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Estudos Feministas, Florianópolis, 24(1): 406, janeiro-abril/2016 239 Cássia Daiane Macedo da Silveira Universidade Federal do Pampa, RS, Brasil Mulheres e vida pública em P Mulheres e vida pública em P Mulheres e vida pública em P Mulheres e vida pública em P Mulheres e vida pública em Por or or or orto to to to to Alegre no século XIX Alegre no século XIX Alegre no século XIX Alegre no século XIX Alegre no século XIX Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Este artigo analisa os embates vividos pelos membros da Sociedade Parthenon Literario, associação cultural fundada em Porto Alegre na segunda metade do século XIX, na tentativa de empreender a instrução das mulheres na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Entende- se que essa Sociedade foi um espaço onde se cruzaram diferentes interesses no que concerne a esse assunto, onde diferentes possibilidades e projetos de futuro entravam em conflito. Nesse jogo de forças em que se disputava modelos culturais e políticos, pode-se entrever as estratégias das partes envolvidas, mais fracas ou mais fortes, para acomodar suas ideias no seio da instituição. As fontes utilizadas são, principalmente, os textos da Revista da Sociedade, as atas do grupo e os livros de memórias escritos por seus membros. Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: história das mulheres; ensino feminino; século XIX. http://dx.doi.org/10.1590/1805-9584-2016v24n1p239 Esta obra está sob licença Creative Commons. Há, ainda, uma visão comum de que as mulheres do passado foram, de maneira absoluta, excluídas do espaço público, o espaço da cidade, da tribuna. De fato, percorrendo os arquivos, logo percebemos o caráter normativo de uma série de discursos acerca da forma mais adequada de comportamento às mulheres. O século XIX foi especialmente rico nesse tipo de produção, como observa Michelle Perrot: Esboça-se um triplo movimento no século XIX: relativo retraimento das mulheres em relação ao espaço público; constituição de um espaço privado familiar predominantemente feminino; superinvestimento do imaginário e do simbólico masculino nas represen- tações femininas. 1 Perrot, todavia, também reconhece a profunda diferença entre os discursos e as práticas que uma pesquisa mais próxima dos atores sociais pode revelar. Ela nos leva a pensar, por exemplo, numa constante mobilidade entre as fronteiras do público e do privado, não havendo estruturas fixas que mantenham os indivíduos aferrados a um ou a outro. 2 Natalie Davis, por sua vez, nos alerta para a tendência de pensarmos as mulheres do passado como se fossem muito 1 Michelle PERROT, 1992, p. 179- 180. 2 PERROT, 1998.

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Estudos Feministas, Florianópolis, 24(1): 406, janeiro-abril/2016 239

Cássia Daiane Macedo da SilveiraUniversidade Federal do Pampa, RS, Brasil

Mulheres e vida pública em PMulheres e vida pública em PMulheres e vida pública em PMulheres e vida pública em PMulheres e vida pública em PororororortototototoAlegre no século XIXAlegre no século XIXAlegre no século XIXAlegre no século XIXAlegre no século XIX

Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Este artigo analisa os embates vividos pelos membros da Sociedade Parthenon Literario,associação cultural fundada em Porto Alegre na segunda metade do século XIX, na tentativa deempreender a instrução das mulheres na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Entende-se que essa Sociedade foi um espaço onde se cruzaram diferentes interesses no que concernea esse assunto, onde diferentes possibilidades e projetos de futuro entravam em conflito. Nessejogo de forças em que se disputava modelos culturais e políticos, pode-se entrever as estratégiasdas partes envolvidas, mais fracas ou mais fortes, para acomodar suas ideias no seio dainstituição. As fontes utilizadas são, principalmente, os textos da Revista da Sociedade, as atasdo grupo e os livros de memórias escritos por seus membros.Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: história das mulheres; ensino feminino; século XIX.

http://dx.doi.org/10.1590/1805-9584-2016v24n1p239

Esta obra está sob licença CreativeCommons.

Há, ainda, uma visão comum de que as mulheres dopassado foram, de maneira absoluta, excluídas do espaçopúblico, o espaço da cidade, da tribuna. De fato,percorrendo os arquivos, logo percebemos o caráternormativo de uma série de discursos acerca da forma maisadequada de comportamento às mulheres. O século XIX foiespecialmente rico nesse tipo de produção, como observaMichelle Perrot:

Esboça-se um triplo movimento no século XIX: relativoretraimento das mulheres em relação ao espaçopúblico; constituição de um espaço privado familiarpredominantemente feminino; superinvestimento doimaginário e do simbólico masculino nas represen-tações femininas.1

Perrot, todavia, também reconhece a profundadiferença entre os discursos e as práticas que uma pesquisamais próxima dos atores sociais pode revelar. Ela nos leva apensar, por exemplo, numa constante mobilidade entre asfronteiras do público e do privado, não havendo estruturasfixas que mantenham os indivíduos aferrados a um ou aoutro.2 Natalie Davis, por sua vez, nos alerta para a tendênciade pensarmos as mulheres do passado como se fossem muito

1 Michelle PERROT, 1992, p. 179-180.

2 PERROT, 1998.

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parecidas umas com as outras. Em pesquisas mais próximasaos agentes sociais, estas supostas semelhanças se matizam,ficando evidente um quadro mais diversificado daspossibilidades de agência dos sujeitos. Numa talinvestigação, seria possível observar mais de perto como asnormas efetivamente eram manipuladas pelos indivíduos,não se constituindo, necessariamente, em entraves à suaação. Em muitos casos, inclusive, potencializavam-na. Seas normas sociais criam limites, os indivíduos constroemestratégias variadas para contorná-los.3

Neste artigo, analiso um episódio que me pareceesclarecedor dos limites e possibilidades da atuaçãofeminina na vida pública brasileira. Concebendo a culturacomo um campo de conflitos, interpreto a atuação deLuciana de Abreu (professora pública que viveu em PortoAlegre na segunda metade do século XIX) na tribuna deuma sociedade literária, ao mesmo tempo apontando asbrechas que a ela se abriam e os limites que lhe eramimpostos.

O grêmio ao qual Luciana se associou foi a SociedadeParthenon Litterario, fundada em Porto Alegre no ano de 1868,perdurando até 1885.4 Essa Sociedade buscou “civilizar” apopulação rio-grandense (e brasileira, em última instância)através de uma “pedagogia exemplar”, que via na imitaçãode modelos (vivos ou mortos) uma fonte de desenvolvimentosocial. Com este fim, fundaram uma biblioteca e um museu,promoveram aulas noturnas, organizaram peças teatrais esaraus, além de terem publicado uma revista mensal.5 Algu-mas dessas atividades estavam diretamente relacionadas àeducação das mulheres e nos indicam qual papel oParthenon lhes destinava na “marcha civilizadora”. Entretanto,não pretendo apresentar um pensamento unívoco entre todosos membros da associação. Procurarei mostrar a SociedadeParthenon Litterario como uma instituição construída dia adia por seus membros. Esses membros, contudo, não sededicavam exclusivamente a ela, tinham também seusprojetos individuais, seus interesses mais ligados a outrasesferas da vida. Os projetos do grupo se confundem com osprojetos das pessoas que passaram por ele. O ParthenonLitterario era feito, assim, de pequenos projetos, de jogos deinfluências e legitimidades, de uma série diversificada deassuntos externos a ele. Além disso, criou novas possibilidadesde atuação social a seus membros, na medida em queestabeleceu novos espaços de discussão e debate na cidadede Porto Alegre. Essas possibilidades eram viabilizadas ounão pela adequação ou inadequação de cada projetopessoal à ideia geral da instituição e aos demais projetos emdisputa em cada momento. Era o cruzamento e a conver-gência de interesses dentro do Parthenon que tornava possível

3 Natalie DAVIS, 1997.

4 Lothar HESSEL, 1976.

5 A Revista Mensal da SociedadeParthenon Litterario se compõe dequatro séries; a 1ª vai de março adezembro de 1869; a 2ª, de julhode 1872 a maio de 1876; a 3ª, deagosto de 1877 a janeiro de 1878;e a 4ª, de abril a setembro de1879. Nesse período, as tipogra-fias encarregadas de sua publica-ção variaram. Também ocorrempequenas variações no nome doperiódico. Ao longo deste artigo,me referi a ela apenas comoRevista do Parthenon Litterario, ousimplesmente como Revista. Domesmo modo, doravante a grafiadas citações da revista foi moder-nizada para fins de facilitação daleitura.

