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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA E SOCIOLOGIA MARIANA DUTRA TEIXEIRA Da cidadania formal à cidadania real: estudo de caso da comunidade Vila Nova. Monografia apresentada ao Curso de Ciências Sociais do Setor de Ciências Humanas da Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial para o título de Bacharel em Ciências Sociais. Orientadora: Profª. Drª. Maria Tarcisa Silva Bega Coorientadora: Profª. Drª. Eliza Maria de Almeida Vasconcelos CURITIBA 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA E SOCIOLOGIA

MARIANA DUTRA TEIXEIRA

Da cidadania formal à cidadania real: estudo de caso da comunidade Vila Nova.

Monografia apresentada ao Curso de Ciências Sociais do Setor de Ciências Humanas da Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial para o título de Bacharel em Ciências Sociais. Orientadora: Profª. Drª. Maria Tarcisa Silva Bega Co­orientadora: Profª. Drª. Eliza Maria de Almeida Vasconcelos

CURITIBA 2014

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AGRADECIMENTOS

À minha família que a sua maneira contribuiu para que eu chegasse até aqui.

Ao meu eterno namorado: sem você eu jamais teria conseguido! Te amo.

Aos meus companheiros do movimento estudantil: estar ao lado de vocês

ressignificou minha existência.

As amigas que trago deste desta graduação e continuam sendo minhas amigas após

as mudanças tão profundas que esta graduação trouxe em mim.

Aos meus professores e colegas da PUC­PR: eu não teria sobrevivido na UFPR sem

o preparo que vocês me deram.

Aos companheiros que me proporcionaram espaços de trabalho formal durante este

trajeto. Isto me deu condições financeiras para conciliar a graduação na UFPR e a

militância no movimento social.

Aos generosos amigos que levo deste curso, sem suas ajudinhas eu não teria

chegado nesta etapa final.

À Prof.ª Tarcisa, pelas palavras que causaram um desencantamento, sempre

acompanhando de um reencantamento com o mundo.

Aos colegas do grupo de estudos de políticas públicas e programa de

desenvolvimento urbano regional: foram nossas discussões que despertaram esta

pesquisa.

À Profª. Elisa que fez esta pesquisa caminhar.

Às companheiras da Assembléia Popular e da comunidade Vila Nova, obrigada pela

confiança e oportunidade.

Deus, obrigada pelo ensinamento que germinou tudo isso:

“O amor que nos faz um

O amor é o que nos faz um

O amor se revela a mim

Como uma bandeira, verdade e graça

Um mandamento, e a nossa canção”

( Palavra Antiga)

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RESUMO

Este trabalho intitulado “Da cidadania formal à cidadania real: estudo de caso da comunidade Vila Nova”, tem por objetivo compreender como a cidadania é percebida na representação cotidiana da comunidade a partir da sua experiência de luta por moradia, das suas lideranças na relação com o movimento social mais amplo. Neste sentido, o trabalho traz o histórico de luta da comunidade Vila Nova, bem como o perfil sócio econômico. Investiga neste contexto a forma de tratamento do Estado no cumprimento de cidadania através da política pública na área da habitação de interesse social. O caminho metodológico para o alcance destes objetivos elegeu uma abordagem de diversas tipologias de pesquisa tais como: exploratória como primeiro contacto com a comunidade, a bibliográfica a partir do construto teórico do que é cidadania, como este conceito se revela no sentimento e no discurso das famílias na sua inserção no cotidiano, quantitativa, qualitativa através de relatórios de campo, entrevista com as lideranças das famílias e do movimento social para auferir a percepção que membros da comunidade e do movimento organizado têm sobre conceito de cidadania. E através da pesquisa documental para verificar no plano diretor de Curitiba se moradia é entendida como um direito social. A principal referência para dar conta do objeto de estudo tem seu esteio nas obras de Marshall (1967) e Carvalho (2013), objetivando desmembrar as tipologias estabelecidas pelos autores, e investigar quais formas ou tipos de cidadania são manifestos na representação da comunidade estudada. A tipologia criada por Marshall pensa a cidadania em três elementos: civil, político e social. Carvalho corrobora com esta leitura afirmando que os direitos civis garantem a vida em sociedade, os direitos políticos garantem a participação no governo desta sociedade, e os direitos sociais devem garantir a participação na herança social desta sociedade. A partir desta teoria chegou­se por fim, à algumas reflexões e resultados, ou seja, a constatação de que existem diferenças significativas entre ambos os campos (formal e real) onde o conceito opera, que para além da efetivação de direitos da cidadania, remetem ao reconhecimento social. Palavras­chaves: Cidadania, Habitação de Interesse Social, Políticas Públicas.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 ­ Dep. Jean Willis....................... ...............................................................9

Figura 2 ­ Jornadas de Junho................. ...............................................................9

Figura 3 ­ Campanhas pela Cidadania.... ...............................................................9

Figura 4 ­ Campanhas pela Cidadania. ...............................................................9

Figura 5 ­ Campanhas pela Cidadania. ...............................................................9

Figura 6 ­ Campanhas pela Cidadania ...............................................................9

Figura 7 ­ Jornadas de Junho................. ...............................................................10

Figura 8 ­ Campanhas pela Cidadania... ...............................................................10

Figura 9 ­ Campanhas pela Cidadania. ...............................................................10

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LISTA DE IMAGEM

Imagem ­Localização Parque Iguaçu III ...............................................................46

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LISTA DE GRÁFICOS

1.Ocupações irregulares na RMC ...............................................................36

2. Sexo chefes de família ...............................................................51

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 O DESENVOLVIMENTO DA CIDADANIA NA INGLATERRA.............. 29

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LISTA DE TABELAS TABELA 01: LINHAS DE FINANCIAMENTO MINHA CASA MINHA VIDA ......36 TABELA 02: RENDA COMUNIDADE VIDA NOVA .......... 48 TABELA 03: VÍNCULO TRABALHISTA COMUNIDADE VIDA NOVA ......... 49 TABELA 04: ESCOLARIDADE COMUNIDADE VIDA NOVA ......... 50

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LISTA DE SIGLAS

BNH: Banco Nacional de Habitação.

CEF: Caixa Econômica Federal.

COHAB­CT: Companhia de Habitação Popular de Curitiba.

CLT: Consolidação das Leis do Trabalho.

FNHIS: Fundo Nacional para Habitação de Interesse Social.

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

IPARDES: Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social.

IPEA: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

IPPUC: Instituto de Pesquisa e Planejamento de Curitiba.

HIS: Habitação de Interesse Social.

ONU: Organização das Nações Unidas.

PDUR: Programa de Desenvolvimento Urbano e Regional

PNDH: Plano Nacional de Direitos Humanos.

PLANHAB: Plano Nacional de Habitação de Interesse Social.

PLHIS: Plano Local de Habitação de Interesse Social.

PNH: Política Nacional de Habitação.

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LISTA DE ABREVIATURAS

AP: Assembléia Popular.

APP: Área de Preservação Permanente

REDM­ONU: Relatoria Especial pelo direito a Moradia ­ Organização das Nações

Unidas.

PP: Políticas Públicas

PPS: Políticas Públicas Sociais.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO

2 SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS E A NOÇÃO DE CIDADANIA

3 POLO ABSTRATO: DA DISCUSSÃO CLÁSSICA À CIDADANIA NO BRASIL E

AS RELAÇÕES ENTRE CIDADANIA E MORADIA

3.1 CIDADANIA NO BRASIL

3.2 CIDADANIA E MORADIA

4 O FIO CONDUTOR AO PÓLO CONCRETO: A QUESTÃO DA MORADIA.

4.1 A POLÍTICA DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL EM CURITIBA

5 O PÓLO CONCRETO: A COMUNIDADE VILA NOVA

5.1 PERFIL SÓCIO ECONÔMICO

5.2 VOZES DO CONCRETO: AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE

CIDADANIA

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

APENDICES

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1 INTRODUÇÃO

A luta por políticas públicas que enfrentassem às (as) desigualdades do

nosso país foi minha principal motivação para cursar a faculdade de Ciências

Sociais. Não que o curso se dedique a esta “missão”, mas me proporcionou um olhar

mais refinado para observar nossa sociedade, e me capacitou com instrumentos

teóricos para analisá­la de forma cientifica.

Os estágios e trabalhos que desenvolvi ao longo do curso transformaram

minha militância inicial em interesse profissional. Também refletindo sobre as

possibilidades do oficio de sociólogo no Brasil contemporâneo ­ através das

discussões feitas em vários círculos acadêmicos, desde a sala de aula, passando

pelas conversas do pátio da Universidade , até nos eventos acadêmicos ­ se

desvendou uma área de atuação diferente da tradicional área do ensino de

Sociologia, tanto para a educação básica quanto para a superior.

As consultorias e assessorias para projetos de formulação, implementação

e avaliação de políticas públicas se apresentaram (a partir das discussões destes

espaços e da minha curta trajetória) como um campo profissional a ser conquistado

e consolidado pelos sociólogos. As teorias e metodologias das ciências sociais ­ aqui

concentro o tema na área da sociologia ­ contribuíram para estas pesquisas de

consultorias/assessorias. Segundo Cortês e Lima (2013) na maioria dos casos,

tratam­se pesquisas multidisciplinares, com economistas, administradores,

geógrafos, arquitetos, juristas, assistentes sociais, enfim, profissionais que são

chamados a partir da demanda que o objeto da política pública em pauta exige. As

autoras entendem que políticas públicas são, tanto academicamente como na sua

execução, um campo interdisciplinar, que “busca ao mesmo tempo colocar o

governo em ação, e analisar esta ação” (Cortês e Lima, 2013, p.33), e, os sociólogos

são capacitados profissionalmente para contribuir com estes processos.

Assim, por um interesse pessoal levando em consideração o campo

profissional, decidi estudar Políticas Públicas.

As políticas públicas são diversas, mas existem conceitos que são

fundamentais para qualquer área em que elas estejam inseridas. A começar pela

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própria idéia de políticas públicas, e principalmente a idéia de cidadania, apresento,

inicialmente, como hipótese, que este conceito assume um papel norteador nas

políticas de Estado, e por vezes até mesmo nas políticas defendidas pelo Mercado.

A cidadania também assumiu um papel relevante na construção das

narrativas em torno de uma política, não se diz mais: “ ...o povo quer isto ou aquilo.”,

se diz: “ ...a cidadania quer.” ( Carvalho, p.7, 2013).

Na tentativa de ilustrar um pouco grande presença queo termo cidadania

tomou no discurso político, foi feita uma rápida busca no banco de imagens do site

de busca Google, com as palavras: “manifestações junho 2013 Brasil” e “cidadania”,

segue uma amostra muito pequena da diversidade de cartazes, banners de

campanhas que foram encontrados:

1.

2.

3.

4. 5.

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6. 7.

8. 9.

10.

Apesar do levantamento modesto de imagens, nelas podemos observar:

na imagem 1 vemos o Deputado Estadual Jean Wyllys (PSOL­ RJ) segurando

um cartaz no plenário da Câmara Federal dizendo que acidadania foi calada

durante a ditadura, manifestando a ideia de Carvalho (2013), na qual o

cidadão surge como sujeito;

assim como na imagem 2, durante as manifestações que tomaram conta do

país em 2013, chamadas as “Jornadas de Junho”, cujo cartaz também

denuncia um cidadão sujeito.

Além deste tipo de narrativa sobre a cidadania, também chamam a atenção

as inúmeras campanhas políticas “pela cidadania”, como vemos nos demais

banners das imagens 3, 4, 5, 8 e 10, onde se manifesta a idéia de uma

cidadania a ser construída a partir de uma pauta específica da sociedade.

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Também como na imagem 7, uma foto também das “Jornadas de Junho”,

com a imagem de um adesivo sendo impresso,“plantando a cidadania”, ou

seja, como algo a ser cultivado e gerido.

E há também temas mais “periféricos” que se associam ao conceito de

cidadania, como nas imagens 9 e 6 , em que acidadania é afirmada também

em relação aos animais e à música.

Neste contexto, surgi (surge, se for presente ousurgiu, se for pretérito) uma

inquietação em relação a este conceito , afim de buscar alguma compreensão mais

precisa do que os indivíduos entendem sobre ele.

Como vimos nos simples exemplos das imagens, os movimentos que se

apropriam do conceito de cidadania para se organizar, são diversos, tanto em suas

origens, interesses e pautas como nos sentidos que atribuem ao conceito.. Essa

diversidade de sentidos, ou quem sabe, ausência de, é inquietante, e é a isso que

consiste na investigação deste trabalho. Nosso interesse é saber se a idéia de

cidadania é importante e o que pode revelar sobre o que os indivíduos entendem,

sentem ou esperam neste exercício em sua relação de sujeitos frente ao Estado,

entendendo que este se materializa, se relaciona com os sujeitos, através das

políticas públicas.

Para realizar esta investigação sociológica, foi escolhido o tema Habitação

de Interesse Social ­ HIS. Na medida em que participo inicialmente como voluntária

e por fim como bolsista, no programa de extensão intitulado Programa de

Desenvolvimento Urbano e Regional ­PDUR, do Departamento de Ciência Política e

Sociologia, sob as coordenações das professoras Maria Tarcisa Silva Bega e Eliza

Maria Almeida Vasconcelos. Portanto, esta escolha se justifica a partir da discussão

da temática Habitação de Interesse Social que está intimamente articulado a uma

série de outros direitos, como por exemplo, o direito a terra urbanizada, ao

transporte, à educação, pois as escolas geralmente estão localizadas longe de tais

loteamentos. Em outras palavras, partimos do pressuposto de que as políticas

públicas de habitação funcionam como catalizadoras de uma série de outras

políticas que devem ser concebidas e executadas a partir da questão da moradia e

da concentração da população em pontos específicos do território. A imagem abaixo,

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a qual foi feita a partir do esquema utilizado em sala de aula pela professora

orientadora deste trabalho, mostra esta relação:

Considerando a centralidade da questão da moradia como forma de

reprodução das classes trabalhadoras e segmentos pobres na cidade,

investigaremos o caso, onde, sujeitos que tiveram ou têm uma ação propositiva –

seja pela luta individual, seja pela luta coletiva – para solução de suas carências

habitacionais no espaço urbano, tomando mobilizações corridas no bairro do

Boqueirão, na Cidade de Curitiba­PR, pela comunidade alto intitulada como

Comunidade Vila Nova.

