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Universidade Federal do Rio de Janeiro
A CONCORDÂNCIA VERBAL DE TERCEIRA PESSOA DO PLURAL NA
VARIEDADE MOÇAMBICANA DO PORTUGUÊS: UMA ABORDAGEM
SOCIOLINGUÍSTICA
Karen Cristina da Silva Pissurno
2017
II
A CONCORDÂNCIA VERBAL DE TERCEIRA PESSOA DO PLURAL NA
VARIEDADE MOÇAMBICANA DO PORTUGUÊS: UMA ABORDAGEM
SOCIOLINGUÍSTICA
Karen Cristina da Silva Pissurno
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de
Janeiro como quesito para a obtenção do Título
de Mestre em Letras Vernáculas (Língua
Portuguesa).
Orientadora: Profa. Doutora Silvia Rodrigues Vieira
Rio de Janeiro
Agosto de 2017
A CONCORDÂNCIA VERBAL DE TERCEIRA PESSOA DO PLURAL NA VARIEDADE
MOÇAMBICANA DO PORTUGUÊS: UMA ABORDAGEM SOCIOLINGUÍSTICA
Karen Cristina da Silva Pissurno
Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua
Portuguesa).
Examinada por:
_________________________________________________
Presidente, Profa. Doutora Silvia Rodrigues Vieira
_________________________________________________
Profa. Doutora Christina Abreu Gomes – UFRJ
_________________________________________________
Profa. Doutora Beatriz Protti Christino – UFRJ
_________________________________________________
Profa. Doutora Silvia Figueiredo Brandão – UFRJ, Suplente
_________________________________________________
Profa. Doutora Danielle Kely Gomes – UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro
Agosto de 2017
IV
PISSURNO, Karen Cristina da Silva.
A concordância verbal de terceira pessoa do plural na variedade moçambicana do
Português: uma abordagem sociolinguística / Karen Cristina da Silva. – Rio de Janeiro: UFRJ
/ FL, 2017.
xviii, 222 f.: il.; 31 cm.
Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira
Dissertação (mestrado) – UFRJ/Faculdade de Letras/Programa de Pós-graduação
em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), 2017.
Bibliografia: f. 210-220.
1. Português de Moçambique 2. Concordância Verbal 3. Sociolinguística 4.
Multilinguismo
I. Vieira, Silvia Rodrigues II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Faculdade de Letras, Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas. III. A concordância
verbal de terceira pessoa do plural na variedade moçambicana do Português: uma abordagem
sociolinguística.
V
A minha mãe, Verônica,
A meu pai, Robson,
A meu marido, Leonni,
A minha orientadora, Silvia,
que me apoiaram em todos os momentos,
e foram fundamentais para a realização deste sonho.
VI
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, por sua infinita bondade e por ter me permitido realizar tão
grandioso sonho. Sem Sua presença viva em mim e sua eterna misericórdia, nada disso seria
possível.
A minha mãe, Verônica, e a meu pai, Robson, por todo o investimento em meus estudos,
por toda a paciência nos momentos mais difíceis, pelo apoio incondicional e pelo amor tão
puro, que fizeram de mim um ser humano digno e responsável, capaz de enfrentar todos os
obstáculos da vida. Vocês são a razão da minha existência e a motivação para que eu seja cada
vez melhor. Se eu puder ser para o meu futuro filho metade do que vocês foram para mim, ele
será muito feliz e abençoado.
A meu esposo, Leonni, por ter sonhado comigo o meu sonho, desde a graduação e a
cada passo até o dia de hoje, nas derrotas e nas vitórias. Companheiro leal e imprescindível,
que neste momento vivencia comigo a realização de tão incrível conquista. Obrigada pela
paciência e compreensão, apesar de todo o estresse que a esposa não sabe disfarçar.
A minha orientadora, Silvia Rodrigues Vieira, por ter me apresentado ao mundo da
pesquisa científica e pelo apoio desde o convite para o grupo de iniciação até o dia de hoje.
Obrigada por ter me incentivado a tentar novamente, pois sem as suas palavras eu teria
permanecido na zona de conforto e não teria chegado até aqui. Obrigada por cada palavra de
encorajamento durante a pesada tarefa de redigir a dissertação. Obrigada por ter me
proporcionado a experiência da pesquisa de campo, que abriu meus horizontes e me permitiu
não só muitos momentos de aprendizado, mas de risadas e lembranças que vão ficar guardadas
para sempre em minha memória. Você é um exemplo de profissional e de ser humano a ser
seguido e eu agradeço a Deus por ter me concedido a honra de ter te conhecido e de poder
trabalhar ao seu lado.
A FAPERJ, pelo financiamento da pesquisa de campo em Maputo, Moçambique-
África, que nos proporcinou a montagem do corpus aqui utilizado e uma infinidade de
descobertas e novos conhecimentos sobre a realidade moçambicana.
VII
A Perpétua Gonçalves e Victor Mércia Justino Cumbana, da Universidade Eduardo
Mondlane, que nos ajudaram a planejar e executar a busca pelos perfis de informantes que
desejávamos entrevistar e nos cederam atenciosamente os espaços para realização das
entrevistas.
A Maria João Carrilho Diniz, diretora da Biblioteca Central de Maputo, não somente
por ceder o espaço para as entrevistas e por ter nos apresentado a vários de nossos
informantes, mas por sua imensa generosidade em compartilhar um pouco de seu
conhecimento conosco. Seu testemunho nos permitiu compreender de maneira mais eficaz quão
ricas são a cultura e a diversidade da sociedade de Maputo.
A Rajabo Alfredo Mugabo Abdula, o “diretor” da pesquisa, por sua disponibilidade
em nos ajudar e por todos os informantes que encontramos graças a sua ajuda. Obrigada por
ter nos acompanhado e nos ajudado em tudo que estava em seu alcance.
A todos os nossos 35 informantes, que generosamente nos cederam seus relatos. Não
poderia deixar de agradecer por cada testemunho, por cada experiência compartilhada, por
cada história contada, por cada ensinamento dado. A pesquisa não existiria se não fosse por
vocês. Quanta riqueza, quanta alegria, quanta coisa boa vocês me proporcionaram! Nada mais
a dizer a não ser: KANIMAMBO!
A Karen Alves Pereira, minha xarazinha, que desde a graduação me acompanha e
sempre acreditou no meu potencial. Obrigada pela amizade sincera, que já ultrapassou os
limites da amizade, e por suas palavras de incentivo. Sei que posso contar contigo para
qualquer coisa e sei que hoje você compartilha da mesma felicidade que eu pela minha
conquista.
A todos os meus amigos que me incentivaram a continuar e foram pacientes em meus
momentos de afastamento para me dedicar tanto à viagem quanto à dissertação. Em especial,
agradeço a Cristina Márcia Corrêa, pela parceria nos trabalhos das disciplinas, nos
congressos e por me socorrer com prontidão toda vez que enviava um áudio no Whatsapp com
dúvidas sobre o Goldvarb e sobre formatação. Obrigada pelo companheirismo!
VIII
Feliz do homem que encontrou a sabedoria,
daquele que adquiriu a inteligência,
porque mais vale esse lucro que o da prata,
e o fruto que se obtém é melhor que o fino ouro.
Provérbios 3, 13-14
IX
SINOPSE
Estudo variacionista sobre a concordância verbal de
3ª pessoa do plural no Português oral de Maputo –
Moçambique, África. Controle estatístico de
variáveis estruturais e sociais para a determinação dos
condicionamentos da regra de marcação de número.
Reflexão sobre o multilinguismo e o contato entre as
línguas moçambicanas e o Português. Debate sobre o
estatuto da variedade moçambicana do Português.
X
RESUMO
A CONCORDÂNCIA VERBAL DE TERCEIRA PESSOA DO PLURAL NA
VARIEDADE MOÇAMBICANA DO PORTUGUÊS: UMA ABORDAGEM
SOCIOLINGUÍSTICA
Karen Cristina da Silva Pissurno
Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras
Vernáculas (Setor de Língua Portuguesa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa.
Estudo sociolinguístico sobre a concordância verbal de 3ª pessoa do plural no Português
oral de Maputo, Moçambique/África. A partir dos pressupostos da Teoria da Variação e
Mudança, o objetivo principal da pesquisa foi constatar o estatuto da regra de marcação de
plural na variedade moçambicana, se categórica, semicategórica ou variável (LABOV, 2003).
Para tanto, observaram-se as restrições linguísticas e extralinguísticas que condicionam a
concordância. À luz de estudos sobre o contato linguístico no Brasil (LUCCHESI; BAXTER;
SILVA, 2009) e o bilinguismo (ROMAINE, 2013), observou-se como a situação de
multilinguismo poderia afetar o Português falado pelos moçambicanos.
Os resultados obtidos por meio do tratamento estatístico realizado pelo programa
computacional GOLDVARB X revelam o comportamento de uma regra semicategórica, em
termos quantitativos (96.8% de aplicação das marcas de número), índice que deve ser
compreendido após detalhada análise qualitativa dos contextos variáveis. Os principais fatores
que desfavorecem a concordância foram: (i) maior uso de línguas locais, (ii) menor
escolaridade, (iii) sujeitos pospostos, (iv) verbos com menor saliência fônica, (v) sujeitos sem
marca explícita de plural e (vi) verbos inacusativos/inergativos.
De maneira geral, o comportamento dos dados em termos qualitativos revela a
existência de contextos diversos efetivamente variáveis, à semelhança do que ocorre na
variedade brasileira de forma produtiva, contrariamente aos padrões europeus de concordância
(semi)categórica (VIEIRA; BRANDÃO, 2014). No entanto, a particularidade da situação
multilíngue de Moçambique estabeleceria uma posição única para a variedade moçambicana,
localizando-o em uma disposição entre as variedades europeias e brasileiras dentro de um
continuum de padrões de concordância da Língua Portuguesa.
Palavras-chave: Português de Moçambique, concordância verbal, sociolinguística,
multilinguismo.
Rio de Janeiro
Agosto de 2017
XI
ABSTRACT
THE VERBAL AGREEMENT OF THIRD PERSON PLURAL IN THE
MOZAMBICAN VARIETY OF PORTUGUESE: A SOCIOLINGUISTIC APPROACH
Karen Cristina da Silva Pissurno
Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras
Vernáculas (Setor de Língua Portuguesa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa.
Sociolinguistic study on verbal agreement of 3rd person plural in the oral Portuguese of
Maputo, Mozambique/Africa. From the assumptions of the Theory of Variation and Change,
the main objective of the research was to verify the status of the agreement rule in the
Mozambican variety, whether categorical, semicategorical or variable (LABOV, 2003). To do
so, the linguistic and extralinguistic restrictions that constrain the rule were observed.
Considering studies on linguistic contact in Brazil (LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009) and
bilingualism (ROMAINE, 2013), it was observed how the multilingual situation could affect
the Portuguese spoken by Mozambicans.
Through the statistical treatment performed in the computer program GOLDVARB X,
the results obtained reveal the behavior of a semicategorical rule (96.8% of application of
number marks), which must be understood after detailed qualitative analysis of the variable
contexts. The main constraints that restrict the rule were: (i) greater use of local languages, (ii)
lower schooling, (iii) subjects that come after the verb, (iv) verbs with lower phonic salience,
(v) subjects without explicit plural mark and (vi) intransitive / inergative verbs.
In general, the behavior of the data in qualitative terms reveals the existence of diverse
contexts that are effectively variable, similar to what occurs in the Brazilian variety in a
productive way, contrary to the European (semi)categorical standards (VIEIRA, BRANDÃO,
2014). However, the particularity of Mozambique's multilingual situation would establish a
unique position for the Mozambican variety, locating it in an arrangement between European
and Brazilian varieties within a continuum of the Portuguese agreement standards.
Keywords: Mozambican Portuguese, verbal agreement, sociolinguistics, multilingualism
Rio de Janeiro
Agosto de 2017
XII
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS ........................................................................................................ xv
ÍNDICE DE TABELAS, QUADROS E GRÁFICOS .................................................. xvi
1 – INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 19
2 – A SITUAÇÃO MULTILÍNGUE DE MOÇAMBIQUE ........................................ 27
3 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................................... 40
3.1 - Teoria da Variação e Mudança................................................................................. 40
3.2 - Aquisição de Segunda Língua (L2/LE) .................................................................... 44
3.3 - Conceitos básicos sobre Bilinguismo ....................................................................... 52
3.4 - Estatuto social das línguas em sociedades multilíngues .......................................... 63
3.5 - Formação das variedades do Português: das origens ao continuum afro-brasileiro..70
4 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA: A CONCORDÂNCIA VERBAL ...................... 78
4.1 - Abordagem tradicional ............................................................................................. 78
4.2 - Descrições sociolinguísticas: tendências gerais ....................................................... 82
4.2.1 - No Português Brasileiro ........................................................................................ 83
4.2.2 - No Português Europeu .......................................................................................... 88
4.2.3 - No Português de Moçambique .............................................................................. 92
5 – METODOLOGIA ..................................................................................................... 98
5.1 - Montagem e elaboração do corpus........................................................................... 94
5.2 - Seleção dos informantes ........................................................................................... 100
5.3 - Distribuição do corpus ............................................................................................. 104
XIII
5.4 - Etapas do trabalho .................................................................................................... 105
6 – AS VARIÁVEIS ........................................................................................................ 108
6.1 - A Variável Dependente ............................................................................................ 108
6.2 - As Variáveis Independentes ..................................................................................... 108
6.2.1 - Extralingüísticas .................................................................................................... 108
6.2.2 - Lingüísticas ........................................................................................................... 128
6.2.2.1 - Sobre o Sintagma Nominal (SN) ........................................................................ 129
6.2.2.2 - Sobre o Sintagma Verbal (SV) ........................................................................... 138
7 – ANÁLISE DE DADOS ............................................................................................. 148
7.1 - Descrição das rodadas multivariadas ....................................................................... 149
7.2 - Distribuição geral dos dados .................................................................................... 155
7.3 - O comportamento das variáveis extralinguísticas .................................................... 155
7.3.1 - Língua(s) dominada(s) pelo informante ................................................................ 156
7.3.2 - Escolaridade .......................................................................................................... 163
7.3.3 - Informante ............................................................................................................. 167
7.3.4 - Faixa etária ............................................................................................................ 170
7.4 - O comportamento das variáveis linguísticas ............................................................ 175
7.4.1 - Posição do sujeito .................................................................................................. 175
7.4.2 - Saliência fônica ..................................................................................................... 180
7.4.3 - Paralelismo no nível clausal .................................................................................. 184
7.4.4 - Tipo de verbo ........................................................................................................ 186
XIV
8 – DEBATE DOS RESULTADOS: O PERFIL DO PM EM RELAÇÃO AO PB E AO
PE – UMA REGRA VARIÁVEL OU SEMICATEGÓRICA? .................................. 194
9 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 204
10 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 210
ANEXOS ......................................................................................................................... 221
ANEXO I - GUIA DE ENTREVISTA .......................................................................... 221
ANEXO II - QUADRO-SÍNTESE DAS RODADAS .................................................. 222
XV
LISTA DE SIGLAS
CV Concordância Verbal
L1 Língua materna
L2 Segunda língua
LE Língua estrangeira
LB Língua Bantu
PB Português Brasileiro
PE Português Europeu
PM Português de Moçambique
SV Sintagma Verbal
SN Sintagma Nominal
XVI
ÍNDICE DE TABELAS, QUADROS E GRÁFICOS
TABELAS
Tabela 1 – Línguas faladas pela população de 5 ou mais anos de idade .......................... 27
Tabela 2 – Distribuição percentual da população de 5 ou mais anos de idade segundo língua
materna em Maputo .......................................................................................................... 29
Tabela 3 – Distribuição percentual da população de 5 ou mais anos de idade segundo língua
materna em Moçambique, em 1980, 1997 e 2007 ............................................................ 30
Tabela 4 – Distribuição percentual da população de 5 anos ou mais segundo conhecimento da
língua portuguesa e sexo em Moçambique, em 1997 e 2007 ........................................... 36
Tabela 5 – Continuum de marcação de pluralidade em verbos de P6 consoante os traços rural /
urbano e os graus de escolaridade em variedades brasileiras na proposta de Lucchesi et al.
(2009) .............................................................................................................................. 86
Tabela 6 – Distribuição dos dados com e sem marca verbal de 3ª pessoa plural Português de
Moçambique (PM) ............................................................................................................ 155
Tabela 7 – Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo língua(s)
dominada(s) pelo informante no Português de Moçambique (PM) ................................. 156
Tabela 8 – Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo escolaridade
no Português de Moçambique (PM) ................................................................................. 163
Tabela 9 – Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo língua(s)
dominada(s) pelo informante e escolaridade no Português de Moçambique (PM) ......... 164
Tabela 10 – Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo língua materna
e escolaridade no Português de Moçambique (PM) ........................................................ 166
Tabela 11 – Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo informante e
escolaridade no Português de Moçambique(PM) ............................................................ 167
Tabela 12 – Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo língua(s)
dominada(s) pelo informante e faixa etária no Português de Moçambique (PM) ........... 170
XVII
Tabela 13 – Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo posição do
sujeito no Português de Moçambique (PM) ..................................................................... 175
Tabela 14 – Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo posição do
sujeito com sujeito não expresso no Português de Moçambique (PM) ............................ 178
Tabela 15 - Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo saliência
fônica no Português de Moçambique (PM) ...................................................................... 180
Tabela 16 – Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo paralelismo
clausal no Português de Moçambique (PM) .................................................................... 184
Tabela 17 – Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo tipo de verbo
no Português de Moçambique (PM) ................................................................................. 186
Tabela 18 – Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo posição do
sujeito e tipo de verbo no Português de Moçambique (PM) ............................................ 188
Tabela 19 – Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo saliência
fônica e tipo de verbo no Português de Moçambique (PM) ............................................. 189
QUADROS
Quadro 1 – Regras gerais de concordância verbal de acordo com gramáticas tradicionais
brasileiras .......................................................................................................................... 79
Quadro 2 – Regras particulares de concordância verbal de acordo com gramáticas tradicionais
brasileiras .......................................................................................................................... 80
Quadro 3 – Variáveis relevantes em estudos de concordância verbal de P6: amostras brasileiras
com diferentes níveis de escolaridade .............................................................................. 86
Quadro 4 – Variáveis relevantes em estudos de concordância verbal de P6 com amostras
europeias ........................................................................................................................... 90
Quadro 5 – Quadro de informantes utilizados na amostra, distribuídos em relação ao nível de
instrução, a escolaridade e ao sexo ................................................................................... 105
XVIII
Quadro 6 – Variável dependente binária: concordância verbal padrão x concordância não
padrão no PM ................................................................................................................... 108
Quadro 7 – Quadro de informantes distribuídos em relação ao uso de Português como L1 ou
L2.......................................................................................................................................116
Quadro 8 – Distribuição dos condicionamentos para a não marcação de concordância nas três
variedades: PB, PE e PM .................................................................................................. 199
GRÁFICOS
Gráfico 1 – Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo língua(s)
dominada(s) pelo informante e escolaridade no Português de Moçambique (PM) ......... 165
Gráfico 2 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo informante e
escolaridade no Português de Moçambique (PM) ........................................................... 169
Gráfico 3 – Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo paralelismo
clausal no Português de Moçambique (PM) .................................................................... 184
Gráfico 4 – Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo saliência fônica
e tipo de verbo no Português de Moçambique (PM) ........................................................ 189
FIGURAS
Figuras 1 – Mapa das Províncias de Moçambique ..................................................... .....100
19
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como objeto de estudo a concordância verbal de 3ª pessoa
do plural na modalidade oral do Português de Moçambique, África, mais especificamente
do Português falado na capital, Maputo. Investiga-se o comportamento da variável,
considerando-se a variante declarada padrão, na qual as marcas de número estão presentes
na forma verbal – em consonância com o sujeito – e também a não-padrão, na qual as
marcas de plural não se encontram registradas. Por pressuposto teórico, propõe-se que a
realização ou não de tais marcas decorre da atuação de fatores internos e externos à língua.
Averiguando a frequência de uso da realização ou do cancelamento da concordância
padrão e identificando as estruturas mais utilizadas na variedade em questão, pode-se
verificar não só quais contextos linguísticos são mais suscetíveis à presença e/ou à
ausência das marcas, mas também quais implicações sociais sobre o uso de uma ou outra
variante são impostas aos falantes dessa variedade do Português.
Ainda que a Língua Portuguesa seja o idioma oficial do país, dados de
recenseamentos (cf. CENSO, 2007; INE, 2010) e de estudos já realizados sobre a
variedade moçambicana (cf. GONÇALVES, 2010; NGUNGA, 2012; TIMBANE, 2015;
CHIMBUTANE, 2015; GONÇALVES; CHIMBUTANE, 2015; CAO PONSO, 2016;
dentre outros) demonstram que ela coexiste com uma grande diversidade de idiomas
nacionais1. Essas línguas nacionais, todas da família bantu, são, para muitos habitantes
das áreas rurais de Moçambique, especialmente aqueles acima dos 50 anos de idade, suas
línguas maternas. Os mais jovens da área rural, por sua vez, assim como os mais velhos,
também têm as línguas nacionais como maternas. Dessa maneira, o idioma tido como
oficial apresenta um status de língua estrangeira (LE) para esses indivíduos, ou seja, uma
língua utilizada em situações bastante artificiais, especialmente instrucionais, como é o
ensino de inglês no Brasil, por exemplo, já que a língua alvo só é aprendida em contextos
1 Embora as expressões idiomas/línguas nacionais ou locais possam, de certa forma, remeter a questões político-sociais, relativas à representatividade dessas línguas no contexto nacional, o uso de tais termos na presente pesquisa restringe-se ao fato de serem línguas próprias de Moçambique e diferentes do Português, utilizadas em cada uma das províncias de Maputo. A decisão de usar essa nomenclatura relaciona-se à fidelidade à literatura consultada, no que diz respeito à descrição dessas línguas. Não obstante essa opção, reconhece-se que o termo “autóctone” se configuraria uma opção mais neutra, afastada de concepções políticas.
20
de educação formal, enquanto em casa os indivíduos utilizam suas línguas maternas para
comunicação diária.
Por outro lado, nas áreas urbanas, a situação é similar à do uso de uma segunda
língua (L2), ou seja, a exposição à língua alvo não se faz apenas em contexto escolar, mas
é exigida em praticamente todos os ambientes nos quais os indivíduos estabelecem
comunicação, como acontece com brasileiros vivendo nos Estados Unidos, por exemplo,
já que, mesmo que dentro de casa eles falem sua língua materna, fora dela é necessário
comunicar-se exclusivamente em inglês. No caso de Maputo, para além do uso das
línguas nacionais, a população tem contato intenso com o Português no seu dia-a-dia e
nos ambientes que frequenta e, consequentemente, as crianças já chegam à escola com
conhecimento prévio da língua. Da mesma forma, aqueles habitantes que nascem em
famílias que afirmam usar somente o Português dentro de casa tendem a adquiri-lo como
sua primeira língua (L1) e, igualmente, entram na escola já com conhecimento da
modalidade oral do idioma. Assim, nas áreas urbanas, independentemente da idade do
indivíduo, o acesso ao Português é mais fácil e constante, permitindo o contato desde
muito cedo com essa língua, o que facilita sua aquisição.
Em termos gerais, pode-se dizer, então, que o povo de Maputo é, em sua grande
maioria, pelo menos, bilíngue. O Censo 2007 corrobora essa afirmação, já que registra o
Português como a língua mais utilizada por seus habitantes dentro de casa, especialmente
aqueles que vivem nas áreas urbanas. Já os que vivem nas áreas rurais, por outro lado,
têm na educação formal a única forma de contato com a Língua Portuguesa, fato
diretamente relacionado às altas taxas de analfabetismo dos habitantes mais velhos, que
continuam a utilizar seus idiomas nacionais (as línguas bantu faladas no país). Isso nos
leva a crer que a educação formal seja uma variável de suma importância para este estudo,
já que ela atua diretamente no estatuto do Português utilizado pelos moçambicanos, seja
como L2 ou LE.
Assim sendo, estabelecem-se duas situações: de um lado, encontram-se os
habitantes das zonas mais rurais, que possuem línguas bantu como L1 e que,
teoricamente, recebem a transmissão do Português Europeu (PE) considerado padrão,
como uma língua estrangeira, em contextos descontinuados, formalizados apenas para os
habitantes mais jovens quando em ambiente escolar, podendo, dessa forma, gerar
reestruturações do sistema da Língua Portuguesa a partir de uma nova gramática que
incorpore tanto sua L1 quanto a L2 tida como referência; de outro lado, temos os
habitantes das áreas urbanas, que têm acesso à língua em todos os ambientes de uso da
21
mesma (na família, na escola e no trabalho), haja vista o valor concedido à língua oficial
do país, que possibilita ascensão social de seus usuários. Nesse caso, diversas crianças
adquirem o Português como L1 (em paralelo ou não a uma língua nacional), transmitido
por seus pais dentro de casa e, supostamente, aprimorado na escola. A aquisição de língua
para esses indivíduos, portanto, poderia atingir níveis de conhecimento parecidos com os
dos falantes de PE, por exemplo, que não passam por processos semelhantes de contato
com outras línguas. No entanto, é válido ressaltar que os pais dessas crianças, assim como
muitos de seus professores, não são, necessariamente, falantes nativos de Português, o
que poderia trazer questionamentos sobre a língua que é transmitida por eles, talvez não
tão próxima do PE padrão quanto se desejaria.
Salienta-se, aqui, o fato de que, em estudos anteriores das variedades africanas
do Português, como as de São Tomé e Príncipe (cf. BRANDÃO; VIEIRA, 2012a; 2012b)
e de Maputo (cf. GONÇALVES, 1997), se verificou ser salutar a importância social dada
à Língua Portuguesa, associada ao prestígio e à ascensão econômica. Deste modo, haveria
certo desejo dos habitantes das zonas urbanas pela aquisição do PE tido como padrão, o
que, por sua vez, está relacionado a certo preconceito, desses mesmos indivíduos, quanto
às línguas nacionais empregadas nas áreas rurais, nas quais seus falantes mantêm seu uso
como forma de valorização cultural. Com isso, a parcela de indivíduos que deseja adquirir
a Língua Portuguesa vem crescendo ao longo dos anos, mas não de maneira que as línguas
nacionais sejam totalmente eliminadas, já que nas áreas rurais elas ainda têm muito
significado para seus falantes e a crescente migração para a cidade faz reavivar o uso
desses idiomas também dentro da cidade, nos ambientes mais diversos, sobretudo os
informais. No entanto, há indivíduos nas zonas urbanas que acreditam que saber (ou dizer
que sabem) uma língua local pode atrapalhar suas chances de ascender socialmente. O
resultado, portanto, é o uso simultâneo das diversas línguas no meio da sociedade, que
tende a selecionar os contextos em que cada uma delas tem maior valor.
Em outras palavras, a diversidade linguística presente nas comunidades de fala
moçambicanas constitui um aspecto cultural muito relevante e tem relação direta com a
questão educacional, a transmissão da Língua Portuguesa e o prestígio dado a ela por
esses falantes. Dessa maneira, o estudo dos padrões de concordância no Português de
Moçambique (PM) reveste-se de fundamental importância, tendo em vista não só ser
reduzido o número de pesquisas que consideram as variedades africanas, mas também ser
esse tema emblemático para a compreensão de situações de intenso contato
interlinguístico. Ademais, a descrição das variedades do Português, de modo geral, é
22
imprescindível para o debate sobre as convivências de normas na Língua Portuguesa –
constituída por uma vasta diversidade sociolinguística.
Desse modo, relacionam-se neste trabalho os resultados obtidos a algumas
características que podem ser atribuídas à situação de intenso contato linguístico, como a
que ocorre especialmente em colônias exploradas pelos portugueses, caso tanto do Brasil
quanto de países africanos, e está fortemente presente na variedade em estudo. Nesse
sentido, supõe-se que o aprendizado de Língua Portuguesa por parte dos índios e africanos
tenha tomado feições particulares relacionadas aos padrões das línguas nativas desses
falantes. Tais mudanças não são relacionadas apenas à inserção de léxico e às diferenças
de pronúncia, mas também ao apagamento de algumas marcas morfológicas, como as
marcas de concordância nominal e verbal e da flexão de caso de pronomes pessoais, por
exemplo. Trata-se de alterações que configuram casos de “simplificação morfológica”,
característica muito comum nas variedades populares das línguas que passaram por
processos de contato linguístico intenso durante sua formação (cf. LUCCHESI, 2012, p.
252-254).
Logo, a descrição dos fenômenos de concordância verbal na comunidade de fala
de Maputo não só permite levantar informações relevantes para a compreensão dessa
variedade, mas também para a interpretação de traços específicos, como os referentes à
simplificação morfológica ora mencionada. Assim, será possível reconhecer, no âmbito
do fenômeno estudado, se a variedade moçambicana está mais próxima da variedade
brasileira, que também surgiu – guardadas as devidas proporções e realidades sócio-
históricas – em meio a intenso contato linguístico, ou da variedade europeia, a qual serve
de modelo para sua formação. Em outras palavras, procura-se estabelecer se o estatuto da
concordância verbal do Português de Moçambique apresenta padrões mais variáveis ou
categóricos de marcação de plural, em termos quantitativos e qualitativos.
Assim sendo, pretende-se, com esta pesquisa, não somente estabelecer o índice
geral de concordância no PM, mas também indicar quais variáveis se mostram influentes
no cancelamento da marca, a partir do fornecimento de dados de natureza sociolinguística
sobre o Português de Maputo e da expansão de conhecimentos acerca da norma de
concordância verbal em uso na modalidade oral das variedades de Português faladas na
África.
Dessa maneira, o estudo descreve, em dados orais contemporâneos, as variantes
com e sem marcação de plural, nos diversos contextos morfossintáticos, cujos usos
estabelecem os padrões de concordância verbal no PM, além de averiguar o estatuto da
23
concordância nessa variedade, verificando, consoante Labov (2003), se se trata realmente
de uma regra variável, semicategórica ou categórica. Em caso de regra variável ou
semicategórica, identificam-se as variáveis linguísticas e extralinguísticas que atuam no
comportamento do fenômeno, apontando os elementos (des)favorecedores da marca de
plural. Por fim, investiga-se a existência de diferenças significativas entre a fala dos
indivíduos de acordo com sua escolaridade e com a menor ou maior exposição à Língua
Portuguesa em todos os contextos do seu dia-a-dia.
De modo geral, o Português de Moçambique, ao que tudo indica, guarda traços do
Português falado pela população culta, da classe média e dos proprietários, mas também
sofre influência das línguas nacionais. Embora seja língua oficial e de prestígio, é possível
reconhecer diferentes registros, determinados por fatores como escolaridade, nível
socioeconômico e ambiente de inserção social. Sendo assim, a elite moçambicana busca
utilizar o Português Europeu padrão, adquirido muitas vezes nos estudos feitos em escolas
portuguesas, enquanto as camadas sociais mais baixas falam a Língua Portuguesa com
maior influência de suas línguas locais, que foram e ainda são, em determinados
contextos, altamente estigmatizadas.
A partir do estudo e da análise dos dados adquiridos para esta pesquisa, pretende-
se responder fundamentalmente a três perguntas, que constituem os problemas definidos
para que se alcancem as metas traçadas:
(a) qual o índice geral de concordância no Português de Maputo?;
(b) que variáveis linguísticas e extralinguísticas se mostram influentes no
cancelamento da marca?;
(c) o estatuto do Português como L1 ou L2, relacionado às línguas locais faladas
pelo indivíduo, tem alguma influência sobre os resultados?
Levando esses questionamentos em consideração, os objetivos gerais da pesquisa
são: (i) fornecer dados de natureza sociolinguística sobre o Português de Moçambique, e
(ii) expandir conhecimentos acerca da norma de concordância verbal em uso na
modalidade oral das variedades do Português falado no continente africano.
Com o intuito de, igualmente, contribuir com o debate sobre as variedades da
Língua Portuguesa, a grande questão a se discutir é se existe, de fato, uma influência do
substrato, ou seja, das línguas faladas na região antes da dominação dos colonizadores,
no Português falado pelos moçambicanos. Dentro dos limites do presente trabalho, que
24
analisa uma porção limitada de dados apenas do Português em meio à complexidade do
multilinguismo moçambicano, pretende-se, apenas, levantar hipóteses sobre a mudança
linguística ocorrida nessa variedade, buscando debater como o contato linguístico
influenciou e, possivelmente, continua influenciando o PM, principalmente pela
existência de traços gramaticais destas que podem interferir na construção da gramática
do Português como L2. Ressalta-se, assim, que não será possível realizar comparações
aprofundadas entre as línguas locais e o Português de Moçambique em função do material
de que se dispõe; entretanto, espera-se viabilizar o levantamento de questões relevantes
acerca do assunto, pertinentes ao escopo da pesquisa.
Dando prosseguimento à pesquisa, as seções que compõem o presente trabalho
estão organizadas conforme descrição a seguir.
No Capítulo 2, analisa-se a situação de multilinguismo em Moçambique e o
quanto a diversidade de línguas pode (ou não) afetar o Português falado por esses
indivíduos, a partir de dados históricos e linguísticos. Com essa exposição, pretende-se
apontar as particularidades dessa variedade e os aspectos que determinam a necessidade
de estudá-la sob o viés da Sociolinguística, considerando com atenção alguns
fundamentos diretamente relacionados às questões de contato interlinguístico. Assim, o
panorama geral da situação linguística do país será apresentado, de forma que se
compreenda a riqueza de idiomas presente nessa sociedade e as implicações dessa
situação para a configuração do Português de Moçambique.
No Capítulo 3, observa-se o arcabouço teórico utilizado para a análise dos dados.
Com o objetivo de segmentar melhor cada base conceitual, esse capítulo subdivide-se em
cinco seções, sendo a primeira sobre a Teoria da Variação e Mudança, que funciona como
a alavanca para as questões sociolinguísticas que aqui são abordadas; a segunda considera
questões sobre a aquisição de segunda língua, tema salutar para a compreensão da
variedade de Português falada em Moçambique; em seguida, a terceira seção apresenta
as questões sobre bilinguismo, sobre a mudança de língua e como os falantes nessa
situação lidam com o conhecimento das línguas que adquiriram ao longo da vida; a
penúltima subseção debruça-se sobre o estatuto social das línguas e o valor associado ao
uso de dadas línguas dentro de uma sociedade; por fim, a última seção dedica-se à
formação das variedades e ao debate acerca das origens do Português Brasileiro, tema
relevante para a compreensão da variedade moçambicana, devido a certas similaridades
em termos de constituição. Além disso, fecha-se esta seção com uma breve exposição
sobre a pertinência da proposta de um continuum afro-brasileiro (cf. PETTER, 2008) no
25
que diz respeito ao panorama geral das variedades de Língua Portuguesa, relacionando-
se suas convergências e divergências.
Já no Capítulo 4, explora-se a concordância verbal, considerando não só a
perspectiva das gramáticas normativas de Língua Portuguesa, como também os trabalhos
variacionistas que demonstram como ocorre a variação das marcas de número nas
variedades brasileira, europeia, são-tomense e moçambicana. Com a exposição dos
resultados encontrados nas outras variedades, pretende-se traçar os paralelos entre entre
elas e a situação observada no Português de Moçambique.
No Capítulo 5, apresentam-se os aspectos metodológicos referentes a montagem
e elaboração do corpus utilizado na pesquisa e todas as etapas do trabalho, além de
explorar como foi feita a seleção dos informantes, já que, diante de uma sociedade
extremamente heterogênea, foi necessário estabelecer critérios que justificassem a
escolha de cada perfil. Já no Capítulo 6, explicitam-se as variáveis controladas neste
estudo, seguidas de exemplos produzidos pelos próprios informantes da amostra,
retirados de suas entrevistas.
O Capítulo 7, por sua vez, trata da análise dos dados obtidos na pesquisa,
levantando e interpretando os resultados quantitativos observados com base nos
fundamentos teóricos estudados. Este capítulo é subdividido em quatro seções: na
primeira delas, evidenciam-se todas as rodadas estatísticas executadas para a obtenção
dos resultados quantitativos, além de discorrer sobre os procedimentos (os amálgamas
das variantes) necessários ao aprimoramento da análise dos dados. Na segunda seção,
apresentam-se os resultados gerais alcançados, seguidos da relação dos condicionamentos
extralinguísticos relevantes ao cancelamento da marca de número, na terceira seção, e dos
fatores linguísticos, na quarta seção. Ao longo da exposição das variáveis selecionadas
como relevantes, alguns resultados referentes ao comportamento de variáveis não
selecionadas também serão comentados, de maneira que enriqueçam o olhar qualitativo
sobre os dados, fatores que revelam dados interessantes no que tange ao estabelecimento
do perfil da variedade moçambicana.
Na sequência, no Capítulo 8, faz-se um debate, considerando todo o tratamento
estatístico e qualitativo realizado no capítulo anterior, sobre o estatuto da regra de
concordância no Português de Moçambique, em comparação com as outras variedades do
Português (brasileiras e europeias), com o objetivo de constatar a posição do PM dentro
de um continuum de uso das regras de marcação, se mais próximo do comportamento das
variedades mais reestruturadas, como a brasileira, ou do “modelo” europeu de uso.
26
Por fim, o Capítulo 9 traz as considerações finais que resultam de todo o estudo e
as reflexões necessárias à continuidade da pesquisa e ao mais detalhado aprofundamento
de questões que possam ter sido exploradas de maneira incipiente devido ao perfil e à
abrangência deste trabalho.
De modo geral, por ser estabelecida a partir de cunho variacionista, a pesquisa
demonstra que, de fato, fatores sociais são extremamente significativos para a
configuração da variedade moçambicana do Português e que esta, por usa vez, parece
estar traçando suas próprias características, especialmente por causa do forte contato
interlinguístico existente na sociedade. Sendo assim, o Português de Moçambique,
embora ainda em estágio de formação e em busca de uma identidade sui generis, revela
a existência de particularidades que já se manifestam no plano da marcação de plural nos
verbos de terceira pessoa e permitem delinear os padrões de concordância ora em
evidência.
27
2 A SITUAÇÃO MULTILÍNGUE DE MOÇAMBIQUE
Considerando o quadro socio-histórico de Moçambique, é preciso destacar a
situação linguística presente no país, que possui uma população de mais de 20 milhões
de habitantes, cuja língua oficial é o Português. Ao lado da Língua Portuguesa, são faladas
mais de 20 línguas bantu (SITOE; NGUNGA, 2000 apud GONÇALVES, 2010, p. 25) e
cinco línguas asiáticas, o que já confirma o caráter plurilíngue dessa sociedade. A tabela
a seguir apresenta a distribuição de tais línguas, por número de falantes e províncias onde
são faladas.
Tabela 1 – Línguas faladas pela população de 5 ou mais anos de idade
Nº Língua2 Nº de falantes % Províncias
1 Makhuwa 4.105.122 25.92 Cabo Delgado, Nampula, Niassa,
Zambézia, Sofala
2 Português 1.828.239 11.54 Todas as províncias
3 Changana 1.682.438 10.62 Gaza, Maputo, Maputo City,
Inhambane, Niassa
4 Sena 1.314.190 8.30 Manica, Sofala, Tete, Zambézia
5 Lomwe 1.202.256 7.59 Napula, Niassa, Zambézia
6 Chuwabu 989.579 6.24 Sofala, Zambézia
7 Nyanja 905.062 7.71 Niassa, Tete, Zambézia
8 Ndau 702.455 4.43 Manica, Sofala
9 Tshwa 469.343 2.96 Gaza, Inhambane, Maputo, Sofala
10 Nyungwe 457.290 2.88 Manica, Tete
11 Yaawo 340.204 2.14 Cabo Delgado, Niassa
12 Makonde 268.450 1.69 Cabo Delgado
13 Tewe 255.704 1.61 Manica
14 Rhonga 239.333 1.52 Gaza, Maputo, Maputo City,
Inhambane
2 A ortografia das línguas que será adotada aqui seguirá essa primeira tabela, independentemente de haver
diferentes versões de escrita desses nomes, considerando ora o nome original, ora o nome já adaptado ao
português.
28
15 Tonga 203.924 1.38 Gaza, Maputo, Maputo City,
Inhambane
16 Copi 169.811 1.07 Gaza, Maputo, Maputo City,
Inhambane
17 Manyika 133.190 0.84 Manica
18 Cibalke 102.778 0.64 Manica
19 Mwani 77.915 0.49 Cabo Delgado
20 Koti 60.780 0.38 Nampula
21 Swahili 15.250 0.10 Cabo Delgado
22 Outras 310.259 1.95 Todas as províncias
23 Línguas de sinais 7.059 0.05 Todas as províncias
Total 15.833.572 100
Fonte: Censo de 20073
Em síntese, podem-se destacar as seguintes línguas como concorrentes do
Português na cidade de Maputo: Changana, Tshwa, Rhonga, Tonga, Copi. Como pode
ser visto na seguinte tabela, extraída do Censo 20074, as línguas que coexistem ao lado
do Português em Maputo não são muito expressivas em se tratando de L1, sendo que a
mais utilizada é a chamada Changana, falada por 31,5% da população. Vê-se, portanto,
que a percentagem de habitantes que afirmam usar preferencialmente o Português é
bastante superior (42,9%) e aumentou em comparação com o Censo de 1997, que
registrava 39,5% e assinalava o Português como a L1 de apenas 6,5% dos falantes. (cf.
GONÇALVES, 2010, p. 26).
3 Tabela disponível em http://www.site.letras.ufmg.br/laliafro/projeto.html. Acesso em 11/02/2017.
4 Cabe salientar que os métodos de coleta de dados para o Censo de Moçambique são recentes, tendo até o
momento apenas 2 registros formais (1997, 2007). Isto nos leva a crer que é preciso cuidado ao observar
os dados apresentados nas tabelas, que podem conter alguns números ainda questionáveis. Charles; Sá
(2010) e Charles (2012) mencionam a necessidade de atualização das cartas geográficas que auxiliariam o
processo de coleta de dados para os censos e os inquéritos feitos em Moçambique, fazendo com que seus
resultados sejam mais precisos de acordo com a realidade do país.
29
Tabela 2 – Distribuição percentual da população de 5 anos ou mais anos de idade segundo a língua
materna em Maputo
Língua Materna % de falantes
Português 42,9
Xichangana 31,5
Xirhonga 9,7
Cicopi/Cichopi 3,3
Xitshwa 3,5
Bitonga 2,8
Outras línguas moçambicanas 4,4
Outras línguas estrangeiras 1,3
Desconhecida 0,5
Fonte: Censo 2007
Essa diferença percentual pode ter uma de suas explicações na questão da faixa
etária dos informantes do Censo, uma vez que, como a própria autora afirma, “os índices
mais elevados de conhecimento dessas línguas verificam-se entre os recenseados com
mais de 25 anos” (GONÇALVES, 2010, p. 27). Isso quer dizer que, ao longo dos 10 anos
que se passaram entre os recenseamentos, a formação de novas crianças, especialmente
nas cidades, em que o Português é a língua principal, não somente de instrução escolar,
mas de uso na grande maioria dos contextos comunicativos, pode ter ajudado
consubstancialmente a aumentar a quantidade de falantes da Língua Portuguesa na zona
urbana de Moçambique como um todo, que hoje apresenta 10,7% de falantes de Português
como L1, de acordo com o INE 2010, que compara a distribuição de língua materna de
1980 a 2007. Como se vê na tabela a seguir, o percentual de indivíduos que se declaram
como falantes de línguas bantu como L1 vai reduzindo proporcionalmente ao aumento
de declarantes de Português como língua materna em todo o país:
30
Tabela 3 – Distribuição percentual da população de 5 anos ou mais anos de idade, segundo língua
materna em Moçambique, em 1980, 1997 e 2007.
Ano do
Censo
Língua
Bantu Português
Outras
Línguas
Estrangeiras
Mudo Nenhuma Desconhecida
1980 98.8 1.2 - - - -
1997 93.0 6.5 0.4 0.02 0.06 1.0
2007 85.2 10.7 0.4 0.04 0.01 3.6
Fonte: INE (2010) sobre Censos de 1980, 1997 e 2007
Timbane (2015), seguindo a mesma linha de pensamento, ratifica que “o número
de falantes de português tende a crescer desde 1980 (5 anos após a proclamação da
independência) incentivado pela educação massiva e inclusiva principalmente nas zonas
urbanas” (TIMBANE, 2015, p. 295), que ocorreu tardiamente em Moçambique.
Além disso, segundo Firmino (1988),
O maior envolvimento, a todos os níveis, dos moçambicanos na acção
pública (instâncias do poder, serviços públicos, comércios, etc.), o
aumento das situações de comunicação em que os interlocutores não
falam a mesma língua bantu [...] o aumento da população escolar
atingindo níveis cada vez mais altos, são alguns dos factores que
justificam a subida do número de falantes da língua portuguesa.
(FIRMINO, 1988, p. 98)
Em outras palavras, a Língua Portuguesa foi, aos poucos, transformando-se na
língua de comunicação básica dos moçambicanos, satisfazendo as necessidades de
comunicação para obtenção de todos os tipos de serviços, especialmente nas áreas urbanas
e na educação escolar, que privilegia o Português como a língua de prestígio, cujo
domínio possibilita ascensão social, enquanto não dominá-la significa possibilidades de
exclusão social e de preconceitos.
Timbane (2015) corrobora essas afirmações, ao atestar que
O português é uma língua moçambicana de origem europeia porque ela
já satisfaz as necessidades comunicativas dos moçambicanos e já tem
falantes nativos. Toda a educação formal é feita em português pelo fato
de ser a língua de prestígio, por ser oficial e ser amparada pela
Constituição da República de Moçambique (2004), instrumento que
não dá relevância às diversas línguas bantu moçambicanas faladas pela
maioria da população. (TIMBANE, 2015, p. 295)
31
No entanto, a população da zona rural continua tendo o Português praticamente
como uma língua estrangeira5, de acesso restrito ao meio escolar. Fora da escola, não há
meios de difusão que permitam aos moçambicanos dessas áreas o domínio da língua de
prestígio da sociedade. Menezes (2013, p. 38), mencionando estudos sociolinguísticos e
números do INE de 1997, com relação à área de residência em Moçambique, destaca que
“os que sabem falar português nas zonas urbanas equivalem a uma percentagem de 72.4%
e, nas zonas rurais, 25.4% [...], enquanto os que têm português como língua materna
equivalem a 17% nas zonas urbanas e 2% nas rurais”. Já o Censo de 2007 destaca que
apenas 3.5% da população rural declara ter o Português como L1. Em outras palavras,
pode-se dizer que, apesar da larga expansão da Língua Portuguesa em todo o país, o
número de pessoas que tem o Português como L1 é ínfimo, especialmente por conta do
grande número de pessoas que utilizam as línguas bantu nas áreas rurais.
Chimbutane (2015) confirma esse cenário, ao informar que tais dados podem
[...] ser reflexo de uma extraordinária expansão da língua portuguesa
pelos meios urbanos, ao mesmo tempo que pode indicar que, apesar do
crescimento da percentagem de habitantes de áreas rurais que sabem
falar a língua portuguesa, estes preferem falar as línguas bantu na sua
comunicação em casa. (CHIMBUTANE, 2012, p. 26)
De acordo com Gonçalves (2010), a complexidade da situação linguística do país
pode ser mais bem compreendida a partir do entendimento do processo histórico desde a
chegada dos colonos portugueses em 1498. Apesar de terem chegado ao país na mesma
época em que colonizavam o Brasil e a Índia, Moçambique não era o foco de suas
atenções e, consequentemente, a difusão da Língua Portuguesa foi mais lenta. Sendo
assim, houve uma considerável demora para a criação de políticas educacionais e, então,
apenas em 1930 é estabelecida uma política, na qual o Português se torna a língua de
instrução escolar, com o objetivo de educar e permitir a assimilação cultural dos africanos,
deixando as línguas nacionais para uso exclusivo em contextos familiares e de instrução
religiosa.
Assim, nas palavras de Gonçalves:
5 Para o detalhamento da diferença entre segunda língua (L2), usada em contextos do dia a dia, paralela ao
uso das línguas locais, e língua estrangeira (LE), aquela que é usada apenas em contexto de instrução
formal, conferir Seção 3.2 do presente trabalho.
32
Em consequência do atraso no processo de colonização de Moçambique
– em que sobressai a criação tardia de uma rede escolar a nível nacional
– na altura da independência, em 1975, a língua portuguesa era parte do
repertório linguístico de um grupo minoritário de moçambicanos,
residentes principalmente nos centros urbanos. (GONÇALVES, 2010,
p. 31)
Dessa maneira, entende-se que a transmissão da Língua Portuguesa aos
moçambicanos aconteceu de maneira progressiva e tardia, permitindo àqueles que tinham
acesso à escola a aquisição do Português como L26 em contextos formais, enquanto os
mais velhos, que não tiveram acesso à escola e são residentes das zonas rurais,
permanecem utilizando suas línguas maternas bantu para comunicação natural e diária.
Após a independência do país, o Português é definido como língua oficial,
tomando totalmente o lugar das línguas bantu, já que passa a ser apontada como mais
eficaz para a comunicação internacional e a transmissão de conhecimentos, além de ser
considerada, cada vez mais, como língua de prestígio e que permitiria ascensão social aos
seus falantes. Desse modo, o Português ganha novos valores tanto para aqueles que já o
dominam quanto para aqueles que desejam dominá-lo.
Advindo dessa mudança de valores, a população que frequenta a escola passou
por um processo de grande crescimento, tendo, de acordo com o Censo de 2007, mais de
5 milhões de alunos. Tal número reflete a multiplicação do número de falantes da Língua
Portuguesa e a importância cada vez maior facultada a ela. Gonçalves ainda assegura que
“as classes mais favorecidas dos centros urbanos têm tendência a comunicar entre si
exclusivamente em português (ainda que este não seja a sua L1), sendo a língua escolhida
para transmitir às novas gerações.” (GONÇALVES, 2010, p. 34).
Cabe ressaltar que, ao longo do período colonial, nas zonas rurais a população
continuava a se comunicar e a transmitir para as novas gerações suas línguas bantu,
enquanto o Português era adquirido apenas como LE. O contato com o Português era
6 A diferença entre os conceitos “segunda língua (L2)” e “língua estrangeira (LE)” será desenvolvida no
Capítulo 3 deste trabalho. No entanto, cabe ressaltar que, basicamente, esses dois tipos de aquisição são
distinguidos em relação aos contextos nos quais as línguas são aprendidas. De acordo com Stern (1983),
segunda língua está relacionada ao aprendizado e o uso de uma língua, diferente da materna, dentro de um
território no qual ela exerce uma função social e/ou política. Por outro lado, uma língua estrangeira seria
usada em espaços nos quais não haveria um estatuto sociopolítico que exigisse o uso da mesma. Assim,
entende-se que a população rural de Moçambique não utiliza a Língua Portuguesa nos contextos que lhes
são mais íntimos e familiares, pois não há exigência de uso deste idioma. Sendo assim, seu uso fica restrito
às áreas nas quais o Português é a principal língua de comunicação (na cidade, nas escolas, etc.), como uma
LE.
33
restrito, então, à instrução formal e religiosa, e a textos escritos, de onde vinha o input
mais estruturado possível para esses falantes. Portanto, pode-se concluir que grande parte
dos falantes de Português hoje o tem como uma L2 (nas zonas urbanas) ou uma LE (nas
zonas rurais), o que, consequentemente, gera “variabilidade das regras e traços
gramaticais específicos da sua gramática” (GONÇALVES, 2010, p. 37).
Tal contexto parece sempre ter sido motivo de conflitos para os moçambicanos,
especialmente durante o período colonial, pois o valor da Língua Portuguesa era tão alto,
que muitas famílias proibiam suas crianças de usarem as línguas locais dentro de casa,
forçando-as a utilizar apenas o Português, como declara Rosário (2015):
No tempo colonial, os pais assimilados castigavam, algumas vezes
severamente, os filhos, quando estes aprendiam as línguas africanas
com as avós ou com os empregados domésticos. E as razões que
apresentavam eram que, ao aprender as línguas africanas,
contaminavam o seu Português, e, com isto, envergonhavam os seus
pais em momentos de convívio social, por causa da “horrível
pronúncia” cafrealizada, ou então porque esse conhecimento dificultava
a aprendizagem e a aquisição do saber na escola, e também o
desempenho no trabalho. (ROSÁRIO, 2015, p. 24)
Vale salientar que os “assimilados” são assim denominados por serem negros
que tentaram, de muitas formas, se aproximar dos hábitos e dos costumes dos
portugueses, incluindo, principalmente, o uso da Língua Portuguesa em detrimento das
línguas locais. Esses indivíduos negariam, de certa forma, suas origens culturais, para se
aproximarem do status de civilização dos portugueses, pois isso faria deles cidadãos com
iguais condições de crescimento na educação e no trabalho.
A partir dessas crenças, as línguas nacionais foram se tornando estigmas,
consideradas como línguas tribais. Aqueles que desejassem algum tipo de ascensão social
e prestígio na sociedade precisavam falar Português. No entanto, devido à presença ainda
muito forte dessas línguas em outros contextos, era praticamente impossível não adquirir,
ainda que de forma discreta, as línguas nacionais. Assim, criou-se uma geração que,
supostamente, só sabia falar Português, mas que, na verdade, nunca deixou de ter algum
tipo de contato com as línguas africanas.
Assim, os jovens da minha geração, aprendendo embora as línguas
maternas africanas, quer através das suas próprias mães, quer através
das avós ou, no caso das famílias mais abastadas, através dos
empregados domésticos, mantinham essa competência linguística mais
34
ou menos adormecida, embora lhes fosse útil em momentos
apropriados. Grande parte dos cidadãos desta geração, sobretudo os
grupos das cidades mais importantes, criou a ilusão de que seus filhos
não dominavam senão a língua portuguesa. (ROSÁRIO, 2015, p. 24)
Sobre os dias atuais, Chimbutane (2015) resume as tendências de uso das línguas
em nível provincial, afirmando que “De modo geral, em todas as províncias, (a) as línguas
bantu são as mais frequentemente faladas em casa, (b) o Português tende a ser cada vez
mais uma língua falada com frequência no domínio familiar e doméstico.”
(CHIMBUTANE, 2012, p. 29).
Isto posto, pode-se concluir que, de fato, há um plurilinguismo presente na
realidade linguística de Moçambique, na qual existe predominância da Língua Portuguesa
nas áreas urbanas, mas ainda há resquícios e indícios de uso dos idiomas nacionais,
principalmente entre os habitantes mais velhos da população, em ambientes domésticos
e nas áreas mais rurais do país. Nas palavras de Stroud (1997),
A escolha de uma norma linguística que é externa à nação na qual a
língua é falada significa que as instituições oficiais como a escola e
outras arenas tais como o mercado de trabalho, acabam por exercer
controlo sobre quem terá acesso à língua. Uma consequência deste facto
é a criação de certo número de mercados linguísticos, mais ou menos
integrados num ‘mercado’ linguístico oficial na qual os falantes podem
aproximar-se da norma (europeia), e a existência simultânea e paralela
de alguns mercados linguísticos não oficiais. (STROUD, 1997, p. 28).
Enquanto nas áreas mais urbanas o Português é a principal, quando não a única,
língua de comunicação cotidiana, nas áreas mais rurais, por outro lado, o Português
funciona como a língua de comunicação comercial, restrita a contextos de LE,
convivendo com uma ou mais línguas bantu, devido ao caráter misto da população. Logo,
é evidente a natureza variável da Língua Portuguesa falada nessas áreas, que se mostrará
diferente tanto em quantidade como em qualidade da língua que produzem em meio a tão
variado contato linguístico.
