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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO FERNANDO ANTONIO FINK NETO OS DESAFIOS DO CRESCIMENTO ORGANIZACIONAL: O CASO DE UMA EMPRESA FAMILIAR RIO DE JANEIRO 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO

FERNANDO ANTONIO FINK NETO

OS DESAFIOS DO CRESCIMENTO ORGANIZACIONAL:

O CASO DE UMA EMPRESA FAMILIAR

RIO DE JANEIRO

2017

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FERNANDO ANTONIO FINK NETO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração (M.Sc.).

Orientadora: Denise Lima Fleck, Ph.D.

RIO DE JANEIRO

2017

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FERNANDO ANTONIO FINK NETO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração (M.Sc.).

Aprovado por:

_____________________________________________

Profa. Denise Lima Fleck, Ph.D. (COPPEAD/UF

_____________________________________________

Prof. Cesar Gonçalves Neto, Ph.D. (COPPEAD/UFRJ)

_____________________________________________

Prof. José Geraldo Pereira Barbosa, D. Sc. (MADE/UNESA)

RIO DE JANEIRO

2017

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AGRADECIMENTOS

À minha esposa e partícipe da jornada de estudos no COPPEAD, Clarice Loureiro

Fink, por seu incentivo pleno e companheirismo na trajetória em busca do

conhecimento e qualificação profissional.

A meus pais e avó, pelo exemplo sólido de comprometimento, perseverança e

dedicação. Sua confiança, suporte a minhas decisões e estímulo a enfrentar os

desafios continuam sendo cruciais para meu crescimento.

Aos meus irmãos, sempre apoiadores de minhas escolhas e fieis torcedores pelo meu

êxito.

Aos meus sogros, por todo o apoio e incentivo.

À minha orientadora, Profa. Denise Fleck, por sua dedicação e seu compromisso com

a produção de conhecimento. Suas contribuições e ensinamentos durante as aulas e

reuniões foram fundamentais não só para o desenvolvimento deste trabalho, mas

principalmente para uma visão panorâmica da temática estudada.

Aos colegas, professores e funcionários do COPPEAD, com quem a troca de

experiências diária enriqueceu bastante este período de aprendizado.

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RESUMO

FINK NETO, Fernando Antônio. Os desafios do crescimento organizacional: o caso de uma empresa familiar. Orientadora: Denise Lima Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2017. Dissertação (Mestrado em Administração).

A ABC Engenharia é uma empresa familiar, pioneira no segmento de prestação de

serviços em rede elétrica no estado de Pernambuco, cuja trajetória contempla mais

de 40 anos no mercado. O objetivo proposto neste trabalho foi o de analisar de que

maneira a inter-relação entre família e organização influencia mecanismos de

resposta a aspectos organizacionais e ambientais, que influenciam seu sucesso e sua

longevidade saudável. Estes aspectos são analisados à luz do arcabouço teórico

proposto por Fleck (2009), que aborda o modelo dos arquétipos de sucesso e fracasso

organizacional e traz em seu cerne as condições necessárias para o crescimento

saudável, a saber a integridade organizacional (SELZNICK, 1957) e o crescimento

contínuo (CHANDLER, 1977). Estudos que versam sobre modelos de crescimento

(GREINER, 1973; CHURCHIL & LEWIS, 1983) e teorias que buscam explorar

fenômenos característicos de organizações familiares (CHUA et al., 1999; WARD,

2011; GOMEZ-MEJIA et al., 2011; SHARMA & SALVATO, 2013; MELLIN et al., 2013)

oferecem elementos de análise adicionais ao framework teórico básico. Assim, um

estudo longitudinal da trajetória organizacional foi realizado a partir do levantamento

de fatos e dados históricos, o que possibilitou a identificação de padrões de respostas

aos desafios do crescimento (FLECK, 2009), segundo o método que Fleck (2014)

chamou panoramic approach. A análise indicou elementos que sugerem forte

capacidade de a família manter a integridade organizacional e garantir a continuidade.

Contudo, riscos à propensão saudável da organização precisam ser gerenciados de

modo a se buscar a renovação em base contínua, para que o sucesso no longo prazo

seja perseguido.

Palavras-chave: Crescimento da firma; Sucesso de longo prazo; Longevidade

saudável; Empresa familiar

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ABSTRACT

FINK NETO, Fernando Antônio. Os desafios do crescimento organizacional: o caso de uma empresa familiar. Orientadora: Denise Lima Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2017. Dissertação (Mestrado em Administração).

ABC Engenharia is a family-owned firm, pioneer in the segment of electricity network

services in the state of Pernambuco, in which has developed its works forhistory has

been in the market for more than 40 years. The proposed goal of this work is to analyze

how a family organization responds to organizational and environmental aspects that

influence its success and ultimately its longevity. Therefore, a case study was

developed in order to scrutinize these aspects according to the theoretical framework

proposed by Fleck (2009), which addresses organizational growth and longevity

through the archetypes of success and failure. According to such approach, key for the

so-called healthy growth are two necessary conditions, namely renewal through

continuous growth (CHANDLER, 1977) and organizational integrity (SELZNICK,

1957). In this paper, we advance on the study of growth models (GREINER, 1973;

CHURCHIL & LEWIS, 1983), and theories that seek to explore characteristic elements

of family organizations (CHUA et al., 1999; WARD, 2011; GOMEZ-MEJIA et al., 2011;

SHARMA & SALVATO, 2013; MELLIN et al., 2013) and offer additional analysis

elements to the basic theoretical framework. Thus, a longitudinal study of the

organizational trajectory was carried out. Based on historical facts and data collected

through interviews and direct data collection methods, the identification of patterns of

responses to the challenges of growth (Fleeck, 2009) was possible, according to what

Fleck (2014) labeled the panoramic approach to strategy. The analysis indicates risks

to the organization's healthy propensity and challenges that need to be managed in

order to pursue long-term success.

Key words: Organizational Growth; Long term survival; Family Business

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LISTA DE FIGURAS

Figura 2-1 - Motor do crescimento contínuo. 21

Figura 2-2 - As cinco fases de crescimento. 26

Figura 2-3 - Modelo de propensão à autoperpetuação. 31

Figura 2-4 -Mecanismo central da performance e sobrevivência em longo prazo. 46

Figura 2-5 - O efeito do processo de institucionalização sobre o sucesso no longo

prazo. 48

Figura 2-6 - Subsistemas da empresa familiar. 52

Figura 4-1 - Relações entre os agentes transacionais numa atividade terceirizada. 65

Figura 4-2 - Estrutura organizacional do grupo Neoenergia. 75

Figura 4-3 - Envolvimento familiar na organização, década de 1970. 83

Figura 4-4 - Envolvimento familiar na organização, final da década de 1980. 93

Figura 4-5 - Envolvimento familiar na organização, início década de 1990. 96

Figura 4-6 - Cronologia dos principais contratos, período de 1995 a 2000. 103

Figura 4-7 - Cronologia dos principais contratos, período de 2000 a 2016. 111

Figura 4-8 - Fluxo do processo educacional do Projeto Travessia. 121

Figura 5-1 - Efeitos do envolvimento familiar intergeracional. 161

Figura 5-2 - Respostas organizacionais aos desafios do crescimento, estágio 01. 242

Figura 5-3 - Respostas organizacionais aos desafios do crescimento, estágio 02. 245

Figura 5-4 - Respostas organizacionais aos desafios do crescimento, estágio 03. 248

Figura 6-1 - Mapa visual da trajetória organizacional. 255

Figura I-1 - Linha do tempo do setor elétrico brasileiro, período de 1900 a 1975. 260

Figura I-2 - Linha do tempo do setor elétrico brasileiro, período de 1975 a 2015. 261

Figura I-3 - Estrutura padrão do setor pós-reformas. 270

Figura I-4 - Modelo de comercialização de energia no RE-SEB. 271

Figura I-5 - Pilares do modelo RE-SEB. 272

Figura I-6 - Organização do mercado varejista de energia elétrica. 276

Figura I-7 - Instituições no novo modelo do setor elétrico. 277

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 4-1 - Evolução do indicador FEC apurado Celpe, período de 2000 a 2014. 74

Gráfico 4-2 - Evolução do indicador DEC apurado Celpe, período de 2000 a 2014. 74

Gráfico 4-3 - Efetivo terceirizado e próprio, período 2005 a 2014. 78

Gráfico 4-4 - Custo anual de trabalhadores terceirizados (R$ mi), período 2005 a

2014. 79

Gráfico 4-5 - Quantitativo de funcionários, período de 1995 a 1997. 106

Gráfico 4-6 - Curvas longitudinais de tamanho por firma, a partir de 1994. 119

Gráfico 4-7 - Evolução de quantitativo de pessoal, período 2003 a 2015. 119

Gráfico 4-8 - Share da organização perante o cliente Celpe. 124

Gráfico 4-9 - Share of wallet Celpe sobre faturamento anual por firma. 125

Gráfico 5-1 - Curva longitudinal do tamanho da organização. 136

Gráfico 5-2 - Curva longitudinal da performance da organização. 136

Gráfico 5-3 - Curva de crescimento por firma. 162

Gráfico 5-4 - Evolução de proxy de capacidade de investimento, estágios 01 e 02.

188

Gráfico 5-5 - Evolução do endividamento geral, estágios 01 e 02. 189

Gráfico 5-6 - Evolução do endividamento geral, 1994 a 2014. 195

Gráfico 5-7 - Força de trabalho no setor elétrico. 205

Gráfico 5-8 - Distribuição de pessoal por tempo de casa. 216

Gráfico 5-9 - Número de funcionários estágio 02 x estágio 03. 219

Gráfico 5-10 - Evolução do endividamento geral, de 1996 a 2015. 238

Gráfico 5-11 - Evolução de proxy para capacidade de investimento, estágio 03. 239

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LISTA DE QUADROS

Quadro 2-1 - Tipologia dos modos de crescimento. 23

Quadro 2-2 - Estágios de desenvolvimento do pequeno negócio. 28

Quadro 2-3 - Os cinco desafios organizacionais ligados ao crescimento. 32

Quadro 2-4 - Framework sobre as categorias do ambiente. 38

Quadro 3-1 - Relação dos entrevistados. 59

Quadro 3-2 - Estratégias para análise de dados em abordagem de processo. 61

Quadro 4-1 - Descrição de atividades terceirizadas. 64

Quadro 4-2 - Quantitativo de pessoal por firma. 80

Quadro 4-3 -Quantidade de CE por estado. 85

Quadro 4-4 - Principais contratos com a Celpe no período de 1995 a 2000. 105

Quadro 4-5 - Principais contratos com a Celpe no período de 2000 a 2004. 114

Quadro 4-6 - Principais contratos com a Celpe no período de 2004 a 2008. 118

Quadro 4-7 - Principais contratos com a Celpe no período de 2008 a 2011. 122

Quadro 4-8 - Principais contratos com a Celpe no período de 2011 a 2016. 124

Quadro 5-1 - Dimensões de análise estrutural x Estágio I (CHURCHILL & LEWIS,

1983). 138

Quadro 5-2 - Resumo do Desafio do Empreendedorismo, estágio 01. 140

Quadro 5-3 - Resumo do desafio de gestão da diversidade, estágio 01. 149

Quadro 5-4 - Dimensões de análise estrutural x Estágio II (CHURCHILL & LEWIS,

1983). 157

Quadro 5-5 - Classificação dos estados das dimensões ambientais, estágio 02. 167

Quadro 5-6 - Resumo do desafio de provisão de RH, estágio 02. 173

Quadro 5-7 - Resumo do desafio de gestão da diversidade, estágio 02. 178

Quadro 5-8 - Dimensões do desafio do empreendedorismo, estágio 03. 193

Quadro 5-9 - Dimensões do desafio da navegação no ambiente dinâmico, estágio

03. 202

Quadro 5-10 – Classificação dos estados das dimensões ambientais, estágio 03. 203

Quadro 5-11 - Dimensões do desafio da provisão de recursos humanos, estágio 03.

213

Quadro 5-12 - Dimensões de do desafio da gestão da diversidade, estágio 03. 218

Quadro 5-13 - Dimensões de análise estrutural x Estágio III (CHURCHILL & LEWIS,

1983). 231

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Quadro 6-1 - Resumo das respostas aos desafios do crescimento, ao longo dos

estágios de desenvolvimento organizacional. 256

Quadro I-1 - Capacidade instalada das usinas elétricas (MW) – 1995. 266

Quadro I-2 - Privatizações de distribuidoras de energia elétrica entre 1995 e 2000.

273

Quadro I-3 - Comparativo dos modelos institucionais do setor elétrico brasileiro. 279

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 14

1.1 Organização do estudo 15

2 REFERENCIAL TEÓRICO 17

2.1 Crescimento como elemento central da longevidade organizacional 17

2.2 Configurações, crescimento e declínio organizacional 18

2.3 Evolução, revolução e as configurações 24

2.4 Arquétipos de sucesso e fracasso organizacional 29

2.4.1 Crescimento e renovação organizacional 32 2.4.2 Desafio do empreendedorismo 33 2.4.3 Desafio da navegação no ambiente 36 2.4.4 Integridade organizacional 39 2.4.5 Desafio de gestão da diversidade 40 2.4.6 Desafio da provisão de recursos humanos 41 2.4.7 Desafio da gestão da complexidade 43 2.4.8 Folga organizacional 44

2.5 A institucionalização e a longevidade organizacional 46

2.6 Empresa familiar 51

3 MÉTODO 56

3.1 Objeto e pergunta de pesquisa 56

3.2 Método de pesquisa 57

3.3 Coleta de dados 58

3.4 Análise dos dados 60

3.5 Limitações do estudo 61

4 HISTÓRICO 63

4.1 A Terceirização no setor elétrico brasileiro 63

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4.2 A Companhia Energética de Pernambuco – Celpe 69

4.3 A organização 79

4.3.1. Antecedentes (1974 a 1979) 81

4.3.2. Infância (1980 a 1989) 87

4.3.3. Adolescência (1990 a 1999) 94

4.3.4. Maturidade (2000 a 2015) 110

5 ANÁLISE 134

5.1 Estágio 01 136

5.1.1 Desafio do empreendedorismo 139

5.1.2 Desafio da navegação no ambiente dinâmico 144

5.1.3 Desafio da provisão de recursos humanos 146

5.1.4 Desafio da gestão da diversidade 149

5.1.5 Desafio da gestão da complexidade 151

5.1.6 Gestão da folga organizacional 153

5.2 Estágio 02 155

5.2.1 Desafio do empreendedorismo 158

5.2.2 Desafio da navegação no ambiente dinâmico 166

5.2.3 Desafio da provisão de recursos humanos 173

5.2.4 Desafio da gestão da diversidade 177

5.2.5 Desafio da gestão da complexidade 184

5.2.6 Gestão da folga organizacional 186

5.3 Estágio 03 190

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5.3.1 Desafio do empreendedorismo 192

5.3.2 Desafio da navegação no ambiente dinâmico 202

5.3.3 Desafio da provisão de recursos humanos 213

5.3.4 Desafio da gestão da diversidade 218

5.3.5 Desafio da gestão da complexidade 229

5.3.6 Gestão da folga organizacional 238

5.4 Síntese da análise sobre a ABC Engenharia 241

6 CONCLUSÃO 253

APÊNDICES 259

ANEXOS 280

REFERÊNCIAS 283

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14

1 INTRODUÇÃO

A sustentabilidade do sucesso de uma organização no longo prazo é

certamente uma questão intrigante. Diversos são os exemplos de organizações que

conheceram o fracasso e o declínio mesmo depois de ter experimentado fases de

crescimento e aparente sucesso, enquanto tantos também são os casos de

organizações que consistentemente apresentam trajetórias longevas. Por isso, o

crescimento corporativo é um tema que tem atraído a atenção de gestores e

acadêmicos (CHANDLER, 1962, 1977; WHETEN, 1980, 1987; FLECK, 2009;

MCKELVIE & WIKLUND, 2010).

Se por um lado parece não haver evidências que suportem a ideia de que é

inevitável o fim de toda organização, por outro, a sobrevivência de longo prazo da

firma está associada à necessidade de: criar valor para manter-se relevante para seus

clientes; capturar valor suficiente para o desenvolvimento do negócio (LEPAK, SMITH

& TAYLOR, 2007), superar os desafios da competição (PORTER, 1980), além de lidar

com mudanças internas (MINTZBERG, 1991). Este é um processo dinâmico e

persistente, que demanda da organização respostas.

Fleck (2009) sugere ser a habilidade organizacional de desenvolver propensão

ao sucesso de longo prazo contingente a sua capacidade de renovação e manutenção

da integridade, ambas sujeitas à produção de folga. Segundo a autora, estes pilares

são sustentados pela maneira que a organização responde a cinco desafios inerentes

ao crescimento. Segundo esta perspectiva, uma trajetória de autoperpetuação ou de

autodestruição pode ser seguida.

A gestão responsável do crescimento potencializa a propensão ao sucesso de

longo prazo. Gestores devem atuar constantemente com o objetivo de evitar que a

organização seja lançada em um processo de declínio. Portanto, compreender as

condições necessárias para que uma firma desenvolva essa propensão à longevidade

saudável torna-se um tema relevante para o estudo de gestão de organizações.

É sabido que o índice de mortalidade de empresas no Brasil persiste há anos

em níveis elevados. No que tange a longevidade de firmas familiares, Bethlem (1990)

afirma ser menor que 15% o índice de sobrevivência após a terceira geração, o que

demonstra a importância de temas como a sustentabilidade entre gerações da família.

O processo sucessório é, naturalmente, uma questão crucial das empresas familiares.

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15

Entretanto, não é possível apontar esta questão como única, até mesmo por envolver

tantos fatores interdependentes entre indivíduos, famílias e firmas (NORDQVIST ET

AL., 2013).

Apesar de as empresas familiares serem protagonistas na formação e

desenvolvimento de negócios a níveis nacional e mundial, a literatura não parece

convergir para um consenso sobre a questão de as organizações familiares se

desenvolverem ou não como respostas eficientes a pressões institucionais e de

mercado. O que faz um negócio familiar ser ímpar é o padrão de posse, governança,

gestão e sucessão que influencia os objetivos organizacionais, suas estratégia e

estrutura (CHUA ET AL., 1999). Para CHUA et al. (2003), a complexidade de uma

firma familiar é representada por um modelo de três sistemas interligados e entre os

quais há uma relação sinérgica e simbiótica: o negócio, a família e os donos. Neste

sentido, fatores relacionados ao envolvimento familiar influenciam aspectos

importantes para a condução do negócio e longevidade da organização, sobretudo a

gestão de recursos e estratégia competitiva.

Por isso, a intenção deste estudo foi reunir fatos e dados de uma empresa que

se manteve familiar ao longo de mais de quarenta anos, com o intuito de analisar

como a natureza familiar pode ter impactado sua trajetória organizacional e,

consequentemente, sua propensão ao sucesso de longo prazo. Partindo do

entendimento de sucesso organizacional como a habilidade de desenvolver

propensão à autoperpetuação (FLECK, 2009), a pesquisa ora desenvolvida buscou,

portanto, responder à seguinte pergunta: De que maneira a inter-relação família-

organização pode impactar os requisitos para a renovação e continuidade de

existência em empresas familiares?

1.1 Organização do estudo

A presente dissertação é composta por seis capítulos, sendo o primeiro deles

a introdução, cujo objetivo é o de contextualizar o tema de trabalho, introduzir o estudo

e indicar seus objetivos, sua pergunta de pesquisa e a estrutura utilizada para seu

desenvolvimento.

O segundo capítulo apresenta o referencial teórico que serviu de base para a

análise do objeto de pesquisa. Tem como ponto de partida a noção de crescimento

como elemento central para avaliação da longevidade saudável organizacional, o que

sustenta o modelo de Arquétipos de Sucesso e Fracasso Organizacional,

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16

desenvolvido por Fleck (2009) e utilizado para a analisar em que medida a

organização respondeu adequadamente aos desafios inerentes ao crescimento.

Ademais, o capítulo fornece resumo do arcabouço teórico sobre modelos de

crescimento organizacional (GREINER, 1973; CHURCHILL & LEWIS, 1983) e as

teorias propostas por Penrose (1980), Chandler (1962 e 1977) e Selznick (1957).

O terceiro capítulo descreve o método de pesquisa utilizado para abordagem

da pesquisa, coleta, classificação e análise de dados, abrangendo também as fontes

utilizadas e limitações do trabalho. A abordagem panorâmica de pesquisa em

estratégia, proposta por Fleck (2014), foi considerada a mais adequada ao objetivo

deste trabalho, uma vez que permite uma análise longitudinal da trajetória

organizacional, a partir dos fatos e dados coletados.

O quarto capítulo contempla o relato histórico do ambiente e da ABC

Engenharia. O resgate das origens organizacionais e seus dados históricos faz-se

necessário à abordagem panorâmica para que se busque o diagnóstico adequado da

trajetória organizacional. Neste sentido, foram narrados os principais aspectos do

desenvolvimento do setor elétrico brasileiro e da terceirização neste setor antes de

efetivamente se introduzir os eventos históricos relevantes da organização, desde sua

fundação em 1974 até os dias atuais.

O quinto capítulo compreende a análise longitudinal da trajetória organizacional

da ABC Engenharia, à luz do referencial teórico apresentado no capítulo 02, em

especial os desafios do crescimento e do mecanismo central do crescimento

saudável, conforme proposto por Fleck (2009). Esta análise foi dividida em três

estágios de desenvolvimento: o primeiro agregou o período de antecedentes

organizacionais e sua fundação, até o ano de 1989; o segundo abrangeu a década de

1990; o terceiro estágio contemplou o período em que houve a privatização de seu

principal cliente, até os dias atuais.

Finalmente, o sexto e último capítulo compreende as conclusões e

considerações finais sobre o objeto de análise, oferecendo espaço reflexivo sobre

evidencias encontradas acerca dos desafios enfrentados pela ABC Engenharia e os

pontos de atenção sobre sua trajetória rumo ao sucesso no longo prazo, conforme

proposto na pergunta de pesquisa.

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17

2 REFERENCIAL TEÓRICO

O presente capítulo apresenta arcabouço teórico que auxiliou a análise da

trajetória da ABC Engenharia. Primeiro, discutem-se aspectos referentes à gestão de

empresas familiares. Em seguida, são abordadas teorias que versam sobre modelos

de crescimento e declínio organizacional. Posteriormente, apresenta-se o modelo de

Arquétipos do Sucesso e Fracasso Organizacional, proposto por Fleck (2009) e que

oferece eixo central de análise dos dados relativos àquela organização.

2.1 Crescimento como elemento central da longevidade organizacional

A razão pela qual firmas tem sucesso ou falham é talvez a questão central em

estratégia (PORTER, 1991). Drucker (1954 apud FLECK, 2014) indica ser comum a

associação simbólica entre o crescimento e o sucesso de uma organização, o que

poderia justificar o esforço recorrente das empresas em expandir sua participação de

mercado, ou diversificar para segmentos distintos daqueles de sua atuação.

Com vistas a endereçar questões centrais como o sucesso e fracasso, o campo

de pesquisa em estratégia tem proporcionado a emergência de clusters de interesses

comuns, baseado em maneiras contingentes de explicar fenômenos sob investigação

(FLECK, 2014). Neste sentido, a autora pontua como ameaça à continuidade da

existência desta área do conhecimento a proliferação de diferentes perspectivas que

perseguem pouca conexão entre as ideias desenvolvidas, ao mesmo tempo em que

se promovem mecanismos de redução da complexidade. Consequentemente, a

autora afirma que o campo perde sua capacidade de oferecer explicações

abrangentes sobre fenômenos estratégicos complexos, o que afeta a criação de valor

da produção acadêmica para gestores de mercado. Tem-se desenvolvido, pois, um

conhecimento acumulado que é diversificado e rico, porém também é incompleto e

falha no endereçamento da questão central como um todo (MINTZBERG et al., 1998).

Fleck (2014) sugere que uma perspectiva ampla para a pesquisa científica

sobre a estratégia da firma que, ao invés de compartimentalizar a investigação, tenha

em consideração múltiplos aspectos e níveis de análise, como o negócio, a

organização, a indústria, o ambiente e as pessoas. Sob tal perspectiva, a autora

apresenta a natureza dual do processo de crescimento como base para a

compreensão da longevidade saudável e também declínio e sobrevivência das

organizações. Crescimento promove as sementes para a renovação necessária à

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sobrevivência em longo prazo (MARCH, 1991), ao passo que também pode erodir a

vitalidade organizacional e abrir espaço para o declínio (WEITZEL & JONSSON,

1989).

Contudo, McKelvie e Wiklund (2010) relatam pouco desenvolvimento relevante

no que diz respeito à compreensão do processo de crescimento organizacional.

Ademais, poucos autores, entre eles Penrose (1959), Chandler (1962; 1977; 1990),

Greiner (1972) Churchill e Lewis (1983), abordam o crescimento na perspectiva de

processo de mudança (FLECK, 2016) e os estudos acadêmicos, em geral, focam em

fatores relacionados ao impacto causado pelo crescimento, ao invés do processo em

si.

Neste sentido, Fleck (2014) advoga pela capacidade da abordagem

crescimento orientada a processo e o potencial integrador que esta pode ter frente ao

road map conceitual disponível na literatura sobre estratégia. Em perspectiva

longitudinal de análise, Fleck (2016) foca em uma abordagem orientada a processo,

segundo a qual podem ser identificados elementos fundamentais que compõem este

macroprocesso, que constituem condições necessárias e mecanismos a elas

relacionados, o que seria importante para o desenvolvimento da compreensão acerca

deste fenômeno tão valorizado pelos gestores.

Também esta abordagem pode facilitar o entendimento sobre os drivers da

evolução do ambiente, organização e seus padrões de interdependência (LENZ, 1981

apud FLECK, 2014), o que denota sua utilidade para a análise sob as lentes das

configurações (MILLER & FRIESEN, 1978).

2.2 Configurações, crescimento e declínio organizacional

Miller e Friesen (1978) e Miller (1986) propõem avanços a partir da

compreensão inicialmente proposta por Chandler (1962), ao partirem das

observações de estudos disponíveis na literatura (Mintzberg, 1973; Miles e Snow,

1978), que relacionam os estados da organização e de formulação estratégica com o

contexto ambiental em que estes ocorrem. Os autores abordam sucesso e declínio

organizacional a partir da relação entre performance e os elementos estratégia,

estrutura e ambiente. Assim, Miller e Friesen (1978) propõem arquétipos de sucesso

e de fracasso que, numa perspectiva longitudinal, constituem estados

organizacionais. As organizações podem mudar de estado ao longo do tempo, de

acordo com a tendência de convergirem configurações viáveis entre aqueles

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elementos (MILLER, 1986), e estas, de acordo com o autor, podem ser definidas como

um complexo sistema de elementos alinhados por um tema ordenador.

Para Fleck (2016), o crescimento, no contexto da sobrevivência de longo prazo,

não se limita a uma dimensão quantitativa, como o número de funcionários, ou market

share de uma firma. A autora oferece noções complementares à ideia de crescimento

enquanto mudança em tamanho e propõe uma dimensão qualitativa, referente a

novos atributos incorporados pela organização, que estão por trás das noções de

crescimentos enquanto mudança em natureza e também enquanto mudança de

estado.

Assim, a autora retoma a abordagem panorâmica proposta por Fleck (2014),

que visualiza o desenvolvimento organizacional através de um conjunto de estados

de existência, que pode flutuar entre estados mais ou menos saudáveis, dependendo

de como o processo de crescimento evolui.

Em suma, a linha de pesquisa defendida por Fleck (2003; 2009; 2014; 2016)

sugere que a mudança organizacional pode ser visualizada a partir da mudança de

estado em um espaço de estados bidimensional. O processo de crescimento

compreende uma série de desafios gerenciais, que implicam mudanças no espaço de

estados a partir das respostas organizacionais e afetam, inclusive, iniciativas de

expansão subsequentes (FLECK, 2016).

Segundo Miller (1986), as organizações tendem a atrasar ajustes estruturais

até que importantes crises se desenvolvem e alterações revolucionárias sejam

necessárias para o reestabelecimento da harmonia entre aqueles elementos, do

contrário, o status quo tende a ser mantido por tanto tempo quanto o custo da

mudança exceder os custos de não mudar. Para o autor, configurações são dinâmicas

e podem ser analisadas como uma variável ou qualidade capaz de criar vantagem

competitiva, à medida que um tema ordenador e mecanismos integradores garantem

a complementariedade entre elementos estruturais da firma. Conforme apresenta o

autor, afinal, estes temas ordenadores podem estabelecer um processo evolutivo que

seleciona os elementos congruentes com ele e expele os demais, o que pode tornar

a organização mais coerente. Ocorre que, em ambientes de incerteza ou em

constante mudança, o alinhamento entre os elementos ambiente, estratégia e

estrutura é dificultado.

Uma das dimensões a que se refere a autora é o estado do ambiente, que pode

ser definido em termos de quão fácil ou difícil é o processo de criação e captura de

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valor para uma empresa (FLECK, 2009). Neste sentido, Fleck (2011) distingue três

tipos de condições ambientais: piedoso, desafiador e inóspito. Segundo a visão da

autora, enquanto é provável haver estímulos a acomodação organizacional e

desatenção a sinais de declínio em um ambiente piedoso, um ambiente inóspito pode

impor severas restrições à viabilidade da condução do negócio. Um ambiente

desafiador, por sua vez, tende a favorecer firmas que conseguem estabelecer

vantagens competitivas e capacitações para enfrentar a competição (FLECK, 2011).

Por outro lado, Fleck (2009) também indica ser uma dimensão do espaço de

estados a própria existência da organização, que são representados por trajetórias

organizacionais de autoperpetuação e autodestruição. Neste sentido, a autora

considera o fracasso organizacional como um estado final de um processo de declínio,

à medida que seu entendimento quanto à autoperpetuação converge com aquele

defendido por Chandler (1977). Este autor sugere ser o sucesso organizacional não

um estado final, mas um estado potencial de um processo dinâmico ao qual a firma

se aproxima através de estímulos constantes ao desenvolvimento e à manutenção da

propensão à autoperpetuação, ainda que os níveis de respostas mudem ao longo do

tempo (FLECK, 2009).

Tal perspectiva parece ser suportada pela resource-based view e o poder

implícito da forma de conduzir transações eficientes e efetivas para a implementação

de estratégias que aumentam suas chances de sobrevivência. Segundo Barney

(1991), quando a organização possui recursos que são valiosos, raros, não imitáveis

e de difícil substituição, uma vantagem competitiva é sustentável. O sucesso de longo

prazo está implicitamente associado à ideia de vantagem competitiva e persistência

(FLECK, 2009), que remete à capacidade da firma em criar e a capturar valor, em

bases contínuas.

Adicionalmente, Chandler defende que pressões gerenciais para o sucesso

organizacional levam a um processo de crescimento contínuo, o que aproxima a

organização de um estado de autoperpetuação, de uma capacidade de sobreviver

além de seus membros sem, portanto, ter um fim inexorável, como advogam os

teóricos do ciclo de vida organizacional (WHETTEN, 1987). O mecanismo que envolve

o esforço persistente para o crescimento e estabelecimento de vantagens

competitivas sustentáveis é chamado por Fleck (2003) motor do crescimento contínuo,

acionado pela capacidade da firma em identificar e responder ao que Penrose (1959)

chama desequilíbrio produtivo interno à firma, o que Fleck (2003) representa como

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mecanismo de autorreforço do motor de crescimento contínuo, conforme apresenta a

Figura 2-1.

Figura 2-1 - Motor do crescimento contínuo.

Fonte: Fleck (2003).

Neste processo em que o próprio crescimento impulsiona condições favoráveis

a novas expansões, Chandler (1977) considera que a busca pela utilização lucrativa

dos recursos disponíveis cria forte pressão para a adoção de dois tipos de estratégia

para expansão: defensiva e produtiva. O autor distingue os propósitos das duas

estratégias ao considerar estratégias defensivas aquelas associadas ao desejo de

prover segurança e estabilidade, controlando as fontes de possíveis mudanças, ao

passo que as estratégias produtivas servem o propósito de provocar mudanças a

partir da busca por maior produtividade e eficiência. Neste sentido, expansões

produtivas são inerentemente mais rentáveis e, ao demandar a aquisição de novos

recursos, reforçam o desequilíbrio entre os recursos que potencializam novas

oportunidades produtivas, determinando a direção e profundidade do crescimento da

firma.

Por trás das oportunidades de crescimento a que Chandler (1977) se refere,

Penrose (1959) afirma serem fatores determinantes os serviços produtivos derivados

do conjunto de recursos – físicos e humanos – à disposição da firma. Serviços, no

sentido apresentado por Penrose (1959), correspondem à utilização dos recursos

disponíveis nos processos internos da organização e representam a principal fonte de

singularidade das firmas. Estes recursos são coordenados por um corpo gerencial

responsável pelas decisões e escolhas, que direcionam o crescimento da firma. Tal

fato evidencia o que Penrose (1959) considera ser fator limitante do crescimento da

organização, a disponibilidade de capital humano qualificado. Além disso, a autora

destaca que o crescimento continuado requer como condição necessária a ambição

de gerar lucros, motivo pelo qual apenas as oportunidades percebidas pelo

empreendedor como de potencial rentabilidade serão exploradas e terão potencial de

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geração de novo desequilíbrio que reiniciará o motor de crescimento contínuo

apresentado na Figura 2-1.

Entretanto, Chandler (1990) comenta que nem sempre tamanho pode ser

convertido em vantagem competitiva e chama atenção para o fato de que grandes

organizações podem estagnar, o que seria um primeiro sinal de declínio (FLECK,

2011). Este é o caso de firmas que não desenvolveram capacidades dinâmicas que

permitem explorar as oportunidades de crescimento para promover a renovação das

capacidades organizacionais. Penrose (1959), aliás, advoga que a importância do

tamanho da firma é dependente do quanto sua escala possibilita melhor alocação e

utilização dos recursos e poder. Isto remete à ideia da autora sobre a incapacidade

das grandes corporações de extrair vantagem de todas as oportunidades de

expansão, o que em essência pode explicar a existência de grande número de

pequenas empresas em determinados setores da economia.

Uma teoria abrangente sobre crescimento da firma precisa explicar uma série

de tipos qualitativamente diferentes de crescimento (PENROSE, 1959). Em

consonância com o que defende Penrose, Fleck (2016) parte de uma noção de

crescimento que inclui dimensões qualitativas e oferece uma tipologia do que chamou

modos de crescimento. A autora identificou sete maneiras segundo as quais o

processo de crescimento se desenvolve e alerta que cada um deles pode induzir ou

inibir comportamentos construtivos que ampliam as chances de sucesso

organizacional no longo prazo. Na prática, contudo, o crescimento da firma pode

incluir um ou mais modos. Esta tipologia é descrita no Quadro 2-1.

Para Fleck (2009), a performance e a sobrevivência da organização são

condicionadas pelas estratégia e estrutura. Não derivam, portanto, do crescimento em

si, mas dos efeitos do padrão de respostas destas organizações ao que a autora

considera serem desafios do crescimento, que refletem as consequências

disfuncionais geradas no processo. Há fatores derivados do crescimento e sucesso

da firma que podem induzir práticas gerenciais capazes de conduzir a firma ao

processo de declínio.

Sob tal perspectiva, para Whetten (1987), o sucesso pode gerar o fracasso e

aponta duas formas de declínio: declínio por estagnação e declínio pelo encolhimento.

Enquanto o segundo é fruto da redução do mercado como um todo, a estagnação está

relacionada à gestão ineficiente e erode a vitalidade da organização, conduzindo a

uma trajetória que Fleck (2009) chamaria de autodestruição. Por isso, organizações

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em crescimento precisam desenvolver a sensibilidade de identificar condições

presentes e futuras desfavoráveis, de modo a superar as ameaças a sua

sobrevivência e sucesso de longo prazo (WEITZEL & JONSSON, 1989). Estes não

podem, entretanto, ser confundidos com a mera continuidade da existência, uma vez

que a sobrevivência abrange um amplo espectro que vai de sobrevivência robusta a

falência (FLECK, 2014).

Quadro 2-1 - Tipologia dos modos de crescimento.

Fonte: Traduzido e adaptado de Fleck (2016).

Neste sentido, Sull (1999) indica ainda ser causa e agravante do processo de

declínio o que chama de fenômeno da inércia ativa, que está relacionado com a

Modos de crescimento

Tipo de mudança Mecanismo de mudança

Exemplos

Inercial (natureza quantitativa)

Uso repetitiva de procedimentos existentes. A demanda insatisfeita pelo produto ou serviço induz à replicação de procedimentos /comportamentos e produz mais do mesmo outcome. Trata-se de mudança quantitativa de estado.

Replicação Escalabilidade

Ampliação de rede de lojas; Franquia de modelo de negócios.

Dialético (natureza qualitativa)

Solução de conflito que resulta na produção de algo novo. Substituição do impasse OU/OU (trade-off) por uma situação E/TAMBÉM.

Inovação dialética Síntese

Expansão por processos de customização em massa.

Interactional (natureza de único nível)

Interdependência entre coisas de mesmo tipo, que lutam por recursos escarços (competição) e/ou compartilham recursos com objetivos comuns (cooperação). Determinação do crescimento por ação competitiva e/ou cooperativa mútua.

Responsividade a rivais e parceiros

Retaliação à expansão de rivais; Expansão orquestrada de parceiros comerciais.

Estrutural (natureza multinível)

Interdependências entre uma um sistema (indústria/firma) e suas partes constituintes (firmas/unidades de negócio ou indivíduos). É necessariamente uma mudança multinível.

Convergência de partes Divergência de partes

Padronização permite o crescimento do todo; Tornar produtivo recursos não utilizados, abrindo espaço para diversificação ou integração vertical.

Externally-led (natureza causal)

Fatores externos são suficientes para induzir ao crescimento. Determinação da estratégia da firma por causas externas (natureza determinística).

Ação de causas suficientes

Aumento na demanda por alguns produtos e serviços devido a mudanças nas condições econômicas.

Chance-led (natureza estatística)

Aleatoriedade resultante da ação de agentes, eventos ou processos interdependentes ou quási-independentes

(natureza probabilística).

Aleatório Estatisticamente determinado

Avanços de P&D alcançado por times independentes que buscam simultaneamente objetivos comuns.

Direcionado a resultados (natureza teleológica)

Perseguição de objetivos estabelecidos ativa outros processos de mudança. Agentes que definem os objetivos podem ser internos ou externos à organização (agências regulatórias, por exemplo). Metas de crescimento definem as diretrizes para expansão.

Orientado a objetivos

Todos os demais podem ser exemplos, dependendo do modo de crescimento ativado pelos objetivos definidos. Exemplo: definição de metas de expansão de número de lojas (inercial).

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insistência das organizações em seguir com práticas institucionalizadas, mesmo com

sinais claros de mudanças no ambiente. Neste caso, Weitzel e Jonsson (1989)

argumentam que o processo de declínio organizacional pode ter início a partir da falha

na antecipação às mudanças, ainda que a organização esteja em crescimento, o que

representa o estágio denominado de cegueira. Outros três estágios também estariam

associados a este processo: inação, ação equivocada e crise. Contudo, os autores

afirmam não haver dados que indiquem não ser possível reverter o processo de

declínio, contanto que a organização não esteja nos estágios finais daquele processo,

quando disporá de recursos insuficientes para redirecionar sua trajetória. Uma

permanently failing organization (MEYER & ZUCKER, 1989), aquela que

persistentemente exibe baixa performance, perdurará tanto quanto houver

stakeholder que a sustente ou enquanto condições ambientais não exercerem

pressões suficientes para sua dissolução e extinção (FLECK, 2014).

O sucesso organizacional é, assim, produto da capacidade da organização de

responder aos desafios do crescimento (FLECK, 2009), sendo tão maior as chances

de sucesso de longo prazo, quanto maior for a habilidade da organização de nutrir

capacidades de autoperpetuação, a partir da renovação organizacional e preservação

de sua integridade. Ambas as condições são afetadas pela produção de folga e pelas

respostas aos desafios do crescimento (FLECK, 2009), o que torna de crucial

relevância o estudo das dimensões que os compõem e como estas influenciam a

trajetória de sobrevivência das organizações.

2.3 Evolução, revolução e as configurações

De acordo com Greiner (1972), o passado de uma organização em crescimento

fornece pistas quanto ao seu sucesso potencial, à medida que forças históricas

moldam oportunidades de crescimento futuro. Para o autor, a inabilidade da gestão

em compreender os problemas causados pelo desenvolvimento da firma pode gerar

paralisia no estado corrente e ameaçar sua evolução, independentemente de

oportunidades de mercado. O futuro de uma organização seria, então, resultado maior

de sua própria história.

Greiner (1972) aponta para a ocorrência de estágios distinguíveis ao longo do

desenvolvimento de uma organização. Neste sentido, o termo evolução é cunhado

pelo autor para denotar os períodos prolongados de crescimento sem grandes

perturbações na dinâmica organizacional, sendo estes caracterizados por um estilo

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de gestão utilizado para obter o crescimento. Para o autor, estes períodos evolutivos

são seguidos por crises de gestão, denominadas revoluções, em que surgem

turbulências na vida organizacional, provenientes de problemas de gestão

característicos e que precisam ser solucionados antes que o crescimento volte a

ocorrer. Cada um destes período é efeito do estágio anterior e causa do período

subsequente (GREINER, 1972). Assim, o autor propõe que a estrutura organizacional

teria papel preponderante sobre estratégia corporativa, o que representa uma

compreensão inversa ao que propõe Chandler (1962).

É pertinente destacar a ideia proposta por Chandler (1962) segundo a qual, ao

crescer, uma organização precisa realizar adaptações em sua estratégia, que

demandam ajustes estruturais, de modo que não se incorra em ineficiências

econômicas. Sob tal premissa, é de se esperar que a trajetória de uma firma de

sucesso pressuponha a capacidade de promover mudanças em sua estrutura que

seguem a estratégia da organizacional, tendo em vistas superar os desafios do

crescimento.

Apesar da aparente contradição acerca da preponderância da estratégia ou da

estrutura sobre o sucesso, ambos autores parecem concordar quanto à natureza

crítica da capacidade da liderança em realizar ajustes estruturais como resposta aos

desafios associados ao crescimento (FLECK, 2009). Também são convergentes este

entendimento e o que se discutiu sobre o papel da liderança institucional na gestão

ativa deste processo, uma vez que, para Greiner (1972), cabe ao gestor, a cada

período de revolução, encontrar um novo conjunto de práticas organizacionais que se

tornarão base para a gestão do próximo período evolutivo.

Cinco dimensões surgem como elementos essenciais para o modelo dos cinco

estágios proposto por Greiner (1972), são elas: idade da organização, tamanho,

estágio de evolução, estágio de revolução e ritmo de crescimento da indústria. As

cinco fases são representadas na Figura 2-2 e resumidas a seguir.

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Figura 2-2 - As cinco fases de crescimento.

Fonte: Greiner (1972).

A primeira fase é a de nascimento da organização, quando há ênfase na

criação do produto ou do mercado (GREINER, 1972). Esta fase foi denominada pelo

autor de criatividade e é caracterizada pela comunicação frequente e informal entre

funcionários e fundadores, que imprimem orientação técnica ou empreendedora a sua

atividade, com pouca atenção para tarefas gerenciais. Ainda segundo o autor, esta

fase gera o primeiro período de revolução, a crise de liderança. Esta, por sua vez,

aponta para a necessidade de ganhos de eficiência e formalização de processos, à

medida que a organização cresce, o que coloca os fundadores com importantes

responsabilidades administrativas, dando origem a possíveis conflitos, que

demandam esforço da liderança para manter a integridade organizacional.

Para Greiner (1972) aquelas organizações sobreviventes experimentam um

segundo estágio de evolução, chamado direção. Neste, em consequência da

necessidade anterior, tem-se a emergência da capacidade gerencial do negócio, com

a introdução de uma estrutura funcional com alocação de atividades, surgimento de

sistemas de controle e a centralização da responsabilidade diretiva na figura de um

líder central. No entanto, à medida que a organização cresce, surge uma pressão para

que haja maior autonomia para os componentes da estrutura organizacional, o que

gera o que o autor chama de crise de autonomia.

Ao sucederem iniciativas de implementação de estruturas organizacionais

decentralizadas, as organizações adentram um novo estágio evolutivo, chamado de

51

Figura 2 – As cinco fases de crescimento

Fonte: adaptado de Greiner (1998).

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delegação (GREINER, 1972). Segundo o autor, maiores responsabilidades são

delegadas, canais de comunicação formais são mais frequentes, a delegação de

atividades motiva trabalhadores de níveis hierárquicos mais baixos e a liderança

acompanha os resultados por meio de relatórios periódicos. No entanto, a perda de

controle da operação diversificada acaba por gerar a crise de controle, em que é

necessária a implementação de mecanismos de coordenação (GREINER, 1972).

O resultado da crise de controle é a adoção de sistemas formais que conferem

coordenação entre as áreas organizacionais, o que caracteriza a quarta fase de

evolução, chamada pelo autor de coordenação. Nesta, observam-se procedimentos

formais de planejamento, expansão de pessoal para implementação de programas de

controle, dentre outras consequências que levam a organização a alcançar maior

eficiência na alocação dos recursos organizacionais. Contudo, a proliferação de

sistemas, a partir de certo ponto, torna a organização excessivamente rígida, o que é

apontado pelo autor como principal característica do que ele chama red-tape crisis,

que pode ser superada a partir da colaboração interpessoal interna à organização, o

que confere à quinta fase de evolução a preponderância do controle social e

autodisciplina sobre os sistemas formais (GREINER, 1972). Como consequência, a

organização torna-se mais flexível, enquanto características como o foco na solução

de problemas, cooperação em times multifuncionais, dentre outras práticas, passam

a ser adotadas.

Churchill e Lewis (1983) propõem uma abordagem diferente para um modelo

de desenvolvimento de pequenos negócios. Para estes autores, modelos de

desenvolvimento organizacional disponíveis na literatura – Greiner (1972), por

exemplo – falham em três principais pontos, quando se analisa um pequeno negócio:

primeiro, assumem que a organização precisa necessariamente passar por todos os

estágios de desenvolvimento, ou morrer na tentativa; segundo, os modelos não

capturam estágios iniciais importantes para a origem e o crescimento da firma,

estágios estes que criam as condições de imprinting e influenciam o processo de

institucionalização da organização (SELZNICK, 1957); terceiro, estes modelos

caracterizam tamanho majoritariamente em termos de faturamento anual e ignoram

fatores tais como número e localização de instalações físicas e tecnologia de

produção.

Neste sentido, Churchill e Lewis (1983) propõem um modelo composto por

cinco estágios, que representam um índice composto por tamanho, diversidade e

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complexidade, conforme apresentado na Quadro 2-2. Cada estágio seria descrito por

cinco fatores de gestão, a saber: estilo de gestão, estrutura organizacional, existência

de sistemas formais, objetivos estratégicos e envolvimento do dono no negócio.

Quadro 2-2 - Estágios de desenvolvimento do pequeno negócio.

Fonte: Traduzido e adaptado de Churchill e Lewis (1983).

Assim, aspectos organizacionais e relacionados ao perfil da gestão implicariam

na alteração da importância relativa do que os autores denominam fatores críticos.

Estes estão associados à natureza dinâmica dos desafios gerenciais, o que coloca o

modelo proposto pelos autores em linha com a teoria dos arquétipos de sucesso e

fracasso de organizações (FLECK, 2009).

É possível, neste ponto, estabelecer uma ligação entre as ideias de Miller e

Friesen (1978) com aquilo que propõem Greiner (1972) e Churchill e Lewis (1983)

quanto à alternância entre períodos de evolução e revolução e as alterações na

estrutura para promover estabilidade entre os elementos organizacionais. Estes

autores parecem buscar uma linha de pesquisa mais próxima daquela proposta por

Fleck (2014) ao defender a abordagem panorâmica da estratégia. Contudo, Miller e

Friesen (1978) defendem uma visualização mais ampla do que a análise do processo

de mudança nas organizações em crescimento unicamente a partir de questões

internas. Estes autores consideram também os elementos de estratégia e ambiente

como parte das configurações de um sistema coeso que muda de estado ao longo de

sua existência, uma vez que a adequação e efetividade de uma estratégia em geral é

função de elementos estruturais e também fatores relacionados ao ambiente.

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Ao considerar o contexto em que ocorre o desenvolvimento da organização

familiar, uma vez que se considera a interação deste com os sistemas família e

negócio, mais do que a atuação de forças históricas de formação da estrutura, fatores

externos a esta parecem contribuir para os estágios em que a trajetória ocorre. Neste

sentido, Churchill e Lewis (1983) apresentam seu modelo de crescimento dos

pequenos negócios, que, segundo os autores, variam amplamente em tamanho e

capacidade de crescimento, além de também ser largamente variável seus estilos de

gestão e estruturas organizacionais.

Por isso, uma análise da trajetória descrita pela organização em estudo à luz

do que propõem Greiner (1972) e Churchill e Lewis (1983) pode oferecer resultados

consistentes. Aquele próprio autor, aliás, reconhece a ocorrência de fatores que

impactam a velocidade e frequência com que acontecem os períodos em organização

ativas, o que pode indicar compatibilidade com o modelo proposto por Churchill e

Lewis (1983), uma vez que os fatores críticos de gestão a que estes autores aludem

podem produzir efeitos sobre a duração dos estágios de evolução e revolução

compreendidos pelo modelo de Greiner (1972).

2.4 Arquétipos de sucesso e fracasso organizacional

Ao analisar o crescimento organizacional sob a perspectiva do processo, Fleck

(2009) considera que a performance e a sobrevivência da organização são

consequência do padrão com que ela responde ao que a autora denomina desafios

do crescimento. Para Fleck (2016), resultados naturais do fenômeno de crescimento

resultam em desafios gerenciais para os membros da organização, cujas respostas

envolvem mecanismos de renovação organizacional ou deterioração, eventualmente.

Deste modo, à medida que organizações se desenvolvem, elas ativam modos de

crescimento que, de maneira mais ou menos acentuada, afetam suas chances de

sucesso (FLECK, 2016). Ainda segundo a autora, a sobrevivência longeva e saudável

é condicionada pela atitude gerencial acerca dos desafios e sua habilidade em

implementar mecanismos contrários entre si, mas requeridos para a continuidade de

existência: promoção da renovação organizacional e neutralização da deterioração

organizacional.

Posto que o processo de crescimento ocorre em um contexto bidimensional de

estados, condições ambientais e organizacionais são condicionantes do

desenvolvimento da organização (FLECK, 2016). Segundo a autora, um estado

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saudável de existência é tipicamente o resultado do balanço entre mecanismos de

renovação e deterioração, enquanto estes últimos prevalecem quando da ocorrência

do declínio. Por outro lado, estados de subsistência tendem a ser consequência da

neutralização, simultânea ou alternada, daqueles dois tipos de mecanismos, o que

pode levar à estagnação.

Chandler (1962) propõe ser um desafio do gestor a capacidade de lidar e

equilibrar os objetivos de longo prazo, que indicam a saúde da organização, com a

preocupação de se ter uma operação rotineira eficiente e regular. Segundo o autor,

isto leva a uma mudança no papel dos gestores que evolui da execução de atividades

operacionais para o planejamento, coordenação e alocação de recursos. A

administração gerencial representa um elemento essencial para coordenar os

recursos de forma eficiente e de maneira a atender às demandas impostas pelos

desafios (PENROSE, 1959; FLECK, 2009).

Neste contexto, Fleck (2009) destaca a noção de autoperpetuação, segundo a

qual organizações se tornam mais propensas a autoperpetuar-se a partir do processo

de crescimento contínuo e da continuidade de existência, condicionados pela

capacidade organizacional de renovar-se e preservar sua integridade institucional

(FLECK, 2009; SELZNICK, 1957). Estas contribuem para a obtenção de vantagens

competitivas sustentadas na criação e captura de valor em longo prazo.

Alternativamente, uma trajetória de autodestruição tem potencial de conduzir a

organização ao estado final de fracasso (WEITZEL; JONSSON, 1989). Estas duas

são arquétipos que representam tipos ideais (DOTY; GLICK, 1994 apud FLECK, 2009)

separados por um continuum em que efetivamente a firma se situa conforme sua

reação aos desafios, ao longo se sua própria trajetória.

Fleck (2016) sustenta que a falha dos movimentos de expansão em neutralizar

respostas inadequadas aos desafios do crescimento resulta em conflitos internos,

retrabalho e outras ameaças potenciais à continuidade da existência da organização

(CHANDLER, 1977). Neste sentido, a autora argumenta que este tipo de situação

provavelmente irá drenar recursos organizacionais críticos e, por consequência,

impedir a produção de folga para alimentar novos movimentos de expansão,

prejudicando o crescimento contínuo (PENROSE, 1959).

A Figura 2-3 apresenta a relação entre os desafios e os requisitos do

mecanismo central da propensão organizacional ao sucesso de longo prazo (FLECK,

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31

2009). O Quadro 2-3, por sua vez, descreve os cinco desafios propostos e resume os

polos de respostas àqueles.

Figura 2-3 - Modelo de propensão à autoperpetuação.

Fonte: Traduzido de Fleck (2009).

DESAFIOS POLOS DE RESPOSTA AOS DESAFIOS

Categoria Descrição Polo de Autodestruição Polo de Autoperpetuação

Empreendedorismo

Promoção contínua do empreendedorismo e estímulo a movimentos expansivos que criem valor, sem exposição excessiva a riscos

Satisfatório ou inferior

Baixo nível de ambição, versatilidade, julgamento, habilidade de levantar recursos, visão e imaginação, tendo as expansões motivações nulas ou defensivas

Alto

Alto nível de ambição, versatilidade, julgamento, habilidade de levantar recursos, visão e imaginação, tendo as expansões motivações produtivas ou híbridas

Navegação no Ambiente

Gestão dos stakeholders de modo a garantir a captura de valor e legitimidade organizacional

Passiva

Monitoramento incompleto ou ineficaz do ambiente. Uso inadequado de estratégias de resposta ao ambiente

Ativa

Monitoramento satisfatório e regular do ambiente. Uso adequado de estratégias de resposta ao ambiente

Diversidade

Manutenção da integridade organizacional frente ao aumento de conflitos e rivalidades internas

Fragmentação

Falha no estabelecimento de relacionamentos coesos e capacitações em coordenação construtiva

Integração

Sucesso no desenvolvimento de relacionamentos coesos e capacitações em coordenação construtiva

35

Figura 2.5 – Modelo de requisitos para o desenvolvimento da propensão da autoperpetuação da

organização.

Fonte: Fleck (2009).

2.2.2. Sucesso de longo prazo

Fleck (2009) sugere que há duas condições necessárias, ainda que nao sejam

suficientes, para o sucesso da organização a longo prazo, ou seja, para o desenvolvimento de

uma tendência de autoperpetuação: renovação organizacional, por meio de processos de

crescimento contínuo, e apreservação da integridade organizacional, para permitir à empresa

continuar existindo.

2.2.3. Crescimento e Renovação Organizacional

Diversos autores têm estudado a renovação organizacional (PENROSE, 1980;

CHANDLER, 1977; EISENHARDT & MARTIN, 2000; HELFAT AT AL, 2007; TEECE,

PISANO E SHUEN, 1997; INVERNO, 2003 apud FLECK, 2009) e afirma-se que a

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Provisão de Recursos Humanos

Abastecimento consistente de recursos humanos qualificados

Tardia

Contratação tardia ou no momento de ocorrência da necessidade de recursos humanos adequados

Antecipada

Contratação planejada e anterior à necessidade de recursos humanos adequados

Complexidade

Gerenciamento sistemático de temas relacionados ao aumento da complexidade e ameaças à existência organizacional

Ad hoc Baixa capacitação na resolução sistemática de problemas, favorecendo soluções rápidas e simplistas, que prejudicam o aprendizado e processos de auxílio à tomada de decisão

Sistemática

Forte capacitação na resolução sistemática de problemas, gerando soluções abrangentes, que fomentam o aprendizado e processos de auxílio à tomada de decisão

Quadro 2-3 - Os cinco desafios organizacionais ligados ao crescimento.

Fonte: Fleck (2009).

2.4.1 Crescimento e renovação organizacional

Renovação é uma ideia central ao constructo de competências dinâmicas, que,

por sua vez, é definido pela habilidade da firma em integrar, construir e reconfigurar

competências internas e externas para responder às mudanças no ambiente (TEECE,

2007). Neste sentido, o autor afirma que vantagem competitiva de longo prazo requer

o desenvolvimento e renovação de capacidades específicas da firma. Firmas que

conseguem renovar suas capacitações de maneira contínua tendem a disfrutar de

vantagens competitivas (FLECK, 2007b).

Essas competências são fundamentais para que haja a criação e captura de

valor, garantindo uma boa resposta aos desafios do empreendedorismo e da

navegação no ambiente. Enquanto a criação de valor contribui para a criação de

vantagem competitiva, a captura de valor garante a apropriação do valor criado,

permitindo lucratividade que permite novos investimentos (FLECK, 2007b). Segundo

a autora, a vantagem competitiva é passível de ser erodida ao longo do tempo e sua

não atualização produz ineficiências e põe em risco o sucesso no longo prazo. Por

isso, o sucesso de longo prazo requer a tarefa desafiadora de criar e capturar valor

em base contínua (FLECK, 2007b).

Neste sentido, Fleck (2009) defende ser a capacidade de a organização

renovar-se através do crescimento uma condição necessária para a autoperpetuação.

A capacidade de autorenovação (PENROSE, 1959; CHANDLER, 1977) vem

justamente da folga gerada pelo processo de crescimento, uma vez que essa situação

de excesso estimula a firma a buscar novas oportunidades de expansão para a

aplicação desses excedentes e consequente aumento de eficiência operacional

(FLECK, 2009).

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Para Fleck (2009), o crescimento e renovação organizacional provocam

pressões adicionais sobre os desafios de gestão da diversidade e provisão de

recursos humanos. Esta afirmação está em linha com a ideia de que o aumento da

complexidade derivado do crescimento requer ajustes estruturais de modo a não

incorrer em ineficiências econômicas (CHANDLER, 1962).

A renovação organizacional, entretanto, só ocorrerá se a organização executar

respostas que tendam ao polo positivo dos desafios do empreendedorismo e da

navegação no ambiente (FLECK, 2009). A presença de serviços empreendedores é

requisito para que se busque fontes para criação de valor de maneira contínua,

através do mecanismo de reforço ativado pelo desequilíbrio produtivo (PENROSE,

1959). Por outro lado, a eficaz captura de valor depende de uma adequada navegação

no ambiente, de maneira que a efetividade de iniciativas empreendedoras é

condicionada pela forma com que a organização se relaciona com seus stakeholders

e responde às pressões e tendências externas para captura de valor econômico e de

legitimidade (FLECK, 2009). O baixo engajamento nestas duas atividades tende a

dificultar a geração de folga financeira para a organização.

2.4.2 Desafio do empreendedorismo

O desafio do empreendedorismo proposto por Fleck (2009) consiste em

desenvolver o desejo e a ambição na organização em expandir de modo contínuo.

Envolve, portanto, a disposição da firma em assumir riscos, buscar alternativas para

evita-los e, ainda assim, expandir (PENROSE, 1959). Além disso, diferentemente dos

demais desafios, que são relacionados a consequências naturais do crescimento

(FLECK, 2016), este está associado a fatores antecedentes aos movimentos de

expansão.

Fleck (2009) aponta a importância de mecanismos de reforço de movimentos

de expansão com motivação produtiva (CHANDLER, 1977) ou híbrida (FLECK, 2009),

que favorecem a geração de novas possibilidades de expansão a partir do

desequilíbrio produtivo (PENROSE, 1959) e dos incentivos a economias de escala,

escopo e tempo (CHANDLER, 1977). Para a autora, motivações defensivas ou nulas

tendem a fomentar movimentos de expansão pontuais. Segundo Fleck (2009), as

motivações híbridas estão associadas a movimentos que objetivam ganhos de

eficiência ao mesmo tempo que contribuem para blindar negócios existentes,

enquanto as motivações nulas são tipicamente associadas a estratégias imperialistas.

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Para uma firma, uma gestão empreendedora é requisito sem o qual o

crescimento contínuo é impossibilitado (PENROSE,1959). O crescimento é, segundo

advoga Penrose (1959) limitado pela capacidade de a firma identificar alternativas de

criação de valor a partir do que ela chama de oportunidade produtiva, que compreende

todas as possibilidades visualizadas pelo empreendedor e a partir das quais consegue

tirar vantagem para a firma. Por isso, na ausência de serviços empreendedores, ainda

que a organização disponha de gestão competente, o crescimento organizacional não

se desenvolve.

Sobre o processo de criação de valor, Lepak, Smith e Taylor (2007) discutem

sua natureza plural, que remete aos distintos alvos e fontes de valor que o processo

pode envolver. Os autores defendem que vários alvos potenciais de criação de valor

podem existir em uma organização e que esta deve buscar gerar valor para os

stakeholders que a sustentam, ainda esta tarefa exija esforço para conciliar diferentes

interesses. Lepak, Smith e Taylor (2007) abordam ainda a definição de criação de

valor a partir das noções de valor de uso e valor de transação, este último refletindo a

disposição do usuário em realizar uma transferência monetária em troca do valor

percebido pelo seu uso, o que implica subjetividade em relação ao usuário e ao

contexto.

No nível da organização, Lepak, Smith e Taylor (2007) destacam que o

processo de criação de estão relacionados a questões ligadas a inovação, invenção

e geração de conhecimento, motivo pelo qual os autores destacam as noções de

ineditismo e adequação como importantes características para as ações

empreendedoras. Também nesta linha, March (1991) advoga que as iniciativas de

criação de valor deveriam abranger tanto o aperfeiçoamento das atividades atuais da

firma, o que ele chama de alternativa de exploitation, quanto também a busca por

novas bases para o crescimento, o que caracteriza alternativa de exploration. A

habilidade da firma em explorar estas duas alternativas de criação de valor tem

potencial para ser a base de inovações que criam valor para o cliente (LEPAK, SMITH

& TAYLOR, 2007).

O risco é um componente importante para a atitude empreendedora da firma e

determinante sobre decisões de expansão. Neste sentido, Penrose (1959) aponta que

firmas empreendedoras decidem por buscar oportunidades para decisão sobre

expansões lucrativas, o que demanda intuição empreendedora e imaginação anterior

à efetiva avaliação econômica da alternativa. Assim, a autora destaca habilidades

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associadas aos serviços empreendedores que são de importância estratégica para a

criação de valor: versatilidade, habilidade em levantar fundos, julgamento e ambição

(PENROSE, 1959; FLECK, 2009).

A versatilidade empreendedora está associada à imaginação, visão e

criatividade em vislumbrar novas possibilidades de crescimento. Um tipo versátil de

executivo é requerido quando a expansão envolve esforços para o desenvolvimento

de mercados ou diversificação de linhas de produção (PENROSE, 1959).

Dificuldades em obter capital para expansão é indicado por Penrose (1959)

como um problema tanto para pequenas, quanto para grandes empresas. O tipo de

serviço empreendedor necessário para angariar recursos para uma nova iniciativa

muitas vezes não está associado aos serviços necessários à condução eficiente do

negócio, uma vez que a captação de recursos para depende muito da habilidade do

empreendedor em criar confiança. Desta habilidade depende o sucesso da iniciativa

em questão.

Por outro lado, a dimensão de julgamento envolve mais do que o bom senso e

imaginação do empreendedor, relacionando-se também com mecanismos

organizacionais de coleta de informações e leitura do ambiente, bem como perfil de

risco e expectativas da organização. O julgamento empresarial envolve a capacidade

de a firma avaliar adequadamente os riscos e as oportunidades inerentes à iniciativa

em questão para decisão coerente com o nível de risco aceitável.

Ademais, a ambição empreendedora é apresenta por Penrose (1959) como a

energia e a motivação para empreender. Trata-se do desejo de crescer, perquirir

melhorias, evoluir. A autora apresenta dois tipos genéricos de ambição. O primeiro

está orientado ao produto e incorpora o ponto de vista de que o melhor caminho para

a geração de lucros passa pela melhoria e diversificação das atividades

organizacionais. Contrariamente a este tipo, existe a ambição imperialista, associada

a empreendedores cuja visão é a de criar poderosos impérios industriais sobre ampla

área. Este está orientado ao crescimento quantitativo, representado basicamente por

tamanho da firma e rentabilidade.

Respostas adequadas ao desafio do empreendedorismo dependem da

disponibilidade, assim, da capacidade dos serviços empreendedores disponíveis em

promover a criação de valor a partir das oportunidades produtivas. Neste sentido,

firmas orientadas a expansões produtivas ou híbridas, que procurem explorar novas

linhas de atuação e também aprimorar suas atividades, tendem a ter altos níveis de

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empreendedorismo. Contudo, organizações com níveis de empreendedorismo

apenas satisfatório ou inferior não contribuem para a criação de valor em base

contínua, o que prejudica a renovação através do crescimento e, consequentemente,

a propensão à autoperpetuação (FLECK, 2009).

2.4.3 Desafio da navegação no ambiente

Lepak, Smith e Taylor (2007) alertam para a confusão entre os conceitos de

criação e captura de valor. Segundo os autores, estes devem ser tratados como

processos distintos, uma vez que uma fonte de criação de valor pode não ser capaz

de capturar ou reter o valor criado no longo prazo, o que destaca a importância dos

mecanismos que permitem o criador capturar este valor. Por isso, o desafio do

empreendedorismo e da navegação no ambiente são complementares (FLECK,

2011).

O desafio da navegação no ambiente diz respeito à gestão eficaz dos

stakeholders de uma organização, tendo em vista a captura de valor econômico e

preservação da legitimidade que lhe garante valor normativo (FLECK, 2009).

Ademais, Fleck (2016) apresenta a relação do aumento da visibilidade organizacional,

eventualmente resultante do crescimento, com reações que podem reforçar o status

quo, ou levantar questionamentos acerca das condições existentes e, assim, afetar

percepções dos stakeholders relativas à firma.

A noção de sucesso organizacional não está relacionada unicamente aos

retornos econômicos promovidos a grupos como clientes e acionistas. Distintos

stakeholders tem interesses legítimos nas atividades da firma e a captura de valor se

dá através da orientação ao atendimento destes grupos interessados que sustentam

a organização e sua gestão contribui para o processo de construção de vantagem

competitiva (FLECK, 2009, 2011).

Neste sentido, o desafio de navegar o ambiente abrange também a maneira

com que a firma lida com as pressões de mercado e não-mercado (BARON, 1995)

que provocam mudanças no ambiente dinâmico e podem afetar a captura de valor a

partir das iniciativas empreendedoras da organização. Baron (1995) argumenta que o

ambiente empresarial é composto por dois componentes: o de mercado e o de não-

mercado. Enquanto o componente de mercado abrange as interações entre firmas e

outros agentes que envolvem transações econômicas, troca de propriedade e

questões relativas à estratégia competitiva da firma, o componente não-mercado de

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forças atuantes sobre questões sociais, políticas, regulatórias e éticas, com potencial

impacto sobre a legitimidade organizacional perante stakeholders outros, tais quais

governo, mídia e agentes reguladores. Assim, o autor defende a implementação de

estratégia integrada, incluindo itens de não-mercado para potencializar vantagens

competitivas ou neutralizar desvantagens, à medida que estas envolvem ações

objetivadas a mudar as regras de competição no mercado.

Em consonância com as componentes de mercado e de não mercado do

ambiente, Fleck (2011) apresenta três dimensões em que acontece a inter-relação

entre a organização e o ambiente: natural, institucional e de negócios. Estas

categorias podem ser avaliadas segundo a condição em que a ação organizacional

pode desenvolver-se. Um ambiente piedoso, de características munificentes

(WEITZEL & JONSSON, 1989) que tende a absolver ineficiências e fraquezas e

estimula a manutenção do modelo usual de negócios. Contrariamente, uma condição

inóspita tende a não oferecer recompensas à eficiência operacional, dificulta e

restringe o processo de captura de valor e, consequentemente, o sucesso

organizacional. Adicionalmente, uma condição desafiadora refere-se à estabilidade da

dinâmica competitiva (FLECK, 2011), envolvendo transparência e solidez das regras

que direcionam a competição. O Quadro 2-4 apresenta resumo das condições do

ambiente e das categorias de análise ambiental.

O ambiente de negócios é onde ocorre a competição em si e pressões de

mercado são exercidas sobre os players (BARON, 1995), que disputam posições e

definem estratégias em vistas à obtenção de vantagens competitivas. Nesta

dimensão, são destacados aspectos técnicos, de escassez de recursos e fatores de

competição. Segundo aponta Fleck (2011), o jogo competitivo em características

desafiadoras tende a estimular o desenvolvimento de estratégias eficientes, enquanto

o acirramento da disputa até uma condição inóspita pode comprometer sua fluidez e

restringir as chances de sucesso.

Paralelamente, o ambiente institucional pode exercer pressões de natureza

não mercado (BARON, 1995) que condicionam a obtenção e sustentabilidade da

legitimidade organizacional da qual depende a captura de valor e a própria

sobrevivência da organização (FLECK, 2011). Condições desafiadoras nesta

dimensão do ambiente implicam em regras rígidas para a arena competitiva, que

controlam a disputa e prezam pela eficiência, enquanto uma configuração piedosa

significa ineficácia na regulação da competição entre os players e baixas pressões

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neste sentido. A característica inóspita está associada à instabilidade e incertezas

relacionadas às regras atuantes sobre a competição, que podem ser excessivamente

rígidas a ponto de impedir que esta aconteça.

CONDIÇÕES DO AMBIENTE

Categoria do Ambiente

Piedoso Desafiador Inóspito

Natural Condição generosa e solidária, sem pressões por eficiência, onde os processos de criação e captura de valor são facilitados. A ineficiência dificilmente é punida e a firma pode se sentir impelida a conduzir os negócios sem se preocupar com a eficiência.

Condição onde há o estímulo para estabelecimento de vantagens competitivas sustentáveis, uma vez em que a eficiência é premiada e a ineficiência é punida. A firma desenvolve capacitações para enfrentar seus concorrentes.

A eficiência organizacional dificilmente é premiada, e tal condição restringe processos de criação e captura de valor. Dificuldade na obtenção de sucesso organizacional. A firma pode interromper suas atividades por inviabilidade na condução dos negócios.

Institucional

Negócios

Quadro 2-4 - Framework sobre as categorias do ambiente.

Fonte: Adaptado de Reis (2014).

No que tange a esta última dimensão ambiental, Oliver (1991) analisa as

respostas às pressões institucionais na direção da conformidade. Em sua visao,

organizações poderiam buscar a legitimidade de suas existência e atividades através

de estratégias de moldar o ambiente, neutralizar pressões ou ainda de adequação e

conformidade a situações externas à firma. Contudo, Fleck (2011) advoga que se deve

assumir posicionamento mais ativo da firma perante as pressões de não mercado,

uma vez que a simples estratégia de conformidade, embora possam reforçar a

legitimidade organizacional e sua estabilidade, podem não ser compatíveis com os

objetivos da firma no longo prazo.

Por sua vez, o ambiente natural oferece a perspectiva de que as organizações,

para apresentar uma trajetória de autoperpetuação, dependem da própria

sustentabilidade dos recursos naturais (FLECK,2011). A condição de severidade de

pressões atuantes nesta dimensão está associada à aplicação de normas quanto ao

uso de tais recursos.

Desta forma, Fleck (2009) defende que o sucesso no desafio da navegação no

ambiente demanda processos que assegurem a captura de valor e a legitimidade

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organizacional através da gestão ativa dos stakeholders e do monitoramento do

ambiente, de suas pressões e tendências, para as quais as respostas adequadas

devem ser executadas. A organização aproxima-se, então, do polo de

autoperpetuação à medida que exerce nível ativo de navegação no ambiente,

enquanto tende a seguir para o polo destrutivo quando atua de maneira passiva

perante as pressões exercidas pelo ambiente.

2.4.4 Integridade organizacional

Fleck (2009) considera a integridade organizacional uma condição necessária

para que a firma construa sua trajetória de autoperpetuação, uma vez que o

crescimento contém ameaças potenciais à longevidade saudável da organização.

Segundo seu ponto de vista, a liderança é responsável pela criação e promoção de

valores organizacionais, mas também o é por sua preservação (FLECK, 2007).

Pressões resultantes do processo de crescimento tendem a promover forças

no sistema social interno à organização que ameaçam a dimensão do estado de

existência organizacional e, ao induzir a fragmentação, podem contribuir para uma

trajetória de autodestruição e declínio (FLECK, 2009). Assim, para a autora, a

integridade organizacional é sustentada pelo desenvolvimento de capacidades a partir

das respostas aos desafios da gestão da diversidade e da provisão de recursos

humanos.

Conforme apresentado a seguir, estes dois desafios envolvem fatores típicos

de sistemas sociais: rivalidade (SELZNICK, 1957), coexistência de subcoalizões

(CYERT & MARCH, 1963) e falha na cooperação (BARNARD, 1938). Ademais,

Penrose (1959) chama atenção para o fato de que relações sociais são desenvolvidas

ao longo do tempo, o que implica que os efeitos de ações nesta vertente também

demandam tempo para seu desenvolvimento. Consequentemente, lidar com aqueles

desafios de maneira satisfatória tem efeito positivo para a integridade organizacional

e impacta positiva ou negativamente o processo de geração de folga, que, por sua

vez, é condição necessária para a ocorrência do outro requisito para a longevidade

saudável, a renovação organizacional (FLECK, 2009).

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2.4.5 Desafio de gestão da diversidade

Firmas em crescimento enfrentam problemas e oportunidades a partir da

diversidade da força de trabalho (PAGE, 2007 apud FLECK, 2009), de elementos

estruturais e também de aspectos de negócio. De fato, o aumento da heterogeneidade

de recursos organizacionais – físicos e humanos – é um efeito intrinsicamente

associado ao processo de crescimento, que necessariamente traz o aumento da

variedade de elementos organizacionais (FLECK, 2016). Como consequência, a

gestão da diversidade é apresentada por Fleck (2009) como um desafio ligado ao

requisito da integridade organizacional perante potenciais conflitos acerca de

alocação de recursos, prioridades e rivalidade (SELZNICK, 1957).