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o sucesso de certas bandeiras, e não de outras. Em nenhummomento houve total afinidade entre os membros do grupo.

Luciana de Abreu, no espaço dos saraus dessaSociedade (espaço tipicamente feminino) e apropriando-se de uma conjuntura favorável à discussão sobre aeducação feminina, envolveu-se em um episódio capazde nos fazer refletir a respeito dos meios de inserção dasmulheres na vida pública do país e dos pactos firmadoscom outros agentes sociais para que tal inserção fossepossível. Vamos a ele.

Em julho de 1869, pouco mais de um ano após afundação do Parthenon, foi publicado na revista daSociedade um parecer sobre a tese “A influência da mulhersobre a civilização”, redigido por Nicolau Vicente Pereira.Em tal parecer, o autor pregava a importância da mulher na“marcha progressiva da humanidade”, já que como mãe,influenciava seus filhos. Cobrar a inclusão da instruçãofeminina na problemática política da época era, para ele,uma necessidade – não só uma necessidade política, masuma necessidade moral: “Se os governos em suas reformaspolíticas tivessem em consideração a educação da mulher,ela, pela sedução e docilidade de que é dotada, pelosanto sacerdócio a que está destinada, seria um instrumentoativo no progresso da civilização”.6

Essa argumentação aparecia na maioria dos textosa respeito do papel da mulher na sociedade. A esposa e amãe tinham competências naturais que as tornavamespecialmente aptas para a educação. A educação, porsua vez, garantiria a boa formação dos futuros cidadãos dapátria:

A criança pertence à mulher, é um direito que anatureza sanciona e que a sociedade não devepreterir, e quem possui a criança tem o homem, amão que embalou o berço continua a dirigir avontade, implantando os germes das virtudes ou dosvícios na alma de seus filhos, as mães são artistas dosdestinos deles, as degenerações são raras, a regra éque o homem é o fruto da infância, a semente daeducação materna ou madrasta, sã ou traiçoeira.7

Mulheres bem-educadas teriam mais condições deensinar os filhos do Brasil, de incutir-lhes valores essenciaispara o crescimento do país e para a formação de homenspolíticos. Mas a Revista do Parthenon Litterario não escreviaapenas sobre as mulheres; também escrevia para asmulheres: eram elas um importante público para a literaturano século XIX.8 No texto abaixo, Iriema, pseudônimo adotadopor Apolinário Porto Alegre, um dos mais influentes sócios dogrupo, convidava as mulheres a darem acolhida aoParthenon:

6 Nicolau Vicente PEREIRA, 1869,p. 24.

7 Luís Alves Leite BELLO, 1875, p.14.

8 Marco MOREL e Mariana BARROS,2003, p. 60.

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Se as preocupações sérias desse tempo, em que amocidade envelhece aos vinte anos, e traz a ruga dameditação na fronte em vez do verde sorriso daprimavera, não vos deixarem bastante espaço paraa leitura amena, se a gravidade dos diferentes misteresnão puderem distrair, deponde sobre a mesa o livrodo Parthenon, dípticos de seus trabalhos e esforços.Tendes razão de não lê-lo. PPPPPorém logo uns dedosorém logo uns dedosorém logo uns dedosorém logo uns dedosorém logo uns dedostrêfegos e curiosos virão folheá-lo e talveztrêfegos e curiosos virão folheá-lo e talveztrêfegos e curiosos virão folheá-lo e talveztrêfegos e curiosos virão folheá-lo e talveztrêfegos e curiosos virão folheá-lo e talvezque uns lábios ainda saturados de frescuraque uns lábios ainda saturados de frescuraque uns lábios ainda saturados de frescuraque uns lábios ainda saturados de frescuraque uns lábios ainda saturados de frescurainfanti l e sem o descor do ceticismo lhesinfanti l e sem o descor do ceticismo lhesinfanti l e sem o descor do ceticismo lhesinfanti l e sem o descor do ceticismo lhesinfanti l e sem o descor do ceticismo lhesmurmure em segredo: - Bem vindo sejas!murmure em segredo: - Bem vindo sejas!murmure em segredo: - Bem vindo sejas!murmure em segredo: - Bem vindo sejas!murmure em segredo: - Bem vindo sejas! 9

Humildemente, o autor pedia passagem, entre os outrostantos interesses aparentemente considerados mais impor-tantes no mundo dos homens, mas acreditava na boa recep-ção que as mulheres dariam à revista: elas às quais nadadas preocupações masculinas do dia a dia cabia entender,elas sim podiam dar alento ao Parthenon. E continuava:

Sim, a Revista é para vós criatura sublimes, inimigasjuradas das fórmulas secas da ciência e da álgebrados princípios. O homem aclimatado às abstraçõespode viver sem ela, a discussão da imprensa diáriapode satisfazê-lo em sua avidez pelas questões que seventilam, mas vós, não. Filhas dum enlevo poético deDeus, amantes apaixonadas por instinto e por afinidadedas flores, quereis vê-las desabrochar até no estilo. [...]Quando quiserdes compreender o supremo arquitetodo mundo, não é por certo nas sábias dissertações dosdoutores da igreja, nem no argumento musculoso dafilosofia, é na aurora que desponta, na campina quefloresce e no céu que rutila, é antes nas melodiasmelancólicas de Lamartine ou Chateaubriand. Se aRevista do Parthenon puder inspirar sentimentosgenerosos e doutrina profícua às filhas do Rio Grande,seus votos serão satisfeitos, sua missão preenchida.10

As ciências e os outros saberes sérios que o século XIXproduziu não seriam as melhores fontes de informação paraas mulheres, seres considerados frágeis e delicados. Em suasangelicais doçuras, as mulheres deviam ser instruídas atravésde textos igualmente angelicais e doces – ao menos na forma.Eram os textos poéticos e literários aqueles capazes de enlevare educar as mulheres.

Na Revista do Parthenon, o público feminino apareciaao mesmo tempo como um grupo cuja instrução erafundamental para o futuro da pátria e como aquele quepoderia garantir a subsistência do próprio periódico e deuma parte das atividades promovidas pelos partenonenses.

Em fevereiro de 1873, José Antonio do Valle Caldre eFião, renomado médico rio-grandense, membro do PartidoLiberal, ex-deputado e ex-integrante do Instituto Histórico e

9 IRIEMA, 1872, p. 3, grifos meus.

10 IRIEMA, 1872, p 3.

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Geográfico da Província de São Pedro, àquelas alturasmembro do Parthenon Litterario, publicou na Revista umesboço biográfico da escritora rio-grandense Rita Barém deMello, no qual a comparava a outras escritoras locais: AmáliaFigueiroa, Maria José e Eurydice Barandas. Na Revista, cos-tumava-se publicar biografias de personalidades considera-das virtuosas e essa, assim como as outras, tinha o objetivopedagógico de levar exemplos de conduta às gerações vin-douras,11 de modo que as escritoras citadas eramconsideradas modelos a serem seguidos pelas moças e mãesde família:

Numa sociedade nascente, ou entregue aos laboresda guerra, estas rio-grandenses cantavam a natureza;e enquanto a primeira [d. Maria José] descrevia o quea maternidade tem de mais sublime e santo, a segunda[Eurydice Barandas] segredava o íntimo de sua alma,os seus amores íntimos à geração de então, e diziamque a mulher, mais delicada e sensível, e por isso maisimpressionável que o homem, pode como este ocupar-se, e com mais vantagem, do estudo da natureza [...] Anossa mocidade feminina que tanto carece de educa-ção e de instrução, de cujas boas disposições tantoabusamos, porque não terá na galeria do Parthenon,também modelos de virtudes domésticas, de virtudescívicas e de encendrado amor pela ciência?12

