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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO NADYA MARIA DEPS MIGUEL IBGE: CONSTRUÇÃO E PRESERVAÇÃO DE MEMÓRIAS Rio de Janeiro 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO

RIO DE JANEIRO - UNIRIO

NADYA MARIA DEPS MIGUEL

IBGE: CONSTRUÇÃO E PRESERVAÇÃO DE MEMÓRIAS

Rio de Janeiro 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

Programa de Pós-Graduação em Memória Social

IBGE: CONSTRUÇÃO E PRESERVAÇÃO DE MEMÓRIAS

Nadya Maria Deps Miguel

Orientadora: Profª Drª Vera Lúcia Doyle Dodebei

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Memória Social, do Centro de Ciências Humanas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Memória Social.

Rio de Janeiro 2006

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NADYA MARIA DEPS MIGUEL

IBGE: CONSTRUÇÃO E PRESERVAÇÃO DE MEMÓRIAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Memória Social do Centro de Ciências Humanas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Memória Social.

Aprovado em

BANCA EXAMINADORA

___________________________

Profª. Drª. Vera Lúcia Doyle Dodebei - Orientador UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO

___________________________

Profª. Drª. Regina Maria Marteleto UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - UFMG

_________________________

Profº. Drº. Nilson Alves de Moraes UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO

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AGRADECIMENTOS

Meus sinceros agradecimentos a: Minha família e amigos, que estiveram ao meu lado nesta empreitada; Meus colegas do IBGE, pelo apoio e carinho durante toda essa jornada, em especial Helena

Torelly que me estimulou e deu opiniões valiosas para desenvolver esta dissertação;

Fanny Elisabete Moore, José Francisco Freire, Maria Beatriz Pontes de Carvalho, Maria das

Graças de Oliveira Nascimento, Maria de Nazaré Roca Furtado, Nelson de Castro Senra,

Regina de Sá e Shirley Soares, que responderam ao questionário da pesquisa;

Beatriz Carvalho, que me incentivou, minha gratidão e amizade; Carla Costa, que me auxiliou nos momentos que precisei;

Amiga, professora e orientadora Vera Dodebei, pelo interesse autentico no meu

desenvolvimento intelectual e pessoal, pelo incentivo e confiança no meu potencial de

pesquisa;

Todos que cruzaram meu caminho, foram importantes.

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Uma boa memória não é uma grande memória (que se lembra de muita coisa) mas sim uma memória crítica.

[...] O conhecimento não se esgota na memória. Ao contrário, a memória deve ser um incentivo ao conhecimento.

Miguel Poiares Maduro

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RESUMO Tomando como referência o tempo que permeia a criação do IBGE e o início do século XXI, é

possível identificar duas fases que, embora distantes, são de extrema relevância quando se

retorna ao passado da instituição no que se refere à criação de bibliotecas, museus e

arquivos municipais no mundo. São elas: a fundamentação legal e implantação de idéias que

surgem com a atuação de Mário Augusto Teixeira de Freitas num primeiro momento e a

institucionalização da memória que ocorre meio século depois, com o desempenho de Edmar

Lisboa Bacha. Objetivou-se esclarecer as motivações da história ibgeana que fomentaram a

formação da preservação da memória institucional, além dos ideários existentes de

preservação da memória nacional que o órgão já acumulava, bem como identificar os

acontecimentos políticos que propiciaram a realização de tais movimentos e a constituição do

patrimônio nacional-institucional.

Palavras-chave: Memória Institucional. História do IBGE. Preservação da Memória.

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ABSTRACT

Taking the period between the creation of IBGE (Brazilian Institute of

Geography and Statistics) and the beginning of the 21st Century as framework,

it is possible to identify two stages that, although distant from each other, are

extremely important when one turns to the past of that institution to analyze the

creation of libraries, museums and town archives worldwide. These two stages

are: the legal foundation and implementation of ideas that arise with the work of

Mário Augusto Teixeira de Freitas, and the institucionalization of memory that

takes place half century later with the work of Edmar Lisboa Bacha. In this

sense, this study aims to: understand the motivations in IBGE’s history which

promoted the formation of the institutional memory, along with the existing ideas

of preservation of the national memory that the institution already had, and

identify political events which propitiated such movements and the formation of

the national and institutional treasures.

Keywords: Institutional Memory. IBGE`s History. Preservation of Memory.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Foto 1 Participação de funcionários do IBGE................................... 50

Foto 2 Projeto Memória..................................................................... 51

Foto 3 Projeto Memória..................................................................... 54

Foto 4 Escolha do Palácio Gustavo Capanema. Exposição

Cinqüentenário do IBGE........................................................ 55

Foto 5 Exposição Cinqüentenário do IBGE...................................... 56

Foto 6 Exposição Cinqüentenário do IBGE...................................... 62

Foto 7 Entrevista Edmar Lisboa Bacha............................................. 64

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... .................. ........................10

2 A TRAJETÓRIA DO IBGE E A CONSTRUÇÃO DE UMAMEMÓRIA................................................................................................................................ 24

2.1 Fundamentação Legal e Implantação de Idéias................................................ 29

2.1.1 O criador d a mística ib geana.............................................................................................. 35

2.2 Institucionalização da Memória.............................................................................. 45

2.2.1 Fidelidade e transparência............................................................................................... 58

2.2.2 O Restituidor.................................................................................. ..................................... 65

3 DISCURSO, REALIZAÇÕES E IMAGEM........................................................... 69

3.1 Percepção das ações e sensações provocadas....................................... 75

3.2 O que restou da administração Bacha?......................................................... 83

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 87

REFERÊNCIAS.............................................................................................................. 94

ANEXOS....................................................................................................................................101

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1 INTRODUÇÃO

A Biblioteca Central Isaac Kerstenetzky, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE), mantém sob sua guarda um patrimônio documental, acervo que reúne publicações

produzidas e editadas pela Instituição desde a sua criação, sintetizando a trajetória do órgão

e as atividades desenvolvidas no espaço do território brasileiro. Desde a criação da

Instituição, esse patrimônio documental, pelo fato de integrar informações especializadas,

passou a compor a descrição da vida institucional do IBGE, que abrange desde a literatura

técnico-científica do período inicial do órgão até sua produção contemporânea.

O contato direto com o acervo - atividade profissional que a gestão de documentos propicia -

despertou o interesse desta bibliotecária, atuando desde 2002 na Gerência de Bibliotecas e

Acervos Especiais (GEBIS) do Centro de Documentação e Disseminação da Informação

(CDDI). Tanto pela representatividade que o patrimônio documental expressa, quanto pelo

que se acumulou ao longo do tempo, a coleção documental se converteu em depositária da

memória nacional e institucional. Cabe à GEBIS, entre outras atribuições, preservar esse

acervo no intuito de atender não apenas às necessidades técnico-administrativas do IBGE

mas, também, às demandas da sociedade.

Esta pesquisa-dissertação é centrada no Patrimônio Documental da Instituição, entendido na

presente proposta como um lugar de memória do fazer passado e do fazer história no

passado-presente, tal como na visão de Nora (1993, p. 9). Um lugar de memória viva, sempre

atualizada e em evolução permanente, por isso, em constante construção.

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No entender do historiador francês, a acentuada fragmentação da vida coletiva e a crescente

valorização do indivíduo geraram a desagregação dos laços de continuidade, surgindo, em

contrapartida, a necessidade de criação de lugares para a preservação das memórias

coletivas que antes eram fabricadas pelas próprias comunidades. Os grupos sociais que

asseguravam a preservação e a transmissão desses valores pela oralidade passam a se valer

da tecnologia da escrita para registrar seus saberes e fazeres. Assim, não havendo mais

lugares de memória espontâneos, vê-se a formação de arquivos e coleções como guardiões

da memória e a sua utilização para evocar a faculdade de alimentar a história. Desse modo, a

visualização ou a leitura da narrativa representada pelo conjunto dos documentos textuais e

iconográficos de uma coleção permite recuperar1 algumas preciosas informações e evocar a

memória social. Lancaster (1979) focaliza que a utilidade de um documento é relativa à

combinação do assunto com os interesses do usuário. Dessa forma, constata-se que os

temas são importantes para definir, no momento do planejamento, quais assuntos são

relevantes à formação do acervo tanto virtual quanto convencional, para atender à

necessidade informacional dos usuários, pois esta é formada por assunto e motivação.

Dodebei (2003, p. 67), ao estudar o arquivo pessoal da cantora lírica Vera Janacópulos,

afirma que a memória constrói-se por narrativas, falas, mensagens, cuja significação é obtida

por essa mistura de lembranças distanciadas no tempo ou no espaço geográfico. Estas

narrativas são produzidas sob um outro discurso/outra fala, numa disputa de sentidos.

Pomian (1997, p.55) amplia a idéia de coleção ao agrupar, na sua visão conceitual, os mais

variados conjuntos de objetos, desde os mais simples até os mais complexos, pelo inusitado

de suas composições: mobília funerária, oferendas, dádivas, objetos expropriados em

guerras, relíquias, objetos sagrados e objetos integrantes de coleções públicas e privadas,

1 A expressão ‘recuperar’, do inglês retrieve, faz parte do campo de conhecimento da Ciência da Informação e significa a ação de selecionar documentos de uma memória documentária e indicar ao pesquisador os documentos existentes naquela memória que podem satisfazer à sua necessidade de informação (LANCASTER, 1979)

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enfim, desde que agrupados a partir de um tema, formam coleção. Para ele, a coleção é,

pois, uma instituição universal existente em toda e qualquer coletividade humana, incluindo as

sociedades mais modernas e mais complexas, assim como as primitivas. Nesse sentido, os

conjuntos de documentos e objetos que formam o acervo documental, independente de

cultura, tempo e espaço, desempenham papel mediador entre o espectador, o pesquisador e

o mundo visível e invisível.

Apesar da sua aparente diversidade, todas as coleções são com efeito formadas por objectos homogéneos sob um certo aspecto: eles participam no intercâmbio que une o mundo visível e o invisível (POMIAN, 1997, p. 66).

O objeto da pesquisa escolhido para reflexão, a Coleção Documental, e o próprio IBGE que a

acolhe, é o foco para o desenvolvimento dos estudos realizados. Na coleção, buscou-se

perceber a lógica de sua constituição e o discurso2 que ela encerra em sua composição em

prol da memória institucional e nacional, no que se refere ao órgão como lugar de produção

historiográfica (CERTEAU, 1982, p. 126). Pretendeu-se delinear a sua trajetória e as

mudanças ocorridas durante o período em que o acervo documental foi concebido. A análise

da formação deste acervo permitiu reconstruir uma narrativa possível para o registro da vida

do IBGE e, certamente, servirá para demonstrar as ações, práticas e saberes que transitam

no cotidiano da Instituição, desvendando a mística que a envolve desde sua criação até os

tempos atuais.

O estudo teve a finalidade de contribuir para a ampliação do debate em torno do tema

memória social, propondo um diálogo entre a memória instituída no IBGE e as práticas atuais

de preservação do passado a partir dos movimentos relacionados à manutenção de

2 Poder-se-ia usar aqui as técnicas da Análise do Discurso (ORLANDI, Eni, 1999 e PÊCHEUX,1997); a leitura da coleção como uma Narrativa no tempo (BENJAMIN, Walter, 1996) ou ainda, sua interpretação antropológica como conjunto de depósitos sucessivos de informação, guardando uma certa ordem de tempo/espaço (CLIFFORD, James, 1994).

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lembrança: do conjunto de gestos, lugares e modelos do trabalho, do pensamento de

profissionais e dos momentos políticos vivenciados na Instituição.

Como em outros conjuntos de coleções de documentos, o acervo3 , representa fonte real para

o conhecimento da própria sociedade, bem como concentra, no seu conjunto, a produção de

uma memória social viva. Portanto, trata-se de apreender o presente com esse passado,

buscando desvendar suas múltiplas simbolizações.

Levantamento realizado na Biblioteca Central Isaac Kerstenetzky, do Centro de

Documentação e Disseminação da Informação (CDDI) do IBGE, revelou a existência de

aproximadamente 99.000 documentos textuais e iconográficos, distribuídos nas seguintes

coleções:

• Referência: dicionários gerais e especializados; enciclopédias; vocabulários; guias;

catálogos; bibliografias; índices; periódicos de referência e bases de dados nacionais e

internacionais em CD;

• Documentação cartográfica: mapas, mapas-índice, atlas, cartas e folhas topográficas;

• Documentação territorial: documentos textuais sobre a evolução histórico-

administrativa dos estados brasileiros;

• Obras raras: recenseamentos, relatórios e outros documentos do final do século XIX e

início do século XX, referentes às estatísticas nacionais em sua maioria;

• Brasiliana: estudos sobre o Brasil, desenvolvidos por autores nacionais e estrangeiros;

3 Em nosso estudo, o conceito “acervo” tem a conotação de patrimônio institucional; e Coleção é o conjunto de objetos reunidos sob uma perspectiva classificatória (Ferreira, 1999, p. 22 ). Para ISAD (2001, p. 4) Coleção é “uma reunião artificial de documentos acumulados

com base em alguma característica comum, sem atentar para sua proveniência”. Pode-se dizer, pois, que o IBGE possui um acervo de memória formado por várias coleções.

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• Professor Giorgio Mortara: acervo particular do estatístico e demógrafo italiano;

• Professor Isaac Kerstenetzky: acervo particular do economista e presidente do IBGE

no período de 1970 - 1979;

• Coleção Ibgeana: monografias e periódicos produzidos pelo IBGE;

• Memória institucional: documentos textuais, audiovisuais e iconográficos

representativos da história institucional.

Do conjunto de bens textuais e iconográficos que formam o patrimônio documental, foram

selecionadas a Coleção Ibgeana e a Memória Institucional que juntas representam 4.200

documentos, subdivididos em 2.470 monografias, 150 títulos de periódicos, além de mapas,

relatórios, atas, imagens e objetos museológicos, compondo o conjunto produzido e/ou

editado pelo Órgão. A análise desses textos teve por foco identificar os discursos

representativos da idéia de memória nacional nos primórdios da história da criação do Órgão

e da memória institucional a partir da década de 80. O tema eleito para o estudo – a

construção e preservação de memórias – permite que a documentação revele o passado no

presente. As pesquisas e a produção técnico-científica do IBGE compostas,

majoritariamente, por publicações produzidas pelos técnicos desde 1936 até o momento, são

entendidas como patrimônio documental constituem o foco central da investigação. Portanto,

o pressuposto se sustenta na representação de uma memória possível da instituição,

circunscrita nas categorias ou grandes áreas temáticas: estatística, demografia, sócio-

economia, geociências, geografia, cartografia, geodésia e meio ambiente. Assim é que

imagens relativas às campanhas de pesquisa de campo, objetos museológicos, documentos

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textuais e iconográficos, utilizados na realização das pesquisas, formam o todo do acervo sob

a guarda da GEBIS, depositária de memórias possíveis de serem reconstruídas.

Investigar as motivações institucionais que originaram a criação de determinado acervo – no

caso, a Coleção documental resultante da produção técno-científica desenvolvida pela

Instituição – requer o enfrentamento de algumas questões. Uma delas diz respeito à

característica intrínseca das fontes utilizadas, do caráter fragmentário que uma coleção,

objeto ou imagem apresenta. Isso significa que um acervo é produzido e acumulado como

resultado natural de uma ação exercida por uma Instituição ou pessoa. Mas, no processo de

seleção, seja de papéis ou de imagens, as escolhas são realizadas por variadas motivações

e, mesmo que um atributo seja dominante ao longo do tempo, ainda assim, as coleções

apresentam lacunas, o que precisa ser considerado quando se pretende preservar memórias.

Quando se trata de analisar um conjunto diversificado em sua essência, a qualidade de

fragmentação se potencializa. Isso porque uma coleção é sempre o resultado de operações

de enfoque, escolha, recorte, realizados com uma intenção explícita, ou mesmo de forma

subjetiva ou aleatória. Trabalhar com o acervo constituído de livros, periódicos, documentos

geodésicos, cartográficos, produtos e serviços em meio magnético editados pelo IBGE,

pressupõe a tarefa de buscar os significados mais amplos de sua existência, tarefa que

consiste na busca de sua conexão com outras fontes complementares. Segundo Blom (2002,

p.192), os objetos de uma coleção nos ligam a alguma coisa de muito distante, constroem

pontes no tempo e no espaço. Ao mesmo tempo, uma coleção estabelece autoridade sobre

uma área específica, pois cabe ao colecionador classificar, incluir ou excluir e, portanto,

escolher.

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Todo objeto de uma coleção precisa ter significado para ser incorporado ao acervo. Nesse

sentido, um documento contendo informações sobre uma instituição pode ser considerado

valioso para o acesso à sua história e memória. O colecionador, nesse caso o IBGE, busca

um significado especial no fundo documental4, e é apenas esse significado que o leva a

atribuir valor à coleção. É o momento da transcendência. A posse da transcendência -

qualidade que um objeto tem de exceder as fronteiras da própria classe ou do próprio

significado primário - torna valioso todo o fundo documental composto pelas variadas

espécies documentais: uma publicação, um periódico, um mapa, uma imagem, ou a

combinação delas. Sabe-se que todo item colecionado, em certa medida, constitui-se em um

instrumento do conhecimento e que, ao ser selecionado e incluído na coleção, o objeto perde

o seu valor utilitário e adquire outro de caráter simbólico e de qualidade de representação que

vai além de sua situação original. Entretanto, o valor do acervo documental do IBGE consiste

na contradição deste pensamento, já que, todos os itens colecionados possuem utilidade e

significados, pois continuam sendo o que sempre foram: testemunhos da memória.

A memória como ferramenta para compreender um mundo e suas secretas harmonias, por si,

é insuficiente para a luta contra o esquecimento: a memória esquiva-se, retira-se, escapa com

a idade, o tempo e, de certa forma, os acontecimentos em sua grande maioria, caem no

esquecimento. Trata-se de reconstruir a memória, comparando o tom discursivo da coleção

com aquele representado pelas práticas atuais de lidar com a memória institucional, para

incluir o que for relevante para a representatividade do acervo, ou seja, tudo que a lembrança

oferece para a formação de uma memória.

4 “Todos os documentos originários de uma determinada instituição, tal como uma entidade administrativa, uma corporação ou uma família, seriam agrupados e considerados o fundo daquela determinada instituição.” (Schellenberg, 2005, p. 241)

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Assim, uma investigação sobre as possíveis representações e significados de um acervo

deve levar em conta uma análise das características da coleção, visando a reconstruir a

trajetória de sua produção e acumulação com as intenções que orientaram seu surgimento,

os atores individuais ou institucionais envolvidos, as dinâmicas de produção, aquisição e

colecionamento, entre outras características. O historiador norte-americano James Clifford

(apud GONÇALVES, 1999, p. 25) assinala que as práticas de colecionar têm um papel

construtivo no processo de formação de determinadas subjetividades individuais e coletivas, e

o resultado dessa atividade é precisamente constituir um patrimônio. Nesse contexto, e de

acordo com Maria das Graças Oliveira Nascimento (apud COSTA, 1992, p.26), a

oportunidade do Cinqüentenário do IBGE (1986) motivou a idéia de se reunir toda a massa

documental impressa, produzida em diferentes épocas de existência do Instituto, assim como

os relatos e testemunhos prestados por autoridades e funcionários, com a finalidade de criar a

memória histórica institucional. Registrar a memória de uma instituição pública como o IBGE

implica, necessariamente, num conjunto de ações coordenadas, cujo produto final é, por um

lado, a reorganização do acervo segundo uma narrativa privilegiada e, por outro, a

transformação legitimada do conjunto documental em patrimônio nacional.

Para empreender a investigação tendo como referência o acervo ibgeano, sua memória e

representação, faz-se oportuno considerar: (a) a relevância do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE) para a sociedade brasileira, por ser o órgão federal de

planejamento, pertencente ao poder executivo e prestador de serviços, tendo como

finalidades precípuas a pesquisa, produção, análise e difusão de informação estatística,

estudos geocientíficos e socioeconômicos; (b) o fato de a Coleção Documental pertencer à

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Biblioteca Central5 do Centro de Documentação e Disseminação da Informação do IBGE,

constituindo-se em acervo de interesse técnico-social ao acumular publicações produzidas e

editadas pelo órgão; (c) a coleção documental ter sido formada desde a criação da Instituição

e, com ela, o sentimento preservacionista que permitiu o surgimento de relevante patrimônio

nacional.

Ao longo do desenvolvimento do projeto, alguns questionamentos foram abandonados por

não terem a relevância essencial aos objetivos da pesquisa, enquanto outros asseguram sua

incorporação na medida em que possibilitam acrescentar novas reflexões:

• Quais foram as motivações, na história ibgeana, que fomentaram a formação da

preservação da memória institucional, além dos ideários existentes de preservação da

memória nacional que o órgão já acumulava?

• Quais as características das personalidades responsáveis pela série de atividades

organizadas de preservação dos documentos referentes à memória nacional e

institucional? E que tipo de acontecimentos políticos propiciaram a realização de tais

movimentos?

Portanto, a pesquisa tem como propósito estudar a Coleção Documental a partir dos

discursos formadores do projeto local de institucionalização da memória, da própria ordem de

acumulação da coleção e, ainda, do discurso institucional em momentos distintos. A Coleção

deve ser analisada não apenas como fonte de informação pois, na verdade, é mais que isso:

é uma categoria de narração, assumindo simultaneamente os papéis de conjunto de

documentos e de relato, uma vez que sua análise permite conhecer o todo disponível e

5 “A Biblioteca Central deve-se constituir em Memória do IBGE. Para tanto, necessita receber um exemplar de TODOS os trabalhos elaborados na Instituição como dispõe o parágrafo 1 da Recomendação nº 29/77, do 2º Encontro com Unidades Regionais realizado em Brasília, em dezembro de 1977" (Relatório de Atividade da Biblioteca Central, 1978).

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apreciável de obras especificamente produzidas e editadas pelo IBGE,um conjunto

constituído por vários tipos de documentos representativos da memória institucional e social.

Derivados da proposta norteadora, os objetivos específicos possibilitam o encaminhamento

ao tema:

• localizar patrimônio documental e sua vinculação com a memória ibgeana, e

levantar documentação de relevância para o estudo, facilitando a identificação

das fontes históricas na reconstrução do contexto sociopolítico e cultural da

época;

• caracterizar atitudes políticas e administrativas que impulsionaram o movimento

de formação e preservação do patrimônio documental;

• identificar ações e personalidades que se sobressaíram na criação e

reconstrução do patrimônio documental.

A construção do quadro teórico tem como orientação inicial o conceito de memória

institucional formulado por Costa (1997, p. 156):

[...] está nas linhas e entrelinhas, nos discursos dos autores, entre os personagensconceituais que povoam a escrita, que ora interrompemos. Mas está, também, emcada indivíduo e em cada instituição, sendo construído e reconstruído a cada dia denossas existências.

Muito embora a autora tenha se aprofundado na sua teorização ao relacionar conceitos que

incluem memória, história, tempo, patrimônio, poder, cultura, sociedade, identidade e nação,

entrelaçados ao tema Memória Institucional, dela se faz oportuno incorporar os conceitos que

tangenciam a nossa proposta de estudo, ou seja, representação e coleção, sendo esse último

desdobrado nas subcategorias: coleção permanente e coleção em construção.