Partimos de um conjunto de questões, derivadas da nossa participação no

PDUR e das discussões ocorridas no grupo de Pesquisa em Políticas Públicas, aqui

elencadas: como a concepção teórica clássica sobre cidadania aparece nos

discursos e sentimentos dos indivíduos? Como e qual é a importância que a

cidadania tem para estes indivíduos? Como se construíram as relações entre as

carências destes grupos e a política habitacional preconizada pelo Estado, de forma

a construir a noção decidadania para eles? Qual é a distância que existe, entre este

polo abstrato, a cidadania enquanto categoria teórica, e o polo concreto, a

comunidade e sua relação com os direitos? Estas foram as questões norteadoras da

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investigação. Como já apontamos, o caminho escolhido para percorrer estes dois

polos, é o direito a habitação de interesse social.

Portanto, o objetivo desta pesquisa é compreender como a noção de

cidadania se manifesta no ideário popular, especificamente na implementação

Política de Habitação de Interesse Social tendo como objeto de estudo a

comunidade Vila Nova e da sua articulação com o movimento popular representado

pela Assembléia Popular. Para chegar a este objetivo, reconstitui­se o histórico de

luta da comunidade pesquisada, analisando o perfil sócio econômico das famílias. A

investigação da percepção que as lideranças da comunidade e as lideranças do

movimento organizado, tem (têm – termo não separado da palavra “organizado” por

vírgula) sobre o conceito de cidadania requereu um procedimento metodológico que

partiu do abstrato ao concreto. A pesquisa bibliográfica e a documental foram

fundamentais para chegar ao construto teórico do que é cidadania e como este

conceito se revela no sentimento, no discurso das famílias e na sua inserção no

cotidiano. Investigamos também como a noção de cidadania está presente na

política de habitação por meio da análise do Plano Diretor de Curitiba. A pesquisa de

campo foi feita através de observações nas diversas reuniões e visitas junto a

comunidade e suas lideranças, com a utilização de uma entrevista semi­estruturada,

que foram realizadas junto as lideranças da comunidade e do movimento. O roteiro

das entrevistas foi elaborado a partir de compreensão teórica das obras de Marshall

(1967) e Carvalho (2013), desmembrando as tipologias estabelecidas pelos autores

sobre o conceito de cidadania:

votar ser votado participar de organizações políticas ir e vir propriedade imprensa trabalhar saúde educação moradia segurança

previdência social

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Partimos de quatro hipóteses articuladas entre si, a primeira se refere ao

pressuposto de que a noção decidadania esta (está) presente nas políticas públicas

(neste caso, na Política de Habitação de Interesse Social) e como este conceito tem

em sua gênese, em limites, direitos que se chocam (direito a propriedade X direito a

HIS), caracteriza­se uma “tensão na cidadania”. A segunda hipótese parte do

princípio que existe uma compreensão heterogênea de noção decidadania, entre as

lideranças do movimento popular e as lideranças da comunidade e do Estado. Em

terceiro, conjectura­se que esta noção de cidadania esta implícita no sentido de que

orientou as práticas destes indivíduos em busca da efetivação de seu direito a

habitação. A quarta hipótese é a que relaciona a questão da equidade e da

acumulação, presente nas políticas públicas, com os Direitos Civis e Direitos Sociais

da cidadania. A hipótese é que essa relação é tensa, pois colocadas em limite,

disputam pela questão da moradia ser uma questão de direito humano ou uma

mercadoria.

No primeiro capítulo é apresentada uma noção geral sobre políticas públicas

e sua relação com a cidadania. No segundo capítulo tratamos do polo abstrato, as

questões conceituais da discussão clássica da cidadania, a cidadania no Brasil e as

relações entre cidadania e moradia. O terceiro capítulo tem o objetivo de fazer a

mediação entre o polo abstrato e o polo concreto, trata da questão da moradia

enquanto um direito humano e uma política pública. E por fim, no quarto capítulo

tratamos da realidade concreta, do nosso caso pesquisado: a Comunidade Vila

Nova, sua história, suas características e sua realidade e como sua liderança e o

movimento popular articulado em torno destas lutas sociais expressam seu

entendimento de cidadania em relação ao direito de morar dignamente.

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2 SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS E A NOÇÃO DE CIDADANIA

Como já relatado na introdução, o objetivo é investigar as percepções sociais

sobre cidadania, pois trabalha­se com a hipótese de que a noção de cidadania

orienta as políticas públicas, que por sua vez, significam o Estado, por ser sua

prática, sua ação. Assim, entender o que indivíduos da sociedade civil organizada

em movimentos sociais pensam sobre cidadania proporciona alguma pista sobre o

que pensam sobre seus direitos, sobre a importância das políticas públicas, e

possivelmente mesmo sobre o Estado.

Priorizamos nesse primeiro momento a discussão sobre a noção geral do

que é uma política pública, a fim de responder a primeira hipótese deste trabalho,

que, se refere ao pressuposto de que a noção decidadania esta (está) presente nas

políticas públicas (neste caso, na Política de Habitação de Interesse Social) e como

este conceito tem em sua gênese, em limites, direitos que se chocam (direito a

propriedade X direito a HIS), caracteriza­se uma “tensão na cidadania”.

A noção básica sobre o que é uma política pública é relativamente simples:

ela é a ação do Estado, circunscrita, definida ou financiada por ele, mas pode ser

executada por ele ou pelo mercado. Santos (1998) diz que política pública é o

Estado em ação, mas um Estado formado por indivíduos com distribuição de poder,

processos de decisão, repartições de custos e benefícios sociais.

Para o autor, a análise de políticas públicas trata de temas clássicos das

teorias sociais: distribuição e redistribuição do poder; o papel do conflito, processos

de decisão; repartição de custos e benefícios sociais; “as relações de poder, conflito,

ganhos, perdas estabilidade e instabilidade de ordem social não se dão nem se

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resolvem no círculo rarefeito dos elegantes sistemas sociais, mas na efetiva disputa

de políticas públicas específicas.” (SANTOS, 1998, indicar a página).

Há uma legislação, uma regulação legal (dimensão de objetivo, cobertura,

grupo social), seus planos, conselhos, que dão um formato burocrático aos

programas que vão desenhá­las. E tem um orçamento, dependente, sobretudo, de

seu financiamento, que garante os bens fixos e o custeio das políticas públicas.

Costuma­se dizer, que o tamanho de importância da política pública é o tamanho do

seu esquema de financiamento. Conforme Santos (1998) as políticas públicas

podem ser organizadas em quatro grandes tipos:

a) Regulação: o Estado regula as atividade econômicas, fixa normas,

controla qualidade dos bens e serviços.

b) Produção: O Estado tem participação direta em seus organismos de

fabricação de bens e serviços.

c) Provisão: árbitro dos recursos financeiros para viabilizar esse serviço a

comunidades.

d) Transferência de dinheiro: Esta é a única política dada em espécie

monetária em que o cidadão beneficiário pode gastar segundo suas preferências.

A segunda premissa é que há uma tensão presente no interior de toda

política: a relação de equidade e acumulação. Por equidade entende­se o ideal de

reduzir ou extinguir desequilíbrios sociais, e por acumulação entende­se as ações

destinados (destinadas) a aumentar a oferta de bens e serviços disponível, ou seja,

uma tensão entre justiça e igualdade. Assim como nas teorias sociológicas, essa

tensão ou conflito, pode ser vista tanto como anômica quanto como constitutiva das

políticas públicas. O ideal de justiça e igualdade entre os homens está presente na

Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário , e é 1

também o ideal que inspira a tipologia de direitos elaborada por T. H. Marshall para 2

pensar em um cidadão, elaborando assim o conceito de cidadania. Pensar em uma

sociedade onde os direitos da Cidadania são garantidos pelo Estado através de

políticas públicas, é pensar uma sociedade mais justa em condições de equidade.

1 Esta questão será aprofundada no Capítulo quatro. 2 A síntese de sua teoria consta no Capítulo três deste trabalho.

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Dos resultados esperados a partir das políticas públicas, pode­se dizer que são

basicamente dois: buscar atender as demandas por maior igualdade de

oportunidade ou de resultados entre os indivíduos.

Diante dessas condições gerais do que é uma política pública, agora

tentaremos mostrar o principal modelo adotado no Brasil, que é tão somente a ação

de um modelo específico de regulação do Estado. Draibe (1990) analisa a

experiência brasileira desde 1930 até o advento da Constituição de 1988, discutindo

como o Estado Capitalista se expressou nas relações entre economia e Estado, e

entre Estado e Sociedade Civil, através do modelo de suas políticas públicas.

A autora faz um balanço do Welfare State brasileiro, apontando suas

principais características: uma extrema centralização política e financeira; uma

acentuada fragmentação institucional; o investimento social teve o princípio do

autofinanciamento; uso clientelístico da máquina social. São traçados alguns pontos

importantes para que o Brasil não cometa os mesmos erros que os países

desenvolvidos cometeram, mas como o país também está nesta rota de

desenvolvimento para um “avanço social duradouro”, pluralista e democrático, o

Estado de Bem Estar Social precisa:

“estupendo reforço da capacidade de coordenação e controle estatais. Coordenação e planejamento de um lado, fortes instituições públicas asseguradoras do direito, de outro; constituem condição de possibilidade tanto para o florescimento das formas de ação coletiva da sociedade (pelos bloqueios podem significar aos apetites mesquinhos das elites conservadoras do país) quanto para a garantia de que a política social, ainda que descentralizada e pulverizada, se fará a graus crescentes de igualdade, justiça e eqüidade sociais.” (DRAIBE,1990, p.55)

Agora será falado sobre as Políticas Públicas Sociais ­ PPS , pois são as que

estão fortemente relacionadas com o processo de urbanização.

O Instituto de Pesquisa e Estatística Aplicada (Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada) ­ IPEA (2003) formulou e utiliza em seus estudos a noção de

PPS como um conjunto de ações e programas do Estado, em geral de forma

continuada no tempo, que tem como objetivo o atendimento de necessidades e

direitos sociais fundamentais que afetam vários dos elementos que compõe

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(compõem) as condições básicas da vida da população, principalmente do que diz

respeito a pobreza e a desigualdade.

A premissa deste conceito é que o mercado não foi capaz de evitar ou

minimizar estes problemas, por isso cabe ao Estado regular a relação entre

sociedade e mercado. A sociedade, por seu turno, através de suas lutas, força o

leque de direitos, alargando o escopo dos direitos sociais. Como diz Santos, “O

Estado então tem que cuidar da eficácia do processo de acumulação e o processo

de privatização das associações privadas competirem com mecanismos

compensatórios das desigualdades criadas por esse mesmo processo” (SANTOS,

1998, p.16)

Estes direitos sociais, são reservados para as áreas em que os mecanismos

comunais, as famílias, a igreja, não foram suficientes para tratar dos problemas

sociais. Isso se dá por incapacidade técnica ou econômica para esses segmentos,

como no caso da infraestrutura urbana. O Brasil, como um país federativo, financia

estas políticas com gastos diretos, efetuados em cada esfera do governo, ou através

de transferência voluntária ou negociada.

As PPS estão articuladas em sistemas nacionais públicos ou estatalmente

regulados: saúde, educação, previdência social, integração e substituição de renda,

assistência social, habitação. De forma articulada, estão também as políticas de

emprego e salário, que regulam a relação capital e trabalho.

Neste contexto, se faz necessário entender as formas de articulação dos

diferentes programas governamentais, na tensão entre os que são destinados a

maximizar a equidade com as demais políticas governamentais que tem por objetivo

maximizar a acumulação.

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3 POLO ABSTRATO: DA DISCUSSÃO CLÁSSICA À CIDADANIA NO BRASIL

E AS RELAÇÕES ENTRE CIDADANIA E MORADIA

A referência teórica clássica sobre cidadania parte do autor reconhecido

como disseminador desta discussão dentro das Ciências sociais desta discussão

(termo repetido): T. H Marshall (1967), em seu texto “Cidadania, Classe Social e

Status”. Ele escreve na Inglaterra em 1950, e é sobre este país que faz uma análise

histórica do aparecimento de direitos nesta sociedade.Cabe lembrar que a Inglaterra

foi o berço da revolução Industrial no século XVIII e palco de uma série de lutas e

conquistas sociais. Quando Marshall elabora esta reflexão, a Inglaterra vivia a

situação do imediato pós Segunda Guerra, impactada pelos eventos, porém sem ter

a experiência em seu território.

O autor olha o aparecimento de direitos ao longo da história e faz uma

classificação tipológica dos mesmos, organizando­os em três categorias

abrangentes: Direitos Civis, Direitos Políticos e Direitos Sociais. Na citação seguinte

o autor explica esses elementos:

“O elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça”. Este último direito se difere dos outros porque é o direito de defender e afirmar todos os

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direitos em termos de igualdade com os outros e pelo devido encaminhamento processual. Isto nos mostra que as instituições mais intimamente ligadas com os direitos civis são tribunais de justiça. Por elemento político se deve entender o direito de participar do exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. As instituições correspondentes são o parlamento e conselhos do governo local. O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem­estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, da herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com ele são o sistema educacional e os serviços sociais. (Marshall, 1967, p. 64)

Até o fim do século XIX na Inglaterra é que surgem os direitos civis e

políticos, e no século XX surgem os direitos sociais. Para analisar o (suprimir esse

“o”) a construção da noção de cidadania, ele recorre á (à) dimensão histórica do

aparecimento dos direitos, entendendo­os como dimensões da cidadania. Ele

localiza tal discussão na relação entre igualdade social e desenvolvimento

capitalista. Problema este que já está anunciado no título do trabalho ­ “classe social

e status”,e que com estes conceitos o autor delimita seu diálogo com duas vertentes

sociológicas clássicas: a Marxista e a Weberiana.

Na primeira parte do texto o autor fala que a cidadania só é possível dentro

de um padrão comum, pois só se pode trabalhar pela igualdade social quando se

tem padrões comuns. Isso começa com a separação funcional de um marco

geográfico, formar assim uma nação com leis comuns a homens comuns (

MARSHALL,1967, p.62).

O autor aponta que no século XIX, para a efetivação e garantia dos direitos

que se estabeleceram surge um Poder do Estado. Nos condados da Inglaterra

surgiram primeiro os poderes judiciário e executivo, ­ “na sociedade feudal, o status

era a marca distintiva de classe e a medida de desigualdade. Não havia nenhum

código uniforme de direitos” (MARSHALL,1967, p.64) ­ até que na sociedade

medieval “a cidadania surge com uma definição de nacional” (MARSHALL,1967,

p.64), e a evolução de cidadania chega no século XIX no campo do particular, do

individual, quando traz o acesso a tribunais de justiça especializados; forma o

parlamento (governo nacional) para que seja possível a participação civil nos

assuntos públicos. Nesse curso evolutivo, nota­se que o Estado adota mecanismos

de correção para a garantia dos direitos. Nesse sentido, dois marcos institucionais

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foram decisivos,, a criação da Cúria Regis que depois vira conselho, câmara

parlamento e por fim constitui os tribunais de justiça, e, a Pour Low (Poor Law)(lei

dos pobres) uma instituição nacional com base na participação local. Todos os

homens tinham o dever de participar destes tribunais.

