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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY / DEMI ESCOLA DE ENFERMAGEM DA UFBA / DECOM PROGRAMA DE QUALIFICAÇÃO INSTITUCIONAL-PQI/CAPES O PROCESSO DE TRABALHO HOSPITALAR NA ASSISTENCIA À MULHER NO PARTO NORMAL - uma visão multiprofissional Isa Maria Nunes Rio de Janeiro - RJ 2005

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY / DEMI

ESCOLA DE ENFERMAGEM DA UFBA / DECOM

PROGRAMA DE QUALIFICAÇÃO INSTITUCIONAL-PQI/CAPES

O PROCESSO DE TRABALHO HOSPITALAR NA ASSISTENCIA

À MULHER NO PARTO NORMAL - uma visão multiprofissional

Isa Maria Nunes

Rio de Janeiro - RJ

2005

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Isa Maria Nunes

O PROCESSO DE TRABALHO HOSPITALAR NA ASSISTENCIA

À MULHER NO PARTO NORMAL - uma visão multiprofissional

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna

Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro,

como parte dos requisitos necessários à obtenção

do título de Doutora em Enfermagem, através do

Programa de Qualificação Interinstitucional / PQI /

CAPES.*

Orientadora: Profa. Dra. Maria Aparecida Vasconcelos Moura Co-orientadora: Profa. Dra. Silvia Lúcia Ferreira

Rio de Janeiro - RJ

2005

* Apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq.

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Nunes, Isa Maria O processo de trabalho hospitalar na assistência à mulher no parto normal: uma visão multiprofissional / Isa Maria Nunes. - Rio de Janeiro: UFRJ / Escola de Enfermagem Anna Ney, 2005. xi, 149f.; 31 cm Orientadoras: Maria Aparecida Vasconcelos Moura e Silvia Lúcia Ferreira Tese (doutorado) – UFRJ / Escola de Enfermagem Anna Nery, Programa de Pós-graduação e Pesquisa, 2005. Referências bibliográficas: f. 145 – 157 1.Trabalho. 2.Parto. 3.Saúde da mulher 4.Discurso I. Moura, Maria Aparecida Vasconcelos. II. Ferreira, Silvia Lúcia. III. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Enfermagem Anna Nery, Programa de Pós-graduação em Enfermagem IV. Título. CDD 610.73

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O PROCESSO DE TRABALHO HOSPITALAR NA ASSISTENCIA À MULHER NO PARTO NORMAL: uma visão multiprofissional.

Isa Maria Nunes

Orientadora: Profa. Dra. Maria Aparecida Vasconcelos Moura

Co-orientadora: Profa. Dra. Silvia Lúcia Ferreira

Relatório final da tese, apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutora em Enfermagem, através do Programa de Qualificação Interinstitucional / PQI / CAPES. Aprovada em ___/___/____ por: _____________________________________________________________________

Presidente: Profª Drª Maria Aparecida Vasconcelos Moura - Orientadora Escola de Enfermagem Anna Nery / UFRJ

Profº Drº Antenor Amâncio Filho – 1º Examinador

Escola Nacional de Saúde Pública / FIOCRUZ

______________________________________________________________________ Profa. Dra. Silvia Lúcia Ferreira – 2ª Examinadora

Escola de Enfermagem / UFBA

Profª Drª Ivis Emília de Oliveira Souza – 3ª Examinadora Escola de Enfermagem Anna Nery / UFRJ

_____________________________________________________________________

Profª Drª Maria Antonieta Rubio Tyrrell – 4ª Examinadora Escola de Enfermagem Anna Nery / UFRJ

_____________________________________________________________________

Profª Drª Rosângela da Silva Santos - Suplente Escola de Enfermagem Anna Nery / UFRJ

____________________________________________________________________

Profª Drª Gertrudes Teixeira Lopes - Suplente Faculdade de Enfermagem / UERJ

Rio de Janeiro - RJ Dezembro / 2005

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu querido

filho Daniel, e à pequenina Francine, minha

sobrinha. A Dan, que reclamou muito da minha

falta de tempo e da indisponibilidade do

computador; que vivenciou comigo todas as fases

do curso de doutorado, enfrentando, com alegria,

a mudança de cidade, do colégio, dos amigos e

terminou adorando morar no Rio de Janeiro. À

linda e bem vinda Francine, que chegou para nos

fazer lembrar do milagre da vida, da beleza do

nascimento e da força transformadora da

reprodução.

Com muito amor de mãe e de tia!

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AGRADECIMENTOS

À DEUS, que me acompanha desde sempre e m Cujas mãos seu me seguro e vou...

Aos meus pais Francino e Ivete, pelo apoio e pelas demonstrações de amor inesgotável,

além do exemplo de retidão e perseverança;

À minha irmã Cristiane que além da amizade e do carinho, tornou-se cúmplice

preparando a chagada de Francine, enquanto eu produzia a tese;

A Professora Doutora Maria Aparecida Vasconcelos Moura, orientadora, que facilitou

a minha trajetória abrindo possibilidades, sempre com manifestações de interesse,

solidariedade e carinho que só encontramos em pessoas especiais.

À Professora Doutora Silvia Lúcia Ferreira, co-orientadora atenciosa e disponível

para acompanhar o meu crescimento como mulher e pesquisadora;

Às(os) componentes da Banca Examinadora que aceitaram o convite e debruçaram-se

sobre o produto final com interesse em torná-lo melhor;

À direção da maternidade estudada, que abriu as portas, às(os) profissionais depoentes

ou não, que me acolheram sem dificuldade, facilitando a concretização da pesquisa;

Ao corpo docente da pós-graduação da escola de Enfermagem Anna Nery e professores

(as) do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil, pelo acolhimento ao longo do

curso, em especial as Professoras Maria Antonieta Rubio Tyrrell, Ivis Emília de

Oliveira Souza e Rosângela da Silva Santos;

Aos funcionários (as) da pós-graduação da EEAN, com destaque para a Sonia Xavier e

Jorge Anselmo pela infinita simpatia e seriedade frente às minhas demandas;

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Ao Departamento de Enfermagem Comunitária – DECOM da Escola de Enfermagem

da UFBA e às demais professoras da área de Saúde da Mulher, pela garantia do meu

afastamento e respeito à liberação das atividades docentes;

Às colegas e amigas Enilda, Mariza e Mirian, pelo apoio incondicional e

compartilhamento dos desafios, e à comadre Jeane por tudo isto e algo mais....;

Ao Grupo de Estudos sobre Saúde da Mulher – GEM/EEUFBA, por representar

importante espaço de aprendizado e de reforço teórico e metodológico para quem deseja,

como eu, compartilhar conhecimentos;

Ás estudantes Mina Rocha e Juliana, voluntárias do GEM, que se ocuparam me

ajudando e aprendendo junto. A Mina que já nasceu especial e, quiçá por isto mesmo,

demonstrou espontânea afinidade com a temática;

À amiga Rita Batista, companheira dos momentos felizes e também das dificuldades

frente ao desafio de residir na Cidade Maravilhosa e por contribuir para a adaptação

da minha família;

A Joelma (Jô) que assumiu os afazeres domésticos e a maior parte dos cuidados com o

meu filho permitindo, que eu mergulhasse nas atividades relativas ao curso;

À Coordenação de Aperfeiçoamento e Pesquisa – CAPES que, através do Programa de

Qualificação Inter-institucional (PQI) garantiu a bolsa de estudo ao longo do curso.

A bibliotecária da EEAN, Lúcia Marina B. de F. Rodrigues, pela ajuda na

normalização final da tese.

Minha gratidão e afeto!

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O PROCESSO DE TRABALHO HOSPITALAR NA ASSISTENCIA À MULHER NO PARTO NORMAL - uma visão multiprofissional

Isa Maria Nunes

Orientadora: Profa. Dra. Maria Aparecida Vasconcelos Moura

Co-orientadora: Profa. Dra. Silvia Lúcia Ferreira

Resumo da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de pós-graduação em

Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de

Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutora em

Enfermagem, através do Programa de Qualificação Interinstitucional / PQI / CAPES. Esta tese estuda o processo de trabalho de profissionais de saúde na assistência à mulher no parto normal no ambiente hospitalar. Os objetivos foram: analisar como se configura o processo de trabalho no atendimento à mulher no parto normal hospitalar e discutir as implicações desse processo no atendimento à mulher no parto normal hospitalar. O referencial teórico utilizado foi fundamentado nos conceitos e nas características do trabalho em saúde, com destaque para Ricardo Bruno Mendes Gonçalves, cujas concepções estão baseadas no pensamento Marxista. A pesquisa foi de natureza qualitativa descritiva e teve como referencial metodológico o materialismo histórico-dialético. O campo empírico foi uma maternidade pública da cidade de Salvador-Bahia. Os sujeitos do estudo foram dezessete profissionais de saúde das seguintes categorias: auxiliar de enfermagem, enfermeira, nutricionista, assistente social médico, bioquímico e técnico de laboratório, que atuam no centro obstétrico da instituição. As técnicas utilizadas foram a entrevista semi-estruturada e a observação participante, orientadas por roteiros específicos. Os dados foram organizados utilizando-se a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo, que consiste na reunião, num só discurso-síntese homogêneo, redigido na primeira pessoa do singular, de expressões-chaves, que tem a mesma idéia central. A análise das respostas permitiu a elaboração de Discursos do Sujeito Coletivo descrevendo: as finalidades do trabalho; os meios/instrumentos utilizados; as facilidades e dificuldades encontradas; as características das parturientes. As finalidades são dirigidas tanto aos próprios profissionais quanto às mulheres assistidas, sendo utilizados meios/instrumentos de ordem material e não material, incluindo o componente relacional com as parturientes e no interior da equipe. Confirmou-se a contradição desse processo que produz satisfação e sofrimento e que renova o conhecimento prático dos profissionais. Identificou-se ainda a visão construída sobre as mulheres e o próprio trabalho e a evolução histórica da instituição que implicam no potencial alienante e transformador do processo de trabalho na realidade estudada. Palavras-chave: Processo de trabalho em saúde. Assistência ao parto. Discurso do Sujeito Coletivo.

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THE PROCESS OF WORK IN WOMEN’S ASSISTANCE IN HOSPITAL DELIVERIES – A MULTIPROFESSIONAL VIEW

Isa Maria Nunes

Orientadora: Profa. Dra. Maria Aparecida Vasconcelos Moura

Co-orientadora: Profa. Dra. Silvia Lúcia Ferreira

Abstract of the Doctorate thesis presented at the Nursing post graduation Program at

Anna Nery Nursing School at the Federal University of Rio de Janeiro as part of the

necessary requirements to obtain the PhD degree in Nursing through the Program of

interinstitutional qualifications /PQI/CAPES.

This thesis studies the process of work of Health professionals in the assistance of women giving natural birth in the hospital environment .The aims of this thesis were: to analyze how the process of work is in the attendance of women who are going to have natural delivery in a hospital and to discuss the implications of such process in the attendance of women at this place. The theoretical reference was founded in the concepts and characteristics of work in health, highlighting Ricardo Bruno Mendes Gonçalves, whose conceptions are based in the Marxist thought. This research was qualitative descriptive and it had as methodological reference the Dialectical and historical materialism. The empirical field was a public maternity in the city of Salvador-Bahia. The subjects of the study were seventeen health professionals belonging to the following categories: Nurse auxiliary, Nurse, nutritionist, social assistant, doctor, biochemical and a lab technician that work at the obstetrics center at the institution .The techniques used were semi-structured interview and participant observation, both were oriented by specific scripts. The data were organized through collective subject discourse and techniques that consisted in the reunion of a single homogeneous discourse, written in the first person with key words that have the same central idea. The analysis of the discourse allowed the elaboration of Discourses of The collective subjects who described: the work purpose, the means and tools that were used, the easiness and difficulties found in the work area and the characteristics of pregnant women. The purposes are directed not only to the professionals themselves but also to the women attended in that institution. There were used material and non- material means and tools, including the relational component with the pregnant women inside the group. The contradictory movement of this process was confirmed, which produces suffering and satisfaction and renews the practical knowledge of the professionals.It was also identified the view built about women and about the work and historical evolvement of the institution which implies in the alienating and transforming potential in the process of work in the studied reality. Key words: Process of work in Health. Delivery assistance. Collective subject discourse.

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EL PROCESO DE TRABAJO HOSPITALAREN LA ASISTENCIA A LA MUJER EN EL PARTO NORMAL : una visión multiprofesional

Isa Maria Nunes

Orientadora: Prof. Dra. Maria Aparecida Vasconcelos Moura

Co-Orientadora: Prof. Dra. Silvia Lucia Ferreira

Resumen de la Tesis de Doctoramiento presentada al programa de postgrado en Enfermería de la Escuela de Enfermería Anna Nery de la Universidad Federal de Rio de Janeiro, como parte de los requisitos necesarios para la obtención del título de Doctora en Enfermería, a través del Programa de Cualificación Interinstitucional / PQI / CAPES. La tesis estudia el proceso de trabajo de los profesionales de la salud en la asistencia a la mujer en el parto normal en el ambiente hospitalario. Los objetivos fueron: Analizar como se configura el proceso de trabajo en el atendimiento a la mujer en el parto normal hospitlario y discutir las implicaciones de ese referido proceso. El referencial teórico utilizado fue fundamentado en los conceptos y en las características del trabajo en la salud, con destaque para Ricardo Bruno Mendes Gonçalves, cuyas concepciones estan baseadas en el pensamiento Marxista. La investigación fue de naturaleza cualitativa descriptiva y tuvo como referencial metodológico el materialismo histórico dialéctico. El campo empírico fue una maternidad pública de la ciudad de Salvador- Bahia. Los sujetos del estudio fueron diecisiete profesionales de la salud de las siguientes categorias: Auxiliar de enfermería, enfermera, nutricionista, asistente social médico, bioquímico y técnico en laboratorio que actuan en el centro obstétrico de la institución. Las tecnicas utilizadas fueron la entrevista semiestructurada y la observación participante, orientada por roteros específicos. Los datos fueron organizados utilizandose la técnica del Discurso del Sujeto Colectivo, que consiste en la reunión, en un solo discurso/síntesis homogéneo, redigido en la primera persona del singular, de expresiones claves que tienen la misma idea central. El analísis de los discursos permitió la elaboración de Discursos del Sujeto Colectivo que describieron las finalidades del trabajo; los medios/instrumentos utilizados; las facilidades y dificultades encontradas; las características de las parturientas. Las finalidades son dirigidas tanto para los propios profesionales cuanto para las mujeres asistidas, siendo utilizados medios/instrumentos de orden material y no material, incluyendo el componente relacional con las parturientas y en el interior del equipo. Se confirmó el movimiento contradictorio de ese proceso que produce satisfacción y sufrimiento y que renueva el conocimiento práctico de los profesionales, Se identificó, aún, la visión construida sobre las mujeres y sobre el próprio trabajo y la evolución histórica de la institución que implican en el potencial alienante y transformador del proceso de trabajo en la realidad estudiada. Palabras-clave: Proceso de trabajo en la salud. Asistencia al parto. Discurso del sujeto colectivo.

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SUMÁRIO

p.

RESUMO ABSTRACT RESUMEN

CAPÍTULO I - CONSIDERAÇÕES INICIAIS 12

1.1. Trajetória profissional e aderência com o tema 12

1.2. Justificativa, relevância e contribuição do estudo 14

1.3 – Problemática do estudo, pressuposto e tese 19

1.4 – Objeto do estudo, questões norteadoras e objetivos 20

CAPÍTULO II - BASES CONCEITUAIS E CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO 22

2.1 – Bases conceituais do processo de trabalho em saúde

22

2.1.1 – Características do processo de trabalho em saúde e no hospital 25

2.2 – A assistência à mulher no parto

30

2.2.1 – Políticas públicas de atenção à saúde da mulher

30

2.2.2 – A hospitalização da atenção ao parto

35

2.2.3 – A assistência obstétrica no contexto local

37

CAPÍTULO II – ABORDAGEM METODOLÓGICA

39

3.1 Tipo de pesquisa 39

3.2 Método 40

3.3 O cenário do estudo 43

3.4. Os sujeitos do estudo 47

3.5. A aproximação ao campo e coleta de dados 48

3.6 As questões éticas 51

3.7 Procedimentos para organização e análise dos dados

52

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CAPÍTULO IV - ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 56

4.1 O perfil das/os depoentes 56

4.2 Os discursos sobre o processo de trabalho 63

4.2.1 A finalidade do processo de trabalho na assistência à mulher no parto -

trabalhar fazendo o que? para quê

63

4.2.2 Os meios/instrumentos do processo de trabalho na assistência à mulher no parto

normal - trabalhar usando o que?

85

4.2.3 Trabalhar para quem? – as características das mulheres 113

CAPÍTULO V - CONSIDERAÇÕES FINAIS 142

REFERÊNCIAS 145

APÊNDICE 01 - Termo de consentimento informado APÊNDICE 02 - Roteiro para observação participante APÊNDICE 03 - Roteiro de entrevista

ANEXOS

158

159

160

161

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12

CAPÍTULO I

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

_______________________________________________________________

1.1. Trajetória profissional e aderência com o tema

Iniciei minha trajetória como enfermeira no ano de 1985 quando, ao fim do

Curso de Especialização em Enfermagem Comunitária sob a forma de Residência na

Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia - UFBA, fui selecionada para

trabalhar na Unidade Mista de Barra do Rio Grande - Bahia, distante 800 quilômetros

de Salvador, pertencente à Fundação Serviços de Saúde Pública/FSESP, um dos órgãos

que de origem a atual FUNASA/MS. Fui treinada pela própria instituição para a

assistência ginecológica e obstétrica nos moldes do Programa de Assistência Integral à

Saúde da Mulher – PAISM (BRASIL,1984) e comecei a trilhar os primeiros passos da

assistência à saúde da mulher, na condição e com os limites impostos, pois eu a única

enfermeira da Unidade e do município, sendo responsável, dentre outras ações, pelo

treinamento de parteiras, pela implantação do programa de pré-natal de baixo risco e

prevenção de câncer cérvico-uterino no hospital onde trabalhava e em outras Unidades

da região.

A assistência à mulher durante o parto foi introduzida naturalmente na rotina

do trabalho, tendo como 'instrutoras naturais' as auxiliares de enfermagem – parteiras,

hábeis condutoras do parto, uma vez que, para os profissionais médicos do hospital, esse

era um contexto de pouco domínio, exceto para o cirurgião, responsável pelas eventuais

cesáreas que ocorriam na Unidade. A aproximação com essa assistência reforçou o

conhecimento iniciado no curso de graduação e complementado na pós-graduação em

enfermagem comunitária.

Progressivamente, a atenção obstétrica ocupou o maior foco do meu interesse,

sem que fosse possível, entretanto dedicar-me a essa assistência em virtude das várias

demandas de atividades dado o nível de complexidade, hierarquização e burocracia do

serviço. Bastava uma pequena folga nas outras atividades e logo adentrava ao centro

obstétrico para trabalhar-aprendendo com os demais profissionais. A ação de partejar

me inquietava, principalmente pela falta de alternativa para as parturientes, muitas delas

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provenientes da área rural, limitadas ao leito e distantes de tudo e de todos que lhe

serviam de referência. A maioria das auxiliares, em que pese a grande habilidade

técnica, desenvolviam uma assistência mecanizada, uniforme e pouco atenta para as

necessidades específicas de cada mulher. O conhecimento e a habilidade adquirida aos

poucos, aliados às constantes leituras sobre o assunto, deram-me subsídios para iniciar

discussões com a equipe em torno de uma maior flexibilização das rígidas rotinas

impostas às parturientes.

Algumas conquistas mereceram os esforços empreendidos, a julgar pela

permissão para a presença na sala de parto, das parteiras leigas acompanhando as

mulheres por elas trazidas para a maternidade. Entretanto, prevalecia o modelo

convencional mais forte e enraizado na medicalização e as poucas transformações

oscilavam ao sabor da tendência de cada equipe médica. Acomodei-me, de certa forma,

ao contexto desfavorável, mas o desejo de mudança nunca se apagou e nem a certeza de

que ainda me defrontaria com outras chances de interferir naquela realidade, nem que

fosse por um outro caminho e em circunstâncias diferentes.

Quatro anos mais tarde, já me encontrava trabalhando na Coordenação

Regional da FSESP, em Salvador, na função de enfermeira-supervisora,

desempenhando funções predominante burocráticas, afastando-me daquelas atividades

descritas anteriormente. A motivação para a carreira docente me levou a prestar

concurso para professora auxiliar da Escola de Enfermagem da UFBA, na área de saúde

da mulher. Aprovada no concurso, entrei para o quadro docente desta Escola em janeiro

de 1990, tendo assumido, além de carga horária teórica na disciplina Enfermagem

Materno-infantil, oferecida no sexto semestre do Curso de Graduação, o

acompanhamento de prática de estudantes no Centro Obstétrico.

Durante os anos seguintes, continuei desenvolvendo atividades práticas em

Centro Obstétrico, nos cursos de graduação e especialização, realizadas em

maternidades públicas de Salvador, conforme o cronograma de cada semestre, ao tempo

em que passei a dedicar-me mais especificamente aos conteúdos teóricos relacionados à

gravidez e ao parto. À medida em que participava do atendimento às mulheres nas

maternidades, estudava e freqüentava eventos sobre a temática, crescia a minha

inquietação para com a dinâmica do trabalho realizado pelos profissionais dos serviços,

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em especial com as peculiaridades que permeiam o dia-a-dia da maternidade escolhida

para este estudo. Nos últimos anos, mantive-me presente nesta maternidade em períodos

alternados, ora com atividades do curso de graduação, ora com alunas dos cursos de

especialização e, participei de cursos de atualização da equipe de enfermagem.

1.2. Justificativa, relevância e contribuição do estudo

Ao longo dessa caminhada, a minha percepção sobre o contexto da atenção

prestada nas maternidades, ainda que de forma empírica, apontava para existência de

fatores ligados ao processo de trabalho da enfermagem, os quais pareciam não satisfazer

aos profissionais e tampouco atender às necessidades das mulheres. Queria avançar à

investigação desses processos e decidi que me ocuparia desta temática no curso de

mestrado, o qual vim a concluir em 2001, no Programa de Pós-graduação da Escola de

Enfermagem da UFBA.

Com a dissertação intitulada O processo de trabalho da enfermeira obstetra,

como sub-componente do Projeto Integrado “Novas formas de Organização do Trabalho

em Enfermagem na Assistência à Saúde da Mulher”, pude analisar as características do

trabalho dessas profissionais. Os depoimentos obtidos realçaram a preocupação com a

qualidade da assistência prestada sendo possível identificar a nítida relação desta com

aspectos do processo de trabalho como um todo e especificamente com o da equipe de

enfermagem. Os resultados apontaram ainda para as transformações desse processo a

partir da inserção da enfermeira obstetra nas equipes.

Portanto, o interesse pela temática pauta-se tanto na minha vivência

profissional, inicialmente como enfermeira de serviço, quanto na experiência docente, a

partir de cuja ótica desejo aprofundar o estudo de questões ligadas ao processo de

trabalho desenvolvido na atenção obstétrica institucionalizada, no qual estou inserida e

sinto-me responsável.

Este estudo não se constitui em escolha isolada, posto que o tema inclui-se

entre as preocupações do Núcleo de Pesquisa de Enfermagem em Saúde da Mulher –

NUPESM do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil da Escola de

Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro, à qual me encontro

vinculada enquanto aluna do Curso de Doutorado desta escola e também ao Grupo de

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Estudos sobre Saúde da Mulher – GEM, da Escola de Enfermagem da Universidade

Federal da Bahia, do qual sou integrante desde que iniciei a carreira docente.

O GEM, ao longo de quinze anos de existência vem construindo uma história

de produção científica, assessoria e capacitação de estudantes e profissionais na

temática da saúde da mulher, resultantes do trabalho permanente das professoras que o

compõe e das participações temporárias de bolsistas de iniciação científica e de outros

Projetos Institucionais, além de alunas de Mestrado. Destacam-se investigações

produzidas pelas pesquisadoras do grupo, voltadas, por exemplo, para: a análise da

morbi-mortalidade feminina em Salvador; o perfil da mortalidade materna na cidade; a

construção de indicadores de gênero na assistência de enfermagem à gestante e à

puérpera; a qualidade da assistência de enfermagem no processo gravídico-puerperal e o

atendimento às mulheres em serviços públicos de saúde, além de investigações

centradas em temas como DST/AIDS, violência e outros, no contexto da saúde da

mulher, priorizando-se uma perspectiva de gênero.

A realização da presente investigação como produto do curso de doutorado

representa também a confirmação de um vínculo acadêmico institucional, entre grupos

de pesquisa, uma vez que atende ao Programa de Qualificação Institucional -

PQI/CAPES da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia através do

GEM, mais especificamente a linha de pesquisa “Políticas de saúde, organização de

serviços e produção do conhecimento sobre mulher, saúde e enfermagem”. Por outro

lado, é de interesse também para a Instituição parceira neste PQI, a Escola de

Enfermagem Ana Nery / UFRJ, através do Núcleo de Pesquisa em Saúde da Mulher –

NUPESM, estando vinculado à linha de pesquisa que trata da Qualidade da Assistência

à Saúde da Mulher.

A temática desta tese diz respeito ao processo de trabalho no centro obstétrico

de uma maternidade que é referência na assistência obstétrica pública para a região

metropolitana de Salvador-Ba, sendo vislumbradas as seguintes contribuições da

pesquisa:

• apresentação para o serviço em estudo, dos resultados que contribuam para um

melhor entendimento do trabalho desenvolvido na maternidade, com vistas à

melhoria da qualidade da assistência prestada;

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• incorporação de um estudo relevante sobre a temática de grande interesse para o

GEM;

• contribuição com o primeiro estudo no NUPESM na linha de pesquisas do

processo de trabalho;

• ampliação de subsídios para o ensino da enfermagem na atenção obstétrica e na

saúde da mulher, em ambas as Universidades envolvidas;

• produção de um estudo que dá visibilidade nacional ao trabalho da equipe de

saúde no contexto da assistência obstétrica institucionalizada.

Visando maior aproximação com o conhecimento já produzido sobre essa

temática, o que, por assim dizer, constitui-se no “estado da arte”, realizou-se

levantamento bibliográfico nas seguintes fontes: catálogos do Centro de Estudos e

Pesquisas em Enfermagem – CEPEn da ABEN, portal de periódicos da CAPES; base de

dados LILACS / BIREME; Anais do 1º Seminário Internacional sobre o Trabalho na

Enfermagem (I SITEN) , no ano de 2003. Os resultados apontaram para a

predominância de estudos sobre a “organização do trabalho”, as “condições e as

relações de trabalho”, além de estudos sobre “saúde do trabalhador”, com predomínio

da abordagem dialética materialista e com maior freqüência nas regiões sudeste e sul do

país.

Observou-se ainda que a temática ocupou lugar de destaque em eventos

nacionais e internacionais da área da saúde, havendo visível interesse dos profissionais

de saúde em discutir, sob diferentes óticas, o trabalho que realizam. Dentre estes,

sobressaem a elevada produção de investigações voltadas para a equipe de enfermagem,

cuja prática vem sendo revista a partir de distintos referenciais e métodos.

Considerando-se os objetos de estudo focalizados na produção levantada,

verificou-se a elevada freqüência de resumos que tratam das condições de trabalho,

seguida das que discutem as relações estabelecidas no trabalho em saúde, seja entre os

próprios profissionais, seja entre estes e a clientela que procura os serviços de saúde. Tal

preocupação reflete o incômodo que vem acompanhando autores e autoras, compatível

com o encontramos na concretude dos serviços, onde os profissionais vem acumulando

insatisfações de múltiplas origens, com destaque para condições de trabalho em geral

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precárias tanto no âmbito público quanto no privado, aí incluídas as características das

relações trabalhistas.

Observou-se que o predomínio da abordagem dialética -materialista justifica-se

quando correlacionamos tanto o período de sua produção, como também ao fato de que,

ao analisar o “trabalho” como objeto de estudo, torna-se inevitável lançar mão de um

método forte, contestador e com elevado poder de transformação, fazendo aflorar as

contradições desse trabalho.

A distribuição cronológica dos trabalhos é coerente com o desenvolvimento

das discussões do tema trabalho no âmbito da saúde. Tem como marco inicial os

trabalho produzidos por Ricardo Bruno Mendes Gonçalves† sobre o trabalho em Saúde

que orientou outros autores no sentido de produzirem textos que evidenciassem uma

nova forma de entender o trabalho médico enquanto produção de serviço e dependente

de outros profissionais. As discussões concentravam-se na institucionalização da

assistência à saúde.

A maior parte dos resumos se referiam a estudos que tiveram como objetivo

descrever como o trabalho vem se processando em “setores” ou “áreas” específicas no

cenário hospitalar, a exemplo de serviços de emergência, de neonatologia e de UTI,

focalizando, ora a equipe de saúde, ora as categorias em separado. Na busca realizada à

época, não foi encontrado estudo que tratasse especificamente do processo de trabalho

no contexto do parto hospitalar.

A assistência ao parto no Brasil, é prestada em ambientes de múltiplas

características, estando presentes realidades onde se pratica um cuidado empírico e

simplificado, assumido por parteiras leigas, no domicílio, quase sempre com a

participação da família, e outros espaços representados pelos serviços de saúde, nos

quais a assistência prestada incorpora as características do trabalho em saúde no

† Destaque para os estudos de mestrado e doutorado: (MENDES-GONÇALVES, 1979, 1994).

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contexto hospitalar, cercada de muitos profissionais, tecnologia avançada e freqüente

intervenção.

A atenção obstétrica institucionalizada, embora sendo um assunto que vem

ocupando espaço diferenciado em estudos e debates, tanto no meio governamental

quanto não governamental, a partir da segunda metade da década de 90, tem como

tônica predominante, produções voltadas para: a mulher usuária (objeto), os 'agentes'

(enfermeira, parteira, médico) atuantes no parto normal e para o 'trabalho em si', ou seja,

até que ponto, o tipo de assistência (condutas recomendadas e não recomendadas),

contribuiriam para reduzir as taxas de cesárea e para tornar a assistência mais

humanizada. Destacam-se, pela ampliação e enriquecimento da temática, as produções

de autoras como: Osava (1997,1998); Gualda (1998); Monticelli (1994) Brungerman

(2001), Bessa; Ferreira (1999), Tsunechiro (1987), Tanaka (1995,1998) Progianti (1995,

2001); Rattner (1998); Tyrrell & Carvalho (1998), dentre outros.

Entendo que as questões que perpassam a atenção prestada à mulher que

adentra uma maternidade no SUS, independente do motivo, precisam ser analisadas e

reavaliadas amplamente. Esta pesquisa propõe um estudo dessa realidade, a partir de

como se configura o processo de trabalho, principalmente no que concerne à finalidade

e aos meios/instrumentos utilizados nesse processo, o que se me apresenta pouco

explorado.

Além do preenchimento de lacuna no tocante a esse conhecimento na realidade

da minha prática profissional registre-se, ainda, o meu crescimento pessoal e

profissional diante da possibilidade de estudar uma temática de grande interesse e

motivação oriundos da consciência de cidadã e pesquisadora que disposta a contribuir

para um ensino sobre a atenção à saúde da mulher afinado com as demandas de

investigação considerando-se que

“a mudança requerida na compreensão da problemática da mulher – como sujeito da reprodução - impõe à academia, em particular, e ao Estado, em geral, a inovação conceitual nas propostas educativas de formação de recursos humanos e nas propostas de modelos de assistência à saúde da mulher” [...] “Alguns temas emergentes também se

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impõem, com urgência, tais como: violência, saúde mental, processo de trabalho, e sexualidade.” (TYRRELL & ARAÚJO, 2002, p.14)

1.3 – Problemática do estudo, pressuposto e tese

As constantes mudanças que ocorrem no mundo do trabalho influenciam as

práticas de saúde e trazem à tona a necessidade de discussões que levem a mudanças no

processo de trabalho em saúde.

Considera-se que a assistência à saúde, em qualquer área, está composta a partir

de um elenco de serviços e ações de responsabilidade de diferentes categorias

profissionais presentes nas instituições, às quais correspondem, igualmente, diferentes

processos de trabalho, estes complementares e interdependentes. Nessa perspectiva é

pertinente a percepção de Almeida; Rocha (1997, p.17), ao alertarem que devemos

“continuar trilhando esse caminho, mas agora aprofundando e especificando mais as análises para compreender melhor as razões sociais deste trabalho, suas possibilidades, limitações e articulações com o setor saúde, em micro-espaços institucionais concretos e nas suas especificidades.”

A equipe que trabalha no centro obstétrico lida com a especificidade de ter

como cliente mulheres 'sadias', internadas em um hospital para vivenciarem o parto em

condições, a princípio, 'fisiológicas' ou, eventualmente para outras vivências em

decorrência de questões ligadas à gravidez, e ao puerpério. Em que pesem as

semelhanças com o trabalho desenvolvido nas demais áreas, clínicas ou setores em

qualquer hospital, a assistência obstétrica é uma prática peculiar, em processo de

transformação.

Admite-se que, a depender da conformação desse processo, assim como das

suas características, depende o êxito da assistência prestada à mulher no ciclo gravídico-

puerperal, para a qual concorrem também as condições gerais de trabalho dos

profissionais que atendem à mulher e sua família.

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Além de me fundamentar na aproximação com essa realidade, tomo como

pressuposto afirmativa já incorporada ao conhecimento sobre a temática, segundo a

qual:

“nas instituições hospitalares, onde os instrumentos de trabalho serão utilizados para imprimir uma transformação sobre o indivíduo hospitalizado, faz-se necessário a construção de conhecimentos e de instrumentos materiais ou metodológicos específicos, adequados à sua natureza...”. (LEOPARDI, 1999, p. 117)

Os serviços prestados pela maternidade cenário do estudo encontram-se

profundamente vinculados à história do ensino e da atenção obstétrica hospitalar em Salvador

– Ba e, desde a sua fundação, organiza-se com características reprodutoras do modelo de

atenção ainda de visível hegemonia médica. Assim, é importante identificar de que forma os

elementos dos processos de trabalho (finalidade, meios/instrumentos) dos profissionais das

diferentes categorias que compõem a equipe na assistência à mulher no parto normal, trazem

implicações para a assistência requerida pelas particularidades da clientela?

Defendo a tese de que o processo de trabalho dos profissionais que assistem às

parturientes configura-se a partir das contradições que emanam das particularidades da

atenção à mulher no parto normal no contexto hospitalar.

1.4 – Objeto do estudo, questões norteadoras e objetivos

Objeto do estudo O processo de trabalho na atenção à mulher no parto normal hospitalar.

Questões norteadoras

Como se configura o processo de trabalho no atendimento à mulher no parto

normal hospitalar?

Quais as implicações desse processo para o atendimento à mulher no parto

normal hospitalar?

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Objetivos Analisar como se configura o processo de trabalho no atendimento à mulher no parto

normal hospitalar.

Discutir as implicações desse processo no atendimento à mulher no parto normal

hospitalar.

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CAPÍTULO II

BASES CONCEITUAIS E CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO ______________________________________________________________________

2.1 – Bases conceituais do processo de trabalho em saúde.

Faz-se necessário compreender o conceito de “processo de trabalho” formulado

na concepção marxista‡, segundo a qual, o trabalho é um processo no qual os seres

humanos atuam sobre as forças da natureza, submetendo-as ao seu controle e

transformando os recursos naturais em formas úteis à sua vida. De acordo com

Albornoz (2000, p.11), o trabalho

“(...) aparece cada vez mais nítido quanto mais clara for a intenção e a direção do seu esforço. Trabalho neste sentido possui o significado ativo de um esforço afirmado e desejado para a realização de objetivos: onde até mesmo o objetivo realizado, a obra, passa a ser chamado trabalho. Trabalho é o esforço e também o seu resultado: a construção enquanto ação, e o edifício pronto”.

Ao modificar a natureza, o trabalhador coloca em ação suas energias físicas e

mentais. Podem ser considerados como elementos do processo de trabalho. Com efeito,

Marx distingue três componentes do processo de trabalho, a saber: a) a atividade

adequada a um fim, isto é, a ação laboral propriamente dita; b) o objeto de trabalho, a

matéria sobre a qual se aplica o trabalho e; c) os meios de trabalho ou instrumentos –

ferramentas - (MARX, 1994).

O processo de trabalho pode ainda ser entendido como,

“o modo como o homem produz e reproduz sua existência. Ao fazê-lo, estabelece relações sociais e objetiva sua subjetividade. A concepção histórica, materialista e dialética procura demonstrar que cada geração transmite uma massa de forças produtivas, de capitais e de circunstâncias que é, por um lado, muito modificada pela nova geração, mas por outro, dita-lhe suas condições de existência e lhe imprimem um desenvolvimento determinado, um caráter específico.” (ALMEIDA; ROCHA, 1997, p. 23).