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Assim é que a investigação encontra apoio em autores que se debruçam sobre os temas:

1) Memória Social Pomian, Le Goff, Nora, Halbwachs; 2) Representação – Durkheim, Ginzburg,

Moscovici; 3) Patrimônio – Abreu, Gonçalves; 4) Coleção – Pomian, Gonçalves e 5) Narrativa

– Benjamin, Orlandi, Pêcheux, buscando obter uma aproximação entre eles sem perder de

vista o interesse da pesquisa e extraindo, de cada um, contribuições teóricas necessárias

para responder às questões propostas. A revisão de literatura inclui, ainda, formulações de

Antonio Gramsci, Jean Davallon, Pierre Bourdieu, Edson de Oliveira Nunes, Regina Andrade,

Tomaz Tadeu da Silva e William Foote-White6.

O estudo através de fontes documentais e depoimentos permite uma investigação significante

de eventos vivenciados, tanto em processos organizacionais e administrativos como em

mudanças na sociedade em geral, sendo utilizado extensivamente nas ciências sociais. Para

reconstruir e preservar as memórias ibgeanas, torna-se indispensável conhecer o acervo

existente e as ações que envolvem a sua formação, bem como observar os trabalhos ali

armazenados. Dessa forma, a investigação abarca os discursos e emoções em seus

diferentes momentos que resultaram em realizações efetivas, material indispensável para o

exame dos fatos que guardam a história e a memória da Instituição.

É importante assinalar que essa documentação primária, levantada durante o

desenvolvimento da pesquisa e que se refere à produção documental do próprio IBGE,

encontra-se acessível para consulta e análise na Biblioteca Central. São publicações e

documentos técno-científicos, relatórios, atas, monografias, mapas, entre outras fontes de

igual relevância.

6 Os autores citados estão representados nas referências ao final do trabalho.

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Concluída a seleção das fontes documentais, procedeu-se à complementação das

informações obtidas, com a inclusão de depoimentos como recurso complementar que, sem

dúvida, elucidaram questões pertinentes, contribuindo para comparar, esclarecer ou, ainda,

incorporar outras visões ao estudo.

Esses depoimentos permitiram confirmar as características essenciais da Instituição na visão

dos funcionários no período de Institucionalização da Memória, através da análise dos vetores

de convergência dos depoentes no registro dos fatos, percepções e sentimentos com

importância comum, enriquecendo o argumentar das idéias narradas.

Através de um questionário de perguntas abertas formuladas de modo a facultar respostas

espontâneas e a dar mais liberdade e estímulo ao entrevistado, foram construídas as áreas

de abordagem para atender aos objetivos de levantar o pensamento, a percepção e o

sentimento dos funcionários do IBGE no período de maio de 1985 a novembro de 1986, por

ocasião da presidência de Edmar Lisboa Bacha, para explorar e definir imagens junto aos

instituintes, feitos e perfil histórico da época. A coleta dos dados se deu por meio do

depoimento escrito do próprio colaborador, permitindo revelações em seu tempo e a seu

modo, dando ênfase ao que realmente considera importante. Permitiu-se o

autopreenchimento do questionário assegurando a tranqüilidade necessária e tempo para

pensar sobre as declarações a serem feitas.

Procurou-se imprimir um caráter informal para a formulação das perguntas, que possibilitasse

compreensão imediata e desta forma, não dar margem à interpretação que se afastasse do

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objeto primordial, garantindo assim um entendimento claro, respostas significativas e

pormenorizadas que propiciam expor tudo que revele a verdade de cada um.

Como integrante do Setor de Referência da Biblioteca Central do Centro de Documentação e

Disseminação de Informações do IBGE, posiciono-me também como observadora

participante7 no sentido usual que os antropólogos sociais conferem a essa expressão, o que

me certifica ser possuidora de uma visão de dentro. As experiências que venho acumulando

no desempenho das minhas atribuições contribuem para direcionar o meu olhar sobre a

Coleção Documental, de forma a compreender sua importância na reconstrução da memória

institucional do IBGE. Tais pressupostos, certamente, facilitam a busca de instrumentos de

análise que permitem relativizar o discurso emanado destas memórias e sua preservação.

Tendo, portanto, como proposta de estudo a reconstrução e preservação das memórias

ibgeanas contidas na memória técnica dos acervos documentais da Biblioteca Central Isaac

Kerstenetzky do CDDI, o presente estudo está estruturado em quatro capítulos, nos quais se

procurou estabelecer diálogos entre os teóricos que dão suporte à pesquisa e às fontes de

informação.

O capítulo inicial, além de apresentar o tema central do estudo, introduz a configuração

teórico-metodológica. O segundo capítulo, A trajetória do IBGE e a construção de uma

memória, tem como propósito rever o percurso do IBGE como órgão federal de planejamento

e volta-se para verificar como e de que forma se pretendeu legitimar sua memória. Objetiva

demonstrar que a Exposição do Cinqüentenário do IBGE construiu, em torno de si, um local

do fazer passado e do fazer história no presente, evento que aprofundou a discussão de

22

Utilizo o termo observador participante, desenvolvido por Malinowski (1976, apud GOLDENBERG, 1999, p. 20-21) para expressar que faço parte do contexto estudado, como para indicar que procuro identificar a representatividade da Coleção Documental , buscando a(s) memórias(s) existente (s) na narrativa de formação desse acervo.

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idéias e pesquisas acerca da Instituição, colocou em questão a necessidade de introduzir

práticas para preservar a memória do órgão e viabilizou a oficialização do Projeto Memória do

IBGE.

No terceiro capítulo, Discurso, realizações e imagem, toma-se como referência os primórdios

do IBGE associados ao período da idealização, planejamento e consolidação do Instituto e da

memória nacional. Confronta-se o momento de mudanças político-administrativas e

institucionalização da memória do órgão. Nesse contexto, ressaltam-se os discursos

nacionalistas e modernizantes de duas personalidades que se destacaram na história da

Instituição em tempos e espaços distintos, nos primórdios Mario Augusto Teixeira de Freitas e

em meados da década de 80 Edmar Lisboa Bacha. Isso traz à reflexão uma realidade

desconhecida por muitos, através da análise de um ideário, certamente, latente nos períodos

resultantes da tecedura dos processos institucionais e ideológicos e, assim, dá-se visibilidade

à representação social e política do Patrimônio Documental.

O quarto capítulo, Considerações finais, encerra o painel das investigações, e aponta a

vinculação entre Memória e Coleção, tendo como referência as ações políticas que

conduziram a construção do patrimônio documental e histórico, de notória relevância tanto

para o IBGE como para a sociedade.

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2 A TRAJETÓRIA DO IBGE E A CONSTRUÇÃO DE UMA MEMÓRIA

Só há lugar quando freqüentado por espíritos múltiplos, ali escondidos em silêncio, e que se pode “evocar” ou não.

Michel de Certeau

Investiga-se, neste capítulo, a trajetória do IBGE, identificando os fatos marcantes que

contribuíram para legitimar as práticas de preservação da memória na Instituição. Refletir

sobre a institucionalização da memória da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), compreendida como um processo de construção de uma identidade

institucional que requer procedimentos de implantação, desenvolvimento e consolidação em

conjunturas espaço-temporal específicas, constitui-se o objetivo deste capítulo.

Aprofundando a análise teórico-conceitual, verifica-se que além de fundar e criar, instituir é

também disciplinar, educar, formar. Para a sociologia, as instituições constituem meios de

socialização. São elas que asseguram a transmissão de normas e de valores sociais. Nesse

sentido, a família, a escola, a religião são instituições, assim como o são as instituições

políticas e judiciárias, além daquelas voltadas para normatizar a produção. Em sentido amplo,

as instituições designam as regras do jogo numa sociedade, o que vem de encontro ao

pensamento de Costa (1997, p. 82) que conceitua Instituição como sendo uma [...] obra

coletiva, criação social, cultural, acontecimento. Completando, a autora explica que as

Instituições [...] são agenciamentos coletivos que se instituem no seio das relações sociais.

Conforme percepção de Putnam (1996, p.23), o conceito apresentado auxilia a entender o

papel das instituições na vida social, uma vez que as regras se exercem por meio das

instituições que moldam as relações sociais e que estabelecem procedimentos

organizacionais; estes, por sua vez, estruturam os comportamentos porque, paralelamente,

moldam a identidade, o poder e a estratégia dos atores. As instituições são também moldadas

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pela história, ou seja, são constituídas pelas organizações, mas também pelos interesses e

objetivos sociais que conduzem estas organizações em direção a fins específicos, em

espaços e tempos particulares, em que se encontram intrinsecamente incorporadas às

noções de poder e de controle.

Quando se objetiva refletir sobre o processo instituinte (CASTORIADIS, 1982, p. 178-180),

não se pode deixar de estabelecer aproximações entre poder e saber. Em Foucault (1996),

faz-se a leitura de que o poder é algo que se exerce, que se efetua, que se articula e integra

todos os diferentes âmbitos em que é exercido (Estado, escola, prisão, família, asilo, fábrica,

vila operária etc). Assim, as instituições constituem relações de poder-saber, sendo a

recíproca verdadeira, pois, segundo o mesmo autor, todo saber assegura o exercício de um

poder. Nesse sentido, o poder, expresso na forma de interesses dos diferentes grupos

participantes de um cenário organizacional, pode interferir no processo de institucionalização

de uma organização e gerar mudanças que, por sua vez, levam a uma alteração no grau de

institucionalização da organização nos diferentes âmbitos de seu campo de referência (local,

regional e nacional).

Como confirma Costa (1997, p. 82), as instituições, em seu processo instituinte, trazem

embutidos [...] mecanismos de controle social, estabelecendo regras e padrões de conduta

que venham a garantir seu funcionamento e o exercício de suas funções reprodutoras, que

tendem à estabilidade e que obedecem a uma certa regularidade.

Para melhor entender o processo de institucionalização da memória do IBGE, torna-se

indispensável conhecer a história sociopolítica e cultural do órgão e rever, inicialmente, a

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trajetória da institucionalização da Geografia e da Estatística no Brasil, demonstrando como e

de que forma se estabeleceu a memória institucional no IBGE.

No Brasil, até 1862, diferentes tipos de levantamentos estatísticos eram realizados,

geralmente, incompletos e não confiáveis, devido à inexistência de metodologia definida para

tal finalidade. Naquele mesmo ano, o Ministério da Agricultura publicou um estudo que

mostrava a necessidade de centralizar as estatísticas existentes e os levantamentos

populacionais. Em 1871 a centralização concretizou-se através da Diretoria Geral de

Estatística (DGE), então subordinada àquele Ministério e à Secretaria dos Negócios do

Império. Será esta diretoria a responsável pela publicação do primeiro Anuário Estatístico do

Brasil relativo ao qüinqüênio 1908/1912 e, também, pelo censo de 1920, em que pela primeira

vez foram utilizados equipamentos mecânicos na apuração.

Há algumas décadas, vislumbrou-se constituir no Brasil um Sistema Estatístico Nacional, em

que escritórios municipais produziriam suas próprias informações estatísticas que seriam

direcionadas para agências estaduais incumbidas de compilar e tratar tais informações

passando-as, posteriormente, para órgãos regionais. O Instituto Federal coordenaria o

sistema com o propósito de adequar metodologias de coletas e possibilitar a disponibilidade

de informações. Porém, por implicações políticas e econômicas, o Sistema Estatístico

Nacional atualmente contempla apenas parte desta estrutura, reduzindo-se a uma instituição

federal (IBGE) com seus escritórios regionais e agências estaduais.

O IBGE instala-se efetivamente no Rio de Janeiro na terceira década do século XX, durante o

primeiro Governo de Getúlio Vargas – 1930/1945 –, caracterizado por uma fase de

revitalização da estrutura governamental federal, conduzindo suas ações para munir de

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informações as superintendências regionais e inspetorias municipais sedimentando-se, assim,

sua rede hierárquica. Souza (1997, p. 205) assim fundamenta a consolidação do Sistema

Estatístico Nacional:

O marco legal de referências para a produção das estatísticas no país e o Plano Geral de Informações Estatísticas e Geográficas (PGIEG), aprovado em 20 de maio de 1974, pelo decreto nº 74.084 [...] Vários dispositivos estabelecidos pelo referido decreto transformaram-se na Lei nº 6.183, de 11 de dezembro de 1974, dando forma definitiva ao PGIEG e estabelecendo um Sistema Estatístico Nacional (SEN). [...] Determina que o SEN se exercerá mediante a coordenação, orientação e desenvolvimento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

E acrescenta ainda:

O atual Sistema Estatístico Nacional tem origem no Decreto nº 24.609, de 6 de julho de 1934, que criou o Instituto Nacional de Estatística (INE). Em 1937 anexou-se a este o Conselho Brasileiro de Geografia (CBG) e, no ano seguinte, através do Decreto Lei nº 218, de 21 de janeiro de 1938, o INE passou a denominar-se Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), definido como entidade de natureza federativa tendo por fim, mediante a progressiva articulação e cooperação das três ordens administrativas da organização política da República, bem como da iniciativa particular, promover e fazer executar, ou orientar tecnicamente, em regime racionalizado, o levantamento sistemático de todas as estatísticas nacionais (SOUZA, 1997, p. 207).

Neste ponto, torna-se indispensável delinear a trajetória do IBGE, criado em decorrência das

políticas de planejamento do governo para atender às demandas de uma sociedade que se

transformava rapidamente: no início como Instituto Nacional de Estatística (1934), mais

adiante, denominado Conselho Nacional de Estatística (1936), ao qual se agrega o recém-

criado Conselho Nacional de Geografia (1937) constituindo-se, finalmente, o Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que se instala em 1938, no Rio de Janeiro, já em

pleno período do Estado Novo. Trazer à discussão memória e instituição do IBGE remete

para a dimensão de sua responsabilidade como órgão de planejamento, que tem sobre si a

tarefa imensa de realizar pesquisas e levantamentos estatísticos nos campos socioeconômico

e geopolítico em todo o território nacional.

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Mas, o que ocorreu ao longo dos últimos anos para que essa memória fosse construída e

consolidada? Terá sido um fenômeno isolado ou estará integrado a uma conjuntura mais

ampla? Sabe-se que as iniciativas de implantação e criação de lugares de memória no IBGE

oferecem, por si só, condições que permitem a reconstrução do modo pelo qual se deu o

processo de institucionalização da memória no IBGE. Tomando como referência o tempo que

permeia a criação do IBGE e o início do século XXI, é possível identificar duas fases que,

embora distantes, são de extrema relevância quando se retorna ao passado da instituição no

que se refere à criação de bibliotecas, museus e arquivos municipais. São elas: a

fundamentação legal e implantação de idéias que surgem com a atuação de Mário Augusto

Teixeira de Freitas num primeiro momento, e a institucionalização da memória que ocorre

meio século depois, na gestão de Edmar Lisboa Bacha.

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2.1. Fundamentação Legal e implantação de idéias

Marcada por um momento político de inversão administrativa do país - de sistema liberalista

para o poder autoritário da Era Vargas (1930-1945) - surge o Conselho Nacional de Geografia

(1931) objetivando prover o melhor conhecimento da terra brasileira, subsidiado pelo governo

provisório. Três anos mais tarde, Mário Augusto Teixeira de Freitas, motivado pelo desalinho

dos documentos oficiais de cartografia, apresenta um projeto com medidas que aproximavam

os serviços estatísticos e cartográficos em um único sistema: o Instituto Nacional de

Estatística e Cartografia, que não foi aceito porque centralizaria os serviços estatísticos e

cartográficos, acarretando o poder absoluto da União. Tal medida, todavia, não era de

interesse dos órgãos regionais.

Apresentado um substitutivo ao projeto inicial que propunha a reforma da organização da

estatística nacional com a criação do Instituto Nacional de Estatística (INE), desta feita os

serviços estatísticos seriam integrados facultativamente através de uma Convenção Nacional

de Estatística entre a União e os órgãos interessados, Ainda assim, Teixeira de Freitas vê seu

projeto criticado por alguns dirigentes dos órgãos da administração federal, destacando-se o

Ministro da Fazenda que argumentou ser juridicamente ilegal a criação de um fundo especial

para os recursos financeiros previstos.

O Ministro da Agricultura, Juarez Távora, intercedeu a favor do projeto enviando um parecer

ao Chefe do Governo Provisório, lamentando que o Brasil continuasse a ser desorganizado,

uma vez que, com o impedimento da criação do INE, continuaria a ser o único país que não

publicava o seu anuário estatístico e, por isso, em situação inferior aos demais países da

América. O Presidente Getúlio Vargas, após receber a réplica de Juarez Távora, assinou o

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decreto nº 24.609 de 06 de julho de 1934 dando existência ao INE, que foi a célula inicial do

IBGE.

O objetivo de criação do referido Instituto era o de promover e realizar, ou orientar

tecnicamente, em regime racionalizado, o arrolamento sistemático de todas as estatísticas

nacionais, a partir da articulação e da cooperação das três ordens administrativas da

organização da política da República, bem como da iniciativa privada. Ficava também

determinado que as estatísticas realizadas sob responsabilidade do INE deveriam seguir os

planos de conjunto estabelecidos anualmente e aproximar-se o máximo possível dos

melhores padrões que a técnica estatística recomendar, além de buscar manter os acordos

internacionais firmados, respeitadas as necessidades e contingências peculiares à vida

brasileira.

Em 25 de maio de 1936 o Instituto Nacional de Estatística é instalado no Palácio do Catete

junto à Secretaria da Presidência e, simultaneamente, a Junta Executiva do órgão,

comandaria as atividades até a organização do CNE. Todos os órgãos estatísticos existentes,

inclusive os de iniciativa privada, ficaram sob o comando do INE após a celebração da

Conferência Nacional de Estatística, realizada entre 27/07 a 11/08 do mesmo ano, em que

contou com a participação dos representantes do Governo Federal e dos governos estaduais.

A Constituição e o funcionamento do Conselho Nacional de Estatística, regulada em 17 de

novembro de 1936 pelo Decreto presidencial nº 1.200, determinava em seu artigo primeiro

que o Conselho manteria relações diretas com os chefes de governo e seus representantes,

assegurando ampla autonomia de ação técnica e administrativa para garantir o objetivo de

tornar as atividades dedicadas ao planejamento e execução dos serviços estatísticos

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brasileiros eficientes e coordenadas, tendo a incumbência de orientar e dirigir as atividades do

INE e sendo subordinado à Secretaria da Presidência da República, sob a presidência do

Ministro das Relações Exteriores, José Carlos de Macedo Soares.

Observa-se nesse período todo um ideário que, inserido no contexto histórico, se caracteriza

pela afluência da mística nacionalista da época, em que a crescente centralização da esfera

Estatal era beneficiada pelos registros estatísticos e se fortalecia com a obtenção do

conhecer sobre o quadro territorial. A apresentação das informações sobre os territórios

torna-se obrigatória entre os municípios e resulta no crescimento da rede de serviços

municipais:

A obrigatoriedade de apresentar informações básicas sobre o quadro territorial por força do Decreto-Lei nº 311, alinhada a eventos cívicos de conteúdo patriótico e nacionalista como, por exemplo, a realização de concursos e premiações pelo Presidente Vargas, contribuiu bastante para a rápida expansão da rede de serviços estatísticos municipais. [...] Com a expansão da rede municipal, completava-se assim o Sistema Estatístico Nacional. Os órgãos de estatística regionais e municipais, pertencentes ao sistema, mas administrados pelos respectivos governos a quem também interessavam os trabalhos, se responsabilizavam pela execução dos serviços, cabendo ao CNE o aperfeiçoamento dos mesmos (PENHA, 1993, p.72-73).

Entretanto, o desdobramento dos fatos teve seus empecilhos exigindo novas medidas do

governo para obtenção de resultados fidedignos em virtude: a) do desconhecimento do

quadro territorial mais detalhadamente, b) da vaga delimitação dos limites político-

administrativos e dos c) documentos cartográficos imprecisos fornecidos pelas unidades

político-administrativas. As atividades do INE se viam impossibilitadas de estabelecer critérios

racionalizados para o tratamento das informações, que se tornavam, a cada dia, obstáculos

de natureza geográfica geradoras de imprecisões e lacunas espaciais em que, certamente, a

criação de um órgão específico no tratamento destas questões se fazia extremamente

necessário.

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Em fins de outubro e início de novembro de 1936, com a aprovação do Presidente Vargas, foi

criada uma comissão de geógrafos renomados no Palácio do Itamaraty, objetivando

sugestões para a constituição de um organismo nacional de geografia que promovesse a

coordenação das atividades geográficas brasileiras. Surgiu, então, a proposta de criação do

Conselho Brasileiro de Geografia (CBG), que foi aceita através do decreto nº 1.527 de 24 de

março de 1937 e passou a existir como parte estrutural do INE. Constava dentre os motivos

do referido decreto a necessidade da adesão do Brasil à União Geográfica Internacional (UGI)

incorporação que daria projeção mundial ao país e ao órgão recém-criado. Somava-se a isso,

vantagens de caráter nacional de um Conselho Brasileiro de Geografia unido à administração

federal. Assim sendo, o Conselho Brasileiro de Geografia instalou-se, formalmente, em 1º de

julho de 1937 no salão de conferência do Palácio do Itamaraty.

Em 26 de janeiro de 1938, finalmente, surge oficialmente o IBGE que, por força de se

estabelecer harmonia ao conjunto dos órgãos técnicos CBG e CNE, são agrupados pelo

decreto nº 218 e denominados como Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,

atendendo, assim, à centralização do governo Vargas que, sob a mística do modernismo e do

nacionalismo, concedia às estatísticas e geografias a atenção e priorização de que

precisavam para ter em mãos as informações que serviriam de base estratégica para o poder

autoritário estabelecido na ocasião. Diz a respeito Simon Schwartzman (1996, p.3):

O caso do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ilustra bem as diferentes percepções e dilemas, negociações e redes que fazem parte dos processos de institucionalização e funcionamento de um órgão nacional de estatísticas. O IBGE foi criado nos anos 30 como um dos elementos de uma tentativa ambiciosa de se organizar um Estado moderno e autoritário, que poderia conhecer e governar um vasto e conhecido território e sua população dispersa. As ideologias da época pressupunham que o governo central devesse derivar sua força dos cantões do país, os municípios, passando ao largo das oligarquias tradicionais dos Estados.

