá num momento de transição,

onde a história do frevo dá um salto na tentativa de se transformar em história do

brasileiro, para que o mesmo não seja lembrado somente pelos seus pais

criadores. Pergunta-se: será que o registro no IPHAN pode ampliar o interesse, as

gravações e o registro formal, resultando em uma produção violonística? Será

que vai reforçar a linguagem tradicional, já que a preservação é um dos objetivos

fundamentais do registro, ou vai abrir portas para novas linguagens e

experimentações, já que a divulgação também é uma das motivações do registro?

O resultado desses esforços de preservação e divulgação só serão observados

com o passar do tempo.

1.9 Rozenblit

É imprescindível discutir a importância da gravadora e fabricante de discos

que tinha o sobrenome de seu fundador José Rozenblit, lojista da “Loja do Bom

Gosto” na Rua da Aurora em Recife, para entendermos como o frevo teve um

suporte formal e comercial para sua produção e desenvolvimento resultando em

sua época áurea. Foi graças a essa gravadora que o frevo teve a oportunidade de

ser registrado em suas diversas facetas e, posteriormente, deixado de lado

quando a fábrica faliu na década de 1980. Considerada a “única grande

gravadora brasileira fora do eixo Rio-São Paulo” (apud SOBRINHO, 1993:14)

tinha sua matriz em Recife e filiais no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.

Obteve uma grande abrangência para uma gravadora que trabalhava com

gêneros regionais de um pequeno estado que não pertencia à produção musical

feita no Sudeste. A idéia de um regionalismo, idealizada inclusive pelo sociólogo

Gilberto Freyre, ajudou a dar impulso a tal iniciativa. Se compararmos com o início

Page 51: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

40

do século XXI, onde o ideal de globalização é romper barreiras regionais,

podemos entender essa diferença. Anteriormente ainda havia a necessidade de

construir e afirmar uma identidade regional para que possamos sugerir que, talvez

hoje, tenha sido substituída pela necessidade de reafirmar essa identidade já

construída: reafirmar-se brasileiro confirmando um regionalismo idealizado no

passado, exaltando-o romanticamente.

“... alguns empresários nordestinos acreditaram no discurso desenvolvimentista nacional e regional (..) e investiram em seus estados, criando obras importantes, mas que não puderam suportar a concorrência com os empreendimentos do centro-sul, notadamente após o golpe de 1º de abril de 1964. Como explicar esta loucura? Esta ‘loucura’ tem nome: regionalismo; e no caso de Rozenblit, sobrenome: pernambucanidade” (SOBRINHO, 1993:15)

A iniciativa do empresário Rozenblit não deixa de ter sido um investimento

ousado numa época em que o Nordeste estava economicamente em baixa após a

Segunda Guerra e o samba já fazia sucesso. Segundo Antonio Sobrinho (1993), a

gravadora teve importância fundamental na formação da memória fonográfica de

artistas nordestinos que vieram depois como Elba Ramalho, Alceu Valença,

Geraldo Azevedo, Quinteto Violado, Banda de Pau e Corda, Carlos Fernando, Zé

Ramalho, Amelinha, Fernando Filizola e tantos outros. Hoje ainda seu catálogo

raro é a maior referência na discoteca dos interessados no gênero. Como quase

nenhum LP foi relançado no formato de CD, é possível encontrar uma grande

quantidade deles sendo vendida de forma clandestina nas ruas de Recife em

camelôs, todos a preço bem abaixo do mercado, como pudemos observar no

local.

A Rozenblit

“marcou toda uma geração de pernambucanos: maestros, arranjadores, músicos, compositores, autores, intérpretes e consumidores que dedicaram parte de suas vidas ao funcionamento deste projeto. O frevo se tornou conhecido nacionalmente graças a Rozenblit...” (SOBRINHO, 1993:15).

Como os EUA tiveram a gravadora Blue Note, que foi fundamental na

descoberta de novos artistas de jazz e registro de suas carreiras musicais, temos

a Rozenblit que abarcou toda a produção frevística em Pernambuco durante sua

Page 52: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

41

existência de 1953 a 1984 com seu selo “Mocambo”. Diz-se inclusive que “José

Rozenblit, presidente da gravadora, monopolizou o mercado (exigia, inclusive,

exclusividade, de cantores e compositores)...” (TELES, 2007:32).

Segundo Teles a disputa entre a música pernambucana e carioca no

carnaval era acirrada, exigindo da gravadora um investimento alto em divulgação.

José Rozenblit distribuía os discos junto às emissoras de rádio e, fato importante,

“(...) espalhava as partituras dos lançamentos para o carnaval com as centenas

de orquestras que animavam a folia, na rua e clubes do Grande Recife.” (TELES,

2007:33)

Onde estariam essas partituras agora? Talvez difundidas pelas bibliotecas,

escolas de música ou guardadas por alguns músicos? Perguntas essas que não

foram respondidas nessa pesquisa, pois as partituras (para sopros e para violão)

encontradas não informavam nenhuma ligação com a gravadora.

Com preocupação mercadológica parecida com a dos dias de hoje, os

discos eram lançados em setembro para que tivessem um período de pré-

divulgação comercial e atingir seu auge no carnaval, quando um número

significativo de pessoas já teriam memorizado as composições. E no caso das

instrumentais? O povo também decorava as melodias dos sopros na época?

Provavelmente, porque atualmente podemos encontrar desfiles de orquestras

instrumentais onde o povo canta junto suas sofisticadas melodias. Segundo o

maestro Oséias29 (2007) sempre foi assim, é surpreendentemente comum.

Portanto, é possível que no auge de sua divulgação as pessoas cantassem muito

mais qualquer tipo de frevo, resultando num grande processo de musicalização

em massa, rompendo na prática com qualquer tipo de preconceito entre música

instrumental e cantada. “Erudito” e “popular” muito menos cabiam nesse contexto.

Mas os tempos mudaram:

“Os discos de frevos continuam sendo lançados, sem divulgação, e sem execução no rádio e TV, portanto, não chegam ao povo. O frevo foi perdendo espaço para a música da moda, o sucesso pop de meio-de-ano acaba sendo o sucesso do carnaval. A culpa não é só dos meios de comunicação. Os músicos não têm acesso fácil

29 Em depoimento pessoal em sua casa em Olinda durante o carnaval de 2007.

Page 53: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

42

ao frevo, música que exige conhecimentos formais, de orquestração, arranjo, e livros com partituras de frevo são praticamente inexistentes no mercado.” (TELES, 2007:33)

Assim como o compositor Edu Lobo já foi um dos artistas brasileiros que

mais tiveram discos vendidos em outras épocas, segundo Teles (2007), o frevo já

foi uma das músicas campeãs de vendagem e de execução nas rádios. Isso não

é uma mera coincidência, o nosso país já teve um período em que uma música

considerada de boa qualidade era reconhecida e vendida pelas grandes

gravadoras. Edu Lobo (apud ALBUQUERQUE, 2006:148) critica o momento atual

para o mercado de música em geral:

“ (...) Nenhuma música do "Cambaio" (disco da peça teatral homônima com canções de Edu Lobo e Chico Buarque) tocou no rádio, nenhuma. O disco do Chico, o último(...)não tocou no rádio, porque a gravadora não estava a fim de pagar sei lá o quê, hoje em dia tudo é pago. Não tava a fim de pagar porque a edição também não é dela e, enfim, é um jogo...(...) Quando eu falo isso, que essa época é muito pior do que foi a censura de 64, eu tenho certeza disso. Eu acho que a gente vive uma época quase que stalinista, quase ou exatamente, em que existe um master, um dono, que regula, e fala: "Isso aí não pode." Por diversas razões, ou porque ele não vai ter controle sobre esse trabalho, ou porque é um trabalho considerado sofisticado demais, ou por uma coisa mais vagabunda ainda, desculpe o termo, que é uma coisa assim: "Eu não vou participar disso aí." Por exemplo, chega um grupo novo de pagode, os compositores todos dão as edições para as editoras das gravadoras e essas músicas então são tocadas no rádio porque são compradas, quer dizer, os horários são comprados(...) Você paga, você compra aqueles três minutos para aquela música tocar, então você pode comprar 30 execuções daquela música por rádio por dia, ela vira um sucesso nacional, de tanto tocar, ela vira. Então eu acho que é isso. Quando eu comecei as pessoas eram contratadas pelas gravadoras(...)O cara cantava e era contratado no dia seguinte para fazer três discos. Aí o primeiro não vendia, vamos fazer o segundo, o terceiro, e vamos recontratar...(...) fazendo paralelo em arte, você vê muita gente que dá bico para trás e está supostamente em primeiro lugar, entre aspas.(...) o que eu acho mais grave ainda é que na própria indústria você vê, você sente a falta de pessoas do nível do Aluísio de Oliveira(...)pessoas que você pode falar de música... e você tá falando com um cara de gravadora de música, ele não sabe nem o que você está dizendo, porque ele entende de mercado. Como você não entende de mercado, o papo fica impossível, você fala uma coisa, ele ouve outra. Parece que os dois estão certos, mas é japonês com holandês, sei lá... é a chamada conversa impossível."

Page 54: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

43

Se compararmos com a crítica do músico Ulysses de Aquino, já em 1941,

as insatisfações em relação a excessiva preocupação comercial que existe no

negócio da música, onde se chega muitas vezes a comprometer a essência

artística de um trabalho musical em função de suas vendas, têm muito em comum

com a época atual:

“Os representantes das casas de música acostumaram-se a só procurar ou dar preferência aos valores consagrados pela certeza do êxito do negócio, esquecendo que vão surgindo novos compositores que estão precisando de divulgação, de propaganda” (apud TELES, 2007:40).

Insatisfação essa que talvez tenha sido transformada com o surgimento da

Rozenblit. Pode-se observar então que a música brasileira teve uma época áurea

onde se somava, com mais equilíbrio, gravações de qualidade artístico-musicais

aos interesses comerciais. Houve a partir da década de 1960 o surgimento de

músicos como Edu Lobo e Tom Jobim, com reconhecimento internacional, e uma

valorização da nossa música incluindo tantos outros artistas que foram

registrados em LPs. Vários movimentos e iniciativas nesse sentido ajudaram a

elaborar alguma identidade musical popular brasileira aqui e no exterior. A

Rozenblit cumpriu essa tarefa com alguns gêneros de música nordestinos, mas

essencialmente com o frevo, chegando a ter até o compositor Nelson Ferreira

como diretor-artístico:

“O auge do sucesso radiofônico do frevo coincide com o apogeu da Rozenblit – de 1956 a 1970. A gravadora, no entanto, foi vitimada pelas constantes inundações do Rio Capibaribe, pela modernização do mercado de disco e pela entrada de multinacionais no País. Acabou fechando as portas em 1984. O frevo continuou sendo gravado, mas perdeu espaço no rádio e na TV. Paradoxalmente, o advento do CD, inicialmente, não trouxe mais discos do gênero.” (TELES, 2007:40).

Infelizmente a combinação de interesses entre ter qualidade artística e ser

comercial acontece pouco hoje em dia na indústria da música brasileira. Ou ainda,

o que é “sofisticado” é logo taxado de difícil, não comercial. Seria então o frevo,

que já foi sucesso popular no passado, hoje em dia considerado sofisticado

demais para nossa época? Teria sido perdida aí no meio do caminho a chance de

reinventá-lo no violão? Lembremos que o frevo realmente é uma música difícil de

Page 55: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

44

ser tocada e que mesmo assim foi praticada nas ruas tanto por músicos

amadores quanto profissionais. Em muitos casos foram, e ainda são, pessoas de

baixa escolaridade que tocam frevo. Muitas aprendem em cursinhos de música ou

por conta própria tendo aula com amigos. No caso do violão de acompanhamento

sua “escola” é tocar “de ouvido”. Notavelmente uma música difícil de ser

executada, e que não necessariamente se consolidou nas academias, teve sua

época áurea de vendagem comercial e agora não recebe atenção por parte da

mídia. Reportagens em jornais e televisão não fizeram o frevo ser incluído na

programação das rádios. Pelo menos não por enquanto. Talvez possamos

contabilizar mais um aspecto que tornou o frevo distante e pouco acessível, e

consequentemente sem significativa renovação: o preconceito.

“Ao final da década de 1980, o noticiário local foi sacudido pela decretação

de falência da Fábrica de Discos Rozenblit Ltda....” (SOBRINHO, 1993:13).

Page 56: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

45

CAPÍTULO 2

O Violão no Frevo

2.1 Orquestrações

Apesar das limitações que o instrumento possui em relação a uma

orquestra e até mesmo se comparado a um piano, o violão é grandioso em seu

universo único de possibilidades, dando conta de adaptar gêneros musicais que

não tem raízes na prática violonística, muitas vezes transcendendo seus limites.

Podemos citar Baden Powell com sua linguagem original, desenvolvida no samba.

Baden é influência para a maioria dos músicos que, de sua geração em diante,

tocaram samba ou outros gêneros brasileiros. Ele reafirmou a vocação que o

violão tem para se inserir e se desenvolver em qualquer tipo de música brasileira.

Aliás, vocação que Villa-Lobos30 já havia evidenciado em sua maneira de compôr

ao violão.

Baden fundou praticamente uma “escola” violonística, desenvolvendo a

música popular carioca da época em seu instrumento e somando-a à linguagem

tradicional européia do violão clássico, onde este se apresenta como solista,

funcionando como uma pequena orquestra. Além disso, evidenciou uma nova

maneira de pensar o instrumento, fazendo-o funcionar também como se fosse um

instrumento de percussão. Logo, Baden deu conta de adaptar um universo

orquestral, onde várias percussões somam-se exercendo diferentes funções

rítmicas de acordo com sua altura e timbre. Por exemplo, num momento o violão

imita o agogô, em outro o tamborim e, às vezes, mais de uma percussão ao

mesmo tempo. Baden Powell influenciou também Edu Lobo, ícone da geração

bossa-nova e que tem algumas de suas canções frevísticas como objeto desta

pesquisa:

30 Ver Estudos, Prelúdios, Suíte Popular Brasileira e Concerto.

Page 57: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

46

“(...) fosse seguir aquelas influências eu estaria frito; foi com o violão de Baden que eu achei uma linguagem mais próxima inclusive da minha história pessoal, as coisas de Recife” 31

Não precisamos ir muito longe na história musical de nosso país para

concluirmos que o violão é um dos instrumentos que mais simboliza nossa música

popular. Thomas Cardoso o define como “instrumento central em nossa música

popular” (CARDOSO, 2006:23). As qualidades do violão, assim como seu

significado histórico, são evidentes. Basta dizer que Villa-Lobos, Garoto,

Dilermando Reis, Zé Menezes, Cartola, Tom Jobim, Chico Buarque, Gilberto Gil,

João Bosco, Edu Lobo, Canhoto da Paraíba, Radamés Gnattali, Marlos Nobre,

Guerra-Peixe e tantos outros tocaram e compuseram no violão. O instrumento se

desenvolveu na maioria dos gêneros musicais brasileiros: maxixe, choro, chula,

samba, frevo, afoxé, baião...

Um trabalho importante que inspirou essa pesquisa é o livro editado em

2006 por Marco Pereira sobre ritmos brasileiros adaptados ao violão. Em alguns

casos, Marco transcreve a maneira popular como são executados e, em outros

exemplos, onde o violão não faz parte da cultura musical de um gênero, cria

maneiras de executá-lo propondo adaptações bem sucedidas. Ou seja, ainda é

possível abrir novos caminhos para o violão, e principalmente para a nossa

música, a partir da pesquisa, somando seus elementos musicais à linguagem de

qualquer instrumento. O frevo se inclui nesse livro junto a tantos outros gêneros.

Marco Pereira introduz esse trabalho justificando:

“... percebi a variedade de movimentos, tanto de mão direita quanto de mão esquerda, característicos do acompanhamento rítmico-harmônico dos diferentes tipos de canções populares e folclóricas. Constatei que havia uma série de conduções rítmicas que não estavam catalogadas ou registradas. Paralelamente notei que havia uma série de ritmos, praticados somente por percussionistas, não possuíam tradução para a linguagem violonística. Diante disso surgiu um forte desejo de registrar e adaptar essa particular expressão.” (PEREIRA, 2006:5).

Podemos apontar no Brasil inúmeros gêneros musicais que se associam a

danças e eventos festivos e, para o nosso interesse, vale identificar a diferença de

31 Citação de Edu Lobo disponível em: (http://www.petrobrasinfonica.com.br/opes/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=781&sid=28)

Page 58: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

47

complexidade entre eles. O frevo, por preencher requisitos de qualidade

harmônica, rítmica, poética, instrumentação, entre outras, é passível de estudo

exclusivamente musical. É uma música concebida originalmente através da

prática orquestral, logo, de maior complexidade para seu estudo.

Uma dificuldade é a sua tradução para a linguagem violonística, onde

teoricamente se reduz um universo plural ao singular quando o violão é solista. O

desafio é um único instrumento manter essa natureza plural. Para isso, é

necessário levar o calor do gênero em sua qualidade festiva e popular para a sala

de concerto. Segundo Guinga, “a sala de concerto carece, precisa de rua.” (apud

CARDOSO, 2006:82)

O conhecimento técnico e teórico sobre o frevo é fundamental para

interpretá-lo. O violonista executante do frevo deve pensar o violão

necessariamente como se fosse uma orquestra. Turíbio Santos, em depoimento

pessoal (2007) a respeito do Frevo da Petit Suite de Radamés Gnattali, sugeriu:

“Você deve dividir as vozes como se fossem os instrumentos de uma orquestra de frevo. Nas partes agudas estão os trompetes, na resposta dos baixos, os trombones e as tubas, e nos médios, as palhetas. Cada acorde dissonante deve soar como se fosse um ataque da caixa barulhenta junto às percussões. Se você conseguir tirar esse tipo de som do violão então ele começará a soar frevo.”

Henrique Annes, também em depoimento pessoal (2007), sugeriu como

forma de criar novos arranjos:

“... você pode pegar uma partitura para orquestra (...) separar o primeiro trompete, analisar e depois vê o que faz com o resto. (...) Pega os saxofones... junta tudo e faz a sua parte”.