A importância deste desafio é suportada pela observação de Fleck (2014)

acerca da natureza dual da diversidade, que pode ameaçar a sobrevivência

organizacional através do potencial de fragmentação, enquanto também pode

oferecer benefícios a partir de coordenação e integração construtivas de recursos

heterogêneos e, inclusive, sustentar a vantagem competitiva da firma (BARNEY,

1991). Portanto, a diversidade não deve ser eliminada, visto que em si pode conter

sementes para fomentar o crescimento. A organização deve buscar a implementação

de mecanismos de coordenação que estimulem a cooperação interna de modo a

promover a coesão entre os recursos (FLECK, 2009) e, assim, neutralizar a ameaça

à integridade organizacional. A cooperação entre as partes da organização pode

promover economias de escopo (CHANDLER, 1990) e sinergia.

Cyert e March (1963) indicam a firma como uma coalizão de indivíduos. A

pressuposição de que estes indivíduos têm interesses individuais evidencia o

potencial de surgimento de forças de fragmentação à medida que grupos distintos,

com ideais diferentes podem entrar em conflito. Nesta perspectiva, objetivos

organizacionais seriam definidos por meio de acordos entre os indivíduos que

constituem a coalizão.

Contudo, a coalizão fica ameaçada quando membros da organização buscam

autonomia em detrimento da cooperação e a rivalidade se instala. Selznick (1957)

alerta que a rivalidade organizacional pode trazer uma poderosa força que

compromete a integridade do grupo, quando se tem o que Mintzberg (1985) chamou

de arena política.

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Geralmente, quanto maior o tamanho de uma organização, maior o impacto do

poder político dentro desta organização. Segundo Mintzberg (1985), o comportamento

político pode se revelar de maneira disfuncional e repercutir em conflitos duradouros

ou passageiros, que, a depender da sua intensidade e dispersão, tem potencial de

condução da organização ao processo de declínio. Por outro lado, o autor também

reconhece que, uma vez controlados estes mecanismos, estes podem ser conduzidos

de modo a produzir efeitos positivos na organização e atuar com papel funcional de

correção de deficiências e disfunções. Além disso, o sistema político pode

desempenhar papel importante no que diz respeito ao processo de crescimento, dado

que pode promover o debate sobre temas de tomada de decisão, enquanto também

podem facilitar o caminho para a execução de tais decisões e, inclusive, a promoção

de mudanças (MINTZBERG, 1985).

Por esta razão, Selznick (1957) reafirma o papel da liderança na proteção da

integridade organizacional. Para este autor, cabe ao líder conduzir o processo de

infusão de valores, objetivos e práticas organizacionais de modo a construir um

propósito único imbuído de maneira natural na própria estrutura social da organização.

Este processo foi chamado por Selznick (1957) de institucionalização e é formado pela

história da organização, as pessoas que a compõem, sua estrutura e a maneira com

a qual se adapta ao ambiente.

Integração é a palavra chave que orienta respostas ao desafio da diversidade

de modo a promover a sustentabilidade da coesão e da integridade organizacionais.

A implementação de estratégias e mecanismos capazes de construir relações de

ligação a partir de canais de comunicação, forças tarefa e reuniões de alinhamento

entre gestores e departamentos tendem a contribuir para apaziguar conflitos internos

e promover a cooperação. Por outro lado, a fragmentação mal coordenada pode

dificulta o compartilhamento de recursos, o intercâmbio de ideias e efeitos de sinergia

entre as partes, consequentemente abrindo espaço para a busca de autonomia e

possíveis confrontos que minam a coesão organizacional.

2.4.6 Desafio da provisão de recursos humanos

A crescente necessidade de recursos humanos é uma consequência natural

do processo de crescimento e, por isso, prover a organização com recursos humanos

qualificados é um desafio com que organizações precisam lidar para perseguir uma

trajetória de crescimento saudável (FLECK, 2016). Responder adequadamente a este

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desafio é, segundo Fleck (2009) defende, não apenas condição necessária para a

construção da integridade organizacional, mas também para sua manutenção.

As ideias de Penrose (1959) ao tratar de condições internas que limitam o

crescimento da firma seguem a linha semelhante àquela defendida por Cyert e March

(1963) sobre a coalizão de indivíduos e o papel de suas experiências na definição de

objetivos organizacionais. Um time de gestão implica em si senso de unidade, que só

é construído à medida que os indivíduos ganham experiência em trabalhar em

conjunto com os outros indivíduos (PENROSE, 1959) e esta experiência resultante

oferece serviços valiosos e particulares que remetem a vantagem competitivas

(BARNEY, 1991) potencialmente extraídas a partir de mecanismos de coordenação

construtiva e integração (FLECK, 2009).

Neste sentido, a autora argumenta que nenhuma expansão é automática, estes

movimentos tem um propósito e demandam a organização de recursos para que a

consecução daquele fim. Assim, Penrose (1959) explora o fato de que o crescimento

pode ser limitado pela competência dos serviços gerenciais em extrair a melhor

vantagem daquele conjunto de recursos disponíveis para expansão. Ou seja, autora

afirma que o limite para o crescimento deriva da incapacidade da gestão para definir

e melhor executar planos de crescimento - o que Chandler (1962) chamaria

estratégias para o crescimento - dada a maior complexidade que poderia envolver,

dado que a experiência e conhecimento de gestão influenciam velocidade para ajustes

de estrutura devido ao crescimento.

Segundo Penrose (1959), a taxa de crescimento da firma é limitada pela

capacidade desta em expandir a disponibilidade de serviços gerenciais a um ritmo

maior. A organização deve sofrer se sua expansão for mais rápida do que o tempo

necessário para que os indivíduos possam obter experiência necessária para sua

operação efetiva, o que depende de um processo gradual de aprendizagem. Também

o ritmo com que se desenvolve esta experiência é limitado pelos mecanismos

instalados no passado e que levaram à absorção de novo pessoal (PENROSE, 1959).

O descasamento entre a provisão destes serviços gerenciais e a necessidade

dos mesmos pode impedir novas expansões, enfraquecer a integridade

organizacional (Fleck, 2009) e, em casos extremos, até mesmo conduzir a firma à

estagnação (PENROSE). Por isso, Fleck (2009) defende que respostas adequadas

ao desafio da provisão de recursos humanos consistem em equipar a organização

com recursos qualificados consistentemente, o que seria vital para o crescimento

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contínuo (PENROSE, 1959) e continuidade da existência (CHANDLER, 1977). O polo

negativo de respostas estaria, então, associado a ações não antecipadas de

formação, retenção, desenvolvimento e renovação destes recursos (FLECK, 2009). A

não antecipação às necessidades pode representar ameaça aos mecanismos e

práticas que estimulam a coordenação construtiva, em resposta a conflitos e pressões

por fragmentação (FLECK, 2016).

Collins e Porras (1994) também defendem a importância da provisão

antecipada de recursos humanos ao apresentar indícios de que as empresas

intituladas por eles de visionárias buscaram desenvolver processos visando à

continuidade na gestão. A ideia de continuidade, neste caso, converge para o

entendimento de Fleck (2009) sobre os benefícios de antecipação à necessidade de

provisão de recursos humanos sob a ótica de manutenção da integridade

organizacional em paralelo aos estímulos à renovação. Ademais, reforça o papel

fundamental que também tem o planejamento de sucessão para a sustentabilidade e

longevidade saudável de uma organização.

2.4.7 Desafio da gestão da complexidade

O crescimento resulta inevitavelmente no aumento da complexidade

organizacional, isto é, quanto maior uma organização, maior existência de relações

inter e intraorganizacionais (FLECK, 2016). Segundo a autora, a maior complexidade

requer a competência gerencial para resolver problemas dentro e fora dos limites da

firma. O desafio de gestão da complexidade, assim, tem potencial de afetar as

respostas organizacionais aos demais desafios relacionados ao crescimento. A

gestão das questões complexas envolvendo variáveis interdependentes tem potencial

de colocar em risco a existência da organização, como resultado da avaliação

equivocada dos problemas (FLECK, 2009).

A noção de crescente complexidade resultante de movimentos de expansão

remete à tese de que o crescimento requer ajustes estruturais de modo a não produzir

ineficiências econômicas (CHANDLER, 1962). É de se esperar que uma trajetória

evolutiva de uma organização de sucesso pressupõe, então, a habilidade da firma de

promover mudanças estruturais de maneira a resolver problemas e ameaças

decorrentes do crescimento.

Dado que o desafio da complexidade afeta a qualidade das respostas aos

demais desafios do crescimento, Fleck (2009) advoga que a criação de valor em base

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contínua, a captura de valor, a provisão de recursos qualificados e a sustentação da

integridade organizacional são problemas que requerem tratamento sistemático. Tão

maior – e complexa – for a organização, tão mais vital a abordagem sistemática para

resolução de problemas e falhar na sistematização desta abordagem inevitavelmente

resulta na exposição da firma a riscos adicionais à sua existência, seja por

inadvertência a ameaças a sua legitimidade, falha na provisão de recursos ou na

neutralização de pressões de fragmentação (FLECK, 2009).

Adicionalmente, Fleck (2009) pontua que a abordagem sistemática para

resolução de problemas contribui para a promoção de conhecimento e aprendizado.

Processos que promovem o aprendizado organizacional contribuem para a aquisição

de capacitações organizacionais necessárias às respostas satisfatórias dos demais

desafios. Assim, a autora defende o estabelecimento de mecanismos de busca e

desenvolvimento de soluções que promovam adaptações contínuas às mudanças

trazidas pelo crescimento. Soluções ad hoc e a institucionalização do modo de

combate a incêndios, em contrapartida, não estimulam o aprendizado e põem a

organização em perigo (WINTER, 2003 apud FLECK, 2009).

Neste sentido, Fleck (2011) chama atenção ainda para riscos associados à

simplificação organizacional. Para a autora ignorar a complexidade através do foco

em determinados aspectos em detrimento à visão mais ampla da esfera

organizacional pode representar risco à longevidade saudável, inclusive reduzindo a

importância do monitoramento de oportunidades e tendências no ambiente, bem

como a própria capacidade de renovação.

Em suma, respostas adequadas ao desafio da gestão da complexidade

envolvem o aprendizado contínuo como norteador de processos sistemáticos de

resolução de problemas. Estes abrangem a forma como a organização executa a

coleta de dados, análise, tomada de decisão e implementação. Por outro lado, o

tratamento ad hoc dos problemas não protege a organização das ameaças, tampouco

possibilita a geração de folga organizacional através do aprendizado, não

contribuindo, assim, para respostas aos demais desafios que conduzam ao polo de

autoperpetuação (FLECK, 2009).

2.4.8 Folga organizacional

A forma com que os estados de existência organizacional afetam o processo

de crescimento está relacionada à disponibilidade de folga de recursos

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organizacionais, serviços empreendedores e gerenciais, bem como sua dinâmica ao

longo do tempo (PENROSE, 1959).

A folga é caracterizada por todos os recursos excedentes àqueles demandados

por necessidades operacionais a um certo nível de desempenho (FLECK, 2009).

Segundo a autora apresenta, a noção de folga organizacional abrange categorias de

recursos tais quais pessoal, ativos, marca, reputação, dentre outros, e assume

variadas funções: manutenção de coalizões, fomentar a inovação e até alimentar

disputas políticas (BOURGEOIS, 1981 apud FLECK, 2009). Para a autora, a gestão

da folga tem consequências sobre ambas as condições necessárias para a

longevidade saudável, afetando assim a propensão à trajetória organizacional de

autoperpetuação.

Fleck (2003) discute o conceito aludido por Penrose (1959) quando trata dos

serviços e recursos não utilizados e disponíveis que representam o desequilíbrio

produtivo, base para as oportunidades de crescimento. A autora incorpora também o

sentido conotado por Chandler (1977) de subutilização de recursos, o que implica

ineficiência organizacional.

Desta forma, Fleck (2009) apresenta uma relação de retroalimentação entre a

folga e o crescimento. Algumas categorias de recursos são requeridas antes da

expansão, sua disponibilidade afeta a velocidade e efetividade destes movimentos

(PENROSE, 1959) e, assim, a folga destes recursos permite a inovação e exploração

– exploitation e exploration (MARCH, 1991). Por outro lado, à medida que o processo

de crescimento implica novo conjunto de recursos excedentes (PENROSE, 1959;

CHANDLER, 1977), este também tem potencial de gerar folga e fomentar novas

expansões, provocando a ativação do motor do crescimento contínuo (FLECK, 2003).

Portanto, segundo advoga Fleck (2003), gerir os motores do crescimento

contínuo de uma firma requer um posicionamento adequado quanto à utilização de

recursos, uma vez que sua completa otimização poderá inibir ou dificultar expansões

futuras. Enquanto a subutilização de recursos representa estímulo ao crescimento em

resposta a pressões por eficiência, através de economias de escala ou de escopo

(CHANDLER, 1977), excesso de folga pode mascarar ineficiências operacionais e, ao

mesmo tempo, prejudicar a coordenação administrativa. A folga constitui condição

necessária ao crescimento da firma e o desafio gerencial reside em equacionar os

níveis de folga compatíveis com objetivos de produtividade e crescimento

simultaneamente (FLECK, 2003).

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A folga também impacta a integridade organizacional positiva ou

negativamente (FLECK, 2009). Efeitos benéficos sugeridos pela autora são o

desenvolvimento e implementação de mecanismos de coordenação e integração,

enquanto os efeitos prejudiciais remetem à promoção da desintegração

organizacional pelo excessivo uso da folga para manutenção da coalizão, ou a batalha

política disfuncional por recursos escassos.

Ao longo do processo, o consumo da folga pode resultar em produção de mais

folga ou consumo do excesso de recursos disponíveis. A depender da forma como a

gestão vai lidar com este crédito de recursos organizacionais, que supera o nível

requerido pela operação em padrão regular, este crédito pode atuar positiva ou

negativamente sobre o mecanismo central do sucesso em longo prazo. Assim, este

excesso pode representar desperdício e, contrariamente aos benefícios da folga

organizacional, ativar mecanismos de deterioração (FLECK, 2009).

A Figura 2-4 resume os potenciais construtivo e destrutivo que o excesso de

recursos decorrente do crescimento podem gerar e sua influência sobre os requisitos

da performance e sobrevivência de longo prazo.

Figura 2-4 -Mecanismo central da performance e sobrevivência em longo prazo.

Fonte: Traduzido e adaptado de Fleck (2014).

2.5 A institucionalização e a longevidade organizacional

No que concerne à teoria institucional, Selznick (1957) é apontado como um

dos precursores do institucionalismo, aderente ao que veio a ser chamado de old

institucionalism (FLECK, 2007a), que enfatiza a institucionalização de processos

organizacionais. Ao trabalhar a questão de como a mudança institucional é produzida

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por e, em troca molda, as interações entre indivíduos, em situações de dia a dia, o

autor afirma que o executivo se torna um estadista à medida que ocorre a transição

entre a administração organizacional e a liderança institucional, cuja responsabilidade

última extrapola o tecnicismo da gestão no sentido da manutenção da integridade

institucional.

Neste contexto, o autor distingue uma organização de uma instituição e afirma

que o processo de transformação daquela nesta é chamado de institucionalização.

Segundo sua visão, uma organização seria um sistema formal de regras e objetivos,

projetados como um instrumento técnico para coordenar atividades e alcançar metas.

Por outro lado, para Selznick (1957), uma instituição seria o produto natural de anseios

e necessidades sociais dos indivíduos que formam uma estrutura social imbuída de

valores e que tornam o conjunto de atividades e funções um organismo adaptável e

responsivo. Enquanto a primeira é prescindível e de fácil substituição, uma instituição

tem um caráter próprio que molda suas ações e a torna indispensável, o que favorece

a sua manutenção ao longo do tempo (FLECK, 2007a).

Segundo Selznick (1957) propõe que a institucionalização é o processo no qual

o caráter organizacional é formado. Este, segundo Oliver (1992), é um processo

dirigido à geração de conformidade organizacional e está associado ao

desenvolvimento da estrutura social da firma, que emerge a partir da repetição de

modos de resposta às pressões internas e externas e estes cristalizam em padrões

definidos e legítimos (SELZNICK, 1957). Segundo o autor, a institucionalização da

firma e suas práticas é produto de sua evolução histórica e é elemento essencial para

que a estabilidade e permanência sejam promovidas na firma, uma vez que uma

organização torna-se uma instituição através da infusão de valores e da criação da

identidade da organização enquanto um grupo. Também para Selznick (1957), quão

mais desenvolvida a estrutura social interna, tão mais a organização terá valor

institucional no atendimento às aspirações e à integridade do grupo de indivíduos que

a formam. Neste sentido, o autor defende ainda que cabe à liderança institucional

guiar este processo para a efetiva incorporação de objetivos e padrões desejáveis.

Para o autor, quatro noções são implícitas ao processo de institucionalização.

O desenvolvimento de padrões históricos e recorrentes de respostas às pressões

internas e externas corresponde a seu caráter, constituído de valores que conferem

identidade organizacional. Ademais, a legitimidade das atividades de uma instituição

é obtida a partir da aquisição de competências, ou seja, dos elementos que a tornam

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distinta ao longo do processo histórico, durante o qual sua integridade sustenta a

estabilidade institucional. Logo, tem-se uma forte relação entre o caráter

organizacional e o senso de automanutenção, que implica comprometimento dos

indivíduos e promove coesão. Nesse sentido, uma técnica de grande eficácia é a

criação de mitos socialmente integradores, que colaboram para a sobrevivência desse

organismo social (SELZNICK, 1957).

Oliver (1992) chama atenção para o fato de que, embora valores

institucionalizados permitam maior previsibilidade e estabilidade nas configurações de

trabalho, eles restringem mudanças organizacionais fundamentais, o que vai ao

encontro do que Fleck (2007a) chama de efeito ambivalente da institucionalização

sobre o sucesso organizacional de longo prazo. Segundo a autora, ainda que a

estabilidade e persistência sejam fundamentais para fomentar longevidade, este

processo não conduz necessariamente à eficiência no longo prazo, uma vez que

resulta em rigidez e resistência à mudança. Uma organização menos flexível, por

outro lado, imporia dificuldades à atualização de sua vantagem competitiva, uma

consequência negativa sobre a capacidade de renovação organizacional, que é

condição necessária para a vantagem competitiva de longo prazo. A Figura 2-5 ilustra

estes efeitos.

Figura 2-5 - O efeito do processo de institucionalização sobre o sucesso no longo prazo.

Fonte: Traduzido de Fleck (2007a).

Para Oliver (1992), a persistência de práticas e processos institucionalizados

criam raízes no caráter ‘tido como certo’ daquela forma como se desenvolve

determinada atividade. Fleck (2007b) adiciona que a inércia, rigidez organizacional e

resistência à mudança, ao impedir a renovação e eficiência, contribuem

negativamente para o mecanismo que envolve o esforço persistente para o

crescimento e a criação de vantagens competitivas sustentáveis, o motor do

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crescimento contínuo proposto por Fleck (2003). Ocorre que o estabelecimento de

vantagens competitivas sustentáveis em longo prazo requer o desenvolvimento e a

renovação de capacidades específicas da firma, e organizações que conseguem fazê-

los de maneira continuada estão mais propensas a usufruir das vantagens

competitivas de longo prazo, a partir da criação e captura de valor e garantindo

respostas positivas aos desafios do empreendedorismo e da navegação no ambiente

(FLECK, 2007a). Por isso, a autora defende que o processo de institucionalização

deve abranger o desenvolvimento de capacidades dinâmicas que possibilitem a

renovação de rotinas e práticas institucionalizadas, de modo a responder às

mudanças internas e externas decorrentes do processo de crescimento, ou do próprio

ambiente competitivo.

Logo, a institucionalização de capacidades dinâmicas e de aprendizado no

contexto da firma possibilita esta compensar a rigidez gerada pelo processo de

institucionalização. Por consequência, a firma faz-se menos propensa ao fenômeno

da inércia ativa, segundo o qual, em nível estratégico, a empresa torna-se incapaz de

reagir adequadamente a mudanças. Este fenômeno é destacado por Sull (1999) como

causa de declínio para muitas firmas de sucesso, uma vez que se relaciona com a

persistência da empresa em seguir com suas práticas institucionalizadas, mesmo que

sinais claros de mudanças tenham sido identificados. Para Sull (1999), a inércia ativa

pode ser evitada e remediada a partir de mudanças nas rotinas, práticas, estratégia e

estrutura da firma.

Neste contexto, cabe destacar que Selznick (1957) aponta a possibilidade de

ocorrência de mudanças adaptativas e evolução organizacional, com a emergência

de novos padrões e declínio de velhos, não como um plano, mas a partir de

adaptações não planejadas a novas situações. Isto converge para o que Oliver (1992)

chama de processo de desinstitucionalização, que representa a erosão ou

descontinuidade da legitimidade de práticas organizacionais institucionalizadas. A

autora propõe como determinantes deste processo mecanismos políticos, sociais e

funcionais.

Apesar de reconhecer como antecedentes do processo de

desinstitucionalização fatores internos e externos à organização, Oliver (1992) não

parece defender o determinismo do ambiente, condição segundo a qual a firma seria

refém de pressões institucionais, cuja única saída seria a conformidade e aceitação.

Esta concepção é citada por Fleck (2007a) como um resultado da aderência gerencial

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ao isomorfismo institucional produzido pela institucionalização no ambiente

competitivo, conforme defendem estudiosos do chamado new institucionalism.

Os autores convergem para o fato de que a desinstitucionalização, de práticas

não seria per se prejudicial à firma, desde que esta seja uma escolha estratégica de

sua liderança, por exemplo, para compatibilização de práticas com novas realidades.

Parece haver consenso também para o papel crucial que a liderança exerce na gestão

dos efeitos gerados quer pelo processo de institucionalização, quer pela erosão da

legitimidade de práticas institucionalizadas.

Selznick (1957) afirma que o líder institucional enquanto guia no processo tem

a tarefa de testar o ambiente para identificar ameaças reais, alterar o ambiente a partir

de fontes de suporte externas à organização e envolver a organização de modo a

protegê-la de ataques. Fleck (2007a) acrescenta que cabe ao líder desenvolver as

capacidades dinâmicas e de aprendizado mencionadas anteriormente, de modo que

a mão visível do gestor promova equilíbrio entre estabilidade e mudança e que, assim,

possa-se preservar a integridade institucional sem comprometer as condições de

renovação consistente das rotinas organizacionais e sua relação com o ambiente.

Assim, Fleck (2007a) distingue dois modos de gerir o processo de

institucionalização e seus resultados: ativa e reativa. O modo ativo observa a

institucionalização como um instrumento de perpetuação saudável e procura

neutralizar efeitos colaterais, a partir do protagonismo da liderança no processo. O

líder assume, segundo a autora, postura ativa na formação de mitos e valores,

proteção da integridade organizacional e sua capacidade de renovação, mas

sobretudo imprimindo à organização atitude de aprendizado organizacional baseado

na abordagem sistemática à resolução de problemas e na perspectiva sistêmica da

firma vis-à-vis seu ambiente relevante (FLECK, 2007a). Por outro lado, o modo reativo

enfatiza a conformidade do corpo gerencial quanto aos efeitos do processo de

institucionalização, permitindo a instauração de uma estrutura rígida que bloqueia

eventuais mudanças.

Outro aspecto relevante no tocante ao papel da liderança apresentado por

Fleck (2007a) diz respeito a sua atuação sobre a conformação do ambiente. A autora

apresenta as contribuições do new institucionalism no que tange o processo de

institucionalização da indústria e o potencial isomorfismo institucional fruto da imitação

de elementos de sucesso de outros (i), exigências normativas (ii) e adoção coercitiva

de práticas. Contudo, a autora destaca evidências por ela encontradas da influência

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que a ação gerencial tem sobre a estrutura setorial e as práticas de captura de valor

pela indústria, o que converge para o que defende Oliver (1992). Este fato, aliás,

relaciona-se com o outro motor do crescimento apresentado por Fleck (2003), o motor

da coevolução, segundo o qual a cooperação entre firmas de uma mesma indústria é

o mecanismo pelo qual se chega à padronização, condição necessária para que a

capacidade de crescimento se desenvolva. O reconhecimento de tal mecanismo

converge para a necessidade de a liderança responsável manter relações estáveis

com a comunidade da qual sua organização faz parte, o que pode ocorrer através da

participação em associações comerciais e outros dispositivos de autorregulação

(SELZNICK, 1957).

Estudar uma organização como uma instituição, conforme aponta Selznick

(1957), significa analisar a sua história e a influência do ambiente social sobre ela, em

que se enfatiza suas origens históricas e estágios de crescimento. Há, segundo esta

perspectiva do autor, uma necessidade de olhar a firma como um todo e observar

como evolui sua interação com o ambiente em transformação. Assim, parece ser

imprescindível tal abordagem quando se parte para a perspectiva de crescimento

orientada a processo.

2.6 Empresa familiar

De acordo com Siebels e zu Knyphausen-Aufseß (2012), a literatura apresenta

duas correntes teóricas para a caracterização de uma empresa familiar. A primeira, a

abordagem de componentes de envolvimento, parte da ideia de que há a interação

entre dois subsistemas, a família e o negócio, de forma que o envolvimento dos

componentes destes subsistemas influencia a gestão do negócio. A essence

approach, por sua vez, está associada à noção de que a natureza familiar é o que

torna este tipo de organização ímpar e determina certos padrões de comportamento

específicos.

Assim, segundo a abordagem de componentes de envolvimento, a natureza e

extensão do envolvimento familiar definem uma empresa familiar, a partir da

combinação de três elementos, sejam eles propriedade, gestão e governança (CHUA

et al., 1999). A empresa familiar é produto da interação entre os dois subsistemas

família, onde ocorrem as relações afetivas e os papeis familiares são exercidos, e o

negócio, associado à divisão de responsabilidades executivas e decisórias (TAGURI

& DAVIS, 1996; SHARMA & SALVATO,2013). Adicionalmente, Fleck (2009)

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apresenta um entendimento que separa o sistema negócio em dois outros

subsistemas: a firma, constituído por dimensões de ordem econômica, ligadas às

tarefas de gestão, produtos e mercados; e a organização, em que dimensões

relacionadas à estrutura social tem preponderância. Esta interação é representada na

Figura 2-6 e caracteriza a firma familiar entre as condições seguintes:

I. a empresa é propriedade de uma família, detentora da totalidade ou da

maioria das ações ou cotas, de forma a ter o seu controle econômico;

II. a família tem a gestão da empresa, cabendo a ela a definição dos

objetivos, das diretrizes e das grandes políticas;

III. a família é responsável pela administração do empreendimento, com a

participação de um ou mais membros no nível executivo mais alto.

Figura 2-6 - Subsistemas da empresa familiar.

Fonte: Sharma e Salvato (2013)

Dentro da abordagem teórica convencionalmente denominada de essence

approach (CHUA et al. 1999; HABBERSHON et al., 2003), Chua et al. (1999) definem

empresa familiar como a empresa governada ou gerida com a intenção de moldar e

perseguir a visão de negócio de uma coalizão dominante, controlada por membros de

uma família ou de um pequeno número de famílias, de maneira potencialmente

sustentável entre gerações da família, ou das famílias que a controlam. Para os

autores, duas são as condições necessárias para que uma organização seja

considerada empresa familiar:

I. A coalisão dominante que institui mudanças é controlada por membros

da família;

II. A visão de negócio continua a operar como veículo para atingir um

estado futuro desejado pela família.

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A literatura apresenta uma gama de diferentes abordagens teóricas que

investigam a natureza das organizações familiares e o impacto desta em sua

performance e comportamento organizacionais (MELLIN et al., 2013). O que torna

uma empresa familiar ímpar é como seu padrão de propriedade, governança, gestão

e sucessão influencia os objetivos da firma, sua estratégia e estrutura e a maneira

como estas são formuladas, desenhadas e implementadas (CHUA et al., 1999). Tal

perspectiva está intimamente associada ao fato de que organizações costumam ter

valores fortes compartilhados, frequentemente originados a partir da visão do

fundador, e tradições que ajudam a trazer a lealdade dos funcionários. Estes fornecem

diretrizes para processos de formulação estratégica (WARD, 2011).

Uma abordagem constantemente utilizada para o estudo de organizações

familiares é aquela ligada à abordagem baseada em recursos, ou resource-based

view (BARNEY, 1991). Aplicada ao caso da organização familiar, a RBV enfatiza os

benefícios do envolvimento familiar através da identificação de recursos e

capacidades distintos (SIRMON & HITT, 2003), de modo que a natureza familiar em

si constitui fonte de vantagem competitiva. O conceito de familiness a partir do

conjunto de recursos provenientes da interação entre a família e a firma, reforça o

entendimento de que uma série de atributos característicos de organizações familiares

podem lhes conferir vantagem competitiva, segundo Guíllen e García-Canal (2013):

Capital humano específico: empresas familiares detém maiores níveis

de conhecimento específico graças ao envolvimento precoce de

membros da família, o que facilita transferência de expertise;

Capital social: empresas familiares beneficiam-se da rede de

relacionamento de familiares membros e do seu comprometimento de

longo prazo;

Capital paciente: a orientação de longo prazo de famílias controladoras

implica independência e liberdade para decisões estratégicas em

detrimento de pressões por resultado de longo prazo;

Baixos custos de governança: estes são resultados da identificação

entre proprietários e controladores.

Contudo, organizações familiares estão contidas em contextos sociais

específicos, nos quais que eventos de transição, a exemplo de casamentos ou

nascimento de herdeiros, contribuem para o dinamismo da interação entre família e

firma (RANDERSON et al., 2015). É de se esperar que a interação entre a família, o

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negócio e a organização exerce forte influência sobre a sustentabilidade da firma, uma

vez que e pode ser fonte de sinergia ou origem de conflitos, conforme indicam

Randerson et al. (2015). Apesar disso, Mellin et al. (2013), afirmam serem os efeitos

do contexto familiar frequentemente ignorados por acadêmicos direcionados a

investigar diferenças e potenciais vantagens, ou desvantagens, deste tipo de

organizacional comparativamente a empresas não-familiares.

Cabe destacar o que comentam por Gomez-Mejia et al. (2011) sobre ser tênue

o limite entre família e firma no contexto das organizações familiares. Neste sentido,

os autores destacam que uma característica distinta das firmas familiares é a forma

peculiar com que valores da própria família permeiam estas organizações, através da

cultura organizacional que se constitui poderoso driver de negócio por gerações. Tal

percepção converge com a visão de muitos autores segundo a qual há o desejo da

família de infundir seus valores na organização, o que conduz ao processo de

formação do caráter organizacional, ou institucionalização (SELZNICK, 1957).

Assim, o sucesso ou fracasso da firma depende precisamente da maneira

como sua liderança explora o que Taguri e Davis (1996) chamaram atributos

ambivalentes da organização familiar, estes característicos da estrutura social

condicionada pela interação dos dois sistemas. Os objetivos da organização,

conforme indicam Gomez-Mejia et al. (2011) podem não ser puramente econômicos,

ao considerar o que se chamou socialemotional wealth, ou seja, aspectos não

econômicos dos negócios, segundo os quais a coalizão familiar dominante é

susceptível a ver potenciais ganhos ou perdas na riqueza “sócio-emocional” como seu

principal quadro de referência na gestão da empresa.

No que tange a temática do crescimento, é interessante o paralelo que se

estabelece com o arcabouço teórico centrado no modelo dos arquétipos de sucesso

e fracasso organizacional (FLECK, 2009). Se por um lado a literatura destaca a

propensão à constituição de um senso de propósito e identidade (TAGURI & DAVIS,

1996; GOMEZ-MEJIA et al., 2011), à medida que crescem os subsistemas família e

organização, pressões de fragmentação podem ameaçar a integridade e promover

conflito.

Cedo ou tarde a transmissão entre gerações acontecerá e a sucessão em

empresas familiares ganha especial relevância, à medida que se torna um processo

causador de mudanças ambos na organização e na família. Neste sentido, à medida

que a firma familiar cresce e amplia o envolvimento de gerações de familiares, tensões

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e perigos podem surgir (COLLI, 2013). Tal condição é aludida por Ward (2011) quando

comenta ser preferível que os valores fundamentais que guiam a visão da família

sejam preservados como diretrizes estratégicas da firma, ao longo dos três estágios

de evolução da propriedade da firma familiar, a saber: owner-managed, sibling

partnership e cousin collaboration.

Sob tal perspectiva, a longevidade da firma familiar está associada à sua

capacidade de garantir continuidade ao longo de gerações, o que fortalece a

integridade organizacional, condição necessária para o crescimento saudável

(FLECK, 2009). Contudo, a sustentabilidade entre gerações não depende apenas da

continuidade, mas também da capacidade de as novas gerações perpetuarem o

empreendedorismo característico das gerações fundadoras, dado que a criação de

valor é fator crítico do sucesso da firma (CRUZ et al., 2012) e condição necessária

para a trajetória de autoperpetuação (FLECK, 2009).

Logo, tanto maior será a propensão ao sucesso de longo prazo da firma

familiar, quanto maior for a capacidade da família de transmitir às gerações futuras a

capacidade de lidar com o trade off entre adaptação e continuidade (SHARMA &

SALVATO, 2013). Enquanto a firma detiver ativos tácitos, tais quais

comprometimento, confiança e reputação, e consegui-los preservar entre gerações,

as chances de sobrevivência e crescimento são potencializadas, à medida que estes

tem potencial de gerar o desequilíbrio necessário para ativar o crescimento contínuo

e também preservar a integridade da organização.

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3 MÉTODO

O presente capítulo é dedicado à caracterização dos quatro pilares sobre os

quais se sustenta o processo de pesquisa empírica (FLECK, 2015). Estes pilares são

o objeto de pesquisa, a pergunta de pesquisa, o referencial teórico e o método. Cada

um destes tem sua relevância para o processo desenvolvido e conjuntamente

interagem de maneira dinâmica sem necessariamente exigir uma sequência rígida, e

em muitos casos esses elementos são desenvolvidos simultânea e interativamente

(FLECK, 2015).

3.1 Objeto e pergunta de pesquisa

Conforme aborda Fleck (2015), a literatura sobre crescimento organizacional,

sucesso e declínio é bastante abrangente. Por isso, a autora sugere partir de um

fenômeno norteador que envolve dilemas enfrentados por gestores para a definição

de um tema de pesquisa capaz de incentivar a provisão de conhecimento relevante,

mas também que contenha elementos motivadores ao pesquisador.

Neste contexto, a motivação para o desenvolvimento deste trabalho surgiu a

partir dos primeiros contatos do pesquisador com a linha de pesquisa proposta por

Fleck (2009), que parte dos desafios relacionados ao processo de crescimento para

investigar a longevidade saudável de organizações. Definiu-se, então, como tema a

ser abordado nesta pesquisa o crescimento de organizações familiares, alternativa

identificada com potencial de contribuição à referida linha de pesquisa.

Optou-se, assim, por analisar a trajetória de crescimento de uma organização

familiar a que o entrevistado tinha acesso facilitado. A partir da coleta de dados em

campo e, ao confrontar o modelo dos arquétipos de sucesso e fracasso de Fleck

(2009) com os resultados da investigação do arcabouço teórico acerca do tema de

empresas familiares, decidiu-se explorar como a organização tem respondido aos

desafios enfrentados ao longo de sua trajetória. Assim, chegou-se ao seguinte

questionamento: De que maneira a inter-relação família-organização pode

impactar os requisitos para a renovação e continuidade de existência em

empresas familiares?

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Para responder a essa pergunta, foi utilizado o arcabouço teórico de Fleck

(2009) e o seu modelo de requisitos para o desenvolvimento organizacional e

propensão à autoperpetuação. Ademais, recorreu-se à literatura de empresas

familiares, de maneira a buscar contribuições para úteis à análise da interação entre

a família e a organização e as consequências que esta implicou nos desafios do

crescimento, ao longo do tempo.

3.2 Método de pesquisa

A partir da definição do tema e pergunta de pesquisa, percebeu-se ser a análise

longitudinal do objeto o caminho indicado para se atingir os objetivos a que este

trabalho se propôs. Um estudo de base histórica parece ser a ferramenta adequada

para a identificação dos mecanismos e padrões que auxiliam na compreensão para o

estado atual da empresa.

Este trabalho foi desenvolvido com base em um estudo qualitativo, uma vez

que esta abordagem é a mais indicada para a investigação em profundidade, com a

compreensão das ações e eventos dentro de seu contexto de utilização (MYERS,

2009). Este trabalho tem também natureza explanatória, segundo a qual buscou-se

explicar os padrões identificados à luz das proposições teóricas que nortearam a

coleta e análise de dados, de modo que se pudesse estabelecer relações entre as

variáveis no objeto de estudo (GIL, 1993).

Para tal foi aplicado uma metodologia de estudo de caso, que teve como objeto

de análise uma organização única e específica. De natureza empírica, o estudo de

caso requer a coleta de dados durante um período definido de tempo, o que significou

a realização de observações sobre o objeto e, sempre que possível, buscou-se coletar

evidências a partir dos dados disponíveis (CRESWELL, 2014).

Foi, então, usada uma estratégia narrativa, que compreende a construção de

um histórico detalhado a partir dos dados brutos coletados. Ademais, procedeu-se à

periodização do histórico relatado, ou seja, a divisão da trajetória da empresa em

períodos distintos e a partir de eventos cronológicos, de maneira a promover a melhor

organização dos dados e facilitar a análise. Recorreu-se ainda à elaboração de mapas

visuais, úteis para a identificação de padrões e relações entre eventos ao longo do

tempo.

Assim, foram levantados e analisados eventos referentes às atividades

desenvolvidas pela organização desde o momento de sua fundação, até o período

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mais recente de sua história. Por outro lado, foram levantadas também informações

acerca ambiente relevante, com vistas à contextualização dos movimentos da

organização frente às condições externas.

Esta estratégia de pesquisa segue a linha do que propõe Fleck (2014) ao

defender a importância de estudos de base histórica para o que a autora denominou

abordagem panorâmica de estratégia. Através deste método de pesquisa

desenvolvido por Fleck (2014) para estudar a longevidade das organizações, busca-

se partir de eventos históricos para uma análise abrangente a partir da integração do

conhecimento disponível no campo de conhecimento da estratégia. Assim, a autora

defende que tal abordagem reconhece e endereça a natureza dual dos fenômenos

organizacionais, a partir de múltiplos aspectos e níveis de análise – ambiente e

organização, por exemplo.

A pesquisa se norteou em duas fontes básicas de informação: dados

secundários, coletados a partir de várias referências, principalmente acerca do

ambiente relevante, e dados primários, obtidos a partir de entrevistas com funcionários

da organização e membros da família com envolvimento na gestão.

3.3 Coleta de dados

Em um primeiro momento a coleta de dados foi realizada com o intuito de

mapear os principais eventos históricos relacionados à trajetória da empresa, do setor

elétrico brasileiro e do principal cliente da organização. Contudo, o levantamento de

dados secundários não seguiu necessariamente uma ordem cronológica, uma vez

que foi feita uma pesquisa em distintas fontes, que, em muitas situações, continham

relatos de períodos diversos e em níveis de aprofundamento também distintos.

Embora tenha sido possível obter alguns dados relativos à história da

organização em documentação própria da empresa, como por exemplo contratos

antigos, balanços patrimoniais, dentre outros documentos armazenados no arquivo

da firma, os dados coletados não construíam uma linha cronológica efetiva dos

acontecimentos relevantes. Por este motivo, recorreu-se também a dados primários,

obtidos a partir de entrevistas com profissionais envolvidos com a organização, para

a elaboração da narrativa aqui apresentada.

Resultado diferente teve a atividade de coleta de dados relacionados ao

ambiente em que a organização está inserida. Estes estiveram disponíveis com

relativa facilidade em sites institucionais, artigos acadêmicos e também na mídia. Esta

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atividade retornou resultados satisfatórios, que contribuíram para a análise da

dinâmica do ambiente e suas dimensões e, assim, permitiu a identificação de

elementos importantes para o arcabouço histórico. Contudo, não foi possível realizar

entrevistas com outros agentes externos a organização.

Já num segundo momento, procedeu-se à coleta de dados primários a um nível

maior de aprofundamento. Foram entrevistas abertas, conduzidas de forma

espontânea, sem roteiro, porém baseadas em perguntas amplas sobre a experiência

dos entrevistados na organização. Outros temas foram abordados e questionamentos

foram surgindo à medida que os entrevistados relatavam suas percepções acerca do

que se interrogava.

No total, foram entrevistadas dez pessoas, algumas delas sendo entrevistadas

em mais de um momento. Entre os entrevistados estavam funcionários, ex-funcionário

e membros da família com envolvimento direto na gestão da empresa. O Quadro 3-1

apresenta relação de todos os entrevistados para coleta de dados primários.

# Área de atuação Período Envolvimento familiar

Tempo total de entrevista

1 Diretoria 1974 – 2015 Sim 04:15:05

2 Diretoria 1988 – 2015 Sim 03:13:04

3 Diretoria 1990 – 2015 Sim 03:10:39

4 Supervisão 1993 – 1996 2001 – 2015

Não 00:57:35

5 Supervisão 2002 – 2015 Não 01:05:43

6 Supervisão de Frota 2005 – 2013 2015

Não 00:37:06

7 Gerência – Financeiro 2011 – 2015 Não 01:20:38

8 Gerência – RH/Pessoal 1995 – 2015 Não 01:12:17

9 Gerência 1991 – 2011 Sim 02:24:25

10 Encarregado de Equipe (campo)

1988 – 2015 Não 00:40:00

Quadro 3-1 - Relação dos entrevistados.

Por motivos de distância geográfica entre o entrevistador e os entrevistados,

algumas das entrevistas foram feitas remotamente, através do Skype. Porém, todas

elas foram gravadas com o conhecimento prévio do entrevistado e sua autorização.

Posteriormente, todas elas foram transcritas na íntegra pelo autor e trechos relevantes

foram destacados e utilizados para análise, conforme será descrito na próxima

secção.

Uma planilha de fatos e dados foi elaborada como meio de sintetizar as

principais observações, bem como as evidências que as suportavam também

estiveram contidas neste documento. Este banco de dados que reuniu as informações

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mais relevantes acerca da temática e do objeto estudado foi resultado do processo de

coleta de dados e teve significante utilidade para a etapa posterior.

3.4 Análise dos dados

Finda a etapa de coleta da dados e transcrição de todas as entrevistas, teve

início a etapa de análise dos dados obtidos. O elemento básico para a realização

desta etapa de trabalho foi a mencionada planilha de fatos e dados, que continha

todos os fatos, dados e trechos de entrevistas considerados relevantes para a

elaboração da análise.

Para tal, cabe também destacar, fez-se a categorização dos dados segundo as

dimensões dos cinco desafios relacionados ao processo de crescimento, conforme

sugere Fleck (2009). A análise longitudinal dos dados levantados à luz da teoria

relacionada aos arquétipos de sucesso e fracasso de uma organização, em paralelo

a temas abordados pela literatura de empresas familiares, foi possibilitada pela

utilização de três das estratégias propostas por Langley (1999). Estas são

apresentadas no Quadro 3-2.

Após a categorização dos fatos e dados, buscou-se avaliar cada dimensão dos

desafios do crescimento (FLECK, 2009), de modo que fosse possível a identificação

de padrões de respostas organizacionais àqueles desafios. A partir da análise isolada

dos desafios e, posteriormente, da integração destes com os requisitos da

longevidade saudável propostos por Fleck (2009), tentou-se analisar a ocorrência ou

não da propensão saudável ao sucesso de longo prazo da organização.

Estratégia Descrição

Estratégia Narrativa

Envolve a construção de relato histórico detalhado a partir de dados brutos, que permite a contextualização da situação observada para o leitor.

Estratégia de Mapas Visuais

Representações gráficas que possibilitam a síntese de dados, permitindo a visualização de uma série de dimensões e processos paralelos ao longo do tempo. Contribuem em processos intermediários entre os dados brutos e a conceituação teórica, ajudando na identificação de padrões e relações entre eventos.

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Estratégia de Periodização

Envolve a decomposição do histórico em períodos sucessivos que, ainda que sem significância teórica, permitem a estruturação da descrição dos eventos. Permite a formação de unidades comparativas de análise, reunir dados em séries discretas de bloco de dados, o que contribui para a identificação de mecanismos ao longo do tempo.

Estratégia de Quantificação e Plotagem Gráfica

Envolve a análise de séries temporais de dados que contribuem como indicadores quantitativos para a informações de caráter descritivo. Estes indicadores podem ser plotados graficamente para a construção de curvas longitudinais, o que contribui para enriquecer a análise.

Quadro 3-2 - Estratégias para análise de dados em abordagem de processo.

Fonte: Baseado em Langley (1999).

Por outro lado, recorreu-se ao indicador de tamanho proposto por Fleck (2009)

para a avaliação da trajetória de crescimento da organização em perspectiva

longitudinal. Assim, para a elaboração da curva de crescimento, utilizou-se como

sistema relevante a própria economia brasileira, através do seu Produto Interno Bruto.

O cálculo do indicador a cada período a partir da aplicação da Equação 3-1, tendo

sido possível apenas para os anos cujos resultados contábeis estiveram disponíveis,

notadamente a partir do ano de 1983.

𝑇𝑎𝑚𝑎𝑛ℎ𝑜𝑖 = 𝑅𝑒𝑐𝑒𝑖𝑡𝑎 𝐵𝑟𝑢𝑡𝑎𝑖

𝑃𝐼𝐵𝑖

Equação 3-1 - Fórmula de cálculo de indicador de tamanho.

Fonte: Fleck (2009).

A periodização, por sua vez, possibilitou a distinção de dois momentos distintos

da trajetória organizacional. Tal divisão permitiu a identificação de diferentes

respostas aos desafios do crescimento, bem como também evidenciou diferentes

características quanto aos elementos estrutura e ambiente.

3.5 Limitações do estudo

A organização objeto deste trabalho é uma organização familiar com atuação

local, o que implica em certas restrições à disponibilidade de material secundário que

trata especificamente de sua história ou trajetória. Ademais, a própria empresa não

dispõe de centro de documentação ou arquivo organizado onde poderia ser

encontrada extensa gama de documentação própria com riqueza de detalhes sobre

os principais eventos ao longo de sua existência.

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Por isso, no que tange a coleta de dados direta do objeto de estudo, tiveram

maior peso no processo como um todo os dados obtidos a partir das entrevistas.

Ocorre que, dado o contexto de envolvimento dos entrevistados, é possível que haja

perda de exatidão das informações relatadas, motivo pelo qual buscou-se, sempre

que possível, confrontar opiniões e relatos de diferentes entrevistados acerca dos

mesmos fatos ou dados, a partir das evidências identificadas nas transcrições das

entrevistas, o que compreendeu técnica de triangulação para garantia da qualidade

dos dados (FLECK, 2014).

É também fator limitante o fato de terem sido priorizados entrevistados com

envolvimento ativo na organização, no momento da coleta de dados, por motivos de

facilidade de acesso. Assim, a pesquisa basicamente teve contato com percepções

relacionadas a dois grupos de stakeholders: funcionários não familiares e a própria

família. Houve ainda a tentativa de colher dados a partir do stakeholder cliente, o que

não foi possível devido a diretrizes internas daquela companhia.

Ademais, cabe ressaltar aqui que foge ao escopo deste trabalho análises

quanto ao desempenho e capacidade técnica da firma. O foco deste estudo é

estritamente a análise do padrão de respostas aos desafios inerentes ao crescimento

e, por consequência, ao mecanismo central da longevidade saudável de uma

organização, prisma de análise importante para responder ao objetivo a que este se

propõe.

É importante mencionar também a proximidade do pesquisador com o objeto

como ponto de potencial limitação. Contra este efeito eminentemente danoso ao

desenvolvimento isento das análises contrapôs-se questionamentos críticos por parte

da orientadora do trabalho, a quem o acesso amplo aos dados coletados foi garantido,

além de sua atuação no fomento às discussões também ter atuado como mecanismo

de promoção à análise crítica daqueles dados obtidos.

Por fim, é justo destacar que a análise aqui apresentada não apresenta efeitos

comparativos, uma vez que não dispõe de parâmetros de comparação com outras

organizações comparáveis. Este, aliás, pode ser tema para trabalhos futuros.

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4 HISTÓRICO

O presente capítulo é parte importante da contextualização dos fatos e dados

analisados posteriormente. Nele, fez-se uso de técnicas de pesquisa para a

elaboração de uma narrativa sobre o ambiente específico em que o objeto de estudo

está inserido e também sobre a própria organização, contribuindo assim para a análise

longitudinal proposta por Fleck (2014). Um panorama histórico do macroambiente do

setor elétrico a partir da evolução histórica de seu modelo institucional é apresentado

no Apêndice I deste trabalho.

4.1 A Terceirização no setor elétrico brasileiro

Segundo narram Souza e Rados (2011), como consequência das privatizações

pós 1995, as empresas do setor elétrico implementaram medidas de redefiniçao de

seus modelos de negócio, seguindo a tendência de terceirização estratégica. Dentro

deste conceito abordado pelos autores, as empresas intensificaram o repasse para

terceiros de atividades componentes de sua cadeia de valor. O objetivo do avanço na

adoção da terceirização no setor, dentre outros benefícios, era o de obter ganhos de

eficiência operacional e, consequentemente, redução de custos, além da perspectiva

de flexibilização da estrutura operacional, compartilhamento de riscos e ganhos de

qualidade na execução dos serviços pela especialização da mão de obra (INSTITUTO

ACENDE BRASIL, 2012).

A rigor, a prática administrativa de contratação de uma terceira entidade para

desempenhar uma determinada atividade, ao invés de sua realização internamente

não era prática nova, quer no setor privado, quer na Administração Pública. O

processo de reestruturação produtiva e reengenharia industrial que culminou com a

terceirização de atividades fora iniciado no Brasil muito antes da década de 1990, a

partir da instalação de empresas multinacionais, em especial as montadoras de

veículos décadas antes (MAGALHÃES, CARVALHO NETO & GONÇALVES, 2010).

As próprias elétricas estatais já faziam uso de mão de obra terceirizada, embora em

menor escala, sobretudo para execução das atividades de construção e

implementação de projetos de expansão de rede.

De acordo com Magalhães, Carvalho Neto e Gonçalves (2010), o Brasil passou

a priorizar a racionalização econômica como forma de obter maior competividade, o

que induziu à implementação gradativa da terceirização de atividades em geral

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complementares ao core business das organizações. Estes autores expõem ainda o

fato de majoritariamente, no Brasil a terceirização ser adotada com o objetivo de

redução de custos, estratégia que finda por ser priorizada em detrimento da qualidade

na busca por competitividade.

Neste sentido, a expansão da contratação de terceiros no âmbito da cadeia de

valor da energia elétrica no país levou à contratação de empresas prestadoras de

serviço para a execução de serviços operacionais de caráter técnico e comercial

diretamente ligados ao cerne da atividade das empresas (SOUZA & RADOS, 2011).

Quanto à classificação destas modalidades de serviços entre comerciais e técnicos,

os autores fornecem a descrição utilizada em sua pesquisa, conforme pode-se

constatar no Quadro 4-1.

Quadro 4-1 - Descrição de atividades terceirizadas.

Fonte: Adaptado de Souza e Rados (2011).

Assim, nos segmentos de geração e transmissão, a importância das atividades

terceirizadas está na instalação de novas unidades geradoras e na construção de

novas linhas, sendo, pois, atividades intermitentes que envolvem equipes

interdisciplinares mobilizadas para a execução de determinado projeto, com prazo

específico (INSTITUTO ACENDE BRASIL, 2012). Por outro lado, o Instituto Acende

Brasil (2012) argumenta que as distribuidoras de energia elétrica são mais intensivas

no uso da mão de obra e destaca também o fato de a demanda por serviços ser

variável ao longo do tempo, observações que corroboram para a decisão de terceirizar

atividades de sua cadeia de valor como forma de reorganização do processo produtivo

em vistas principalmente da flexibilidade e adaptabilidade à demanda.

Magalhães, Carvalho Neto e Gonçalves (2010), por sua vez, apontam para os

quatro principais desafios identificados em sua pesquisa no tocante à gestão de

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trabalhadores terceirizados em empresas contratantes brasileiras. Estes seriam a

qualificação dos trabalhadores, qualidade de serviços, padronização dos serviços e

comprometimento dos terceirizados.

Ainda neste sentido, Mendonça (2015) pondera que a terceirização faz parte

de um processo de reengenharia empresarial em que a produção passa a ser

vinculada à demanda, o que implicou a atuação de empresas periféricas destinadas

à prestação de serviços às empresas centrais. O exposto por este autor vai em linha

ao conceito de rede de valor, apresentado como uma diferente forma de interpretar a

cadeia de valor terceirizada, observável quando há a formação de redes de

fornecimento e de cooperação entre contratante e contratadas (SOUZA & RADOS,

2011). Este fato deve chamar a atenção para o debate sobre a flexibilização do

emprego como uma adaptação ao processo econômico, dada a demanda da empresa

moderna (MENDONÇA, 2015).

O Instituto Acende Brasil (2012) chama atenção para o fato de que, no Brasil,

o termo terceirização fazer alusão à relação trabalhista estabelecida com a

interposição de um terceiro agente de transação, diferentemente da ideia passada

pelo termo em inglês ‘outsourcing’. Aborda-se, nesta perspectiva, a relação de

governança do processo, que passa a envolver a relação trilateral entre três agentes:

o trabalhador, a empresa prestadora de serviço e a empresa tomadora de serviço,

como se observa na Figura 4-1, que apresenta também o tipo de relação que se

estabelece entre os agentes transacionais.

Figura 4-1 - Relações entre os agentes transacionais numa atividade terceirizada.

Fonte: Instituto Acende Brasil (2012).

A ênfase nos efeitos da terceirização sobre os diversos stakeholders gera há

anos polêmica sobre a regulamentação da terceirização de atividades nos setores

privado e público. O entendimento por parte dos defensores é de que há um “processo

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de descentralização das atividades da empresa e valorização do setor terciário da

economia” (JORGE NETO & CAVALCANTE, 2013, p. 434 apud MENDONÇA, 2015),

enquanto argumentos contrários versam sobre impactos distributivos sobre os

salários dos trabalhadores e a precarização das condições de trabalho. Entretanto, o

Instituto Acende Brasil (2012) enfatiza não haver na legislação brasileira uma lei que

trate de maneira compreensiva a questão da terceirização, apesar de diversos pontos

serem tratados por diversas leis. Dentre os aspectos reiteradamente abordados estão

a atribuição de responsabilidade e a delineação de atividades terceirizáveis.

No tocante à questão da atribuição de responsabilidade à empresa tomadora

de serviços, o Código Civil brasileiro institui três tipos de responsabilidade civil:

responsabilidade principal, responsabilidade solidária e responsabilidade subsidiária.

Enquanto a primeira modalidade é referida a situações em que um único agente

responde pela obrigação, a segunda refere-se às situações em que, havendo a

inadimplência de determinada obrigação, mais de um agente é corresponsável, uma

vez que a compartilham. A responsabilidade subsidiária, por sua vez, estabelece

responsabilidade secundária ao agente, cabendo a ele arcar com a obrigação apenas

em sendo esgotadas as possibilidades de cobrança ao devedor principal.

Já em relação ao aspecto da delineação de atividades, que podem ser

terceirizadas, diversas leis e normas estabelecem diretrizes no sentido de determinar

quais são estas atividades. O Instituto Acende Brasil (2012) estabelece uma análise

cronológica da evolução da legislação que versa sobre tal aspecto, que tem início na

Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) – Decreto-Lei 5.452/43, que, ao admitir a

modalidade de contratação por subempreitada, organiza que seja assumida pelo

tomador de serviços a responsabilidade subsidiária sobre as obrigações trabalhistas

da empresa prestadora.

O Instituto comenta sobre as primeiras iniciativas legislativas contribuírem no

sentido de promover a terceirização e indica ainda o Decreto-Lei 200, de 1967, que

admite a terceirização na Administração Pública como uma alternativa para

concentração do esforço público nas atividades estratégicas, ao passo que

proporciona também maior agilidade e flexibilidade. Neste sentido, é apontada ainda

a Lei de Licitações – Lei 8.666/93 – que, ao se referir à terceirização de obras e

serviços como execução indireta, admite sua contratação em regime de empreitada

por preço global, empreitada por preço unitário, tarefa ou empreitada integral. Esta,

aliás, avança na direção indicada pela Constituição Federal de 1988, que instituiu a

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contratação de bens e serviços para o setor público mediante processos de licitação

pública (INSTITUTO ACENDE BRASIL, 2012).

Entretanto, Mendonça (2015) relata a tendência da jurisprudência da Justiça

do Trabalho relativamente à questão da terceirização, cujas diretrizes estão resumidas

na súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Este documento, cujo intento é de

uniformização da jurisprudência acerca do tema, ampliou a admissibilidade de

terceirização para o que chama de atividades-meio, embora a legislação ainda careça

de definição clara do que seria atividade-meio e atividade-fim para um dado objeto

social de uma organização (MENDONÇA, 2015). Desta súmula, vale destacar os

pontos que versam sobre a ilegalidade dos contratos de prestação de serviços:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei no 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.o 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Também em respeito à legalidade da terceirização, o Código Civil estabelece

a vinculação direta ao tomador de serviços, com responsabilidade solidária da

empresa prestadora, em caso de descumprimento de obrigações trabalhistas na

prestação de serviços ilícita.

Neste sentido, seria a prática de terceirização adotada pelas empresas do setor

elétrico brasileiro, em especial aquelas do segmento de distribuição, uma prática

ilícita, por envolver a prestação de serviços em atividades consideradas fim. No

entanto, o Instituto Acende Brasil (2012) comenta sobre o debate acerca deste ponto,

uma vez que, no que diz respeito à prestação de serviços públicos, as Lei das

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Concessões (Lei 8.987/95) e Lei das Telecomunicações (Lei 9.472/97) explicitam a

possibilidade das concessionárias de terceirizar qualquer atividade, seja ela inerente,

acessória ou complementar.

Assim, o Instituto Acende Brasil (2012) indica haver ressalvas advindas de

medidas liminares emitidas pelo Supremo Tribunal Federal na direção da permissão

às concessionárias de serviços públicos a terceirizar atividades-fim. Portanto, de

modo a pacificar a questão relativa à legalidade da terceirização no setor elétrico, a

Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica ingressou em 2010 com

Ação Declaratória de Constitucionalidade 26, que solicita a declaração de

constitucionalidade de item da Lei de Concessões (Lei 8.987/95) que permite a estas

empresas a contratação de serviços. A ação, ainda em trâmite no STF, sustenta que

o inciso I, do artigo 175 da Constituição Federal permite induz o reconhecimento da

realidade e condição especial da prestação dos serviços públicos, no sentido de haver

disciplina especial para as concessionárias de serviços público (BRASIL, 2016).

No entanto, pode-se perceber por parte do legislativo um movimento de

tentativa de regulamentação dos contratos de prestação de serviços e terceirização

de atividades no país, também é percebida certa abertura da Justiça do Trabalho para

repensar esta questão. Neste contexto, Mendonça (2015) chega a argumentar que

não se pode ignorar os reflexos socioeconômicos relacionados à terceirização e que

a ignorância à realidade de mercado, suas demandas e anseios incorre na ignorância

ao próprio direito.

Diversos foram os projetos que passaram pelo Congresso Nacional no intuito

explicitado (INSTITUTO ACENDE BRASIL, 2012). Recentemente, a Câmara dos

Deputados aprovou e encaminhou ao Senado o Projeto de Lei 4.330/04, que se

encontra sob análise daquela Casa Legislativa. Ocorre que, tal qual comenta

Mendonça (2015), no que tange a conceitos sobre as atividades-meio e atividades-

fim, a pacificação relativa ao tema parece estar longe do equilíbrio. Contudo, o autor

convém que a terceirização não implica necessariamente na precarização da

condição de trabalho.

Neste sentido, o mesmo autor indica que os avanços do referido projeto de lei

no sentido de regular tal prática como um mecanismo de prevenção a tal efeito.

Conforme expõe este autor, estes progressos do pilar da exigência da especialização

das empresas terceirizadas, identificada pela consistência com o objeto social

declarado no ato constitutivo da organização. O texto, apesar de abrir a possibilidade

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de terceirização de atividades assim classificadas no texto-base como correlatas,

suplementares ou complementares, determina a indicação objetiva do empreendedor

quanto a seu segmento de atuação e especialização de sua atividade, o que terá

impacto para melhor enquadramento fiscal e sindical das prestadoras de serviço. Sob

tal situação, respaldada pela responsabilização solidária entre contratante e

contratada proposta pelo projeto, tem-se a ideia de que a proteção dos direitos

laborais do trabalhador será promovida (MENDONÇA, 2015).

4.2 A Companhia Energética de Pernambuco – Celpe

A Celpe é uma concessionária de distribuição de energia elétrica sediada na

cidade do Recife, cuja cobertura se estende pelos 184 municípios do estado de

Pernambuco e para a cidade de Pedras do Fogo, no estado da Paraíba. Além de atuar

no segmento de distribuição na referida região, a companhia também opera a

concessão de geração de energia no arquipélago de Fernando de Noronha, por meio

de usinas térmica e solar fotovoltaica. Assim, analisar a trajetória da Celpe remonta à

própria história da eletricidade no estado de Pernambuco.

O surgimento da eletricidade em Pernambuco remonta à inauguração de

sistemas de iluminação pública através de energia elétrica, na cidade de Olinda, pela

Companhia Santa Tereza (ANGELO, 2009). Posteriormente, em 1913, foi criada pela

iniciativa privada a Pernambuco Tramsway and Power Company, vinculada ao Grupo

Amforp, que passou a deter a concessão para os serviços de iluminação pública e

particular do Recife, por um prazo de 50 anos. A estrutura que se montava com a

PETRAMSWAY, como ficou conhecida a nova companhia, detinha ainda as

concessões para fornecimento de gás, controle de linhas telefônicas e transportes

coletivos.

No interior do estado, à época, coube às prefeituras, cooperativas e ao

Departamento de Águas e Energia (DAE) do governo estadual a responsabilidade

pela distribuição de energia elétrica. Tal fato, em especial após a transformação do

DAE em autarquia cujas atribuições abrangeriam a organização e participação em

sociedades dedicadas à produção, transmissão e distribuição de energia elétrica,

culminaria com a criação da companhia estatal estadual alguns anos à frente. Este

episódio do DAE antecedeu a criação da Celpe, cuja autorização foi concedida pelo

Conselho de Coordenação da autarquia em 1964, ocorrendo a constituição da

Companhia de Eletricidade de Pernambuco (Celpe) em 10 de fevereiro de 1965,

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quando esta assumiu os sistemas elétricos de vários municípios do interior do estado

(ANGELO, 2009; CELPE, 2016A). Celpe surgia em meio à dissolução do Grupo

Amforp no Brasil, o que iniciara a transferência de seus ativos ao Estado brasileiro.

Por este motivo, a companhia incorporou a estrutura da PETRAMSWAY a partir de

1968.

Naquele ano, a Empresa tinha 462 empregados e atendia a 156 localidades

em Pernambuco, com 112.132 clientes e um consumo de 141.170 MWh. O sistema

elétrico era composto de 14 linhas de 69 kV, com uma extensão de 344 km e 126

linhas em 13.8 kV, totalizando 1.150 km. No entanto, a os serviços de distribuição de

eletricidade nas cidades de Caruaru e Jaboatão dos Guararapes só foram assumidos

pela Celpe quando, a partir da década de 1970, quando a Chesf transfere para a

concessionária estadual sistemas de transmissão em alta tensão (CELPE, 2016a).

É interessante destacar que, desde sua formação, a Celpe foi uma empresa de

capital misto. No entanto, o controle societário sempre esteve nas mãos do estado de

Pernambuco, o que lhe permitiu acesso a linhas de financiamento especiais para o

desenvolvimento da região, disponibilizadas pelo governo federal, através da

Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Isto denota o

importante papel estratégico que a Celpe assumiu para o governo estadual, que fez

uso da companhia como instrumento político de relevante influência sobre o

desenvolvimento do estado.

Em pouco tempo, a Celpe consolidou-se como uma das grandes empresas do

Estado e um dos maiores patrimônios dos pernambucanos, quer pela competência

técnica no contexto da engenharia elétrica, quer pelo alcance social de suas

atividades. Neste aspecto, aliás, merece destaque a evolução dos programas de

investimento em eletrificação rural no estado, a partir da década de 1970. Apesar de

estar no centro de disputas políticas pelas décadas seguintes, obteve êxito ao

transformar Pernambuco em um dos estados mais avançados no que diz respeito à

universalização do acesso à energia elétrica, que seria um dos objetivos perseguidos

pela reestruturação do setor elétrico durante o governo Lula, anos mais tarde.

Para a Celpe, a década de 1970 ficou marcada pela construção de seu edifício

sede e início de construção do Centro de Treinamento do Bongi, em Recife. Além

disso, foi aprovada neste período a Fundação Celpe de Seguridade Social (Celpos),

entidade destinada a suplementação de aposentadorias e pensões dos seus

empregados (CELPE, 2016a). Enquanto a década de 1980, por sua vez, significou à

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Celpe a elaboração de seu Programa Geral de Investimentos, apoiado pela

Eletrobrás, e implantou seu Plano Diretor de Informática. Em 1986, a empresa mudou

sua razão social, passando a ser a Companhia Energética de Pernambuco (CELPE,

2016a).

Ao longo da década seguinte, transformações no ambiente do setor elétrico

brasileiro promoveram grandes impactos na trajetória da companhia. Diante do

cenário de colapso do modelo centralizado, a Celpe elencou como prioridade para a

década a busca da qualidade e agilidade dos serviços, a modernização e

informatização, o desenvolvimento tecnológico, a implantação de sistemas

alternativos de energias, a redução dos custos e a melhoria da confiabilidade no

fornecimento, tornaram-se fatos do cotidiano da empresa (CELPE, 2016a).

A partir de meados daquela mesma década, através de estímulo do governo

federal à privatização das concessionárias estaduais de distribuição de energia

elétrica, iniciaram-se as etapas preparatórias para o leilão público que culminaria com

a venda da estatal à iniciativa privada. A própria companhia colocou, aliás, como fator

facilitador do processo, durante o governo Jarbas Vasconcelos (1998-2002) o

Programa de Estímulo às Privatizações Estaduais, segundo o qual o BNDES ofereceu

aos governos estaduais a antecipação dos recursos futuros provenientes do processo

de privatização.

Um aspecto de relevância a ser mencionado no tocante ao processo de venda

da Celpe é a grande importância que esta concessionária tinha para o estado,

conforme exposto anteriormente. Tal fato gerou grande debate político acerca da

decisão de privatizar o maior ativo público pernambucano, pelo qual se esperava uma

disputa em leilão que levaria ao pagamento de ágio por parte do vencedor,

contribuindo para a geração de caixa para o governo estadual.

Diferentemente do esperado, o leilão de privatização foi realizado em fevereiro

de 2000, com a participação de um único potencial adquirente, que efetivou a compra

no preço mínimo definido pelo edital de R$ 1,7 bilhão e assumiu a concessão ainda

naquele ano, por um prazo de 30 anos. Um outro detalhe importante é que, dado o

importante papel social da concessionária para o estado, o edital de privatização

impôs, segundo prática dos processos de privatização e concessão, uma série de

exigências quanto aos níveis de investimento que o adquirente deveria executar

durante a concessão, dentre as quais a exigência de expansão dos investimentos em

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eletrificação rural e urbana para população, incluindo ainda o compromisso de

implantação de uma usina termelétrica no estado (CELPE, 2016a).

Assim, a transferência para a iniciativa privada ocorreu a partir de Março

daquele ano, quando o Consórcio Guaraniana assinou o contrato de concessão no

026/2000, firmado com a União, por meio da ANEEL. O consórcio vencedor era

composto pelo grupo espanhol Iberdrola Energia, Caixa de Previdência do Banco do

Brasil (Previ) e BB Banco de Investimentos SA. No entanto, a gestão da

concessionária esteve sob responsabilidade da Iberdrola Energia.

O consórcio Guarariana, que passaria a denominar-se Neoernergia a partir de

sua nova estratégia comercial implementada em 2004, já havia adquirido as

concessionárias de distribuição de energia do Rio Grande do Norte (Cosern) e da

Bahia (Coelba). Além disso, a empresa estava presente em todos os segmentos de

atividade do setor elétrico – geração, transmissão, comercialização – mediante

aquisições e projetos de investimentos, possuindo forte integração vertical e

praticando contratos de auto contratação de energia.

A situação quando da privatização na Celpe, diferentemente de outras

concessionárias estatais, não era ruim. Em 1999, a companhia fora eleita a melhor

distribuidora de eletricidade da região Nordeste, a partir de uma pesquisa do Instituto

Vox Populi (CELPE, 2006), e, à época da privatização, sua rede de distribuição

atendia mais de 90% dos domicílios pernambucanos.

No entanto, o ano de 2000 foi marcado por uma reestruturação da

concessionária, em cujo pano de fundo estava a redefinição do modelo de negócios

e gestão da companhia. Para isso, foram investidos R$ 105 milhões nos segmentos

de expansão, modernização e manutenção dos sistemas de geração, subtransmissão

e distribuição de energia e de telecomunicações, automação das instalações elétricas,

além de modernização das instalações dos prédios, da frota de veículos e do sistema

de informática (CELPE, 2016a).

Além disso, também parte do processo de busca pela excelência operacional

e melhoria da qualidade dos serviços, reduziu-se a base de empresas prestadoras de

serviço, de forma que as poucas que continuaram foram contratadas sob a condição

de empresas âncoras e passaram a responder por serviços técnicos e comerciais, em

uma mesma área de atuação. Esta foi uma medida que permitiu a Celpe comparar as

prestadoras de serviço e nivelá-las a partir do benchmarking desejado pela

companhia.

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Mesmo diante do desafio do racionamento de energia em 2001 e da redução

de receitas que este impôs às distribuidoras no país, o ano de 2001 foi um marco para

a então privatizada Celpe, devido à inauguração e entrada em operação do Centro de

Operação Integrada, que permitiu o monitoramento de todo o sistema elétrico da

concessionária. O ano seguinte, por sua vez, foi importante para a expansão das

obras de eletrificação rural, a partir de financiamento de programas do governo federal

(CELPE, 2016a). Também em um esforço por melhoria da qualidade de atendimento,

a implantação do Sistema Comercial (SIC) foi concluída em 2003 e o sistema

OminiSAT foi implantado em 2004, o que facilitou a comunicação entre o COI e toda

a frota de veículos prestadores de serviço da companhia.

Como resultado dos investimentos realizados pela Celpe, em 2005 a empresa

recebeu o prêmio de Maior Evolução de Desempenho entre as distribuidoras

brasileiras, segundo resultado da edição 2005 do Prêmio da Associação Brasileira de

Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) (CELPE, 2016a). Contribuiu para a

escolha a melhoria nos níveis de dois principais indicadores de satisfação de clientes-

consumidores de energia elétrica, o Índice de Duração Equivalente de Interrupção por

Unidade Consumidora (DEC) e o índice de Frequência de Interrupção por Unidade

(FEC). Ambos indicadores são monitorados pela ANEEL para verificação da

continuidade do serviço prestado, representando respectivamente o tempo e o

número de vezes que uma unidade consumidora ficou sem energia elétrica durante o

período considerado, sendo níveis máximos exigidos para estes indicadores

condicionantes do contrato de concessão e revisados segundo resoluções normativas

do regulador (ANEEL, 2016).

Abaixo são apresentados dois gráficos com a evolução dos indicadores

coletivos de continuidade apurados pela concessionária, no período de 2000 a 2014,

segundo dados disponibilizados por ANEEL (2016) – vide Gráfico 4-1 e Gráfico 4-2.

Observa-se no período imediatamente pós-privatização melhorias nos níveis de DEC

e FEC da Celpe, juntamente com o avanço do número de unidades consumidoras

atendidas pelo seu sistema elétrico de potência, que opera com os referidos

indicadores muito abaixo dos níveis máximos exigidos pelo regulador. No entanto,

apesar de o índice FEC da concessionária apresentar relativa estabilidade após o ano

2006, pode-se constatar gradativa deterioração do indicador de duração equivalente

das interrupções de fornecimento (DEC), situação que é agravada pela atuação do

regulador no sentido de reduzir os níveis máximos para ambos indicadores.

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Gráfico 4-1 - Evolução do indicador FEC apurado Celpe, período de 2000 a 2014.

Fonte: ANEEL (2016).

Gráfico 4-2 - Evolução do indicador DEC apurado Celpe, período de 2000 a 2014.

Fonte: ANEEL (2016).

Apesar dos problemas expostos acima, o ano de 2005 representou um

importante marco para o grupo Neoenergia. Em outubro daquele ano foi assinado o

Acordo de Acionistas da companhia, documento que prevê a reformulação da

estrutura de governança do grupo e que aponta na direção de maior compartilhamento

de recursos corporativos entre as empresas controladas pelo grupo. As alterações

propostas pelo novo acordo seriam implementadas ao longo dos próximos anos e

teriam como resultado a estrutura de organizacional e de governança representada

na Figura 4-2.

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Figura 4-2 - Estrutura organizacional do grupo Neoenergia.

Fonte: Neoenergia (2016).

Outro importante marco foi atingido no ano de 2006, quando a empresa

concluiu o número de ligações previstas nos contratos do Programa Luz para Todos,

com a Eletrobrás. A concessionária conseguira atingir índice global de universalização

do acesso à energia elétrica de 99,2% de sua área de concessão, atendendo um total

de 2,7 milhões de clientes ativos. Também neste ano, a empresa adota os conceitos

da Global Reporting Initiative (GRI) e passa a divulgar anualmente seu relatório de

sustentabilidade neste novo modelo (CELPE, 2016a).

Em 2007, apesar de ser eleita novamente a melhor prestadora de serviço

público no estado de Pernambuco (CELPE, 2016a), em junho deste ano foi instaurada

uma Comissão Parlamentar de Inquérito pela Assembleia Legislativa do Estado de

Pernambuco para investigar supostos abusos no preço da energia elétrica cobrada ao

consumidor. Entre as constatações dos parlamentares estaduais destaca-se a

atribuição dos valores cobrados pela concessionária às perdas energéticas em seu

sistema elétrico (PERNAMBUCO, 2007).

