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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR

    FACULDADE DE EDUCAO FACED

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO BRASILEIRA

    LINHA DE DESENVOLVIMENTO, LINGUAGEM E EDUCAO DA CRIANA

    EIXO DE APRENDIZAGEM E ENSINO DA LINGUAGEM ESCRITA

    JOCELAINE REGINA DUARTE ROSSI

    ENTRE O ESTVEL E O FORTUITO:

    A FORMAO CONTINUADA EM SERVIO E AS ROTINAS PEDAGGICAS EM

    ALFABETIZAO

    FORTALEZA CE

    2010

  • 2

    JOCELAINE REGINA DUARTE ROSSI

    ENTRE O ESTVEL E O FORTUITO:

    A FORMAO CONTINUADA EM SERVIO E AS ROTINAS PEDAGGICAS EM

    ALFABETIZAO

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao Brasileira da Universidade Federal do Cear, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Educao.

    Orientadora: Prof Dr Sylvie Ghislaine Delacours Soares Lins

    FORTALEZA CE

    2010

  • 3

  • 4

    JOCELAINE REGINA DUARTE ROSSI

    ENTRE O ESTVEL E O FORTUITO:

    A FORMAO CONTINUADA EM SERVIO E AS ROTINAS PEDAGGICAS EM

    ALFABETIZAO

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao Brasileira da Universidade Federal do Cear, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Educao.

    Aprovada em ___/___/___

    BANCA EXAMINADORA

    ___________________________________________________________________________

    Prof Dr Sylvie Ghislaine Delacours Soares Lins

    Universidade Federal do Cear - UFC

    ___________________________________________________________________________

    Prof Dr Rita Vieira de Figueiredo

    Universidade Federal do Cear - UFC

    ___________________________________________________________________________

    Prof Dr Ana Ignz Belm Lima Nunes

    Universidade Estadual do Cear - UECE

  • 5

    Para Juliana e Ana Carolina, doces

    companheiras e razo maior das minhas

    aes.

  • 6

    AGRADECIMENTOS

    Universidade Federal do Cear e ao Programa de Ps-Graduao em Educao Brasileira

    pela oportunidade de aprimoramento pessoal e profissional.

    professora Dr Sylvie Delacours Lins, minha orientadora, pelo apoio e confiana

    depositados, pela disponibilidade e ateno e por to bem se alternar entre o respeito minha

    autonomia de trabalho e a orientao para as minhas dificuldades e reveses.

    Aos docentes e colegas do curso de mestrado pelas amizades e valiosas contribuies a este

    trabalho.

    professora Lucidalva Barcelar, tcnica da Coordenadoria de Cooperao com os

    Municpios da Secretaria da Educao do Estado do Cear, pela presteza nos esclarecimentos

    e disponibilizao do material necessrio pesquisa.

    Aos municpios e escolas que foram sede desta pesquisa e que to bem me acolheram.

    De modo muito especial, s professoras Ftima, Laura, Luciane e Vnia por compartilharem

    comigo seu cotidiano de trabalho e seus saberes profissionais e s crianas, alunas dessas

    docentes, pelo carinho e espontaneidade com que me receberam.

    A todos os amigos que torceram e me incentivaram desde o ingresso no curso de mestrado at

    a finalizao deste trabalho.

    Especialmente, ao amigo e colega de trabalho, Joan Edessom, que muito me incentivou e

    colaborou para realizao desta conquista e que, em muitos momentos durante a realizao

    deste trabalho, soube entender minhas faltas e displicncias.

    Aos meus pais e irmos pelo permanente apoio e por serem os responsveis pelas minhas

    primeiras conquistas na vida escolar e acadmica.

    Ao meu esposo, Nelson, pelo carinho e apoio durante toda nossa vida juntos, e especialmente

    no perodo de realizao deste trabalho, tendo muitas vezes assumido seu papel e o meu na

    conduo da nossa famlia.

    E, s minhas amadas filhas, Juliana e Ana Carolina, por compreenderem minhas seguidas

    ausncias e o agastamento medida que o tempo comeava a se extinguir e as idias

    custavam a se organizar, e por me ensinarem tanto sobre amor e companheirismo em nosso

    convvio cotidiano.

  • 7

    A verdade

    A porta da verdade estava aberta, Mas s deixava passar

    Meia pessoa de cada vez. Assim no era possvel atingir toda a verdade,

    Porque a meia pessoa que entrava S trazia o perfil de meia verdade,

    E a sua segunda metade Voltava igualmente com meios perfis

    E os meios perfis no coincidiam verdade... Arrebentaram a porta.

    Derrubaram a porta, Chegaram ao lugar luminoso

    Onde a verdade esplendia seus fogos. Era dividida em metades Diferentes uma da outra.

    Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.

    Nenhuma das duas era totalmente bela E carecia optar.

    Cada um optou conforme Seu capricho,

    sua iluso, sua miopia.

    Carlos Drummond de Andrade

  • 8

    RESUMO

    O presente estudo uma investigao sobre a formao em servio dos professores

    alfabetizadores. Teve como objetivo verificar a contribuio da formao em servio,

    centrada na implantao de rotinas pedaggicas, para melhoria dos resultados da

    aprendizagem dos alunos do 2 ano do Ensino Fundamental. Est embasada nas obras de

    Vygotsky, nos estudos sobre alfabetizao e letramento, desenvolvidos por Magda Soares, e

    na perspectiva dos saberes docentes de Gauthier, Tardif e Lessard. Trata-se de uma pesquisa

    qualitativa, sendo um estudo de caso mltiplo, realizado com quatro professores de

    municpios da Regio Norte do Estado do Cear que participaram da formao em servio

    promovida pelo PAIC e, no ano de 2008, apresentaram aumento nos resultados do SPAECE-

    ALFA. Os dados foram coletados atravs de anlise documental, entrevista semiestruturada e

    observao de sala de aula, utilizando-se do Roteiro de observao, do Quadro de observao

    diria de sala de aula e da Escala de observao de prticas pedaggicas diferenciadas. A

    partir da anlise e comparao dos dados coletados chegou-se a alguns resultados. Embora

    no se possa afirmar que os professores tenham mudado radicalmente suas prticas pode-se

    considerar que a formao trouxe contribuies para a atuao dos professores em sala de

    aula. A utilizao de material didtico adequado e diversificado e a implantao das rotinas

    provocaram modificaes importantes na ao das professoras, que culminaram na

    qualificao do tempo pedaggico. Percebeu-se, tambm, que as professoras buscaram

    atender diversidade da sala de aula e fizeram adaptaes nas rotinas para adequ-las ao nvel

    de seus alunos e as suas necessidades, utilizando-se de metodologias variadas, nem sempre

    orientadas pela formao. Considerou-se que a formao ajudou a nortear o trabalho do

    professor, entretanto, ao invs da orientao para organizao de rotinas que atendam a

    especificidade de cada sala de aula, estas foram repassadas aos professores como produtos

    acabados, nem sempre adequados realidade das professoras. Observou-se que a relao

    teoria e prtica, proposta pela formao, aconteceu de forma inadequada e a prtica

    pedaggica foi trabalhada como treinamento, negligenciando-se a reflexo acerca do que o

    professor j desenvolve. A formao provocou mudanas, mas essas parecem frgeis, com

    resultados imediatos, mudanas nas aes e no, necessariamente, mudanas nas concepes

    sobre alfabetizao.

    PALAVRAS-CHAVE: alfabetizao, formao de professores, rotinas pedaggicas

  • 9

    ABSTRACT

    The actual study is an investigation about the in-service teacher education of the literacy

    teachers. Its objective is to verify the contribution of in-service teacher education, centered in

    the implantation of pedagogical routines, to improve the learning results of the second grade

    students of the elementary school. It is based in Vygotskys compositon, in studies about

    literacy, developed by Magda Soares, and in the prespective of Gauthiers, Tardifs and

    Lessards teacher knowledge. It is a qualitative research, being a multiple study case,

    performed with four teachers from countries of the North Region of Cear State who took part

    of the in-service teacher education promoted by PAIC and, in 2008, showed an increase in the

    SPAECE-ALFA results. The data were gathered through documental analysis, semi structured

    interview and classroom observation, using the observation Guide, the daily observation Set

    and the differentiated pedagogical practices Scale. From the analysis and the comparison of

    the gathered data, some results were reached. Although it can be affirmed that teacher have

    changed radically their practices, it can be considered that the teacher education has brought

    contributions to teachers classroom acting. The utilization of appropriate courseware and the

    implantation of new routines caused important modifications in teachers acting, which

    culminated in the qualification of pedagogic time. It was noticed, too, that teachers sought to

    attend the classroom diversity and made adaptations in the routines and suit them to their

    students level and necessities, using varied methodologies, not always oriented by the teacher

    education. It was considered that the teacher education helped guiding teachers work,

    however, instead of the orientation to organization of routines that attend the specificity of

    each classroom, these were passed to teachers as finished products, not always appropriate

    to teachers reality. It was observed that the relation theory and practice, proposed by the

    teacher education, happened inappropriately end the pedagogical practice was worked as

    training, neglecting the reflection about what the teacher already develops. The teacher

    education caused changes, but these seem fragile, with immediate results, changes in actions,

    not necessarily changes in the conceptions about literacy.