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A fase de fundamentação legal, que contou com a participação de Mário Augusto Teixeira de

Freitas, primeiro Secretário-Geral do IBGE, compreende uma intenção corporificada de leis,

resoluções e decretos que deram forma à preservação da memória da cultura e do perfil

brasileiro, em que a Biblioteca, a Mapoteca, a Filmofoteca e o Arquivo Corográfico mantêm

dados registrados segundo suas especialidades. Em Teixeira de Freitas, Teses Estatísticas

(1939, p. 57), percebe-se a predominância deste ideário para divulgar e dar conhecer a

cultura brasileira, caracterizando-o como o idealizador e precursor das idéias culturais e

sociais no órgão:

Criação de pequenas bibliotecas municipais populares, objetivando preferentemente a difusão de conhecimentos úteis ao meneio das profissões agrícolas e industriais; a criação de parques ou hortos municipais, visando simultaneamente, fins de cooperação com os serviços florestais do Estado e da União, de embelezamento e saneamento urbanos, e, mesmo, de exploração industrial (fornecimento de mudas e produção de boas madeiras); a reorganização dos arquivos municipais, salvando da destruição e pondo ao alcance dos estudiosos da nossa história, o material preciosíssimo que em tais arquivos geralmente se contém; [...] a instituição de modestos [...] edifícios das Câmaras Municipais, a fito de recolher e conservar relíquias históricas que se encontram em mãos de particulares, bem assim franquear ao público uma coleção de curiosidades extraídas da riqueza mineral, da flora e da fauna locais, a que se poderia juntar também uma seção de mapas e fotografias, com um mostruário de produtos municipais, ficando assim constituído um interessante ponto de visita para classes escolares, viajantes, etc. o preparo e a divulgação [...] de notícias históricas, memórias e dicionários corográficos, álbuns ilustrados e publicações outras desse gênero, que divulguem a formação da entidade municipal, os característicos do seu território, as condições de vida local, as suas belezas naturais, etc.;

Para o jornal Amanhã, na edição comemorativa de seu segundo aniversário em 9 de agosto

de 1943, o Secretário-Geral do IBGE, Teixeira de Freitas, que completara sete anos de

atividade em 29 de maio, concedeu entrevista sobre a organização e evolução do Sistema

Estatístico Nacional, destacando os fins de um plano de cooperação interadministrativa, de

âmbito nacional:

Seguem-se as ratificações por parte dos governos de todas as Unidades da Federação, daí decorrendo imediatamente o cumprimento das obrigações assumidas, dentre as quais se destacavam a criação dos departamentos regionais de estatística e

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a celebração dos convênios entre cada um dos Estados e seus municípios, a fim de serem criadas as Agências Municipais de Estatística, filiadas ao Instituto. [...] Os serviços executados continuam a ser – mas a um só tempo e em todos os sentidos (quanto a objetivos, recursos, origem de autoridade) – federais, estaduais e municipais. Por isso mesmo, graças a essa larga compreensão das órbitas de autoridade e de todos os objetivos particulares, que lhes dá sentido nacional, ficam por assim dizer, nacionalizados, pois que exercidos para os fins todos da Nação, em matéria de geografia e estatística, e utilizando todos os seus recursos e tôda a autoridade, a cargo de uma entidade para cuja instituição concorrem , no uso de suas autonomias, prerrogativas e competências, e na forma de um mandato político solenemente convencionado, todos os governos co-interessados. [...] Demais disso, as nossas iniciativas e publicações de finalidade cultural têm nítidos objetivos de renovação e unidade nacional (FREITAS, 1999, p. 120, p. 124, grifo do autor).

Como vimos, instaurado pela Revolução de 30, o Governo Provisório chefiado por Getúlio

Vargas, necessitava de apoio para tomada de decisões políticas no que se refere aos

serviços estatísticos. Esse apoio deveria fundamentar-se, sobretudo, em números exatos que

retratassem a realidade do país, mas carecia de um organismo capaz de lhe fornecer esses

elementos essenciais para a implementação de políticas públicas governamentais. Assim, a

idéia da criação de um órgão nacional, coordenador das atividades estatísticas que

possibilitaria conhecer, avaliar e sentir o Brasil em sua verdadeira imensidão, é concretizada,

objetivamente, por Teixeira de Freitas, que se torna o idealizador e criador do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística.

Esses breves trechos nos fornecem indícios sobre o pensamento de Teixeira de Freitas, e

também sobre a linha de ação que adotaria como embasamento para a preservação da

memória geográfica e estatística nacional, aquele que, durante 12 anos - de 1936 a 1948 -

idealizou, planejou e consolidou a organização estatística brasileira como Secretário-Geral do

Conselho Nacional de Estatística, órgão do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – o

IBGE. Nessa perspectiva, o conhecimento de parte de sua biografia é indispensável para a

compreensão dos objetivos que envolveram a formação das coleções iniciais e da

preservação da memória, como, também é importante para a reflexão sobre o seu Projeto

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Nacional que serve de infra-estrutura para o desenvolvimento do Estado e da Sociedade

Brasileira.

2.1.1 O criador da mística ibgeana

Mário Augusto Teixeira de Freitas nasceu em São Francisco do Conde, Bahia, já na ultima

década do período monárquico, em 31 de março de 1890, ano em que a Assembléia

Constitucional foi eleita e, faleceu em 22 de fevereiro de 1956 na cidade do Rio de Janeiro.

Em 1908 ingressou na antiga Diretoria Geral de Estatística do Ministério da Agricultura,

Viação e Obras Públicas, promovendo pesquisas estatísticas inéditas no país, até aquela

data. Três anos depois se formou em Direito na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do

Rio de Janeiro, cidade para onde retornou em 1931.

Em março de 1920, como Delegado Geral do Recenseamento em Minas Gerais, recebeu o

convite do governo mineiro para reformar a organização estatística estadual por sua

extraordinária atuação nesse cargo, experiência que lhe permitiu aplicar no campo da

estatística suas concepções e ideais do sistema de cooperação interadministrativa entre as

esferas de governo federal e estadual. Durante o tempo em que permaneceu como diretor do

Serviço de Estatística Geral de Minas Gerais elaborou diversos trabalhos, entre eles o

Anuário Estatístico do Estado, o Anuário Demográfico e o Atlas Corográfico Municipal de

Minas Gerais.

Em 1931, Teixeira Freitas transferiu-se para o Rio de Janeiro para assumir o cargo de Diretor-

Geral de Informações, Estatística e Divulgação (1931-1935), nomeado por Francisco

Campos, primeiro ministro a ocupar a pasta da educação em 1930. Ainda nesse ano e posto

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no recém-criado Ministério da Educação e Saúde Pública, trazendo na bagagem a

experiência anterior no território mineiro, concebe o plano de cooperação interadministrativa

de âmbito nacional. Esse plano apresentado em 1931, na IV Conferência Nacional de

Educação, pode ser visto como o ponto de partida da evolução estatística nacional.

Em 1932, como Diretor-Geral de Informações Estatística e Divulgação, apresenta relatório

detalhado da realidade estatística brasileira e formula anteprojeto de lei da criação do Instituto

Nacional de Estatística e Cartografia ao Chefe do Governo Provisório da República, por

intermédio do Ministro da Educação, Francisco Campos. Teixeira de Freitas submeteu um

novo projeto à apreciação da Comissão Interministerial, constituída em 1933 pelo Governo da

União sob a presidência do diretor do Departamento Nacional de Estatística, Léo d’

Affonseca.

O sonho de Teixeira de Freitas começa a se tornar realidade quando Getúlio Vargas,

Presidente da República, baseado no parecer do Ministro da Agricultura Juarez Távora,

assina o Decreto nº 24.609, 6 de julho de 1934, dando existência ao Instituto Nacional de

Estatística (INE).

A importância da criação de uma instituição como o IBGE para o seu idealizador e criador,

pode ser avaliada a partir do discurso de Teixeira de Freitas (1994, p. 78), ao se debruçar

sobre o desafio que o contexto nacional impunha à época já preconizava que quadros

dantescos, mas pouco perceptíveis para aqueles que pretendem observar e estudar o Brasil

sob a luz ofuscante dos focos da exótica e superficial civilização das nossas capitais, sem

habituar primeiro os olhos à escuridão. Ele almejava olhar na escuridão para visualizar os

problemas, em todos os campos da atividade social, identificá-los e elaborar idéias com

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clareza e nitidez. A produção e a divulgação desse saber eram considerados tão importantes

quanto os problemas educacionais e culturais, pois era sobre esses conhecimentos que

assentavam todos os seus pensamentos e ações atuantes, objetivamente, na direção da

realidade física e social brasileira.

O depoimento de Waldemar Lopes pode ser citado para reafirmar o pensamento de Teixeira

de Freitas na qual ele indicava a necessidade de:

[...] modificar a situação do país [...] mostrando a ignorância em que o Brasil vivia os seus próprios problemas o que nos levou [...] aquela frase que ele cunhou curta, mas bastante significativa“ Faça o Brasil a estatística que deve ter e a estatística fará o Brasil como deve ser.” Então era essa a missão do IBGE, oferecer ao Brasil as estatísticas de que ele precisava para conhecer bem os seus problemas, e conhecendo os seus problemas, resolvê-los e fazer o Brasil como deve ser (Memória Institucional – GEBIS / IBGE).

Desde o início, Teixeira de Freitas (1932, p.56) enfatizou a precariedade da organização

estatística vigorante no país, recorrendo aos resultados de suas conclusões para demonstrar

que essa indiferença para com as pesquisas estatísticas prejudicava o conhecimento da

realidade nacional. Sua preocupação predominante era criar um sistema que retratasse o

Brasil, não apenas no que se refere à educação e à cultura, mas também em todas as áreas

de atuação nacional. Sua visão o levava a afirmar a urgência do Brasil conhecer-se para

tornar-se senhor de seu destino, pois ignorava quase tudo de si mesmo e da soberba herança

que lhe confiou a munificência divina:

O Brasil, lamentavelmente, ainda é um país que ignora quase tudo de si mesmo. Os dados com que se possa caracterizar qualquer aspecto da vida nacional, ou não existem, ou são difíceis de encontrar, ou se acham elaborados fragmentária e lacunosamente, ou são antiquados, ou se contradizem, quando não se distanciam da verdade. E as indicações sintéticas das condições existenciais do país, que os povos cultos mantêm em dia, nos seus mapas geográficos, físicos e políticos, e nos seus Anuários Estatísticos, o Brasil praticamente não possui, porque só se podem assinalar neste particular, entre nós, tentativas insuficientes e sem a desejável continualidade e perfectibilidade (FREITAS, 1961, p. 129).

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O discurso do educador Lourenço Filho (1994, p. 23) por ocasião do primeiro aniversário de

morte do Teixeira de Freitas, proferido no auditório do Ministério da Educação no Rio de

Janeiro (Distrito Federal), pode ser ainda citado para elucidar, entretanto, uma das posturas

explicitadas por Freitas, ou seja, o seu desejo de melhor conhecer nossa terra e nossa gente

para bem servir a nação brasileira. Diz o educador que Teixeira de Freitas era, primeiramente,

apaixonado pelo país e pelo povo brasileiro. E os amava de forma lúcida, em todos os

momentos, buscando conhecê-los com maior profundidade para compreender, melhor, as

suas condições e maneiras de viver.

Isso explica a sua dedicação à luta pela interiorização da capital, pelo municipalismo,

estatística e educação e, mais ainda, pelas realizações da cultura. Seu ideário conduz ao

conjunto de crenças e valores que transcende a mística do nacionalismo, que faz do homem

o seu meio, da sociedade a sua causa, do Brasil o seu fim. Emerge deste pensamento, a

mística ibgeana, em que o homem é muito mais criador quando encontra felicidade na esfera

da sua ação [...] essa felicidade sob a cúpula magnífica do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (BRAGA, 1939, p. 17). Essa representação mental pode ser observada em alguns

trechos da palestra que proferiu em 1943, no município de Ponte Nova – Minas Gerais, na II

Semana Ruralista, representação da sua visão de organização social, econômica e política

voltada para melhoria das condições de vida dos brasileiros de forma geral:

Concidadãos! Façamos o Brasil de amanhã, o Brasil feliz de todos os brasileiros, um Brasil orgulhoso da América, diadema da humanidade. Não nos falta a matéria-prima – riquezas naturais e riquezas humanas. O que nos falta apenas é a “organização”. Organização social, organização econômica, organização política. Mas, sobretudo, organização do Brasil-município, do Brasil-rural. Trabalhemos sem desfalecimentos, lutemos sem trégua para conquistar essa organização. Façamos, brasileiros, façamos o nosso Brasil, antes que seja tarde, antes que o Brasil se desfaça (CUNHA, 1994, p. 56).

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A estatística, para ele, significava o recurso de investigação, o instrumento de conhecer,

revelar e de habilitar a decisões mais seguras, propiciando melhor ciência do Brasil, da sua

população, da sua terra e das atividades multiformes de sua gente; a educação e realizações

da cultura representavam os meios de melhorar o homem para enriquecimento do Brasil,

tendo como propósito dignificar a vida social coletiva mediante a educação.

Teixeira de Freitas fez estudos aprofundados sobre a Educação diante de um sistema

educacional incompleto, com currículos diferenciados tanto para a capital e o interior, como

para a zona urbana e a zona rural. Em Minas Gerais realizou, o primeiro estudo sobre

educação com estatísticas amplas sobre o problema educacional, apresentado no II

Congresso Nacional de Geografia. Contestado por alguns educadores na época, cumpriu,

posteriormente, uma complementação num trabalho de maior fôlego apresentado na primeira

reunião pública da Sociedade Brasileira de Estatística.

Tentando de todas as formas sensibilizar o governo para as questões da educação no país,

Teixeira de Freitas sugere aos estados, municípios e à União que estabeleçam uma cota

mínima de despesa com esse item para que o Governo Federal cubra os gastos quando os

municípios tiverem escassez de recursos.

No cargo de Secretário-Geral do Conselho Nacional de Estatística do IBGE, no período

compreendido entre 1936 a 1948, Teixeira de Freitas idealizou, planejou e consolidou a

organização estatística brasileira. Em sua gestão à frente da Secretaria Geral, tornou-se

responsável por numerosas resoluções e leis federais de interesse nacional para a

consolidação do sistema estatístico-geográfico, tais como o Decreto-Lei n° 311, de 2 de

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março de 1938, conhecida como Lei Geográfica do Estado Novo, que dispõe sobre a divisão

territorial do país e institui uma sistemática para a divisão dos estados em municípios e destes

em distritos; o Decreto-Lei n° 969, determinando a realização decenal, nos anos de milésimo

zero, do Recenseamento Geral do Brasil; e o Decreto-Lei n° 4.181, de 16 de março de 1942,

que, entre outras diretrizes, autorizou a realização dos Convênios Nacionais de Estatística

Municipal possibilitando, assim, solucionar o problema da coleta de dados no âmbito

municipal, fundamental para a estatística geral e, de modo especial, para os estudos

imprescindíveis à segurança nacional.

Na determinação desse homem, proficiente em tudo o que punha as mãos, manifestavam-se

pensamentos que propunham uma visão global sobre a realidade socioeconômica, política e

administrativa do Brasil, visando corrigir anomalias graves no território e o bem-estar das

populações sob o impulso da revolução da técnica e da ciência. E exatamente porque tais

pensamentos diziam respeito à divulgação do ensino e sua adaptação às necessidades da

realidade brasileira, à revitalização dos municípios, à re-divisão territorial abarcando a

interiorização da Capital Federal - que levou a construção de Brasília -, ao prevalecimento do

sistema métrico decimal, à cooperação interadministrativa em diversos campos de atuações

governamentais, à uniformização ortográfica, à adoção do esperanto como língua auxiliar, à

criação de bibliotecas e museus municipais e à re-estruturação da administração do país,

podemos afirmar, que Teixeira de Freitas criou e consolidou o IBGE que, segundo Silva

(1994, p. 17), é o sistema de cooperação governamental mais abrangente e fecundo que se

poderia conceber num país extenso como o Brasil.

Na história de Teixeira de Freitas tudo leva à conclusão de seu caráter puramente idealista e,

sendo um homem de ações e idéias, é visto por muitos com uma vibração messiânica que

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contagiava a sociedade, as personalidades públicas e o próprio corpo técnico do IBGE,

influenciando grandes realizações institucionais sob a mística ibgeana do sentimento de

fidelidade e devotamento de todos os envolvidos em prol da nação que permanece presente

até os tempos atuais na comunidade ibgeana.

De tal modo exerceu-se sua influência na ação desse sistema, que se veio cunhar a expressão “mística ibgeana” para definir o sentimento de fidelidade e devotamento de quantos, em todo território nacional, serviam aos ideais de Teixeira de Freitas e obedeciam-lhe a orientação (LOPES, 1957, p.5).

Observando o ponto de vista de Said Farhat (2005), identifica-se em Teixeira de Freitas,

tendências de um ideário obstinadamente patriótico:

Teixeira de Freitas ensinava pela palavra e, muito mais pelo exemplo, que devíamos ser patriotas, não ter timidez de o ser. Agir como patriotas e dizê-lo. [...] colocar essa bandeira diante de tudo o que tivéssemos de fazer. E que a recompensa do incômodo, da dureza de vida e das condições difíceis sob as quais trabalhávamos, era o próprio esforço a bem do País.

Em virtude da quantidade de informações e peculiaridades próprias de seu tempo, registra-se,

ainda que superficialmente, inúmeras iniciativas dispersas, mas que não podem deixar de ser

apreciadas, devido à grande importância dos feitos na época, embora não seja essa fase o

alvo deste trabalho. Neste período, se constata a existência de um movimento progressivo,

resultante de sucessivas interações, que proporciona o saber sobre o Brasil, sua geografia e

sua cultura (especialmente enfatizada) através de exposições, bibliotecas, museus e

arquivos,que não podem passar sem uma alusão. Buscando objetividade, mas evidenciando

os fatos marcantes ocorridos no intervalo temporâneo de 1945 a 1985, destacam-se aqueles

que melhor compuserem o assunto em pauta evitando, assim, uma lacuna na história do

IBGE, um vazio de 45 anos que não existiu, já que os feitos da época preenchem esse

passado.

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A criação do Museu de Geografia do Brasil, na década de 40, pode ser vista como um dos

primeiros movimentos interativos, quando José Carlos de Macedo Soares presidia o IBGE,

Mario Augusto Teixeira de Freitas secretariava o CNE, e Cristóvão Leite de Castro o CNG.

Nesta ocasião, Getúlio Vargas e Gaspar Dutra dividiram o decênio como Presidentes da

República, sendo o primeiro até 1945 e o segundo a partir de 1946.

Entre vitórias e crises no IBGE, a década de 50 marca um período ímpar em sua história.

Iniciando um ciclo de mudanças administrativas freqüentes, o IBGE teve nove Presidentes8; o

CNE, treze Secretários Gerais9; o CNG oito10. As realizações desse período se direcionam

aos censos que, além de Demográficos, foram também Agrícolas Industriais. Houve um fato

político bastante atípico quando o trabalho do IBGE ganhou, nesse período, o

reconhecimento internacional. Solicitado pela ONU, o Instituto Interamericano de Estatística

patrocinou o Recenseamento Geral de 1950 e integrou o Brasil ao Censo das Américas.

Todavia, o General Djalma Polli Coelho, Presidente do IBGE na ocasião, numa entrevista

para o jornal Correio da Manhã declarou que as estatísticas produzidas pelo órgão que dirigia

eram caras, imprecisas e atrasadas, gerando grande indignação nos funcionários, causando,

inclusive, pedido de demissão de todos os chefes de serviços. Instalado um inquérito por

ordem de Getúlio Vargas, os funcionários são isentados das acusações, e o General Polli

Coelho acabou por abandonar o cargo de Presidente do IBGE. Este período registra a criação

da Escola Brasileira de Estatística na Secretaria-Geral do CNE, em 6 de março de 1953, pela

8 José Carlos de Macedo Soares, Djalma Polli Coelho, Manoel Espíndola, Florêncio Carlos de Abreu e Silva, Elmano Gomes Cardin, José Carlos de Macedo Soares (retornando), Jurandyr Pires Ferreira, Moacyr Malheiros Fernandes da Silva e Jurandyr Pires Ferreira (retornando). 9 Waldemar Lopes, Lourival Câmara, Afonso da Silva, Ovídeo de A. Junior, Maurício Richtiner, Sebastião de Oliveira Reis, Afonso A. R. da Silva, Waldemar Lopes (retornando), Antônio P. L. T. de Freitas, Luiz de Abreu Moreira, Hildebrando M. da Silva, Raul do Rego Lima, Waldemar Cavalcante. 10 Edmundo Gastão da Cunha, Luiz Eugênio P. F. Abreu, José Veríssimo da C. Ferreira, Deoclécio de P. Antunes, Fábio de Macedo Soares Guimarães, Virgílio Corrêa Filho, Spiridião Faissol, Fábio de Macedo Soares Guimarães (retornando).

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Resolução n° 416, posteriormente denominada Escola Nacional de Ciências Estatística

(ENCE), pela Resolução n° 442, de 29 de maio de 1954, da Junta Executiva Central do IBGE.

A década de 60 sofreu grande instabilidade política, marcada entre outros fatos pela renúncia

de Jânio Quadros e posse de João Goulart na presidência da República, após a ocorrência do

Golpe de Estado de 1964, assume como presidente, Castelo Branco, dando lugar após três

anos, a Arthur da Costa e Silva. O IBGE, vivenciando um fluxo intenso de Presidentes, inicia a

década com José Joaquim de Sá Freire Alvim, passa por Roberto Bandeira Accioli, Waldir da

Costa Godolphim, Aguinaldo José de S. Campos e termina com Sebastião Aguiar Ayres. O

CNE11 e o CNG12 passariam pelo mesmo processo, com alterações, também de seus

Secretários-Gerais.

Os primórdios da década foram marcados pela implantação do Centro de Computação

Eletrônica, inovação tecnológica que atemorizou alguns funcionários, pois inicialmente

acreditavam que a máquina substituiria o sistema de apuração mecânica convencional e,

sendo assim, seus serviços poderiam ser dispensados. Temores que, com o passar do

tempo, foram abandonados.

Com tamanha afluência de executivos do governo, o movimento progressivo do saber e

conhecer o país, já agora mais disponível aos brasileiros, continua revigorado através das

exposições regionais e locais nos estados de São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul,

Goiás e Minas Gerais. Também nesta década, a Instituição adquire a casa onde nasceu

Teixeira de Freitas, em São Francisco do Conde (BA), com o propósito de instalar ali um

11 Lauro de S. V. de Castro, Paulo de Jesus Morão Rangel, Germano Seid Vidal, Sebastião Aguiar Ayres, Raul Romero de Oliveira. 12 Waldir da Costa Godolphim, que veio a ser presidente do IBGE ainda nesta década, como interventor designado pelo Chefe do Estado Maior do Exército, Speridião Faissol, René de Mattos e Miguel Alves de Lima.

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museu e centro cultural. No final da década, em 13 de fevereiro de 1967, pelo Decreto-lei n°

161, a autarquia IBGE transformou-se em Fundação, passando a se denominar Fundação

Instituto Brasileiro de geografia e Estatística.

Na década de 70, apesar da cultura brasileira sofrer a perda do Museu de Geografia do

Brasil, extinto oficialmente em 1977, em contrapartida é criada no país a Reserva Ecológica

do Roncador (Brasília), cujo acervo especializado está disponível a pesquisadores e ao

público em geral. Este decênio teve Emilio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Baptista

de Oliveira Figueiredo como Presidentes da República, enquanto o IBGE era presidido por

Sebastião Aguiar Ayres e Isaac Kerstenetzky.

É pertinente observar que, na primeira fase de fundamentação legal e implantação de idéias

do IBGE, por ocasião da gestão de Getúlio Vargas, a administração do IBGE, CNE e CNG era

estável e, mesmo quando Eurico Gaspar Dutra assume a Presidência da República, no

espaço de 1946 a 1951, é mantido no cargo o Embaixador José Carlos de Macedo Soares

como Presidente do IBGE, exonerado apenas, a pedido, em 27 de abril de 1951. Entretanto, a

partir de 1951, Getúlio Vargas retorna à Presidência da República e toda a diretoria do IBGE,

CNE e CNG é reestruturada, dando início ao novo ciclo administrativo que, embora de forma

dispersiva, inspirou iniciativas importantes no sentido de organizar e disponibilizar a memória

do Brasil, objetivando revelar o país aos brasileiros e demais interessados e, por isso,

merecedor de reconhecimento e considerações.

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Trazendo à discussão as reflexões de Pierre Nora em seu artigo Entre memória e História: a

problemática dos lugares - em que o autor enfatiza a distinção entre memória e história -,

torna-se possível extrair do texto algumas idéias, entre elas, que o passado vai perdendo

espaço para o presente, mudança que o pensador francês atribui a um processo de

aceleração da história. Em outras palavras, resulta esse processo em uma veemente

valorização do passado e, nesse movimento de retorno, ativa-se intensamente a memória

trazendo-o para o tempo presente. A memória, segundo Nora, representa um importante

componente da identidade, pois ela é impregnada do que é residual aos lugares. Para o

autor existem lugares de memória13

, signos de reconhecimento e pertencimento de um grupo.

