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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ DIAMILA MEDEIROS DOS SANTOS PRESENÇA DO ESPAÇO EM VILA SOCÓ LIBERTADA: UMA REFLEXÃO SOBRE A LÍRICA DE MARCELO ARIEL CURITIBA 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

DIAMILA MEDEIROS DOS SANTOS

PRESENÇA DO ESPAÇO EM VILA SOCÓ LIBERTADA: UMA REFLEXÃO SOBRE

A LÍRICA DE MARCELO ARIEL

CURITIBA

2013

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

DIAMILA MEDEIROS DOS SANTOS

PRESENÇA DO ESPAÇO EM VILA SOCÓ LIBERTADA: UMA REFLEXÃO SOBRE

A LÍRICA DE MARCELO ARIEL

Monografia apresentada à disciplina de Orientação

Monográfica II como requisito parcial à conclusão do curso

de Letras – Português, Bacharelado em Estudos Literários,

Setor de Ciências Humanas (SCH), Universidade Federal

do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Benito Martinez Rodriguez

CURITIBA

2013

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao professor Benito Rodriguez, não só pela orientação neste trabalho, mas

também por ter me apresentado à poesia de Marcelo Ariel. Além disso, aproveito para

agradecer publicamente por sua ajuda e companheirismo na construção e execução do Poiésis.

Os mestres ainda são de extrema importância na vida dos estudantes, creio que isso nunca

será mudado.

Agradeço ao professor Marcio Renato Guimarães pela ajuda providencial com o

Ozymandias!

Agradeço à UFPR pela acolhida a esta paulista de coração londrinense, mas que já se

sente uma curitibana. Eu tenho me sentido em casa entre esses corredores!

Agradeço ao corpo docente do Departamento de Letras. Sinto-me realmente lisonjeada

por ter tido a oportunidade de frequentar aulas incríveis com professores mais incríveis ainda,

nos últimos quatro anos e que têm confirmado meu acerto em escolher este curso, esta

universidade, esta cidade.

Agradeço, por fim, a todos as outras pessoas – familiares e amigos – que fizeram parte

de alguma forma de meu percurso (tortuoso e sôfrego) nos últimos anos. Nomear não seria o

bastante, mas quem esteve comigo, sabe que esteve e a importância que teve. Merci!

“A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a

atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior.

A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem;

regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Súplica ao vazio, diálogo com a

ausência, é alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo desespero. Oração, litania, epifania, presença.

Exorcismo, conjuro, magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente. Expressão

histórica de raças, nações, classes. Nega a história, em seu seio resolvem-se todos os conflitos objetivos

e o homem adquire, afinal, a consciência de ser algo mais que passagem. Experiência, sentimento,

emoção, intuição, pensamento não-dirigido. Filha do acaso; fruto do cálculo. Arte de falar em forma

superior; linguagem primitiva. Obediência às regras; criação de outras. Imitação dos antigos, cópia do

real, cópia de uma cópia da Idéia. Loucura, êxtase, logos. Regresso à infância, coito, nostalgia do

paraíso, do inferno, do limbo. Jogo, trabalho, atividade ascética. Confissão. Experiência inata. Visão,

música, símbolo. Analogia: o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo, e métricas e rimas

são apenas correspondências, ecos, da harmonia universal. Ensinamento, moral, exemplo, revelação,

dança, diálogo, monólogo. Voz do povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário. Pura e impura,

sagrada e maldita, popular e minoritária, coletiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada, escrita,

ostenta todas as faces, embora exista quem afirme que não tem nenhuma: o poema é uma máscara que

oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana!”

Octavio Paz, O arco e a Lira

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................ 03

1.2 MARCELO ARIEL ................................................................. 04

1.3 O ESPAÇO E ALGUMAS DE SUAS POSSIBILIDADES ..... 06

1.4 A LÍRICA NA MODERNIDADE ............................................ 12

2. ANÁLISE DOS POEMAS ............................................................. 14

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................... 44

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................... 47

3

1. Introdução

A presente monografia tem como objetivo o exame de um recorte do livro Tratado dos

Anjos Afogados1, de Marcelo Ariel. Poeta nascido no ano de 1968, em Santos, litoral paulista,

mudou-se para Cubatão ainda criança e, desde então, vive nesta cidade que já foi apontada

como a mais poluída do mundo na década de 80. Desenvolveu uma série de atividades como

pedreiro e faxineiro, e é proprietário, desde 1988 do sebo itinerante “O invisível”.2

Ariel publicou Me enterrem com a Minha AR-15, em 2007; Tratado dos Anjos

Afogados em 2008; O Céu no Fundo do Mar em 2009; Coltrane Blues, Conversas com Emily

Dickinson e Outros Poemas e A morte de Herberto Helder e outros poemas em 2010; A

Segunda Morte de Herberto Helder em 2011; Cosmogramas e Teatrofantasma ou o Doutor

Imponderável contra o onirismo groove em 20123; sendo sua mais recente obra o livro

Retornaremos das cinzas para sonhar com o silêncio ainda não lançado, mas em fase de pré-

venda pela editora Editora Patuá. Os livros foram publicados por selos independentes,

editoras menores ou então através de edições artesanais ou cartoneras4. Algumas dessas

produções aparecem, inicialmente, nos sites mantidos por Ariel5, para depois tornarem-se

livro impresso.

Tratado dos Anjos Afogados agrega parte da produção do poeta construída durante

cerca de vinte anos, período durante o qual seus escritos foram sofrendo modificações até

1 ARIEL, Marcelo. Tratado dos Anjos Afogados. Caraguatatuba: LetraSelvagem, 2008. Na sequência falaremos

de maneira mais retida do livro e também do recorte em questão.

2ARIEL, Marcelo. Entrevista para a jornalista Marcella Chartier, em 29 de janeiro de 2008. Disponível em:

http://teatrofantasma.blogspot.com.br/2008/01/entrevista-para-jornalista-marcella.html Consultado em

15/11/2013.

3 RODRIGUEZ, Benito Martinez. “Scherzi-rajadas líricas: balas e baladas na dicção poética de Marcelo Ariel”.

Curitiba: Mimeo, 2013.

4 As edições cartoneras, iniciaram-se na Argentina com o coletivo Eloisa Cartonera (2003), e depois se

espalharam pela América Latina. São produções editoriais que se valem do aproveitamento de papelão na

confecção de livros, constituindo assim um veículo de divulgação literário alternativo ao universo das grandes

editoras comerciais. No Brasil, as publicações de Marcelo Ariel saíram pelo selo Dulcinéia Catadora de São

Paulo-SP, Sereia Ca(n)tadora de Santos-SP, Edições Caiçaras de São Vicente-SP e Rubra Cartonera de

Londrina-PR.

5 Ariel mantém os blogs: http://teatrofantasma.blogspot.com.br/ e

http://ouopensamentocontinuo.blogspot.com.br/

4

chegarem à forma apresentada na publicação no ano de 20086. O livro saiu pelo selo editorial

independente LetraSelvagem, parte da Associação Cultural LetraSelvagem, grupo que

pretende ser uma alternativa ao mercado editorial globalizado7. Os poemas reunidos na obra

estão agrupados em seis subdivisões internas:

- I) “Vila Socó: Libertada”, que apresenta vinte e seis poesias;

- II) “Scherzo-rajada”, com quatro poesias;

- III) “Oceano Congelado”, a maior parte com sessenta e quatro poesias;

- IV) “Esse invisível fantasma”, com nove poesias;

- V) “Autobiografia total e outros poemas”, composto de vinte e duas poesias;

- VI) “Me enterrem com minha AR 15” (Scherzo-rajada 2). Com dezoito poesias, esta seção

do livro já havia sido publicada anteriormente pela Dulcinéia Cartonera, no entanto, na versão

de 2008 há o acréscimo de algumas poesias inéditas o que é enunciado na abertura da

sequência de poemas.

Conforme enunciado, este trabalho, devido a seu caráter mais restrito, se ocupará do

estudo de apenas uma destas seções: “Vila Socó: Libertada”. No entanto, antes de

prosseguirmos nessa empreitada é ainda necessário esclarecer mais algumas questões sobre o

poeta e seu contexto de produção.

1. 2 Marcelo Ariel

Marcelo Ariel tornou-se leitor frequentando a Biblioteca Pública de Cubatão8. Embora

soe como algo trivial, podemos depreender alguns aspectos importantes com base nisso ao

tentarmos traçar algumas hipóteses para a compreensão da proposta estética de Ariel.

Dizemos isso, pois é comum que algumas dessas bibliotecas de cidades de médio porte como

Cubatão tenham um acervo variado de obras que vão desde a literatura canônica – nacional e

estrangeira – até as grafic novels, passando por filmes e CD’s. Além disso, o acesso a esse

acervo se dá de maneira direta, sem mediação ou curadoria prévias, o que possibilita uma

enorme liberdade de associação entre essas mídias, resultando em um aproveitamento que ora

parece ser muito profícuo exatamente pela não adesão a padrões associativos pré-

6ATANES, Alessandro. Ariel, Borges e a Ficção de Cubatão. Publicado em 03 de março de 2008. Disponível

em: http://portogente.com.br/16732?id=%3A16732 Consultado em 15/11.2013.

7 As informações sobre a proposta editorial do selo LetraSelvagem podem ser encontradas no seguinte endereço

digital: http://www.letraselvagem.com.br/pagina.asp?id=2

8 ATANES, Alessandro, 2008.

5

estabelecidos, como os que temos nos meios acadêmicos, por exemplo, e ora parece ser mera

referenciação enciclopédica.

Neste sentido, veremos em seus poemas se alternarem e entrelaçarem alusões a um

elenco de artistas e obras oriundos de várias modalidades e propostas estéticas diferentes.

Nota-se, o quanto o contato com certas fontes de produção artística ou até mesmo filosófica

modularam sua obra e se associaram para constituir a própria estética do poeta, embora, por

vezes, a compreensão do tipo de relação que o poeta estabelece entre essas fontes não seja de

fácil acesso.

Os fatores que constituem a voz poética de Ariel passam pela incorporação de outras

matrizes artísticas, como o rap e os HQ’s, e se convertem, aliadas às referências já

mencionadas, em apontamento direto nos poemas, seja através de dedicatórias, seja através da

alocação dos nomes de artista e pensadores e de suas obras no interior dos poemas, ou seja até

mesmo através da incorporação da forma da expressão poéticas de alguns autores9.

Há uma série de questões que poderiam ser investigadas a partir desse processo

acumulativo de associações promovido pela lírica de Ariel: quais tipos de leitura podem ser

suscitadas pelo remanejamentos das referências; de que forma a poética de Ariel se insere ou

não no projeto estético da modernidade; como as múltiplas vozes evocadas pelo autor se

associam para construir sua própria voz poética? No entanto, este trabalho não terá condições

de abarcar todos esses questionamentos que ficam para trabalhos subsequentes.

Há ainda o fator do espaço da cidade, no caso Cubatão, que entra de forma manifesta

em um grande número de poesias, sobretudo, da seção observada neste trabalho. Tendo em

vista o tipo de representação observada: parece-nos que o mimetismo proveniente de uma

“poética da cidade” configurada sobretudo nas produções marginais contemporâneas cede

lugar a um tipo de construção que, com base na profusão de alusões, cria um mecanismo

outro de relação com o real que se expande até tocar em questões metafísicas e

transcendentes.

Assim, dentre as inúmeras inquietações trazidas pela lírica de Ariel que transita entre o

brutal, o sublime, o etéreo e o caótico, interessa discutir aqui as relações com o espaço, seja

esse espaço o da cidade industrial objetivamente figurada ou o espaço da subjetividade no

qual se dá a construção de seu eu-poético. Parece-nos que a poesia de Ariel se constrói da

tensão entre esses dois espaços, sem que haja a hierarquização de um em detrimento do outro.

9 Isso será verificado, particularmente, na análise do poema denominado “A Revolução”, no decorrer do

trabalho.

6

1.1 O espaço e algumas de suas possibilidades

Os séculos XVIII e XIX trouxeram consigo uma nova ordem estrutural ao Ocidente

que podemos entender como a Modernidade em seu estado avançado. A Revolução Francesa

depôs a aristocracia; a Revolução Industrial instaurou a era da produção massiva de bens e da

reprodução ostensiva do capital; a noção de Estado-nação efetivou-se como o princípio básico

da organização política democrática e nacionalista, e a cidade tornou-se o habitat do homem.

A constituição do espaço urbano como o concebemos na contemporaneidade é talvez o

traço mais distintivo dessa Modernidade que vem se enunciando desde o século XVI. A vida

nas cidades tem sido não só objeto de teorizações filosóficas, políticas, sociais e

arquitetônicas, como também matéria poética constante, na tentativa do homem de entender-

se em meio a uma espécie de nova ordem caótica. A partir de uma análise materialista,

podemos entender que a mudança organizacional (técnica, social, política) pela qual passaram

os grandes centros ocidentais nos últimos séculos resultou em alterações significativas nas

percepções estéticas da humanidade. Dessa forma, pode-se compreender a produção estética

de alguém como Charles Baudelaire, o poeta fascinado pela multidão da Paris dos 1800, na

qual buscava exatamente uma maneira de compreender o fluxo transitório e ininterrupto – por

mais paradoxal que soe – ao qual estava submetida essa Modernidade inescapável10

.

Cerca de um século e meio depois, colocam-se várias questões: ainda estamos a

presenciar esse movimento ou já vivemos a ruptura (provavelmente no período pós-guerra do

meio do século passado) e entramos no que tem sido denominado “pós-modernidade”? E,

aliando-se a isso, se houve alguma espécie de ruptura, estamos construindo, no presente,

outras modalidades estéticas, alguma espécie de lírica pós-moderna ou estamos dando

continuidade ao projeto estético da modernidade? Nossas possibilidades contemporâneas de

“representação” poética ainda coincidem, em algum grau, com o tipo de perspectiva dos

primeiros modernistas? São, mais uma vez, questões que não teremos condições de responder,

mas que, de alguma forma, permeiam todo o processo de execução deste trabalho.

