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Universidade Federal do Rio de Janeiro A CONCORDÂNCIA VERBAL DE TERCEIRA PESSOA DO PLURAL NA VARIEDADE MOÇAMBICANA DO PORTUGUÊS: UMA ABORDAGEM SOCIOLINGUÍSTICA Karen Cristina da Silva Pissurno 2017

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

A CONCORDÂNCIA VERBAL DE TERCEIRA PESSOA DO PLURAL NA

VARIEDADE MOÇAMBICANA DO PORTUGUÊS: UMA ABORDAGEM

SOCIOLINGUÍSTICA

Karen Cristina da Silva Pissurno

2017

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II

A CONCORDÂNCIA VERBAL DE TERCEIRA PESSOA DO PLURAL NA

VARIEDADE MOÇAMBICANA DO PORTUGUÊS: UMA ABORDAGEM

SOCIOLINGUÍSTICA

Karen Cristina da Silva Pissurno

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas da Universidade Federal do Rio de

Janeiro como quesito para a obtenção do Título

de Mestre em Letras Vernáculas (Língua

Portuguesa).

Orientadora: Profa. Doutora Silvia Rodrigues Vieira

Rio de Janeiro

Agosto de 2017

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A CONCORDÂNCIA VERBAL DE TERCEIRA PESSOA DO PLURAL NA VARIEDADE

MOÇAMBICANA DO PORTUGUÊS: UMA ABORDAGEM SOCIOLINGUÍSTICA

Karen Cristina da Silva Pissurno

Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos

necessários para a obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua

Portuguesa).

Examinada por:

_________________________________________________

Presidente, Profa. Doutora Silvia Rodrigues Vieira

_________________________________________________

Profa. Doutora Christina Abreu Gomes – UFRJ

_________________________________________________

Profa. Doutora Beatriz Protti Christino – UFRJ

_________________________________________________

Profa. Doutora Silvia Figueiredo Brandão – UFRJ, Suplente

_________________________________________________

Profa. Doutora Danielle Kely Gomes – UFRJ, Suplente

Rio de Janeiro

Agosto de 2017

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IV

PISSURNO, Karen Cristina da Silva.

A concordância verbal de terceira pessoa do plural na variedade moçambicana do

Português: uma abordagem sociolinguística / Karen Cristina da Silva. – Rio de Janeiro: UFRJ

/ FL, 2017.

xviii, 222 f.: il.; 31 cm.

Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira

Dissertação (mestrado) – UFRJ/Faculdade de Letras/Programa de Pós-graduação

em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), 2017.

Bibliografia: f. 210-220.

1. Português de Moçambique 2. Concordância Verbal 3. Sociolinguística 4.

Multilinguismo

I. Vieira, Silvia Rodrigues II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Faculdade de Letras, Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas. III. A concordância

verbal de terceira pessoa do plural na variedade moçambicana do Português: uma abordagem

sociolinguística.

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V

A minha mãe, Verônica,

A meu pai, Robson,

A meu marido, Leonni,

A minha orientadora, Silvia,

que me apoiaram em todos os momentos,

e foram fundamentais para a realização deste sonho.

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VI

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, por sua infinita bondade e por ter me permitido realizar tão

grandioso sonho. Sem Sua presença viva em mim e sua eterna misericórdia, nada disso seria

possível.

A minha mãe, Verônica, e a meu pai, Robson, por todo o investimento em meus estudos,

por toda a paciência nos momentos mais difíceis, pelo apoio incondicional e pelo amor tão

puro, que fizeram de mim um ser humano digno e responsável, capaz de enfrentar todos os

obstáculos da vida. Vocês são a razão da minha existência e a motivação para que eu seja cada

vez melhor. Se eu puder ser para o meu futuro filho metade do que vocês foram para mim, ele

será muito feliz e abençoado.

A meu esposo, Leonni, por ter sonhado comigo o meu sonho, desde a graduação e a

cada passo até o dia de hoje, nas derrotas e nas vitórias. Companheiro leal e imprescindível,

que neste momento vivencia comigo a realização de tão incrível conquista. Obrigada pela

paciência e compreensão, apesar de todo o estresse que a esposa não sabe disfarçar.

A minha orientadora, Silvia Rodrigues Vieira, por ter me apresentado ao mundo da

pesquisa científica e pelo apoio desde o convite para o grupo de iniciação até o dia de hoje.

Obrigada por ter me incentivado a tentar novamente, pois sem as suas palavras eu teria

permanecido na zona de conforto e não teria chegado até aqui. Obrigada por cada palavra de

encorajamento durante a pesada tarefa de redigir a dissertação. Obrigada por ter me

proporcionado a experiência da pesquisa de campo, que abriu meus horizontes e me permitiu

não só muitos momentos de aprendizado, mas de risadas e lembranças que vão ficar guardadas

para sempre em minha memória. Você é um exemplo de profissional e de ser humano a ser

seguido e eu agradeço a Deus por ter me concedido a honra de ter te conhecido e de poder

trabalhar ao seu lado.

A FAPERJ, pelo financiamento da pesquisa de campo em Maputo, Moçambique-

África, que nos proporcinou a montagem do corpus aqui utilizado e uma infinidade de

descobertas e novos conhecimentos sobre a realidade moçambicana.

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VII

A Perpétua Gonçalves e Victor Mércia Justino Cumbana, da Universidade Eduardo

Mondlane, que nos ajudaram a planejar e executar a busca pelos perfis de informantes que

desejávamos entrevistar e nos cederam atenciosamente os espaços para realização das

entrevistas.

A Maria João Carrilho Diniz, diretora da Biblioteca Central de Maputo, não somente

por ceder o espaço para as entrevistas e por ter nos apresentado a vários de nossos

informantes, mas por sua imensa generosidade em compartilhar um pouco de seu

conhecimento conosco. Seu testemunho nos permitiu compreender de maneira mais eficaz quão

ricas são a cultura e a diversidade da sociedade de Maputo.

A Rajabo Alfredo Mugabo Abdula, o “diretor” da pesquisa, por sua disponibilidade

em nos ajudar e por todos os informantes que encontramos graças a sua ajuda. Obrigada por

ter nos acompanhado e nos ajudado em tudo que estava em seu alcance.

A todos os nossos 35 informantes, que generosamente nos cederam seus relatos. Não

poderia deixar de agradecer por cada testemunho, por cada experiência compartilhada, por

cada história contada, por cada ensinamento dado. A pesquisa não existiria se não fosse por

vocês. Quanta riqueza, quanta alegria, quanta coisa boa vocês me proporcionaram! Nada mais

a dizer a não ser: KANIMAMBO!

A Karen Alves Pereira, minha xarazinha, que desde a graduação me acompanha e

sempre acreditou no meu potencial. Obrigada pela amizade sincera, que já ultrapassou os

limites da amizade, e por suas palavras de incentivo. Sei que posso contar contigo para

qualquer coisa e sei que hoje você compartilha da mesma felicidade que eu pela minha

conquista.

A todos os meus amigos que me incentivaram a continuar e foram pacientes em meus

momentos de afastamento para me dedicar tanto à viagem quanto à dissertação. Em especial,

agradeço a Cristina Márcia Corrêa, pela parceria nos trabalhos das disciplinas, nos

congressos e por me socorrer com prontidão toda vez que enviava um áudio no Whatsapp com

dúvidas sobre o Goldvarb e sobre formatação. Obrigada pelo companheirismo!

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VIII

Feliz do homem que encontrou a sabedoria,

daquele que adquiriu a inteligência,

porque mais vale esse lucro que o da prata,

e o fruto que se obtém é melhor que o fino ouro.

Provérbios 3, 13-14

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IX

SINOPSE

Estudo variacionista sobre a concordância verbal de

3ª pessoa do plural no Português oral de Maputo –

Moçambique, África. Controle estatístico de

variáveis estruturais e sociais para a determinação dos

condicionamentos da regra de marcação de número.

Reflexão sobre o multilinguismo e o contato entre as

línguas moçambicanas e o Português. Debate sobre o

estatuto da variedade moçambicana do Português.

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X

RESUMO

A CONCORDÂNCIA VERBAL DE TERCEIRA PESSOA DO PLURAL NA

VARIEDADE MOÇAMBICANA DO PORTUGUÊS: UMA ABORDAGEM

SOCIOLINGUÍSTICA

Karen Cristina da Silva Pissurno

Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras

Vernáculas (Setor de Língua Portuguesa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa.

Estudo sociolinguístico sobre a concordância verbal de 3ª pessoa do plural no Português

oral de Maputo, Moçambique/África. A partir dos pressupostos da Teoria da Variação e

Mudança, o objetivo principal da pesquisa foi constatar o estatuto da regra de marcação de

plural na variedade moçambicana, se categórica, semicategórica ou variável (LABOV, 2003).

Para tanto, observaram-se as restrições linguísticas e extralinguísticas que condicionam a

concordância. À luz de estudos sobre o contato linguístico no Brasil (LUCCHESI; BAXTER;

SILVA, 2009) e o bilinguismo (ROMAINE, 2013), observou-se como a situação de

multilinguismo poderia afetar o Português falado pelos moçambicanos.

Os resultados obtidos por meio do tratamento estatístico realizado pelo programa

computacional GOLDVARB X revelam o comportamento de uma regra semicategórica, em

termos quantitativos (96.8% de aplicação das marcas de número), índice que deve ser

compreendido após detalhada análise qualitativa dos contextos variáveis. Os principais fatores

que desfavorecem a concordância foram: (i) maior uso de línguas locais, (ii) menor

escolaridade, (iii) sujeitos pospostos, (iv) verbos com menor saliência fônica, (v) sujeitos sem

marca explícita de plural e (vi) verbos inacusativos/inergativos.

De maneira geral, o comportamento dos dados em termos qualitativos revela a

existência de contextos diversos efetivamente variáveis, à semelhança do que ocorre na

variedade brasileira de forma produtiva, contrariamente aos padrões europeus de concordância

(semi)categórica (VIEIRA; BRANDÃO, 2014). No entanto, a particularidade da situação

multilíngue de Moçambique estabeleceria uma posição única para a variedade moçambicana,

localizando-o em uma disposição entre as variedades europeias e brasileiras dentro de um

continuum de padrões de concordância da Língua Portuguesa.

Palavras-chave: Português de Moçambique, concordância verbal, sociolinguística,

multilinguismo.

Rio de Janeiro

Agosto de 2017

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XI

ABSTRACT

THE VERBAL AGREEMENT OF THIRD PERSON PLURAL IN THE

MOZAMBICAN VARIETY OF PORTUGUESE: A SOCIOLINGUISTIC APPROACH

Karen Cristina da Silva Pissurno

Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira

Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras

Vernáculas (Setor de Língua Portuguesa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa.

Sociolinguistic study on verbal agreement of 3rd person plural in the oral Portuguese of

Maputo, Mozambique/Africa. From the assumptions of the Theory of Variation and Change,

the main objective of the research was to verify the status of the agreement rule in the

Mozambican variety, whether categorical, semicategorical or variable (LABOV, 2003). To do

so, the linguistic and extralinguistic restrictions that constrain the rule were observed.

Considering studies on linguistic contact in Brazil (LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009) and

bilingualism (ROMAINE, 2013), it was observed how the multilingual situation could affect

the Portuguese spoken by Mozambicans.

Through the statistical treatment performed in the computer program GOLDVARB X,

the results obtained reveal the behavior of a semicategorical rule (96.8% of application of

number marks), which must be understood after detailed qualitative analysis of the variable

contexts. The main constraints that restrict the rule were: (i) greater use of local languages, (ii)

lower schooling, (iii) subjects that come after the verb, (iv) verbs with lower phonic salience,

(v) subjects without explicit plural mark and (vi) intransitive / inergative verbs.

In general, the behavior of the data in qualitative terms reveals the existence of diverse

contexts that are effectively variable, similar to what occurs in the Brazilian variety in a

productive way, contrary to the European (semi)categorical standards (VIEIRA, BRANDÃO,

2014). However, the particularity of Mozambique's multilingual situation would establish a

unique position for the Mozambican variety, locating it in an arrangement between European

and Brazilian varieties within a continuum of the Portuguese agreement standards.

Keywords: Mozambican Portuguese, verbal agreement, sociolinguistics, multilingualism

Rio de Janeiro

Agosto de 2017

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XII

SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS ........................................................................................................ xv

ÍNDICE DE TABELAS, QUADROS E GRÁFICOS .................................................. xvi

1 – INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 19

2 – A SITUAÇÃO MULTILÍNGUE DE MOÇAMBIQUE ........................................ 27

3 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................................... 40

3.1 - Teoria da Variação e Mudança................................................................................. 40

3.2 - Aquisição de Segunda Língua (L2/LE) .................................................................... 44

3.3 - Conceitos básicos sobre Bilinguismo ....................................................................... 52

3.4 - Estatuto social das línguas em sociedades multilíngues .......................................... 63

3.5 - Formação das variedades do Português: das origens ao continuum afro-brasileiro..70

4 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA: A CONCORDÂNCIA VERBAL ...................... 78

4.1 - Abordagem tradicional ............................................................................................. 78

4.2 - Descrições sociolinguísticas: tendências gerais ....................................................... 82

4.2.1 - No Português Brasileiro ........................................................................................ 83

4.2.2 - No Português Europeu .......................................................................................... 88

4.2.3 - No Português de Moçambique .............................................................................. 92

5 – METODOLOGIA ..................................................................................................... 98

5.1 - Montagem e elaboração do corpus........................................................................... 94

5.2 - Seleção dos informantes ........................................................................................... 100

5.3 - Distribuição do corpus ............................................................................................. 104

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XIII

5.4 - Etapas do trabalho .................................................................................................... 105

6 – AS VARIÁVEIS ........................................................................................................ 108

6.1 - A Variável Dependente ............................................................................................ 108

6.2 - As Variáveis Independentes ..................................................................................... 108

6.2.1 - Extralingüísticas .................................................................................................... 108

6.2.2 - Lingüísticas ........................................................................................................... 128

6.2.2.1 - Sobre o Sintagma Nominal (SN) ........................................................................ 129

6.2.2.2 - Sobre o Sintagma Verbal (SV) ........................................................................... 138

7 – ANÁLISE DE DADOS ............................................................................................. 148

7.1 - Descrição das rodadas multivariadas ....................................................................... 149

7.2 - Distribuição geral dos dados .................................................................................... 155

7.3 - O comportamento das variáveis extralinguísticas .................................................... 155

7.3.1 - Língua(s) dominada(s) pelo informante ................................................................ 156

7.3.2 - Escolaridade .......................................................................................................... 163

7.3.3 - Informante ............................................................................................................. 167

7.3.4 - Faixa etária ............................................................................................................ 170

7.4 - O comportamento das variáveis linguísticas ............................................................ 175

7.4.1 - Posição do sujeito .................................................................................................. 175

7.4.2 - Saliência fônica ..................................................................................................... 180

7.4.3 - Paralelismo no nível clausal .................................................................................. 184

7.4.4 - Tipo de verbo ........................................................................................................ 186

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XIV

8 – DEBATE DOS RESULTADOS: O PERFIL DO PM EM RELAÇÃO AO PB E AO

PE – UMA REGRA VARIÁVEL OU SEMICATEGÓRICA? .................................. 194

9 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 204

10 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 210

ANEXOS ......................................................................................................................... 221

ANEXO I - GUIA DE ENTREVISTA .......................................................................... 221

ANEXO II - QUADRO-SÍNTESE DAS RODADAS .................................................. 222

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XV

LISTA DE SIGLAS

CV Concordância Verbal

L1 Língua materna

L2 Segunda língua

LE Língua estrangeira

LB Língua Bantu

PB Português Brasileiro

PE Português Europeu

PM Português de Moçambique

SV Sintagma Verbal

SN Sintagma Nominal

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XVI

ÍNDICE DE TABELAS, QUADROS E GRÁFICOS

TABELAS

Tabela 1 – Línguas faladas pela população de 5 ou mais anos de idade .......................... 27

Tabela 2 – Distribuição percentual da população de 5 ou mais anos de idade segundo língua

materna em Maputo .......................................................................................................... 29

Tabela 3 – Distribuição percentual da população de 5 ou mais anos de idade segundo língua

materna em Moçambique, em 1980, 1997 e 2007 ............................................................ 30

Tabela 4 – Distribuição percentual da população de 5 anos ou mais segundo conhecimento da

língua portuguesa e sexo em Moçambique, em 1997 e 2007 ........................................... 36

Tabela 5 – Continuum de marcação de pluralidade em verbos de P6 consoante os traços rural /

urbano e os graus de escolaridade em variedades brasileiras na proposta de Lucchesi et al.

(2009) .............................................................................................................................. 86

Tabela 6 – Distribuição dos dados com e sem marca verbal de 3ª pessoa plural Português de

Moçambique (PM) ............................................................................................................ 155

Tabela 7 – Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo língua(s)

dominada(s) pelo informante no Português de Moçambique (PM) ................................. 156

Tabela 8 – Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo escolaridade

no Português de Moçambique (PM) ................................................................................. 163

Tabela 9 – Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo língua(s)

dominada(s) pelo informante e escolaridade no Português de Moçambique (PM) ......... 164

Tabela 10 – Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo língua materna

e escolaridade no Português de Moçambique (PM) ........................................................ 166

Tabela 11 – Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo informante e

escolaridade no Português de Moçambique(PM) ............................................................ 167

Tabela 12 – Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo língua(s)

dominada(s) pelo informante e faixa etária no Português de Moçambique (PM) ........... 170

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XVII

Tabela 13 – Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo posição do

sujeito no Português de Moçambique (PM) ..................................................................... 175

Tabela 14 – Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo posição do

sujeito com sujeito não expresso no Português de Moçambique (PM) ............................ 178

Tabela 15 - Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo saliência

fônica no Português de Moçambique (PM) ...................................................................... 180

Tabela 16 – Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo paralelismo

clausal no Português de Moçambique (PM) .................................................................... 184

Tabela 17 – Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo tipo de verbo

no Português de Moçambique (PM) ................................................................................. 186

Tabela 18 – Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo posição do

sujeito e tipo de verbo no Português de Moçambique (PM) ............................................ 188

Tabela 19 – Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo saliência

fônica e tipo de verbo no Português de Moçambique (PM) ............................................. 189

QUADROS

Quadro 1 – Regras gerais de concordância verbal de acordo com gramáticas tradicionais

brasileiras .......................................................................................................................... 79

Quadro 2 – Regras particulares de concordância verbal de acordo com gramáticas tradicionais

brasileiras .......................................................................................................................... 80

Quadro 3 – Variáveis relevantes em estudos de concordância verbal de P6: amostras brasileiras

com diferentes níveis de escolaridade .............................................................................. 86

Quadro 4 – Variáveis relevantes em estudos de concordância verbal de P6 com amostras

europeias ........................................................................................................................... 90

Quadro 5 – Quadro de informantes utilizados na amostra, distribuídos em relação ao nível de

instrução, a escolaridade e ao sexo ................................................................................... 105

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XVIII

Quadro 6 – Variável dependente binária: concordância verbal padrão x concordância não

padrão no PM ................................................................................................................... 108

Quadro 7 – Quadro de informantes distribuídos em relação ao uso de Português como L1 ou

L2.......................................................................................................................................116

Quadro 8 – Distribuição dos condicionamentos para a não marcação de concordância nas três

variedades: PB, PE e PM .................................................................................................. 199

GRÁFICOS

Gráfico 1 – Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo língua(s)

dominada(s) pelo informante e escolaridade no Português de Moçambique (PM) ......... 165

Gráfico 2 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo informante e

escolaridade no Português de Moçambique (PM) ........................................................... 169

Gráfico 3 – Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo paralelismo

clausal no Português de Moçambique (PM) .................................................................... 184

Gráfico 4 – Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo saliência fônica

e tipo de verbo no Português de Moçambique (PM) ........................................................ 189

FIGURAS

Figuras 1 – Mapa das Províncias de Moçambique ..................................................... .....100

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19

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como objeto de estudo a concordância verbal de 3ª pessoa

do plural na modalidade oral do Português de Moçambique, África, mais especificamente

do Português falado na capital, Maputo. Investiga-se o comportamento da variável,

considerando-se a variante declarada padrão, na qual as marcas de número estão presentes

na forma verbal – em consonância com o sujeito – e também a não-padrão, na qual as

marcas de plural não se encontram registradas. Por pressuposto teórico, propõe-se que a

realização ou não de tais marcas decorre da atuação de fatores internos e externos à língua.

Averiguando a frequência de uso da realização ou do cancelamento da concordância

padrão e identificando as estruturas mais utilizadas na variedade em questão, pode-se

verificar não só quais contextos linguísticos são mais suscetíveis à presença e/ou à

ausência das marcas, mas também quais implicações sociais sobre o uso de uma ou outra

variante são impostas aos falantes dessa variedade do Português.

Ainda que a Língua Portuguesa seja o idioma oficial do país, dados de

recenseamentos (cf. CENSO, 2007; INE, 2010) e de estudos já realizados sobre a

variedade moçambicana (cf. GONÇALVES, 2010; NGUNGA, 2012; TIMBANE, 2015;

CHIMBUTANE, 2015; GONÇALVES; CHIMBUTANE, 2015; CAO PONSO, 2016;

dentre outros) demonstram que ela coexiste com uma grande diversidade de idiomas

nacionais1. Essas línguas nacionais, todas da família bantu, são, para muitos habitantes

das áreas rurais de Moçambique, especialmente aqueles acima dos 50 anos de idade, suas

línguas maternas. Os mais jovens da área rural, por sua vez, assim como os mais velhos,

também têm as línguas nacionais como maternas. Dessa maneira, o idioma tido como

oficial apresenta um status de língua estrangeira (LE) para esses indivíduos, ou seja, uma

língua utilizada em situações bastante artificiais, especialmente instrucionais, como é o

ensino de inglês no Brasil, por exemplo, já que a língua alvo só é aprendida em contextos

1 Embora as expressões idiomas/línguas nacionais ou locais possam, de certa forma, remeter a questões político-sociais, relativas à representatividade dessas línguas no contexto nacional, o uso de tais termos na presente pesquisa restringe-se ao fato de serem línguas próprias de Moçambique e diferentes do Português, utilizadas em cada uma das províncias de Maputo. A decisão de usar essa nomenclatura relaciona-se à fidelidade à literatura consultada, no que diz respeito à descrição dessas línguas. Não obstante essa opção, reconhece-se que o termo “autóctone” se configuraria uma opção mais neutra, afastada de concepções políticas.

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20

de educação formal, enquanto em casa os indivíduos utilizam suas línguas maternas para

comunicação diária.

Por outro lado, nas áreas urbanas, a situação é similar à do uso de uma segunda

língua (L2), ou seja, a exposição à língua alvo não se faz apenas em contexto escolar, mas

é exigida em praticamente todos os ambientes nos quais os indivíduos estabelecem

comunicação, como acontece com brasileiros vivendo nos Estados Unidos, por exemplo,

já que, mesmo que dentro de casa eles falem sua língua materna, fora dela é necessário

comunicar-se exclusivamente em inglês. No caso de Maputo, para além do uso das

línguas nacionais, a população tem contato intenso com o Português no seu dia-a-dia e

nos ambientes que frequenta e, consequentemente, as crianças já chegam à escola com

conhecimento prévio da língua. Da mesma forma, aqueles habitantes que nascem em

famílias que afirmam usar somente o Português dentro de casa tendem a adquiri-lo como

sua primeira língua (L1) e, igualmente, entram na escola já com conhecimento da

modalidade oral do idioma. Assim, nas áreas urbanas, independentemente da idade do

indivíduo, o acesso ao Português é mais fácil e constante, permitindo o contato desde

muito cedo com essa língua, o que facilita sua aquisição.

Em termos gerais, pode-se dizer, então, que o povo de Maputo é, em sua grande

maioria, pelo menos, bilíngue. O Censo 2007 corrobora essa afirmação, já que registra o

Português como a língua mais utilizada por seus habitantes dentro de casa, especialmente

aqueles que vivem nas áreas urbanas. Já os que vivem nas áreas rurais, por outro lado,

têm na educação formal a única forma de contato com a Língua Portuguesa, fato

diretamente relacionado às altas taxas de analfabetismo dos habitantes mais velhos, que

continuam a utilizar seus idiomas nacionais (as línguas bantu faladas no país). Isso nos

leva a crer que a educação formal seja uma variável de suma importância para este estudo,

já que ela atua diretamente no estatuto do Português utilizado pelos moçambicanos, seja

como L2 ou LE.

Assim sendo, estabelecem-se duas situações: de um lado, encontram-se os

habitantes das zonas mais rurais, que possuem línguas bantu como L1 e que,

teoricamente, recebem a transmissão do Português Europeu (PE) considerado padrão,

como uma língua estrangeira, em contextos descontinuados, formalizados apenas para os

habitantes mais jovens quando em ambiente escolar, podendo, dessa forma, gerar

reestruturações do sistema da Língua Portuguesa a partir de uma nova gramática que

incorpore tanto sua L1 quanto a L2 tida como referência; de outro lado, temos os

habitantes das áreas urbanas, que têm acesso à língua em todos os ambientes de uso da

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mesma (na família, na escola e no trabalho), haja vista o valor concedido à língua oficial

do país, que possibilita ascensão social de seus usuários. Nesse caso, diversas crianças

adquirem o Português como L1 (em paralelo ou não a uma língua nacional), transmitido

por seus pais dentro de casa e, supostamente, aprimorado na escola. A aquisição de língua

para esses indivíduos, portanto, poderia atingir níveis de conhecimento parecidos com os

dos falantes de PE, por exemplo, que não passam por processos semelhantes de contato

com outras línguas. No entanto, é válido ressaltar que os pais dessas crianças, assim como

muitos de seus professores, não são, necessariamente, falantes nativos de Português, o

que poderia trazer questionamentos sobre a língua que é transmitida por eles, talvez não

tão próxima do PE padrão quanto se desejaria.

Salienta-se, aqui, o fato de que, em estudos anteriores das variedades africanas

do Português, como as de São Tomé e Príncipe (cf. BRANDÃO; VIEIRA, 2012a; 2012b)

e de Maputo (cf. GONÇALVES, 1997), se verificou ser salutar a importância social dada

à Língua Portuguesa, associada ao prestígio e à ascensão econômica. Deste modo, haveria

certo desejo dos habitantes das zonas urbanas pela aquisição do PE tido como padrão, o

que, por sua vez, está relacionado a certo preconceito, desses mesmos indivíduos, quanto

às línguas nacionais empregadas nas áreas rurais, nas quais seus falantes mantêm seu uso

como forma de valorização cultural. Com isso, a parcela de indivíduos que deseja adquirir

a Língua Portuguesa vem crescendo ao longo dos anos, mas não de maneira que as línguas

nacionais sejam totalmente eliminadas, já que nas áreas rurais elas ainda têm muito

significado para seus falantes e a crescente migração para a cidade faz reavivar o uso

desses idiomas também dentro da cidade, nos ambientes mais diversos, sobretudo os

informais. No entanto, há indivíduos nas zonas urbanas que acreditam que saber (ou dizer

que sabem) uma língua local pode atrapalhar suas chances de ascender socialmente. O

resultado, portanto, é o uso simultâneo das diversas línguas no meio da sociedade, que

tende a selecionar os contextos em que cada uma delas tem maior valor.

Em outras palavras, a diversidade linguística presente nas comunidades de fala

moçambicanas constitui um aspecto cultural muito relevante e tem relação direta com a

questão educacional, a transmissão da Língua Portuguesa e o prestígio dado a ela por

esses falantes. Dessa maneira, o estudo dos padrões de concordância no Português de

Moçambique (PM) reveste-se de fundamental importância, tendo em vista não só ser

reduzido o número de pesquisas que consideram as variedades africanas, mas também ser

esse tema emblemático para a compreensão de situações de intenso contato

interlinguístico. Ademais, a descrição das variedades do Português, de modo geral, é

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imprescindível para o debate sobre as convivências de normas na Língua Portuguesa –

constituída por uma vasta diversidade sociolinguística.

Desse modo, relacionam-se neste trabalho os resultados obtidos a algumas

características que podem ser atribuídas à situação de intenso contato linguístico, como a

que ocorre especialmente em colônias exploradas pelos portugueses, caso tanto do Brasil

quanto de países africanos, e está fortemente presente na variedade em estudo. Nesse

sentido, supõe-se que o aprendizado de Língua Portuguesa por parte dos índios e africanos

tenha tomado feições particulares relacionadas aos padrões das línguas nativas desses

falantes. Tais mudanças não são relacionadas apenas à inserção de léxico e às diferenças

de pronúncia, mas também ao apagamento de algumas marcas morfológicas, como as

marcas de concordância nominal e verbal e da flexão de caso de pronomes pessoais, por

exemplo. Trata-se de alterações que configuram casos de “simplificação morfológica”,

característica muito comum nas variedades populares das línguas que passaram por

processos de contato linguístico intenso durante sua formação (cf. LUCCHESI, 2012, p.

252-254).

Logo, a descrição dos fenômenos de concordância verbal na comunidade de fala

de Maputo não só permite levantar informações relevantes para a compreensão dessa

variedade, mas também para a interpretação de traços específicos, como os referentes à

simplificação morfológica ora mencionada. Assim, será possível reconhecer, no âmbito

do fenômeno estudado, se a variedade moçambicana está mais próxima da variedade

brasileira, que também surgiu – guardadas as devidas proporções e realidades sócio-

históricas – em meio a intenso contato linguístico, ou da variedade europeia, a qual serve

de modelo para sua formação. Em outras palavras, procura-se estabelecer se o estatuto da

concordância verbal do Português de Moçambique apresenta padrões mais variáveis ou

categóricos de marcação de plural, em termos quantitativos e qualitativos.

Assim sendo, pretende-se, com esta pesquisa, não somente estabelecer o índice

geral de concordância no PM, mas também indicar quais variáveis se mostram influentes

no cancelamento da marca, a partir do fornecimento de dados de natureza sociolinguística

sobre o Português de Maputo e da expansão de conhecimentos acerca da norma de

concordância verbal em uso na modalidade oral das variedades de Português faladas na

África.

Dessa maneira, o estudo descreve, em dados orais contemporâneos, as variantes

com e sem marcação de plural, nos diversos contextos morfossintáticos, cujos usos

estabelecem os padrões de concordância verbal no PM, além de averiguar o estatuto da

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concordância nessa variedade, verificando, consoante Labov (2003), se se trata realmente

de uma regra variável, semicategórica ou categórica. Em caso de regra variável ou

semicategórica, identificam-se as variáveis linguísticas e extralinguísticas que atuam no

comportamento do fenômeno, apontando os elementos (des)favorecedores da marca de

plural. Por fim, investiga-se a existência de diferenças significativas entre a fala dos

indivíduos de acordo com sua escolaridade e com a menor ou maior exposição à Língua

Portuguesa em todos os contextos do seu dia-a-dia.

De modo geral, o Português de Moçambique, ao que tudo indica, guarda traços do

Português falado pela população culta, da classe média e dos proprietários, mas também

sofre influência das línguas nacionais. Embora seja língua oficial e de prestígio, é possível

reconhecer diferentes registros, determinados por fatores como escolaridade, nível

socioeconômico e ambiente de inserção social. Sendo assim, a elite moçambicana busca

utilizar o Português Europeu padrão, adquirido muitas vezes nos estudos feitos em escolas

portuguesas, enquanto as camadas sociais mais baixas falam a Língua Portuguesa com

maior influência de suas línguas locais, que foram e ainda são, em determinados

contextos, altamente estigmatizadas.

A partir do estudo e da análise dos dados adquiridos para esta pesquisa, pretende-

se responder fundamentalmente a três perguntas, que constituem os problemas definidos

para que se alcancem as metas traçadas:

(a) qual o índice geral de concordância no Português de Maputo?;

(b) que variáveis linguísticas e extralinguísticas se mostram influentes no

cancelamento da marca?;

(c) o estatuto do Português como L1 ou L2, relacionado às línguas locais faladas

pelo indivíduo, tem alguma influência sobre os resultados?

Levando esses questionamentos em consideração, os objetivos gerais da pesquisa

são: (i) fornecer dados de natureza sociolinguística sobre o Português de Moçambique, e

(ii) expandir conhecimentos acerca da norma de concordância verbal em uso na

modalidade oral das variedades do Português falado no continente africano.

Com o intuito de, igualmente, contribuir com o debate sobre as variedades da

Língua Portuguesa, a grande questão a se discutir é se existe, de fato, uma influência do

substrato, ou seja, das línguas faladas na região antes da dominação dos colonizadores,

no Português falado pelos moçambicanos. Dentro dos limites do presente trabalho, que

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analisa uma porção limitada de dados apenas do Português em meio à complexidade do

multilinguismo moçambicano, pretende-se, apenas, levantar hipóteses sobre a mudança

linguística ocorrida nessa variedade, buscando debater como o contato linguístico

influenciou e, possivelmente, continua influenciando o PM, principalmente pela

existência de traços gramaticais destas que podem interferir na construção da gramática

do Português como L2. Ressalta-se, assim, que não será possível realizar comparações

aprofundadas entre as línguas locais e o Português de Moçambique em função do material

de que se dispõe; entretanto, espera-se viabilizar o levantamento de questões relevantes

acerca do assunto, pertinentes ao escopo da pesquisa.

Dando prosseguimento à pesquisa, as seções que compõem o presente trabalho

estão organizadas conforme descrição a seguir.

No Capítulo 2, analisa-se a situação de multilinguismo em Moçambique e o

quanto a diversidade de línguas pode (ou não) afetar o Português falado por esses

indivíduos, a partir de dados históricos e linguísticos. Com essa exposição, pretende-se

apontar as particularidades dessa variedade e os aspectos que determinam a necessidade

de estudá-la sob o viés da Sociolinguística, considerando com atenção alguns

fundamentos diretamente relacionados às questões de contato interlinguístico. Assim, o

panorama geral da situação linguística do país será apresentado, de forma que se

compreenda a riqueza de idiomas presente nessa sociedade e as implicações dessa

situação para a configuração do Português de Moçambique.

No Capítulo 3, observa-se o arcabouço teórico utilizado para a análise dos dados.

Com o objetivo de segmentar melhor cada base conceitual, esse capítulo subdivide-se em

cinco seções, sendo a primeira sobre a Teoria da Variação e Mudança, que funciona como

a alavanca para as questões sociolinguísticas que aqui são abordadas; a segunda considera

questões sobre a aquisição de segunda língua, tema salutar para a compreensão da

variedade de Português falada em Moçambique; em seguida, a terceira seção apresenta

as questões sobre bilinguismo, sobre a mudança de língua e como os falantes nessa

situação lidam com o conhecimento das línguas que adquiriram ao longo da vida; a

penúltima subseção debruça-se sobre o estatuto social das línguas e o valor associado ao

uso de dadas línguas dentro de uma sociedade; por fim, a última seção dedica-se à

formação das variedades e ao debate acerca das origens do Português Brasileiro, tema

relevante para a compreensão da variedade moçambicana, devido a certas similaridades

em termos de constituição. Além disso, fecha-se esta seção com uma breve exposição

sobre a pertinência da proposta de um continuum afro-brasileiro (cf. PETTER, 2008) no

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que diz respeito ao panorama geral das variedades de Língua Portuguesa, relacionando-

se suas convergências e divergências.

Já no Capítulo 4, explora-se a concordância verbal, considerando não só a

perspectiva das gramáticas normativas de Língua Portuguesa, como também os trabalhos

variacionistas que demonstram como ocorre a variação das marcas de número nas

variedades brasileira, europeia, são-tomense e moçambicana. Com a exposição dos

resultados encontrados nas outras variedades, pretende-se traçar os paralelos entre entre

elas e a situação observada no Português de Moçambique.

No Capítulo 5, apresentam-se os aspectos metodológicos referentes a montagem

e elaboração do corpus utilizado na pesquisa e todas as etapas do trabalho, além de

explorar como foi feita a seleção dos informantes, já que, diante de uma sociedade

extremamente heterogênea, foi necessário estabelecer critérios que justificassem a

escolha de cada perfil. Já no Capítulo 6, explicitam-se as variáveis controladas neste

estudo, seguidas de exemplos produzidos pelos próprios informantes da amostra,

retirados de suas entrevistas.

O Capítulo 7, por sua vez, trata da análise dos dados obtidos na pesquisa,

levantando e interpretando os resultados quantitativos observados com base nos

fundamentos teóricos estudados. Este capítulo é subdividido em quatro seções: na

primeira delas, evidenciam-se todas as rodadas estatísticas executadas para a obtenção

dos resultados quantitativos, além de discorrer sobre os procedimentos (os amálgamas

das variantes) necessários ao aprimoramento da análise dos dados. Na segunda seção,

apresentam-se os resultados gerais alcançados, seguidos da relação dos condicionamentos

extralinguísticos relevantes ao cancelamento da marca de número, na terceira seção, e dos

fatores linguísticos, na quarta seção. Ao longo da exposição das variáveis selecionadas

como relevantes, alguns resultados referentes ao comportamento de variáveis não

selecionadas também serão comentados, de maneira que enriqueçam o olhar qualitativo

sobre os dados, fatores que revelam dados interessantes no que tange ao estabelecimento

do perfil da variedade moçambicana.

Na sequência, no Capítulo 8, faz-se um debate, considerando todo o tratamento

estatístico e qualitativo realizado no capítulo anterior, sobre o estatuto da regra de

concordância no Português de Moçambique, em comparação com as outras variedades do

Português (brasileiras e europeias), com o objetivo de constatar a posição do PM dentro

de um continuum de uso das regras de marcação, se mais próximo do comportamento das

variedades mais reestruturadas, como a brasileira, ou do “modelo” europeu de uso.

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Por fim, o Capítulo 9 traz as considerações finais que resultam de todo o estudo e

as reflexões necessárias à continuidade da pesquisa e ao mais detalhado aprofundamento

de questões que possam ter sido exploradas de maneira incipiente devido ao perfil e à

abrangência deste trabalho.

De modo geral, por ser estabelecida a partir de cunho variacionista, a pesquisa

demonstra que, de fato, fatores sociais são extremamente significativos para a

configuração da variedade moçambicana do Português e que esta, por usa vez, parece

estar traçando suas próprias características, especialmente por causa do forte contato

interlinguístico existente na sociedade. Sendo assim, o Português de Moçambique,

embora ainda em estágio de formação e em busca de uma identidade sui generis, revela

a existência de particularidades que já se manifestam no plano da marcação de plural nos

verbos de terceira pessoa e permitem delinear os padrões de concordância ora em

evidência.

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2 A SITUAÇÃO MULTILÍNGUE DE MOÇAMBIQUE

Considerando o quadro socio-histórico de Moçambique, é preciso destacar a

situação linguística presente no país, que possui uma população de mais de 20 milhões

de habitantes, cuja língua oficial é o Português. Ao lado da Língua Portuguesa, são faladas

mais de 20 línguas bantu (SITOE; NGUNGA, 2000 apud GONÇALVES, 2010, p. 25) e

cinco línguas asiáticas, o que já confirma o caráter plurilíngue dessa sociedade. A tabela

a seguir apresenta a distribuição de tais línguas, por número de falantes e províncias onde

são faladas.

Tabela 1 – Línguas faladas pela população de 5 ou mais anos de idade

Nº Língua2 Nº de falantes % Províncias

1 Makhuwa 4.105.122 25.92 Cabo Delgado, Nampula, Niassa,

Zambézia, Sofala

2 Português 1.828.239 11.54 Todas as províncias

3 Changana 1.682.438 10.62 Gaza, Maputo, Maputo City,

Inhambane, Niassa

4 Sena 1.314.190 8.30 Manica, Sofala, Tete, Zambézia

5 Lomwe 1.202.256 7.59 Napula, Niassa, Zambézia

6 Chuwabu 989.579 6.24 Sofala, Zambézia

7 Nyanja 905.062 7.71 Niassa, Tete, Zambézia

8 Ndau 702.455 4.43 Manica, Sofala

9 Tshwa 469.343 2.96 Gaza, Inhambane, Maputo, Sofala

10 Nyungwe 457.290 2.88 Manica, Tete

11 Yaawo 340.204 2.14 Cabo Delgado, Niassa

12 Makonde 268.450 1.69 Cabo Delgado

13 Tewe 255.704 1.61 Manica

14 Rhonga 239.333 1.52 Gaza, Maputo, Maputo City,

Inhambane

2 A ortografia das línguas que será adotada aqui seguirá essa primeira tabela, independentemente de haver

diferentes versões de escrita desses nomes, considerando ora o nome original, ora o nome já adaptado ao

português.

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15 Tonga 203.924 1.38 Gaza, Maputo, Maputo City,

Inhambane

16 Copi 169.811 1.07 Gaza, Maputo, Maputo City,

Inhambane

17 Manyika 133.190 0.84 Manica

18 Cibalke 102.778 0.64 Manica

19 Mwani 77.915 0.49 Cabo Delgado

20 Koti 60.780 0.38 Nampula

21 Swahili 15.250 0.10 Cabo Delgado

22 Outras 310.259 1.95 Todas as províncias

23 Línguas de sinais 7.059 0.05 Todas as províncias

Total 15.833.572 100

Fonte: Censo de 20073

Em síntese, podem-se destacar as seguintes línguas como concorrentes do

Português na cidade de Maputo: Changana, Tshwa, Rhonga, Tonga, Copi. Como pode

ser visto na seguinte tabela, extraída do Censo 20074, as línguas que coexistem ao lado

do Português em Maputo não são muito expressivas em se tratando de L1, sendo que a

mais utilizada é a chamada Changana, falada por 31,5% da população. Vê-se, portanto,

que a percentagem de habitantes que afirmam usar preferencialmente o Português é

bastante superior (42,9%) e aumentou em comparação com o Censo de 1997, que

registrava 39,5% e assinalava o Português como a L1 de apenas 6,5% dos falantes. (cf.

GONÇALVES, 2010, p. 26).

3 Tabela disponível em http://www.site.letras.ufmg.br/laliafro/projeto.html. Acesso em 11/02/2017.

4 Cabe salientar que os métodos de coleta de dados para o Censo de Moçambique são recentes, tendo até o

momento apenas 2 registros formais (1997, 2007). Isto nos leva a crer que é preciso cuidado ao observar

os dados apresentados nas tabelas, que podem conter alguns números ainda questionáveis. Charles; Sá

(2010) e Charles (2012) mencionam a necessidade de atualização das cartas geográficas que auxiliariam o

processo de coleta de dados para os censos e os inquéritos feitos em Moçambique, fazendo com que seus

resultados sejam mais precisos de acordo com a realidade do país.

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Tabela 2 – Distribuição percentual da população de 5 anos ou mais anos de idade segundo a língua

materna em Maputo

Língua Materna % de falantes

Português 42,9

Xichangana 31,5

Xirhonga 9,7

Cicopi/Cichopi 3,3

Xitshwa 3,5

Bitonga 2,8

Outras línguas moçambicanas 4,4

Outras línguas estrangeiras 1,3

Desconhecida 0,5

Fonte: Censo 2007

Essa diferença percentual pode ter uma de suas explicações na questão da faixa

etária dos informantes do Censo, uma vez que, como a própria autora afirma, “os índices

mais elevados de conhecimento dessas línguas verificam-se entre os recenseados com

mais de 25 anos” (GONÇALVES, 2010, p. 27). Isso quer dizer que, ao longo dos 10 anos

que se passaram entre os recenseamentos, a formação de novas crianças, especialmente

nas cidades, em que o Português é a língua principal, não somente de instrução escolar,

mas de uso na grande maioria dos contextos comunicativos, pode ter ajudado

consubstancialmente a aumentar a quantidade de falantes da Língua Portuguesa na zona

urbana de Moçambique como um todo, que hoje apresenta 10,7% de falantes de Português

como L1, de acordo com o INE 2010, que compara a distribuição de língua materna de

1980 a 2007. Como se vê na tabela a seguir, o percentual de indivíduos que se declaram

como falantes de línguas bantu como L1 vai reduzindo proporcionalmente ao aumento

de declarantes de Português como língua materna em todo o país:

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Tabela 3 – Distribuição percentual da população de 5 anos ou mais anos de idade, segundo língua

materna em Moçambique, em 1980, 1997 e 2007.

Ano do

Censo

Língua

Bantu Português

Outras

Línguas

Estrangeiras

Mudo Nenhuma Desconhecida

1980 98.8 1.2 - - - -

1997 93.0 6.5 0.4 0.02 0.06 1.0

2007 85.2 10.7 0.4 0.04 0.01 3.6

Fonte: INE (2010) sobre Censos de 1980, 1997 e 2007

Timbane (2015), seguindo a mesma linha de pensamento, ratifica que “o número

de falantes de português tende a crescer desde 1980 (5 anos após a proclamação da

independência) incentivado pela educação massiva e inclusiva principalmente nas zonas

urbanas” (TIMBANE, 2015, p. 295), que ocorreu tardiamente em Moçambique.

Além disso, segundo Firmino (1988),

O maior envolvimento, a todos os níveis, dos moçambicanos na acção

pública (instâncias do poder, serviços públicos, comércios, etc.), o

aumento das situações de comunicação em que os interlocutores não

falam a mesma língua bantu [...] o aumento da população escolar

atingindo níveis cada vez mais altos, são alguns dos factores que

justificam a subida do número de falantes da língua portuguesa.

(FIRMINO, 1988, p. 98)

Em outras palavras, a Língua Portuguesa foi, aos poucos, transformando-se na

língua de comunicação básica dos moçambicanos, satisfazendo as necessidades de

comunicação para obtenção de todos os tipos de serviços, especialmente nas áreas urbanas

e na educação escolar, que privilegia o Português como a língua de prestígio, cujo

domínio possibilita ascensão social, enquanto não dominá-la significa possibilidades de

exclusão social e de preconceitos.

Timbane (2015) corrobora essas afirmações, ao atestar que

O português é uma língua moçambicana de origem europeia porque ela

já satisfaz as necessidades comunicativas dos moçambicanos e já tem

falantes nativos. Toda a educação formal é feita em português pelo fato

de ser a língua de prestígio, por ser oficial e ser amparada pela

Constituição da República de Moçambique (2004), instrumento que

não dá relevância às diversas línguas bantu moçambicanas faladas pela

maioria da população. (TIMBANE, 2015, p. 295)

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No entanto, a população da zona rural continua tendo o Português praticamente

como uma língua estrangeira5, de acesso restrito ao meio escolar. Fora da escola, não há

meios de difusão que permitam aos moçambicanos dessas áreas o domínio da língua de

prestígio da sociedade. Menezes (2013, p. 38), mencionando estudos sociolinguísticos e

números do INE de 1997, com relação à área de residência em Moçambique, destaca que

“os que sabem falar português nas zonas urbanas equivalem a uma percentagem de 72.4%

e, nas zonas rurais, 25.4% [...], enquanto os que têm português como língua materna

equivalem a 17% nas zonas urbanas e 2% nas rurais”. Já o Censo de 2007 destaca que

apenas 3.5% da população rural declara ter o Português como L1. Em outras palavras,

pode-se dizer que, apesar da larga expansão da Língua Portuguesa em todo o país, o

número de pessoas que tem o Português como L1 é ínfimo, especialmente por conta do

grande número de pessoas que utilizam as línguas bantu nas áreas rurais.

Chimbutane (2015) confirma esse cenário, ao informar que tais dados podem

[...] ser reflexo de uma extraordinária expansão da língua portuguesa

pelos meios urbanos, ao mesmo tempo que pode indicar que, apesar do

crescimento da percentagem de habitantes de áreas rurais que sabem

falar a língua portuguesa, estes preferem falar as línguas bantu na sua

comunicação em casa. (CHIMBUTANE, 2012, p. 26)

De acordo com Gonçalves (2010), a complexidade da situação linguística do país

pode ser mais bem compreendida a partir do entendimento do processo histórico desde a

chegada dos colonos portugueses em 1498. Apesar de terem chegado ao país na mesma

época em que colonizavam o Brasil e a Índia, Moçambique não era o foco de suas

atenções e, consequentemente, a difusão da Língua Portuguesa foi mais lenta. Sendo

assim, houve uma considerável demora para a criação de políticas educacionais e, então,

apenas em 1930 é estabelecida uma política, na qual o Português se torna a língua de

instrução escolar, com o objetivo de educar e permitir a assimilação cultural dos africanos,

deixando as línguas nacionais para uso exclusivo em contextos familiares e de instrução

religiosa.

Assim, nas palavras de Gonçalves:

5 Para o detalhamento da diferença entre segunda língua (L2), usada em contextos do dia a dia, paralela ao

uso das línguas locais, e língua estrangeira (LE), aquela que é usada apenas em contexto de instrução

formal, conferir Seção 3.2 do presente trabalho.

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Em consequência do atraso no processo de colonização de Moçambique

– em que sobressai a criação tardia de uma rede escolar a nível nacional

– na altura da independência, em 1975, a língua portuguesa era parte do

repertório linguístico de um grupo minoritário de moçambicanos,

residentes principalmente nos centros urbanos. (GONÇALVES, 2010,

p. 31)

Dessa maneira, entende-se que a transmissão da Língua Portuguesa aos

moçambicanos aconteceu de maneira progressiva e tardia, permitindo àqueles que tinham

acesso à escola a aquisição do Português como L26 em contextos formais, enquanto os

mais velhos, que não tiveram acesso à escola e são residentes das zonas rurais,

permanecem utilizando suas línguas maternas bantu para comunicação natural e diária.

Após a independência do país, o Português é definido como língua oficial,

tomando totalmente o lugar das línguas bantu, já que passa a ser apontada como mais

eficaz para a comunicação internacional e a transmissão de conhecimentos, além de ser

considerada, cada vez mais, como língua de prestígio e que permitiria ascensão social aos

seus falantes. Desse modo, o Português ganha novos valores tanto para aqueles que já o

dominam quanto para aqueles que desejam dominá-lo.

Advindo dessa mudança de valores, a população que frequenta a escola passou

por um processo de grande crescimento, tendo, de acordo com o Censo de 2007, mais de

5 milhões de alunos. Tal número reflete a multiplicação do número de falantes da Língua

Portuguesa e a importância cada vez maior facultada a ela. Gonçalves ainda assegura que

“as classes mais favorecidas dos centros urbanos têm tendência a comunicar entre si

exclusivamente em português (ainda que este não seja a sua L1), sendo a língua escolhida

para transmitir às novas gerações.” (GONÇALVES, 2010, p. 34).

Cabe ressaltar que, ao longo do período colonial, nas zonas rurais a população

continuava a se comunicar e a transmitir para as novas gerações suas línguas bantu,

enquanto o Português era adquirido apenas como LE. O contato com o Português era

6 A diferença entre os conceitos “segunda língua (L2)” e “língua estrangeira (LE)” será desenvolvida no

Capítulo 3 deste trabalho. No entanto, cabe ressaltar que, basicamente, esses dois tipos de aquisição são

distinguidos em relação aos contextos nos quais as línguas são aprendidas. De acordo com Stern (1983),

segunda língua está relacionada ao aprendizado e o uso de uma língua, diferente da materna, dentro de um

território no qual ela exerce uma função social e/ou política. Por outro lado, uma língua estrangeira seria

usada em espaços nos quais não haveria um estatuto sociopolítico que exigisse o uso da mesma. Assim,

entende-se que a população rural de Moçambique não utiliza a Língua Portuguesa nos contextos que lhes

são mais íntimos e familiares, pois não há exigência de uso deste idioma. Sendo assim, seu uso fica restrito

às áreas nas quais o Português é a principal língua de comunicação (na cidade, nas escolas, etc.), como uma

LE.

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restrito, então, à instrução formal e religiosa, e a textos escritos, de onde vinha o input

mais estruturado possível para esses falantes. Portanto, pode-se concluir que grande parte

dos falantes de Português hoje o tem como uma L2 (nas zonas urbanas) ou uma LE (nas

zonas rurais), o que, consequentemente, gera “variabilidade das regras e traços

gramaticais específicos da sua gramática” (GONÇALVES, 2010, p. 37).

Tal contexto parece sempre ter sido motivo de conflitos para os moçambicanos,

especialmente durante o período colonial, pois o valor da Língua Portuguesa era tão alto,

que muitas famílias proibiam suas crianças de usarem as línguas locais dentro de casa,

forçando-as a utilizar apenas o Português, como declara Rosário (2015):

No tempo colonial, os pais assimilados castigavam, algumas vezes

severamente, os filhos, quando estes aprendiam as línguas africanas

com as avós ou com os empregados domésticos. E as razões que

apresentavam eram que, ao aprender as línguas africanas,

contaminavam o seu Português, e, com isto, envergonhavam os seus

pais em momentos de convívio social, por causa da “horrível

pronúncia” cafrealizada, ou então porque esse conhecimento dificultava

a aprendizagem e a aquisição do saber na escola, e também o

desempenho no trabalho. (ROSÁRIO, 2015, p. 24)

Vale salientar que os “assimilados” são assim denominados por serem negros

que tentaram, de muitas formas, se aproximar dos hábitos e dos costumes dos

portugueses, incluindo, principalmente, o uso da Língua Portuguesa em detrimento das

línguas locais. Esses indivíduos negariam, de certa forma, suas origens culturais, para se

aproximarem do status de civilização dos portugueses, pois isso faria deles cidadãos com

iguais condições de crescimento na educação e no trabalho.

A partir dessas crenças, as línguas nacionais foram se tornando estigmas,

consideradas como línguas tribais. Aqueles que desejassem algum tipo de ascensão social

e prestígio na sociedade precisavam falar Português. No entanto, devido à presença ainda

muito forte dessas línguas em outros contextos, era praticamente impossível não adquirir,

ainda que de forma discreta, as línguas nacionais. Assim, criou-se uma geração que,

supostamente, só sabia falar Português, mas que, na verdade, nunca deixou de ter algum

tipo de contato com as línguas africanas.

Assim, os jovens da minha geração, aprendendo embora as línguas

maternas africanas, quer através das suas próprias mães, quer através

das avós ou, no caso das famílias mais abastadas, através dos

empregados domésticos, mantinham essa competência linguística mais

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ou menos adormecida, embora lhes fosse útil em momentos

apropriados. Grande parte dos cidadãos desta geração, sobretudo os

grupos das cidades mais importantes, criou a ilusão de que seus filhos

não dominavam senão a língua portuguesa. (ROSÁRIO, 2015, p. 24)

Sobre os dias atuais, Chimbutane (2015) resume as tendências de uso das línguas

em nível provincial, afirmando que “De modo geral, em todas as províncias, (a) as línguas

bantu são as mais frequentemente faladas em casa, (b) o Português tende a ser cada vez

mais uma língua falada com frequência no domínio familiar e doméstico.”

(CHIMBUTANE, 2012, p. 29).

Isto posto, pode-se concluir que, de fato, há um plurilinguismo presente na

realidade linguística de Moçambique, na qual existe predominância da Língua Portuguesa

nas áreas urbanas, mas ainda há resquícios e indícios de uso dos idiomas nacionais,

principalmente entre os habitantes mais velhos da população, em ambientes domésticos

e nas áreas mais rurais do país. Nas palavras de Stroud (1997),

A escolha de uma norma linguística que é externa à nação na qual a

língua é falada significa que as instituições oficiais como a escola e

outras arenas tais como o mercado de trabalho, acabam por exercer

controlo sobre quem terá acesso à língua. Uma consequência deste facto

é a criação de certo número de mercados linguísticos, mais ou menos

integrados num ‘mercado’ linguístico oficial na qual os falantes podem

aproximar-se da norma (europeia), e a existência simultânea e paralela

de alguns mercados linguísticos não oficiais. (STROUD, 1997, p. 28).