    KEYWORDS: literacy, teacher education, pedagogical routines

  • 10

    SUMRIO

    INTRODUO ............................................................................................................. 11

    Um pouco do meu percurso ............................................................................................. 11

    O cenrio mais amplo ...................................................................................................... 13

    A pesquisa na formao de professores ........................................................................... 20

    1. FUNDAMENTAO TERICA ........................................................................... 28

    1.1. A alfabetizao ......................................................................................................... 29

    1.1.1. Do ensino das primeiras letras busca pelo letramento ........................................ 29

    1.1.2. A alfabetizao no Cear ....................................................................................... 36

    1.1.3. Rotinas e alfabetizao .......................................................................................... 43

    1.1.4. A psicognese da linguagem escrita ...................................................................... 47

    1.1.5. Alfabetizao e letramento .................................................................................... 48

    2.2. Escrita e mediao: a teoria de Vygotsky ................................................................. 52

    2.3. Caminhos da formao de professores. .................................................................... 56

    2. METODOLOGIA: as veredas da pesquisa ............................................................. 68

    2.1. Um estudo de caso. ................................................................................................... 68

    2.2. Os cenrios. .............................................................................................................. 71

    2.3. Os sujeitos ................................................................................................................ 76

    2.4. Instrumentos de coleta de dados. .............................................................................. 79

    2.4.1. Observao ............................................................................................................ 80

    2.4.2. Entrevista ............................................................................................................... 82

    2.4.3. Anlise documental ............................................................................................... 84

    2.5. Formas de registro. ................................................................................................... 85

    3. ANLISE DOS DADOS .......................................................................................... 86

    3.1. Formao dos professores. ....................................................................................... 86

    3.1.1. Material didtico .................................................................................................... 87

    3.1.2. Rotina .................................................................................................................... 94

    3.1.3. A formao do PAIC ............................................................................................ 99

    3.2. Gesto e organizao da classe ............................................................................... 108

  • 11

    3.2.1. Planejamento das atividades ............................................................................... 108

    3.2.2. Variedade metodolgica ..................................................................................... 111

    3.2.3. As interaes ...................................................................................................... 113

    3.2.4. Atendimento diversidade ................................................................................. 120

    3.3. Gerenciamento dos contedos para a aquisio da linguagem escrita ................... 130

    3.3.1. Programa de ensino ............................................................................................. 131

    3.3.2. Atividades desenvolvidas .................................................................................... 133

    CONSIDERAES FINAIS ..................................................................................... 141

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...................................................................... 150

    GLOSSRIO ............................................................................................................... 156

    APNDICES ................................................................................................................ 158

    ANEXOS ...................................................................................................................... 177

  • INTRODUO

    Um pouco do meu percurso

    O tema com o qual ingressei no Mestrado em Educao Brasileira da Universidade

    Federal do Cear (UFC) e sobre o qual me propus a pesquisar a formao de professores, de

    forma mais especfica, a formao continuada1 dos professores alfabetizadores. Um tema que

    elegi como objeto de investigao, no pela sua estranheza, mas pelas muitas inquietaes que

    me provoca.

    Tenho me defrontado com esse tema, em diversos momentos do meu percurso

    profissional, como professora do ensino fundamental e como formadora de professores deste

    mesmo nvel. Buscar o comeo do meu interesse na formao de professores alfabetizadores

    mostrou-se uma tarefa bastante difcil.

    Se no localizo o comeo, o ponto zero do interesse pela formao de professores,

    aponto alguns marcos em minha trajetria profissional que podem justificar esta escolha.

    De 1983 a 1986, fui aluna do Curso de Habilitao para o Magistrio na Escola

    Cenecista de 1 e 2 graus ngelo Antonello na cidade de Farroupilha, situada na serra

    gacha, regio nordeste do Estado do Rio Grande do Sul. Como a maioria dos cursos desta

    natureza, era equivalente ao atual Ensino Mdio e visava a formao de professores para atuar

    de 1 a 4 srie da Educao Bsica. O primeiro ano do curso consistia de disciplinas

    cientficas e de formao humana, comuns a todos os cursos de nvel secundrio. No segundo

    e terceiro ano eram acrescidas ao ncleo comum disciplinas de teorias da educao e prticas

    educativas, as didticas, especficas para o exerccio do magistrio. Somavam-se a estes trs

    anos mais um semestre de estgio supervisionado, no qual as alunas2 assumiam a regncia de

    uma turma e eram acompanhadas pelos professores do curso.

    Situo nesse perodo um marco de meu interesse pela formao de professores pela

    experincia que vivenciei poca do primeiro contato com uma turma de alunos, tendo a

    necessidade de desempenhar a funo para a qual estava sendo preparada, a de professora de

    uma turma de alfabetizao.

    1 O termo formao continuada refere-se aos processos de formao realizados para aperfeioamento ou aprofundamento dos professores que j possuem uma formao inicial. 2 Utilizo o termo alunas pois a presena masculina nas turmas de formao para o magistrio era quase nula.

  • 13

    Apesar de ter sido aluna dedicada, descobri que no tinha clareza do que fazer e,

    principalmente, no sabia como fazer. Tinha cincia que precisava ajudar meus alunos a ler e

    escrever, mas no sabia articular o que havia aprendido na formao com as dificuldades que

    emergiam a todo instante na dinmica da sala de aula. Tinha uma idia intuitiva de como

    alfabetizar, mas pouca fundamentao terica, pouca referncia metodolgica e nenhuma

    habilidade para lidar com as contingncias da sala de aula.

    Tateando no escuro, tendo por companhia a imaturidade e a frgil formao, acertando

    e errando, fui construindo uma forma de ensinar, certamente com alguns prejuzos para o

    grupo de alunos sob minha responsabilidade. As informaes acumuladas ao longo dos anos

    de escolarizao pareciam difceis de serem mobilizadas na solido da sala de aula.

    Finalizada esta etapa, busquei o caminho dos clculos e teoremas e graduei-me em

    Licenciatura em Matemtica. J menos surpresa, percebi que aps cinco anos de formao

    especfica, conhecendo bastante sobre Matemtica e muito pouco sobre o ensino desta, ao

    ingressar em uma sala de aula como professora de Matemtica, a sensao foi muito prxima

    da descrita anteriormente, o que justifica a escolha desse perodo como o segundo marco do

    meu interesse pela formao de professores.

    Amadurecida pelo tempo e pelas diversas experincias profissionais, residindo em

    Sobral, no interior do Estado do Cear, iniciei no ano de 2002, o trabalho como formadora

    dos professores da rede municipal de ensino.

    O municpio de Sobral, desde o ano de 2001, estava implantando muitas mudanas na

    rea da educao e colocou a alfabetizao dos alunos nas primeiras sries do ensino

    fundamental como meta prioritria. A formao em servio dos professores foi uma das

    estratgias adotadas para reverter a difcil situao dos indicadores educacionais do

    municpio.

    Nesse contexto, atuei, em diferentes momentos, como formadora dos professores das

    turmas de Meta II3, 3 ano do Ensino Fundamental e do Programa de Formao de

    Professores Alfabetizadores (PROFA)4.

    Com a ampliao do nmero de cursos de formao e a complexidade que foram

    adquirindo, em 2006, o municpio de Sobral fundou a Escola de Formao Permanente do

    3 Nomenclatura utilizada para referir-se s turmas formadas por alunos com mais de oito anos e que no estavam alfabetizados. 4 O PROFA, Programa de Formao de Professores Alfabetizadores, um curso de aprofundamento, oferecido pelo Ministrio da Educao e Cultura (MEC), destinado a professores alfabetizadores. Tem o objetivo de desenvolver as competncias profissionais necessrias a todo professor que ensina a ler e escrever. Disponvel em: www.mec.gov.br. Acesso em: 12/05/2009.

  • 14

    Magistrio (ESFAPEM)5. Desde a sua criao at o incio do ano de 2009, ocupei a funo de

    coordenadora dessa instituio e passei a trabalhar com todas as formaes de professores

    desenvolvidas pelo municpio. Situo nesse perodo o terceiro marco do meu interesse pela

    formao de professores.

    O trabalho na ESFAPEM propiciou-me contato com o universo dos professores da

    rede municipal de Sobral e de outros municpios que recorriam instituio em busca de

    apoio para lidar com os problemas ligados ao analfabetismo escolar e o baixo desempenho

    dos alunos do Ensino Fundamental.

    Percebia, em muitos desses professores, alguns deles j com bastante experincia

    profissional e marcados por histrias de insucesso na conduo de suas turmas, a angstia, o

    sentimento de impotncia, de no saber como proceder diante das dificuldades. Outros,

    dominados por um agir mecanizado, optavam por uma forma de trabalho pouco eficiente, sem

    nenhuma reflexo sobre os resultados dos alunos, banalizando o fracasso.

    No contato com cada um destes professores eu me reencontrava com a menina, que na

    inexperincia de seus dezessete anos, no sabia o que fazer com seus alunos e que agora,

    apesar de amadurecida, prossegue nesta busca.

    A mobilizao para a pesquisa sobre a formao de professores alfabetizadores vem da

    certeza que, longe de ser um problema de ordem pessoal ou mesmo uma dificuldade

    especfica das redes municipais onde tenho atuado, o analfabetismo escolar e os resultados

    insatisfatrios de uma grande parcela dos alunos do Ensino Fundamental da escola pblica

    so problemas do Brasil como um todo.

    O cenrio mais amplo

    A educao das crianas e jovens considerada um grande desafio para qualquer

    nao do mundo. Para o Brasil, um pas com muitas dificuldades de ordem social, poltica e

    econmica, a educao, ou a ineficincia desta, dos problemas mais urgentes e que mais

    afetam nossa perspectiva de futuro.

    A relevncia da educao para o desenvolvimento socioeconmico e poltico de um

    pas tem sido muito discutida pela literatura que trata do tema (BARROS et al., 2001;

    5 A ESFAPEM foi criada para coordenar a formao em servio dos professores do municpio de Sobral.

  • 15

    BARROS et al., 2002; WERTHEIN, 2003). As publicaes descrevem as dificuldades e a

    restrita perspectiva de futuro para a populao que enfrenta condies educacionais precrias.

    Ressaltam que essas dificuldades interferem desde a insero no mercado de trabalho at o

    crescimento econmico potencial do pas. Para Barros et al. (2002) A sustentabilidade do

    desenvolvimento socioeconmico est diretamente associada continuidade e expanso do

    projeto educacional do pas (p. 1). Os autores afirmam que essa relao se d por duas vias

    de transmisso distintas. Por um lado, a expanso educacional aumenta a produtividade do

    trabalho, contribuindo para o crescimento econmico, o aumento de salrios e a diminuio

    da pobreza. Por outro, a expanso educacional promove maior igualdade e mobilidade social,

    pois sua caracterstica de intransferibilidade da educao facilita a distribuio, o que no

    ocorre com outros bens de ordem material. Alm disso, a educao um capital que pode ser

    reproduzido e geralmente ofertado populao por intermdio da esfera pblica.

    Os referidos autores ainda afirmam:

    Na sociedade brasileira contempornea, as defasagens, absoluta e relativa, na escolaridade da populao explicam, de modo significativo, a intensa desigualdade de renda do pas. Especificamente no que se refere ao mercado de trabalho, observamos que a heterogeneidade da escolaridade entre os trabalhadores e o valor atribudo aos anos de escolaridade adicionais representam os principais determinantes da desigualdade salarial (BARROS et al., 2002, p. 1).