Ao invés deste aspecto mais amplo, nos ocuparemos então, de tentar entender em que

tipo de orientação se insere o trabalho poético de alguém como Marcelo Ariel, no que

concerne às suas formas de representação do real?

10

BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Editora Brasiliense,

1989.

7

Ítalo Calvino nos oferece em seu conjunto de conferências denominado Seis propostas

para o novo milênio11

uma possibilidade de leitura para a ideia da relação entre a poesia –

entendida aqui em seu sentido mais amplo de literatura – com o real – entendendo-se todas as

reservas que se deve fazer quanto a essa conceituação também. Essas propostas compreendem

algumas qualidades da literatura que, segundo o autor, deveriam ser “centrais” nas

perspectivas para o novo milênio. Entre elas, a primeira seria a “leveza” e aqui está a imagem

que talvez nos ajude a elucidar a ideia de representação. Perseu só consegue arrancar a cabeça

da temida Medusa através do reflexo dela em seu escudo. Assim, ele não olha diretamente

para a Medusa – não correndo o risco de tornar-se uma pedra –, mas consegue, enfim, vencê-

la. Posteriormente, o herói ainda utiliza a cabeça de Górgona contra seus inimigos, levando-a,

cuidadosamente, dentro de um saco, pois aquele “acessório” poderoso não poderia ficar sem

alguma espécie de função. Para Calvino, “toda interpretação empobrece o mito e o sufoca”

(CALVINO, 1990, p. 16). No entanto, para ele, isso quer dizer alguma coisa.

Perseu consegue dominar a pavorosa figura mantendo-a oculta, da mesma

forma como antes a vencera, contemplando-a no espelho. É sempre na recusa

da visão direta que reside a força de Perseu, mas não na recusa da realidade

do mundo de monstros entre os quais estava destinado a viver, uma realidade

que ele traz consigo e assume como um fardo pessoal. (CALVINO, 1990, p.

17)

A leveza estaria quando Perseu deposita a cabeça da Medusa no chão: ele se preocupa

em oferecer a ela um bom lugar para repousar, mesmo sendo a terrível cabeça de um monstro.

No entanto, aqui nos interessa um passo atrás nessa história que se relaciona ao que Calvino

propõe no excerto apresentado acima: a visão indireta de Perseu direcionada à Medusa

permite que ele lhe arranque a cabeça. E assim também é para o poeta: não é a extinção do

monstro do real que possibilita seu fazer poético, mas antes um olhar direcionado a este real

feito através de um escudo cuidadosamente polido que podemos chamar de linguagem poética

ou espaço poético.

Essa imagem bela e forte da relação de Perseu com a Medusa nos ajuda a pensar em

alguns aspectos da lírica moderna e modernista em geral e, sobretudo, da lírica de Ariel.

O poeta, devido a alguns de seus dados biográficos (negro, pobre, sem escolarização

formal) já inicialmente apontados, acaba por suscitar o rótulo primário de “marginal” que o

11

CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. São Paulo: Companhia das

Letras, 1990.

8

insere em certo nicho da produção brasileira contemporânea12

que, no entanto, não comporta

sua produção poética. Benito Martinez Rodriguez, em seu texto denominado “Scherzi-rajadas

líricas: balas e baladas na dicção poética de Marcelo Ariel”13

, salienta o aspecto problemático

de incluir a obra do autor sob certa alcunha de “literatura marginal” e também reitera o

aspecto da combinação de repertórios já anteriormente mencionada aqui:

[Na obra de Ariel] A combinação entre repertórios de corte erudito e excertos da

crônica policial, se não é inédita nas dicções da arte moderna, decerto não se produz

no quadro dominante daquilo que se vem referindo desde a década passada, como

literatura marginal. (RODRIGUEZ, 2012, p. 05)

A cidade representa em sua obra não apenas um objeto de denúncia social denotando

certo “engajamento” desgastado, mas sim um microcosmo no qual, a partir de catástrofes

ambientais, sonhos, espelhos, organizações criminosas, se constrói um eu que transfigura o

real a partir de uma reflexão intensa sobre as possibilidades de representação desse real

através da poesia. É o processo de reflexão através do escudo da linguagem, como colocado

por Calvino, o que coloca o aspecto do real da literatura.

Pensando nessa noção da representação do espaço da cidade na literatura, talvez seja

importante refletir um pouco como a própria noção do termo espaço podem ser compreendida

de diversas maneiras distintas.

Luis Alberto Brandão, em seu texto “Breve história do espaço na Teoria da

Literatura”14

, aponta algumas tendências da Teoria Literária do século XX no que concerne à

abordagem do espaço. Segundo ele:

Quando se pretende discutir a questão do espaço segundo um viés diacrônico, é

preciso levar em conta duas perspectivas, em geral intimamente relacionadas. A

primeira propõe que uma “história do espaço” – ou seja, um registro das

modificações que envolvem tal categoria no decorrer de determinado período – seja

constituída por meio do levantamento das diferentes formas de percepção espacial,

as quais incluem tanto os sentidos do corpo humano quanto os sistemas

tecnológicos, rudimentares ou complexos, de observação, mensuração e

representação. A segunda perspectiva propõe que se indaguem as transformações do

12

Um dos aspectos mais importantes no que concerne a essa não inclusão de Ariel na produção marginal

contemporânea é a própria negação do poeta ao rótulo, o que pode ser observado na entrevista dele à jornalista

Marcella Chartier já anteriormente mencionada.

13 RODRIGUEZ, Benito Martinez. “Scherzi-rajadas líricas: balas e baladas na dicção poética de Marcelo Ariel”.

Curitiba: Mimeo, 2013.

14 BRANDÃO, Luis Alberto. “Breve história do espaço na Teoria da Literatura”. In: Cerrados: Revista do

Programa de Pós-Graduação em Literatura, n. 19, ano 14, 2005, p. 115-134.

9

espaço exatamente como conceito, construto mental utilizado na produção do

conhecimento humano, seja de natureza científica, filosófica ou artística. No

primeiro caso, tem-se, pois a fundamentação empírica de “história de espaço”; no

segundo, a historicidade da categoria espaço segundo uma perspectiva

epistemológica.

Um breve exame da história da cartografia é suficiente para demonstrar que as

formas de representação espacial variam de acordo com a relação que cada época e

cultura possui com o espaço, relação que abarca possibilidades de percepção e uso,

definidas por intermédio de condicionantes econômicos, sociais e políticos.

(BRANDÃO, 2005, p. 115)

Neste longo excerto, podemos observar o quanto a concepção de espaço se alterna de

acordo com uma abordagem sincrônica e diacrônica. Além disso, dentro de cada uma dessas

divisões, se alternam distinções do conceito que se relacionam ao campo do conhecimento

que o investiga. Assim, o espaço é visto de uma forma pela geografia, pela arquitetura, pela

física, pela história, e etc, e também sofre alterações significativas de acordo com a base

epistemológica utilizada.

No que concerne à “historicidade do espaço”, Brandão destaca o estudo “das

transformações da mais persistente e complexa forma de organização espacial humana: a

cidade”15

e sua associação a outras formas de espaço, como, por exemplo, o próprio espaço da

casa, enquanto habitação humana.

Em relação à Teoria Literária, para o autor, as reflexões quanto ao espaço não têm sido

uma opção destacada nessa área do pensamento devido à prevalência, no século XX, de

teorias imanentistas, isto é, que se recusam a “atribuir à arte o papel de representação da

realidade”16

. Dentre essas, ele destaca as teorias vinculadas ao Estruturalismo, dentro das

quais o espaço observável na obra seria o “espaço da linguagem”. No entanto, há outras

perspectivas, nas quais a ideia de uma relação de representação a partir do real é totalmente

possível. Em relação a isso encontraríamos as teorias vinculadas aos Estudos Culturais que se

traduzem exatamente na “retomada da noção de literatura como representação, ou seja, de

uma revalorização da perspectiva mimética”17

.

Parece-nos que ambas as possibilidades, seja a que valoriza o espaço da linguagem e

seja a que vê como aspecto central a noção de representação mimética do real, não se

traduzem como opções válidas na tentativa de compreensão do trabalho poético no geral e,

especificamente, do trabalho de Marcelo Ariel devido à hipótese já apresentada de que o estilo

15

Op. cit, p. 116

16 Op. cit, p. 118

17 Op. cit, p. 124

10

ou a estética do poeta se constrói exatamente no limiar entre esse espaço da linguagem e o

espaço como representação do real.

Sérgio Paulo Rouanet, em seu texto denominado “A verdade e a Ilusão do Pós-

Moderno”18

, ao propor o que ele denomina de “neomoderno”, em substituição ao pós-

moderno, reflete sobre a arte na contemporaneidade:

Enfim, na esfera da arte a consciência neomoderna adere à definição kantiana que vê

o reino do belo como o da “finalidade sem fins” e é contrária a qualquer tentativa de

domesticar a arte, colocando-a a serviço de uma moral, uma religião ou de uma

política. A arte é e sempre será o reino da transgressão. Mas isso não implica a

disjunção completa entre o estético e o social. A arte pela arte é apenas

aparentemente uma forma de exaltar a arte: na verdade é uma forma de banalizá-la,

coloca-la num gueto, numa “reserva natural” subtraída ao valor de troca e ao

princípio da utilidade, ou seja, é uma deformação esteticista cujo efeito é condenar a

arte à irrelevância social. (ROUANET, 1989, p. 272).

Destacamos as concepções de Rouanet exatamente por ser essa nossa compreensão da

noção do fazer estético: a matéria poética surge do real, no entanto, ela nunca será capaz de

promover a representação mimética – compreendendo-se mimese no sentido clássico de

imitação – do real, mas o seu poder – enquanto linguagem – reside exatamente na

transfiguração desse real em instância estética o que leva à experiência sensibilizadora da arte.

No prosseguimento de seu texto, Brandão aponta para esta tendência da Teoria

Literária em polarizar o objeto literário, destaca esse aspecto dicotômico entre os pontos de

vista Estruturalista e o Culturalista e nos oferece outra possibilidade de se pensar o espaço:

Segundo tal polarização, é possível separar as abordagens que privilegiam as

especificidades da Literatura como sistema de linguagem daquelas que se esforçam

para compreendê-la em seu vínculo, mais ou menos determinista, com fatores

socioculturais. Pode-se mesmo reconhecer, nesse embate dicotômico, a tensão entre

o legado romântico-idealista, que advoga a autonomia da obra de arte, cuja

negatividade se manifesta especialmente no universo das formas, e o legado realista-

positivista, que concebe a obra como reflexo do mundo, sobretudo pelos conteúdos

sociais que é capaz de veicular. (...) A tentativa de se contrapor a essa dicotomia pela

ênfase em uma instância até então pouco explorada teoricamente – a recepção da

obra – norteia o desenvolvimento da palestra de Jauss, que, proferida em 1967, é o

marco inaugural da denominada Estética da Recepção. Para uma teoria do espaço na

Literatura, o pressuposto geral dessa “Estética” tem desdobramentos estimulantes,

pois o espaço, assim como qualquer outro elemento textual, deixa de ser tomado

como categoria passiva – seja porque é tido como irrelevante para os movimentos da

linguagem, seja porque se acredita que ele pode ser imediatamente “transposto”para

o texto – e passa a ser concebido segundo um sistema, simultaneamente cultural e

formal, de “horizontes de expectativas”, o qual define a variabilidade histórica dos

significados espaciais. (BRANDÃO, 2005, p. 125).

18

ROUANET, Sergio Paulo. “A verdade e a ilusão do pós-moderno”. In: As Razões do Iluminismo. São Paulo:

Companhia das Letras, 1989, p. 229-277.

11

Interessante neste excerto é que Brandão, além de abordar a polarização, fala

também de uma tendência teórica que parece ter tentado dissolver essa separação diametral, a

Estética da Recepção, que possui como grandes nomes Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser.

Nessa teoria teríamos a possibilidade de encarar a experiência estética do texto literário de

maneira paradoxal, pois, a experiência estética é “tão mais vinculada à realidade quanto mais

exercita sua autonomia em relação a ela; tão mais penetrante e abrangente quanto mais aberta

e especulativa”19

.

Brandão – que possui uma série de estudos na área da questão do espaço na literatura

– tem ainda outro texto que talvez possa nos auxiliar ao refletirmos sobre a obra de Marcelo

Ariel. O texto em questão denomina-se “Para uma teoria das imagens literárias de espaço”20

, e

nele o autor reflete sobre a pluralidade do espaço no aspecto literário sem, no entanto, deixar

de destacar sua centralidade:

É claro que, conhecendo-se o contexto de uso da expressão espaço literário, certas

significações atribuídas ao termo espaço podem ser depreendidas. Ressalte-se,

contudo, que o trabalho contextualizador, ao invés de refutar ou dissipar a

variabilidade das significações, na verdade acaba por confirmá-la e realçá-la. Isso

nitidamente se verifica na índole espacial de vertentes importantes das literaturas

moderna e contemporânea. Assim, várias obras literárias podem ser perfiladas em

função de compartilharem o desejo de explorar as potencialidades do elemento

espacial, embora segundo formas específicas e associando a tal elemento valores

muito distintos. (BRANDÃO, 2013, p. 147).

Embora seja breve, o texto de Brandão coloca algumas perspectivas de abordagem do

espaço tendo em vista determinadas obras literárias nas quais, como apontado em seu excerto,

pode-se “explorar as potencialidades do elemento espacial”. E lança algumas possibilidades

de materialização para uma “cartografia literária”, tais como “palavras-espaço”; ”conflito de

dimensões”; “sujeitos-espaço”; “linguagem-espaço”; “mapas desmesurados”. Na ideia de

“palavras-espaço” existe a reflexão acerca do quanto a ideia de espaço parece oscilar entre

uma definição pronta e corrente e indefinição quanto à sua especificidade no texto literário. O

“conflito de dimensões” parece desaguar na dificuldade em esclarecer-se o binômio

realidade/literatura, como destacada por Roland Barthes em seu texto “Aula”21

quando reflete

acerca da separação entre a literatura e o mundo, tendo em vista que a primeira se dá em

escala bidimensional e o segundo em escala pluridimensional. Os “sujeitos-espaço” se

19

Op. cit, p. 126.

