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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES – SCHLA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS - DECISO TAUTÊ FREDERICO GALLARDO MARCIEL DE OLIVEIRA AÇÕES AFIRMATIVAS RACIAIS: TRAJETÓRIA DE UM DEBATE . TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO CURITIBA 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES – SCHLA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS - DECISO

TAUTÊ FREDERICO GALLARDO MARCIEL DE OLIVEIRA

AÇÕES AFIRMATIVAS RACIAIS: TRAJETÓRIA DE UM DEBATE .

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

CURITIBA

2012

ii

TAUTÊ FREDERICO GALLARDO MARCIEL DE OLIVEIRA

AÇÕES AFIRMATIVAS RACIAIS: TRAJETÓRIA DE UM DEBATE

Trabalho de conclusão de curso de graduação, apresentado à disciplina de Monografia II, do Curso de Ciências Sociais. Departamento de Ciências Sociais, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Professor Orientador: Prof. Dr. Alexandro Dantas Trindade.

Curitiba

2012

iii

Agradecimentos Minha eterna gratidão aos meus pais, Dora Aida Gallardo e Gerson

Marciel de Oliveira, eternos orientadores para o epílogo deste momento. Os estímulos, orientações e direcionamentos foram indispensáveis em minha trajetória. Minha mãe com sua história de vida, retratada pela duras e áridas vivências em El-Salvador e no Brasil, exemplo de coragem e dedicação a todos os familiares. Meu pai desde sempre com postura enfática para a desmistificação da ordem racial vigente em nosso país. Demarcou para nós nossa origem afro-brasileira e o peso desta descendência para o histórico psico-social e cultural que levamos conosco.

A Meus irmãos e irmãs, Josefina Ainda, Gabriela Alice, Cyrano Adolfo, Amanda Gallardo e Juan Carlos estendo minha sincera gratidão. Seus conselhos e a constante presença foram singulares para meu crescimento como ser humano. Os exemplos, especialmente de Cyrano Adolfo se constituíram horizonte prenhe de nexo e coerência, no qual busco direcionamento. Devo ainda dizer que a relação com meus sobrinhos, particularmente Gabriel Felipe o mais velho, foi em certa medida, uma preparação para o exercício da paternidade, pelo ensejo de exercer, por vezes o papel de amigo, de tio e de pai, houve um grande desenvolvimento pessoal.

A minha esposa Júlia Conceição da Silva, todo meu amor, sua participação nos momentos bons e ruins, foi a mola propulsora para minha persistência, mesmo nos cenários mais complexos. Devo dizer que suas vivencias no seio do movimento negro e aprofundadas leituras sobre a questão racial brasileira, favoreceu e fomentou de forma decisória a escolha e elucidação do tema deste trabalho. As múltiplas conversas e reflexões que indiscutivelmente alargaram meu entendimento, possibilitando desta forma, realizar o exercício de alteridade, tentando compreender quão cruel é o cotidiano de grande parte de nossos afro-brasileiros em seu drama social, que é o grande drama social, que em grande parte reflete o drama da nação. Devo destacar também a mudança gerada em meu interior pelo advento de meu primeiro filho, Otávio Lucas, que transformou de maneira radical minha perspectiva sobre a vida e valores relevantes. Ele já é uma das “pessoinhas” mais importantes de minha vida e destinatário de todo meu amor e atenção.

Estendo meu amplexo de gratidão a todos os professores do Departamento de Ciências Sociais, que durante cinco anos permitiram, por meio de aulas, bate-papos informais, e múltiplas orientações, meu crescimento como ser humano para compreender melhor nossa caótica sociedade. Este processo foi único e de suma relevância para um transito mais sensato nos dias de hoje. Particularmente para os mestres, Dimas Floriani, Osvaldo Heller, Ricardo Cid, Pedro Bodê, Marlene Tamanini e Alexandro Dantas, meu sincero agradecimento.

Peço vênia, para destacar o relevante papel de meu orientador, Alexandro Dantas Trindade, sua paciência diante de meus erros e

iv

inconstâncias, favoreceram incomensuravelmente para conclusão deste processo monográfico. As conversas, discussões e instruções confluíram para um importante alargamento de horizonte, favorecendo de maneira congruente o desenvolvimento do presente estudo. A correta adequação do enfoque, para compreensão do objeto, além das belas aulas ministradas por ele em Sociologia do Conhecimento e Sociologia Brasileira, integra de maneira basilar o arcabouço conceitual utilizado neste trabalho.

Por fim destaco o papel de um importante livro em minha vida, Negras Raízes, escrito por Alex Hayley. Este belo e profundo romance americano que retrata a saga do negro na America do Norte foi a raiz geradora, que fez fluir meu interesse na histórica de todos nós, que de uma forma ou de outra temos um passado africano. Por conseqüência, conhecermos e nos orgulharmos desse passado e de nossos antepassados é reconhecer a decisiva participação que desempenharam na construção de nosso país.

v

Tem que acreditar, desde de cedo que a mãe da gente fala assim – filho por você ser preto

você tem que ser duas vezes melhor, aí passado alguns anos eu pensei, como fazer duas

vezes melhor se você esta pelo menos 100 vezes atrasado, pela escravidão, pela história,

pelo preconceito, pelos traumas, pelas psicose, por tudo que aconteceu, duas vezes melhor

como? Ou melhora, ou você é o melhor ou o pior de uma vez e sempre foi assim, se você vai

escolher o que tiver mais perto de você, ou o que estiver dentro de sua realidade, você vai ser

duas vezes melhor como? Quem inventou isso ai, quem foi o pilantra que inventou isso ai?

Acorda pra vida rapaz.

(RACIONAIS Mc’s – Introdução a música A vida é um desafio.)

60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais ,

já sofreram violência policial,

há cada 4 pessoas mortas pela polícia 3 são negros,

nas universidades brasileiras

apenas 2% dos alunos são negros

há cada 4 horas um jovem negro morre violentamente em são paulo

aqui quem fala é primo preto mais um sobrevivente.

(Racionais Mc's – Capítulo 4 Versículo 3, 1997)

vi

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo empreender uma análise sócio-histórica das Ações Afirmativas de caráter racial, implementadas nas universidades públicas brasileiras a partir de 2001, bem como debater e compreender os fundamentos teóricos que substanciaram os argumentos dos estudiosos que se posicionaram a favor e contra esta política pública. Colocaremos uma lente mais aprofundada no debate sobre a democratização do espaço acadêmico e a função social da universidade, no sentido de compreender a tese de alguns pensadores contemporâneos que propugnavam a universidade como locus da não efetivação da democracia real, por não promover uma efetiva inclusão social. A universidade pública figurou por muito tempo, no imaginário social, e de certa maneira ainda figura, como um centro no qual o acesso estaria destinado à excelência do pensamento acadêmico e cientifico e, desta forma, distante da maioria dos cidadãos. Neste sentido, pretendemos com esse trabalho analisar algumas das principais discussões e movimentações em torno das Ações Afirmativas Raciais no Brasil, estabelecendo algumas conexões com discursos formulados no início do século XX, dentre os quais as ideias racialistas e as teorias do branqueamento, e na sequencia, analisaremos a influência de noções como as de “democracia racial” e seus efeitos discursivos no que diz respeito à democratização do acesso à Universidade pública.

Palavras-chave: Políticas Públicas; Ações Afirmativas Raciais; Sistema de Cotas Raciais; Democratização; Acesso ao Ensino Superior; Universidade Pública.

vii

Abstract

The present work intends to produce a social and historical analysis of the Affirmative Actions on the racial matter that were implemented since 2001 in Brazilian Public Universities. It also intends to realize the debate and understanding theoretical fundaments that substantiate the arguments from the intellectuals whether were they against or in favor of this state politic. We shall look deeper into the debate about the democratization of the academic space and the University’s social function, in the way to understand the thesis from some modern intellectuals that defend the University as a locus of the non effectuation of democracy from the academic space by not promoting a social inclusion. For a long period the Brazilian Public Universities were represented in the social imaginary as a center of which access was restricted to the excellence of the academic and the scientific thoughts, and in some ways it is still represented in that manner, therefore it is out of the reach from most Brazilians. In this way this work intend to analyze some of the main discussions and movements about the Racial Affirmative Actions in Brazil, establishing connections with discourses formulated in the beginning of the twentieth century like racialist ideas and racial whitening theories. We shall analyze the influence of notions such as ''racial democracy'' and its discursive effects on the democratization of the access to the Public Universities.

Keywords: Public Politics, Racial Affirmative Actions, Racial Quota System,

Democratization, Access to the Higher Education, Public University.

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Lista De Siglas

AAR Ações Afirmativas Raciais

CEPE Conselho de ensino, pesquisa e extensão

CONEN Coordenação nacional de entidades negras

CNPIR Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial

DAN Departamento de Antropologia

DEM Partido dos Democratas

FIPIR Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INPIR Instituto Interamericano pela Igualdade Racial

MDA Ministério do Movimento Agrário

MEC Ministério da Educação

ONGS Organização Não Governamental

ONU Organização das nações unidas

SEPPIR Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

STF Supremo Tribunal Federal

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFPR Universidade Federal do Paraná

UNB Universidade de Brasília

UNESCO Organização para a Educação, a Ciência e a Cultura das Nações

Unidas

ix

Sumário

Introdução 10 Capítulo 1 A inexistência de políticas compensatórias e de integração do negro 18

1.1. Breve percurso do racialismo 18 1.2. Efeitos Sociais do discurso da “democracia racial” 24 1.3. Processo de exclusão racial no Brasil 26

Capítulo 2 Universidade Pública, elitização e ações afirmativas 42

2.1. Universidades públicas, sob o signo da elite e do eurocentrismo 42 2.2. A emergência do debate sobre cotas 50

Capítulo 3 Gênese da agenda de democratização da universidade 55

3.1. Processo de construção das ações afirmativas no Brasil 55 3.2. Racismo brasileiro, emulador da exclusão universitária 64

Conclusão 77 Referências bibliográficas 81

Introdução

As Ações Afirmativas raciais, que doravante denominaremos de AAR,

implementadas nas universidades públicas federais e estaduais a partir do ano

de 2001, no modelo de “cotas raciais”, facultou grande debate e controvérsia

em nossa sociedade em razão de sua eficácia e natureza jurídica amplamente

contestada. De um lado da trincheira os movimentos sociais, intelectuais e

acadêmicos, pautavam esta política pública como o caminho mais célere para

a efetivação do devido e necessário resgate histórico para os afro-brasileiros e

indígenas. Pensadores propugnavam este caminho como ferramenta de

reversão da brutal desigualdade social, que atinge a grande maioria dos

negros1 e por outro lado, instrumento decisivo de combate aos efeitos do

racismo e as heranças sociais dos quase 400 anos do regime de servidão, que

desenharam as relações raciais em nossa sociedade.

As reações contrárias a adoção de cotas raciais para inclusão de negros

em cursos de nível superior foram substantivas. Juristas, sociólogos,

antropólogos e intelectuais dos mais variados campos do saber formaram uma

frente ampla para balizar e fundamentar entendimento discordante da

instauração desta proposta. Pesquisadores ressaltavam o equívoco no qual

incorria o Estado brasileiro quando validava a reserva de vagas para negros e

indígenas na lógica de cotas raciais. Havia o temor de um processo de

racialização2 no Brasil e suas consequências, que dentre diversos reflexos,

poderiam criar experiências similares às relações segregacionistas dos

Estados Unidos, da África do Sul ou no limite, como o genocídio engendrado

em Ruanda, por segmentos étnicos.

Estudiosas do tema como Eunice R. Durham (2010), argumentaram que

investir em políticas públicas, suplantadas na ideia de raças, poderia fomentar

conflitos raciais sem precedentes.

1 Desde o primeiro senso demográfico em 1872, as categorias branco, preto, pardo e cabloco eram utilizadas. (IBGE, 2008, pág 14) 2 Alguns autores tem empregado este termo como um fenômeno conseqüente da implementação de políticas públicas com viés racial. Por meio das cotas raciais estaria se reinventando a raça. A antropóloga Mônica Grin explica que seria uma promoção da raça e dos pertencentes a determinados estoques raciais, favorecendo-os com vantagens e benesses em detrimento de outros grupos. (Santos, 2009, p. 4).

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O próprio conceito de raça humana dificilmente é utilizado cientificamente, porque praticamente não existem geneticamente raças isoladas e uniformes. A raça é uma criação social discriminatória e não uma classificação científica. E é por isso que a Declaração dos Direitos Humanos consagra o princípio da igualdade de todos perante à lei. Sacrificar este princípio fundamental para resolver um problema muito específico, isto é, a ampliação do acesso dos negros ao ensino superior, constitui um risco demasiado grande e desproporcional aos benefícios que as quotas podem promover. (DURHAM, 2010 p.4)

Esta ação de discriminação positiva poderia, desta forma, comprometer

as relações de coesão e solidariedade que sustentam nosso modelo de

democracia racial3, que segundo o professor Peter Fry é um ideal a ser

cotidianamente perseguido.

Nem por isso precisamos descartar a ‘democracia racial’ como ideologia falsa. Como mito, no sentido em que os antropólogos empregam o termo, é um conjunto de idéias e valores poderosos que fazem com que o Brasil seja o Brasil, para aproveitar a expressão de Roberto DaMatta.” (FRY 1995-1996: 134).

Diversos segmentos sociais aprofundaram pesquisas, visando

demonstrar o equívoco existente no mecanismo de formação e desdobramento

das AAR. Isto ficou patente quando chegou ao público uma obra ao alcance de

especialistas e leigos, escrito pelo diretor de jornalismo da rede globo de

Televisão, Ali Kamel, intitulado Não somos racistas: Uma Reação Aos Que

Querem Nos Transformar Numa Nação Bicolor4. De acordo com o jornalista

e também cientista social, nosso país seria fundado na miscigenação e a

adoção deliberada de políticas raciais poderia trazer funestas consequências

para a estabilidade social do Brasil (Kamel, 2006).

Kamel contesta a metodologia de institutos de pesquisa, que agregam

as categorias preto e pardo formando à categoria negro. Em sua perspectiva

este sistema de pesquisa olvida todas as nuances de cor que caracterizaria

nossa nação miscigenada. “Como já apontei na introdução, trata-se de uma

3 De acordo com Durham (2010) Gilberto Freyre tem razão quando insiste que a população brasileira é majoritariamente mestiça e que a solução brasileira para o racismo só pode passar pelo reconhecimento e valorização da mestiçagem. E isto se aplica tanto às características físicas quanto culturais. (Durham, 2010, p. 05) 4 A obra foi lançada no ano de 2006, num dos momentos de maior efervescência do debate racial no Brasil, em função da implementação das AAR. A antropóloga da UFRJ Yvonne Maggie prefaciou o livro, o autor é graduado na área de Ciências Sociais e ocupa o posto de diretor de jornalismo da Rede Globo.

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metodologia nascida da década de 1950 e hoje vitoriosa: negros são todos

aqueles que não são brancos” (Kamel, 2006). Desta maneira, as categorias

“preto”, “pardo” e “branco” seriam categorias artificiais, que não representariam

a diversidade de autodenominações peculiares ao povo brasileiro.

Pode fazer sentido acadêmico juntar negros e pardos numa categoria “negros”, com a justificativa de que os dois grupos partilham de um mesmo perfil socioeconômico. Mas esses poucos exemplos que relatei aqui mostram a distância entre os conceitos formulados em gabinetes universitários e a prática do dia-a-dia. Não vou nem dizer que, sendo os pardos mais numerosos que os negros (42%) e os pretos (5,9%), talvez fizesse mais sentido apelidar o grupo resultante dessa soma de “pardos” e não de “negros”. Mas, para que não pairasse qualquer dúvida, melhor teria sido chamar o grupo pelo nome correto: “os negros e os pardos.” Isso evitaria toda sorte de mal-entendidos. Ou de ilusões. Porque é estatisticamente impossível dizer quem, entre os 42% de pardos no Brasil, é mais escuro, mais claro, menos claro, menos escuro. Será a maioria ou a minoria ou o que? Ninguém sabe. (KAMEL, 2006, p. 56, 57)

A produção teórica do geógrafo Demétrio Magnolli também merece

destaque, visto que foi significativamente comentada pela opinião pública e deu

base para o posicionamento de diversos segmentos anti-cotas raciais. O

compêndio, Uma gota de sangue: a História do pensamento racial5, foi um

apanhado histórico empreendido pelo autor com o objetivo de desmantelar a

ideia da raça ao longo do século XIX e XX. Desta maneira, se propõe a

demonstrar como em 200 anos houve a invenção, desinvenção e reinvenção

do mito da raça. A obra também tem como finalidade contestar a proposta de

políticas afirmativas de cunho racial no Brasil.

As AAR também receberam fortes críticas com a formulação e

divulgação da carta dos 113 intelectuais contra as cotas raciais. Elaborada no

ano de 2008 por pensadores e artistas de prestígio social e acadêmico, foi

direcionada ao STF. Dentre os vários argumentos aventados na missiva, ela

demarcava o receio de seus formuladores sobre os resultados decorrentes da

introdução de cotas raciais nas universidades, falou-se no texto do desrespeito

5 No lançamento do livro, Uma gota de sangue, publicado em 2009, cabe destacar o acalorado debate entre o professor Demétrio Magnolli e alguns de seus convidados com um grupo pertencente ao movimento negro. Este momento foi filmado e pode ser visto no documentário Raça Humana, produzido pela TV câmara. (Documentário Raça Humana, TV Câmara, 2010)

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à princípios basilares da Constituição Federal, como o de isonomia6 entre os

cidadãos. Alguns dos signatários da carta foram Alba Zaluar, Bolivar Lamonier,

Caetano Veloso, César Benjamin, Demétrio Magnoli, Eunice Durham, Ferreira

Gullar, dentre outros.

Na seara do que Vossas Excelências dominam, apontamos a Constituição Federal, no seu Artigo 19, que estabelece: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”. O Artigo 208 dispõe que: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”. Alinhada com os princípios e garantias da Constituição Federal, a Constituição Estadual do Rio de Janeiro, no seu Artigo 9, § 1º, determina que: “Ninguém será discriminado, prejudicado ou privilegiado em razão de nascimento, idade, etnia, raça, cor, sexo, estado civil, trabalho rural ou urbano, religião, convicções políticas ou filosóficas, deficiência física ou mental, por ter cumprido pena nem por qualquer particularidade ou condição. (Carta dos 113 Intelectuais contra as cotas, 2008)

A antropóloga Yvonne Maggie, uma das signatárias do manifesto anti-

cotas, expressou descontentamento em relação ao sistema, em trabalho

apresentado na audiência pública sobre Ações Afirmativas, promovida pelo

STF em 04/04/20107.

Maggie (2010, p.1) desconfia que as cotas raciais promoveriam uma

futura racialização, já que o sistema pressupõe a crença na existência de raças

humanas. Para ela e outros cientistas, há o temor de que nosso país torne-se

palco de tragédias étnicas raciais dantescas, como as que ocorreram

recentemente em Ruanda8 ou no Burundi, conflitos que tiveram como pano de

fundo o intento de dizimar um grupo étnico ou racial específico, caracterizando-

6 O principio de isonomia é assegurado pela constituição federal nos artigos Art 3º e 5º. No Art 3º reza a carta, “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, e quaisquer formas de discriminação.” 5º “Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”(Constituição Federal, pág 13, 2003) 7 Em 20/07/2009 o DEM, partido dos Democratas, ingressou no STF com uma ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental), que defendia a inconstitucionalidade das Cotas Raciais na UNB (Universidade Nacional de Brasília). Para aprofundar o tema, o STF realizou Audiência Publica para discutir o assunto nos dias 04, 05 e 06 de março de 2010. 8 A tragédia étnica ocorrida em Ruanda está detalhada no livro de Philipi Gouveritch, traduzido como Gostaríamos de informá-lo de que Amanhã seremos Mortos com nossas famílias. São Paulo: Cia da Letras, 2006.

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se como genocídio. Além disso, as cotas raciais estariam coagindo pessoas a

adotarem uma identificação racial, medida que poderia fomentar antagonismos,

amparados em categorias raciais artificiais, movimento que não faria parte da

cultura e da história de nossa sociedade. Políticas públicas com viés racial

obrigariam uma adesão a categorias experimentais, semeando uma

racialização incoerente em relação à dinâmica social e histórica brasileira.

Pensando nessas escolas e seus estudantes, pergunto: Qual o sentido de se escolher uma política que defina “raça” como critério de distribuição de justiça e definição de cidadania? As leis raciais serão criadas para serem seguidas pela população jovem e pobre das escolas públicas. No entanto, um olhar atento para estas classes onde estudam jovens e pobres, produziria efeito mais radical no sentido de colorir o cenário claro e rico das salas de aula das universidades públicas. E com uma grande vantagem: os estudantes não seriam obrigados a se definir e a serem definidos pela cor da sua pele. (MAGGIE, 2010, p. 1, 2)

Outra vertente interpretativa demonstrava que professores brasileiros e

estrangeiros defendem que este mecanismo seria uma engrenagem

temporária, válida para efetivação de justiça social. Considerando que existiria

no Brasil grande déficit sócio-histórico para a população negra, esta política

teria como fundamento corrigir a inadequação da equalização formal para a

fundamentação da equalização real em nossa sociedade, objetivando a

efetivação de equidade nas relações raciais. Para o ministro do STF, Joaquim

Barbosa, (Gomes, 2003), as AAR seriam um dispositivo jurídico que visaria

avançar em relação ao isolamento ou lógicas de diminuição social infligidas a

minorias.

Classificando-as corretamente como a mais avançada tentativa de concretização do princípio jurídico da igualdade, ela afirma com propriedade que “a definição jurídica objetiva e racional da desigualdade dos desiguais, histórica e culturalmente discriminados, é concebida como uma forma para se promover a igualdade daqueles que foram e são marginalizados por preconceitos encravados na cultura dominante na sociedade. Por essa desigualação positiva promove-se a igualação jurídica efetiva. (GOMES; SILVA, 2003, p. 95).

