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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC FACULDADE DE EDUCAÇÃO - FACED PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PAN-AFRICANISMO, HISTORIOGRAFIA E EDUCAÇÃO: EXPERIÊNCIAS EM CABO VERDE E NO BRASIL FÁBIO FLORENÇO GOMES FORTALEZA 2014

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1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC

FACULDADE DE EDUCAÇÃO - FACED

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

PAN-AFRICANISMO, HISTORIOGRAFIA E EDUCAÇÃO:

EXPERIÊNCIAS EM CABO VERDE E NO BRASIL

FÁBIO FLORENÇO GOMES

FORTALEZA

2014

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II

FÁBIO FLORENÇO GOMES

PAN-AFRICANISMO, HISTORIOGRAFIA E EDUCAÇÃO:

EXPERIÊNCIAS EM CABO VERDE E NO BRASIL

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em

Educação do Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal do Ceará, como

parte dos requisitos para obtenção do título de

Mestre em Educação. Área de Concentração:

Movimentos Sociais, Educação Popular e Escola.

Eixo: Sociopoética, Cultura e Relações Étnico-

raciais.

Orientador: Prof. Dr. Henrique Antunes Cunha Jr.

FORTALEZA

2014

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Federal do Ceará

Biblioteca de Ciências Humanas

G614p Gomes, Fábio Florenço.

Pan-africanismo, historiografia e educação : experiências em Cabo Verde e no Brasil / Fábio Florenço

Gomes. – 2014.

268 f. : il. color., enc. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação, Programa de Pós-

Graduação em Educação Brasileira, Fortaleza, 2014.

Área de Concentração: Movimentos sociais, educação popular e escola.

Orientação: Prof. Dr. Henrique Antunes Cunha Junior.

1.África – Antiguidades. 2.África – História – Até 1884. 3.Pan-africanismo. 4.África – História –

Estudo e ensino – Fortaleza(CE). 5.África – História – Estudo e ensino – São Tiago,Ilha de(Cabo Verde).

6.Ensino médio – Fortaleza(CE). 7.Ensino secundário – São Tiago,Ilha de(Cabo Verde). 8.Livros

didáticos – Fortaleza(CE). 9.Livros didáticos – São Tiago,Ilha de(Cabo Verde). I. Título.

CDD 960.200712

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IV

FÁBIO FLORENÇO GOMES

PAN-AFRICANISMO, HISTORIOGRAFIA E EDUCAÇÃO:

EXPERIÊNCIAS EM CABO VERDE E NO BRASIL

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em

Educação do Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal do Ceará, como

parte dos requisitos para obtenção do título de

Mestre em Educação. Área de Concentração:

Movimentos Sociais, Educação Popular e Escola.

Eixo: Sociopoética, Cultura e Relações Étnico-

raciais.

Orientador: Prof. Dr. Henrique Antunes Cunha Jr.

Aprovada em __________________

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________

Prof. Dr. Henrique Antunes Cunha Jr.(Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________

Profª. Dra. Sandra H. Petit

Universidade Federal do Ceará (UFC)

___________________________________________________

Profª. Dra. Rosa Ribeiro

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

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V

AGRADECIMENTOS

À Majestade Imperial Haile Selassie

Aos guias: Povo de Ta Neter, de Kush, do Kemet e de Palmares. Gente como Blyden,

Menelike II, Gama, Garvey e Nascimento.

Aos ancestrais: Teóphilo, Zenita e Claudemir .

À família: todos e todas no Brasil e na África

Aos anciãos e anciãs que me orientaram no Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau e Senegal.

Aos financiadores da Pesquisa: CNPQ

Ao professor dos professores: Henrique Cunha Jr.

À companheira do cotidiano da inspiração e do trabalho Inisabel (Abeba Makeda) pela

motivação total.

Não tenho condições de enumerar de forma justa os irmãos, irmãs e amigos que me ajudaram

nestes últimos anos de caminhada, por isto agradeço às suas organizações: Associação

Comunitária Waaldé, Movimento Negro Unificado, Núcleo de Consciência Negra Lélia

Gonzáles, Afrocentricidade Internacional Rio de Janeiro, Movimento Popular de Favelas,

Educafro, Sankofa Cultural Center, Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, Casa de Jurema,

Terreiro de Mãe Beata de Yemonja, Quilombo Xis, Capoeira Ypiranga, Chad – Cosméticos

Naturais, Capoeira Ayde, AJOPAR, DENEGRIR, Fundação Amílcar Cabral, Unisantiago,

Universidade de Cabo Verde, Arquivo Histórico e Biblioteca Nacional de Cabo Verde,

Acrides de Cabo Verde, Per Ankh, Codesria, OGKI, Ebukhosine Solutions, CACURA,

IFAN, PAIGC e INEP

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VI

Viver é ajudarmo-nos uns aos outros a viver.