Diante deste cenário, visando à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro

da companhia e a uma composição tarifaria mais justa, a Celpe passou a atuar

fortemente sobre o Programa de Redução de Perdas Comerciais. As principais ações

deste programa abrangeram o combate às ligações irregulares, regularização de

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clandestinos, blindagem de medidores e também a promoção de programas sociais

de conscientização sobre uso adequado da energia elétrica. Também contribuiu nesta

época para a redução do índice de perdas as ações no âmbito do Programa de

Eficiência Energética, iniciativa existente desde 2001 que promoveu a

conscientização do uso da eletricidade e combate o desperdício de energia elétrica

em comunidades de baixa renda, instituições beneficentes, hospitais e órgãos

públicos (CELPE, 2016a).

Também a capacitação e qualificação de pessoal próprio e terceirizado foi

imperativo para a concessionária na segunda metade dos anos 2000. O Ministério do

Trabalho criara em 2004 a norma regulamentadora NR10 – Segurança em Instalações

e Serviços em Eletricidade e, a partir de sua regulamentação, empresas que

trabalhavam com serviços de eletricidade passaram a ter fiscalizações e sanções

rigorosas. Neste contexto, através do Departamento de Gestão de Contratos

Terceirizados, a concessionária implementou a partir do final de 2007 o projeto

Travessia, cuja necessidade fora identificada a partir de auditorias no nível de

capacitação do efetivo terceirizado atuante em seu sistema.

O objetivo deste projeto, desenvolvido em parceria com o Senai e as empresas

prestadoras de serviço, era qualificar cerca de 2.500 profissionais envolvidos nos

serviços de corte e religação, ligação nova, manutenção e construção. Para tal, foi

desenvolvido um curso modulado em treinamentos de eletrificação básica e

capacitações específicas nas áreas citadas. No plano de fundo da gestão deste

projeto, tinha-se a premissa de que os terceirizados seguiriam desempenhando suas

funções e participando dos treinamentos, de modo a não inviabilizar a prestação de

serviços para a continuidade de fornecimento aos consumidores da distribuidora. O

prazo para conclusão do projeto foi até o ano de 2010 (CELPE, 2008).

De acordo com a Celpe (2014), sua área total de concessão abrange 98.547

km2, atendendo 3,4 milhões de unidades consumidoras, divididas entre os grupos de

Alta e Baixa Tensão. Segundo a própria companhia, em 2014, 52,6% do total de

clientes eram classificados como clientes residenciais, dentre os quais 35,4%

poderiam ser segmentados como clientes de baixa renda, segundo critérios da

ANEEL.

Por trás do atendimento a toda esta base de clientes, a Celpe conta com uma

rede de mais de 4,2 mil quilômetros de linhas de transmissão, 131 mil quilômetros de

redes de distribuição e 136 subestações elétricas. Faz parte ainda da estrutura física

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da companhia um laboratório de controle de qualidade, um outro de medição de

equipamentos, um centro de treinamento e sete escritórios regionais, onde estão

instaladas as unidades operacionais de cada distrito regional: Metropolitana Norte e

Sul, Carpina, Cabo, Caruaru, Garanhuns, Serra Talhada e Petrolina. Além do que a

empresa conta com aproximadamente 1,7 mil colaboradores próprios e 6,7 mil

terceirizados (CELPE, 2014).

A concessionária expõe ser um pilar de seu modelo de negócios o

compromisso na construção de parcerias de longo prazo com seus fornecedores.

Entre estes, a companhia indica haver dezesseis empresas prestadoras de serviços

consideradas estratégicas atuando em seu sistema elétrico de potência. Estes

fornecedores são contratados pela concessionária para terceirização de mão de obra

na execução de atividades comerciais e técnicas, tais como corte e religação, ligação

nova, operação, manutenção e construção da rede de distribuição de energia (CELPE,

2014).

Ainda de acordo com a companhia, há um sistema de acompanhamento dos

fornecedores estratégicos, cuja medição da performance é feita em base contínua, a

partir de indicadores ligados a aspectos econômico-financeiros, trabalhistas, de saúde

e segurança, de qualidade do serviço, meio ambiente e de controle de materiais,

componentes do Neocontrole e alvo das auditorias periódicas. Além disso, inspeções

de campo são realizadas nas prestadoras de serviço, tanto através de evidências

documentais, quanto inspeções às instalações físicas.

Estas são atribuições da área de Gestão de Contratos Terceirizados da

concessionária, criada em 2006. As auditorias nas prestadoras de serviço seguem

cronograma definido a cada início de ano e são divididas em etapas que incluem a

seleção do material a ser auditado, envio de listagem de documentação para

apresentação pela contratada, realização de auditoria nas instalações da prestadora

de serviço, divulgação de relatório final e acompanhamento de plano de ação. Além

disso, o processo de auditoria das terceirizadas envolve diversas áreas da companhia,

dentre as quais equipes de saúde e segurança, e as áreas jurídica e operacional.

Ainda relativo à estrutura sob a qual ocorre a gestão dos contratos de prestação

de serviço pela Superintendência de Operações (SOP), é interessante notar que

quatro departamentos são subordinados a esta área funcional: Departamento de

Serviços de Rede (OSR), Departamento de Gestão de Contratos (OGC),

Departamento de Gestão de Perdas (OGP) e Departamento de Expansão e Novas

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Ligações (ONL). Destes, o OSR e o ONL são divididos, por sua vez, em unidades que

cobrem cada uma das sete unidades regionais (CELPE, 2016b).

Assim, a contratação das terceirizadas atuantes no sistema elétrico da Celpe

ocorre com o apoio do Departamento de Suprimentos (PRS), através da Unidade de

Contratação de Obras e Serviços (PROS), em atendimento às necessidades de seus

clientes internos, as unidades operacionais de cada distrito, sob as quais a gestão

efetiva dos contratos ocorre. Uma representação da estrutura organizacional,

incluindo as unidades contratantes, está disponível nos anexos deste trabalho.

Foi feito um levantamento dos indicadores referentes ao efetivo de

trabalhadores terceirizados atuando no sistema elétrico da Celpe, a partir dos

relatórios de sustentabilidade divulgados pela Companhia, ao longo do período de dez

anos – de 2005 a 2014. Como resultado, foram obtidos os gráficos abaixo

apresentados, que identificam tendência de ampliação do número de colaboradores

terceirizados e do custo total dos contratos de prestação de serviço com as empresas

terceirizadas (vide Gráfico 4-3 e Gráfico 4-4). Pode-se constatar também propensão

à expansão do número de trabalhadores terceirizados atuando no sistema elétrico da

concessionária, ao longo do período observado, sendo o percentual destes

trabalhadores inicialmente de 72,35% do efetivo total em 2005 e chegando a um nível

de 79,60% no ano de 2014. Paralelamente, vê-se relativa estabilidade no quantitativo

de mão de obra própria em atividade no sistema.

Gráfico 4-3 - Efetivo terceirizado e próprio, período 2005 a 2014.

Fonte: Relatórios de Sustentabilidade Celpe.

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Gráfico 4-4 - Custo anual de trabalhadores terceirizados (R$ mi), período 2005 a 2014.

Fonte: Relatórios de Sustentabilidade Celpe.

Apesar dos custos crescentes dos contratos de prestação de serviços no

sistema elétrico da Celpe, o que se observa a partir de 2011 são níveis de DEC

superiores ao exigido pelo regulador. Diante deste cenário e do aumento do número

de acidentes na rede elétrica da concessionária ocorridos com consumidores, em

2015 a ANEEL notificou a Celpe e exigiu a apresentação de um plano de recuperação

e correção de falhas com medidas de aprimoramento do serviço para reverter os

níveis de qualidade abaixo dos limites regulatórios (ANEEL, 2016).

A resposta da companhia foi baseada no aumento do nível de investimento na

rede elétrica, sobretudo através da automação e manutenção da rede e construção

de novas subestações elétricas. Em meio à implementação do plano, recorreu-se à

antecipação do processo de contratação para alguns contratos de prestação de

serviços com os fornecedores estratégicos que estariam vigentes até 2016, segundo

a necessidade de expansão significativa dos serviços contratados, em especial em

áreas críticas para a operação da concessionária, a exemplo da

4.3 A organização

A organização selecionada como objeto de estudo deste trabalho foi um grupo

econômico familiar controlador de duas empresas de prestação de serviços em

engenharia e que carrega o nome da família em sua razão social. Embora tenham

surgido em contextos históricos distintos, a ABC Engenharia e a FF Engenharia são

empresas coligadas, controladas e administradas por um mesmo grupo familiar e

atuam no mesmo segmento econômico, servindo a uma visão de negócio de uma

única família. Tal fato, aliado a observações acerca dos processos operacionais e da

trajetória de crescimento de ambas empresas, permite identifica-las como

pertencentes a uma organização única, cuja história abrange marcos e

acontecimentos de ambas as empresas, exercendo influência sobre o processo de

crescimento e formação de seu caráter organizacional. Por este motivo, a ABC

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Engenharia e FF Engenharia serão aqui consideradas uma organização sobre a qual

este relato histórico discorre.

A organização tem origem pernambucana e sua sede está localizada na cidade

de Recife. Sua estrutura organizacional está dividida em um corpo técnico/operacional

e um corpo administrativo, ambos subordinados a uma diretoria composta por três

membros da família controladora. O Quadro 4-2 apresenta a distribuição da mão de

obra por firma, de acordo com dados de Janeiro de 2016, distribuída entre as equipes

operacionais e administrativas, ou de apoio.

ABC Engenharia FF Engenharia Geral

Administrativo 41 50 91

Operacional 421 153 574

Total 462 203 665

% Geral 69,5% 30,5% 100,0% Quadro 4-2 - Quantitativo de pessoal por firma.

A diretoria, por sua vez, é composta por um membro da primeira geração e

cofundador da organização, um membro da segunda geração da família e seu

cônjuge. Entre os três familiares são divididas as atribuições e funções diretivas da

empresa, sendo estas agrupadas nas diretorias financeira e tesouraria, administrativa

e comercial e diretoria de operações, respectivamente.

Dessa forma, as áreas administrativas e a diretoria da organização são

compartilhadas pelas duas empresas, enquanto suas estruturas operacionais são

organizadas por contrato, ou modalidade de serviço, e por localidade de execução

dos serviços. A estrutura atual é apresentada na seção de anexos deste trabalho.

Ambas empresas atuam na prestação de serviços em engenharia a clientes

públicos e privados, com destaque para concessionárias distribuidoras de energia

elétrica. Entre os serviços que compuseram seu portfolio ao longo de sua trajetória e

aos quais a organização está apta a executar destacam-se projeto e execução de

instalações elétricas, projeto, construção e montagem eletromecânica de subestações

de baixa e alta tensão, construção e manutenção de redes de distribuição e linhas de

transmissão, manejo de vegetação e podação, engenharia consultiva e execução de

obras civis. A dinâmica de prestação de tais serviços e o mercado em que atua

demandam a utilização de métodos modernos de execução das atividades, o que se

traduz em necessidade de provisão de corpo técnico experiente e com o imperativo

de atualização frequente através de capacitações e treinamento, segundo

regulamentação pertinente a tal segmento de trabalho.

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Suas atividades são realizadas em regime de contratação de serviços.

Entretanto, o modelo de contratação varia de acordo com a natureza do cliente.

Merecem destaque os contratos com seu principal cliente, a Companhia Energética

de Pernambuco (Celpe), com quem desenvolveu relacionamento comercial ao longo

de mais de quarenta anos, abrangendo períodos sob gestão estatal e, posteriormente,

privada. Atualmente, a organização possui contratos de prestação de serviços com

fornecimento de materiais por parte do cliente, o que a caracteriza na condição de

empresa terceirizada da concessionária de energia elétrica, e atua nas atividades de

projeto, construção e manutenção de redes de distribuição e linhas de transmissão,

incluindo atividades em linhas energizadas, e manejo de vegetação e podação,

abrangendo as áreas da Região Metropolitana do Recife, bem como áreas da Zona

da Mata e Litoral pernambucanos

É visão da organização ser líder regional no segmento de manutenção e

construção de linhas, redes e subestações elétricas. Esta instituição enfatiza serem

seus valores fundamentais tradição, seriedade, ética, competência técnica e

compromisso com o cliente, o que tem contribuído para a construção e solidificação

da imagem e reputação das duas empresas no mercado local. Declara ser sua missão

servir a seus clientes na área de engenharia, através da oferta de mão de obra

qualificada a preços competitivos e preservação do meio ambiente, contribuindo para

que estes ofereçam à sociedade qualidade de vida.

4.3.1. Antecedentes (1974 a 1979)

A história do que viria a se tornar a organização objeto de estudo deste trabalho

tem origem na fundação da ABC Engenharia, em 1974. Fernando, fundador da

empresa, era engenheiro eletricista de formado pela Escola Politécnica da

Universidade de Pernambuco, com trajetória profissional que incluía empresas como

General Electric e Celpe. À época, ocupava o cargo de engenheiro responsável por

representar a empresa Sociedade Paulista de Instalações Gerais (SPIG) em

Pernambuco.

A SPIG era uma firma de engenharia de porte nacional, que atuava

principalmente na construção e montagem de subestações elétricas e instalações

industriais. Era atribuição de seu representante não apenas a representação

comercial e elaboração de propostas técnicas para participação de licitações públicas,

mas também o acompanhamento e gerenciamento das obras durante a execução dos

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contratos firmados, atividade que comumente era exercida em paralelo com outro

profissional alocado como responsável técnico pelo projeto.

Enquanto representante da empresa em Pernambuco, cabia à Fernando

atender também outros estados do Nordeste, de acordo com ocorrência de licitações.

O foco maior de seu trabalho, entretanto, eram licitações para a CHESF, com sede

em Recife. Era também sua atribuição o gerenciamento dos contratos que a SPIG

mantinha com a empresa Rhodia, indústria química à qual a SPIG prestava serviços

de manutenção de subestações elétricas e mantinha equipes na planta desta empresa

situada no Cabo de Santo Agostinho, município integrante da Região Metropolitana

do Recife.

Durante o período em que Fernando esteve à frente da SPIG em Pernambuco,

a Companhia Hidro-Elétrica do São Francisco (CHESF) passava por uma fase em que

diversos projetos estavam sendo implantados, o que significava a ocorrência de

inúmeros processos licitatórios para a execução de obras na área em que atuava a

SPIG. Vivia-se a época de estruturação do sistema Eletrobrás e auge dos

investimentos no parque gerador e em expansão de rede do setor elétrico brasileiro

sob o modelo centralizado. Ademais, a referida companhia atuava como vetor de

desenvolvimento na região em que atua, sendo a subsidiária da Eletrobrás

responsável pela geração e transmissão de energia elétrica em alta tensão e

operando o sistema de transmissão que abrange os estados nordestinos de Alagoas,

Bahia, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, condição esta

que lhe garantia execução de grande número de projetos.

Ao participar das licitações que ocorriam na CHESF como representante da

SPIG e responsável pela elaboração das propostas técnico-comerciais apresentadas,

Fernando observava existir oportunidade para executar serviços de construção de

linhas de transmissão, que normalmente eram adicionais ao escopo de contratação

daquela firma. Tal observação era frequentemente comentada com sua esposa, Ana

Maria.

Concomitante ao exposto, Fernando passava por um problema de saúde, fato

que lhe causava receio quanto a sua aptidão para seguir trabalhando como

engenheiro representante da companhia. Entretanto, diferentemente de seu receio,

sua recuperação não comprometeu sua capacidade laboral. Ao contrário, ao assumir

o cargo na SPIG por meio de indicação de seu antecessor, Fernando conseguira

fechar novos contratos e aumentar o volume de serviços, o que o levou a identificar a

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necessidade de mudar a localização da firma, uma vez que o endereço atual não mais

comportaria o desenvolvimento das atividades funcionais da SPIG em Pernambuco.

A mudança da Rua da Conceição para um imóvel maior situado à Avenida Visconde

de Suassuna, que na época era uma avenida importante na cidade, foi autorizada pela

diretoria da empresa.

Nesta mesma época, Ana Maria, estimulada pela oportunidade identificada

pelo seu marido, passou a incentivar a criação de uma firma de engenharia que

pudesse executar os serviços de menor porte não executados pela SPIG. Assim, em

quatro de dezembro de 1974, a ABC Engenharia foi registrada na Junta Comercial do

Estado de Pernambuco (JUCEPE).

Sua composição societária inicial demonstra seu caráter de organização

familiar desde a fundação da ABC Engenharia, sendo cotistas de participação

societária Ana Maria e Gustavo, irmão de Fernando. Embora sócio da firma, Gustavo

não exercia controle sobre a empresa e trabalhava como supervisor das obras

executadas pela firma. Sua participação na composição societária foi uma decisão de

Fernando apenas para compor a sociedade limitada.

Também reforça o caráter familiar da organização que surgia o envolvimento

esporádico de Jairo, engenheiro mecânico habilitado para execução de obras civis até

determinadas especificações e cunhado de Ana Maria, como será explicado mais à

frente. Assim, a Figura 4-3 indica qual o envolvimento de familiares e a firma.

Figura 4-3 - Envolvimento familiar na organização, década de 1970.

Durante este primeiro período de existência da firma, Fernando manteve-se

engenheiro da SPIG, ocupando este cargo até o ano de 1980, quando pediu demissão

da empresa. Apesar do aparente conflito de interesses, a fundação da ABC

Engenharia foi comunicada à diretoria da SPIG, que, baseada no bom relacionamento

e confiança que tinha em Fernando, não se opôs a tal fato. Acordou-se, então, que a

ABC Engenharia não disputaria obras com a SPIG, uma vez que estaria apta a

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participar de licitações de obras de menor porte, fora do interesse daquela empresa.

Assim, Fernando seguia representando os interesses da SPIG perante seus clientes,

enquanto Ana Maria e Gustavo estariam integralmente dedicados às atividades da

recém fundada firma de engenharia. A responsabilidade técnica sobre os projetos e

obras executadas cabia a Fernando e Jairo, que prestavam assistência à ABC

Engenharia quando necessário.

Deve-se destacar que, recém fundada e com baixa disponibilidade de recursos,

a ABC Engenharia funcionava sem sede própria. Seu endereço oficial era a própria

residência da mãe de Fernando, situada à Rua Benfica, número 604. Entretanto, a

firma funcionava efetivamente em um espaço cedido pela SPIG no imóvel da Avenida

Visconde de Suassuna.

Ocorre que, durante a década de 1970, observou-se no Brasil o

desenvolvimento das cooperativas de infraestrutura, dentre as quais houve destaque

para as chamadas cooperativas de eletrificação (CEs) (MUNARETTO, 2015).

Segundo Munaretto (2015), essas cooperativas tinham por objetivo fornecer à

comunidade serviços de energia elétrica a partir da distribuição de energia elétrica das

concessionárias, criando sistemas de distribuição de energia elétrica principalmente

no meio rural. O principal motivador para a formação de tais cooperativas foi, segundo

o autor, a falta de interesse das companhias de eletricidade, que à época eram

estatais controladas pelos governos federal e/ou estaduais, na distribuição de energia

elétrica em áreas rurais distantes dos centros urbanos. Pasin (2013) explica ainda que

o Governo Federal, a partir da década de 1970, passou a disponibilizar financiamentos

do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) exclusivos para as cooperativas

de eletrificação rural, o que viabilizava a expansão do sistema de distribuição por meio

destas entidades.

Ao longo do tempo, especialmente a partir da década de 1990, a maioria das

CEs foram gradualmente incorporadas às concessionárias, o que ocasionou a

diminuição do número de organizações deste tipo de organização, conforme se

constata no Quadro 4-3.

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Quadro 4-3 -Quantidade de CE por estado.

Fonte: Munaretto (2015).

Acontece que, no caso do Nordeste brasileiro, a maioria das cooperativas de

eletrificação rural que surgiam eram estimuladas pelas próprias concessionárias

locais, com o intuito de servir como canalizadoras de recursos para os programas de

eletrificação rural (MUNARETTO, 2015). Em especial no caso de Pernambuco, a

própria Celpe passou a instalar e gerenciar cooperativas de eletrificação rural que, na

prática, atuavam como prestadoras de serviços à concessionária, executando os

planos por ela definidos.

Em Pernambuco havia uma grande quantidade de comunidades rurais aonde

não chegava energia elétrica, espalhadas por todo o estado. Especialmente nas

regiões do Litoral e Zona da Mata, onde estavam instaladas as grandes usinas de

cana de açúcar da região, essas comunidades eram chamadas “engenhos”.

Justamente na década de 1970, observou-se, junto ao surgimento das cooperativas

de eletrificação rural, um movimento das próprias usinas de execução de obras de

eletrificação rural nos engenhos localizados em suas terras, sendo estas geralmente

financiadas através de linhas de crédito do Banco do Brasil. Assim, diferentemente do

previsto quando de sua fundação, a ABC Engenharia passou a focar na execução de

obras de eletrificação rural.

Inicialmente, as obras executadas pela firma eram contratadas diretamente

pelas usinas, sendo o fator networking bastante relevante para as primeiras

contratações, que ocorreram por indicação de pessoas conhecidas ou ainda por

MUNARETTO, Lorimar Francisco 9

RGC, Santa Maria, v.2, n.3, Págs. 83-96, Jan./Jun. 2015

Tabela 3 - Quantidade de CE por estado nos anos de 1980, 2005 e 2012.

Unidade da

Federação da

Cooperativa

nº de cooperativas

em 1980 %

nº de

cooperativas em

2005 ( * )

%

nº de

cooperativas em

2012 (* * )

%

Ceará 13 5,00% 12 8,16%

Alagoas 5 1,92%

Goiás 22 8,46% 14 9,52%

Distrito Federal 1 0,38%

Bahia 14 5,38%

Maranhão 6 2,31% 7 4,76%

Mato Grosso 2 0,77% 1 0,68% 1 1,47%

Mato Grosso do Sul 5 1,92% 4 2,72% 4 5,88%

Minas Gerais 31 11,92% 4 2,72%

Paraíba 9 3,46% 8 5,44%

Pará 1 0,38% 1 0,68%

Paraná 21 8,08% 7 4,76% 7 10,29%

Pernambuco 19 7,31% 12 8,16%

Piaui 7 2,69% 8 5,44%

Rio de Janeiro 6 2,31% 5 3,40% 3 4,41%

Rio Grande do Norte 5 1,92% 8 5,44%

Rio Grande do Sul 20 7,69% 16 10,88% 15 22,06%

Rondônia 0 0,00% 1 0,68%

Santa Catarina 38 14,62% 21 14,29% 21 30,88%

São Paulo 33 12,69% 17 11,56% 16 23,53%

Sergipe 2 0,77% 1 0,68% 1 1,47%

SOM A 260 100,00% 147 100,00% 68 100,00%

Fonte: Adaptado de Avaliação do Cooperativismo no Brasil. (Pinho, 1981, p.75), (ANEEL, 2012) (*) Quadro

demonstrativo da Situação dos Processos de Regularização das Cooperativas - SCT/ANEEL e (**) Número de

cooperativas regularizadas e com processo em andamento de regularização como autorizadas ou permissioná-

rias junto a ANEEL – SCT/ANEEL (2012)

Quadro 3 - Situação dos Processos de Regularização das CE

Permissionárias Autorizadas Permissionárias Autorizadas

Rondônia 1

Para 1

Piaui 8

Maranhão 7

Ceará 12

Rio G. do Norte 8

Pernambuco12

Paraíba 8

Sergipe 1 1

Minas Gerais 4

Rio de Janeiro 5 1 2

São Paulo 17 10 3 2 1

Paraná 7 1 3 1 2

Santa Catarina 21 17 4

Rio G. do Sul 16 8 2 5

Mato Grosso 1 1

Mato G. Sul 4 4

Goiás 14

38 12 14 4

T otal por Situação

SITUAÇÃO DAS COOPERATIVAS DE ELETRIFICAÇÃO EM 31/05/2012nº de

Cooperativas

no ano de

2005

Estado Região

N

NE12 - Em processo de Transf. para a

concessionária

8 - Ativos Transferidos

Processos em andamentoPleito Indeferido/Ativo Transferido à

Concessionária e em transferência

Regularizadas

1 - Indeferido

1 - Indeferido

7 - Indeferidos

8 - Indeferidos

12 - Indeferidos

8 - Indeferidos

4 - Indeferidos

2 - Atendimentos Transferidos

CO

S

SE

14 - Ativos Transferidos á

50

79

18

T OT AL

1 - CER incorporada pela CERVALE

1 - CER adquirida pela CPFL

14779

Fonte: Adaptado do quadro demonstrativo da situação dos processos de regularização das cooperativas. Supe-

rintendência de concessões e autorizações de transmissão e distribuição - SCT/ANEEL (2012).

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indicação da própria Celpe. Fernando, enquanto funcionário da Celpe, supervisionara

a execução de projetos de eletrificação rural executados através da própria

concessionária, favorecendo a criação de contatos dentro da Celpe que indicavam a

ABC Engenharia para a realização dessas obras. Vale destacar a importância que o

networking e a característica pessoal de Fernando em cultivar relacionamento foi

importante para a criação de oportunidades que possibilitaram o surgimento a firma

e, posteriormente, seu desenvolvimento, como ressaltam Ana Maria e Erika,

pertencente à segunda geração da família e atualmente diretora administrativa e

comercial:

Como Fernando havia trabalhado na Celpe, as pessoas conheciam-no e confiavam nele. Quando a firma tinha aproximadamente dois anos de fundada, passaram a convidá-la para participar de licitações para obras de eletrificação rural de localidades, eram obras maiores que as obras de engenho. (Ana)

Ele [Fernando] tinha uma capacidade grande de cultivar relacionamentos. Ele tinha um bom relacionamento e penetração na Celpe e passava uma imagem de confiança. As pessoas gostavam dele e, assim, confiavam na empresa. (Erika)

Ainda durante a execução das primeiras obras de eletrificação rural dos

engenhos da Zona da Mata de Pernambuco, a equipe que compunha a firma em

tempo integral era apenas Ana Maria e Gustavo, além de outros dois colaboradores

que prestavam serviços administrativos sob demanda. As equipes de campo, para

execução das obras, eram formadas sempre que uma obra era contratada, poucos

funcionários eram fixos da firma.

Gustavo supervisionava a execução das obras, enquanto Ana Maria fazia as

atividades de escritório, auxiliada por uma única secretária. Estas atividades incluíam

rotinas de departamento pessoal, tesouraria e ainda levantamentos de quantitativos

de projeto para execução das obras, conforme ela destaca:

As linhas para os engenhos eram particulares. [...] A Celpe tinha um padrão técnico, a topografia passava as informações e tinha que levantar qual a estrutura a ser usada em cada poste. Ele [Fernando] recebia o projeto e eu fazia o levantamento. (Ana)

As condições nos locais de execução das obras favoreciam, em muitos casos,

a contratação de subempreiteiros locais, que tinham suas próprias equipes. Embora

a mão de obra fosse em geral de baixa qualificação, com o passar do tempo e

realização das obras, os melhores profissionais foram sendo contratados pela ABC

Engenharia, que, aos poucos, montava sua própria equipe.

Neste período, devido a restrição de recursos, os equipamentos necessários

eram alugados conforme a necessidade. Já em relação a capital de giro, Ana Maria

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relata que uma parte do valor dessas obras geralmente era pago a título de

adiantamento, mas normalmente o dinheiro recebido pela execução de uma obra era

usado para a compra de material para a execução da próxima obra. Ela relata ainda

que, quando necessário, recorria-se a empréstimos bancários e destaca:

A maior dificuldade era o capital de giro, pois tinha muito serviço que englobava material e mão de obra. [...] Tudo o que a gente ganhava, colocava de volta na própria firma. (Ana)

A partir de 1976, a ABC Engenharia passou a ser convidada pela Celpe para

participar de licitações para a execução de obras de eletrificação rural de localidades

do interior do estado de Pernambuco. A firma passou então a executar obras para a

concessionária sob a modalidade carta-convite. Segundo relata Ana Maria, esses

convites passaram a ocorrer em parte por meio do relacionamento de Fernando dentro

da Celpe, mas também pelo reconhecimento do trabalho que vinha sendo feito nos

engenhos.

A partir deste momento, a exigência maior do cliente com relação a

apresentação de corpo técnico no quadro funcional da empresa prestadora de serviço

e a execução de obras de maior porte motivaram a decisão da transferência das cotas

de participação societária de Ana Maria para Fernando. Neste período também, Jairo

passou a ser sócio da firma, embora seu relacionamento profissional com a mesma

não tenha sofrido alteração. Posteriormente, uma nova alteração societária foi

realizada, em 1978, quando Gustavo sai da sociedade devido a desentendimentos

entre ele e Fernando.

4.3.2. Infância (1980 a 1989)

Fernando, no entanto, permaneceu em seu cargo à frente da SPIG em

Pernambuco, até 1980, quando a ABC ganhava robustez e começava a provar sua

viabilidade. Neste mesmo ano, ocorreu a construção de sua sede própria, após a

aquisição de terreno na Rua Guaporanga, número 35, onde está localizado o escritório

central da firma até os dias presentes. Ana Maria destaca esta como uma das

primeiras conquistas com a utilização de recursos próprios:

Fernando saiu da SPIG quando percebemos que a firma já conseguia nos manter. [...] Compramos o terreno e construímos a sede com recursos próprios. Era uma casa simples, pequena, com uma área de galpão atrás. (Ana)

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Ainda no início da década de 1980, a ABC Engenharia passou a funcionar em

um novo ritmo, sobretudo com a diversificação dos serviços prestados, o que

demandou alterações na forma como a firma estava estruturada. Com a saída de

Fernando da SPIG, este pôde dedicar-se de maneira integral às atividades da firma,

consolidando uma estrutura hierárquica em que ele assumiu responsabilidade pelas

partes técnica e comercial da ABC Engenharia. Com uma maior estrutura, Ana Maria

passou a dedicar-se às atividades relacionadas ao financeiro e tesouraria, enquanto

uma equipe de setor pessoal foi criada para tratar questões que diziam respeito à

contratação de funcionários. Ana Maria relata, inclusive, que neste período a firma

experimentou um crescimento no quadro funcional, principalmente devido a formação

de equipes para os novos serviços e obras que passaram a ser executados.

A experiência que Fernando tivera até então contribuiu para que a ABC

Engenharia pudesse participar cada vez mais de licitações em diversos órgãos

públicos, expandindo assim a área de atuação da empresa. Ana Maria relata que eles

perceberam as oportunidades que existiam em outros órgãos e começaram a ganhar

esses outros contratos, para os quais foi necessário montar equipes de acordo com a

especialidade do serviço contratado. Ela relata ainda ser de relativa facilidade a

formação das equipes, embora a mão de obra não fosse de grande qualificação à

época:

As exigências eram menores, não se exigia certificado de cursos de capacitação, como hoje. [...] Os próprios funcionários geralmente indicavam outras pessoas, quando a gente precisava. O relacionamento entre o patrão e o funcionário era mais facilitado, mais saudável, então, muitas vezes, trazíamos parentes e pessoas conhecidas dos funcionários, que vinham do interior. (Ana)

Assim, o esforço comercial da firma foi direcionado à participação de processos

licitatórios em órgãos públicos. Estes eram identificados quer pela leitura de jornais

de grande circulação, quer por relacionamento e contatos nos próprios órgãos. Como

resultado, a firma aumentava o volume de serviços, executando obras elétricas e civis

para clientes públicos, como a Companhia Pernambucana de Saneamento

(Compesa) e Prefeitura da Cidade do Recife (PCR). Além disso, também foram

executadas obras para clientes do setor privado, dentre os quais merece destaque o

Banco Itaú, para o qual a ABC Engenharia executou obras de reforma de agencias e

instalação de caixas eletrônicos em diversas cidades pelo Nordeste.

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Ainda em relação a este primeiro período de crescimento mais acelerado da

firma, Ana Maria relata duas características de Fernando que se tornaram marcantes

neste período da trajetória da ABC Engenharia.

Primeiro, ela comenta sobre a proximidade que Fernando buscava ter com os

funcionários, apesar da hierarquia que se mantinha. Para ela, a firma conseguia

desenvolver um relacionamento de confiança com seus funcionários, o que teria

ajudado a empresa a consolidar sua imagem de firma séria e honesta perante seus

stakeholders. Ela lembra como o valor que seu marido punha nesta relação com o

pessoal de campo como fato causador de um receio pessoal quanto ao crescimento

da firma, o que dificultaria seu controle e prejudicaria esta relação, segundo sua visão.

Ela relata:

A gente conhecia quase todos eles pelo nome, inclusive eu também conhecia. Ainda hoje conheço alguns que ainda estão lá, que eram daquela época. A gente conhecia todo mundo por nome, encarregado de turma, supervisor, motorista. Isso criava um laço de amizade, um relacionamento mais saudável entre a firma e os funcionários. (Ana)

Segundo, Ana Maria expõe a importância que Fernando dava à reputação da

empresa e ao legado que deixaria para sua família, em especial porque a firma levava

seu sobrenome. Conforme ela narra, muitas vezes isto causava-lhe preocupação

quanto ao futuro, o que gerava certa aversão a risco e receio de investir. Contudo,

Ana Maria tinha a visão de que era preciso continuar investindo para criar condições

para crescer e, enquanto responsável pelas finanças da firma, incentivava Fernando

a fechar novos contratos, ainda que estes demandassem novos investimentos em

equipamento e pessoal, muitas vezes provocando o reinvestimento do fluxo de caixa

gerado pela firma.

Foi sobre este plano de fundo que a ABC Engenharia se desenvolveu ao longo

desta primeira fase. Com o crescimento do número de equipes e volume de serviço,

a firma passou a demandar pessoal de confiança para ajudar na gestão e desenvolver

o negócio. Neste sentido, Ana Maria afirma que ela e Fernando viam com bons olhos

o envolvimento direto de parentes na firma, apesar da experiência não ter sido exitosa

com o irmão de Fernando, nos primeiros anos da empresa. Via-se nos parentes mais

próximos, um pool de pessoas de confiança que estariam dispostas a ajudar e que

viriam aquilo como uma oportunidade de desenvolvimento, como narra Ana Maria.

Éramos uma família muito unida [se refere a seu lado da família] [...] um ajudava muito o outro. Era todo mundo no mesmo nível financeiro, então um ia ajudando o outro quando estava precisando. (Ana)

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Foi assim que dois de seus irmãos passaram a envolver-se diretamente com a

ABC Engenharia. Embora tenham tomado trajetórias distintas na organização, suas

passagens pela firma tiveram consequências importantes para a forma como esta se

organizou nas próximas décadas.

Por volta do ano de 1987 e por motivos de saúde na família, Ana Maria e

Fernando ausentaram-se do dia a dia da empresa. Inicialmente, o afastamento fora

previsto para um curto período de quinze dias, porém Fernando e Ana Maria ficaram

ausentes da direção da firma por aproximadamente nove meses.

Alguns anos antes, Erwin Luciano, irmão de Ana Maria, iniciara o curso de

graduação em Engenharia Mecânica. Em meados daquela de 1980, ele ingressou na

ABC Engenharia como estagiário, passando a acompanhar os serviços que vinham

sendo prestados pela firma. Com a ausência dos sócios da empresa conforme

mencionado, Erwin Luciano, então recém-formado engenheiro mecânico, precisou

assumir o controle da firma integralmente, sendo responsável tanto pelas atividades

de campo, quanto administrativas, para as quais recebeu apoio de seu pai.

Segundo relato de Ana Maria, este foi um período difícil para a firma, podendo

ser considerado o primeiro momento de crise da empresa. A ausência de dois dos

membros da diretoria, associada aos problemas enfrentados no âmbito da família

impuseram sérias restrições ao momento de expansão pelo qual passara a ABC

Engenharia.

Ana Maria narra que, durante este período, a contratação pelos clientes ocorria

em regime de empreitada por projeto, o que garantia volume de serviços prestados

apenas durante a realização daquela determinada obra. Era necessário, assim,

esforço constante para captação de novas obras, junto aos órgãos contratantes, de

modo a promover a operação da firma. No entanto, como reflexo da situação por que

passava a família, houve retração no volume de novos contratos, uma vez que Erwin

Luciano dedicou-se a executar obras já contratadas.

Dessa forma, Ana Maria conta que seu retorno e o de Fernando a suas

atribuições dentro da firma marcou um recomeço no sentido de captação de novos

contratos. Coube a Erwin Luciano e a Fernando a responsabilidade compartilhada

sobre as operações da firma e o reforço das atividades comerciais, quer de

prospecção de contratos, quer de relacionamento com os clientes, enquanto Ana

Maria retomou sua atribuição na área financeira.

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Ainda durante esta mesma década, Erika, filha de Ana Maria e Fernando,

iniciara o curso de graduação em Engenharia Elétrica na Universidade Federal de

Pernambuco. Tal escolha ocorrera sob influência de seu pai Fernando, que desejava

passar a firma e seu legado para a segunda geração da família, criando condições

para que ela pudesse seguir seu desenvolvimento. Vale destacar mais uma vez a

visão que Fernando tinha da relação próxima entre a família e a empresa, à medida

que via Erika como sua sucessora e tentava estimular nela o desejo de perpetuar seu

negócio, conforme relatam Ana Maria e Erika:

Ele [Fernando] queria que Erika perpetuasse o nome da firma, que a firma continuasse. (Ana)

[...] Meu pai me estimulou a fazer engenharia elétrica e eu pensei: “Bom, já que ele tem uma empresa de engenharia elétrica, vou fazer”. (Erika)

Erika optou por ingressar na empresa da família em 1988, ano em que a

turbulência provocada pelo distanciamento de Ana Maria e Fernando de seus cargos

começava a ser controlada. Até então, sua trajetória profissional compreendia duas

experiências relativamente curtas de estágio, sendo a primeira, em uma empresa

pública de transporte de passageiros, a segunda, em um escritório de projetos

elétricos. Ambas não atenderam sua expectativa, o que contribui para sua decisão de

assumir um papel dentro da firma.

Ao longo do tempo, a estrutura organizacional da ABC Engenharia passara por

mudanças, o que provocou criação de novos cargos e o crescimento dos setores

administrativos. Houve nesse período inclusive a contratação de uma secretária geral,

que respondia diretamente a Ana Maria, responsável pelas áreas financeira e de

tesouraria.

À época, o acompanhamento das obras e o controle da área de operações

seguia sobre o comando de Erwin Luciano e Fernando, que também exercia o cargo

de presidente. Cada equipe de campo era liderada por um encarregado, que,

juntamente com suas equipes, respondia a dois supervisores, estes com formação

técnica. Os supervisores, por sua vez, respondiam diretamente à diretoria.

Ao ingressar na ABC Engenharia, a intenção de Erika, ainda estudante de

engenharia, era de aproximar-se da área técnica da empresa. No entanto, apesar de

cursar engenharia e ser da segunda geração da família, ela relata ter sentido

resistência por parte dos supervisores à época em lhe conceder autoridade, o que a

fez optar por seguir para a área comercial, envolvendo-se nos processos licitatórios

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que a empresa participava, desenvolvendo propostas técnicas e comerciais e

efetivamente participando das licitações, que, naquele tempo, ocorriam

presencialmente.

Até então, o responsável pelas atividades ligadas à participação em licitações

e preparação de propostas era Fernando, que contava com o apoio de Erwin Luciano.

À medida que Erika foi assumindo estas atividades e ganhando experiência nos

processos, ela relata que seu pai foi deixando de participar diretamente de tais

atividades. Erika comenta seu interesse pelos processos que passou a participar:

Quando eu participava de licitação, eu gostava, eu tinha adrenalina. [...] Eu gostava principalmente de analisar a parte documental das propostas. Eu sentia que eu conseguia descobrir erros em outras propostas e já sabia o comportamento dos concorrentes. (Erika)

Dessa forma, segundo seu relato, seu trabalho contribuía para a captação de

novas obras e contratos. Ela cita como os principais clientes para os quais a ABC

Engenharia prestou serviço a Celpe, cujos contratos compreendiam obras de

eletrificação rural e iluminação pública, PCR e Compesa, que contratava a firma para

energização de subestações elétricas e instalação de quadros elétricos para operação

de estações de tratamento de água, incluindo o fornecimento dos quadros, conforme

mencionado anteriormente.

Uma vez que os serviços prestados eram muito concentrados em órgãos

públicos, o regime de contratação seguia a legislação vigente à época, que regulava

o procedimento licitatório para a Administração Pública. Deste modo, contratava-se

normalmente por preços unitários, quantitativos referentes a execução de obras

específicas.

Em 1989, Fernando e Ana Maria concordaram em incluir Erwin Luciano na

sociedade, dado seu importante papel na condução do negócio anos antes, durante

a fase em que estiveram ausente, e sua relevância para o modo como a organização

estava estruturada. Assim, neste ano, Jairo sai da sociedade, para a entrada de Erwin

Luciano. A Figura 4-4 representa o envolvimento de familiares na firma, no final da

década de 1980.

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Figura 4-4 - Envolvimento familiar na organização, final da década de 1980.

O crescimento da organização impôs também a necessidade de ampliação de

seu espaço físico. Segundo conta Ana Maria, a firma adquirira um novo terreno

situado à frente de sua sede, num momento em que a empresa estava com dinheiro

em caixa e tendo em vista necessidade futura de expansão das instalações físicas da

firma. Nesta área, foi construída uma oficina de apoio aos veículos da empresa, além

de servir como local para estacionamento da frota. Além disso, muitos dos

trabalhadores que compunham as equipes de campo eram originários de cidades do

interior do estado, o que implicava a necessidade de áreas de alojamento de pessoal.

Estes trabalhadores eram então alojados em imóveis alugados nas localidades onde

executavam-se as obras.

Também por volta do ano de 1989, Carlos Roberto, irmão de Ana Maria,

trabalhava com seu pai e outros dois de seus irmãos. A Difermaq Máquinas e

Representações era a segunda empresa fundada e dirigida pelo pai de Ana Maria,

que comercializava e distribuía máquinas e ferramentas. Carlos Roberto, formado em

administração de empresas, era responsável pela área de vendas, juntamente com

seu irmão, Fernando Petrúcio, enquanto seu irmão mais velho, Ernst, e seu pai

lidavam com as atividades administrativas da firma.

As vendas desta empresa chegaram a abranger outros estados do Nordeste,

além de Pernambuco, como Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. Ocorre que, já

por volta deste referido ano, a empresa enfrentava um cenário de competição mais

intensa, sobretudo com a instalação de grandes lojas e redes do mesmo segmento.

Com isso, a empresa entrara num processo de declínio que a conduziria ao fim alguns

anos mais tarde. Neste contexto, Carlos Roberto passou a direcionar suas vendas

para clientes menores, localizados no interior do estado, o que o demandava menos

tempo de sua rotina diária.

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Fernando tomou, então, a iniciativa de convidar seu cunhado Carlos Roberto

para gerenciar a compra de suprimentos e acompanhar o andamento de algumas

pequenas obras civis e de instalação de caixas eletrônicos que a ABC Engenharia

passara a executar no interior do estado. Fernando, enquanto responsável técnico

pelas obras, prestaria a assistência que fosse necessária para a atividade. Carlos

Roberto seguia desempenhando sua função na empresa de seu pai, mas iniciava,

assim, seu envolvimento com a ABC Engenharia. Esta condição só seria alterada

posteriormente, em 1991, quando Carlos Roberto decidiu deixar a Difermaq e passa

a ser funcionário da ABC Engenharia, assumindo o cargo de gerente administrativo.

4.3.3. Adolescência (1990 a 1999)

O ano de 1990 trouxe consigo marcos importantes na trajetória da ABC

Engenharia enquanto organização. Decisões estratégicas relevantes foram tomadas

e estas teriam grande impacto na forma como a firma estaria estruturada nos próximos

anos, refletindo, em muitas circunstâncias, os acontecimentos no ambiente de

competição e também no plano familiar.

O final da década de oitenta fora importante para a consolidação da posição da

ABC Engenharia perante seu principal cliente, a Celpe. Até então, poucos serviços

eram terceirizados pela concessionária, e as licitações por ela promovidas eram

basicamente referentes a obras de eletrificação rural e iluminação pública, apesar de

alguns outros serviços já serem terceirizados, em especial na área de construção de

redes e linhas elétricas.

A ABC Engenharia vinha aumentando sua participação na Celpe nas frentes

de serviço de eletrificação rural e iluminação pública, à medida que foi participando e

vencendo novos processos licitatórios. Além disso, começava a executar alguns

serviços também nas áreas de manutenção e construção, mas em menor escala. O

número de funcionários voltara a crescer para atender os novos contratos com a

Celpe, chegando em torno de 80 funcionários atuando diretamente nas obras da

concessionária, segundo estima Joaquim. No entanto, a parte mais significativa do

faturamento da firma provinha de obras civis.

Neste contexto, Fernando julgou oportuna a decisão de fundar uma nova firma,

que atuaria no mesmo segmento da ABC Engenharia e teria por objetivo disputar

processos de licitação e executar serviços pelos quais a ABC Engenharia não teria

interesse, quer fossem obras de menor porte, quer fossem tipos de obras diversos,

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para clientes outros. Portanto, em 1990 nasceu a Livre Serviços Gerais Ltda, cuja

composição societária era dividida entre Ana Maria, detentora de 50% do capital

social, Erwin Luciano e Ana Filizola, sua esposa, que detinham juntos os outros 50%

do capital da empresa.

Por trás desta decisão, três fatores devem ser destacados, sob o ponto de vista

da estratégia de Fernando. Primeiro, seu objetivo era aumentar a participação da

organização familiar na Celpe, que já se apresentava como seu maior cliente no

segmento de obras elétricas. Segundo, ao estabelecer uma nova firma, que passaria

a executar seus próprios contratos, as novas contratações de pessoal seriam feitas

por meio desta nova empresa, não pela ABC Engenharia, evitando o inchaço da

estrutura organizacional desta última. Terceiro, a nova firma serviria o propósito de

apaziguar certos conflitos internos à organização que começavam a existir e os quais

serão detalhados mais à frente.

A Livre funcionaria dentro da própria estrutura da ABC Engenharia, com quem

compartilharia recursos nas áreas administrativas. Apesar de a firma ter seus próprios

contratos e, a princípio, executar suas obras com pessoal e equipamentos próprios,

na prática, havia completo intercâmbio de recursos produtivos, segundo necessidade

de uma ou outra firma, e os resultados apurados a partir dos serviços prestados eram

somados e repartidos entre os sócios de facto do grupo econômico que surgira. Ou

seja, fazia-se um apurado dos contratos das duas empresas e repartiam-se os

resultados entre Fernando, Ana Maria e Erwin Luciano.

Ao retirar-se da sociedade que compunha a ABC Engenharia, intensificou-se

em Erwin Luciano um sentimento de que ele vinha perdendo força perante a

organização. Na verdade, foi-se intensificando um conflito que havia começado

quando Erika, único membro da segunda geração da família a exercer algum tipo de

envolvimento na empresa, assumiu a área de licitações da ABC Engenharia.

Em meio a este contexto, no plano familiar, Erika havia casado alguns anos

antes e seu marido, Joaquim, residia em Salvador, onde atuava como engenheiro

mecânico, em uma indústria do setor petroquímico. Fernando temia que sua filha, em

sua primeira gravidez, mudasse para Salvador, afastando-se da firma e,

possivelmente, prejudicando seu convívio familiar. Então, após o nascimento de seu

primeiro neto, Fernando convidou Joaquim para trabalhar na ABC Engenharia. Esta

decisão ampliaria o número de familiares envolvidos diretamente na organização,

conforme consta na Figura 4-5.

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Figura 4-5 - Envolvimento familiar na organização, início década de 1990.

De acordo com o relatado por Joaquim, ele buscava uma oportunidade

profissional para Recife por motivos pessoais e familiares. Além de sua esposa estar

grávida, sua cunhada passava por uma situação de saúde muito instável, que

demandava a presença de Erika no ambiente familiar. Diante desta situação, Joaquim

comenta ter sido a partir do final de 1989 o início de seu retorno, em especial após

uma temporada de férias em que ele desempenhou algumas pequenas tarefas na

ABC Engenharia, o que reforçou o interesse de Fernando em trazê-lo para a

organização.

Joaquim, que tinha um perfil compatível com a área técnica e de operações,

ingressou na firma em outubro de 1990, quando foi chamado pelo sogro para executar

uma obra de montagem eletromecânica de uma subestação elétrica para a Saelpa,

concessionária de distribuição de energia elétrica da Paraíba. Concluído este primeiro

desafio, outras obras seriam passadas para sua responsabilidade entre os anos de

1991 e 1992. Neste período, a ABC Engenharia foi contratada para executar obras

em regiões geográficas distantes de sua base e que representavam um volume

financeiro representativo. Joaquim assumiu, então, as obras de construção de

matadouro público em Araripina/PE e de um complexo esportivo em Petrolina/PE,

ambas no sertão do estado.

Quando de sua admissão, Joaquim conta que houve uma redução de seu

salário em comparação à remuneração de seu antigo emprego. Por isso, ele relata

que Fernando passou a incentivá-lo a assumir alguns dos contratos fechados pela

Livre ou pela ABC Engenharia no seguinte sistema: ele adquiriria os veículos para

execução dos serviços e faria a gestão das equipes, enquanto a firma forneceria a

mão de obra. Em contrapartida, dos recebimentos provenientes dos serviços

executados, um valor relativo aos custos incorridos pela firma seria deduzido, cabendo

a Joaquim e Erika o resultado apurado. Esta era uma forma que Fernando enxergava

de estimular o desenvolvimento profissional de sua filha e seu genro a partir da

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construção de seus acervos técnicos, ao mesmo tempo em que oferecia uma

oportunidade de complementar sua renda.

Erika conta que, na época, a Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana do

Recife (Emlurb) realizava muitas licitações para obras de iluminação pública, dentre

as quais alguns contratos surgiram para ser executados por Erika e Joaquim. Um

desses contratos assumidos por eles, conforme relata Erika, envolveu também a

participação de Albérico, sobrinho de Ana Maria que deixou a organização para

trabalhar na empresa de seus pais.

Fechamos um contrato de iluminação pública na Emlurb e Albérico também trabalhou neste contrato. Eu e Joaquim assinamos o contrato, mas Albérico também tinha uma participação. (Erika)

Em relação a este primeiro contrato de iluminação pública aludido por Erika, há

Joaquim comenta que envolveu, no princípio, três caminhonetes. As primeira e

segunda foram adquiridas por recursos próprios que Joaquim poupara ao longo de

sua trajetória profissional até aquele momento, enquanto a terceira fora comprada

após sua saída do antigo emprego, com o dinheiro de sua indenização. Joaquim

comenta, inclusive, que este foi um contrato de certa representatividade para a

organização em termos de efetivo de mão de obra, uma vez que, naquele momento,

as equipes alocadas aos contratos de obras elétricas pela ABC Engenharia utilizavam

uma frota de cerca de seis caminhonetes e três caminhões.

Em paralelo, a reputação da ABC Engenharia e o relacionamento que

Fernando mantinha com integrantes da Celpe seguia promovendo oportunidades de

expandir a atuação da firma perante o cliente. Foi neste contexto que a firma foi

convidada pela concessionária para participar de um projeto piloto de terceirização do

serviço de corte e religação de consumidores, a partir de 1991. Este projeto serviria

para testar um novo modelo de terceirização da execução de tal serviço, antes

realizado através de equipes próprias da Celpe, e começaria abrangendo a Região

Metropolitana de Recife. Ana Maria e Erika destacam este episódio como um marco

importante para a firma consolidar-se como player de relevância na competição pelos

contratos de prestação de serviços para a Celpe.

Ana Maria relata ainda que nesta época a firma passaria da marca de 100

funcionários e que executar esse contrato demandou investimentos também para a

ampliação da frota. Segundo conta, inicialmente, a demanda era de três veículos

alocados a este serviço, dentre os quais dois seriam próprios e um alugado. No

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entanto, em pouco tempo a demanda da concessionária saltou para algo em torno de

vinte veículos destinados à prestação de tal serviço.

Erika expõe que a contratação deste serviço ocorria em regime de

disponibilidade, ou seja, o cliente contratava um quantitativo determinado de

equipe/dia, a um preço unitário correspondente a uma unidade de prestação de

serviço (UPS). Era assegurado em contrato uma remuneração mínima diária por

equipe à disposição. Durante o período em que a Celpe era controlada pelo governo

estadual, esta forma de contratação de serviço era muito frequente.

Devido à dinâmica da operação desta modalidade de serviço e do crescimento

da demanda por parte do cliente, havia a necessidade de um gestor dedicado a

acompanhar e monitorar o desempenho do contrato, liderando um supervisor de nível

técnico, que coordenava as equipes de campo. Conforme pode ser constatado em

contratos da época, uma equipe seria composta por dois profissionais devidamente

capacitados e equipados, que seguiriam uma programação de execução de corte e

religação de consumidores seguindo priorização sequência de atuação e

procedimentos da própria Celpe. Dado que tal serviço abrangia distâncias geográficas

razoáveis, com um número considerável de equipes e veículos envolvidos, fazia-se

necessário também um controle cauteloso da utilização da frota de veículos alocadas

a este contrato, com impacto direto sobre a rentabilidade dos serviços. Coube, então,

a Carlos Roberto, irmão de Ana Maria, o papel de gestor dos contratos de corte e

religação. Ele fora contratado como gerente responsável pelo gerenciamento da frota

da firma.

O bom desempenho obtido pela ABC Engenharia durante o início deste serviço

garantiu à organização continuidade na prestação desta modalidade de serviço à

concessionária por vinte anos. Ademais, este serviço era visto pelo próprio cliente

como problemático, uma vez que gerava contato com o consumidor que iria ter seu

fornecimento de energia contato, ou aquele consumidor que aguardava a

reestabelecimento de seu abastecimento.

Joaquim concorda com Erika e Ana quanto aos primeiros anos da década de

1990 representarem um marco para a relevância da organização perante a Celpe.

Após a conclusão das obras civis do interior do estado, Joaquim assumiu a supervisão

das equipes de construção e manutenção de redes, linhas e subestações elétricas

atuantes nas obras da Celpe. Segundo opina, sua nova atribuição, juntamente com o

papel assumido por Carlos Roberto no contrato de corte e religação, colocava a

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organização numa posição mais estruturada. Para ele, isto contribuiu para a adoção

de uma postura comercial mais agressiva por parte de Fernando e Erwin Luciano no

tocante à aquisição de novos contratos com a Celpe.

Este reforço interno foi combinado com um momento em que a Celpe utilizava-

se de dispositivos legais para contratações com dispensa de licitação, dada a

essencialidade de seus serviços.

Apesar desse momento de expansão do faturamento da Livre e da ABC

Engenharia, conforme expõe Erika, o espaço aberto para que ela e Joaquim

realizassem sua empreitada potencializou o conflito que surgira com Erwin Luciano.

Como não havia uma estrutura de governança definida que garantisse a transparência

e o direito de cada um dos membros da família nos contratos executados pelas duas

empresas, Erwin Luciano percebia aquilo como prejudicial a seus interesses.

Consequência disto foi o acirramento do conflito com Erwin Luciano. O

resultado foi um início de 1994 em que se vivia, segundo relata Ana Maria, uma guerra

de poder interna à organização. Joaquim comenta que isto ocorria após um período

em que Erwin Luciano se afastara da empresa, por problemas de saúde. Ele comenta

ainda que, ao tentar reestabelecer sua rotina de trabalho, Erwin Luciano adotou uma

postura de desconfiança. Segundo conta, o clima foi deteriorando à medida que ele

verificava pessoalmente toda a movimentação de caixa realizada dia a dia, opondo-

se e questionando frequentemente certas transações.

Aparentemente, neste período, o clima conflituoso que se instalara impôs

entraves ao crescimento, fato que se observa na curva longitudinal de poder

econômico da organização. Há de se destacar, contudo, que nesta ocasião há

faturamento não contabilizado devido à indisponibilidade de dados relativos aos

serviços prestados pela Livre.

Naquele momento, segundo relata Joaquim, sob sua gestão e de Erika, a Livre

desenvolvia trabalhos na área de projeto e construção de linhas de transmissão

urbanas e rurais. Além disso, conforme relato dos diretores da empresa, dado o êxito

da ABC Engenharia no projeto piloto de corte e religação, a Celpe começara a

contratar outras empresas para a execução desses serviços, em outras áreas. A Livre

fora uma destas firmas, assumindo este serviço em parte da Região Metropolitana de

Recife.

Em razão da nova configuração da prestação de serviços pelas duas empresas

e da responsabilidade que Joaquim assumira na execução dos contratos da empresa

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Livre, Ana havia transferido suas cotas de participação na firma para Joaquim alguns

anos antes. Erwin Luciano e Ana Filizola permaneciam com a metade das cotas de

sociedade da firma.

A situação de conflito potencializada pela atitude de desconfiança e

questionamento de Erwin Luciano evoluiu para a ruptura da sociedade, ocorrida ainda

no ano de 1994. Com isso, teve início um tumultuado processo de cisão das duas

empresas, com impactos não apenas no funcionamento da organização, mas também

do relacionamento entre os envolvidos, no plano familiar. Sobre isto, Joaquim

comenta:

Ele [Erwin Luciano] prevaleceu-se da cláusula do contrato social que permitia alterações serem implementadas por dois dos seus sócios. Não chegou a haver litígio, mas foi preciso instituir dois advogados como representantes das partes. Não havia uma forma de resolver a situação através do diálogo. Ainda assim, Dr. Fernando abriu mão de muita coisa [...] (Joaquim)

Em referência à postura adotada pelo presidente da empresa, Joaquim destaca

pesar a cisão envolver familiares, o que possivelmente teria levado Fernando a fechar

um acordo com prejuízos para a ABC Engenharia, mesmo diante da indignação

manifestada por Erika e Joaquim. Assim, conforme relato dos envolvidos, Erwin

Luciano levava a Livre Serviços Gerais e, com ela, todos os contratos em andamento,

funcionários e equipamentos, o que o permitiu seguir desenvolvendo esta firma, que

passaria a se chamar Vencer Engenharia e Serviços Ltda.

A partir daí, na posição de concorrente da ABC Engenharia, Erwin Luciano

passou a disputar diretamente os processos licitatórios nos quais a ABC Engenharia

participava. A Celpe, inclusive, passou a ser seu cliente alvo, fato que garantiria a sua

empresa novos contratos no desenvolver da década.

Diante do ocorrido, a ABC Engenharia passava por um segundo momento de

grande turbulência, o que provocou alterações em sua estrutura organizacional. Esta

foi adotando a forma que funcionaria até o início dos anos 2000, quando novos

acontecimentos provocariam a necessidade de ajustes estruturais. Assim, o nível mais

alto da organização era composto por seu presidente e fundador Fernando, uma

diretoria integralmente composta por membros da família – Ana Maria seria diretora

financeira, Erika assumira a diretoria administrativa e comercial e Joaquim tornara-se

responsável pelas áreas técnica e de operações. Compunha ainda o nível gerencial

da empresa um gerente administrativo, Carlos Roberto, que acumulava também a

função de gestor do contrato de corte e religação com a Celpe, uma secretária geral

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e um gerente de departamento pessoal e financeiro, que respondia diretamente a Ana

Maria. Abaixo destes, estavam as equipes técnicas e administrativas de cada um dos

setores coordenados pela direção.

Merece destaque, entretanto, a estrutura operacional sobre a qual a firma

funcionava. Esta era dividida por contrato, que variava segundo a modalidade de

serviço executada e a região de atuação, além de uma equipe de saúde e segurança

no trabalho, responsável por apoiar todos os contratos. A equipe de cada contrato era

composta por supervisor e equipes de mão de obra direta, incluindo os encarregados

de turma.

Entretanto, a ABC Engenharia perdera sua empresa coligada que, ao exercer

papel de concorrente, permitia a execução de uma estratégia de diversificação das

operações da organização, seja em função das modalidades de serviços prestados,

seja no porte das obras executadas. Fernando acreditava haver espaço para crescer

e achava que a criação de uma terceira empresa seria um caminho para isso. Deste

modo, em 1994 surgiu a FF Engenharia e Serviços Ltda.

Analogamente ao que ocorrera quando da criação da Livre alguns anos antes,

a decisão de estabelecer a FF Engenharia também atendia a objetivos outros além da

diversificação dos serviços e ampliação da participação do grupo econômico dentro

da Celpe. Fernando via também na criação da FF Engenharia uma forma de

proporcionar novas oportunidades a Erika e Joaquim, que poderiam seguir

prospectando e executando contratos independente da ABC Engenharia. Agora, mais

do que por questão de portfolio técnico, Fernando via a oportunidade de construção

do patrimônio familiar do casal, que deteria 50% da composição societária da nova

firma, juntamente com Ana Maria, detentora dos demais 50%.

Ocorre que, apesar do início dos anos noventa ter sido marcado por

dificuldades no plano macroeconômico brasileiro e de deterioração do modelo

adotado para concessionárias públicas no país, do ponto de vista do prestador de

serviço, a Celpe oferecia oportunidades de crescimento. Por outro lado, conforme

conta Erika, o relacionamento comercial que a ABC Engenharia construíra ao longo

dos anos e a reputação de seus serviços abriam portas e propiciavam o

desenvolvimento de relação de parceria entre a prestadora de serviço e o cliente.

Sob a gestão de Miguel Arraes, então governador de Pernambuco, houve um

fato relevante para a trajetória da ABC Engenharia e sua participação na Celpe.

Durante este período, foi lançado e implementado o projeto “Luz que Produz”,

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programa de eletrificação rural de localidades que serviria de base para o programa

federal “Luz para Todos”. O projeto possuía metas ousadas para eletrificação de

comunidades rurais no estado de Pernambuco e representou volume significativo de

novas obras. Ao longo da duração do programa, a ABC Engenharia executou um

grande número de obras de eletrificação rural, em todas as regiões do estado.

Além disso, Erika conta também que, apesar de ser um órgão público vinculado

ao estado de Pernambuco, a Celpe era em geral adimplente com suas obrigações

relativas aos prestadores de serviço, e não eram comuns atrasos no recebimento

pelos serviços executados, situação diferente que a vivenciada em outros órgãos e

autarquias públicas. Este fato condiz com a informação exposta por Ferreira (2000),

que apresenta uma razão dívida/ativo da Celpe de 3,50%, em 1995, índice

consideravelmente inferior à média do setor elétrico de 13,98%, ambos valores em

dólares. Apesar disso, ela recorda que os programas e planos variavam muito em

função das diferentes gestões no nível político e a alternância de poder e politicagem

existente, inclusive, impunha dificuldades à gestão dos contratos:

Eu lembro de um período difícil que passamos durante o governo de Miguel Arraes [o último governo Miguel Arraes compreende o período de 1994 a 1998]. Houve períodos em que a Celpe retinha o faturamento e, para pagar às prestadoras de serviços, aplicavam deságio, mas foi algo pontual. (Erika)

Diante de um cenário em que seu principal cliente passava a adotar um modelo

operacional sustentado pela contratação de terceirizados e ampliava os projetos de

eletrificação rural a serem executados, a partir de 1994 a organização como um todo

passou a concentrar seus esforços comerciais nos processos licitatórios ocorridos

dentro da Celpe. Assim, foram surgindo contratos para execução de obras específicas

da Celpe, com destaque para as de eletrificação rural, e também para a prestação de

serviços de construção e manutenção de redes de distribuição e linhas de

transmissão, manutenção de iluminação pública, manejo de vegetação e podação. A

Figura 4-6 apresenta a cronologia dos os principais contratos da organização para o

período entre os anos 1995 e 2000.

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Figura 4-6 - Cronologia dos principais contratos, período de 1995 a 2000.

Erika expõe que, dada a vigência da chamada Lei de Licitações (no 8.666/93),

enquanto empresa estatal, a contratação para a execução de obras pela Celpe ocorria

majoritariamente via processos licitatórios, que, em sua maioria, aconteciam na

modalidade de concorrência presencial. Já os contratos de prestação de serviços,

sobretudo até o início do governo de Miguel Arraes, em 1995, costumavam ocorrer

em regime emergencial, com dispensa de licitação. Para isso, a Celpe utilizava-se de

artifício legal que viabilizava a contratação em razão da essencialidade de seus

serviços.

Neste sentido, Joaquim comenta ser à época o maior volume de faturamento

relativo a Celpe proveniente dos contratos para execução de obras. Estas obras eram,

em sua maioria, realizadas no interior do estado e, no contexto da concessionária

estatal sob controle do governo estadual, frequentemente utilizadas como instrumento

político. O resultado disto era a forte dependência da liberação das obras em relação

ao cenário político, que muitas vezes travava ou liberava recursos em função de

alinhamento político com o governo federal, proximidade de processos eleitorais,

dentre outros fatores.

Ainda segundo Erika relata, as contratações eram feitas por preço unitário e

ocorriam segundo prazo e necessidade da contratante, sendo muitas vezes realizadas

contratações de determinados quantitativos de serviços que geravam um saldo a ser

consumido durante o período de vigência do contrato. Esta prática, em muitos casos,

levava a necessidade de celebração de termos aditivos, sendo muitos deles

retroativos, com objetivo de acrescentar quantitativos e/ou reajustar preços, ou

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prorrogar prazos. Também em função do mecanismo de contratação com dispensa

de licitação, eram contratos com volume financeiro limitado e prazos curtos de

vigência, o que justificava a menor relevância destes contratos naquele momento

aludido por Joaquim.

Outro fato que merece destaque relativo às contratações para prestação de

serviço é que os contratos abrangiam áreas geográficas determinadas, organizadas

de acordo com a lógica das operações da concessionária, o Estado de Pernambuco.

Estas área administrativo-operacionais eram chamadas distritos regionais. Erika

comenta que, com o passar dos anos, a ABC Engenharia e a FF Engenharia foram

concentrando sua atuação nos chamados distritos Metropolitano Sul e Cabo,

abrangendo áreas ao sul da Região Metropolitana de Recife, Litoral e Zona da Mata.

Em períodos alternados, ambas as firmas chegaram a atuar em regiões geográficas

outras; foi o caso, por exemplo, do contrato de podação executado pela FF

Engenharia na região de Garanhuns, Agreste do estado, em 1999, ou ainda das obras

de eletrificação rural, concentradas no interior de Pernambuco, à época.

Segundo comenta Erika, a concentração das operações das duas firmas nos

distritos regionais mencionados era vista com bons olhos pelo presidente da

organização. Fernando acreditava que esta área de atuação, além de maior

visibilidade das duas empresas perante o cliente e a sociedade, oferecia oportunidade

de desenvolvimento futuro, uma vez que o distrito Cabo envolvia uma área com

razoável quantidade de indústrias instaladas e com alto potencial de atração de novos

investimentos, uma vez que ali estava localizado o Complexo Portuário e Industrial de

Suape. Via-se, então, naquela área um pool de potenciais clientes para os quais as

duas empresas poderiam prestar serviços e executar obras elétricas.

Por razão do aumento das operações e das oportunidades visualizadas,

decidiu-se estabelecer um escritório na cidade do Cabo de Santo Agostinho.

Inicialmente, este escritório foi instalado em um imóvel alugado, próximo à sede do

Distrito Regional Cabo. No entanto, pouco tempo depois, o imóvel não mais oferecia

condições de acomodar a estrutura que as operações demandavam. A organização

decide, então, transferir sua base operacional para um outro galpão alugado, que

oferecia maior estrutura física. Ademais, para atender à demanda de serviços, a ABC

Engenharia e a FF Engenharia expandiam seu quadro funcional e investiam na

compra de novos equipamentos próprios. Uma nova transferência ocorreria em 2010,

com a finalização da construção de galpão próprio cujas instalações abrigam o

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pessoal de supervisão e coordenação das equipes de campo, além da utilização de

áreas para armazenamento de material frota.

O processo de concentração da área de atuação nos distritos mencionados

teve início em 1995, quando são assinados os contratos para prestação de serviços

de corte e religação de unidades consumidoras em baixa tensão. Neste momento,

enquanto a FF Engenharia atendia a demanda pelo serviço no distrito Metropolitano

Sul, a ABC Engenharia fora contratada para a prestação destes serviços no distrito

Cabo. Na verdade, conforme mencionado anteriormente, a ABC Engenharia fora

pioneira na terceirização desta modalidade de serviço pela concessionária, mas os

novos contratos foram importantes para a consolidação da posição competitiva da

organização e ficaram vigentes de 1995 até 2000, período imediatamente anterior à

privatização da concessionária.

Foi também durante este período que a organização ampliou sua participação

na concessionária diversificando o portfolio de serviços prestados. Os principais

contratos vigentes neste período podem ser constatados no Quadro 4-4. Estes foram

demandando novas contratações, elevando gradativamente o quantitativo de pessoal

empregado nas duas empresas (vide Gráfico 4-5).

Os anos de 1996 e 1997 trouxeram novos contratos para a ABC Engenharia.

A firma executou obras para a Empresa Brasileira de Correios e Telegráfos e

Compesa. O contrato com os Correios englobava a manutenção de subestações em

periodicidade contínua e trimestral. À Compesa, a empresa prestou serviços de

manutenção de poços da companhia.

Quadro 4-4 - Principais contratos com a Celpe no período de 1995 a 2000.

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Gráfico 4-5 - Quantitativo de funcionários, período de 1995 a 1997.

Joaquim relata também neste período a alocação de equipes de prontidão para

atendimento da Região Metropolitana de Natal (RN), através de contrato firmado com

a Cosern, concessionária local, pouco tempo antes de sua privatização, ocorrida em

1997. Conforme conta, o contrato foi perdido quando um novo processo licitatório foi

realizado, para o qual um prestador de serviço local apresentou proposta com preço

inferior.

Ainda na segunda metade da década de 1990, o país promovia um processo

de enxugamento da máquina estatal através da privatização das empresas

concessionárias de serviços públicos. No contexto das telecomunicações ocorriam

transformações análogas às que se implementavam no setor elétrico, alterando o

modelo institucional centralizado que, até então, funcionava através da holding

Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás), companhia de capital misto que

controlava as operadoras de telefonia de cada estado, através da gestão da

participação acionária do governo federal.

A privatização do sistema Telebrás e das empresas que o compunham este

ocorreu em 1998, sendo as operadoras estatais divididas entre suas operações de

telefonia fixa e móvel. As operadoras foram agrupadas em lotes e vendidas em leilão

internacional. Esta foi uma decisão do governo federal, que acreditava que as

operadoras de telefonia deveriam ter abrangência regional.

Especificamente as áreas de cobertura dos serviços de telefonia móvel foram

divididas em dez lotes de concessão a serem leiloados. A Telpe Celular, operadora

com cobertura em Pernambuco, integrou o lote 5, a Tele Nordeste Celular, que foi

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vendida para o consórcio liderado pela Telecom Itália (Tim). Este sistema, passaria a

ser chamado banda A.

Em 1997, o governo federal promoveu uma sequência de licitações públicas

para novas concessões do que seria chamado de banda B, loteadas segundo a

divisão determinada para a privatização do sistema Telebrás. O objetivo era, através

do incentivo à competição, criar as condições necessárias para atingir a meta de

ampliação e universalização dos serviços de telecomunicação no país. A

concessionária vencedora do lote 10 da banda B foi a BCP Telecomunicações S.A.

Com isso, este período de reforço dos investimentos em telecomunicações

abriu a oportunidade de intensificar a atuação da organização na prestação de

serviços neste segmento da engenharia. Na verdade, as primeiras iniciativas de

diversificação do portfolio de serviços prestados na direção das telecomunicações

teviram início entre os anos de 1994 e 1995, a partir de serviços executados para a

Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel). Posteriormente, através da FF

Engenharia, a organização começava a executar serviços no segmento de telefonia

móvel, sobretudo dentro dos projetos de investimento das novas concessionárias a

quem eram impostas grandes obrigações de investimento em infraestrutura, segundo

previsto nos contratos de concessão.

A oportunidade surgira através do relacionamento que a família possuía com o

engenheiro eletrônico Luís Cláudio, que mantinha boa rede de contatos entre tais

empresas e constituiu importante parceiro para a iniciativa relatada. A proposta era a

de que uma espécie de consórcio seria formada, de modo que Luís Cláudio, detentor

dos conhecimento e habilitação técnicos na área, seria responsável por coordenar e

monitorar a execução dos serviços, enquanto a FF Engenharia seria provedora da

mão de obra e responsável pela gestão dos contratos.

Assim, a FF Engenharia iniciou os serviços de instalação e testes de

equipamentos de estação rádio base e rádio digital SMF. Os primeiros serviços foram

prestados em regime de subcontratação através das empresas Ericsson

Telecomunicações S.A. e Alcatel Telecomunicações S.A. Estas empresas eram

fornecedoras de equipamentos de telecomunicação das operadoras de telefonia

móvel Tim e BCP – que se transformaria em Claro – com quem seus contratos de

fornecimento de equipamentos incluíam sua instalação e testes, estes

subcontratados. Joaquim comenta, inclusive, a relativa facilidade de captação destes

serviços, uma vez que eram atividades pouco atraentes para as grandes empresas

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atuantes no segmento, enquanto representavam uma interessante forma de

diversificação de serviços para a FF Engenharia.

Em paralelo com a execução dos serviços, Erika relata que foram surgindo

conflitos com Luís Cláudio. Segundo conta, apesar de o acordo ter sido feito nos

moldes de um consórcio, Luís Cláudio não possuía firma, fato que colocava a FF

Engenharia como única contratada. Assim sendo, cabia à empresa não só o

recebimento dos valores contratados, mas também todos os pagamentos das

obrigações devidas. Por isso, na visão da firma, devia-se deduzir dos valores

recebidos o passivo referente aos serviços para então ocorrer a divisão dos resultados

entre a FF Engenharia e Luís Cláudio, após o efetivo recebimento dos valores

faturados para os clientes. Tal desentendimento provocou, então, a ruptura do acordo,

cabendo a partir daí à FF Engenharia também a supervisão técnica dos serviços

prestados. A partir da a saída de Luís Cláudio do acordo, Joaquim considera de

significativa relevância sua participação em congressos e feiras do setor de

telecomunicações para construção do networking que garantiu a FF Engenharia

novas contratações.