    No se pretende afirmar que resolvendo os problemas da educao todas as

    dificuldades do pas seriam sanadas. Esta seria uma afirmativa simplista e reducionista dos

    problemas enfrentados pelo Brasil, que so complexos e de diversas ordens. Trata-se,

    contudo, de atribuir educao o papel relevante que ela precisa ocupar no contexto poltico,

    econmico e social e considerar que a sua expanso e a qualificao de seus processos so

    essenciais para fomentar o crescimento e reduzir a desigualdade.

    James Heckman, autor de uma srie de mtodos para avaliar o sucesso de programas

    sociais e de educao, trabalho pelo qual recebeu o Prmio Nobel de Economia em 2000,

    afirma que deixar de fornecer estmulos educacionais s crianas nos primeiros anos de vida

    custa caro para elas e para o pas. Segundo o economista americano:

    [...] quanto antes os estmulos vierem, mais chances a criana ter de se tornar um adulto bem-sucedido. [...] se os conhecimentos no forem apresentados na idade adequada, os estmulos sero bem menos eficientes e traro um custo muito mais alto para o pas (HECKMAN, 2009, p. 21).

  • 16

    Parece no haver discordncia que, entre esses estmulos iniciais, um dos mais

    importantes a alfabetizao6 das crianas no incio do Ensino Fundamental. A alfabetizao

    precisa ser priorizada, no apenas pelas questes econmicas levantadas anteriormente mas,

    sobretudo, pelo entrave que o analfabetismo provoca ao restante do processo de escolarizao.

    O combate ao analfabetismo e ao analfabetismo escolar um dos fatores que pode

    impactar decisivamente a vida das crianas e da escola pblica. Alm disso, h fortes indcios

    de que o analfabetismo das crianas gera a infrequncia, o abandono, a repetncia e, por

    conseguinte, a distoro idade/srie.

    No Brasil, muito embora as taxas de analfabetismo tenham diminudo, ainda h muitos

    milhes de brasileiros analfabetos. Os resultados do Censo, realizado em 2000, e da Pesquisa

    Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD)7 de 2008, que podem ser visualizados na

    Tabela 1, dizem muito bem do tamanho do desafio posto educao brasileira.

    Tabela 1: Alfabetizao por faixa etria de 10 anos ou mais.

    Ano Populao Total Populao no

    alfabetizada Percentual da populao

    no alfabetizada 2000* 136 881 115 17 552 762 12,8

    2008** 160 561 000 14 736 000 9,2

    * Censo de 2000. Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. Censo demogrfico 2000. Braslia, DF.: IBGE, 2001. (CD) **PNAD de 2008. Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios: Sntese de indicadores 2008. Braslia, DF.: IBGE, 2009.

    As altas taxas de analfabetismo entre a populao acima de 10 anos, verificadas pelas

    pesquisas, por si s bastariam para justificar a preocupao com a alfabetizao das crianas

    nos anos iniciais de escolarizao. Soma-se a isso o grande nmero de crianas e jovens

    brasileiros que frequentam as escolas e no conseguem ler e compreender textos cotidianos

    simples.

    Esse fracasso da escola bsica em fazer com que seus alunos aprendam a ler e a

    escrever com uma proficincia adequada comeou a ser amplamente discutido a partir de

    6 A terminologia utilizada para falar sobre a aquisio da leitura e da escrita vem passando por transformaes ao longo das ltimas dcadas. Essas transformaes so justificadas pelas mudanas sociais e histricas que envolvem esse processo. Sem a pretenso de encontrar soluo para assunto to controverso e polmico, buscou-se delimitar algumas terminologias, que so apresentadas no Glossrio. Estas definies no resolvem as multiplicidades de definies disponveis na literatura sobre o assunto, mas servem para situar os significados dos referidos termos nesta pesquisa. 7 A PNAD tem como finalidade a produo de informaes bsicas para o estudo do desenvolvimento socioeconmico do Pas. anual e realizada por meio de uma amostra de domiclios. O critrio para a pessoa ser considerada alfabetizada pela PNAD o mesmo utilizado pelo Censo.

  • 17

    2001, aps a divulgao dos resultados de duas avaliaes aplicadas para verificar as

    habilidades de leitura de crianas e jovens brasileiros.

    A primeira foi a do Programa Internacional de Avaliao de Estudantes (PISA),

    desenvolvida pela Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE).

    A segunda foi a do Sistema de Avaliao da Educao Bsica (SAEB), desenvolvida pelo

    Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP).

    Os resultados apontados pelo PISA8, realizado no ano de 2000 e divulgado em 2001,

    no foram animadores. Essa avaliao apontou que a proficincia em leitura de estudantes

    brasileiros foi significativamente inferior a de todos os outros pases participantes.

    A segunda foi a avaliao do SAEB9, realizada em 2001, cujo resultado foi alarmante

    e pode ser observado na Tabela 2, que apresenta os dados em estgios de construo de

    competncias, categorizados em muito crtico, crtico, intermedirio e adequado10.

    Tabela 2: Proficincia das escolas pblicas em Lngua Portuguesa dos alunos do 5 ano do Ensino Fundamental, em 2001, por nvel e por unidade da federao.

    Estgio Brasil (%) Nordeste (%) Cear (%) Muito crtico 21,9 32,2 34,4

    Crtico 38,7 44,7 42,7 Intermedirio 30,3 20,3 19,9

    Adequado 9,1 2,8 3,0 Disponvel em: www.inep.gov.br. Acesso em: 23/06/2010.

    8 O PISA uma avaliao internacional que mede o nvel educacional de jovens de 15 anos por meio de provas de Leitura, Matemtica e Cincias. O exame realizado a cada trs anos pela OCDE, entidade formada por governos de 30 pases. Pases no membros da OCDE tambm podem participar do PISA, como o caso do Brasil. Os ltimos resultados divulgados pelo PISA, em 2006, colocam o Brasil na 49 posio em Leitura, entre 56 pases participantes. Disponvel em: www.inep.gov.br. Acesso em: 13/05/2010. 9 O SAEB um sistema de avaliao implementado pelo Ministrio da Educao (MEC) e aplicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Ansio Teixeira (INEP), desde 1995. 10 Na avaliao do SAEB, a medida especfica do desempenho do grupo avaliado chamada de Escala de Proficincia. Nesta escala os resultados da avaliao so apresentados em nveis, revelando o desempenho dos alunos do nvel mais baixo ao mais alto. A Escala de Proficincia em Lngua Portuguesa do SAEB varia de 0 a 500 pontos, de modo a conter, em uma mesma rgua, a distribuio dos resultados do desempenho dos alunos no perodo de escolaridade avaliado. De acordo com o SAEB, em relao Lngua Portuguesa no 5 ano, as categorias so as seguintes:

    a) Muito crtico (at 125 pontos): no desenvolveram habilidades de leitura mnimas condizentes com quatro anos de escolarizao; no foram alfabetizados adequadamente e no conseguem responder os itens da prova.

    b) Crtico (de 125 a 175 pontos): no so leitores competentes, leem de forma pouco condizente com a srie, decodificam apenas a superfcie de narrativas simples e curtas, construram o entendimento de frases simples.

    c) Intermedirio (de 175 a 225 pontos): esto comeando a desenvolver as habilidades de leitura mais prximas do nvel exigido na srie.

    d) Adequado (acima de 225 pontos): so leitores com nvel de compreenso de texto adequados srie e com habilidades consolidadas.

    Disponvel em: www.inep.gov.br. Acesso em: 13/05/2010.

  • 18

    De acordo com dados coletados, no Brasil, pouco mais de 9% dos alunos de 4 srie do

    Ensino Fundamental (atual 5 ano no Ensino Fundamental de 9 anos) possuam um nvel de

    leitura adequado ou superior ao exigido para continuar seus estudos. Uma parte deles, pouco

    mais de 30%, apresentava um desempenho situado no nvel intermedirio, isto , estavam

    comeando a desenvolver as habilidades de leitura, mas ainda aqum do nvel exigido para a

    4 srie. A grande maioria se concentrava nos estgios mais elementares de desenvolvimento.

    Mais de 60% dos alunos da 4 srie apresentavam acentuadas limitaes em seu aprendizado

    da leitura e da escrita.

    Dito de outra forma: quase 40% dos alunos estavam no estgio crtico de construo

    de suas competncias de leitura, o que significa que tinham dificuldades graves para ler, e

    mais de 20% estavam abaixo desse nvel, no estgio muito crtico, ou seja, no sabiam ler.

    Os resultados da regio Nordeste foram ainda mais preocupantes. Menos de 3% dos

    alunos dominavam as competncias esperadas para a srie e quase 80% deles estavam nos

    nveis crtico e muito crtico, ou seja, no alfabetizados ou com leitura rudimentar.

    O Estado do Cear tambm se encontrava em situao lastimvel com suas mdias

    muito prximas das da Regio Nordeste, com ligeiras variaes para mais e para menos.

    A exposio desse panorama crtico da educao bsica no Brasil tem provocado

    mobilizao dos agentes envolvidos na educao e os dados mais recentes mostram um

    crescimento, tmido mas importante, nos indicadores de proficincia em leitura medidos pelo

    INEP11 e que podem ser visualizados na Tabela 3.

    Tabela 3: Proficincia mdia em Lngua Portuguesa dos alunos do 5 ano do Ensino Fundamental por ano, medidos pela Prova Brasil.

    Ano Proficincia mdia 2003 173,1 2005 172,3 2007 175,8 2009 184,3

    Disponvel em: www.inep.gov.br. Acesso em: 15/07/2010.

    11 A Prova Brasil e o SAEB so dois exames complementares que compem o Sistema de Avaliao da Educao Bsica. O SAEB permite produzir resultados mdios de desempenho conforme os estratos amostrais. A Prova Brasil universal e avalia as habilidades em Lngua Portuguesa (foco na leitura) e em Matemtica (foco na resoluo de problemas). aplicada somente a alunos de 4 srie/5 ano e 8 srie/9 ano da rede pblica de ensino e tem como prioridade evidenciar os resultados de cada unidade escolar da rede pblica de ensino. A Prova Brasil expande o alcance dos resultados oferecidos pelo SAEB, fornece mdias de desempenho para o Brasil, regies e unidades da Federao, para cada um dos municpios e para as escolas participantes. Disponvel em: www.inep.gov.br. Acesso em: 13/05/2010.

  • 19

    Apesar dos avanos, a concluso ainda alarmante: um nmero expressivo de

    estudantes no aprende a ler na escola. Essa escola produz um grande contingente de

    analfabetos ou de analfabetos funcionais, ou seja, pessoas que embora dominem as

    habilidades bsicas do ler e do escrever, no so capazes de utilizar a escrita na leitura e na

    produo de textos para a vida cotidiana.

