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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

Coleção Didática PET História UFPR

v. 02, n. 02

O Cinema Western na Sala de Aula

CURITIBA

2015

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

VENDA PROIBIDA

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Endereço para correspondência

Rua General Carneiro, n.º 460, 6º andar, sala 605

Centro – Curitiba – Paraná – Brasil

CEP: 80060-150

e-mail: [email protected]

Impresso com recursos do FNDE

Organizadores:

Josip Horus Giunta Osipi

Maria Victória Ribeiro Ruy

Michel Ehrlich

Projeto Gráfico e Capa:

Lauriane dos Santos Rosa

Periodicidade: irregular

ISSN: 2359-3393

Curitiba, PR: PET História UFPR, 2015. (Volume 2)

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Coleção Didática PET História UFPR

O Cinema Western na Sala de Aula

Renata Senna Garraffoni (tutora do PET História)

Membros do PET História:

Aguinaldo Henrique Garcia de Gouveia

Alexandre Cozer

Carolina Marchesin Moisés

Douglas Figueira Scirea

Felipe Barradas Correia Castro Bastos

Gabriel Elysio Maia Braga

Josip Horus Giunta Osipi

Karin Barbosa Joaquim

Lauriane dos Santos Rosa

Luccas Abraão de Paiva Vidal

Maria Victoria Ribeiro Ruy

Mariana Fujikawa

Maurício Mihockiy Fernandez Martinez

Mayara Ferneda Mottin

Michel Ehrlich

Shirlei Batista dos Santos

Suellen Carolyne Precinotto

Willian Funke

PET História

Departamento de História

Universidade Federal do Paraná

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ.

SISTEMA DE BIBLIOTECAS. BIBIBLIOTECA DE CIÊNCIAS HUMA-

NAS E EDUCAÇÃO

___________________________________________________________________

__________________

COLEÇÃO Didática PET História-UFPR / UFPR. Departamento de História; [or-

ganizadores: Josip Horus Giunta Osipi, Maria Victória Ribeiro Ruy, Michel Ehrli-

ch; projeto gráfico e capa: Lauriane dos Santos Rosa]. – v. 2, n. 2 ( 2015-) . – Curi-

tiba, PR: PET-História UFPR, 2015.

V. 2, n. 2, 2015

Título do exemplar: O cinema Western na sala de aula

Irregular

ISSN: 2359-3393

1. História - Estudo e ensino - Publicações seriadas. I. Universi-

dade Federal do Paraná. Departamento de História. PET. II. Osipi,

Josip Horus Giunta. III. Rosa, Lauriane dos Santos Rosa.

981.07 ___________________________________________________________________

__________________

Sirlei do Rocio Gdulla CRB-9ª/985

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Apresentação da coleção

O PET-História da Universidade Federal do Paraná foi

fundado em 1992. Durante mais de duas décadas o grupo tem

desenvolvido uma série de atividades que visam explorar o eixo

básico do Programa de Educação Tutorial do MEC/SESU: relacionar

atividades de ensino, pesquisa e extensão. Nos últimos anos, em

especial, alunos e alunas bolsistas e não bolsistas têm realizado uma

série de atividades inovadoras e buscado torná-las públicas para que

a comunidade extra acadêmica possa se beneficiar de seus resultados.

Com auxílio das ferramentas da internet, por exemplo, cada vez

mais o trabalho tem ganhado visibilidade nacional e muitas das

atividades realizadas podem ser acessadas pelo blog do grupo

http://pethistoriaufpr.wordpress.com/. Além disso, a publicação da

Revista Cadernos de Clio - agora também integralmente on line

http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/clio - tem permitido o contato de

graduandos dos cursos de História do Brasil e do exterior, por meio

da difusão e publicação de pesquisas desenvolvidas por acadêmicos.

Dentro dessa perspectiva de disponibilizar materiais

produzidos pelo grupo, no ano de 2014 decidimos criar uma Coleção

exclusiva para publicação de Material Didático produzido no âmbito

das atividades que envolvam alunos e alunas do PET-História da

UFPR. A presente Coleção visa, portanto, trazer à luz pesquisas

inovadoras realizadas por petianos e seus colegas de graduação no

âmbito da Universidade com finalidade de divulgar o potencial

desses trabalhos para o uso nas escolas. Escrita em uma linguagem

acessível, a Coleção Didática tem como objetivo central

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problematizar temas de historiografia de diferentes períodos, coletar

documentos e propor reflexões que permitam aos professores da

rede de ensino pública e privada acesso a um material inédito que

proporcione uma maior aproximação e diálogo entre academia e

escolas.

Esperamos, com essa nova Coleção, estimular a todos, petianos,

graduandos em História, professores e alunos das escolas brasileiras,

a produção crítica do conhecimento sobre o passado, bem como

explorar sua potencialidade de diálogo entre diferentes modos de

viver. O trabalho se baseia em perspectivas plurais que incluem

reflexões sobre temas que possam ajudar na construção de uma

sociedade mais democrática, colaborando assim para a formação

cidadã dos jovens brasileiros.

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Índice

Apresentação da coleção ........................................................................... 5

Cinema Western: muito além do Bang-Bang .......................................... 7

Filmes e Propostas de Discussão

No Tempo das Diligências (Stagecoach) (1939) ................................... 20

Rio Vermelho (Red River) (1948) ........................................................... 24

Flechas de Fogo (Broken Arrow) (1950) ............................................... 28

Ardida como Pimenta (Calamity Jane) (1953) ..................................... 33

Johnny Guitar (1954) ............................................................................... 38

Rastros de Ódio (The Searchers) (1956) ................................................ 43

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CINEMA WESTERN: MUITO ALÉM DO BANG-BANG

INTRODUÇÃO

O presente material didático é fruto de uma pesquisa coletiva

realizada pelo PET-História UFPR durante o ano de 2014. Além des-

te material, a pesquisa também resultou em um minicurso ministra-

do pelos petianos e aberto a comunidade em abril de 2015, uma a-

presentação de trabalho no ENAF-2015 da UFPR e uma nota de pes-

quisa na revista científica Cadernos de Clio.

O material que segue contém indicações de seis atividades di-

ferentes que podem ser desenvolvidas cada uma a partir de um fil-

me de gênero Western diferente para serem utilizados em sala de

aula, especialmente para abordar questões raciais e de gênero tanto

no momento de realização dos filmes como também e talvez princi-

palmente, na atualidade, além dos debates sobre o período histórico

em si e outras questões a critério do professor ou da professora.

Contudo, antes de passarmos aos filmes propriamente ditos,

cabe uma reflexão sobre o cinema como fonte histórica e ferramenta

em sala de aula e uma breve análise sobre o gênero Western, com

destaque especial para os recortes que realizamos em torno das figu-

ras das mulheres e dos indígenas no filme.

O CINEMA COMO FONTE HISTÓRICA E FERRAMENTA DI-

DÁTICA

O cinema já foi desprezado como fonte histórica, ocupando

papel marginal numa concepção de história que hierarquizava as

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fontes e perseguia uma única verdade. Mesmo que a escola de

Frankfurt tenha estudado o que chamaram de indústria cultural, ain-

da assim entendiam o cinema como legitimador ideológico do status

quo e alienador do público (KELLNER, 2001). Somente a partir da

década de 1960, o cinema passa a ser mais valorizado como fonte,

com destaque para o trabalho de Marc Ferro (1992). Mais recente-

mente, estudiosos passaram a atentar para a capacidade dessa indús-

tria de promover não somente dominação, mas também resistência,

acomodação e negociações. A partir desse momento, tornou-se pos-

sível utilizar o cinema como documento para propor compreensões

sobre uma época, e o filme histórico (como o Western) especificamen-

te, para entender a imagem de um passado que as pessoas dessa

época (da produção do filme) afirmavam, contestavam e negociavam

(ROSENSTONE, 2010).

Nessa nova perspectiva, o cinema também tem recebido des-

taque como ferramenta educativa, pelo fascínio que exerce sobre o

expectador, mas também em função das possibilidades de ensino

que abre. Porém, tal qual para o historiador, deve ser aclarado para

os alunos que o filme, como qualquer fonte histórica, não retrata

uma verdade absoluta. Assim, a análise do conteúdo do filme pro-

priamente dito só têm sentido quando acompanhada da análise das

intencionalidades, mensagens e subjetividades por trás da película.