‡ Expressão que se refere aos conceitos formulados por Karl Marx. Para Gianotti (1999, p. 5) “designa um amplo movimento de idéias”.

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Nas sociedades capitalistas o trabalho em saúde organizou-se em dois modelos:

o modelo epidemiológico ou coletivo, como forma de controlar a doença na sociedade e

o modelo individual ou clínico, como forma de recuperar a força de trabalho.

Para Nogueira (1999, p. 83), “a diversidade dos processos de trabalho em

saúde transcende, desse modo, as causas funcionais associadas à divisão técnica do

trabalho e revela-se uma diversidade de natureza político-ideológica”. Desta forma, as

práticas de saúde, mesmo quando dirigidas às necessidades da população, refletem a

forma de produção/organização dos instrumentos de trabalho em geral, os quais, por sua

vez, subordinam-se aos ditâmes das circunstâncias políticas, seja na macro ou na micro

esfera de sua interferência, nos diferentes espaços onde é produzido o trabalho em

saúde.

No âmbito hospitalar, a partir de sua autoridade técnica e social, o profissional

médico controla o processo de trabalho em saúde, conferindo-lhe direcionalidade, o que

origina, em alguns contextos, conflitos e tensões que impõem aos membros da equipe

grandes esforços para enfrentar as peculiaridades do trabalho em saúde.

Na visão de Pires (1998, p. 35), o processo de trabalho em saúde é:

“compartimentalizado, cada grupo profissional se organiza e presta parte da assistência de saúde separado dos demais, muitas vezes duplicando esforços e até tomando atitudes contraditórias. O médico é o elemento central do processo assistencial institucional em saúde. Os demais profissionais que participam da assistência, subordinam-se às decisões médicas, mas cada categoria profissional mantém certa autonomia de avaliação e tomada de decisão”.

Os estudos sobre o processo de trabalho em saúde, como prática socialmente

determinada tomaram corpo a partir da segunda metade da década de 70, desencadeados

pela necessidade sentida pelos profissionais, de melhor compreenderem “a prática

médica e sua vinculação com o social”, segundo Almeida; Rocha (1997, p. 17).

Contribuíram para tal entendimento as reflexões e afirmações produzidas por autores

como: Donnagelo; Pereira (1976), Mendes-Gonçalves (1979), Leopardi (1999) Pires

(1999), Ferreira (1996), Nogueira (1997, 1999), dentre outros.

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Tratam-se de estudos que, embora reportem-se aos profissionais médicos e às

categorias da enfermagem, na medida em que exploraram, com profundidade, as

características do trabalho em saúde como prática coletiva, submetem os demais

profissionais às mesmas condições e determinações, pelo menos naquele momento.

Importante contribuição ao tema pode ser encontrada na produção de Roberto

Passos Nogueira sobre as dimensões do trabalho em saúde, com destaque para a

afirmação de que:

“em primeiro lugar, o processo de trabalho em saúde compartilha características comuns com outros processos que ocorrem na indústria e em outros setores da economia. Segundo, ele é um ‘serviço’. Terceiro, é um serviço que se funda numa inter-relação pessoal muito intensa” (NOGUEIRA, 1997, p. 72).

Kirchhof (1999), tendo desenvolvido um estudo intitulado “Tendências

temáticas sobre a relação trabalho e saúde: período de 1990–1994”, empresta relevante

contribuição para a temática, sobretudo por constituir-se em um levantamento das

produções vinculadas aos cursos de pós-graduação nas áreas de: enfermagem, medicina,

odontologia, economia, educação, psicologia, sociologia, ciências sociais, administração

e filosofia. A autora (op.cit.) identificou oito tendências temáticas, dentre as quais a de

“organização tecnológica do trabalho”, amplamente discutida na produção científica de

Ricardo Bruno Mendes Gonçalves.

Vale ainda ressaltar que,

“ no final do anos noventa, todo um conjunto de questões novas estabelece um divisor de águas para a reflexão e a pesquisa centrada no trabalho em saúde. Na dimensão político-social do trabalho: as questões da qualidade, da informalidade e da flexibilidade; na dimensão ética e filosófica: as questões da integralidade do cuidado e da autonomia do sujeito” (NOGUEIRA, 2002, P. 260.)

Dessa forma, explicita-se a complexidade do assunto e o reconhecimento do

caráter dinâmico que envolve a categoria trabalho em suas diferentes dimensões no

âmbito da assistência à saúde.

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2.1.1 – Características do processo de trabalho em saúde e no hospital.

Para este estudo tomamos como referencial o processo de trabalho na forma

explicitada por Ricardo Bruno Mendes-Gonçalves, um importante pensador que,

recorrendo aos conceitos elaborados por Marx, contribuiu para a criação das bases

conceituais para a compreensão do trabalho na área da saúde, destacando-o a partir de

seu objeto, finalidade, meios e instrumentos.

Segundo Mendes Gonçalves (1992), as bases conceituais do processo de

trabalho em saúde se configuram da seguinte forma:

- objeto do trabalho: é a algo antes;

- finalidade do trabalho: corresponde a antevisão, a algo depois;

- instrumentos usados no trabalho: meios aplicados intencionalmente.

Com base nessa conceituação, multiplicaram-se estudos nas décadas de 1980 e

1990, de autores que inspiraram-se nas explicações de Ricardo Bruno, aplicando-as às

pesquisas sobre o trabalho na área da saúde, conforme citado anteriormente. Os

trabalhos produzidos por este autor também orientaram a produção de textos que

evidenciassem uma nova forma de entender o trabalho dos profissionais de saúde,

enquanto produtor de serviço e dependente de outros profissionais.

De todo modo, há unanimidade na compreensão de que a divisão do trabalho na

assistência em saúde, em sua forma institucionalizada é necessária para garantir a

implementação de ações complementares que viabilizem a atenção integral na prestação

de serviços de saúde, o que pressupõe a visualização clara da finalidade do trabalho de

todos os profissionais envolvidos.

Há concordância também na afirmativa de que, sem vislumbrar o produto do

seu esforço, preocupado na realização apenas da parte que lhe cabe, o profissional

torna-se presa fácil das armadilhas do próprio processo de trabalho. Nesse tocante, vale

destacar o que nos diz Leopardi (1995, p.27):

“A finalidade institucional se impõe sobre a finalidade do sujeito, na figura do médico, em primeiro lugar, e depois pelos outros profissionais de saúde [...]. O sujeito da necessidade se abandona à instituição, onde é imediatamente enquadrado dentro da rotina, numa organização previamente estabelecida, ficando indiferenciado, como se fosse um

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simples objeto manipulável. A finalidade do sujeito é reinterpretada e subvertida – é de fato expropriada: recomposta pelo sistema normativo e regulada para ser” um problema de saúde e não para ser de um sujeito que expressa este problema de saúde”.

A delimitação da finalidade do trabalho em saúde - uma prática histórica e

socialmente determinada - implica no resgate, por parte dos agentes, de sua visão de

mundo e concepção sobre saúde-doença, expressando dimensões biológicas, sociais,

afetivas e culturais, embutidas no fazer próprio de cada categoria profissional, a

depender, inclusive, do tipo de espaço onde esteja atuando.

Afirmação também que o trabalho humano distingue-se pela intencionalidade,

pela elaboração de um projeto produzido pela energia humana, recai na constatação de

que a transformação pretendida não ocorre ao final do processo e sim ao longo deste. De

acordo com Mendes-Gonçalves (1992, p.10),

“...não é a presença de energia, ou sua entrada em ação, mas, outra vez, a específica forma de sua entrada em ação e de sua manutenção na ação, que caracterizam a atividade humana do trabalho como vinculada a uma finalidade sempre presente antes do processo”.

Os meios/instrumentos transformam e são transformados pela ação dos sujeitos

sobre os objetos de trabalho. Estes, por sua vez, demandam adequações dos

instrumentos de forma que atendam às suas características e sejam compatíveis com a

finalidade do processo. Os objetos, por outro lado, têm possibilidade de exigirem

meios/instrumentos e sujeitos cada vez mais específicos e especializados. Veremos que

o espaço do trabalho na assistência hospitalar ao parto funciona com dinâmicas muito

próprias.

Os instrumentos podem ser divididos em três tipos, quais sejam: “1- os que

encaminham a aproximação do trabalhador com o objeto de trabalho e que se

constituem nas teorias, como sua dimensão intelectual; 2- os que efetivam a

transformação no objeto e se constituem nas técnicas, enquanto dimensão manual; e 3-

as condições materiais para a realização do trabalho, ou seja, o local de trabalho” de

acordo com Mendes-Gonçalves, citado por Capella (1998, p. 117).

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Levando-se em consideração esta classificação, tem-se aceito incluir entre os

meios/instrumentos de trabalho em saúde: saberes, técnicas, teorias, métodos,

protocolos, normas, estatísticas, além de materiais e equipamentos e medicamentos, de

um ponto de vista mais imediato. De acordo com Marx apud Giannotti (1999, p. 205).

“Além das coisas que permitam ao trabalho aplicar-se a seu objeto e servem de qualquer

modo para conduzir a atividade, consideramos meios de trabalho em sentido lato todas

as condições materiais, seja como for, necessárias à realização do processo de trabalho”.

Mendes-Gonçalves (1992) lembra ainda que o aprofundamento da divisão

técnica e social do trabalho faz com que produtos de alguns processos passem a ser

objetos e meios (instrumentos) de outros processos de trabalho. O avanço e a

profundidade dos estudos sobre o trabalho em saúde permite afirmar ser este um assunto

já bastante conhecido e discutido, sob prismas a cada dia mais ampliados e

multifacetados. Reconhecendo essa produção buscamos apoio também nas discussões

sobre o trabalho em saúde, lideradas por outros autores e autoras, à luz das afirmativas

deste autor.

Uma das vertentes pode ser explicitada a partir do que afirmam Merhy;

Onocko (1997, p. 88), quando consideram que a assistência à saúde constrói-se em um

“espaço intercessor entre usuário e trabalhador produtor do ato ( e isto vale mesmo para as ações coletivas de saúde, para não ficarmos com a imagem que só existe nos momentos individualizados), no qual o trabalhador vem instituindo necessidades e modos capturados (e em processo de “captura”) de agir, e o usuário também. Neste momento, temos um encontro e uma negociação, em ato, dos encontros e necessidades.”

Tendo em conta a subjetividade presente nesse trabalho, incorporam-se: as

relações de poder, a comunicação/articulação, a cooperação/resistência, o corpo, força e

energia do trabalhador. Pode-se dizer, portanto, que é constituído por vários subsistemas

ou micro-sistemas que se inter-relacionam e interdependem. Na visão de Leitão (2002,

p. 18), dentre as peculiaridades do trabalho em saúde no ambiente hospitalar, destacam-

se:

“[...]duas especificidades distintas: a primeira relativa ao processo assistencial, relacionada ao modo de produção do trabalho,

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absolutamente diferente do modo de produção de bens de consumo [...].A segunda especificidade refere-se à dimensão humana, podendo ser pontuados alguns fatores que determinam necessidades de atenção especial [...] Essa abrangência territorial torna a equipe vulnerável à rede de interações interdisciplinares dos micro-poderes que permeiam as relações pessoais no âmbito das categorias profissionais que compõem as equipes de trabalho, além das relações de subordinação com o poder institucional [...]” .

O trabalho é uma ação sobre algo, com um objetivo previamente delimitado,

pressupondo uma transformação, o que estabelece a diferença entre o trabalho humano e

outros. Partindo dessa afirmativa, trataremos da sua finalidade do mesmo, enquanto

capacidade humana, uma vez que, os indivíduos elaboram um plano carregado de

intenção, a qual os conduzirá no transcorrer do processo de trabalho. Há ainda que se

considerar a tecnologia como um conjunto de saberes e instrumentos específicos,

apropriados para a reprodução das relações sociais (GIANNOTTI, 1999).

A atenção à saúde é um trabalho realizado coletivamente e a abstração da

finalidade/ intencionalidade do processo de trabalho tende a ser elaborada, a partir do

que os agentes do trabalho identificam como necessidade de transformação no objeto de

trabalho. Este serviço tem como uma de suas características o fato de depender de que

um grupo de pessoas apliquem esforços, de diferentes tipos, para o atendimento às

pessoas, individualmente ou em grupo, valendo-se de recursos variados, transformados

em meios/instrumentos.

A valorização do trabalho em equipe surge em decorrência de mudanças na

oferta de serviços e não somente a especialização do trabalho e a crescente incorporação

da tecnologia, mas também a diretriz política da atenção integral às necessidades de

saúde e o reconhecimento do caráter interdisciplinar dos objetos de trabalho em saúde,

exigem a recomposição das ações.

De acordo com Schraiber et. al. (1999, p. 233): “O trabalho em equipe é o

trabalho que se compartilha, negociando-se as distintas necessidades de decisões

técnicas, uma vez que seus saberes operantes particulares levam às bases distintas de

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julgamentos e de tomadas de decisões quanto à assistência ou cuidados a se prestar”.

Por tudo isso, o trabalho em equipe requer atitude de diálogo permanente entre seus

membros, sendo ainda necessária uma disposição para a reflexão crítica sobre os

modelos que não estão funcionando; espaços para a problematização destas

dificuldades.

Da mesma forma que a finalidade do trabalho pode ser ou não compartilhada

pelos agentes, também os meios/instrumentos são selecionados durante o trabalho em si,

conforme a transformação pretendida, em cada etapa ou intervenção, por parcela, por

agente atuante.

Nessa possibilidade reside outra importante característica do trabalho em saúde e

está relacionada à fragmentação das ações, pela perda da noção do resultado final, que

eleva o potencial de alienação do agente em relação ao seu trabalho. Tratando da

alienação produzida no trabalho parcelar, nos valemos de Guareschi (1993, p.67), o qual

distingue que

“ a alienação pode se concretizar nas relações de trabalho: quando a pessoa trabalha no que não é dela; quando o que a pessoa faz não fica para ela; quando a pessoa não planeja o que faz; quando a pessoa não decide, isto é, não participa do destino de sua produção; quando a pessoa não compreende as relações de dominação e exploração que se dão no contexto global; quando esta alienação o transforma num alienado mental.”

O processo de trabalho desenvolvido pelos profissionais de saúde, para

promover a assistência é fundamental, considerando-se que sobre estes recaem as

providências necessárias para a qualidade do atendimento requerido pela clientela.

Entretanto, os agentes dos serviços, em especial no âmbito público, convivem com um

panorama que denuncia a relevância da problemática da assistência à saúde. É fato que

as instituições deparam-se com dificuldades de diferentes origens, envolvendo os

processos de trabalho das equipes, onde as realidades nem sempre estão afinadas com as

necessidades requeridas, evidenciando pontos críticos em relação à qualidade da

assistência.

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Nos serviços hospitalares, incluindo os de uma maternidade, a divisão social do

trabalho é uma realidade, sendo necessário tê-la como pano-de-fundo para entender a

articulação entre os instrumentos e a finalidade do processo de trabalho. No âmbito

micro-institucional, a configuração desse processo de trabalho implicará na maio ou

menor possibilidade de aproximação do mesmo com relação à particularidade da

assistência à mulher no parto normal, no contexto do hospital.

2.2 – A assistência à mulher no parto.

2.2.1 – Políticas públicas de atenção à saúde da mulher

No início da década de 80, reivindicando atenção à saúde da mulher, de

qualidade e em todas as fases da vida, o movimento de mulheres teve participação

efetiva na definição do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher – PAISM

(BRASIL, 1984), elaborado em parceria com o Ministério da Saúde, em 1984. Tal

envolvimento contribuiu significativamente para que se iniciassem mudanças profundas

nas formas de entender as questões da saúde da mulher a partir de uma abordagem que

privilegia, em parte, os direitos de cidadania.

A melhoria da atenção ao pré-natal, ao parto e ao puerpério, poderia evitar

grande parte das mortes maternas e a implantação do PAISM era reconhecida como

uma das estratégias para a redução desses índices. Entretanto, a morosidade na sua

implementação e até mesmo seu retrocesso em alguns locais tornou-se uma realidade

nacional sendo que a situação ainda preocupa setores governamentais e não

governamentais da sociedade.

Nos anos 90, organizações não governamentais sensíveis para os aspectos

subjetivos que circundam o atendimento à mulher na gestação e no parto e sua relação

com o ambiente dos serviços, introduziram a alternativa das casas de parto. Essa,

iniciativa foi, posteriormente, assumida pelo Ministério da Saúde através da Portaria Nº

958 de 05 de agosto de 1999 (BRASIL, 1999a), para a regulamentação de sua estrutura

e funcionamento.

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Para Marcos Ymaio,

“a substituição de espaço físico tem como objetivo de resgatar a valorização do momento do nascimento. O ambiente da casa de parto propicia o contato carinhoso do profissional com a mulher gestante, família e bebê. A ansiedade criada dentro do hospital se dissipa, frente à identificação de móveis e objetos que fazem parte do dia-a-dia da mulher [...]Os acompanhantes sentem-se mais confortáveis e liberados para agir e perguntar. Todos encontram-se na 'casa' e não na 'clínica' ou 'hospital' (YMAIO, 2002, p. 18)

Além de medidas pontuais, com o reconhecimento da atuação de parteiras e

enfermeiras obstetras e a garantia de anestesia no parto normal, destacam-se, dentre as

iniciativas do Ministério da Saúde, ressalta-se a instituição do Programa de

Humanização do Parto e Nascimento – PHPN, através da portaria GM nº 569 de 1º de

junho de 2000 (BRASIL, 2000). Seu objetivo é orientar a atenção especial à assistência

obstétrica e neonatal, integrando basicamente três componentes: o incentivo à

assistência pré-natal; a organização, regulação e investimentos na assistência obstétrica

e neo-natal e uma nova sistemática de pagamento da assistência ao parto (CARNOT,

2002).

Tecendo considerações sobre a implementação desse programa, no bojo da

política de saúde em vigor no país, a mesma autora alerta que:

“A universalidade, a integralidade e a equidade da atenção constituem o ideário da Reforma Sanitária Brasileira. São conceitos que remetem ao campo das micro-políticas de saúde e suas articulações, tanto nas redes de serviços como nas políticas intersetores. A integralidade implica, necessariamente rever a organização do processo de trabalho, da gerência, do planejamento e da construção de saberes e práticas de saúde”.(o.p. cit., p. 309)

Desde o final dos anos noventa, o reconhecimento de que a assistência ao parto

pode passar pela contribuição dos saberes de profissionais não médicos, incluindo

pessoas leigas, foi oficializado a partir, por exemplo, da criação dos Centros de Parto

Normal, do incentivo à atuação das parteiras tradicionais e da capacitação de

enfermeiras obstetras através de cursos de especialização financiados pelo Ministério da

Saúde em todo o país. Enquanto a valorização das parteiras ocorre sem problemas dada

à inserção natural destas em regiões de escassa presença profissional, a inserção das

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enfermeiras enfrenta dificuldades ligadas não apenas à resistência da categoria médica

em algumas realidades, como também pelas características do trabalho dessa

profissional nos espaços hospitalares, fato apontado por Nunes (2001).

Constata-se que este é um espaço de visível transformação, sendo

imprescindível entender a sua evolução até os dias atuais, considerando o dinamismo e a

provisoriedade de todo processo histórico. De acordo com BRASIL (2001, p. 23):

“é dentro deste contexto que o Ministério da Saúde, exercendo seu papel normatizador e regulador, vem implantando um conjunto de ações, através de portarias ministeriais com o objetivo de estimular a melhoria da assistência obstétrica. A análise destas portarias, e em alguns casos de seus impactos iniciais, compõe o panorama da assistência obstétrica atual e permite sua melhor compreensão”.

Tendo como porto de partida as medidas governamentais, diferentes iniciativas

já em funcionamento em várias cidades do país constituem-se exemplos das

possibilidades concretas de se prestar a assistência obstétrica em modelos de

organização que configuram processos de trabalho diferentes daqueles encontrados nas

maternidades, realçando o uso de meios e instrumentos de trabalho voltados para o

alcance de objetivos que também se distinguem dos padrões da assistência nos moldes

do hospital. Exemplos disto são as Maternidades que assumiram a adoção de uma

assistência pautada no resgate da fisiologia do parto com o mínimo de intervenção; na

valorização da mulher como sujeito do processo e na utilização de condutas

facilitadoras do trabalho de parto de cunho mais comportamental e menos medicalizado.

As mudanças em relação ao espaço de ocorrência, aos agentes participantes e à

forma específica de ação sobre o parto e o nascimento, modificaram os elementos

fundamentais desse processo de trabalho. Não obstante as questões de ordem jurídica,

ética e deontológica sobre o espaço de ação oficialmente garantido às enfermeiras

obstetras, o que não se constitui em foco deste estudo, é necessário reconhecer não ser

mais possível conviver com a noção de exclusividade da atuação do profissional médico

na assistência à mulher no parto.

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Entretanto, a visão de Carnot (2002, p. 310), “o panorama brasileiro sobre a

questão do atendimento especial do parto, apesar de todos os acordos internacionais

assinados pelo país, não mudou muitos nos últimos anos.

Tyrrell; Araújo (2002, p. 15), tratando ainda do enfoque multiprofissional na

assistência obstétrica, retratam esse contexto, com a seguinte afirmação:

“Quando nos reportamos ao campo da prática profissional, observamos duas situações que nos levam a acreditar que não há a presença do espírito de grupo e muito menos de espírito democrático na tomada de decisões; condições tão importantes para o trabalho em equipe. São elas: a falta de síntese de vários e diversos profissionais e de trabalhadores da área da saúde, além de que não há igualdade de condições na formulação e desenvolvimento de planos e programas. Isto, sem dúvida alguma, tem trazido prejuízos para a qualidade da assistência, particularmente à mulher e ao recém nascido, situação permanente até os dias de hoje.”

Vislumbramos a possibilidade colocada por Cecílio (2001, p. 120), de que,

talvez devamos, em meio às discussões que circundam a problemática:

“Radicalizar a idéia de que cada pessoa, com suas múltiplas e singulares necessidades, seja sempre o foco, o objeto, a razão de ser de cada serviço de saúde e do “sistema” de saúde”[...]“o cuidado individual em qualquer serviço de saúde, não importa sua “complexidade”, está sempre atento à possibilidade e à potencialidade de agregação de outros saberes disponíveis na equipe e de outros saberes e práticas disponíveis em outros serviços, de saúde ou não”.

Em algumas realidades pontuais no país, há experiências de atuação rotineira das

enfermeiras obstetras, nos ambientes de atenção ao parto normal, no setor público. O

envolvimento da enfermeira obstetra, às vezes gera tensões na própria equipe de

enfermagem ou entre esta e a equipe médica, realçando questões ligadas ao poder, no

âmbito das instituições.

Mesmo quando não presta assistência direta à mulher no parto, a enfermeira

exerce um poder sobre a engrenagem da assistência, através de ações de controle de

material, de pessoal, de rotinas e da informação, por exemplo, mesmo com pouca

participação nas decisões, o que significa uma grande concentração de poder sobre os

resultados do processo de trabalho, também no âmbito das maternidades.

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Desse trabalho, além dos profissionais da medicina, participam enfermeiras

obstetras e outros profissionais da enfermagem, acadêmicos de medicina, e outras

categorias, cuja atuação contribui com o todo da assistência. “Atualmente essa

vigilância deixou de ser domínio do obstetra, existindo uma tendência para que a mesma

seja realizada por uma” equipe multidisciplinar de saúde”, o que proporciona uma nova

abordagem sobre a vivência da mulher neste ciclo...”(CARRARO,1999, p. 36)

Muito embora as políticas desenvolvidas para as mulheres possam ter distintas

orientações, há convergência no tocante à defesa de conquistas obtidas no âmbito

internacional e nacional, principalmente as perspectivas que promovem a cidadania e

consideram os movimentos de mulheres como sujeitos políticos legítimos e com

autoridade para interlocução com o Estado, para a defesa dos seus direitos.

Constatamos que “a saúde e os direito sexuais e reprodutivos estão entre os

principais temas da pauta de reivindicações dos movimentos feministas” (CFÊMEA,

2005, P.10) e, dentre estes, destacamos os direitos específicos garantidos na

Constituição Brasileira e que estão “relacionados a assistência a mulher durante o

atendimento ao parto e nascimento”(...), afirma Fernandes (2004, p.17).

A preocupação com a mortalidade materna também tem merecido a adoção de

medidas específicas, sendo o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e

Neonatal um compromisso assumido pelas três esferas de gestão do SUS, com o apoio

da sociedade civil, que tem em meta a reduzir, até o final de 2006, as mortes maternas e

neonatais em 15%. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005)

As ações prioritárias visando o alcance desse objetivo estão sustentadas no

fortalecimento da capacidade técnica dos profissionais que trabalham nas maternidades,

para a implementação de estratégias para a humanização da atenção obstétrica e

neonatal e a incorporação das práticas baseadas em evidências.

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2.2.2 – A hospitalização da atenção ao parto.

Durante séculos, o atendimento à parturição, percebida como atividade de menor

valor, sem prestígio, “coisa de mulher,” não mobilizou esforços dos homens, tidos

como superiores às mulheres, o que permitiu ampla atuação das parteiras, com

autonomia e respeito. Entretanto, conforme afirma Reissman citado por Progianti (2001,

p. 47):

“A partir do século XVIII, observa-se uma inversão de valores culturais, pela difusão da idéia de que o parto seria normal apenas por exceção. Assim, intervenções como a episiotomia e o fórceps precoce, foram progressivamente incorporados aos procedimentos de rotina, passando a ser realizados indiscriminadamente”.

O acompanhamento das mulheres durante e após o parto, até fins do século XIX,

representava um contexto do âmbito das parteiras, mãezinhas, comadres ou curiosas§

que, no Brasil, atuavam livremente, uma vez que parturientes de todas as classes sociais

rendiam-se aos préstimos dessas mulheres. Essa era uma realidade que refletia a

tendência mundial, uma vez que:

“A obstetrícia continuou sendo uma atividade predominantemente feminina até o final do século XIX. Desde então, embora em muitos países as parteiras tenham sobrevivido profissionalmente, elas perderam o controle da administração do parto. Esta “tomada de poder” do controle por parte dos médicos é um aspecto central para a compreensão da evolução dos valores e práticas que caracterizam a obstetrícia moderna” (SPINK, 2003, p. 179).

Com a ampliação da visão do parto como algo perigoso, arriscado, impossível de

resolução sem a presença médica, o hospital passou a ser considerado o ambiente

propício para a sua realização. De acordo com Vieira (2002, p.21),

“a medicalização do corpo feminino está profundamente articulada à emergência da nova visão da prática médica que se consolida no século XIX. O significado dessa nova visão traz uma questão fundamental para

§ Denominações atribuídas às mulheres leigas que ajudam no parto, conforme região do país. Sobre isso ver BESSA; FERREIRA (1999).

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o entendimento deste, já que existe um caráter específico na concepção de sua natureza, que está relacionada à questão da reprodução focalizada na mulher e na necessidade da sociedade de controlar suas populações.”

Françoise Thébaud, tendo estudado a atenção ao parto na França entre 1919 e

1939, firma que:

“A partir da análise de textos e de depoimentos orais, verifica-se que a imagem do hospital permanecia ambígua, na medida em que não havia, então, entre os profissionais de saúde, um consenso sobre o local ideal para o parto. As duas práticas (parto domiciliar e parto em maternidade), ou mesmo as três práticas (acrescentando-se o parto em uma pequena casa de parto mantida por uma parteira), coexistiram, sendo defendidas e combatidas por diferentes grupos.[...]” (THÉBAUD, 2002, p. 420).

Progressivamente, entretanto, o hospital especializou-se na oferta de recursos

considerados indispensáveis para atender, com êxito, ao fenômeno do parto. A

promoção e expansão da assistência médica à gravidez e ao parto tornam-se objetivo

principal da obstetrícia institucionalizada, por meio de serviços e programas específico,

afirma ainda a autora (VIEIRA, 2002).

Hoje avalia-se que os benefícios da hospitalização para o parto nem sempre

estão superando os problemas decorrentes da substituição do domicílio pela unidade de

saúde e seus agentes, em que pese a justificativa para a hospitalização da mulher

durante o parto estar fundamentada na possibilidade de garantir à mãe e ao concepto,

por meio de vigilância contínua, assistência oportuna e adequada.

Cabe lembrar que o hospital destinou-se, inicialmente, a abrigar mendigos e

indigentes, vindo a ser ocupado por pessoas doentes com o passar dos tempos e o

desenvolvimento da medicina. Ainda hoje, qualquer situação que exija internação

hospitalar, envolve uma aura de insegurança, ansiedade e medo, originada pelo próprio

quadro mórbido, pelo ambiente ou por ambos.

A associação da gestação e do parto a processos patológicos gerou absorção

crescente da tecnologia disponível nas instituições, exigindo intervenções cada dia mais

complexas e reforçando a hegemonia do saber médico sobre os outros profissionais,

especialmente nos espaços hospitalares. Em verdade, a hospitalização para o parto tem

sido justificada pela redução de riscos para a mãe e o concepto, atribuída à assistência

prestada pelas equipes das maternidades. Entretanto, estando submetida ao ambiente e à

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estrutura hospitalar, a parturição passa a adquirir conotação de 'doença', em cuja direção

voltam-se rotinas generalizadoras e recursos tecnológicos por vezes complexos.

2.2.3 – |A assistência obstétrica no contexto local.

Em Salvador, a assistência à mulher no parto é essencialmente institucional,

contando com um total de 522** leitos obstétricos do SUS, distribuídos entre as

maternidades e hospitais gerais. A presença de pessoal especializado durante 24 horas

nos serviços e a estruturação e implementação de sistema de integração/referência entre

os diferentes níveis de assistência tem sido apontadas como condições operacionais que,

se bem equacionados, podem contribuir para a melhoria da qualidade da assistência

obstétrica nesta cidade.

No ano de 2004, a mortalidade materna no Estado alcançou a razão de 74,1 por

100.000 nascidos vivos. O maior número de óbitos ocorreu em mulheres entre 20 e 39

anos, predominando as causas obstétricas diretas: hemorragia, hipertensão, aborto e

infecção puerperal em ordem decrescente.††

Considerando-se que esses óbitos vêm ocorrendo, majoritariamente, no espaço

institucional, as características e a conformação do processo de trabalho dos

profissionais nas maternidades estão relacionadas com a maior ou menor possibilidade

de êxito na assistência prestada às usuárias do serviço. O seguinte relato de uma

enfermeira obstetra, apresentado por Nunes (2001, p. 98), expõe as dificuldades

estruturais de funcionamento, ao comenta a “redução de material, funcionários escassos

para uma escala, seja de auxiliares como de enfermeiras e de médicos, deixando toda a

equipe de profissionais cansada, e não ficando um resultado de assistência ideal [...]”.

Convive-se ainda com a desgastante realidade da peregrinação das mulheres.

Tratando das dificuldades operacionais dos serviços, a realidade local é compatível com

o que encontramos descrito em Brasil (2001, p. 21), quando afirma que: ** Dado obtido com infomante-chave da Secretaria de Estado da Saúde da Bahia. Não publicada. †† Dados preliminares do Comitê Estadual de Morte Materna da Bahia. Não publicados. Utilizado fator de reajuste médio das capitais (1,4)

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“Somando-se a isto o fato de que a maior parte dos encaminhamentos oriundos destas unidades dirige-se a unidades de grande porte, com maior complexidade, mas em geral com problemas de superlotação. Os serviços públicos e alguns filantrópicos, que em geral só recusam pacientes por absoluta falta de vagas, não conseguem responder à demanda, provocando em vários centros urbanos uma verdadeira peregrinação no momento do parto”.

No tocante à possibilidade de convivência de diversos saberes e práticas, a

assistência ao parto vê-se atualmente na Bahia, como em todo o País, como alvo de

acirrada discussão que envolve médicos obstetras e enfermeiras especialistas na mesma

área. Nota-se, entretanto, em Salvador, uma tímida atuação de enfermeiras obstétricas

no cotidiano dos serviços de saúde. A indiferenciação da absorção dessa profissional no

mercado de trabalho de maneira vem contribuindo para a invisibilidade da sua

participação no cenário da assistência resolutiva ao parto, conforme pretendem as

instituições formadoras, com o apoio do Ministério da Saúde.

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CAPÍTULO III

ABORDAGEM METODOLÓGICA

______________________________________________________________________

3.1 Tipo de pesquisa

Os objetivos firmados para este estudo exigiram olhar seu objeto a partir da

realização de uma investigação de natureza qualitativa, por permitir a abordagem

contextualizada da realidade social escolhida e, no interior desta, o processo de trabalho

em saúde. A opção pauta-se na afirmação de que o estudo descritivo “ é certamente o

tipo de estudo mais adequado quando o pesquisador necessita obter melhor

entendimento a respeito do comportamento de vários fatores e elementos que influem

sobre determinados fenômenos” (OLIVEIRA, 2000, p. 111)

O trabalho em saúde, reconhecido como prática social, conforma-se a partir

dos elementos do processo de trabalho e organiza-se de acordo com as circunstâncias

política, econômica e sociocultural do momento em que ocorrem. Este estudo se propôs

a aprofundar as particularidades de um tipo específico de trabalho, a partir da visão dos

atores sociais, neste caso, profissionais de saúde de diversas categorias que assistem a

mulher no momento do parto.

Além das características do objeto e dos objetivos pretendidos, a realidade que

está sendo investigada se constitui em um conjunto complexo, de onde emergem

concepções específicas para a compreensão e a análise da realidade. O trabalho de

alguns profissionais, em determinado tempo e lugar, para ser apreciado como fenômeno

social,

“ implica considerar sujeito de estudo: gente, em determinada condição social, pertencente a determinado grupo social ou classe com suas crenças, valores e significados. Implica também considerar que o objeto das ciências sociais é complexo, contraditório, inacabado, e em permanente transformação.”(MINAYO, 2000, p.22). (grifo da autora)

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As ações de saúde, reconhecidas como prática social, conformam-se a partir dos

elementos do processo de trabalho e organizam-se de acordo com as circunstâncias

política, econômica e sócio-cultural do momento em que ocorrem. Este estudo se

propõe a aprofundar as singularidades de um tipo específico de trabalho a partir da visão

dos atores sociais, neste caso, profissionais de saúde de diversas categorias que atendem

à mulher no momento do parto.

A abordagem qualitativa está sendo adotada por ser capaz de “incorporar a

questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às

estruturas sociais, sendo estas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua

transformação como construções humanas significativas”. (MINAYO, 2000, p. 10).

Tendo essas afirmações como pressupostos, a análise dos dados dessa pesquisa está

sendo conduzida no sentido de valorizar as falas ou discursos e de ser capaz de “

processá-los, agrupá-los ou, de algum modo, transformá-los, para obter o pensamento

coletivo, de uma forma qualitativa que respeite a natureza discursiva deste

pensamento”, considerando-se que “ um pensamento é, sempre, algo composto de uma

ou mais idéias, dos conteúdos destas idéias e dos argumentos que a sustentam”.

(LEFÉVRE et. al, 2003,p.15)

3.2 Método

O materialismo histórico-dialético, desenvolveu-se a partir da evolução da

doutrina criada em meados do século XIX por Karl Marx. De conteúdo revolucionário,

posteriormente explorada por Friedrich Engels e Vladmir Ilich Lênin, segundo Triviños

(1987), o marxismo abrange, em princípio, três aspectos: a economia política, o

materialismo histórico e o materialismo dialético, que corresponde a sua base filosófica.

Sobre o papel do materialismo dialético, o mesmo autor afirma que este “ realiza

a tentativa de buscar explicações coerentes, lógicas e racionais para os fenômenos da

natureza, da sociedade e do pensamento”. Tal procura por respostas não ocorre ao sabor

da lógica metafísica, onde a realidade fica subordinada à idéia, pois os marxistas se

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ocuparam de fazer oposição a este raciocínio, mas orienta-se pelas Leis da Dialética, de

açodo com Triviños (1987) esquematizadas, como a seguir:

1 – Lei da unidade e da luta dos contrários: baseia-se no reconhecimento de que

todas as coisas trazem em si elementos contraditórios. A existência de pólos opostos,

implica que um não existe sem o outro, ao mesmo tempo em que representam a

unidade, se assemelham e se diferem simultaneamente. Aí reside a essência da

contradição, que pode ser encontrada em todas as forma de relação da sociedade e que

constitui-se no gerador do movimento próprio da dialética;

2 – Lei da negação da negação: resultado da luta dos contrários e da passagem

de um pólo a outro, a negação dialética é o mecanismo através do qual ocorre o

desenvolvimento dos fenômenos. A transformação começa com a negação de algo que

está posto, que vai sendo substituído somando-se ao já existente. Negar é buscar a

superação, é elemento propulsor do desenvolvimento;

3 – Lei da passagem da quantidade à qualidade: é uma lei geral do

desenvolvimento do mundo material.