Tal contexto implica a adaptação dos falantes rurais nas variadas situações de
uso do Português, dispondo, enquanto falantes de uma LE, de menos oportunidades de
contato com a língua considerada padrão e mais contato com usos não oficiais. Assim,
esse cenário pode levar a variação para uma determinada direção, mais ou menos afastada
do “modelo” alvo. Já os falantes urbanos, considerando também os com mais
35
escolaridade, teriam mais oportunidades de adquirir o Português padrão, à semelhança do
PE.
De acordo com Chimbutane (2015), o advento da democratização do país, por
volta dos anos 80, reforçou a perspectiva de um Português padrão a ser alcançado, que
excluísse totalmente qualquer característica prototípica de uma Língua Portuguesa que
pudesse ser considerada propriamente moçambicana e se aproximasse, cada vez mais, da
variedade europeia:
Com efeito, se bem que ainda se preconizasse o desenvolvimento de um
Português moçambicano, surge uma preocupação em normalizar esse
Português e até mesmo de se ter o padrão europeu como norma escolar.
[...] nessa fase a preocupação central já não era a uniformização do
Português falado em Moçambique [...] mas a importação de uma norma
“exógena”, desconhecida pela maioria dos falantes, incluindo pela
maior parte dos professores [...] a escola começou a preocupar-se mais
com o ensino da gramática, passando a ser menos tolerante em relação
a formas “desviantes”, incluindo aquelas que outrora eram
positivamente recebidas como marcas de moçambicanidade.
(CHIMBUTANE, 2015, p. 55-56)
Timbane (2014) critica a existência de um Português padrão similar ao europeu
em Moçambique, afirmando que as línguas bantu ainda existem dentro e fora da cidade,
sem nenhuma chance de serem totalmente extintas. Para o autor, essa situação de uso
simultâneo das línguas reforça a hipótese de que existiria um Português propriamente
moçambicano, “nativizado”, resultante das mudanças influenciadas pelo contato com as
línguas nacionais e que geram variações diferentes do Português Europeu padrão que teria
sido seu modelo de formação:
Adotamos o termo nativização [...] para designar o processo de
transformação da norma-padrão europeia em PM, uma variedade que
na base das LB adapta, integra na língua seus valores culturais, sua
identidade, seus símbolos, seus objetos materiais de tal forma que seja
sentida como pertence dos moçambicanos. (TIMBANE, 2014, p. 11)
Considerando o uso de um Português padrão, cabe ressaltar a questão social do
sexo dos falantes, que parece indicar menor uso da norma de prestígio por parte das
mulheres, já que estas teriam a tendência de promover o uso de línguas bantu, devido à
sua baixa escolaridade e aos contextos sociais dos quais fazem parte. Ao que tudo indica,
mesmo depois da independência do país, as mulheres ainda têm menos acesso à educação
36
formal e, consequentemente, à Língua Portuguesa tida como padrão. O mercado de
trabalho reforçaria essa postura, haja vista seus deveres fortemente familiares e poucas
oportunidades de atividade laboral fora do ambiente familiar, como esclarece Stroud
(1997):
[...] embora as mulheres e os homens tenham exatamente a mesma
variedade e tipo de redes sociais, os indivíduos do sexo masculino falam
um Português mais padrão do que as mulheres, e estas falam melhor as
línguas bantu locais que os homens. Uma explicação para isto é que as
redes recebem o seu sexo de acordo com a língua; as ocupações que as
mulheres têm são mais orientadas para o uso de línguas bantu locais
contrariamente aos homens. (STROUD, 1997, p. 33)
No entanto, a comparação entre os Censos de 1997 e 2007 demonstra estar
havendo uma mudança nesse panorama, com claro crescimento no número de mulheres
que declaram saber falar Português, como é possível analisar na seguinte tabela:
Tabela 4 – Distribuição percentual da população de 5 anos ou mais segundo conhecimento da
língua portuguesa e sexo em Moçambique, em 1997 e 2007.
Conhecimento de LP 1997 2007
Homens Mulheres Homens Mulheres
Sabe falar LP 50.0 29.0 59.8 41.6
Não sabe falar LP 49.0 69.0 39.3 57.5
Desconhecida 1.0 2.0 0.9 0.9
Fonte: INE (2010) sobre Censos de 1997 e 2007
Chimbutane (2012), sobre a mudança no percentual de mulheres e a diminuição
da disparidade entre elas e os homens em termos de conhecimento do Português, afirma
que
Esta situação pode dever-se a uma gradual mudança de atitude em
relação ao lugar da mulher na sociedade, o que pode ser consequência
de diferentes políticas e acções sociais visando a equidade de gênero no
país. Em termos específicos, estes dados podem indicar que a mulher
tem estado a ter cada vez mais acesso à educação formal, uma das
principais vias de aprendizagem da língua portuguesa em Moçambique,
em especial nas áreas rurais. (CHIMBUTANE, 2012, p. 18)
Ainda assim, o autor reitera que
37
[...] as populações das áreas rurais e as mulheres estão numa clara
situação de desvantagem em relação às populações das áreas urbanas e
ao homem, respectivamente: as populações das áreas rurais e as
mulheres registram índices comparativamente mais baixos de
conhecimento da língua portuguesa e de alfabetização.
(CHIMBUTANE, 2012, p. 43)
Em vista de toda essa disparidade, ainda presente na sociedade, em relação ao
acesso à Língua Portuguesa, seja pela localidade (rural x urbano), pela escolaridade (mais
ou menos escolarizados), pela idade (indivíduos mais jovens x mais velhos) ou até mesmo
o sexo (homem x mulher), a partir dos anos 90, o Ministério da Educação
institucionalizou o debate sobre a introdução das línguas locais na educação formal.
Assim, deu-se início às discussões sobre uma educação bilíngue, uma vez que, sendo o
Português falado por uma minoria da população, “o uso desta língua como meio exclusivo
de ensino estava a concorrer para a exclusão da vasta maioria das crianças moçambicanas
do processo educativo.” (CHIMBUTANE, 2015, p. 59).
Baseado nessa proposta, o sistema de ensino em Moçambique, portanto, é
dividido em dois programas: um monolíngue, no qual o ensino é totalmente alicerçado
no uso exclusivo de Português e um bilíngue, no qual se usa uma língua local ao lado do
Português, como fonte de ensino. Chimbutane (2015) destaca que, na atualidade, se usam
por volta de 16 línguas locais nessas escolas bilíngues e ainda afirma que em 2014 havia
uma estimativa de cerca de 490 escolas bilíngues espalhadas pelo país, localizadas nas
seguintes províncias: Cabo Delgado, Niassa, Nampula, Zambézia, Tete, Manica, Sofala,
Inhambane, Gaza e Maputo.
Essa proposta vem sendo apoiada por linguistas (cf. CHIMBUTANE, 2015;
MENEZES, 2013; NGUNGA, 2007; LOPES, 1997; TIMBANE, 2015) que defendem a
necessidade de um ensino bilíngue para que, em séries mais avançadas, os alunos
consigam desenvolver melhor suas habilidades, haja vista o grande fracasso escolar
observado naqueles alunos que não aprenderam Português em casa e só compreendem
seus idiomas maternos. No entanto, apesar de ser uma política que visa ao enriquecimento
do sistema educacional, com o objetivo de auxiliar aqueles alunos vindos das áreas rurais,
com pouquíssimo ou nenhum acesso à Língua Portuguesa, especialmente nos primeiros
anos da educação básica, ao introduzir os conteúdos também em línguas locais, a sua
execução tem encontrado dificuldades, particularmente relacionadas aos seguintes
obstáculos:
38
[...] (1) a fraca capacidade técnica nacional em matéria de ensino
bilíngue, (2) a ainda incipiente descrição das línguas locais, (3) a falta
de materiais impressos nestas línguas e (4) os elevados encargos
financeiros decorrentes da produção simultânea de materiais de ensino
e aprendizagem em 16 línguas bantu, para além do Português.
(CHIMBUTANE, 2015, P. 62)
Em poucas palavras, mesmo com toda a diversidade linguística e a tentativa de
introduzir as línguas locais no ensino escolar, a Língua Portuguesa continua sendo a
língua de maior prestígio e, mesmo que haja uma valorização das línguas nacionais, estas
parecem estar fadadas a um simples papel integrativo, como conclui Chimbutane (2015):
O Português é assumido como um recurso que permite acesso a
mercados de trabalho formais e aos dividendos sócio-econômicos daí
decorrentes, ao passo que as línguas locais são vistas como meros
veículos de comunicação familiar ou entre membros de grupos
etnolinguísticos específicos. Ou seja, no geral, as línguas locais não são
associadas à geração de capital ou percebidas como recursos a explorar
em mercados laborais formais. (CHIMBUTANE, 2015, p.65)
Dessa forma, pode-se concluir que o ensino bilíngue não garante melhores
oportunidades na vida dos moçambicanos e que os fatores sociais são de fato relevantes
no que tange à caracterização da variedade moçambicana do Português, na medida em
que as variantes estigmatizadas, possivelmente decorrentes do constante contato com
essas variadas línguas locais, não ocorrem de forma aleatória e, portanto, podem ser
descritas e regularmente estruturadas, estabelecendo o caráter sociolinguístico que é de
interesse desta pesquisa.
Verifica-se, então, que por ser considerado um recurso de ascensão social, os
fenômenos variáveis são concebidos como algo a ser evitado e combatido. Dessa forma,
os “erros”7 de Português encontrados na variedade moçambicana, que mereceriam mais
atenção dos professores de Língua Portuguesa, são listados por Gonçalves (1997) como
sendo os seguintes: i) léxico: neologismos com base em empréstimos do PE, de línguas
bantu e do inglês; ii) léxico-sintaxe: casos em que as propriedades da palavra geram uma
estrutura sintática não prevista na norma do PE; iii) sintaxe: estruturas encaixadas
(orações subordinadas e complementos circunstanciais), colocação pronominal,
7 Nomenclatura utilizada por Gonçalves (1997) para se referir aos componentes da língua que fogem às
regras gramaticais da Português Europeu padrão. Para mais informações, cf. Capítulo 2.
39
determinação, ausência de artigos, ordem de palavras; iv) morfossintaxe: morfologia
flexional de tempo, pessoa, número, modo, gênero e caso, especialmente a concordância
nominal e a verbal.
Portanto, compreende-se que, como mostram tanto as questões sócio-históricas
aqui exploradas quanto a listagem dos fenômenos linguísticos levantados por linguistas,
a concordância verbal é, realmente, uma das áreas mais importantes a serem observadas
no Português de Moçambique. Sendo este tema de alta relevância no ensino de Língua
Portuguesa nas escolas de Moçambique e, igualmente, nas pesquisas que pretendem
explorar as variedades africanas, justifica-se a legitimidade da presente investigação.
40
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Nesta seção, observam-se os aportes que servirão de base para a pesquisa.
Dividida em cinco subseções, serão apresentados os pontos mais relevantes para a
interpretação dos resultados sobre a Teoria da Variação e Mudança, a aquisição de
segunda língua, as questões sobre bilinguismo, o estatuto social das línguas, o debate
sobre as origens do PB e a formação das variedades e, por último, a proposta de um
continuum afro-brasileiro de Petter (2008). Pretende-se, com isso, demonstrar o panorama
teórico sobre o qual a presente pesquisa se apoia e o tipo de olhar que se pretende ter
acerca da constituição da variedade moçambicana e todas as suas especificidades.
3.1 Teoria da Variação e Mudança
O objeto da Sociolinguística Variacionista, ou Teoria da Variação e Mudança, nos
termos de Weinreich, Labov e Herzog (1968), compreende essencialmente a língua falada
em situações reais de uso, privilegiando os fenômenos de variação e mudança. A partir
da observação atenta da fala, é possível descrevê-la e analisá-la de maneira coerente e
eficaz. Esse aporte teórico-metodológico dá conta da diversidade linguística, que pode
ser percebida (conforme BRIGHT, 1966) sob três diferentes ângulos no que se refere ao
condicionamento extralinguístico: (i) a identidade social do emissor, (ii) a identidade do
receptor e (iii) as condições da situação comunicativa.
A Sociolinguística trata da língua como fenômeno social, passível de sofrer
variação no sistema de regras linguísticas impostas pela gramática, por influência do
contexto social. A variabilidade é inerente a todas as línguas, uma vez que a língua não é
uma entidade homogênea, mas dinâmica e heterogênea, porque os falantes que fazem uso
dela também são heterogêneos e não se comportam da mesma maneira em todas as
situações sócio-comunicativas.
Segundo o aporte teórico laboviano, a variação não pode ser analisada como
resultado do uso arbitrário e irregular da língua pelos falantes. O fenômeno variável
encontra motivações em circunstâncias linguísticas determinadas. Sendo assim, ele é o
resultado sistemático e regular de restrições impostas também pelo próprio sistema
linguístico em uso. Dessa maneira, o falante emprega determinada forma de expressão a
depender de fatores linguísticos e extralinguísticos que atuam sobre o fenômeno em
questão.
41
Os fatores linguísticos referem-se à própria estrutura gramatical e suas
propriedades morfofonológicas, sintáticas e semânticas. Os fatores extralinguísticos
relacionam-se a propriedades inerentes ao falante, como o sexo, a faixa etária e a etnia,
sua caracterização social, através de sua escolaridade, sua profissão e sua classe social, e,
por fim, às propriedades contextuais, que mostram o grau de formalidade e monitoração
do discurso em determinados eventos de fala. A partir da atuação desses fatores, o
linguista é capaz de traçar a descrição e a sistematização do uso de uma ou outra variante
por parte do falante. Por variantes, entendem-se duas ou mais formas alternativas de se
realizar a mesma variável linguística e que se encontram em concorrência em um mesmo
contexto. A concordância verbal, por exemplo, é um fenômeno variável com duas
realizações possíveis: a variante com marca de plural no verbo e a variante sem a marca.
De acordo com Labov, essas variantes “são idênticas quanto à referência ou valor de
verdade, mas opostas em sua significação social e/ou estilística” (LABOV, 1972, p. 110).
A variação pode ser condicionada, portanto, por três fatores externos principais:
pela região em que o falante vive, o que constitui a variação diatópica; pelo estrato social
ao qual o falante pertence, a chamada variação diastrática; e pelo nível de formalidade no
qual o falante está inserido, a variação diafásica. Esta última relaciona-se, dentre outros
fatores, com o grau de monitoração na produção linguística, seja na fala ou na escrita,
com o grau de envolvimento entre os falantes no discurso em questão e até com o tema
em discussão entre os falantes. Cada tipo de variação pressupõe a existência de uma lista
de regras a serem “seguidas” por seus falantes, seja para o uso de uma ou de outra
variante, de forma que a comunicação não seja comprometida por desentendimentos. No
entanto, sabe-se que essas regras apresentam exceções, mas que também podem ser
sistematizadas por conta de restrições linguísticas, quando observadas em particular.
Sendo assim, Labov (2003) propõe tratar os tipos de regras linguísticas
encontradas nas línguas naturais em três categorias: categórica, semicategórica ou
variável. Regras categóricas caracterizam uma opção de determinada variedade
linguística da ordem de 100% das ocorrências, de modo que, por princípio, elas nunca
são violadas. Isso quer dizer que elas fazem parte do repertório dos falantes, que tendem
a utilizar determinada construção sempre da mesma maneira. Uma regra semicategórica
– da ordem de 96 a 99% de concretização de uma das formas alternantes – reporta
violações raras ao sistema vigente. Essas violações geralmente aparecem no início ou no
fim de uma mudança linguística. Por fim, uma regra efetivamente variável (de cerca de 5
a 95% de alternância) significa a ausência de uso categórico de uma forma em detrimento
42
de outras, ou seja, no repertório dos falantes há possibilidades naturais de alternância
entre diferentes variantes.
Considerando os fenômenos linguísticos que demonstram comportamento
alternante, afirmam Lemle; Naro (1977, p. 17): “Dá-se, nos estudos sociolinguísticos, o
nome técnico de regra variável a uma regra linguística facultativa, i.e., que ora se aplica
ora não se aplica.”.
Essas regras variáveis são comuns entre os falantes, que podem ser estigmatizados
quando fazem uso de variantes que estão fora do padrão que se tem como modelo. Dentro
do aporte da Teoria da Variação e Mudança, ganha relevo, portanto, o julgamento de valor
que todas as manifestações linguísticas sofrem por parte dos falantes, ainda que todas
sejam legítimas e previsíveis do ponto de vista teórico. Essas avaliações determinam o
tipo de inserção dos indivíduos nas comunidades de fala, desencadeando a distribuição
na escala social, de modo que se valorizam aqueles que utilizam as variantes “corretas”,
de acordo com os modelos vigentes na comunidade, e se estigmatizam aqueles que
“fogem” a esse padrão.
Em outras palavras, interessa ao sociolinguista estabelecer o estatuto social das
variantes, o que se correlaciona aos conceitos de “estereótipos”, “marcadores” e
“indicadores”. As marcas linguísticas que estão na consciência dos falantes,
estigmatizadas, muitas vezes, como “incorretas”, são consideradas “estereótipos”, que
acabam por identificar e definir determinados grupos; os “indicadores”, de outro lado,
sugerem apenas diferenciação social por idade ou grupo, sem resultar de uma avaliação
subjetiva apontada no nível da consciência; por fim, os “marcadores” estão relacionados
a distribuição social e diferenciação estilística – trata-se de variantes que, de acordo com
a situação sociocomunicativa, podem ser identificadas por determinados falantes. Assim,
observa-se que as variáveis revelam forte estratificação social e de estilo – determinantes
sociais cuja atuação ocorre de forma inconsciente até transformarem as variantes em algo
aparente, a ponto de serem consideradas estereótipos linguísticos.
Ao reconhecer tanto os fatores linguísticos quanto os sociais que atuam
diretamente no uso de uma ou outra forma, pode-se compreender o desenvolvimento de
mudanças linguísticas, ou seja, entender como a mudança se dá em sua totalidade – onde
ela começa e termina. Para chegar a conclusões mais objetivas sobre os condicionamentos
de uso das variantes, é preciso dar conta de cinco problemas, consoante Weinreich, Labov
e Herzog (1968):
43
1. O problema das restrições: determinar, apesar da heterogeneidade fortemente
presente em todas as línguas naturais, quais são as possíveis condições para as
mudanças ocorrerem em determinados sistemas, sejam elas por fatores sociais
ou de ordem linguística;
2. O problema da transição: compreender que a mudança é distribuída em
estágios. Assim, haverá estágios de mudança em progresso, nos quais duas
variantes estão em competição e a mudança se estabelece quando os falantes,
que antes usavam formas alternantes, privilegiam o uso de uma em detrimento
da outra;
3. O problema do encaixamento: reconhecer que as mudanças estão encaixadas
dentro de outras mudanças do sistema linguístico e extralinguístico;
4. O problema da avaliação: relatar o julgamento subjetivo das variantes por
parte dos falantes, que pode acelerar ou retrair o uso de uma determinada
variante devido a seu valor social;
5. O problema da implementação: buscar os fatores que explicam a motivação
para a implementação da mudança, isto é, compreender por que uma mudança
ocorre em uma determinada língua e não em outra de mesmo aspecto ou na
mesma língua em outro momento.
De modo geral, o sociolinguista parte das propriedades da língua para entender a
forma como se caracteriza uma variedade específica. Ele deve averiguar o estatuto social
da variedade, identificar o comportamento do fenômeno variável no sistema e determinar
se as variantes adversárias se encontram em um processo de avanço ou de recuo da
inovação. Dessa maneira, além de identificar e analisar o nível de estabilidade e
mutabilidade da variação, a Sociolinguística tem por objetivo diagnosticar quais variáveis
possuem um efeito positivo e/ou negativo nos usos linguísticos. Após essa verificação,
segue-se à observação das regularidades encontradas, com vistas ao estudo de seu
comportamento específico. Logo, a variação e a mudança são contextualizadas formando
um grupo de parâmetros a serviço da delimitação investigativa da diversidade da língua.
Seguindo, portanto, o arcabouço teórico-metodológico variacionista, esta
pesquisa observa os dados linguísticos com base nos seguintes princípios: (i) a inerência
da variação nas línguas, o que permite a sistematização das mesmas; (ii) mesmo que a
variação não leve necessariamente à mudança, a constatação de uma mudança implica a
existência de variação anterior a ela; e (iii) a variação não ocorre de forma aleatória; pelo
44
contrário, é condicionada por fatores linguísticos e sociais que atuam diretamente no
(des)favorecimento de uma variante em detrimento de outra.
No que tange ao fenômeno em estudo, cabe aqui uma breve colocação sobre a
validade de tal pesquisa em termos variacionistas:
a concordância verbal de número é variável em alta escala e constitui
um fenômeno típico de ser estudado, sob uma perspectiva da teoria da
variação linguística: suas variantes ocorrem em contextos semelhantes
e apresentam o mesmo ‘valor de verdade’ (SCHERRE, 1996, p. 86)
Ademais, em se tratando especificamente do PM, temos a variação colocada da
seguinte forma por Gonçalves:
Há casos que parecem ter tendência para estabilizar como parte da
subvariedade educada do PM, enquanto outros parecem resultar de falta
de atenção dos falantes às suas próprias produções linguísticas e não do
desconhecimento das regras de concordância verbal do PE padrão.
(GONÇALVES, 2010, p. 57)
Pretende-se, portanto, destacar as variáveis linguísticas e extralinguísticas que
atuam sobre o referido fenômeno da concordância verbal de 3ª pessoa do plural na
variedade moçambicana do Português. Para a delimitação dos fatores a serem
investigados, o estudo parte das propostas de Vieira (1995) e Vieira; Bazenga (2013),
sobretudo para o estabelecimento das variáveis independentes controladoras do fenômeno
e, também, Gonçalves (1997, 2010), Gonçalves et al. (1998) e Gonçalves; Chimbutane
(2015), para compreender a relevância dos resultados a partir do ponto de vista
sociolinguístico e cultural no contexto multilíngue de Moçambique.
3.2 Aquisição de segunda língua (L2/LE)
Em vista da complexa situação linguística de Moçambique, na qual a grande
maioria dos falantes de Língua Portuguesa aprendeu o Português como segunda língua
(L2) ou como língua estrangeira (LE), é de suma importância apresentar, ainda que de
maneira resumida, elementos que permitam a compreensão de como os processos de
aquisição de uma língua diferente da materna ocorre, já que tal informação pode auxiliar
no entendimento da formação da variedade africana em questão.
45
Dentre muitos conceitos sobre a aquisição de língua, é necessário,
primeiramente, compreender a diferença entre se aprender uma L2 e uma LE. O
aprendizado de uma segunda língua é caracterizado pela exposição ao input linguístico
não somente em contexto escolar, mas em todos os ambientes dos quais o aprendiz faz
parte e compartilha com sua comunidade. Línguas estrangeiras, por outro lado, são
aprendidas em ambientes considerados mais artificiais, em contextos tipicamente
escolares, nos quais o input é meramente instrucional, enquanto fora da escola o indivíduo
volta a utilizar sua língua materna (cf. LEFFA, 1988).
O input, conceito crucial neste campo de estudo (cf. KRASHEN, 1982, 1985),
nada mais é do que tudo aquilo que o aprendiz lê ou escuta na sua língua-alvo, ou seja,
na língua que deseja e/ou precisa aprender. Através do input, o cérebro armazena as
informações recebidas, como novos sons e novas palavras, para que elas sejam acessadas
posteriormente. Dessa forma, entende-se que não é possível aprender uma nova língua
sem que haja, minimamente, contato anterior com esta, seja através de leitura ou de
compreensão oral.
A quantidade e a qualidade do input recebido são essenciais ao resultado final a
que se pretende chegar, uma vez que, sem uma quantidade mínima de elementos que
propiciem uma comunicação eficaz e inteligível, o repertório que o falante tem disponível
é muito escasso e insuficiente para que o output, isto é, a produção concreta da língua,
seja eficiente. Em suma, a exposição a dados linguísticos é primordial para o aprendizado
efetivo de uma nova língua.
Observando tal questão, a autora Maria Cristina Silva faz uma breve comparação
entre a aquisição de língua materna (L1) e a aquisição de uma segunda língua (L2),
afirmando que, embora apresentem evidências bastante parecidas, que gerariam os
mesmos padrões de aquisição, o processamento e o resultado final desta se faz diferente
para cada uma delas, já que envolvem fatores distintos ao longo do processo de
aprendizagem:
Se as sequências na aquisição de L2, para cuja existência parece haver
evidência [...] também se encontrarem no processo de aquisição de L1,
isso significa que ambos os tipos de aquisição poderão estar sujeitos aos
mesmos padrões. [...] Uma questão subjacente a esta consiste em
procurar perceber até que ponto o processo de aquisição de L2 é ou não
mais bem sucedido do que o processo envolvido na aquisição de L1, do
ponto de vista do nível de domínio linguístico alcançado pelos falantes.
[...] há factores acidentais em jogo (os falantes de L1 e L2 geralmente
adquirem um idioma em cenários diferenciados e sob distintos níveis
de exposição), bem como outros de natureza inevitável (poderá ser
46
impossível estabelecer uma comparação entre falantes equivalentes de
L1 e de L2). A resposta a esta questão permanece assim um enigma: se
é verdade que parece haver muitas semelhanças entre o processo de
aquisição de L1 e de L2, a variação encontrada, a par de outros factores,
parece ser responsável por muitas diferenças. (SILVA, 2005, p. 103)
Esses fatores envolvidos podem ser, dentre muitos, a necessidade de aprender a
língua, a pressão política e social sobre o prestígio e o valor de tal língua, além da
influência dos parâmetros da própria L1, que já estão internalizados no falante. Ademais,
existem ainda as restrições com relação à idade do aprendiz, às oportunidades de
exposição à língua, as transferências de L1, o tipo de feedback recebido sobre seu
desenvolvimento linguístico e o contexto social em que o falante está inserido (cf.
trabalhos sobre Bilinguismo; dentre outros, APPEL; MUYSKEN, 2005; ROMAINE,
1995). Todos esses fatores podem, de fato, interferir positiva ou negativamente no
resultado final do processo.
Há que se dizer, todavia, que, em termos de aprendizado de língua estrangeira, é
praticamente impossível afirmar que haja um estágio verdadeiramente final, no qual nada
mais precisa ser aprendido. Contudo, em estudos sobre a aquisição de línguas nomeia-se
como “estágio final” (cf. WHITE, 2000; LIGHTFOOT, 1991)8 o momento em que as
mudanças gramaticais são pouco expressivas, indicando que a reestruturação mental já
foi relativamente atingida pelo falante.9
Ao longo do processo de aprendizagem de uma língua, o aprendiz passa por
vários estágios de aquisição da L2, os chamados “sistemas provisórios”, sendo que, por
8 Apesar de usarem nomenclaturas diferentes, “steady state grammar” e “mature grammar”,
respectivamente, White (2000) e Lightfoot (1991), ambos os autores referem-se a esse mesmo momento do
processo de aprendizagem de língua.
9 É importante ressaltar que esse estágio final não deve ser concebido como se o falante tivesse atingido um
nível de proficiência de um nativo, principalmente porque, ao que parece, algumas áreas da gramática são
mais facilmente dominadas do que outras por falantes de segunda língua. Essa assimetria tende a estar
ligada exatamente à língua nativa do aprendiz, que pode influenciar diretamente na assimilação de algumas
propriedades específicas da língua alvo, resultando em uma gramática (de L2) diferente da dos falantes
nativos. Em poucas palavras, pode-se dizer que o estágio final de uma segunda língua é muito mais instável
do que o da L1, possibilitando a existência de variações e mutabilidades no discurso do falante. Para
aprofundamento destas questões, cf. Bialystok; Hakuta (1999); Bialystok; Miller (1999). Além disso,
mesmo considerando a aquisição de língua materna, há que se considerar a possibilidade de não haver um
estágio final tão delimitado como parece. Paiva; Duarte (2003) ainda destacam que, em meio aos contextos
de mudança, há que se observar a mudança de estruturas da gramática do próprio indivíduo, ou seja, “tanto
o indivíduo quanto a comunidade podem se manter estáveis, não se processando qualquer tipo de mudança,
ou podem estar ambos mudando paralelamente” (PAIVA; DUARTE, 2003, p. 18), o que poderia
representar estágios que parecem mais estáveis do que outros, nos quais a mudança parece mais
estabilizada, como se fosse um estágio final.
47
muitas vezes, a gramática final atingida por esse falante não necessariamente atingirá a
língua-alvo em sua totalidade. Tais sistemas são o que linguistas, como Selinker e
Adjemian10, nomeiam “interlínguas”, que nada mais são do que línguas naturais
possíveis, dado que seguem sistemas de regras internamente consistentes.
Em síntese, pode-se afirmar que, ao dar conta do input de L2 a que é exposto, o
aprendiz alcança algum nível de representação da língua-alvo, ainda que não seja idêntico
ao de falantes nativos. De toda forma, se o estágio a que esse falante chega for uma
gramática possível e compreensível, parte do objetivo já pode ser considerada alcançada.
Por outro lado, os “desvios” à gramática da língua-alvo são, quase sempre, mal vistos,
avaliados com um olhar preconceituoso. Essa postura desconsidera a variação linguística
que é inerente a qualquer língua, principalmente nas interlínguas que “são
intrinsecamente variáveis, visto que os aprendentes de L2 variam entre o uso de formas
correctas e o uso de formas incorrectas em relação ao padrão da língua-alvo”, como
afirma Gonçalves (2010, p. 68).
A esse tipo de “desvio” da língua padrão nomeia-se fossilização, que, de acordo
com Stroud (1997, p. 14), “refere-se à cessação da aprendizagem, resultando num sistema
de interlíngua mais estável, porém incompleto ou não-nativo”. A fossilização ocorre em
falantes de todas as idades11, em diferentes estágios de aquisição, e pode ser explicada
por questões neurológicas do próprio processo de aprendizagem da língua e/ou por
questões de atitude do falante para com a língua-alvo. Porém, ainda há incertezas sobre a
cronicidade da fossilização, tendo em vista que muitos desses “desvios” ocorrem de
maneira inconsciente e, portanto, são de difícil correção automática, dependendo, assim,
de instrução formal para tanto.
Outro conceito fundamental no que tange à aquisição de línguas é o de
“transferência linguística”, que está relacionado aos pressupostos da Teoria de Princípios
e Parâmetros (cf. CHOMSKY, 1986), da Gramática Gerativa. Chomsky, criador de tal
teoria, postula que os princípios são invariantes, aqueles que determinam a gramática
universal, que é inerente ao ser humano, enquanto os parâmetros, que constituem
10 Para mais informações sobre o tema, vale a pena conferir Selinker (1972) e Adjemian (1976), que foram
aqui citados meramente para registro de referência de uso dos termos “sistema provisório” e “interlíngua”,
já que não cabe no escopo deste trabalho aprofundar tais conhecimentos.
11 Stroud (1997, p. 14) afirma: “A aquisição incompleta é normalmente mais saliente entre aprendentes
adultos, mas mesmo os aprendentes crianças, que alcançam um nível final de quase-nativos ou semelhante
ao nativo, mostram evidências de fossilização.”
48
propriedades diferentes e únicas para cada língua, seriam fixados ao longo do período de
aquisição da linguagem.
Assim sendo, ao adquirir a língua materna, o indivíduo organiza em sua
gramática internalizada os parâmetros dessa L1, sem possuir pré-conceitos linguísticos
que o impeçam de assimilar novas estruturas e novo vocabulário, diferentemente, por
outro lado, da aquisição de L2, na qual o indivíduo já possui conhecimentos prévios sobre
os parâmetros que atuam e funcionam adequadamente em uma língua. Como
consequência disso, o estabelecimento de parâmetros de uma L1 interfere no
processamento de novos conceitos advindos de uma segunda língua. Logo, a tendência
geral é a de que haja uma transferência de parâmetros gramaticais já internalizados na L1
para a gramática da língua-alvo. Shwartz; Sprouse (1996 apud GONÇALVES, 2010, p.
72) corroboram essa proposta ao defenderem que os valores de parâmetro da L1 são
inicialmente retidos pelos aprendentes e generalizados para a L2.
Ngunga (2012) define a transferência linguística como
fenómeno que consiste na utilização numa língua de traços
característicos de uma outra língua devido a incapacidade de o sujeito
falante produzir correctamente um som, uma palavra, uma frase da
língua não materna (Ln1), ou na atribuição a uma palavra, expressão ou
frase, de um sentido que faz lembrar a tradução literal de algo análogo
na língua materna. (NGUNGA, 2012, p. 2)
Uma vez que os parâmetros são específicos para cada língua, a transferência de
tais propriedades pode gerar, e na maioria das vezes gera, transferências inapropriadas,
que impossibilitam a reestruturação gramatical da interlíngua de onde resulta a L2 final
do indivíduo. Dado elementar já discutido entre especialistas no assunto é que,
independentemente de quaisquer questões que impeçam a aprendizagem eficaz de uma
L2, mesmo que existam muitas evidências positivas12, a reestruturação gramatical das
interlínguas nem sempre é possível.
Considerando especificamente a situação de Moçambique, vale ressaltar a
diferença crucial entre aprender uma L2 e uma LE, especialmente em contextos
multilíngues como o dessa região. Destacando tal cenário, Menezes (2014) afirma que os
12 “Evidência positiva” significa a exposição à língua considerada padrão, transmitida por falantes de L1 e,
principalmente, em contextos formais, como a escola e a língua escrita.
49
falantes das áreas rurais teriam o Português como uma LE, enquanto os indivíduos mais
urbanos o teriam como uma L2:
Em Moçambique, o português tem o estatuto de L2 e/ou LE para a
maioria da população. No meio rural, onde há predominância das
línguas locais, da família bantu, e onde é aprendido só em contexto de
escola, contexto no qual a maioria da população, muito raramente, entra
em contato com esta língua no dia-a-dia, tem que ser considerado como
uma língua estrangeira, diferentemente do meio urbano, em que o
português pode ser considerado como uma L2 e já faz parte do ambiente
linguístico dos alunos que entram para a escola. (MENEZES, 2014, p.
117)
Assim, formula-se a noção de que, em uma população que usa o Português como
L2 e/ou como uma LE, a aprendizagem de tal língua se dá de maneira distinta a depender
da área em que cada indivíduo mora, sendo que aqueles aprendentes que vivem fora do
ambiente da cidade têm contato muito restrito com a língua formal que se pretende ensinar
na escola. Logo, com uma exposição tão restrita à língua, sua aquisição poderá ser lenta
e incompleta. Por outro lado, aqueles que têm acesso à Língua Portuguesa em ambientes
naturais e comuns ao seu cotidiano possuem mais oportunidades de desenvolver a língua
alvo, podendo chegar a estágios mais completos de aprendizagem e, consequentemente,
podendo alcançar resultados mais satisfatórios no ambiente escolar, em que a norma de
uso ensinada pretende se aproximar do PE padrão.
Sobre a norma padrão do PE, Timbane (2014) declara que:
em Moçambique houve uma nativização do português fruto de
aprendizagem irregular por parte de poucos moçambicanos. Conforme
vimos em Zamparoni (2009) os moçambicanos jamais falaram a norma-
padrão europeia. Os poucos escolarizados começaram a simplificar
algumas regras, influenciados de certa forma pelas LB criando assim a
variedade moçambicana. (TIMBANE, 2014, p. 11)
Assim, a aprendizagem de Português, apesar de ser considerada extremamente
relevante para a ascensão social dos moçambicanos, apresenta muitas dificuldades e
obstáculos que ainda precisam ser mais explorados, especialmente porque os indivíduos
das áreas rurais mantêm o uso de suas línguas bantu, como marcas de suas origens e sua
cultura. Além disso, questões como a baixa escolarização e o grande número de pessoas
que vivem longe das áreas urbanas têm forte influência sobre a variedade de Português
utilizada em Moçambique, como problematizam Timbane e Berlinck (2012):
50
Para além da fraca taxa de alfabetização, a maioria da população mora
na zona rural e não é falante nativa da LP, pois esta é a segunda ou
terceira língua para os moçambicanos. Não se pode negligenciar o
crescente número de falantes de português como língua materna nas
cidades, resultante da mudança de parte da população do campo para
cidade. Nas cidades, muitos pais ensinam aos seus filhos e estes por sua
vez passam a usá-la como língua primeira. Mas os pais não são falantes
nativos na sua maioria e muitas vezes não têm uma escolaridade que
lhes permite usar “norma culta”. Há na fala desses pais uma mistura de
línguas, o uso de empréstimos e estrangeirismos resultantes do contato
que têm com as LB. É este “português” que chega às crianças e que é a
língua primeira de muitas crianças nas grandes cidades. Em alguns
casos há transposição de construções gramaticais da LB para LP, o que
provoca uma variação em relação ao PE esperado e exigido pelas
autoridades políticas. (TIMBANE; BERLINCK, 2012, p. 210)
Sendo o PM uma L2 ou uma LE para a maioria dos moçambicanos, acredita-se
de grande importância a caracterização desta variedade, inerentemente variável e,
certamente, influenciada pelo contato linguístico com as línguas locais. Isto ocorre
principalmente pelo caráter totalmente heterogêneo do input recebido pelos aprendizes,
haja vista as evidências contraditórias a que estão expostos, sendo ora advindas de
falantes não nativos do PE padrão, ora dos manuais escolares e meios de comunicação,
nos quais predomina a gramática considerada padrão. Por conseguinte, entende-se que a
escola é a maior e melhor fonte de acesso ao PE padrão, que se deseja como forma de
obter prestígio e ascensão social:
Em comunidades multilíngues, como é o caso das sociedades pós-
coloniais, a falta de evidências positivas para certas estruturas da língua
colonial – adoptada como língua oficial e falada em geral como L2 –
pode tornar-se particularmente dramática devido ao facto de o input
estar relativamente diluído. Nestas comunidades, muito do que os
aprendentes de L2 ouvem é produzido por outros falantes de L2, e este
input “contaminado” pode aumentar as possibilidades de fossilização
precoce de estruturas não convergentes com a língua-alvo. [...] No caso
específico de Moçambique, [...] para além das estruturas geradas pela
gramática do PE padrão, o ambiente linguístico contém também
estruturas geradas pela nova gramática, que estão erradas do ponto de
vista da gramática do PE. [...] Por essa razão, nestas comunidades, o
sucesso na aquisição da L2 torna-se mais dependente do acesso ao
ensino formal, onde existem mais oportunidades de exposição à língua-
alvo padrão a sua forma escrita, que é mais homogênea que a língua
oral. (GONÇALVES, 2010, p. 76)
Caberia aos professores, portanto, o papel fundamental de transmitir esse
“suposto” PE padrão, “através de estratégias de ensino de língua adequadas com base no
51
conhecimento pelo docente de possíveis áreas de tensão entre a língua alvo e a língua
materna” (NGUNGA, 2012, p. 13). Em outras palavras, entende-se que apenas pelo
ensino formal o falante de Português L2 pode tornar-se capaz de alcançar o modelo
padrão do PE, especialmente na língua escrita.
No entanto, é necessário destacar que, em meio ao caráter multilíngue da
sociedade moçambicana, a aquisição de Português como L2 tem consequências
diversificadas para seus aprendentes, que não utilizarão a língua-alvo nos mesmos
contextos em que usam suas línguas maternas. Em suma, cada língua assumirá um papel
de relevância diferente para cada falante. Ademais, embora as crianças tenham como
modelo escolar o Português padrão, suas redes de contato fora da escola são compostas
majoritariamente por falantes de Português como L2. Além disso, até mesmo na escola é
possível questionar o tipo de input recebido pelos alunos, uma vez que os próprios
professores de Língua Portuguesa podem vir a ser falantes de Português também como
L2, sendo, consequentemente, modelos de uma norma que nem mesmo eles dominam por
completo. Por conseguinte, “a maior parte do input da língua a que os aprendentes terão
acesso são variedades não-nativas estruturadas de forma complexa” (STROUD, 1997, p.
36).
Corroboram esse ponto de vista Moreno; Tuzine (1997), ao discutirem a questão
do ensino de Língua Portuguesa em Moçambique:
debate-se ainda com o problema da norma linguística a ensinar, uma
vez que se observa um distanciamento entre o que se adquire/aprende
na escola, como modelo de língua, as práticas linguísticas quotidianas
e a norma europeia, declarada oficial em Moçambique. (MORENO;
TUZINE, 1997, p.82)
A esse complexo cenário de ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa por
parte dos moçambicanos, somam-se questões relacionadas à busca de identidade dos
indivíduos e à atitude dos mesmos para com as línguas em contato no meio da sociedade.
Diante de tanta diversidade, destacam-se os indivíduos negros, que não só se assumem,
mas também são considerados pelos outros habitantes das províncias como
“assimilados”, além dos mestiços, que muito se assemelham aos portugueses,
especialmente em relação ao julgamento sobre o estatuto das línguas em contato em
Moçambique. Esses dois grupos são aqueles que, apesar da presença ainda viva das
línguas locais, declaram-se falantes somente de Português, desconhecedores dos idiomas
52
nacionais. Trata-se, portanto, em alguns casos, de moçambicanos que evitam sua própria
cultura em prol de um status social mais elevado, promovido pela elite portuguesa e
instituído pelo uso da Língua Portuguesa. Sendo assim, ao lado dos indivíduos que
declaram abertamente seu conhecimento bilíngue, existem alguns que recusam já ter feito
parte dessa realidade, mas às vezes assumem apenas “compreender” as línguas bantu, e
ainda existem outros que, de fato, afirmam nunca terem compartilhado dela. Desse modo,
estabelecer o limite entre esses dois grupos é tarefa bastante complicada, sendo as
declarações desses informantes a única fonte de respostas, sejam elas totalmente
verdadeiras ou não.
Dessa forma, conclui-se que o tipo de aquisição do Português de Moçambique é
bastante heterogêneo para cada indivíduo, sendo ora considerado segunda língua, ora
língua estrangeira, ora língua oficial, mas em todos os casos um idioma que sofreu
mudanças por seu contato direto com línguas locais, gerando alterações significativas em
relação ao Português Europeu, tido como modelo de aquisição. As variações podem ser
evidentes por seu caráter estigmatizador, quando se mostram contrárias às regras
gramaticais consideradas padrão, mas ao mesmo tempo podem não ser percebidas,
sobretudo aquelas que já são intrínsecas à língua, de modo que seus falantes não as
consideram como “desvios” à norma tida como padrão. Por esse motivo, esta pesquisa
busca investigar como a mudança pode ter alterado os padrões de concordância verbal na
variedade moçambicana.
3.3 Conceitos básicos sobre o Bilinguismo
Tendo em vista que a Língua Portuguesa é, para a grande maioria dos habitantes
de Maputo, uma língua aprendida em situações e ambientes distintos daqueles propícios
à aquisição de uma L1, como os vistos na seção anterior, podendo ser altamente
influenciada por outras línguas que com ela convivem intensamente, acredita-se que, para
aprofundar os conhecimentos sobre esse intenso contato linguístico, seja preciso
compreender melhor alguns conceitos relacionados à aquisição de mais de uma língua
simultaneamente, como o bilinguismo, a mudança de código, a transferência, e os calques
ou empréstimos.
Sendo a sociedade moçambicana, de um modo geral, bilíngue e/ou multilíngue, o
primeiro conceito a ser explorado deve ser o de bilinguismo. Acerca deste conceito,
levanta-se a questão de que, mesmo aqueles falantes considerados não proficientes em
53
Língua Portuguesa e/ou aqueles que afirmam falar apenas o Português e não ter
conhecimento nenhum das línguas locais, mas que as “compreendem”, poderiam ser
considerados como indivíduos, no mínimo, bilíngues, de acordo com as propostas de
Romaine (1995) e Appel; Muysken (2005).
Analisando os principais problemas relacionados ao bilinguismo, Romaine (1995)
destaca que, inevitavelmente, “learning to speak more than one language often involves
putting together material from two languages”13 (ROMAINE, 1995, p. 2). No entanto, a
autora salienta que nos estudos sobre bilinguismo a ideia de “mixed languages” (línguas
misturadas) não é bem aceita, pois, mesmo que o indivíduo use material das duas línguas
ao mesmo tempo, ele sabe identificar claramente qual elemento faz parte de cada uma
delas. Assim, ela cita as palavras de Biggs (1972):
Anyone who speaks a language A, knows that he is speaking A, and not
a different language B. Moreover, a bilingual can always distinguish
between the two languages in which he is competent. True, he may use
words, phrases and whole sentences from both languages in a single
discourse, but at any given point, he is able to say which language is
concerned. It is obviously impossible to suddenly scramble the two
languages in such a way that they can be said to be thoroughly mixed
[...] the continuing tradition of a language cannot be broken unless it
ceases to be spoken at all. At any one time a speaker knows what
language he is speaking. He can never claim to be speaking two
languages at once, or a fusion of two languages. (BIGGS: 1972, p. 44
apud ROMAINE, 1995, p. 3)14
No entanto, Romaine afirma que, nos estágios iniciais do processo de
aprendizagem bilíngue, é bastante difícil dizer se a criança está falando a língua A com
inserções da língua B ou vice-versa em situações de contato linguístico muito intenso.
Por isso, a situação permitiria a criação de um terceiro sistema de comunicação, a partir
da convergência dos dois sistemas com os quais a criança tem contato:
13 “Aprender a falar mais de uma língua frequentemente envolve unir/misturar material de duas línguas”
(Romaine, 1995, p. 2). Tradução nossa.
14 “Qualquer um que fale a língua A sabe que está falando a língua A e não a língua B. Além disso, um
bilíngue sempre consegue distinguir as duas línguas em que ele é competente. É claro que ele pode usar
palavras, sintagmas e até orações inteiras das duas línguas no mesmo discurso, mas em determinado
momento, ele é capaz de dizer qual língua está envolvida. Obviamente, é impossível embaralhar as duas
línguas de forma que possam ser consideradas completamente misturadas [...] a tradição de uma língua não
pode ser quebrada a menos que ela deixe de ser falada por completo. Em qualquer momento o falante sabe
qual língua ele está falando. Ele nunca poderá afirmar que está falando as duas línguas ao mesmo tempo
ou uma fusão das duas línguas. (BIGGS: 1972:44 apud ROMAINE, 1995, p. 3) Tradução nossa.
54
In situations of intense linguistic contact it is possible for a third system
to emerge which shows properties not found in either of the input
languages. Thus, through the merger or convergence of two systems, a
new one can be created. (ROMAINE, 1995, p. 4)15
No caso da Língua Portuguesa falada em Moçambique, ainda não é possível
afirmar a existência de um terceiro sistema de comunicação, devido à pouca descrição
formalizada das línguas bantu, mas, de fato, pode-se pensar em convergências que
possam afetar o produto final, ou seja, itens gramaticais e lexicais dos idiomas locais que
alteram o Português falado naquela região, especialmente nas áreas rurais, em que o uso
das línguas nacionais é muito mais evidente do que o da língua do colonizador (cf.
Capítulo 2 para mais detalhes). Além disso, o fluxo de pessoas de diferentes regiões da
África, bastante comum na cidade de Maputo, faz com que a presença de diferentes
idiomas atue consideravelmente sobre a variedade de Português falada pelos
moçambicanos.
Cabe ressaltar que, assim como ocorre com a variedade popular do Português
Brasileiro e, sem dúvida, com qualquer outra língua que surja em situações de contato
linguístico com outros idiomas, o produto final desta língua, quando muito alterado por
conta das várias línguas envolvidas, sofre forte estigmatização, considerado pelos
defensores da gramática “padrão” europeu como uma língua deficitária, “incorreta”, que
deve ser abolida. Entretanto, existem muitos casos, e Moçambique é um deles, em que a
língua do colonizador não tomou totalmente o lugar das línguas locais e, apesar de ser a
língua oficial, usada na escola e nos meios urbanos, não há indicações de que em algum
momento possa vir a ser a única língua utilizada por todos os habitantes da região em
todos os ambientes de interação.
Assim sendo, parece que se está lidando com indivíduos que vivem e
possivelmente continuarão vivendo um contato muito intenso entre, no mínimo, duas
línguas, e que, mesmo não sendo totalmente fluentes na segunda língua (ou nas demais
línguas) que conhecem, podem ser considerados bilíngues, ao menos bilíngues passivos,
pois compreendem as duas línguas e sabem em qual momento devem usar cada uma delas.
15 “Em situações de intenso contato linguístico é possível o surgimento de um terceiro sistema, que mostra
propriedades não encontradas em nenhuma das línguas que servem de input. Assim, através da fusão ou
convergência de dois sistemas, um novo sistema pode ser criado”. (ROMAINE, 1995, p. 4). Tradução
nossa.
55
Isto envolve aquilo que os linguistas chamam de “competência comunicativa” (termo
utilizado pela primeira vez por HYMES, 1972), ou seja, mesmo não possuindo a
competência linguística total daquela língua, ele sabe quando e como utilizá-la, como
Romaine reflete:
Competence may therefore encompass a range of skills, some of which
may not be equally developed, in a number of languages and varieties.
The fact that speakers select different languages or varieties for use in
different situations shows that not all languages/varieties are equal or
regarded as equally appropriate or adequate for use in all speech events.
(ROMAINE, 1995, p. 9)16
Em outras palavras, pode-se dizer que mesmo aqueles indivíduos que são
estigmatizados e sofrem preconceito linguístico podem ser considerados bilíngues,
porque existem estágios diferentes de bilinguismo, isto é, ainda que eles não produzam
sentenças completamente compreensíveis na L2/LE, eles são capazes de compreendê-la
por já estarem habituados a recebê-la como input, mesmo que o output por eles produzido
seja considerado “deficiente”:
[...] a person maybe bilingual to some degree, yet not be able to produce
complete meaningful utterances. A person might, for example, have no
productive control over a language, but be able to understand utterances
in it. (ROMAINE, 1995, p. 11)17
Ao que tudo indica, a sociedade moçambicana parece encaixar-se perfeitamente
nessas definições, já que existem diferentes níveis de proficiência da Língua Portuguesa
entre seus falantes e as muitas outras línguas em uso concomitante. Isto quer dizer que
cada indivíduo, seja ele proficiente ou não em mais de uma língua, inevitavelmente passa
pelo processo de bilinguismo, sabendo em quais situações as línguas em uso devem ser
utilizadas e qual a função social de cada uma delas, como é o caso daqueles que informam
apenas compreender as línguas locais, mas não as falam e, por isso, não se assumem
16 “A competência pode, portanto, abranger uma gama de habilidades, dentre as quais algumas podem não
ser igualmente desenvolvidas, em uma série de línguas e suas variedades. O fato de que os falantes
selecionam línguas ou variedades diferentes para uso em situações diferentes mostra que nem todas as
línguas/variedades são iguais ou consideradas como igualmente apropriadas ou adequadas para uso em
todos os eventos de fala.” (ROMAINE, 1995, p. 9). Tradução nossa.
17 “[...] uma pessoa pode ser bilíngue até certo nível e ainda assim não ser capaz de produzir enunciados
com significados completos. A pessoa pode, por exemplo, não ter controle produtivo sobre a língua, mas
ser capaz de compreender os enunciados nessa língua.” (ROMAINE, 1995, p. 19). Tradução nossa.
56
bilíngues. Diante disso, Romaine defende que, se não houvesse necessidade de línguas
diferentes para propósitos diferentes, nenhuma sociedade se manteria bilíngue e,
consequentemente, as línguas minoritárias deixariam de existir por si só:
Any society which produced functionally balanced bilinguals who used
both languages equally well in all contexts would soon cease to be
bilingual because no society needs two languages for the same
functions. (ROMAINE, 1995, p. 19)18
Appel; Muysken (2005) corroboram as afirmações de Romaine ao falarem sobre
as dimensões psicológicas do bilinguismo. Os autores afirmam que, independentemente
do nível de competência do indivíduo, as duas línguas devem permanecer isoladas na
mente do falante em termos de produção e percepção e que “bilinguals are quite capable
of speaking one language while listening to somebody else speaking another language”19
(APPEL; MUYSKEN, 2005, p. 79). Eles afirmam que esse tipo de bilíngue, chamado
‘compound’, une as duas línguas conceitualmente, pois elas estão no mesmo ambiente de
uso, apesar de estarem totalmente separadas em termos de prestígio social.
Este parece ser, particularmente, o caso de grande parte dos falantes
moçambicanos, que vivem em constante contato tanto com o Português quanto com as
(mais de 20) línguas nacionais faladas em todo o território. Por conta disso, parece ser
muito difícil para esses indivíduos definirem qual das línguas é a sua L1, já que fazem o
uso simultâneo de ambas, como destaca Romaine:
Thus, a mother tongue would be the language one knows best. Given
the fact that competence in more than one language is rarely ever
equally distributed across all domains of life, many bilinguals might
know one language better because they have been schooled in it, yet
feel a stronger affective attachment to another language which was
learned and used in the home. Thus, the language an individual
identifies with is often referred to as the mother tongue. (ROMAINE,
1995, p. 22)20
18 Qualquer sociedade que produzisse bilíngues funcionalmente equilibrados, que usassem as duas línguas
igualmente bem em todos os contextos, rapidamente deixaria de ser bilíngue porque nenhuma sociedade
precisa de duas línguas para as mesmas funções.” (ROMAINE, 1995, p. 19). Tradução nossa.
19 “bilíngues são perfeitamente capazes de falar uma língua enquanto escutam outra pessoa falando uma
outra língua” (APPEL; MUYSKEN, 2005, p. 79). Tradução nossa.
20 Assim, a língua materna seria a língua que aquele indivíduo sabe melhor. Dado que a competência em
mais de uma língua raramente é distribuída por igual em todos os domínios da vida, muitos bilíngues
tendem a saber melhor uma das línguas, porque foram educados nela. Mesmo assim, eles sentem fortes
ligações com a língua que foi aprendida e usada em casa. Desse modo, a língua com a qual o indivíduo se
57
Esse sentimento de identificação com a língua faz com que, por muitas vezes, a
direção da mudança não seja unicamente para o uso de uma das línguas, mas do balanço
entre elas, de maneira que as línguas minoritárias não deixem de existir, mesmo que seja
de conhecimento de todos que a língua oficial continuará sendo o idioma de maior
prestígio no seio da comunidade.
Sobre este assunto, Appel; Muysken (2005) alegam que, apesar de, em sociedades
como a africana, a tendência ser a de que a população passe a usar cada vez mais a língua
majoritária, em todos os domínios, porque esta promove melhores oportunidades de
mobilidade social e ascensão econômica, a direção da mudança pode ser invertida, por
razões especialmente sociais de manutenção da língua/cultura local:
Sometimes it seems that ‘shift’ can be equated with ‘shift towards the
majority or prestigious language’, but in fact ‘shift’ is a neutral concept,
and also shift towards the extended use of the minority language can be
observed. [...] After a period of shift towards the majority language,
there is often a tendency to reverse the process, because some people
come to realize that the minority language is disappearing, and they try
to promote its use. These defenders of the minority language are often
young, active members of cultural and political organizations that stand
up for the social, economic and cultural interests of the minority group.
(APPEL; MUYSKEN, 2005, p. 32).21
Tal afirmação justifica a implementação de políticas para o ensino bilíngue em
Moçambique (cf. Seção 2 para mais informações), com o intuito de agregar aqueles
estudantes que não possuem muito contato prévio com a Língua Portuguesa antes de
entrarem para a escola. Ademais, parece que o próprio valor dado às línguas nacionais
vem se fortalecendo, com o objetivo de renovar e enaltecer o valor da cultura local, já que
saber Português não impede que haja outros tipos de preconceitos sociais dentro da
comunidade e que os indivíduos continuem tendo dificuldades tanto nos estudos quanto
na vida profissional, mesmo que já tenham aprendido a língua do colonizador.
identifica, frequentemente é a que ele se refere como sendo sua língua materna.” (ROMAINE, 1995, p. 22).