Provérbio africano (Mácua)

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VII

RESUMO

A pesquisa transcrita nesta dissertação está inserida na linha de Movimentos Sociais,

Educação Popular e Escola, e no Eixo Sociopoética, Cultura e Relações Étnico-raciais do

Programa de Pós Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará. A

problemática da investigação é confronto entre propostas teóricas e conceituais da História

Geral da África (UNESCO), e a localização das civilizações africanas da Antiguidade em

programas e livros didáticos de História no Ensino Médio (Brasil) e no Ensino Secundário

(Cabo Verde). O objetivo geral é investigar a relação entre metodologia e antiguidade africana

propostas pelos Livros 1 e 2 da História Geral da África (UNESCO) e o que se é ensinado nas

salas de aula sobre a África na História Antiga da Humanidade. Os objetivos específicos são:

1) construir uma abordagem histórica e social sobre a História Geral da África a partir do Pan-

africanismo e de seus referenciais intelectuais, políticos e institucionais das décadas de 1950 e

1970; 2) Identificar a localização de civilizações da antiguidade africana em programas e

livros didáticos de história utilizados em escolas públicas da cidade de Fortaleza (Brasil) e da

Ilha de Santiago (Cabo Verde); 3) Propor elementos para superação de problemas e

valorização das potencialidades comuns ao Brasil e Cabo Verde. Nossa base teórica

concentra-se em autores como ZERBO (1972-2010), DIOP (1954-2010), RODNEY (1975-

1980), CABRAL (1978), CUNHA (2006), MONIZ (2009), ASANTE (1989), ANJOS (2002),

NASCIMENTO (2001), UNESCO (2009-2011) entre outros pesquisadores que possuem

como principais campos de estudo a História da África, metodologia, movimentos sociais,

Pan-africanismo, antiguidade africana e educação. Trata-se de um estudo de caso efetivado

através de uma abordagem qualitativa, tendo como análise livros didáticos, programas de

história e o diálogo com professores. Os instrumentos utilizados para a coleta de dados

resumem-se a pesquisa bibliográfica, análise documental e entrevista semiestruturada com

professores. Para registrar dados da pesquisa utilizamos caderno de campo e gravação em

áudio. Neste momento apresentamos conclusões preliminares da pesquisa, uma vez que o

achado durante o trabalho de campo encontra-se em processo de sistematização. Entretanto, é

possível asseverar que: 1) atualmente a localização geográfica, o povoamento e o legado das

civilizações africanas na Antiguidade estão sob os mesmos princípios eurocêntricos em

materiais didáticos e programas de história no Ensino Médio (Brasil) e Ensino Secundário

(Cabo Verde); 2) há falta de materiais nos acervos das instituições visitadas, a História Geral

da África (UNESCO) e 3) o Uso Pedagógico da História Geral da África (UNESCO) são

pouco conhecidos e utilizados em programas e livros didáticos em Cabo Verde e no Brasil;

Este conjunto de fatores aponta para: o desconhecimento, a falta de interesse e o conflito de

estudantes com a história da África, sua cultura e identidade; o ensino de história da África e a

elaboração de livros didáticos devem ter como bases mínimas a conscientização, a educação

patrimonial e a integração regional entre países africanos e da diáspora.

Palavras-chave: História – Ensino - África - Livros didáticos - Pan-africanismo -

Antiguidade

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VIII

ABSTRACT

This research intends to confront the theoretical and the conceptual proposals of the textbook

General History of Africa, published by UNESCO, as well as the locations of the ancient

Classic African civilizations in the syllabi of the textbooks adopted in History classes of

mediumschools in Brazil and secondary schools in Cape Verde. The general objective is to

investigate the relationship between the methodology and African antiquity in the textbooks

General History of Africa I and II, published by UNESCO It also analyses what is taught

about Africa in Ancient Human History. The specific objectives are 1) to build a historical and

social approach to teach about África General History based on Pan-Africanism and

Historical Knowledge; 2) to identify the location of Ancient Africa in History in the

curriculums and textbooks adopted in public schools in Fortaleza (Brazil) and in Santiago

Island (Cape Verde); The theoretical background of this research is based on authors such as