Efetivamente, esse é o real objeto de uma atividade pedagógica en-

volvendo cinema. Para tal é vital conhecer especialmente o contexto

histórico de produção do filme, além de ter em mente quem é o dire-

tor, os produtores, e como esse filme impactou o público que o assis-

tiu na sua época, tomando o cinema como, simultaneamente, fruto

da sociedade que o produz e, também, uma força de influência sobre

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a mesma.

Questionando as imagens cinematográficas como cenas

do real, os filmes podem ser problematizados no cotidi-

ano escolar através da noção de representação isto é, o

cinema nem ilustra nem reproduz a realidade, mas a re-

constrói com base em uma linguagem própria, produzi-

da em determinado momento histórico. O filme históri-

co não possui nenhum comprometimento com a produ-

ção de um conhecimento sobre o passado. Ao retratar

uma temática histórica, o cinema produz um discurso

sobre o passado e é este discurso que deve ser analisado

com os alunos. (MARTINS, 2008)1

Portanto, ao utilizar o cinema, desenvolve-se nos alunos jus-

tamente a capacidade de problematizar as fontes. Assim, questões

como ‘Quem fez o filme?’ ‘Onde?’ ‘Quando?’ ‘Qual a intenção?’ tor-

nam-se centrais e enriquecem análise. A partir disso, os alunos pode-

rão não somente aprimorar seu conhecimento em termos de conteú-

do, como também desenvolver seu senso crítico ao assistir filmes em

seu cotidiano, tendo em vista a penetração do cinema na sociedade

contemporânea.

No caso desse volume da Coleção Material Didático focaremos

no Western, pois conforme já comentado, foi tema da pesquisa coleti-

va realizada em 2014 e acreditamos que seria uma oportunidade

interessante refletir sobre a relação desse gênero em específico e sua

1 Esta citação provém de um material didático elaborado pelo PET-

História/UFPR em 2008, de título “O Cinema na Sala de aula”, que aborda

com mais detalhes a questão que explanamos brevemente aqui.

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potencialidade para discussões de questões sobre raça e gênero. Vale

ressaltar que o cinema Western compõe um gênero clássico do cine-

ma norte-americano, mas por ter sido muito difundido no Brasil, é

uma ferramenta interessante para pensar, também, a circulação de

ideias e visões de mundo.

André Bazin (1991; p. 199) defende que o Western é o “cinema

americano por excelência”. As obras que versam sobre esse gênero

passam no período que precede a Guerra Civil Americana até a vi-

rada do século XX, tornando-se, portanto, uma fonte importante e

acessível para pensar os conflitos sociais desse período da história,

bem como do momento em que os filmes foram feitos. Os temas cen-

trais costumam ser o tempo da ocupação de terras; o estabelecimento

de grandes propriedades dedicadas à criação de gado; as lutas com

os índios e a sua segregação; as corridas ao ouro na Califórnia; a de-

manda das terras prometidas e a guerra no Texas. O Western surge

do encontro de uma mitologia com um meio de expressão: a Saga do

Oeste, que já existia na literatura e no folclore, com o cinema. Passa-

mos a analisar, mesmo que de maneira resumida, seu histórico.

UM BREVE HISTÓRICO

A origem do cinema Western praticamente se mistura com a

do próprio cinema, com o primeiro Western remontando a 1903. O

auge do gênero, foi atingido no período 1937-1940, devido muito a

“tomada de consciência nacional que preludiava a guerra” (BAZIN,

1991, p. 209). Esse Western, que Bazin denomina de clássico, segue as

características fundamentais que tornaram o gênero notório: o herói

forte, branco, masculino, perfeito, que compreende o mundo hostil

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em que vive (cowboy); a mulher frágil, pura, inocente e boa, ingênua,

com a função de redimir o homem, mas quase sempre como perso-

nagem subalterna; o indígena que não chega a ser um vilão, é mais

um obstáculo da natureza; o grande banqueiro ou latifundiário, este

ganancioso, representa os vícios do leste. Os personagens são sim-

ples e coerentes, encarnando na totalidade os valores a eles associa-

dos. Em relação a ideais transparece a ideia de progresso, como o

homem branco civilizando o oeste, a família nuclear e de pequena

propriedade liderada pelo “self-made men” como o modelo a ser

seguido (DURGNAT e SIMMON, 1998). Stagecoch, de John Ford

(1939) é talvez o exemplo máximo desse momento. Nele, notam-se

os principais personagens clássicos: o cowboy (John Wayne), cassado

pela justiça mas necessário na proteção contra ladrões e índios, e que

deseja vingar a morte do irmão, o banqueiro arrogante, a mulher

com compaixão pelo sofrimento, personagens que dão um toque de

humor (o médico bêbado e o cocheiro).

Após a Segunda Guerra Mundial o gênero é retomado, po-

rém com questionamentos. Mesmo os EUA saindo vitoriosos da

guerra, os soldados mortos e o relato dos que voltaram fizeram com

que o trauma do conflito atravessasse o Atlântico. Os questionamen-

tos e críticas à sociedade moderna que os efeitos da guerra e dos

regimes totalitários provocaram na intelectualidade geram também

uma reflexão nas artes de um modo geral. Assim, muitos diretores

se deparam com a obrigação de não fazer mais um Western na pers-

pectiva apontada, mas de inserir nele maior profundidade e senso

crítico.

Surge assim o que Bazin chama de MetaWestern. Nesses fil-

mes, o Western é de certa forma usado como um molde no qual se

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inserem críticas e questionamentos sociais. Assim, o indígena e a

mulher passam a assumir novos papéis, a figura do cowboy é pro-

blematizada. Surge a necessidade de explicar por que o cowboy é

solitário, e, portanto, ele perde a perfeição (WORSHOW, 1998), o

amor verdadeiro aparece, bem como o erotismo e até críticas ao

Mcartismo. Com a década de 1950 os personagens ganham maior

profundidade psicológica. É importante destacar que essas mudan-

ças não ocorreram de forma brusca, nem linear. Um filme que ques-

tiona um elemento do Western não necessariamente altera os demais.

Além disso, o Western clássico permaneceu, especialmente nas cha-

madas produções B, filmes de menor orçamento com fim exclusiva-

mente comercial.

Visando analisar os filmes em termos acadêmicos e também

como meio de direcionar seu aproveitamento em sala de aula, opta-

mos por nos aprofundar em três personagens típicos do Western que

representam características recorrentes no gênero e que permitem

problematizar especialmente as questões já apontadas, de gênero e

raça: o cowboy, as mulheres e os indígenas.

O COWBOY

As tramas de Western desenvolviam-se, primariamente, em

torno da figura do cowboy, conforme mencionamos. Ainda que no

decorrer das décadas tenha sido modificado em seu visual, atitude e

ideologia, tais alterações foram sendo feitas numa tentativa de ade-

quar a imagem do personagem ao cenário histórico mundial da épo-

ca e aos ideais norte-americanos de comportamento, indicando que o

Western é muito mais um retrato da época em que foi produzido do

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que da época que ele pretendia retratar.

Num primeiro momento, o Western clássico, que teve seu au-

ge logo antes da Segunda Guerra Mundial, retratou o cowboy como

um herói portador de excelentes qualidades morais. O cowboy clássi-

co é um homem que deixou o conforto de seu lar para desbravar

novas terras, defender seus iguais e propagar a civilização e o pro-

gresso. Apesar de durão, o cowboy tem bom coração e sempre se vale

de seu código de honra para pautar suas decisões. As diferenças en-

tre o bom e o mau, o certo e o errado são bem claras, sendo o cowboy

obviamente um advogado do bem. Isso, por sua vez, é o que legiti-

ma o uso da violência, tão característica do Western clássico, pois,

como define Bazin (1991, p. 205) “Para ser eficaz, a justiça deve ser

aplicada por homens tão fortes e temerários quanto os criminosos”.

No contexto pós-guerra, seu comportamento passa a ser pro-

blematizado. O cowboy torna-se um sujeito que começa a dividir seu

protagonismo com outras personagens que se tornam mais humani-

zadas (como mulheres e indígenas, por exemplo). Dicotomias dei-

xam de ser claras e o cowboy começa a ser um sujeito portador de um

caráter psicológico mais complexo, por vezes posicionando-se contra

a “civilização” tradicional; deixa de ser o advogado de uma causa

externa, para lutar pelo que somente ele, apesar de seus defeitos,

sabe ser o certo. O cowboy torna-se muito mais um pacificador do

que um desbravador e não raramente começa sua jornada assim co-

mo termina: sozinho, porém fiel aos seus valores.