    A literatura que versa sobre o analfabetismo escolar e o baixo desempenho

    educacional (BARROS et al., 2001; CARUSI, 2007; FRANCO et al., 2002; MENEZES

    FILHO, 2007) aponta que os determinantes desses problemas so muito diversos e de cunho

    intra e extra-escolar, sendo necessrio, portanto, considerar um conjunto de fatores que

    interagem no sistema educacional e, por sua vez, interferem na sala de aula.

    Podem ser identificados entre esses determinantes a qualidade do professor, o nvel

    socioeconmico da famlia e da escola que o aluno frequenta, a escolaridade dos pais, a infra-

    estrutura das escolas, o nmero de horas-aula, a idade de entrada no sistema escolar, entre

    outros.

    Considerando essa pluralidade de fatores que definem o bom desempenho escolar,

    elegeu-se a formao de professores como objeto de pesquisa pela afinidade com o tema, j

    exposta anteriormente, e pela crena em sua importncia e centralidade para uma educao de

    boa qualidade.

    prudente, entretanto, demarcar nossa posio em relao a um discurso corrente nos

    debates sobre educao, o argumento da incompetncia (SOUZA, 2006). Essa linha de

    argumentao busca culpabilizar os professores por todos os problemas da educao,

    considerando-os incompetentes e dotados de m f. De forma simplista, os defensores desse

    argumento apontam que os cursos de formao continuada so a sada para superar o fracasso

    escolar e assim melhorar a qualidade da escola pblica. Agora no seriam mais as crianas e

    suas famlias os culpados e incompetentes, mas sim os professores (SOUZA, 2006, p. 484).

    Discorda-se, tambm, da viso maniquesta que coloca os professores ora como viles

    dos problemas educacionais, ora como suas grandes vtimas.

    Parte-se do pressuposto que a formao inicial e continuada dos professores assunto

    de muita relevncia no contexto educacional, mas que este composto de mltiplos aspectos

    relativos s questes sociais, de gesto das escolas e do sistema educacional como um todo.

    Pensar a formao dos professores assunto emergencial para a melhoria da qualidade de

    ensino, mas no ser ela a redentora de todos os problemas da educao.

  • 20

    Desse modo, buscou-se entender que papel pode cumprir a formao continuada dos

    professores para a superao das dificuldades enfrentadas com a alfabetizao. Partiu-se dos

    resultados do Sistema Permanente da Avaliao da Educao Bsica do Cear com nfase na

    Alfabetizao (SPAECE-Alfa)12 de 2008, que evidenciaram crescimento no nvel de

    proficincia dos alunos do 2 ano do Ensino Fundamental13, como pode ser visualizado na

    Tabela 4.

    Tabela 4: Proficincia mdia dos alunos do 2 ano no Estado do Cear verificado pelo SPAECE-Alfa, por ano.

    Ano Proficincia mdia 2007 118,9 2008 128,0

    Disponvel em: www.caed.ufjf.gov.br. Acesso em: 23/08/09.

    O aumento de 9,1 pontos na proficincia mdia representou um crescimento

    importante uma vez que o nvel de alfabetizao dos alunos do 2 ano do Ensino Fundamental

    do Estado do Cear saiu da faixa intermediria para a faixa suficiente ou adequada

    conforme a Escala de proficincia em alfabetizao.

    Tal crescimento foi verificado aps uma srie de intervenes implementadas pelo

    Programa de Alfabetizao na Idade Certa (PAIC)14, dentre elas a formao continuada em

    servio dos professores alfabetizadores. A formao proposta pelo PAIC, que ser tratada

    mais amide no Captulo 1, continuada, tem carter de obrigatoriedade para todos os

    professores do 2 ano dos municpios participantes do programa e est centrada na

    implantao de rotinas pedaggicas.

    Esta formao, desenvolvida pelo PAIC no ano de 2008, foi objeto de investigao da

    presente pesquisa. Estabeleceu-se, por premissa, que a referida formao contribuiu para a

    melhoria desses resultados. Cruzar o discurso dos professores com as observaes de sala de

    aula e anlise documental foi o desafio ao qual nos propusemos a partir da seguinte questo

    central: qual a contribuio da formao de professores centrada em rotinas para aprendizado

    dos alunos? Dito de outra forma: que elementos ou caractersticas dessa formao

    contriburam para a melhoria dos resultados?

    12 O SPAECE-Alfa um sistema de avaliao desenvolvido e implementado pela Secretaria da Educao do Estado do Cear (SEDUC) em busca da melhoria na qualidade da alfabetizao, aplicado a todos os alunos do 2 ano do Ensino Fundamental de nove anos do Estado do Cear, desde o ano de 2007. 13 As informaes sobre a Escala de proficincia utilizada pelo SPAECE-Alfa encontram-se no Anexo A. 14 Cujo objetivo oferecer assessoria tcnica aos municpios para modificar os seus baixos indicadores de aprendizagem nos prximos quatro anos desta gesto (2007 a 2010).

  • 21

    A pesquisa teve como objetivo geral:

    Investigar a contribuio da formao continuada dos professores

    alfabetizadores, centrada na implantao de rotinas pedaggicas, desenvolvida em quatro

    municpios da 6 CREDE, para melhoria dos resultados da aprendizagem dos alunos do 2 ano

    do ensino fundamental, verificado pelo SPAECE-Alfa de 2008.

    Para alcanar tal objetivo, de modo mais especfico, buscou-se:

    Identificar as caractersticas da prtica pedaggica de alfabetizao das professoras

    participantes da pesquisa.

    Identificar como as professoras administram a rotina pedaggica considerando a

    diversidade e as contingncias da sala de aula.

    Identificar as caractersticas da formao continuada desenvolvida nos municpios

    pesquisados, que podem ter contribudo para as mudanas nas prticas pedaggicas.

    Foram sujeitos desta pesquisa quatro professoras do 2 ano do Ensino Fundamental de

    quatro municpios da 6 Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educao

    (CREDE)15 que apresentaram crescimento nos resultados do SPAECE-Alfa de 2008,

    conforme pode ser verificado no Anexo B.

    A pesquisa na formao de professores

    A formao de professores no Brasil, seu alcance, dificuldades, legislao ou mesmo

    programas de formao de professores, no so temas de estudos de todo originais. Muitas

    pesquisas vm sendo realizadas na rea, justificadas pela especificidade do tema. A formao

    de professores se distingue de qualquer outro tipo de formao, pelo fato de tratar da

    qualificao de um profissional que tem a finalidade concreta de formar pessoas, o que

    contribui para a relevncia do assunto.

    Brzezinski (2006) analisou a produo acadmica de vinte e trs programas de ps-

    graduao de todas as regies do pas. A pesquisa consistiu no mapeamento e no balano

    15A 6 CREDE tem sede em Sobral e abrange os municpios de: Alcntara Carir Corea Forquilha Frecheirinha Graa Groaras Hidrolndia Irauuba Massap Meruoca Morajo Mucambo Pacuj Pires Ferreira Reriutaba Santana do Acara Senador S Sobral Varjota.

  • 22

    crtico de uma amostra da produo cientfica discente, teses e dissertaes defendidas no

    perodo 1997-2002, em Programas de Ps-Graduao em Educao credenciados pela

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES) e Scios

    Institucionais da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd).

    A pesquisa mostrou que, comparando-se os resultados obtidos no perodo 1997-2002

    com aqueles registrados de 1990 a 199616, houve um substancial aumento no nmero absoluto

    da produo discente, passando de 4.492 dissertaes e teses produzidas no primeiro perodo

    para 8.085. Um acrscimo da ordem de 90% no nmero de trabalhos em 6 anos. Segundo

    Brzezinski (2006):

    Esse crescimento reflexo do momento histrico marcado, notadamente, pelo aumento de programas de ps-graduao na rea da educao, decorrncia da grande demanda do sistema educacional brasileiro em expanso: em 1990 contvamos, no Brasil, com apenas 16 programas com dissertaes concludas; em 1994 as instituies somavam 24 e, no perodo 1997-2002, havia 50 programas (p. 23).

    O Grfico 1 mostra alguns dos resultados revelados pela pesquisa: Grfico 1: Percentual de Dissertaes e Teses segundo as Categorias Perodo 1997-

    2002

    16 Outra pesquisa semelhante foi realizada referindo-se ao perodo de 1990-1996. Consultar ANDR, Marli. Formao de professores no Brasil (1990-1998). Braslia: MEC/Inep/Comped, 2002.

  • 23

    Fonte: Brzezinski, I. Relatrio Analticos I, 2004. In: BRZEZINSKI, Iria; Formao de profissionais da educao (1997-2002) / colaborao: Elsa Garrido. Braslia: Ministrio da Educao, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira, Srie Estado do Conhecimento 2006.

    Dentre as muitas possibilidades de anlise, a partir da leitura do grfico possvel

    perceber que as pesquisas de formao continuada aconteceram, sobretudo, nos ltimos anos

    do perodo analisado, a partir de 2000, e foram menos frequentes que as pesquisas sobre

    formao inicial e trabalho docente, tendo essas categorias merecido maior ateno dos

    pesquisadores.

    A referida pesquisa aponta tambm que os estudos sobre formao continuada,

    centrados na escola bsica, que trataram da formao em servio, foram pouco analisados,

    totalizando apenas 10,5% dos 115 trabalhos que se abrigam nesta categoria. Aponta ainda que

    o impacto de programas e parcerias sobre a qualidade do ensino e da aprendizagem ainda est

    pouco investigado.

    A pesquisa deixa ver que h uma lacuna a ser investigada em relao formao

    continuada:

    O leque de aspectos a serem cobertos pela pesquisa sobre formao continuada para de fato esclarecer as complexas exigncias de qualificao profissional para o exerccio da docncia e o tempo que uma formao qualificada exige veio mostrar que, apesar do nmero de pesquisas sobre a questo ter aumentado significativamente em relao ao perodo anterior, ainda imprescindvel investir nesse campo. preciso ressaltar tambm a importncia da contribuio dessas pesquisas para o repensar da formao inicial: prticas formadoras nascidas no processo de formao continuada foram introduzidas nos cursos de formao inicial de Pedagogia e de Licenciaturas (BRZEZINSKI, 2006, p. 37-38).