20 BRANDÃO, Luis Alberto. “Para uma teoria das imagens literárias de espaço.” In: Ética e Estética nos

Estudos Literários. Curitiba: Editora UFPR, 2013. p.147-160.

21 BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, s.d.

12

constituem na reformatação de um sujeito em passagem, o que lhe assegura certa posição de

espaço no mundo. A “linguagem-espaço” é a possibilidade da palavra se tornar um espaço à

medida que promove o “trânsito” entre ideias diversas. E nos “mapas desmesurados”, o autor

traduz, mais uma vez, a inconformidade entre o que é representado e seu referente no mundo.

Sobrepondo-se as ideias da Teoria da Recepção, como apontadas por Brandão, com

essas de “conflito de dimensões” e “linguagem-espaço”, é possível tentar compreender como

se dá a representação do espaço em Marcelo Ariel na medida em que olhamos o trânsito dos

eu-líricos do poeta tanto pelo espaço da cidade como pelo espaço da própria arte moderna.

1.2 A lírica na Modernidade

Além das ideias sobre o espaço é necessário, ainda, tentar traçar algumas fronteiras

quanto ao tipo de teoria que empregaremos ao tentar entender o projeto estético de Marcelo

Ariel enquanto integrante do que podemos entender como parte do projeto estético da

Modernidade.

Marshall Berman, em seu texto Tudo que é sólido desmancha no ar22

, faz um estudo

“sobre a dialética da modernização e do modernismo”23

e para isso a divide em três fases: do

século XVI até o fim do século XVIII; da Revolução Francesa até o fim do século XIX e, por

fim, a terceira fase que se inicia no século XX. Para o autor é na segunda fase o momento no

qual surgem as ideias de modernismo e modernização, à medida que as pessoas puderam

experimentar ali a dicotomia de viver em um mundo repleto de revoluções sem que se tivesse

atingido a modernidade por inteiro. E, como representantes do pensamento deste período,

elege Marx e Nietzsche:

Notável e peculiar na voz que Marx e Nietzsche compartilham não é só o seu ritmo

afogueado, sua vibrante energia, sua riqueza imaginativa, mas também sua rápida e

brusca mudança de tom e inflexão, sua prontidão em voltar-se contra si mesma,

questionar e negar tudo o que foi dito, transformar a si mesma em um largo espectro

de vozes harmônicas ou dissonantes e distender-se para além de sua capacidade na

direção de um espectador sempre cada vez mais amplo, na tentativa de expressar e

agarrar um mundo onde tudo está impregnado de seu contrário, um mundo onde

“tudo que é sólido desmancha no ar”. Essa voz ressoa ao mesmo tempo como

autodescoberta e autotripúdio, como autossatisfação e autoincerteza. É uma voz que

conhece a dor e o terror, mas acredita na sua capacidade de ser bem-sucedida.

Graves perigos estão em toda parte e podem eclodir a qualquer momento, porém

nem o ferimento mais profundo pode deter o fluxo e refluxo de sua energia. Irônica

22

BERMAN, Marshall. Tudo que é solido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia

das Letras, 2007.

23 Op. cit, p. 25

13

e contraditória, polifônica e dialética, essa voz denuncia a vida moderna em nome

dos valores que a própria modernidade criou na esperança – não raro desesperançada

– de que as modernidades do amanhã e do dia depois de amanhã possam curar os

ferimentos que afligem o homem e a mulher modernos de hoje. (BERMAN, 2007, p.

33-34)

Parece-nos ser dessa mesma “dissonância” apontada por Berman que nos fala Hugo

Friedrich em seu livro Estrutura da Lírica Moderna24

. Para ele, apesar de ser de difícil acesso,

a lírica moderna se constitui de um fator de fascinação que surge exatamente do tipo de

dissonância que a formula:

A princípio, não se poderá aconselhar outra coisa a quem tem boa vontade do que

procurar acostumar seus olhos à obscuridade que envolve a lírica moderna. Por toda

a parte, observamos nela a tendência de manter-se afastada o tanto quanto possível

da mediação de conteúdos inequívocos. A poesia quer ser, ao contrário, uma criação

auto-suficente, pluriforma na significação, consistindo em um entrelaçamento de

tensões de forças absolutas, as quais agem sugestivamente em estratos pré-racionais,

mas também deslocam em vibrações as zonas de mistério dos conceitos.

Essa tensão dissonante da poesia moderna exprime-se ainda em outro aspecto.

Assim, traços de origem arcaica, mística e oculta, contrastam com uma aguda

intelectualidade, a simplicidade da exposição com a complexidade daquilo que é

expresso, o arredondamento linguístico com a inextricabilidade do conteúdo, a

precisão com a absurdidade, a tenuidade do motivo com o mais impetuoso

movimento estilístico. São, em parte, tensões formais e querem, frequentemente, ser

entendidas como tais. Entretanto, elas aparecem também nos conteúdos.

(FRIEDRICH, 1978, p. 16)

Essa dissonância ecoa ainda, para Friedrich, nos conceitos de “grotesco” e de

“fragmentário” que são mais dois fatores constituintes da lírica moderna. O grotesco se refere

ao surgimento do feio na obra de arte e deixa de ser uma mera oposição ao belo para tornar-se

“um valor em si”25

. Do conceito de grotesco deriva-se o de fragmentário, uma vez que o

primeiro impede a existência harmônica da beleza gerando a desarmonia dos fragmentos.

Peter Gay, em seu livro Modernismo – O fascínio da heresia: de Baudelaire a Beckett

e mais um pouco26

, aponta dois traços distintivos do modernismo: o fascínio pela heresia,

como o próprio título do livro já sugere, e o exame cerrado de si mesmo. A ideia do fascínio

pela heresia, de certa forma, dialoga com os conceitos de dissonância de Berman e de fascínio

pelo grotesco enunciado por Friedrich. Segundo Gay:

A primeira qualidade fundamental que citei, o fascínio da heresia, não é nenhum

mistério. O poeta modernista que verte conteúdos obscenos em métricas

24

FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da Lírica Moderna: da metade do século XIX à metade do século XX. São

Paulo: Duas cidades, 1978.

25 Op. cit, p. 33

26 GAY, Peter. Modernismo. O fascínio da heresia. De Baudelaire a Beckett e mais um pouco. São Paulo:

Companhia das letras, 2009.

14

tradicionais; o arquiteto modernista que elimina qualquer elementos decorativo dos

projetos; o compositor modernista que transgride deliberadamente as regras

tradicionais da harmonia e do contraponto; pintor modernista que expõe um esboço

rápido como pintura acabada – todos eles e seus aliados sentiam prazer em tomar um

caminho novo, desconhecido, revolucionário (o deles mesmos), mas também tinham

gosto pelo puro gesto de insubordinação bem-sucedida contra a autoridade vigente.

(GAY, 2009, p. 20)

Interessante para se destacar, entre as concepções de Friedrich e de Gay é a questão da

subjetividade, da presença do eu. Para Gay, no modernismo há um “exame cerrado de si

mesmo, que acarreta uma explosão do eu”27

, já Friedrich – ao falar sobre Baudelaire –,

embora reconheça esse eu como elemento muito destacado da lírica moderna, reconhece nele

um descolamento da experiência, uma vez que o poeta só olha para si para reconhecer-se

“como uma vítima da modernidade”28

. Esse aspecto parece-nos de extrema importância para

reconhecermos que tipo de eu-lírico se constitui na obra poética de Marcelo Ariel.

2. Análise dos poemas

Partiremos agora para o exame da seção “Vila Socó: Libertada”29

, extraída do livro

Tratado dos Anjos Afogados de Marcelo Ariel, para que possamos investigar as relações entre

a construção estética de Ariel e nossas suposições quanto ao conceito de espaço na obra deste

autor. Essa seção do livro possui, como já apontado, vinte e seis poemas, distribuídos na

seguinte sequência:

- “O Espantalho”;

- “Moto descontínuo”;

- “Caranguejos aplaudem Nagasaki”;

- “Sonho que sou João Antônio sonhando que é Fernando Pessoa”;

- “Catálogo do fim: Pensando em Klimt e Gottfried Benn”;

- “O reflexo de K.R.”;

- “A revolução”;

- “A pergunta e a resposta”;

- “A pergunta e o mito”;

- “Eco”;

- “A reunião”;

27

Op. cit, p. 21

28 FRIEDRICH, 1978, p. 37.

29 ARIEL, Marcelo, 2008, p. 19 – 54.

15

- “A cosmicidade de tudo”;

- “Vila Socó libertada”;

- “Praça Independência-Santos”;

- “Jardim Costa e Silva-Cubatão”;

- “Carandiru geral”;

- “Cena comum”;

- “O Bode”;

- “Como as palavras”;

- “Com Miles Davis na Serra do mar”;

- “O enigma”;

- “Em Cubatão”;

- “O amor”;

- “Paradoxo”;

- “Rimbaud”;

- “Ontologia e merda”.

Nesta seção do volume há um bloco de poemas nos quais conseguimos observar

referências mais nítidas ao espaço da cidade, o que dá a eles um caráter mais colado à noção

do espaço na literatura enquanto representação do real. Os poemas são:

- “O espantalho”,

- “Caranguejos aplaudem Nagasaki”,

- “Catálogo do fim”,

- “A revolução”,

- “Vila Socó libertada”,

- “Praça Independência-Santos”,

- “Jardim Costa e Silva-Cubatão”,

- “Carandiru Geral”,

- “Cena Comum”,

- “O bode”,

- “Em Cubatão”,

- “Paradoxo”,

- “Rimbaud Rock”,

- “Ontologia e Merda”.

No restante dos poemas, a ideia de espaço se desloca do aspecto do espelhamento da

cidade e da vida de seus habitantes, indo em direção à outra noção de construção espacial.

16

Parece haver, nesses poemas, interesses outros que não se restringem a uma ideia de

representação mais colada à realidade. Seguem os títulos dos poemas:

- “Moto descontínuo”,

- “Sonho que sou João Antônio sonhando que é Fernando Pessoa”,

- “O reflexo de K.R.”,

- “A pergunta e a resposta”,

- “A pergunta e o mito”,

- “Eco”,

- “A reunião”,

- “A cosmicidade de tudo”,

- “Como as palavras”,

- “Com Miles Davis na Serra do Mar”,

- “O enigma”,

- “O amor”.

Em cada um desses blocos, encontramos poemas paradigmáticos no que concerne ao

tipo de “noção topográfica”30

e com base nisso, transcreveremos alguns desses poemas

diretamente no corpo do trabalho e, em seguida, traçaremos nossas observações com o

objetivo de construir algumas possíveis interpretações para esta seção do trabalho de Ariel.

O primeiro poema do livro já parece apontar para uma ideia de relação com o espaço

que nos pode ser interessante. Segue a transcrição do poema em questão:

O ESPANTALHO

para crianças

no meio do lixão

visão do alto

uma calça e uma camisa

São a

evocação do corpo

de um homem

sem sapatos

suas mãos

dois urubus rasgando um saco

sua cabeça

um rato31

30

Pensamos a “topografia” da poesia de Marcelo Ariel no que concerne à tensão da representação do real em sua

obra estética e à criação de um espaço outro de linguagem que não se restringe a essa representação, como

enunciado na introdução, como nossa hipótese de trabalho.

31 ARIEL, Marcelo, 2008, p. 21.

17

Os depósitos de lixo são normalmente direcionados a regiões mais distantes da cidade

não só pelo mau cheiro, mas também pelo risco de contaminação que a grande quantidade de

lixo traz. Mas, o crescimento contínuo dos grandes centros urbanos, sobretudo das

denominadas Regiões Metropolitanas das grandes cidades, vai estendendo a cidade até os

lugares nos quais se localizam esses “lixões”. Para além disso, muitos terrenos baldios dentro

das cidades, acabam se tornando depósitos de dejetos devidos à ineficiência da coleta e

destinação do lixo produzido pelas pessoas, industrias e afins. Isso somente para introduzir

uma imagem que é comum a muitos moradores das cidades: o lixo como constituinte da

paisagem urbana, o que insere diretamente esse poema apresentado do primeiro bloco de

poemas como na proposição inicialmente apresentada. Esse poema fala diretamente do espaço

urbano e suas implicações.

Mas, não se restringe a isso. A ideia de algo que simula um corpo humano através de

um acumulado de lixo e animais ligados à sujeira e à decomposição (ratos e urubus) constitui

o centro deste poema. Há, no espaço do lixão e nessa figura grotescamente semelhante a um

homem, aquilo que a cidade expurga tendo em vista sua falta de utilidade no universo

produtivo: o resto após os ciclos de produção e consumo e o homem – deteriorado – incapaz

de participar de qualquer um dos ciclos de produção e consumo. É importante observar: a voz

que enuncia o poema oferece o seu Espantalho "para crianças” como quem oferece um

brinquedo e há aqui certo grau de ironia, pois não nos é estranha a imagem de crianças que

auxiliam seus pais em meios aos lixões, embora seja, no mínimo, bárbara.

Outro aspecto que merece destaque é o lugar de onde olha essa voz que enuncia o

poema: de cima para baixo o que permite uma visada totalizante que reconfigura o lixo em

homem. Daí a semelhança entre um apanhado de lixo com um simulacro de homem: o eu

poético transfigura o real e, a partir de seu escudo de linguagem (como o escudo de Perseu32

),

o ressignifica expandindo suas possibilidades.