Para tratar desse objeto, sob a corrente de pensamento marxista, tem-se claro,

desde a fase inicial de elaboração do próprio projeto, que “toda vida humana é social e

está sujeita a mudança, a transformação, é perecível e, por isso, toda construção social é

histórica” (MINAYO, 2000, p. 68). Isto equivale a dizer que a explicação dos

fenômenos ligados ao processo de trabalho em saúde, entendidos como oriundos de uma

prática social, está sujeita a determinantes de diferentes procedências.

Esse método apresentou-se ajustado ao objeto e aos objetivos do estudo, pela

possibilidade de transitar facilmente pelas características e elementos do processo de

trabalho em saúde, fazendo emergir suas singulares e contradições. Pôde também

“evidenciar mediações e contradições ente a parte e o todo, identifica as determinações

principais e secundárias do problema”, uma vez que permite “ir da aparência à essência,

da abstração ao concreto”, realça Leopardi (2001, p. 105).

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Considerando-se as características do trabalho em saúde, a partir do referencial

de Ricardo Bruno Mendes-Gonçalves, são tratados neste o estudo conceitos tais como:

contradição, totalidade, historicidade, processo, transformação, entre outros, sob a ótica

da particularidade da atenção à mulher no parto normal, no cenário em estudo.

Além da categoria da contradição, base do método dialético, é fundamental a

abordagem da totalidade, segundo a qual, o todo predomina sobre as partes,

considerando que “a dialética acredita que a contradição mora dentro da realidade. Não

é defeito. É marca registrada. É isto que a faz um constante vir-a-ser, um processo

interminável, criativo e irrequieto. Ou seja, que a faz histórica”.(DEMO, 1987, p.87).

De acordo com Politzer (1995, 880), “uma boa análise dialética assenhora-se,

pois, do caráter específico de determinado processo; mas, isso só será possível se ela

não isola esse processo, do movimento de conjunto que condiciona sua existência”. Isto

equivale a ter em conta que o movimento de conjunto permite a convivência de opostos,

e Demo (1987 p. 88) considera que “unidade de contrários significa a convivência na

mesma totalidade de dois pólos que, ao mesmo tempo, se repelem e se atraem. Por

outra, esta noção fundamenta a visão da totalidade, que muita caracteriza a postura

dialética”.

Para Kosik (1995, p. 44), “totalidade significa: realidade como um todo

estruturado, dialético, no qual ou do qual um fato qualquer (classes de fatos, conjunto de

fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido”. A categoria da totalidade também se

aplicou a este estudo, uma vez que foi necessário conhecer a configuração do processo

de trabalho a partir da sua articulação com o contexto histórico mais abrangente da

instituição e vice-versa.

Aranha (1993, p.88), considera que “análise e síntese implicam-se mutuamente.

Com efeito, analisar é separar os elementos de um todo. Não há elementos em si”.

Concordando com a autora e ciente do desafio de analisar com profundidade uma

realidade que se apresenta complexa e multifacetada, optou-se por desenvolver um

estudo com base no método dialético, tendo como objeto “o processo de trabalho na

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atenção à mulher no parto normal”, cujo recorte está focado no centro obstétrico de uma

maternidade da cidade de Salvador - Bahia.

Para a adoção de tal perspectiva, foi condição precípua que o objeto do estudo,

fosse circunscrito em relação ao momento histórico dos fatos, o lugar onde ocorreram,

as circunstâncias e os(as) agentes(as) envolvidos(as), conforme se verá a seguir.

3.3 O cenário do estudo

Para a delimitação e contextualização da instituição onde foi desenvolvido o

estudo, apresentamos as informações obtidas sobre a mesma.

A Unidade encontra-se vinculada à Secretaria de Saúde do Estado, assim como

todos os hospitais públicos da cidade, uma vez que o município de Salvador ainda não

se encontra habilitado na gestão plena do Sistema de Saúde. A maternidade aderiu ao

Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento - PHPN, em 2003. As Comissões

Internas de Investigação da Morte Materna e a de Controle de Infecção Hospitalar

encontram-se em funcionamento, já a Comissão de Ética e Pesquisa ainda se encontra

em fase de estudo com vistas à implantação. Tem o maior número de leitos do

município, atende exclusivamente a demanda do SUS, sendo um serviço de referência

para todo o Estado da Bahia, considerada de assistência e de ensino. Dá cobertura a um

conjunto de bairros bastante populosos, além de receber mulheres e recém-nascidos

encaminhados de outros serviços localizados na Região Metropolitana de Salvador e em

municípios distantes.

De acordo com Vieira (2002, p. 47):

“A medicalização do corpo feminino se estabelece no século XIX, em meio aos discursos de exaltação da maternidade, que se torna então objeto da medicina. O processo para medicalizar o parto foi longo: começa por volta de trezentos anos antes de sua institucionalização nos hospitais e do estabelecimento desta área do conhecimento como área médica, [...] propondo e efetivando a hospitalização do parto e a criação de maternidades, instituições hospitalares exclusivas para tal fim”.

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Dessa forma, em meados do século XX, por iniciativa do Governo do Estado

da Bahia, cria-se a Maternidade “X”. Na época, vigorava notável interesse pela

incorporação do parto como ato médico, principalmente pela necessidade de “corpos”

para a prática acadêmica. O conteúdo das informações veiculadas oficialmente à época

da criação da citada maternidade explicita a conotação que circundava a inauguração

daquele estabelecimento, como a seguir:

“Art.2º - A assistência obstétrica e ginecológica é exercida na Maternidade “X” atendendo às parturientes internas com predominância de maior soma de cuidados médicos sobre os complementares como os de assistência social.” (BAHIA, 1959).

Além da ênfase atribuída à assistência médica, a inauguração se configurou em

um fato político afinado com um modelo de atenção que se pautava na oferta de

serviços de saúde com cunho caritativo e não como direito da população, caracterizando

a noção de que, somente a partir daquele momento, as mulheres pobres da cidade

poderiam ter seus filhos com segurança. Esse contexto tem semelhança com o que

ocorria em outras regiões do país. Jane Progianti, tendo estudado a atenção ao parto na

cidade do Rio de Janeiro na primeira metade do século XX, descreve quatro tipos de

organização dessa atenção, o que denominou de Modelos A, B, C e D. O modelo C,

criado a partir de 1934, é descrito como sendo constituído pó uma rede pública de

maternidades que:

“incentivava a hospitalização de todas as parturientes com o conseqüente controle médico do corpo da mulher no campo obstétrico. Foi um modelo que se tornou hegemônico rapidamente, uma vez que além de atender aos interesses acadêmicos e profissionais dos médicos, rendia frutos políticos e eleitoreiros através da oferta de empregos públicos, inclusive para pessoal sem qualificação e engordava as listas de obras públicas e alimentava o clientelismo usando vagas para internação, consultas extras, exames e remédios”. (PROGIANTI, 2001, p. 106)

Atualmente, nos corredores da instituição estudada, não é raro encontrarmos,

entre as mulheres internadas e seus acompanhantes, citações sobre a história de

familiares de diferentes gerações que ali procuraram atendimento, seus motivos,

satisfações e insatisfações. Mesmo reconhecendo a existência de dificuldades

operacionais do serviço, o senso comum identifica a maternidade como “a que nunca

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deixa de atender a quem procura”. Em entrevista publicada recentemente, a um jornal

local, a diretora da maternidade afirma que:

“[...]a maternidade “X” é um caso particular, envolvendo até o aspecto cultural e familiar, pois muitas mulheres querem fazer o parto no local. Segundo ela [a diretora da maternidade], as mães, muitas vezes, por já terem dado à luz na “X”, resistem em buscar outras unidades, mesmo com as filhas sentindo dores e depois de orientadas a procurarem outros hospitais”. (OLIVEIRA, 2004).

Essa afirmação está relacionada ao fato de que as mulheres chegam a procurar

outros serviços “peregrinando” por vagas, mas terminam chegando a esta Unidade em

estágios tão avançados, seja do trabalho de parto ou outro motivo, que não há mais

como encaminhar para outra instituição. Este fato contribui para a constante

superlotação em alguns dias e horários.

No ano 2004, dentre todos os atendimentos, essa maternidade contabilizou:

4.996 partos normais (79% do total de partos), 2616 curetagens e teve taxa de cesárea

de 25%. Naquele ano ocorreram 03 óbitos maternos e 145 natimortos, conforme boletim

estatístico da Unidade (ANEXO I). Naquele ano, do total de atendimentos no setor de

emergência 11.351 (51%) correspondeu a atendimentos que não resultaram em

internação, como ameaça de abortamento e de parto prematuro e, principalmente

queixas ginecológicas, o que denota que um grande contingente de mulheres não tem

conseguido atendimento na rede básica para acompanhamento ambulatorial e terminam

procurando a maternidade quando os sintomas se intensificam.

A instituição concentra o maior número de atendimentos e procedimentos nas

áreas da ginecologia e obstetrícia pública no Estado. Presta atendimento ambulatorial

em pré-natal e puerpério, planejamento familiar, ginecologia e prevenção de

DST/AIDS. Para a assistência hospitalar conta com 126 leitos em obstetrícia e

ginecologia, parto normal e cirúrgico, alojamento conjunto, além unidade neonatal de

médio e alto-risco. Dispõe ainda de laboratório e ambulância nas 24 horas. Dentre os

motivos mais freqüentes para internamento das mulheres destacam-se: trabalho de

parto, abortamento com e sem complicação, gestação de alto-risco, complicações pós-

parto, emergências ginecológicas e obstétricas. Para os quadros graves que requerem

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assistência do tipo intensiva, as unidades solicitam disponibilidade de leitos nos

hospitais gerais, concorrendo com todos os outros tipos de demanda. Até a apresentação

deste estudo, ainda não existia maternidade com leito de UTI na rede pública do

município, o que se constituía em mais um elemento desfavorável para o trabalho nas

maternidades.

Encontram-se com freqüência no serviço, estudantes dos cursos de medicina e

enfermagem (graduação e técnico), além de alunos de outros cursos da área da saúde.

Muitos médicos obstetras graduados nas Faculdades de medicina da cidade, em

diferentes gerações, referem-se à maternidade “X” como uma grande “escola de

obstetrícia” e de “lição de vida”. A emoção salta aos olhos quando referem-se a fatos, a

profissionais e a pacientes com que se depararam ao longo do tempo em que atuaram

naquela instituição. Desde 1996, a instituição vem sendo dirigida por enfermeira

obstetra, indicada pelo Secretário de Saúde, cargo que, nas duas gestões anteriores, foi

ocupado por um médico obstetra e professor de renome que trabalhou por longos anos

nesta maternidade, tendo-a como a menina-dos-olhos, segundo comentários ouvidos

repetidas vezes.

A assistência no espaço do centro obstétrico mobiliza, com maior freqüência,

médicos obstetras, pediatras e equipe de enfermagem, além de pessoal de laboratório.

Em alguns casos solicita-se a participação do serviço social. O serviço de nutrição é

terceirizado e ultra-diagnósticos só podem ser realizados em dias e horários específicos.

Quando há necessidade de transfusões sanguíneas, a unidade depende dos serviços de

Banco de Sangue que centralizam esse atendimento para todos os hospitais da cidade.

O centro obstétrico configura-se como o setor mais complexo em relação ao

processo de trabalho em equipe. Seu espaço inclui a sala de triagem/admissão, salas de

pré-parto e de parto normal, salas de cesárea e de curetagem e sala de cuidados ao

recém nascido. Dentre os profissionais que atuam nessa área da maternidade,

encontramos a categoria médica, representada por obstetras, pediatras e

anestesiologistas. A enfermagem, quantitativamente predominante, compõe-se de

auxiliares e técnicas de enfermagem, além de enfermeiras especialistas em obstetrícia e

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neonatologia. Conta-se ainda com assistentes sociais, nutricionistas e pessoal de

laboratório.

O contingente de profissionais de saúde é composto na maioria por

trabalhadoras e trabalhadores do quadro próprio de Secretaria de Saúde, concursados ou

não e os demais são originados do sistema REDA‡‡, forma terceirizada de contratação

através da qual vem sendo parcialmente coberta a defasagem de recursos humanos nos

órgãos da rede pública em todo o Estado, inclusive nos serviços de saúde.

Entre profissionais de saúde, há predominância de mulheres (92,7%), chegando

a 100% nas seguintes categorias: enfermeiras, nutricionistas, assistentes sociais e

psicólogas. As mulheres representam ainda 63% da equipe médica e 79% na área

administrativa da instituição. As coordenações de área e as chefias de setores são

exercidas por mulheres e homens com percentuais de 50% para cada sexo.

Dentre auxiliares de enfermagem registra-se apenas um homem, sendo também

em número bastante reduzido entre o pessoal de lavanderia. Há exclusividade de

homens apenas entre os serviços de segurança, transporte e manutenção. No quadro de

pessoal de higienização e de copa/cozinha, também predominam as mulheres, com

maioria de trabalhadoras vinculadas a empresas terceirizadas para estes serviços.

Há mais de oito anos a direção da maternidade é exercida por uma mulher. Há

mais de oito anos a maternidade é dirigida por mulheres, inicialmente médicas e, por

enfermeiras. A ocupação do cago de direção é proveniente de indicação do Secretário de

Saúde do Estado.

3.4. Os sujeitos do estudo

Profissionais de diferentes categorias compõem o cenário deste estudo e, da

mesma forma que em outros tipos de hospital, predominam trabalhadores da equipe

médica e de enfermagem. Foram incluídas, portanto, assistentes sociais e pessoal de

laboratório por considerarmos serem os que participam mais diretamente do trabalho no

‡‡ REDA – Regime Especial de Direito Administrativo.

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centro obstétrico, depois da equipe médica e de enfermagem. Foram adotados os

seguintes critérios para a inclusão de sujeitos:

1 – Aceitar fazer parte do estudo e assinar o Termo de Consentimento (APÊNDICE 01);

2 - Atuar no centro obstétrico da maternidade próximo com às parturientes, há pelo

menos um ano;

3 – Ter sido observada/o desenvolvendo o seu trabalho nas oportunidades de observação

participante realizadas pela pesquisadora.

Assim foi possível contar com a participação de dezessete profissionais,

incluindo as seguintes categorias: auxiliares de enfermagem, enfermeiras, técnicos de

laboratório, bioquímico, médicos, assistentes sociais e nutricionistas. Cada profissional

foi sendo convidada/o a participar do estudo, conforme o potencial de contribuição no

alcance dos objetivos da pesquisa pois, conforme lembra Minayo (2000, p. 103),:

“muitos atores sociais serão descobertos no decorrer da pesquisa, no efeito de inclusão progressiva na amostragem. Certamente o número de pessoas é menos importante do que a teimosia de enxergar a questão sob várias perspectivas, pontos de vista e de observação”.

Nesse sentido, a observação participante do trabalho de um grande número de

profissionais permitiu visão mais abrangente do trabalho numa perspectiva de ação

coletiva, facilitando a identificação dos sujeitos a serem entrevistados. Para essa

composição, definiu-se assumir conduta segundo a qual o pesquisador conduz a

formação do grupo de depoentes “conduzindo a coleta sem uma prévia determinação do

número de elementos participantes, mas sim opta por conduzi-la até que os dados sejam

recorrentes, ou seja, as informações não apresentem ‘novidade’, ou novo conteúdo. Diz-

se que há saturação dos dados”. (LEOPARDI, 2001, p.191).

3.5. A aproximação ao campo e coleta de dados.

A etapa inicial correspondeu à aproximação da pesquisadora no cenário do

campo empírico, por meio de conversas assistemáticas com os profissionais e

participação em reunião com a Diretora da maternidade e a coordenadora do serviço de

enfermagem. Nessa primeira aproximação apresentei as idéias gerais e preliminares do

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presente estudo e obtive dados importantes sobre a instituição, tendo também

estabelecido a articulação necessária para os trâmites formais com vistas à autorização

da pesquisa. Obtida autorização para a realização da pesquisa, recebi o crachá de

identificação para circulação na maternidade e estabeleci, juntamente com a direção, um

cronograma de comparecimento para as entrevistas e observação participante. Nas

primeiras visitas fui sendo reconhecida pelas pessoas e aproveitando as oportunidades

para informar o motivo da minha presença, pois notavam que eu não estava

acompanhada de estudantes. Não foi percebida qualquer restrição à minha presença por

algum dos profissionais.

No primeiro momento da etapa de coleta realizada no período de novembro de

2004 a fevereiro de 2005, compareci à maternidade em média de três turnos por semana

em dias e horários diferentes, em períodos diurnos, noturnos e finais de semana. Para

essa etapa foram utilizadas como técnicas, a observação participante e a entrevista

semi-estruturada.

Na segunda etapa dei continuidade à coleta através da observação participante.

As técnicas escolhidas mostraram-se adequadas ao objeto e aos objetivos pela

possibilidade que oferece à pesquisadora, estando inserida no contexto de atuação dos

profissionais no cotidiano do trabalho no centro obstétrico, captar suas impressões com

a atenção voltada para os elementos do processo de trabalho, a forma como ocorrem os

fatos em relação a finalidades, aos meios/instrumentos, aos profissionais envolvidos e as

relações interpessoais. Um roteiro foi utilizado para o registro sobre o observado, com o

cuidado de contextualizar a forma como os acontecimentos se sucediam, mas aberto à

livre narrativa dos fatos, pela observadora. (APÊNDICE 02)

Esta técnica, de muita adesão entre os estudiosos das ciências sociais, foi de

grande valia nessa caminhada, considerando a posição de Leopardi (2001, p. 195), ao

referir que “o contato direto do investigador com o fenômeno observado pode visar uma

descrição da situação, dos sujeitos, do local, do tempo, das ações e suas significações,

dos conflitos, das relações interpessoais e sociais, das atitudes e comportamentos diante

da realidade”.

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O espaço de observação constituiu-se de: sala de admissão/triagem, salas de

pré-parto e parto normal, além de salas de apoio existentes no cento obstétrico.

Entretanto, com o deslocamento próprio dos profissionais, foi necessário adentrar outros

espaços. Os agendamentos foram feitos em conjunto com as chefias, tendo-se atenção

para que os períodos estabelecidos pudessem representar os diferentes momentos do

trabalho e as diversas composições das equipes.

A inserção no trabalho ocorreu progressivamente, ora apenas observando e ora

com envolvimento direto e participação na assistência, tendo inclusive oportunidade de

atuar em três partos, sendo um deles por solicitação do médico obstetra que se dizia

“sobrecarregado na sala de admissão”. Nas outras duas ocasiões fui a primeira pessoa a

atender aos gritos da parturiente e da servente que tentava acudi-la, não havendo tempo

sequer para levá-la até a sala de parto.

Em todas as visitas para a coleta de dados eu circulava pelos setores e me

detinha por algumas horas nas salas do centro obstétrico (admissão, pré-parto e sala de

parto), conversava com profissionais e parturientes, deslocava-me a outros setores e

consultava prontuários, relatórios, livros de ocorrências, mapas, escalas e outros cuja

consulta se revelava importante para o contexto observado. Vez por outra me afastava

um pouco e registrava no diário de campo as informações relevantes obtidas, com o

maior detalhamento possível. Também aproveitava as oportunidades para selecionar os

sujeitos e convidá-los a fazerem parte da pesquisa. Todas as pessoas consultadas

concordaram e assim foram sendo agendadas as entrevistas conforme a escala e a

disponibilidade de cada um.

A entrevista semi-estruturada é aquela que tem como intenção obter

informações diretamente com os profissionais no cenário da investigação, ouvindo-os e

vendo-os falar sobre o objeto do estudo. Também essa técnica, se bem aplicada, pode

produzir riqueza de dados. “A entrevista tem a vantagem essencial de que são os

mesmos atores sociais que proporcionam os dados relativos a suas condutas, opiniões,

desejos e expectativas, coisa que, pela sua própria natureza, é impossível perceber de

fora”, justifica Leopardi (op. cit., p.203)

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As entrevistas foram realizadas no próprio serviço, em diferentes espaços,

garantindo liberdade e privacidade ao entrevistado e utilizando o gravador após

autorização dos profissionais. A duração média foi de trinta e cinco minutos. Todas

ocorreram após a observação participante e seguiram o roteiro previamente elaborado e

composto de duas partes, com questões iguais para todos os sujeitos. Na primeira parte

foi caracterizado o perfil do grupo em relação a dados de identificação e funcionais, e a

segunda constou de questões abertas dirigidas especificamente aos objetivos da pesquisa

(APÊNDICE 03). Após aplicação do instrumento piloto para teste e validação, o roteiro

foi ajustado para o prosseguimento da coleta de dados.

Confirmou-se haver coerência entre o roteiro usado para a entrevista e a técnica

escolhida para análise das respostas, uma vez que o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC)

consiste numa “forma qualitativa de representar o pensamento de uma coletividade, o

que se faz agregando, num só discurso síntese, conteúdos discursivos de sentido

semelhante emitidos por pessoas distintas, como respostas a perguntas abertas”

(LEFÉVRE; LEFÉVRE, 2005a).

À medida em que foram sendo desenvolvidas as entrevistas, algumas dúvidas

sobre medidas administrativas e técnicas surgiram, motivando o agendamento de

conversa com a Diretora da maternidade, para a obtenção dos esclarecimentos

necessários.

3.6 As questões éticas

Em todas as etapas do estudo foram consideradas as recomendações postas na

Resolução Nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996), com destaque

para o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O Projeto foi submetido às

instâncias competentes para a devida autorização da maternidade e encaminhado para

análise da Comissão de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery da

UFRJ, tendo recebido parecer favorável ao desenvolvimento desta pesquisa. (ANEXO

II).

Todos os sujeitos leram e assinaram o termo de consentimento, os quais estão

arquivados juntamente com as fitas gravadas e encontram-se à disposição destes. Os

depoimentos que servem de referência para a análise são preservadas em relação a

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autoria. Do mesmo modo, as situações observadas são descritas de forma a não permitir

a identificação das pessoas envolvidas, apenas com discriminação da categoria

profissional, quando necessário.

3.7 Procedimentos para organização e análise dos dados

Para essa etapa optamos por utilizar como estratégia metodológica o Discurso

do Sujeito Coletivo (DSC), que se mostra adequada para estudos qualitativos “com

vistas a tornar mais claro o conjunto de pensamentos manifestados pelos sujeitos de

uma pesquisa” (LEFÉVRE, et. al., 2000, p. 19)., com a possibilidade também de

quantificação.

Trata-se de uma técnica que é proposta como alternativa que privilegia o

discurso resultante dos depoimentos das pessoas, entendidas como “um conjunto de

indivíduos [nesse caso de profissionais] que, situados numa dada posição no campo de

trabalho, são identificáveis como uma categoria” (idem, p. 15).

O material com o qual se constrói o DSC, reflete o pensar expresso sobre um

certo assunto e manifestado por um conjunto de sujeitos, sendo importante salientar que

“ os discursos não se anulam ou se reduzem a uma categoria comum unificadora, já que o que se busca fazer é precisamente o inverso, ou seja, reconstruir, com pedaços de discursos individuais, como em um quebra-cabeça, tantos discursos-síntese quantos se julgue necessário para expressar uma dada ‘figura’, ou seja, um dado pensar ou representação social sobre o fenômeno”. (LEFÉVRE, idem, p. 19)

O procedimento metodológico para a obtenção do DSC, requer o cumprimento

das seguintes etapas: leitura exaustiva das entrevistas – identificação da idéia central das

falas – atribuição de expressões-chave para identificar as idéias centrais – agrupamento

das expressões por aproximação de significado – nova identificação da idéia central –

organização das falas (discurso coletivo) e análise do discurso construídos.

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Essa técnica de análise e interpretação do DSC requer, como condição prévia, a

utilização de quatro figuras metodológicas: expressões-chave; idéias centrais;

ancoragens e o discurso do sujeito coletivo (DSC). De acordo com (LEFÉVRE, et. al,

2005b), esses conceitos, também chamados de operadores do DSC, podem ser assim

definidos:

Expressões-chave (ECH) – são pedaços, trechos do discurso que devem ser

destacados pelo pesquisador e que revelam a essência do conteúdo do discurso ou a

teoria subjacente;

Idéias-centrais (IC) – é um nome ou expressão que revela, descreve e nomeia, da

maneira mais sintética e precisa possível, o (s) sentido (s) de cada um dos discursos

analisados e de cada conjunto de ECH, que vai dar nascimento, posteriormente ao DSC.

Tem função eminentemente discriminadora permitindo distinguir os conjuntos de

depoimentos semanticamente equivalentes.

Ancoragens (AC) – são afirmações genéricas usadas pelos depoentes para

“enquadrar” situações particulares. É a expressão de uma dada teoria ou ideologia que o

autor do discurso professa e que está embutida no seu discurso como se fosse uma

afirmação qualquer.

Discurso do sujeito coletivo (DSC) – é a reunião, num só discurso-síntese

homogêneo, redigido na primeira pessoa do singular, de expressões-chaves, que tem a

mesma idéia central ou ancoragem. O sujeito coletivo pode ser expresso através de um

ou de vários discursos.

A construção do DSC requer ainda que se lance mão de operações de retórica

semanticamente neutras, destinadas a fazer com que o conjunto das expressões-chave

selecionadas se transforme num discurso. Sinteticamente, estas são as operações

retóricas aplicadas:

Temporalidade – dar uma ordem temporal como se contássemos uma história;

Ir do geral para o particular – iniciar com afirmações mais gerais e ir detalhando

ao longo do discurso;

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Inserir conectivos – para fazer ligação entre frases no interior dos parágrafos e

estabelecer relações;

Inserir signos de pontuação para dar clareza, objetividade e sentido ao discurso;

Suprimir repetições de termos e expressões substituindo-os por sinônimos ou

equivalentes;

Suprimir identificadores muito particulares: idade, sexo, detalhes de histórias

particulares.

Os discursos expressam a realidade uma vez que o pensamento e a linguagem,

indissociáveis, expressam as formações ideológicas de uma pessoa, através de suas

formações discursivas. Suas crenças e valores, sua visão de mundo pode ser apreendida

em um texto que reflita um discurso, considerando que

“enquanto o discurso é a materialização das formações ideológicas, sendo, por isso, determinado por elas, o texto é unicamente o lugar de manipulação consciente, em que o homem organiza, da melhor maneira possível, os elementos de expressão que estão à sua disposição para veicular seu discurso. O texto é, pois, individual, enquanto o discurso é social”. (FIORIN, 1998, p. 41).

A adequada aplicação da técnica para organização do DSC permite “a reunião

de todas as possibilidades imaginárias (discurso uno, diferente e antagônico) oferecidas

por uma dada cultura, num dado momento, para pensar um dado tema”. (LEFÉVRE, et.

al, 2005b).

A organização dos Discursos do Sujeito Coletivo (DSCs), extraídos das

repostas dos sujeitos, obedeceu às operações descritas e está permitindo analisar o

processo de trabalho na assistência à mulher no parto normal hospitalar, objetivo deste

estudo. Para dar melhor coerência e visibilidade aos trechos retirados dos depoimentos e

visando a contextualização da análise, as expressões chaves estão agrupadas, não

necessariamente, na ordem em que aparecem nos discursos, mas, de forma a permitir

que a análise seja orientada pela totalidade dos fatos e das circunstâncias que envolvem

a idéia central.

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A análise dos dados desta pesquisa foi conduzida no sentido de valorizar as

falas ou discursos e de se capaz de “processá-los, agrupá-los ou, de algum modo,

transformá-los, para obter o pensamento coletivo, de uma forma qualitativa que respeite

a natureza discursiva deste pensamento”, considerando-se que “um pensamento é,

sempre, algo composto de uma ou mais idéias, dos conteúdos destas idéias e dos

argumentos que a sustentam”. (LEFÉVRE et al, 2005a, p.15).

Conforme já descrito, análise e discussão dos resultados da pesquisa estão

fundamentadas nas bases teóricas apresentadas em capítulo anterior no tocante ao

referencial teórico do processo de trabalho em saúde explicado por Mendes Gonçalves e

outros autores e no método da dialética Marxista.

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CAPÍTULO IV

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ______________________________________________________________________

4.1 O perfil dos depoentes

Para o conhecimento das características dos profissionais que participaram da

pesquisa, apresentamos as informações pessoais e funcionais que contextualizam o

processo de trabalho a partir do referencial escolhido, conforme será abordado na

análise dos discursos.

Quadro I – Distribuição dos sujeitos segundo perfil pessoal e funcional.

Maternidade “X”. Salvador .Ba. 2005

Nº PROFISSÃO IDADE SEXO TEMPO DE PROFISSÃO

(anos)

TEMPO DE ATUAÇÃO

NO C.O. (anos)

TIPO DE VÍNCULO

OUTRO EMPRE-

GO

CARGA HORÁ-RIA DE TRABA-

LHO 01 Enfermeira obst. 50 F 16 02 Quadro Sim 60 02 Enfermeira 50 F 24 02 REDA Sim 40 03 Enfermeira 26 F 05 01 REDA Sim 70 04 Auxiliar 50 F 26 20 Quadro Não 48 05 Auxiliar 34 F 16 16 Quadro Não 48 06 Auxiliar 32 F 10 07 Quadro Não 48 07 Auxiliar 41 F 13 01 Quadro Não 36 08 Médica obs. 30 F 08 06 REDA Sim 68 09 Médica obst. 30 F 10 04 Cooperativa Sim 60 10 Médica obst. 50 F 19 04 Cooperativa Sim 48 11 Médico obst. 52 M 30 30 Quadro Sim 78 12 Téc. Laboratório 59 F 15 15 Quadro Não 40 13 Téc. Laboratório 48 M 29 17 Quadro Não 40 14 Bioquímico 44 M 20 19 Quadro Sim 48 15 Nutricionista 52 F 25 15 Quadro Sim 66 16 Assistente Social 50 F 26 20 Quadro Sim 72 17 Assistente Social 41 F 17 14 Quadro Não 48

A média de idade foi de quarenta anos, com profissionais na faixa etária de 30 a

59 anos, portanto o grupo não se diferenciou muito em relação à faixa etária, fato que

pode explicar a tendência dos posicionamentos encontrados nos discursos .

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Quanto ao sexo, houve predomínio de mulheres (14), correspondendo a 82%. Os

homens representaram 18% e pertenciam às únicas categorias com profissionais

masculinos atuando no centro obstétrico: médico, bioquímico, técnico de laboratório.

Esta proporcionalidade foi adotada para o grupo de depoentes refletindo a mesma

encontrada na composição do quadro de pessoal que atua na assistência à mulher no

parto.

O tempo de atuação no Centro Obstétrico, variou de 1 ano até 30 anos, com

tempo médio de 11 anos, já o tempo médio de profissão ficou em torno de 18 anos.

A partir do cruzamento desses dados, identificamos que para todos os sujeitos do

estudo, o maior tempo de trabalho como profissional foi na assistência ao parto. Essa

característica confere notável contribuição à experiência dos depoentes do ponto de

vista da participação em múltiplas situações de assistência e contexto de trabalho.

Observa-se que 10 profissionais tem outro vínculo empregatício, todos na

mesma função, ao passo que 7 não possuem. Dentre os primeiros, estão todos os

profissionais de nível universitário, com exceção de 1 das assistentes sociais. Todos os

de nível médio possuem vínculo empregatício exclusivo com essa maternidade.

No tocante ao tipo de vínculo, o grupo foi composto da seguinte forma: 12

(70,5%) do quadro permanente; 3 (17,8%) contratados através do sistema REDA e 2

(11,7%) são cooperativados. Na primeira opção, enquadram-se todas as auxiliares de

enfermagem, técnicos de laboratório, assistentes sociais, a nutricionista e o bioquímico.

As demais formas de contratação foram encontradas apenas para enfermeiras e médicos

e, nesta última categoria, tivemos representantes dos três tipos de vínculo empregatício.

Numa visão abrangente sobre o perfil dos sujeitos, podemos observar que as

variáveis: idade, sexo e tempo, tanto de profissão quanto de atuação no Centro

Obstétrico, são as que mais aproximam as pessoas desse grupo. Por outro lado,o número

e tipos de vínculos empregatícios, assim como a carga horária de trabalho semanal

concorrem para a potencialização das diferenças intra-grupais.

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Em relação ao total de horas de trabalho por semana, identificamos variação

entre mínimo de 36 horas para 1 auxiliar de enfermagem e o máximo de 78 horas para 1

médico, ficando a média da carga horária em 54 horas semanais. Os profissionais com

mais horas de trabalho correspondem aos que têm 2 ou mais vínculos e estão

concentrados no grupo de nível universitário, conforme já apontado.

A distribuição da carga horária tem características específicas conforme a categoria, sendo encontrados diferentes formatos de escala em relação a horário e setores, conforme a seguir:

Auxiliares de enfermagem: cumprem escala de quatro jornadas de 12 / 36 horas,

diurnas e noturnas, por semana, são lotadas exclusivamente no centro obstétrico e

distribuídas pelas enfermeiras entre as salas de admissão, pré-parto e parto. As do centro

cirúrgico são fixas. Prestam toda a assistência direta às parturientes, geralmente

atendendo às solicitações das enfermeiras e dos médicos.

Enfermeiras: também fazem o mesmo tipo de escala e dividem-se entre dois

grupos (as que trabalham durante o noturno). A exclusividade de setor só ocorre pela

manhã e nos outros turnos é possível encontrar geralmente duas e, excepcionalmente

três enfermeiras, para toda a maternidade (três enfermarias, unidade neonatal de médio e

alto risco e centro obstétrico). As enfermeiras se ocupam de gerencia das unidades,

prestam orientações às mulheres e familiares e, esporadicamente, realizam

procedimentos diretamente com as mulheres.

Médicos: quatro obstetras e um pediatra fazem jornadas de vinte e quatro horas

em dias fixos da semana, chamados de plantonistas e responsáveis pelo pronto

atendimento, partos, cirurgias, pelas intercorrências das enfermarias e do berçário. Três

obstetras é o número mais freqüentemente encontrado, os quais estabelecem uma forma

de rodízio interno para dividir o trabalho, levando em conta inclusive algumas

preferências pessoais. Outra equipe de diaristas faz a visita às enfermarias e berçário.

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Nutricionista: jornadas de seis e de doze horas. Atuam diariamente, em média

duas profissionais pela manhã e uma à tarde visitando todos os setores e levantando as

dietas prescritas nos prontuários. Eventualmente conversam com as mulheres para

esclarecer dúvidas sobre a dieta e dar informações sobre a importância da alimentação

para o sucesso do aleitamento materno.

Assistente social: trabalham em jornadas de seis e de doze horas. Geralmente

conta-se com uma em cada dia para atender às demandas da área hospitalar. Visitam as

mulheres com necessidades específicas em relação a visitas, fazem contatos com as

famílias, cuidam de transferências, situações de adoção, e documentação. Atendem ao

centro obstétrico e às enfermarias.

Bioquímico: trabalham em plantões de 24 horas, uma vez por semana,

geralmente em dias fixos. Supervisionam os técnicos de laboratório e, eventualmente,

ajudam aos técnicos na coleta e realização de exames ou são chamados pelos médicos

para cuidarem dos exames mais complexos.

Técnicos de laboratório: cumprem um total de 24 a 36 horas semanais, divididas

em dois a três turnos de 12 horas. Realizam todas as coletas de material para exame

conforme as rotinas e atendem aos chamados para exames de urgência no centro

obstétrico, nas enfermarias e na unidade neonatal.

No que concerne ao tipo de vínculo, o perfil funcional do grupo conforma um

mosaico e as características dessas pessoas reportam a um quadro de pessoal cujos

contornos são freqüentes no Sistema Único de Saúde, pois, “tem-se observado que, no

setor público de saúde, além dos propósitos de obter o mesmo trabalho, com “menores

obrigações trabalhistas e sindicais”, há crescente ausência de vínculos com a instituição.

(LIMA, 2001, p. 85).

A autora afirma ainda que essas “novas” tendências nos atuais mercados de

trabalho apontam na direção de uma gradual redução de trabalhadores com vínculos

institucionais/ empregatícios, em detrimento da opção de empregar-se cada vez mais e

com maior freqüência e flexibilidade e força de trabalho disponível no mercado, nas

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formas terceirizadas e, no setor, de saúde, vêm se destacando os vínculos, por meio das

cooperativas, para os médicos e os convênios para suprir a falta da maioria dos

profissionais. (op.cit.)