Gomes (2003) ressalta que houve uma resignificação do entendimento

bíblico que reza a necessidade de “tratar igualmente os iguais e desigualmente

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os desiguais na medida em que se igualam” (Gomes, 2003, p.139). Neste

sentido a igualação jurídica deveria estar atenta à igualdade histórica e

injunções sociais que favoreceriam ou desfavoreceriam determinados grupos.

“A discriminação de ontem pode ainda tingir a pele que se vê de cor diversa da

que predomina entre os que detêm direitos e poderes hoje.” (GOMES, 2003,

p.96).

Para Telles (2003), a finalidade da ação afirmativa estaria circunscrita à

redução das desigualdades raciais com o enfraquecimento de seus efeitos.

Contribuindo para um movimento que descola a fictícia democracia racial do

imaginário do país, fundamentando perspectiva de fato integradora. Assim,

deveriam ser atacadas características dinâmicas da realidade brasileira, como

a hiperdesigualdade, as “barreiras invisíveis” e a cultura racista. Para

consecução destes objetivos seria necessário coadunar políticas sociais de

caráter universalistas, estas com o escopo de minorar a hiperdesigualdade

vigente no país, com a ação afirmativa de cunho racial visando desmantelar as

barreiras invisíveis e combater a cultura racista.

Outro professor que corrobora a eficácia das AAR é o docente de origem

africana e integrante do departamento de antropologia da USP, Kabengele

Munanga. Ele destaca que na véspera do fim do regime de apartheid Sul

Africano, havia no país dos africanders maior número de negros com diplomas

de graduação do que no Brasil nos dias de hoje (Munanga, 2010).

Bem, eu ingressei no Programa de Pós-Graduação em ciências sociais da Universidade de São Paulo em 1975. Fui o primeiro negro a concluir o doutorado em antropologia social nessa universidade em 1977. Por mera coincidência, esse primeiro negro era oriundo do continente africano e não do próprio Brasil. Três anos depois, ingressei na carreira docente na mesma instituição, no atual Departamento de Antropologia onde fui o primeiro e o único negro professor, desde sua fundação. Daqui a três anos, estarei compulsoriamente me aposentando, sem ainda vislumbrar a possibilidade do segundo docente negro nesse Departamento. Creio que esta é a história dos brasileiros afrodescendentes, não apenas nas universidades, mas também em outros setores da vida nacional que exigem formação superior para ocupar cargos e postos de comando e responsabilidade. Geralmente são ausentes ou invisíveis nesses postos e cargos. Quando se tem um, é sempre o primeiro e o único raramente o segundo e o terceiro. Encontrar três ou quatro juntos numa mesma instituição já é motivo de festa! Esse quadro é considerado como gritante quando comparado ao dos outros países que convivem ou conviveram com as práticas racistas como os Estados Unidos e a África do Sul. Os dados ao nosso conhecimento mostram que na

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véspera do fim do regime do apartheid, a África do Sul tinha mais negros com diploma superior que o Brasil de hoje, incluindo o líder da luta antiapartheid, Nelson Mandela. Só este exemplo basta para mostrar que algo está errado no país da “democracia racial”, que precisa ser corrigido. (MUNANGA, 2010, p. 1).

O professor faz parte da plêiade que partilha da crítica à poderosa noção

de democracia racial9 brasileira e de seus desdobramentos para interpretação

e compreensão de dinâmicas sociais específicas.

Os estudiosos, de ambos os lados da “trincheira”, certamente estão

motivados pelo anseio da construção de um país mais justo e ao alcance da

forma mais correta de efetivar a justiça social para todos os segmentos.

Contudo, é substancialmente perceptível que o acesso às universidades

públicas estava reservado a um segmento social, bastante específico e

amplamente conhecido. Paradoxalmente, estudantes oriundos das escolas

públicas enfrentam grande desvantagem para ingressar nas instituições de

ensino superior de maior prestígio social. Esta realidade parece ser carregada

de complexidade pela existência do preconceito racial no Brasil. A denúncia do

movimento negro e de relevantes institutos de pesquisa, sobre o status social

do negro, ainda nos fazem pensar, de maneira mais detida, sobre os reflexos

da desigualdade social especficamente para esta parcela da população.

Não obstante as mais prestigiosas instituições de saber e produtoras de

conhecimento científico terem sua subsistência atrelada ao suor de milhões de

brasileiros, ainda é reduzido o número de brasileiros que desfrutam da

estrutura destes sistemas educacionais de excelência. Refletir sobre o real

papel da universidade e a democratização do acesso a ela é fundamental. Os

centros de excelência públicos e privados devem incorporar e representar a

multiplicidade étnica e racial do país. O debate sobre inclusão universitária foi

certamente favorecido pela polêmica em torno das AAR, pois mais estudiosos

assumiram a faina de mapear os resultados desta política pública. Como o

9 É importante diferenciar a noção de mito, compreendido pela antropologia e pela sociologia. Para tanto, Carlos A. Hasenbalg esclarece: “A noção de mito para qualificar a “democracia racial” é aqui usado no sentido de ilusão ou engano e destina-se a apontar para a distância entre representação e realidade, a existência de preconceito, discriminação e desigualdades raciais e sua negação no plano discursivo. Essa noção não corresponde, portanto, ao conceito de mito usado na Antropologia.” (HANSENBALG, Carlos A. Entre o Mito e os Fatos: Racismo e Relações Raciais no Brasil. In: MAIO, Marcos e SANTOS, Ricardo Ventura (Orgs). Raça, Ciência e Sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz/CCBB, 1996, p. 237)

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professor da UNB e formulador do sistema de cotas naquela universidade,

José J. Carvalho, que aponta para uma lógica perversa que prevalecia nos

centros de formação superior, o qual ele denominou de confinamento racial.

Em outras palavras, estariam confinados nas universidades públicas, quase

que majoritariamente estudantes e professores brancos.

Além disso, os estudantes que anteriormente se viam sub-representados

nestes espaços, ou mesmo palpavam vacilantes as poucas chances de

ingresso, fortaleceram sua perspectiva e confiança na possibilidade de

ingresso, acreditando na assertiva de que a universidade pública, de fato,

deveria atender a todos. Carvalho (2005) entende que a inclusão do sistema de

Cotas raciais no Brasil gerou uma radical revisão epistemológica das históricas

formas de interpretação das relações raciais.

Muitos discursos, antes lidos como inclusivos ao falar de todos os brasileiros na primeira pessoa (uma frase típica de cientistas sociais brancos tem sido: “entre nós” as relações raciais são diferentes de como são nos Estados Unidos ou na África do Sul), não possuem mais o mesmo grau de legitimidade neste momento de revisão epistemológica radical suscitado pelas propostas de cotas porque silenciaram essas mesmas condições de exclusão e de segregação racial que marcou a nossa vida universitária até hoje. Na qualidade de membro dessa academia branca que nunca aceitou falar da sua brancura, também passei uma década inteira como docente falando do racismo brasileiro sem referir-me mais diretamente ao racismo acadêmico. Contudo meu olhar sobre as relações raciais no Brasil mudou dramaticamente nos últimos sete anos como conseqüência de um incidente racial ocorrido justamente com um estudante de doutorado de Antropologia da UnB que eu orientava. (CARVALHO, 2006, p. 89, 91)10

10 O episódio comentado pelo professor se refere ao Caso Ari da UNB, que abordaremos mais adiante.

Capítulo 1 A inexistência de políticas compensatórias e de integração do negro

1.1. Breve Percurso do Racialismo

A posição de subalternidade ocupada pela população negra foi, por

muito tempo, interpretada á luz do sistema que estruturou o racismo cientifico.

Não obstante na atualidade também seja possível identificar elementos ligados

a estas formas de elucidação, conforme aponta a jurista Deborah Matos:

Se no Brasil não existiu nenhuma política de extermínio (pelo menos institucionalizada), o racismo científico influencia, ainda hoje, a criminologia moderna. Consoante Jorge Dias e Manoel Andrade, a nova criminologia não desconhece que existam tipos de pessoas portadoras de estigmas negativos, que tem uma presença privilegiada entre a população delinquente, como por exemplo, na população carcerária. Não é mera coincidência que os grupos estigmatizados sejam justamente os grupos outrora denominados “inferiores” ou “potencialmente criminosos”, como aconteceu com os negros no Brasil. (MATOS, 2013, p.3)

Mas desde o século XVIII, pesquisadores, cientistas e intelectuais,

majoritariamente europeus, buscaram legitimar a dominação e subjugação de

determinados estoques raciais e étnicos, valendo-se de teorias de base

evolucionista. Segundo Santos (2002) os estudiosos que se debruçaram sobre

as diferenças raciais podem ser enquadrados em evolucionistas e racialistas.

Respectivamente, os argumentos defendidos eram ecológicos, consoante ao

entendimento monogenista de que o clima e aspectos geográficos explicariam

a grande maioria das diferenças entre os homens. Hofbauer (2006) também

contribui para maior aprofundamento na questão, explicando:

No final do século XVIII, a grande maioria dos cientistas atribuía o surgimento das diferenças humanas às diversidades climáticas e geográficas que, em última instância, expressariam a Vontade Divina. Esta tese, que estava de acordo com o dogma da monogênese, permitia ainda argumentar que todas as chamadas “degenerações” do modelo humano originário causadas por influências externas seriam “acidentais” e perfeitamente “ reversíveis”. (HOFBAUER, 2006, p. 408)

19

Já o segundo núcleo sustentava sua crença na ideia de que os povos

estariam fadados aos ditames raciais. A diversidade de seres humanos, na

ótica iluminista, poderia dar conta de explicar as disparidades, mas para os

pensadores evolucionistas e racialistas, a noção de raça sanava todas as

dúvidas sobre as disparidades entre os seres humanos. Segundo Gislene

Santos (2002, p.48) “Nesse momento, a ideia de raça passa a funcionar como

catalisador e solução para todos os problemas.”

Andreas Hofbauer (2006, p. 408) evidencia que no século XIX a “raça”

adota uma categoria descolada de aspectos religiosos, de ordem geográfica ou

climática. Adotando assim uma noção de não reversibilidade de diferenças,

concepção gestada por homens desligados de padrões religiosos. O processo

de construção do ideário de raça foi tão bem articulado, que solapou em

diversos momentos a noção de igualdade entre indivíduos e cidadãos,

GISLENE SANTOS (2002), superando inclusive teorias pautadas na isonomia,

provenientes do direito; demarcavam a concepção de que cada raça teria um

espaço definido em uma hierarquia vertical. Assim, a importância de uma raça

estaria atrelada ao seu lugar no mundo, aos direitos e privilégios herdados por

sua natureza.

O reconhecimento da raça como critério de distinção e dominação é

resignificado quando o darwinismo passa a ser ferramenta para interpretação

das diferenciações sociais e biológicas. A crença na evolução das espécies e

seleção natural confirmou a existência de uma raça superior em múltiplos

quesitos junto a uma lógica de supressão de raças inferiores, como demonstra

Gislene Santos:

Ao que tudo indica o racismo foi inaugurado no século XIX, mas seus fundamentos lançados no século XVIII. No século XIX, a teoria da distinção racial pautada na biologia, fortalecida, deu o estatuto final à teoria de que a natureza forja alguns indivíduos ao comando e outros à obediência. Obediência identificada com a raça negra. (2002, p. 52.)

Gislene Santos (2002) ainda demonstra que a inferioridade do negro

poderia ser empiricamente comprovada, ou biologicamente atestada pelo

tamanho de seu crânio e pelo desenvolvimento da sociedade na qual é

originário:

20

Caberia a um bom selecionador, ou a um eugenista, preocupar-se em seguir à risca as teorias da mistura retiradas da obra de Darwin, na qual se determina, por exemplo, que se uma pessoa inteligente se casasse com uma estúpida, os filhos teriam uma capacidade mediana. Assim, não tardou para que os darwinistas sociais incentivassem o preconceito racial como forma de eugenia. (2002, p. 52)

Lilia M. Schwarcz (1993), também contribui para um aprofundamento do

debate, por intermédio de rico estudo, sobre o pensamento de cientistas, como

E. Renan (1823-92), defensor da existência de três grandes grupos raciais, o

branco, o negro e o amarelo. Estes eram detentores de particularidades em

sua origem e desenvolvimento, além disso, apregoava que, negros, amarelos e

miscigenados eram inferiores por serem incivilizáveis, portanto, não adaptáveis

ao progresso. O cientista Gustav Le Bon, do século XIX, postulava o

surgimento distinto das raças e suas amplas diferenciações:

Baseando-se em critérios anatômicos, como a cor da pele, a forma e capacidade do crânio, é possível estabelecer que o gênero humano, compreende muitas espécies separadas e provavelmente de origem muito diferente. (Le Bon, 1902, apud Schwarcz, 1993, p. 63)

Edward Telles (2003) destaca que o domínio e subjugação dos povos

indígenas e africanos ocorreu suplantado em justificações de ordem moral e

religiosa, para além de explicações de base científica. No final do século XIX,

surge no Brasil um estudo mais detalhado sobre raça, pois considerando o

epílogo do sistema escravista a preocupação com o futuro do país e com a

massa populacional negra, recém liberta, era premente.

Este estudo teve início nas ciências biológicas e criminal, especialmente no emergente campo da eugenia, que se referia à “utilidade social do aproveitamento do conhecimento sobre hereditariedade para fins de procriação”. A eugenia incluía ideias científicas sobre raça que na época consideravam os negros inferiores e os mulatos, degenerados. Afirmava também que climas tropicais como o do Brasil enfraqueciam a integridade biológica e mental dos seres humanos. Assim sendo, os eugenistas do século XIX estavam convictos de que a população brasileira exemplificava a degeneração biológica. (TELLES, 2003, p. 43)

21

Lilia M. Schwarcz (1993) afirma que o Conde Artur de Gobineau,

destacado teórico em seu tempo, não recebeu grande atenção na Europa,

embora no seio de sociedades onde operava em escala acentuada a

miscigenação, sua teoria fora acolhida com atenção. Em sua passagem pelo

Brasil, que durou um ano e três meses, ele destacou o caráter miscigenado do

Brasil. “Tratava-se de uma população totalmente mulata, viciada no sangue e

no espírito e assustadoramente feia” (Raeders 1988 apud SCHWARCZ, 1994,

p.137). Intelectuais brasileiros de finais do século XIX e início do XX, como

Nina Rodrigues e Oliveira Vianna, compartilhavam noção similar, a respeito das

raças e sua capacidade de desenvolvimento.

O negro puro nunca poderá, com effeito assimilar completamente a cultura aryana, mesmo os seus exemplares mais elevado: a sua capacidade de civilização, a sua civilizabilidade, não vae ale da imitação, mais ou menos perfeita, dos hábitos e costumes do homem branco. Entre a mentalidade deste e a do homem africano puro há uma differença substancial e irredutível, que nenhuma pressão social ou cultural, por mais prolongada que seja, será capaz de vencer e eliminar. Os próprios negros americanos, muito superiores, aliás, aos nossos, em virtude da selecção imposta pela contingências da lucta com um adversário temível, como é o anglo-saxão, ficam muito abaixo do theor médio da civilização norte-americana: mesmo os seus typos superiores, como Booker Waashington, não são negros puros, mas perfeitos metiços, authenticos mulatos, cuja superioridade deve provir do sangue aryano que trazem nas veias. (VIANNA, p.156, 157, 1933)

Tomou substancia de maneira radical, o entendimento de que a natureza

seria responsável por criar indivíduos talhados à obediência e outros ao

comando. Bem como o indivíduo caucasiano coraria a evolução dos primatas

negros. “O cérebro humano assume sucessivamente a forma dos negros,

mulatos, dos malaios, dos americanos e dos mongóis, antes de atingir a forma

caucasóide” (Banton, 1977, apud Santos, 2002, p. 52). Nina Rodrigues, por

exemplo, seguidor do criminologista italiano Césare Lombroso, conhecido por

desenvolver a antropometria, também acreditava que a miscigenação seria a

decadência do Brasil. Telles (2003) revela que Rodrigues ampliava teorias

jurídicas, nas quais defendia leis criminais específicas para cada raça.

Edward Telles (2003) ressalta ainda que no início do século XX, iniciou-

se uma mudança de perspectiva sobre a raça e a miscigenação no Brasil.

Neste sentido, Antonio S. Guimarães (2004) destaca o papel do intelectual

22

americano Franz Boas, estudioso que desconstruiu a noção do inatismo racial

defendendo a miscigenação como positiva e não-degenerativa. Por intermédio

da produção científica do americano, o argumento justificador das

desvantagens históricas e da inferioridade dos negros seria revisto por um

novo prisma. Ele deslocou a noção de raça do âmbito estritamente biológico e

a atrelou a um contexto histórico e social. A partir de então, deveriam ser

analisados aspectos como: “heterogeneidade social, política e cultural do meio

negro” (GUIMARÃES, 2004, p.14). Esta radical transformação influenciou

decisoriamente a percepção do Brasil sobre sua realidade miscigenada, como

evidencia Edward Telles (2003):

Entretanto, face à proposta de restringir a imigração japonesa e a planejada imigração dos “afro-norte-americanos” para o Brasil, o chamado “problema eugênico da imigração” logrou achar seu caminho de volta às discussões científicas e de políticas públicas, na Primeira Conferência Eugênica Brasileira, em 1929. Nesta conferência houve um debate acalorado sobre a questão de saber se a mescla com negros levaria ou não à degeneração, em resposta à apresentação restricionista do deputado federal A. J. Azevedo Amaral. O presidente da conferência. Edgar Roquete-Pinto, que fora influenciado por Franz Boas, com quem discutiu suas próprias ideias, foi convincente ao argumentar que a miscigenação era normal, saudável e não-degenerativa, e que raça nada tinha a ver com eugenia. Para ele, o problema do Brasil era “sobretudo a falta de uma autoconfiança realista”, pois o país temia seguir um caminho desconhecido, radicalmente diferente das políticas de estado cada vez mais racistas que estavam sendo implementadas nos Estados Unidos e na Alemanha. Outro eugenista, Fernando Magalhães, lembrou aos participantes da conferência que “somos todos mestiços e teríamos que excluir a nós mesmos”, parafraseando o que Sílvio Romero afirmava quarenta anos antes. (TELLES, 2003, p. 49)

No Brasil, as teorias de ordem racialista, no contexto da perspectiva

monogenista e evolucionista, caíram paulatinamente em desuso a partir de

estudos provenientes dos Estados Unidos, particularmente da escola de

Chicago. Este processo foi caracterizado por uma revisão e transição da

perspectiva da raça e um contínuo deslocamento fulcral e paradigmático para

uma reinterpretação das desigualdades raciais por intermédio de uma chave de

elucidação, que se valia do aspecto social e não mais biológico. Este quadro foi

gestado a partir de 1910, por cientistas sociais americanos, entre eles Franz

Boas, que de acordo com Guimarães (2004, p.14) “desfizeram-se da armadilha

da definição biológica de “raça”, que explicava a condição social dos negros a

23

partir da hipótese de sua inferioridade inata”. Neste sentido passam a ser

equacionadas as disparidades sociais e raciais por uma lente mais ampla,

social e antropológica, que considerava aspectos históricos, políticos e

culturais, bem como a consolidação da hipótese de que os mecanismos de

discriminação racial, constituiria o principal elemento de suporte do diminuto

desenvolvimento da população negra. Neste contexto Gilberto Fryre, que

bebeu nos mananciais teóricos da escola de Chicago, passa desenhar uma

teoria que desse conta de explicar a realidade social brasileira, na qual o negro

estava incorporado como pessoa não grata.

Segundo Edward Telles (2003) Gilberto Freyre participou decisoriamente

da construção da identidade nacional brasileira. A obra Casa Grande &

Senzala (1933), foi considerado, por inúmeros intelectuais, como uma das

obras de maior influência sobre o pensamento social do país. Freyre,

influenciado pela antropologia de Franz Boas, transmutou a ideia de

miscigenação, retirando a perspectiva pejorativa e negativa do termo, para

encaixá-lo numa espécie de bandeira nacional. Agregou a esta dinâmica uma

perspectiva positiva e tornando “o mais importante símbolo da cultura

brasileira” (TELLES, 2003, p. 50).

Embora Freyre não tenha criado o termo “Democracia Racial”, ele foi

fundamental no processo de popularização e desenvolvimento desta ideia, já

que este prisma de interpretação das relações raciais foi hegemônico entre

intelectuais dos anos 30 ao início dos anos 90, como afirma Telles. O termo

democracia, dentro do arcabouço teórico de Freyre, estava correlacionado à

irmandade ou relações fluidas, segundo conotação espanhola. Não

representado propriamente um tipo de instituição política (TELLES, 2003).

Telles (2003) destaca que o pensamento de Freyre considerava a família

patriarcal do latifúndio escravagista dos séculos XVI e XVII, como um

mecanismo que facultava a mistura inter-racial. Esta interação teria diluído

conflitos e harmonizado diferenças, configurando o ethos do povo brasileiro.

Em publicações posteriores, ele desenvolveu este argumento até o período moderno. Apesar de sua obsessão pela ideia de que a miscigenação havia se tornado o calcanhar de Aquiles do Brasil, Freyre acabou por acreditar que a mistura de raças produziria uma “unidade de opostos” entre os estoques raciais, incluindo os senhores brancos e os escravos negros. Nos anos 40, referiu-se ao Brasil

24

como uma “democracia étnica”, onde o termo “étnica” pode ter sido usado em lugar da noção cientificamente falsa de raça. (TELLES, 2003, p. 51)

Gilberto Freyre buscará respostas na história de Portugal,

particularmente sua relação com os mouros, para explicar esta espécie de

simpatia como os povos africanos e por consequência a plasticidade

característica deste povo europeu. Tendo desta forma condições de associar-

se à outras culturas e sociedades. Estes atributos ganhariam intensidade se

comparado á outros povos europeus, mais herméticos e rígidos culturalmente.