ZERBO (1972-2010), DIOP (1954-2010), RODNEY (1975-1980), CABRAL (1978),

CUNHA (2006), MONIZ (2009), ASANTE (1989), ANJOS (2002), NASCIMENTO (2001),

UNESCO (2009-2011), among other scholars devoted to the study of Ancient Africa and its

methodology, social movements, Pan-Africanism, Ancient Africa and Education. The

methodology adopted is a case study conducted through quantitative analysis of textbooks and

syllabi, as well as interviews with teachers. The instruments employed for data collection are

a bibliographical research, analysis of documents, and semi-structured interviews with

teachers. In order to record the research data, a field journal and audio recordings have been

used. After that, preliminary conclusions of the research are presented, even though the

findings during the field work are still being systematized. However, by then it is already

possible to affirm that the geographical locations, the settlements, and the legacy of the

ancient classic African civilizations are dealt with under the same Eurocentric principles

present in other textbooks and syllabi adopted in fundamental schools in Brazil and in

secondary schools in Cape Verde. The political and ideological apology of the mixture of

races exerts influence in the formation of identity, educational background and professional

attitude of History teachers in Brazil and in Cape Verde. There is also a shortage of materials

in the libraries of the institutions visited. Moreover, the textbooks General History of Africa I

and II and The Pedagogical Use of General History of Africa (both published by UNESCO)

are neither well-known nor widely adopted in Cape Verde or in Brazil. These factors point at

1) the lack of knowledge and interest, as well as at the conflict of students with African

History, its culture and identity; 2) the need to teach and to write textbooks which are

minimally based on the awareness, on the heritage and on the African regional integration.

Keywords: History - Education - Africa – Text books - Pan-africanism - Antiques

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IX

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Capa de O Quilombismo -1980………………………………………....... 09

Figura 2 Núcleo de Consciência Negra Lélia Gonzales com Abdias Nascimento…. 11

Figura 3 Fábio Gomes e André Costa 2008………………………………………... 11

Figura 4 Atelier do Musik Fabrik………………………………………………....... 12

Figura 5 Oficina de Construção de Instrumentos 2010…………………………….. 14

Figura 6 Exposição da Construção de Instrumentos……………………………….. 14

Figura 7 Centro Escola do Pensamento africano …………………………………... 16

Figura 8 Visita Guiada –Tarrafal…………………………………………………… 16

Figura 9 AJOPAR –Guiné Bissau………………………………………………….. 17

Figura 10 Visita ao PAIGC…………………………………………………………. 17

Figura 11 Antenor Firmin……………………………………………………………. 44

Figura 12 Menelik II…………………………………………………………………. 48

Figura 13 Edward Wilmot Blyden…………………………………………………… 50

Figura 14 Marcus Garvey e Web Du Bois…………………………………………... 60

Figura 15 Jornal Negro World……………………………………………………….. 61

Figura 16 Jornal The Crisis………………………………………………………….. 61

Figura 17 Haile Selassie e Imperatriz Menen………………………………………... 63

Figura 18 Kwame N’krumah………………………………………………………… 80

Figura 19 Amílcar Cabral……………………………………………………………. 81

Figura 20 Cheikh Anta Diop……..………………………………………………….. 112

Figura 21 Quadro Vale dos Reis……………………………………………………... 120

Figura 22 Anu -Tera Neter…………………………………………………………... 123

Figura 23 Narmer…………………………………………………………………….. 123

Figura 24 1ª Face Palheta de Narmer………………………………………………... 124

Figura 25 2ª Face Palheta de Narmer………………………………………………... 124

Figura 26 Joseph Ki-Zerbo…………………………………………………………... 129

Figura 27 Walter Rodney……………………………………………………………. 133

Figura 28 Diagrama da Organização da Unidade africana………………………….. 144

Figura 29 Relatório do Congresso do Cairo 1974…...………………………………. 150

Figura 30 Entrevista semiestruturada…………...…………………………………... 199

Figura 31 Encontro Escola 2013…………………………………………………….. 209

Figura 32 Palestra para Professores –Lei 10639\3…………………………………... 211

Figura 33 Pedagogia da Unidade - Símbolo…………………………………………. 236

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X

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Utilização da História Geral da África ……………………… 210