Tradução nossa.
21 “Às vezes, parece que ‘mudança’ pode ser equiparada a ‘mudança em direção à língua majoritária ou de
prestígio’, porém ‘mudança’ é, na verdade, um conceito neutro e a mudança em direção ao maior uso de
línguas minoritárias também pode ser observada. [...] Depois de um período de mudança em direção à
língua majoritária, frequentemente existe a tendência de se reverter o processo, porque algumas pessoas
percebem que a língua minoritária está desaparecendo e tentam promover o seu uso. Esses defensores das
línguas minoritárias geralmente são jovens, membros ativos de organizações culturais e políticas, que
apoiam os interesses sociais, econômicos e culturais dos grupos minoritários.” (APPEL; MUYSKEN, 2005,
p. 32). Tradução nossa.
58
Esse novo valor positivo sobre os idiomas nacionais tem grande relação com a
distribuição geográfica dos membros desses grupos linguísticos, pois a necessidade de
uso da língua majoritária é muito mais evidente para aqueles que vivem nos centros
urbanos, como declaram os autores:
When residing on a farm, where perhaps the neighbours are members
of the same linguistic minority group, there is not much need to use the
majority language. The home is the most important domain of language
use, and this domain is reserved for the minority language. On the
contrary, people living in the urban centres will be forced in various
situations to use the majority language daily, which will weaken the
position of the minority tongue. (APPEL; MUYSKEN, 2005, p. 36-
37)22
Entretanto, outras condições sociais, principalmente a educação, contribuem para
trazer à tona a necessidade de manutenção das línguas locais de maneira que toda criança
tenha, supostamente, a mesma chance de evoluir e concluir seus estudos com sucesso.
Assim, é preciso salientar que a situação de contato linguístico não é nada simples para
seus usuários, pois deixar de usar suas línguas significa, de certa forma, perder suas raízes
em troca de algo que nem sempre vai trazer bons resultados e, por outro lado, deixar de
aprender a língua majoritária pode significar, na grande maioria das situações, um
isolamento da vida social e do acesso aos bens necessários à sobrevivência como, por
exemplo, o comércio.
Por essa razão, os autores declaram que:
Language shift and loss are not inevitable processes, however. Minority
groups can experience that shift towards the majority language does not
always imply better chances for educational achievement and upward
social mobility. A group may ‘give away’ its language without getting
social-economic advantages in return. It is no longer discriminated
against because of language, but because of colour, culture, etc. On the
basis of such experiences minority group members may develop
strategies to foster use of the minority language and to improve
proficiency in the minority language, which is then revitalized.
(APPEL; MUYSKEN, 2005, p. 45)23
22 “Quando moram em áreas rurais, onde possivelmente os vizinhos são membros do mesmo grupo
linguístico minoritário, não há muita necessidade de se usar a língua majoritária. O lar é o domínio mais
importante de uso da língua e esse domínio é reservado para a língua minoritária. Ao contrário, pessoas que
moram nos centros urbanos serão forçadas em várias situações a usar a língua majoritária diariamente, o
que enfraquecerá a posição da língua minoritária.” (APPEL; MUYSKEN, 2005, p. 36-37). Tradução nossa.
23 Mudança e perda linguística não são processos inevitáveis, no entanto. Grupos minoritários podem
experienciar que a mudança em direção à língua majoritária nem sempre implica melhores chances para o
59
Tudo isto está relacionado ao fato de que a realidade linguística do país pode criar
segregações muito fortes, que vão separar claramente os que sabem falar Língua
Portuguesa daqueles que, teoricamente, não sabem. Com isso, os indivíduos que ficam
entre esses dois grupos, ou seja, não fazem parte da elite letrada que desenvolveu
formalmente o Português na escola e nem são aqueles que vivem nas áreas rurais e
possuem pouco e/ou nenhum contato com o Português, mas somente o compreendem
como forma de sobrevivência, parecem ser aqueles que ainda lutam pela manutenção das
línguas locais, para além dos educadores e linguistas que entendem a importância das
mesmas. Portanto, estes são aqueles que, ao que parece, usam as duas línguas ao mesmo
tempo, na tentativa de não perder o que há de bom e positivo em cada uma delas.
Ao que tudo indica, esses indivíduos são aqueles usuários mais prototípicos dos
outros fatores que atuam diretamente na variação da língua-alvo em situação de contato
linguístico: a mudança de código ou code-switching, a transferência, e os calques ou
empréstimos (STROUD, 1997).
Por mudança de código, entende-se a mudança de uma língua para outra ao
longo do discurso, quando o falante é fluente em mais de uma língua. Geralmente, a
mudança é intencional e serve como estratégia de comunicação para o falante, que faz
uso de estruturas e/ou vocabulário das línguas que conhece para alcançar seu objetivo
comunicativo. Segundo a autora Myers-Scotton, há três motivos que explicam a mudança
de código: “(i) o assunto ou o contexto discursivo pode caber melhor em um ou outro
código; (ii) ambos os falantes são proficientes em ambas as línguas ou (iii) um deles pode
ter preferência por uma delas” (MYERS-SCOTTON, 1993 apud PETTER, 2015, p. 217).
De acordo com Mesquita (2014), a expressão “mudança de código” é utilizada
para se referir ao “fenômeno reconhecidamente inerente a falantes bilíngues ou
multilíngues e não raro está relacionado a situações de contato linguístico e sociocultural”
(MESQUITA, 2014, p. 53). O autor ainda acrescenta a fala de Grosjean (1982), que define
o code-switching como “uso alternado de dois ou mais códigos por indivíduos bilíngues
numa mesma interação conversacional”, destacando que esse “uso alternado não é
aleatório” (MESQUITA, 2014, p. 53).
sucesso educacional e crescente mobilidade social. Um grupo pode ‘entregar’ sua língua sem receber
vantagens sociais e econômicas em troca. Ele não será mais discriminado pela sua língua, mas por causa
de sua cor, cultura etc. Baseado nas experiências dos membros desses grupos minoritários, ele pode
desenvolver estratégias para promover o uso da língua minoritária e melhorar a sua proficiência nessa
língua, que será, então, revitalizada.” (APPEL; MUYSKEN, 2005, p. 45). Tradução nossa.
60
Uma das colaboradoras entrevistadas na presente amostra relata que o Português
de Moçambique é diferente do Português Europeu, que seria seu suposto modelo de
aquisição, por conta dessa possibilidade de mistura de códigos:
sim eles falam mu:ito rápido o português dele mesmo ((risos)) é muito diferente do nosso
[...] o que acontece é numa conversa de amigas minhas eu posso falar uma frase em
changana outra em português outra vez em changana sim podemos fazer mistura”
(PMOA2M)
Nessa perspectiva, entende-se que nenhum falante deve ser caracterizado como
“deficiente” somente porque alterna o uso de duas línguas. Antes, isso indica competência
linguística por parte do indivíduo que, tendo um bom conhecimento de ambas as línguas,
consegue uni-las:
[...] não se deve relacionar o code-switching necessariamente com
deficiência de nenhum falante, tampouco das línguas envolvidas e que,
pelo contrário, trata-se de um bom indicador da habilidade bilíngue dos
falantes com competência em ambas as línguas. (MESQUITA, 2014, p.
54).
A partir disso, o autor destaca a existência de modelos de classificação de code-
switching, dentre eles, o Matrix Language Frame Model – MFL, criado por Myers-
Scotton (1993, 2002). Neste modelo, que parece se aplicar bem à situação linguística de
Moçambique, frisa-se a questão da assimetria dos dados linguísticos em questão, pois
apontam a conexão entre duas línguas com configuração de poder desigual, ou seja, estão
envolvidas no contato uma língua matriz e uma (ou mais) língua(s) encaixada(s). A
língua matriz é aquela que fornece a base gramatical das estruturas e a língua encaixada
se integra, seguindo restrições do sistema:
Segundo a MFL, uma das línguas envolvidas cede o sistema
morfológico e suas categorias funcionais, constituindo o quadro no qual
os elementos da outra língua podem se integrar. [...] a língua mais
abrangente estruturalmente é a LM (língua matriz) e a outra é a LE
(língua encaixada)24. A língua matriz, portanto, fornece os quadros
gramaticais abstratos onde a LE é encaixada. (MESQUITA, 2014, p.
58)
24 Legendas e grifos meus.
61
A partir dessa declaração, entende-se que a união entre a língua matriz e a(s)
encaixada(s) só é possível quando o usuário tem conhecimento bastante abrangente sobre
a estrutura de todas as línguas envolvidas no processo. Com isso, confirma-se a ideia de
que a mudança de código é, na verdade, um fenômeno que demonstra um bom
conhecimento das línguas por parte do falante, pois este sabe exatamente como utilizar
as estruturas e como encaixar as diferentes línguas para que o enunciado faça sentido.
Salienta-se, então, que o modelo de marcação do fenômeno está diretamente
ligado a fatores sociolinguísticos, como Mesquita assinala:
[...] a língua matriz é, geralmente, a opção não marcada na interação em
que se manifesta o code-switching e não raro coincide com a L1 do
falante e da comunidade de fala em que está inserido. Fatores
sociopolíticos, educacionais, situacionais, enfim, macro e micro
contextos são relevantes e podem determinar, por exemplo, que a L1 do
falante se converta em língua encaixada. (MESQUITA, 2014, p. 58)
Tal situação parace ser exatamente o que ocorreu na variedade em estudo, uma
vez que as línguas locais foram perdendo prestígio, apesar de ainda serem utilizadas, e
dando lugar à então língua oficial, o Português. Desta forma, para as situações de code-
switching, ao contrário do que se espera do modelo prototípico, por razões político-
sociais, a língua matriz das estruturas em que se observa “mistura” é a L2/LE de muitos
desses indivíduos, enquanto suas línguas maternas são encaixadas na estrutura gramatical
principal.
Considerando, então, essa realidade, é possível dizer que a língua matriz seria o
Português, já que é a língua de maior uso, usada em quase todos os contextos,
especialmente em ambientes urbanos e mais formais, enquanto a(s) língua(s) encaixada(s)
seria(m) aquela(s) de conhecimento dos falantes, podendo ser apenas uma ou mais, que
são inseridas, principalmente em termos de vocabulário, dentro das estruturas sintáticas
de Língua Portuguesa produzidas pelos falantes, especialmente aqueles que mais fazem
mistura de código.25
Gonçalves e Chimbutane (2015) corroboram essa ideia ao discutirem a influência
da língua Changana no Português falado em Maputo, indicando que, de fato, as
25 Cabe ressaltar que esta afirmação relaciona-se, principalmente, às impressões obtidas ao longo das
entrevistas. Até o presente momento, ainda não se constatou, em termos linguísticos, tais propriedades. No
entanto, a realidade da “mistura” de línguas parece indicar que o encaixe entre as línguas tende a ocorrer
nessa direção.
62
interferências dessa língua bantu são mínimas no PM, em termos gramaticais. Sendo
assim, pode-se supor a confirmação da hipótese de que, considerando que haja influência
do Changana no Português e ela não é reconhecida diretamente em propriedades
gramaticais, possivelmente é o vocabulário do Changana que aparece mais encaixado na
estrutura gramatical do Português e não as estruturas em si:
[...] a influência das línguas bantu não consiste necessariamente numa
transferência “directa” de propriedades da sua gramática para a
gramática do PM, pelo que nem sempre é possível reconhecer, nas
inovações sintácticas que se observam no PM, propriedades
“equivalentes” nas línguas bantu. (GONÇALVES; CHIMBUTANE,
2015, p. 92)
Essas influências fornecidas pela língua de substrato, nesse caso, as línguas
bantu, são as chamadas transferências e os empréstimos. A transferência, já explorada
na Seção 3.2, está relacionada ao uso de estruturas de uma língua na outra, ou seja, o uso
de estruturas de L1 no lugar das estruturas de L2/LE, o que pode gerar transferências
incorretas do ponto de vista da língua padrão. Frequentemente são estruturas usadas de
maneira inconsciente pelos falantes que ainda não atingiram domínio da língua-alvo. Por
fim, calques ou empréstimos são elementos incorporados à língua-alvo pela falta de
outros que atendam às necessidades comunicativas do falante, usualmente relacionados a
fenômenos culturais.
A título de exemplificação, pode-se citar um jargão muito usado na cidade de
Maputo, promovido por uma rádio, que diz a seguinte frase: “Moçambique é maningue
nice”. Nesta frase, vemos claramente a estrutura gramatical do Português, com uma
combinação de empréstimos lexicais de duas línguas diferentes. O primeiro empréstimo,
a palavra ‘maningue’, proveniente de uma das principais línguas locais da cidade,
chamada Changana, significa ‘muito’. O segundo empréstimo vem do inglês, ‘nice’, e
significa ‘legal’.
Assim, temos uma estrutura que poderia ser plenamente dita em Língua
Portuguesa: ‘Moçambique é muito legal’, mas que, provavelmente, por motivos sociais,
cede à interinfluência linguística. Os indivíduos “brincam”, de certa forma, com esse
conhecimento multilíngue, e usam a estrutura ‘misturada’ como uma indicação de que o
uso simultâneo de línguas, ou o fenômeno de code-switching, é perfeitamente normal e
compreensível dentro da comunidade moçambicana.
63
Por fim, pode-se destacar que, sendo o Português de Moçambique concebido
como uma variedade ainda em formação, pesquisadores do assunto (GONÇALVES;
STROUD, 1997) acreditam que, independentemente das questões sociais, tanto falantes
de áreas urbanas quanto suburbanas têm chances de adquirir conhecimentos mais
aprofundados da Língua Portuguesa, que poderão, futuramente, colaborar com o
desenvolvimento de seu desempenho linguístico. Essa posição relaciona-se com o
conceito de redes sociais26 (TUZINE, 1997). Através desse conceito, entende-se que nem
todos os indivíduos têm as mesmas oportunidades de interações sociais regulares, sejam
estas sócio-profissionais, de amizade ou de vizinhança. Resumidamente, entende-se que
os falantes que estabelecem contatos sociais rurais têm uma tendência maior a se afastar
da aplicação das normas consideradas padrão, enquanto aqueles que convivem com mais
frequência em meios urbanos apresentam comportamento linguístico mais próximo da
norma de prestígio.
Dado o exposto, é possível perceber que estamos diante de uma situação muito
complexa, na qual se encontram indivíduos minimamente bilíngues, com níveis de
proficiência distintos e que não só fazem usos alternados das línguas que conhecem, como
também traçam valores diferentes sobre o uso destas, estando estes associados ou não a
outros fatores sociais que possam vir a alterar o produto final da Língua Portuguesa que
produzem. Ainda assim, é evidente que a variedade falada por esses indivíduos não pode
ser considerada como algo único e totalmente distanciado da influência das línguas locais,
como se elas não mais existissem e não pudessem afetar de alguma forma a língua
majoritária. A seguir, será abordado, ainda, o tipo de função que, geralmente, é atribuído
a cada uma das línguas envolvidas em uma sociedade multilíngue.
3.4 Estatuto social das línguas em sociedades multilíngues
Em meio à diversidade linguística de todo o continente africano e todos os
fatores linguísticos e extralinguísticos que atuam diretamente na dinâmica funcional das
línguas utilizadas na África, as nações tomaram atitudes políticas de valorização,
prioritariamente, das línguas coloniais, em detrimento às línguas nacionais. Em
Moçambique, mais especificamente, os colonos portugueses não deram importância à
26 O autor define redes sociais como “um conjunto de pessoas com quem alguém interage numa base
regular”. (TUZINE, 1997, p. 75).
64
escolarização dos nativos, sendo esta realizada em Português, “a língua que distinguiria
o assimilado, ou seja, o africano civilizado, que havia aprendido os elementos distintivos
da civilização – a língua e os costumes do colonizador” (PETTER, 2015, p. 194).
Com isso, a nação considerada plurilíngue, termo que não somente estabelece a
oferta e o domínio de diferentes línguas, mas também a relação entre língua e cultura, é
formada por uma grande quantidade de falantes multilíngues – aprendentes/falantes de
variadas línguas (MENEZES, 2013, p. 30). Em outras palavras, diante de tão vasta
distribuição linguística, o falante faz uso de uma ou outra língua de maneira não arbitrária,
ou seja, a dinâmica social de uso das línguas vai depender das políticas e juízos de valor
nelas envolvidos, como afirma Petter (2015):
No plano individual, o multilinguismo implica o uso pelo falante de
uma ou outra língua em função do contexto comunicacional. Essa
escolha, no entanto, não é arbitrária nem inconsequente; ela vai
provocar a valorização de algumas línguas, as mais utilizadas –
conhecidas como majoritárias –, e o desprestígio, e possível
desparecimento de outras, aquelas que têm uso restrito ao ambiente
familiar, com poucos falantes – consideradas minoritárias. É a
dinâmica social, que sofre impactos de ações políticas dos governos,
que vai selecionar e hierarquizar o uso das línguas em presença.
(PETTER, 2015, p. 195)
A partir das hierarquias mencionadas pela autora, as línguas recebem diferentes
papéis, caracterizadas e nomeadas como oficiais, nacionais ou veiculares. Faz-se, então,
de suma importância mencionar, brevemente, o que significa cada uma delas.
Língua oficial é o idioma utilizado na formação escolar e nos assuntos
administrativos do país. Na maioria dos países africanos é a língua colonial, como
acontece em Moçambique com o Português. Mesmo não sendo a língua utilizada por
100% dos moçambicanos, é privilegiada por sua tradição escrita e favorece, de certa
maneira, assumindo seu papel de língua oficial, a unidade nacional, sendo ela o meio pelo
qual se faz a comunicação entre os habitantes de todo o país. No entanto, a realidade das
línguas oficiais na África teve resultado um pouco diferente do ocorrido no Brasil, por
exemplo, já que o Português manteve “uso restrito aos meios urbanos e às necessidades
da vida moderna em grande parte das nações africanas; nas zonas rurais e no ambiente
doméstico continua o emprego das línguas locais” (PETTER, 2015, p. 196).
As línguas nacionais, por sua vez, são os idiomas locais, de vasta extensão e
grande número de falantes nos países, que as têm, na maioria das vezes, como suas línguas
maternas. Essas línguas podem, futuramente, devido ao prestígio entre seus próprios
65
falantes e alguns linguistas, ser gramatizadas, de maneira que possam servir de fonte de
ensino escolar bilíngue (cf. entre outros CHIMBUTANE, 2015; MENEZES, 2013),
garantindo sucesso escolar aos que não dominam a língua oficial. Em Moçambique, esses
idiomas são nomeados de línguas “Bantu” ou banto27, originalmente intituladas pelo
linguista Wilhem Bleek, que “observou a recorrência da raiz –ntu para designar ‘ser
humano, homem, pessoa’ e do prefixo ba- para indicar pluralidade nas línguas da região
central e sul da África” (PETTER, 2015, p. 36). Assim, o nome Bâ-ntu é utilizado para
identificar as línguas faladas naquelas regiões do continente africano.
Por fim, língua veicular é uma língua nacional considerada como língua franca
do país, que serve para unificar a comunicação de falantes de línguas diversas.
Geralmente, é uma língua difundida por comerciantes e pode chegar a ser mais utilizada
do que a língua oficial no país em que atua. De acordo com Petter (2015, p. 197), o idioma
suaíli, “além de ser língua oficial da Tanzânia, Quênia e Uganda, é falado como língua
franca em muitos países da costa oriental africana: no Burundi, na Somália, em
Moçambique28 e na África do Sul”.
O contato entre tantas línguas africanas e as línguas europeias teve como
consequência a formação de novas línguas veiculares, conhecidas como pidgins ou
crioulos. De acordo com Holm (2000), pidgins são línguas resultantes do contato entre
falantes que não possuem uma língua em comum, os quais necessitam estabelecer
comunicação verbal, especialmente comercial, mas não adquirem um a língua nativa do
outro. Basicamente, trata-se de mudanças na língua como a simplificação (ex. flexões de
número) e a expansão de significados das palavras para a acomodação de falantes das
duas línguas, de maneira que a língua utilizada é o bastante para o contexto que precisam.
27 Terminologia linguística. Falantes leigos reconhecem como línguas locais ou nacionais.
28 Ao que tudo indica, o suaíli é falado por uma minoria de pessoas ao norte de Moçambique, apesar de ter
mais de 140 milhões de falantes espalhados pela costa africana. É uma língua Bantu com grande influência
da língua árabe. Segundo Said (2016): “O suaíli é uma das línguas oficiais da União Africana e foi
introduzido na Reunião da União em 2004. O suaíli não foi escolhido por acaso mas sim pela sua
popularidade e pelo facto de já ser língua franca em grande parte de África. É uma língua africana que tem
escrita desde o século XIV em caracteres árabes e no século XIX começou a ser escrito em caracteres
latinos. É ainda uma língua africana que foi estandardizada muito mais cedo (1934) que as outras línguas
africanas. Para além disso, também é usado amplamente em diferentes contextos socioeconómicos e
políticos em África e no mundo em geral. Por exemplo, o suaíli é uma língua africana usada nas mídias
internacionais. [...] A costa suaíli foi um lugar que teve muitos contactos entre povos porque historicamente
foi uma zona de comércio. [...] Também tem influência da língua portuguesa, devido à dominação
portuguesa na costa suaíli no século XVI e XVII na costa oriental de Africa.” (SAID, 2016, p.34-35)
66
De maneira geral, pidgins são limitados a contextos específicos, com vocabulário restrito
e não são línguas nativas de quaisquer de seus usuários. Vale ressaltar que:
Usually those with less power (speakers of substrate languages) are
more accommodating and use words from those with more power (the
superstrate), although the meaning, form and use of these words may
be influenced by the substrate languages. (HOLM, 2000, p. 5)29
Os crioulos, por sua vez, surgiriam após a fase de pidginização. São línguas
consideradas nativas, utilizadas por uma comunidade de fala, especialmente aquelas que
de alguma maneira foram deslocadas de suas terras (ex. escravos) e, consequentemente,
tiveram suas origens linguísticas, sociais e culturais repartidas. Em termos de
exemplificação, Holm (2000) menciona o caso das crianças, filhas de escravos africanos,
nascidas no novo mundo, em que o contato com os pidgins deu origem a uma nova língua,
diferente das línguas nativas de seus pais. Esta, considerada um crioulo, sofreu
reestruturações e acomodações que a transformaram em uma língua nativa.
Although it appears that the children were given highly variable and
possibly chaotic and incomplete linguistic input (because their parents
used pidgins with influences from their native languages), they were
somehow able to organize it into a creole that was their native language,
an ability which may be an innate characteristic of our species.
(HOLM, 2000, p.7)30
Sobre a existência desses idiomas, afirma-se que há poucos crioulos na África e,
particularmente, Moçambique não possui essas línguas veiculares específicas,
características de Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, devido à situação de
contato diferente em que a LP se formou nesses lugares, como afirma Petter (2015):
Tradicionalmente, considera-se que o crioulo é o desenvolvimento de
um pidgin, quando este se torna língua materna de uma população.
Mufwene (2007), no entanto, afirma que crioulos e pidgins se
29 Geralmente, aqueles com menos poder (falantes das línguas de substrato) tendem a acomodar mais a
língua e usam as palavras daqueles que têm mais poder (o superstrato), embora o significado, a forma e o
uso das palavras sejam possivelmente influenciados pelas línguas de substrato. (HOLM, 2000, p. 5).
Tradução nossa.
30 “Embora pareça que as crianças receberam um input altamente variável e possivelmente caótico e
incompleto, elas foram, de alguma forma, capazes de organizá-lo em um crioulo que se transformou na
língua nativa delas, uma habilidade que pode ser considerada uma característica inata da nossa espécie.”
(HOLM, 2000, p. 7) Tradução e grifo nossos.
67
desenvolveram em espaços separados, onde europeus e não europeus
interagiram diferentemente: em colônias de exploração desenvolveram-
se os pidgins, em colônias de povoamento surgiram os crioulos. A
maioria dos pidgins está concentrada na costa Atlântica da África e nas
ilhas do Pacífico, enquanto a maior parte dos crioulos se encontra no
Atlântico, ilhas do oceano Índico e na costa atlântica das Américas.
(PETTER, 2015, p. 211)
Logo, é possível concluir que, diferentemente do ocorrido com a variedade
brasileira em que o Português se consolidou como uma norma local, em áreas rurais e
urbanas, para além das línguas faladas por indígenas e imigrantes, o PM tende a sofrer
forte influência das línguas nacionais, já que estas continuam presentes e são realmente
faladas em contextos familiares, religiosos e rurais, o que não ocorreu no PB. Nas palavras
de Timbane (2014):
O Português de Moçambique surgiu de contextos semelhantes com as
de TLI31, mas teve um destino diferente. Por essa razão não surgiram
pidgins nem crioulos, quer dizer, os moçambicanos não precisaram de
um código emergencial porque houve insistência no uso das LB. Não
houve um contato direto entre os colonos e os escravos porque havia
capatazes (cipaios) que serviam de intermediários (intérpretes). Os
capatazes eram moçambicanos e tinham a obrigação de aprender
português por ser assimilados. Por outro lado os escravos só tinham que
cumprir com as obrigações impostas sob tutela dos capatazes. As LB
continuavam a ser utilizadas nas igrejas independentistas africanas e a
LP era quase uma ficção. [...] Em situações de TLI, as línguas nativas
tenderiam a ser abandonadas, mas o que se verificou foi uma resistência
acerada de tal forma que até 1980 (cinco anos após a independência),
Moçambique só tinha 24.4% de falantes de português, após 500 anos
de colonização. (TIMBANE, 2014, p. 9, 10)
A situação encontrada em Moçambique (sobretudo nas áreas urbanas), portanto,
pode ser entendida de maneira mais clara a partir do conceito de Diglossia, termo cunhado
pelo linguista Psycharis, que representa um quadro linguístico no qual uma comunidade
faz uso de duas línguas distintas na mesma área geográfica. Cada uma dessas línguas, no
entanto, é selecionada para uma situação comunicativa e um contexto distinto. Em outras
palavras, existe uma (ou mais) língua(s) primária(s), falada(s) por todos na região,
31 TLI = Transmissão Linguística Irregular – Conceito que engloba “tanto os processos de mudança
provenientes do contato entre línguas através dos quais uma determinada língua sofre alterações muito
profundas na sua estrutura, do que resulta o surgimento de uma língua nova denominada pidgin ou crioulo,
quanto os processos nos quais uma língua sofre alterações decorrentes do contato com outras línguas, sem
que essas alterações cheguem a configurar a emergência de uma nova língua.” Definição disponível em:
http://www.vertentes.ufba.br/a-transmissao-linguistica-irregular. Acesso em 22 de agosto de 2017.
68
especialmente em contextos mais familiares, que convive diretamente com uma outra
língua, aquela mais utilizada em contextos escolares e na escrita, como esclarece
Ferguson (1972):
Diglossia is a relatively stable language situation in which, in addition
to the primary dialects of the language (which may include a standard
or regional standards), there is a very divergent, highly codified (often
grammatically more complex) superposed variety, the vehicle of a large
and respected body of written literature, either of an earlier period or in
another speech community, which is learned largely by formal
education and is used for most written and formal spoken purposes but
is not used by any section of the community for ordinary conversation.
(FERGUSON, 1972, p. 244-245)32
Segundo o autor, a diglossia é subdivida em nove aspectos que diferem o tipo de
situação que ocorre em cada sociedade (cf. FERGUSON, 1972), a depender das línguas
em contato e de questões político-sociais; são eles: (i) as funções sociais de cada língua –
enquanto uma das línguas é usada para obter serviços públicos e religiosos, a outra serve
para comunicação dentro de casa; (ii) o prestígio – a norma de uma das línguas é
considerada como padrão, limitando o uso da outra aos contextos de uso vernacular; (iii)
norma literária – uma das línguas é tida como representativa da cultura escrita e de uma
literatura mais ampla, já que a outra se reduz à cultura oral, basicamente; (iv)
aprendizagem – a língua de maior prestígio costuma ser aquela que é aprendida na escola
e não a língua materna, já conhecida pelos falantes; (v) material didático e normativo –
as variedades vernaculares são, em sua grande maioria, desprovidas desse tipo de
material, enquanto as variedades mais prestigiadas apresentam facilidade de acesso a eles;
(vi) estabilidade – a existência de diglossia é sinal de que ela dura, estavelmente, por
muitas gerações, então estabelece-se uma situação conhecida por todos; (vii) gramática,
(viii) léxico e (ix) fonologia – os três últimos aspectos indicam a existência de diferenças
muitos grandes entre as variedades em competição nesses itens do sistema linguístico,
que podem vir a se complementar quando há a tentativa de usar uma no domínio da outra
32 Diglossia é uma situação linguística relativamente estável na qual, além dos dialetos primários da língua
(que podem incluir um único padrão ou padrões regionais), existe uma variedade muito divergente,
altamente codificada (e até gramaticalmente mais complexa) e sobreposta, que funciona como veículo de
uma grande e respeitada parcela da literatura escrita, quer de um período anterior quer de outra comunidade
de fala, que é aprendida, preferencialmente, pela educação formal e é usada na maioria dos contextos
escritos e formais, mas não é usada por nenhum segmento da comunidade para a conversação ordinária.
(FERGUSON, 1972, p. 244-245, tradução nossa).
69
– por exemplo, caso o indivíduo queira escrever algo na língua menos prestigiosa, vai
precisar de apoio da língua majoritária para fazê-lo.
Diante disso, percebe-se que a diglossia é um tipo de organização da distribuição
das línguas em uma sociedade bilíngue (ou multilíngue) e que ela pode direcionar a
situação de bilinguismo em termos sociais, uma vez que distingue os âmbitos de uso de
cada língua em questão dentro da sociedade.
Tomando Moçambique como exemplo, nota-se que, de fato, pode-se supor um
quadro bastante real de diglossia no país, no qual o Português assume todas as funções
destacadas por Ferguson como aspectos da diglossia, enquanto os idiomas nacionais
continuam com o papel de caracterizar os ambientes mais familiares e representativos da
cultura moçambicana. Em poucas palavras, a Língua Portuguesa é o idioma oficial, tido
como responsável pela comunicação na prestação de serviços públicos, é a língua de
maior prestígio dentro da sociedade, e representativa da cultura literária. Ela é aprendida
formalmente na escola, através do uso de material didático (geralmente) produzido em
Portugal e todos os itens do sistema gramatical podem vir a ser incorporados nas línguas
locais, por ausência de itens próprios que tenham a mesma função. Além disso, a situação
diglóssica, ao que parece, existe desde o início da colonização portuguesa e não apresenta
indícios de chegar ao fim, o que fortalece seu caráter estável, já que a presença de línguas
locais é ainda muito forte na cidade e o valor cultural das mesmas parece estar se
fortalecendo com o passar das gerações.
Em suma, a grande diversidade de línguas presente em Moçambique demonstra
que, na presente situação de intenso bilinguismo e diglossia, é fundamental a função de
cada uma delas, com valores e implicações distintos, que indicarão quando o uso de uma
ou outra deve ser feito. Ao que tudo indica, mesmo que seja a língua oficial do país, o
Português possui características próprias em sua variedade moçambicana, diferentes da
europeia, influenciadas pela presença de línguas nacionais, cujo valor cultural não se
perdeu para muitos moçambicanos, ainda que a Língua Portuguesa dita padrão seja o
modelo de idioma de prestígio, de instrução formal e de comunicação geral nas áreas
urbanas.
Em um estudo sobre as atitudes de alunos universitários de Maputo em relação
ao estatuto social das línguas faladas na sociedade, Cao Ponso (2016) faz as seguintes
afirmações:
70
O sentimento de identificação com as línguas locais ou a preferência
pelo português não variam apenas entre os falantes conforme a etnia,
escolaridade, sexo, idade, bairro, mas em um mesmo falante conforme
a situação de fala, o tópico, os interlocutores, a intenção, etc. Quanto
maior a gama de relações pessoais do indivíduo, quanto mais alargada
é sua rede social, maior variabilidade terão os estatutos das línguas, e a
alternância de atitudes sobre elas tende a ser frequente e instável
conforme, inclusive, os repertórios linguísticos dos outros falantes com
que entra em contato ao longo da vida. [...] O que o contexto estudado
em Maputo mostra é que, em uma situação plurilíngue, se multiplicam
de tal forma as possibilidades de alternância desses valores na
negociação, que o que chama a atenção não são as atitudes em si, mas
a transferência de uma atitude a outra, ou seja, a relação no mesmo
falante entre uma atitude favorável e desfavorável em relação à mesma
língua em um espaço muito curto de tempo (ou ainda uma atitude
favorável em relação a duas ou mais línguas com estatutos sociais muito
diferentes). (CAO PONSO, 2016, p. 136-137)
Assim, entende-se que, de fato, a situação de Moçambique causa conflitos entre
seus falantes, que ora valorizam uma língua em detrimento da outra, e ora atribuem valor
positivo a todas as línguas em contato, mesmo que estas tenham estatutos diferentes
dentro da sociedade. A seguir, então, tratar-se-á de como o aspecto multilíngue e todo
esse panorama parece funcionar na variedade moçambicana, considerando,
especialmente, os elementos que a aproximam e a diferenciam das outras variedades,
constituindo os eixos de um continuum de variação.
3.5 Formação das variedades do Português: das origens ao continuum afro-
brasileiro
Considerando as questões discutidas na seção anterior, faz-se necessário
apresentar, de maneira sucinta, o profícuo debate sobre as origens do Português
Brasileiro, já que o estudo tem como um dos seus objetivos observar, mesmo que de forma
resumida, se o contato linguístico – presente antes e durante o processo de difusão da
Língua Portuguesa por parte dos colonizadores europeus na África e atuante até os dias
correntes – exerce alguma influência sobre o Português falado hoje nessas áreas e definir
quais as implicações desses resultados para a interpretação do que aconteceu durante o
período de aquisição da Língua Portuguesa por parte dos moçambicanos.
71
Assumindo o princípio do uniformitarismo33 (LABOV, 2001), acredita-se que os
resultados desta pesquisa poderão auxiliar na compreensão do processo histórico de
inserção da língua também em outras variedades, como a brasileira, que surgiram
igualmente em situação de contato linguístico com línguas indígenas e desde então
provocam forte oposição (rural x urbano / mais x menos escolarizado) nas comunidades
de fala. Assim, ao descrever as características do PM e tentar aproximá-las às do PB e/ou
do PE, configura-se naturalmente um debate sobre a origem das variedades, de modo que
é relevante compreender a polêmica discussão em torno desse assunto.
Ao investigar as origens do PB, encontram-se duas importantes linhas de
pensamento, que divergem em seus conceitos sobre como teria se dado a formação dessa
variedade. Uma dessas linhas, defendida por Naro; Scherre (2007), é conhecida como a
Tese da Deriva Secular e a outra, defendida por Lucchesi (2009), trata da hipótese do
contato entre línguas.
Segundo Naro; Scherre (2007), o Português Brasileiro seria uma continuação do
Português arcaico, com algumas pequenas alterações, pois “nada se identificou no Brasil
que também não ocorresse em Portugal” (NARO; SCHERRE, 2007, p. 13). Assim, os
autores afirmam que o PB não necessitava de qualquer influência estrutural vinda de fora,
porque, se existiu alguma influência externa, nenhum vestígio dela permaneceu, uma vez
que não produziu nenhuma estrutura nova ou qualquer outro efeito identificável. Dessa
forma, eles acreditam que as diferenças entre o PB e o PE são apenas uma questão de
grau e não de tipo, pois o contexto social do Brasil permitiu graus mais altos de liberdade
para a evolução de variações, uma vez que a hipótese deles está baseada no pressuposto
de que o PB tendia a “levar adiante tendências que já estavam presentes” (NARO;
SCHERRE, 2007, p. 67) no Português Europeu.
Em outras palavras, os autores assumem que não é possível evidenciar influências
como o multilinguismo de falantes adultos ou a interferência de primeiras línguas no
Português Brasileiro que fossem, a longo prazo, visivelmente diferentes das estruturas
advindas de Portugal. Assim, não teria ocorrido qualquer efeito diferente do input
33 Labov (2001) postula que o princípio do uniformitarismo se baseia na utilização do presente para explicar
o passado. Isto quer dizer que os eventos linguísticos que encontramos hoje são do mesmo tipo dos que se
desenvolveram em épocas passadas. Existem especificidades, como as regras que são aplicadas, que são
diferentes em cada época e não podem ser desprezadas. Ainda assim, os padrões gerais de mudança tender
a ser sempre os mesmos.
72
europeu, mas as condições linguísticas e sociais teriam apenas acelerado a tendência de
entrada de novas variantes durante o processo de nativização do PE:
A língua portuguesa já veio para o Brasil com suas características
inapropriadamente denominadas de crioulizantes, que aqui floresceram,
regadas por condições sociais generosas, como uma norma linguística
mais branda e flexível, criada no contexto da existência de
multilinguismo generalizado e da aquisição de português como 2ª
língua. (NARO; SCHERRE, 2007, p. 133)
Por outro lado, para Lucchesi (2009), o PB seria consideravelmente diferente do
PE por causa, dentre outros fatores, da presença de pessoas de origem africana no Brasil,
cujas línguas nativas teriam influenciado o PB. Do ponto de vista teórico, essa influência
poderia ter ocorrido por meio de um estágio de pidgin ou de um crioulo de base lexical
portuguesa. Nesse caso, o autor refere-se ao conceito clássico de crioulização, ou seja,
um processo que passa por dois estágios: (i) no primeiro deles, há um pidgin que é
utilizado por não haver uma língua natural em comum entre as comunidades, estágio em
que o vocabulário surge de uma língua base e qualquer estrutura que estabeleça
comunicação é válida; (ii) no segundo estágio, normas gramaticais começam a surgir,
dando início à crioulização de fato, quando o pidgin se torna a língua nativa de uma das
comunidades.
A esse conceito relaciona-se a ideia de Transmissão Linguística Irregular, ou seja,
a Língua Portuguesa falada pelos brasileiros teria sua origem ligada ao contingente de
africanos que adquiriram o Português de forma “defectiva”, produzindo uma variedade
linguística muito diversificada e, teoricamente, não suscetível de análise ordenada. Não
havendo evidências inquestionáveis para os processos de pidgnização e crioulização na
formação do PB, o autor defende que teria havido um processo de transmissão linguística
irregular e que, no entanto, essa transmissão teria sido do tipo leve porque não levou à
reestruturação total da L2, como ocorre nas línguas crioulas.
O fenômeno da variação na concordância verbal é um dos temas mais usados para
exemplificar esse debate. Para a tese da Deriva Secular, a concordância seria um processo
contínuo e gradual de perda de marcas morfológicas, enquanto para a hipótese da
transmissão linguística irregular o contato linguístico teria produzido uma variedade
marcada pela redução da morfologia lexical do verbo, o que negaria a hipótese da Deriva.
Em outras palavras, o contato teria influenciado de maneira tão intensa que pensar apenas
em um processo gradual de perdas não refletiria o que realmente ocorreu: uma
73
massificação dos modelos urbanos sendo introduzida nos contextos mais abrangentes
como a escola e os meios de comunicação, que permitiram a reprodução desse novo
modelo de morfologia reduzida em todas as áreas da sociedade.
As regras de concordância teriam sido profundamente afetadas; ao
passo que, a partir de meados do século XX, a regra estaria sendo
reintroduzida nessas comunidades rurais por influência dos modelos
linguísticos urbanos, através do deslocamento populacional, da
influência dos meios de comunicação de massa e massificação do
ensino público (LUCCHESI, 2009, p. 349)
As críticas de Lucchesi sobre a abordagem derivista estão relacionadas a questões
como a desvalorização de alguns fatores sociais específicos da variedade brasileira, a
polarização sociolinguística e o seletivismo. Sobre os fatores sociais desconsiderados na
abordagem da Deriva, o autor destaca o papel importante dos afrosdescendentes, com
suas línguas maternas diversificadas, o que propiciava forte e constante contato
linguístico para os indivíduos durante o processo de aquisição do Português:
[...] se a crioulização do português do Brasil foi, na melhor das
hipóteses, um fenômeno historicamente efêmero e localizado, não se
pode pensar seriamente que a língua portuguesa não foi diretamente
afetada pelo contato do português com as línguas africanas de uma
forma bem ampla e representativa, até porque os afrodescendentes se
integraram em todos os segmentos sociais e nos mais diferentes ramos
da atividade econômica, em todas as regiões do país; concentrando-se,
porém, na base da pirâmide social, em função das adversidades
históricas que tiveram que enfrentar. (LUCCHESI, 2009, p. 28)
Com isso, percebe-se que as condições para o aprendizado da língua do
colonizador eram bastante adversas, restringindo o conhecimento ao uso de um
vocabulário reduzido e à falta de estruturas gramaticais que alicerçassem a construção da
língua modelo que se pretendia alcançar. Assim, as crianças tinham acesso a um modelo
de língua defectivo, como ressalta Lucchesi (2009):
[...] as crianças têm de atender aos requerimentos de marcadores de
tempo, modo e aspecto, de regência e ligação, operadores pronominais,
etc., inerentes ao desenvolvimento de sua língua materna, a partir de
dados linguísticos primários que provêm, no caso da maioria dos
adultos que as cercam, de uma segunda língua desprovida da maior
parte desses elementos e mecanismos gramaticais (LUCCHESI, 2009:
p. 29)
74
Para além disso, o autor afirma que muitas análises sobre a Língua Portuguesa
deixam de investigar o que ocorreu com aqueles indivíduos que não faziam parte da elite
portuguesa, ou seja, observam somente aqueles que adquiriram a língua com falantes
nativos, fazendo dela sua língua materna. Este é o princípio criticado por Lucchesi quanto
à polarização sociolinguística, que, de acordo com ele, é ignorada nas abordagens da
Deriva:
A polarização sociolinguística que marca a formação histórica da
realidade linguística brasileira, apartando a fala de uma elite que sempre
teve os olhos voltados para a Europa, em busca de seus modelos
culturais e linguísticos, da fala da grande maioria da população que, no
cadinho de sua pluralidade étnica, cultural e linguística, forjou os
elementos definidores da originalidade cultural e linguística do Brasil,
que tanto assombram e encantam o mundo ocidental, desautoriza todos
os estudos que apresentam uma história única para o português
brasileiro. Assim como “o português são dois”, a sua história é
igualmente bifurcada. (LUCCHESI, 2009, p. 30)
Por fim, sobre o seletivismo, o autor critica o fato de que a Tese da Deriva é
baseada em dados isolados, que levam a uma determinada tendência, ao invés de
indicarem o panorama geral das mudanças ocorridas na Língua Portuguesa falada no
Brasil. O autor justifica esse pensamento ao mencionar a simplificação morfológica:
Porém essa simplificação morfológica, característica das situações de
contato entre línguas, não se restringe, no português do Brasil, à
eliminação das regras de concordância. Em vários planos da estrutura
linguística, observa-se um quadro matizado e complexo, no qual os
processos de variação e mudança induzidos pelo contato entre línguas
apresentam resultados quantitativos diferenciados nas distintas normas
linguísticas que constituem a realidade da língua no Brasil atualmente.
(LUCCHESI, 2009, p. 72)
Assim, para Lucchesi, é possível concluir que – mesmo que não tenha havido um
processo abrupto de crioulização no PB, que desse origem a uma nova variedade
totalmente diferente do PE – não se pode desconsiderar o papel extremamente relevante
do contato linguístico na formação dessa variedade. Como explica a hipótese de Lucchesi
(2009):
[...] se as condições em que o contato do português com as línguas
indígenas e africanas ocorreram no Brasil não deram ensejo a processos
de crioulização do português duradouros e representativos, elas foram
bastante propícias a que os processos de variação e mudança
75
desencadeados pelo contato linguístico afetasse, direta ou
indiretamente, todas as variedades históricas do português brasileiro,
sem atingir a intensidade necessária para produzir uma variedade
linguística qualitativamente distinta das demais, pois tal processo (a
crioulização) deve ter ocorrido, mas de forma localizada e efêmera, não
produzindo uma variedade linguística que se conservasse em uso até os
dias de hoje. (LUCCHESI, 2009, p. 34-35)
A partir de tal reflexão sobre as origens do PB, entende-se que, devido à
similaridade da formação deste com a formação do PM, principalmente devido ao intenso
contato linguístico durante o período de estabelecimento da Língua Portuguesa,
demonstra-se um fator muito significativo para a análise de ambas as variedades, mesmo
que alguns dos processos, como o estágio de crioulização, por exemplo, não sejam
comuns às duas. Se no Brasil, em que o contato ocorreu com mais vigor no início do
processo, alguns linguistas defendem a influência das línguas indígenas e africanas na
formação da variedade que se fala hoje, o papel das línguas locais em Moçambique é
igualmente relevante, ou até ainda mais expressivo, dado que a quantidade de línguas em
contato com o Português é muito maior e está fortemente presente nos dias atuais. Sendo
assim, a variedade moçambicana estaria mais próxima da variedade brasileira, em termos
de formação sócio-histórica, do que da europeia, que é, supostamente, seu modelo de
aquisição e instrução escolar.
Ponderando, então, as semelhanças no processo de formação do PB e do PM e
levando em conta os “desvios” da norma europeia encontrados em ambos (sobre os
“erros” em relação ao PE encontrados no PM, cf. Capítulo 2), cabe observar que cada
variedade da Língua Portuguesa indica similaridades e diferenças que ora as aproximam,
ora as afastam. Como aponta Petter (2015), a simetria entre PB e PM parece ocorrer pelo
fato de as duas variedades terem sido, em princípio, formadas de maneira bem parecida,
em contextos pós-coloniais:
A história colonial, compartilhada pela maioria dos países de língua
oficial portuguesa, difundiu a visão de que o português falado na
metrópole deveria ser o modelo para as demais variedades não-
europeias dessa língua. As ex-colônias, no entanto, desenvolveram uma
expressão própria de português, e criaram formas divergentes daquelas
da antiga metrópole, o que suscitou estudos comparativos que
apontavam os traços que afastavam da norma europeia as novas
variedades de português. (PETTER, 2015, p. 306)
O estudo comparativo das variedades do Português, especialmente a brasileira, a
76
moçambicana e a angolana, permite que se reconheça a existência não só de diferenças
com relação ao Português Europeu, mas de semelhanças entre as três, haja vista o fato de
compartilharem suas origens em contatos linguísticos com línguas africanas de origem
bantu (cf. PETTER, 2015). As semelhanças fonológicas, lexicais e morfossintáticas
sugerem, nos termos de Petter (2008), a formação de um continuum afro-brasileiro do
português, já que a expansão da Língua Portuguesa teria ocorrido da mesma maneira, isto
é, através de um processo de colonização, semelhante à romanização, comum às três
variedades (PA, PB, PM):
Assim como o continuum de línguas românicas, o continuum dessas
variedades de português resulta de uma “mistura” de línguas locais com
uma língua dominadora comum. No caso da expansão do latim, essa
“mistura” não só uniu as variedades linguísticas derivadas desse contato
– reconhecidas hoje como línguas românicas –, mas também as
“separou” em diferentes línguas. (PETTER, 2015, p. 307)
Com esse continuum, entende-se que a língua europeia se multiplica em
variedades que partem de uma origem comum e passam por processos de mudança
distintos, a depender dos contextos em que se encontram. O PB, por exemplo, contava
ainda, na época de sua implantação, com a influência de línguas indígenas, enquanto o
PM, ainda hoje, convive em situação de contato linguístico intenso, já que as línguas
nacionais estão presentes na fala de uma comunidade que tem a Língua Portuguesa como
língua oficial, seja ela sua L1 ou L2. Portanto, propõe-se que:
[...] as variedades não europeias de português sejam colocadas num
continuum que tem num dos extremos as línguas parcialmente
reestruturadas – as variedades angolana, brasileira e moçambicana – e,
no outro, as línguas completamente reestruturadas – as variedades
crioulas de Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.
(PETTER, 2015, p. 315)
Ocorre que, como já atestado em trabalhos científicos e no continuum de
polarização de Lucchesi (2015), o Português do Brasil apresenta níveis variados de
aplicação da regra, definidos em grande parte por fatores de natureza extralinguística,
como a escolaridade e o eixo rural-urbano e outros de natureza linguística, como a posição
do sujeito em relação ao verbo, a saliência fônica, o paralelismo discursivo/oracional e a
distância entre o sujeito e o verbo. Sobre a variedade moçambicana, no entanto, é
necessário “aprofundar a descrição linguística propriamente dita, ancorada em quadros
77
teóricos sólidos, que permitam explorar, de forma sistemática, os fatores internos e
externos envolvidos no desencadeamento de fenómenos de variação a nível da CV”
(GONÇALVES, 2015, p. 15), uma vez que os trabalhos realizados (cf. trabalhos citados
na p. 86) sobre a variedade moçambicana não apresentam nenhum tipo de
aprofundamento que os caracterize e que permita não só a comparação com outras
variedades, mas também a constatação da hipótese do continuum afro-brasileiro do
português.
Portanto, ainda que as pesquisas mencionadas (Seção 4.2.3) não sejam
compatíveis com as já realizadas sobre o PB e o PE em termos quantitativos, e muito
menos apresentem respostas definitivas sobre a variedade moçambicana do Português,
elas trazem luzes ao que se pretende buscar no presente estudo, ou seja, a constatação não
só de que há variação linguística nesta variedade, como há em qualquer língua natural,
mas a de que ela está intrinsecamente ligada às questões sociolinguísticas, como se verá
a seguir. Esse cenário é altamente produtivo para a pesquisa tanto qualitativa quanto
quantitativa, à luz dos pressupostos teóricos que se pretende empregar.
78
4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA: A CONCORDÂNCIA VERBAL
Tema de grandes debates no que tange às variedades do Português, pretende-se
apresentar, resumidamente, nesta seção, os aspectos mais relevantes sobre a concordância
verbal. Considerando, primeiramente, a perspectiva dos compêndios gramaticais
tradicionais, serão levantadas as regras gerais de formação da marcação de número da
Língua Portuguesa, exploradas ao longo da Seção 4.1.
Ao lado da tradição, no entanto, caminham estudos sobre as variedades do
Português que demonstram a existência de variação na aplicação dessas regras,
especialmente nas variedades brasileira e africana, ou seja, nem todas as regras postuladas
pelas gramáticas, que têm o Português Europeu como modelo padrão, são aplicadas da
mesma maneira nas variedades. Logo, faz-se relevante explorar o que as pesquisas
encontraram como resultado dessa variação, para que se tenha um panorama geral da
situação em que se encaixa o fenômeno em estudo.
Sendo assim, objetiva-se, em seguida, na Seção 4.2, apontar os principais
estudos sobre essas variedades: a brasileira, que demonstra caráter efetivamente variável,
será apresentada na Seção 4.2.1; na Seção 4.2.2, observa-se a variedade europeia, cujos
resultados demonstram preferência pelos usos considerados padrão, caracterizando uma
regra semicategórica; e, por fim, as variedades africanas, analisadas na Seção 4.2.3, que
carecem ainda de estudos mais aprofundados, parecem estar localizadas entre as
variedades brasileira e europeia – com uma regra variável, de forma menos produtiva do
que no caso da brasileira, e não tão próxima do categórico, como no caso da europeia –,
sendo objetivo de tal pesquisa explorar a variedade falada em Maputo.
4.1 Abordagem tradicional
A abordagem tradicional, além de descrever as estruturas da língua, adota uma
orientação normativa, postulando regras diversas de comportamento social, sobretudo
para a escrita literária, dentre as quais está a de marcação de número, instituindo o que
constituiria o modelo de norma-padrão. De acordo com esse tratamento, o verbo e o
sujeito são solidários, uma vez que a forma verbal varia para se conformar à pessoa e ao
número expressos no sujeito, constituindo, assim, a concordância verbal padrão.
Postula-se a regra geral, então, para construções com sujeito de um só núcleo, de
maneira que o verbo deve concordar em gênero e número com esse sujeito simples. Já
79
para o caso de existir mais de um núcleo na construção, o chamado sujeito composto, o
verbo deve ir para o plural e para a pessoa que tiver primazia na construção. O quadro a
seguir mostra as definições fornecidas pelos gramáticos brasileiros Cunha; Cintra e Rocha
Lima:
Ao lado da concordância gramatical, que abarca as regras de marcação nos verbos
com relação ao seu sujeito, a tradição apresenta o conceito de concordância ideológica,
que trata das realizações estruturais que fogem às regras básicas postuladas nos
compêndios. Nas palavras de Bechara (1987, p. 95), a concordância ideológica significa
um consentimento que se faz do “vocábulo para o sentido”. Dessa maneira, a forma é
desprezada e o foco é dado à ideia representada na palavra, ou seja, à ideia que a palavra
gera.
Para além da regra geral e da possibilidade de se concordar com a “ideia” ou
sentido plural, as gramáticas tradicionais apresentam, ainda, outras regras que são
definidas como particulares ou exceções. São elas: as expressões partitivas, as expressões
de quantidade aproximada, as construções com o verbo ser, com os pronomes
Regra geral
Sujeitos simples
(apenas um
núcleo)
“O verbo concorda em número e
pessoa com o seu sujeito, venha
ele claro ou subentendido”
(Cunha; Cintra, 2007, p. 511)
“Havendo um só núcleo
(sujeito simples), com ele
concorda o verbo em pessoa e
número.” (Lima, 1998, p. 353)
Sujeitos
compostos
(mais de um
núcleo)
“[...] quanto à pessoa, irá:
a) para a 1ª pessoa do
plural, se entre os
sujeitos figurar um da 1ª
pessoa;
b) para a 2ª pessoa do
plural, se, não existindo
sujeito da 1ª pessoa,
houver um da 2ª;
c) para a 3ª pessoa do
plural, se os sujeitos
forem da 3ª pessoa.”
(Cunha; Cintra, 2007, p.
512)
“o verbo vai o plural e para a
pessoa que tiver primazia, na
seguinte escala:
a) A 1ª pessoa pretere
todas as outras.
b) Não figurando a 1ª
pessoa, a precedência
cabe à 2ª.
c) Na ausência de uma e
outra, o verbo assume a
forma da 3ª pessoa
(Lima, 1998, p. 353)
Quadro 1 – Regras gerais de concordância verbal de acordo com gramáticas tradicionais brasileiras.
80
interrogativos, indefinidos e demonstrativos, o pronome relativo “que”, expressões como
“um e outro” e “mais de um”, que podem ser sintetizadas no quadro a seguir:
Regras Particulares/Exceções
Expressões partitivas
Quando o sujeito é constituído por expressão
partitiva (como: parte de, uma porção de, o grosso
de, o resto de, metade de e equivalentes) e um
substantivo ou pronome plural, o verbo pode ir
para o singular ou para o plural. (CUNHA;
CINTRA, 2007, p. 513)
Expressões de
quantidade aproximada
(cerca de, perto de, mais
de, menos de, etc.)
Postas antes de um número no plural para indicar
quantidade aproximada, estas expressões requerem
a concordância no plural, exceto com o verbo ser,
em que há vacilação. (LIMA, 1988, p. 361)
Verbo “ser”
Quando o sujeito do verbo ser é um dos pronomes
isto, isso, aquilo, tudo, o (que) = aquilo (que), ou
uma palavra de sentido coletivo (o resto, etc.), e o
verbo vem acompanhado de um predicativo
constituído por um substantivo do plural, o verbo
concorda, em regra geral, com o predicativo.