Conforme comenta Erika, os serviços prestados para estes dois clientes,

embora ocorressem em subcontratação, trouxeram alta rentabilidade para a empresa

durante o período em que foram executados, o que durou aproximadamente quatro

anos. Ela comenta ainda que, à medida que executavam os serviços, foram surgindo

oportunidades de contratação direta por ambas as operadoras.

Para atender à demanda dos contratos na área de telecomunicações, a FF

Engenharia precisou agregar a sua estrutura uma área operacional, que contava com

um supervisor dedicado a estes contratos. Dada a natureza dos serviços executados,

as equipes atuantes neste segmento não exigiam grande número de funcionários, o

que contribuía para a rentabilizar destas atividades. Durante este período de

prestação de serviços em telecomunicações, a firma chegou a ter em torno de vinte

funcionários alocados a esta área, que executaram serviços não apenas em

Pernambuco, mas também nos estados de Sergipe, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do

Norte e Bahia. Dentre estes estados, Joaquim destaca como muito exitosa a

contribuição da firma para o processo de implementação do sistema BCP – atual Claro

– no estado da Bahia.

Porém, a prestação de serviços na área de telecomunicações foi perdendo

atratividade à medida em que as operadoras contratantes passaram a impor novas

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condições comerciais que ampliariam a necessidade de capital de giro destes

contratos. Posto que os serviços executados pela FF Engenharia, ainda que através

de contratação direta pelas operadoras, compunham projetos maiores, que

englobavam contratos com outras empresas, tais contratos perdiam atratividade ao

condicionar parcela significativa do pagamento pelos serviços executados à

conclusão do projeto global. Assim, Erika relata que estes passaram a ser

desinteressantes para a empresa.

É interessante notar o crescimento do faturamento das empresas a partir de

1995, o que reflete os novos contratos de prestação de serviços que foram fechados

no período. Em particular, chama atenção o crescimento da FF Engenharia frente à

ABC Engenharia, o que pode ser atribuído às obras realizadas para o setor de

telecomunicações, em especial a partir do ano 1997.

As oportunidades continuavam a surgir no fim da década de noventa. As

distribuidoras de energia do estado de São Paulo estavam entre as pioneiras no

processo de privatização do setor. Sob o novo controle privado, estas companhias

estavam obrigadas a investir em infraestrutura e expansão de rede, em atendimento

às condições pactuadas no contrato de concessão. Além disso, durante o fim da

década de 1990, o Brasil voltava a apresentar melhores condições de crescimento

econômico. Este cenário, para as empresas prestadoras de serviço no setor elétrico,

significava oportunidade de alto volume de obras e serviços a serem executados.

Fernando acreditava haver uma boa oportunidade para a organização

ingressar no mercado de prestação de serviços e terceirização no interior dos estados

de São Paulo e Paraná, respectivamente nas áreas de atendimento das

concessionárias Bandeirante e Copel. Segundo Joaquim comenta, Fernando percebia

naquela área grande potencial de crescimento, com a existência de um parque

industrial avançado em relação à realidade de Pernambuco à época, o que abriria

oportunidades de terceirização e prestação de serviços em engenharia. Erika conta

ainda que Fernando passou a almejar contratos com as concessionárias da região,

cujas condições contratuais em muito diferiam do que se vivia nos contratos com a

Celpe ainda estatal. Além disso, conforme explica, Fernando via nessas

concessionárias oportunidades de contato com novas tecnologias e níveis de

qualificação mais elevados.

Ele via oportunidade de trabalhar com linha energizada. Na verdade, era um sonho pra ele trabalhar com linha energizada, ele achava que poucas empresas tinham condições técnicas de executar serviços em rede energizada. (Erika)

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Impulsionado por este desejo e julgando o ingresso no mercado do interior

paulista como uma oportunidade importante para o crescimento da organização, a

ABC Engenharia chegou a realizar duas tentativas de inserção na região. A firma

chegou inclusive a participar de processo licitatório na concessionária Bandeirante.

No entanto, o processo foi posteriormente cancelado e a organização nunca obteve

êxito em suas tentativas de ingresso naquele mercado.

4.3.4. Maturidade (2000 a 2015)

O ano 2000 inaugurou uma nova fase na trajetória de crescimento da

organização. Sob a ótica do relacionamento comercial com a Celpe, as duas firmas

chegaram a um ponto de relevante participação nos serviços terceirizados pela

concessionária. Além disso, os contratos de prestação de serviços firmados no

período anterior, alguns deles ainda vigentes, representavam naquele momento

parcela significativa das receitas da organização. Por consequência, observa-se que

o crescimento da ABC Engenharia e FF Engenharia passou a depender fortemente

da demanda apresentada pelo contratante, que, em determinados momentos, seria

seu único cliente em atividade. A Figura 4-7 resume cronologicamente os principais

contratos do período em destaque.

No plano do ambiente, sob o mandato do governador Jarbas Vasconcellos, o

governo estadual inicia o processo de privatização da concessionária estadual de

eletricidade, cujo resultado seria a venda da companhia em 17 de Fevereiro de 2000,

por meio de leilão público, realizado na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro.

O contrato de concessão foi assinado em Março do mesmo ano. Com a

privatização da Celpe e transferência de controle para o Grupo Iberdrola, que

aconteceria nos meses seguintes, não representou quebra dos contratos com as

empresas prestadoras de serviço. Ao contrário, o posicionamento adotado pela nova

gestão foi o de prorrogar os contratos vigentes por um período de quatro meses e

renegociar preços contratados. Os termos aditivos celebrados revisaram, assim, as

condições contratadas e, na prática, impuseram redução dos preços dos serviços, até

que fosse iniciado um novo processo de contratação, seguindo os novos

procedimentos da companhia.

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Figura 4-7 - Cronologia dos principais contratos, período de 2000 a 2016.

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Erika relata que, sob a nova gestão, a Celpe implementou uma política de

redução do número de empresas prestadoras de serviço. Ela comenta que, ainda

enquanto empresa estatal, o próprio processo de contratação de serviços regido pela

Lei de Licitações dificultava o controle da concessionária sobre suas empresas

fornecedoras. Isto ocorria devido ao fato de as contratações serem realizadas por

concorrência pública, em que participavam empresas qualificadas pelos critérios do

edital, sendo vencedora a proposta com menor preço.

A decisão pela redução das empresas terceirizadas foi operacionalizada

mediante novo modelo de contratação, implementado a partir do segundo semestre

daquele mesmo ano. Para tal, as empresas prestadoras de serviço foram avaliadas e

selecionadas de acordo com sua performance e região de atuação. Criou-se, então,

a categoria de empresa âncora, que passariam a ter papel estratégico no

relacionamento da Celpe com seus fornecedores.

As chamadas empresas âncoras eram inicialmente doze prestadoras de

serviço, dentre as quais a ABC Engenharia e FF Engenharia, que seriam contratadas

para a execução dos serviços comerciais e técnicos. Em resumo, cada uma das

empresas seria alocada a um distrito regional da companhia, onde a ela caberia a

execução de todos os serviços terceirizados pela Celpe. Tal medida alinhava-se à

reestruturação da lógica operacional da empresa que se desenhava naquele

momento e tinha por objetivo desenvolver um modelo de gestão mais eficiente da

cadeia de suprimentos da concessionária.

Não só a seleção das empresas prestadoras de serviço sofreu adequações à

lógica de busca por eficiência operacional e orientação a mercado. Também o regime

de contratação dos serviços sofreu modificações.

Durante o período estatal, conforme exposto anteriormente, a maior parte das

contratações ocorriam em regime de trabalho em disponibilidade, sendo, em geral,

contratados quantitativos referentes a unidades de prestação de serviço (UPS), em

outras palavras, quantidades de equipes disponíveis por dia. Segundo a visão da nova

gestão, esta forma de contratação onerava a concessionária, uma vez que garantia

uma remuneração mínima diária para as equipes da contratada, independente da

demanda para realização dos serviços. Assim, optou-se por celebrar os novos

contratos em regime de produtividade, segundo o qual eram definidos os preços

unitários para cada atividade, sobre o qual um fator multiplicador K de produtividade

incidiria, a depender do tipo de serviço executado. Desta forma, a contratante não

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mais garantiria remuneração mínima por contrato e o faturamento da prestadora de

serviços passaria a depender apenas dos serviços efetivamente executados e

devidamente medidos, conforme condição contratual.

Neste contexto, a partir do ano 2000, a ABC Engenharia passa a ser

considerada empresa âncora da região sob atendimento das unidades operacionais

da Celpe no distrito Cabo. A FF Engenharia assumiu, por sua vez, assumiu a área do

distrito Metropolitano Sul. O resultado disto foi a assinatura dos contratos

apresentados no Quadro 4-5, que compreendem o período de 2000 a 2004. Neste

primeiro ciclo de contratação, os novos contratos foram assinados com prazo de dois

anos, estando sujeitos a renovação sob novos processos de negociação ao término

de cada período, até o ano 2008, quando o prazo padrão de contratação passa a ser

de três anos.

Os termos do processo de privatização e concessão da Celpe impuseram

pesados investimentos em eletrificação rural por parte da concessionária. Esta

exigência foi incluída no edital de privatização pelo governo do estado como uma

iniciativa para induzir a concessionaria a atingir a meta de 100% de cobertura de

distribuição de energia elétrica no território pernambucano. É interessante destacar

que, à época, Pernambuco despontava como um dos estados com maiores índices

de eletrificação rural no país, superando os 90% de atendimento em áreas rurais.

Também foi implementado um plano de investimentos para expansão e manutenção

da rede elétrica e subestações da Celpe, o que significou aumento do volume de

serviço das contratadas. Ainda neste contexto, a concessionária implementou um

programa de cadastramento das unidades consumidoras atendidas por sua rede de

distribuição. Sendo posteriormente executada em todo o estado, esta ação da Celpe

teve início na Região Metropolitana do Recife, o que resultou na contratação da FF

Engenharia para executar serviço de cadastramento de unidades consumidoras da

referida área, conforme apresenta o Quadro 4-5.

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Quadro 4-5 - Principais contratos com a Celpe no período de 2000 a 2004.

Ainda nos primeiros anos do novo milênio, a organização passaria por um

processo de reestruturação, cujo objetivo seria a adequação à nova realidade da

Celpe privatizada. Na verdade, a condição da ABC Engenharia e da FF Engenharia

como empresas âncoras impunha a necessidade de expansão da estrutura

disponível, o que incluiu crescimento do número de equipes de campo e supervisores

técnicos. Com isso, também as áreas de apoio passaram por alterações, como relata

o gerente de recursos humanos da organização:

Só conseguimos deixar funcionando [refere-se à implementação de folhas de ponto e contracheque] quando implementamos um sistema aqui no departamento pessoal, a partir de 2000, mais ou menos durante o processo de privatização da

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Celpe. Quando implantamos o contracheque e a folha aqui no nosso departamento, precisamos ampliar a equipe. [...] Por sinal, estes foram uns anos muito bons, porque foi na época daquele programa Luz para Todos, e a gente tinha muito trabalho para fazer. Então, de fato crescemos, faturamento, pessoal, [...] (Irineu)

Mudanças também ocorreram no posicionamento da organização com relação

a serviços externos à Celpe. Uma das medidas adotadas neste contexto de

reestruturação foi a contratação do engenheiro mecânico Carlos Viana. Sua atribuição

seria a de prospecção de novos clientes e contratos, a partir dos quais ficou

combinado um pagamento percentual sobre os faturamentos. Apesar de

desempenhar uma função de acompanhamento dos contratos firmados, sua

responsabilidade abrangia basicamente as relações comerciais com os clientes

prospectados.

A partir do trabalho desenvolvido, a ABC Engenharia celebrou contratos com

duas outras concessionárias de distribuição de energia elétrica, a Saelpa e a

Energipe. Ambas as distribuidoras já haviam sido privatizadas, sendo controladas pelo

Grupo Energisa, motivo pelo qual as duas concessionárias passaram a ser

denominadas respectivamente Energisa Paraíba e Energisa Sergipe, ainda durante a

vigência dos contratos com a ABC Engenharia.

O primeiro contrato com a Saelpa foi assinado em 2003, com prazo de 2 anos,

e compreendia a execução de serviços de corte e religação de unidades

consumidoras em áreas rurais e urbanas localizadas na região de cobertura do

Departamento de Serviços Comerciais Leste. A ABC Engenharia já possuía, à época,

expertise na prestação deste tipo de serviço, que, conforme exposto, já era objeto de

contrato com a Celpe desde o início da década de 1990.

Segundo relato dos entrevistados, o maior desafio associado a esta empreitada

foi, portanto, relacionado à provisão de mão de obra local, para a qual foi alocado um

supervisor já pertencente ao quadro funcional da firma, e estrutura física para

armazenamento dos equipamentos e materiais utilizados na prestação dos serviços.

Dentre outros motivos, estes foram também apontados como principais pontos que

levaram a uma certa dúvida quanto à viabilidade do contrato. Foi, então, montada uma

estrutura de apoio operacional em João Pessoa, instalada em uma sala comercial

alugada para o período de vigência do contrato, e novos veículos foram adquiridos

para compor a frota a ser utilizada pelas equipes naquele estado.

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O desempenho positivo da firma rendeu a renovação deste contrato em 2005.

Entretanto, este teve um prazo de vigência de apenas um ano, quando a Energisa

decidiu alocar pessoal próprio à execução desta modalidade de serviço no estado da

Paraíba.

A execução de serviços para a Energipe, por sua vez, teve início no ano de

2005, através de contrato em regime de empreitada firmado naquele ano para

execução de projetos de redes e linhas de distribuição. A contratação foi feita através

do Departamento de Obras de Distribuição, sob a responsabilidade do qual, à época,

a Energipe realizava investimentos dentro do programa do governo federal de

universalização do acesso à eletricidade, o Luz para Todos. No entanto, não foram

apenas obras de eletrificação rural as realizadas pela ABC Engenharia, que também

executou obras de extensão de redes, substituição e instalação de equipamentos tais

como transformadores e capacitores.

Diante deste cenário, o contrato firmado apresentou um volume de serviços

que justificou a locação de um supervisor e três equipes de campo instalados na

cidade de Itabaiana, para atendimento do lote contratual 02, que compreendia as

regiões de Itabaiana e Lagarto, ambas no estado de Sergipe. Complementavam os

recursos alocados ao contrato três caminhões e dois veículos leves, de apoio às

atividades desenvolvidas pelas equipes.

A partir daí, outros contratos para execução de obras se seguiram no mesmo

modelo, sendo o último deles vigente até o ano de 2012, quando a ABC Engenharia

não renovou seu contrato com a distribuidora por não enquadramento da proposta de

preço. Além destes, durante o período em que a ABC Engenharia atuou no sistema

elétrico da Energisa Sergipe, duas importantes obras fora do escopo de contratação

foram também contratadas. Estas foram as linhas de transmissão de 69 kV entre as

localidades de Xingó e Curituba, em 2010, e entre Lagoa Rasa e Porto da Folha, em

2011. O destaque destas obras, segundo Joaquim conta, é em razão da complexidade

técnica exigida para sua execução e da extensão de ambas as obras, superiores a 15

km de linha de transmissão.

Fato interessante mencionar é o nível de exigências que os contratos com as

duas concessionárias do Grupo Energisa, desde as primeiras contratações, incluíam

já em suas cláusulas indicadores de desempenho que seriam monitorados

periodicamente pela contratante.

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Diante do exposto, não teve natureza puramente orgânica, mas também de

crescimento por diversificação. Por sua vez, esta diversificação não se restringiu à

expansão geográfica para outros estados do Nordeste, representada pelos contratos

de prestação de serviços para a Saelpa e Energipe, mas também ocorreu através da

diversificação de serviços. Esta última ação implicou um novo contrato de com a

Emlurb, cujo objeto foi a prestação de serviços de manutenção, arborização e

produção de mudas, podação, compostagem, trituração de resíduos vegetais e

adubação, vigente entre os anos de 2003 e 2005.

Observa-se, entretanto, que o crescimento obtido neste período é fortemente

sustentado pela expansão do volume de serviços realizados pela ABC Engenharia,

também responsável pela execução dos principais contratos alheios ao

relacionamento com a Celpe. Também em relação aos contratos com a

concessionária, observou-se a partir de 2004 redução no volume de serviços

executados pela FF Engenharia, consequência dos contratos que esta empresa

maninha no período. Os contratos vigentes entre 2004 e 2008 são apresentados no

Quadro 4-6.

Vale destacar a partir do ano de 2003, a organização passa também a executar

atividades em rede energizada, sendo esta modalidade incluída no escopo dos

contratos de manutenção e construção resultantes do ciclo de contratação ocorrido

no ano de 2004. A execução de atividades em linha viva, como normalmente são

chamados estes serviços de manutenção em linha energizada, impunha a

necessidade de investimentos na aquisição de equipamentos específicos para a

execução destas atividades e também a contratação de pessoal especializado.

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Quadro 4-6 - Principais contratos com a Celpe no período de 2004 a 2008.

Neste contexto, Joaquim aponta a empresa Hot Line Construções Elétricas

Lida como benchmarking para a prestação de serviços em rede energizada. Segundo

conta, a empresa foi pioneira na execução destes serviços no país, cujas primeiras

experiências ocorreram no sistema elétrico da concessionária mineira Cemig, no final

da década de 1980. Joaquim conta que a Hot Line prestou serviços para a Celpe por

muito tempo e dispunha de uma estrutura grande de suporte a suas operações, que

incluía centro de treinamento, equipamentos de modernos e equipe qualificada.

Joaquim acrescenta que muitos dos profissionais contratados para a nova área

operacional da firma eram provenientes do quadro funcional da Hot Line, destacando

inclusive os dois supervisores contratados.

Um acontecimento que teria forte impacto sobre a forma como as duas

empresas passariam a responder aos desafios do ambiente competitivo foi a morte

do seu fundador, em Novembro de 2004. Na verdade, Fernando estivera ausente do

comando da organização desde o início do ano de 2003, quando afastou-se de suas

funções após um tratamento médico e complicações em seu estado de saúde. Sem a

figura do presidente, naquele momento envolvido principalmente no direcionamento

estratégico-comercial do negócio, a ABC e a FF Engenharia passaram a ser

comandadas conjuntamente pelos demais familiares diretores, Ana Maria, Erika e

Joaquim. Apesar de jamais alguém ter assumido o cargo deixado vago pelo

falecimento do fundador, os anos seguintes foram marcados pela continuidade da fase

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de expansão da organização, cujo marco inicial pode ser associado à privatização de

seu principal cliente.

Neste contexto, a maior representatividade do poder econômico da ABC

Engenharia quando comparado à FF Engenharia pode ser constatado a partir do

Gráfico 4-6. A evolução do quantitativo de pessoal nas duas firmas reforça este ponto,

ao mostrar o total de funcionários da ABC Engenharia superior à sua coligada até o

ano de 2006 (vide Gráfico 4-7). Este ano, aliás, representou o auge do indicador

analisado no período estudado, sob a ótica da organização.

Gráfico 4-6 - Curvas longitudinais de tamanho por firma, a partir de 1994.

Gráfico 4-7 - Evolução de quantitativo de pessoal, período 2003 a 2015.

O quantitativo de pessoal empregado nas duas empresas representa bem o

resultado dos ciclos de contratação da Celpe, que, para o período apresentado,

ocorreram nos anos 2004, 2006, 2008 e 2011. Neste sentido, percebe-se um período

entre 2006 e 2010 em que o quadro funcional da FF Engenharia praticamente se

iguala em número ao de sua firma coligada, reflexo principalmente do contrato de

corte e religação de unidades consumidoras na área do Distrito Metropolitano Sul.

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Uma redução substancial no quadro funcional da firma ocorreu em 2011, a partir da

não renovação deste contrato, o que fez com que a FF Engenharia passasse a

executar apenas os serviços de podação e manejo de vegetação no sistema elétrico

da concessionária.

Do ponto de vista contratual, os ciclos de contratação a partir de 2006

imprimiram nova dinâmica à trajetória de crescimento da organização. Também o

modelo de contrato adotado pela concessionária impunha maiores exigências

contratuais e davam suporte ao novo modelo de gestão estratégica dos fornecedores

da companhia. Assim, os contratos passaram a incluir como anexos diretrizes de

saúde e segurança para prestadores de serviços, política ambiental e código de ética,

aos quais as contratadas eram obrigadas a seguir. Além disso, os novos contratos

definiram também o método de cálculo dos indicadores quantitativos e empresariais

que permitiam o monitoramento do desempenho das contratadas. Os indicadores

passaram a possuir também valores de referência contidos nos contratos, variando

de acordo com o distrito regional em que os serviços eram executados. Exemplos

destes índices são o Índice de Eficácia do Corte (IEC) e Percentual de Religações

Atendidas no Prazo (RAP), previstos no contrato de corte e religação de unidades

consumidoras.

Além disso, a partir de 2007, o Departamento de Gestão de Contratos da Celpe

passou a desenvolver auditorias às empresas prestadoras de serviço de integrar

questões relativas às relações trabalhistas e previdenciárias às auditorias do

Programa de Auditorias em Saúde e Segurança. Este era um programa desenvolvido

em 2004 pelo Departamento de Saúde e Segurança da companhia para auditar as

políticas e práticas das prestadoras de serviço relativas a estas questões. Os

resultados das auditorias, cuja programação passou a ser feita anualmente, eram

consolidados num plano de ação por parte da contratada para regularização das não

conformidades, as quais podiam envolver multas e sanções previstas em contrato.

Também no tocante ao atendimento às exigências contratuais, percebeu-se

por volta do ano de 2007 a dificuldade das contratadas na contratação de mão de obra

qualificada e competente tecnicamente. Esta situação motivou a Celpe a instalar o

Projeto Travessia, cujo objetivo principal era a qualificação de eletricistas das

empresas prestadoras de serviço e adequação às exigências normativas para a

função. O projeto ocorreu num contexto em que a Justiça do Trabalho ampliava sua

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atividade de fiscalização e a norma regulamentadora NR-10 entrava em vigor para

regulamentação dos trabalhos em eletricidade.

Assim, o Projeto Travessia propunha a qualificação em módulos dos eletricistas

atuantes nas áreas de corte e religação, ligação nova, construção urbana,

manutenção e prontidão de todas as quinze prestadoras de serviço atuantes no

sistema elétrico da Celpe à época. O fluxo do processo modularizado de qualificação

previsto pelo projeto é apresentado na Figura 4-8.

Figura 4-8 - Fluxo do processo educacional do Projeto Travessia.

A participação no Projeto Travessia era obrigatória para todas as empresas

prestadoras de serviços. Acrescentou-se aos contratos vigentes exigências referentes

ao comprometimento das empresas em relação ao cumprimento do projeto, conforme

a alocação das responsabilidades pactuada. Além disso, estabeleceram-se

penalidades para o não atendimento às exigências previstas no âmbito do projeto.

Estas penalidades eram multas a serem descontadas diretamente das faturas

emitidas e os recursos arrecadados eram transferidos para uma conta da supervisão

de treinamentos para a promoção de novos treinamentos. Obrigava-se, a partir de

Outubro de 2007, também as prestadoras de serviço a exigir das novas contratações

de pessoal requisitos de qualificação mínimos definidos no perfil do cargo.

O planejamento e implantação do projeto era de responsabilidade de um comitê

composto por coordenadores do Senai, membros das áreas de auditoria, saúde e

segurança e supervisão de treinamentos da Celpe e representantes das prestadoras

de serviço. Também cabia ao comitê a definição do efetivo a ser treinado de cada uma

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das empresas. A meta da ABC Engenharia era de treinar 220 pessoas, enquanto à

FF Engenharia coube uma meta de 265 funcionários, tornando o número de 480

pessoas o número total para a organização, o maior dentre todas as empresas.

Erika conta que cabia às empresas garantir a presença de todos os

funcionários inscritos no programa de treinamentos e que a liberação destes não podia

impedir a execução normal dos trabalhos das equipes. Isto exigiu um esforço grande

por parte das empresas. Ainda assim, ela conta que todo o quadro funcional de

eletricistas da organização foi capacitado.

A dificuldade existia também em relação à alfabetização do pessoal, uma vez

que muitos deles tinham níveis baixos de alfabetização. Tal condição impôs à

organização a instituição de um programa interno de alfabetização daqueles que não

atendiam a exigência de escolaridade mínima. Segundo conta, foi um programa longo,

pago pela própria empresa. No entanto, apesar do esforço envolvido no projeto, Erika

considera que o maior resultado do projeto, na verdade, foi o impacto social que este

teve sobre os profissionais envolvidos.

Um novo ciclo de contratação teve início no ano seguinte à implantação do

projeto. Os contratos firmados em 2008 tinham prazo de três anos, mas seguiam o

modelo de contratação que já se tinha no ciclo anterior. Os principais contratos da

organização no período de 2008 a 2011 podem ser constatados no Quadro 4-7.

Quadro 4-7 - Principais contratos com a Celpe no período de 2008 a 2011.

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Neste período houve também uma nova iniciativa de diversificação dos

serviços através da FF Engenharia, que venceu licitação para contrato de instalação,

manutenção, montagem e desmontagem da iluminação decorativa natalina da cidade

do Recife em 2008. Este contrato marcou a volta à prestação de serviços para a

Prefeitura do Recife, por meio da Fundação de Cultura. A organização voltaria a

prestar este tipo de serviço em 2010, ao ser a ABC Engenharia contratada para a

montagem e instalação de iluminação decorativa dos ciclos natalino e de carnaval

daquele ano.

Os anos seguintes foram caracterizados por relativa estabilidade no ritmo de

crescimento das duas empresas. Conforme Joaquim aponta, desde a privatização da

Celpe, a situação mencionada anteriormente em que as obras – especialmente de

construção rural – tinham mais relevância perante o faturamento da organização havia

invertido. A maior parte do faturamento mensal da ABC Engenharia e da FF

Engenharia provinha dos contratos de prestação de serviços, em especial de

manutenção, prontidão e corte e religação. Se por um lado tal condição conferia maior

previsibilidade do volume de trabalho, sem grandes oscilações de tempos em tempos,

por outro a organização passava a depender cada vez mais da Celpe e dos

investimentos na manutenção de seu sistema elétrico de potência.

Em meio a este contexto, o ano de 2011 deu início a um novo ciclo de

contratações. Desta vez, as unidades operacionais regionais foram agrupadas em

serviços técnicos, abrangendo os contratos de construção e manutenção, e serviços

comerciais, correspondentes basicamente às atividades de ligação, corte e religação

de unidades consumidoras. Ao fim deste ciclo, uma perda importante para a

organização ocorreu; após vinte anos de execução de serviços de corte e religação,

a ABC Engenharia e a FF Engenharia não obtiveram renovação de seus contratos.

Em contrapartida, s ABC Engenharia permaneceu com os contratos relativos aos

serviços técnicos das unidades operacionais do Distrito Regional do Cabo, enquanto

coube à FF Engenharia a execução dos contratos de podação e manejo de vegetação,

cuja área de cobertura passou a ser não apenas a região dos Distritos Cabo e

Metropolitano Sul, mas incluía também a área de cobertura do Distrito Metropolitano

Norte.

Os contratos resultantes deste ciclo de contratações com a Celpe são

apresentados na Quadro 4-8. Apesar de uma aparente redução do número de

contratos, na prática o volume financeiro contratado com a organização cresceu,

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enquanto os prazos contratuais foram estendidos para cinco anos. Em termos

geográficos também houve expansão da área de atuação das duas empresas. A ABC

Engenharia, entretanto, descolou da sua coligada em termos de faturamento e efetivo

de pessoal ao incorporar a sua área de cobertura também os serviços de manutenção

e construção da Unidade de Serviços de Rede do Distrito Metropolitano Sul, antes de

responsabilidade da FF Engenharia.

Quadro 4-8 - Principais contratos com a Celpe no período de 2011 a 2016.

Diante destas transformações, pode-se constatar no Gráfico 4-8 uma redução

no share geral da organização perante a Celpe, resultado da redução da participação

do volume de serviços contratado com a FF Engenharia, enquanto a ABC Engenharia

expande sua participação. O share referido foi obtido a partir da razão entre o

faturamento anual das duas empresas para o cliente Celpe e o custo total anual com

pessoal terceirizado, conforme divulgado pela concessionária em seus relatórios

anuais de sustentabilidade. Na ótica do contrária, o Gráfico 4-9 apresenta o share da

Celpe perante o faturamento anual total das duas empresas e da organização para o

mesmo período de 2011 a 2015.

Gráfico 4-8 - Share da organização perante o cliente Celpe.

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Gráfico 4-9 - Share of wallet Celpe sobre faturamento anual por firma.

Em parte resultante do choque com a perda dos contratos de corte e religação

e dos desafios que a expansão do volume de serviços contratado impunha, o ano de

2011 marcou a história da organização com a saída do gerente administrativo e da

secretária geral. Sua saída impôs a organização a necessidade de ajuste na sua

estrutura organizacional, principalmente com a realocação das funções

desempenhadas pelos dois.

A saída do gerente administrativo Carlos Roberto da organização significava a

saída do último membro da família externo ao núcleo familiar principal, desde a cisão

com Erwin Luciano, ocorrida em 1994. Desta forma, os únicos membros da família

com envolvimento direto permaneciam os três diretores do núcleo principal da família,

Ana, Erika e Joaquim.

Além disto, no plano externo à Celpe, a ABC Engenharia encerrou seus

serviços no sistema elétrico da Energisa (SE), nova denominação da Energipe, em

2012. O contrato, de acordo com Erika, não foi renovado pela baixa atratividade do

nível de preços que a concessionária tinha como referência. Além disso, Joaquim

também comenta não ser, naquele momento, do interesse da direção da empresa

expandir sua participação naquele cliente, uma vez que o volume de serviços dos

novos contratos com a Celpe impôs desafios à expansão das operações da

organização. Apesar disso, houve ainda a execução de contrato com a Chesf entre

2010 e 2011, para realização da obra de construção de linha de transmissão em 230

kV, no trecho entre as localidades de Juazeiro (BA) e Senhor do Bonfim (BA).

Aspecto relevante ainda entre os anos de 2010 e 2011 foi a ocorrência da

associação da ABC Engenharia à Rede Petro PE e sua qualificação para o cadastro

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de fornecedores da Petrobrás. A Rede Petro é um movimento de integração e

articulação de empresas brasileiras fornecedoras de bens e serviços para a cadeia

produtiva de petróleo, gás e energia, bem como instituições e empresas estratégicas

do setor. O objetivo da Rede Petro PE, à qual a firma associou-se é o de promover a

qualificação e ampliar a competitividade de suas associadas para potencializar

oportunidades de negócios naquela cadeia produtiva, através da cooperação

empresarial e interação com governos, instituições acadêmicas e empresas do setor.

À época, este foi um marco importante para os diretores da empresa, que, atraídos

pelas oportunidades criadas com os investimentos nos setores de petróleo e gás e

naval realizados em Pernambuco, percebiam a oportunidade de gerar valor para a

organização e crescer através da prestação de serviços nestes setores, tendo início

com a implantação de sinalização em redes energizadas no canteiro de obras da

Refinaria Abreu e Lima, contratada pela Petrobrás, em 2011.

Consequência de tal caminho que começava a ser trilhado pela organização foi

a captação de novos clientes, com execução de serviços sobretudo no período de

2011 a 2014. Destes, merecem destaque as usinas termelétricas TermoPernambuco

– controlada pelo Grupo Neoenergia – e Suape II, às quais foram prestados serviços

de identificação de falhas e correção em redes energizadas. Além destes, prestou-se

serviço ainda a empresas petroquímicas, como a Lanxess Elastômeros, e à

construtora responsável pela implementação da fábrica da Fiat em Pernambuco, cujo

escopo englobou a elaboração de projetos de linha de transmissão em 69 kV e

subestação elétrica.

Nesta perspectiva, houve um movimento de reestruturação de processos

internos liderado por Erika. Entre as medidas adotadas, merece destaque a

contratação de uma profissional para o cargo de gerente financeira da organização.

Esta teve papel importante na implementação de uma outra medida ligada ao objetivo

de reestruturação da empresa, o desenvolvimento e implantação de um novo sistema

de gestão empresarial.

Foi imersa neste contexto de reestruturação interna para potencializar os

possíveis ganhos identificados, a partir das oportunidades que surgiam em um

momento de forte crescimento econômico do estado de Pernambuco e de captação

de investimentos privados e públicos em sua área de atuação que a ABC Engenharia

passou a integrar o Projeto Vínculos Pernambuco, a partir de 2011. À época, este

projeto era fruto da parceria entre Sebrae e a Fiepe, em cooperação com a UNCTAD,

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a Agência Alemã de Cooperação Técnica (GTZ), a Fundação Dom Cabral e o Instituto

Ethos.

O Projeto Vínculos Pernambuco era um projeto de um programa internacional

cujo propósito era o de contribuir para a geração de vínculos de negócios sustentáveis

entre grandes empresas compradoras e micro, pequenos e médios fornecedores

locais. Assim, objetivava-se o fortalecimento econômico da região através da

exploração de potencialidades do setor privado para a promoção do desenvolvimento

sustentável, nas dimensões econômica, social e ambiental.

Neste panorama, o Projeto Vínculos Pernambuco era financiado pelas

empresas compradoras, tais como Gerdau, Alcoa, Philips, Estaleiro Atlântico Sul e a

Companhia Pernambucana de Gás (Copergás). A ideia por trás de tudo era habilitar

empresas locais de micro, pequeno e médio porte a realizar negócios com as

compradoras, incentivando o empreendedorismo para criação de uma cadeia

produtiva local capaz de suprir as necessidades daquelas empresas. Deste modo,

através de ciclos de palestras e cronograma de capacitação, as fornecedoras

poderiam promover toda uma reestruturação de processos internos e, ao final de todo

o processo, estar aptas a certificação destes processos, de acordo com as normas

ISO 9.001, ISO 14.001 e OHSAS 18.001, respectivamente nas áreas de qualidade,

meio-ambiente e saúde e segurança ocupacional. No entanto, apesar de muito ter

sido feito neste sentido e ter participado de todos os ciclos previstos, a ABC

Engenharia optou por, naquele momento não seguir adiante com o processo de

certificação.

Paralelamente às mudanças ocorridas internamente, surgiu uma oportunidade

de prestação de serviços para a Prefeitura da Cidade do Recife, através da Fundação

de Cultura Cidade do Recife. Na ocasião de abertura do processo licitatório para

contratação da instalação de iluminação decorativa do ciclo natalino 2008, um primo

de Joaquim, o Edmar, sugeriu a participação da FF Engenharia. Esta seria uma

oportunidade de nova diversificação para a organização. Edmar era dono de uma

empresa de engenharia, a Real Engenharia, mas não encontrava-se habilitado para

tomar parte do processo devido à inexistência de acervo técnico. A Processo

Engenharia havia sido a executante deste tipo de serviço nos anos anteriores e entrou

na disputa para os anos seguinte com a FF Engenharia. Ocorre que a Processo

Engenharia pertence a Leonardo, um amigo antigo da família.

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Nesse contexto, julgou-se prejudicial aos interesses de todos a disputa

comercial direta pelos contratos de decoração e iluminação para os próximos ciclos

natalinos e carnavalescos licitados em modelo de concorrência pública pela Fundação

de Cultura. Assim, observou-se a oportunidade de formação de consórcio entre as

três empresas, evitando confronte direto entre elas e fortalecendo o grupo frente aos

demais concorrentes.

Desta forma, durante anos seguintes, o consórcio montou uma estrutura

coordenada pelas consorciadas, a princípio com a finalidade de executar a referida

modalidade de serviço. De tal sorte, a cada novo contrato celebrado, acordava-se a

disponibilização de equipamentos e pessoal por parte de cada uma das firmas. de um

modo geral, entretanto, caberiam à ABC Engenharia questões administrativas

relativas aos contratos, em especial os controles de gastos e gestão financeira. Em

contrapartida, caberia à Processo Engenharia e à Real Engenharia a coordenação e

supervisão operacional da execução dos serviços. Caberia também à Real

Engenharia o relacionamento comercial com a Fundação de Cultura, dada o

relacionamento de Edmar naquele órgão. Para a gestão do consórcio, foram alocados

dois profissionais, sendo um deles ligado à ABC Engenharia e responsável pelas

partes financeira e de controles dos contratos, enquanto o segundo profissional, um

engenheiro ligado à Real Engenharia, seria responsável pela efetiva execução dos

serviços.

Segundo relata Erika, apesar do envolvimento das três firmas, faltou o

sentimento de dono, o que, na visão dela, fez com que o funcionamento das

operações e o controle sobre os gastos não ocorresse de forma ótima, prejudicando

os retornos financeiros dos contratos. Além disso, ela concorda com a opinião de

Joaquim e comenta que contou também contra a manutenção do consórcio naquela

configuração a execução de contratos de obras civis, que trouxeram prejuízos às

empresas. Este foi o caso do contrato para execução de serviços para reforma de um

galpão na área portuária do Recife, cuja gestão ficou a cargo a Real Engenharia, entre

os anos de 2011 e 2012. Além disso, Erika considera ter contribuído para a extinção

do consórcio seu distanciamento da gestão e controle sobre os gastos, ocorrida

devido a problemas de saúde na família, ainda no ano de 2012. Logo, a configuração

inicial do consórcio não conseguiu entregar os retornos esperados e findou por levá-

lo a sua extinção naquele ano.

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Vale destacar também que, no período em que se estabeleceu este consórcio,

entre 2009 e 2012, os contratos para a instalação e montagem das decoração e

iluminação dos ciclos natalinos e carnavalescos cresceram em escopo e volume

financeiro, passando a incluir também o fornecimento dos materiais a serem

instalados. Dessa forma, esses certames passaram a atrair mais a concorrência de

outras empreiteiras e acabou induzindo ao desmembramento do contrato de acordo

com as áreas da cidade onde seriam instalados os equipamentos.

Apesar da experiência negativa do consórcio que se extinguira, a aproximação

comercial entre a ABC Engenharia e a Processo Engenharia culminou, no ano de

2013, no contrato de execução dos serviços do Reluz Recife, ligado ao Programa

Procel Reluz. Este é um programa existente desde 2000, instituído pela Eletrobrás,

com apoio do Ministério de Minas e Energia, cujo objetivo é promover o

desenvolvimento de sistemas eficientes de iluminação pública e sinalização

semafórica. Neste sentido, o programa se propõe a financiar até 75% dos recursos

necessários para o projeto de melhoria e eficiência energética, através de recursos do

Reserva Global de Reversão da Eletrobrás, com contrapartida exigida de até 25% do

ente federativo participante, sendo concessionárias, ou governos estadual e

municipal.

No caso específico do projeto em Recife, foi estabelecida um convênio entre a

Prefeitura, a Chesf e a Eletrobrás, o que viabilizou o lançamento do edital e realização

da concorrência em 2013. O consórcio formado pela ABC Engenharia e Processo

Engenharia sagrou-se vencedor e formalizou o contrato com a Prefeitura do Recife,

através da Emlurb. Seguindo exigência do edital, o consórcio tinha como líder a

Processo Engenharia, que tinha uma cota de participação de 70%, enquanto a ABC

Engenharia detinha 30%. Contudo, na prática, o acordo entre as duas firmas

estabelecia a divisão igualitária das obrigações e recebimentos provenientes da

execução dos serviços.

Uma vez que o contrato envolvia também o fornecimento dos equipamentos e

materiais para a substituição das luminárias de iluminação pública, Erika conta que o

edital exigia a apresentação de documentações e certificados específicos, o que

restringia a formação do consórcio. Segundo relata, só foi possível a elaboração da

proposta após, por meio de contatos da própria Processo, a celebração de acordo

com a Lumetron, fabricante de luminárias em conformidade com as especificações e

os certificados exigidos. Desta forma, seria assinado um contrato de formação de

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sociedade por cota de participação, o que daria à Lumetron direitos sobre os retornos

com o contrato. Ocorre que esta sociedade nunca chegou a ser formada tanto devido

à desentendimentos entre a Lumetron e as duas empresas quanto aos termos do

contrato e, posteriormente, devido ao desinteresse da participação, uma vez que, por

motivos de atrasos de pagamento por parte da contratante, eram necessários aportes

financeiros para capital de giro, aportes estes feitos apenas pela ABC Engenharia e

Processo Engenharia. Assim, a partir de meados de 2014, a Lumetron passou a ser

apenas fornecedora não exclusiva das luminárias.

O consórcio formado pelas duas empresas venceu o processo licitatório pelo

critério de menor preço global, o que resultou na contratação para executar serviços

de engenharia, consultoria, elaboração de projetos, substituição e instalação de

conjuntos de iluminação pública em 2013. Para a execução deste contrato, dada a

representatividade do volume financeiro para as duas empresas e num intuito de não

repetir os erros cometidos na experiência anterior, uma robusta estrutura foi montada

pelas duas empresas para a execução do projeto, cuja equipe contava com cerca de

cinquenta profissionais de campo e outros cinco profissionais administrativos. Outra

importante diferença foi a clara alocação de responsabilidades desde o início do

contrato, segundo a qual caberia à ABC Engenharia a gestão financeira e

administração contratual, enquanto a gestão operacional seria de responsabilidade da

Processo Engenharia. Neste sentido, áreas de apoio, tais como financeiro e compras,

das duas empresas dariam suporte à equipe do Projeto Reluz Recife.

Outras empresas já haviam executado contratos semelhantes para a Prefeitura

do Recife. Assim, desde o início, o objetivo do consórcio era o de prestar um serviço

de excelência, de modo a ser reconhecido como benchmarking para este tipo de

projeto, o que poderia favorecê-lo na execução de outras edições do Reluz, em outras

localidades.

Sob tal ponto de vista, a Processo propôs duas estratégias de execução. A

primeira abrangia o desenvolvimento de um sistema, uma plataforma on-line, que

permitiria, através de tablets utilizados pelas equipes de campo, a partir da qual

verificações e testes previstos em contrato poderiam ser feitas antes e depois da

execução dos serviços. A segunda proposta de estratégia de execução foi a parceria

com a PoliConsult, uma empresa de consultoria da Escola Politécnica da Universidade

de Pernambuco. Esta parceria teria o objetivo de imprimir maior credibilidade aos

projetos, que deveriam ser feitos para cada luminária substituída e de cuja aprovação

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dependeria as medições e recebimentos, através do envolvimento de professores e

estudantes de engenharia. Erika ressalta que ambas as propostas trouxeram

resultados para o projeto, entretanto comenta que a PoliConsult não conseguiu manter

o ritmo demandado pelo consórcio, o que levou à contratação de equipe de projetistas

própria.

Um grande desafio relatado por Erika foi, conforme mencionado, os atrasos

nos recebimentos das notas fiscais emitidas. Este fato, inclusive, ocasionou o atraso

na conclusão dos serviços, cujo prazo inicial era de dez meses.

A Celpe, por sua vez, entrava num período de deterioração de seus indicadores

de qualidade monitorados pela Aneel, neste mesmo período. Consequência disto foi

a notificação e convocação a apresentar plano de recuperação e correção de falhas,

a fim de adequar seus índices operacionais às exigências regulatórias.

Frente ao risco que, em uma situação limite, poderia culminar até na suspensão

do contrato de concessão, a Celpe elaborou um plano interno de recuperação e

correção de falhas, de modo a realizar as adequações necessárias para a melhoria

dos indicadores de continuidade de fornecimento e segurança em seu sistema elétrico

de potência. Dentre as principais medidas necessárias para a implementação do

plano, uma teve impacto direto sobre a trajetória das empresas prestadoras de

serviço, a antecipação do novo ciclo de negociação de contratos, antes previsto para

2016.

Ao adotar esta medida, a Celpe iniciava um momento de muita incerteza para

suas prestadoras de serviço, em especial aquelas atuantes na Região Metropolitana

do Recife, onde há maior concentração de unidades consumidoras. Por isso, tanto a

ABC Engenharia, quanto a FF Engenharia sofreram grande impacto com esta decisão.

Assim, ainda durante o primeiro semestre de 2015, teve início um longo

processo de renegociação dos contratos. Esta situação exigiu da organização esforço

para a elaboração de uma proposta comercial abrangendo os contratos em

negociação, que, apesar da incerteza gerada, apresentava uma possibilidade real de

elevação dos fatores de produtividade dos contratos, cujos custos há muito

pressionavam a rentabilidade dos serviços executados.

Todavia, o resultado a que se chegou ao fim do antecipado ciclo de negociação

foi bastante negativo para a organização. A FF Engenharia conseguiu expandir sua

atuação através do novo contrato de prestação de serviços de manejo de vegetação,

que a partir daí passava a cobrir toda a área da Região Metropolitana de Recife –

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Distritos Metropolitano Norte e Sul – e os Distritos Cabo e Carpina, o que representou

crescimento de cerca de 100% do volume contratado. A ABC Engenharia, por sua

vez, perdeu seus contratos, que, embora também tenham praticamente dobrado de

tamanho em termos financeiros, passariam à responsabilidade de uma empresa

cearense que atuava em nível nacional. Como consequência, os contratos seriam

rescindidos antecipadamente e um plano de desmobilização de pessoal e

equipamentos era urgente.

Diante da perspectiva de encerramento dos contratos, uma ampla

reestruturação da organização era necessária. Um primeiro prazo foi dado para a

ocorrência da rescisão do contrato, considerando o período necessário tanto para a

desmobilização de pessoal da ABC Engenharia, quanto o ramp up da operação local

da nova contratada.

Com isso, a organização iniciou a implementação das ações necessárias para

a travessia daquele que seria o momento mais turbulento de sua história de mais de

quarenta anos. Com o crescimento do contrato da FF Engenharia, uma primeira

medida adotada, tendo em vista a reduzir tanto quanto possível os problemas com

desmobilização das equipes, foi a transferência gradual de parte do efetivo da ABC

Engenharia para sua coligada. No entanto, esta opção não acomodaria todo o efetivo,

o que determinou a decisão de colocar a parte das equipes em aviso prévio. Diante

de tal medida e da clara insegurança que se instaurava nas equipes, coube a Joaquim,

no papel de direto de operações, levar a notícia para aqueles que seriam dispensados.

Joaquim, então, dirigiu-se a cada uma das bases operacionais e alojamentos de

pessoal para comunicar a situação e pedir a colaboração das equipes para

manutenção do nível de serviço até o encerramento dos contratos.

Esta situação incerta tanto atingia diretamente os trabalhadores de campo,

como também prejudicava o andamento das medidas planejadas para minimização

dos conflitos e problemas decorrentes da rescisão contratual. A saída foi, então, a

realização de um trabalho forte de cobrança de uma posição definitiva por parte do

contratante. Em Janeiro de 2016, então, uma nova decisão foi tomada pela Celpe, o

que mudaria radicalmente as perspectivas futuras da organização. Diante da

incapacidade da prestadora de serviços que substituiria a ABC Engenharia em

atender a demanda da contratante, a Superintendência de Operações da

concessionária decidiu pela não rescisão dos contratos com a firma, que deverá seguir

prestando serviços a que foi contratada até a conclusão do prazo estipulado em

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contrato. Mais ainda uma solicitação de nova contratação será feita ao Grupo

Neoenergia para que novos contratos sejam celebrados com o prazo adicional de dois

anos.

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5 ANÁLISE

O presente capítulo apresenta a avaliação produzida a partir dos dados obtidos

sobre a trajetória da ABC Engenharia e como esta organização respondeu aos

desafios do crescimento, conforme proposto por Fleck (2009). Para tal, partiu-se do

conceito de configurações de formulação estratégica (MILLER & FRIESEN, 1978) com

o objetivo de oferecer elementos complementares à perspectiva das condições

necessárias para a longevidade saudável, de modo a identificar mecanismos de

renovação e deterioração e seu impacto sobre o mecanismo central do crescimento

(FLECK, 2009). Esta abordagem permitiu a identificação dos diferentes estágios de

desenvolvimento vivenciados pela organização em estudo, ao longo do tempo, bem

como sua propensão à autoperpetuação em cada período.

Informações sobre grande parte das dimensões que compõem os desafios do

crescimento (FLECK, 2009) foram coletadas de modo a oferecer uma análise

adequada sobre esta trajetória. A avaliação dos fatos e dados da história da

organização segundo o arcabouço teórico proposto por este trabalho orientou a

análise dos aspectos ambientais e organizacionais e sua influência sobre o

mecanismo central do crescimento saudável (FLECK, 2009).

Em consonância com a divisão temporal narrada na seção correspondente ao

histórico da organização, a análise da trajetória da ABC Engenharia foi baseada em

três períodos, segundo os quais foram identificados indícios da ocorrência dos três

primeiros estágios de desenvolvimento do modelo proposto por Churchill e Lewis

(1983):

Estágio 01 – 1980 a 1989 (Infância);

Estágio 02 – 1990 a 1999 (Adolescência);

Estágio 03 – 2000 a 2015 (Maturidade).

Não foi possível incluir no processo de análise o período anterior à década de

1980, devido à baixa disponibilidade de dados. Por este motivo, os fatos e dados

relacionados a este primeiro momento foram considerados sob a perspectiva do

imprinting de traços organizacionais. Além disso, cabe ressaltar que a divisão

proposta foi definida com base em acontecimentos cruciais da história da organização,

do ambiente, e de acordo com as consistências das respostas identificadas durante o

processo de análise. Dessa forma, foi possível obter uma melhor compreensão da

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evolução das respostas aos desafios do crescimento ao longo do tempo, bem como

da propensão da organização à trajetória de autoperpetuação ou autodestruição.

As evidências encontradas mostraram como as capacitações empreendedoras

desenvolvidas pela ABC Engenharia nos primeiros estágios de desenvolvimento

colaboraram para a consolidação de sua posição competitiva. Por outro lado, à

medida que transformações no ambiente o conduziram a um estado mais desafiador

e complexo, identificou-se incremento da dificuldade da organização em responder

aos desafios do crescimento de maneira saudável. No decorrer da análise, verificou-

se que muitas das respostas positivas desenvolvidas em estágios iniciais da

organização perderam força quando o escopo de atividades ganhou uma dimensão

maior e a exposição da organização a pressões institucionais e competitivas foi

ampliada, sobretudo a partir de meados dos anos 2000.

De maneira análoga, percebe-se certo grau de distanciamento entre os

sistemas organização e família, à medida que a organização se desenvolve. Este

processo natural pode provocar prejuízo ao propósito comum da organização,

representado pelos objetivos da família. Contudo, identificou-se ao longo de todos os

estágios o envolvimento familiar como elemento que dá coesão, provê recursos e

confere integridade à organização, ainda que dele tenham surgido conflitos pontuais

que desencadearam crises.

O Gráfico 5-1 apresenta a curva longitudinal de crescimento do indicador de

tamanho da organização relativo à economia brasileira, em linha com o que é proposto

por Fleck (2009), que representa uma proxy do poder econômico da firma em um

determinado ponto do tempo. Plotar o indicador de tamanho proposto pela autora ao

longo do tempo permitiu a visualização da trajetória de crescimento da firma por toda

sua existência e possibilitou a identificação de períodos de crescimento, contração e

estagnação da firma relativo a um sistema econômico relevante, entre as

configurações. O Gráfico 5-2 por sua vez, apresenta a performance da organização

ao longo do tempo, a partir do indicador obtido pela razão entre lucro líquido e PIB.

Ambos indicadores incluíram dados contábeis relativos às duas firmas em análise,

pelo produto interno bruto do Brasil, no período de 1983 a 2015, período em que foi

possível levantar os dados relevantes. Não estiveram disponíveis dados relativos ao

período anterior ao ano de 1983.

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Gráfico 5-1 - Curva longitudinal do tamanho da organização.

Gráfico 5-2 - Curva longitudinal da performance da organização.

A seguir são resumidas as principais constatações relativas ao mecanismo

central do crescimento (FLECK, 2009).

5.1 Estágio 01

O setor elétrico brasileiro viveu na década de 1980 uma série de desafios que

provocaram consequências para a viabilidade de seu modelo institucional entre o fim

desta década e início da década seguinte. Apesar disso, a existência das cooperativas

de eletrificação favorecia a execução de obras de eletrificação rural no interior dos

estados brasileiros. Em Pernambuco, a Celpe vivia condição menos dramática que as

demais concessionárias estaduais e estabelecia-se como principal ativo público do

governo estadual, instrumento de implementação de decisões políticas.

Um ambiente institucional piedoso e uma arena competitiva de características

de não punição a ineficiências e baixas barreiras de entrada induziam à formação de

pequenas empresas para execução de obras e prestação de serviço para as

concessionárias de serviços públicos e demais órgãos da Administração Pública.

Ademais, a fragmentação deste segmento de prestadores de serviço em engenharia

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era compensada pelo volume significativo de obras comparativamente ao porte da

maioria dos players, o que significava reduzida hostilidade na competição, ainda que

tenham sido relatados eventos de maior disputa durante processos licitatórios.

Isto posto, a fundação da ABC Engenharia ocorreu num contexto de

empreendedorismo de necessidade, o que reflete a forte interação entre os sistemas

organização, negócio e família durante o período compreendido pelo estágio 01. A

família, neste momento, oferece contexto para decisões da organização, ao mesmo

tempo que pode prover a organização com serviços gerenciais e recursos

financeiro que, em alguns momentos, significaram folga para explorar oportunidades

produtivas de crescimento lucrativo (PENROSE, 1959), até mesmo com a

diversificação relacionada das operações.

Conforme será abordado a seguir, condições ambientais favoráveis não

significaram ausência de dificuldades no processo de criação e captura de valor.

Contudo, uma situação favorável ao crescimento e à renovação foi alcançada a partir

de um alto nível de empreendedorismo, associado à atuação dos fundadores e

suportado especialmente por sua habilidade de levantar recursos e a versatilidade

empreendedora. A eficácia da resposta ao desafio da navegação do ambiente a partir

da gestão dos stakeholders contribuiu ainda para a captura de valor do ambiente e

consolidação das imagem e reputação organizacionais.

A antecipação e formação de recursos humanos gerenciais e técnicos não se

configuraram traço organizacional marcante. No entanto, foram observados indícios

da atuação da liderança no sentido de promover a coesão organizacional e a

supervisão direta como principal mecanismo de coordenação das partes da

organização. Há indícios de que se tinha fácil intercâmbio de recursos entre as áreas

operacionais.

Problemas decorrentes da complexidade advinda do crescimento, por sua vez,

foram tratados de maneira ad hoc sem que tenham sido coletadas evidências de

desenvolvimento de competências para resolução sistemática de situações

complexas. A não adequação das respostas relativas ao desafio da gestão da

complexidade contribuíram para problemas também nos demais desafios, afetando o

mecanismo central de crescimento saudável (FLECK, 2009).

Tais constatações convergem para aquilo que afirmam Churchill e Lewis (1983)

ser característica relevante do estágio de existência de um pequeno negócio, a

estrutura organizacional simples, fundamentalmente dependente da atuação dos

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138

fundadores, cujo esforço esteve quase que integralmente voltado ao desenvolvimento

da técnica, inexistindo praticamente a atividade organizada de gestão. Este traço

organizacional foi alterado à medida que o ingresso de familiares à firma, seu próprio

crescimento e estabilização das operações promoviam a gradativa alocação de

responsabilidades aos diretores-familiares, embora o poder de tomada de decisão

permaneceu centralizado no presidente. O Quadro 5-1 apresenta as principais

constatações referentes às dimensões estruturais analisadas e indicam seu

alinhamento ao que consideram Churchill e Lewis (1983) serem características

associadas ao primeiro estágio de desenvolvimento de seu modelo.

Quadro 5-1 - Dimensões de análise estrutural x Estágio I (CHURCHILL & LEWIS, 1983).

Este é o estágio que Churchill e Lewis (1983) denominam existência. Segundo

os autores, a organização persegue a estratégia de simplesmente permanecer ativa

e a instabilidade de suas operações é uma constante, o que denota a importância do

desafio do empreendedorismo para a criação de valor e continuidade da existência da

firma. Ainda de acordo com eles, este é o período em que são críticos para a firma a

habilidade dos fundadores para levantar recursos e o alinhamento entre seus objetivos

pessoais e aqueles da organização.

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139

5.1.1 Desafio do empreendedorismo

A coleta de dados procedida de acordo com a metodologia deste trabalho

encontrou limitação na disponibilidade de dados históricos do período de 1974 a 1982.

Faz-se relevante a análise dos indícios que apontam para as condições de formação

organizacional e também características pessoais dos fundadores, que exerceram

influência não apenas na estrutura da organização em seus primeiros estágios, mas

também podem dar pistas sobre o processo de infusão de valores.

Algumas evidências sobre o modus operandi da organização deste estágio a

que se chamou antecedentes foram obtidas através de relato de sua cofundadora,

aqui referidos como imprinting organizacional, que contribuiu para a determinação de

muitas das características da dinâmica dos processos de criação e captura de valor

pela firma. Assim, partiu-se do princípio de que o sensitive period a que se referem

Marquis e Tilcsik (2013) está compreendido pelo estágio de antecedentes, cujo efeito

sobre a organização reflete elementos do ambiente de maneira persistente na

trajetória organizacional, tal qual expõem os autores.

Um primeiro aspecto importante para que se analise o contexto deste período

está na configuração do próprio mercado em que a organização se inseriu. Conforme

apontam os fatos apresentados no histórico do ambiente, as décadas de 1960 e 1970

foram marcadas pelo movimento de conformação do primeiro modelo institucional do

setor elétrico, aquele baseado na centralização da autoridade sob a figura do Estado.

Por consequência da atuação estatal e seu papel indutor do desenvolvimento

nacional, há indícios da ocorrência de investimentos orientados à expansão do parque

produtivo e de infraestrutura de transmissão e distribuição de energia elétrica no país,

fato este reforçado pelo estabelecimento das chamadas cooperativas de eletrificação,

telefonia e desenvolvimento rural em todo o Brasil, para as quais havia disponibilidade

de crédito para investimento.

Diante deste contexto inicial, Fernando visualizou a oportunidade de atuar na

execução de serviços complementares àqueles prestados pela firma na qual

trabalhava. Sua ambição inicial era de montar uma empresa habilitada a executar

serviços de construção de redes para energização das subestações construídas pela

própria Spig. Cabe destacar aqui a ocorrência de problemas de saúde no contexto

familiar como gatilho para a decisão de fundar a ABC Engenharia, condição que

denota natureza de empreendedorismo de necessidade. Segundo relatos de Ana

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Maria, entretanto, era fator restritivo da execução de sua visão empreendedora um

outro traço pessoal seu, a aversão ao risco.

Ele era um cara que veio de baixo, que não tinha tantas condições financeiras, então ele tinha muito medo, e tinha muito medo por conta do nome dele. Ele preocupava-se muito com o nome dele. (Ana Maria)

O Quadro 5-2 resume o comportamento da organização segundo as principais

dimensões referentes ao desafio do empreendedorismo durante a primeira fase de

sua trajetória.

Dimensão Comportamento Organizacional

Ambição Busca pela exploração das oportunidades de execução de obras, motivada por empreendedorismo de necessidade.

Versatilidade Atuação comercial na direção da ampliação do portfolio de serviços. Reduzida capacidade de viabilização de diversificação relacionada.

Habilidade em levantar fundos

Empréstimos bancários, reinvestimento de lucros e ‘jogo do dinheiro’. Captação de recursos de familiares para execução de novos contratos.

Julgamento

Preocupação do fundador com a reputação e imagem da firma atuava no sentido de aversão à risco, mas não foram identificados mecanismos formais quanto ao julgamento de risco.

Ambidestria

Exploitation – evidenciada pelo aprimoramento das atividades já existentes e desenvolvimento de mecanismos de controle gerencial. Exploration – evidenciada pelo esforço no sentido de ampliar o portfolio de serviços.

Motivações

Produtivas – aquisição de recursos produtivos que estimulam o esforço comercial por novos contratos, para ganhos em escala. Defensiva – diversificação iniciada como mecanismo de recuperação de volume financeiro, após afastamento temporário de fundadores.

Quadro 5-2 - Resumo do Desafio do Empreendedorismo, estágio 01.

A ambição empreendedora de Ana Maria foi fundamental para que a ideia

visualizada pelo seu marido pudesse ser implementada. Foram a sua atitude de

acreditar naquilo que propunha seu marido e a energia investida que impulsionaram

a constituição da firma, numa estrutura simples e muito característica do estágio de

existência proposto por Churchill e Lewis (1983), em que os próprios fundadores

estavam envolvidos na execução das tarefas técnicas e eram orientados à atividade

empreendedora. Neste aspecto, há evidências de estar a atuação da ABC Engenharia

orientada à captação de obras, de modo a prover recursos financeiros para a

manutenção da firma e continuidade de suas operações.

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Segundo relato de Ana Maria, a grande dificuldade durante os primeiros anos

era a falta de capital de giro. Este era, pois, um período em que a capacidade técnica

da ABC Engenharia limitava sua atuação e as primeiras alianças e parcerias eram

formadas. Por outro lado, a instabilidade operacional de uma firma que buscava a

viabilidade de sua existência também implicava baixa disponibilidade de recursos para

investimento em ativos fixos e recursos organizacionais para expansão da

capacidade. Por este motivo, era prática comum a realização de obras no modelo de

subcontratação de pessoal e equipamentos.

A gente tinha uma caminhonete e um caminhão velho [...] e alugava, se precisasse, caminhão nas localidades, alugava trator para puxar poste, porque, na época, não era como a gente vê hoje, os engenhos eram muito precários, era por dentro das canas, era muito precário, precisava de trator para abrir estradas, [...] era tudo alugado, não tinha dinheiro. A gente começou a firma sem capital de giro. (Ana Maria)

Aspecto crítico para sua sobrevivência era, então, a habilidade de Ana Maria

em levantar recursos e gerir suas utilização e alocação, o que implicava a

necessidade do que ela chamou jogo do dinheiro, ou seja, o reinvestimento dos fluxos

financeiros de uma obra para execução de outras. Este mecanismo incluía, sempre

que disponível e necessário, aportes de capital próprio adicionais dos sócios,

conforme indicado em seu relato. Quando necessário, recorria-se a banco para

aquisição de empréstimos, motivados sobretudo por atrasos nos recebimentos,

associados à vulnerabilidade do ambiente a condições políticas dos órgãos

contratantes.

Como o dinheiro era pequeno, uma parte era paga em adiantamento [...], daí a gente ia fazendo o jogo do dinheiro, uma obra ia ajudando a financiar a outra. A maior dificuldade era o capital de giro, pois tinha muito serviço que englobava material e mão de obra. [...] Tudo o que a gente ganhava, colocava de volta na própria firma. Nessa época, não era difícil receber dinheiro. As usinas não faziam as obras com recursos próprios, era financiado sempre através do Banco do Brasil. (Ana Maria)

Merece comentário a recorrência de relatos acerca da aversão a riscos que

Fernando apresentava. Alguns dos entrevistados associaram tal característica a sua

preocupação com a imagem e reputação da firma, que carregava seu nome. É

possível ainda que este também tenha sido um traço de sua própria personalidade.

Há indícios, entretanto, de tal atitude do fundador da organização atuar como fator

restritivo à tomada excessiva de riscos. Exemplo da influência deste traço sobre os

primeiros estágios de desenvolvimento da firma pode ser observado a partir de sua

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decisão de permanência em seu cargo na Spig, até que a ABC Engenharia provasse

sua capacidade de geração de caixa.

Com isso, a contribuição financeira da firma neste primeiro momento teve

caráter complementar à renda da família, fato que inclusive estimulou, quando

disponível, o reinvestimento da folga de capital no negócio, o que contribuiu para as

primeiras aquisições do patrimônio imobilizado e ativos fixos da organização,

conforme indica o relato de Ana Maria. Assim ocorreu a aquisição e construção de

sua sede própria, marco importante para a consolidação da organização e que

representou a ambição de sua liderança em criar a estrutura necessária para que a

firma pudesse crescer.

Este traço, que contribui para o julgamento sobre os riscos inerentes ao

empreendedorismo, poderia ser apontado como fator limitante às motivações para

expansão. Contudo, a própria instabilidade operacional característica deste primeiro

estágio organizacional impunha a necessidade de arriscar e encontrava o contraponto

na atitude empreendedora de Ana Maria, que, tal qual apresenta em seu relato,

acreditava haver potencial de viabilidade para o crescimento da firma.

Na verdade, a gente estava com dinheiro para comprar [a sede própria], então compramos para investir o dinheiro na firma, pensando em expandir, crescer. Eu sempre pensei para frente, ainda hoje eu penso. Ele [Fernando] tinha medo de arriscar. [...] Começamos sem dinheiro. Em vários momentos ele ficava com medo de investir, perguntava se podíamos comprar um caminhão, eu sempre dizia para comprar três, mesmo sem ter o dinheiro. Ele ganhava confiança e encarava. Eu sempre cuidei do dinheiro e das dívidas. (Ana Maria)

Há indícios de a disposição a investir e expandir a firma estar associado à não

distinção, àquele momento, do que seria patrimônio pessoal, ou familiar, dos

fundadores e o que seria patrimônio da firma. Este fator, segundo relata Ana Maria,

era motivado pelo desejo de fazer a firma crescer.

[Fernando] não pensava muito nisso não [separação do patrimônio familiar], pois a preocupação maior dele era em fazer a firma crescer. [...] Tudo o que a gente ganhava, colocava de volta na própria firma. (Ana Maria)

Reforçava este desejo a existência de oportunidades de crescimento, à medida

que a firma executava as obras contratadas e participava de novos processos de

contratação. Neste sentido, foram observadas ações de captação de novas obras

rurais que exemplificam táticas de exploitation, onde o esforço organizacional focou

no aprimoramento das práticas existentes não apenas para aumento do volume de

obras, mas também para buscar melhores retornos daquelas em execução.

Consequência disto foi o crescimento inercial observado na organização durante o

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início dos anos 1980, a partir de obras dos programas de eletrificação de localidades

rurais da Celpe e cooperativas de eletrificação com atuação em âmbito estadual.

Sua motivação para expansão aproxima-se de um caráter produtivo através

do modo de crescimento inercial (FLECK, 2016), à medida que se buscava o

crescimento a partir da replicação das operações tendo em vista possíveis ganhos de

escala. Exemplo disto pode ser a aquisição de frota de veículos e equipamentos em

substituição à alternativa de locação destes ativos, iniciativa comum durante a década

de 1980, enquanto o volume operacional não viabilizava tal investimento.

Em decorrência desta forma de expansão, a firma dotava-se de uma estrutura

que criava condições para que novas expansões ocorressem, a partir da formação de

mão de obra experiente e aquisição de equipamentos, que compunham pool de

recursos disponíveis para a organização. Uma vez que as contratações para

execução de obras ocorriam por projeto, a sazonalidade característica das obras era

fator de estímulo ao esforço para criação e captura de valor a partir das oportunidades

identificadas no ambiente, fato este que impulsionou a atividade empreendedora

observada na organização em busca de superar a instabilidade operacional, marcante

no estágio de existência (CHURCHILL E LEWIS,1983). Assim, a geração da folga

organizacional em termos de conhecimento, capacitação técnica e também de

recursos produtivos experientes e subutilizados ofereceu estímulo à busca por novas

contratações até mesmo nos movimentos de caráter defensivo e híbridos da

organização, o que configura mecanismo de crescimento contínuo (FLECK, 2003) e

favorece a renovação organizacional.

A versatilidade pode ser identificada a partir de movimentos característicos do

que Fleck (2016) chamou modo estrutural de crescimento. Estes foram observados

principalmente a partir da segunda metade da década de 1980, quando a organização,

impulsionada pela busca de sua estabilidade operacional, realiza movimento de

diversificação relacionada. Pode-se associar esta iniciativa ao modo de crescimento

estrutural, segundo o qual a organização buscou fazer uso de recursos ociosos para

promover a expansão, sendo operacionalizada por meio da captação de contratos

para execução de obras civis, para clientes públicos e privados.

Este movimento permitiu à ABC Engenharia ampliar seu portfolio de serviços,

o que configura alternativa de exploration, na busca de novas bases para seu

crescimento. Ao permitir a ampliação do leque de atuação da firma e da base de

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clientes, atendendo ao objetivo de recuperação da estabilidade operacional, mas

também imprimindo à organização novo ritmo de trabalho.

Consequência direta deste processo foi a aquisição de capacidade técnica para

execução de modalidades de obras distintas, tanto do ponto de vista de acervo

técnico, quanto de recursos produtivos para tal. Deste período resultou a contratação

por clientes do segmento público, com destaque para Prefeitura do Recife, Compesa,

entre outros, mas também clientes privados.

Nessa época, a Celpe não era o forte da empresa não, o que sustentava mesmo a família eram as obras [...] A Celpe já era importante, mas mais representativas eram as obras civis, em termos de faturamento. (Joaquim)

Os fatos e dados observados indicam circunstâncias em que houve a iniciativa

da organização em criar valor, estimuladas por oportunidades visualizadas pelos

fundadores. Exemplo de uma iniciativa de diversificação através do desenvolvimento

de competências relacionadas ao core da organização foi um contrato com a

Compesa, para a montagem e instalação de quadros elétricos em subestações de

ETAs da companhia. Por outro lado, este também exemplifica o entrave à condição

de renovação e crescimento imposto pela falta financeira e reduzida capacidade de

investimento, conforme indica Ana Maria.

Quando a gente pegava obra na Compesa [montagem de subestação], a gente encomendava os quadros com Paulo Carneiro, que era especialista nisso. [...] Por mim, teria feito uma fábrica daquilo. No momento, não podíamos fazer muita coisa, o que dava dinheiro para a gente viver eram as subestações e as linhas de transmissão. (Ana)

A organização buscou ativamente criar valor para seus stakeholders foi a

gradual estabilização operacional. Esta condição foi resultado de níveis altos de

empreendedorismo durante o estágio em que a organização buscou a viabilidade de

sua existência. Desta atividade empreendedora, pode-se identificar duas vertentes

principais, o crescimento inercial através das contratações para execução de obras

em redes elétricas e a diversificação relacionada para as obras civis. Logo, o

comportamento adequado ao desafio do empreendedorismo contribuiu para que

a ABC Engenharia fosse conduzida a seu segundo estágio de desenvolvimento,

aquele de luta pela sobrevivência (CHURCHILL & LEWIS, 1983).

5.1.2 Desafio da navegação no ambiente dinâmico

Segundo Fleck (2009), o processo de captura de valor e a legitimidade

organizacional dependem da capacidade de a firma navegar no ambiente dinâmico

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em que atua. Estes são requisitos para a condição de renovação e crescimento

necessária à propensão ao crescimento saudável. Os esforços para criação de valor

têm sua efetividade condicionada à capacidade de a organização capturar aquele

valor. Mesmo em um ambiente competitivo e institucional ditos piedosos, a gestão de

stakeholders ganha especial relevância no que diz respeito a respostas ao desafio da

navegação no ambiente, para que esta captura ocorra. Também o monitoramento do

ambiente se faz imprescindível a este processo.

A análise dos fatos e dados obtidos sobre o primeiro momento da trajetória

organizacional da ABC Engenharia permite constatar ter sido a firma capaz de

construir legitimidade organizacional frente a agentes externos e internos, inclusive

perante a família. Também foram encontradas evidências de que a firma conseguiu

capturar valor a partir de iniciativas de gestão de stakeholders com significativa

influência do networking profissional de seu fundador, o que contribuiu para a captura

de valor criado pela atividade empreendedora.

Em primeira análise, os dados obtidos levam à caracterização do ambiente

como piedoso. Conforme indicado no relato histórico, a década de 1970, durante o

período de formação e imprinting da firma, o modelo institucional do setor elétrico

centrado no papel do estado como controlador significou investimentos na expansão

do parque produtivo e, consequentemente, nos segmentos de transmissão e

distribuição. Somou-se a isto a abertura de linhas de crédito para eletrificação rural e

a instauração das chamadas companhias de eletrificação rural. Este cenário significou

abundância de obras, o que indica reduzida pressão competitiva entre os players do

segmento, em geral penas firmas com atuação local.

Contudo, condições favoráveis não significaram ausência de dificuldades no

processo de captura de valor. A instabilidade operacional identificada nos primeiros

anos da década de 1980 reflete dificuldades que a característica de baixa

previsibilidade das contratações para execução de obras impôs ao desafio de

navegação do ambiente, ainda que a natureza piedosa seja sobressalente no

ambiente.

Estão associados a esta condição indícios que sugerem ações de

monitoramento do ambiente para captura de oportunidades. Estas iniciativas incluem

a participação em licitações, mas também ações mais ativas no sentido de influenciar

clientes a executar determinados projetos. Este fato, aliás, remete ao poder que

elementos relacionais exerciam sobre a legitimidade e capacidade de captura de

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valor. Reforça esta percepção a forma como muitos dos órgãos públicos, no período

anterior à chamada Lei de Licitações (8.666/93), contratavam, através de carta-convite

e dispensa de licitação, de modo que o relacionamento e a cadeia de contatos prévios

de Fernando representaram recurso valioso à organização.

Neste sentido, Ana Maria menciona características da personalidade de

Fernando como fatores críticos para o esforço comercial da firma e gradativa

construção da reputação da firma a partir de seu conhecimento técnico e sobretudo

de seu networking profissional, conforme comenta:

Ele era um homem de muitos amigos, era de muito bom relacionamento e comunicação. Ele era bom engenheiro, mas era mais de comunicação, era político. (Ana Maria)

Ele [Fernando] era muito mais um cara político, ele era muito mais de um carisma grande. Ele era o homem de arranjar a obra, de ir, de ser convidado, de participar, de elaborar custos [...] (Roberto)

Ele era muito bem quisto, não só pelos funcionários, mas também com o pessoal da Celpe. Ele fazia como se fosse um papel de relações públicas e marketing. Ele visitava quase que diariamente os setores com quem tínhamos interface na Celpe, os gestores, ele era muito bom nessa parte de relacionamento. Ele já tinha um bom conhecimento lá na Celpe desde muito tempo. [Irineu]

Por outro lado, a forte interface que o sistema organização teve com sistema

família condicionou também sua capacidade de captura de valor à legitimidade

daquele perante este. Afinal, o stakeholder família foi, naquele momento, a própria

razão de existir da firma, o que significa que a família oferece contexto para

decisões da organização.