Na medida em que na contemporaneidade a memória espontânea é cada vez mais escassa,

seria preciso registrar, em profusão, a própria vida presente e relembrar o passado a cada

instante. Nora (1993, p. 9) chama atenção para o fato da memória estar sendo perdida, e,

portanto, são necessárias medidas que enfatizem a preservação, dos vestígios, traços e

objetos como alternativa para a ameaça de esquecimento provocado pelas mudanças,

constantes e rápidas, do mundo contemporâneo conforme o mesmo autor cita:

A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em evolução permanente, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e repentinas revitalizações.

Jacques Le Goff (1990, p. 220) contribui para essa reflexão, lembrando que a distinção entre

passado e presente é um elemento essencial da concepção do tempo e, mais ainda, a

aceleração da história levou as massas dos países industrializados a ligarem-se

nostalgicamente às suas raízes, originando a moda retro, o gosto pela história e pela

13 Pierre Nora (1993) criou a expressão lugar de memória para indicar lugares especiais utilizados por uma sociedade para marcar fatos importantes de sua memória. Trata-se de lugares organizados e evocativos das memórias tais como museus, arquivos, bibliotecas, exposições, datas, comemorações, festas.

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2.2 Institucionalização da memória

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arqueologia, o interesse pelo folclore, o entusiasmo pela fotografia, criadora de memória e

recordações, o prestígio do patrimônio. Segundo Gonçalves (2003, p. 22), a constituição de

um patrimônio resulta das diversas atividades de colecionamento de objetos e materiais, que

qualquer grupo humano exerce, objetivando se identificar e distinguir seus domínios.

Portanto, os quadros sociais são produtores das lembranças quando certas imagens, que

desempenharam um papel importante no passado, ganham vida.

Considerando que a história é sempre reconstrução que se admite imprecisa e incompleta do

que não existe mais, porém, sempre uma representação do passado e que a memória, sendo

um fenômeno continuamente atual, é um elo vivido de lembranças vagas que parte do

presente para reestruturar o passado, percebe-se que há sempre uma memória de valoração

de um grupo ou sociedade. De certa forma há, sempre a possibilidade de recriar, nesse

presente volátil e acelerado, novos lugares de memória para reviver e evocar o passado.

Assim, é no presente que a construção do passado é disputada com recurso para a

construção de um futuro que responda as aspirações deste presente. Neste sentido, parece

pertinente pensar as estratégias de armazenamento e esquecimento do passado na

instituição de museus, centros de memórias, exposições e bibliotecas como indicativos desse

movimento, do que se guarda e armazena e do que se quer lembrar, pois o não mais visto

tende ao esquecimento. Como aponta Pollak (1989, p.11), é preciso escolher o que vai ser

lembrado e o que deve ser esquecido.

Em Representações individuais e representações coletivas, Durkheim (1970) defendeu o

caráter simbólico da memória individual como traço de um complexo social mais amplo,

conceito que perdurou durante longo tempo. Uma nova visão surge, entretanto, com

Halbwachs (1990), ao demonstrar a institucionalização social da memória, vista como

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construtora da identidade cultural do grupo, em que um indivíduo só se lembra do seu

passado à medida que se coloca sob o ponto de vista de uma ou mais correntes do

pensamento coletivo. Halbwachs enfatiza que tudo o que se lembra do passado faz parte das

construções sociais que são realizadas no presente e que a Memória Coletiva detém somente

o que ainda é vivo na consciência do grupo.

Por outro lado, para Bourdieu (2000) a Memória Social se constitui instrumento de dominação

e controle social, um campo de mobilização, disputa, produção de significados e sentidos,

ressaltando o autor que essas construções significativas são processos sócio-históricos que

resultam e exigem complexas e tensas negociações, ou seja, práticas coletivas dotadas de

objetividade e partilhadas pelos atores e projetos envolvidos.

Halbwachs e Bourdieu, enquanto pensadores da Memória Coletiva e Social, se distanciam no

tocante à abordagem dos conceitos apresentados: o primeiro considera a memória um

processo estanque que se desenvolve no âmbito das relações do indivíduo com a família,

escola, instituições e círculos sociais a que pertence, muito embora desvinculada de

conceitos éticos e políticos; o segundo não abdica da visão pragmática ou política e

fundamenta suas idéias discutindo a teoria do campo como lugar social das disputa de

sentidos: o conceito de campo não valoriza a sociedade como um grupo abstrato, mas sim,

um complexo em processo de mudança que não forma uma totalidade, não é única como

também não possui uma única cultura, lugar onde persistem conflitos e tensões.

Ainda na mesma direção, asseguram Moraes e Santos (2000, p.102) que a memória

certamente envolve uma forma de expressão própria dos membros de um coletivo que

administra, produz, organiza e atribui sentido às expressões e relações que na história

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mobilizam grupos sociais. Os referidos autores (2000, p. 103) acrescentam, a seguir, que a

memória deve ser vista como uma expressão partilhada de um modo de compreender e se

relacionar no mundo. Portanto, trata-se, também, de um campo de lutas simbólicas. Dito de

outra forma, os campos sociais são múltiplos e desconcentrados, e não podem ser

submetidos a uma lógica social única e totalitária, como afirma Bourdieu, e que Moraes

confirma ao sentenciar que tanto na cultura, nas instituições e projetos sociais nem sempre as

memórias coexistem de maneira pacífica e/ou conflituosa, constituindo-se uma produção

discursiva e simbólica para afirmação de identidades que contribuem para a construção de

representações por parte de um determinado grupo ou sociedade.

No ideário de Gramsci (1991) busca-se a compreensão de cultura como um lugar de síntese

entre as manifestações de contradições e antagonismos que permeiam a vida social e,

certamente, um lugar de consenso que diz respeito à liderança ideológica conquistada entre a

maioria da sociedade, formada por um conjunto de valores morais e regras de

comportamento. Nesse sentido, as reflexões sobre memória e representações sociais,

focadas na celebração do cinqüentenário do IBGE, permitem que se proceda à valoração da

cultura, sendo, na visão gramsciana, associada à política como elemento de transformação

da sociedade e de sua conservação. No pensamento de Coutinho (1999), confirma-se que em

Gramsci a hegemonia não é apenas direção política, mas também cultural, isto é, obtenção

de consenso para um universo de valores, de normas morais, de regras de conduta.

Com efeito, a Exposição do Cinqüentenário significou a associação entre política e cultura,

expressa pela instituição ibgeana, em que organizadores e dirigentes colocam sobre si a

responsabilidade pelos planos de ação, determinando os valores a serem alcançados em

função de interesses comuns e da produção intelectual do IBGE.

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Uma série de eventos, que se iniciam este mês e só acabam daqui a um ano, em maio de 1987, marca as comemorações do cinqüentenário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O IBGE vai aproveitar a oportunidade criada pelas suas bodas de ouro para fortalecer e reaquecer mais ainda as ligações com as diversas comunidades com as quais se relaciona: o público em geral; a sociedade técnico-científica e, principalmente, sua população interna (NAS BODAS DE OURO, n° 3, p. 31).

Esta segunda fase tem como marco a criação do Projeto Memória Institucional (Resolução n°

59 de 30 de outubro de 1985), iniciada na então Biblioteca Isaac Kerstenetzky do Instituto

quando, pela primeira vez, emergem e se concretizam, efetivamente, novas idéias, agora

voltadas para a preservação da memória institucional.

Coordenado inicialmente por Maria Beatriz Pontes de Carvalho, Superintendente da

Biblioteca Central (BICEN), que antecedeu Icléia Thiesen Costa, o Projeto Memória teve

como propósito: estudar a história do sistema nacional unificado dos serviços estatísticos,

censitários e geográficos, além de organizar os documentos essenciais da Instituição e

estabelecer, assim, sua importância na história administrativa e política brasileira.

O Projeto Memória do IBGE corporificou-se a partir das idéias iniciais organizadas

legalmente, adquirindo caráter próprio para a sua sedimentação. Institucionalizado o Projeto,

cujo objetivo precípuo seria documentar a evolução histórica do IBGE, concretizou-se a

intenção primeira de se implantar uma política que preservasse a memória da Instituição e

sua trajetória na sociedade brasileira, conforme citação a seguir:

Registrar a memória de uma instituição pública como o IBGE envolve necessariamente um conjunto de ações coordenadas cujo produto final é a organização do acervo documental (escrito e oral), audiovisual, iconográfico e tridimensional produzido em diferentes épocas da existência do órgão (COSTA, 1992, p. 26).

A relevância do Projeto Memória residiu no processo de modernização do poder público no

Brasil, já que, por ser tratar de uma instituição criada para atender ao governo, sua relação

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com a sociedade civil ao longo dos últimos 50 anos pouco se alterou sendo, basicamente,

representada pela produção e disponibilização de dados e conhecimentos teórico-técnicos

sobre a realidade nacional. A criação do Projeto Memória do IBGE representa a fixação de

um marco, em que memória e história se entrecruzam a partir do presente organizando o

passado, propiciando uma visão da Instituição, mais adequada aos anseios da sociedade e

de seus funcionários.

O desenvolvimento do Projeto Memória propiciou condições para a concretização da

exposição comemorativa do cinqüentenário, intitulada IBGE: 50 anos produzindo

informação (1936-1986). Sedimentada a idéia, as intenções se sobrepõem, entre elas

mostrar ao público o desenvolvimento da Instituição e, simultaneamente, apresentar os

processos utilizados, os produtos elaborados e a participação dos funcionários em cada uma

das fases daquela evolução, inseridos nos fatos da história do país no período considerado.

Foto 1: Participação funcionários do IBGE.

Acervo da Memória Institucional. CDDI/ IBGE

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Entendendo a Exposição como um lugar de memória, a decisão de investigar a comemoração

do Cinqüentenário do IBGE está fundamentada na importância das ações gestadas por

ocasião da celebração daquele evento e, mais ainda, na relevância das representações

sociais geradoras e do uso que se fez delas para além do tempo e do espaço expositivo

institucional.

As primeiras atividades do Projeto Memória foram concretizadas na Exposição Comemorativa

do Cinqüentenário do IBGE em 1986, onde alguns trabalhos deram continuidade a esse

movimento de preservação da história e memória da sociedade brasileira e do órgão.

Foto 2: Projeto Memória

Acervo da memória Institucional. CDDI/IBGE

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Mais tarde, surgiram desdobramentos do Projeto Memória impulsionados pelas idéias

preservacionistas: em 1990, o da Memória Institucional; em 1991, a criação da Coleção

Ibgeana; em 2000, a recriação de uma Agência Modelo ambientada na década de 40 com a

finalidade de recuperar, guardar e exibir peças que retratam as Agências Municipais de

Estatística tal como existiram no passado; na Diretoria de Geociências (DGC) a organização

de um Museu de Geodésia e Cartografia, ainda incipiente, localizado no complexo de Parada

de Lucas; e finalmente, em 2002, a retomada das políticas de memória, o que inclui os

Projetos História Oral e Pioneiros do IBGE.

Ao se restaurar o processo de institucionalização da memória do IBGE, somado às

tendências ideológicas e aos programas de gestão dos diversos períodos por que passou a

instituição, revelam-se intenções e ações de início fragmentadas que, gradativamente,

adquirem características preservacionistas com o propósito de se evitar a dispersão da

memória da instituição, resguardando-a e preservando-a para que o passado continue

presente ao longo das gerações futuras.

A abertura da economia, a restrição da ação do Estado e o estímulo às privatizações foram

temas que mobilizaram os diversos setores, preocupados em definir um novo perfil para o

país. Nesse contexto, duas tendências podem ser percebidas: por um lado, ocorreu uma

retração do poder público no financiamento de projetos institucionais de pesquisa básica e no

patrocínio de iniciativas de preservação nacional; de outro, revelou-se o interesse de grandes

instituições em recuperar a sua própria memória, em reconstruir o seu papel na historia do

país. Pode-se afirmar, pois, que a criação do Projeto Memória Institucional do IBGE se

oferece como um exemplo do compromisso Institucional assumido com a função de zelar pelo

seu patrimônio documental.

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O processo de criação do Projeto Memória pode ser compreendido sob três etapas: a

primeira delas identifica os fatos relevantes da trajetória da instituição, seus resultados, tantos

teóricos quanto práticos e considerar, a partir desses elementos, sua relação com a

sociedade e o Estado. A partir desse fio condutor foi possível estabelecer procedimentos de

busca e seleção do material relevante à missão institucional do IBGE, analisar a produção de

informações, os processos utilizados, o formato organizacional, a participação dos

funcionários e a imagem da instituição perante a sociedade.

A segunda etapa compreendeu o levantamento do acervo da Gerência de Documentação e

Biblioteca (GEDOC) atual GEBIS do Centro de Documentação e Disseminação de Informação

(CDDI) - depositária oficial da massa documental da memória da instituição. A análise e

recuperação das obras – conjunto altamente revelador, contam histórias e revelam o

ambiente dos trabalhos realizados pelos funcionários do órgão -, permite avaliar a importância

das atividades técnicas exercidas na instituição e assegura a memória do registro histórico e,

além disso, minimiza o esquecimento das gestões anteriores.

A terceira etapa objetivou despertar o interesse e a consciência dos funcionários quanto à

necessidade da preservação de documentos como parte constituinte de sua participação nas

atividades institucionais, expressa na logomarca: Uma Instituição é tão mais forte quanto mais

viva for a sua memória, registro impresso nos documentos elaborados na esfera do Projeto

Memória do IBGE.

Como data propícia ao lançamento oficial do Projeto Memória do IBGE, a Comissão de

Projeto Memória do IBGE, constituída para coordenar a organização dos trabalhos de

reconstituição da evolução histórica da Instituição (Resolução PR nº 59, de 30 de

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outubro de 1985), considerou que o Cinqüentenário da Instituição deveria ser celebrado

por uma exposição, evento que aprofundou a discussão de idéias e pesquisas acerca do

passado da Instituição, colocou em questão a necessidade de introduzir práticas para

preservar a memória do órgão e viabilizou a sua implantação no IBGE.

Foto 3: Projeto Memória.

Acervo da Memória Institucional. CDDI/IBGE

A organização do evento compreendeu inúmeros passos: a decisão primeira elegeu o espaço

do mezanino do Palácio Gustavo Capanema (ex-Palácio da Cultura do Ministério de

Educação e Cultura - MEC) como local da exposição, cabendo observar que essa escolha

alude, de certa forma, ao fato de Mario Augusto Teixeira de Freitas, fomentador de iniciativas

essenciais que resultaram na criação do IBGE, ter exercido o cargo de Diretor do Serviço de

Estatística do Ministério da Educação e Saúde.

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Foto 4: Escolha do Palácio Gustavo Capanema. Exposição Cinqüentenário do IBGE.

Acervo da Memória Institucional. CDDI/IBGE.

A elaboração do roteiro do evento demandou a utilização de vários documentos existentes

sobre a instituição e que serviram de base para as decisões, bem como referência para a

pesquisa bibliográfica que resultou em Publicações editadas pelo IBGE: monografias. Os

itens arrolados nesta publicação foram ordenados por data de edição, na expectativa de que

os trabalhos editados pelo órgão retratariam as diretrizes adotadas em cada administração.

Em seguida, realizou-se levantamento de fatos da história do país, do século XIX até aquela

data (julho de 1986), relacionando história, memória e documento.

A pesquisa documental sobre a evolução histórica da instituição mostrou sete grandes fases:

antecedentes históricos; período de formação (1934 e 1939); período de consolidação (1940-

1949); década de 50; período de 1960 a 1966; primeira fase da Fundação (1967-1972); e a

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segunda fase da Fundação (1973-1986). Na exposição, essas etapas encontram-se

registradas, através de fotos em preto e branco, além de textos considerados indispensáveis

à compreensão dos temas relevantes.

Foto 5: Exposição Cinqüentenário IBGE.

Acervo da Memória Institucional. CDDI/IBGE.

Além dos módulos históricos, compostos de painéis fotográficos e textos elucidativos dos

acontecimentos retratados, as atividades específicas do evento foram representadas por

publicações, instrumentos de trabalho e outros objetos, dispostos em vitrines e outros locais

da exposição. Objetos representativos dos diferentes setores do IBGE foram também

expostos, cedidos pelas respectivas unidades tais como cartografia, informática entre outras,

além de algumas publicações do acervo de obras raras da Biblioteca Central. A apresentação

desse conjunto de peças que compõem a diversidade do acervo da Instituição ofereceu

oportunidade de se mostrar a amplitude dos produtos desenvolvidos no presente e aqueles

que se acumularam ao longo do tempo.

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A Associação dos Servidores do IBGE se fez representar, na mostra, contribuindo com os

desenhos de Percy Lau, servidor do órgão e ilustrador dos tipos e aspectos do Brasil nas

inúmeras publicações da Instituição. Fez parte ainda do evento a sonorização do ambiente,

constando de uma audição contínua da música O Recenseamento, de Assis Valente, na voz

de Carmem Miranda, samba utilizado com propaganda do Censo Demográfico de 1940. A

seleção do fundo musical reforça o caráter de brasilidade presente na mostra, haja vista estar

a Instituição voltada para retratar o país e, de certa forma, ali ficou consignada a intenção de

evocar a memória dos censos.

Inúmeras instituições e empresas colaboraram para a efetiva realização do evento, entre elas,

o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da

Fundação Getúlio Vargas; o Museu Nacional de Belas Artes; a Delegacia Regional no Rio de

Janeiro do Ministério da Educação; a Agência Jornal do Brasil e O Globo, todos mobilizados

em torno do mesmo objetivo e, sobremaneira, determinados, nesse momento, em demarcar

tempo e espaço significativos para a formação histórica do IBGE através dos seus

antecedentes.

Do evento, pode-se depreender que o passado ali revivido por meio da celebração

possibilitou compreender melhor o presente e introjetar novos anseios dentro da instituição.

Certamente, o Projeto Memória do IBGE atingiu seus propósitos como atestam a Coleção

Documental preservada e a solidificação do setor Memória Documental. Ainda hoje, ações e

lembranças desse momento histórico permanecem na memória social da comunidade

Ibgeana como marco gerador de novas memórias. Além da institucionalização da memória, o

IBGE necessitava mais que isso. Precisava de alguém, ou alguma medida que resgatasse a

sua imagem - enquanto órgão público - que vinha se desgastando nos últimos anos. Carecia

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de mudanças estruturais que lhe restituísse a credibilidade para retomar a posição de alta

consideração e reconhecimento dentre os seus servidores e o público brasileiro.

2.2.1 Fidelidade e transparência

O conceito de representação tem sido re-elaborado através do pensamento de diversos

teóricos, recebendo ao longo do tempo diferentes significados: quer seja entendida como

representação coletiva (Durkheim), quer seja vista como representação social (Moscovici),

permanecendo interpretações conceituais em que a construção da representação social (RS)

implica necessariamente na reconstrução do real e o modo de apreendê-lo o mais fielmente

possível por meio de sistemas de significação (Silva) e que remetem para a questão essencial

que é saber se as representações produzem sentido e quais os efeitos da prática sobre os

sujeitos. A observação de Louro (1997, p. 99) confirma o dito:

As representações não são, contudo, meras descrições que refletem as práticas desses sujeitos; elas são de fato, descrições que os “constituem”, que os “produzem” [...] Nessa perspectiva, não cabe perguntar se uma representação “corresponde” ou não ao “real”, mas, ao invés disso, como as representações produzem sentidos, quais seus efeitos sobre os sujeitos, como elas constroem o “real”.

Para Durkheim (1990) a Representação Coletiva (RC) constitui uma categoria por meio da

qual determinada sociedade elabora e expressa sua realidade, conceito que reforça e enfatiza

a primazia do pensamento social sobre o pensamento individual. As Representações

Coletivas se constituem fenômenos reais, dotados de propriedades específicas e caracteres

próprios que, não sendo universais na consciência individual, surgem ligadas aos fatos

sociais passíveis de observação e interpretação.

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Moscovici (2001) amplia os conceitos de RC de Durkheim e cria uma teoria da Representação

Social voltada para as sociedades modernas, ao definir suas características percebidas pelo

pluralismo e rapidez com que as mudanças socioeconômicas, políticas e culturais ocorrem,

concluindo que na atualidade poucas representações são verdadeiramente coletivas.

Segundo Herzlich (1991, p. 24), o trabalho do autor refere-se mais ao sujeito ativo, construtor

do mundo a partir dos materiais que a sociedade lhe fornece, do que na própria estrutura

social.

Apropriando-se da metáfora de Ferreira (2001), pode-se afirmar que o Imaginário é o locus no

qual se ancoram as representações sociais. Nesse sentido, investigar o Imaginário Social (IS)

é estar propenso a dialogar com o mistério e as crenças mais profundas de um grupo. O que

se confirma em Castoriadis (1982), ao considerar o IS como uma rede de sentidos que

consiste em ligar símbolos a representações e fazê-los valer como tais. Dito de outra forma é

compreender o Imaginário Social como um campo simbólico, produtor de sentidos que se

consolidam na sociedade, regulando comportamentos, identidades e distribuindo papéis

sociais. Trata-se de uma complexa rede de sentidos que circula, cria e recria,

institui/instituindo sentido na luta pela hegemonia, um campo de investigação que considera

de igual valor as funções do irreal e do real.

Lefebvre (1991) - a exemplo de Durkheim e Halbwachs -, tem o seu foco de interesse voltado

para as Representações Coletivas e, nesse retorno conceitual, o autor referido admite que o

Imaginário Social é tanto o estudo das correlações entre as estruturas sociais e os sistemas

de representações coletivas, quanto o modo como se abrem para uma instância que

assegura a coesão social. Portanto, pode-se dizer que o mundo é vivido real/imaginariamente

pelos homens e que o Imaginário Social institui histórica e culturalmente o conjunto das

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interpretações, das experiências individuais, vividas e construídas coletivamente. Muito

embora se possa conferir ao Imaginário uma dupla realidade, real/imaginária, permite-se

admitir que o Imaginário Social não é apenas o reflexo da realidade: é o seu próprio

fragmento.

Retomando o pensamento de Silva (2000, p. 91), dele se pode concluir que a representação,

como qualquer sistema de significação, é uma forma de atribuição de sentido socialmente

construído, e como tal, mantém estreita ligação com os sistemas de poder e, concordando

com o autor, Laplantine (1997, p. 27) afirma que o imaginário pode inventar, improvisar e

estabelecer correlações entre os objetos de modo improvável e assim, fundir a imagem e o

real.

Tomando como referência a celebração do cinqüentenário do IBGE, entendido como um

campo social em que indivíduos participam de práticas coletivas totalizadoras e de múltiplas

determinações, identificar-se-á o sentido das representações sociais ali existentes,

certamente impregnadas de significações. Considera-se nesta dissertação o que restou

daquele momento histórico (a celebração do cinqüentenário) em que se transformou a

exposição.

É fato que na Nova República, governo José Sarney, os funcionários do IBGE viviam a

expectativa da indicação de um novo presidente para a Instituição. Quem quer que fosse

nomeado, já havia sido firmado por todos, o compromisso que assegurasse a transparência

da nova gestão.

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Ajustado àquele momento político nacional, Edmar Lisboa Bacha tomou posse como

presidente do IBGE em 10 de maio de 1985. Todavia, permaneceria no cargo como dirigente

somente até 27.11.1986, período relativamente curto, mas suficiente para consignar sua

vinculação em definitivo com o órgão que presidiu: sua gestão coincide com a celebração do

cinqüentenário do IBGE. Um dia após a sua posse, abriu as dependências do IBGE ao

público e à Imprensa, diálogo14 que se tornaria constante, sinalizando o outro modelo de

administração requerido para a presidência da Instituição.