A MULHER NO WESTERN

A mulher no Western costuma ser reduzida a alguns estereó-

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tipos limitados, que desempenham papéis coadjuvantes ao do pro-

tagonista homem. Porém a mulher no Western tem um papel contra-

ditório - ao mesmo tempo em que ela é uma personagem periférica,

que por si mesma não tem importância, por outro lado, “um Western

sem uma mulher simplesmente não funcionaria” (Anthony Mann

apud COOK, 1998, p. 293). Frequentemente a mulher representa o

leste, a civilização, e o homem o oeste indomado. É após conhecer a

mulher e casar-se que o homem deixa a vida nômade, se estabelece e

passa a construir uma nova sociedade.

André Bazin (1991) afirma que a divisão entre bons e maus só

existe para os homens. As mulheres, em qualquer lugar da escala

social, são sempre dignas de amor ou pelo menos estima ou piedade.

A sua bondade ou inocência não são resultado de uma escolha, mas

características inerentes à sua natureza. A degradação da mulher

seria resultado da falha dos homens: a frequente personagem da

prostituta (por exemplo, em Stagecoach – 1939) é apresentada como

uma vítima das circunstâncias e, após se apaixonar pelo cowboy, se

redime de todos os seus pecados e assume o papel de força civiliza-

dora, como todas as outras mulheres. Bazin justifica esse mito da

mulher através da sociologia primitiva e do ambiente inóspito do

Western: o respeito à mulher é necessário porque ela contém em si

não apenas o futuro físico, mas os fundamentos morais da ordem

familiar.

Após os anos 1950, alguns filmes Western começam a questi-

onar os estereótipos das personagens femininas, assim como dos

outros personagens. Essas distorções não são radicais – Pam Cook

(1998) sugere que o declínio do gênero Western se deu, em parte,

graças a sua resistência com o impacto das mudanças sociais.

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IMAGENS DOS INDÍGENAS

Durgnat e Simmon (1998) afirmam que o indígena do Western

primitivo (ainda no cinema mudo), mesmo que retratado de forma

totalmente estereotipada, ainda era o “bom selvagem”. É a partir de

fins da década de 1920 que a situação muda. Com a crise de 1929 e

com a ato anti-imigração Johnson-Reed de 1924, o populismo norte-

americano alimenta o medo de que grupos étnicos de fora do WASP2

tomassem o poder.

O índio do Western clássico sequer pode ser classificado co-

mo um autêntico vilão. Este normalmente tem um plano ardiloso ou

faz parte de uma conspiração maior. O índio do Western, ao contrá-

rio, é apresentado como uma força hostil da natureza que obstrui o

fluxo natural do progresso, como se fosse um animal selvagem. No

Western clássico ele raramente fala, tem sentimentos ou racionalida-

de, além de ser apresentado como um todo homogêneo. Em Stage-

coach (1939) não é apontado nenhum motivo para o ataque dos ín-

dios à diligência, o fazem porque é de sua natureza. Também não

sentem compaixão nem pelos seus companheiros, prosseguindo

quando outros índios são atingidos, enquanto os brancos cuidam de

seus feridos.

Após a Segunda Guerra Mundial essa imagem começa, tam-

bém, lentamente, a mudar. Flechas de Fogo (1950) é um dos primei-

ros filmes a apresentar o índio de forma positiva. O líder Cochise é

apresentado como um pragmático homem de palavra. Além disso os

indígenas aparecem como seres plurais, discutindo e discordando

2 Sigla para White, Anglo-Saxan, Protestant, (Branco, Anglo-Saxão, Pro-testante).

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entre si. Outra comparação é relativa aos matrimônios. Tanto em

Stagecoach como em Flechas de Fogo há um homem branco casado

com uma índia. No primeiro, no entanto, é um personagem secun-

dário que levou sua mulher para onde mora e praticamente não se

comunica com ela, que é tratada como um produto exótico. Ao final,

ela ainda foge e rouba um cavalo. Em Flechas de Fogo o cowboy se

casa com uma índia, mas aceita os costume locais de casamento e vai

viver com ela entre seu povo.

CONCLUSÃO

Ao final da pesquisa, pudemos concluir que o cinema Western

é muito mais multifacetado do que uma primeira impressão poderia

dar a entender. Ao longo do tempo, o gênero passou por transfor-

mações que refletem, mas também influenciam as mudanças na soci-

edade a sua volta. O cinema como mídia de amplo alcance e partici-

pante na circulação de ideias e identidades, nos permite observar e

discutir as transformações sociais e a diversidade de sujeitos envol-

vidos nessas produções através de seus impactos culturais. O Wes-

tern, especialmente por ser um dos gêneros filmográficos mais ricos

e fenômeno essencial para a identidade norte-americana, pode ser

uma ferramenta para ensino de História que foge das fontes e méto-

dos tradicionais e possibilita uma visão mais plural do passado.

Em termos de utilização em sala de aula, acreditamos que o

cinema Western pode ser muito útil para reflexões que permeiam

nossa sociedade, justamente pelo fato do Western ser um gênero que

procurava os grandes públicos e refletia muito dos comportamentos

e ideais médios de seus expectadores, que abrangia muito mais do

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que a sociedade americana, tendo sucesso no mundo inteiro. As par-

ticularidades do Western permitem que, em especial questões raciais

(e especificamente indígenas) e de gênero possam ser trabalhadas,

visto que a imagem dos indígenas e das mulheres são objetos em

disputa no cinema e seu retrato muitas vezes bastante problemático,

pode justamente por isso, ser muito aproveitado para o debate em

sala de aula, visando questionar não somente seus retratos no filme,

mas como estes ainda são atuais, visando, junto aos alunos, uma

transformação do meio a sua volta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAZIN, Andre. O Cinema: Ensaios. Editora Brasiliense.São Paulo:

1991

COOK, Pam. Women and the Western. In: KITSES, Jim; RICKMAN,

Gregg. (Orgs). The Western Reader. Limelight Editors. New York:

1998

DURGNAT , Raymond; SIMMON, Scott. Six Creeds than won the

Western. In: KITSES, Jim; RICKMAN, Gregg. (Orgs). The Western

Reader. Limelight Editors. New York: 1998

FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

KELLNER, Douglas. A Cultura da mídia – estudos culturais: iden-

tidade e política entre o moderno e o pós-moderno. Bauru: EDUSC,

2001

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MARTINS, Ana Paula Vosne (coord.). O Cinema na sala de aula:

uma abordagem didática. Curitiba: UFPR, PET-História, 2008.

ROSENSTONE, Robert. A História nos filmes, os filmes na história.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.

WORSHOW, Robert. Movie Chronicle: The Westerner. In: KITSES,

Jim; RICKMAN, Gregg. (Orgs). The Western Reader. Limelight Edi-

tors. New York: 1998

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FILMES E PROPOSTAS DE DISCUSSÃO

No Tempo das Diligências (Stagecoach) (1939)

Stagecoach é um excelente exemplar de Western Clássico. O

filme conta a história de diversas pessoas que, por diferentes moti-

vos, precisam viajar para o oeste e acabam vivendo uma aventura

juntas. Cada um dos personagens da trama é um bom representante

dos vários estereótipos dos filmes de Western e demonstram, clara-

mente, as ideologias do gênero na época em que foi produzido. Diri-

gido pelo lendário John Ford, Stagecoach tem como vaqueiro princi-

pal da trama o famoso ator de Western John Wayne, e foi premiado

na época com dois Oscars. Foi também o filme que tornou o ator

John Wayne famoso.

A trama começa com uma pequena diligência que chega a

uma vila distante no estado de Arizona. Lá ela faz uma parada para

reabastecer-se e algumas pessoas decidem unir-se à ela em viagem.

Um banqueiro, capitalista e idealista do Estado mínimo, junta-se à

diligência para cuidar de negócios seus no oeste. Outro personagem

que se junta é o médico, que apesar de competente, está sempre bê-

bado e é expulso da vila. Uma prostituta é igualmente destratada

pelas damas da alta sociedade daquela vila, e decide procurar outro

No Tempo das Diligências (Stagecoach)

Direção: John Ford

País: EUA

Duração: 96 minutos

Produção: United Artists

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lugar para viver e, por isso, se junta à diligência. Também um ven-

dedor de uísque pretende viajar; este porta vestes finas e tem atitu-

des consideradas afeminadas e frouxas por outros personagens. A

tudo isso, junta-se uma dama, que pretende encontrar seu marido,

general do exército que está em luta contra os índios Apaches. É no-

tável, já dentro da diligência, a discrepância gritante entre o modo

delicado e cavalheiresco com o qual a dama é tratada, enquanto que

a prostituta é desprezada ou simplesmente ignorada.