Em suma, o comportamento da organização relativo ao desafio da navegação

no ambiente dinâmico oferece indícios de adequação aos requisitos necessários para

favorecer a condição de renovação e crescimento organizacional. Embora não tenha

sido identificado significativo efeito de moldar o ambiente em que atua, o esforço

organizacional desprendido para a construção de sua legitimidade perante seus

stakeholders oferecem indicativos de sua capacidade de capturar valor no ambiente,

aspecto complementar às iniciativas de criação de valor.

5.1.3 Desafio da provisão de recursos humanos

Penrose (1980) aponta como um dos principais fatores limitantes do

crescimento organizacional a disponibilidade de recursos humanos qualificados e

chama atenção para o fato que os serviços disponíveis destes recursos também

decorrem da experiência construída ao longo do tempo pela equipe. Em linha com o

que expõe a autora, Fleck (2009) identifica o desafio da provisão de recursos humanos

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a partir da necessidade destes para suportar o crescimento. Segundo ela, é tarefa da

organização prover a firma com recursos humanos que atendam à demanda em

quantidade e qualidade de serviços disponíveis, de forma continua, planejada e

idealmente em antecipação à efetiva necessidade. A análise deste desafio à luz do

que propõe Fleck (2009) incorpora as dimensões de seleção, formação/capacitação,

renovação, retenção e sucessão do capital humano organizacional como forma de

preparar a organização para seu processo de expansão saudável.

Adicionalmente, Churchill e Lewis (1983) advogam que a necessidade de

pessoal é um dos fatores críticos de gestão proeminentemente ligados à propensão

ao sucesso ou declínio organizacional. A visão destes autores é importante para a

análise da organização em estudo sobretudo por abranger não apenas os recursos

gerenciais, mas também a mão de obra direta e staff técnico. Segundo apontam, a

questão de pessoal tem sua importância relativa aumentada à medida em que a firma

evolui entre os estágios de crescimento por eles apresentados.

O primeiro estágio organizacional oferece evidências do que os autores

afirmam ser característica do estágio inicial de existência de pequenos negócios,

durante o qual a necessidade de recursos gerenciais é quase que em sua totalidade

absorvida pelo envolvimento direto dos próprios fundadores. Por consequência,

há evidências de que a atividade gerencial nesta primeira fase evolutiva foi fortemente

limitada e dependente do esforço dos fundadores em dar vida ao próprio negócio. Não

obstante, pela distinta natureza de suas operações, a provisão de recursos humanos

qualificados para a execução dos serviços mostrou-se um importante desafio desde

os antecedentes da organização.

Há indícios da atuação de dois fatores sobre os mecanismos de provisão de

mão de obra técnica neste primeiro momento: a necessidade de corpo técnico

qualificado e a instabilidade operacional. A própria existência da firma era, pois,

dependente da execução eficiente e com qualidade dos serviços a que se prestava,

de modo a sustentar a imagem e reputação tão importantes para sua legitimidade

perante seus clientes. No entanto, o volume de serviços contratados durante seu

período inicial muitas vezes não comportava a efetiva contratação de pessoal, uma

vez que não havia garantia de que novas obras estariam disponíveis para as equipes

sempre que houvesse a conclusão de obra anterior.

Segundo apontado no relato histórico, a alternativa que se mostrou viável à

provisão de pessoal para execução dos serviços nos primeiros anos da década de

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1980 foi a subcontratação de equipes nas localidades onde as obras eram realizadas.

Não havia, assim, preocupação com o gerenciamento de recursos humanos, sendo

priorizada a aquisição de novas contratações para manutenção do funcionamento da

organização. Consequentemente, tinha-se padrão reativo às necessidades de

pessoal, para as quais não se buscava agir antecipadamente.

À medida que a ABC Engenharia conseguia estabilizar suas operações através

da realização de obras de maior porte e, posteriormente, da diversificação de serviços,

a subcontratação de mão de obra mostrava-se ineficiente e expunha a necessidade

de formar equipes próprias. Implementou-se, então, um primeiro processo de seleção

direta de pessoal para a formação de equipes de campo próprias, que foi ocorrendo

a partir da identificação de pessoal experiente entre as equipes terceirizadas.

Há de se destacar também a prática de seleção e contratação de pessoal a

partir de equipes já formadas e disponíveis quando da contratação por determinados

órgão contratantes. Normalmente, este era o caso de contratos pontuais, quando se

buscava incorporar a mão de obra que já havia prestado aquele tipo de serviço

anteriormente. Isto era possível considerando ser prática comum aos demais players,

geralmente também de pequeno porte, a mobilização e desmobilização de pessoal

segundo necessidade de obra. Permanecia, entretanto, a atitude reativa à

necessidade de formação de equipes, sem que fosse considerada a antecipação à

necessidade aludida por Penrose (1980).

A gente procurava formar as equipes de acordo com o serviço que ia aparecendo. Às vezes, em determinados órgãos, já tinha equipe que tinha trabalhado para outra firma, prestando o mesmo tipo de serviço, daí migravam [para a ABC Engenharia]. (Ana Maria)

A formação das primeiras equipes de mão de obra direta ocorreu mediante

recrutamento dentre pessoal subcontratado. Ademais, há indícios de ser a indicação

de funcionários mecanismo importante para captação de recursos humanos,

ocorrendo, em geral, de maneira não antecipada à necessidade efetiva, dada a

sazonalidade das obras durante este estágio de desenvolvimento.

Ainda no que tange a formação de equipes, foi relatado baixo nível de

exigências relativas à qualificação e capacitação formal de pessoal. Em virtude da

reduzida disponibilidade de mão de obra experiente e das baixas exigências

institucionais sobre este aspecto, a formação técnica era resultado do aprendizado na

prática. Este fato, aliás, favorece a característica de compartilhamento de recursos

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entre as áreas operacionais da firma, o que favoreceu a formação de equipes

experientes e versáteis.

Não foram encontradas evidências sobre adequação às respostas da

organização às dimensões de renovação e sucessão de pessoal. Contudo, há indícios

que apontam para a ação dos fundadores em promover a retenção de pessoal,

através do relacionamento transparente e direto com os recursos humanos.

Desta forma, há indicativos de adequações e inadequações das respostas ao

desafio da provisão de recursos humanos decorrente do processo de crescimento. De

maneira geral, respostas não antecipadas a este desafio não contribuem para a

produção de folga organizacional necessária para a propensão ao crescimento

saudável (FLECK, 2009).

5.1.4 Desafio da gestão da diversidade

Por definição, o desafio da gestão da diversidade ganha relevância à medida

em que a organização se expande, adquire novos recursos e altera sua estrutura em

decorrência do processo de crescimento. Tal ponto de vista sugere que a atuação

direta dos fundadores e a estrutura organizacional simplificada até o fim da década de

1980 atuam no sentido de atenuar a ocorrência da heterogeneidade e seus efeitos.

As principais constatações acerca da diversidade organizacional durante o estágio 01

são resumidas no Quadro 5-3.

Dimensão Comportamento Organizacional

Heterogeneidade Heterogeneidade de recursos produtivos foi ampliada a partir da diversificação para o segmento de construção civil.

Mecanismos de coesão e sinergia

O envolvimento direto dos fundadores é elemento de coordenação e coesão.

Conflitos e rivalidades

Não foram identificadas fontes potenciais de conflitos e rivalidades.

Quadro 5-3 - Resumo do desafio de gestão da diversidade, estágio 01.

Conforme mencionado anteriormente, este período de análise foi caracterizado

pelo forte envolvimento dos fundadores nas atividades cotidianas. Desta forma, a

supervisão direta constituiu principal mecanismo de coordenação e sinergia entre as

partes, à medida que as equipes operacionais e supervisores técnicos respondiam

diretamente aos fundadores.

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Segundo sugerem os relatos obtidos, este fato permitiu o desenvolvimento de

traço organizacional caracterizado no relacionamento transparente e aberto entre a

família e os funcionários. Tal traço contribuiu de maneira fundamental não só para

criar um clima positivo de trabalho e reter pessoal, mas também para promover a

unidade e coesão internas à organização. Neste sentido, observou-se ser um princípio

básico da organização a valorização de seus funcionários, o que induziu ao

desenvolvimento de características positivas para o ambiente de trabalho. Neste

aspecto, o papel de Fernando enquanto líder da organização se mostrou relevante,

sendo atrelada à sua imagem o posicionamento correto e honesto da firma perante

seus funcionários. Os relatos dos entrevistados indicam haver tal percepção tanto do

lado da família, quanto dos próprios funcionários.

O gabinete dele [Fernando] sempre foi aberto para receber qualquer empregado, do contínuo ao supervisor. Ele valorizava isso. Ele gostava muito de amizade, era carismático, apesar de ter um temperamento forte. A gente conhecia quase todos eles pelo nome, inclusive eu também conhecia. [...] Isso criava um laço de amizade, um relacionamento mais saudável entre a firma e os funcionários. [...] A ABC Engenharia tem uma característica que poucas empresas têm. Essa cultura de ser honesto com os funcionários vem desde o início. [...] Ajudou a criar uma imagem de uma firma amiga, uma firma honesta, entendeu? Porque a gente tinha abertura com os funcionários. (Ana Maria)

Trabalhar na ABC sempre foi bom. Eu só tenho o que elogiar a ABC, porque é uma empresa que nunca atrasou um pagamento. [...] Outra coisa são os patrões, cada um melhor que o outro. Dr. Fernando para mim foi um pai que eu não tive, era muito compreensivo, sempre tinha uma solução para o problema e isso é bom demais para a relação entre o patrão e funcionário. (Antônio)

Além disso, o alinhamento de objetivos entre os sistemas organização e família

promovido pela inter-relação entre estes sistemas, posteriormente reforçado pelo

ingresso dos primeiros familiares não-fundadores à organização, reforça as forças

atuantes no sentido de promover e manter a integridade organizacional. Por isso, o

envolvimento familiar constitui elemento relevante para a coesão organizacional, uma

vez que a família oferece contexto para decisões e ações implementadas na

organização.

Em contrapartida à instância de renovação representada pelo movimento de

diversificação das atividades também para a realização de obras civis, a organização

experimentou aumento da heterogeneidade de seus recursos. Isto pode ser

observado a partir de elementos como a dispersão geográfica da atuação das equipes

em atendimento às obras de eletrificação rural, a diferença entre competências e

procedimentos técnicos entre profissionais envolvidos nas obras civis e de elétrica, na

dinâmica do relacionamento comercial com órgãos públicos e entes privados, ou até

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mesmo na própria expansão do quadro de funcionários, conforme apontam os relatos

do período. Contudo, há evidências de ser prática comum o compartilhamento de

recursos produtivos entre as obras civis e elétricas, sem que tenham sido obtidos

indícios de pressões de fragmentação que dessem origem à conflitos ou rivalidades

internas.

Desta forma, pode-se constatar adequação no comportamento organizacional

frente ao desafio da gestão da diversidade. A baixa heterogeneidade, a inter-relação

com o sistema família e a coordenação direta das atividades pelos fundadores foram

os elementos base da promoção e manutenção da coesão organizacional.

Adicionalmente, a atuação da liderança institucional em relação ao desenvolvimento

do relacionamento família-funcionários lançou as bases para o processo de infusão

dos valores familiares à organização, conforme será tratado nos estágios posteriores.

5.1.5 Desafio da gestão da complexidade

Conforme destacado por Fleck (2009), à medida que uma organização cresce,

sua rede de interconexão com elementos externos aumenta e torna-a mais complexa,

o que exige a resolução de problemas de forma sistemática. Adicionalmente, Churchill

e Lewis (1983) comentam sobre a estrutura simples sobre a qual se inicia o

desenvolvimento do pequeno negócio, durante a fase em que o esforço dos

fundadores está orientado à atividade empreendedora, o que significa reduzido foco

em sistemas de controle e informação.

Não foram coletados dados suficientes para analisar em profundidade o

processo de solução de problemas e tomada de decisão na organização durante este

primeiro período de análise. Uma análise mais profunda sobre o desafio da

complexidade implica em pormenorizar as maneiras encontradas pela empresa para

solucionar os problemas relativos ao aumento de interdependência entre as suas

partes.

Sistemas de informação e controle eram primitivos e a baixa burocratização era

consequência de procedimentos formais e padronização praticamente inexistirem.

Tinha-se uma estrutura simples, em que os proprietários, além de desenvolver

atividades, supervisionavam diretamente a execução das tarefas. Além disso,

identificou-se elementos que indicam alta flexibilidade operacional, dada a baixa

especialização de pessoal. Neste aspecto, Ana Maria relata seu envolvimento com

atividades técnicas de apoio às obras durante os primeiros anos da configuração 01.

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A empresa só era eu e Fernando basicamente [...], eu atendia, era secretária, fazia levantamento. A Celpe tinha um padrão técnico, a topografia passava as informações e tinha que levantar qual seria a estrutura a ser usada em cada poste. Ele [Fernando] recebia o projeto e eu ia fazendo este levantamento. Hoje em dia quem faz é o computador, mas, na época não tinha computador. (Ana)

Outro fator que evidencia a simplicidade da estrutura na qual operava a

organização é seu relato acerca da proximidade e informalidade de comunicação

com os funcionários, que aponta também para a inexistência de procedimentos

formais e sistemas de controle. Ademais, seu relacionamento com o cliente e sua

imagem no mercado são frequentemente apontados por Ana Maria ambos como

feedback para controle de atividades e fontes de oportunidades de expansão, tal qual

propõe Churchill e Lewis (1983) como elementos característicos deste estágio

evolutivo.

A gente conhecia quase todos eles [funcionários] pelo nome, inclusive eu também conhecia. Ainda hoje conheço alguns que ainda estão lá, que eram daquela época. A gente conhecia todo mundo por nome, encarregado de turma, supervisor, motorista. Isso criava um laço de amizade, um relacionamento mais saudável entre a firma e os funcionários. (Ana)

Em decorrência do exposto, há relatos de entrevistados dos quais se pode

desprender a resolução de problemas a partir de métodos de “apagar incêndio”, além

de que não se identificou mecanismos de disseminação do aprendizado

organizacional. Estes favorecem a resolução de problemas de forma pontual.

É possível identificar como soluções ad hoc as iniciativas para contornar a

situação de disponibilidade de caixa e capital de giro relatadas por Ana Maria. A

recorrência de situações de dificuldades financeiras ao longo de todo este primeiro

período analisado e a inexistência de planos definidos para resolução do problema

indicam não ter havido aprendizado organizacional capaz de promover mecanismos

que reduzissem a possibilidade de exposição a tal risco. As soluções identificadas,

embora permitissem a execução dos contratos e possibilitassem os movimentos de

expansão, denotam iniciativas ad hoc para contornar situações reincidentes.

Reforça também tal percepção a ausência de planejamento para o ingresso de

familiares na gestão da organização. A falta de definição sobre planos para mitigar

riscos decorrentes deste envolvimento contribuiu negativamente para a exposição

organizacional a ameaças e caracteriza ações de caráter “apagar incêndios”.

Ademais, há indícios de ser a consciência da complexidade inerente ao

crescimento elemento de desincentivo à expansão por parte da liderança, conforme

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indica o relato de Ana Maria acerca da preocupação de Fernando sobre o potencial

de perda de controle sobre a organização à medida que esta pudesse crescer.

Mas ele [Fernando] não imaginava em fazer a firma chegar ao tamanho que é hoje.

Ele tinha medo de aumentar muito o número de funcionários. Ele achava que, se a

firma crescesse muito, ele podia perder o controle de tudo. (Ana Maria)

Contudo, a partir da análise dos efeitos do desafio da complexidade sobre os

demais desafios do crescimento, pode-se obter evidências que sugerem ausência de

processo sistemático de coleta de dados, análise e tomada de decisão. Ao contrário,

os indícios apontam para a tomada de decisão, cujo poder esteve centralizado nos

fundadores, fortemente baseada na percepção da liderança, com ações de natureza

intuitiva, o que não favorece o crescimento saudável (FLECK, 2009).

5.1.6 Gestão da folga organizacional

O processo de crescimento produtivo (CHANDLER, 1977) tem potencial de

geração de folga de recursos organizacionais transferíveis, que alimentam o

desequilíbrio produtivo (PENROSE, 1959) e incentivam novas expansões, podendo

ativar o que Fleck (2003) chamou de motor do crescimento contínuo. Este excesso de

recursos, se empregado eficientemente, cria vantagens para a firma e contribui para

a manutenção da capacidade de crescimento de uma organização. Caso contrário,

pode haver a geração de desperdício, o que pode implicar a ativação de mecanismos

de deterioração.

O início do primeiro estágio de desenvolvimento organizacional, conforme já

mencionado, foi um período de dificuldade em que a operação da firma apresentava

ainda significativa instabilidade. Isto posto, evidências apontadas anteriormente

indicam haver pouca, ou nenhuma, folga de recursos produtivos durante o início dos

anos 1980.

A dificuldade para a geração de folga de ativos fixos e pessoal, neste caso,

residia no modo de operação inicial que a organização adotava para a execução das

obras, frente à baixa capacidade de investimento e à instabilidade operacional. Ou

seja, o modelo de execução de obras rurais baseado no aluguel de equipamentos e

subcontratação de pessoal inibia a geração da folga produtiva, o que não contribuiu

para o incentivo a movimentos de expansão naquele momento que a organização

vivia o período chamado por Churchill e Lewis (1983) de existência.

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Neste sentido, conforme indicam os relatos de Ana Maria, os primeiros

investimentos em equipamento próprio para a execução das obras foi possibilitado

pelo reinvestimento do fluxo proveniente das obras realizadas, o que passou a

representar certa folga financeira e resultou também na compra do terreno e posterior

construção da sede da organização em 1980.

Conforme apontado na seção que trata da provisão de recursos humanos, as

primeiras equipes de pessoal próprio foram formadas a partir da mão de obra

subcontratada. Essas pessoas, embora tenha sido comentado sobre as baixas

exigências quanto à qualificação formal, significavam mão de obra experiente para a

execução de obras elétricas. Este processo passou a ocorrer, à medida que a firma

captava contratações para obras maiores que aquelas inicialmente executadas para

os chamados engenhos.

Há indícios de que a disponibilidade de mão de obra experiente passou a atuar

como incentivo à movimentos de expansão a partir do fim dos anos 80 e início da

década de 1990, quando a organização realizou movimento de diversificação e

buscou captar contratos com outros clientes, tal qual abordado anteriormente. O relato

de Joaquim oferece indícios de que a sazonalidade das obras e seu estágio de

desenvolvimento induziam à busca por novos contratos, de modo a perseguir melhor

utilização daqueles recursos que iam sendo desmobilizados e consequentemente

tornavam-se subutilizados, o que remete à ideia do motor de crescimento contínuo

ativado pela folga de equipes experientes (FLECK, 2003).

A gente acabava uma obra, já tinha que pegar outra para poder garantir as equipes.

(Joaquim)

Vista sob outra perspectiva, a disponibilidade de pessoal experiente abria

também a possibilidade de a firma alocar equipes entre as áreas operacionais,

notadamente os contratos de prestação de serviços e execução de obras, segundo a

necessidade. Isto era possível dada a facilidade do intercâmbio de recursos

comentada na seção sobre provisão de recursos humanos. Entretanto, esta

característica da organização não pode ser entendida como plenamente positiva para

o ciclo virtuoso da geração de crescimento a partir da folga, uma vez que não

necessariamente o consumo desta folga de pessoal por outras áreas estimula o

crescimento produtivo que vai realimentar o processo.

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Adicionalmente, o relato de Ana Maria remete a dificuldades financeiras

recorrentes e relacionadas à falta de capital de giro e o impacto que atrasos no

pagamento por parte do cliente principal provocava. Esta condição denota períodos

de falta financeira e baixa capacidade de investimento, o que pode ter provocado

restrições ao crescimento organizacional durante o período em discussão. Este fato,

aliás, indica a ocorrência de uma característica apontada por Churchill e Lewis (1983)

como característica de organizações em estágio inicial de desenvolvimento, que é a

importância reativa do fator gerencial da capacidade de gerar caixa para a firma.

Cabe destacar ainda a produção de folga de recursos intangíveis associados

ao conhecimento técnico, imagem e reputação da organização. Neste aspecto, os

dados analisados indicam a geração de folga como elemento sobre o qual a

organização conseguiu consolidar sua posição competitiva no segmento de prestação

de serviços no sistema elétrico.

Assim, pode-se observar que, a despeito das dificuldades para a produção de

folga de recursos, em especial sob o ponto de vista financeiro, a organização

conseguiu fazer uma gestão consistente da folga de recursos organizacionais, o que

contribuiu para a renovação organizacional e manutenção de sua integridade, sendo

elemento importante para a condução ao segundo estágio de desenvolvimento

organizacional.

5.2 Estágio 02

Embora tenha sido observado progresso modesto quanto ao tamanho da

organização, medido a partir do indicador proposto por Fleck (2009), os relatos

coletados indicam modificações na estrutura a partir do ano de 1990. Convém lembrar

que entre os anos de 1988 e 1990, conforme descrito no relato histórico, a firma

buscou crescer através da diversificação de suas atividades, com iniciativas para

captação de obras elétricas e civis não apenas na Celpe, mas também com outros

clientes públicos e privados, o que significou expandir a arena de competição.

Resultado deste processo foi o aumento da diversidade de recursos organizacionais

e, consequentemente, da complexidade para sua gestão.

Sob o ponto de vista proposto por Churchill e Lewis (1983), a estrutura da firma

permanecia simples, dispondo de equipes de campo para execução das obras e

supervisores técnicos em coordenação direta aos diretores-familiares. Contudo, a

expansão do portfolio de atuação, paralelamente à substituição gradual das

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contratações por obras para contratos de prestação de serviço junto a Celpe e outros

clientes, assegurou à organização estabilidade operacional, tornando-a uma entidade

viável, com volume de serviços suficiente para sua manutenção (CHURCHILL;

LEWIS, 1983).

A ABC Engenharia caminhava para o estágio de sobrevivência, segundo o

modelo de Churchill e Lewis (1983), a partir do qual passa a haver uma demanda

maior pela atenção dos fundadores a aspectos administrativos e pelo foco na relação

entre receitas e custos. Ou seja, foram observados indícios de busca por eficiência de

operações, ora possibilitada por economias de escala, à medida que contratos de

prestação de serviço eram captados e as obras de maior porte eram executadas.

Diante do exposto, identificou-se no estágio 02 a correlação da atividade

empreendedora ao monitoramento ativo de mercado, em especial de processos

licitatórios em curso, o que levou à contratação para realização de obras civis e

elétricas. Não obstante, o crescimento da firma impulsionou a captação de recursos

para responder à necessidade de pessoal para as equipes de campo e até para

desenvolver atividades de supervisão e de gestão, de maneira não antecipada às

necessidades.

Neste momento, especificamente a partir do ano de 1990, pode-se identificar

um significativo rearranjo dos elementos estruturais cujo gatilho pode ser associado à

captação de recursos gerenciais disponíveis na família. Dentre os principais

efeitos, tal ajuste permitiu sobretudo o crescimento inercial através da replicação da

estrutura e de práticas organizacionais, com a fundação das empresas coligadas,

enquanto mantinha o envolvimento direto da família nas tarefas cotidianas da empresa

e atribuía responsabilidades definidas a seus membros, sob a liderança e

monitoramento de seu presidente. Este novo arranjo estrutural é resumido no Quadro

5-4, sob a ótica do que defendem Churchill e Lewis (1983) serem aspectos

característicos do estágio de sobrevivência do pequeno negócio.

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Quadro 5-4 - Dimensões de análise estrutural x Estágio II (CHURCHILL & LEWIS, 1983).

A adequação da estrutura à expansão que se observara e ao ingresso de

novos familiares permitiu avanços graduais na divisão e especialização do trabalho,

a partir da alocação de responsabilidades aos membros da diretoria. Conforme

destacam os autores, este estágio de desenvolvimento ainda é caracterizado por

grande significância da habilidade de levantar recursos e pela supervisão direta –

neste caso representada pela alocação de responsabilidades a diretores-familiares –

ainda que a estrutura organizacional já inclua supervisores, cujas responsabilidades

limitam-se à supervisão técnico-funcional.

Por outro lado, pode-se constatar o incremento da diversidade organizacional,

efeito sobretudo de mecanismos de renovação e crescimento iniciados a partir do

envolvimento da segunda geração da família. A divergência entre interesses

societários provocou a instauração de uma arena política que levou à ruptura da

sociedade. Teve destaque o papel diretivo de Fernando, que o punha na posição do

gestor forte que trabalha para manter a unidade, conforme expõe Greiner (1972), e o

alinhamento dos objetivos organizacionais à visão da família, protegendo a

organização da ameaça de fragmentação.

Contudo, a informalidade da gestão permanecia característica, conforme relata

Irineu acerca da baixa especialização dos funcionários nas áreas administrativas. Este

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elemento indica inadequações do padrão de resposta ao desafio da complexidade

(FLECK, 2009).

[...] tudo era muito informal, então a gente tinha que saber de tudo, fazer de tudo. (Irineu)

No entanto, os dados analisados indicam o êxito da organização na gestão

consistente dos desafios neste período, o que contribuiu para a produção de folga de

recursos organizacionais que favoreceram novos movimentos de expansão. Assim,

percebeu-se processo de consolidação da posição competitiva da organização,

conduzida ao terceiro estágio de seu desenvolvimento, segundo o modelo proposto

por Churchill e Lewis (1983).

5.2.1 Desafio do empreendedorismo

A oscilação identificada no Gráfico 5-1 nos primeiros anos da década de 1990

reflete dificuldades que a característica de baixa previsibilidade das contratações

do período final da década de 1980. Esta característica do ambiente indica a

necessidade de a organização responder de maneira eficaz ao desafio do

empreendedorismo, que atua como fator de estímulo à atividade empreendedora

observada a partir da participação em processos licitatórios sucessivos para novas

contratações, de modo a se buscar a continuidade das atividades e a utilização dos

recursos organizacionais subutilizados.

Nos primeiros anos da década de 1990, a ABC Engenharia vinha expandindo

a partir do que Fleck (2016) denomina modo de crescimento inercial, através da

aquisição de novos contratos de prestação de serviço com a Celpe. Pode ser

identificado também neste movimento de expansão uma componente externally-led,

à medida que o aumento relativo dos contratos de prestação de serviço também foi

decorrente da abertura de novos processos de contratação por parte daquele cliente.

Diante de um maior volume financeiro destas obras, a organização viu sua

estrutura crescer quantitativamente, o que significou o aumento da heterogeneidade

de recursos e consequentemente da complexidade. De acordo com o exposto

anteriormente, grande parte de seus concorrentes eram empresas de pequeno porte

Àquele momento, segundo relatos dos entrevistados, crescer ‘demais’ apresentava

dois riscos à ABC Engenharia: por um lado, riscos comerciais ligados à rivalidade nos

processos de contratação, e, por outro, riscos associados à complexidade de uma

organização que demandava uma estrutura da qual a firma não dispunha.

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É oportuno destacar a existência de indícios que sugerem não haver incentivos

por parte da própria concessionária para desenvolver suas contratadas. Conforme

indica o relato de Joaquim, ao longo da década de 1990, os próprios pacotes de

serviços licitados, em geral, eram de pequeno a médio porte, o que favorecia a

contratação de grande número de prestadoras de serviço.

[...] , naquela época, essas firmas que trabalhavam para a Celpe eram muito pequenas [em comparação ao tamanho que elas tem hoje], além de haver muitas. A quantidade de serviço não era nem de perto a quantidade que se tem hoje. Até então, o grande volume de contratação na Celpe era de construção rural [obras de eletrificação rural], porque eram muito usadas como instrumento de política. [...] chegou-se a ter mais de 60 firmas trabalhando em eletrificação rural no estado, então o volume de faturamento por empresa não era grande, não se pode comparar com os níveis de hoje. [O volume de obras] Era divido, era repartido todo o volume entre essas empresas. (Joaquim)

Foi diante deste contexto que a liderança da firma optou por implementar uma

estratégia de crescimento baseada no compartilhamento de recursos e contratos,

através de uma estrutura de firmas coligadas. Estas permitiram à organização seguir

na direção da diversificação e potencializar seu crescimento inercial, tendo a firma

coligada atuação complementar à ABC Engenharia. Esta evidência aponta para o uso

desta estrutura como mecanismo de defesa da organização perante o ambiente, a

concorrência e os riscos a estes associados, de acordo com o que narra Joaquim.

A ideia era que as duas empresas caminhassem independentes, mas era como se fosse, digamos assim, um plano B; se a ABC falir, fica a FF com alguma coisa. A ideia da FF era muito nessa linha [...] o direcionamento real era ter um plano B, uma outra empresa que pudesse complementar com serviços que a ABC não quisesse ou ter uma válvula de escape, se alguma coisa acontecesse. Foi isso. A FF foi constituída em 1994 e já chegou a cumprir seu papel já em 1995, quando houve uma reviravolta na Celpe e a ABC perdeu muitos dos contratos que tinha. (Joaquim)

Ademais, este mecanismo proporcionou à organização explorar a folga de

serviços gerenciais representada pelo ingresso de novos familiares à organização.

Esta representava incentivos ao crescimento não apenas em termos capacidade

produtiva, mas também de disponibilidade financeira, à medida que permitiu a

captação de recursos de familiares para investimentos em ativos fixos, necessários

para responder às demandas por contratação de serviços.

Assim, a estrutura de firmas coligadas – incialmente através da Livre Serviços

Gerais e posteriormente da FF Engenharia – foi também a operacionalização de um

novo mecanismo de captação de recursos que fora, então, acionado por iniciativa

de Fernando. Diante da necessidade de realização de investimentos para a execução

de novos contratos de prestação de serviços, uma alternativa à limitação de recursos

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disponíveis foi visualizada por Fernando, que propunha aos familiares envolvidos na

empresa o aporte de recursos para a aquisição dos recursos necessários para

execução de novos contratos, sendo os valores aportados por eles remunerados à

medida que os serviços fossem executados. Esta era uma prática que tinha como

objetivo viabilizar a expansão a partir dos recursos disponíveis na família, mas

também objetivava promover oportunidades para os envolvidos, conforme apontam

os relatos de Joaquim e Erika. Este foi o caso de alguns contratos para prestação de

serviços de manutenção de iluminação pública para a Emlurb, cujos recursos para

aquisição da frota foram provenientes de poupança pessoal de Joaquim, e até dos

primeiros veículos para execução dos contratos de corte e religação conforme

apontam os relatos dos entrevistados.

[Fernando] Ele era uma pessoa muito incentivadora para as pessoas que estavam próximas. [...] Então o que ele fazia era o seguinte: algumas vezes a Celpe, por exemplo, ofertava determinado tipo de serviço, que, por algum motivo, ele não tinha interesse em executar, aí ele passou a dizer para a gente: “Vocês não querem assumir esse serviço não? Vocês juntam-se ai e compram as camionetes – por exemplo, para trabalhar com iluminação pública para a Prefeitura da Cidade do Recife.” Então, a firma colocava duas camionetes e uma terceira seria comprada por a gente. Eu e Erika, que, na época, explorávamos a Livre, fazíamos projetos de linhas de transmissão, de linha rural, tínhamos equipes executando obras rurais, tínhamos algumas equipes fazendo corte e religação na cidade. (Joaquim)

Nessa época, estava tendo muita licitação na Emlurb para contrato de iluminação pública, então a ideia era que nós comprássemos as camionetes para executar os serviços, mas na verdade a própria firma pagava os veículos, como se fosse um financiamento, abatendo do resultado do contrato. (Erika)

[...] [Fernando] me ofereceu comprar alguns carros do corte com ele e a gente passar aqueles carros com o custo como se fosse de uma locadora, porque, antes, quando começamos, precisamos de dez carros. Dez carros eram muitos para comprarmos. Que segurança a gente teria, mesmo tendo um contrato? Então trabalhamos durante um ano e alguma coisa com os carros alugados. Depois, vamos dizer, eu tinha quatro carros, eu recebia o aluguel daqueles carros no mesmo valor que a gente pagava antes o aluguel à locadora. (Carlos Roberto)

Embora a fundação da empresa coligada tivesse motivação de caráter

defensivo, conforme apontado anteriormente, a aquisição destes contratos seguindo

o referido mecanismo de captação de recursos pode ser também observada como

uma iniciativa com efeitos positivos no que tange a renovação organizacional. Isto é,

à medida que também viabilizava a contratação de serviços por novos clientes e

possibilitava o crescimento a partir da folga organizacional que fora formada pela

disponibilidade de serviços gerenciais dos familiares ingressos, em especial Joaquim

e Erika. Ainda que oferecesse uma alternativa para a renovação organizacional, na

verdade, esta ação converteu-se em expansão pelo modo inercial, possivelmente

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motivado pelos ganhos de escala e compartilhamento de recursos entre os contratos

das duas firmas.

Este mecanismo pode ser associado às iniciativas abordadas pela literatura de

empresa familiar, segundo o desejo de manter a firma sob controle da família e

perpetuá-la por gerações, o que pode invocar instâncias de renovação organizacional

(LE BRETON MILLER, MILLER, BARES, 2015). Tal tipo de iniciativa empreendedora

também é abordado por Miller, Steier e Le Breton-Miller (2003), que afirmam ser

vontade do dono da empresa familiar encontrar posições adequadas para membros

da família, seja a partir de novos empreendimentos, seja em divisões internas à

organização. Há indícios de que estes elementos estejam também associados ao

início de um emergente processo sucessório e transferência entre gerações,

ocasionado pelo envolvimento da segunda geração de familiares na organização.

Se por um lado o envolvimento familiar intergeracional produziu folga de

recursos e ofereceu estímulos a movimentos de expansão e renovação, este também

provocou efeitos negativos que conduziram a confrontos internos, conforme abordado

na seção do desafio da gestão da diversidade. A falha na resolução de conflitos

originados a partir deste mecanismo resultou em pressões de fragmentação e na crise

da organização, causando, segundo indicam os entrevistados, seu enfraquecimento.

A Figura 5-1 apresenta os efeitos positivos e negativos do envolvimento familiar

intergeracional, no indício da década de 1990.

Figura 5-1 - Efeitos do envolvimento familiar intergeracional.

Diante deste contexto, a ABC Engenharia passou a buscar oportunidades para

compensar as perdas resultantes do processo de cisão ocorrido entre as duas firmas.

Percebe-se, assim, orientação de caráter defensivo de busca por novas expansões,

que vieram a partir da replicação das operações e captação de novos contratos com

a Celpe, caracterizando movimento tipicamente inercial (FLECK, 2016).

Ocorre que a percepção daqueles riscos que motivaram a criação da Livre

permanecia e incentivava a fundação de uma nova firma, que, dentro da estrutura da

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organização, veio a substituir a anterior. Optou-se, então, pela fundação de uma nova

firma, a FF Engenharia, tal qual expõe Joaquim. Esta decisão evidencia o mecanismo

de defesa ao qual a organização passou a recorrer a partir da nova empresa. Este

papel pode ser observado a partir da curva de crescimento das duas firmas,

apresentada no Gráfico 5-3.

A FF foi montada para substituir a lacuna deixada por uma outra firma que já existia, que era a Livre Serviços Gerais. Esta outra firma existia [...] foi fundada por Dr. Fernando com Erwin Luciano para fazer alguns tipos de serviços, [...] a ideia era a diversificação. Quando eu vim trabalhar na ABC, a título de incentivo acredito, Dr. Fernando optou por me colocar no contrato social da Livre [...] Quando teve o rompimento entre sócios na ABC [...] a Livre já tinha alguns serviços, que eram serviços de iluminação pública, por exemplo. Nós seguimos o mesmo modelo da Livre na FF, nós compramos os veículos, contratamos o pessoal e nos responsabilizávamos pelo serviço. Isso ocorreu quando houve o rompimento e o que era a ABC Engenharia foi partilhado no meio. (Joaquim)

Gráfico 5-3 - Curva de crescimento por firma.

Por outro lado, a iniciativa de fundar a FF Engenharia também pode ser

associada a iniciativa de exploração comercial complementar à ABC Engenharia, que

permitia a diversificação de clientes. A visão de Fernando, conforme aponta Ana

Maria, era a de permitir que a FF Engenharia conseguisse se desenvolver até um

ponto de viabilizar sua independência em relação à firma principal.

A gente começou a FF Engenharia depois que Erwinho saiu do grupo e ficou com a Livre. Desde que nasceu, a FF Engenharia já trabalhava pra Celpe, na verdade, ela foi criada para que a gente pudesse aumentar a participação nos serviços dentro da Celpe, pois a ABC Engenharia estava crescendo e os concorrentes passaram a olhar com maus olhos que sempre a gente ganhava as concorrências, além disso tinha também a questão do número de funcionários da ABC Engenharia, que estava crescendo muito. [...] Em 1995, já tínhamos um porte maior, a firma já tinha crescido e se recuperado da perda da Livre Engenharia. Ele [Fernando] queria que eles [Erika e Joaquim] ficassem independentes. [...] [A ideia] era para serem duas empresas ligadas, mas separadas, independentes. (Ana Maria)

A materialização da possibilidade de renovação através da diversificação

ocorreu a partir dos primeiros serviços no setor de telecomunicações, ainda no ano

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de 1994, e configura tática de exploration, que gerou oportunidade de aprendizado

técnico inédito à firma, importante instância de renovação e de produção de folga

organizacional. Embora até então nunca explorada pela organização, há indícios de

que seu fundador já intencionava atuar no setor, considerando a similaridade das

características técnicas de obras de expansão de rede de telefonia fixa com aquelas

de linhas e redes elétricas, o que aponta para a intenção de diversificação relacionada.

Contudo, diferentemente do que Fernando visualizava, a atuação da FF Engenharia

no setor de telecomunicações ocorreu na telefonia móvel, que demandava

competências técnicas inéditas na organização.

A iniciativa de prestar serviços a empresas do setor de telecomunicações pode

ser observada como um movimento de expansão a partir do modo interacional

cooperativo. Esta oportunidade surgira, pois, a partir da cooperação e do

estabelecimento de parceria informal entre a firma e o agente detentor do

conhecimento técnico e do networking que possibilitou tal empreitada, responsável,

num primeiro momento, pela supervisão da prestação de serviços e transferência de

conhecimento às equipes, conforme relata Erika.

Ele precisava de uma empresa para fazer o serviço, então a proposta dele era juntar seu conhecimento com a estrutura que nós tínhamos. (Erika)

É interessante destacar neste ponto um aspecto abordado por James (2013),

quando se refere à networking capacity como um traço organizacional marcante no

contexto das empresas familiares. Evidências de movimentos de expansão a partir de

mecanismos de cooperação identificadas ao longo da trajetória da organização vão

ao encontro do que propõe o autor sobre a utilização da rede de contatos como

estímulo a parcerias, com objetivo de reduzir incertezas e riscos associados à

atividade empreendedora. À medida que se desenvolve nestas parcerias habilidades

que tragam vantagens sobre as oportunidades identificadas, o autor chega a

considerar o capital social um complemento ao capital financeiro deste tipo de

organização, sendo também fonte potencial de renovação.

Esta ação resultou na captação de contratos que significaram a ampliação do

portfolio de serviços para uma área relacionada ainda não explorada pela

organização. Assume, pois, natureza produtiva este movimento de expansão, do qual

se pode desprender importante instância de renovação organizacional com potencial

de geração de folga. O aprendizado depreendido não apenas se refere ao

conhecimento técnico ora incorporado pelas equipes de campo, mas também remete

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àquele relacionado às dinâmicas próprias das dimensões do ambiente setorial de

telecomunicações.

O que aconteceu foi que montamos uma equipe e começamos a fazer [...] os serviços lá na Embratel, que também era rádio transmissão, mas só dados. Só que o serviço que nós executávamos para a Embratel era sem concorrência, porque era um tipo de serviço que poucas empresas se interessavam. Aquelas empresas que prestavam serviço para a Embratel eram empresas grandes, de porte, que não se interessavam por aquele serviço. (Joaquim)

Acho que a principal fase em que fomos empreendedores foi na época dos serviços de telecomunicações. Era uma área nova, em que a gente conseguiu trabalhar e ser reconhecido pelo trabalho. (Erika)

A folga representada por esta instância de aprendizado promoveu o

desequilíbrio produtivo aludido por Penrose (1980) que impulsiona as organizações a

crescerem, neste caso, por meio de sucessivas contratações para realização de

obras, através do modo inercial de crescimento (FLECK, 2016). A continuidade da

prestação de serviços neste segmento manteve-se possível mesmo depois do fim da

referida parceria, tendo sido promovida pela ambição da organização quanto a

manter-se atualizada tecnologicamente, o que representou a participação de Joaquim

por seguidos anos em congressos e feiras do setor. Por outro lado, as obras de

telecomunicações surgiam como solução quando da necessidade de alocação de

equipes das obras de elétrica que estavam paradas, situação que ocorria

normalmente entre o fim de uma obra e início de uma outra.

É que a gente reaproveitava muita gente que estava parada dos contratos com a Celpe. Então não tinha uma equipe grande específica para Telecom, mas teve um faturamento alto. (Joaquim)

Ainda que a FF Engenharia tenha executado serviços no âmbito das

telecomunicações até meados dos anos 2000, no contexto geral da organização, as

equipes atuantes no setor de telecomunicações jamais chegaram a representar

porção expressiva de seu faturamento, a despeito de indícios sobre sua boa

rentabilidade. Também a FF Engenharia, seguindo o que acontecia com a ABC

Engenharia, gradativamente, ampliava sua participação na Celpe e,

consequentemente, a dependência da organização em relação aos contratos de

prestação de serviços àquele cliente.

Em muitos casos, a ABC Engenharia e a FF Engenharia disputavam as mesmas concorrências por serviços dentro da Celpe. Em 1995, já tínhamos um porte maior, a firma já tinha crescido e se recuperado da perda da Livre. (Ana Maria)

Também a partir de 1995, com o início do governo Miguel Arraes em

Pernambuco, há indícios de modo de crescimento externally-led, determinado pelo

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grande volume de obras de eletrificação rural, através da implantação de novo

programa de eletrificação do governo estadual. Pioneira neste tipo de obra no estado,

a ABC Engenharia executou grande volume de obras, o que resultou em expressivo

crescimento no período anterior ao ano 2000. Movimento semelhante ocorreu

posteriormente, no início do governo Lula, a partir do programa Luz para Todos.

A gente cresceu muito por conta da quantidade de serviços do Luz para Todos. Podia ter crescido mais, mas não estávamos estruturados para isso. (Irineu)

Paralelamente ao movimento de diversificação relacionada, a organização

passou também por um processo de mudança que refletiu o avanço das contratações

por parte de Celpe para a prestação de serviços. Segundo apontam os relatos dos

entrevistados, era visto com bons olhos o avanço da organização no sentido de

captação de contratos de prestação de serviço, que já a partir de meados da década

de 1990 superava as contratações por obras. A vantagem destes contratos, segundo

narra Joaquim era a de maior previsibilidade e continuidade dos serviços ao longo do

prazo contratado, enquanto as contratações para as obras eram muito vulneráveis ao

cenário político e ao uso da própria Celpe como instrumento de fazer política, o que

imprimia grande sazonalidade.

Esta mudança do ponto de vista comercial imprimiu maior previsibilidade às

operações, uma vez que se contratava volume definido, para um prazo estabelecido.

Além disso, o regime de contratação de serviços por disponibilidade de equipes

ampliava a atratividade dos contratos de serviços, uma vez que a remuneração era

garantida pela simples disponibilidade, conforme exigências contratuais.

É notável, portanto, que, à medida que avançaram os contratos de prestação

de serviços, a estrutura das duas firmas expandiu quantitativamente, em resposta à

demanda por serviços da Celpe. Progressivamente, reduziu-se o volume de obras –

civis e elétricas – executadas pela firma e expandiam-se os contratos de serviços, em

decorrência da mudança de foco da empresa frente às oportunidades identificadas no

ambiente, àquele momento. Com isso, iniciativas de diversificação passaram a ser

postas em segundo plano, resultando na ampliação da dependência comercial da

organização em relação à Celpe.

Antes, essa razão [representatividade dos contratos de serviços] era o contrário, um quarto dos funcionários eram ligados [aos contratos de] serviço, eram muito menos equipes de serviços. O serviço dá uma continuidade, ou pelo menos uma melhor distribuição, digo uma tendência de distribuição mais linear, ao longo do ano, enquanto que as obras não, elas acontecem. [...] Essas obras dependiam muito de questões políticas, por exemplo, durante ano eleitoral, apareciam muitas novas obras, tinha muita obra para fazermos. (Joaquim)

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Ainda que de maneira singela, o fim da década de 1990 foi também marcado

por iniciativas pontuais que já evidenciavam a preocupação em empreender para

reduzir a exposição da organização a um único cliente. Exemplos destas evidências

são o interesse de Fernando em expandir sua atuação para o sudeste do país, a

participação frequente em eventos dos setores elétricos e de telecomunicações, para

desenvolvimento técnico e construção de rede de contatos.

Neste contexto, cabe destacar a ambição de Fernando em expandir sua

atuação para a região sudeste do país e sua versatilidade para vislumbrar as

oportunidades. Sua visão era a de que, ao instalar-se em regiões de maior grau de

industrialização, haveria maior demanda pela terceirização de serviços em sistemas

elétricos. Esta visão, aliás, também ia definindo a área de atuação da organização

dentro em Pernambuco, concentrando-se ao sul da Região Metropolitana de Recife e

em torno do complexo industrial e portuário de Suape, que, alguns anos mais tarde,

seria o motor propulsor do desenvolvimento econômico do estado.

Ele queria muito o interior de São Paulo, pois ele achava que era uma região rica, industrializada, em que a oscilação que havia naquela época de serviço não existiria. [...] Ele achava que aquela área seria uma área de grande desenvolvimento. [...] Era um lugar que já tinha muitas empresas, com uma população relativamente grande, então ele via potencial. Sempre dizia: “O lugar mesmo para a gente montar a ABC Engenharia no Sudeste é esse aí.” (Joaquim)

Pode-se constatar níveis adequados de empreendedorismo ao longo do

período delimitado pelo estágio 02 de desenvolvimento organizacional. Há indicativos

de iniciativas de criação de valor que contribuíram positivamente para a condição de

renovação e crescimento, à medida que produziram excedente de recursos

organizacionais, o que estimula a propensão ao crescimento organizacional saudável

(FLECK, 2009).

5.2.2 Desafio da navegação no ambiente dinâmico

Consoante ao constatado no estágio 01, o desafio da navegação no ambiente

dinâmico tem peso significativo sobre a trajetória da organização durante o estágio

02. A dinâmica do ambiente fornece diretrizes fundamentais à orientação da

organização e sua trajetória, uma vez que define o processo de captura de valor.

Neste sentido, a análise do estado ambiental contribui para verificar a adequação das

respostas organizacionais a tal desafio. O Quadro 5-5 apresenta um resumo do estado

de cada uma das dimensões ambientais durante este período de análise.

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Dimensão Ambiental

Estado

Natural “O tabuleiro”

Piedoso Não existiam pressões ambientais fortes que demandassem respostas à questão da sustentabilidade na utilização de recursos.

Institucional “As regras do jogo”

Piedoso Baixos níveis de exigências de regulamentação; Alta vulnerabilidade ao cenário político, com modelo institucional estatal do setor elétrico.

Negócios “O jogo”

Piedoso Não foram observados indícios de rivalidade feroz entre as empresas do segmento, tampouco fortes pressões de mercado atuando sobre as operações da organização.

Quadro 5-5 - Classificação dos estados das dimensões ambientais, estágio 02.

O ambiente natural, em que os recursos naturais e físicos estão disponíveis,

pode ser classificado como piedoso. Tal fato deve-se à falta de evidências que

apontem para restrições quanto à utilização de recursos naturais que limitassem a

atuação da organização em seu segmento. Neste sentido, observa-se, na verdade, a

falta de pressões ambientais quanto à sustentabilidade na utilização de recursos, cujo

conceito, apesar de já em discussão, ainda não se fazia tão presente na sociedade.

Esta característica fica evidenciada quando se comparam contratos daquela época

com aqueles mais recentes, em que usualmente se observam instrumentos

contratuais que impõem exigências quanto a diretrizes de política ambientais das

organizações, por exemplo.

Sob o plano de fundo das regras do jogo, o ambiente institucional também

apresentou características de ambiente piedoso, embora alterações nos

componentes não mercado (BARON, 1995) tenham ocorrido principalmente a partir

do período de transição entre as duas fases. Há indícios de que os níveis de

regulamentação e rigor sobre as exigências cobradas a agentes atuantes no setor

elétrico brasileiro não impunham pressões jurídicas de grande relevância a sua

atividade. Também as cobranças mais rígidas quanto a aspectos relativos à

capacitação de mão de obra e condições de saúde e segurança do trabalho só

entrariam em vigor ao longo da década de 1990 e início dos anos 2000.

Também a dimensão de negócios apresentou características de caráter

piedoso. Embora haja evidências de um grande número de empreiteiros atuando no

mercado em que a organização estava inserida, segundo indicam os relatos, a maioria

dos players eram de pequeno porte, enquanto há indícios de ser grande o volume de

obras, com boa atratividade, o que indicam a inexistência de pressões por eficiência

de modo a conferir vantagem competitiva sobre a concorrência. Evidência para tal

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constatação é o regime de contratação comumente utilizado para os contratos de

prestação de serviços, cuja remuneração ocorria em regime de disponibilidade, com

remuneração mínima garantida.

Tinha muita coisa que era contratada em regime de disponibilidade, por exemplo, de equipe-hora, que tinha um preço unitário. (Erika)

Era uma linha de crédito do Banco Mundial. Eu lembro que os projetos todos, as ordens de serviço, tinham o carimbo do BIRD. Esse era o grande faturamento das empresas de engenharia nessa época [obras rurais], agora chegou-se a ter mais de 60 firmas trabalhando em eletrificação rural no estado, então o volume de faturamento por empresa não era grande, não se pode comparar com os níveis de hoje. [...] [A rentabilidade] era muito boa, era a melhor coisa que tinha, por isso tinha tanta gente interessada nessas obras. E ainda tem mais; quanto mais longe [da capital] melhor. (Joaquim)

Este tipo de ambiente tende a favorecer o modo de crescimento inercial, tal

qual observado nesta fase da trajetória organizacional. Em geral, os processos de

contratação ocorriam em regime de concorrência presencial, momentos nos quais se

tinha o ápice da rivalidade entre os players, não favorecendo movimentos de

expansão baseados na cooperação. Há indícios também da relevância que

elementos relacionais exerceram sobre o relacionamento entre agentes

contratantes e contratados neste segmento e o processo de captura de valor, em

especial quando ocorriam contratações em regime emergencial. Este fato é reforçado

pela estabilidade do quadro de pessoal em níveis de supervisão e de gestão

operacional dos contratos, ocupados por profissionais de carreira na Celpe, sob

comando estatal, o que favoreceu o desenvolvimento de relacionamento de longo

prazo com gestores das prestadoras de serviço.

Não foram encontradas evidências que indiquem ameaças à legitimidade da

organização durante este primeiro período de análise, o que permitiu a captação de

contratos de prestação de serviço e execução de obras segundo a legislação vigente

para a contratação de serviços pela Administração Pública. Na verdade, o relato

histórico do setor indica a existência de práticas institucionalizadas para a contratação

de obras públicas antes mesmo do marco legal da Lei de Licitações, que deixavam

claras as regras do setor.

Em consonância com o ambiente característico do estágio 01, foram

observadas evidências de características mais desafiadoras no jogo competitivo, uma

vez que se tinha cenário de baixa previsibilidade dos instrumentos contratuais

celebrados durante este período. Neste modelo, contratações ocorriam geralmente

por projeto ou por pacotes de prestação de serviço, com prazos curtos de duração. O

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dinamismo do ambiente estava ainda condicionado a variações no cenário político, às

quais ficavam sujeitos novos processos licitatórios, liberação de obras e até mesmo

condicionantes para efetivação de pagamentos por serviços executados.

No que tange o papel político exercido pela concessionária, sob controle

estatal, cabe destacar que este era o maior ativo público do estado de Pernambuco.

Em decorrência disto, suas operações eram bastante influenciadas por decisões

políticas, que definiam a alta gestão da companhia e consequentemente seus

objetivos, planos de investimento e desdobramentos em termos de necessidade de

contratação de obras e prestação de serviços.

Isto posto, em muitos casos a concessionária utilizava de brechas na legislação

que permitiam contratações emergenciais, em virtude da essencialidade do serviço

público. Deste artifício resultavam contratações não planejadas de pacotes de

serviços ditos emergenciais, o que implicava frequência alta de celebração de aditivos

contratuais, seja de prazo, seja de preço ou volume de serviços contratado. Quando

da ocorrência desta forma de contratação, geralmente a própria Celpe elegia o

prestador de serviço a executar aquele contrato de forma discricionária, daí a

importância de fatores relacionais e do bom relacionamento político-comercial dentro

da concessionária. Este ponto também reforça a importância de se buscar a

legitimidade a partir da capacidade técnica e do cumprimento dos contratos de

prestação de serviços e execução de obras de acordo com os padrões técnicos de

qualidade.

Apesar disso, não havia procedimentos formais para a gestão da cadeia de

suprimentos baseados na construção de relações estratégicas entre fornecedores e

concessionária. A inexistência de uma estrutura formal para a gestão de contratos

terceirizados, aliada aos volumes relativamente baixos de serviços para os quais

ocorriam as contratações, conforme mencionado anteriormente, favorecia a

proliferação de pequenas empresas que passavam a prestar serviço para a

concessionária, já que, àquele tempo, os investimentos iniciais e exigências de

capacitação técnica representavam reduzidas barreiras de entrada.

Para a Celpe, se você tivesse um caminhão munck, você poderia colocar uma firma individual e passava a ser um concorrente igual a mim [ABC Engenharia]. Tinha um cara que tinha dois caminhões lá em Igarassu, Tonho Tomé. Para a Celpe, ele era um prestador de serviços da mesma forma que a ABC Engenharia era, com toda sua estrutura, e ela tratava da mesma forma. (Carlos Roberto)

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A análise dos instrumentos contratuais estabelecidos durante esta fase reforça

a percepção de ambiente piedoso na dimensão de negócios (FLECK, 2011). Os

contratos desta época apresentam indícios de maior flexibilidade no relacionamento

entre contratante e contratado e, embora exponham a superior força e poder de

barganha que o contratante exercia sobre o contratado, os próprios contratos a que

se teve acesso não dispunham de mecanismos de transferência de riscos para o

prestador de serviço, tampouco expressavam rigorosamente os níveis de exigência

comumente observados nos contratos mais recentes. Exemplo disto é a garantia de

remuneração mínima sobre os contratos de prestação de serviços em regime de

disponibilidade, prática comum durante o período da concessionária sob gestão

estatal que não oferecia incentivos à produtividade dos prestadores de serviço.

Possivelmente, estas características contratuais aludidas são também reflexo do

ambiente institucional ora classificado como piedoso.

Soma-se ainda ao contexto competitivo a fragmentação da indústria, composta

por diversas empresas de pequeno porte, com pouca diferenciação entre si e baixo

custo de mudança, o que favorece o poder do comprador, este, uma entidade pública

que concentra conhecimento técnico e informações. Por outro lado, há baixa

propensão por parte do cliente à ‘primarização’, termo que se refere à execução de

obras com pessoal próprio, e grande volume de obras, elemento este que indica

menor nível de hostilidade e ferocidade na competição entre os players. Isto pode ser

inclusive associado à importância do relacionamento entre os agentes e da relativa

força que este conferia às empreiteiras quando das contratações, conforme indícios

oferecidos pelo relato de Joaquim.

Nessa época [meados da década de 1990], a Celpe já era muito dependente de empreiteiras, [...] chegou a um ponto que os processos não avançavam, foi preciso fazer contratação emergencial, com dispensa de licitação, então ela chamou as empresas que trabalhavam para ela, eram aproximadamente umas trinta firmas. Esse encontro foi na própria Celpe, no edifício sede, oitavo andar. (Joaquim)

As características ora mencionadas passaram por gradativas alterações a

partir da segunda metade da década de 1990, conforme descrito no relato sobre o

setor elétrico brasileiro. As transformações no modelo institucional deste setor

trouxeram implicações para a arena competitiva. Estas serão discutidas mais à frente.

Quanto maior a base de clientes, menor a dependência relativa da firma em

relação à necessidade do cliente, entretanto, maior também será a complexidade

inerente ao negócio. Diante de tal fato, mesmo quando houve a iniciativa de

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diversificação do portfolio de serviços não foram identificados elementos que

apontassem para a ambição da organização em verdadeiramente ampliar sua base

de clientes. Ao contrário, percebe-se relativo controle sobre os movimentos de

expansão de modo que estes não resultassem em uma complexa estrutura comercial.

O fato de gradativamente a organização concentrar sua atuação em poucos contratos

executados em paralelo, para um número reduzido de clientes, chegando até a um

cliente único por alguns períodos, denota sua forte dependência comercial, o que

impôs limites ao crescimento e oferece evidência para a necessidade de ser o cliente

o principal alvo de sua gestão de stakeholders.

Neste sentido, pode-se destacar dos relatos obtidos a partir da coleta de dados

o papel crucial que Fernando assumiu ao encabeçar o relacionamento comercial,

exercendo a ponte de contato direto entre o cliente e a organização. Não apenas seu

papel político foi importante neste aspecto, mas também seu conhecimento, formação

técnica e experiência profissional, que lhe rendera boa rede de contatos, foram

fundamentais para a construção da imagem e reputação da firma. Estas, de grande

valor para seu fundador, principalmente a partir de laços socioemocionais seus com

a organização que carregava seu nome e sobre a qual projetava seu legado, foram

importantes para a legitimidade da firma perante seus clientes, inclusive resultando

em oportunidades a ela direcionadas.

Este fora o caso das primeiras obras de eletrificação rural para a Celpe,

contratadas por meio de carta-convite. Posteriormente, situação semelhante voltou a

ocorrer quando dos primeiros contratos de prestação de serviços de corte e religação,

no ano de 1991, que possibilitaram também a ampliação da participação da

organização na prestação de serviços para a concessionária, ativando o modo de

expansão externally-led.

Foi a partir de 1991 que começamos a crescer dentro da Celpe, pois começamos a fazer serviços de corte e religação [de consumidores], mas ainda não era dividido por área de atuação e continuava sendo a contratação feita por carta-convite (Ana Maria)

A Celpe chamou a gente para participar desse piloto. Anteriormente, a Celpe não terceirizava esse serviço. [motivação para convite] Porque já estávamos trabalhando com eles há muito tempo, a ABC era uma empresa confiável. [Fernando] tinha bom relacionamento e penetração na Celpe, conhecia todo mundo e as pessoas gostavam dele, ai ofereceram. E as pessoas confiavam na empresa. (Erika)

Vale destacar dois dos mecanismos utilizados pela organização para

monitoramento de oportunidades no ambiente, o que inclusive possibilitou o

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movimento de diversificação de portfolio no final da década de 1980. O primeiro e

mais comum era a leitura de jornais de grande circulação e assinatura de informativos

específicos onde os diversos órgãos da Administração Pública costumavam publicar

chamadas para os processos licitatórios. O segundo mecanismo, não menos comum,

era o de captação de oportunidades a partir do networking profissional, pessoal e

também proveniente da rede de contatos da família, quer em órgãos públicos, quer

em empresas do setor privado. Não foram encontradas, entretanto, evidências quanto

à participação em associações comerciais, congressos e eventos do segmento,

durante este período de análise.

Outra vertente para o monitoramento do ambiente igualmente baseada no

relacionamento e gestão de stakeholders que pode ser observada diz respeito ao

acompanhamento da atuação da concorrência. Embora apresente alcance limitado, a

observação de fatos relacionados à operação dos demais players, com os quais há

indícios de se manter relacionamento amistoso, forneceu indicativos para tomada de

decisão referente às respostas a pressões externas em momentos pontuais ao longo

da trajetória organizacional. Foi relatado, inclusive, em meados da década de 1990, a

instituição de uma associação dos prestadores de serviço da Celpe, cujo objetivo era

o de empoderamento destes frente à contratante, mas, por motivos que não ficaram

evidentes, não foi dada continuidade a esta entidade.

A capacidade de captura de valor da organização, à medida em que esta

expandiu e ampliou sua dependência em torno de contratos com um cliente principal,

a Celpe, ficou cada vez mais condicionada à maneira através da qual a organização

geriu seu relacionamento com o cliente, seu principal stakeholder.

Além disso, a legitimidade de sua atuação perante o cliente foi alcançada

através da comprovação de capacidade técnica, que resultou na construção

progressiva da imagem e reputação da empresa frente ao ambiente em que atuava.

Porém, dado o porte da organização e principalmente a condição de controle público

de seus principais clientes, há evidências de comportamento passivo da organização

quanto às respostas ao desafio da navegação no ambiente, embora haja indícios de

atuação com certo grau de atividade quanto ao monitoramento de oportunidades no

ambiente.

As evidências analisadas indicam comportamento adequado da organização

quanto às respostas ao desafio de navegação no ambiente dinâmico. Embora não

tenha sido identificado padrão de comportamento ativo no sentido de moldar o

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ambiente, observou-se adequada capacidade de resposta a demandas e pressões

ambientais. Iniciativas de gestão de stakeholders e monitoramento do ambiente

contribuíram positivamente para o processo de captura de valor do ambiente e, dessa

maneira, para a promoção do crescimento e da renovação que a conduziram a um

novo patamar de desenvolvimento.

5.2.3 Desafio da provisão de recursos humanos

O Quadro 5-6 resume o comportamento da organização segundo as principais

dimensões referentes ao desafio da provisão de RH, durante seu segundo estágio de

desenvolvimento.

Dimensão Comportamento Organizacional

Seleção Seleção de pessoal fortemente baseada em indicação de funcionários. Atuação reativa às necessidades.

Formação e Capacitação

Baixo nível de exigências quanto à formação e capacitação de pessoal. Realização de treinamentos esporádicos e não sistemáticos. Capacitação de pessoal baseada na prática.

Renovação Não foram observados processos sistemáticos para antecipação à necessidade.

Retenção

Esforço no desenvolvimento de relacionamento de confiança e comprometimento entre funcionários e a organização, com forte atuação do líder na valorização do funcionário.

Sucessão

Observou-se atuação da primeira geração da família no sentido de influenciar trajetória profissional e envolver a segunda geração, mas não foram identificadas evidências de planos de sucessão.

Quadro 5-6 - Resumo do desafio de provisão de RH, estágio 02.

Não foram identificados indícios de antecipação à necessidade de equipes para

execução de obras e prestação de serviços, cuja seleção seguiu ocorrendo segundo

a identificação da efetiva necessidade. Com o passar do tempo, à medida que foi

crescendo a necessidade de mão de obra, a firma passou a recorrer também à

indicação dos próprios funcionários. Este mecanismo contribuía para o

desenvolvimento de relação de confiança entre a firma e seu pessoal, ao mesmo

tempo que disponibilizava mão de obra com referências para contratação. Além disso,

e principalmente para a seleção de cargos de supervisão funcional, tornou-se prática

comum a indicação de profissionais por outras partes envolvidas, a exemplo de

integrantes da própria Celpe, conforme relatam os entrevistados.

Os próprios funcionários geralmente indicavam outras pessoas, quando a gente precisava. O relacionamento entre o patrão e o funcionário era mais

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facilitado, mais saudável, então, muitas vezes, trazíamos parentes e pessoas conhecidas dos funcionários, que vinham do interior. [...] Como a gente fazia muita obra rural, tinha muita gente do interior, tínhamos acampamentos [alojamentos próximos às localidades onde as obras eram executadas] para abrigar o pessoal que vinha do interior. (Ana Maria)

Eu cheguei aqui em 1993, quando um outro supervisor tinha saído, a empresa estava precisando. Meu cunhado trabalhava na Celpe, então tinha a ligação com a empresa. [...] (Alexandre)

Quanto à capacitação e formação profissional das equipes de campo,

conforme indicado na caracterização do ambiente, pressões institucionais quanto à

regulamentação das atividades impunham menores níveis de exigência em

comparação àquelas observadas em períodos mais recentes. Em decorrência disto,

não haviam restrições significativas à contratação de pessoal com baixo nível de

capacitação e muitas vezes até analfabetos. O conhecimento técnico era

desenvolvido e repassado basicamente através da prática. Não foram encontradas

evidências que indiquem esforços sistemáticos no sentido de promover treinamentos

e capacitações para qualificação de mão de obra.

Apesar disso, vale mencionar a observação que alguns dos funcionários de

destaque pela qualidade técnica no quadro funcional da organização até os dias

correntes ingressaram na empresa ainda durante os anos 1980. O encarregado

Antônio é um exemplo destes funcionários selecionados ainda a partir das equipes

subcontratadas.

Eu entrei na ABC Engenharia em 1988, mas era emprestado, pois eu trabalhava em uma prestadora [de serviços] para a ABC, era o Zé Tampa. Em 1989 eu comecei na ABC em obras [de expansão de redes] urbanas. Depois fizemos obras rurais pequenas e de grande porte. Minha carteira profissional foi assinada no dia 1o de Agosto de 1989 e fiquei até agora. (Antônio)

Ele oferece exemplo claro do que comenta Ana Maria sobre a característica

forte da mão de obra naquele período, que era o seu comprometimento com as

obrigações dentro da organização. Em parte, esta característica era muito valorizada

para a formação de boas equipes e retenção de funcionários, sob a ótica da

organização, sendo até mais importante do que a capacitação técnica em si. Este

elemento, aliás, fornece indícios sobre os valores que sustentam a estrutura social da

organização, conforme será discutido mais à frente.

A mão de obra não era tão capacitada, mas não se tinha tanta dificuldade, pois o pessoal se comprometia. [...] As exigências eram menores, não se exigiam certificados de cursos de capacitação, como hoje. [...] Eles eram mais entusiasmados com a firma, não achavam que a firma estava usando eles. Acho que eram mais puros e acreditavam mais no patrão. (Ana Maria)

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Neste sentido, observou-se a preocupação com a construção de um

relacionamento de confiança e transparência entre a empresa e suas equipes, o que

favoreceu a retenção dos profissionais com bons níveis de comprometimento e

desempenho, ao longo do tempo.

As equipes de elétrica, com o avanço da contratação de serviços pela Celpe,

representavam menor sazonalidade, o que imprimia maior capacidade de retenção de

pessoal. Por outro lado, a natureza dos estágios das obras civis impunha maior

variação da necessidade de mão de obra, o que muitas vezes significava mobilizar e

desmobilizar pessoal segundo a necessidade efetiva da obra, além de ser comum a

contratação de profissionais autônomos para a execução de tarefas pontuais,

conforme indica o relato de Joaquim.

Com as obras civis, tinha uma quantidade de funcionários que dependia muito dos estágios das obras, muitos não eram funcionários fixos. Por exemplo, naquela minha primeira obra, a subestação na Paraíba, o topógrafo que locou a obra foi um cara que eu contratei através de uma indicação de uma outra pessoa de lá da região. (Joaquim)

Apesar do foco dado à relação com a mão de obra, não foram observados

mecanismos proativos de renovação de recursos humanos. Esta apenas acontecia

quando necessário e geralmente de forma tardia, não existindo processos capazes de

identificar antecipadamente a necessidade. Neste aspecto, fatores de renovação, em

geral, surgiram como resposta aos desafios de caráter técnico na execução de novas

modalidades de serviço ou na mudança de tecnologias. Neste último caso, há

evidências de que a organização buscava o auxílio do cliente para desenvolver

treinamentos, quando estes eram necessários, conforme indica Ana Maria.

Nós ainda chamávamos alguém da Celpe para treinar. Tinha área para treinamento, colocava-se um poste, que eles tinham para treinar, como um teste. (Ana Maria)

Em decorrência da crescente necessidade de provisão de mão de obra direta

para execução dos serviços, a organização viu também crescer a necessidade de

recursos gerenciais para desempenhar atividades de gestão. Esta é uma necessidade

natural apontada pela literatura que estuda os estágios de crescimento organizacional

(GREINER, 1972; CHURCHILL & LEWIS, 1983). Conforme indicam Churchill e Lewis

(1983), a identificação desta necessidade está relacionada à transformação da firma

em uma entidade viável, o que dá início ao estagio por eles denominado

sobrevivência. Contudo, persistiu o padrão reativo à necessidade de recursos

humanos em níveis de supervisão técnica e gerência. Também na perspectiva da

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sucessão de pessoal em níveis médios da organização não foram identificados

mecanismos que impedissem a descontinuidade e possibilitassem transferência de

conhecimento para sucessores.

Enquanto a seleção de profissionais para os cargos de supervisão seguiu o

modelo de indicação comumente utilizado para a formação das equipes de campo, os

recursos gerenciais foram captados a partir da disponibilidade de membros da própria

família, o que levou à ampliação do envolvimento familiar direto na organização. É

pertinente destacar que o crescente envolvimento de familiares em cargos de

confiança ocorreu por incentivo dos fundadores da organização, que viam na família

um pool potencial de recursos gerenciais, apesar de não haver indícios de ações no

sentido de desenvolver estes recursos em antecipação às necessidades ou até como

parte de planos de sucessão e transferência entre gerações.

Esta visão pode estar associada ao que afirmam Guíllen e García-Canal (2013)

ser característica de organizações familiares o estilo de gestão baseado em relações

de confiança e reciprocidade. É possível também denotar deste processo de inclusão

de familiares à organização motivações ligadas a eventos que ocorriam no sistema

família, o que indica a possibilidade deste movimento ter sido estimulado não apenas

como resposta à provisão de recursos humanos em nível de gestão, num momento

de crescimento, mas também em atendimento à anseios de cunho familiar, o que, por

sua vez impactou o desafio da gestão da diversidade, conforme indica o relato de Ana

Maria acerca do ingresso de Carlos Roberto na organização.

A gente estava precisando de gente de confiança, dessa forma ajudava a gente e a ele também [Carlos Roberto, ao assumir o cargo de gerente administrativo]. (Ana Maria)

Isto, aliás, mostra-se forte no relato de Erika, da segunda geração da família,

sobre a influência de seu pai quanto a suas escolhas de carreira profissional. Tal

atitude vai em linha ao que a literatura propõe relativo ao contexto de

transgenerational sustainability e o papel potencial que o processo de sucessão

entre gerações tem sobre a sobrevivência de empresas familiares (CHRISMAN et al,

2010). Cabe também ressaltar o relato de Ana Maria acerca deste tema.

Ele [Fernando] dizia que queria que ela [Erika] fosse trabalhar, que ele queria passar a firma de pai pra filho. [...] Então ele queria que Erika perpetuasse o nome da firma, que a firma continuasse. (Ana Maria)

[...] Meu pai me estimulou a fazer engenharia elétrica e eu pensei: “Bom, já que ele tem uma empresa de engenharia elétrica, vou fazer (Erika)

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O padrão identificado do ingresso dos familiares na organização, entretanto,

reforça a percepção quanto à não antecipação à necessidade de provisão de recursos

humanos. É possível, inclusive, destacar a inexistência de elementos de

planejamento de sucessão como fatores catalizadores de conflitos internos, sob

plano de fundo do envolvimento da segunda geração da família. Apesar disto, há

evidências que sugerem haver o interesse nos negócios pelos membros da família

ingressantes, o que é fator importante para favorecer o alinhamento da organização

aos objetivos da família e contribui para manter a coesão.

Há evidências da atuação de Fernando no sentido de influenciar a formação

profissional da segunda geração da família, especificamente sua filha Erika. Esta

atitude denota um senso de perpetuação de um legado com envolvimentos

socioemocionais com a organização, que carrega o nome de sua família. Contudo,

este elemento aparece mais como um desejo, ou um objetivo, para o qual não se

buscou desenvolver um planejamento de sucessão, por exemplo. Foi observado que

o efetivo envolvimento da herdeira e dos demais familiares ocorreu como alternativas

emergentes de atendimento a necessidades da organização, ao mesmo tempo que

também atendiam a circunstâncias específicas da família.

Em suma, a análise dos fatos e dados coletados indica padrão de não

antecipação às necessidades de provisão de recursos humanos por parte da

organização. Por outro lado, há evidências da capacidade organizacional em reter

pessoal, o que pode contribuir para a folga de pessoal experiente e comprometido

com os objetivos organizacionais. A despeito disso, e a exemplo da não existência de

planejamento para sucessão e renovação de recursos humanos em todos os níveis,

inadequações nas respostas a este desafio refletem dificuldades que podem

prejudicar a condição necessária ao crescimento saudável, a integridade

organizacional.

5.2.4 Desafio da gestão da diversidade

Resultado do próprio processo de crescimento e da necessidade de provisão

de recursos humanos, o desafio da diversidade está associado ao aumento da

heterogeneidade interna à firma, seja proveniente da própria força de trabalho,

estrutura organizacional ou do negócio. De acordo com Fleck (2009), a

heterogeneidade entre as partes constituintes da organização pode induzir conflitos e

potenciais rivalidades, podendo ameaçar a integridade organizacional. Assim, a

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autora advoga para a importância de a liderança lançar mão de mecanismos de

fomento a relações integradoras, capazes de coordenar recursos, neutralizar as

pressões internas e promover coesão e sinergia para apaziguar conflitos e evitar

rivalidade. O Quadro 5-7, por outro lado, resume as respostas da organização ao

desafio de gestão da diversidade, segundo suas principais dimensões.

Dimensão Comportamento Organizacional

Heterogeneidade

Ampliação do portfolio de serviços prestados e clientes com os quais a organização estabeleceu relacionamento comercial refletiu maior heterogeneidade de recursos produtivos. A estrutura de firmas coligadas ampliou a heterogeneidade inerente à organização.

Mecanismos de coesão e sinergia

O envolvimento direto de familiares no negócio pode ser um elemento de coesão. Há evidências de compartilhamento de recursos e busca de sinergia entre as partes da organização.

Conflitos e rivalidades

Não foram identificadas fontes de conflitos entre áreas funcionais ou equipes na empresa. Houve forte ameaça à integridade organizacional, com a instauração de arena política, a partir de interesses divergentes entre familiares atuantes na gestão da organização, com questões de ordem sucessórias.

Quadro 5-7 - Resumo do desafio de gestão da diversidade, estágio 02.

Contudo, o sucesso na implementação de mecanismos de coordenação não

elimina a heterogeneidade. Deve-se buscar, então, explorá-la de maneira construtiva

e de modo a promover as condições necessárias ao crescimento saudável da firma

(FLECK, 2009). A organização é, pois, uma coalizão de recursos (CYERT; MARCH,

1963), composta por alianças instáveis, mas potencialmente capazes de gerar

vantagens competitivas ao partilhar de uma identidade, um propósito (BARNEY,

1997).