    Uma busca ao banco de teses e dissertaes da CAPES, analisando a produo

    discente brasileira no perodo de 2003 a 200817, mostrou que h um nmero expressivo de

    trabalhos cientficos relativos formao de professores, totalizando 7394 produes. Dentre

    esses trabalhos, apenas 335 foram referentes formao de professores alfabetizadores. Ou

    seja, apenas 4,53% das pesquisas sobre formao de professores tratou de questes

    relacionadas alfabetizao. Esse nmero reduzido revela a carncia e a urgncia de se

    investir em pesquisas sobre a formao de professores alfabetizadores pela relevncia do tema

    alfabetizao para a rea da educao, como j foi discutido anteriormente.

    Nas pesquisas analisadas, foram localizadas algumas investigaes sobre a formao

    continuada de professores alfabetizadores abordando os seguintes temas:

    17 Realizada pela autora desta pesquisa em agosto de 2009 no portal da CAPES - Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior, Banco de teses e dissertaes. Disponvel em: http://servicos.capes.gov.br/capesdw/

  • 24

    Formao docente e reelaborao de prticas pedaggicas.

    Opinio dos professores acerca da formao continuada.

    Anlise de programas de formao continuada.

    Dentre as pesquisas localizadas sobre a formao docente e reelaborao de prticas

    pedaggicas destacam-se as de Mamede (2000) e Barreto (2004).

    Mamede (2000) pesquisou como ocorreu a reelaborao dos conceitos e das prticas

    pedaggicas de professoras alfabetizadoras de escolas pblicas municipais que participaram

    de processos de formao em servio, no Estado do Cear, no perodo de 1985 a 2000. A

    pesquisa buscou uma aproximao dos conceitos e prticas da professoras pesquisadas com os

    estudos da psicognese da linguagem escrita, muito discutidos poca.

    Adotou-se como procedimentos metodolgicos a anlise de documentos educacionais,

    a observao de sala de aula nos nove municpios selecionados e a entrevista com as

    professoras alfabetizadoras. Foram utilizados, tambm, a gravao das entrevistas e o registro

    fotogrfico dos aspectos considerados relevantes.

    Dentre os principais resultados apontados pela pesquisa esto: a) a inadequao das

    formaes das quais os professores participaram, que priorizavam as questes tericas em

    detrimento de atividades prticas e troca de experincias entre as docentes; b) a realizao dos

    cursos de formao em encontros intensivos e muito distanciados uns dos outros, o que

    dificultava o tempo para estudo; c) material utilizado em desacordo com as necessidades e

    realidade do grupo; d) a falta de diversificao das estratgias de formao, no privilegiando

    a observao e o registro escrito; e) os profissionais formadores distantes, que no

    acompanhavam o trabalho dos professores e que no os consideravam sujeitos do processo,

    utilizando-se do repasse dos contedos sem considerar os saberes e a opinio dos professores.

    Em relao aos aspectos tericos da alfabetizao e sua aplicao prtica em sala de

    aula, a pesquisa revelou haver falta de clareza dos professores sobre o ensino da lngua

    baseado nas hipteses de escrita18, estando centrado ainda nas famlias silbicas e na

    preponderncia do repasse de contedos.

    A anlise das prticas pedaggicas das alfabetizadoras mostrou haver a permanncia

    de velhos rituais da alfabetizao, com espao para as cartilhas e famlias silbicas e a

    ocorrncia de pequenas inovaes orientadas pela formao e pelas demandas infantis, atravs

    de atividades com jogos pedaggicos e com a literatura infantil. O referido estudo concluiu

    18Segundo Ferreiro e Teberosky (1996), muito antes de iniciar o processo formal de aprendizagem da leitura/escrita, as crianas constroem hipteses sobre este objeto de conhecimento.

  • 25

    que so necessrias aes de formao docentes mais eficazes, aliadas a condies de trabalho

    mais favorveis para as pretendidas mudanas na formao docente.

    Barreto (2004) pesquisou as relaes que podem ser estabelecidas entre os saberes

    sobre a aquisio da linguagem escrita e a prtica de professores alfabetizadores, que tiveram

    formao inicial em Pedagogia e formao continuada. A pesquisa mostrou que os elementos

    terico-prticos so insuficientes na formao inicial, sendo que na formao continuada

    esses elementos so mais bem trabalhados. No entanto, ainda h deficincia nessa formao

    em virtude da descontinuidade da formao continuada e da descontextualizao quanto ao

    local de trabalho. O estudo salientou que h grande heterogeneidade entre as professoras,

    caracterizada por diferentes estdios de apropriao dos conhecimentos terico-prticos em

    relao aquisio da linguagem escrita, uma predominante superficialidade terica e

    incoerncia em relao prtica, especialmente no que diz respeito s propostas

    metodolgicas, s aes de mediao e de interao e forma de lidar com erros construtivos.

    Mostrou, ainda, haver influncia de pressupostos associacionistas e a oscilao entre o

    mtodo tradicional e a proposta construtivista nas idias e aes das professoras. A pesquisa

    sugeriu repensar a formao inicial tendo em vista a articulao entre a teoria e a prtica e a

    formao continuada com sua real continuidade.

    Sobre a opinio das professoras acerca da formao continuada, Altobelli (2008)

    realizou uma pesquisa para investigar o porqu das insatisfaes dos professores

    alfabetizadores frente aos cursos de formao continuada e da ineficcia desses cursos em

    promover mudana na prtica docente desses professores. Discutiu o descompasso entre a

    formao continuada e os resultados em sala de aula do ponto de vista de trs professoras

    participantes em cursos de formao continuada, por mais de uma dcada. A pesquisa revelou

    que tais cursos desconsideram o amplo processo de significaes das experincias e produo

    dos saberes docentes, no promovendo assim, a autonomia profissional.

    So mais numerosas as pesquisas que realizaram a anlise de programas de formao

    continuada, em especial do PROFA (MACHADO, 2007; PIATTI, 2006; VARGAS, 2008).

    Os resultados, com algumas variaes, apontaram para mudanas relacionadas s prticas em

    sala de aula e s concepes e atitudes dos professores, porm, estas foram pontuais e no

    substitutivas. No houve, portanto, quebra do modelo convencional de alfabetizao para o

    modelo metodolgico de resoluo de problemas trabalhados na formao.

    Hernandes (2008) realizou uma pesquisa que buscou identificar quais os efeitos do

    Programa de Formao de Alfabetizadores Letra e Vida em salas de aula da regio de

  • 26

    Assis no interior paulista, como esses se traduziram em reviso dos procedimentos didticos

    das professoras e quais os resultados significativos detectados no processo de aprendizagem

    dos alunos. A pesquisa identificou que o programa de formao trouxe contribuies

    significativas para o processo de aprendizagem da base alfabtica da escrita dos alunos, mas

    salienta que a carga horria e o contedo desse curso no foi suficiente para garantir s

    docentes participantes a compreenso plena de como organizar boas situaes de

    aprendizagens aos seus alunos, com base na concepo construtivista. Aponta para a

    necessidade de garantir um espao de formao mais plena e contnua para as professoras

    alfabetizadoras, quando o objetivo a mudana na concepo de como se d a aprendizagem

    da base alfabtica da escrita.

    Rigolon (2007) investigou a compatibilidade entre o desempenho de professores

    alfabetizadores e os procedimentos preconizados por um dos programas de formao

    continuada de professores alfabetizadores implementados pela rede pblica estadual paulista.

    A anlise dos resultados indicou a grande dificuldade dos professores na conjugao dos

    princpios propostos pelo programa. Levantou uma reflexo sobre os processos de formao

    continuada e as condies em que estes so implementados. A partir da foram percebidas as

    distores existentes entre as polticas de formao continuada e sua implementao na

    prtica.

    Apesar da diversidade das pesquisas que tratam da formao de professores

    alfabetizadores, mencionadas acima, percebe-se a necessidade de ampliao dessa discusso

    abordando aspectos atuais e locais ainda no analisados.

    A pesquisa sobre a formao continuada em servio baseada na implantao de rotinas

    pedaggicas em alfabetizao, que est sendo descrita nesse texto, buscou analisar qual a

    contribuio da formao em servio, implementada pela Secretaria da Educao do Estado

    do Cear (SEDUC) e desenvolvida nos municpios no ano de 2008, para os resultados

    positivos em alfabetizao verificados pelo SPAECE-Alfa do mesmo ano.

    Esta pesquisa aproximou-se das pesquisas descritas anteriormente, sobretudo as

    desenvolvidas por Mamede (2000) e Barreto (2004) por analisar o impacto da formao

    continuada de professores alfabetizadores. Distinguiu-se delas, contudo, em alguns aspectos:

    a) buscou a anlise de uma formao especfica, a formao oferecida pelo Programa

    de Alfabetizao na Idade Certa (PAIC) aos professores do 2 ano do Ensino Fundamental,

    sem desconsiderar outras formaes continuadas realizadas pelos docentes sujeitos da

    pesquisa.

  • 27

    b) os professores que foram sujeitos da pesquisa participaram da formao continuada

    no ano de 2008 e seus alunos obtiveram resultados crescentes na avaliao do SPAECE-Alfa

    neste mesmo ano. Esse fato nos instigou a investigar qual a contribuio da referida formao

    para esses resultados.

    c) apesar do locus da pesquisa ser muito semelhante, municpios do Estado do Cear, o

    contexto que envolve estes professores bastante distinto. Eles participaram do PAIC, um

    programa implementado pelo Governo do Estado de incentivo alfabetizao nos primeiros

    anos do Ensino Fundamental, que inclui mas extrapola a formao docente.

    Com relao s pesquisas que avaliam programas especficos, a distino entre a

    pesquisa descrita que a formao analisada uma formao em servio, de carter

    obrigatrio e est diretamente vinculada ao material didtico que as professoras utilizam em

    sala de aula.

    Outro aspecto que atesta a originalidade desta pesquisa no terem sido identificados

    registros de pesquisas que tratem de formao continuada centrada na implantao de rotinas

    pedaggicas19.

    Acredita-se que compreender esse tipo de formao pode trazer informaes novas aos

    estudos sobre formao de professores, ajudando a identificar os avanos, lacunas e

    possibilidades do programa em estudo, para aprimoramento dele prprio e implementao de

    outros de semelhante natureza.

    A fundamentao terica, para o desenvolvimento da pesquisa sobre a qual versa esse

    texto, est sintetizada no primeiro dos seus trs captulos. Constitui-se, essencialmente, do

    histrico da alfabetizao no Brasil e no Estado do Cear; das principais referncias tericas

    em alfabetizao dos ltimos 30 anos: a psicognese da linguagem escrita e o conceito de

    letramento; de uma breve discusso sobre aspectos da obra de Vygotsky, que se aproximam

    dos interesses desta pesquisa, e de um relato sobre os rumos da formao inicial e continuada

    de professores no Brasil e no Estado do Cear.