Essa visão vertical é fundamental para a concepção do poema, uma vez que, visto do

chão, dos que se colocam no mesmo nível, aquele acumulado de lixo não se converte na

imagem do espantalho. Isso enuncia a própria ideia do trabalho poético de Ariel que parece

apontar para as possibilidades da poesia de ver além do real e construir, assim, uma crítica em

relação a este. Podemos observar também o aspecto do grotesco apontado por Friedrich como

a reconfiguração do feio, não como a mera oposição ao belo, mas como um valor em si e que

se tornou uma das características da lírica moderna.

32

CALVINO, 1990, p. 17.

18

No sentido da construção de uma voz poética capaz de falar do real, mas sem

restringir-se a ele, traçando outras significações para aquilo que se apresenta, há outro poema

muito representativo, denominado “Caranguejos aplaudem Nagasaki”, que é o terceiro dessa

seção do livro:

CARANGUEJOS APLAUDEM NAGASAKI

para Gilberto Mendes & Mano Brown

(Vila Socó)

Corpos em chamas se atiram na lama

mulheres e crianças primeiro

caranguejos aplaudem Nagasaki

bebê de oito meses é defumado

enquanto Beatriz

agora entende o poema derradeiro

Beatriz mãe solteira antes de morrer deu um inútil pontapé na porta

No ar

gritos mudos

a noite branca da fumaça envolve tudo

alguém no bar da esquina

pensa em Hiroxima

nas vozes

horror e curiosidade acordaram a cidade

se misturando

dentro do inferno olhos clamam

por telefone

o ministro é informado

– O fogo os consome...

A sirene das fábricas não

silencia

Dois serafins passando pelo local

sussurram no ouvido

do Criador

“Vila Socó: meu amor”

Uma velha permaneceu deitada

em volta da cabeça na auréola

o último pensamento passa

o coro das sirenes

no meio do breu iluminado

uma garça voa assustada

com os humanos e seu inferno criado

no mangue o vento move as folhas

Um bombeiro grita:

– KSL! O fogo está contra o vento! Câmbio...

Foi Deus quem quis

diz o mendigo

que sobreviveu porque estava dormindo no bueiro da avenida.

Um orgasmo é cortado ao meio

quando o casal percebe o fogo

queimando o espelho.

Voltando no tempo

lamentamos

o movimento do gás

levíssimo iceberg

que converteu fogo em fogo, horror em horror

19

Vila Socó

estacionou na História

ao lado de Pompéia, Joelma e Andrea Doria

Pensando nisso

ergo neste poema um memorial

para nós mesmos

vítimas vivas

do tempo

onde se movimenta a morte se espalhando na paisagem

como o gás

que também incendeia o sol

(bomba de extensão infinita)

Beatriz sentou perto da porta e ficou olhando o fogo.

Até que invade a cena a luz suave de um outro sol frio

Fim de jogo.

(O que não queima)

Beatriz agora é outra coisa e contempla:

raios negros num céu negro

depois brancos num céu branco

suavemente penetrei num jardim

onde uma única árvore existe.

(O incêndio acaba e a garça pousa no mangue, onde os anjos sonham)

Naquela noite um acordou

andou no meio das chamas

e as chamas

o queimaram.33

No dia 24 de fevereiro de 1984, um vazamento em um oleoduto da Petrobrás, na

cidade de Cubatão-SP, causou uma explosão que atingiu dezenas de barracos, matando um

número de pessoas que – até hoje – permanece incerto, tanto por causa das enormes

temperaturas a que chegou o incêndio (não deixando nenhum vestígio de alguns corpos)

quanto por causa do enorme grau de indigência das pessoas que moravam naquele lugar.

Famílias inteiras foram incineradas e não havia quem nem ao menos soubesse que elas

estavam lá.

“Caranguejos aplaudem Nagasaki” faz referência direta a este desastre. Os caranguejos

seriam os “moradores” legítimos da região: um mangue invadido e que se tornou uma favela,

construída através de palafitas. E Nagasaki sai diretamente do fim da Segunda Guerra

Mundial para dialogar com o mesmo tipo de barbárie produzida pelo alto desenvolvimento

científico e tecnológico (na Guerra, a bomba atômica, em Vila Socó a indústria petroquímica).

33

ARIEL, Marcelo, 2008. p. 23 – 25.

20

Há, neste poema, uma série de referências: inicialmente, o poeta dedica a composição

a Mano Brown – famoso e politizado rapper paulista – e a Gilberto Mendes – maestro e

compositor de música erudita, que fez uma composição em memória à mesma tragédia: Vila

Socó meu amor.

Gilberto Mendes compôs a peça logo depois do incêndio e a escolha do nome se deu

em referência ao filme de Alan Resnais, Hiroshima Mon’Amour. Que enuncia um sentimento

de “imensa piedade pelo destino dos homens”34

. Mendes assume, claramente, a posição de um

artista que assimila o real da precariedade de condições nas quais vive grande parte da

população e o converte em arte. E, apesar de ser um compositor erudito sempre negou o

rótulo, optando por uma produção estética altamente dissonante e, apesar da vagueza do

termo, vanguardista. Mano Brown, membro do grupo Racionais Mc’s, é conhecido por seus

raps nos quais fala da realidade violenta e opressora das periferias brasileiras, mostrando o

quanto o tipo de condição abusiva que levou ao terror em Vila Socó ainda persiste de diversas

outras formas, mas que resultam sempre no mesmo: o massacre das populações carentes. O

grupo do qual faz parte é também famoso pela opção de não se apresentar ou divulgar seu

trabalho em emissoras de mass media. Além dessas aproximações que tangenciam suas

opções estéticas, ambos os músicos enunciados possuem intensas e intrínsecas relações com

suas cidades: Mano Brown com a periferia de São Paulo e Gilberto Mendes com a cidade de

Santos. Isso também direciona certa leitura na poesia de Ariel, uma vez que, os referentes

utilizados também parecem apontar para o quanto a matéria poética – seja a da música de

concerto, seja a do rap – se comunica com o real da cidade moderna e suas desventuras.

Marcelo Ariel, como Gilberto Mendes e o Racionais MC’s, também tem buscado

outras maneiras de publicação para sua obra, como a internet, e, quando opta pelo tradicional

livro, o faz através de selos editoriais independentes ou através de publicações cartoneras35

. O

que demonstra a opção por aquilo que se coloca como alternativa a um esquema de

reprodução massificado e mercadológico.

A poesia “Caranguejos aplaudem Nagasaki” é, como ela mesmo enuncia, um

memorial construído através de diversas imagens da tragédia. A Beatriz grávida dialoga

34

MENDES, Gilberto. Vila Socó meu amor. Estudos Avançados. Vol. 5 No. 13. São Paulo. Set./Dez. 1991.

35 As edições cartoneras, iniciaram-se na Argentina com o coletivo Eloisa Cartonera (2003), e depois se

espalharam pela América Latina. São produções editoriais que se valem do aproveitamento de papelão na

confecção de livros, constituindo assim um veículo de divulgação literário alternativo ao universo das grandes

editoras comerciais. No Brasil, as publicações de Marcelo Ariel saíram pelo selo Dulcinéia Catadora.

21

diretamente com a Beatriz da Divina Comédia de Dante, mas essa Beatriz não é a figura

idealizada, alvo de sublime amor, é antes uma mãe solteira, como frisa o eu-lírico, sem todo o

lirismo que preenche a existência da primeira Beatriz.

Em seu texto “Que eu é esse” (2012), Valeria Rosito reflete sobre as questões na

produção poética brasileira contemporânea de setores periféricos, defendendo a ideia de

ampliação do eu que tem se dado nesses setores. Para a autora, esses literatos periféricos:

Articulam-se, no concurso entre história e estética, manipulam tecnologias e códigos

linguísticos com maestria (seja pela coroação de esforços autodidatas ou pelo

ingresso na cena acadêmica) e, há muito mais tempo do que a intelligentsia, não se

iludem com promessas de pertencimento formuladas de cima para baixo, ao custo do

comprometimento de suas causas. Conhecem o fracasso do projeto de nação antes

mesmo que a globalização ditasse ao mundo a nova cartilha da “desnacionalização”.

Em suma, recriam-se numa memória que inclui apropriações da tradição (e da

literatura) ocidental, assim como resgatam aquelas tradições e referências que lhes

foram usurpadas ao longo dos séculos de formação da brasilidade. (ROSITO, 2012,

p. 279)

No texto abordado, Rosito faz referência direta à Conceição Evaristo, Sérgio Vaz e

Rogério Batalha, no entanto, suas elucubrações são extensíveis à produção de Ariel. No

próprio poema “Caranguejos aplaudem Nagasaki”, há, a partir da incorporação da Beatriz de

Dante, o que a autora propõe no excerto acima quanto à incorporação da tradição. Aliás, toda

a obra de Ariel apresenta esse aspecto de diversas maneiras. No entanto, podemos observar

também o quanto Ariel destoa desse grupo de escritores uma vez que o poeta não parece

particularmente interessado em sua inserção dentro de uma espécie de “identidade de grupo”

ou até mesmo “identidade nacional” que ecoa em certo tipo de produção mais vinculada a

uma noção de “arte engajada”.

Em meio à cena de destruição, dois serafins passam pelo local e depois sussurram no

ouvido do Criador “Vila Socó: meu amor”. Esse momento parece denotar um tipo de

concepção de arte que a coloca como responsável por passar grandes mensagens, sejam

trágicas ou não, e também para a possibilidade da arte de transcender limites através de seu

discurso diferenciado, uma vez que, possivelmente, a língua travada entre os anjos e o Criador

não se traduza em nossa linguagem corrente.

Interessante é notar que o gás do vazamento converteu “fogo em fogo, horror em

horror”, ou seja, a tragédia já estava instalada naquele contexto de miséria e negligência. Mas,

é o desastre monumental, não o desastre de todo dia, o responsável por inserir Vila Socó no

hall de grandes tragédias, junto de Pompéia e Joelma. A denúncia só acontece quando a

tragédia já ganhou proporções incontornáveis, quando já não é possível encontrar solução.

22

E então, há um rompimento na concatenação de cenas da tragédia e a visão sai da

perspectiva macroscópica para direcionar o olhar a uma figura: a Beatriz do início do poema

que dava um pontapé na porta tentando escapar do incêndio. Nessa mudança de enfoque, o

poema sai da percepção das imagens do caos e passa para o percurso de Beatriz desse mundo

material para alguma outra instância metafísica denominada pelo poeta de “o que não

queima”, ou seja, aquilo que já não sofre nenhuma espécie de alteração física. Esse outro

espaço é descrito pelo olhar de Beatriz (“suavemente penetrei num jardim”) e não nos fica

claro do que se trata e a dúvida sobre algum paraíso ou inferno posterior permanece. O que há

de mais destacável é que o poeta coloca, ao lado da denúncia social, o questionamento

metafísico inerente à condição humana: o que há depois da morte, afinal? E, dessa forma,

subtrai o tom restritivo de uma poesia que poderia soar engajada e a inscreve em outro espaço,

pois à medida que o real se expande e deixa de restringir-se à realidade social, abarcando

outros níveis das inquietações humanas, a poesia como mera representação do real também se

expande e constrói espaços outros de ordenamento da experiência vivida.

Neste sentido, uma teoria que separa a noção de “representação do real” da noção de

criação de um “espaço literário” no qual o real não se insere, parece não dar conta do tipo de

proposta estética de um poeta como Marcelo Ariel. Pois é exatamente do intrincamento desses

universos, aparentemente, dissonantes que Ariel constrói seu fazer poético. E isso é notável

em ambos os poemas já apresentados aqui inicialmente.

Ainda dentro deste primeiro conjunto de poemas nos quais pudemos vislumbrar de

maneira mais acentuada a noção de uma poesia fortemente calcada na matéria dos

acontecimentos do espaço urbano, há mais alguns poemas que gostaríamos de destacar:

VILA SOCÓ LIBERTADA

(depois do fogo)

no outro dia

(sem poesia)

as crianças (sub-hordas)

procuram no meio do desterror

botijões de gás

para vender,

um menino indianizado

encontra uma geladeira

pintada por Pollock

dentro o cadáver de uma grávida

incinerado

com a barriga estouradaa

mão do feto

devorado

(por Saturno)

atravessa as tripas

sai para o fora do fora

23

ali ao lado

onde o silêncio do menino

é calmo

(a quietude neutra avalia o inconsolável)

um jornalista

a cem metros do projeto

caminha

(a câmera-sombra focando um canto)

atrás dele

um rapaz

que julga ver nos escombros

um Lázaro

ele corre e ao agarrar um braço

o braço vem junto e ao ser largado

no ato

por um instante entre o chão

e o espaço é fotografado

pelo pai de um

dos meninos do gás

na foto revelada:

uma realidade

desfocada

(sem mortos, vivos ou paisagem)

tudo é uma névoa-nada.36

“Vila Socó Libertada” é o poema central da seção homônima do Tratado dos Anjos

Afogados e há aqui outra poesia baseada na tragédia em Cubatão. Este poema faz referência a

uma célebre obra literária: Jerusalém Libertada, escrita pelo poeta italiano Torquato Tasso, no

século XVI. O poema épico narra os acontecimentos da primeira cruzada cristã contra os

muçulmanos com o intuito de libertar o Santo Sepulcro no século XI37

.

Inicialmente, o poema parece ser meramente referencial ao trazer algumas cenas do

dia posterior à tragédia da explosão do oleoduto. As crianças que procuram em meio ao que

sobrou depois do terror (“desterror”) objetos que possam ser vendidos revelam o lado ainda

mais indigno da situação, seja por nos confrontar com a miséria de vender botijões de gás para

se obter algum dinheiro ou seja por encontrar um corpo de uma grávida com a barriga

estourada. Mas, a imagem é deslocada, quando o poeta insere Saturno e coloca a cena em um

plano metafórico. A metáfora é ainda ratificada nos versos seguintes, nos quais as tripas que

estão “fora do fora” são atravessadas pelo deus Saturno.