(SILVEIRA, 1983, p. 216)
Quando o verbo ser, usado impessoalmente, tem
um predicativo, concorda com este. (SILVEIRA,
1983, p. 217)
Pronomes interrogativos,
indefinidos e
demonstrativos
Se o sujeito é formado por algum dos pronomes
interrogativos (quais?, quantos?), dos
demonstrativos (estes, esses, aqueles) ou dos
indefinidos no plural (alguns, muitos, poucos,
quaisquer, vários), seguido de uma das expressões
de nós, de vós, dentre nós ou dentre vós, o verbo
pode ficar na 3ª pessoa do plural ou concordar com
o pronome pessoal que designa o todo. (CUNHA;
CINTRA, 2007, p. 517)
Pronome relativo “que” (i) O verbo que tem como sujeito o pronome
Quadro 2 – Regras particulares de concordância verbal de acordo com gramáticas tradicionais
brasileiras.
81
Através da descrição dos casos particulares, como a concordância ideológica e as
exceções supracitadas, indica-se que, no uso real da língua, a regra geral postulada nas
gramáticas não é aplicada categoricamente em todos os contextos, quando colocada em
prática pelos falantes. A partir das descrições sociolinguísticas, verifica-se, entretanto,
que a variabilidade presente no fenômeno da concordância ocorre em muitos contextos,
ainda que não explicitamente legitimada nos compêndios, e alcança alta produtividade
relativo que concorda em número e pessoa com o
antecedente desse pronome; (ii) se o antecedente
do relativo que é um demonstrativo, que serve de
predicativo ou aposto de um pronome pessoal
sujeito, o verbo do relativo pode concordar com o
pronome pessoal sujeito [...] ou ir para a 3ª pessoa,
em concordância com o demonstrativo; (iii)
quando o relativo que vem antecedido das
expressões um dos, uma das, o verbo de que ele é
sujeito vai para a 3ª pessoa do plural ou, mais
raramente, para a 3ª pessoa do singular; (iv) depois
de (um) dos que (= um daqueles que) o verbo vai
normalmente para a 3ª pessoa do plural. (CUNHA;
CINTRA, 2007, p. 514-516)
“um e outro”
O substantivo que se segue à expressão um e outro
só se usa no singular, mas o respectivo verbo pode
empregar-se no singular ou no plural. (LIMA,
1988, p. 356)
“mais de um”
Fica no singular o verbo, concordando com o
substantivo que acompanha a expressão. Se a
expressão mais de um estiver repetida, ou se for
intenção do escritor inculcar idéia de
reciprocidade, é ao plural que recorrem os bons
autores. (LIMA, 1988, p. 357)
82
especialmente na gramática da fala popular, como já constatado em estudos realizados
sobre a oralidade.
Vale ressaltar que as gramáticas aqui mencionadas têm como propósito a
sistematização da gramática do Português padrão brasileiro, ou seja, elas consideram as
normas gramaticais da Língua Portuguesa que se encontram presentes na literatura de
escritores brasileiros, portugueses e africanos (cf. CUNHA; CINTRA, 2007). Em outras
palavras, baseiam-se nas normas daquilo que se considera o padrão da língua escrita, que
teve como modelo idealizado o Português Europeu, reconhecidamente muito distante do
Português popular brasileiro, especialmente em sua modalidade oral.
Ao que parece, esse cenário de um modelo padrão idealizado que sofre
divergências, particularmente na variedade popular do Brasil, é bastante similar ao que
ocorre no Português de Moçambique, onde muitos materiais didáticos de ensino de
Língua Portuguesa são produzidos por portugueses e a gramática é toda voltada para o
Português “padrão” escrito, enquanto a língua oral sofre fortes influências das línguas
bantu em uso na sociedade, causando uma separação entre o que se vê na escola e o que
se vivencia nos outros ambientes. Sendo assim, o estudo da gramática da fala desta
variedade tende a apresentar as mesmas variações ou, pelo menos, muito similares,
encontradas no PB, que são passíveis, portanto, de serem sistematizadas em estudos
variacionistas quantitativos e qualitativos.
A seguir, apresentam-se as principais tendências sociolinguísticas quanto à
concordância verbal nas três variedades do Português: a brasileira, a europeia, a são-
tomense e a moçambicana, respectivamente, com o objetivo de revisar a literatura sobre
o assunto e delimitar o escopo da presente pesquisa.
4.2 Descrições sociolinguísticas: tendências gerais
A Sociolinguística postula a variação como propriedade inerente à língua, e seu
objeto de estudo considera a sistematização da heterogeneidade presente nessa variação,
o que permite a caracterização das variedades de Língua Portuguesa. Segue, então, o
resumo das sistematizações da língua já realizadas por trabalhos variacionistas que se
debruçaram sobre o fenômeno da concordância verbal.
83
4.2.1 No Português Brasileiro
Sobre a formação do Português Brasileiro (PB), especialmente sobre a variação
na concordância verbal, profícuo debate já desenvolvido por renomados linguistas
(NARO, 1981; SCHERRE; NARO, 1993, 2007; LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009)
levanta a possibilidade de existirem, pelo menos, duas concepções para seu
desenvolvimento, como resumido por Vieira; Bazenga (2013):
uma que pressupõe que os índices brasileiros de cancelamento da marca
de número tiveram origem no Português Europeu (PE) transplantado
para o Brasil, de acordo com o movimento próprio da deriva linguística;
e outra que propõe ser a falta de concordância brasileira resultante da
intensa situação de contato linguístico, que teria dado origem a uma
transmissão linguística irregular. (VIEIRA; BAZENGA, 2013, p. 29)
De acordo com esses pressupostos, Lucchesi; Baxter; Silva (2009), que defendem
a segunda proposta, sugerem o estabelecimento de um continuum que demonstra um
caráter crescente de aplicação das marcas no PB quando se observam a localidade (rural
x urbano) e a escolaridade dos falantes (menos escolarizados x mais escolarizados):
No que diz respeito à variação na aplicação da regra de concordância
verbal associada à 3ª pessoa do plural, o panorama sociolinguístico da
língua portuguesa no Brasil fornece importantes evidências empíricas
favoráveis à hipótese do contato entre línguas como móvel do processo
de variação e mudança. A primeira delas diz respeito aos níveis
diferenciados de variação que se encontram nas diferentes
variedades do português brasileiro, constituindo o seguinte continuum:
(i) nas comunidades rurais afro-brasileiras do interior do Estado da
Bahia, o nível de aplicação da regra de concordância é da ordem de
16%;
(ii) em comunidades de pescadores analfabetos ou pouco escolarizados,
no norte do Estado do Rio de Janeiro, esse nível sobe para 38%
(VIEIRA, 1997);
(iii) na fala de analfabetos da cidade do Rio de Janeiro, o nível de
aplicação já é de 48% (NARO, 1981);
(iv) na fala de indivíduos escolarizados das cidades do Rio de Janeiro e
de Florianópolis, na região Sul do Brasil, a regra de concordância verbal
já é aplicada com uma frequência de 73% e 79%, respectivamente
(SCHERRE; NARO, 1997; MONGUILHOTT; COELHO, 2002,
respectivamente);
(v) na norma urbana culta do Rio de Janeiro, os falantes usam a regra
com uma frequência de 94% (GRACIOSA, 1991). (LUCCHESI;
BAXTER; SILVA, 2009, p. 348)
A interpretação desse continnum é confirmada pelos muitos pesquisadores que já
84
investigaram a concordância verbal de 3ª pessoa na variedade brasileira e comprovaram
claramente o panorama do comportamento de uma regra variável34 na marcação de plural,
além de constatarem as diferentes taxas de aplicação da regra dentro do continuum
proposto por Lucchesi et al. (cf., entre outros trabalhos variacionistas, NARO, 1981;
GRACIOSA, 1991; SCHERRE; NARO, 2006; VIEIRA, 1995; VIEIRA; BAZENGA,
2013).
Ressalte-se que, ainda que sejam destacadas apenas as investigações do mesmo
estado (Rio de Janeiro), os resultados obtidos em cada uma delas são bastante distintos,
como se verá a seguir (Tabela 5). Essa evidente distinção, relacionada principalmente aos
eixos do continnum de Lucchesi et al., demonstra claramente aquilo que os autores
chamam de polarização sociolinguística brasileira no que tange às regras de
concordância:
Os resultados das análises sociolinguísticas disponíveis revelam dois
processos distintos de variação e mudança: um processo de variação
estável nos segmentos urbanos intermediários (com um ligeira gradação
geracional na norma culta) e um processo de incremento do uso da regra
de concordância nos segmentos populares do campo e da cidade. [...] A
diferença nas tendências do processo de variação e mudança nos
estratos sociais urbanos de alta e média escolaridade, por um lado, e nos
segmentos populares, por outro, bem como as diferenças quantitativas
na frequência de uso das regras e as diferenças qualitativas na avaliação
subjetiva das variantes linguísticas, estão na base da formulação da
polarização sociolinguística do Brasil aqui apresentada. (LUCCHESI,
2015, p. 247-248)
Assim, para distinguir cada eixo desse continuum de polarização, Lucchesi (2015)
utiliza a seguinte nomenclatura, que identifica as variedades quanto aos níveis de
escolaridade e a localidade: o português urbano culto, representado por informantes de
áreas urbanas com ensino superior completo; o português urbano médio, retratado pelos
indivíduos que possuem de um a onze anos de escolarização, também de zonas urbanas;
o português popular rurbano, reproduzido por informantes com pouca ou nenhuma
escolaridade, moradores da periferia de comunidades urbanas, onde há integração entre
as culturas urbanas e rurais; o português popular urbano, refletido nos falantes
34 Conforme desenvolvido na Seção 3.1 deste trabalho, consoante Labov (2003), considera-se uma regra variável aquela que atinge até, aproximadamente, 94% de aplicação da regra, e semicategórica, aquela que varia entre 95% e 99% de aplicação. A categórica, consequentemente, seria aquela que chega aos 100% de aplicação da regra.
85
analfabetos ou com pouquíssima escolaridade, residentes do interior; e o português
popular rural, que designa a língua de indivíduos também pouco escolarizados ou
analfabetos da zonal mais rural, com traços descontinuados e muito estigmatizados pelos
falantes urbanos cultos.
Tendo em vista que a variedade brasileira vem sendo investigada há muito tempo
e por muitos variacionistas dentro de cada uma das categorias listadas, optou-se por
destacar, na presente seção, trabalhos realizados no estado do Rio de Janeiro, já que não
caberia levantar dados de todas as investigações já realizadas sobre o fenômeno.
Considerando, então, a tipologia de normas proposta por Lucchesi (2015), a
investigação de Graciosa (1991) seria representante do português urbano culto, cuja
amostra foi baseada em entrevistas do projeto NURC-RJ; Scherre; Naro (2006), com base
no corpus PEUL-RJ, investigam o chamado português urbano médio; Naro (1981), cujo
trabalho teve como informantes indivíduos analfabetos da amostra Mobral-RJ,
representaria o português popular urbano. Vieira (1995), por sua vez, representa o
português popular rural, com pesquisa que utiliza amostras do Projeto Aperj-RJ.
Por fim, vale destacar que Lucchesi, Baxter; Silva (2009), ao discutirem o
continuum de uso da regra de concordância verbal na variedade brasileira como um todo,
trazem, ainda, dados de fala vernacular da comunidade de Helvécia-BA, representativos
do português popular rural. Apesar de ser um estudo com dados do estado da Bahia,
acredita-se ser importante mencionar o resultado final deste trabalho, já que este retrata o
extremo do continuum que não é descrito naqueles trabalhos realizados no Rio de Janeiro.
Considerando, portanto, todas essas pesquisas, é possível esboçar o continuum de
aplicação da regra de concordância, que vai de 94%, na investigação de Graciosa (1991)
do português urbano culto, a 16%, na pesquisa de Lucchesi et al. (2009) do português
popular rural. A partir dessa distribuição e com base na proposta dos autores sobre a
polarização sociolinguística brasileira, Vieira; Bazenga (2013, p. 61) sugerem a seguinte
distribuição para demonstrar o continuum:
86
Tabela 5 – Continuum de marcação de pluralidade em verbos de P6 consoante os traços rural /
urbano e os graus de escolaridade em variedades brasileiras na proposta de Lucchesi et al. (2009).
[+ marcas] [- marcas]
RJ RJ RJ RJ BA
Urbano Urbano Urbano Rural Rural
Altamente
escolarizado
Moderadamente
escolarizado Analfabeto Analfabeto
Comunidades
afrobrasileiras
Graciosa
(1991)
94%
Scherre; Naro
(2006)
73%
Naro (1981)
48%
Vieira (1995)
38%
Lucchesi et al.
(2009)
16%
Fonte: Vieira; Bazenga, 2013, p. 61
Verificando sobretudo os extremos desse continuum, é possível observar a
polarização sociolinguística presente no PB, relacionada, principalmente aos fatores
escolaridade e perfil rural/urbano, já que é possível perceber o extremo distanciamento,
em termos percentuais, entre o Português da elite escolarizada (94%) versus o Português
das áreas mais rurais (16%). Em suma, quanto mais urbanos e mais escolarizados são os
indivíduos, mais altos são os índices de marcação de plural. Por outro lado, quanto mais
isoladas forem as comunidades, menores são as taxas de escolaridade e,
consequentemente, os índices de concordância são igualmente mais baixos.
Os estudos supracitados também demonstram que o cancelamento da marca de
concordância na variedade brasileira ocorre em contextos bastante variados. Observando
três desses trabalhos no Quadro 3 (GRACIOSA, 1991; SCHERRE; NARO, 2006;
VIEIRA, 1995) e os níveis de escolaridade dos informantes, Vieira; Bazenga (2013, p.
70) trazem o seguinte quadro, que resume as variáveis selecionadas como mais relevantes:
Quadro 3 – Variáveis relevantes em estudos de concordância verbal de P6: amostras brasileiras
com diferentes níveis de escolaridade.
Nível superior de
escolaridade
(Graciosa, 1991)
Nível intermediário de
escolaridade (Scherre;
Naro, 2006)
Ausência de
escolaridade
(Vieira, 1995)
Posição do sujeito em
relação ao verbo
Saliência fônica
(exceto 9-11 anos) Saliência fônica
Distância entre sujeito e
verbo
Posição do sujeito em
relação ao verbo
Paralelismo oracional e
discursivo
87
Paralelismo discursivo Paralelismo oracional e
discursivo
Posição do sujeito em
relação ao verbo
Traço semântico do
sujeito – sem dados ou
não controlados
Traço semântico do
sujeito
Traço semântico do
sujeito
Presença do relativo que Distância entre sujeito e
verbo
Presença de pausa:
sujeito e verbo
Fonte: Vieira; Bazenga, 2013, p. 70
De acordo com o Quadro 3, os contextos estruturais explorados a seguir, comuns
à marioria dos estudos já realizados, parecem ser os mais significativos no fenômeno da
concordância verbal na variedade brasileira:
(i) a posição do sujeito em relação ao verbo – sujeitos em posição anterior ao verbo
favorecem a colocação das marcas de plural (ex. As encomendas chegaram), ao contrário
do que ocorre com sujeitos em posição posterior, pois o verbo “perde” a referência
singular/plural, permitindo maiores possibilidades de apagamento das marcas de número
no verbo (ex. Chegou as encomendas);
(ii) a saliência fônica – verbos em que a diferenciação entre as formas de singular
e plural é mais evidente propiciam a presença das marcas, como ocorre, por exemplo, no
par é x são. Por outro lado, formas muito similares como come x comem, em que a
diferença pode ocorrer apenas pelo acréscimo de nasalidade (-m), as chances de ocorrer
ausência de marcas de plural são mais elevadas;
(iii) o paralelismo – de acordo com esse princípio, a presença de marcas em todos
os constituintes do sujeito induz, por conta da repetição de formas, a marcação de número
no verbo (ex. Os meninos pequenos brincam no parque). Já a ausência de marcas no
sujeito possibilita o inverso, ou seja, o apagamento das marcas no verbo seguida da falta
de marcas do sujeito (ex. Os meninoØ pequenoØ brincaØ no parque);
(iv) traço semântico do sujeito – o traço semântico [+ animado] (ex. as pessoas)
favorece a presença de marcas de número, enquanto o traço [-animado] tende a
desfavorecê-la (ex. a fraqueza).
As variáveis que tendem a demonstrar maior relevância estatística em termos de
atuação sobre a marcação de plural, no entanto, parecem ser as sociais, especialmente a
escolaridade, já que tal tema é motivo de avaliações sociais bastante críticas e evidencia
88
grandes diferenças entre a fala dos europeus e dos brasileiros. Esses julgamentos sociais
relacionam a ausência de concordância, em certos contextos, à falta de instrução escolar.
Como afirmam Vieira; Bazenga (2013):
[...] a ausência de marca de plural ocorre na fala de indivíduos
escolarizados brasileiros somente em construções que podem ser
consideradas não marcadas ou pouco salientes, aquelas que só chegam
ao nível da consciência em situações mais monitoradas: (i) “sujeito”
posposto (chegou os livros); (ii) sujeito anteposto, quando distante do
verbo, representado pelo relativo que, com discreta diferenciação fônica
entre as formas singular e plural (o rapaz e a moça que sempre de
manhã pode ver o sol nascer). Assim, no PB, constitui traço indexical
de iletramento/pouca instrução a ausência de marca de plural em
contextos salientes: sujeito anteposto (sobretudo quando não marcado),
próximo ao verbo com alto grau de saliência fônica (como em os
menino saiu). VIEIRA; BAZENGA, 2013, p. 70-71)
A partir das observações da diversidade de contextos em que a ausência de
concordância verbal ocorre no PB, seja por motivos estruturais ou por razões sociais,
como a escolaridade e o perfil rural/urbano, é possível chegar à conclusão de que a
marcação de plural nessa variedade constitui, nos termos de Labov (2003), uma regra
variável, ou seja, varia, em diversificados contextos, entre os 5% e os 95% de aplicação
das regras de marcação de plural no verbos de terceira pessoa do plural.
4.2.2 No Português Europeu
O Português Europeu é a variedade tida como modelo de formação para todas as
outras variedades do Português, por ter-se configurado historicamente como língua de
maior prestígio, representante do colonizador e das oportunidades de ascensão social. Por
representar a idealização do que seria o padrão correto a ser seguido, o PE é, muitas vezes,
considerado como uma língua em que a variação é inexpressiva, especialmente no que
tange ao fenômeno da concordância verbal, porque sua ocorrência seria ínfima.
Ao explorar essas ocorrências classificadas como “ínfimas”, Lucchesi (2006, p.
108) questiona: “esse nível irrisório de variação não poderia ser melhor analisado como
acidentes de performance, não se configurando, portanto, um processo efetivo de variação
estruturada?”. No entanto, Naro; Scherre (2007) afirmam que é possível encontrar, no
Português Europeu, estruturas variáveis muito semelhantes às encontradas no Português
Brasileiro, seja no momento atual ou no período anterior à colonização, mesmo que essas
89
ocorrências sejam em menor quantidade e em contextos menos variados.
Assim, Naro; Scherre (2007), ao realizarem um estudo com documentos do século
XVI, encontraram 200 ocorrências de ausência de concordância em textos medievais no
Português Europeu. Nos 8 textos analisados, foram encontrados casos de formas verbais
sem a presença de marcas de terceira pessoa do plural, casos de verbo no singular em que
supostamente a norma exigia a forma plural.
Alguns trabalhos variacionistas (VAREJÃO, 2006; MONGUILHOTT, 2009;
GANDRA, 2009; VIEIRA, 2011; RUBIO, 2012; MONTE, 2012; VIEIRA; BAZENGA,
2013), ainda que sejam poucos em comparação à quantidade de estudos sobre a variedade
brasileira, se voltaram ao estudo do fenômeno no Português Europeu e confirmaram a
existência de certos casos de oscilação na marcação de número, em alguns dos contextos
em que ocorre ausência de marcas, seja no PB, seja no PM. Os principais contextos
mencionados por esses autores são: sujeito posposto, sujeito não realizado, sujeito
inanimado e sujeitos representados por pronome relativo “que”. Essa oscilação, portanto,
poderia representar uma regra semicategórica, ou seja, a aplicação das regras de
concordância oscilaria entre 95% e 99% de marcação. Em outras palavras, ao contrário
do que inicialmente se acreditava, não é possível afirmar que estamos diante de uma
variedade com índices categóricos de marcação de plural, mas, ao mesmo tempo, ela não
pode ser comparada aos níveis totalmente variáveis do PB, por exemplo.
Vieira; Bazenga (2013) em estudo comparativo sobre a concordância em P6 entre
as variedades do Português registram os resultados dos trabalhos de VAREJÃO, 2006;
MONGUILHOTT, 2009; GANDRA, 2009; RUBIO, 2012; MONTE, 2012; VIEIRA;
BAZENGA, 201335, constatando que, independentemente da localidade em que a
comunidade de fala se encontra, a realização das marcas de plural é preferência entre os
falantes da variedade portuguesa, já que “todas as amostras apresentam mais de 90% de
realização da marca” (VIEIRA; BAZENGA, 2013, p. 62).
Considerando apenas os trabalhos que trataram estatisticamente as variáveis
relevantes à marcação de número no PE, as autoras destacam o seguinte panorama, que
representa os poucos fatores que revelariam os contextos nos quais houve ausência de
concordância na variedade europeia:
35 Os índices de marcação dos estudos são, respectivamente, 91%, 91%, 96.5%, 93.9%, 93.1%, 99.2% em
Cacém e 94.7% em Funchal.
90
Quadro 4 – Variáveis relevantes em estudos de concordância verbal de P6 com amostras
europeias.
Monguilhott (2009) Rubio (2012) Monte (2012)
Traço semântico do
sujeito
Posição do sujeito em
relação ao verbo
Posição do sujeito em
relação ao verbo
Posição do sujeito em
relação ao verbo
Traço semântico do
sujeito
Traço semântico do
sujeito
Tipo de verbo Tipo morfológico do
sujeito
Tipo estrutural do
sujeito/SN
Tipo de verbo (verbo
‘ser’ versus outros
verbos)
Saliência fônica
Fonte: Vieira; Bazenga, 2013, p. 71.
Diferentemente do que ocorre na variedade brasileira, no PE os contextos em que
a ausência de marcas de plural ocorre parecem ser mais restritos, relacionados
basicamente à posição e ao traço semântico do sujeito, como se pode ver no quadro. O
tipo de verbo e o tipo estrutural do sujeito também parecem ser relevantes para a variação,
ainda que não sejam os primeiros fatores selecionados como principais atuantes.
Monte (2012) corrobora essas afirmações ao resumir os resultados de sua
pesquisa:
Os nossos resultados mostram que há uma regra mais consistente do
ponto de vista estrutural no PE para a concordância, que vai se pautar
em uma percepção mais nítida da função sujeito ou da ideia de que a
marca de plural no verbo é um modo de marcar a relação desse verbo
com o sujeito. Vemos que aspectos mais ligados ao processamento
linear da relação sujeito-verbo (paralelismo, adjacência/ruptura) atuam
na variação da concordância verbal no PB, mas não afetam a
concordância verbal no PE. (MONTE, 2012, p.161)
Sobre os resultados do PE quanto à escolaridade dos indivíduos, variável
extremamente relevante na variedade brasileira, Monte (2012) acrescenta:
A variável que mais se mostrou relevante na amostra do PB foi a
escolaridade. Já na amostra lusitana, a variável não obteve significância
estatística. Na amostra brasileira, vemos nitidamente a crescente
frequência de concordância à medida que aumenta a escolarização. Na
amostra do PE, as diferenças nos índices de frequência são irrelevantes
91
do ponto de vista estatístico. (MONTE, 2012, p. 161)
Por fim, vale salientar que, ponderando os resultados obtidos nos trabalhos ora
citados e consoante Labov (2003), Vieira; Bazenga (2013) ainda destacam os registros
que variam de 91% a 94% de aplicação das regras, discutindo se esses índices poderiam
representar uma regra variável no PE, já que estariam abaixo do limiar delimitado para o
estudo que fizeram. Sendo assim, por se encontrarem abaixo dos 95% de aplicação das
regras de concordância verbal, esses resultados não confirmariam seguramente a tese de
que no PE existiria somente uma regra semicategórica. No entanto, após amplo debate
sobre os procedimentos metodológicos adotados em cada estudo, as autoras demonstram
que os critérios referentes à coleta dos dados seriam os principais responsáveis pela
diferença nos índices gerais de concordância.
Sendo assim, Vieira; Bazenga (2013) concluem que, seja pelos aspectos
quantitativos ou qualitativos, o PE e o PB vernacular são bastante distintos, apesar de os
dois apresentarem alguns contextos semelhantes de ausência de marcas. Por sua vez, as
restrições em relação à concordância verbal são de ordens extremamente diferentes:
enquanto o PB registra uma lista de restrições sociais e estruturais particulares da
variedade, o PE parece demonstrar falta de concordância em contextos de “caráter
universal”, ou seja, contextos estritamente linguísticos que não podem ser generalizados
como representativos das origens de uma única variedade porque eles
[...] constituem tão somente o registro do comportamento específico de
estruturas sintática, semântica e foneticamente particulares; de fato, o
conjunto de fatores em atuação nas três variedades do PE parece
obedecer a condicionamentos morfofonológicos (sândi-externo) e
sintático-semânticos do tipo genérico ou “universal”, não podendo ser
indicadores que caracterizam cada uma destas variedades. (VIEIRA;
BAZENGA, 2013, p. 74)
Sabe-se, então, que PB e PE representam polos opostos de acordo com as
restrições linguísticas e extralinguísticas que atuam sobre a variação na concordância
verbal. Resta, então, compreender o fenômeno em estudo nas variedades africanas, com
o objetivo de estabelecer semelhanças e diferenças que as aproximem mais do PB ou do
PE, em termos qualitativos e quantitativos.
92
4.2.3 No Português de Moçambique
As variedades africanas do Português, e de modo particular a moçambicana,
carecem de trabalhos variacionistas que se ocupem do fenômeno da concordância verbal
em termos quantitativos, ou seja, que apresentem resultados que permitam a
caracterização dos padrões de concordância verbal, especialmente o de 3ª pessoa36, que é
de interesse da presente pesquisa. Gonçalves (2015) resume o que já foi feito nessa área
de estudo:
A maior parte dos estudos sobre a CV em PM, num total de 8, foram
realizados numa perspectiva descritiva e, em alguns casos, têm como
horizonte intervenções didáticas, destinadas a promover a competência
gramatical dos estudantes nesta área gramatical. Esta dimensão didática
decorre do fato de que, em Moçambique, tal como acontece no Brasil,
a não-realização da regra de concordância verbal constitui “um traço de
diferenciação social, de cunho estigmatizante” (Vieira, 2007, p. 85).
Até ao momento presente, não foram realizados estudos quantitativos
com o objetivo de descrever detalhadamente o padrão da concordância
variável no SV. (GONÇALVES, 2015, p. 13)
Esses poucos trabalhos já realizados (cf. GONÇALVES, 1997; GONÇALVES et
al. 1998; ANTÓNIO, 2011; BAVO, 2011; NHONGO, 2005; JEQUE, 1996; JUSTINO
2015; MORENO; TUZINE, 1997)37 mostram, em certa medida, tendências similares às
verificadas no PB, apresentando alguns “desvios” à norma do PE com relação à marcação
de número no verbo, como se verá a seguir.
Gonçalves (1997) apresenta a caracterização da “Tipologia de erros do Português
Oral de Maputo”, considerando aspectos de léxico, léxico-sintaxe, sintaxe e
morfossintaxe em dados de fala. Tal tipologia faz parte do projeto Panorama do Português
Oral de Maputo (PPOM), cujo objetivo era a construção de um corpus da modalidade
36 Os poucos trabalhos realizados sobre a variedade são-tomense (Figueiredo, 2009, 2010; Jon-And, 2011;
Vieira, 2011; Brandão; Vieira, 2012, Vieira; Bazenga, 2013, Vieira; Brandão, 2014) mostram tendência de
uma aplicação parcial da regra no PST, assumindo comportamento de uma regra variável, como ocorre na
variedade brasileira. Ocorre que o Português do Brasil apresenta níveis mais baixos de aplicação da regra
e uma gama muito mais variada de contextos desfavorecedores da marcação de número. Portanto, a
concordância nessa variedade africana se encontraria entre as duas variedades, não alcançando níveis tão
similares aos da variedade europeia, nem apresentando níveis tão baixos quanto os do PB em variedades
urbanas populares.
37 Cabe ressaltar que esses trabalhos apenas apontam os fenômenos sintático-semânticos que sofrem
variação, sem caracterizá-los de forma quantitativa. Assim, ainda que apresentem exemplos relacionados à
concordância verbal de 3ª pessoa, não indicam resultados que determinem o padrão de CV da variedade
moçambicana.
93
oral do Português de Moçambique, que servisse de fonte para estudos sobre a variedade.
Considerando apenas falantes de Português como L2, a autora tinha como objetivo
identificar as estruturas da fala desses informantes que fugissem à norma padrão do PE e
categorizá-las de acordo com propriedades específicas do sistema linguístico do PM.
Sobre o uso da palavra “erros” a autora explica:
No âmbito da pesquisa, estas construções não padrão foram
classificadas como “erros” por razões de natureza diversa. Por um lado,
este termo é usado numa perspectiva prescritiva e, por outro lado, é
aplicado na perspectiva de aquisição/aprendizagem de uma língua. A
perspectiva prescritiva foi motivada, em primeiro lugar, pelo facto de
considerarmos que as dimensões reduzidas do corpus [...] não
autorizava ainda a formulação de generalizações válidas para o corpus
de uma forma geral [...] Além disso, tendo em conta que a competência
linguística dos informantes selecionados se apresenta muito variável e
diversificada, não é ainda possível tratar as construções não padrão por
eles produzidas como norma(s) local(is) [...] No decurso da aquisição /
aprendizagem [...] o termo é usado como indicador das áreas de
fossilização do Português/L2 [...] vistas como zonas desta língua para
as quais são provavalemente requeridas metodologias específicas de
ensino (GONÇALVES, 1997, p. 3-4)
Apesar de não aprofundar os estudos sobre a concordância verbal em si, é válido
destacar sua percepção de que “No que se refere aos ‘erros’38 de concordância em número,
predominam os casos de uso de formas verbais no singular em contextos que requerem o
plural.” (GONÇALVES, 1997, p. 61). Os exemplos usados pela autora são
especificamente de 3ª pessoa do plural, em sujeitos pospostos, contexto de alta relevância
para a ausência das marcas de concordância verbal, mas também em sujeitos antepostos.
(GONÇALVES, 1998, p. 128,129)39:
a. As senhoras também amantiza. (PE= também se amantizam)
b. Se os preços dos transportes público fosse um bocado baixos... (PE= fossem)
c. De momento agora as coisas está normal. (PE= estão)
d. Ultimamente os casamentos não dura. (PE= duram)
38 A autora considera como “erros” os casos em que a flexão do verbo em número não está de acordo com
as regras gramaticais europeias.
39 Destacam-se, também, nos trabalhos da referida autora, casos (que não foram objeto de investigação na
presente pesquisa) em que há “desvios” de concordância quanto à pessoa do verbo e casos em que ocorre
flexão verbal no plural em sujeitos que representam coletivos.
94
e. Foi quando começou os problemas. (PE= começaram)
f. Então chega as pessoas. (PE= chegam)
g. Vai começar as eleições. (PE= vão)
Investigando textos escritos por universitários do primeiro ano de ensino de
Português da Universidade Pedagógica da Beira, Nampula e Quelimane, António (2011)
destaca 42 frases que apresentam “desvios à concordância verbal”, produzidas por 32
informantes do corpus em questão. Em suma, “constatou-se que os «erros» mais
evidentes são os que se registam em frases que envolvem as seguintes estruturas: SN/SU
coordenados (SN/SUs complexos) e SN/SUNulo ser PredSU/temporal.” (ANTÓNIO,
2011, p. 24). A seguir, exemplos extraídos de seu estudo:
[SN concorrência desleal e a lei de “vence o mais forte]” [pl] obriga-nos[sing] a
optar por profissões (LAN/05/NAM) (= obrigam-nos)
[SN o clima e a temperatura][pl] mudou[sing] os pensamentos (MRO/05/NAM)
(= mudaram)
penso que [SN um ou outro jovem][sing] sabem[pl] algo sobre (USS/05/QUE) (=
sabe)
dois jovens, com características esfomeadas e todos esfarrapados (…) pensei que
também [-]SU era[sing] viajante (NOC/05/QUE) (= eram)
a polícia que estava a dez metros do local, simplesmente [-]SU limitaram-se[pl]
a dizer (NOC/05/QUE) (= limitou-se)
os estudantes do ensino superior (…) iludidos pelo dinheiro que necessitam uma
vez que [-]SU não vai[sing] fazer nada (SAL/05/QUE) (= vão)
acontece[sing] [SN muitos problemas] [pl] (RAV/05/BEI) (= acontecem)
ainda não existem[pl] [SN maneira eficaz de eliminação][sing] (LUI/05/QUE)
(= existe)
existe[sing] [muitos ladrões] [pl] (LAN/05/NAM) (= existem muitos ladrões)
António afirma que os contextos mais propícios a “erros”, que ele chama de
“áreas problemáticas”, ocorrem com três tipos de sujeito: o pronome relativo, os sujeitos
complexos e os nulos. Além dessa discussão, é possível ver destacados nesse trabalho os
mesmos casos exemplificados por Gonçalves (1998), como a ausência de marcas quando
95
os sujeitos estão pospostos ao verbo e a presença de verbos flexionados no plural em
contextos em que a norma do PE seleciona verbos no singular.
Depois da exposição dos “erros”, o autor lista estratégias de ensino da regra
gramatical para esses “desvios”, ainda que apresentem baixa ocorrência, num corpus que
registrava 28.854 palavras. Assim como ele, Bavo (2011) também dá ênfase a estratégias
de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa, apresentando listas de exercícios para o
treinamento da concordância verbal em sala de aula.
Tanto António (2011) quanto Bavo (2011) usaram, como base teórica para suas
pesquisas, o estudo de Nhongo (2005), primeiro trabalho que buscou os “desvios” da
concordância verbal em corpus escrito por (60) estudantes universitários. As tendências
encontradas no trabalho da autora são as mesmas explicitadas por António e Bavo, sendo
que Nhongo (2005) dá destaque ao fato de os dados mostrarem que as divergências em
relação à norma ocorrem na concordância em número, mas não em pessoa, especialmente
no discurso de falantes com grau de escolaridade superior. Alguns exemplos de Nhongo
(2005) são distribuídos em dois grupos:
(i) verbos em que não há marca explícita de plural quando ela é exigida pela
gramática europeia40. Os “desvios” dessa natureza encontrados no corpus ocorrem em
“sujeitos compostos” (a); “sujeitos complexos” (b); sujeito não realizado em frases
complexas (c) e sujeitos pospostos ao verbo (d):
a. As doenças, a fome e a morte é outra tragédia.41 (PE: são)
b. ... bens necessários e básicos para um indivíduo adquirir está muito além das suas
capacidades. (PE: estão)
c. Muitos jovens enfrentam estas dificuldades, no entanto [ - ]i não desiste. (PE:
desistem)
d. [ - ] acontece muitos problemas. (PE: acontecem)
40 É importante ressaltar que os exemplos retirados de tal pesquisa utilizam a sigla “PE” para demonstrar
aquilo que seria a concordância padrão da variedade europeia, como se esta não fosse passível de variação
e nunca houvesse registro de uso não padrão destas formais verbais. Para maiores informações sobre o PE,
cf. Seção anterior (4.2.2)
41 Tal estrutura poderia representar uma leitura de tópico, na qual o verbo copulativo concorda com o
elemento pós-verbal e a concordância com o sujeito da oração no plural sugeriria certa inaceitabilidade.
Para maior aprofundamento dessa interpretação, conferir Galves (1998).
96
(ii) Aqueles em que a norma exige o verbo em sua forma singular, mas este
aparece flexionado no corpus em questão. Essas ocorrências foram encontradas em casos
de presença de verbo existencial (e) e de sujeitos que representam coletivos (f, g):
e. Estou certo de que [ - ] haverão leis que vão defender as crianças clonadas. (PE:
haverá)
f. A camada juvenil não tinham preocupação com o seu futuro. (PE: tinha)
g. A população desta zona usam roupa importada da África do Sul. (PE: usa)
Em outra testagem feita com alunos universitários, Justino (2015a) reforça os
argumentos sobre os casos em que mais ocorre falta de concordância e o papel da variável
escolaridade nesse fenômeno, como resume Gonçalves (2015) a seguir, assinalando que
os alunos:
revelam mais dificuldades em aplicar as regras de CV quando a posição
de sujeito está vazia, quer porque este está posposto ao verbo, quer por
não estar realizado lexicalmente em frases complexas. Os resultados
parecem indicar que esta é a área da CV que apresenta maiores desafios
para a população moçambicana, mesmo para aquela que tem um grau
de instrução superior. (GONÇALVES, 2015, p. 14)
Diferentemente das outras abordagens, Jeque (1996) teve por objetivo testar a
hipótese de que a falta de marcas de concordância no verbo estaria relacionada ao maior
preenchimento do sujeito. Os resultados, no entanto, não permitiram tal constatação, uma
vez que muitos dos registros utilizados pelo autor apresentavam sujeitos preenchidos.
Sobre esse contexto específico, Duarte; Varejão (2013) discutem a relação entre
sujeitos (não)preenchidos e a flexão verbal nas variedades brasileira e europeia,
afirmando que não existe uma correlação direta entre os dois elementos, ou seja, não
haveria compensação morfológica no verbo pela presença de um sujeito explícito. Essa
ideia de “compensação” parece ser a explicação da hipótese inicial do autor para a
ausência de marcas de concordância. As autoras, todavia, declaram que o PB está em
processo de mudança em progresso, pois, apesar de haver elementos externos que
auxiliem a identificação do sujeito nulo, os contextos típicos de sujeitos nulos referenciais
apresentam, preferencialmente, sujeitos preenchidos, independentemente da presença de
um sujeito referencial. A tendência geral, portanto, é a de se preencher os sujeitos na
maioria dos contextos, já que está se perdendo a possibilidade de identificar o referente
97
sujeito pela desinência verbal. Ao que parece, o preenchimento do sujeito cada vez maior
é uma consequência da ausência de marcas de plural no verbo e não o contrário.
Por fim, Moreno; Tuzine (1997) analisam o papel dos fatores sociais na variação
linguística do Português de Moçambique. Os autores estudaram esses fatores em uma
amostra com entrevistas de 20 informantes do corpus PPOM (Panorama do Português
Oral de Maputo), fazendo um estudo das variáveis linguísticas em relação às variáveis
extralinguísticas (idade, escolaridade, profissão, e local de residência). De acordo com os
autores:
Os resultados obtidos permitem-nos observar que os fenómenos de
variação que se manifestam no POM não podem nem devem ser
explicados recorrendo-se apenas a uma ou duas variáveis sociais
isoladamente, parecendo, pelo contrário, decorrer de uma
multiplicidade de factores, actuando em conjunto. Assim, os resultados
da análise mostram que o nível de escolaridade e a profissão são
factores mais relevantes do que a idade e o local de residência, para a
ocorrência de desvios no discurso dos falantes da nossa amostra.
(MORENO; TUZINE, 1997, p. 87)
Assim, pode-se concluir que a concordância verbal é, de fato, uma área da
gramática da Língua Portuguesa que merece atenção na variedade moçambicana. Ao que
tudo indica, o olhar quantitativo faz-se necessário para a constatação do tipo de regra
existente nessa variedade e, consequentemente, o estudo qualitativo das ocorrências
encontradas pode levantar hipóteses importantes sobre o Português de Moçambique que
parece estar se construindo de maneira independente – distanciando-se um pouco tanto
do PB quanto do PE. A próxima seção, portanto, dedica-se à exploração da metodologia
utilizada para a obtenção dos resultados estatísticos da variedade em questão.
98
5 METODOLOGIA
A presente seção é dedicada à apresentação dos aspectos metodológicos da
pesquisa, dentre os quais se destaca a descrição do corpus utilizado para este estudo,
necessária para a compreensão de suas especificidades, especialmente no que tange ao
perfil dos informantes. Além disso, também são apresentadas as etapas realizadas ao
longo do trabalho e, mais especificamente, os procedimentos iniciais adotados quanto às
rodadas estatísticas executadas para a obtenção dos resultados que serão apontados no
Capítulo 742.
5.1 Montagem e elaboração do corpus
O banco de dados utilizado nesta pesquisa faz parte de uma amostra elaborada e
construída pela autora deste trabalho e sua orientadora, Professora Silvia Rodrigues
Vieira, em pesquisa de campo realizada no período de 15 a 29 de setembro de 2016, em
Maputo, Moçambique-África. Inicialmente, buscava-se entrevistar, ao menos, 18
indivíduos nascidos em Maputo, que se declarassem falantes de Português como língua
materna. Esses 18 indivíduos deveriam preencher os critérios estabelecidos para a
pesquisa em relação à idade, à escolaridade e ao sexo, critérios que já haviam sido usados
na constituição de amostras brasileiras e europeias, quais sejam: um homem e uma mulher
de cada uma de três faixas etárias (18-35 anos; 36-55 anos; acima de 56 anos) e de três
níveis de escolaridade (ensino fundamental; ensino médio; ensino superior).
Com base em um planejamento inicial junto aos pesquisadores Perpétua
Gonçalves e Victor Mércia Justino Cumbana, da Universidade Eduardo Mondlane, e a
professora Maria João Carrilho Diniz, diretora da Biblioteca Central de Maputo,
realizaram-se 35 entrevistas sociolinguísticas com indivíduos moçambicanos residentes
na comunidade urbana de Maputo.
Ressalte-se que a professora Maria João Carrilho Diniz, moçambicana, nascida na
província de Cabo Delgado, por ter atuado durante muito tempo como professora de
Língua Portuguesa nas escolas de Moçambique e ser conhecedora da atuação das línguas
locais em relação ao Português, concedeu-nos um relato extra, riquíssimo em informações
42 No início do Capítulo 7, são descritos os amálgamas entre os fatores durante as análises das rodadas
multivariadas.
99
sobre a multiplicidade de línguas e o possível perfil básico do PM falado atualmente no
país. Tal relato foi devidamente gravado de modo a constituir referência para as reflexões
feitas na presente pesquisa, especialmente acerca das variáveis sociais, uma vez que suas
declarações trazem luz à interpretação dos resultados obtidos e permitem o levantamento
de hipóteses quanto à formação do Português de Moçambique.
A elaboração do corpus foi uma atividade vinculada ao projeto “Estudo
comparado de padrões de concordância em variedades africanas, brasileiras e
portuguesas: a natureza das restrições e o contato linguístico”43, financiado pela FAPERJ
(Projeto E-26/201.436/2014), no âmbito do Programa de Pós-graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O objetivo principal do citado
projeto é tratar da concordância e, a partir dela, descrever o perfil sociolinguístico das
comunidades de fala da Língua Portuguesa, quais sejam: brasileiras, europeias e/ou
africanas. Os dados obtidos são oportunamente submetidos a uma abordagem contrastiva.
Tendo em vista essa abordagem, buscaram-se perfis sociais que se encaixassem e
fossem comparáveis àqueles já selecionados em trabalhos realizados nas outras
variedades do Português, como a brasileira e a europeia. No entanto, a observação
cuidadosa dos perfis fez notar que, devido ao caráter social bastante distinto entre a
comunidade em questão e as outras já estudadas, a distribuição dos informantes pelas
células sociais não pôde ser feita exatamente da mesma maneira. Assim, cabe ressaltar a
importância de se compreender a riqueza cultural e a diversidade de origens e de línguas
dos informantes entrevistados nessa amostra.
Todos os informantes são falantes de Língua Portuguesa, seja ela sua língua
materna ou não, já contrariando o primeiro dos critérios estabelecidos a princípio. Ao
longo das entrevistas, eles foram inquiridos acerca dos hábitos culturais da vida em
Moçambique, situações da vida cotidiana (transporte, educação, saúde, política) e da
família (hábitos e tradições), e, ainda, da(s) língua(s) que falam e/ou compreendem, além
do Português, na sua comunicação diária na comunidade (para mais detalhes sobre o
roteiro da entrevista, cf. Anexo I).
43 O projeto submetido à FAPERJ é parte integrante do grupo de trabalho da ALFAL (Associação de
Filologia e Linguística da América Latina), intitulado Estudo comparado dos padrões de concordância em
variedades africanas, brasileiras e europeias do Português (Projeto ALFAL – Fase 2).
100
5.2 Seleção dos informantes
Para compreender os perfis entrevistados para esta pesquisa, é necessário destacar
alguns fatos extremamente relevantes para a sociedade moçambicana e, especialmente,
para os habitantes de Maputo; são eles: a relação do indivíduo com a Língua Portuguesa
e as línguas locais, e sua escolaridade. Além disso, o local de origem do indivíduo parece
afetar consideravelmente essa relação entre o Português e as diferentes línguas nacionais
faladas nas diversas províncias.
Sendo Maputo a capital do país, houve, como ocorre na maioria dos centros
urbanos de que se tem conhecimento, migrações para a cidade – especialmente depois da
independência – de pessoas em busca de melhores condições de vida, à procura de
melhores empregos e educação de qualidade. Com isso, o primeiro cenário que se
encontra na cidade é o de pessoas de origens muito distintas, vindas de todas as províncias
de Moçambique: Zambézia, Tete, Niassa, Gaza, Inhambane, Nampula, Sofala, Manica e
Cabo Delgado. A Figura 1, a seguir, demonstra a distribuição geográfica das províncias
e a distância delas em relação à capital, Maputo:
Figura 1 – Mapa das Províncias de Moçambique
101
Por conta disso, apesar de buscarmos inquirir pessoas nascidas e criadas na cidade
de Maputo, muitas entrevistas, na verdade, contemplam indivíduos nascidos em outras
províncias e/ou que têm pelo menos um membro de sua família, seja o pai, a mãe ou o
cônjuge, que advém de alguma delas. Tal situação afeta diretamente a questão das línguas
faladas por esses indivíduos, já que em cada província existe uma língua local que é mais
utilizada, para além do Português, língua oficial do país. Em outras palavras, cada
indivíduo que passa a morar na capital carrega consigo as influências de sua própria
língua, além de adquirir, independentemente do nível de proficiência, ao menos uma das
principais línguas faladas em Maputo, Changana e Rhonga.
Assim, podemos aferir que quase todos os entrevistados falam o Português e uma
ou mais línguas locais. Mesmo aqueles que informam não ter conhecimento desses
idiomas nacionais podem ser considerados em alguma medida bilíngues (ROMAINE,
1995), ainda que sejam passivos, pois eles declaram compreender “pelo menos um
pouco” os enunciados, embora afirmem não serem capazes de estabelecer uma
comunicação inteligível nesses idiomas. Além disso, existem ainda as outras línguas
estrangeiras que também fazem parte do ambiente, como o inglês, por exemplo, com certa
influência no país, mesmo que nem todos os indivíduos sejam falantes fluentes dessa
língua. Logo, é muito provável que toda essa variedade de línguas tenha causado e ainda
cause impacto sobre a variedade moçambicana do Português.
Vale salientar que o uso de línguas locais é muito forte nas ruas de Maputo e é
possível ouvir pessoas comunicando-se em duas ou três línguas diferentes, em cada canto
da cidade. Letícia Cao Ponso (2016), em pesquisa sobre as atitudes dos universitários
moçambicanos, compartilha da mesma impressão:
Com o passar dos meses em que vivi em Maputo, comecei a separar os
domínios de uso das línguas e percebi que as línguas bantu circulam
mais entre os guardas, empregados, vendedores de rua, taxistas,
motoristas dos chapas, comerciantes dos mercados, habitantes das
zonas intermédia e periférica da cidade que vão trabalhar na zona
central. Eles não são, entretanto, uma minoria, e usam preferentemente
(xi)rhonga ou (xi)changana. Ou seja: ouvi muito mais conversas em
línguas moçambicanas nas ruas de Maputo do que pressupunha que
ouviria. (CAO PONSO, 2016, p. 124)
No mais, ainda é, de fato, totalmente provável ouvir um indivíduo falando
Português e seu interlocutor responder com um idioma local, independentemente de faixa
etária ou nível de escolaridade. Esse parece ser, simplesmente, um hábito, que foi se
102
tornando comum entre esses indivíduos. Por outro lado, é notável que, assim como Cao
Ponso (2016) destaca, existe uma divisão clara entre os domínios em que as línguas locais
são permitidas e aqueles em que somente o Português é possível, mesmo que não haja
mais a proibição do uso dos idiomas nacionais, como havia logo após a independência do
país, já que as línguas locais eram totalmente desprivilegiadas e havia forte tentativa de
abolir o uso das mesmas, até mesmo em ambientes familiares.
A predominância do Português [...] se dá mais em nível sociossimbólico
e nos âmbitos “privilegiados” de atuação das línguas (o português
predomina no domínio oficial ou institucional como repartições
públicas, empresas, prestação de serviços, ONGs, restaurantes, escolas,
universidade, etc.) do que propriamente na diversidade linguística das
práticas cotidianas em termos demográficos. (CAO PONSO, 2016, p.
124-125)
Ainda assim, a mistura das línguas em determinados contextos é bastante comum
e não parece ser um problema para muitos desses indivíduos, já que eles têm plena
consciência do uso que fazem das línguas que dominam. Em outras palavras, a mistura
não é inconsciente, nem ocorre por falta de conhecimento; pelo contrário, eles sabem
exatamente como, quando e com quem usar cada língua.
A observação atenta do comportamento dos indivíduos moçambicanos durante a
pesquisa de campo confirma essa divisão consciente dos domínios de uso das línguas,
uma vez que, ao serem questionados, eles sabem citar com facilidade quais são as
palavras, as expressões e quaisquer que sejam as características das línguas nacionais que
são introduzidas no discurso da Língua Portuguesa corrente. Nenhum deles se mostra
indiferente ao uso de cada língua, como se em algum ponto o Português e as línguas locais
fossem um único sistema; pelo contrário, as línguas em questão são reconhecidas como
sistemas distintos e com valores diferenciados para os moçambicanos.
Durante as entrevistas, eles citam, por exemplo, estruturas que denominam como
mais “abrasileiradas”, ou seja, com características do Português do Brasil, que seriam
utilizadas na fala dos moçambicanos por influência das novelas brasileiras, muito
populares no país. De acordo com eles, essas estruturas são praticamente impossíveis no
Português Europeu. Em suma, esses indivíduos são altamente capazes de distinguir as
diferenças entre as variedades e indicar quando alguém mistura esses códigos e/ou
acrescenta neles vocabulário e expressões das línguas nacionais.
103
Salienta-se que, devido à presença de tantas línguas, muitos desses informantes,
ao serem inquiridos sobre sua língua materna, não souberam identificar com clareza qual
delas seria sua L1. À luz de Romaine (1995), já vimos que a dificuldade em indicar uma
única língua como materna parece ser uma condição comum em sociedades multilíngues
e que, geralmente, a língua que o informante afirma ser a sua materna é a língua com a
qual ele mais se identifica. Nesse sentido, cabe ressaltar que, por muitas vezes, o
indivíduo pode declarar ser o Português sua L1 mesmo que ela não o seja, simplesmente
porque, em vista do prestígio associado ao idioma, ele deseje e declare maior identificação
com ela do que com as línguas locais.
Considerando todos os informantes entrevistados, a maioria deles afirma ser o
Português sua L1. Por sua vez, aqueles que afirmam ter aprendido o Português como L2,
destacam, principalmente, Changana e Rhonga como L1, caso dos informantes de
Maputo, e outras línguas, como, por exemplo, Makhwa, Chuwabu, Moniga, Bitonga, caso
dos informantes das outras localidades. Quando se trata dos informantes que afirmam ter
o Português como L1, as mesmas línguas citadas, ao lado de muitas outras, são declaradas
como L2. Já aqueles que informam não se comunicarem em idiomas locais, fazem alusão
a línguas como inglês e francês como suas segundas línguas.
Diante desse cenário, pode-se observar a riqueza linguística presente nessa
sociedade, na qual o diferente é ser monolíngue. Todos os indivíduos parecem ter, no
mínimo, duas línguas que convivem em constante contato, mesmo que o Português seja,
ainda, a língua de maior prestígio, não só na cidade, mas no país como um todo.
Finalmente, um último destaque que parece ser relevante sobre os informantes é
a relação entre a escolaridade do indivíduo e o uso das línguas locais. Ao que tudo indica,
não ter acesso a níveis acima do fundamental na educação escolar corresponde,
majoritariamente, a não ter o Português como L1. Isso ficou evidente em nossa
dificuldade em conseguir informantes naturais de Maputo que fossem falantes de
Português como língua materna nos níveis mais baixos de escolaridade. O inverso
também parece ser verdade, tendo em vista que todos os informantes encontrados com
nível superior se declaram falantes de Português como L1 e são, em sua grande maioria,
aqueles que afirmam não ter e/ou ter pouquíssimo conhecimento das línguas locais.
Portanto, a caracterização social dos informantes desta pesquisa é de fundamental
relevância para a sistematização da variedade em questão, pois, ao que parece, são as
características sociais que descrevem de maneira mais profícua esse Português de
Moçambique, que prefiguraria uma variedade ainda em formação, possivelmente
104
influenciada por questões relacionadas ao contato massivo com línguas autóctones desde
o momento de sua formação e até os dias atuais.
5.3 Distribuição do corpus
Ao todo, foram entrevistados 35 indivíduos que se encaixavam de forma direta
e/ou indireta nos perfis inicialmente projetados. Em outras palavras, algumas células
foram preenchidas com mais de um informante que tivesse algumas das características
exigidas para aquele perfil. Devido às dificuldades de encontrar perfis totalmente
compatíveis com os das amostras brasileira, europeia e são-tomense do projeto do qual o
presente trabalho faz parte, todas as entrevistas concedidas foram arquivadas, de maneira
que, após observação detalhada de cada uma, fosse possível traçar critérios que mais se
aproximassem da proposta inicial. Cabe agora, portanto, descrever os 18 informantes que
foram, de fato, selecionados para o presente trabalho, de acordo com o perfil básico44 dos
sujeitos entrevistados.
Assim, o banco de dados utilizado é composto por todas as ocorrências de sujeito
de 3ª pessoa do plural acompanhado de verbo, com presença ou ausência da marca de
número, retiradas de 18 entrevistas dos informantes da amostra Moçambique (composta,
no total, de 35 informantes, homens e mulheres, falantes de Português como L1 ou L2,
advindos de diferentes províncias de Moçambique, distribuídos nas três faixas etárias e
nos três níveis de escolaridade propostos para a montagem da amostra). Dos informantes
selecionados, 61% afirmam que o Português é sua língua materna, enquanto o restante
informa ter aprendido o Português mais tarde, especialmente na escola, portanto, como
uma L2, já que hoje é a língua que mais utiliza no seu dia a dia.
Os 18 informantes são naturais de Moçambique, sendo 11 de Maputo, 3 de Gaza,
2 de Zambézia, 1 de Inhambane e 1 de Nampula. Como não foi possível completar todas
as células apenas com informantes naturais de Maputo, estes foram os informantes
selecionados de acordo com os outros critérios do projeto, como já mencionado: a faixa
etária, o sexo e o nível de instrução dos indivíduos, já utilizados para a descrição das
outras variedades do Português (europeia, brasileira e são-tomense) exploradas. Dessa
forma, os perfis dos informantes são compatíveis com os critérios de seleção que
44 Devido à heterogeneidade da amostra, uma caracterização particular dos informantes selecionados será
apresentada no Capítulo 6, no qual são descritas as variáveis utilizadas no trabalho.