Logo que a diligência parte em viagem, ela é parada na rota

por Ringo Kid, procurado pela polícia, mas que convence o cocheiro

da diligência que ele não fará nenhuma mal a ninguém e que só de-

seja chegar até o destino deles, pois tem contas pessoais para acertar

com alguns homens.

A diligência chega a um posto de reabastecimento, onde de-

veria estar o marido da dama. Entretanto, a dama fica sabendo que

seu marido teve de ir para o fronte de batalha e que o exército não

poderia acompanhá-los em sua viagem. Mesmo diante do perigo, o

vendedor de uísque é o único que sente vontade de voltar; ainda

assim, ele segue em frente com o resto da diligência. Ringo Kid é o

único que trata a prostituta com dignidade, que por sua vez não diz

que é prostituta, mas que deseja ir procurar moradia e trabalho no

oeste.

Continuada a viagem, mesmo diante do perigo eminente de

um ataque de Apaches, a diligência opta por uma rota de neve, pois,

segundo o cocheiro, os Apaches não gostam do frio. Os índios são

tratados como inimigos naturais do homem americano.

Chegando a um segundo posto de abastecimento, a dama

recebe notícia de que seu marido não se encontrava lá, mas que esta-

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va gravemente ferido. Ela desmaia, e o médico, mesmo bêbado, re-

solve ajudá-la. Todos então descobrem que ela estava grávida, e o

bebê nasce. A dama, entretanto, pouca atenção dá ao seu bebê, que é

cuidado pela prostituta. Enquanto isso, a esposa do mexicano que

cuidava do posto de abastecimento, que era também Apache, rouba

os cavalos da diligência, que por sua vez precisa usar outros cavalos.

Após uma nova discussão sobre se deveriam continuar ou

não a viagem, todos parecem ser inamovíveis em seus objetivos,

razão pela qual eles dão continuidade a viagem. A rota se torna mais

perigosa e hostil. Durante uma das conversas dos passageiros, o

vendedor de uísque recebe uma flechada, e a diligência se dá conta

de que está prestes a ser atacada por um bando de índios Apache.

Dá-se início a uma guerra. Os índios, à cavalo, vão atrás da

diligência como animais irracionais, gritando e atirando. Entretanto,

a diligência sobrevive, pois tinha munição e seus passageiros eram

muito bons de mira: cada tiro que davam derrubava um índio de seu

cavalo. Mesmo assim, os índios são muitos, e a munição acaba; po-

rém, a diligência é vista pelo exército americano, que por sua vez vai

ao resgate da diligência e neutraliza a tropa indígena.

Chegando a diligência ao seu destino, cada um de seus pas-

sageiros toma seu rumo, exceto por Ringo, que ainda não resolvera

seus problemas pessoais com outros três vaqueiros daquela cidade.

Não se sabe qual era o problema entre eles, mas fica claro que os três

vaqueiros pretender matar Ringo. Os passageiros da diligência ten-

tam impedi-los, porém, eles insistem em vingar-se, mas acabam sen-

do mortos por Ringo. Ringo entrega-se então à polícia, que, ao ver

sua honestidade e palavra, decidem deixá-lo escapar, acompanhado

da prostituta, que se apaixonara por ele.

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Questões que podem ser debatidas com os alunos:

Cada personagem da trama é representante de um tipo social

que o cinema pretende retratar naquela época. Que

mensagem cada um deles passa para o expectador?

Quem são os personagens “honrados” da trama? E os “de-

sonrados”? Porque você acha que eles são tratados assim?

Qual é a ideologia defendida pelo banqueiro e qual a reação

dos outros passageiros á suas ideias? Qual a relevância desse

debate, tendo em vista o contexto histórico em que o filme foi

produzido?

O filme mostra uma clara dicotomia entre selvageria e civili-

zação. Mexicanos e índios, principalmente, são tratados com

desprezo e têm sua capacidade intelectual reduzida o tempo

todo durante o filme. Que tipo de discurso implícito é esse?

Como é que esse mesmo discurso é reproduzido em nossa

sociedade hoje em dia?

O ser humano é considerado por si mesmo como racional e

capaz de dialogar. Por que então os índios são retratados co-

mo inimigos naturais do homem branco? Em nossa sociedade

hoje, existem grupos inimigos que estão em constante confli-

to, sem que haja um diálogo?

Perceba o modo como a dama trata a prostituta, que é a

mesma prostituta que cuida do filho da dama. Perceba tam-

bém a diferença de tratamento que a prostituta recebe de to-

dos os passageiros e de Ringo. Que mensagem o filme pre-

tende passar para o expectador com essa contraposição?

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Rio Vermelho (Red River) (1948)

O filme Rio Vermelho, dirigido por Howard Hawkes e Ar-

thur Rosson, é um belo exemplo de Western Clássico, que conta em

seu roteiro com o lendário ator John Wayne. A trama se dá a partir

de dois personagens, Thomas Dunson (John Wayne) e o jovem Matt

Garth (Montgomery Cliff). Apesar de poder ser considerado um

Western Clássico, o filme choca por causa das ações ambíguas de

seus personagens.

Dunson é um ambicioso vaqueiro, que decide não mais ir à

Califórnia, então destino da diligência da qual ele fazia parte, mas

sim de buscar uma terra para começar sua fazenda de criação de

gado. Sua mulher, a única que ele amou em toda a vida, suplica para

que ele não vá, mas Dunson não é flexível e tampouco deixa que ela

o acompanhe. Logo após a partida de Dunson, que se despede a-

companhado de um amigo e seu único boi, ele se dá conta de que a

diligência que dirigia-se à Califórnia é atacada por indígenas, e sua

mulher é morta. Entretanto, Dunson se depara com um jovem rapaz

sobrevivente ao ataque, Matt Garth, que conseguira escapar com sua

única vaca. Após uma primeira interação um tanto hostil, Matt re-

Rio Vermelho (Red River)

Direção: Howard Hawkes e Arthur Rosson

País: EUA

Duração: 133 minutos

Produção: United Artists

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solve juntar-se à Dunson, e eles partem em busca de uma terra para

a fazenda de gado que desejam criar.

Depois de três semanas de viagem, Dunson e Garth estabele-

cem-se na borda norte do estado do Texas. Entretanto, aquela terra já

fora concedida a um senhor espanhol desde a época em que aquela

região fazia parte do México, razão pela qual Dunson começa muito

cedo uma briga por propriedade.

Quatorze anos depois, a fazenda de Dunson tinha prospera-

do muito e contava com quase dez mil cabeças de gado. Muitos fo-

ram mortos por questões fundiárias e políticas por causa daquela

fazenda. Dunson sente que é chegada a hora de levar seu gado para

vender, entretanto, depara-se com a má notícia de que o gado naque-

la região valia muito pouco, razão pela qual ele decidiu levar seu

gado até o Missouri, região onde melhor se pagaria pelo gado. No

entanto, tratava-se de uma viagem extremamente longa e perigosa,

que precisaria contar com a bravura de muitos homens.

Enquanto Dunson decide marcar seu gado, Matt avisa-o que

entre o gado de Dunson existe gado de outros proprietários. Dunson

se recusa a devolver o gado, mas promete dar um bom retorno aos

outros proprietários caso o gado seja vendido. Em uma dessas nego-

ciações, o jovem Cherry Valance (John Ireland), que trabalhava para

um desses outros senhores, pede para juntar-se à caravana que irá

para o Missouri. Nesta ocasião, os três melhores atiradores da região,

Dunson, Matt e Valance se reúnem numa mesma diligência.

Quando a viagem começa, logo aparecem os desafios. O mai-

or destes, contudo, era a tirania de Dunson, que se revelou um se-

nhor inflexível e pouco preocupado com o bem-estar dos homens

que haviam assinado um contrato para levar o gado até o Missouri.

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Dunson ouvira rumores de que em uma cidade mais próxima havia

uma trilha de trem que poderia levar seu gado para Missouri mais

rapidamente, mas ele simplesmente ignorou isso e preferiu passar

pela rota tradicional, que cruzava uma região indígena perigosa.