Interessante é observar a ironia do poeta ao incorporar a imagem do pintor norte-

americano Jackson Pollock. A geladeira, de acordo com o poema, foi pintada por Pollock

36

ARIEL, 2008, p. 36-37

37 Informações retiradas do banco de dados da Biblioteca Digital Mundial, disponível em:

http://www.wdl.org/pt/item/10663/ Consultado dia 17/11/2013.

24

porque, provavelmente, já não parece mais uma geladeira. Invocar o nome do expressionismo

abstrato parece refletir sobre o quanto a obra de arte, por mais afastada das propostas

figurativas que seja, como é o caso do expressionismo de Pollock, apontam sempre para

algum referente no mundo, pois parece-nos que não se faz arte sem traçar-se algum tipo de

relação com a experiência dos fatos e objetos do mundo. O que converte este real em arte é o

tipo de trabalho que se faz sobre esse referente, no caso de Pollock, com as tintas, no caso de

Ariel, com as palavras.

Em seguida, a figura do jornalista entra no poema caminhando ao tentar registrar as

imagens grotescas que o próprio poema descreve. Então um dos pais daqueles meninos que

buscam os botijões de gás fotografa (guarda na memória) um braço arrancado de um corpo.

Mas, no trabalho de fotografar – o que nos parece a possibilidade mais exata de captar o real –

o poema reconhece exatamente o contrário: a impossibilidade total de apreender o real à

medida que na foto revelada o que se vê é uma realidade desfocada, uma “névoa-nada”. Aqui,

mais uma vez, podemos verificar o quanto esse espaço de representação do real é

transfigurado em outro tipo de espaço: o poema aponta para a lacuna essencial da linguagem

em refletir o real e assim, nesse espaço do poético, o que se constrói é a consciência da

impossibilidade da representação, pois o real já é em si mesmo um fragmento. As tripas que

estão “fora do fora” são também o “fora do fora” da linguagem em relação à experiência.

Quando observamos esse tipo de movimento dentro do poema, podemos apreender o

tipo de consciência estética do poeta e sua inserção numa das linhas de força da arte

contemporânea: a compreensão de que a linguagem – enquanto o lugar de existência do

homem no mundo – é o lugar no qual se produz o real. Essa transposição da experiência de

quem observa a tragédia – e não de quem é vítima dela, pois quem é vítima já não pode mais

falar sobre ela – se constitui como outra coisa que não a experiência em si, pois esta é

intraduzível.

Através destes três poemas inicialmente apresentados, já podemos vislumbrar o tipo de

operação realizada pela obra poética de Marcelo Ariel, sobretudo nos poemas nos quais

podemos observar o aspecto da referencialidade como aspecto mais dominante. Entretanto,

talvez ainda seja interessante olhar para outros poemas que se constituem de maneira similar:

PRAÇA INDEPENDÊNCIA-SANTOS

Por que esse anjo não grita?

(Para acordar os corredores-sonâmbulos

que atravessam a avenida.)

Ela dança em volta dos corredores-mortos

(do shopping-center)

25

Onde a outra sede se esconde

Enquanto o Sol se apaga

(clonado na tv digital do celular)

como os sons de uma catedral desabando

ecoam no ar

condicionado

(os corredores estão sonhando

com si mesmos)

No vidro,

sonhando com algo menor refletido em outro

na vitrine,

outro com tempo para lembrar

de coisas para comprar

como a sensação de nunca

ter

visto um pássaro

olhando

nos fios os fatos

projetados sem ênfase

(ou existência)

comprar um lanche barato

olhar no jornal

uma estrela

engole um planeta

engole outra

ou concorre ao Oscar

notícias rápidas

como carros

na velocidade do desespero

eufórico,

os corredores

(dentro & fora)

param

para atravessar o sinal

em tempos diferentes

(cérebro-metrônomo)

passam de novo pela estátua

com seu grito

gravado nos olhos

de novo

na praça-túmulo

pela Supernova imóvel

no jornal

(para uso microscópico)

pelos adolescentes

parados no velório cômico

do ‘cardume’ de carros

com crianças velhas, galáxias, tudo gritando

só o louco ouvindo os gritos

(o grito congelado dentro da estátua

transformando em Deus congelado dentro do riso do louco

como respostas congeladas dentro do Sol

que não pára de gritar ou cantar)

o Sol sonhando com o sono do anjo.38

38

ARIEL, 2008, p. 38-39.

26

Este poema é mais uma referência direta a um espaço físico muito específico de uma

cidade: a Praça Independência em Santos, no litoral paulista. A praça localiza-se no bairro

Gonzaga que fica próximo à orla da praia e possui uma série de atividades comerciais ao

redor. No centro da praça, fica o monumento em homenagem aos irmãos Andradas, nomes

expressivos no contexto do processo de independência do Brasil no século XIX e nele se

destaca a figura de um anjo.

O poema se abre com um questionamento: “por que esse anjo não grita?”. Ele parece

ser a testemunha direta do movimento contínuo de “corredores-sonâmbulos” que preenchem a

avenida ao redor da praça. Nesse momento inicial, podemos pensar em uma espécie de voz

clamando por alguma atitude diferente por parte dos que compõem essa paisagem:

“corredores-mortos” que estão desperdiçando vida no interior do shopping center diante de

uma catástrofe que vai se enunciando. Essa catástrofe é o advento da vida moderna que apaga

o Sol que termina “clonado na tv digital do celular”. A imagem da catedral que desaba parece

enunciar o fim dos tempos, mas isso também não é percebido, pois o barulho do ar

condicionado se sobrepõe ao da queda.

A forma como o poema se constrói, através de sentenças dentro e fora de parêntesis

que se intercalam, parece mostrar na estrutura da poesia a ideia do conteúdo: a substituição do

mundo das relações interpessoais pelo das tecnologias. Na construção de um texto a utilização

dos parêntesis se relaciona com alguma espécie de explicação ou então com a introdução de

elementos secundários dentro da sentença principal. Na poesia isso gera um efeito irônico,

pois o que está entre parêntesis (os corredores-sonâmbulos, o shopping center, a tv digital)

acabam se configurando como o aspecto central na alienação que o poema tenta apontar.

E o poema prossegue dessa forma: o fluxo contínuo de pessoas anestesiadas que se

envolvem no ciclo habitual da cidade, com vitrines, compras, carros, notícias rápidas. Sem

nem ao menos se lembrarem do contato com certos “elementos naturais”: pássaros, estrelas.

Aliás, as estrelas se reduzem àquelas que compõem o mundo das celebridades que fazem

rodar o mundo do entretenimento. E essa imagem da praça, numa rotina caótica à qual todos

já se habituaram e que nem percebem mais, se repete, enquanto o anjo tem o grito congelado.

O poeta denomina aquele espaço como “praça-túmulo”. Isso tanto pode ser uma referência ao

fato de encerrar a estátua dos irmãos que já estão mortos, quanto pode remeter ao fato de que

aquele lugar, ao representar o coração do bairro, cheio de atividades (turismo, comércio,

recreação) é também o lugar onde se enuncia a alienação total na qual vivem as pessoas – o

que seria uma espécie de morte-, que não conseguem perceber mais nada ao redor: os

adolescentes estão parados no “velório cômico” das pessoas.

27

Mas, há uma figura que surge ali, em meio ao caos: o louco. E ele é o único a ouvir os

gritos, a perceber que há algo fora do lugar naquilo considerado rotina pelas pessoas. O louco

é figura importante, pois é aquele que vê, escuta e sente o que os “normais” não têm

condições: o louco foi quem apresentou à Ariel outras possibilidades e permitiu, dessa forma,

a construção de um olhar outro sobre o mundo que se efetiva na poesia.

Nos poemas apresentados, podemos verificar o tipo de mecanismo enunciado por

Antonio Candido em seu texto “Crítica e Sociologia” 39

no qual o autor reflete sobre como os

elementos externos ao texto se tornam internos à medida que se traduzem na forma estética e

não só no conteúdo apresentado. No texto em questão, Candido refere-se mais diretamente a

obras em prosa, no entanto, isso também pode ser apreendido na poesia. Para ele:

De fato, antes procurava-se mostrar que o valor e o significado de uma obra

dependiam de ela exprimir ou não certo aspecto da realidade, e que este aspecto

constituía o que ela tinha de essencial. Depois, chegou-se à posição oposta,

procurando-se mostrar que a matéria de uma obra é secundária, e que a sua

importância deriva das operações formais postas em jogo, conferindo-lhe uma

peculiaridade que a torna de fato independente de quaisquer condicionamentos,

sobretudo social, considerado inoperante como elemento de compreensão.

Hoje sabemos que a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas visões

dissociadas; e que só a podemos entender fundindo texto e contexto numa

interpretação dialeticamente íntegra em que tanto o velho ponto de vista que

explicava pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela convicção de que a

estrutura é virtualmente independente, se combinam como momentos necessários do

processo interpretativo. Sabemos, ainda, que o externo (no caso, o social) importa,

não como causa, nem como significado, mas como elemento que desempenha um

certo papel na constituição da estrutura, tornando-se, portanto, interno. (CANDIDO,

2010, p. 13-14)

Neste sentido, parece-nos que a dissonância, o apelo ao grotesco, o fascínio pela

heresia, não se constituem apenas como mero “assunto” na obra poética de Ariel. Ao

contrário, esses elementos compõem a própria forma do poema, o que se dá na maneira

através da qual o poeta associa essa representação figurativa do real do espaço urbano (de

suas catástrofes e de seus problemas) com uma espécie de espaço outro no qual as questões

plásticas já não são mais centrais.

O distanciamento das relações observável na maneira como os corpos se locomovem

no espaço urbano, pautado, sobretudo, pela interferência das novas tecnologias, é o

distanciamento daquele anjo – preso à estátua – incapaz de comunicar aquilo que vê. E então,

observamos uma dualidade: a estátua – que não se mexe – é a única que se angústia com a

situação e dessa forma é a única que efetivamente vive entre as figuras enunciadas no poema.

39

CANDIDO, Antonio. “Crítica e Sociologia” In: Literatura e Sociedade: Estudos de Teoria e História

Literária. 11ª. Edição. Rio de Janeiro: Ouro sore Azul, 2010, p. 13-25.

28

Outro poema no qual podemos observar o mesmo mecanismo de construção com a

utilização dos parêntesis é o que transcrevemos logo abaixo:

JARDIM COSTA E SILVA-CUBATÃO

(Antes da unificação dos comandos)

No meio de um eclipse

(da memória)

O Sol

(Um traficante morto nos anos 80)

pergunta as horas

para meu irmão louco,

enche um copo com Vinho

Sangue-de-boi.

Na esquina às três da manhã

mostro para ele

um disco do The Who

Quem?

É o nome da banda

eu digo

ele ouve no meio do deserto,

amanhã

Draculino

(Outro traficante)

Dará um encontrão no Sol dentro

de um supermercado

na seção de biscoitos

motivando talvez

‘o oco’ de um boato ou assassinato,

meses depois

o Sol na UTI

vai para o fundo

do mar escuro.

Para comemorar

o delegado

oferece um copo de conhaque

para o avião da morte

e olha para mim

pensando em nada,

Draculino é preso

ainda dando as cartas

antes de ir dormir

(Jogando buraco)

continuem esse jogo,

ele diz...

(Depois no pau de arara reza:

Porra, não fui eu que matei o Sol, foram os homens.)

Draculino é solto

passa na rua e reza de novo para o ar:

É a maior injustiça... o Sol morto e

os homens vivos.40

Em “Jardim Costa e Silva-Cubatão” observamos uma sucessão de cenas nas quais se

desenrola o conflito entre dois traficantes da década de 80, Sol e Draculino, antes que os

40

ARIEL, 2008, p. 40-41.

29

comandos do tráfico de drogas se unificassem. As explicações sobre isso se dão novamente

nos parêntesis apresentados.

É interessante observar a recuperação memorialística feita através da poesia: “No meio

de um eclipse (da memória)”. Ali o eu-lírico revê uma cena da adolescência na qual ainda está

presente, além do traficante, o “irmão louco” – que invoca o irmão esquizofrênico de Marcelo

Ariel, responsável por apresentar a ele a biblioteca.

Para além do aspecto notadamente sociológico que invoca o tipo de conflito que

permeia o submundo do crime, é interessante observarmos o paralelo que se constrói entre o

poeta e o mundo que o cerca. Isso se dá porque o eu-lírico apresenta, no poema em questão,

um disco da banda punk inglesa The Who ao traficante. Parece nítido aqui o tipo de opção

que a arte enunciou na vida de Marcelo Ariel e o quanto isso se reflete em sua produção

poética. A experiência do poeta no mundo se constrói nos interstícios da vida violenta da

periferia e do trabalho estético que ele aprecia, e daí surge sua dicção poética que não adere

prontamente a nenhum dos dois aspectos e transita de forma continua entre todos esses

universos.

No entanto, como evocado por Friedrich ao tratar da lírica de Charles Baudelaire, o eu

não se constitui mais através do sentimentalismo outrora observado na lírica. Nas palavras de

Friedrich:

Quase todas as poesias de Les Fleurs du Mal falam a partir do eu. Baudelaire é um

homem completamente curvado sobre si mesmo. Todavia este homem voltado para

si mesmo, quando compõe poesias, mas olha para seu eu empírico. Ele fala em seus

versos de si mesmo a medida que se sabe vítima da modernidade. Esta pesa sobre

ele como excomunhão. Baudelaire disse, com bastante frequência, que seu

sofrimento não era apenas o seu. É significativo que restos do conteúdo de sua vida

pessoal, quando ainda permanecem aderentes às suas poesias, só estejam expressos

de maneira imprecisa. Ele nunca teria escrito versos como, por exemplo, os de

Victor Hugo sobre a morte de uma criança. Com uma solidez metódica e tenaz mede

em si mesmo todas as fases que surgem sob a coação da modernidade: a angústia, a

impossibilidade de evasão, o ruir frente à idealidade ardentemente querida, mas que

se recolhe ao vazio. (FRIEDRICH, 1978, p. 37-38)

Não queremos, de maneira alguma, traçar comparações entre Baudelaire e Ariel, ou

entre o Tratado dos Anjos Afogados e As flores do Mal, queremos mostrar a filiação de Ariel

à tradição lírica moderna que possui como seu precursor o poeta francês. Dessa forma,

quando nos deparamos com um poema com certa nuance memorialista é importante olhar

com cautela a fim de evitar um tipo de associação que atribui à obra estética algum tipo de

“sentimento” intimamente relacionado com a experiência subjetiva do sujeito enquanto

homem no mundo e não enquanto poeta.