Fica evidente o conhecimento mínimo sobre orquestração que o intérprete

deve desenvolver. O violonista deve ter o mesmo cuidado que um maestro tem ao

reger sua banda. O violão é sua orquestra e o violonista é o regente. Esse

conhecimento é o fundamento de sua música.

Guerra-Peixe era categórico:

Page 59: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

48

“Uma particularidade tem feito com que o frevo conserve seu vigor rítmico, a importância de sua orquestração e as características de sua forma: é o fato de seu compositor ser, não um 'orelhudo', mas, sempre, um músico, que o imagina numa orquestra que, imediatamente, dá forma gráfica musical à sua inspiração – o resultado é que, na composição de frevo, a própria instrumentação é a composição. A não ser em raras exceções, o compositor de frevo é o seu orquestrador.” (apud TELES, 2000:27).

Ou ainda:

“...não basta saber bater numa caixa de fósforos ou solfejar para compor um frevo. Antes de mais nada o compositor de frevo tem de ser músico. Tem que entender de orquestração, principalmente. Pode até, não ser um orquestrador dos melhores, mas, ao compor, sabe o que cabe a cada seção instrumental de uma orquestra ou banda. Pode, inclusive, não ser perito em escrever pautas, mas, na hora de compor, ele sabe dizer ao técnico que escreverá a pauta, o que ele quer que cada instrumento faça e em que momento. Se ele não tiver esta capacidade musical não será um compositor de frevo". (GUERRA-PEIXE, 1978).

Essa capacidade musical a que Guerra-Peixe se refere é essencial.

Segundo ele, mesmo que o compositor não tenha profundo conhecimento técnico

ou formação acadêmica no estudo de orquestração, deverá saber as funções que

os instrumentos têm no frevo. Se o intérprete tiver esse conhecimento

aprofundado, poderá traçar um paralelo entre o violão e a orquestra com mais

propriedade.

É fundamental para qualquer gênero musical que o intérprete tenha

conhecimento da música que está tocando, principalmente se propondo a ouvi-la.

A parte técnica representa um tipo de dificuldade, mas o conhecimento estético é

primordial para que a técnica seja usada a favor do gênero em questão. Essa

discussão é sempre levantada quando, por exemplo, um estrangeiro tenta

interpretar um gênero brasileiro e, apesar de dar conta da técnica exigida por uma

peça, a obra não soa brasileira. A falta de intimidade com um gênero pode

transformá-lo numa leitura meramente técnica da partitura. Ou ainda, pode soar

como se fosse outro gênero que não o que a composição pede. Em entrevista

cedida ao Fórum Violão Erudito, em 2000, a guitarrista barroca Cristina Azuma

Page 60: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

49

fala da importância do conhecimento geral de um gênero para a sua

interpretação:

“Para explicar um pouco o que esse estudo representa em termos de interpretação, uso de uma analogia com a música brasileira. No exterior ouvimos muita música brasileira tocada sem um maior interesse da parte dos intérpretes pela música original. Um frevo por exemplo: às vezes podemos ouvir frevos tecnicamente muito bem tocados, musicalmente aceitáveis para alguém que não sabe o que é um frevo, mas mais lentos ou mal acentuados, ou seja, são tudo menos um frevo. Com a música que estudei é a mesma coisa. Só pelo título (gavotas, sarabandas, chaconas, jácaras, etc) já se tem uma idéia do resultado sonoro em termos de tempo, articulação, forma, antes mesmo de abordar a peça que revela então suas qualidades individuais. E esse conhecimento é indispensável para poder abordar o repertório.”32

Reafirmando essa idéia, o violonista Marcus Llerena afirmou uma vez, em

entrevista ao periódico Apolon Musagete, a respeito da suíte Reminiscências de

Marlos Nobre que contém um movimento chamado Frevo:

“Foi escolhida como ‘Peça de confronto’ de um dos mais importantes concursos de violão da França e tenho certeza que o violonista que não for brasileiro terá muita dificuldade na interpretação do frevo.” (LLERENA apud SILVA, 2007:64)

Marlos Nobre chamou atenção para a mesma obra: Frevo. Informou que

“também nesse caso é necessário um conhecimento prévio de como se tocam os

frevos pelas orquestras típicas de frevo de Pernambuco.” (NOBRE apud SILVA,

2007:65)

Talvez a dificuldade de execução seja também um dos fatores que

contribuem para que o frevo não saia do domínio de seus “pais” pernambucanos.

É essencial que, entre seus intérpretes, o virtuosismo seja qualidade primordial, o

que exige uma dedicação formal a seu estudo. Foram muitos os maestros de

frevo que frequentaram escolas de música: Ademir Araújo, Spok, Maestro Nunes,

Clóvis Pereira, José Menezes, Duda e tantos outros. Os que não estudaram

orquestração, pelo menos fizeram parte das orquestras como instrumentistas e

foram aprimorando seu conhecimento na prática durante anos. O maestro

32 Disponível em: http://www.geocities.com/Vienna/Waltz/3039/azuma.html

Page 61: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

50

Oséias33, em depoimento pessoal em 2007, falou a respeito da época em que era

estudante: “Naquele tempo era diferente... meu pai me obrigou a estudar música.

Na época eu não gostava, mas hoje sou agradecido a ele. (...) posso reger minha

orquestra.”

Desenvolvendo-se o frevo a partir das bandas militares, que por sua vez

vieram da Europa, é possível fazer um paralelo com a tradição européia de escrita

para as orquestras sinfônicas. Tanto é que grandes músicos que compuseram

frevos de qualidade escreviam para sinfônicas. É o caso de Radamés e Marlos

Nobre.

Sempre foi considerado pelos grandes mestres bom orquestrador aquele

que concebesse uma obra que explorasse bem os recursos da orquestra, dando

ao ouvinte a sensação de um grupo coeso funcionando em equilíbrio. Sobre

orquestração, Stravinski afirmou:

“Ela é boa quando você não percebe que é instrumentação (..) a verdadeira música para piano (...) é a mais difícil de ser instrumentada. Até Shoenberg, que sempre foi um bom mestre nesse ramo (...) tropeçou quando tentou transferir para orquestra o estilo pianístico de Brahms. (...) Geralmente não é um bom sinal quando a primeira coisa que observamos numa peça é a instrumentação.” (STRAVINSKY e CRAFT,1959:53)

Uma boa obra musical corre o risco de perder sua qualidade original tanto

ao ser reduzida para um instrumento só quanto ao tentarmos o caminho contrário.

As peculiaridades encontradas na linguagem de um instrumento solista ou de um

pequeno grupo também podem se diluir e se perder em uma orquestra com mais

de cinquenta músicos. Partindo dessa constatação podemos entender que o

violão enquanto instrumento harmônico e melódico exige, assim como o piano ou

uma orquestra, um cuidado de arranjador que já pense a composição criada com

os recursos do instrumento. A composição deve preferencialmente ser concebida

no violão, ou pelo menos na mente de quem conhece bem seus recursos. Todas

as composições violonísticas de autores ilustres como Villa-Lobos, Garoto e

Radamés Gnattali dificilmente soariam tão bem se tocadas em outros

33 Maestro de Olinda ainda em atividade.

Page 62: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

51

instrumentos sem um arranjo bem adaptado, porque eles revelaram a identidade

do violão. Ou seja, é preciso compôr de acordo com as necessidades técnicas do

instrumento para fazê-lo soar em sua plenitude. Radamés tinha uma afinação

diferente usando a sexta corda como nota ré solta, que predominou por toda sua

obra para violão. Ele tem estudos para violão que propõem afinações mais

inusitadas ainda, imitando até a sonoridade de uma viola caipira. Sobre a obra

violonística de Villa-Lobos, Marco Pereira escreveu:

“Villa-Lobos foi, seguramente, o primeiro a utilizar aquilo que lhe era exclusivo [ao violão], a essência do instrumento, como material temático. Ele se serviu, frequentemente, de evidências digitais para construir sua matéria musical, partindo de uma digitação prefixada para obter certos resultados sonoros. Isto é de suma importância visto que sua atitude não era só de impor ao instrumento os sons que estavam em sua mente mas também de fazer com que ele soasse com sua linguagem própria.” (apud CARDOSO, 2006:51)

A vantagem do violão, ao pensarmos orquestralmente, é a quantidade de

timbres que apresenta o que o torna um candidato natural às adaptações do

frevo. Assim, para fins de análise das possibilidades do violão nesse aspecto,

algumas de suas características são descritas a seguir.

O violão mais comum, de seis cordas, chamado também de “guitarra

clássica” (classical guitar), possui dois tipos de cordas: três agudas de náilon (mi,

si e sol) e três mais graves revestidas com metal (ré, lá e mi). A diferença entre o

metal e o náilon divide a princípio o instrumento em dois timbres básicos: graves

(baixos), geralmente tocados com o polegar, e agudos (complemento da

harmonia e melodia), tocados com os dedos indicador, médio e anelar. Ainda

assim, nada impede que as cordas sejam tocadas com qualquer dedo, se preciso.

Como acontecem em uma palheta ou uma boquilha em que podem fazer muita

diferença no timbre gerado nos instrumentos de orquestra, no violão temos a mão

direita que usa tradicionalmente esses quatro dedos diferentes, podendo ou não

fazer o uso de unhas. Ainda existe a possibilidade de se escolher entre as

seguintes técnicas de ataque dos dedos: “com apoio”, muito presente na escola

flamenca de guitarra, muito usada para dar potência e destaque às melodias, ou

“sem apoio”, dando um som mais doce e com menos volume. Vale observar

Page 63: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

52

também a diferença de timbres que a mão direita pode oferecer, ao se colocar

próxima ao braço do instrumento, gerando um som mais aveludado, ou próxima

ao cavalete, que tem uma sonoridade média, anasalada. A maior parte das notas

que são geradas no braço do violão apresenta cinco timbres diferentes na mesma

altura, porém em cordas diferentes. Uma mesma nota varia do timbre mais agudo

e estalado ao mais grave e encorpado. Podemos utilizar todos esses recursos

timbrísticos do instrumento na análise das peças de frevo escolhidas com o intuito

de ir além da sua estrutura harmônica e melódica e dar-lhe uma dimensão

orquestral. Sua qualidade percussiva será observada também. É importante

entendermos a técnica como um processo dinâmico sempre em construção, onde

novas possibilidades podem e devem ser tentadas sempre. O instrumento revela

novos caminhos de acordo com seu tocador.

É muito comum que os grandes arranjadores e compositores de peças

para orquestra sejam pianistas e não tenham o conhecimento necessário para

escrever para o violão. Nosso instrumento escolhido é muito peculiar em sua

escrita pois, assim como a harpa, é um instrumento harmônico que possui muitas

limitações técnicas em relação ao piano. Temos alguns casos especiais, como o

do já citado maestro Radamés Gnattali, que se propôs a estudar o violão e

compôs um frevo grandioso, peça que faz parte da “Pequena Suíte” para violão e

que é analisada ao final dessa dissertação.

Concluímos que para adaptarmos o frevo ao violão é preciso que tanto o

compositor quanto o intérprete tenham o conhecimento bem apurado do

instrumento e do gênero orquestral. Todos esses aspectos discutidos serão

levados em conta ao analisarmos as peças para violão no capítulo seguinte.

2.2 Violonistas

“Fui ver Olinda onde o frevo faz Uma alegria a mais

Nas ruas que eu vivi Ao som de um pinho em noite enluarada

Por madrugadas que eu não esqueci” (Revendo Olinda, frevo-de-bloco de Getúlio Cavalcanti, apud

NOVA, 2007:31)

Page 64: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

53

Foram muitos os violonistas que fizeram parte da trajetória do frevo. A

maioria participava de agremiações e saía no carnaval junto às troças,

acompanhando a banda que executava os frevos-de-bloco. Ainda é assim até

hoje. No “Bloco da Saudade”, por exemplo, muitos já têm mais de quarenta anos

e, como pude presenciar, desfilam com pequenos amplificadores que são

carregados como mochilas em suas costas. Mesmo assim, o volume sonoro dos

outros instrumentos e principalmente a presença física e o barulho da multidão

abafam o som dos violões. Para ouvi-los, é preciso estar dentro do cordão que

separa os músicos do público ou a uma distância muito próxima. A maioria toca

com “dedeira” seus violões de sete cordas, feitas de aço. Poucos tocam o comum

seis cordas, sempre feitas de náilon. De maneira geral, também se podem

encontrar apresentações ou ensaios de diferentes agremiações em palcos onde

os violões são amplificados de acordo com a necessidade da apresentação.

Nesse caso, podemos ouvir o violão com mais facilidade.

A verdadeira tradição do violão no frevo é a de acompanhador. Isso faz

sentido se considerarmos que o frevo é um gênero ligado ao carnaval. Muitos são

músicos que tocam de forma amadora, praticando seu instrumento somente no

verão, quando começam os ensaios para o carnaval.

Assim como no gênero choro, encontramos o violão de sete cordas

presente na maioria das agremiações pernambucanas que incluem o violão em

sua banda. No Rio de Janeiro podemos citar o expoente do instrumento, o já

falecido Dino Sete Cordas, que é referência para todo violonista que almeja

estudar esse instrumento peculiar. No Recife, Bozó é a grande referência. Bozó

tocou e gravou com a maioria dos instrumentistas pernambucanos e é hoje o

diretor musical de uma das mais importantes agremiações pernambucanas: o já

citado “Bloco da Saudade”. Apesar de, na maior parte do tempo, tocar violão de

sete cordas de nylon, ele também chama a atenção para a importância do

instrumento com cordas de aço. Como os violões não eram amplificados, as

cordas de aço tinham melhor projeção e um som mais “rasgado”. Em depoimento

pessoal (2007), Bozó explica que antigamente se tinha menos barulho de motores

de carros e máquinas nas ruas, portanto, se ouvia melhor as bandas quando

Page 65: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

54

desfilavam. As próprias ruas estreitas ajudavam, proporcionando uma boa

acústica.

Marco César34 (depoimento pessoal, 2007) ressalta a característica típica

do frevo-de-bloco que o violão cumpre, após a introdução instrumental e uma

pausa, ao tocar uma frase nos baixos, introduzindo a voz para o tom da canção.

Essa frase geralmente é do quinto grau ao primeiro. Ver o exemplo 1.

Exemplo 1

O falecido Edgar Moraes, um dos mais importantes compositores de frevo-

de-bloco, autor do clássico “Bloco da Saudade”, que deu nome ao bloco

homônimo, era violonista e compunha suas orquestrações a partir desse

instrumento.

“A formação dele não foi a de um músico de sopro, era um compositor de violão. Ele orquestrava com o violão, apesar de não ter tido professor. Foi aprendendo assim na força de vontade: analisando partituras, vendo alguém escrever para orquestra... então tudo que ele fazia era com base nesse instrumento. Ele tinha na cabeça dele os baixos do violão como sendo o tuba.” (CÉSAR, depoimento pessoal, 2007)

Marco César mostrou que Edgar Moraes tocava o violão em pizzicato, ou

pinicato na linguagem popular de Recife, abafando as cordas com sua mão direita

para imitar o som de marcha a que o tuba remete. “É uma forma que ele

encontrou na cabeça dele de que o frevo deveria ser tocado assim no violão,

imitando os baixos do tuba” (CÉSAR, depoimento pessoal, 2007). Evidencia-se

que o violonista deve ter certa ousadia para o trabalho de adaptação.

34 Bandolinista, pesquisador e maestro do Coral Edgard Moraes.

Page 66: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

55

Edgar era irmão do também falecido compositor Raul Moraes, citado na

letra de “Evocação No. 1”, de Nelson Ferreira. Era comum sua presença em

serenatas que o tinham como figura principal, “que ao som do seu violão,

interpretava as mais líricas e românticas marchas-de-bloco compostas pelo

próprio...” 35

Outro artigo relembra seu irmão Raul Moraes, além de sugerir a presença

do violão entre as principais personalidades musicais da época:

“Do Jornal Commercio de 19 de fevereiro de 1924, na coluna Carnaval: 'Guilherme de Araújo, com toda a saliência de sua barriga monstruosamente paquidérmica, dançava no meio da sala, fazendo admiravelmente o passo do urubu malandro. O Felinto puxava pela prima... do violão que fazia Fenelon Moreira dar com os quartos para trás que nem bode em tempo de chuva'. A notinha referia-se a uma festa dos integrantes do bloco Apois Fum. Os três pândegos a que se refere a nota são Felinto, Guilherme e Fenelon, citados nos versos iniciais do frevo-de-bloco Evocação nº1, de Nelson Ferreira. No mesmo frevo são ainda lembrados Pedro Salgado, presidente do Bloco das Flores, e “o velho Raul Moraes”, compositor falecido em 1937, com 45 anos anos.” 36

Somado aos muitos compositores de frevo-de-bloco que cantavam e se

acompanhavam ao violão, citamos Getúlio Cavalcanti, que é compositor e famoso

cantor de frevos com inúmeras gravações. Getúlio, “autor de algumas das mais

belas músicas do carnaval de Pernambuco como 'Boi Castanho' e 'Último

Regresso', é presença marcante durante os ensaios e desfiles do Bloco da

Saudade, dedilhando seu violão em meio à orquestra.” 37

Percebemos, assim, que o instrumento se fez presente na evolução do

frevo. Apesar de ser uma música orquestrada, o frevo-de-bloco é sempre uma

canção, portanto, pode nascer de modo independente de sua orquestração. Eis

uma característica que diferencia totalmente a natureza dos frevos: instrumental e

cantado. O frevo cantado se utilizou notoriamente do violão como instrumento de

acompanhamento. Canções de vários gêneros no Brasil nasceram assim. 35 Artigo sobre Maurício Cavalcanti, consultado em 07/06/2006, disponível em

(http://www.musicadepernambuco.pe.gov.br/release.php?idArtista=37) 36 Disponível em (http://jc3.uol.com.br/jornal/2007/02/09/can_290.php) 37 Em visita ao site do “Bloco da Saudade” em 04/05/2007.