Enquanto nas áreas mais urbanas o Português é a principal, quando não a única,

língua de comunicação cotidiana, nas áreas mais rurais, por outro lado, o Português

funciona como a língua de comunicação comercial, restrita a contextos de LE,

convivendo com uma ou mais línguas bantu, devido ao caráter misto da população. Logo,

é evidente a natureza variável da Língua Portuguesa falada nessas áreas, que se mostrará

diferente tanto em quantidade como em qualidade da língua que produzem em meio a tão

variado contato linguístico.

Tal contexto implica a adaptação dos falantes rurais nas variadas situações de

uso do Português, dispondo, enquanto falantes de uma LE, de menos oportunidades de

contato com a língua considerada padrão e mais contato com usos não oficiais. Assim,

esse cenário pode levar a variação para uma determinada direção, mais ou menos afastada

do “modelo” alvo. Já os falantes urbanos, considerando também os com mais

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escolaridade, teriam mais oportunidades de adquirir o Português padrão, à semelhança do

PE.

De acordo com Chimbutane (2015), o advento da democratização do país, por

volta dos anos 80, reforçou a perspectiva de um Português padrão a ser alcançado, que

excluísse totalmente qualquer característica prototípica de uma Língua Portuguesa que

pudesse ser considerada propriamente moçambicana e se aproximasse, cada vez mais, da

variedade europeia:

Com efeito, se bem que ainda se preconizasse o desenvolvimento de um

Português moçambicano, surge uma preocupação em normalizar esse

Português e até mesmo de se ter o padrão europeu como norma escolar.

[...] nessa fase a preocupação central já não era a uniformização do

Português falado em Moçambique [...] mas a importação de uma norma

“exógena”, desconhecida pela maioria dos falantes, incluindo pela

maior parte dos professores [...] a escola começou a preocupar-se mais

com o ensino da gramática, passando a ser menos tolerante em relação

a formas “desviantes”, incluindo aquelas que outrora eram

positivamente recebidas como marcas de moçambicanidade.

(CHIMBUTANE, 2015, p. 55-56)

Timbane (2014) critica a existência de um Português padrão similar ao europeu

em Moçambique, afirmando que as línguas bantu ainda existem dentro e fora da cidade,

sem nenhuma chance de serem totalmente extintas. Para o autor, essa situação de uso

simultâneo das línguas reforça a hipótese de que existiria um Português propriamente

moçambicano, “nativizado”, resultante das mudanças influenciadas pelo contato com as

línguas nacionais e que geram variações diferentes do Português Europeu padrão que teria

sido seu modelo de formação:

Adotamos o termo nativização [...] para designar o processo de

transformação da norma-padrão europeia em PM, uma variedade que

na base das LB adapta, integra na língua seus valores culturais, sua

identidade, seus símbolos, seus objetos materiais de tal forma que seja

sentida como pertence dos moçambicanos. (TIMBANE, 2014, p. 11)

Considerando o uso de um Português padrão, cabe ressaltar a questão social do

sexo dos falantes, que parece indicar menor uso da norma de prestígio por parte das

mulheres, já que estas teriam a tendência de promover o uso de línguas bantu, devido à

sua baixa escolaridade e aos contextos sociais dos quais fazem parte. Ao que tudo indica,

mesmo depois da independência do país, as mulheres ainda têm menos acesso à educação

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formal e, consequentemente, à Língua Portuguesa tida como padrão. O mercado de

trabalho reforçaria essa postura, haja vista seus deveres fortemente familiares e poucas

oportunidades de atividade laboral fora do ambiente familiar, como esclarece Stroud

(1997):

[...] embora as mulheres e os homens tenham exatamente a mesma

variedade e tipo de redes sociais, os indivíduos do sexo masculino falam

um Português mais padrão do que as mulheres, e estas falam melhor as

línguas bantu locais que os homens. Uma explicação para isto é que as

redes recebem o seu sexo de acordo com a língua; as ocupações que as

mulheres têm são mais orientadas para o uso de línguas bantu locais

contrariamente aos homens. (STROUD, 1997, p. 33)

No entanto, a comparação entre os Censos de 1997 e 2007 demonstra estar

havendo uma mudança nesse panorama, com claro crescimento no número de mulheres

que declaram saber falar Português, como é possível analisar na seguinte tabela:

Tabela 4 – Distribuição percentual da população de 5 anos ou mais segundo conhecimento da

língua portuguesa e sexo em Moçambique, em 1997 e 2007.

Conhecimento de LP 1997 2007

Homens Mulheres Homens Mulheres

Sabe falar LP 50.0 29.0 59.8 41.6

Não sabe falar LP 49.0 69.0 39.3 57.5

Desconhecida 1.0 2.0 0.9 0.9

Fonte: INE (2010) sobre Censos de 1997 e 2007

Chimbutane (2012), sobre a mudança no percentual de mulheres e a diminuição

da disparidade entre elas e os homens em termos de conhecimento do Português, afirma

que

Esta situação pode dever-se a uma gradual mudança de atitude em

relação ao lugar da mulher na sociedade, o que pode ser consequência

de diferentes políticas e acções sociais visando a equidade de gênero no

país. Em termos específicos, estes dados podem indicar que a mulher

tem estado a ter cada vez mais acesso à educação formal, uma das

principais vias de aprendizagem da língua portuguesa em Moçambique,

em especial nas áreas rurais. (CHIMBUTANE, 2012, p. 18)

Ainda assim, o autor reitera que

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[...] as populações das áreas rurais e as mulheres estão numa clara

situação de desvantagem em relação às populações das áreas urbanas e

ao homem, respectivamente: as populações das áreas rurais e as

mulheres registram índices comparativamente mais baixos de

conhecimento da língua portuguesa e de alfabetização.

(CHIMBUTANE, 2012, p. 43)

Em vista de toda essa disparidade, ainda presente na sociedade, em relação ao

acesso à Língua Portuguesa, seja pela localidade (rural x urbano), pela escolaridade (mais

ou menos escolarizados), pela idade (indivíduos mais jovens x mais velhos) ou até mesmo

o sexo (homem x mulher), a partir dos anos 90, o Ministério da Educação

institucionalizou o debate sobre a introdução das línguas locais na educação formal.

Assim, deu-se início às discussões sobre uma educação bilíngue, uma vez que, sendo o

Português falado por uma minoria da população, “o uso desta língua como meio exclusivo

de ensino estava a concorrer para a exclusão da vasta maioria das crianças moçambicanas

do processo educativo.” (CHIMBUTANE, 2015, p. 59).

Baseado nessa proposta, o sistema de ensino em Moçambique, portanto, é

dividido em dois programas: um monolíngue, no qual o ensino é totalmente alicerçado

no uso exclusivo de Português e um bilíngue, no qual se usa uma língua local ao lado do

Português, como fonte de ensino. Chimbutane (2015) destaca que, na atualidade, se usam

por volta de 16 línguas locais nessas escolas bilíngues e ainda afirma que em 2014 havia

uma estimativa de cerca de 490 escolas bilíngues espalhadas pelo país, localizadas nas

seguintes províncias: Cabo Delgado, Niassa, Nampula, Zambézia, Tete, Manica, Sofala,

Inhambane, Gaza e Maputo.

Essa proposta vem sendo apoiada por linguistas (cf. CHIMBUTANE, 2015;

MENEZES, 2013; NGUNGA, 2007; LOPES, 1997; TIMBANE, 2015) que defendem a

necessidade de um ensino bilíngue para que, em séries mais avançadas, os alunos

consigam desenvolver melhor suas habilidades, haja vista o grande fracasso escolar

observado naqueles alunos que não aprenderam Português em casa e só compreendem

seus idiomas maternos. No entanto, apesar de ser uma política que visa ao enriquecimento

do sistema educacional, com o objetivo de auxiliar aqueles alunos vindos das áreas rurais,

com pouquíssimo ou nenhum acesso à Língua Portuguesa, especialmente nos primeiros

anos da educação básica, ao introduzir os conteúdos também em línguas locais, a sua

execução tem encontrado dificuldades, particularmente relacionadas aos seguintes

obstáculos:

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[...] (1) a fraca capacidade técnica nacional em matéria de ensino

bilíngue, (2) a ainda incipiente descrição das línguas locais, (3) a falta

de materiais impressos nestas línguas e (4) os elevados encargos

financeiros decorrentes da produção simultânea de materiais de ensino

e aprendizagem em 16 línguas bantu, para além do Português.

(CHIMBUTANE, 2015, P. 62)

Em poucas palavras, mesmo com toda a diversidade linguística e a tentativa de

introduzir as línguas locais no ensino escolar, a Língua Portuguesa continua sendo a

língua de maior prestígio e, mesmo que haja uma valorização das línguas nacionais, estas

parecem estar fadadas a um simples papel integrativo, como conclui Chimbutane (2015):

O Português é assumido como um recurso que permite acesso a

mercados de trabalho formais e aos dividendos sócio-econômicos daí

decorrentes, ao passo que as línguas locais são vistas como meros

veículos de comunicação familiar ou entre membros de grupos

etnolinguísticos específicos. Ou seja, no geral, as línguas locais não são

associadas à geração de capital ou percebidas como recursos a explorar

em mercados laborais formais. (CHIMBUTANE, 2015, p.65)

Dessa forma, pode-se concluir que o ensino bilíngue não garante melhores

oportunidades na vida dos moçambicanos e que os fatores sociais são de fato relevantes

no que tange à caracterização da variedade moçambicana do Português, na medida em

que as variantes estigmatizadas, possivelmente decorrentes do constante contato com

essas variadas línguas locais, não ocorrem de forma aleatória e, portanto, podem ser

descritas e regularmente estruturadas, estabelecendo o caráter sociolinguístico que é de

interesse desta pesquisa.

Verifica-se, então, que por ser considerado um recurso de ascensão social, os

fenômenos variáveis são concebidos como algo a ser evitado e combatido. Dessa forma,

os “erros”7 de Português encontrados na variedade moçambicana, que mereceriam mais

atenção dos professores de Língua Portuguesa, são listados por Gonçalves (1997) como

sendo os seguintes: i) léxico: neologismos com base em empréstimos do PE, de línguas

bantu e do inglês; ii) léxico-sintaxe: casos em que as propriedades da palavra geram uma

estrutura sintática não prevista na norma do PE; iii) sintaxe: estruturas encaixadas

(orações subordinadas e complementos circunstanciais), colocação pronominal,

7 Nomenclatura utilizada por Gonçalves (1997) para se referir aos componentes da língua que fogem às

regras gramaticais da Português Europeu padrão. Para mais informações, cf. Capítulo 2.

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determinação, ausência de artigos, ordem de palavras; iv) morfossintaxe: morfologia

flexional de tempo, pessoa, número, modo, gênero e caso, especialmente a concordância

nominal e a verbal.

Portanto, compreende-se que, como mostram tanto as questões sócio-históricas

aqui exploradas quanto a listagem dos fenômenos linguísticos levantados por linguistas,

a concordância verbal é, realmente, uma das áreas mais importantes a serem observadas

no Português de Moçambique. Sendo este tema de alta relevância no ensino de Língua

Portuguesa nas escolas de Moçambique e, igualmente, nas pesquisas que pretendem

explorar as variedades africanas, justifica-se a legitimidade da presente investigação.

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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Nesta seção, observam-se os aportes que servirão de base para a pesquisa.

Dividida em cinco subseções, serão apresentados os pontos mais relevantes para a

interpretação dos resultados sobre a Teoria da Variação e Mudança, a aquisição de

segunda língua, as questões sobre bilinguismo, o estatuto social das línguas, o debate

sobre as origens do PB e a formação das variedades e, por último, a proposta de um

continuum afro-brasileiro de Petter (2008). Pretende-se, com isso, demonstrar o panorama

teórico sobre o qual a presente pesquisa se apoia e o tipo de olhar que se pretende ter

acerca da constituição da variedade moçambicana e todas as suas especificidades.

3.1 Teoria da Variação e Mudança

O objeto da Sociolinguística Variacionista, ou Teoria da Variação e Mudança, nos

termos de Weinreich, Labov e Herzog (1968), compreende essencialmente a língua falada

em situações reais de uso, privilegiando os fenômenos de variação e mudança. A partir

da observação atenta da fala, é possível descrevê-la e analisá-la de maneira coerente e

eficaz. Esse aporte teórico-metodológico dá conta da diversidade linguística, que pode

ser percebida (conforme BRIGHT, 1966) sob três diferentes ângulos no que se refere ao

condicionamento extralinguístico: (i) a identidade social do emissor, (ii) a identidade do

receptor e (iii) as condições da situação comunicativa.

A Sociolinguística trata da língua como fenômeno social, passível de sofrer

variação no sistema de regras linguísticas impostas pela gramática, por influência do

contexto social. A variabilidade é inerente a todas as línguas, uma vez que a língua não é

uma entidade homogênea, mas dinâmica e heterogênea, porque os falantes que fazem uso

dela também são heterogêneos e não se comportam da mesma maneira em todas as

situações sócio-comunicativas.

Segundo o aporte teórico laboviano, a variação não pode ser analisada como

resultado do uso arbitrário e irregular da língua pelos falantes. O fenômeno variável

encontra motivações em circunstâncias linguísticas determinadas. Sendo assim, ele é o

resultado sistemático e regular de restrições impostas também pelo próprio sistema

linguístico em uso. Dessa maneira, o falante emprega determinada forma de expressão a

depender de fatores linguísticos e extralinguísticos que atuam sobre o fenômeno em

questão.

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Os fatores linguísticos referem-se à própria estrutura gramatical e suas

propriedades morfofonológicas, sintáticas e semânticas. Os fatores extralinguísticos

relacionam-se a propriedades inerentes ao falante, como o sexo, a faixa etária e a etnia,

sua caracterização social, através de sua escolaridade, sua profissão e sua classe social, e,

por fim, às propriedades contextuais, que mostram o grau de formalidade e monitoração

do discurso em determinados eventos de fala. A partir da atuação desses fatores, o

linguista é capaz de traçar a descrição e a sistematização do uso de uma ou outra variante

por parte do falante. Por variantes, entendem-se duas ou mais formas alternativas de se

realizar a mesma variável linguística e que se encontram em concorrência em um mesmo

contexto. A concordância verbal, por exemplo, é um fenômeno variável com duas

realizações possíveis: a variante com marca de plural no verbo e a variante sem a marca.

De acordo com Labov, essas variantes “são idênticas quanto à referência ou valor de

verdade, mas opostas em sua significação social e/ou estilística” (LABOV, 1972, p. 110).

A variação pode ser condicionada, portanto, por três fatores externos principais:

pela região em que o falante vive, o que constitui a variação diatópica; pelo estrato social

ao qual o falante pertence, a chamada variação diastrática; e pelo nível de formalidade no

qual o falante está inserido, a variação diafásica. Esta última relaciona-se, dentre outros

fatores, com o grau de monitoração na produção linguística, seja na fala ou na escrita,

com o grau de envolvimento entre os falantes no discurso em questão e até com o tema

em discussão entre os falantes. Cada tipo de variação pressupõe a existência de uma lista

de regras a serem “seguidas” por seus falantes, seja para o uso de uma ou de outra

variante, de forma que a comunicação não seja comprometida por desentendimentos. No

entanto, sabe-se que essas regras apresentam exceções, mas que também podem ser

sistematizadas por conta de restrições linguísticas, quando observadas em particular.

Sendo assim, Labov (2003) propõe tratar os tipos de regras linguísticas

encontradas nas línguas naturais em três categorias: categórica, semicategórica ou

variável. Regras categóricas caracterizam uma opção de determinada variedade

linguística da ordem de 100% das ocorrências, de modo que, por princípio, elas nunca

são violadas. Isso quer dizer que elas fazem parte do repertório dos falantes, que tendem

a utilizar determinada construção sempre da mesma maneira. Uma regra semicategórica

– da ordem de 96 a 99% de concretização de uma das formas alternantes – reporta

violações raras ao sistema vigente. Essas violações geralmente aparecem no início ou no

fim de uma mudança linguística. Por fim, uma regra efetivamente variável (de cerca de 5

a 95% de alternância) significa a ausência de uso categórico de uma forma em detrimento

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de outras, ou seja, no repertório dos falantes há possibilidades naturais de alternância

entre diferentes variantes.

Considerando os fenômenos linguísticos que demonstram comportamento

alternante, afirmam Lemle; Naro (1977, p. 17): “Dá-se, nos estudos sociolinguísticos, o

nome técnico de regra variável a uma regra linguística facultativa, i.e., que ora se aplica

ora não se aplica.”.

Essas regras variáveis são comuns entre os falantes, que podem ser estigmatizados

quando fazem uso de variantes que estão fora do padrão que se tem como modelo. Dentro

do aporte da Teoria da Variação e Mudança, ganha relevo, portanto, o julgamento de valor

que todas as manifestações linguísticas sofrem por parte dos falantes, ainda que todas

sejam legítimas e previsíveis do ponto de vista teórico. Essas avaliações determinam o

tipo de inserção dos indivíduos nas comunidades de fala, desencadeando a distribuição

na escala social, de modo que se valorizam aqueles que utilizam as variantes “corretas”,

de acordo com os modelos vigentes na comunidade, e se estigmatizam aqueles que

“fogem” a esse padrão.

Em outras palavras, interessa ao sociolinguista estabelecer o estatuto social das

variantes, o que se correlaciona aos conceitos de “estereótipos”, “marcadores” e

“indicadores”. As marcas linguísticas que estão na consciência dos falantes,

estigmatizadas, muitas vezes, como “incorretas”, são consideradas “estereótipos”, que

acabam por identificar e definir determinados grupos; os “indicadores”, de outro lado,

sugerem apenas diferenciação social por idade ou grupo, sem resultar de uma avaliação

subjetiva apontada no nível da consciência; por fim, os “marcadores” estão relacionados

a distribuição social e diferenciação estilística – trata-se de variantes que, de acordo com

a situação sociocomunicativa, podem ser identificadas por determinados falantes. Assim,

observa-se que as variáveis revelam forte estratificação social e de estilo – determinantes

sociais cuja atuação ocorre de forma inconsciente até transformarem as variantes em algo

aparente, a ponto de serem consideradas estereótipos linguísticos.

Ao reconhecer tanto os fatores linguísticos quanto os sociais que atuam

diretamente no uso de uma ou outra forma, pode-se compreender o desenvolvimento de

mudanças linguísticas, ou seja, entender como a mudança se dá em sua totalidade – onde

ela começa e termina. Para chegar a conclusões mais objetivas sobre os condicionamentos

de uso das variantes, é preciso dar conta de cinco problemas, consoante Weinreich, Labov

e Herzog (1968):

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1. O problema das restrições: determinar, apesar da heterogeneidade fortemente

presente em todas as línguas naturais, quais são as possíveis condições para as

mudanças ocorrerem em determinados sistemas, sejam elas por fatores sociais

ou de ordem linguística;

2. O problema da transição: compreender que a mudança é distribuída em

estágios. Assim, haverá estágios de mudança em progresso, nos quais duas

variantes estão em competição e a mudança se estabelece quando os falantes,

que antes usavam formas alternantes, privilegiam o uso de uma em detrimento

da outra;

3. O problema do encaixamento: reconhecer que as mudanças estão encaixadas

dentro de outras mudanças do sistema linguístico e extralinguístico;

4. O problema da avaliação: relatar o julgamento subjetivo das variantes por

parte dos falantes, que pode acelerar ou retrair o uso de uma determinada

variante devido a seu valor social;

5. O problema da implementação: buscar os fatores que explicam a motivação

para a implementação da mudança, isto é, compreender por que uma mudança

ocorre em uma determinada língua e não em outra de mesmo aspecto ou na

mesma língua em outro momento.

De modo geral, o sociolinguista parte das propriedades da língua para entender a

forma como se caracteriza uma variedade específica. Ele deve averiguar o estatuto social

da variedade, identificar o comportamento do fenômeno variável no sistema e determinar

se as variantes adversárias se encontram em um processo de avanço ou de recuo da

inovação. Dessa maneira, além de identificar e analisar o nível de estabilidade e

mutabilidade da variação, a Sociolinguística tem por objetivo diagnosticar quais variáveis

possuem um efeito positivo e/ou negativo nos usos linguísticos. Após essa verificação,

segue-se à observação das regularidades encontradas, com vistas ao estudo de seu

comportamento específico. Logo, a variação e a mudança são contextualizadas formando

um grupo de parâmetros a serviço da delimitação investigativa da diversidade da língua.

Seguindo, portanto, o arcabouço teórico-metodológico variacionista, esta

pesquisa observa os dados linguísticos com base nos seguintes princípios: (i) a inerência

da variação nas línguas, o que permite a sistematização das mesmas; (ii) mesmo que a

variação não leve necessariamente à mudança, a constatação de uma mudança implica a

existência de variação anterior a ela; e (iii) a variação não ocorre de forma aleatória; pelo

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contrário, é condicionada por fatores linguísticos e sociais que atuam diretamente no

(des)favorecimento de uma variante em detrimento de outra.

No que tange ao fenômeno em estudo, cabe aqui uma breve colocação sobre a

validade de tal pesquisa em termos variacionistas:

a concordância verbal de número é variável em alta escala e constitui

um fenômeno típico de ser estudado, sob uma perspectiva da teoria da

variação linguística: suas variantes ocorrem em contextos semelhantes

e apresentam o mesmo ‘valor de verdade’ (SCHERRE, 1996, p. 86)

Ademais, em se tratando especificamente do PM, temos a variação colocada da

seguinte forma por Gonçalves:

Há casos que parecem ter tendência para estabilizar como parte da

subvariedade educada do PM, enquanto outros parecem resultar de falta

de atenção dos falantes às suas próprias produções linguísticas e não do

desconhecimento das regras de concordância verbal do PE padrão.

(GONÇALVES, 2010, p. 57)

Pretende-se, portanto, destacar as variáveis linguísticas e extralinguísticas que

atuam sobre o referido fenômeno da concordância verbal de 3ª pessoa do plural na

variedade moçambicana do Português. Para a delimitação dos fatores a serem

investigados, o estudo parte das propostas de Vieira (1995) e Vieira; Bazenga (2013),

sobretudo para o estabelecimento das variáveis independentes controladoras do fenômeno

e, também, Gonçalves (1997, 2010), Gonçalves et al. (1998) e Gonçalves; Chimbutane

(2015), para compreender a relevância dos resultados a partir do ponto de vista

sociolinguístico e cultural no contexto multilíngue de Moçambique.

3.2 Aquisição de segunda língua (L2/LE)

Em vista da complexa situação linguística de Moçambique, na qual a grande

maioria dos falantes de Língua Portuguesa aprendeu o Português como segunda língua

(L2) ou como língua estrangeira (LE), é de suma importância apresentar, ainda que de

maneira resumida, elementos que permitam a compreensão de como os processos de

aquisição de uma língua diferente da materna ocorre, já que tal informação pode auxiliar

no entendimento da formação da variedade africana em questão.

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Dentre muitos conceitos sobre a aquisição de língua, é necessário,

primeiramente, compreender a diferença entre se aprender uma L2 e uma LE. O

aprendizado de uma segunda língua é caracterizado pela exposição ao input linguístico

não somente em contexto escolar, mas em todos os ambientes dos quais o aprendiz faz

parte e compartilha com sua comunidade. Línguas estrangeiras, por outro lado, são

aprendidas em ambientes considerados mais artificiais, em contextos tipicamente

escolares, nos quais o input é meramente instrucional, enquanto fora da escola o indivíduo

volta a utilizar sua língua materna (cf. LEFFA, 1988).

O input, conceito crucial neste campo de estudo (cf. KRASHEN, 1982, 1985),

nada mais é do que tudo aquilo que o aprendiz lê ou escuta na sua língua-alvo, ou seja,

na língua que deseja e/ou precisa aprender. Através do input, o cérebro armazena as

informações recebidas, como novos sons e novas palavras, para que elas sejam acessadas

posteriormente. Dessa forma, entende-se que não é possível aprender uma nova língua

sem que haja, minimamente, contato anterior com esta, seja através de leitura ou de

compreensão oral.

A quantidade e a qualidade do input recebido são essenciais ao resultado final a

que se pretende chegar, uma vez que, sem uma quantidade mínima de elementos que

propiciem uma comunicação eficaz e inteligível, o repertório que o falante tem disponível

é muito escasso e insuficiente para que o output, isto é, a produção concreta da língua,

seja eficiente. Em suma, a exposição a dados linguísticos é primordial para o aprendizado

efetivo de uma nova língua.

Observando tal questão, a autora Maria Cristina Silva faz uma breve comparação

entre a aquisição de língua materna (L1) e a aquisição de uma segunda língua (L2),

afirmando que, embora apresentem evidências bastante parecidas, que gerariam os

mesmos padrões de aquisição, o processamento e o resultado final desta se faz diferente

para cada uma delas, já que envolvem fatores distintos ao longo do processo de

aprendizagem:

Se as sequências na aquisição de L2, para cuja existência parece haver

evidência [...] também se encontrarem no processo de aquisição de L1,

isso significa que ambos os tipos de aquisição poderão estar sujeitos aos

mesmos padrões. [...] Uma questão subjacente a esta consiste em

procurar perceber até que ponto o processo de aquisição de L2 é ou não

mais bem sucedido do que o processo envolvido na aquisição de L1, do

ponto de vista do nível de domínio linguístico alcançado pelos falantes.

[...] há factores acidentais em jogo (os falantes de L1 e L2 geralmente

adquirem um idioma em cenários diferenciados e sob distintos níveis

de exposição), bem como outros de natureza inevitável (poderá ser

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impossível estabelecer uma comparação entre falantes equivalentes de

L1 e de L2). A resposta a esta questão permanece assim um enigma: se

é verdade que parece haver muitas semelhanças entre o processo de

aquisição de L1 e de L2, a variação encontrada, a par de outros factores,

parece ser responsável por muitas diferenças. (SILVA, 2005, p. 103)

Esses fatores envolvidos podem ser, dentre muitos, a necessidade de aprender a

língua, a pressão política e social sobre o prestígio e o valor de tal língua, além da

influência dos parâmetros da própria L1, que já estão internalizados no falante. Ademais,

existem ainda as restrições com relação à idade do aprendiz, às oportunidades de

exposição à língua, as transferências de L1, o tipo de feedback recebido sobre seu

desenvolvimento linguístico e o contexto social em que o falante está inserido (cf.

trabalhos sobre Bilinguismo; dentre outros, APPEL; MUYSKEN, 2005; ROMAINE,

1995). Todos esses fatores podem, de fato, interferir positiva ou negativamente no

resultado final do processo.

Há que se dizer, todavia, que, em termos de aprendizado de língua estrangeira, é

praticamente impossível afirmar que haja um estágio verdadeiramente final, no qual nada

mais precisa ser aprendido. Contudo, em estudos sobre a aquisição de línguas nomeia-se

como “estágio final” (cf. WHITE, 2000; LIGHTFOOT, 1991)8 o momento em que as

mudanças gramaticais são pouco expressivas, indicando que a reestruturação mental já

foi relativamente atingida pelo falante.9

Ao longo do processo de aprendizagem de uma língua, o aprendiz passa por

vários estágios de aquisição da L2, os chamados “sistemas provisórios”, sendo que, por

8 Apesar de usarem nomenclaturas diferentes, “steady state grammar” e “mature grammar”,

respectivamente, White (2000) e Lightfoot (1991), ambos os autores referem-se a esse mesmo momento do

processo de aprendizagem de língua.

9 É importante ressaltar que esse estágio final não deve ser concebido como se o falante tivesse atingido um

nível de proficiência de um nativo, principalmente porque, ao que parece, algumas áreas da gramática são

mais facilmente dominadas do que outras por falantes de segunda língua. Essa assimetria tende a estar

ligada exatamente à língua nativa do aprendiz, que pode influenciar diretamente na assimilação de algumas

propriedades específicas da língua alvo, resultando em uma gramática (de L2) diferente da dos falantes

nativos. Em poucas palavras, pode-se dizer que o estágio final de uma segunda língua é muito mais instável

do que o da L1, possibilitando a existência de variações e mutabilidades no discurso do falante. Para

aprofundamento destas questões, cf. Bialystok; Hakuta (1999); Bialystok; Miller (1999). Além disso,

mesmo considerando a aquisição de língua materna, há que se considerar a possibilidade de não haver um

estágio final tão delimitado como parece. Paiva; Duarte (2003) ainda destacam que, em meio aos contextos

de mudança, há que se observar a mudança de estruturas da gramática do próprio indivíduo, ou seja, “tanto

o indivíduo quanto a comunidade podem se manter estáveis, não se processando qualquer tipo de mudança,

ou podem estar ambos mudando paralelamente” (PAIVA; DUARTE, 2003, p. 18), o que poderia

representar estágios que parecem mais estáveis do que outros, nos quais a mudança parece mais

estabilizada, como se fosse um estágio final.

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muitas vezes, a gramática final atingida por esse falante não necessariamente atingirá a

língua-alvo em sua totalidade. Tais sistemas são o que linguistas, como Selinker e

Adjemian10, nomeiam “interlínguas”, que nada mais são do que línguas naturais

possíveis, dado que seguem sistemas de regras internamente consistentes.

Em síntese, pode-se afirmar que, ao dar conta do input de L2 a que é exposto, o

aprendiz alcança algum nível de representação da língua-alvo, ainda que não seja idêntico

ao de falantes nativos. De toda forma, se o estágio a que esse falante chega for uma

gramática possível e compreensível, parte do objetivo já pode ser considerada alcançada.

Por outro lado, os “desvios” à gramática da língua-alvo são, quase sempre, mal vistos,

avaliados com um olhar preconceituoso. Essa postura desconsidera a variação linguística

que é inerente a qualquer língua, principalmente nas interlínguas que “são

intrinsecamente variáveis, visto que os aprendentes de L2 variam entre o uso de formas

correctas e o uso de formas incorrectas em relação ao padrão da língua-alvo”, como

afirma Gonçalves (2010, p. 68).

A esse tipo de “desvio” da língua padrão nomeia-se fossilização, que, de acordo

com Stroud (1997, p. 14), “refere-se à cessação da aprendizagem, resultando num sistema

de interlíngua mais estável, porém incompleto ou não-nativo”. A fossilização ocorre em

falantes de todas as idades11, em diferentes estágios de aquisição, e pode ser explicada

por questões neurológicas do próprio processo de aprendizagem da língua e/ou por

questões de atitude do falante para com a língua-alvo. Porém, ainda há incertezas sobre a

cronicidade da fossilização, tendo em vista que muitos desses “desvios” ocorrem de

maneira inconsciente e, portanto, são de difícil correção automática, dependendo, assim,

de instrução formal para tanto.

Outro conceito fundamental no que tange à aquisição de línguas é o de

“transferência linguística”, que está relacionado aos pressupostos da Teoria de Princípios

e Parâmetros (cf. CHOMSKY, 1986), da Gramática Gerativa. Chomsky, criador de tal

teoria, postula que os princípios são invariantes, aqueles que determinam a gramática

universal, que é inerente ao ser humano, enquanto os parâmetros, que constituem

10 Para mais informações sobre o tema, vale a pena conferir Selinker (1972) e Adjemian (1976), que foram

aqui citados meramente para registro de referência de uso dos termos “sistema provisório” e “interlíngua”,

já que não cabe no escopo deste trabalho aprofundar tais conhecimentos.

11 Stroud (1997, p. 14) afirma: “A aquisição incompleta é normalmente mais saliente entre aprendentes

adultos, mas mesmo os aprendentes crianças, que alcançam um nível final de quase-nativos ou semelhante

ao nativo, mostram evidências de fossilização.”

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propriedades diferentes e únicas para cada língua, seriam fixados ao longo do período de

aquisição da linguagem.

Assim sendo, ao adquirir a língua materna, o indivíduo organiza em sua

gramática internalizada os parâmetros dessa L1, sem possuir pré-conceitos linguísticos

que o impeçam de assimilar novas estruturas e novo vocabulário, diferentemente, por

outro lado, da aquisição de L2, na qual o indivíduo já possui conhecimentos prévios sobre

os parâmetros que atuam e funcionam adequadamente em uma língua. Como

consequência disso, o estabelecimento de parâmetros de uma L1 interfere no

processamento de novos conceitos advindos de uma segunda língua. Logo, a tendência

geral é a de que haja uma transferência de parâmetros gramaticais já internalizados na L1

para a gramática da língua-alvo. Shwartz; Sprouse (1996 apud GONÇALVES, 2010, p.

72) corroboram essa proposta ao defenderem que os valores de parâmetro da L1 são

inicialmente retidos pelos aprendentes e generalizados para a L2.

Ngunga (2012) define a transferência linguística como

fenómeno que consiste na utilização numa língua de traços

característicos de uma outra língua devido a incapacidade de o sujeito

falante produzir correctamente um som, uma palavra, uma frase da

língua não materna (Ln1), ou na atribuição a uma palavra, expressão ou

frase, de um sentido que faz lembrar a tradução literal de algo análogo

na língua materna. (NGUNGA, 2012, p. 2)

Uma vez que os parâmetros são específicos para cada língua, a transferência de

tais propriedades pode gerar, e na maioria das vezes gera, transferências inapropriadas,

que impossibilitam a reestruturação gramatical da interlíngua de onde resulta a L2 final

do indivíduo. Dado elementar já discutido entre especialistas no assunto é que,

independentemente de quaisquer questões que impeçam a aprendizagem eficaz de uma

L2, mesmo que existam muitas evidências positivas12, a reestruturação gramatical das

interlínguas nem sempre é possível.

Considerando especificamente a situação de Moçambique, vale ressaltar a

diferença crucial entre aprender uma L2 e uma LE, especialmente em contextos

multilíngues como o dessa região. Destacando tal cenário, Menezes (2014) afirma que os

12 “Evidência positiva” significa a exposição à língua considerada padrão, transmitida por falantes de L1 e,

principalmente, em contextos formais, como a escola e a língua escrita.

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falantes das áreas rurais teriam o Português como uma LE, enquanto os indivíduos mais

urbanos o teriam como uma L2:

Em Moçambique, o português tem o estatuto de L2 e/ou LE para a

maioria da população. No meio rural, onde há predominância das

línguas locais, da família bantu, e onde é aprendido só em contexto de

escola, contexto no qual a maioria da população, muito raramente, entra

em contato com esta língua no dia-a-dia, tem que ser considerado como

uma língua estrangeira, diferentemente do meio urbano, em que o

português pode ser considerado como uma L2 e já faz parte do ambiente

linguístico dos alunos que entram para a escola. (MENEZES, 2014, p.

117)

Assim, formula-se a noção de que, em uma população que usa o Português como

L2 e/ou como uma LE, a aprendizagem de tal língua se dá de maneira distinta a depender

da área em que cada indivíduo mora, sendo que aqueles aprendentes que vivem fora do

ambiente da cidade têm contato muito restrito com a língua formal que se pretende ensinar

na escola. Logo, com uma exposição tão restrita à língua, sua aquisição poderá ser lenta

e incompleta. Por outro lado, aqueles que têm acesso à Língua Portuguesa em ambientes

naturais e comuns ao seu cotidiano possuem mais oportunidades de desenvolver a língua

alvo, podendo chegar a estágios mais completos de aprendizagem e, consequentemente,

podendo alcançar resultados mais satisfatórios no ambiente escolar, em que a norma de

uso ensinada pretende se aproximar do PE padrão.

Sobre a norma padrão do PE, Timbane (2014) declara que:

em Moçambique houve uma nativização do português fruto de

aprendizagem irregular por parte de poucos moçambicanos. Conforme

vimos em Zamparoni (2009) os moçambicanos jamais falaram a norma-

padrão europeia. Os poucos escolarizados começaram a simplificar

algumas regras, influenciados de certa forma pelas LB criando assim a

variedade moçambicana. (TIMBANE, 2014, p. 11)

Assim, a aprendizagem de Português, apesar de ser considerada extremamente

relevante para a ascensão social dos moçambicanos, apresenta muitas dificuldades e

obstáculos que ainda precisam ser mais explorados, especialmente porque os indivíduos

das áreas rurais mantêm o uso de suas línguas bantu, como marcas de suas origens e sua

cultura. Além disso, questões como a baixa escolarização e o grande número de pessoas

que vivem longe das áreas urbanas têm forte influência sobre a variedade de Português

utilizada em Moçambique, como problematizam Timbane e Berlinck (2012):

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Para além da fraca taxa de alfabetização, a maioria da população mora

na zona rural e não é falante nativa da LP, pois esta é a segunda ou

terceira língua para os moçambicanos. Não se pode negligenciar o

crescente número de falantes de português como língua materna nas

cidades, resultante da mudança de parte da população do campo para

cidade. Nas cidades, muitos pais ensinam aos seus filhos e estes por sua

vez passam a usá-la como língua primeira. Mas os pais não são falantes

nativos na sua maioria e muitas vezes não têm uma escolaridade que

lhes permite usar “norma culta”. Há na fala desses pais uma mistura de

línguas, o uso de empréstimos e estrangeirismos resultantes do contato

que têm com as LB. É este “português” que chega às crianças e que é a

língua primeira de muitas crianças nas grandes cidades. Em alguns

casos há transposição de construções gramaticais da LB para LP, o que

provoca uma variação em relação ao PE esperado e exigido pelas

autoridades políticas. (TIMBANE; BERLINCK, 2012, p. 210)

Sendo o PM uma L2 ou uma LE para a maioria dos moçambicanos, acredita-se

de grande importância a caracterização desta variedade, inerentemente variável e,

certamente, influenciada pelo contato linguístico com as línguas locais. Isto ocorre

principalmente pelo caráter totalmente heterogêneo do input recebido pelos aprendizes,

haja vista as evidências contraditórias a que estão expostos, sendo ora advindas de

falantes não nativos do PE padrão, ora dos manuais escolares e meios de comunicação,

nos quais predomina a gramática considerada padrão. Por conseguinte, entende-se que a

escola é a maior e melhor fonte de acesso ao PE padrão, que se deseja como forma de

obter prestígio e ascensão social:

Em comunidades multilíngues, como é o caso das sociedades pós-

coloniais, a falta de evidências positivas para certas estruturas da língua

colonial – adoptada como língua oficial e falada em geral como L2 –

pode tornar-se particularmente dramática devido ao facto de o input

estar relativamente diluído. Nestas comunidades, muito do que os

aprendentes de L2 ouvem é produzido por outros falantes de L2, e este

input “contaminado” pode aumentar as possibilidades de fossilização

precoce de estruturas não convergentes com a língua-alvo. [...] No caso

específico de Moçambique, [...] para além das estruturas geradas pela

gramática do PE padrão, o ambiente linguístico contém também

estruturas geradas pela nova gramática, que estão erradas do ponto de

vista da gramática do PE. [...] Por essa razão, nestas comunidades, o

sucesso na aquisição da L2 torna-se mais dependente do acesso ao

ensino formal, onde existem mais oportunidades de exposição à língua-

alvo padrão a sua forma escrita, que é mais homogênea que a língua

oral. (GONÇALVES, 2010, p. 76)

Caberia aos professores, portanto, o papel fundamental de transmitir esse

“suposto” PE padrão, “através de estratégias de ensino de língua adequadas com base no

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conhecimento pelo docente de possíveis áreas de tensão entre a língua alvo e a língua

materna” (NGUNGA, 2012, p. 13). Em outras palavras, entende-se que apenas pelo

ensino formal o falante de Português L2 pode tornar-se capaz de alcançar o modelo

padrão do PE, especialmente na língua escrita.

No entanto, é necessário destacar que, em meio ao caráter multilíngue da

sociedade moçambicana, a aquisição de Português como L2 tem consequências

diversificadas para seus aprendentes, que não utilizarão a língua-alvo nos mesmos

contextos em que usam suas línguas maternas. Em suma, cada língua assumirá um papel

de relevância diferente para cada falante. Ademais, embora as crianças tenham como

modelo escolar o Português padrão, suas redes de contato fora da escola são compostas

majoritariamente por falantes de Português como L2. Além disso, até mesmo na escola é

possível questionar o tipo de input recebido pelos alunos, uma vez que os próprios

professores de Língua Portuguesa podem vir a ser falantes de Português também como

L2, sendo, consequentemente, modelos de uma norma que nem mesmo eles dominam por

completo. Por conseguinte, “a maior parte do input da língua a que os aprendentes terão

acesso são variedades não-nativas estruturadas de forma complexa” (STROUD, 1997, p.

36).

Corroboram esse ponto de vista Moreno; Tuzine (1997), ao discutirem a questão

do ensino de Língua Portuguesa em Moçambique:

debate-se ainda com o problema da norma linguística a ensinar, uma

vez que se observa um distanciamento entre o que se adquire/aprende

na escola, como modelo de língua, as práticas linguísticas quotidianas

e a norma europeia, declarada oficial em Moçambique. (MORENO;

TUZINE, 1997, p.82)

A esse complexo cenário de ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa por

parte dos moçambicanos, somam-se questões relacionadas à busca de identidade dos

indivíduos e à atitude dos mesmos para com as línguas em contato no meio da sociedade.

Diante de tanta diversidade, destacam-se os indivíduos negros, que não só se assumem,

mas também são considerados pelos outros habitantes das províncias como

“assimilados”, além dos mestiços, que muito se assemelham aos portugueses,

especialmente em relação ao julgamento sobre o estatuto das línguas em contato em

Moçambique. Esses dois grupos são aqueles que, apesar da presença ainda viva das

línguas locais, declaram-se falantes somente de Português, desconhecedores dos idiomas

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nacionais. Trata-se, portanto, em alguns casos, de moçambicanos que evitam sua própria

cultura em prol de um status social mais elevado, promovido pela elite portuguesa e

instituído pelo uso da Língua Portuguesa. Sendo assim, ao lado dos indivíduos que

declaram abertamente seu conhecimento bilíngue, existem alguns que recusam já ter feito

parte dessa realidade, mas às vezes assumem apenas “compreender” as línguas bantu, e

ainda existem outros que, de fato, afirmam nunca terem compartilhado dela. Desse modo,

estabelecer o limite entre esses dois grupos é tarefa bastante complicada, sendo as

declarações desses informantes a única fonte de respostas, sejam elas totalmente

verdadeiras ou não.

Dessa forma, conclui-se que o tipo de aquisição do Português de Moçambique é

bastante heterogêneo para cada indivíduo, sendo ora considerado segunda língua, ora

língua estrangeira, ora língua oficial, mas em todos os casos um idioma que sofreu

mudanças por seu contato direto com línguas locais, gerando alterações significativas em

relação ao Português Europeu, tido como modelo de aquisição. As variações podem ser

evidentes por seu caráter estigmatizador, quando se mostram contrárias às regras

gramaticais consideradas padrão, mas ao mesmo tempo podem não ser percebidas,

sobretudo aquelas que já são intrínsecas à língua, de modo que seus falantes não as

consideram como “desvios” à norma tida como padrão. Por esse motivo, esta pesquisa

busca investigar como a mudança pode ter alterado os padrões de concordância verbal na

variedade moçambicana.

3.3 Conceitos básicos sobre o Bilinguismo

Tendo em vista que a Língua Portuguesa é, para a grande maioria dos habitantes

de Maputo, uma língua aprendida em situações e ambientes distintos daqueles propícios

à aquisição de uma L1, como os vistos na seção anterior, podendo ser altamente

influenciada por outras línguas que com ela convivem intensamente, acredita-se que, para

aprofundar os conhecimentos sobre esse intenso contato linguístico, seja preciso

compreender melhor alguns conceitos relacionados à aquisição de mais de uma língua

simultaneamente, como o bilinguismo, a mudança de código, a transferência, e os calques

ou empréstimos.

Sendo a sociedade moçambicana, de um modo geral, bilíngue e/ou multilíngue, o

primeiro conceito a ser explorado deve ser o de bilinguismo. Acerca deste conceito,

levanta-se a questão de que, mesmo aqueles falantes considerados não proficientes em

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Língua Portuguesa e/ou aqueles que afirmam falar apenas o Português e não ter

conhecimento nenhum das línguas locais, mas que as “compreendem”, poderiam ser

considerados como indivíduos, no mínimo, bilíngues, de acordo com as propostas de

Romaine (1995) e Appel; Muysken (2005).

Analisando os principais problemas relacionados ao bilinguismo, Romaine (1995)

destaca que, inevitavelmente, “learning to speak more than one language often involves

putting together material from two languages”13 (ROMAINE, 1995, p. 2). No entanto, a

autora salienta que nos estudos sobre bilinguismo a ideia de “mixed languages” (línguas

misturadas) não é bem aceita, pois, mesmo que o indivíduo use material das duas línguas

ao mesmo tempo, ele sabe identificar claramente qual elemento faz parte de cada uma

delas. Assim, ela cita as palavras de Biggs (1972):

Anyone who speaks a language A, knows that he is speaking A, and not

a different language B. Moreover, a bilingual can always distinguish

between the two languages in which he is competent. True, he may use

words, phrases and whole sentences from both languages in a single

discourse, but at any given point, he is able to say which language is

concerned. It is obviously impossible to suddenly scramble the two

languages in such a way that they can be said to be thoroughly mixed

[...] the continuing tradition of a language cannot be broken unless it

ceases to be spoken at all. At any one time a speaker knows what

language he is speaking. He can never claim to be speaking two

languages at once, or a fusion of two languages. (BIGGS: 1972, p. 44

apud ROMAINE, 1995, p. 3)14

No entanto, Romaine afirma que, nos estágios iniciais do processo de

aprendizagem bilíngue, é bastante difícil dizer se a criança está falando a língua A com

inserções da língua B ou vice-versa em situações de contato linguístico muito intenso.

Por isso, a situação permitiria a criação de um terceiro sistema de comunicação, a partir

da convergência dos dois sistemas com os quais a criança tem contato:

13 “Aprender a falar mais de uma língua frequentemente envolve unir/misturar material de duas línguas”

(Romaine, 1995, p. 2). Tradução nossa.

14 “Qualquer um que fale a língua A sabe que está falando a língua A e não a língua B. Além disso, um

bilíngue sempre consegue distinguir as duas línguas em que ele é competente. É claro que ele pode usar

palavras, sintagmas e até orações inteiras das duas línguas no mesmo discurso, mas em determinado

momento, ele é capaz de dizer qual língua está envolvida. Obviamente, é impossível embaralhar as duas

línguas de forma que possam ser consideradas completamente misturadas [...] a tradição de uma língua não

pode ser quebrada a menos que ela deixe de ser falada por completo. Em qualquer momento o falante sabe

qual língua ele está falando. Ele nunca poderá afirmar que está falando as duas línguas ao mesmo tempo

ou uma fusão das duas línguas. (BIGGS: 1972:44 apud ROMAINE, 1995, p. 3) Tradução nossa.

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In situations of intense linguistic contact it is possible for a third system

to emerge which shows properties not found in either of the input

languages. Thus, through the merger or convergence of two systems, a

new one can be created. (ROMAINE, 1995, p. 4)15

No caso da Língua Portuguesa falada em Moçambique, ainda não é possível

afirmar a existência de um terceiro sistema de comunicação, devido à pouca descrição

formalizada das línguas bantu, mas, de fato, pode-se pensar em convergências que

possam afetar o produto final, ou seja, itens gramaticais e lexicais dos idiomas locais que

alteram o Português falado naquela região, especialmente nas áreas rurais, em que o uso

das línguas nacionais é muito mais evidente do que o da língua do colonizador (cf.

Capítulo 2 para mais detalhes). Além disso, o fluxo de pessoas de diferentes regiões da

África, bastante comum na cidade de Maputo, faz com que a presença de diferentes

idiomas atue consideravelmente sobre a variedade de Português falada pelos

moçambicanos.

Cabe ressaltar que, assim como ocorre com a variedade popular do Português

Brasileiro e, sem dúvida, com qualquer outra língua que surja em situações de contato

linguístico com outros idiomas, o produto final desta língua, quando muito alterado por

conta das várias línguas envolvidas, sofre forte estigmatização, considerado pelos

defensores da gramática “padrão” europeu como uma língua deficitária, “incorreta”, que

deve ser abolida. Entretanto, existem muitos casos, e Moçambique é um deles, em que a

língua do colonizador não tomou totalmente o lugar das línguas locais e, apesar de ser a

língua oficial, usada na escola e nos meios urbanos, não há indicações de que em algum

momento possa vir a ser a única língua utilizada por todos os habitantes da região em

todos os ambientes de interação.

Assim sendo, parece que se está lidando com indivíduos que vivem e

possivelmente continuarão vivendo um contato muito intenso entre, no mínimo, duas

línguas, e que, mesmo não sendo totalmente fluentes na segunda língua (ou nas demais

línguas) que conhecem, podem ser considerados bilíngues, ao menos bilíngues passivos,

pois compreendem as duas línguas e sabem em qual momento devem usar cada uma delas.

15 “Em situações de intenso contato linguístico é possível o surgimento de um terceiro sistema, que mostra

propriedades não encontradas em nenhuma das línguas que servem de input. Assim, através da fusão ou

convergência de dois sistemas, um novo sistema pode ser criado”. (ROMAINE, 1995, p. 4). Tradução

nossa.

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Isto envolve aquilo que os linguistas chamam de “competência comunicativa” (termo

utilizado pela primeira vez por HYMES, 1972), ou seja, mesmo não possuindo a

competência linguística total daquela língua, ele sabe quando e como utilizá-la, como

Romaine reflete:

Competence may therefore encompass a range of skills, some of which

may not be equally developed, in a number of languages and varieties.

The fact that speakers select different languages or varieties for use in

different situations shows that not all languages/varieties are equal or

regarded as equally appropriate or adequate for use in all speech events.

(ROMAINE, 1995, p. 9)16

Em outras palavras, pode-se dizer que mesmo aqueles indivíduos que são

estigmatizados e sofrem preconceito linguístico podem ser considerados bilíngues,

porque existem estágios diferentes de bilinguismo, isto é, ainda que eles não produzam

sentenças completamente compreensíveis na L2/LE, eles são capazes de compreendê-la

por já estarem habituados a recebê-la como input, mesmo que o output por eles produzido

seja considerado “deficiente”:

[...] a person maybe bilingual to some degree, yet not be able to produce

complete meaningful utterances. A person might, for example, have no

productive control over a language, but be able to understand utterances

in it. (ROMAINE, 1995, p. 11)17

Ao que tudo indica, a sociedade moçambicana parece encaixar-se perfeitamente

nessas definições, já que existem diferentes níveis de proficiência da Língua Portuguesa

entre seus falantes e as muitas outras línguas em uso concomitante. Isto quer dizer que

cada indivíduo, seja ele proficiente ou não em mais de uma língua, inevitavelmente passa

pelo processo de bilinguismo, sabendo em quais situações as línguas em uso devem ser

utilizadas e qual a função social de cada uma delas, como é o caso daqueles que informam

apenas compreender as línguas locais, mas não as falam e, por isso, não se assumem

16 “A competência pode, portanto, abranger uma gama de habilidades, dentre as quais algumas podem não

ser igualmente desenvolvidas, em uma série de línguas e suas variedades. O fato de que os falantes

selecionam línguas ou variedades diferentes para uso em situações diferentes mostra que nem todas as

línguas/variedades são iguais ou consideradas como igualmente apropriadas ou adequadas para uso em

todos os eventos de fala.” (ROMAINE, 1995, p. 9). Tradução nossa.

17 “[...] uma pessoa pode ser bilíngue até certo nível e ainda assim não ser capaz de produzir enunciados

com significados completos. A pessoa pode, por exemplo, não ter controle produtivo sobre a língua, mas

ser capaz de compreender os enunciados nessa língua.” (ROMAINE, 1995, p. 19). Tradução nossa.

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bilíngues. Diante disso, Romaine defende que, se não houvesse necessidade de línguas

diferentes para propósitos diferentes, nenhuma sociedade se manteria bilíngue e,

consequentemente, as línguas minoritárias deixariam de existir por si só:

Any society which produced functionally balanced bilinguals who used

both languages equally well in all contexts would soon cease to be

bilingual because no society needs two languages for the same

functions. (ROMAINE, 1995, p. 19)18

Appel; Muysken (2005) corroboram as afirmações de Romaine ao falarem sobre

as dimensões psicológicas do bilinguismo. Os autores afirmam que, independentemente

do nível de competência do indivíduo, as duas línguas devem permanecer isoladas na

mente do falante em termos de produção e percepção e que “bilinguals are quite capable

of speaking one language while listening to somebody else speaking another language”19

(APPEL; MUYSKEN, 2005, p. 79). Eles afirmam que esse tipo de bilíngue, chamado

‘compound’, une as duas línguas conceitualmente, pois elas estão no mesmo ambiente de

uso, apesar de estarem totalmente separadas em termos de prestígio social.

Este parece ser, particularmente, o caso de grande parte dos falantes

moçambicanos, que vivem em constante contato tanto com o Português quanto com as

(mais de 20) línguas nacionais faladas em todo o território. Por conta disso, parece ser

muito difícil para esses indivíduos definirem qual das línguas é a sua L1, já que fazem o

uso simultâneo de ambas, como destaca Romaine:

Thus, a mother tongue would be the language one knows best. Given

the fact that competence in more than one language is rarely ever

equally distributed across all domains of life, many bilinguals might

know one language better because they have been schooled in it, yet

feel a stronger affective attachment to another language which was

learned and used in the home. Thus, the language an individual

identifies with is often referred to as the mother tongue. (ROMAINE,

1995, p. 22)20

18 Qualquer sociedade que produzisse bilíngues funcionalmente equilibrados, que usassem as duas línguas

igualmente bem em todos os contextos, rapidamente deixaria de ser bilíngue porque nenhuma sociedade

precisa de duas línguas para as mesmas funções.” (ROMAINE, 1995, p. 19). Tradução nossa.

19 “bilíngues são perfeitamente capazes de falar uma língua enquanto escutam outra pessoa falando uma

outra língua” (APPEL; MUYSKEN, 2005, p. 79). Tradução nossa.

20 Assim, a língua materna seria a língua que aquele indivíduo sabe melhor. Dado que a competência em

mais de uma língua raramente é distribuída por igual em todos os domínios da vida, muitos bilíngues

tendem a saber melhor uma das línguas, porque foram educados nela. Mesmo assim, eles sentem fortes

ligações com a língua que foi aprendida e usada em casa. Desse modo, a língua com a qual o indivíduo se

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Esse sentimento de identificação com a língua faz com que, por muitas vezes, a

direção da mudança não seja unicamente para o uso de uma das línguas, mas do balanço

entre elas, de maneira que as línguas minoritárias não deixem de existir, mesmo que seja

de conhecimento de todos que a língua oficial continuará sendo o idioma de maior

prestígio no seio da comunidade.

Sobre este assunto, Appel; Muysken (2005) alegam que, apesar de, em sociedades

como a africana, a tendência ser a de que a população passe a usar cada vez mais a língua

majoritária, em todos os domínios, porque esta promove melhores oportunidades de

mobilidade social e ascensão econômica, a direção da mudança pode ser invertida, por

razões especialmente sociais de manutenção da língua/cultura local:

Sometimes it seems that ‘shift’ can be equated with ‘shift towards the

majority or prestigious language’, but in fact ‘shift’ is a neutral concept,

and also shift towards the extended use of the minority language can be

observed. [...] After a period of shift towards the majority language,

there is often a tendency to reverse the process, because some people

come to realize that the minority language is disappearing, and they try

to promote its use. These defenders of the minority language are often

young, active members of cultural and political organizations that stand

up for the social, economic and cultural interests of the minority group.