30

Além disso, neste poema é curioso o tipo de trocadilho enunciado pelo nome dos

traficantes: Sol e Draculino. Uma figura associada ao dia e a outra – evocando a figura de

Drácula – associada à noite. E elas, como a própria circularidade do tempo, constituem entre

si uma simbiose: enquanto um dorme o outro fica acordado, garantindo certa tensão que

sustenta o equilíbrio, que só é desfeito quando esses que não poderiam se encontrar: o Sol e

Draculino (à medida que o Drácula não pode sobreviver ao Sol) se encontram. A ironia da

poesia fica pelo fato de não ser Draculino que sucumbe ao Sol e sim o contrário. Além disso,

o Sol morre e os homens, que podem ser tanto a humanidade quanto a polícia como é

conhecida nas periferias, continuam vivos, sem, no entanto, a presença desse Sol.

Como isso se passa antes da unificação dos comandos, nota-se a recuperação de um

tipo de relação no meio do crime cuja organização ainda era local e não submetida a certas

instâncias de poder que se associam em rede e detém o controle de várias regiões diferentes.

O equilíbrio se dava ali e era mantido por quem estava na situação.

Um poema curto que também aponta para este submundo do crime e que nos parece

muito interessante é “A revolução”, o sétimo na sequência dos poemas:

A REVOLUÇÃO

para Francisco Alvim (após ler seu livro ‘O elefante’)

Acordo

Entre vizinhos

Um acorda

Meia-noite

E diz bom dia

O outro acorda

Meio dia

(Os dois enterram armas no quintal)41

Esse poema se compõe, da mesma maneira que a maior parte da poesia de Francisco

Alvim, sobretudo em “O Elefante”, através de um poema-cocteil: curto e com certo teor

humorístico leve42

. Mas, talvez, em Ariel não haja teor humorístico, mas uma ironia vista

através dos olhos de um eu-poético acostumado com certas cenas de violência e que passa a

achá-las casuais. Pois é curioso pensar-se que haja alguma espécie de acordo firmado entre

dois bandidos, o que parece existir é a tensão entre os dois que impede qualquer reação, uma

41

ARIEL, 2008, p. 30.

42 FRANCHETTI, Paulo. “O ‘poema-coctail’ e a inteligência fatigada”. In: Germina Revista de Literatura e

Arte. Março, 2007. Disponível em: http://www.germinaliteratura.com.br/enc_pfranchetti_mar07.htm Consultado

dia 17/11/2013.

31

vez que ambos enterram armas no quintal. O interessante é o tipo de complementação criada

entre eles: um acorda ao meio dia e o outro à meia-noite, tal como havia a dualidade entre

Draculino e Sol, no poema apresentado anteriormente.

Neste sentido, parece não haver nenhuma saída possível – a revolução enunciada pelo

título – pois o que há é um ciclo ininterrupto de violência no qual não importa quem vai estar

como protagonista, mas sim que sempre haverá alguém para cumprir o ciclo.

Na obra de Alvim há também uma voz que denuncia certas instâncias de poder na

sociedade que são responsáveis pela submissão de todos os outros membros do grupo. No

poema de Ariel há certo discurso que aponta neste sentido, já que é só o acordo de ambos que

sustenta a tensão do espaço. Mas, esse apontamento também cria certa noção de equilíbrio

instaurado entre os bandidos, como se já não houvesse a necessidade de uma ordem

burocrática instituída para garantir a segurança, e essa parece ser a revolução também. Em

espaços nos quais o Estado não chega, criam-se outras modalidades organizações que se

sustentam por elas mesmas.

A seguir, mais um poema que gostaríamos de destacar entre os que apresentam a

cidade como referente direto, e que é o décimo sétimo na sequência de “Vila Socó:

Libertada”:

CENA COMUM

Vila Parisi transplantada

Para dois quilômetros

de onde estava

do nada ao nada

prevalece a lógica engrasádica

Em outra (a do terror)

espelhada

visito no sempre ontem

uma favela num bloco

verticalizada

(Pós-Bauhaus?)

projeto de um Speer adestrado

amante da desgraça,

de dentro gangues de moleques

vomitadas escrevem

a arte do assassinato

como um videogame

no corpo do ex-lugar,

pontos de uma acupuntura macabra.

‘Na semana passada atearam fogo

numa banca de jornal’

onde um policial

havia parado para acender um cigarro

e perguntar o número de uma casa.

Em seguida

a dona na banca

32

queimando as sobras na praça

gritava

- ‘Ninguém, toca em nada...’

Um aposentado

aplaude com o olhar

‘O dinheiro é o culpado’

sussurra a sombra de um ex-anarquista

com medo de ser caçado.43

A cidade de Cubatão foi o grande símbolo do período de industrialização que se

iniciou na década de 1950 no Brasil, o que atraiu milhares de migrantes, sobretudo, das

regiões Norte e Nordeste do país. Essas pessoas passaram a morar em favelas próximas às

indústrias petroquímicas, uma das principais atividades desenvolvidas no local, e Vila Parisi

foi uma dessas “vilas” formadas no entorno do polo industrial. Na década de 80 do século

XX, no entanto, os níveis de poluição no local atingiram índices alarmantes fazendo com que

o lugar ficasse conhecido como o “Vale da Morte”, pois as flores e borboletas da região não

podiam mais sobreviver44

. No entanto, o que levou a região a ser colocada em destaque, foi o

alto índice de nascimentos de bebês anencéfalos, fato rapidamente associado a esse mesmo

índice elevado de poluentes que causava a morte das plantas e animais.

Essa situação fez com que Vila Parisi fosse transferida de lugar, o que nos situa quanto

ao tipo de enunciação feita logo no início do poema: “Vila Parisi transplantada”. Mas, como o

próprio poema resgata, ela foi recolocada a apenas dois quilômetros do lugar original, um

espaço tão deficitário e tão comprometido com o alto índice de poluentes quanto o anterior.

No poema, tal como transcrito no livro, lê-se: “prevalece a lógica engrasádica”. O termo

“engrasádica” não consta no dicionário, mas talvez, essa palavra possa referir-se à junção

entre os termos “engraçado” e “sádica”, constituindo um sentido irônico para dessa lógica que

retira as pessoas de um lugar repleto de problemas e as deixa em um lugar igualmente débil,

como uma solução paliativa. As pessoas só foram levadas do “nada ao nada”.

O poema, recuperando outra lógica: “a do terror” (termo que aparece entre parêntesis,

na mesma estrutura dos outros poemas anteriormente apresentados, embora com um número

bem menor desse recurso) traz outros referentes na arquitetura ocidental: a Bauhaus, escola de

arquitetura, artes e design de vanguarda, fundada na Alemanha em 1919, que tinha o projeto

de aliar a funcionalidade das moradias à arte moderna nos projetos de arquitetura, mas foi

43

ARIEL, 2008, p. 44-45

44 PIRES, Fernanda. “’Vale da Morte’ foi símbolo de Cubatão”. Reportagem publicada no Valor Econômico, em

15/02/2012. As informações sobre Cubatão e Vila Parisi foram retiradas da reportagem em questão. Disponível

em: http://www.valor.com.br/brasil/2570976/vale-da-morte-foi-o-simbolo-de-cubatao Consultada dia

17/11/2013.

33

fechada pelo regime nazista45

; e a pessoa de Berthold Konrad Hermann Albert Speer,

arquiteto do III Reich e ministro do armamento de Hitler46

. Para o poeta, o projeto das

moradias em Cubatão é herança, como tantos outros projetos arquitetônicos no Ocidente, da

escola de Bauhaus, no entanto, ao associar isso à figura de Speer – carrasco nazista-, o projeto

toma proporções um tanto quanto suspeitas, pois as boas intenções das moradias populares

são obliteradas pelo fato das pessoas continuarem no mesmo tipo de vida: totalmente

marginalizadas, dando a possibilidade para o crescimento da criminalidade.

E então, surgem inúmeras cenas relacionadas à violência, não só aquela instaurada

dentro dos blocos de moradias, mas a que sai dali rumo a outros setores da população.

Interessante é o tipo de sobreposição criada pelo poema no que tangencia os fatos,

cumulativos, que resultaram nessa explosão de violência no local: ele constrói uma cadeia de

acontecimentos, que são, desde o início, produtos da negligência do estado em relação às

pessoas, favorecendo o sistema produtivo. O que é ratificado pela sentença final do ex-

anarquista, segundo o qual, a culpa é do dinheiro: seja sobre a tragédia inicial das crianças

sem cérebro, seja a posterior da continuidade da marginalidade.

Esse tipo de construção poética que aponta diretamente para a cidade de Cubatão e

seus problemas estruturais encontra espaço em outro poema posterior da seção de Tratado dos

Anjos Afogados estudada neste trabalho, denominado “Em Cubatão”. Nestes poemas, a cidade

se configura não só como o espaço dos quais saem a matéria poética, a cidade é a própria

matéria poética como pudemos observar através da transcrição das obras. E o entrelaçamento

de referências trazidos em cada um dos poemas, junto à matéria da cidade, parece ser o

mesmo entrelaçamento de situações que constituem a própria cidade. Vemos, dessa maneira, a

forma poética, incorporar o ethos do próprio processo da modernização do país: disforme,

violento, caótico, excludente. Além disso, essas referências evocadas parecem trazer em si o

que o próprio movimento modernista pretendia com seu Manifesto Antropófago: a deglutição

daquilo que é do outro para construção de algo que possa ser nosso.47

Para finalizar a etapa de análise dos poemas nos quais o aspecto da cidade nos parece

central, é interessante observarmos ainda mais um:

45

DROSTE, Magdalena. Bauhaus Archive, 1919-1993. Alemanha: Bauhaus-Archiv Museum für Gestautung,

1994. p. 6-20.

46 Informações retiradas do site: http://www.auschwitz.dk/speer.htm Consultado em 19/11/2013.

47 ANDRADE, Oswald de. O manifesto antropófago. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e

modernismo brasileiro: apresentação e crítica dos principais manifestos vanguardistas. Petrópolis: Vozes,

1976.

34

O BODE

Ao me ver na tv com uma tarja

onde se lê: ‘Poeta’

para meus vizinhos

a marca ilumina um sentido,

antes não sabiam

por que eu estava vivo

(o clone-fantasma, uma espécie de Joe Gould morando fora

do círculo)

meu vizinho da esquerda

me pergunta sobre

o bode ‘Lé’

e comenta que na infância

‘usava as cabras’

retruco que o bode era um poeta.

Uma outra evangélica

ouvindo tudo pela metade

cita o asno de Balaão.

Respondo que preciso

‘ir até a Bíblia e já volto’.

O das cabras

diz que antes os

‘animais falavam com Deus

e eram sacrificados por isso’.

Completo:

‘Hoje vivem como nós num proto-inferno’

(em algum lugar o bode sorri pra Baudelaire)

volto e meus vizinhos

estão mudos e angélicos

como as roupas balançando no varal.48

Neste poema, a figura do poeta – genericamente e do próprio Marcelo Ariel – surge

como componente central. No entanto, não é em relação às dificuldades do fazer poético ou às

limitações da linguagem que o poeta se constrói no texto, mas através da relação estabelecida

por ele com sua própria vizinhança. Ariel, enquanto morador da periferia, suscitava suspeitas

entre seus vizinhos que “antes não sabiam/ por que eu estava vivo” a medida que não se

incluía no mesmo modus operandi dos demais, exatamente por ter feito sua opção pela vida

poética. Interessante é que o reconhecimento só existe ao vê-lo na televisão, com uma tarja

que “ilumina o sentido”. O fato de ser necessária essa “legitimação” pela mídia do que Ariel

tem como atividade profissional diz o tipo de lugar ocupado pelo poeta em um sistema de

vida que não reconhece a arte como possibilidade de sobrevivência. Ao contrário,

normalmente os que têm as mesmas condições que ele (homem, negro, pobre) aparecem na

televisão com o nome escrito em uma tarja, em situação bem menos beneméritas.

Novamente o poeta utiliza os parêntesis para introduzir um acréscimo ao poema e

associa sua figura à de Joe Gould, personagem do livro O segredo de Joe Gould escrito pelo

48

Op. cit, p. 46

35

repórter da The New Yorker Joseph Mitchell. No livro em questão o autor traça o perfil de Joe

Gould que, embora vivesse como um mendigo, estava prestes a escrever uma obra sem

precedentes: História oral do nosso tempo49

. Aqui é possível observar que Ariel se coloca, a

si mesmo e sua produção, ironicamente, ao lado de um suposto escritor cuja obra, não

obstante nunca tenha sido encontrada, prometia ser “monumental”.

Mas, o poema não se restringe a isso que poderíamos denominar como

“autobiográfico”, uma vez que a figura do poeta surge como “o bode”, remetendo à ideia do

bode expiatório – a figura que vai para o sacrifício nos rituais religiosos. E, neste sentido, não

é só o aspecto da autorreferencialidade que nos interessa, pois o poeta como aquele que expia

a culpa dos homens e por isso ocupa um lugar separado dos demais é o tipo de conceito que o

próprio poeta tem de seu fazer poético e dos demais. E dai surge sua relação com a própria

poesia altamente remetida em seus poemas e também com seus vizinhos: de alguma forma,

esse eu-poético se vê como alguém que olha além do que aqueles outros que o cercam são

capazes de enxergar. O que é confirmado com o tipo de relação estabelecida entre os animais

que eram sacrificados porque “falavam com deus” e esse poeta que é, ele mesmo, um desses

animais que é capaz de falar com deus, não no sentido da crença religiosa, mas no sentido do

acesso a verdades que as demais pessoas talvez não possuam.