Tabela 2 Elaboração de Manuais ……………………………………… 212

Tabela 3 Produção de Manuais ……………………………………… 212

Tabela 4 Disponibilidade de Manuais ………………………………… 214

Tabela 5 Programa de História do 9 º ano - Cabo Verde ……………… 219

Tabela 6 Manuais de História do Secundário - Cabo Verde …………… 223

Tabela 7 Programa de História do 1º Ano Ensino Médio - Fortaleza 228

Tabela 8 Manual História do 1º Ano Ensino Médio – Brasil ………… 230

Tabela 9 Princípios da Pedagogia da Unidade ………………………… 237

Tabela 10 Proposta para o ensino de civilizações da antguidade africana 238

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XI

SUMÁRIO

Nota do autor ………………………………………………………………………………… 01

Apresentação: sete razões para esta pesquisa …………………………………….………… 04

INTRODUÇÃO ……………………………………………………………………………… 20

i. Interesse pela Consciência Histórica ………………………………………… 21

ii. Delimitações do Campo de Pesquisa ……………………………..…………… 22

iii. Marco Teórico Conceitual …………………………………………………… 25

iv. Questões da Pesquisa ………………………………………………..………… 36

v. Objetivos .…………………………………………………………….……… 36

vi. Metodologia ...……………………………………………..………………… 36

vii. Estrutura da Dissertação ……………………………………………………… 38

PARTE I PAN-AFRICANISMO

Capítulo 1: PAN-AFRICANISMO: AÇÃO, CONCEITO E AUTO-DESENVOLVIMENTO 40

1.1 Pan-africanismo redefinido ………………………………………………...……… 41

1.2 Uma era de grandes combates ……………………………………………..……… 41

1.3 Organização, Integração e Resistência ……………………………………..……… 46

1.4 No Limiar Colonial ………………………………………………………...……… 51

1.5 Ambientes …………………………………………………………………..……… 52

1.6 A lâmina afiada de WEB Du Bois ………………………………………...……… 54

1.7 O Martelo pesado de Marcus Garvey …………………………………….……… 55

1.8 Etiópia de Marcus Garvey ………………………………………………...……… 58

1.9 Das Convergências ………………………………………………………...……… 60

1.10 Etiópia: signo do nacionalismo africano ………………………………...……… 62

1.11 Congressos Pan-africanos ……………………………………………….……… 64

Conclusões ………………………………………………………………….……… 68

Capítulo 2: LUTAS DE LIBERTAÇÃO AFRICANA E HISTÓRIA DA ÁFRICA

………… 69

1.1 Educação e Conhecimento Histórico ……………………………………………… 70

1.2 Pan-africanismo e movimentação anti-colonial …………………………………… 74

1.3 Grupos Motores das Independências africanas …………………………………… 75

1.4 O fator Unidade da África ………………………………………………………… 78

1.5 Unidade e Resistência: Kwame N’krumah e Amílcar Cabral ……………………… 81

1.6 Entre as Independências africanas ………………………………………………… 82

1.7 Similaridades ……………………………………………………………………… 85

1.8 Elites e Neocolonialismo …………………………………………………………… 86

1.9 O Neocolonial e a Resistência Nacional …………………………………………… 87

1.10 Resistência e conhecimento histórico …………………………………………… 94

Conclusões …………………………………………………………………………… 96

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XII

PARTE II HISTORIOGRAFIA

Capítulo 3: ESCOLAS E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO ……… 99

1.1 Escolas e pensamento Histórico …………………………………………………… 99

1.2 Descolonização da História ………………………………………………………… 106

1.3 Dr. Cheikh Anta Diop ……………………………………………………………… 112

1.4 Dr. Joseph Ki-Zerbo ……………………………………………………………… 129

1.5 Dr. Walter Rodney ………………………………………………………………… 133

1.6 Educação e manuais de História …………………………………………………… 135

Conclusões ……………………………………………………………………………… 137

Capítulo 4: ORGANIZAÇÃO DA UNIDADE AFRICANA E HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA 138

1.1 Unificar para Renascer ……………………………………………………………… 138

1.2 Educação e Organização da Unidade africana ……………………………………… 142

1.3 História Geral da África (UNESCO) ……………………………………………… 145

1.4 Cairo’74- História africana ………………………………………………………… 150

1.5 História Geral da África (UNESCO) ……………………………………………… 158

1.6 História Geral da África (UNESCO) no Brasil …………………………………… 163

1.7 Atribulações do Momento ………………………………………………………… 165

Conclusões ……………………………………………………………………………… 167

PARTE III EDUCAÇÃO

Capítulo 5: ANTIGUIDADE AFRICANA E ENSINO DE HISTÓRIA …………………… 169

1.1 Mestiçagem, racismo e educação: lógica curricular brasileira …………………… 169

1.2 Mestiçagem, neocolonialismo e educação: lógica curricular caboverdiana ……… 176

1.3 Brasil e Cabo Verde: civilização e sabotagem a Cheikh Anta Diop ……………… 186

1.4 Década de 2000: História da África ………………………………………………… 191

1.5 Pesquisa Militante ………………………………………………………………… 196

Conclusões ……………………………………………………………………………… 200

PARTE VI

Capítulo 6: UM ESTUDO DE CAMPO INTEGRADO PELA HISTÓRIA …………………… 201

1.1 Conexões Metodológicas e Categorias …………………………………………… 202

1.2 Uso Pedagógico da História Geral da África (UNESCO) ………………………… 204

1.3 Programas e manuais de História – Cabo Verde …………………………………… 218

1.4 Programas e manuais de História – Brasil ………………………………………… 226

1.5 Reflexões e recomendações ………………………………………………………… 232

1.6 Pedagogia da Unidade ……………………………………………………………… 236

Conclusões ………………………………………………………………………………

240

Conclusões Finais ……………………………………………………….....................................