(http://www.blocodasaudade.org.br/frevodebloco/index2.html)

Page 67: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

56

Podemos observar também que os violonistas profissionais que fizeram

parte da trajetória do frevo, quando são considerados exímios instrumentistas,

foram músicos de choro. Ainda hoje em dia, ser músico de choro é sinônimo de

ser músico de qualidade. Porém, para Marco César (depoimento pessoal, 2007),

o frevo ainda se ressente de pessoas especializadas na área e, por isso, é a favor

de se montar cursos de frevo para orquestra de cordas dedilhadas. Mas, segundo

ele, para formalizar esse ensino, levar-se-ia tempo porque a cada dia se

descobrem novos materiais, divisões rítmicas e articulações. Henrique Annes38,

violonista de carreira internacional e diretor da “Orquestra de Cordas Dedilhadas

de Pernambuco”, explica:

“Não existiu um violonista pernambucano que se dedicou a compor frevo. Existiram muitos violonistas de choro, que já se foram, e um ou dois faziam frevos. Zé do Carmo, por exemplo, fez uns três frevos pra violão. O Romualdo Miranda, irmão do Luperce, tocava frevos tradicionais no violão... “Fogão”, “Vassourinhas”... tocava inclusive as variações (...) tudo em violão solo nos tons agradáveis para o instrumento: lá maior, mi maior, ré maior... Quem quiser que o acompanhasse. (...) Eu era menino e só queria andar com eles. Aprendi tudo com eles, todos os macetes. A batida da mão direita é diferente, tem que seguir a percussão senão não funciona (...) A gente tocava o domingo inteiro na casa dos amigos e depois ia pra rádio para um programa chamado ‘Onde os violões se encontram’. Eram valsas e choros. Frevos a gente tocava de brincadeira. Foram lá Canhoto da Paraíba, Ernani Reis... (...) Tinha muito frevo-de-bloco na rádio naquela época.”

Chamamos a atenção para a maneira como Annes revela o tratamento

diferenciado entre valsa e choro, e o frevo. Afirmar que o frevo era tocado “... de

brincadeira”, dá a entender que a valsa e o choro eram gêneros que possuíam

maior status artístico e de maior interesse na rádio. O conflito entre gêneros em

determinada época traduz o olhar que a sociedade tem sobre um tipo de música.

Em cada tempo uma música foi sempre considerada maior que outra. No caso, o

frevo não era necessariamente levado a sério como música grandiosa que talvez

merecesse um tratamento formal. Talvez fosse difícil imaginar um violonista tocar

frevo numa sala de concerto ou incluir frevo na programação de uma rádio sem

ser de maneira despretensiosa.

38 Em depoimento pessoal, 2007.

Page 68: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

57

Annes ganhou experiência na linguagem de acompanhamento por ter feito

várias gravações com orquestras de “pau e corda”. Declarou a respeito das

“baixarias” (fraseados nos baixos): “Eu lia cifra e cabeça de nota, então, o

maestro Nelson Ferreira me chamava pra gravar os LP’s. Era um bom dinheiro,

uma maravilha... época boa.” (ANNES, depoimento pessoal, 2007).

Quem muito gravou nesse período (década de 1960) foram os violonistas

do grupo regional de Nelson Miranda: China, no violão de seis cordas, e Adalcir,

no de sete cordas. Henrique Annes tinha que gravar os violões aos sábados de

manhã, porque era menor de idade e os pais não permitiam que saísse à noite.

Ele afirma que os violões eram, às vezes, curiosamente afinados um tom abaixo,

e não em 440Hz. No grupo de Luperce era assim, pois o violão ficava com uma

sonoridade mais grave. Annes recorda choros como “Delicado”, que é

originalmente em sol maior e eles tinham que tocar como se fosse em lá maior.

Entretanto, a diferença era só no braço do instrumento, pois o tom acabava sendo

o mesmo. Só mudava o timbre.

Para Annes, se o músico de choro for bom não terá dificuldades de

executar o frevo, justamente por causa da proximidade entre os dois gêneros. O

chorão que já estiver familiarizado com a marcha-rancho terá menos dificuldade

ainda. Jacob do Bandolim, por exemplo, compôs alguns frevos como “Toca pro

Pau”, “Busca Pé”, “Pimenta no Salão”, “Rua da Imperatriz” e “Sapeca”. Esse

último inclusive foi gravado com arranjo para orquestra do maestro Duda39.

Como foi comentado antes, em todo o Brasil alguns violonistas têm

composto frevos para violão solo sem o compromisso de se especializar no

gênero. São em geral frevos bem compostos, desde os que mostram um

conhecimento básico do gênero até os que o conhecem muito bem. Pode-se

observar também algumas raras gravações onde o violão interpreta alguns

clássicos do frevo executando quase que exclusivamente a principal parte

melódica.

Uma curiosidade é que o artigo de Evandro Rabelo no site da Fundaj

(Fundação Joaquim Nabuco) revela Matias da Rocha, o compositor de 39 Renomado maestro que teve seu auge de atuação entre as décadas de 1980 e 1990.

Page 69: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

58

“Vassourinhas”, talvez o frevo mais antigo e tradicional executado, como sendo

um violonista:

“Olhando um retrato existente na sede, Matias da Rocha era afilado, negro, trajado com elegância. Joana chamou-o "maestro". Em outro documento encontrado no Clube, respondendo a uma carta do Sr. Mário Leite em 1949, o ex-presidente Severino Oliveira adianta que Vassourinhas ‘foi tirada por Matias da Rocha e Sua Prima Joana Batista Ramos no dia 6 de janeiro de 1909 e que compoz com seu violão no arrabalbe de Beberibe em um mucambo (...) Matias além de tocar violão, fazer farras, tocava flauta e tinha uma voz bonita. (...) Quando Vassourinhas foi ao Rio, em 1951, o Clube pediu para Joana cantar a marcha famosa. Assim foi feita uma orquestração."40

Conclui-se que uma das mais significativas composições do gênero nasceu

no violão. Não temos como saber se Matias da Rocha era um exímio violonista,

provavelmente não, porém, vale ressaltar a importância do instrumento que serviu

de base para o compositor. No caso, o processo se deu à maneira inversa: sua

orquestração veio depois. É bem possível que outras composições tenham

nascido da mesma maneira. Fato curioso é que o frevo mais famoso,

“Vassourinhas”, apesar de ter tido posteriormente uma letra, virou um clássico

tema instrumental e poucos sabem cantar seus versos originais. Nos desfiles, o

público canta solfejando sem letra alguma. Seria isso uma vocação do gênero

para ser instrumental ou a fama de “Vassourinhas” deve-se à sua raiz na melodia

cantável? O importante é entendermos que a história do frevo se mistura entre

canções, orquestrações, erudito, popular... é naturalmente uma música dinâmica

e plural, por isso mesmo aberta a elementos novos e adaptações. A trajetória do

violão obedece a essa dinâmica.

O violonista Maurício Carrilho (1998) deu uma explicação a respeito do

desenvolvimento do choro que podemos aplicar ao frevo:

“... Essa forma nova de tocar choro surgiu naturalmente. Foi um casamento de algo novo com a tradição. Isso e' que e' legal. O que existe e' a seqüência de trabalho. Você tem que pôr o pe' em cima de alguma coisa, pisar no chão, que e' a sua tradição, e se trabalhar vai chegar uma hora em que estará' fazendo algo diferente, naturalmente. Não tem que tirar nada da cartola.” (In Revista Teoria e Debate, n.37, 1998:7).

40 Disponível em: (http://www.fundaj.gov.br/)

Page 70: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

59

2.3 Repertório

Pesquisando, encontramos frevos de compositores não pernambucanos

para violão. Os primeiros originalmente feitos para violão encontrados na

pesquisa foram “Vô Alfredo” e “Henriquieto” do violonista e compositor Guinga. O

primeiro possui letra de Aldir Blanc e foi gravado pela cantora Fátima Guedes no

CD “Delírio Carioca” (1993) dos compositores. Também foi gravado em outro CD

de Guinga, “Suíte Leopoldina” (2000), com uma versão para orquestra de frevo do

saxofonista paulistano Nailor Proveta. O segundo, “Henriquieto”, foi gravado pelo

compositor ao violão, acompanhado de percussão e bandolim. Encontramos essa

gravação no CD “Simples e Absurdo” (1991). Foi registrado também pela

Orquestra Frevo Diabo (2009) com o tema dividido entre a guitarra e os sopros,

fazendo uma espécie de diálogo frevístico. Ambos os frevos foram também

gravados pelo violonista Marcus Tardelli (2006), com uma interpretação próxima

ao original e muito elogiada por Guinga.

Durante a pesquisa, aos poucos foram sendo encontradas peças

frevísticas de violão solo devidamente editadas. São, como observado nos outros

capítulos, composições esporádicas ou únicas de compositores, em sua maioria

violonistas. Quase todas foram gravadas ao violão e não foram encontrados

arranjos para orquestra, com exceção dos realizados por Guinga. Chamamos a

atenção especial para o CD de Raphael Rabello tocando Capiba (2002) que,

embora não seja exclusivamente de frevos, merece ser mencionado por ser

dedicado a um dos mais significativos compositores do gênero. Os frevos tocados

ao violão encontrados serão enumerados com as suas respectivas gravações

como referência41 e apresentados a seguir nos Quadros 1 e 2.

41 Alguns possuem mais de um registro gravado, porém apenas um será citado.

Page 71: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

60

Quadro 1: Frevos para violão: Originais

ORIGINAIS

Intérprete Obra CD Compositor

Pixaim; Seu Tonico na Ladeira

O Samba da Minha Terra

o próprio

Marco Pereira

Frevo Rasgado Em Duo com Nico

Assunção (sem título)

Egberto Gismonti

Edimar Fenício Frevo o próprio

Erisvaldo Borges Frevo Estação das Cordas o próprio

Paulo Bellinati Sai do Chão Lira Brasileira o próprio

Paulinho Nogueira Frevinho Doce Tons e Semitons o próprio

Zé Paulo Becker Frevo Um Violão na Roda de Choro

o próprio

Raphael Rabello (disco integral) Mestre Capiba Capiba

Turíbio Santos Suíte Teatro do Maranhão: “V. Dança dos Aflitos” Fantasia Brasileira o próprio

Marcus Llerena Suíte Reminiscências: III. Frevo

Marlos Nobre

Turíbio Santos Petit Suite: III. Frevo O violão brasileiro de Turíbio Santos

Radamés

Estudo Número 8 Francisco Mignone

José de Oliveira Queiroz

Frevo Nos. 1, 2 e 3 o próprio

Edvaldo Cabral Frevo

Daniel Marques Festival dos Destinos Carnaval de Perneta

Armando Lôbo

André Siqueira Frevo o próprio

Múcio Sá Frevo das Crianças

Francisco Araújo Frevo Capibano; Na Magia do Frevo; Capibano; Eletrizante;

Frevo Siplório o próprio

Nonato Luiz Frevereiro o próprio

Celso Machado Frevo Bajado Cristina Azuma

Page 72: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

61

Quadro 2: Frevos para violão: Arranjos

Um caso especial é uma composição de Egberto Gismonti que foi

originalmente composta e gravada ao piano e arranjada para orquestra pelo

próprio: “Frevo Rasgado”. Essa peça foi adaptada ainda para violão pelo trio

estrangeiro “Guitar Trio”, do qual fazem parte Paco de Lucia, John Mclaughing e

Al di Meola. Essa versão foi gravada nos EUA. Curiosamente, Marco Pereira

(depoimento pessoal, 2002) afirma ter sido o primeiro violonista a fazer uma

adaptação de “Frevo Rasgado” para violão solo. É interessante observar que

esses músicos estrangeiros interessaram-se em fazer uma adaptação violonística

da peça, sem talvez conhecer a iniciativa de Marco Pereira. Poderíamos atribuir

esses arranjos para violão ao fato de o compositor, Egberto Gismonti, ser pianista

e violonista ou também ao fato de “Frevo Rasgado” ter uma vocação violonística.

Não há como tirar conclusões definitivas a respeito, pois não foi possível

entrevistar os músicos do “Guitar Trio”. Fato é que “Frevo Rasgado” ficou famoso

ARRANJOS

Intérprete Obra CD Compositor

Último Dia O violão brasileiro de Turíbio Santos Levino Ferreira

Duda no Frevo O violão brasileiro de Turíbio Santos Senô Turíbio Santos

Gostosão O violão brasileiro de Turíbio Santos Nelson Ferreira

Raphael Rabello Taiane Osmar Macedo

Fogão Songbook Sérgio Lisboa

Vassourinhas Songbook Matias da Rocha/ Joana Baptista

Oh! Bela Songbook Capiba

Hino do Elefante de Olinda Songbook Clídio Nigro e Clóvis

Vieira

Enéas Barbosa

Duda no Frevo Songbook Senô

Marcell Baden Powell Evocação no.1 Aperto de Mão Nelson Ferreira

Page 73: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

62

como peça violonística e é executado hoje em dia por vários intérpretes como Zé

Paulo Becker e Gabriel Improta.

Há exemplos de outras adaptações, como a que o compositor Armando

Lôbo42 fez de um de seus frevos para orquestra, “Festival dos Destinos”,

transformado em peça de violão solo, analisada no terceiro capítulo. Isso se deve

ao conhecimento profundo do instrumento pelo compositor que, apesar de não ter

a prática de se apresentar como concertista, é um exímio violonista.

Marlos Nobre também adaptou Remiscências, originalmente para piano. A

versão para violão ficou famosa e o frevo foi inclusive escolhido como peça de

confronto em um concurso de violão internacional, como já citado. Ou ainda

citamos Turíbio Santos, que adaptou alguns frevos clássicos tocando

essencialmente a parte da melodia.

O frevo, embora ainda “tímido” ao violão, revela possibilidades de abrir

novas portas no instrumento. Quando um músico se propõe a conhecer um

gênero e adaptar suas peculiaridades a um instrumento, vencendo desafios

técnicos, acaba por se tornar referência. Um exemplo já citado é o trabalho de

Baden Powell com o samba. Portanto, é possível que muitas adaptações tenham

sido feitas e vale a pena continuar pesquisando seus registros para facilitar o

acesso a essas gravações e divulgar esse repertório, estimulando novas

composições, arranjos e interpretações.

2.4 Acompanhamento

O violão, por ser um instrumento harmônico, fez parte do desenvolvimento

da maioria dos gêneros musicais nascidos no Brasil. O choro e o samba podem

ser citados como alguns dos mais representativos, com seus violões de seis e

sete cordas caracterizando funções diferentes. No geral, o primeiro se preocupa

em executar a parte rítmica e harmônica, enquanto o segundo se dedica a tocar

os baixos com seus fraseados típicos. Isso também acontece no frevo.

42 Compositor pernambucano residente no Rio de Janeiro.

Page 74: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

63

Marco César (em depoimento pessoal, 2007) chama a atenção para

maneira que alguns violonistas desenvolveram de tocar os frevos-de-bloco

atualmente, adiantando alguns acordes junto aos sopros. Maneira que alguns

músicos tradicionais desaprovam, porque acham que tira o “chão” necessário da

base, que mantém um ostinato em 4/4, embora alguns escrevam em 2/4 por

causa da acentuação em marcha feita pelo surdo. O maestro Duda43, por

exemplo, escreve em suas partituras as antecipações rítmicas dos acordes para a

guitarra. Segundo Marco César, manter a base linear seguindo estritamente a

percussão ou antecipar os acordes talvez seja a principal diferença entre o

acompanhamento moderno e o antigo, principalmente nos frevos-de-bloco.

Referindo-se ao adiantamento dos acordes, Marco opina (depoimento pessoal,

2007):

“Eu particularmente gosto... para não ficar muito monótono. Por exemplo, se você faz uma noite de frevo tocando tudo do mesmo jeito, cansa. Então, tem a questão do tom, do arranjo, das antecipações, dos breques... É importante ter essa variação para não cansar (...) Como as pessoas não conhecem, então acham que é tudo a mesma coisa. É como dizem com o choro e com o samba. Tem gente que acha que é tudo a mesma coisa, e não é. Tem sempre uma pequena nuance, uma particularidade.”

Podemos ouvir em gravações antigas que o violão está fazendo os baixos

como um bombardino ou dando ênfase à parte rítmica, feita de ostinato, junto aos

cavaquinhos e banjos. Segundo Henrique Annes (em depoimento pessoal, 2007),

na época em que começaram as gravações, os baixos eram improvisados a partir

das cifras escritas, cabendo ao violonista dobrar algumas frases dos instrumentos

de sopro graves, de ouvido, se quisesse. A maneira de se tocar as “baixarias”

utilizadas no frevo ao violão são similares à do gênero carioca choro,

principalmente por causa das seqüências harmônicas semelhantes, que têm raiz

na música européia. Ouvimos também em gravações que a caixa não se inclui em

algumas orquestras de pau e corda, gerando uma sonoridade mais leve, dando

maior espaço para os instrumentos de corda e às madeiras. Uma hipótese é que

essa instrumentação sem caixa existia devido à falta de tecnologia na época, que

só permitia gravações ao vivo com todos os músicos tocando ao mesmo tempo,

43 José Urcisino da Silva

Page 75: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

64

diferente de agora, quando é possível cada um gravar sua parte separadamente

do resto da orquestra e mixar seus volumes posteriormente. Aliás, gravações

atuais de frevos-de-bloco quase sempre incluem a caixa.

Na orquestra Spok Frevo, que se dedica mais aos frevo-de-rua, a guitarra,

quando exerce o papel de acompanhador, adianta a maioria dos acordes junto

aos sopros. No frevo-de-rua, diferente do frevo-de-bloco, a música caminha de

uma maneira geral como uma unidade, sem ter necessariamente um ostinato

rítmico obrigatório. Neste caso, não se tratam de variações rítmicas em cima de

um ostinato, como podemos encontrar no samba ou no baião. É como Carlos

Malta44 definiu (depoimento pessoal, 2008): “o frevo é uma brincadeira com a

gravidade o tempo todo. A gente perde o chão...”. No frevo-de-rua quase só

temos o surdo e o pandeiro em ostinato, mesmo assim cumprindo quase todas as

convenções rítmicas, chamadas também de “obrigações”, que são muitas no

gênero. A caixa acentua as frases dos sopros o tempo todo e ainda faz variações

de acordo com a maneira pessoal de cada percussionista tocar. Nos poucos

momentos em que o ostinato acontece, pode ser dividido em quatro ou dois

tempos.