Neste sentido Freyre desenvolve a doutrina do “lusotropicalismo”, amparada na

ideia de que os portugueses seriam os únicos povos aptos a fundar uma nova

civilização nos trópicos, calcada da tolerância racial (TELLES, 2003, p. 51)

1.2. Efeitos Sociais do discurso da “democracia racial”

De acordo com um segmento do movimento negro, as teorias de Freyre

teriam sido responsáveis por uma espécie de “genocídio cultural” de

populações não-brancas. Por intermédio do branqueamento e, principalmente,

da “democracia racial”, teria havido um recrudescimento de uma lógica que

visava suprimir a cultura e história do povo negro. O processo de construção da

ideia de raça, a evolução do pensamento racialista, da eugenia e do

branqueamento, permitem compreender em certa medida a legitimação social

e estatal do processo histórico do desenvolvimento da sociedade brasileira,

processo este caracterizado pelo completo abandono ao qual foram relegados

os libertos após a abolição da escravatura.

Delcele M. Queiroz (2002) em trabalho mais recente, conecta a

explicação do passivo de desenvolvimento da população negra ao racismo.

Para a autora, é plausível estabelecer uma comparação entre a situação social

em que o negro foi abandonado no pós-abolição, com a situação em que

alguns imigrantes chegaram ao Brasil. As atuais desigualdades raciais não

podem ser meramente explicadas à luz da origem escravocrata, mas

fundamentalmente, pela perspectiva do racismo inerente à nossa sociedade,

25

que impediu decisoriamente a mobilidade das populações não-brancas.

Neste sentido, a inexistência de investimento na elevação do patamar

social da população negra, parece ter se fortalecido pela complexa ideologia

racista em funcionamento no Brasil.

A herança da escravidão tem sido invocada como argumento para justificar a situação presente, de desvantagem da população negra. Esse argumento revela-se frágil, no entanto, ante o longo tempo decorrido desde a extinção do trabalho escravo. A fragilidade dessa explicação se evidencia quando se constata que as precárias condições econômicas dos negros, no pós-abolição, não diferem muito daquela dos grupos de trabalhadores estrangeiros, brancos, que chegaram ao Brasil, desde o final do século XIX. Parcela significativa das elites econômicas, política e intelectual do país é oriunda desses grupos de imigrantes pobres, enquanto que a situação da maioria da população negra manteve-se quase que inalterada. Deste modo, não há como explicar as precárias condições de existência dos negros no Brasil, hoje, a não ser pelo efeito devastador do racismo. (QUEIROZ, 2002, p. 1)

O debate sobre a existência do racismo parece ter sido instado à

segundo plano no Brasil, por um ideário que tinha mais fundamento no

imaginário da intelectualidade brasileira do que na realidade. Antonio S.

Guimarães (2004) esclarece que o discurso da miscigenação, tanto quanto a

ascensão social dos mulatos, era a chave mestra para a compreensão das

relações raciais, uma vez que ainda em 1935, já estavam disseminadas noções

assentadas na não existência de ódio e preconceito racial. Além disso, a cor

não pautava de forma determinante, linhas de classe. Os mestiços seriam, de

maneira gradual, mas contínua, integrados à sociedade e cultura nacional, e

por fim, negros e africanos desapareceriam na medida em que um tipo físico e

cultural surgisse mais ostensivamente (GUIMARÃES, 2004).

Donald Pierson, teve papel importante no Brasil no debate sobre as

relações raciais, estudante da escola de Chicago, implantou no Brasil, segundo

Antonio S. Guimarães (2004), a partir de 1939, uma sociologia das relações

raciais. Este segmento de estudos sociais, ganhou guarida em São Paulo, na

Escola Livre de Sociologia e Política. Guimarães destaca o fato de que Pierson

foi um dos principais divulgadores da sociologia moderna, fundamentalmente

de origem americana, tornando público desta forma, o pensamento de teóricos

como Robert Park, Ernest Burgess e Franklin Frazier entre outros. Além disso,

em 1942 publicou na cidade de Nova Iorque o livro, Negroes in Brasil,

26

resultado de sua pesquisa de doutorado na Bahia, entre os anos de 1935 e

1937. Em seus estudos no estado da Bahia, sob orientação de Robert Park,

trouxe para análise e debate da realidade social do negro Brasil, a hipótese do

preconceito racial ser o principal elemento estruturante das desigualdades

sociais da população não-braca e particularmente o negro, como destaca

Guimarães:

Entretanto, Pierson já encontrou aqui, entre os acadêmicos brasileiros, uma história social do negro, desenvolvida por Gilberto Freyre, que fizera da miscigenação e da ascensão social dos mulatos as pedras fundamentais de sua compreensão da sociedade brasileira. Ou seja, para ser mais claro, eram fatos estabelecidos, já em 1935, pelo menos entre os intelectuais modernistas e regionalistas, que: (a) o Brasil nunca conhecera o ódio entra raças, ou seja, o “preconceito racial; (b) as linhas de classe não eram rigidamente definidas a partir da cor; (c) os mestiços se incorporavam lenta mas progressivamente à sociedade e à cultura nacionais; (d) os negros e os africanos tendiam paulatinamente a desaparecer, dando lugar a um tipo físico e a uma cultura propriamente brasileira. (2004. p.14-16)

Florestan Fernandes (2007), analisando os efeitos do “mito da

democracia racial” em São Paulo, na década de 1950, considerava que em

consequência do trabalho escravo, era presumível que a concentração de

prestígio social e poder seria um fenômeno amplamente difundido. Contudo a

pesquisa empreendia por ele constatou que “a extrema desigualdade racial

existente em São Paulo vem a ser mais geral do que se supõe, repetindo-se

em outras unidades da federação” (FERNANDES, 2007, p. 28). Segundo ele o

estudo comprovaria a realidade na qual a miscigenação e possível

enquadramento do “negro e do “mulato” na sociedade, não se refletiram nas

dimensões econômicas e educacionais.

Em conseqüência, temos de admitir que o mito da democracia racial fomenta outros mitos paralelos, que concorrem para esconder ou “para enfeitar a realidade”, e que esses mitos são perfilhados sem base objetiva, mesmo pelos “negros” e pelos “mulatos”. Se as evidências pertinentes à Bahia, Pernambuco e Minas Gerais, por exemplo, suscitam reflexões amargas, o que dizer dos dados relativos ao Rio de Janeiro. (FERNANDES, 2007, p. 28)

1.3. Processo de Exclusão Racial no Brasil

De acordo com o historiador Luis Felipe de Alencastro, o Brasil foi o país

27

que quantitativamente mais transladou africanos para suas terras, e que por

mais tempo os manteve em regime de escravidão. O estudioso demonstra que,

do total de 11 milhões de deportados para as Américas, um número próximo de

44% (5 milhões) aportaram em territórios de colonização portuguesa, no ínterim

de três séculos (Alencastro, 2010, p.1). Este imenso contingente de seres

humanos, no pós-abolição, viu-se sem qualquer mecanismo de acesso a

educação e trabalho; pelo contrário, um cenário social perverso para a

população afrodescendente foi intensificado e generalizado.

Deixar os negros à própria sorte,foi sim vontade governamental. Aos negros negou-se terra e educação, as duas únicas fontes de ascensão social e promoção da dignidade humana da época. Em uma franca política de branqueamento da população, optou-se por trazer imigrantes europeus, que chegaram aqui tão pobres quanto os nossos negros, mas deu-se aqueles o que se negou a estes. (Quaresma, Sustentação Oral STF, ADPF186, p.1)

O fim tardio da escravidão e o advento da república suscitou um

incômodo na elite nacional, no que concerne ao processo de integração do

negro, no aspecto simbólico e material no novo modelo de sociedade que

estava em desenvolvimento. Segundo Antonio S. Guimarães (2000, p.26), as

soluções nacionais para a materialização desta integração foram “ridículas e

cínicas”, congruentes ao processo de socialização do negro, descortinado até

os dias de hoje.

[...] as elites se queixavam e se envergonhavam de não contarem com um povo branco e homogêneo como elas. Um povo pervertido pela escravidão, diziam alguns; pela raça, diziam outros; pelo primitivismo cultural, diziam ainda outros. (GUIMARÃES, 2000, p.26)

Florestan Fernandes (2007) demonstra que a expansão da escravidão

foi restringida pela estagnação econômica, mas mesmo neste cenário era

possível encontrar negros ou mulatos ocupando a posição de trabalho como

escravos libertos ou homens livres. No entanto o processo de concorrência

com o imigrante destitui estes grupos destes encaixes profissionais,

fundamentalmente das posições mais vantajosas. Também comprometeu a

integração do negro em novas oportunidades de ascensão social. Por isso

Florestan Fernandes considera que a nossa “revolução burguesa” foi

profundamente prejudicial, tanto para o negro quanto para o mulato. Nos meios

28

rurais e tanto mais nos meios urbanos, entre o fim do século XIX e a terceira

década do século XX, os novos libertos padeceram indiscriminadamente de

toda natureza de percalços e mazelas sociais, decorrentes sobretudo de uma

negligência deliberada do estado.

A Abolição não afetou, apenas, a situação do escravo. Ela também afetou a situação do “homem livre de cor”. Na verdade, a Abolição constituiu um episódio decisivo de uma revolução social feita pelo branco e para o branco. Saído do regime servil sem condições para se adaptar rapidamente ao novo sistema de trabalho, à economia urbano-comercial e à modernização, o “homem de cor” viu-se duplamente espoliado. Primeiro, porque o ex-agente de trabalho escravo não recebeu nenhuma indenização, garantia ou assistência; segundo, porque se viu, repentinamente, em competição com o branco em ocupações que eram degradantes e repelidas anteriormente, sem ter meios para enfrentar e repelir essa forma mais sutil de despojamento social. Só com o tempo é que iria aparelhar-se para isso, mas de modo tão imperfeito que ainda hoje se sente impotente para disputar “o trabalho livre na Pátria livre”. (FERNANDES, 2007, p. 47)

Robert Conrad (1975) evidencia que o grande debate em 1888, a

despeito da necessidade de reparação histórica para os libertos, estava

circunscrito a indenização que certamente seria exigida pelos senhores

escravocratas, que postulavam o direito legal sobre o bem material, tal como

era considerado o escravo.

A principal questão ainda aberta a debate em março de 1888 era a indenização, que seria pedida, por certo, por muitos senhores que mantinham seu direito legal aos escravos e ainda esperavam salvar alguma coisa das ruínas do sistema. Estes poucos problemas e controvérsias, contudo, viriam a ser varridos pelo colapso da escravatura e pelo desejo generalizado de uma solução sem compromissos para toda a questão. (...) Alguns fazendeiros e seus representantes em comunidades de toda a nação também pediram indenização por sua propriedade perdida e seu porta-voz, o Barão de Cotegipe, respondeu a seus pedidos com a introdução de um projeto no Senado, em 19 de junho, pedindo-lhe que autorizasse a emissão de títulos no valor de 200 mil contos (o equivalente, então, de cerca de 20 milhões de libras) para reembolsar os antigos proprietários de escravos. (CONRAD, 1975, p.p. 320 e 334)

Deste modo a desagregação do regime servil não inseriu o negro no

sistema de relações de produção, então em desenvolvimento. Reproduziu-se

uma lógica caracterizada pela submissão e subjugação a processos sociais

destrutivos. A degradação humana era o panorama para os novos libertos, pois

29

considerando que no epílogo do regime escravocrata e sua transição para o

trabalho livre, antigos senhores e a sociedade como um todo, esquivaram-se

de suas responsabilidades. Instituições poderosas, como a Igreja e o poder

judiciário, não formularam e tampouco efetivaram estruturas para uma

integração efetiva para os libertos, no sentido de realmente emancipá-los. Rui

Barbosa (1899, p. 74) asseverou que a efetivação da abolição, da maneira

como foi estabelecida era uma “ironia atroz”, desta forma antecipava a

realidade sub-humana na qual os afro-brasileiros seriam mantidos.

Era uma raça [a escrava] que a legalidade nacional estragara. Cumpria às leis nacionais acudir-lhe na degradação em que tendia a ser consumida e se extinguir, se lhe não valessem. Valeram-lhe? Não (...) Executada, assim, a abolição era uma ironia atroz. Dar liberdade ao negro, desinteressando-se, como se desinteressaram da sua sorte, não vinha a ser mais do que alforriar os senhores. (…) O Escravo emancipado, sua família, sua descendência encharcaram putrescentes no desamparo em que se achavam atascados. (…) Era uma segunda emancipação que se teria de empreender, se o abolicionismo houvera sobrevivido à sua obra, para batizar a raça libertada nas fontes da civilização. (BARBOSA, 1919 p. 74,75)

Ronaldo J. A. Júnior (2005) também ressalta este processo de abandono

do negro, durante e após a abolição, estabelecendo uma analogia com a

realidade do índio, destaca que para o negro africano não foi dinamizada

qualquer espécie de suporte social.

Mesmo depois da expulsão dos jesuítas, o que desfalcou notavelmente a obra missionária, pois as demais Ordens não souberam ou não puderam suprir a falta, o estatuto dos índios, embora longe de corresponder ao que deveria ter sido em face da legislação vigente, e cujas intenções eram justamente de amparar e educar este selvagem que se queria integrar na colonização, ainda contribuiu para manter o indígena afastado nas formas mais deprimentes da escravidão; e se não lhe proporcionou grandes vantagens e progressos materiais, concedeu-lhe um mínimo de proteção e estímulo. Mas para o negro africano, nada disto ocorreu. As ordens religiosas, solícitas em defender o índio, foram as primeiras a aceitar, a promover mesmo a escravidão africana, a fim de que os coionos, necessitados de escravos, lhes deixassem livres os movimentos no setor indígena. O negro não teve no Brasil a proteção de ninguém. Verdadeiro “pária” social, nenhum gesto se esboçou em seu favor. E se é certo que os costumes e a própria legislação foram com relação a ele mais benignos na sua brutalidade escravista que em outras colônias americanas, tal não impediu contudo que o negro fosse aqui tratado com o último dos descasos no que diz respeito à sua formação moral e intelectual, e preparação para a sociedade em que à força o incuíram. Estas não iam além do

30

batismo e algumas rudimentares noções de religião católica, mais decoradas que aprendidas, e que deram apenas para formar, como suas crenças e superstições nativas, este amálgama pitoresco, mas profundamente corrompido, incoerente e ínfimo como valor cultural, que sob o nome de “catolicismo”, mas que dele só tem o nome, constitui a verdadeira religião de milhões de brasileiros; e que nos seus caracteres extremos, Quirino, Nina Rodrigues, e mais recentemente Artur Ramos, trouxeram à luz da sombra em que um hipócrita e absurdo pudor a tinham mantido. (JÚNIOR, 2005, p. 276).

Robert Conrad (1975) aponta que a realidade imediata, no pós-abolição

não transformou decisoriamente a vida dos libertos, pelo contrário, era possível

constatar uma quase fiel reprodução da realidade anteriormente vislumbrada

no período escravista.

A situação no interior, além do mais, não era tão idílica quanto João Alfredo a descrevera. Mais de um ano após a abolição, André Rebouças ainda deplorava a persistente existência de relações rurais muito semelhantes áquelas que haviam sido conhecidas por gerações de brasileiros. Antigos escravos ainda continuavam sendo fechados nos seus alojamentos durante a noite, ainda eram açoitados e colocados no tronco e seu pagamento eram uns meros 100 reis por dia. A realização abolicionista, na realidade, ainda não fora terminada e estava ameaçada por “uma reacção escravocrata...militante”, insinuou ele com uma amargura que foi característica de seus últimos anos, tendo dado o que ele pensava serem explicações: A escravatura no Estados Unidos fora destruída pela guerra, mas, no Brasil, o problema fora resolvido “entre flores”. Assim, tornara-se um “Ideal Brasileiro” de que seria “pela propaganda, pela convicção, pelo estimulo, pelos enthusiasmos nobres” – através de um processo de evolução – que os sistemas da exploração humana herdados do passado seriam eliminados. Um tal processo, acreditava ele, obviamente, seria demasiado lento e demasiado dispendioso em termos humanos. (CONRAD, 1975, p. 334-335)

Desta forma, no processo pós-abolição, percebeu-se a intensificação da

imigração de europeus para o Brasil, movimento que reduziu sobremaneira a

participação dos libertos nas atividades básica da economia livre. A importação

da mão de obra do velho continente tinha como finalidade reduzir, se não

esgotar, os estoques de sangue negro. Como sugere Evandro P. Duarte:

Os abolicionistas, em verdade, em 1883, “..queriam era uma pais onde, atraída pela franqueza das nossas instituições e pela liberdade de nosso regime, a imigração europeia traga sem cessar para os trópicos uma corrente de sangue caucásico, vivaz, enérgico e sadio, que possam absorver sem perigo. (2008, p. 39)

Edward Telles (2003, p. 46) ressalta que os cientistas eugenistas e suas

31

teorias de branqueamento calaram fundo nas aspirações brasileiras de uma

pátria branca. A partir de então, foi estruturada uma política de imigração com o

objetivo precípuo de “melhorar a qualidade” dos trabalhadores. O autor aponta

que o estado de São Paulo, articulado com os fazendeiros de café, fomentou

decisoriamente a imigração de europeus, em total detrimento ao agrupamento

de libertos negros. Além disso, a finalidade deste processo era inserir os

estrangeiros como “agentes civilizadores”, capazes de alterar os rumos do

destino do Brasil, até então fortemente marcado pela presença negra.

O estado de São Paulo em particular, em conluio com os fazendeiros de café, encorajou, recrutou e subsidiou a imigração européia, enquanto o governo federal restringia a imigração asiática até 1910. Esta nova leva de mão-de-obra substituiu a população de ex-escravos africanos em lugares como São Paulo, ao mesmo tempo que agia como um “agente civilizador”, embranquecendo o pool genético brasileiro. Esperava-se que os imigrantes brancos acabassem se mesclando à população nativa, de modo a diluir a grande população negra. Mesmo com o fim da escravidão, os trabalhadores negros e mulatos permaneceram economicamente marginalizados e esquecidos pelo Estado e pelos antigos patrões. (TELLES, 2003, p. 46)

Ainda Andreas Hofbauer (2006) demonstra que a ideologia do

branqueamento no Brasil esta correlacionada a relações de poder

patrimonialistas, que visaria desarticular e inibir mobilizações coletivas por

parte dos não-brancos. A construção social do branqueamento teria reificado

padrões de hegemonia atrelados aos dominantes, atendendo a finalidade de

dividir para melhor dominar.

Argumentei ainda que a persistência da ideologia do branqueamento no Brasil está relacionada às relações de poder patrimonialista que têm marcado profundamente a história do país. A ideologia do branqueamento traz em si um enorme potencial de abafar, inibir reações coletivas da parte dos “não-brancos”, uma vez que os induz a aproximar-se do padrão hegemônico. E ao induzi-los a negociar individualmente certos privilégios (por exemplo, a carta de alforria, um melhor salário), contribui para que os poucos “negros” que conseguem ascender socialmente se afastem da maioria dos “não-brancos” que não tiveram tanta “sorte” como eles. Essa negociação “caso a caso” tem evitado que os valores discriminatórios embutidos nesse esquema ideológico corram o risco de ser questionados e/ou criticados de forma coletiva. Assim, a ideologia do branqueamento atua no sentido de dividir aqueles que poderiam se organizar em torno de uma reivindicação comum e faz com que as pessoas procurem se apresentar no cotidiano o mais “brancas” possível. É por essa razão que se pode dizer que o ideário do branqueamento expressa uma recusa ou resistência histórica não apenas à

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essencialização dos conceitos de inclusão e exclusão, mas também à burocratização das relações sociais como um todo. (HOFBAUER, 2006, p. 408)

Andreas Hofbauer (2006) aprofunda o debate sobre o ideário de

branqueamento, e seus desdobramentos tanto no seio das elites como no

interior das camadas populares. Para ele quanto mais branco, menos exposto

aos efeitos da discriminação racial e maiores as chances de aceitação em uma

sociedade extremamente excludente.

As reflexões das elites espelhavam concepções de mundo e interesses políticos específicos e tinham respaldo também no imaginário popular. Vimos que, desde cedo, o ideário do branqueamento deitou raízes nas camadas populares. Procurar apresentar-se “o mais branco possível”, como uma estratégia para sofrer menos discriminação e ser, talvez, mais aceito, é um comportamento que podemos localizar entre escravos africanos já nos primórdios do colonialismo europeu (e, inclusive, mo medievo árabe-muçulmano). Uma prática que teve, aparentemente, certa continuidade no Brasil. Comentei ainda que vários viajantes europeus se mostraram surpresos com o uso ambivalente das denominações de cor de pele no Brasil. (HOFBAUER, 2006, p. 408)

Nesta esteira, a figura do imigrante foi alçada à condição de esperança

nacional de acelerado desenvolvimento; pois havia a concepção do trabalho

livre como elemento intrínsico ao povo europeu. Juntamente à branquitude,

havia um caráter de positividade, atrelado à cultura do continente europeu e à

ideias iluministas. Além disso, os estereótipos atribuídos aos negros tinham

fundamento na raça, neste sentido, branquear era necessário para o adequado

avanço da nação. Para Martiniano J. Silva (et al 2009, p.21) “o enfrentamento

do problema racial brasileiro seria, pois, identificado como exigência nacional e

associado ao princípio de que somente um país branco seria capaz de realizar

os ideais de liberalismo e do progresso”. Consoante a este ideário, nas

alocações de maior prestígio e afluência até as atividades braçais os brancos

ou estrangeiros passaram a ser a grande maioria.

Na mesma direção orientam-se os anúncios de jornais relativos a “empregados procurados” na segunda metade do século. A progressiva participação de alemães, italianos, poloneses ou seus descendentes na comunidade dos brancos levava a uma freqüência cada vez maior de anúncios procurando: “menino ou menina estrangeiro”, “criada alemã, “casal de estrangeiros”, “estrangeira para cozinheira”, ou outras verbalizações. (IANNI, 1962, p. 240, 241)

33

No panorama de transformação de um aglomerado agrário e patriarcal

em cidades urbanizadas á base de produção, o negro assumiu a

responsabilidade integral de sociabilizar-se, de maneira autônoma, mas sem

ferramentas educacionais e econômicas para tanto. Em outras palavras, houve

o passivo de uma dinâmica complexa de reeducação e adaptação aos ideais

de ser humano, pautados pela sociedade branca. Estas noções postulavam a

necessidade do trabalho livre e o funcionamento do regime republicano,

sistema social deslocado da realidade na qual foi confinado condicionado o

negro. A nova ordem político-social relegou o contingente liberto a uma nova

dinâmica, este foi preterido por intermédio de uma política estatal, com o

objetivo de inserir trabalhadores estrangeiros no mercado nacional. “Lembre-

se que o Brasil, desde o século XIX, havia vivenciado a experiência de o

Estado intervir, por intermédio da legislação, para favorecer a integração de

determinado segmento da população”, como ressalta Ronaldo J. A. Júnior,

(2005, p. 92).