(APPEL; MUYSKEN, 2005, p. 32).21

Tal afirmação justifica a implementação de políticas para o ensino bilíngue em

Moçambique (cf. Seção 2 para mais informações), com o intuito de agregar aqueles

estudantes que não possuem muito contato prévio com a Língua Portuguesa antes de

entrarem para a escola. Ademais, parece que o próprio valor dado às línguas nacionais

vem se fortalecendo, com o objetivo de renovar e enaltecer o valor da cultura local, já que

saber Português não impede que haja outros tipos de preconceitos sociais dentro da

comunidade e que os indivíduos continuem tendo dificuldades tanto nos estudos quanto

na vida profissional, mesmo que já tenham aprendido a língua do colonizador.

identifica, frequentemente é a que ele se refere como sendo sua língua materna.” (ROMAINE, 1995, p. 22).

Tradução nossa.

21 “Às vezes, parece que ‘mudança’ pode ser equiparada a ‘mudança em direção à língua majoritária ou de

prestígio’, porém ‘mudança’ é, na verdade, um conceito neutro e a mudança em direção ao maior uso de

línguas minoritárias também pode ser observada. [...] Depois de um período de mudança em direção à

língua majoritária, frequentemente existe a tendência de se reverter o processo, porque algumas pessoas

percebem que a língua minoritária está desaparecendo e tentam promover o seu uso. Esses defensores das

línguas minoritárias geralmente são jovens, membros ativos de organizações culturais e políticas, que

apoiam os interesses sociais, econômicos e culturais dos grupos minoritários.” (APPEL; MUYSKEN, 2005,

p. 32). Tradução nossa.

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Esse novo valor positivo sobre os idiomas nacionais tem grande relação com a

distribuição geográfica dos membros desses grupos linguísticos, pois a necessidade de

uso da língua majoritária é muito mais evidente para aqueles que vivem nos centros

urbanos, como declaram os autores:

When residing on a farm, where perhaps the neighbours are members

of the same linguistic minority group, there is not much need to use the

majority language. The home is the most important domain of language

use, and this domain is reserved for the minority language. On the

contrary, people living in the urban centres will be forced in various

situations to use the majority language daily, which will weaken the

position of the minority tongue. (APPEL; MUYSKEN, 2005, p. 36-

37)22

Entretanto, outras condições sociais, principalmente a educação, contribuem para

trazer à tona a necessidade de manutenção das línguas locais de maneira que toda criança

tenha, supostamente, a mesma chance de evoluir e concluir seus estudos com sucesso.

Assim, é preciso salientar que a situação de contato linguístico não é nada simples para

seus usuários, pois deixar de usar suas línguas significa, de certa forma, perder suas raízes

em troca de algo que nem sempre vai trazer bons resultados e, por outro lado, deixar de

aprender a língua majoritária pode significar, na grande maioria das situações, um

isolamento da vida social e do acesso aos bens necessários à sobrevivência como, por

exemplo, o comércio.

Por essa razão, os autores declaram que:

Language shift and loss are not inevitable processes, however. Minority

groups can experience that shift towards the majority language does not

always imply better chances for educational achievement and upward

social mobility. A group may ‘give away’ its language without getting

social-economic advantages in return. It is no longer discriminated

against because of language, but because of colour, culture, etc. On the

basis of such experiences minority group members may develop

strategies to foster use of the minority language and to improve

proficiency in the minority language, which is then revitalized.

(APPEL; MUYSKEN, 2005, p. 45)23

22 “Quando moram em áreas rurais, onde possivelmente os vizinhos são membros do mesmo grupo

linguístico minoritário, não há muita necessidade de se usar a língua majoritária. O lar é o domínio mais

importante de uso da língua e esse domínio é reservado para a língua minoritária. Ao contrário, pessoas que

moram nos centros urbanos serão forçadas em várias situações a usar a língua majoritária diariamente, o

que enfraquecerá a posição da língua minoritária.” (APPEL; MUYSKEN, 2005, p. 36-37). Tradução nossa.

23 Mudança e perda linguística não são processos inevitáveis, no entanto. Grupos minoritários podem

experienciar que a mudança em direção à língua majoritária nem sempre implica melhores chances para o

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Tudo isto está relacionado ao fato de que a realidade linguística do país pode criar

segregações muito fortes, que vão separar claramente os que sabem falar Língua

Portuguesa daqueles que, teoricamente, não sabem. Com isso, os indivíduos que ficam

entre esses dois grupos, ou seja, não fazem parte da elite letrada que desenvolveu

formalmente o Português na escola e nem são aqueles que vivem nas áreas rurais e

possuem pouco e/ou nenhum contato com o Português, mas somente o compreendem

como forma de sobrevivência, parecem ser aqueles que ainda lutam pela manutenção das

línguas locais, para além dos educadores e linguistas que entendem a importância das

mesmas. Portanto, estes são aqueles que, ao que parece, usam as duas línguas ao mesmo

tempo, na tentativa de não perder o que há de bom e positivo em cada uma delas.

Ao que tudo indica, esses indivíduos são aqueles usuários mais prototípicos dos

outros fatores que atuam diretamente na variação da língua-alvo em situação de contato

linguístico: a mudança de código ou code-switching, a transferência, e os calques ou

empréstimos (STROUD, 1997).

Por mudança de código, entende-se a mudança de uma língua para outra ao

longo do discurso, quando o falante é fluente em mais de uma língua. Geralmente, a

mudança é intencional e serve como estratégia de comunicação para o falante, que faz

uso de estruturas e/ou vocabulário das línguas que conhece para alcançar seu objetivo

comunicativo. Segundo a autora Myers-Scotton, há três motivos que explicam a mudança

de código: “(i) o assunto ou o contexto discursivo pode caber melhor em um ou outro

código; (ii) ambos os falantes são proficientes em ambas as línguas ou (iii) um deles pode

ter preferência por uma delas” (MYERS-SCOTTON, 1993 apud PETTER, 2015, p. 217).

De acordo com Mesquita (2014), a expressão “mudança de código” é utilizada

para se referir ao “fenômeno reconhecidamente inerente a falantes bilíngues ou

multilíngues e não raro está relacionado a situações de contato linguístico e sociocultural”

(MESQUITA, 2014, p. 53). O autor ainda acrescenta a fala de Grosjean (1982), que define

o code-switching como “uso alternado de dois ou mais códigos por indivíduos bilíngues

numa mesma interação conversacional”, destacando que esse “uso alternado não é

aleatório” (MESQUITA, 2014, p. 53).

sucesso educacional e crescente mobilidade social. Um grupo pode ‘entregar’ sua língua sem receber

vantagens sociais e econômicas em troca. Ele não será mais discriminado pela sua língua, mas por causa

de sua cor, cultura etc. Baseado nas experiências dos membros desses grupos minoritários, ele pode

desenvolver estratégias para promover o uso da língua minoritária e melhorar a sua proficiência nessa

língua, que será, então, revitalizada.” (APPEL; MUYSKEN, 2005, p. 45). Tradução nossa.

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Uma das colaboradoras entrevistadas na presente amostra relata que o Português

de Moçambique é diferente do Português Europeu, que seria seu suposto modelo de

aquisição, por conta dessa possibilidade de mistura de códigos:

sim eles falam mu:ito rápido o português dele mesmo ((risos)) é muito diferente do nosso

[...] o que acontece é numa conversa de amigas minhas eu posso falar uma frase em

changana outra em português outra vez em changana sim podemos fazer mistura”

(PMOA2M)

Nessa perspectiva, entende-se que nenhum falante deve ser caracterizado como

“deficiente” somente porque alterna o uso de duas línguas. Antes, isso indica competência

linguística por parte do indivíduo que, tendo um bom conhecimento de ambas as línguas,

consegue uni-las:

[...] não se deve relacionar o code-switching necessariamente com

deficiência de nenhum falante, tampouco das línguas envolvidas e que,

pelo contrário, trata-se de um bom indicador da habilidade bilíngue dos

falantes com competência em ambas as línguas. (MESQUITA, 2014, p.

54).

A partir disso, o autor destaca a existência de modelos de classificação de code-

switching, dentre eles, o Matrix Language Frame Model – MFL, criado por Myers-

Scotton (1993, 2002). Neste modelo, que parece se aplicar bem à situação linguística de

Moçambique, frisa-se a questão da assimetria dos dados linguísticos em questão, pois

apontam a conexão entre duas línguas com configuração de poder desigual, ou seja, estão

envolvidas no contato uma língua matriz e uma (ou mais) língua(s) encaixada(s). A

língua matriz é aquela que fornece a base gramatical das estruturas e a língua encaixada

se integra, seguindo restrições do sistema:

Segundo a MFL, uma das línguas envolvidas cede o sistema

morfológico e suas categorias funcionais, constituindo o quadro no qual

os elementos da outra língua podem se integrar. [...] a língua mais

abrangente estruturalmente é a LM (língua matriz) e a outra é a LE

(língua encaixada)24. A língua matriz, portanto, fornece os quadros

gramaticais abstratos onde a LE é encaixada. (MESQUITA, 2014, p.

58)

24 Legendas e grifos meus.

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A partir dessa declaração, entende-se que a união entre a língua matriz e a(s)

encaixada(s) só é possível quando o usuário tem conhecimento bastante abrangente sobre

a estrutura de todas as línguas envolvidas no processo. Com isso, confirma-se a ideia de

que a mudança de código é, na verdade, um fenômeno que demonstra um bom

conhecimento das línguas por parte do falante, pois este sabe exatamente como utilizar

as estruturas e como encaixar as diferentes línguas para que o enunciado faça sentido.

Salienta-se, então, que o modelo de marcação do fenômeno está diretamente

ligado a fatores sociolinguísticos, como Mesquita assinala:

[...] a língua matriz é, geralmente, a opção não marcada na interação em

que se manifesta o code-switching e não raro coincide com a L1 do

falante e da comunidade de fala em que está inserido. Fatores

sociopolíticos, educacionais, situacionais, enfim, macro e micro

contextos são relevantes e podem determinar, por exemplo, que a L1 do

falante se converta em língua encaixada. (MESQUITA, 2014, p. 58)

Tal situação parace ser exatamente o que ocorreu na variedade em estudo, uma

vez que as línguas locais foram perdendo prestígio, apesar de ainda serem utilizadas, e

dando lugar à então língua oficial, o Português. Desta forma, para as situações de code-

switching, ao contrário do que se espera do modelo prototípico, por razões político-

sociais, a língua matriz das estruturas em que se observa “mistura” é a L2/LE de muitos

desses indivíduos, enquanto suas línguas maternas são encaixadas na estrutura gramatical

principal.

Considerando, então, essa realidade, é possível dizer que a língua matriz seria o

Português, já que é a língua de maior uso, usada em quase todos os contextos,

especialmente em ambientes urbanos e mais formais, enquanto a(s) língua(s) encaixada(s)

seria(m) aquela(s) de conhecimento dos falantes, podendo ser apenas uma ou mais, que

são inseridas, principalmente em termos de vocabulário, dentro das estruturas sintáticas

de Língua Portuguesa produzidas pelos falantes, especialmente aqueles que mais fazem

mistura de código.25

Gonçalves e Chimbutane (2015) corroboram essa ideia ao discutirem a influência

da língua Changana no Português falado em Maputo, indicando que, de fato, as

25 Cabe ressaltar que esta afirmação relaciona-se, principalmente, às impressões obtidas ao longo das

entrevistas. Até o presente momento, ainda não se constatou, em termos linguísticos, tais propriedades. No

entanto, a realidade da “mistura” de línguas parece indicar que o encaixe entre as línguas tende a ocorrer

nessa direção.

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interferências dessa língua bantu são mínimas no PM, em termos gramaticais. Sendo

assim, pode-se supor a confirmação da hipótese de que, considerando que haja influência

do Changana no Português e ela não é reconhecida diretamente em propriedades

gramaticais, possivelmente é o vocabulário do Changana que aparece mais encaixado na

estrutura gramatical do Português e não as estruturas em si:

[...] a influência das línguas bantu não consiste necessariamente numa

transferência “directa” de propriedades da sua gramática para a

gramática do PM, pelo que nem sempre é possível reconhecer, nas

inovações sintácticas que se observam no PM, propriedades

“equivalentes” nas línguas bantu. (GONÇALVES; CHIMBUTANE,

2015, p. 92)

Essas influências fornecidas pela língua de substrato, nesse caso, as línguas

bantu, são as chamadas transferências e os empréstimos. A transferência, já explorada

na Seção 3.2, está relacionada ao uso de estruturas de uma língua na outra, ou seja, o uso

de estruturas de L1 no lugar das estruturas de L2/LE, o que pode gerar transferências

incorretas do ponto de vista da língua padrão. Frequentemente são estruturas usadas de

maneira inconsciente pelos falantes que ainda não atingiram domínio da língua-alvo. Por

fim, calques ou empréstimos são elementos incorporados à língua-alvo pela falta de

outros que atendam às necessidades comunicativas do falante, usualmente relacionados a

fenômenos culturais.

A título de exemplificação, pode-se citar um jargão muito usado na cidade de

Maputo, promovido por uma rádio, que diz a seguinte frase: “Moçambique é maningue

nice”. Nesta frase, vemos claramente a estrutura gramatical do Português, com uma

combinação de empréstimos lexicais de duas línguas diferentes. O primeiro empréstimo,

a palavra ‘maningue’, proveniente de uma das principais línguas locais da cidade,

chamada Changana, significa ‘muito’. O segundo empréstimo vem do inglês, ‘nice’, e

significa ‘legal’.

Assim, temos uma estrutura que poderia ser plenamente dita em Língua

Portuguesa: ‘Moçambique é muito legal’, mas que, provavelmente, por motivos sociais,

cede à interinfluência linguística. Os indivíduos “brincam”, de certa forma, com esse

conhecimento multilíngue, e usam a estrutura ‘misturada’ como uma indicação de que o

uso simultâneo de línguas, ou o fenômeno de code-switching, é perfeitamente normal e

compreensível dentro da comunidade moçambicana.

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Por fim, pode-se destacar que, sendo o Português de Moçambique concebido

como uma variedade ainda em formação, pesquisadores do assunto (GONÇALVES;

STROUD, 1997) acreditam que, independentemente das questões sociais, tanto falantes

de áreas urbanas quanto suburbanas têm chances de adquirir conhecimentos mais

aprofundados da Língua Portuguesa, que poderão, futuramente, colaborar com o

desenvolvimento de seu desempenho linguístico. Essa posição relaciona-se com o

conceito de redes sociais26 (TUZINE, 1997). Através desse conceito, entende-se que nem

todos os indivíduos têm as mesmas oportunidades de interações sociais regulares, sejam

estas sócio-profissionais, de amizade ou de vizinhança. Resumidamente, entende-se que

os falantes que estabelecem contatos sociais rurais têm uma tendência maior a se afastar

da aplicação das normas consideradas padrão, enquanto aqueles que convivem com mais

frequência em meios urbanos apresentam comportamento linguístico mais próximo da

norma de prestígio.

Dado o exposto, é possível perceber que estamos diante de uma situação muito

complexa, na qual se encontram indivíduos minimamente bilíngues, com níveis de

proficiência distintos e que não só fazem usos alternados das línguas que conhecem, como

também traçam valores diferentes sobre o uso destas, estando estes associados ou não a

outros fatores sociais que possam vir a alterar o produto final da Língua Portuguesa que

produzem. Ainda assim, é evidente que a variedade falada por esses indivíduos não pode

ser considerada como algo único e totalmente distanciado da influência das línguas locais,

como se elas não mais existissem e não pudessem afetar de alguma forma a língua

majoritária. A seguir, será abordado, ainda, o tipo de função que, geralmente, é atribuído

a cada uma das línguas envolvidas em uma sociedade multilíngue.

3.4 Estatuto social das línguas em sociedades multilíngues

Em meio à diversidade linguística de todo o continente africano e todos os

fatores linguísticos e extralinguísticos que atuam diretamente na dinâmica funcional das

línguas utilizadas na África, as nações tomaram atitudes políticas de valorização,

prioritariamente, das línguas coloniais, em detrimento às línguas nacionais. Em

Moçambique, mais especificamente, os colonos portugueses não deram importância à

26 O autor define redes sociais como “um conjunto de pessoas com quem alguém interage numa base

regular”. (TUZINE, 1997, p. 75).

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escolarização dos nativos, sendo esta realizada em Português, “a língua que distinguiria

o assimilado, ou seja, o africano civilizado, que havia aprendido os elementos distintivos

da civilização – a língua e os costumes do colonizador” (PETTER, 2015, p. 194).

Com isso, a nação considerada plurilíngue, termo que não somente estabelece a

oferta e o domínio de diferentes línguas, mas também a relação entre língua e cultura, é

formada por uma grande quantidade de falantes multilíngues – aprendentes/falantes de

variadas línguas (MENEZES, 2013, p. 30). Em outras palavras, diante de tão vasta

distribuição linguística, o falante faz uso de uma ou outra língua de maneira não arbitrária,

ou seja, a dinâmica social de uso das línguas vai depender das políticas e juízos de valor

nelas envolvidos, como afirma Petter (2015):

No plano individual, o multilinguismo implica o uso pelo falante de

uma ou outra língua em função do contexto comunicacional. Essa

escolha, no entanto, não é arbitrária nem inconsequente; ela vai

provocar a valorização de algumas línguas, as mais utilizadas –

conhecidas como majoritárias –, e o desprestígio, e possível

desparecimento de outras, aquelas que têm uso restrito ao ambiente

familiar, com poucos falantes – consideradas minoritárias. É a

dinâmica social, que sofre impactos de ações políticas dos governos,

que vai selecionar e hierarquizar o uso das línguas em presença.

(PETTER, 2015, p. 195)

A partir das hierarquias mencionadas pela autora, as línguas recebem diferentes

papéis, caracterizadas e nomeadas como oficiais, nacionais ou veiculares. Faz-se, então,

de suma importância mencionar, brevemente, o que significa cada uma delas.

Língua oficial é o idioma utilizado na formação escolar e nos assuntos

administrativos do país. Na maioria dos países africanos é a língua colonial, como

acontece em Moçambique com o Português. Mesmo não sendo a língua utilizada por

100% dos moçambicanos, é privilegiada por sua tradição escrita e favorece, de certa

maneira, assumindo seu papel de língua oficial, a unidade nacional, sendo ela o meio pelo

qual se faz a comunicação entre os habitantes de todo o país. No entanto, a realidade das

línguas oficiais na África teve resultado um pouco diferente do ocorrido no Brasil, por

exemplo, já que o Português manteve “uso restrito aos meios urbanos e às necessidades

da vida moderna em grande parte das nações africanas; nas zonas rurais e no ambiente

doméstico continua o emprego das línguas locais” (PETTER, 2015, p. 196).

As línguas nacionais, por sua vez, são os idiomas locais, de vasta extensão e

grande número de falantes nos países, que as têm, na maioria das vezes, como suas línguas

maternas. Essas línguas podem, futuramente, devido ao prestígio entre seus próprios

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falantes e alguns linguistas, ser gramatizadas, de maneira que possam servir de fonte de

ensino escolar bilíngue (cf. entre outros CHIMBUTANE, 2015; MENEZES, 2013),

garantindo sucesso escolar aos que não dominam a língua oficial. Em Moçambique, esses

idiomas são nomeados de línguas “Bantu” ou banto27, originalmente intituladas pelo

linguista Wilhem Bleek, que “observou a recorrência da raiz –ntu para designar ‘ser

humano, homem, pessoa’ e do prefixo ba- para indicar pluralidade nas línguas da região

central e sul da África” (PETTER, 2015, p. 36). Assim, o nome Bâ-ntu é utilizado para

identificar as línguas faladas naquelas regiões do continente africano.

Por fim, língua veicular é uma língua nacional considerada como língua franca

do país, que serve para unificar a comunicação de falantes de línguas diversas.

Geralmente, é uma língua difundida por comerciantes e pode chegar a ser mais utilizada

do que a língua oficial no país em que atua. De acordo com Petter (2015, p. 197), o idioma

suaíli, “além de ser língua oficial da Tanzânia, Quênia e Uganda, é falado como língua

franca em muitos países da costa oriental africana: no Burundi, na Somália, em

Moçambique28 e na África do Sul”.

O contato entre tantas línguas africanas e as línguas europeias teve como

consequência a formação de novas línguas veiculares, conhecidas como pidgins ou

crioulos. De acordo com Holm (2000), pidgins são línguas resultantes do contato entre

falantes que não possuem uma língua em comum, os quais necessitam estabelecer

comunicação verbal, especialmente comercial, mas não adquirem um a língua nativa do

outro. Basicamente, trata-se de mudanças na língua como a simplificação (ex. flexões de

número) e a expansão de significados das palavras para a acomodação de falantes das

duas línguas, de maneira que a língua utilizada é o bastante para o contexto que precisam.

27 Terminologia linguística. Falantes leigos reconhecem como línguas locais ou nacionais.

28 Ao que tudo indica, o suaíli é falado por uma minoria de pessoas ao norte de Moçambique, apesar de ter

mais de 140 milhões de falantes espalhados pela costa africana. É uma língua Bantu com grande influência

da língua árabe. Segundo Said (2016): “O suaíli é uma das línguas oficiais da União Africana e foi

introduzido na Reunião da União em 2004. O suaíli não foi escolhido por acaso mas sim pela sua

popularidade e pelo facto de já ser língua franca em grande parte de África. É uma língua africana que tem

escrita desde o século XIV em caracteres árabes e no século XIX começou a ser escrito em caracteres

latinos. É ainda uma língua africana que foi estandardizada muito mais cedo (1934) que as outras línguas

africanas. Para além disso, também é usado amplamente em diferentes contextos socioeconómicos e

políticos em África e no mundo em geral. Por exemplo, o suaíli é uma língua africana usada nas mídias

internacionais. [...] A costa suaíli foi um lugar que teve muitos contactos entre povos porque historicamente

foi uma zona de comércio. [...] Também tem influência da língua portuguesa, devido à dominação

portuguesa na costa suaíli no século XVI e XVII na costa oriental de Africa.” (SAID, 2016, p.34-35)

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De maneira geral, pidgins são limitados a contextos específicos, com vocabulário restrito

e não são línguas nativas de quaisquer de seus usuários. Vale ressaltar que:

Usually those with less power (speakers of substrate languages) are

more accommodating and use words from those with more power (the

superstrate), although the meaning, form and use of these words may

be influenced by the substrate languages. (HOLM, 2000, p. 5)29

Os crioulos, por sua vez, surgiriam após a fase de pidginização. São línguas

consideradas nativas, utilizadas por uma comunidade de fala, especialmente aquelas que

de alguma maneira foram deslocadas de suas terras (ex. escravos) e, consequentemente,

tiveram suas origens linguísticas, sociais e culturais repartidas. Em termos de

exemplificação, Holm (2000) menciona o caso das crianças, filhas de escravos africanos,

nascidas no novo mundo, em que o contato com os pidgins deu origem a uma nova língua,

diferente das línguas nativas de seus pais. Esta, considerada um crioulo, sofreu

reestruturações e acomodações que a transformaram em uma língua nativa.

Although it appears that the children were given highly variable and

possibly chaotic and incomplete linguistic input (because their parents

used pidgins with influences from their native languages), they were

somehow able to organize it into a creole that was their native language,

an ability which may be an innate characteristic of our species.

(HOLM, 2000, p.7)30

Sobre a existência desses idiomas, afirma-se que há poucos crioulos na África e,

particularmente, Moçambique não possui essas línguas veiculares específicas,

características de Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, devido à situação de

contato diferente em que a LP se formou nesses lugares, como afirma Petter (2015):

Tradicionalmente, considera-se que o crioulo é o desenvolvimento de

um pidgin, quando este se torna língua materna de uma população.

Mufwene (2007), no entanto, afirma que crioulos e pidgins se

29 Geralmente, aqueles com menos poder (falantes das línguas de substrato) tendem a acomodar mais a

língua e usam as palavras daqueles que têm mais poder (o superstrato), embora o significado, a forma e o

uso das palavras sejam possivelmente influenciados pelas línguas de substrato. (HOLM, 2000, p. 5).

Tradução nossa.

30 “Embora pareça que as crianças receberam um input altamente variável e possivelmente caótico e

incompleto, elas foram, de alguma forma, capazes de organizá-lo em um crioulo que se transformou na

língua nativa delas, uma habilidade que pode ser considerada uma característica inata da nossa espécie.”

(HOLM, 2000, p. 7) Tradução e grifo nossos.

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desenvolveram em espaços separados, onde europeus e não europeus

interagiram diferentemente: em colônias de exploração desenvolveram-

se os pidgins, em colônias de povoamento surgiram os crioulos. A

maioria dos pidgins está concentrada na costa Atlântica da África e nas

ilhas do Pacífico, enquanto a maior parte dos crioulos se encontra no

Atlântico, ilhas do oceano Índico e na costa atlântica das Américas.

(PETTER, 2015, p. 211)

Logo, é possível concluir que, diferentemente do ocorrido com a variedade

brasileira em que o Português se consolidou como uma norma local, em áreas rurais e

urbanas, para além das línguas faladas por indígenas e imigrantes, o PM tende a sofrer

forte influência das línguas nacionais, já que estas continuam presentes e são realmente

faladas em contextos familiares, religiosos e rurais, o que não ocorreu no PB. Nas palavras

de Timbane (2014):

O Português de Moçambique surgiu de contextos semelhantes com as

de TLI31, mas teve um destino diferente. Por essa razão não surgiram

pidgins nem crioulos, quer dizer, os moçambicanos não precisaram de

um código emergencial porque houve insistência no uso das LB. Não

houve um contato direto entre os colonos e os escravos porque havia

capatazes (cipaios) que serviam de intermediários (intérpretes). Os

capatazes eram moçambicanos e tinham a obrigação de aprender

português por ser assimilados. Por outro lado os escravos só tinham que

cumprir com as obrigações impostas sob tutela dos capatazes. As LB

continuavam a ser utilizadas nas igrejas independentistas africanas e a

LP era quase uma ficção. [...] Em situações de TLI, as línguas nativas

tenderiam a ser abandonadas, mas o que se verificou foi uma resistência

acerada de tal forma que até 1980 (cinco anos após a independência),

Moçambique só tinha 24.4% de falantes de português, após 500 anos

de colonização. (TIMBANE, 2014, p. 9, 10)

A situação encontrada em Moçambique (sobretudo nas áreas urbanas), portanto,

pode ser entendida de maneira mais clara a partir do conceito de Diglossia, termo cunhado

pelo linguista Psycharis, que representa um quadro linguístico no qual uma comunidade

faz uso de duas línguas distintas na mesma área geográfica. Cada uma dessas línguas, no

entanto, é selecionada para uma situação comunicativa e um contexto distinto. Em outras

palavras, existe uma (ou mais) língua(s) primária(s), falada(s) por todos na região,

31 TLI = Transmissão Linguística Irregular – Conceito que engloba “tanto os processos de mudança

provenientes do contato entre línguas através dos quais uma determinada língua sofre alterações muito

profundas na sua estrutura, do que resulta o surgimento de uma língua nova denominada pidgin ou crioulo,

quanto os processos nos quais uma língua sofre alterações decorrentes do contato com outras línguas, sem

que essas alterações cheguem a configurar a emergência de uma nova língua.” Definição disponível em:

http://www.vertentes.ufba.br/a-transmissao-linguistica-irregular. Acesso em 22 de agosto de 2017.

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especialmente em contextos mais familiares, que convive diretamente com uma outra

língua, aquela mais utilizada em contextos escolares e na escrita, como esclarece

Ferguson (1972):

Diglossia is a relatively stable language situation in which, in addition

to the primary dialects of the language (which may include a standard

or regional standards), there is a very divergent, highly codified (often

grammatically more complex) superposed variety, the vehicle of a large

and respected body of written literature, either of an earlier period or in

another speech community, which is learned largely by formal

education and is used for most written and formal spoken purposes but

is not used by any section of the community for ordinary conversation.

(FERGUSON, 1972, p. 244-245)32

Segundo o autor, a diglossia é subdivida em nove aspectos que diferem o tipo de

situação que ocorre em cada sociedade (cf. FERGUSON, 1972), a depender das línguas

em contato e de questões político-sociais; são eles: (i) as funções sociais de cada língua –

enquanto uma das línguas é usada para obter serviços públicos e religiosos, a outra serve

para comunicação dentro de casa; (ii) o prestígio – a norma de uma das línguas é

considerada como padrão, limitando o uso da outra aos contextos de uso vernacular; (iii)

norma literária – uma das línguas é tida como representativa da cultura escrita e de uma

literatura mais ampla, já que a outra se reduz à cultura oral, basicamente; (iv)

aprendizagem – a língua de maior prestígio costuma ser aquela que é aprendida na escola

e não a língua materna, já conhecida pelos falantes; (v) material didático e normativo –

as variedades vernaculares são, em sua grande maioria, desprovidas desse tipo de

material, enquanto as variedades mais prestigiadas apresentam facilidade de acesso a eles;

(vi) estabilidade – a existência de diglossia é sinal de que ela dura, estavelmente, por

muitas gerações, então estabelece-se uma situação conhecida por todos; (vii) gramática,

(viii) léxico e (ix) fonologia – os três últimos aspectos indicam a existência de diferenças

muitos grandes entre as variedades em competição nesses itens do sistema linguístico,

que podem vir a se complementar quando há a tentativa de usar uma no domínio da outra

32 Diglossia é uma situação linguística relativamente estável na qual, além dos dialetos primários da língua

(que podem incluir um único padrão ou padrões regionais), existe uma variedade muito divergente,

altamente codificada (e até gramaticalmente mais complexa) e sobreposta, que funciona como veículo de

uma grande e respeitada parcela da literatura escrita, quer de um período anterior quer de outra comunidade

de fala, que é aprendida, preferencialmente, pela educação formal e é usada na maioria dos contextos

escritos e formais, mas não é usada por nenhum segmento da comunidade para a conversação ordinária.

(FERGUSON, 1972, p. 244-245, tradução nossa).

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– por exemplo, caso o indivíduo queira escrever algo na língua menos prestigiosa, vai

precisar de apoio da língua majoritária para fazê-lo.

Diante disso, percebe-se que a diglossia é um tipo de organização da distribuição

das línguas em uma sociedade bilíngue (ou multilíngue) e que ela pode direcionar a

situação de bilinguismo em termos sociais, uma vez que distingue os âmbitos de uso de

cada língua em questão dentro da sociedade.

Tomando Moçambique como exemplo, nota-se que, de fato, pode-se supor um

quadro bastante real de diglossia no país, no qual o Português assume todas as funções

destacadas por Ferguson como aspectos da diglossia, enquanto os idiomas nacionais

continuam com o papel de caracterizar os ambientes mais familiares e representativos da

cultura moçambicana. Em poucas palavras, a Língua Portuguesa é o idioma oficial, tido

como responsável pela comunicação na prestação de serviços públicos, é a língua de

maior prestígio dentro da sociedade, e representativa da cultura literária. Ela é aprendida

formalmente na escola, através do uso de material didático (geralmente) produzido em

Portugal e todos os itens do sistema gramatical podem vir a ser incorporados nas línguas

locais, por ausência de itens próprios que tenham a mesma função. Além disso, a situação

diglóssica, ao que parece, existe desde o início da colonização portuguesa e não apresenta

indícios de chegar ao fim, o que fortalece seu caráter estável, já que a presença de línguas

locais é ainda muito forte na cidade e o valor cultural das mesmas parece estar se

fortalecendo com o passar das gerações.

Em suma, a grande diversidade de línguas presente em Moçambique demonstra

que, na presente situação de intenso bilinguismo e diglossia, é fundamental a função de

cada uma delas, com valores e implicações distintos, que indicarão quando o uso de uma

ou outra deve ser feito. Ao que tudo indica, mesmo que seja a língua oficial do país, o

Português possui características próprias em sua variedade moçambicana, diferentes da

europeia, influenciadas pela presença de línguas nacionais, cujo valor cultural não se

perdeu para muitos moçambicanos, ainda que a Língua Portuguesa dita padrão seja o

modelo de idioma de prestígio, de instrução formal e de comunicação geral nas áreas

urbanas.

Em um estudo sobre as atitudes de alunos universitários de Maputo em relação

ao estatuto social das línguas faladas na sociedade, Cao Ponso (2016) faz as seguintes

afirmações:

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O sentimento de identificação com as línguas locais ou a preferência

pelo português não variam apenas entre os falantes conforme a etnia,

escolaridade, sexo, idade, bairro, mas em um mesmo falante conforme

a situação de fala, o tópico, os interlocutores, a intenção, etc. Quanto

maior a gama de relações pessoais do indivíduo, quanto mais alargada

é sua rede social, maior variabilidade terão os estatutos das línguas, e a

alternância de atitudes sobre elas tende a ser frequente e instável

conforme, inclusive, os repertórios linguísticos dos outros falantes com

que entra em contato ao longo da vida. [...] O que o contexto estudado

em Maputo mostra é que, em uma situação plurilíngue, se multiplicam

de tal forma as possibilidades de alternância desses valores na

negociação, que o que chama a atenção não são as atitudes em si, mas

a transferência de uma atitude a outra, ou seja, a relação no mesmo

falante entre uma atitude favorável e desfavorável em relação à mesma

língua em um espaço muito curto de tempo (ou ainda uma atitude

favorável em relação a duas ou mais línguas com estatutos sociais muito

diferentes). (CAO PONSO, 2016, p. 136-137)

Assim, entende-se que, de fato, a situação de Moçambique causa conflitos entre

seus falantes, que ora valorizam uma língua em detrimento da outra, e ora atribuem valor

positivo a todas as línguas em contato, mesmo que estas tenham estatutos diferentes

dentro da sociedade. A seguir, então, tratar-se-á de como o aspecto multilíngue e todo

esse panorama parece funcionar na variedade moçambicana, considerando,

especialmente, os elementos que a aproximam e a diferenciam das outras variedades,

constituindo os eixos de um continuum de variação.

3.5 Formação das variedades do Português: das origens ao continuum afro-

brasileiro

Considerando as questões discutidas na seção anterior, faz-se necessário

apresentar, de maneira sucinta, o profícuo debate sobre as origens do Português

Brasileiro, já que o estudo tem como um dos seus objetivos observar, mesmo que de forma

resumida, se o contato linguístico – presente antes e durante o processo de difusão da

Língua Portuguesa por parte dos colonizadores europeus na África e atuante até os dias

correntes – exerce alguma influência sobre o Português falado hoje nessas áreas e definir

quais as implicações desses resultados para a interpretação do que aconteceu durante o

período de aquisição da Língua Portuguesa por parte dos moçambicanos.

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Assumindo o princípio do uniformitarismo33 (LABOV, 2001), acredita-se que os

resultados desta pesquisa poderão auxiliar na compreensão do processo histórico de

inserção da língua também em outras variedades, como a brasileira, que surgiram

igualmente em situação de contato linguístico com línguas indígenas e desde então

provocam forte oposição (rural x urbano / mais x menos escolarizado) nas comunidades

de fala. Assim, ao descrever as características do PM e tentar aproximá-las às do PB e/ou

do PE, configura-se naturalmente um debate sobre a origem das variedades, de modo que

é relevante compreender a polêmica discussão em torno desse assunto.

Ao investigar as origens do PB, encontram-se duas importantes linhas de

pensamento, que divergem em seus conceitos sobre como teria se dado a formação dessa

variedade. Uma dessas linhas, defendida por Naro; Scherre (2007), é conhecida como a

Tese da Deriva Secular e a outra, defendida por Lucchesi (2009), trata da hipótese do

contato entre línguas.

Segundo Naro; Scherre (2007), o Português Brasileiro seria uma continuação do

Português arcaico, com algumas pequenas alterações, pois “nada se identificou no Brasil

que também não ocorresse em Portugal” (NARO; SCHERRE, 2007, p. 13). Assim, os

autores afirmam que o PB não necessitava de qualquer influência estrutural vinda de fora,

porque, se existiu alguma influência externa, nenhum vestígio dela permaneceu, uma vez

que não produziu nenhuma estrutura nova ou qualquer outro efeito identificável. Dessa

forma, eles acreditam que as diferenças entre o PB e o PE são apenas uma questão de

grau e não de tipo, pois o contexto social do Brasil permitiu graus mais altos de liberdade

para a evolução de variações, uma vez que a hipótese deles está baseada no pressuposto

de que o PB tendia a “levar adiante tendências que já estavam presentes” (NARO;

SCHERRE, 2007, p. 67) no Português Europeu.

Em outras palavras, os autores assumem que não é possível evidenciar influências

como o multilinguismo de falantes adultos ou a interferência de primeiras línguas no

Português Brasileiro que fossem, a longo prazo, visivelmente diferentes das estruturas

advindas de Portugal. Assim, não teria ocorrido qualquer efeito diferente do input

33 Labov (2001) postula que o princípio do uniformitarismo se baseia na utilização do presente para explicar

o passado. Isto quer dizer que os eventos linguísticos que encontramos hoje são do mesmo tipo dos que se

desenvolveram em épocas passadas. Existem especificidades, como as regras que são aplicadas, que são

diferentes em cada época e não podem ser desprezadas. Ainda assim, os padrões gerais de mudança tender

a ser sempre os mesmos.

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europeu, mas as condições linguísticas e sociais teriam apenas acelerado a tendência de

entrada de novas variantes durante o processo de nativização do PE:

A língua portuguesa já veio para o Brasil com suas características

inapropriadamente denominadas de crioulizantes, que aqui floresceram,

regadas por condições sociais generosas, como uma norma linguística

mais branda e flexível, criada no contexto da existência de

multilinguismo generalizado e da aquisição de português como 2ª

língua. (NARO; SCHERRE, 2007, p. 133)

Por outro lado, para Lucchesi (2009), o PB seria consideravelmente diferente do

PE por causa, dentre outros fatores, da presença de pessoas de origem africana no Brasil,

cujas línguas nativas teriam influenciado o PB. Do ponto de vista teórico, essa influência

poderia ter ocorrido por meio de um estágio de pidgin ou de um crioulo de base lexical

portuguesa. Nesse caso, o autor refere-se ao conceito clássico de crioulização, ou seja,

um processo que passa por dois estágios: (i) no primeiro deles, há um pidgin que é

utilizado por não haver uma língua natural em comum entre as comunidades, estágio em

que o vocabulário surge de uma língua base e qualquer estrutura que estabeleça

comunicação é válida; (ii) no segundo estágio, normas gramaticais começam a surgir,

dando início à crioulização de fato, quando o pidgin se torna a língua nativa de uma das

comunidades.

A esse conceito relaciona-se a ideia de Transmissão Linguística Irregular, ou seja,

a Língua Portuguesa falada pelos brasileiros teria sua origem ligada ao contingente de

africanos que adquiriram o Português de forma “defectiva”, produzindo uma variedade

linguística muito diversificada e, teoricamente, não suscetível de análise ordenada. Não

havendo evidências inquestionáveis para os processos de pidgnização e crioulização na

formação do PB, o autor defende que teria havido um processo de transmissão linguística

irregular e que, no entanto, essa transmissão teria sido do tipo leve porque não levou à

reestruturação total da L2, como ocorre nas línguas crioulas.

O fenômeno da variação na concordância verbal é um dos temas mais usados para

exemplificar esse debate. Para a tese da Deriva Secular, a concordância seria um processo

contínuo e gradual de perda de marcas morfológicas, enquanto para a hipótese da

transmissão linguística irregular o contato linguístico teria produzido uma variedade

marcada pela redução da morfologia lexical do verbo, o que negaria a hipótese da Deriva.

Em outras palavras, o contato teria influenciado de maneira tão intensa que pensar apenas

em um processo gradual de perdas não refletiria o que realmente ocorreu: uma

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massificação dos modelos urbanos sendo introduzida nos contextos mais abrangentes

como a escola e os meios de comunicação, que permitiram a reprodução desse novo

modelo de morfologia reduzida em todas as áreas da sociedade.

As regras de concordância teriam sido profundamente afetadas; ao

passo que, a partir de meados do século XX, a regra estaria sendo

reintroduzida nessas comunidades rurais por influência dos modelos

linguísticos urbanos, através do deslocamento populacional, da

influência dos meios de comunicação de massa e massificação do

ensino público (LUCCHESI, 2009, p. 349)

As críticas de Lucchesi sobre a abordagem derivista estão relacionadas a questões

como a desvalorização de alguns fatores sociais específicos da variedade brasileira, a

polarização sociolinguística e o seletivismo. Sobre os fatores sociais desconsiderados na

abordagem da Deriva, o autor destaca o papel importante dos afrosdescendentes, com

suas línguas maternas diversificadas, o que propiciava forte e constante contato

linguístico para os indivíduos durante o processo de aquisição do Português:

[...] se a crioulização do português do Brasil foi, na melhor das

hipóteses, um fenômeno historicamente efêmero e localizado, não se

pode pensar seriamente que a língua portuguesa não foi diretamente

afetada pelo contato do português com as línguas africanas de uma

forma bem ampla e representativa, até porque os afrodescendentes se

integraram em todos os segmentos sociais e nos mais diferentes ramos

da atividade econômica, em todas as regiões do país; concentrando-se,

porém, na base da pirâmide social, em função das adversidades

históricas que tiveram que enfrentar. (LUCCHESI, 2009, p. 28)

Com isso, percebe-se que as condições para o aprendizado da língua do

colonizador eram bastante adversas, restringindo o conhecimento ao uso de um

vocabulário reduzido e à falta de estruturas gramaticais que alicerçassem a construção da

língua modelo que se pretendia alcançar. Assim, as crianças tinham acesso a um modelo

de língua defectivo, como ressalta Lucchesi (2009):

[...] as crianças têm de atender aos requerimentos de marcadores de

tempo, modo e aspecto, de regência e ligação, operadores pronominais,

etc., inerentes ao desenvolvimento de sua língua materna, a partir de

dados linguísticos primários que provêm, no caso da maioria dos

adultos que as cercam, de uma segunda língua desprovida da maior

parte desses elementos e mecanismos gramaticais (LUCCHESI, 2009:

p. 29)

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Para além disso, o autor afirma que muitas análises sobre a Língua Portuguesa

deixam de investigar o que ocorreu com aqueles indivíduos que não faziam parte da elite

portuguesa, ou seja, observam somente aqueles que adquiriram a língua com falantes

nativos, fazendo dela sua língua materna. Este é o princípio criticado por Lucchesi quanto

à polarização sociolinguística, que, de acordo com ele, é ignorada nas abordagens da

Deriva:

A polarização sociolinguística que marca a formação histórica da

realidade linguística brasileira, apartando a fala de uma elite que sempre

teve os olhos voltados para a Europa, em busca de seus modelos

culturais e linguísticos, da fala da grande maioria da população que, no

cadinho de sua pluralidade étnica, cultural e linguística, forjou os

elementos definidores da originalidade cultural e linguística do Brasil,

que tanto assombram e encantam o mundo ocidental, desautoriza todos

os estudos que apresentam uma história única para o português

brasileiro. Assim como “o português são dois”, a sua história é

igualmente bifurcada. (LUCCHESI, 2009, p. 30)

Por fim, sobre o seletivismo, o autor critica o fato de que a Tese da Deriva é

baseada em dados isolados, que levam a uma determinada tendência, ao invés de

indicarem o panorama geral das mudanças ocorridas na Língua Portuguesa falada no

Brasil. O autor justifica esse pensamento ao mencionar a simplificação morfológica:

Porém essa simplificação morfológica, característica das situações de

contato entre línguas, não se restringe, no português do Brasil, à

eliminação das regras de concordância. Em vários planos da estrutura

linguística, observa-se um quadro matizado e complexo, no qual os

processos de variação e mudança induzidos pelo contato entre línguas

apresentam resultados quantitativos diferenciados nas distintas normas

linguísticas que constituem a realidade da língua no Brasil atualmente.

(LUCCHESI, 2009, p. 72)

Assim, para Lucchesi, é possível concluir que – mesmo que não tenha havido um

processo abrupto de crioulização no PB, que desse origem a uma nova variedade

totalmente diferente do PE – não se pode desconsiderar o papel extremamente relevante

do contato linguístico na formação dessa variedade. Como explica a hipótese de Lucchesi

(2009):

[...] se as condições em que o contato do português com as línguas

indígenas e africanas ocorreram no Brasil não deram ensejo a processos

de crioulização do português duradouros e representativos, elas foram

bastante propícias a que os processos de variação e mudança

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desencadeados pelo contato linguístico afetasse, direta ou

indiretamente, todas as variedades históricas do português brasileiro,

sem atingir a intensidade necessária para produzir uma variedade

linguística qualitativamente distinta das demais, pois tal processo (a

crioulização) deve ter ocorrido, mas de forma localizada e efêmera, não

produzindo uma variedade linguística que se conservasse em uso até os

dias de hoje. (LUCCHESI, 2009, p. 34-35)

A partir de tal reflexão sobre as origens do PB, entende-se que, devido à

similaridade da formação deste com a formação do PM, principalmente devido ao intenso

contato linguístico durante o período de estabelecimento da Língua Portuguesa,

demonstra-se um fator muito significativo para a análise de ambas as variedades, mesmo

que alguns dos processos, como o estágio de crioulização, por exemplo, não sejam

comuns às duas. Se no Brasil, em que o contato ocorreu com mais vigor no início do

processo, alguns linguistas defendem a influência das línguas indígenas e africanas na

formação da variedade que se fala hoje, o papel das línguas locais em Moçambique é

igualmente relevante, ou até ainda mais expressivo, dado que a quantidade de línguas em

contato com o Português é muito maior e está fortemente presente nos dias atuais. Sendo

assim, a variedade moçambicana estaria mais próxima da variedade brasileira, em termos

de formação sócio-histórica, do que da europeia, que é, supostamente, seu modelo de

aquisição e instrução escolar.

Ponderando, então, as semelhanças no processo de formação do PB e do PM e

levando em conta os “desvios” da norma europeia encontrados em ambos (sobre os

“erros” em relação ao PE encontrados no PM, cf. Capítulo 2), cabe observar que cada

variedade da Língua Portuguesa indica similaridades e diferenças que ora as aproximam,

ora as afastam. Como aponta Petter (2015), a simetria entre PB e PM parece ocorrer pelo

fato de as duas variedades terem sido, em princípio, formadas de maneira bem parecida,

em contextos pós-coloniais:

A história colonial, compartilhada pela maioria dos países de língua

oficial portuguesa, difundiu a visão de que o português falado na

metrópole deveria ser o modelo para as demais variedades não-

europeias dessa língua. As ex-colônias, no entanto, desenvolveram uma

expressão própria de português, e criaram formas divergentes daquelas

da antiga metrópole, o que suscitou estudos comparativos que

apontavam os traços que afastavam da norma europeia as novas

variedades de português. (PETTER, 2015, p. 306)

O estudo comparativo das variedades do Português, especialmente a brasileira, a

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moçambicana e a angolana, permite que se reconheça a existência não só de diferenças

com relação ao Português Europeu, mas de semelhanças entre as três, haja vista o fato de

compartilharem suas origens em contatos linguísticos com línguas africanas de origem

bantu (cf. PETTER, 2015). As semelhanças fonológicas, lexicais e morfossintáticas

sugerem, nos termos de Petter (2008), a formação de um continuum afro-brasileiro do

português, já que a expansão da Língua Portuguesa teria ocorrido da mesma maneira, isto

é, através de um processo de colonização, semelhante à romanização, comum às três

variedades (PA, PB, PM):

Assim como o continuum de línguas românicas, o continuum dessas

variedades de português resulta de uma “mistura” de línguas locais com

uma língua dominadora comum. No caso da expansão do latim, essa

“mistura” não só uniu as variedades linguísticas derivadas desse contato

– reconhecidas hoje como línguas românicas –, mas também as

“separou” em diferentes línguas. (PETTER, 2015, p. 307)

Com esse continuum, entende-se que a língua europeia se multiplica em

variedades que partem de uma origem comum e passam por processos de mudança

distintos, a depender dos contextos em que se encontram. O PB, por exemplo, contava

ainda, na época de sua implantação, com a influência de línguas indígenas, enquanto o

PM, ainda hoje, convive em situação de contato linguístico intenso, já que as línguas

nacionais estão presentes na fala de uma comunidade que tem a Língua Portuguesa como

língua oficial, seja ela sua L1 ou L2. Portanto, propõe-se que:

[...] as variedades não europeias de português sejam colocadas num

continuum que tem num dos extremos as línguas parcialmente

reestruturadas – as variedades angolana, brasileira e moçambicana – e,

no outro, as línguas completamente reestruturadas – as variedades

crioulas de Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.

(PETTER, 2015, p. 315)

Ocorre que, como já atestado em trabalhos científicos e no continuum de

polarização de Lucchesi (2015), o Português do Brasil apresenta níveis variados de

aplicação da regra, definidos em grande parte por fatores de natureza extralinguística,

como a escolaridade e o eixo rural-urbano e outros de natureza linguística, como a posição

do sujeito em relação ao verbo, a saliência fônica, o paralelismo discursivo/oracional e a

distância entre o sujeito e o verbo. Sobre a variedade moçambicana, no entanto, é

necessário “aprofundar a descrição linguística propriamente dita, ancorada em quadros

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teóricos sólidos, que permitam explorar, de forma sistemática, os fatores internos e

externos envolvidos no desencadeamento de fenómenos de variação a nível da CV”

(GONÇALVES, 2015, p. 15), uma vez que os trabalhos realizados (cf. trabalhos citados

na p. 86) sobre a variedade moçambicana não apresentam nenhum tipo de

aprofundamento que os caracterize e que permita não só a comparação com outras

variedades, mas também a constatação da hipótese do continuum afro-brasileiro do

português.

Portanto, ainda que as pesquisas mencionadas (Seção 4.2.3) não sejam

compatíveis com as já realizadas sobre o PB e o PE em termos quantitativos, e muito

menos apresentem respostas definitivas sobre a variedade moçambicana do Português,

elas trazem luzes ao que se pretende buscar no presente estudo, ou seja, a constatação não

só de que há variação linguística nesta variedade, como há em qualquer língua natural,

mas a de que ela está intrinsecamente ligada às questões sociolinguísticas, como se verá

a seguir. Esse cenário é altamente produtivo para a pesquisa tanto qualitativa quanto

quantitativa, à luz dos pressupostos teóricos que se pretende empregar.

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4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA: A CONCORDÂNCIA VERBAL

Tema de grandes debates no que tange às variedades do Português, pretende-se

apresentar, resumidamente, nesta seção, os aspectos mais relevantes sobre a concordância

verbal. Considerando, primeiramente, a perspectiva dos compêndios gramaticais

tradicionais, serão levantadas as regras gerais de formação da marcação de número da

Língua Portuguesa, exploradas ao longo da Seção 4.1.

Ao lado da tradição, no entanto, caminham estudos sobre as variedades do

Português que demonstram a existência de variação na aplicação dessas regras,

especialmente nas variedades brasileira e africana, ou seja, nem todas as regras postuladas

pelas gramáticas, que têm o Português Europeu como modelo padrão, são aplicadas da

mesma maneira nas variedades. Logo, faz-se relevante explorar o que as pesquisas

encontraram como resultado dessa variação, para que se tenha um panorama geral da

situação em que se encaixa o fenômeno em estudo.

Sendo assim, objetiva-se, em seguida, na Seção 4.2, apontar os principais

estudos sobre essas variedades: a brasileira, que demonstra caráter efetivamente variável,

será apresentada na Seção 4.2.1; na Seção 4.2.2, observa-se a variedade europeia, cujos

resultados demonstram preferência pelos usos considerados padrão, caracterizando uma

regra semicategórica; e, por fim, as variedades africanas, analisadas na Seção 4.2.3, que

carecem ainda de estudos mais aprofundados, parecem estar localizadas entre as

variedades brasileira e europeia – com uma regra variável, de forma menos produtiva do

que no caso da brasileira, e não tão próxima do categórico, como no caso da europeia –,

sendo objetivo de tal pesquisa explorar a variedade falada em Maputo.

4.1 Abordagem tradicional

A abordagem tradicional, além de descrever as estruturas da língua, adota uma

orientação normativa, postulando regras diversas de comportamento social, sobretudo

para a escrita literária, dentre as quais está a de marcação de número, instituindo o que

constituiria o modelo de norma-padrão. De acordo com esse tratamento, o verbo e o

sujeito são solidários, uma vez que a forma verbal varia para se conformar à pessoa e ao

número expressos no sujeito, constituindo, assim, a concordância verbal padrão.

Postula-se a regra geral, então, para construções com sujeito de um só núcleo, de

maneira que o verbo deve concordar em gênero e número com esse sujeito simples. Já

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para o caso de existir mais de um núcleo na construção, o chamado sujeito composto, o

verbo deve ir para o plural e para a pessoa que tiver primazia na construção. O quadro a

seguir mostra as definições fornecidas pelos gramáticos brasileiros Cunha; Cintra e Rocha

Lima:

Ao lado da concordância gramatical, que abarca as regras de marcação nos verbos

com relação ao seu sujeito, a tradição apresenta o conceito de concordância ideológica,

que trata das realizações estruturais que fogem às regras básicas postuladas nos

compêndios. Nas palavras de Bechara (1987, p. 95), a concordância ideológica significa

um consentimento que se faz do “vocábulo para o sentido”. Dessa maneira, a forma é

desprezada e o foco é dado à ideia representada na palavra, ou seja, à ideia que a palavra

gera.

Para além da regra geral e da possibilidade de se concordar com a “ideia” ou

sentido plural, as gramáticas tradicionais apresentam, ainda, outras regras que são

definidas como particulares ou exceções. São elas: as expressões partitivas, as expressões

de quantidade aproximada, as construções com o verbo ser, com os pronomes

Regra geral

Sujeitos simples

(apenas um

núcleo)

“O verbo concorda em número e

pessoa com o seu sujeito, venha

ele claro ou subentendido”

(Cunha; Cintra, 2007, p. 511)

“Havendo um só núcleo

(sujeito simples), com ele

concorda o verbo em pessoa e

número.” (Lima, 1998, p. 353)

Sujeitos

compostos

(mais de um

núcleo)

“[...] quanto à pessoa, irá:

a) para a 1ª pessoa do

plural, se entre os

sujeitos figurar um da 1ª

pessoa;

b) para a 2ª pessoa do

plural, se, não existindo

sujeito da 1ª pessoa,

houver um da 2ª;

c) para a 3ª pessoa do

plural, se os sujeitos

forem da 3ª pessoa.”

(Cunha; Cintra, 2007, p.

512)

“o verbo vai o plural e para a

pessoa que tiver primazia, na

seguinte escala:

a) A 1ª pessoa pretere

todas as outras.

b) Não figurando a 1ª

pessoa, a precedência

cabe à 2ª.

c) Na ausência de uma e

outra, o verbo assume a

forma da 3ª pessoa

(Lima, 1998, p. 353)

Quadro 1 – Regras gerais de concordância verbal de acordo com gramáticas tradicionais brasileiras.

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interrogativos, indefinidos e demonstrativos, o pronome relativo “que”, expressões como

“um e outro” e “mais de um”, que podem ser sintetizadas no quadro a seguir:

Regras Particulares/Exceções

Expressões partitivas

Quando o sujeito é constituído por expressão

partitiva (como: parte de, uma porção de, o grosso

de, o resto de, metade de e equivalentes) e um

substantivo ou pronome plural, o verbo pode ir

para o singular ou para o plural. (CUNHA;

CINTRA, 2007, p. 513)

Expressões de

quantidade aproximada

(cerca de, perto de, mais

de, menos de, etc.)