Outra mudança histórica importante no século XIX é a ampliação dos

direitos políticos a todos os indivíduos, antes o direito ao voto era restrito apenas a

uma pequena classe dirigente. É perceptível que neste momento os direitos políticos

eram secundários frente aos direitos civis, fato alterado no decorrer na história

Esta ampliação de participação política, somada aos direitos sociais, em

especial ao direito á (à) educação básica, são fatores determinantes para se manter

a estabilidade, a coesão social. A instituição de um salário mínimo, a participação

em associações funcionais, comunidades locais, colabora para a preservação da

ordem social (MARSHALL,1967, p.76).

Neste processo o direito social à educação ganha destaque, pois ele articula

os demais direitos, “é um direito individual combinado com o dever público de

exercer o direito”, (MARSHALL,1967, p.72). Ou seja, os indivíduos precisam de

educação para saber exercer os seus direitos “os direitos civis se destinam a ser

utilizados por pessoas inteligentes e de bom senso, que aprenderam a ler e a

escrever. A educação é um pré­requisito necessário da liberdade civil.”

(MARSHALL,1967, p.72) e o autor destaca que este direito, à educação, é o que de

fato pode alterar a estratificação social (MARSHALL,1967, p.102).

Há no texto um pequeno parágrafo em que o autor sintetiza sua análise

sobre o desenvolvimento da cidadania na Inglaterra e na sequência resume­se este

pensamento em um modesto quadro analítico. Diz o autor:

“ … o desenvolvimento da cidadania na Inglaterra até o fim do século XIX. Com esta finalidade dividi a cidadania em três elementos: civil , político e social. Tentes demonstrar que o direito civis surgiram em primeiro lugar e se estabeleceram de um modo um tanto semelhante à forma moderna que assumiram antes da entrada em vigor da primeira Lei de Reforma , em 1832. Os direitos políticos se seguiram aos civis , e a ampliação deles foi uma das principais características do século XIX,, embora o principio da cidadania político universal não tenha sido reconhecido senão em 1918. Os direitos sociais, por outro lado, quase que desapareceram no seculo (século) XVIII e principio (princípio) do XIX. O ressurgimento destes começou com o desenvolvimento da educação primária pública, mas não foi senão no século XX que eles atingiram um plano de igualdade com os outros dois elementos da cidadania.” (MARSHALL, 1967, p. 75)

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QUADRO 1: O DESENVOLVIMENTO DA CIDADANIA NA INGLATERRA

Século Direito Instituição/ Poder Tipo de direito

XVIII Liberdades individuais Tribunais de Justiça/ Judiciário

Direitos Civis

XIX Votar e ser votado para compor os quadros do Estado

Parlamentos/ Legislativos

Direitos Políticos

XX Mínimo de Bem­ Estar econômico até participar da herança social.

Sistemas de serviço social/ Executivo

Direitos Sociais

Elaboração: a autora

Na segunda parte do texto, Marshall faz uma discussão sociológica sobre a

cidadania, perguntando qual seria o seu impacto sobre as classes sociais. O autor

deixa evidente seu pressuposto teórico marxista de uma sociedade organizada em

classes, pois a classe social ao (à) qual o homem pertence já indica todos os

desdobramentos da vida social dele. A condição de classe dita, por exemplo, o grau

de necessidade ou não dos direitos sociais, dita qual é sua participação na herança

da riqueza social, porém sua grande preocupação não são as classes, e sim, a

discussão sobre a possibilidade de construir algum grau de equilíbrio frente às

desigualdades existentes entre elas.

Entretanto, a maneira como ele trata sociologicamente este problema e a

conclusão que chega é de cunho weberiano, pois conclui que acidadania não é uma

proposta de mudança da estrutura sistêmica da sociedade capitalista que

amadurecia na Inglaterra, mas apenas uma medida de igualdade social para

equilibrar a desigualdade social que é inerente a este capitalismo.

Assim, a cidadania é um status (no sentido weberiano), status na igualdade

de direitos e obrigações, é uma medida efetiva de igualdade, criada em cada

sociedade com as suas particularidades. Parte da realidade da desigualdade entre

classes sociais, buscando uma medida de igualdade entre elas, mas não sendo isso

possível no capitalismo, a cidadania diminui essas diferenças entre as classes,

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através do status que concede aos indivíduos, na medida em que tem condições de

acessar os três tipos de direitos que compõem a cidadania.

“ O Estado garante o mínimo de certos bens e serviços essenciais ( tais como assistência médica, moradia [grifos nossos], educação, ou uma renda nominal mínima ou salário mínimo) a ser gasto em bens e serviços essenciais – como no caso da lei que dispõe sobre a aposentadoria para velhice, benefícios de seguro e salário família. Qualquer pessoa capaz de ultrapassar o mínimo garantido por suas qualidades próprias está livre para fazê­lo. Tal sistema se assemelha, em sua aparência, a uma versão mais generosa da supressão de classe em sua forma original. Eleva o nível inferior mas não limita automaticamente a superestrutura.” ( MARSHALL, 1967, p.93) .

É necessário salientar que há um conflito entre igualdade e liberdade que,

segundo Marshall (1967, p.75) é constitutivo nesse processo formativo dacidadania.

Esta relação se remete a (à) discussão apresentada na introdução deste trabalho,

sobre a tensão constitudas (rever esse termo) políticas públicas entre equidade e

acumulação. Considera também como pressuposto neste processo, que há uma

igualdade ontológica nos indivíduos, o que acaba por impulsionar o desenvolvimento

do capitalismo. Cabe então a cidadania diminuir as desigualdades geradas pelas

classes, ela muda a qualidade destas desigualdades, quando tem em seu ideário

não a extinção destas classes, mas sim a igualdade possível entre elas

(MARSHALL,1967, p.76).

Ao analisar ao (o) século XX, quando os direitos sociais são criados e

fortalecidos no decorrer do tempo, a cidadania começa a explicitar as contradições

que guarda em seu interior. Seu ideário de igualdade é confrontado, principalmente

o das liberdades individuais, que no capitalismo alimentam a desigualdade, “a

desigualdade se torna essencial da cidadania pois ela assume um caráter de

constante busca pelo estado de bem­estar” (Marshall, 1967, p. 68) . Essa cidadania

então, conforma­se com seu caráter de status, que não aponta a necessidade de

uma nova organização social na qual as liberdades individuais não gerem

desigualdade, ou seja, Marshall não propõe uma ruptura com o sistema

sócio­politico capitalista, mas entendemos que, propõe reformas na perspectiva da

Cidadania. Direcionou­se para qualificar condições de igualdade sem alterar a base

do sistema desigual (MARSHALL,1967, p.77). Essa é a marca, o status da

cidadania: ela dá o direito de adquirir, não de ter (MARSHALL, 1967, p.80).

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Na última parte do texto, Marshall mostra que até o final do século XIX a

Cidadania propicia as condições, na Inglaterra, para a diminuição na escala de

distribuição de renda, crescimento das pequenas poupanças, impostos, produção e

consumo pelas massas, e com isto, a diminuição dos extremos desiguais,

aumentando a igualdade de bem estar social.

Apesar dos direitos sociais assumirem um papel modificador da realidade ao

reduzir as desigualdades, a Cidadania como um todo contribui para a manutenção

delas, e até cria novas desigualdades. Marshall conclui o texto explicando que

dentro deste mercado competitivo capitalista, somente o Estado é que pode garantir

os direitos da Cidadania.

3.1 CIDADANIA NO BRASIL

Para pensar a realidade brasileira tomamos como referencia José M.

Carvalho (2013), que em sua obra Cidadania no Brasil, um longo caminho, recupera

a teoria de Marshall, partindo da mesma noção de que Cidadania é um fenômeno

histórico de direitos, e os busca na história fazendo sua tipologia, desde o Brasil

colônia até a sua redemocratização. Assim, faz as devidas adaptações necessárias

para a realidade histórica brasileira e aplica o modelo conceitual de Marshall para

analisar a nossa formação dos direitos da Cidadania, mas de antemão, introduz que

“uma cidadania plena, que combine liberdade, participação e igualdade para todos,

é um ideal desenvolvido no Ocidente talvez inatingível” (CARVALHO, 2013, p.9).

Apesar destes avanços, os Direitos Políticos durante o regime militar ( 1964 ­

1980) tiveram muitas restrições no que tange aos partidos políticos, mas que já em

meados da década de 80 “ passou­se a grande liberalidade” com o aumento

expressivo do número de partidos quando no regime militar só eram legais dois

partidos, a saber: Aliança Renovadora Nacional­ ARENA partido que representava

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os interesses do governo militar no poder e Movimento Democrático Brasileiro­MDB

que agregava todos os opositores do regime militar iniciado em 1964 no Brasil.

Outro problema (deixado como herança pela ditadura militar) é a “distorção

regional da representação parlamentar”. Pois todos estados elegem mesmo número

de senadores, quebrando o princípio republicano de cada homem um voto, “ como favorece os estados de população mais rural e menos educada, a sobrrepresentação (sobre representação), além de falsear o sistema, tem sobre o Congresso um efeito conservador que manifesta na postura da instituição. Trata­se de um vício novo do nosso federalismo, e difícil de extirpar, uma vez que qualquer mudança deve ser aprovada pelos mesmos deputados que se beneficiam deste sistema” ( CARVALHO, 2013, p.202)

O autor aponta que permanecem também outras pautas, para se discutir e

realizar uma reforma política e ampliar a prática democrática no país.

Com a chegada dos presidentes por voto a (à) Presidência da república,

chegou também a frustração, pois muitos problemas, como a corrupção e os

problemas sociais permaneceram.

Ao discutir os direitos sociais, o autor os defini (define) como direitos em

ameaça. Os principais direitos definidos até redemocratização foram: salário mínimo,

aposentadoria mínima, aposentadoria a não contribuintes deficientes e com mais de

65 anos de idade, licença paternidade. A (Na) medida em que estes direitos se

efetivaram, houve mudanças na realidade brasileira: de 1980 a 1999 melhoraram os

índices (indicadores básicos da qualidade de vida) que avaliam a mortalidade

infantil, a expectativa de vida, educação fundamental.

Mas, conforme o autor, o grande problema que assola o país recai sobre a

grande desigualdade social, que na década de 90 cresceu e tem uma marca racial e

regional (CARVALHO, 2013, p.208). Ou seja, as regiões Norte e Nordeste são as

mais pobres frente à concentração de renda presente no Sul e Sudeste.

A Constituição de 1988 vem assegurar o direito civil negado na Ditadura

Militar: a liberdade de expressão, de imprensa e de organização. Ampliando ainda

com o direito a qualquer cidadão de solicitar ao governo informações que estejam

nos registros públicos, o “ nobres data”. Também na Constituição de 1988 o racismo

e a tortura são definidos como crime, o consumidor também passa a ter direitos

garantidos em lei, e é criado o Plano Nacional de Direitos Humanos ­ PNDH. O autor

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ainda destaca como importante a criação dos juizados especiais de pequenas

causas civis e criminais, entretanto: “ pode­se dizer que, dos direitos que compõe a cidadania, no Brasil, são ainda os civis que apresentam as maiores deficiências em termos de seu conhecimento, extensão e garantias.” (CARVALHO, 2013, p.2010.)

A segurança pública é um problema agravado por esses altos índices de

desigualdades. Pós urbanização do Brasil com o rápido crescimento da população

urbana nascem o desemprego, o trabalho infantil, o tráfico de drogas, que geram

mais violência, “o problema é agravado pela inadequação dos órgão (rever – ou dos

órgãos ou do órgão) de segurança pública para o cumprimento de sua função” (

CARVALHO, 2013, p 2012.).

A justiça é quase inacessível aos pobres que não tem (têm) como pagar os

custos judiciais ou de um advogado. As defensorias públicas são sucateadas, é

como diz o autor: “Entendesse, então, a descrença da população na justiça e o

sentimento de que ela funciona apenas para os ricos, ou antes, de que ela não

funciona, pois os ricos não são punidos e os pobres não são protegidos.” (

CARVALHO, 2013, p.214).

Diante deste contexto histórico social, o autor faz sua definição de como foi

até então o processo de constituição da Cidadania no Brasil, identificando tipos de

cidadão: “Há os de primeira classe, os privilegiados, os “doutores”, que estão acima da lei, que sempre conseguem defender seus interesses pelo poder do dinheiro e do prestígio social. Os “doutores” são invariavelmente brancos, ricos, bem vestidos, com formação universitária. São empresários, banqueiros, grandes proprietários rurais e urbanos, políticos, profissionais liberais, altos funcionários. Frequentemente, mantem (mantêm) vínculos importantes nos negócios,no governo, no proprio (próprio) Judiciário. Esses vínculos permitem que a lei só funcione em seu benefício. Em um cáculo (cálculo) aproximado, poderiam ser considerados “doutores” os 8% das famílias que, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domincílios (Domicílios) (PNAD) de 1996, recebiam mais de 20 salários mínimos. Para eles as leis não existem ou podem ser dobradas. Ao lado dessa elite privilegiada, existe uma grande massa de “cidadãos simples”, de segunda classe, que estão sujeitos aos rigores e benefícios da lei. São a classe média modesta, os trabalhadores assalariados com carteira de trabalho assinada, os pequenos funcionários, os pequenos proprietários urbanos e rurais. Podem ser brancos, pardos ou negros, tem educação fundamental completa e o segundo grau, em parte ou todo. Essas pessoas nem sempre tem noção exata de seus direitos e quando a tem carecem dos meios necessários para os fazer valer, como o acesso aos órgãos e autoridades competentes, e os recursos para custear demandas judiciais. Frequentemente, ficam a mercê da polícia e de outros agentes da lei que

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definem na prática que direitos serão ou não respeitados. Os “ cidadãos simples” poderiam ser localizados nos 63% das famílias que recebem entre acima de dois a vinte salários mínimos. Para eles, existem os códigos civil e penal, mas aplicados de maneira parcial e incerta. Finalmente, há os “elementos” do jargão policial, cidadãos de terceira classe. São a grande população marginal das grandes cidades, trabalhadores urbanos e rurais sem carteira assinada, posseiros, empregadas domésticas, biscateiros, camelôs, menores abandonados, mendigos. São quase invariavelmente pardos ou negros, analfabetos, ou com educação fundamental incompleta. Esses “elementos” são parte da comunidade política nacional apenas nominalmente. Na prática, ignoram seus direitos civis ou os tem sistematicamente desrespeitado por outros cidadão, pelo governo, pela política. Não se sentem protegidos pela sociedade e pelas leis. Receiam o contato com agentes da lei, pois a experiência lhes ensinou que ele quase sempre resulta em prejuízo próprio. Alguns optam abertamente pelo desafio à lei e pela criminalidade. Para quantificá­los, os elementos estariam entre os 23% de famílias que recebem até os dois salários mínimos. Para eles vale apenas o código penal” ( CARVALHO, 2013 p. 214 ­ 217.)