A defasagem de pessoal não se constitui em fato novo e já era apontada há uma

década atrás, pois “os serviços sofrem o impacto das políticas de ajuste impostas pela

contenção de gastos públicos, determinando conseqüências negativas ao setor pela

deterioração nas estruturas de trabalho”. (PAIM, 1994, p. 12).

Na composição do quadro de pessoal no âmbito do SUS, a falácia da chamada

“flexibilização” da relação empregado X empregador, usada como artifício para fugir da

legislação trabalhista, através de contratações temporárias de profissionais e da criação

de diferentes categorias de “estagiários”. Esses são recursos que tem chegado aos

serviços públicos de saúde como alternativa para a manutenção de quadros mínimos de

pessoal para a manutenção do funcionamento, tendo a instituição em questão adotado a

contratação via cooperativas e terceirizações.

Reconhecendo a necessidade de manter esse assunto em pauta permanente, a 12ª

Conferência Nacional de Saúde, realizada em novembro de 2004, discutiu o “trabalho

na Saúde” como um dos nove eixos temáticos, tendo entre as principais questões

colocadas,

“...o desafio de se acompanhar as profundas mudanças no mundo do trabalho, devido, principalmente à incorporação de novas tecnologias e ao processo de globalização, sem que se inviabilize a efetivação do SUS. Isso envolve diretamente a avaliação das deficiências quali-quantitativas de recursos humanos na área da saúde e a implantação de uma política que reduza a precarização das relações de trabalho no setor, possibilitando mais investimentos na capacitação e educação continuada dos profissionais e melhores resultados dessas ações. (NORONHA, 2003, p. 10)

Durante a conferência, dentre os pontos mais discutidos sobre essa tema,

destacaram-se as propostas de: plano de carreira unificado, carga horária de 30 horas

semanais e admissão por concurso público. Referindo-se às condições de contratação, a

representante da Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde do Ministério

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da Saúde reconheceu a inexistência de plano de carreira; convivência de diferentes

salários numa mesma unidade de atendimento; precariedade nas contratações e grande

rotatividade. (XAVIER, 2004).

Em sua plenária final, entretanto, a conferência reafirmou o estabelecimento de:

piso salarial para todas as categorias; política de gratificação por dedicação exclusiva e

risco de vida; adoção de concurso público e a recomposição das perdas salariais

decorrentes dos planos econômicos.

As mulheres vêm participando de maneira crescente no mercado de trabalho,

seja ele formal ou informal, ora substituindo a exclusiva dedicação ao trabalho de

âmbito privado doméstico, pela atividade pública, ora acumulando tarefas dentro e fora

de casa, caracterizando duplas e triplas jornadas. Schirmer comenta que

“ para muitas mulheres ficar em casa já não é mais uma opção, e grande parte delas entra e sai do mundo do trabalho segundo suas necessidades econômicas, preferências pessoais, circunstancias domésticas e as oportunidades do mercado de trabalho” (SCHIRMER, 1997, p. 103)

Torna-se necessário ressaltar ainda que o predomínio de mulheres entre as

pessoas entrevistadas reflete o que ocorre no quadro geral do pessoal de saúde da

maternidade, o que não ocorre apenas no campo da saúde, pois, desde o final do século

vinte, o mundo do trabalho convive com o rápido crescimento dos espaços ocupados

pelas mulheres.

Os anos oitenta marcam sensíveis transformações nas alternativas de inserção

feminina no contexto do trabalho fora do domicílio, principalmente quando se constata

que:

“o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho é uma tendência observada a parti dos anos 70 [...]. Paralelamente, os valores relativos aos papéis sociais começavam a sofre transformações, determinadas em grande parte pelo movimento feminista e pela maior atuação das mulheres no espaço público. Essas mudanças, somadas à redução da fecundidade e ao gradual aumento no nível de escolaridade, contribuíram para a ampliação da oferta de mão-de-obra feminina nas décadas seguintes” (IPEA, 2004, p.37).

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Nesse tocante, quando analisa-se alguns indicadores demográficos, o item

ocupações do setor público “- representada pelos militares e estatutários – possui uma

representação maior entre as mulheres, certamente influenciada pelo emprego público

na área social (saúde e educação) onde a parcela feminina é majoritária (...)”, sendo que,

“(...) do ponto de vista da distribuição por ramos de atividade, a prestação de serviços

possui um claro predomínio entre as mulheres, com uma participação inclusive bem

superior a dos homens” (CFÊMEA, 2003, p. 53).

Com o mesmo entendimento, é possível justificar a distribuição das mulheres

por profissões da área social e da saúde, tendo em conta que “as análises de padrões

culturais relacionados às demandas femininas em saúde, saberes e auto-cuidado, têm

demonstrado que as mulheres, por força da socialização diferenciada, tornam-se mais

afeitas a identificação de problemas de saúde e de maneiras de se auto-cuidar.” Para

Nascimento; Ferreira, (1999, p. 34):

Dentre as ocupações onde o trabalho feminino se expandiu, destacamos aquelas que compõem a equipe de profissionais de saúde, com ênfase para médicos e médicas e as categorias da enfermagem, predominantemente feminina, cujas relações de trabalho mostram-se assimétricas, seja entre si ou entre estes e as clientes geram desigualdades.

A formação e expansão de enfermeiras, auxiliares e técnicas de enfermagem,

nutricionista, assistentes sociais e médicas seguiram, por trajetos diferentes, essa lógica

de raciocínio e passaram a responder pelo maior percentual dos recursos humanos na

maioria dos serviços de saúde no Brasil.

Nota-se que, em relação categoria sexo, a composição do grupo estudado reflete

as características gerais do quadro de pessoal da área da saúde, no país, pois recente

levantamento dá conta de que

“as mulheres representam cerca de 73% dos empregos nas ocupações de saúde [...] nutricionista e assistente social são as duas categorias que apresentam uma maior participação feminina na composição da força de trabalho”(GIARDI;CARVALHO,2002,p.252).

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4.2 Os discursos sobre o processo de trabalho

Os Discursos do Sujeito Coletivo – DSC, da visão dos profissionais sobre a finalidade do trabalho, os meios/instrumentos utilizados e as características das parturientes estão descritos em articulação com as implicações destes no processo de trabalho na assistência prestada. As Idéias Centrais (IC) abstraídas dos discursos constituíram o substrato para a análise. A história da maternidade, aventada nos depoimentos, é apresentada dando suporte à contextualização da realidade investigada, conforme requer o método escolhido.

Ao final da análise dos discursos sobre os elementos do processo de trabalho, são apresentadas sínteses que dão uma visão ampliada da realidade pesquisada, sem a pretensão de dá-la por terminada, posto que está em movimento. Essa tentativa leva ainda em consideração que: “há sempre algo que escapa às nossas sínteses; isso, porém, não nos dispensa do esforço de elaborar sínteses, se quisermos entender melhor a nossa realidade”, comenta Konder (1986, p. 37).

Com esse entendimento apresentamos os DSCs obtidos, com vistas abordá-los de forma a alcançar os objetivos do estudo.

4.2.1 A finalidade do processo de trabalho na assistência à mulher no parto -

trabalhar fazendo o que? para que?

No processo de trabalho em saúde, “a idéia de antevisão do produto remete ao

reconhecimento de algum tipo de demanda, de carecimento, para a qual, enxerga-se

uma correção/satisfação”. Assim estabelece-se então uma necessidade, geradora de

intervenções, as quais também se apresentam como necessidades, criando o “ciclo

vicioso”, ao qual se refere Mendes Gonçalves (1992. p. 12). Vejamos o

objetivo/finalidade colocado pelos DSC para o trabalho que desenvolvem.

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Primeiro Discurso do Sujeito Coletivo

O nosso objetivo é trabalhar mais na linha educativa e preventiva. Trabalhar

com aquela paciente como se fosse a primeira vez dela. Dar orientação sobre algo que

ela precise e geralmente elas precisam muito. Temos que explicar tudo, orientar sobre

o que ela vai ter que passar devido à gravidez e o que é normal na hora do trabalho de

parto. Ensinar como é o processo do parto desde o momento da admissão. Falar com

calma, perguntar por que ela está nervosa, explicar que deve ficar tranqüila, ter

paciência, que o médico vai chegar, ter calma e fé em Deus. Explicar o porque das

condutas, da dieta, do jejum, orientar sobre as rotinas hospitalares. Interpretar as

normas da instituição tentando diminuir as dificuldades que elas possam ter em relação

à adaptação, informar sobre os direitos e os deveres. Minimizar as dificuldades que

elas possam sentir aqui dentro, em todos os estágios de internação. Passar um

pouquinho do nosso conhecimento, mostrar como é importante amamentar, que é mais

econômico e não gasta com a lata de leite artificial, uma vez que a natureza beneficia

as mulheres, pois a gente gera e ao mesmo tempo amamenta. Conversar sobre a

vacinação. Dar conselho porque às vezes falta apoio da família para que elas saibam

lidar com o bebê. Mostrar que a maternidade tem dificuldade para oferecer

determinadas coisas. Orientar sobre a questão da paternidade, como e onde podem

recorrer, quando o pai não quer assumir o filho. Outros assuntos que elas vão

demandando e a gente vai tentando orientá-las. Mostrar a importância de se ter

cuidado com a documentação, que cuidar dos documentos é também assumir a sua

cidadania. Eu acho importante o nosso trabalho.

Idéia central do primeiro discurso – O objetivo do trabalho é educar as

mulheres sobre quase tudo o que envolve a gravidez, parto e pós-parto, adaptá-las ao

hospital e dar noções de cidadania.

O DSC descreve atividades que são desenvolvidas objetivando orientar, ensinar,

educar as mulheres naquilo que identificam como necessário. Há de fato um conjunto de

temas que precisam ser tratados com as parturientes, no sentido de situá-las no contexto

da assistência. Entretanto, na forma colocada pelos depoentes, o objetivo da ação é

dirigido pela noção de que a mulher precisa de ser “educada” a qualquer custo quando

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adentra a maternidade, pois não possui conhecimentos desde aqueles considerados

básicos até os mais específicos da gravidez e do parto.

As orientações de que trata o DSC partem do pressuposto de que as parturientes

nada sabem ou de que, o que sabem não serve para aquele momento, desconhecendo

portanto o conhecimento próprio de cada mulher, oriundo seja da experiência própria

ou construído socialmente, que levam à elaboração de interpretações e regras sobre a

gravidez, o parto e o puerpério. Gualda comenta que “essas regras especificam o local

apropriado para a ocorrência do parto, determinam as pessoas que o assistem, indicam o

comportamento mais adequado da mulher no desenvolvimento do processo e a forma de

reagir ao desenvolvimento do bebê”. (GUALDA, 2002, p. 41)

Faz parte ainda do trabalho ‘explicar o motivo das condutas, da dieta, do jejum’

e ‘orientar sobre as rotinas hospitalares’, conforme afirma o DSC. Essas iniciativas são

importantes e fazem parte da tentativa dos profissionais em adaptar a parturiente ao

ambiente hospitalar e às ações de intervenções sobre o seu corpo, como forma de

minimizar as dificuldades que elas possam sentir, tendo sido identificado como mais

um objetivo desse trabalho, conforme o DSC.

No cenário estudado, as informações que são transmitidas às mulheres no

período em que permanecem no centro obstétrico, voltam-se mais freqüentemente para

as rotinas gerais em relação, por exemplo, ao melhor decúbito, à exigência do jejum, ao

cuidado com o acesso venoso e o tipo de atitude requerida, pelos agentes do trabalho, no

período expulsivo. Mesmo quando prestadas individualmente, as orientações se afastam

da “possibilidade de respeitar as necessidades individuais, ou seja, considerar caso a

caso, em lugar de acatar tão somente rotinas institucionais, com tendências à

massificação da assistência” (SODRÉ, 2000, p. 47).

Como veremos adiante, para os profissionais sujeitos da pesquisa, as mulheres

que procuram a maternidade são, em maioria, desinformadas quanto à assistência

requerida no momento do parto e não se diferenciam como pessoas que carregam

diferentes trajetórias de vida e de experiências com a gravidez, o trabalho de parto e a

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internação hospitalar. Isto coloca as parturientes na condição de portadoras de uma

necessidade mais social que pessoal, inerente à sua posição socioeconômica.

Esses agentes, ao identificarem elegerem a educação das mulheres como um

objetivo do trabalho, ora tomam todas as mulheres por uma, ora tomam uma mulher por

todas, o que equivale a dizer que as orientações tanto se aproximam quanto se

distanciam das características individuais das mulheres, nesse tocante. Em muitas

situações, o que predomina é a idéia construída em grupo sobre essas parturientes e não

as peculiaridades de cada uma frente ao contexto do parto. Também há momentos em

que se supervaloriza a perspectiva individual em detrimento da visão coletiva.

Peduzzi (2001b, p. 10) comenta que, nos serviços de saúde, o que ocorre com

mais freqüência é “a comunicação interpessoal, pessoa a pessoa, até porque o modelo

assistencial hegemônico é o da atenção clínica individual, não obstante a dimensão

coletiva e social intrínseca ao trabalho nesse campo”.

Orientá-las para que ‘tenham paciência para esperar o atendimento, obedeçam às

rotinas e tenham fé em Deus’, representa um reforço à passividade e à acomodação das

mulheres, atitude que é reforçada sempre que a parturiente “torna-se propriedade e

responsabilidade da equipe que a assiste e dita o comportamento adequado”, como

alerta Gualda (2002, p. 43). Prevalece a acomodação da mulher ao que está posto, ao

que é determinado pela instituição pois, ainda de acordo com a autora:

“o impedimento de ela escolher uma posição mais confortável, de solicitar a não realização do toque vaginal, de obter permissão para ficar com um acompanhante durante o trabalho de parto, de poder tomar um banho ou deambular no pré-parto, entre outros”. (GUALDA, 2002, p. 43)

No sentido oposto, mesmo que em situações pontuais e geralmente ligadas a

atitudes pessoais de alguns agentes, vimos as mulheres sendo ouvidas atentamente e

recebendo informações ou instruções de forma a permitir o seu envolvimento ativo no

trabalho de parto e no nascimento, passando da condição de objeto à de sujeito, no

trabalho da equipe. Nesse sentido, Santos e Tyrrell (2005, p.50), entendem que “...o

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conhecimento de seu corpo e do processo de parturição oferecem maior segurança e

maior liberdade de tornar-se o sujeito ativo e participativo daquele momento”.

Do que foi possível observar, há possibilidades concretas de que as mulheres

acatem ou não as instruções que recebem dos profissionais, o que é interpretado como

mais uma demonstração de despreparo dessas mulheres, ao qual se referem

freqüentemente. A dinâmica do trabalho na maternidade em análise permite que vários

profissionais e estudantes da área de saúde entrem em contato com as parturientes, ora

na sala de admissão, no pré-parto ou na sala de parto. Essas oportunidades, quando bem

aproveitadas, servem para “informá-la sobre os diferentes procedimentos a que será

submetida, [...] esclarecer suas dúvidas e aliviar suas ansiedades [...]” (BRASIL, 2001,

p. 5) .

Nesses encontros, a mulher recebe instruções repetidas sobre diferentes assuntos,

podendo coincidir ou não com o tipo de direcionamento, significando que, enquanto

atende a um profissional, pode estar deixando de atender a outra (o). Esse desencontro

se origina em algumas características do trabalho em saúde, no contexto hospitalar,

onde:

“o imediatismo com que se vai produzindo a organização cotidiana do trabalho, desvinculada não só do que revelam como projeto institucional, mas também pela falta de metas e planejamento mais consistentes dos diversos setores [...]” (MERHY, 1997b, p. 194).

Na ausência de metas ou diretrizes para a ação educativa em geral, todas as

pessoas - e não apenas os profissionais de saúde – que entram em contato com a

parturiente emitem ordens, sugestões ou conselhos conforme o seu próprio julgamento.

Assim, cada trabalhadora exerce um papel neste micro espaço, tendo em vista que, de

acordo com Merhy; Onocko (1998, p. 112) “o trabalho em saúde é uma micropolítica, é

um lugar onde os agentes tem projetos, interesses, fazem recortes interessados da

realidade, operando assim como modos de agir, em que despertam saberes e fazeres

cotidianamente”.

Em sua forma institucionalizada, o processo de trabalho em saúde tem se

organizado para atender a um conjunto de necessidades oriundas do ato médico

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geradoras de ações fragmentadas que dependem da participação de diversos agentes e

seus respectivos trabalhos, a exemplo de: laboratório, almoxarifado, lavanderia, raio-X,

setor de enfermagem, setor médico e outros. De acordo com Pires (1998, p. 161):

“O processo de trabalho dos profissionais de saúde tem como finalidade a ação terapêutica de saúde; como objeto, o indivíduo doente ou o indivíduo/grupos sadios ou expostos a riscos, necessitando preservar a saúde ou prevenir doenças; como instrumental de trabalho, os instrumentos e as condutas que representam o nível técnico do conhecimento, que é o saber de saúde; e o produto final do trabalho é um serviço.”

Agindo conforme o seu próprio discernimento, as(o) profissionais do estudo

criam canais para que o diálogo com a parturiente seja orientado por uma visão

recortada que se reafirma pela repetição das situações. Desta forma, prevalecem

orientações generalizadoras, de pouca utilidade para as parturientes, vinculados

primeiramente aos interesses da instituição e dos próprios profissionais. Afastando-se

cada vez mais das especificidades de cada mulher. Por conseqüência, criam-se lacunas

do ponto de vista das atitudes, geando obstáculos para que estes tenham ‘condutas

éticas, as mais condizentes possíveis com as necessidades dos clientes e com os recursos

disponíveis no hospital’ de acordo com Cecílio, apud Lima (2001,p.196)

Esse processo pode representar importante fator de alienação dos profissionais,

na medida em que “o trabalhador encaminha seu trabalho por coisas alheias ao seu

interesse, à sua vontade e ao seu saber, expressando a dissociação entre mente e corpo,

bem como a dissociação entre trabalho e prazer” (GUARESCHI, 1993, p. 70).

A preocupação em justificar para a parturiente as ‘dificuldades da maternidade”

com relação à falta de roupas, a indisponibilidade de certos alimentos e a demora para a

realização de procedimentos foi observada como fazendo parte da prática de alguns

poucos profissionais, ratificando “uma preocupação genuína no reconhecimento do

outro e seu contexto, o que leva a transformação do que não está bom em algo melhor

[...]”, segundo Gotardo (2003, p. 57).

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Entretanto, toda vez que deixam de considerar que “a mulher deve ser

esclarecida”, consultada, ou convidada a compartilhar decisões”, lembra Sodré (2000,p.

57) a parturiente acumula dúvidas e fica alheia sobre os acontecimentos em torno do seu

trabalho de parto e a finalidade dos procedimentos da equipe, sendo essa a tendência

mais identificada.

Ainda no âmbito dos direitos e deveres sociais, o DSC demonstra preocupação

com das mulheres ao prestar orientações de como procederem para obter o

reconhecimento da paternidade do filho e como cuidar de documentos, tais como

certidões e carteira de identidade. Aqui, o foco do trabalho dirige-se para a tentativa de

ajudar as mulheres a buscarem as condições necessárias ao exercício da cidadania e do

direito ao reconhecimento dos filhos pelos parceiros, embora as iniciativas dos

profissionais nem sempre representem garantia de sucesso, pois escapam à

governabilidade do seu processo de trabalho.

Secundo Discurso do Sujeito Coletivo

A finalidade é que tudo ocorra bem, e que a mulher tenha um bom

desenvolvimento no parto, que o bebê nasça com saúde, sem nenhum problema, e a mãe

fique bem. Fazer o melhor para a mulher, dar a melhor assistência, dentro das

condições possíveis, fazer o melhor por ela e pelo bebê. O meu objetivo maior é de

sucesso materno-fetal. Trabalhamos mesmo e damos tudo de nós. A gente tenta agilizar

o lado do trabalho e melhorar para a paciente e não deixar demorar muito o

atendimento. Eu procuro dar o melhor de mim. Fazer o que puder, da melhor forma

possível. Tentar entender a paciente, a vida dessa pessoa para dar o melhor para ela.

Atender às necessidades dela no momento, compreendê-la. O que eu posso fazer, eu

faço. O objetivo é de tranqüilizar a paciente e a família para que ela sinta uma certa

segurança, que ela saiba que a família está próxima e tenha um trabalho de parto

tranqüilo e saudável. Deixar a paciente mais calma, mais tranqüila, com menos medo.

Reduzir a ansiedade e quebrar o estresse que existe no momento do parto. Observar

como é que ela está no seu todo. Acompanhar e evoluir a paciente desde a admissão, no

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pré-parto e no parto. Desempenhar uma assistência integral, desde a admissão até o

pós-parto, ou o puerpério. Fazer com que ela se sinta bem, se sinta em casa,

aconchegada. Meu objetivo aqui é tratar a paciente como ser humano. Exercitar o

máximo essa questão da humanização na assistência à mulher. Prestar assistência

integral como um todo, assistência de qualidade. A gente tem que fazer isto é dando que

se recebe. Tratar cada uma como se fosse eu mesma ,faço tudo que puder fazer. No meu

entendimento de vida em sociedade, a gente veio aqui, não foi para passar uma chuva,

a gente veio para crescer, para trabalhar, para todo mundo se unir, eu não sei

trabalhar de forma individualizada, você me ajuda e eu te ajudo, se tem algum

problema vamos juntas resolver, eu na minha área, você na sua, no meu entendimento

só sei trabalhar assim. Desenvolver o nosso trabalho da melhor forma possível. Cada

profissional faz o que pode, dentro do seu limite, dentro da sua área. A gente depende

do médico em algumas coisas. Trabalhar é assim, deve ser assim. Quando você dá esse

apoio e vê que elas ficam bem com isso, ficam gratificadas, e eu também.

Idéia central do segundo discurso – O objetivo do trabalho é alcançar o

sucesso materno e fetal, tranqüilizar a parturiente e a família, prestar assistência

integral, humanizada e de qualidade, tratar como gostaria de ser tratada e obter

satisfação mútua.

Sem dúvida alguma, os personagens envolvidos na assistência ao parto desejam

que mãe e filho alcancem o bem estar possível e vêem os seus trabalhos como fazendo

parte da possibilidade concreta de sucesso na assistência prestada. Este reconhecimento,

por parte dos depoentes surge, coerentemente, acompanhado da percepção de que

realizam um trabalho, cujos objetivos não se delimitam na esfera individual, mesmo

porque, “a perspectiva individual de trabalho e todas as ideologias profissionais

correlatas são apenas a contrapartida da concepção clínica de objeto e finalidades do

trabalho” (MENDES-GONÇALVES, 1994, p. 154).

Quando o DSC diz ter como objetivo alcançar o ‘melhor para a mãe e o bebê’,

pode estar falando de coisas diferentes, a finalidade implícita que fundamenta esse

processo de trabalho, nem sempre está construída sobre os mesmos pressupostos ou

concepções, de tal forma que cada profissional parece decidir por si próprio o que fazer,

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segundo uma tradição consolidada no campo da saúde, refletindo as singularidades

advindas da divisão social do trabalho nesse campo. Voltando-se o olhar para a história da maternidade cenário do estudo, em seus

quarenta e seis anos de funcionamento, ela mantém a imagem de um lugar seguro para

as mulheres pobres, um lugar que jamais nega atendimento, independente das

dificuldades existentes, aproximando-se da construção social das mães como pessoas de

tolerância infinita, capazes de qualquer sacrifício pelos filhos. Assim como o que se

espera de uma mãe é que promova o bem-estar da sua prole, a expectativa desenvolvida

sobre essa maternidade é a de que, correspondendo à tradição que a acompanha, ela

acolha e garanta a melhor assistência possível àquelas mulheres que buscam o seu

atendimento, conforme realçado pelos depoentes.

Refletindo sobre uma possível explicação para essa constatação, somos levadas a

concordar com Demo, quando afirma que:

“Uma realidade dinâmica não pode ser absolutamente determinada, não só por que é demasiadamente complexa para cercarmos todos os componentes, como também porque a interferência humana traz para dentro do fenômeno a possibilidade do imponderável”.(DEMO, 1987, p.98).

Sabe-se que, ao sentir a aproximação do parto, a gestante teme pela incerteza de

conseguir internação, tendo que peregrinar por maternidades em busca de um leito.

Intensifica-se o horror, por não saber quem irá realizar o seu parto, visto que muitas

vezes, não é o mesmo profissional, com o qual já estabeleceu uma relação de empatia

no pré–natal, na triagem ou no pré-parto. Tal fato pode agravar-se por não lhe ser

permitida a presença de familiares no momento do parto.(SILVA, 2001,p. 74).

Tratando da intencionalidade enquanto característica central do trabalho,

(PEDUZZI, 2001b, p. 6) afirma que este “depende de uma construção prévia, de um

projeto que o homem traz em mente desde o início do processo”. A construção

elaborada previamente sobre as parturientes como pessoas geralmente despreparadas e

amedrontadas, como veremos adiante, explica a ênfase na mobilização para acalmar e

tranqüilizar essas mulheres.

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Nem todas as parturientes apresentam-se nervosas e despreparadas, o que nos

leva a entender que o DSC generaliza a necessidade de ser acalmada e “ao fazer essa

generalização das necessidades, a finalidade do trabalho no hospital passa a ser

construída de forma abstrata, não possibilitando aos trabalhadores em saúde buscar, no

seu processo de trabalho, a real finalidade para o mesmo”. (CAPELLA, 1998, p. 108). De qualquer forma, mesmo sem muita clareza quanto ao objetivo final, está

presente a intenção de apoiar a parturiente naquilo que possa se apresentar como

dificuldade no seu trabalho de parto e o DSC pontua a realização de ações que

aproximam os profissionais das parturientes e ajudam na vivência desse processo.

Reconhecendo essa dimensão, concordamos que “há muitas outras forma de serviço

que dependem de um laço interpessoal, mas, no caso da saúde, ele é particularmente

forte e decisivo para a própria eficácia da ação” (NOGUEIRA, 1997, p. 72).

Nesse sentido, para o processo de trabalho em apreço, o elemento relacional com

a parturiente assume posição fulcral e as ações relatadas no mesmo DSC fazem emergir

a concepção do que consideram ser uma assistência humanizada, sendo pertinente

realçar o que comenta Simone Diniz:

“é possível pensar na humanização do parto como um modelo, uma configuração histórica de assistência emergente, baseado em um conjunto complexo de idéias acerca do humano, do desumano, da desumanização. No caso da assistência ao parto, a ‘humanização’parece se referir a um conjunto complexo de dimensões humanas, como a atenção à fisiologia humana, em oposição a condutas tecnicamente irresponsáveis, negligentes, anti-fisiológicas e arriscadas; ou a atenção às dimensões das relações humanas, sociais, psicológicas, familiares, etc.” (DINIZ, 1999, p. 10)

Indo ao encontro do que diz a autora, ressaltamos a percepção de que o século

XXI foi semeado por um incômodo disseminado sobre as amarras que ainda

obstaculizam o olhar sobre as diferentes dimensões da vida humana. Haja vista, por

exemplo o entendimento, já avançado, do Ministério da Saúde, sobre a humanização da

assistência obstétrica, ao considerar que a mesma,

“envolve um conjunto de conhecimentos, práticas e atitudes que visam a promoção do parto e do nascimento saudáveis e a prevenção da morbi-mortalidade materna e perinatal. Inicia-se no pré-natal e procura garantir que a equipe de saúde realize procedimentos comprovadamente

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benéficos para a mulher e o bebê, que evite as intervenções desnecessárias e que preserve a sua privacidade e autonomia.” (BRASIL, 2001,p.9)

Concordamos com essas possibilidades para o entendimento do que seja um

trabalho humanizado no que concerne à atenção ao parto. Entretanto, realçamos a

importância da percepção do papel central da mulher nesse processo, à qual deve ser

garantida liberdade e confiança na equipe, de tal forma que, como afirma Michel Odent,

“elas passam a ter um olhar distante, esquecem as convenções sociais, perdem a autoconsciência e o autocontrole. Muitas deixam escapar um grito característico do momento do parto. Nós observamos contudo, que a mulher nesse estado encontra-se longe de estar desvalida, perdida ou sem noção do que está fazendo. Ao contrário, elas agem deliberadamente, espontaneamente, buscando e facilmente encontrando posições mais adequadas para elas, que por sua vez são as mais eficientes do ponto de vista fisiológico.” (ODENT, 2002, p. 14)

A humanização “tem dupla mão, pois à medida que reconhecemos e respeitamos

os direitos do outro e fomentamos a cidadania e a autonomia, o fazemos também, em

nome de toda humanidade e de nós próprios. Com isso podemos instituir relações de

respeito e solidariedade no trabalho”, afirma Peduzzi (2001b, p. 13).

De fato, há inúmeras circunstâncias no trabalho onde é possível a manifestação

de afetividade através de modos de agir solidários e mobilizadores de vivências

positivas, capazes de estabelecer vínculos de conhecimento e crescimento mútuo, onde

a humanização deixe de ser meta para ser pressuposto.

Além do mais, o trabalho em equipe requer atitude permanente de disposição

para a reflexão crítica sobre ações e atitudes que estão funcionando ou não e espaços

para a problematização das mudanças necessárias. Aqui se estabelece uma “contradição

entre a busca de uma postura dialógica e a execução de regras técnicas necessárias para

o êxito e sucesso na obtenção dos resultados almejados no trabalho”. (PEDUZZI,

2001b, p. 12).

Assumir a humanização da assistência como finalidade desse trabalho que é

desenvolvido em equipe, significa enfrentar a divisão social que permeia o trabalho em

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saúde como um estímulo ao potencial criativo do próprio grupo. Há instituições,

inclusive, que já adotam estratégias que mobilizam os trabalhadores concedendo-lhes

mais autonomia no trabalho, mais flexibilidade em favor da instituição e do cliente,

valorizando o seu papel de sujeito e ator social, permitindo-lhe expressar criatividade e

subjetividade no trabalho (PIRES;GELBECKE, 2001).

Essa característica pode responder por contradições no processo fragmentado do

trabalho na assistência à parturiente, uma vez que a cada trabalhadora ou trabalhador

corresponde uma forma de agir e que as possibilidades de resposta das mulheres

também são múltiplas.

Da mesma forma que em outras realidades, também no trabalho observado, o

profissional médico ocupa espaço privilegiado na definição do tom a ser dado no

atendimento de cada mulher. O tipo de relação estabelecida no momento da admissão

tende a ser reproduzido pelo mesmo ou por outro profissional nos momentos

subseqüentes, durante a assistência prestada à mulher ao longo do trabalho de parto.

Para Santos (2000, p. 80), “a expectativa da mulher, de receber uma assistência

mais disponível e acolhedora, são frustradas diante das atitudes dos profissionais que

relegam a comunicação e a tarefa de assistir a parturiente a uma dimensão menos

importante do processo, gerando sentimentos de desamparo para estas mulheres”. De

certo, sentindo-se desamparadas, as parturientes manifestam medo e ansiedade,

conforme foi identificado pelos sujeitos desse estudo.

As particularidades de cada mulher não podem ser esquecidas em detrimento de

ações pautadas em normas e rotinas, pois, o processo de parturição num espaço

institucional marca a experiência do parto, podendo facilitar ou não, à medida em que se

mostre acolhedor ou hostil para as mulheres. (SIMÕES; SOUZA, 1997)

Nesse sentido, a maior ou menor aproximação com o desenvolvimento de um

trabalho humanizado dependerá também da ação técnica e do tipo de relação

estabelecida no atendimento médico ao desencadear o processo de trabalho do grupo de

profissionais. Uma parturiente que apresente dificuldade para a realização do primeiro

toque vaginal, ou que rejeite um procedimento médico, provocando reações duras de

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quem a atende, poderá enfrentar afastamento e outras manifestações negativas de alguns

profissionais, sendo o inverso também uma realidade possível de acontecer.

Por conta disto, a suposta transformação pretendida com o trabalho dilui-se de

tal forma, que os esforços empenhados parecem apontar para várias direções, por

caminhos diferentes e resultam em um trabalho repetitivo e do qual nem sempre se vê o

produto final. Quando os objetivos se confluem, o trabalho produz prazer e motivação.

Por outro lado, o desinteresse e desgaste são inevitáveis quando, sem vislumbrar o

produto do seu esforço, preocupado na realização apenas da parte que lhe cabe, o

profissional torna-se presa fácil das armadilhas do próprio processo de trabalho.

(MENDES-GONÇALVES, 1992 ).

De acordo com Lima (2001, p. 138),

“a produção de estilos de ação institucional, pautada nesses modos de estar na instituição, tem a ver com a insatisfação e desprazer que hoje permeiam o espaço hospitalar, pela própria situação crítica que vem sendo vivenciada, notadamente no cotidiano das instituições hospitalares no setor público de saúde.

As expressões, majoritariamente positivas, colocadas pelo DSC explicitam

também o lado bom do trabalho, pela sua capacidade de produzir satisfação através das

ações realizadas, pois “além de agradáveis, tais atividades são também julgadas como

muito importantes para o que se supõe deva ser o trabalho”, comenta Mendes-

Gonçalves (1994, p. 160). Por isso os depoentes se reportam à gratificação que sentem

pelo desenvolvimento do seu trabalho e a importância de que a parturiente também

usufrua dessa satisfação, numa relação de reciprocidade no trabalho, uma vez que

“alguns tipos de trabalho humano são mais facilmente desvinculados da idéia geral de

trabalho, aparentando serem formas de atividades distintas, mais nobres, mais livres das

injunções materiais”, destaca Mendes- Gonçalves (op.cit., p.110).

Note-se ainda que o DSC acompanha esse raciocínio quando estabelece

vinculação do objetivo do trabalho com a opção pessoal por fazer o bem e dar ao

próximo o que gostaria de receber, estabelecendo uma relação de ajuda, piedade e

reciprocidade.

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As falas dos sujeitos reforçam que esse processo de trabalho é construído a partir

de diferentes peças, como em um jogo, onde cada parte é importante pelo que representa

individualmente e pelo que produz em sua totalidade. De acordo com Lowy (1996, p.

16), “significa a percepção da realidade social como um todo orgânico, estruturado, no

qual não se pode entender um elemento, um aspecto, uma dimensão sem perder a sua

relação com um conjunto.

A perspectiva de desenvolver um trabalho voltado para a ‘assistência integral e

de qualidade’ está também presente nos depoimentos, sendo associada ao que

explicitam como sendo uma assistência humanizada. Acreditamos que, quando

expressam uma forma de agir acolhedora e respeitosa para com a parturiente, estão

realmente muito próximos de um trabalho capaz de reconhecer o papel central da

mulher no processo de parturição e o sucesso pretendido apresenta-se mais real e

transformador.

Terceiro Discurso do Sujeito Coletivo

O objetivo é verificar sinais vitais, anotar todos os sinais e sintomas que elas

apresentam, como é que estão as contrações, observar se tem dor, alguma perda ou

sangramento e o comportamento da parturiente no pré-parto. Investigar sobre a vida

dela, perguntar se fez pré-natal, se teve alguma patologia, alguma restrição alimentar,

se tem alguma alergia, conduzir todo o processo do parto e também pós-parto. Fazer o

exame na admissão, administrar medicação, cuidar da higiene, fazer o parto, medicar,

prescrever, auxiliar na hora de ter o bebê até ela ir para a enfermaria e fazer

encaminhamentos. Receber a paciente, fazer admissão, acompanhar toda a evolução do

trabalho de parto e culminar com o parto natural ou cesariana, a depender das

indicações. O objetivo é exercer a profissão para a qual se preparou, exercer a função

que lhe é cabido, que lhe é concedido, conforme aprendeu. Cada um desempenhar a

sua função. Tem o objetivo como profissional, claro! A gente consegue fazer uma

obstetrícia razoável, uma boa obstetrícia dentro do possível. O objetivo é trabalhar, é

cumprir o horário de trabalho. Às vezes a gente fica parada porque não tem o que

fazer, mas quando tem a gente trabalha. Às vezes tem uma falhazinha, mas somos

humanos e vou embora com a minha consciência tranqüila, graças a Deus!, porque não

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dei medicação errada, não maltratei e não troquei filho de ninguém. Termino de

trabalhar e vejo se houve alguma falha como ser humano, se fiz alguma grosseria. Ir

embora tranqüila é muito importante. De um ano para cá eu tenho visto de outra forma

o atendimento na sala de parto e você tem que levar em consideração tudo, a

maternidade, o trabalho, a paciente que é a pessoa mais importante que tem aqui

dentro. Muitas vezes a gente sai sem alcançar os objetivos porque são muitas pacientes.