Postas antes de um número no plural para indicar

quantidade aproximada, estas expressões requerem

a concordância no plural, exceto com o verbo ser,

em que há vacilação. (LIMA, 1988, p. 361)

Verbo “ser”

Quando o sujeito do verbo ser é um dos pronomes

isto, isso, aquilo, tudo, o (que) = aquilo (que), ou

uma palavra de sentido coletivo (o resto, etc.), e o

verbo vem acompanhado de um predicativo

constituído por um substantivo do plural, o verbo

concorda, em regra geral, com o predicativo.

(SILVEIRA, 1983, p. 216)

Quando o verbo ser, usado impessoalmente, tem

um predicativo, concorda com este. (SILVEIRA,

1983, p. 217)

Pronomes interrogativos,

indefinidos e

demonstrativos

Se o sujeito é formado por algum dos pronomes

interrogativos (quais?, quantos?), dos

demonstrativos (estes, esses, aqueles) ou dos

indefinidos no plural (alguns, muitos, poucos,

quaisquer, vários), seguido de uma das expressões

de nós, de vós, dentre nós ou dentre vós, o verbo

pode ficar na 3ª pessoa do plural ou concordar com

o pronome pessoal que designa o todo. (CUNHA;

CINTRA, 2007, p. 517)

Pronome relativo “que” (i) O verbo que tem como sujeito o pronome

Quadro 2 – Regras particulares de concordância verbal de acordo com gramáticas tradicionais

brasileiras.

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Através da descrição dos casos particulares, como a concordância ideológica e as

exceções supracitadas, indica-se que, no uso real da língua, a regra geral postulada nas

gramáticas não é aplicada categoricamente em todos os contextos, quando colocada em

prática pelos falantes. A partir das descrições sociolinguísticas, verifica-se, entretanto,

que a variabilidade presente no fenômeno da concordância ocorre em muitos contextos,

ainda que não explicitamente legitimada nos compêndios, e alcança alta produtividade

relativo que concorda em número e pessoa com o

antecedente desse pronome; (ii) se o antecedente

do relativo que é um demonstrativo, que serve de

predicativo ou aposto de um pronome pessoal

sujeito, o verbo do relativo pode concordar com o

pronome pessoal sujeito [...] ou ir para a 3ª pessoa,

em concordância com o demonstrativo; (iii)

quando o relativo que vem antecedido das

expressões um dos, uma das, o verbo de que ele é

sujeito vai para a 3ª pessoa do plural ou, mais

raramente, para a 3ª pessoa do singular; (iv) depois

de (um) dos que (= um daqueles que) o verbo vai

normalmente para a 3ª pessoa do plural. (CUNHA;

CINTRA, 2007, p. 514-516)

“um e outro”

O substantivo que se segue à expressão um e outro

só se usa no singular, mas o respectivo verbo pode

empregar-se no singular ou no plural. (LIMA,

1988, p. 356)

“mais de um”

Fica no singular o verbo, concordando com o

substantivo que acompanha a expressão. Se a

expressão mais de um estiver repetida, ou se for

intenção do escritor inculcar idéia de

reciprocidade, é ao plural que recorrem os bons

autores. (LIMA, 1988, p. 357)

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especialmente na gramática da fala popular, como já constatado em estudos realizados

sobre a oralidade.

Vale ressaltar que as gramáticas aqui mencionadas têm como propósito a

sistematização da gramática do Português padrão brasileiro, ou seja, elas consideram as

normas gramaticais da Língua Portuguesa que se encontram presentes na literatura de

escritores brasileiros, portugueses e africanos (cf. CUNHA; CINTRA, 2007). Em outras

palavras, baseiam-se nas normas daquilo que se considera o padrão da língua escrita, que

teve como modelo idealizado o Português Europeu, reconhecidamente muito distante do

Português popular brasileiro, especialmente em sua modalidade oral.

Ao que parece, esse cenário de um modelo padrão idealizado que sofre

divergências, particularmente na variedade popular do Brasil, é bastante similar ao que

ocorre no Português de Moçambique, onde muitos materiais didáticos de ensino de

Língua Portuguesa são produzidos por portugueses e a gramática é toda voltada para o

Português “padrão” escrito, enquanto a língua oral sofre fortes influências das línguas

bantu em uso na sociedade, causando uma separação entre o que se vê na escola e o que

se vivencia nos outros ambientes. Sendo assim, o estudo da gramática da fala desta

variedade tende a apresentar as mesmas variações ou, pelo menos, muito similares,

encontradas no PB, que são passíveis, portanto, de serem sistematizadas em estudos

variacionistas quantitativos e qualitativos.

A seguir, apresentam-se as principais tendências sociolinguísticas quanto à

concordância verbal nas três variedades do Português: a brasileira, a europeia, a são-

tomense e a moçambicana, respectivamente, com o objetivo de revisar a literatura sobre

o assunto e delimitar o escopo da presente pesquisa.

4.2 Descrições sociolinguísticas: tendências gerais

A Sociolinguística postula a variação como propriedade inerente à língua, e seu

objeto de estudo considera a sistematização da heterogeneidade presente nessa variação,

o que permite a caracterização das variedades de Língua Portuguesa. Segue, então, o

resumo das sistematizações da língua já realizadas por trabalhos variacionistas que se

debruçaram sobre o fenômeno da concordância verbal.

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4.2.1 No Português Brasileiro

Sobre a formação do Português Brasileiro (PB), especialmente sobre a variação

na concordância verbal, profícuo debate já desenvolvido por renomados linguistas

(NARO, 1981; SCHERRE; NARO, 1993, 2007; LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009)

levanta a possibilidade de existirem, pelo menos, duas concepções para seu

desenvolvimento, como resumido por Vieira; Bazenga (2013):

uma que pressupõe que os índices brasileiros de cancelamento da marca

de número tiveram origem no Português Europeu (PE) transplantado

para o Brasil, de acordo com o movimento próprio da deriva linguística;

e outra que propõe ser a falta de concordância brasileira resultante da

intensa situação de contato linguístico, que teria dado origem a uma

transmissão linguística irregular. (VIEIRA; BAZENGA, 2013, p. 29)

De acordo com esses pressupostos, Lucchesi; Baxter; Silva (2009), que defendem

a segunda proposta, sugerem o estabelecimento de um continuum que demonstra um

caráter crescente de aplicação das marcas no PB quando se observam a localidade (rural

x urbano) e a escolaridade dos falantes (menos escolarizados x mais escolarizados):

No que diz respeito à variação na aplicação da regra de concordância

verbal associada à 3ª pessoa do plural, o panorama sociolinguístico da

língua portuguesa no Brasil fornece importantes evidências empíricas

favoráveis à hipótese do contato entre línguas como móvel do processo

de variação e mudança. A primeira delas diz respeito aos níveis

diferenciados de variação que se encontram nas diferentes

variedades do português brasileiro, constituindo o seguinte continuum:

(i) nas comunidades rurais afro-brasileiras do interior do Estado da

Bahia, o nível de aplicação da regra de concordância é da ordem de

16%;

(ii) em comunidades de pescadores analfabetos ou pouco escolarizados,

no norte do Estado do Rio de Janeiro, esse nível sobe para 38%

(VIEIRA, 1997);

(iii) na fala de analfabetos da cidade do Rio de Janeiro, o nível de

aplicação já é de 48% (NARO, 1981);

(iv) na fala de indivíduos escolarizados das cidades do Rio de Janeiro e

de Florianópolis, na região Sul do Brasil, a regra de concordância verbal

já é aplicada com uma frequência de 73% e 79%, respectivamente

(SCHERRE; NARO, 1997; MONGUILHOTT; COELHO, 2002,

respectivamente);

(v) na norma urbana culta do Rio de Janeiro, os falantes usam a regra

com uma frequência de 94% (GRACIOSA, 1991). (LUCCHESI;

BAXTER; SILVA, 2009, p. 348)

A interpretação desse continnum é confirmada pelos muitos pesquisadores que já

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investigaram a concordância verbal de 3ª pessoa na variedade brasileira e comprovaram

claramente o panorama do comportamento de uma regra variável34 na marcação de plural,

além de constatarem as diferentes taxas de aplicação da regra dentro do continuum

proposto por Lucchesi et al. (cf., entre outros trabalhos variacionistas, NARO, 1981;

GRACIOSA, 1991; SCHERRE; NARO, 2006; VIEIRA, 1995; VIEIRA; BAZENGA,

2013).

Ressalte-se que, ainda que sejam destacadas apenas as investigações do mesmo

estado (Rio de Janeiro), os resultados obtidos em cada uma delas são bastante distintos,

como se verá a seguir (Tabela 5). Essa evidente distinção, relacionada principalmente aos

eixos do continnum de Lucchesi et al., demonstra claramente aquilo que os autores

chamam de polarização sociolinguística brasileira no que tange às regras de

concordância:

Os resultados das análises sociolinguísticas disponíveis revelam dois

processos distintos de variação e mudança: um processo de variação

estável nos segmentos urbanos intermediários (com um ligeira gradação

geracional na norma culta) e um processo de incremento do uso da regra

de concordância nos segmentos populares do campo e da cidade. [...] A

diferença nas tendências do processo de variação e mudança nos

estratos sociais urbanos de alta e média escolaridade, por um lado, e nos

segmentos populares, por outro, bem como as diferenças quantitativas

na frequência de uso das regras e as diferenças qualitativas na avaliação

subjetiva das variantes linguísticas, estão na base da formulação da

polarização sociolinguística do Brasil aqui apresentada. (LUCCHESI,

2015, p. 247-248)

Assim, para distinguir cada eixo desse continuum de polarização, Lucchesi (2015)

utiliza a seguinte nomenclatura, que identifica as variedades quanto aos níveis de

escolaridade e a localidade: o português urbano culto, representado por informantes de

áreas urbanas com ensino superior completo; o português urbano médio, retratado pelos

indivíduos que possuem de um a onze anos de escolarização, também de zonas urbanas;

o português popular rurbano, reproduzido por informantes com pouca ou nenhuma

escolaridade, moradores da periferia de comunidades urbanas, onde há integração entre

as culturas urbanas e rurais; o português popular urbano, refletido nos falantes

34 Conforme desenvolvido na Seção 3.1 deste trabalho, consoante Labov (2003), considera-se uma regra variável aquela que atinge até, aproximadamente, 94% de aplicação da regra, e semicategórica, aquela que varia entre 95% e 99% de aplicação. A categórica, consequentemente, seria aquela que chega aos 100% de aplicação da regra.

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analfabetos ou com pouquíssima escolaridade, residentes do interior; e o português

popular rural, que designa a língua de indivíduos também pouco escolarizados ou

analfabetos da zonal mais rural, com traços descontinuados e muito estigmatizados pelos

falantes urbanos cultos.

Tendo em vista que a variedade brasileira vem sendo investigada há muito tempo

e por muitos variacionistas dentro de cada uma das categorias listadas, optou-se por

destacar, na presente seção, trabalhos realizados no estado do Rio de Janeiro, já que não

caberia levantar dados de todas as investigações já realizadas sobre o fenômeno.

Considerando, então, a tipologia de normas proposta por Lucchesi (2015), a

investigação de Graciosa (1991) seria representante do português urbano culto, cuja

amostra foi baseada em entrevistas do projeto NURC-RJ; Scherre; Naro (2006), com base

no corpus PEUL-RJ, investigam o chamado português urbano médio; Naro (1981), cujo

trabalho teve como informantes indivíduos analfabetos da amostra Mobral-RJ,

representaria o português popular urbano. Vieira (1995), por sua vez, representa o

português popular rural, com pesquisa que utiliza amostras do Projeto Aperj-RJ.

Por fim, vale destacar que Lucchesi, Baxter; Silva (2009), ao discutirem o

continuum de uso da regra de concordância verbal na variedade brasileira como um todo,

trazem, ainda, dados de fala vernacular da comunidade de Helvécia-BA, representativos

do português popular rural. Apesar de ser um estudo com dados do estado da Bahia,

acredita-se ser importante mencionar o resultado final deste trabalho, já que este retrata o

extremo do continuum que não é descrito naqueles trabalhos realizados no Rio de Janeiro.

Considerando, portanto, todas essas pesquisas, é possível esboçar o continuum de

aplicação da regra de concordância, que vai de 94%, na investigação de Graciosa (1991)

do português urbano culto, a 16%, na pesquisa de Lucchesi et al. (2009) do português

popular rural. A partir dessa distribuição e com base na proposta dos autores sobre a

polarização sociolinguística brasileira, Vieira; Bazenga (2013, p. 61) sugerem a seguinte

distribuição para demonstrar o continuum:

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Tabela 5 – Continuum de marcação de pluralidade em verbos de P6 consoante os traços rural /

urbano e os graus de escolaridade em variedades brasileiras na proposta de Lucchesi et al. (2009).

[+ marcas] [- marcas]

RJ RJ RJ RJ BA

Urbano Urbano Urbano Rural Rural

Altamente

escolarizado

Moderadamente

escolarizado Analfabeto Analfabeto

Comunidades

afrobrasileiras

Graciosa

(1991)

94%

Scherre; Naro

(2006)

73%

Naro (1981)

48%

Vieira (1995)

38%

Lucchesi et al.

(2009)

16%

Fonte: Vieira; Bazenga, 2013, p. 61

Verificando sobretudo os extremos desse continuum, é possível observar a

polarização sociolinguística presente no PB, relacionada, principalmente aos fatores

escolaridade e perfil rural/urbano, já que é possível perceber o extremo distanciamento,

em termos percentuais, entre o Português da elite escolarizada (94%) versus o Português

das áreas mais rurais (16%). Em suma, quanto mais urbanos e mais escolarizados são os

indivíduos, mais altos são os índices de marcação de plural. Por outro lado, quanto mais

isoladas forem as comunidades, menores são as taxas de escolaridade e,

consequentemente, os índices de concordância são igualmente mais baixos.

Os estudos supracitados também demonstram que o cancelamento da marca de

concordância na variedade brasileira ocorre em contextos bastante variados. Observando

três desses trabalhos no Quadro 3 (GRACIOSA, 1991; SCHERRE; NARO, 2006;

VIEIRA, 1995) e os níveis de escolaridade dos informantes, Vieira; Bazenga (2013, p.

70) trazem o seguinte quadro, que resume as variáveis selecionadas como mais relevantes:

Quadro 3 – Variáveis relevantes em estudos de concordância verbal de P6: amostras brasileiras

com diferentes níveis de escolaridade.

Nível superior de

escolaridade

(Graciosa, 1991)

Nível intermediário de

escolaridade (Scherre;

Naro, 2006)

Ausência de

escolaridade

(Vieira, 1995)

Posição do sujeito em

relação ao verbo

Saliência fônica

(exceto 9-11 anos) Saliência fônica

Distância entre sujeito e

verbo

Posição do sujeito em

relação ao verbo

Paralelismo oracional e

discursivo

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Paralelismo discursivo Paralelismo oracional e

discursivo

Posição do sujeito em

relação ao verbo

Traço semântico do

sujeito – sem dados ou

não controlados

Traço semântico do

sujeito

Traço semântico do

sujeito

Presença do relativo que Distância entre sujeito e

verbo

Presença de pausa:

sujeito e verbo

Fonte: Vieira; Bazenga, 2013, p. 70

De acordo com o Quadro 3, os contextos estruturais explorados a seguir, comuns

à marioria dos estudos já realizados, parecem ser os mais significativos no fenômeno da

concordância verbal na variedade brasileira:

(i) a posição do sujeito em relação ao verbo – sujeitos em posição anterior ao verbo

favorecem a colocação das marcas de plural (ex. As encomendas chegaram), ao contrário

do que ocorre com sujeitos em posição posterior, pois o verbo “perde” a referência

singular/plural, permitindo maiores possibilidades de apagamento das marcas de número

no verbo (ex. Chegou as encomendas);

(ii) a saliência fônica – verbos em que a diferenciação entre as formas de singular

e plural é mais evidente propiciam a presença das marcas, como ocorre, por exemplo, no

par é x são. Por outro lado, formas muito similares como come x comem, em que a

diferença pode ocorrer apenas pelo acréscimo de nasalidade (-m), as chances de ocorrer

ausência de marcas de plural são mais elevadas;

(iii) o paralelismo – de acordo com esse princípio, a presença de marcas em todos

os constituintes do sujeito induz, por conta da repetição de formas, a marcação de número

no verbo (ex. Os meninos pequenos brincam no parque). Já a ausência de marcas no

sujeito possibilita o inverso, ou seja, o apagamento das marcas no verbo seguida da falta

de marcas do sujeito (ex. Os meninoØ pequenoØ brincaØ no parque);

(iv) traço semântico do sujeito – o traço semântico [+ animado] (ex. as pessoas)

favorece a presença de marcas de número, enquanto o traço [-animado] tende a

desfavorecê-la (ex. a fraqueza).

As variáveis que tendem a demonstrar maior relevância estatística em termos de

atuação sobre a marcação de plural, no entanto, parecem ser as sociais, especialmente a

escolaridade, já que tal tema é motivo de avaliações sociais bastante críticas e evidencia

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grandes diferenças entre a fala dos europeus e dos brasileiros. Esses julgamentos sociais

relacionam a ausência de concordância, em certos contextos, à falta de instrução escolar.

Como afirmam Vieira; Bazenga (2013):

[...] a ausência de marca de plural ocorre na fala de indivíduos

escolarizados brasileiros somente em construções que podem ser

consideradas não marcadas ou pouco salientes, aquelas que só chegam

ao nível da consciência em situações mais monitoradas: (i) “sujeito”

posposto (chegou os livros); (ii) sujeito anteposto, quando distante do

verbo, representado pelo relativo que, com discreta diferenciação fônica

entre as formas singular e plural (o rapaz e a moça que sempre de

manhã pode ver o sol nascer). Assim, no PB, constitui traço indexical

de iletramento/pouca instrução a ausência de marca de plural em

contextos salientes: sujeito anteposto (sobretudo quando não marcado),

próximo ao verbo com alto grau de saliência fônica (como em os

menino saiu). VIEIRA; BAZENGA, 2013, p. 70-71)

A partir das observações da diversidade de contextos em que a ausência de

concordância verbal ocorre no PB, seja por motivos estruturais ou por razões sociais,

como a escolaridade e o perfil rural/urbano, é possível chegar à conclusão de que a

marcação de plural nessa variedade constitui, nos termos de Labov (2003), uma regra

variável, ou seja, varia, em diversificados contextos, entre os 5% e os 95% de aplicação

das regras de marcação de plural no verbos de terceira pessoa do plural.

4.2.2 No Português Europeu

O Português Europeu é a variedade tida como modelo de formação para todas as

outras variedades do Português, por ter-se configurado historicamente como língua de

maior prestígio, representante do colonizador e das oportunidades de ascensão social. Por

representar a idealização do que seria o padrão correto a ser seguido, o PE é, muitas vezes,

considerado como uma língua em que a variação é inexpressiva, especialmente no que

tange ao fenômeno da concordância verbal, porque sua ocorrência seria ínfima.

Ao explorar essas ocorrências classificadas como “ínfimas”, Lucchesi (2006, p.

108) questiona: “esse nível irrisório de variação não poderia ser melhor analisado como

acidentes de performance, não se configurando, portanto, um processo efetivo de variação

estruturada?”. No entanto, Naro; Scherre (2007) afirmam que é possível encontrar, no

Português Europeu, estruturas variáveis muito semelhantes às encontradas no Português

Brasileiro, seja no momento atual ou no período anterior à colonização, mesmo que essas

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ocorrências sejam em menor quantidade e em contextos menos variados.

Assim, Naro; Scherre (2007), ao realizarem um estudo com documentos do século

XVI, encontraram 200 ocorrências de ausência de concordância em textos medievais no

Português Europeu. Nos 8 textos analisados, foram encontrados casos de formas verbais

sem a presença de marcas de terceira pessoa do plural, casos de verbo no singular em que

supostamente a norma exigia a forma plural.

Alguns trabalhos variacionistas (VAREJÃO, 2006; MONGUILHOTT, 2009;

GANDRA, 2009; VIEIRA, 2011; RUBIO, 2012; MONTE, 2012; VIEIRA; BAZENGA,

2013), ainda que sejam poucos em comparação à quantidade de estudos sobre a variedade

brasileira, se voltaram ao estudo do fenômeno no Português Europeu e confirmaram a

existência de certos casos de oscilação na marcação de número, em alguns dos contextos

em que ocorre ausência de marcas, seja no PB, seja no PM. Os principais contextos

mencionados por esses autores são: sujeito posposto, sujeito não realizado, sujeito

inanimado e sujeitos representados por pronome relativo “que”. Essa oscilação, portanto,

poderia representar uma regra semicategórica, ou seja, a aplicação das regras de

concordância oscilaria entre 95% e 99% de marcação. Em outras palavras, ao contrário

do que inicialmente se acreditava, não é possível afirmar que estamos diante de uma

variedade com índices categóricos de marcação de plural, mas, ao mesmo tempo, ela não

pode ser comparada aos níveis totalmente variáveis do PB, por exemplo.

Vieira; Bazenga (2013) em estudo comparativo sobre a concordância em P6 entre

as variedades do Português registram os resultados dos trabalhos de VAREJÃO, 2006;

MONGUILHOTT, 2009; GANDRA, 2009; RUBIO, 2012; MONTE, 2012; VIEIRA;

BAZENGA, 201335, constatando que, independentemente da localidade em que a

comunidade de fala se encontra, a realização das marcas de plural é preferência entre os

falantes da variedade portuguesa, já que “todas as amostras apresentam mais de 90% de

realização da marca” (VIEIRA; BAZENGA, 2013, p. 62).

Considerando apenas os trabalhos que trataram estatisticamente as variáveis

relevantes à marcação de número no PE, as autoras destacam o seguinte panorama, que

representa os poucos fatores que revelariam os contextos nos quais houve ausência de

concordância na variedade europeia:

35 Os índices de marcação dos estudos são, respectivamente, 91%, 91%, 96.5%, 93.9%, 93.1%, 99.2% em

Cacém e 94.7% em Funchal.

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Quadro 4 – Variáveis relevantes em estudos de concordância verbal de P6 com amostras

europeias.

Monguilhott (2009) Rubio (2012) Monte (2012)

Traço semântico do

sujeito

Posição do sujeito em

relação ao verbo

Posição do sujeito em

relação ao verbo

Posição do sujeito em

relação ao verbo

Traço semântico do

sujeito

Traço semântico do

sujeito

Tipo de verbo Tipo morfológico do

sujeito

Tipo estrutural do

sujeito/SN

Tipo de verbo (verbo

‘ser’ versus outros

verbos)

Saliência fônica

Fonte: Vieira; Bazenga, 2013, p. 71.

Diferentemente do que ocorre na variedade brasileira, no PE os contextos em que

a ausência de marcas de plural ocorre parecem ser mais restritos, relacionados

basicamente à posição e ao traço semântico do sujeito, como se pode ver no quadro. O

tipo de verbo e o tipo estrutural do sujeito também parecem ser relevantes para a variação,

ainda que não sejam os primeiros fatores selecionados como principais atuantes.

Monte (2012) corrobora essas afirmações ao resumir os resultados de sua

pesquisa:

Os nossos resultados mostram que há uma regra mais consistente do

ponto de vista estrutural no PE para a concordância, que vai se pautar

em uma percepção mais nítida da função sujeito ou da ideia de que a

marca de plural no verbo é um modo de marcar a relação desse verbo

com o sujeito. Vemos que aspectos mais ligados ao processamento

linear da relação sujeito-verbo (paralelismo, adjacência/ruptura) atuam

na variação da concordância verbal no PB, mas não afetam a

concordância verbal no PE. (MONTE, 2012, p.161)

Sobre os resultados do PE quanto à escolaridade dos indivíduos, variável

extremamente relevante na variedade brasileira, Monte (2012) acrescenta:

A variável que mais se mostrou relevante na amostra do PB foi a

escolaridade. Já na amostra lusitana, a variável não obteve significância

estatística. Na amostra brasileira, vemos nitidamente a crescente

frequência de concordância à medida que aumenta a escolarização. Na

amostra do PE, as diferenças nos índices de frequência são irrelevantes

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do ponto de vista estatístico. (MONTE, 2012, p. 161)

Por fim, vale salientar que, ponderando os resultados obtidos nos trabalhos ora

citados e consoante Labov (2003), Vieira; Bazenga (2013) ainda destacam os registros

que variam de 91% a 94% de aplicação das regras, discutindo se esses índices poderiam

representar uma regra variável no PE, já que estariam abaixo do limiar delimitado para o

estudo que fizeram. Sendo assim, por se encontrarem abaixo dos 95% de aplicação das

regras de concordância verbal, esses resultados não confirmariam seguramente a tese de

que no PE existiria somente uma regra semicategórica. No entanto, após amplo debate

sobre os procedimentos metodológicos adotados em cada estudo, as autoras demonstram

que os critérios referentes à coleta dos dados seriam os principais responsáveis pela

diferença nos índices gerais de concordância.

Sendo assim, Vieira; Bazenga (2013) concluem que, seja pelos aspectos

quantitativos ou qualitativos, o PE e o PB vernacular são bastante distintos, apesar de os

dois apresentarem alguns contextos semelhantes de ausência de marcas. Por sua vez, as

restrições em relação à concordância verbal são de ordens extremamente diferentes:

enquanto o PB registra uma lista de restrições sociais e estruturais particulares da

variedade, o PE parece demonstrar falta de concordância em contextos de “caráter

universal”, ou seja, contextos estritamente linguísticos que não podem ser generalizados

como representativos das origens de uma única variedade porque eles

[...] constituem tão somente o registro do comportamento específico de

estruturas sintática, semântica e foneticamente particulares; de fato, o

conjunto de fatores em atuação nas três variedades do PE parece

obedecer a condicionamentos morfofonológicos (sândi-externo) e

sintático-semânticos do tipo genérico ou “universal”, não podendo ser

indicadores que caracterizam cada uma destas variedades. (VIEIRA;

BAZENGA, 2013, p. 74)

Sabe-se, então, que PB e PE representam polos opostos de acordo com as

restrições linguísticas e extralinguísticas que atuam sobre a variação na concordância

verbal. Resta, então, compreender o fenômeno em estudo nas variedades africanas, com

o objetivo de estabelecer semelhanças e diferenças que as aproximem mais do PB ou do

PE, em termos qualitativos e quantitativos.

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4.2.3 No Português de Moçambique

As variedades africanas do Português, e de modo particular a moçambicana,

carecem de trabalhos variacionistas que se ocupem do fenômeno da concordância verbal

em termos quantitativos, ou seja, que apresentem resultados que permitam a

caracterização dos padrões de concordância verbal, especialmente o de 3ª pessoa36, que é

de interesse da presente pesquisa. Gonçalves (2015) resume o que já foi feito nessa área

de estudo:

A maior parte dos estudos sobre a CV em PM, num total de 8, foram

realizados numa perspectiva descritiva e, em alguns casos, têm como

horizonte intervenções didáticas, destinadas a promover a competência

gramatical dos estudantes nesta área gramatical. Esta dimensão didática

decorre do fato de que, em Moçambique, tal como acontece no Brasil,

a não-realização da regra de concordância verbal constitui “um traço de

diferenciação social, de cunho estigmatizante” (Vieira, 2007, p. 85).

Até ao momento presente, não foram realizados estudos quantitativos

com o objetivo de descrever detalhadamente o padrão da concordância

variável no SV. (GONÇALVES, 2015, p. 13)

Esses poucos trabalhos já realizados (cf. GONÇALVES, 1997; GONÇALVES et

al. 1998; ANTÓNIO, 2011; BAVO, 2011; NHONGO, 2005; JEQUE, 1996; JUSTINO

2015; MORENO; TUZINE, 1997)37 mostram, em certa medida, tendências similares às

verificadas no PB, apresentando alguns “desvios” à norma do PE com relação à marcação

de número no verbo, como se verá a seguir.

Gonçalves (1997) apresenta a caracterização da “Tipologia de erros do Português

Oral de Maputo”, considerando aspectos de léxico, léxico-sintaxe, sintaxe e

morfossintaxe em dados de fala. Tal tipologia faz parte do projeto Panorama do Português

Oral de Maputo (PPOM), cujo objetivo era a construção de um corpus da modalidade

36 Os poucos trabalhos realizados sobre a variedade são-tomense (Figueiredo, 2009, 2010; Jon-And, 2011;

Vieira, 2011; Brandão; Vieira, 2012, Vieira; Bazenga, 2013, Vieira; Brandão, 2014) mostram tendência de

uma aplicação parcial da regra no PST, assumindo comportamento de uma regra variável, como ocorre na

variedade brasileira. Ocorre que o Português do Brasil apresenta níveis mais baixos de aplicação da regra

e uma gama muito mais variada de contextos desfavorecedores da marcação de número. Portanto, a

concordância nessa variedade africana se encontraria entre as duas variedades, não alcançando níveis tão

similares aos da variedade europeia, nem apresentando níveis tão baixos quanto os do PB em variedades

urbanas populares.

37 Cabe ressaltar que esses trabalhos apenas apontam os fenômenos sintático-semânticos que sofrem

variação, sem caracterizá-los de forma quantitativa. Assim, ainda que apresentem exemplos relacionados à

concordância verbal de 3ª pessoa, não indicam resultados que determinem o padrão de CV da variedade

moçambicana.

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oral do Português de Moçambique, que servisse de fonte para estudos sobre a variedade.

Considerando apenas falantes de Português como L2, a autora tinha como objetivo

identificar as estruturas da fala desses informantes que fugissem à norma padrão do PE e

categorizá-las de acordo com propriedades específicas do sistema linguístico do PM.

Sobre o uso da palavra “erros” a autora explica:

No âmbito da pesquisa, estas construções não padrão foram

classificadas como “erros” por razões de natureza diversa. Por um lado,

este termo é usado numa perspectiva prescritiva e, por outro lado, é

aplicado na perspectiva de aquisição/aprendizagem de uma língua. A

perspectiva prescritiva foi motivada, em primeiro lugar, pelo facto de

considerarmos que as dimensões reduzidas do corpus [...] não

autorizava ainda a formulação de generalizações válidas para o corpus

de uma forma geral [...] Além disso, tendo em conta que a competência

linguística dos informantes selecionados se apresenta muito variável e

diversificada, não é ainda possível tratar as construções não padrão por

eles produzidas como norma(s) local(is) [...] No decurso da aquisição /

aprendizagem [...] o termo é usado como indicador das áreas de

fossilização do Português/L2 [...] vistas como zonas desta língua para

as quais são provavalemente requeridas metodologias específicas de

ensino (GONÇALVES, 1997, p. 3-4)

Apesar de não aprofundar os estudos sobre a concordância verbal em si, é válido

destacar sua percepção de que “No que se refere aos ‘erros’38 de concordância em número,

predominam os casos de uso de formas verbais no singular em contextos que requerem o

plural.” (GONÇALVES, 1997, p. 61). Os exemplos usados pela autora são

especificamente de 3ª pessoa do plural, em sujeitos pospostos, contexto de alta relevância

para a ausência das marcas de concordância verbal, mas também em sujeitos antepostos.

(GONÇALVES, 1998, p. 128,129)39:

a. As senhoras também amantiza. (PE= também se amantizam)

b. Se os preços dos transportes público fosse um bocado baixos... (PE= fossem)

c. De momento agora as coisas está normal. (PE= estão)

d. Ultimamente os casamentos não dura. (PE= duram)

38 A autora considera como “erros” os casos em que a flexão do verbo em número não está de acordo com

as regras gramaticais europeias.

39 Destacam-se, também, nos trabalhos da referida autora, casos (que não foram objeto de investigação na

presente pesquisa) em que há “desvios” de concordância quanto à pessoa do verbo e casos em que ocorre

flexão verbal no plural em sujeitos que representam coletivos.

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e. Foi quando começou os problemas. (PE= começaram)

f. Então chega as pessoas. (PE= chegam)

g. Vai começar as eleições. (PE= vão)

Investigando textos escritos por universitários do primeiro ano de ensino de

Português da Universidade Pedagógica da Beira, Nampula e Quelimane, António (2011)

destaca 42 frases que apresentam “desvios à concordância verbal”, produzidas por 32

informantes do corpus em questão. Em suma, “constatou-se que os «erros» mais

evidentes são os que se registam em frases que envolvem as seguintes estruturas: SN/SU

coordenados (SN/SUs complexos) e SN/SUNulo ser PredSU/temporal.” (ANTÓNIO,

2011, p. 24). A seguir, exemplos extraídos de seu estudo:

[SN concorrência desleal e a lei de “vence o mais forte]” [pl] obriga-nos[sing] a

optar por profissões (LAN/05/NAM) (= obrigam-nos)

[SN o clima e a temperatura][pl] mudou[sing] os pensamentos (MRO/05/NAM)

(= mudaram)

penso que [SN um ou outro jovem][sing] sabem[pl] algo sobre (USS/05/QUE) (=

sabe)

dois jovens, com características esfomeadas e todos esfarrapados (…) pensei que

também [-]SU era[sing] viajante (NOC/05/QUE) (= eram)

a polícia que estava a dez metros do local, simplesmente [-]SU limitaram-se[pl]

a dizer (NOC/05/QUE) (= limitou-se)

os estudantes do ensino superior (…) iludidos pelo dinheiro que necessitam uma

vez que [-]SU não vai[sing] fazer nada (SAL/05/QUE) (= vão)

acontece[sing] [SN muitos problemas] [pl] (RAV/05/BEI) (= acontecem)

ainda não existem[pl] [SN maneira eficaz de eliminação][sing] (LUI/05/QUE)

(= existe)

existe[sing] [muitos ladrões] [pl] (LAN/05/NAM) (= existem muitos ladrões)

António afirma que os contextos mais propícios a “erros”, que ele chama de

“áreas problemáticas”, ocorrem com três tipos de sujeito: o pronome relativo, os sujeitos

complexos e os nulos. Além dessa discussão, é possível ver destacados nesse trabalho os

mesmos casos exemplificados por Gonçalves (1998), como a ausência de marcas quando

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os sujeitos estão pospostos ao verbo e a presença de verbos flexionados no plural em

contextos em que a norma do PE seleciona verbos no singular.

Depois da exposição dos “erros”, o autor lista estratégias de ensino da regra

gramatical para esses “desvios”, ainda que apresentem baixa ocorrência, num corpus que

registrava 28.854 palavras. Assim como ele, Bavo (2011) também dá ênfase a estratégias

de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa, apresentando listas de exercícios para o

treinamento da concordância verbal em sala de aula.

Tanto António (2011) quanto Bavo (2011) usaram, como base teórica para suas

pesquisas, o estudo de Nhongo (2005), primeiro trabalho que buscou os “desvios” da

concordância verbal em corpus escrito por (60) estudantes universitários. As tendências

encontradas no trabalho da autora são as mesmas explicitadas por António e Bavo, sendo

que Nhongo (2005) dá destaque ao fato de os dados mostrarem que as divergências em

relação à norma ocorrem na concordância em número, mas não em pessoa, especialmente

no discurso de falantes com grau de escolaridade superior. Alguns exemplos de Nhongo

(2005) são distribuídos em dois grupos:

(i) verbos em que não há marca explícita de plural quando ela é exigida pela

gramática europeia40. Os “desvios” dessa natureza encontrados no corpus ocorrem em

“sujeitos compostos” (a); “sujeitos complexos” (b); sujeito não realizado em frases

complexas (c) e sujeitos pospostos ao verbo (d):

a. As doenças, a fome e a morte é outra tragédia.41 (PE: são)

b. ... bens necessários e básicos para um indivíduo adquirir está muito além das suas

capacidades. (PE: estão)

c. Muitos jovens enfrentam estas dificuldades, no entanto [ - ]i não desiste. (PE:

desistem)

d. [ - ] acontece muitos problemas. (PE: acontecem)

40 É importante ressaltar que os exemplos retirados de tal pesquisa utilizam a sigla “PE” para demonstrar

aquilo que seria a concordância padrão da variedade europeia, como se esta não fosse passível de variação

e nunca houvesse registro de uso não padrão destas formais verbais. Para maiores informações sobre o PE,

cf. Seção anterior (4.2.2)

41 Tal estrutura poderia representar uma leitura de tópico, na qual o verbo copulativo concorda com o

elemento pós-verbal e a concordância com o sujeito da oração no plural sugeriria certa inaceitabilidade.

Para maior aprofundamento dessa interpretação, conferir Galves (1998).

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(ii) Aqueles em que a norma exige o verbo em sua forma singular, mas este

aparece flexionado no corpus em questão. Essas ocorrências foram encontradas em casos

de presença de verbo existencial (e) e de sujeitos que representam coletivos (f, g):

e. Estou certo de que [ - ] haverão leis que vão defender as crianças clonadas. (PE:

haverá)

f. A camada juvenil não tinham preocupação com o seu futuro. (PE: tinha)

g. A população desta zona usam roupa importada da África do Sul. (PE: usa)

Em outra testagem feita com alunos universitários, Justino (2015a) reforça os

argumentos sobre os casos em que mais ocorre falta de concordância e o papel da variável

escolaridade nesse fenômeno, como resume Gonçalves (2015) a seguir, assinalando que

os alunos:

revelam mais dificuldades em aplicar as regras de CV quando a posição

de sujeito está vazia, quer porque este está posposto ao verbo, quer por

não estar realizado lexicalmente em frases complexas. Os resultados

parecem indicar que esta é a área da CV que apresenta maiores desafios

para a população moçambicana, mesmo para aquela que tem um grau

de instrução superior. (GONÇALVES, 2015, p. 14)

Diferentemente das outras abordagens, Jeque (1996) teve por objetivo testar a

hipótese de que a falta de marcas de concordância no verbo estaria relacionada ao maior

preenchimento do sujeito. Os resultados, no entanto, não permitiram tal constatação, uma

vez que muitos dos registros utilizados pelo autor apresentavam sujeitos preenchidos.

Sobre esse contexto específico, Duarte; Varejão (2013) discutem a relação entre

sujeitos (não)preenchidos e a flexão verbal nas variedades brasileira e europeia,

afirmando que não existe uma correlação direta entre os dois elementos, ou seja, não

haveria compensação morfológica no verbo pela presença de um sujeito explícito. Essa

ideia de “compensação” parece ser a explicação da hipótese inicial do autor para a

ausência de marcas de concordância. As autoras, todavia, declaram que o PB está em

processo de mudança em progresso, pois, apesar de haver elementos externos que

auxiliem a identificação do sujeito nulo, os contextos típicos de sujeitos nulos referenciais

apresentam, preferencialmente, sujeitos preenchidos, independentemente da presença de

um sujeito referencial. A tendência geral, portanto, é a de se preencher os sujeitos na

maioria dos contextos, já que está se perdendo a possibilidade de identificar o referente

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sujeito pela desinência verbal. Ao que parece, o preenchimento do sujeito cada vez maior

é uma consequência da ausência de marcas de plural no verbo e não o contrário.

Por fim, Moreno; Tuzine (1997) analisam o papel dos fatores sociais na variação

linguística do Português de Moçambique. Os autores estudaram esses fatores em uma

amostra com entrevistas de 20 informantes do corpus PPOM (Panorama do Português

Oral de Maputo), fazendo um estudo das variáveis linguísticas em relação às variáveis

extralinguísticas (idade, escolaridade, profissão, e local de residência). De acordo com os

autores:

Os resultados obtidos permitem-nos observar que os fenómenos de

variação que se manifestam no POM não podem nem devem ser

explicados recorrendo-se apenas a uma ou duas variáveis sociais

isoladamente, parecendo, pelo contrário, decorrer de uma

multiplicidade de factores, actuando em conjunto. Assim, os resultados

da análise mostram que o nível de escolaridade e a profissão são

factores mais relevantes do que a idade e o local de residência, para a

ocorrência de desvios no discurso dos falantes da nossa amostra.

(MORENO; TUZINE, 1997, p. 87)

Assim, pode-se concluir que a concordância verbal é, de fato, uma área da

gramática da Língua Portuguesa que merece atenção na variedade moçambicana. Ao que

tudo indica, o olhar quantitativo faz-se necessário para a constatação do tipo de regra

existente nessa variedade e, consequentemente, o estudo qualitativo das ocorrências

encontradas pode levantar hipóteses importantes sobre o Português de Moçambique que

parece estar se construindo de maneira independente – distanciando-se um pouco tanto

do PB quanto do PE. A próxima seção, portanto, dedica-se à exploração da metodologia

utilizada para a obtenção dos resultados estatísticos da variedade em questão.

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5 METODOLOGIA

A presente seção é dedicada à apresentação dos aspectos metodológicos da

pesquisa, dentre os quais se destaca a descrição do corpus utilizado para este estudo,

necessária para a compreensão de suas especificidades, especialmente no que tange ao

perfil dos informantes. Além disso, também são apresentadas as etapas realizadas ao

longo do trabalho e, mais especificamente, os procedimentos iniciais adotados quanto às

rodadas estatísticas executadas para a obtenção dos resultados que serão apontados no

Capítulo 742.

5.1 Montagem e elaboração do corpus

O banco de dados utilizado nesta pesquisa faz parte de uma amostra elaborada e

construída pela autora deste trabalho e sua orientadora, Professora Silvia Rodrigues

Vieira, em pesquisa de campo realizada no período de 15 a 29 de setembro de 2016, em

Maputo, Moçambique-África. Inicialmente, buscava-se entrevistar, ao menos, 18

indivíduos nascidos em Maputo, que se declarassem falantes de Português como língua

materna. Esses 18 indivíduos deveriam preencher os critérios estabelecidos para a

pesquisa em relação à idade, à escolaridade e ao sexo, critérios que já haviam sido usados

na constituição de amostras brasileiras e europeias, quais sejam: um homem e uma mulher

de cada uma de três faixas etárias (18-35 anos; 36-55 anos; acima de 56 anos) e de três

níveis de escolaridade (ensino fundamental; ensino médio; ensino superior).

Com base em um planejamento inicial junto aos pesquisadores Perpétua

Gonçalves e Victor Mércia Justino Cumbana, da Universidade Eduardo Mondlane, e a

professora Maria João Carrilho Diniz, diretora da Biblioteca Central de Maputo,

realizaram-se 35 entrevistas sociolinguísticas com indivíduos moçambicanos residentes

na comunidade urbana de Maputo.

Ressalte-se que a professora Maria João Carrilho Diniz, moçambicana, nascida na

província de Cabo Delgado, por ter atuado durante muito tempo como professora de

Língua Portuguesa nas escolas de Moçambique e ser conhecedora da atuação das línguas

locais em relação ao Português, concedeu-nos um relato extra, riquíssimo em informações

42 No início do Capítulo 7, são descritos os amálgamas entre os fatores durante as análises das rodadas

multivariadas.

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sobre a multiplicidade de línguas e o possível perfil básico do PM falado atualmente no

país. Tal relato foi devidamente gravado de modo a constituir referência para as reflexões

feitas na presente pesquisa, especialmente acerca das variáveis sociais, uma vez que suas

declarações trazem luz à interpretação dos resultados obtidos e permitem o levantamento

de hipóteses quanto à formação do Português de Moçambique.

A elaboração do corpus foi uma atividade vinculada ao projeto “Estudo

comparado de padrões de concordância em variedades africanas, brasileiras e

portuguesas: a natureza das restrições e o contato linguístico”43, financiado pela FAPERJ

(Projeto E-26/201.436/2014), no âmbito do Programa de Pós-graduação em Letras

Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O objetivo principal do citado

projeto é tratar da concordância e, a partir dela, descrever o perfil sociolinguístico das

comunidades de fala da Língua Portuguesa, quais sejam: brasileiras, europeias e/ou

africanas. Os dados obtidos são oportunamente submetidos a uma abordagem contrastiva.

Tendo em vista essa abordagem, buscaram-se perfis sociais que se encaixassem e

fossem comparáveis àqueles já selecionados em trabalhos realizados nas outras

variedades do Português, como a brasileira e a europeia. No entanto, a observação

cuidadosa dos perfis fez notar que, devido ao caráter social bastante distinto entre a

comunidade em questão e as outras já estudadas, a distribuição dos informantes pelas

células sociais não pôde ser feita exatamente da mesma maneira. Assim, cabe ressaltar a

importância de se compreender a riqueza cultural e a diversidade de origens e de línguas

dos informantes entrevistados nessa amostra.

Todos os informantes são falantes de Língua Portuguesa, seja ela sua língua

materna ou não, já contrariando o primeiro dos critérios estabelecidos a princípio. Ao

longo das entrevistas, eles foram inquiridos acerca dos hábitos culturais da vida em

Moçambique, situações da vida cotidiana (transporte, educação, saúde, política) e da

família (hábitos e tradições), e, ainda, da(s) língua(s) que falam e/ou compreendem, além

do Português, na sua comunicação diária na comunidade (para mais detalhes sobre o

roteiro da entrevista, cf. Anexo I).

43 O projeto submetido à FAPERJ é parte integrante do grupo de trabalho da ALFAL (Associação de

Filologia e Linguística da América Latina), intitulado Estudo comparado dos padrões de concordância em

variedades africanas, brasileiras e europeias do Português (Projeto ALFAL – Fase 2).

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5.2 Seleção dos informantes

Para compreender os perfis entrevistados para esta pesquisa, é necessário destacar

alguns fatos extremamente relevantes para a sociedade moçambicana e, especialmente,

para os habitantes de Maputo; são eles: a relação do indivíduo com a Língua Portuguesa

e as línguas locais, e sua escolaridade. Além disso, o local de origem do indivíduo parece

afetar consideravelmente essa relação entre o Português e as diferentes línguas nacionais

faladas nas diversas províncias.

Sendo Maputo a capital do país, houve, como ocorre na maioria dos centros

urbanos de que se tem conhecimento, migrações para a cidade – especialmente depois da

independência – de pessoas em busca de melhores condições de vida, à procura de

melhores empregos e educação de qualidade. Com isso, o primeiro cenário que se

encontra na cidade é o de pessoas de origens muito distintas, vindas de todas as províncias

de Moçambique: Zambézia, Tete, Niassa, Gaza, Inhambane, Nampula, Sofala, Manica e

Cabo Delgado. A Figura 1, a seguir, demonstra a distribuição geográfica das províncias

e a distância delas em relação à capital, Maputo:

Figura 1 – Mapa das Províncias de Moçambique

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Por conta disso, apesar de buscarmos inquirir pessoas nascidas e criadas na cidade

de Maputo, muitas entrevistas, na verdade, contemplam indivíduos nascidos em outras

províncias e/ou que têm pelo menos um membro de sua família, seja o pai, a mãe ou o

cônjuge, que advém de alguma delas. Tal situação afeta diretamente a questão das línguas

faladas por esses indivíduos, já que em cada província existe uma língua local que é mais

utilizada, para além do Português, língua oficial do país. Em outras palavras, cada

indivíduo que passa a morar na capital carrega consigo as influências de sua própria

língua, além de adquirir, independentemente do nível de proficiência, ao menos uma das

principais línguas faladas em Maputo, Changana e Rhonga.

Assim, podemos aferir que quase todos os entrevistados falam o Português e uma

ou mais línguas locais. Mesmo aqueles que informam não ter conhecimento desses

idiomas nacionais podem ser considerados em alguma medida bilíngues (ROMAINE,

1995), ainda que sejam passivos, pois eles declaram compreender “pelo menos um

pouco” os enunciados, embora afirmem não serem capazes de estabelecer uma

comunicação inteligível nesses idiomas. Além disso, existem ainda as outras línguas

estrangeiras que também fazem parte do ambiente, como o inglês, por exemplo, com certa

influência no país, mesmo que nem todos os indivíduos sejam falantes fluentes dessa

língua. Logo, é muito provável que toda essa variedade de línguas tenha causado e ainda

cause impacto sobre a variedade moçambicana do Português.

Vale salientar que o uso de línguas locais é muito forte nas ruas de Maputo e é

possível ouvir pessoas comunicando-se em duas ou três línguas diferentes, em cada canto

da cidade. Letícia Cao Ponso (2016), em pesquisa sobre as atitudes dos universitários

moçambicanos, compartilha da mesma impressão:

Com o passar dos meses em que vivi em Maputo, comecei a separar os

domínios de uso das línguas e percebi que as línguas bantu circulam

mais entre os guardas, empregados, vendedores de rua, taxistas,

motoristas dos chapas, comerciantes dos mercados, habitantes das

zonas intermédia e periférica da cidade que vão trabalhar na zona

central. Eles não são, entretanto, uma minoria, e usam preferentemente

(xi)rhonga ou (xi)changana. Ou seja: ouvi muito mais conversas em

línguas moçambicanas nas ruas de Maputo do que pressupunha que

ouviria. (CAO PONSO, 2016, p. 124)

No mais, ainda é, de fato, totalmente provável ouvir um indivíduo falando

Português e seu interlocutor responder com um idioma local, independentemente de faixa

etária ou nível de escolaridade. Esse parece ser, simplesmente, um hábito, que foi se

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tornando comum entre esses indivíduos. Por outro lado, é notável que, assim como Cao

Ponso (2016) destaca, existe uma divisão clara entre os domínios em que as línguas locais

são permitidas e aqueles em que somente o Português é possível, mesmo que não haja

mais a proibição do uso dos idiomas nacionais, como havia logo após a independência do

país, já que as línguas locais eram totalmente desprivilegiadas e havia forte tentativa de

abolir o uso das mesmas, até mesmo em ambientes familiares.

A predominância do Português [...] se dá mais em nível sociossimbólico

e nos âmbitos “privilegiados” de atuação das línguas (o português

predomina no domínio oficial ou institucional como repartições

públicas, empresas, prestação de serviços, ONGs, restaurantes, escolas,

universidade, etc.) do que propriamente na diversidade linguística das

práticas cotidianas em termos demográficos. (CAO PONSO, 2016, p.

124-125)

Ainda assim, a mistura das línguas em determinados contextos é bastante comum

e não parece ser um problema para muitos desses indivíduos, já que eles têm plena

consciência do uso que fazem das línguas que dominam. Em outras palavras, a mistura

não é inconsciente, nem ocorre por falta de conhecimento; pelo contrário, eles sabem

exatamente como, quando e com quem usar cada língua.

A observação atenta do comportamento dos indivíduos moçambicanos durante a

pesquisa de campo confirma essa divisão consciente dos domínios de uso das línguas,

uma vez que, ao serem questionados, eles sabem citar com facilidade quais são as

palavras, as expressões e quaisquer que sejam as características das línguas nacionais que

são introduzidas no discurso da Língua Portuguesa corrente. Nenhum deles se mostra

indiferente ao uso de cada língua, como se em algum ponto o Português e as línguas locais

fossem um único sistema; pelo contrário, as línguas em questão são reconhecidas como

sistemas distintos e com valores diferenciados para os moçambicanos.

Durante as entrevistas, eles citam, por exemplo, estruturas que denominam como

mais “abrasileiradas”, ou seja, com características do Português do Brasil, que seriam

utilizadas na fala dos moçambicanos por influência das novelas brasileiras, muito

populares no país. De acordo com eles, essas estruturas são praticamente impossíveis no

Português Europeu. Em suma, esses indivíduos são altamente capazes de distinguir as

diferenças entre as variedades e indicar quando alguém mistura esses códigos e/ou

acrescenta neles vocabulário e expressões das línguas nacionais.

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Salienta-se que, devido à presença de tantas línguas, muitos desses informantes,

ao serem inquiridos sobre sua língua materna, não souberam identificar com clareza qual

delas seria sua L1. À luz de Romaine (1995), já vimos que a dificuldade em indicar uma

única língua como materna parece ser uma condição comum em sociedades multilíngues

e que, geralmente, a língua que o informante afirma ser a sua materna é a língua com a

qual ele mais se identifica. Nesse sentido, cabe ressaltar que, por muitas vezes, o

indivíduo pode declarar ser o Português sua L1 mesmo que ela não o seja, simplesmente

porque, em vista do prestígio associado ao idioma, ele deseje e declare maior identificação

com ela do que com as línguas locais.

Considerando todos os informantes entrevistados, a maioria deles afirma ser o

Português sua L1. Por sua vez, aqueles que afirmam ter aprendido o Português como L2,

destacam, principalmente, Changana e Rhonga como L1, caso dos informantes de

Maputo, e outras línguas, como, por exemplo, Makhwa, Chuwabu, Moniga, Bitonga, caso

dos informantes das outras localidades. Quando se trata dos informantes que afirmam ter

o Português como L1, as mesmas línguas citadas, ao lado de muitas outras, são declaradas

como L2. Já aqueles que informam não se comunicarem em idiomas locais, fazem alusão

a línguas como inglês e francês como suas segundas línguas.

Diante desse cenário, pode-se observar a riqueza linguística presente nessa

sociedade, na qual o diferente é ser monolíngue. Todos os indivíduos parecem ter, no

mínimo, duas línguas que convivem em constante contato, mesmo que o Português seja,

ainda, a língua de maior prestígio, não só na cidade, mas no país como um todo.

Finalmente, um último destaque que parece ser relevante sobre os informantes é

a relação entre a escolaridade do indivíduo e o uso das línguas locais. Ao que tudo indica,

não ter acesso a níveis acima do fundamental na educação escolar corresponde,

majoritariamente, a não ter o Português como L1. Isso ficou evidente em nossa

dificuldade em conseguir informantes naturais de Maputo que fossem falantes de

Português como língua materna nos níveis mais baixos de escolaridade. O inverso

também parece ser verdade, tendo em vista que todos os informantes encontrados com

nível superior se declaram falantes de Português como L1 e são, em sua grande maioria,

aqueles que afirmam não ter e/ou ter pouquíssimo conhecimento das línguas locais.

Portanto, a caracterização social dos informantes desta pesquisa é de fundamental

relevância para a sistematização da variedade em questão, pois, ao que parece, são as

características sociais que descrevem de maneira mais profícua esse Português de

Moçambique, que prefiguraria uma variedade ainda em formação, possivelmente

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influenciada por questões relacionadas ao contato massivo com línguas autóctones desde

o momento de sua formação e até os dias atuais.

5.3 Distribuição do corpus

Ao todo, foram entrevistados 35 indivíduos que se encaixavam de forma direta

e/ou indireta nos perfis inicialmente projetados. Em outras palavras, algumas células

foram preenchidas com mais de um informante que tivesse algumas das características

exigidas para aquele perfil. Devido às dificuldades de encontrar perfis totalmente

compatíveis com os das amostras brasileira, europeia e são-tomense do projeto do qual o

presente trabalho faz parte, todas as entrevistas concedidas foram arquivadas, de maneira

que, após observação detalhada de cada uma, fosse possível traçar critérios que mais se

aproximassem da proposta inicial. Cabe agora, portanto, descrever os 18 informantes que

foram, de fato, selecionados para o presente trabalho, de acordo com o perfil básico44 dos

sujeitos entrevistados.

Assim, o banco de dados utilizado é composto por todas as ocorrências de sujeito

de 3ª pessoa do plural acompanhado de verbo, com presença ou ausência da marca de

número, retiradas de 18 entrevistas dos informantes da amostra Moçambique (composta,

no total, de 35 informantes, homens e mulheres, falantes de Português como L1 ou L2,

advindos de diferentes províncias de Moçambique, distribuídos nas três faixas etárias e

nos três níveis de escolaridade propostos para a montagem da amostra). Dos informantes

selecionados, 61% afirmam que o Português é sua língua materna, enquanto o restante

informa ter aprendido o Português mais tarde, especialmente na escola, portanto, como

uma L2, já que hoje é a língua que mais utiliza no seu dia a dia.