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ………………………………………………………

243

246

ANEXOS ……………………………………………………………………………………… 252

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1

NOTA DO AUTOR____________________________________________________

Professores de História entrevistados no Brasil e em Cabo Verde foram sujeitos

colaboradores desta pesquisa. Todos estes profissionais contatados disponibilizaram seu

tempo, espaço, relatos e materiais para esta pesquisa. Manteremos em sigilo os seus nomes,

professores e professoras, cujas falas foram registradas em nosso diário de campo e gravador

de áudio, e suas respectivas Unidades Escolares. Para a substituição dos nomes verdadeiros,

utilizamos nomes fictícios: Biko; Titina, Djassy, Abdulay, Améli, Ramos, Malan, Telli, Djau.

Tais nomes são fictícios apenas como sujeitos desta pesquisa, todos são nomes de

combatentes da libertação africana de Cabo Verde, Guiné Bissau e África do Sul entre as

décadas de 1950 e 1970. Dupla consideração e gratidão! Aos ancestrais e aos encarnados.

Em nosso trabalho, assim como em nossas vidas, os termos são de grande importância

no sentido que expressam nossos pensamentos, memória coletiva, identidade, cultura,

existência e ancestralidade. Por isso, cabem agora algumas considerações sobre termos

utilizados nesta dissertação.

Negro\ africano -Brasileiro: termos que considero os mais adequados para designar a

população no Brasil que carrega consigo identidade, fenótipo, memória e cultura africana. O

termo negro possui um histórico de afirmação dentro dos movimentos sociais no Brasil.

africano -brasileiro não é comum, mas seu potencial é muito grande por localizar cultural e

historicamente a origem africana da população e sua condição geográfica fora do continente.

Preto: termo que tem ganhado força atualmente no Brasil, muito por influência

política e artística de países de língua inglesa (Black). Há uma tendência entre jovens adeptos

do Hip Hop no Brasil na defesa de uma substituição do termo negro pelo termo preto.

Mulato, mestiço e moreno: termos altamente pejorativos para a população negra no

Brasil, a palavra mulato, por exemplo, tem origem na cultura escravocrata, remete-se ao

animal Mula, do cruzamento entre cavalo e jumento, ou seja, um animal infértil. Mulato foi

utilizado em alusão à suposta infertilidade da mulher negra. No geral, estas expressões

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indicam uma ideologia de branqueamento, apologia à miscigenação e desintegração entre

população negra no Brasil.

Afro-brasileiro e Afrodescendente: termos ambíguos que podem conotar de forma

afirmativa a origem, cultura e história africana no Brasil e integrar a população negra, mas ao

mesmo tempo, possibilitam que oportunistas assumam este termo como forma de obter

alguma vantagem social, política e financeira, principalmente a partir da década de 2000 com

a política de ações afirmativas no Brasil (cotas raciais em universidades e nos serviços

públicos, e bolsas de estudo em mestrado e doutorado).

Branco: uma forma de designar a população europeia e seus descendentes no Brasil e

em outras partes do mudo, neste sentido, branco não é apenas uma designação fenotípica, mas

também uma designação cultural, ou seja, uma atribuição ao sistema de dominação global

europeu no continente africano e na diáspora. O racismo, o eurocentrismo, o capitalismo e o

comunismo (por exemplo) integram a estrutura de um sistema “branco” de opressão e

dominação política, econômica, tecnológica e cultural.

Neocolonial: denominação das sequência de transformações ocorridas no sistema

colonial europeu instalado oficialmente no continente africano no final do século XIX. Na

perspectiva de lideranças africanas nacionalistas como Kwame Nkrumah do Gana e Amílcar

Cabral de Guiné Bissau e Cabo Verde, é entre as décadas de 1940 e 1960 que se conflagram

as independências nacionais que o neocolonialismo começa de forma efetiva a modificar as

formas de exploração do continente africano, evidenciadas nas relações econômicas e

cooperações de todos os tipos, como a educacional por exemplo. O Pós-colonial dentro da

nossa proposta é uma forma de negar ou negligenciar as novas gerações de dominação,

corretamente denominadas de neocoloniais.

Mundo africano : termo adequado para indicar a expansão forçada de africanos a

partir do século XV, sequenciada pela oficialização do colonialismo no século XIX, e que tem

sua continuidade no contexto neocolonial da segunda metade do século XX às primeiras

décadas do presente século XXI.

Maafa - holocausto africano : palavra no idioma africano Suahili, que significa

holocausto africano, processo histórico de genocídio em massa de africanos desencadeado

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pelo tráfico europeu de africanos escravizados e guerra deslocada para as Américas entre os

séculos XV e XIX.

Escravizado: O termo escravo não e sinônimo de negro ou africano. Estranha às

sociedades africanas, a escravidão foi uma condição imposta pelo sistema europeu de trafico

de seres humanos no continente africano, a escravização teve como princípios a

desumanização e desagregação de homens, mulheres e famílias africanas.