A caixa é inspirada nos desenhos básicos da marcha e do dobrado:

Marcha

Exemplo 2: Marcha.

44 Multi instrumentista de sopros, líder do grupo “Pife Muderno”.

Page 76: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

65

Frevo

Exemplo 3: Ostinato 1.

Exemplo 4: Ostinato 2.

O Pandeiro, derivado da polca, permanece com seu desenho rítmico até

hoje:

Exemplo 5: desenho rítmico do Pandeiro.

O Surdo é tocado como na marcha. É assim também em alguns tipos de

samba e na marchinha carioca:

Exemplo 6: Ostinato.

Não é possível afirmar quando se passou a tocar o acompanhamento

rítmico da maneira que conhecemos hoje, visto que este veio da música de banda

Page 77: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

66

militar, mas o fato é que a maneira de executar os ritmos contemporâneos do

frevo se aplica às composições mais antigas, como é o caso de “Vassourinhas”.

Existe uma notável diferença entre a maneira de executar algumas composições

antigas que posteriormente vieram a ser consideradas frevos e aquelas que já

nasceram sendo chamadas de frevo. As antigas têm mais espaço para o ostinato

como forma de acompanhamento constante, pois suas orquestrações são mais

simples, assim como seus contrapontos. As composições recentes possuem mais

síncopes e frases que quebram a estrutura do ostinato, obrigando a percussão a

cumprir essas quebras. Logo, ouve-se um grupo coeso, onde seu fraseado é

acentuado por vários instrumentos ao mesmo tempo, criando uma potência

extraordinária. Pode-se fazer um paralelo com um tipo de escrita para bigbands

nos EUA, principalmente no jazz bebop, onde o baterista acentua os fraseados

virtuosísticos cheios de nota tocados pelos sopros. Essa comparação não é feita

a partir de uma coincidência: os dois gêneros têm suas raízes nas bandas

militares, de onde herdaram sua instrumentação.

O que faz alguns músicos brasileiros, que não têm intimidade com o

gênero, pensarem que existe um ostinato predominante nesse tipo de frevo são

suas referências principalmente no frevo cantado. O Frevo cantado é a única

referência de frevo que se tem na maior parte do país, inclusive por causa dos

frevos baianos que ficaram famosos na voz de Caetano Veloso e Moraes Moreira,

entre outros. Ainda pode-se citar o Quintento Violado, conjunto pernambucano

cantado que tem um trabalho de dimensão nacional, e a canção “Evocação No 1”

de Nelson Ferreira que teve projeção nacional na época de sua gravação, em

1957. O músico brasileiro geralmente não conhece os tipos diferenciados de

frevo. Podemos confirmar isso ouvindo as gravações e composições existentes

no mercado de músicos não pernambucanos, que costumam interpretar seus

frevos instrumentais com arranjos similares aos dos frevos cantados.

Entre as composições instrumentais, chamamos a atenção novamente

para “Vassourinhas”, que é um caso de orquestração simples, onde os metais e

as palhetas têm funções bem claras de pergunta e resposta. Sendo originalmente

uma canção com letra de Joana Baptista, com orquestração feita posteriormente,

“Vassourinhas” pertence à época em que o frevo estava nascendo e é tocada

Page 78: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

67

hoje baseada nos ostinatos presentes nas músicas cantadas, possuindo

características bem diferentes de um frevo, como por exemplo, “Gostosão”, de

Nelson Ferreira. Infelizmente, não se sabe ao certo como era tocada

"Vassourinhas" na época em que foi composta.

O violão como acompanhador não é parte da tradição dos frevos-de-rua,

portanto, é necessário que o executante entenda a diferença entre acompanhar

um frevo-de-bloco ou uma orquestra de rua. No segundo caso, é uma função

mais cumprida pelos guitarristas elétricos, pois o instrumento permite ajustes de

timbre e volume, obtendo uma sonoridade mais presente junto à explosão sonora

de uma orquestra completa. O mesmo podemos observar em relação aos baixos

elétricos. Mesmo assim, em alguns casos, quando a sonoridade da guitarra

elétrica é mais jazzística em vez de roqueira, vale notar que sua maneira de

acompanhar pode ser tocada ao violão integralmente. Funciona. É freqüente o

violão participar de pequenos grupos, como no caso da "Orquestra de Cordas

Dedilhadas de Pernambuco", onde se toca versões dos frevos-de-rua em arranjos

para instrumentos de corda (bandolim, cavaquinhos, violões...), mas que

geralmente não incluem a caixa.

Concluindo, observam-se duas maneiras básicas de acompanhamento: 1)

Frevo-de-bloco e canção: baseado em ostinato e executando as convenções mais

importantes. O violão se ocupa dos baixos e pode ser de sete ou seis cordas,

respectivamente aço ou náilon, tocado com dedeira ou não. Frases de “baixaria”

de choro são utilizadas. 2) Frevo-de-rua: pode ser tocado pela guitarra elétrica ou

o violão, dependendo da sonoridade da orquestra. Preocupa-se mais com a

harmonia e as acentuações, adiantando ou atrasando os acordes conforme os

ataques dos metais. Às vezes dobra melodicamente algum náipe de sopros. Sua

função se assemelha a da guitarra nas bigbands de jazz.

Page 79: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

68

2.5 Solo

Marco Pereira (em entrevista, 2009) 45 declarou: “a adaptação da rítmica e

do fraseado do frevo para o violão é muito complexa e resulta sempre em

dificuldades técnicas transcendentais. Acho que é o gênero mais difícil de praticar

com o violão solo.” Marco César46 (depoimento pessoal, 2007) chama a atenção

para as diferenças que existem nas articulações próprias dos instrumentos de

sopro que, ao serem adaptadas para o violão e o bandolim, não devem ter tantas

ligaduras pois, por não terem a duração da nota controlada pelo sopro e sim pela

palheta, dedeira ou dedo, as cordas devem ser atacadas mais vezes para não

perderem seu volume e vigor. Essa idéia será aplicada nas análises das peças

nos últimos capítulos. Mais uma vez, Marco César comenta os motivos pelo qual

o frevo violonístico não se desenvolveu tanto, reafirmando o difícil acesso e a

escassez de partituras:

“O maior motivo também para o violão não ter se desenvolvido tanto como solista de frevo é a falta de material, a falta de partituras que sejam adaptadas ao instrumento. Nunca houve uma preocupação de se escrever os frevos para os instrumentos de cordas, e quando se escrevia não era nos tons, digamos, ... agradáveis para os músicos de cordas. Você sabe que quanto mais difícil é a música escrita para um instrumento, mais a pessoa vai deixando ela de lado... prefere uma que seja mais fácil. Os maestros e grandes arranjadores sempre escreviam grades de orquestra. Escreviam uma cifra ou outra mas não ao nível de um solista de violão, também por falta de conhecimento desses maestros do instrumento. Até hoje, a gente sabe que esses maestros pouco conhecem os instrumentos de cordas. Talvez o Edson Rodrigues, que toca um pouquinho de violão, tenha uma proximidade maior. Mas os outros... ou é pianista ou instrumentista de sopro. O violonista teria que ouvir uma gravação e tirar uma melodia, talvez trocada porque o ouvido confundiu, e acaba tocando a música sem ter muita certeza (...) partituras, muitas vezes você não tem acesso. Muitos acervos foram perdidos por conta da cheia que teve aqui na "Rádio Jornal e TV" e, além disso, teve uma época em que as partituras da rádio foram jogadas no lixo. Eram carroças e mais carroças levando para a incineração. Capiba foi um desses que sofreu, perdeu-se muita coisa dele... muita coisa se perdeu.” (CÉSAR, depoimento pessoal, 2007)

45 Em Anexo 1. Violonista, compositor , arranjador e professor da UFRJ. 46 Pernambucano, bandolinista, arranjador, compositor e professor de música.

Page 80: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

69

Para Marco César, nunca houve interesse da parte dos violonistas de seu

estado de se dedicarem à sua música de uma forma que não fosse a tradicional

de acompanhamento nos blocos. Um motivo proposto é que, na época das

grandes rádios, ouvia-se muita música que vinha de São Paulo e do Rio de

Janeiro: o samba, o choro, depois a bossa-nova. Não havia interesse geral de se

divulgar o que era de Pernambuco, e quando havia, o que se tocava era o baião:

Luís Gonzaga. Marco cita Heraldo do Monte como uma referência de solista de

frevo. Heraldo é um multi-instrumentista que tocou violão, guitarra, violão de aço,

bandolim e cavaquinho. Chegou mesmo a gravar um disco dedicado

exclusivamente à viola caipira, porém não se dedicou da mesma maneira ao

frevo, fazendo algumas ótimas gravações, porém esporádicas.

Com isso, reafirmamos nossa idéia de que o violão como solista de frevo

se desenvolveu de maneira fragmentada e não criou uma tradição relativamente

sólida como se fez com a função de acompanhador. Portanto, sua linguagem está

ainda em construção, deixando evidente que ainda existe espaço para se

desenvolver. Por isso, escolhemos as três peças seguintes para análise: peças

que representam uma inserção dos compositores no universo frevístico ao violão,

sem necessariamente dedicar-se a construir uma obra completa (estudos, suítes,

concertos...) baseada no mesmo. Ao violão, Guinga compôs dois frevos, Armando

um e Radamés um.

Page 81: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

70

CAPÍTULO 3

Análise de três obras frevísticas para violão solo

“O compositor, ao criar suas composições, não apenas inventa, ele se reinventa absorvendo a tradição musical, e reinventa assim a própria música brasileira, o que permitirá que os brasileiros anônimos se reinventem ao tomá-la como estímulo estético ao pensar-se brasileiro.” (ANDRADE apud ALBUQUERQUE, 2006:21)

A seguir faremos uma análise dando ênfase à parte interpretativa,

valorizando o ritmo, ligaduras, dinâmicas, acentuações e articulações. Teremos

como principal referência, o livro editado pelo maestro pernambucano José

Menezes, “Songbook Frevos de Rua” (2006), onde encontramos grades de suas

obras para orquestra, escritas com riqueza de detalhes em termos interpretativos.

Grande compositor que nos serve como referência para o gênero, Menezes nos

oferece em seu livro exemplos bem diversificados, uma vez que escreve para

todos os instrumentos utilizados tradicionalmente em uma orquestra de frevo.

Adaptaremos sua escrita para o violão como uma sugestão interpretativa.

Eventualmente, obras de outros compositores pernambucanos serão utilizadas

também como referência quando necessário.

As peças escolhidas a serem analisadas são: “Henriquieto” (Guinga),

“Frevo - Petit Suite” (Radamés Gnattali) e “Festival dos Destinos” (Armando

Lôbo). Justifica-se essa escolha por serem raros compositores que escreveram

frevo para violão e são de diferentes gerações e regiões do país,

respectivamente, Sudeste, Sul e Nordeste.

3.1 Frevo: terceiro movimento da Petit Suite

3.1.1 Radamés Gnattali

Radamés, nascido em 1906 e falecido em 1988, seria o mais velho. O

gaúcho compôs a Pequena Suíte com temas nordestinos _ Pastoral, Toada e

Frevo _ dedicada ao violonista Turíbio Santos. Turíbio (em depoimento pessoal,

Page 82: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

71

2007) conta que Radamés teve a iniciativa de escrever a Suíte quando, ao

perguntar a ele o que faltava em sua obra, o violonista sugeriu que compusesse

algo dedicado ao Nordeste. Sobre Radamés, afirmou o maestro Júlio Medaglia:

“O Radamés quando escrevia para instrumento solista, para sala de concerto, ele virava realmente um compositor de sala de concerto. A vida dele começou como músico erudito, ele primeiro foi um grande pianista, um grande violinista, depois um grande violonista, tocou cavaquinho tão bem quanto os outros instrumentos. Não é que ele tocava um pouco de violão, ele tocava muito bem. Uma vez na casa dele eu disse: 'como é Radamés, você também mandou brasa no violão?’ , como dizendo ‘foi meio daquele jeito’. Então ele disse: Daquele jeito não! E pegou o violão e estraçalhou na minha frente, eu até fiquei envergonhado.” (MEDAGLIA apud FRANCISCHINI, 2007:5)

Com essa declaração do maestro, fica claro o domínio de Radamés sobre

o instrumento, muito além de um estudo superficial apenas para compor para o

violão. Radamés estudou a sério e conviveu com os grandes violonistas de sua

época; dentre outros, foi amigo de nomes como Garoto, compondo um concerto

dedicado a ele, Raphael Rabello e o já citado Turíbio Santos, as melhores

companhias para um compositor se aprofundar no instrumento e testar suas

idéias. Seus onze estudos para violão, além de cinco concertos para violão e

orquestra, suítes e tantas outras, o consagram definitivamente como um dos

maiores autores de peças para violão do repertório brasileiro de concerto, ao lado

de Villa-Lobos.

3.1.2 Análise de Frevo

A seguir, a peça “Frevo – Petit Suíte”, terceiro movimento, de Radamés

Gnattali seguida da análise realizada na presente pesquisa.

Page 83: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

72

Figura 2: Frevo – Petit Suíte (terceiro movimento) - Cp.1-17

Radamés Gnattali

Page 84: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

73

Figura 3: Frevo – Petit Suíte (terceiro movimento) – Cp. 18-36 Radamés Gnattali

Page 85: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

74

Figura 4: Frevo – Petit Suíte (terceiro movimento) – Cp. 37-54 Radamés Gnattali

Page 86: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

75

Figura 5: Frevo – Petit Suíte (terceiro movimento) – Cp. 55-71 Radamés Gnattali

Page 87: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

76

Com a afinação da sexta corda em ré, Radamés sugere o andamento Vivo

começando com um acorde na região médio grave de D7M como se fosse a

pancada da percussão e logo em seguida uma resposta dos trumpetes. No

compasso47 2 acontece sua resposta com frase descendente: construção

melódica típica do frevo que encontraremos a seguir, nas outras duas peças

(Henriquieto e Festival dos Destinos). Nos Cp.3-4 a mesma idéia se repete com a

melodia uma quinta abaixo. Observe-se que nesses primeiros compassos é

apresentada a idéia principal do tema, que em seguida é desenvolvida durante a

peça. Esse início é uma “chamada” frevística onde subentendemos que a

percussão só acentuaria os acordes, para começar de fato o ostinato rítmico

dançante do frevo no Cp.5 . Nesse compasso começa um movimento de acordes

cromáticos, o que sugere baixo, harmonia e melodia sendo tocados juntos. Agora

sim uma banda completa representada no violão. Apesar disso notemos que o

compositor não escreveu nenhuma passagem da peça em ostinato rítmico básico

do frevo. O único trecho em que os baixos são tocados no ritmo do surdo marcial

é entre Cp.48-50, e mesmo assim temos um compasso de ¾, o que, de qualquer

maneira, não é tradicional. Nas outras peças podemos observar que os ostinatos

rítmicos do frevo são muito pouco ou nada presentes. Isso reforça a idéia de que

o frevo-de-rua instrumental foge à idéia de um ostinato fixo, como pressupõem

muitos livros que abordam o gênero.

No Cp.6 temos a primeira quebra de compasso binário para ternário que,

como já foi observado, se repete em outros momentos. Temos uma resposta aos

acordes, que ascendem de forma cromática com a mesma digitação e o baixo

em lá, fazendo um contraste com os baixos descendentes. Nesse frevo,

Radamés deixa bem divididas as funções de baixo, acorde e melodia. Não há

contraponto polifônico entre as mesmas. Segue compasso binário com resposta

dos agudos (Cp.7-8), sugerindo um novo ritmo no fraseado até quebrar

novamente para ternário em Cp.9-10. Nesse trecho acrescenta-se um tempo a

mais no compasso por conta da idéia melódica anterior, o que transforma o

ternário numa junção dos elementos de Cp.8 e 11. No Cp.11 encontramos o

acompanhamento em contratempo, característica típica do frevo. Nos Cp.13-16

47 No presente texto foi adotada a abreviação Cp. para compasso.

Page 88: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

77

encontramos a melodia nos baixos médios, que poderia ser executada pelos

trombones ou até os saxes, mas não necessariamente por um instrumento baixo

como a tuba. Chamo a atenção pra isso para demonstrar como Radamés

orquestrou bem seu frevo para violão, que poderia ser facilmente transcrito para

orquestra.

Os Cp.17-18 são idênticos aos Cp.5-6, porém concluindo o baixo em fá

sustenido e fazendo uma sequência de acordes dominantes que terminam

novamente em D7M. Pode-se observar a acentuação utilizada dessa vez com os

agudos no contratempo ao inverso de Cp.11.

Em Cp.21-22 é feito um arpejo de D7M, terminando na nota si que faz

parte, junto a Cp.23, da frase do tema em Cp.1-2. Há um arpejo semelhante em

Cp.24-25, relativos ao desenvolvimento de Cp.3-4. Observa-se um compasso

ternário semelhante ao que encontramos em Cp.6. Entre Cp.21-25 é apresentada

uma variação do tema principal também se fazendo uma ruptura com um

compasso ternário.

Em Cp.25-31 o compositor expõe uma nova idéia melódica nos baixos,

dessa vez realmente no grave, podendo ser tocado por uma tuba ou trombone

baixo. Sua resposta são os ataques nos agudos em forma de acordes

dissonantes.

Em Cp.32-36 observam-se arpejos do acorde de sol maior dominante (G7-

13) com uma figura rítmica de quatro notas que se repete em síncopes,

terminando em um ataque no acorde de “D sus4”. Um fraseado frevístico

descendente é seguido de outra frase ascendente em quiálteras (Cp.37-42) com

terminação no acorde de “A”, semelhante aos Cp.35-36. Em seguida, temos uma

frase no baixo para o ritornello.