[...] Faço questão de garantir que a nossa gestão jamais deixará de fazer tudo que estiver ao seu alcance para o aprimoramento das condições de trabalho e vida dos funcionários do IBGE. [...] o novo clima de diálogo e discussão franca com os funcionários em geral e com a Associação dos Ibgeanos em particular, que culminou com a celebração do Acordo Coletivo de Trabalho em 1986. As negociações nem sempre foram amenas. [...] (NOVA IMAGEM, n. 5, 1986, p.13).

Em 17 de junho de 1986, o então presidente abriu oficialmente a exposição IBGE: 50 anos

produzindo informação, evento comemorativo do cinqüentenário e do lançamento do Projeto

Memória do IBGE, em cerimônia publicada em jornais de grande circulação no país.

EXPOSIÇÃO DO MEC FESTEJA O CINQÜENTENÁRIO DO IBGE. O presidente da Fundação IBGE, economista Edmar Bacha, abrirá oficialmente, hoje às 15 horas, na sobreloja do Palácio Gustavo Capanema (Palácio da Cultura/MEC – Rua da Imprensa, 16), a exposição “IBGE: 50 anos Produzindo Informação”, comemorativa do cinqüentenário e do lançamento do Projeto Memória do IBGE. Composta de painéis fotográficos, objetos e instrumentos de trabalho científico, a mostra inclui ainda a exibição de vídeos sobre as atividades da instituição e uma audição contínua do samba “Recenseamento“ na voz de Carmem Miranda e escrito por Assis Valente, que se inspirou no Censo de 1940. Em cartaz até o dia 27, com visitação das 8 às 20 horas, de segunda a sexta-feira. A partir de julho, a exposição se reproduzirá por várias capitais do País, até maio de 1987 (GAZETA DE NOTÍCIAS, 17.06.1986, p.3).

14 Confirmando as esperanças que puderam ser ouvidas pela voz de ibgeanos e não ibgeanos quando da abertura em 6 de maio de 1985 do Seminário O IBGE que queremos, evento que expressa “a discussão sobre o IBGE nos seus múltiplos aspectos, como a relação com a sociedade em geral, a comunidade científica em particular, e a necessidade de uma gestão mais democrática para o órgão.” (JORNAL DA ASSOCIAÇÃO, 1985, p.2)

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MOSTRA COMEMORA 50 ANOS DO IBGE Para comemorar 50 anos de atividade e como lançamento oficial de seu Projeto Memória, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE [...] Em discurso de inauguração , o presidente do IBGE, Edmar Bacha, disse aos quase cem convidados -, entre os quais, antigos funcionários do Instituto – que “a cada passo da evolução do IBGE, mostramos um pouco da história do País. Ele prometeu que o IBGE caminhará para uma atuação mais ágil, eficiente e transparente, produzindo informações estatísticas e geográficas que o Brasil do futuro precisará [...] (ÚLTIMA HORA,18.06.1986, p. 3).

Foto 6: Exposição Cinqüentenário IBGE.

Acervo da Memória Institucional. CDDI/IBGE.

Mesmo decorridos alguns dias, a celebração do jubileu de ouro do IBGE continuou sendo

divulgada em todo país [...] IBGE: 50 anos produzindo informação. [...] Painéis fotográficos,

mapas e objetos antigos compõem uma seqüência histórica, retratando a trajetória do IBGE

desde seus primórdios [...] (ÚLTIMA HORA, 23.06.1986, p. 1).

A administração de Edmar Lisboa Bacha, dentre outras iniciativas, criou o Índice de Preços ao

Consumidor Amplo (IPCA) formado pelos representantes dos trabalhadores, dos empresários

e dos profissionais liberais; diminuiu em 10% o contingente de empregados e a contenção de

gastos; inaugurou novas Salas públicas e iniciou uma reforma administrativa com a

participação dos funcionários, além das atuações já mencionadas. Tais medidas fixaram-lhe

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uma imagem benfeitora tão positiva que o IBGE iniciou um processo de resgate e retomada

de credibilidade, interna e externa. Em contrapartida, pensamentos temerosos acerca do

sigilo estatístico tomavam vulto, o que poderia causar distorções das informações por parte

dos informantes (pessoas e empresas). Há que se considerar o contexto político do país,

recém saído de um período de mais de 20 anos de autoritarismo, como principal responsável

pelo receio geral de informar com clareza.

[...] Na elaboração de uma pesquisa são introduzidos certos erros decorrentes da subjetividade do pesquisador, da fonte, da mensuração, mas, acredita-se, este tipo de distorção já está superado, na medida em que existem técnicas estatísticas altamente sofisticadas que resolvem tais problemas. O segundo tipo de distorção relaciona-se às informações que para serem produzidas e fornecidas, precisam ser trabalhadas (no mau sentido). [...] as pesquisas baseadas em registros administrativos, onde existe uma propensão por parte do informante de sonegar ou distorcer as informações de modo a que mais tarde não seja o mesmo penalizado pelas informações prestadas. Deste modo, as informações obtidas tendem a não serem boas. O IBGE precisa criar formas de atuação no sentido de melhorar a obtenção dessas informações (JORNAL DA ASSOCIAÇÃO, 9.11.1985, p.6).

Momentos como o acima descrito, em que as preocupações e comentários sobre a

necessidade do IBGE gerar meios para um levantamento fidedigno eram constantes e, por

isso mesmo, afetavam a imagem da Instituição. Sob esse aspecto, os funcionários, em suas

reivindicações desejavam um compromisso por parte da administração que apontasse para

mudanças de postura, garantindo realmente o registro sigiloso das informações.

Bacha, em seu depoimento à revista Nova Imagem nº 4, publicada em maio de 1986

(p.26), ao falar sobre a comemoração do cinqüentenário do IBGE, demonstra preocupação e

comprometimento com tais ideais declarando:

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[...] Surge a multidão de servidores, desde os agentes de coleta até aqueles que hoje manejam os poderes da informática. Aparecem os usuários que exigem, criticam e eventualmente agradecem. Diante desta imensa comunidade sobre a qual se recortam representações cartográficas e estatísticas do país que éramos, que somos e que queremos ser, eu só tenho uma palavra-compromisso para a comemoração deste cinqüentenário: Fidelidade à Transparência.

Foto 7: Entrevista Edmar Lisboa Bacha.

Acervo da memória Institucional. CDDI/IBGE.

O clima de fidelidade e transparência gerado pelas iniciativas da administração Bacha,

empolgou e contaminou todos os servidores do IBGE. Palavras esclarecedoras e de incentivo

sobre a importância dos produtos Ibgeanos alavancavam uma produção zelosa e consciente,

motivada por afirmativas animadoras, podendo-se observar no início do já mencionado

depoimento à revista Nova Imagem nº 4 (1986, p. 26), uma das falas mais eloqüentes que,

por sua vez, gerou um estado psicológico positivo entre os funcionários em virtude ao

explícito reconhecimento da importância do trabalho realizado pela instituição:

Nenhuma comunidade humana pode saber com exatidão o que ela própria é, se não tiver conhecimento certo de seu território e de sua gente: extensão e qualidade da terra em que vive o povo, número e características dos habitantes e grupos sociais, o que produz, quanto, quando, como e para quê. São informações essenciais que permitem uma primeira definição de identidade. [...] Quem permite ao país essas luzes, este saber-instrumento, esta informação-força, este conjunto de sinais-apelos é o IBGE. [...] Cabe agora uma homenagem a todos os ibgeanos de todas as idades e de todos os níveis, por um trabalho luminoso que vem ajudando os brasileiros a se conhecerem melhor.

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Para muitos, o IBGE retomou sua fisionomia: séria, respeitável e, sobretudo, necessária à

sociedade brasileira. E, neste clima precedente, o afinco aos registros dos censos ganha

tanta força que um agente de coleta de Catende, Pernambuco, Divo Oliveira, define o seu

trabalho numa composição poética de forma tão abrangente, e ao mesmo tempo tão concisa,

que acaba tendo-a publicada na revista Nova Imagem, nº 4 (1986, p.22), revelando um

perfeito entendimento do seu papel no campo, apesar de expressar-se em seus versos com

uma conotação um tanto lúgrube:

Censo é uma listagem de tudo que a gente vê. Só as coisas abstratas não podemos fornecer. Nem o espírito dos mortos nem a contagem dos ossos de quem deixou de viver.

E assim, imbuídos da mais alta consciência de que a fidedignidade dos resultados era de

responsabilidade e mérito de todos, inicia-se um desdobramento de esforços dos ibgeanos

para fazer jus à crescente imagem de idoneidade, antes esmaecida por falta de quem lhes

lembrasse a real necessidade da participação de cada um para que se alcançasse a

transparência necessária, também na operacionalização, para um fiel perfil do Brasil.

2.2.2 O restituidor

A postura administrativa de Bacha, aberta e consciente, associada ao momento memorável

do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística quando completa 50 anos de existência,

provocou uma corrente otimista entre os funcionários e, conseqüentemente, a reintegração

dos setores resultando em ações condignas e compatíveis com a representatividade da

Instituição para o país. Além disso, a celebração do cinqüentenário provocou, também, a

institucionalização de políticas de preservação do acervo patrimonial ibgeano com o objetivo

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de protegê-lo da destruição, seja dos fatores humanos ou naturais. Como observa Maria

Cecília Londres Fonseca, essas políticas devem abranger as propriedades intrínsecas e

extrínsecas de que são portadores os bens. Valores esses agregados aos objetos,

certamente, permitem retratar a realidade e legitimar a comunidade ibgeana

È imprescindível ir além e questionar o processo de produção desse universo que constitui um patrimônio, os critérios que regem a seleção de bens e justificam a sua proteção; identificar os atores envolvidos nesse processo e os objetivos que alegam para legitimar o seu trabalho; definir a posição do Estado relativamente a essa prática social e investigar o grau de envolvimento da sociedade (2005, p. 36).

Com o surgimento da Nova República uma nova imagem para a Instituição se faz necessária,

já que o desgaste provocado pelas denúncias de manipulação dos índices no período 82-85

havia lesado grandemente o conceito do IBGE. Bacha, em seu curto período como

presidente, restituiu a credibilidade da Instituição, não só para os brasileiros e usuários das

informações disponíveis, mas, também, e principalmente, aos seus servidores que

necessitavam resgatar a auto-estima enquanto profissionais e funcionários públicos.

Percebido como educado, atencioso e destituído de postura autoritária15 pela maior parte das

pessoas que trabalhavam com ele no IBGE, Bacha parecia distante e preocupado consigo

mesmo para uma pequena parcela, a qual, mesmo a contragosto, reconhecia sua inteligência,

afabilidade e gentileza no trato com os outros. É visto, também, como boa pessoa, bom papo

e bom companheiro pelos mais íntimos e percebido, também, como pessoa íntegra e discreta.

Além disso,

sua ações de valorização da comunidade ibgeana e rompimento com o conservadorismo,

representaram para muitos o elo entre a emergência da modernidade, da transparência, da

15 Considerações baseadas nos depoimentos (ver anexo).

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democratização e os alicerces da tradição, da preservação da memória, do culto ao passado,

como assinalaram alguns questionários.

Voltando no tempo, em 14 de fevereiro de 1942, nasceu Edmar Lisboa Bacha em Lambari,

Minas Gerais. Bacharelou-se em Economia na Universidade Federal de Minas Gerais (1963)

e cinco anos mais tarde (1968), com 26 anos, tornou-se doutor em Economia pela

Universidade de Yale. Casou-se com Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, e tem dois

filhos e duas enteadas. Antes e depois do IBGE, construiu sua história com excelência, sendo

possível observar nas suas realizações profissionais atribuições relevantes, entre as quais se

destacaram: Pesquisador no Centro de Estudos Internacionais do Massachusetts Institute of

Technology (MIT) e na Oficina de Planificación Economica de Santiago do Chile (1968-1969);

Pesquisador no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) (1970-1971); Professor de

Economia da Escola de Pós Graduação em Economia na Fundação Getúlio Vargas (FGV)

(1975-1977); da Universidade de Brasília (1972-1978); da Pontifícia Universidade Católica do

Rio de Janeiro (1979-1983); da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1993-1997) e

professor visitante no Departamento de Economia e Instituto Latino-Americanos, Columbia

University, em Nova York.

Como membro da equipe econômica responsável pelo Plano Cruzado16, preside o IBGE de

maio de 1985 a novembro de 198617. Descontente com a mudança ocorrida no índice que

media a inflação - a correção do Plano Cruzado com o Plano Cruzado II que trouxe o

16 Plano que serviu para legitimar José Sarney na chefia do governo, já que herdou o poder em março de 1985 depois da tragédia ocorrida com Tancredo Neves. 17 Tendo em vista que um dos objetivos desta parte do trabalho está associado ao período de mudanças político-admintrativas e da institucionalização da memória do IBGE na gestão de Bacha, optou-se por pesquisar seus dados biográficos somente até sua nomeação como presidente da Instituição. Porém, não é irrelevante mencionar que em 1993-1994 participa da equipe econômica responsável pelo Plano Cruzado. Publicou livros e artigos sobre economia brasileira e latino-americana, e economia internacional. Dentre as suas publicações mais recentes destaca-se Uma interpretação das causas da desaceleração econômica do Brasil (2005) e Accounting for Brazil`s growth experience: 1940-2002 (2003). Além disso, é sócio fundador e Diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica da Casa das Garças e Consultor Sênior do Banco Itaú BBA.

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descongelamento e alta dos preços -, pede demissão do seu cargo de presidente do IBGE,

em 22 de novembro de 1986.

A memória possível do IBGE prossegue....

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3 DISCURSO, REALIZAÇÕES E IMAGEM∗

Quando se gosta da vida, gosta-se do passado, porque ele é o presente tal como sobreviveu na memória humana.

Marguerite Yourcenar

O ato de pronunciar distintamente as palavras é o ponto chave do entendimento das idéias

passadas através de um discurso, em que a linguagem constitui um universo de signos que

serve mais do que apenas um instrumento de comunicação ou suporte de pensamento. Num

discurso, a linguagem não é neutra, inocente; ela é um modo de interação e envolvimento,

ocupando um lugar privilegiado de intencionalidade, de manifestação ideológica. Sendo

assim, o suporte ideológico das relações interindividuais, desempenhando o papel mediador-

articulador entre os agentes coletivos e suas representações ideológicas.

Inicialmente, definida como o estudo lingüístico das condições de produção de um enunciado,

a análise do discurso se apóia sobre os conceitos e métodos da lingüística. Entretanto, não se

busca neste capítulo discutir a polissemia de que se investe cada palavra de um discurso, ou

falar da ciência da linguagem, da gramática das diferentes línguas juntamente com sua

história. O que se objetiva, realmente, nestas linhas é perceber a ação do orador, a coerência

entre suas palavras e suas atitudes, os feitos que confirmam ou negam, a imagem de quem

cumpre ou não os compromissos assumidos ao falar; associar os resultados dos fatos às

idéias expostas para reconhecimento da sua influência sobre os acontecimentos. Já que o

discurso, definido objetivamente na concepção da palavra, é um propósito difundido através

∗ Este capítulo foi construído com uma síntese dos depoimentos que se encontram no anexo. Procurou-se manter com maior fidelidade possível o conteúdo das falas dos depoentes.

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de quem fala, todo propósito requer uma avaliação de entendimento e legitimidade por parte

daqueles que o ouvem.

Os propósitos difundidos por duas importantes figuras participantes da história da Instituição,

permitem distinguir momentos marcantes da evolução do IBGE, dignos de comentários e

observações, considerando as realizações e imagens que o tempo se encarregou de fixar.

São protagonistas desses significativos espaços: a) Mario Augusto Teixeira de Freitas,

expressão de um momento em que o órgão se estruturava, e que no presente estudo recebeu

a denominação de Fundamentação Legal e Implantação de Idéias; b) e Edmar Lisboa Bacha,

dirigente de um período em que o órgão se voltava para preservar seu passado, e aqui

designado Institucionalização da Memória. Cada um de per si, desencadeou processos

fundamentais para a evolução do órgão.

Na fase de Fundamentação Legal e Implantação de Idéias, Mario Augusto Teixeira de Freitas

se apresenta para os que o conheceram como um intelectual, erudição que o acompanharia

desde jovem. Embora não tenha participado dos movimentos modernistas e revolucionários

das primeiras décadas do século XX, esteve à vanguarda do seu tempo pelas inovações e

contribuições na consecução das políticas governamentais. Destacou-se como um dos mais

expressivos pensadores brasileiros e seu domínio abrangia vasta área de conhecimento,

tendo como qualidade a intervenção no sistema político, administrativo, social, técnico e

científico do país. Dentre seus relatórios, textos e discursos, encontram-se idéias como a

interiorização da Capital Federal, manifestada em seu pensamento muito antes de ser

concretizada com a fundação de Brasília. Sua influência nas decisões do governo é

inconteste, sobremaneira quando realiza estudos e reflexões sobre a realidade

socioeconômica, política e administrativa do Brasil. A campanha pela criação do sistema

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oficial de coordenação nacional das atividades estatísticas e geográficas do país, também se

inscreve entre suas iniciativas, ao perceber que a heterogeneidade territorial impossibilitava o

conhecer, o medir e o sentir o Brasil. Sua imaginação criadora possibilitou a formação de uma

rede nacional de estatística, tornando os estados, os territórios e os municípios parceiros na

aceitação desse novo modelo de compartilhamento de informações. Vale destacar, o texto da

publicação Teixeira de Freitas: pensamento e ação (1994, p. 11), ressaltando que as idéias

do fundador do IBGE

orientavam o poder público rumo à racionalidade que a concepção iluminista de Teixeira de Freitas antevia para o Brasil, num contexto de mundialização do progresso e do bem-estar das populações, sob o impulso da revolução da técnica e da ciência.

Para muitos, o pensamento-ação de Teixeira de Freitas se resumia no Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE). Entretanto, mais que isso, ele se envolveu com o Brasil de tal

forma que contribuiu, indiscutivelmente, para que o país se tornasse conhecido, o que se

confirma na nota biográfica escrita por Carlos Drummond de Andrade e publicada no jornal

Correio da Manhã no terceiro dia após o falecimento de Teixeira de Freitas. Nela, o cronista

confirma sua visão sobre o idealizador e criador do IBGE ao ressaltar sua influência nas

questões nacionais, fato que é recordado na história e nas memórias institucionais, como

abaixo se ilustra:

O homem que se esquivara à inscrição no Livro do Mérito teve seu mérito afirmado ostensivamente quando já não lhe era possível refugiar-se no mundo das estatísticas e idéias de organização nacional que era o seu mundo privativo, ao mesmo tempo ideal e concreto, pois dentro dele, Teixeira de Freitas, sem governar o menor pedaço do Brasil, influía profundamente na sua evolução (CORREIO DA MANHÃ, 1956 apud REVISTA BAHIA INVEST, 2005).

De Teixeira de Freitas ficaram, entre tantos resultados de esforços quase que obstinados, a

imagem de homem pró-Brasil à luz das instituições já citadas, que nasceram de sua

capacidade argumentativa, e o grande exemplo de atitude realizadora própria de quem não

espera acontecer, de quem além de fazer, instiga nos demais a reação de construir, edificar,

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realizar. Em seus discursos pode-se observar a característica desta personalidade única que,

em muitos momentos, entusiasmado por seus ideais ao mesmo tempo patrióticos e

científicos, dirigia-se a toda a nação proferindo palavras que impeliam e entusiasmavam, tais

como as pronunciadas em sua palestra de 1943, em Ponte Nova (MG), na Semana Ruralista:

Concidadãos! Façamos o Brasil de amanhã, [...] Trabalhemos sem desfalecimentos, sem tréguas para conquistar essa organização. Façamos, brasileiros, façamos o nosso Brasil, antes que seja tarde, antes que o Brasil se desfaça (CUNHA, 1994, p. 56).

A disposição de Teixeira de Freitas era oriunda de um justo senso crítico. Ele não sacrificava

sua opinião à própria conveniência, o que o tornou um homem de grandes realizações, com

uma imagem de indiscutível caráter profissional embasado em conhecimentos científicos. Na

verdade, em sua época, a Instituição IBGE estava sendo construída e, não existindo ainda

uma estrutura definida, Teixeira de Freitas tornou-se o fundamentador e implantador do IBGE,

sendo também o criador da própria mística Ibgeana.

O mesmo senso crítico de Teixeira de Freitas, que procurava a verdade acima de seus

próprios interesses, é percebido em Edmar Lisboa Bacha, cinqüenta anos depois da fundação

do IBGE. Todavia, a realidade da Instituição, no que tange a sua estrutura física e

operacional, mostrou-se definida numa condição regressiva, em que o descrédito e a

insatisfação de muitos pesavam para uma imagem negativa de desgaste e rebaixamento.

Bacha, desempenhando o papel de restituidor, luta para resgatar o respeito, a credibilidade e

a dignidade do Instituto e dos ibgeanos. Entretanto, como o IBGE já não era mais um sonho!

- como fora no tempo de Teixeira de Freitas -, as marcas das expectativas frustradas de

alguns induziram a interpretações poluídas sobre sua atuação. Com base nos depoimentos,

no decorrer desta análise, depreende-se existir uma falsa impressão, de que ele não desejava

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verdadeiramente fazer o melhor pela Instituição e dar cabo de sua missão de presidente sem

envolver interesses de ordem pessoal.

Atingindo meio século de existência, a Instituição refletia as mesmas reivindicações da

sociedade naquele momento de profundas mudanças no cenário político. Com a Nova

República, a diferença abissal entre um tempo e outro se configurava a cada dia mais forte.

A despeito das dificuldades conjunturais e da própria política interna, que nada contribuía

para o crescimento do IBGE, Bacha inicia uma intensa reforma de gestão administrativa.

Pode-se observar, nos discursos e declarações de Bacha, que sua intenção era aprimorar e

qualificar os serviços oferecidos pelo IBGE. Todavia, entre fundar uma instituição e reformá-la

há uma diferença desmedida. Enquanto os discursos de Teixeira de Freitas eram

nacionalistas em virtude da necessidade de convencer para poder criar, os de Bacha eram

modernizantes, também por uma necessidade, porém já agora de transformações, mudanças

de algo que já fora instituído. Para a maioria das pessoas, excetuando poucas que

reconhecem a importância e necessidade de cada momento, um fundador entra em cena

como um paternalista, aquele que cria, gera do nada toda uma existência; o reformador, por

sua vez, aparece como um impostor, um intruso, aquele que mexe com o que já existe e está

estabelecido, mesmo que seja o caos instalado.

Há um visível conservadorismo nas pessoas que, mesmo quando não estão bem e

necessitam mudanças, desencadeiam uma reação antipática e não receptiva ao inovador,

principalmente quando este as atinge de alguma forma. Segundo artigo de Couceiro (2004)

que comenta o estudo americano Political conservatism as motivated social cognition (Jost,

2003, p. 339), é interessante ressaltar o seu modo de olhar o ser humano e indagar o que o

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leva a adotar posturas conservadoras: [...] a base psicológica para o conservadorismo seria a

procura de formas de superar grandes medos, ameaças e incertezas, além de uma certa

intolerância à ambigüidade.

O depoimento de Bacha à revista Nova Imagem, nº 4, publicada em maio de 1986 (p.26),

visando a qualificar mais os serviços do IBGE para que sua credibilidade fosse restituída, fala

em fidelidade à vocação, consciência de servir e correções de rota, como pode se observar

abaixo:

[...] A fidelidade à vocação impõe ao IBGE duas exigências fundamentais: credibilidade e consciência de servir. [...] Estamos promovendo um projeto de reforma administrativa com a participação dos mais diversos setores da Instituição. Só uma reflexão ampla deste gênero poderá fornecer o diagnóstico certo para as correções de rota que levarão o IBGE ao horizonte 2000.