Os 18 informantes são naturais de Moçambique, sendo 11 de Maputo, 3 de Gaza,

2 de Zambézia, 1 de Inhambane e 1 de Nampula. Como não foi possível completar todas

as células apenas com informantes naturais de Maputo, estes foram os informantes

selecionados de acordo com os outros critérios do projeto, como já mencionado: a faixa

etária, o sexo e o nível de instrução dos indivíduos, já utilizados para a descrição das

outras variedades do Português (europeia, brasileira e são-tomense) exploradas. Dessa

forma, os perfis dos informantes são compatíveis com os critérios de seleção que

44 Devido à heterogeneidade da amostra, uma caracterização particular dos informantes selecionados será

apresentada no Capítulo 6, no qual são descritas as variáveis utilizadas no trabalho.

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permitem o controle das células sociais consideradas no referido projeto, isto é, eles são

distribuídos a partir da faixa etária: A (18-35 anos), B (36-55 anos) e C (56-75 anos); do

nível de escolaridade: Nível 1 (Ensino Fundamental), Nível 2 (Ensino Médio) e Nível 3

(Ensino Superior); e do sexo (feminino ou masculino).

Quadro 5 – Quadro de informantes utilizados na amostra, distribuídos em relação ao nível de instrução, a

escolaridade e ao sexo.

Acredita-se que o uso do Português com base nesse quadro de informantes

permitirá reflexões com vista ao estabelecimento do estatuto da concordância verbal na

variedade moçambicana, além de permitir discussões acerca das faixas etárias e dos níveis

de instrução, que parecem ser fatores extremamente significativos para a sistematização

do Português falado nessa região. As diferenças com relação à localidade e à língua

materna dos informantes, que contrariaram as expectativas iniciais de montagem da

amostra (apenas pessoas naturais de Maputo e falantes de Português como língua

materna), não parecem constituir empecilhos ao levantamento dos fatores que

influenciam estatisticamente no cancelamento da marca de número na variedade

moçambicana. Contudo, ainda que não tenha sido possível controlar sistematicamente

esses fatores, eles podem ser observados no presente trabalho, já que demonstram

indicações de serem variáveis sociais relevantes em relação ao conhecimento de Língua

Portuguesa. Sem dúvida, o refinamento do quadro de informantes para futuras pesquisas

é de fundamental importância, consoante, por exemplo, a realização de entrevistas que

sejam inteiramente com falantes de Português como L2 e das diversas localidades de

Moçambique.

5.4 Etapas do trabalho

Seguem, agora, a enumeração e a explicitação dos procedimentos realizados na

presente pesquisa:

Escolaridade /

Idade / Sexo

Nível 1 de instrução Nível 2 de instrução Nível 3 de instrução

Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher

Faixa A PMO-A-1-H PMO-A-1-M PMO-A-2-H PMO-A-2-M PMO-A-3-H PMO-A-3-M

Faixa B PMO-B-1-H PMO-B-1-M PMO-B-2-H PMO-B-2-M PMO-B-3-H PMO-B-3-M

Faixa C PMO-C-1-H PMO-C-1-M PMO-C-2-H PMO-C-2-M PMO-C-3-H PMO-C-3-M

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1. Fundamentais em qualquer pesquisa científica, as leituras especializadas

sobre todos os assuntos envolvidos para a formulação das hipóteses e o

conhecimento do tema foram realizadas ao longo de todas as etapas do

trabalho.

2. A primeira etapa prática consistiu na Pesquisa de Campo para a realização

de entrevistas do tipo DID (Diálogos entre Informante e Documentador),

com o objetivo de observar o fenômeno em questão e constituir o corpus

necessário à investigação.

3. O segundo passo foi a transcrição das entrevistas obtidas na etapa anterior,

realizada pela equipe do projeto.

4. Em seguida, fez-se a coleta dos dados, realizada por meio do rastreamento

da concordância verbal de 3ª pessoa do plural nas entrevistas estudadas, de

modo que fossem recolhidas todas as ocorrências de sintagmas nominais

sujeitos de 3ª pessoa plural. Ressalte-se que, com base em Vieira; Bazenga

(2013), os seguintes casos não foram contemplados na coleta: verbos com

sujeito indeterminado (Quebraram a janela); verbos que apresentam formas

singular e plural homófonas como tem e vem, cuja distinção singular-plural

não é clara; sujeitos de 3ª pessoa com constituinte topicalizado (Filhos, -isso-

é meu sonho); verbos na voz passiva sintética, nos quais a identificação do

sujeito é fruto de debate científico; verbos no infinitivo, devido à

ambiguidade de sua referência; construções em que a definição da marca

morfológica de plural é duvidosa por motivos fonético-fonológicos, como a

adjacência de segmentos que impede a identificação de plural ou singular do

verbo (cantam uma; cantam na); e contextos com coordenação, com

expressões quantitativas e partitivas como um dos que e a maioria de e

outros, em que a própria norma gramatical aceita variação, já que permite a

concordância com o elemento mais próximo ao verbo quando o sujeito está

posposto.

5. A etapa seguinte consistiu na codificação dos dados segundo as variáveis

linguísticas e extralinguísticas definidas para este trabalho (que serão

descritas no Capítulo 6, sendo (i) de natureza extralinguística: escolaridade,

sexo, faixa etária, província de origem, Português L1 ou L2, língua(s)

dominada(s) pelo informante e o próprio informante (características

individuais que poderiam afetar o resultado final); (ii) de natureza

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linguística: posição do sujeito em relação ao verbo, configuração

morfossintática do sujeito, distância entre o núcleo do sintagma nominal e o

sintagma verbal45, paralelismo clausal, animacidade do sujeito, saliência

fônica, tempo/modo verbal.

6. Posteriormente, o material foi submetido ao tratamento estatístico realizado

pelo pacote de programas GOLDVARB X, para a obtenção das porcentagens

e dos pesos relativos de cada contexto no favorecimento/desfavorecimento

da marca verbal de número. Foram realizadas 25 rodadas estatísticas, ora

considerando todas as variáveis codificadas, ora descartando algumas delas,

e 8 cruzamentos entre variáveis que indicaram atuação conjunta e/ou

superposta sobre os resultados obtidos. Através dessas rodadas estatísticas,

buscou-se o quadro que melhor representasse o panorama quantitativo dos

grupos de fatores atuantes na concordância verbal da variedade em questão.

7. Na última etapa, foram feitas a análise e a interpretação dos resultados

obtidos, de maneira que fosse possível interpretar o estatuto da concordância

verbal na variedade moçambicana do Português e compreender como as

variáveis linguísticas e extralinguísticas atuam no (des-)favorecimento da

marca de concordância nos verbos de terceira pessoa.

8. A redação do texto deu-se ao longo de toda a pesquisa, sendo paralela às

leituras e ao tratamento estatístico dos dados obtidos. De toda a forma, a

etapa final do trabalho dedicou-se à finalização e à revisão do texto.

45 Optou-se pela codificação separada de variáveis que, de fato, podem ser controladas em um único grupo de fatores, como, por exemplo, posição do sujeito e distância entre o SN sujeito e o verbo. O controle dessa relação foi feito mediante a variedade de rodadas e cruzamentos executados.

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6 AS VARIÁVEIS

Passa-se, aqui, à descrição das variáveis controladas na análise dos dados obtidos.

Tais variáveis representam os grupos de fatores que deram origem às hipóteses levantadas

sobre a variedade em questão, considerando pesquisas já realizadas sobre o fenômeno e

a particularidade dos dados do presente corpus.

6.1 Variável dependente

Quadro 6 - Variável dependente binária: concordância verbal padrão x não padrão no PM

Variável de caráter binário: presença x ausência de marcas de plural no verbo (3ª pessoa)

Concordância padrão eles dizem que é my love (PMOC2M)46

Concordância não padrão as crianças nasceu na minha vida (PMOC1H)

6.2 Variáveis Independentes

6.2.1 Extralinguísticas

a. Escolaridade

Com essa variável, contempla-se a possível atuação do ensino formal no domínio

das regras de preenchimento das marcas de 3ª pessoa nos sintagmas verbais. Observam-

se três níveis de escolaridade, a saber: Ensino Fundamental (até 9 anos de escolaridade),

Ensino Médio (de 10 a 12 anos de escolaridade) e Ensino Superior (nível universitário).47

46 As siglas utilizadas para identificar o informante serão apresentadas sempre da mesma forma, indicando

a localidade do corpus de onde foi retirada a ocorrência (PMO – Português de Moçambique), a faixa etária

do indivíduo (A, B ou C), o nível de escolaridade (1, 2 ou 3) e o sexo (H ou M), de acordo com os padrões

descritos na Seção 5.1.

47 Importante ressaltar que, em Moçambique, a distribuição do sistema escolar se faz com nomenclatura

diferenciada: ensino primário (1ª a 7ª classe), ensino secundário (de 8ª a 12ª classe) e ensino superior. No

entanto, como o presente trabalho faz parte de um projeto que visa à comparabilidade de variedades do

Português, optou-se por manter a nomenclatura clássica utilizada nos trabalhos sobre as variedades

brasileiras e europeias. Salienta-se que, apesar de a nomenclatura ser diferente, a quantidade de anos

estipulada para cada segmento não altera a classificação final dos informantes.

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Considerando a importância e o valor prestigioso atribuídos à Língua Portuguesa

na sociedade moçambicana, cujo modelo escolar se inspira no Português Europeu como

padrão, supõe-se que, quanto maior o nível de escolaridade do indivíduo, maiores serão

as chances de utilização das marcas de plural, uma vez que a ausência de concordância

verbal não é um fenômeno muito produtivo na variedade europeia (cf. altos índices de

marcação da regra, de caráter praticamente categórico, na Seção 4.2.2 deste trabalho). Em

outra perspectiva, pode-se supor o desfavorecimento das marcas de plural na fala dos

indivíduos com menos escolaridade, dado seu menor contato com o Português formal

ensinado na escola.

Salienta-se, no entanto, que, em uma amostra na qual parte dos informantes de

ensino fundamental e médio se declara falante de Português ora como L1, ora como L2,

tal hipótese pode não ser confirmada, devido ao largo contato com a Língua Portuguesa

em todos os ambientes de maior formalidade na área urbana de Maputo da qual fazem

parte.

b. Faixa etária

Os informantes são distribuídos em três faixas etárias distintas, da seguinte

forma: Faixa A – 18 a 35 anos de idade; Faixa B – 36 a 55 anos de idade; Faixa C – de

56 anos em diante. Os dados são analisados quanto à faixa etária com o intuito de se

verificar o maior ou menor uso da concordância na fala dos informantes, considerando as

possibilidades de interferência da geração de cada indivíduo nas marcas de número, ou

seja, atestar se a época em que cada grupo de informantes nasceu/cresceu pode

demonstrar comportamentos referentes à situação do Português na sociedade

moçambicana.

A hipótese inicial, partindo da declaração dos próprios informantes, seria a de

que a faixa A teria comumente o Português como L1, por terem nascido entre 1982 e

1999, cerca de, no mínimo, 7 anos após a independência do país, contexto em que esta já

era a língua prestigiada, de uso geral nas instituições e nos ambientes de prestação de

serviço, mas ao mesmo tempo sofreria fortíssima influência das línguas locais, muito

presentes nos ambientes sociais e nas ruas de Maputo. Na verdade, estes seriam, portanto,

os falantes prototipicamente bilíngues da sociedade moçambicana, que fazem uso

simultâneo de mais de uma língua no seu dia a dia, sem restrições ou proibições, como

ocorreu com a geração pós-independência. Dos seis informantes mais jovens, quatro

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declaram-se falantes fluentes de Português e línguas locais, a depender do contexto em

que se encontram, e apenas dois afirmam que somente compreendem os idiomas

nacionais, mas não seriam capazes de estabelecer comunicação eficaz nessas línguas.

A faixa B, por outro lado, agregaria, ao que parece, os reais representantes do

Português como L1, aqueles que nasceram no período entre o processo de independência

e o pós-independência (já que nasceram por volta dos anos 1962-1981). Destacam-se,

aqui, os indivíduos que nasceram após 1975, período em que as línguas locais eram

proibidas na escola e até mesmo em algumas residências. Estes poderiam, porventura,

representar o Português de Moçambique que, acredita-se, está em seu processo de

formação. No presente corpus, quatro dos informantes da faixa intermediária confirmam

a hipótese, já que declaram serem falantes de Português como L1, enquanto os dois

restantes declaram que, apesar de a Língua Portuguesa ser sua L2, ela é a língua que mais

utiliza em seu dia a dia e não as línguas nacionais.

Por fim, a faixa C agrega falantes de perfis bastante distintos. De um lado,

aqueles que são praticamente portugueses, nascidos de casamentos entre os brancos e as

africanas no período colonial. São aqueles que estudaram em escola portuguesa e tiveram

oportunidades de conviver com a elite branca e europeia. Dentre os informantes da Faixa

C selecionados, três deles são representantes dessa realidade. De outro lado, observam-se

aqueles indivíduos prototipicamente moçambicanos, que ora tem o Português como L2,

ora como LE. No primeiro caso, geralmente a Língua Portuguesa torna-se um instrumento

de trabalho e, por isso, mesmo sendo uma L2, é muito mais utilizada do que as línguas

nacionais, como é o caso de dois dos informantes em questão. Já no segundo caso, existem

aqueles idosos, sobretudo das províncias mais distantes da cidade, que têm o Português

totalmente como língua estrangeira, usada somente nos momentos em que ela é

necessária, enquanto em todos os outros ambientes continuam usando suas línguas

maternas para se comunicarem, como ocorre com um dos informantes entrevistados,

representante de um Português bastante precário, de difícil compreensão.

Como se pode observar, por mais que se tenha tentado obedecer aos critérios

sistemáticos de composição da amostra, a complexidade da realidade de línguas em

Maputo impede a interpretação rigorosa desses critérios. Na realidade, o perfil dos

informantes em si pode ser o que mais importa para o entendimento dos dados.

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c. Sexo

Nas palavras de Paiva (2008):

Gênero/sexo pode ser um grupo de fatores significativo para processos

variáveis de diferentes níveis (fonológico, morfossintático, semântico)

e apresenta um padrão bastante regular em que as mulheres demonstram

maior preferência pelas variantes linguísticas mais prestigiadas

socialmente. (PAIVA, 2008, p. 34)

Na realidade, não obstante essa generalização, proposta pela autora e confirmada

em diversos estudos, é fundamental observar a organização social da comunidade de fala

que se pretende estudar, de maneira que se compreendam quais são os papéis realizados

pelos homens e pelas mulheres nessa sociedade, uma vez que a configuração da variável

pode ser afetada por eles.

Historicamente, as mulheres moçambicanas tiveram acesso tardio à

escolarização – o que poderia afetar o comportamento linguístico de fenômenos como o

da concordância verbal. Contudo, percebe-se uma mudança nesse panorama, já que elas,

no contexto atual, estão, cada vez mais, buscando melhores oportunidades em termos de

educação e trabalho. De acordo com as declarações dos próprios informantes, a mulher

moçambicana tem um papel familiar muito ativo. Ela é responsável por cuidar dos filhos

e do marido, mas também sai às ruas para trabalhar, vender mercadorias e levantar seu

próprio dinheiro.

“agora nós somos mais independentes ((risos)) agora maioria de jovens mesmo não

dependem dos namorados do marido não não aceitam mais... agora trabalham estudam

cuidam da casa conseguem fazer um pouco de tudo...” (PMOA2M)

“aquelas mulheres que fazem... fazem comércio informal... que apanham o carro de

manhã... vão pra machamba buscar produtos... ou vão à África do Sul ficam lá... e voltam

no dia seguinte... à noite... e chegam aqui distribuem aquilo pelas lojas... ou já tem suas

próprias... bancas... e fazem isso semanalmente...” (PMOC3M)

“[...] é obrigada ela a trabalhar:... para ajudar o marido... mesmo em termos de

educação... em termos de condições financeiras... ela tem que estender a mão... é por

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essa razão que... os homens até quando uma mulher num/não trabalha pra ela/ pra eles

não é nada... não tem valor... eles querem mulheres que trabalham” (PMOC2H)

Sendo assim, não se pode supor a priori que as mulheres possam apresentar

níveis mais elevados de ausência de concordância do que os homens por convivência

social restrita e por falta de contato com o Português. Nesse contexto, a hipótese a ser

investigada permanece sendo a de que as mulheres tendem a favorecer o uso das marcas

de maior prestígio e, assim, poderiam ser mais atentas às marcas de pluralidade.

d. Província de origem

Com essa variável, pretende-se observar se a localidade do indivíduo afeta de

alguma forma o Português falado por ele. Tendo em vista que a procedência não foi um

critério de constituição da amostra e, naturalmente, os informantes não advêm das

mesmas províncias, esse grupo de fatores tem um caráter auxiliar no conhecimento do

perfil dos informantes. Pretende-se, com ela, verificar se a localidade tem influência sobre

o cancelamento da marca de número, já que em cada local existem diferentes línguas em

contato com a Língua Portuguesa, o que poderia afetar a fala desses indivíduos.

Parte-se, então, da hipótese de que os informantes originalmente de Maputo sejam

aqueles que mais favorecem o uso das marcas de plural, por ser o Português a língua de

maior uso na cidade (em termos percentuais, 55%, de acordo com o Censo 2007). Por

outro lado, os informantes advindos de outras províncias talvez sejam aqueles em que se

nota maior desfavorecimento da concordância, já que o contato com a Língua Portuguesa

pode não ser tão intenso quanto na cidade de Maputo.

No entanto, é importante destacar que o tempo de moradia do indivíduo na cidade

pode afetar de maneira definitiva essa variável, uma vez que, pressupõe-se, o maior tempo

de convivência na área urbana pode acelerar a aquisição das regras mais evidentes do

Português. Além disso, é válido relacionar a questão da localidade ao uso do Português

como L1 ou L2 e o uso de outras línguas, pois em cada região há línguas locais diferentes,

mais ou menos usadas por seus falantes, o que interfere diretamente na Língua Portuguesa

que falam em seu dia a dia.

Na amostra aqui utilizada, não foi possível, como já se esclareceu, uma

estratificação da amostra quanto a esse fator, já que os informantes selecionados são

advindos de províncias variadas, sendo algumas delas representadas por apenas um único

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indivíduo, como é o caso de Inhambane e Nampula. Zambézia é representada por apenas

dois indivíduos e Gaza por três. O restante dos informantes – 11 deles – é de Maputo. A

proposta inicial era coletar entrevistas apenas de pessoas nascidas na capital; no entanto,

a busca pelos perfis necessários tornou-se muito mais difícil do que o esperado, por conta

das questões sociais já mencionadas, como a migração do campo para a cidade. Dada a

complexidade da realidade moçambicana, foi necessário realizar todas as entrevistas

possíveis e apenas controlar os indivíduos, nesta pesquisa, de acordo com as províncias

de onde se originam, com o objetivo de avaliar se este pode ser um fator relevante à

ausência de concordância padrão.

e. Português como L1 ou L2

Relacionada à variável anterior, faz-se necessário analisar se o estatuto do

Português como L1 ou L2, conforme a declaração dos próprios informantes, interfere nos

resultados com relação à concordância verbal. Entende-se que, partindo dos pressupostos

sobre aquisição de línguas, sendo o idioma língua materna, as chances de realização das

regras mais produtivas da L1 são muito maiores, pois o falante adquire os parâmetros da

Língua Portuguesa, provavelmente consoante o modelo europeu, com menos influência

de parâmetros de outras línguas locais, a depender do tipo de input recebido ao aprender

o Português e a relação da família deste indivíduo com os idiomas em questão.

Quanto ao comportamento gramatical em si, é importante verificar, minimamente,

como o sistema de concordância verbal atua nas línguas bantu, de forma que seja possível

observar se, de fato, a influência dessas línguas pode alterar a aquisição das regras de

concordância do Português. Segundo Armando Ribeiro (2016), os verbos das línguas

bantu recebem flexões que são chamadas de “concordâncias” para indicar a pessoa, o

número e a classe tanto do sujeito quanto do complemento. Sendo assim, a depender da

frase, ora a partícula indica sujeito, ora indica complemento, o que resulta em um sistema

diferente daquele encontrado na Língua Portuguesa:

Em Português há uma flexão que indica o sujeito, mas não há uma

flexão que indique o complemento. Em Bantu, os dois podem ser

expressos por uma “flexão anteposta”. Mais: a mesma partícula, com

poucas excepções, representa ora um ora outro, segundo sua posição na

frase. [...] Estas partículas foram classificadas por analogia com outras

línguas, pela tradução que delas se fazia. Se as considerarmos

concordâncias, temos de ter presente que são “concordâncias Bantu”

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com características e funções diferentes das do nosso esquema

linguístico. (ARMANDO RIBEIRO, 2016, p. 63-64)

De acordo com o mesmo autor, “o verbo concorda com o sujeito em pessoa

número e classe por meios destas concordâncias verbais” (2016, p. 64). Observando os

exemplos apresentados em Ngunga; Simbine (2012)48, é possível compreender essa

afirmação:

Yindlu i mina ‘A casa é minha’

Tiyindlu i ta mina ‘As casas são minhas’

Ngwana ja ‘O cão come’

Tingwana svija ‘Os cães comem’

Yena atile, aja aguma afa ‘Ele veio, comeu e depois morreu’

Vona vajile, vaphuza vaguna vafamba ‘Eles comeram, beberam e foram-se’

Como se pode ver, a presença da partícula ‘ti’ marca o plural dos substantivos “a

casa” e “o cão”. Nas sequências verbais dos dois últimos exemplos, nota-se que ‘a’ indica

sujeito singular (ele), enquanto ‘va’ indica sujeito plural (eles). Todas essas partículas

aparecem em posição inicial, como prefixos, seja no nome ou no verbo em que indicam

pluralidade. Além disso, para cada pessoa verbal usa-se um prefixo diferente: eu – ni, tu

– wu, ele – a, nós – hi, vós – mi, eles – va (cf. NGUNGA; SIMBINE, 2012, p. 135).

Ngunga; Simbine (2012, p. 136) afirmam, assim como Armando Ribeiro, que “as

marcas do sujeito são os prefixos que marcam a concordância do verbo com o sujeito”.

Eles ainda indicam que a regra geral na língua Changana é que “a marca do sujeito ocorre

em posição inicial na estrutura da forma verbal”, enquanto em outras línguas Bantu o

objeto da frase também pode aparecer nessa mesma posição.

Observe-se, agora, que o verbo ‘comer’ recebe o prefixo ‘svi’ para indicar

pluralidade, diferentemente da última sequência verbal, que usa o ‘va’. Essa diferença

pode estar relacionada ao fato de que os prefixos são distinguidos de acordo com as

classes, como declara Armando Ribeiro (2016, p. 66): “tratando-se de pessoa, usa-se a

classe mu – va; não se tratando de pessoas, usa-se a classe xi – svi”.

48 Os exemplos aqui destacados são baseados nas orações encontradas no trabalho de Ngunga; Simbine

(2012). Devido ao escopo preliminar do presente trabalho, optou-se por apresentar estruturas mais simples

da língua, com o objetivo de apresentar minimamente as estruturas de concordância.

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Ngunga; Simbine (2012) parecem corroborar a proposta de Armando Ribeiro:

De uma certa maneira, pode-se considerar que, em termos de relação

gramatical que estabelecem com o nome, os adjectivos, os numerais, os

possessivos, os demonstrativos e os verbos são todos dependentes (do

nome). O prefixo de concordância nominal acha-se marcado nas

palavras pertencentes a cada uma destas categorias gramaticais,

mudando em função da mudança da classe do nome de que dependem.

[...] Quando se trata de verbo, depende do tempo verbal, da pessoa

gramatical, do tipo de conjugação (se pronominal ou não), etc.

(NGUNGA; SIMBINE, 2012, p. 100)

Cabe, ainda, destacar o verbo copulativo, que parece ser bastante distinto dos

outros, recebendo a marca de pluralidade não como um prefixo, mas como uma nova

forma (‘ta’), que aparece em posição posterior ao verbo. Ngunga; Simbine (2012)

asseguram que o verbo copulativo é um dos mais irregulares da língua Changana,

podendo assumir várias formas para indicar tempo, modo e pessoa:

O que faz o verbo copulativo diferir de outros verbos é o facto de ele

ser de uma irregularidade extrema que faz com que tome várias

configurações em diferentes tempos. (NGUNGA; SIMBINE, 2012, p.

2018)

Acredita-se, portanto, que essa riqueza, em termos de funcionalidade dos prefixos

e de uso para cada verbo e cada pessoa verbal, possa gerar confusões em relação aos

padrões de concordância da Língua Portuguesa. Além disso, até o presente momento,

parece que não há uma formalização exata sobre como funcionam as marcas de número

em si, mas como o comportamento das outras marcas (sujeito e objeto) indica pluralidade

nas sentenças.

A professora Maria João, já citada aqui como colaboradora da pesquisa, confirma

esse pensamento ao informar, por meio de entrevista, que a marcação de pluralidade das

línguas locais é prefixal, e isso pode causar divergências ao adquirir o Português, cujas

marcas ocorrem sempre como sufixos, no final dos vocábulos:

“São prefixais... é difícil... então eu acho que é um problema da língua portuguesa e é

um problema do substrato linguístico que trazem os/os/ os falantes de L2”

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Logo, é possível assumir que aqueles que afirmam ser o Português sua L2, dentre

outras muitas línguas que, por muitas vezes, declaram conhecer, tendem a utilizar menos

as marcas de número, já que podem sofrer influências de estruturas das outras línguas por

serem tão variadas e/ou, ao menos, não terem adquirido as regras da gramática do

Português por completo, dependendo do input por eles recebido durante a aprendizagem

do idioma.

Considerando os indivíduos escolhidos para a amostra, que inicialmente contaria

apenas com falantes de Português como L1, percebeu-se que esses moçambicanos, em

sua grande maioria, são, no mínimo, bilíngues. Por conta disso, fez-se necessária a

codificação dos informantes de acordo com suas declarações sobre o uso da Língua

Portuguesa, que é considerada L1 por onze dos indivíduos entrevistados e como L2 dos

sete restantes, como o quadro a seguir revela. Sendo assim, postula-se como relevante a

observação da possível influência das línguas maternas utilizadas por esses falantes no

Português falado por eles.

Quadro 7 – Quadro de informantes distribuídos em relação ao uso de Português como L1 ou L2.

f. Língua(s) dominada(s) pelo informante

Para além de saber se o Português é considerada uma L1 ou uma L2 por esses

informantes, é de fundamental importância analisar quais são as línguas que ele utiliza

para se comunicar no seu dia a dia. Seja pelo maior ou menor contato com línguas diversas

ou pela língua em si com a qual tem contato, é relevante compreender se o acesso a esses

outros códigos linguísticos influencia a marcação de número de alguma forma.

Compreende-se que não é do escopo deste trabalho definir quais tipos de

estruturas das línguas locais influenciam ou não a concordância verbal, já que não está

em jogo a observação de cada um desses idiomas. No entanto, como visto na variável

anterior, embora cada língua bantu possa ter uma maneira diferente de indicar suas

Escolaridade /

Idade / Sexo

Nível 1 de instrução Nível 2 de instrução Nível 3 de instrução

Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher

Faixa A A1H - L2 A1M - L1 A2H - L1 A2M - L2 A3H - L1 A3M - L1

Faixa B B1H - L2 B1M - L2 B2H - L1 B2M - L1 B3H - L1 B3M - L1

Faixa C C1H - L2 C1M - L1 C2H - L2 C2M - L2 C3H - L1 C3M - L1

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categorias gramaticais, ao considerar especificamente o Changana, principal língua falada

em Maputo, as marcas de concordância parecem atuar de forma bem distinta do que

ocorre na Língua Portuguesa.

Assim, o objetivo de observar essa variável é levantar hipóteses sobre possíveis

influências acarretadas pelo contato com essas diferentes línguas e verificar se o maior

ou menor uso delas demonstra diferentes índices de atuação, uma vez que a maioria dos

informantes se declara falante de Changana ou Rhonga49 e/ou uma outra língua nacional,

ainda que alguns, em número reduzido, também afirmem falar apenas o Português.

Decidiu-se, então, separar os indivíduos, inicialmente, de acordo com quatro

categorias: (i) aqueles que afirmam falar apenas Português; (ii) aqueles que declaram falar

Português e apenas ‘compreender um pouco’ línguas locais, não sendo capazes de

estabelecer comunicação com as mesmas; (iii) aqueles que se dizem falantes fluentes de

Português e uma (ou mais) línguas locais, a depender do contexto em que se encontram;

(iv) aqueles que declaram usar o Português somente em casos de necessidade, pois, na

maior parte do tempo, comunicam-se em línguas locais.

Considerando a amostra em questão, onze informantes declaram-se falantes

fluentes de Português e alguma língua local e quatro informam apenas compreender um

pouco os idiomas nacionais. Apenas dois informantes são falantes unicamente de

Português e somente um deles fala mais língua local do que Língua Portuguesa. Com

isso, observa-se que estamos diante de uma amostra quase majoritária de falantes, ao

menos, bilíngues.

Sendo assim, a codificação das línguas faladas pelos informantes baseou-se em

seus próprios depoimentos nas entrevistas e servirá como base para futuros estudos que

pretendam observar a atuação de línguas específicas sobre a concordância verbal do

Português de Moçambique. Para o momento, supõe-se que, quanto maior for o suposto

contato com outras línguas, maiores serão as chances de ocorrer ausência das marcas de

número, por dois principais motivos:

(i) As línguas bantu não possuem marcas sufixais de concordância, o que

dificultaria a fixação das marcas de número da Língua Portuguesa –

sempre sufixais;

49 Vale salientar que, de acordo com afirmações dos próprios informantes, Changana e Rhonga são línguas

muito parecidas, pois fazem parte da mesma família de línguas bantu.

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(ii) é comum haver simplificação morfológica50 em situações de contato

linguístico, ou seja, os itens lexicais são privilegiados em detrimento às

categorias gramaticais. Em outras palavras, a fixação dos padrões

gramaticais de marcação de número pode ter ficado em segundo plano e a

simplificação seria a explicação para os casos de ausência de marcas, da

mesma forma que pode ter ocorrido na variedade brasileira. (cf.

LUCCHESI, 2009).

g. Informantes51

Como já foi brevemente mencionado, a montagem da amostra passou por algumas

dificuldades específicas que contrariavam a expectativa inicial de perfis a serem

entrevistados. Assim, supõe-se que uma observação mais atenta das características

individuais de cada informante pode trazer luzes à compreensão do que realmente ocorre

na variedade moçambicana do Português.

Tendo em vista, principalmente, que encontramos pessoas com características

muito distintas – desde aquelas advindas de áreas rurais, com pouquíssimo contato com

a Língua Portuguesa, até aquelas que parecem muito mais influenciadas pelos costumes

e pela cultura portuguesa por terem sido criadas e/ou educadas por portugueses –,

pretende-se agora resumir as particularidades desses indivíduos, especialmente no que

tange a origem, profissão e identidade linguística.

PMOA1H

O primeiro informante da amostra é um jovem de 20 anos, natural da província de

Zambézia. Estudante, cursava a 11ª classe (ensino médio) quando foi entrevistado. Sua

50 Para mais informações sobre o fenômeno da simplificação, cf. Seção 3.5 deste trabalho.

51 Embora se tenha buscado arrolar o maior número de informações objetivas a respeito de cada informante,

vale destacar que, assumidamente, algumas das informações aqui relatadas resultam de impressões obtidas

pela autora do presente trabalho, informações que foram consideradas como relevantes para a compreensão

dos perfis muito distintos de informantes a que se teve acesso. Foram destacadas aquelas características

mais específicas do indivíduo ao longo da entrevista, que permitiam diferenciá-lo dos outros e, assim,

explicitar aqueles que foram mais eloquentes em seu discurso, em oposição àqueles que apresentavam certa

hesitação e dificuldades com algumas estruturas da LP, o que, consequentemente, dificultava, em alguma

medida, a comunicação.

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mãe não foi à escola e o pai tem ensino médio completo. Declara-se falante de Português

como L2, já que sua língua materna é o Emoniga, língua local da Zambézia. De acordo

com ele, teve mais contato com o Português quando foi para a escola, pois em casa e na

região em que morava com os pais, todos falavam Emoniga. Morador de Maputo há 10

anos, afirma ter ido para a cidade em busca de melhores oportunidades de estudo. Apesar

de todo esse tempo vivendo na cidade, alega não saber falar as línguas nacionais utilizadas

em Maputo (Changana e Rhonga).

Demonstrou-se um rapaz eloquente, com um discurso bastante espontâneo e sem

hesitações em Língua Portuguesa, o que permitiu boa compreensão do diálogo por parte

das entrevistadoras, possivelmente devido à forte influência da escola. No entanto, é

importante destacar a impressão de que o sotaque do informante é bastante saliente ou

“carregado”, o que reflete o intenso contato com sua língua materna, provavelmente

causando influências sobre sua L2. Para além dessa diferença no sotaque, ressalte-se que

este foi um dos informantes que mais apresentou variação nas marcas de número, seja no

verbo ou no nome.

PMOA1M

Natural de Maputo, uma menina de 19 anos, estudante, cursando a 8ª classe

(ensino fundamental). Seus pais são naturais de Maputo, falantes de Português e

Changana, que estudaram somente até o ensino fundamental. Seus avós são de Nampula,

falantes de línguas locais dessa província. A jovem afirma estar atrasada na escola porque

sua avó não permitia que estudasse quando era mais nova, por motivos culturais e

religiosos.

Considera-se falante de Português como L1, pois em casa era “forçada” a não usar

línguas locais. Aprendeu Changana na escola, com os amigos, que são os únicos com

quem mantém contato com o idioma nacional. Das informantes mais jovens, foi uma das

que mais falou e demonstrou-se uma usuária fluente de Língua Portuguesa, com ritmo

muito fluido, permitindo um discurso bastante inteligível, possivelmente devido a seu

contato mais eficaz com esta do que com as línguas locais.

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PMOA2H

O primeiro informante do ensino médio é recepcionista de um hotel, estudante de

Letras/Francês da Universidade Pedagógica de Maputo. Um jovem de 27 anos, poliglota,

que afirma ser o Português sua L1, além de falar inglês, francês e um pouco de chinês.

Conhece a língua local Echuwabu e fala fluentemente em Changana com seus colegas.

Sua família é toda natural de Maputo e todos concluíram o ensino médio.

Cabe ressaltar que esse informante, apesar de ser extremamente fluente em

Português e não apresentar nenhuma dificuldade em se expressar, hesita ao longo da

entrevista quanto ao que seria, de fato, sua língua materna. Ele inicia a entrevista dizendo

que Português é sua L1, mas depois declara que sua mãe falava também em Changana

com ele quando criança. Assim, ele parece ter aprendido as duas línguas simultaneamente,

como um bilíngue prototípico; por isso, apresenta facilidade em destacar os domínios em

que usa cada uma das línguas na atualidade, mesmo que em termos de L1 ele não saiba

definir com precisão se uma veio antes da outra.

Em termos de identidade linguística, ele parece se identificar bastante com as

línguas locais, já que afirma que “existem piadas que não tem graça em português” e

“palavras que só fazem sentido em changana”. De toda forma, sua consciência sobre o

uso do Português é igualmente forte, pois declara que esta serve como língua de

comunicação comum, para todos aqueles que vão de outras províncias para Maputo, com

suas diferentes línguas locais.

PMOA2M

Filha de pais naturais de Inhambane, nasceu em Maputo e posteriormente viveu

durante 7 anos em Inhambane. Aos 22 anos, tem ensino médio completo e trabalha como

recepcionista de um hotel. Por causa de sua profissão, fala Português com bastante

fluência, sem quaisquer hesitações, apesar de não ser sua língua materna.

Falante de Changana desde criança, só aprendeu Português quando foi para a

escola. Também sabe um pouco de Bitonga, outro idioma local. Ela afirma usar “um

pouco de cada língua” tanto em casa quanto no trabalho, mas que na escola era proibido

falar Changana. Ao que parece, identifica-se mais com o Changana, mas demonstra que,

por ser a língua de prestígio e exigida na escola, é importante saber “falar bem” Português

e ter outros ambientes para praticar o que aprende na escola.

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PMOA3H

Jovem de 23 anos, é natural de Maputo. Foi aluno de escola portuguesa e,

atualmente, é estudante de Marketing. Seu pai é professor universitário, vindo de família

portuguesa. O Português é a sua língua materna e afirma ter pouquíssimo conhecimento

de Changana, pois até compreende, mas não sabe se expressar fluentemente no idioma.

Apresenta-se como um rapaz muito instruído, que teve oportunidade de estudar

em escolas renomadas e com professores portugueses. Devido ao largo contato com um

Português muito próximo ao suposto “modelo” europeu, seu ritmo de fala parece fluir

como o de um cidadão português falando. Apesar disso e de sua afirmação de ter pouco

contato com línguas locais, ele não as subestima. Pelo contrário, diz que sempre foi

incentivado pelo pai a aprender Changana e defende o uso de idiomas nacionais nas

escolas, de maneira a agregar mais conhecimento aos alunos e permitir maiores chances

de aprendizado para aqueles que têm pouco contato prévio com a Língua Portuguesa antes

de entrar na escola.

A forte influência da Língua Portuguesa considerada padrão em seu discurso é

confimada na entrevista, cuja única ausência de marcação de número ocorre em um

contexto linguístico bastante específico (após o pronome relativo que). Fora isso, em sua

longa entrevista não houve qualquer outro “desvio” à norma.

PMOA3M

Essa informante é uma mulher de 33 anos, advinda de uma família em que todos

os membros, inclusive ela, possuem ensino superior completo. Natural de Inhambane,

estuda mestrado em Gestão na Educação e trabalha no Ministério das Finanças.

Declara compreender várias línguas de Inhambane e Maputo, como Bitonga,

Xitsua, Xope, Changana e Rhonga, mas o Português é sua língua materna. Afirma ter

aprendido todas essas línguas de forma espontânea, mais por conta do contato mesmo

com pessoas que as falavam.

PMOB1H

Homem de 47 anos, funcionário da Escola Politécnica de Maputo, estudou até a

7ª classe (ensino fundamental). Advindo de família natural de Maputo, sempre viveu na

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cidade e declara-se falante de Changana e Rhonga como línguas maternas. O aprendizado

do Português veio mais tardiamente, apenas na escola, onde suas línguas nacionais “eram

proibidas”.

Em casa, seus pais não falavam Português; por isso, afirma ter sido difícil aprender

a língua. Hoje em dia, usa muito a Língua Portuguesa com os filhos para que eles não

tenham dificuldade na escola. O informante afirma, ainda, falar línguas locais

principalmente com os colegas de trabalho. Informante menos eloquente, com ritmo de

fala mais lento, hesitações, fala pouco e seu Português é levemente mais difícil de

compreender, possivelmente pelo aprendizado tardio, como ele mesmo declara.

PMOB1M

Uma mulher de 35 anos, auxiliar de serviços gerais de um hotel. Concluiu os

estudos até a 7ª classe (ensino fundamental), nascida em Maputo e sempre viveu na

cidade. Seus pais não tiveram muita escolaridade e em casa todos sempre falavam

Changana. Aprendeu Português como segunda língua e declara firmemente que não

“deixa seus filhos falarem Changana”, pois quer que eles aprendam somente Português,

porque essa é a língua usada nas escolas.

Muito habituada a falar a Língua Portuguesa, especialmente por trabalhar no hotel,

afirma usar o Changana apenas com alguns colegas. No entanto, mostra-se bastante aberta

ao aprendizado de outras línguas, como o inglês e o francês, mas diz que o Changana não

é necessário. Para ela e para seus filhos, basta falar Português.

Sua postura representa aqueles que acreditam no prestígio da Língua Portuguesa,

como uma ponte para melhores condições de vida no futuro, pois permite avançar nos

estudos e conseguir empregos mais adequados. Apesar de ser falante nativa de Changana,

trata a língua com certo estigma, sem valor apreciativo.

PMOB2H

Filho de pai português e mãe moçambicana, nascido em Maputo, tem 43 anos.

Estudou até a 11ª classe e hoje trabalha como datilógrafo. Fala Português desde criança,

idioma aprendido com a mãe, que não sabe falar línguas locais. Mais tarde, por influência

dos amigos da escola, aprendeu o Changana.

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Um pouco tímido, não fala muito, apresentando um discurso mais hesitante, mas

indica bastante identificação com a Língua Portuguesa. Afirma ser esse o idioma que

incentiva seu filho a falar e que acredita que o Changana pode vir naturalmente, como

aconteceu com ele, sem que haja necessidade de alguém ensinar, pois é mais importante

saber Português do que línguas locais.

PMOB2M

Uma mulher de 44 anos, é natural de Maputo, mas na infância chegou a viver por

5 anos na Beira, em Portugal, fato que pode influenciar o Português falado pela

informante. Possui ensino médio completo e trabalha na administração da Biblioteca

Central, instituição na qual começou como servente e, depois de muito esforço, foi

conseguindo novas oportunidades de crescer e desenvolver outros trabalhos.

Declara-se falante de Português como língua materna. Afirma ter aprendido o

Changana e o Rhonga depois dos 16 anos, por curiosidade de aprender as línguas e porque

convivia com pessoas que não sabiam “falar português muito bem”. Conviveu sempre

com o pai e os tios, que só falavam Língua Portuguesa em casa, mas aprendeu com

facilidade as línguas locais, nas quais se considera uma falante fluente.

PMOB3H

Homem natural de Nampula, tem 50 anos e vive em Maputo desde os 12. Tem

licenciatura em matemática, trabalha pela Mitsubish. Sua língua materna é o Português e

afirma saber muito pouco a língua Rhonga.

Ao longo de sua infância, os pais sempre conversavam em Língua Portuguesa e

ele afirma que alguns amigos que conviviam com seus pais naquela altura tinham “certo

complexo” em falar línguas locais; então, “partiam” sempre para o Português.

O informante defende o uso de línguas locais na escola, pois o sucesso escolar

poderia ser muito maior para algumas crianças. Além disso, afirma que gostaria de ter

aprendido e que se arrepende de não ter procurado formas de estudar mais o Rhonga e o

Changana.

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PMOB3M

Licenciada em Psicologia, trabalha como técnica em biblioteconomia na

Universidade Politécnica de Maputo. Nascida e crescida em Maputo, nunca esteve em

outras províncias. Mulher de 35 anos, declara o Português como sua L1, tendo aprendido

o Changana a partir dos 12 anos de idade. Hoje em dia, afirma usar as duas línguas

simultaneamente, em casa, no trabalho e com os amigos.

A informante faz um relato bastante interessante sobre o uso de línguas locais,

afirmando que os próprios negros questionam a posição social das pessoas quando as

notam falando um idioma local e não o Português:

“as pessoas já ficam um cadinho com receio... de falar a sua língua materna... eu vou

falar do:/ por exemplo até os restaurantes aqui na cidade tu entras e vês( ) as pessoas ali

não acho que aqui as pessoas falam minha língua as que vão servir vão olhar pra mim e

dizer “de onde é que vem esse preto?” “o que que veio fazer aqui?” porque ainda existe

um cadinho de: racismo até entre nós pretos... olham pra si já vê ali o meu nível “daonde

que vem?” “como é que conseguiu chegar aqui?” “será se tem dinheiro pra tomar uma

cerveja aqui?” (PMOB3M)

Essa postura estigmatizada sobre os idiomas locais parece estar diminuindo aos

poucos, mas ainda há relatos como o da informante, o qual nos faz perceber o quanto o

Português é valorizado nessa sociedade. Este não é o caso desta mulher, que acredita no

valor cultural da língua Changana e, além de usá-la com seus filhos, defende a

implantação do ensino bilíngue nas escolas moçambicanas.

PMOC1H

Esse é um informante com características bastante distintas das dos outros. Apesar

de ser morador de Maputo há mais de 50 anos e desde jovem ter sido funcionário da

Universidade Eduardo Mondlane, hesita bastante em seu discurso ao falar Português, o

que gerou muita dificuldade de ser compreendido pelas entrevistadoras. Além disso,

alguns indícios linguísticos em sua entrevista também dificultaram sua compreensão.

Dentre eles, é possível destacar outros fenômenos variáveis além da concordância verbal,

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que permitiriam um estudo de caso específico, como a produtiva ausência de

concordância nominal, por exemplo, até mesmo na categoria de gênero.

Aos 75 anos, trabalhou por muito tempo como guarda da Universidade. Natural

de Gaza, chegou em Maputo aos 17 anos, em busca de emprego. Filho de pais não

escolarizados, parou seus estudos ainda no ensino fundamental. Hoje em dia, trabalha

como sapateiro e vive em uma casa bem próxima ao campus da Universidade.

Sua língua materna é o Changana e ele declara ter aprendido o Português quando

começou a trabalhar na Eduardo Mondlane e somente lá usa essa língua. Em outras

palavras, seu contato com a Língua Portuguesa não é tão intenso, ainda que viva por tanto

tempo na cidade.

Ainda que ele seja muito diferente dos outros e seja importante observar se seus

dados podem desviar a tendência da amostra, ele foi o único informante encontrado para

este perfil. Sendo assim, não valia a pena descartar os dados obtidos, mesmo sabendo que

eles deveriam ser olhados de forma particular.

PMOC1M

Totalmente oposta a sua contraparte no quadro de informantes, essa senhora de 68

anos, natural de Maputo, apresenta características muito próximas às de falantes

portugueses pelo ritmo de sua fala, em um discurso muito fluido e sem hesitações. Mulher

branca, filha dos chamados “assimilados”, completou o ensino fundamental em escola

portuguesa. Quando jovem, trabalhava com seguros, foi datilógrafa, caixa e balconista.

Português é sua língua materna e afirma não ter qualquer conhecimento de línguas

locais. Além disso, declara ter tido pouquíssimo contato com pessoas negras e, por isso,

não conseguiria compreender nada das línguas nacionais. No entanto, ela lamenta não ter

aprendido essas línguas, pois às vezes faz falta entender o que as outras senhoras falam

na rua.

PMOC2H

Assim como toda a sua família, é natural de Gaza, mas foi para Maputo ainda

criança, por volta dos 7 anos de idade. Parou os estudos na 11ª classe do ensino médio e

atua como professor de escola primária (pública).

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Sua língua materna é Rhonga, mas desde criança tinha contato com outras línguas.

Por influência do pai, conhecia o idioma Matsua; pela influência da mãe, conhecia o

Xope. Ambos falavam dentro de casa tanto seus idiomas locais quanto o Português, ainda

que este fosse um pouco menos usado. Assim, quando chegou a Maputo, já tinha

conhecimento de Língua Portuguesa, o que facilitou o aprendizado posterior na escola.

No período em que estava na escola, o Português era a única língua utilizada, o que

permitiu contato intenso com o idioma para aprendê-lo.

Aos 59 anos, apaixonado por sua profissão, diz que é possível ensinar Língua

Portuguesa mesmo para as crianças que vêm de províncias rurais e não conhecem

praticamente nada do idioma. Declara-se bastante fluente em todas as línguas sobre as

quais tem conhecimento.

PMOC2M

Diretora pedagógica e ex-professora de escola primária (pública), tem 53 anos.

Com ensino médio completo e natural de Gaza, vive em Maputo desde os 3 anos de idade.

Considera o Changana como sua língua materna e declara ter aprendido o Português

depois dos 5 anos de idade.

Estudou em escola oficial, na qual os professores eram todos portugueses,

contexto em que os alunos eram obrigados a falar apenas a Língua Portuguesa. Por conta

de tal cenário, seu contato com o Português tido como padrão foi muito intenso, o que se

reflete em discurso muito natural, no qual não houve qualquer ausência de marcas de

plural. Importante salientar a declaração da informante de que, hoje em dia, os professores

moçambicanos misturam um pouco as línguas, de maneira que os alunos que não

conhecem Português possam compreender melhor a matéria.

“pode explicar [em Changana]... porque algumas crianças até entendem assim...

percebem melhor... quando se fala a nossa língua [...] o português... será uma novidade

para a criança... e se o professor manter-se só naquela língua ali a criança vai ter

dificuldades para perceber a matéria” (PMOC2M)

Além disso, afirma que, até o momento, não existe um Português propriamente

moçambicano, pois o modelo a ser seguido continua sendo o do Português Europeu. No

entanto, ela diz que as inserções de palavras e expressões do Changana na Língua

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Portuguesa falada pelos moçambicanos são muito comuns. Para essa informante, o PM

ainda seria uma variedade em formação.

PMOC3H

Nascido na Beira, aos 5 anos mudou-se para Zambézia e aos 17 foi morar em

Maputo. Atualmente, com 62 anos, é formado em economia e sempre trabalhou nessa

área. Homem muito viajado e poliglota, fala Português, Francês, Inglês, Italiano e

Espanhol. A Língua Portuguesa é sua língua materna e fala, aparentemente, de forma

similar à de um cidadão português. Além disso, declara que, em sua mocidade, não havia

incentivo para falar línguas locais: por isso, não sabe falar nenhuma delas. Seu forte

contato com o Português Europeu é refletido, portanto, não só na fluidez de sua fala, como

também no fato de não apresentar nenhuma ausência de marcação de plural em seu

discurso.

No entanto, afirma conhecer pessoas que falam as línguas locais e percebe que os

brancos que as falam também sofrem certo tipo de estigma, pois o natural seria falar

Português:

“acontece né quer dizer... oh pá... tenho amigos que olham pra trás e começam a falar

em changana... oh pá e as pessoas ficam tão aflitas... porque pra elas (nem pensavam)

que um branco fala... uma língua local... então... pra mim acho que seria extremamente

importante... que... seja qual for... seja... se (é) moçambicano devia ter a... a preocupação

de falar uma língua nacional” (PMOC3H)

Assim, apesar de ser branco e não falar línguas locais, o informante acredita que

moçambicanos devem falar seus idiomas e que deve haver um esforço das pessoas e das

instituições em incentivar o uso dessas línguas para que não caiam no esquecimento.

PMOC3M

A última informante, uma mulher de 58 anos, natural de Maputo, é professora de

ensino fundamental, licenciada em história e geografia. Sua língua materna é o Português

e aprendeu as línguas locais, Changana e Rhonga, depois dos 10 anos de idade.

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Declara-se filha de assimilados, que obrigavam os filhos a falarem somente

Português em casa. Por conta do hábito, acabou fazendo o mesmo com seus filhos, mas

hoje acha que foi uma decisão radical e que não devia ter agido dessa maneira, pois

perderam a oportunidade de conhecer uma riqueza cultural muito vasta.

Após essa descrição do perfil dos informantes, pode-se perceber que, ainda que a

amostra final tenha contrariado as expectativas do início de sua montagem, ela parece

refletir a realidade moçambicana, diferente daquela que esperávamos como protótipo. A

dificuldade em encontrar os perfis traçados para a pesquisa possivelmente ocorreu por se

perseguir critérios que não correspondiam a essa realidade tão complexa. Assim, acredita-

se que a heterogeneidade do corpus não seja uma falha, mas uma amostra real do que, de

fato, acontece nessa sociedade – rica em cultura e línguas locais, com personagens muito

diversificados, convivendo intensamente uns com os outros. Logo, espera-se que tal

diversidade também se reflita nas questões linguísticas, que serão observadas, ainda,

conforme a lista de variáveis a seguir.

6.2.2 Linguísticas

As variáveis linguísticas foram atribuídas tanto ao sintagma nominal quanto ao

sintagma verbal, como se vê abaixo:

Sobre o Sintagma Nominal (SN)

Posição do núcleo SN em relação ao SV

Distância entre o núcleo do SN e o SV

Presença de elementos intervenientes (entre o núcleo do SN e o SV)

Configuração morfossintática do sujeito

Número de vocábulos do SN sujeito

Paralelismo no nível clausal

Animacidade do SN sujeito

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Sobre o Sintagma Verbal (SV)

Saliência Fônica

Tempo verbal

Tipo de verbo

6.2.2.1 Sobre o Sintagma Nominal (SN)

a. Posição do núcleo SN em relação ao SV

Estudos variacionistas (LEMLE; NARO, 1977) sobre a concordância verbal já

demonstraram com grande propriedade a forte influência da variável posição do sujeito

no (des)favorecimento das regras de marcação do plural, seja na modalidade escrita ou

na oral. Acredita-se, portanto, que a tendência geral seja reforçada e confirme que sujeitos

antepostos favorecem as marcas, enquanto sujeitos pospostos as desfavorecem.

SUJEITO ANTEPOSTO:

(1) as mulheres gostam de servir seus maridos (PMOA3M)

SUJEITO POSPOSTO:

(2) fica homens de um lado... mulheres de outro... não entram crianças...

(PMOB2M)

Além desses fatores relativos efetivamente à posição do sujeito em relação ao

verbo, optou-se pela codificação diferenciada (não se aplica) dos casos em que o sujeito

não está explícito no enunciado, contexto em que não se pode efetivamente controlar a

posição do sujeito. O controle da expressão ou não do sujeito será feito, prioritariamente,

na variável chamada “configuração morfossintática do sujeito”, descrita adiante52.

52 Vale adiantar que, como será visto na descrição das rodadas realizadas para o trabalho, os dados de sujeito

não expresso foram considerados na variável posição do sujeito em algumas experiências feitas, com o

intuito de observar se esse fator seria relevante. Isso porque, apesar de terem sido encontrados exemplos

em que o sujeito não explícito parecia atuar sobre a ausência de concordância, a variável configuração

morfossintática, em que se controlava o fator sujeito não expresso, não foi considerada relevante pelo

programa estatístico. Maiores detalhes no capítulo referente à análise.

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SUJEITO NÃO EXPRESSO:

(3) os moços ficam nas paragens... né... onde Ø apanham o autocarro...

(PMOB2H)

(4) as pessoas geralmente saem muito de noite vai na sexta-feira sábado são os

dias mais agitados porque porque é muito comum ( ) (as pessoas estacionam

carros) ficam ali a beber Ø vai escutar música dançar... (PMOA2H)

b. Distância entre o núcleo do SN e o SV

O objetivo de controlar a distância entre o núcleo do SN e o SV é verificar a

hipótese de que, quanto maior for essa distância, maior a tendência ao desfavorecimento

da regra de concordância. Cabe salientar que, em casos de sujeito não explícito, por

motivos óbvios, tal variável não foi considerada, já que sua ausência impede o cálculo da

distância.

À luz do trabalho de Vieira (1995), uma das bases para o estabelecimento das

variáveis utilizadas na presente pesquisa, segue-se a mesma metodologia de mensuração

da distância entre os dois elementos da oração, de forma não binária, com fatores

escalares.