Civilizações africanas da antiguidade clássica: expressão utilizada pelo historiador

senegalês Cheikh Anta Diop para caracterizar as civilizações africanas do período anterior à

era comum – ano zero \ nascimento de Cristo. Nesta perspectiva, o Antigo Egito e Etiópia

formaram complexos civilizacionais marcados por atividades sistemáticas de ciência e

tecnologia.

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4

APRESENTAÇÃO: SETE RAZÕES PARA ESTA PESQUISA_______________

Sete razões determinaram o meu interesse em pesquisar sobre o ensino de história das

civilizações da antiguidade clássica africana (centralmente o antigo Egito) no Brasil e no

Cabo Verde, são elas: Consciência, Militância, História colonizada, África-Brasil-África, A

(outra) realidade, Meios de trabalho e Circunstância: Ntu

Consciência

Nasci no subúrbio do Rio de Janeiro, e cresci no bairro do Lins. Recebi em casa

orientações para respeitar as folhas, as raízes, os ancestrais e a potência divina, Deus. Naquela

época, minha família era de religião de terreiro, denominadas hoje como religiões de matriz

africana, a exemplo do candomblé, umbanda entre outras. Uma vez por semana as mulheres

da minha família cultuavam em casa entidades espirituais denominadas Pretos Velhos,

espíritos de africanos que vieram para o Brasil durante a Maafa, grandes conhecedores de

medicina tradicional africana, aconselhadores espirituais, detentores de uma escrita própria

(ponto riscado) e em que sua grande maioria se autodenominava de origem angolana. As

participantes consultavam-se com os Pretos Velhos em um dos quartos da casa de minha avó,

onde passei a maior parte da infância.

Neste ambiente familiar apreendi algumas lições práticas sobre ajudarmo-nos uns aos

outros a viver, e de que é fundamental sabermos nossa própria história, pois sem ela nada faz

sentido na vida. Cresci vendo meus próprios familiares reagindo e debatendo questões sobre o

racismo no Brasil, uma patologia social impregnada em todos os lugares, desde os

supermercados às escolas, aos campos de futebol e aos museus, não havia (e nem há) lugar

onde o racismo não se manifestasse na sociedade brasileira.

A experiência em família, tanto as religiosas quanto as de cunho mais político e

cultural foram decisivas para o processo embrionário de minha conscientização

histórica\social. As práticas religiosas seguidas por minha família me fizeram perceber que

todas as nossas histórias eram muito mais amplas que o chão das senzalas, que as correntes

dos pelourinhos e que as fazendas de café onde nossos ancestrais foram escravizados. Mesmo

sem uma compreensão nítida daquele processo, eu comecei e me perceber como sujeito

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5

integrante de uma história e legado maior no tempo e no espaço, e aquela percepção seriam o

sentido, ou direção, para a construção do meu próprio futuro.

O debate aberto sobre o racismo me fez perceber que por um lado havia uma grande

injustiça criminosa conosco na sociedade brasileira, e por outro lado, perceber que a nossa

História não começou no Brasil, mas no continente africano, tendo sua continuidade nos

quilombos, nos combates contra o racismo e na solidariedade do dia-a-dia. Estas percepções,

anos mais tarde, influenciaram diretamente a minha militância e a opção por ser professor de

história. Mas para um menino, muitos caminhos ainda deveriam ser trilhados, um caminho de

erros, acertos, reflexões e acima de tudo aprendizado.

Militância

Eu estudei no Colégio Pedro II, qualificado entre as maiores escolas da América do

Sul, no bairro do Engenho Novo, também no subúrbio do Rio de Janeiro, perto do Lins. Como

qualquer adolescente negro em uma escola pública, mas das altas elites do país, fui

hostilizado por colegas, funcionários e professores, no entanto, tenho também as minhas boas

recordações. O que agora posso ressaltar é que a minha tragetória escolar foi inicialmente de

excelente rendimento e boas amizades, entretanto a absorção da violência racial, muitas vezes

simbólica e não física, me reduziram a condição de aluno marginalizado, indisciplinado e de

baixo rendimento escolar.

Olhando para traz, vejo que não somente eu, como a maioria (que eram poucos!) dos

alunos negros da minha geração no Colégio Pedro II, não completou seus estudos do primeiro

e do segundo grau (atuais ensino fundamental e médio). Abandonei a escola e me dediquei ao

trabalho braçal em uma destas lanchonetes multinacionais, que exploram uma mão de obra

barata e produtiva, condenando uma geração inteira ao subemprego.