Na biografia escrita por Caldre e Fião, Rita Barém deMello foi descrita como uma mulher que teria tido muito maispossibilidades de desenvolver seu potencial literário, nãofosse pela precariedade como conduziu seus estudos.Apesar do seu “talento precoce”, do “modo de explicar-sena linguagem métrica”, o que, para o velho médicosignificava que “tinha uma alma para os sentimentosdelicados”, a escritora não teria recebido a educaçãoilustrada suficiente para lhe colocar no patamar de distinção“[...] a que teria direito com mais cultura”. Para Caldre eFião, Rita era uma personalidade “[...] apta para o estudo,formada para ser cultivada e útilformada para ser cultivada e útilformada para ser cultivada e útilformada para ser cultivada e útilformada para ser cultivada e útil aos que dela emtorno estivessem. Era o que se chama uma aptidão dignaaptidão dignaaptidão dignaaptidão dignaaptidão dignade ser dirigida e animadade ser dirigida e animadade ser dirigida e animadade ser dirigida e animadade ser dirigida e animada”.13 Segundo a concepçãode civilização transmitida pelo Parthenon em seus textos,toda pessoa, mulher ou homem, necessitava de esforço ededicação para atingir alto nível de saber e cultura letrada.A ilustração, fruto do trabalho e da leitura diários, davadestaque e glórias à pessoa que a cultivava e à nação quea formou. Além disso, havia a crença em uma “pedagogiada imitação”: os textos biográficos trariam exemplos àsfuturas gerações, mas, igualmente, os modelos transmitidosno cotidiano eram fundamentais para o desenvolvimentode cidadãos brasileiros:

11 Alexandre LAZZARI, 2004, p. 69.

12 José Antônio do Valle CALDRE EFIÃO, 1873, p. 49.

13 CALDRE E FIÃO, 1873, p. 52,grifos meus.

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A vida dos cidadãos beneméritos de uma nação é amelhor página de sua história. É a um tempo a voz dagratidão com que ela reconhece os serviços que lheforam prestados, e o exemplo que apresenta aos olhosda nova geração para que procure imitá-lo. Feliz danação que, comemorando as ações ilustres de seusfilhos não tenha de cobrir o rosto envergonhada dehaver pago com a injustiça e com o esquecimentoos serviços feitos com dedicação e amor!14

Um passo importante na jornada educativa daSociedade foi a realização de saraus, iniciada na noite de17 de junho de 1873. O primeiro a subir na tribuna foi o sócioVasco de Araújo e Silva, que discursou sobre a educaçãodas mães de família. Já nesta ocasião, “diversas senhorastomaram parte” da festa. Tais eventos, a partir de então,tiveram realização mensal e, de acordo com as crônicas darevista da Sociedade, a cada encontro o número de senhoraspresentes aumentava.

Segundo o cronista anônimo da edição de outubrode 1873 da Revista do Parthenon Litterario, os saraus sedestinavam à educação das mulheres, o que eraconsiderado uma “missão civilizadora”.15 Eles deveriam ser,ao mesmo tempo, uma diversão e um ritual pedagógico.Através de um momento agradável oferecido ao “belo sexo”,esperava-se transmitir às mulheres educação condizentecom sua condição de mãe e esposa dos vultos da pátria:

O sarau do Parthenon é pretensamente a diversão maisagradável e mais simpática ao belo sexo porto-alegrense. Ali não se vão ouvir as conversações tediosase frívolas dos bailes, não se vai ter o cansaço das valsasinglesas, nem as constipações resultantes do excessode dança. Ali o espírito alheia-se completamente àspreocupações ligeiras e banais da vida, e sente comoque elevar-se a um mundo casto de ilusões, nas asascândidas da poesia e da música, essas duas expressõesdo que há de divino em nós.16

Caldre e Fião, porém, nos esclarecem com maisprecisão a que vinham os saraus e qual sua posição noprojeto educativo da Sociedade Parthenon Litterario.Segundo ele, os parthenonenses, ao pensarem em ofereceresse momento de reunião para as famílias dos sócios,temeram por perder o que era a principal característica dogrupo: a educação.

Para que a modificação dos rumos da instituição nãoocorresse, a associação dos saraus à educação da mulherfoi a peça que faltava no quebra-cabeça instrutivo do grupo:

Tinha aparecido no Parthenon Litterario a ideia dossaraus, reunião de famílias dos sócios para um

14 Augusto SOUSA, 1874, p. 233.

15 CRÔNICA, 1873, p. 185.

16 CRÔNICA, 1874, p. 646.

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entretenimento de dança e de algumas leituras ourecitações; era uma cousa que trazia seusinconvenientes e o mais palpável, era o descuidoera o descuidoera o descuidoera o descuidoera o descuidodo fim principal da instituição, podendo elado fim principal da instituição, podendo elado fim principal da instituição, podendo elado fim principal da instituição, podendo elado fim principal da instituição, podendo eladegenerardegenerardegenerardegenerardegenerar, em , em , em , em , em sociedade de dançasociedade de dançasociedade de dançasociedade de dançasociedade de dança. Estaconsideração fez recuar alguns prestantes membrosda casa, mas enfim, foi melhor estudado o pensamento,resolveu-se que se dariam os saraus tendo por fim reuniro belo sexo para ouvir uma preleção, e entre osprazeres ginásticos da dança, e da reunião familiarouvir discursos e poesias, que lhe doiravam oentendimento.17

Alguns trabalhos têm apontado para a relação entrediscursos e práticas educativas destinadas às mulheres noséculo XIX e o ideário positivista, que foi presença marcanteno Rio Grande do Sul.18 Esse pensamento propunha que aeducação feminina ocorresse de acordo com característicassupostamente específicas à mulher: considerada natural-mente diferente do homem, sua educação deveria ser voltadapara o seu papel específico dentro da sociedade. Sobreisso, Sandra Carelli afirma que

[...] para o positivismo, o matrimônio deveria ter comofinalidade principal o aperfeiçoamento mútuo dos doissexos e nada melhor do que reservar à mulher –marcada pelas características morais – o controle edireção dessa tarefa. As esposas deveriam serresponsáveis pela constituição altruística docasamento. Para tanto deveriam: disciplinar o impulsocarnal, mantendo moderados os apetites sexuais, deforma a não degenerar a existência doméstica;regenerar a sociedade através da transformação eeducação dos indivíduos no lar e renunciar a todapretensão de mando, ao trabalho e à riqueza parapreservar sua superioridade moral, ou seja, deveriarestringir sua existência ao santuário doméstico.19

Durante a segunda metade do século XIX, opositivismo encontrou terreno fértil entre os intelectuaisbrasileiros que desejavam construir uma nação a partir debases modernas e do progresso científico.20 É importante, noentanto, ter a compreensão de que a filosofia positivistanão foi simplesmente “transportada” para o Brasil tal qualComte a propunha na Europa. Os brasileiros provocaram, apartir dessas ideias, intensos debates a respeito de qualinterpretação da doutrina e tomada de posição favorável aalguns referenciais comteanos melhor atendia aos interessese necessidades próprios ao Brasil. Elizabeth Leal afirma que

[...] a incipiente burguesia urbana brasileira ‘(...) filhade comerciantes burocratas e militares’, procurouconsolidar-se exatamente sobre a contestação ao

17 CALDRE E FIÃO, 1874, p. 794.Itálicos no original, negritos meus.

18 Sandra CARELLI, 1997; ElizabethLEAL, 1996; Guacira Lopes LOURO,1987.

19 CARELLI, 1997, p. 96-97.

20 Angela ALONSO, 2002.

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escravismo, à monarquia e ao liberalismo, princípiosque entravavam seu caminho de inserção nocapitalismo internacional. Assim, no Brasil,diferentemente do contexto europeu, os ideais doPositivismo vieram ao encontro de preocupaçõespolítico-sociais modernizantes.21

O romantismo, por sua vez, também tinha entre suastemáticas principais a família burguesa e, por conseguinte,a atuação feminina nessa nova sociedade que eraconstruída. Surgido com a ascensão do individualismo, oromantismo participou da redefinição da condição damulher no mundo social. Convém lembrar, ainda, que eracomum os jornais daquele período dedicarem espaço aotratamento de questões como a instrução pública e aeducação feminina. Tratava-se de uma problemática típicada época, e a imprensa não se furtava em veicular ospadrões de comportamento desejados às mulheres. O papelda mulher na sociedade brasileira e a necessidade daeducação feminina era um tema de debates intensos noperíodo, e o Parthenon se integrou a esses debates,reinterpretando algumas das premissas mais aceitas naépoca e propondo novas. Ele se aproximou e se afastou dasideias que compunham esse repertório na medida em queelas se aproximavam ou se afastavam de seu projeto denação. Além disso, cada membro do grupo tinha uma visãopeculiar sobre os encaminhamentos a serem dados no queconcerne à educação feminina. O ponto de união entreeles era a necessidade de instruir a mulher, cujo papel erafundamental para o futuro do país.