Talvez resida, exatamente, neste ponto da fala de Bacha as intenções que irão atingir as

bases estruturais e trazer dificuldades para a concretização de seus objetivos de melhorias.

Não fosse o pensamento convicto e a garra de alguns servidores que acreditaram na

importância e necessidade de mudanças no órgão, as realizações não passariam do campo

de intenções.

Insistindo no tema transformação, Edmar Lisboa Bacha, na edição seguinte da revista Nova

Imagem fala de seus planos enquanto presidente do IBGE e declara:

Devo confessar aqui que, ao assumir a presidência do IBGE, vi se apresentarem duas opções à minha escolha: a primeira seria manter com algumas alterações superficiais as estruturas existentes [...] o segundo caminho exigia um esforço de transformação do órgão em uma Instituição moderna, ágil, eficiente, transparente, apta a responder os desafios deste final de século e a situar o IBGE na altura do horizonte 2000 (NOVA IMAGEM, n. 5, 1986, p.13).

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Nestes fragmentos de discursos, pode-se observar com clareza as propostas renovadoras do

presidente Bacha e, tendo em vista os comentários sobre o conservadorismo, inicia-se, nesse

momento, uma preocupação em se ter uma Instituição em que predomine o espírito de

descentralização, transparência, sendo simultaneamente inovadora e democrática. Percebe-

se o IBGE voltado para si mesmo, em busca de sua essência, de novas formas de preservar

a memória-história, que mostrem suas atividades e retratem a realidade de outras épocas, as

transformações e as permanências ao longo do tempo. Um órgão buscando recuperar a

importância perdida.

3.1 Percepção das ações e sensações provocadas Os discursos de oito funcionários do IBGE que exerceram diferentes cargos na Instituição no

período Bacha são analisados, entendendo que ao fazê-lo prevaleceu a intenção primeira de

referendar a pesquisa bibliográfica e trazer contribuições novas para a investigação.

Considera-se que os depoimentos realizados efetivamente sob a perspectiva qualitativa foram

suficientes, e permitiram produtiva diversidade de informações, além de facilitar o cruzamento

de percepções nesse universo de depoentes. Há que se considerar que se inclui entre os

propósitos desse levantamento reputar o objeto de estudo através de especulações que o

qualifiquem mais profundamente para desenhar o perfil historiográfico de um universo

reduzido e extremamente específico.

Dos relatos pode-se observar que a visão das ações de Bacha possui controvérsias, sendo

que a tendência de percebê-lo positivamente parece ter mais relevância devido à incidência

de respostas que conotam uma performance positiva com uma imagem, embora contraditória,

percebida de forma simpática e digna.

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Retomando a nossa história-memória, dá-se início a um movimento de euforia em todo o

país: a conjuntura de 1985 era de reabertura, com a Nova República e o Plano Cruzado, em

que os brasileiros, repletos de esperança em um país mais sério e próspero, regozijavam-se

com perspectivas de mudança para melhor a partir da gestão de José Sarney. O setor

público, visto até então como pouco eficiente, entrou num processo de reforma administrativa

e mudança de valores que removeu grande parte dos desagrados instalados no âmago das

pessoas mais conscientes que trabalhavam nos órgãos públicos. Mas, em contrapartida,

revoltou aqueles que se identificavam com algumas qualidades requeridas como ideais ao

funcionalismo.

Neste processo de mudanças radicais, a percepção das ações de Bacha, representa uma

atuação democrática que se contrapõe à administração anterior, considerada por muitos

autoritária. Seus discursos modernizantes visavam à reestruturação do IBGE, as sensações

provocadas eram de ânimo e resgate dos direitos do funcionário público e,

conseqüentemente, da sua própria dignidade profissional.

Buscando alcançar um novo modelo de Instituição, a gestão Bacha institui a Comissão da

Reforma Administrativa – CRA, criada para iniciar a revisão da estrutura organizacional do

IBGE, aberta à participação de um grande número de funcionários.

[...] Termos como eficiência, eficácia e efetividade passaram a ser usados e abusados, para diversos fins. Foi tempo de anunciar-se a eliminação dos desperdícios, acontecendo casos interessantes: a lista dos desperdícios continha atributos desconhecidos pela maioria dos funcionários, ou seja, sequer sabíamos que existiam aqueles direitos. [...] Internamente, o desejo de quebrar as estruturas vigentes, arcaicas com diferentes donos do poder, favoreceu a abertura de todos os processos de trabalho, da maioria das caixas pretas ainda existentes (Entrevista G).

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As pessoas podiam expressar suas opiniões sobre vários aspectos do ambiente de trabalho,

em que se avançava e se recuava em função das freqüentes mudanças que, depois de

vivenciadas, eram devidamente avaliadas e rediscutidas, caso não atendessem às

expectativas renovadoras.

Todavia, o método utilizado pela CRA é questionado por alguns funcionários, como se

observa na menção abaixo:

[...] Do ponto de vista administrativo, Bacha criou a CRA – Comissão da Reforma Administrativa que,

coordenada por Rosa Nogueira, mudou a estrutura organizacional do IBGE, através da votação, pelos

funcionários comissionados, de novos organogramas dos diversos setores da instituição. Esse método

foi escolhido por ser considerado democrático, tendo em vista sobretudo que esta era a primeira

administração do IBGE após a ditadura militar no país. No entanto, do meu ponto de vista, o método

possuía o grave defeito de um chefe ter de votar no novo organograma de uma área especializada da

qual não tinha conhecimento, isto é: não tinha capacidade de avaliar se o novo organograma proposto

era adequado ou não. Essa reforma foi a primeira de várias iniciativas posteriores de se mudar

organogramas, o que, a meu ver, não contribuiu em nada para a melhoria dos trabalhos da instituição.

Com a estrutura anterior, estabelecida na administração do prof. Isaac Kertenetsky, o IBGE produziu

pesquisas de grande sucesso e utilidade para o planejamento no país [...] (Entrevista C).

Por outro lado, na percepção de alguns depoentes, Bacha parecia por demais voltado para si

mesmo quando emitia sua opinião à imprensa, porque sua forma transparente e fielmente

técnica ao se referir à Instituição, muitas vezes a denegria quando declarava que ela estava

sob pressão das circunstâncias ou sofrendo imposição e exigências externas, conforme

menção de uns dos entrevistados:

[...] Edmar Bacha, com seu jeito vaidoso, emitiu opiniões à imprensa que pouco contribuíam para o bom nome do IBGE, não raro, o denegria como uma instituição por demais sujeita a injunções externas (o que é horrível para a percepção e a consolidação de uma independência vital à produção das estatísticas) [...] (Entrevista E).

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Na verdade, pelos relatos, Bacha parece ter sofrido o infortúnio de ser alvo de críticas de

pessoas que não compreendiam suas ações e suas intenções. Pessoas essas que, sob o

argumento de que suas declarações estariam expondo o IBGE, preferiam que ele se calasse

e deixasse que a Instituição continuasse com grande parte das suas irregularidades - um

estabelecimento desacreditado. Não houve a percepção de que suas palavras eram

coerentes com a sua proposta de transparência no discurso de posse e que, ao contrário dos

temores, daria mais credibilidade ao Instituto, já que, reconhecendo seus pontos fracos,

demonstrava vontade de mudá-los e fortalecê-los.

[...] Mas o homem, responsável direto pelas transformações, nem sempre era respeitado, gerando desconfiança e, algum tempo depois, descrédito e a sensação de uso do IBGE como plataforma política para outros cargos. Quando isso acontecia, dizíamos: a “CRA CRAVOU VOCÊ” (Entrevista G).

Nesse encadeamento de idéias, a ação-discurso de Bacha foi identificada pelos depoentes de

forma pequena e distorcida, gerando – naqueles que decodificavam suas iniciativas e

palavras com os ouvidos da mesquinhez – a sensação de que suas atitudes seriam

inspiradas por interesses pessoais que, por sua vez, determinavam um individualismo que

não existia em suas intenções. Isto pode ter detonado um processo sofrido para todos

quando, numa reação de defesa, transfere-se para Bacha o conceito de pessoa que soube

tirar para si a oportunidade do momento, sem a percepção de que, possivelmente, Bacha era

visto como o reflexo de suas atitudes. Tais atitudes sinalizam incertezas, mudanças e

instabilidades decorrentes da conjuntura sócio-política-econômica e da reestruturação

administrativa e organizacional da instituição, que se por um lado demonstravam o caráter

democratizador, por outro rompiam com a estabilidade da comunidade ibgeana que

perdurava até aquele momento.

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Nesse tempo, O IBGE passou por uma radical reforma de estrutura, e que seria acompanhada de uma intensa reforma de gestão. A estrutura foi reformada e é, salvo um ou outro ajuste, aquela ainda em vigor. [...] Essa reforma de gestão quebraria várias tradições e, por isso, exigiria um maior envolvimento do Presidente, que , no entanto, estava muito mais voltado à criação e á gestão do Plano Cruzado (e seguintes). Um ponto a realçar foi a tentativa de associação dessas reformas a uma recuperação da gestão Isaac Kerstenetzky, e mais ainda, a uma dissociação da gestão Jessé Montello (que saia) (Entrevista E, grifo nosso).

A abertura, a tolerância, o direito de reivindicar, opinar, discutir e dizer o que se pensa, que

proveio do primeiro governo civil após 20 anos de regime militar, não fora estendido a Bacha.

Ele estava numa posição em que, segundo entendimento da análise do material pesquisado,

esse direito era unilateral. Bacha estaria ali apenas para ouvir e atender aos anseios de um

grupo que havia reprimido pensamentos por um período muito extenso. Esse grupo, pela

própria natureza humana – que é mais inclinada a receber do que a dar –, não desejava nem

ouvir e nem aceitar as mudanças, por mais que fossem apresentadas justificativas técnicas,

pois elas poriam em risco a estabilidade funcional e/ou financeira à qual alguns já haviam se

adaptado. A mudança que a maioria desejava dizia mais respeito ao interesse pessoal de não

perder status, posição e outras regalias conquistadas no sistema anterior do que,

necessariamente, para o desenvolvimento da Instituição.

É pertinente ressaltar que nem todos estão inseridos nessa forma de pensar. Muitos

compreendiam e lutavam pelo desenvolvimento e moralização do IBGE sem pretensões

pessoais, mas alguns acabavam contaminados pelas idéias destorcidas dos outros e se

afastavam de seus objetivos, permitindo que os processos de reestruturação e modernização

sofressem emperramentos, por receios de perdas pessoais. Os motes - O IBGE MAIS

MODERNO E ÁGIL , que era um ideal antigo dos funcionários, ou ainda - O IBGE A

SERVIÇO DA SOCIEDADE , um dos projetos da gestão Bacha, não conseguiam caminhar

em bom tempo, aparentemente, por conta da tão esperada abertura que, exatamente por ser

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novidade, passou a ser usada em excesso, impossibilitando todo um desenvolvimento de

programas mais direcionados aos interesses da Instituição.

[...] Em 85 (não sei precisar o mês) ocorreu uma mudança de estrutura no departamento em que eu trabalhava (DESIP – Departamento de Índices de Preços), alterando minha condição, reduzindo minhas possibilidades profissionais (na minha avaliação) e me levando a procurar outro departamento. Quando fui para o DEISO (Departamento de Indicadores Sociais), comecei a participar das reuniões da CRA – Comissão de Reforma Administrativa. [...] No meu tempo, era a primeira vez que eu vivia uma situação como essa, onde todas as pessoas podiam expressar suas opiniões sobre vários aspectos do seu ambiente de trabalho, incluindo a relação com os chefes. [...] participei intensa e ativamente das discussões [...] Outra forte lembrança foram as nossas greves, das quais também participei pela primeira vez. O vínculo com o sindicato, a postura reivindicativa; tudo era novo para mim (Entrevista D).

Como resultado de tantos desencontros, percebe-se, nas declarações de algumas

entrevistas, que Edmar Lisboa Bacha deixou nos funcionários a sensação de frustração

devido às expectativas geradas por algumas iniciativas não concretizadas, em vista do

rompimento de sua gestão. Ressaltando esse sentimento, destacam-se as entrevistas abaixo:

[...] Se era para começar uma reforma, desestruturar tudo, trazer gente de fora que não conhecia a Instituição e sair sem acabar nada, era melhor deixar como estava (Entrevista H).

E mais, conclui-se que: Tendo passado por um período de grande turbulência, com a sucessão de vários presidentes, havia um sentimento de incerteza quando vinha mais um. No entanto, dado o entusiasmo da equipe que chegava, nutria-se alguma esperança de que se estava diante de novos tempos. Ao final da gestão do prof. Bacha, havia uma certa frustração pois quase nada restava do “antigo” IBGE, e o “novo” sequer chegou a nascer (Entrevista A).

Nota-se, também, que a percepção de mudança radical se mostra presente em todas as

declarações sobre o momento vivido pelo IBGE em 1985. Entretanto, as mudanças têm o seu

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início com as medidas tomadas pela Nova República, que correspondiam a uma iniciativa de

transformações em vários órgãos públicos, buscando a imagem de país mais sério e

organizado. Entretanto, no IBGE, dentre as transformações que precederam a ordem de

reestruturação e modernização da Instituição, Edmar Lisboa Bacha é nomeado presidente e

inicia uma intensa reforma de gestão e estrutura, em que o seu envolvimento é polemizado e

resulta em correntes adversas – que são reflexos do sentir de cada um – sobre a sua

atuação.

A percepção que os ibgeanos tinham de Edmar Lisboa Bacha na função de Presidente da

Instituição também é controversa. Observa-se que as declarações, por pessoas distintas e

com interesses desiguais, sobre as suas ações delineiam um antagonismo, ou seja, provoca

pensamentos contrários sobre sua imagem enquanto representante de um coletivo – o IBGE,

tais como: a) foi sério e honesto ou teria sido um auto-referente? Tinha, realmente, idéias

modernas, ou era um teórico, nada prático? Reconhecia o valor de seus funcionários?

Conforme assinalam as entrevistas:

[...] ele pouco se dedicou ao IBGE, mas se valeu muito do IBGE para subir no mundo externo. [...] vale dizer, seguiu ligado ao seu mundo, e a ele se voltava, fazendo do IBGE apenas uma passagem, ou ainda, um trampolim (Entrevista E).

E ainda, Ele emprestou a sua credibilidade à casa. Com certeza o IBGE ganhou status, credibilidade. Era exigente e reconhecia o valor técnico do trabalho do funcionário. Nota mil (Entrevista B).

Na divisão de opiniões sobre seu caráter administrativo, resta a exigência como uma de suas

faces que pode ter sido a causa da sua imagem de homem totalmente dedicado à realização

de objetivos que considerava importantes para a Instituição e a comunidade ibgeana.

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A informalidade com que conduzia seus propósitos leva a crer numa figura humana que se

revelava nas atividades profissionais.

A meu ver, a informalidade era sua característica mais notável. Viajar ao lado do motorista ao invés de no banco traseiro, freqüentar o restaurante dos funcionários junto com toda a diretoria, causava admiração a uns e estranheza a outros (Entrevista A).

Na verdade, as polêmicas observadas na gestão de Bacha resultam de uma conjuntura de

mudança que se fez presente no próprio país com o início de uma Nova República, sendo ele

o encarregado de realizar as transformações que dependiam de entendimento, readaptações

e da tão reivindicada abertura que, tudo indica, exigência apenas do alto escalão.

Certamente os funcionários sentiram uma maior abertura e uma maior tolerância às suas reivindicações na administração Bacha, como conseqüência do que acontecia em todo o país no primeiro governo civil após 20 anos de regime militar. [...] Tive muito pouco contato pessoal com Bacha. Era educado, cortês, íntegro, equilibrado (sem altos e baixos) [...] Parecia uma pessoa humana, das que levam em conta os sentimentos dos outros (Entrevista C).

Destas correntes variadas de pensamentos conclui-se que a administração se dispôs a ouvir

e mudar, mas uma parte dos funcionários pode não ter feito o mesmo pelas próprias

dificuldades oriundas do conservadorismo, ficando no ar a imagem latente de que Bacha era

um pesquisador/professor acadêmico, procurando ser simpático e informal numa instituição

que era formal e hierarquizada (conforme dedução na entrevista H). Quando, na verdade, ele

pode ter sido tão idealizador quanto Teixeira de Freitas, preocupado com a harmonização da

Instituição, mas fiel aos seus princípios técnico-científicos: ao chegar e encontrar o circo

armado, escolheu ser o malabarista porque a vaga de domador de leões não lhe servia, uma

vez que não era seu objetivo utilizar as ferramentas próprias de tal função: a cadeira e o

chicote.

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Bacha, uma vez, diante de um trabalho que eu entregava, fez questão de me perguntar: “Primeiro, você está feliz?” Nunca, antes, ninguém se preocupara (nem depois) com minha felicidade no trabalho. Com certeza, o respeito que tinha pelos técnicos (onde me incluo) foi percebido por todos, embora nem sempre abertamente admitido (Entrevista B).

3.2 O que restou da administração Bacha?

Para os que viveram as mudanças administrativas e as mobilizações do cinqüentenário do

IBGE, a institucionalização do Projeto Memória é o resultado mais distinto, a despeito de

outros feitos. Entre eles, para citar os mais importantes: a criação do Conselho do IPCA (hoje,

conselho do IPC), formado por representantes dos trabalhadores, dos empresários e dos

profissionais liberais; a iniciativa de uma reforma administrativa com a participação dos

funcionários, a CRA; a diminuição em 10% do contingente de empregados e a contenção de

gastos; a inauguração de novas Salas Públicas que resultou numa real política de

disseminação de informações; a readmissão dos funcionários demitidos na administração

anterior, por terem atuado intensamente em defesa dos direitos dos funcionários na

Associação dos Servidores do IBGE; e a própria administração democrática. A lembrança dos

funcionários se prende especial e prioritariamente no Projeto Memória por ter resultado num

processo de conscientização: saber sobre o passado, não só explicava o presente, mas

mostrava a importância da atuação e o poder de realização de cada equipe de trabalho.

O grande momento foi a Exposição do Cinqüentenário do IBGE. Idéia de um grupo de funcionários que ampliou-se com representantes por diretoria. [...] A Exposição foi importante em termos de reconstituir a evolução do IBGE, teve momentos de emoção, e fez muito bem à Casa no sentido de aflorar a chamada mística ibgeana [...] na prática foi a Exposição que gerou a existência do Projeto Memória que, posteriormente, institucionalizou-se como Equipe de Memória Institucional (Entrevista F, grifo nosso).

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Todo o movimento deste período, enriqueceu a trajetória institucional do IBGE e serviu de

base para a contínua reconstrução da Instituição. A institucionalização da memória subsistiu

concretamente. A maneira particular dos ibgeanos perceberem os feitos da ocasião se

direciona para o evento mais marcante, até mesmo porque o Projeto Memória teve a

serventia particular não só de fomentar o orgulho de ser funcionário público como também de

mobilizar grande parte dos funcionários a guardar registros da origem e da evolução do IBGE

ao longo dos anos.

Uma comemoração das mais gratificantes. Os funcionários do IBGE, de um modo geral, embora tivessem queixas do governo como empregados, sempre se orgulhavam de seu trabalho, das missões institucionais e do papel que o IBGE desempenhava na administração do país (Entrevista H). [...] o dado novo nas discussões era a participação do movimento das estatais/servidores públicos. Que contava com a presença marcante da ASSIBGE... A relevância do período estava no fato da participação da categoria nas greves abranger, além das questões reivindicatórias, o modelo de gestão e o papel do IBGE enquanto Instituição Pública (Entrevista F).

Pode-se dizer que, além do exposto, restou uma profunda sensação de abandono, uma

grande privação de anseios em boa parte dos funcionários, advinda da expectativa de

mudanças com as reformas administrativas. Era um tempo de sonho e esperança quando o

neoliberalismo ainda não tinha degradado os valores sociais e os laços de solidariedade

(Entrevista F). Mudanças e reformas interrompidas com a saída de Bacha da Instituição, já

que, tendo passado por um período de grande turbulência, com sucessão de vários

presidentes, havia um sentimento de incerteza quando vinha mais um (Entrevista H). Bacha,

como presidente dos novos tempos, entusiasmou a todos para, no auge das transformações,

sair de cena, aparentemente sem um motivo que justificasse sua retirada, tendo sido então:

um período frustrante porque a Instituição foi questionada, desarrumada e largada no meio de

um processo de reforma administrativa (Entrevista H). Todavia, poucos se deram conta das

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dificuldades e entraves enfrentados por Bacha na dita Instituição formal e hierarquizada que

estava sufocada pelo silêncio resultante de 20 anos de militarismo, quando a abertura fez o

reboliço da Senhora Liberdade.

Se toda essa abertura não tivesse sido promovida com tanta ênfase, com gente tão respeitada – o corpo técnico (que Bacha manteve e promoveu) não poderia mostrar também a sua seriedade e competência. [...] Como estávamos na “era Sarney”, não conseguiram desvincular Bacha do que considerava-se autoritarismo. Na minha opinião, ele pagou esse preço (e injustamente, basta ver a abertura) (Entrevista B).

Ao se despedir da Instituição por ocasião da posse de Edson Nunes, o Presidente da

Transparência faz um discurso relativamente pequeno e tenta, sem deixar de ser ético ao

expor sua decisão de sair do cargo, deixando claro que estava consciente de que a reforma

administrativa à qual dera início não estava terminada. Mas, ficou nas entrelinhas para o bom

entendedor, que sua decisão fora forçada, deixando apenas transparecer, mas sem a habitual

transparência, que algo sério se ocultava por trás daquela determinação de partida.

[...] o que os ibgeanos querem é a profissionalização do IBGE. Foi por entender que é exatamente isto o que a sociedade brasileira também quer do IBGE, é que Régis Bonelli e eu demos partida à reforma administrativa. Deixamo-la a meio caminho andado [...] Não foi só por estar convencido da importância deste trabalho, mas também por intuir que a Casa aprovava o que vinha fazendo, é que levei até o limite de minha consciência a decisão de permanecer no cargo. Foi, por isso mesmo, com muita tristeza, que me vi forçado a deixar a Presidência do IBGE (BACHA, 1987).

O jornal O Globo, edição de 05 de dezembro de 2005, publicou um artigo de Edmar Lisboa

Bacha respondendo sobre o destaque dado no dia anterior, pelo mesmo jornal, à sua

sugestão para uma melhoria do cálculo do PIB, em que ele afirmava que o aprimoramento

das contas esbarra na falta de recursos e amarras burocráticas do Instituto. Neste artigo,

Bacha menciona suas sugestões e comenta abertamente o que o levou a sair do IBGE em

fins de 1986:

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[...] Como palestrante convidado ao I Encontro dos Técnicos do IPEA, realizado no Rio de Janeiro em agosto de 2001, listei uma série de sugestões para uma agenda de pesquisas em macroeconomia. A primeira delas era o aprimoramento de nossas estatísticas econômicas. E a primeira providência que propus foi a criação de uma força tarefa do Ipea e do Banco Central para ajudar o IBGE a modernizar o sistema de contas nacionais — sugestão essa que não foi levada adiante.

De fato, já se vão 20 anos desde que, sob minha presidência, o IBGE passou a ter a responsabilidade pelo cálculo das contas nacionais, antes afeta à Fundação Getulio Vargas. Naquela ocasião, também trouxe da FGV para o IBGE a responsabilidade pelo cálculo da inflação, com a criação do IPCA. Mas, nesse caso, tive o cuidado de nomear uma comissão independente, composta por economistas e representantes de empregadores e empregados, para acompanhar o cálculo do índice. (Para os interessados em história antiga, essa comissão se demitiu junto comigo quando o governo, no chamado Plano Cruzado II de dezembro de 1986, quis forçar uma mudança metodológica no cálculo da inflação) [...]