Em Cp.45-47, nota-se síncope arpejado, semelhante a Cp.32. Segue uma

alteração para o compasso ternário em Cp.48-51, onde acordes são arpejados.

Nota-se que se separarmos os acordes dos baixos executados nesse trecho,

descobrimos que eles estão em ritmo binário. Esse é mais um artifício do frevo

para se produzir o efeito de polirritmia.

Page 89: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

78

Segundo Turíbio Santos (depoimento pessoal, 2007), em Cp.52-60

Radamés propõe uma Cadenza rítmica em que imita o tarol percussivo do frevo,

em que a melodia e os acordes arpejados parecem estar deslocados um do outro.

Em um momento a melodia parece antecipar o acorde e vice-versa. Em Cp.58-59

o ritmo do arpejo se modifica em semicolcheias com acentuação na nota mais

aguda do acorde: E7/9 – Eb7/9.

Em Cp. 61-65 retoma-se a idéia apresentada no Cp. 13, porém

acrescentando um acorde a mais, comparado à sua primeira exposição: si bemol

maior. A peça se conclui logo após o arpejo em quiálteras do acorde dominante

de lá (A 7/#11) a que se segue uma frase ascendente cromática também

quialterada de dó sustenido até a nota ré. Após uma pausa de um tempo, a peça

acaba com o ataque do acorde D6/9, utilizando todas as cordas do violão. Esse é

o acorde utilizado no “Frevo” com o som mais aberto e cheio que finaliza a peça.

Nota-se que o compositor nesse caso optou por acrescentar pouquíssimas

articulações, o que seria incomum de se encontrar num arranjo para instrumento

de sopro. A maioria das partituras pesquisadas para violão não apresenta um

cuidado satisfatório com a escrita de articulações.

3.2 Henriquieto

3.2.1 Guinga

Guinga nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 10 de julho de 1950. A

biografia em seu site o define assim:

“Carlos Althier de Souza Lemos Escobar (…) Aprendeu violão intuitivamente aos 13 anos de idade. Mais tarde faria cursos de música, inclusive 5 anos de violão clássico com o professor Jodacil Damasceno. Começou a compor aos 16 anos, classificando a sua primeira canção aos 17 anos no Festival Internacional da Canção. Trabalhou profissionalmente, acompanhando artistas como Clara Nunes, Beth Carvalho, Alaíde Costa, Cartola, João Nogueira, entre outros. Formou-se em Odontologia em 1975. Sempre compondo, teve várias de suas músicas gravadas por nomes importantes: Elis Regina, Michel

Page 90: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

79

Legrand, Sérgio Mendes, Leila Pinheiro, Chico Buarque, Clara Nunes, Ivan Lins e outros.” 48

Compositor violonista ainda ativo, fez dois frevos: “Vô Alfredo” e

“Henriquieto”. Escolheu-se analisar “Henriquieto” porque explora de forma

peculiar uma figura rítmica derivada da polca executada tradicionalmente pelo

pandeiro. “Vô Alfredo” possui características que se assemelham às outras duas

peças escolhidas, portanto não será analisada aqui. Com “Henriquieto”, Guinga

homenageia o violonista pernambucano Henrique Annes, fazendo um trocadilho

com seu nome no título da composição.

O compositor considera-se com sangue nordestino por conta de sua

ascendência materna que é pernambucana e paraibana. Para ele, os ritmos

nordestinos sempre estiveram em sua alma, mas o que o inspirou diretamente a

compor seu primeiro frevo foi a composição de Egberto Gismonti chamada

“Karatê”. Interessante observar que Gismonti divulgou o gênero, em mais de uma

composição sua, para diversos compositores e instrumentistas. Guinga lembra-se

também da época em que “Evocação No. 1” de Nelson Ferreira tocava na rádio.

Para ele, o ato de compor frevo ao violão é um desafio, porque se deve tomar

cuidado para não se sofisticar demais, tem que ser na medida. Em suas palavras:

“... não pode perder a rua” (depoimento pessoal, 2008). Nota-se que Guinga usa a

palavra rua para designar o caráter popular da música, deixando claro que as

características de uma prática musical, que nasceram literalmente na rua, não

devem ser deturpadas em função de uma eruditização que ignore a alma do

gênero. “O frevo não tem nem a obrigação de ser alegre, mas tem que ter rua.”

Em sua opinião, é preciso atingir esse equilíbrio entre a sofisticação concertista e

a alma da música, que nasceu na rua. Segundo ele “essa riqueza rítmica

assombrosa” de Pernambuco devia ser mais divulgada.

Atualmente, Guinga não interpreta “Henriquieto” em seus concertos e o

justifica por considerar essa peça muito difícil de ser executada. Recorda-se com

orgulho da apresentação que fez no extinto Free Jazz Festival em sua edição de

1994, quando a tocou pela última vez ao vivo.

48 Disponível em www.guinga.com

Page 91: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

80

3.2.2 Análise de Henriquieto

A seguir, a peça Henriquieto, de Guinga, e a análise realizada na presente

dissertação.

Page 92: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

81

Figura 6: Henriquieto - Cp. 1-19 / Guinga e Aldir Blanc

Page 93: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

82

Figura 7: Henriquieto - Cp. 20-45 / Guinga e Aldir Blanc

Page 94: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

83

A partitura não evidencia sua forma, portanto, vamos tomar como

referência uma gravação feita pelo próprio compositor em um de seus discos

(Delírio Carioca, 1993). A música é dividida entre parte “A”, nos Cp.1-24, e “B”,

nos Cp.25-44. Sua introdução faz parte do “A”, sendo tocada todas as vezes. A

forma é A-B-A-A-B, o que é pouco usual. “Henriquieto” começa com a figura

rítmica derivada da polca, geralmente tocada pelo pandeiro em ostinato nos

compassos 1-8. Usa aqui inversões nos baixos que caminham de maneira

descendente do grave para o agudo, concluindo o primeiro trecho (Cp.1-4) num

acorde que sugere o quarto grau com sonoridade suspensa, devido à ausência da

terça justa (C/F). Nos Cp.5-8 finaliza na tônica, que é um acorde de Dó maior

perfeito (C), como se fosse a casa 2. Esse trecho tem um caráter de introdução

em tom de Dó maior e sugere ao ouvinte uma sonoridade parecida com a de uma

marcha harmônica, devido à sucessão de acordes maiores e dominantes (C/E –

F7/Eb – Eb7/Db – C7/Bb – D7/A – Bb7/Ab – C/F).

No Cp.9 começa a exposição do tema no tom relativo menor (Am) em

anacruze, como é tradicional nos frevos-de-rua, em forma de pergunta melódica.

Em seguida, Cp.11-13a, há uma resposta em forma de acordes numa espécie de

“cluster” tipicamente violonístico, com o baixo na corda solta “ré”, gerando

intervalos de segunda entre as cordas “si” e “sol” _ recurso utilizado pelo

compositor ao final da parte “B” de outra obra sua chamada “Di Menor”. Nesta

utiliza-se do baixo na corda solta “lá”. Esse jogo de pergunta e resposta remete ao

diálogo dos metais e das palhetas, uma brincadeira entre melodia e massa

sonora. O recurso dos clusters provoca essa massa sonora.

Temos em seguida uma repetição de pergunta e resposta temática entre

Cp.17b-20 e voltamos à figura rítmica da introdução novamente usando inversões

dos acordes, porém com outra harmonia (Cp. 21-24 com repetição). Percebemos

que, nesse trecho, o compositor reafirma a idéia de pergunta e resposta entre o

grave e o agudo dando uma idéia de ida e vinda, sobe e desce, sugerindo

movimento entre opostos, que remete às ladeiras de Olinda por onde desfilam as

“troças” carnavalescas. Aqui também é feito um jogo de contrastes entre o

Page 95: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

84

melódico e a “pancada” dos acordes com intervalos de segunda, se utilizando

novamente de cordas soltas explorando muito bem os timbres do instrumento.

Guinga segue fazendo uma cadência para o quarto grau (Fá) com um

acorde dominante (C7). Repare que em Cp.25-26 ele se utiliza de ligaduras para

deslocar as acentuações de seu tempo forte natural. Os acentos são todos no

contratempo. Em Cp.29-32a ele transforma o acorde de Fá em dominante,

fazendo descer a melodia da tônica para a sétima, com resposta final do acorde

com nona _ “sol” _ na melodia. Coloca aqui os baixos sincopados contrastando

com os acordes no tempo forte. Em seguida resolve em “si bemol” (Bb6), que

repete a mesma idéia entre baixos e acordes terminando no acorde de lá (Am),

passando pelo seu dominante com o baixo na terça (E7/G#). Nota-se a melodia

cromática nos baixos em ambos os trechos (Cp.29-32a e Cp.33-36).

Nos Cp.37-40 volta o ostinato do pandeiro em forma de arpejo, primeiro Am

(Cp.37-38) e depois um arpejo diminuto seguido da nota “mi”.

Entre Cp.41-44 com repetição é feito um desenho melódico em cima do

arpejo de F7M/9 que pode ser entendido também como tríades individuais

formando acordes diferentes, inclusive porque a acentuação dos baixos sugere

grupos rítmicos de 3 notas. São muito comuns no frevo grupos ímpares de notas

sugerindo uma polirritmia e compassos diferentes tocados simultaneamente. No

Cp.44 há uma quebra nessa estrutura, terminando em 2 trítonos que resolvem

sua tensão na repetição integral da música ou no final com o acorde de Am6, que

também possui um trítono entre a sexta e a terça do acorde. Nota-se que a

música começa em tom maior e acaba no menor, processo inverso ao da

picardia.

Page 96: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

85

3.3 Festival dos Destinos

3.3.1 Armando Lôbo

Nascido no Recife em 26 de fevereiro de 1971, Armando Lôbo é um dos

raros compositores da nova geração que domina a linguagem “erudita”, de

concerto, e “popular”, cuja prática se dá fora da sala de concerto. Tem sinfonias e

opereta compostas, discos lançados como cantor e arranjador de MPB e é

integrante da Orquestra Frevo Diabo. Lôbo possui uma obra vasta para diversas

formações em diversos gêneros e vertentes da música, se caracterizando como

um dos músicos mais completos de sua geração. Armando possui também um

trabalho autoral chamado “O Frevo Bem Temperado”, em que dá tratamento

barroco aos seus frevos. Ele está sempre buscando uma linguagem original em

sua música. É um dos raros compositores da nova geração de Recife que aponta

novos caminhos para o frevo.

O próprio compositor fez a adaptação de Festival dos Destinos

originalmente escrito para orquestra, atendendo a meu pedido. Isso se deve ao

conhecimento profundo do instrumento pelo compositor que, apesar de não ter a

prática de se apresentar como concertista, é um exímio violonista.

3.3.2 Análise de Festival dos Destinos

A seguir, a partitura de Festival dos Destinos seguida da análise realizada na

presente dissertação.

Page 97: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

86

Figura 8: Festival dos Destinos – Cp. 1-30 / Armando Lôbo

Page 98: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

87

Figura 9: Festival dos Destinos – Cp. 31-66 / Armando Lôbo

Page 99: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

88

Figura 10 : Festival dos Destinos – Cp. 67-99 / Armando Lôbo

Page 100: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

89

Figura 11: Festival dos Destinos – Cp. 100-159 / Armando Lôbo

Page 101: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

90

Essa peça foi escrita na tonalidade de ré maior e, assim como o Frevo de

Radamés, utiliza-se da afinação da sexta corda em ré. Começa com uma

introdução em tempo Adagio (72 b.p.m.). Essa introdução apresenta alguns

fragmentos do tema principal intercalados por idéias melódicas que só são

expostas nesse trecho. Funciona preparando o ouvinte para o andamento ligeiro e

frenético com harmonias dissonantes que virá em seguida. Nesse momento o

frevo está nascendo. A introdução termina (Cp. 26) com uma frase cromática

ascendente utilizando a primeira corda solta (mi) como pedal para ajudar na

execução rápida das semicolcheias, caracterizando o virtuosismo e gerando

tensão e expectativa quanto ao tema por vir.

O tema principal começa (Cp.27) no dobro do andamento da introdução,

Allegro (144 b.p.m), com o arpejo de lá maior dominante acentuada pelas

ligaduras, utilizando as cordas soltas respectivas de cada nota, resultando num

fraseado típico do frevo. O mesmo recurso foi utilizado em Cp.18. Nota-se que,

como nos instrumentos de sopro, no violão também se usam muitas ligaduras

para deslocar os acentos de seu tempo forte, resultando nas mais diversas

formas de síncope e contratempo. No caso, as cordas soltas são aproveitadas

para permitir saltos entre intervalos distantes e para se obter um timbre mais

aberto, além de que tecnicamente é mais viável na maioria dos casos de

ligaduras. Vale notar que no gênero frevo é muito comum encontrarmos idéias de

notas agrupadas em 2, 3, 4, 5..., muitas vezes não cabendo na métrica do

compasso, sugerindo uma polirritmia interessante como segue nos exemplos :

Exemplo 7

Exemplo 8

Page 102: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

91

Exemplo 9

A frase que inicia o tema (Cp.27-29) começa de forma descendente e

termina ascendente, dando uma idéia de sobe e desce, vai e vem, típica do

gênero, características essas que instigam o passista em suas coreografias. Sua

resposta se segue em Cp.30-31 de forma descendente, sugerindo mais um

movimento flutuante. Essa idéia evolui entre Cp.32-37 com acordes que vão

ascendendo, gerando tensão e expectativa, até que tem seu auge entre Cp.38-41,

onde a melodia caminha pelos acordes de Dm7(b5), G7 e Bb7(13), gerando uma

cadência que se resolve por aproximação cromática em B/F# ao invés de Cm, o

que seria a sua solução comum. O tema atinge seu “ápice épico” entre Cp.42-55,

atingindo a nota mais aguda da música até então, em Cp.43. Ainda em Cp.42-55

ele expõe trecho apresentado na introdução (Cp.8-16) com pequenas

modificações. Essa melodia muda de passagens cromáticas para uma melodia

cantável que poderia facilmente ser letrada e nos sugere um refrão onde

podemos até imaginar uma multidão cantando em coro. Na sequência, se utiliza

de cordas soltas novamente para reproduzir a figura rítmica do pandeiro, derivada

da polca (Cp.57-58):

Exemplo 10

Armando repete o fraseado semelhante (Cp.59-63) ao do início do tema

(Cp.27-31). Ver nos exemplos 11 e 12:

Page 103: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

92

Exemplo 11

Exemplo 12

Conclui em seguida, dessa vez em C7M/9. Cria uma ponte em Cp.63-67

para retomar e expôr novamente o trecho que qualificamos de "épico" a partir de

Cp.67, concluindo a exposição do tema em Cp.72-76. Notemos que em Cp.65-67

os acordes de A7(13), G7(13) e B/F# são tocados no contratempo, variação

rítmica muito comum no frevo que podemos encontrar nas melodias tanto quanto

nos acompanhamentos. Também é importante comentarmos o recurso de corda

solta aqui utilizado de uma forma diferente: diversificando o timbre tocando a

mesma nota (sol) na quinta casa da corda ré (polegar), alternando com a corda

sol solta (indicador), produzindo uma acentuação deslocada do tempo forte.

Repetimos os Cp.27-76 por conta do ritornello e seguimos com uma

terceira exposição do tema que começa no Cp.77 e é interrompida em Cp.91 com

acordes cromáticos ascendentes (Bb7-13, Ab9/C, C#o-13, Dm6), terminando em

um compasso ternário (Cp.94).

Em Cp.95 se inicia uma Cadenza em andamento Meno Mosso fraseando

novamente na figura tocada pelo pandeiro com o baixo pedal em ré ou em fá,

acentuando o ritmo no contratempo, que se conclui (Cp.101) com a repetição

descendente, usando a mesma digitação em cada corda com o baixo em sua

respectiva corda superior.

A Cadenza continua a tempo (144 b.p.m.) ainda explorando a figura rítmica

do pandeiro em staccato, arpejando acordes que vão ascendendo com a mesma

digitação para ambas as mãos. O contraste vem em seguida, tocado com

Page 104: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

93

harmônicos descendentes gerados na quinta e na sétima casa do violão, o que

naturalmente soa mais suave, comparado ao staccato anterior. O compositor

conclui assim sua Cadenza em tom suave, após uma exaustão técnica de

andamento rápido.

Retomamos a introdução da música em andamento adagio novamente.

Aqui o compositor dá à peça definitivamente um caráter de Concerto, por causa

dessa diversidade de andamento, algo absolutamente incomum nos frevos-de-

rua, por conta de sua natureza dançante. Nos frevos tradicionais, encontramos

mudança de dinâmica, etc., mas nunca mudança de andamento. A música

popular no geral subentende um instrumento rítmico (percussão principalmente)

que trabalha incessantemente como uma máquina fazendo uma base constante

em ostinatos para o resto dos instrumentos, por isso, não se espera que haja

mudanças bruscas de andamento, em que a idéia de um ostinato se desfaz

totalmente.

A repetição da introdução se interrompe em Cp.125 com um acorde meio

tom acima em relação ao anterior (F#7-13 para G7-13). Aqui a introdução é

tocada exatamente pela metade. São 13 compassos em vez de 26.

Voltamos em seguida ao andamento 144 b.p.m com a exposição do tema

principal. Logo de início há uma alteração no segundo compasso, onde ocorre a

supressão de uma colcheia na resposta ascendente do tema, transformando-o em

um compasso único de 7/8. O compasso binário é em seguida retomado e o tema

principal segue idêntico às exposições anteriores, até o momento que surge uma

modulação para um tom e meio acima nos Cp.139-141 antecedendo uma

cadência (D7-9/A, B7, Em7-b5, A7-13) que termina em D6/9. A partir do Cp.147,

Armando desenvolve trecho baseado no Cp.53-55, utilizando um acorde

dominante de A7(13) para gerar tensão, que acaba em andamento Meno Mosso

com frase nos baixos semelhante à da Cadenza (Cp.101-102). Repete fragmento

do tema inicial em Cp.157 e desta vez suprime o tempo da frase de resposta

ascendente, transformando-a em quiálteras de 11, que terminam em fermata.