Na sequência, apresenta-se a escala de mensuração por número de sílabas:

Zero sílabas:

(5) [...] eles podiam estudar com aperfeiçoamento e mudar o sotaque mas nós

entendemos você vai dizer o que? (PMOA1H)

1 sílaba

(6) [...] mas também eles só mostram às vezes as partes mais né... não mostram a

coisas (PMOC1M)

2 sílabas

(7) [...] os meninos já não falam português de Portugal (PMOC2H)

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3-4 sílabas

(8) [...] os chapeiros também não entram muito naquelas zonas é um passear de

lá pra cá pra cidade (PMOA2M)

5-6 sílabas

(9) [...] os portugueses normalmente quando falam eles falam muito rápido a

gente acaba se perdendo porque não percebe o que dizem... (PMOA2M)

c. Presença de elementos intervenientes (entre o SN e o SV)

Relacionada à variável anterior indiretamente, a mera presença de elementos

entre o sintagma nominal e o verbo pode interferir diretamente no cancelamento das

marcas de concordância. Parte-se do pressuposto de que, independentemente do tipo de

elemento, a presença dele desfavorece a marcação de pluralidade. Já a ausência de

elementos favorece as marcas de plural pela proximidade entre os núcleos e consequente

maior integração entre eles.

No entanto, a análise desta variável não está relacionada apenas à quantidade do

material interveniente e a consequente distância, mas ao tipo de elemento que pode

aparecer, quando presente. Entende-se que a qualidade desse elemento pode atuar

pontualmente no (des)favorecimento da regra. Assim, acredita-se que sintagmas

interpostos, como as construções adverbiais, por exemplo, interromperiam de maneira

mais significativa a relação entre o sujeito e o verbo, podendo gerar ausência de

concordância padrão. Por outro lado, elementos mais curtos, como uma partícula de

negação ou uma preposição, dentre outros, tenderiam a não afetar fortemente o

processamento cognitivo da oração; além de não haver uma distância muito grande entre

o sujeito e o verbo, a relação entre esses elementos ficaria mais preservada e,

consequentemente, a presença das marcas de número seria favorecida.

Em seguida, serão apresentados os elementos entre o sujeito e o verbo,

individualmente ou combinados entre si, encontrados no corpus em estudo:

palavra negativa:

(10) isso é para aquelas pessoas que não tiveram oportunidade de entrar nas

escolas aprendem o português por causa de ouvir então não tem aquela regra

quando pessoa que sempre as vezes até vai... (PMOA1H)

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advérbio:

(11) as pessoas oportunistas já aproveitam atiram coisinhas coisinhas coisinhas

acabam gerando alguma coisa (PMOA2M)

advérbio + palavra negativa:

(12) outros também não conseguem arranjar emprego (PMOA3H)

oração adverbial:

(13) as pessoas quando vêm pra Maputo pensam que vão encontrar tudo...

(PMOC3M)

conjunção53:

(14) os pais porque falam em casa crescem com aquela língua... mas há muitos

de raça negra... da cidade que não sabem absolutamente nada de changana...

(PMOA3H)

marcador discursivo:

(15) é mazione... aqueles eh: são mazione (PMOC1H)

pronome:

(16) as crianças se integram e aprendem melhor aprendem melhor por não saber

o português porque no princípio há muita dificuldade mas acho que já está

acabando um pouco (PMOC1M)

preposição:

(17) porque algumas crianças até entendem assim... percebem melhor... quando

se fala a nossa língua (PMOC2M)

53 Ressalte-se que, na falta de um exemplo ideal que representasse a atuação da conjunção intercalada, usou-

se a presente ocorrência, na qual se considera o SN referente da oração e não o SN sujeito, apenas para

representar o contexto analisado.

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advérbio + preposição:

(18) eles lá dentro dizem fulano fulano talvez pode encaminhar alguém para que

possa te liquidar para não ir a frente o caso dele já aconteceu muitas vezes

(PMOA1H)

advérbio + pronome:

(19) é que eles já se entenderam e ela quer e algumas famílias até perguntam “o

que que tu achas?” porque sentam com a moça conversam e às vezes a moça ela

é que marca o dinheiro do lobolo (PMOA2H)

palavra negativa + pronome:

(20) nas províncias as pessoas não se preocupam muito com o português correto...

eles se preocupam em se comunicar (PMOA2H)

marcador discursivo + conjunção:

(21) os muçulmanos... oh pá... nem esperam por autópsia (nem) nada disso... a

partir do momento em que foi verificado... que/que a pessoa morreu... ficam...

andam atrás do médico pra ter a certidão de óbito... (PMOC3H)

marcador discursivo + palavra negativa:

(22) também a polícia nós os mais antigos faz muita confusão na profissão polícia

como é possível pagar e eles pronto não pegam a multa deixa seguir e vai

andando (PMOC1M)

advérbio + palavra negativa + advérbio:

(23) alguns alunos também não só falam quando estiverem na/ na sala a se ( )

português falam na rua mas é muito comum falarem changana nem que seja

criança nem que seja adultos (PMOA2H)

pronome relativo + objeto direto:

(24) acho que sim... eu convivo com todo mundo e por incrível que parece meus

irmãos que o digam... eles costumam dizer que eu até esqueço da minha condição

física (PMOA3M)

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construção adverbial + advérbio:

(25) as pessoas quando vêm de fora já sabem que tem que conhecer primeiro já

português pra poder se comunicar com todos (PMOA2H)

d. Configuração morfossintática do sujeito

A configuração do sujeito é analisada de maneira a observar a atuação de

elementos que podem interferir diretamente no cancelamento da marca por conta de sua

forma e/ou semântica. Dois exemplos bem ilustrativos são o pronome relativo “que” e os

numerais. A retomada do sujeito pela forma invariável “que” tende a desfavorecer a

concordância pela falta de marcas explícitas, como proposto por Naro e Scherre (2003),

se comparada aos SN sujeitos com marcas de plural que não são retomados por pronome

relativo, pois a presença do pronome teria uma espécie de “efeito máscara”, que inibe a

marcação de plural no verbo. Da mesma forma, os numerais, que apresentam semântica

explícita de plural, tendem também a desfavorecer a concordância, mas por motivos

distintos: a ideia de plural já contida no SN poderia fazer com que a marca seja dispensada

no verbo.

pronome pessoal:

(26) Eles dizem que Alá permite isto então são muitos crentes que assumir a

poligamia como normal vivem e impõem aos seus (PMOA3M)

pronome demonstrativo:

(27) [...] só aqui na universidade esses são os segurança aqui (PMOC1H)

quantificador indefinido:

(28) Alguns atendem bem... alguns trabalham bem atendem bem os doentes... há

medicamentos... (PMOC2M)

quantificador numeral (precedido ou não de artigo)

(29) [...] os dois fazem os trabalhos de casa o mata-bicho depois vão trabalhar

(PMOA2M)

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SN (núcleo do tipo nome):

(30) as pessoas falam minha língua as que vão servir vão olhar pra mim e dizer

“de onde é que vem esse preto?” (PMOB3M)

SNs coordenados (com ou sem oração relativa):

(31) [...] conquistam as miúdas essas miúdas vejam que talvez o vovô ou o titio

vão nos ajudar a pagar os custos da escolaridade vão com esse propósito sem saber

que esses/esses/esses: titios vão lá com outra intenção... (PMOA1H)

sujeito não expresso:

(32) alguns até tem televisor melhor do que... o meu... e não Ø estão a fazer o uso

deste instrumento... (PMOC3M)

pronome relativo:

(33) por causa dos problemas que existe da confiança de que ela é minha

namorada depois mais tarde encontra uma mensagem no telefone dela (PMOA1H)

SN com sintagma preposicional encaixado:

(34) os professores de hoje em dia são ruins... mas as crianças não acreditam

assim (PMOB2H)

e. Número de vocábulos do SN sujeito

Essa variável analisa se há diferença na aplicação da regra de concordância a

depender da quantidade de vocábulos do SN sujeito, ou seja, se constituintes simples

(apenas 1 elemento) ou complexos (2, 3 ou mais elementos) podem (des)favorecer o uso

do plural nos verbos.

Acredita-se que sujeitos com maior número de vocábulos, inseridos

principalmente em sintagmas preposicionados, possam desfavorecer a marcação de

plural. Além disso, o número de vocábulos também pode estar relacionado ao efeito do

paralelismo, a ser observado em outro grupo de fatores; ao que parece, haveria, mais uma

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vez, o desfavorecimento da marcação de plural em constituintes mais complexos,

enquanto os mais simples tenderiam a favorecer a presença das marcas.

Um vocábulo

(35) outros vão de:: machibombo... chapa (PMOC2M)

Dois vocábulos

(36) os alunos estão saindo das escolas (PMOA1H)

Três vocábulos

(37) alguns amigos meus seguem [a cultura do lobolo] (PMOA3H)

Quatro ou mais vocábulos

(38) os estudiosos da língua portuguesa vão dizer opá... isto não é... este português

não é/não é (tal) muito correto... (PMOC3H)

f. Paralelismo no nível clausal

Tendo em vista o princípio geral do paralelismo, de que marcas levam a marcas

e zeros levam a zeros (SCHERRE; NARO, 1993), parte-se do pressuposto de que a

presença de marcas explícitas no SN sujeito favoreceria a concordância verbal, enquanto

a ausência de marcas no SN, consequentemente, geraria maiores possibilidades de

cancelamento das marcas de plural no verbo. Portanto, esta é uma variável que relaciona

de modo direto o SN referente do sujeito e o SV.

No que se refere à expressão do sujeito, entende-se que fica impossibilitada a

análise da presente variável em estruturas nas quais o sujeito não está explícito, uma vez

que a ausência de uma forma impede a possível influência do paralelismo na outra forma.

Da mesma maneira, nos casos em que o sujeito se encontra na posição posterior ao verbo,

não é possível estabelecer a influência das marcas, presentes ou ausentes, do SN,

primeiramente enunciado, no SV. Esses dois contextos receberam “não se aplica” nesta

variável.

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Vale ressaltar, ainda, que nos casos em que havia ocorrência de sujeitos

representados por pronome relativo que, observou-se o SN referente para a verificação

do efeito do paralelismo.

A distribuição dos fatores se deu da seguinte maneira:

vocábulo isolado no plural:

(39) [...] jovens gostam de falar português mesmo (PMOB1M)

morfema de plural explícito (-s) no último elemento não-inserido em um

sintagma preposicional:

(40) [...] então minha filha ligou pro vizinho a frente lá saíram os outros

acompanharam até a paragem... e:... e pronto... (PMOB2M)

morfema de plural zero no último elemento não-inserido em um sintagma

preposicional

(41) mas guarneceu até esse momento quando os guarda queira saber o campo...

o campo começa ali na entrada ali é a entrada... termina ali na Julius Neyere

(PMOC1H)

morfema de plural zero ou forma não-marcada de singular no último elemento

inserido em um sintagma preposicional

(42) não só mas as grandes cidades de de Moçambique tá a atravessar uma fase

dessas... (PMOB3H)

numeral no último elemento não inserido em um sintagma preposicional

(43) os dois podiam se unir e decidir uma coisa (PMOA2H)

núcleos coordenados

(44) conflitos armados e:: guerra que assola lá na zona centro... (PMOB1H)

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g. Animacidade do SN sujeito

Variável importante para os estudos sobre a concordância verbal (também

controlada desde Lemle; Naro, 1977), a animacidade do sujeito é associada ao papel dos

traços semânticos [+/- humano], [+/- animado] e [+/- concreto]54 na marcação da

pluralidade. Parte-se do princípio de que os sujeitos que possuem o traço [+ animado]

tendem a favorecer a concordância, enquanto sujeitos com os traços [-animado] e [-

concreto] a desfavoreceriam.

Traço semântico [+ animado] [+ humano]

(45) as pessoas ligam muito a atual crise com a dívida escondida... (PMOC3H)

Traço semântico [+ animado] [- humano]

(46) aqueles bois... que a família recebeu... vão se reproduzir... (PMOC3M)

Traço semântico [- animado] [- humano] [+ concreto]

(47) tem muitas igrejas... inclusive tem algumas que eu acho que são seitas... e

não são igrejas... (PMOB2M)

Traço semântico [- animado] [- humano] [- concreto]

(48) nós poderíamos dizer que eh eh são sintomas do desenvolvimento não sei

(PMOB3H)

6.2.2.2 Sobre o Sintagma Verbal (SV)

a. Saliência Fônica

A saliência fônica tem se mostrado extremamente relevante sobre a atuação das

marcas de concordância verbal nos estudos sobre as variedades de Língua Portuguesa. Os

resultados de trabalhos clássicos já realizados sobre o fenômeno (LEMLE; NARO, 1977;

NARO, 1981; GUY, 1981) demonstram a vasta atuação de tal variável e confirmam que

54 Apenas no caso de sujeitos inanimados.

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a existência de distintos graus de diferenciação entre as formas singular e plural dos

verbos é o que fundamenta a escolha das variantes da concordância.

Desde o estudo pioneiro de Lemle; Naro (1977), determina-se que, nos verbos em

que a diferença entre as formas singular e plural é pequena, a tendência é a do

desfavorecimento das marcas, como ocorre em exemplos do tipo come x comem, fala x

falam. Por outro lado, os verbos cujas formas alternantes se apresentam mais

diferenciadas, ou mais salientes, possivelmente favorecem a marcação da concordância,

já que a ausência da marca seria altamente perceptível e, assim, causaria estranhamento

mais evidente ao falante, como acontece nos verbos é x são e veio x vieram. De outro

lado, não se observaria com a mesma nitidez o papel da nasalização na alternância das

marcas de número nos verbos de baixa saliência.

Ao observar a atuação da saliência fônica tanto nos verbos quanto nos nomes,

considerando traços de material fônico que diferenciam as formas singular/plural e a

nasalidade dos vocábulos, Naro (1981) propõe uma divisão em dois níveis de controle da

variável, que atuaria de forma escalar nas desinências verbais:

(1) diferenciação não acentuada - “pares em que os segmentos fonéticos

que estabelecem a oposição NÃO SÃO ACENTUADOS nos dois

membros” e (2) diferenciação acentuada - “pares em que esses

segmentos são ACENTUADOS em pelo menos um membro da

oposição” (NARO, 1981, p. 74).

Adota-se, neste trabalho, a divisão estipulada por Naro (1981) para a codificação

das ocorrências encontradas, contemplando cada estágio da escala por ele proposta.

Assim, consideram-se os casos de saliência de acordo com a proposição supracitada,

seguindo o tratamento detalhado de cada um e partindo da hipótese de que as ocorrências

de diferenciação acentuada são mais salientes do que as de diferenciação não acentuada,

ou seja, entende-se que a maior saliência nos verbos seria fator altamente favorecedor da

concordância verbal.

De acordo com Naro (1981), a diferenciação não acentuada envolve mudança na

qualidade da vogal na forma plural – acréscimo da semivogal [w] (canta x cantam);

acréscimo de segmentos na forma plural e possível mudança na realização da consoante

final do singular (diz x dizem); não envolve a mudança na qualidade da vogal na forma

plural - acréscimo de nasalidade (sai x saem).

A diferenciação acentuada, por sua vez, envolve mudança na qualidade da vogal

na forma plural (dá x dão); mudança na qualidade da vogal na forma plural e queda da

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semivogal da forma singular (vai x vão); acréscimo de segmentos sem mudanças

vocálicas na forma plural, queda da semivogal da forma singular (comeu x comeram);

acréscimo de segmentos com mudança vocálica na forma plural, queda do ditongo (falou

x falaram); acréscimo de segmentos – com ou sem mudanças/acréscimos vocálicas(os) –

na forma plural, mudança da tonicidade do vocábulo e acréscimo de segmentos com

mudança na raiz e na tonicidade do vocábulo (quis x quiseram). Os casos de mudança

completa, como veio x vieram e é x são, serão tratados como casos únicos (cf. NARO,

1981).

A seguir, portanto, apresentam-se exemplos dos tipos encontrados na amostra:

Diferenciações não acentuadas

deve x devem:

(49) segundo consta aqui há aqueles médicos tradicionais burladores deve apanhar

umas raízes (PMOC1M)

tinha x tinham:

(50) porque eles tinha que ser ( ) ou ser uma coisa pra ele pelo menos sentir que

ele fez algo (PMOA1M)

diz x dizem

(51) porque as mulher daqui não deixa a possibilidade diz não se você quer casar

a segunda… (PMOA1H)

for x forem

(52) é muito importante porque eles se for aprender changana há de aprender pelo

quiser... (PMOB2H)

Diferenciações acentuadas

dá x dão

(53) eles não dão atenção NEM a caligrafia... (PMOB3M)

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vai x vão

(54) nem só os moçambicanos vai teimando em não usar a camisinha...

(PMOC3H)

perdeu x perderam

(55) Já chegou a uma altura que os pais perderam isso aí... portanto vejo que nem

pressionam... (PMOC2H)

estudou x estudaram

(56) os meus filhos... estudaram em escola pública... até a quarta classe...

(PMOC3H)

disse x disseram

(57) eles não aceitam... falando por exemplo da/ da/ da questão do/ do:/ desses

ataques que existem agora ( ) algumas pessoas saíram ali e disseram que... nós

não fomos atacados pelos homens da RENAMO são as próprias forças de defesa

em que... nos atacaram algumas pessoas saíram para dar entrevista (PMOA2H)

teve x tiveram

(58) eles discutem uma coisa que eles podem sentar mas já sentaram várias vezes

várias vezes desde sei lá desde que ( ) sentaram pra conversar e tiveram um acordo

assinaram sei lá quantas vezes o acordo de paz mas continua a mesma coisa

(PMOA1M)

veio x vieram

(59) porque vieram pessoas para os prédios que não sabem viver nos prédios …

é: não sabem… é a limpeza como viver com o civismo com civismo não sabem

porque não aprenderam (PMOC1M)

é x são

(60) acho que essas perguntas não são pra ser feitas por pessoas que pensam...

(PMOB2M)

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Cabe ressaltar que, retomando a proposta de Naro (1981), Guy, em estudo do

mesmo ano, propõe uma observação mais aprofundada sobre a questão da nasalidade,

afirmando que, de fato, o efeito da desnasalização em verbos regulares como cantam e

comem já pressupõe ausência de concordância. Dessa forma, o autor analisa a atuação da

variável desconsiderando esses verbos, organizando uma oposição entre quatro fatores

(faz x fazem; dá x dão; pretéritos; é x são).

Ao notar que a primeira categoria se comportava, basicamente, como os verbos

regulares e as outras três não demonstravam grandes diferenças hierárquicas, Guy inclui

novamente os verbos retirados da análise e propõe uma nova categorização, agora com

seis níveis (come x comem; fala x falam; faz x fazem; dá x dão; sumiu x sumiram; é x são

– fez x fizeram). Com essa divisão, o autor chega a resultados muito próximos daqueles

obtidos na proposta bidimensional de Naro. O autor decide, então, analisar outras

questões fonológicas, como os contextos antecedente e subsequente, que poderiam alterar

os resultados obtidos, e percebe que a grande distância, em termos de probabilidade, dos

índices de concordância entre as três primeiras categorias e as três restantes diminui

consideravelmente (de .69 para .48).

No entanto, Guy destaca que as categorias dois (fala x falam) e três (faz x fazem)

chegam a resultados muito próximos, o que faz com que decida juntá-las e passe a

considerar, por fim, uma categoria progressiva de cinco níveis de saliência. De acordo

com esse estudo, o autor chega à conclusão de que a proposta de Naro quanto à

diferenciação material não seria a primeira responsável pela atuação da saliência, uma

vez que essa distinção refletiria apenas a possibilidade de ocorrer (ou não) a

desnasalização e que essa restrição depende de outros fatores fonológicos relacionados à

concordância verbal:

A significativa dimensão que Naro atribui à oposição entre verbos com

e sem desinência acentuada parece de fato ser só um reflexo da

distinção entre os verbos cujos plurais podem ser convertidos em

singulares superficiais por meio do processo de desnasalização e

aqueles em que a desnasalização não pode ter esse efeito. O acento na

desinência é, de fato, o principal componente desse efeito, uma vez que

bloqueia absolutamente a desnasalização. Mas claramente não é uma

restrição independente para a SVA (concordância verbo sujeito).

(GUY, 1981, p. 286)

Tal proposta de junção dos níveis parece bastante relevante para a organização

sistemática dos resultados obtidos para esta variável, como será visto na análise dos

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dados. Ao que tudo indica, ainda que cada nível da proposta de Naro (1981) seja

observado separadamente, o amálgama sugerido por Guy (1981) pode refletir de maneira

mais clara e objetiva a atuação progressiva desses níveis, ainda que os resultados finais

de cada proposta não apresentem diferenças substanciais.

b. Tempo verbal55

Observa-se, com esta variável, a atuação das terminações verbais na

concordância verbal, tendo em vista que formas como as do pretérito, por exemplo, nas

quais as diferenças entre o singular e o plural são mais evidentes, tenderiam a favorecer

a presença das marcas, enquanto formas do presente poderiam gerar ausência de

concordância, por apresentarem pronúncias muito próximas, com pouquíssima diferença

notável.

Assim sendo, é preciso verificar a direta relação entre esta variável e a saliência

fônica, pois estas parecem demonstrar fortes interferências que se complementam.

Acredita-se, portanto, que as formas verbais em que a mudança para caracterizar os

tempos (presente, pretérito) interfere na concordância de número podem ser analisadas

mais detalhadamente através da observação da saliência das formas em competição.

Para tal variável, destacam-se os tempos verbais56:

presente do indicativo em forma simples

(61) tem coisas que acontece você encontra miúdo de qualquer maneira a mãe já

não quer saber porque a mãe faz o filho deixa com o avô (PMOA1H)

presente do indicativo em forma perifrástica

(62) os alunos estão saindo das escolas… pessoas estão largando dos trabalhos

então é o momento que as pessoas/ quer dizer tudo fica apertado... (PMOA3H)

55 Ressalte-se que a forma do verbo quanto à expressão flexional de tempo foi priorizada na codificação,

de modo que, no caso de locuções verbais, foi considerada apenas a forma do verbo auxiliar.

56 Seguindo Vieira (1995), todos os tempos verbais encontrados na amostra foram listados,

independentemente dos possíveis amálgamas realizados durante o tratamento dos dados, que serão expostos

na primeira seção da análise, referente às rodadas realizadas.

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pretérito perfeito do indicativo

(63) ainda usamos aquele português que eles trouxeram [de Portugal] (PMOC2M)

pretérito imperfeito do indicativo em forma simples

(64) minhas/minhas tias ao conversarem... diziam que eram mulher da má vida...

era o termo usado para mulheres que bebiam... (PMOC3M)

futuro do indicativo em forma simples

(65) então as pessoas sabem que de alguma forma terão alguma coisa eh

recompensa que são/ que são os prêmios então às vezes incentivam mais nesse

sentido as pessoas acabam praticando e acabam gostando (PMOA2H)

futuro do indicativo em forma perifrástica

(66) obviamente que/que os/os estudiosos da língua portuguesa vão dizer opá...

isto não é... este português não é/não é (tal) muito correto... (PMOC3H)

presente do subjuntivo

(67) desde o momento que as coisas dos meus filhos corram bem não tenho

vergo/eu sento ali composto... cubram aquelas coisas todas... (PMOB2M)

imperfeito do subjuntivo

(68) eles sempre trazem a menina pra viver e acabam vivendo juntos assim sem

que eles quisessem sem que eles tenham programado aquilo que seria o casamento

isso é muito comum (PMOA2H)

futuro do subjuntivo

(69) eles não conseguem fazer nem a metade do número de votos do/ do/ do/ dos

partidos da oposição (juntando-se) não conseguem alcançar o a/ o número de

assentos da FRELIMO se eles decidem uma coisa ali logicamente eles são a

maioria quando eles votarem já está por mais (PMOA2H)

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c. Tipo de verbo

É importante salientar que os estudos variacionistas não trazem conclusões

definitivas sobre a influência do tipo de verbo na implementação das regras de

concordância verbal. Alguns trabalhos, como o de Scherre; Naro; Cardoso (2007),

propõem que essa variável não seria estatisticamente relevante no condicionamento da

marcação de plural. Por outro lado, trabalhos como o de Monguilhott (2001) atestam que

verbos do tipo inacusativo tendem, ainda que de forma leve, a desfavorecer as marcas de

plural. Dessa forma, a variável seria em alguma medida significativa para a

sistematização das marcas de número.

Monguilhott (2009) relata esse impasse:

No que tange ao tipo de verbo, observamos que este grupo de fatores

não foi considerado estatisticamente significativo em alguns estudos

que o controlaram (CARDOSO, 2005; SCHERRE, NARO e

CARDOSO, 2007); no entanto, em termos de percentual, observou-se

uma leve tendência ao desfavorecimento da marcação de plural para os

inacusativos, em outros estudos (MONGUILHOTT, 2001; SILVA,

2003), a inacusatividade foi atestada como ambiente favorecedor da

não-marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural.

(MONGUILHOTT, 2009, p. 39)

Scherre; Naro; Cardoso (2007), por outro lado, explicam que a saliência fônica

parece ser, de fato, a característica mais relevante em relação ao verbo para a variação

nas marcas de número:

[...] a única característica do verbo que influencia a concordância plural

é a saliência fônica da oposição singular/ plural. Como característica

intrínseca ao verbo, até onde caminhamos na análise, nada mais é

relevante. O tipo de verbo, em especial, não revela efeito sobre a

concordância, seja de acordo com a categorização tradicional, seja de

acordo com a nova proposta de orientação gerativa. Em síntese, no que

diz respeito à concordância, a classe dos inacusativos, nos termos até

agora apresentados, é inoperante. Trabalhamos com o pressuposto de

que a inacusatividade é uma propriedade do verbo, mas ainda

precisamos medir se a inacusatividade como propriedade da estrutura

traria novos resultados para o fenômeno da concordância verbal.

(SCHERRE; NARO; CARDOSO, 2007, p. 312)

Sem desconsiderar a atuação reconhecidamente fortíssima da saliência fônica e a

discussão ora apresentada, acredita-se que, de fato, existem tipos de verbos que

(des)favorecem o uso das marcas de plural nos verbos. A hipótese a seguir nesta pesquisa

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é a de que verbos copulativos e inacusativos apresentem mais tendências de ausência de

concordância do que os outros tipos, à luz de pesquisas que encontram valor significativo

na atuação dessa variável, como Monguilhott (2009) evidencia:

Para os resultados do PE, o verbo cópula foi o que se mostrou o menos

favorecedor da marcação de plural nos verbos, seguido dos inacusativos

prototípicos. Já para os resultados do PB, foi o verbo inacusativo o que

se mostrou menos favorecedor da marcação da concordância verbal,

tanto os inacusativos não-prototípicos, quanto os prototípicos.

(MONGUILHOTT, 2009, p. 176)

Para além dessa relação entre saliência fônica e tipo de verbo, Scherre; Naro;

Cardoso (2007) ainda mostram que esta última variável parece estar diretamente

relacionada à outra: a posição do sujeito. Seus apontamentos indicam que a posição é, de

fato, um condicionamento fundamental para a marcação de concordância:

os verbos transitivos exibem predominantemente o argumento externo

à sua esquerda; os verbos existenciais privilegiam um argumento único

à sua direita; e os verbos impessoais só ocorrem com sintagmas à

direita. Também não há dúvida de que, entre os casos de construções

com sujeitos/sintagmas pospostos, há predominância de verbos

intransitivos inacusativos, embora haja também muitas construções em

que os inacusativos aparecem com argumento à esquerda do verbo.

Entretanto, independentemente do tipo de verbo, qualquer argumento

ou sintagma à direita do verbo tende, relativamente, a diminuir as

marcas de concordância explícita. (SCHERRE; NARO; CARDOSO,

2007, p. 312)

De toda forma, sabe-se que cruzamentos entre o tipo de verbo e as variáveis

saliência fônica e posição do sujeito são fundamentais para a compreensão do efeito

conjunto das três sobre o fenômeno da concordância verbal. Cada uma delas é assumida

como tendo um resultado significativo para este trabalho, o que leva à formação de

hipóteses sobre sua atuação no fenômeno em questão.

Segue-se, agora, a apresentação dos exemplos de cada tipo de verbo encontrado

no corpus:

inergativo = intransitivo

(70) então ainda existe muitos lobolos (PMOA1M)

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inacusativo

(71) tá ali (Luiz Brito)... (Ana Forte)... (Teixeira)... são as crianças nasceu na

minha vida... ainda está aqui na campo... (PMOC1H)

transitivo direto

(72) essas que apareceram ultimamente coisas muito esquisitas a empregada da

minha filha/ na igreja dela não comem carne de animais de duas patas eu não sei

se são duas patas ou quatro patas (PMOC1M)

transitivo indireto

(73) as pessoas gostam agora mais de changano então pra esses que vem de norte

mais nampula é que sofrem (PMOA1M)

transitivo relativo ou circunstancial

(74) os falantes da língua inglesa a nossa volta... não queriam o português pra

nada... não precisam do português da língua portuguesa pra nada... (PMOC3H)

transitivo direto e indireto

(75) mas não era/ não era isso que davam... era só bater pa:lmas... cantar: e

ensinavam alguns os outros (PMOB3M)

transitivo bi-relativo / circunstancial

(76) alguns/alguns homens... sim... já homens... é menor o número de homens que

vão ao gabinete não... (PMOC3M)

transitivo direto e relativo / circunstancial

(77) eles vacinam pra tirar aquele sangue coagulado... e depois colocam um

medicamento lá... (PMOB2M)

copulativo

(78) é pra ver se coisas está ali dentro do carro... (PMOC1H)

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7 ANÁLISE DE DADOS

Nesta seção, serão analisadas, de acordo com os resultados quantitativos obtidos

nas rodadas do programa GOLDVARB X, as ocorrências com e sem presença de marcas

de número, resultados que são apreciados em termos qualitativos e exemplificados,

sempre que necessário.

Primeiramente, as 25 rodadas multivariadas executadas serão descritas, de

maneira que não só se apresentem as dificuldades encontradas com relação à superposição

de algumas variáveis, mas também para que se compreenda todo o cuidado tido para

chegar ao estabelecimento da ponderação estatística na rodada escolhida, que

demonstrasse os resultados de maneira mais clara e objetiva. Vale salientar, de antemão,

que a decisão de fazer novas rodadas implicou em amálgamas de variantes, em busca da

codificação que validasse os efeitos da variável de forma mais evidente em cada grupo

de fatores. Assim, os amálgamas realizados também serão aqui apreciados, para melhor

entendimento das distintas rodadas efetuadas.

Em um segundo momento, as variáveis selecionadas pelo programa como

relevantes ao condicionamento do fenômeno serão exploradas. Essas variáveis são

aquelas que o programa GOLDVARB X selecionou em praticamente todas as rodadas

realizadas, na seguinte ordem: língua(s) dominada(s) pelo informante, posição do sujeito,

saliência fônica, escolaridade, paralelismo clausal e tipo de verbo.

Para efeitos de organização do texto, serão exploradas, inicialmente, as variáveis

sociais. A exposição dos resultados será oportunamente feita levando em consideração

não só o comportamento dos grupos de fatores selecionados, mas também ponderando

um diálogo com uma variável de comportamento instável (ora selecionada, ora não), o

informante, e duas que foram descartadas em todas as rodadas realizadas, o português L1

ou L2 e a faixa etária. Tal discussão se realizará porque a complexidade da situação

linguística de Maputo impõe que sejam discutidas as interferências de vários fatores

extralinguísticos, que indiretamente possam interferir na configuração desse Português

de Moçambique em formação. Essas três variáveis serão trazidas ao debate com base em

termos percentuais gerais e fornecidos por cruzamentos de grupos de fatores, de modo

que possam demonstrar eventuais interferências ou correlações com as variáveis

referentes às línguas locais e à escolaridade dos informantes.

Finalmente, as variáveis linguísticas serão analisadas e exemplificadas. Além

daquelas destacadas pelo programa, a variável configuração morfossintática do sujeito

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também será brevemente discutida, procedimento tomado como necessário a partir da

descrição qualitativa dos exemplos de não marcação de plural. Pretende-se, com isso,

compreender o comportamento de alguns dos fatores desse grupo, como, por exemplo, o

pronome relativo que e o sujeito não expresso.

Os resultados obtidos serão apresentados em forma de tabelas, seguidas, quando

necessário, de gráficos que representem a sistematização dos grupos de fatores. Todos os

resultados são apontados em relação à não marcação de plural, tendo em vista ser o

objetivo de tal pesquisa apreciar, precisamente, a produtividade dessa variante e as

motivações que levam à ausência da marca.

7.1 Descrição das rodadas multivariadas57

Com um corpus que produziu 2.353 dados, sendo observados quanto à atuação de

18 variáveis, optou-se pela realização de diversas rodadas estatísticas que ora

consideravam todas as variáveis, ora consideravam apenas parte delas: as mais produtivas

em estudos variacionistas anteriores, as que não apresentam eventuais superposições, as

extralinguísticas que foram base da estratificação da amostra, dentre outras

possibilidades. O objetivo dessas rodadas particulares era compreender a atuação de

algumas variáveis específicas, sobretudo as criadas especialmente para a variedade

moçambicana do Português (língua(s) dominada(s) pelo informante, português como L1

ou L2 e informante), já que elas pareciam ter possibilidades de demonstrar

comportamentos distintos em relação às outras variedades do Português.

Assim, foram executadas 25 rodadas – cujos perfis específicos podem ser

observados no Anexo 2 –, que serão aqui resumidas, considerando as condições

programadas para cada uma delas.

Iniciou-se o trabalho pela rodada geral, em que todas as variáveis, exceto a que

controlava o informante, estavam em jogo.

Importante destacar que a variável paralelismo foi amalgamada desde o princípio

das rodadas por dois motivos: primeiro, por conta dos dados de sujeito posposto que

foram desconsiderados (cf. Seção 6.2.2); e segundo, porque a amostra apresentou dados

57 Salienta-se que a presente subseção, mesmo fazendo parte do que seria considerado como metodologia

do trabalho, está sendo explorada na seção de resultados exatamente por mostrar mais do que apenas a

metodologia utilizada. Os resultados obtidos ao longo das rodadas justificam a utilização de outras

estratégias metodológicas, o que ratifica sua melhor exploração dentro desta seção.

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categóricos (“knockout”) para o fator relativo a numerais (ex. “os dois”), isto é, havia uma

quantidade muito pequena de dados e todos estavam com a marca de concordância, eles

também foram desconsiderados. Sendo assim, sobraram quatro categorias na variável:

Paralelismo clausal: a) sintagmas nominais com marca de plural explícita; b)

sintagmas nominais sem marca explícita de plural; c) sintagmas preposicionados

com ou sem marca no último elemento; d) sintagmas nominais coordenados.

Da mesma forma, tempo verbal também já estava amalgamado, devido à grande

quantidade de possibilidades, desde a primeira rodada, da seguinte maneira:

Tempo Verbal: a) todas as formas verbais de presente do indicativo (simples,

perifrástica e futuro); b) todas as formas de imperfeito do indicativo; c) todas as

formas de perfeito do indicativo; d) futuro do indicativo; as formas de subjuntivo

se mantiveram separadas e os infinitivos foram descartados.

Já nesta primeira tentativa, as tendências estavam bem claras, tendo o programa

selecionado, na seguinte ordem, língua(s) dominada(s) pelo informante, posição do

sujeito, saliência fônica, escolaridade e paralelismo. Ainda que já demonstrasse

produtivos resultados, decidiu-se fazer uma rodada considerando a variável informante58,

para detectar se o comportamento de faixa etária e/ou escolaridade estaria indiretamente

sendo motivado pelo perfil particular de certos entrevistados. Nesta segunda tentativa, os

fatores em questão, ao que tudo indica, começaram a se sobrepor e o programa passou a

selecionar e, posteriormente, descartar variáveis que, ao que tudo indicava, eram muito

relevantes ao fenômeno, como, por exemplo, escolaridade, posição do sujeito e língua(s)

dominada(s) pelo informante.

Como havia um informante bastante diferente dos outros (PMOC1H) – o único

que afirma falar mais línguas locais do que Português –, considerou-se a possibilidade de

a variável informante estar, de fato, interferindo nos resultados referentes à(s) língua(s)

58 É válido ressaltar que, a princípio, o controle da variável informante se deu apenas para a compreensão

do comportamento individual dos entrevistados. Assim, tendo em vista que alguns informantes pareciam

demonstrar um comportamento muito diferenciado dos outros, decidiu-se por incluir a variável nas rodadas,

ainda que o Goldvarb X não seja a ferramenta ideal (como seria o R-brul) para observar o controle dessa

variável (de caráter individual) juntamente com todas as outras variáveis sociais. Verificados os efeitos

negativos dessa medida, priorizou-se a observação dos resultados sem o controle específico da variável.

Informante.

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dominada(s) pelo informante e à escolaridade. Assim, seguiram-se três rodadas (3, 4 e

5), duas nas quais os dados desse informante foram retirados da amostra e uma em que a

variável língua(s) dominada(s) pelo informante não foi contemplada na análise

multivariada (foi retirada do arquivo de condições). Com isso, pretendia-se observar se

alguns desses fatores estavam atrapalhando os resultados. As variáveis selecionadas nas

duas rodadas em que o informante havia sido excluído não demonstraram diferenças,

obtendo as mesmas tendências da primeira rodada como relevantes. No entanto, quando

o informante estava presente e a variável língua(s) dominada(s) pelo informante foi

retirada, novamente a escolaridade foi descartada, sinalizando a relevância do grupo de

fatores referente ao uso das línguas locais sobre todos os demais extralinguísticos.

As três rodadas seguintes (6, 7, e 8) observam, de modo mais particular, a relação

entre os grupos de fatores linguísticos, como, por exemplo, as variáveis saliência fônica

e tipo de verbo. Consideram, ainda, de forma mais detalhada, o comportamento dos

sujeitos não expressos, ora investigado na variável posição de sujeito, ora na

configuração morfossintática do sujeito. Os resultados foram semelhantes nas três e mais

uma vez, língua, escolaridade e posição foram selecionadas e descartadas pelo programa.

A partir daí, decidiu-se que, de fato, era melhor deixar os sujeitos não expressos

apenas na configuração morfossintática e que havia uma interferência entre a

escolaridade e a língua(s) dominada(s) pelo informante que precisava ser observada mais

atentamente. Com isso, foram feitos os primeiros amálgamas para a rodada 9:

Configuração morfossintática do sujeito: em vez das nove categorias que

existiam, os dados foram reagrupados, deixando seis fatores, da seguinte maneira:

a) pronomes (pessoal e demonstrativo); b) quantificadores (definidos e

indefinidos); c) sintagmas nominais (simples, com oração relativa ou com

preposição); d) sintagmas nominais coordenados; d) sujeito não expresso; e e)

pronome relativo.

Língua(s) dominada(s) pelo informante: em troca dos quatro níveis anteriores, um

grupo ternário: a) fala somente Português e/ou compreende um pouco as línguas

locais; b) fala línguas nacionais e Português fluentemente; e c) fala mais línguas

locais do que Português.

Outra vez, as variáveis escolaridade, posição do sujeito e língua(s) dominadas(s)

pelo informante foram selecionadas e, em seguida, descartadas pelo programa. Além das

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mesmas variáveis selecionadas na primeira rodada, o programa indicou a variável tipo de

verbo como relevante. Cabe ressaltar que, em todas essas rodadas (de 2-11), a variável

informante estava sendo usada e, ao que tudo indica, ela pode ter sido a responsável pelos

descartes ora citados, como se verá adiante. Assim, nova tentativa (10) foi feita, desta vez

para observar somente as variáveis selecionadas nas rodadas de melhor significância até

então (a rodada 1 e a rodada 9), mas esta não demonstrou tendências muito claras, não

tendo nem descartado nem selecionado qualquer das variáveis em análise na rodada. Nas

duas tentativas seguintes (11 e 12), as mesmas variáveis das outras tentativas foram

selecionadas e os descartes também se mantiveram, sendo que a primeira considerava

apenas as variáveis da rodada 1, acrescidas do informante, e a segunda, apenas as

variáveis da rodada 9.

Optou-se, nesse caso, por observar, primeiramente, somente as variáveis sociais

(13), e, em seguida, fazer uma rodada específica para cada nível de escolaridade

separadamente (14, 15 e 16), para tentar entender o que acontecia nesses casos. Ao

considerar apenas as sociais, o programa descartou as língua(s) dominada(s) pelo

informante. Além disso, ao separar os níveis de escolaridade, pela primeira vez em todas

as rodadas, a variável língua(s) dominada(s) pelo informante deixou de ser selecionada.

Assim, confirmou-se a forte interferência entre a escolaridade e as línguas que esses

informantes utilizam em seu dia a dia.

Na 17ª tentativa, repetiu-se então a rodada 9, retirando os dados daquele

informante com perfil particular, que tinham mais ocorrências de não marcação de plural

e, então, mais uma vez língua(s) dominada(s) pelo informante não foi selecionada.

Contudo, observou-se que os resultados referentes à saliência fônica e ao tipo de verbo

pareciam diluídos pelos muitos fatores, não permitindo que as principais tendências

fossem claramente visualizadas. Assim, foram feitos amálgamas em mais dois grupos de

fatores:

Saliência Fônica: seguindo a proposta de cinco níveis de saliência, propostos por

Guy (1981), reagruparam-se os dez níveis iniciais em cinco, da seguinte maneira:

Grau 1 – come x comem, fala x falam; Grau 2 – faz x fazem, quer x querem; Grau

3 – dá x dão, vai x vão; Grau 4 – pretéritos; Grau 5 – é x são.

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Tipo de Verbo: ao contrário dos cinco fatores iniciais que estavam sendo

considerados (inergativos e acusativos59, transitivos diretos, transitivos indiretos,

transitivos relativos e circunstanciais, copulativos), determinou-se uma oposição

ternária: transitivos x inacusativos/intransitivos x copulativos.

Nas três rodadas que se seguiram (18, 19 e 20) a essas mudanças, três variáveis

não foram nem selecionadas nem descartadas: tempo verbal, tipo de verbo e informante.

Diante do cenário de possibilidades descritas e mediante diversas tentativas de

compreensão das interrelações entre as variáveis, concluiu-se que o controle do

informante a parte foi o principal responsável pela instabilidade na seleção de certos

grupos de fatores, por forte superposição de fatores. Na rodada 21, adotou-se, então, o

perfil das condições da rodada 1, considerando os novos amálgamas realizados nas

variáveis e retirando o informante, para confirmar tal interferência. De fato, notou-se que

a retirada dessa variável permitia que os resultados ficassem mais satisfatórios quanto às

hipóteses estabelecidas.

Por fim, verificou-se, ainda, que a variável língua(s) dominada(s) pelo informante

representava resultados contrários à hipótese esperada; além disso, a observação das

ocorrências de não marcação de plural mostrava que havia uma quantidade de sujeitos

não expressos bastante relevante, mas a variável que a controlava (configuração

morfossintática) não era selecionada em nenhuma das rodadas.

Por conta disso, decidiu-se fazer as últimas quatro rodadas da seguinte forma: na

22, considerando sujeitos não expressos no grupo posição do sujeito, variável que foi

selecionada e descartada pelo programa; na 23, deixando de fora as variáveis de

comportamento instável; na 24, examinando apenas as variáveis que foram produtivas

nas pesquisas variacionistas anteriores. Nestas duas últimas, deixou de haver seleção e

descarte das mesmas variáveis. Por fim, na 25, seguindo os mesmos padrões da rodada

anterior, adicionou-se apenas o informante, variável que, outra vez, apareceu superposta

às outras.

Após todas as tentativas, ficou definido que a rodada 23 era a que apresentava

melhores resultados. Com input de 0.01 de não marcação de plural e significância 0.04,

as tendências gerais mantiveram-se, estavam de acordo com as hipóteses levantadas e

59 Importante ressaltar que esses dois tipos de verbo (inacusativos e inergativos) foram codificados

separadamente, mas devido à pequena quantidade de dados de cada um deles e seu comportamento similar,

eles foram amalgamados desde a primeira rodada executada pelo programa.

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nenhuma variável foi selecionada e depois descartada pelo programa. Ainda que esta

rodada considere, em primeiro lugar, a variável língua(s) dominada(s) pelo informante e

esta tenha sido selecionada em quase todas as rodadas executadas, ficou claro que sua

atuação sofre interferências muito fortes da escolaridade, o que provavelmente foi a causa

de tanta instabilidade para ambas, que ora eram selecionadas, ora descartadas.

Por toda a complexidade dessas correlações, decidiu-se tratar da variável língua(s)

dominada(s) pelo informante não só em termos de peso relativo, mas observando os

cruzamentos entre ela e outras variáveis. Logo, não só ela como outras variáveis que

(quase) nunca foram selecionadas pelo programa, como o Português como L1 ou L2, o

informante60 e a faixa etária, serão observadas quanto à distribuição dos dados.

Cabe esclarecer que as variáveis que não foram ou quase nunca foram

selecionadas – sexo, localidade, distância entre o núcleo do sujeito e o verbo, presença

de elementos intervenientes, número de vocábulos do sujeito, animacidade e tempo

verbal – não serão aqui detalhadas, por não terem se mostrado relevantes na amostra em

análise.

Sobre os cruzamentos – alguns deles apresentados na análise, juntamente com os

resultados de cada variável em questão – foram executados oito, na seguinte ordem:

1. Escolaridade x Português L1 ou L2

2. Escolaridade x Língua(s) dominada(s) pelo informante

3. Língua(s) dominada(s) pelo informante x informante

4. Língua(s) dominada(s) pelo informante x Faixa etária

5. Escolaridade x Localidade

6. Saliência Fônica x Tipo de Verbo

7. Tipo de Verbo x Posição do Sujeito

8. Escolaridade x Informante

Espera-se que, com o presente detalhamento das rodadas realizadas pelo programa

computacional, fique clara a proposta de análise que será realizada na próxima seção.

Consoante a investigação detalhada da hipótese de que certas variáveis sociais seriam

mais relevantes do que as linguísticas, percebeu-se que elas, por muitas vezes, atuam em

60 Variável selecionada apenas 2 vezes, quando a variável Língua(s) dominada(s) pelo informante não

estava na rodada.

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conjunto e, por isso, acabam interferindo umas sobre as outras, sobretudo porque não se

dispõe de uma amostra estratificada quanto a todas as variáveis que atuam na complexa

realidade multilinguística moçambicana. Seguem-se, então, os resultados.

7.2 Distribuição geral dos dados

Os resultados obtidos na amostra do Português de Moçambique indicam, em

termos de distribuição de dados, a atuação de uma regra semicategórica, conforme

proposto por Labov (2003), com expressiva preferência pela concordância padrão. Como

pode ser verificado na tabela a seguir, dos 2.353 dados coletados, 2.278 apresentam

marcas de 3ª pessoa do plural, totalizando 96.8% de concordância. Sendo assim, foram

encontradas 75 ocorrências em que as marcas de plural não foram realizadas.

A análise computacional dos dados revelou a relevância efetiva de seis variáveis

para os dados sem marcação plural; são elas: língua(s) dominada(s) pelo informante,

posição do sujeito, saliência fônica, escolaridade, paralelismo clausal e tipo de verbo.

Como já dito anteriormente, essa foi a ordem de seleção preferida pelo programa em

praticamente todas as rodadas realizadas, o que revela o verdadeiro peso desses grupos

de fatores para a amostra do Português de Moçambique em questão. Conforme se

esclareceu anteriormente, a análise das variáveis sociais será apresentada primeiro; depois

serão verificados os condicionamentos linguísticos.

7.3 O comportamento das variáveis extralinguísticas

Detalhando os resultados, pode-se observar não só a atuação das Língua(s)

dominada(s) pelo informante e a escolaridade, estatisticamente relevantes para a

compreensão da complexa situação do Português de Moçambique, mas também possíveis

relações entre essas variáveis com os grupos de fatores referentes aos informantes, a faixa

Ocorrências Percentual

Concordância padrão 2278/2353 96.8%

Não concordância padrão 75/2353 3.2%

Tabela 6 - Distribuição dos dados com e sem marca verbal de 3ª

pessoa plural no Português de Moçambique (PM)

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etária e as línguas que declaram como sendo sua L1. O objetivo de tal apresentação é

proporcionar uma visão geral do panorama linguístico desses indivíduos e os fatores em

questão.

7.3.1 Língua(s) dominada(s) pelo informante

Em quase todas as rodadas em que o grupo de fatores foi avaliado, esta foi a

primeira variável selecionada pelo programa, mostrando-se bastante relevante no

condicionamento da regra de concordância no Português de Moçambique. Observem-se

os resultados gerados pelo programa na Tabela 7:

Preliminarmente, esperava-se obter um resultado escalar, que demonstrasse que

quanto maior o uso de línguas locais, maiores seriam os índices de ausência de pluralidade

nos verbos. Não se verificou exatamente essa escalaridade, mas a hipótese para esta

variável é confirmada na comparação entre os resultados referentes ao grupo de

informantes que “falam mais línguas locais do que Português” e os demais.

O uso mais constante das línguas locais constitui fator que demonstra nitidamente

o desfavorecimento da concordância (.89 de não concordância padrão). O contato com

Changana/Rhonga, ao que tudo indica, afeta os padrões de concordância verbal no

Português de Moçambique. De outro lado, com comportamento similar (apenas quatro

pontos relativos de diferença), figuram os fatores relativos aos informantes que “só falam

Português e/ou apenas compreendem (um pouco) as línguas locais” e os indivíduos que

falam “fluentemente línguas locais e Português”. Embora o maior contato com a Língua

Ocorrências Valor Percentual Peso Relativo

Só fala Português ou apenas compreende

línguas locais 24/820 2.9% .51

Fala, fluentemente, Português e línguas

locais (em determinados

contextos)

39/1487 2.6% .47

Fala mais línguas locais do que

Português 12/44 27.3% .89

Tabela 7 - Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo

língua(s) dominada(s) pelo informante no Português de Moçambique (PM)

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Portuguesa não chegue a favorecer altos níveis de marcação de plural, os resultados

obtidos para esses fatores – .47 e .51 – distam consideravelmente (cerca de 40 pontos)

daqueles relacionados ao contato intenso com as línguas locais.

Na realidade, os pesos relativos demonstram uma polarização61 quanto ao

condicionamento da regra variável, o que pode ser compreendido, considerando, mais

uma vez, o testemunho da professora Maria João Carrilho Diniz, ex-professora de Língua

Portuguesa por muitos anos e estudiosa da relação entre esta e as línguas locais. Esse

testemunho revela uma informação extremamente significativa em relação ao

conhecimento das línguas e a escolaridade:

“[...] temos situações em que é difícil de encontrar neste momento pessoas com mais de

35 anos... que tenham o português como língua materna... mas que tenham uma

escolaridade básica... porque ba/basta que o português seja língua materna para a

possibilidade de ter um/uma escolaridade melhor... e que seja colocada... portanto temos

casos... mas não significa que eles dominem perfeitamente porque ter o português como

língua materna a partir de uma determinada altura... aos 10... 11 anos quando o controle

dos pais fica menos... menos eh:... fechado... eles começam a ter contatos com os amigos

de rua e começam a aprender a outra língua e às vezes o português eh:... porque também

nã/não continuam a ler... o ensino... a qualidade do ensino de português não é tão boa...

o domínio também não é tão bom [...] mas aquele que tem língua materna avança...

avança... e o português nem sempre impede de avançar mais... pode não dominar bem a

língua e chegar no ensino superior”

Em suma, entende-se que o fato de se declararem falantes de Português L1 e terem

alta escolaridade não significa que, necessariamente, tenham pleno domínio do português

tido como padrão. Considera-se, nesse caso, especialmente o primeiro grupo de falantes,

que contém indivíduos que afirmam “compreender línguas locais”, fato que, de acordo

com Romaine (1995), já os classifica como bilíngues passivos, suscetíveis aos mesmos

fenômenos variáveis de qualquer outro falante.

61 De um lado, observam-se os informantes que falam apenas Português (ou que podem ser considerados

bilíngues passivos) juntamente com os falantes bilíngues, mostrando tendências de favorecimento à

concordância verbal, ainda que seja possível notar oscilação no uso das variantes das duas categorias de

falantes. De outro lado, verifica-se o favorecimento à não concordância por parte apenas daquele que tem

maior contato com as línguas locais do que com o Português.

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Da mesma forma, no que se refere ao fato de os indivíduos do segundo grupo

falarem fluentemente línguas locais e Português, é possível que haja a confluência de

muitos falantes bilíngues, aqueles que adquiriram as línguas ao mesmo tempo, desde

crianças, independentemente de seu grau de escolaridade. Nesse caso, a aquisição

simultânea possibilitaria um nível de proficiência muito similar nessas línguas, o que

poderia causar oscilação em sua fala e, ao mesmo tempo, permitir que a aquisição das

regras da Língua Portuguesa seja mais natural, resultando no leve favorecimento de uso

das regras padrão, assim como mostra o resultado (.47 para a não marcação de plural).

Deve-se, considerar, ainda, na análise dos resultados da variável língua(s)

dominada(s) pelo informante, que o único informante que declara usar muito menos o

Português do que as línguas locais é o maior representante do domínio da língua

considerado mais precário, que sofre maiores influências do substrato e,

consequentemente, apresentaria esse maior desfavorecimento das marcas de

concordância (.89). Esse informante (PMOC1H) possui apenas a 4ª classe do ensino

fundamental, ou seja, seu contato com a Língua Portuguesa foi, de fato, muito menor do

que o de alguns outros informantes pertencentes aos outros grupos. Seus resultados

referentes à marcação de concordância chegam aos 73% (limiar referente à variação) e

ele apresenta dificuldades em outras áreas relacionadas ao processamento do mecanismo

de concordância em geral, como a de gênero e a nominal, por exemplo, que ele utiliza

pouquíssimas vezes de acordo com as regras do Português padrão ao longo de sua

entrevista. Alguns exemplos podem ser aqui destacados: “eu sozinho a guarnecer aqui

na campo”; “pronto... duas jipe... duas carro...”; “a vencimento base...”; “eu tenho nove

filho”, dentre outros.

Refletindo, então, mais especificamente sobre o grupo de informantes que se

declaram bilíngues e que são os que mais utilizam as marcas de concordância, questionou-

se a proficiência desses indivíduos em outras línguas, quando as dominam, e,

consequentemente, se esse domínio teria alguma relação com o fato de algum desses

idiomas ser a sua língua materna. Assim, controlou-se mais atentamente a variável

Português como L1 ou L2, com o objetivo de tentar compreender a relação desses

indivíduos com suas possíveis línguas maternas.

Aparentemente, contudo, definir o que seria uma língua materna para os

indivíduos moçambicanos parece ser uma tarefa bastante árdua, que gera incertezas

quanto a essa definição, seja para aqueles que viveram o período pós-independência

quanto para os que viveram diretamente o período colonial e a proibição das línguas

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locais. Durante aquela época, conforme já se observou, o prestígio concedido à Língua

Portuguesa fez com que muitos moçambicanos fossem obrigados a abandonar suas

línguas maternas caso quisessem ter um futuro melhor, fosse na educação ou no mercado

de trabalho. Por conta desse cenário, desde o período pós-colonial até os dias atuais, é

possível ver o esforço de grande parte desses indivíduos para que o Português seja a língua

materna da nova geração.

Todavia, a presente amostra, como já mencionado, não se constitui apenas de

informantes que têm a Língua Portuguesa como sua L1, e isso parece revelar muito sobre

a sociedade moçambicana como um todo, já que, mesmo aqueles que declaram ser

falantes de Português como L1, às vezes oscilam ao definir qual seria sua língua materna.

Em outras palavras, o contexto multilíngue parece representar fortemente uma situação

em que a maioria dos moçambicanos adquire, ao menos, duas línguas ao mesmo tempo

(Português e Changana/Rhonga). Dessa forma, para alguns deles é bastante complexo e,

talvez até impossível, indicar o limite entre uma língua e outra e/ou definir com clareza

qual é a sua língua materna e qual é a sua segunda língua.