Há de se ressaltar, neste sentido, que a transição entre os estágios de

existência e sobrevivência da ABC Engenharia oferece indícios de que a

heterogeneidade de recursos resultante do processo de crescimento e os ajustes

estruturais dele decorrentes implicaram crescente complexidade à organização. O

modo de crescimento da firma a partir dos últimos anos da década de 1980 foi

inevitavelmente acompanhado do aumento da importância do desafio da gestão da

diversidade no período posterior.

Além disso, a criação da Livre Serviços Gerais, em 1990, posteriormente

substituída pela FF Engenharia, adicionou elemento extra de diversidade e tornou

mais desafiadora a tarefa de promover a sinergia entre as partes da organização. Este

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movimento, aliás, pode ser associado a uma iniciativa empreendedora e de proteção

da ABC Engenharia aos riscos expostos na seção anterior. O objetivo era, afinal, que

uma empresa atuasse de maneira complementar à outra e estas operavam dentro de

uma estrutura integrada e com poder de decisão centralizado, de maneira a obter

ganhos de escala.

Embora não tenham sido coletados dados em profundidade suficiente para

uma investigação a fundo de mecanismos formais de promover a coesão e sinergia

entre as partes organizacionais, há evidências que apontam para a atuação direta dos

diretores na coordenação dos supervisores técnicos como mecanismo principal de

coordenação e integração. Um outro ponto levantado que ajuda a compreender os

mecanismos de coesão é a mencionada habilidade política de Fernando no sentido

de fazer uso de side payments para promover e manter a coalizão.

O pessoal [funcionários] gostava muito dele [Fernando], demais. Chegava um funcionário pedindo um dinheiro para comprar um leite, ele dava na hora, sem cobrar nada. Isso era uma coisa que Dr. Fernando fazia muito, por isso que, sempre que ele precisava pedir alguma coisa, todo mundo chegava junto para resolver. O pessoal não queria saber de hora extra, mas resolvia, porque eles gostavam muito dele. Quando era alguma coisa que ele não podia fazer, ele passava logo para o funcionário resolver com D. Ana. Ela exercia sempre um papel muito importante de dar um equilíbrio. (Irineu)

Qualquer problema que você tinha, ele [Fernando] tinha uma solução, um conselho. Muitas vezes ele chegava para mim e dizia que para qualquer coisa que eu precisasse em casa podia contar com ele. [...] Muitas vezes ele me dava conselhos, eu gostava muito dele. Ele chegava e falava com todo mundo, quem tivesse aí na frente [...] (Antônio)

Por outro lado, a natureza familiar da organização indicou também mecanismo

de reforço de integridade organizacional, que representa a identificação de integrantes

da família com os valores e visão diretrizes. Isto remonta aos primeiros períodos em

que ocorreu o ingresso de membros da família para ocupar cargos de gestão,

notadamente o período que vai de 1988 a 1991. Há indícios de que o envolvimento

destes familiares na gestão representou elemento de coesão, uma vez que

partilhavam de valores e visão em linha com os objetivos da firma e carregavam

consigo senso de identidade com a organização. Este elemento tende a promover

lealdade entre os membros da família, que agem em conformidade com padrões de

comportamento definidos (TAGURI & DAVIS, 1996), perspectiva esta contida no relato

de Carlos Roberto.

[...] existia uma lealdade muito grande de Fernando com Erwinho [Erwin Luciano], um entrosamento muito bom, uma harmonia. (Carlos Roberto)

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Estes recursos gerenciais buscavam não apenas a coordenação das equipes

a eles subordinadas, mas também o desenvolvimento de sinergias através do

compartilhamento de recursos, segundo as necessidades. Esta atitude, aliás, pode

ser associada a táticas relacionadas à dimensão de retenção de recursos humanos,

como remanejamento de pessoal para áreas distintas, de acordo com a sazonalidade

de obras, fato este indicado como fator impulsionador da continuidade da atividade

empreendedora. O relato de Antônio oferece indícios, inclusive, de haver também este

tipo de intercâmbio entre as empresas coligadas, para a utilização de recursos e

retenção de pessoal qualificado, de maneira a se utilizar da ociosidade de mão de

obra.

Eu sempre trabalhei na área de construção [de redes e linhas de distribuição e transmissão], mas teve também Petrolina. [...] Construímos umas quadras de uma escola, tudo nessa época de 1990. O serviço aqui estava mais fraco [refere-se às obras de expansão de rede para a Celpe], Dr. Luciano ainda trabalhava aqui, daí perguntou se eu queria ir para Petrolina ou para casa. Eu preferi ir pra Petrolina. (Antônio)

Entretanto, conforme indica Mintzberg (1985), nenhuma ordem de poder está

livre de ser questionada e esta é uma questão crítica para a gestão da diversidade da

organização familiar, sobretudo ao se considerar a família como um stakeholder cuja

gestão é fundamental para a legitimidade e a interação com a organização. Conforme

discutido pelo autor, disputas internas surgem naturalmente, podendo repercutir em

conflitos duradouros ou passageiros que, de acordo com a sua intensidade, têm o

potencial de gerar propensão à fragmentação organizacional, uma vez que a união

dos esforços em busca de um propósito único torna-se praticamente impossível de se

atingir. Neste sentido, cabe também destacar o papel da família enquanto contexto de

acontecimentos internos à organização, vulnerável à influência de agentes externos a

esta, como, por exemplo, familiares não envolvidos com a firma.

Há evidências da instauração de uma arena política na organização por volta

do ano de 1993, quando a implementação da estratégia de crescimento e práticas

organizacionais orientadas à expansão criaram pressões mais complexas, que

originaram conflitos internos à família. Observou-se não haver abordagem sistemática

na solução destes confrontos, o que significa um método ad hoc de solução de

conflitos e resgate da coesão. O tratamento pontual e a inobservância da causa

estrutural dos conflitos resultaram em forte ameaça à existência da organização, que

passou por grave crise institucional com o acirramento das disputas daí provenientes.

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Não há indícios de haver acordos formais que disciplinariam a interação entre

os sistemas família e organização. Interesses divergentes quanto à sucessão e

envolvimento da segunda geração da família e uma estrutura de governança frágil

contribuíram para o surgimento da rivalidade e, até certo ponto, disputa pelo poder

que corroeu o clima organizacional entre os familiares, conforme relata Joaquim.

[A situação de conflito] começou a gerar um clima muito pesado, principalmente porque a única coisa que ele fazia quando ia era verificar as folhas de cheque, as cópias de cheque, para fiscalizar toda a movimentação de caixa, o que tinha entrado e o que tinha saído. (Joaquim)

Segundo relata Roberto, o confronto que se instalou entre Erwin Luciano e

Fernando começou a ser gerado por questões inerentes à própria dinâmica de

negócios da sociedade e apuração dos resultados das obras. Este fato está associado

a indícios da ocorrência de obras cujo resultado apurado não condiziam com o

esperado, demonstrando inobservância recorrente de fatores que possivelmente

seriam identificados por processos sistemáticos de análise e mecanismos de controle,

capazes de promover aprendizado.

Erwinho fazia reclamações, quer dizer, não sei até onde as reclamações dele tinham fundamento, que ele ficava sempre com muito dinheiro investido dentro [do negócio]. Pela própria forma do trabalho que ele desenvolvia com Fernando, ele tinha total liberdade, quando via que a obra não ia ser boa, que não ia dar resultado bom, positivo financeiramente, ele dizia “eu não quero essa obra, fique com ela!” e Fernando tinha que assumir a obra, no meio da obra, a qualquer momento. No momento em que sinalizasse essa situação, ele desistia e Fernando tinha que ficar, porque a empresa era a ABC. Então, quando Fernando ficava, ele ficava com esse prejuízo, enquanto Erwinho só queria ficar com obra que desse resultado positivo, então Fernando tinha que pegar do resultado positivo para cobrir o negativo da outra. Erwinho queria que aquela obra que deu o resultado positivo, que aquilo fosse entregue a ele logo, mas não tinha como. Isso começou a gerar o desgaste. (Roberto)

Ademais, o ingresso de Erika e Joaquim na organização e a decisão de

Fernando de incentivar seu trabalho para captação de contratos por fora da estrutura

regular de contratação e divisão de lucros entre os sócios parecem ter oferecido

razões à atitude insurgente de Erwin Luciano. Segundo Erika relata, há indícios de

que aquilo gerara um sentimento negativo que provocou a deterioração do clima de

confiança e lealdade que existia entre os familiares.

Quando eu e Joaquim começamos a pegar serviço, Tio Erwinho começou a criar um ciúme, ele começou a achar que a gente o estava enganando, passando para trás. Mas as coisas não eram muito bem definidas e separadas não. Juntava todo o resultado dos contratos e dividia entre todo mundo, foi aí que ele passou a achar que estava sendo enganado. (Erika)

Assim, há evidências de que, a partir dos primeiros anos da década de 1990,

algumas das práticas e iniciativas empreendedoras apresentadas no desafio do

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empreendedorismo provocaram desequilíbrios na alocação de recursos entre os

familiares, o que caracteriza conjuntura típica do que Cyert e March (1963) indicam

ter potencial de ruptura das coalizões que suportam uma organização. Tal

perspectiva, potencializada por influência de agentes familiares externos à

organização e por outros eventos adversos, pode indicar uma disputa de poder com

raízes em temas de sucessão e transferência entre gerações, aqui enfatizados por

uma estrutura frágil de governança organizacional.

Os fatos sugerem ter sido este o caso não só da falha de mecanismos de

coordenação e coesão organizacionais, mas também do fracasso no alinhamento de

expectativas e clara definição quanto ao processo e objetivos sucessórios sob

o ponto de vista do stakeholder família, resultando na instauração da primeira crise

organizacional, conforme narrado no relato histórico. Este fato não só impulsionou a

organização na direção da fragmentação, mas também ameaçou sua própria

existência, dada a complexa conjuntura de envolvimento familiar na disputa.

O confronto resultou na ruptura de sociedade e divisão das duas empresas

coligadas. Consigo, após um processo de muito desgaste, ele levava a Livre Serviços

Gerais e todos os contratos e recursos produtivos da firma, inclusive mão de obra

formada a partir dos contratos executados pela ABC Engenharia. Isto representou

significativo prejuízo às operações da ABC Engenharia, conforme indicado no relato

de Ana Maria sobre a fase de recuperação.

O primeiro momento de crise familiar foi a saída de Erwinho. Tivemos que resolver, ele saiu e tivemos que começar tudo de novo. Recomeçamos praticamente do zero. Não foi do zero mesmo porque já tínhamos um nome, mas foi do zero financeiramente. Já tínhamos um trabalho prestado, todo mundo já sabia quem éramos. (Ana Maria)

A resolução do conflito entre os sócios oferece indícios que apontam para

decisões influenciadas pelo que Gomez-Mejia et al. (2011) chamam socialemotional

wealth. Estes indícios podem ser observados no relato de Joaquim sobre a postura

de Fernando quando da dissolução da sociedade e separação de patrimônio. Embora

não se possa afirmar que o motivou a optar por “abrir mão de muita coisa”, é

possível que dimensões deste conceito estejam associadas a tal decisão, sobretudo

quando se considera ser Erwin Luciano cunhado de Fernando.

[...] Ele [Erwin Luciano] simplesmente ficou com tudo isso, com todos os contratos de prestação de serviço que tínhamos [através da Livre Serviços Gerais]. Não chegou a haver litígio, mas foi preciso instituir dois advogados como representantes das partes. Não havia uma forma de resolver a situação através do diálogo e, ainda assim, Dr. Fernando optou por abrir mão de muita coisa, praticamente de metade do que era a empresa, em termos de patrimônio.

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Então, a Livre seguiu com praticamente metade do que era a ABC e o que nos deixava indignado era que, enquanto a ABC tinha um passivo trabalhista e uma série de outros problemas, a Livre era uma empresa nova, com poucos problemas, enxuta. Isso a gente não conseguia entender o motivo de Dr. FERNANDO abrir mão disso. (Joaquim)

Sobre o período de recuperação após a saída de Erwin Luciano da sociedade,

notadamente a partir da fundação da segunda empresa coligada, a FF Engenharia,

Erika relata a coesão da alta gestão e da organização em si como elemento que

conferiu estabilidade e segurança para manter a integridade organizacional e

sustentar a continuidade dos processos de criação e captura de valor para seus

stakeholders. Mais do que a promoção de ajustes estruturais, a situação exigiu a

ativação de mecanismos de coordenação construtiva capazes de resgatar a unidade

e promover sinergia entre as partes. A partir do que ela expõe, pode-se identificar

como uma motivação defensiva para o crescimento e a preocupação em manter a

integridade da organização, embora importantes naquele momento, impunham limites

à capacidade de renovação também condição necessária para o crescimento

saudável da organização (FLECK, 2009).

Eu acho que a gente conseguiu [recuperar] pela união que a gente teve e também com muito trabalho. (Erika)

Neste sentido, cabe destacar o significado que a organização representava

para seus fundadores e o comprometimento que tal significado inspirava nos demais

familiares. Considerando o papel duplo que estes familiares exerciam

simultaneamente no sistema família e organização, observou-se uma divisão clara

das responsabilidades de cada membro da diretoria, em torno das necessidades da

organização. Coube à Fernando, na figura de dono-patriarca-presidente, as tarefas de

coordenação e liderança, ao centralizar o poder de tomada de decisão não rotineiras.

É interessante o fato de que a maior ameaça a sua integridade e coesão

decorreu justamente do elemento organizacional que fora fundamental para sustentar

seus movimentos de expansão, o envolvimento familiar. Contudo, há evidências de

que falha nos mecanismos de coordenação entre interesses e visões individuais de

todos os familiares envolvidos em sua gestão enfraqueceu a unidade que se tinha.

Não obstante, os fatos e dados obtidos indicam também a força da integridade

organizacional promovida a partir da liderança institucional e do alinhamento da

organização aos valores e objetivos da família, cuja supervisão direta constituiu

principal elemento de coordenação entre as partes organizacionais. Isto contribuiu

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para a manutenção da organização como uma entidade coesa, a despeito da arena

política pela qual esta passou.

5.2.5 Desafio da gestão da complexidade

Conforme defende Fleck (2009) a complexidade organizacional aumenta à

medida que uma organização cresce, impactando os demais desafios e,

consequentemente, a renovação e a integridade. O crescimento provoca per si uma

heterogeneidade de recursos internos e amplia a exposição do negócio a agentes

externos. O modo como a organização soluciona problemas, capacita-se para

responde-los e promove mecanismos de aprendizado tem efeito direto na propensão

da organização à autoperpetuação (FLECK, 2009).

À semelhança do ocorrido no estágio 01, obtiveram-se dados escassos acerca

do padrão de comportamento da organização perante o desafio da complexidade.

Evidências sugerem avanços no sentido de promover o aprendizado organizacional,

contudo, persistiu o método ad hoc de tomada de decisão, fortemente baseado na

percepção e intuição da liderança organizacional. Por outro lado, foi observado

progresso modesto no que se refere à adoção de sistemas de informação e controle

gerencial.

A passagem entre os estágios de desenvolvimento de existência e

sobrevivência (CHURCHILL E LEWIS, 1983) remete à crise da liderança abordada

por Greiner (1972), quando os fundadores passam a assumir importantes

responsabilidades administrativas, tendo em vista ganhos de eficiência e a

formalização de processos.

Conforme aponta Chandler (1962), a concepção e execução de uma estratégia

gera pressão de adaptação da estrutura organizacional, de modo a não provocar

perda de eficiência econômica. Diante disto, cabe ressaltar a observação de que a

complexidade inerente à organização durante o início da década de 1990, sobretudo

considerando os movimentos de crescimentos a partir da diversificação relacionada e

na substituição da execução de obras por contratos de prestação de serviços,

pressionou a ABC Engenharia a promover ajustes em sua estrutura em expansão.

O gatilho que ativou os ajustes estruturais deste período foi a captação de

recursos gerenciais a partir do pool de recursos constituído por membros da família.

Tal processo de mudança, conforme indicado anteriormente, teve por base a

delegação de responsabilidades gerenciais aos diretores-familiares da organização e

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iniciou um processo gradual de especialização das tarefas administrativas. Contudo,

há indícios de que o poder de decisão sobre assuntos críticos permanecia

concentrado na figura do presidente, Fernando, conforme indica o relato de Carlos

Roberto:

[...] passamos a ter uma organização hierárquica, uma escala hierárquica e estrutura organizacional da empresa, dando a cada um os poderes e as cobranças. [...] Ele sempre fazia as reuniões periódicas, onde ele levava-se para essa estrutura a opinião dos outros. Todos tinham direito a dar opinião, sendo que o peso da opinião dele era majoritário. [...] (Carlos Roberto)

A autonomia dada aos diretores-familiares, ao passo que manteve o

mecanismo de coordenação entre as partes pela supervisão direta, permitiu relativa

flexibilidade, o que contribuiu para que a organização conseguisse organizar seus

recursos para atender à demanda de contratos de prestação de modalidades de

serviços e obras distintos, reforçando a característica da versatilidade

empreendedora. Apesar de potencialmente positivo para o processo de criação e

captura de valor, tal traço organizacional, associado à baixa padronização de

processos e informalidade da gestão, também tem potencial de restringir mecanismos

de aprendizado e gestão do conhecimento, favorecendo a solução de problemas de

maneira pontual e não sistemática, dado que a agilidade requerida para adaptações

possivelmente impediu o estabelecimento de procedimentos e padrões

organizacionais potencialmente capazes de promover o aprendizado.

O próprio processo de ingresso de familiares à organização ressalta soluções

ad hoc e não planejadas perante circunstâncias específicas, como pode ser

exemplificado pelos casos do envolvimento de Carlos Roberto e Joaquim. Ademais,

cabe ressaltar que, apesar dos ajustes na estrutura identificados no referido período,

há evidências da manutenção de práticas organizacionais advindas do período

anterior, o que remete à resistência à mudança de práticas cristalizadas na

organização, que reduzem o aprendizado organizacional.

Por outro lado, a inexistência de abordagem sistemática para a análise de

dados e apoio à tomada de decisão indicam a dependência deste processo em

relação a percepção da liderança. O tempo de análise do problema ficava

comprometido à medida que a centralização das decisões entre os membros da

diretoria muitas vezes atua como barreira para que o conhecimento possa ser

distribuído por meio de mecanismos de aprendizado organizacional. Tal efeito é

reforçado pelo relato de Roberto acerca da centralização do poder e autoridade na

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diretoria e, em última instância, na figura do seu presidente, que, conforme ele narra,

exercia estilo de liderança participativo e buscava a colaboração dos demais

familiares, que supervisionavam diretamente as tarefas alocadas a suas áreas.

De outra parte, o desenvolvimento de práticas organizacionais no sentido de

promover maior controle e, assim, conferir-lhe eficiência, conforme evidencia o relato

de Carlos Roberto acerca dos mapas de controle, denota aspectos que começavam

a ser incorporados pela organização antes mesmo daquele último período.

Identificam-se, pois, características que já remetem à fase da direção (GREINER,

1972), em que se introduz uma estrutura funcional e se mantém a centralização do

poder de decisão na figura do presidente da organização, conforme relata Carlos

Roberto.

[...] levava-se para Fernando o que a gente denominava mapas, que hoje são as planilhas, em que a gente mostrava os resultados já obtidos e as projeções dos resultados que gostaríamos de ter. A gente visualizava e Fernando perdia mais tempo olhando isso e fazendo o meio de campo, o relacionamento. (Carlos Roberto)

Apesar disso, observou-se evolução modesta quanto à implementação de

sistemas de informação e controle gerencial. Este fato pode ser atribuído também à

reduzida estrutura administrativa, sustentada pela baixa especialização e

padronização de processos, o que motivava inclusive o desenvolvimento de

atividades cruciais para o controle gerencial por estruturas externas à firma, conforme

relata Irineu:

A gente não podia criar uma estrutura grande, numa empresa pequena, que não podia suportar uma estrutura grande para poder fazer uma administração mais adequada. [...] dentro da experiência que cada um tinha, fomos contribuindo para chegar ao que é hoje. A própria folha de pagamento era feita fora daqui. A parte de contabilidade também sempre foi feita fora, continua sendo até hoje. [...] Na época, nem contracheque tinha. (Irineu)

Neste sentido, há indícios de efetividade da gestão da complexidade. Contudo,

o período em análise oferece também evidências de inadequações de respostas a

este desafio, uma vez que foram identificados traços organizacionais que restringem

mecanismos de aprendizado e não estimulam a sistematização da resolução de

problemas.

5.2.6 Gestão da folga organizacional

Conforme constatado no estágio 01, a organização apresentou respostas

consistentes à gestão da folga organizacional produzida a partir do processo de

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crescimento, o que contribuiu para que novas expansões pudessem ocorrer. Contudo,

entraves à produção de folga persistiam, a despeito da estabilização operacional.

Neste ponto, vale destacar também a geração de folga de ativos a partir dos

movimentos de expansão identificados no início da década de 1990. Esta folga é

identifica nos relatos dos entrevistados sobre a aquisição de frota de veículos e

equipamentos para a execução daqueles contratos captados. A disponibilidade destes

ativos pode oferecer estímulos à melhor utilização dos mesmos, o que incentiva a

expansão para obtenção de ganhos de escala, promovendo o crescimento através de

motivação produtiva (CHANDLER, 1977).

Adicionalmente, à medida que a firma crescia, a própria família compunha um

pool de recursos do qual pode-se extrair folga de serviços gerenciais. Além dos efeitos

que o ingresso destes recursos à organização proporcionou sob o ponto de vista da

gestão do negócio, os serviços gerenciais deles extraídos abriram a possibilidade de

exploração de novas frentes de serviço, a partir da diversificação relacionada para o

setor de telecomunicações, e também de expansão em modo inercial (FLECK, 2016)

na prestação de serviços no sistema elétrico de potência.

Contudo, o relato de Ana Maria remete a dificuldades financeiras recorrentes e

relacionadas à falta de capital de giro e o impacto que atrasos no pagamento por parte

do cliente principal provocava. Esta condição denota períodos de falta financeira e

baixa capacidade de investimento e atua no sentido de restringir o potencial de

crescimento organizacional. Este fato, aliás, indica a ocorrência do que indicam por

Churchill e Lewis (1983) ser característica de organizações em estágio inicial de

desenvolvimento, que é a importância relativa do fator gerencial da capacidade de

gerar caixa para a firma.

O Gráfico 5-4 apresenta a evolução do indicador lucros acumulados/PIB,

proposto por Fleck (2016) como uma proxy da capacidade de investimento da firma.

Vale destacar a melhora da capacidade de investimento, o que indica folga financeira,

no início da década de 1990, notadamente os anos de 1993 e 1994.

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Gráfico 5-4 - Evolução de proxy de capacidade de investimento, estágios 01 e 02.

A folga financeira é prejudicada com os atrasos recorrentes de pagamento dos

serviços prestados à Celpe, sob a administração do governo Arraes, a partir de 1995,

de acordo com o que narra Irineu. Diferentemente da curva de crescimento da

organização, representada no Gráfico 5-1, que indicava tendência de expansão de

seu poder econômico, queda na capacidade de investimento é percebida nos anos

posteriores a 1994.

Eu lembro que alguns anos antes [da privatização da Celpe] nós passamos uma crise aqui. Foi mais ou menos em 1997, 1998, 1999. Foi uma época que tínhamos muito dinheiro faturado, mas demorava muito para recebermos. (Irineu)

Tal circunstância, além de prejudicar a situação de caixa da organização e

consumir a folga financeira, também demandou, segundo relato de Ana Maria, sua

capacidade de levantar recursos através de empréstimos de curtíssimo prazo. Estes

empréstimos, obtidos muitas vezes a partir do relacionamento com bancos e até

mesmo de reservas da própria família, contribuíam para situações de necessidade de

caixa e investimentos. Consequência disto pode ser vista na escalada do indicador de

endividamento geral, que revela quanto a firma está usando de capital de terceiros,

neste caso através da contração de empréstimos, em proporção do ativo total

contabilizado. A evolução deste indicador contábil durante os estágios 01 e 02 é

apresentada no Gráfico 5-6.

Mas nessa época [a Celpe] atrasava muito pagamento. A gente faturava o mês e só recebida um mês depois. Eles não deixavam de pagar, mas a fatura era para receber com 15 dias, acabava o recebimento ocorrendo só depois de um mês. [o ciclo de pagamento] você trabalhava um mês, faturava e recebia depois de 15 dias de faturado. Então era de 45 dias o ciclo, ne? Para receber dinheiro era de 45 a 60 dias. Muitas vezes a gente precisava pegar dinheiro emprestado. [...] Se não tivesse dinheiro, a firma teria parado. (Ana Maria)

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Gráfico 5-5 - Evolução do endividamento geral, estágios 01 e 02.

Em contrapartida ao consumo da folga financeira, o processo de crescimento

observado ao longo da década de 1990 permitiu a geração de folga de recursos

intangíveis associados à imagem e à reputação da organização. Indícios de

construção da reputação perante o cliente começaram a aparecer a partir das

contratações em regime de carta-convite, da execução do projeto piloto para o serviço

de corte e religação em 1991 e, posteriormente, da contratação das duas firmas sob

a condição de empresa-âncora, o que permitiu novo momento de expansão, conforme

discutido mais adiante.

Por outro lado, por se tratar de atividades em engenharia, pode-se considerar

também folga gerada pelo processo de crescimento o conhecimento técnico obtido a

partir da execução das obras e contratos, bem como os atestados de capacidade

técnica a partir da execução dos mesmos. A comprovação de capacidade técnica,

conforme exigência de muitos processos licitatórios no ramo da engenharia, é

requisito classificatório e, portanto, dispor de acervo técnico amplo pode ser percebido

como uma folga com potencial de induzir a movimentos de expansão. Um exemplo de

situação que tenha ocorrido tal mecanismo pode ser a captação de contratos de

prestação de serviços no setor de telecomunicações, após as primeiras obras nesta

área, ocorridas em 1994.

Desta forma, percebeu-se que, apesar das barreiras impostas por momentos

de falta financeira e baixa capacidade de investimentos, os movimentos de expansão

ocorridos durante o estágio 02 ativaram mecanismos de geração de excedente de

recursos humanos e intangíveis. A gestão da folga organizacional durante este

período ofereceu estímulos a novas expansões, conduziram a organização às novas

expansões e ao novo estágio de desenvolvimento, segundo o modelo proposto por

Churchill e Lewis (1983).

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190

5.3 Estágio 03

Em meados da década de 1990 teve início um processo de transformação do

setor elétrico brasileiro através de nova reforma no seu modelo institucional, a qual

previa medidas de reestruturação sobre nova base de liberalização da economia. No

plano econômico, iniciara a abertura comercial e financeira do Brasil e deixava-se de

lado um modelo centrado na forte participação do estado para abrir espaço para

privatizações nos principais setores de infraestrutura do país, em especial energia

elétrica e telecomunicações.

Sob este plano de fundo, tais reformas trouxeram importantes mudanças na

competição entre as empresas do setor, à medida que as privatizações das

concessionárias sob domínio do estado ocorriam. A lógica diretriz de seus modelos

de negócio passou por importante processo de revisão, que provocou alterações

significativas em todo o ambiente. Assim, a terceirização de serviços no setor ganhou

relevância estratégica nos planos de redução de custos operacionais e execução dos

investimentos previstos nos contratos de privatização, afetando, assim, a arena de

competição deste setor.

O caso da Celpe não foi diferente do padrão identificado no país e impôs

mudanças profundas nas condições de contratação das empresas terceirizadas, ao

passo que também a terceirização estratégica (SOUZA & RADOS, 2011) constituía-

se pilar importante para as operações sob controle privado. Em decorrência destas

alterações, também o ambiente de negócios em que a organização em estudo estava

inserida teve sua dinâmica modificada. Os dados coletados apontam para mudanças

que levam a arena competitiva a uma condição mais desafiadora, que demandou

da organização capacidade de alterar seu status quo e adaptar-se às novas regras do

jogo.

Num primeiro momento, a expansão da estrutura física gerou folga de recursos

que estimulou novas expansões. Há indícios de orientação organizacional ao

crescimento, o que trouxe bons resultados para a firma, em meados dos anos 2000.

Neste sentido, percebeu-se significativa mudança na capacidade de investimento da

firma e seu perfil de risco. Ademais, a ampliação dos escopos contratuais ao longo

deste período possibilitou novas oportunidades de renovação e crescimento,

reforçadas pela versatilidade da organização, inclusive induzindo a iniciativas pontuais

de diversificação relacionada e expansão geográfica.

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O crescimento quantitativo e também as novas condições ambientais elevaram

a complexidade e heterogeneidade internas, para as quais foi necessário adaptar a

organização e promover ajustes estruturais de adequação à nova lógica de criação e

captura de valor. Houve, então, mudanças no que se refere à especialização das

áreas administrativas, padronização e burocratização de processos, qualificação de

pessoal e alocação de responsabilidades administrativas ao nível de supervisão

funcional. Ademais, o monitoramento das tendências externas e a busca pela captura

de oportunidades induziram à realização de novos ajustes estruturais no sentido de

promover maior controle gerencial por meio da implantação de sistemas de

informação e apoio à decisão, em resposta a pressões externas por eficiência.

Há indícios de restrição à atividade do motor de crescimento contínuo

(FLECK, 2003) impostas por dificuldades relacionadas à gestão da complexidade, o

que implicou consumo excessivo de recursos gerenciais para solução de problemas,

reduzindo a folga de energia e tempo dos gestores para dedicar-se a iniciativas

empreendedoras (FLECK, 2016). A redução do nível de empreendedorismo fez surgir

o que se denominou surtos de empreendedorismo, que acontece de maneira pontual,

podendo comprometer a condição de renovação organizacional.

Consequentemente, observou-se aumento significativo da dependência da

continuidade de sua existência em relação à sua capacidade de criar e captura valor

para seu cliente principal, a Celpe. Esta condição induz o desenvolvimento de padrão

reativo de respostas à navegação no ambiente, do qual poderia ser considerada

refém. Assim, identificou-se também a tendência de a organização recorrer a padrões

de resposta às pressões do ambiente com aceitação e conformidade, que leva

frequentemente à adoção de práticas devido a forças coercitivas do ambiente (DI

MAGGIO; POWELL, 1983). Apesar disto, não pode ser ignorado o esforço

organizacional desprendido para o monitoramento do ambiente dinâmico.

Esta atitude organizacional, entretanto, não parece contribuir para o

crescimento saudável e, mesmo que estratégias de natureza passivas às pressões do

ambiente busquem conquistar legitimidade e estabilidade, é preciso que se atente

para o risco de esta impedir iniciativas de criação e captura de valor, o que em si pode

ativar mecanismos de deterioração.

Por outro lado, o contexto familiar também sofreu significativa alteração. O

falecimento de seu fundador conduziu a organização a um processo sucessório não

antecipado, o que representou pressões de fragmentação na gestão das áreas

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operacionais e reforça efeito negativo de inadequações do comportamento relativo à

gestão da complexidade. Apesar disso, a análise dos dados coletados indica a infusão

de valores que contribuíram para a integridade e coesão organizacionais. Destaca-se,

por exemplo, o mito criado em torno da imagem de seu fundador, frequentemente

mencionado nos relatos como símbolo de identidade da firma.

Ademais, há indícios de reatividade à necessidade de provisão de recursos

humanos. Os relatos de entrevistados indicam dificuldades na seleção, formação e

sucessão de profissionais de níveis gerenciais comprometidos e qualificados. Tal fato

contribui para o reforço do consumo excessivo de energia da diretoria com respostas

à complexidade inerente ao negócio, dada a centralização da estrutura de poder.

Contudo, cabe destacar a mudança de padrão relativo à gestão da folga de

recursos organizacionais. Há indícios que apontam maior consistência na maneira

como a organização conseguiu fazer uso do excedente de recursos em benefício de

movimentos de expansão. Merece destaque a capacidade de investimento

substancialmente mais elevada e a disposição da gestão em fazê-lo, o que oferece

incentivo à renovação.

Em suma, as bases que conduziram a ABC Engenharia ao terceiro estágio de

desenvolvimento relacionam-se com o incremento de complexidade organizacional,

ambiente com características desafiadoras e o distinto contexto que a família imprimiu

à organização. Estas causas de mudança de estado induziram também a

transformações no padrão de respostas aos desafios do crescimento e, por

consequência, no mecanismo central da longevidade saudável (FLECK, 2009),

conforme se analisa a seguir.

5.3.1 Desafio do empreendedorismo

O Quadro 5-8 resume o comportamento da organização segundo as principais

dimensões referentes aos desafios do empreendedorismo relativas ao estágio 03.

Dimensão Comportamento Organizacional

Ambição A ambição está relacionada à visão da família, que envolve legado, reputação e objetivos enquanto entidade familiar.

Versatilidade Identificou-se a versatilidade para a ampliação de escopo dos contratos, prestação de serviços.

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Habilidade em levantar fundos

Financiamento de expansões alavancadas por empréstimos bancários, além de capital próprio. Maior disponibilidade financeira e propensão à captação de recursos de terceiros para realização de investimentos.

Julgamento Há indícios de que a organização busca analisar previamente os riscos inerentes aos movimentos de expansão, de maneira informal.

Ambidestria

Exploitation – Modo de crescimento externally-led e inercial dos contratos com a Celpe. Replicação da operação por meio de expansão geográfica. Exploration – Modo de crescimento interacional e mecanismos de cooperação. Também estiveram associados à dimensão de monitoramento do ambiente.

Quadro 5-8 - Dimensões do desafio do empreendedorismo, estágio 03.

Apesar do crescimento, ainda persistia a característica de Fernando de aversão

a riscos. Alguns relatos sugerem associação desta característica à preocupação com

a perpetuação da organização e a preservação da imagem e reputação construída

pela firma, ao longo dos anos. Este traço, que também pode ter origem em

características pessoais do fundador, restringia iniciativas empreendedoras que

ofereciam maiores riscos. Há indícios de que a ambição empreendedora e a

habilidade em levantar recursos de Ana Maria atuava de modo complementar,

sendo em muitos casos o gatilho necessário para ativar um movimento de expansão.

[...] não pode ficar estacionado, tem que ter sempre um movimento de crescimento. O mundo está sempre evoluindo, então você tem que sempre tentar evoluir e crescer com o mundo. Eu acho que tem que estimular e dar meios às pessoas para crescer. Tem que ser otimista e acreditar naquilo que você está fazendo, ou que vai fazer. (Ana)

O relato de Ana Maria demonstra ser sua atitude empreendedora característica

importante para dar suporte às respostas organizacionais à demanda do cliente. Pela

natureza da prestação de serviço, ampliar a oferta de serviço para atendimento a

necessidades do cliente representa alto investimento, sobretudo com a aquisição e

renovação de ativos fixos.

[A ABC Engenharia] Não deixou de crescer por medo não. Ele não era afoito, mas não deixava de fazer nada não. Se a Celpe chamasse e pedisse para colocar mais três caminhões, ele colocava. Aquilo para ele era um problema seríssimo. Em vários momentos ele ficava com medo de investir, perguntava se podíamos comprar um caminhão, eu sempre dizia para comprar três, mesmo sem ter o dinheiro. Ele ganhava confiança e encarava. Eu sempre cuidei do dinheiro e das dívidas. Eu fazia tudo o que fosse preciso. (Ana)

O período imediatamente anterior à privatização da Celpe, especificamente

entre os anos de 1995 a 1999, foi identificado como um momento de pouca renovação

quanto às ações para criação de valor por parte da organização. Ambas as firmas

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cresciam no modo inercial, puxado pela própria demanda de seu cliente majoritário,

a Celpe, que expandia os contratos de prestação de serviço em volume e realizava

significativos investimentos em eletrificação rural. Resultado desta condição era o

gradativo aumento da dependência em relação aos contratos de serviços com a

concessionária, que já representavam mais do faturamento total que as obras em si e

forneciam maior estabilidade.

Neste período, foram encontrados contratos e anotações de responsabilidade

técnica que atestam a atuação da organização para outros clientes, com destaque

para a continuidade da prestação de serviços no setor de telecomunicações pela FF

Engenharia. Contudo, estes contratos, segundo relata Erika, perderam atratividade.

Desta forma, expandir suas operações, naquele momento, significava expandir sua

estrutura para atendimento à demanda por serviços da própria Celpe, reafirmando a

preponderância de eventos externos sobre a trajetória de crescimento organizacional,

o que indica um período em que não há evidências de estar a organização não

orientada ao crescimento.

Fomos crescendo à medida que a gente ia sendo demandado pela Celpe. Nunca existiu planejamento para crescimento. Tinha demanda, a gente aumentava. (Erika)

Quando a Celpe foi privatizada, a Celpe chegou para Dr. Fernando e colocou a condição de seguir contratada como âncora. Na verdade, a ABC Engenharia em si não queria crescer muito não, porque era muito problema. De fato, quanto maior, maior o tamanho dos problemas. Mas foi uma exigência da Celpe. Sem a gente poder, naquela época, era investimento em pessoal, equipamento, [...] Era correr para conseguir atender e se manter no mercado. (Irineu)

Alterações no nível do ambiente institucional do setor elétrico, conforme relato

histórico apresentado neste trabalho, induziram à reconfiguração do setor por meio da

privatização das concessionárias. A privatização da Celpe, portanto, representou

evento externo determinante para a expansão da organização. Neste caso, pode-se

dizer que o modo externally-led fora ativado em sua mais pura forma e que, na

verdade, a organização não escolheu crescer, mas foi impelida a tanto, em resposta

a mudanças na arena competitiva, que são objeto de análise do desafio da navegação

no ambiente.

Dada a nova condição de contratação de serviços imposta a partir do novo

modelo de terceirização da Celpe privatizada, a realização de investimentos para

expansão da estrutura operacional através da aquisição de equipamentos,

contratação e treinamento de pessoal foi requerida. Isto demandou a capacidade de

levantar recursos da organização e representou significativa elevação de seu

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indicador contábil de endividamento geral, conforme pode ser constatado no Gráfico

5-6, que apresenta a evolução deste índice e destaca os períodos dos ciclos de

contratação de serviços durante o período de Celpe privatizada.

Gráfico 5-6 - Evolução do endividamento geral, 1994 a 2014.

Sob a ótica da renovação organizacional através da criação de valor, o que se

observa é que a necessidade de resposta a esta nova condição induziu a mudanças

de padrão de comportamento também em relação ao desafio do empreendedorismo.

A capacidade da organização em responder a esta pressão externa contribuiu para o

fortalecimento de sua legitimidade perante o cliente e também alterou seu perfil de

risco, sendo uma das principais mudanças identificadas justamente a utilização de

capital de terceiros como principal fonte de financiamento da aquisição de

equipamentos e demais investimentos. O relato de Erika fornece evidências que

apontam para maior tolerância por parte da diretoria a níveis mais altos de

endividamento para financiar movimentos de expansão, uma vez que a dinâmica da

prestação de serviços no setor elétrico requer investimentos no sentido não apenas

de expandir, mas também de renovar os recursos.

São investimentos altos, você precisa de crédito para isso. Não é um investimento barato, o custo de entrada não é barato. Agora os estímulos, acho que são as oportunidades. Por ser uma área de investimento alto, há poucos entrantes. Uma outra observação que eu noto é que antigamente, quando a gente era menor, a gente tinha mais receio em investir. A partir do momento que você começa a crescer mais, você diminui o receio com investimento, você se torna mais ousado, topa investimentos maiores, toma mais risco, o risco se torna mais natural. (Erika)

Conforme aponta Erika, a imposição por parte da Celpe da condição de

empresa-âncora implicava elevados gastos com aquisição de equipamentos,

ampliação da frota de veículos e também contratação de mão de obra. A nova lógica

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de relacionamento entre a Celpe e seus fornecedores impunha, pois, a necessidade

de as empresas contratadas oferecerem uma estrutura operacional apta à prestação

de serviços técnicos e comerciais em toda a área de cobertura na qual se estabeleceu

como âncora, segundo indicado no relato histórico. Assim, o redesenho do modelo de

negócios da Celpe e a nova política de contratação de serviços, ao colocar a

terceirização como elemento estratégico, induziu ao crescimento externally-led, que

impunha prazo curto para adequação, de modo a não haver interrupção na execução

dos serviços, o que elevava o grau de complexidade deste movimento de expansão.

O desequilíbrio de poder entre o cliente e as empresas terceirizadas, conforme

pode ser denotado da estrutura da rede de valor, torna ainda mais complexa a gestão

dos stakeholders. Neste sentido, fica evidente em grande parte dos relatos e dos

dados obtidos a forte relação de dependência que a organização tem em relação

à Celpe.

Visto por outro lado, é interessante destacar que o esforço reativo da

organização em capturar valor a partir das pressões externas exercidas pelo seu

principal cliente promoveu oportunidades de aprendizado organizacional e de

desenvolvimento de competências distintas, além de indicar versatilidade da

organização no processo de criação de valor. Estes efeitos podem ser observados ao

se analisar exemplos de ampliação de escopo contratual para prestação de serviços,

cujo exemplo pode ser a inclusão de serviços em linhas energizadas a partir de 2003,

conforme indica o relato de Joaquim. Este movimento promoveu a renovação de

ordem técnica e de pessoal, gerando folga necessária para a expansão inercial dos

contratos nos anos posteriores.

Em 2003 também houve um fato importante na ABC Engenharia que foi, a Celpe decidiu que as empresas âncoras locais fizessem também o serviço de manutenção e construção com rede energizada, que era um know-how que a gente não tinha. (Joaquim)

Foi neste contexto de mudança de atitude que a organização implementou a

medida de contratação de consultor comercial para atuar no esforço comercial de

prospecção de novos clientes. Esta era uma tentativa de reduzir sua forte

dependência em relação à Celpe e tinha motivação produtiva, conforme depreende-

se do discurso de Joaquim, fazendo uso da disponibilidade de recursos subutilizados

na organização e visando inclusive à expansão da área de trabalho para áreas de

outras concessionárias de distribuição de energia elétrica no Nordeste.

Com o racionamento, boa parte das nossas equipes de trabalho foram

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dispensadas, então, uma vez que a gente já tinha feito alguns investimentos, a gente achou que poderia usar aqueles veículos, aquela estrutura que foi montada em 2000 para atender a nova realidade do contrato, a gente poderia disponibilizar para outros serviços. A gente se sentiu estruturado e decidiu retomar a participação nas licitações em órgãos estatais. Foi quando veio o Carlos Viana para trabalhar conosco. (Joaquim)

Pode-se dizer que seu trabalho operou em duas frentes de exploitation, uma

vez que lhe cabia a busca de novas oportunidades naquele contexto em que as duas

firmas já atuavam. Portanto, sua atuação visou à captação de contratos de prestação

de serviços nos segmentos de telecomunicações e também de distribuição de energia

elétrica, o que resulto na captação de contratos com as concessionárias Energisa/PB

e Energisa/SE, no setor elétrico, dentre outros contratos no segmento de telefonia

móvel.

Embora tenha-se ativado a partir destes contratos o modo de crescimento

inercial, em que basicamente as atividades de campo desempenhadas pouco se

diferenciavam daquilo que a organização já executava, este movimento de expansão

geográfica gerou importantes instâncias de aprendizado organizacional e renovação.

Dentre os principais pontos de aprendizado, vale destacar não só a adaptação

necessária para o atendimento ao cliente com outros níveis de exigência e modelo de

trabalho, mas cabe também ressaltar a necessidade de estabelecimento e adequação

de toda uma estrutura de suporte para a execução destes contratos em regiões

distantes da estrutura central.

Destas ações resultaram contratos de construção de linhas de transmissão e

prestação de serviços de manutenção para a Energisa/SE e ainda contratos para

construção de linhas de transmissão de 230 kV para a Chesf. Estes, por sua vez,

promoveram aprendizado técnico, à medida que resultaram nas primeiras

experiências de linhas de longa extensão. É importante pontuar aqui indicativos de

aprendizado organizacional disseminado entre o pessoal de supervisão atuante neste

movimento, o que representou folga de recursos que proporcionou inclusive a

execução de novos contratos e até a reestruturação que teria início anos mais tarde,

conforme discutido anteriormente.

Inicialmente a gente entrou com duas turmas de construção, depois a gente foi aumentando, ficava meio oscilante, dependendo da demanda, mas a gente chegou a ter 4 equipes. Posteriormente conseguimos contrato de fazer linhas de transmissão, aí Marcos Dias, que é outro supervisor, também foi para lá com outra turma. Daí, em função da obra, ia para 70, 80 pessoas, depois quando acaba a obra voltava para 4 turmas, 3 turmas, oscilava um pouco. (Roderick)

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Contudo, cabe destacar aí a importante atuação da dimensão de julgamento

sobre os riscos inerentes a novos movimentos de expansão. Esta capacidade, que

esteve associada ao temperamento do presidente e a uma análise prévia informal de

riscos, conforme indicam os relatos dos entrevistados, é muito importante para a

avaliação das oportunidades de crescimento, de modo que estas criem valor sem que

haja superexposição a riscos que representem potenciais ameaças à continuidade da

existência da organização. Há evidências, inclusive, do julgamento de riscos atuar no

sentido de frear novas iniciativas empreendedoras, conforme indicado no relato de

Joaquim, que narra a decisão de não avançar sobre novas contratações em virtude

do tamanho considerado satisfatório àquele momento e da complexidade que o

crescimento implicaria.

Surgiram oportunidades até no Mato Grosso do Sul [...] Só que isso significaria praticamente duplicar aquilo que a gente já era, que a gente já se achava relativamente grande. O fundamento da ABC Engenharia nunca foi crescer muito, sempre foi, se crescer, crescer passo a passo e não inchar, crescer de uma vez. Essa é a cultura da empresa. Nós crescemos e achávamos que já era um bom tamanho. Na época, a gente pode falar em ter uns 500 funcionários. As oportunidades que apareciam eram oportunidades que eram muito grandes, porque eu acredito que a partir dali as concessionárias de energia, que é o mercado que a gente tem, passaram a achar que esse modelo de contratação de empresa âncora era o modelo ideal, então, quando apareciam as oportunidades, eram volumes no mesmo tamanho, na mesma proporção do que a gente já tinha e isso não era de interesse para a gente dobrar o tamanho. Nós preferimos parar e esperar o mercado se reorganizar. (Joaquim)

Por outro lado, o relato de Joaquim oferece evidências de ser esta atitude de

reduzir a atividade empreendedora uma resposta organizacional a riscos identificados

no ambiente de atuação.

A partir de 2009, a gente começou a perceber uma crescente demanda na justiça do trabalho [...] dando sentenças de terceirização ilícita. Isso fez com que, inicialmente, a gente se retraísse, então, nesse momento a gente passa a não mais querer trabalhar com concessionárias, na verdade a gente tenta não ampliar nossa atuação, [...] até que o cenário mudasse. A gente decidiu ficar mais em Pernambuco do que estar ampliando nossa atuação. [...] Fomos direcionando para uma reestruturação com a redução do número de funcionários, até que a gente pudesse ter um novo cenário. (Joaquim)

Tal resposta contribuiu, assim, para reduzir a vulnerabilidade da organização a

avaliações negativas de sua conduta, que podem trazer prejuízos não só de imagem

e reputação, mas sobretudo penalidades financeiras pela não conformidade.

Evidências da importância da conformidade estrutural neste caso são também

encontradas na existência de dispositivos contratuais que exigem da contratada

conformidade com as normas e com a própria política de segurança da contratante,

que prevê inclusive sanções em caso de não cumprimento.

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O aumento da complexidade inerente aos contratos de prestação de serviço no

setor elétrico, a partir de meados de 2010 fornece também entrave à atividade

empreendedora. Alterações no modelo de contratação representaram transferência

de responsabilidades para as prestadoras de serviço, tal qual narra Joaquim.

De 2005 a 2010, ainda havia uma quantidade significativa de pessoas trabalhando na empresa [Celpe pós-privatização], de modo que nossas responsabilidades enquanto prestadoras de serviço eram mais limitadas em relação ao que são hoje. A partir de 2010 os contratos vieram com mais exigências, que demandavam mais gestão sobre tudo. [...] os contratos passaram a nos dar maiores responsabilidades, o que demandou mais trabalho, mais estrutura de supervisão, estrutura física, enfim, mais custos... é uma resposta ao ambiente. (Joaquim)

Este é um efeito relacionado ao que comenta Fleck (2016) acerca das

dificuldades que ambientes em estado inóspito e desafiadores podem impor ao

crescimento, principalmente à medida que este ambiente demandante exaure a folga

de recursos, consumida para a solução de problemas, muitas vezes no modo de

combate a incêndio, padrão não adequado de resposta ao desafio da gestão da

complexidade. Embora não se tenha indícios que sustentem a classificação do

ambiente de negócios como inóspito, há de se destacar características demandantes

deste, com significativas exigências contratuais no sentido de responder a tais

demandas impostas pela contratante.

Não por acaso, paulatinamente, a organização deixava de lado oportunidades

outras que não seu principal cliente. Na verdade, em decorrência da evolução do

volume de serviços, inclusive através da incorporação de novas modalidades de

serviço e ampliação de escopo e prazo dos contratos com a Celpe, a organização foi

limitando sua ação no sentido de promover novas expansões.

Esta perspectiva explica a recorrência do uso da estratégia de aceitar e

consentir (OLIVER, 1991) em resposta às pressões institucionais no que tange à

regulamentação e fiscalização de trabalho. A própria existência da organização, neste

caso, prescinde da conformidade com padrões e normas estabelecidos pelas

regulamentações, em especial o caso das exigências quanto à conformidade aos

requisitos técnicos de saúde e segurança no trabalho, ainda que exerçam força

contrária às pressões de mercado e à escassez de recursos associadas à busca por

eficiência operacional. Isto evidencia aquilo que Oliver (1991) relata sobre a

adequação da resposta de consentimento a situações em que o grau de legitimidade

obtida com a conformidade é alto.

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Tal situação, que motivara, num primeiro momento, a retração do esforço

comercial para captação de novos contratos, posteriormente, ofereceu incentivos à

realizar movimento de diversificação relacionada, a partir dos primeiros contratos de

prestação de serviços em iluminação decorativa para a Prefeitura do Recife. Contudo,

há evidências de comportamento pendular relativo à atividade empreendedora, à

exceção dos contratos com a PCR em estrutura de consórcio, não foi identificada

continuidade do esforço para captação de contratos além dos contratos âncora com

a Celpe.

Assim, cabe destacar dos contratos celebrados com a PCR o fato de que eles

ativaram, a partir do ano de 2010, o modo de crescimento interacional através de

mecanismos de cooperação, ao ser estabelecido consórcio de empresas parceiras

para execução dos serviços. Em consonância com o que expõe Fleck (2016) acerca

deste modo de crescimento, a ABC Engenharia uniu-se a duas outras firmas

concorrentes de modo a desenvolver estratégias e procedimentos operacionais de

maneira a promover ganhos de sinergia entre elas. Assim, formava-se o consórcio

com a visão de complementariedade de competências entre as empresas envolvidas

e sua atuação não se restringiu à iluminação decorativa, mas englobou também obras

de construção civil, configurando novo movimento de diversificação relacionada.

Traduziu-se, pois, em importante oportunidade de renovação organizacional através

do aprendizado proporcionado por mecanismos de cooperação entre organizações.

Edmar [Real Engenharia] chamou para entrar na licitação de iluminação [decorativa], pois ele não tinha experiência. Participamos da licitação e vencemos em 2008, mas ficou, a cada ano, uma briga entre a gente e a Processo. Para não ficar aumentando essa disputa, achamos que seria mais interessante nos unirmos para a execução desse serviço. Então, resolvemos formar um consórcio. [...] a execução seria coordenada entre as empresas, sendo dividido o retorno igualmente entre as três. [...] Na verdade, esse consórcio não se restringiu aos contratos de iluminação decorativa. Teve obra de construção também. (Erika)

Foi a partir do aprendizado adquirido que, em 2013, o modo de crescimento

interacional através de mecanismos de cooperação serviu novamente de base para

um movimento de expansão. Através da parceria com a Processo Engenharia, a

organização lançou-se a uma nova iniciativa empreendedora, que possibilitou

novamente o desenvolvimento de competências inéditas à organização, à medida que

se tratava de um projeto que envolvia, mais do que a prestação de serviço, o

fornecimento de materiais.

Diante da complexa estrutura que se formou para a realização deste projeto,

há indícios de que o consórcio buscou desenvolver novos instrumentos de apoio à

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realização das tarefas. Pode-se dizer, com isso, que também a complexidade do

projeto motivou a busca pela inovação. A ideia por trás desta decisão era a de

estabelecer um novo modelo operacional para contratos de eficientização de

iluminação pública, o que não só criaria valor, como também permitiria que as

organizações envolvidas trabalhassem o ambiente de modo a replicar este modelo

em outras localidades, o que exigiria a capacidade destas de moldar o ambiente para

captura de valor.

A experiência do consórcio anterior contribui e muito para o Reluz. Quando fomos começar a executar o serviço, Leonardo teve a ideia de que nós precisávamos fazer de forma diferente, para ter resultado. Então ele inventou que tínhamos que ter um sistema, uma plataforma, e fazer tudo on-line. Pelo edital, tínhamos que tirar foto antes e depois da substituição da luminária, tinha que fazer medição de luminescência antes e depois e tinha que apresentar todos os projetos, pois esse projeto era um convênio com a Chesf e Eletrobrás. Tudo isso devia constar nos boletins de medição. Então ele teve essa ideia de desenvolver esse sistema. (Erika)

Essa parceria entre os dois [refere-se a Erika e Leonardo, dono da Processo] foi fácil, porque eles dois se complementavam. Enquanto Dr. Leonardo tem uma forma de trabalhar muito de sonho, D. Erika é muito real [...] Eu percebi que, com isso, D. Erika passou a se envolver com um outro cliente que não a Celpe, então era um novo horizonte, um tipo de serviço específico, que não era o tipo de serviço que a empresa habitualmente realizava, e essa parceria fazia com que ela tivesse um sócio com um ponto de vista diferente, com uma energia diferente, com um estímulo diferente, com uma visão diferente. [...] Ela conseguia avaliar, o que era positivo a gente replicava, o que não era de positivo, a gente descartava. (Ana Ferreira)

Cabe destacar as evidências presentes no relato de Ana Ferreira quanto ao

aprendizado que a experiência da aliança estratégica para o Projeto Reluz ofereceu

à organização. Este aprendizado teve consequências inclusive nas ações

empreendidas para sistematização da coleta de dados e tomada de decisão, com a

implantação de novos sistemas de controle de produtividade, a partir de 2015. Foram

coletados dados que indicam a intenção de continuidade desta parceria que possibilita

o crescimento a partir da cooperação e combinação das competências entre parceiros

estratégicos, a partir do modo de crescimento interacional.

Durante o período compreendido pelo estágio 03, menor nível de atividade

empreendedora foi observado. A redução do empreendedorismo oferece ameaça à

longevidade saudável (FLECK, 2009), à medida que pode provocar processo de

erosão de sua vitalidade e conduzir à estagnação (WHETEN, 1980). Há evidências

de que inadequações quanto ao nível de empreendedorismo da organização durante

este período estiveram associadas ao aumento da complexidade organizacional e

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esforço organizacional em responder às pressões ambientais de modo a assegurar

sua legitimidade e o processo de captura de valor.

5.3.2 Desafio da navegação no ambiente dinâmico

O ambiente foi seguramente um importante elemento causador de mudanças

organizacionais identificadas ao longo da trajetória da ABC Engenharia, em resposta

às transformações evidenciadas nas arenas competitiva e regulatória. A organização

viu aumentar a complexidade do processo de captura de valor, à medida que cresciam

as pressões de seus stakeholders, num ambiente que passava a exigir capacidade de

resposta e adaptação da organização para conciliar as demandas.

É fato relevante o processo de privatização da Celpe, ocorrido em 2000,

consequência de transformações no modelo institucional do setor elétrico e cujos

efeitos promoveram consideráveis alterações na arena competitiva. Paralelamente,

outros eventos externos ocorridos na dimensão institucional introduziram também

neste plano pressões adicionais a serem tratadas pela organização. Neste sentido, o

Quadro 5-9 resume o comportamento organizacional relativo às dimensões do desafio

da navegação no ambiente dinâmico, durante o estágio 03.

Dimensão Comportamento Organizacional

Captura de valor

A captura de valor está muito associada à preocupação com manutenção da legitimidade da organização frente a seu principal cliente, mas também está relacionada aos mecanismos de monitoramento do ambiente, que apontam oportunidades de negócios e de renovação.

Respostas a pressões institucionais

Passividade nas respostas às pressões institucionais é predominante. A característica demandante e a assimetria de poder entre contratada e contraente na arena competitiva impõe a necessidade de consentir com as pressões exercidas por aquela, como forma de reforçar sua legitimidade e capturar valor. A organização encontra dificuldade em como navegar de maneira mais ativa no ambiente.

Quadro 5-9 - Dimensões do desafio da navegação no ambiente dinâmico, estágio 03.

De forma geral, o ambiente tornou-se mais desafiador, o que reforça a

necessidade de a organização buscar a eficiência para sua própria sobrevivência. O

Quadro 5-10 apresenta o estado das três dimensões ambientais no período que vai

do ano 2000, até o ano de 2015.

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Dimensão Ambiental

Estado

Natural Piedoso Não existem pressões ambientais fortes.

Institucional

Desafiador Do ponto de vista da regulação, tem-se evoluído os níveis de exigências relativas a questões de saúde e segurança no trabalho. Há pressões na dimensão institucional que ameaçam sua existência, devido à questionamentos sobre legitimidade da terceirização no setor elétrico.

Negócios

Desafiador A arena competitiva apresenta traços desafiadores, sendo um ambiente muito demandante e de alta rivalidade entre players, com significativa pressão sobre eficiência. Há indícios de assimetria de poder entre os agentes (contratante e contratada), o que induz à necessidade de a organização responder (comply) às pressões externas para viabilizar captura de valor (legitimidade).

Quadro 5-10 – Classificação dos estados das dimensões ambientais, estágio 03.

Embora no início dos anos 2000 as pressões de natureza ambientais já

exercessem significativa influência sobre regras institucionais, em resposta a

cobranças da sociedade em torno da sustentabilidade, não há evidências de efetiva

atuação de pressões relevantes sobre a dimensão natural do ambiente no qual está

inserida a organização. É possível identificar ações ainda em estágio iniciais por parte

de clientes que exigem dos agentes da cadeia de suprimentos definições de políticas

ambientais e de gestão de resíduos. Contudo, não há elementos que indiquem a

imposição de barreiras à criação e captura de valor pela organização, com base em

restrições impostas por esta dimensão ambiental.

Por outro lado, as reformas no modelo institucional do setor elétrico brasileiro

realizadas a partir da segunda metade da década de 1990 foram importantes

mudanças ocorridas no ambiente institucional. Outras questões desta ordem foram

surgindo principalmente no que diz respeito às exigências técnicas para realização de

obras e condições de saúde e segurança no trabalho. Neste sentido, a

regulamentação das práticas associadas ao desempenho das operações, a partir das

normas regulamentadoras (NRs) do Ministério do Trabalho, é um ponto importante

para a legitimidade da organização perante todos os seus stakeholders e para a qual

cabe apenas estratégia de aceitação. Assim, pode-se dizer que o nível institucional

tem apresentado características desafiadoras, que implicam regras rígidas de controle

sobre a dinâmica das atividades.

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Outro aspecto também relacionado à questão da legitimidade no plano

institucional é a polêmica que existe em torno da regulamentação da terceirização.

Conforme apresentado no relato histórico do ambiente, a indefinição quanto ao

conceito de atividades meio e fim, em especial no setor elétrico, a despeito da Ação

Declaratória de Constitucionalidade impetrada pela ABRADEE e ainda em curso no

STF (ADC 26), representa risco à existência da organização e tem importantes

implicações de ordem jurídicas, inclusive com responsabilidade solidária da

concessionária contratante. Trata-se de uma resposta ativa da indústria, no caso das

concessionárias de distribuição de energia elétrica, à pressão institucional existente

sobre a legitimidade da terceirização em seus sistemas elétricos, ponto de

fundamental importância para a viabilidade de seu modelo de negócios. Desta forma,

pode-se associar esta ação ao que se refere Baron (1995) sobre estratégias ‘não

mercado’ serem utilizadas para influenciar as regras institucionais que controlam a

dinâmica do mercado, através de coalizões ou associações no nível da indústria.

Isso é porque temos um problema que, na minha opinião, só a própria Celpe conseguiria resolver. Todo funcionário que trabalha para a Celpe, principalmente de Prontidão, quando sai, coloca a gente e a Celpe na justiça pedindo isonomia salarial [aí entra a questão polêmica sobre a terceirização de atividade-fim, conforme detalho na parte “terceirização no setor elétrico” do relato histórico]. Entre nós empreiteiros não existe uma união. Se houvesse uma união, poderia haver um tipo de troca de informação. Infelizmente, está aí em Brasília parado um projeto [PL 4.330] para regulamentar a situação e acabar com essa coisa aí, mas infelizmente já perdemos muito dinheiro por conta de ação de funcionário pedindo isonomia. (Irineu)

Não cabe a este trabalho avaliar a legislação brasileira e os obstáculos que

esta impõe à competitividade das empresas. Contudo, os relatos sugerem a

dificuldade que as exigências normativas impõem à condução do negócio e até ao

relacionamento entre a organização e seus clientes, que, por instrumentos

contratuais, repassam à prestadora de serviços pressões sofridas por aqueles. Além

disto, há indícios de que a relevância dos questionamentos sobre a legitimidade da

terceirização no setor elétrico está associada ao processo de privatização das

concessionárias, em especial das atuantes na distribuição.

Foi, afinal, no contexto de transição entre modelos institucionais do setor

elétrico brasileiro e concessão ao setor privado que a prática de terceirização de

serviços se consolidou como lógica inerente ao modelo de negócio que se estabelecia.

Há evidências expostas na literatura que o grande objetivo da adoção deste modelo

era o de redução de custos operacionais das distribuidoras de energia elétrica

privatizadas (MAGALHÃES, CARVALHO NETO E GONÇALVES, 2010). Como

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consequência, observa-se a ativação do que Fleck (2003) chama de motor de

coevolução, ligada ao processo de institucionalização que ocorre para o

estabelecimento de padrões, no nível da indústria. Evidências deste processo são

fornecidas por Instituto Acende Brasil (2012), dentre as quais se destaca a evolução

da força de trabalho atuante no setor, conforme exposto no Gráfico 5-7.

Gráfico 5-7 - Força de trabalho no setor elétrico.

Fonte: Instituto Acende Brasil (2012).

No caso da Celpe, este processo provocou alterações na arena competitiva e

nos fundamentos do relacionamento comercial existente entre empresas prestadoras

de serviços e as concessionárias tomadoras, o que abriu oportunidades para captura

de valor por organizações que se adequaram à reorientação da atividade em torno de

uma lógica de apropriação de valor a partir do que se chamou terceirização

estratégica. O acirramento da competição foi consequência de decisões da

concessionária acerca de seu modelo de negócios, que buscou a redução do número

de prestadores de serviço e consequentemente expansão do porte daqueles

remanescentes, através da concentração de volume de serviços em contratos de

maior duração e volume financeiro. Na prática, o novo modelo promovia a

institucionalização do que Souza e Rados (2011) denominam organização em rede

da cadeia de valor, composta por uma empresa central em torno da qual se

posicionam as empresas terceirizadas que compõem sua cadeia de suprimentos.

Os novos contratos de prestação de serviços passaram a ter prazo de vigência

inicialmente de dois anos, sendo posteriormente ampliados estes prazos, tendo as

contratações posteriores ocorreriam vigência de três a cinco anos. As contratações

eram resultado de ciclos de tomada de preços, a partir dos quais todos os serviços de

determinada área eram contratados, segundo modelo de empresas âncoras. Houve,

com isto, redução da sazonalidade de serviços durante o prazo de contrato, o que

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representou maior previsibilidade para a prestação de serviços naquele horizonte de

tempo e, consequentemente, reduziu incertezas para associadas aos investimentos

requeridos pelos contratos.

Também o regime de contratação, que em muitos casos ocorria por

disponibilidade de equipes para prestação do serviço, inclusive com remuneração

mínima garantida, mudou para contratação por produtividade e preços unitários. Esta

foi uma alteração realizada tendo em vista o objetivo de redução de custos

operacionais das concessionárias, que também envolveu a inclusão de dispositivos

contratuais para transferência de riscos para as prestadoras de serviço e imposição

de obrigações à contratada, o que reforçam a observação de que se tinha um

ambiente mais desafiador do que aquele observado nos estágios anteriores.

Em um ambiente de negócios mais desafiador, a maior rivalidade entre players

representou pressões adicionais por eficiência, em especial nos ciclos de contratação,

à medida que a competição para captação dos contratos, em volumes

significativamente superiores aos anteriores, era elevada. Soma-se a este fato, ainda,

a mudança de orientação quanto ao relacionamento comercial, dado que sob

comando estatal, variáveis relacionais favoreciam o bom relacionamento e

contribuíam para captura de valor, enquanto o modelo privado gradativamente estava

orientado a indicadores de desempenho e capacitação técnica.

Gradativamente as pressões por desempenho foram transferidas às

terceirizadas, o que culminou com a criação de uma área responsável por centralizar

responsabilidades ligadas à gestão de contratos terceirizados, em 2006. Embora os

processos de contratação seguissem tocados pela área de suprimentos, dentre outras

funções, esta nova área respondia pelo acompanhamento dos contratos, fiscalização

e controle de todas as exigências neles estabelecidas, o que prevê rotinas contínuas

de troca de informações com as contratadas e também a realização de auditorias

periódicas.

Em termos de contratação, mudou muito da Celpe estatal para a privada. Depois da privatização começaram os contratos mais longos, enquanto durante a época estatal, [o prazo contratual] era de, no máximo, dois anos. Outra coisa que também mudou foi que os contratos antigos eram geralmente em regime de disponibilidade e passaram a ser em regime de produtividade. A Celpe privatizada não tem interesse em trabalho por disponibilidade, porque ela relaciona disponibilidade à ociosidade [das equipes]. Não existe garantia mínima, eles não garantem absolutamente nada [transferência de risco para o contratado]. A tendência é não se contratar por disponibilidade, por isso o fator K multiplicador é tão importante na negociação. (Erika)

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Diante destas características e da redução de prestadoras de serviço

contratadas pela concessionária, observou-se o acirramento da competição entre

as empresas, em especial durante os períodos de renegociação dos contratos. Além

disso, a assimetria de poder entre a tomadora de serviços e as prestadoras impõe

características de natureza inóspita à arena competitiva, de modo que a contratante

exerce pressões que demandam respostas imediatas. Ao mesmo tempo, visando ao

objetivo de redução de custos, esta também induz o acirramento da competição entre

os players, tendo, em muitas situações, efeitos destrutivos.

Cabe ressaltar ainda que a legitimidade das prestadoras de serviços perante a

concessionária, antes fortemente baseada em relacionamento de longo prazo, passou

a ser função do desempenho operacional presente. Isto induziu à deterioração do

relacionamento de parceria entre estes agentes, conforme denota-se do relato de

Erika. O desgaste do relacionamento e as pressões sobre desempenho, embora

possam incentivar a busca por eficiência, não oferecem incentivos à cooperação e

renovação potencialmente positivas para prestadora e tomadora de serviços, no longo

prazo.

Hoje o clima é muito pesado, mas não no sentido da parceria, "se esforce que estamos do outro lado com vocês". Mas não existe isso, é mais um "se esforce, se você não tiver, tem quem faça”. A terceirização vai muito na parceria, mas não existe isso de parceria, eles não desenvolveram ao longo deste período um sentimento de parceria realmente. A gente sente que eles não gostam da nossa presença na sede, eles ficam incomodados [esta era uma prática comum, que fazia parte do relacionamento com a Celpe estatal], isso todos os outros prestadores de serviço também sentem. Eles gostam muito de colocar o erro na prestadora de serviço, transferir o erro [a responsabilidade sobre ele]. [...] Mas eu acho que não foi só a Celpe que mudou, o mundo também mudou, as exigências foram mudando. Os consumidores ficaram mais exigentes, os acionistas são mais exigentes, daí tudo vai mudando. [...] Mas, quando fazemos algum serviço pra Prefeitura, por exemplo, é diferente o tipo de cobrança. (Erika)

A gente percebe que são pessoas mais voltadas para números, avaliar números, e não relacionamento. Em uma empresa, realmente, tem-se que seguir números, índices, não relacionamentos. Às vezes, quando os índices não estão bem e existe um relacionamento, você pode conseguir contornar, conversar e melhorar, mas quando não existe esse relacionamento, por serem pessoas mais novas, mais recentes, que não conhecem bem a empresa, as pessoas da empresa, então a cobrança é diferente, é mais direta e não há muita flexibilidade. [...] Vem-se batendo muito, na verdade, o pessoal da Celpe, os gestores, a empresa Celpe vem sendo muito cobrada em relação a seus índices [principalmente índices de continuidade Aneel]. (Alexandre)

Tal percepção pode ser constatada a partir da forma como foram conduzidos

os processos mais recentes de contratação de serviços, ocorridos em 2015. Também

na direção de se perseguir a redução de custos operacionais, desde meados dos anos

2000, o acordo de acionistas do Grupo Neoenergia prevê o compartilhamento de

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recursos corporativas entre as empresas controladas do grupo. Esta medida, na

prática, significa que algumas áreas, a exemplo da área de suprimentos, migraram da

estrutura das concessionárias e passaram a atende-las de maneira matricial, a nível

corporativo, segundo indica o relato de Erika.

Existe o diretor, que antes eram superintendentes ou gerentes de suprimentos ligados a cada uma das empresas do grupo, mas, quando viraram grupo Neoenergia [...] então, por exemplo, aqui em Pernambuco ficou um gerente de contratação de serviços, que é o responsável por Bahia, Rio Grande do Norte e Pernambuco, mas em cada lugar desses tem um subordinado a ele. No caso essas são as áreas para contratação; a proposta é feita para estas áreas e as negociações ocorrem diretamente com esta área. Mas, por exemplo, agora estamos participando de uma cotação na Coelba e, hoje, tudo é pelo WebSupply, um sistema que eles têm, então você não tem contrato físico, você só tem o contato pelo WebSupply. (Erika)

O efeito desta decisão reforça maior distanciamento entre a gestão operacional

dos contratos de prestação de serviços e os processos de negociação e contratação

dos mesmos. Assim, esta medida evidencia menor relevância para questões de

relacionamento, ao passo que também oferece indícios de haver uma tendência de

as concessionárias promoverem o crescimento dos contratos de prestação de

serviços. Por isso, segundo relatos obtidos, estas empresas tendem a buscar

prestadoras de serviço de grande porte, que apresentem estruturas robustas para o

atendimento a suas necessidades, o que prejudica a legitimidade de empresas de

menor porte, conforme pode-se desprender do relato de Erika e vai em linha ao

observado a partir do relato de Joaquim sobre barreiras à atividade empreendedora,

abordada no desafio do empreendedorismo.

No nosso setor, eu vejo uma tendência de que os contratantes busquem empresas de porte. É como se mostrasse, é como se eles sentissem que uma empresa grande suportasse maiores oscilações e não dependessem deles (Erika)

Em resumo, o que se observa é que as reformas estruturais do setor

conduziram a uma nova lógica diretriz da dinâmica ambiental. Isto significou a

institucionalização da prática da terceirização como pilar estratégico para redução de

custos operacionais de concessionárias distribuidoras de energia elétrica, ao redor

das quais se estabeleceu cadeias de valore em rede (RADOS & SOUZA, 2011).

Desse modo, a assimetria de poder entre prestadoras de serviço e as empresas

centrais da rede, as tomadoras de serviço, implicaram pressões por eficiência

capacidade de responder às demandas e tendências impostas por estas às

prestadoras de serviço para efetiva criação e captura de valor, o que significa um

ambiente de negócios com características mais desafiadoras.

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A consequência da situação descrita, quando há fortes pressões sobre a

negociação de preços e flexibilidade operacional para respostas imediatas à demanda

de serviços, tanto do ponto de vista de volume, quanto de escopo, a fluidez do

ambiente de negócios é prejudicada. À medida que os processos de criação e captura

de valor são restringidos por este tipo de pressão competitiva, o êxito é mais difícil de

ser alcançado, o que pode inviabilizar o negócio, tal qual são indicadas evidências de

players que entraram em declínio e, em alguns casos, encerraram suas atividades

devido ao padrão de resposta a tais demandas, segundo relato de entrevistados.

Outras empresas que não trabalhavam com leitura e pegaram esse contrato terminaram até quebrando, que foi o caso da Megaton. A Megaton saiu pegando todos os contratos e saiu de 400 funcionários, para 1600, do dia para a noite, terminou não tendo perna, porque a Celpe, a gente faz um serviço hoje, mas demora a receber. Se você não tiver um capital para segurar esse período e você triplicando a quantidade de funcionários e custo, de onde você vai tirar? (Luiz Leal)

Diante do estado restritivo do ambiente, a dimensão do monitoramento ativo

ganha especial relevância. Convém lembrar que Fleck (2009) comenta sobre a

necessidade de a organização fazer o mapeamento adequado da evolução do

ambiente, considerando aspectos econômicos, políticos, sociais e tecnológicos, de

modo que reações proativas e antecipadas possam ocorrer.

Desta forma, embora tenha sido identificado padrão passivo de respostas às

pressões ambientais, composto de estratégias de aceitação e táticas de consentir

com as demandas externas em antecipação ao benefício próprio da construção de

sua legitimidade e garantia de continuidade de operação, o que implique adequação

dos recursos aos requisitos e denota flexibilidade por parte da organização. É

significativo o impacto que este padrão de respostas impõe aos demais desafios do

crescimento, em particular àqueles da provisão de recursos humanos e da gestão da

complexidade, conforme discutido nas secções respectivas.