Carvalho conclui que apesar dos “178 anos de história para construir a

Cidadania no Brasil” (CARVALHO, 2013 p. 219.), temos diferenças em relação a

cronologia lógica que Marshall escreve sobre a Inglaterra. No caso brasileiro, ao

contrário, o primeiro conjunto de direito que se desenvolveu foram os direitos sociais.

Considerando que os mesmo (mesmos) foramimplementados na era do governo de

Vargas, fortemente marcado por um período onde os direitos políticos foram

suprimidos e os direitos civis reduzidos pelo ditador que se tornou popular.

Considerando o regime ditatorial da conjuntura política brasileira, a protoforma de

manifestação de cidadania no Brasil, é caracterizada por uma pirâmide dos direitos

colocada ao contrário, na Inglaterra a sequência lógica dos direitos foi: Direitos Civis,

Direitos Políticos e Direitos Sociais, fortalecendo assim uma lógica democrática (

CARVALHO, 2013, p.220). As liberdades individuais consolidaram um sistema

judiciário independente do poder executivo. Com o desenvolvimento dos Direitos

Políticos, o parlamento votou em políticas sociais efetivado assim os Direitos

Sociais, mesmo diante da polêmica em torno deles (que falavam sobre um choque

entre eles e a liberdade de trabalho e a livre competição, ou seja, um choque entre

os Direitos sociais e Direitos Civis.

O autor problematiza qual a interferência que esta inversão histórica dos

direitos teriam sobre a democracia.

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Para ele essa diferença é notável. Como nossos Direitos Sociais foram

conquistados durante a Ditadura Militar, surge um sentimento em relação ao

Presidente da República e ao Estado como os grandes “facilitadores” do processo. O

sistema legislativo fechado durante este período, não tem participação ativa neste

processo, perde assim, o seu valor de representação.

Ao chegar do estado é atribuído esse valor messiânico, e “ essa cultura

orienta­se mais para o Estado do que para a representação é que chamamos de

‘estadania’, em contraste com a Cidadania” (Carvalho, 2013 p.221.). A consequência

disto é o desgaste com os processos da democracia onde o sistema legislativo é

desprestigiado, o que impactou diretamente os Direitos Sociais, pois as categorias

organizam­se para ir direto ao poder executivo. Podemos ver o resultado disto na

CLT ­ Constituição das Leis do Trabalho com os interesses das categorias mais

organizadas e mais expressos. “ O papel dos legisladores reduz­se para a maioria

dos votantes, ao de intermediários de favores pessoais perante o Executivo.”

(CARVALHO, 2013 p. 223.).

Mas a democracia tem convencido a direita, a esquerda e os militares de

que é o melhor caminho. Não se fala mais em golpe e internacionalmente são

abolidos. Mas estes mesmo órgãos internacionais que manifestam­se contra os

golpes, acabam criando uma dinâmica de enfraquecimento dos Direitos Políticos,

visto que seus representantes agora torna decisões a partir destes fóruns

internacionais, por vezes longe das realidades locais e dos próprios cidadãos.

“Esses espaços, imbricados de um pensamento liberal voltam a insistir na

importância do mercado como mecanismo autorregulador da vida econômica e

social, e com consequência, na redução do papel do Estado.” (CARVALHO, 2013,

p.226”.) e “ nessa visão, o cidadão se torna cada vez mais um consumidor, afastado

de preocupações com a política e com os problemas coletivos”( CARVALHO, 2013,

p.226.).

Na conclusão de seu livro encontra­se um parágrafo que parece chave para

resumir a diferença percebida por Carvalho na formação da Cidadania no Brasil em

relação a cidadania Inglesa analisada por Marshall, dizendo que, o primeiro tipo de

direito que se desenvolveu foram os direitos sociais

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A Cidadania, assim constituída no Brasil, através do conjuto (conjunto) de

direitos vem sendo aplicada pelo Estado através das Políticas Públicas. Portanto, é

através desta que os direitos sociais se materializam, neste sentido, buscou­se o

caso da política de habitação para enfocar esta relação teórico­prático.

3.2 CIDADANIA E MORADIA

Lúcio Kowarick pesquisa a questão da moradia em São Paulo, e em seu

livro, Escritos Urbanos, estabelece essa relação que também encontramos em

nosso campo de pesquisa. Ele localiza o lugar geográfico e social dos problemas da

cidadania, o lugar que ele chama de subcidadania , nas periferias: “ lá é, por

excelência, o mundo” dela (KOWARICK, 2009, p.43). Que em São Paulo cresceram

desenfreadamente, num primeiro momento na Região Metropolitana, com a

urbanização do Brasil, quando a população rural vem para as cidades em busca de

emprego, e depois dos cortiços, a auto­construção das moradias passou a ser a

alternativa para os pobres acessarem uma moradia, esse fenômeno gerou ao

mesmo tempo uma grande especulação imobiliária e segregação socio­espacial

(KOWARICK, 2009, p.45). Muitos lotes clandestinos foram negociados neste

processo, principalmente nas zonas limítrofes da capital paulista, marcando mais

ainda o lugar das favelas, “ 65% dos habitantes de São Paulo, que foram lançados

numa situação de ilegalidade quanto às normas urbanísticas da Cidade.”

(KOWARICK, 2009, p.50). Para o autor, este processo é resultado da ineficiência do

setor público, fortalecendo assim a especulação imobiliária que “ comanda em boa

medida a produção do espaço urbano, o capitalismo nativo é predatório e usa e

abusa da mão de obra barata” ( KOWARICK, 2009, p. 51).

Para os envolvidos neste processo de luta pela moradia, de garantia de

direitos sociais, de direitos civis, colocar em cheque a grande estrutura política não é

mais uma luta comum , mas sim “ configurar uma condição social de vida mais

equitativa e, eventualmente, um ideal emancipatório de inspiração socialista..”

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(KOWARICK, 2009, p. 54). Essa condição de vida, segundo o autor diz muito sobre

a Cidadania, sobre a

“ a questão dos direitos básicos do cidadão. Irregularidade, ilegalidade ou clandestinidade em face de um ordenamento jurídico­insitucional (institucional) que, ao desconhecer a realidade socioenomica da maioria, nega o acesso a benefícios básicos para a vida nas cidades” ( KOWARICK, 2009, p. 54)

Esse processo, que para ele é fundamentalmente um processo político, de

como as Cidades, que aqui são compreendidas não apenas como local geográfico,

mas enquanto categoria sociológica, produz uma lógica “ estreita e excludente, e, ao

faze­lo decreta uma vasta condição de subcidadania urbana” ( KOWARICK, 2009, p.

54).

Este tipo de Cidadão, o subcidadão urbano pode ser relacionado com o “

não­ cidadão” descrito por Carvalho, mas nos parece, que a diferença entre estes

dois autores, se dá no entendimento de como este processo social é orientando.

Para Carvalho, o não­cidadão é resultado desviante do padrão, enquanto que para

Kowarick, o subcidadão é resultado de uma orientação política específica que rege

sociedade urbana. Se compararmos esta perspectiva com a discussão de Marshall,

veremos que a análise do autor inglês não aborda o fenômeno da exclusão

estrutural presente em países como o Brasil, uma vez que seu pressuposto é outro,.

A questão da Moradia, do lugar onde morar, do direito a Cidade constituem

para o autor elementos estruturantes que que (repetição do termo) reforçam a

desigualdade social que Carvalho fala que surgiram pós urbanização do Brasil, “ a

condição de subcidadão como morador das cidades constitui forte matriz que serve

para construir o diagnóstico da periculosidade” (KOWARICK, 2009, p. 55), a

violência e o violento tem uma “sintomática definida” na Cidade, “a violência esta

fortemente presente no cotidiano de nossas cidades. Não apenas a da política ou a

dos bandidos, mas também a dos salários, transportes e jornadas de trabalho, isso

para não falar nas situações de doenças, acidentes e desemprego, ou nas formas

espoliativas de moradia. Enquanto assim for, muitos permanecerão na condição de

subcidadania.” (KOWARICK, 2009, p.55).

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Além do subcidadão urbano, o autor também fala sobre outros dois tipos de

cidadão, o cidadão privado e o cidadão público, que surgem a partir de uma

condição sócioeconomica.

Ser pobre nas cidades depende de fatores bem localizados, grau de

instrução, qualificação profissional e o montante de rendimentos, que estão

diretamente relacionados a fatores históricos, a dinâmicas econômicas, e até mesmo

ao fator biológico, pois, por exemplo, o trabalho feminino e idoso tem um valor muito

diferente do que o de um homem adulto. E para agravar mais ainda essas

desigualdades sociais, econômicas e políticas, o autor crítica (critica) a insuficiência

das “políticas sociais compensatórias. Entre estas destacam­se os irrisórios

montantes referentes ao auxilio desemprego, pensões e aposentadoria ou subsídios

em relação a elementos urbanos básicos, dos quais cumpre destacar os limitados e

inoperantes programas de habitação popular” (KOWARICK, 2009, p. 82).

Para o autor a moradia é o nível de sociabilidade primaria (primária) nas

“metrópoles do subdesenvovimento industrializado”, é nela onde há a organização

da unidade familiar proporciona o primeiro nível de sociabilidade do indivíduo. E

nesta relação é onde “ são forjados, executados ou frustrados múltiplos projetos,

carregados de consequências materiais e plenos de significados simbólicos….e

podem ser designadas de estratégias de sobreviência (sobrevivência)”, assim

exclusão social e econômica nas cidades não fala apenas de pobreza material, mas

de “acesso a bens de consumo coletivo” (KOWARICK, 2009, 83). Em decorrência

disso, as condições objetivas de vida não impulsionam necessariamente a busca de

uma mudança de paradigma, pois nas cidades há uma valorização dos símbolos e

dos significados , a partir de um “ processo de produção da experiência” (

KOWARICK, 2009, p. 83).

A sociabilidade privada, e as estratégias de sobrevivência acontecem no

lugar da moradia, e a maneira como isso se dá, configuram “ níveis de exclusão

social e econômica”, e também o lugar social dos sujeitos. Apesar da crise do

modelo familiar que o autor aponta, jovens solteiros e casais com filhos pequenos

moram em lugares diferentes em nossas cidades.Outro fato comum nas cidades em

relação a (à) moradia, é o sentimento comum do desejo pela casa própria, acessada

da maneira que for viável. Em São Paulo o autor destaca os processos de

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autoconstrução da casa: “ a mercadoria habitação, feita pelo tortuoso e sacrificante

processo autoconstrutivo, é o único bem material cujo preço aumenta ao mesmo

tempo em que é consumido”, essa alternativa é para milhares de famílias, por vezes,

a única possibilidade de se realizar um investimento. Por mais precárias que sejam,

com o tempo há esperança de melhorar as suas condições de habitabilidade

(KOWARICK, 2009, p. 87). E a subjetividade que opera neste sonho objetivo, tem

reflexos sociais e políticos acentuados e marcas profundas na formação da visão de

mundo, “ onde opera a lei da selva urbana: o que pode ser designado de

“estigmatização do status de cidadão enquanto morador urbano” (KOWARICK, 2009,

p. 93). Essa idéia confluí (conflui), com a discussão de Marshall sobre a cidadania

ser um status.

O cidadão privado é este que com seu mérito conseguiu a vitória objetiva e

simbólica de obter uma moradia. Mas, segundo Kowarick (2009), essa ideia de uma

conquista privada contradiz com a essência clássica de cidadania que fala sobre “o

direito a ter direitos: cidadania faz apelo a coisa pública”.

Por consequência de uma grande violência urbana, o espaço público e

coletivo se torna num espaço ruim, e a moradia, o lugar privado, como o lugar da

segurança (KOWARICK, 2009, p.94). Assim o cidadão privado é formada (formado)

a partir de valores impregnados pela moralidade: que caracteriza a ética como do

mundo da casa (campo particular), porque no espaço público “somos rigorosamente

‘subcidadãos’” (KOWARICK, 2009, p. 114).

Ao analisar a questão da cidadania pós redemocratização é notável que o

autor compartilha da mesma interpretação de Carvalho, sobre a insatisfação com a

coisa pública surgiu junto com a chegada de um presidente eleito na presidência da

república, “o que se constata é uma sociedade que avança nos direitos políticos enquanto a cidadania nas suas dimensões civis ­ em particular, a igualdade perante a lei­ e sociais ­ acesso a educação, proteção à saúde, aposentadoria, condições de trabalho, etc.­ continua extremante precária para a grande maioria da população pobre” ( KOWARICK, 2009, p. 108).

Outro ponto comum entre Kowarik (2009) e Carvalho (2013) é que a

urbanização “reflete não apenas um grave processo da decadência urbana. Elas também expressão (expressam) a crescente incapacidade do Estado para tornar efetiva suas próprias regulações ( O’DONNEL. 1993, p.129 apud KOWARICK, 2009,

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p.129), e neste contexto urbano periférico, “ quem define, na prática, a cidadania, é a polícia” (KOWARICK, 2009, p. 110), e Kowarick cita e concorda também com a idéia de Carvalho (2013) de cidadão de primeira e terceira classe, que aferem esse “titulo” por suas condições objetivas e simbólicas,

“em face da estreiteza de canais institucionais para a manutenção e conquista dos direitos sociais, em face da inexistência de proteção quanto aos direitos civis mais elementares e em consequência da incivilidade que marca as relações sociais nos espaços públicos, onde prevalece arrogância e privilégio, muitos se refugiam na sociabilidade primaria (primária) da família, amigos parentes ou conterrâneos: estruturada em torno da casa e da vizinhança, desses pedaços reconhecidos com solidários, de proteção e ajuda mútua, muitos organizam formas defensivas para enfrentar as múltiplas violências que marcam o dia a dia na metrópole e elaboram projetos para usufruir oportunidades.” (KOWARICK, 2009, p. 115).