Várias são as brigas entre Dunson e os homens que trabalham para

ele, o que resultou na morte desses homens. O último exagero de

Dunson foi querer enforcar um homem que, por estar cansado de-

mais, deixara a boiada se perder. Nesse momento, Matt e Valance se

voltam contra Dunson e roubam seu gado para continuar a jornada,

só que dessa vez à cidade que possuía a linha de trem. Dunson jura

Matt de morte, e vai para a cidade mais próxima contratar homens e

comprar armas para reaver seu gado.

Agora em nova rota, Matt e Valance encontram uma diligên-

cia de mercadores e dançarinas, que estava sendo atacada por indí-

genas. Eles salvam a diligência e, depois, festejam. Nesta ocasião,

Matt conhece uma garota e ambos se apaixonam. A garota sente

vontade de acompanhá-lo, mas não o faz, uma vez que seria muito

perigoso, pois Dunson em breve chegaria armado para vingar-se.

A caravana segue em frente e chega até a cidade de Abilene,

que contava com uma recém-construída estrada de ferro. Lá, um

comerciante demonstra interesse pelo gado, e faz uma oferta muito

maior do que os rapazes imaginavam pelo gado. Contudo, as coisas

iam mal, pois sabiam que logo Dunson chegaria: Dunson chega en-

fim à cidade, e vai atrás de Matt. Eles se encontram, mas Matt se

recusa a brigar com ele, e Dunson começa a socá-lo. Apesar da raiva

de Dunson, a briga não resulta em morte, mas ele e Matt acabam se

reconciliando, e a trama tem um final feliz para seus protagonistas.

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Questões que podem ser debatidas com os alunos:

Perceba o modo hostil como os personagens interagem uns

com os outros quando se conhecem. Porque você acha que o

diálogo é tão raso e com frequência os embates são resolvidos

com violência? Que mensagem isso transmite sobre o vaquei-

ro e sobre o Oeste? Que paralelos podem ser feitos com o

Brasil atual?

Como a ausência de representantes da lei influenciava as a-

ções dos personagens?

Dunson tinha uma personalidade tirânica e sentia-se no direi-

to de matar e castigar todos os que o desagradavam; de fato,

quando Dunson matava alguém, ele o enterrava e rezava por

ele. O que fazia Dunson sentir-se legitimado em suas ações?

Que órgãos e/ou instituições poderiam evitar tais abusos? O

que você acha das atitudes dele? O que o filme ensina sobre a

ética da época da expansão para o Oeste?

Dunson não era somente o patrão dos vaqueiros, mas tam-

bém o juiz e a lei deles. Entretanto, depois de múltiplos abu-

sos seus, os vaqueiros restantes decidem se voltar contra seu

chefe por considerarem injustas suas ações. Que paralelos

podemos traçar com situações semelhantes atuais, em que

populações se voltam contra os abusos e injustiças dos repre-

sentantes da lei?

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Flechas de Fogo (Broken Arrow) (1950)

Flechas de Fogo é um filme norte-americano baseado em fa-

tos reais, ainda que livremente romanceados, lançado em 1950. É

importante localizar o filme no ambiente de transformações nas artes

do pós-guerra. Portanto, é uma obra que foge bastante dos padrões

comuns do Western.

Na década de 1870, a expansão para o Oeste dos Estados U-

nidos, intensificada após o fim da guerra civil norte-americana,

Guerra de Secessão (1861-1865), gerava confrontos entre a população

majoritariamente branca vinda do Leste e a população indígena na-

tiva. Flechas de Fogo retrata esse conflito no estado do Arizona, pal-

co de tensão entre brancos, nesta região em especial em busca de

metais, principalmente cobre e prata, e indígenas apaches, coman-

dados pelo famoso e temido líder Cochise, personagem que efetiva-

mente existiu.

O personagem principal do filme, e que também foi um per-

sonagem real, é Tom Jeffords (James Stewart). Este pode ser descrito

como um cowboy pacifista. Logo no início do filme ele salva a vida de

um jovem apache ferido. Ao ser descoberto pelos companheiros des-

se indígena, tem também sua vida poupada em retribuição. A partir

Flechas de Fogo (Broken Arrow)

Direção: Delmer Davis

País: EUA

Duração: 93 minutos

Produção: 20th centry Fox

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desse primeiro episódio humanizando ambas as partes do conflito,

Jeffords decide que irá estabelecer a paz entre apaches e brancos,

porém, não pela via da subjugação militar, mas pela negociação, o

diálogo e um acordo que seja aceitável para ambos. Por isso, Jeffords

decide, ao contrário de todos os brancos até então, procurar Cochise

(Jeff Chandler) pessoalmente e, em paz, propor o início de uma ne-

gociação.

Nasce, a partir disso, uma improvável relação de respeito – e

até de amizade – entre Jeffords e Cochise. A trama passa a se desen-

rolar em torno do trabalho de Jeffords de convencer os demais bran-

cos de que um acordo é possível e que os Apaches são confiáveis,

enquanto Cochise procura fazer o mesmo entre seu povo, de modo a

garantirem que um acordo seja cumprido. Nesse processo, o filme

inclusive retrata os indígenas como mais cumpridores de sua pala-

vra que os brancos.

Jeffords e Cochise enfrentam diversas dificuldades para con-

vencer seus pares, mas acabam conseguindo firmar um histórico

acordo entre brancos e Apaches, contando com a participação do

general Oliver Howard (Basil Ruysdael), conhecido como o general

cristão, e outro personagem real.

Paralelo a isso, Jeffords e uma jovem do grupo de Chochise,

Sonseeahray (Debra Paget) se apaixonam. O aspecto mais interessan-

te desse romance – e que definitivamente o diferencia dos Western

clássicos - é que, demonstrando respeito pela cultura apache, Jef-

fords, ao pedi-la em casamento, segue o costume local, é aceito e vai

viver com sua esposa entre os indígenas. Ao final, seguindo a estéti-

ca comum da época, Sonseeahray morre assassinada por um grupo

de brancos que pretendiam sabotar o acordo de paz, de modo que

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Jeffords – assim como muitos cowboys do Western pós-guerra – ter-

mina o filme da mesma maneira que iniciou, cavalgando solitário,

mas fiel a seus princípios e ciente de que cumpriu ao máximo sua

missão pacificadora.

Flechas de Fogo se enquadra nos Westerns mais profundos,

críticos e reflexivos que surgiram após a Segunda Guerra Mundial.

Particularmente, é um dos primeiros filmes do gênero a retratar os

indígenas de forma positiva, recebendo por isso o Globo de Ouro de

Melhor filme promovendo o entendimento universal, além de três indica-

ções ao Oscar, incluindo melhor roteiro e melhor ator coadjuvante

para Jeff Chandler pela sua atuação como Cochise.

O filme já se inicia de forma não convencional. O cowboy apa-

rece cavalgando solitário e apresenta o contexto: “Esta é a história de

uma terra, do povo que vivia nela no ano de 1870, e de um homem

cujo nome era Cochise. Ele era um índio – o líder da tribo chiricahua

apache. Eu participei da história e o que vou contar aconteceu exa-

tamente como vocês vão ver – a única mudança é que, quando os

apaches falarem, vão falar na nossa língua.” Já nessa frase inicial

rompe-se com o Western clássico. A trama não será sobre a luta entre

bem e mal, civilizados contra selvagens, mas, pelo contrário, será

sobre o povo indígena e seu líder. Apesar de não ser o personagem

principal, é Cochise, mais até do que Jeffords, que é retratado como

um herói. Outro detalhe é que, o filme atenta para o fato dos índios

terem um idioma próprio (ainda que não seja utilizado no filme), o

que é revolucionário diante de filmes nos quais os indígenas sequer

falas tinham, somente grunhidos bestiais.

Apesar do retrato da violência, como fruto essencialmente da

falta de confiança mútua entre indígenas e brancos, poder ser enten-

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dido como um tanto ingênua e minimizadora da correlação assimé-

trica de forças, Flechas de Fogo é bastante inovador ao apontar a

justiça das reivindicações indígenas e retratá-los como racionais e

honestos. A cena na qual os líderes indígenas se reúnem para discu-

tir se aceitarão ou não os termos do acordo proposto entre Cochise e

Jeffords é emblemática do retrato dessa racionalidade, além de, ao

contrário do Western tradicional, mostrar a diversidade de opiniões

entre os índios.

Outra cena marcante é o primeiro contato entre Jeffords e o

general Howard, quando este afirma: “Minha Bíblia não diz nada a

respeito dos pigmentos da pele das pessoas”, ao mesmo tempo criti-

cando a utilização da religião cristã como legitimadora dos massa-

cres de indígenas e afirmando a possibilidade de outras leituras dos

ensinamentos religiosos.