Desde 1990, o IBGE tem melhorado bastante o cálculo do PIB, mas, seja por falta de recursos, seja por dificuldades burocráticas, seu meritoso trabalho nessa área continua a merecer aprimoramento.

Diante de tais declarações, o que certamente restou da gestão Bacha foi a prometida

fidelidade à transparência e acima de tudo, o início de uma política de preservação

institucional. Em outras palavras, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística tendeu, a

partir desse momento, a privilegiar o seu acervo institucional e a narrativa histórica para

evocar e reconstruir a memória nacional e do próprio órgão. Não se tratava apenas de coletar

para guardar, para preservar. Mais que isso: era necessário que a comunidade ibgeana

assumisse um papel mais ativo no processo de preservação e dinamização da memória.

Tratava-se, portanto, de guardar, reter e conservar o patrimônio documental para em seguida

pô-lo a serviço da sociedade - caminho para evitar um presente desmemoriado.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A organização dos acervos documentais da produção técno-científica nos centros ligados à

instituições de pesquisa, constitui apenas parte do conjunto de informações que pode estar

disponível. Em seus acervos há informações valiosas sobre o papel da própria instituição

enquanto agente social, sobre suas dificuldades e realizações, sobre suas articulações com a

comunidade e outros aspectos de sua história. Tais conjuntos documentais, portanto,

compõem igualmente o conjunto de bens que, mantidos na sua integridade, constituem

testemunhos da história nacional: a Coleção Documental Ibgeana como lugar de memória,

onde, parafraseando Clifford (1994, p. 79), contém o que merece ser guardado, lembrado e

entesourado.

A Representação de alguma coisa, para Ginsburg (2001) é, ao mesmo tempo, presença e

sucedâneo de algo que não existe, já que, se faz da realidade representada e, com isso,

evoca a ausência. Por outro lado, torna visível a realidade representada e, sendo assim,

ocasiona a presença. Partindo deste pensamento, a Coleção Documental objeto desta

redação é uma realidade representada, que, enquanto testemunho visível da história, é e

sempre será presente no seio da Instituição.

Para Latour (2000, p. 25 ) as bibliotecas, as coleções e os laboratórios são lugares onde o

mundo se inscreve, comprimido em papel, em pranchas, em estantes de pássaros

empalhados, em testes de laboratórios e em tantos outros meios, como lugares de inscrição

implicando na circulação de informação entre dois lugares, entre o centro e a periferia, entre o

mundo real e sua representação. Neste sentido, informação passa a ser uma relação entre

dois pontos (centro e periferia) que o autor chamou de inscrição. Ainda, segundo o mesmo

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autor (2000, p.23) os lugares de memória, coleção, bibliotecas e os laboratórios são, portanto,

veículos de transporte:

O naturalista não está em seu local próprio, mas ao longe, enviado pelo rei para buscar desenhos, espécimes naturalizados, mudas, herbários, relatos e, quem sabe, indígenas. Tendo partido de um centro europeu para uma periferia tropical, a expedição que ela traça, através do espaço-tempo, uma relação bem particular que vai permitir ao centro acumular conhecimentos sobre um lugar que até aí ele não podia imaginar. Nesta gravura, muito estudada, o naturalista se desenhou a si próprio em plena atividade de transformação de um lugar em outro, registrando a transição entre o mundo das matérias locais e o dos signos móveis e transportáveis para qualquer lugar.

Latour (2000, p. 23) chama atenção para o fato do naturalista se representar nessa inscrição,

onde é ele mesmo que desenha em um quase-laboratório, um lugar protegido pela folha de

bananeira que o abriga do sol e pelos frascos de espécimes conservados no álcool. Essa

representação é de fundamental importância para que o mundo dos nativos seja apropriado

através do movimento da informação. O desenhista não está interessado em captar tudo, mas

apenas os traços pertinentes. Após ter sido transportado da periferia para o centro, esse

desenho circulará em todas as coleções reais e os espécimes empalhados nos frascos de

álcool vão para os gabinetes aonde os curiosos de toda a Europa irão apreciá-las, e,

certamente, estudá-las. Como se pode observar a informação:

[...] não é um signo mas uma relação estabelecida entre dois lugares, o primeiro que se torna uma periferia e o segundo que se torna um centro, à condição que entre os dois circule um veículo que se chama seguidamente forma, mas que para insistir sobre seu aspecto material, eu chamo inscrição. [...] uma relação muita prática e muita material entre dois lugares, o primeiro dos quais negocia o que deve retirar do segundo a fim, de mantê-lo sob sua vista e agir à distância sobre ele. (LATOUR, 2000, p.22-23)

Portanto, ao estudarmos representações é importante levarmos em conta que elas são

produtos de mentes individuais e coletivas, refletindo, em grande escala, as tradições

culturais, conforme nos trás o patrimônio institucional – a Coleção Documental Ibgeana. É

importante destacar que os objetos, imagens, livros, documentos e outros que integram a

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coleção devem ser considerados ao se identificarem com a sua origem, natureza e

características, transitórias e permanentes, que legitimam esse importante patrimônio

documental do IBGE em constante evolução.

Tomando como base os autores introduzidos no presente trabalho - Nora e Le Goff -, e

extraindo deles alguns referenciais conceituais que permitem sejam aplicados ao objeto de

estudo, no caso o Projeto Memória do IBGE, tornou-se possível estabelecer aproximações

entre a memória e história.

Se para Nora (1993, p.9) existem lugares de memória, estes nascem e vivem nos arquivos,

museus, comemorações e tudo o mais que é cercado pela prática eventual ou sistemática de

um ritual em que a memória certamente se ampara. São ainda lugares de memória aqueles

em que a tradição permanece enraizada, mesmo alterada e modificada pelo momento

histórico. Mais ainda, os lugares de memória não têm referentes na realidade. Eles são seu

próprio referente. Assim é que o reconhecimento da memória, enquanto lugar do passado e

lugar do fazer história no presente, remete para a conclusão de que a celebração do

cinqüentenário do IBGE construiu em torno de si um lugar de memória.

Em Le Golff (1990, p. 220), passado e presente se interpenetram e se contaminam,

estabelecendo-se entre eles uma estreita ligação: alimentam-se um do outro e forjam a

memória. Quer seja individual ou coletiva, a memória dos grupos se referencia nos espaços

em que habitam e nas relações que constroem. Caminhando nesse sentido, percebe-se que o

Projeto Memória do IBGE expressa um momento significativo de encontro entre o presente e

o passado, o elo estreito de articulação que medeia um tempo e outro.

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Assim sendo, ao se restaurar o processo de institucionalização da memória de museus no

IBGE a que se soma às tendências ideológicas e os programas de gestão dos diversos

períodos por que passou a instituição, desvelam-se intenções e ações de início fragmentadas

e que, gradativamente, adquirem características museológicas com o propósito de evitar a

dispersão de sua memória, resguardando-a e preservando-a para que o passado continue

presente ao longo das gerações futuras estabelecendo-se, assim, uma política de

preservação da memória, relacionando história do IBGE com a trajetória da sociedade

brasileira.

A atribuição de sentidos que se procurou dar à Celebração ao longo da análise aponta uma

multiplicidade de significados que extrapolam a simples proposta desta investigação. Todavia,

indicativos outros corroboram para a prevalência de valores, uns já existentes e outros que

vão sendo incorporados, já agora sob a influência do Projeto Memória Institucional, ganhando

força à medida que se distanciam no tempo. O espaço físico em que transcorreu a Exposição

comporta outros espaços simbólicos, excedendo a expectativa inicial e motivos que deram

origem à sua criação.

O espaço público institucional onde se realizou esse momento significativo e fundador do

Projeto Memória oferecido pela Exposição do Cinqüentenário, abriu campo único de

negociações para (re)elaborações de novas concepções e, de certa maneira, mostrou o

locus de atribuição de sentidos que emanam das Representações Sociais constituídas. A

expressão (re)construir a memória não só se incorporou ao cotidiano da instituição como

também, corporificou-se com a criação de um ambiente específico em que ideais já

estabelecidos e idéias novas se voltaram para preservar e disseminar a história da

comunidade ibgeana.

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A importância das Representações Sociais expressas pelos acontecimentos que marcaram

as comemorações do cinqüentenário possibilitaram observações: todo o IBGE esteve

profundamente envolvido no processo de planejamento e montagem da Exposição do

Cinqüentenário; permitiu prosseguir com o Projeto Memória com o intuito de reunir

documentos dispersos para a formação da memória institucional; divulgou a cultura e o

pensamento geocientífico da Instituição, reafirmando a idéia desde há muito presente de se

fazer conhecer o Brasil; marcou uma nova fase de transformações na cultura política do

órgão, acompanhando as renovações transcorridas na própria sociedade; e ofereceu

oportunidade de evocar os vultos do passado recente, pioneiros que contribuíram para a

formação do ideário ibgeano.

Aplicando o conceito de Imaginário Social - visto anteriormente como fragmento ou a própria

realidade -, admite-se nestas breves asserções retornar ao marco do cinqüentenário, recorte

que possibilita compreender os significados reais e irreais das experiências individuais vividas

e construídas coletivamente. Adentrar no imaginário daquela celebração que

institui/instituindo sentidos é percorrer não só a trajetória do órgão como interpretar os

enunciados e silêncios que se ocultam e se revelam em cada um, expressão da

representatividade do todo.

Sendo preciso escolher o que vai ser lembrado e o que deve ser esquecido (Pollak 1989,

p.11) nas estratégias de armazenamento e esquecimento do passado, não se poderia deixar

de enfatizar as duas personalidades constantes na história da Instituição, precursoras de

mobilizações memoráveis, que resultaram em ações e reações dignas de registros e

comparações de propósitos, onde se firma definitivamente que ambas as personalidades,

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Teixeira de Freitas e Edmar Lisboa Bacha, visavam o mesmo desígnio: Fazer do IBGE uma

Instituição adequada aos anseios da sociedade civil, além dos serviços direcionados ao

governo e, embora professassem princípios morais idênticos, respectivamente, um foi o

fundador, o criador da mística ibgeana, o técnico incontestado e extraordinário estatístico; o

outro, foi o homem das mudanças, o restituidor, o economista célebre que contestou os

cálculos do PIB. O primeiro dispôs do respeito conferido a todo profissional reconhecido como

competente e versado em suas técnicas de conhecimento específico, enquanto que ao

segundo pouca deferência lhe foi oferecida, se não, as inúmeras perturbações causadas

pelos reboliços resultantes das mudanças administrativas e pelas más interpretações de sua

postura diante de tudo o que considerava fora dos métodos e se manteve fiel, a ponto de

demitir-se para não trair seus princípios.

Finalmente, o que restou daquele momento histórico em que se transformou a Exposição?

Certamente seu propósito primordial foi alcançado, posto que as suas práticas frutificaram e

permanecem inscritas na memória social da comunidade ibgeana hoje, em que o

cinqüentenário do IBGE ficou marcado pela palavra EXPOSIÇÃO em sentido translato:

exposição do evento pode-se dizer que o passado, (re)vivido na memória, possibilitou melhor

compreender o presente e lançar um novo olhar para o futuro; exposição do Bacha pode-se

dizer que a transparência prometida e atendida não possibilitou em, absolutamente, nada a

compreensão do seu olhar técnico para os métodos utilizados na ocasião.

A informação ou as inscrições-memória transitam nas instituições, como foi e é o caso do

IBGE, formando coleções quando são acumulados registros de suas ações políticas, técnicas

e administrativas. Porém, nem sempre esses documentos representam, em seus depósitos

arqueológicos, o imaginário institucional. É necessário fazer uso das comemorações, das

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narrativas e falas para a construção, ainda que fragmentária e parcial de uma possibilidade de

memória institucional.

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ANEXOS

A IBGE. Resolução n° 22, de 30 de dezembro de 1936

B IBGE. Resolução n° 130, de 18 de maio de 1943

C IBGE. Resolução n° 145, de 17 de julho de 1945

D IBGE. Resolução – PR n° 04, de 20 de maio de 1977

E IBGE. Resolução – PR n° 59, de 30 de outubro de 1985

F Memorando n° 376 de 12/12/1977 da DF/DG – Acervo do Museu de

Geografia

G Memorando n° 01 de 05/1/1978 da BICEN/GAB – MUSEU

H Recomendação n° 29/77 – 2° . Reunião com os titulares das unidades

regionais Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

I Entrevistas

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ANEXO A

IBGE. Resolução n° 22, de 30 de dezembro de 1936.

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ANEXO B

IBGE. Resolução n° 130, de 18 de maio de 1943.

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ANEXO C

IBGE. Resolução n° 145, de 17 de julho de 1945

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ANEXO D

IBGE. Resolução – PR n° 04, de 20 de maio de 1977

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ANEXO E

IBGE. Resolução – PR n° 59, de 30 de outubro de 1985

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ANEXO F

Memorando n° 376 de 12/12/1977 da DF/DG – Acervo do Museu de Geografia

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ANEXO G

Memorando n° 01 de 05/1/1978 da BICEN/GAB – MUSEU

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ANEXO H

Recomendação n° 29/77 – 2° . Reunião com os titulares das unidades regionais Fundação

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

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ANEXO I

Entrevistas

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Entrevista A

Período em que o entrevistado trabalhou no IBGE: ⇒

Data da entrevista: ⇒

1) De maio de 1985 a novembro de 1986, Edmar Lisboa Bacha foi presidente do IBGE. Nesse período, você considera que a Instituição sofreu alguma modificação? Qual? (Por favor, responda com detalhes) R.: Sim. A Comissão de Reforma Administrativa (CRA, como ficou conhecida) procedeu a uma completa revisão na estrutura da Instituição, envolvendo todos os funcionários, das áreas fins e meios, discutindo funções, buscando alcançar um modelo para um novo IBGE. Por ser um trabalho de grande envergadura, não dispôs de tempo hábil para ser concluído.. 2) Pensando ainda no período Bacha, que tipo de sentimento os funcionários nutriam pela Instituição antes e depois de Bacha? R.: Tendo passado por um período de grande turbulência, com a sucessão de vários presidentes, havia um sentimento de incerteza quanto a vinda de mais um. No entanto, dado o entusiasmo da equipe que chegava, nutria-se alguma esperança de que se estava diante de novos tempos. Ao final da gestão do Prof. Bacha, uma certa frustração pois quase nada restava do “antigo” IBGE, e o “novo” siquer chegou a nascer. 3) Como você via / percebia Edmar Lisboa Bacha como pessoa? R.: Educado, atencioso e destituído de qualquer pose de autoridade 4) Como você via / percebia Edmar Lisboa Bacha como Presidente do IBGE? R.: A meu ver, a informalidade era sua característica mais notável. Viajar ao lado do motorista, ao invés de no banco traseiro, freqüentar o restaurante dos funcionários, junto com toda a diretoria, causava admiração a uns e estranheza a outros. 5) Você viveu o cinqüentenário do IBGE em serviço. O que esse momento representou, no sentimento dos funcionários, para a história da Instituição? R.: – Sim Para marcar a data histórica, foi realizada uma “Exposição comemorativa dos 50 anos do IBGE”. E a Biblioteca (órgão no qual eu exercia a função de substituta da Superintendência), sendo depositária do acervo documental necessário à elaboração do evento, participou de todos os trabalhos, tendo inclusive contribuído com a presença de vários funcionários nas comissões criadas para a organização da exposição de fotos e documentos. Essa exposição teve lugar no edifício do MEC e mereceu um olhar atento de todos os que se interessavam pelos destinos da Instituição. Foi um momento de grande mobilização entre os funcionários. 6) Para terminarmos, você teria algum comentário sobre esse período que considere importante? R.: Por ter participado intensamente desse momento, minha opinião pode carecer de objetividade. O que, aliás, merece um pedido de desculpas, caso não tenha contribuído para os propósitos da pesquisa.

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Entrevista B

Período em que o entrevistado trabalhou no IBGE: ⇒ 1980/81 e 1985/95

Data da entrevista: ⇒ 22 de fevereiro de 2006

1) De maio de 1985 a novembro de 1986, Edmar Lisboa Bacha foi presidente do IBGE. Nesse período, você considera que a Instituição sofreu alguma modificação? Qual? (Por favor, responda com detalhes) R.: Mudança radical. Abertura das informações, inclusive de publicações proibidas pela ditadura (caso de “O lugar do negro na força de trabalho”, que foi lançado na Bienal do Livro em tarde de autógrafo, entrevista etc., sem sequer ser reimpresso). Bacha abriu as portas do IBGE, criou a Assessoria de Imprensa, depois Coordenadoria de Comunicação Social, tendo eu a felicidade de ter sido convidada para a empreitada. Criou o “Caminho dos índices” para familiarizar os jornalistas que passaram a cobrir o IBGE com os nossos índices; estendeu este “Caminho” para o PIB e para os indicadores da indústria. Para o público interno, criou publicações periódicas. Nesta mudança radical, incluo o “orgulho” que passou a fazer parte do dia-a-dia do funcionário. O orgulho de pertencer a uma Casa de importância crucial para o País, e que abria as suas portas, dando o retorno esperado para quem abria as portas de suas casas para nós, alimentando-nos com suas informações. Bacha também promoveu o corpo técnico, dando-lhes mais responsabilidade, ou melhor, mais trabalho e muito mais motivação e reconhecimento. A partir daí, tudo ficou mais fácil, na minha opinião. 2) Pensando ainda no período Bacha, que tipo de sentimento os funcionários nutriam pela Instituição antes e depois de Bacha? R.: O IBGE era uma Casa fechada, que se abriu, e isto fez toda uma diferença. Na minha opinião, os funcionários passaram a se orgulhar de uma Casa que se preocupava em atender aos anseios do contribuinte, com dados fidedignos, atualizados e sempre divulgados, sempre respeitando o público interno. Bacha, uma vez, diante de um trabalho que eu entregava, fez questão de me perguntar: “Primeiro, você está feliz?” Nunca, antes, ninguém se preocupara (nem depois) com minha felicidade no trabalho. Com certeza, o respeito que tinha pelos técnicos (onde me incluo) foi percebido por todos, embora nem sempre abertamente admitido. 3) Como você via / percebia Edmar Lisboa Bacha como pessoa? R.: Gente. Sensível. Brilhante. Trabalhador. Sério. Honesto. Cortês. Dinâmico. Antenado. 4) Como você via / percebia Edmar Lisboa Bacha como Presidente do IBGE? R.: Ele emprestou a sua credibilidade à Casa. Com certeza o IBGE ganhou status, credibilidade. Era exigente e reconhecia o valor técnico do trabalho do funcionário. Nota mil. 5) Você viveu o cinqüentenário do IBGE em serviço. O que esse momento representou, no sentimento dos funcionários, para a história da Instituição? R.: Mobilização em torno de uma história resgatada com garra e competência – e com muito orgulho. 6) Para terminarmos, você teria algum comentário sobre esse período que considere importante? R.: Se toda essa abertura não tivesse sido promovida com tanta ênfase, com gente tão respeitada – o corpo técnico (que Bacha manteve e promoveu) não poderia mostrar também a sua seriedade e competência. O corpo técnico dessa época era nota mil, e pôde se mostrar então. Como estávamos na “era Sarney”, não conseguiram desvincular Bacha do que considerava-se autoritarismo. Na minha opinião, ele pagou esse preço (e injustamente, basta ver a abertura).

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Entrevista C

Período em que o entrevistado trabalhou no IBGE: ⇒ 1979 a 1990

Data da entrevista: ⇒ 18 de fevereiro de 2006

1) De maio de 1985 a novembro de 1986, Edmar Lisboa Bacha foi presidente do IBGE. Nesse período, você considera que a Instituição sofreu alguma modificação? Qual? (Por favor, responda com detalhes) R.: Sim, a instituição passou por modificações radicais, de diversos pontos de vista: 1 - Do ponto de vista administrativo, Bacha criou a CRA – Comissão da Reforma Administrativa que, coordenada por Rosa Nogueira, mudou a estrutura organizacional do IBGE, através da votação, pelos funcionários comissionados, de novos organogramas dos diversos setores da instituição. Esse método foi escolhido por ser considerado democrático, tendo em vista sobretudo que esta era a primeira administração do IBGE após a ditadura militar no país. No entanto, do meu ponto de vista, o método possuía o grave defeito de um chefe ter de votar no novo organograma de uma área especializada da qual não tinha conhecimento, isto é: não tinha capacidade de avaliar se o novo organograma proposto era adeqüado ou não. Essa reforma foi a primeira de várias iniciativas posteriores de se mudar organogramas, o que, a meu ver, não contribuiu em nada para a melhoria dos trabalhos da instituição. Com a estrutura anterior, estabelecida na administração do prof. Isaac Kertenetsky, o IBGE produziu pesquisas de grande sucesso e utilidade para o planejamento no país; 2 - Do ponto de vista político, o fato mais relevante foi a readmissão de funcionários que haviam sido demitidos pela administração anterior devido à sua atuação intensa e politizada na Associação do Servidores do IBGE, em defesa de direitos dos funcionários; 3 - Do ponto de vista técnico, acho que a ênfase na reforma administrativa e na caracterização de uma administração democrática - em oposição a uma adminstração considerada autoritária - provocou uma menor cobrança de resultados de trabalho. 2) Pensando ainda no período Bacha, que tipo de sentimento os funcionários nutriam pela Instituição antes e depois de Bacha? R.: Certamente os funcionários sentiram uma maior abertura e uma maior tolerância às suas reinvidicações na administração Bacha, como conseqüência do que acontecia em todo o país no primeiro governo civil após 20 anos de regime militar. 3) Como você via / percebia Edmar Lisboa Bacha como pessoa? R.: Tive muito pouco contacto pessoal com Bacha. Era educado, cortês, íntegro, equilibrado (sem altos e baixos), de comportamento discreto, até tímido. Parecia ser uma pessoa humana, das que levam em conta os sentimentos dos outros. 4) Como você via / percebia Edmar Lisboa Bacha como Presidente do IBGE? R.: A meu ver, Bacha deu mais importância à reforma administrativa do que aos trabalhos técnicos da instituição. Os chefes ficaram mais ocupados em preparar organogramas do que em fazer seu trabalho. No entanto, ele ficou muito pouco tempo na presidência (um ano e meio) para eu poder afirmar que houve prejuízo da instituição. Talvez tenha havido inovações ou aperfeiçoamentos na área técnica dos quais não tenho conhecimento. 5) Você viveu o cinqüentenário do IBGE em serviço. O que esse momento representou, no sentimento dos funcionários, para a história da Instituição? R.: Acho que a exposição do cinqüentenário deu aos funcionários a consciência da história do IBGE, isto é, aqueles que nunca haviam pensado nisso de repente viram que era importante para a instituição o denvolvimento de trabalhos voltados para sua origem e sua evolução através dos anos. No entanto, a preocupação com a história do IBGE já se manifestara na administração anterior, através da instalação e

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inauguração, pelo então presidente Prof. Jessé Montelo, do Museu Teixeira de Freitas, em São Francisco do Conde, na Bahia, na casa onde nasceu Teixeira de Freitas. O museu teve sua organização realizada pela BICEN (contactos com a família, obtenção de objetos pessoais e sua arrumação no local). 6) Para terminar, você teria algum comentário sobre esse período que considere importante? R.: Considerando que os 50 anos do IBGE ocorreram na gestão Bacha, foi ele quem permitiu a criação do Projeto Memória na então BICEN (Superintendência da Biblioteca Central), órgão encarregado de organizar a exposição do cinqüentenário. O Projeto Memória foi uma conseqüência do evento, considerado bem sucedido pela administração superior do IBGE.