105
permitem o controle das células sociais consideradas no referido projeto, isto é, eles são
distribuídos a partir da faixa etária: A (18-35 anos), B (36-55 anos) e C (56-75 anos); do
nível de escolaridade: Nível 1 (Ensino Fundamental), Nível 2 (Ensino Médio) e Nível 3
(Ensino Superior); e do sexo (feminino ou masculino).
Quadro 5 – Quadro de informantes utilizados na amostra, distribuídos em relação ao nível de instrução, a
escolaridade e ao sexo.
Acredita-se que o uso do Português com base nesse quadro de informantes
permitirá reflexões com vista ao estabelecimento do estatuto da concordância verbal na
variedade moçambicana, além de permitir discussões acerca das faixas etárias e dos níveis
de instrução, que parecem ser fatores extremamente significativos para a sistematização
do Português falado nessa região. As diferenças com relação à localidade e à língua
materna dos informantes, que contrariaram as expectativas iniciais de montagem da
amostra (apenas pessoas naturais de Maputo e falantes de Português como língua
materna), não parecem constituir empecilhos ao levantamento dos fatores que
influenciam estatisticamente no cancelamento da marca de número na variedade
moçambicana. Contudo, ainda que não tenha sido possível controlar sistematicamente
esses fatores, eles podem ser observados no presente trabalho, já que demonstram
indicações de serem variáveis sociais relevantes em relação ao conhecimento de Língua
Portuguesa. Sem dúvida, o refinamento do quadro de informantes para futuras pesquisas
é de fundamental importância, consoante, por exemplo, a realização de entrevistas que
sejam inteiramente com falantes de Português como L2 e das diversas localidades de
Moçambique.
5.4 Etapas do trabalho
Seguem, agora, a enumeração e a explicitação dos procedimentos realizados na
presente pesquisa:
Escolaridade /
Idade / Sexo
Nível 1 de instrução Nível 2 de instrução Nível 3 de instrução
Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher
Faixa A PMO-A-1-H PMO-A-1-M PMO-A-2-H PMO-A-2-M PMO-A-3-H PMO-A-3-M
Faixa B PMO-B-1-H PMO-B-1-M PMO-B-2-H PMO-B-2-M PMO-B-3-H PMO-B-3-M
Faixa C PMO-C-1-H PMO-C-1-M PMO-C-2-H PMO-C-2-M PMO-C-3-H PMO-C-3-M
106
1. Fundamentais em qualquer pesquisa científica, as leituras especializadas
sobre todos os assuntos envolvidos para a formulação das hipóteses e o
conhecimento do tema foram realizadas ao longo de todas as etapas do
trabalho.
2. A primeira etapa prática consistiu na Pesquisa de Campo para a realização
de entrevistas do tipo DID (Diálogos entre Informante e Documentador),
com o objetivo de observar o fenômeno em questão e constituir o corpus
necessário à investigação.
3. O segundo passo foi a transcrição das entrevistas obtidas na etapa anterior,
realizada pela equipe do projeto.
4. Em seguida, fez-se a coleta dos dados, realizada por meio do rastreamento
da concordância verbal de 3ª pessoa do plural nas entrevistas estudadas, de
modo que fossem recolhidas todas as ocorrências de sintagmas nominais
sujeitos de 3ª pessoa plural. Ressalte-se que, com base em Vieira; Bazenga
(2013), os seguintes casos não foram contemplados na coleta: verbos com
sujeito indeterminado (Quebraram a janela); verbos que apresentam formas
singular e plural homófonas como tem e vem, cuja distinção singular-plural
não é clara; sujeitos de 3ª pessoa com constituinte topicalizado (Filhos, -isso-
é meu sonho); verbos na voz passiva sintética, nos quais a identificação do
sujeito é fruto de debate científico; verbos no infinitivo, devido à
ambiguidade de sua referência; construções em que a definição da marca
morfológica de plural é duvidosa por motivos fonético-fonológicos, como a
adjacência de segmentos que impede a identificação de plural ou singular do
verbo (cantam uma; cantam na); e contextos com coordenação, com
expressões quantitativas e partitivas como um dos que e a maioria de e
outros, em que a própria norma gramatical aceita variação, já que permite a
concordância com o elemento mais próximo ao verbo quando o sujeito está
posposto.
5. A etapa seguinte consistiu na codificação dos dados segundo as variáveis
linguísticas e extralinguísticas definidas para este trabalho (que serão
descritas no Capítulo 6, sendo (i) de natureza extralinguística: escolaridade,
sexo, faixa etária, província de origem, Português L1 ou L2, língua(s)
dominada(s) pelo informante e o próprio informante (características
individuais que poderiam afetar o resultado final); (ii) de natureza
107
linguística: posição do sujeito em relação ao verbo, configuração
morfossintática do sujeito, distância entre o núcleo do sintagma nominal e o
sintagma verbal45, paralelismo clausal, animacidade do sujeito, saliência
fônica, tempo/modo verbal.
6. Posteriormente, o material foi submetido ao tratamento estatístico realizado
pelo pacote de programas GOLDVARB X, para a obtenção das porcentagens
e dos pesos relativos de cada contexto no favorecimento/desfavorecimento
da marca verbal de número. Foram realizadas 25 rodadas estatísticas, ora
considerando todas as variáveis codificadas, ora descartando algumas delas,
e 8 cruzamentos entre variáveis que indicaram atuação conjunta e/ou
superposta sobre os resultados obtidos. Através dessas rodadas estatísticas,
buscou-se o quadro que melhor representasse o panorama quantitativo dos
grupos de fatores atuantes na concordância verbal da variedade em questão.
7. Na última etapa, foram feitas a análise e a interpretação dos resultados
obtidos, de maneira que fosse possível interpretar o estatuto da concordância
verbal na variedade moçambicana do Português e compreender como as
variáveis linguísticas e extralinguísticas atuam no (des-)favorecimento da
marca de concordância nos verbos de terceira pessoa.
8. A redação do texto deu-se ao longo de toda a pesquisa, sendo paralela às
leituras e ao tratamento estatístico dos dados obtidos. De toda a forma, a
etapa final do trabalho dedicou-se à finalização e à revisão do texto.
45 Optou-se pela codificação separada de variáveis que, de fato, podem ser controladas em um único grupo de fatores, como, por exemplo, posição do sujeito e distância entre o SN sujeito e o verbo. O controle dessa relação foi feito mediante a variedade de rodadas e cruzamentos executados.
108
6 AS VARIÁVEIS
Passa-se, aqui, à descrição das variáveis controladas na análise dos dados obtidos.
Tais variáveis representam os grupos de fatores que deram origem às hipóteses levantadas
sobre a variedade em questão, considerando pesquisas já realizadas sobre o fenômeno e
a particularidade dos dados do presente corpus.
6.1 Variável dependente
Quadro 6 - Variável dependente binária: concordância verbal padrão x não padrão no PM
Variável de caráter binário: presença x ausência de marcas de plural no verbo (3ª pessoa)
Concordância padrão eles dizem que é my love (PMOC2M)46
Concordância não padrão as crianças nasceu na minha vida (PMOC1H)
6.2 Variáveis Independentes
6.2.1 Extralinguísticas
a. Escolaridade
Com essa variável, contempla-se a possível atuação do ensino formal no domínio
das regras de preenchimento das marcas de 3ª pessoa nos sintagmas verbais. Observam-
se três níveis de escolaridade, a saber: Ensino Fundamental (até 9 anos de escolaridade),
Ensino Médio (de 10 a 12 anos de escolaridade) e Ensino Superior (nível universitário).47
46 As siglas utilizadas para identificar o informante serão apresentadas sempre da mesma forma, indicando
a localidade do corpus de onde foi retirada a ocorrência (PMO – Português de Moçambique), a faixa etária
do indivíduo (A, B ou C), o nível de escolaridade (1, 2 ou 3) e o sexo (H ou M), de acordo com os padrões
descritos na Seção 5.1.
47 Importante ressaltar que, em Moçambique, a distribuição do sistema escolar se faz com nomenclatura
diferenciada: ensino primário (1ª a 7ª classe), ensino secundário (de 8ª a 12ª classe) e ensino superior. No
entanto, como o presente trabalho faz parte de um projeto que visa à comparabilidade de variedades do
Português, optou-se por manter a nomenclatura clássica utilizada nos trabalhos sobre as variedades
brasileiras e europeias. Salienta-se que, apesar de a nomenclatura ser diferente, a quantidade de anos
estipulada para cada segmento não altera a classificação final dos informantes.
109
Considerando a importância e o valor prestigioso atribuídos à Língua Portuguesa
na sociedade moçambicana, cujo modelo escolar se inspira no Português Europeu como
padrão, supõe-se que, quanto maior o nível de escolaridade do indivíduo, maiores serão
as chances de utilização das marcas de plural, uma vez que a ausência de concordância
verbal não é um fenômeno muito produtivo na variedade europeia (cf. altos índices de
marcação da regra, de caráter praticamente categórico, na Seção 4.2.2 deste trabalho). Em
outra perspectiva, pode-se supor o desfavorecimento das marcas de plural na fala dos
indivíduos com menos escolaridade, dado seu menor contato com o Português formal
ensinado na escola.
Salienta-se, no entanto, que, em uma amostra na qual parte dos informantes de
ensino fundamental e médio se declara falante de Português ora como L1, ora como L2,
tal hipótese pode não ser confirmada, devido ao largo contato com a Língua Portuguesa
em todos os ambientes de maior formalidade na área urbana de Maputo da qual fazem
parte.
b. Faixa etária
Os informantes são distribuídos em três faixas etárias distintas, da seguinte
forma: Faixa A – 18 a 35 anos de idade; Faixa B – 36 a 55 anos de idade; Faixa C – de
56 anos em diante. Os dados são analisados quanto à faixa etária com o intuito de se
verificar o maior ou menor uso da concordância na fala dos informantes, considerando as
possibilidades de interferência da geração de cada indivíduo nas marcas de número, ou
seja, atestar se a época em que cada grupo de informantes nasceu/cresceu pode
demonstrar comportamentos referentes à situação do Português na sociedade
moçambicana.
A hipótese inicial, partindo da declaração dos próprios informantes, seria a de
que a faixa A teria comumente o Português como L1, por terem nascido entre 1982 e
1999, cerca de, no mínimo, 7 anos após a independência do país, contexto em que esta já
era a língua prestigiada, de uso geral nas instituições e nos ambientes de prestação de
serviço, mas ao mesmo tempo sofreria fortíssima influência das línguas locais, muito
presentes nos ambientes sociais e nas ruas de Maputo. Na verdade, estes seriam, portanto,
os falantes prototipicamente bilíngues da sociedade moçambicana, que fazem uso
simultâneo de mais de uma língua no seu dia a dia, sem restrições ou proibições, como
ocorreu com a geração pós-independência. Dos seis informantes mais jovens, quatro
110
declaram-se falantes fluentes de Português e línguas locais, a depender do contexto em
que se encontram, e apenas dois afirmam que somente compreendem os idiomas
nacionais, mas não seriam capazes de estabelecer comunicação eficaz nessas línguas.
A faixa B, por outro lado, agregaria, ao que parece, os reais representantes do
Português como L1, aqueles que nasceram no período entre o processo de independência
e o pós-independência (já que nasceram por volta dos anos 1962-1981). Destacam-se,
aqui, os indivíduos que nasceram após 1975, período em que as línguas locais eram
proibidas na escola e até mesmo em algumas residências. Estes poderiam, porventura,
representar o Português de Moçambique que, acredita-se, está em seu processo de
formação. No presente corpus, quatro dos informantes da faixa intermediária confirmam
a hipótese, já que declaram serem falantes de Português como L1, enquanto os dois
restantes declaram que, apesar de a Língua Portuguesa ser sua L2, ela é a língua que mais
utiliza em seu dia a dia e não as línguas nacionais.
Por fim, a faixa C agrega falantes de perfis bastante distintos. De um lado,
aqueles que são praticamente portugueses, nascidos de casamentos entre os brancos e as
africanas no período colonial. São aqueles que estudaram em escola portuguesa e tiveram
oportunidades de conviver com a elite branca e europeia. Dentre os informantes da Faixa
C selecionados, três deles são representantes dessa realidade. De outro lado, observam-se
aqueles indivíduos prototipicamente moçambicanos, que ora tem o Português como L2,
ora como LE. No primeiro caso, geralmente a Língua Portuguesa torna-se um instrumento
de trabalho e, por isso, mesmo sendo uma L2, é muito mais utilizada do que as línguas
nacionais, como é o caso de dois dos informantes em questão. Já no segundo caso, existem
aqueles idosos, sobretudo das províncias mais distantes da cidade, que têm o Português
totalmente como língua estrangeira, usada somente nos momentos em que ela é
necessária, enquanto em todos os outros ambientes continuam usando suas línguas
maternas para se comunicarem, como ocorre com um dos informantes entrevistados,
representante de um Português bastante precário, de difícil compreensão.
Como se pode observar, por mais que se tenha tentado obedecer aos critérios
sistemáticos de composição da amostra, a complexidade da realidade de línguas em
Maputo impede a interpretação rigorosa desses critérios. Na realidade, o perfil dos
informantes em si pode ser o que mais importa para o entendimento dos dados.
111
c. Sexo
Nas palavras de Paiva (2008):
Gênero/sexo pode ser um grupo de fatores significativo para processos
variáveis de diferentes níveis (fonológico, morfossintático, semântico)
e apresenta um padrão bastante regular em que as mulheres demonstram
maior preferência pelas variantes linguísticas mais prestigiadas
socialmente. (PAIVA, 2008, p. 34)
Na realidade, não obstante essa generalização, proposta pela autora e confirmada
em diversos estudos, é fundamental observar a organização social da comunidade de fala
que se pretende estudar, de maneira que se compreendam quais são os papéis realizados
pelos homens e pelas mulheres nessa sociedade, uma vez que a configuração da variável
pode ser afetada por eles.
Historicamente, as mulheres moçambicanas tiveram acesso tardio à
escolarização – o que poderia afetar o comportamento linguístico de fenômenos como o
da concordância verbal. Contudo, percebe-se uma mudança nesse panorama, já que elas,
no contexto atual, estão, cada vez mais, buscando melhores oportunidades em termos de
educação e trabalho. De acordo com as declarações dos próprios informantes, a mulher
moçambicana tem um papel familiar muito ativo. Ela é responsável por cuidar dos filhos
e do marido, mas também sai às ruas para trabalhar, vender mercadorias e levantar seu
próprio dinheiro.
“agora nós somos mais independentes ((risos)) agora maioria de jovens mesmo não
dependem dos namorados do marido não não aceitam mais... agora trabalham estudam
cuidam da casa conseguem fazer um pouco de tudo...” (PMOA2M)
“aquelas mulheres que fazem... fazem comércio informal... que apanham o carro de
manhã... vão pra machamba buscar produtos... ou vão à África do Sul ficam lá... e voltam
no dia seguinte... à noite... e chegam aqui distribuem aquilo pelas lojas... ou já tem suas
próprias... bancas... e fazem isso semanalmente...” (PMOC3M)
“[...] é obrigada ela a trabalhar:... para ajudar o marido... mesmo em termos de
educação... em termos de condições financeiras... ela tem que estender a mão... é por
112
essa razão que... os homens até quando uma mulher num/não trabalha pra ela/ pra eles
não é nada... não tem valor... eles querem mulheres que trabalham” (PMOC2H)
Sendo assim, não se pode supor a priori que as mulheres possam apresentar
níveis mais elevados de ausência de concordância do que os homens por convivência
social restrita e por falta de contato com o Português. Nesse contexto, a hipótese a ser
investigada permanece sendo a de que as mulheres tendem a favorecer o uso das marcas
de maior prestígio e, assim, poderiam ser mais atentas às marcas de pluralidade.
d. Província de origem
Com essa variável, pretende-se observar se a localidade do indivíduo afeta de
alguma forma o Português falado por ele. Tendo em vista que a procedência não foi um
critério de constituição da amostra e, naturalmente, os informantes não advêm das
mesmas províncias, esse grupo de fatores tem um caráter auxiliar no conhecimento do
perfil dos informantes. Pretende-se, com ela, verificar se a localidade tem influência sobre
o cancelamento da marca de número, já que em cada local existem diferentes línguas em
contato com a Língua Portuguesa, o que poderia afetar a fala desses indivíduos.
Parte-se, então, da hipótese de que os informantes originalmente de Maputo sejam
aqueles que mais favorecem o uso das marcas de plural, por ser o Português a língua de
maior uso na cidade (em termos percentuais, 55%, de acordo com o Censo 2007). Por
outro lado, os informantes advindos de outras províncias talvez sejam aqueles em que se
nota maior desfavorecimento da concordância, já que o contato com a Língua Portuguesa
pode não ser tão intenso quanto na cidade de Maputo.
No entanto, é importante destacar que o tempo de moradia do indivíduo na cidade
pode afetar de maneira definitiva essa variável, uma vez que, pressupõe-se, o maior tempo
de convivência na área urbana pode acelerar a aquisição das regras mais evidentes do
Português. Além disso, é válido relacionar a questão da localidade ao uso do Português
como L1 ou L2 e o uso de outras línguas, pois em cada região há línguas locais diferentes,
mais ou menos usadas por seus falantes, o que interfere diretamente na Língua Portuguesa
que falam em seu dia a dia.
Na amostra aqui utilizada, não foi possível, como já se esclareceu, uma
estratificação da amostra quanto a esse fator, já que os informantes selecionados são
advindos de províncias variadas, sendo algumas delas representadas por apenas um único
113
indivíduo, como é o caso de Inhambane e Nampula. Zambézia é representada por apenas
dois indivíduos e Gaza por três. O restante dos informantes – 11 deles – é de Maputo. A
proposta inicial era coletar entrevistas apenas de pessoas nascidas na capital; no entanto,
a busca pelos perfis necessários tornou-se muito mais difícil do que o esperado, por conta
das questões sociais já mencionadas, como a migração do campo para a cidade. Dada a
complexidade da realidade moçambicana, foi necessário realizar todas as entrevistas
possíveis e apenas controlar os indivíduos, nesta pesquisa, de acordo com as províncias
de onde se originam, com o objetivo de avaliar se este pode ser um fator relevante à
ausência de concordância padrão.
e. Português como L1 ou L2
Relacionada à variável anterior, faz-se necessário analisar se o estatuto do
Português como L1 ou L2, conforme a declaração dos próprios informantes, interfere nos
resultados com relação à concordância verbal. Entende-se que, partindo dos pressupostos
sobre aquisição de línguas, sendo o idioma língua materna, as chances de realização das
regras mais produtivas da L1 são muito maiores, pois o falante adquire os parâmetros da
Língua Portuguesa, provavelmente consoante o modelo europeu, com menos influência
de parâmetros de outras línguas locais, a depender do tipo de input recebido ao aprender
o Português e a relação da família deste indivíduo com os idiomas em questão.
Quanto ao comportamento gramatical em si, é importante verificar, minimamente,
como o sistema de concordância verbal atua nas línguas bantu, de forma que seja possível
observar se, de fato, a influência dessas línguas pode alterar a aquisição das regras de
concordância do Português. Segundo Armando Ribeiro (2016), os verbos das línguas
bantu recebem flexões que são chamadas de “concordâncias” para indicar a pessoa, o
número e a classe tanto do sujeito quanto do complemento. Sendo assim, a depender da
frase, ora a partícula indica sujeito, ora indica complemento, o que resulta em um sistema
diferente daquele encontrado na Língua Portuguesa:
Em Português há uma flexão que indica o sujeito, mas não há uma
flexão que indique o complemento. Em Bantu, os dois podem ser
expressos por uma “flexão anteposta”. Mais: a mesma partícula, com
poucas excepções, representa ora um ora outro, segundo sua posição na
frase. [...] Estas partículas foram classificadas por analogia com outras
línguas, pela tradução que delas se fazia. Se as considerarmos
concordâncias, temos de ter presente que são “concordâncias Bantu”
114
com características e funções diferentes das do nosso esquema
linguístico. (ARMANDO RIBEIRO, 2016, p. 63-64)
De acordo com o mesmo autor, “o verbo concorda com o sujeito em pessoa
número e classe por meios destas concordâncias verbais” (2016, p. 64). Observando os
exemplos apresentados em Ngunga; Simbine (2012)48, é possível compreender essa
afirmação:
Yindlu i mina ‘A casa é minha’
Tiyindlu i ta mina ‘As casas são minhas’
Ngwana ja ‘O cão come’
Tingwana svija ‘Os cães comem’
Yena atile, aja aguma afa ‘Ele veio, comeu e depois morreu’
Vona vajile, vaphuza vaguna vafamba ‘Eles comeram, beberam e foram-se’
Como se pode ver, a presença da partícula ‘ti’ marca o plural dos substantivos “a
casa” e “o cão”. Nas sequências verbais dos dois últimos exemplos, nota-se que ‘a’ indica
sujeito singular (ele), enquanto ‘va’ indica sujeito plural (eles). Todas essas partículas
aparecem em posição inicial, como prefixos, seja no nome ou no verbo em que indicam
pluralidade. Além disso, para cada pessoa verbal usa-se um prefixo diferente: eu – ni, tu
– wu, ele – a, nós – hi, vós – mi, eles – va (cf. NGUNGA; SIMBINE, 2012, p. 135).
Ngunga; Simbine (2012, p. 136) afirmam, assim como Armando Ribeiro, que “as
marcas do sujeito são os prefixos que marcam a concordância do verbo com o sujeito”.
Eles ainda indicam que a regra geral na língua Changana é que “a marca do sujeito ocorre
em posição inicial na estrutura da forma verbal”, enquanto em outras línguas Bantu o
objeto da frase também pode aparecer nessa mesma posição.
Observe-se, agora, que o verbo ‘comer’ recebe o prefixo ‘svi’ para indicar
pluralidade, diferentemente da última sequência verbal, que usa o ‘va’. Essa diferença
pode estar relacionada ao fato de que os prefixos são distinguidos de acordo com as
classes, como declara Armando Ribeiro (2016, p. 66): “tratando-se de pessoa, usa-se a
classe mu – va; não se tratando de pessoas, usa-se a classe xi – svi”.
48 Os exemplos aqui destacados são baseados nas orações encontradas no trabalho de Ngunga; Simbine
(2012). Devido ao escopo preliminar do presente trabalho, optou-se por apresentar estruturas mais simples
da língua, com o objetivo de apresentar minimamente as estruturas de concordância.
115
Ngunga; Simbine (2012) parecem corroborar a proposta de Armando Ribeiro:
De uma certa maneira, pode-se considerar que, em termos de relação
gramatical que estabelecem com o nome, os adjectivos, os numerais, os
possessivos, os demonstrativos e os verbos são todos dependentes (do
nome). O prefixo de concordância nominal acha-se marcado nas
palavras pertencentes a cada uma destas categorias gramaticais,
mudando em função da mudança da classe do nome de que dependem.
[...] Quando se trata de verbo, depende do tempo verbal, da pessoa
gramatical, do tipo de conjugação (se pronominal ou não), etc.
(NGUNGA; SIMBINE, 2012, p. 100)
Cabe, ainda, destacar o verbo copulativo, que parece ser bastante distinto dos
outros, recebendo a marca de pluralidade não como um prefixo, mas como uma nova
forma (‘ta’), que aparece em posição posterior ao verbo. Ngunga; Simbine (2012)
asseguram que o verbo copulativo é um dos mais irregulares da língua Changana,
podendo assumir várias formas para indicar tempo, modo e pessoa:
O que faz o verbo copulativo diferir de outros verbos é o facto de ele
ser de uma irregularidade extrema que faz com que tome várias
configurações em diferentes tempos. (NGUNGA; SIMBINE, 2012, p.
2018)
Acredita-se, portanto, que essa riqueza, em termos de funcionalidade dos prefixos
e de uso para cada verbo e cada pessoa verbal, possa gerar confusões em relação aos
padrões de concordância da Língua Portuguesa. Além disso, até o presente momento,
parece que não há uma formalização exata sobre como funcionam as marcas de número
em si, mas como o comportamento das outras marcas (sujeito e objeto) indica pluralidade
nas sentenças.
A professora Maria João, já citada aqui como colaboradora da pesquisa, confirma
esse pensamento ao informar, por meio de entrevista, que a marcação de pluralidade das
línguas locais é prefixal, e isso pode causar divergências ao adquirir o Português, cujas
marcas ocorrem sempre como sufixos, no final dos vocábulos:
“São prefixais... é difícil... então eu acho que é um problema da língua portuguesa e é
um problema do substrato linguístico que trazem os/os/ os falantes de L2”
116
Logo, é possível assumir que aqueles que afirmam ser o Português sua L2, dentre
outras muitas línguas que, por muitas vezes, declaram conhecer, tendem a utilizar menos
as marcas de número, já que podem sofrer influências de estruturas das outras línguas por
serem tão variadas e/ou, ao menos, não terem adquirido as regras da gramática do
Português por completo, dependendo do input por eles recebido durante a aprendizagem
do idioma.
Considerando os indivíduos escolhidos para a amostra, que inicialmente contaria
apenas com falantes de Português como L1, percebeu-se que esses moçambicanos, em
sua grande maioria, são, no mínimo, bilíngues. Por conta disso, fez-se necessária a
codificação dos informantes de acordo com suas declarações sobre o uso da Língua
Portuguesa, que é considerada L1 por onze dos indivíduos entrevistados e como L2 dos
sete restantes, como o quadro a seguir revela. Sendo assim, postula-se como relevante a
observação da possível influência das línguas maternas utilizadas por esses falantes no
Português falado por eles.
Quadro 7 – Quadro de informantes distribuídos em relação ao uso de Português como L1 ou L2.
f. Língua(s) dominada(s) pelo informante
Para além de saber se o Português é considerada uma L1 ou uma L2 por esses
informantes, é de fundamental importância analisar quais são as línguas que ele utiliza
para se comunicar no seu dia a dia. Seja pelo maior ou menor contato com línguas diversas
ou pela língua em si com a qual tem contato, é relevante compreender se o acesso a esses
outros códigos linguísticos influencia a marcação de número de alguma forma.
Compreende-se que não é do escopo deste trabalho definir quais tipos de
estruturas das línguas locais influenciam ou não a concordância verbal, já que não está
em jogo a observação de cada um desses idiomas. No entanto, como visto na variável
anterior, embora cada língua bantu possa ter uma maneira diferente de indicar suas
Escolaridade /
Idade / Sexo
Nível 1 de instrução Nível 2 de instrução Nível 3 de instrução
Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher
Faixa A A1H - L2 A1M - L1 A2H - L1 A2M - L2 A3H - L1 A3M - L1
Faixa B B1H - L2 B1M - L2 B2H - L1 B2M - L1 B3H - L1 B3M - L1
Faixa C C1H - L2 C1M - L1 C2H - L2 C2M - L2 C3H - L1 C3M - L1
117
categorias gramaticais, ao considerar especificamente o Changana, principal língua falada
em Maputo, as marcas de concordância parecem atuar de forma bem distinta do que
ocorre na Língua Portuguesa.
Assim, o objetivo de observar essa variável é levantar hipóteses sobre possíveis
influências acarretadas pelo contato com essas diferentes línguas e verificar se o maior
ou menor uso delas demonstra diferentes índices de atuação, uma vez que a maioria dos
informantes se declara falante de Changana ou Rhonga49 e/ou uma outra língua nacional,
ainda que alguns, em número reduzido, também afirmem falar apenas o Português.
Decidiu-se, então, separar os indivíduos, inicialmente, de acordo com quatro
categorias: (i) aqueles que afirmam falar apenas Português; (ii) aqueles que declaram falar
Português e apenas ‘compreender um pouco’ línguas locais, não sendo capazes de
estabelecer comunicação com as mesmas; (iii) aqueles que se dizem falantes fluentes de
Português e uma (ou mais) línguas locais, a depender do contexto em que se encontram;
(iv) aqueles que declaram usar o Português somente em casos de necessidade, pois, na
maior parte do tempo, comunicam-se em línguas locais.
Considerando a amostra em questão, onze informantes declaram-se falantes
fluentes de Português e alguma língua local e quatro informam apenas compreender um
pouco os idiomas nacionais. Apenas dois informantes são falantes unicamente de
Português e somente um deles fala mais língua local do que Língua Portuguesa. Com
isso, observa-se que estamos diante de uma amostra quase majoritária de falantes, ao
menos, bilíngues.
Sendo assim, a codificação das línguas faladas pelos informantes baseou-se em
seus próprios depoimentos nas entrevistas e servirá como base para futuros estudos que
pretendam observar a atuação de línguas específicas sobre a concordância verbal do
Português de Moçambique. Para o momento, supõe-se que, quanto maior for o suposto
contato com outras línguas, maiores serão as chances de ocorrer ausência das marcas de
número, por dois principais motivos:
(i) As línguas bantu não possuem marcas sufixais de concordância, o que
dificultaria a fixação das marcas de número da Língua Portuguesa –
sempre sufixais;
49 Vale salientar que, de acordo com afirmações dos próprios informantes, Changana e Rhonga são línguas
muito parecidas, pois fazem parte da mesma família de línguas bantu.
118
(ii) é comum haver simplificação morfológica50 em situações de contato
linguístico, ou seja, os itens lexicais são privilegiados em detrimento às
categorias gramaticais. Em outras palavras, a fixação dos padrões
gramaticais de marcação de número pode ter ficado em segundo plano e a
simplificação seria a explicação para os casos de ausência de marcas, da
mesma forma que pode ter ocorrido na variedade brasileira. (cf.
LUCCHESI, 2009).
g. Informantes51
Como já foi brevemente mencionado, a montagem da amostra passou por algumas
dificuldades específicas que contrariavam a expectativa inicial de perfis a serem
entrevistados. Assim, supõe-se que uma observação mais atenta das características
individuais de cada informante pode trazer luzes à compreensão do que realmente ocorre
na variedade moçambicana do Português.
Tendo em vista, principalmente, que encontramos pessoas com características
muito distintas – desde aquelas advindas de áreas rurais, com pouquíssimo contato com
a Língua Portuguesa, até aquelas que parecem muito mais influenciadas pelos costumes
e pela cultura portuguesa por terem sido criadas e/ou educadas por portugueses –,
pretende-se agora resumir as particularidades desses indivíduos, especialmente no que
tange a origem, profissão e identidade linguística.
PMOA1H
O primeiro informante da amostra é um jovem de 20 anos, natural da província de
Zambézia. Estudante, cursava a 11ª classe (ensino médio) quando foi entrevistado. Sua
50 Para mais informações sobre o fenômeno da simplificação, cf. Seção 3.5 deste trabalho.
51 Embora se tenha buscado arrolar o maior número de informações objetivas a respeito de cada informante,
vale destacar que, assumidamente, algumas das informações aqui relatadas resultam de impressões obtidas
pela autora do presente trabalho, informações que foram consideradas como relevantes para a compreensão
dos perfis muito distintos de informantes a que se teve acesso. Foram destacadas aquelas características
mais específicas do indivíduo ao longo da entrevista, que permitiam diferenciá-lo dos outros e, assim,
explicitar aqueles que foram mais eloquentes em seu discurso, em oposição àqueles que apresentavam certa
hesitação e dificuldades com algumas estruturas da LP, o que, consequentemente, dificultava, em alguma
medida, a comunicação.
119
mãe não foi à escola e o pai tem ensino médio completo. Declara-se falante de Português
como L2, já que sua língua materna é o Emoniga, língua local da Zambézia. De acordo
com ele, teve mais contato com o Português quando foi para a escola, pois em casa e na
região em que morava com os pais, todos falavam Emoniga. Morador de Maputo há 10
anos, afirma ter ido para a cidade em busca de melhores oportunidades de estudo. Apesar
de todo esse tempo vivendo na cidade, alega não saber falar as línguas nacionais utilizadas
em Maputo (Changana e Rhonga).
Demonstrou-se um rapaz eloquente, com um discurso bastante espontâneo e sem
hesitações em Língua Portuguesa, o que permitiu boa compreensão do diálogo por parte
das entrevistadoras, possivelmente devido à forte influência da escola. No entanto, é
importante destacar a impressão de que o sotaque do informante é bastante saliente ou
“carregado”, o que reflete o intenso contato com sua língua materna, provavelmente
causando influências sobre sua L2. Para além dessa diferença no sotaque, ressalte-se que
este foi um dos informantes que mais apresentou variação nas marcas de número, seja no
verbo ou no nome.
PMOA1M
Natural de Maputo, uma menina de 19 anos, estudante, cursando a 8ª classe
(ensino fundamental). Seus pais são naturais de Maputo, falantes de Português e
Changana, que estudaram somente até o ensino fundamental. Seus avós são de Nampula,
falantes de línguas locais dessa província. A jovem afirma estar atrasada na escola porque
sua avó não permitia que estudasse quando era mais nova, por motivos culturais e
religiosos.
Considera-se falante de Português como L1, pois em casa era “forçada” a não usar
línguas locais. Aprendeu Changana na escola, com os amigos, que são os únicos com
quem mantém contato com o idioma nacional. Das informantes mais jovens, foi uma das
que mais falou e demonstrou-se uma usuária fluente de Língua Portuguesa, com ritmo
muito fluido, permitindo um discurso bastante inteligível, possivelmente devido a seu
contato mais eficaz com esta do que com as línguas locais.
120
PMOA2H
O primeiro informante do ensino médio é recepcionista de um hotel, estudante de
Letras/Francês da Universidade Pedagógica de Maputo. Um jovem de 27 anos, poliglota,
que afirma ser o Português sua L1, além de falar inglês, francês e um pouco de chinês.
Conhece a língua local Echuwabu e fala fluentemente em Changana com seus colegas.
Sua família é toda natural de Maputo e todos concluíram o ensino médio.
Cabe ressaltar que esse informante, apesar de ser extremamente fluente em
Português e não apresentar nenhuma dificuldade em se expressar, hesita ao longo da
entrevista quanto ao que seria, de fato, sua língua materna. Ele inicia a entrevista dizendo
que Português é sua L1, mas depois declara que sua mãe falava também em Changana
com ele quando criança. Assim, ele parece ter aprendido as duas línguas simultaneamente,
como um bilíngue prototípico; por isso, apresenta facilidade em destacar os domínios em
que usa cada uma das línguas na atualidade, mesmo que em termos de L1 ele não saiba
definir com precisão se uma veio antes da outra.
Em termos de identidade linguística, ele parece se identificar bastante com as
línguas locais, já que afirma que “existem piadas que não tem graça em português” e
“palavras que só fazem sentido em changana”. De toda forma, sua consciência sobre o
uso do Português é igualmente forte, pois declara que esta serve como língua de
comunicação comum, para todos aqueles que vão de outras províncias para Maputo, com
suas diferentes línguas locais.
PMOA2M
Filha de pais naturais de Inhambane, nasceu em Maputo e posteriormente viveu
durante 7 anos em Inhambane. Aos 22 anos, tem ensino médio completo e trabalha como
recepcionista de um hotel. Por causa de sua profissão, fala Português com bastante
fluência, sem quaisquer hesitações, apesar de não ser sua língua materna.
Falante de Changana desde criança, só aprendeu Português quando foi para a
escola. Também sabe um pouco de Bitonga, outro idioma local. Ela afirma usar “um
pouco de cada língua” tanto em casa quanto no trabalho, mas que na escola era proibido
falar Changana. Ao que parece, identifica-se mais com o Changana, mas demonstra que,
por ser a língua de prestígio e exigida na escola, é importante saber “falar bem” Português
e ter outros ambientes para praticar o que aprende na escola.
121
PMOA3H
Jovem de 23 anos, é natural de Maputo. Foi aluno de escola portuguesa e,
atualmente, é estudante de Marketing. Seu pai é professor universitário, vindo de família
portuguesa. O Português é a sua língua materna e afirma ter pouquíssimo conhecimento
de Changana, pois até compreende, mas não sabe se expressar fluentemente no idioma.
Apresenta-se como um rapaz muito instruído, que teve oportunidade de estudar
em escolas renomadas e com professores portugueses. Devido ao largo contato com um
Português muito próximo ao suposto “modelo” europeu, seu ritmo de fala parece fluir
como o de um cidadão português falando. Apesar disso e de sua afirmação de ter pouco
contato com línguas locais, ele não as subestima. Pelo contrário, diz que sempre foi
incentivado pelo pai a aprender Changana e defende o uso de idiomas nacionais nas
escolas, de maneira a agregar mais conhecimento aos alunos e permitir maiores chances
de aprendizado para aqueles que têm pouco contato prévio com a Língua Portuguesa antes
de entrar na escola.
A forte influência da Língua Portuguesa considerada padrão em seu discurso é
confimada na entrevista, cuja única ausência de marcação de número ocorre em um
contexto linguístico bastante específico (após o pronome relativo que). Fora isso, em sua
longa entrevista não houve qualquer outro “desvio” à norma.
PMOA3M
Essa informante é uma mulher de 33 anos, advinda de uma família em que todos
os membros, inclusive ela, possuem ensino superior completo. Natural de Inhambane,
estuda mestrado em Gestão na Educação e trabalha no Ministério das Finanças.
Declara compreender várias línguas de Inhambane e Maputo, como Bitonga,
Xitsua, Xope, Changana e Rhonga, mas o Português é sua língua materna. Afirma ter
aprendido todas essas línguas de forma espontânea, mais por conta do contato mesmo
com pessoas que as falavam.
PMOB1H
Homem de 47 anos, funcionário da Escola Politécnica de Maputo, estudou até a
7ª classe (ensino fundamental). Advindo de família natural de Maputo, sempre viveu na
122
cidade e declara-se falante de Changana e Rhonga como línguas maternas. O aprendizado
do Português veio mais tardiamente, apenas na escola, onde suas línguas nacionais “eram
proibidas”.
Em casa, seus pais não falavam Português; por isso, afirma ter sido difícil aprender
a língua. Hoje em dia, usa muito a Língua Portuguesa com os filhos para que eles não
tenham dificuldade na escola. O informante afirma, ainda, falar línguas locais
principalmente com os colegas de trabalho. Informante menos eloquente, com ritmo de
fala mais lento, hesitações, fala pouco e seu Português é levemente mais difícil de
compreender, possivelmente pelo aprendizado tardio, como ele mesmo declara.
PMOB1M
Uma mulher de 35 anos, auxiliar de serviços gerais de um hotel. Concluiu os
estudos até a 7ª classe (ensino fundamental), nascida em Maputo e sempre viveu na
cidade. Seus pais não tiveram muita escolaridade e em casa todos sempre falavam
Changana. Aprendeu Português como segunda língua e declara firmemente que não
“deixa seus filhos falarem Changana”, pois quer que eles aprendam somente Português,
porque essa é a língua usada nas escolas.
Muito habituada a falar a Língua Portuguesa, especialmente por trabalhar no hotel,
afirma usar o Changana apenas com alguns colegas. No entanto, mostra-se bastante aberta
ao aprendizado de outras línguas, como o inglês e o francês, mas diz que o Changana não
é necessário. Para ela e para seus filhos, basta falar Português.
Sua postura representa aqueles que acreditam no prestígio da Língua Portuguesa,
como uma ponte para melhores condições de vida no futuro, pois permite avançar nos
estudos e conseguir empregos mais adequados. Apesar de ser falante nativa de Changana,
trata a língua com certo estigma, sem valor apreciativo.
PMOB2H
Filho de pai português e mãe moçambicana, nascido em Maputo, tem 43 anos.
Estudou até a 11ª classe e hoje trabalha como datilógrafo. Fala Português desde criança,
idioma aprendido com a mãe, que não sabe falar línguas locais. Mais tarde, por influência
dos amigos da escola, aprendeu o Changana.
123
Um pouco tímido, não fala muito, apresentando um discurso mais hesitante, mas
indica bastante identificação com a Língua Portuguesa. Afirma ser esse o idioma que
incentiva seu filho a falar e que acredita que o Changana pode vir naturalmente, como
aconteceu com ele, sem que haja necessidade de alguém ensinar, pois é mais importante
saber Português do que línguas locais.
PMOB2M
Uma mulher de 44 anos, é natural de Maputo, mas na infância chegou a viver por
5 anos na Beira, em Portugal, fato que pode influenciar o Português falado pela
informante. Possui ensino médio completo e trabalha na administração da Biblioteca
Central, instituição na qual começou como servente e, depois de muito esforço, foi
conseguindo novas oportunidades de crescer e desenvolver outros trabalhos.
Declara-se falante de Português como língua materna. Afirma ter aprendido o
Changana e o Rhonga depois dos 16 anos, por curiosidade de aprender as línguas e porque
convivia com pessoas que não sabiam “falar português muito bem”. Conviveu sempre
com o pai e os tios, que só falavam Língua Portuguesa em casa, mas aprendeu com
facilidade as línguas locais, nas quais se considera uma falante fluente.
PMOB3H
Homem natural de Nampula, tem 50 anos e vive em Maputo desde os 12. Tem
licenciatura em matemática, trabalha pela Mitsubish. Sua língua materna é o Português e
afirma saber muito pouco a língua Rhonga.
Ao longo de sua infância, os pais sempre conversavam em Língua Portuguesa e
ele afirma que alguns amigos que conviviam com seus pais naquela altura tinham “certo
complexo” em falar línguas locais; então, “partiam” sempre para o Português.
O informante defende o uso de línguas locais na escola, pois o sucesso escolar
poderia ser muito maior para algumas crianças. Além disso, afirma que gostaria de ter
aprendido e que se arrepende de não ter procurado formas de estudar mais o Rhonga e o
Changana.
124
PMOB3M
Licenciada em Psicologia, trabalha como técnica em biblioteconomia na
Universidade Politécnica de Maputo. Nascida e crescida em Maputo, nunca esteve em
outras províncias. Mulher de 35 anos, declara o Português como sua L1, tendo aprendido
o Changana a partir dos 12 anos de idade. Hoje em dia, afirma usar as duas línguas
simultaneamente, em casa, no trabalho e com os amigos.
A informante faz um relato bastante interessante sobre o uso de línguas locais,
afirmando que os próprios negros questionam a posição social das pessoas quando as
notam falando um idioma local e não o Português:
“as pessoas já ficam um cadinho com receio... de falar a sua língua materna... eu vou
falar do:/ por exemplo até os restaurantes aqui na cidade tu entras e vês( ) as pessoas ali
não acho que aqui as pessoas falam minha língua as que vão servir vão olhar pra mim e
dizer “de onde é que vem esse preto?” “o que que veio fazer aqui?” porque ainda existe
um cadinho de: racismo até entre nós pretos... olham pra si já vê ali o meu nível “daonde
que vem?” “como é que conseguiu chegar aqui?” “será se tem dinheiro pra tomar uma
cerveja aqui?” (PMOB3M)
Essa postura estigmatizada sobre os idiomas locais parece estar diminuindo aos
poucos, mas ainda há relatos como o da informante, o qual nos faz perceber o quanto o
Português é valorizado nessa sociedade. Este não é o caso desta mulher, que acredita no
valor cultural da língua Changana e, além de usá-la com seus filhos, defende a
implantação do ensino bilíngue nas escolas moçambicanas.
PMOC1H
Esse é um informante com características bastante distintas das dos outros. Apesar
de ser morador de Maputo há mais de 50 anos e desde jovem ter sido funcionário da
Universidade Eduardo Mondlane, hesita bastante em seu discurso ao falar Português, o
que gerou muita dificuldade de ser compreendido pelas entrevistadoras. Além disso,
alguns indícios linguísticos em sua entrevista também dificultaram sua compreensão.
Dentre eles, é possível destacar outros fenômenos variáveis além da concordância verbal,
125
que permitiriam um estudo de caso específico, como a produtiva ausência de
concordância nominal, por exemplo, até mesmo na categoria de gênero.
Aos 75 anos, trabalhou por muito tempo como guarda da Universidade. Natural
de Gaza, chegou em Maputo aos 17 anos, em busca de emprego. Filho de pais não
escolarizados, parou seus estudos ainda no ensino fundamental. Hoje em dia, trabalha
como sapateiro e vive em uma casa bem próxima ao campus da Universidade.
Sua língua materna é o Changana e ele declara ter aprendido o Português quando
começou a trabalhar na Eduardo Mondlane e somente lá usa essa língua. Em outras
palavras, seu contato com a Língua Portuguesa não é tão intenso, ainda que viva por tanto
tempo na cidade.
Ainda que ele seja muito diferente dos outros e seja importante observar se seus
dados podem desviar a tendência da amostra, ele foi o único informante encontrado para
este perfil. Sendo assim, não valia a pena descartar os dados obtidos, mesmo sabendo que
eles deveriam ser olhados de forma particular.
PMOC1M
Totalmente oposta a sua contraparte no quadro de informantes, essa senhora de 68
anos, natural de Maputo, apresenta características muito próximas às de falantes
portugueses pelo ritmo de sua fala, em um discurso muito fluido e sem hesitações. Mulher
branca, filha dos chamados “assimilados”, completou o ensino fundamental em escola
portuguesa. Quando jovem, trabalhava com seguros, foi datilógrafa, caixa e balconista.
Português é sua língua materna e afirma não ter qualquer conhecimento de línguas
locais. Além disso, declara ter tido pouquíssimo contato com pessoas negras e, por isso,
não conseguiria compreender nada das línguas nacionais. No entanto, ela lamenta não ter
aprendido essas línguas, pois às vezes faz falta entender o que as outras senhoras falam
na rua.
PMOC2H
Assim como toda a sua família, é natural de Gaza, mas foi para Maputo ainda
criança, por volta dos 7 anos de idade. Parou os estudos na 11ª classe do ensino médio e
atua como professor de escola primária (pública).
126
Sua língua materna é Rhonga, mas desde criança tinha contato com outras línguas.
Por influência do pai, conhecia o idioma Matsua; pela influência da mãe, conhecia o
Xope. Ambos falavam dentro de casa tanto seus idiomas locais quanto o Português, ainda
que este fosse um pouco menos usado. Assim, quando chegou a Maputo, já tinha
conhecimento de Língua Portuguesa, o que facilitou o aprendizado posterior na escola.
No período em que estava na escola, o Português era a única língua utilizada, o que
permitiu contato intenso com o idioma para aprendê-lo.
Aos 59 anos, apaixonado por sua profissão, diz que é possível ensinar Língua
Portuguesa mesmo para as crianças que vêm de províncias rurais e não conhecem
praticamente nada do idioma. Declara-se bastante fluente em todas as línguas sobre as
quais tem conhecimento.
PMOC2M
Diretora pedagógica e ex-professora de escola primária (pública), tem 53 anos.
Com ensino médio completo e natural de Gaza, vive em Maputo desde os 3 anos de idade.
Considera o Changana como sua língua materna e declara ter aprendido o Português
depois dos 5 anos de idade.
Estudou em escola oficial, na qual os professores eram todos portugueses,
contexto em que os alunos eram obrigados a falar apenas a Língua Portuguesa. Por conta
de tal cenário, seu contato com o Português tido como padrão foi muito intenso, o que se
reflete em discurso muito natural, no qual não houve qualquer ausência de marcas de
plural. Importante salientar a declaração da informante de que, hoje em dia, os professores
moçambicanos misturam um pouco as línguas, de maneira que os alunos que não
conhecem Português possam compreender melhor a matéria.
“pode explicar [em Changana]... porque algumas crianças até entendem assim...
percebem melhor... quando se fala a nossa língua [...] o português... será uma novidade
para a criança... e se o professor manter-se só naquela língua ali a criança vai ter
dificuldades para perceber a matéria” (PMOC2M)
Além disso, afirma que, até o momento, não existe um Português propriamente
moçambicano, pois o modelo a ser seguido continua sendo o do Português Europeu. No
entanto, ela diz que as inserções de palavras e expressões do Changana na Língua
127
Portuguesa falada pelos moçambicanos são muito comuns. Para essa informante, o PM
ainda seria uma variedade em formação.
PMOC3H
Nascido na Beira, aos 5 anos mudou-se para Zambézia e aos 17 foi morar em
Maputo. Atualmente, com 62 anos, é formado em economia e sempre trabalhou nessa
área. Homem muito viajado e poliglota, fala Português, Francês, Inglês, Italiano e
Espanhol. A Língua Portuguesa é sua língua materna e fala, aparentemente, de forma
similar à de um cidadão português. Além disso, declara que, em sua mocidade, não havia
incentivo para falar línguas locais: por isso, não sabe falar nenhuma delas. Seu forte
contato com o Português Europeu é refletido, portanto, não só na fluidez de sua fala, como
também no fato de não apresentar nenhuma ausência de marcação de plural em seu
discurso.
No entanto, afirma conhecer pessoas que falam as línguas locais e percebe que os
brancos que as falam também sofrem certo tipo de estigma, pois o natural seria falar
Português:
“acontece né quer dizer... oh pá... tenho amigos que olham pra trás e começam a falar
em changana... oh pá e as pessoas ficam tão aflitas... porque pra elas (nem pensavam)
que um branco fala... uma língua local... então... pra mim acho que seria extremamente
importante... que... seja qual for... seja... se (é) moçambicano devia ter a... a preocupação
de falar uma língua nacional” (PMOC3H)
Assim, apesar de ser branco e não falar línguas locais, o informante acredita que
moçambicanos devem falar seus idiomas e que deve haver um esforço das pessoas e das
instituições em incentivar o uso dessas línguas para que não caiam no esquecimento.
PMOC3M
A última informante, uma mulher de 58 anos, natural de Maputo, é professora de
ensino fundamental, licenciada em história e geografia. Sua língua materna é o Português
e aprendeu as línguas locais, Changana e Rhonga, depois dos 10 anos de idade.
128
Declara-se filha de assimilados, que obrigavam os filhos a falarem somente
Português em casa. Por conta do hábito, acabou fazendo o mesmo com seus filhos, mas
hoje acha que foi uma decisão radical e que não devia ter agido dessa maneira, pois
perderam a oportunidade de conhecer uma riqueza cultural muito vasta.
Após essa descrição do perfil dos informantes, pode-se perceber que, ainda que a
amostra final tenha contrariado as expectativas do início de sua montagem, ela parece
refletir a realidade moçambicana, diferente daquela que esperávamos como protótipo. A
dificuldade em encontrar os perfis traçados para a pesquisa possivelmente ocorreu por se
perseguir critérios que não correspondiam a essa realidade tão complexa. Assim, acredita-
se que a heterogeneidade do corpus não seja uma falha, mas uma amostra real do que, de
fato, acontece nessa sociedade – rica em cultura e línguas locais, com personagens muito
diversificados, convivendo intensamente uns com os outros. Logo, espera-se que tal
diversidade também se reflita nas questões linguísticas, que serão observadas, ainda,
conforme a lista de variáveis a seguir.
6.2.2 Linguísticas
As variáveis linguísticas foram atribuídas tanto ao sintagma nominal quanto ao
sintagma verbal, como se vê abaixo:
Sobre o Sintagma Nominal (SN)
Posição do núcleo SN em relação ao SV
Distância entre o núcleo do SN e o SV
Presença de elementos intervenientes (entre o núcleo do SN e o SV)
Configuração morfossintática do sujeito
Número de vocábulos do SN sujeito
Paralelismo no nível clausal
Animacidade do SN sujeito
129
Sobre o Sintagma Verbal (SV)
Saliência Fônica
Tempo verbal
Tipo de verbo
6.2.2.1 Sobre o Sintagma Nominal (SN)
a. Posição do núcleo SN em relação ao SV
Estudos variacionistas (LEMLE; NARO, 1977) sobre a concordância verbal já
demonstraram com grande propriedade a forte influência da variável posição do sujeito
no (des)favorecimento das regras de marcação do plural, seja na modalidade escrita ou
na oral. Acredita-se, portanto, que a tendência geral seja reforçada e confirme que sujeitos
antepostos favorecem as marcas, enquanto sujeitos pospostos as desfavorecem.
SUJEITO ANTEPOSTO:
(1) as mulheres gostam de servir seus maridos (PMOA3M)
SUJEITO POSPOSTO:
(2) fica homens de um lado... mulheres de outro... não entram crianças...
(PMOB2M)
Além desses fatores relativos efetivamente à posição do sujeito em relação ao
verbo, optou-se pela codificação diferenciada (não se aplica) dos casos em que o sujeito
não está explícito no enunciado, contexto em que não se pode efetivamente controlar a
posição do sujeito. O controle da expressão ou não do sujeito será feito, prioritariamente,
na variável chamada “configuração morfossintática do sujeito”, descrita adiante52.
52 Vale adiantar que, como será visto na descrição das rodadas realizadas para o trabalho, os dados de sujeito
não expresso foram considerados na variável posição do sujeito em algumas experiências feitas, com o
intuito de observar se esse fator seria relevante. Isso porque, apesar de terem sido encontrados exemplos
em que o sujeito não explícito parecia atuar sobre a ausência de concordância, a variável configuração
morfossintática, em que se controlava o fator sujeito não expresso, não foi considerada relevante pelo
programa estatístico. Maiores detalhes no capítulo referente à análise.
130
SUJEITO NÃO EXPRESSO:
(3) os moços ficam nas paragens... né... onde Ø apanham o autocarro...
(PMOB2H)
(4) as pessoas geralmente saem muito de noite vai na sexta-feira sábado são os
dias mais agitados porque porque é muito comum ( ) (as pessoas estacionam
carros) ficam ali a beber Ø vai escutar música dançar... (PMOA2H)
b. Distância entre o núcleo do SN e o SV
O objetivo de controlar a distância entre o núcleo do SN e o SV é verificar a
hipótese de que, quanto maior for essa distância, maior a tendência ao desfavorecimento
da regra de concordância. Cabe salientar que, em casos de sujeito não explícito, por
motivos óbvios, tal variável não foi considerada, já que sua ausência impede o cálculo da
distância.
À luz do trabalho de Vieira (1995), uma das bases para o estabelecimento das
variáveis utilizadas na presente pesquisa, segue-se a mesma metodologia de mensuração
da distância entre os dois elementos da oração, de forma não binária, com fatores
escalares.
Na sequência, apresenta-se a escala de mensuração por número de sílabas:
Zero sílabas:
(5) [...] eles podiam estudar com aperfeiçoamento e mudar o sotaque mas nós
entendemos você vai dizer o que? (PMOA1H)
1 sílaba
(6) [...] mas também eles só mostram às vezes as partes mais né... não mostram a
coisas (PMOC1M)
2 sílabas
(7) [...] os meninos já não falam português de Portugal (PMOC2H)
131
3-4 sílabas
(8) [...] os chapeiros também não entram muito naquelas zonas é um passear de
lá pra cá pra cidade (PMOA2M)
5-6 sílabas
(9) [...] os portugueses normalmente quando falam eles falam muito rápido a
gente acaba se perdendo porque não percebe o que dizem... (PMOA2M)
c. Presença de elementos intervenientes (entre o SN e o SV)
Relacionada à variável anterior indiretamente, a mera presença de elementos
entre o sintagma nominal e o verbo pode interferir diretamente no cancelamento das
marcas de concordância. Parte-se do pressuposto de que, independentemente do tipo de
elemento, a presença dele desfavorece a marcação de pluralidade. Já a ausência de
elementos favorece as marcas de plural pela proximidade entre os núcleos e consequente
maior integração entre eles.
No entanto, a análise desta variável não está relacionada apenas à quantidade do
material interveniente e a consequente distância, mas ao tipo de elemento que pode
aparecer, quando presente. Entende-se que a qualidade desse elemento pode atuar
pontualmente no (des)favorecimento da regra. Assim, acredita-se que sintagmas
interpostos, como as construções adverbiais, por exemplo, interromperiam de maneira
mais significativa a relação entre o sujeito e o verbo, podendo gerar ausência de
concordância padrão. Por outro lado, elementos mais curtos, como uma partícula de
negação ou uma preposição, dentre outros, tenderiam a não afetar fortemente o
processamento cognitivo da oração; além de não haver uma distância muito grande entre
o sujeito e o verbo, a relação entre esses elementos ficaria mais preservada e,
consequentemente, a presença das marcas de número seria favorecida.