O objetivo seria mais completo se eu tivesse um direcionamento. A gente não sabe

como é o final. Tem o objetivo também como pessoa. Gosto muito daqui, da

maternidade, é o lugar onde fui e sou muito feliz e não sou perseguida, graças a Deus!

Idéia Central do terceiro discurso – O objetivo é realizar procedimentos, atuar

como profissional da equipe praticando com qualidade o que aprendeu, embora sem

direcionamento e não conhecendo o resultado final. Cumprir o horário, ficar com a

consciência tranqüila, não sofrer perseguição e sentir-se feliz no trabalho.

Esse DSC mostra que a ausência de objetivo claro e bem direcionado é

substituída pela noção de que o trabalho tem por objetivo a atividade propriamente dita,

o trabalho em si. As ações listadas pelos depoentes dizem respeito a momentos do

trabalho assistencial, uma vez que:

“há um projeto assistencial hegemônico, assim como há para cada área profissional um projeto técnico, pois o trabalho implica em uma tecnicalidade, isto é, há uma norma social, uma regra técnica sobre como o trabalho deve ser executado.” (PEDUZZI, 2001b, p. 7)

Diferentes categorias profissionais compuseram: enfermeira, auxiliar de

enfermagem, nutricionista, assistente social, técnicos de laboratório, médico e

bioquímico, sendo necessário reconhecer que a configuração desse processo equivale à

expressão da intercessão de variados objetos e que “a finalidade do trabalho, ainda que

subjetiva em sua constituição, pois é uma intenção, pode ser diferente do fim para o

qual o trabalho é dirigido na realidade” (LEOPARDI, 1999, p. 64)

Os depoentes não se referiram e também não foi observado o uso de protocolos,

manuais ou rotinas estabelecidas para a assistência, mas reportam-se a procedimentos

que são realizados por cada profissional, conforme a sua competência enquanto

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categoria, somada às capacidades pessoais singulares. Isto nos leva a concordar com a

autora supra citada (PEDUZZI, op. cit., p. 7) quando afirma que “a construção de um

projeto comum de trabalho deve tomar em consideração tanto os projetos técnicos

hegemônicos, quanto os projetos dos sujeitos partícipes do trabalho – usuário e

trabalhadores”

Em que pese a importância da verificação dos sinais vitais, observação de sinais

e sintomas do trabalho de parto, administração de medicamentos, providências de

exames, alimentação, visitas e tudo o mais que foi apontado como o fazer propriamente

dito no cenário em foco, este conjunto não se constitui, entretanto, em objetivo de um

processo de trabalho que é parcelado e cuja evolução histórica “levou o trabalhador a

conhecer apenas uma parte do todo, perdendo, com isso, a identidade e o significado do

trabalho”. (FURLANI, 2004, p. 44).

Nem sempre são, portanto, as necessidades das parturientes que orientam a

prática dos sujeitos da pesquisa, posto que as atividades em si realçam mais uma rotina

pré-fixada e orientada para o controle biológico do parto, cada vez mais distante do que

desejam as parturientes. Isto ocorre freqüentemente nas instituições de saúde, fazendo

com que “o profissional de saúde se aliene do próprio objeto de trabalho”. Dessa forma,

ficam os trabalhadores sem interação com o produto final da sua atividade laboral,

mesmo que tenham dele participado pontualmente”, comentam Franco; Merhy (2003, p.

53).

Os procedimentos elencados pelo DSC dizem respeito à assistência pautada na

sua capacidade de intervir no trabalho de parto e no parto/nascimento, prevenir

complicações obstétricas e neonatais e identificar condições de riscos para a parturiente

e o feto/recém nascido. Conforme Merhy (1997p. 141):

“ este controle lhes dá o extraordinário poder do ‘fazer’, podendo, assim, operar os serviços de um modo ou de outro, conforme o projeto que considera mais adequado, de acordo com seus interesses, os do usuário e os do serviço, possivelmente nesta ordem”.

Essa assistência se revela a partir da realização de ações desde as mais simples

até as de maior complexidade e implicam na prática de vários agentes desse trabalho,

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sendo que são os profissionais médicos e auxiliares de enfermagem que entram em

contato mais freqüente com a parturiente, materializando o que Peduzzi (2001b, p. 8)

considera ser “não um projeto genérico, hipotético, abstrato, mas um projeto que

expresse um certo consenso provisório entre os agentes e usuários/população”. Por

outro lado, são momentos preciosos de aproximação entre os profissionais e as mulheres

assistidas.

A direcionalidade técnica, característica do trabalho em saúde, configura-se a

partir da ação médica, havendo uma expectativa reinante de que os médicos examinem

as mulheres, autorizem a admissão e decidam sobre as condutas a serem adotadas e

sobre o que será ou não permitido durante a permanência da mulher na maternidade,

confirmando o que comenta Pereira (2000, p. 23), ao afirmar que

“na classe médica, é comum encontrar profissionais que agem como se fossem donos da subjetividade da clientela e dos profissionais de outras categorias que com elas atuam. Percebe-se nesses comportamentos, na verdade, elementos associados à dominação simbólica, como aquela que estimula a opressão de uma classe sobre a outra, induzindo a assimetria de gênero e de saberes.”

No contexto investigado, a nutricionista providencia a dieta estabelecida pelo

médico, da mesma forma como o laboratório só é chamado por ordem médica, e a

assistente social atua dentro de limites de permissão também ligados às decisões dos

médicos. Os profissionais das demais categorias cumprem também um ritual

desencadeado com o atendimento médico, freqüentemente sem questionamentos e estes,

quando ocorrem, são mais no sentido de expor a dificuldade ou impossibilidade de

cumprir uma determinação da equipe médica, a qual é altamente valorizada.

No interior da equipe de enfermagem, são as auxiliares que assumem o contato

mais freqüente com as parturientes e realizam a maioria dos procedimentos requeridos

para a assistência desde o momento da admissão até o pós-parto imediato. As auxiliares

de enfermagem atuam sob a supervisão mais direta e freqüente da equipe médica,

atendendo às deliberações sobre internações, transferências, altas, prescrições e

seqüência da realização de procedimentos. As atividades informadas no DSC estão

associadas à prática específica de cada agente do trabalho e, em seu conjunto,

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correspondem ‘ao que fazem juntos’, para garantir assistência às parturientes, o que

depende também do ‘fazer’ de cada um separadamente.

Considerando-se que a totalidade é a categoria que representa a unidade do todo

e de suas partes, podemos dizer que a totalidade do processo de trabalho na realidade

estudada é produzida pela soma, dentre outras, das atividades citadas no DSC, sendo

possível afirmar que na medida em que “a equipe multiprofissional objetiva-se no plano

operatório do processo de trabalho, apresenta questões que emergem da atividade do

trabalho propriamente dito, bem como da relação entre cada agente e essa atividade”

(MERHY, 1997b, p. 239).

A especificidade dessa relação é tratada por Nogueira (1994, p.15), ao comentar

que,

“ a produção de serviços de saúde é executada por um grupo extremamente heterogêneo de agentes, em que aparecem, de um lado, os médicos, e, de outro, uma ampla gama de trabalhadores, com níveis educacionais e de qualificação profissional muito distintos entre si , daí resultando interesses e motivações conflitantes”.

Por vezes, vimos surgirem divergências sobre determinadas condutas, expondo a

falta de compartilhamento da finalidade do processo de trabalho, conforme exemplo

obtido na seguinte situação observada.

Situação A – demonstração de desencontro de objetivos no trabalho coletivo

As salas de triagem e de parto estavam recebendo uma grande faxina, ficando

disponível apenas o pré-parto. A enfermeira pretendia liberar primeiramente a triagem

porque haviam muitas mulheres aguardando o atendimento e explicava que ‘a sala de parto

podia esperar uma vez que não existia nenhuma parturiente próxima do momento do parto e,

se houvesse, as auxiliares poderiam providenciar o material’. Por isso, dava instruções às

auxiliares para que estas orientassem os serventes. Os responsáveis pela limpeza seguiam as

orientações recebidas, mas a enfermeira se afastou do setor por alguns instantes, quando

então médicas e auxiliares de enfermagem começaram a questionar e tentaram redirecionar a

faxina. As auxiliares queriam priorizar a sala de parto argumentando que ‘se chegasse uma

mulher em período expulsivo’a sala tinha que estar pronta.Uma das médicas obstetras

também pedia urgência para a liberação da sala de parto, afirmando que não fariam partos

‘nas camas do pré-parto’.

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Diríamos que as orientações prestadas visavam atender a finalidades de

diferentes origens: a enfermeira (por algum motivo) decidiu realizar uma faxina

completa naquele dia e hora, as auxiliares de enfermagem sentiam-se desconfortáveis

(por alguma razão) com a indisponibilidade temporária da sala de parto e a obstetra

dizia ser inadequado (não se sabe se referindo-se a si própria ou à parturiente) realizar

um parto no leito. Em síntese, o que se confirma é que, nesse processo de trabalho, cada

ação profissional, a depender de sua configuração e de quem realiza, pode servir a

diferentes finalidades, no mesmo espaço e tempo.

Os procedimentos citados no DSC, embora configurando-se em partes do

trabalho, encerram, separadamente, uma totalidade enquanto intervenção específica de

cada trabalhador. Isto não impede, entretanto, que diferentes agentes possam realizar

uma mesma tarefa e que outras ações só possam ser executadas por uma categoria

profissional, caracterizando uma divisão de trabalho que já se sabe ser técnica e

socialmente determinada a partir da institucionalização da atenção à saúde das pessoas,

uma vez que “cabe a cada área técnica específica, uma parcela desse atendimento”,

afirma Capella (1998 p. 105).

Entretanto, o parcelamento do trabalho na saúde não inviabiliza a existência de

uma finalidade comum, principalmente quando o trabalho em equipe passa pela “

elaboração de um projeto assistencial comum, construído por meio da intricada relação

entre execução de intervenções técnicas e comunicação dos profissionais”. (PEDUZZI,

2001a, p. 106).

A autora considera ainda que o processo comum de trabalho pode se beneficiar

tanto da articulação quanto da cooperação, enquanto “importante elemento na

configuração de relações solidárias e respeitosas, visto que cada componente da equipe

pode vir a se reconhecer no trabalho produzido por si mesmo e pelos demais”, continua

Peduzzi (2001b, p. 13).

Para Dejours (1998, p. 93), o espaço de cooperação “supõe um lugar onde, ao

mesmo tempo convergem as contribuições singulares e cristalizam-se as relações de

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dependência entre os sujeitos” e essa interdependência exige menor rigidez e maior

porosidade nas relações de trabalho.

Merhy & Onocko (1997b, p. 88), afirmam que a assistência à saúde se constrói

em um

“ espaço intercessor entre usuário e trabalhador produtor do ato (e isto vale mesmo para as ações coletivas de saúde, para não ficarmos com a imagem que só existe nos momentos individualizados), no qual o trabalhador vem instituindo necessidades e modos capturados (e em processo de “captura”) de agir, e o usuário também. Neste momento, temos um encontro e uma negociação, em ato, dos encontros e necessidades.”

A subjetividade que envolve esses encontros enriquece todos os envolvidos. O

risco de se tentar padronizar atitudes na relação profissional-cliente é a eliminação dos

espaços de criatividade e de sensibilidade responsáveis pelo prazer possível nesse

processo que se mostra ao mesmo tempo capaz de produzir felicidade e sofrimento,

satisfação e revolta, sucesso e insucesso a depender das circunstancia separadamente e

em seu conjunto.

O todo do processo de trabalho não é simplesmente um composto de unidades

homogêneas e nem a sua realidade pode ser abstraída das circunstâncias e motivações

que a cercam. Por isto, a análise do DSC sobre as atividades realizadas pelos sujeitos

foi tomada, do mesmo modo que Cecília Puntel, uma vez que,

“ partimos do que fazem os trabalhadores no seu cotidiano e as articulações desse trabalho com todo o trabalho na saúde, não no sentido de parar aí e comparar estas atividades com o preconizado no nível formal, mas ir além, procurar entender as razões de realizar este ou aquele grupo de atividades, de acordo com o trabalho em saúde...” (ALMEIDA et. al, 1997, p. 64),

O DSC relaciona ainda os objetivos com as próprias salas do centro obstétrico,

assim, o processo de trabalho de assistir à mulher passa a ter uma forte vinculação com

a área física específica onde ocorre a assistência. A sala de admissão funciona com uma

dinâmica muito própria e caracteriza-se por ser a porta de entrada- ou não – da mulher

que procura a maternidade, sendo por isso o espaço onde são tomadas as primeiras

decisões em relação à parturiente. Entretanto, o processo de trabalho que se dá ali

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precisa dar conta de uma diversidade de situações, pois as mulheres chegam em estágios

diferentes do trabalho de parto.

Do que se pode observar, não é raro que ocorram partos na sala de admissão,

como também no pré-parto e nas macas de transporte da mesma forma que algumas

admissões só podem ser realizadas na sala de pré-parto e até na sala de parto. Nessas

circunstâncias, prevalece a necessidade mais imediata de prestar a assistência requerida

independente do espaço. Embora essas situações não sejam raras, parece que realmente

os profissionais priorizam a preservação “de cada sala para uma finalidade”, a julgar

pela ausência de material para o parto tanto na sala de admissão quanto na sala de pré-

parto, o que os obriga a se movimentarem com pressa para obter o que necessitam,

sempre que esses fatos se apresentam.

Também segundo este discurso, o objetivo do trabalho está ligado diretamente à

presença do próprio profissional e não pela necessidade da parturiente, portanto uma

condição pré-existente. Na medida em que a finalidade do trabalho pressupõe uma

“antevisão do produto”, como insiste Mendes Gonçalves, a cada categoria profissional

corresponderia uma finalidade para o trabalho. Equivale, pois a afirmar que os

profissionais estão ali e pronto!, ficando implícita a noção de que o seu trabalho

independe da existência ou não de alguém com alguma carência/necessidade para o qual

o seu trabalho se dirigirá.

Sobre a finalidade implícita no trabalho em saúde, Ferreira (2003, p. 58) lembra

que,

“quando se privilegia apenas o plano assistencial e as correspondentes políticas institucionais que definem seus contornos sistêmicos, ignorando questões administrativas mais concretas, não são raros os casos de um distanciamento da realidade, caindo numa abstração idealizada que se torna cega aos problemas cotidianos. Do lado oposto, o aprisionamento ao pragmatismo estreito da administração burocrática costuma privilegiar uma prática repetitiva, que conduz a assistência a um círculo vicioso que impede qualquer possibilidade de inovação e de otimização do trabalho”.

Se o objetivo do médico é ‘ser médico’, e o da enfermeira e da auxiliar de

enfermagem é “ser profissional”, tem-se então que a abstração da finalidade do trabalho

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pode estar sendo constituída a partir da identidade profissional. Quando a finalidade do

trabalho em saúde está dirigida às ações propriamente ditas, conforme apresentado pó

DSC, o agente do trabalho volta-se para um fazer sacrificado de sentido e de uma

prática cumpridora de rotinas que, ao fortalecer corporativismos se opõe ao

desenvolvimento do trabalho em equipe, com finalidade comum.

Tratando deste assunto, é preciso ter em mente que “o projeto comum refere-se a

determinada equipe e não todas as supostas equipes existentes” lembra Peduzzi, 2001a

p. 107. De fato, o sistema de equipe funciona na maternidade para o pessoal médico e

de laboratório e os demais trabalham sob o regime de escalas de rodízio. Enquanto, a

maioria dos profissionais mesclam-se a cada jornada de trabalho, a equipe médica é fixa

para cada dia da semana, o que traz para a dinâmica do trabalho uma expectativa grupal

em torno da finalidade e das características do processo de trabalho, conforme o dia da

semana e a respectiva equipe.

Há o desejo também através do DSC de acompanhar a evolução da parturiente

em todo o seu percurso desde a admissão até a enfermaria, mas isto implica em que o

processo de trabalho se configure de forma a permitir que uma mesma equipe, durante

todo o tempo, independente do espaço ou momento em que se encontre, o que não se

constitui em realidade no cenário observado.

Síntese da análise das finalidades

Os discursos apontam que as finalidades encontram-se dirigidas às mulheres

assistidas e também ao próprio agente do trabalho, não a um, mas a vários, posto que

não há como “evitar o embate das finalidades postas por cada grupo social e, num plano

mais particularizado, a finalidade individual de cada membro desses grupos sociais”

como afirma Capella (1998, p. 108).

Nesse sentido, o trabalho vai sendo construído a partir da soma de objetivos

pontuais e focalizados, como, por exemplo: explicar para adaptar, conversar para

acalmar, dar a mão para apoiar. “Predomina a concepção de trabalho centrada nos

aspectos técnicos da assistência individual voltada para o cumprimento da norma sem

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expressar os objetivos para os quais se orientam essas ações”, conforme Almeida (1997,

p. 52).

A finalidade desse trabalho está vinculada aos desejos de pessoas que cumprem

vários papéis, em diferentes espaços, nas distintas sociedades e grupos humanos. Deve-

se, entretanto registrar que “essa sócio-historicidade é a contrapartida da sócio-

historicidade dos processos de trabalho, que criam os objetos para as necessidades,

enquanto ao mesmo o inverso também é verdadeiro, já que as novas necessidades criam

os sujeitos para os novos processos de trabalho” (MENDES-GONÇALVES,1992, p.20).

A ênfase para compensar a ausência e/ou precariedade do acesso à assistência

pré-natal, minimizar as dificuldades geradas com o internamento e ajudar a parturiente

na convivência com a fisiologia do trabalho de parto foi observada e exposta nos DSCs.

Entretanto, na prática, essa dimensão do trabalho encontra-se mais no plano do vir-a-

ser, do trabalho prescrito, do que no trabalho real, realçando, ente estes, o trabalho

concreto, como um espaço onde o saber é necessariamente posto em prática, onde as

soluções criadas são condição precípua para a efetivação do trabalho (SANTOS, 1997).

4.2.2 Os meios/instrumentos do processo de trabalho na assistência à mulher no

parto normal - trabalhar usando o que?

Nesta parte descreveremos a complexa rede que se apresenta a partir dos

meios/instrumentos citados pelos depoentes como recursos que utilizam para o

desenvolvimento do seu trabalho na assistência à mulher no parto normal, no lócus do

estudo. Dessa vez nos valeremos de três discursos que consideramos reunirem as idéias

expressas pelos sujeitos da pesquisa.

Primeiro Discurso do Sujeito Coletivo

Atendemos à mulher fazendo alguns exames, usamos o material necessário para

a coleta. Precisamos da prancheta para anotar, de lápis, papel e da alimentação. Tem

também os meios e chamamos científicos, como a ultra-som, para saber como está a

gestação, se está tudo correndo bem, através de ausculta do feto com o Sonar, medida

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dos dados vitais, avaliação do líquido amniótico, dos movimentos fetais, do bem estar

materno. São meios que a gente usa para fazer uma boa observação da evolução da

paciente. Depende do dia, do momento em que está o plantão. Usamos a observação

para tentar ver como está essa paciente, como estão as contrações e a dilatação,

observar o seu todo. Utilizo muitas vezes o improviso, quando não tem roupa ou o

material necessário, você tem que improvisar; mas tem colegas que não fazem. O

sistema de regulação tem sido uma facilidade para o trabalho, trouxe melhorias para o

aspecto da distribuição de vagas. Outra facilidade é que dificilmente falta material, e

medicações para as parturientes.Há dificuldades porque faltam alguns recursos

materiais, principalmente roupa e equipamentos e também porque o trabalho é muito

manual. Aqui se tem boa vontade.

Idéia Central do primeiro discurso: São utilizados recursos materiais e a

observação para o acompanhamento da evolução da paciente, além do improviso e da

boa vontade para trabalhar. O sistema de regulação é uma facilidade para o trabalho. Por

vezes há dificuldades com a superlotação e a falta de alguns recursos.

O DSC destaca os insumos materiais, equipamentos e outros meios usados no

desenvolvimento do trabalho por diferentes categorias de profissionais como elementos

já incorporados ao trabalho hospitalar. São assumidos como meios, cuja “concepção da

saúde está inteiramente contida nos limites físicos, químicos e biológicos do corpo

humano”, parecendo serem suficientes para “instrumentalizar tecnicamente (e, portanto

“internamente”) o processo de trabalho, ao mesmo tempo em que o instrumentalizava

socialmente (e portanto “externamente”)”, como afirma Villa, Mishima, Rocha (1997,

p. 52)

O entendimento de que, para os depoentes, os procedimentos usados como

meios do trabalho parecem ter finalidade própria fica reforçado, quando analisamos, até

que pontos são valorizados e utilizados as informações que muitas gestantes trazem em

suas carteiras de atendimento do pré-natal juntamente com os respectivos exames. Não

raro, o que se vê, tanto no momento da admissão, quando durante o tempo que

permanecem na sala de pré-parto, são consultas rápidas e por vezes superficiais a esses

documentos, sendo as mulheres submetidas a repetidos interrogatórios, simultaneamente

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com a realização do toque vaginal, da monitoração das contrações uterinas, da ausculta

dos batimentos cardio-fetais e até no momento em que está sendo puncionada uma veia,

por exemplo.

Mendes-Gonçalves (1994, p. 64) concorda que os procedimentos devem ser

tomados como ponto de partida, um momento do processo, um dos meios para

realização do trabalho na saúde e as conexões que se estabelecem entre os trabalhos de

cada um.

As observações realizadas mostraram que uma série de informações sobre a

mulher para a prestação de assistência constitui-se em importante instrumento de

trabalho para todos os profissionais. Elas podem ser obtidas com a própria parturiente

ou com seus acompanhantes, conforme observado na prática. Entretanto, o valor desses

dados como instrumentos para o trabalho perde-se na rotina, perpetuando uma atitude

comum, principalmente entre a equipe médica, de fazer registros sumários sobre os

dados colhidos nos sucessivos exames, ou de não fazer. Surge uma contradição oriunda

da forma como se organiza o trabalho e aquelas informações tão importantes, de que se

ressentem os profissionais, perdem o sentido, na medida em que nem sempre são

resgatadas em benefício da assistência prestada.

Na medida em que não há diálogo permanente e contínuo sobre a assistência a

ser desenvolvida com cada parturiente de per si, pratica-se a generalização de certas

condutas e “os discursos, muitas vezes, justificam tais procedimentos pela eventualidade

de intercorrências”, realça Sodré (2000, p. 119). Com isto, o trabalho fracionado gera a

perda de informações preciosas e pode retardar a tomada de decisões no processo

assistencial, em todos os níveis. Fica então prejudicada a continuidade do trabalho pela

pouca valorização dos dados disponibilizados como meios importantes do ponto de

vista diagnóstico e prognóstico para o trabalho de parto e nascimento.

O improviso é citado pelo DSC como um recurso comum para a concretização

do trabalho. Essa prática parece não incomodar tanto, já que foi mencionada com um

caráter mais positivo do que negativo. Uma explicação para as improvisações crescentes

estaria no fato de que os profissionais de saúde convivem com a precarização das

condições de trabalho, onde nem sempre estão garantidos os meios/instrumentos

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considerados essenciais para a realização do seu trabalho em condições de segurança

mútua, gerando improvisações crescentes (NUNES, 2001).

A maioria das situações nas quais se verificou o uso da improvisação diziam

respeito à substituição, principalmente, de material esterilizado e/ou descartável,

lençóis, vestimentas, campos cirúrgicos, gorros e pro-pés, além de alguns impressos que

compõem o prontuário da parturiente. Seja freqüente ou esporádica, a criatividade e/ou

disponibilidade para essa prática por vezes implica em constrangimento e risco, quando

submete a mulher e o feto/recém nascido a exposições desnecessárias.

A possibilidade de usar o improviso como instrumento de trabalho está

associada à experiência de cada agente e enquanto uns encaram essa prática como

habitual e inevitável, outros, a tem como recurso eventual e produtor de desconforto,

devendo ser, inclusive, compartilhado com a parturiente.

Também no contexto do improviso, vimos mulheres no pós-parto imediato

recebendo refeição ainda no centro obstétrico, às custas de providencia tomada por

uma nutricionista valendo-se de adaptações,, mas respeitando as recomendações da

comissão de infecção hospitalar. Essa forma de agir aponta para a possibilidade de

transformação, pois nem sempre, “ao executar seu trabalho, os profissionais de saúde

obedecem a uma certa disposição física disciplinadamente organizada, ou seja, há

lugares específicos onde certos produtos são realizados” (BRASIL, 2005, p.69)

Nessa possibilidade reside talvez uma das principais características do trabalho

em saúde como prestação de serviço, pois como afirma Offe (1995) apud Peduzzi et. al

(2001, p. 9).

“ O trabalho em serviços atende simultaneamente a dois aspectos, quais sejam: de um lado preservar, respeitar e reconhecer a particularidade, a individualidade e a variabilidade das situações e necessidades dos clientes; e, por outro lado, estar de acordo com certas regras, regulamentações e valores gerais”.

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Como se pode constatar, é exatamente a iniciativa do improviso que garante, em

diversas ocasiões, a realização de um trabalho afinado com as especificidades de cada

mulher, quando equivale à flexibilização de normas quanto a horários, espaços e

condutas padronizadas.

O fato de a nutricionista garantir o fornecimento de refeição à mulher logo após

o parto, ainda no ambiente do centro obstétrico, rompe com certas normas e evidencia

uma face do caráter social desse trabalho, dada a sua implicação no fazer coletivo. Essa

atitude, provavelmente resulta em mudanças no trabalho de outros agentes, uma vez que

a permanência da puérpera no centro obstétrico produz outras necessidades para a

própria mulher e para os diferentes agentes ali atuantes, a exemplo do pessoal que

distribui as refeições, dos responsáveis pela higienização e das auxiliares de

enfermagem. Trata-se então, da reorganização do trabalho coletivo, sendo que essa

possibilidade surge na medida em que a

“articulação dos saberes de cada profissional e seus instrumentos, com as necessidades do usuário que são sempre processuais e singulares, requerendo análises e considerações constantes pois cada ação reconfigura a relação estabelecida e redesenha as necessidades de todos os atores” (GOMES;PINHEIRO;GUIZARDI, 2005 p.115)

No decorrer do processo de assistir à mulher no trabalho de parto, os agentes

desenvolvem, criam e recriam modos de fazer e adaptam técnicas, pois, o

“conhecimento científico é constitutivo, por excelência, dos meios de produção

distintivos do potencial de desenvolvimento atingido pelo processo de trabalho em uma

determinada época histórica”, constata Liedke (2002 p. 248).

A materialização da intencionalidade do processo de trabalho se expressa através

dos meios/instrumentos utilizados, ao que Mendes-Gonçalves (1994, p.126) chama de

tecnologia, como “algo que se constitui dentro dos processos de trabalho, e só dentro

deles, apontando ao mesmo tempo para suas dimensões técnicas e sociais”.

Nesse exemplo do uso do improviso, vimos a necessidade da mulher falando

mais alto e influenciando o profissional no sentido de fazer valer a sua capacidade de

decisão, de domínio sobre momentos do processo de trabalho, dado que o trabalhador

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em saúde tem “uma grande margem de liberdade para ser criativo, relacionar-se com o

usuário, experimentar soluções para os problemas que aparecem e, o que é mais

importante, interagir, inserir o usuário no processo de produção da sua própria saúde”

(BRASIL, 2005, p. 73).

Quando entendida assim, a improvisação pode resultar em benefício para a

assistência pretendida e a finalidade de satisfazer as parturientes fica mais próxima de

ser alcançada nesse trabalho, além de contribuir para a construção do saber prático,

imprescindível em certos casos.

O DSC também denuncia dificuldade para o trabalho, a qual tem origem na falta

de recursos essenciais para o seu desenvolvimento. Os itens que dependem da

lavanderia são freqüentemente citados como difíceis de obterem, da mesma forma

queixam-se da ausência de alguns equipamentos eletrônicos que facilitariam a

realização de exames de laboratório, principalmente. Percebemos que, a falta desses

insumos causa de preocupação e divergências em algumas situações, porque pode

inclusive levar a suspender o atendimento à clientela.

Nesse tocante, o documento que trata dos Princípios gerais e condições para a

adequada assistência ao parto (BRASIL, 2000), encontram-se listadas as

responsabilidades das Unidades integrantes do SUS, dentre as quais, destacam-se:

dispor de recursos humanos, físicos, materiais e técnicos necessários à adequada

assistência ao parto. Mesmo assim, o DSC ressalta que é necessário ter ‘boa vontade’,

na medida em que trabalhar em circunstancias adversas e lançando mão da flexibilidade

e do improviso requer disposição permanente, sendo essa uma capacidade

freqüentemente associada à história da maternidade.

Em relação aos equipamentos notamos haver necessidade de substituição de

alguns, mas a situação mais grave nos pareceu ser o estado precário das camas, macas e

mesas de parto. Quanto aos materiais descartáveis e medicações observamos que

raramente faltam. Entretanto as(os) depoentes, com o olhar voltado para momentos

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específicos, enfatizam tal falta como se fosse ocorrência freqüente, fato este relacionado

a divisão e

“organização parcelar do trabalho em saúde e a conseqüente fixação do profissional à determinada etapa de um certo projeto terapêutico produzem alienação” (...) “Nestes casos, a tendência, no melhor dos sistemas gerenciais, será comprometer o profissional apenas com a realização adequada de algum procedimento e ponto final” (MERHY; ONOCKO, 1997, p. 234)

A superlotação é uma realidade que ocorre na maternidade, embora menos

freqüente do que os depoentes comentam e muitas vezes isto se deve mais à lentidão do

processo de alta e saída das mulheres e seus filhos, forçando o encaminhamentos das

parturientes para outros serviços. Notícias referentes ao atendimento nessa unidade, publicadas na imprensa local,

explicitam os dois lados de uma mesma realidade, conforme a seguir: “desde as sete

horas estamos com ela (a parturiente) no carro e agora, sem vagas, vamos procurar uma

outra maternidade, disse uma parenta” ou “ a maternidade X é um caso particular,

envolvendo até o aspecto cultural e familiar, pois, muitas mulheres querem fazer o parto

no local”, comenta uma profissional da instituição” (BAHIA, 2004, p.3).

No ano em curso, reascendendo a discussão sobre as maternidades da cidade,

uma acompanhante queixa-se “ela (gestante) corria risco de ter eclampsia; estava toda

molhada do líquido; então foi para a maternidade X. A médica fez o exame e mandou ir

para casa” (BAHIA, 2005, p. 3).

Tanto nos depoimentos quanto na prática observada dissemina-se entre as

trabalhadoras e os trabalhadores, uma espécie de “uniformidade de comportamentos de

seus membros, que assimilam uma linha de pensamento e, a partir daí, constroem o seu

espaço de atuação. Essa maneira uniforme de perceber a organização é denominada de

identidade cultural” (BERTONHA; KURGANT, 2004, p. 281).

Nota-se que essa ‘identidade’ carrega conotações contraditórias, que se

encontram arraigadas ao papel social da instituição, tradicionalmente identificada como

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aquela que tudo faz para não negar atendimento às mulheres. Mesmo que isto nem

sempre se verifique, é uma concepção que alimenta o trabalho.

Segundo Discurso do Sujeito Coletivo

Precisamos ter compreensão e paciência para atendê-las.Usamos o corpo-a-

corpo junto com a paciente, a calma, manter a calma sempre, usar o lado humano,

ficar mais próximo dela, pegar na sua mão. Uso o apoio psicológico, a nossa

experiência de mulher, ter sido mãe por cinco vezes de parto natural, com o apoio da

família, de um acompanhante, de quem já passou por aquele momento, conhece o que

ela está vivendo, só que às vezes a gente esquece. Quando se trata de mulher falando de

mulher, quando envolve a experiência da maternidade, há mais reciprocidade e ela

passa a se abrir. Tem um rico material de orientação como cartazes e cartilhas que

também podem ser usados.Precisamos de muita comunicação, conversar com elas, usar

a experiência das outras clientes para reforçar a nossa fala. Temos que conversar de

forma positiva, tentar levantar a moral, buscar o lado positivo, com alegria, com

alguma brincadeira, essa é a forma que a gente utiliza. Uso a visão que eu tenho sobre

a humanização. Eu uso o entendimento que tenho do parto como uma coisa natural,

que me ajuda, sobre o acompanhante, por exemplo. Alguns profissionais ainda não

aceitam, acham que não vai dar certo. Temos que ter também o conhecimento, pois

precisamos para tomar decisões, já que trabalhamos com urgência o tempo todo.

Requer um esforço físico, um esforço psicológico porque se a gente não tiver muito

jogo de cintura, fica nervosa, estressada e estressa também a paciente. Aqui foi o início

da minha carreira desde estudante, então eu sei o que é trabalhar com pacientes de

SUS. Trabalho aqui há muitos anos, já acostumei com o nosso dia a dia, a gente

termina aprendendo. Eu trabalho com amor.Você tem que estar bem consigo mesma,

estar com um bom astral, separar os problemas pessoais, de casa, daqueles do

trabalho. Quando se cruza a porta do trabalho, tem que esquecer os problemas de casa,

se fica alguma preocupação na minha cabeça eu não deixo atrapalhar, procuro não

misturar as coisas. Tem que ter muito preparo. Fica difícil quando elas não confiam no

profissional, não aceitam a orientação ou só querem falar com os médicos.

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Idéia Central do segundo discurso: Precisa estar preparada, ter muita calma,

aproximação com a parturiente. Saber lidar com elas, pois algumas parturientes são

flexíveis, amorosas, obedecem mais, e isso facilita o retorno do nosso trabalho. Requer

esforço físico e psicológico e precisa ter amor, estar bem consigo mesma e separa a vida

pessoal da profissional, embora seja um processo difícil o tempo todo. Há dificuldades

quando elas não ajudam.

Através desse DSC, os depoentes atestam o quanto esse trabalho requer o uso

de meios que estão afetos ao âmbito das subjetividades das trabalhadoras e dos

trabalhadores da saúde, cujos corpos e mentes moldaram-se para o desenvolvimento de

um trabalho que tem no controle, na disciplinarização e na despersonalização,

instrumentos eficazes. Entretanto, a subjetivação do objeto de trabalho implica em

reconhecer que este é realizado com e não sobre alguém, o que obriga uma

transformação de complexidade crescente (GOMES, PINHEIRO, GUIZARD, 2005, p.

110).

O afloramento das subjetividades constitui-se no diferencial capaz de interferir

na finalidade antevista ou não para o trabalho dos profissionais, podendo implicar em

sua manutenção ou transformação. Para Sodré (2000, p.122), é até possível “questionar

se a finalidade do processo de assistência ao parto não visa atender antes às

necessidades dos agentes e detentores dos instrumentos de trabalho, do que às

parturientes”.

Na visão de Mendes-Gonçalves (1994, p. 126) a tecnologia, em sentido amplo,

corresponde a “algo que se constitui dentro dos processos de trabalho, e só dentro deles,

apontando ao mesmo tempo para suas dimensões técnicas e sociais” e os recursos

criados e recriados ou adaptados com vistas ao alcance da finalidade compõem um

modo de fazer próprio a cada processo de trabalho. Para o mesmo autor:

“o saber e seus desdobramentos em técnicas materiais e não-materiais, ao darem um sentido técnico ao processo, dão-lhe um sentido social articulado. As duas dimensões referidas, distinguíveis analiticamente, sobrepõem-se aos mesmos aspectos da realidade, necessariamente, e não podem ser tomadas como justapostas e apenas interdependentes (MENDES-GONÇALVES, 1994, p. 127)

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A aproximação à qual se refere o DSC representa o verdadeiro encontro da/o

profissional - usuária ao qual Merhy se reporta afirmando ser este “o terreno das

tecnologias leves, capazes de conduzir a processos de mudanças na micropolítica da

organização dos serviços de saúde” (MERHY, 2003, p. 141).

Nessa mesma direção apontam as tendências mais recentes da assistência

obstétrica mundial, as quais valorizam o caráter relacional e apontam o progressivo

reconhecimento das dimensões emocional e cultural dos fenômenos que envolvem o

trabalho de parto e o nascimento. Sobre este tipo de suporte, o Guia para atenção efetiva

na gravidez e no parto, afirma que:

“uma característica central do suporte no parto é a promessa de que a mulher em trabalho de parto não ficará sem apoio em nenhum momento. A simples presença física de uma pessoa não é suficiente. Essa pessoa também deve realizar atividades de suporte, que compreendem tanto medidas de conforto físico quanto apoio emocional” (ENKIN, 2000, p. 133)

A supremacia da fisiologia e das condutas expectantes frente ao desenrolar do

trabalho de parto vem sendo estimuladas e defendidas como recursos valiosos nessa

assistência. Entretanto, assumir o respeito a essas dimensões, como instrumento útil,

implica em que o corpo-a-corpo com as mulheres, descrito pelo DSC esteja a serviço de

ouvir mais do que perguntar, acompanhar mais do que interferir e atender mais do que

solicitar. Agindo desta forma, “a atuação dos profissionais passa a acontecer com

usuários singulares, com histórias de vida únicas e diferentes expectativas de vida e

sobre os serviços, comentam Gomes; Pinheiro; Guizard (2005, p. 110).