Contudo, isto não significou para a ABC Engenharia fechar suas vistas à

realidade e oportunidades que se apresentavam no ambiente. Embora existam

evidências deste tipo de atuação durante meados da década de 1990, quando foi

relatada participação em feiras do segmento de telecomunicação como uma iniciativa

de monitoramento tecnológico e também de prospecção de oportunidades, este

movimento ganhou forças a partir de meados dos anos 2000, quando houve

momentos em que a organização demonstrou certo nível de orientação ao

crescimento.

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É possível que esta atitude esteja associada em parte à dependência de um

único cliente, mas sobretudo também às mudanças ambientais que impactaram a

atuação da organização neste período, de modo que a utilização de mecanismos de

monitoramento pode ser encarada como fontes de renovação organizacional.

Três são as principais linhas segundo as quais a organização buscou realizar

este mapeamento do ambiente. Primeiro, identificou-se ser a participação em eventos

setoriais não apenas um meio de busca pela atualização tecnológica, mas também de

captação de contatos e identificação de oportunidades de negócios, que inclusive

geram estímulos à inovação, conforme relato de Erika:

Inovar é através de capacitação, quando a gente participa de seminários, de congressos, eu acho que isso vai abrindo a mente para a inovação. O retorno é de longo prazo, mas acho muito importante, no sentido de que abre a mente, você volta empolgado, achando que as coisas podem dar certo, que pode ser feito diferente, é empolgação, você vive uma fase de empolgação. (Erika)

Por outro lado, pode-se identificar uma componente dos mecanismos de

monitoramento fortemente baseada na questão de relacionamento e gestão de

stakeholders. Neste sentido, há evidências de que a organização monitora o ambiente

a partir de sua rede de relacionamentos, sejam eles relacionados à questão do social

networking, já mencionado no desafio do empreendedorismo, ou a partir de contatos

estabelecidos por meio da filiação em associações e entidades setoriais, o que abre

espaço para a captura de valor a partir de mecanismos de cooperação, tal qual

discutido no desafio do empreendedorismo.

Há evidências de que, motivada sobretudo pelo momento de crescimento

econômico vivenciado pelo estado de Pernambuco, entre os anos de 2009 e 2010,

houve um esforço comercial no sentido de explorar novas áreas de atuação e clientes,

identificadas a partir desta modalidade de monitoramento do ambiente. Este

movimento esteve ligado a sua associação à Rede Petro, cujo objetivo também é o

de do empoderamento das prestadoras de serviço para negociações em bloco, no

setor de óleo e gás, conforme indica o relato de Joaquim. Um de seus principais frutos,

inclusive, foi o envolvimento no Projeto Vínculos, importante instância de renovação

organizacional e aprendizado.

É uma associação que tenta promover o cooperativismo entre empresas que prestam serviço. O objetivo dela é transmissão de conhecimento, associação para buscar treinamentos específicos, seja de liderança, treinamentos específicos para as empresas, negociações são feitas em bloco. (Joaquim)

Quanto à frente de atuação comercial na indústria de óleo e gás, a organização

seguiu um caminho tortuoso. Sua ambição era a prestação de serviços para a

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Petrobrás, que oferecia grandes oportunidades de prestação de serviços no estado.

Ademais, existia a percepção de que a prestação de serviços para a Petrobrás abriria

portas em outras empresas do setor privado, dado os altos níveis de exigências

técnicas para tal.

O principal objetivo era trabalharmos para a Petrobras. O objetivo disso era diversificar, era inovar. A gente queria, era o sonho de consumo de toda empresa trabalhar para a Petrobras, porque os preços eram melhores. Quem trabalhava para a Petrobras poderia trabalhar para qualquer outro lugar, pois era uma empresa que exigia muito, então, se você estivesse preparado para trabalhar na Petrobras, você trabalharia em qualquer outro lugar. (Erika)

A organização desprendeu considerável tempo e energia ao atuar na busca

pelo cadastro de fornecedor da Petrobras, que a habilitaria para contratações de

serviços. Diferentemente do que se esperava, o cadastro da Petrobrás rendeu poucos

frutos efetivos. No entanto, as ações executadas até que o objetivo pudesse ser

alcançado, dentre as quais as principais relacionam-se com o desafio da navegação

no ambiente, a saber a participação no Projeto Vínculos e a associação à Rede Petro,

ofereceram importantes oportunidades de renovação organizacional, que tiveram

impacto significativo na estrutura da organização e, consequentemente, na sua

resposta ao desafio da gestão da complexidade.

O relato de Erika oferece evidências ainda de que se buscou estruturar a

organização de modo a se ter controles e sistemas de informação de suporte à tomada

de decisão. Esta importante instância de renovação e aprendizado não se limitou à

implantação de sistemas, conforme indicado anteriormente. A organização percebeu

também a necessidade de se buscar a melhoria de seus processos e isto esteve

associado à participação no chamado Projeto Vínculos, que forneceu importantes

contribuições para o aprendizado organizacional. Pode-se observar, inclusive, que

esta busca pela captura de valor a partir das oportunidades que se apresentavam no

ambiente em franco crescimento econômico atuou como gatilho para novos ajustes

nos elementos estruturais, sobretudo a partir do avanço na formalização de processos

e implantação de sistemas de controle.

Participando deste projeto Vínculos, eu comecei a focar em maior controle financeiro, de contas a pagar, contas a receber, que a gente não tinha. Só começamos a implantar porque eu estava participando do projeto. A vontade de implantar os sistemas veio do Projeto Vínculos. Tudo antes era feito manual, não se tinha histórico. (Erika)

Nós implantamos o módulo de faturamento e fomos avançando para adaptar o sistema de faturamento ao formato da empresa, porque o faturamento da ABC é muito específico, bem particular. Eu fiquei como líder dessa área, fazendo também a integração entre os setores de faturamento, contas a pagar e contas a receber.

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212

(Ana Ferreira)

O exposto denota a relevância que a capacidade da organização em navegar

o ambiente é fator preponderante para a promoção do aprendizado. Isto se deve

em boa parte às mudanças ocorridas principalmente na dimensão ambiental de

negócios, que enfatizam a importância da busca constante pela eficiência como

mecanismo de sobrevivência no ambiente em que atua. Este fator, aliás, pode explicar

também o movimento de ajustes estruturais na direção da burocratização da

estrutura simples que se tinha anteriormente, o que pode ser observado como um

processo gradual de transformações estruturais em decorrência do crescimento,

segundo as linhas de estudo de Greiner (1972) e Churchill e Lewis (1983).

Uma outra vertente para o monitoramento do ambiente igualmente baseada no

relacionamento e gestão de stakeholders que pode ser observada diz respeito ao

acompanhamento da atuação da concorrência. Embora apresente alcance limitado, a

observação de fatos relacionados à operação dos demais players, com os quais um

relacionamento amistoso é mantido, forneceu indicativos para tomada de decisão

referente às respostas a pressões externas em momentos pontuais ao longo da

trajetória organizacional.

Por último, mas não menos importante, observou-se ser prática frequente o

monitoramento do ambiente a partir do mapeamento dos processos de licitação por

órgão públicos. Esta atitude envolveu também a efetiva participação em processos

deste tipo com intuito de identificar os movimentos e estratégias da concorrência.

Resultado disto foi a contratação pela Prefeitura da Cidade do Recife para execução

de iluminação decorativa nos ciclos natalino e carnavalesco, a partir do ano de 2008.

Este órgão, aliás, manteve-se como o principal foco da atuação comercial na frente

do setor público até os dias atuais.

As transformações do ambiente ao longo deste período demandaram da

organização capacidade de adaptação de seu status quo às novas regras do jogo.

Adicionalmente, o ambiente mais desafiador provocou aumento da complexidade

organizacional, ao passo que impõe à organização necessidade de flexibilidade

organizacional e táticas de consentir e adaptar às demandas ambientais. Logo, há

evidências de passividade no padrão de respostas ao desafio da navegação no

ambiente dinâmico, o que reduz o pode reduzir progressivamente a capacidade

organizacional de captura de valor no ambiente.

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Contudo, observou-se que a organização conseguiu melhorar sua capacidade

adaptativa, à medida que foi capaz de responder a novos cenários e situações. Esta

está associada à renovação de rotinas organizacionais, cujo objetivo está muito

associado à gestão da complexidade advinda do crescimento e imposta pelo

ambiente. Cabe ainda destacar ser a flexibilidade um elemento importante para a

atuação da organização e seu padrão de navegação no ambiente.

5.3.3 Desafio da provisão de recursos humanos

O Quadro 5-11 resume o comportamento da organização segundo as principais

dimensões referentes aos desafios de provisão de recursos humanos e de gestão da

diversidade relativas ao estágio 03.

Dimensão Comportamento Organizacional

Seleção

Recorre-se majoritariamente à indicação dos próprios funcionários para preenchimento de vagas, o que contribui para reforçar senso de identidade. Não foram identificadas ações no sentido de antecipação às necessidades de contratação.

Formação e Capacitação

Elevação das exigências de capacitação e qualificação em resposta a pressões institucionais. Foco de treinamentos em aspectos ligados à saúde e segurança. Há evidências de estímulo não sistemático à formação técnica e superior de funcionários de bom desempenho e potencial. Identificou-se percepção da necessidade de desenvolver competências gerenciais no nível de supervisão.

Renovação

Foram observadas iniciativas de renovação de pessoal, com objetivo de reforçar a estrutura para suportar novos movimentos de expansão. Não foram observados processos sistemáticos para antecipação à necessidade.

Retenção

Baixa rotatividade e relativa estabilidade no quantitativo de pessoal. Ações de retenção de talentos buscam entender motivações de maneira pontual, incluindo oferta de benefícios indiretos.

Sucessão

Não foram identificadas evidências de planos de sucessão entre membros da família, tampouco ações no âmbito de sucessão em níveis mais baixos da estrutura organizacional.

Quadro 5-11 - Dimensões do desafio da provisão de recursos humanos, estágio 03.

Sendo uma empresa prestadora de serviços de engenharia, em que a utilização

de mão de obra é intensiva, o desafio de selecionar, formar, reter e renovar pessoal é

crucial. Notou-se ser preocupação contínua da liderança prover condições para que o

conhecimento e capacidade técnicos de suas equipes de trabalho oferecessem

suporte necessário para as iniciativas empreendedoras.

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A preocupação de atrair e reter corpo técnico capacitado visa a manter a

qualidade técnica dos serviços prestados. Neste sentido, há evidências de que deter

um corpo técnico experiente e competente é um ponto de diferencial para

organizações deste segmento, que, além de contribuir para sua reputação perante o

mercado, também pode gerar ganhos em produtividade e favorecem o crescimento.

Tal qual observado nos primeiros períodos de análise, durante todo o terceiro

estágio, a organização demonstrou preferência pela seleção de pessoal com base em

indicações, embora não seja incomum a ocorrência de seleção de profissionais a partir

da incorporação de equipes provenientes de outras prestadoras de serviço. Este

segundo mecanismo ocorre, em geral, quando da contratação da organização para

substituição de um outro player na execução de determinado serviço. Exemplo deste

tipo de situação foi a seleção do pessoal para compor as equipes de corte e religação

a serviço da Energisa/PB, em 2003, conforme relato do supervisor à época:

O pessoal a gente pegou de duas prestadoras de serviço que detinham o contrato anteriormente, mas até a gente encerrar o contrato houve muita modificação, até se adaptar àquilo que a ABC Engenharia necessitava, porque o pessoal tinha o padrão de trabalho das empresas anteriores e nós precisávamos de pessoas que atendiam ao nosso padrão de trabalho. (Luiz Leal)

Os entrevistados relatam ser este o padrão de seleção de pessoal para as

equipes de campo devido à carência por mão de obra capacitada que o mercado em

si apresenta e da inexistência de cursos específicos de formação para este tipo de

mão de obra, conforme indica o relato de Alexandre:

Em relação à mão de obra no mercado, não é fácil encontrar. Por que não é fácil? Porque o que você encontra de pessoas que não tem vícios de trabalho, o que a gente pode destacar como vício de trabalho são pontos negativos, então, quando você encontra uma pessoa sem vícios de trabalho, vícios negativos em termos de procedimentos, são pessoas menos experientes. Os que tem experiência no mercado geralmente tem um histórico que não é favorável para a empresa. (Alexandre)

Ademais, a dependência da organização em relação a seu principal cliente e a

necessidade de responder a suas demandas impõe ainda restrições quanto à

capacidade da organização em planejar contratações e antecipar-se à necessidade

de contratação de pessoal, que ocorre muitas vezes em função da necessidade

imediata da concessionária.

Quanto à dimensão de capacitação e formação da mão de obra direta, foi

relatada significativa evolução da atitude ativa da organização. Há indícios de que esta

foi uma consequência da evolução de pressões externas, sobretudo em nível

institucional, quanto à formalização da qualificação de mão de obra e provisão de

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condições seguras de trabalho em sistemas e redes elétricos. Os entrevistados

relataram ser a questão da saúde e segurança no trabalho uma das prioridades

máximas não só no que diz respeito a treinamentos de capacitação para suas equipes,

mas também de suas operações efetivamente. Este dado remete ao Projeto

Travessia, que, conforme descrito no relato histórico, foi uma iniciativa da Celpe para

trabalhar em conjunto com as prestadoras de serviço na provisão e formação de mão

de obra apta às atividades de prestação de serviços, em resposta à pressão

institucional que representou a vigência da NR-10, em 2004, bem como demais

normas regulamentadoras pertinentes.

Foi uma evolução das exigências do próprio governo [...] Com as exigências novas, tivemos que fazer esse pessoal estudar para poder continuar trabalhando nas atividades que estavam. [...] Senão íamos perder a maior parte dos profissionais. Era uma forma de dar oportunidade a essas pessoas de adaptação à nova realidade do mercado. Hoje as exigências são cada vez maiores. O pessoal de campo tem que ter formação em eletricidade básica e complementar, NR-10, NR-35, para trabalho em altura. Para a linha viva, os cursos são mais aprimorados, exige-se mais conhecimento. (Irineu)

Ainda quanto à capacitação das equipes de campo, o líder da área de recursos

humanos e departamento pessoal reconhece o avanço na provisão de mão de obra

treinada e qualificada. Há indícios de que a organização tem atuado na realização de

treinamentos e atualização dos certificados exigidos pelas normas regulamentadoras.

Contudo, o relato de Irineu enfatizou a carência que se tem em promover outras

modalidades de treinamento com benefícios potenciais sobre a produtividade da força

de trabalho.

Agora, o que eu acho que falta, que poderia ser implementado, mas que eu sei que é custo, é em relação a nossos encarregados. Eles são pessoas que vieram das funções mais baixas, eram serventes, ajudantes, que foram sendo classificados [...] mas nunca tiveram qualquer curso além desses que se exigem para todos. Não tiveram curso, por exemplo, de liderança. Mas isso é um tipo de treinamento que não dá para ser dado por gente da empresa não. Isso é curso que tem que ser dado por gente de fora, para que eles valorizem isso. [...] O objetivo seria aprimorar o conhecimento deles e até a questão de liderança desse pessoal, para eles conseguirem mais dos seus subordinados. (Irineu)

Já a dimensão de retenção de talentos foi evidenciada como uma prática

baseada no bom relacionamento e ambiente de trabalho que se busca desenvolver.

As ações têm caráter reativo e vão na linha de procurar compreender os fatores que

levam ao interesse do funcionário em deixar a organização. Vale destacar ainda a

ocorrência de incentivos a iniciativas individuais de profissionais com desejo de buscar

formação em nível técnico ou superior, muitas vezes sendo utilizado como instrumento

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de retenção de profissionais de bom desempenho. Porém, não há critérios bem

estabelecidos ou um sistema formal para que este mecanismo ocorra.

Contudo, busca-se trabalhar fatores motivadores de tal situação tendo em vista

a dificuldade que a organização apresenta em transferir conhecimento quando da

substituição de pessoal, como é apresentado no relato de Erika. Consequências

diretas são a baixa taxa de rotatividade de funcionários relatada – o levantamento de

dados históricos para o cálculo efetivo do turn-over não foi possível – e a frequência

com que ocorrem retorno de ex-funcionários para o quadro funcional das duas firmas.

A gente tenta reter as pessoas. Geralmente tentamos através de aumento de salário, com conversas para ver o que está despertando o interesse em sair da empresa, mas transferência [de conhecimento] é muito difícil, é quase impossível, porque, quando acontece isso é de forma muito rápida. [...] [o retorno de ex-funcionários] Acontece com uma certa frequência. Eu penso que mostra que a empresa tem bom relacionamento com os funcionários. (Erika)

Quando se olha para o tempo de casa de supervisores e encarregados de

turma, observa-se uma concentração de mais de 60% deste pessoal com 10 anos ou

mais de casa, conforme pode ser constatado no Gráfico 5-8, o que indica capacidade

de retenção de pessoal. Este gráfico chama atenção para a necessidade de a

organização estimular a renovação de práticas organizacionais, de modo a evitar a

estagnação.

Gráfico 5-8 - Distribuição de pessoal por tempo de casa.

Não obstante os pontos acima citados, foi reportado pelos gestores

entrevistados o reconhecimento da necessidade de desenvolver recursos gerenciais

em níveis médios de gestão. Esta percepção constitui parte da visão da família em

desenvolver um modelo de gestão mais profissional que suporte novas expansões e

está associado às mudanças no ambiente que impulsionaram transformações na

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organização no sentido da busca por eficiência operacional, de acordo com discussão

prévia. Exemplos de novas contratações neste sentido foram a criação do cargo de

coordenação de recursos humanos e de coordenação técnica do contrato da FF

Engenharia para manejo de vegetação, ambas ocorridas em 2015.

Eu acho que hoje nós somos mais profissionais do que fomos no passado. A gente criou uma estrutura maior, por exemplo, antigamente, se Sr. Irineu estivesse doente, a gente ia fazer com que outras pessoas do setor absorvessem o que ele fazia. Por a gente ter crescido, a gente começa a enxergar que a gente não pode fazer isso, então a gente foi atrás de uma outra pessoa. (Erika)

Este ponto reforça, aliás, a percepção identificada pela direção da necessidade

de desenvolver competências gerenciais nos supervisores, cujas atribuições sofreram

alterações ao longo desta fase. O cargo de supervisão, também em decorrência das

adaptações da organização às condições do ambiente, deixou de ter caráter

puramente técnico e incorporou responsabilidades administrativas, a saber o

relacionamento comercial com o cliente, acompanhamento de despesas e

faturamento, dentre outras. Não foram encontrados dados que demonstrassem,

entretanto, ação efetiva da organização no sentido de capacitar e formar seus

supervisores para as novas atribuições.

Neste sentido, foi apontado pela diretoria como obstáculo a dificuldade em

selecionar profissionais qualificados e de confiança que forneçam os serviços

gerenciais de que a organização necessita. Esta evidência corrobora a importância da

supervisão direta como mecanismo de coordenação e integração entre às partes, o

que também atua como fator restritivo do crescimento, conforme já mencionada a

dificuldade de delegar autoridade na organização. Vale lembrar que em momentos

anteriores de tal necessidade, a saber o período de diversificação do início dos anos

1990, recorreu-se a membros da própria família, o que pode não ter favorecido

iniciativas para que este tipo de recurso fosse formado internamente à organização.

Tal qual observado nos primeiros períodos de análise, não foram identificados

elementos que apontassem para a existência de planos de sucessão, quer em níveis

organizacionais mais baixos, quer no próprio ciclo familiar de comando. Neste período,

aliás, não foi observado o ingresso de novos membros da família à organização.

Diante do que se observou nas evidências relativas à provisão de recursos

humanos, pode-se constatar padrão reativo à necessidade efetiva organização, o

que não favorece a utilização ótima dos serviços deles extraídos, segundo Penrose

(1980). Além disso, foi observado impacto da baixa sistematização das ações

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organizacionais sobre este desafio, à medida que não foram identificados políticas ou

planos relacionados às dimensões da provisão de recursos humanos, em especial

seleção, formação e sucessão. Por outro lado, as dificuldades relacionadas à

disponibilidade de serviços gerenciais comprometidos e de qualidade em níveis

médios da organização reforça o mecanismo de consumo do excessivo de energia e

tempo da alta gestão para solução de problemas, impactando negativamente na

gestão da folga organizacional e nos processos relacionados à condição de

crescimento e renovação organizacionais.

5.3.4 Desafio da gestão da diversidade

O Quadro 5-12 resume as principais observações quanto ao comportamento

organizacional perante o desafio da gestão da diversidade, durante o estágio 03.

Dimensão Comportamento Organizacional

Heterogeneidade

Expansão quantitativa de recursos produtivos. Principais fontes de herogeneidade: expansão geográfica, ampliação de portfolio e escopo de contratos, tecnologia envolvida nos serviços.

Mecanismos de coesão e sinergia

Foi observado baixo nível de coordenação entre os supervisores de bases operacionais/áreas geográficas distintas, o que impossibilita potenciais ganhos de sinergia. O compartilhamento de recursos e transferência de pessoal entre áreas e firmas depende de decisão da diretoria.

Conflitos e rivalidades

Rivalidades entre áreas da organização foram encontradas, mas não resultaram em conflito. Houve conflitos internos à família motivadas por questões de ordem sucessória e de transferência entre gerações. Há indícios de que atributos bivalentes de natureza familiar aturaram no sentido de promover estabilidade e manter a coesão.

Quadro 5-12 - Dimensões de do desafio da gestão da diversidade, estágio 03.

Observou-se significativa expansão quantitativa de recursos produtivos em

decorrência dos modos de crescimento ativados a partir da privatização da Celpe, no

ano 2000, o que implicou elevação da diversidade interna à organização. O Gráfico

5-9 mostra comparativo entre o número total de funcionários na organização no ano

de 1997, durante o estágio 02, e no ano de 2015, o que ilustra a expansão quantitativa

do quadro funcional. Deste modo, as principais fontes de heterogeneidade

identificadas foram a expansão geográfica, ampliação do escopo de atuação,

heterogeneidade de funcionários e tecnologia envolvida para a prestação de serviços,

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sobretudo com os serviços em linha energizada, cujos equipamentos requerem

pessoal com capacitação específica.

Gráfico 5-9 - Número de funcionários estágio 02 x estágio 03.

A própria coexistência de duas firmas sob uma única organização fornece

fontes adicionais de diversidade organizacional. Até meados dos anos 2000, há

evidencias de não haver uma separação clara dos limites de cada uma das firmas, a

despeito da contratação para prestação de serviços ocorrer de maneira independente.

Há relatos de diversas situações de completa indistinção entre equipamentos ou

mesmo pessoal para execução de serviços. Um dos entrevistados inclusive comenta

ter atuado simultaneamente como supervisor de turmas tanto da FF Engenharia,

quanto da ABC Engenharia.

Embora o compartilhamento de recursos seja a princípio um mecanismo de

sinergia, não foram encontradas evidências que apontem para sua ocorrência

planejada, o que sugere baixo controle sobre a eficiência na utilização dos recursos.

Tal situação, favorecida pelo fácil intercâmbio, adaptabilidade dos recursos produtivos

disponíveis e complementariedade das operações das duas firmas, passou a deixar

de ocorrer por pressões do cliente, ao implementar o sistema CadTerceiros, cujo

objetivo era o de reunir toda a documentação referente aos quadros funcionais das

empresas prestadoras de serviço. Esta foi uma mudança que impactou apenas a área

operacional, não houve, portanto, impacto nas áreas administrativas, organizadas em

estrutura única que atende às duas empresas.

A organização viu seu quadro de supervisão ser ampliado como consequência

do crescimento e, concomitantemente, foi delegando relativa autonomia operacional

aos supervisores. Também por força do modelo de contratação após a privatização

da Celpe, estes tiveram seu escopo de trabalho ampliado, envolvendo além da

supervisão técnica, tarefas de controle, gestão e relacionamento com o cliente.

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Contudo, tal qual acima mencionado, também no nível de supervisão não se buscou

o estabelecimento de padrões de procedimento e unificação de processos.

Se por um lado pode-se argumentar que este é o resultado da necessidade de

se ter agilidade e flexibilidade no atendimento às distintas demandas por parte do

cliente, por outro, pode-se identificar barreiras à atuação sistemática e coordenada

dos componentes organizacionais, resultando em pressões adicionais na gestão da

complexidade. Consequência disto é a dificuldade que a organização tem de

promover a unidade em todas as suas equipes de trabalho, dispersas por ampla área

de cobertura. Entretanto, poucas foram as ações identificadas com o objetivo de

nivelar a forma de trabalho, apesar desta ser uma necessidade reconhecida pela

direção, conforme indica o relato de Erika.

Eu acho que o funcionário vê muito a empresa de acordo com supervisor dele. Depende muito da pessoa do supervisor, do seu superior hierárquico. Temos procedimentos definidos, por exemplo, para contratação de mão de obra, ou para as exigências de treinamentos para iniciar as atividades, mas eu acho que a gente precisa capacitar melhor e unificar mais os supervisores. (Erika)

Não foram encontrados mecanismos sistemáticos de integração e estímulo à

troca de experiências e compartilhamento de informações entre as supervisões

operacionais, o que teria o potencial de promover ganhos de sinergia e aprendizado.

Reuniões de integração entre as áreas operacionais, ainda que percebidas como

positivas, ocorrem de maneira muito pontual, o que não favorece a integração das

equipes.

Nós temos o contrato na área da Metropolitana [Região Metropolitana de Recife] e na área do Cabo. Apesar de ser a mesma empresa, a ABC, devido à quantidade [de equipes] e à distância das localidades, lá [no Cabo] tem um outro grupo de trabalho. [...] Existe um regime de trabalho da Celpe, mas muda de gestor para gestor a maneira de interpretar e de lidar com aquilo. Então, como a gente trabalha com vários estores, em localidades diferentes, tipo Cabo, Recife, a gente percebe que a posição de inspetores, de coordenadores, não é que mude radicalmente, mas são coisas no comportamento, nas atitudes, no lidar com situações adversas, é diferente. [...] não há unificação realmente em todos os procedimentos da Celpe. (Alexandre)

Há indícios de falha na captação de potenciais sinergias através da integração

e comunicação entre as equipes de supervisão das duas bases operacionais – Recife

e Cabo de Santo Agostinho. Isto provoca dificuldades adicionais a uma abordagem

sistemática para resolução de problemas. Neste caso, evidencia-se como a carência

de mecanismos de coordenação e integração entre as equipes impede que sejam

explorados ganhos de sinergia e aprendizado a partir da troca de informações e

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compartilhamento de experiências entre as equipes das duas bases operacionais, de

acordo com o que narra Alexandre.

Às vezes, nós nos comunicamos [entre supervisores de áreas geográficas diferentes], quando há uma necessidade em comum, mas são coisas muito superficiais. Só quando a gente se encontra, ou tem uma necessidade, que precisa esclarecer alguma coisa, a gente procura saber como é que o outro resolve, para poder facilitar, mas não tem uma interação muito profunda. Talvez o canal [de comunicação] exista, mas a gente não tem, a gente nunca praticou isso, pode ser que esteja faltando apenas um direcionamento para que a gente tenha essa troca de informação. (Alexandre)

O relato do supervisor de oficina oferece exemplo claro das dificuldades

provocadas por falhas na comunicação entre supervisores e de como estas restringem

uma atuação sistemática e planejada desta área de apoio às operações.

Minha rotina chama-se emergência. [...] A maior dificuldade que eu sinto é comunicação, o método de comunicação. As informações não chegam para a gente, é difícil você organizar e gerenciar as coisas sem informação. As coisas acontecem e você não fica sabendo, quando você fica sabendo, já aconteceu. [...] Eu entendo que a iniciativa deles [supervisores] é importante por causa do tempo. Problema que eu sinto é eles reportarem a necessidade. Se tem uma pessoa responsável por um setor, essa pessoa tem que ser o responsável pelo setor. As outras pessoas não podem tomar decisões. (Roderick)

Os relatos sugerem que a comunicação flui de maneira mais contínua quando

se observa o relacionamento entre as equipes de supervisão de uma mesma base

operacional e também entre as áreas de operações e as equipes administrativas do

financeiro e recursos humanos. Há evidências de iniciativas de cooperação entre

supervisores e áreas administrativas que visam a solução de problemas de maneira

sistemática e que geram melhorias e aprendizado. Exemplo de tal ação foi o

procedimento de controle de multas de trânsito, implementado como uma ação

conjunta do setor financeiro com os supervisores e com respaldo da diretoria.

Então, esse controle de multa de frota é uma demanda de comunicação e de relacionamento constante com todos os supervisores e há uma forma de fazer isso pacificamente, sem autoridade, mas com parceria. Eles me ajudam muito nesse sentido e o resultado é sempre positivo. A gente está tentando aprimorar o controle de frota agora, passando para o consumo de combustível, que também está sendo feito pelo setor. (Ana Ferreira)

Os dados coletados indicam a percepção da diretoria sobre a necessidade de

desenvolver canais de comunicação mais efetivos entre as equipes de supervisão.

Evidência que sustenta esta constatação foi a decisão de formar os comitês de

patrimônio e de pessoas em 2015, cujo objetivo era o de promover o esforço conjunto

e o diálogo aberto entre os supervisores e a diretoria com vistas às melhores soluções

para o plano de desmobilização dos contratos da ABC Engenharia, que ocorreriam no

final daquele ano. Contudo, com a decisão do contratante pela renovação dos

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contratos, esta foi uma prática que não teve continuidade, a despeito dos resultados

positivos identificados pelos envolvidos, e as reuniões entre supervisores e a diretoria

voltaram a ocorrer de maneira esporádica, quando da necessidade de solução de

problemas pontuais.

Acho que precisamos fazer de forma sistemática, ter um planejamento de reuniões quinzenais, reuniões... de treinamentos mensais, para supervisores, enfim, uma série de coisas que eu acho que poderíamos fazer e não fazemos. (Erika)

A baixa hierarquização e a centralização da tomada de decisão na diretoria

indicam a supervisão direta como mecanismo de coordenação. Ademais, a existência

de estrutura administrativa única facilita o compartilhamento de recursos. Esta é uma

característica que pode ser evidenciada pelo fácil intercâmbio de pessoal e

equipamentos entre as equipes operacionais e entre as duas firmas, observadas, por

exemplo, quando de mudanças contratuais e necessidade de transferência de mão

de obra.

Tal constatação fornece indicativos de efeitos negativos sobre a sistematização

de decisões e a promoção do aprendizado organizacional, uma vez que os

mecanismos de coordenação e integração seguem efetivamente dependentes da

supervisão direta da diretoria sobre as rotinas operacionais dos subordinados.

Entretanto, proporciona certa flexibilidade na tomada de decisões estratégicas do

negócio, que tem efeito sobre os serviços empreendedores e a capacidade de

captação de recursos, por exemplo, quando da decisão de transferência de pessoal,

segundo necessidade de mobilização de contratos, conforme indica o relato de Ana

Ferreira.

Por exemplo, agora mesmo compramos 20 caminhões, todos para a FF, mas não existia cadastro que nos desse limite de crédito para a FF, então compramos todos esses caminhões pela ABC. É um patrimônio que deveria ser da FF, mas quem vai pagar é a ABC. (Ana Ferreira)

Ocorre que a questão sucessória se fez presente a partir de 2003, com o

afastamento de Fernando da organização e posterior falecimento, em 2004. Há

evidências de que a falta de um plano de sucessão e a própria interface entre as

estruturas da organização e da família resultaram na falta de um líder para assumir a

presidência da organização. Neste ponto vale mencionar o atributo bivalente dos

papeis simultâneos a que Taguri e Davis (1996) se referem, quando parentes

desempenham distintos papeis simultaneamente nos sistemas família e organização,

o que traz implicações quanto à distribuição de autoridade e poder, conforme indica o

relato de Erika

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Isso aconteceu de não ter ninguém no lugar dele porque minha mãe não aceitaria essa sucessão, é como se ela pensasse que não iria ser mandada por ninguém. Eu acho que toda empresa precisa ter essa liderança, esse presidente, porque é ele quem dá a característica da empresa, o perfil da própria empresa. Como não tem, perde um pouco a identidade. (Erika)

Há indicativos de que a falta de uma liderança única à frente da organização,

após a morte de Fernando, abriu espaço para forças de fragmentação da unidade

organizacional. Estas forças, por motivos diversos e tratados a seguir, fomentaram as

condições de instabilidade interna à diretoria que levaram a instauração de uma nova

arena política entre os anos de 2010 e 2011. Corrobora com o que foi indicado por

Erika o relato de Roberto acerca do efeito negativo que a ausência de Fernando

representou.

[...] sentimos demais a ausência de Fernando, pela responsabilidade que tinha Fernando, e ao mesmo tempo, sacudia um para o outro o poder de decisão. Faltou a liderança que Fernando representava para manter a unidade. A partir daí, passou-se a ter um conflito, em que ficava sempre dois a dois. Não se falava em um dono, perdeu-se a figura de quem estava à frente. (Roberto)

Uma primeira consequência das relatadas forças de fragmentação

identificadas no período de transição sucessória a partir de 2004 esteve relacionada

à gestão operacional dos contratos das duas firmas. Desde o rearranjo estrutural

realizado quando da privatização da Celpe, a gestão dos contratos era de

responsabilidade compartilhada entre Joaquim e Carlos Roberto. A própria atuação

de Fernando e sua participação ativa na gestão da organização até o ano de 2002

contribuíam para a unidade entre a coordenação e integração entre as áreas.

Contudo, a partir de seu afastamento, não foram identificados mecanismos de

coordenação no sentido de padronizar práticas de gestão, o que significou que cada

um dos gestores imprimiu à sua área de atuação – normalmente dividida de acordo

com os contratos – estilos próprios de gestão. Há indícios de que, ao longo do tempo,

isto produziu certo grau de fragmentação da força de trabalho sob a gestão de Carlos

Roberto e de Joaquim, o que inclusive dificultava a interação entre elas, para a qual

não se observou iniciativas de combate ao potencial de conflito.

Eram duas formas de gerir. Era a forma de gerir de Dr. Joaquim, que vinha para dentro, e a forma de gerir de Dr. Roberto. Teve uma época que o pessoal dizia que existiam duas ABCs no Cabo [de Santo Agostinho]. Existia a ABC de Dr. Roberto e a ABC gerida por Dr. Joaquim. O pessoal que trabalhava com o corte não tinha um bom relacionamento com o restante do pessoal, os funcionários mesmos. Não sei dizer porque, mas havia uma divisão internamente. (Luiz Leal)

É importante destacar não terem sido identificados indícios de efetiva disputa

sucessória entre gerações da família. Contudo, distintas visões de negócio implicaram

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atitudes que quebraram a alocação de poder, e consequentemente de recursos, entre

estas, o que resultou na divisão da coalizão dominante em duas subcoalizões. Esta

questão fica clara nos discursos de Erika e Ana acerca do processo de ajuste na

estrutura iniciado por Erika para a implementação de sistemas de controle, a partir do

ano de 2011.

Eu sou da primeira geração, mas a segunda geração é totalmente diferente de mim. [...] Acho que era o choque de gerações, a diferença era grande na forma de ver o mundo. Ainda hoje eu penso diferente deles, mas hoje eu amadureci e também não estou tão presente nas decisões. Naquela época, eu me metia em tudo, participava de todas as decisões. (Ana)

Acho que foi um pouco a falta de visão, resistência [à mudança] [...] Eu tive muito problema com minha mãe por conta do sistema financeiro, muito. Na cabeça dela, eu estava querendo descobrir o que ela fazia, tirar o poder dela, porque tudo era na cabeça dela. (Erika)

Neste sentido, é possível fazer um paralelo com o outro momento em que se

identificaram características de arena política envolvendo também questões de cunho

sucessório, quando houve a quebra da sociedade com Erwin Luciano. Diferentemente

daquele momento, não há indícios que indiquem a instauração do que Mintzberg

(1986) chamou de confronto. As evidências coletadas a partir dos relatos dos

familiares envolvidos indicam um ambiente conflituoso que se assemelha às

características do que o autor chamou de ‘alianças instáveis’, ou seja, conflitos

emergentes, moderados e relativamente estável em que os dois centros de poder,

representados pelas duas subcoalizões, coexistiam em certo grau de balanço.

Também o conflito entre gerações pode ser considerado fator motivador de tal

situação, uma vez que a organização tentava implementar ajustes na sua estrutura,

de forma a responder a necessidades identificadas de maior controle, renovação de

procedimentos e padronização de processos. Contudo, não existia unanimidade entre

a diretoria quanto aos benefícios que tais ajustes teriam, o que mexeu com o equilíbrio

de poder entre a primeira e a segunda geração da família, tendo impacto sobre a

coesão organizacional, de acordo com os relatos dos entrevistados.

Quem a gente trazia aqui para dentro para conversar, traçar algum plano, ou alguma outra coisa, criava um certo conflito, sempre teve esse negócio de que não prestava. A gente tinha sempre que chamar os dois... Era como se eles não tivessem direcionando, ou dando as diretrizes da empresa. Não sei exatamente o que eles pensavam. Foi um conflito de gerações que aconteceu, na verdade foi isso. (Joaquim)

Então começaram a surgir alguns conflitos entre Erika e Ana, conflitos entre mãe e filha e de poderes dentro da empresa. A partir daí, passou-se a ter um conflito, em que ficava sempre dois a dois. [...] Era também um choque de gerações, só que, numa empresa familiar, existe muito choque de gerações [...] (Roberto)

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Estas disputas, que inclusive resultaram na saída de Carlos Roberto em 2011,

foram cessando à medida que acontecimentos no sistema família induziram o

reestabelecimento da unidade, em especial entre os anos de 2012 e 2013. Também

por força dos acontecimentos no sistema família, gradativamente, Ana reduziu sua

participação direta nas rotinas administrativas da organização, enquanto coube a

Joaquim assumir o comando e exercer a última instancia de decisão.

Sob a perspectiva da interface entre a família e a organização, é interessante

contrapor as distintas percepções entre gerações. O relato de Ana denota o papel que

a organização familiar tem quanto à provisão de recursos financeiros para a família e,

por este motivo, não haveria, segundo seu ponto de vista, distinção entre o patrimônio

familiar e da firma. Diferente visão demonstra ter Erika, que indica evolução quanto a

este aspecto, apesar de reconhecer a dificuldade em delimitar cada um destes

sistemas, afirma notar evolução do ponto de vista da separação do que compõem o

patrimônio familiar daquilo que é patrimônio da firma.

Acho que é muito importante isso [separação entre sistemas família e organização]. Eu acho que a gente sempre teve muita dificuldade em separar isso, principalmente na geração de meu pai e minha mãe, eu acho que a gente evoluiu nesse sentido, mas ainda se mistura. Hoje eu, por exemplo, penso assim “o que é meu é meu, o que é da firma é da firma.” [...] Isso impacta na nossa maior aceitação a tomar risco, é como se fosse assim, a firma é quem deve, eu não devo. Mas ainda existe muita mistura. (Erika)

O que eu direcionei ultimamente foi o seguinte: enquanto a ABC Engenharia existir, o que eu precisar, eu vou tirar da ABC Engenharia, de um jeito ou de outro. Eu acho que, a essa altura, não existe mais não separação entre o que é da família e o que é da firma, nem pode. [...] Eu, por exemplo, raciocino assim: o que eu precisar, quem tem que me dar é a firma, se eu tiver acabado minha reserva. Lógico que não vou tirar por um motivo banal, mas a firma é que tem que me sustentar, o único meio de vida que eu tive foi ela! (Ana)

Esta visão da segunda geração, apesar do choque com aquela da primeira,

pode indicar um amadurecimento do papel que a organização exerce para a família,

oferecendo indícios de que aquela pode seguir vida independente desta última.

Apesar disso, é também interessante destacar a convergência da relevância que a

organização familiar tem para ambas as gerações, o que indica elementos que

remetem à temática de socialemotional wealth, discutida por Gomez-Mejia et al.

(2011). Fica evidente nos relatos de Ana e Erika o simbolismo que a organização tem

para elas, ao ponto de considerá-la parte da própria família, o que ajuda, segundo

Taguri e Davis (1996) a definir um senso de missão e comprometimento raro em

organizações não-familiares, além de influenciar as próprias relações de trabalho

estabelecidas.

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O que ela significa para mim, assim... Para mim, não conseguir que ela tenha sucesso me causa uma frustração. [...] Sucesso é respeito do cliente, respeito do funcionário e rentabilidade. É ela não deixar de existir, o meu sentimento, o meu desejo é que ela não deixe de existir. Se ela deixar de existir, enquanto eu for viva, é prova de uma incapacidade minha. (Erika)

Para mim, a FF não representa muito não, quem representa muita coisa é a ABC Engenharia. Porque foi uma coisa que eu fiz. [...] Eu sou consciente que a ABC Engenharia chegou onde chegou, deve muito a mim. Não no momento atual, mas para chegar no momento atual, ele deve muito a mim, a minha luta, ao meu otimismo [...], então a ABC Engenharia representa para mim uma filha, uma criação. Eu olho para a ABC e vejo que a gente venceu, foi um filho bem-sucedido. (Ana)

Neste sentido da separação entre a organização e a família, cabe analisar o o

processo de institucionalização proposto por Selznick (1957) como aquele a partir do

qual uma organização se transforma em instituição, ao incorporar valores e transmitir

um propósito comum a seus membros. Diz-se que a organização passa a ter um

caráter organizacional próprio, que a caracteriza enquanto instituição e une seus

componentes na busca pelo objetivo comum (BARNARD, 1938).

Chua et al. (1999), em linha com o que afirma Ward (2011) sobre o papel

direcionador dos princípios fundamentais da família para a formulação de estratégias,

acrescentam que, por necessidade, a firma familiar é operada em conformidade com

seus valores e preferências. Em consequência, é de se esperar que a própria

dinâmica familiar afetará decisões e ações, impactando em seu comportamento, uma

vez que o sistema família oferece contexto de decisão aos gestores da organização

familiar.

Adicionalmente, Taguri e Davis (1996) discutem o que seriam os atributos

bivalentes de firmas familiares. Dentre tais atributos aludidos pelos autores, converge

para uma mesma temática a questão da identidade compartilhada entre membros da

família que também atuam na firma. Segundo eles, laços familiares definem vínculos

e normas de comportamento que são associados a traços da família e

comportamentos esperados para estes indivíduos.

Diante do que se expõe, é de se esperar que a própria natureza de interligação

entre sistemas família e organização favoreça a eficácia de mecanismos de infusão

de valores na organização, o que contribui, no longo prazo, para o processo de

institucionalização. Este processo estaria relacionado à autopreservação da

organização enquanto entidade familiar, ao infundi-la com valores que servem a uma

visão de negócio da coalizão familiar dominante, para a qual a liderança é

fundamental.

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O caso em análise oferece elementos de infusão de valores na organização,

centrada no papel de liderança desenvolvido pelo seu fundador. Referências

espontâneas feitas a Fernando indicam a formação de um mito em torno dele e

simbolizam a identidade da organização, cuja cultura se desenvolveu em torno de sua

personalidade, observação reforçada pela manutenção de seu papel integrador anos

após seu falecimento.

Fernando era aquilo realmente que um presidente de uma empresa, foi quando a gente realmente passou a se sentir empresa. (Roberto)

Eu acho que a liderança da firma era totalmente baseada nele e, talvez em respeito à memória dele, eu sempre senti muito lá na firma essa coisa das pessoas fazerem as coisas e, eu pessoalmente, em vários momentos de decisão, eu parava e pensava “se Dr. Fernando estivesse aqui hoje, como ele se portaria, qual a lógica do pensamento dele?” É como se fosse um mito pra a gente. Eu me percebia fazendo isso. E o bom da empresa familiar é que o respeito continuou, cada um no seu lugar, sem um querer tomar o lugar do outro, mas houve muito... lógico isso não foi com toda a harmonia e tranquilidade do mundo, mas o que sempre se sobressaia era isso né? Eu percebo que ele conseguiu deixar o legado dele, a marca dele na firma. (Joaquim)

Ademais, destacam-se evidências da infusão de valores morais e éticos

disseminados pela família e fundamentais para a construção da imagem e reputação

institucional da firma. Pode-se observar a partir dos relatos a assunção de normas

implícitas de comportamento que doutrinaram ao longo do tempo a atitude de

membros da organização, em especial de familiares, conforme indicam relatos de

funcionários externos à família. Esta preocupação com a imagem e seu consequente

monitoramento de atitudes da organização induziram a conformação aos padrões da

família e um senso de missão que une e gera fidelidade.

O que não deve mudar nunca é a valorização que é dada aos funcionários, a fórmula da ABC Engenharia de tratar o funcionário, de valorizar desde o servente até o supervisor, o gerente, o engenheiro da empresa. Eu acho que Dr. Joaquim adquiriu essa forma com Dr. Fernando. (Luiz Leal)

Ao longo de sua trajetória, a organização buscou desenvolver um

relacionamento de compromisso recíproco com seus funcionários. É neste sentido

que, conforme apontam os dados coletados, caminha o processo de formação do

caráter organizacional, ao redor de princípios de valorização do profissional, a partir

da proximidade da família com as partes componentes do sistema organização, o

acesso aberto e a autonomia, referidos pelos entrevistados. Esta conduta fica evidente

na forma como a liderança conduz as decisões críticas da organização, tendo em vista

o desenvolvimento de ambiente transparente para promoção do comprometimento e

colaboração. Os relatos dos entrevistados oferecem evidências de que a atitude

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colaborativa predominou nas ações empreendidas e demonstram o

comprometimento dos componentes organizacionais em prol do propósito

comum de preservação da organização.

Tivemos uma experiência há pouco, quando fomos aplicar o aviso prévio para o pessoal que seria desmobilizado, que vimos que muitos deles gostam de trabalhar aqui, principalmente o pessoal do Cabo, Cabo e outros interiores. Muitos diziam: “Quero sair da ABC não.” Um outro disse: “Trabalho aqui há 14 anos, não quero sair não.” Então percebemos esse sentimento por parte deles de gostarem de trabalhar para firma e não quererem sair. [...] A empresa nunca atrasou pagamento. Pode haver o que for, não atrasamos. E, além disso, o acesso que eles têm à gente também conta. Um empregado quer se sentir valorizado, então, se chegar pra ele parabenizando pelo trabalho, ou fazendo um elogio, eles ganham o dia. (Irineu)

[...] a gente via que o pessoal não queria que a ABC Engenharia saísse. Os funcionários, naquele momento, empenharam-se e ficavam sempre dizendo “Não, doutor, o senhor vai ver que isso vai mudar, o senhor vai ver! Vamos trabalhar que a ABC Engenharia não vai sair não.” Então começaram os próprios funcionários a se empenhar até um pouco mais do que o normal para levantar o nome da empresa. “Estamos com a ABC, vamos ficar com a ABC. Enquanto a ABC tiver, vamos ficar na ABC.” Então, a sensação que a gente tem é que o pessoal vestiu [a camisa], que o pessoal gosta de trabalhar na ABC, porque a ABC é uma empresa que paga certo, que paga em dia, como eles já rodaram por várias empresas por aí, nesse ramo, é o que eles sempre dizem “Existem várias empreiteiras, mas nenhuma como a ABC Engenharia não. É a mais organizada nesse ramo.” [Luiz Leal]

A equipe em si, até quem estava na zona de conforto, eu percebi que mudou. Supervisores mesmo que eu julgava antes, eu vi que foram impactados mesmo e voltaram. Pelo menos a gente sente essa unidade de todos querendo a mesma coisa. (Ana Ferreira)

Neste sentido, também merece destaque a atuação da liderança institucional

em preservar a integridade organizacional lançando mão de mecanismos de

valorização do funcionário e transparência no relacionamento e comunicação.

Segundo relatos, o posicionamento da diretoria para enfrentar a crise sem gerar

conflitos entre as áreas da firma foi muito importante para que a organização como

um todo fosse mobilizada pela necessidade de renovação durante o processo de

transição que se vivia com a eminente desmobilização dos contratos da ABC

Engenharia, ao fim de 2015.

É muito importante salientar [...] a serenidade da empresa, da diretoria, foi muito importante, e o pé no chão. Mesmo que fosse perder, estávamos com o pé no chão, lutando no processo de desmobilização com o pé no chão. A gente observa isso, para a gente que está de fora da diretoria, [...] A gente tentava passar isso também para os funcionários de campo. Nós reunimos o pessoal para passar as informações, quando eles tinham também a oportunidade de perguntar, dar opinião. (Alexandre)

Quando a gente teve esse susto de perder o contrato da ABC, veio uma boa energia, porque a gente precisava, a gente foi impactado com essa mudança, “opa, então precisamos nos reinventar”. A palavra foi exatamente essa, “vamos

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nos reinventar, vamos fazer mais e melhor, porque agora, mais do que nunca, a gente precisa se renovar enquanto instituição e fazer mais e melhor”. Essa palavra ‘reinventar’ veio várias vezes nas reuniões, nos encontros que a gente teve e realmente essa disponibilidade, essa energia veio deles [liderança] para a gente de uma forma que todo mundo sentiu. Então passamos a ter reuniões periódicas. [...] Como a gente, em contrapartida, sabia do contrato da FF, pensamos em aproveitar que estávamos começando um contrato novo e vamos fazer diferente, vamos fazer melhor para que a gente possa realmente ter melhor resultado nesse novo contrato. (Ana Ferreira)

Há de se destacar ainda a eficácia na construção de senso de identidade entre

a organização e seus funcionários. Este pode ser evidenciado inclusive pelo valor do

senso de dono, que se reflete no comprometimento de supervisores e gerentes em

servir à visão da liderança. Ademais, há indícios de ser resultado do próprio caráter

organizacional a capacidade de responder com agilidade e flexibilidade às mudanças

que o ambiente impõe à organização. Este aspecto, aliás, é mencionado por Ana

como um legado da organização, conforme indica seu relato.

O relacionamento que a diretoria da ABC, que dá esse tom de família na empresa, eu acho que é o ponto diferencial, de estar sempre chamando, conversando, não colocando intermediários para resolver as situações. Eu acho que esse jeito que a ABC tem, ela é tão familiar que até no tratamento com seus funcionários ela é familiar. Isso faz com que seu quadro de supervisão se sinta tão prestigiada dentro da empresa que procura sempre dar um pouco mais para resolver uma dificuldade. É aquele ar de dono, eu sei que a empresa não é minha, mas eu tenho que tomar conta como se ela fosse minha. Essa é a sensação que eu tenho dentro da empresa, que eles [diretores] passam para mim isso: “Tome conta como se fosse sua.” Dra. Erika tem uma coisa que ela sempre me diz “Luiz, eu não estou lá, mas vocês são os meus olhos. Você está vendo por mim.” (Luiz Leal)

[O maior legado é] ter o nome honrado e nunca ter sido citada em nada ilegal, [...] nunca ter deixado de pagar nada aos empregados. Em primeiro lugar está os empregados para a gente. Muitas vezes eu tirei do que era meu para poder pagar aos empregados, para a firma não ficar mal-vista. (Ana)

Embora possa ser prematuro afirmar haver um processo de institucionalização

em curso, há elementos que indicam haver forças organizacionais que promovem a

coesão e integridade, a despeito do aumento da diversidade de seus recursos. Neste

sentido, coube à família e liderança exercer a coordenação das áreas operacionais,

contribuindo para a flexibilidade operacional, fator importante para a captura de valor

de seu ambiente.

5.3.5 Desafio da gestão da complexidade

Miller e Friesen (1978) defendem a ideia de que a estratégia de uma

organização compreende o repertório de reações organizacionais aos estímulos

provenientes do ambiente. A estrutura, segundo a linha defendida por estes autores,

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seria o mecanismo mediador entre estes dois elementos, a partir do qual uma

organização pode ser direcionada a uma configuração comum que viabiliza estado de

harmonia entre os elementos estratégia, estrutura e ambiente (MILLER, 1986). Sob

tal perspectiva, pode-se analisar as implicações que a mudança de estado do

ambiente representou para a ABC Engenharia, cujas consequências diretas foram o

aumento da exposição organizacional a pressões ambientais e, consequentemente,

da complexidade e diversidade interna.

Os últimos anos da década de 1990 trouxeram algumas alterações à estrutura

da organização, à medida que esta crescia quantitativamente, no que pode

assemelhar-se ao que Fleck (2003) denomina tipo de motor inercial. Churchill e Lewis

(1983) enfatizam em seu trabalho a capacidade de a organização promover

renovação e alteração do status quo, sendo para eles chave a capacidade da

organização em responder às mudanças do ambiente, ou até mesmo que estas não

ocorram de forma destrutiva do mercado ou nicho de atuação da organização. Neste

sentido, há evidências de que a complexidade advinda do crescimento do número de

funcionários ensejou atitude restritiva quanto à capacidade da organização de seguir

crescendo, exercendo força contrária à necessidade de captação de contratos para

sua própria sobrevivência.

Por outro lado, há elementos que fornecem indicativos para uma atitude de

resposta da organização às mudanças ocorridas no ambiente de negócios, no sentido

de adaptar-se à dinâmica competitiva e explorar as oportunidades a partir das quais

o ambiente lhe impeliu a crescer. Embora tenham sido identificadas iniciativas

positivas no que tange às respostas ao desafio empreendedor, durante este estágio

fica claro a forte dependência que a trajetória de crescimento organizacional

apresenta em relação às condições do ambiente, que também exerceu significativa

influência sobre o padrão organizacional de resolução de problemas.

Tendo isto em vista, é importante destacar que a condição de contratação como

empresas-âncoras a partir de 2000 demandou da organização a expansão de sua

estrutura física e de recursos produtivos para atendimento de toda a área de cobertura

das duas firmas, o que representou significou mudanças representativas na estrutura

organizacional. O Quadro 5-13 resume as principais dimensões estruturais

identificadas no estágio 03, à luz do que analisam Churchill e Lewis (1983) em seu

modelo de estágios de desenvolvimento.

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Quadro 5-13 - Dimensões de análise estrutural x Estágio III (CHURCHILL & LEWIS, 1983).

A estrutura organizacional reflete aquilo que fora comentado ter sido parte de

seu processo de infusão de valores, conforme discutido na seção relativa à integridade

organizacional, sendo caracterizada por um baixo grau de hierarquização. Esta seria

também uma consequência do fato de terem sido mantidos centralizados o comando

e a tomada de decisão pela família, envolvida diretamente nas rotinas operacionais e

administrativas. Tal fato pode ainda ser associado ao que expõem Guíllen e García-

Canal (2013), sobre a simplificação da estrutura organizacional em virtude da

alocação de membros da família em posições de comando.

Observou-se alto grau de informalidade nos processos de gestão e controle,

que foram mantidos durante os primeiros momentos deste novo estágio. Os controles

internos e sistemas de informação para apoio a decisão eram basicamente compostos

por mapas e planilhas de controle que não permitiam a sistematização da análise de

dados. Em decorrência disto, há evidências de que a tomada de decisões críticas,

centralizada no presidente e fundador da organização, dependia mais da sua

experiência, julgamento e frequentemente da opinião dos diretores. Isto caracterizava,

àquele momento, situação típica de resolução de problemas de maneira não

sistemática, que prejudica mecanismos de aprendizado e indica pouca alteração à

condição percebida anteriormente.

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Cabe ainda destacar a forte resistência a mudanças e a cristalização de

rotinas e práticas constatada na organização durante este período. A baixa taxa de

renovação das rotinas organizacionais teve origem não só nos funcionários mais

antigos, mas também nos próprios membros da direção. Tal observação indica

entraves ao processo de mudança pelo qual passava a organização, o que provocou

contribuiu para o surgimento de conflitos internos e dificultaram a sistematização do

controle organizacional, conforme indica Ana Maria.

Precisava fazer a implantação de processos, a gente tinha que desengessar, sair da

rotina, para fazer o diferente. Eu lembro que a gente tinha umas atividades, uns

direcionamentos que era, por exemplo, no setor de departamento pessoal, a gente

tinha que ter as fichas assim, o processo teria que ser esse, tem que se usar

determinado modelo. A gente não conseguia, travava. [...] Tivemos dificuldades na

hora de amarrar esses processos, na hora de integrar, mas a gente nunca desistiu de

avançar, ne? D. Erika sempre orientou assim: podemos não fazer tudo, mas vamos

tentar, a gente tem que fazer o melhor que a gente pode. (Ana Ferreira)

É justamente neste ponto que se pode perceber a forte influência resultante de

decisões quanto a gestão da complexidade sobre a gestão da diversidade, o que

impacta também a alocação de recursos que mantém a unidade da coalizão de

pessoas que formam a organização, conforme expõem Cyert e March (1963). Isto

reforça o papel da liderança institucional em promover um equilíbrio entre estabilidade

e mudança (SELZNICK, 1967), como pode-se perceber no que comenta Ana Maria

acerca da resistência a mudança por parte de integrantes da organização.

A gente tentou implementar o [sistema de] contas a pagar com Meire, a gente encontrou resistência, porque ela não sabia lidar com a tecnologia do sistema, com a rotina que precisava, nem estava aberta a entender. Na liderança do departamento pessoal, Sr. Irineu também impõe algumas resistências, tem um conhecimento incrível, detém algumas peculiaridades da experiência dele, mas não quer ser absorvido por isso, então eu acho que essa coisa da liderança estar aberta a sair dessa rotina, desses processos que a gente pode considerar já inadequados, isso dificulta. (Ana Ferreira)

A expansão dos contratos e consequentemente a diversidade dos recursos

produtivos trouxeram a necessidade de se buscar a formalização e a burocratização

de alguns processos. A organização precisou adaptar sua estrutura para tal, uma vez

que certos procedimentos operacionais e documentações passaram a ser exigidos

por instrumentos contratuais.

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Foi em decorrência deste fato que ocorreu processo de ampliação das

atribuições dos supervisores, que passaram também a responder por tarefas

administrativas relacionadas a suas equipes, enquanto avançou também a

especialização funcional das estruturas administrativas.

É possível associar este fato ao processo de ajuste estrutural, principalmente

a partir da expansão geográfica e, posteriormente, dos contratos de prazos mais

longos e maiores volumes financeiros, assinados nos ciclos de contratação de 2008

e 2011, conforme indica Alexandre em seu relato. Neste período, houve um

crescimento do número de supervisores na organização, o que permitiu melhor divisão

destes por contrato e área de atuação. Em outra perspectiva, é possível associar

também esta especialização do trabalho e a atribuição de tarefas administrativas a

este pessoal à busca da organização por responder a pressões por eficiência

operacional, frente a um ambiente competitivo em que a prestação de serviços tornou-

se uma commodity.

[...] Você foca mais especificamente, porque, na época, éramos poucos na supervisão, para ver mais coisas. Hoje, isso é mais direcionado, [...] mais especializado, mais especifico, cada um em uma área. O faturamento, na época, eu não tinha tanto acesso, porque a gente era apenas preocupado com o operacional. A responsabilidade... você hoje toma mais conhecimento de tudo o que engloba, ou que envolve o seu serviço e você passa a ter uma visão mais ampla do serviço. (Alexandre)

Lá [na Paraíba, durante vigência de contrato de prestação de serviços para a Saelpa] era uma coisa que basicamente o pessoal olhava para mim e via a ABC Engenharia, porque lá o departamento pessoal, técnico de segurança, tudo era comigo. Eu era responsável por tudo. [...] [A comunicação com o escritório central] era através de e-mail e de telefone. Funcionava bem, não tínhamos grandes dificuldades não. Aos sábados, sempre peguei muita orientação com Sr. Irineu [departamento pessoal], ele é quem passava todas as orientações, o que podia, o que não podia, documentação [...] (Luiz Leal)

Avanços em termos de sistematização da informação e da implantação de

novas tecnologias de apoio ocorreram a partir de meados dos anos 2000, como

resposta da organização ao aumento da complexidade, a exemplo da implementação

de sistemas de gestão de departamento pessoal e documentação de terceiros, ou

ainda a implantação de rotinas de controle de material em estoque, conforme

exemplifica o relato de Joaquim.

A gente não precisava ter um almoxarifado para o suprimento de materiais para execução de obras ou de serviços, por exemplo. Não havia necessidade. A gente precisava ter apenas um local de distribuição, que atuava só para o transbordo entre o almoxarifado da concessionária e o local da instalação, então os itens de materiais que vinham para serem instalados nas obras e nos serviços praticamente passavam uma semana, dez dias, não precisava ter uma gestão sobre isso aí, não precisava de almoxarife, não precisava de muito espaço.

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(Joaquim)

Estas ações não foram exclusivas da organização, mas compunham plano de

ação das auditorias que passaram a ser realizadas pela concessionária contratante,

que transferia às prestadoras de serviço tarefas antes sob sua responsabilidade Estas

tiveram início em 2004 com escopo de auditoria na área de saúde e segurança e, a

partir de 2007, passaram a abranger também questões relacionadas a demandas

trabalhistas e previdenciárias, sendo coordenadas pelo Departamento de Gestão de

Contratos da Celpe, criado em 2006.

Pode-se constatar que a percepção por parte da diretoria quanto à necessidade

de se desenvolver ferramentas de controle gerencial e implantar sistemas formais de

informação e suporte à decisão iniciou um processo sempre referido nas entrevistas

pelo termo informatização. Na verdade, esta era uma das linhas de atuação de uma

iniciativa de profissionalização da gestão iniciada com o intuito de preparar a

organização para a captura de valor de novas oportunidades que se identificavam no

ambiente, entre os anos de 2009 e 2011, quando a organização iniciou sua

participação no Projeto Vínculos, conforme indicado no relato histórico.

Há indícios de que a organização conseguiu adotar e implantar os sistemas

gerenciais, cujos benefícios foram percebidos por toda a organização, tal qual

evidencia o relato de Ana Maria.

Para mim, assim, foi um abalo para aceitar a parte de informática. Eu não sou da era da informatização, então foi um choque para acostumar. Ainda hoje, tem coisas que eu não faço por meios informatizados, faço à minha maneira. Muitas outras coisas eu já faço e aceito. [...] na época eu achei que não deveria ser feito, mas hoje não tem como você ter uma firma que não seja informatizada. [...] Acho que há espaço para melhorar os sistemas, mas reconheço que de jeito nenhum poderia funcionar sem ser informatizado. (Ana Maria)

Gradativamente, a ABC Engenharia buscou ferramentas de apoio à decisão e

controle gerencial. Cabe destacar a implantação do sistema de compras e estoque e

de controle de produtividade das equipes do contrato de manejo de vegetação, no ano

de 2015, ambas medidas fortemente associadas à busca pela renovação

organizacional para eficientização da gestão e captura de valor no ambiente. Neste

ponto, embora haja indícios de esgotamento da centralização da tomada de decisão

na diretoria e consequente necessidade de delegação, também foram encontradas

evidências de avanço no sentido de prover a direção com informações confiáveis e

com agilidade.

Agora mesmo, nós estamos avançando nesta área, porque a gente quer fazer a implantação agora do sistema de compras e estoque. Se a gente quer fazer esse

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sistema acontecer, e eles [diretoria] estão abertos a fazer essa implantação, algumas coisas vão mudar e o apoio deles é fundamental para que isso aconteça. (Ana Ferreira)

Eu acho que vale a pena, acho que facilita muito a questão de ter a informação para controle gerencial, acho que é fundamental, tanto é que nós desenvolvemos um sistema para a podação, para controle de produtividade. Eram informações que a gente ficava dependendo o tempo todo dos supervisores passarem informação, hoje a gente consegue, porque, para gerar os boletins [de medição], eles só conseguem através do sistema. (Erika)

Contudo, há indícios de que a característica demandante do ambiente induziu

barreira também à consecução do objetivo do Projeto Vínculos de certificação dos

sistemas de gestão de qualidade, meio-ambiente e segurança no trabalho por parte

da organização. Dada a necessidade de se ter uma estrutura ágil e flexível para

atendimento das demandas do cliente, a organização optou em não continuar com

o processo de certificação, uma vez que entendeu que a burocracia envolvida poderia

implicar rigidez à sua operação, conforme indica relato de Erika.

Como era muita burocracia, a gente não estava preparado para isso [certificação ISO 9001]. Porque isso iria alterar muito a forma como a gente trabalhava, daí a gente foi se desinteressando. [...] A gente ainda tinha aquela visão de que isso iria acabar engessando a empresa, que esses procedimentos padrão para tudo iriam engessar a empresa. Eu vejo que as empresas precisam de agilidade e muita burocracia dificulta essa agilidade. (Erika)

Também tem que ter a mudança na liderança, tinha-se que fazer algumas implantações, mas a gente não conseguia porque tinha que envolver a diretoria, então eles também tinham que mudar e seguir algumas normas e procedimentos que talvez naquele momento engessasse um pouco a forma de trabalho. (Ana Ferreira)

Além disso, a inexistência de abordagem sistemática, segundo relatos da

diretoria, acaba sendo resultado da priorização de ações que ocorre em decorrência

da necessidade de a organização responder às demandas da contratante, o que

consome significativamente tempo e energia. Esta constatação, indicada pelo que

narra Erika, vai em linha ao que foi apontado no desafio do empreendedorismo relativo

a limitações impostas aos serviços empreendedores em um ambiente desafiador e

demandante, à medida que os recursos gerenciais da direção são consumidos pela

resolução de problemas ad hoc.

Eu acho que a gente peca muito por não fazer nada de forma sistemática. Acho que precisamos fazer de forma sistemática, ter um planejamento de reuniões quinzenais, reuniões... de treinamentos mensais, para supervisores, enfim, uma série de coisas que eu acho que poderíamos fazer e não fazemos. [...] Eu acho que o problema é que temos boas intenções, mas a gente tem dificuldade de dar continuidade, pois sempre vão aparecendo dificuldades e a gente vai dando prioridade a outras coisas. (Erika)

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Vale destacar ainda que a tomada de decisão seguiu ocorrendo de forma

centralizada na diretoria. Esta característica, embora não hajam indicativos de conferir

rigidez ao processo, gera concentração do aprendizado na alta gestão e não contribui

para a renovação organizacional. Além disto, não favorece o desenvolvimento de

competências gerenciais que permitam a delegação de autoridade, fator que pode

atuar como limitante do crescimento da organização, de acordo com o que foi

discutido no desafio da provisão de recursos humanos.

Embora os profissionais envolvidos nas decisões a nível de supervisão tenham

oferecido sinais de aumento de sua autonomia funcional, por vezes destacada nas

entrevistas por meio da expectativa da organização de agilidade na resolução de

problemas operacionais, esta carência de recursos humanos com competências

gerenciais e de confiança pode ser apontada como fator que induz à centralização

da tomada de decisão na diretoria. Embora haja evidências de delegação funcional

aos supervisores, os relatos das entrevistas com membros da diretoria indicam serem

aqueles vistos pela liderança como especialistas funcionais, com reduzida capacidade

para tomadas de decisão críticas. Tal percepção pode ser desprendida de trechos

narrados pelos entrevistados.

Por mais que a gente atribuísse poderes aos nossos supervisores, eles não eram homens de solução. (Roberto)

É procedimento nosso tudo que ocorrer passar para a diretoria, compartilha, porque a gente também não vai ficar sujeito a estar levando uma carga que as vezes a gente não pode suportar. Então compartilhamos com a diretoria, para que possamos analisar juntos e ter o direcionamento da diretoria. (Alexandre)

Os dados sugerem, sob tal ponto de vista, viver a organização durante sua fase

mais recente no limite do que poderia ser a crise de autonomia proposta por Greiner

(1972). Contudo, percebeu-se ser fator de contenção de possível crise decorrente

deste fato a agilidade com que se consegue tomar decisões devido à relativa

simplicidade organizacional que se mantém e o baixo grau de hierarquização de sua

estrutura, o que pode ser evidenciado pelo próprio envolvimento da família na direção

da empresa, conforme relata Erika. Este fato favorece a busca pela firma em atender

aos objetivos da coalizão dominante, a família.

Eu acho que é uma vantagem o fato de a gente ter agilidade. Os diretores envolvem-se, eu acho que a gente não deixa que as coisas demorem a acontecer, a gente tem resposta rápida. (Erika)

Neste estágio, não só decisões críticas são levadas ao comando central, mas

também dependem dele frequentemente decisões acerca de casos operacionais, o

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que consome tempo e energia da diretoria para tomada de decisão ad hoc. Portanto,

observou-se ser a capacitação em gestão um ponto de estrangulamento, que resulta

em entraves à atuação da liderança nos esforços para criação e captura de valor, tão

importantes para a renovação organizacional e, em última instância, para o

crescimento saudável (FLECK, 2009). Há evidências nos relatos dos entrevistados

que tratam deste tema, conforme exposto por Erika e Ana.

Eu sei que a gente precisa encontrar uma pessoa para buscar novos clientes, a gente tem que tentar outros clientes. Eu fico pensando quem é essa pessoa, quem é essa pessoa e não consigo enxergar quem seria. [...] se a gente pegar [outros contratos], Joaquim vai coordenar, quem a gente coloca para fazer isso? Ache para mim no mercado essa pessoa! Então o obstáculo é primeiro de tudo encontrar pessoas de confiança e capacitadas para você descentralizar e crescer. (Erika)

[A ABC Engenharia] Não é mais uma firma pequena, já é uma firma que tem um tamanho que requer, que já tem condições de ter um quadro funcional de pessoas com preparo [...] que saibam resolver. O diretor técnico Joaquim ter pessoas de nível, que prestassem conta a ele uma vez por semana, mas que pudessem decidir coisas que hoje vem para ele decidir. Enquanto ele perde tempo de decidir, ele não cresce, perde tempo que poderia crescer e inovar mais. (Ana)

Pode-se dizer, então, que, sob contratação da Celpe privatizada, a organização

viu substancial aumento da complexidade intrínseca a sua gestão. Este fato deveu-se

não apenas a fatores intra-organizacionais, mas principalmente a elementos externos

com impacto nos fundamentos de sua estrutura e para os quais ajustes estruturais

foram implementados. Entretanto, apesar de progressos descritos na direção da

sistematização da informação e autonomia funcional de pessoal em níveis médios,

persistiu o padrão não sistemático de resolução de problemas e resposta ao desafio

de gestão da complexidade.

A centralização da tomada de decisão no topo organizacional reforça um ciclo

vicioso que restringiu o aprendizado organizacional e consumiu o excedente de

recursos para resolução de problemas. Embora não se tenha observado evidência de

prejuízos de curto prazo, isto implica consumo de energia e tempo para resposta a

situações que não contribuíram para criação e captura de valor, além de impedir a

disseminação do aprendizado organizacional, efeitos estes que prejudicam a

propensão organizacional à longevidade saudável (FLECK, 2009). Desta maneira,

inadequações no padrão com que a organização lida com a complexidade provocou

durante o estágio 03.

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5.3.6 Gestão da folga organizacional

No que diz respeito aos recursos financeiros, a expansão que deu início ao

novo estágio de desenvolvimento demandou, conforme abordado no desafio do

empreendedorismo, a realização de investimentos para aquisição e renovação de

equipamentos, ampliação da estrutura física e gradativa capacitação e qualificação de

pessoal. Também de acordo com o exposto sobre a temática financeira no final da

década de 1990, a organização passava por um período que consumia sua folga

financeira, impactando negativamente sua capacidade de investimento.

Diante deste contexto, percebeu-se a partir do ano 2000 elevação significativa

do endividamento geral da organização, o que significa dizer que foi necessário

recorrer à captação recursos de terceiros, através de empréstimos e financiamentos,

para financiar o movimento de expansão que se iniciava. Em decorrência disto, é

possível constatar no Gráfico 5-10 a mudança de patamar deste indicador entre os

anos de 1996 e 1999. Tal constatação converge para as evidências colhidas no relato

de Erika e já discutidas sob a ótica da dimensão de julgamento para tomada de risco,

segundo as quais a entrevistada alega estar a organização mais propensa à

realização de investimentos pais altos, a partir da captação de financiamentos de

maior volume, durante o estágio 03.

Gráfico 5-10 - Evolução do endividamento geral, de 1996 a 2015.

Por outro lado, o Gráfico 5-11 apresenta a evolução da relação lucros

acumulados da organização e o PIB do brasileiro, uma proxy para a capacidade de

investimento (FLECK, 2016). Este indicador, à medida que quantifica a disponibilidade

de recursos para investimentos, representa o nível de folga de recursos financeiros

que podem suportar novas iniciativas de criação de valor e expansão.

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Gráfico 5-11 - Evolução de proxy para capacidade de investimento, estágio 03.

A análise comparativa do Gráfico 5-11 com o Gráfico 5-1 permite a

identificação de similaridades do padrão de crescimento enquanto aumento de

tamanho – medido pelo indicador de poder econômico (FLECK, 2009) – e a folga

financeira, em especial quando se observa o período de baixa nas duas curvas entre

2009 e 2013, seguido de recuperação nos anos de 2014 e 2015.

Embora não tenham sido usadas ferramentas quantitativas para a análise da

correlação entre estas variáveis, além do fato de que outros fatores também

influenciam o comportamento de ambas as curvas, os gráficos indicam que o

crescimento recente da organização tem sido capaz de produzir folga financeira.

Contudo, o Gráfico 5-10 mostra a manutenção do nível de endividamento geral em

torno dos 50% também nos anos de 2014 e 2015, o que indica a manutenção do

financiamento dos investimentos em capacidade produtiva a partir da captação de

empréstimos.

Quando comparado à curva de capacidade de investimento nos períodos

anteriores, apresentada pelo Gráfico 5-4, observa-se significativo avanço ao longo dos

anos. Isto corrobora com a ideia de que o processo de crescimento observado a partir

dos anos 2000 promoveu a geração de folga financeira. Ademais, foram colhidas

evidências de que esta folga permitiu também a execução de investimentos de

ampliação da estrutura física da organização, incluindo a aquisição de terrenos e

construção de galpões para armazenagem de materiais, equipamentos, além da

ampliação das instalações físicas, em especial a partir do ano 2010.

No que diz respeito à folga de recursos produtivos, esta dimensão manteve-se

associada a investimentos para a aquisição de veículos e equipamentos de acordo

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com as necessidades de contrato. Não foram encontrados dados históricos que

permitissem avaliar como se deu a evolução da disponibilidade destes recursos,

tampouco como indícios que permitam avaliação de como a folga ou a falta destes

impediu ou favoreceu os movimentos de expansão.

Diferentemente do contexto identificado nos estágios mais iniciais da

organização, as principais contratações no período do estágio 03 estão menos

relacionadas a esforços comerciais que busquem melhor utilização de recursos em

base contínua, uma vez que os contratos mais longos oferecem maior previsibilidade.