Em seguida, serão apresentados os elementos entre o sujeito e o verbo,
individualmente ou combinados entre si, encontrados no corpus em estudo:
palavra negativa:
(10) isso é para aquelas pessoas que não tiveram oportunidade de entrar nas
escolas aprendem o português por causa de ouvir então não tem aquela regra
quando pessoa que sempre as vezes até vai... (PMOA1H)
132
advérbio:
(11) as pessoas oportunistas já aproveitam atiram coisinhas coisinhas coisinhas
acabam gerando alguma coisa (PMOA2M)
advérbio + palavra negativa:
(12) outros também não conseguem arranjar emprego (PMOA3H)
oração adverbial:
(13) as pessoas quando vêm pra Maputo pensam que vão encontrar tudo...
(PMOC3M)
conjunção53:
(14) os pais porque falam em casa crescem com aquela língua... mas há muitos
de raça negra... da cidade que não sabem absolutamente nada de changana...
(PMOA3H)
marcador discursivo:
(15) é mazione... aqueles eh: são mazione (PMOC1H)
pronome:
(16) as crianças se integram e aprendem melhor aprendem melhor por não saber
o português porque no princípio há muita dificuldade mas acho que já está
acabando um pouco (PMOC1M)
preposição:
(17) porque algumas crianças até entendem assim... percebem melhor... quando
se fala a nossa língua (PMOC2M)
53 Ressalte-se que, na falta de um exemplo ideal que representasse a atuação da conjunção intercalada, usou-
se a presente ocorrência, na qual se considera o SN referente da oração e não o SN sujeito, apenas para
representar o contexto analisado.
133
advérbio + preposição:
(18) eles lá dentro dizem fulano fulano talvez pode encaminhar alguém para que
possa te liquidar para não ir a frente o caso dele já aconteceu muitas vezes
(PMOA1H)
advérbio + pronome:
(19) é que eles já se entenderam e ela quer e algumas famílias até perguntam “o
que que tu achas?” porque sentam com a moça conversam e às vezes a moça ela
é que marca o dinheiro do lobolo (PMOA2H)
palavra negativa + pronome:
(20) nas províncias as pessoas não se preocupam muito com o português correto...
eles se preocupam em se comunicar (PMOA2H)
marcador discursivo + conjunção:
(21) os muçulmanos... oh pá... nem esperam por autópsia (nem) nada disso... a
partir do momento em que foi verificado... que/que a pessoa morreu... ficam...
andam atrás do médico pra ter a certidão de óbito... (PMOC3H)
marcador discursivo + palavra negativa:
(22) também a polícia nós os mais antigos faz muita confusão na profissão polícia
como é possível pagar e eles pronto não pegam a multa deixa seguir e vai
andando (PMOC1M)
advérbio + palavra negativa + advérbio:
(23) alguns alunos também não só falam quando estiverem na/ na sala a se ( )
português falam na rua mas é muito comum falarem changana nem que seja
criança nem que seja adultos (PMOA2H)
pronome relativo + objeto direto:
(24) acho que sim... eu convivo com todo mundo e por incrível que parece meus
irmãos que o digam... eles costumam dizer que eu até esqueço da minha condição
física (PMOA3M)
134
construção adverbial + advérbio:
(25) as pessoas quando vêm de fora já sabem que tem que conhecer primeiro já
português pra poder se comunicar com todos (PMOA2H)
d. Configuração morfossintática do sujeito
A configuração do sujeito é analisada de maneira a observar a atuação de
elementos que podem interferir diretamente no cancelamento da marca por conta de sua
forma e/ou semântica. Dois exemplos bem ilustrativos são o pronome relativo “que” e os
numerais. A retomada do sujeito pela forma invariável “que” tende a desfavorecer a
concordância pela falta de marcas explícitas, como proposto por Naro e Scherre (2003),
se comparada aos SN sujeitos com marcas de plural que não são retomados por pronome
relativo, pois a presença do pronome teria uma espécie de “efeito máscara”, que inibe a
marcação de plural no verbo. Da mesma forma, os numerais, que apresentam semântica
explícita de plural, tendem também a desfavorecer a concordância, mas por motivos
distintos: a ideia de plural já contida no SN poderia fazer com que a marca seja dispensada
no verbo.
pronome pessoal:
(26) Eles dizem que Alá permite isto então são muitos crentes que assumir a
poligamia como normal vivem e impõem aos seus (PMOA3M)
pronome demonstrativo:
(27) [...] só aqui na universidade esses são os segurança aqui (PMOC1H)
quantificador indefinido:
(28) Alguns atendem bem... alguns trabalham bem atendem bem os doentes... há
medicamentos... (PMOC2M)
quantificador numeral (precedido ou não de artigo)
(29) [...] os dois fazem os trabalhos de casa o mata-bicho depois vão trabalhar
(PMOA2M)
135
SN (núcleo do tipo nome):
(30) as pessoas falam minha língua as que vão servir vão olhar pra mim e dizer
“de onde é que vem esse preto?” (PMOB3M)
SNs coordenados (com ou sem oração relativa):
(31) [...] conquistam as miúdas essas miúdas vejam que talvez o vovô ou o titio
vão nos ajudar a pagar os custos da escolaridade vão com esse propósito sem saber
que esses/esses/esses: titios vão lá com outra intenção... (PMOA1H)
sujeito não expresso:
(32) alguns até tem televisor melhor do que... o meu... e não Ø estão a fazer o uso
deste instrumento... (PMOC3M)
pronome relativo:
(33) por causa dos problemas que existe da confiança de que ela é minha
namorada depois mais tarde encontra uma mensagem no telefone dela (PMOA1H)
SN com sintagma preposicional encaixado:
(34) os professores de hoje em dia são ruins... mas as crianças não acreditam
assim (PMOB2H)
e. Número de vocábulos do SN sujeito
Essa variável analisa se há diferença na aplicação da regra de concordância a
depender da quantidade de vocábulos do SN sujeito, ou seja, se constituintes simples
(apenas 1 elemento) ou complexos (2, 3 ou mais elementos) podem (des)favorecer o uso
do plural nos verbos.
Acredita-se que sujeitos com maior número de vocábulos, inseridos
principalmente em sintagmas preposicionados, possam desfavorecer a marcação de
plural. Além disso, o número de vocábulos também pode estar relacionado ao efeito do
paralelismo, a ser observado em outro grupo de fatores; ao que parece, haveria, mais uma
136
vez, o desfavorecimento da marcação de plural em constituintes mais complexos,
enquanto os mais simples tenderiam a favorecer a presença das marcas.
Um vocábulo
(35) outros vão de:: machibombo... chapa (PMOC2M)
Dois vocábulos
(36) os alunos estão saindo das escolas (PMOA1H)
Três vocábulos
(37) alguns amigos meus seguem [a cultura do lobolo] (PMOA3H)
Quatro ou mais vocábulos
(38) os estudiosos da língua portuguesa vão dizer opá... isto não é... este português
não é/não é (tal) muito correto... (PMOC3H)
f. Paralelismo no nível clausal
Tendo em vista o princípio geral do paralelismo, de que marcas levam a marcas
e zeros levam a zeros (SCHERRE; NARO, 1993), parte-se do pressuposto de que a
presença de marcas explícitas no SN sujeito favoreceria a concordância verbal, enquanto
a ausência de marcas no SN, consequentemente, geraria maiores possibilidades de
cancelamento das marcas de plural no verbo. Portanto, esta é uma variável que relaciona
de modo direto o SN referente do sujeito e o SV.
No que se refere à expressão do sujeito, entende-se que fica impossibilitada a
análise da presente variável em estruturas nas quais o sujeito não está explícito, uma vez
que a ausência de uma forma impede a possível influência do paralelismo na outra forma.
Da mesma maneira, nos casos em que o sujeito se encontra na posição posterior ao verbo,
não é possível estabelecer a influência das marcas, presentes ou ausentes, do SN,
primeiramente enunciado, no SV. Esses dois contextos receberam “não se aplica” nesta
variável.
137
Vale ressaltar, ainda, que nos casos em que havia ocorrência de sujeitos
representados por pronome relativo que, observou-se o SN referente para a verificação
do efeito do paralelismo.
A distribuição dos fatores se deu da seguinte maneira:
vocábulo isolado no plural:
(39) [...] jovens gostam de falar português mesmo (PMOB1M)
morfema de plural explícito (-s) no último elemento não-inserido em um
sintagma preposicional:
(40) [...] então minha filha ligou pro vizinho a frente lá saíram os outros
acompanharam até a paragem... e:... e pronto... (PMOB2M)
morfema de plural zero no último elemento não-inserido em um sintagma
preposicional
(41) mas guarneceu até esse momento quando os guarda queira saber o campo...
o campo começa ali na entrada ali é a entrada... termina ali na Julius Neyere
(PMOC1H)
morfema de plural zero ou forma não-marcada de singular no último elemento
inserido em um sintagma preposicional
(42) não só mas as grandes cidades de de Moçambique tá a atravessar uma fase
dessas... (PMOB3H)
numeral no último elemento não inserido em um sintagma preposicional
(43) os dois podiam se unir e decidir uma coisa (PMOA2H)
núcleos coordenados
(44) conflitos armados e:: guerra que assola lá na zona centro... (PMOB1H)
138
g. Animacidade do SN sujeito
Variável importante para os estudos sobre a concordância verbal (também
controlada desde Lemle; Naro, 1977), a animacidade do sujeito é associada ao papel dos
traços semânticos [+/- humano], [+/- animado] e [+/- concreto]54 na marcação da
pluralidade. Parte-se do princípio de que os sujeitos que possuem o traço [+ animado]
tendem a favorecer a concordância, enquanto sujeitos com os traços [-animado] e [-
concreto] a desfavoreceriam.
Traço semântico [+ animado] [+ humano]
(45) as pessoas ligam muito a atual crise com a dívida escondida... (PMOC3H)
Traço semântico [+ animado] [- humano]
(46) aqueles bois... que a família recebeu... vão se reproduzir... (PMOC3M)
Traço semântico [- animado] [- humano] [+ concreto]
(47) tem muitas igrejas... inclusive tem algumas que eu acho que são seitas... e
não são igrejas... (PMOB2M)
Traço semântico [- animado] [- humano] [- concreto]
(48) nós poderíamos dizer que eh eh são sintomas do desenvolvimento não sei
(PMOB3H)
6.2.2.2 Sobre o Sintagma Verbal (SV)
a. Saliência Fônica
A saliência fônica tem se mostrado extremamente relevante sobre a atuação das
marcas de concordância verbal nos estudos sobre as variedades de Língua Portuguesa. Os
resultados de trabalhos clássicos já realizados sobre o fenômeno (LEMLE; NARO, 1977;
NARO, 1981; GUY, 1981) demonstram a vasta atuação de tal variável e confirmam que
54 Apenas no caso de sujeitos inanimados.
139
a existência de distintos graus de diferenciação entre as formas singular e plural dos
verbos é o que fundamenta a escolha das variantes da concordância.
Desde o estudo pioneiro de Lemle; Naro (1977), determina-se que, nos verbos em
que a diferença entre as formas singular e plural é pequena, a tendência é a do
desfavorecimento das marcas, como ocorre em exemplos do tipo come x comem, fala x
falam. Por outro lado, os verbos cujas formas alternantes se apresentam mais
diferenciadas, ou mais salientes, possivelmente favorecem a marcação da concordância,
já que a ausência da marca seria altamente perceptível e, assim, causaria estranhamento
mais evidente ao falante, como acontece nos verbos é x são e veio x vieram. De outro
lado, não se observaria com a mesma nitidez o papel da nasalização na alternância das
marcas de número nos verbos de baixa saliência.
Ao observar a atuação da saliência fônica tanto nos verbos quanto nos nomes,
considerando traços de material fônico que diferenciam as formas singular/plural e a
nasalidade dos vocábulos, Naro (1981) propõe uma divisão em dois níveis de controle da
variável, que atuaria de forma escalar nas desinências verbais:
(1) diferenciação não acentuada - “pares em que os segmentos fonéticos
que estabelecem a oposição NÃO SÃO ACENTUADOS nos dois
membros” e (2) diferenciação acentuada - “pares em que esses
segmentos são ACENTUADOS em pelo menos um membro da
oposição” (NARO, 1981, p. 74).
Adota-se, neste trabalho, a divisão estipulada por Naro (1981) para a codificação
das ocorrências encontradas, contemplando cada estágio da escala por ele proposta.
Assim, consideram-se os casos de saliência de acordo com a proposição supracitada,
seguindo o tratamento detalhado de cada um e partindo da hipótese de que as ocorrências
de diferenciação acentuada são mais salientes do que as de diferenciação não acentuada,
ou seja, entende-se que a maior saliência nos verbos seria fator altamente favorecedor da
concordância verbal.
De acordo com Naro (1981), a diferenciação não acentuada envolve mudança na
qualidade da vogal na forma plural – acréscimo da semivogal [w] (canta x cantam);
acréscimo de segmentos na forma plural e possível mudança na realização da consoante
final do singular (diz x dizem); não envolve a mudança na qualidade da vogal na forma
plural - acréscimo de nasalidade (sai x saem).
A diferenciação acentuada, por sua vez, envolve mudança na qualidade da vogal
na forma plural (dá x dão); mudança na qualidade da vogal na forma plural e queda da
140
semivogal da forma singular (vai x vão); acréscimo de segmentos sem mudanças
vocálicas na forma plural, queda da semivogal da forma singular (comeu x comeram);
acréscimo de segmentos com mudança vocálica na forma plural, queda do ditongo (falou
x falaram); acréscimo de segmentos – com ou sem mudanças/acréscimos vocálicas(os) –
na forma plural, mudança da tonicidade do vocábulo e acréscimo de segmentos com
mudança na raiz e na tonicidade do vocábulo (quis x quiseram). Os casos de mudança
completa, como veio x vieram e é x são, serão tratados como casos únicos (cf. NARO,
1981).
A seguir, portanto, apresentam-se exemplos dos tipos encontrados na amostra:
Diferenciações não acentuadas
deve x devem:
(49) segundo consta aqui há aqueles médicos tradicionais burladores deve apanhar
umas raízes (PMOC1M)
tinha x tinham:
(50) porque eles tinha que ser ( ) ou ser uma coisa pra ele pelo menos sentir que
ele fez algo (PMOA1M)
diz x dizem
(51) porque as mulher daqui não deixa a possibilidade diz não se você quer casar
a segunda… (PMOA1H)
for x forem
(52) é muito importante porque eles se for aprender changana há de aprender pelo
quiser... (PMOB2H)
Diferenciações acentuadas
dá x dão
(53) eles não dão atenção NEM a caligrafia... (PMOB3M)
141
vai x vão
(54) nem só os moçambicanos vai teimando em não usar a camisinha...
(PMOC3H)
perdeu x perderam
(55) Já chegou a uma altura que os pais perderam isso aí... portanto vejo que nem
pressionam... (PMOC2H)
estudou x estudaram
(56) os meus filhos... estudaram em escola pública... até a quarta classe...
(PMOC3H)
disse x disseram
(57) eles não aceitam... falando por exemplo da/ da/ da questão do/ do:/ desses
ataques que existem agora ( ) algumas pessoas saíram ali e disseram que... nós
não fomos atacados pelos homens da RENAMO são as próprias forças de defesa
em que... nos atacaram algumas pessoas saíram para dar entrevista (PMOA2H)
teve x tiveram
(58) eles discutem uma coisa que eles podem sentar mas já sentaram várias vezes
várias vezes desde sei lá desde que ( ) sentaram pra conversar e tiveram um acordo
assinaram sei lá quantas vezes o acordo de paz mas continua a mesma coisa
(PMOA1M)
veio x vieram
(59) porque vieram pessoas para os prédios que não sabem viver nos prédios …
é: não sabem… é a limpeza como viver com o civismo com civismo não sabem
porque não aprenderam (PMOC1M)
é x são
(60) acho que essas perguntas não são pra ser feitas por pessoas que pensam...
(PMOB2M)
142
Cabe ressaltar que, retomando a proposta de Naro (1981), Guy, em estudo do
mesmo ano, propõe uma observação mais aprofundada sobre a questão da nasalidade,
afirmando que, de fato, o efeito da desnasalização em verbos regulares como cantam e
comem já pressupõe ausência de concordância. Dessa forma, o autor analisa a atuação da
variável desconsiderando esses verbos, organizando uma oposição entre quatro fatores
(faz x fazem; dá x dão; pretéritos; é x são).
Ao notar que a primeira categoria se comportava, basicamente, como os verbos
regulares e as outras três não demonstravam grandes diferenças hierárquicas, Guy inclui
novamente os verbos retirados da análise e propõe uma nova categorização, agora com
seis níveis (come x comem; fala x falam; faz x fazem; dá x dão; sumiu x sumiram; é x são
– fez x fizeram). Com essa divisão, o autor chega a resultados muito próximos daqueles
obtidos na proposta bidimensional de Naro. O autor decide, então, analisar outras
questões fonológicas, como os contextos antecedente e subsequente, que poderiam alterar
os resultados obtidos, e percebe que a grande distância, em termos de probabilidade, dos
índices de concordância entre as três primeiras categorias e as três restantes diminui
consideravelmente (de .69 para .48).
No entanto, Guy destaca que as categorias dois (fala x falam) e três (faz x fazem)
chegam a resultados muito próximos, o que faz com que decida juntá-las e passe a
considerar, por fim, uma categoria progressiva de cinco níveis de saliência. De acordo
com esse estudo, o autor chega à conclusão de que a proposta de Naro quanto à
diferenciação material não seria a primeira responsável pela atuação da saliência, uma
vez que essa distinção refletiria apenas a possibilidade de ocorrer (ou não) a
desnasalização e que essa restrição depende de outros fatores fonológicos relacionados à
concordância verbal:
A significativa dimensão que Naro atribui à oposição entre verbos com
e sem desinência acentuada parece de fato ser só um reflexo da
distinção entre os verbos cujos plurais podem ser convertidos em
singulares superficiais por meio do processo de desnasalização e
aqueles em que a desnasalização não pode ter esse efeito. O acento na
desinência é, de fato, o principal componente desse efeito, uma vez que
bloqueia absolutamente a desnasalização. Mas claramente não é uma
restrição independente para a SVA (concordância verbo sujeito).
(GUY, 1981, p. 286)
Tal proposta de junção dos níveis parece bastante relevante para a organização
sistemática dos resultados obtidos para esta variável, como será visto na análise dos
143
dados. Ao que tudo indica, ainda que cada nível da proposta de Naro (1981) seja
observado separadamente, o amálgama sugerido por Guy (1981) pode refletir de maneira
mais clara e objetiva a atuação progressiva desses níveis, ainda que os resultados finais
de cada proposta não apresentem diferenças substanciais.
b. Tempo verbal55
Observa-se, com esta variável, a atuação das terminações verbais na
concordância verbal, tendo em vista que formas como as do pretérito, por exemplo, nas
quais as diferenças entre o singular e o plural são mais evidentes, tenderiam a favorecer
a presença das marcas, enquanto formas do presente poderiam gerar ausência de
concordância, por apresentarem pronúncias muito próximas, com pouquíssima diferença
notável.
Assim sendo, é preciso verificar a direta relação entre esta variável e a saliência
fônica, pois estas parecem demonstrar fortes interferências que se complementam.
Acredita-se, portanto, que as formas verbais em que a mudança para caracterizar os
tempos (presente, pretérito) interfere na concordância de número podem ser analisadas
mais detalhadamente através da observação da saliência das formas em competição.
Para tal variável, destacam-se os tempos verbais56:
presente do indicativo em forma simples
(61) tem coisas que acontece você encontra miúdo de qualquer maneira a mãe já
não quer saber porque a mãe faz o filho deixa com o avô (PMOA1H)
presente do indicativo em forma perifrástica
(62) os alunos estão saindo das escolas… pessoas estão largando dos trabalhos
então é o momento que as pessoas/ quer dizer tudo fica apertado... (PMOA3H)
55 Ressalte-se que a forma do verbo quanto à expressão flexional de tempo foi priorizada na codificação,
de modo que, no caso de locuções verbais, foi considerada apenas a forma do verbo auxiliar.
56 Seguindo Vieira (1995), todos os tempos verbais encontrados na amostra foram listados,
independentemente dos possíveis amálgamas realizados durante o tratamento dos dados, que serão expostos
na primeira seção da análise, referente às rodadas realizadas.
144
pretérito perfeito do indicativo
(63) ainda usamos aquele português que eles trouxeram [de Portugal] (PMOC2M)
pretérito imperfeito do indicativo em forma simples
(64) minhas/minhas tias ao conversarem... diziam que eram mulher da má vida...
era o termo usado para mulheres que bebiam... (PMOC3M)
futuro do indicativo em forma simples
(65) então as pessoas sabem que de alguma forma terão alguma coisa eh
recompensa que são/ que são os prêmios então às vezes incentivam mais nesse
sentido as pessoas acabam praticando e acabam gostando (PMOA2H)
futuro do indicativo em forma perifrástica
(66) obviamente que/que os/os estudiosos da língua portuguesa vão dizer opá...
isto não é... este português não é/não é (tal) muito correto... (PMOC3H)
presente do subjuntivo
(67) desde o momento que as coisas dos meus filhos corram bem não tenho
vergo/eu sento ali composto... cubram aquelas coisas todas... (PMOB2M)
imperfeito do subjuntivo
(68) eles sempre trazem a menina pra viver e acabam vivendo juntos assim sem
que eles quisessem sem que eles tenham programado aquilo que seria o casamento
isso é muito comum (PMOA2H)
futuro do subjuntivo
(69) eles não conseguem fazer nem a metade do número de votos do/ do/ do/ dos
partidos da oposição (juntando-se) não conseguem alcançar o a/ o número de
assentos da FRELIMO se eles decidem uma coisa ali logicamente eles são a
maioria quando eles votarem já está por mais (PMOA2H)
145
c. Tipo de verbo
É importante salientar que os estudos variacionistas não trazem conclusões
definitivas sobre a influência do tipo de verbo na implementação das regras de
concordância verbal. Alguns trabalhos, como o de Scherre; Naro; Cardoso (2007),
propõem que essa variável não seria estatisticamente relevante no condicionamento da
marcação de plural. Por outro lado, trabalhos como o de Monguilhott (2001) atestam que
verbos do tipo inacusativo tendem, ainda que de forma leve, a desfavorecer as marcas de
plural. Dessa forma, a variável seria em alguma medida significativa para a
sistematização das marcas de número.
Monguilhott (2009) relata esse impasse:
No que tange ao tipo de verbo, observamos que este grupo de fatores
não foi considerado estatisticamente significativo em alguns estudos
que o controlaram (CARDOSO, 2005; SCHERRE, NARO e
CARDOSO, 2007); no entanto, em termos de percentual, observou-se
uma leve tendência ao desfavorecimento da marcação de plural para os
inacusativos, em outros estudos (MONGUILHOTT, 2001; SILVA,
2003), a inacusatividade foi atestada como ambiente favorecedor da
não-marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural.
(MONGUILHOTT, 2009, p. 39)
Scherre; Naro; Cardoso (2007), por outro lado, explicam que a saliência fônica
parece ser, de fato, a característica mais relevante em relação ao verbo para a variação
nas marcas de número:
[...] a única característica do verbo que influencia a concordância plural
é a saliência fônica da oposição singular/ plural. Como característica
intrínseca ao verbo, até onde caminhamos na análise, nada mais é
relevante. O tipo de verbo, em especial, não revela efeito sobre a
concordância, seja de acordo com a categorização tradicional, seja de
acordo com a nova proposta de orientação gerativa. Em síntese, no que
diz respeito à concordância, a classe dos inacusativos, nos termos até
agora apresentados, é inoperante. Trabalhamos com o pressuposto de
que a inacusatividade é uma propriedade do verbo, mas ainda
precisamos medir se a inacusatividade como propriedade da estrutura
traria novos resultados para o fenômeno da concordância verbal.
(SCHERRE; NARO; CARDOSO, 2007, p. 312)
Sem desconsiderar a atuação reconhecidamente fortíssima da saliência fônica e a
discussão ora apresentada, acredita-se que, de fato, existem tipos de verbos que
(des)favorecem o uso das marcas de plural nos verbos. A hipótese a seguir nesta pesquisa
146
é a de que verbos copulativos e inacusativos apresentem mais tendências de ausência de
concordância do que os outros tipos, à luz de pesquisas que encontram valor significativo
na atuação dessa variável, como Monguilhott (2009) evidencia:
Para os resultados do PE, o verbo cópula foi o que se mostrou o menos
favorecedor da marcação de plural nos verbos, seguido dos inacusativos
prototípicos. Já para os resultados do PB, foi o verbo inacusativo o que
se mostrou menos favorecedor da marcação da concordância verbal,
tanto os inacusativos não-prototípicos, quanto os prototípicos.
(MONGUILHOTT, 2009, p. 176)
Para além dessa relação entre saliência fônica e tipo de verbo, Scherre; Naro;
Cardoso (2007) ainda mostram que esta última variável parece estar diretamente
relacionada à outra: a posição do sujeito. Seus apontamentos indicam que a posição é, de
fato, um condicionamento fundamental para a marcação de concordância:
os verbos transitivos exibem predominantemente o argumento externo
à sua esquerda; os verbos existenciais privilegiam um argumento único
à sua direita; e os verbos impessoais só ocorrem com sintagmas à
direita. Também não há dúvida de que, entre os casos de construções
com sujeitos/sintagmas pospostos, há predominância de verbos
intransitivos inacusativos, embora haja também muitas construções em
que os inacusativos aparecem com argumento à esquerda do verbo.
Entretanto, independentemente do tipo de verbo, qualquer argumento
ou sintagma à direita do verbo tende, relativamente, a diminuir as
marcas de concordância explícita. (SCHERRE; NARO; CARDOSO,
2007, p. 312)
De toda forma, sabe-se que cruzamentos entre o tipo de verbo e as variáveis
saliência fônica e posição do sujeito são fundamentais para a compreensão do efeito
conjunto das três sobre o fenômeno da concordância verbal. Cada uma delas é assumida
como tendo um resultado significativo para este trabalho, o que leva à formação de
hipóteses sobre sua atuação no fenômeno em questão.
Segue-se, agora, a apresentação dos exemplos de cada tipo de verbo encontrado
no corpus:
inergativo = intransitivo
(70) então ainda existe muitos lobolos (PMOA1M)
147
inacusativo
(71) tá ali (Luiz Brito)... (Ana Forte)... (Teixeira)... são as crianças nasceu na
minha vida... ainda está aqui na campo... (PMOC1H)
transitivo direto
(72) essas que apareceram ultimamente coisas muito esquisitas a empregada da
minha filha/ na igreja dela não comem carne de animais de duas patas eu não sei
se são duas patas ou quatro patas (PMOC1M)
transitivo indireto
(73) as pessoas gostam agora mais de changano então pra esses que vem de norte
mais nampula é que sofrem (PMOA1M)
transitivo relativo ou circunstancial
(74) os falantes da língua inglesa a nossa volta... não queriam o português pra
nada... não precisam do português da língua portuguesa pra nada... (PMOC3H)
transitivo direto e indireto
(75) mas não era/ não era isso que davam... era só bater pa:lmas... cantar: e
ensinavam alguns os outros (PMOB3M)
transitivo bi-relativo / circunstancial
(76) alguns/alguns homens... sim... já homens... é menor o número de homens que
vão ao gabinete não... (PMOC3M)
transitivo direto e relativo / circunstancial
(77) eles vacinam pra tirar aquele sangue coagulado... e depois colocam um
medicamento lá... (PMOB2M)
copulativo
(78) é pra ver se coisas está ali dentro do carro... (PMOC1H)
148
7 ANÁLISE DE DADOS
Nesta seção, serão analisadas, de acordo com os resultados quantitativos obtidos
nas rodadas do programa GOLDVARB X, as ocorrências com e sem presença de marcas
de número, resultados que são apreciados em termos qualitativos e exemplificados,
sempre que necessário.
Primeiramente, as 25 rodadas multivariadas executadas serão descritas, de
maneira que não só se apresentem as dificuldades encontradas com relação à superposição
de algumas variáveis, mas também para que se compreenda todo o cuidado tido para
chegar ao estabelecimento da ponderação estatística na rodada escolhida, que
demonstrasse os resultados de maneira mais clara e objetiva. Vale salientar, de antemão,
que a decisão de fazer novas rodadas implicou em amálgamas de variantes, em busca da
codificação que validasse os efeitos da variável de forma mais evidente em cada grupo
de fatores. Assim, os amálgamas realizados também serão aqui apreciados, para melhor
entendimento das distintas rodadas efetuadas.
Em um segundo momento, as variáveis selecionadas pelo programa como
relevantes ao condicionamento do fenômeno serão exploradas. Essas variáveis são
aquelas que o programa GOLDVARB X selecionou em praticamente todas as rodadas
realizadas, na seguinte ordem: língua(s) dominada(s) pelo informante, posição do sujeito,
saliência fônica, escolaridade, paralelismo clausal e tipo de verbo.
Para efeitos de organização do texto, serão exploradas, inicialmente, as variáveis
sociais. A exposição dos resultados será oportunamente feita levando em consideração
não só o comportamento dos grupos de fatores selecionados, mas também ponderando
um diálogo com uma variável de comportamento instável (ora selecionada, ora não), o
informante, e duas que foram descartadas em todas as rodadas realizadas, o português L1
ou L2 e a faixa etária. Tal discussão se realizará porque a complexidade da situação
linguística de Maputo impõe que sejam discutidas as interferências de vários fatores
extralinguísticos, que indiretamente possam interferir na configuração desse Português
de Moçambique em formação. Essas três variáveis serão trazidas ao debate com base em
termos percentuais gerais e fornecidos por cruzamentos de grupos de fatores, de modo
que possam demonstrar eventuais interferências ou correlações com as variáveis
referentes às línguas locais e à escolaridade dos informantes.
Finalmente, as variáveis linguísticas serão analisadas e exemplificadas. Além
daquelas destacadas pelo programa, a variável configuração morfossintática do sujeito
149
também será brevemente discutida, procedimento tomado como necessário a partir da
descrição qualitativa dos exemplos de não marcação de plural. Pretende-se, com isso,
compreender o comportamento de alguns dos fatores desse grupo, como, por exemplo, o
pronome relativo que e o sujeito não expresso.
Os resultados obtidos serão apresentados em forma de tabelas, seguidas, quando
necessário, de gráficos que representem a sistematização dos grupos de fatores. Todos os
resultados são apontados em relação à não marcação de plural, tendo em vista ser o
objetivo de tal pesquisa apreciar, precisamente, a produtividade dessa variante e as
motivações que levam à ausência da marca.
7.1 Descrição das rodadas multivariadas57
Com um corpus que produziu 2.353 dados, sendo observados quanto à atuação de
18 variáveis, optou-se pela realização de diversas rodadas estatísticas que ora
consideravam todas as variáveis, ora consideravam apenas parte delas: as mais produtivas
em estudos variacionistas anteriores, as que não apresentam eventuais superposições, as
extralinguísticas que foram base da estratificação da amostra, dentre outras
possibilidades. O objetivo dessas rodadas particulares era compreender a atuação de
algumas variáveis específicas, sobretudo as criadas especialmente para a variedade
moçambicana do Português (língua(s) dominada(s) pelo informante, português como L1
ou L2 e informante), já que elas pareciam ter possibilidades de demonstrar
comportamentos distintos em relação às outras variedades do Português.
Assim, foram executadas 25 rodadas – cujos perfis específicos podem ser
observados no Anexo 2 –, que serão aqui resumidas, considerando as condições
programadas para cada uma delas.
Iniciou-se o trabalho pela rodada geral, em que todas as variáveis, exceto a que
controlava o informante, estavam em jogo.
Importante destacar que a variável paralelismo foi amalgamada desde o princípio
das rodadas por dois motivos: primeiro, por conta dos dados de sujeito posposto que
foram desconsiderados (cf. Seção 6.2.2); e segundo, porque a amostra apresentou dados
57 Salienta-se que a presente subseção, mesmo fazendo parte do que seria considerado como metodologia
do trabalho, está sendo explorada na seção de resultados exatamente por mostrar mais do que apenas a
metodologia utilizada. Os resultados obtidos ao longo das rodadas justificam a utilização de outras
estratégias metodológicas, o que ratifica sua melhor exploração dentro desta seção.
150
categóricos (“knockout”) para o fator relativo a numerais (ex. “os dois”), isto é, havia uma
quantidade muito pequena de dados e todos estavam com a marca de concordância, eles
também foram desconsiderados. Sendo assim, sobraram quatro categorias na variável:
Paralelismo clausal: a) sintagmas nominais com marca de plural explícita; b)
sintagmas nominais sem marca explícita de plural; c) sintagmas preposicionados
com ou sem marca no último elemento; d) sintagmas nominais coordenados.
Da mesma forma, tempo verbal também já estava amalgamado, devido à grande
quantidade de possibilidades, desde a primeira rodada, da seguinte maneira:
Tempo Verbal: a) todas as formas verbais de presente do indicativo (simples,
perifrástica e futuro); b) todas as formas de imperfeito do indicativo; c) todas as
formas de perfeito do indicativo; d) futuro do indicativo; as formas de subjuntivo
se mantiveram separadas e os infinitivos foram descartados.
Já nesta primeira tentativa, as tendências estavam bem claras, tendo o programa
selecionado, na seguinte ordem, língua(s) dominada(s) pelo informante, posição do
sujeito, saliência fônica, escolaridade e paralelismo. Ainda que já demonstrasse
produtivos resultados, decidiu-se fazer uma rodada considerando a variável informante58,
para detectar se o comportamento de faixa etária e/ou escolaridade estaria indiretamente
sendo motivado pelo perfil particular de certos entrevistados. Nesta segunda tentativa, os
fatores em questão, ao que tudo indica, começaram a se sobrepor e o programa passou a
selecionar e, posteriormente, descartar variáveis que, ao que tudo indicava, eram muito
relevantes ao fenômeno, como, por exemplo, escolaridade, posição do sujeito e língua(s)
dominada(s) pelo informante.
Como havia um informante bastante diferente dos outros (PMOC1H) – o único
que afirma falar mais línguas locais do que Português –, considerou-se a possibilidade de
a variável informante estar, de fato, interferindo nos resultados referentes à(s) língua(s)
58 É válido ressaltar que, a princípio, o controle da variável informante se deu apenas para a compreensão
do comportamento individual dos entrevistados. Assim, tendo em vista que alguns informantes pareciam
demonstrar um comportamento muito diferenciado dos outros, decidiu-se por incluir a variável nas rodadas,
ainda que o Goldvarb X não seja a ferramenta ideal (como seria o R-brul) para observar o controle dessa
variável (de caráter individual) juntamente com todas as outras variáveis sociais. Verificados os efeitos
negativos dessa medida, priorizou-se a observação dos resultados sem o controle específico da variável.
Informante.
151
dominada(s) pelo informante e à escolaridade. Assim, seguiram-se três rodadas (3, 4 e
5), duas nas quais os dados desse informante foram retirados da amostra e uma em que a
variável língua(s) dominada(s) pelo informante não foi contemplada na análise
multivariada (foi retirada do arquivo de condições). Com isso, pretendia-se observar se
alguns desses fatores estavam atrapalhando os resultados. As variáveis selecionadas nas
duas rodadas em que o informante havia sido excluído não demonstraram diferenças,
obtendo as mesmas tendências da primeira rodada como relevantes. No entanto, quando
o informante estava presente e a variável língua(s) dominada(s) pelo informante foi
retirada, novamente a escolaridade foi descartada, sinalizando a relevância do grupo de
fatores referente ao uso das línguas locais sobre todos os demais extralinguísticos.
As três rodadas seguintes (6, 7, e 8) observam, de modo mais particular, a relação
entre os grupos de fatores linguísticos, como, por exemplo, as variáveis saliência fônica
e tipo de verbo. Consideram, ainda, de forma mais detalhada, o comportamento dos
sujeitos não expressos, ora investigado na variável posição de sujeito, ora na
configuração morfossintática do sujeito. Os resultados foram semelhantes nas três e mais
uma vez, língua, escolaridade e posição foram selecionadas e descartadas pelo programa.
A partir daí, decidiu-se que, de fato, era melhor deixar os sujeitos não expressos
apenas na configuração morfossintática e que havia uma interferência entre a
escolaridade e a língua(s) dominada(s) pelo informante que precisava ser observada mais
atentamente. Com isso, foram feitos os primeiros amálgamas para a rodada 9:
Configuração morfossintática do sujeito: em vez das nove categorias que
existiam, os dados foram reagrupados, deixando seis fatores, da seguinte maneira:
a) pronomes (pessoal e demonstrativo); b) quantificadores (definidos e
indefinidos); c) sintagmas nominais (simples, com oração relativa ou com
preposição); d) sintagmas nominais coordenados; d) sujeito não expresso; e e)
pronome relativo.
Língua(s) dominada(s) pelo informante: em troca dos quatro níveis anteriores, um
grupo ternário: a) fala somente Português e/ou compreende um pouco as línguas
locais; b) fala línguas nacionais e Português fluentemente; e c) fala mais línguas
locais do que Português.
Outra vez, as variáveis escolaridade, posição do sujeito e língua(s) dominadas(s)
pelo informante foram selecionadas e, em seguida, descartadas pelo programa. Além das
152
mesmas variáveis selecionadas na primeira rodada, o programa indicou a variável tipo de
verbo como relevante. Cabe ressaltar que, em todas essas rodadas (de 2-11), a variável
informante estava sendo usada e, ao que tudo indica, ela pode ter sido a responsável pelos
descartes ora citados, como se verá adiante. Assim, nova tentativa (10) foi feita, desta vez
para observar somente as variáveis selecionadas nas rodadas de melhor significância até
então (a rodada 1 e a rodada 9), mas esta não demonstrou tendências muito claras, não
tendo nem descartado nem selecionado qualquer das variáveis em análise na rodada. Nas
duas tentativas seguintes (11 e 12), as mesmas variáveis das outras tentativas foram
selecionadas e os descartes também se mantiveram, sendo que a primeira considerava
apenas as variáveis da rodada 1, acrescidas do informante, e a segunda, apenas as
variáveis da rodada 9.
Optou-se, nesse caso, por observar, primeiramente, somente as variáveis sociais
(13), e, em seguida, fazer uma rodada específica para cada nível de escolaridade
separadamente (14, 15 e 16), para tentar entender o que acontecia nesses casos. Ao
considerar apenas as sociais, o programa descartou as língua(s) dominada(s) pelo
informante. Além disso, ao separar os níveis de escolaridade, pela primeira vez em todas
as rodadas, a variável língua(s) dominada(s) pelo informante deixou de ser selecionada.
Assim, confirmou-se a forte interferência entre a escolaridade e as línguas que esses
informantes utilizam em seu dia a dia.
Na 17ª tentativa, repetiu-se então a rodada 9, retirando os dados daquele
informante com perfil particular, que tinham mais ocorrências de não marcação de plural
e, então, mais uma vez língua(s) dominada(s) pelo informante não foi selecionada.
Contudo, observou-se que os resultados referentes à saliência fônica e ao tipo de verbo
pareciam diluídos pelos muitos fatores, não permitindo que as principais tendências
fossem claramente visualizadas. Assim, foram feitos amálgamas em mais dois grupos de
fatores:
Saliência Fônica: seguindo a proposta de cinco níveis de saliência, propostos por
Guy (1981), reagruparam-se os dez níveis iniciais em cinco, da seguinte maneira:
Grau 1 – come x comem, fala x falam; Grau 2 – faz x fazem, quer x querem; Grau
3 – dá x dão, vai x vão; Grau 4 – pretéritos; Grau 5 – é x são.
153
Tipo de Verbo: ao contrário dos cinco fatores iniciais que estavam sendo
considerados (inergativos e acusativos59, transitivos diretos, transitivos indiretos,
transitivos relativos e circunstanciais, copulativos), determinou-se uma oposição
ternária: transitivos x inacusativos/intransitivos x copulativos.
Nas três rodadas que se seguiram (18, 19 e 20) a essas mudanças, três variáveis
não foram nem selecionadas nem descartadas: tempo verbal, tipo de verbo e informante.
Diante do cenário de possibilidades descritas e mediante diversas tentativas de
compreensão das interrelações entre as variáveis, concluiu-se que o controle do
informante a parte foi o principal responsável pela instabilidade na seleção de certos
grupos de fatores, por forte superposição de fatores. Na rodada 21, adotou-se, então, o
perfil das condições da rodada 1, considerando os novos amálgamas realizados nas
variáveis e retirando o informante, para confirmar tal interferência. De fato, notou-se que
a retirada dessa variável permitia que os resultados ficassem mais satisfatórios quanto às
hipóteses estabelecidas.
Por fim, verificou-se, ainda, que a variável língua(s) dominada(s) pelo informante
representava resultados contrários à hipótese esperada; além disso, a observação das
ocorrências de não marcação de plural mostrava que havia uma quantidade de sujeitos
não expressos bastante relevante, mas a variável que a controlava (configuração
morfossintática) não era selecionada em nenhuma das rodadas.
Por conta disso, decidiu-se fazer as últimas quatro rodadas da seguinte forma: na
22, considerando sujeitos não expressos no grupo posição do sujeito, variável que foi
selecionada e descartada pelo programa; na 23, deixando de fora as variáveis de
comportamento instável; na 24, examinando apenas as variáveis que foram produtivas
nas pesquisas variacionistas anteriores. Nestas duas últimas, deixou de haver seleção e
descarte das mesmas variáveis. Por fim, na 25, seguindo os mesmos padrões da rodada
anterior, adicionou-se apenas o informante, variável que, outra vez, apareceu superposta
às outras.
Após todas as tentativas, ficou definido que a rodada 23 era a que apresentava
melhores resultados. Com input de 0.01 de não marcação de plural e significância 0.04,
as tendências gerais mantiveram-se, estavam de acordo com as hipóteses levantadas e
59 Importante ressaltar que esses dois tipos de verbo (inacusativos e inergativos) foram codificados
separadamente, mas devido à pequena quantidade de dados de cada um deles e seu comportamento similar,
eles foram amalgamados desde a primeira rodada executada pelo programa.
154
nenhuma variável foi selecionada e depois descartada pelo programa. Ainda que esta
rodada considere, em primeiro lugar, a variável língua(s) dominada(s) pelo informante e
esta tenha sido selecionada em quase todas as rodadas executadas, ficou claro que sua
atuação sofre interferências muito fortes da escolaridade, o que provavelmente foi a causa
de tanta instabilidade para ambas, que ora eram selecionadas, ora descartadas.
Por toda a complexidade dessas correlações, decidiu-se tratar da variável língua(s)
dominada(s) pelo informante não só em termos de peso relativo, mas observando os
cruzamentos entre ela e outras variáveis. Logo, não só ela como outras variáveis que
(quase) nunca foram selecionadas pelo programa, como o Português como L1 ou L2, o
informante60 e a faixa etária, serão observadas quanto à distribuição dos dados.
Cabe esclarecer que as variáveis que não foram ou quase nunca foram
selecionadas – sexo, localidade, distância entre o núcleo do sujeito e o verbo, presença
de elementos intervenientes, número de vocábulos do sujeito, animacidade e tempo
verbal – não serão aqui detalhadas, por não terem se mostrado relevantes na amostra em
análise.
Sobre os cruzamentos – alguns deles apresentados na análise, juntamente com os
resultados de cada variável em questão – foram executados oito, na seguinte ordem:
1. Escolaridade x Português L1 ou L2
2. Escolaridade x Língua(s) dominada(s) pelo informante
3. Língua(s) dominada(s) pelo informante x informante
4. Língua(s) dominada(s) pelo informante x Faixa etária
5. Escolaridade x Localidade
6. Saliência Fônica x Tipo de Verbo
7. Tipo de Verbo x Posição do Sujeito
8. Escolaridade x Informante
Espera-se que, com o presente detalhamento das rodadas realizadas pelo programa
computacional, fique clara a proposta de análise que será realizada na próxima seção.
Consoante a investigação detalhada da hipótese de que certas variáveis sociais seriam
mais relevantes do que as linguísticas, percebeu-se que elas, por muitas vezes, atuam em
60 Variável selecionada apenas 2 vezes, quando a variável Língua(s) dominada(s) pelo informante não
estava na rodada.
155
conjunto e, por isso, acabam interferindo umas sobre as outras, sobretudo porque não se
dispõe de uma amostra estratificada quanto a todas as variáveis que atuam na complexa
realidade multilinguística moçambicana. Seguem-se, então, os resultados.
7.2 Distribuição geral dos dados
Os resultados obtidos na amostra do Português de Moçambique indicam, em
termos de distribuição de dados, a atuação de uma regra semicategórica, conforme
proposto por Labov (2003), com expressiva preferência pela concordância padrão. Como
pode ser verificado na tabela a seguir, dos 2.353 dados coletados, 2.278 apresentam
marcas de 3ª pessoa do plural, totalizando 96.8% de concordância. Sendo assim, foram
encontradas 75 ocorrências em que as marcas de plural não foram realizadas.
A análise computacional dos dados revelou a relevância efetiva de seis variáveis
para os dados sem marcação plural; são elas: língua(s) dominada(s) pelo informante,
posição do sujeito, saliência fônica, escolaridade, paralelismo clausal e tipo de verbo.
Como já dito anteriormente, essa foi a ordem de seleção preferida pelo programa em
praticamente todas as rodadas realizadas, o que revela o verdadeiro peso desses grupos
de fatores para a amostra do Português de Moçambique em questão. Conforme se
esclareceu anteriormente, a análise das variáveis sociais será apresentada primeiro; depois
serão verificados os condicionamentos linguísticos.
7.3 O comportamento das variáveis extralinguísticas
Detalhando os resultados, pode-se observar não só a atuação das Língua(s)
dominada(s) pelo informante e a escolaridade, estatisticamente relevantes para a
compreensão da complexa situação do Português de Moçambique, mas também possíveis
relações entre essas variáveis com os grupos de fatores referentes aos informantes, a faixa
Ocorrências Percentual
Concordância padrão 2278/2353 96.8%
Não concordância padrão 75/2353 3.2%
Tabela 6 - Distribuição dos dados com e sem marca verbal de 3ª
pessoa plural no Português de Moçambique (PM)
156
etária e as línguas que declaram como sendo sua L1. O objetivo de tal apresentação é
proporcionar uma visão geral do panorama linguístico desses indivíduos e os fatores em
questão.
7.3.1 Língua(s) dominada(s) pelo informante
Em quase todas as rodadas em que o grupo de fatores foi avaliado, esta foi a
primeira variável selecionada pelo programa, mostrando-se bastante relevante no
condicionamento da regra de concordância no Português de Moçambique. Observem-se
os resultados gerados pelo programa na Tabela 7:
Preliminarmente, esperava-se obter um resultado escalar, que demonstrasse que
quanto maior o uso de línguas locais, maiores seriam os índices de ausência de pluralidade
nos verbos. Não se verificou exatamente essa escalaridade, mas a hipótese para esta
variável é confirmada na comparação entre os resultados referentes ao grupo de
informantes que “falam mais línguas locais do que Português” e os demais.
O uso mais constante das línguas locais constitui fator que demonstra nitidamente
o desfavorecimento da concordância (.89 de não concordância padrão). O contato com
Changana/Rhonga, ao que tudo indica, afeta os padrões de concordância verbal no
Português de Moçambique. De outro lado, com comportamento similar (apenas quatro
pontos relativos de diferença), figuram os fatores relativos aos informantes que “só falam
Português e/ou apenas compreendem (um pouco) as línguas locais” e os indivíduos que
falam “fluentemente línguas locais e Português”. Embora o maior contato com a Língua
Ocorrências Valor Percentual Peso Relativo
Só fala Português ou apenas compreende
línguas locais 24/820 2.9% .51
Fala, fluentemente, Português e línguas
locais (em determinados
contextos)
39/1487 2.6% .47
Fala mais línguas locais do que
Português 12/44 27.3% .89
Tabela 7 - Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo
língua(s) dominada(s) pelo informante no Português de Moçambique (PM)
157
Portuguesa não chegue a favorecer altos níveis de marcação de plural, os resultados
obtidos para esses fatores – .47 e .51 – distam consideravelmente (cerca de 40 pontos)
daqueles relacionados ao contato intenso com as línguas locais.
Na realidade, os pesos relativos demonstram uma polarização61 quanto ao
condicionamento da regra variável, o que pode ser compreendido, considerando, mais
uma vez, o testemunho da professora Maria João Carrilho Diniz, ex-professora de Língua
Portuguesa por muitos anos e estudiosa da relação entre esta e as línguas locais. Esse
testemunho revela uma informação extremamente significativa em relação ao
conhecimento das línguas e a escolaridade:
“[...] temos situações em que é difícil de encontrar neste momento pessoas com mais de
35 anos... que tenham o português como língua materna... mas que tenham uma
escolaridade básica... porque ba/basta que o português seja língua materna para a
possibilidade de ter um/uma escolaridade melhor... e que seja colocada... portanto temos
casos... mas não significa que eles dominem perfeitamente porque ter o português como
língua materna a partir de uma determinada altura... aos 10... 11 anos quando o controle
dos pais fica menos... menos eh:... fechado... eles começam a ter contatos com os amigos
de rua e começam a aprender a outra língua e às vezes o português eh:... porque também
nã/não continuam a ler... o ensino... a qualidade do ensino de português não é tão boa...
o domínio também não é tão bom [...] mas aquele que tem língua materna avança...
avança... e o português nem sempre impede de avançar mais... pode não dominar bem a
língua e chegar no ensino superior”
Em suma, entende-se que o fato de se declararem falantes de Português L1 e terem
alta escolaridade não significa que, necessariamente, tenham pleno domínio do português
tido como padrão. Considera-se, nesse caso, especialmente o primeiro grupo de falantes,
que contém indivíduos que afirmam “compreender línguas locais”, fato que, de acordo
com Romaine (1995), já os classifica como bilíngues passivos, suscetíveis aos mesmos
fenômenos variáveis de qualquer outro falante.
61 De um lado, observam-se os informantes que falam apenas Português (ou que podem ser considerados
bilíngues passivos) juntamente com os falantes bilíngues, mostrando tendências de favorecimento à
concordância verbal, ainda que seja possível notar oscilação no uso das variantes das duas categorias de
falantes. De outro lado, verifica-se o favorecimento à não concordância por parte apenas daquele que tem
maior contato com as línguas locais do que com o Português.
158
Da mesma forma, no que se refere ao fato de os indivíduos do segundo grupo
falarem fluentemente línguas locais e Português, é possível que haja a confluência de
muitos falantes bilíngues, aqueles que adquiriram as línguas ao mesmo tempo, desde
crianças, independentemente de seu grau de escolaridade. Nesse caso, a aquisição
simultânea possibilitaria um nível de proficiência muito similar nessas línguas, o que
poderia causar oscilação em sua fala e, ao mesmo tempo, permitir que a aquisição das
regras da Língua Portuguesa seja mais natural, resultando no leve favorecimento de uso
das regras padrão, assim como mostra o resultado (.47 para a não marcação de plural).
Deve-se, considerar, ainda, na análise dos resultados da variável língua(s)
dominada(s) pelo informante, que o único informante que declara usar muito menos o
Português do que as línguas locais é o maior representante do domínio da língua
considerado mais precário, que sofre maiores influências do substrato e,
consequentemente, apresentaria esse maior desfavorecimento das marcas de
concordância (.89). Esse informante (PMOC1H) possui apenas a 4ª classe do ensino
fundamental, ou seja, seu contato com a Língua Portuguesa foi, de fato, muito menor do
que o de alguns outros informantes pertencentes aos outros grupos. Seus resultados
referentes à marcação de concordância chegam aos 73% (limiar referente à variação) e
ele apresenta dificuldades em outras áreas relacionadas ao processamento do mecanismo
de concordância em geral, como a de gênero e a nominal, por exemplo, que ele utiliza
pouquíssimas vezes de acordo com as regras do Português padrão ao longo de sua
entrevista. Alguns exemplos podem ser aqui destacados: “eu sozinho a guarnecer aqui
na campo”; “pronto... duas jipe... duas carro...”; “a vencimento base...”; “eu tenho nove
filho”, dentre outros.
Refletindo, então, mais especificamente sobre o grupo de informantes que se
declaram bilíngues e que são os que mais utilizam as marcas de concordância, questionou-
se a proficiência desses indivíduos em outras línguas, quando as dominam, e,
consequentemente, se esse domínio teria alguma relação com o fato de algum desses
idiomas ser a sua língua materna. Assim, controlou-se mais atentamente a variável
Português como L1 ou L2, com o objetivo de tentar compreender a relação desses
indivíduos com suas possíveis línguas maternas.
Aparentemente, contudo, definir o que seria uma língua materna para os
indivíduos moçambicanos parece ser uma tarefa bastante árdua, que gera incertezas
quanto a essa definição, seja para aqueles que viveram o período pós-independência
quanto para os que viveram diretamente o período colonial e a proibição das línguas
159
locais. Durante aquela época, conforme já se observou, o prestígio concedido à Língua
Portuguesa fez com que muitos moçambicanos fossem obrigados a abandonar suas
línguas maternas caso quisessem ter um futuro melhor, fosse na educação ou no mercado
de trabalho. Por conta desse cenário, desde o período pós-colonial até os dias atuais, é
possível ver o esforço de grande parte desses indivíduos para que o Português seja a língua
materna da nova geração.
Todavia, a presente amostra, como já mencionado, não se constitui apenas de
informantes que têm a Língua Portuguesa como sua L1, e isso parece revelar muito sobre
a sociedade moçambicana como um todo, já que, mesmo aqueles que declaram ser
falantes de Português como L1, às vezes oscilam ao definir qual seria sua língua materna.
Em outras palavras, o contexto multilíngue parece representar fortemente uma situação
em que a maioria dos moçambicanos adquire, ao menos, duas línguas ao mesmo tempo
(Português e Changana/Rhonga). Dessa forma, para alguns deles é bastante complexo e,
talvez até impossível, indicar o limite entre uma língua e outra e/ou definir com clareza
qual é a sua língua materna e qual é a sua segunda língua.
Ao que tudo indica e, seguindo a proposta de Romaine (1995), entende-se que a
língua que o indivíduo bilíngue indica como seu idioma materno não é necessariamente
a que ele aprendeu primeiro, mas aquela com a qual ele mais se identifica, culturalmente
falando. Sendo assim, aqueles que possuem o desejo de ascensão social e melhores
condições de vida tendem a defender com mais afinco o uso do Português e, inclusive,
tentam evitar que seus filhos aprendam línguas locais, pois acreditam que o uso destas
pode impedir sua evolução. Por outro lado, aqueles que acreditam no valor cultural dos
idiomas locais tendem não só a defender, mas a incentivar o uso dessas línguas em todos
os ambientes possíveis, especialmente naqueles em que há maior representatividade das
emoções, como na religião e no trato com a família e os amigos, por exemplo. Nessas
situações, a força das línguas locais parece ser muito maior e mais valorizada por seus
falantes do que a do Português, que seria apenas o instrumento de comunicação geral,
com a qual não estabeleceriam mais forte relação afetiva.
Apesar de toda a complexidade que se constata, especialmente no depoimento dos
entrevistados, essa variável, que controlava, a partir das declarações dos mesmos, se eles
tinham aprendido o Português como sua L1 ou L2, não foi selecionada em nenhum
momento pelo programa estatístico. Ainda assim, vale a pena conferir seus resultados,
principalmente porque o discurso dos informantes revela a importância dessa concepção
de uso de línguas e a importância de cada uma delas dentro da sociedade moçambicana.