    No segundo captulo descrita a metodologia utilizada na pesquisa de campo, faz-se

    um breve relato sobre a abordagem utilizada e so apresentados os municpios, escolas e

    professoras que participaram da pesquisa. O captulo se encerra com uma sucinta narrao dos

    instrumentos utilizados para a coleta dos dados.

    O terceiro captulo abriga a anlise do contedo recolhido durante a pesquisa,

    procurando relacion-lo com os temas previamente estabelecidos: formao dos professores,

    19 Rotina pedaggica refere-se organizao das atividades educativas, ou seja, como as atividades dirias esto distribudas no tempo.

  • 28

    gesto e organizao da classe e gerenciamento dos contedos para a aquisio da linguagem

    escrita. A anlise dos dados gerou outros subtemas que foram agrupados aos anteriores,

    estabelecidos a priori.

    Nas consideraes finais so retomadas e complementadas as informaes mais

    relevantes discutidas nos captulos anteriores. Estas foram organizadas em trs blocos. O

    primeiro deles discorre sobre como as professoras que participaram da pesquisa gerenciam a

    sala de aula e os contedos relativos alfabetizao, ou seja, sobre suas prticas pedaggicas.

    O segundo bloco trata das rotinas, metodologia e material estruturado, que so caractersticas

    importantes da formao analisada. E o terceiro bloco faz algumas consideraes sobre a

    formao dos professores e destaca os aspectos positivos e negativos observados. Alm de

    contemplar as respostas s indagaes que originaram esta pesquisa, so apontados alguns

    caminhos para fomentar as discusses sobre a formao dos professores alfabetizadores,

    visando contribuir para o redirecionamento das aes de formao e, consequentemente, um

    melhor atendimento s crianas em processo de alfabetizao.

  • 1. FUNDAMENTAO TERICA

    A questo ter um ponto de apoio. Os medievais, com seu exagerado respeito pela autoridade dos autores antigos,

    diziam que os modernos, embora a seu lado fossem anes, apoiando-se neles tornavam-se anes em ombros de gigantes, e, deste modo, viam mais alm do que seus predecessores.

    UMBERTO ECO

    O presente captulo se inicia com a recuperao de alguns marcos histricos acerca do

    ensino das primeiras letras no Brasil, que coincide com o desenvolvimento da educao

    bsica no pas, desde a chegada dos jesutas at as discusses contemporneas sobre

    alfabetizao e letramento. So abordados alguns aspectos desta evoluo no Estado do

    Cear, destacando algumas polticas pblicas que visaram a reduo do analfabetismo e a

    estruturao da educao bsica, com destaque para as aes do PAIC, em funo das

    implicaes diretas com o desenvolvimento desta pesquisa. Esta incurso histrica, mais do

    que fundamentar a pesquisa, mostrou-se necessria para elucidar o caminho que j foi

    percorrido em relao ao desenvolvimento da educao bsica no pas e no estado e nos

    ajudou a compreender que as dificuldades enfrentadas at hoje para obteno de uma

    educao bsica de qualidade tm razes histricas profundas.

    Em seguida, so apresentados os aportes tericos que serviram de base epistemolgica

    para as discusses sobre alfabetizao, a Psicognese da Linguagem Escrita, de autoria das

    pesquisadoras Emlia Ferreiro e Ana Teberosky e a discusso sobre Letramento, que tem

    como expoente a pesquisadora Magda Soares.

    Alguns pressupostos tericos das pesquisas de Vygostky, sobretudo as questes

    relativas s funes psicolgicas superiores, ao conhecimento cientfico e cotidiano, zona de

    desenvolvimento proximal e mediao, so tratados na sequncia como forma de respaldar a

    funo da escola e do professor.

    O captulo finalizado com um recuo histrico sobre a formao inicial e continuada

    de professores no Brasil e no Cear e so apresentadas algumas reflexes sobre os estudos do

    saberes docentes, realizados por Tardif, Gautier e Lessard, que serviram de base para as

    discusses sobre a formao de professores.

  • 30

    1.1. A alfabetizao

    1.1.1. Do ensino das primeiras letras busca pelo letramento

    Falar sobre alfabetizao no Brasil falar sobre uma dvida secular, fruto do descaso

    do poder pblico para com a instruo pblica, que vem se acumulando desde os tempos do

    Brasil colnia. J a primeira constituio do pas, promulgada logo aps a independncia em

    1824, menciona que a educao, e em especial a educao bsica, direito de todo o cidado

    e dever do Estado. Uma anlise da trajetria da nossa educao inicial, no entanto, mostra

    que essa mxima tem sido perseguida h quase dois sculos sem que tenhamos conseguido

    lograr xito.

    A chegada dos portugueses ao Brasil inaugura um novo perodo na histria da

    educao. sabido que entre os ndios que aqui habitavam existia um modelo de educao,

    mas que diferia muito do conceito trazido pelos portugueses e adotado por ns at hoje como

    modelo de educao formal.

    Os padres da Companhia de Jesus, que aqui chegaram em 1549, desempenharam um

    papel importante na implantao do modelo educacional portugus, j marcado pela prtica

    do ensino coletivo em detrimento do ensino individualizado ministrado pelo preceptor,

    caracterstico do perodo anterior ao sculo XVII.

    No Brasil, os jesutas criaram escolas para ler, escrever e contar, com vistas a

    catequizar, cristianizar e instruir os ndios considerados gentios, ou seja, pagos. O foco

    inicial do trabalho de instruo e catequizao dos jesutas foi a criana indgena, pois isso

    oferecia a possibilidade de disseminar os novos ensinamentos entre os mais velhos e garantir

    que esse modelo de educao se propagasse s geraes futuras.

    Essa participao popular nas escolas, no entanto, foi sendo reduzida e a educao

    jesutica acabou se restringindo aos colgios destinados aos filhos dos colonizadores e

    senhores de engenho. O percentual da populao que sabia ler e escrever era nfimo, dada a

    pouca instruo e inutilidade que isso representava numa sociedade tipicamente agrria,

    grafa e oral.

  • 31

    Em 1759, os jesutas so expulsos do Brasil em decorrncia das reformas pretendidas

    pelo Marqus de Pombal20 que, impulsionado pelas idias iluministas21, pretendia organizar a

    instruo pblica para formar o indivduo para o Estado e no mais para a Igreja como os

    jesutas propunham. Dentre as reformas implantadas destacam-se as aulas rgias, que na

    realidade no eram aulas, mas cursos independentes. Cada aula rgia era autnoma e isolada,

    com um professor nico e sem articulao com as demais. Os professores, geralmente, no

    tinham preparao para a funo, eram improvisados e mal pagos. Eram nomeados por

    indicao ou sob concordncia de bispos e se tornavam proprietrios vitalcios de suas aulas

    rgias (LAJOLO, 1996).

    O resultado da expulso dos jesutas foi que, no princpio do sculo XIX, a educao

    brasileira, que j era muito restrita, estava reduzida a praticamente nada. O sistema jesutico

    foi completamente desarticulado e nada que pudesse chegar prximo dele foi organizado para

    dar continuidade a um trabalho de educao.

    Essa situao altera-se com a vinda da Famlia Real, em 1808, que possibilitou uma

    nova ruptura com a situao anterior, muito embora essa mudana no visasse ao atendimento

    da maior parte da populao.

    Para atender as necessidades de sua estadia no Brasil, D. Joo VI abriu Academias

    Militares, Escolas de Direito e Medicina e a Biblioteca Real. Afinal, era necessrio

    realimentar a mquina administrativa e continuar preparando os quadros militar, jurdico e

    legislativo, garantindo a reproduo das elites dirigentes at que a situao poltica se

    acalmasse22. A educao bsica, no entanto, continuou a ter uma importncia secundria

    (LAJOLO, 1996).

    Com a proclamao da Independncia do Brasil, em 1822, aconteceram algumas

    mudanas em relao instruo pblica. Como j foi mencionado, a gratuidade da instruo

    primria passou a constar da Constituio Imperial de 1824. A lei estabelecia a criao de

    escolas de primeiras letras destinadas populao livre, regulamentava o mtodo de ensino

    lancasteriano23, o recrutamento de professores e outros aspectos.

    20 Sebastio Jos de Carvalho e Melo, Marqus de Pombal, foi um nobre e estadista portugus, primeiro-ministro do Rei D. Jos I (1750-1777). 21 O iluminismo foi uma corrente filosfica do sculo XVIII, caracterizada pela nfase nas idias de progresso e perfectibilidade humana, assim como na defesa do conhecimento racional como meio para a superao de preconceitos e ideologias tradicionais. 22 D. Joo VI e a corte portuguesa vm ao Brasil fugindo das invases napolenicas. 23Tambm conhecido como ensino mtuo ou sistema monitoral, esse mtodo pregava, dentre outros princpios, que um aluno treinado ou mais adiantado (decurio) deveria ensinar um grupo de dez alunos (decria), sob a orientao e superviso de um inspetor. Ou seja, os alunos mais adiantados deveriam ajudar o professor na tarefa

  • 32

    Mas a lei nasceu fadada ao fracasso, uma vez que atribua s provncias a implantao

    e controle da mesma. As provncias, sem recursos, no conseguiram levar a cabo a proposta e,

    para a grande maioria dos habitantes do pas, a iniciao nas primeiras letras continuava no

    sendo possvel ou sendo resolvida na esfera privada, por conta das famlias.

    Mesmo com a Repblica, em 1889, o projeto de educao das elites continua a

    prevalecer sobre a educao popular. A Repblica, em sua primeira fase, caracteriza-se pela

    continuidade dos interesses da elite latifundiria. Nessa lgica, as oligarquias cafeeiras, ao

    defenderem um perfil ruralstico para o pas, colocam a educao no plano secundrio, pois as

    atividades econmicas centradas na agricultura dispensavam uma formao letrada para a

    populao (MORTATTI, 2004).

    Chega o novo sculo e a dcada de 1920 vem marcada por diversos fatos relevantes no

    processo de mudana das caractersticas polticas brasileiras. No que se refere educao,

    foram realizadas diversas reformas de abrangncia estadual, ancoradas no iderio da Escola

    Nova24, como as de Loureno Filho, no Cear em 1922, a de Ansio Teixeira, na Bahia em

    1925, a de Francisco Campos e Mario Casassanta, em Minas em 1927, a de Fernando de

    Azevedo, no Distrito Federal (atual Rio de Janeiro) em 1928 e a de Carneiro Leo, em

    Pernambuco em 1928.