Outra fermata aparece logo em seguida no acorde conclusivo do tom da música:

D6/9.

Page 105: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

94

Observemos que, também de maneira incomum, o compositor finaliza a

música diminuindo o andamento para Meno Mosso, terminando com o último

acorde com dinâmica mp, o que contraria a tradição de terminar os frevos-de-rua

em dinâmica explosiva, geralmente seguidas de execução fortíssima do acorde

da tonalidade da música. Festival dos Destinos começa construindo um ambiente

para começar o frevo, o desconstrói no meio e termina diminuindo e parando de

forma sutil. Podemos compará-lo a um trem que sai da estação, chega a sua

maior velocidade durante a viagem, pára para descansar por um breve momento

e retoma a viagem até chegar de novo à sua estação, deixando com naturalidade

muita fumaça para trás.

Page 106: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

95

CAPÍTULO 4

Transcrições de três acompanhamentos frevísticos a partir da

Orquestra Frevo Diabo

A seguir estão as transcrições de alguns acompanhamentos guitarrísticos

gravados no primeiro cd do grupo carioca “Frevo Diabo” (2009). O arranjo da

canção “Frevo Diabo” foi gravada com guitarra elétrica, mas pode perfeitamente

ser utilizado ao violão.

A escolha do instrumento elétrico para as gravações foi uma opção técnica

devido à grande massa sonora produzida pelos instrumentos de sopro e pela

bateria/percussão. As freqüências sonoras da guitarra fizeram com que tivesse

mais presença que o violão, junto ao resto da banda, em alguns arranjos

específicos. Vale chamar atenção para o fato de que as partes de

acompanhamento transcritas são relativas ao instrumento integrado a um

contexto coletivo, a banda, em que há diálogos entre os instrumentos. Por isso, só

fazem sentido, na maioria das vezes, se executadas junto ao resto da banda. Os

arranjos integrais estarão anexados no fim da dissertação. Serão transcritos os

acompanhamentos das seguintes composições: “Cordão da Saideira”, “Frevo

Diabo” e “Frevo de Itamaracá”. Alguns trechos serão comentados.

4.1 Orquestra Frevo Diabo

Esse tópico justifica a escolha do grupo “Frevo Diabo” para objeto de

estudo, através dos arranjos feitos para violão de acompanhamento registrados

no CD. Muito elogiado e reconhecido por músicos brasileiros importantes como

Egberto Gismonti, Edu Lobo, Guinga, Carlos Malta, Marco Pereira e,

principalmente, o maestro pernambucano Ademir Araújo, o “Frevo Diabo”, mistura

Page 107: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

96

“bases enérgicas, usando timbres modernos, com harmonias sofisticadas e os

metais do frevo.” 49

Nascida a partir do encontro musical do carioca Daniel Marques e do

pernambucano Armando Lôbo, segundoi informacão no seu site, “Frevo Diabo” foi

batizado com o nome de uma canção de Chico Buarque e Edu Lobo. A orquestra

se propõe a fazer uma ponte entre tradição e inovação ao tirar o gênero do

regionalismo e torná-lo universal, somando compositores contemporâneos, como

Chico Buarque e Edu Lobo, aos tradicionais Capiba e Nelson Ferreira, além

apresentar de composições próprias. O grupo é composto por 10 músicos

cariocas e pernambucanos de várias tendências do circuito musical brasileiro,

distribuídos entre saxofones, metais, baixo, bateria, guitarra/violão e voz. São

integrantes de bandas como "Monobloco", “Carlos Malta e Pife Muderno”, “Tira

Poeira”, "Furiosa Portátil" e "UFRJAZZ". Alguns integrantes eventualmente

incluem frevos em seus trabalhos solo.

Os arranjos de seu disco de estréia transitam por diversos ritmos e gêneros

da música brasileira, desenvolvendo uma fusão do frevo com maracatu,

caboclinho, samba, maculelê, galope...

“Estão presentes também influências do rock e do reggae jamaicano. Villa-Lobos também marca a influência do grupo na maneira de elaborar os arranjos sofisticados e com bases na orquestração da música sinfônica européia. O resultado é uma diversidade carnavalesca natural do frevo” 50.

Frevo Diabo é o primeiro grupo fora de Pernambuco a gravar um disco

dedicado exclusivamente a esse gênero e, por isso, representa um marco

pioneiro na história do frevo. Seu trabalho foi reconhecido em Pernambuco e seu

CD foi patrocinado pela Prefeitura do Recife, o que representa uma legitimação

formal do grupo. Um artigo de Lygia Falcão saiu no “Diário de Pernambuco”,

incluindo o grupo numa lista de CD´s apoiados pela Prefeitura:

49 Informação no site do “Frevo Diabo”, www.myspace.com/frevodiabo 50 Idem

Page 108: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

97

“Apoiamos a remasterização e a prensagem de 09 LPs de frevo para CD, do projeto O Tema É Frevo, executado por Hugo Martins. Patrocinamos e apoiamos a produção de vários CD´s: Claudionor Germano, Maestro Ademir Araújo, J. Michiles, Nono Germano, Orquestra Frevo Diabo (com sede no Rio de Janeiro) e ainda patrocinamos o DVD da Spok Frevo Orquestra. O Calendário 100 Anos do Frevo, do fotógrafo Renato Filho também contou com o patrocínio da Prefeitura do Recife.” (FALCÃO, 2008)

O grupo vem se apresentando constantemente. Já tocou em diversos

bailes de carnaval e em teatros, explorando o frevo tanto em sua vocação festiva

quanto em concertos com interpretações camerísticas, vocação do frevo essa já

apontada no Capítulo 2.

No encarte do CD “Frevo Diabo” temos declarações de alguns músicos

importantes:

"Ouvi várias vezes e achei maravilhoso o trabalho do CD. O caminho do frevo já está num crescente brilhante. É isso aí irmãos. Parabéns!" (Ademir Araújo, o maestro “Formiga”).

“... uma beleza essa orquestra de frevo! Parabéns. Os arranjos e as execuções são realmente muito bons. Parabéns ao Pernambucano (Armando) e aos músicos." (Egberto Gismonti, compositor).

E ainda o comentário bem humorado de Guinga: “Achei o Frevo Diabo

divino!”

No CD “Frevo Diabo” encontramos o seguinte repertório:

1 - Frevo Guarani (Carlos Gomes/ Armando Lôbo)

2 - Não Existe Pecado do Lado de Baixo do Equador (Chico Buarque)

3 - Chapéu de Sol Aberto (Capiba)

4 - Frevo Diabo (Chico Buarque/ Edu Lobo)

5 - Henriquieto (Guinga)

6 - Cordão da Saideira (Edu Lobo)

7 - Frevo de Itamaracá (Edu Lobo)

8 - Último Dia (Levino Ferreira)

9 - Enquanto Existe Carnaval (Thiago Amud)

10 - Carnaval de Perneta (Daniel Marques)

Page 109: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

98

O grupo foi escolhido como referência para as transcrições dessa

dissertação em função de representar uma continuidade e renovação do frevo,

indo de encontro com o propósito dessa pesquisa. Incluindo o violão em sua

instrumentação, encontramos a oportunidade de termos exemplos atuais da

prática do frevo no instrumento. A escolha de três músicas de Edu Lobo

interpretadas no disco deve-se ao fato de ser o compositor mais presente no

repertório da orquestra. Os novos compositores não foram levados em

consideração, pois demos prefência a analisar canções já consagradas, mas com

uma interpretação atual.

4.2 Edu Lobo

Justificaremos a seguir a escolha de três canções de Edu Lobo como

objeto de pesquisa, evidenciando suas qualidades que o fazem ser uma

referência enquanto compositor de frevo moderno.

“‘... ninguém está fazendo frevo, ninguém faz baião’. Havia um certo preconceito com esse tipo de coisa, baião é uma música menor, frevo era menor...” (Edu LOBO apud ALBUQUERQUE, 2006:138).

Eduardo de Góes Lobo, filho do compositor pernambucano Fernando Lobo,

nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 29 de agosto de 1943. Começou tocando

acordeon aos oito anos de idade, mudando para o violão aos dezesseis. Foi

criado em sua cidade natal, mas também na casa dos tios em Recife, durante

suas férias escolares. Frequentou shows e eventos ligados à bossa-nova na

década de 1960, conhecendo e fazendo amizade com seus principais

representantes, como Tom Jobim e Vinícius de Moraes, com quem acabou sendo

parceiro em algumas composições. Devido ao alto nível dos músicos da época,

Edu logo percebeu que poderia utilizar a influência de suas raízes

pernambucanas por parte de família para criar sua identidade, algo diferente do

que era feito nesse período51.

51 Essas informações constam na biografia disponível em seu site na internet: (www.edulobo.com)

Page 110: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

99

“Foi uma coisa instintiva. E eu acho que de sobrevivência mesmo. ‘Bom, o Baden faz por aqui. Quem sabe seu eu misturar o frevo?’ Sei lá, ‘Cordão da Saideira’, por exemplo. ‘Se eu misturar isso aqui com as harmonias que eu aprendi do Tom?’ Quer dizer, era um frevo-canção, mas não do jeito do frevo do Antonio Maria, por exemplo. Antônio Maria fazia... as harmonias eram mais simples, eles não tocavam violão. Meu pai também fazia coisas assim... mas eles não tocavam instrumento nenhum. Então eu comecei a misturar para ver o que dava. E eu acho que com isso foi que o meu trabalho deu a partida, porque ele começou a ter uma coisinha diferente do que se estava fazendo.” (apud ALBUQUERQUE, 2006:142)

Nota-se que essa observação de que os dois compositores citados não

tocavam um instrumento musical não é uma informação precisa, pois segundo o

“Dicionário Cravo Albin”, Fernando Lobo fez parte da Jazz Band Acadêmica de

Pernambuco como violinista.

Edu Lobo lembra também o impacto e a influência que Baden Powell teve

em sua maneira de tocar violão e também na construção de sua estética

enquanto compositor, despertando um olhar para a parte rítmica e a música de

Pernambuco:

“Mas o que transformou o meu violão foi o ‘Berimbau’. Foi quando... o Baden tocando aquele violão mais batido, mais percussivo, que é muito mais o que eu toco, e que começou a me dar essa possibilidade de misturar com as coisas do Norte, Nordeste, enfim, de Pernambuco, eu comecei a fazer frevo, mas com as harmonias da bossa nova...” (apud ALBUQUERQUE, 2006:142)

Edu Lobo teve formação de orquestração em Los Angeles52. Causou

surpresa em muitos amigos quando, em 1969, logo após ter obtido o primeiro

lugar no III Festival da Música Popular Brasileira em 1967 com a canção

“Ponteio”, decidiu dar uma breve pausa em suas apresentações e “... se dedicou

ao estudo sistemático da música, fazendo cursos de orquestracão com Albert

Harris e de música para cinema, com Lalo Schiffrin.” (MELLO apud

ENCICLOPÉDIA DA MÚSICA BRASILEIRA,1998:67). Edu trabalhou como

orquestrador e compositor de trilhas musicais para teatro e televisão, chegando a

ser orquestrador contratado da Rede Globo de Televisão durante 1974 e 1975.

52 Informação obtida em seu DVD “Edu Lobo – Vento Bravo”.

Page 111: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

100

Teve suas composições interpretadas por grandes nomes da chamada MPB,

como Elis Regina, Tom Jobim, Chico Buarque... Em 2006 o saxofonista Mauro

Senise lançou um disco instrumental chamado “Casa Forte”, dedicado

exclusivamente à obra de Edu Lobo, que contém a canção “Cordão da Saideira”

interpretada de forma apenas instrumental.

Percebemos, portanto, a junção das qualidades necessárias para um

grande compositor de frevo com propriedade violonística: entendimento de

orquestração, conhecimento do instrumento e da estética do frevo. Edu Lobo, por

ser também um compositor de canções, aproveitou para compor frevos cantados.

Juntou elementos da bossa-nova e de todo conhecimento formal que desenvolveu

em seus estudos para criar um tipo de frevo-canção original, que podemos ainda

classificar de frevo-de-bloco, dependendo da interpretação que a canção pede.

Seu lado violonístico foi aprimorado tendo Baden Powell como principal

referência, o que nos permite perceber as harmonizações originalmente escritas

em seu Songbook (1994) de forma violonística soando muito bem ao instrumento,

dando conta de sua extensão e timbre. Por essas qualidades, o compositor foi

eleito para estudo, através de suas harmonias violonísticas interpretadas pelo

grupo Frevo Diabo. Acreditamos ser o compositor ainda em atividade que melhor

representa uma maneira moderna e atual de compor frevos cantados.

4.3 Cordão da Saideira

Esse foi interpretado como típico frevo-de-bloco, incluindo violinos e

clarineta em sua instrumentação. É cantado por um coro feminino sem a presença

do cantor solista e sua introdução começa com um apito exatamente como nas

gravações antigas. Entre as três canções de Edu Lobo, essa é onde o violão mais

se caracteriza como acompanhador tradicional. Em poucos momentos ele sola

uma melodia. Concentra-se mais nas baixarias tradicionais, dobrando alguns

outros instrumentos. Seu arranjo é bem violonístico, utilizando as figuras rítmicas

do pandeiro e são muito aproveitadas as cordas soltas em alguns dedilhados e

acentuações de frases. É importante notar as características percussivas

exploradas onde há antecipação dos acordes e inversão dos ostinatos para dar a

sensação de ausência de gravidade física na música.

Page 112: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

101

Figura 12: No Cordão da Saideira – Cp. 1-32 / Edu Lobo

Page 113: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

102

Figura 13: No Cordão da Saideira – Cp. 33-68 / Edu Lobo

Page 114: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

103

Figura 14: No Cordão da Saideira – Cp.69- 108/ Edu Lobo

Page 115: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

104

Figura 15: No Cordão da Saideira – Cp.109- 142/ Edu Lobo

Page 116: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

105

4.4 Frevo Diabo

Arranjo inspirado em frevo-canção, ou seja, instrumentação de frevo-de-rua

onde o cantor tem a melodia principal. É uma música mais pesada se comparada

às outras duas de Edu Lobo. Por isso, optou-se pela guitarra ao invés do violão

na gravação. Inclusive há um momento de solo de guitarra na terceira volta da

parte “A”. Observa-se que o solo essencialmente melódico trabalha de uma forma

diferente do violão solo. Nesse solo as articulações estão escritas em forma de

ligados, que são a essência da articulação frevística. Percebem-se os

deslocamentos melódicos do tempo forte. Aqui o instrumento está fazendo a parte

essencial da melodia enquanto há uma base tocada pelos outros instrumentos.

Acontecem diálogos entre a guitarra e o náipe de sopros bem divididos em

alguns momentos. Nota-se também o uso do ostinato original do pandeiro. É

interessante observar os detalhes na diferença de timbre entre o violão das outras

músicas e a guitarra elétrica.

Page 117: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

106

Figura 16: Frevo Diabo – Cp.1- 54/ Edu Lobo e Chico Buarque Arr. Banda – Armando Lôbo e Arr. Guitarra – Daniel Marques

Page 118: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

107

Figura 17: Frevo Diabo – Cp.55-108/ Edu Lobo e Chico Buarque Arr. Banda – Armando Lôbo e Arr. Guitarra – Daniel Marques

Page 119: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

108

Figura 18: Frevo Diabo – Cp.109-162/ Edu Lobo e Chico Buarque Arr. Banda – Armando Lobo e Arr. Guitarra – Daniel Marques

Page 120: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

109

Figura 19: Frevo Diabo – Cp.163-164/ Edu Lobo e Chico Buarque Arr. Banda – Armando Lobo e Arr. Guitarra – Daniel Marques

Page 121: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

110

4.5 Frevo de Itamaracá

Aqui o violão lidera a base como único acompanhador. Há um diálogo de

opostos entre o saxofone barítono e o flautim, centrado pelo violão. O violão

trabalha intensamente a inversões dos acordes com sua afinação da sexta corda

em “ré”, resultando numa sonoridade que relembra Baden Powell em alguns

momentos. O sax e o violão dobram juntos os baixos em determinados trechos.

Em relação às vozes, há um arranjo peculiar que relembra alguns tipos de

frevo-canção mais tradicionais onde o cantor solista é acompanhado por um coro

feminino. Não há caixa de bateria (tarol), deixando o pandeiro mais presente.

Chama-se a atenção para os momentos de improviso do sax e do flautim em

conjunto, onde o violão exagera nos rasqueados, sem necessariamente dividir as

vozes da harmonia. Também se utiliza dos ostinatos de pandeiro e, assim como

em “Frevo Diabo”, desloca o tempo forte jogando com a gravidade.

Page 122: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

111

Figura 20: Frevo de Itamaracá Cp.1-45/ Edu Lobo

Page 123: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

112

Figura 21: Frevo de Itamaracá Cp.46-90/ Edu Lobo

Page 124: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

113

Figura 22: Frevo de Itamaracá Cp.91-135/ Edu Lobo

Page 125: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

114

1

Figura 23: Frevo de Itamaracá - Cp.136-180/ Edu Lobo

Page 126: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

115

Figura 24: Frevo de Itamaracá - Cp.181-201/ Edu Lobo

Page 127: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

116

4.6 Exemplos rítmicos de acompanhamento para a mão direita

Seguem alguns exemplos de “levadas” (ostinatos rítmicos) centrados na

técnica da mão direita. Esses foram elaborados com o intuito de mostrar como

funcionam algumas adaptações de idéias independentes de acompanhamento no

violão. Os exemplos são apresentados no pentagrama (Figuras 25 a 27, p. 117 a

119) e comentados ao final (p. 119).