Ao que tudo indica e, seguindo a proposta de Romaine (1995), entende-se que a

língua que o indivíduo bilíngue indica como seu idioma materno não é necessariamente

a que ele aprendeu primeiro, mas aquela com a qual ele mais se identifica, culturalmente

falando. Sendo assim, aqueles que possuem o desejo de ascensão social e melhores

condições de vida tendem a defender com mais afinco o uso do Português e, inclusive,

tentam evitar que seus filhos aprendam línguas locais, pois acreditam que o uso destas

pode impedir sua evolução. Por outro lado, aqueles que acreditam no valor cultural dos

idiomas locais tendem não só a defender, mas a incentivar o uso dessas línguas em todos

os ambientes possíveis, especialmente naqueles em que há maior representatividade das

emoções, como na religião e no trato com a família e os amigos, por exemplo. Nessas

situações, a força das línguas locais parece ser muito maior e mais valorizada por seus

falantes do que a do Português, que seria apenas o instrumento de comunicação geral,

com a qual não estabeleceriam mais forte relação afetiva.

Apesar de toda a complexidade que se constata, especialmente no depoimento dos

entrevistados, essa variável, que controlava, a partir das declarações dos mesmos, se eles

tinham aprendido o Português como sua L1 ou L2, não foi selecionada em nenhum

momento pelo programa estatístico. Ainda assim, vale a pena conferir seus resultados,

principalmente porque o discurso dos informantes revela a importância dessa concepção

de uso de línguas e a importância de cada uma delas dentro da sociedade moçambicana.

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Dentre os 18 informantes da amostra, os 11 que se declaram falantes de Português

como língua materna são, especialmente, nascidos e criados em Maputo, onde a Língua

Portuguesa já é majoritária e o incentivo a seu uso é extremamente valorizado. Além

disso, estes também são representados por aqueles moçambicanos que tiveram maior

convivência com portugueses, seja na família ou por ter passado algum tempo em

Portugal e, com toda certeza, aqueles com níveis mais altos de escolaridade (para o

detalhamento do perfil de cada informante, cf. Seção 6.2.1).

Considerando, de outro lado, os sete informantes da amostra que se declaram

falantes de Português L2, vemos que, para muitos deles, aprender a Língua Portuguesa

foi quase uma “obrigação”, algo que lhes permitiria frequentar a escola. Essa realidade

parece ser um problema ainda comum para as crianças que vêm de outras províncias para

viver e estudar em Maputo. Um dos informantes mais jovens da amostra faz uma

declaração que comprova essa afirmação:

“em Moçambique vamos falar das escolas pública ou todas as escolas lá existe uma

língua que é português... todos tem oportunidade de falar português por exemplo eu vou

me encontrar com um pessoa no distrito sempre vou falar aquela língua mas quando

estamos mais que três quatro pessoas eu sou obrigado a falar português para nos

entendemos melhor até/em outros lugares em outras as escolas é proibido você falar a

sua língua digamos do seu distrito é obrigatório falar português para que possa facilitar

além de hoje (em dia) então os professores não deixam o aluno falar a sua língua materna

na sala deve falar o português que nós todos aprendemos através do português e não sei

o que tal... acho que é bom cada pessoa tem a língua dela mas existe uma língua que é

comum que é obrigatório tudo que entra na escola deve saber mesmo não entrando na

escola ele deve saber” (PMOA1H)

Outros dois informantes confirmam a necessidade de já se chegar à escola com

algum conhecimento de Português:

“eu aprendi na escola porque nos meus tempos não se falava/ não falávamos português

em casa ... falávamos a nossa língua [...] eh:: quando a gente entra na escola já não

podíamos mais falar a nossa língua... [...] então obrigavam a gente a falar português pra

podermos aprender melhor... [...] na minha casa agora por causa dos meus filhos eu já

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falo português... para eles poderem ir à escola pelo menos já têm uma noção... já sabem

como falam pelo menos eles vão entender... o (professor) está a falar isto...” (PMOB1H)

“sim na escola é proibido não pode às vezes professor dá punição mesmo dá castigo na

aluna porque falou changana não pode ser principalmente na sala de aula por quê?

porque o português nós mesmo aprendemos na escola e é a língua que usamos na escola

por isso que o professor não permite que o aluno fale changana tem que falar mesmo

português mesmo errando mas tem que falar pra poder corrigir pra poder ver que essa

palavra está errada e no nosso dia a dia nós falamos um pouco de changana um pouco

de português [...] sim a gente ainda proibe sim sim ( ) fala changana devem falar o quê?

pra se saírem bem na escola e falar sempre o português pra poderem formar as frases

pra poderem ler bem um texto” (PMOA2M)

Uma das informantes, que oscila em dizer qual língua aprendeu desde pequena,

reforça que o uso de línguas locais deve ser “evitado” em prol do uso do Português:

“eu falava um pouquinho [de Português] com a minha mãe sim um pouquinho só mas

bem que aprendi na escola amigas né sim... [...] [meus filhos] sim... até que eles não

conseguem falar changana só conseguem falar português porque desde eu nascer eu

sempre falei português eu não consigo presenciar bem português mas eu sempre falo

português com eles... até digo não eu não quero pra vocês falarem changana sim vocês

podem saber falar mas não podem falar changana e também falar português ajuda muito

na escola também... porque nossa escola aqui sempre é o português não pode falar

changana” (PMOB1M)

O informante seguinte corrobora o relato anterior, ao afirmar que falar Português

é sinal de “respeito”:

“só aqui na universidade... quando falo com doutore... com professore... eu não falar

changana... para dar... fala alguma coisa que é respeito...” (PMOC1H)

Os dois últimos informantes falantes de L2, de faixa etária mais elevada na

amostra, relatam como o Português era tratado antes e depois da independência do país:

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“antes eh:... da independência as crianças falavam sempre só na língua (nacional) mas

agora... os pais ensinam português pras crianças em casa... falam português [...] aos

poucos... a/a língua da unidade é o português... agora todos falam português... a partir

da altura dos portugueses... pegamos essa instrução... então os moçambicanos passaram

a falar o português...” (PMOC2H)

“mas também porque... por exe/ eu por exemplo estudei numa escola oficial... então

escola oficial eram só professores... pronto... os portugueses entravam (na vida de) todos

nós... no tempo colonial éramos portugueses... eram só professores brancos... só...

sempre... que ensinavam... então ali não tinha como meter outra língua [...] [saber

português] permite melhor compreensão... porque na/na/nas zonas rurais lá... as

crianças em casa falam uma única língua que é a língua materna... agora se chegar na

escola... o professor introduzir a segunda língua... [...] se o professor introduz a nova

língua neste caso que será o português... será uma novidade para a criança... e se o

professor manter-se só naquela língua ali a criança vai ter dificuldades para perceber a

matéria” (PMOC2M)

Esse último relato destaca, ainda, a dificuldade que alguns alunos de áreas mais

rurais podem ter, por não conhecerem bem o Português e esse ser introduzido como uma

L2 de maneira muito imponente, podendo causar problemas no aprendizado dessa

criança. Sendo assim, é fundamental o conhecimento de Língua Portuguesa como

condicionamento de uma boa instrução e melhores oportunidades para o futuro desses

indivíduos.

A Professora Maria João confirma os relatos ao mencionar a posição de muitos

indivíduos em relação ao uso do Português:

“Muitos pais no período anterior à independência... para que os filhos pudessem ter

acesso à escolaridade não permitiam que eles... que eles falassem uma língua eh::

nacional uma língua moçambicana... outros por causa do seu da/d/d do seu ambiente de

sua mente de suas origens étnicas eh:... criaram condições para os filhos ser/serem

bilíngues [...] mas os pais evitam mesmo que os filhos falassem outra língua que não o

Português porque essa é a língua de acesso ao conhecimento”

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Em outras palavras, pode-se dizer que a Língua Portuguesa é concebida por esses

moçambicanos como o principal recurso que promove acesso ao conhecimento e que tê-

la como L1 é uma condição para que o indivíduo obtenha níveis mais altos de

escolaridade, mesmo que ele não domine perfeitamente a língua por causa do contato

posterior que ele tem com as línguas locais. Cabe, agora, observar os resultados referentes

à escolaridade em si, sem deixar de notar que, assim como mencionado por Maria João,

ter ensino superior não é sinal de ter um Português perfeito, livre de “desvios” em sua

gramática.

7.3.2 Escolaridade

A quarta variável selecionada pelo programa, escolaridade, confirmou, como já

era esperado, um comportamento escalar, demonstrando mais concordância conforme o

indivíduo fosse mais escolarizado. A hipótese inicial foi claramente atestada, como

mostra a seguinte tabela:

Os informantes com ensino fundamental são os que realizam menos marcas de

número, favorecendo a não marcação de plural (.71), enquanto os que possuem ensino

médio e/ou ensino superior são aqueles que a desfavorecem (.42 e .35, respectivamente).

Isso está interligado, acredita-se, diretamente ao maior uso de Língua Portuguesa, uma

vez que nas escolas a língua majoritária é o Português e, portanto, aqueles que tiveram

maiores oportunidades de estudar são os que têm maior contato com a língua no seu dia

a dia.

No entanto, como bem observado na variável anterior, ter mais escolaridade não

é sinal de ter um “Português perfeito”. Sendo assim, a Tabela 8 revela 16 ocorrências de

ausência de marca de número no ensino médio e 13 no ensino superior, o que nos mostra

que, mesmo sendo ínfima a quantidade de “desvios”, é válido reparar a diferença de

Ocorrências Valor Percentual Peso Relativo

Ensino Fundamental 46/765 6% .71

Ensino Médio 16/844 1.9% .42

Ensino Superior 13/742 1.8% .35

Tabela 8 - Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa

plural segundo escolaridade no Português de Moçambique (PM)

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apenas três dados entre esses dois níveis de instrução escolar. No percentual geral, ambos

chegam próximos aos 2% de não concordância padrão, confirmando que, de fato, nessa

amostra, a diferença de comportamento entre os dois níveis de escolaridade é bastante

pequena.

Além disso, a superposição entre essa variável e a que relata o uso de outras

línguas por parte dos informantes foi bastante clara durante as rodadas, demonstrando

que, ao retirar a variável referente às línguas, a escolaridade passava a ser a primeira ou

a segunda selecionada pelo programa (cf. Seção 7.1 e rodadas no Anexo 2). Assim,

atestou-se a interferência entre as línguas faladas pelo indivíduo e sua escolaridade, que

ora parecem caminhar juntas, ora parecem mascarar o efeito uma da outra.

Vale, portanto, verificar, através do cruzamento entre as duas variáveis, o qual

permite a análise mais detalhada desses grupos de fatores, como o contato entre as línguas

em uso em Moçambique – as locais e o Português – pode afetar tanto os falantes que se

declaram falantes de Português como L1 e tem pouquíssimo ou nenhum contato com

línguas locais quanto aqueles que afirmam utilizá-las em seu dia a dia, seja porque são

suas línguas maternas ou por pura força do hábito, já que o uso destas é muito comum

nas ruas da cidade.

Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Superior

Oc. Perc. Oc. Perc. Oc. Perc.

Fala só Português ou apenas entende línguas

locais 15/266 6% - - 9/554 2%

Fala, fluentemente, Português e línguas locais

19/455 4% 16/844 2% 4/188 2%

Fala mais línguas locais do que Português

12/44 27% - - - -

Tabela 9 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo língua(s)

dominada(s) pelo informante x escolaridade no Português de Moçambique (PM)

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Como se pode observar na Tabela 9 e no Gráfico 1, as três “categorias” de uso de

línguas locais estão presentes apenas no grupo de indivíduos que têm apenas o ensino

fundamental, com percentuais de 6%, 4% e 27%, respectivamente. Os informantes de

ensino médio são os únicos que se revelam apenas falantes fluentes tanto de línguas locais

quanto de Português (2%), enquanto os de ensino superior se dividem entre saber somente

o Português e/ou compreender um pouco de línguas locais (2%) e saber falar ambas

fluentemente (2%). Além disso, observa-se que ser bilíngue é uma realidade muito

presente nessa amostra, independentemente do nível de escolaridade.

Com isso, nota-se que, para a maioria dos informantes aqui analisados, o

Português foi adquirido com algum tipo de influência das línguas locais, mesmo que

alguns afirmem o contrário. Às vezes, o simples fato de alguém da família ser fluente em

idiomas locais já pode exercer algum tipo de influência no Português falado por eles.

Ademais, não se pode deixar de refletir novamente sobre a questão do Português

que é ensinado nas escolas de Moçambique (cf. Seção 3.2 deste trabalho para maiores

explicações). Sendo grande parte dos professores de Língua Portuguesa da atualidade

falantes também de Português como L2 ou, pelo menos, de uma L1 com influência das

línguas locais, a transmissão das regras da língua pode acontecer de maneira que não

reflita totalmente a Língua Portuguesa com as características consideradas padrão, dando

margem aos contextos de variação.

Ao falar dos processos de pré e pós-independência, a Professora Maria João reflete

sobre essa influência inerente dos idiomas locais no Português da geração atual:

6%0% 2%4% 2% 2%

27%

0% 0%0%

20%

40%

60%

80%

100%

Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Superior

Escolaridade x Lingua(s) dominada(s) pelo informante

Fala só Português; compreende línguas locaisFala Português e línguas locaisFala mais línguas locais que Português

Gráfico 1 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo língua(s)

dominada(s) pelo informante x escolaridade no Português de Moçambique (PM)

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[o poder da língua portuguesa] “foi se diluindo ao longo do tempo e já há uma geração

que começa a querer que seus filhos falem as suas línguas naturalmente... mas esta

geração que tinha... que nós tínhamos no pós-independência já falam um português

língua materna mas com influência grande das línguas moçambicanas e de outras

que/que vão entrando... por exemplo o inglês”

Tendo em vista esse cenário, foi feito um cruzamento entre as variáveis

escolaridade e língua materna, na tabela a seguir, para observar como elas atuam na

amostra em questão:

Os dados da tabela confirmam as palavras de Maria João sobre a conexão concreta

entre a escolaridade e o uso do Português. Como se vê, não existe qualquer informante de

ensino superior que seja falante de Português como L2 e o índice maior de não marcação

de plural (9%) é observado exatamente nos indivíduos de ensino fundamental que não

têm o Português como sua língua materna.

Então, na percepção da professora,

“É esse conjunto de pessoas que vai produzir a transformação do português porque... à

medida que vão crescendo na escolaridade, elas também se vão aperfeiçoando eh::...

mesmo que tenham um: nível básico do português quando entram pro ensino superior...

se disser/ exigir esta língua... eh: o português... essas pessoas vão influir... então é difícil

encontrar pessoas agora do nível básico que tenham... que tenham português como

língua materna e SÓ um nível básico de escolaridade”

Resumindo, entende-se que o nível de conhecimento da Língua Portuguesa está

fortemente relacionado à escolaridade dos moçambicanos, seja porque tiveram acesso ao

Português desde cedo ou porque tiveram de aprendê-lo já dentro da escola.

Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Superior

Oc. Perc. Oc. Perc. Oc. Perc.

Português L1 20/486 4% 9/465 2% 13/742 2%

Português L2 27/279 9% 7/379 2% - -

Tabela 10 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural

segundo língua materna x escolaridade no Português de Moçambique (PM)

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167

Haja vista o panorama totalmente heterogêneo de Maputo em relação à

aprendizagem e ao conhecimento de Português por parte de cada indivíduo, acreditava-

se que um olhar detalhado e separado sobre os informantes – exposto na próxima

subseção – poderia mostrar a situação de uso das línguas de forma mais evidente.

Considerou-se tal controle, em primeiro lugar, pela grande diferença, em termos

qualitativos e quantitativos, de dados produzidos por aquele único falante que declara

falar mais línguas locais do que Português e os outros. Por outro lado, foi perceptível que

esses outros informantes, em situações distintas da dele, também produziram ausência de

concordância e que ele não era o único responsável pelos contextos variáveis que foram

encontrados na variedade Moçambicana.

7.3.3 Informante

Essa variável, selecionada apenas duas vezes em todas as rodadas, apresentou

comportamento instável, sendo relevante somente quando a variável língua(s)

dominada(s) pelo informante era retirada da amostra (rodadas 4 e 25). Esse desempenho

levantou questionamentos sobre o possível peso que alguns informantes especificamente

poderiam causar sobre os resultados obtidos e se, de alguma maneira, a presença daquele

informante em especial, o PMOC1H, citado anteriormente, enviesaria os percentuais da

amostra.

Embora não se tenha dúvida da forte influência dos dados do referido entrevistado,

a observação de cada informante separadamente permite a constatação de que, com

exceção dos informantes PMOC2M e PMOC3M, que não apresentaram qualquer

ocorrência sem marcas de plural, todos os outros registram, mesmo que em percentuais

bastante baixos, a concordância não padrão. A Tabela 11, a seguir, mostra bem essa

situação:

Informante Ocorrências Percentual

ENSINO FUNDAMENTAL

A1H 10/117 9%

A1M 5/220 2%

B1H 2/76 3%

B1M 2/42 5%

C1H 12/44 27%

C1M 15/266 6%

Tabela 11 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural

segundo informante x escolaridade no Português de Moçambique (PM)

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Note-se que, dos 46 dados de não concordância obtidos no ensino fundamental, o

maior índice, em número absoluto, é de 15 ocorrências, que são produzidas pela

informante C1M e não pelo informante em questão, o C1H. Este último produziu 12

episódios de ausência de marca. Percentualmente, no entanto, é o informante C1H o que

mais deixa de marcar as formas verbais (27%), visto que a quantidade de dados (44)

produzida por ele, de forma geral, foi menor do que a de muitos outros informantes (que

chegam a 266 ocorrências gerais, como é o caso da C1M). Dessa forma, o percentual bem

elevado do informante, em comparação com os referentes aos demais entrevistados, pode

sinalizar, de alguma forma, que seu comportamento tenha afetado a atuação da variável

referente às línguas, principalmente.

Vale relembrar que, em relação às línguas, tanto no ensino fundamental quanto no

médio, os informantes estão divididos quase pela metade quanto ao uso de Português

como L1. No fundamental, são três informantes de Português como L1 e quatro como L2,

enquanto no médio são exatos três informantes para cada categoria. O ensino superior,

por sua vez, é todo preenchido por falantes de Português como L1. Sendo assim, a

expectativa, ao observar os informantes, era que, de fato, aqueles com Português L2 e

escolaridade entre os níveis fundamental e médio seriam os maiores desfavorecedores da

marca de concordância. O Gráfico 2 mostra a confirmação dessa hipótese:

ENSINO MÉDIO

A2H 1/240 1%

A2M 4/176 2%

B2H 3/90 3%

B2M 5/135 4%

C2H 3/75 3%

C2M 0/104 0%

ENSINO SUPERIOR

A3H 1/89 1%

A3M 1/82 1%

B3H 2/75 2%

B3M 4/188 2%

C3H 0/128 0%

C3M 5/189 3%

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Assinale-se que os informantes do ensino fundamental, principalmente, A1H,

C1H e C1M são os que mais produziram ausência de concordância; porém, dentre esses,

dois informantes declaram ter o Português como L2, mas C1M é falante de Português

como L1. Da mesma forma, no ensino médio parece que os níveis de ausência são bem

similares, independentemente de a Língua Portuguesa ser L1 ou L2. Além do mais, a

informante C2M, falante de L2, é a única que não apresenta qualquer dado sem marcas

de número. Por fim, no ensino superior os níveis parecem crescer levemente, conforme a

idade dos informantes, excetuando o informante C3H, que, assim como C2M, não produz

qualquer falta de concordância padrão, mas tem o Português como sua língua materna.

Considerando especificamente os informantes C3H e C2M, pode-se perceber que,

apesar de terem línguas maternas diferentes, ambos são informantes com marcas

representativas de um Português aparentemente semelhante ao europeu (sobretudo pela

pronúncia) e com menos influência das línguas locais como se esperava, devido às suas

experiências diferenciadas com a Língua Portuguesa (cf. Seção 6.2) em relação aos outros

entrevistados, já que o primeiro viveu em Portugal e a segunda estudou em escola

portuguesa. Sendo assim, não se espera que eles, de fato, representem o Português

supostamente genuíno dos moçambicanos, como foi confirmado por esses números.

Isso significa que, seja o Português L1 ou L2 desses entrevistados, outros fatores

sociais além da escolaridade e das línguas que o indivíduo fala, como a relação e a

identidade que mantêm em relação à Língua Portuguesa, o contato com Portugal ou a

faixa etária do informante, por exemplo, parecem atuar fortemente nessa variedade. Uma

0%

20%

40%

60%

80%

100%

Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Superior

Informante x escolaridade

A1H A1M B1H B1M C1H C1M A2H A2M B2H

B2M C2H C2M A3H A3M B3H B3M C3H C3M

Gráfico 2 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural

segundo informante x escolaridade no Português de Moçambique (PM)

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vez que a amostra é bastante heterogênea, alguns desses fatores podem ter passado

despercebidos em termos quantitativos, mas devem ser observados qualitativamente.

7.3.4 Faixa Etária

A última variável extralinguística a ser verificada (embora não selecionada pelo

programa estatístico, como já se explicou) é a faixa etária. Ao que parece, observar esse

grupo de fatores é importante, principalmente, por dar conta daquilo que é entendido

como uma variedade em formação. Em outras palavras, o fato de cada faixa etária

representar, a priori, um estágio diferente de domínio e conhecimento do Português

significa que, talvez, a partir dessa perspectiva, os padrões da Língua Portuguesa falada

em Moçambique sejam mais fielmente retratados.

De acordo com o relato da professora Maria João e considerando tudo o que já foi

aqui exposto, é visível que cada grupo de fatores sociais tem certa contribuição a dar para

o entendimento dessa realidade, mas a faixa etária do indivíduo marcaria exatamente que

tipo de contato ele teve – e continua tendo – tanto com o Português quanto com as línguas

locais moçambicanas no período por ela retratado. Vejamos as palavras da professora

sobre o tema:

“[...] os que estão entre os 28... e 40 anos de idade... esta/esta... eu/eu penso... não estou

a determinar... que esta geração é a que vai... é que vai marcar as variantes / a variante

do Português de Moçambique [...] eles... que vivem em Maputo... se estiverem num grupo

de amigos nota-se que é um português com algumas marcas que não tem... que não tem

a geração dos 60 [...] [muitos desses mais idosos] seguem os modelos de Portugal... do/do

Português de Portugal... do Português Europeu... [...] também muitos jovens vão à igreja

e nas igrejas há a tendência de se usar as línguas moçambicanas para rezar e para

cantar... portanto isso está a levar a camada jovem moçambicana a querer também falar

as línguas moçambicanas”

Considerando essas reflexões como de fundamental relevância para a realidade

moçambicana, foram observados os percentuais referentes a essa variável, tendo por

objetivo verificar se há algum tipo de interferência quanto ao uso de línguas locais a

depender da faixa etária dos informantes. Como se verá no cruzamento a seguir, a maior

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quantidade de dados sem concordância, em termos percentuais, realmente é mais refletida

nos idosos, seguidos dos de idade mediana e, por último, os mais jovens.

Com efeito, pode-se também concluir que falar uma língua local, ou ao menos,

compreender um pouco delas é uma característica comum a todas as faixas etárias. No

entanto, há maiores incidências, no que se refere à distribuição nas três faixas etárias, de

ausência de concordância entre falantes que se assumem bilíngues (9%, no total). O

percentual mais alto obtido (27%) retrata o maior favorecimento da não concordância por

parte daquele único informante (PMOC1H) que afirma falar mais línguas locais do que

Português, fato que confirma a influência destas línguas na fala de informantes mais

velhos e com baixa escolaridade.

Isto posto, a observação de todas as informações obtidas até então, quantitativas e

qualitativas, parece indicar que a população de Maputo pode ser, supostamente,

subdividida em quatro grandes grupos em relação à faixa etária: (i) indivíduos acima de

55 anos, que tinham os idiomas locais como L1 e aprenderam, após a independência e

por forças externas, o Português como L2, considerado deficitário; (ii) outros indivíduos

acima de 55 anos que tiveram oportunidades de estudar em escolas portuguesas e tiveram

contato desde cedo com o Português, seja como L1 ou L2, a depender de cada caso; (iii)

indivíduos na faixa de 36 a 55 anos, que viveram o momento logo após a independência,

em que as línguas locais eram proibidas na escola e dentro de muitas casas por decisão

dos pais. Nestes casos, o Português é a língua majoritária, podendo até ser a L1 de muitos

destes habitantes, principalmente os das classes mais abastadas; (iv) indivíduos abaixo

dos 25 anos, que vivem atualmente uma situação diferente, uma vez que as línguas

nacionais voltam a ganhar mais valor e importância, deixando de ser proibidas e até

A (18-35 ANOS) B (36-55 ANOS) C (ACIMA DE 55)

Oc. Perc. Oc. Perc. Oc. Perc.

Fala só Português ou apenas entende línguas

locais 2/171 1% 2/75 3% 20/574 3%

Fala, fluentemente, Português e línguas locais

20/753 3% 16/531 5% 3/203 1%

Fala mais línguas locais do que Português

- - - - 12/44 27%

Tabela 12 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo

língua(s) dominada(s) pelo informante x faixa etária no Português de Moçambique (PM)

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mesmo sendo incentivadas como fonte de instrução escolar e religiosa. Para muitos

destes, o Português é aprendido em simultaneidade com as línguas locais.

Esse cenário nos mostra que, de fato, os idiomas nacionais tendem a influenciar

as gerações de maneiras diferentes com o passar do tempo. Além disso, considerando que

os mais jovens são os que mais fazem uso desses idiomas e a força deles parece estar se

renovando aos poucos, o futuro da variedade moçambicana do Português tende a ser

fortemente influenciado pelo perfil desses informantes.

Dessa forma, compreende-se que a Língua Portuguesa falada pelos

moçambicanos esteja ainda passando por processos de definição de seu perfil linguístico,

desde o Português repassado pelos portugueses para as gerações mais antigas e, naquele

momento, evitando ao máximo a influência das línguas locais, que eram totalmente

proibidas, até os dias atuais, nos quais os idiomas nacionais não são mais censurados e as

novas gerações tendem a usá-los em contextos variados, mas com plena convivência com

o Português.

Diante desse cenário, o Português de Moçambique parece estar em pleno processo

de formação, no qual as tendências gramaticais de cada língua em uso estão, aos poucos,

se encaixando e, em alguns momentos, até se misturando. Com isso, a variedade

moçambicana estaria construindo seu caminho particular, diferindo não só da variedade

europeia como também da brasileira, já que em nenhuma das duas o contexto de uso é o

mesmo. Em outras palavras, a realidade que se observa em Maputo sinaliza o quadro

complexo da multiplicidade de línguas que os moçambicanos utilizam e,

consequentemente, vai dar ao Português de Moçambique uma identidade única e

diferenciada.

Vale ressaltar que alguns dos próprios moçambicanos percebem essas

“diferenças” e relatam uma possível “separação” entre as variedades do Português,

devido, principalmente, à “mistura” de línguas presente especialmente na variedade

falada em Moçambique, como seus relatos indicam:

“agora com a independência está... estão a surgir termos... que já estão a ficar... nossos...

no/ nosso... no/ nosso... português... não sei ao ponto de ter alguma influência...

influência nisso não é... mas já vamos utilizando... termos nossos... mais das línguas

locais ou nacionais... que vão... entrando para o... para o... o português...” (PMOC3M)

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“eu acho que o português daqui é meio meio assim meio meio... porque o português de

Portugal ele é meio certinho eu tenho uma pessoa de Portugal... ah português... agora

está a dar aula para minha amiga ela fala português certinho e ela queria que a pessoa

falasse português certinho então [...] [em Moçambique] não é tão certinho tu vais

procurar no dicionário pra estar realmente certa então é por isso” (PMOA1M)

“tem alguma característica m/ mais daqui porque porque a gente a gente sempre tem em

mente tem o português do Brasil ou de Portugal mas já é um português/ há certas

expressões que a gente sabe que não tem nos livros nem/ nem de Portugal nem daqui que/

que saem de uma junção do/ do/ do/ português palavras inventadas não é” (PMOA2H)

“os portugueses normalmente quando falam eles falam muito rápido a gente acaba se

perdendo porque não percebe o que dizem [...] sim eles falam mu:ito rápido o português

dele mesmo ((risos)) é muito diferente do nosso [...] o que acontece é numa conversa de

amigas minhas eu posso falar uma frase em changana outra em português outra vez em

changana sim podemos fazer mistura” (PMOA2M)

“todos os países têm uma forma assim... alguns calões né... da língua... e Moçambique/

o moçambicano/ o português moçambicano eh: é uma caracte/é um português... como eu

posso explicar? mistura todos os outros... tem um bocadinho de Angola... tem um

bocadinho do Brasil tem um bocadinho de: de Portugal... e ainda tem um bocadinho de

Moçambique... né então é uma mistura... de todos os por/de todo de todo de todos os

outros países que falam o português [...] muitas vezes as pessoas traduzem fazendo a

tradução... do changana pro português... e às vezes não: não é tão boa não sai assim tão

perfeita mas as pessoas já ficaram com aquilo na na na ponta da língua...” (PMOA3H)

“acontece... a interferência do português com changana... isso acontece [...] porque no

tempo colonial na altura que era português de Portugal... mas agora não... eu não vou

mentir... professor de português... mesmo assim... a língua varia do meio ambiente...

então/ então o ambiente vai mudar também a língua vai/ vai sofrer alteração [...] [não é

igual o de Portugal] nem de Angola... nem de Guiné Bissau... nem São Tomé... é língua

diferente... língua diferente...” (PMOC2H)

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“já tem marca... na minha opinião tem marca de mistura [...] a língua portuguesa é a

segunda língua... não para (quem) foi a primeira língua... aí ta tranquilo... mas para a

maior parte dos moçambicanos ali o português é a segunda língua... e/e sendo segunda

língua... ela (aprende) em função daquilo que vai... vai tendo a apreciação do/de como

se fala a língua... mas pois bem... as expressões da língua portuguesa quem vai buscar a

língua materna e traduz para o português [...] e a maneira como fala a língua portuguesa

não é... o padrão universal... né... exatamente... porque a língua principal dele é como...

é como eu a falar em inglês... [uma língua estrangeira] (PMOC3H)

Em poucas palavras, esses relatos demonstram a consciência dos moçambicanos,

sejam eles falantes de quaisquer línguas maternas, de que o Português de Moçambique

sofre influências dos idiomas locais e que existem características próprias dessa variedade

que não são refletidas em nenhuma das outras.

Resumidamente, então, pode-se dizer que a escolaridade e as línguas utilizadas

pelos indivíduos dessa amostra são características extremamente relevantes para o

entendimento dessa variedade. No entanto, elas não podem ser analisadas sozinhas, pois

a situação de cada informante, de cada faixa etária e como cada um desses contextos

reflete o uso do Português como língua materna ou segunda língua afetam diretamente o

tipo de fenômeno com o qual estamos lidando. As variáveis sociais, portanto, indicam

que o caminho da variedade moçambicana ainda está sendo traçado e que essas tendências

sociais são, de fato, o que fazem desta uma variedade única e ainda em intenso processo

de estruturação. Resta agora, observar como as estruturas linguísticas estão se

manifestando e variando dentro dessa imensa riqueza de línguas em contato.

No caso da concordância verbal de 3ª pessoa, os resultados presentes permitem

afirmar que são os indivíduos com mais anos de escolaridade (ensino médio e ensino

superior) os que mais marcam a concordância de número, enquanto os informantes do

ensino fundamental a desfavorecem. Quanto ao uso de línguas locais, são os indivíduos

que usam mais as línguas locais do que o Português os que fazem menos marcação de

plural, se comparados aos demais. Os indivíduos tipicamente bilíngues usam mais as

marcas de plural, possivelmente por serem aqueles que adquiriram as línguas de maneira

mais natural e, portanto, a aquisição das regras fez-se de forma mais completa nas línguas

que domina. Os informantes que se dizem apenas falantes de Português também usam em

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maior proporção as marcas de plural, quando comparados aos indivíduos que usam mais

as línguas locais.

7.4 O comportamento das variáveis linguísticas

Considerando, agora, as variáveis linguísticas, pode-se dizer que as tendências

verificadas na amostra em análise se mostraram semelhantes às verificadas nos trabalhos

variacionistas já realizados sobre a concordância verbal (cf. VIEIRA; BAZENGA, 2013).

As variáveis selecionadas pelo programa serão apresentadas na seguinte ordem: posição

do sujeito, saliência fônica, paralelismo clausal e tipo de verbo. Ao longo do texto,

também serão relacionados, conforme já se esclareceu, exemplos referentes à atuação dos

sujeitos não expressos e do pronome relativo que na presente amostra, relatando,

brevemente, a atuação da configuração morfossintática do sujeito, nos itens cujos índices

absolutos podem revelar dados que mostrem alguma correlação com outras variáveis nos

resultados obtidos.

7.4.1 Posição do Sujeito

A posição do sujeito, segunda variável destacada pelo programa (após apenas de

língua(s) dominada(s) pelo informante), confirma a hipótese inicial, segundo a qual

sujeitos em posição anterior ao verbo desfavorecem a não marcação de plural, enquanto

em posição posterior a favorecem. A reconhecida atuação é demonstrada nos resultados

obtidos, que ratificam serem os sujeitos antepostos favorecedores das marcas de número

(.42 para a não marcação), ao passo que os sujeitos pospostos tendem a desfavorecer a

concordância (.83 de não marcação), como se vê na Tabela 13:

Seguem abaixo alguns exemplos que ilustram estruturas que foram produtivas no

corpus:

Ocorrências Valor Percentual Peso Relativo

Sujeito anteposto 32/1228 2.6% .42

Sujeito posposto 21/223 9.4% .83

Tabela 13 - Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa

plural segundo posição do sujeito no Português de Moçambique (PM)

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(79) as cidades começam a ficar um pouco mais aceleradas e começam a: surgir

de certa maneira neste momento de certa maneira focos né criminalidade

(PMOB3H)

(80) eles fazem essas coisas todas na praia (PMOA2H)

(81) se os pais agem dessa forma eles não tornam-se obedientes mas sim

rebeldes... (PMOC2H)

(82) tinha velhos colono ainda... saiu os colono consolidar a vida (PMOC1H)

(83) as vezes vinha dois três... conforme eles iam crescendo não é... (PMOC3M)

(84) são casos muito muito raros assim acontece deve ser pessoas sei lá … não sei

se muita atrasada é: mas que eu realmente notei é que fazem o casamento civil e

(vão depois) para o católico mas lá atrás não deixaram de fazer (PMOC1M)

Através dos dados acima, pode-se observar que os indivíduos tendem, como

revelaram os pesos relativos, a não assinalar concordância entre verbo e sujeito quando

este se encontra posposto.

Cabe salientar que, ao considerar a posição pré-verbal, altamente favorecedora das

marcas de número em todas as variedades já observadas estatisticamente, pode-se

observar, conjuntamente, a ação do pronome relativo que nos resultados obtidos na

presente amostra. Em termos de atuação desta expressão formal do sujeito no corpus,

encontram-se 10 dados de SN’s sujeitos representados pelo pronome que em posição

anteposta que apresentam ausência de concordância nos complexos verbais. Estes dados

podem ser verificados a seguir:

(85) isso depende de/das zonas por exemplo há zonas que eles mais preferem ficar

assistir... no quarto assistir um filme há zonas que gosta mais de ficar a fumar há

zonas que muitos gostam de ficar/a jogar futebol então/a conversar isso depende

das zonas sim (PMOA1H)

(86) para nossas criança elas que vai fazer furo / futuro melhore... (PMOC1H)

(87) ah: é normal colegas meus que tá no outro no outro semestre da faculdade

escreverem muito mal português... (PMOA3H)

(88) conflitos armados e:: guerra que assola lá na zona centro... (PMOB1H)

(89) casamentos daqui não dura até pior que os que casa oficialmente é normal

uma pessoa casar este ano e próximo ano já divorciou (PMOB1M)

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(90) por causa dos problemas que existe da confiança de que ela é minha

namorada depois mais tarde encontra uma mensagem no telefone dela (PMOA1H)

(91) tem coisas que acontece você encontra miúdo de qualquer maneira a mãe já

não quer saber porque a mãe faz o filho deixa com o avô (PMOA1H)

(92) há mercados ai que vende produtos grossista né (PMOC1M)

(93) nove filho... onde que pá... pode estudare... a vencimento não chega a pagar

uma escola (PMOC1H)

(94) eh: mas há pessoas que quando chega logo como eu... (PMOB1H)

Como os exemplos demonstram, todos os sintagmas verbais precedidos de

pronome relativo nesses dados aparecem sem marca de plural, mesmo que seus

respectivos sujeitos estejam em posição anteposta. Observe-se que, para além da posição

do sujeito, apenas dois desses dados (86 e 87) não são construídos com verbos

representativos do grau 1 de saliência, ou seja, a maioria dos casos de ausência de marcas

de plural em sujeitos representados pelo pronome que são, coincidentemente, verbos de

baixa saliência fônica, que por si só, já são favorecedores da não marcação.

É importante observar, também, que, dos 10 exemplos acima, apenas um foi

produzido por um informante que não fosse do ensino fundamental. Dessa forma,

confirma-se, novamente, que a escolaridade tem papel fundamental nessa sociedade.

Entretanto, mesmo que seja apenas um exemplo do ensino superior, pode-se ver que o

pronome relativo pode atuar, ainda que muito discretamente, no conjunto de fatores, para

a ausência de concordância. No caso desse informante, essa foi a única ocorrência de

ausência de marca de número no seu discurso. Em outras palavras, a presença do pronome

pode ter sido a causa desse único “desvio” na fala do rapaz, principalmente porque a

ocorrência por ele produzida também é uma das duas únicas (87) que não representa o

grau 1 de saliência fônica.

Sendo assim, ainda que a influência do pronome relativo não tenha sido constatada

estatisticamente, acredita-se importante ressaltar que, na amostra em questão, havia um

número considerável de ocorrências (10 das 75 sem marcas de plural) que mereciam ser

observadas separadamente.

Assim, conforme observado por Vieira (1995):

Das estruturas de sujeito anteposto - em que predomina a concordância

-, destoam aquelas que apresentam SNs retomados pelo pronome

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178

relativo "que", o qual, por não ser uma forma marcada, induz também

ao cancelamento. (VIEIRA, 1995, p. 145)

Para além disso, durante as rodadas foram feitos outros experimentos relacionados

a esta variável – posição do sujeito –, como, por exemplo, adicionar, neste grupo de

fatores, os sujeitos não expressos. Com isso, pretendia-se observar se a ausência de sujeito

afetava os resultados sobre a posição. Nesta situação, observada na rodada 22, a variável

posição do sujeito foi selecionada no stepping up e descartada, logo em seguida, no

stepping down. Já na rodada 25, em que foi feito um novo teste na posição, esta variável

não foi descartada, possivelmente pelo fato de a variável configuração morfossintática

do sujeito, que também controlava esse fator, ter sido retirada da análise.

No entanto, outras tentativas de mexer com o grupo de fatores em que o sujeito

não expresso seria analisado não trouxeram explicações mais claras sobre o descarte

ocorrido na rodada 22. Todas as tentativas de, ora sujeitos não expressos serem

considerados, ora não, ora em um determinado grupo de fatores, ora em outro, não

alteraram os resultados, como se esperava.

De toda forma, esses resultados demonstram que, assim como os sujeitos

antepostos, os sujeitos não expressos favoreceriam a concordância (.38 para não

concordância padrão), como pode ser visto na tabela a seguir:

Todavia, a observação dos 75 dados de não concordância da amostra sugere que

ocorre bastante ausência de concordância por conta de o sujeito ser não expresso, 22

ocorrências, neste caso, o que representa quase 30% dos dados sem marca de plural.

Seguem, aqui, alguns exemplos que confirmam isso:

(95) vejo principalmente nas mulheres de hoje em dia aqui em Maputo elas já

escolhem trabalhar já e deixa aquela parte de respeitar o seu esposo (PMOA1H)

Ocorrências Valor Percentual Peso Relativo

Sujeito anteposto 32/1228 2.6% .48

Sujeito posposto 21/223 9.4% .89

Sujeito não expresso 22/902 2.4% .38

Tabela 14 - Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural segundo

posição do sujeito com sujeito não expresso no Português de Moçambique (PM)

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(96) depois temos essas/essas outras que são várias... as pessoas se entregam de

alma e... coração... entram de manhã e sai as quinzes... da.../da rezas... às vezes

ficam lá... almoçam lá... (PMOC3M)

(97) as pessoas geralmente saem muito de noite vai na sexta-feira sábado são os

dias mais agitados porque porque é muito comum (as pessoas estacionam carros)

ficam ali a beber... vai escutar música dançar (PMOA2H)

(98) essas que apareceram ultimamente coisas muito esquisitas a empregada da

minha filha/ na igreja dela não comem carne de animais de duas patas eu não sei

se são duas patas ou quatro patas parece que são Testemunha de Jeová estão a

morrer e não pode apanhar transfusão de sangue mas as pessoas estão ligadas a

qualquer tipo de religião domingo vão a sua igreja qualquer que seja (PMOC1M)

(99) dai [eles]62 começam roubar começam a roubar e entram também quando

começa ter lucro arranja outra mulher para jantar começa a gastar com duas casas

e o negócio não desenvolve (PMOC1M)

(100) [mulheres submissas] ainda existe existem mas agora normalmente não...

existe ainda existe mas não muito assim... (PMOA2M)

(101) [mulheres que são agredidas] infelizmente existe (PMOB3H)

Considerando os exemplos ora mostrados, de um lado, parece que o que pesa mais

é ser não expresso da segunda oração coordenada, pois, nesses casos, a concordância

diminui, como ocorre nos exemplos de 95 a 99. Por outro lado, pode ser que esta variável

esteja relacionada ao tipo de verbo, uma vez que também foram encontrados muitos

verbos inergativos/inacusativos na amostra, como o ‘existir’, tanto com sujeitos não

expressos, exemplos 100 e 101, quanto em posição de sujeito pós-verbal, como será visto

na variável tipo de verbo; por isso, a variável tipo de verbo talvez possa ser a responsável

pelo descarte da variável posição e, principalmente, pelo fato de o sujeito não expresso

não ser considerado relevante para a amostra, uma vez que não constitui fator favorecedor

da não marcação.

62 Os colchetes são utilizados aqui para informar ao leitor qual era o referente sujeito ao qual o locutor se

referia ao produzir essas ocorrências. Eles representam algo que havia sido falado pelo próprio locutor

anteriormente em seu discurso e não foi expresso novamente ao indicar outra ação do mesmo sujeito.

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7.4.2 Saliência Fônica

A terceira variável selecionada pelo programa foi a saliência fônica. A hipótese

inicial era de que os verbos com maior nível de saliência, como dá x dão, comeu x

comeram e é x são (graus 3, 4 e 5), desfavoreceriam a não concordância. Já os verbos

com menor saliência entre suas formas de singular e plural, como come x comem e faz x

fazem (graus 1 e 2), favoreceriam a ausência de marcas. Os resultados obtidos são

apresentados na Tabela 15:

Como pode ser verificado, os graus 1 e 2 de saliência, nos quais as mudanças entre

as formas singular e plural dos verbos não são muito proeminentes, revelam-se os maiores

desfavorecedores da concordância verbal, apresentando pesos relativos de não marcação

de plural muito similares (.62 e .63, respectivamente). Por outro lado, os graus 3, 4 e 5,

favorecem a presença das marcas, uma vez que a ausência dela causa estranhamento mais

evidente, tanto na fala quanto na escrita das formas opostas. Sendo assim, revelam pesos

relativos de não marcação de plural abaixo do ponto neutro (.46 no grau 3, .44 no grau

4), sendo que o grau 5 tem comportamento extremamente oposto, pois com apenas duas

ocorrências de não marcação de plural, sua probabilidade de afetar a marcação de número

é de apenas .06, dado que reflete a alta tendência à concordância mediante a alta saliência

existente entre as formas de singular e plural desse caso único.

Observemos os exemplos encontrados no corpus:

Grau 1:

(102) que eles fica devendo em dinheiro quando às vezes nem tem dinheiro...

(PMOB2H)

Ocorrências Percentual Peso Relativo

Grau 1 – come(m) / fala(m) 51/1319 3.9% .62

Grau 2 – faz/fazem 5/201 2.5% .63

Grau 3 – dá/dão 8/339 2.4% .46

Grau 4 – comeu/comeram 92/237 3.8% .44

Grau 5 – é/são 2/257 0.8% .06

Tabela 15 - Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa

plural segundo saliência fônica no Português de Moçambique (PM)

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(103) Porque eu sou pobre eles também consegue ver que há () de sair com coisas

(PMOB1M)

Grau 2:

(104) os mais antigos faz muita confusão na profissão polícia como é possível

pagar e eles pronto não pegam a multa deixa seguir e vai andando (PMOC1M)

(105) é muito importante porque eles se for aprender changana há de aprender

pelo quiser... (PMOB2H)

Grau 3:

(106) porque já tem encontrado alguns professores que dão teste então dão teste

em troca de favores (PMOA1M)

(107) os homens moçambicanos vão a África do Sul atrás das minas... de ouro

(PMOC3M)

Grau 4:

(108) o ex-presidente da república e mais o ministro das finanças... fizeram

um/uma... pediram um empréstimo ao FMI... milhões de dólares... (PMOA3H)

(109) Algumas pessoas saíram ali e disseram que... nós não fomos atacados pelos

homens da RENAMO (PMOA2H)

Grau 5:

(110) mas algumas crianças são boas... tem um bom aproveitamento...

comportam-se bem... (PMOC2M)

(111) porque todos os dias... ah:... crescem mais... viatu/mais transportes... mas as

estradas são cada vez mais apertadas são poucas não há vi/há poucos vias

alternativas... (PMOA3H)

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Através da análise de todos esses dados, portanto, pode-se atestar que a saliência

fônica é extremamente relevante para o condicionamento da regra de concordância em

diversos trabalhos sobre o tema, assim como resumem Vieira; Bazenga (2013):

[...] há evidências empíricas suficientes para atestar que a atuação da

variável no condicionamento da regra, não obstante o controle dos graus

de diferenciação entre formas singular e plural consoante padrões e

interpretações muito variados, é inegável. (VIEIRA; BAZENGA, 2013,

p. 126)

É importante evidenciar, no entanto, que existe, sobretudo em relação à variável

saliência fônica, um forte debate sobre a atuação de variáveis linguísticas na

caracterização de variedades do Português. Considerando as variedades brasileira e

europeia do Português, Vieira; Brandão (2014) propõem, por exemplo, que elas se

comportariam como possíveis sistemas opostos, nos quais a ausência de concordância,

quando ela ocorre, seria motivada por fatores diferenciados. De acordo com as autoras:

É flagrante o comportamento sistematicamente oposto do PE em

relação ao do PB, num quadro espelhado de preferências contrárias.

Essa sistematicidade por si só já sinaliza, a nosso ver, tendências

gramaticais claramente distintas, mas não assegura sem qualquer

margem de dúvida que se trata de tipos diferentes de

padrões/parâmetros de concordância. (VIEIRA; BRANDÃO, 2014, p.

104)

Tal afirmação estaria fortemente relacionada aos casos de saliência fônica, já que,

em variedades do vernáculo brasileiro, essa variável se mostra muito relevante, mas em

variedades europeias seu papel não é destacado (a Seção 4.1.2 deste trabalho demonstra

que, dos trabalhos com dados europeus, apenas no trabalho de Monte (2012), ela foi

selecionada como condicionadora do fenômeno). Por isso, as autoras ainda afirmam a

necessidade do olhar qualitativo e quantitativo dos dados, que permitem uma visão global

sobre os resultados:

Em outras palavras, os perfis quantitativo e qualitativo dos padrões de

concordância verificados e discutidos neste artigo permitem afirmar

que PB e PE configuram tipos linguísticos distintos ou assumem

parâmetros gramaticais diferentes da marcação de número plural.

(VIEIRA; BRANDÃO, 2014, p. 108)

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Tendo em vista essa discussão e os dados aqui relatados, compreende-se que,

assim como acontece na variedade brasileira, a variável saliência fônica é significativa

para o Português de Moçambique, especialmente por se tratar de uma variedade,

supostamente, ainda em formação e utilizada, em grande parte, por falantes de L2, cujos

padrões gramaticais são diferentes a depender de suas línguas maternas.

Além disso, conforme já afirmavam Scherre; Naro (2006), analisando a realidade

brasileira, a saliência não se mostra relevante quando os dados obtidos são reproduzidos

por falantes escolarizados. Sendo assim, a preferência exclusiva pela variante padrão no

PE acaba por apagar a atuação desse grupo de fatores, diferentemente do que ocorre no

PB, sobretudo nas variedades populares, e no PM, que aparentemente têm, em termos

qualitativos (embora com padrões quantitativos bem diferentes), comportamento similar

no fenômeno da concordância.

No caso do PB, a regra de marcação já foi atestada como variável nos termos de

Labov (2003), uma vez que os estudos sobre a variedade revelam níveis de 16% a 94%

de aplicação da regra (cf. Seção 4.2.1). Considerando, por outro lado, o PM, os dados

obtidos na presente amostra demonstram um comportamento de regra semicategórica, já

que o resultado geral de marcação de plural chega aos 96.8%, ou seja, encontra-se no

perfil de 95% a 99% de marcação, conforme caracterização proposta por Labov. Tal

resultado quantitativo geral aproximaria a variedade moçambicana em estudo das

amostras europeias (cf. Seção 4.2.2). Em termos qualitativos, entretanto, os dados do PM,

como atestado na variável saliência fônica, assemelham-se aos encontrados nas

variedades brasileiras. De modo geral, a variedade de contextos em que se constata

ausência de concordância no PM – inclusive com sujeito anteposto, próximo ao verbo –

o aproxima mais ainda do PB. Essa variedade é ainda verificável em termos

extralinguísticos, especialmente por conta do cenário bastante diversificado em relação

aos níveis de escolaridade dos informantes, comuns ao PB e ao PM, diferentemente do

comportamento de dados do PE, quando se trata desse grupo de fatores, visto não haver

diferença no uso da concordância entre indivíduos com curso superior ou não. Ao que

parece, as regras de marcação de plural no PM comportam-se, em termos qualitativos,

mais como variáveis do que semicategóricas, debate que vai ser retomado no Capítulo 8

do presente trabalho.

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184

7.4.3 Paralelismo no nível clausal

A próxima variável a ser aqui explorada, quinta selecionada pelo programa, foi o

paralelismo no nível clausal. De acordo com o princípio geral desta variável, esperava-

se que os sintagmas com marcas explícitas de plural favoreceriam a marcação de número

no verbo, enquanto a ausência dessas marcas nos sintagmas, consequentemente,

acarretaria a ausência delas também no sintagma verbal. A tabela a seguir mostra os

resultados obtidos:

Como a hipótese previa, as marcas presentes no sintagma nominal efetivamente

condicionam a marcação nos verbos. Sendo assim, SN’s com marca de plural são os

únicos contextos que favorecem a concordância (.48 de não marcação). Ainda que a

influência da presença de marca nesse contexto esteja bem próxima da neutralidade, a

observação do Gráfico 3 possibilita a compreensão de que o cancelamento das marcas de

Ocorrências Percentual Peso Relativo

SN com marcas de plural 26/1194 2.2% .48

SN sem marcas de plural 4/8 50% .95

SPrep marcado ou não 2/29 6.9% .77

SN’s coordenados 2/11 18.2% .88

Tabela 16 - Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa

plural segundo paralelismo clausal no Português de Moçambique (PM)

Gráfico 3 - Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural

segundo paralelismo clausal no Português de Moçambique (PM)

2%

50%

7%18%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

NÃO MARCAÇÃO

Paralelismo Clausal

SN COM MARCAS (eles / as pessoas)

SN SEM MARCAS (os filho)

SPREP MARCADO OU NÃO (as pessoas da cidade / as pessoas das cidades)

SN'S COORDENADOS (o pai e o tio)

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pluralidade, de fato, diminui à medida que os SN’s sujeitos apresentam quaisquer marcas

de número. Sendo assim, a tendência de não marcação nos contextos analisados

obedeceria a seguinte ordem: SN sem marcas > SN’s coordenados > SPrep marcado ou

não > SN com marcas. No primeiro contexto, as marcas de número não estão explícitas

no sujeito, o que propicia a ausência de marcas também no verbo, justificando o peso

relativo altíssimo obtido nesse fator (.95). Quanto aos SN’s coordenados e os SN’s

inseridos em sintagmas preposicionados com ou sem marcas, ambos os contextos também

refletem o favorecimento da ausência de pluralidade (.88 e .77 de não marcação,

respectivamente). No entanto, se comparados ao contexto em que não há qualquer marca

de pluralidade, a influência destes na falta de marcação é um pouco mais baixa, já que

quando o SPrep aparece marcado (as pessoas das cidades) ou quando os SN’s

coordenados estão no plural (os pais e os tios), há uma tendência de que o verbo possa

ser igualmente sinalizado com as marcas de número.

Considerando os SN’s em que as marcas estão explícitas, o princípio do

paralelismo é confirmado, já que os verbos tendem a ser marcados com mais facilidade

nesse contexto. Assim, as tendências conjecturadas na hipótese foram confirmadas, como

os exemplos seguintes, todos com sintagmas explicitamente marcados, comprovam:

(112) as meninas vivem ali... vêm dos distritos... são meninas de famílias... muito

carentes... (PMOC3M)

(113) elas acham que é muito bom quando gingam falam português imitam a

novela então (PMOA1H)

(114) se calhar as pessoas preferem sair daqui pro campo porque no campo não

vão muito ao hospital... (PMOA2M)

Já os sintagmas que não apresentam as marcas explícitas, seja ele um sintagma

simples sem marca de plural (115) ou esteja o vocábulo inserido dentro de um sintagma

preposicionado não-marcado, singular (116), ou com sintagmas coordenados (117),

favorecem a não marcação de plural:

(115) porque as mulher daqui não deixa a possibilidade (PMOA1H)

(116) não só mas as grandes cidades de de Moçambique né tá a atravessar uma

fase dessas... (PMOB3H)

(117) conflitos armados e:: guerra que assola lá na zona centro... (PMOB1H)

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Dessa maneira, os resultados encontrados confirmam as tendências gerais sobre o

paralelismo, como explica Vieira (1995, p. 84): “A probabilidade de cancelamento da

regra de concordância diminui à proporção que os SNs sujeitos apresentam marcas

formais de plural” e, consequentemente, reforçam o princípio postulado por Scherre;

Naro (1993) de que zeros levam a zeros, ou seja, a ausência de marcas formais em dado

enunciado favorece a não concordância padrão no elemento seguinte.

Ressalte-se que, como já foi mencionado na Seção 6 deste trabalho, no controle

desta variável não foram considerados SN’s sujeitos em posição posposta e sujeitos não

expressos, devido à impossibilidade de observar o efeito do paralelismo nessas situações,

já que ele atua diretamente do sintagma nominal para o verbal. Sendo assim, o controle

destes dois casos foi feito através de outras variáveis. No caso do sujeito não expresso –

discutido anteriormente na análise da variável Posição do sujeito –, o exame da

configuração morfossintática do sujeito, além da própria observação dos exemplos de

não marcação de plural no corpus, foi uma das maneiras de tentar observar melhor sua

atuação.