Machado lembra que, “Dejours discorre sobre um saber pragmático, produzido

pelos trabalhadores, que resulta da experiência e da observação ao longo de sua prática.

Esse saber operacional, denominado de ‘dicas’ e ‘macetes’, compõe um modo

operatório que somente é conhecido daqueles que lidam diretamente com a atividade”

(DEJOURS, apud MACHADO, 1999, p. 149).

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Quando afirma saber lidar com as parturientes do SUS, o DSC reporta-se a um

saber acumulado inclusive pela experiência com esse tipo de contexto, que confere aos

profissionais certo instrumental para o trabalho, cujo conhecimento desenvolve-se de

maneira peculiar em cada pessoa.

O comportamento da mulher frente às fases do parto, que encontraremos nos

discursos sobre as características das mulheres, se reveste de grande importância para o

processo de trabalho dos profissionais de saúde, por estabelecerem diferença entre o que

venham a ser as parturientes que colaboram e as que dificultam o trabalho. Se o trabalho

é considerado mais difícil com as parturientes consideradas despreparadas, talvez as

trabalhadoras e os trabalhadores sintam falta da instrumentalização apropriada para

estabelecerem interação eficaz com as mesmas.

Para o Ministério da Saúde, o adequado preparo da gestante para o parto “requer

um esforço muito grande, mas plenamente viável, no sentido de sensibilizar e motivar

os profissionais de saúde”, permitindo acrescentar aos meios materiais disponíveis, “a

criação de um vínculo mais profundo com a gestante, transmitindo-lhe confiança e

tranqüilidade” (BRASIL, 2001, p. 38)

Entretanto, em oposição a atitudes desse tipo,

“uma expressão facial que denote mau humor, gestos bruscos que denote raiva, impaciência, palavras ríspidas ou jargões muitas vezes incompreensíveis para a mulher, e muitas outras expressões que bloqueiam a comunicação, constituem-se em formas não terapêuticas de comunicação, que desqualificam a assistência, comprometendo-a”(GOTARDO, 2003, p.79).

Em que pese a atual defesa da humanização§§ dessa assistência pela via,

inclusive, de uma melhor capacitação dos profissionais para a dimensão relacional do

§§ Aqui entendida como “ um processo que inclui desde a adequação da estrutura física e equipamentos dos hospitais até uma mudança de postura ou atitude dos profissionais de saúde e das gestantes”. (BRASIL- MS, 2001)

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trabalho em saúde, nesse componente residem ainda muitos obstáculos verificados na

prática, como a seguir:

Situação B - demonstração de formas diferentes de abordagem da parturiente

No meio da manhã, uma técnica de laboratório chega ao pré-parto para colher sangue

das parturientes, conforme estabelecido pela rotina do serviço. Inicialmente mostra-se paciente

no trato com as mulheres. Porém muda de atitude quando uma delas permanece de costas e não

atende de imediato o seu pedido para virar-se, impedindo a realização do procedimento. Irritada,

a profissional se dirige à auxiliar de enfermagem pedindo para que a mesma convença a

parturiente a virar-se, afirmando que não pediria outra vez e então se afastou para atender as

outras parturientes. Após a auxiliar conversar com a parturiente, esta mudou de posição e a

técnica do laboratório retornou e realizou o procedimento mostrando-se bastante aborrecida. Do

que foi possível interpretar, a reversão da situação deu-se apenas pela mudança na forma de

abordagem à parturiente.

Em se tratando de violência institucional no contexto da assistência ao parto, “

essas atitudes estabelecem um distanciamento entre o profissional e as pessoas por ele

assistidas no sentido de não proporcionar espaço para as possibilidades de ações

terapêuticas, principalmente as que tem como base o processo de comunicação humana”

(SANTOS, 2000, p.80)

Ocorre que a comunicação pode ser valiosa, desde que se estabeleça um diálogo

produtivo entre quem pergunta e quem responde, o que só é possível quando permeado

por confiança mútua. Além disso, a garantia de privacidade e a ausência de julgamentos

são cuidados que beneficiam a comunicação, seja durante a anamnese inicial, seja nos

contatos subseqüentes, durante a internação.

Concordamos que, muitas vezes, a conversa com a parturiente, “a relação, o

diálogo e a escuta são colocados em segundo plano para dar lugar a um processo de

trabalho centrado no formulário, protocolos, procedimentos, como se esses fossem um

fim em si mesmos” (BRASIL, 2005, p. 21).

O registro de prontuários, embora se constituam em instrumento de grande

serventia, é, por vezes supervalorizado, mais pelo que representam de respaldo a

eventuais questionamentos quanto à assistência e menos pela capacidade de funcionar

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como elo de avaliação clínica e obstétrica da parturiente e do concepto. Nessa

concepção, o partograma*** adotado recentemente na maternidade, que concentra

informações de utilidade coletiva, inclusive por meios gráficos, poderia funcionar como

um instrumento importante para o trabalho de toda a equipe, mas geralmente

permaneciam em branco nos prontuários.

Cabe questionar, de que forma foi tomada a decisão pela utilização deste

impresso e qual o objetivo pretendido, pois o não preenchimento pode ser uma forma

encontrada para resistir, por falta de tempo, para ‘preencher mais um papel’, ou em

virtude do partograma não ser reconhecido enquanto instrumento facilitador desse

trabalho. Há ainda a possibilidade de que o partograma seja visto como um complicador

para os profissionais, pois, ao disponibilizar as informações a todos os interessados,

perde-se o poder sobre elas, este sim, um recurso valoroso no contexto investigado.

Apesar do contato direto e permanente ser identificado pelo DSC como um

recurso útil, a maioria dos depoentes não demonstrou tal interesse e nem a maternidade

está organizada quantitativa e qualitativamente nessa direção; haja vista, a escassez de

médicos, categorias de enfermagem e assistentes sociais, profissionais afeitas ao

trabalho mais próximo com as mulheres, com possibilidades de estabelecerem o diálogo

enfatizado pelos depoentes. Concordamos com Gomes, Pinheiro, Guizard (2005, p.

110), quando afirmam que:

“A ‘subjetivação’dos objetos de trabalho que passa a ser fundada nos usuários dos serviços de saúde, vai exigir que todo o processo de trabalho se modifique. A afirmação da relação entre sujeitos determina uma série de modificações nos meios de trabalho, tanto na forma de utilizá-los, como na importância dada a instrumentos anteriormente negligenciados”.

Tome-se como exemplo, a discussão corrente no âmbito nacional sobre a

permissão de acompanhante para a parturiente entendida como meio facilitador do

processo. A presença de acompanhante – uma alternativa de trabalho para o

oferecimento de suporte emocional à mulher, com vantagem também para a equipe –

*** “ é a representação gráfica do trabalho de parto que permite acompanhar sua evolução, documentar, diagnosticar alterações e indicar a tomada de condutas apropriadas para a correção destes desvios, ajudando ainda a evitar intervenções desnecessárias” (BRASIL, 2001, p. 45).

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apresenta-se como uma possibilidade remota no contexto estudado, pois o que se ouve

no serviço é um rol de desvantagens e razões estruturais para a não adoção dessa

prática. Para Siqueira, existem outros entraves que são “encobertos pelos próprios

profissionais que se opõem a presença do acompanhante sob a justificativa de que este

interfira na assistência obstétrica de forma prejudicial, como um fiscal da qualidade do

cuidado” (SIQUEIRA, 2001 p. 103)

Concordamos com (FLORENTINO, 2003, p. 152), uma vez que,

“dentre as vantagens percebidas pela presença do acompanhante no centro obstétrico, encontra-se a diminuição da solidão da parturiente, possibilitando a essas mulheres um conforto emocional no sentido de terem alguém de sua confiança como referência durante o seu parto, além do profissional.”.

Do ponto de vista do processo de trabalho, a internação das adolescentes para o

parto implica a atenção diferenciada no tocante às rotinas do serviço e à

disponibilid1ade pessoal para o diálogo com elas, o que pressupõe o reconhecimento

dessa demanda como necessidade. Um dos recursos considerados eficazes para ajudá-

las a passar pela experiência do parto é a permanência de acompanhante no período do

internamento, prevista inclusive no Estatuto da Criança e do Adolescente, e também

estimulada nas propostas de Humanização da Assistência ao Parto, defendidas pelo

Ministério da Saúde e pelas Organizações que militam na área dos direitos reprodutivos.

O corpo-a-corpo com a parturiente, referido pelo DSC, surge como um recurso

de trabalho imprescindível, através do qual acompanham a evolução do trabalho de

parto, colhem informações, fornecem orientações, sendo que a maior importância desse

recurso está no fato de que ele

“permite ao profissional estabelecer, com cada mulher, um vínculo e perceber suas necessidades e sua capacidade de lidar com o processo do nascimento. Permite, também, relações menos desiguais e menos autoritárias, à medida que o profissional, em lugar de assumir o comando da situação, adota condutas que tragam bem-estar e garantam a segurança para a mulher e o bebê”. (BRASIL, 2001, p. 10)

O trabalho das auxiliares é coordenado pelas enfermeiras no tocante ao

abastecimento e controle da utilização dos insumos e à distribuição das mesmas entre os

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ambientes do centro obstétrico. A distribuição feita pelas enfermeiras no início do dia

permite que as auxiliares fiquem responsáveis, por períodos de doze horas, por tudo o

que se refere à assistência realizada em cada sala, se aproximando do tipo de escala de

cuidado integral, e que “consiste na designação de um grupo formado por alguns

elementos da equipe de enfermagem para dar todo o atendimento durante um turno de

serviço”. (apud KURGANT, 1991apud MAGALHÃES;JUCHEM, 2000, p. 9)

A distribuição das auxiliares para prestação de cuidados integrais é usada no

centro obstétrico, facilita o estabelecimento de uma relação mais próxima e contínua

com a parturiente, além do que “rompe, em parte, com a divisão mais global das

necessidades dos clientes, tornando o trabalho potencialmente mais criativo”, comenta

Pires apud Silvino (2002, p. 68).

Esse tipo de escala torna possível o estabelecimento de vínculo com as

parturientes, principalmente aquelas que são internadas no início do trabalho de parto,

que geralmente demoram no pré-parto e requerem mais atenção. Isto ocorreria se a

distribuição de auxiliares de enfermagem concentrasse um maior número delas na sala

de admissão e na sala de pré-parto, considerando-se serem estes os espaços onde há

maior número de parturientes sendo atendidas simultaneamente. Entretanto, não é o que

vimos acontecer mais amiúde, pois observamos que é na sala de pré-parto onde as

auxiliares permanecem em menor número e por menos tempo.

Além do mais, conta-se com uma distribuição de pessoal que varia entre a

inflexibilidade extrema e a liberalidade descomprometida. Esse fato se aplica a todos os

tipos de agentes desse trabalho, uma vez que as trabalhadoras podem ser dispensadas,

transferidas ou substituídas a qualquer momento, por ordem superior, não sendo

respeitados os vínculos estabelecidos entre parturientes, profissionais e estudantes

durante a prestação de assistência.

Considerando que a aproximação, o estar junto com a parturiente apresenta-se

pouco eficaz em termos de quantidade e de qualidade, o seu potencial como meio de

alcançar os objetivos do trabalho encontra-se realmente mais afinado com a finalidade

de adaptação da parturiente ao ambiente hospitalar, com ênfase nas manifestações

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biológicas presentes no corpo da mulher em trabalho de parto, na concretude objetivada.

Disto já suspeitávamos quando discutimos os objetivos do trabalho.

O DSC identifica o conhecimento como um instrumento útil para o

desenvolvimento do seu trabalho e realça a necessidade de possuí-lo para tomar

decisões sobre a assistência, o que justifica a série de questionamentos feitos à mulher,

as quais nem sempre recebem retorno à suas perguntas e, quando muito, ouvem

evasivamente afirmações do tipo: ‘está tudo bem, fique calma’, ‘não se preocupe’,

‘ainda não está na hora’. São respostas que satisfazem apenas aos profissionais, com

base no que já sabem a respeito, mas não à parturiente, para as quais cada

gestação/parto é uma experiência única.

No contexto estudado, os agentes desenvolvem um trabalho personalizado, cujas

ações já estão organizadas em suas mentes correspondendo ao que imaginam ser

esperado tanto pela instituição, quanto pela parturiente, além de ser previsto pela

categoria profissional, uma vez que os próprios profissionais “detém o recurso

fundamental do conhecimento técnico, não apenas da sua formação, mas, sobretudo o

que foi adquirido em sua experiência concreta no dia-a-dia do serviço”. (FRANCO;

MERHY, 2003, p. 140)

A experiência reunida com as situações vivenciadas pessoalmente ou com

mulheres próximas, juntamente com a prática assistencial, confere acúmulo

considerável de circunstancias envolvendo o trabalho de parto de um grande número de

mulheres. Essa constatação mostra-se útil no trabalho observado, pois alguns

profissionais apelavam para ajuda de colegas mais experientes em certos momentos.

O uso da experiência como instrumento, principalmente do trabalho em equipe é

valorizado porque oferece a possibilidade de contar com a opinião de colegas com mais

habilidade específica ou tempo de prática diagnóstica, terapêutica ou no componente

relacional com a parturiente e familiares. Note-se as seguintes situações, reveladoras da

importância da experiência como instrumento de trabalho no contexto estudado:

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Situação C – médica procura colegas para discutir prescrição mais adequada

Uma médica obstetra está avaliando as parturientes do pré-parto e identifica uma que

está em trabalho de parto prematuro. Ao consultar o prontuário verifica que havia prescrição de

uma medicação que deveria ser feita em duas doses com espaço de doze horas, mas que só havia

sido prescrita e realizada uma dose há mais de 24 horas. Quis tomar a decisão sobre as

alternativas de prescrever a segunda dose ou recomeçar o esquema, mas comentou que tinha

pouca experiência com esse tipo de caso, achando mais conveniente trocar idéias com os demais

obstetras e saiu da sala com o prontuário. Horas depois retornou com a decisão e transmitiu à

auxiliar de enfermagem as orientações de como administrar o medicamento.

Situação D – auxiliar de enfermagem pede ajuda de colegas para especificar um dado clínico

sobre a paciente.

Na sala de admissão há uma gestante na maca de transporte parecendo desfalecida e

duas auxiliares tentando aferir a pressão arterial e puncionar a veia. Trata-se de uma

emergência, já houve o atendimento médico e a internação está sendo providenciada, mas é

necessário registrar o nível de consciência da gestante na folha de enfermagem e as duas

auxiliares que prestam os cuidados não conseguem definir uma vez que a paciente não responde

aos chamados, mas geme e reage ao estímulo doloroso. Ficam em dúvida entre usar as

expressões semiconsciente ou torporosa. Chamam então outra colega, pois consideram que a

mesma pode ajudar uma vez que trabalha em setor de emergência de outro hospital. Ao chegar,

a auxiliar testa alguns estímulos, avalia a pupila e conclui que está mesmo difícil definir e

orienta que é melhor descrever como que ela está respondendo a cada estímulo do que fazer

uma conclusão imprecisa. As demais acataram e assim foi registrado.

Por outro lado, a experiência também é usada de forma a justificar

procedimentos questionáveis e atitudes de intolerância com as parturientes, sustentadas

em justificativas como o aprendizado obtido com tempo de trabalho na maternidade, o

que geraria um ‘saber lidar com as pacientes do SUS’. De uma forma ou de outra, nota-

se que o saber acumulado no dia-a-dia, por vezes, sobrepõe-se ao conhecimento formal,

seja individualmente ou em equipe, dada a repetição das situações, o que confere aos

profissionais, autoridade e habilidade crescente.

O DSC também dá importância ao bem estar do profissional como um

requerimento para o desenvolvimento do trabalho, o que significa reconhecer que “o

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trabalho se produz, então, como atividade do sujeito cidadão construtor de uma

existência digna, saudável, autônoma, num tempo e espaço historicamente posto”

(LEOPARDI; NIETSCHE, 1998, p. 32).

Apesar das diferenças existentes na carga horária e a organização do trabalho

conforme cada categoria profissional, o contexto do trabalho em saúde reflete as

mudanças decorrentes da implementação de políticas que privilegiam o atendimento a

exigência de um modelo econômico expropriador dos direitos, do prazer e da

criatividade do trabalhador. Mesmo assim, ainda é possível falar de satisfação,

principalmente quando os trabalhadores consideram que realizam “atividades ‘nobres’

em que, de alguma forma, o profissional se encontra com o seu trabalho e se

realiza”.(MENDES-GONÇALVES, 1994, p. 160)

Também conforme analisado por Gotardo, 2003 p.77

“A organização do trabalho torna-se parte importante, pois o equilíbrio na adequação do ambiente ao número de funcionários, à dinâmica do trabalho, dos aspectos subjetivos relacionados à divisão de tarefas, relações de poder entre os profissionais e o relacionamento entre as pessoas de modo geral são fatores fundamentais para que se estabeleça a base para as relações humanas proveitosas e prazerosas”.

Ao afirmar que, estar bem consigo mesmo, é algo de que necessitam para

desenvolverem o trabalho, o DSC reforça que essa sensação só pode ser manifestada

quando o profissional consegue separar os problemas da vida pessoal, do contexto do

trabalho, o que entendem como sendo a melhor atitude para todos os envolvidos. Nesse

sentido, Silva apud Gotardo (2003, p. 79) a firma que,

“o tom da assistência é dado pelas crenças que cada profissional carrega consigo, e a capacidade de estabelecer parceria e cumplicidade o que exige disponibilidade afetiva e investimento pessoal para o exercício dessa nova modalidade de prática”.

Mas o DSC também identifica dificuldade para manter o bem estar por todo o

período do trabalho, devido ao desgaste físico e emocional, o que pode ser percebido

nas expressões de cansaço e de sono apresentadas por muitos profissionais. Isto nos leva

a concordar com Bosi (op. Cit. p. 109) de que “cabe, portanto, uma reflexão sobre esta”

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configuração histórica” que veio a caracterizar o trabalho como uma verdadeira tortura,

a própria destruição do homem, ao invés de contribuir para a realização das suas

potencialidades.

No grupo estudado estão profissionais que, a depender da categoria, trabalham

por seis, doze e até vinte e quatro horas corridas nessa maternidade, além de jornadas

em outros serviços, no caso de alguns. Nota-se que o sistema de turnos dificulta o

acompanhamento do trabalho de parto completo das parturientes, o que significa que o

rodízio tanto das mulheres quanto dos profissionais concorre para que o trabalho não

passe de uma seqüência de

“ atos esvaziados de sentido, ou cujo sentido depende de uma continuação que o trabalhador não somente não controla como até desconhece, tudo isso termina produzindo um padrão de relacionamento com o saber e com a prática profissional altamente burocratizado. Não há vocação que resista à repetição mecânica de atos parcelares”(MERHY, 1997, p. 235).

Numa análise avançada da relação trabalho-saúde, é possível que trabalhadoras e

trabalhadores tenham a sua saúde física e psíquica afetadas, dentre outros fatores, pela

prática de duplas, e até triplas jornadas de trabalho, além de regimes de turnos e

plantões (PITTA, 1994).

Consultando estudos que aprofundam as questões do trabalho em saúde a partir

da vertente do sofrimento psíquico a ele relacionado, encontramos que “o trabalho

causar infelicidade, alienação e doença mental, mas também pode ser mediador da

autorealização da sublimação e da saúde. Portanto na psicodinâmica é concebido em sua

dupla vertente, ou seja, podendo conduzir à doença ou à criatividade” afirma Silvino

(2002, p. 19). Lima (2001, p. 138) considera ainda que

“A falta de motivação dos trabalhadores para estar nesses espaços tem efetivamente se constituído num elemento relevante para analisar espaços de trabalho no setor de saúde, por diversas razões das quais destacamos a cada vez mais tênue ausência da solidariedade e a falta de compromissos entre os diferentes agentes institucionais, o que se tem evidenciado, sobretudo nas relações de indiferença e desrespeito que campeiam esses espaços”.

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No seu encontro com o usuário, o trabalhador em saúde “domina um certo

espaço no processo de trabalho, com sua sabedoria e prática, exercendo um certo

‘autogoverno’, que lhe dá, inclusive a possibilidade de apropriar-se do uso desse espaço,

conforme o modelo técnico-assistencial, sem ter que prestar conta do que e do como

está atuando, o que possui implicações na dimensão ético-profissional” Merhy apud

Machado (1999, p. 150)

Considerando a complexidade da questão, é pertinente abordar também que

ponto a tentativa de demarcação rígida entre as dimensões pessoal e profissional da

vida, requerida pelo DSC, poderia responder pela irritabilidade, pelo desânimo e até

indiferença percebidos em algumas atitudes dos profissionais frente ao trabalho.

Na instituição em pauta, a peculiaridade da predominância de mulheres em todas

as categorias de profissionais de saúde e exclusividade em algumas, remete a uma outra

discussão inevitável, qual seja a capacidade socialmente atribuída à mulher como sendo

mais competente que o homem para lidar simultaneamente com questões de âmbito

público e privado em suas vidas, em que pese a sobrecarga física e emocional inerente a

essa questionável ‘vantagem feminina’.

Terceiro Discurso do Sujeito Coletivo

São apenas recursos humanos, o pessoal da cozinha, o pessoal da empresa que

fornece alimentação. O trabalho tem que ser feito em equipe, nos dividimos e cada um

faz o que necessita no momento. A equipe conversa, troca experiência, você não está

sozinha no plantão, se tiver dúvida chama a colega. Tem uma facilidade que eu acho

importante que é o relacionamento da equipe médica de hoje, todo mundo coopera e o

trabalho flui bem. Quando acontecem emergências, sempre fica um médico

monitorizando o paciente grave e outro vai para a regulação até conseguir uma vaga

para transferir a paciente. Temos a equipe de auxiliares de enfermagem que ficar

acompanhando a paciente. Às vezes precisa de enfermeira, no caso de algumas

medicações, verificação dos sinais vitais ou observação mais detalhada, são meios que

se usam no trabalho. Tem também os alunos de muitas escolas. Alguns dias a gente tem

os estudantes de enfermagem que estão aqui com a professora delas, dão apoio,

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ajudam. Às vezes tem também estudantes de medicina, mas que ainda não sabem ajudar

e a gente vai fazendo a supervisão. Fica difícil trabalhar com redução no quadro de

profissionais, principalmente de médicos, enfermeiras e auxiliares de enfermagem.

Idéia Central do terceiro discurso: Precisam do trabalho em equipe

envolvendo recursos humanos de várias áreas e categorias, incluindo estudantes de

enfermagem e de medicina que atuam sob supervisão. Tem que compartilhar

experiências. As enfermeiras obstétricas facilitam o trabalho. O relacionamento da

equipe médica é uma facilidade, pois, quando há cooperação é melhor para o trabalho,

mas a escassez de pessoal é uma dificuldade.

O DSC faz emergir a perspectiva de equipe como instrumento mais próximo de

um pólo facilitador do trabalho de todas as pessoas envolvidas. O conjunto de trabalhos

da equipe é, portanto, a expressão da intercessão de variados objetos e instrumentos que

se dispõem, lado a lado, de modo fragmentário” (PEDUZZI; PALMA, 1996). As

autoras também afirmam que “à proporção que a equipe multiprofissional objetiva-se no

plano operatório do processo de trabalho, apresenta questões que emergem da atividade

do trabalho propriamente dito, bem como da relação entre cada agente e essa atividade”.

(op. cit., 1996, p. 239)

O caráter coletivo do processo de trabalho na assistência ao parto é reforçado nos

manuais elaborados pelo Ministério da Saúde para atenção à saúde da mulher, onde as

ações recomendadas para a assistência em diferentes situações estão dirigidas à equipe

de saúde e não especificamente e este ou aquele profissional, o que pressupõe a

comunicação permanente entre estes, como um meio imprescindível para o trabalho.

Contudo, na lógica hospitalar, a complexa estrutura de funcionamento é

construída a partir de especializações e hierarquizações entre as categorias profissionais

ali atuantes, valendo-se de uma diversidade de meios/instrumentos de trabalho. O

mesmo ocorre na maternidade, onde “a noção de equipe multiprofissional é tomada

como uma realidade dada, uma vez que existem profissionais de diferentes áreas

atuando conjuntamente, e a articulação dos trabalhos especializados não é

problematizada” (PEDUZZI, 2001a, p. 104)

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O DSC reconhece a contribuição dos diversos agentes das várias áreas que

participam com seus trabalhos para o desenvolvimento do todo da assistência à

parturiente. Entretanto, o reforço aos limites específicos de ação de cada categoria,

configura o predomínio da lógica de uma divisão inflexível entre o fazer geral e o fazer

especial, ambos necessários à realização do trabalho. Na visão de SCHAIBER (1995, p.

60), no plano da hierarquização do trabalho no âmbito hospitalar, a intervenção médica,

“por ser concebida como componente produtivo, mais importante, uma vez que remete ao ato diagnóstico, delimita hierarquias entre os vários atos técnicos existentes, sobretudo diante da intensa especialização do trabalho e hierarquização dos saberes”.

Recorrendo a Peduzzi (2001a, p.108), temos que “quanto maior a ênfase na

flexibilidade da divisão do trabalho, mais próximo se está da equipe –integração e,

quanto maior a ênfase nas especificidade dos trabalhos, mais próximo se está da equipe

– agrupamento”.

O trabalho em equipe frisado pelo DSC tem mais afinidade com as

características do segundo tipo descrito pela autora, principalmente porque as

demonstrações de flexibilidade no trabalho não são assumidas, ou mesmo identificadas

como meio necessário para o processo, mesmo sendo uma alternativa freqüentemente

utilizada no centro obstétrico, nesse serviço. Assim, a participação de cada agente vai

sendo construída à margem do que seria um projeto comum, sendo eventualmente

reconhecida como um recurso útil para o trabalho coletivo.

Nesse sentido, (PEDUZZI, 2001b, p.114) realça que

“a simples reunião de profissionais com diferentes formações e práticas não garante que tal intuito será alcançado. Ao contrário, o que temos visto são as práticas que ainda que não sejam contraditórias ou antagônicas, são realizadas de forma justaposta e não interseções”

Concordamos que o aprofundamento da divisão técnica e social do trabalho faz

com que produtos de alguns processos passem a ser objetos e meios (instrumentos) de

outros processos de trabalho, conforme lembra Mendes Gonçalves (1992). O fio

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condutor desses processos está no compartilhamento de uma finalidade, um objetivo

para o trabalho coletivo.

O DSC cita o trabalho da enfermeira reportando-se apenas a participações

pontuais dessa profissional, talvez por ser mais visível, seja para a realização de um

procedimento de enfermagem mais complexo, seja para providenciar material ou

medicação de uso restrito. Com certeza o trabalho da enfermeira não se limita a essas

atividades, haja vista as iniciativas adotadas em articulação com todos os setores para

garantir insumos de várias ordens. “Há um envolvimento permanente das enfermeiras

na solução de questões relativas às escalas de serviço das auxiliares, sua

compatibilização com a jornada mensal, com os horários de outros empregos e com as

necessidades específicas do serviço”, afirma Nunes (2001, p. 105).

O cenário hospitalar tem as suas especificidades e Sodré (2000, p. 70) tratando

do assunto, lembra que:

“o processo de trabalho das enfermeiras surge como outro instrumento do processo de trabalho do médico, a partir do momento em que elas não participem das decisões quanto aos procedimentos, limitando-se ao cumprimento de suas prescrições rotineiras, não individualizadas transmitidas de forma verbal ou escrita”.

A direcionalidade técnica do ato médico está presente na assistência a ser

prestada à parturiente, pois desencadeia uma série de atividades para outros

trabalhadores a partir de contatos pessoais e, principalmente, do preenchimento de

requisições e de prescrições em prontuário e o encaminhamento dessas questões nem

sempre passa pela enfermeira presente no cento obstétrico. “Em conseqüência disso,

potencializam-se as ações burocráticas, a falta de comando, de autonomia e mesmo de

compartilhamento e de parcerias entre os diferentes sujeitos institucionais” (LIMA,

2001, p. 194).

A influência do modo de agir dos profissionais médicos e médicas na forma de

tratar as parturiente e de lidar com as normas e rotinas do serviço respalda atitudes de

outros agentes, tome-se como exemplo que:

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“os profissionais médicos se integram ao hospital ou a instâncias dos serviços de saúde, conservando boa parte de seus hábitos de produtores autônomos, sendo refratários às ordens, ao cumprimento dos horários de trabalho e às normas e rotinas institucionais, o que se reflete também na postura dos demais trabalhadores, que se espelham muitas vezes nesses profissionais para reproduzirem suas ações nesse espaço (CAMPOS, 1997,p. 93)

Tome-se como exemplo uma situação observada e descrita a seguir:

Situação E- implicações negativas de atitudes ligadas à hegemonia médica sobre esse trabalho coletivo:

Estamos na sala de admissão, mas o atendimento está parado porque os três médicos

obstetras do plantão encontram-se no centro cirúrgico envolvidos com curetagens e cesáreas e

algumas gestantes aguardam no banco, para serem atendidas. A funcionária da recepção/arquivo

entra trazendo mais fichas o que significa mais gestantes aguardando no banco. Ela pergunta se

seria possível deixar entrar as gestantes que estão há muito tempo no banco, “pelo menos para

deitarem enquanto esperam”. As auxiliares respondem que não adiantará, pois de qualquer

forma vão ter que esperar por um médico. A funcionária insiste dizendo que está cansada da

pressão dos acompanhantes e que “se elas entrassem, pelo menos eles achariam que elas já

estavam sendo atendidas e paravam de reclamar”.Uma das auxiliares responde que entende a

posição dela, mas prefere não chamar as gestantes, pois “quando a Dra. X chega, manda descer

da maca novamente e esperar lá fora, pois só gosta que entre uma por uma”. Outras gestantes

vão chegando e o banco vai se enchendo. O horário do almoço se aproxima e as auxiliares

concluem que não haverá atendimento por enquanto, pois os médicos devem ter ido almoçar.

Comentam “ é nisso que dá ter somente três médicos no plantão em uma maternidade como

essa... se eles podem almoçar todos de uma vez, nós também vamos porque quando voltarem

vão querer resolver tudo na carreira”. Saem todas da sala em direção ao refeitório.

A situação descrita reforça Sodré (2000, p. 68) quando salienta que

“ a figura do médico como o principal agente do processo de assistência ao trabalho de parto, com amplo poder de decisão, identificado nos discursos através de alguns expressões como: “prescreve”; “libera”; “recomenda”; “é quem decide”; “prefere”; “não gostam”; “não permite”; “eu já conheço os médicos que gostam”.

Numa perspectiva de trabalho em equipe, nos pareceu obvio que a situação

descrita acima poderia ter outro encaminhamento se fosse reconhecida a possibilidade

de se contar com o trabalho de enfermeiras, especialistas ou não, cujo preparo

permitisse o exame das gestantes e, conseqüentemente, a realização de algum tipo de

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triagem e a prestação da assistência de enfermagem requerida por cada uma das

mulheres. A flexibilidade dessa divisão de trabalho, no cenário pesquisado, fica à mercê

do caráter relacional intra-equipe e da urgência caracterizada em cada situação, sendo

possível encontrar enfermeiras ou auxiliares assistindo diretamente um parto, mas

dificilmente se encontrará profissionais médicos prestando cuidados higiênicos,

ajudando a mulher a alimentar-se ou transmitindo recados ou informações e apoio à

família.

Quando nos reportamos para as finalidades anteriormente colocadas pelos

DSCs, vislumbramos que o alcance das mesmas é possível dentro de uma configuração

de trabalho que valorize as diversas contribuições, não “deixando para segundo plano os

saberes e as ações de outros âmbitos da produção do cuidado, tais como: educativo,

preventivo, psicossocial, comunicacional que aparecem como periféricos ao trabalho

nuclear a assistência médica individual” (PEDUZZI,2001a p. 107).

Reconhece-se, entretanto, ser necessário que

“a enfermeira ocupe o seu espaço de atuação, através da participação tecnicamente competente, consciente e decisiva sobre a determinação dos programas e de sua efetivação, sobretudo, na assistência direta à mulher, a fim de que os confrontos emergentes da prática profissional, na tentativa de modificar modelos vigentes nesta área, possam garantir a competência, proficiência e a autonomia da enfermeira na atenção ao parto e nascimento” (SIQUEIRA, 2001, p. 45)

Apesar da identificação de vantagens na presença de enfermeiras obstetras na

maternidade, para o DSC o trabalho dessa profissional está associado à possibilidade de

ajudar aos médicos em momentos de sobrecarga, corroborando com análise de Riesco;

Fonseca (2002, p. 685), pois para as autoras, “ a assistência ao parto é reafirmada como

ato médico, na medida em que o princípio da “função delegada” é apontado como saída

para a atuação do não-médico no parto”.

Presenciamos raras ocasiões onde essa perspectiva foi incorporada e as

enfermeiras estavam muito mais próximas às parturientes, inclusive prestando

assistência no pré-parto e no parto, conforme previsto no âmbito das diretrizes do SUS,

uma vez que “as novas políticas, conforme já evidenciado, vêm sendo determinadas,

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entre elas, a mudança de instrumentos de trabalho, como novos locais de assistência e

valorização do processo de trabalho de outros profissionais, como a enfermeira

obstétrica...” (SODRÈ, 2000, p.124).

Nessa ceara de questões relativas à gestão de pessoal, Lima (2001, p.199) nos

relembra que é necessário enxergar os agentes do trabalho a partir

“de perspectivas que os apontem como indivíduos que não sejam vistos apenas como parte das instituições, representando recortes da estrutura social mais ampla em que se antagonizam situações de coações, solidariedade, cooperações, competitividade, além de distintos saberes de diferentes formas de tensões e conflitos”.

Além dos profissionais, os estudantes também são lembrados pelo DSC como

recursos humanos presentes no centro obstétrico. Isto nos leva a destacar que a reflexão

sobre o trabalho da equipe de saúde “requer o exame crítico, tanto de seu modo de agir e

de seus processos de trabalhos, como buscar desfragmentação de seus saberes e práticas

sem perder suas especificidades”, concordando com Gomes; Pinheiro; Guizard (2005, p.

106).

Torna-se pertinente discorrer um pouco sobre as especificidades e finalidades da

presença de estudantes nos espaços do serviço como forma de aproximação com a

realidade concreta, “não que seja esta a única forma de consagrar-se um ensino

potencializador e transformador, mas tem sido sempre experiência rica de novas

possibilidades (LEOPARDI; NIETSCHE, 1998, p. 45).

No contexto pesquisado, no que depende de oportunidade de atuação, os

estudantes muito podem se beneficiar desse convívio por tudo o que ouvem e

presenciam, mesmo que a sua presença no ambiente não pareça tão valorizada quanto

realçado nos depoimentos. Pelo contrário, há profissionais que trabalham

desconhecendo a participação dos alunos, quando não desfazendo condutas e

orientações prestadas por eles às parturientes.

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De acordo com Henrique (2005, p. 149) a participação de alunos merece

destaque, sendo

“importante estar atentos à forma como o estudante se coloca e participa das transformações que estão em movimento. Os espaços onde se dá o diálogo entre o trabalho e a educação assumem lugar privilegiado para a percepção que o estudante vai desenvolvendo acerca do outro no cotidiano do cuidado.

Mesmo com uma inserção diferenciada, estudantes de enfermagem no nível

técnico e de graduação e estudantes de medicina compartilham o mesmo espaço e

desempenham relevante papel dentre os instrumentos do trabalho dos profissionais, seja

repetindo rotinas, participando de procedimentos ou implementando um modo de agir

orientado pela dimensão acadêmica e conduzido pelos respectivos professores. Nesse

tocante há importante ganho dos alunos do ponto de vista de oportunidades, embora

geralmente se surpreendam com o contexto relacional do trabalho, principalmente ao

reconhecerem a existência de

“diferença marcante entre a lógica de organização dos serviços, muito centrada na produtividade de seus procedimentos técnicos-operativos e a lógica do trabalho da instituição formadora, muito centrada na produtividade de seus conhecimentos técnicos e metodológicos dos campos pedagógicos e núcleos específicos”, como analisa Henrique (op. Cit.,p.150).