    Apesar dos debates em torno da educao e das reformas estaduais ocorridas nessa

    dcada, que visavam a democratizar a educao pela ampliao do acesso escola, em nvel

    federal, os resultados no foram satisfatrios uma vez que se trataram de iniciativas isoladas

    que nem sempre tiveram continuidade.

    A Revoluo de 1930 foi o marco referencial para a entrada do Brasil no mundo

    capitalista de produo. A nova realidade brasileira passou a exigir uma mo-de-obra

    especializada e para tal era preciso investir na educao. Nesse contexto, em 1930, foi criado

    o Ministrio da Educao e Sade Pblica e, em 1931, so sancionados os decretos

    organizando o ensino secundrio e as universidades brasileiras ainda inexistentes. Tem-se,

    nessa poca, no mbito da educao, a unificao a nvel federal das diretrizes preconizadas

    nas reformas a nvel estadual.

    de ensino. Essa idia resolveu, em parte, o problema da falta de professores no incio do sculo XIX no Brasil, pois a escola poderia ter apenas um educador. 24O escolanovismo acredita que a educao o elemento verdadeiramente eficaz para a construo de uma sociedade democrtica, que leva em considerao as diversidades, respeitando a individualidade do sujeito. De acordo esse iderio, a educao tem como eixo norteador a vida-experincia e a aprendizagem, fazendo com que a funo da escola seja a de propiciar uma reconstruo permanente da experincia e da aprendizagem dentro de sua vida.

  • 33

    A educao primria expandiu-se de forma considervel nesse perodo, organizada

    sobre novas bases polticas e cientficas. Os testes padronizados para aferio do quociente de

    inteligncia e os testes de prontido para a alfabetizao, como o teste ABC de Loureno

    Filho, atingiram seu apogeu. Os aspectos psicolgicos e psicomotores envolvidos no ensino

    da leitura passaram a ser mais prestigiados em detrimento dos aspectos lingusticos e

    pedaggicos.

    Cresce, sem dvida, o nmero de escolas e a taxa de atendimento das crianas em

    idade escolar, o que no significou uma reduo significativa nas taxas de analfabetismo25,

    haja vista que, em 1950, metade da populao com mais de 15 anos ainda no era

    alfabetizada, como pode ser visualizada na Tabela 5.

    Tabela 5: Evoluo do crescimento populacional, da escolarizao e analfabetismo, 1920/1950.

    Ano

    Total de matrcula

    Taxa de escolarizao

    % de analfabetos (15 anos e

    mais)

    Crescimento Populacional

    Crescimento da matrcula

    1920 1.142.281(*)

    8,99 69,9 100 100

    1940 3.328.471 21,43 56,2 122,26 291,28 1950 4.924.226 26,15 50,0 148,20 430,92

    Fonte: Fundao IBGE, Sries Estatsticas Retrospectivas, 1970; INEP/MEC; Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos, n. 101. Nota: (*) Dados estimados.

    Um aspecto importante para o avano da educao bsica que a alfabetizao ganha,

    nesse perodo, outra significao, passando a ser considerada um processo de carter

    funcional e instrumental, indispensvel para o processo de crescimento do pas. A

    alfabetizao deixa de ser atribuio das famlias e passa a designar um processo escolarizado

    e cientificamente fundamentado26, entendido como meio e instrumento de aquisio

    individual de cultura e envolvendo ensino e aprendizagem escolares simultneos da leitura e

    da escrita.

    Essa modificao no conceito de alfabetizao disseminou-se e provocou

    modificaes nos discursos, prticas pedaggicas e materiais didticos e a dcada de 1960 viu

    surgir uma ampliao desse conceito e a crescente luta pela educao popular. Vale lembrar

    que, em 1961, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB), e que

    25 Um dos fatores para isso foi a mudana nos critrios do Censo de 1940 para 1950. 26 Pela influncia da Escola Nova, conforme j foi mencionado.

  • 34

    a Constituio de 1967, dentre outras disposies, estendeu a gratuidade e obrigatoriedade do

    ensino de oito anos, equivalendo ao ensino de 1 grau, conforme regulamentado pela Lei 5692

    de 1971. (MORTATTI, 2005)

    A mudana na legislao , sem dvida, um avano para o processo de alfabetizao

    das camadas populares. O impacto positivo no foi maior pois essa se antecipou

    estruturao fsica e pedaggica e no havia escolas para toda a populao.

    Na dcada de 1970, com a implementao da lei e sob o domnio da ditadura militar, a

    educao assume um carter predominantemente tecnicista. No que se refere alfabetizao,

    relaciona-se a perspectivas comportamentalistas e lingusticas.

    Esse perodo coincide com a chegada das classes menos favorecidas escola, ainda

    que em pequeno nmero. Deixou-se um contexto onde a educao bsica pblica era muito

    reduzida e o nmero de alfabetizados era muito pequeno, para uma situao onde a escola

    comea a se popularizar e surge um novo grupo de analfabetos, os analfabetos escolarizados.

    Esses so crianas e jovens que frequentam a escola e, mesmo assim, no aprendem a ler e

    escrever. Uma amostra dessa situao que, em 1970, a taxa de escolarizao da populao

    de 7 a 14 anos de 67% e o nmero de analfabetos com mais de 10 anos de 32,9% da

    populao, de acordo com o Censo do mesmo ano.

    A Tabela 6 mostra esse descompasso entre o crescimento da taxa de escolarizao, que

    passa de 36% para 67%, e a diminuio no percentual de analfabetos, que no cai na mesma

    proporo, o que evidencia o fenmeno do analfabetismo escolar.

    Tabela 6: Evoluo da taxa de escolarizao e analfabetismo entre 1950 e 1970, em

    percentuais.

    Ano Taxa de escolarizao da populao de 7 a 14 anos

    Taxa de analfabetismo da populao de 10 anos ou mais

    1950 36 51,5 1970 67 32,9

    Fonte: FERRARO, Alceu R. Analfabetismo e nveis de Letramento no Brasil: o que dizem os censos? Campinas, Educao e Sociedade, v. 23, n. 81, dez. 2002.

    Os anos de 1980 chegam trazendo mudanas polticas e sociais com o fim da ditadura.

    Na educao, intensificam-se as denncias dos problemas educacionais que se tornam

    vivveis na constatao do fracasso das polticas pblicas educacionais, verificados,

    sobretudo, nos dois primeiros anos do 1 grau.

  • 35

    Muitas discusses se seguem e as razes desse fracasso so atribudas ora aos alunos e

    aos dficits trazidos por estes, ora escola e a sua funo de reprodutora das desigualdades, e

    ora s prprias desigualdades sociais vivenciadas pela sociedade brasileira (SOARES, 1986).

    O fato concreto que, em 1980, 25,5% da populao com mais de 10 anos ainda era

    analfabeta.

    Nesse mesmo perodo, as crticas ao modelo de escola conhecido pejorativamente

    como tradicional27 so acirradas e a discusso encaminha-se para a efetivao de um projeto

    de educao democrtica28, com medidas concretas e com modificaes nas teorias que

    embasavam os estudos na rea e nas prticas didtico-pedaggicas. Nesse contexto sedento de

    mudanas foram criadas a Constituio de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educao

    (LDB) de e os Parmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental (PCNs).

    Os PCNs, documento com a funo de nortear e garantir qualidade e equidade ao

    ensino de primeiro grau no pas, foram baseados numa perspectiva construtivista29. Essa

    corrente terica, ancorada nas pesquisas de Emlia Ferreiro e Ana Teberosky sobre a

    aquisio da linguagem escrita, veio questionar as concepes vigentes sobre alfabetizao.

    No se tratava de um mtodo novo do ensino da leitura e da escrita, como pensaram alguns

    educadores, mas justamente o contrrio, passou-se a questionar a concepo de ensino e

    linguagem subjacentes a utilizao dos mtodos, dos testes de maturidade e do uso das

    cartilhas na alfabetizao. Sob esse vis terico, a alfabetizao passa a ser entendida como

    uma construo individual, resultante da interao da criana com o meio na qual est

    inserida. Dito de outra forma, a interao da criana como um sujeito que pensa e cria

    hipteses sobre o funcionamento das coisas, dentre elas a escrita, e o objeto do conhecimento,

    no caso, a lngua escrita. Essa mudana de paradigma em relao apropriao da linguagem

    escrita deu novo flego ao debate e intensificou as pesquisas na rea.

    Na metade da dcada de 1980, no mbito acadmico, comea-se a discutir sobre a

    ampliao do conceito de alfabetizao, pois se vivencia uma situao inusitada no cenrio da

    educao bsica do Brasil: um nmero cada vez maior da populao tem acesso escola e os

    27 Na pedagogia tradicional o professor a figura central. Ele ensina as matrias de maneira sistematizada e o aluno deve absorver esses conhecimentos. 28 A escola democrtica d direitos de participao iguais para estudantes, professores e funcionrios. Os adultos participam do processo educacional facilitando as atividades de acordo com os interesses dos estudantes, esses tem a possibilidade de escolher o que querem fazer com seu tempo. Os estudantes so responsveis por e tm o poder de dirigir seus estudos desde muito novos. 29 No construtivismo, o saber no passado do docente ao aluno: o estudante que constri o conhecimento, por meio da formulao de hipteses e da resoluo de problemas.

  • 36

    que conseguem alfabetizar-se, no entanto, no adquirem proficincia em leitura

    (compreenso) e escrita (produo de textos significativos).

    Na dcada de 1990, o Brasil assiste grande ampliao do atendimento da educao

    bsica e, no ano 2000, a taxa de escolarizao da populao de 7 a 14 anos era de 97% e o

    percentual de analfabetos com mais de 10 anos de 12,8%.

    Muito embora no se tenha resolvido o problema do analfabetismo, comea-se nesse

    perodo a discutir sobre a ampliao do conceito de alfabetizao. O domnio do sistema de

    escrita, apesar de primordial, j no esgota a funo dos primeiros anos do ensino

    fundamental. preciso garantir que as crianas aprendam a ler e escrever, mas

    fundamentalmente, que faam uso dessa aprendizagem em suas aes sociais cotidianas.

    preciso alfabetizar e letrar. E, a partir dessa nova exigncia, surge um termo novo para o

    vocabulrio dos educadores: letramento (SOARES, 2003).