Nem a dimensão racial dessa ação estatal é nova para o Brasil. A política imperial de estímulo à imigração de colonos brancos ao longo do século XIX e também a política de imigração da incipiente República brasileira demonstraram que a dimensão racial era priorizada na formulação de políticas públicas, sem que em nenhum momento de nossa história tivesse sido arguida a inconstitucionalidade dessas políticas com fundamento na suposta violação do princípio isonômico. O que é novo para o Brasil é a cor – preta – dos beneficiários da política estatal. (JÚNIOR, 2005, p.93)

Durante o transcurso do processo pós-alforria não foi efetivado qualquer

movimento no sentido de abolir verdadeiramente os reflexos da não inserção

do negro na sociedade e dos séculos de escravidão. Ações coletivas e

individuais foram desenvolvidas no sentido de manter o status desse grupo,

como cidadãos de segunda categoria. A perspectiva era superar o passado

escravista, e relegar socialmente o contingente liberto à condições subumanas,

como demonstra Otavio Ianni (1962):

O escravo ganha a liberdade e perde as garantias de subsistência que o regime lhe dava. Nesse sentido, essa foi a derradeira manifestação da condição alienada em que foram mantidos os escravos. Como a grande maioria destes não foi preparada nem tinha condições, como as tinham alguns da cidade e domésticos, para

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preparar-se para a liberdade de ganhar o seu sustento com o produto da fôrça de trabalho vendida livremente, a abolição foi uma espécie de lôgro a que alguns não resistiram, regredindo a um estado de anomia fatal. (IANNI, 1962, p. 255)

Contrariamente à adoção de medidas reparatórias visando atender a

responsabilidade histórica, o Estado buscou uma solução prática para a

questão do ex-escravo e recém liberto:

[...] substituir os negros por uma nova onda de trabalhadores importados, esses livres e brancos; embranquecer a nação pela substituição dos negros e pela mestiçagem sucessiva das gerações futuras. (GUIMARAES, 2000, p.26)

Florestan Fernandes (1964) analisou pormenorizadamente a imigração

dos europeus para a cidade de São Paulo, de acordo com ele o trânsito da

população recém liberta na nova estrutura social adotou um caráter de

completo cerceamento para o novo liberto. Neste contexto o negro

experimentou condições extremamente desvantajosas, em decorrência de sua

contínua substituição pela mão de obra estrangeira, por conseqüência nos

afazeres mais triviais o negro foi preterido.

No período em que as famílias dos fazendeiros paulistas começaram a fixar residência em São Paulo e em que se acentua a diferenciação do sistema econômico da cidade, o liberto se defrontou com a competição do imigrante europeu, que não temia a degradação pelo confronto com o negro e absorveu, assim, as melhores oportunidades de trabalho livre e independente (mesmo as mais modestas, como a de engraxar sapatos, vender jornais ou verduras, transportar peixe ou outras utilidades, explorar o comércio de quinquilharias. (FERNANDES,1964, p. 3)

Reforçando a percepção de exclusão do povo afro-brasileiro, os

industriais consideravam os imigrantes fator humano talhado para o trabalho

livre e assalariado. “Desse ângulo, onde o “imigrante aparecesse, eliminava

fatalmente o pretendente “negro” ou mulato, pois se entendia que ele era o

agente natural do trabalho livre.” (FERNANDES, 1964, p.42). No processo de

célere diminuição de oportunidades aos recém libertos, o imigrante

monopolizou as engrenagens de ascensão social, umbral para inserção e

desenvolvimento na sociedade de classes.

Restará aos antigos escravos, conforme demonstra Fernandes (1964),

35

compor o segmento extremamente marginalizado da sociedade e adentrar em

um ciclo de ostracismo social, caracterizado pelo ócio e a criminalidade. Neste

contexto a possibilidade de acesso e desempenho do trabalho livre se afastou

decisivamente dos libertos. Corroborando assim a noção de inaptidão a este

novo modelo produtivo e a necessidade urgente da substituição desta mão de

obra. “Se o escravo, como instrumento de trabalho, é imprestável, trate o

proprietário de substituí-lo por outro mais profícuo ou, pelo menos, utilize-se

dele segundo as atuais condições de trabalho”. (FERNANDES, 1964, p. 52 e

53).

“Não há fugir ao império irresistível dos fatos sociais: a exploração das grandes fontes de nossa riqueza é já o apanágio do homem livre, não do homem escravo. E ao passo que a introdução do estrangeiro para cooperar na nossa produção nos acalenta de esperanças e nos anuncia uma nova era de prosperidade cada vez mais crescentes, fazendo-nos inauditos progressos não só na indústria até hoje explorada, a indústria agrícola, senão também manufatureira e fabril, e em todas as manifestações da atividade social.” (O Correio Paulistano apud FERNANDES, 1964, p. 52 e 53)

O sistema e a ordenação política de então, tinha como finalidade a

completa substituição do trabalho escravo, incluindo a mão de obra branca,

para dar conta deste intento. Ocupações de afluência e poder, estariam por

óbvio, completamente inacessíveis às populações não-brancas, e nesta esteira

os centros urbanos, em desenvolvimento acelerado, tornavam-se lugares

inóspitos para estes grupos populacionais.

O imigrante aparece como o lídimo agente do trabalho livre e assalariado, ao mesmo tempo em que monopoliza, praticamente, as oportunidades reais de classificação econômica e de ascensão social, abertas pela desagregação do regime servil e pela constituição da sociedade de classes. (FERNANDES, 1964, p. 44)

A importante transformação ocorrida no seio da sociedade brasileira foi

marcada pela extinção formal da relação de servidão e a instituição da

estrutura contratual. Não obstante, quanto aos encaminhamentos práticos e

concretos para real democratização dos direitos e deveres de todos os

cidadãos, as instituições eximiram-se integralmente. Este sistema de

indefinição jurídica foi prejudicial para os imigrantes brancos, mas foi

decisivamente nocivo para o negro. Sem qualquer garantia de reparação

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histórica, pois tanto o direito individual como a sociedade hierarquizada

racialmente, estabeleciam franco conflito com a expansão dos princípios

republicanos e liberais, objeto de teoria, mas de fato longe da realidade

nacional. Nesta dinâmica, a lógica de protelar a solução da questão racial, foi o

caminho utilizado pelas autoridades nacionais.

[...] Contudo, deixou-se ao curso natural das relações humanas a determinação do que isso poderia significar, em situações concretas, como democratização efetiva dos direitos e deveres fundamentais dos indivíduos, garantidos juridicamente. Se isso foi prejudicial aos trabalhadores brancos estrangeiros ou nacionais, e se corrompeu pela base os próprios fundamentos jurídicos e morais da ordem contratual (a eficácia do contrato a depender amplamente, na prática, do status e do poder relativo das partes, para o “negro” as conseqüências foram piores. Sem as garantias de reparação materiais e morais escrupulosas, justas e eficazes a Abolição equivalia – nas zonas de vitalidade da lavoura cafeeira – a condená-lo a eliminação no mercado competitivo de trabalho ou no mínimo, ao aviltamento de sua condição, como agente potencial de trabalho livre. Longe de equipará-lo ao trabalhador assalariado branco, estrangeiro ou nacional, expunha-o fatalmente, de modo previsível e insanável, ao desajustamento econômico, à regressão ocupacional e ao desequilíbrio social. (FERNANDES, 1964, p.59)

Os novos libertos sofreram, como foi dito, a exclusão do sistema de

trabalho assalariado além dos preconceitos raciais operantes no modelo social

em desenvolvimento. Estes não eram considerados aptos à lógica do trabalho

remunerado, não desfrutando qualquer dimensão com o trabalhador branco de

origem nacional ou estrangeira. Como conseqüência deste processo,

observou-se à ruína econômica e social deste povo. Carvalho (2005) ressalta

tal enfoque apontando a posição e o status do negro em 1888.

[...] Lembremos que em 1888, ano da abolição da escravatura, os brancos (e aqueles não-brancos que se incorporaram na sociedade): eram os proprietários das terras e dos meios de produção; controlavam o comércio interno e externos, a alta burocracia, o judiciário, o exército e a polícia; detinham o poder político e dominavam as profissões liberais, como Medicina e Engenharia. E esse controle de quase todos os espaços jamais saiu de suas mãos. Quanto aos negros, estavam confinados às atividades de baixo prestígio e de difícil acumulação de riqueza, como as tarefas agrícolas e os trabalhos manuais de menor qualificação. Nas primeiras décadas dos século XX aqueles pequenos nichos de trabalho qualificado que os negros haviam adquirido foram deles retirados e transferidos para os imigrantes europeus, numa política deliberada de embranquecer todos os espaços de poder e importância no país. Já na década de trinta foram criadas e consolidadas mais instituições de ensino superior, pelos brancos e

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para os brancos: novas redes do ensino, da pesquisa e da expansão e melhoria das profissões liberais foram formadas e reproduzidas desde então, sempre entre os brancos. (CARVALHO, 1995, p.60)

Tal sistema social manteve o ex-cativo na mira de todas as forças

estatais e privadas de repressão, o carimbo de seres potencialmente

destrutivos e perigosos foi-lhe impingido indelevelmente. Havia alguma

esperança de inserção social mais adequada, quando conseguiam integrar

grandes famílias brancas, embora tal perspectiva apresentasse inúmeros

contratempos, visto que a natureza da sociedade era desigual e fechada. No

regime de classes em desenvolvimento faltou aos emancipados autonomia

econômica, social e política para uma transformação efetiva no panorama

histórico e social (Fernandes, 1964). Esta nova ordem foi tão nefasta para o

negro, que destituiu de sentido o saber laboral que anteriormente executava na

sociedade escravocrata. A partir do momento em que o sistema servil

desmantelou-se por completo, sob as injunções do trabalho livre, o negro foi

relegado ao quase total ostracismo, pois o novo arranjo social tratou de

subsumir com sua valorização no desempenhar determinadas atividades,

atrelado ao regime escravocrata. Desta forma não foi oferecido instrumentos de

qualificação, ao escravo, para que de fato pudesse ser agente do trabalho livre.

Celso Furtado (2004) aponta também as dificuldades materializadas no

pós- abolição, quando os libertos abandonavam o engenho e por conseqüência

enfrentavam grandes percalços para garantir sua subsistência. Esta realidade

contribuiu, para que grande parte deste grupo mantivesse padrões de

desenvolvimento social similares ao contexto do período escravocrata.

Os escravos liberados que abandonaram os engenhos encontraram grandes dificuldades para sobreviver. Nas regiões urbanas pesava já um excedente de população que desde o começo do século constituía um problema social. Para o interior a economia de subsistência se expandira a grande distância e os sintomas da pressão demográfica sobre as terras semi-áridas do agreste e da caatinga se faziam sentir claramente. Essas duas barreiras limitaram a mobilidade da massa de escravos recém-liberados na região açucareira. Os deslocamentos se faziam de engenho para engenho e apenas uma fração reduzida filtrou-se fora da região. (FURTADO, 2004, p.144)

O desiderato da sociedade branca no processo de inclusão do negro,

visava resguardar privilégios, benesses e manter o povo alforriado, no

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minguado desenvolvimento social e econômico. O “medo branco”,

caracterizado pela inconsistência de propostas para integrar humanamente os

libertos, era sempre um fantasma, que gravitava em torno dos escravocratas.

Este processo fica caracterizado na passagem de Célia M. Azevedo (2008):

O Brasil recém-independente herdaria por seu turno estas incômodas pressões da nação capitalista mais poderosa de então, já consideravelmente aumentada. Também caberia ao novo país uma outra herança, igualmente decisiva para que se começasse a pensar na necessidade de se extinguir a escravidão. Era o grande medo suscitado pela sangrenta revolução em São Domingos, onde os negros não só haviam se rebelado contra a escravidão na última década do século XVIII e proclamado sua independência em 1804, como também – sob a direção de Toussaint l’Ouverture – colocaram em prática os grandes princípios da Revolução Francesa, o que acarretou transtornos fatais para muitos senhores de escravos suas famílias e propriedades. (AZEVEDO, 2008, p.28)

Um dos mecanismos utilizados, objetivando a contínua dominação, foi

obstar a união e solidariedade entre escravos e na continuação do processo de

abolição, entre libertos. Este procedimento era essencial para manutenção do

equilíbrio social, estruturado na submissão e dependência dos agentes de

trabalho do regime escravista. Concomitantemente a esta realidade,

articularam-se estruturas punitivas e fiscalizadoras, em sinergia com castigos

de toda natureza, (Fernandes, 1964). Neste sentido, o branco sempre

amedrontado com as possibilidades de revolta do povo negro, obstaculizou

qualquer forma de organização e desenvolvimento. Gestores dos meios de

repressão, não vacilaram em utilizá-los como sistemática de controle social.

Por isso, todas as formas de união ou de solidariedade dos escravos eram tolhidas e solapadas, prevalecendo a consciência clara de que só através da imposição de condições anômicas de existência seria possível conseguir e perpetuar a submissão dos cativos e a dependência fundamental dos libertos. Ao mesmo tempo todo um refinado e severo sistema de fiscalização e de castigos foi montado para garantir a subserviência do escravo e a segurança do senhor, de sua família ou da ordem social escravocrata. (FERNANDES, 1964, p.73)

Os efeitos deste amplo e complexo processo de cerceamento social, foi

a conformação de uma realidade onde o contingente afro-brasileiro

permaneceu privado de direitos legítimos e bens sociais por conta da violência

praticada e reproduzida de todas as formas. Nas palavras de Fernandes

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(1964), “Sob a aparência da liberdade, herdaram a pior servidão; que é a do

homem que se considera livre, entregue de mãos atadas à ignorância, à

miséria, à degradação social.” (Fernandes, 1964, p76). Calcadas na bandeira

da igualdade civil, mas sem a necessária equidade material, o agrupamento

afro-descendente não mais contava sequer com a pseudo-solidariedade dos

brancos. Como destaca o economista Hélio Santos, (2000):

[...] A polícia militar, também, a partir daí, se desenvolve mais. A repressão policial cresce aos poucos contra aqueles que de escravo-trabalhador adquirem o status de trabalhador-escravo; órfão de direito e estigmatizado por 350 anos de escravismo. (SANTOS, 2000, p.58)

A desconstrução cultural, religiosa e identitária também foi uma das

estruturas mobilizadas para barrar as formas de organização do povo negro.

Sem mecanismos para manter valores culturais próprios, aspectos religiosos

foram perdidos, esquecidos ou pervertidos, em favor dos interesses brancos.

Desestruturando a necessária coesão favorecida por alguns cultos e, por

conseguinte a deformação de uma identidade coletiva e grupal. A lógica

reinante era a sistemática perseguição a manifestações religiosas, na

perspectiva de desfigurar heranças culturais e categorias civilizatórias, desta

perspectiva Florestan Fernandes (1964), nos apresenta o debate.

As transformações sofridas pela macumba ilustram cabalmente essas interpretações. Não possuindo autonomia social para se associar através de valores culturais próprios, de cunho autenticamente “sagrado” e “tradicional”, a “população negra” perdeu a possibilidade de zelar pela pureza de seus cultos e acabou assistindo à perversão da macumba pelo branco. Em conseqüência, deixou de se beneficiar das funções construtivas desses cultos, que requerem um mínimo de aglomeração e favorecem ao negro oportunidade de afirmação pessoal ou coletiva, por meio da vida social organizada. (Fernandes, 1964, p. 86)

As evidências são significativas e somam ao entendimento de que a

sociedade brasileira no pós-abolição, não obteve êxito em materializar

estruturas efetivamente integradoras para os negros. Os atuais reflexos desse

processo são totalmente perceptíveis, neste sentido podemos refletir sobre a

olvidada reparação histórica e quais caminhos deveriam ter sido trilhados para

sanar este passivo social. Além disso, as AAR estariam cumprindo

adequadamente o papel tardio de integração social dos descendentes de

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escravos? Cabe lembra que o atual Senador Paulo Paim, quando Deputado

Federal (PT/RS), apresentou projeto de lei que postulava como forma de

reparação, cento e dois mil reais para cada descendente de escravos no Brasil.

Segundo Ronaldo A. Júnior (2005), o projeto de lei tramitou com o número

1.239, de 1995. O debate sobre justiça e reparação histórica foi sempre

extremamente complexo, não obstante profundamente necessário.

Florestan Fernandes (2007) indica a necessidade dos gestores criarem

alternativas para a real integração do negro. Estas soluções deveriam

abranger escolarização, nível de emprego e deslocamento de populações.

Juntamente com estas dinâmicas seria necessário um combate à miséria e

seus desdobramentos. O pesquisador ressaltava também que os “brancos”,

não deveriam mais se valer da assertiva de que o Brasil gozaria de uma

“democracia racial”, sem articular estruturas práticas e concretas para

concretizar esta democracia.

É preciso que se compreenda que uma sociedade nacional não pode ser homogênea e funcionar equilibradamente sob a permanência persistente de fatores de desigualdade que solapam a solidariedade nacional. Além disso, tem de evoluir para noções menos toscas e egoísticas do que vem a ser uma democracia. Nada disso se conseguirá dentro de um prazo curto, porém, através dos efeitos da mudança social espontânea. O que ela podia produzir está patente e mostra que, em vez de eliminarmos as contradições, aumentamos as tensões antigas e criamos outras novas, de potencialidades destrutivas ainda maior. Convém, pois, que se inicie um programa nacional voltado para o dilema social das minorias que não tem condições autônomas para resolver rapidamente os problemas de sua integração à ordem econômica, social e política inerente à sociedade nacional. (FERNANDES, 2007, p. 52)

As recomendações de Florestan Fernandes se imbricam complexamente

nas atuais demandas sociais e raciais da sociedade brasileira. As mesmas

dinâmicas perversas e secularmente hegemonizadas no nosso contexto,

decorrentes do racismo, ainda são sistematicamente naturalizadas. O

antropólogo José J. de Carvalho em reunião do CEPE da UnB, em 17 de

novembro de 1999, à propósito da discussão sobre a implementação de cotas

raciais, demarcava que embora os intelectuais brasileiros e a academia já

detivessem um conhecimento profundo sobre todos os detalhes das relações

raciais no Brasil, o grande paradigma seria materializar ações concretas. Em

outras palavras, mecanismos de reparação para os afrodescendentes, “O que

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não conseguimos fazer é passar para uma ação concreta.” (Documentário,

Cotas na UnB, 2004).

Capítulo 2 Universidade Pública, elitização e Ações Afirmativas

2.1. Universidades públicas, sob o signo da elite e do eurocentrismo

As relações de poder inerentes às universidades públicas, parecem ter

estado sempre sob o signo da brancura e da europeização, conformando assim

o ethos destas instituições. Estes centros parecem ter reproduzido fielmente

lógicas de exclusão social e racial, consoante a dinâmicas de discriminação

existentes em tantas outras instituições de prestígio no Brasil. Neste aspecto,

esta brancura que caracterizava o público das nossas academias, não era

questionado com seriedade pela elite pensando, tampouco percebeu-se esta

realidade como reflexo patente da história mal resolvido do negro no Brasil;

caracterizada como sabemos pelo completo descaso das autoridades em

relação a inserção e elevação do patamar social deste grupo. Desta maneira

cabe uma reflexão com acuidade sobre a plêiade que orientou filosoficamente

o desenvolvimento de nossas instituições de saber de ensino superior, já que

no contexto brasileiro do discurso de harmonia e integração entre as raças não

foi consolidado uma efetiva integração dos negros na sociedade e muito menos

nos espaços de afluência e poder, valendo-se da construção teórica de João

Feres Júnior: “Para justificarmos ação afirmativa estatal basta constatar que em

nossa sociedade grupos específicos de pessoas são sistematicamente

marginalizados e alijados de posições de maior prestígio e afluência.”

(JÚNIOR, 2010, p. 3)

A ocupação dos espaços de prestígio e poder, como as universidades,

por um tempo significativo manteve-se distanciado da grande maioria da

população. Mas intelectuais sustentavam que o discurso da democracia racial

suplantou por tempo significativo a ideia de que diferenciações baseadas na

raça não interferiam no desenvolvimento educacional das classes sociais. Este

discurso produzido nos anos trinta foi atrelado à ideia de democracia racial,

amparado na literatura de Gilberto Freyre. Contudo algumas linhas acadêmicas

de interpretação suscitam polêmica sobre a funcionalidade dos estudos de

43

Freyre. José J. de Carvalho (2004) traz à baila o fato de que Freyre não

apresentou uma solução real e concreta para o problema do racismo e

exclusão de diversos segmentos sociais em nosso país.

Por muito tempo estabilizou-se no Brasil uma imagem de um país que foi muito favorável a uma parte de nossa população branca. Essa imagem de um país cordial, que vivesse uma democracia racial, uma estabilidade e uma leveza de comportamentos raciais, funcionou durante muitos anos. Provavelmente ela foi estabilizada nos anos trinta, tendo como figura central na construção desse discurso da nação brasileira o grande escritor Gilberto Freyre, cuja obra continua circulando como referência obrigatória. A questão é que Freyre não ofereceu uma solução real: ele apenas criou uma solução discursiva para um problema que não se resolveu nunca no Brasil, que é o racismo e a inclusão étnica e racial. (CARVALHO, 2004, p. 2)

José J. de Carvalho (2004) sustenta que a elite brasileira não consolidou

uma inclusão e descolonização das universidades. Para ele a década de trinta

era o momento ideal para efetivação da democratização do acesso ao ensino

superior. Mas os dirigentes das instituições e integrantes da elite simplesmente

reproduziram em todos os espaços o discurso de Freyre, valendo-se da

proposta teórica do intelectual como ferramenta para manutenção de

privilégios. Após a criação de importantes universidades e respeitados centros

de produção do conhecimento científico, o país não empreendeu uma

discussão séria sobre a inclusão racial e social. Reproduzindo a mesma lógica

de elitização, como destaca o professor Carvalho.