160
Dentre os 18 informantes da amostra, os 11 que se declaram falantes de Português
como língua materna são, especialmente, nascidos e criados em Maputo, onde a Língua
Portuguesa já é majoritária e o incentivo a seu uso é extremamente valorizado. Além
disso, estes também são representados por aqueles moçambicanos que tiveram maior
convivência com portugueses, seja na família ou por ter passado algum tempo em
Portugal e, com toda certeza, aqueles com níveis mais altos de escolaridade (para o
detalhamento do perfil de cada informante, cf. Seção 6.2.1).
Considerando, de outro lado, os sete informantes da amostra que se declaram
falantes de Português L2, vemos que, para muitos deles, aprender a Língua Portuguesa
foi quase uma “obrigação”, algo que lhes permitiria frequentar a escola. Essa realidade
parece ser um problema ainda comum para as crianças que vêm de outras províncias para
viver e estudar em Maputo. Um dos informantes mais jovens da amostra faz uma
declaração que comprova essa afirmação:
“em Moçambique vamos falar das escolas pública ou todas as escolas lá existe uma
língua que é português... todos tem oportunidade de falar português por exemplo eu vou
me encontrar com um pessoa no distrito sempre vou falar aquela língua mas quando
estamos mais que três quatro pessoas eu sou obrigado a falar português para nos
entendemos melhor até/em outros lugares em outras as escolas é proibido você falar a
sua língua digamos do seu distrito é obrigatório falar português para que possa facilitar
além de hoje (em dia) então os professores não deixam o aluno falar a sua língua materna
na sala deve falar o português que nós todos aprendemos através do português e não sei
o que tal... acho que é bom cada pessoa tem a língua dela mas existe uma língua que é
comum que é obrigatório tudo que entra na escola deve saber mesmo não entrando na
escola ele deve saber” (PMOA1H)
Outros dois informantes confirmam a necessidade de já se chegar à escola com
algum conhecimento de Português:
“eu aprendi na escola porque nos meus tempos não se falava/ não falávamos português
em casa ... falávamos a nossa língua [...] eh:: quando a gente entra na escola já não
podíamos mais falar a nossa língua... [...] então obrigavam a gente a falar português pra
podermos aprender melhor... [...] na minha casa agora por causa dos meus filhos eu já
161
falo português... para eles poderem ir à escola pelo menos já têm uma noção... já sabem
como falam pelo menos eles vão entender... o (professor) está a falar isto...” (PMOB1H)
“sim na escola é proibido não pode às vezes professor dá punição mesmo dá castigo na
aluna porque falou changana não pode ser principalmente na sala de aula por quê?
porque o português nós mesmo aprendemos na escola e é a língua que usamos na escola
por isso que o professor não permite que o aluno fale changana tem que falar mesmo
português mesmo errando mas tem que falar pra poder corrigir pra poder ver que essa
palavra está errada e no nosso dia a dia nós falamos um pouco de changana um pouco
de português [...] sim a gente ainda proibe sim sim ( ) fala changana devem falar o quê?
pra se saírem bem na escola e falar sempre o português pra poderem formar as frases
pra poderem ler bem um texto” (PMOA2M)
Uma das informantes, que oscila em dizer qual língua aprendeu desde pequena,
reforça que o uso de línguas locais deve ser “evitado” em prol do uso do Português:
“eu falava um pouquinho [de Português] com a minha mãe sim um pouquinho só mas
bem que aprendi na escola amigas né sim... [...] [meus filhos] sim... até que eles não
conseguem falar changana só conseguem falar português porque desde eu nascer eu
sempre falei português eu não consigo presenciar bem português mas eu sempre falo
português com eles... até digo não eu não quero pra vocês falarem changana sim vocês
podem saber falar mas não podem falar changana e também falar português ajuda muito
na escola também... porque nossa escola aqui sempre é o português não pode falar
changana” (PMOB1M)
O informante seguinte corrobora o relato anterior, ao afirmar que falar Português
é sinal de “respeito”:
“só aqui na universidade... quando falo com doutore... com professore... eu não falar
changana... para dar... fala alguma coisa que é respeito...” (PMOC1H)
Os dois últimos informantes falantes de L2, de faixa etária mais elevada na
amostra, relatam como o Português era tratado antes e depois da independência do país:
162
“antes eh:... da independência as crianças falavam sempre só na língua (nacional) mas
agora... os pais ensinam português pras crianças em casa... falam português [...] aos
poucos... a/a língua da unidade é o português... agora todos falam português... a partir
da altura dos portugueses... pegamos essa instrução... então os moçambicanos passaram
a falar o português...” (PMOC2H)
“mas também porque... por exe/ eu por exemplo estudei numa escola oficial... então
escola oficial eram só professores... pronto... os portugueses entravam (na vida de) todos
nós... no tempo colonial éramos portugueses... eram só professores brancos... só...
sempre... que ensinavam... então ali não tinha como meter outra língua [...] [saber
português] permite melhor compreensão... porque na/na/nas zonas rurais lá... as
crianças em casa falam uma única língua que é a língua materna... agora se chegar na
escola... o professor introduzir a segunda língua... [...] se o professor introduz a nova
língua neste caso que será o português... será uma novidade para a criança... e se o
professor manter-se só naquela língua ali a criança vai ter dificuldades para perceber a
matéria” (PMOC2M)
Esse último relato destaca, ainda, a dificuldade que alguns alunos de áreas mais
rurais podem ter, por não conhecerem bem o Português e esse ser introduzido como uma
L2 de maneira muito imponente, podendo causar problemas no aprendizado dessa
criança. Sendo assim, é fundamental o conhecimento de Língua Portuguesa como
condicionamento de uma boa instrução e melhores oportunidades para o futuro desses
indivíduos.
A Professora Maria João confirma os relatos ao mencionar a posição de muitos
indivíduos em relação ao uso do Português:
“Muitos pais no período anterior à independência... para que os filhos pudessem ter
acesso à escolaridade não permitiam que eles... que eles falassem uma língua eh::
nacional uma língua moçambicana... outros por causa do seu da/d/d do seu ambiente de
sua mente de suas origens étnicas eh:... criaram condições para os filhos ser/serem
bilíngues [...] mas os pais evitam mesmo que os filhos falassem outra língua que não o
Português porque essa é a língua de acesso ao conhecimento”
163
Em outras palavras, pode-se dizer que a Língua Portuguesa é concebida por esses
moçambicanos como o principal recurso que promove acesso ao conhecimento e que tê-
la como L1 é uma condição para que o indivíduo obtenha níveis mais altos de
escolaridade, mesmo que ele não domine perfeitamente a língua por causa do contato
posterior que ele tem com as línguas locais. Cabe, agora, observar os resultados referentes
à escolaridade em si, sem deixar de notar que, assim como mencionado por Maria João,
ter ensino superior não é sinal de ter um Português perfeito, livre de “desvios” em sua
gramática.
7.3.2 Escolaridade
A quarta variável selecionada pelo programa, escolaridade, confirmou, como já
era esperado, um comportamento escalar, demonstrando mais concordância conforme o
indivíduo fosse mais escolarizado. A hipótese inicial foi claramente atestada, como
mostra a seguinte tabela:
Os informantes com ensino fundamental são os que realizam menos marcas de
número, favorecendo a não marcação de plural (.71), enquanto os que possuem ensino
médio e/ou ensino superior são aqueles que a desfavorecem (.42 e .35, respectivamente).
Isso está interligado, acredita-se, diretamente ao maior uso de Língua Portuguesa, uma
vez que nas escolas a língua majoritária é o Português e, portanto, aqueles que tiveram
maiores oportunidades de estudar são os que têm maior contato com a língua no seu dia
a dia.
No entanto, como bem observado na variável anterior, ter mais escolaridade não
é sinal de ter um “Português perfeito”. Sendo assim, a Tabela 8 revela 16 ocorrências de
ausência de marca de número no ensino médio e 13 no ensino superior, o que nos mostra
que, mesmo sendo ínfima a quantidade de “desvios”, é válido reparar a diferença de
Ocorrências Valor Percentual Peso Relativo
Ensino Fundamental 46/765 6% .71
Ensino Médio 16/844 1.9% .42
Ensino Superior 13/742 1.8% .35
Tabela 8 - Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa
plural segundo escolaridade no Português de Moçambique (PM)
164
apenas três dados entre esses dois níveis de instrução escolar. No percentual geral, ambos
chegam próximos aos 2% de não concordância padrão, confirmando que, de fato, nessa
amostra, a diferença de comportamento entre os dois níveis de escolaridade é bastante
pequena.
Além disso, a superposição entre essa variável e a que relata o uso de outras
línguas por parte dos informantes foi bastante clara durante as rodadas, demonstrando
que, ao retirar a variável referente às línguas, a escolaridade passava a ser a primeira ou
a segunda selecionada pelo programa (cf. Seção 7.1 e rodadas no Anexo 2). Assim,
atestou-se a interferência entre as línguas faladas pelo indivíduo e sua escolaridade, que
ora parecem caminhar juntas, ora parecem mascarar o efeito uma da outra.
Vale, portanto, verificar, através do cruzamento entre as duas variáveis, o qual
permite a análise mais detalhada desses grupos de fatores, como o contato entre as línguas
em uso em Moçambique – as locais e o Português – pode afetar tanto os falantes que se
declaram falantes de Português como L1 e tem pouquíssimo ou nenhum contato com
línguas locais quanto aqueles que afirmam utilizá-las em seu dia a dia, seja porque são
suas línguas maternas ou por pura força do hábito, já que o uso destas é muito comum
nas ruas da cidade.
Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Superior
Oc. Perc. Oc. Perc. Oc. Perc.
Fala só Português ou apenas entende línguas
locais 15/266 6% - - 9/554 2%
Fala, fluentemente, Português e línguas locais
19/455 4% 16/844 2% 4/188 2%
Fala mais línguas locais do que Português
12/44 27% - - - -
Tabela 9 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo língua(s)
dominada(s) pelo informante x escolaridade no Português de Moçambique (PM)
165
Como se pode observar na Tabela 9 e no Gráfico 1, as três “categorias” de uso de
línguas locais estão presentes apenas no grupo de indivíduos que têm apenas o ensino
fundamental, com percentuais de 6%, 4% e 27%, respectivamente. Os informantes de
ensino médio são os únicos que se revelam apenas falantes fluentes tanto de línguas locais
quanto de Português (2%), enquanto os de ensino superior se dividem entre saber somente
o Português e/ou compreender um pouco de línguas locais (2%) e saber falar ambas
fluentemente (2%). Além disso, observa-se que ser bilíngue é uma realidade muito
presente nessa amostra, independentemente do nível de escolaridade.
Com isso, nota-se que, para a maioria dos informantes aqui analisados, o
Português foi adquirido com algum tipo de influência das línguas locais, mesmo que
alguns afirmem o contrário. Às vezes, o simples fato de alguém da família ser fluente em
idiomas locais já pode exercer algum tipo de influência no Português falado por eles.
Ademais, não se pode deixar de refletir novamente sobre a questão do Português
que é ensinado nas escolas de Moçambique (cf. Seção 3.2 deste trabalho para maiores
explicações). Sendo grande parte dos professores de Língua Portuguesa da atualidade
falantes também de Português como L2 ou, pelo menos, de uma L1 com influência das
línguas locais, a transmissão das regras da língua pode acontecer de maneira que não
reflita totalmente a Língua Portuguesa com as características consideradas padrão, dando
margem aos contextos de variação.
Ao falar dos processos de pré e pós-independência, a Professora Maria João reflete
sobre essa influência inerente dos idiomas locais no Português da geração atual:
6%0% 2%4% 2% 2%
27%
0% 0%0%
20%
40%
60%
80%
100%
Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Superior
Escolaridade x Lingua(s) dominada(s) pelo informante
Fala só Português; compreende línguas locaisFala Português e línguas locaisFala mais línguas locais que Português
Gráfico 1 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo língua(s)
dominada(s) pelo informante x escolaridade no Português de Moçambique (PM)
166
[o poder da língua portuguesa] “foi se diluindo ao longo do tempo e já há uma geração
que começa a querer que seus filhos falem as suas línguas naturalmente... mas esta
geração que tinha... que nós tínhamos no pós-independência já falam um português
língua materna mas com influência grande das línguas moçambicanas e de outras
que/que vão entrando... por exemplo o inglês”
Tendo em vista esse cenário, foi feito um cruzamento entre as variáveis
escolaridade e língua materna, na tabela a seguir, para observar como elas atuam na
amostra em questão:
Os dados da tabela confirmam as palavras de Maria João sobre a conexão concreta
entre a escolaridade e o uso do Português. Como se vê, não existe qualquer informante de
ensino superior que seja falante de Português como L2 e o índice maior de não marcação
de plural (9%) é observado exatamente nos indivíduos de ensino fundamental que não
têm o Português como sua língua materna.
Então, na percepção da professora,
“É esse conjunto de pessoas que vai produzir a transformação do português porque... à
medida que vão crescendo na escolaridade, elas também se vão aperfeiçoando eh::...
mesmo que tenham um: nível básico do português quando entram pro ensino superior...
se disser/ exigir esta língua... eh: o português... essas pessoas vão influir... então é difícil
encontrar pessoas agora do nível básico que tenham... que tenham português como
língua materna e SÓ um nível básico de escolaridade”
Resumindo, entende-se que o nível de conhecimento da Língua Portuguesa está
fortemente relacionado à escolaridade dos moçambicanos, seja porque tiveram acesso ao
Português desde cedo ou porque tiveram de aprendê-lo já dentro da escola.
Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Superior
Oc. Perc. Oc. Perc. Oc. Perc.
Português L1 20/486 4% 9/465 2% 13/742 2%
Português L2 27/279 9% 7/379 2% - -
Tabela 10 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural
segundo língua materna x escolaridade no Português de Moçambique (PM)
167
Haja vista o panorama totalmente heterogêneo de Maputo em relação à
aprendizagem e ao conhecimento de Português por parte de cada indivíduo, acreditava-
se que um olhar detalhado e separado sobre os informantes – exposto na próxima
subseção – poderia mostrar a situação de uso das línguas de forma mais evidente.
Considerou-se tal controle, em primeiro lugar, pela grande diferença, em termos
qualitativos e quantitativos, de dados produzidos por aquele único falante que declara
falar mais línguas locais do que Português e os outros. Por outro lado, foi perceptível que
esses outros informantes, em situações distintas da dele, também produziram ausência de
concordância e que ele não era o único responsável pelos contextos variáveis que foram
encontrados na variedade Moçambicana.
7.3.3 Informante
Essa variável, selecionada apenas duas vezes em todas as rodadas, apresentou
comportamento instável, sendo relevante somente quando a variável língua(s)
dominada(s) pelo informante era retirada da amostra (rodadas 4 e 25). Esse desempenho
levantou questionamentos sobre o possível peso que alguns informantes especificamente
poderiam causar sobre os resultados obtidos e se, de alguma maneira, a presença daquele
informante em especial, o PMOC1H, citado anteriormente, enviesaria os percentuais da
amostra.
Embora não se tenha dúvida da forte influência dos dados do referido entrevistado,
a observação de cada informante separadamente permite a constatação de que, com
exceção dos informantes PMOC2M e PMOC3M, que não apresentaram qualquer
ocorrência sem marcas de plural, todos os outros registram, mesmo que em percentuais
bastante baixos, a concordância não padrão. A Tabela 11, a seguir, mostra bem essa
situação:
Informante Ocorrências Percentual
ENSINO FUNDAMENTAL
A1H 10/117 9%
A1M 5/220 2%
B1H 2/76 3%
B1M 2/42 5%
C1H 12/44 27%
C1M 15/266 6%
Tabela 11 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural
segundo informante x escolaridade no Português de Moçambique (PM)
168
Note-se que, dos 46 dados de não concordância obtidos no ensino fundamental, o
maior índice, em número absoluto, é de 15 ocorrências, que são produzidas pela
informante C1M e não pelo informante em questão, o C1H. Este último produziu 12
episódios de ausência de marca. Percentualmente, no entanto, é o informante C1H o que
mais deixa de marcar as formas verbais (27%), visto que a quantidade de dados (44)
produzida por ele, de forma geral, foi menor do que a de muitos outros informantes (que
chegam a 266 ocorrências gerais, como é o caso da C1M). Dessa forma, o percentual bem
elevado do informante, em comparação com os referentes aos demais entrevistados, pode
sinalizar, de alguma forma, que seu comportamento tenha afetado a atuação da variável
referente às línguas, principalmente.
Vale relembrar que, em relação às línguas, tanto no ensino fundamental quanto no
médio, os informantes estão divididos quase pela metade quanto ao uso de Português
como L1. No fundamental, são três informantes de Português como L1 e quatro como L2,
enquanto no médio são exatos três informantes para cada categoria. O ensino superior,
por sua vez, é todo preenchido por falantes de Português como L1. Sendo assim, a
expectativa, ao observar os informantes, era que, de fato, aqueles com Português L2 e
escolaridade entre os níveis fundamental e médio seriam os maiores desfavorecedores da
marca de concordância. O Gráfico 2 mostra a confirmação dessa hipótese:
ENSINO MÉDIO
A2H 1/240 1%
A2M 4/176 2%
B2H 3/90 3%
B2M 5/135 4%
C2H 3/75 3%
C2M 0/104 0%
ENSINO SUPERIOR
A3H 1/89 1%
A3M 1/82 1%
B3H 2/75 2%
B3M 4/188 2%
C3H 0/128 0%
C3M 5/189 3%
169
Assinale-se que os informantes do ensino fundamental, principalmente, A1H,
C1H e C1M são os que mais produziram ausência de concordância; porém, dentre esses,
dois informantes declaram ter o Português como L2, mas C1M é falante de Português
como L1. Da mesma forma, no ensino médio parece que os níveis de ausência são bem
similares, independentemente de a Língua Portuguesa ser L1 ou L2. Além do mais, a
informante C2M, falante de L2, é a única que não apresenta qualquer dado sem marcas
de número. Por fim, no ensino superior os níveis parecem crescer levemente, conforme a
idade dos informantes, excetuando o informante C3H, que, assim como C2M, não produz
qualquer falta de concordância padrão, mas tem o Português como sua língua materna.
Considerando especificamente os informantes C3H e C2M, pode-se perceber que,
apesar de terem línguas maternas diferentes, ambos são informantes com marcas
representativas de um Português aparentemente semelhante ao europeu (sobretudo pela
pronúncia) e com menos influência das línguas locais como se esperava, devido às suas
experiências diferenciadas com a Língua Portuguesa (cf. Seção 6.2) em relação aos outros
entrevistados, já que o primeiro viveu em Portugal e a segunda estudou em escola
portuguesa. Sendo assim, não se espera que eles, de fato, representem o Português
supostamente genuíno dos moçambicanos, como foi confirmado por esses números.
Isso significa que, seja o Português L1 ou L2 desses entrevistados, outros fatores
sociais além da escolaridade e das línguas que o indivíduo fala, como a relação e a
identidade que mantêm em relação à Língua Portuguesa, o contato com Portugal ou a
faixa etária do informante, por exemplo, parecem atuar fortemente nessa variedade. Uma
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Superior
Informante x escolaridade
A1H A1M B1H B1M C1H C1M A2H A2M B2H
B2M C2H C2M A3H A3M B3H B3M C3H C3M
Gráfico 2 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural
segundo informante x escolaridade no Português de Moçambique (PM)
170
vez que a amostra é bastante heterogênea, alguns desses fatores podem ter passado
despercebidos em termos quantitativos, mas devem ser observados qualitativamente.
7.3.4 Faixa Etária
A última variável extralinguística a ser verificada (embora não selecionada pelo
programa estatístico, como já se explicou) é a faixa etária. Ao que parece, observar esse
grupo de fatores é importante, principalmente, por dar conta daquilo que é entendido
como uma variedade em formação. Em outras palavras, o fato de cada faixa etária
representar, a priori, um estágio diferente de domínio e conhecimento do Português
significa que, talvez, a partir dessa perspectiva, os padrões da Língua Portuguesa falada
em Moçambique sejam mais fielmente retratados.
De acordo com o relato da professora Maria João e considerando tudo o que já foi
aqui exposto, é visível que cada grupo de fatores sociais tem certa contribuição a dar para
o entendimento dessa realidade, mas a faixa etária do indivíduo marcaria exatamente que
tipo de contato ele teve – e continua tendo – tanto com o Português quanto com as línguas
locais moçambicanas no período por ela retratado. Vejamos as palavras da professora
sobre o tema:
“[...] os que estão entre os 28... e 40 anos de idade... esta/esta... eu/eu penso... não estou
a determinar... que esta geração é a que vai... é que vai marcar as variantes / a variante
do Português de Moçambique [...] eles... que vivem em Maputo... se estiverem num grupo
de amigos nota-se que é um português com algumas marcas que não tem... que não tem
a geração dos 60 [...] [muitos desses mais idosos] seguem os modelos de Portugal... do/do
Português de Portugal... do Português Europeu... [...] também muitos jovens vão à igreja
e nas igrejas há a tendência de se usar as línguas moçambicanas para rezar e para
cantar... portanto isso está a levar a camada jovem moçambicana a querer também falar
as línguas moçambicanas”
Considerando essas reflexões como de fundamental relevância para a realidade
moçambicana, foram observados os percentuais referentes a essa variável, tendo por
objetivo verificar se há algum tipo de interferência quanto ao uso de línguas locais a
depender da faixa etária dos informantes. Como se verá no cruzamento a seguir, a maior
171
quantidade de dados sem concordância, em termos percentuais, realmente é mais refletida
nos idosos, seguidos dos de idade mediana e, por último, os mais jovens.
Com efeito, pode-se também concluir que falar uma língua local, ou ao menos,
compreender um pouco delas é uma característica comum a todas as faixas etárias. No
entanto, há maiores incidências, no que se refere à distribuição nas três faixas etárias, de
ausência de concordância entre falantes que se assumem bilíngues (9%, no total). O
percentual mais alto obtido (27%) retrata o maior favorecimento da não concordância por
parte daquele único informante (PMOC1H) que afirma falar mais línguas locais do que
Português, fato que confirma a influência destas línguas na fala de informantes mais
velhos e com baixa escolaridade.
Isto posto, a observação de todas as informações obtidas até então, quantitativas e
qualitativas, parece indicar que a população de Maputo pode ser, supostamente,
subdividida em quatro grandes grupos em relação à faixa etária: (i) indivíduos acima de
55 anos, que tinham os idiomas locais como L1 e aprenderam, após a independência e
por forças externas, o Português como L2, considerado deficitário; (ii) outros indivíduos
acima de 55 anos que tiveram oportunidades de estudar em escolas portuguesas e tiveram
contato desde cedo com o Português, seja como L1 ou L2, a depender de cada caso; (iii)
indivíduos na faixa de 36 a 55 anos, que viveram o momento logo após a independência,
em que as línguas locais eram proibidas na escola e dentro de muitas casas por decisão
dos pais. Nestes casos, o Português é a língua majoritária, podendo até ser a L1 de muitos
destes habitantes, principalmente os das classes mais abastadas; (iv) indivíduos abaixo
dos 25 anos, que vivem atualmente uma situação diferente, uma vez que as línguas
nacionais voltam a ganhar mais valor e importância, deixando de ser proibidas e até
A (18-35 ANOS) B (36-55 ANOS) C (ACIMA DE 55)
Oc. Perc. Oc. Perc. Oc. Perc.
Fala só Português ou apenas entende línguas
locais 2/171 1% 2/75 3% 20/574 3%
Fala, fluentemente, Português e línguas locais
20/753 3% 16/531 5% 3/203 1%
Fala mais línguas locais do que Português
- - - - 12/44 27%
Tabela 12 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo
língua(s) dominada(s) pelo informante x faixa etária no Português de Moçambique (PM)
172
mesmo sendo incentivadas como fonte de instrução escolar e religiosa. Para muitos
destes, o Português é aprendido em simultaneidade com as línguas locais.
Esse cenário nos mostra que, de fato, os idiomas nacionais tendem a influenciar
as gerações de maneiras diferentes com o passar do tempo. Além disso, considerando que
os mais jovens são os que mais fazem uso desses idiomas e a força deles parece estar se
renovando aos poucos, o futuro da variedade moçambicana do Português tende a ser
fortemente influenciado pelo perfil desses informantes.
Dessa forma, compreende-se que a Língua Portuguesa falada pelos
moçambicanos esteja ainda passando por processos de definição de seu perfil linguístico,
desde o Português repassado pelos portugueses para as gerações mais antigas e, naquele
momento, evitando ao máximo a influência das línguas locais, que eram totalmente
proibidas, até os dias atuais, nos quais os idiomas nacionais não são mais censurados e as
novas gerações tendem a usá-los em contextos variados, mas com plena convivência com
o Português.
Diante desse cenário, o Português de Moçambique parece estar em pleno processo
de formação, no qual as tendências gramaticais de cada língua em uso estão, aos poucos,
se encaixando e, em alguns momentos, até se misturando. Com isso, a variedade
moçambicana estaria construindo seu caminho particular, diferindo não só da variedade
europeia como também da brasileira, já que em nenhuma das duas o contexto de uso é o
mesmo. Em outras palavras, a realidade que se observa em Maputo sinaliza o quadro
complexo da multiplicidade de línguas que os moçambicanos utilizam e,
consequentemente, vai dar ao Português de Moçambique uma identidade única e
diferenciada.
Vale ressaltar que alguns dos próprios moçambicanos percebem essas
“diferenças” e relatam uma possível “separação” entre as variedades do Português,
devido, principalmente, à “mistura” de línguas presente especialmente na variedade
falada em Moçambique, como seus relatos indicam:
“agora com a independência está... estão a surgir termos... que já estão a ficar... nossos...
no/ nosso... no/ nosso... português... não sei ao ponto de ter alguma influência...
influência nisso não é... mas já vamos utilizando... termos nossos... mais das línguas
locais ou nacionais... que vão... entrando para o... para o... o português...” (PMOC3M)
173
“eu acho que o português daqui é meio meio assim meio meio... porque o português de
Portugal ele é meio certinho eu tenho uma pessoa de Portugal... ah português... agora
está a dar aula para minha amiga ela fala português certinho e ela queria que a pessoa
falasse português certinho então [...] [em Moçambique] não é tão certinho tu vais
procurar no dicionário pra estar realmente certa então é por isso” (PMOA1M)
“tem alguma característica m/ mais daqui porque porque a gente a gente sempre tem em
mente tem o português do Brasil ou de Portugal mas já é um português/ há certas
expressões que a gente sabe que não tem nos livros nem/ nem de Portugal nem daqui que/
que saem de uma junção do/ do/ do/ português palavras inventadas não é” (PMOA2H)
“os portugueses normalmente quando falam eles falam muito rápido a gente acaba se
perdendo porque não percebe o que dizem [...] sim eles falam mu:ito rápido o português
dele mesmo ((risos)) é muito diferente do nosso [...] o que acontece é numa conversa de
amigas minhas eu posso falar uma frase em changana outra em português outra vez em
changana sim podemos fazer mistura” (PMOA2M)
“todos os países têm uma forma assim... alguns calões né... da língua... e Moçambique/
o moçambicano/ o português moçambicano eh: é uma caracte/é um português... como eu
posso explicar? mistura todos os outros... tem um bocadinho de Angola... tem um
bocadinho do Brasil tem um bocadinho de: de Portugal... e ainda tem um bocadinho de
Moçambique... né então é uma mistura... de todos os por/de todo de todo de todos os
outros países que falam o português [...] muitas vezes as pessoas traduzem fazendo a
tradução... do changana pro português... e às vezes não: não é tão boa não sai assim tão
perfeita mas as pessoas já ficaram com aquilo na na na ponta da língua...” (PMOA3H)
“acontece... a interferência do português com changana... isso acontece [...] porque no
tempo colonial na altura que era português de Portugal... mas agora não... eu não vou
mentir... professor de português... mesmo assim... a língua varia do meio ambiente...
então/ então o ambiente vai mudar também a língua vai/ vai sofrer alteração [...] [não é
igual o de Portugal] nem de Angola... nem de Guiné Bissau... nem São Tomé... é língua
diferente... língua diferente...” (PMOC2H)
174
“já tem marca... na minha opinião tem marca de mistura [...] a língua portuguesa é a
segunda língua... não para (quem) foi a primeira língua... aí ta tranquilo... mas para a
maior parte dos moçambicanos ali o português é a segunda língua... e/e sendo segunda
língua... ela (aprende) em função daquilo que vai... vai tendo a apreciação do/de como
se fala a língua... mas pois bem... as expressões da língua portuguesa quem vai buscar a
língua materna e traduz para o português [...] e a maneira como fala a língua portuguesa
não é... o padrão universal... né... exatamente... porque a língua principal dele é como...
é como eu a falar em inglês... [uma língua estrangeira] (PMOC3H)
Em poucas palavras, esses relatos demonstram a consciência dos moçambicanos,
sejam eles falantes de quaisquer línguas maternas, de que o Português de Moçambique
sofre influências dos idiomas locais e que existem características próprias dessa variedade
que não são refletidas em nenhuma das outras.
Resumidamente, então, pode-se dizer que a escolaridade e as línguas utilizadas
pelos indivíduos dessa amostra são características extremamente relevantes para o
entendimento dessa variedade. No entanto, elas não podem ser analisadas sozinhas, pois
a situação de cada informante, de cada faixa etária e como cada um desses contextos
reflete o uso do Português como língua materna ou segunda língua afetam diretamente o
tipo de fenômeno com o qual estamos lidando. As variáveis sociais, portanto, indicam
que o caminho da variedade moçambicana ainda está sendo traçado e que essas tendências
sociais são, de fato, o que fazem desta uma variedade única e ainda em intenso processo
de estruturação. Resta agora, observar como as estruturas linguísticas estão se
manifestando e variando dentro dessa imensa riqueza de línguas em contato.
No caso da concordância verbal de 3ª pessoa, os resultados presentes permitem
afirmar que são os indivíduos com mais anos de escolaridade (ensino médio e ensino
superior) os que mais marcam a concordância de número, enquanto os informantes do
ensino fundamental a desfavorecem. Quanto ao uso de línguas locais, são os indivíduos
que usam mais as línguas locais do que o Português os que fazem menos marcação de
plural, se comparados aos demais. Os indivíduos tipicamente bilíngues usam mais as
marcas de plural, possivelmente por serem aqueles que adquiriram as línguas de maneira
mais natural e, portanto, a aquisição das regras fez-se de forma mais completa nas línguas
que domina. Os informantes que se dizem apenas falantes de Português também usam em
175
maior proporção as marcas de plural, quando comparados aos indivíduos que usam mais
as línguas locais.
7.4 O comportamento das variáveis linguísticas
Considerando, agora, as variáveis linguísticas, pode-se dizer que as tendências
verificadas na amostra em análise se mostraram semelhantes às verificadas nos trabalhos
variacionistas já realizados sobre a concordância verbal (cf. VIEIRA; BAZENGA, 2013).
As variáveis selecionadas pelo programa serão apresentadas na seguinte ordem: posição
do sujeito, saliência fônica, paralelismo clausal e tipo de verbo. Ao longo do texto,
também serão relacionados, conforme já se esclareceu, exemplos referentes à atuação dos
sujeitos não expressos e do pronome relativo que na presente amostra, relatando,
brevemente, a atuação da configuração morfossintática do sujeito, nos itens cujos índices
absolutos podem revelar dados que mostrem alguma correlação com outras variáveis nos
resultados obtidos.
7.4.1 Posição do Sujeito
A posição do sujeito, segunda variável destacada pelo programa (após apenas de
língua(s) dominada(s) pelo informante), confirma a hipótese inicial, segundo a qual
sujeitos em posição anterior ao verbo desfavorecem a não marcação de plural, enquanto
em posição posterior a favorecem. A reconhecida atuação é demonstrada nos resultados
obtidos, que ratificam serem os sujeitos antepostos favorecedores das marcas de número
(.42 para a não marcação), ao passo que os sujeitos pospostos tendem a desfavorecer a
concordância (.83 de não marcação), como se vê na Tabela 13:
Seguem abaixo alguns exemplos que ilustram estruturas que foram produtivas no
corpus:
Ocorrências Valor Percentual Peso Relativo
Sujeito anteposto 32/1228 2.6% .42
Sujeito posposto 21/223 9.4% .83
Tabela 13 - Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa
plural segundo posição do sujeito no Português de Moçambique (PM)
176
(79) as cidades começam a ficar um pouco mais aceleradas e começam a: surgir
de certa maneira neste momento de certa maneira focos né criminalidade
(PMOB3H)
(80) eles fazem essas coisas todas na praia (PMOA2H)
(81) se os pais agem dessa forma eles não tornam-se obedientes mas sim
rebeldes... (PMOC2H)
(82) tinha velhos colono ainda... saiu os colono consolidar a vida (PMOC1H)
(83) as vezes vinha dois três... conforme eles iam crescendo não é... (PMOC3M)
(84) são casos muito muito raros assim acontece deve ser pessoas sei lá … não sei
se muita atrasada é: mas que eu realmente notei é que fazem o casamento civil e
(vão depois) para o católico mas lá atrás não deixaram de fazer (PMOC1M)
Através dos dados acima, pode-se observar que os indivíduos tendem, como
revelaram os pesos relativos, a não assinalar concordância entre verbo e sujeito quando
este se encontra posposto.
Cabe salientar que, ao considerar a posição pré-verbal, altamente favorecedora das
marcas de número em todas as variedades já observadas estatisticamente, pode-se
observar, conjuntamente, a ação do pronome relativo que nos resultados obtidos na
presente amostra. Em termos de atuação desta expressão formal do sujeito no corpus,
encontram-se 10 dados de SN’s sujeitos representados pelo pronome que em posição
anteposta que apresentam ausência de concordância nos complexos verbais. Estes dados
podem ser verificados a seguir:
(85) isso depende de/das zonas por exemplo há zonas que eles mais preferem ficar
assistir... no quarto assistir um filme há zonas que gosta mais de ficar a fumar há
zonas que muitos gostam de ficar/a jogar futebol então/a conversar isso depende
das zonas sim (PMOA1H)
(86) para nossas criança elas que vai fazer furo / futuro melhore... (PMOC1H)
(87) ah: é normal colegas meus que tá no outro no outro semestre da faculdade
escreverem muito mal português... (PMOA3H)
(88) conflitos armados e:: guerra que assola lá na zona centro... (PMOB1H)
(89) casamentos daqui não dura até pior que os que casa oficialmente é normal
uma pessoa casar este ano e próximo ano já divorciou (PMOB1M)
177
(90) por causa dos problemas que existe da confiança de que ela é minha
namorada depois mais tarde encontra uma mensagem no telefone dela (PMOA1H)
(91) tem coisas que acontece você encontra miúdo de qualquer maneira a mãe já
não quer saber porque a mãe faz o filho deixa com o avô (PMOA1H)
(92) há mercados ai que vende produtos grossista né (PMOC1M)
(93) nove filho... onde que pá... pode estudare... a vencimento não chega a pagar
uma escola (PMOC1H)
(94) eh: mas há pessoas que quando chega logo como eu... (PMOB1H)
Como os exemplos demonstram, todos os sintagmas verbais precedidos de
pronome relativo nesses dados aparecem sem marca de plural, mesmo que seus
respectivos sujeitos estejam em posição anteposta. Observe-se que, para além da posição
do sujeito, apenas dois desses dados (86 e 87) não são construídos com verbos
representativos do grau 1 de saliência, ou seja, a maioria dos casos de ausência de marcas
de plural em sujeitos representados pelo pronome que são, coincidentemente, verbos de
baixa saliência fônica, que por si só, já são favorecedores da não marcação.
É importante observar, também, que, dos 10 exemplos acima, apenas um foi
produzido por um informante que não fosse do ensino fundamental. Dessa forma,
confirma-se, novamente, que a escolaridade tem papel fundamental nessa sociedade.
Entretanto, mesmo que seja apenas um exemplo do ensino superior, pode-se ver que o
pronome relativo pode atuar, ainda que muito discretamente, no conjunto de fatores, para
a ausência de concordância. No caso desse informante, essa foi a única ocorrência de
ausência de marca de número no seu discurso. Em outras palavras, a presença do pronome
pode ter sido a causa desse único “desvio” na fala do rapaz, principalmente porque a
ocorrência por ele produzida também é uma das duas únicas (87) que não representa o
grau 1 de saliência fônica.
Sendo assim, ainda que a influência do pronome relativo não tenha sido constatada
estatisticamente, acredita-se importante ressaltar que, na amostra em questão, havia um
número considerável de ocorrências (10 das 75 sem marcas de plural) que mereciam ser
observadas separadamente.
Assim, conforme observado por Vieira (1995):
Das estruturas de sujeito anteposto - em que predomina a concordância
-, destoam aquelas que apresentam SNs retomados pelo pronome
178
relativo "que", o qual, por não ser uma forma marcada, induz também
ao cancelamento. (VIEIRA, 1995, p. 145)
Para além disso, durante as rodadas foram feitos outros experimentos relacionados
a esta variável – posição do sujeito –, como, por exemplo, adicionar, neste grupo de
fatores, os sujeitos não expressos. Com isso, pretendia-se observar se a ausência de sujeito
afetava os resultados sobre a posição. Nesta situação, observada na rodada 22, a variável
posição do sujeito foi selecionada no stepping up e descartada, logo em seguida, no
stepping down. Já na rodada 25, em que foi feito um novo teste na posição, esta variável
não foi descartada, possivelmente pelo fato de a variável configuração morfossintática
do sujeito, que também controlava esse fator, ter sido retirada da análise.
No entanto, outras tentativas de mexer com o grupo de fatores em que o sujeito
não expresso seria analisado não trouxeram explicações mais claras sobre o descarte
ocorrido na rodada 22. Todas as tentativas de, ora sujeitos não expressos serem
considerados, ora não, ora em um determinado grupo de fatores, ora em outro, não
alteraram os resultados, como se esperava.
De toda forma, esses resultados demonstram que, assim como os sujeitos
antepostos, os sujeitos não expressos favoreceriam a concordância (.38 para não
concordância padrão), como pode ser visto na tabela a seguir:
Todavia, a observação dos 75 dados de não concordância da amostra sugere que
ocorre bastante ausência de concordância por conta de o sujeito ser não expresso, 22
ocorrências, neste caso, o que representa quase 30% dos dados sem marca de plural.
Seguem, aqui, alguns exemplos que confirmam isso:
(95) vejo principalmente nas mulheres de hoje em dia aqui em Maputo elas já
escolhem trabalhar já e deixa aquela parte de respeitar o seu esposo (PMOA1H)
Ocorrências Valor Percentual Peso Relativo
Sujeito anteposto 32/1228 2.6% .48
Sujeito posposto 21/223 9.4% .89
Sujeito não expresso 22/902 2.4% .38
Tabela 14 - Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo
posição do sujeito com sujeito não expresso no Português de Moçambique (PM)
179
(96) depois temos essas/essas outras que são várias... as pessoas se entregam de
alma e... coração... entram de manhã e sai as quinzes... da.../da rezas... às vezes
ficam lá... almoçam lá... (PMOC3M)
(97) as pessoas geralmente saem muito de noite vai na sexta-feira sábado são os
dias mais agitados porque porque é muito comum (as pessoas estacionam carros)
ficam ali a beber... vai escutar música dançar (PMOA2H)
(98) essas que apareceram ultimamente coisas muito esquisitas a empregada da
minha filha/ na igreja dela não comem carne de animais de duas patas eu não sei
se são duas patas ou quatro patas parece que são Testemunha de Jeová estão a
morrer e não pode apanhar transfusão de sangue mas as pessoas estão ligadas a
qualquer tipo de religião domingo vão a sua igreja qualquer que seja (PMOC1M)
(99) dai [eles]62 começam roubar começam a roubar e entram também quando
começa ter lucro arranja outra mulher para jantar começa a gastar com duas casas
e o negócio não desenvolve (PMOC1M)
(100) [mulheres submissas] ainda existe existem mas agora normalmente não...
existe ainda existe mas não muito assim... (PMOA2M)
(101) [mulheres que são agredidas] infelizmente existe (PMOB3H)
Considerando os exemplos ora mostrados, de um lado, parece que o que pesa mais
é ser não expresso da segunda oração coordenada, pois, nesses casos, a concordância
diminui, como ocorre nos exemplos de 95 a 99. Por outro lado, pode ser que esta variável
esteja relacionada ao tipo de verbo, uma vez que também foram encontrados muitos
verbos inergativos/inacusativos na amostra, como o ‘existir’, tanto com sujeitos não
expressos, exemplos 100 e 101, quanto em posição de sujeito pós-verbal, como será visto
na variável tipo de verbo; por isso, a variável tipo de verbo talvez possa ser a responsável
pelo descarte da variável posição e, principalmente, pelo fato de o sujeito não expresso
não ser considerado relevante para a amostra, uma vez que não constitui fator favorecedor
da não marcação.
62 Os colchetes são utilizados aqui para informar ao leitor qual era o referente sujeito ao qual o locutor se
referia ao produzir essas ocorrências. Eles representam algo que havia sido falado pelo próprio locutor
anteriormente em seu discurso e não foi expresso novamente ao indicar outra ação do mesmo sujeito.
180
7.4.2 Saliência Fônica
A terceira variável selecionada pelo programa foi a saliência fônica. A hipótese
inicial era de que os verbos com maior nível de saliência, como dá x dão, comeu x
comeram e é x são (graus 3, 4 e 5), desfavoreceriam a não concordância. Já os verbos
com menor saliência entre suas formas de singular e plural, como come x comem e faz x
fazem (graus 1 e 2), favoreceriam a ausência de marcas. Os resultados obtidos são
apresentados na Tabela 15:
Como pode ser verificado, os graus 1 e 2 de saliência, nos quais as mudanças entre
as formas singular e plural dos verbos não são muito proeminentes, revelam-se os maiores
desfavorecedores da concordância verbal, apresentando pesos relativos de não marcação
de plural muito similares (.62 e .63, respectivamente). Por outro lado, os graus 3, 4 e 5,
favorecem a presença das marcas, uma vez que a ausência dela causa estranhamento mais
evidente, tanto na fala quanto na escrita das formas opostas. Sendo assim, revelam pesos
relativos de não marcação de plural abaixo do ponto neutro (.46 no grau 3, .44 no grau
4), sendo que o grau 5 tem comportamento extremamente oposto, pois com apenas duas
ocorrências de não marcação de plural, sua probabilidade de afetar a marcação de número
é de apenas .06, dado que reflete a alta tendência à concordância mediante a alta saliência
existente entre as formas de singular e plural desse caso único.
Observemos os exemplos encontrados no corpus:
Grau 1:
(102) que eles fica devendo em dinheiro quando às vezes nem tem dinheiro...
(PMOB2H)
Ocorrências Percentual Peso Relativo
Grau 1 – come(m) / fala(m) 51/1319 3.9% .62
Grau 2 – faz/fazem 5/201 2.5% .63
Grau 3 – dá/dão 8/339 2.4% .46
Grau 4 – comeu/comeram 92/237 3.8% .44
Grau 5 – é/são 2/257 0.8% .06
Tabela 15 - Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa
plural segundo saliência fônica no Português de Moçambique (PM)
181
(103) Porque eu sou pobre eles também consegue ver que há () de sair com coisas
(PMOB1M)
Grau 2:
(104) os mais antigos faz muita confusão na profissão polícia como é possível
pagar e eles pronto não pegam a multa deixa seguir e vai andando (PMOC1M)
(105) é muito importante porque eles se for aprender changana há de aprender
pelo quiser... (PMOB2H)
Grau 3:
(106) porque já tem encontrado alguns professores que dão teste então dão teste
em troca de favores (PMOA1M)
(107) os homens moçambicanos vão a África do Sul atrás das minas... de ouro
(PMOC3M)
Grau 4:
(108) o ex-presidente da república e mais o ministro das finanças... fizeram
um/uma... pediram um empréstimo ao FMI... milhões de dólares... (PMOA3H)
(109) Algumas pessoas saíram ali e disseram que... nós não fomos atacados pelos
homens da RENAMO (PMOA2H)
Grau 5:
(110) mas algumas crianças são boas... tem um bom aproveitamento...
comportam-se bem... (PMOC2M)
(111) porque todos os dias... ah:... crescem mais... viatu/mais transportes... mas as
estradas são cada vez mais apertadas são poucas não há vi/há poucos vias
alternativas... (PMOA3H)
182
Através da análise de todos esses dados, portanto, pode-se atestar que a saliência
fônica é extremamente relevante para o condicionamento da regra de concordância em
diversos trabalhos sobre o tema, assim como resumem Vieira; Bazenga (2013):
[...] há evidências empíricas suficientes para atestar que a atuação da
variável no condicionamento da regra, não obstante o controle dos graus
de diferenciação entre formas singular e plural consoante padrões e
interpretações muito variados, é inegável. (VIEIRA; BAZENGA, 2013,
p. 126)
É importante evidenciar, no entanto, que existe, sobretudo em relação à variável
saliência fônica, um forte debate sobre a atuação de variáveis linguísticas na
caracterização de variedades do Português. Considerando as variedades brasileira e
europeia do Português, Vieira; Brandão (2014) propõem, por exemplo, que elas se
comportariam como possíveis sistemas opostos, nos quais a ausência de concordância,
quando ela ocorre, seria motivada por fatores diferenciados. De acordo com as autoras:
É flagrante o comportamento sistematicamente oposto do PE em
relação ao do PB, num quadro espelhado de preferências contrárias.
Essa sistematicidade por si só já sinaliza, a nosso ver, tendências
gramaticais claramente distintas, mas não assegura sem qualquer
margem de dúvida que se trata de tipos diferentes de
padrões/parâmetros de concordância. (VIEIRA; BRANDÃO, 2014, p.
104)
Tal afirmação estaria fortemente relacionada aos casos de saliência fônica, já que,
em variedades do vernáculo brasileiro, essa variável se mostra muito relevante, mas em
variedades europeias seu papel não é destacado (a Seção 4.1.2 deste trabalho demonstra
que, dos trabalhos com dados europeus, apenas no trabalho de Monte (2012), ela foi
selecionada como condicionadora do fenômeno). Por isso, as autoras ainda afirmam a
necessidade do olhar qualitativo e quantitativo dos dados, que permitem uma visão global
sobre os resultados:
Em outras palavras, os perfis quantitativo e qualitativo dos padrões de
concordância verificados e discutidos neste artigo permitem afirmar
que PB e PE configuram tipos linguísticos distintos ou assumem
parâmetros gramaticais diferentes da marcação de número plural.
(VIEIRA; BRANDÃO, 2014, p. 108)
183
Tendo em vista essa discussão e os dados aqui relatados, compreende-se que,
assim como acontece na variedade brasileira, a variável saliência fônica é significativa
para o Português de Moçambique, especialmente por se tratar de uma variedade,
supostamente, ainda em formação e utilizada, em grande parte, por falantes de L2, cujos
padrões gramaticais são diferentes a depender de suas línguas maternas.
Além disso, conforme já afirmavam Scherre; Naro (2006), analisando a realidade
brasileira, a saliência não se mostra relevante quando os dados obtidos são reproduzidos
por falantes escolarizados. Sendo assim, a preferência exclusiva pela variante padrão no
PE acaba por apagar a atuação desse grupo de fatores, diferentemente do que ocorre no
PB, sobretudo nas variedades populares, e no PM, que aparentemente têm, em termos
qualitativos (embora com padrões quantitativos bem diferentes), comportamento similar
no fenômeno da concordância.
No caso do PB, a regra de marcação já foi atestada como variável nos termos de
Labov (2003), uma vez que os estudos sobre a variedade revelam níveis de 16% a 94%
de aplicação da regra (cf. Seção 4.2.1). Considerando, por outro lado, o PM, os dados
obtidos na presente amostra demonstram um comportamento de regra semicategórica, já
que o resultado geral de marcação de plural chega aos 96.8%, ou seja, encontra-se no
perfil de 95% a 99% de marcação, conforme caracterização proposta por Labov. Tal
resultado quantitativo geral aproximaria a variedade moçambicana em estudo das
amostras europeias (cf. Seção 4.2.2). Em termos qualitativos, entretanto, os dados do PM,
como atestado na variável saliência fônica, assemelham-se aos encontrados nas
variedades brasileiras. De modo geral, a variedade de contextos em que se constata
ausência de concordância no PM – inclusive com sujeito anteposto, próximo ao verbo –
o aproxima mais ainda do PB. Essa variedade é ainda verificável em termos
extralinguísticos, especialmente por conta do cenário bastante diversificado em relação
aos níveis de escolaridade dos informantes, comuns ao PB e ao PM, diferentemente do
comportamento de dados do PE, quando se trata desse grupo de fatores, visto não haver
diferença no uso da concordância entre indivíduos com curso superior ou não. Ao que
parece, as regras de marcação de plural no PM comportam-se, em termos qualitativos,
mais como variáveis do que semicategóricas, debate que vai ser retomado no Capítulo 8
do presente trabalho.
184
7.4.3 Paralelismo no nível clausal
A próxima variável a ser aqui explorada, quinta selecionada pelo programa, foi o
paralelismo no nível clausal. De acordo com o princípio geral desta variável, esperava-
se que os sintagmas com marcas explícitas de plural favoreceriam a marcação de número
no verbo, enquanto a ausência dessas marcas nos sintagmas, consequentemente,
acarretaria a ausência delas também no sintagma verbal. A tabela a seguir mostra os
resultados obtidos:
Como a hipótese previa, as marcas presentes no sintagma nominal efetivamente
condicionam a marcação nos verbos. Sendo assim, SN’s com marca de plural são os
únicos contextos que favorecem a concordância (.48 de não marcação). Ainda que a
influência da presença de marca nesse contexto esteja bem próxima da neutralidade, a
observação do Gráfico 3 possibilita a compreensão de que o cancelamento das marcas de
Ocorrências Percentual Peso Relativo
SN com marcas de plural 26/1194 2.2% .48
SN sem marcas de plural 4/8 50% .95
SPrep marcado ou não 2/29 6.9% .77
SN’s coordenados 2/11 18.2% .88
Tabela 16 - Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa
plural segundo paralelismo clausal no Português de Moçambique (PM)
Gráfico 3 - Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural
segundo paralelismo clausal no Português de Moçambique (PM)
2%
50%
7%18%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
NÃO MARCAÇÃO
Paralelismo Clausal
SN COM MARCAS (eles / as pessoas)
SN SEM MARCAS (os filho)
SPREP MARCADO OU NÃO (as pessoas da cidade / as pessoas das cidades)
SN'S COORDENADOS (o pai e o tio)
185
pluralidade, de fato, diminui à medida que os SN’s sujeitos apresentam quaisquer marcas
de número. Sendo assim, a tendência de não marcação nos contextos analisados
obedeceria a seguinte ordem: SN sem marcas > SN’s coordenados > SPrep marcado ou
não > SN com marcas. No primeiro contexto, as marcas de número não estão explícitas
no sujeito, o que propicia a ausência de marcas também no verbo, justificando o peso
relativo altíssimo obtido nesse fator (.95). Quanto aos SN’s coordenados e os SN’s
inseridos em sintagmas preposicionados com ou sem marcas, ambos os contextos também
refletem o favorecimento da ausência de pluralidade (.88 e .77 de não marcação,
respectivamente). No entanto, se comparados ao contexto em que não há qualquer marca
de pluralidade, a influência destes na falta de marcação é um pouco mais baixa, já que
quando o SPrep aparece marcado (as pessoas das cidades) ou quando os SN’s
coordenados estão no plural (os pais e os tios), há uma tendência de que o verbo possa
ser igualmente sinalizado com as marcas de número.
Considerando os SN’s em que as marcas estão explícitas, o princípio do
paralelismo é confirmado, já que os verbos tendem a ser marcados com mais facilidade
nesse contexto. Assim, as tendências conjecturadas na hipótese foram confirmadas, como
os exemplos seguintes, todos com sintagmas explicitamente marcados, comprovam:
(112) as meninas vivem ali... vêm dos distritos... são meninas de famílias... muito
carentes... (PMOC3M)
(113) elas acham que é muito bom quando gingam falam português imitam a
novela então (PMOA1H)
(114) se calhar as pessoas preferem sair daqui pro campo porque no campo não
vão muito ao hospital... (PMOA2M)
Já os sintagmas que não apresentam as marcas explícitas, seja ele um sintagma
simples sem marca de plural (115) ou esteja o vocábulo inserido dentro de um sintagma
preposicionado não-marcado, singular (116), ou com sintagmas coordenados (117),
favorecem a não marcação de plural:
(115) porque as mulher daqui não deixa a possibilidade (PMOA1H)
(116) não só mas as grandes cidades de de Moçambique né tá a atravessar uma
fase dessas... (PMOB3H)
(117) conflitos armados e:: guerra que assola lá na zona centro... (PMOB1H)
186
Dessa maneira, os resultados encontrados confirmam as tendências gerais sobre o
paralelismo, como explica Vieira (1995, p. 84): “A probabilidade de cancelamento da
regra de concordância diminui à proporção que os SNs sujeitos apresentam marcas
formais de plural” e, consequentemente, reforçam o princípio postulado por Scherre;
Naro (1993) de que zeros levam a zeros, ou seja, a ausência de marcas formais em dado
enunciado favorece a não concordância padrão no elemento seguinte.
Ressalte-se que, como já foi mencionado na Seção 6 deste trabalho, no controle
desta variável não foram considerados SN’s sujeitos em posição posposta e sujeitos não
expressos, devido à impossibilidade de observar o efeito do paralelismo nessas situações,
já que ele atua diretamente do sintagma nominal para o verbal. Sendo assim, o controle
destes dois casos foi feito através de outras variáveis. No caso do sujeito não expresso –
discutido anteriormente na análise da variável Posição do sujeito –, o exame da
configuração morfossintática do sujeito, além da própria observação dos exemplos de
não marcação de plural no corpus, foi uma das maneiras de tentar observar melhor sua
atuação.
7.4.4 Tipo de Verbo
Observe-se agora, a partir da Tabela 17, a atuação da variável tipo de verbo, última
selecionada pelo programa, cuja hipótese era a de que verbos transitivos propiciariam a
presença das marcas, enquanto verbos copulativos, inergativos e inacusativos a
desfavoreceriam:
De acordo com a Tabela 17, nota-se que verbos inergativos / inacusativos e
copulativos, de fato, favorecem a não concordância em .63 e .60, respectivamente. Os
verbos transitivos, por sua vez, são aqueles que realmente desfavorecem a ausência de
concordância (.44). Observem-se os exemplos:
Ocorrências Percentual Peso Relativo
Inergativos e Inacusativos 24/319 7.5% .63
Transitivos 40/1589 2.5% .44
Copulativos 11/445 2.5% .60
Tabela 17 - Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa
plural segundo tipo de verbo no Português de Moçambique (PM)
187
(118) então ainda existe muitos lobolos (PMOA1M)
(119) existe alguns senhores que ainda têm (PMOC2H)
(120) é verdade que na cidade existe alguns também sérios (PMOA3M)
(121) mas existe aqueles que não conseguem pôr ordem... não conseguem pôr
regra... (PMOB3M)
(122) e os donos da casa também que já era velhinhos (PMOB2M)
(123) seus pais é velho tudo lá a pedir esmola... (PMOC1H)
(124) os doutores começa a fugir... o primeiro que saiu aqui... seu doutor Xavier
da Cunha... (PMOC1H)
(125) tem pessoas que nunca foram a escola e fazem coisas (PMOB3H)
(126) eles preferem mais o lobolo do que qualquer outra coisa... (PMOC2H)
As ocorrências de 118 a 121, todas com verbo ‘existir’, reafirmam a posição de
Scherre; Naro; Cardoso (2007) de que verbos inacusativos/inergativos desfavorecem a
concordância especialmente porque seus argumentos tendem a aparecer sempre à sua
direita, ou seja, em posição posposta. Da mesma forma, o verbo copulativo, como no
exemplo 122, pode seguir a mesma tendência, já que, como afirmam os autores,
“independentemente do tipo de verbo, qualquer argumento ou sintagma à direita do verbo
tende, relativamente, a diminuir as marcas de concordância explícita” (SCHERRE;
NARO; CARDOSO, 2007, p. 312). No entanto, ainda sobre os verbos copulativos é
preciso destacar que, especialmente nesse exemplo, a baixa saliência fônica do verbo em
questão (era x eram) pode ser mais relevante para a ausência de marcas, neste caso, do
que propriamente a posição dos sintagmas.