No conjunto de poemas dentre os quais o elemento do espaço concreto não surge

como o primeiro nível da matéria poética, há alguns que também nos parecem mais

paradigmáticos dentro do tipo de dicção poética que Ariel parece perseguir. Segue a

transcrição e análise do segundo poema da seção:

MOTO DESCONTÍNUO

A máquina de acordar

dentro da máquina

de respirar

A máquina

de falar

dentro da máquina

de pensar

A máquina

de andar

dentro da máquina

de se cansar

Na máquina de ser

a máquina de estar

dentro da máquina de dormir

e sonhar com

49

Informações extraídas da resenha do livro em questão, disponível no site da Companhia das Letras:

http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=11631 Consultado dia 24/11/2013.

36

a vida fora

da máquina de morrer

na máquina de sonhar50

A máquina é a representante do processo de modernização. No entanto, no poema de

Ariel o homem é em si mesmo uma máquina no sentido do automatismo convocado na

execução de suas funções. Várias máquinas, dentro uma da outra, enunciam os mecanismos

da sobrevivência e são constituintes da vida, que é esse moto – movimento – que o poema nos

sugere.

Na máquina de ser – aquilo que é – localiza-se a máquina de estar – aquilo que traz em

si a ideia de algo que é transitório. E constitui o movimento enunciado anteriormente que,

porém, não se constitui como um movimento contínuo como era esperado – baseando-nos em

uma tradição poética que coloca a máquina moderna como símbolo do cotidiano e da

repetição, da impossibilidade de criação. Trata-se de um movimento descontínuo que é gerado

por esse elemento novo no poema, mas, que é fortemente presente na poesia de Ariel, o

sonho.

Esse universo onírico parece refletir, ao menos nesse poema, o aspecto psicanalítico

do sonho, como enunciado por Sigmund Freud, como o lugar do desejo. Esse desejo, por sua

vez, aponta para alguma possibilidade de vida que transcenda a morte e, mais, que ultrapasse

esse moto contínuo rotineiro da vida vulgar e se expanda para alguma outra possibilidade de

existência.

Como enunciado, o poema em questão não traz a referência ao aspecto da cidade, mas

a modernidade surge como linha de força da reflexão trazida. Neste sentido, podemos

observar o tipo de relação com o espaço em Ariel que, embora não remeta sempre a uma

representação direta da cidade, lança seu olhar sobre outras nuances da condição humana em

meio à situação de desenvolvimento trazida pela modernidade que é o berço da cidade como a

concebemos hoje.

Na sequência, transcreveremos um poema que, inicialmente, parece ser muito distante

dos demais anteriormente apresentados, e nos é interessante exatamente pelo tipo de

movimento realizado em seu interior. Ele é o quarto na sequência de poemas desta seção:

SONHO QUE SOU JOÃO ANTÔNIO

SONHANDO QUE É FERNANDO PESSOA

Num subterrâneo Letes ou num Eufrates interno

Tocando ramos de invisível água ou fazendo círculos

50

ARIEL, Marcelo, 2008, p. 22.

37

Com pedrinhas atiradas num Tejo etéreo

Não importa...

A quimera-esfinge me espera em todas as margens tendo à sua direita Sá Carneiro e Antero que riem do riso de

Cérbero, quando por eles passo, sou acordado e como se sonhasse vou ao encontro de Adília Lopes que está

dançando nua na fonte cercada por uma auréola de baratas brancas, Adília me aponta uma carreira de formigas

subindo aos céus, onde nuvens formam o rosto de Dante, sentado cá embaixo e desta vez desperto, vejo um anjo

torto de oito asas lendo perto da casa de Adélia Prado. Sabendo da existência de uma igreja ali defronte,

pergunto ao anjo: “E aí, meu irmão, veio pra missa?”. O anjo diz: “Não vim pelas formigas”. “E Deus?”, volto a

perguntar. “Está lá ouvindo Bach”. Vou até a igreja, empurro a porta e entro num terreno baldio onde anjos sem

asa jogam bola com moleques sem camisa, todos muito felizes como se realmente existissem.51

O universo do sonho é recorrente na lírica de Marcelo Ariel e parece ser o lugar onde

o autor consegue soldar conexões entre suas referências. Há neste poema o tipo de refundição

apontado por Rosito, no qual se mesclam os universos distintos da tradição Ocidental

representados por Pessoa e Bach e os universos que forjam certa linhagem de construção de

uma identidade nacional – já fracassada –, nas pessoas dos escritores João Antonio e Adélia

Prado.

Na abertura do poema há a tentativa de definir-se o local onde se dá esse sonho através

da nomeação de três rios: o Letes que se localiza no Hades, segundo a mitologia grega; o

Tejo, rio de Portugal referenciado por Fernando Pessoa em seus poemas e também o Eufrates,

importante rio da Mesopotâmia. E através da evocação desses rios o poeta transita, logo de

início, entre o aspecto mimético (ao referir-se a rios que existem no mundo) e o aspecto da

criação de um mundo outro através da linguagem ao evocar o rio da mitologia. Mas, logo em

seguida a poesia enuncia: “não importa...”, como quem diz que o onde se passa o sonho talvez

seja secundário, o que importa é o sonho em si mesmo e, nesse lugar do sonho, é possível que

os rios do mundo se encontrem com os rios mitológicos. O sonho é, em si mesmo, a

possibilidade de construção do real.

Neste sonho, há, no entanto, um sonho dentro de outro, pois esse eu-lírico sonha que é

João Antonio, enquanto este sonha que é Fernando Pessoa. João Antonio, um dos grandes

nomes da produção literária brasileira do século XX, estabeleceu sua produção sob certo

liame “marginal” muito específico, mais relacionado a uma patuléia de malandros que

buscavam algum tipo de possibilidade de sobrevivência em meio à exclusão. E este João

Antonio ainda sonha que é Fernando Pessoa, poeta que levou ao extremo a impossibilidade de

definição do eu através de seus inúmeros heterônimos. Dessa forma, vemos, mais uma vez, a

tensão instaurada entre a noção de representação do real – colocada ali pela figura de João

Antonio – e a noção de criação do real – que se relaciona à figura de Fernando Pessoa. E

51

ARIEL, 2008, p. 26.

38

interessante é que o que estaria mais colado à realidade (João Antonio) sonha em ser o que

cria a realidade através da linguagem.

Há ainda, mais uma vez, a referência a Dante, pois as formigas constroem um rosto

semelhante ao seu e o anjo diz que “veio pelas formigas” como quem diz que veio através de

Dante ou a procura dele. E nisso encontramos o próprio poeta falando, pois sua imersão e

trânsito em outros mundos e ideias que não os da periferia, da pobreza e da violência se deram

através da arte, sobretudo da literatura. Mas, como viver nesse sonho, nesse universo da

literatura – mesmo que em muitos momentos ele se converta em inferno, mesmo que o

transito por ele seja acompanhado de uma quimera-esfinge (o monstro das questões suscitadas

pelo universo artístico) – parece não ser a solução, o sonho-delírio termina com o poeta

entrando na igreja. Mas, a igreja não existe, – afinal, deus está morto há muito tempo, tendo

em vista que nunca se comprometeu muito com os problemas dos homens – é apenas um

terreno baldio, onde os anjos jogam bola com moleques descamisados. Mas eles também não

existem, nem os anjos nem os meninos, como quem enuncia o tipo de indigência a que se está

destinado em alguns lugares.

Neste poema, há um tipo de movimento que se relaciona de maneira oposta ao que

vemos apresentado em “Caranguejos aplaudem Nagasaki”: lá, saíamos do real para entrar no

metafísico, aqui, saímos do metafísico e caímos no real. Por isso, ao iniciarmos a leitura do

poema em questão, temos a impressão de que ele se inscreverá em outro espaço no qual não

há a possibilidade de encontrarmos a representação da experiência, mas isso é rompido. Dessa

forma, o trânsito, entre esses espaços é o que dá certa voz ao poema que impede a adesão a

qualquer uma das possibilidades (representação da experiência em detrimento da reflexão

metafísica). Só é possível fazer poesia quando os universos se entrelaçam.

A seguir, segue a análise do oitavo poema de “Vila Socó: Libertada”.

A PERGUNTA E A RESPOSTA

Eu sou a metáfora de uma galáxia ou a de um átomo?

A resposta da alma é o silêncio.52

Este poema parece fazer parte de outro espaço que não aquele colado à representação

da cidade, embora não seja descolado da experiência dos sujeitos no mundo, uma vez que

remete àqueles questionamentos essenciais, que fundaram a filosofia como a concebemos: “de

onde vim, o que sou?”. Dessa forma, “A pergunta e a resposta” parece ser mais interessante

52

ARIEL, 2008, p. 31.

39

de interpretar-se quando colocado – como no livro – logo depois de “A Revolução” (poema já

anteriormente apresentado neste trabalho). Isso se dá, pois, como sugerido, o real e o

metafísico se entrelaçam continuamente na poesia de Marcelo Ariel. E quando isso não surge

internamente no poema, aparece na estrutura de ordenação dos poemas dentro do livro. Não

há a preponderância de um sobre o outro e logo após uma poesia que entra verticalmente no

mundo das instâncias de poder que constituem a periferia, o poeta instaura outro espaço de

reflexão no qual a existência é contestada. Existência essa que não se submete a nenhuma

espécie de rotulação, não é a existência do rico, do pobre, do trabalhador ou do bandido, é a

existência e o questionamento da existência comum a todos em qualquer lugar.

Esse eu-lírico se questiona o quanto de sua existência se relaciona a essa estrutura

maior que é a galáxia, no sentido de trazer em si o todo do universo ou o quanto essa mesma

existência se baseia em uma micro-estrutura que é o átomo. Mesmo não havendo resposta – a

alma só oferece o silêncio – parece que os dois polos: a galáxia e o átomo oferecem a mesma

condição, mas em dimensões opostas. A galáxia é o todo, infinita, imensurável e traz em si o

tudo; o átomo, por sua vez, está em tudo e constitui o tudo da galáxia, mas é invisível aos

olhos, imensurável sem o auxílio de aparelhos ultra-tecnológicos. Dessa forma, a pergunta

olha para a mesma possibilidade, a da abrangência, da totalidade, mas de maneira diferente.

Ainda diante da pergunta como possibilidade de se alcançar alguma compreensão

sobre o mundo, temos o nono poema na sequência do livro:

A PERGUNTA E O MITO

Diante do insolúvel

Invento

‘nazificar’

(um verbo maldito)

Pensando no

Ozymandias

De Shelley e no de Alan Moore

E consigo ‘ler’ em Camus

Não um grito

Mas o improvável

Um riso

Em Sísifo.53

O poema Ozymandias de Percy Bysshe Shelley fala da estátua do Faraó Ramsés II,

encontrada no deserto e disputada no século XIX por ingleses e franceses. Ozymandias é o

nome grego para este faraó responsável pelo período mais importante da Antiguidade Egípcia

e que ficou por mais tempo no poder. No entanto, na poesia, Shelley aponta para o quanto as

53

ARIEL, 2008, p. 32.

40

conquistas humanas são perenes e a fatalidade da finitude é a única certeza. Mas, nessa

estátua que surge do meio da areia, podemos entrever outra possibilidade: a arte como

alternativa ao esquecimento da morte, pois ela permaneceu embora o faraó representado já

estivesse morto há muito tempo.

O Ozymandias, personagem de Watchmen, de Alan Moore, é um dos grandes vilões

das Histórias em Quadrinhos. Dotado de uma inteligência extraordinária, Adrian Veidt é um

milionário excêntrico que extrai seu codinome de herói diretamente do poema de Shelley.

A ideia de “nazificar” costura a ideia de Ramsés II e seu império, com o império que

Adolfo Hitler tentou construir com o III Reich e, ainda, a ideia do vilão dos quadrinhos que,

forjando uma ameaça terrível ao planeta Terra, finge salvar a todos para construir seu status

heroico. O insolúvel – a pergunta insolúvel – parece se associar às ideias de alguns homens

que desejam a dominação dos semelhantes a qualquer custo, como Hitler, Ozymandias e

qualquer outro grande imperador da história. Dai vem a ideia do verbo “nazificar” que parece

relacionar-se com algum desejo onipresente na história do mundo de empreender o extermínio

e a submissão do Outro.

No ensaio filosófico “O mito de Sísifo” escrito por Albert Camus, o filósofo argelino

fala do absurdo da condição do homem fútil, vulgar, que busca sentido para sua vida, em um

mundo no qual Deus deixou de existir. Camus fala do absurdo da vida usando o mito de

Sísifo, no qual o personagem é condenado a repetir sempre a mesma tarefa: carregar uma

pedra morro acima que rola morro abaixo assim que chega ao topo da montanha forçando que

a atividade se repita.

Aqui a ideia do insolúvel se amplia: passa a se relacionar ao insolúvel da existência no

mundo de cada homem, seja um grande imperador, seja o homem normal. Existência essa

calcada na repetição das mesmas histórias com o passar dos anos: a pedra rola, os massacres

continuam a acontecer, a permanência é impossível a todos. O riso de Sísifo parece entoar a

consciência da impossibilidade do homem de não construir coisas sem repetição.

O exercício artístico parece ser, por vezes, o exercício de levar a pedra ao topo da

montanha e vê-la rolar, para depois se iniciar o mesmo trabalho, à medida que a arte não se

esgota e se constitui da impossibilidade da linguagem em traduzir a experiência do homem no

mundo.