Diante desta singela revisão bibliográfica, podemos concluir que, nem para

Marshall, nem para Carvalho, autores que tomamos aqui como referencias

(referências) clássicas sobre o tema, moradia não é entendida como um direito

social. Moradia não é entendida como constitutiva da noção de Cidadania.

Entretanto, Kowarick (2009), ao explicar as relações simbólicas que configuram o

lugar da moradia, e as consequências disso na formação de um tipo de cidadão, à

moradia passa a ser um elemento fortemente constitutivo, no que propomos chamar

aqui, cidadania real. De uma cidadania formal, surge uma cidadania real, que podem

ou não, serem iguais. E é isto que verificaremos no caso da Comunidade Vila Nova,

como uma política pública, que quer garantir o direito social à moradia, realiza a

cidadania.

A seguir a análise sobre as Políticas Públicas que tratam de moradia, a saber,

Política de Habitação de Interesse Social ­HIS.

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4 O FIO CONDUTOR AO PÓLO CONCRETO: A QUESTÃO DA MORADIA.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 é um marco histórico

para as nações que a subscrevem, pois escrita após a Segunda Guerra Mundial traz

parâmetro comum para estes povos sobre a dignidade da pessoa humana,

violentada em períodos de guerra. Desde então tornou­se uma referência para as

questões sociais.

No Artigo XXV a questão da habitação é referenciada:

1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, [grifos nossos] cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.

A partir desta referência a questão da moradia passa a ser tratada como um

direito universal, “aceito e aplicável em todas as partes do mundo como um dos

direitos fundamentais para a vida das pessoas” (disponível em:

www.direitoamoradia.org.br acessado em março 2014). Para acompanhar esta

pauta, foi criada pela ONU nos anos 2000 a Relatoria Especial para o Direito à

Moradia Adequada ­ REDM­ONU, que tem como função: “examinar, monitorar,

aconselhar e relatar a situação do direito à moradia no mundo, promover assistência

a governos e a cooperação para garantir melhores condições de moradia e estimular

o diálogo com os outros órgãos da ONU e organizações internacionais com o

mesmo fim.” (disponível em: www.direitoamoradia.org.br acessado em março 2014)

A REDM­ONU, revela este entendimento, presente na política pública de

H.I.S do Brasil, que moradia vai além de um teto e quatro paredes, mas sim:

“Segurança da posse: Todas as pessoas têm o direito de morar sem o medo de sofrer remoção, ameaças indevidas ou inesperadas. As formas de se garantir essa segurança da posse são diversas e variam de acordo com o sistema jurídico e a cultura de cada país, região, cidade ou povo; Disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos

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públicos: A moradia deve ser conectada às redes de água, saneamento básico, gás e energia elétrica; em suas proximidades deve haver escolas, creches, postos de saúde, áreas de esporte e lazer e devem estar disponíveis serviços de transporte público, limpeza, coleta de lixo, entre outros. Custo acessível: O custo para a aquisição ou aluguel da moradia deve ser acessível, de modo que não comprometa o orçamento familiar e permita também o atendimento de outros direitos humanos, como o direito à alimentação, ao lazer etc. Da mesma forma, gastos com a manutenção da casa, como as despesas com luz, água e gás, também não podem ser muito onerosos. Habitabilidade: A moradia adequada tem que apresentar boas condições de proteção contra frio, calor, chuva, vento, umidade e, também, contra ameaças de incêndio, desmoronamento, inundação e qualquer outro fator que ponha em risco a saúde e a vida das pessoas. Além disso, o tamanho da moradia e a quantidade de cômodos (quartos e banheiros, principalmente) devem ser condizentes com o número de moradores. Espaços adequados para lavar roupas, armazenar e cozinhar alimentos também são importantes. Não discriminação e priorização de grupos vulneráveis: A moradia adequada deve ser acessível a grupos vulneráveis da sociedade, como idosos, mulheres, crianças, pessoas com deficiência, pessoas com HIV, vítimas de desastres naturais etc. As leis e políticas habitacionais devem priorizar o atendimento a esses grupos e levar em consideração suas necessidades especiais. Além disso, para realizar o direito à moradia adequada é fundamental que o direito a não discriminação seja garantido e respeitado. Localização adequada: Para ser adequada, a moradia deve estar em local que ofereça oportunidades de desenvolvimento econômico, cultural e social. Ou seja, nas proximidades do local da moradia deve haver oferta de empregos e fontes de renda, meios de sobrevivência, rede de transporte público, supermercados, farmácias, correios, e outras fontes de abastecimento básicas. A localização da moradia também deve permitir o acesso a bens ambientais, como terra e água, e a um meio ambiente equilibrado. Adequação cultural: A forma de construir a moradia e os materiais utilizados na construção devem expressar tanto a identidade quanto a diversidade cultural dos moradores e moradoras. Reformas e modernizações devem também respeitar as dimensões culturais da habitação.” (disponível em: www.direitoamoradia.org.br acessado em março 2014)

Assim, a partir desde (deste) destrinchar conceitual do o (o artigo “o” está

repetido, sendo necessário suprimir) direito social a (à) moradia, pode­se mos ver

sua complexidade e centralidade em relação a outros direitos da Cidadania,

confirmando assim a hipótese inicial deste trabalho, que diz que o Direito a moradia

traz consigo uma série de outros direitos. Sendo então justo estudar a sua

aplicabilidade para compreender o fenômeno da Cidadania.

Na Constituição Federal do Brasil, de 1988, popularmente referenciada como

uma “constituição Cidadã”, a questão da moradia surge no Cap. II que trata dos

Direitos Sociais: Art. 6º “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o

trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

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maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta

Constituição.”

A partir destes parâmetros jurídicos, políticas públicas para tratar a questão

da moradia enquanto um direito social, não uma questão de exclusivamente

mercadológica (ou seja, só acessa quem tem condições de comprar o que o

mercado imobiliário determina) foram criadas a partir de década de 40.

Bonduki (1994) faz um histórico destas políticas no artigo “ A origens da

Habitação Social no Brasil”, nele o autor destaca os seguintes marcos históricos:

1930 ­ O Estado começa a perceber a demanda da questão da moradia diante do processo de urbanização que o Brasil vivia;

1942: Lei do Inquilinato ­ a questão da moradia chega ao limite e o Estado tem que interferir, esta lei é um marco desta situação em São Paulo;

1950 ­ Surgem os primeiros financiamentos para H.I.S mas que atenderam às classes médias e altas, e a falta de políticas habitacionais para as classes baixas resultou no surgimento das periferias nos centros urbanos;

1961 ­ Plano de financiamento habitacional: é criada uma regulamentação para os financiamentos;

1964 ­ O Estado assume o problema da moradia ( uma medida de apela (apelo) as (às) massas dem (em) plena ditadura militar), e é criado o Banco Nacional da Habitação ( BNH) e o Sistema de Financiamento da Habitação com a grande inovação do uso do FGTS para o financiamento de moradia. Estas medidas tem como meta produzir habitação em e para a massa, unificar as instituições que lidam com habitação, a exemplo em Curitiba é criada a Companhia de Habitação ­ COHAB­ CT;

1986 ­ O SFH é restruturado: acabasse (acaba­se) com o BNH e a Caixa Econômica Federal é o novo agente ( até os dias de hoje) operador dos sistemas de financiamento de habitação;

2002 ­ Depois de uma década de estagnação de políticas federais para a área, é implantado o projeto Moradia ( que já existia na cidade de São Paulo);

2003 ­ Criação do Ministério das Cidades entre muitos desafios, instituir uma política habitacional de longo prazo, que tenha continuidade e seja sustentável e subordinar os financiamentos às diretrizes da política de desenvolvimento urbano buscando evitar os erros do passado ( CEF, 2014 p 29);

2005 ­ Lei 11.124/2005 institui o Sistema e Fundo Nacional de H.I.S;

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2007 ­ Programa de Aceleração do Crescimento ( PAC);

2009 ­ É lançado o programa do PAC Minha Casa Minha Vida.

A comunidade Vila Nova, objeto deste estudo foi atendida por este

programa, por tanto (portanto), cabe uma explicação mais detalhada: O Programa

Minha Casa Minha Vida ­ MCMV é um “conjunto de medidas do Governo Federal,

lançado em abril 2009, com objetivo de reduzir o déficit habitacional do país,

viabilizando o acesso à casa própria, aumentando o investimento na construção civil

e fomentando a geração de emprego e renda.” ( BRASIL, 2014 )

Ele constrói empreendimentos habitacionais com recursos do FAR ­ Fundo

de Arrendamento Residencial, em áreas urbanas, para o público que se encontra em

até 3 faixas salariais:

TABELA 01: LINHAS DE FINANCIAMENTO DO MCMV

Faixa Renda Instrumento Fonte

1 0 a 3 Salários mínimos ( SM)

Subsídio quase integral + retorno do beneficiário

Orçamento Geral da União ( OGU)

2 3 a 6 SM Subsídio +financiamento OGU+ FGTS

3 6 a 10 SM Financiamento FGTS Fonte: Caixa Econômica Federal. 2014. Elaboração: autora.

A comunidade Vila Nova foi atendida pelo MCMV faixa 1, que financia a

primeira residência própria para famílias com renda de 0 a 3 salários mínimos. Ele

atua nas regiões metropolitanas, capitais estaduais, municípios com mais de 50 mil

habitantes, e Distrito Federal. O valor da prestação do financiamento do imóvel é de

5% da renda familiar, com o valor mínimo de R$ 25,00 mensais. As casas tem em

média 36 m², e a destinação do imóvel exclusivamente ao uso residencial do

beneficiário e de sua família.

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O programa tem suas regras e condições definidas pelo ministério das

Cidades, a Caixa Econômica Federal como agente operador do recurso do Fundo de

Arrecadamento Social (FAR), e a execução em Curitiba, fica sob a responsabilidade

da COHAB, que faz indicação e seleção dos beneficiários, e a Elaboração e

Execução do Trabalho Técnico Social (obrigatórios para aderir ao programa). Já a

construção das habitações fica a cargo de construtoras privadas, sendo que o valor

máximo de cada unidade é de 35 mil reais. .

Os parâmetros dos empreendimentos do MCMV são quase os mesmo

(mesmos) do Plano Nacional de HIS e da Relatoria da ONU, se diferem na

quantidade inferior de critérios de infraestrutura urbana. Os projetos devem

contemplar: vias de acesso e de circulação pavimentadas; drenagem pluvial;

calçadas acessíveis; guias e sarjetas; rede de energia elétrica e iluminação pública;

rede para abastecimento de água potável; soluções para o esgotamento sanitário;

coleta de lixo. E os parâmetros para a localização dos projetos são: estar inseridos

na malha urbana ou em zona de expansão contígua à malha; com acesso aos

serviços sociais básicos, próximo a zonas de comércio, com acesso a transporte

público.

Para nos aproximarmos mais da realidade da política de HIS que atendeu o

que chamamos de polo concreto (comunidade Vila Nova), passaremos a descrever a

condução institucional dessa política nacional na cidade de Curitiba.

4.1 A POLÍTICA DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL EM CURITIBA

A Política de HIS é o fio condutor que liga os direitos da Cidadania à realidade

vivida, pela então, comunidade Vila Nova. E para compreendermos melhor esse

caminho, se faz necessário analisar mesmo que brevemente esta política em nível

local.

Conforme Oliveira ( 2000),Curitiba foi internacionalmente conhecida como a

cidade modelo em planejamento urbano tem seu primeiro plano diretor datado em

1966, no mesmo período em que criou uma instituição para cuidar planejamento,

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execução e a comercialização de unidades habitacionais para famílias de baixa

renda, a COHAB­CT . Isso se deu por um contexto nacional da política do SFH, e

por uma pressão local com a emergência das ocupações irregulares na chamado

coroamento periférico ( MADIANITA, 2013) da cidade. Esse modelo de periferização

se consolidou na década de 80 (PLHIS, Curitiba, 2008). No ano 2000 Curitiba

aprovou sua legislação de zoneamento, uso e ocupação do solo, normatizando a

relação do Poder Público com o mercado, especialmente por regulamentar áreas

para HIS. Outro marco jurídico importante em questões de planejamento, para a

capital paranaense, é a aprovação do seu Estatuto da Cidade de Curitiba, em 2004.

O Plano Diretor de Curitiba esta (está) durante o presente ano (2014) em

revisão, sendo assim, o plano em vigor durante a realização desta pesquisa é o

Plano Diretor de 2008, feito pelo IPPUC. Dentro dele existe um Plano Setorial de

Habitação e Habitação de Interesse Social, ao lado de planos específicos para as

seguintes áreas: de Ambiental, mobilidade urbana e transporte integrado,

desenvolvimento econômico, segurança e defesa social, desenvolvimento social, e

um plano de iluminação. O fato sociologicamente interessante é existir um plano

especifico para a HIS junto com o plano de Habitação. É interessante pois mostra a

relação tensa que apontamos no primeiro capítulo deste trabalho, dentro de uma

mesma política há uma disputa entre um projeto que vise a acumulação do capital a

partir do mercado imobiliário e, a equidade, a partir da regulamentação da política de

HIS.

Agora, o fato do Plano Diretor de Curitiba ter um plano específico para a

HIS, não é uma grande novidade, visto que, para acessar recursos federais de

programas habitacionais, este plano é um pré­requisito. Mas é interessante pois

evidencia a necessidade que vimos deste (desde) a Declaração Universal dos

Direitos Humanos, de pensar a moradia para além de um sentido de propriedade, de

uma aquisição de um investimento, mas sim, de um direito humano necessário para

se viver na cidade.

No Plano setorial de HIS (PLHIS) de Curitiba, a problemática da moradia é

diagnosticada já na sua dimensão regionalizada, que extrapola os limites da cidade

e tem que ser compreendida junto com a Região Metropolitana (IPUCC, p.12), visto

que a RMC foi umas das que mais cresceu no Brasil durante a década de 70

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(IPPUC, p16). Os dados cedidos pela COHAB apontam que o déficit habitacional

sobre o total de domicílios em Curitiba e RM foi de 8,1%, passando para 5,6% em

2008, 6,8% em 2009, em 2011, ano da ocupação do terreno pela comunidade Vila

Nova o índice era de 5,5% de déficit.

GRÁFICO 1 NOVAS OCUPAÇÕES IRREGULARES EM CURITIBA

.