Contudo, algumas das iniciativas empreendedoras tratadas na seção sobre

crescimento e renovação, notadamente a expansão geográfica para a Paraíba e

Sergipe e também a prestação de serviços para a PCR, oferecem indícios de

subutilização de recursos produtivos como incentivo adicional à expansão.

Por outro lado, os relatos dos entrevistados sobre o intercâmbio de pessoal

entre as áreas operacionais indicam a gestão da folga destes recursos no sentido de

prover mão de obra experiente e interna à organização às áreas cujas demandas

crescem. Este é o caso, por exemplo, da migração de pessoal, incluindo supervisores,

da FF Engenharia para a ABC Engenharia, quando da desmobilização de contrato

ocorrida em 2011.

Apesar disso, os relatos fornecem evidências indicadas na seção de provisão

de recursos humanos que sugerem que a formação dos serviços gerenciais da

organização ocorre abaixo da sua efetiva necessidade, o que indica falta. É possível

perceber a convergência da falta destes recursos com a constatação de que a

estrutura organizacional mantem o poder de decisão centralizado na diretoria, de

acordo com o que foi exposto na análise sobre a estrutura organizacional. Neste

sentido, há evidências de que problemas organizacionais advindos do crescimento e

da complexidade da organização atuam como fatores restritivos às expansões, uma

vez que demandam mais dos recursos gerenciais que poderiam ser empregados com

assuntos relacionados ao crescimento e impedem o ciclo virtuoso de consumo e

produção de folga de serviços empreendedores e gerenciais.

Alguns dos entrevistados relataram ser característica valorizada pela alta

gestão a capacidade de agregar atribuições a suas rotinas, à medida que são

demandados. Este traço tem consequências positivas para a utilização da folga de

recursos humanos, à medida que esta pode ser usada ora para movimentos de

expansão, ora para renovação de práticas organizacionais e ajustes na estrutura.

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A ABC Engenharia aqui gosta das pessoas que não se prendem a um único serviço, ela está sempre lhe atribuindo atividades, quando você vai desenvolvendo [...] Dr. Joaquim me deu a tarefa de coordenação. Ele disse “Você agora vai ser o coordenador. Você não vai mais ter um setor, você é responsável por tudo. Então, hoje, na regional Cabo, eu flutuo por todas as áreas, eu tenho acesso livre para intervir na área de construção, de manutenção, de linha viva, plantão. (Luiz Leal)

Este atributo da organização, visto por outro ângulo, pode provocar também

barreiras adicionais à sistematização de rotinas de controle gerencial e

consequentemente prejudicar a capacidade de promoção do aprendizado. O risco é

de que componentes organizacionais sobrecarregados ativem um modo de operação

do tipo ‘combate a incêndios’, dada a não especialização de setores que incorporam

novas alocações de demandas, como indica o relato de Ana Ferreira.

Na minha rotina, também tenho que atender tudo o que é direcionado pela diretoria. Enquanto não existe esse controle de frota, a gente vai dividindo as atribuições, quando, na verdade, deveriam ser direcionadas para outras áreas. Então, no dia a dia, a gente se distribui para várias áreas da empresa, não só para o financeiro. A gente atende todas as demandas de compras, de controle de veículos, de pagamentos, de recebimentos, de pendencias, de contabilidade. (Ana Ferreira)

Diante do exposto, pode-se constatar avanços expressivos na maneira como a

organização passou a lidar com o excedente de recursos financeiros e os estímulos a

movimentos de crescimento a partir da ampliação da capacidade de investimento.

Contudo, o modo ad hoc de resolução de problemas persiste consumindo a folga de

recursos gerenciais, o que representa entrave para a utilização dos serviços

empreendedores potencialmente extraídos destes recursos. Tais constatações

indicam a ocorrência de adequações e inadequações da maneira com que a

organização geriu a folga de recursos ao longo do estágio 03.

5.4 Síntese da análise sobre a ABC Engenharia

Foram encontradas evidências de que a ABC Engenharia respondeu de forma

consistente aos desafios inerentes ao crescimento no decorrer do primeiro estágio de

desenvolvimento. Apesar de restrições observadas quanto à geração de folga, a

organização apresentou condições que contribuíram para seu crescimento e

renovação, sem prejuízo da integridade, conforme indicado na Figura 5-2.

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Figura 5-2 - Respostas organizacionais aos desafios do crescimento, estágio 01.

A ABC Engenharia nasceu em uma conjuntura favorável sob a ótica da

demanda, afinal as décadas de 1970 e 1980, conforme indicado no relato histórico,

representaram um período de significativo investimento no sistema elétrico de

potência, em especial do Estado de Pernambuco. Embora não tenha sido responsável

por moldar o ambiente, beneficiou-se de tal condição favorável, diante do reduzido

grau de competição entre concorrentes e da eficácia de sua gestão do relacionamento

com stakeholders. Este foi, conforme indicam os dados levantados, fator determinante

para a legitimidade perante os clientes e a consequente captura de valor do ambiente,

construção e consolidação da imagem e reputação da firma.

A demanda por obras de eletrificação não significou, contudo, inexistência de

barreiras ao crescimento. A reduzida capacidade de investimento da organização, a

sazonalidade de obras, totalmente vulnerável à conjuntura política, e o contexto

familiar turbulento do final da década de 1980 representaram ameaças à continuidade

de existência da organização, que ainda buscava a estabilidade de suas operações.

Contudo, a versatilidade empreendedora e a habilidade de levantar recursos

asseguraram à firma o crescimento e a renovação através de movimento de

diversificação relacionada, por meio da captação de contratos para execução de obras

civis.

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Ao longo do período caracterizado pelo estágio 01, foi possível identificar

indícios que apontam para evolução incremental de uma estrutura simples,

fundamentada na centralização de poder e supervisão direta dos fundadores, que

efetivamente estiveram envolvidos diretamente na execução de tarefas rotineiras,

incluindo a supervisão técnica de obras. Tal característica guarda significativa relação

com o estágio de existência (CHURCHILL & LEWIS, 1983), durante o qual os

fundadores tem orientação técnica e seu esforço está voltado à captação de clientes

e entrega dos serviços contratados. Este traço organizacional foi gradualmente

alterado à medida que o ingresso de familiares à firma, seu próprio crescimento e

estabilização das operações promoviam a gradativa delegação de autoridade e

alocação de funções aos diretores, todos membros da família. O poder de tomada de

decisão, contudo, permanece centralizado no topo.

É forte a interação entre os sistemas organização, negócio e família durante o

período compreendido pelo estágio 01, sendo, inclusive, a própria raison d’être da

organização servir às necessidades da família. Esta, ao mesmo tempo que oferece

contexto para decisões da organização, também pode prover a organização com

serviços gerenciais e recursos financeiro que, em alguns momentos, significaram

folga para explorar oportunidades produtivas de crescimento lucrativo (PENROSE,

1959), através da captação de contratos de serviços e até mesmo da diversificação

relacionada das operações, com a realização de obras civis e fornecimento de mão

de obra para prestação de serviços gerais.

Condições ambientais favoráveis não significaram ausência de dificuldades no

processo de criação e captura de valor. Contudo, uma situação propícia ao

crescimento e à renovação foi alcançada a partir de um alto nível de

empreendedorismo. A resposta adequada ao desafio do empreendedorismo foi

suportada especialmente pelas habilidade de a organização levantar recursos e

versatilidade. Estas, por sua vez, contribuíram para a ativação do motor de

crescimento contínuo (FLECK, 2003), segundo o qual a própria instabilidade

operacional e o modelo de contratação em vigor induziam ao esforço constante para

captação de contratos, para utilização de mão de obra disponível e garantia da

continuidade de existência da firma.

A despeito de características piedosas do ambiente em níveis institucional e

competitivo, a satisfatória resposta aos desafios do empreendedorismo e da

navegação no ambiente, segundo evidências coletadas, está associada à atuação de

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244

seus fundadores, tendo a eficácia da resposta ao desafio da navegação do ambiente

a partir da gestão dos stakeholders contribuído para a captura de valor do ambiente

e consolidação das imagem e reputação organizacionais, à medida que a rede de

relacionamentos dos fundadores abriu espaço para a captação de contratos. Estas

constatações reforçam a caracterização do referido período enquanto estágio inicial

de existência (CHURCHILL & LEWIS, 1983).

A antecipação e formação de recursos humanos gerenciais e técnicos não se

configuraram traço organizacional marcante, dadas as restrições à formação e

retenção de equipes imposta pela baixa previsibilidade de obras e instabilidade das

operações. A dinâmica de execução das obras e a sazonalidade de contratações

induziam à utilização de mão de obra subcontratada, o que dificulta a construção da

unidade entre as equipes e reforça a ocorrência de elementos característicos da

primeira fase de crescimento proposta por Churchill e Lewis (1983). Este fato oferece

evidência da baixa disponibilidade de recursos operacionais característica deste

primeiro período, sejam ativos fixos, seja recursos humanos.

Dado o pequeno porte da organização à época, a diversidade não constituía

desafio preponderante. A coesão organizacional era assegurada pela supervisão

direta dos fundadores, que estavam efetivamente envolvidos nas tarefas cotidianas e

desenvolviam um relacionamento transparente e comprometido com os funcionários,

o que contribuiu para o alinhamento de valores organizacionais àqueles da própria

família. Ademais, o ingresso de familiares à organização reforçou o alinhamento de

objetivos entre os sistemas família e organização.

Problemas decorrentes da complexidade advinda do crescimento, por sua vez,

foram tratados de maneira ad hoc sem que tenham sido coletadas evidências de

desenvolvimento de competências para resolução sistemática de situações

complexas. Os sistemas de controle e informação eram mínimos ou inexistentes, não

contribuindo para o aprendizado e a sistematização da tomada de decisão.

Além disto, há uma série de restrições que criavam barreiras à geração de folga

de recursos organizacionais e limitavam a capacidade de crescimento da firma.

Contudo, à medida que a organização conseguia estabilizar suas operações e provar

sua viabilidade, dois mecanismos alimentaram o processo de renovação e

crescimento organizacional: o envolvimento familiar intergeracional e a estrutura de

empresas coligadas. Ambos forneceram bases para a transição do estágio de

existência para aquele de sobrevivência (CHURCHILL & LEWIS,1983).

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A Figura 5-3 apresenta a análise das respostas organizacionais aos desafios

do crescimento durante o estágio 02 de desenvolvimento organizacional. As

evidências encontradas indicam a ocorrência de inconsistências nas respostas à

condição de integridade organizacional, o que pode comprometer a longevidade de

longo prazo da organização.

Figura 5-3 - Respostas organizacionais aos desafios do crescimento, estágio 02.

O início da década de 1990 significou período de expansão das operações da

ABC Engenharia e sua coligada, Livre Serviços Gerais. A diversificação para obras

civis e o próprio crescimento inercial a partir da consolidação de sua posição

competitiva como prestadora de serviços demandaram da organização modificações

em sua estrutura, operacionalizados por meio da ampliação do envolvimento familiar

intergeracional na empresa. Estes ajustes ocorreram principalmente a partir de uma

primeira alocação de responsabilidades funcionais entre os familiares integrantes da

organização e posteriormente a expansão das áreas administrativas. Contudo, a

informalidade de processos e sua baixa padronização permanecia, enquanto sistemas

de controle seguiam mínimos.

A firma expandira sua arena de competição, o que aumentava sua exposição

ao ambiente. Resultado deste processo foi o aumento da diversidade de recursos

organizacionais e, consequentemente, da complexidade para sua gestão. Desta

maneira, a decisão de buscar na família gestores para a organização servia a

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objetivos familiares, mas também necessidades organizacionais, que demandavam

serviços gerenciais para gestão das operações e folga de recursos para promover

novas expansões.

Tal folga de recursos representou combustível adicional à atividade

empreendedora, uma vez que a segunda geração ativou mecanismos de

monitoramento do ambiente para a captação de novos contratos, fazendo uso da

estrutura da firma coligada, de maneira complementar às atividades desenvolvidas

pela ABC Engenharia. Esta estrutura atuou não só como mecanismo de renovação e

ampliação de portfolio, mas também como estratégia de proteção da organização

frente a concorrência.

Logo, materializava-se a primeira consequência do movimento inicial de

crescimento, o aumento da complexidade organizacional de uma entidade viável, com

volume de serviços suficiente para sua manutenção (CHURCHILL; LEWIS, 1983).

Segundo estes autores, o foco estratégico da organização deixa de ser sua existência

e passa a ser a sobrevivência.

No período que compreende o segundo estágio de desenvolvimento, o

ambiente mantém a predominância de características piedosas de não punição às

ineficiências. Há baixa diferenciação e amplo número de players de pequeno porte

que, em detrimento da rentabilidade e da demanda por obras e serviços no setor

elétrico, não representam competição feroz. Apesar disso, devido à natureza estatal

das concessionárias de serviços públicos, tem-se um ambiente bastante politizado,

no qual o relacionamento é elemento central no desafio da navegação no ambiente.

Neste sentido, há evidências de que a organização tenha respondido adequadamente

às pressões institucionais e competitivas através de eficaz gestão de stakeholders,

que contribuiu para condição favorável à renovação e ao nível de empreendedorismo

acima destacado.

Todavia, um maior portfolio de serviços possibilitou a estabilização operacional

da firma e impulsionou a captação de recursos para responder à necessidade de

pessoal para as equipes de campo e até para desenvolver atividades de supervisão

e de gestão. O crescimento quantitativo de recursos produtivos das duas firmas

coligadas, bem como a expansão da área geográfica de atuação representaram

acréscimo do grau de heterogeneidade, para o qual a supervisão direta dos familiares

e o relacionamento de proximidade entre a família e funcionários permanecia principal

mecanismo de coordenação e coesão. Além disso, a estrutura de firmas coligadas

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permitia o compartilhamento de recursos organizacionais, não sendo a formação de

equipes qualificadas um desafio significativo para a organização, que recrutava e

retinha mão de obra com relativa facilidade.

O envolvimento da segunda geração da família, ao passo que acomodou a

disponibilidade de recursos gerenciais comprometidos às necessidades da

organização, também ativou mecanismos que provocaram conflitos internos, o que

representou forte ameaça de fragmentação organizacional. O conflito entre familiares

definiu um confronto político que resultou em crise institucional. A impossibilidade de

manter a coalizão entre os sócios frente a questões de caráter sucessório advindas

de tais mecanismos conduziu à cisão da sociedade existente e ao estabelecimento de

uma nova firma coligada, o que permitiu à organização continuidade dos mecanismos

acima descritos.

Não se identificou o desenvolvimento de competências para lidar com

problemas de maneira sistemática. O padrão ad hoc de solução de problemas pode

ser percebido nos fatos que deram origem à arena política que se estabeleceu na

organização e os conflitos deles decorrentes.

Merece destaque a dificuldade de produção de folga financeira durante este

período, o que esteve atrelado ao gradativo aumento da dependência organizacional

em relação ao seu cliente principal e os atrasos de pagamento. Esta condição denota

períodos de falta financeira e baixa capacidade de investimento, o que pode ter

provocado restrições ao crescimento organizacional. Este fato, aliás, indica a

ocorrência de uma característica apontada por Churchill e Lewis (1983) como

característica de organizações em estágio inicial de desenvolvimento, que é a

importância reativa do fator gerencial da capacidade de gerar caixa para a firma.

Em contrapartida ao consumo da folga financeira, o processo de crescimento

permitiu a geração de folga de recursos intangíveis associados à imagem e à

reputação da organização, bem como a produção de conhecimento técnico. Além

disso, a disponibilidade de pessoal experiente abria também a possibilidade de a firma

alocar equipes entre as áreas operacionais, notadamente os contratos de prestação

de serviços e execução de obras, segundo a necessidade, dado o fácil intercâmbio de

recursos, sendo a disponibilidade de tais recursos um mecanismo de estímulo a novas

expansões, a exemplo da diversificação para o segmento de telecomunicações.

A avaliação das repostas identificadas no terceiro estágio de desenvolvimento

organizacional é apresentada na Figura 5-4. Neste estágio, foram observados indícios

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de que, embora alterações nas dimensões ambientais tenham contribuído para o

crescimento organizacional, a ABC Engenharia não apresentou consistência no

padrão de resposta no processo de criação e captura de valor, o que prejudicou sua

capacidade de crescimento e renovação.

Figura 5-4 - Respostas organizacionais aos desafios do crescimento, estágio 03.

O fim da década de 1990 e início dos anos 2000 trouxeram profundas

transformações na dinâmica ambiental do setor elétrico. Se por um lado as reformas

no modelo institucional ampliavam oportunidades de negócios no setor e

impulsionavam o crescimento das prestadoras de serviço, à medida que as

privatizações das concessionárias estatais ocorriam, por outro o ambiente tornou-se

significativamente mais desafiador, em todas suas dimensões. Regulamentações de

ordem técnica representaram significativa pressão sobre os players, enquanto

também a arena competitiva passava a ter maior ferocidade da competição,

fomentada sobretudo pela maior atratividade dos contratos sob modelo privatizado,

que impulsionaram o crescimento dos players locais e atraíram outros de porte

regional e nacional.

O acirramento da competição foi consequência de decisões da concessionária

acerca de seu modelo de negócios, que buscou a redução do número de prestadores

de serviço e consequentemente expansão do porte daqueles remanescentes, através

da concentração de volume de serviços em contratos de maior duração e volume

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financeiro. Este processo instituiu novas diretrizes ao relacionamento comercial e

dinâmica operacional entre empresas prestadoras de serviços e a Celpe, o que abriu

oportunidades para captura de valor pela ABC Engenharia.

A disposição da organização em responder às alterações ocorridas no

ambiente de negócios criou condições favoráveis ao crescimento, sobretudo a partir

de sua capacidade de captar recursos para investimento na renovação e ampliação

da capacidade produtiva. A condição de empresa-âncora representou importante

instância de renovação e conduziu a organização ao subestágio de sucesso-

crescimento denominado por Churchill e Lewis (1983), quando há a orientação de

buscar crescer através da potencialização de investimentos e da capacidade de captar

recursos, o que provocou significativa mudança no perfil de risco da organização.

Estas ações representaram movimentos de expansão geográfica, que contribuiu para

a ativação do processo de geração de excedente de recursos organizacionais

importantes para a ocorrência de crescimento em períodos subsequentes, tal qual

defende Fleck (2009) ser um processo de crescimento saudável.

Não apenas a mudança no ambiente demandou da organização capacidade

de alterar seu status quo e adaptar-se às novas regras do jogo, como também a

expansão quantitativa e as novas condições de prestação de serviço para a Celpe

privatizada elevaram a complexidade e heterogeneidade internas. Diante disto, teve

início um processo de ajustes na estrutura organizacional aqui denominado de

burocratização da estrutura simples, através do qual buscou-se promover maior

controle gerencial e padronização, em resposta a pressões externas por eficiência

operacional, com o cuidado de evitar o enrijecimento da burocracia excessiva.

Houve, então, mudanças no que se refere à especialização das áreas

administrativas, padronização e burocratização de processos, qualificação de pessoal

e realocação de responsabilidades administrativas aos profissionais de supervisão

funcional. Paralelamente, a organização passa a ter gerentes médios, que respondem

por áreas funcionais diretamente à diretoria-família, que mantém centralizado o poder

de decisão. Ademais, também em resposta às tendências externas, ocorre a

implementação dos sistemas gerenciais de controle. Entretanto, a centralização do

poder de decisão é característica mantida.

A complexidade advinda do crescimento, pressões institucionais sobre a

legitimidade do modelo de prestação de serviços característico da fase privatizada

das concessionárias elétricas e a complexa dinâmica operacional representaram

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fatores limitantes à atividade empreendedora. Resultado disto é o que pode ser

chamado de surtos de empreendedorismo, caracterizados por uma atividade

empreendedora de natureza pendular e intermitente, ou seja, acontecendo de

maneira pontual, não em base contínua.

Tal comportamento é resultado da pressão sobre a gestão em agir para

sustentar a existência continuada da organização, o que não configura prática

saudável e pode provocar períodos de estagnação (WEITZEL & JONSSON, 1989;

FLECK, 2009). Diferentemente da situação anterior, em que a orientação ao

crescimento induziu a renovação organizacional, a intermitência do processo de

criação e captura de valor pode comprometer a capacidade de crescimento e

renovação.

Restrições à ativação do motor de crescimento contínuo (FLECK, 2003) foram

impostas por dificuldades relacionadas à gestão da complexidade, o que implica em

um consumo excessivo de recursos gerenciais para solução de problemas e captura

de valor, reduzindo a folga de energia e tempo dos gestores para dedicar-se a

iniciativas empreendedoras, de modo que se observa maior inatividade quanto à

captação de novos contratos. Esta mudança representa aquilo que Churchill e Lewis

(1983) consideram ser um subestágio de desenvolvimento em que a gestão considera

ter a organização alcançado tamanho suficiente para garantir o sucesso e o

crescimento deixa de ser o foco estratégico, mas a estratégia principal da firma passa

a ser a de manutenção do status-quo.

Em decorrência disto, observou-se menor nível de empreendedorismo na

organização, com evidências de respostas adequadas e inadequadas à propensão de

crescimento saudável, tendo em vista o risco de sua capacidade de criar e capturar

valor fica condicionada à habilidade organizacional em adaptar-se a mudanças

ambientais sem prejudicar sua competitividade. Apesar disto, não pode ser ignorado

o esforço organizacional desprendido para o monitoramento do ambiente dinâmico.

Este empenho pode ser constatado principalmente por meio de mecanismos de

acompanhamento da ação da concorrência, participação em tomadas de preço e

licitações, e principalmente através da associação a entidades setoriais.

O crescimento ampliou a exposição da firma ao ambiente. Se antes a firma era

contratada por períodos mais curtos ou para a realização de projetos específicos, no

período mais recente ela passou a integrar a cadeia de valor segundo a nova lógica

de apropriação de valor do modelo de terceirização estratégica do setor elétrico. Isto

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significou importantes mudanças no relacionamento com o cliente, nas barreiras

competitivas, na dinâmica operacional e também nas exigências técnicas e legais a

nível institucional, impactando negativamente na resposta ao desafio da navegação

no ambiente dinâmico.

Naturalmente, a organização viu crescer a diversidade de seus recursos, quer

decorrente da ampliação de seu escopo de atuação ou mesmo da pluralidade de

recursos humanos atuando em suas atividades. Apesar de concentrar as atividades

em uma mesma área de atuação, durante este período, menor grau de coordenação

entre as empresas coligadas e suas áreas operacionais foi identificado, o que refletiu

restrições ao compartilhamento de recursos. Cabe à diretoria-família a coordenação

entre as áreas, contribuindo para a flexibilidade operacional, fator importante para a

captura de valor de seu ambiente.

Contudo, foi possível identificar indícios da infusão de valores que contribui

para manter coesa a estrutura social da organização, fruto principalmente do padrão

de relacionamento construído entre a diretoria-família e os funcionários. Há a

indicação de ser a memória de seu presidente um mito integrador fundamentado em

sua atitude de líder institucional, que inspira posicionamentos e decisões adotados

pela diretoria-família, bem como simboliza a identidade à organização, na visão de

funcionários entrevistados.

O contexto familiar também sofreu significativa alteração, com impacto sobre a

integridade organizacional. O falecimento de seu fundador conduziu a organização a

um processo sucessório emergente, em que a segunda geração da família assumiu

a condução do negócio. Esta condição reforça o método apagar incêndios com que

questões complexas são tratadas pela organização e indica a inexistência de planos

sucessórios em todos os níveis organizacionais. Embora não se tenha obtido dados

que indiquem a ocorrência de uma crise institucional, tal qual ocorrida em meados da

década de 1990, este processo esteve associado também à instauração de uma arena

política ativada por divergências quanto às estratégias para conduzir a organização e

reformas em sua estrutura.

A comparação das necessidades relativas à provisão de recursos humanos

entre o estágio presente e os anteriores indica a dificuldade de a organização

responder a este desafio de maneira antecipada. Um dos grandes desafios que se

constitui no período recente é o de prover a organização com serviços gerenciais,

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condição esta tolhida pela estrutura centralizada de poder, que atua como entrave à

formação de equipes gerenciais capacitadas.

Conforme mencionado anteriormente, o estágio atual veio acompanhado do

aumento do grau de complexidade inerente aos desafios impostos pelo crescimento

da organização: pêndulo do empreendedorismo, navegação no ambiente desafiador,

gerenciamento de recursos heterogêneos e planos de capacitação de pessoal.

Ademais, a conexão entre as áreas permanece uma tarefa desafiadora, enquanto o

ambiente demandante reforça as barreiras organizacionais à sistematização da

solução de problemas, o que prejudica o aprendizado, a despeito do esforço

desprendido para implantação de sistemas de controle gerencial.

Este estágio representou significativa mudança no padrão de gestão sobre a

folga de recursos organizacionais, em especial no que se refere à folga de recursos

financeiros e capacidade de investimento. A organização beneficiou-se do acesso ao

crédito, que viabilizou a expansão da estrutura física e gerou folga de recursos, fator

de estímulo às novas expansões. Neste sentido, percebeu-se significativa mudança

na capacidade de investimento da firma e sua aversão a risco. A maior disposição da

gestão e capacidade organizacional de investir contribuíram, assim, com mecanismos

de renovação de recursos organizacionais e ampliação da disponibilidade de ativos

fixos, tais quais frota e equipamentos, o que em si oferecem incentivos a novas

expansões.

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6 CONCLUSÃO

O sucesso e o fracasso são questões chave para acadêmicos e gestores

profissionais. Pouco consenso existe, entretanto, sobre quais fatores distinguem uma

empresa de sucesso de uma outra que trilhou seu caminho rumo ao declínio e,

possivelmente, à extinção.

Um único roteiro para o sucesso simplesmente parece não existir; ao contrário,

o modelo proposto por Fleck (2009) sugere que a combinação de práticas construtivas

e sustentáveis de respostas aos desafios do crescimento deve ser constantemente

promovida. Nesta perspectiva, gestores responsáveis devem perseguir as condições

necessárias, porém não suficientes, para a trajetória de autoperpetuação: a

renovação e a integridade organizacionais, associadas a processos que geram folga

suficiente para alimentar aqueles mecanismos. Tal noção está associada ao conceito

de sucesso organizacional de longo prazo, o que não equivale necessariamente à

ideia de prosperidade e crescimento imediatos.

Neste sentido, o presente estudo buscou desenvolver análise sobre como

aspectos envolvendo a tríade organização-negócio-família influenciaram o caminho

percorrido pela ABC Engenharia. Utilizou-se de metodologia baseada na abordagem

panorâmica (FLECK, 2014), que parte do resgate histórico da organização e busca

incorporar dimensões múltiplas de estudo, para responder à pergunta de pesquisa:

De que maneira a inter-relação família-organização pode impactar os requisitos

para a renovação e continuidade de existência em empresas familiares?

Diante deste propósito, a abordagem panorâmica e o estudo longitudinal da

organização ofereceram um panorama de como a organização respondeu aos

desafios do crescimento ao longo de seus estágios de desenvolvimento. A partir deste

panorama, e sob a ótica dos temas debatidos pela literatura acerca das empresas

familiares, foi possível analisar a influência mútua entre organização e família. Isto

tornou possível a abordagem de temas como sustentabilidade entre gerações,

socialemotional wealth e sucessão e os efeitos provocados sobre as respostas

organizacionais aos desafios do crescimento.

A trajetória organizacional da ABC Engenharia permitiu a identificação de três

diferentes períodos cujas características e traços organizacionais guardam

similaridade com os três primeiros estágios de desenvolvimento, segundo o modelo

proposto por Churchill e Lewis (1983). O paralelo desenhado entre tal modelo teórico

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e os desafios do crescimento permitiu associar mudanças organizacionais observadas

entre os períodos a ajustes estruturais que buscaram o alinhamento entre estratégia,

estrutura e ambiente, conforme conceito proposto por Miller e Friesen (1978). Assim,

pode-se identificar fontes de mudanças internas e os efeitos destas sobre a propensão

à longevidade saudável da organização.

O estudo apontou ser a natureza familiar da ABC Engenharia origem

importante de seus principais traços organizacionais. Há evidências que indicam a

íntima associação entre aspectos familiares e organizacionais relacionados aos fatos

e dados analisados. Observou-se que ofereceu contexto de decisão, ao passo que

também constituiu stakeholder fundamental para manutenção da integridade

organizacional, embora tenha sido percebida certa variação no nível de interação

direta entre a família e a firma ao longo dos anos, sobretudo à medida em que esta

começa a apresentar indícios de formação de seu caráter organizacional, a partir da

infusão dos valores da família na organização. Notou-se, contudo, ser aquela

característica especialmente relevante no que diz respeito à interação entre os

sistemas família e organização quando da ocorrência de acontecimentos importantes

no contexto interno familiar, ou mesmo eventos de transição, tal qual sugerem

RANDERSON et al. (2015).

Mudanças observadas no ambiente em si também imprimiram pressões à

organização e sua trajetória. Transformações significativas ocorreram em nível

institucional e exerceram influência sobre a arena competitiva e sua dinâmica, desde

o período de fundação da firma, quando se tinha um ambiente de características

piedosas, até o período mais recente, em que, a partir do modelo de terceirização

estratégica (SOUZA & RADOS, 2011), o ambiente passou a exercer pressões mais

desafiadoras sobre a condução do negócio. As transformações ambientais impuseram

à ABC Engenharia necessidade de adaptar suas estratégia e estrutura, de modo que

ineficiências econômicas não comprometessem seu desenvolvimento, fato que

corrobora a visão de Chandler (1962) e Miller e Friesen (1978).

A curva longitudinal de crescimento (Gráfico 5-1) apresenta o crescimento da

organização e destaca a expressividade deste a partir do final da década de 1990 e

início dos anos 2000. Neste período, foram encontradas evidências de estar a

organização orientada ao crescimento. Porém, o sucesso de longo prazo exige a

continuidade das respostas consistentes aos desafios oriundos do processo de

crescimento. O sucesso passado, ou mesmo presente, não é uma previsão do futuro,

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sob a perspectiva de longo prazo utilizada neste estudo. Além disso, os desafios do

crescimento fazem com que quanto mais uma firma cresça, mais complexas se

tornem as dimensões a este processo associadas.

Neste sentido, os resultados deste trabalho apontam para o fato de que alguns

aspectos organizacionais perderam fôlego ao longo do tempo, o que implicou maiores

dificuldades de resposta aos desafios advindos do crescimento, quer em razão da

evolução de estágio de desenvolvimento, quer pelas próprias transformações

ambientais e a complexidade delas resultantes. Isto posto, a Figura 6-1 resume o

diagnóstico do comportamento organizacional relativo a cada um dos elementos do

mecanismo central do crescimento saudável, segundo o modelo dos arquétipos de

sucesso e fracasso organizacional (FLECK, 2009), ao longo dos estágios de

desenvolvimento (CHURCHILL & LEWIS, 1983) identificados. O Quadro 6-1, por outro

lado, apresenta as principais constatações e resultados do processo de análise.

Figura 6-1 - Mapa visual da trajetória organizacional.

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Quadro 6-1 - Resumo das respostas aos desafios do crescimento, ao longo dos estágios de

desenvolvimento organizacional.

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A análise sobre como a ABC Engenharia lidou com as questões ambientais e

organizacionais, em cada um dos três estágios de desenvolvimento, indica

deterioração da propensão organizacional à longevidade saudável, conforme pode-se

constatar no mapa visual da Figura 6-1. Enquanto aspectos institucionais ligados à

estrutura social da organização parecem receber relativa atenção, aspectos técnicos

associados aos processos de criação e captura de valor parecem ter ficado em

segundo plano.

Respostas menos efetivas durante o período mais recente fizeram com que a

empresa reduzisse sua propensão à autoperpetuação, gerando um sinal de alerta

sobre a ameaça do processo de declínio organizacional. Tal constatação reflete a

redução da taxa de renovação organizacional, o que compromete a capacidade de

criação e captura de valor. Há evidencias de que falhas na adaptação a pressões

internas ou externas decorrentes de mudanças da dinâmica ambiental prejudicaram

a orientação da organização ao crescimento e, consequentemente, comprometeram

iniciativas empreendedoras observadas na primeira metade do estágio 03.

Entretanto, a observação sob a ótica da inter-relação família-organização e da

condição de integridade organizacional permitiu identificar a continuidade como fator

marcante da trajetória organizacional a despeito de eventos externos e mesmo

confrontos internos. Este aspecto indica o êxito da organização em se manter coesa

e preservar sua integridade, o que converge com o que defendem Taguri e Davis

(1996) acerca da propensão de firmas familiares à constituição de senso de propósito

e de identidade, a partir do que estes autores chamaram de atributos bivalentes,

aqueles decorrentes precisamente da intersecção entre família e organização.

Apesar de não haver indícios suficientes para se afirmar a instauração de um

processo de institucionalização, constatou-se haver traços organizacionais relevantes

que indicam a formação do caráter organizacional, cuja constituição remete aos

valores fundamentais da própria família e ao imprinting deixado pela geração

fundadora. Não houve ruptura em decorrência de transferência entre gerações e

sucessão, embora conflitos pontuais tenham tido origem relacionadas a elementos

advindos deste processo. Ademais, há indicativos de que a disponibilidade de

recursos humanos comprometidos e com energia na terceira geração conjuntamente

a continuidade do envolvimento de gerações anteriores favorecem a transição entre

gerações e amplia as perspectivas para o futuro.

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Deste modo, pode-se constatar que o fato de ser a ABC Engenharia uma

empresa familiar não traz per se maior ou menor propensão ao crescimento saudável.

Seu sucesso é condicionado à capacidade de a família transmitir às gerações

posteriores a capacidade de renovar e manter íntegra a organização. Este esforço

torna-se ainda mais relevante frente ao risco de afastar-se do polo positivo da

autoperpetuação.

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APÊNDICES

APÊNDICE I - O setor elétrico brasileiro

O setor elétrico brasileiro é composto basicamente por três grandes

segmentos: geração, transmissão e distribuição. O segmento de geração de energia

elétrica compreende agentes geradores públicos, produtores independentes e

autoprodutores. Por sua vez, o segmento de transmissão é composto por agentes

detentores das linhas de transmissão, responsáveis pelo transporte de grandes

quantidades de energia provenientes das unidades geradoras e que podem fornecer

energia elétrica diretamente para consumidores livres e especiais, a partir de

negociações no Ambiente de Contratação Livre (ACL), ou para os distribuidores, que

compõem o segmento de distribuição, estes responsáveis por distribuir energia

elétrica aos consumidores livres, especiais ou cativos, cuja fornecimento ocorre no

Ambiente de Contratação Regulada (ACR).

O modelo institucional tal qual se apresenta na atualidade é o resultado de um

longo processo de evolução em que agentes econômicos e instituições respondem a

forças atuantes sobre o cenário competitivo da indústria por razões tecnológicas,

regulatórias e econômicas. Por isso, para que se entenda os desafios e oportunidades

presentes no ambiente competitivo em que a organização objeto de estudo está

inserida, faz-se necessário compreender a dinâmica de seu ambiente, abrangendo a

evolução do funcionamento do mercado e a lógica institucional da regulação estatal.

Com o objetivo de facilitar a compreensão do leitor quanto aos principais

eventos apresentados no texto referente ao processo de evolução e

institucionalização do setor elétrico brasileiro, foram montadas algumas figuras: uma

linha do tempo que resume os principais marcos acontecidos de 1900 até 1975 (vide

Figura I-1); uma linha do tempo que resume os principais marcos acontecidos de 1975

até 2015 (vide Figura I-2)

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Figura I-1 - Linha do tempo do setor elétrico brasileiro, período de 1900 a 1975.

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Figura I-2 - Linha do tempo do setor elétrico brasileiro, período de 1975 a 2015.

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O modelo estatal centralizado (até 1995)

Conforme expõe Cuberos (2008), a história da eletricidade no Brasil tem início

com a iluminação da Estação Central de Ferro D. Pedro II, ainda durante o período

final do Império. À época, a organização do setor elétrico sofria pouca interferência do

Estado, que se limitava a impor medidas isoladas de regulamentação e de concessão

de aproveitamentos hidrelétricos e fornecimento de serviços. Por conseguinte, a

criação e expansão do sistema aconteceram de forma descentralizada, sendo as

experiências pioneiras voltadas para a iluminação e o transporte públicos, através de

capital privado (SILVA, 2011).

A partir da instauração da República Velha e da promulgação da Constituição

de 1891, estabeleceu-se que as concessões para prestação de serviços de

eletricidade no tocante ao segmento distribuição seriam outorgadas pelo executivo

municipal, enquanto caberiam aos governos estaduais o poder relativo ao

aproveitamento e utilização de quedas d’água, segundo explica Silva (2011). O autor

aponta ainda que este período seria marcado por grande parte das usinas geradoras

de eletricidade pertencerem a concessionários e autoprodutores distintos, que, sem

regulação federal existente naquele momento, atendiam diversas regiões segundo

acordos de prestação de serviço em níveis regional ou contratos bilaterais. Naquele

momento, tinha-se no país um setor elétrico fortemente descentralizado, no qual os

agentes pioneiros de distribuição eram resultado de investimento de capital privado –

estrangeiro, em muitos casos – que detinha também ativos geradores e de

transmissão locais.

A tendência de consolidação da presença do capital estrangeiro no setor

elétrico brasileiro transformou a organização da indústria de energia elétrica no Brasil.

Tal constatação, segundo destacam Gomes et al. (2002), é evidenciada pelo fato de,

a partir de 1930, que a maior parte das atividades ligadas à energia elétrica

concentrava-se nas mãos dos grupos estrangeiros Light e Amforp, ocupando um

espaço até então detido por capital nacional (SILVA, 2011). Enquanto o grupo Light

abrangia regiões dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, a Amforp incorporava

concessionárias do interior paulista, além dos estados de Bahia, Pernambuco, Rio

Grande do Sul e Minas Gerais, o que acelerou o processo de concentração e

centralização das empresas concessionárias de energia elétrica.

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Diante deste contexto que, sob o governo Getúlio Vargas, o Código das Águas

foi promulgado em 1934, episódio que exerceu suma importância sobre a evolução

do setor elétrico e o novo modelo institucional que seria instaurado nas próximas

décadas. Cuberos (2008) destaca que este foi o primeiro ato do governo federal com

efetivo poder de regulamentação dos serviços e da indústria de energia elétrica no

Brasil, através do qual a União teria poder de concessão dos serviços de utilidade

pública derivados do aproveitamento do potencial hidrelétrico brasileiro.

Ao mudar a relação do Estado com o setor elétrico e conferir maior rigidez aos

princípios regulatórios, Gomes et al. (2002) relata uma conjuntura de incerteza

regulatória e desestímulo a investimento por parte dos grupos estrangeiros instalados

no país tanto no que diz respeito a capacidade de geração, quanto de distribuição.

Era urgente a expansão da capacidade instalada no país sob a premissa de que, caso

novos investimentos não fossem realizados, a capacidade de industrialização do

Brasil e crescimento dos centros urbanos estariam ameaçados (SILVA, 2011).

O Estado brasileiro respondeu a partir de 1945, quando, por meio de decreto,

amplia seu papel além das atribuições reguladoras e fiscalizadoras. O governo federal

passa a investir diretamente na produção de energia hidrelétrica com o surgimento da

Companhia Hidro Elétrica do São Francisco naquele mesmo ano, empresa que seria

responsável pelo suprimento de energia elétrica às concessionárias de serviços

públicos e distribuidoras de energia no Nordeste, atuando nas atividades de geração

e transmissão (GOMES ET AL, 2002). Além disso, estes autores destacam o Plano

Nacional de Eletrificação como desdobramento de ações na direção de um

planejamento econômico estatal centralizado. Lançavam-se as bases para atender

um modelo de crescimento impulsionado pelo Estado e, para isso, mudanças

institucionais no setor elétrico faziam-se necessárias para combater as características

monopolistas e a presença majoritária do capital estrangeiro numa atividade que

assumia importância para o desenvolvimento econômico do país (GOMES ET AL,

2002).

Assim, tem início um período em que ao Estado coube a autoridade sobre

concessão para novos investimentos em geração e transmissão, o que significou, na

prática, concentração sob seu comando dos principais ativos nestes segmentos do

setor elétrico. Neste sentido, tem-se como evidência os investimentos realizados pelo

governo federal para construção das grandes hidrelétricas, sobretudo a partir da

criação do sistema Eletrobrás e de suas subsidiárias, que, em níveis regionais,

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controlariam os segmentos de geração e transmissão segundo o modelo centralizado

do setor elétrico.

Os próximos passos na direção deste projeto de desenvolvimento que trouxe

impacto sobre o modelo institucional do setor elétrico foi a constituição do Banco

Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE) – que passou a se chamar BNDES,

a partir de 1982 – o que permitiu compor o funding dos projetos de reaparelhamento

da infraestrutura e da instalação da indústria de base (GOMES ET AL, 2002). A

estratégia desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek impulsionou ainda a

criação da maior parte das companhias estaduais de energia elétrica e de mais uma

geradora, a Central Elétrica Furnas, controlada pelo governo federal e pelo estado de

Minas Gerais. Posteriormente, o surgimento da Centrais Elétricas Brasileiras SA

(Eletrobrás), em 1962, contribuiu para criar as condições institucionais e os

instrumentos financeiros necessário para a mudança de escala e de complexidade no

setor (GOMES ET AL, 2002). Além disso, houve a criação da Comissão de

Nacionalização de Empresas de Serviços Públicos, para nacionalização das

empresas do grupo Amforp, que deixou o Brasil no início da década de 1960. As

empresas da Amforp integraram o quadro de subsidiárias da Eletrobrás entre 1965 e

1968, quando foram incorporadas, em sua maioria, às concessionárias públicas

estaduais.

Todas estas medidas foram viabilizadas através da criação do Ministério de

Minas e Energia (MME), como desdobramento do chamado Plano de Metas do

governo Juscelino. O MME incorporou o Conselho Nacional de Águas e Energia

Elétrica (Cnaee) e a Divisão de Águas do Departamento Nacional de Produção

Mineral (DNPM) do Ministério da Agricultura, incluindo na sua jurisdição a Chesf.

Segundo Ferreira (2000), a criação da Eletrobrás permitiu a implementação do

sistema centralizado, à medida que, vinculada ao ministério de Minas e Energia, tinha

como atribuições planejar e coordenar o setor elétrico, desempenhar funções de

holding de concessionárias locais sob controle federal e administrar recursos

financeiros destinados a obras de expansão da base produtiva do setor, papel antes

desempenhado pelo BNDES (GOMES ET AL, 2002). A holding federal tinha ainda o

controle acionário da maioria dos ativos de transmissão e geração através de quatro

subsidiárias: Chesf, Eletronorte, Eletrosul e Furnas.

Além disso, a Eletrobrás detinha 50% do capital acionário da Itaipu Binacional

e exercia ainda os papeis de ‘banco setorial’, ao gerir os recursos setoriais

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arrecadados, e coordenadora técnica setorial, ao coordenar o planejamento da

expansão do sistema. Como resultado, entre o fim da década de 1970 e início da

década de 1980, observou-se a estatização quase que completa do setor elétrico

brasileiro, em que a Eletrobrás exercia papel dominante, o que estava alinhado aos

objetivos estratégicos do Estado brasileiro.

Também em termos técnicos e econômicos, tal sistema era considerado o

modelo mais eficiente. A decisão ocorrera sob consideração das dimensões

continentais do país e seu enorme potencial hidrelétrico (FERREIRA, 2000). Segundo

o autor, as significativas economias de escala resultantes da implementação das

grandes usinas elétricas apontavam para os benefícios da criação de um sistema

interligado de transmissão de energia no qual empresas de serviço público dividiam

custos relativos às linhas de transmissão. Ferreira (2000) aponta ainda que o grande

dispêndio com ativos fixos favoreceu a cooperação entre as empresas envolvidas,

sendo a criação de monopólios regionais de distribuição o primeiro passo para

implementar o modelo centralizado.

No que tange o segmento de transmissão, o novo modelo institucional criara

dois sistemas principais, que eram interligados (FERREIRA, 2000). O primeiro

atenderia as regiões Norte/Nordeste, enquanto o segundo abrangeria as regiões

Sul/Sudeste. Cabia ao operador do sistema, o Grupo Coordenador da Operação do

Operação Interligada (GCOI), sob a direção da Eletrobrás, coordenar e otimizar a

operação do parque gerador, dada a complexidade operacional dos sistemas

interligados.

Já o segmento de distribuição de energia elétrica representava o mais elevado

grau de descentralização do modelo de propriedade estatal que regia o setor elétrico.

Foi deixado a cargo dos governos estaduais a propriedade sobre os ativos de

distribuição. Estes atendiam consumidores finais através das empresas monopolistas

que operavam em nível estadual, em sua maioria criadas entre os anos de 1943 e

1966. Havia estados que tinham seus territórios divididos por mais de uma

concessionária estatal, além de alguns locais onde as concessionárias estavam sob

controle direto da Eletrobrás (FERREIRA, 2000).

O autor relata que os governos dos estados mais ricos das regiões Sul e

Sudeste também implementaram programas de investimento em ativos de geração e

transmissão, promovendo integração vertical na cadeia, de forma a melhor acomodar

sua base industrial e economia de crescimento acelerado, o que chegou a representar

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parte relevante do serviço público, conforme apresenta o Quadro I-1. Tal fato gerava

frequentemente conflitos entre as concessionárias verticalizadas estaduais e as

empresas do grupo Eletrobrás, especialmente quanto aos recursos disponíveis para

financiamento da expansão do sistema (WALVIS, 2014).

Quadro I-1 - Capacidade instalada das usinas elétricas (MW) – 1995.

Fonte: Oliveira (1997, p. 12) apud Ferreira (2000, p. 187).

Cuberos (2008) aponta o fim da década de 1960 e início da década de 1970

como o período em que o modelo centralizado do setor elétrico consolidou-se e atingiu

seu ápice, principalmente entre 1968 e 1973, fase conhecida como milagre

econômico. Silva (2011), inclusive, destaca a expansão das linhas de financiamento

externas como fator fundamental para o desenvolvimento econômico, com forte

impacto sobre os investimentos no setor. Ademais, sob o ponto de vista de receita dos

agentes estatais atuantes no sistema, alterações normativas permitiram geração de

recursos suficientes não apenas para funcionamento adequado do sistema, como

também para autofinanciar sua expansão (GOMES ET AL, 2002).

As bases financeiras sólidas e condições econômico-financeiras saudáveis do

setor permitiram que programas destinados à expansão da rede e da capacidade

geradora fossem implantados. Foi neste período que grandes programas de

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267

eletrificação rural surgiram e relevantes investimentos hidrelétricos foram realizados

pelas empresas estatais para ampliação da base produtiva.

No entanto, Cuberos (2008) comenta que alguns de seus maiores problemas

também foram originados ao longo do período imediatamente subsequente. O

exposto por este autor vai em linha com o que relata Ferreira (2000) ao afirmar que o

modelo centralizado começou a mostrar sinais de fraqueza econômica e financeira a

partir dos anos 1980. Estas foram evidenciadas a partir da decisão do governo federal

de fixação de níveis tarifários como instrumento de combate à inflação, frente ao

comprometimento da trajetória de crescimento econômico equilibrado no final da

década de 1970, o que dá início a um gradativo processo de desgaste econômico-

financeira das concessionárias, que assistiam à deterioração real dos preços de

serviços públicos. Silva (2011) ressalta que, com a limitação de recursos próprios para

investimento no sistema, ganha espaço o endividamento externo do setor, que seguia

com metas ambiciosas de expansão da oferta.

Além da regulação restritiva imposta pelo agente regulador, as concessionárias

passaram a padecer de males ocasionados pelo seu próprio modus operandi. Ferreira

(2000) aponta a inexistência de incentivos ao aumento da eficiência operacional dos

ativos do setor elétrico, uma vez que um retorno confortável sobre o ativo era garantido

via tarifa. Também é apontado pelo como fator importante para a deterioração da

situação das concessionárias a ausência de restrições de financiamento nos anos 70

priorizar a economia de escala na decisão de investimento, o que resultou em

enormes dispêndios e longos períodos de maturação.

Ferreira (2000) destaca a queda significativa nos investimentos e necessidade

negativa de capital de giro por parte das empresas do setor, em especial aquelas sob

controle dos governos estaduais, o que agravou a situação de caixa destas empresas.

Em decorrência da crise, as concessionárias estaduais iniciaram um processo de

inadimplência em suas contas de energia comprada às empresas geradoras,

controladas pela Eletrobrás (GOMES ET AL, 2002), como estratégia de financiamento

e rolagem da dívida neste período, em especial por parte das distribuidoras dos

estados do Sul e Sudeste, tal qual afirma Silva (2011). Isto fez disparar o alarme para

a necessidade de revisão da organização do setor de energia elétrica e mudanças

nas suas regras de funcionamento.

Segundo o autor, duas tentativas de reversão da crise no setor elétrico ainda

na década de 1980 não obtiveram êxito, estas foram o Plano de Recuperação Setorial

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e a Revisão Institucional do Setor Elétrico (REVISE). Apesar da não implementação,

Silva (2011) considera que as propostas deste último plano lançariam as bases para

as reformas ocorridas na década seguinte. Ferreira (2000) aponta a constatação no

início dos anos 90 de que o modelo centralizado se tornara ineficiente

economicamente e vulnerável financeiramente, o que iniciou o processo de redesenho

do setor elétrico.

O Modelo de Livre Mercado (1995 a 2003)

As medidas de reestruturação do setor começaram a ser adotadas a partir do

início da década de 1990, sobre uma nova base econômica que se desenhava, tendo

em vista a estabilização da economia. O modelo de crescimento impulsionado pelo

Estado esgotara-se e, a partir do governo Collor, introduzia-se uma ruptura com o

modelo existente de elevada participação estatal e proteção tarifária.

Na verdade, iniciou-se processo de abertura comercial e financeira do país, o

que abriu espaço para as privatizações. Silva (2011) expõe o fato de que, apoiado

pelo contexto internacional e insatisfação popular com alguns serviços estatais, o

governo federal deu início ao processo de privatização de empresas estatais a partir

do Programa Nacional de Desestatização (PND), em 1990, através da Lei 8.031/90.

O PND fora criado tendo em vista objetivos fiscais e de estabilização do balanço de

pagamentos através da captação de recursos internacionais, sendo os fundos

originados deste processo geridos pelo BNDES. Apesar de Gomes et al. (2002)

colocarem esta lei como importante marco para o novo modelo do setor, as

privatizações no setor elétrico só vieram a ocorrer a partir de 1995.

Também alterações significativas ocorriam diretamente no setor elétrico.

Gomes et al. (2002) destacam como condição prévia para que se implementasse o

novo modelo do setor a desverticalização da cadeia produtiva, separando as

atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia

elétrica, que passaram a ser tratadas como segmentos de negócio independentes.

Com o funcionamento de mercado baseado em empresas altamente verticalizadas,

chamadas empresas de ciclo completo, seria difícil promover transparência e

regulação eficientes (SILVA, 2011). O novo modelo iria, então, na direção da

desregulação da geração e comercialização, enquanto transmissão e distribuição

seguiriam tratadas como serviço público regulado, dada a natureza de monopólio

natural.

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O primeiro passo para atender a condição prévia indicada por Gomes et al.

(2002) foi dado com a aprovação da Lei 8.631/93, que, ao estabelecer duas tarifas de

energia elétrica, permitiu o início do processo de desverticalização. Ferreira (2000)

afirma que a nova fórmula para fixação das tarifas seria baseada na estrutura de

custos das empresas e os reajustes tarifários seriam de responsabilidade de cada

concessionária. Este autor distingue ainda as tarifas de suprimento e de fornecimento.

Enquanto a primeira seria o índice cobrado pelas geradoras às empresas de

distribuição, incluindo a utilização das linhas de transmissão, a segunda trataria da

cobrança das distribuidoras ao consumidor final, sendo diferente para cada setor e

quantidade de energia consumida. Foi, aliás, a partir de tal distinção que se

possibilitou a criação dos dois ambientes de comercialização de energia elétrica que

se tem na atualidade, como será tratado mais à frente.

O processo de reestruturação do sistema elétrico brasileiro esteve baseado no

princípio de que a eficiência no setor seria assegurada pela competição, onde

possível, e regulamentação, onde necessária (SILVA, 2011). Fica evidente a grande

transformação de direcionamento do modelo institucional, antes baseado na

cooperação entre os agentes, conforme mencionado anteriormente.

No entanto, a efetiva reestruturação do modelo foi iniciada apenas a partir da

segunda metade da década de 1990, quando um complexo arcabouço regulatório

começou a ser desenhado para sustentar o funcionamento do novo padrão de

concorrência no setor (SILVA, 2011). O novo modelo institucional do setor elétrico

brasileiro seria estabelecido pelo projeto RE-SEB, a partir de 1996, e tinha, conforme

afirma Cuberos (2008), como premissas básicas assegurar a eficiência econômica do

setor e a expansão da oferta de energia.

A segregação das atividades do setor abriu espaço para a introdução de um

novo agente, o comercializador de energia. Este poderia comprar e vender energia

sem necessariamente possuir empreendimento de geração ou consumo, apenas

representando agentes de mercado. De modo a viabilizar a comercialização, agentes

de transmissão e distribuição deviam permitir livre acesso aos demais agentes,

considerando exigências e níveis mínimos de qualidade segundo regulamentação

vigente. O principal papel do agente comercializador no novo modelo passou a ser o

de fomentar transações entre os agentes, proporcionar liquidez ao mercado e atuar

como facilitador das transações (SILVA, 2011).

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Além disso, o novo modelo quebrou as reservas geográficas de mercado ao

permitir que agentes interagissem com outros agentes de quaisquer lugares atendidos

pelo sistema integrado nacional. Nesse contexto, distribuidoras passaram a poder

comprar energia de geradores em regiões geográficas distintas e grandes

consumidores também passariam a poder comprar energia em mercado não regulado,

o que significa que poderiam comprar energia diretamente de gerados. Era o

surgimento do chamado mercado livre de energia, regulamentado pela Lei 9.074/95,

que criara o Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE) – posteriormente chamado

Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). A criação do MAE ocorreu

com o intuito de promover a concorrência ao instituir um ambiente propício à formação

de preços e para sinalização de oportunidades de investimentos (CORREIA ET AL,

2006). Neste ambiente de negociação, as tarifas de energia elétrica passaram a ser

estabelecidas por meio de negociações bilaterais entre agente, enquanto as tarifas

continuaram a ser reguladas para os chamados consumidores cativos. A estrutura

padrão do setor após as reformas implementadas é representado na Figura I-.

Figura I-3 - Estrutura padrão do setor pós-reformas.

Fonte: Esposito (2010)

Cuberos (2008) comenta ainda a criação do Operador Nacional do Sistema

(ONS), responsável pela programação, operação e despacho da geração elétrica no

Sistema Interligado nacional, absorvendo as atividades sob coordenação do GCOI.

Segundo Ferreira (2000), este órgão foi projetado para manter os benefícios técnicos

do sistema centralizado de despacho, ao mesmo tempo que permitiria a

descentralização da propriedade dos ativos. Atuando como órgão independente, o

ONS teria neutralidade sob a supervisão do órgão regulamentador. O autor destaca

ainda o surgimento do produtor independente de energia elétrica, autorizado a vender

energia a consumidores livres, à época definidos como aqueles com carga superior a

10 MW e voltagem utilizada de pelo menos 69 KV.

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Ademais, o novo modelo institucional do setor demandou mudanças no

ambiente regulatório. Então, em 1996, a Agência Nacional de Energia Elétrica

(ANEEL) é criada em substituição ao Departamento Nacional de Aguas e Energia

Elétrica, estando vinculado ao MME. Este órgão autônomo tem como principais

atribuições regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização

de energia elétrica, além de responsabilizar-se por outorga de concessões e por

estimular a competição e uso eficiente de energia elétrica pelos agentes.

O maior dinamismo e competição no mercado foi promovido a partir da inserção

desses novos agentes. O objetivo era que o modelo institucional deveria promover o

equilíbrio de um sistema capaz de possibilitar ganhos de mercado para os

consumidores através da competição entre os agentes, enquanto a regulação atuaria

para coibir abusos nos segmentos em que os monopólios regionais seriam mantidos

(transmissão e distribuição). A Figura I-4 apresenta o modelo de comercialização de

energia no RE-SEB, enquanto a Figura I-5 apresenta os três pilares do modelo

proposto.

Figura I-4 - Modelo de comercialização de energia no RE-SEB.

Fonte: Silva (2011, p. 85).

85

Figura 3 - Modelo de comercialização de energia no RE-SEB

Fonte: Elaboração própria, adaptada de Ramos (2011).

Com todas essas alterações, o mercado ficou mais dinâmico e competitivo. Silva (2008) apud

Ramos (2008) aponta que o processo de reestruturação do sistema elétrico brasileiro estava

baseado no princípio de que “a eficiência no setor elétrico será assegurada através da

competição, onde possível, e da regulamentação, onde necessária”.

Nesse processo, o modelo proposto, mais aberto e competitivo, tinha seu funcionamento

apoiado em três pilares principais:

Figura 4 - Os três pilares do modelo RE-SEB

Fonte: Ramos (2011).

O novo modelo institucional deveria promover o equilíbrio de um sistema no qual, sempre

que possível, a competição entre agentes permitisse ganhos de mercado para o consumidor

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Figura I-5 - Pilares do modelo RE-SEB.

Fonte: Silva (2011, p. 85).

Em paralelo às transformações diretas no setor elétrico, o governo federal

criava também o arcabouço legal que regulamentava as concessões, através da

aprovação da Lei Geral de Concessões, a Lei 8.987/95, e da Lei 9.074/95, que

versava especificamente sobre concessões no setor elétrico. Esta teve caráter

complementar aos critérios da lei geral para licitação e concessão relativas às

atividades de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Ao estabelecer

o regime de concessão e permissão da prestação de todos os serviços públicos nos

três níveis da federação, a nova legislação criara a estrutura necessária para que os

processos de privatização das estatais elétricas ocorressem (SILVA, 2011). No

entanto, este mesmo autor comenta sobre a criação de dificuldades técnicas e

políticas ao avanço do processo, em especial pela oposição congressista à cessão

das empresas estatais para o setor privado.

É interessante observar que as primeiras privatizações do setor elétrico pelo

governo federal ocorreram no segmento de distribuição. Tais inciativas foram os

leilões de privatização da Light e da Escelsa, ambas estatais controladas pelo governo

federal, sendo seguidas pela privatização da Cerj, concessionária de distribuição de

energia do estado do Rio de Janeiro (FERREIRA, 2000).

Em consonância com o movimento em âmbito federal, os estados passaram a

enxergar a privatização como saída viável para as concessionárias em dificuldades

financeiras. A crônica falta de caixa dos governos estaduais configurou ímpeto

adicional para a privatização em nível estadual (FERREIRA, 2000). Para tal, os

85

Figura 3 - Modelo de comercialização de energia no RE-SEB

Fonte: Elaboração própria, adaptada de Ramos (2011).

Com todas essas alterações, o mercado ficou mais dinâmico e competitivo. Silva (2008) apud

Ramos (2008) aponta que o processo de reestruturação do sistema elétrico brasileiro estava

baseado no princípio de que “a eficiência no setor elétrico será assegurada através da

competição, onde possível, e da regulamentação, onde necessária”.

Nesse processo, o modelo proposto, mais aberto e competitivo, tinha seu funcionamento

apoiado em três pilares principais:

Figura 4 - Os três pilares do modelo RE-SEB

Fonte: Ramos (2011).

O novo modelo institucional deveria promover o equilíbrio de um sistema no qual, sempre

que possível, a competição entre agentes permitisse ganhos de mercado para o consumidor

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governos estaduais iniciaram seus próprios programas de privatização, cujos leilões

foram realizados entre 1995 e 2000 são apresentados no Quadro I-2.

Quadro I-2 - Privatizações de distribuidoras de energia elétrica entre 1995 e 2000.

Fonte: BNDES (2001) apud Silva (2011).

Ferreira (2000) afirma ainda que privatizar as empresas de distribuição foi um

passo crucial para destravar o processo de privatização das geradoras e viabilizar

projetos de produtores independentes, uma vez que existia no mercado uma

percepção de inadimplência das distribuidoras estatais, o que desencorajava

83

Tabela 14 - Privatizações realizadas de concessionárias de energia elétrica a partir de 1995

Fonte: Rego (2007) apud BNDES (2001).

Com as privatizações e desverticalização de empresas, foram intensificados os mecanismos de

competição no mercado de energia elétrica.

Edital Leilão

1 Escelsa ES 11/07/1995 77 320 358 12 Iven (52,5%), GTD (25%)

2 Light RJ 21/05/1996 50 2.217 2.217AES (11,35%), Houston (11,35%), BNDESPar (9,14%),

CSN (7,25%), EDF (11,35%)

3 Ampla (CERJ) RJ 20/11/1996 70 465 605 30Enersis (21,5%), Chilectra (20,66%), Endesa (7,03%),

EDP (21,08%)

4 Coelba BA 31/07/1997 71 976 1.731 77 Guaraniana (65,64%), Coelbinvest (5,5%)

5 CDSA GO 05/09/1997 79 543 780 43 Endesa (60%), Edgel (20%), Fundos (20%)

6 RGE (CEEE) RS 21/10/1997 91 895 1.635 83VBC (30,25%), Community Energy Alternatives

(30,25%), Previ e Fundos do BB (30,25%)

7 AES Sul RS 21/10/1997 91 780 1.510 94 AES (90,91%)

8 CPFL SP 05/11/1997 58 1.772 3.015 70VBC (26,16%), Previ (21,89%), Bonaire Participações

(9,61%)

9 Enersul MS 19/11/1997 84 340 626 84Magistra Particip. (Escelsa) (76,53%), Empregados e

Fundo de Pensão (7,68%)

10 Cemat MT 27/11/1997 96 321 392 22 Vale do Paranapanema (55,76%), Inepar (30,03%)

11 Energipe SE 03/12/1997 82 294 577 96 Cataguazes-Leoppoldina (85,7%)

12 Cosern RN 12/12/1997 80 390 676 74Coelba (50,3%), Guaraniana (Previ, Iberdrola, BBI,

Fundo Price BB e Brasil Cap.) (25,16%), Uptik SA

(4 74%)

13 Coelce CE 02/04/1998 85 776 987 27Distri luz Ltda (Por Ensesa AS, CERJ, Interocean

Developments Inc. e Esteimar Holding AS.) (84,59%)

14Eletropaulo

(Metropolitana)SP 15/04/1998 75 2.027 2.027 Lightgás (Empresa pertencente à Light) (74,88%)

15 Celpa PA 09/07/1998 55 450 450QMRA - Participações SA. (composta pelos Grupos

Rede e Inepar) (54,98%)

16 Elektro SP 16/07/1998 90 744 1.479 99Terrapo Partic. (Enron Brazil Power Holdings V. Ltd e

Enron Brazil Power Investments V Ltda) (90%)

17 Geresul SC 15/09/1998 77 998 998 Tractebel (50%), BNDESPar (15%), União (12%)

18 Bandeirante SP 17/09/1998 75 1.015 1.015Enerpaulo Ltda (EDP - Electric. de Portugal SA) e

Draft Particip. SA (CPFL, contr. p/ VBC Energia)

19CESP

ParanapanemaSP 28/07/1999 71 652 1.239 90 Duke Energy (100%)

20 CESP Tietê SP 27/10/1999 61 722 938 30 AES (100%)

21 CELB PB 30/11/1999 87 87 87PB Part LTDA (Controlada pela Energipe que é

controlada pela Cataguazes-Leopoldina)

22 Celpe PE 17/02/2000 80 1.781 1.781Guaraniana (Iberdrola 60,93%, Previ 17,92% e BB

Investimentos 10,75%)

23 Cemar MA 15/06/2000 86 553 553 Pensylvania Power Light (PP%L)

24 Saelpa PB 30/11/2000 75 363 363 Cataguazes-Leopoldina (100%)

ARRECADAÇÃO TOTAL 19.481 26.038 34

Ágio (%) Controladores na data do leilãoN Empresa UF Data Venda% Ações

Ordinárias

Valores de Referência

em R$ milhões

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investimento privado nos segmentos a montante. O autor chama atenção ainda para

a grande participação de capital estrangeiro entre os vencedores dos leilões, bem

como para a participação de fundos de pensão em consórcios vencedores.

Novas medidas de aprimoramento da estrutura legal do setor elétrico foram

tomadas durante os anos de 1999 e 2000, no sentido de reforçar os objetivos

idealizados pelo RE-SEB, sobretudo de promoção da modicidade tarifária, expansão

do parque gerador e transferência à iniciativa privada da responsabilidade por novos

investimentos (CUBEROS, 2008). Gomes et al. (2002) destacam algumas destas

medidas, dentre as quais merecem destaque o estabelecimento de limites à

concentração econômica dos agentes privados, a regulamentação do livre acesso aos

sistemas de transmissão e distribuição para agentes de geração e consumidores livres

e o estabelecimento de valores normativos para celebração de contratos de longo

prazo (power purchase agreements - PPA).

Silva (2011) destaca ainda que, em paralelo, reformas no campo econômico

durante o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso traziam o país

de volta a uma trajetória de crescimento. Ocorre que o ano de 2001 foi marcado por

fator exógeno às premissas adotadas no processo de reestruturação que se

empreendera, o que prejudicou o funcionamento do sistema (CUBEROS, 2008). O

racionamento de energia elétrica foi a primeira medida implementada como resposta

à crise no fornecimento de energia elétrica pela qual passava o país. Segundo este

autor, a maior parte das causas relativas à crise estavam relacionadas às

transformações estruturais implementadas. Cuberos (2008) acrescenta a ineficácia

dos mecanismos de incentivo ao investimento privado no setor, a situação deficitária

em que os agentes privados assumiram as concessionárias e ainda o papel

secundário assumido pelo planejamento do sistema de transmissão por parte do

governo.

Correia et al. (2006) comentam que a situação financeira crítica das

concessionárias estatais e problemas fiscais do Estado brasileiro haviam demandado

uma reforma radical e rápida transição entre o modelo centralizado e a liberalização

da indústria elétrica. Segundo os autores, a condução de toda esta transformação

contribuiu para o colapso da oferta de eletricidade, uma vez que teria sido

subestimada a complexidade da transição e negligenciada peculiaridades do sistema

elétrico nacional que aumenta consideravelmente o poder dos agentes de mercado e

restringem o grau de competição real.

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Esposito (2012) ressalta ainda a inversão da sequência natural da privatização

no Brasil como um fator contribuinte para os modestos investimentos. O autor expõe

o fato de que as privatizações no setor elétrico tiveram início antes mesmo das

transformações institucionais que o novo modelo previa, iniciadas apenas em 1996,

com a criação da ANEEL, e que perdurariam até o início dos anos 2000.

Sob a ótica das distribuidoras, o racionamento de energia impôs novas

restrições. A obrigatoriedade de reduzir o consumo de energia modificara

significativamente o padrão e os hábitos de consumo dos brasileiros, o que implicou

redução de receita para as concessionárias. As empresas passaram, então, por uma

crise de liquidez e prejuízos operacionais, dado que não tinham liberdade de ajuste

de tarifa, tampouco de redução de custos em razão da obrigação de continuar a

prestação de serviços previstos na concessão. O reequilíbrio econômico-financeiro foi

buscado através do Acordo Geral do Setor Elétrico, em 2002, ao estabelecer a

Recomposição Tarifária Extraordinária (RTE).

Em tal contexto, o Brasil iniciou, a partir de 2002, o que Correia et al. (2006)

chamaram de contrarreforma do setor elétrico brasileiro. Buscou-se, com isso, a

estruturação de um modelo institucional capaz de equilibrar a convivência dos capitais

público e privado em um ambiente competitivo, o que, de certa forma, representou um

recuo em alguns pontos.

O Novo Modelo (a partir de 2004)

Um novo arcabouço legal foi, então, estruturado para que as alterações no

modelo institucional pudessem ser implementadas, sendo as Leis 10.847/04 e

10.848/04 responsáveis pela consolidação regulatória do novo paradigma institucional

(CORREIA ET AL, 2006). O principal ponto do novo modelo foi a maximização da

segurança do suprimento e a universalização do acesso, em harmonia com as

premissas da eficiência econômica expressa pelo princípio de modicidade tarifária. O

foco principal das alterações no novo marco regulatório era o chamado ambiente de

contratação regulada.

Segundo a nova segmentação do mercado atacadista, implementada pelo

novo marco legal, a comercialização de energia elétrica passou a contar com dois

ambientes de negociação: o Ambiente de Contratação Regulada - ACR, com agentes

de geração e de distribuição de energia; e o Ambiente de Contratação Livre - ACL,

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com geradores, distribuidores, comercializadores, importadores e exportadores, além

dos consumidores livres e especiais (CCEE, 2016), conforme pode ser observado na

Figura I-6, que apresenta a nova segmentação do mercado atacadista de energia

elétrica. Além disso, o mercado de curto prazo passou a ser conhecido como mercado

de diferenças, em que ajustes entre volumes contratados e demandados são

realizados para fechamento do balanço energético dos agentes.

Figura I-6 - Organização do mercado varejista de energia elétrica.

Fonte: Esposito (2010).

Objetivando atender à premissa de universalização do acesso à energia

elétrica que dava base ao novo modelo, institui-se em 2003 o Programa Nacional de

Universalização do Acesso e Uso da Energia Luz para Todos – Programa Luz para

Todos. O programa, coordenado pelo MME, com a participação da Eletrobrás e suas

controladas e gestão compartilhada entre estados, municípios, agentes do setor

elétrico, objetiva levar, até 2008, energia elétrica a 12 milhões de brasileiros não

atendidos pelo serviço, dos quais 10 milhões residentes na área rural.

Correia et al. (2006) afirmam que o novo modelo perseguiu a modicidade

tarifária por mecanismos mais eficientes de negociação, dentre os quais os autores

chamam atenção para a formação de um pool entre distribuidores que atuariam como

comprador único nos leilões públicos de energia. A ideia, conforme comentam os

autores, seria de obter ganhos de escala e de barganha para favorecer consumidores

cativos, ao mesmo tempo em que se reduzia o risco individual dos geradores.

Neste contexto, tem destaque a criação da Câmara de Comercialização de

Energia Elétrica (CCEE) em substituição ao MAE (SILVA, 2011). Ficara determinado

que todos os contratos de energia elétrica deveriam ser registrados e contabilizados

e, assim, houve a necessidade de criação de um ambiente onde a contabilização e

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liquidação financeira dos contratos de curto prazo pudessem ocorrer. Esta passou a

ser a atribuição da CCEE, composta pelos agentes de mercado do setor.

Para a efetiva operacionalização das mudanças propostas, Cuberos (2008)

apresenta a necessidade de criação de novas instituições e redefinição de funções

entre órgãos já existentes. Dentre as principais mudanças, merece destaque a criação

da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), com o intuito de retomar o planejamento

setorial integrado e centralizado pelo Estado, e do Comitê de Monitoramento do Setor

Elétrico, cuja função abrange os mecanismos de acompanhamento das condições de

oferta e demanda do sistema (CORREIA ET AL, 2006). A nova organização

institucional do setor elétrico é apresentada pela Figura I-7.

Figura I-7 - Instituições no novo modelo do setor elétrico.

Fonte: CCEE (2016).

A partir das mudanças implementadas, Walvis (2014) argumenta que o modelo

institucional que se observa no Brasil desde 2004 é uma aproximação do modelo de

competição monopsônio, ou de single buyer. A autora comenta que, no ambiente

regulado, a concorrência na geração se dá por meio da atuação de uma única agência

compradora, a partir do pool de compradores participantes dos leilões de compra de

energia, que estabelece um preço máximo para a compra. Pradini (2014) destaca que

cabe à agência comercializadora, no caso brasileiro a CCEE, aplicar às distribuidoras

uma tarifa que reflita os custos marginais de curto prazo para a remuneração da carga

contratada, gerando o chamado PLD, ou preço de liquidação das diferenças, utilizado

pela CCEE para contabilização e liquidação das contratações de energia.

Walvis (2014) comentam ainda que, ao instituir o ACL, as reformas do setor

elétrico incorporam neste ambiente de contratação características do modelo de

competição no atacado. A principal diferença em relação ao modelo anterior é que a

competição na geração é obtida através de um mercado onde vários compradores

podem atuar, uma vez que a ideia do modelo está baseada na existência de

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produtores independentes que podem acessar a rede de transmissão e oferecer,

através de contratos de longo, ou a preços de curto prazo, energia aos grandes

consumidores e distribuidoras reguladas. Estas ultimas tem o monopólio de venda

para pequenos consumidores, chamados cativos.

Esposito (2010) aponta a retomada do papel de investidor para a Eletrobrás,

enquanto o BNDES se consolidou como financiador dos investimentos em expansão

do setor, em especial dada as modificações no marco regulatório com uma melhor

alocação de riscos na modalidade project finance. O autor comenta ainda que a

inflexão na trajetória da Eletrobrás perante o setor pode ser observada também a partir

das parcerias que suas subsidiárias e demais empresas estatais estaduais passaram

a construir com agentes privados, principalmente no tocante à projetos de geração.

Assim, em 2008, a Lei 11.651/08 ampliou o campo de atuação da holding federal,

permitindo participações majoritárias em novos empreendimentos no setor elétrico e

flexibilizando sua atuação em negócios no exterior.

Novos ajustes setoriais foram realizados ao longo dos anos subsequentes, a

partir de mudanças conjunturais do setor. Merece destaque a instituição do Fundo de

Garantia a Empreendimentos de Energia Elétrica, e a regulamentação das regras para

a integração dos sistemas isolados ao Sistema Interligado Nacional.

Para consolidar a narrativa do processo de evolução e institucionalização do

setor elétrico brasileiro tal qual exposto até o momento, o leitor pode observar o

Quadro I-3, que apresenta comparativo entre os modelos institucionais que se

estabeleceram no Brasil ao longo a evolução do setor.

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Quadro I-3 - Comparativo dos modelos institucionais do setor elétrico brasileiro.

Fonte: CCEE (2016).

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ANEXOS

ANEXO I – Estrutura organizacional Celpe e operações

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ANEXO II – Estrutura Organizacional ABC Engenharia e FF Engenharia

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