Page 128: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

117

Figura 25: Frevo – Levadas Rítmicas - Frevos 1 a 5 / Daniel Marques

Page 129: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

118

Figura 26: Frevo – Levadas Rítmicas – Frevos 5 (cont.) a 8/ Daniel Marques

Page 130: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

119

Figura 27: Frevo – Levadas Rítmicas –Frevo-de-bloco 9/ Daniel Marques

Frevo 1: baseado no ostinato da caixa (tarol) com imitação de rufo no compasso

2. Pequena variação do ostinato mais comum (figura 25).

Frevo 2: aproveitamento do ostinato do pandeiro traduzido como dedilhado (figura

25).

Frevo 3: “levada” marcial imitando o rufo da caixa utilizando rasqueado. Ostinato

binário alternativo ao quaternário (figura 25).

Frevo 4: variação da anterior (figura 25).

Frevo 5: ostinato pandeirístico com os baixos em contratempo (figura 25).

Frevo 6: variação da anterior antecipando a harmonia seguinte (figura 26).

Frevo 7: variação com mais baixos e finalização imitando variações da caixa

(tarol) (figura 26).

Frevo 8: outra variação utilizando cordas soltas e baixos no médio grave (corda

ré) em contratempo (figura 26).

Frevo 9: frevo-de-bloco típico juntando a harmonia com as frases de baixo

(“baixaria”) (figura 27).

Page 131: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

120

CONCLUSÕES GERAIS

A fim de estudar o violão no frevo foram analisados os diversos aspectos

do gênero, além da questão exclusivamente técnica do instrumento. Isso foi feito

de modo complementar. Essa abordagem se mostrou adequada, já que

possibilita maior compreensão do instrumento e do gênero, na forma integrada.

Pretendeu-se, assim, contribuir com os futuros pesquisadores sobre o tema.

Ao longo da pesquisa realizada foi constatada a falta de material editado a

respeito do frevo. Dessa forma, o pioneirismo da discussão acadêmica,

desenvolvida na presente dissertação, a respeito da atual situação do frevo e das

decorrentes dificuldades para quem pretende desenvolver uma linguagem

violonística nesse gênero musical, abre uma nova perspectiva para o gênero. As

possíveis causas dessas dificuldades foram levantadas e discutidas. Podem ser

consideradas desde as relações sócio-artísticas existentes em sua prática, assim

como um aparente conservadorismo em relacão a “verdadeira” estética de sua

música, até dificuldades técnicas estritamente musicais.

Apesar das tensões entre “popular” e “erudito”, modernização e tradição,

pode-se observar alguma produção violonística relevante que abre uma porta

para os próximos intérpretes que quiserem desenvolver uma linguagem de violão

baseada no frevo. Sem essa rara producão seria impossível ter alguma base

como ponto de partida para seu estudo. Nesse sentido vale observar que o

trabalho formal baseado no frevo que existe foi elaborado por músicos que

tiveram a preocupacão de editar sua obra, o que possibilita transcender geracões

no que diz respeito a sua música. Isso demonstra que o registro formal também

contribui para a perpetuacão de um gênero musical.

A música brasileira em geral apresenta uma base rítmica forte que deve ser

observada pelos violonistas na hora de traduzi-la no instrumento. Os caminhos de

tradução de cada gênero musical para o violão possuem alguns elementos em

comum: observar as articulações melódicas, as harmonias, os ritmos essenciais.

As figuras de ritmo e as funções de cada instrumento percussivo devem ser

minuciosamente estudadas quando um violonista quiser desenvolver a habilidade

Page 132: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

121

de acompanhador ou de solista. Por ser um tipo de música a qual poucos

violonistas solistas se dedicaram, o novo solista vai ter que agir com certa ousadia

com o frevo, porque os parâmetros de referência para a música que estiver sendo

produzida serão essencialmente as orquestras. Concluimos que alguns

violonistas terão que fazer suas próprias transcrições para que seu repertório não

fique restrito ao pouco já produzido nessa área. Isso não seria novidade se

tomarmos, como exemplo, o repertório original para alaúde de J.S. Bach que

sofreu inúmeras adaptações para o violão. No caso, o alaúde tem semelhanças

técnicas com o violão mas, no frevo, o violonista deve buscar traduzir idéias

artístico-musicais, escolhendo e desenvolvendo a princípio uma técnica própria.

Algumas questões técnicas dos instrumentos de sopro não possuem paralelo no

violão, obrigando o violonista a descobrir suas próprias soluções ou recorrendo a

técnicas dos instrumentos de cordas, como bandolim e cavaquinho.

Percebem-se elementos em comum nas três peças para violão solo

analisadas que são características frevísticas gerais. Cada compositor resolveu

suas questões composicionais utilizando recursos violonísticos, o que tornou

interessante o estudo de tais peças. Foram explorados fraseados arpejados,

outras afinações, cordas soltas para melhorar a articulação e facilitar a execução

de frases virtuosísticas. Também se encontram harmonias inusitadas para

acentuar ataques de acordes dissonantes ou para sugerir um movimento

inesperado das vozes que possa sugerir movimento de dança entre vai e vem,

sobe e desce, contrastes e paradoxos que façam com que a música nunca seja

estática. Os três compositores de diferentes gerações atingiram com originalidade

uma das principais qualidades do gênero: o movimento.

Todas essas peças merecem estudo aprofundado e novas interpretações

para que a produção do frevo violonístico também possa sempre estar em

movimento. Como foi comentado anteriormente, a técnica de um instrumento está

sempre em transformação e possui dinâmica própria dependendo da identidade

de cada violonista. A variedade de interpretações é positiva. Assim como cada

orquestra possui uma identidade, traduzindo o frevo cada uma à sua maneira, é

importante que o violonista tenha um estudo completo do gênero que está

tocando, para poder criar sua identidade a partir de uma base musical forte.

Page 133: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

122

As transcrições dos violões de acompanhamento sugerem como o violão

pode dialogar com a orquestra ou fazer uma base mais elaborada se fizer parte

de uma formação menor. No segundo caso há mais espaço para o instrumentista

sofisticar seu acompanhamento do ponto de vista melódico e harmônico. Existem

movimentos de mão direita que devem ser desenvolvidos para obter um resultado

mais ritmado. Interpretar um ritmo não pode ser somente uma leitura técnica da

partitura. O timbre do ritmo, por exemplo, é parte da interpretação. Os

instrumentos de percussão são a referência. Existe uma maneira tradicional de

acompanhar no violão que é calcada no improviso dos baixos (baixaria). No caso

do frevo, é importante que o violonista conheça bem a orquestração da música

para que seu improviso não atrapalhe outras vozes descaracterizando a gênero.

Os contrapontos são mais delineados que no choro, por exemplo. Além de ser

fundamental a prática, que antecede o estudo técnico, pode-se consultar a lista de

CDs na bibliografia da presente pesquisa.

Enfim, conclui-se que a elaboracão de uma linguagem do frevo no violão foi

apontada por poucos e que merecem atencão, e as portas estão abertas para o

músico que quiser colaborar com novas possibilidades. Poucos caminhos já foram

tentados e há tantos outros que ainda não. O violão no frevo encontra-se em

construção.

Page 134: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

123

BIBLIOGRAFIA

1) Livros

ANDRADE, Mário de. Dicionário Musical Brasileiro, Editora Itatiaia, reedição, 1989.

ANDRADE, Mário de, em Ilustração Musical, ano I, nº 2.

ALBIN, Ricardo Cravo Albin. Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro. Editora Paracatu, 2006.

CASSOLI, Camilo; FALCÃO Luiz A.; AGUIAR, Rodrigo. Frevo: 100 Anos de Folia. Editora Timbro. Recife. 2007. 240 p.

GUERRA-PEIXE, César. Nova história da Música Popular Brasileira – Capiba e Nelson Ferreira. Rio de Janeiro. Ed. Abril, 1978.

HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Editora Objetiva. 1ª edição, 2007.

OLIVEIRA, Valdemar de. Frevo, capoeira e passo. Editora CEPE. Recife, 1971.

PASCOAL, Hermeto. Calendário do Som. (366 composições). Editora SENAC. São Paulo. 2000. 413 pág.

RABELLO, Evandro. Memórias da Folia: o carnaval do Recife pelos olhos da imprensa (1822 – 1925). Recife: Funcultura, 2004.

RIBEIRO, Joaquim. A Etimologia do Frevo. Contraponto. Recife. 1949.

TELES, José. Do Frevo ao Manguebeat. São Paulo: Editora 34, 2000. 360p. (Coleção Todos os Cantos).

TINHORÃO, José Ramos. Pequena História da Música Popular - da modinha ao tropicalismo. 5a. edição. Art Editora. São Paulo, 1986. pp. 138-150.

TINHORÃO, José Ramos. Pequena História da Música Popular ( da modinha a canção de protesto). 3a. edição, Editora Vozes. Petrópolis, RJ. 1978. 244 pág.

VILA NOVA, Júlio César F. Panorama de Folião: o carnaval de Pernambuco na voz dos blocos líricos. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2007. v. 1. 167 p.

ANNES, Henrique. Dedilhando Pernambuco (Chesf Cultural, Recife 2005)

BARRETO, José Ricardo Paes. Getúlio Cavalcanti: o menestrel do frevo-de-bloco. Recife: Cia. Pacífica, 2000.

Page 135: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

124

BEZERRA, Lucas Victor Silva, Amilcar. Evoluções : histórias de bloco e de saudade. Recife : Bagaço 2006.

MENEZES, José. Frevos de Rua (Fundarpe, 2006)

CÂMARA, Renato Phaelante. Capiba: é frevo meu bem (Abril Cultural, 1986)

FARIA, Nelson. Inside The Brazilian Rhythm Section (Sher Music Co., 2002).

FARIA, Nelson. The Brazilian Guitar Book (Sher Music Co., 1996).

MARQUES, Mário. Guinga: os mais belos acordes do subúrbio. Rio de Janeiro: Gryphus, 2002.

PEREIRA, Marco. Ritmos Brasileiros Rio de Janeiro: Independente, 2006.

TAUBKIN, Miriam; Nery, Angélica Del. Violões do Brasil, São Paulo, 2007.

FREYRE, Gilberto. Guia Prático, Histórico e Sentimental da Cidade do Recife. São Paulo: Global, 2007.

CABRAL, Sérgio. A música de Guinga. Rio de Janeiro: Gryphus, 2003.

CARNEIRO, Edison. Cadernos de Folclore, 1971.

LOBO, Edu. Songbook Edu Lobo. Rio de Janeiro: Lumiar.

RABELLO, Evandro. Memórias da Folia: O Carnaval do Recife pelos Olhos da Imprensa (1822 – 1925). Recife: Funcultura, 2004.

STRAVINSKY, Igor; CRAFT, Robert. Conversations with Igor Stravinsky. Faber, London; Doubleday, New York, 1959.

2) Dissertações

ALBUQUERQUE, Mônica Chateaubriand. D. P. e. Edu Lobo: o terceiro vértice. Rio de Janeiro. 2006. Dissertação (Mestrado em Bens Culturais e Projetos Sociais) - Fundação Getúlio Vargas - RJ.

BECKER, José Paulo T. O Acompanhamento de Violão de 6 Cordas no Choro a partir de sua Visão no Conjunto Época de Ouro. Dissertação de Mestrado. Escola de Música da UFRJ. 1996.

SOBRINHO, Antonio Alves. Desenvolvimento em 78 rotações: a indústria fonográfica Rozenblit - 1953-1964. Recife: Pimes/Departamento de História. Dissertação de Mestrado – UFPE. 1993.

Page 136: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

125

SILVA, João Raone Tavares da. Reminiscências op. 78 de Marlos Nobre: Um estudo técnico e interpretativo. Dissertação de Mestrado. UFBA, 176 pág, 2007.

3) Artigos

ANDRADE, Ana I. A.; RUSSO, Iêda C. P.; LIMA, Maria L. L. T.; OLIVEIRA, Luiz C. S.. Avaliação auditiva em músicos de frevo e maracatu. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, 2002.

CARNEIRO, Edison. Cadernos de Folclore, 1971.

COMMERCIO, Jornal do. Recife: personagens inesquecíveis, 09/02/2007.

FALCÃO, Lygia. Diário de Pernambuco, 03/02/2008.

FRANCISCHINI, Alexandre. Laurindo Almeida: Uma lacuna historiográfica na música popular e erudita brasileira. Rio de Janeiro. 2007 (artigo publicado no ANNPOM).

OLIVEIRA, Valdemar de. O frevo e o passo de Pernambuco. Boletim Latino Americano de Música, Rio de Janeiro, abril de 1946, tomo VI, Instituto Interamericano de Musicologia.

PEIXE, Guerra, artigo sem título in fascículo número 44 da série História da Música Popular Brasileira, edição quinzenal, Abril Cultural, fevereiro de 1972.

TELES, José. Os Imortais. Recife: publicado em 09.02.2007 Jornal do Commércio.

TELES, José. A máquina Rozenblit. Recife: publicado em 09.02.2007 no Jornal do Commércio

RECIFE, Prefeitura do. Boletim Diário, 09/02/2007. Coordenadoria de Comunicação Social.

TELES, José. A máquina Rozenblit. Recife: Jornal do Commércio, 09/02/2007.

RECIFE, Prefeitura do. Boletim Diário, 09/02/2007. Coordenadoria de comunicação social.

SALDANHA, Leonardo Vilaça. O advento da música popular urbana do Recife no rádio e os seus desdobramentos na PRA-8. (ANPPOM) Brasília – 2006.

Page 137: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

126

4) Sítios na internet

ARAGÃO, Mário. Artigo da ASPEAPI. (http://www.arteducacao.pro.br/Cultura/frevo.htm#A%20palavra%20frev)

AZUMA, Cristina. Fórum Violão Erudito, 30/11/2000. (http://www.geocities.com/Vienna/Waltz/3039/azuma.html)

CAVALCANTI, Mauricio. Recife: artigo, (http://www.musicadepernambuco.pe.gov.br/release.php?idArtista=37)

LOBO, Edu. www.edulobo.com

NABUCO, Fundação. (http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=16&pageCode=303&textCode=923)

SAUDADE, Bloco da. (http://www.blocodasaudade.org.br/frevodebloco/index2.html)

SOUZA, Tárik de. Frevo: A acelerada marcha pernambucana que pôs o Brasil para pular, disponível em http://www.cliquemusic.com.br, 2004.

TELES, José. (http://www.frevo.pe.gov.br/registro.html)

5) Músicos entrevistados

ANNES, Henrique CÉSAR, Marco BOZÓ PEREIRA, Marco GUINGA LÔBO, Armando AMUD, Thiago

6) Discos: LPs e CDs

Frevos de Rua – melhores do século volumes 1,2,3 e 4. ARAÚJO, Ademir. Orquestra Popular do Recife.“...e o Frevo Continua”, 2007.

Page 138: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

127

ANEXO 1

Entrevistas

Page 139: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

128

Alguns violonistas responderam por email a um breve questionário sobre

suas inspirações para comporem frevos ou interpretá-los. Foram eles: Fábio

Zanon, Francisco Araújo, Erisvaldo Borges, Alessandro Penezzi, Cláudio Almeida

e Marco Pereira.

Fabio Zanon

DM: Você se inspirou em alguma composição específica para interpretar o frevo

do Radamés?

FZ: Não, foi mais um som meio genérico de frevo que a gente tem implantado na

cabeça, mas frevo de banda, mesmo.

DM: Quais as dificuldades técnicas dessa peça? Tem alguma recomendação para

executá-la bem, alguma dica? Que características do gênero frevo na

sua opinião estão evidentes na composição?

FZ: Ela não é das coisas mais difíceis, começa a ficar difícil de controlar à medida

que fica mais rápida, e eu acho que ela tem de ser bem rápida pra parecer um

frevo de rua, mesmo. De dica, acho que a 2a parte tem uma seção com harpejos

em tercinas de semicolcheia em baixo de uma melodia. Eu penso esses harpejos

como um ornamento da melodia, assim o baixo fica mais marcado e instável, com

grupos de 2 + 3 semicolcheias ao invés de harpejo borrado de 5 notas. No mais é

ter o ritmo muito firme na cabeça e no corpo,e prestar mais atenção nisso em que

acertar as notas, porque quem toca isso com cuidado acerta as notas, mas erra a

música. Acho que o que realmente faz disso um frevo são os padrões rítmicos, as

síncopas num ritmo de marcha, as figuras harpejadas, realmente parece que

estou ouvindo a banda do Spok ou algo assim.

DM: Como foi seu primeiro contato com o frevo? E com frevo violonístico?

Page 140: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

129

FZ: Deve ter sido através da televisão. Lembro de ter visto num livro, quando

tinha uns 7 anos, umas figuras bonitas de dançarinos de frevo, e minha

professora primária me explicou como era a dança e disse "você é bem magrinho,

seria um bom dançarino de frevo". Eu era criança quando apareceram aqueles

frevos famosos do Caetano Veloso, claro que é a primeira coisa que lembro

quando falo de frevo. Frevo de violão eu lembro que por volta de 1990 a Cristina

Azuma estava pensando em fazer um disco só com frevos de violão, e eu não

conhecia nada, mas acho que nunca a vi tocar nada e nem sei o que ela tinha em

mente. Acho que o primeiro que vi foi o do Radamés, mesmo. Os violonistas

populares que tocam frevo eu conheci depois. Eu achei que o Antonio Madureira

teria um monte de frevos, mas na verdade são bem poucos.

DM: Você já tocou outros frevos no violão? Gravou?

FZ: Tocar, mesmo, só o do Marlos Nobre em Reminiscências. No repertório

clássico, não consigo lembrar de muitos outros, acho que tem o José de Oliveira

Queiroz, o Erisvaldo Borges, o Edvaldo Cabral, o Francisco Soares de Souza

deve ter alguma coisa, o Marco Pereira tem um ou dois, aquele arranjo do frevo

do Santoro para 4 violões, e de cabeça não lembro mais de muita coisa.

DM: Houve algum violonista que tenha sido o "maior" solista de frevo?

FZ: Desconheço. Sei que Edvaldo Cabral, Antonio Madureira, José Barrense

Dias, Canhoto da Paraíba toca(va)m frevos, mas se tem gente que se especializa

nisso eu não conheço.

DM: Por que o material de violão solo é escasso e raro de se encontrar? Você

acha que houve um desinteresse dos violonistas da antiga geração de compor

frevos para violão?