As duas ocorrências seguintes, 123 e 124, apesar de estarem em posição
anteposta, demonstram a atuação tão somente do tipo de verbo que, por serem, copulativo
e inacusativo, respectivamente, desfavorecem a concordância. Por fim, em 125 e 126
apresentam-se os verbos transitivos, que além de favorecerem a concordância por si só,
têm seus sujeitos na posição anteposta, também favorecedora das marcas.
Veja-se, então, o cruzamento entre as duas variáveis (posição do sujeito e tipo de
verbo), que parecem se complementar:
188
De fato, existe uma incidência de verbos inacusativos/inergativos em posição
posposta (60/319) maior do que a de verbos transitivos (26/1589 dados), o que demonstra
certa associação entre tipo de verbo e posição do sujeito, nesse caso. Em termos
percentuais, entretanto, a posposição afeta os níveis de concordância de verbos
inacusativos/inergativos (18%), mas também de transitivos (15%), o que mostra ser a
posição o fator efetivamente mais relevante, como demonstrou a seleção feita pelo
GOLDVARB. No caso dos verbos copulativos, os índices percentuais entre sujeitos
antepostos e pospostos são bem próximos. Com relação aos sujeitos não expressos, a
ausência de marcas realmente incide mais sobre o comportamento dos
inacusativos/inergativos (7%), ainda que de forma menos expressiva do que nos sujeitos
pospostos.
Sendo assim, é possível concluir que existe uma correlação entre as variáveis
posição do sujeito e tipo de verbo, que parece ter, em algum momento, afetado os
resultados, especialmente em relação aos sujeitos não expressos. Ao que tudo indica, a
ausência de sujeito pode ter ficado em segundo plano, por conta do tipo de verbo nos
quais não houve marcação de plural. Entretanto, o cruzamento das variáveis permite a
observação de que a posição do sujeito é mesmo o condicionamento mais forte para a
falta de concordância quando se consideram as duas variáveis em conjunto.
Conforme Vieira; Bazenga (2013), que resumem as palavras de Corbett (2000),
ao falarem sobre a atuação da posição do sujeito não só no Português Brasileiro, mas em
muitas línguas do mundo:
A posição do sujeito (além do seu traço semântico de animacidade)
altera padrões de concordância em línguas de perfis e genealogias muito
diferentes. Esse dado faz supor que não se trate de efeito efetivamente
variável nesse caso, mas de comportamento estrutural gramaticalmente
diferenciado. (VIEIRA; BAZENGA, 2013, p. 55)
Verbos Inacusativos/Inergativos
Verbos Transitivos
Verbos Copulativos
Oc. Perc. Oc. Perc. Oc. Perc.
Sujeito anteposto 6/158 4% 21/852 2% 5/218 2%
Sujeito posposto 11/60 18% 4/26 15% 6/137 4%
Sujeito não expresso 7/101 7% 15/711 2% 0/90 -
Total 24/319 - 40/1589 - 11/445 -
Tabela 18 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural
segundo posição do sujeito x tipo de verbo no Português de Moçambique (PM)
189
Em outras palavras, pode-se assumir que, ainda que o tipo de verbo seja relevante
e mostre uma atuação correlacionada à da posição, esta última tem efeito superior sobre
os resultados obtidos. Por essa razão, esta foi a primeira variável linguística (e sempre)
selecionada, enquanto o tipo de verbo foi a última (quando foi selecionada), o que
demonstra seu papel secundário em relação às outras variáveis.
A hipótese de que a variável tipo de verbo deve ser considerada significativa não
por si só, mas também em relação às outras variáveis, é confirmada ao serem observadas
as interferências encontradas entre o tipo de verbo e a saliência fônica, cujo cruzamento
demonstra claramente a coatuação de ambas as variáveis:
Conforme pode ser visto no Gráfico 4, de fato, a saliência fônica atua de forma
mais eficaz nos graus 1 e 2. No entanto, cabe salientar que, enquanto no grau 1 há
incidências nas três categorias de verbos, no grau 2 não há qualquer ocorrência com
8% 8%3% 2% 2% 3%
8%
33%
3% 6%1%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Grau 1 Grau 2 Grau 3 Grau 4 Grau 5
Saliência x Tipo de verbo
Inergativos/Inacusativos Transitivos Copulativos
Verbos Inacusativos/Inergativos
Verbos Transitivos
Verbos Copulativos
Oc. Perc. Oc. Perc. Oc. Perc.
Grau 1 – come(m) / fala(m) 21/263 8% 26/1004 3% 4/51 8%
Grau 2 – faz/fazem 0/1 - 4/197 2% 1/3 33%
Grau 3 – dá/dão 0/15 - 5/207 2% 3/116 3%
Grau 4 – comeu/comeram 3/40 8% 5/179 3% 1/18 6%
Grau 5 – é/são 0 - 0 - 2/257 1%
Gráfico 4 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural
segundo saliência fônica x tipo de verbo no Português de Moçambique (PM)
Tabela 19 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural
segundo saliência fônica x tipo de verbo no Português de Moçambique (PM)
190
verbos inergativos/inacusativos. Vale ressaltar, também, que o gráfico revela atuação da
saliência no grau 4, que não havia se mostrado como favorecedor da não concordância na
Tabela 19, diferentemente dos graus 3 e 5, que se mantiveram como desfavorecedores da
não marcação de número.
Apesar de tal resultado não ter sido esperado, os exemplos podem constatar que
os verbos do grau 4 (que abrange o tempo verbal pretérito) realmente podem ocorrer com
ausência de concordância na presente amostra, exclusivamente, no entanto, na fala de
indivíduos que possuem apenas o ensino fundamental:
(127) são as crianças nasceu na minha vida (PMOC1H)
(128) meus filho tudo já casou... (PMOC1H)
(129) porque as dívidas foi uma coisa que ninguém sabia e de repente souberam
(PMOA1M)
(130) mas depois veio essas outras que nós nem estávamos habituado acho que
vem alguém e forma uma igreja e/ou vai cobrar o dizimo (PMOC1M)
(131) mas os valores morais perdeu-se muito (PMOC1M)
(132) [os filhos] ficou 8... sim (PMOC1M)
Por fim, é válido destacar alguns exemplos de verbo ser (em diferentes formas:
presente, passado, futuro do subjuntivo) que apareceram sem marcas no corpus, que
foram distribuídos nos 5 graus de saliência. Em termos qualitativos, cabe registrar os tipos
de construções em que apareceram essas ocorrências de ser, de modo a avaliar sua
validade como dados de efetiva não concordância na amostra; por isso, é importante
destacar alguns exemplos:
(133) e os donos da casa também que já era velhinhos (PMOB2M)
(134) é muito importante porque eles se for aprender changana há de aprender
pelo quiser... (PMOB2H)
(135) seus pais é velho... tudo lá a pedir esmola... (PMOC1H)
A observação inicial dessas ocorrências demonstra que, de fato, existe a oscilação
genuína da marca de número em diferentes níveis de saliência (grau 1 – exemplo 133;
grau 2 – exemplo 134; grau 5 – exemplo 135), especialmente na fala de informantes do
ensino fundamental.
191
Outros dados, porém, como os registrados nas ocorrências a seguir (136, 137 e
138), põem em dúvida se efetivamente haveria um sujeito de 3ª pessoa do plural ou se
outra interpretação poderia ser proposta. Os dados em seguida, por exemplo, poderiam
caracterizar as chamadas construções apresentacionais (cf. VIEIRA; MOTA, 2007), ou
ainda poderia ser considerada a presença de um tópico neutro, não explícito, que
justificaria a ausência de marcas.
(136) são casos muito muito raros assim... acontece deve ser pessoas sei lá … não
sei se muita atrasada (PMOC1M)
(137) porque as dívidas foi uma coisa que ninguém sabia e de repente souberam
(PMOA1M)
(138) distrito todos distrito falavam português existe aquelas zonas lá ( )
escondidas né? falam-se mais nessa língua porque nem todas pessoas conseguiu
falar português então quando estamos a falar de português bem falado é de coiso
Zambézia... é os primeiros lugar da província quer dizer Moçambique que falasse
mais melhor português as pessoas se expressam mais bom (PMOA1H)
Como se vê, os exemplos 136 e 137 poderiam ser representados por um “isso”
hipotético, que refletiria, respectivamente, raciocínios do seguinte tipo: “isso deve ser
pessoas” e “as dívidas – isso foi uma coisa que ninguém sabia”. No primeiro caso,
confirma-se uma ideia de singularidade quando o informante utiliza a palavra “atrasada”,
como se quisesse dizer algo como “isso é gente muito atrasada”. Já no caso do exemplo
138, teríamos uma referência genérica que geraria uma ideia abstrata daquilo que se fala
(os primeiros lugares da província).
Embora essas (6) ocorrências pudessem até não ter sido coletadas, devido à
incerteza sobre a motivação para o verbo ter aparecido em sua forma singular em
detrimento da plural, entende-se que é importante destacar a existência de tais estruturas
no Português de Moçambique, ao lado de outras em que efetivamente se tem certeza da
presença de um SN plural. Sem dúvida, as primeiras não revelam um efetivo padrão de
não concordância padrão (como as últimas), motivo pelo qual também são encontradas
mesmo na fala do Português Europeu, em que se tem concordância semicategórica.
No que se refere às construções apresentacionais e que remetem a um
possível constituinte topicalizado, Mota e Vieira (2007) já chamavam a
192
atenção para o fato de que não poderiam ser consideradas em conjunto
com as demais por não constituírem estruturas neutras; antes, muitas
delas dão margem à ambiguidade referencial. Vieira (2011), fazendo
um primeiro levantamento de dados no Português Europeu, demonstra
e exemplifica a particularidade dessas construções. Merece, sem
dúvida, atenção redobrada um grupo de ocorrências bastante produtivo
na fala, que apresenta verbos no singular referindo-se possivelmente a
um referente genérico que não foi explicitado e constitui aparentemente
um tópico não preenchido. (VIEIRA, 2015, p. 107)
A título de sistematização dos resultados das variáveis estruturais, pode-se
concluir que, além das variáveis selecionadas pelo programa como relevantes, quais
sejam: a posição do sujeito, a saliência fônica, o paralelismo no nível clausal e o tipo de
verbo, exploradas ao longo dessa seção, associadas aos casos de sujeito representado pelo
pronome relativo que e os casos de sujeito não expresso, podem demonstrar a atuação
conjunta de algumas variáveis na amostra em questão, como os exemplos puderam
constatar. Ainda que a configuração morfossintática do sujeito não tenha sido
selecionada, o exame qualitativo dos dados referentes a ela confirma não só as tendências
apontadas pelo programa estatístico, que não a considerou como significativa, como
também exemplifica a correlação entre esta, a saliência e o tipo de verbo. Da mesma
forma, a correlação entre o tipo de verbo e outras variáveis, tais como a saliência fônica
e a posição do sujeito, confirma que a atuação do tipo de verbo fica em segundo plano
em relação aos condicionamentos mais efetivos sobre o fenômeno em questão, fato que
ratifica este ter sido, quando selecionado, o último fator entre todos os outros destacados
como relevantes à não marcação de plural.
Além disso, sendo a saliência, desde sua origem (Lemle; Naro, 1977),
reconhecida como uma variável complexa, que depende de fatores tanto de natureza
fonético-fonológica quanto morfológica, ou seja, relacionando-se não só aos traços
distintivos de acento e material fônico, mas também à estrutura formal do verbo, a
observação do cruzamento entre a saliência fônica e o tipo de verbo das estruturas em
questão demonstrou a efetiva correlação entre essas duas variáveis e a atuação mais
relevante da saliência para os dados encontrados na variedade moçambicana, à
semelhança do que ocorre nas variedades brasileiras.
Resumidamente, as tendências encontradas demonstram que favorecem a
concordância: (i) em relação ao sintagma nominal, os sujeitos em posição anterior ao
verbo e com marcas explícitas de plural; (ii) em relação ao sintagma verbal, os verbos
transitivos e com maior grau de saliência fônica (graus 3, 4 e 5). Por outro lado, sujeitos
193
pospostos, sintagmas sem marcas de plural, verbos inergativos/inacusativos e
copulativos, assim como aqueles com baixa saliência fônica entre as formas singular e
plural, são os contextos que desfavorecem as marcas de concordância. Vale lembrar que,
a partir de exemplos do corpus, também foi observada a atuação do grau 4 de saliência
fônica que, apesar de não ser esperado, demonstrou desfavorecimento da marca. Sobre os
contextos em que se observa a atuação da configuração morfossintática do sujeito, o
pronome relativo que e os sujeitos não expressos parecem atuar conjuntamente com
outras variáveis, apresentando leve tendência à não marcação, ainda que não sejam
significativos para a amostra como um todo.
194
8 DEBATE DOS RESULTADOS: O PERFIL DO PM EM RELAÇÃO AO PB E
AO PE – UMA REGRA VARIÁVEL OU SEMICATEGÓRICA?
Tomando por base toda a exposição feita na análise de dados, é possível discutir
o que, possivelmente, a partir deste estudo, seria considerado como o perfil da variedade
moçambicana, em termos quantitativos e qualitativos, no que tange ao fenômeno da
concordância verbal.
De maneira geral, os resultados estatísticos demonstraram que existe oscilação
quanto ao uso das marcas de número condicionada pelos seguintes grupos de fatores: (i)
de natureza extralinguística – língua(s) dominada(s) pelo informante e escolaridade; (ii)
de natureza linguística – posição do sujeito em relação ao verbo, saliência fônica,
paralelismo no nível clausal e tipo de verbo. A análise qualitativa, por sua vez, demonstra
que os resultados relativos ao uso de Português como L1 ou L2, o perfil individual do
informante, a faixa etária dos indivíduos e a configuração morfossintática do sujeito,
apesar de não terem sido selecionadas como estatisticamente relevantes, levantam novas
perspectivas, válidas de serem observadas, principalmente por apontarem comportamento
bastante interessante quando correlacionados às outras variáveis.
Considerando, em primeiro lugar, as variáveis sociais, os resultados revelam – à
semelhança do que ocorre no PB – comportamento escalar em relação ao nível de
escolaridade, informando que há índices mais elevados de uso das marcas de
concordância à proporção que o indivíduo tem mais anos de instrução formal. Sobre o
uso de línguas, os resultados acabam por confirmar não só a influência das línguas
maternas sobre o fenômeno da concordância no PM, mas também a complexidade do
multilinguismo na sociedade moçambicana. De um lado, percebe-se que ser falante
apenas de Língua Portuguesa não garante o uso categórico das variantes tidas como
padrão. Em termos probabilísticos, os dados produzidos por indivíduos que se assumem
falantes bilíngues (falam Português e, no mínimo, uma língua local) chegam a apresentar
índices mais elevados de favorecimento da concordância verbal. Ao lado desse cenário,
ainda se observa o fato de que, quanto maior for o uso (ou até exclusivo) de língua locais,
o que se associa ao nível mais baixo de escolaridade, maiores serão as tendências de haver
ausência de marcas de número no discurso do informante.
Aprofundando a análise desses resultados extralinguísticos, compreende-se que,
necessariamente, para que se obtenham níveis mais altos de escolaridade, é preciso ser
falante de Português, sobretudo como L1, pois é a Língua Portuguesa que permite o
195
acesso ao ensino formal mais evoluído. No entanto, ser falante de Português como língua
materna não indica a inexistência de variação na fala dos indivíduos, especialmente por
causa do contato inerente com línguas locais que não utilizam os mesmos mecanismos de
concordância verbal próprios da Língua Portuguesa. Sendo assim, a análise de cada
informante, separadamente, nos mostra que há diversos níveis de proficiência do
Português na sociedade de Maputo, seja ele considerado uma L1 ou uma L2, que ora o
aproximam mais das regras consideradas padrão, ora o distanciam das mesmas por conta,
dentre outros fatores, da influência dos idiomas locais. Independentemente disso, vale
destacar que é possível notar uma oscilação na realização das marcas de número em quase
todos os informantes entrevistados.
Ao considerar os indivíduos, percebe-se que as diferentes faixas etárias parecem
apresentar comportamentos particulares da geração, isto é, que o Português falado em
Maputo estaria ainda em processo de estruturação, saindo do papel de uma língua padrão,
que era imposta a todo custo no período colonial que os mais velhos (faixa C e até faixa
B) viveram, para uma língua mais representativa da cultura moçambicana, com seus
traços próprios, comuns aos mais jovens (faixa A). As gerações, portanto, parecem
representar de maneira bem específica esse processo de formação do Português – de uma
língua, a priori, menos influenciada pelos “moçambicanismos”, que tentava se aproximar
dos modelos europeus, a uma língua que, nos dias atuais, estando em constante contato
com os idiomas nacionais, está mais receptiva às interinfluências que deixam algumas
marcas bastante evidentes na fala de seus usuários.
Dessa forma, parte-se, em um segundo momento, à observação desses traços
específicos ao analisar os contextos linguísticos que condicionam a concordância verbal.
As tendências linguísticas ao desfavorecimento das marcas de número encontradas foram
as seguintes: sujeitos em posição posposta ao verbo, sujeitos sem marcas explícitas de
plural, verbos com baixa saliência fônica e verbos do tipo copulativo ou
inergativos/inacusativos. Além disso, também se observam os casos em que a ausência
de sujeito expresso e a presença de um pronome relativo que propiciam a não marcação,
ainda que a atuação dessas configurações esteja correlacionada às outras variáveis.
Considerando esses contextos e os exemplos mostrados ao longo da análise, pode-
se concluir que os 75 dados de não concordância coletados são bastante variados, não
sendo de uma mesma natureza. Nesse sentido, fica viável uma abordagem contrastiva,
não só dos índices quantitativos, mas também da natureza dos dados da concordância na
196
variedade moçambicana do Português, em termos qualitativos, com os padrões descritos
para o PB e o PE.
Embora quantitativamente os dados do PM estejam mais próximos dos registrados
para o PE (como uma regra semicategórica) do que para o PB (como uma regra variável),
a natureza estrutural dessas ocorrências e o comportamento dos indivíduos,
caracterizados em termos sociolinguísticos, ao que parece, aproximariam,
qualitativamente, o PM do PB e não do PE.
Vieira; Brandão (2014) esclarecem o que consideram como perfil básico do PE:
[...] os dados de não marcação de pluralidade dessas variedades
europeias limitam-se a contextos qualitativos específicos. [...] Nas
raríssimas ocorrências sem marca de número nas amostras de Oeiras e
Cacém, verificam-se sobretudo contextos marcados, em que estão
presentes estruturas que universalmente favoreceriam a não realização
da marca: verbos cuja diferenciação entre singular e plural são de menor
saliência fônica; sujeito posposto; presença do relativo “que”; sujeito
inanimado e verbos intransitivos, inacusativos ou copulativos. No que
se refere mais especificamente à variedade insular, as autoras
demonstram que, além dos contextos já citados, parece haver forte
influência de condicionamentos fonético-fonológicos característicos
dessa variedade (VIEIRA, BRANDÃO, 2014, p. 94)
Por outro lado, os contextos em que há ausência de marcação no PB são diversos,
constatando o perfil variável da língua falada no Brasil:
As variáveis que se mostraram atuantes permitiram estabelecer os
seguintes contextos favorecedores da não marcação de pluralidade: (i)
a posposição do sujeito, (ii) o baixo grau de diferenciação fônica entre
as formas singular e plural, (iii) a ausência de marcas de número no SN
sujeito e (iv) o traço menos animado do referente sujeito. Embora haja
a atuação dessas variáveis, deve-se ressaltar que, no PB, se encontra,
em índices variáveis, a não concordância em uma diversidade de
contextos, incluindo-se estruturas não marcadas, como em frases com
ordem direta, com sujeito anteposto ao verbo, com formas de alta
saliência fônica e com traços animados. (VIEIRA; BRANDÃO, 2014,
p. 95)
A observação atenta dos dados moçambicanos e as conclusões apresentadas pelas
autoras sobre as variedades brasileira e europeia revelam que efetivamente o
comportamento qualitativo do PM é parecido com o do PB, demonstrando tendências de
ausência de marcas em contextos mais variados e não esperados no PE. Assim, também
são encontradas ocorrências na ordem direta sem marcação de plural em verbos com
197
sujeito animado (139), com sujeito anteposto ao verbo (140) e com formas verbais que
apresentam alta saliência fônica (141 e 142), como os exemplos demonstram:
(139) eles diz que conseguiam distinguir uma pessoa do sul ela diferente da pessoa
do norte só pelo andar (PMOC1M)
(140) mas hoje eu vejo até algumas famílias fazer pressão... mas o objetivo disso
não sei (PMOC2H)
(141) [os filhos] foi pra escola... o que morreu em dezembro tinha até 11ª
(PMOC1H)
(142) meus filho tudo já casou... (PMOC1H)
Em relação aos contextos que são comuns às três variedades quanto a não
marcação de plural, pode-se destacar a posposição do sujeito (143), a baixa saliência
fônica (144) e os casos de verbos inergativos / inacusativos (145) e copulativos (146),
como se vê nos exemplos a seguir:
(143) as minhas tias de pai português... já tinham ido embora para... para
Portugal... então tinha ficado as filhas de... de pai moçambicano... (PMOC3M)
(144) que eles fica devendo em dinheiro quando às vezes nem tem dinheiro...
(PMOB2H)
(145) todos distrito falavam português existe aquelas zonas lá... escondidas né?
(PMOA1H)
(146) é pra ver se coisas está ali dentro do carro... (PMOC1H)
Ao lado destes contextos, bastante específicos em sua natureza gramatical, como
fatores de favorecimento à não marcação, especialmente por conta de seu caráter mais
universal e partilhado pelas línguas do mundo (cf. VIEIRA; BRANDÃO, 2014), cabe
também destacar a atuação do pronome relativo que, que demonstra comportamento
relevante nas três variedades, por ser condicionador de ausência de marcas de plural na
fala de indíviduos de diferentes níveis de escolaridade, como a amostra do PM confirma
nos seguintes exemplos:
(147) tem coisas que acontece você encontra miúdo de qualquer maneira a mãe
já não quer saber porque a mãe faz o filho deixa com o avô (PMOA1H)
198
(148) eles que fica devendo em dinheiro quando às vezes nem tem dinheiro...
(PMOB2H)
(149) é normal colegas meus que tá no outro no outro semestre da faculdade
escreverem muito mal português... (PMOA3H)
Dessa maneira, a presente amostra revela que o PM possui características
específicas que o aproximam do PB, visto que se encontram estruturas sem marcas de
plural, ainda que em número limitado, em contextos de natureza mais variada de ausência
de pluralidade. Na realidade, embora haja índices de marcação de plural altos no PM,
mais próximos dos detectados no PE, deve-se observar que, em termos qualitativos, as
ocorrências de falta de concordância padrão europeia apenas em contextos mais
específicos – como os relacionados à posição do sujeito e a determinados padrões de
transitividade verbal – não permitem avaliar o estatuto de cada variedade analisada. Trata-
se de construções comuns às três variedades, que atuariam como representantes de
condicionamentos linguísticos mais universais, além de apresentarem resultados
estatísticos próximos (semicategóricos).
Ademais, para além desses traços linguísticos, ainda é necessário destacar o
significativo resultado referente ao condicionamento extralinguístico, sobretudo no que
tange à escolaridade em Moçambique, que apresenta níveis escalares de concordância,
muito similares aos encontrados no PB. Essa realidade, no entanto, não é constatada no
PE:
Os resultados obtidos para a variável escolaridade [...] permitem
observar o forte condicionamento social no caso brasileiro,
diferentemente do que se verifica no PE. De modo geral, não se dispõe
de índices que claramente atestem a influência da escolaridade – de
fundamental a superior – nos dados europeus, especialmente nos do
continente. [...] De todo modo, tendo em vista os contextos de expressão
da não concordância, em termos quantitativos e qualitativos, em
qualquer das amostras do PE, fica nítido que, independentemente do
grau de escolaridade, é nítida a opção preferencial pelas marcas de
pluralidade. (VIEIRA; BRANDÃO, 2014, p. 95)
Sendo assim, as principais características de cada variedade em relação à não
marcação de plural nos verbos de 3ª pessoa, tomando Vieira; Brandão (2014) como base,
podem ser distribuídas nos seguintes contextos condicionadores:
199
Quadro 8 – Distribuição dos condicionamentos para a não marcação de concordância nas três
variedades: PB, PE e PM.
PB PE PM
Escolaridade (escalar) - Escolaridade (escalar)
- - Contato com línguas locais
Posição do sujeito
(Sujeito Posposto)
Posição do sujeito
(Sujeito Posposto)
Posição do sujeito
(Sujeito Posposto)
Saliência Fônica
(Graus 1 e 2)
Saliência Fônica
(Graus 1 e 2)
Saliência Fônica
(Graus 1 e 2)
Paralelismo Clausal
(Ausência de marcas no
sujeito)
-
Paralelismo Clausal
(Ausência de marcas no
sujeito)
Animacidade
(Sujeito [-animado])
Animacidade
(Sujeito [-animado]) -
Tipo de Verbo
(intransitivos, inacusativos
e copulativos)
Tipo de Verbo
(intransitivos, inacusativos
e copulativos)
Tipo de Verbo
(intransitivos, inacusativos
e copulativos)
Observando essa sistematização dos resultados, nota-se que o PM compartilha de
características tanto do PE, como a tendência quantitativa geral de seu suposto modelo de
aquisição e alguns fatores que atuam nas três variedades, quanto do PB, no que se refere
à maior variabilidade dos contextos linguísticos de ausência de marca de pluralidade,
inclusive no SN, e à sensibilidade aos condicionamentos sociais. Além disso, no que se
refere a essas restrições extralinguísticas, o PM conta com uma variável exclusiva, aquela
relacionada ao contato com línguas locais.
Além das variáveis condicionadoras apresentadas no Quadro 8, é igualmente
válido resumir o contexto qualitativo em que se verificou ausência de marcação plural no
PB e no PM, diferentemente do verificado como tendência no PE, que registraria
ausências de pluralidade apenas em contextos muito particulares.
Em resumo, pode-se dizer – sobretudo pela observação da natureza qualitativa dos
dados – que o PM se aproxima do PB nos seguintes contextos:
(i) escolaridade em distribuição escalar (níveis mais baixos de escolaridade
refletem maiores tendências ao desfavorecimento das marcas, ao passo
200
que indivíduos com mais anos de escolaridade, apesar de também
apresentarem casos de não marcação, tendem a usar mais as marcas de
plural);
(ii) posição do sujeito (mais ausência de marcas nos sintagmas pospostos, mas
também encontrada em antepostos);
(iii) saliência fônica (em graus baixos e alguns casos mais altos);
(iv) paralelismo clausal (tendência de maior marcação de plural no verbo
conforme a presença de marcas no sujeito);
(v) animacidade do sujeito (embora não selecionada estatisticamente, também
se encontram casos de sujeito [+animado] no PM com verbo não
marcado);
(vi) tipo de verbo (mesmo sendo os inergativos/inacusativos e copulativos os
maiores desfavorecedores da marcação padrão, encontram-se dados de não
marcação com outros padrões de transitividade).
No que se refere ao PE, coincidiriam no uso da não marcação de plural apenas os
contextos cuja tendência seria geral na Língua Portuguesa, quais sejam: posição do sujeito
(especialmente nos sujeitos pospostos), saliência fônica (apenas em graus baixos),
animacidade (sujeitos inanimados), tipo de verbo (inergativos/inacusativos e
copulativos), além da presença do pronome relativo que. Trata-se de fatores em que, ao
que parece, se atenua ou se desfigura a relação sujeito e verbo, por alguma razão de ordem
sintática ou até cognitiva, o que, sem dúvida, merece investigação particular.
A partir dessa constatação, compreende-se que o olhar tão somente quantitativo
não deve ser o único a definir o tipo de regra com a qual estamos lidando. Isso quer dizer
que considerar apenas o percentual geral de marcação de número obtido nessa amostra
(96.8%) não seria o suficiente para estabelecer o que, ao que tudo indica, parece ser o
caminho que o Português de Moçambique está traçando. A definição de que a
concordância verbal retrata o uso de uma regra semicategórica pura e simplesmente por
conta dos valores obtidos estabeleceria uma comparação desigual entre PM e PE quando
os dados linguísticos são observados qualitativamente.
Em outras palavras, não considerar os dados linguísticos que são próprios do PM
e, consequentemente, distintos do PE pode acarretar um olhar pouco científico e até
mesmo ingênuo sobre os resultados obtidos. Assim, ainda que os percentuais de PE e PM
sejam similares e tendam à definição de uma regra semicategórica, os tipos de
201
condicionamento para ausência de concordância, em termos linguísticos e
extralinguísticos, os afastam, demonstrando que, de certa forma, o PM apresenta um
comportamento variável em termos qualitativos, o que, necessariamente, o impede de ser
equiparado em sua totalidade com o padrão de concordância das variedades europeias.
Do mesmo modo, apesar das semelhanças quantos aos contextos nos quais PM e
PB apresentam ausência de marcas de número, não é possível, até o presente momento,
afirmar que a variedade moçambicana seja representativa de uma regra variável nas
mesmas proporções da variedade brasileira, já que a preferência expressiva pela
concordância atinge um nível bastante superior aos encontrados nas variedades
brasileiras, reconhecidamente variáveis tanto quantitativa quanto qualitativamente.
Isto posto, pode-se descrever o comportamento dessas variedades, em relação aos
contextos linguísticos e extralinguísticos analisados, considerando um continuum de
marcação de pluralidade, em termos semelhantes ao que motivou o continuum afro-
brasileiro do Português postulado por Petter (2008). Apesar de a proposta da autora não
incluir o Português Europeu em seu continuum, situa-se, na presente pesquisa, a variedade
europeia, detentora do comportamento mais próximo ao considerado padrão no tocante à
concordância verbal, em um dos extremos do continuum de uso das regras de marcação,
chegando até as variedades brasileiras, que apresentam atuação mais variável no
fenômeno em questão. Nesse sentido, pode-se estabelecer a posição intermediária do
Português de Moçambique em relação a essas duas variedades, uma vez que o
comportamento do PM revela tendências mais parecidas com as da brasileira, sob o
prisma de alguns grupos de fatores, ainda que o percentual de concordância geral se
aproxime mais do que se observa nas variedades europeias.
Tal averiguação está de acordo com as declarações dos informantes, apresentadas
na seção das variáveis sociais (Seção 7.3), uma vez que vão ao encontro desse continuum,
no qual a variedade moçambicana, ao que tudo indica, ainda que fosse considerada uma
variedade parcialmente reestruturada, se encontraria em uma posição entre as outras duas,
ou seja, reflete a preferência pela concordância como as variedades europeias, mas revela
comportamento variável em contextos similares aos das variedades brasileiras. Sendo
assim, propõe-se que existem algumas características que a aproximam um pouco de cada
uma dessas variedades (PB x PE) e outras particularidades que a afastam das mesmas,
como os relatos abaixo retomam:
202
“tem alguma característica m/ mais daqui porque porque a gente a gente sempre tem em
mente tem o português do Brasil ou de Portugal mas já é um português/ há certas
expressões que a gente sabe que não tem nos livros nem/ nem de Portugal nem daqui que/
que saem de uma junção do/ do/ do/ português palavras inventadas não é” (PMOA2H)
“já tem marca... na minha opinião tem marca de mistura [...] a língua portuguesa é a
segunda língua... não para (quem) foi a primeira língua... aí ta tranquilo... mas para a
maior parte dos moçambicanos ali o português é a segunda língua... e/e sendo segunda
língua... ela (aprende) em função daquilo que vai... vai tendo a apreciação do/de como
se fala a língua... mas pois bem... as expressões da língua portuguesa quem vai buscar a
língua materna e traduz para o português [...] e a maneira como fala a língua portuguesa
não é... o padrão universal... né... exatamente... porque a língua principal dele é como...
é como eu a falar em inglês... [uma língua estrangeira] (PMOC3H)
Considerando todos os relatos aqui expostos, é igualmente importante refletir a
respeito das condições de formação de um Português Moçambicano. Ao que tudo indica,
essa identidade de Língua Portuguesa, futuramente, pode vir a ser, de certa forma,
repartida, de modo que, em cada canto ou em cada situação interacional de Moçambique,
venha a ser construída uma variedade de Português bastante diferenciada, cada uma
refletindo as influências referentes às línguas que são faladas especificamente em cada
província/situação e o maior ou menor contato com a LP, supostamente padrão, aprendida
nas escolas. A partir dessa visão, o Português Moçambicano, na verdade, já assumiria um
perfil salientemente plural como traço identitário. Nesse sentido, fazendo uma analogia63
com a conhecida proposta de que “o Português do Brasil são dois” (MATTOS E SILVA,
2004), “O Português de Moçambique seria vários”, cada um com suas características
próprias. No entanto, é válido ressaltar que, no atual momento, qualquer generalização a
esse respeito seria no mínimo precipitada, devido ao pouco tempo em que o Português é,
de fato, a língua oficial do país e considerando, principalmente, que nem todas as
províncias têm sequer acesso a uma Língua Portuguesa já estabelecida. Por todos esses
motivos, entende-se que a variedade moçambicana esteja mesmo em um processo de
formação, o que se revela na inconstância representada nos resultados, que se assemelham
63 Analogia sugerida pela Professora Beatriz Protti Christino por ocasião da arguição deste trabalho.
203
de modo geral ao comportamento da variedade europeia, mas apresentam estruturas
usualmente apontadas na variedade brasileira.
Em síntese, a complexidade dos resultados referentes ao PM, discutidos nesta
seção em termos contrastivos com as descrições científicas do PB e do PE, permite traçar,
em termos interpretativos, a configuração do PM em direção ao que se considera como
uma variedade em formação, tendo em vista que seu perfil, no que se refere aos padrões
de concordância, se encontra em fase de construção. O PM estaria, portanto, a partir das
considerações levantadas nessa pesquisa, em processo de estabelecimento das suas regras
mais particulares, o que naturalmente gera uma instabilidade comportamental; a depender
do perfil do informante em questão, os padrões podem ser muito diferentes. Dessa forma,
entende-se que, de fato, o PM se encontraria em um estágio intermediário entre o PB e o
PE, dentro do continuum proposto nesta pesquisa, afastando-se dos traços mais
definidores das variedades mais próximas do padrão e/ou das mais reestruturadas, para
constituir um perfil único, com caraterísticas singulares, advindas do contato tanto com
as variedades do Português (com maior ou menor marcação de pluralidade) quanto com
as línguas nacionais (sem o padrão sufixal de marcação de pluralidade). O futuro da
variedade moçambicana, por consequência, parece estar, especialmente, nas mãos dos
falantes mais jovens e bilíngues que, aparentemente, são aqueles que tendem a valorizar
e a estabelecer os padrões de uso, seja das línguas locais, seja do Português.
204
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sob a perspectiva da Teoria da Variação e Mudança e estudos sobre o contato
linguístico e o bilinguismo, a presente análise variacionista centrou-se na concordância
verbal de 3ª pessoa do plural, contemplando, à luz de trabalhos semelhantes, realizados
sobre as variedades do Português (brasileira, europeia e são-tomense), a (não)realização
de marcas de plural nos verbos e os condicionamentos, sociais e linguísticos, que a
controlam.
Em uma amostra bastante heterogênea que, a princípio, não condizia com as
expectativas iniciais de montagem do corpus, analisaram-se as entrevistas realizadas com
18 informantes de Moçambique, África. Dentre eles, foram considerados falantes de
Português tanto como língua materna quanto como segunda língua, advindos de diversas
províncias do país. A heterogeneidade da amostra, indesejável por princípio
metodológico, trouxe ao trabalho, ao contrário de uma hipótese desbancada, a verdadeira
situação social da variedade em questão, enriquecendo de maneira efetiva a interpretação
dos resultados obtidos.
O cenário verificado na referida variedade reflete uma situação diferente da que é
constatada em variedades brasileiras e europeias, nas quais o Português é a única língua
de uso geral, já que em Moçambique a Língua Portuguesa, mesmo sendo a língua oficial
do país, convive com muitos idiomas locais que são usados por grande parte dos
indivíduos. Sendo assim, os informantes moçambicanos são, quase majoritariamente,
falantes bilíngues, ao menos. Tal circunstância propicia a diversidade de níveis de
proficiência da Língua Portuguesa e também das línguas locais, o que, consequentemente,
acarreta a diferenciação do Português falado por esses indivíduos em relação aos outros
falantes (brasileiros e portugueses) da mesma língua.
Resumindo os resultados, portanto, indica-se que há uma regra semicategórica no
Português de Moçambique, em termos quantitativos, com preferência expressiva pela
concordância. De um lado, a produtividade de 96.8% de concordância sugere a adoção,
em termos percentuais, do modelo europeu de marcação plural. Por outro lado, a
observação dos dados linguísticos permite a constatação de que a natureza de alguns
contextos, linguísticos e extralinguísticos, em que ocorre ausência de pluralidade é
semelhante ao que se verifica nas variedades brasileiras.
As tendências extralinguísticas de desfavorecimento das marcas de plural são
representadas pelas variáveis língua(s) dominada(s) pelo informante e escolaridade. De
205
acordo com a primeira variável, o domínio mais eficaz das línguas locais, seguido do
maior uso no dia-a-dia, afeta as regras de concordância do PM, pois, neste caso, o nível
de marcação plural é menor. No entanto, ser fluente apenas em Português não é condição
para não haver variação na fala dos indivíduos, já que esses também apresentam
comportamento variável em relação ao uso das regras de marcação. Os dados produzidos
por falantes bilíngues, na realidade, aqueles que seriam mais representativos do Português
de Moçambique, por demonstrarem influências não só das línguas locais (inserção de
vocabulário, expressões próprias), mas também do Português tido como modelo (o
incentivo ao uso categórico das regras gramaticais), constituem os contextos mais
favorecedores das marcas de número, fato relacionado a seu conhecimento relativamente
equilibrado tanto de línguas locais quanto de Português, que foram adquiridos
paralelamente.
Todo o panorama constatado em relação ao uso de línguas perpassa o
conhecimento de Português como L1 ou L2, que varia de indivíduo para indivíduo, como
verificado no comportamento individual destes, e de geração em geração, que concebem
a Língua Portuguesa de maneiras distintas e condicionam seu uso, mais ou menos
refletido nos modelos que seguem, a depender das condições nas quais viveram o
aprendizado e o convívio entre as línguas presentes na sociedade.
Ao lado dessa diversidade de perfis encontrados na amostra, a escolaridade, por
sua vez, demonstra o mesmo comportamento escalar obtido em variedades brasileiras,
nas quais os menores níveis de escolaridade espelham os índices mais altos de ausência
de concordância. De outro lado, os indivíduos com mais anos de escolaridade são aqueles
que utilizam, de maneira mais produtiva, as marcas consideradas de maior prestígio. Na
relação entre escolaridade e domínio da língua, é necessário pôr em questão o fato de que
o acesso à escolaridade está intrinsecamente ligado ao conhecimento de Língua
Portuguesa, uma vez que aqueles que a têm como língua materna são os que normalmente
avançam nos estudos, independentemente de sua proficiência na língua.
As tendências linguísticas destacam as seguintes variáveis: posição do sujeito em
relação ao verbo e paralelismo no nível clausal, no que diz respeito ao sintagma nominal,
saliência fônica e tipo de verbo, considerando o sintagma verbal. Algumas características
da configuração morfossintática do sujeito, como a presença do pronome relativo que e o
sujeito não expresso, atuam de forma mais discreta, não tendo sido selecionadas como
relevantes estatisticamente, mas representam contextos interessantes de serem
206
observados qualitativamente, pois podem indicar certa interferência, quando
correlacionadas a outras variáveis.
Sobre a posição do sujeito, verifica-se que, de fato, quando este está em posição
pós-verbal, a tendência à não marcação de número é mais evidente, como já detectado em
estudos sobre a concordância verbal de diversas variedades do Português, incluindo a
europeia, cujos contextos para a ausência de marcas são bem mais reduzidos. Sintagmas
com sujeito em posição anteposta, por sua vez, favorecem em maior grau a marcação de
número. Por outro lado, as tentativas de observar, nesse grupo de fatores, a atuação dos
sujeitos não expressos revelou que, de fato, estes não seriam favorecedores da não
concordância, já que essa configuração não se mostrou como contexto unicamente
condicionador, revelando atuação conjunta com a posição do sujeito e o tipo de verbo
(casos como verbo ‘existir’ com sujeitos em posição posposta).
Considerando o princípio do paralelismo das formas, indica-se que a presença de
marcas no referente sujeito leva à marcação nos verbos, confirmando a premissa de que
marcas levam a marcas, assim como zeros levam a zeros. Especificamente sobre essa
variável, foi possível verificar ausência de plural internamente ao SN, o que também
diferencia a variedade moçambicana da europeia e a aproxima da variedade brasileira.
Verificou-se, ainda, que, em termos gerais, existe uma propensão à marcação plural
especialmente em contextos nos quais as marcas de plural estão explícitas no sujeito.
Em relação à saliência fônica, comportamento similar ao das variedades
brasileiras foi atestado, certificando não só o comportamento já esperado de maior
incidência de não concordância nos verbos cujas formas de singular e plural não são muito
distintas, causando pouca evidência quando o plural não é marcado, mas também a
atuação, ainda que em menor escala, de um grau de saliência mais alto, aquele referente
aos pretéritos, como visto nos exemplos levantados na análise dos dados. Neste fator
específico, que merece maior apreciação em trabalhos futuros, foram evidenciadas
ocorrências avaliadas como inesperadas em estruturas realizadas por falantes de
Português Europeu, especialmente porque elas estariam diretamente relacionadas a
baixos níveis escolaridade, patenteando um comportamento mais comum na fala de
indivíduos menos escolarizados, tendência observada também em trabalhos do PB.
Além disso, foi possível observar mais detalhadamente os casos em que houve
ausência de marca de número quando a configuração do sujeito era a de pronome relativo
que; tais dados se referem, coincidentemente, a verbos de baixa saliência fônica que
seguem os SNs referentes ao sujeito. Ao que tudo indica, ainda que existam outros
207
condicionamentos que influenciem a não marcação, a saliência fônica e a posição do
sujeito constituem-se como variáveis muito relevantes na amostra em análise, revelando-
se contextos mais atuantes do que outros, como a configuração morfossintática do sujeito
e o tipo de verbo, por exemplo.
Por fim, a variável tipo de verbo, última selecionada estatisticamente, revelou
comportamento de maior incidência à não concordância em sintagmas verbais do tipo
inergativo/inacusativo e copulativos, como já atestado em estudos com outras variedades
do Português. Verbos transitivos, por outro lado, favorecem a presença das marcas de
número. Considerando discussões de renomados linguistas, observou-se a atuação
conjunta desse grupo de fatores com outras variáveis como a saliência fônica e a posição
do sujeito, que confirmaram suas performances mais significativas do que o tipo de verbo
nesta pesquisa. Assim, atestou-se a correlação entre as variáveis, uma vez que foi
encontrada maior variabilidade, no que tange à concordância verbal, nos verbos menos
salientes e, principalmente, naqueles que se encontravam em posição anterior ao sintagma
nominal, sendo, em ambos os casos, verbos do tipo inacusativo/inergativo.
A análise dos dados em termos quantitativos – com base em percentuais e pesos
relativos – e qualitativos permitiu um debate sobre o estatuto da regra variável de
concordância verbal no Português de Moçambique e o perfil dessa variedade. Ao que
tudo indica, os resultados demonstram que não é possível olhar somente para os números
obtidos, já que a natureza dos dados afastaria a concepção de uma regra estritamente
semicategórica, permitindo a avaliação de contextos realmente variáveis. Essa
constatação reflete, em uma proposta de estabelecimento de um continuum de padrões de
concordância e à luz do continuum afro-brasileiro, a posição do PM no meio do caminho,
isto é, apesar de apresentar um nível bastante alto de preferência pela concordância
padrão, seguindo seu modelo Europeu de (possível) aquisição, ele se afastaria do PE e se
aproximaria mais das variedades parcialmente reestruturadas, como a brasileira, por
exibir contextos mais variáveis de não aplicação da regra.
Considerando que há forte influência de línguas locais no Português falado em
Moçambique, para além de todas as formas de acesso à Língua Portuguesa, a variedade
em questão pode ser analisada como ainda em processo de formação, construindo sua
identidade linguística, a partir dos meios plurais de aquisição de língua aos quais é
exposta. Nesse sentido, ao menos três aspectos podem interferir na formação do perfil
moçambicano quanto à marcação de pluralidade: (i) o modelo supostamente padrão do
Português Europeu – com marcação (semi-)categórica de pluralidade – ao qual teriam
208
certo (provável) acesso na escola; (ii) a semelhança com o modelo brasileiro – com
marcação variável de pluralidade – na sua constituição, especialmente por causa do
contato multilinguístico e de sua tendência geral de simplificação morfológica; e (iii) os
parâmetros das línguas locais (marcas de número sempre prefixais, ao contrário do padrão
sufixal do Português), que, para muitos dos habitantes de Moçambique, são suas línguas
maternas e com as quais convivem diariamente.
Diante de tal riqueza linguística, é razoável supor que a simplificação
morfológica, sendo ela uma tendência comum das interlínguas (Cf. LUCCHESI, 2012),
venha a ser um dos mecanismos utilizados por esses indivíduos, constituindo uma regra
gramatical comum àqueles que utilizam mais os idiomas locais e influenciando, de
alguma maneira, os falantes bilíngues, que podem alterar e/ou até mesmo confundir os
parâmetros das línguas que dominam. Sendo assim, afirmar que a variedade
moçambicana tem comportamento equivalente ao das outras variedades do Português
constituiria um equívoco metodológico, que desconsideraria as evidentes particularidades
que fazem desta uma variedade única. Tal constatação indica que, assim como
testemunhado pelos próprios entrevistados, o Português falado em Moçambique começa
a apresentar traços que são exclusivos de seu ambiente de contato multilinguístico,
propiciando a formação de um Português propriamente Moçambicano, influenciado em
alguma medida pelas línguas bantu.
Em linhas gerais, espera-se que a presente pesquisa tenha contribuído não só com
a descrição de dados contemporâneos, em termos quantitativos e qualitativos,
empreendimento necessário em relação às pesquisas sobre a concordância verbal na
variedade moçambicana do Português, pouco descrita na literatura, mas também com as
reflexões, ainda que preliminares, sobre como o contato multilinguístico pode influenciar
os padrões gramaticais de uma dada língua e como o PM se comporta no cenário de
variedades da Língua Portuguesa, em uma espécie de continuum dos padrões de
concordância.
Acredita-se que futuras pesquisas devam se debruçar, de maneira mais
aprofundada, sobre o ensino e aprendizagem do Português em Moçambique e, mais
detalhadamente, sobre as estrututuras das línguas locais, que podem afetar diretamente a
Língua Portuguesa falada no país. Quanto ao refinamento do corpus, novas entrevistas
que possam prover uma amostra totalmente composta por falantes de Português como L1
e/ou como L2 – não só de Maputo, mas das diversas províncias do país – podem, no
primeiro caso, confirmar a existência de contextos qualitativos bastante próximos dos
209
encontrados no PB, e no segundo caso, podem vir a aprofundar a investigação da relação
entre o contato com línguas locais e os padrões de concordância verbal.
De todo modo, os resultados aqui apresentados demonstram que os dados da
concordância verbal na variedade moçambicana, em termos quantitativos, à semelhança
do que ocorre com as variedades europeias, apresentam larga preferência pela marcação
padrão. Entretanto, permitem observar que o PM compartilha características qualitativas
de não marcação de número com o padrão de uso das variedades brasileiras, de natureza
mais variada (escalaridade dos níveis de instrução formal, baixa e alta saliência fônica,
sujeitos com traços [+animados] ou não, sujeitos antepostos e pospostos, sujeitos sem
marcas de plural acarretando ausência de marca também no verbo, verbos
inergativos/inacusativos e copulativos, além de transitivos), do que com o padrão de uso
nos contextos específicos do PE (principalmente, sujeito posposto, inanimado, com
presença de pronome relativo e verbos de baixa saliência e inergativos/inacusativos e
copulativos). Assim, é possível estabelecer uma posição intermediária da variedade
moçambicana no continuum de marcação de pluralidade proposto no presente trabalho,
que indicaria, em um dos extremos, maior uso de regras variáveis (parcialmente
reestruturadas) pelos brasileiros, seguidos dos moçambicanos, que oscilam entre
contextos qualitativamente variáveis e quantitativamente altos, encerrando o outro
extremo com os resultados semicategóricos, bastante próximos do estatuto de uso
categórico da regra padrão, especialmente por parte dos falantes europeus.
210
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Anexo I – PROJETO CONCORDÃNCIA - GUIA DE ENTREVISTA
I. BAIRRO / CIDADE / VIOLÊNCIA / LAZER E ESPORTES / TRANSPORTE
1. O que você acha do bairro / cidade onde mora? Quais são os pontos positivos e negativos do bairro /
cidade?
2. Com tanta violência ultimamente, o que você acha do bairro? O bairro é violento ou tranqüilo? Por
quê?
3. Você (ou alguém conhecido) já foi assaltado? Poderia contar um assalto acontecido com você ou
algum conhecido?
4. Por que a cidade está violenta? O que poderia ser feito para melhorar a situação?
5. Como são as opções de lazer do bairro?
6. O bairro / a cidade tem pracinhas, campos de futebol, teatro, cinema etc?
7. O que as pessoas costumam fazer nos fins de semana?
8. Como é a Educação na localidade? Como são as escolas?
9. Tem escolas públicas para todos? Quais são os pontos positivos e problemáticos das escolas
públicas?
10. E as escolas particulares como são? O senhor acha que as escolas particulares são melhores do que as
públicas?
11. Tem hospitais públicos e postos de saúde para todos? Como são os hospitais? Quais são os pontos
positivos e problemáticos do hospitais?
12. Contar alguma experiência que já tenha passado em relação a atendimento médico.
13. Como é o transporte aqui? O que falta para melhorar o transporte?
II. PROFISSÃO
1. Qual é a sua profissão?
2. Como são as atividades diárias da suas profissão?
3. Quais são as principais dificuldades?
4. Quais são as principais vantagens?
5. Está satisfeito com sua profissão?
III. POLÍTICA / SOCIEDADE / CUSTO DE VIDA
1. O que acha da vida política (local/nacional)?
2. O país está melhorando ou piorando?
3. O que poderia ser feito para melhorar?
4. Como está o custo de vida?
IV. FAMÍLIA / RELACIONAMENTOS / INFÂNCIA / RELIGIÃO
1. O que pensa sobre as famílias atuais?
2. Está mais fácil ou mais difícil educar os filhos?
3. O que é necessário para se educar bem os filhos?
4. Existem casamentos poligâmicos? Como eles funcionam? As mulheres aceitam?
5. Quais religiões existem aqui? Elas convivem bem? Como funcionam? Quais são mais típicas de
Moçambique?
V. UTOPIAS
1. Quais são seus sonhos em relação à sua vida professional, sua família, seus filhos?
2. Você gostaria de visitor o Brasil? Por que?
VII. LINGUAGEM
1. Como funciona essas questões da língua aqui em Moçambique? Todos falam Português?
2. Como você aprendeu Português? E a sua família?
3. Você fala línguas locais? Quais? Em quais contextos?
4. Você percebe diferenças entre o Português daqui e o de Portugal e do Brasil? Cite algumas.
5. Você acha que há lugares que falam português melhor do que em outros lugares? Quais seriam esses
lugares?
6. Você acha que o português daqui tem característias próprias?
7. Você percebe mistura entre as línguas locais e o português?
8. Nas escolas só se fala português? E as escolas bilíngues? Você é a favor delas? Por que?
222
Anexo II – QUADRO-SÍNTESE DAS RODADAS
Colun
as1Fx
Et.Esc
.Sex
oLoc
al.L. M
at.Lin
g.Po
s.Dis
.El.
Int.
Confg
.Co
nst.
Paral
.An
im.
S.F.
T.V.
Trans.
Infor.
Sig.
INPUT
Roda
da 1
x4
xx
x1
2x
xx
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x3
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/0.0
00.0
2
Roda
da 2
x4 X
xx
x1 X
2 Xx
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x5
x3
x6
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00.0
1
Roda
da 3
x2
xx
xx
1x
xx
x5
x3
x4
x0.0
50.0
1
Roda
da 4
x1 X
xx
x/
2 Xx
6x
x4
x3
x4
50.0
40.0
1
Roda
da 5
x2
xx
xx
1x
xx
x5
x3
x4
x0.0
10.0
1
Roda
da 6
x4 X
xx
x1 X
2x
6x
x5
x3
x/
x0.0
40.0
1
Roda
da 7
x4 X
xx
x1 X
2 Xx
xx
x5
x/
36
x0.0
00.0
1
Roda
da 8
x4 X
xx
x1 X
2 Xx
xx
x5
x3
x6
x0.0
00.0
1
Roda
da 9
x4 X
xx
x1 X
2 Xx
xx
x5
x3
x6
x0.0
00.0
1
Roda
da 10
/?
//
/?
?/
//
/?
/?
/?
/0.0
10.0
1
Roda
da 11
/4 X
//
/1 X
2/
//
/5
/3
/x
x0.1
20.0
1
Roda
da 12
/4
//
/1
2/
//
/5
/3
//
/0.0
00.0
1
Roda
da 13
x2
xx
x1 X
//
//
//
//
//
x0.0
00.0
2
Roda
da 14
x/
x1 X
xx
2x
xx
4 Xx
x3
xx
x0.0
90.0
3
Roda
da 15
x/
xx
x/
xx
1 Xx
x2
xx
xx
x0.0
40.0
1
Roda
da 16
x/
xx
xx
1 Xx
5x
x4
23
xx
x0.0
10.0
0
Roda
da 17
x2
xx
xx
1x
xx
x5
x3
x4
x0.0
10.0
1
Roda
da 18
x4 X
xx
x1 X
2 Xx
6x
x5
x3
??
?0.0
40.0
1
Roda
da 19
x4 X
xx
x1
2 Xx
6x
x5
x3
??
?0.0
40.0
1
Roda
da 20
x3 X
xx
xx
1 Xx
?x
x4
x2
??
x0.0
40.0
1
Roda
da 21
x4
xx
x1
2x
6x
x5
x3
xx
/0.0
40.0
1
Roda
da 22
x4
xx
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2 Xx
6x
x5
x3
xx
/0.0
40.0
1
Roda
da 23
x4
x/
/1
2/
/x
/5
/3
x6
/0.0
40.0
1
Roda
da 24
x1
x/
//
2/
/x
/4
/3
x5
/0.0
20.0
1
Roda
da 25
x1 X
x/
//
2/
//
/x
x3
xx
40.0
10.0
1
x = variável não selecionada
/ = variável não inserida na rodada
? = variável nem selecionada, nem descartada
LEGENDA
Números de 1 a 6 = ordem de seleção das variáveis
X (ao lado dos números) = variável descartada no step down