Fonte: IPPUC

As diretrizes do PLHIS de Curitiba trabalham com mesmas categorias de

infraestrutura urbana que se desenham deste a REDM ­ ONU, a partir dO

pressuposto central de que moradia deve ter condições de habitabilidade ( IPPUC,

2000, p. 38). Devem ter esgoto sanitário, coleta de lixo, transporte, equipamentos e

serviços públicos (armazém da família, mercadão popular, liceu de oficio, centro de

referencia (referência) em assistência social), pavimentação, educação, saúde e

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equipamentos de lazer. É neste cenário que a ocupação Vila Nova esta (está)

inserida, e foi atendida pelo Estado.

Este desenho da questão da moradia desde os órgãos internacionais, até a

análise de Curitiba, somada a discussão teórica que fizemos na introdução, sobre

PP e no capítulo I, sobre o estado da arte da discussão sobre Cidadania, nos

permitiu responder a três hipóteses iniciais deste trabalho:

A tensão da cidadania que tínhamos como primeira hipótese desta pesquisa

se confirmou. No caso aqui estudado, observou­se como o direito a propriedade e o

direito social a moradia se chocaram. Esta relação também responde e confirma a

quarta hipótese da pesquisa: a que relaciona a questão da equidade e da

acumulação, presente nas políticas públicas, com os Direitos Civis e Direitos Sociais

da cidadania. A hipótese era que essa relação é tensa, pois colocadas em limite,

disputam pela questão da moradia ser uma questão de direito humano ou uma

mercadoria. Foi esta a situação que constituiu a comunidade Vila Nova, quando

decidiram ocupar o terreno, até quando tem que ser realocados.

Sobre a realidade vivida por eles, abordaremos no capítulo seguinte.

5 O PÓLO CONCRETO: A COMUNIDADE VILA NOVA

Neste capítulo testaremos a hipótese empírica sobre qual a noção de

cidadania é sentida e expressa pela comunidade Vila Nova e se este este (termo

repetido) conceito é heteregoneo (heterogêneo) ao conceito que os assessores do

movimento popular AP expressão (expressam). Esta pesquisa de campo é

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importante para colocar a discussão teória (teórica) em seque (xeque), pois aqui

buscaremos entender como a cidadania opera da realidade vivida.

Para isso utilizamos de análise de documentos institucionais (cadastro

sócioeconomico da COHAB­CT), das notas do diário de campo e de entrevista

semi­estruturada. Explicaremos como estas metodologias foram utilizadas a (à)

medida que se façam presente (presentes) no decorrer do texto.

A comunidade escolhida foi a comunidade auto intitulada Vila Nova.

Recuperou­se aqui a história desta comunidade a partir do momento em que sua

relação com o Estado se intesificou (intensificou), quando o seu direito a (à)

moradia estava em tensão com o direito a (à) propriedade. Justificando assim a

escolha desta comunidade para estudar esta problemática.

Esse histórico é feito a partir dos registros de campo, e dos documentos

sistematizados pela Assembléia Popular ­ AP, sociedade civil organizada em

movimento social, que assessora movimentos populares que lutam por moradia em

Curitiba e Região. Visto que teve­se (que se teve) dificuldades tanto da parte da

autora quando da parte da comunidade, em agendar entrevista com todos os

membros da comunidade,para investigar suas percepções sobre cidadania, a

escolha de uma amostragem para ser entrevistada foi necessária, mas sobre isto

explicar­se à (explicar­se­á) melhor no decorrer deste capítulo.

A AP é um movimento social da sociedade civil, que se organiza

nacionalmente e em alguns estados do país desde 2002, composta por uma

“articulação de forças sociais que promovem lutas e campanhas, construindo um

projeto popular para o Brasil” (ASSEMBLÉIA POPULAR, 2010, p.5). Este projeto

político aspira “um país politicamente democrático, economicamente justo,

socialmente equitativo e solidário, culturalmente plural, ambientalmente sustentável”

( ASSEMBLÉIA POPULAR, 2010, p. 6).

Outra questão estratégica para a AP é autonomia política, por isso ela luta

pelo resgate de mecanismos já existentes (plebiscitos, referendos), e criação de

novos mecanismos de participação e poder popular.

Em Curitiba sua atuação esta (está) no campo das lutas do movimento de

trabalhadores de materiais recicláveis e no campo da luta por moradia. O

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agrupamento conta com a participação direta de 15 militantes, e tem uma rede de

entidades apoiadores (apoiadoras ou de apoio) em seu entorno.

A comunidade Vila Nova reunia 22 famílias em uma área particular no final

da Avenida Francisco Derosso, no Bairro Boqueirão, Curitiba ­ PR. A área de

60X40m, que reunia quatro terrenos, metade da área é caracterizada por Área de

Preservação Permanente ­ APP, e a outra metade passiva (passível) de edificação.

A área estava abandonada quando foi ocupada em Junho de 2010.

As famílias que ocuparam o terreno eram de uma vizinhança comum, nas

redondezas do próprio terreno. Em seus relatos durante a entrevista, todos

declararam sofrer do mesmo mal: não conseguir manter o aluguel. Alguns

encontravam­se com o aluguel atrasado, mas mesmo sendo aluguel de contrato

informal, corriam o risco de despejo, “de ser mandado embora”. As casas que

alugavam eram construções, segundo eles, simples e pequenas, e quando

contavam isso, afirmavam “luxo” para viver, apenas queriam um lugar para morar

com estrutura adequada e acesso aos serviços públicos.

Até que uma das vizinhas, sugere ocupar o “terreno abandonado” do bairro.

Um dos entrevistados, disse que “alguém da prefeitura” andou pela vizinhança

dizendo que poderiam ocupar o terreno, e orientou que o fizessem em uma

sexta­feira de madrugada, para que a polícia soubesse do caso apenas na

segunda­feira, e como já teriam se passado 24hrs da ocupação não poderiam ser

expulsos do lugar, somente com interverção (intervenção) da justiça. Alguns

tiveram coragem e ocuparam, outros esperaram algumas semanas para ocupar. Lá

foram erguidas casas bastante simples, pois não sabiam quanto tempo poderiam

ficar ali.

No início de 2011 o proprietário da área aciona a justiça para a reintegração

de posse, a comunidade logo contrata uma advogada particular para defende­los,

que abre o processo na 8ª Vara Civil de Curitiba, e consegue assim segurar o

despejo para buscar uma outra solução. Mas neste ano a negociação seguiu muito

lenta.

Entre final de 2011 e início de 2012 um funcionário do Ministério Público

informa a uma integrante da AP sobre o caso da comunidade Vila Nova, faz isto por

conhecer a trajetória da AP em casos anteriores que também passaram por este

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órgão. A AP estabelece contato e vínculo com a comunidade, mas sempre

respeitando tanto o tempo de auto­organização da comunidade, como as ações da

advogada, significando avanços na proposta, mas sem haver concretização em

termos de ganhos efetivos. No inicio do ano de 2013 uma nova ordem de despejo foi

acionada, mas a AP caso até o Assessor de Assuntos Fundiários do Governo do

Estado do Paraná, que concorda em segurar o despejo enquanto a comunidade

busca uma solução.

Além desta assessoria, também acionam a Terra de Direitos solicitando 3

assessoria jurídica à advogada que a comunidade já havia contratado, que segundo

os relatos tanto dos militantes da AP quando dos membros da comunidade, teve

muita dificuldade para encaminhar o processo. Mobiliza também outros órgãos que

poderiam se envolver com o caso, a saber: Companhia de Habitação Popular ­

COHAB, Secretaria de Habitação do Estado do Paraná, Secretaria de Assuntos

Fundiários do Estado do Paraná, parlamentares presidentes da Comissão de

Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado e da Câmara Municipal, e

busca estabelecer contato também com o proprietário.

Neste ano há um pequeno movimento de famílias no terreno, com a saída

de umas e chegada de outras, mas que logo se fixaram para poder entrar em

negociação com um grupo coeso, alguns membros da comunidade são orientados

pela COHAB­CT e AP a realizarem um cadastro interno das famílias, para garantir

quais seriam de fato as famílias que estavam na luta pela moradia.

A partir da mobilização da AP, várias reuniões acontecem com os órgãos

acima citados e, mesmo com a presença e pressão da Polícia Militar nas reuniões

para que o mandato (mandado) de despejo fosse cumprido, é dado o início às

negociações.

Então é feita a primeira proposta de negociação pela AP e comunidade para

a COHAB­CT, que esta ou a prefeitura, compre o terreno em questão, depois disso

projetos de habitação de interesse social seriam estudados para aquele terreno.

Este encaminhamento foi aprovado pelos envolvidos e no início de 2013 a

COHAB­CT iria visitar o terreno para iniciar o estudo do valor do mesmo.

3 A Terra de Direitos é uma Organização sem fins lucrativos, que, atua na defesa e promoção dos direitos humanos, principalmente dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.

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No início de 2013 a assessoria técnica da COHAB­CT , avaliou o terreno em

R$36.400,00 pelo primeiro lote do terreno, e, R$54.550,00 pela segundo lote do

terreno. Um critério utilizado na avaliação e que pesou no resultado dela, é o fato do

terreno ser Área de Preservação Permanente, não possível de receber edificações.

Ou seja, por mais que a prefeitura, ou os próprios ocupantes comprassem o terreno,

as construções não seriam legalizadas. Outro empecilho que surgiu que avaliando o

mapa da região, apontou­se o plano da prefeitura em construir uma rua que utilizaria

parte do terreno que é passível de edificação. Ou seja, não seria interessante nem

para a comunidade nem para a prefeitura a aquisição do mesmo. O proprietário

também perde o interesse na negociação de compra e venda, pois o valor avaliado

pela CAI deprecia em 60% o valor que ele solicita pelos terrenos, R$ 300.000,00.

Sem acordo, a comunidade e AP trabalham no ano de 2013 com quatro

estratégias: uma articulação com o Conselho da Cidades ­CONCIDADES, uma

articulação com o Movimento Nacional de Luta pela Moradia ­ MNLM, que em

Curitiba tem trabalhado em busca da efetivação do programa Minha Casa Minha

Vida Entidades, programa onde as entidades disputam um recurso para o projeto e

construção de moradias populares, e a terceira estratégia é a aquisição de moradia

pelo Minha Casa Minha Vida, e a quarta em que a prefeitura e o proprietário

tocariam terrenos.

Logo após a proposta de compra e venda do terreno, o proprietário entra

com uma nova reintegração de posse, e oferta o terreno as (às) famílias por R$

20.000,00, para cada família. Totalmente inviável diante da condição econômica de

cada família, e , tanto a comunidade quanto a AP entendem esta oferta como uma

tentativa de o proprietário se livrar do terreno, visto que não conseguiria especular o

terreno como desejava, por ser uma APP. Mas a articulação política da AP com os

órgãos responsáveis consegue mais uma vez suspender a ordem e seguir com as

negociações.

Em outra mesa de negociação foi indicado buscar com a Procuradoria do

Estado uma dação ( trocar o terreno por algo que não seja dinheiro) do terreno, o

que não deu certo. Também foi proposto de transferir as famílias para outro terreno

que a prefeitura poderia ter, mesmo que provisoriamente,no máximo durante 1,5

ano, até a COHAB­CT achar uma solução ao caso mas a comunidade não aceitou

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esta proposta, por avaliar que era uma alternativa insegura tanto quanto permanecer

ocupando o lote.

Neste período a comunidade consegue se organizar para fazer seus

cadastros na COHAB­CT a fim de ter a documentação necessária para buscar

algum financiamento pelo MCMV. A AP, também orienta a comunidade sobre ao que

deveria esperar e cobrar da advogada que contrataram, pois a mesma aparentava

sempre muito atrasada e até desorientada com o processo como um todo.

Durante todo o ano houve indas (idas) e vindas com o mandato (mandado)

de reintegração de posse, e segundo o relato dos moradores da comunidade, muitas

“ visitas” da polícia ao terreno para avaliar, quais famílias poderiam permanecer,

quais não poderiam, por conta das delimitações da APP, na última dessas visitas, as

casas que não permaneceriam foram marcadas com um sinal pintado na porta,

mostrando que deveriam ser derrubadas.

Com o MNLM, foi estudada a proposta do MCMV Entidades, uma linha de

financiamento do programa que destina o recurso para a organização comunitária,

burocraticamente organizada, e a comunidade em parceria com CEF, pensa o

projeto e é responsável pela construção das moradias, mas visto que precisariam do

terreno para acessar ao recurso, e a comunidade e o proprietário não entraram em

acordo sobre o a compra do terreno, esta alternativa foi descartada.

A advogada da comunidade informa­se na Caixa Econômica Federal (CEF)

para estudar as possibilidades de financiamento para a aquisição de moradias por

eles. A alternativa que a CEF sugeriu, é a que a AP já propunha, a aquisição de um

imóvel pelo programa MCMV, faixa 1, que atende a famílias com renda de 0 a 3

salários mínimos ( algumas informações sobre o programa e considerações sobre

impacto em Curitiba podem ser consultados no capítulo três deste trabalho).

Após diversas reuniões entre os órgãos envolvidos, foi disponibilizado para a

comunidade Vila Nova um empreendimento imobiliário, o Parque Iguaçu III,

localizado no Sítio Cercado, como destacado pelos técnicos da COHAB­CT e CEF

com a qualidade de ter “ acesso à ônibus” (Notas, diário de campo ). Através de

sorteio as casas seriam distribuídas para as famílias da comunidade, e a sua

mudança para o conjunto habitacional Parque Iguaçu III teria que ser feita por todas

as famílias de uma só vez. Caso aceitassem, a COHAB­CT também disponibilizaria

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os caminhões para levar a mudança e contrataria o serviço de demolição das

moradias que construíram na área ocupada.

Na metade do ano de 2013, enquanto a comunidade e a AP buscavam

alternativas, havia um outro mandato (mandado) de reintegração de posse em vigor,

e a pressão do Major Carvalho da Polícia Militar do Estado começou a se posicionar

nas reuniões de negociação para que logo fosse dada uma providência para a

situação, mas o Juíz (juiz) definiu segurar o mandato (mandado) até que houvesse

acordo entre as partes, para então executar a ordem judicial.

O despejo estava marcado para novembro. Mas houve acordo com a ida da

comunidade para o empreendimento Nova Iguaçu III, solicitando apenas que todos

se mantivessem próximos a fim de manter os laços de amizade e por segurança,

visto que o empreendimento tem 5 mil unidades habitacionais, entre prédios e casas.

Entretanto os membros da comunidade Vila Nova são surpreendidos com

uma ligação da COABH­CT, avisando as famílias que suas casas teriam sido

“invadidas por sem­teto” e que eles deveriam ir até lá para resolver a situação.