Podemos inserir os saraus do Parthenon dentro doobjetivo mais geral da Sociedade, ou seja, eles, assim comoo restante de suas realizações, tinham por intuito oferecerum espaço de debates que possibilitasse a discussão edivulgação de ideias educativas. O espaço dos saraus,contudo, carregava uma peculiaridade que não pode serdesconsiderada: tratava-se do local por excelência dasociabilidade feminina. Era nos saraus, especificamente,que as jovens seriam postas em contato com as ideias e osprojetos do grupo.

Salões e saraus eram comuns no Brasil do SegundoReinado e os mais importantes ocorreram na Corte.22 Ospassatempos organizados para tais eventos tambémcostumavam seguir um padrão comum, com jantares,declamações de poesias e execuções ao piano. Seu objetivoprincipal era proporcionar um momento agradável entreinterlocutores que pretendessem “cultivar as artes e o espírito”.De acordo com a bibliografia sobre o tema, os participanteseram em geral membros da elite, que, com isso, exibiamtodo seu refinamento e bom gosto.23 Alguns cronistas e

21 LEAL, 1996, p. 79.

22 NEVES e Humberto MACHADO,1999, p. 332.

23 NEVES; MACHADO, 1999; Jeffreyde NEEDEL, 1993; e WanderleyPINHO, 1942

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MULHERES E VIDA PÚBLICA EM PORTO ALEGRE NO SÉCULO XIX

viajantes da época já falavam sobre o polimento e as boasmaneiras das altas classes brasileiras que frequentavamesses espaços.24

Outra característica dos salões e saraus era o caráterintermediário entre o público e o privado. Como, em geral,ocorriam em casas particulares (em outros casos aconteciamem salões de sociedades dançantes, por exemplo),mantinham o aspecto mais familiar, também reforçado pelofato de que os convidados costumavam ser amigos próximos.Entretanto, a abertura a pessoas que não pertenciam aonúcleo familiar burguês trazia consigo um caráter público,no sentido de que extrapolava o espaço doméstico eexpunha a família aos olhares alheios:

[A interiorização da vida doméstica] deu-se ao mesmotempo em que as casas mais ricas se abriam parauma espécie de apreciação pública por parte deum círculo restrito de familiares, parentes e amigos. Assalas de visita e os salões – espaços intermediáriosentre o lar e a rua – eram abertos de tempos emtempos para a realização de saraus noturnos, jantarese festas. Nesses lugares, a idéia de intimidade seampliava e a família, em especial a mulher, submetia-se à avaliação e opinião dos ‘outros’.25

Os salões e saraus constituíam-se, assim, em espaçosnos quais os homens da elite brasileira podiam “exibir” suasesposas à sociedade. Neles, essas senhoras mostravam seustalentos ao piano, ou recitando versos: “[...] não só o maridoou o pai vigiavam seus passos, sua conduta era tambémsubmetida aos olhares atentos da sociedade”.26

Os saraus organizados pelo Parthenon Litterariotambém promoviam um ambiente no qual a música e a poe-sia eram componentes fundamentais, e as senhoras que delesparticipavam podiam, como no resto do país, mostrar suashabilidades artísticas. Em geral, os cronistas que comen-tavam os eventos promovidos pelo Parthenon costumavamelogiar as participações das mulheres que tanto “abrilhan-tavam” a festa promovida pelo grupo. Nesse sentido, essessaraus se assemelhavam aos que ocorriam com frequênciana corte e em outras províncias do Brasil. Um local de conversasque “engrandeceriam o espírito” e no qual as mulheres apare-ceriam para enobrecer e honrar seus maridos.

As mulheres recitavam poesias, tocavam piano efaziam apresentações de canto, entretanto, ao mesmo tempoque serviam de exemplo umas às outras, reforçando o signifi-cado daquele papel social na sociedade brasileira dooitocentos, aumentavam seu próprio grau de educação.Assim como Rita Barém de Mello não teve as condições neces-sárias para integrar-se aos cânones, devido, na opinião deCaldre e Fião, à qualidade da instrução pública no Rio

24 NEVES; MACHADO, 1999, p.333.

25 D’INCAO, 2004, p. 228-229.

26 D’INCAO, 2004, p. 228.

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Grande do Sul (e no Brasil, afinal), as demais mulherestambém precisavam retomar a cada dia o exercício que aboa educação requeria. A civilização necessitava detreinamento e vigilância.

Luciana de Abreu nasceu em Porto Alegre, em 11 dejulho de 1847, e foi abandonada pelos pais na roda dosexpostos da Santa Casa de Misericórdia dessa cidade. Essatriste sorte, porém, não a acompanhou para sempre: foiadotada pela humilde família de um guarda-livros e,dedicando-se de maneira “quase doentia” aos estudos,Luciana chegou a ser reconhecida por seus companheiroscomo “[...] a primeira mulher no Brasil que subiu à tribuna deconferências públicas, para falar de assuntos sociais”.27

Já casada e mãe de dois filhos, Luciana formou-sena Escola Normal e tornou-se professora de primeiras letrasna capital rio-grandense. Um tempo depois de ter iniciadosua atividade letiva, seu caminho se cruzou com o doParthenon. Os saraus já aconteciam há cerca de cincomeses, quando Luciana foi aprovada sócia do grupo, emreunião de 15 de dezembro de 1873.28 Alguns dias depois,por ocasião do sexto sarau promovido pela associação,Luciana proferiu discurso que consternou a todos. Nele,convidava as mulheres presentes a pensar sobre suacondição e explanava sua própria posição: era desejávelque as mulheres se instruíssem e fundamental que elaspudessem, assim como os homens, fazer um curso superior.

Na tribuna do Parthenon, diante de senhoras e jovensmulheres, perante, também, homens, que desta vez sesentavam para escutá-la, Luciana falou:

Minhas senhoras, nós temos sido vítimas dos prejuízosdas preocupações do século; nós temos sido olhadascomo seres à parte na grande obra da regeneraçãosocial, quando sem nós impossível seria à humanidadeaperfeiçoar-se e progredir; porque nós somos mãese o primeiro e mais íntimo vagido da infância dohomem recebemo-lo nós em nosso seio, dispensando-lhe os cuidados que são a nossa vigília, as nossaslágrimas, as nossas dores e alegrias, o nosso amorenfim. [...] o que venho aqui em vosso nomeo que venho aqui em vosso nomeo que venho aqui em vosso nomeo que venho aqui em vosso nomeo que venho aqui em vosso nomealtamente reclamar é, de parceria com aaltamente reclamar é, de parceria com aaltamente reclamar é, de parceria com aaltamente reclamar é, de parceria com aaltamente reclamar é, de parceria com aeducação, a instrução superior comum aeducação, a instrução superior comum aeducação, a instrução superior comum aeducação, a instrução superior comum aeducação, a instrução superior comum aambos os sexos; é a liberdade deambos os sexos; é a liberdade deambos os sexos; é a liberdade deambos os sexos; é a liberdade deambos os sexos; é a liberdade deesclarecermos, de exercer as profissões aesclarecermos, de exercer as profissões aesclarecermos, de exercer as profissões aesclarecermos, de exercer as profissões aesclarecermos, de exercer as profissões aque nossas aptidões nos levaremque nossas aptidões nos levaremque nossas aptidões nos levaremque nossas aptidões nos levaremque nossas aptidões nos levarem.29

Caldre e Fião, na crônica daquele mês da Revistado Parthenon Litterario, afirmou que o discurso de Lucianateria surtido efeito em toda a cidade.30 Ela se tornava a novamenina dos olhos do médico, que reconhecia na professorao exemplo vivo a ser levado às mulheres rio-grandenses.