Mas eu não cheguei à juventude fora da escola com a ideia débil de que “nunca havia

passado por racismo”, em minha opinião, toda a violência que vivi na escola e que passei no

mercado de trabalho foi por motivos raciais, eu tinha consciência disto. Nunca reduzi o

racismo ao linchamento ou xingamento de “macaco”, sentia que o racismo era algo muito

diversificado, até mesmo sofisticado, uma questão política com traços econômicos, nuances

cultural e argumentos religiosos.

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Todavia, no ritmo do subemprego perguntei-me diversas vezes se o estudo e a ciência,

se os centros de conhecimento enfim, eram realmente locais para mim, ou se o meu lugar não

era ali, onde eu estava preso a uma cozinha de lanchonete. Não escapei destas oscilações e

lembro-me bem que durante os anos fora da escola, os negros que conheci da minha idade

trabalhando em subempregos tinham o mesmo discurso: “o estudo não é para mim”. Creio

que este é um dos efeitos mais nefastos do racismo, e que pode ser colocado lado a lado com a

descaracterização física (alisamento de cabelo\clareador de pele). A frustração profissional

planejada para a juventude negra encaminha-nos para o mundo do crime, da droga, das

doenças psíquicas e de diversos outros tipos de violência social.

Com o apoio, ou insistência, familiar voltei a estudar para terminar o ensino médio,

mas depois dei mais um intervalo nos estudos, pois meu horário de trabalho era irregular.

Após dois anos de trabalho na rede de lanchonetes fui promovido a Treinador, cuja função era

orientar novos funcionários e coordenar equipes de trabalho em setores como balcão, cozinha,

limpeza de banheiros e etc. Mesmo com fortes chances de conseguir mais uma promoção de

cargo, alguns choques raciais e um acidente grave que sofri desgastaram muito minha

presença naquele ambiente de trabalho. Se por um lado eu não estava disposto a aceitar o

racismo de superiores hierárquicos, e mesmo de clientes, por outro, eu não tive a mínima

assistência no momento do acidente de trabalho que me levou a ficar semanas sem andar.

Nesta ocasião, entendi que eu era apenas uma peça negra descartável dentro do jogo de um

sistema branco, então resolvi me demitir e buscar melhores caminhos, mesmo sem saber para

onde.

Após uma série de entradas e saídas de empregos temporários tomei a iniciativa de

continuar os estudos, na verdade redescobri o gosto pelos estudos através de alguns

acontecimentos marcantes, dentre os quais, um pequeno curso sobre as independências

africanas no ano de 1999 promovido pelo departamento de Letras da Universidade Federal do

Rio de Janeiro (UFRJ) e leituras sobre revoltas de africanos escravizados no Brasil, Martin

Luther King e revolução cubana. Entretanto, a motivação maior nasceu do meu contato com a

militância negra organizada, em outras palavras, o contato com membros, militantes, do

movimento negro. Paulatinamente, eu mesmo busquei a militância e militantes para conseguir

enfrentar o racismo e adquirir mais conhecimento.

No Rio de Janeiro comecei a participar de reuniões do Movimento Negro Unificado

(MNU), onde conheci dois dos maiores militantes vivos do movimento negro no Brasil, o Sr.

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Yedo Ferreira, emblemático combatente pelas Reparações, e Ras Romeu, artesão, militante,

poeta e musico Rastafari, ambos os detentores de grande conhecimento sobre história

africana. Busquei livros que militantes do movimento negro me indicavam, e os li. Pelas mãos

de um vendedor de livros e estudante de História na Pontifícia Universidade Católica do Rio

de Janeiro, Jorge Damião, conheci a EDUCAFRO, um projeto social de pré-vestibulares

comunitários coordenado no Rio de Janeiro pelo Senhor Frei Davi, religioso franciscano e

militante do movimento negro.

A EDUCAFRO tinha as suas próprias ações sociais, cursos pré-vestibulares

comunitários, jornal, manifestações\marchas contra discriminação racial e reuniões públicas,

para a comunidade jovem interessada nos estudos. A EDUCAFRO era parceira de outros

projetos semelhantes como o Pré-vestibular para Negros e Carentes (PVNC). No início de

2000 eu fui estudar em um PVNC localizado na Cidade de Deus, comunidade favelada na

Zona Oeste do Rio de Janeiro. As aulas deste pré-vestibular ocorriam nas dependências da

Escola Estadual João Batista aos sábados, domingos e durante o dia inteiro, uma vez por

semana à noite.

No pré-vestibular da Cidade de Deus eu tive a oportunidade de vivenciar formas mais

amplas de militância social, pois aquele ambiente era marcado pela brutalidade policial, pela

falta de infraestruturas (água, luz e sistema de esgoto) e por profundas lições de solidariedade.

Havia sérias frentes de resistência na Cidade de Deus e a família de uma das coordenadoras

do PVNC dirigia uma companhia teatral comunitária especializada em temas sobre negritude,

religião de matriz afro e militância negra, isso me marcou muito.