Quando no início dos anos 30, foi criada a Faculdade Nacional de Filosofia (mais tarde Universidade do Brasil), a questão racial não foi discutida e confirmou-se, pela ausência de questionamento, de que estaria destinada a educar a mesma elite branca que a criara, contribuindo assim para sua reprodução enquanto grupo. Analogamente, a Universidade de São Paulo (USP) foi criada na mesma década sem que seus fundadores questionassem a exclusão racial praticada no Brasil e consolidou-se, desde então, como outra instituição de peso destinada a ampliar a elite intelectual branca do país. (CARVALHO, 2005, p. 20)

O debate, sobre a elitização acadêmica, ganha outros contornos a partir

da constatação de que o acesso a estes espaços era hegemonicamente

branco. Neste aspecto Carvalho (2005) questiona se a obra de Freyre, em

alguma medida, representou efetivamente a realidade ou foi uma projeção de

um ideal de nação. Ao perscrutarmos as dinâmicas operantes nas

44

universidades ao longo de sua trajetória, constata-se que negros, índios e

pobres, em geral não dispunham de instrumentos (capital cultural e econômico)

para penetrar nestes espaços. Por consequência a noção de democracia racial

passa a ser questionada, demonstrando, em certa medida, que as riquezas de

nosso país, por longo tempo beneficiaram segmentos bem definidos.

As cotas incidem sobre o nosso universo, onde mantemos nossos privilégios de brancos, o que esta em questão é decidir se vamos finalmente aceitar dividi-los como os negros ou se vamos permanecer controlando o acesso a 99% dos recursos de que dispõem as nossas instituições acadêmicas. (CARVALHO, 2005 p. 243)

Carvalho (2005) mostra as agitações no ano de 1950 por parte do

movimento negro, principalmente no jornal Quilombo, capitaneado por Abdias

do Nascimento, que pautavam a necessidade de criação das AAR como

ferramenta para universalizar a educação pública e um desmonte do caráter

elitista das universidades. Neste período a proposta era que os estudantes

negros entrassem como bolsistas nos centros de estudo e formação,

subsidiados pelo Estado. Neste sentido as AAR cumpriram também a finalidade

de denunciar uma lógica histórica que imperava em diversos espaços públicos

de poder no Brasil, particularmente as universidades.

Enquanto a elite intelectual celebrava essa idéia de Casa Grande e Senzala, os índices de exclusão racial no Brasil continuavam alarmantes, como o são até hoje. A grande mudança, no momento presente, é que essa ideia de nação vai ter que se transformar, vai ser necessário uma mudança na maneira em que nos vemos enquanto sociedade nacional. (...) Gostaria de fechar essa primeira parte dizendo o seguinte: nós convivemos durante mais de cem anos com um dos índices de exclusão racial e étnica mais brutal do planeta na prática, e simultaneamente com uma imagem de nação completamente oposta a isso, de uma nação que fazia inveja a outras do mundo que achavam que aqui no Brasil, esse problema estava resolvido. Isso fez gerar em todos nós, acadêmicos, uma esquizofrenia monumental, que é a esquizofrenia da qual estamos procurando nos tratar no momento presente. (CARVALHO, 2005, pp. 2-3)

Um dos fatores que suscitam a perspectiva da elitização universitária no

Brasil destaca-se a partir da constatação de que estes centros produtores e

reprodutores raramente representaram a diversidade e multiplicidade étnica e

racial inerentes à população brasileira. E quanto mais alto o padrão da

academia, tanto mais improvável o acesso para a grande maioria dos

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brasileiros.

Quando a Universidade de Brasília olhou para dentro de si, no início do século 21, o que ela viu? Ou melhor excelências, o que ela não viu? Ela não viu alunos e professores negros na mesma proporção que existimos na sociedade. Éramos, historicamente, apenas 2% entre alunos e 1% entre os professores. (Quaresma, Sustentação Oral STF, 2010)

Este caráter elitista e branco das universidades brasileiras parece ter

sua gênese no projeto eurocêntrico na qual estas foram gestadas. “As

universidades públicas brasileiras são herdeiras, em sua auto-representação,

das universidades europeias do princípio do século XIX. Principalmente das

portuguesas, francesas e alemãs.” (CARVALHO, 2004, p. 4)

Kurz argumenta que na maioria dos cursos desse modelo clássico de universidade havia uma forte divisão qualitativa e ideológica. De um lado estavam os cursos técnicos, destinados exclusivamente para as classes trabalhadoras mais qualificadas da revolução industrial; e do outro, aqueles cursos que seriam destinados exclusivamente para a formação da classe dominante, que poderia se dar ao luxo de introjetar um saber não-prático, sustentado em si mesmo. Enquanto o saber técnico seria meramente utilitário, concebido e ensinado como exterior e colado às necessidades de reprodução da vida material, o outro serviria para formar um indivíduo com um mundo supostamente mais rico. Essa dicotomia entre um saber aplicado à indústria, à reprodução da vida, à acumulação do capital; e o saber que formaria o caráter da classe burguesa (e cujo modelo foi a formação aristocrática), foi levada adiante sem rupturas por dois séculos e foi ser expressa, até hoje, na oposição entre os cursos de Ciências Exatas, por um lado, e os de Humanidades, por outro, que é ainda nossa idéia-mestra organizadora do saber universitário. Ou para usar a elegante expressão de Pascal, a oposição entre o esprit geométrique e o esprit de finesse. (CARVALHO, 2004, p. 5)

A proposta de uma universidade segmentada e com um público bastante

definido parece ter sido articulada com a lógica do desiderato de

branqueamento do país, onde não havia qualquer perspectiva do

estabelecimento de um discurso de inclusão. Consequentemente não era

possível encontrar alunos negros, índios e tão pouco professores que

representassem estes segmentos nos ambientes de poder universitários.

Muitas vezes os poucos alunos negros que transitavam nas universidades

públicas eram imediatamente caracterizados como bolsistas africanos. Some-

se a este quadro o passivo de uma discussão séria sobre a função social das

universidades, em total detrimento disto, estas objetivaram unicamente à

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consolidação de uma elite política e econômica, visando sempre à manutenção

de privilégios, como Carvalho (2005) elucida.

As universidades ficaram fora porque o projeto das universidades brasileiras foi evidentemente um projeto eurocêntrico, era o orgulho das nossas universidades transladar para o Brasil o saber europeu e isso elas o fizeram sem nenhuma vergonha de dizer que disso se tratava. As universidades federais mais antigas do país (como vocês sabem a Universidade do Paraná é a mais antiga de todas; depois veio a UFRGS e depois a Universidade de São Paulo), são todas da década de trinta e todas tiveram um perfil completamente branco. E naquele momento inicial teria sido possível integrar negros e índios com muito mais facilidade e com eles teríamos formado os que depois se transformariam em professores das outras universidades. Mas isso não ocorreu. Naquele momento em que teria sido possível gerar uma discussão pública sobre a função social da universidade pública, seu papel ficou restrito apenas à formação da elite política e econômica do país – a do Rio Grade do Sul, do Paraná, de São Paulo e depois do Rio de Janeiro. A USP, para mim, seria o exemplo típico dessa universidade que se orgulha de ser completamente branca, completamente eurocêntrica até hoje e completamente reacionária à discussão das cotas raciais. Isso não é uma crítica às pessoas, mas à maneira como a instituição se constituiu e se definiu como uma pessoa abstrata na qual as pessoas concretas se espelham. (CARVALHO, 2005, p. 4)

Possivelmente por conta deste sistema importantes intelectuais negros

do Brasil ficaram fora deste projeto universitário, caracterizado por uma espécie

de elitização branca e parca reflexão social. Guerreiro Ramos, sociólogo negro

oriundo da primeira turma de filosofia da UFRJ, declarou ter sofrido racismo por

parte de professores brancos da mesma instituição, quando encetou ocupar

cargo de docente na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Edison

Carneiro também não logrou êxito ao tentar lecionar na mesma instituição de

ensino (CARVALHO, 2005, p. 4). Estes exemplos, em certa medida, podem

elucidar a residual representação quantitativa dos docentes negros em nossas

universidades hodiernamente. Júnior (2010, p. 5) ressalta que “Por fim temos o

argumento da diversidade, segundo o qual todos os seguimentos sociais

devem estar representados nas instituições de prestígio, afluência e poder em

uma sociedade verdadeiramente democrática.”. Desta forma o baixo número e

em alguns casos inexistência de professores negros no ensino superior

depõem de maneira radical contra nossa democracia e corrobora a percepção

de uma universidade ainda significativamente elitizada com um viés racial.

Assim, a mesma rede branca original simplesmente se duplicou e se

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expandiu geometricamente. No momento presente, nós temos em média 0,5% de professores negros nas universidades públicas brasileiras. Em algumas, isso chega a um escândalo como o da USP que é de 0,2%. De 4.700 professores, nós não contamos 10 professores negros em toda a USP. A Universidade de São Carlos tem 670 professores e tem 3 professores negros, isso chega também a 0,2%. A UnB tem 1500 professores tem 15 professores negros, é 1%. A maioria chega a 1% como teto. É a mesma porcentagem de diplomatas negros: dos 1000 diplomatas do Itamaraty, apenas uns 10 são negros. Esta é a porcentagem da presença negra na elite brasileira. (CARVALHO, 2005, p. 5)

Martiniano J. Silva (1995) estabelece uma crítica ao caráter elitista e

racista das universidades brasileiras, apontando para uma homogeneização e

europeização de saberes veiculados por esses centros. Segundo ele os valores

acadêmicos atendem interesses de uma ideologia cultural dominante

profundamente europeia e norte americana com rasa penetração na realidade

brasileira. Nestes espaços e consoante a dinâmicas extra muros acadêmicos, o

racismo pode se mostrar de forma subjacente ou didático-pedagógicas, por

falas ou expressões estereotipadas.

Ou então surpreendem, como no exemplo abaixo transcrito, quando um mestre universitário, conduzindo no subconsciente o velho desejo de se arianizar o Brasil, ainda acha que o negro é um ótimo cidadão a ser mandado para guerra. Um tolerante soldado a ser bucha de canhão. Provocando uma série de constrangimentos a seus alunos, um professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Goiás (a notícia na página o Giro, do jornal Popular de Goiânia, de 05.01.80, não declina o nome) abruptamente observou: “Os Estados Unidos estão muito moles diante da crise do Irã. Eles deviam chutar todos aqueles pretos americanos em cima de Khomeini e acabar com essa história”. (SILVA, 1995, p. 134)

Martiniano J. Silva aponta ainda outra característica, por muito tempo

presente em nossos centros produtores de saber, que evidencia contornos

eurocêntricos com viés racista. A postura científica-acadêmica que enxergava

nos povos colonizados, particularmente negros e índios, meros experimentos

de pesquisa, desconsiderando por vezes, dimensões humanas e dramas

sociais deste contingente. A militante do Movimento Negro Sueli Carneiro em

documentário de nome Café com Leite, Água e Azeite, reforça a crítica, “A

academia foi sempre eficiente em expropriar o discurso da militância negra,

resignificá-lo, e devolvê-lo como produção própria.”

Embora muitos dos que assim vêem o negro se digam acérrimos inimigos do preconceito racial, por bem intencionados que sejam, só

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valorizam os aspectos pitorescos de sua comunidade, o que, como esclarece o autor citado, só contribuiu de certa maneira para retardar o processo de integração do negro ao seio da sociedade atual. Como ilustra Clóvis Moura, atualmente essa curiosidade transformou-se em simples interesse acadêmico, especialmente no plano de tese para obtenção de títulos de professores ou na conquista de cátedras: deixou de se visto como problema e passou a ser encarado como tema universitário. Ficou assim, desvinculado daquelas razões iniciais que imprimiam aos primeiros trabalhos sobre o negro um ethos interessado, operacional e participante. Quer dizer: até quando o povo negro é o escolhido como tema de tese universitária, de um modo geral não é visto como um problema sócio político a ter solução. É muito mais objeto de estudo sociológico ou antropológico, para enriquecimento de conhecimentos de estudos acadêmicos, o que revela a existência do racismo em sua conotação omissiva, que pode chamar-se também de “o preconceito de não ter preconceito”, conforme correta expressão de Florestan Fernandes. (SILVA, 1995, p. 135)

José J. de Carvalho (2004) aprofunda o debate evidenciando que o

relacionamento da academia com a sociedade, durante um longo período

apresentou um caráter de objetificação. Para ele mesmo a antropologia, que se

arvorava ferramenta de conhecimento das sociedades nativas, por intermédio

da alteridade, vai ao encontro do “outro”, por vezes, tendo em mente que estes

são meros objetos de estudo. Assim esta histórica perspectiva de análise não

coloca os grupos pesquisados em plano de igualdade, mas em uma hierarquia

vertical, com exclusiva finalidade de estudo. Não raro descartando a

possibilidade de troca e interação de saberes.

A consciência dessa objetificação tem crescido tanto ultimamente entre os excluídos que em uma discussão sobre cotas, no Rio de Janeiro em 2003, um estudante disse a um professor que era contra as cotas: “O senhor está com medo de que o micróbio assuma o microscópio?” Impressionante! Agora o micróbio vai assumir o microscópio! Já não vai ser mais o objeto, apenas, do olhar escrutinador e dissecador do professor. E isso conduz a um processo muito mais complicado de equacionar, que é construir os parâmetros para a legitimação de novos saberes – no caso, os saberes que os nativos, até agora objetificados, escolham como importantes para fazer do cânon acadêmico. Promover um envolvimento de mão dupla com as comunidades excluídas é o caminho para se propor esses novos saberes, até agora tidos como não-acadêmicos e torná-los legítimos. (CARVALHO, 2004, p.4)

Ao que parece este processo esta atrelado, como já foi dito, a uma base

bastante sólida de eurocentrismo, pautado em um modelo de academia

exclusivista de origem etnicamente homogênea. No processo de configuração,

ou nas palavras de Carvalho “transladação”, deste molde de academia

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européia para o Brasil vozes e visões de mundo foram silenciadas, como por

exemplo, as 180 línguas indígenas faladas no Brasil e pouco conhecidas nas

universidades (CARVALHO, 2004).

Infelizmente, nenhuma dessas línguas locais não-européias são ensinadas em nossas universidades. Em todas elas são ensinadas, quase que exclusivamente as línguas européias dos países de maior poder político e econômico: inglês, francês, italiano, espanhol, russo, polonês. O fato de o janponês (uma língua não-européia) ser ensinado em algumas universidades brasileiras talvez seja mais um reflexo do prestígio geral e do poder econômico daquele país na geopolítica mundial atual do que o fato de um idioma não-europeu falado no Brasil. (CARVALHO, 2004, p. 8-9)

Cássio M. dos Santos (1998) destaca que o acesso ao ensino superior

no Brasil, ao longo de sua história pode ser caracterizado em três momentos: o

primeiro onde há a “seleção entre muito poucos”, o segundo, a “seleção entre

poucos” e o terceiro momento a “seleção entre muitos”. Nesses períodos

observamos a inexistência de uma democracia de acesso aos bancos

universitários. Se em um primeiro momento de existência nossas instituições

universitárias eram compostas por um diminuto conjunto de estudantes, pela

exiguidade de postulantes que chegavam a este patamar; em outros

momentos, e até recentemente, as universidades públicas mantiveram-se, em

certa medida, distantes da reflexão sobre inclusão racial e social.

As universidades se consolidaram no Brasil após o grande deslocamento racial provocado pela chegada dos imigrantes europeus, entre 1870 e 1920, num total de 3.400.000 pessoas. Os negros foram excluídos tão intensamente do mercado de trabalho que já em 1901, 90% dos operários industriais em São Paulo eram imigrantes. O pouco capital técnico, social e econômico que os negros haviam acumulado até o final do século XIX havia sido desfeito pelos incentivos abertos do Estado brasileiro em benefício dos imigrantes europeus como concretização da ideologia do branqueamento. Isso significa que as universidades públicas (tais como as do Rio de Janeiro, de São Paulo, do Paraná e do Rio Grande do Sul) foram consolidadas nos anos 30 pela primeira geração de brancos imigrantes que havia ascendido socialmente através da industrialização estratificada. Isso significa que primeiro os negros foram retirados dos espaços econômicos que conduziam à ascensão social; depois aparentemente as universidades públicas como instituições a cujo ingresso eles já não podiam aspirar porque haviam sido eliminados antes como potenciais competidores dos brancos. (CARVALHO, 2005, pág. 116)

As universidades públicas, até pouco tempo, apresentavam em sua

50

composição humana um caráter demarcado em termos étnico-raciais e sócio-

econômico. Os cursos mais concorridos, atrelados a carreiras socialmente

promissoras, caracterizavam-se pela especificidade de seus alunos. Essa

realidade parece refletir a história do Brasil, quando colônia e república,

principalmente a reprodução de dimensões das relações raciais inerentes ao

período escravocrata. Nesta esteira saberes ancestrais de gênese indígena e

africana foram desprezados e pervertidos, comumente relegados a segundo

plano pela sociedade brasileira, e por consequência pela universidade.

Nossas universidades, quando foram constituídas, desautorizaram sistematicamente todos os saberes indígenas e todos os saberes dos africanos escravizados no Brasil. Esta desautorização está até hoje embutida nos conteúdos das nossas aulas e nos nossos temas de pesquisa. Daí que o papel da Extensão deve ser justamente caminhar na contra-corrente desse processo de discriminação. Para tanto, tem que atrever-se a reautorizar os saberes negados e reintroduzi-los no seio da vida universitária, através de duas intervenções: trazendo as expressões culturais e os conhecimentos subalternos para o campus e estabelecendo vínculos concretos de parceria com as comunidades que perpetuam esses saberes. Em suma, deve deslocar docentes para perto das comunidades através de projetos de parcerias e trazer representantes dessas comunidades para dentro da universidade. (CARVALHO, 2004, p. 17)

2.2. A Emergência do debate sobre cotas

No ano de 2002, a pesquisadora Delcele Queiroz realizou o estudo

sobre desigualdade e sub-representação de negros no espaço acadêmico

brasileiro, coordenando a aplicação de questionários de auto-declaração e auto

identificação em cinco universidades públicas brasileiras. A pesquisa ocorreu

na UFBA (Universidade Federal da Bahia), UFMA (Universidade Federal do

Maranhão), UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), UFPR

(Universidade Federal do Paraná) e UNB (Universidade de Brasília). Nas cinco

universidades o mesmo padrão de baixa representação de negros foi

confirmado.

Na UFBA, por exemplo, aproximadamente metade dos estudantes eram

brancos, um terço era pardo e oito por cento eram pretos. Praticamente metade

dos estudantes eram negros, conforme designação usualmente utilizada pelo

IBGE. Cenário aparentemente animador se estivesse consoante a proporção

51

de negros no estado da Bahia, que segundo estudo empreendido pela

professora Queiroz (2002), estava no patamar de 79,2%. Depreendeu-se a

partir daí a profunda sub-representação deste contingente na universidade.

Acrescente a esta realidade o fato de que, de acordo com Queiroz (2004, 74),

os alunos auto-declarados brancos estavam alocados nos cursos de maior

prestígio social, por outro lado nos cursos menos valorizados socialmente,

como o de formação de docentes, havia maior número de afrodescendentes, e

mesmo nestes cursos, proporcionalmente estes alunos eram a minoria.

O questionário foi aplicado aos estudantes da UFBA em 1997 e nas

outras universidades no ano de 2000. A finalidade era mapear características

pessoais dos estudantes, dados sobre escolaridade, graduação escolhida e

informações sobre a família do entrevistado. No quesito atrelado a identificação

cor e ou raça o procedimento de auto classificação foi desenvolvido por meio

de uma questão aberta, onde o aluno poderia se classificar livremente

utilizando inclusive terminologias subjetivas. Na continuação, uma questão

fechada propunha a auto-designação, baseada nas categorias utilizadas pelo

IBGE, branca, parda, preta, amarela e indígena.

As constatações de participação e cor nas universidades pesquisadas

demonstraram a existência de grande similitude na distribuição dos segmentos

raciais. As universidades pareciam ser território branco, com profundas

desigualdades no quesito da representatividade populacional. Com exceção da

UFMA (Universidade Federal do Maranhão) a quantidade de brancos era mais

da metade em todas as universidades investigadas.

Na UFPR, foi detectado o maior número de estudantes brancos,

fenômeno compreensível segundo a autora, por se tratar de um estado com

população mais branca. No Paraná, a pesquisa foi coordenada pelo professor

Pedro Rodolfo Bodê de Morais que relata (Queiroz, 2002) um clima de franca

hostilidade em razão da aplicação do questionário.

Em outro momento, uma senhora que acompanhava a matrícula de seu filho no curso de medicina indagou a um dos pesquisadores “por que perguntar sobre a cor das pessoas” e “vocês sabem que podem ser processados?”. Como eu estava presente, o pesquisador pediu que ela colocasse as suas questões para mim. Meio agressivamente ela recolocou as perguntas e eu expliquei a importância da informação, indagando se ela estava satisfeita com a explicação e se não achava curioso que não houvesse nenhum “calouro” negro no

52

curso de medicina. Ela respondeu-me que não e disse: “olha, eu acho que este negócio de perguntar sobre a raça da pessoa além de ser racista não tem nada a ver com o fato de não ter pessoas de cor aqui”. Eu perguntei por que e ela continuou: “eu sou médica, minha família não era rica e eu me esforcei muito para chegar aonde cheguei e educar meus filhos. Eu acho que tudo depende do esforço de cada um. O Brasil não é como os Estados Unidos, onde os negros são discriminados”. Eu insisti indagando por que, então, não havia, ali, nenhum negro, ao que ela argumentou: “não sei, mas deve ser porque aqui em Curitiba não tem muito negro”. Contra argumentei, mostrando a ela os dados do censo do IBGE, dizendo que o número de negros era sim significativo, que eu considerava estranha à ausência deste grupo e que a pesquisa ajudaria a entender a situação. Neste momento, um pouco mais agitada e contrariada, ela, que sabia que eu era o responsável pela pesquisa, arguiu: “mas, quem é o senhor”. Como eu achava que me identificar como professor da instituição poderia ter o efeito de silenciá-la, e como eu gostaria de obter mais informações, desconversei dizendo que eu era o responsável pela pesquisa. Ela, então, me disse que queria saber exatamente quem eu era, meu nome, voltando a insinuar que poderia ser, como o responsável, alvo de um processo por “discriminação”. Fez isto juntamente como um gesto de buscar algo na bolsa (caneta e papel?). Expliquei que o que fazíamos não era ilegal, muito pelo contrário, e me identifiquei como professor da universidade e pesquisador do assunto. A atitude da senhora mudou completamente, tomou uma atitude submissa e perguntou por que eu não havia falado isto antes. Eu disse que achava que dizer que eu era o responsável pela pesquisa fosse suficiente. Ela, sem graça e se desculpando, disse que eu devia saber o que estava fazendo. Respondi dizendo que ela não me devia desculpas e que eu gostaria de continuar conversando com ela sobre o assunto. Ela emudeceu, e logo depois, se despedindo e desejando um bom trabalho, disse que precisava ir embora. (MORAES, 2002, p.111)

As universidades, a UFRJ e a UNB, apresentaram o maior grupo de

estudantes brancos entre os centros de ensino pesquisados.