A perspectiva da presença de estudantes apenas como meio de ajuda, conforme

identificado nos discursos e no trabalho real aponta as dificuldades ainda existentes para

que os profissionais reconheçam a dimensão formadora presente no seu trabalho, onde a

participação de estudantes precisa ser assumida como recurso para o trabalho a partir da

sua dimensão recíproca e transformadora.

Síntese da análise dos instrumentos / meios

As condições sociais nas quais se realiza o trabalho em um dado período

histórico refletem-se nos meios/instrumentos usados, os quais traduzem a finalidade a

que se propõem os agentes, sendo que, no caso do trabalho em saúde, os recursos não

materiais tem importância fulcral. Para a assistência à mulher no parto hospitalar, os

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depoentes destacaram: a informação, os procedimentos, a conversa e o bem estar do

profissional, como ferramentas freqüentemente necessárias. Com base nessa

constatação, pode-se afirmar que os instrumentos/meios postos em prática assumem

papel relevante diante das finalidades apresentadas anteriormente.

O trabalho em equipe foi enfatizado como meio de trabalho, pelo que pode

facilitar através da troca de experiência e ajuda mútua; e também como produtor de

dificuldades inerentes à diversidade de saberes e fragmentação dos atos e dos

procedimentos, o que está associado

“ao fato de que os procedimentos nas instituições não ocorrem dentro de rotinas previamente estabelecidas, favorece que as tomadas de decisões e as percepções de necessidades de procedimentos dependam muito mais dos profissionais médicos”, obrigado-nos a concordar com Schraiber (1993, p. 48).

Os discurso apontam a direcionalidade técnica como um instrumento freqüente,

na medida em que é “a relação do médico com o saber, que define a instância intelectual

do processo de trabalho e diz respeito à apropriação/controle do projeto do trabalho”

aponta a mesma autora (SCHRAIBER,1995,p. 62).

Vale ressaltar que o aprofundamento da divisão técnica e social do trabalho faz

com que produtos de alguns processos passem a ser objetos e meios de outros processos

de trabalho para assistir às mulheres no parto, no hospital. Assim sendo, os

instrumentos de trabalho “são produzidos porque são resultados de processos de

trabalho cujo sentido teológico está orientado para outros processos de trabalho, e não

para a satisfação imediata da carecimentos” (MENDES-GONÇALVES, 1992, p. 13).

Os depoentes identificam a contradição que movimenta esse processo de

trabalho, quando percebem que o mesmo, ora produz satisfação, ora causa sofrimento,

mas, sempre renova o conhecimento prático. Essa é uma possibilidade inerente ao ciclo

vicioso do processo de trabalho, apontada por Mendes-Gonçalves ao afirmar que “o

trabalhador [...] ao repetir-se o ciclo terá incorporado a si a destreza adicional que

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resulta da prática, [...](op.cit. 1992, p.12). Nesse sentido os meios podem produzir

transformações no trabalho em análise.

De todo modo, o resultado desse processo de trabalho depende do “conjunto de

qualidades humanas naturais que podem ser ativadas para obter transformações, que é

designado força de trabalho”, e os meios/instrumentos apontados pelos depoentes

reforçam que “há necessidade de consumo de energia, que não é natural, nem casual,

mas intencional”, de acordo com Mendes Gonçalves (1992, p.9).

Se a cada agente corresponde uma intenção, com as respectivas ferramentas para

por em prática o trabalho de assistir às parturientes, é preciso ter em conta que, como

afirmam Gomes; Pinheiro; Guizardi (2005, p. 114),

“a heterogeneidade de práticas é essencial para a eficácia das equipes de saúde, na medida em que existam pontos de confluência, que suas interfaces sejam valorizadas. O trabalho dos diferentes profissionais deve ser orquestrado, de forma a apresentar coerência interna. A orquestração ocorreria tendo a relação com o usuário como condutora das ações”.

Entendemos que a orquestração proposta acima poderia beneficiar-se inclusive

de reuniões de trabalho, recurso este que não foi citado nem observado no centro

obstétrico da maternidade, no contexto temporal investigado, o que não significa

ausência de acordos, conflitos e negociações.

Os agentes que compuseram o estudo tenderam a assumir o papel de executores

do que seria uma ‘missão institucional’, personificando o ideal da instituição como

grande benfeitora, uma vez que, para as mulheres, cada atendimento, cada vaga, tem

alto valor social do ponto de vista do acesso e isto representa um instrumento de

trabalho o freqüentemente utilizado pelos profissionais.

4.2.3 Trabalhar para quem? – as características das mulheres.

Tendo em conta os pressupostos que orientaram este estudo e o objetivo

explicito de configurar o processo de trabalho desenvolvido pelos profissionais para

prestar assistência às parturientes, no cenário focalizado, tornou-se necessário

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caracterizar quem são e como são as mulheres atendidas, a partir da visão dos próprios

sujeitos. A intenção era conhecer com profundidade um dos elementos que compõem a

dinâmica do trabalho em saúde, neste caso, o que se desenvolve na área de saúde da

mulher enquanto totalidade referida, a partir das singularidades destas mesmas

mulheres, tendo em conta que o movimento dialético “é obrigado a identificar, com

esforço, gradualmente, as contradições concretas e as mediações específicas que

constituem o ‘tecido’ de cada totalidade, que dão ‘vida’, a cada totalidade” (KONDER,

2003, p. 46, grifo do autor). Foi nessa linha de pensamento que organizamos os

Discursos do Sujeito Coletivo a seguir.

Primeiro Discurso do Sujeito Coletivo

São mulheres, sejam adultas ou mesmo adolescentes, que, pela carência de

afeto, se iludem, se lançam em um relacionamento sem pensar. Acho que é uma mulher

que está carente de afeto. Por não ter tempo de ir a um planejamento familiar para

evitar ou por não pensar duas vezes, ela acaba engravidando. É a falta de família,

então elas ficam carentes, procuram na gravidez, uma maneira de ter companhia.

Carentes de tudo, de afeto, até mesmo da família, muitas vezes por falta de informação

engravidam e realmente vão terminar tendo um filho indesejado. Às vezes é uma

gravidez indesejada e não tem o apoio da família, do companheiro e é assim que elas

chegam aqui. Eu acho que elas vão pensando em encontrar carinho, apoio e, o

resultado é um filho feito para que ela assuma sozinha. Por estarem em circunstâncias

muito indesejáveis, não parecem felizes, pelo jeito que a gente ouve elas falarem.

Fazem aborto como se fosse um método de planejamento familiar. Elas se envolvem,

não pensam no risco de engravidar, depois ficam correndo para fazer aborto, ou

querendo abandonar a criança, querendo dar ao juizado. Sempre a gente está se

deparando com uma adolescente ou mesmo adulta rejeitando o seu bebê. Tem muitas

que, realmente, não dá para entender a rejeição que elas têm mesmo antes de nascer.

Nós percebemos, mães, que quando a criança nasce, já querem ver, colocar no colo,

quer beijar, já outras, que não estão mais com aquela empolgação, não querem nem

que coloque o neném no braço, em cima do ventre, mandam retirar, rejeitam, tem umas

que não querem nem ver, infelizmente é notório. Muitas dizem “eu não quero esse

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menino”. Durante o parto, a gente observa que são parturientes que não têm preparo,

que não querem ajudar, que não desejam, não colaboram e dão muito mais trabalho no

exame de toque, durante o acompanhamento no pré-parto, na sala de parto. Também

tem mãe que quer o filho, está super feliz com a gravidez.

Idéia Central do primeiro discurso – são mulheres, adultas e adolescentes,

carentes de família e de afeto que na vivencia da sexualidade quase sempre resulta uma

ou várias gestações indesejadas gerando filhos rejeitados e que dão muito trabalho no

momento do parto.

O DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO (DSC) demonstra a preocupação

com a faixa etária, com a situação de gravidez desejada e/ou indesejada e, ainda, com a

condição afetiva das mulheres atendidas.

Com relação à faixa etária, os depoentes ressaltam a preocupação com as

adolescentes diante do índice crescente deste grupo populacional que procura o serviço.

Em 2004, o percentual de partos em adolescentes abaixo de dezenove anos foi de 24% e

de aborto 17,7%, na maternidade estudada. Essa constatação não se constitui em

novidade, tanto na realidade local quanto na nacional, haja vista as estimativas de que a

gravidez na adolescência (entre 10 e 19 anos) alcançou em torno de 23 a 30 % do total

de gestações, no Brasil (BRASIL, 1999).

Os motivos elencados para justificar a preocupação com as adolescentes que

engravidam avançam no sentido de considerar que essas grávidas não estão preparadas

do ponto de vista emocional e social, diferente de muitos discursos que, ainda,

supervalorizam a imaturidade física que só se justifica em idades limítrofes, como por

exemplo, na pré-adolescência.

Segundo Mandú (2000, p. 94), “as causas/conseqüências da gestação na

adolescência não são decorrentes apenas de fatores biológicos e psico-emocionais

presentes nessa etapa da vida, mas fundamentalmente da rede social de apoio

encontrada”.

A adolescente, quando grávida, tem a sua vida modificada numa fase em que o

tempo costuma estar dividido entre o estudo e diversão para algumas e o trabalho para

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outras. Entretanto, para o parceiro, a vida segue o seu curso sem grandes reformulações

a não ser quando a gravidez força uma união matrimonial para a mulher, principalmente

na fase de adolescência, “evidenciam-se implicações como abandono da escola, maior

dificuldade de inserção no mercado de trabalho, diminuição do padrão de vida,

desestruturação familiar e conseqüente circularidade da pobreza” (BRASIL, 1999c).

Fazendo uma análise dessa questão, Heilborn (2002, p.82) afirma que,

“Em muitos casos, a gravidez aparece como uma estratégia matrimonial – às vezes mal sucedida – de obter um parceiro”. [...] “A maternidade da adolescente também aparece como uma possibilidade de mudança de status no interior da família de origem, pois, em alguns contextos, a maternidade confere à moça um certo tipo de autoridade diante dos pais”.

O enfrentamento da questão da sexualidade na adolescência requer a

compreensão por parte de todos os envolvidos, da multiplicidade de fatores que estão

em jogo, além do

“reconhecimento das desigualdades relativas ao acesso a bens e recursos sociais a que os diferentes grupos de adolescentes estão sujeitos, confrontando-se as deficiências nas políticas públicas (renda, trabalho, educação, saúde, segurança) a violência crescente em nossa sociedade (que submete adolescentes à exploração social e abusos sexuais) e a falta de perspectivas futuras com que se defronta a grande maioria de nossos jovens” (MANDÚ, 2000, p. 96).

Deve-se considerar as diferenças não apenas no tocante à idade das parturientes,

mas, sobretudo, quanto às experiências anteriores – pessoais ou não – com o contexto da

gravidez e do parto. Lidar com as singularidades de cada história, de cada parto

significa que o objeto do trabalho é, por princípio, mutante e multifacetado. Isto implica

dizer que, em um plano mais imediato do cotidiano do trabalho, as concepções que

fundamentam a caracterização do objeto do trabalho são determinadas e determinantes

dos contextos nos quais estes encontram-se inseridos (PEDUZZI, 2001b).

A confirmação de uma gravidez inesperada para uma mulher algumas vezes é

acompanhada da vontade de interrompê-la. Sentindo-se pressionada, “sem o apoio

esperado por parte do parceiro e antevendo a reação desfavorável da família, busca,

como forma de solucionar a situação, provocar um aborto, antes que se torne conhecida

e pública sua gravidez” (DELAFLORA; GIRARDON-PERLINI, 2004, p. 27).

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Muitas vezes, tomadas pela surpresa da gravidez imprevista, submetem-se a

métodos capazes de provocar o abortamento (geralmente, na clandestinidade) e que

resulta em tantos insucessos e perdas de vidas de adolescentes e de mulheres jovens. A

estatística revela a magnitude do problema, pois, segundo “estimativas do Ministério da

Saúde, anualmente são registradas 260 mil internações por aborto no Sistema Único de

Saúde” (IPEA, 2004, p. 53).

Gestações não planejadas são fatos que ocorrem atualmente em muitas famílias

brasileiras. As soluções adotadas para esta situação variam desde a inclusão bem

resolvida aos extremos de isolamento, desagregação familiar e até à morte da gestante

pela tentativa e/ou consumação da interrupção da gravidez. Em algumas circunstâncias,

gestar e parir pode representar o único caminho de usufruir de algum tipo de ‘privilégio’

perante a sociedade androcêntrica em que vivemos. Além disso, cabe refletir sobre o que aponta Lopes (1999, p.52), quando diz que:

“assumir uma vida sexual ativa e uma anticoncepção efetiva implica romper tabus e suplantar a culpa que vem junto com o prazer. Assumir a anticoncepção é assumir a própria sexualidade e reafirmar cotidiana e constantemente a escolha por uma vida sexual ativa. Além disso, assumir que está sob risco de uma gravidez indesejada implica primeiro saber o que é desejado e o que não é”.

Conforme visto nos discursos analisados, cabe à família, como instituição social,

o papel de monitorar a sexualidade das filhas de forma a coibir tanto o início da

atividade sexual na adolescência quanto a ocorrência de gestação. Contudo, para eles,

esta instituição mostra-se falha. Neste sentido, faz-se necessário refletir sobre os

formatos de família presentes na sociedade e a participação de outros espaços de

convivência e socialização, às vezes, até mais influentes na construção das identidades

de meninas e meninos.

Ademais, o ambiente familiar pode, em alguns casos, representar mais risco do

que segurança para mulheres adolescentes, haja vista as situações de violência

doméstica e sexual encontradas hoje na sociedade brasileira. Há circunstâncias em que a

adolescente passa a buscar apoio e segurança em outras pessoas e espaços exatamente

para fugir a um convívio familiar deteriorado e desrespeitoso.

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O que se tem visto é que, se a família e a escola, como primeiros espaços de

socialização de mulheres e homens, não estão sendo capazes de lidar com este assunto

e, se os serviços de saúde, também, não se comprometem com essa tarefa, meninos e

meninas seguem à mercê de sua própria capacidade de imaginação.

Há de se considerar que os relacionamentos assumidos pelas mulheres nem

sempre são tão impensados e as gestações tão inoportunas quanto julgadas pelo DSC.

Além disso, o efeito das ações educativas dirigidas para a prática da contracepção nem

sempre é o esperado pelos profissionais de saúde. Neste caso deve-se ter em conta que

“a questão é complexa e seu bom encaminhamento não depende apenas de uma ação educativa bem feita. As condições de vida (falta de emprego, creche, participação dos companheiros, acesso a serviços de saúde, conhecimento e autonomia a respeito do próprio corpo, entre outras) não se modificam com discussões em uma ou duas sessões e, muitas vezes, não percebemos a racionalidade das opções (extremamente limitadas) das usuárias quando abstraímos essa realidade cotidiana. (D”OLIVEIRA; SENNA, 1996, p. 96)

Na unidade estudada observou-se a ocorrência tanto de gestações levadas a

termo quanto de casos de interrupção – aborto. Alguns desses provocados em condições

perigosas resultando em complicações severas e até mesmo em morte materna. De

acordo com os autores supras citados, a demora em procurar os serviços de saúde

contribui para o agravamento das complicações do aborto para as mulheres.

Do ponto de vista dos entrevistados, as mulheres em situação de gestação

indesejada deparam-se com alternativas polarizadas. Uma saída seria a tentativa de

interrupção da gravidez, fazendo engrossar as fileiras de mulheres atendidas nas

maternidades por abortamentos inseguros ou em decorrência de complicações desse

processo. No outro pólo, estaria a assunção da gestação que viria sempre acompanhada

do ônus da rejeição do filho e, por conseqüência, do abandono e/ou doação da criança a

outras pessoas ou instituições. Considerando-se que qualquer um dos dois caminhos

causaria sofrimentos para as mulheres, caberia refletir então, o porque delas

engravidarem em circunstâncias tidas como “instáveis”, e potencialmente geradoras de

sucessivos fatos negativos.

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Nesse contexto, restaria pouco espaço para gestações planejadas, desejadas,

geradoras de prazer e felicidade as quais parecem serem vistas como exceções pelo

DSC. Outrossim, foi possível encontrar, na maternidade do estudo, mulheres cuja

gestação foi enfrentada com satisfação, refletida, também, nos companheiros e

familiares, ansiosos na espera por notícias da evolução do trabalho de parto, que

aguardam na recepção da maternidade, mas dificilmente recebem retorno sobre o

nascimento e só ficam a par dos acontecimentos - quando ficam - no horário da visita,

no turno da tarde, no contato com a puérpera e o recém nascido.

Para Scavone (2001, p. 58), “a experiência da maternidade na sociedade

brasileira está em processo de mudança” tendo na superação do determinismo biológico

a sua conquista mais concreta. Ademais, acrescenta a autora,

“a escolha reflexiva para a aceitação ou não da maternidade (da paternidade ou da parentalidade) constitui-se em um elemento deste período de transição, possibilitando às mulheres e aos homens que a decisão pela reprodução seja feita com base na experiência adquirida, sem medo, sem culpa, ou qualquer sentimento de não realização individual e/ou social. Evidentemente que esta escolha será tanto mais reflexiva quanto maior a possibilidade de acesso à informação, à cultura e ao conhecimento especializado”. (op.cit., p.60)

O DSC também aponta a carência de afeto carinho e apoio como componentes

que influenciam na vida sexual e reprodutiva das mulheres que freqüentam a

maternidade. Na forma colocada, o exercício da sexualidade, pó essas mulheres, estaria

associado ao sonho do amor incondicional e não mobilizadas por vontade própria, por

opção consciente pelo prazer sexual. Assim, deixam de ser consideradas as conquistas

nessa área, que permitem a separação entre o amor e o prazer sexual, pois “as mudanças

decorrentes dos avanços e da democratização das técnicas anticoncepcionais, o desejo

sexual, nas mulheres, pode separar-se do projeto da maternidade” (KEHL, 2002, p.16).

Colocada sob a forma de carência afetiva, a atividade sexual vivida pelas

mulheres fica restrita impedindo-as de vislumbrarem as variadas possibilidades de

motivação destas no envolvimento com seus parceiros. A concepção da “natural”

fragilidade feminina prejudica a visão exatamente oposta já que as mulheres também

fazem opções e decidem sobre seus corpos, sobre o exercício da sexualidade e

reprodução com base em interesses múltiplos. “o que possibilita às mulheres, com muito

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mais freqüência, ocupar o lugar do objeto do desejo na parceria sexual, gozando desta

entrega talvez bem mais do que seu parceiro”, comenta ainda a autora (op. cit, p.16).

Numa perspectiva de autonomia sobre o seu corpo, mesmo quando movida pela

dita carência afetiva, porque não admitir que a mulher estaria perseguindo a satisfação

de uma necessidade e podendo, inclusive, sentir-se compensada naquilo que procura?

Isto não significa, devo dizer, que a posição feminina possa não se tão passiva quanto

aparenta e muito menos que uma mulher nessa posição não seja, ao mesmo tempo,

objeto para o outro e sujeito de seu desejo. Contribuindo com essa abordagem,

reconhece-se que:

“a possibilidade de autonomia das mulheres em relação ao seu próprio corpo, através do auto conhecimento, do direito de decidir sobre o desejo e a prática sexual e sobre ter ou não filhos, implica em mudanças radicais nas estruturas familiares, no conjunto das relações que se estabelecem entre profissionais de saúde e as mulheres bem como das práticas de saúde a elas dirigidas” (NASCIMENTO; FERREIRA, 1999, p. 33).

O DSC mostra preocupação com a inoportunidade – na sua visão- da gestação

para a maioria das mulheres e sua conseqüência sobre o parto propriamente dito. Esse é

o foco no qual os profissionais centram as suas afirmações, como se não houvesse

diferenças entre o que se percebe nas reações tanto das adolescentes quanto das adultas,

frente aos fenômenos que circundam a gravidez e o trabalho de parto. Há uma visão

geral sacrificando a identificação das particularidades das mulheres.

Segundo Discurso do Sujeito Coletivo

São mulheres de baixa renda, carentes de dinheiro, de condição financeira e de

vida bastante difíceis. O nível sócio econômico é baixíssimo, são simples, humildes.

Pessoas necessitadas, carentes de tudo, muitas delas não tendo nem o que comer em

casa. Às vezes tem um marido ignorante, analfabeto, desempregado, elas também

desempregadas. Se elas estivessem trabalhando e o marido também, além de um lugar

descente para morar, a gravidez seria ótima, seria uma gravidez feliz. O desemprego é

o fim de tudo, é a miséria de tudo. São pessoas que foram desmerecidas socialmente.

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De um ano para cá eu tomei consciência de que essas mulheres são as excluídas,

porque a partir do momento em que você precisa do serviço público, eu considero uma

pessoa excluída. Quem vem para esse hospital são mulheres não pagantes, sem

condição nenhuma, não tem um plano de saúde. Com o desemprego, o nível de

condição econômica vai caindo e às vezes a gente vê também mulheres que não

pertencem a essa realidade de baixa classe social, que tem um certo nível e só estão

aqui porque não tem condições de pagar um plano de saúde. Na maioria, são mulheres

muito sofridas pela pobreza. Não são todas, há exceções, mas a maioria é assim, muito

sofrida, pelo que a gente as ouve dizerem. Nessas condições, ser mãe é muito triste,

muito doloroso. Pelo contexto local, na maneira de falar, o tipo de trabalho, o número

de filhos, de onde elas vêm, onde moram. Elas já trazem essa marca da sociedade. Uma

pessoa que mora no bairro da Graça, não viria pra cá, mas quem mora no bairro do

Uruguai vem. Então já trazem essa marca, morar no baio do Uruguai faz a gente

pensar, por exemplo, será que é mulher de bandido? Tem mulheres da rua, tem

prostitutas que a gente tem que tratar com dignidade. Mulheres como nós, seres

humanos que precisam de atendimento e que por isso a gente tem que dar o máximo de

nós.

Idéia Central do segundo discurso – mulheres de pouca escolaridade, a maioria de

baixa renda com condições socioeconômicas difíceis. Desempregadas, que se

diferenciam pelo contexto social em que vivem e usam o serviço público porque não

podem pagar plano de saúde, são as excluídas.

O DSC se refere às mulheres como pessoas excluídas socialmente diante de

situações comumente apresentadas tais como: desemprego, baixa renda, carências

sociais e financeiras e busca pelo serviço público. Essas características parecem

funcionar como uma senha que resume o perfil das parturientes e se transforma em

estigma durante a sua permanência na instituição. Além disso, elas servem para

justificar certas atitudes frente ao processo de trabalho na instituição, contribuindo para

a desvalorização deste ao invés de alcance de melhorias.

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Lavinas (1996, p. 464), promovendo reflexão sobre a situação da mulher no

universo da pobreza, realça que,

“Ser pobre é justamente não ter acesso a condições mínimas de vida. Logo, estar destituído de princípios elementares constitutivos da cidadania: do direito a uma alimentação balanceada e suficiente, do direito de vestir-se e a morar apropriadamente, do direito a ter oportunidades e poder escolhê-las. Não é possível reivindicar o direito de ser pobre. Por isso mesmo, mulher pobre é uma forma de categorização, forçosamente gestada pelas instituições, pelas elites pensantes, pela classe política. Não é um processo identitário com vistas à constituição de um campo legítimo de interesses e a mecanismos de representação”.

Estatísticas referentes às desigualdades sociais no Brasil dão conta de que “o

número absoluto de pessoas na extrema pobreza ainda é muito alto, a ponto de superar o

total da população de muitos países”, sendo que no Nordeste “a desproporção entre a

base e o topo da pirâmide social é ainda maior do que no resto do país” (IPEA, 2004, p.

16).

Além disso, ao abstrair da perspectiva histórica, o discurso da pobreza e de

carências tem se prestado a quase tudo em nome do combate à pobreza e da defesa das

mulheres pobres..De fato, durante muito tempo, a pobreza serviu como base de

argumento tanto na esfera da formulação quanto da implementação das políticas

públicas, contribuindo para o retardamento de conquistas políticas e sociais para as

mulheres. “Além disso, ao conduzirem sua atuação com a mulher pela ótica da carência

e da pobreza referendam o princípio assistencialista que norteia as políticas sociais no

Terceiro Mundo” (COELHO, 2001, p. 49).

A instituição estudada foi inaugurada em 1959 e exemplifica a prática dessa

política no âmbito da saúde, no Estado da Bahia, tendo o seu papel social explicitado do

discurso de sua inauguração, o qual afirma que:

“Inaugurou-se ontem a”MATERNIDADE X”. É mais uma grande obra do Governo que [...] ao povo sempre dispensou a máxima de suas atenções, [...], sobretudo no campo da assistência social, onde nenhum outro Governo pode jactar-se de havê-lo superado. Culminando seu trabalho, sempre mais voltado para as classes pobres e, portanto de menos agrado para uns tantos representantes das elites bem tratadas, [...] atendendo às gestantes pobres e necessitadas de uma terra onde o problema social, até há pouco, não era dos que mais preocupavam os governantes” (BAHIA, 1959b).

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Ainda hoje, parece prevalecer a noção, exacerbada desde a fundação, de que a

maternidade personifica a ação caritativa, requerida pelas mulheres pobres do Estado,

compartilhada pela população em geral e pelos profissionais. Entender de que forma

essa noção se constrói no imaginário dos trabalhadores da maternidade, pressupõe

concordar com Campos (1997, p. 242), ao afirmar que:

“Os trabalhadores de saúde são produtos do sistema de relações em que estão mergulhados mas são, ao mesmo tempo, produtores deste mesmo sistema. Sujeito e objeto, no mesmo momento e em todo o tempo. Como objetos produzidos pelo mercado, pelas políticas governamentais, pelo saber estruturado em disciplinas, pelas leis e pelos valores culturais de cada época, os trabalhadores tendem a sofrer passivamente os efeitos dessas máquinas sociais. Refletem momentos alienados, e são mais coisas do que agentes de seus próprios destinos [...] “ em conseqüência, o grau de alienação dos trabalhadores em relação ao objetivo (missão), objeto e meios de trabalho dos sistemas de saúde pode variar conforme a conjuntura e conforme a sua própria atuação como atores sociais que são”.

Na atualidade reconhece-se que muitas mulheres e homens sobrevivem em

condições de miséria. Entretanto, para uma visão mais ampliada da questão, torna-se

necessário avaliar as formas de manifestação da pobreza, sua abrangência, gravidade e

as desigualdades de gênero existentes, como sugere Lavinas (1996).

No grupo estudado, a faixa etária e tempo de profissão coincidem com um

período cuja socialização de mulheres e de homens teve como pano de fundo a difusão

das políticas desenvolvimentistas, no bojo das quais, a pobreza constituía-se em

obstáculo ao crescimento econômico, inclusive pela apregoada explosão demográfica.

Do ponto de vista das políticas públicas para a saúde das mulheres, o PAISM

representou uma tentativa de romper com a lógica tanto da atenção à saúde como dádiva

para os pobres, quanto com a da proteção às mães para a garantia de filhos saudáveis.

Mais recentemente, políticas públicas traduzidas em medidas governamentais tentam

dar um novo formato à atenção obstétrica, baseadas nos princípios do PAISM.

Apesar dessas iniciativas, algumas ações propostas pelo Ministério da Saúde

enfrentam obstáculos para a sua execução, considerando-se que a prestação deste

serviço implica no embate cotidiano com realidades que desafiam a capacidade dos

profissionais de exercerem as suas funções orientadas pelos princípios do SUS,

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seguidamente reafirmados nos documentos vinculadores da política governamental para

a saúde da mulher, cuja versão mais recente consta do documento oficial que apresenta

os “Princípios e Diretrizes para a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da

Mulher” (2004 – 2007), elaborado pela área Técnica de Saúde da Mulher, do Ministério

da Saúde (BRASIL, 2004a).

Ademais, o discurso coletivo destaca o desemprego como realidade

marcadamente presente entre as mulheres que são atendidas. Tal percepção encontra

respaldo em estudo sobre a evolução do desemprego feminino em áreas metropolitanas

brasileiras, o qual conclui que a “taxa de desemprego feminino em elevação no final da

década, quando passam a sobrepujar as masculinas. [...] Logo, o semi-emprego

feminino é reflexo simultaneamente de maiores oportunidades de emprego para homens

em setores tradicionalmente favoráveis às mulheres” (LAVINAS, 2000, p. 158)

Aceita-se como explicativo da formação dos chamados “guetos” femininos, o

processo de socialização das mulheres, seguida pelas formas de inserção no mercado de

trabalho. “Afinal, elas estão fortemente concentradas no setor de serviços pessoais, de

saúde, de educação e doméstico, considerados ‘menos importantes’ e, por isso, menos

bem remunerados [grifo do autor] (IPEA, 2004), p. 38).

Prova da discriminação de gênero, talvez seja no âmbito do trabalho que se

evidenciem as desigualdades mais nítidas entre os sexos, com grandes desvantagens

para as mulheres, na medida em que este

“contribui para subvalorizar as ocupações tradicionalmente exercidas por mulheres. Afinal, elas estão fortemente concentradas no setor de serviços, em particular nos serviços pessoais, de saúde, de educação e doméstico, considerados ‘menos importantes’ e, por isso, bem menos remunerados”. (op.cit, p. 356)

Identifica-se que a maioria das mulheres usuárias da maternidade estudada

trabalha como doméstica, comerciaria, servente e manicure. Uma outra parte dedica-se

exclusivamente às atividades domésticas. Todas essas atividades são ocupações de forte

presença feminina, cujo vínculo com a função reprodutiva não lhes garante o valor

merecido, principalmente enquanto função social.

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Terceiro Discurso do Sujeito Coletivo

As mulheres não estão bem informadas, a gente tem que começar a trabalhar

com cada uma delas como se fosse a primeira consulta, como se fosse a primeira vez.

Vem primigestas cheias de questionamentos. O nível de higiene é baixo. Não sabem o

que é bactéria. Acho que a educação seria importante para minorar o sofrimento,

porque tem complicação que poderia ser evitada e que às vezes ocorre por falta de

conhecimento básico. São carentes no aspecto cultural também, não tem uma educação.

A escolaridade é baixíssima, a maioria não tem nem o primeiro grau completo. Elas

não entendem o que se passa, pelo próprio nível intelectual, de educação que é baixo.

Aqui tanto pari paciente do nível inferior, como também pari paciente que sabe alguma

coisa, paciente que estudou, que tem o segundo grau, fez o curso técnico. São pacientes

que, teoricamente, seriam de baixo risco e se transformam em um alto risco, porque

não fizeram o pré-natal, são aquelas que você tem que ficar sempre alerta para a

possibilidade de desenvolver uma patologia durante o trabalho de parto, pois é muito

fácil que desenvolvam. São carentes de informação. Não têm informações sobre o

processo da gestação, pouco sabe sobre a gravidez, o parto e o trabalho de parto.

Muitas sequer fizeram uma consulta de pré-natal e se fez foi uma consulta só, e chegam

aqui sem os exames, sem o cartão de pré-natal, é muito raro pegar um cartão de pré-

natal completo. Falta um acompanhamento no pré-natal. Muitas vezes porque não

tiveram condições, pois as dificuldades são grandes. Não é fácil fazer pré-natal porque

existem poucos centros de saúde desenvolvendo esta atividade. Aqui mesmo, no inicio

do mês a fila é muito grande, fica saindo pela rua e só a marcação de consulta para o

pré-natal só ocorre uma vez por mês. Às vezes escondem a gravidez e já chegam ao

serviço depois de quatro cinco seis meses e tem serviços de pré-natal que não aceitam o

que eu acho um absurdo. Quando chegam ao final da gestação tem alta no oitavo mês,

o que eu acho outro absurdo. Muitas se queixam e dizem: eu comecei o pré-natal, mas a

minha médica entrou de férias, e para outro médico eu não fui. Elas também acham que

pré-natal é ultra-som, que não precisam fazer exame de sangue, ou então só querem ver

o sexo, o peso, então o pré-natal é o número de ultra-sons que ela fez, como se

substituísse, como se fosse uma coisa muito forte no nosso meio. Estão despreparadas

até mesmo para o parto, para a situação de internamento na maternidade. Às vezes são

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mulheres que nunca entraram em um hospital, não sabem nem como funciona, ai vem a

carência afetiva, e também o despreparo. Por mais que você tente preparar essa

paciente, ela é uma criança que está parindo, muito jovem, inexperiente, não sabe nem

como pegar o bebê e você tem que explicar tudo. Falta às vezes apoio da família para

que elas saibam lidar com o bebê. São pacientes de SUS, com quem se aprende a lidar.

Idéia Central do terceiro discurso – mulheres desinformadas, sem noções básicas

sobre saúde sobre a gravidez, o parto e o trabalho de parto. Que têm dificuldades de

acesso ao pré-natal ou não fazem acompanhamento adequado, ficam despreparadas para

o parto e requerem mais apoio e atenção. São pacientes que utilizam o serviço público

de saúde e com as quais os profissionais aprendem a lidar.

A ênfase dada pelo DSC a pouca ou nenhuma informação das mulheres a

respeito tanto do que consideram “noções básicas” quanto aos temas específicos da

gravidez e do parto remete à discussão da comunicação profissional-parturiente, do

ponto de vista do que está colocado como informação importante e do uso das mesmas

no processo de trabalho em questão.

As informações desejadas estão centradas na área do exercício da sexualidade,

manifestada no corpo e nos atos das mulheres e de seus parceiros e, por isso mesmo,

situam-se na tênue fronteira de que o senso comum estabelece como certo x errado,

normal x patológico, moral x imoral. Informações relativas ao número de gestações,

partos e abortos, número de parceiros, presença de DST, uso de medicamentos durante a

gravidez, põe em evidencia aspectos da vida pessoal e dos costumes muito importantes

do ponto de vista da qualidade da saúde sexual e reprodutiva e dos riscos potenciais.

Observa-se com freqüência que a mulher, intencionalmente ou não, omite ou

distorce algumas informações no primeiro contato, vindo a acrescentá-las ou corrigi-las,

com o mesmo profissional ou não, geralmente em outro ambiente, quando se sente

confortável e disposta para tratar do assunto, ou simplesmente, quando se recorda de

algo que deixou de informar.

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A questão da pouca instrução que é salientada no DSC surge associada à falta

de conhecimento da mulher não apenas sobre a gravidez e o parto como também em

relação a tudo que está acontecendo em seu redor, associada à postura retraída que adota

em virtude de que geralmente

“(...) muitas mulheres, pela consciência da sua falta de escolaridade, se auto-impõem uma postura passiva diante das situações que julgam não serem capazes de compreender. Entre os aspectos que perpassam esta passividade podem ser encontrados entre outros, a baixa auto-estima, a falta de conhecimento e a limitação na expressão de saberes, decisões e direitos de cidadã” (SIQUEIRA, 2001, p. 85).

A deficiência do ponto de vista educativo ou educacional surge associada à

desinformação das mulheres e reveste-se de grande importância sobre o trabalho dos

profissionais, principalmente quando a educação formal e ao acesso as fontes de

informação que são colocadas como capazes de minorar o sofrimento das parturientes,

prevenirem complicações da gravidez e do parto, inclusive a morte materna.

A Organização Mundial de Saúde- Organização Pan-americana de Saúde

(OMS/OPS) chama atenção que “a habilitação das mulheres para que façam suas

próprias escolhas e a provisão de informação adequada permitem que elas tomem

decisões críticas a respeito de sua saúde, e conseqüentemente as habilita a exercer seus

direitos” (OMS, 2000, p. 47). Essa habilitação passa pelo acesso à educação formal, a

qual vem crescendo entre as brasileiras e “não constitui o principal entrave à conquista

da igualdade de gênero para as mulheres”, conforme afirma o Relatório Nacional de

Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (IPEA, 2004, p. 34).

Numa outra interpretação, a educação a que os profissionais se referem pode

estar circunscrita pelo ideal de “natureza feminina” , como se sentissem que falta às

mulheres uma educação “que deveria além de produzir boas reprodutoras, formar boas

mães para a proteção e sobrevivência das crianças”, segundo Vieira (2002 p.70).

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A questão do acesso††† à assistência pré-natal é explicitada pelo DSC ao

reconhecer que as parturientes encontram dificuldades para conseguirem esse

atendimento, comungando com os dados atuais que apontam a existência de sérios e de

diferentes obstáculos para que a gestante obtenha êxito em sua procura por assistência

pré-natal, pois esses serviços não estão organizados “de acordo com as suas

necessidades, que tanto podem estar relacionadas ao seus horários de trabalho

(doméstico ou fora de casa), às condições físicas impostas pelo estado gravídico, ou

mesmo às necessidades de lazer”, como diz Nascimento (2002, p. 135).