Alguns deles vão até o conjunto habitacional e acabam conflitando com esses que

haviam de fato ocupado as casas (por estarem na mesa situação de luta por

moradia), mas depois de um diálogo houve uma identificação entre os grupos, e os

membros da comunidade Vila Nova passaram os contatos das entidades que tinham

recebido apoio (AP, MP) para estes ocupantes, que foram atendidos e realocados no

mesmo empreendimento.

Devido a este acontecimento, a mudança foi organizada e realizada no inicio

de dezembro de 2013, a comunidade Vila Nova de fato foi para o empreendimento

Parque Iguaçu III. A mudança foi feita com acompanhamento da Polícia Militar e de

técnicos sociais da COHAB­CT. Assim que os pertences eram retirados das casas e

carregados para os caminhões, as mesmas já eram demolidas.

O empreendimento Parque Iguaçu III tem 342 casas, e esta (está) na

mesma grande área de outros dois empreendimentos de HIS, o Parque Iguaçu I e II

(prédios), totalizando juntos quase duas mil moradias. Esta (Está) localizado no

bairro Ganchinho, a 22km do centro de Curitiba, no limite sul da cidade, próximo a

(à) BR 376 e ao Rio Iguaçu, conforme mapa( contornada em branco):

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MAPA I –LOCALIZAÇÃO DO CONJUTNO RESIDENCIAL PARQUE IGUAÇU III

Fonte: Google Maps

As casas tem 36m², e o posto de saúde e escola mais próximos estão a 5km.

A rota de ônibus que atende a região não entrava na comunidade, até que a mesma

conquistou isso junto a (à) URBS. As famílias foram realocadas em ruas e quadras

diferentes, mas relativamente próximas ao tamanho da área. A comunidade também

se organizou e conseguiu junto a (à) prefeitura ônibus escolar para as crianças irem

até a escola, mas o ônibus não comporta o número de estudantes, fazendo o (com

que os pais...) que os pais revezem entre sí (si) a tarefa de acompanhar as crianças

no trajeto feito de ônibus convencional ou a pé até a escola. Esta condição fere os

princípios de habitabilidade, ou seja, princípios básicos de infraestrutura, saúde,

educação, transportes, trabalho, lazer etc que inclusive está colocado no PMHIS de

Curitiba.

Ao questionar os membros da comunidade sobre qual o local era

melhor para se morar, a resposta foi unânime em que no Vila Nova as condições de

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acesso a (à) infraestrutura urbana eram melhores. É como se pode observar nas

falas dos moradores:

“A situação que a gente tava ali era ruim, aqui ta melhor. Mas eu falo o lugar entende . … Entendeu? O lugar onde a gente morava (era melhor).” ( Cleusa, membro da comunidade, entrevista)

Entretanto, esta afirmação era acompanhada de um “más”, que apesar da

falta de infraestrutura, agora eles eram proprietários:

“Claro...aqui a gente sabe se precisar de um comprovante de residência…” (Dona Odete, membro da comunidade, entrevista).

“Deu mais animo assim, trabalhar seguir em frente, que a gente sabe que ta pagando um negocio que é da gente. Nos não se recusava de pagar nada, podia ate ser 300,400 reais por mes, mas desde que fosse nosso.” ( Eduardo, membro da comunidade, entrevista)

“Voce pode dormir e saber que é teu ( Odete,membro da comunidade, entrevista).

“Só os acesso que é dificil aqui.” (Eloisa, membro da comunidade, entrevista).

“E outra a gente não tem nem que escolher né? ..Não é verdade..eu acho , o povo que exigir demais as coisas. Não é verdade, eu acho que ele quer exigir demais. Pq eu acho assim, jamais na vida você ia conseguir comprar um sobrado por 40 reais. por mes. … eu acho… o povo briga demais, reclama por qualquer coisa ...eu acho… Tava morando no beco da favela vai conseguir comprar um sobrado por 40 reais por mes. E tem gente que paga 25 reais…” ( Sandra, membro da comunidade, entrevistada.)

Nota­se que a avaliação feita da nova moradia é ambígua, pois ao mesmo

tempo em que fala positivamente da condição de proprietário, critica negativamente

a condição dessa propriedade.

Conclui­se que as (o artigo “as” está em excesso nesta frase) existem

contradições na política de HIS, pois na prática ela não atinge todos os objetivos que

são determinados a ela desde a REDM­ONU, passando pela política nacional do

MCMV, até todos aqueles critérios verificados no capítulo anterior sobre o PLHIS de

Curitiba, ou seja, a política que diz uma coisa, e na prática faz uma um pouco

diferente. Essas contradição (Essa contradição ou Essascontradições) da política

é sentida pela comunidade quando dá essa essa avaliação ambígua para moradia:

garante­se o direito a (à) moradia, mas não amplamente a moradia digna, pois a

infraestrutura urbana é inacessível.

5.1 PERFIL SÓCIO ECONÔMICO

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Levantar e compreender os dados sócioeconômicos desta comunidade se faz

necessário para ter­se (para se ter) uma visão mais apurada do seu perfil, e com

isto ter dados que ajudem e justifiquem a escolha de quem entrevista (entrevistar)

da comunidade, objetivando apreender a percepção da comunidade sobre

Cidadania.

A Assembléia Popular dispunha de cópias dos cadastros feitos pela

COHAB­CT de 19, das 22 famílias, compunham a comunidade Vila Nova. A partir

destes cadastros, pode­se traçar um panorama geral do perfil sócioeconomico das

famílias. Cabe dizer que, foram mantidas as categorias de renda, escolaridade e

sexo utilizadas pela COHAB­CT, ficando ao nosso trabalho sistematizar os dados,

organizá­los em tabela e gráfico, e interpretá­los.

TABELA 04 ­ RENDA FAMILIAR COMUNIDADE VIDA NOVA

Rendimento

Absoluto

%

Sem renda

1

5,3

Até 1 salário mínimo

6

31,8

De 1 a 2 salários mínimos

11

58,3

Mais que 2 salários mínimos

1

5,3

Total

19

100,0

Fonte: Dados da COHAB­CT, elaboração da tabela a autora.

A homogeneidade dos dados sobre renda não é surpreendente, pois para

terem direito ao subsídio do programa habitacional Minha Casa Minha Vida, faixa de

renda 1, teriam que receber até 2 salários mínimos de renda. A concentração de

38% que recebem até R$ 724, e de 58,3% em até R$ 1480, mostra que 96.3% das

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famílias possuí (possuem) algum tipo de renda. Este número enfrenta o argumento

de que as pessoas que ocupam um terreno por moradia, chamados de “invasores”

são vagabundos, e que se trabalhassem iriam conseguir uma moradia. Segundo os

moradores entrevistados, este argumento contra eles foi proferido desde agentes da

prefeitura com quem iam buscar orientação, policiais e pela mídia que fez matéria

jornalista (jornalística) sobre a ocupação.

A única família que ultrapassou a renda da faixa 1, a ultrapassou em menos

de 5%. Mas como sua renda também esta (está) longe de atingir a faixa 2 do

programa, ela permanece ocupando o terreno Vila Nova e seu caso continua em

discussão na COHAB­CT.

Outro (outra) interpretação que estes dados oferecem é que, por mais que as

famílias possuam algum tipo de renda, ela não é o suficiente para pagar um aluguel.

Quiçá uma prestação de um imóvel próprio. Uma dessas razoes (razões) pode ser

interpretada pelos seguintes dados:

TABELA 05 ­ VÍNCULO TRABALHISTA DOS CHEFES DE FAMÍLIA

Tipo de vínculo N % Autônomo sem previdência

12 63.6

Empregado com vínculo 5 26.5 Não declarado 1 5.3 Aposentado 1 5.3 Total 19 100 Fonte: Dados da COHAB­CT, elaboração da tabela a autora.

A partir destes dados é possível interpretar que a falta de vínculo trabalhista

também é um agravante para a conquista da moradia. Pois, a grande consequência

negativa da falta de vínculo é a instabilidade financeira que não dá condições de

assumir um contrato de aluguel, muito menos de aquisição de moradia. Esta renda

intermitente impede as famílias de assumirem compromissos financeiros e mesmo 4

não permite a comprovação de renda.

Agora sobre os dados referentes a escolaridade, observa­se:

4 Outro agravante é o formato do FGTS, utilizado para aquisição de imóveis, que, só recolhe o fundo de trabalhadores assalariados através de algum vínculo trabalhista.

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TABELA 06 ­ESCOLARIDADE COMUNIDADE VIDA NOVA

Escolaridade N %

Até 4ª série incompleta do ensino fundamental

5

26,3

De 5ª a 8 série incompleta do ensino fundamental

2

10,5

Ensino fundamental completo

5

26,3

Ensino médio incompleto

2

10,5

Ensino médio completo

3

15,8

Sem escolaridade (analfabeto)

1

5,3

Superior incompleto

1

5,3

Total

19

100,0

Fonte: Dados da COHAB­CT, elaboração da tabela a autora.

Dentre os respondentes, 26.3% completou o ensino fundamental, outros

26.3% não chegaram a isso. Alcançaram no ensino médio outros 26.3%, mas destes

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somente 15.8% concluíram esta etapa de ensino. Isto posto, pode­se concluir que a

comunidade tem um perfil de escolaridade relativamente baixo. É que é de comum

saber , traz consequências para a entrada no mercado de trabalho formal, e de fato 5

é o que aconteceu como vimos que 63.3% da comunidade não tem vínculo

trabalhista formalizado.

E por último, para completar o perfil geral da comunidade, cabe dizer qual o

sexo dos responsáveis pela família:

GRÁFICO 2: SEXO CHEFE DE FAMÍLIA

Fonte: Cohab. Elaboração: autora.

A predominância de mulheres como responsáveis pela família , reflete na 6

predominância de mulheres que foram observadas como lideranças locais da

comunidade.

5.2 VOZES DO CONCRETO: AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE

CIDADANIA

Diante da homogeneidade do perfil sócioeconomico da comunidade

estudada, buscou­se amos outro critério para selecionar a amostra entrevistada, pois

5 Diante dos nossos objetivos não foi possível explorar a vasta bibliografia sobre o tema. 6 Idem.

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não teve­se tivemos condições de entrevistar as 22 famílias, pela intermitência do

trabalho de cada responsável, o que foi difícil de conciliar as agendas no prazo

previsto para a pesquisa. Após visitar a comunidade, notou­se um núcleo

permanente de lideranças, que continuaram a se reunir pós­realocação, que

organizaram­se em outras lutas ( rota do ônibus, ônibus escolar). Para confirmar a

liderança deles frente a comunidade, questionou­se quem tinham sido as referencias

(referências) durante o processo (as pessoas com maior engajamento) e eles todos

se referenciaram entre sí (si), referiram mutuamente às pessoas que foram

observadas durante a pesquisa de campo. Este grupo era composto de seis

mulheres e um homem, e todos foram entrevistados.

Foram acompanhados alguns encontros da comunidade e da AP afim (a

fim) de coletar dados iniciais do campo, que fundamentaram a primeira parte deste

capítulo, mas para pesquisar as percepções da comunidade sobre cidadania,

realizou­se quatro momentos específicos com os grupos para (efetivar) realizar

entrevistas, na medida do possível, individualmente (pois duas pessoas só

concordaram em realizar a entrevista se junto com outra pessoa).

O roteiro da entrevista foi semi­estruturada , mas “ a realidade é mais rica e 7

mais matizada do que as hipóteses que elaboramos sobre ela” (QUIVY, 1992), isso

fez que, durante o curso das entrevistas questões fossem ajustadas. Inicialmente foi

testado um questionário fechado, que, para verificar o grau de percepção de

cidadania, conforme categorizada por Marshall (1967) e Carvalho (2013), se mostrou

de difícil entendimento por parte dos entrevistados.

Mas esta proposta não funcionou, pois a situação de terem de responder a

uma pergunta bastante fechada, intimidava­os muito. Assim buscou­se percorrer

esta mesma ideia, mas em uma entrevista aberta, na qual foi problematizada a

relação destes direitos da cidadania, a partir da realidade vivida pela comunidade

durante o processo de ocupação e realocação, e, pela AP diante da sua proposta e

trajetória de militância.

Para tanto Iniciamos a entrevista problematizando o que eles sentiram

durante o processo de ocupação e realocação, depois, perguntamos o que sentiram

7 O roteiro pode ser consultado no Anexo I deste trabalho.

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em relação à cidadania, e por fim o que eles entendiam por cidadania. Nas

entrevistas com os militantes da AP, o roteiro da entrevista foi mais objetivo,

investigando como eles entendem a cidadania.

Para analisar as entrevistas feitas com comunidade e para as lideranças da

AP, partiu­se do entendimento de Gramsci (1975): “O elemento popular “sente”,

mas nem sempre compreende ou sabe, o elemento intelectual sabe, mas nem

sempre compreende e especialmente sente.” (GRAMSCI,1975 p.101). Ou seja,

buscou­se amos nas falas desses indivíduos compreender o que sentem em relação

à cidadania, fazendo o caminho do sentir para o compreender, e do compreender

para o saber.

Em nenhuma entrevista a questão da Cidadania apareceu

espontaneamente. Diferente do que havia sido notado na primeira visita que foi feita

ao campo, para acompanhar uma reunião da comunidade já realocada. Nesta

reunião, eles usaram o termo Cidadania como justificativa para serem atendidos pela

prefeitura “nós somos Cidadão gente, tem que nos atender.”

A análise das entrevistas respondeu a (à) segunda hipótese deste trabalho,

que pressupunha existir uma compreensão heterogênea de noção de cidadania,

entre os assessores do movimento popular e as lideranças da comunidade. Esta

hipótese não se confirmou. Apesar das respostas terem uma construção

argumentativa diferente, falaram sobre um mesmo entendimento. As lideranças da

comunidade disseram:

“simplesmente eles jogaram nóis e esqueceram de nóis. É só isso que tem pra dizer. Simplesmente esqueceram...Cidadania é o povo olhar pra gente com a mesma cara que eles olham pros patrão deles, pra família deles. Não de cara feia: a esse povo é lá do Ganchinho lá, lá daquelas casinha nova, que foram abandonado lá.” ( Eloisa).

“É complicado. Eles deixam a gente perecer e chegar em uma situação crítica” ( Rosana).

“....A gente se sentia excluído da sociedade...” ( Cleusa).

“Nossa, quando o bicho pegava lá, nos no sentia um lixo lá. Sem valor nenhum….” ( você se sentia uma cidadã?) Acho que não, sabia?” (Odete).

“Cidadania é ter dignidade….” ( Eduardo).