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Entrevista D

Período em que o entrevistado trabalhou no IBGE: ⇒ 15.05.1979 a 17.06.2002

Data da entrevista: ⇒ 20.03.06

1) De maio de 1985 a novembro de 1986, Edmar Lisboa Bacha foi presidente do IBGE. Nesse período, você considera que a Instituição sofreu alguma modificação? Qual? (Por favor, responda com detalhes) R.: Nossa memória é sempre balizada por aquilo que vivemos. Assim, minha lembrança passa pelo meu momento profissional naquela ocasião. Em 85 (não sei precisar o mês) ocorreu uma mudança de estrutura no departamento em que eu trabalhava (DESIP - Departamento de Índices de Preços), alterando minha condição, reduzindo minhas possibilidades profissionais (na minha avaliação) e me levando a procurar outro departamento. Quando fui transferida para o DEISO (Departamento de Indicadores Sociais) comecei a participar das reuniões da CRA - Comissão de Reforma Administrativa. Esse tipo de proposta envolvia todos os funcionários e gerou grande mobilização no departamento. Várias questões foram discutidas, documentadas e encaminhadas à direção do IBGE. No meu tempo de IBGE, era a primeira vez que eu vivia uma situação como essa, onde todas as pessoas podiam expressar suas opiniões sobre vários aspectos do seu ambiente de trabalho, incluindo a relação com os chefes. Apesar de nova nesse departamento, e talvez até por esse motivo, participei intensa e ativamente das discussões e da elaboração dos documentos. Outra forte lembrança foram as nossas greves, das quais também participei pela primeira vez. O vínculo com o sindicato, a postura reivindicativa; tudo era novo para mim. 2) Pensando ainda no período Bacha, que tipo de sentimento os funcionários nutriam pela Instituição antes e depois de Bacha? R.: É difícil definir da forma como a pergunta foi colocada, uma vez que a trajetória profissional dos funcionários e os projetos institucionais não estão tão diretamente atrelados à figura do presidente, principalmente numa gestão tão curta. Lembro que para mim foi um momento de mudanças e de inovações; muitas delas compartilhadas com os meus colegas. Ainda no DESIP trabalhei num relatório de avaliação do INP - Inquérito Nacional de Preços, pesquisa muito antiga e metodologicamente obsoleta, feita para atender solicitação das Forças Armadas e definir o aumento de custo dos alimentos por ela consumidos. Essa pesquisa, não fazia mais sentido, mas vinha sendo realizada por mera repetição. A proposta do relatório foi de desativação, o que de fato ocorreu. Nessa mesma época e ainda no DESIP, participei do grupo de estudo para implantação do IPP – Índice de Preços ao Produtor. Ao chegar no DEISO, recebi a incumbência de avaliar, em parceria com técnicos do DEPIS, os inquéritos da área de Justiça, pertencentes ao grupo de pesquisas da Campanha Estatística, iniciada em 1937. Também no DEISO acompanhei a revisão e implantação da nova Pesquisa Sindical, que estava desativada. As informações que acabo de listar, buscando resgatar aquele período, acabaram mostrando um momento de renovação. Alguns desses projetos acabaram não sendo implantados e outros demoraram mais do que a gestão Bacha para serem efetivados. A CRA – Comissão de Reforma Administrativa, mencionada na questão anterior, também agrega um sentimento de espaço para discussão, de participação dos funcionários na definição dos destinos da instituição. Entretanto, o sentimento não era unânime, pois muitos não acreditavam que esse canal traria, de fato, as mudanças esperadas. 3) Como você via / percebia Edmar Lisboa Bacha como pessoa? R.: Não tenho elementos para responder essa questão. Lembro apenas da sua fisionomia, sem nenhum juízo de valor associado a ela. 4) Como você via / percebia Edmar Lisboa Bacha como Presidente do IBGE? R.: Um presidente retrata as possibilidades concretas que ele cria para a instituição e para seus funcionários. Assim, só me lembrei dele quando reconstruí o que se passava comigo naquela ocasião. E devo dizer que na

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minha trajetória pessoal, o momento investigado foi um importante ponto de inflexão. 5) Você viveu o cinqüentenário do IBGE em serviço. O que esse momento representou, no sentimento dos funcionários, para a história da Instituição? R.: Não me recordo de nenhuma comemoração especial e nem de comentários entre os funcionários sobre a data. Eu diria que a data passou desapercebida. 6) Para terminarmos, você teria algum comentário sobre esse período que considere importante? R.: Tendo feito o exercício de relembrar tudo isso, ficou a clareza de ter sido um momento de mudança. Como personagem da história, não sei dizer se foi a minha trajetória que mudou a minha percepção das coisas ou se essas mudanças foram mais abrangentes e percebidas por todos os funcionários. Sua pesquisa vai dizer.

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Entrevista E

Período em que o entrevistado trabalhou no IBGE: ⇒ Desde 1974

Data da entrevista: ⇒ 20 de março de 2006

1) De maio de 1985 a novembro de 1986, Edmar Lisboa Bacha foi presidente do IBGE. Nesse período, você considera que a Instituição sofreu alguma modificação? Qual? (Por favor, responda com detalhes) R.: Nesse tempo, o IBGE passou por uma radical reforma de estrutura, e que seria acompanhada de uma intensa reforma de gestão. A estrutura foi reformada e é, salvo um ou outro ajuste, aquela ainda em vigor. Já a reforma de gestão, pese a boa vontade, ficou a desejar, tendo havido programas sequer iniciados, e outros muito rapidamente abortados. Essa reforma de gestão quebraria várias tradições e, por isso, exigiria um maior envolvimento do Presidente, que, no entanto, estava muito mais voltado à criação e à gestão do Plano Cruzado (e seguintes). Um ponto a realçar foi a tentativa de associação dessas reformas a uma recuperação da gestão Isaac Kerstenetzky, e mais ainda, a uma dissociação da gestão Jessé Montello (que saía). Edmar Bacha, com seu jeito vaidoso, emitiu opiniões na imprensa que pouco contribuía para o bom nome do IBGE, não raro, o denegria como uma instituição por demais sujeita a injunções externas (o que é horrível para a percepção e a consolidação de uma independência vital à produção das estatísticas). O movimento grevista começa ou recrudesce naquela gestão, e em boa medida por inabilidade de seus dirigentes em perceber o estado de ânimo reinante. 2) Pensando ainda no período Bacha, que tipo de sentimento os funcionários nutriam pela Instituição antes e depois de Bacha? R.: Não acho que aquela gestão tenha agitados os sentimentos dos funcionários. Um sentimento de envolvimento, de pertencimento, e partícipe de um destina, a última vez que ocorreu, a meu juízo, foi na gestão Isaac Kerstenetzky. E, acredito, voltaria a ocorrer, ainda que talvez apenas centrado nas chefias, na gestão seguinte, sob Edson Nunes. Mas, também então, o movimento grevista foi atuante, e com seu espírito belicoso, e radical, acabou sendo mais e mais deletério. Curioso é que Edson Nunes fez um grande esforço de promover um envolvimento dos grupos sindicais nas decisões. Mas, os líderes sindicais tinham mais interesse em suas carreiras na esfera sindical do que no âmbito institucional. Na gestão Bacha, voltando, acho que só mesmo os envolvidos nos grupos da reforma terão se sentido atuantes, e partícipes. Mas mesmo esses, e que não foram muitos, nem sempre tinham voz, sendo, não raro, dirigidos com arrogância por consultores externos (presunçosos, donos da verdade). 3) Como você via / percebia Edmar Lisboa Bacha enquanto pessoa? R.: Tinha nome entre os Economistas. Mas, mais do que isso, queria ter nome na mídia, e no mundo político. Era vaidoso ao extremo. Inteligente, sem dúvida. E se valeu muito do IBGE para alcançar seus objetivos no mundo externo, fora do IBGE. Acho que ganhou mais com o IBGE do que o IBGE com ele. Afável e gentil no trato, mas não sem um ar de distância que fazia seus interlocutores mais atentos algo bobos. 4) Como você via / percebia Edmar Lisboa Bacha enquanto Presidente do IBGE? R.: Tendo em mente a figura de Ivan Fellegi, diretor do Statistique Canadá, ele pouco se dedicou ao IBGE, mas se valeu muito do IBGE para subir no mundo externo. Menos ele, e mais alguns de seus colaboradores, tentou fazer uma radical mudança no IBGE, como disse acima, mas que não chegou a bom porto. Digamos assim, usando um imagem de Alceu Amoroso Lima: aqui no IBGE, Bacha não deu o adeus à disponibilidade. Vale dizer, seguiu ligado ao seu mundo, e a ele se voltava, fazendo do IBGE apenas uma passagem, ou ainda, um trampolim. 5) Você viveu o cinqüentenário do IBGE em serviço. O que esse momento representou, no sentimento dos funcionários, para a história da Instituição? R.: Vive o cinqüentenário, sim. Mas, vendo depois os 60 anos, com Simon Schwartzman, os 50 anos não foram quase nada. Ficaram, contudo, algumas obras valiosas, como as Séries Históricas Retrospectivas (acho

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que é o nome oficial). Mas, ao tempo em que foi feita, por “descuido” perdeu-se várias obras do acervo da casa (o que acho imperdoável, seja por parte da direção, seja por parte dos bibliotecários). De valioso ficou o Projeto Memória, mas que teria morrido à míngua, não fora a ação pessoal, e dedicada, de Icléia Thiesen. Enfim, sem isso, teria sido um espasmo, e não acho que Bacha tivesse uma visão de maior continuidade, o que lhe exigiria maior engajamento institucional. 6) Para terminarmos, você teria algum comentário sobre esse período que considere importante? R.: Desse período, gosto em especial da criação do CDDI, e nele, como um destaque, da visão de documentação. E nessa área, do Projeto Memória, depois devidamente institucionalizado, vale dizer, incorporado na estrutura. Contudo, o tempo mostraria, isso não seria garante de grande coisa. E hoje a Memória Institucional claudica.

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Entrevista F

Período em que o entrevistado trabalhou no IBGE:

Data da entrevista: ⇒

1) De maio de 1985 a novembro de 1986, Edmar Lisboa Bacha foi presidente do IBGE. Nesse período, você considera que a Instituição sofreu alguma modificação? Qual? (Por favor, responda com detalhes) R.: A conjuntura era de reabertura com a Nova República e o Plano Cruzado. É nesse quadro que devemos

registrar os seguintes fatos da gestão de Edmar Bacha no IBGE: (1) o rompimento relativo com o modelo de

gestão anterior com a substituição de parte das chefias e a reestruturação do IBGE através da chamada

reforma administrativa; (2) a abertura do processo de negociação que culminou com a reintegração e/ou

readmissão de sindicalistas e técnicos demitidos durante a ditadura; (3) o apoio à Exposição do

Cinqüentenário do IBGE; (4) os problemas relativos à autonomia técnica causados pelo uso político da

Instituição em apoio ao Plano Cruzado;

2) Pensando ainda no período Bacha, que tipo de sentimento os funcionários nutriam pela Instituição antes e depois de Bacha? R.: A expectativa era de reabertura, resgate da autonomia técnica e do IBGE como centro de excelência.

Entretanto, o Bacha como uma das estrelas do Plano Cruzado, mostrou-se muito mais preocupado com a sua

trajetória profissional do que com o IBGE. Nesse contexto, além do Seminário “O IBGE QUE QUEREMOS”,

caminhava-se para a greve com a ampliação e transformação da ASSIBGE em Sindicato Nacional. Quanto ao

sentimento, os funcionários sempre preservaram a Instituição. Os conflitos sempre foram com o governo

federal e a diretoria do momento;

3) Como você via / percebia Edmar Lisboa Bacha como pessoa? R.: Nunca tive intimidade pessoal com o mesmo.

4) Como você via / percebia Edmar Lisboa Bacha como Presidente do IBGE? R.: Pela produção intelectual e o que escrevia nos jornais esperava-se uma excelente gestão. No entanto,

como uma das estrelas do Plano Cruzado, usou politicamente a Instituição, arranhando sua autonomia

técnica, além de mostrar-se muito mais preocupado com sua trajetória profissional do que com o IBGE;

5) Você viveu o cinqüentenário do IBGE em serviço. O que esse momento representou, no sentimento dos funcionários, para a história da Instituição? R.: O grande momento foi a Exposição do Cinqüentenário do IBGE. Idéia de um grupo de funcionários que ampliou-se com representantes por diretoria. Entretanto, mesmo contando com o apoio da Presidência e da Diretoria de Formação e Aperfeiçoamento de Pessoal, a realização do trabalho só foi possível pelo engajamento da BICEN. A Exposição foi importante em termos de reconstituir a evolução do IBGE, teve momentos de emoção, e fez muito bem à Casa no sentido de aflorar a chamada mística ibgeana. Relevante, porém, foi o seu desdobramento no Projeto Memória, que tornou-se realidade e hoje registra a história do IBGE através de depoimentos segundo a metodologia de História Oral. Quanto à discussão sobre Projeto Memória e Exposição, meu entendimento é o seguinte: embora a Comissão da Exposição fosse denominada

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de Comissão do Projeto Memória, na prática foi a Exposição que gerou a existência do Projeto Memória que, posteriormente, institucionalizou-se como Equipe de Memória Institucional;. 6) Para terminarmos, você teria algum comentário sobre esse período que considere importante?

R.: Vivia-se o processo de reabertura na perspectiva da democracia e de transformações socioeconômicas.

Discuta-se um projeto para o Brasil, onde o modelo e o papel do Estado eram questões fundamentais. Nesse

sentido o dado novo nas discussões era a participação do movimento das estatais/servidores públicos. que

contava com a presença marcante da ASSIBGE.. A relevância do período estava no fato da participação da

categoria nas greves abranger além das questões reivindicatórias, o modelo de gestão e o papel do IBGE

enquanto Instituição Pública. Era um tempo de sonho e esperança quando o neoliberalismo ainda não tinha

degradado os valores sociais e os laços de solidariedade.

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Entrevista G

Período em que o entrevistado trabalhou no IBGE: ⇒ Maio de 1972

Data da entrevista: ⇒ 6.03.2006

1) De maio de 1985 a novembro de 1986, Edmar Lisboa Bacha foi presidente do IBGE. Nesse período, você considera que a Instituição sofreu alguma modificação? Qual? (Por favor, responda com detalhes) R.: Sim. Ocorreram várias mudanças tanto a nível estrutural, refletindo-se na organizacional, quanto em relação às pessoas, participante de uma sociedade, vivendo profundos processos de transformação, e, conseqüente mudança de valores. Contextualizando, a época da Nova República, trouxe em seu bojo a esperança de um país mais sério, mais próspero e com mais felicidade. A música de Chico Buarque, “Amanhã há de ser outro dia”, cantada e ressoando em nossos corações e mentes, constituía o pano de fundo favorável às mudanças trazidas pelos jovens mineiros, da PUC. Buscavam mostrar uma nova imagem do setor público. Termos como eficiência, eficácia e efetividade, passaram a ser usadas e abusadas, para diversos fins. Foi o tempo de anunciar-se a eliminação dos desperdícios, acontecendo casos interessantes: a lista dos desperdícios continham atributos desconhecidos pela maioria dos funcionários, ou seja, sequer sabíamos que existiam aqueles direitos. O orçamento que conhecíamos do IBGE sempre foi muito restrito e usado com parcimônia na área de pesquisa. Metodologicamente perfeitos, iniciaram A Reforma Administrativa, constituindo a Comissão de Reforma Administrativa – a CRA, composta de representantes de diversos segmentos da casa, incluindo a participação dos trabalhadores, quer como indivíduos, quer em suas representações, que precisavam ser ouvidos, garantindo assim a legitimidade de todos os passos da mudança. Internamente o desejo de quebrar as estruturas vigentes, arcaicas com diferentes donos do poder, favoreceu a abertura de todos os processos de trabalho, da maioria das caixas pretas ainda existente. Completava-se o processo iniciado na época do Prof. Isaac de modernização do processo de produção de estatísticas nacionais, unindo a produção do informação a toda uma linha de estudo e pesquisa. Estávamos prontos para colaborar e abrir o IBGE à sociedade, acatando suas demandas e numa visão prospectiva, produzindo segundo as solicitações dos diferentes segmentos de usuários. Não podemos reclamar realmente fomos ouvidos, embora nem sempre escutados. Afinal estávamos vivendo um processo de planejamento estratégico: definia-se produtos e serviços necessários, amoldavam-se os métodos de produção, dava-se um formato organizacional compatível, para dar conta do projeto “O IBGE A SERVIÇO DA SOCIEDADE”. Foram necessárias várias mudanças organizacionais. Em cada uma delas, avanços e recuos eram estrategicamente avaliados de modo a não perder o eixo geral de mudança, mas o homem, responsável direto pelas transformações nem sempre era respeitado, gerando desconfiança e algum tempo depois descrédito e a sensação de uso do IBGE como plataforma política para outros cargos. Quando isto acontecia dizíamos a “CRA CRACOU VOCE. “ Considero que foi um processo dolorido e sofrido, mas que amadureceu muito a Instituição, formando novas lideranças, que continuaram o processo de abertura da casa, consolidando idéias e ideais antigos: UM IBGE MAIS MODERNO E AGIL. 2) Pensando ainda no período Bacha, que tipo de sentimento os funcionários nutriam pela Instituição antes e depois de Bacha? R.: Na minha avaliação o IBGE, entendido como uma instituição total, é independente das direções. Existe um espírito de corpo sintetizado na expressão de minha época “ Vestir a Camisa”, que favorece a preservação do que é básico para a Instituição, e cria mecanismos de defesa naturais. Há sempre “alguém” de plantão, que independentemente da posição, faz a sua parte num plano maior da evolução da trajetória institucional. Do período Bacha, ficou uma sensação de engodo, perfeitamente resolvido nas vaias, nas greves, e, inúmeros protestos feitos pela casa, já que a gestão participativa, inicialmente democrática, por conta de situações, nem sempre permitia diálogos amistosos, transformando-se em autoritária: as mesas de negociações por ocasião das greves eram profundamente desgastante, a ASSIBGE, profundamente irritante e aguerrida, na luta pelos direitos dos funcionários.

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3) Como você via / percebia Edmar Lisboa Bacha como pessoa? R.: Acho que era uma boa pessoa com muitas idéias de reformar e construir um novo IBGE. Um bom papo. Nas rodinhas de conversa, um bom companheiro. 4) Como você via / percebia Edmar Lisboa Bacha como Presidente do IBGE? R.: O Presidente da Nova Imagem, da Nova República, e que certamente, veio dar inicio à consolidação de um projeto de IBGE a Serviço da Sociedade. Muitos dos equívocos cometidos foram frutos da falta de conhecimento da máquina administrativa aliada à prepotência, também natural por força da sensação de poder que dá administrar um órgão de representação nacional. 5) Você viveu o cinqüentenário do IBGE em serviço. O que esse momento representou, no sentimento dos funcionários, para a história da Instituição? R.: Aqui precisamos destacar alguns momentos em relação aos sentimentos dos funcionários. Houve um maior envolvimento durante a coleta do material para a exposição. As matérias da revista Nova Imagem, foram fundamentais para a divulgação do projeto e auxiliaram bastante na garimpagem de fotos e documentos. Por ocasião da festa do cinqüentenário, a maior parte dos funcionários reclamou dos gastos porque entendiam que estes valores deveriam ser repassados para os salários. O arrocho salarial estava muito forte. Não havia a consciência da importância da preservação da memória. Naquele momento memória era coisa velha, suja. Ficava escondida com alguns guardiões(velhos ibgeanos), empoeirada e ocupando espaços que poderiam ser melhor aproveitados, quem sabe até jogando tudo no lixo. A presença de funcionários foi muito pequena. Foram emitidas várias CCS chamando os funcionários para ver a exposição. Mas os que foram se surpreenderam ao se verem retratados naqueles painéis e tomaram consciência do quanto a Memória Institucional é viva. A Direção da ASSIBGE ficou espantada ao constatar fotos das greves e reuniões importantes do movimento. Outra surpresa foi para a Direção. Lamentaram a falta da imprensa, já que o trabalho “tinha ficado tão bonito”. A produção caseira foi também considerada muito boa, pelas consultoras do CPDOC da FGV, que por motivos orçamentários(a verba não foi liberada) não puderam desenvolver o projeto. A partir do lançamento, o Projeto mostrou que tinha seriedade e a casa passou a respeitá-lo. A turma do Projeto Memória recebeu mais apoio para efetivar e institucionalizar a preservação da memória, tendo sido criado, mais tarde um núcleo de memória. Há que se destacar também o papel das exposições itinerantes. Em diversos estados foram realizadas exposições, destacando-se a de São Paulo, no MASP. Assim, o momento foi certo e oportuno, e, muito bem apropriado para o início do trabalho de resgate e preservação da Memória Institucional do IBGE. 6) Para terminarmos, você teria algum comentário sobre esse período que considere importante? R.: Um período muito crítico, mas profundamente enriquecedor para a trajetória institucional do IBGE. Nesse segmento do tempo, continuou-se a construção do IBGE, alicerçado em métodos mais modernos, eficientes, eficazes dando efetividade à missão do IBGE e se refletem em imagens que se fazem novas a cada momento.

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Entrevista H

Período em que o entrevistado trabalhou no IBGE: 1975 a 1994

Data da entrevista: ⇒ 23/2/2006

1) De maio de 1985 a novembro de 1986, Edmar Lisboa Bacha foi presidente do IBGE. Nesse período, você considera que a Instituição sofreu alguma modificação? Qual? (Por favor, responda com detalhes) R.: Certamente sofreu modificações. Edmar Bacha foi nomeado presidente do IBGE e recebeu a missão de reestruturar/modernizar a instituição, seguindo a orientação geral do governo, que pretendia reorganizar muitas das instituições públicas. 2) Pensando ainda no período Bacha, que tipo de sentimento os funcionários nutriam pela Instituição antes e depois de Bacha? R.: Antes: O IBGE precisa ser reestruturado, é uma instituição excessivamente pesada, segmentada e hierarquizada, em termos administrativos e técnicos. Depois: Se era para começar uma reforma, desestruturar tudo, trazer gente de fora que não conhecia a Instituição e sair sem acabar nada, era melhor deixar como estava. 3) Como você via / percebia Edmar Lisboa Bacha como pessoa? R.: Apenas de vista, ele me parecia um pesquisador/professor acadêmico, procurando ser simpático e informal numa instituição que era formal e hierarquizada. 4) Como você via / percebia Edmar Lisboa Bacha como Presidente do IBGE? R.: Trazia idéias modernas, embora teóricas, do que deveria ser o novo IBGE. Infelizmente não teve tempo de conhecer bem a instituição e perceber o que teria que reformular, para implantar, o projeto sob sua responsabilidade. 5) Você viveu o cinqüentenário do IBGE em serviço. O que esse momento representou, no sentimento dos funcionários, para a história da Instituição? R.:Uma comemoração das mais gratificantes. Os funcionários do IBGE, de um modo geral, embora tivessem queixas do governo como empregados, sempre se orgulharam de seu trabalho, das missões institucionais e do papel que o IBGE desempenhava na administração do país, ao longo dos 50 anos. 6) Para terminarmos, você teria algum comentário sobre esse período que considere importante? R.: Se você se refere à adminstração de E. Bacha, foi um período frustrante porque a Instituição foi questionada, desarrumada e largada no meio de um processo de reforma administrativa. É preciso não esquecer que as pesquisas periódicas, de atribuição institucional, não foram suspensas e o IBGE teve que continuar a responder por elas, algumas vezes sem estrutura administrativa ou técnica, devido às modificações não concluídas.

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