27 Múcio TEIXEIRA, 1921, p. 187.

28 ACTAS das sessões do ParthenonLitterario, 1924, p. 251-262.

29 Luciana de ABREU, 1873, p. 536-538, grifos meus.

30 CALDRE E FIÃO, 1874, p. 794.

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MULHERES E VIDA PÚBLICA EM PORTO ALEGRE NO SÉCULO XIX

Luciana vinha a ser a peça que faltava no projeto civilizadorpara as mulheres rio-grandenses: todo o perfil apresentadopela professora era justamente o desejado para servir dereferência às demais.

Como foi visto, eram muito comuns as participaçõesde mulheres nos salões e saraus com apresentações musicaise recitação de versos. Era até esperado o momento em queelas subiriam à tribuna e “agraciariam” a todos com sua“doçura” e “sensibilidade”. Não se pode dizer o mesmo,porém, das participações femininas na tribuna, aos moldesdas que foram vivenciadas por Luciana em dezembro de1873 no sarau da Sociedade Parthenon Litterario. A diferençaestava no conteúdo do discurso de Luciana: a professorareivindicava a liberdade de instrução e de trabalho para asmulheres. Entrava, assim, na seara política, ainda proibida àmaioria das mulheres: “se as investidas libertárias dos moçoseram toleradas, o mesmo não acontecia com os ímpetos deliberdade das moças”.31

Encontramos inúmeros exemplos de mulheres quesofreram preconceito por se envolverem em discussõespolíticas durante o Segundo Reinado. O caso da professoramaranhense Narcísia Amália de Campos é bastanterepresentativo disso: com a publicação de seu livro repletode ideias liberais, Narcísia recebeu duras críticas dosjornalistas contemporâneos. Dizia-se, então, que, “[...] perantea política, cantando as revoluções, apostrofando a reio,endeusando as turbas, acho-a simplesmente fora de lugar[...] o melhor é deixar [o talento da ilustre dama] na sua esferaperfumada de sentimento e singeleza”.32 Norma Tellesinterpreta essas declarações dos periodistas como “umduplo padrão da crítica, isto é, critérios diferenciados parajulgar ou comentar obras de homens e obras de mulheres”.Além disso, “[...] nota-se que para esses críticos as escritorasdeveriam permanecer no ‘seu lugar’; aquele lugar que lhesera atribuído e se situava bem longe da esfera pública,com suas lutas e batalhas para modificar a sociedade”.33

Apesar da singularidade de sua participação natribuna do Parthenon, não se pode dizer que Luciana estavasozinha na luta por direitos das mulheres, nem que seu discursoera único: no Brasil do século XIX encontramos diversos exem-plos de mulheres que, a despeito dos discursos dominantes arespeito dos padrões de comportamento desejados para elas,trataram abertamente de temas políticos. Talvez um dosexemplos mais conhecidos, além de Narcísia Amália, seja ode Nísia Floresta. O interessante no caso de Nísia Floresta éobservar as semelhanças e os encontros com a trajetória deLuciana: nascida no Rio Grande do Norte, também ela foraprofessora, publicara escritos na imprensa e assumira a lutapelo direito das mulheres de acesso ao ensino superior.

31 Norma TELLES, 2004, p. 421.

32 FERREIRA, C. APUD TELLES, 2004,p. 422.

33 TELLES, 2004, p. 422.

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Chama a atenção também a semelhança entre ospensamentos das duas mulheres. Sobre o pensamento deNísia Floresta, Norma Telles comenta:

A situação de ignorância em que se pretende mantera mulher é responsável pelas dificuldades queencontra na vida e cria um círculo vicioso: comocomocomocomocomonão tem instrução, não está apta a participarnão tem instrução, não está apta a participarnão tem instrução, não está apta a participarnão tem instrução, não está apta a participarnão tem instrução, não está apta a participarda vida pública, e não recebe instruçãoda vida pública, e não recebe instruçãoda vida pública, e não recebe instruçãoda vida pública, e não recebe instruçãoda vida pública, e não recebe instruçãoporque não participa dela.porque não participa dela.porque não participa dela.porque não participa dela.porque não participa dela. É contra essa situaçãoque a autora se coloca. [...] também discorda detambém discorda detambém discorda detambém discorda detambém discorda deas mulheres terem sido criadas para ‘escravasas mulheres terem sido criadas para ‘escravasas mulheres terem sido criadas para ‘escravasas mulheres terem sido criadas para ‘escravasas mulheres terem sido criadas para ‘escravasdos homens’dos homens’dos homens’dos homens’dos homens’, com uma única obrigação, a deserem submissas e agradar a eles. E termina exortandoas mulheres a mostrarem ‘pelo pouco que fazemossem o socorro da educação’, de quanto seriamcapazes se lhes fizessem justiça.34

Podemos observar, tanto em uma como na outra, atese de que a mulher só não tem mais realizações nasociedade porque foi excluída do processo educativo.Ainda na fala de Nísia Floresta está presente a ideia de quea mulher não deve ser um mero objeto a serviço dasnecessidades do homem. Estes dois pensamentosencontram-se expressos de forma clara nas seguintespalavras de Luciana de Abreu:

Nós temos sido caluniadas, dizendo-se que somosincapazes dos grandes cometimentos, que somos deinteligência fraca, de perspicácia mesquinha; e quenão devemos passar de seres caseiros, de merosde merosde merosde merosde merosinstrumentos do prazer e das conveniênciasinstrumentos do prazer e das conveniênciasinstrumentos do prazer e das conveniênciasinstrumentos do prazer e das conveniênciasinstrumentos do prazer e das conveniênciasdo homemdo homemdo homemdo homemdo homem; quando o nosso ensino tem preparadoos mais perfeitos heróis da humanidade; [...] Entretanto,na apreciação da virtude das mulheres, põe-se emrelevo a injustiça dos homens. [...] Quererão queQuererão queQuererão queQuererão queQuererão quesejamos instruídas e sábias, fechando-nos assejamos instruídas e sábias, fechando-nos assejamos instruídas e sábias, fechando-nos assejamos instruídas e sábias, fechando-nos assejamos instruídas e sábias, fechando-nos asacademias, os pórticos dos templos daacademias, os pórticos dos templos daacademias, os pórticos dos templos daacademias, os pórticos dos templos daacademias, os pórticos dos templos daciência? Quererão que sejamos todasciência? Quererão que sejamos todasciência? Quererão que sejamos todasciência? Quererão que sejamos todasciência? Quererão que sejamos todasimaculadas, quando a mocidade masculinaimaculadas, quando a mocidade masculinaimaculadas, quando a mocidade masculinaimaculadas, quando a mocidade masculinaimaculadas, quando a mocidade masculinase perverte impunemente logo nos primeirosse perverte impunemente logo nos primeirosse perverte impunemente logo nos primeirosse perverte impunemente logo nos primeirosse perverte impunemente logo nos primeirosanos, desde que abandonando o seio de suasanos, desde que abandonando o seio de suasanos, desde que abandonando o seio de suasanos, desde que abandonando o seio de suasanos, desde que abandonando o seio de suasmães, vai para o domínio dos pais? Quererãomães, vai para o domínio dos pais? Quererãomães, vai para o domínio dos pais? Quererãomães, vai para o domínio dos pais? Quererãomães, vai para o domínio dos pais? Quererãode nós os grandes cometimentos, asde nós os grandes cometimentos, asde nós os grandes cometimentos, asde nós os grandes cometimentos, asde nós os grandes cometimentos, asempresas arrojadas, quando se incumbem deempresas arrojadas, quando se incumbem deempresas arrojadas, quando se incumbem deempresas arrojadas, quando se incumbem deempresas arrojadas, quando se incumbem depensar por nós e vedam-nos todos os meios,pensar por nós e vedam-nos todos os meios,pensar por nós e vedam-nos todos os meios,pensar por nós e vedam-nos todos os meios,pensar por nós e vedam-nos todos os meios,quer materiais, quer polít icos ou morais?quer materiais, quer polít icos ou morais?quer materiais, quer polít icos ou morais?quer materiais, quer polít icos ou morais?quer materiais, quer polít icos ou morais?35

Sabe-se que Nísia Floresta chegou a viver no RioGrande do Sul no ano de 1838 e que seu livro Os direitosdas mulheres e injustiça dos homens foi publicado, naépoca, apenas em três cidades do Brasil, entre as quais,Porto Alegre.36 Pode ser precipitado julgar que houve uma

34 TELLES, 2004, p. 406, grifosmeus.

35 ABREU, 1873, p. 536-538, grifosmeus.

36 TELLES, 2004, p. 405.

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MULHERES E VIDA PÚBLICA EM PORTO ALEGRE NO SÉCULO XIX

influência direta do pensamento da professora do norte sobrea do sul, entretanto não se pode desconsiderar que a própriaLuciana de Abreu incluía a obra de Nísia Floresta entre asleituras fundamentais para as mulheres de sua época,37 oque indica que a sul-rio-grandense não só tinha conhe-cimento, como havia lido a escritora do norte.