Por fim, é importante também destacar alguns aspectos que,

principalmente sob um olhar contemporâneo, podem ser problemá-

ticos. Cochise é uma espécie de estadista ao estilo ocidental. Portanto,

é questionável que o filme somente tenha sido capaz de retratar po-

sitivamente um indígena quando este se comporta como um ociden-

tal. Outra crítica se refere ao fato de Cochise, Sonseeahray e os de-

mais Apaches serem representados por atores brancos maquiados.

Ainda assim, Flechas de Fogo quebra muitos paradigmas de sua

época, especialmente dentro do cinema Western.

Questões que podem ser debatidas com os alunos:

Os indígenas dos filmes Western mais conhecidos são retrata-

dos da mesma forma que em Flechas de Fogo? Quais as dife-

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renças?

Por que na maioria dos filmes Western os indígenas são retra-

tados de forma tão negativa? Quais seriam possíveis causas e

possíveis consequências disso? O que será que estava mu-

dando na sociedade que o criou para que filmes como Fle-

chas de Fogo possam existir?

De que forma os povos indígenas são tratados no cinema, na

televisão e nas mídias em geral no Brasil? Se parecem mais

com os de Flechas de Fogo ou com o Western tradicional?

No Brasil também houve e há até hoje expansão de popula-

ção e de atividades econômicas para áreas habitadas por po-

vos indígenas, gerando conflitos que muitas vezes oprimem e

até matam integrantes dos povos indígenas? Conhecem essa

situação? O que fazer a respeito?

Em Flechas de Fogo, brancos e indígenas tinham percepções

muito negativas em respeito ao outro. Isso mudou quando

puderam se conhecer e dialogar. O quanto realmente conhe-

cemos dos indígenas brasileiros (ou outros grupos marginali-

zados) e quanto de nossa opinião sobre eles é baseada em

preconceitos? O que podemos fazer para conhecê-los melhor

e dialogar?

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Ardida como Pimenta (Calamity Jane) (1953)

Calamity Jane é um musical descontraído e cômico, estrelado

pela icônica Doris Day e vencedor de um Oscar de Melhor Canção

Original. O filme conta a história de Jane Calamidade, uma mulher

que viveu nos Estados Unidos na segunda metade do século XIX. De

acordo com sua lenda Jane era uma aventureira, que vestia roupas

de homem e trabalhava em funções normalmente masculinas, como

nas ocupações ao redor das estradas de ferro e pode ser que tenha

acompanhado expedições militares. Tornou-se um ícone do Velho-

Oeste americano, a calamidade em seu nome atribuída ao tempera-

mento de Jane em relação aos homens que a importunavam e ao

respeito que conquistara entre os índios Sioux, que se mantinham

afastados dela.3

A Jane Calamidade do filme se veste com roupas masculinas

e muito empoeiradas, fala grosso, e é considerada pelos colegas de

saloon como outro homem. Porém, fica intrigada e desconfortável

quando a foto de Adelaide Adams causa comoção entre eles, desme-

3 Calamity Jane. Disponível em:

<http://womenshistory.about.com/od/Westernamerica/p/calamity_jane.htm>

. Acesso em: 13 nov. 2015.

Ardida como Pimenta (Calamity Jane)

Direção: David Butler

País: EUA

Duração: 101 minutos

Produção: Warner Bros

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recendo a atriz e dizendo que “poderia ter uma aparência igual se

quisesse”. Mais de uma vez Wild Bill Hickock, amigo com quem está

sempre trocando provocações, a pergunta “por que é que ela nunca

arruma o cabelo”. Mesmo que a protagonista desafie os estereótipos

de gênero, a sua inadequação é sempre apontada e caçoada. O pró-

prio tom cômico na interpretação Jane Calamidade é, de certa forma,

uma maneira de pintar a personagem como uma aberração. Outra

problemática é que suas habilidades como pistoleira são debochadas

diversas vezes, e ela dificilmente é tratada como alguém temível - ao

contrário de, por exemplo, Wild Bill Hickock.

No musical, a história se passa em Deadwood Stage, uma

cidadezinha em conflitos constantes com os índios das proximidades.

O dono do saloon local desejava contratar uma atriz para realizar

performances em seu estabelecimento. Por engano, acaba contratan-

do um ator enquanto prometeu aos frequentadores do saloon uma

beldade. Diante da plateia inconformada, que clamava por uma atriz,

o desastrado dono do saloon promete trazer Adelaide Adams, uma

das atrizes mais famosas do momento. Jane assume a responsabili-

dade de ir até Chicago buscar a artista.

Chegando ao camarim de Adelaide Adams, Jane encontra a

camareira da atriz, Katie Brown (Allyn Ann McLerie), que sonhava

em seguir carreira artística. Valendo-se da confusão de Jane, que

confunde a empregada com a patroa, Katie mente sobre sua identi-

dade e aceita ir até Deadwood. Em seu primeiro show sua farsa é

descoberta e a plateia fica, mais uma vez, furiosa. Jane então protege

a moça, pedindo que a deixem cantar – Katie acaba fazendo muito

sucesso, conquistando os habitantes da cidade. Assim nasce uma

grande amizade entre as duas.

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Já que Katie decide ficar em Deadwood, Jane a convida para

morar em sua cabana. O estado da casa é deplorável, e com a canção

“A Woman’s Touch” Katie ajuda a amiga a arrumar a casa. É o co-

meço da feminização de Jane – entende-se que com a amiga Jane

aprende a “ser mulher”. A protagonista conta sobre sua paixão pelo

tenente Danny Gilmartin, explícita desde o começo do filme, mas em

relação a qual Jane nunca conseguia tomar uma atitude. Katie decide

ajudá-la renovando sua imagem, emprestando a ela vestidos e ou-

tros acessórios femininos. No entanto, o plano não é bem sucedido:

Gilmartin se apaixona por Katie, assim como Wild Bill.

Após um arranjo de Katie para que Wild Bill fosse o acompa-

nhante de Jane, e Gilmartin o dela mesma, os quatro seguem para

um baile. Jane naturalmente usa um vestido - Wild Bill demora a

reconhecê-la em roupas tão femininas e não consegue disfarçar o

espanto. Na mesma noite, Jane flagra um beijo entre Danny Gilmar-

tin e Katie, e volta para casa furiosa jurando nunca mais perdoar a

atriz. Mais tarde Jane desabafa com Wild Bill, contando dos seus

sonhos em formar uma família com o tenente. Os dois então apaixo-

nam-se. Na cena seguinte Doris Day canta “Secret Love”, a canção

vencedora do Oscar e um clássico da década de 1950. Ela traja rou-

pas de cowboy, porém limpas e mais bem-acabadas – uma diferença

notável com seu figurino anterior.

Katie se prepara para deixar a cidade por não suportar a ideia

de ter magoado Jane. Esta, por sua vez, uma vez que o dilema se

resolve com seu novo romance, sai cavalgando atrás da carruagem

da atriz, e a traz de volta. Ao fim, Katie casa-se com o tenente Gil-

martin e Jane com Wild Bill Hickcock.

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Entre as mulheres de filmes Western que ao início da história

estão usando calças e empunhando pistolas, é incomum que as

mesmas continuam fazendo essas mesmas coisas ao fim do filme.4

Assim como costuma acontecer com o cowboy, a cowgirl conclui a sua

trajetória com uma transformação: de fora da lei para “dentro da lei”,

de selvagem para civilizado, de deslocado ou marginal para alguém

que compõe uma família. Para essas personagens, faz parte deste

processo de adequação mudar seu guarda roupa e seu comporta-

mento para adequar-se ao que se espera de uma mulher. Com esse

padrão em mente, podemos discutir como Calamity Jane se situa

entre outros filmes Western. No decorrer da história, Jane passa por

um processo de adequação parcial. Ela sofre uma transformação

antes e depois de se apaixonar por Wild Bill, porém sem sacrificar

totalmente sua identidade original. Possivelmente Jane destoa do

padrão por causa das revisões pelas quais o Western passava em seu

tempo (como comentado nas análises dos outros filmes), e também

em respeito à lenda da Jane Calamidade, marcada na memória do

Oeste norte-americano como uma mulher vestida como homem,

empunhando armas e afugentando índios.

Questões que podem ser debatidas com os alunos:

No início do filme, por que Jane e Katie recebem tratamentos

e atenções tão diferentes por parte dos homens?