    Os dados da primeira avaliao do SAEB de 1995 e dos anos subsequentes, que

    aparecem na Tabela 7, contam do panorama da educao bsica no Brasil no final do sculo

    XX e incio do sculo XXI.

    Tabela 7: Proficincia em Lngua Portuguesa dos alunos do 5 ano do Ensino Fundamental, mdia e por nvel.

    Ano Proficincia

    Mdia Muito crtico (%) Crtico (%) Intermedirio (%) Adequado (%)

    1995 191,6 7,96 28,1 41,0 22,9

    1997 187,8 6,89 36,0 36,8 20,3

    1999 172,3 14,99 41,1 30,6 13,3

    2001 168,3 19,84 36,4 31,2 12,5

    2003 173,1 16,08 36,3 33,8 13,8

    2005 172,3 13,55 37,4 34,9 14,2

    2007* 175,8 - - - -

    2009* 184,3 - - - -

    Disponvel: www.inep.org,br. Acesso em 03/04/10. *O percentual de alunos em cada um dos nveis da Escala de proficincia no foi divulgado.

    Apesar desse crescimento quantitativo e da universalizao da escolarizao bsica, os

    resultados das avaliaes de larga escala como o Sistema de Avaliao da Educao Bsica

    (SAEB) e a Prova Brasil alertam para o problema da alfabetizao ineficiente e da baixa

    qualidade do ensino fundamental oferecido pela rede pblica de ensino, que precrio e

    requer esforos de todas as instncias envolvidas.

  • 37

    1.1.2. A alfabetizao no Cear

    Buscou-se fazer um retrospecto das principais iniciativas governamentais para a

    implantao e desenvolvimento da instruo primria no Estado do Cear. Vale alertar que as

    informaes que se seguem so um relato breve, marcado pela escassez das informaes, pelo

    carter de provisoriedade, inerente a todo estudo cientfico, e pela parcialidade das

    informaes, inevitvel, pois medida que se escolhem alguns aspectos para a discusso

    relegam-se muitos outros, mas que serviu para aclarar o cenrio onde se situa esta pesquisa.

    Apesar dos poucos registros, sabe-se, no entanto, que o desenvolvimento da escola

    bsica no estado no se distinguiu do que ocorreu no restante do Brasil no perodo Colonial,

    no Imprio e no incio da Repblica, tendo como agravante as dificuldades de ordem poltica,

    econmica, social e climtica que destacam a regio nordeste das demais regies do pas.

    No incio do sculo XX, o Cear era um dos estados mais carentes do pas, com uma

    populao de quase 850 mil habitantes, na sua maioria moradores das regies rurais, e apenas

    15% de alfabetizados. A instruo para a grande maioria dos cearenses, que no tinham

    acesso aos bancos escolares, no era vista como fundamental. A escola das primeiras letras

    no existia e nem fazia falta no serto cearense.

    Essa desvalorizao da instruo primria pelos administradores do estado fica

    evidente nas palavras de Antonio Pinto Nogueira Accioly, Presidente do Estado do Cear, em

    mensagem enviada Assemblia Legislativa:

    O simples conhecimento de caracteres graphicos, de suas combinaes prosdicas e syntaticas o saber ler e escrever no affecta seno a faculdade retentiva da criana, sem accrescentar-lhe noes que ella no tivesse adquirido na famlia ou na rua (CEAR, 1906, apud DAMACENO, 2009, p. 3273).

    O perodo em que Nogueira Accioly esteve frente do governo cearense foi marcado

    pelas lutas partidrias. Os efeitos dessa tenso parecem no ter permitido que se cuidasse da

    administrao pblica e nem da instruo da populao, sendo uma constante de toda a fase

    da Primeira Repblica. Como consequncia direta da ineficincia da sua instruo pblica, o

    Cear possuiu, ao longo desse perodo, uma das mais baixas taxas de escolarizao do pas.

    (PONTE, 2007).

    Um marco importante para essa anlise da estruturao da educao bsica no estado

    a reforma estadual de 1922, conduzida pelo educador paulista Loureno Filho por solicitao

    de Justiniano de Serpa, Presidente do Cear.

  • 38

    A situao da educao pblica antes da reforma de 1922 era lastimvel. Formavam-se

    professores semianalfabetos e sem preparo efetivo. Alm disso, havia m distribuio de

    escolas, falta de estmulo aos professores, de fiscalizao das escolas e os livros escolares

    tinham contedos inadequados. 80% da populao era analfabeta e o aparelho escolar era

    precrio. As escolas situavam-se em lugarejos, nas vilas e cidades, todas eram isoladas, sem

    carteiras nem rea prpria para o recreio. A maioria funcionava em casas alugadas sem a

    estrutura adequada (NOGUEIRA, 2001).

    O trabalho de Loureno Filho pautou-se na realizao do cadastramento dos alunos e

    das escolas, na estruturao da escola primria e na reforma no curso normal. Promoveu

    cursos de frias para os professores como forma de aprimoramento profissional e divulgao

    do iderio da Escola Nova. Sabe-se, contudo, que as reformas propostas representaram um

    avano, mas no deram conta da soluo dos problemas da educao bsica no estado, como

    tambm no o fizeram no restante do pas.

    Os problemas polticos, decorrentes da centralizao de poderes em torno do

    coronelismo, se mantiveram no estado at a dcada de 1980 com graves implicaes

    econmicas e sociais para toda a populao.

    Em meio redemocratizao do pas, em 1986, Tasso Jereissati 30 assume o governo

    do estado, adotando como medida principal a reorganizao da mquina pblica. O estado

    recuperou sua estrutura fiscal e a economia cresceu, mas os indicadores sociais continuaram

    preocupantes. As melhorias em relao aos indicadores educacionais so relacionadas

    basicamente ao atendimento escolar (FARIAS, 1997, apud NUNES, 2002).

    Apenas em meados da dcada de 1990 uma poltica de educao mais robusta

    implementada. A poltica educacional vigente traz o lema Todos pela educao de qualidade

    para todos. Foi iniciada em 1995 e desenvolveu polticas especficas, tais como:

    redimensionamento das classes de alfabetizao31, no qual as crianas de seis anos, antes na

    educao infantil, se incorporaram ao ensino fundamental, tendo direito parcela de recursos

    30 A gesto de Tasso Jereissati durou de 1987 a 2003 sendo que, durante esse perodo, Ciro Gomes governou o estado de 1991 a 1995. 31 O Redimensionamento das classes de alfabetizao, ocorrido em 1997, estabeleceu que crianas com 7 anos de idade seriam matriculadas na 1 srie, independentemente de terem frequentado a pr-escola e/ou a Classe de Alfabetizao. De acordo com Mamede (2000), faltaram definies mais precisas, bem como orientaes, esclarecimentos e acompanhamento do trabalho do professor de forma permanente e consistente, o que causou muita insegurana no corpo docente. Havia a necessidade de alterar a situao, tanto porque esta Classe vinha, muitas vezes, constituindo uma barreira no acesso das crianas ao Ensino Fundamental (com altos ndices, a, de reteno dos alunos), quanto porque a partir do FUNDEF os alunos passaram a ser contabilizados no Ensino Fundamental (e no na Educao Infantil), mas a medida no previu suas consequncias e as indefinies que causaram nas escolas.

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    por aluno destinada ao ensino fundamental pelo FUNDEF32; o Projeto Tempo de Aprender,

    com vrios subprojetos visando garantir as oportunidades de acesso e melhoria escolar para os

    alunos que no obtiveram xito na escola. Tambm, baseado na LDB, implantaram-se os

    ciclos de formao como estratgia para melhorar o nvel de aprendizagem dos alunos. Alm

    disso, criou-se o Sistema de Acompanhamento Pedaggico (SAP), cujo foco central era

    acompanhar as aes de gesto e ensino com vistas a detectar pontos fortes e dbeis do

    sistema educacional no Estado (CEAR, 1997, apud NUNES, 2002).

    Mesmo considerando os avanos oriundos das polticas educacionais mencionadas, os

    resultados da PNAD de 1996, 1998 e 2001 revelam que as taxas de analfabetismo do Cear

    ainda superam as taxas do Brasil, que j so desoladoras, e no diferem muito das taxas do

    Nordeste, conforme pode ser visto na Tabela 8.

    Tabela 8: Taxa de analfabetismo por ano e faixa etria segundo a unidade da

    federao

    Ano Brasil Nordeste Cear

    10 a 14 anos 15 a 19 anos 10 a 14 anos 15 a 19 anos 10 a 14 anos 15 a 19 anos

    1996 8,3 6,0 20,2 14,2 22,7 16,3

    1998 6,9 4,8 16,9 11,6 17,0 11,8

    2001 4,2 3,2 9,5 7,2 7,5 6,9

    Fonte: BRASIL, Ministrio da Educao, Mapa do Analfabetismo no Brasil. Braslia: Instituto de Estudos e Pesquisas Ansio Teixeira, 2003, p. 27-29.

    Analisando-se os dados do SAEB de 2001, mostrados anteriormente na Tabela 2,

    pode-se perceber que a situao do Ensino Fundamental no Cear no incio do sculo XXI

    muito precria e ainda mais preocupante que a realidade nacional.

    Dentre as iniciativas governamentais, no mbito da educao, propostas pelos gestores

    do Estado do Cear, a partir de 2000, destacaremos a criao do Comit Cearense para a

    Eliminao do Analfabetismo Escolar (CCEAE), pela sua implicao direta com esta

    pesquisa.

    32 FUNDEF significa Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio, Foi implantado no pela Emenda Constitucional n. 14, de 1996, mas s comeou a vigorar em 1998. Antes da criao do FUNDEF uma parcela das receitas pblicas eram destinadas educao como um todo. A proposta desse fundo era definir uma parcela que atendesse especificamente ao ensino fundamental (1 a 8 srie), atravs de uma redistribuio dos recursos provenientes de impostos aplicados pelos municpios e Estados. Em 2007, o FUNDEF foi substitudo pelo FUNDEB que no investe apenas na educao fundamental, mas na educao de jovens e adultos e educao infantil.

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    Tendo como referncia a experincia de Sobral33, que desde o ano de 2001 comeou

    um trabalho para que as escolas pblicas municipais alfabetizassem os seus alunos nas sries

    iniciais, a Assemblia Legislativa do Estado do Cear, no ano de 2004, conduziu um estudo

    em 48 municpios cearenses atravs do Comit Cearense para Eliminao do Analfabetismo

    Escolar. O Comit, como ficou conhecido, teve como parceiros a Secretari