Tal dificuldade é reafirmada nas avaliações sobre essa assistência, a exemplo de

Serruya et. al.(2004, p. 270) quando afirmam ter havido incremento no número de

consultas por mulher, ocorrido entre 1997 e 1998, com o repasse de recursos através do

Piso de Atenção Básica (PAB), a partir da

“inclusão do acompanhamento pré-natal no conjunto de ações básicas que devem ser desenvolvidas pelo município. Tomando como base a razão entre o número de consultas no país e o número de mulheres que realizam o parto no SUS, permanecem as regiões Norte e Nordeste com os menores valores.”

Numa análise recente sobre a temática, o Governo Brasileiro (Brasil, 2004 b, p.

53), assume que:

“Segundo os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), para o período de 1997 a 2001, verificou-se que a proporção de mulheres que realizaram sete ou mais consultas de pré-natal aumentou de 41,6% para 45,6%. Contudo, cerca de metade das mulheres ainda não contava com a assistência mínima requerida”.

As medidas adotadas para reverter a problemática da cobertura de assistência

pré-natal no SUS, ainda foram consideradas insuficientes e exigiram novas investidas a

partir das políticas públicas. Assim, a versão mais recente dos “Princípios e Diretrizes

para a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (2004 -2007), elaborado

pela área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde incorporou o Programa

††† Para esta análise tomou-se a conceituação de Fekete (1995, p. 116), segundo a qual “acessibilidade pode ser definida como o grau de ajuste entre as características dos recursos de saúde e as da população, no processo de busca e obtenção de assistência à saúde”.

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de Humanização do Parto e Nascimento (PHPN) instituído em 2000, estabelecendo as

diretrizes para ampliação do acesso das mulheres ao atendimento pré-natal, parto e

puerpério, além de normalizar a operacionalização das ações e a utilização dos recursos

necessários para tal.

A não implementação do PHPN, nos moldes e com a amplitude preconizada,

tem retardado as possibilidades de efetivo acesso das gestantes ao acompanhamento

pré-natal, o que, aliado à cronicidade de certos problemas de infra-estrutura e

disponibilidade de pessoal, vem concorrendo para o afastamento das gestantes dos

serviços, inclusive pela utilização de critérios de inscrição da gestante que se apresenta

como critério excludente. Configuram-se deste modo obstáculos que caracterizam a

“acessibilidade organizacional” descrita por Fekete (1995).

Neste sentido, um estudo recente realizado por Serruya et al. (2004) sobre

desigualdade de acesso ao pré-natal aponta que a correlação entre taxa de pobreza e

cobertura pré-natal é inversamente proporcional, embora ocorra interferência de outros

fatores. Afirmam ainda que o percentual de mulheres que receberam pelos menos seis

consultas no pré-natal mostra-se como um dos indicadores da desigualdade de saúde no

Brasil.

A detecção precoce de situações de risco fica também prejudicada, quando as

gestantes deparam-se com dificuldades de acesso até mesmo a informações e

orientações individualizadas. Para que isto ocorra, torna-se necessário que haja

“mais envolvimento e valorização da equipe multiprofissional com vistas à assistência integral e humanizada, dento das instituições de saúde. Este é um desafio a ser enfrentado não só pela equipe profissional, como também pelos gestões” (BRIENZA;CLAPIS, 2002, p. 6)

Além do mais, a falta de acesso ao pré-natal tem impossibilitado as gestantes de

receberem acompanhamento em relação às mudanças físicas, emocionais e sociais

advindas com a gestação no bojo das alterações fisiológicas, mas que podem gerar

desconforto requerendo, na maioria das vezes ajustes no equilíbrio entre trabalho e

repouso, na atividade sexual e nos costumes alimentares, por exemplo.

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Posicionando-se criticamente em relação às políticas de saúde no Brasil, Soares

(2002, p. 56) comenta que “a atual política de saúde, não por acaso, centra seu foco de

atenção no âmbito municipal/local, impondo padrões de atuação não condizentes com a

enorme heterogeneidade deste país” e, talvez, os obstáculos ainda encontrados para a

implementação do PHPN, estejam mais vinculados às dificuldades estruturais do

próprio SUS no tocante, principalmente à infra-estrutura e capacidade resolutiva da rede

de serviços tanto na atenção básica quanto de média e alta complexidade.

O DSC detecta problemática relacionada à inoportunidade da chamada “alta” do

pré-natal, considerando-se que, “a falta de atendimento ambulatorial no final da

gestação, no momento de maior probabilidade de intercorrências obstétricas, é fator

importante na determinação dos resultados maternos e pré-natais”, além do que “a

assistência à mulher na gestação só deveria ser considerada como concluída após a

consulta puerperal”, como bem lembrado por Serruya et al. (2004, p. 273).

Nesse mesmo DSC, o preparo da mulher para o parto é considerado um

elemento facilitador, sendo que os sujeitos o percebem a partir de um conjunto de

reações que esperam sejam manifestadas pelas parturientes. Estar preparada pode ser,

por exemplo: perguntar pouco, não reclamar de dor, aceitar facilmente as normas e

rotinas do serviço. Significa então, atender aos requisitos impostos pela medicalização

do corpo da mulher, promovida pela institucionalização que a submete a um “ritual de

despersonalização no qual não há lugar para a experiência subjetiva feminina”

(PEREIRA, 2000,p.64).

O preparo pode estar associado à noção da acomodação frente a algo inevitável,

em consonância com a imagem construída socialmente sobre a maternidade como um

destino ainda obrigatório para as mulheres, inerente à natureza feminina.

Reflete ainda o predomínio da noção de dever sublime de toda mulher e do

homem, na sociedade, produtora de estereótipos de comportamentos atribuídos a ambos

os sexos.

No tocante às representações sobre o papel feminino ressalta-se que estas são :

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“(...) quase sempre contraditórias e excludentes e desempenham o papel de definir o caráter e comportamento das mulheres de acordo com padrões e normas estabelecidas na nossa cultura ocidental, cristã, relativas em primeira análise, ao comportamento sexual/moral”. Nascimento (2000, p.24)

Tem-se também que, os sujeitos do estudo, no cenário em apreço, identificam

um conjunto de indicadores da condição social da mulher a partir do tipo de solicitação

que estas apresentam, levando-as a serem classificadas como preparadas ou

despreparadas. Dialeticamente, o preparo das mulheres pode trazer vantagens e

desvantagens para o processo de trabalho.

Quarto Discurso do Sujeito Coletivo

A maioria não vê a hora de ter o filho nos braços, a hora do neném nascer.

Elas estão ansiosas para que termine logo o trabalho de parto, querem ver o seu

problema logo resolvido, que é parir para que acabe aquele momento de dor, ter logo o

filho nos braços, aí tem aquela alegria. Na maioria das vezes são pacientes que já vem

se locomovendo de uma maternidade para outra, procurando uma vaga, um leito para

serem atendidas. Quando chegam aqui já passaram por muitos hospitais, ouviram

inúmeras coisas, alertaram, causaram preocupação, colocaram coisas nas cabeças

delas, chegam nervosas, estressadas, irritadas. Elas vêm com noções erradas de que

não tem passagem para o feto, que o parto tem que ser cesárea. Se chegarem aqui e o

médico avaliar de uma outra forma, elas e os acompanhantes não aceitam, ficam

nervosos, acham que é descaso. Às vezes quando elas estão sentadas aí fora,

aguardando o atendimento, conversam umas com as outras sobre o atendimento e

tornam-se temerosas. Elas fazem queixas em relação à demora de atendimento. Acho

que também é diferente você aguardar duas a três horas sentadas em um banco para

ser examinada, como às vezes acontece, ou você estar deitada em uma cama, sendo

atendida, sendo examinada e medicada, sabendo mais ou menos quanto tempo vai

durar o seu trabalho de parto. Às vezes ficam desanimadas, até por estar em cima de

uma cama, mal acomodada, muito dependente. Quando chegam aqui, elas estão com os

olhares assustados, com medo do desconhecido. Algumas ficam descompensadas e

apresentam distúrbio de comportamento, a depender, principalmente, de quanto tempo

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elas ficam em trabalho de parto. Têm muitas que ficam calmas, caladas, não querem

falar, algumas nem abrem a boca com medo, outras choram muito, ficam assustadas,

parece que estão em um ambiente onde só tem pessoas que vão maltratar elas. A

maioria só tem informações negativas, ouviram dizer que as pessoas tratam mal, e

depois, quando vêem que não é assim, comentam que a vizinha, a mãe, a tia, falavam

que iriam ser mal tratadas. Há um despreparo total para o parto, elas ficam bem

estressadas com a dor, porque não entendem que aquilo é para chegar ao parto mesmo.

Elas não são preparadas para o parto. A gente sente que elas são despreparadas

mesmo para esse momento do parto, às vezes pedem, por exemplo, “me dê a sua mão”.

Elas precisam mais de um apoio emocional, a mulher nessa hora precisa realmente de

um apoio psicológico, de alguém que fique perto, próximo a ela, para minimizar esse

despreparo, essa falta de esclarecimento durante sua gestação. É uma clientela que

realmente está precisando de conforto, de carinho, orientação e de nosso apoio.

Idéia Central do quarto discurso – mulheres que estão ansiosas para que o

parto ocorra logo. Peregrinam em busca de vaga, ficam nervosas, irritadas, assustadas e

com medo. Acham que serão maltratadas na unidade. Mostram-se inseguras e precisam

de conforto, de carinho, orientação e de apoio.

O fenômeno da busca por uma vaga no momento do parto já vem sendo

apontado há anos, sendo identificado, inclusive como um fato que contribui para o

retardo no atendimento de parturientes em situação de risco. Para Serruya et al.(2004, p.

273), “a questão da falta de vínculo entre a assistência pré-natal e a do parto leva as

mulheres, em trabalho de parto, a uma peregrinação à procura de vagas nos hospitais”.

Na cidade de Salvador, essa realidade vem sendo denunciada constantemente

pela mídia local, a exemplo de recente reportagem sobre o tema reproduzindo a situação

de uma gestante que “ao entrar em trabalho de parto, ficou três dias sentindo dores até

conseguir internação em uma maternidade pública, evidenciando um drama que muitas

mulheres, principalmente as mais carentes vivem na iminência da boa hora”

(OLIVEIRA, 2005, p. 3)

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As mulheres que são internadas na instituição em estudo, portanto às quais o

DSC se refere, são aquelas que conseguiram o internamento, mesmo que, ocupando

provisoriamente, uma maca transformada em leito, considerando-se a noção corrente no

discurso e na prática dos agentes do trabalho de que quando elas chegam a este serviço,

precisam ficar porque aqui já é o final da linha e não há mais para onde ir.

Tendo entrevistado puérperas na mesma instituição Almeida (2005, p. 111)

identificou que “as mulheres preferem procurar atendimento nessa Maternidade,

buscando evitar a peregrinação em busca de uma vaga em outro serviço público, que

poderá não lhes prestar atendimento”. Há também gestantes que são encaminhadas para

outras unidades, o que acontece quando a maternidade está com algum impedimento

extremo (falta de água, parada de funcionamento da lavanderia, interdição do centro

cirúrgico do berçário ou falta de anestesista).

Na observação ficou evidente que, no advento de suspensão temporária, o que

raramente ocorrem, tanto a gestante quanto os acompanhantes demonstram muita

expectativa pela admissão ou não no serviço nas horas que se seguem. Esse fato traz

certo grau de apreensão para a mulher, durante o tempo de espera e o atendimento

propriamente dito, sendo uma das razões para o nervosismo ao qual o DSC se refere,

principalmente quando esperam muito para serem examinadas e, durante o exame

demonstram grande apreensão pela autorização ou não de internamento.

As informações obtidas pelas mulheres nos atendimentos anteriores em outros

serviços, na procura por vaga, são percebidas pelos profissionais como informações

sempre equivocadas. Possivelmente são dados resultantes não apenas do que as

mulheres e seus acompanhantes efetivamente ouviram de outros profissionais, mas

também, o produto de suas próprias opiniões, concepções e interpretações sobre os

fenômenos do trabalho de parto. Há, inclusive a possibilidade de que algumas

informações sejam manipuladas no sentido de tornar mais óbvia a necessidade de ser

internada na instituição.

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Nota-se também que, mesmo tendo conseguido superar a barreira da falta de

vaga, as mulheres mostram-se surpresas e inquietas no momento em que a internação

torna-se uma realidade. As reações que elas apresentam, destacadas pelo DSC, guardam

íntima relação com o contexto que cerca o internamento e que, no cenário observado, se

caracteriza por: afastamento das pessoas conhecidas, falta de objetos de uso pessoal,

restrição total de dieta e submissão às normas e rotinas institucionais em todas as etapas

do atendimento que corresponde ao trabalho de parto e ao parto.

O tempo de permanência no leito do pré-parto mesmo que não sejam muitas,

parecem uma eternidade para as parturientes, que vão acumulando fatores geradores de

insegurança, aflorados desde o momento da espera pelo internamento. Na maioria das

vezes, mesmo tendo realizado acompanhamento pré-natal, as mulheres não tem

oportunidade de manifestar suas dúvidas e receios nas consultas com os profissionais de

saúde e antigas fontes de apreensão podem ser agudizadas e potencializadas durante o

trabalho de parto. A presença do que foi diagnosticado, pelo DSC, como distúrbio de

comportamento (exceto em casos pontuais), evidencia a dificuldade dos profissionais

para reconhecer as peculiaridades da vivencia do trabalho de parto para a mulher, do seu

processo de adaptação à internação hospitalar e à experiência com aquele parto. Surgem

então o medo, a sensação de desamparo e o desconforto causado pela vivencia do

trabalho de parto em um meio que lhe parece estranho (LARGURA, 1998).

Tais peculiaridades são por vezes demonstradas pelas parturientes através de

reações que expressam nervosismo, agitação, medo e desobediência às condutas

impostas pelos profissionais e pelas rotinas da unidade. Tudo isto envolve faz parte do

simbolismo que envolve o próprio significado da gravidez, podendo ocorrer inclusive a

rejeição ao contato com o recém-nascido imediatamente após o parto. Para Maldonado

(1997, p. 29),

“ no que tange à simbolização do parto, uma mulher que aceita bem a gravidez, provavelmente, pode ter um parto com dificuldades, pois resiste a separação do filho, enquanto que uma que rejeita a gravidez pode ter um parto rápido, pois deseja expulsar o filho de dentro de si”.

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Um aspecto bastante valorizado pelo DSC é a variedade de reações que as

mulheres apresentam ao longo do trabalho de parto e do parto propriamente dito e que

corresponde à movimentação das parturientes em torno da fisiologia do processo,

quando vivido em sua plenitude e espontaneidade. Procurar posições mais verticalizadas

e confortáveis, emitir gritos, pedir a mão de alguém para apertar, comportar-se como se

estivesse em transe, por exemplo, são possibilidades que ajudam a colocar a mulher em

contato mais íntimo com o fenômeno do parto e as evidencias científicas mais atuais são

unânimes no reconhecimento da importância de se promover os meios necessários para

que elas possam vivenciar essa experiência de forma completa.

Entretanto, o DSC confunde essa possibilidade com o que seria falta de

informação e despreparo da mulher para o parto. Neste caso, a questão da informação,

no cenário estudado, toma um sentido mais amplo e se refere não apenas às parturientes,

como também aos próprios profissionais, que agem como se desconhecessem as

tendências atuais da assistência obstétrica no Brasil e no mundo. Trata-se da “ quebra de

paradigma de atitudes que visam a mudar comportamentos e uma prática pré-existente,

mudar condutas e posições com relação ao fenômeno parturitivo, um conjunto de

atitudes, posicionamento perante o nascimento” conforme afirma Furlani (2004, p. 127).

Para o DSC, as mulheres apresentam-se amedrontadas devido a informações

negativas que recebem sobre o atendimento, e, conforme veremos a seguir, não é sem

motivo, embora haja enormes possibilidades de atitudes dos profissionais, variando da

paciência máxima à intolerância extrema.

Quinto Discurso do Sujeito Coletivo

São mulheres muito revoltadas consigo mesma pela própria situação em que

vivem, com o meio, com a educação que tiveram. Algumas são até espancadas,

maltratadas pelo marido. Já vi chegarem mulheres que, na hora de vir para a

maternidade, tomaram surra do marido, chutes na barriga e pariram antes da hora.

Elas reagem no momento do parto, como reage ao estresse, a uma briga lá fora,

acredito que não seja diferente. Chegam à maternidade descarregando os problemas e

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nós não temos culpa pelos problemas sociais delas. Há pacientes que xingam, muitas

fazem isso, nos agridem verbalmente, são agressivas e estressam a gente. Elas se

queixam de maltrato. Às vezes chegam aqui e recebem aquele impacto de serem mal

tratadas pela equipe de enfermagem e pela equipe médica também. Às vezes alguém fez

alguma grosseria e elas contam: aquela profissional que trabalhou de noite é ruim, é

estúpida, grosseira, não vá embora não. Algumas reagem e eu já ouvi uma parturiente

dizendo que ela gostaria de ser tratada como ser humano. Então, quando ela sai daqui,

leva o nome da maternidade, o nome de todos nós, e isso é muito ruim, porque a

imagem que passam, não é somente daquela pessoa, porque às vezes ela nem sabe o

nome desse profissional que a tratou mal, mas ela diz que foi tratada assim na

maternidade. Eu vou citar um ditado popular, que diz assim: “o bem anda com sapato

de pelica e o mal anda com tamanco”. Então o que faz mais alarde é a propaganda

negativa, que faz mais barulho.

Idéia Central do quinto discurso – mulheres que vivem no contexto da violência

doméstica, revoltadas consigo mesmas e com a vida que levam, reclamam da forma

como são atendidas. Agridem e são agredidas pelos profissionais do serviço e, ao

saírem, passam uma imagem negativa da maternidade.

O DSC traz à tona o problema da violência tanto no contexto familiar como

institucional. Neste último, as parturientes e os profissionais praticam e sofrem

agressão. O discurso identifica que, dentre as mulheres atendidas no serviço, encontram-

se muitas que vivem em situação de violência doméstica, tendo o companheiro como

agressor mais freqüentemente citado.

Mesmo considerando-se que os quadros de violência doméstica relatados se

constituem em casos extremos – talvez escolhidos pelos depoentes como forma de

pontuar a gravidade das situações – é inevitável abstrair outras formas de violência que

circundam o trabalho dos profissionais e as mulheres atendidas. Estas marcas se fazem

representar sutilmente, “marcas estas entendidas como sinais e sintomas que expressam

violência doméstica e de gênero, vivenciada pelas mulheres no cotidiano, repercutindo

sobremaneira na sua integridade física e emocional” (ALVES, et. al. 2001, p. 377).

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Safiotti (1999) considera a violência contra a mulher “constitutiva da

organização social de gênero e tem raízes nas relações patriarcais entre homens e

mulheres focadas no domínio através do falo e da agressividade”. Assim, independente

de ser produzida por homem ou por mulher, a violência é sempre vinculada ao

masculino.

A violência contra a mulher vem sendo identificada como problema crescente,

na realidade do Brasil e na cidade de Salvador, em estudos recentes. Para Gomes (2002,

p.20), no contexto da relação conjugal, o que tem sido detectado é que a violência

“poderá também se expressar sob forma emocional (por ameaças, chantagens, xingamentos, por impedi-la de ter amizades ou visitar parentes) sexual (forçar a realizar relações sexuais ou tipos de atos sexuais, criticar o desempenho sexual) e pelos atos destrutivos (jogar fora ou destruir documentos pessoais, matar animais de estimação). Isto quase sempre deixa marcas invisíveis, embora sua presença favoreça o desencadeamento de problemas para a saúde das mulheres envolvidas no cerco da violência conjugal”.

Em nossa prática temos tido conhecimento de situações nas quais a violência

conjugal teve implicações da para a saúde física e mental das mulheres. Do ponto de

vista obstétrico, as ocorrências mais freqüentes são aborto espontâneo, descolamento

prematuro de placenta, rotura prematura das membranas, partos prematuro, criança de

baixo peso ao nascer, com gravidades proporcionais à severidade das agressões.

Em muitos casos a gestação aumenta a violência em freqüência e intensidade e a

decisão pelo “aborto como forma de sobrevivência do relacionamento conjugal

representa uma reação feminina às diversas modalidades de violência emocional, física

e sexual” (SOUZA, 2000, p. 127).

Neste sentido, quando se trata de uma gestação indesejada, ocorre um aumento

de tensão emocional, com intensificação de conflitos na relação conjugal, podendo

desencadear ou intensificar a violência doméstica, seja por parte de familiares ou do

companheiro.

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A outra vertente da violência apontada enfaticamente pelo DSC está inserida na

relação profissional-parturiente e se manifesta através da baixa qualidade dessa relação,

tendo em conta a necessidade do estabelecimento de ambiente terapêutico para a

prestação da assistência requerida, no contexto do parto. Portanto, “como ponto de

partida vamos considerar o fato de que as relações entre usuários e profissionais têm

sido caracterizadas pela presença assimétrica desses dois sujeitos nas ações de saúde”,

conforme aponta Kayano apud Schraiber (1994, p. 264)

Entram em jogo, então, as múltiplas faces das relações produzidas entre o

profissional de saúde e a parturiente, onde afloram as subjetividades, entendidas como,

“ modo próprio e específico de ser e atuar no mundo e em relação com os demais. Vale dizer que a subjetividade é dinâmica, muda de acordo com as experiências de cada um, é afetada pelos valores e cultura que a pessoa vai internalizando ao longo da vida e do tempo. Ela é produzida socialmente e nunca está acabada”(BRASIL, 2005, p. 75)

A violência de que trata o DSC manifesta-se a partir dos comportamentos das

parturientes através, principalmente, de gritos, xingamentos, ameaças para com os

profissionais. Do ponto de vista das mulheres, as queixas geralmente referem-se a

impaciência, frieza e desatenção para com as suas necessidades.

Nessa vertente, os profissionais assumem a posição ora de sujeitos, ora de

vítimas, numa relação que é – assumidamente – cercada pela violência, numa freqüência

suficiente para causar desconforto nas pessoas envolvidas. Para Serruya (2004, p. 277):

“sem um entendimento amplo, por exemplo, da questão da relação entre o profissional de saúde e a mulher, a assimetria desta relação é explicada por um olhar reducionista e maniqueísta: os profissionais de saúde não são comprometidos, as pacientes são coitadinhas”.

No contexto deste estudo, a assimetria manifesta-se a partir do poder dos

profissionais sobre o corpo das parturientes. Tal qual outras estruturas hospitalares,

sobressai a hierarquia disciplinar, além da hierarquização dos saberes e a inflexibilidade

de certas rotinas que imprimem uma organização ritualística ao processo de trabalho.

Não foram raras as situações observadas onde as interações com as parturientes eram

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caracterizadas pelo distanciamento na realização de procedimentos, impaciência com as

manifestações emocionais ou solicitações consideradas “inoportunas” e expressões

desrespeitosas, nos diálogos desde a admissão até o pós-parto imediato.

Quando o processo inter-relacional está sustentado no desrespeito, abrem-se

canais que levam as agressões recíprocas e reações imprevisíveis por parte de quem se

sente violentado. O DSC reconhece essa possibilidade, embora submetendo-a

majoritariamente à justificativa de que estaria reagindo a uma agressão iniciada pela

parturiente, como se esta se tratasse de uma relação simétrica, entre iguais e não a uma

relação onde os papéis estão pré-determinados e que – no processo de assistência à

mulher no parto institucionalizado – está estruturado sobre uma relação de poder, entre

desiguais. Portanto, mesmo não se tratando de um contexto de submissão ou muito

menos de consentimento, “denuncia, revela a assimetria que está posta na relação entre

as mulheres e os profissionais de saúde” (SAFFIOTI apud PEREIRA, 2000).

Recorremos também a Foucault quando este realça que

“o poder funciona como uma rede de dispositivos ou mecanismos a que nada ou ninguém escapa [...] O poder não é algo que se detém como uma coisa, como uma propriedade, que se possui ou não. Não existem de um lado os que tem poder e de outro os que se encontram dele alijados. Rigorosamente falando, o poder não existe; existem sim, práticas ou relações de poder” (FOUCAULT, 1999, p. XIV).

Ao assumir a presença da violência no seu processo de trabalho, o DSC avança

no entendimento desse fenômeno. O estudo realizado por Santos sobre a violência

institucional no processo de parturição, nesta mesma instituição, identificou que

“essa modalidade de violência pode passar despercebida, por apresentar-se de uma forma sutil e muitas vezes invisível, já que as instituições legitimam relações e formas de dominação tão arraigadas na cultura, que parecem naturais (SANTOS, 2000, p. 20).

Por outro lado, é possível encontrar parturientes, cuja postura diante do

processo do parto é de tal forma amedrontada que as torna extremamente arredias -

talvez exercendo o seu poder de reagir – dificultando o estabelecimento de uma

comunicação produtiva, o que termina por desencadear reações violentas dos

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profissionais. Pode-se dizer que, nestes momentos, evidencia-se o poder de resistência

do objeto de trabalho ao poder do sujeito deste mesmo trabalho.

Síntese da análise da visão sobre as parturientes

Nesta parte do estudo, nos ocupamos da visão que os profissionais tem das

mulheres para as quais voltam os seus trabalhos. A intenção foi conhecer com

profundidade um dos elementos que compõem a dinâmica do trabalho em saúde, neste

caso, o que se desenvolve na área de saúde da mulher enquanto totalidade referida.

Os discursos elaborados não pretenderam, e nem seria razoável, relatar a

infinidade de possibilidades para a descrição das mulheres. Sua maior contribuição foi a

de permitir a reunião de elementos suficientes para tornar claro o objeto para a qual se

volta o processo de trabalho (finalidades e meios/instrumentos) desses agentes, na

realidade investigada, tendo em conta que “a apreensão do objeto consiste basicamente

na identificação de suas características que permitem a visualização do produto final,

antevisto nas finalidades do trabalho” (MENDES GONÇALVES, 1994, p. 61).

Ao explicitarem quem são e como são as parturientes, os DSCs realçaram

principalmente que lidam com mulheres: carentes de tudo, desinformadas, que

vivenciam a gravidez e o trabalho de parto em um contexto de despreparo e sofrimento.

Essas visões manifestadas nos depoimentos, ajudaram a conformar o objeto do processo

de trabalho que passa a ser sujeito de demandas. Pode-se afirmar que a visão que os

profissionais tem das mulheres corresponderia ao ‘algo antes’ descrito por Mendes

Gonçalves (1992, p. 61).

Concordamos com Leopardi (1995, p. 27), ao verificar que, no cenário

estudado, a mulher “se entrega à instituição, onde é imediatamente enquadrada destro da

rotina, numa organização previamente estabelecida, ficando indiferenciada, como se

fosse um simples objeto manipulado”, o que significa para a parturiente cumprir um

ritual pré-determinado, mesmo que pareça sem sentido.

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Outrossim, por vezes, as mulheres simplesmente desconsideram o que ouvem

dos profissionais, concentram-se em suas sensações e adotam a atitude que lhes

proporciona mais conforto e bem-estar. Esta possibilidade resulta das singularidades

destas mesmas mulheres, tendo em conta que o movimento dialético “é obrigado a

identificar, com esforço, gradualmente, as contradições concretas e as mediações

específicas que constituem o ‘tecido’ de cada totalidade, que dão ‘vida’, a cada

totalidade” (KONDER, 2003, p. 46, grifo do autor).

Os discursos sobre as parturientes oferecem um conjunto de características que

confirmam a afirmativa de que “cada corpo é marcado por sua relação estrutural com a

sociedade, corpo de sexo masculino ou feminino, de determinada classe social, etnia de

determinada cor e idade” (BARREIRA, 2002 p. 40). Entretanto essas dimensões nem

sempre estão sendo reconhecidas como componentes indissociáveis das relações

humanas e da vida em sociedade.

O que percebemos nas observações é que a violência, em suas formas mais

sutis, permeia as relações humanas no processo de trabalho investigado. Numa

interpretação dialética, a tese seria a assertiva de que ‘as parturientes agridem os

profissionais’, como antítese teríamos que ‘os profissionais maltratam as parturientes’ e

a síntese nos levaria a afirmar que ‘parturientes e profissionais reproduzem a violência

social’.

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CAPÍTULO V

CONSIDERAÇÕES FINAIS ______________________________________________________________________

Reportamo-nos aos objetivos postos para este estudo, quais foram de analisa a

configuração do processo de trabalho hospitalar e discutir as implicações deste na

assistência à mulher no parto normal, na instituição em pauta, para apresentar as

considerações finais.

Os objetivos colocados para este processo de trabalho estão fortemente

vinculados à intenção de realizar os procedimentos clínicos e obstétricos pré-

estabelecidos, conforme a fase do trabalho de parto em que a parturiente se encontre. Na

ausência do que poderia ser um objetivo comum, claramente posto, funcionando como

um fio condutor da assistência, os profissionais agem conforme seu discernimento e

interesse, em que pese a disponibilidade de instrumentos oficiais, desde os mais

abrangentes ao específicos, potencialmente capazes de dar forma e sentido ao trabalho

de assisti a mulher no parto normal no ambiente hospitalar.

O DSC acusa que os profissionais desconhecem o resultado final do seu trabalho

e isto ocorre como conseqüência do parcelamento deste em momentos que se tornam

estanques e sem vinculação com um projeto comum de assistência à mulher que adentra

a maternidade em trabalho de parto. Do ponto de vista do caráter transformador do

trabalho, o desconhecimento por parte do agente dos propósitos e dos resultados

alcançados com a sua participação contribuem para a sua alienação e adiam o potencial

de transformação inerente ao fazer humano.

Se a cada agente corresponde uma intenção, com seus respectivos

meios/instrumentos de trabalho, podemos abstrair que a multiplicidade de agentes com

seus saberes e práticas não é valorizada na assistência às parturientes. Falta também a

ocupação do espaço de coordenação do trabalho no sentido de orquestrá-lo, inclusive

utilizando o recurso de reuniões de trabalho, o que não foi citado nem observado no

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centro obstétrico da maternidade, no contexto temporal investigado, o que não significa

ausência de acordos, de conflitos e de negociações, envolvendo o processo de trabalho.

Os meios/instrumentos eleitos para o desenvolvimento do trabalho estão

afinados com as finalidades explicitadas, mas implicam no distanciamento da

perspectiva das atuais políticas para mulheres, as quais se voltam para a promoção da

cidadania e consideram as mulheres como sujeitos políticos legítimos e com autoridade

para interlocução com o Estado, permitindo a ampliação de uma prática de saúde capaz

de destacar-se pela sua capacidade de inclusão e não de exclusão.

O processo de trabalho desenvolvido implica no desenvolvimento de diferentes

estratégias e arranjos que se configuram em meios/instrumentos para atender, às

necessidades dos agentes do trabalho da instituição, primeiramente, das parturientes, em

segundo lugar, evidenciando a contradição que movimenta esse processo como produto

de prazer e de sofrimento para as pessoas envolvidas nessa assistência no centro

obstétrico.

A história construída a respeito do papel social dessa instituição na atenção

obstétrica da cidade imprime, na prática dos profissionais, a vinculação do trabalho à

idéia da caridade e da assistência para mulheres pobres e sem educação. Sobre esses

pilares, emergem as facilidades e as dificuldades para o seu funcionamento, bem como

as vantagens e desvantagens do seu modo de atender, justificando mutuamente os

procedimentos e as atitudes tomadas com as parturientes. Numa interpretação dialética,

trata-se do movimento no qual o todo interfere nas partes e vice-versa, também usado

como recurso neste processo de trabalho. Por conseguinte, os agentes do trabalho tendem a assumir o papel de executores

do que seria uma ‘missão institucional’, personificando o ideal da instituição como

grande benfeitora, uma vez que, para as mulheres, cada atendimento, cada vaga, tem

alto valor social do ponto de vista do acesso, o que se transforma em um recurso

freqüentemente.

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A visão sobre o corpo das mulheres, a sexualidade e a maternidade, construídas

no processo de socialização de mulheres e homens em nossa sociedade tem implicações

sobre a finalidade e os meios/instrumentos do trabalho dos profissionais, para os quais

elas são pobres, carentes de tudo, desinformadas e agressivas.Entretanto, as dimensões

de classe social e etnia não estão sendo reconhecidas como componentes indissociáveis

das relações humanas e da vida em sociedade, inclusive nos serviços de saúde. As

principais dificuldades apontadas concentraram-se nesse âmbito.

Dessa apreensão emergem as características do objeto do trabalho e esses

agentes ora tomam todas as parturientes por uma, ora tomam uma por todas elas. Esse

movimento produz uma assistência que tanto se aproxima como se distancia das

especificidades de cada mulher e de cada situação de parto. Os depoentes identificam a

contradição que movimenta esse processo de trabalho, quando percebem que o mesmo,

ora produz satisfação, ora causa sofrimento, mas, sempre renova o conhecimento

prático.

No enfrentamento desse desafio, pelos profissionais, encontramos a

possibilidade de reconhecimento da parturiente como pessoa de direito, quando o

profissional centra a sua ação na cidadã usuária do serviço de saúde,

comprometendo-se com transformações na vida dessas mulheres, numa concepção

ampliada da finalidade do seu trabalho. Nessa dimensão pode estar sendo construída

nova base, outro objetivo para o trabalho nesse campo da saúde e os meios podem

produzir transformações no trabalho em análise.

A perspectiva de transformação desse processo de trabalho co-existe com a

própria força da história da instituição e pode se mobilizada a partir do desconforto de

profissionais e de usuárias dos seus serviços. Essa é a nossa percepção a partir da

observação da movimentação dos agentes que atuam na assistência à parturiente, na

realidade investigada.

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A P Ê N D I C E 02 - ROTEIRO PARA OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE

UFRJ / ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY COORDENAÇÃO GERAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM /

ENFERMAGEM

Título da pesquisa: “ O Processo de trabalho no atendimento à mulher no

parto normal hospitalar”.

UFRJ / ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY

COORDENAÇÃO GERAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM / ENFERMAGEM

Títul

A P Ê N D I C E B

PARTE I – IDENTIFICAÇÃO Data:_____/_____/____ Início: _____________ Fim: ____________ Setor de observação_____________________ Profissionais presentes no momento da observação: ____________________________________________ ______________________________________________________________________________________

PARTE II – DESCRIÇÃO DA OBSERVAÇÃO Descrever o ambiente do setor (início, meio ou fim do plantão; agentes presentes; pacientes sendo atendidas; presença ou não de acompanhantes): __________________________________________________________ Descrever o trabalho dos profissionais em relação a:

- o que está sendo feito? _____________________________________________________________- quem está fazendo_________________________________________________________________ - como está sendo feito_____________________________________________________________ - relacionamento entre os profissionais entre si e destes com as pacientes (comentários, expressões, queixas)_________________________________________________________________________

PARTE III – CONTEXTUALIZAÇÃO DA OBSERVAÇÃO Descrever o clima geral do setor no momento___________________________________________________ Descrever situações problemas, questões éticas, entre outras:_______________________________________ Comentários sobre a observação: _____________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________

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A P Ê N D I C E 03 - ROTEIRO DE ENTREVISTA

UFRJ / ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY COORDENAÇÃO GERAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM /

ENFERMAGEM

Título da pesquisa: “ O Processo de trabalho no atendimento à mulher no

parto normal hospitalar”.

Data:_____/_____/____ Duração:_________

PARTE I – DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DO ENTREVISTADO CÓDIGO _________ CATEGORIA_______________ SEXO_______ IDADE______

PARTE II – DADOS FUNCIONAIS DO PROFISSIONAL 1 – Tempo que atua: nessa profissão__________ nessa maternidade__________ no C. O.___________ 2 – Tem outro emprego? Sim?______ Não_______ Na mesma função? Sim_____ Não_____ Qual?______ 3 - Carga horária semanal: neste emprego ___________ em outro emprego__________ total_____________

PARTE III – INFORMAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE TRABALHO

04 - Fale sobre o seu trabalho no atendimento à mulher no parto normal nessa maternidade. (O que você faz, qual o objetivo e os meios que utiliza para alcançá-lo)

05 – Fale sobre as facilidades que você encontra para desenvolver o seu trabalho. (Em relação ao serviço, aos demais profissionais e às parturientes).

06 – Fale sobre as dificuldades que você encontra para desenvolver o seu trabalho. (Em relação ao serviço, aos demais profissionais e às parturientes).

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A N E X O S

ANEXO I - BOLETIM ESTATÍSTICO

ANEXO II - PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA

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