As compreensões em relação ao se sentir um cidadão foram no sentido de

uma negação, por parte do Estado da sua condição enquanto pessoa, enquanto

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sujeito. Não diretamente a uma negação do direito da cidadania específico (no caso

o direito a moradia) mas anterior a isso, a um reconhecimento de que seriam sujeitos

portadores de direitos: “Nois que um direito que os outros povo tem e nois nao pode

ter. “ (Eduardo). A noção de cidadania é construída a partir do momento em que

relacionam a sua carência para sobreviver com a ação do Estado, em sua forma de

enfrentar/ resolver este problema. Vão adquirindo a consciência de que o Estado é o

agente de violação da dignidade humana. Isso porque o Estado só age depois de

muita pressão, sendo necessário a mediação de apoiadores externos. Rego e

Piazani (2014) falam dessa satisfação das necessidades básicas como condição

fundamental da cidadania: “Políticas sociais não devem ser comparadas a meros

atos de caridade pública. Elas são antes instrumentos para promover autonomia

individual e criar um senso de comunidade, em uma palavra: elas são instrumentos

de cidadania, pois visam proteger o “status de uma pessoa como membro pleno da

comunidade”(HARRIS. 1987, p.30 apud REGO E PIAZINI. 2014, p.79).

Assim,senãofossesuasituaçãoruim,senãofosseoconfrontodasua

situação com o interesse do proprietário, se não fosse a articulação de agentes

externos,ou seja, dos assessores do movimento popular, o auxiliarem, o Estado não

os reconheceria. Por isso, concluí­se mos que a noção de cidadania para eles, é

reconhecimento social. Do reconhecimento enquanto sujeitos dignos a ter os direitos

da cidadania.

Nesse sentido a perspectiva de Kowarick (2009) apresentada no primeiro

capítulo desta pesquisa, corrobora para compreender o processo de formação da

noção de cidadania para as lideranças da comunidade Vila Nova: de que existe uma

subcidadania geograficamente localizada nas cidades, mais especificamente nas

periferias dos centros urbanos (KOWARICK, 2009, p.43). Esse conceito seria então

psicossomático a partir das condições materiais da vida em condição de ocupante,

que precisou da tutela do Estado para resolver sua situação. A percepção e vivência

de cidadania presente na comunidade esta muito longe da noção acadêmica

discutida por Marshall (1967) e Carvalho (2012), pois ela é composta por um

entendimento objetivo: existência do tripé de direitos civis, políticos e sociais.

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Já a compreensão das lideranças da AP sobre cidadania, partem de uma

argumentação simbólica, dizem elas:

“Acho que é ser sujeito da própria história, se isso pode significar ser cidadão...Então além de ser ver enquanto construtor da própria historia, dono do seu nariz como se fala, se ver enquanto sujeito coletivo... “ (Andrea)

“Então, eu penso sobre Cidadania a aproximação com o poder popular sabe. De ser cidadania o exercício das pessoas de decidir e de acessar as suas escolhas, o seu destino. Portanto, Cidadania e poder popular estão comprometidos, por que não acontecem plenamente, né o acesso aos direitos a informação, o direito a fala.” ( Vanda)

“Eu acredito que Cidadania é a consciência dos direitos, da sociedade em sí do papel que cada um tem na sociedade, não só o fato de ter direito revela a cidadania, mas consciência desses direitos, a consciência do que pode ser exigido do poder publico.” ( Nicoly)

Por serem falas de sujeitos que têm a luta política como principal projeto de

vida, a argumentação da AP é mais elaborada teórica e politicamente do que a da

comunidade. Entretanto, falam dos mesmos elementos: sentir­se parte,

reconhecimentos, e empoderamento. Trazendo assim também o significado da

cidadania como o reconhecimento de que todas as pessoas tem direito à ter os

direitos da cidadania. É uma significação simbólica do conceito, não objetivada em

quais são esses direitos, mas sim, no direito a ter direitos. É pelo aspecto simbólico

que as compreensões dos dois grupos se assemelham.

Avaliou­se amos que estes significados falam muito sobre o que não foi dito

pelos entrevistados: os direitos políticos. Eles não foram ditos espontaneamente, e

quando provocados ao perguntarmos: “você acha que é importante votar, participar

da organização política aqui da sua comunidade?”, as respostas foram apenas uma

concordância: “sim”. Entretanto, o princípio da revolução Francesa, de que todos os

homens são iguais, que, é também o principio (princípio) fundamental dacidadania

discutida por Marshall (1967) esta no fortemente ancorado no espectro dos direitos

políticos. Assim, avaliou­se que os mecanismos de participação política existente

hoje, extramente centralizados na participação por voto em eleições, não tem sito

suficiente para que estes sujeitos sintam que o Estado dê a eles tratamento igual,

como sujeitos reconhecidos com plenos direitos da cidadania.

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A segunda hipótese desta pesquisa também foi respondida a partir das

entrevistas. Ela conjecturava que a noção de cidadania estaria implícita no sentido

que orientou as práticas desses indivíduos na busca de seu direito a HIS. Essa

hipótese se confirmou a partir das seguintes falas:

“Tem que brigar né. Nois não pode ficar esquecido” ( Eduardo).

“A gente até onde é pra chegar, tem que suar muito “ ( Odete)

“Eu acredito que não (foram tratados como cidadãos pelo Estado). O Estado quando olha pra eles enxerga como sujeitos homogênios, não como cidadãos, de direitos, que tão exigindo por que tem esse direito. Mas não, é um bando de chato né que estão encomodando e que são todos iguais, não são cidadãos. Principalmente por que eles não sabem que eles tem esses direitos. E pro Estado, se eles não sabem que tem esses direitos, eles não tem.”

Essas falas nos fazem concluir que há também uma noção de que a

cidadania é construída, conquistada. E esta noção foi a que os motivou a lutar pelo

direito a moradia.

É possível concluir também, que as categorias estabelecidas por Marshall

(1967) e mantidas por Carvalho (2012) para estudar o Brasil, não são suficientes

para explicar o que essa comunidade viveu em relação a sua Cidadania. Por que

não é só uma questão de existirem ou não direitos civis, políticos e sociais que os

atendam, mas sim a relação deles com esses direitos. Entre a formalidade e

burocracia da teoria e das políticas, e a realidade, há um processo de vivência. Nele

o se sentir digno dos direitos, vem antes do próprio direito.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados alcançados neste trabalho permitiram duas reflexão (reflexões)

finais que foi construída ao longo de cada capítulo.

No segundo capítulo é apresentada uma noção geral sobre políticas públicas

e sua relação com a cidadania, nele confirmamos a primeira hipótese de que a

noção de cidadania esta presente nas políticas públicas, e a partir dela vemos a

“tensão da cidadania” que se relaciona com a “tensão interna das políticas públicas”:

trabalhar ao mesmo tempo com equidade e acumulação. Esta análise somada a (à)

análise do quarto capítulo, onde analisou­se a questão da moradia enquanto um

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direito humano e uma política pública, confirmou a quarta hipótese deste trabalho:

sobre a relação conceitual conflituosa (tensão entre equidade e acumulação

relacionada a (à) tensão entre direitos sociais e direitos civis), que refletiu na

realidade vivida pela comunidade aqui estudada. Pois, a autoconstrução das

moradias naquele local chocava­se com o direito civil de propriedade daquela terra.

Mas, tanto comunidade quanto o proprietário estavam revindicando direitos da

cidadania.

No terceiro capítulo tratamos das questões conceituais da discussão

clássica dacidadania, acidadania no Brasil e as relações entrecidadania e moradia.

Este capítulo cumpriu o objetivo de sintetizar o pensamento dos autores que

selecionamos como relevantes no estado da arte sobre o tema. Através disto

concluímos que face a uma cidadania formal, que diz sobre tipos de direitos

historicamente constituídos, que se materializam em programas e políticas públicas,

existe umacidadaniaque é forjada no cotidiano, especialmente em consequência de

uma política pública. Ou seja, existe um caminho vivido entre acidadania formal e a

cidadania real, que analisamos no capítulo cinco.

Analisamos também que quando Estado não garantiu a sua regulamentação

do projeto do MCMV Parque Iguaçu III, revela uma dificuldade do sistema em não

garantir suas próprias regulações, diante de toda complexidade de operar uma

política pública em um sistema federativo. Isto nos remeteu a uma discussão feita

por Santos (2011): a cidadania é uma “promessa da modernidade” (SANTOS. 2011,

p.19), ou seja, que a própria noção de cidadania é, por parte do Estado, quando

materializada nesta política pública, incompleta. Há uma distância entre acidadania

formal das legislações, e a cidadania real, vivida no cotidiano. O Estado ­ em seu

nível local ­ a COHAB­CT ­ conseguiu responder objetivamente a questão da

legalidade moradia. Porém, por não contemplar a totalidade de uma moradia digna,

é uma resposta precária. A cidadania oferecida através desta política pública é uma

cidadania precária.

Assim consideramos que as (o artigo as está em excesso nesta frase)

existem contradições na política de HIS, pois, na prática ela não atinge todos os

objetivos que são determinados a ela desde a REDM­ONU, passando pela política

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nacional do MCMV, até todos aqueles critérios verificados no capítulo quatro sobre o

PLHIS de Curitiba, ou seja, a política que diz uma coisa, e na prática faz uma um

pouco diferente. Garante­se o direito a moradia, mas não amplamente a moradia

digna, pois a infraestrutura urbana é inacessível. Essa incompletude da política é

sentida pela comunidade quando dá uma avaliação ambígua para sua nova

moradia: criticaram negativamente a falta de infraestrutura urbana, mas

demonstraram satisfação em poder financiar uma moradia própria.

E por fim, no quinto capítulo, onde tratamos da realidade prática, não

confirmamos a hipótese de que as compreensões em torno do conceito de cidadania

seriam heterogenias (heterogêneas). Pois, ambas as compreensões, tanto das

lideranças da comunidade Vila Nova, quanto das assessoras do movimento popular,

expressão (expressam) uma noção de cidadania no sentido do reconhecimento

social: cidadania como “direito a ter direitos”. Já a segunda hipótese que seria

respondida a partir do trabalho de campo, se confirmou. Verificou­se que a noção de

cidadania estava implícita no sentido que orientou as práticas de organização,

mobilização, articulação tanto da comunidade quanto da AP, para serem

reconhecidos pelo Estado como sujeitos de direitos, no caso, o direito a legalidade

da moradia.

Diante disto, verifica­se que alcançamos os objetivos propostos para

responder as hipóteses desta pesquisa.

A partir deste percurso metodológico, foi possível produzir duas

considerações finais: a primeira é que existem dois “tempos”: o tempo do movimento

popular ( seus assessores organizados e sua base popular) e o tempo do governo.

Com o MCMV o movimento que luta pela legalidade da moradia tem uma alternativa

do Estado para resolver sua questão. Justamente por ter esta resposta pronta, o

movimento tem que se organizar a fim de alcançar esta resposta, e caso levem um

tempo maior do que o do Estado, correm o risco de perder a moradia. Vê­se quando

as casas do Parque Iguaçu III já estavam prontas, a comunidade ainda não havia se

decido sobre a mudança, e um segundo movimento de luta pela moradia ocupou as

casas. O MCMV se configura como um novo sujeito articulador entre o movimento e

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o Estado, e por consequência, produtor de uma cidadania como analisado no

capítulo cinco.

A reflexão final deste trabalho é que enquanto os cidadãos definidos assim

pelo Estado, não se sentirem cidadãos de fato, ainda há um longo caminho para a

ser trilhado da subcidadania à cidadania.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSEMBLÉIA POPULAR. Documentos Internos. 2011 à 2013.

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moradia na RMC. 2013. Apresentação em seminário I Seminário em políticas

urbanas; tema: habitação de interesse social. Paraná.

MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. SANTOS, Wanderley Guilherme. Décadas de Espanto e uma Apologia Democrática. Rio de Janeiro: Rocco. 1998. SANTOS. Boauventura de Souza. Para uma revolução democrática da justiça. 3 ed. São Paulo, Cortez 2011. Introdução p 9­ 19.

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ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos .Ministério da Justiça OLIVEIRA, Dennilson. Curitiba e o mito da Cidade modelo. Introdução p 11­28. Ed UFPR Curitiba, 2000 DIREITO A MORADIA. Relatoria especial pelo. Disponível em<. www. direitoamoradia.org.br >. Acesso março 2014. REGO e Pizani. Walquiria Leão; Alessandro. Políticas públicas, cidadania e constituição de sujeitos políticos. P..76 ­85. 2013. In: Vozes do Bolsa família. Unesp ­ SP. KOWARICK, Lúcio. Escritos Urbanos. 2009. 2 ed. São Paulo. LISTA DE ENTREVISTAS Andrea, militante da AP. Entrevista realizada em 17 de maio de 2014. Cleusa, moradora da comunidade Vila Nova. Entrevista realizada em 29 de março de 2014. Eloisa, moradora da comunidade Vila Nova. Entrevista realizada em 29 de março de 2014. Eduardo, moradora da comunidade Vila Nova. Entrevista realizada em 29 de março de 2014. Eliane, moradora da comunidade Vila Nova. Entrevista realizada em 26 de maio de 2014. Nicoly, militante da AP. Entrevista realizada em 14 de maio de 2014. Odete, moradora da comunidade Vila Nova. Entrevista realizada em 29 de março de 2014. Regiane, moradora da comunidade Vila Nova. Entrevista realizada em 26 de maio de 2014. Sandra, moradora da comunidade Vila Nova. Entrevista realizada em 29 de março de 2014. Regiane, moradora da comunidade Vila Nova. Entrevista realizada em 26 de maio de 2014. Vanda, militante da AP. Entrevista realizada em 14 de maio de 2014.

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APENDICES

Roteiro e questões entrevistas:

a) Questões de entrevista para as lideranças da comunidade vila nova:

Como e porque vocês ocuparam o terreno do Vila Nova?

1. No aspecto de moradia você considera que teve benefícios em relação a sua situação de ocupante para situação de proprietário?

2. Como você percebe esta mudança de vida?

3. Descreva como está sendo sua vivencia (vivência) neste local.

4. Houve alguém da comunidade que liderou o processo?

5. E como você vê a Assembléia Popular neste processo?

6. Você se sentiu mais ou menos cidadão quando mudou de situação de ocupante para proprietário?

7. O que falta para você se sentir mais cidadão?

8. O que vc (você) entende por cidadania?

9. Você acha que ser cidadão é ter direitos?

Quais?

B) Questões de entrevista para os militantes da AP:

1. Quais foram as mudanças que voce (você) percebeu na vida deles?

2. Houve alguém da comunidade que liderou o processo?

3. E como você vê a Assembléia Popular neste processo?

4. O que você entende por Cidadania?

5. Você acha que ser cidadão é ter direitos?

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