4 COOK, Pam. Women and the Western. In: KITSES, Jim; RICKMAN, Gregg.

The Western Reader. Nova York: Limelight Editions, 1998. Página 294.

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Na cena em que os personagens estão a caminho do baile, e

Jane está sentada ao lado de Wild Bill Hickock, é ela quem

segura as rédeas dos cavalos. Já na cena final, após os casa-

mentos, os dois personagens estão novamente sentados lado

a lado, mas quem guia o veículo é ele. O que você acha que

essa mudança representa no filme?

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Johnny Guitar (1954)

Johnny Guitar é um filme Western fora do comum. Pam Cook

o elegeu como possivelmente o mais próximo que um Western che-

gou de ser feminista5. A personagem principal do filme, Vienna (in-

terpretada por Joan Crawford), é uma das mulheres mais interessan-

tes do universo do faroeste e acumula características de diversos

estereótipos femininos comuns à cultura Western, sem se encaixar

perfeitamente em nenhum deles. Entretanto, Cook ressalta que o

filme não chega se envolver diretamente com questões sociais de

gênero. São a centralidade do papel e personalidade complexa de

Vienna que chamam a atenção das críticas feministas.

A maioria das personagens femininas no Western obedece a

padrões bem previsíveis, passivos e são pouco complexas. Os prin-

cipais desses estereótipos são a mãe, a virgem, a prostituta, a índia,

entre outas. O Western é em geral uma narrativa baseada na missão

masculina em busca da sua identidade, marginalizando as mulheres.

Ainda que contraditoriamente, toda narrativa Western precisa de

uma mulher em seu enredo, na maioria das vezes representando a

5 COOK, Pam. Women and the Western. In: KITSES, Jim; RICKMAN, Gregg. The Western Reader. Nova York: Limelight Editions, 1998. Página 298.

Johnny Guitar (Johnny Guitar)

Direção: Nicholas Ray

País: EUA

Duração: 110 minutos

Produção: Republic Pictures

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força civilizadora que doma o cowboy – faz com que ele deixe seu

estilo de vida errante e selvagem para casar-se, criar raízes e começar

uma família. O gênero cinematográfico passou por uma renovação

no período pós-guerra, complexificando os seus personagens princi-

pais (o cowboy, o indígena, a mulher), porém ainda mantendo seus

elementos clássicos. Para essa segunda geração de filmes Western,

Johnny Guitar é uma importante referência.

Vienna é dona de um saloon (uma espécie de casino, cenário

frequente na cultura Western, local de convivência social predomi-

nantemente masculino) em uma cidadezinha do Arizona. Ela apoia a

construção de uma estrada de ferro próxima à cidade, enquanto boa

parte dos habitantes locais deseja o contrário. Há também a gangue

de Dancin’ Kid, também indesejada e acusada de assaltar uma dili-

gência, com a qual a protagonista tem alguns vínculos. Os opositores

de Vienna são sempre manipulados pelas palavras raivosas de Em-

ma Small (Mercedes McCambridge). Essa personagem é também

bastante curiosa no que diz respeito aos estereótipos femininos. Ao

mesmo tempo em que, assim como sua inimiga, ela atua em espaços

e funções tipicamente masculinos (se envolve e lidera disputas polí-

ticas, cavalga, atira) sua rivalidade com Vienna é pouco justificada,

aparentemente ligada apenas a ciúmes e inveja. A histeria no com-

portamento e nas motivações de Emma e a insistência numa rivali-

dade entre as duas únicas mulheres do filme não são vistas com

bons olhos pelas críticas feministas – é válido comentar, porém, que

a construção da antagonista é encarada como uma crítica do diretor

Nicholas Ray ao Macartismo67 que assolava os Estados Unidos no

6 Ibidem. Página 299.

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momento do lançamento do filme.

Emma e os outros locais estão decididos a forçar que Vienna

deixe a cidade. Logo na primeira cena do filme, chega ao saloon um

homem chamado Johnny Guitar (Sterling Hayden), supostamente

um músico contratado por Vienna. Mais tarde se descobre que o

forasteiro é um pistoleiro e os dois são antigos amantes cujo romance

fora interrompido – Johnny seguiu sua vida de cowboy e Vienna

construíra seu saloon. O momento dessa revelação traz à tona uma

face da personalidade da protagonista até então escondida: uma mu-

lher apaixonada, que se rende ao seu amor e por ele esperou pacien-

temente. A Vienna apresentada na primeira parte do filme é confian-

te e destemida, não demonstra qualquer tipo de fragilidade. Um de

seus empregados chega a dizer sobre a patroa: “Nunca conheci uma

mulher que fosse mais homem. Ela pensa como um, age como um. E

às vezes me faz pensar que eu não sou um”.

Os conflitos se desenrolam até que os habitantes revoltados

da cidade ordenam que Vienna, Johnny Guitar, Dancin’ Kid e sua

trupe deixem a cidade em até vinte e quatro horas. A gangue rouba

o banco para financiar sua fuga e Emma consegue culpar sua inimi-

ga pelo roubo. Vienna é encontrada serenamente tocando piano em

seu saloon deserto. Quase convence os locais da sua inocência quan-

do um dos ladrões é encontrado debaixo da mesa – Vienna então é

levada para a forca e o saloon, incendiado por Emma. No último se-

7 Macartismo ou em inglês McCarthyism foi a intensa perseguição aos comunistas

nos Estados Unidos durante a Guerra Fria. O nome advém do político republicano

Joseph McCarthy, tido como o principal responsável pelo desenvolvimento da

histeria anticomunista. Os artistas e intelectuais que desejavam criticar o Macartis-

mo precisavam fazê-lo de forma muito sutil, para que eles mesmos não sofressem

perseguição.

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gundo, é resgatada por Johnny Guitar da sentença de morte e o casal

se une ao resto da gangue no refúgio de Dancin’ Kid. Porém não

tardam a ser descobertos, e uma batalha sangrenta se inicia. Toda a

gangue é assassinada, e Vienna e Emma duelam entre si – o duelo

final é um encerramento clássico de filmes Western, porém raramen-

te se dá entre duas mulheres. Vienna vence e foge com o seu amado.

Apesar da sequência de tragédias, como a destruição do saloon, cons-

truído com muita luta, e a morte de seus amigos, a protagonista en-

cerra o filme sorrindo e abraçado com Johnny Guitar, como que a

caminho de um final feliz.

O figurino de Vienna acompanha as variações da sua perso-

nalidade, como que alternando entre os polos de uma “masculinida-

de” e uma “feminilidade”. Na primeira parte do filme, enquanto

mulher de negócios e mais tarde, em fuga e confrontando seus ini-

migos, a protagonista usa roupas tradicionalmente masculinas –

camisa e calça. É somente em momentos em que não está numa po-

sição dominante que Vienna traja vestidos. Quando se declara seu

amor para Johnny e chora nos braços de seu amado usa uma camiso-

la cor-de-rosa e, no momento em que é encurralada por Emma e seus

seguidores e levada a forca, veste um vestido branco bufante. Apesar

da insistência em uma dicotomia entre feminino e masculino, é no-

tável que Vienna não passa por um processo de “domesticação”–

alterna entre vestes masculinas e femininas ao longo do enredo, mas

sem que isso envolva uma mudança da sua identidade. As poucas

personagens mulheres “masculinizadas” do Western (cowgirls ou

pistoleiras) costumam transformar-se durante a história, tornando-se

“mulheres de verdade” ao fim de sua trajetória (que costuma incluir

um casamento), quase uma mimetização do processo de civilização

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do cowboy. Vienna, no entanto, ao fim do filme usa roupas muito

parecidas com as que usava no início – não há nada a ser corrigido

em seu caráter.

Questões que podem ser debatidas com os alunos:

Em alguns momentos os homens ao redor de Vienna apon-

tam que ela não se comporta como a maioria das mulheres. O

que você acha que se espera de uma mulher no contexto do

filme? O comportamento de Vienna também seria estranho

no seu contexto nos dias atuais? Como você acha que seria a

reação das pessoas?

Em mais de um momento os habitantes da cidade agem em

função da paranoia instaurada pelos discursos de Emma. A

personagem nunca tem provas de suas acusações contra Vi-

enna, porém fala de um jeito firme e alarmado, que desperta

o medo. Observando o seu dia a dia, você consegue encontrar

pessoas agindo por pânico, motivado por discursos parecidos

com de Emma? Se sim, no filme o medo quase fez com que

pessoas inocentes fossem punidas – os exemplos do seu dia a

dia também podem resultar em punições injustas?