Interessante é que o poeta adiciona uma nota explicativa ao nome de Alan Moore na

qual aparece o seguinte texto: “Alan Moore, roteirista e quadrinista inglês, cita o

41

Ozymandidas em sua Graphic Novel Watchmen”54

. A necessidade de traçar alguma

explicação sobre essa referência específica denota o horizonte de expectativa do poeta quanto

a seu leitor: trata-se de alguém que não terá problemas em transitar entre uma série de artistas

da tradição ocidental, no entanto, esse mesmo leitor terá dificuldades em entender quem seria

Alan Moore, por ser um artista dos quadrinhos, gênero menos ortodoxo de arte. Dessa forma,

embora seja um artista oriundo das camadas populares, que faz referências a artistas como

Mano Brown, Ariel deixa entrever em uma nota como essa “para quem” está escrevendo e de

onde ele espera reconhecimento.

Na sequência, trazemos ainda a transcrição do décimo poema da seção, que nos parece

interessante tendo em vista o tipo de diálogo proposto com a tradição:

ECO

Narciso é como o mar nos olhos de um gato

beijando seu corpo inteiro como se fosse outro

seu olhar Eco dispersa

ele vê mergulhar em si uma resposta intensa

Eco permanece vendo num morto ainda vivo

um suicídio-amor sempre adiado

à beira daquele olhar-lago.55

Há em “Eco” a evocação direta de um dos mitos mais importantes da Antiguidade

Clássica, no que concerne à sua assimilação pela cultura ocidental, culminando na psicanálise

freudiana, o mito de Narciso e Eco. O que há de novo nesse narciso à Ariel é o desvio de foco

de Narciso para Eco, a bela ninfa que se enamorara do rapaz. Além de dar título ao poema, o

eu-lírico nos mostra o ponto de vista da jovem também. Há ainda o modo através do qual o

suicídio de Narciso é reinterpretado: o mergulhar em si, através do mergulho no lago, do

jovem que ama a si mesmo doentiamente já não é mais final trágico, mas antes uma “resposta

intensa”. E o poema suspende o ato final de Narciso por meio do olhar de Eco: o amor – dela

por ele - suspende a ação e o “suicídio-amor” de Narciso paira sobre a cena.

Neste poema, a ideia de um espaço literário que se constitui por si mesmo parece vir à

tona, uma vez que, na literatura (e na arte como um todo) é possível que se recrie e

ressignifique um mito cristalizado pela cultura e se faça outra interpretação. No entanto, por

mais que haja uma (re)(des)construção simbólica de algo já anteriormente apresentado e sua

reapresentação se dê de maneira autônoma em relação a este universo do qual ele é

54

ARIEL, 2008, p. 32. No trecho em questão o termo “Ozymandidas” aparece grafado dessa maneira, o que

possivelmente é um erro editorial

55 ARIEL, 2008, p. 33.

42

proveniente, esse fato advém de um lugar existente no mundo, neste caso, o lugar da escritura

e reescritura constante dos mitos greco-latinos. O que gostaríamos de dizer com isso é o

quanto, mais uma vez, as noções de espaços – real e simbólico – se entrelaçam nas tramas da

poética de Ariel impossibilitando a inscrição de sua estética em apenas uma via interpretativa.

E esse aspecto não é notável apenas no poema “Eco”, mas em todos os outros nos quais não

podemos notar uma referência espacial direta. Dessa forma, vemos a poesia, enquanto espaço

de linguagem, não como o lugar no qual se dá a representação direta do real (o real é

inacessível, o real é aquilo que a palavra não toca), mas o lugar no qual se constitui um

universo que é real em si mesmo enquanto operação de linguagem.

E parece ser exatamente desse tipo de construção que nos fala o seguinte poema, o

décimo segundo na sequência da seção:

A COSMICIDADE DE TUDO

Para dizer o mínimo

não adianta

procurar no dicionário

algo equivalente ao real

O silêncio é extraterrestre

e humano

(mais do que nós)

apesar do som dos planetas

no centro disso

os átomos, os anjos

e outra metáforas

do vazio ou do insolúvel permanecem

Imagine uma piada

como essa

tão longa que morremos antes

que ela acabe

e o universo inteiro

espera seu fim

para rir

da nossa cara

com a mesma

indiferença

com que nos vê

através das estrelas56

Esse poema é paradigmático ao apresentar a ideia da impossibilidade de traduzir-se a

experiência em palavra. Ele aponta diretamente para a ineficiência da linguagem em traduzir

o real e para a falta permanente com a qual, nós, homens, seres de linguagem, temos de

conviver do começo ao fim de nossa existência. Mas, o aspecto paradigmático não se

restringe apenas a uma rubrica na história do pensamento do século XX – o século no qual

essas questões de linguagem foram tantas vezes (re)pensadas – se insere dentro da própria

56

ARIEL, 2008, p. 35.

43

obra de Ariel, pois aqui o poeta parece nos mostrar o que representam certos componentes de

sua poética. Parece haver, nessa cosmicidade, nesse universalismo, também uma chave de

leitura para alguns de seus poemas.

O silêncio - como em “A pergunta e a resposta” – se apresenta, mais uma vez, como a

única possibilidade do humano. E “os átomos, os anjos” são, para o poeta, a metáfora do

vazio, da falta, do insolúvel, da impossibilidade, enunciados por nossa compreensão pós-

moderna de linguagem. Mas, o poeta sempre deposita certo olhar irônico sobre as

impossibilidades humanas: aqui ele aponta diretamente para nossa finitude diante do

“cosmicidade” das questões que sobreviveram a todos nós. Parece ser o mesmo tipo de ironia

vista no riso de Sísifo no poema “A Pergunta e o mito”.

Esses mesmos mecanismos de tensão entre real, falta e linguagem, encontramos em

outro poema que gostaríamos de transcrever:

COMO AS PALAVRAS

Duas crianças brincavam de formar uma névoa

de distanciamento

e ver o outro como um estranho.

A névoa era feita de perguntas.

Por trás da névoa

a paisagem de símbolos e sinais escondidos no mundo

se move dentro dessa micro-física óbvia

como as anulações do tempo ou o silêncio

crescendo em volta do seu olhar

a paisagem amorosa se dissolve na névoa

como um comprimido efervescente

jogado ao mar

para encenar ‘A morte do Sol’.

Eu só preciso perguntar o seu nome

e então começamos a brincar com o que nos falta...57

Essas duas crianças que brincam de estranhar um ao outro, constroem esse

distanciamento através de uma névoa feita de perguntas. As perguntas são nada mais que

palavras e estas, por sua vez, encerram atrás de si um universo simbólico que não são capazes

de traduzir, dada a própria limitação da linguagem. Dessa forma retornamos ao aspecto mais

presente nos poemas que não estão incluídos na primeira seção de “representação da cidade”:

são poemas que trazem os questionamentos metafísicos ao primeiro plano e, a partir disso,

colocam no cerne da matéria poética as impossibilidades da linguagem.

O poema instaura certa atmosfera de lírica-amorosa que, no entanto, é dissolvida com

a “morte do sol” que mergulha como “comprimido efervescente” nas águas do mar. Mas, no

fim do poema, quando se diz: “Eu só preciso perguntar o seu nome/ e então começamos a

57

ARIEL, 2008, p. 47.

44

brincar com o que nos falta...”, há a recuperação do lirismo, já não idealizado à medida que há

a compreensão do quanto a falta constitui o homem e, por extensão, todas as suas relações.

Tentamos, nesta seção, estabelecer através da análise dos poemas de Ariel algumas

reflexões sobre a maneira como se dá a representação do espaço na obra do poeta. Dadas as

características deste trabalho e o tempo hábil para concretizá-lo optamos por abordar somente

alguns dos poemas que consideramos mais importantes e representativos das características da

lírica de Ariel. No entanto, os poemas que aqui não entraram constituem também um corpus

profícuo que poderá integrar outros trabalhos de pesquisa, tendo em vista nosso interesse pela

obra do artista em questão. A seguir, finalizaremos o trabalho com as considerações finais.

3. Considerações finais

Entre os vinte e seis poemas da seção “Vila Socó Libertada”, escolhemos treze para

serem transcritos diretamente no corpo deste trabalho. Destes treze, oito fazem referência

direta à cidade, enquanto cinco se situam dentro de outra noção de construção poética, mais

ligada às discussões metafísicas. No entanto, mesmo na seção em questão, os poemas mais

colados à representação da cidade aparecem em um número ligeiramente maior: quatorze no

total, contra doze que se inserem na outra ideia de representação. Importante também é que os

poemas do primeiro grupo tem mais fôlego que os do segundo, ou seja, além de estarem em

maior número, são também mais longos.

Parece-nos que a característica central desta sessão do Tratado dos Anjos Afogados é a

tentativa de apreender o real – da cidade, da tragédia urbana e industrial, da violência, da

periferia – através da linguagem. Mas, essa tentativa percebe-se impotente e é nesse sentido

que ora vemos, dentro do próprio poema, o surgimento do metafísico e ora vemos os poemas

de cunho mais simbólico surgirem entre esses que olham mais diretamente para a cidade.

Esse entrelaçamento dos poemas (e dentro dos próprios poemas) de Ariel apresenta

aquele tipo de experiência paradoxal da qual falava Luis Alberto Brandão em referência à

Teoria da Recepção de Jauss. Ao construir uma poesia fortemente ancorada no real, mas que

se movimenta rumo a outras instâncias mais metafísicas, mas que ainda são o real à medida

que são constituídas de linguagem (nosso real primordial), parece haver a potenciação da

própria experiência no mundo, através da experiência estética. Uma vez que é nessa própria

experiência estética que podemos tomar consciência do brutal, do catastrófico de nossa vida

contemporânea. O que não se dá apenas quando nos confrontamos com situações limite, como

o incêndio em Vila Socó, mas também quando nos damos conta da impossibilidade de acessar

45

ao real através de nossa experiência comunicativa primordial: a linguagem. Então,

vislumbramos aqui uma possibilidade de ancoragem teórica muito interessante para

abordagens futuras da obra de Ariel.

Outra teoria descoberta no decorrer desta pesquisa, mas que não pode ser devidamente

estudada é a desenvolvida por Luís Costa Lima em seu livro A ficção e o poema58

, no qual, o

autor, dando continuidade a seus estudos sobre a mímesis, traça uma série de diálogos com

outros nomes do pensamento ocidental a fim de refletir sobre as questões que permeiam a

relação entre realidade e representação, estabelecendo o conceito de mímesis zero. Além

deste, Lima possui outros conceitos como o de mímesis de produção e o de mímesis de

representação que podem nos auxiliar.

Para além das possibilidades futuras de pesquisas, nesta, pudemos entender o quanto

Marcelo Ariel tem um projeto estético afinado com o projeto estético da modernidade tal

como definido por Friedrich. Sua dicção poética construída através da tensão dissonante entre

os espaços do real e do espaço do literário e sua opção pelo grotesco engendram sua

topografia moderna.

Pudemos ainda observar o quanto o entrelaçamento de referências compõem também

essa topografia, embora em alguns momentos não tenhamos tido condições de alcançar

alguma possível interpretação para a escolha de algumas dessas próprias referências. No

entanto, o que nos foi notável é o quanto esse acúmulo de alusões a outros artistas, pensadores

e obras podem soar como mero apontamento enciclopédico em alguns poemas e até mesmo

em alguns apontamentos feitos pelo poeta, como podemos observar no excerto a seguir,

retirado do livro O que é poesia?59

, que reúne as respostas de vários poetas contemporâneos à

pergunta que dá título ao livro:

Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que estas

escolhas?

Herberto Helder e sua Poesia toda; Helder abriu para mim um campo vasto de

significados para a imagem como o acontecimento mágico, no sentido mais

profundo e menos metafísico dessa palavra.

Wittgenstein e seu Tractatus logico-filosoficus, um livro que me emociona até as

lágrimas, porque seu autor tenta recuperar a dignidade do silêncio e desmontar a

grande falcatrua do iluminismo, que até hoje serve de base para uma visão

equivocada da vida e do mundo.

Fernando Pessoa e sua Obra Poética, Pessoa me mostrou a possibilidade que temos

de criar universos quando nos afastamos um pouco da ficção do eu ou o reviramos

pelo avesso – poesia é a essência da magia e só a magia é real, aprendi isso com

Pessoa. (CRUZ, 2009, p. 91-92)

58

LIMA, Luiz Costa. A ficção e o poema. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

59 CRUZ, Edson (org). O que é poesia? Rio de Janeiro: Confraria do Vento, Caliban, 2009.

46

Acreditamos não haver nenhum entrave à escolha de Fernando Pessoa e Herberto

Helder como poetas inspiradores, aliás, estes dois nomes fazem parte de vários poemas de

Ariel. No entanto, a menção a Wittgenstein é o que pode soar como referenciação

enciclopédica tendo em vista o tipo de educação informal de Ariel e o hermetismo da obra do

filósofo em questão, pois é difícil que se leia e compreenda o Tratactus sem nenhuma espécia

de mediação específica. Sem destacarmos o fato de que – embora não nos caiba julgar o que

efetivamente suscite a emoção do outro – a obra de Wittgenstein não parece ser do tipo que

leve alguém às lágrimas.

Mas, o que nos fica de maneira bem delineada é a construção de uma voz poética que

apesar de saltar da experiência não se apresenta como altamente subjetivada, e que se constrói

através da tensão entre a representação mimética do espaço do real e o real do espaço da

linguagem e assim potencializa a própria experiência do real através da transposição da

brutalidade do mundo moderno para o universo da poesia. Com Marcelo Ariel podemos

transitar entre a tradição literária ocidental, a cidade industrial, a periferia, o presídio de

segurança máxima, sem nos esquecermos dos questionamentos primordiais quanto a nossa

existência e a forma como a linguagem pode ou não transfigurá-la.

47

4. Referências Bibliográficas

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Vanguarda européia e modernismo brasileiro: apresentação e crítica dos principais

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