7.4.4 Tipo de Verbo

Observe-se agora, a partir da Tabela 17, a atuação da variável tipo de verbo, última

selecionada pelo programa, cuja hipótese era a de que verbos transitivos propiciariam a

presença das marcas, enquanto verbos copulativos, inergativos e inacusativos a

desfavoreceriam:

De acordo com a Tabela 17, nota-se que verbos inergativos / inacusativos e

copulativos, de fato, favorecem a não concordância em .63 e .60, respectivamente. Os

verbos transitivos, por sua vez, são aqueles que realmente desfavorecem a ausência de

concordância (.44). Observem-se os exemplos:

Ocorrências Percentual Peso Relativo

Inergativos e Inacusativos 24/319 7.5% .63

Transitivos 40/1589 2.5% .44

Copulativos 11/445 2.5% .60

Tabela 17 - Distribuição dos dados sem marca verbal de 3ª pessoa

plural segundo tipo de verbo no Português de Moçambique (PM)

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(118) então ainda existe muitos lobolos (PMOA1M)

(119) existe alguns senhores que ainda têm (PMOC2H)

(120) é verdade que na cidade existe alguns também sérios (PMOA3M)

(121) mas existe aqueles que não conseguem pôr ordem... não conseguem pôr

regra... (PMOB3M)

(122) e os donos da casa também que já era velhinhos (PMOB2M)

(123) seus pais é velho tudo lá a pedir esmola... (PMOC1H)

(124) os doutores começa a fugir... o primeiro que saiu aqui... seu doutor Xavier

da Cunha... (PMOC1H)

(125) tem pessoas que nunca foram a escola e fazem coisas (PMOB3H)

(126) eles preferem mais o lobolo do que qualquer outra coisa... (PMOC2H)

As ocorrências de 118 a 121, todas com verbo ‘existir’, reafirmam a posição de

Scherre; Naro; Cardoso (2007) de que verbos inacusativos/inergativos desfavorecem a

concordância especialmente porque seus argumentos tendem a aparecer sempre à sua

direita, ou seja, em posição posposta. Da mesma forma, o verbo copulativo, como no

exemplo 122, pode seguir a mesma tendência, já que, como afirmam os autores,

“independentemente do tipo de verbo, qualquer argumento ou sintagma à direita do verbo

tende, relativamente, a diminuir as marcas de concordância explícita” (SCHERRE;

NARO; CARDOSO, 2007, p. 312). No entanto, ainda sobre os verbos copulativos é

preciso destacar que, especialmente nesse exemplo, a baixa saliência fônica do verbo em

questão (era x eram) pode ser mais relevante para a ausência de marcas, neste caso, do

que propriamente a posição dos sintagmas.

As duas ocorrências seguintes, 123 e 124, apesar de estarem em posição

anteposta, demonstram a atuação tão somente do tipo de verbo que, por serem, copulativo

e inacusativo, respectivamente, desfavorecem a concordância. Por fim, em 125 e 126

apresentam-se os verbos transitivos, que além de favorecerem a concordância por si só,

têm seus sujeitos na posição anteposta, também favorecedora das marcas.

Veja-se, então, o cruzamento entre as duas variáveis (posição do sujeito e tipo de

verbo), que parecem se complementar:

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De fato, existe uma incidência de verbos inacusativos/inergativos em posição

posposta (60/319) maior do que a de verbos transitivos (26/1589 dados), o que demonstra

certa associação entre tipo de verbo e posição do sujeito, nesse caso. Em termos

percentuais, entretanto, a posposição afeta os níveis de concordância de verbos

inacusativos/inergativos (18%), mas também de transitivos (15%), o que mostra ser a

posição o fator efetivamente mais relevante, como demonstrou a seleção feita pelo

GOLDVARB. No caso dos verbos copulativos, os índices percentuais entre sujeitos

antepostos e pospostos são bem próximos. Com relação aos sujeitos não expressos, a

ausência de marcas realmente incide mais sobre o comportamento dos

inacusativos/inergativos (7%), ainda que de forma menos expressiva do que nos sujeitos

pospostos.

Sendo assim, é possível concluir que existe uma correlação entre as variáveis

posição do sujeito e tipo de verbo, que parece ter, em algum momento, afetado os

resultados, especialmente em relação aos sujeitos não expressos. Ao que tudo indica, a

ausência de sujeito pode ter ficado em segundo plano, por conta do tipo de verbo nos

quais não houve marcação de plural. Entretanto, o cruzamento das variáveis permite a

observação de que a posição do sujeito é mesmo o condicionamento mais forte para a

falta de concordância quando se consideram as duas variáveis em conjunto.

Conforme Vieira; Bazenga (2013), que resumem as palavras de Corbett (2000),

ao falarem sobre a atuação da posição do sujeito não só no Português Brasileiro, mas em

muitas línguas do mundo:

A posição do sujeito (além do seu traço semântico de animacidade)

altera padrões de concordância em línguas de perfis e genealogias muito

diferentes. Esse dado faz supor que não se trate de efeito efetivamente

variável nesse caso, mas de comportamento estrutural gramaticalmente

diferenciado. (VIEIRA; BAZENGA, 2013, p. 55)

Verbos Inacusativos/Inergativos

Verbos Transitivos

Verbos Copulativos

Oc. Perc. Oc. Perc. Oc. Perc.

Sujeito anteposto 6/158 4% 21/852 2% 5/218 2%

Sujeito posposto 11/60 18% 4/26 15% 6/137 4%

Sujeito não expresso 7/101 7% 15/711 2% 0/90 -

Total 24/319 - 40/1589 - 11/445 -

Tabela 18 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural

segundo posição do sujeito x tipo de verbo no Português de Moçambique (PM)

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Em outras palavras, pode-se assumir que, ainda que o tipo de verbo seja relevante

e mostre uma atuação correlacionada à da posição, esta última tem efeito superior sobre

os resultados obtidos. Por essa razão, esta foi a primeira variável linguística (e sempre)

selecionada, enquanto o tipo de verbo foi a última (quando foi selecionada), o que

demonstra seu papel secundário em relação às outras variáveis.

A hipótese de que a variável tipo de verbo deve ser considerada significativa não

por si só, mas também em relação às outras variáveis, é confirmada ao serem observadas

as interferências encontradas entre o tipo de verbo e a saliência fônica, cujo cruzamento

demonstra claramente a coatuação de ambas as variáveis:

Conforme pode ser visto no Gráfico 4, de fato, a saliência fônica atua de forma

mais eficaz nos graus 1 e 2. No entanto, cabe salientar que, enquanto no grau 1 há

incidências nas três categorias de verbos, no grau 2 não há qualquer ocorrência com

8% 8%3% 2% 2% 3%

8%

33%

3% 6%1%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

Grau 1 Grau 2 Grau 3 Grau 4 Grau 5

Saliência x Tipo de verbo

Inergativos/Inacusativos Transitivos Copulativos

Verbos Inacusativos/Inergativos

Verbos Transitivos

Verbos Copulativos

Oc. Perc. Oc. Perc. Oc. Perc.

Grau 1 – come(m) / fala(m) 21/263 8% 26/1004 3% 4/51 8%

Grau 2 – faz/fazem 0/1 - 4/197 2% 1/3 33%

Grau 3 – dá/dão 0/15 - 5/207 2% 3/116 3%

Grau 4 – comeu/comeram 3/40 8% 5/179 3% 1/18 6%

Grau 5 – é/são 0 - 0 - 2/257 1%

Gráfico 4 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural

segundo saliência fônica x tipo de verbo no Português de Moçambique (PM)

Tabela 19 - Cruzamento de dados sem marca verbal de 3ª pessoa plural

segundo saliência fônica x tipo de verbo no Português de Moçambique (PM)

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verbos inergativos/inacusativos. Vale ressaltar, também, que o gráfico revela atuação da

saliência no grau 4, que não havia se mostrado como favorecedor da não concordância na

Tabela 19, diferentemente dos graus 3 e 5, que se mantiveram como desfavorecedores da

não marcação de número.

Apesar de tal resultado não ter sido esperado, os exemplos podem constatar que

os verbos do grau 4 (que abrange o tempo verbal pretérito) realmente podem ocorrer com

ausência de concordância na presente amostra, exclusivamente, no entanto, na fala de

indivíduos que possuem apenas o ensino fundamental:

(127) são as crianças nasceu na minha vida (PMOC1H)

(128) meus filho tudo já casou... (PMOC1H)

(129) porque as dívidas foi uma coisa que ninguém sabia e de repente souberam

(PMOA1M)

(130) mas depois veio essas outras que nós nem estávamos habituado acho que

vem alguém e forma uma igreja e/ou vai cobrar o dizimo (PMOC1M)

(131) mas os valores morais perdeu-se muito (PMOC1M)

(132) [os filhos] ficou 8... sim (PMOC1M)

Por fim, é válido destacar alguns exemplos de verbo ser (em diferentes formas:

presente, passado, futuro do subjuntivo) que apareceram sem marcas no corpus, que

foram distribuídos nos 5 graus de saliência. Em termos qualitativos, cabe registrar os tipos

de construções em que apareceram essas ocorrências de ser, de modo a avaliar sua

validade como dados de efetiva não concordância na amostra; por isso, é importante

destacar alguns exemplos:

(133) e os donos da casa também que já era velhinhos (PMOB2M)

(134) é muito importante porque eles se for aprender changana há de aprender

pelo quiser... (PMOB2H)

(135) seus pais é velho... tudo lá a pedir esmola... (PMOC1H)

A observação inicial dessas ocorrências demonstra que, de fato, existe a oscilação

genuína da marca de número em diferentes níveis de saliência (grau 1 – exemplo 133;

grau 2 – exemplo 134; grau 5 – exemplo 135), especialmente na fala de informantes do

ensino fundamental.

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Outros dados, porém, como os registrados nas ocorrências a seguir (136, 137 e

138), põem em dúvida se efetivamente haveria um sujeito de 3ª pessoa do plural ou se

outra interpretação poderia ser proposta. Os dados em seguida, por exemplo, poderiam

caracterizar as chamadas construções apresentacionais (cf. VIEIRA; MOTA, 2007), ou

ainda poderia ser considerada a presença de um tópico neutro, não explícito, que

justificaria a ausência de marcas.

(136) são casos muito muito raros assim... acontece deve ser pessoas sei lá … não

sei se muita atrasada (PMOC1M)

(137) porque as dívidas foi uma coisa que ninguém sabia e de repente souberam

(PMOA1M)

(138) distrito todos distrito falavam português existe aquelas zonas lá ( )

escondidas né? falam-se mais nessa língua porque nem todas pessoas conseguiu

falar português então quando estamos a falar de português bem falado é de coiso

Zambézia... é os primeiros lugar da província quer dizer Moçambique que falasse

mais melhor português as pessoas se expressam mais bom (PMOA1H)

Como se vê, os exemplos 136 e 137 poderiam ser representados por um “isso”

hipotético, que refletiria, respectivamente, raciocínios do seguinte tipo: “isso deve ser

pessoas” e “as dívidas – isso foi uma coisa que ninguém sabia”. No primeiro caso,

confirma-se uma ideia de singularidade quando o informante utiliza a palavra “atrasada”,

como se quisesse dizer algo como “isso é gente muito atrasada”. Já no caso do exemplo

138, teríamos uma referência genérica que geraria uma ideia abstrata daquilo que se fala

(os primeiros lugares da província).

Embora essas (6) ocorrências pudessem até não ter sido coletadas, devido à

incerteza sobre a motivação para o verbo ter aparecido em sua forma singular em

detrimento da plural, entende-se que é importante destacar a existência de tais estruturas

no Português de Moçambique, ao lado de outras em que efetivamente se tem certeza da

presença de um SN plural. Sem dúvida, as primeiras não revelam um efetivo padrão de

não concordância padrão (como as últimas), motivo pelo qual também são encontradas

mesmo na fala do Português Europeu, em que se tem concordância semicategórica.

No que se refere às construções apresentacionais e que remetem a um

possível constituinte topicalizado, Mota e Vieira (2007) já chamavam a

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atenção para o fato de que não poderiam ser consideradas em conjunto

com as demais por não constituírem estruturas neutras; antes, muitas

delas dão margem à ambiguidade referencial. Vieira (2011), fazendo

um primeiro levantamento de dados no Português Europeu, demonstra

e exemplifica a particularidade dessas construções. Merece, sem

dúvida, atenção redobrada um grupo de ocorrências bastante produtivo

na fala, que apresenta verbos no singular referindo-se possivelmente a

um referente genérico que não foi explicitado e constitui aparentemente

um tópico não preenchido. (VIEIRA, 2015, p. 107)

A título de sistematização dos resultados das variáveis estruturais, pode-se

concluir que, além das variáveis selecionadas pelo programa como relevantes, quais

sejam: a posição do sujeito, a saliência fônica, o paralelismo no nível clausal e o tipo de

verbo, exploradas ao longo dessa seção, associadas aos casos de sujeito representado pelo

pronome relativo que e os casos de sujeito não expresso, podem demonstrar a atuação

conjunta de algumas variáveis na amostra em questão, como os exemplos puderam

constatar. Ainda que a configuração morfossintática do sujeito não tenha sido

selecionada, o exame qualitativo dos dados referentes a ela confirma não só as tendências

apontadas pelo programa estatístico, que não a considerou como significativa, como

também exemplifica a correlação entre esta, a saliência e o tipo de verbo. Da mesma

forma, a correlação entre o tipo de verbo e outras variáveis, tais como a saliência fônica

e a posição do sujeito, confirma que a atuação do tipo de verbo fica em segundo plano

em relação aos condicionamentos mais efetivos sobre o fenômeno em questão, fato que

ratifica este ter sido, quando selecionado, o último fator entre todos os outros destacados

como relevantes à não marcação de plural.

Além disso, sendo a saliência, desde sua origem (Lemle; Naro, 1977),

reconhecida como uma variável complexa, que depende de fatores tanto de natureza

fonético-fonológica quanto morfológica, ou seja, relacionando-se não só aos traços

distintivos de acento e material fônico, mas também à estrutura formal do verbo, a

observação do cruzamento entre a saliência fônica e o tipo de verbo das estruturas em

questão demonstrou a efetiva correlação entre essas duas variáveis e a atuação mais

relevante da saliência para os dados encontrados na variedade moçambicana, à

semelhança do que ocorre nas variedades brasileiras.

Resumidamente, as tendências encontradas demonstram que favorecem a

concordância: (i) em relação ao sintagma nominal, os sujeitos em posição anterior ao

verbo e com marcas explícitas de plural; (ii) em relação ao sintagma verbal, os verbos

transitivos e com maior grau de saliência fônica (graus 3, 4 e 5). Por outro lado, sujeitos

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pospostos, sintagmas sem marcas de plural, verbos inergativos/inacusativos e

copulativos, assim como aqueles com baixa saliência fônica entre as formas singular e

plural, são os contextos que desfavorecem as marcas de concordância. Vale lembrar que,

a partir de exemplos do corpus, também foi observada a atuação do grau 4 de saliência

fônica que, apesar de não ser esperado, demonstrou desfavorecimento da marca. Sobre os

contextos em que se observa a atuação da configuração morfossintática do sujeito, o

pronome relativo que e os sujeitos não expressos parecem atuar conjuntamente com

outras variáveis, apresentando leve tendência à não marcação, ainda que não sejam

significativos para a amostra como um todo.

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8 DEBATE DOS RESULTADOS: O PERFIL DO PM EM RELAÇÃO AO PB E

AO PE – UMA REGRA VARIÁVEL OU SEMICATEGÓRICA?

Tomando por base toda a exposição feita na análise de dados, é possível discutir

o que, possivelmente, a partir deste estudo, seria considerado como o perfil da variedade

moçambicana, em termos quantitativos e qualitativos, no que tange ao fenômeno da

concordância verbal.

De maneira geral, os resultados estatísticos demonstraram que existe oscilação

quanto ao uso das marcas de número condicionada pelos seguintes grupos de fatores: (i)

de natureza extralinguística – língua(s) dominada(s) pelo informante e escolaridade; (ii)

de natureza linguística – posição do sujeito em relação ao verbo, saliência fônica,

paralelismo no nível clausal e tipo de verbo. A análise qualitativa, por sua vez, demonstra

que os resultados relativos ao uso de Português como L1 ou L2, o perfil individual do

informante, a faixa etária dos indivíduos e a configuração morfossintática do sujeito,

apesar de não terem sido selecionadas como estatisticamente relevantes, levantam novas

perspectivas, válidas de serem observadas, principalmente por apontarem comportamento

bastante interessante quando correlacionados às outras variáveis.

Considerando, em primeiro lugar, as variáveis sociais, os resultados revelam – à

semelhança do que ocorre no PB – comportamento escalar em relação ao nível de

escolaridade, informando que há índices mais elevados de uso das marcas de

concordância à proporção que o indivíduo tem mais anos de instrução formal. Sobre o

uso de línguas, os resultados acabam por confirmar não só a influência das línguas

maternas sobre o fenômeno da concordância no PM, mas também a complexidade do

multilinguismo na sociedade moçambicana. De um lado, percebe-se que ser falante

apenas de Língua Portuguesa não garante o uso categórico das variantes tidas como

padrão. Em termos probabilísticos, os dados produzidos por indivíduos que se assumem

falantes bilíngues (falam Português e, no mínimo, uma língua local) chegam a apresentar

índices mais elevados de favorecimento da concordância verbal. Ao lado desse cenário,

ainda se observa o fato de que, quanto maior for o uso (ou até exclusivo) de língua locais,

o que se associa ao nível mais baixo de escolaridade, maiores serão as tendências de haver

ausência de marcas de número no discurso do informante.

Aprofundando a análise desses resultados extralinguísticos, compreende-se que,

necessariamente, para que se obtenham níveis mais altos de escolaridade, é preciso ser

falante de Português, sobretudo como L1, pois é a Língua Portuguesa que permite o

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acesso ao ensino formal mais evoluído. No entanto, ser falante de Português como língua

materna não indica a inexistência de variação na fala dos indivíduos, especialmente por

causa do contato inerente com línguas locais que não utilizam os mesmos mecanismos de

concordância verbal próprios da Língua Portuguesa. Sendo assim, a análise de cada

informante, separadamente, nos mostra que há diversos níveis de proficiência do

Português na sociedade de Maputo, seja ele considerado uma L1 ou uma L2, que ora o

aproximam mais das regras consideradas padrão, ora o distanciam das mesmas por conta,

dentre outros fatores, da influência dos idiomas locais. Independentemente disso, vale

destacar que é possível notar uma oscilação na realização das marcas de número em quase

todos os informantes entrevistados.

Ao considerar os indivíduos, percebe-se que as diferentes faixas etárias parecem

apresentar comportamentos particulares da geração, isto é, que o Português falado em

Maputo estaria ainda em processo de estruturação, saindo do papel de uma língua padrão,

que era imposta a todo custo no período colonial que os mais velhos (faixa C e até faixa

B) viveram, para uma língua mais representativa da cultura moçambicana, com seus

traços próprios, comuns aos mais jovens (faixa A). As gerações, portanto, parecem

representar de maneira bem específica esse processo de formação do Português – de uma

língua, a priori, menos influenciada pelos “moçambicanismos”, que tentava se aproximar

dos modelos europeus, a uma língua que, nos dias atuais, estando em constante contato

com os idiomas nacionais, está mais receptiva às interinfluências que deixam algumas

marcas bastante evidentes na fala de seus usuários.

Dessa forma, parte-se, em um segundo momento, à observação desses traços

específicos ao analisar os contextos linguísticos que condicionam a concordância verbal.

As tendências linguísticas ao desfavorecimento das marcas de número encontradas foram

as seguintes: sujeitos em posição posposta ao verbo, sujeitos sem marcas explícitas de

plural, verbos com baixa saliência fônica e verbos do tipo copulativo ou

inergativos/inacusativos. Além disso, também se observam os casos em que a ausência

de sujeito expresso e a presença de um pronome relativo que propiciam a não marcação,

ainda que a atuação dessas configurações esteja correlacionada às outras variáveis.

Considerando esses contextos e os exemplos mostrados ao longo da análise, pode-

se concluir que os 75 dados de não concordância coletados são bastante variados, não

sendo de uma mesma natureza. Nesse sentido, fica viável uma abordagem contrastiva,

não só dos índices quantitativos, mas também da natureza dos dados da concordância na

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variedade moçambicana do Português, em termos qualitativos, com os padrões descritos

para o PB e o PE.

Embora quantitativamente os dados do PM estejam mais próximos dos registrados

para o PE (como uma regra semicategórica) do que para o PB (como uma regra variável),

a natureza estrutural dessas ocorrências e o comportamento dos indivíduos,

caracterizados em termos sociolinguísticos, ao que parece, aproximariam,

qualitativamente, o PM do PB e não do PE.

Vieira; Brandão (2014) esclarecem o que consideram como perfil básico do PE:

[...] os dados de não marcação de pluralidade dessas variedades

europeias limitam-se a contextos qualitativos específicos. [...] Nas

raríssimas ocorrências sem marca de número nas amostras de Oeiras e

Cacém, verificam-se sobretudo contextos marcados, em que estão

presentes estruturas que universalmente favoreceriam a não realização

da marca: verbos cuja diferenciação entre singular e plural são de menor

saliência fônica; sujeito posposto; presença do relativo “que”; sujeito

inanimado e verbos intransitivos, inacusativos ou copulativos. No que

se refere mais especificamente à variedade insular, as autoras

demonstram que, além dos contextos já citados, parece haver forte

influência de condicionamentos fonético-fonológicos característicos

dessa variedade (VIEIRA, BRANDÃO, 2014, p. 94)

Por outro lado, os contextos em que há ausência de marcação no PB são diversos,

constatando o perfil variável da língua falada no Brasil:

As variáveis que se mostraram atuantes permitiram estabelecer os

seguintes contextos favorecedores da não marcação de pluralidade: (i)

a posposição do sujeito, (ii) o baixo grau de diferenciação fônica entre

as formas singular e plural, (iii) a ausência de marcas de número no SN

sujeito e (iv) o traço menos animado do referente sujeito. Embora haja

a atuação dessas variáveis, deve-se ressaltar que, no PB, se encontra,

em índices variáveis, a não concordância em uma diversidade de

contextos, incluindo-se estruturas não marcadas, como em frases com

ordem direta, com sujeito anteposto ao verbo, com formas de alta

saliência fônica e com traços animados. (VIEIRA; BRANDÃO, 2014,

p. 95)

A observação atenta dos dados moçambicanos e as conclusões apresentadas pelas

autoras sobre as variedades brasileira e europeia revelam que efetivamente o

comportamento qualitativo do PM é parecido com o do PB, demonstrando tendências de

ausência de marcas em contextos mais variados e não esperados no PE. Assim, também

são encontradas ocorrências na ordem direta sem marcação de plural em verbos com

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sujeito animado (139), com sujeito anteposto ao verbo (140) e com formas verbais que

apresentam alta saliência fônica (141 e 142), como os exemplos demonstram:

(139) eles diz que conseguiam distinguir uma pessoa do sul ela diferente da pessoa

do norte só pelo andar (PMOC1M)

(140) mas hoje eu vejo até algumas famílias fazer pressão... mas o objetivo disso

não sei (PMOC2H)

(141) [os filhos] foi pra escola... o que morreu em dezembro tinha até 11ª

(PMOC1H)

(142) meus filho tudo já casou... (PMOC1H)

Em relação aos contextos que são comuns às três variedades quanto a não

marcação de plural, pode-se destacar a posposição do sujeito (143), a baixa saliência

fônica (144) e os casos de verbos inergativos / inacusativos (145) e copulativos (146),

como se vê nos exemplos a seguir:

(143) as minhas tias de pai português... já tinham ido embora para... para

Portugal... então tinha ficado as filhas de... de pai moçambicano... (PMOC3M)

(144) que eles fica devendo em dinheiro quando às vezes nem tem dinheiro...

(PMOB2H)

(145) todos distrito falavam português existe aquelas zonas lá... escondidas né?

(PMOA1H)

(146) é pra ver se coisas está ali dentro do carro... (PMOC1H)

Ao lado destes contextos, bastante específicos em sua natureza gramatical, como

fatores de favorecimento à não marcação, especialmente por conta de seu caráter mais

universal e partilhado pelas línguas do mundo (cf. VIEIRA; BRANDÃO, 2014), cabe

também destacar a atuação do pronome relativo que, que demonstra comportamento

relevante nas três variedades, por ser condicionador de ausência de marcas de plural na

fala de indíviduos de diferentes níveis de escolaridade, como a amostra do PM confirma

nos seguintes exemplos:

(147) tem coisas que acontece você encontra miúdo de qualquer maneira a mãe

já não quer saber porque a mãe faz o filho deixa com o avô (PMOA1H)

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(148) eles que fica devendo em dinheiro quando às vezes nem tem dinheiro...

(PMOB2H)

(149) é normal colegas meus que tá no outro no outro semestre da faculdade

escreverem muito mal português... (PMOA3H)

Dessa maneira, a presente amostra revela que o PM possui características

específicas que o aproximam do PB, visto que se encontram estruturas sem marcas de

plural, ainda que em número limitado, em contextos de natureza mais variada de ausência

de pluralidade. Na realidade, embora haja índices de marcação de plural altos no PM,

mais próximos dos detectados no PE, deve-se observar que, em termos qualitativos, as

ocorrências de falta de concordância padrão europeia apenas em contextos mais

específicos – como os relacionados à posição do sujeito e a determinados padrões de

transitividade verbal – não permitem avaliar o estatuto de cada variedade analisada. Trata-

se de construções comuns às três variedades, que atuariam como representantes de

condicionamentos linguísticos mais universais, além de apresentarem resultados

estatísticos próximos (semicategóricos).

Ademais, para além desses traços linguísticos, ainda é necessário destacar o

significativo resultado referente ao condicionamento extralinguístico, sobretudo no que

tange à escolaridade em Moçambique, que apresenta níveis escalares de concordância,

muito similares aos encontrados no PB. Essa realidade, no entanto, não é constatada no

PE:

Os resultados obtidos para a variável escolaridade [...] permitem

observar o forte condicionamento social no caso brasileiro,

diferentemente do que se verifica no PE. De modo geral, não se dispõe

de índices que claramente atestem a influência da escolaridade – de

fundamental a superior – nos dados europeus, especialmente nos do

continente. [...] De todo modo, tendo em vista os contextos de expressão

da não concordância, em termos quantitativos e qualitativos, em

qualquer das amostras do PE, fica nítido que, independentemente do

grau de escolaridade, é nítida a opção preferencial pelas marcas de

pluralidade. (VIEIRA; BRANDÃO, 2014, p. 95)

Sendo assim, as principais características de cada variedade em relação à não

marcação de plural nos verbos de 3ª pessoa, tomando Vieira; Brandão (2014) como base,

podem ser distribuídas nos seguintes contextos condicionadores:

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Quadro 8 – Distribuição dos condicionamentos para a não marcação de concordância nas três

variedades: PB, PE e PM.

PB PE PM

Escolaridade (escalar) - Escolaridade (escalar)

- - Contato com línguas locais

Posição do sujeito

(Sujeito Posposto)

Posição do sujeito

(Sujeito Posposto)

Posição do sujeito

(Sujeito Posposto)

Saliência Fônica

(Graus 1 e 2)

Saliência Fônica

(Graus 1 e 2)

Saliência Fônica

(Graus 1 e 2)

Paralelismo Clausal

(Ausência de marcas no

sujeito)

-

Paralelismo Clausal

(Ausência de marcas no

sujeito)

Animacidade

(Sujeito [-animado])

Animacidade

(Sujeito [-animado]) -

Tipo de Verbo

(intransitivos, inacusativos

e copulativos)

Tipo de Verbo

(intransitivos, inacusativos

e copulativos)

Tipo de Verbo

(intransitivos, inacusativos

e copulativos)

Observando essa sistematização dos resultados, nota-se que o PM compartilha de

características tanto do PE, como a tendência quantitativa geral de seu suposto modelo de

aquisição e alguns fatores que atuam nas três variedades, quanto do PB, no que se refere

à maior variabilidade dos contextos linguísticos de ausência de marca de pluralidade,

inclusive no SN, e à sensibilidade aos condicionamentos sociais. Além disso, no que se

refere a essas restrições extralinguísticas, o PM conta com uma variável exclusiva, aquela

relacionada ao contato com línguas locais.

Além das variáveis condicionadoras apresentadas no Quadro 8, é igualmente

válido resumir o contexto qualitativo em que se verificou ausência de marcação plural no

PB e no PM, diferentemente do verificado como tendência no PE, que registraria

ausências de pluralidade apenas em contextos muito particulares.

Em resumo, pode-se dizer – sobretudo pela observação da natureza qualitativa dos

dados – que o PM se aproxima do PB nos seguintes contextos:

(i) escolaridade em distribuição escalar (níveis mais baixos de escolaridade

refletem maiores tendências ao desfavorecimento das marcas, ao passo

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200

que indivíduos com mais anos de escolaridade, apesar de também

apresentarem casos de não marcação, tendem a usar mais as marcas de

plural);

(ii) posição do sujeito (mais ausência de marcas nos sintagmas pospostos, mas

também encontrada em antepostos);

(iii) saliência fônica (em graus baixos e alguns casos mais altos);

(iv) paralelismo clausal (tendência de maior marcação de plural no verbo

conforme a presença de marcas no sujeito);

(v) animacidade do sujeito (embora não selecionada estatisticamente, também

se encontram casos de sujeito [+animado] no PM com verbo não

marcado);

(vi) tipo de verbo (mesmo sendo os inergativos/inacusativos e copulativos os

maiores desfavorecedores da marcação padrão, encontram-se dados de não

marcação com outros padrões de transitividade).

No que se refere ao PE, coincidiriam no uso da não marcação de plural apenas os

contextos cuja tendência seria geral na Língua Portuguesa, quais sejam: posição do sujeito

(especialmente nos sujeitos pospostos), saliência fônica (apenas em graus baixos),

animacidade (sujeitos inanimados), tipo de verbo (inergativos/inacusativos e

copulativos), além da presença do pronome relativo que. Trata-se de fatores em que, ao

que parece, se atenua ou se desfigura a relação sujeito e verbo, por alguma razão de ordem

sintática ou até cognitiva, o que, sem dúvida, merece investigação particular.

A partir dessa constatação, compreende-se que o olhar tão somente quantitativo

não deve ser o único a definir o tipo de regra com a qual estamos lidando. Isso quer dizer

que considerar apenas o percentual geral de marcação de número obtido nessa amostra

(96.8%) não seria o suficiente para estabelecer o que, ao que tudo indica, parece ser o

caminho que o Português de Moçambique está traçando. A definição de que a

concordância verbal retrata o uso de uma regra semicategórica pura e simplesmente por

conta dos valores obtidos estabeleceria uma comparação desigual entre PM e PE quando

os dados linguísticos são observados qualitativamente.

Em outras palavras, não considerar os dados linguísticos que são próprios do PM

e, consequentemente, distintos do PE pode acarretar um olhar pouco científico e até

mesmo ingênuo sobre os resultados obtidos. Assim, ainda que os percentuais de PE e PM

sejam similares e tendam à definição de uma regra semicategórica, os tipos de

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condicionamento para ausência de concordância, em termos linguísticos e

extralinguísticos, os afastam, demonstrando que, de certa forma, o PM apresenta um

comportamento variável em termos qualitativos, o que, necessariamente, o impede de ser

equiparado em sua totalidade com o padrão de concordância das variedades europeias.

Do mesmo modo, apesar das semelhanças quantos aos contextos nos quais PM e

PB apresentam ausência de marcas de número, não é possível, até o presente momento,

afirmar que a variedade moçambicana seja representativa de uma regra variável nas

mesmas proporções da variedade brasileira, já que a preferência expressiva pela

concordância atinge um nível bastante superior aos encontrados nas variedades

brasileiras, reconhecidamente variáveis tanto quantitativa quanto qualitativamente.

Isto posto, pode-se descrever o comportamento dessas variedades, em relação aos

contextos linguísticos e extralinguísticos analisados, considerando um continuum de

marcação de pluralidade, em termos semelhantes ao que motivou o continuum afro-

brasileiro do Português postulado por Petter (2008). Apesar de a proposta da autora não

incluir o Português Europeu em seu continuum, situa-se, na presente pesquisa, a variedade

europeia, detentora do comportamento mais próximo ao considerado padrão no tocante à

concordância verbal, em um dos extremos do continuum de uso das regras de marcação,

chegando até as variedades brasileiras, que apresentam atuação mais variável no

fenômeno em questão. Nesse sentido, pode-se estabelecer a posição intermediária do

Português de Moçambique em relação a essas duas variedades, uma vez que o

comportamento do PM revela tendências mais parecidas com as da brasileira, sob o

prisma de alguns grupos de fatores, ainda que o percentual de concordância geral se

aproxime mais do que se observa nas variedades europeias.

Tal averiguação está de acordo com as declarações dos informantes, apresentadas

na seção das variáveis sociais (Seção 7.3), uma vez que vão ao encontro desse continuum,

no qual a variedade moçambicana, ao que tudo indica, ainda que fosse considerada uma

variedade parcialmente reestruturada, se encontraria em uma posição entre as outras duas,

ou seja, reflete a preferência pela concordância como as variedades europeias, mas revela

comportamento variável em contextos similares aos das variedades brasileiras. Sendo

assim, propõe-se que existem algumas características que a aproximam um pouco de cada

uma dessas variedades (PB x PE) e outras particularidades que a afastam das mesmas,

como os relatos abaixo retomam:

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“tem alguma característica m/ mais daqui porque porque a gente a gente sempre tem em

mente tem o português do Brasil ou de Portugal mas já é um português/ há certas

expressões que a gente sabe que não tem nos livros nem/ nem de Portugal nem daqui que/

que saem de uma junção do/ do/ do/ português palavras inventadas não é” (PMOA2H)

“já tem marca... na minha opinião tem marca de mistura [...] a língua portuguesa é a

segunda língua... não para (quem) foi a primeira língua... aí ta tranquilo... mas para a

maior parte dos moçambicanos ali o português é a segunda língua... e/e sendo segunda

língua... ela (aprende) em função daquilo que vai... vai tendo a apreciação do/de como

se fala a língua... mas pois bem... as expressões da língua portuguesa quem vai buscar a

língua materna e traduz para o português [...] e a maneira como fala a língua portuguesa

não é... o padrão universal... né... exatamente... porque a língua principal dele é como...

é como eu a falar em inglês... [uma língua estrangeira] (PMOC3H)

Considerando todos os relatos aqui expostos, é igualmente importante refletir a

respeito das condições de formação de um Português Moçambicano. Ao que tudo indica,

essa identidade de Língua Portuguesa, futuramente, pode vir a ser, de certa forma,

repartida, de modo que, em cada canto ou em cada situação interacional de Moçambique,

venha a ser construída uma variedade de Português bastante diferenciada, cada uma

refletindo as influências referentes às línguas que são faladas especificamente em cada

província/situação e o maior ou menor contato com a LP, supostamente padrão, aprendida

nas escolas. A partir dessa visão, o Português Moçambicano, na verdade, já assumiria um

perfil salientemente plural como traço identitário. Nesse sentido, fazendo uma analogia63

com a conhecida proposta de que “o Português do Brasil são dois” (MATTOS E SILVA,

2004), “O Português de Moçambique seria vários”, cada um com suas características

próprias. No entanto, é válido ressaltar que, no atual momento, qualquer generalização a

esse respeito seria no mínimo precipitada, devido ao pouco tempo em que o Português é,

de fato, a língua oficial do país e considerando, principalmente, que nem todas as

províncias têm sequer acesso a uma Língua Portuguesa já estabelecida. Por todos esses

motivos, entende-se que a variedade moçambicana esteja mesmo em um processo de

formação, o que se revela na inconstância representada nos resultados, que se assemelham

63 Analogia sugerida pela Professora Beatriz Protti Christino por ocasião da arguição deste trabalho.

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203

de modo geral ao comportamento da variedade europeia, mas apresentam estruturas

usualmente apontadas na variedade brasileira.

Em síntese, a complexidade dos resultados referentes ao PM, discutidos nesta

seção em termos contrastivos com as descrições científicas do PB e do PE, permite traçar,

em termos interpretativos, a configuração do PM em direção ao que se considera como

uma variedade em formação, tendo em vista que seu perfil, no que se refere aos padrões

de concordância, se encontra em fase de construção. O PM estaria, portanto, a partir das

considerações levantadas nessa pesquisa, em processo de estabelecimento das suas regras

mais particulares, o que naturalmente gera uma instabilidade comportamental; a depender

do perfil do informante em questão, os padrões podem ser muito diferentes. Dessa forma,

entende-se que, de fato, o PM se encontraria em um estágio intermediário entre o PB e o

PE, dentro do continuum proposto nesta pesquisa, afastando-se dos traços mais

definidores das variedades mais próximas do padrão e/ou das mais reestruturadas, para

constituir um perfil único, com caraterísticas singulares, advindas do contato tanto com

as variedades do Português (com maior ou menor marcação de pluralidade) quanto com

as línguas nacionais (sem o padrão sufixal de marcação de pluralidade). O futuro da

variedade moçambicana, por consequência, parece estar, especialmente, nas mãos dos

falantes mais jovens e bilíngues que, aparentemente, são aqueles que tendem a valorizar

e a estabelecer os padrões de uso, seja das línguas locais, seja do Português.

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204

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sob a perspectiva da Teoria da Variação e Mudança e estudos sobre o contato

linguístico e o bilinguismo, a presente análise variacionista centrou-se na concordância

verbal de 3ª pessoa do plural, contemplando, à luz de trabalhos semelhantes, realizados

sobre as variedades do Português (brasileira, europeia e são-tomense), a (não)realização

de marcas de plural nos verbos e os condicionamentos, sociais e linguísticos, que a

controlam.

Em uma amostra bastante heterogênea que, a princípio, não condizia com as

expectativas iniciais de montagem do corpus, analisaram-se as entrevistas realizadas com

18 informantes de Moçambique, África. Dentre eles, foram considerados falantes de

Português tanto como língua materna quanto como segunda língua, advindos de diversas

províncias do país. A heterogeneidade da amostra, indesejável por princípio

metodológico, trouxe ao trabalho, ao contrário de uma hipótese desbancada, a verdadeira

situação social da variedade em questão, enriquecendo de maneira efetiva a interpretação

dos resultados obtidos.

O cenário verificado na referida variedade reflete uma situação diferente da que é

constatada em variedades brasileiras e europeias, nas quais o Português é a única língua

de uso geral, já que em Moçambique a Língua Portuguesa, mesmo sendo a língua oficial

do país, convive com muitos idiomas locais que são usados por grande parte dos

indivíduos. Sendo assim, os informantes moçambicanos são, quase majoritariamente,

falantes bilíngues, ao menos. Tal circunstância propicia a diversidade de níveis de

proficiência da Língua Portuguesa e também das línguas locais, o que, consequentemente,

acarreta a diferenciação do Português falado por esses indivíduos em relação aos outros

falantes (brasileiros e portugueses) da mesma língua.

Resumindo os resultados, portanto, indica-se que há uma regra semicategórica no

Português de Moçambique, em termos quantitativos, com preferência expressiva pela

concordância. De um lado, a produtividade de 96.8% de concordância sugere a adoção,

em termos percentuais, do modelo europeu de marcação plural. Por outro lado, a

observação dos dados linguísticos permite a constatação de que a natureza de alguns

contextos, linguísticos e extralinguísticos, em que ocorre ausência de pluralidade é

semelhante ao que se verifica nas variedades brasileiras.

As tendências extralinguísticas de desfavorecimento das marcas de plural são

representadas pelas variáveis língua(s) dominada(s) pelo informante e escolaridade. De

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acordo com a primeira variável, o domínio mais eficaz das línguas locais, seguido do

maior uso no dia-a-dia, afeta as regras de concordância do PM, pois, neste caso, o nível

de marcação plural é menor. No entanto, ser fluente apenas em Português não é condição

para não haver variação na fala dos indivíduos, já que esses também apresentam

comportamento variável em relação ao uso das regras de marcação. Os dados produzidos

por falantes bilíngues, na realidade, aqueles que seriam mais representativos do Português

de Moçambique, por demonstrarem influências não só das línguas locais (inserção de

vocabulário, expressões próprias), mas também do Português tido como modelo (o

incentivo ao uso categórico das regras gramaticais), constituem os contextos mais

favorecedores das marcas de número, fato relacionado a seu conhecimento relativamente

equilibrado tanto de línguas locais quanto de Português, que foram adquiridos

paralelamente.

Todo o panorama constatado em relação ao uso de línguas perpassa o

conhecimento de Português como L1 ou L2, que varia de indivíduo para indivíduo, como

verificado no comportamento individual destes, e de geração em geração, que concebem

a Língua Portuguesa de maneiras distintas e condicionam seu uso, mais ou menos

refletido nos modelos que seguem, a depender das condições nas quais viveram o

aprendizado e o convívio entre as línguas presentes na sociedade.

Ao lado dessa diversidade de perfis encontrados na amostra, a escolaridade, por

sua vez, demonstra o mesmo comportamento escalar obtido em variedades brasileiras,

nas quais os menores níveis de escolaridade espelham os índices mais altos de ausência

de concordância. De outro lado, os indivíduos com mais anos de escolaridade são aqueles

que utilizam, de maneira mais produtiva, as marcas consideradas de maior prestígio. Na

relação entre escolaridade e domínio da língua, é necessário pôr em questão o fato de que

o acesso à escolaridade está intrinsecamente ligado ao conhecimento de Língua

Portuguesa, uma vez que aqueles que a têm como língua materna são os que normalmente

avançam nos estudos, independentemente de sua proficiência na língua.

As tendências linguísticas destacam as seguintes variáveis: posição do sujeito em

relação ao verbo e paralelismo no nível clausal, no que diz respeito ao sintagma nominal,

saliência fônica e tipo de verbo, considerando o sintagma verbal. Algumas características

da configuração morfossintática do sujeito, como a presença do pronome relativo que e o

sujeito não expresso, atuam de forma mais discreta, não tendo sido selecionadas como

relevantes estatisticamente, mas representam contextos interessantes de serem

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observados qualitativamente, pois podem indicar certa interferência, quando

correlacionadas a outras variáveis.

Sobre a posição do sujeito, verifica-se que, de fato, quando este está em posição

pós-verbal, a tendência à não marcação de número é mais evidente, como já detectado em

estudos sobre a concordância verbal de diversas variedades do Português, incluindo a

europeia, cujos contextos para a ausência de marcas são bem mais reduzidos. Sintagmas

com sujeito em posição anteposta, por sua vez, favorecem em maior grau a marcação de

número. Por outro lado, as tentativas de observar, nesse grupo de fatores, a atuação dos

sujeitos não expressos revelou que, de fato, estes não seriam favorecedores da não

concordância, já que essa configuração não se mostrou como contexto unicamente

condicionador, revelando atuação conjunta com a posição do sujeito e o tipo de verbo

(casos como verbo ‘existir’ com sujeitos em posição posposta).

Considerando o princípio do paralelismo das formas, indica-se que a presença de

marcas no referente sujeito leva à marcação nos verbos, confirmando a premissa de que

marcas levam a marcas, assim como zeros levam a zeros. Especificamente sobre essa

variável, foi possível verificar ausência de plural internamente ao SN, o que também

diferencia a variedade moçambicana da europeia e a aproxima da variedade brasileira.

Verificou-se, ainda, que, em termos gerais, existe uma propensão à marcação plural

especialmente em contextos nos quais as marcas de plural estão explícitas no sujeito.

Em relação à saliência fônica, comportamento similar ao das variedades

brasileiras foi atestado, certificando não só o comportamento já esperado de maior

incidência de não concordância nos verbos cujas formas de singular e plural não são muito

distintas, causando pouca evidência quando o plural não é marcado, mas também a

atuação, ainda que em menor escala, de um grau de saliência mais alto, aquele referente

aos pretéritos, como visto nos exemplos levantados na análise dos dados. Neste fator

específico, que merece maior apreciação em trabalhos futuros, foram evidenciadas

ocorrências avaliadas como inesperadas em estruturas realizadas por falantes de

Português Europeu, especialmente porque elas estariam diretamente relacionadas a

baixos níveis escolaridade, patenteando um comportamento mais comum na fala de

indivíduos menos escolarizados, tendência observada também em trabalhos do PB.

Além disso, foi possível observar mais detalhadamente os casos em que houve

ausência de marca de número quando a configuração do sujeito era a de pronome relativo

que; tais dados se referem, coincidentemente, a verbos de baixa saliência fônica que

seguem os SNs referentes ao sujeito. Ao que tudo indica, ainda que existam outros

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207

condicionamentos que influenciem a não marcação, a saliência fônica e a posição do

sujeito constituem-se como variáveis muito relevantes na amostra em análise, revelando-

se contextos mais atuantes do que outros, como a configuração morfossintática do sujeito

e o tipo de verbo, por exemplo.

Por fim, a variável tipo de verbo, última selecionada estatisticamente, revelou

comportamento de maior incidência à não concordância em sintagmas verbais do tipo

inergativo/inacusativo e copulativos, como já atestado em estudos com outras variedades

do Português. Verbos transitivos, por outro lado, favorecem a presença das marcas de

número. Considerando discussões de renomados linguistas, observou-se a atuação

conjunta desse grupo de fatores com outras variáveis como a saliência fônica e a posição

do sujeito, que confirmaram suas performances mais significativas do que o tipo de verbo

nesta pesquisa. Assim, atestou-se a correlação entre as variáveis, uma vez que foi

encontrada maior variabilidade, no que tange à concordância verbal, nos verbos menos

salientes e, principalmente, naqueles que se encontravam em posição anterior ao sintagma

nominal, sendo, em ambos os casos, verbos do tipo inacusativo/inergativo.

A análise dos dados em termos quantitativos – com base em percentuais e pesos

relativos – e qualitativos permitiu um debate sobre o estatuto da regra variável de

concordância verbal no Português de Moçambique e o perfil dessa variedade. Ao que

tudo indica, os resultados demonstram que não é possível olhar somente para os números

obtidos, já que a natureza dos dados afastaria a concepção de uma regra estritamente

semicategórica, permitindo a avaliação de contextos realmente variáveis. Essa

constatação reflete, em uma proposta de estabelecimento de um continuum de padrões de

concordância e à luz do continuum afro-brasileiro, a posição do PM no meio do caminho,

isto é, apesar de apresentar um nível bastante alto de preferência pela concordância

padrão, seguindo seu modelo Europeu de (possível) aquisição, ele se afastaria do PE e se

aproximaria mais das variedades parcialmente reestruturadas, como a brasileira, por

exibir contextos mais variáveis de não aplicação da regra.

Considerando que há forte influência de línguas locais no Português falado em

Moçambique, para além de todas as formas de acesso à Língua Portuguesa, a variedade

em questão pode ser analisada como ainda em processo de formação, construindo sua

identidade linguística, a partir dos meios plurais de aquisição de língua aos quais é

exposta. Nesse sentido, ao menos três aspectos podem interferir na formação do perfil

moçambicano quanto à marcação de pluralidade: (i) o modelo supostamente padrão do

Português Europeu – com marcação (semi-)categórica de pluralidade – ao qual teriam

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certo (provável) acesso na escola; (ii) a semelhança com o modelo brasileiro – com

marcação variável de pluralidade – na sua constituição, especialmente por causa do

contato multilinguístico e de sua tendência geral de simplificação morfológica; e (iii) os

parâmetros das línguas locais (marcas de número sempre prefixais, ao contrário do padrão

sufixal do Português), que, para muitos dos habitantes de Moçambique, são suas línguas

maternas e com as quais convivem diariamente.

Diante de tal riqueza linguística, é razoável supor que a simplificação

morfológica, sendo ela uma tendência comum das interlínguas (Cf. LUCCHESI, 2012),

venha a ser um dos mecanismos utilizados por esses indivíduos, constituindo uma regra

gramatical comum àqueles que utilizam mais os idiomas locais e influenciando, de

alguma maneira, os falantes bilíngues, que podem alterar e/ou até mesmo confundir os

parâmetros das línguas que dominam. Sendo assim, afirmar que a variedade

moçambicana tem comportamento equivalente ao das outras variedades do Português

constituiria um equívoco metodológico, que desconsideraria as evidentes particularidades

que fazem desta uma variedade única. Tal constatação indica que, assim como

testemunhado pelos próprios entrevistados, o Português falado em Moçambique começa

a apresentar traços que são exclusivos de seu ambiente de contato multilinguístico,

propiciando a formação de um Português propriamente Moçambicano, influenciado em

alguma medida pelas línguas bantu.

Em linhas gerais, espera-se que a presente pesquisa tenha contribuído não só com

a descrição de dados contemporâneos, em termos quantitativos e qualitativos,

empreendimento necessário em relação às pesquisas sobre a concordância verbal na

variedade moçambicana do Português, pouco descrita na literatura, mas também com as

reflexões, ainda que preliminares, sobre como o contato multilinguístico pode influenciar

os padrões gramaticais de uma dada língua e como o PM se comporta no cenário de

variedades da Língua Portuguesa, em uma espécie de continuum dos padrões de

concordância.

Acredita-se que futuras pesquisas devam se debruçar, de maneira mais

aprofundada, sobre o ensino e aprendizagem do Português em Moçambique e, mais

detalhadamente, sobre as estrututuras das línguas locais, que podem afetar diretamente a

Língua Portuguesa falada no país. Quanto ao refinamento do corpus, novas entrevistas

que possam prover uma amostra totalmente composta por falantes de Português como L1

e/ou como L2 – não só de Maputo, mas das diversas províncias do país – podem, no

primeiro caso, confirmar a existência de contextos qualitativos bastante próximos dos

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encontrados no PB, e no segundo caso, podem vir a aprofundar a investigação da relação

entre o contato com línguas locais e os padrões de concordância verbal.

De todo modo, os resultados aqui apresentados demonstram que os dados da

concordância verbal na variedade moçambicana, em termos quantitativos, à semelhança

do que ocorre com as variedades europeias, apresentam larga preferência pela marcação

padrão. Entretanto, permitem observar que o PM compartilha características qualitativas

de não marcação de número com o padrão de uso das variedades brasileiras, de natureza

mais variada (escalaridade dos níveis de instrução formal, baixa e alta saliência fônica,

sujeitos com traços [+animados] ou não, sujeitos antepostos e pospostos, sujeitos sem

marcas de plural acarretando ausência de marca também no verbo, verbos

inergativos/inacusativos e copulativos, além de transitivos), do que com o padrão de uso

nos contextos específicos do PE (principalmente, sujeito posposto, inanimado, com

presença de pronome relativo e verbos de baixa saliência e inergativos/inacusativos e

copulativos). Assim, é possível estabelecer uma posição intermediária da variedade

moçambicana no continuum de marcação de pluralidade proposto no presente trabalho,

que indicaria, em um dos extremos, maior uso de regras variáveis (parcialmente

reestruturadas) pelos brasileiros, seguidos dos moçambicanos, que oscilam entre

contextos qualitativamente variáveis e quantitativamente altos, encerrando o outro

extremo com os resultados semicategóricos, bastante próximos do estatuto de uso

categórico da regra padrão, especialmente por parte dos falantes europeus.

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Anexo I – PROJETO CONCORDÃNCIA - GUIA DE ENTREVISTA

I. BAIRRO / CIDADE / VIOLÊNCIA / LAZER E ESPORTES / TRANSPORTE

1. O que você acha do bairro / cidade onde mora? Quais são os pontos positivos e negativos do bairro /

cidade?

2. Com tanta violência ultimamente, o que você acha do bairro? O bairro é violento ou tranqüilo? Por

quê?

3. Você (ou alguém conhecido) já foi assaltado? Poderia contar um assalto acontecido com você ou

algum conhecido?

4. Por que a cidade está violenta? O que poderia ser feito para melhorar a situação?

5. Como são as opções de lazer do bairro?

6. O bairro / a cidade tem pracinhas, campos de futebol, teatro, cinema etc?

7. O que as pessoas costumam fazer nos fins de semana?

8. Como é a Educação na localidade? Como são as escolas?

9. Tem escolas públicas para todos? Quais são os pontos positivos e problemáticos das escolas

públicas?

10. E as escolas particulares como são? O senhor acha que as escolas particulares são melhores do que as

públicas?

11. Tem hospitais públicos e postos de saúde para todos? Como são os hospitais? Quais são os pontos

positivos e problemáticos do hospitais?

12. Contar alguma experiência que já tenha passado em relação a atendimento médico.

13. Como é o transporte aqui? O que falta para melhorar o transporte?

II. PROFISSÃO

1. Qual é a sua profissão?

2. Como são as atividades diárias da suas profissão?

3. Quais são as principais dificuldades?

4. Quais são as principais vantagens?

5. Está satisfeito com sua profissão?

III. POLÍTICA / SOCIEDADE / CUSTO DE VIDA

1. O que acha da vida política (local/nacional)?

2. O país está melhorando ou piorando?

3. O que poderia ser feito para melhorar?

4. Como está o custo de vida?

IV. FAMÍLIA / RELACIONAMENTOS / INFÂNCIA / RELIGIÃO

1. O que pensa sobre as famílias atuais?

2. Está mais fácil ou mais difícil educar os filhos?

3. O que é necessário para se educar bem os filhos?

4. Existem casamentos poligâmicos? Como eles funcionam? As mulheres aceitam?

5. Quais religiões existem aqui? Elas convivem bem? Como funcionam? Quais são mais típicas de

Moçambique?

V. UTOPIAS

1. Quais são seus sonhos em relação à sua vida professional, sua família, seus filhos?

2. Você gostaria de visitor o Brasil? Por que?

VII. LINGUAGEM

1. Como funciona essas questões da língua aqui em Moçambique? Todos falam Português?

2. Como você aprendeu Português? E a sua família?

3. Você fala línguas locais? Quais? Em quais contextos?

4. Você percebe diferenças entre o Português daqui e o de Portugal e do Brasil? Cite algumas.

5. Você acha que há lugares que falam português melhor do que em outros lugares? Quais seriam esses

lugares?

6. Você acha que o português daqui tem característias próprias?

7. Você percebe mistura entre as línguas locais e o português?

8. Nas escolas só se fala português? E as escolas bilíngues? Você é a favor delas? Por que?

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Anexo II – QUADRO-SÍNTESE DAS RODADAS

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1x

xx

x5

x3

x4

x0.0

10.0

1

Roda

da 18

x4 X

xx

x1 X

2 Xx

6x

x5

x3

??

?0.0

40.0

1

Roda

da 19

x4 X

xx

x1

2 Xx

6x

x5

x3

??

?0.0

40.0

1

Roda

da 20

x3 X

xx

xx

1 Xx

?x

x4

x2

??

x0.0

40.0

1

Roda

da 21

x4

xx

x1

2x

6x

x5

x3

xx

/0.0

40.0

1

Roda

da 22

x4

xx

x1

2 Xx

6x

x5

x3

xx

/0.0

40.0

1

Roda

da 23

x4

x/

/1

2/

/x

/5

/3

x6

/0.0

40.0

1

Roda

da 24

x1

x/

//

2/

/x

/4

/3

x5

/0.0

20.0

1

Roda

da 25

x1 X

x/

//

2/

//

/x

x3

xx

40.0

10.0

1

x = variável não selecionada

/ = variável não inserida na rodada

? = variável nem selecionada, nem descartada

LEGENDA

Números de 1 a 6 = ordem de seleção das variáveis

X (ao lado dos números) = variável descartada no step down