FZ: Talvez o gênero esteja muito ligado à linguagem de banda. Não há muitos

dobrados para violão, tampouco. É pesado fazer aquele monte de semicolcheia e

Page 141: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

130

ainda manter o acompanhamento fluido. Talvez para 2 ou 3 violões seja mais

fácil.

DM: E as adaptações dos originais para sopro? Quais as dificuldades técnicas?

FZ: Isso que acabei de falar. Fazer tudo caber num violão só. As melodias são

muito ágeis. Mas tem um enorme potencial de virtuosismo.

DM: Você poderia fazer uma lista das peças violonísticas que existem? Quais

você acha as mais importantes?

FZ: Então, não consigo lembrar de mais nenhuma além das que mencionei no

texto acima. De repertório de violão estritamente clássico, acho que só o

Radamés, o Nobre, e o J O Queiroz.

DM: E a nova geração de violonistas no frevo?

Eu tenho recebido muitos CDs de violonistas novos, mas de Pernambuco e

entornos não recebi nada de frevo. Portanto ficarei agradecido se você me disser

quem são as pessoas.

Francisco Araújo

DM: Você se inspirou em alguma composição específica para compor seus

frevos?

FA:Primeiro nasceu o contato com o frêvo (sic) através de uma viagem que eu

realizei para a cidade de Recife quando eu era adolescente e vi pessoalmente

varias exibições instrumentais de bandas de frevos durante o carnaval. Aquela

vibração performática da música e a coreografia dos passos da dança a ela

Page 142: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

131

ligados, mexeu muito com a minha sensibilidade. Posso afirmar que a inspiração

partiu deste contato. Anos depois, quando comecei a estudar violão, comecei a

ouvir as primorosas obras gravadas em discos de Capiba e Nelson Ferreira, que

são os principais compositores e ícones do frevo e compus para solos de violão,

intitulados “Na Magia Do Frêvo”, “Capibano”, “Eletrizante”, “Frêvo Simplório” e

outros. Gravei em CD (solos de violão) apenas “Na Magia Do Frevo” e “Frêvo

Simplório”. O outro frêvo que compus, denominado “Eletrizante”, foi gravado pelo

solista e virtuose do violão Marcos Gomes. Todos estes frevos que compus são

inspirados no estilo frevos-de-rua, os quais são de características instrumentais.

DM: Quais as dificuldades técnicas das peças? Que característica do gênero

frevo está evidente na composição?

FA: Tecnicamente são muito difíceis, pois são executados em andamento rápido.

As características dos meus frevos é (sic) típica do estilo frevo-de-rua, pelo fato

de serem instrumentais.

DM: Quais são seus frevos para violão solo? Poderia me enviar?

FA: Além dos que já citei acima, ainda compus outros, são eles: “Recife Antigo”,

“Com Todo Vapor”, “Caindo No Frevo”, e mais um frevo que faz parte de uma

Suíte Brasileira composta para solos de violão, mas este não tem título. Posso lhe

enviar as partituras ou algumas gravações, com muito prazer, só que para isto é

necessário que você me envie o seu endereço o CEP e o seu telefone.

DM: Como foi seu primeiro contato com o frevo violonístico?

FA: Com relação ao frevo violonístico, o frevo tem uma vertente instrumental e

uma vertente cantada (musica e letra) e como é do conhecimento de todos nós,

existem vários tipos de frevo.

DM: Você já tocou outros frevos no violão? Gravou?

Page 143: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

132

FA: Só gravei alguns de minha autoria, já citados acima.

DM: Houve algum violonista que tenha sido o "maior" solista de frevo?

FA: Especificamente, eu não conheço, mas posso te informar que grande parte de

solista e virtuoses do violão brasileiro gravaram ou criaram alguma obra no

gênero. Entre eles: Paulinho nogueira, o compositor Egberto Gismonti, Canhoto

da Paraíba, Alexandro Pennezzzi, Guinga e outros.

DM: Por que o material de violão solo é escasso e raro de se encontrar? Você

acha que houve um desinteresse dos violonistas da antiga geração de compor

frevos para violão?

FA: Eu atribuo isto ao fato de que para compor ou executar um frevo instrumental

é necessário que primeiro conheça as características rítmicas melódicas do frevo

e tenha uma convivência com o gênero e, além disso, tenha qualidades de

virtuose, entre outras. Com relação aos solistas e virtuoses do violão de gerações

anteriores à minha, eu não acho que houve desinteresse. Talvez isto esteja ligado

inicialmente no primeiro momento às características regionais do frevo pelo fato

de ser uma musica típica do carnaval pernambucano.

DM: E as adaptações dos originais para sopro? Quais as dificuldades técnicas?

FA: Para instrumento de sopro as dificuldades técnicas são as mesmas, ou seja o

instrumentista tem que ser em principio um virtuose. E a quantidade de repertório

é bem maior do que para solos de violão, pelo fato do frevo inicialmente ser

tocado por bandas de instrumento de sopro e percussão, o que não significa que

a presença do violão não seja notada como instrumento acompanhante e

posteriormente em menor escala como instrumento solista.

DM: Você poderia fazer uma lista das peças violonísticas que existem? Quais

você acha as mais importantes?

Page 144: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

133

FA: Entre os frevos para solos de violão vou citar as seguintes: os frevos feitos

pelo Guinga, os dois frevos compostos por Egberto Gismonti, o frevo do Canhoto

da Paraíba, denominado “Pisando Em Brasa”, o “Frevinho Doce”, do Paulinho

Nogueira, o frevo do Alessandro Penezzi, para solos de violão. Para sua

informação tem um compositor chamado Erivaldo Borges, residente no Maranhão

que é solista de violão e também compôs alguns frevos para violão. Era bom

perguntar ao virtuose do violão Sebastião Tapajós, que eu acho que ele também

poderá ter alguma composição no gênero.

DM: E a nova geração de violonistas no frevo?

AP: O Alessandro Penezzi, se for motivado fará obras de grande expressão

neste estilo. Com certeza existem outros virtuoses do violão ilustres e

desconhecidos que se criaram e dedicaram atenção especial ao frevo, pelo fato

de ser ele uma expressão e um estilo musical vivo e substancial para a história

da música brasileira.

Erisvaldo Borges

DM: Você se inspirou em alguma composição específica para compor seus

frevos?

EB: Eu tenho apenas três composições nesse estilo: “Folia Pernambucana”,

“Frevo” e “Frevinho”. Eu nunca estive no Pernambuco. O que eu conheci de frevo

para violão antes de compor estes trabalhos foi: para violão “Frevo Rasgado” (E.

Gismonti), “Pixaim” (M. Pereira), “Frevinho Doce” (P. Nogueira) e “Frevo” (da obra

“Reminissências” do Marlos Nobre). Ouvi alguns frevos que o Turibio gravou no

CD “O Violão Brasileiro de Turibio Santos”. Para outros instrumentos, apenas

algumas gravações de frevos tradicionais e Orquestra de Cordas do Pernambuco.

Não tenho uma vivência muito ativa no mundo do frevo, mas acho uma música

Page 145: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

134

encantadora (e virtuosística - que na época em que fiz estas músicas cultivava

muito). Acho que de alguma maneira estas músicas me influenciaram.

DM: Quais as dificuldades técnicas das peças? Que característica do gênero

frevo está evidente na composição?

EB: Frevo é uma música muito virtuosística. Requer muita precisão na pegada e

muito controle na esquerda. Se não tiver isso a música não acontece.

DM: Você já tocou outros frevos no violão? Gravou?

EB: Além das minhas composições, só toquei dois outros frevos: “Frevo Rasgado”

(E. Gismonti) e “Pixaim” (M. Pereira).

DM: Houve algum violonista que tenha sido o "maior" solista de frevo?

EB: Não conheço nenhum especialista nesse tipo de música.

DM: Por que o material de violão solo é escasso e raro de se encontrar? Você

acha que houve um desinteresse dos violonistas da antiga geração de compor

frevos para violão?

EB: Acredito que essa carência se dá em parte pela dificuldade de tocar frevo no

violão. É uma música muito virtuosística. Para tocar frevo bem eu me inspiro nos

violonistas flamencos e no rei da velocidade na guitarra elétrica - Yngwie

Malmsteen. Eles não conheciam essas coisas. Mas, apesar do exposto, acredito

que se encontre alguma coisa com algum colecionador. Por se tratar de uma

música popular, eles não tinham muita preocupação em escrever. É possível que

muitos frevos tenham sido feitos, mas a maioria deve ter ido para o espaço.

DM: E as adaptações dos originais para sopro? Quais as dificuldades técnicas?

Page 146: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

135

EB: As dificuldades naturais: o que é fácil para um determinado instrumento,

dificilmente fica bem no violão. É como querer tocar as obras para "alaúde"

(teclado) de Bach. O esforço é enorme.

DM: E a nova geração de violonistas no frevo?

EB: Tem muita gente tocando frevo por aí. O Yamandu Costa me falou de um

violonista de Recife que tem algumas composições nesse estilo.

Alessandro Penezzi

DM: Vc se inspirou em alguma composição específica para compor seu frevo?

AP: Na realidade, não foi uma composição específica que me inspirou para

compor os frevos, mas várias. Gosto muito de ouvir os frevos do Capiba, Sivuca,

Luperce Miranda...

DM: Quais as dificuldades técnicas dessa peça? Que característica do gênero

frevo está evidente na composição?

AP: Penso que as dificuldades técnicas para se tocar frevo no violão sejam quase

sempre de ordem técnica. Para se manter a levada, a pulsação, o andamento, os

baixos. Por serem as melodias muito variadas ritmica e melodicamente, o trabalho

de coordenação entre os dedos que solam e acompanham é de extrema

dificuldade. A característica mais marcante no frevaricando é a levada, além dos

aspectos rítmicos da melodia.

DM: Você tem outros frevos pra violão solo? Poderia me enviar?

AP: Tenho o “Café pelando”, que ainda estou escrevendo.

Page 147: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

136

DM; Como foi seu primeiro contato com o frevo? E com frevo violonístico?

AP: Eu primeiramente toquei os frevos no bandolim. Depois passei para o violão.

DM: Você já tocou outros frevos no violão? Gravou?

AP: Toquei o frevo do Marco Pereira, mas não gravei. Toque também o “Duda no

Frevo”.

DM: Houve algum violonista que tenha sido o "maior" solista de frevo?

AP: Desconheço...

DM: Por que o material de violão solo é escasso e raro de se encontrar? Você

acha que houve um desinteresse dos violonistas da antiga geração de compor

frevos para violão?

AP: Acredito que essa escassez se deva a vários fatores: dificuldades de escrita

dos autores (o arranjo para violão já é difícil de se escrever, quanto mais um

arranjo de frevo...), desinteresse de editoras para publicar, falta de divulgação de

tais autores, possível falta de conhecimentos de escrita musical por parte dos

mesmos.

DM: E as adaptações dos originais para sopro? Quais as dificuldades técnicas?

AP: Necessidade de buscar uma tonalidade condizente com o violão, procura

pelas cordas soltas para facilitar passagens rápidas e saltos, manutenção de

levada, manutenção de baixos.

Page 148: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

137

Claudio Almeida

DM: Houve algum violonista que tenha sido o "maior" solista de frevo?

CA: Não conheço. Lembro-me demais de Turíbio Santos interpretando Duda no

Frevo (Senô). Ainda anteontem tocou Duda no Frevo. Levino Ferreira - um dos

maiores compositores de frevos-de-rua - era violonista. Mas, não acredito que

tenha gravado algum frevo. Como ele tocava também instrumentos de sopro, as

músicas dele fizeram sucesso com Orquestra. A Orquestra de Cordas Dedilhadas

- daqui e de tanto sucesso no país - gravou frevos. Mas, não me lembro de

arranjos só para violão.

DM: Por que o material de violão solo é escasso e raro de se encontrar? Você

acha que houve um desinteresse dos violonistas da antiga geração de compor

frevos para violão?

CA: Acho que os violonistas - e demais instrumentistas de cordas e metais -

continuam criando. Mas, sempre há uma cultura dos frevos serem gravados por

Orquestra de sopros. Capiba e Nelson Ferreira eram pianistas. De Capiba só

conheço um frevo-de-rua (“Vassourinhas no Rio" ???). Já Nelson Ferreira foi o

grande compositor de frevos-de-rua (Gostosão, Gostosinho, Come e Dorme...) e

deixou para sempre alguns frevos-de-bloco, como o conhecido nacionalmente

Evocação (que depois passou a ser Evocação No.1, pois ele compôs mais 6 - no

mesmo gênero... até a Evocação No.7). As 3 primeiras, no entanto, são as mais

conhecidas.As outras o povo nem toma conhecimento.

DM: E as adaptações dos originais para sopro? Quais as dificuldades técnicas?

CA: Não acho que existam dificuldades. O Maestro Duda, por exemplo, já fez

muitas adaptações para orquestras. No meu caso específico, compus

TRANSCENDENTAL (frevo de violonista - segundo os brincalhões - por ser cheio

de harmonias dissonantes). Duda foi quem fez o arranjo original para Orquestra,

Page 149: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

138

Antônio Nóbrega gravou no seu NOVE DE FREVEREIRO, vol. 1. O solo é feito

por ele, mas com um naipe de saxes, inclusive o Maestro Spok. O arranjo,

também para esse CD, é do Maestro Duda. Henrique Annes deve ter frevos... não

os conheço com Orquestra de Sopros. Canhoto da Paraíba, meu amigo e uma

unanimidade nacional fez tudo para violão. No momento, não me lembro de ter

composto frevos.

DM: Você poderia fazer uma lista das peças violonísticas que existem? Quais

Você acha as mais importantes?

CA: Relativas a frevo? Só se eu pesquisasse direitinho. Não me lembro assim. Só

pesquisando.

DM: Ainda se usa afinar o violão um tom abaixo ao invés de 440hz para

acompanhar os frevos?

CA: Não. No Bloco da Saudade, por exemplo, há uns 10 anos se usava muito

isso. Mas, acho que hoje em dia todos são afinados em 440.

DM: E a nova geração de violonistas no frevo?

CA: Ultimamente, o frevo-de-rua tem sido cortejado pelos arcodeonistas que são

conhecidos como forrozeiros. Um grande guitarrista e violonista daqui (mesmo

tendo nascido em Paulo Afonso-BA) - Luciano Magno - recentemente participou

do Festival da Prefeitura com uma frevo-de-rua (além de um frevo-de-bloco). João

Lyra, violonista (você deve conhecê-lo demais - toca com Nana; tocou com

Sivuca, Fagner, etc...) tem um frevo-de-rua em parceria (coisa raríssima no

gênero) com Spok (título: Passo de Anjo). Outros violonistas do conservatório e

da nova geração devem estar compondo frevos (não sei se para violão...

provavelmente, para orquestra). Fred Andrade é um deles. Sei que Bozó - grande

7 cordas daqui (talvez o maior) tem um frevo-de-rua, pelo menos. Mas, para

orquestra. E outros grandes violonistas têm composto frevos-de-bloco (mais

dolentes, mais melodiosos... de harmonia mais rebuscada).

Page 150: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

139

Marco Pereira

DM: Você se inspirou em alguma composição específica para compor seus

frevos?

MP: Talvez inconscientemente tenha me inspirado em algum tema específico,

mas quando fiz 'meus frevos' tentei buscar referências dentro do próprio estilo:

ritmo da melodia, fraseado e outras características típicas.

DM: Quais as dificuldades técnicas das peças? Que característica do gênero

frevo está evidente nas composições?

MP: As mesmas descritas acima.

DM: Como foi seu primeiro contato com o frevo? E com frevo violonístico?

MP: Quando fiz meu primeiro frevo para violão solo (Pixaim) nunca tinha ouvido

ninguém tocar frevo só com o violão.

DM: Você já tocou outros frevos no violão? Gravou?

MP: Já toquei vários frevos, mas apenas para conhecer o tema (melodia e

harmonia). Gravar, só gravei os meus mesmo.

DM: Houve algum violonista que tenha sido o "maior" solista de frevo?

MP: Desconheço, mas acho que o Canhoto da Paraíba é um exemplo

interessante e um bom candidato.

DM: Por que o material de violão solo é escasso e raro de se encontrar? Você

acha que houve um desinteresse dos violonistas da antiga geração de compor

frevos para violão?

Page 151: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

140

MP: Não acho isso, não! Acho que o 'ambiente' do frevo não é tradicionalmente

de violonistas e por esse motivo é que não existe repertório específico.

DM: E as adaptações dos originais para sopro? Quais as dificuldades técnicas?

MP: A adaptação da rítmica e do fraseado do frevo para o violão é muito

complexa e resulta sempre em dificuldades técnicas transcendentais. Acho que é

o gênero mais difícil de se praticar com o violão solo.

DM: Você poderia fazer uma lista das peças violonísticas que você conhece?

Quais você acha as mais importantes?

MP: Não tenho esse repertório de memória. Só me lembro mesmo das minhas...

DM: E a nova geração de violonistas no frevo? Você teria algum nome a indicar?

Acho que só conheço mesmo você que esteja fazendo um trabalho específico

sobre o gênero.

Page 152: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

141

ANEXO 2

Arranjos Integrais da Orquestra Frevo Diabo Partitura

Page 153: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

142

Page 154: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

143

Page 155: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

144

Page 156: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

145

Page 157: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

146

Page 158: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

147

Page 159: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

148

Page 160: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

149

Page 161: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

150

Page 162: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

151

Page 163: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

152

Page 164: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

153

Page 165: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

154

Page 166: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

155

Page 167: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

156

Page 168: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

157

Page 169: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

158

Page 170: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

159

Page 171: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

160

Page 172: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

161

Page 173: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

162

Page 174: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

163

Page 175: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

164

Page 176: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

165

Page 177: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

166

Page 178: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

167

Page 179: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

168

Page 180: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

169

Page 181: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

170

Page 182: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

171

Page 183: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

172

Page 184: Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós ... · PDF filegênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais . 2 brasileiros e estrangeiros,

173