A proposta de cotas na UNB surgiu como resposta a uma constatação de que o espaço acadêmico era altamente segregado racialmente. Também como consequência desta segregação foi gerado um ambiente hostil para os poucos estudantes negros que lá estudavam. Para compensar este clima o movimento em torno das cotas, congregou um coletivo multi-racial de estudantes negros, estudantes brancos, professores negros e professores brancos e do próprio movimento social negro. Foi um incidente racial que nos levou a uma constatação surpreendente, em 20 anos de existência o nosso programa de doutorado não havia recebido nenhum estudante negro. Em seguida observamos esta mesma exclusão se repetir em outros programas. No ano 2000 já como parte da formulação do programa de cotas, realizamos dois sensos de identificação, não de entrevista, de importância estratégica da defesa de proposta de cotas para negros. O primeiro senso foi dedicado a saber a quantidade de professores negros na universidade. Sem muitas dificuldades constatamos que a UNB tinha no seu quadro de 1500 professores apenas 15 professores negros. (Carvalho, 2010, Audiência Pública STF)

53

No estudo realizado por Delcele M. Queiroz (2002), também salta aos

olhos a sobre-representação demográfica dos grupos étnicos nos estados da

federação analisados, e seu respectivo percentual na universidade. No Rio de

Janeiro, a população de negros era de 38,2% e sua representação na UFRJ

estava na casa de 20,3%. No Paraná a população negra era de 22,4% e o

contingente correspondente na UFPR era de 8,6%. No estado do Maranhão, a

população negra atingia a faixa de 75,1% e na UFMA era de 42,8%. Na Bahia,

a população negra era de 77,5% enquanto na UFBA era de 42,6% e no Distrito

Federal a população negra estava no patamar de 53,6 enquanto sua

representatividade na UnB era de 32,5.

Paradoxalmente a presença de brancos na população estava

normalmente abaixo dos percentuais diagnosticados nas universidades. Desta

forma no estado do Rio de Janeiro a população branca era de 61,7% e na

UFRJ era de 76,8%, no Paraná este grupo era de 76,2% enquanto na UFPR

era de 86,5%. No estado do Maranhão o grupo em questão estava no patamar

de 24,8% enquanto na UFMA seu paralelo era de 47,0%. Já na Bahia, a

contingente branco era de 22,1% e na UFBA estava na casa de 50,8% e por

fim no Distrito Federal, os brancos estavam no patamar de 45,9% enquanto na

UnB apresentava 63,7%.

Também nos centros de ensino superior pesquisados os estudantes

egressos de escolas privadas são em maioria brancos, sendo que a proporção

de estudantes oriundos de escolas particulares gira próximo de dois terços.

Entre os pretos e pardos esta a maioria dos estudantes provenientes de

escolas públicas. Os alunos classificados como pretos foram os que menos

estudaram e concluíram seus estudos no período diurno. É relevante sublinhar

que entre os pretos e os pardos foi identificado o maior número de estudantes

que eram oriundos de cursos técnicos, evidenciando a importância de uma

penetração rápida no mercado de trabalho por parte deste grupo de

estudantes.

A trajetória escolar dos estudantes pesquisados, também apresenta

grande dissonância quando se compara com brancos, pretos e pardos. Entre

os alunos que levaram mais tempo para adentrar a universidade após concluir

o ensino médio, é possível notar uma redução do número de brancos e uma

elevação de pretos.

54

Na UFMA além dos pretos, cresce, também, a participação dos pardos. Isso evidencia que, efetivamente, os pretos enfrentam barreiras mais poderosas que os demais segmentos para ingressar no ensino superior, como bem demonstra a análise da trajetória escolar destes estudantes anteriormente apresentada. (QUEIROZ, 2002, p.78)

Evidenciou-se que pretos e pardos, estavam quase que totalmente

ausentes dos cursos considerados elitizados como Medicina, Direito,

Odontologia, Administração e Jornalismo. Pela lógica o número maior de

pardos estava circunscrito aos cursos de menor prestigio e poder social. Nos

dois panoramas apresentados a presença de pretos e pardos era

desproporcional se comparado à representação estatística deste grupo em

suas localidades. Já os pretos estavam alocados nos cursos considerados de

baixo prestigio social, tal como Letras e Artes. A pesquisadora destacou a

sobre-representação de brancos em todos os cursos superiores.

Os dados colimados por Delcele M. Queiroz (2002) ensejam reflexão

sobre o papel social das universidades públicas, no contexto das mazelas

raciais brasileiras. Pois as evidências decorrentes da pesquisa parecem

corroborar a perspectiva histórica, que denuncia a exclusão sistemática e

deliberada dos negros à educação formal. Desmantelando nesta linha

mecanismos imprescindíveis para realizar a necessária mobilidade social. Um

dos resultados desta equação evidencia-se no retrato social da atualidade,

onde pretos e pardos padecem ainda de gigantesca desvantagem

socioeconômica, se comparados aos não negros. Alijados em grande

proporção do acesso às instituições públicas de maior prestigio acadêmico.

Capítulo 3 Gênese da Agenda de Democratização da Universidade

3.1. Processo de Construção das Ações Afirmativas no Brasil

No ano de 1965 o Brasil foi signatário da Convenção 111 das Nações

Unidas, para fomentar a promoção de minorias étnicas e raciais (Telles, 2003),

no sentido de aumentar a penetração destes grupos na sociedade de maneira

mais igualitária. Para tanto deveria estruturar políticas públicas que

garantissem a empregabilidade para os contingentes populacionais

desprivilegiados em nosso meio social. Na prática não houve significativa

movimentação para realizar os desígnios propostos nesta convenção, bem

como em outras, nas quais o Brasil na condição de estado foi partícipe. Neste

aspecto a Procuradora da República Débora Dupra, a propósito do julgamento

das Ações Afirmativas no STF, destacou, em 2012, que o Brasil foi signatário

de diversos tratados internacionais com o objetivo de se posicionar ante à

órgãos de âmbito mundial, que consideravam o país como um dos mais

desiguais do planeta em aspectos sociais e racial.

Neste sentido Ivair Augusto dos Santos, assessor da Secretaria de

Direitos Humanos, em entrevista concedida para elaboração do documentário

‘Sob o Signo da Justiça, Cotas na UnB’ (2004) destacou o importante papel dos

movimentos sociais, e particularmente o movimento negro, que na década de

50, pontuava a necessidade de reformas na educação, denunciando a violência

policial e a representação comumente desfigurada do negro nos meios de

comunicação. Para compreendermos melhor as desigualdades raciais

existentes no Brasil é necessário aprofundar a perspectiva de estudo sobre a

representação midiática do negro que foi seriamente investigada pelo cineasta

Joel Zito de Araújo, no documentário, ‘A Negação do Brasil (2000)’, e no livro ‘A

Negação do Brasil, O Negro na Telenovela Brasileira’ (2000). Estes trabalhos

tiveram um caráter de complementaridade, nos quais o autor realizou um

apanhado importante da figura negra nas telenovelas brasileiras, ao longo dos

últimos 50 anos. Evidenciando o conjunto de estereótipos negativos veiculados

56

nos meios de comunicação e os postos subalternos onde são alocados os

negros na teledramaturgia nacional.

As imagens dominantes no conjunto das telenovelas que foram ao ar no período de 1963 a 1997 revelam a cumplicidade da televisão com a persistência do ideal do branqueamento e com o desejo de euro-norte-americanização dos brasileiros. Mesmo considerando somente as duas últimas décadas, os anos 80 e 90, um período de ascensão do negro na dramaturgia da teleficção, de 98 novelas produzidas pela Rede Globo (excluindo aquelas que tiveram como temática a escravidão) não foi encontrado nenhum personagem afro-descendente em 28 delas. Apenas em 29 telenovelas o número de atores negros contratados conseguiu ultrapassar a marca de dez por cento do total do elenco. E em nenhuma delas o total de negros e mulatos chegou a ser metade, ou mesmo quarenta por cento de todo o elenco (conforme tabela 5). Uma demonstração contundente de que a telenovela nunca respeitou as definições étnico/raciais que os brasileiros fazem de si mesmos, num país que tem cerca de cinqüenta por cento de sua população constituída por afro-descendentes, conforme dados apresentados no capítulo 1. (ARAÚJO, 2000, p. 305)

O economista Hélio Santos, (2000), corrobora o estudo do cineasta Joel

Zito de Araújo (2000), demonstrando que existe grande discrepância entre a

representação midiática que o negro tem no Brasil e a inserção do negro na

mídia dos Estados Unidos. Lá a população negra estava na casa dos 12%, no

Brasil os negros estão no patamar de 44% e a dificuldade de inserção é

gigantesca, a princípio muito mais desigual que na América do Norte.

[...] atores já antigos como Milton Gonçalves e Ruth de Souza não ocupam papéis que os coloquem em destaque na justa dimensão de seus reconhecidos talentos. A atriz citada desistiu da TV. Ou melhor, cansou de ser empregada. Pior ainda: cansou de coadjuvar com atores e atrizes principais medíocres, como muitas vezes, ocorre na TV, onde um rosto conta mais que o real talento. Torna-se necessário esclarecer que o conceito de “rosto bonito” é dado pela visão européia de beleza que se tem aqui. (SANTOS, 2000, p. 61)

Não obstante, o contínuo movimento de tornar público às agruras raciais

existentes no Brasil, evidenciado pelo movimento negro, entre outros setores,

grande parte das reivindicações em torno das demandas para elevação do

patamar social do negro, não ressonavam na sociedade, no sentido de uma

real democratização das relações raciais. Edna Roland, integrante da Unesco e

relatora da conferência de Durban, também no documentário ‘Sob o Signo da

Justiça, a Luta Pelas Cotas na UnB’ (2004), relata que nosso país reconheceu

57

as desigualdades étnico-raciais na última década, mas este reconhecimento

não foi traduzido em uma mudança de mentalidade, tanto em setores

importantes da academia, como na parcela que engloba os gestores públicos.

Sendo assim continuava a ser reproduzida uma postura de inércia social,

caracterizada por uma mentalidade e por um discurso que defendia que os

problemas do país eram apenas de ordem social e não racial. Neste contexto é

possível refletir sobre o equacionamento de políticas públicas e ferramentas

para promover a devida equalização educacional e social dos afro-brasileiros.

João Feres Júnior (2010) aponta que o argumento de que a desigualdade no

Brasil é apenas de classe e não de raça a princípio, ressoa de maneira

congruente, contudo não representa a verdade, pois estudos de mobilidade

social dos últimos 30 anos, produzidos por economistas e sociólogos,

comprovam que a marginalização social ocorre suplantada na ideia social de

raça.

Para o mesmo nível de renda, ou seja, mesma origem social, brancos têm probabilidade de ascensão maior que pretos e pardos; a) Nelson do Valle: “Brancos são muito mais eficientes em converter experiências e escolaridade em retornos monetários, enquanto que os não-brancos sofrem desvantagens crescentes ao tentarem subir a escada social”. b) Sergei Soares: “A mobilidade social do negro, ou seja, sua ascensão relativa ao conjunto da sociedade, mantém-se em patamares residuais. Não houve alteração do quadro de oportunidades no mercado de trabalho, principal fonte de renda e de mobilidade social ascendente.” c) Carlos Hasenbalg: As probabilidades de fugir às limitações ligadas a uma posição social baixa são consideravelmente menores para os não-brancos que para os brancos de mesma origem social. Em comparação com os brancos, os não brancos sofrem uma desvantagem competitiva em todas as fases do processo de transmissão de status. A razão entre a renda de brancos e não-brancos (pretos e pardos) permaneceu inalterada e próxima a 2 (o dobro) por todo o século XX, só vindo a decrescer um pouco a partir da primeira década do século XXI. Se não houvesse discriminação racial, pretos e pardos tenderiam a igualar o perfil sócio-econômico dos brancos com o passar das gerações. (JÚNIOR, 2010, p.5)

No desenvolvimento desta conjuntura, no ano 1995 ocorreu decisiva

movimentação no Brasil em termos nacionais, no que concerne a questão

racial. As pressões do movimento negro, especialmente a dinâmica que conflui

na Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo pela Cidadania e a Vida,

58

recebeu destaque por mobilizar o país em torno de significativa pauta de

demandas voltadas ao desenvolvimento econômico e educacional da

população negra, Adailton Silva, (et al., 2009). Agitação que reverberou

inclusive, nas centrais sindicais, que incluíram a discussão racial em suas

agendas, passando a promover seminários, encontros, cursos e publicações. O

Instituto Interamericano pela Igualdade Racial (Inspir), presidido inicialmente

por Vicente de Paula da Silva, também surgiu na esteira desse novo momento,

no qual transitou a discussão racial em nosso país, como destaca Santos et al.,

(2009).

Também entre as Organizações não Governamentais (ONGs), a questão racial passa a marcar presença, seja por meio da criação de entidades específicas voltadas a esta questão, seja por meio da inclusão de projetos voltados ao tema por parte de ONGs com perfil de atuação mais amplo, como o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). Neste contexto pós-constituinte, cabe lembrar a ação organizada dos diversos atores e entidades do movimento negro em torno da campanha “Não deixe sua cor passar em branco”, que visava mobilizar a população quanto à resposta ao quesito de autoidentificação da cor no Censo de 1991. (SILVA et al., 2009, p. 32)

Ainda no ano de 1995, a declaração do então presidente Fernando

Henrique Cardoso, que admitiu publicamente que o país era racista, ratificando

tal entendimento em seminário promovido pela Secretaria dos Direitos da

Cidadania, em 1996 na UNB, gerou grande celeuma. Nesta reunião o

intelectual assumiu o compromisso de por em prática providências concretas,

por meio de políticas de reparação, para os séculos de injustiças cometidas

contra os negros. Em um pronunciamento que, de certa forma, prenunciou uma

mudança de paradigma fundamental, para repensar os dilemas raciais, em

nossa nação. Segundo ele:

A discriminação parece se consolidar como alguma coisa que se repete, que se reproduz. Não se pode esmorecer na hipocrisia e dizer que o nosso jeito não é esse. Não, o nosso jeito está errado mesmo, há uma repetição de discriminações e há a inaceitabilidade do preconceito. Isso tem de ser desmascarado, tem de ser realmente contra-atacado, não só verbalmente, como também em termos de mecanismos e processos que possam levar a uma transformação, no sentido de uma relação mais democrática, entre as raças, entre os grupos sociais e entre as classes.” (CARVALHO, 1997, p.16)

Contudo até agosto de 2000, não houve mudanças perceptíveis para

59

efetivação de políticas reparatórias ou de inclusão racial. Em setembro do

mesmo ano, iniciou-se um ciclo de debates mais efetivo sobre a questão racial

no Brasil.

E atendendo a resolução 2000/1411, o então presidente Fernando

Henrique Cardoso, criou o Comitê Nacional para a Preparação da Participação

Brasileira na III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial,

Xenofobia e Intolerância Correlata. A este grupo cabia:

Assessorar o presidente da república nas decisões relativas à formulação das posições brasileiras para as negociações internacionais e regionais preparatórias para a Conferência Mundial. Outra responsabilidade atribuída ao comitê é promover, em cooperação com a sociedade civil, seminários e outras atividades de aprofundamento e divulgação dos temas de discussão e objetivos da Conferência Mundial. (MORA e BARRETO, 2002, p.67)

Este comitê articulou múltiplas Pré-conferências Temáticas Regionais

que foram sediadas em diversas Unidades da Federação, com a finalidade de

discutir questões relacionadas com a agenda brasileira na conferência de

Durban. Essas reuniões temáticas culminaram na Conferência Nacional Contra

o Racismo e a Intolerância, no estado do Rio de Janeiro. O documento oficial

que foi enviado a Durban (de nome Plano Nacional de Combate ao Racismo e

a Intolerância – Carta Rio), foi formulado neste evento. Dele participaram

múltiplos segmentos do movimento social negro.

A conferência de Durban mobilizou também uma fatia relevante da

imprensa brasileira, particularmente a escrita, que veiculou sistematicamente

informações sobre a questão racial brasileira no ano de 2001. De acordo com

dados sistematizados por Santos (2005), o jornal Correio Brasiliense contratou

a filosofa e ativista do movimento negro, Sueli Carneiro, para acompanhar os

desdobramentos de Durban e a questão racial brasileira. Estes foram alguns

dos fatos que antecederam o caloroso e acirrado debate sobre as Ações

Afirmativas de cunho racial, especificamente aquela que propugnava o modelo

de cotas raciais para inclusão de negros nas universidades públicas.

11 Este documento foi endereçado aos países que participariam da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata “para que delimitassem as tendências, prioridades e obstáculos que estão sendo enfrentados a nível nacional e que formulassem recomendações concretas para as atividades a serem desenvolvidas no futuro na luta contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata” (SABÓIA, 2001, p. 05)

60

Segundo Edward Telles (2003, p. 274), um dos desdobramentos da Ação

Afirmativa no Brasil, foi por intermédio do Ministério de Desenvolvimento

Agrário que descortinou importante processo de reconhecimento e concessão

de títulos de posse a praticamente todas as terras remanescentes de

quilombos. Esta política já era pauta histórica do movimento negro, por ter

efeito sobre a situação de muitas pessoas em condição de risco social, além de

fortalecer a agenda de demandas destes movimentos. Como destaca Telles:

Muitos dos habitantes daquelas áreas são descendentes diretos dos escravos que ali resistiram aos proprietários. O reconhecimento dos quilombos na Constituição de 1988 foi uma das primeiras conquistas do movimento negro em nível federal, porém a implementação dos títulos de posse da terra tem sido adiada. (TELLES, 2003, p. 274)

Neste sentido o então ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul

Jungmannn, no ano de 2001 também criou um fato novo, aderindo ao modelo

de cotas raciais para seu Ministério, de acordo com ele os negros teriam

acesso preferencial a cargos na respectiva pasta. Conforme nos mostra Sales

A. Santos, (2005):

O ministro Raul Jungmann foi a primeira autoridade do primeiro escalão do governo federal que implementou cotas para negros terem acesso preferencial a cargos em seu ministério: “ Concursos públicos, cargos de confiança e empresas prestadoras de serviços terceirizados: todos terão cota mínima de 20% para negros no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Pela primeira vez, o Executivo brasileiro adota um programa de ações afirmativas para negros”, (Correio Brasiliense, 05 de setembro de 2001, p.10 apud SANTOS, 2005, p.20)

Nesta esteira, o então vice-reitor da Universidade de Brasília, Timothy

Mullholland, em um dos mais destacados palcos do debate sobre as Ações

Afirmativas no Brasil, por vezes expressou sua concordância com tal política. O

magnífico denunciou que os alunos da UNB eram majoritariamente brancos.

“nossa universidade é branca. Brasília é muito mais mestiça e multirracial do

que a UNB. Temos que ser uma expressão mais fiel da sociedade e ajudar a

formar uma classe média negra com formação universitária” (Correio

Brasiliense, 27 de dezembro de 2002, p. 6 apud SANTOS, 2005, p.23)

O debate em torno das A. A. R., não se restringiu aos intelectuais ou ao

61

meio acadêmico, outros segmentos integraram o amplo conjunto de

interessados no tema. Prova disso é que um número expressivo de audiências

públicas foram realizadas nos mais variados espaços políticos, tais como

Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e Tribunais de vários ambitos da

Federação.

A participação da imprensa neste contexto, foi mister por contribuir para

maior divulgação do debate, mesmo que de forma superficial e parcial em

alguns momentos. Os meios de comunicação fomentaram uma troca intensa

de informações e experiências, sem precedentes até então, em torno do

assunto; facultando neste sentido o posicionamento de intelectuais e da própria

academia, por vezes neutra, a respeito da discussão sobre inclusão racial, por

intermédio das AAR.

Enquanto ativistas participavam da conferência paralela das entidades não-governamentais (ONGs) em Durban nos dias que antecederam a conferência oficial, o Brasil vivia uma transformação histórica na forma como a mídia abordava as questões raciais. Como descreviam alguns ativistas do movimento negro, “a questão racial estava pegando fogo”. Na semana anterior e durante a primeira semana de conferência, os maiores jornais brasileiros publicaram matérias diárias sobre questões raciais, racismo e sobre a Conferência Mundial. Durante a semana entre os dias 25 e 31 de agosto, os cinco maiores jornais brasileiros publicaram cerca de 170 novos artigos, editoriais, cartas e opiniões, fato sem precedentes na história jornalística do Brasil, em que as questões de raça eram tratadas como sendo de pouco interesse do público e artigos sobre esse assunto eram publicados apenas ocasionalmente. (TELLES, 2003, p. 93)

Em agosto de 2001, a questão do racismo patenteou-se em nossa

sociedade, quando o Brasil sistematizou todos os dados estatísticos para

posicionar-se na 3ª Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação

Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, que aconteceu na

cidade de Durban na África do Sul, entre os dias 31 de agosto à 8 de setembro.