Ainda em Porto Alegre, em 1836, Ana Eurídice Eufrosinade Barandas escreveu o livro Ramalhete ou flores escolhidasno jardim da imaginação, que publicou somente em 1845.Suas ideias têm muita semelhança com as de Nísia: “deveter lido o livro de Nísia Floresta, talvez conhecido Nísiapessoalmente quando morou em Porto Alegre”.38 Algunsautores apontam para a existência mesmo de uma “redede mulheres” no Segundo Reinado brasileiro.39 A ideia de“rede” é bastante profícua: é possível que elas conhecessemas obras e a atuação umas das outras. Uma boa mostradisso é o jornal A família, fundado em 1888 por JosefinaÁlvares de Azevedo no Rio de Janeiro, periódico que sedestacou por permitir apenas a colaboração de mulheresem suas páginas:

[...] as escritoras que faziam parte do quadro decolaboradoras de A família enfatizavam igualmenteem seus artigos que somente através de umasomente através de umasomente através de umasomente através de umasomente através de umaeducação completa poderiam as mulhereseducação completa poderiam as mulhereseducação completa poderiam as mulhereseducação completa poderiam as mulhereseducação completa poderiam as mulheresconquistar o lugar de destaque que, porconquistar o lugar de destaque que, porconquistar o lugar de destaque que, porconquistar o lugar de destaque que, porconquistar o lugar de destaque que, pordireito, lhes cabia na sociedadedireito, lhes cabia na sociedadedireito, lhes cabia na sociedadedireito, lhes cabia na sociedadedireito, lhes cabia na sociedade, tanto dentrocomo fora do lar. Algumas dessas colaboradoras,como Narcísia Amália (1852-1924), Júlia Lopes deAlmeida (1862-1934) e Inês Sabino (1853-?), eramescritoras e poetisas de renomeescritoras e poetisas de renomeescritoras e poetisas de renomeescritoras e poetisas de renomeescritoras e poetisas de renome, enquantooutras, como Amália Franco (1859-1919), destacavam-se por sua excelência como educadorasexcelência como educadorasexcelência como educadorasexcelência como educadorasexcelência como educadoras. Amaior parte delas residia no Rio de Janeiro ou em SãoPaulo, mas muitas também enviavam suascolaborações de outras partes do país, comoRevocata Heloísa de Melo (1860-1945) e Julieta deMelo Monteiro (1863-1928), do Rio Grande do Sul,Presciliana Duarte de Almeida (1867-1944) e MariaClara Vilhena da Cunha (séc. XIX-?), de Minas Gerais eMaria Amélia de Queiroz (séc. XIX-?), de Pernambuco.40

Em primeiro lugar, observa-se, no trecho acima, quea problemática da educação superior para as mulheresnão era uma peculiaridade de Luciana de Abreu em seusdiscursos no Parthenon, mas algo que de fato era pensadoe discutido por mulheres em diversas partes do país. As datasde nascimento das colaboradoras de A família citadasacima apontam para um período em que essaproblemática se acentuou, embora seja precipitado falarem uma geração. Pensar na existência de uma “rede”,

37 TELLES, 2004, p. 426.

38 TELLES, 2004, p. 406.

39 TELLES, 2004, p. 426; prenomeSOARES citado por Guacira LopesLOURO, 1987, p. 28.

40 TELLES, 2004, p. 487, itálicos nooriginal, negritos meus.

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contudo, não parece impossível, haja vista a diversidadede locais de proveniência das escritoras do periódico. Nãoseria absurdo aventar que a própria ocupação dessasmulheres (o magistério) as pusesse em contato umas com asoutras e, por conseguinte, com suas ideias e projetos.

Apropriando-se dos espaços destinados às diversõese exibições femininas, os saraus, e transformando-os emespaços nos quais a discussão política era possível àsmulheres, Luciana de Abreu, em sua fala, serviu-se de valoresda época associados ao papel da mulher (por exemplo, amaternidade) e, a partir deles, constituiu, juntamente commuitas de suas contemporâneas, novas maneiras de pensaro lugar da mulher na sociedade brasileira. Sua fala,eminentemente política, como vimos, tinha equivalentes emoutras partes do Brasil – mas estava longe de ser corriqueira.Ela talvez se encontre em meio às possibilidades limítrofesentre o aceitável e o inaceitável, ao menos para o Rio Grandedo Sul. Não consta que a professora tenha recebido ataquesdiretos em razão do conteúdo de seu discurso, porém muitoscomentários acerca dele circularam pela cidade, como nosinformou Caldre e Fião.41

Antes de ser um médico, Caldre e Fião era um letradointeressado em pensar e estudar o progresso do país42 e viuem Luciana de Abreu o exemplo ilustrativo das qualidadesque uma mulher do futuro, na sua concepção, deveria ter.Outros membros do Parthenon também se interessaram deimediato pelos modelos concretos que a “humilde” e“esforçada” professora poderia oferecer à mocidadefeminina:

Era o tipo perfeito de mulher educada. Apesar de seruma professora de nomeada, que honrava omagistério da nossa terra, D. Luciana estudava até umpedaço da noite, debruçada sobre os livros. A ânsiade saber dessa moça parecia já uma doença. [...] Elaviverá, pois, na lembrança de todos que aconheceram como um belo tipo de mulherum belo tipo de mulherum belo tipo de mulherum belo tipo de mulherum belo tipo de mulherriograndenseriograndenseriograndenseriograndenseriograndense. Pela graça e vivacidade de seuespírito, pela maneira de dizer o que sentia, eu acho,muitos pontos de contato, entre ela e a gloriosamadame de Girardin.43

Luciana de Abreu era cunhada como “um tipo demulher rio-grandense”, servindo, com seu exemplo, paraconstituir uma identidade regional feminina. As descriçõesfeitas acerca de Luciana costumam enfatizar o esforço e adedicação da professora, que somente dessa formaconseguiu se destacar por sua inteligência:

Muitas vezes, eu a encontrei com os seus livros na mão,em caminho da Escola Normal, onde estudava, se

41 CALDRE E FIÃO, 1873, p. 553.

42 O médico chegou a ser colabo-rador, com textos sobre o fim dotrabalho escravo, do periódico OAuxiliador, da Sociedade Auxiliadorada Indústria Nacional. Essa insti-tuição recebia verba oficial doImpério brasileiro e seus membros,muitos deles políticos dos maisimportantes para o período, se pre-ocupavam em formular reformasde cunho econômico para o Brasil(José CARVALHO, 2003, p. 52-53).

43 PORTO ALEGRE, 1923, p. 13,grifos meus.

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destacando de todas as outras companheiras peloamor ao trabalho. [...] Estudava por gosto, esponta-neamente, sem ser preciso que ninguém lembrasse osseus deveres. Na aula primária, onde estudou asprimeiras letras, se pôs logo em evidência pelo talentoe aplicação.44

Embora concordassem em tomar a professora comomodelo vivo para a educação feminina, os partenonensesdiscordavam quanto ao sentido que este modelo deveriater. Entre as diversas vozes que procuravam avidamenteconferir sentido à preleção de Luciana de Abreu, os projetosda própria professora quase desaparecem por completo.