Podemos dizer que Vienna e Emma são os dois personagens

mais importantes do filme – são elas as responsáveis por to-

mar as atitudes que guiam o enredo, na maior parte das ve-

zes. O duelo final, por exemplo, é entre as duas. Entre os fil-

mes que você assiste, os papéis principais costumam ser fe-

mininos? Entre os últimos filmes que você assistiu, ou entre

seus filmes favoritos, quantos deles tem protagonistas mu-

lheres?

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Rastros de Ódio (The Searchers) (1956)

Rastros de Ódio é considerado um dos grandes clássicos do

cinema Western norte-americano e da história do cinema como um

todo. É um filme daquela que talvez seja a dupla de diretor-ator

mais conhecida do Western e uma das mais famosas do cinema: John

Ford e John Wayne.

Lançado em 1956, apresenta elementos do Western mais psi-

cológico dos anos 1950, mas também características do Western clás-

sico do período pré Segunda Guerra Mundial. A maior diferença

entre esse filme e os do período clássico (por exemplo Stagecoach, de

1939, dos mesmos Ford e Wayne) está na profundidade da figura do

cowboy, que se antes era um ser perfeito, é agora um personagem

complexo, imperfeito e que, não é redimido no final do filme (ainda

que herói, termina solitário e não se estabelecendo, geralmente atra-

vés do casamento, como nos Western clássicos). Por outro lado, as

personagens femininas seguem ainda o padrão clássico do Western.

Em relação aos indígenas, não há um consenso, como será discutido

mais adiante.

A trama gira em torno da figura do ex-oficial do exército con-

federado Ethan Edwards (John Wayne), que após a derrota na guer-

ra civil americana (1861-1865) e três anos obscuros, retorna a casa de

Rastros de Ódio (The Searchers)

Direção: John Ford

País: EUA

Duração: 119 minutos

Produção: Warner Bros Pictures

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seu irmão Aaron no interior do Texas. Porém, pouco após seu retor-

no, o rancho é atacado por um grupo de índios Comanches, que ma-

tam Aaaron, sua esposa Martha e raptam as duas filhas, Lucy e Deb-

bie (esta ainda criança). Com a ajuda de Martin Pawley (Jeffrey Hun-

ter), mestiço de índio cherokee e branco, filho adotivo de seu irmão

(relação de parentesco a qual Ethan não reconhece), Ethan sai em

busca de suas sobrinhas. Após encontrar Lucy morta depois de pou-

co tempo, os dois continuam em uma busca implacável por anos

atrás de Debbie.

Ethan demonstra um ódio profundo pelos indígenas (dire-

cionado por vezes inclusive a Martin, com quem tem uma relação

ambígua). Por outro lado, demonstra conhecer muito bem seus cos-

tumes, táticas e inclusive o idioma. A complexidade desse cowboy

leva a divergências sobre se o filme reforça o racismo através de seu

herói ou se é uma crítica, visto o grau de ódio e a infelicidade que

isso traz ao cowboy, permitindo afirmar que talvez o verdadeiro herói

do filme seja o mestiço Martin. De uma maneira ou de outra, é um

filme que permite discutir as formas de racismo infelizmente ainda

comuns nos EUA (e suas diferenças, de formato, não de gravidade,

em relação ao racismo no Brasil).

Com o tempo não fica mais claro qual o propósito da perse-

guição empreendida por Ethan. Caso encontrem Debbie viva, o que

farão com ela? Martin, que a vê como irmã, pretende trazê-la de vol-

ta ao “mundo branco” (mesmo ela tendo sido criada entre os indíge-

nas). Já Ethan começa a demonstrar o desejo de matá-la para evitar

que esta gere descendentes indígenas (já que descobrem que Debbie

- agora uma jovem representada por Natalie Wood) vive com o líder

daquele grupo Comanche, Scar (Henry Brandon). A mistura racial

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parece, para Ethan, o pior dos temores, o que explica também o certo

desprezo que dirige a Martin, que mesmo criado entre brancos, tem

sangue indígena.

Ao final do filme, Debbie é resgatada e volta a viver entre os

brancos, o que acaba por aceitar de bom grado. Já Ethan retorna ao

cotidiano errante e solitário. O final do filme é novamente ambíguo

em relação ao racismo. Se por um lado, Martin cumpre o final do

cowboy clássico, casando-se com Laurie Jorgensen (Vera Miles), uma

moça branca que o esperara por todo esse tempo, em clássico estere-

ótipo da mulher do Western, ou seja, sua origem indígena não o tor-

nou menos herói, Debbie aceita retornar aos brancos e não demons-

tra que terá problemas de adaptação, reforçando a tese racista de que,

sendo branca, sempre se sentirá acolhida na cultura branca, mesmo

sendo criada entre os índios.

Rastros de Ódio permite discutir a forma como se elaboram

as relações raciais no EUA, neste caso contra indígenas, mas que se

dirige também contra os negros e outros grupos étnicos. Muitos es-

tudiosos apontam que, enquanto no Brasil prevalece um racismo “de

marca” – no qual a pessoa é identificada e marginalizada ou privile-

giada pela cor, aparência – nos EUA o racismo preponderante é “de

origem”, portanto, a pessoa é identificada, no caso do filme como

indígena – pelo fato de ter alguma ascendência daquele grupo mar-

ginalizado8. Essas duas formas diferentes de racismo, que podem

8 Para informações mais detalhadas sobre racismo “de marca” e “de ori-

gem”, ver NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito

racial de origem. Tempo Social, revista de sociologia da USP, São Paulo, v.

19, n. 1, p. 287-308, nov./nov. 2006.

(http://www.fflch.usp.br/sociologia/temposocial/site/images/stories/edicoes

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também se combinar – o fato de uma forma preponderar em um

determinado local não significa a ausência da outra - também geram

formas diferentes de expressão do mesmo, evidentemente uma for-

ma de racismo não é mais grave ou amena do que a outra, porém é

preciso considerar as diferenças entre as formas até para permitir um

combate mais efetivo.

Esse racismo “de origem” dos EUA é expresso com muita

clareza em Ethan. Mais importante até do que a vida de Debbie, é

evitar que esta gere descendentes com um homem indígena, filhos

estes que seriam inevitavelmente indígenas de acordo com o racismo

“de origem”, independente do ambiente de criação ou de sua apa-

rência. É por isso também que Martin, mesmo criado entre brancos e

de cor de pele branca, é visto com desconfiança por Ethan. A misci-

genação é extremamente perniciosa para o racista “de origem” –

especialmente se essa mistura se dá entre homens indígenas e mu-

lheres brancas, pois naquela sociedade machista e patriarcal, a mu-

lher é vista como uma espécie de propriedade do homem, enquanto

o homem branco que se relaciona com mulheres indígenas ainda

poderia formar família com uma branca. Por essa razão, o casamento

por engano de Martin com uma índia é tratado com deboche, mas

não com temor, por Ethan, ainda assim, caso houvesse filhos dessa

relação, seriam marginalizados como índios e não aceitos como

brancos, independentemente de sua aparência ou criação cultural. É

/v191/v19n1a15.pdf) e SCHWARCZ, Lilia Moritz. A questão racial brasilei-

ra vista por três professores. Revista USP, São Paulo, n. 68, p. 168-179,

dez./fev. 2006. (http://www.usp.br/revistausp/68/14-florestan-joao-

oracy.pdf)

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também em função disso que Debbie, uma vez que não teve filhos

com nenhum indígena, pode retornar facilmente aos brancos, já que,

na visão do racismo “de origem”, sua pureza racial branca a faz per-

tencer naturalmente ao “mundo branco”, mesmo que criada no

“mundo indígena”. Já Martin seguirá sofrendo preconceito.

Questões que podem ser debatidas com os alunos:

Qual a forma de racismo de Ethan? Por que ele trata tão mal

Martin e depois tão bem Debbie (após ser resgatada)? Por

que ele pretendia matar Debbie a certa altura do filme?

Quais as diferenças entre o racismo de Rastros de Ódio (diri-

gido também a outros setores da sociedade, em especial a

população negra) e as formas de racismo mais comuns no

Brasil – discutir o racismo “de origem” e “de marca”.

O que é feito e pode ser feito para que cada uma dessas for-

mas de racismo seja combatida na nossa sociedade? (citar ca-

sos de políticas públicas, ações adotadas na própria escola ou

outras que possam ser propostas a partir da discussão)