No encontro o país se posiciona abertamente, admitindo a existência de

discriminação racial, que operava nas engrenagens dos mais variados

segmentos da sociedade. A partir deste momento assumiu novamente, frente a

organismos internacionais como a ONU e UNESCO, compromisso para

reversão do status social do negro, denunciado sistematicamente por diversas

estatísticas.

62

Durante a conferência, o governo brasileiro e os governos da América Latina se revelaram progressistas em questões raciais, especialmente quando comparados às delegações dos governos de outras regiões do mundo. Em contraste, os Estados Unidos e Israel mais tarde se retiraram da conferência, deixando milhares de ativistas norte-americanos desapontados e desmoralizados. A conferência foi politizada por duas questões, ambas que levaram à saída dos Estados Unidos: a demanda por reparações por séculos de escravidão e colonização, e a proposta de sanção contra Israel pelo tratamento dado aos palestinos. O todo-poderoso Governo-Bush então percebeu que a conferência seria contrária aos seus interesses. Ficar e enfrentar a possibilidade de ter o seu problema racial interno exposto em um fórum mundial ou ver o seu mais próximo aliado político vilipendiado e sancionado não seria tolerado pelos Estados Unidos, cujo comportamento na cena internacional era cada dia mais arrogante e isolacionista. Além disso, as nações da comunidade europeia, agindo em bloco, negaram apoio à proposta de reparações pelo colonialismo e pela escravidão, e a Índia negou o caráter racista do sistema de castas. (TELLES, 2003, p. 94)

No Congresso foi elaborado um importante documento, A Declaração de

Durban, que de acordo com Ronaldo J. A. Júnior (2005), toca em temas

relacionados à discriminação que ocorre em países que não operam no

sistema da segregação declarada ou oficializada.

56. Reconhecemos a existência em muitos países de uma população mestiça com diversas origens étnicas e raciais e sua valiosa contribuição para a promoção da tolerância e do respeito nessas sociedades, e condenamos a discriminação de que é vítima, especialmente porque a natureza sutil dessa discriminação pode fazer que se negue sua existência (ONU, 2001, p.13 apud JÚNIOR, 2005, p. 85)

A adoção de medidas concretas contra a discriminação racial eclode por

meio das políticas de Ações Afirmativas, como a reserva de vagas em

universidades públicas e privadas, bem como posteriormente também em

algumas esferas do serviço público. No ano de 2005 já se calculava o número

de 15 universidades, entre federais e estaduais, que aderiram à políticas de

inclusão nos moldes de Ação Afirmativa. Dentre estas são pioneiras a UERJ,

UENF, UFPR, UNEB e UnB. O documento elaborado em Durban, de nome

Declaração de Durban, é bastante explícito no sentido de referendar a adoção

de políticas afirmativas voltadas a criação de estruturas sociais que facultem à

igualação substantiva para formação de uma sociedade pluriétnica e

multicultural sendo, portanto, uma das obrigações do estado (JUNIOR, 2005).

107. destacamos a necessidade de desenhar, promover e aplicar no

63

plano nacional, regional e internacional estratégias, programas e políticas, assim como legislação adequada, que pode incluir medidas especiais e positivas, para promover um desenvolvimento social equitativo e a realização dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais de todas as vítimas do racismo, da discriminação racial, da xenofobia e das formas conexas de intolerância, dando-lhes, particularmente, um acesso mais efetivo às instituições políticas, judiciais e administrativas, assim como a necessidade de incrementar o acesso efetivo à justiça e de garantir que os benefícios do desenvolvimento, da ciência e da tecnologia contribuam efetivamente para melhorar a qualidade de vida de todos sem discriminação; (ONU, 2001: 19-20 apud JUNIOR, 2005, p. 94) 108. reconhecemos a necessidade de adotar medidas afirmativas ou medidas especiais em favor das vítimas do racismo, da discriminação racial, da xenofobia e das formas conexas de intolerância para promover sua plena integração na sociedade. Essas medidas de ação efetiva que hão de incluir medidas sociais, devem estar destinadas a corrigir as condições que minimizam a fruição dos direitos e a introduzir medidas especiais para permitir a igual participação de todos os grupos raciais e culturais, lingüísticos e religiosos em todos os setores da sociedade e para situá-los em pé de igualdade. Entre essas medidas deveriam figurar medidas especiais para lograr uma representação apropriada nas instituições de ensino, de habitação, nos partidos políticos, nos parlamentos, no mercado de trabalho, em particular nos órgãos judiciais, na polícia, no exército e em outros serviços civis, o que em alguns casos pode exigir reformas eleitorais, reformas agrárias, e campanhas em prol da participação equitativa. (ONU, 2001: 19-20 apud JUNIOR, 2005, p. 94)

Ampliando o debate sobre o tema, merece destaque a criação da Seppir,

Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, no ano de

2003. Esta Secretaria desde então ocupa o status de Ministério e sua função

primordial era mapear, fomentar, criar e coordenar políticas e ações do governo

Federal ligadas ao combate à discriminação e à desigualdade racial (Jaccoud

2009). Analogamente, institui-se o Conselho Nacional de Promoção da

Igualdade Racial (CNPIR) e o Fórum Intergovernamental de Promoção da

Igualdade Racial (FIPIR), estes órgãos fomentaram a realização de

Conferências Nacionais de Promoção da Igualdade Racial. Para Jaccoud

(2009) o movimento negro nas últimas décadas construiu de maneira

significativa uma agenda de combate ao racismo, mais do que isto, conseguiu

materializar instrumentos para efetivação da promoção da igualdade racial.

Como consequência houve um alargamento da consciência sobre o

reconhecimento dos efeitos e mecanismo da discriminação racial, estruturando

e materializando mudanças importantes para consolidação de políticas públicas

64

através da resignificação do debate em torna das demandas raciais, bem como

do papel do negro como agente transformador da sociedade.

3.2 Racismo Brasileiro, emulador da Exclusão Universitária.

A relação de exclusão do povo negro e pobre das universidades

brasileiras foi tema de debate em 1989 quando o presidenciável, Luiz Inácio

Lula da Silva, concedeu entrevista ao programa de televisão comandado pelo

apresentador Silvio Santos (de nome Show de Calouros). Na ocasião, o

candidato foi questionado sobre seu projeto político para qualificar o sistema

educacional de nosso país. Respondendo a argüição da platéia, Lula afirmou

que o sistema educacional brasileiro somente atingiria um patamar de

qualidade quando a escola pública criasse condições para que os filhos das

faxineiras que trabalhavam na USP (Universidade Estadual de São Paulo), um

dos mais importantes pólos produtores do saber nacional, tivessem as mesmas

chances de acesso à esta instituição tal como dispõem os filhos da elite

paulistana. Transcorridos 20 anos da entrevista do ex-presidente, embora o

reconhecido avanço no sentido da promoção de uma inclusão universitária

ampla e democrática, a totalidade dos alunos que atualmente adentram as

instituições públicas de ensino superior são provenientes dos extratos

financeiramente avantajados da sociedade, revelando ainda o caráter utópico

contido na assertiva do político. Pois os filhos das faxineiras da USP

certamente estão à margem do referido centro de excelência, afinal estudar em

uma grande universidade permanece sendo um sonho significativamente

distante para os filhos das faxineiras de tantas outras instituições de ensino

superior, espalhadas pelo Brasil.

Aprofundando a reflexão sobre o então custoso acesso do negro, do

índio e de outros segmentos desprivilegiados economicamente às

universidades, José J. de Carvalho (2005) aponta que os centros de excelência

foram reprodutores de um sistema de exclusão racial. Sendo assim a imperiosa

reflexão de como fomentar ações de integração social e racial foram preteridas.

Ampliando mais esse quadro, as demais universidades federais, independente da região do país em que se instalaram, jamais colocaram em questão a exclusão racial por elas mesmas

65

reproduzidas. Chegamos ao século XXI com um grande passivo de reflexão sobre o tema e ás vezes até com uma recusa de admiti-lo. Isso nos deixou despreparados para reagir diante de uma nova agenda internacional de reparação dos excluídos e já retirou de nós, acadêmicos cuja missão deveria ser produzir conhecimento para guiar a nação em direção à igualdade e à justiça social, o papel de vanguarda, chegando a ponto de comprometer a nossa ética de servidores públicos. (CARVALHO, 2005, p. 22)

O projeto de cotas raciais para a UnB, formulado pelo professor José

Jorge de Carvalho no ano de 1999, surgiu a partir da constatação de que 96%

dos universitários brasileiros eram brancos, sendo que 3% eram negros e 1%

amarelos. E que grande parcela destes brancos e amarelos descendem de

imigrantes europeus.

Indícios demonstram que a falta de discussão em torno da questão racial

nas universidades públicas até o início da década de 2000 e inclusive uma

passividade diante de uma agenda internacional, que postulava reparação para

a população negra, estaria atrelada a uma perspectiva histórica de

interpretação das relações raciais no Brasil. A noção de Brasilidade, construída

ao longo de 70 anos, fundamentada na obra de Gilberto Freyre, poderia

cumprir a função de encobrir ou de certa maneira maquiar as agruras vividas

pelos afro-brasileiros. Pois em uma sociedade, que nas palavras do

antropólogo da USP Kabenguele Munanga pratica um sistema de racismo

velado e manhoso, identificar as engrenagens emuladoras do sistema de

exclusão é tarefa significativamente complexa.

Há uma diferença entre os dois modelos de racismo, um mais explicito e institucionalizado, onde há a hostilidade visível entre todos. O nosso (brasileiro) implícito, sutil, manhoso, acompanhado de silêncio. O Brasil se olhava no espelho e dizia – eu não sou racista, o racista é o outro. Aqui o modelo é de convivência, ai esta o mito, o modelo de racismo brasileiro confunde todos os brasileiros e não permite o processo de conscientização. (Documentário Café com Leite, Água e Azeite, 2007)

Um discurso amplamente difundido, praticamente durante todo o século

XX, identificado como culturalista, onde a valorização da mestiçagem e da

cordialidade inter-racial funcionaria como mecanismo para aprofundamento das

desigualdades experimentadas por negros e índios, ocupa um espaço de

centralidade. A partir desta realidade, a movimentação sobre as Ações

Afirmativas tornou-se um paradigma que caracterizou, em certa medida, o

66

enfraquecimento de correntes de análise de questões candentes no Brasil. A

chave interpretativa da democracia racial, como possível solução de dinâmicas

de desigualdade social e racial passa a ser comparada com outra lente que

interpreta o racismo como elemento vivo e materializador das mais variadas

barreiras e peneiras sociais, além de manter o padrão socioeconômico dos

negros, em estágios residuais. Além disso, uma possível auto projeção

européia e americanizada, por parte de nossa academia, somada a valores

pautados na ideologia da meritocracia, não levariam em conta a conjuntura

dinamizada pelas desigualdades raciais. O quadro educacional vigente

demonstra que os baixos índices da qualidade da educação pública pode

alcançar estágios mais diminutos se estudado por intermédio de um recorte

racial. Este panorama fica patenteado por estudos que demonstram que negros

recebem uma educação mais precária no aspecto formal e estrutural. Além dos

processos de ordem social e psicológica que atingem a subjetividade do aluno

negro, impingindo em diversos casos uma aura derrotista em sua trajetória

estudantil. Sendo assim pesquisadores defendem que os negros também

recebem uma educação de pior qualidade quando comparado aos não negros.

Em 1997, cerca de 3% dos jovens brancos com mais de 16 anos freqüentavam o ensino superior; entre os jovens negros este percentual estava em torno de 1%; Em 2007, 5,6% dos jovens brancos freqüentavam o ensino superior, 2,8% dos jovens negros com 16 anos ou mais estavam nesta condição. (...) Os avanços na educação geram impactos distintos nos diferentes grupos sociais existentes no País, em especial, quando é feito o recorte racial. Persiste a distância entre os níveis de escolaridade de brancos e negros ao longo das décadas; (MEC, 2010, pp. 4-9)

Para Cardoso (2010, p.1), integrante da CONEN (Coordenação nacional

de entidades negras), “o racismo é atemporal, por não escolher espaço, lugar,

sendo mais que uma ideologia, configura-se como uma instituição em si,

constituída e formatada ao longo da história.” Este processo de formação desta

instituição, foi hegemonizado como base em interesses das elites que

buscavam perpetuar privilégios e interesses de toda natureza. Marcos A.

Cardoso (2010, p.1) situa as doutrinas eurocêntricas como orientadoras do

pensamento de uma parcela determinante da elite intelectual brasileira,

processo fundamental para o fortalecimento do racismo. Neste sentido, o

67

racismo, enquanto instituição, seria um poderoso mecanismo ideológico do

qual lançou mão o império para organizar e explorar as colônias.

Entretanto, sabemos que explicitar o racismo e, por ventura, os conflitos étnicos e raciais, é necessário e fundamental para evidenciar a desigualdade entre campos de Poder e romper com cristalização e a naturalização das desigualdades raciais. Ao fazer isso, o Movimento Negro Brasileiro revela, põe a nu, o quadro de violência física, material e simbólica a que a população negra, esta submetida. Por essa razão, essa Audiência Pública sobre constitucionalidade das políticas de ações afirmativas para grupos sociais historicamente excluídos é importantíssima pelos seus resultados no futuro, pelos impactos que poderá produzir no processo histórico da luta pela redução da violência que é o racismo e na promoção do desenvolvimento humano, porque o que estamos falando aqui é da humanidade, da humanidade negro-africana que o racismo busca a todo o momento negar. (CARDOSO, 2010, p.1)

O processo de negação da humanidade, insuflada pelo racismo e seus

desdobramentos, parece ter avançado com base em uma complexa

engenharia social. Desta forma, no contexto brasileiro o racismo não precisou

de legitimação jurídica ou estatal, o ideário de integração das raças, por

intermédio da harmonia e o caráter pacífico e tolerante do nosso povo, foi

eficaz para impedir a mobilidade social dos não-brancos.

Marcada pela hierarquização racial, a nossa sociedade moldou-se como um modelo racista sui generis. Aqui, não se precisa de um instrumento legal para excluir objetivamente a população negra das possibilidades efetivas de emancipação econômica, política, acadêmica e social. A partir do discurso da sociedade harmônica e pacífica articularam-se fórmulas objetivas e eficazes que geraram barreiras para a ascensão social negra, de forma que, cotidianamente, negras e negros são postos a prova tendo que demonstrar genialidade para aquilo que, em verdade, bastaria pequeno esforço. É o racismo institucionalizado pela imprensa, no estado no aparato judiciário, pelo senso comum, pela escola, é sobretudo reproduzido dia a dia pela academia brasileira. Então esta legitimação simbólica fortalece politicamente o racismo, na medida que, repetem cotidianamente que somos iguais, que vivemos em uma sociedade multicultural e que o cruzamento racial se deu a partir de bases integradoras.” (CARDOSO, 2010, p. 02)

Rita Segato (2005-2006, p. 79) sintetiza algumas das características do

racismo brasileiro, afirmando que ele pode ser definido como um racismo

prático: automático, irrefletido, naturalizado, culturalmente estabelecido e que

não chega a ser reconhecido ou explicitado como atribuição de valor ou

ideologia. Contudo uma manifestação sutil e perversa, mas perversa porque

68

sutil, esta modalidade de racismo por vezes definido como inocente, parece ser

um dos sistemas mais eficazes de discriminação do planeta. O mecanismo tem

como objetivo minar a auto-estima de milhares de alunos negros, identificado

como automático, a modalidade de racismo brasileiro tem o condão de operar

sem nomear. Este processo de discriminação automática é silencioso,

afirmando-se como uma prática culturalmente estabelecida e de difícil

identificação.

Esse racismo considerado ingênuo, porém letal para os negros, é o racismo diário e difuso do cidadão – qualquer um de nós, professores - cujo crime é, pelo menos aparentemente, estar desavisado sobre o assunto. É esse racismo dos que nos consideramos bem-intencionados que constitui o gargalo e escoadouro dos alunos negros, impedindo-os de avançar no sistema educativo, derrubando-os no caminho sem que nem sequer possam apontar aquilo que os prejudica. E é especialmente esse tipo de discriminação e seus efeitos nas escolas de todos os graus que as cotas vêm denunciar e corrigir. Sua ação é silenciosa, mas suas conseqüências falam alto nos números que as pesquisas recolhem, e podem ser constatadas na ausência de pessoas negras em profissões de prestígio e nos espaços de decisão. (SEGATO, 2005-2006, p. 79-80)

Neste contexto quando algumas instituições de ensino superior

resistiram em aplicar sensos étnicos, pautadas no entendimento de que estes

instrumentos estariam corroborando o preconceito racial; saltou aos olhos dos

defensores das AAR a percepção de que tal postura poderia caracterizar

justamente o reflexo de nosso modus-operandi de acomodar nossas

desigualdades raciais, no espectro da democracia racial. Pois, em um sistema

que opera sem nomear, não é plausível definir quem é prejudicado ou

beneficiado por nossas iniquidades raciais, no limite podendo ser também uma

das maneiras de abalroar o importante movimento de debate e discussão que

emergiu por meio das cotas raciais.

Em 1998 a professora Delcele de Queiroz, da Universidade Estadual da Bahia, solicitou a introdução do quesito cor nos formulários da Universidade Federal da Bahia e recebeu de volta das autoridades a indagação de se não estava querendo estimular o preconceito racial no meio universitário baiano, definido pelos interpelados literalmente como “barroco-mestiço”. (CARVALHO, 2005, p.67)

Neste sentido também se pode constatar que o debate em torno da

eficácia da AAR contribuiu para desmantelar, em certa medida, o silenciamento

sobre nossa problemática racial. Por isso Carvalho (2010) considera o debate

69

sobre ações afirmativas, um marco do século XX, pois resgatou um tema que

segundo ele teria caído na penumbra nas últimas décadas. As políticas de

discriminação positiva trouxeram para a ordem do dia um conjunto de

reivindicações historicamente encobertas, proteladas e frequentemente

negadas.

A constatação da exclusão racial nos dois extremos da hierarquia acadêmica foi decisiva para fundamentar a necessidade de cotas para negros na UNB. A pergunta que formulamos naquele contexto persiste: como fazer para sair deste patamar de 1% de professores negros, sem aumentar expressivamente o contingente de estudantes negros na graduação? Foi com base em constatações deste tipo que as universidades brasileiras começaram a implementar cotas, gerando a efervescência inovadora e democratizante sem paralelo na história de nossas universidades ao longo de todo o século XX. (CARVALHO, 2010. Audiência Pública STF)

Nesse processo de colocar a discussão sobre o acesso à academia,

atrelado as iniquidades raciais peculiares ao Brasil, deve-se também escutar

com acuidade as vozes discordantes da AAR

O antropólogo George de Cerqueira L. Zarur (2010) defende que “tratar

desigualmente os desiguais” seria correto em se tratando de mulheres ou

deficientes físicos, mas se aplicado para solução de questões raciais não seria

nada mais do que legitimar o “juridicamente correto”. Além do que a

“discriminação positiva” é uma incoerência em termos, seria o mesmo que dizer

“crueldade positiva” ou “tortura positiva”, já que toda discriminação seria

negativa. Ademais sendo os negros e pardos as maiorias entre os pobres,

seriam estes imediatamente beneficiados com a promoção do combate à

pobreza. Pois as políticas amparadas na ideia da necessidade AAR seria um

racismo travestido de política pública.

Para que haja políticas raciais, as diferenças étnicas devem ter expressão demográfica. Por manipulação estatística, a população negra foi multiplicada por dez no Brasil, que, fica rachado ao meio entre negros e brancos. No censo de população, aos cinco por cento dos autodeclarados “negros” foram indevidamente agregados à dita “população negra”, os quarenta e cinco por cento dos autodeclarados “pardos”, que não são “negros”, mas, na verdade, mestiços. Transformaram-se em afrodescendentes, quando, na verdade, são “afro”, “euro”, “asio” e “indiodescendentes”. Por isto, as estatísticas étnicas governamentais brasileiras não merecem credibilidade. (ZARUR, 2010, p.2)

70

Continua Zarur (2010) demonstrando seu espanto em relação ao “Centro

de Convivência Negra” existente na UnB, considerado por ele como um espaço

símbolo da segregação racial. Seria este processo de interpretação das

relações raciais equivocado, na medida em que multiplica guetos mentais, que

sustentam as cotas universitárias, responsáveis por criarem miniguetos físicos.

Nas favelas e nos bairros co-existem pessoas de todas as tonalidades de pele, embora se multipliquem os guetos mentais das cotas universitárias e alguns miniguetos físicos, como o centro de convivência negra da UnB. Não faz sentido, por isto usar o direito à diversidade para justificar as cotas raciais. (ZARUR, 2010, p.5)

A descrição de Zarur sobre seus estudos nos Estados Unidos e

complexa realidade americana também se torna pertinente, pois é ferramenta

de reflexão sobre os dilemas raciais do Brasil.

Ao fazer meu PhD nos Estados Unidos, fui o primeiro antropólogo latino-americano a realizar trabalho de campo naquele país e o único brasileiro, até o presente, a estudar o conflito entre negros e brancos americanos in situ. Meu estudo sobre cotas raciais em escolas começou em 1972, no gueto negro da cidade de Gainesville, na Florida. Um amigo negro envolveu-se em uma briga com brancos e, dias depois, foi assassinado. Em 1974, fui estudar uma comunidade branca no Golfo do México. Descobri que ali ocorrera um massacre de negros patrocinado pela KuKluxKlan. O massacre de Rosewood, que denunciei, transformou-se em filme com conhecidos atores como John Voigt, de “Midnight Cowboy”. Lembro-me do alívio que senti ao retornar ao Brasil. Aqui não existia a segregação que induz ao ódio, a assassinatos e massacres raciais. Qual não foi, então, meu espanto ao me deparar, recentemente, com um prédio na Universidade de Brasília anunciado por uma enorme placa “Centro de Convivência Negra”, um verdadeiro monumento à segregação! (ZARUR, 2010, p. 3)

Eunice R. Durham (2010) ressalta a relevância do debate sobre cotas,

por expor a chaga da discriminação racial no Brasil. Contudo destaca o fato de

este caminho trazer consigo uma gama de equívocos:

A proposta de criar quotas para facilitar a admissão e aumentar a participação de negros nas universidades teve o mérito de expor e colocarem debate a gravíssima questão da discriminação racial e da desigualdade educacional que envergonham a sociedade brasileira. Para as pessoas que condenam o racismo é difícil se opor a uma ação afirmativa que tem por objetivo corrigir uma desigualdade tão gritante, especialmente porque o campo educacional influi fortemente nas perspectivas futuras de participação social e de acesso às posições melhor remuneradas do mercado de trabalho. Além disso, a escolarização da população de ascendência africana afeta

71

negativamente as gerações futuras. Entretanto, a solução das quotas apresenta inúmeros aspectos negativos que precisam ser seriamente considerados face a outras alternativas talvez mais justas e mais eficazes. (DURHAM, 2010, p. 1)

Eunice R. Durham (2010) apresenta diversos pontos conflitantes em

relação as cotas. Para a estudiosa a proposta esta ligada a uma única

consequência, a discriminação racial e da desigualdade educacional, mas não

gera um efeito corretivo para tais problemas. Pois no funcionamento adequado

de uma sociedade complexa, o combate ao racismo e outras formas de

discriminação exige a aplicação indiscutível de critérios universais, atrelados a

padrões universais de respeito à dignidade das pessoas.