Passada a primeira surpresa após o discurso proferidopor Luciana, o Parthenon tratou de se apropriar do aconte-cido e orientar o significado de como ele deveria ser lido nofuturo. Em janeiro de 1874, um mês após o pronunciamentodo discurso, a professora recebeu uma “ovação”, ocorridana sala de reuniões da Sociedade. Foi presenteada, naocasião, com uma medalha de ouro, entregue pelo 2º oradordo Parthenon, José Bernardino dos Santos. Apelles Porto Alegre,irmão de Apolinário, em seguida, ofereceu-lhe, em nome dassenhoras da cidade, a quem representava, uma escrivaninhade prata e um ramalhete de flores. Luciana foi saudada,ainda, pelas duas outras associações literárias porto-alegrenses, Ensaios Litterarios e Culto às Lettras.45 Dona MariaJosé Coelho, que costumava recitar poesias de lavra próprianos saraus, desta vez o fez homenageando e agradecendoà professora.46 Ao longo dos meses seguintes, seguiram-secomentários na revista da Sociedade e Luciana foi brindadacom uma biografia escrita por Caldre e Fião, publicada naRevista, ao lado de seu retrato.

Pelo caráter das homenagens recebidas por Lucianaapós sua participação na tribuna, percebe-se uma tentativa,inicialmente, de consagrar a professora como prova de queo esforço e o estudo sempre são reconhecidos. Órfã, pobre esem oportunidades, Luciana mesmo assim chegou a ser,segundo eles, a “primeira mulher do Brasil a subir na tribuna”.A tribuna era a recompensa pelos anos de dedicação, ospresentes que recebia, uma prova de sua consagração.Luciana era transformada num exemplo para as mulheresrio-grandenses:

É uma simples, bem simples homenagem, a queoferece o Parthenon consagrando-vos a primeira partedeste sarau, e uma medalha de mérito comomerecida homenagem a vossas virtudes, ilustração etalentos; mas, se é singela, se é pobre em seu valorintrínseco, é rica de significação e de patriotismo,porque importa a confirmação de um triunfo pelaconquista do trabalho e da inteligência, e porque nesta

44 PORTO ALEGRE, 1923, p. 11.

45 PORTO ALEGRE, 1874, p. 599.

46 COELHO, 1874, p. 645.

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medalha perdurará glorioso o nome ilustre da primeiramulher, que no Brasil, calcando prejuízos arraigados,iniciou a propaganda emancipadora de seu sexo;porque atestará indelével a data em que lançastes àliça a luva macia e perfumosa, que nunca mais há deerguer senão para calçá-la uma mão livre.47

O Parthenon criava, assim, uma data simbólica,instituindo Luciana de Abreu como a primeira mulher apropagandear o que tantas outras já haviam feito. Tal ideiatambém está contida na poesia a ela oferecida por MariaJosé Coelho: “Foste a primeira no Brasil, que ousando / Cheiade crenças depreender a voz, / Convicta e firme, sem temertropeços... / Ecos bem santos despertaste em nós”.48 Caldree Fião, porém, que já em 1854 havia apresentado àAssembleia Provincial um projeto de educação feminina,conduziu a seu modo a simbologia da data. Na biografiaque escreveu da professora, além do caráter de modelo aoutras jovens rio-grandenses, o médico enfatizava o discursode Luciana como uma vitória conquistada por ele próprio,quase um despeito:

Há vinte anos que propomos na assembléia destaprovíncia a educação da mulher pelo trabalho, hávinte anos que somos desouvidos. Hoje queestampamos a efígie de uma menina que, desvalidae sem nome, subiu pelo trabalho e pelo estudo osprimeiros degraus do alcaçar [sic] das letras e visaentrar com a fronte levantada no templo, quasesentimos um prazer de benemérito triunfo sobre essesignorantes que nos entravaram os passos de progressocom o sorriso estúpido do sarcasmo que tudo matacomo o tempestuoso vento de Simon.49

O médico ainda expunha inteiramente o projeto quehá tantos anos apresentara na Assembleia: a criação deasilos ou colégios rurais, nos quais as “meninas desvalidas”aprenderiam as primeiras letras e a tecelagem, desde acriação do bicho da seda, dos carneiros ou do plantio dealgodão. Isso, segundo ele, faria as “mulheres agrícolas” setornarem “boas esposas para os lavradores”; a “mulher dooperário” deveria ser educada como o operário o era,preparada para as artes; por sua vez, a “mulher agradável”seria formada para ser um “honroso adorno da sociedade”,embora não produtiva. Cada classe social teria mulhercondizente, e a educação adequada para cada uma delasgarantiria o futuro do país, resguardando devidamente ashierarquias sociais.50

Agora entendemos que não era à toa seu entusiasmoao ver Luciana de Abreu discursando. A professora, 20 anosdepois, “provava” que seu projeto político estava correto. A“ovação”, segundo Caldre e Fião, também tinha sido obra

47 SANTOS, 1874, p. 627.

48 Maria José COELHO, 1874, p.645.

49 CALDRE E FIÃO, 1874, p. 740.

50 CALDRE E FIÃO, 1874, p. 740.

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dele – ou, melhor dizendo, de sua esposa: “Uma comissãode Sras., nomeada por minha querida consortenomeada por minha querida consortenomeada por minha querida consortenomeada por minha querida consortenomeada por minha querida consorte,promoveu uma subscrição para honrar a representantedigna de seu sexo, dando em presente a jovem oradoraque memorasse a sua gratidão e aquiescência às idéiasque havia emitido”.51 A consagração de Luciana de Abreuera, por consequência, sua própria consagração enquantopolítico e estudioso da economia do país. Após tantos anos,ele finalmente recebia, de alguma forma, a oportunidadede orientar a memória acerca de seus projetos. E Caldre eFião não o fazia apenas nas entrelinhas do esboçobiográfico, ele explicitamente anunciava a todos qual oentendimento mais apropriado dos eventos iniciados nosarau de 20 de dezembro de 1873:

O futuro tem o direito de perguntar ao presente quaisas conclusões do discurso, da preleção de D. Luciana,no dia 20 de Dezembro de 1873, ante o auditórioilustrado do Parthenon. Vamos dá-las textualmente: ‘Asociedade moderna tende a reconhecer os direitosda mulher, abre campo ao seu desenvolvimento morale intelectual. As universidades da Suíça e dos EstadosUnidos, países livres, dão testemunho da capacidadeintelectual da mulher. O Brasil deve acompanhar omovimento progressista e civilizador da época. Deveabrir os cursos científicos, ao sexo feminino e animar asua vocação nas ciências, nas artes e na indústria. Amulher educada e convenientemente ilustrada é aque melhor preenche os deveres de sua sagrada etríplice missão de filha, esposa e mãe. A sociedadeque honra a mulher moraliza-se, a que a escravizaperverte-se. O Brasil caminhará desafrontado no futuropara a sua civilização e engrandecimento, educandoe elevando a mulher pela ciência e pela liberdade’.52

O tom que Caldre e Fião dava aos acontecimentosenvolvendo Luciana, contudo, não era comum a todos ospartenonenses. Houve mesmo aqueles que contestaram alógica que o médico tentava empregar à preleção da profes-sora, indicando que o evento, embora consenso entre os mem-bros, não significava para todos a mesma coisa. Na verdade,o papel da mulher na futura sociedade brasileira era temaainda em aberto nas discussões do grupo, e o aparecimentode Luciana de Abreu, discursando em plena tribuna doParthenon, oferecia a oportunidade para que essa arena delutas viesse à tona. O que se disputava era, antes de maisnada, o sentido que o fato deveria ter no futuro, que memóriase queria construir daquilo:

A vida da distinta rio-grandense, tão cheia de nobresexemplos de amor ao trabalho, de constância aoestudo, de dedicação ao lar, de devotamento ao