Quando se precisa selecionar um técnico em computação, por exemplo, os candidatos devem ser avaliados por sua competência em computação e não pelo fato de serem brancos ou negros; o mesmo se pode dizer quando se trata de contratar vendedores de loja, gerentes de empresas, funcionários públicos, jogadores de futebol, ou ingressar na universidade. (DURHAM, 2010, p.1)

A estudiosa acredita que uma das instituições que conseguiram

neutralizar o processo de discriminação racial, que opera visivelmente no

mercado de trabalho ou nas escolas primárias de maneira perversa, é o

vestibular que faculta o ingresso nas universidades públicas. Seria o processo

de ingresso nas universidades, uma mostra da maturidade democrática de

nosso país. Sendo assim atrelar o preconceito racial que graça na sociedade

brasileira à realidade universitária, que favorece a excelência acadêmica, seria

utilizar uma interpretação deslocada de nossa realidade histórica e fugir das

causas efetivas das desigualdades raciais e sociais.

Entretanto, há outros setores e instituições sociais nos quais a discriminação racial e a manifestação do preconceito foram de fato neutralizados: o vestibular para ingresso nas universidades públicas é um deles. De fato, a instituição do exame do vestibular consiste numa vitória democrática contra as pragas do protecionismo, do machismo, do clientelismo e do racismo que permeia a sociedade brasileira. O ingresso depende exclusivamente do desempenho dos alunos em provas que medem razoavelmente bem a preparação, as competências e as habilidades dos candidatos que são necessárias para o bom desempenho num curso de nível superior. Alunos de qualquer raça, nível de renda, sexo, são reprovados ou aprovados exclusivamente em função de seu desempenho. Isto significa que os descendentes de africanos não são barrados no acesso ao ensino superior por serem negros, mas por deficiências de sua formação

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escolar anterior. Por isto mesmo, é de certa forma estranho que a primeira grande iniciativa de ação afirmativa no campo educacional incida justamente sobre o vestibular, sem propor medidas de correção das deficiências de formação que constituem a causa real da exclusão. (DURHAM, 2010, p. 2)

No centro deste debate os setores da academia brasileira que se

posicionaram contrariamente a discussão sobre inclusão racial, segundo

Carvalho (2005, 2006,) reproduziam a segregação velada de nosso país. A

dinâmica por vezes invisível, mas operante, no interior das instituições de

ensino, recebeu a alcunha de “Racismo Universitário”. Esta dimensão do

racismo estaria amparada na construção ideológica do convívio inter-racial

harmônico no Brasil e de um processo de naturalização, da não existência de

negros nos quadros universitários de docentes e discentes ou em outros postos

de prestígio e poder, lógica atuante dentro das universidades. Carvalho (2005)

ressalta que nos últimos 25 anos, houve uma dinâmica de esvaziamento da

discussão racial, particularmente nas universidades públicas, onde se criou um

vácuo em torno do debate sobre inclusão racial.

Claro que esse vazio de análise e proposta não foi causado por um despreparo de nossa academia branca e sim por uma decisão, bastante consciente, ao longo de mais de setenta anos, de construir um conceito específico e interessado de brasilidade (cristalizado com grande eficácia na obra de Gilberto Freyre) e destinado a encobrir o mais possível escândalo (agora exposto como nunca antes) da discriminação sistemática sofrida pelos negros no Brasil. Esse discurso oficial do Brasil, desde a década de trinta até recentemente, constituiu numa celebração culturalista da mestiçagem e de uma suposta cordialidade de convívio inter-racial, paralelas a um silenciamento sistemático da desigualdade de vantagens impostas aos negros e aos índios. Meditar sobre a ausência atual de negros e índios na universidade é ousar revisar os pressupostos dessa brasilidade que ocultou deliberadamente um de nossos problemas mais graves como nação. (CARVALHO, 2005 p. 2)

O propalado caso Ari na UNB, ou o episódio da estudante da pós

graduação da UFRJ, que segundo o advogado Jocimar de Oliveira Araújo,

integrante do escritório de advocacia Zumbi dos Palmares, teria sido reprovada

em banca de mestrado por ser muito sorridente, expõem um pouco do

problema racial existente no interior de nossas instituições.

Também Jocimar Araújo, que pertencia ao escritório Zumbi dos Palmares, em Seminário realizado na UnB em dezembro de 2000, mencionou um caso de discriminação racial sofrido por uma aluna

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negra de pós-graduação da UFRJ, comparando-o com o Caso Ari, com o qual ele também havia se solidarizado no ano final de sua vida. (CARVALHO, 2005, p. 81) Uma coisa que ficou evidenciada é que, definitivamente a Universidade de Brasília, é uma universidade caracterizada por ser um espaço de brancos. O escritório esta com dois casos de racismo em pós-graduação no Brasil, duas universidade públicas e federais. Uma, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no programa de pós-graduação em química, cuja menina passou em todas as etapas em primeiro lugar, mas na entrevista ela foi desconsiderada, por que segundo a banca ela ria muito, ela era muito sorridente. A outra, que encerrou agora, que é o caso que todos aqui conhecem de Brasília, da própria Universidade Federal de Brasilia. (Documentário Sob o Signo da Justiça, A luta pelas cotas na universidade de Brasilia, 2004)

Também contribuem para compreensão deste processo, os relatos de

alguns cotistas raciais da UFPR, em trabalho coordenado pelo professor de

antropologia, Marcos Silva da Silveira (2012). A pesquisa intitulada Memórias

Silenciosas, também explicita um pouco do funcionamento das engrenagens

deste possível sistema, apontado como racismo acadêmico. Alguns relatos

ocorreram em momentos de grande efervescência em torno da discussão

sobre ações afirmativas, possibilitando um aprofundamento sobre o tema, tanto

do corpo docente quanto discente das universidades, construindo um processo

de reflexão teórica mais apurada por parte das ciências sociais. Além disso,

suscitou um despertar para a realidade da exclusão racial no patamar da pós-

graduação e na pouca diversidade existente no corpo docente das instituições

de ensino superior.

Nos primeiros dias de aula (no trote) senti o primeiro impacto de ser uma aluna cotista racial. A idealização e as expectativas positivas de ser universitária foram quebradas com a frieza, a indiferença e a provocação dentro da universidade. Na disciplina de Biologia Celular, me deparei com o primeiro professor negro e senti um enorme orgulho de ter um professor negro, com títulos, tão reconhecido no mundo acadêmico. Pensei que seria a minha primeira referência. Durante a aula de laboratório começou a perseguição: no primeiro erro que cometi. Ao manejar um microscópio – aparelho que só tinha visto em filme – ele começou a se exaltar dizendo que daquele jeito eu não iria conseguir aprender, etc. Fiquei muito surpresa com a reação dele e não consegui questionar aquela atitude. Após encerrar a aula, o professor me chamou e pergunto se eu era aluna cotista. Eu respondi “Sim, por quê?”. Ele balançou a cabeça e respondeu: - “Que vergonha!”. Em seguida, argumentei:- “Vergonha por que?”. Ele, todo orgulhoso, comentou que lutou muito para entrar na universidade e não precisou de cotas Sem pensar nas conseqüências que poderiam vir, bati palmas com

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um ar de deboche, e respondi: “Muito bem!, O que eu tenho haver com isso? Somos pessoas totalmente diferentes, e a sua história diverge da minha, somos seres únicos”.(SILVEIRA, 2007, p.11)

Outro contexto, que merece destaque pela mobilização que causou em

âmbito nacional, foi o conhecido caso Ari. Esta contenda foi assim denominada,

pois em 1998 o então doutorando negro, Arivaldo Lima Alves, foi reprovado em

duas disciplinas obrigatórias do mestrado em antropologia social na UnB. Esta

reprovação significava para o estudante a exclusão do programa de pós-

graduação de acordo com Carvalho (2005). Segundo Inocêncio (2010), não se

tratava apenas da reprovação de um estudante negro, que de chofre poderia

caracterizar o racismo acadêmico, mas o fato de que este estudante alcançara

maior menção em todas as outras matérias e o professor envolvido na

reprovação, não conseguira justificar de maneira plausível sua posição. O

evento ganhou projeção por ser o aluno, o primeiro reprovado em uma

disciplina obrigatória, como também, em 20 anos de programa, ser o primeiro

negro a penetrar neste seleto sistema. A celeuma cindiu o DAN (Departamento

de Antropologia) da referida instituição. Arivaldo apelou diversas vezes para o

professor, sem qualquer forma de entendimento, buscando em decorrência

instâncias universitárias mais elevadas que também, em um primeiro momento,

indeferiram seu pedido. Apenas em 19 de maio de 2000, quando foi feito outro

apelo a uma quarta instância, o CEPE- Conselho de Ensino, Pesquisa e

Extensão, que rediscutiu o caso pela 2ª vez, o aluno logrou a invalidação da

reprovação, por 22 votos a favor e 4 contra.

O “Caso Ari” pode ser considerado uma espécie de drama racial emblemático da nossa cultura acadêmica branqueada. A luta de Arivaldo Lima Alves por permanecer no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UnB implicou em uma árdua luta burocrática e processual para ter direito a quatro pedidos de revisão de menção; deslocamento temporário e imprevisto da UnB para a Unicamp, onde cursou uma disciplina equivalente à da UnB em que havia sido reprovado, na esperança de conseguir uma revalidação caso a revisão não lhe fosse concedida. Implicou também a mobilização do movimento negro local; a solidariedade de parte expressiva dos seus colegas da Pós-graduação; o envolvimento do Escritório Zumbi dos Palmares de advogados negros; intensa guerra protocolar e de procedimentos com o Departamento de Antropologia; contratação de advogados para defendê-lo diante da Reitoria; e até o apoio formal da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça. Após dois anos de um grave conflito institucional, Arivaldo Alves conseguiu finalmente que o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) da UNB, órgão colegiado superior de deliberações da universidade,

75

obrigasse o Departamento a mudar a sua nota e lhe concedesse os créditos de aprovação na matéria. A partir daí, pode continuar no Programa até terminar seu doutorado em 2003. (CARVALHO, 2005, p. 70)

Pensar as ações afirmativas, especificamente as cotas raciais em um

contexto maior de discussão e na percepção da elite acadêmica, seja de

mestres seja de alunos, possivelmente gerou uma ruptura de paradigmas.

Estas movimentações facultaram deslocamento de olhares, e percepções,

neste sentido uma revisão de posições historicamente hegemonizadas.

Na mesma linha de uma política da neutralidade nas ciências sociais, quando Maio e Santos discutem a questão do antropólogo como perito, o pressuposto é de que existe um grupo “lá fora” (seja étnico, racial, de gênero, movimento social, etc) e a discussão é de se nós, antropólogos devemos ou não falar por ele, isto é, como nos envolvemos em uma demanda que se encontra em outro espaço social ou político (terras, saúde, direito de exploração de recursos, etc.). Mas essa não é a situação das cotas para negros. As cotas incidem sobre o nosso universo, onde mantemos nossos privilégios de brancos, e o que esta em questão é decidir se vamos finalmente aceitar dividi-los com os negros ou se vamos permanecer controlando o acesso a 99% dos recursos de que dispõem as nossas instituições acadêmicas. (CARVALHO, 2005, p 243)

A reflexão em torno da existência de um racismo acadêmico é tensa e

delicada, envolve um olhar profundo sobre o histórico de nossas instituições

acadêmicas, e mais do que isso, pensar a academia como instituição que não

apenas produz conhecimento, mas que também se transforma a partir das

demandas da sociedade e de suas próprias demandas internas. Como ressalta

Carvalho (2005, p.80) a academia também adotou uma postura passiva, no

que se refere a uma análise ativa das desigualdades raciais.

Generalizando uma tendência e salvado as poucas exceções, acredito que a academia tem uma responsabilidade direta na reprodução do imobilismo diante do racismo universitário pelo fato de que muitos dos discursos que negam o racismo e que produziram a ideologia do convívio inter-racial harmônico no Brasil foram produzidos por acadêmicos, no interior das instituições acadêmicas (em aulas, conferências, encontros das comunidades científicas etc.) Ou seja, afirmar que a academia não tem sido ativa, ou que tenha se omitido a opinar sobre discriminação racial, é contar a história pela metade: pelo contrário, ela tem contribuído para a reprodução da exclusão racial no Brasil simplesmente por desestimular a disseminação dos argumentos anti-racistas, seja por impedi-los de vir a público, seja por combatê-los através de subterfúgios a cada vez que são colocados na arena institucional. (CARVALHO, 2005, p. 80)

76

Neste sentido cabe uma analise mais apurada das propostas conceituais

de Carvalho; as mutações geradas a partir da inclusão de cotas raciais no seio

das instituições públicas facultaram significativa diversidade do corpo discente,

que atualmente já pode-se constatar. Bem como uma mudança de posição da

academia, que se era acusada de reproduzir um possível racismo acadêmico,

em um segundo momento trabalha para dirimir seus efeitos.

Conclusão

Certamente debater e estudar as relações raciais no Brasil, não é tarefa

simples, esta perspectiva foi corroborada pelo estudante de Ciências Sociais

da UnB, João Henrique no documentário ‘Raça Humana” de 2010. Ele afirma

nunca ter presenciado um debate sobre cotas raciais que não culminasse em

desentendimentos e ofensas de ordem pessoal. Inclusive se evitaria tais

eventos, pois, normalmente os ânimos se exaltam e o debate finda-se em

agressões despropositadas. Estes conflitos e desentendimentos podem ser

explicados através do modelo de convivência racial do Brasil, pois falar em

racismo, ou assuntos congêneres, significa ainda adentrar em um campo de

debate interdito. Neste sentido Florestan Fernandes (1978) é extremamente

atual, quando explica que no Brasil, funciona a lógica onde temos preconceito

de assumir nosso preconceito. Neste sentido, cabe também recordar a

pesquisa realizada pela Folha de São Paulo em 1995, que constatou que 89%

dos entrevistados revelaram haver racismo no Brasil, mas apenas 10%

assumiu ser racista. A conclusão informal depreendida desta e de outras

pesquisas, segundo estudiosos, é que todo o brasileiro se sente em um ilha de

democracia racial, cercado de racistas por todos os lados.

Mas as AAR realmente fomentaram uma movimentação intelectual

jamais vista anteriormente, a universidade pública, espaço historicamente

demarcado, foi “ameaçada” pela entrada de grupos sociais que, desde sua

origem não tiveram oportunidade de penetrar nestes ambientes e eram vistos

como estranhos. Daí possivelmente a resposta do equívoco, por vezes

estabelecido dentro da academia, onde estudantes negros cotistas,

comumente eram confundidos com serventes ou bolsistas africanos. Mesmo

dentro desta realidade conflituosa, na qual muitos estudiosos vislumbraram um

desencadeamento trágico para as relações de harmonia e coesão racial no

Brasil, parece que o argumento da necessidade de uma urgente diversidade

social e racial nas instituições de prestígio, afluência e poder, valendo-me dos

estudos de João Feres Júnior (2010), prevaleceram. Segundo ele, o argumento

da necessidade de diversidade, tem sua gênese nos Estados Unidos e aponta

para duas interpretações discerníveis. A primeira se encaixaria na lógica da

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justiça social, pois quando alijamos segmentos sociais, de forma tão

sistemática e perversa dos espaços de poder, como no Brasil,

indiscutivelmente este sistema gera e reproduz injustiça social. O segundo

desdobramento, conectado a noção de diversidade, ainda utilizando o

constructo teórico de Feres Júnior (2010), estaria assentado na ideia de que a

diversidade contribui para o aprimoramento de nossas instituições sociais.

Sendo assim, o ensino universitário e a experiência universitária ganhariam

exponencialmente, como o advento de alunos com histórico de vida distintas do

público historicamente confinado nas universidades públicas, agora valendo-

me de Carvalho (2005-2006).

Isto não significa afirmar que os teóricos que se posicionaram contra as

AAR, estivessem mal intencionados ou desconhecessem a realidade brasileira.

Estes pensadores também dispunham de experiências e material teórico

substancial para empreender análise sobre os dilemas raciais brasileiros, neste

sentido aderiram a perspectiva de observação divergente em relação a

interpretação das relações raciais, e seus desdobramentos em termos de

políticas públicas. Não obstante, são em grande número, intelectuais que

dispõem de um arcabouço teórico refinado, de destacada relevância para

compreensão da realidade do negro em nossa sociedade.

Neste sentido, buscamos nesta singela contribuição teórica, estabelecer

uma análise sobre a trajetória das AAR no Brasil. Levando em consideração as

vozes que se posionaram a favor e contra a política estatal de integração

étnico-racial. Certamente muitas questões não foram respondidas neste

estudo, e o escopo do mesmo não tinha a pretensão de abranger todas às

complexas dinâmicas, inerentes a este rico processo de debate. Pois um novo

capítulo de observação das relações raciais no Brasil emergiu a partir do

debate sobre AAR.

Convém destacar um fato importante, apresentado no documentário da

TV Cãmara de nome “Raça Humana”, para compreendermos a relevância do

debate em torno das AAR em nosso país. Na data do lançamento do livro

13/10/2009, “Uma Gota de Sangue” de autoria do geógrafo Demétrio Magnoli

em Brasília, diversos estudiosos do tema foram chamados para

testemunharem sobre a ineficácia das políticas de ação afirmativa. Entre os

convidados estava o deputado Fernando Gabeira, PV/RJ, a procuradora do

79

Distrito Federal e advogada contratada pelo DEM, Roberta Kaufman, uma das

figuras mais contundentes contra as AAR. Além de George Zarour, antropólogo,

Paulo Kramer, professor da UnB, Demóstenes Torres, então Senador da

República e o próprio Demétrio Magnoli. Transcorrido algum tempo do evento,

o geógrafo negro Joel da Silveira, a princípio apenas um expectador, pediu

inusitadamente a palavra, afirmando que quebraria o protocolo, mas

necessitava se posicionar no debate do evento. O coordenador da mesa,

professor Magnoli, imediatamente arguiu que não era possível, pois o evento

não estava arranjado para este tipo de intervenção. Joel continuou,

questionando o fato de não haver naquele debate nenhum representante da

posição contrária, ou seja, a favor das AAR. Disse também que era um direito

seu, falar sobre um tema que lhe dizia respeito, e que iria facultar ao

coordenador e à mesa, uma ação inclusiva. O debate na sequência ficou mais

acalorado, Magnoli pediu à plateia uma vaia para Joel e para outros indivíduos

do movimento negro que estavam presentes e também se manifestaram

pedindo a palavra, asseverando que aquele não era um lugar de comício.

Agradecendo a plateia, encerrou o debate culpabilizando o geógrafo negro e os

integrantes do movimento negro, por tumultuarem o lançamento do livro, se

referindo à atitude de questionamento, “como uma ação provocadora de uma

milícia facista”.

Na sequência o documentário apresenta uma entrevista, com o

geógrafo, pivô da contenda. Ele destaca a necessidade de dar voz aos

diversos segmentos interessados no debate, Joel ressalta a posição hostil dos

organizadores, caracterizada pelo discurso veiculado, que sublinarmente

pregava que aquele não era o espaço dos negros. Ou talvez possa ser

resignificado pela noção de que aquele, não era o espaço do discurso

reproduzido pelos negros. Concluindo a entrevista o geógrafo Joel, dá

centralidade a grande virtude das AAR, que seria possibilitar o debate, levantar

a discussão, revisar desta forma, uma realidade já naturalizada, irrefletida e

automática, utilizando a sistematização criada por Rita Segato (2005-2006),

sobre a não resolvida realidade social do negro em nossa sociedade.

Neste sentido, cabe ressaltar que a decisão do STF, que deu parecer

constitucional às cotas na UnB, invalidando a ADPF 186 proposta pelo DEM, foi

demarcada pelo caráter de temporalidade e não eternização destas políticas

80

públicas. Sabe-se que este mecanismo, isto é, as AAR não são uma panaceia

para a solução dos dilemas sociais e raciais de nossa sociedade, mas podem

ser necessários para que sistemas sociais desiguais trilhem um caminho de

efetiva democratização. Sendo assim, é possível afirmar que as AAR, além de

incluir segmentos marginalizados pela lógica racista então estruturada,

inaugurou um novo capítulo de análise, reflexão e resignificação das relações

raciais no Brasil. Talvez agora com um caráter não meramente teórico, mas

propositivo e transformador, calcado em certa medida, no argumento de

reparação histórica. Vale neste aspecto revisitar Feres Júnior (2010), quando

aponta que a reparação histórica, no cotexto da escravidão, decorre do crime

praticado pelo estado e pelos escravocratas. Por conseguinte, políticas de

promoção de igualdade de oportunidades, para as vítimas históricas deste

holocausto, são adequadas para dar conta de processos atrelados à ideia de

reparação histórica para as vítimas. Pois transcorrido centenas de anos do

crime original, equacionar outras lógicas reparatórias torna-se aparentemente

inviável.

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Pronunciamento Professor José Jorge de Carvalho. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=KvCA1PpByUA&feature=relmfu.>. Acessado em 03. Set. 2012