51 CALDRE E FIÃO, 1874, p. 795,grifos meus.

52 CALDRE E FIÃO, 1874, p. 796.

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ensino é a consagração da mulher que se compenetrado seu destino providencial. O entusiasmo do Parthenonpor D. Luciana não é pois, um exagero; é sim um cultolegítimo que conquista o talento, que se fez por si, quese encaminhou quase desprotegido e aureolou-se dasmais castas virtudes domésticas. O biógrafo, porém,aproveitando a ocasião, externou mais uma vez o seupensamento em prol da emancipação da mulher. Pelanossa parte, emitimos aqui em poucas palavras o nossohumilde juízo sobre tão importante problema.Divergimos do ilustrado Sr. Dr. Caldre e Fião.53

Hilário Ribeiro enfatizava o reconhecimento pelo esfor-ço e pela dedicação. Embora não manifestando discordân-cia das palavras de Luciana de Abreu no sarau de 1873 (aocontrário, ele chega mesmo a engrandecer o seu talento),discorda da construção que Caldre e Fião fez do evento:para o cronista, o médico exagerava em suas opiniões sobrea educação da mulher. Em pouco tempo, não se discutiamais o caso de Luciana, mas sim o destino das mulheresbrasileiras e seu papel na formação da pátria:

essa emancipação absoluta que S.S. proclama serianociva, tornar-se-ia uma chaga social; dizemos ainda,seria uma inversão, o rebaixamento de um sexo, cujamissão deve ser toda educadora, benéfica e moral.Não queremo-la também como os adeptos das teoriasde Stuart-Mill. Os extremos são prejudiciais. A sociedademoderna quer a mulher livre, primorosamente educa-da, responsável de sua dignidade; mas sempre filha,mãe e esposa, porque este é o tríplice diadema desua glorificação. Fora do lar, só antevemos uma novasenda para a mulher brasileira; proclamar em favor detão salutar medida, adotada já em países cultos, éadiantar uma vitória nacional. Para essa medida, ouantes para essa reforma urgentíssima voltem-se todasas vistas que desejam o engrandecimento moral dopaís. Imitemos os Estados Unidos, demos à mulher ainstrução primária do sexo masculino; encarreguemo-la dessa missão, que se alia à sua natureza. Quemmelhor do que a mulher poderá encarregar-se daeducação infantil, ela que foi escolhida de Deus parasentir as alegrias e dores maternais? As excelências destareforma apregoamos nós; mas as excelências daemancipação absoluta, negamo-las positivamente.54

Luciana de Abreu, que havia sido tão recentementeovacionada, tornava-se na realidade pretexto para o embatede ideias políticas que não eram as suas. Suas palavras, quereclamavam a liberdade feminina, em nenhuma circunstân-cia foram discutidas. A briga (cordial, como exigia a civilida-de) era pelo que deveria ser lembrado e pela forma comodeveria ser compreendida a emancipação feminina.

53 RIBEIRO, 1874, p. 827-828.

54 RIBEIRO, 1874, p. 827-828.

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Luciana de Abreu tinha seus próprios pontos de vistasobre como deveria ocorrer a emancipação feminina. Vimoscomo suas palavras guardavam distância em relação àsideias dos outros partenonenses que se manifestaram sobrea questão e, ao contrário, se articulavam às ideias de umarede de mulheres brasileiras no século XIX. Sendo uma mulherletrada, provavelmente conhecedora dos escritos de outrasde seu tempo, ela construiu um pensamento próprio a esserespeito, um pensamento que mantinha muitas das concep-ções sobre a mulher produzidas por seu tempo, mas quetambém buscava o afastamento das formas mais corriqueirasde pensar seu lugar no mundo, reclamando a possibilidadede estudar nas faculdades do Império e de escolher a própriaprofissão. Faltava-lhe, como a muitas outras do período, aoportunidade para que sua voz fosse ouvida.

O Parthenon Litterario, com seu/s projeto/s civilizador/es para o Brasil, e sendo um campo de abertas disputasacerca do sentido da educação feminina, foi o lugar ondea professora achou espaço para divulgar suas ideias. Nãofoi uma única vez ela que proferiu discurso na tribuna daSociedade, diante de um auditório repleto de homens emulheres e, em alguns casos, de autoridades provinciais.

Ela conseguiu se colocar, de forma habilidosa, nasbrechas que os embates institucionais abriam. Emborahouvesse, no período, uma série de discursos mais ou menosharmônicos a respeito do lugar da mulher na sociedadebrasileira, havia entre eles divergências e mesmo oposições,e foi se aproveitando desses conflitos que ela encontrouespaço. Cerca de dois anos após seu primeiro discurso noParthenon, Luciana de Abreu mais uma vez subia à tribuna:

Um dia apareceu nesta tribuna uma mulher tão fraca eobscura quanto o pode ser aquela que não tem umapelido dourado ao sol de cem batalhas, nem distintonas lutas da inteligência, cujos pés se não apoiam nobezerro da moderna Babilônia, nem a fronte aureoladapela coroa do gênio; pois bem, o Parthenon nãodesdenhou a sua fraqueza, nem sorriu ao ver a suaousadia; abriu-lhe, de par em par, as portas de seusantuário como as do seu coração, confiou-lhe o quetinha de mais precioso – a sua tribuna – e prestou-lhetodo o apoio que essa ideia exigia. E se hoje alguémperguntar a essa mulher: - quem sois, e o quepretendeis? ela de certo responderá comovida: - sousousousousoufilha do filha do filha do filha do filha do Parthenon LitterarioParthenon LitterarioParthenon LitterarioParthenon LitterarioParthenon Litterario, desejo ver a mulherna altura sublime a que a destinou a Providência; e aoe aoe aoe aoe aoParthenonParthenonParthenonParthenonParthenon considero, como o mais denodado considero, como o mais denodado considero, como o mais denodado considero, como o mais denodado considero, como o mais denodadocampeão, nesta santa cruzada do futurocampeão, nesta santa cruzada do futurocampeão, nesta santa cruzada do futurocampeão, nesta santa cruzada do futurocampeão, nesta santa cruzada do futuro.55

Em vista dos limites tão estreitos cedidos às mulheresbrasileiras na segunda metade do século XIX, restava-lhe

55 ABREU: 1875, p. 231, grifosmeus.

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aceitar o tácito acordo firmado com a Associação: Lucianade Abreu assumia o Parthenon como agente de suaconsagração, e cumprindo sua parte nessa troca simbólica,consagrava a Sociedade. Não quero, contudo, com essaafirmação, concluir o artigo em tom desiludido. Ao contrário,penso que foi justamente seu lugar social às margens nasociedade oitocentista que permitiu sua subida à tribunapara cobrar modificações políticas na estrutura educacionalbrasileira: sendo ela uma mulher, os demais partenonensessequer perceberam o quão ameaçadora à ordem social(que eles insistiam em reiterar) a fala de Luciana podia ser.Enquanto se digladiavam entre seus próprios interesses,pouco se importavam e pouco debatiam o que a professoraestava a dizer diante de tantas outras mulheres. Luciana deAbreu, como tantas outras mulheres de sua época,aproveitou-se das margens em que se encontrava e criou, apartir delas, suas possibilidades.

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[Recebido em 8 de abril de 2014,reapresentado em 16 de abril de 2015

e aceito para publicação em 20 de maio de 2015]

Women and Public Life in Porto Alegre in the 19Women and Public Life in Porto Alegre in the 19Women and Public Life in Porto Alegre in the 19Women and Public Life in Porto Alegre in the 19Women and Public Life in Porto Alegre in the 19 ththththth Century Century Century Century CenturyAbstractAbstractAbstractAbstractAbstract: This article analyses the confrontations experienced by the members of the SociedadeParthenon Literario, cultural association established in Porto Alegre in the second half of the 19th

century, as an attempt to undertake the women’s instruction in the São Pedro Province. The Societywas a space where different interests concerning such matter converged, where differentpossibilities and projects for the future conflicted. In this power game in which cultural andpolitical models were disputed, we can glimpse the strategies of the stronger or weaker partsinvolved to accommodate their ideas on the heart of the institution. The main sources used arethe texts from the Society Magazine, the minutes of the group and the books of memories writtenby its members.KeyKeyKeyKeyKey WWWWWordsordsordsordsords: Women’s History; Women’s Education; 19th Century.