Outra marca importante e determinante na minha opção para o concurso vestibular em

história foi minha mãe. Ela era professora de pedagogia e sempre teve uma mente muito

aberta, sua consciência educacional permitiu-me experimentar na prática as ofertas positivas e

negativas da vida, sempre disposta a me transmitir uma mensagem otimista de força para

continuar em frente. No final daquele ano concorri no vestibular para graduação em História

pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), porque esta oferecia

benefícios aos alunos de projetos parceiros da EDUCAFRO: 100% de bolsa de estudos,

alimentação e transporte mensais. A concessão de bolsas de estudo beneficiava a PUC-Rio

com isenção de impostos entre outros.

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De início, por minha própria inexperiência, eu subestimei o nível de opressão e

alienação cultural da Pontifícia Universidade Católica, mas a realidade é que esta é uma

instituição Jesuíta, logo, seus conteúdos curriculares de ciências humanas, principalmente,

estão impregnados de racismo, eurocentrismo e um conservadorismo mesquinho. No final de

2002, juntei-me aos estudantes de graduação em história, Janaina Portella e Carlos Menezes,

de pedagogia, Wilian Barbosa, de ciências sociais, Lincoln Oliveira e Alexandre Nascimento,

e de literatura, André Costa (com mais alguns outros de direito e psicologia) para

organizarmos no campus daquela universidade o Núcleo de Consciência Negra Lélia

González, em homenagem a professora e diretora do departamento de sociologia da PUC-Rio

no início da década de 1990, historiadora e socióloga, que faleceu prematuramente em 1994,

deixando um legado de resistência e militância.

Foi importante homenagear a Prof.ª Lélia Gonzales pela relevância dos seus estudos

sobre a população afro-brasileira, e por que sua obra era completamente ignorada pela própria

universidade que a recebeu como professora, assim como o caso de Sebastião Rodrigues

Alves, militante do movimento negro da década de 1930 e aluno de Serviço Social desta

mesma universidade. A nossa sensação enquanto estudante era de que havia um complô

silencioso entre professores e funcionários para o apagamento da memória desta inteletual na

história da instituição. O objetivo do Núcleo de Consciência Negra Lélia Gonzales foi então

criar uma trincheira do conhecimento e um abrigo da cultura, de forma a conhecermos nossa

própria história e a nós mesmos, entendermos nossas próprias experiências políticas enquanto

um povo, além de nos solidarizarmos naquele ambiente de dissimulação racista. Nesta época,

interessávamos e procurávamos pelos clássicos da historiografia, da política, da filosofia e da

literatura africana.

Entre 2003 e 2004 participamos, enquanto organização, de atividades de militância na

PUC-Rio, Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal

Fluminense (UFF), e na Universidade Estadual de Campos Goytacazes (UENF) em parceria

com o extinto NEGRO (Núcleo de Consciência Negra Guerreiro Ramos). A partir de 2005

começamos a coordenar um pré-vestibular criado por Alexandre Nascimento, um dos

membros do Núcleo de Consciência Negra Lélia Gonzales, no Céu Azul, pequena

comunidade, favela, localizada no Engenho Novo. O curso funcionava durante os finais de

semana dentro da associação de moradores do Céu Azul.

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Figura 1: O Quilombismo

Fonte:http://biblioafrogriot.blogspot.com

No segundo semestre de 2005 enquanto membro Núcleo de Consciência Negra Lélia

Gonzales, formulei o projeto de pesquisa “Eugenia Lexical da Patologia Social – O negro

objeto em instituições de pesquisa no Estado do Rio de Janeiro entre 2002 e 2004”, cujo

objetivo foi denunciar a manipulação ideológica e historiográfica do negro usado como objeto

de estudos em instituições de pesquisa. No ano seguinre, 2006, eu e André Costa

apresentamos os resultados parciais da pesquisa no VI Congresso Brasileiro de Pesquisadores

Negros, organizado pela Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), realizado

na Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Mas infelizmente, a nossa falta de percepção

política e a militância imatura contribuíram para que esta fosse à última atividade do nosso

Núcleo.

História Colonizada

Ao começar os estudos de História na Puc-Rio tive a amarga constatação de que todo

o curso era uma afirmativa da supremacia branca no Brasil e no mundo. A história da África e

do Afro-brasileiro eram ignoradas, ou simplesmente desqualificadas, pelos professores, em

sua maioria teóricos egocêntricos frustrados por não terem nascido na Europa. Neste contexto,

criticas historiográficas como A Injustiça de Clio, escrita pelo jornalista e pesquisador Clóvis

Moura, foram de grande utilidade para mim, através deste livro comecei a descobrir as farsas

criadas pela historiografia brasileira sobre a história do negro no Brasil, principalmente em

relacão a resistência ao sistema escravista protagonizada pelos quilombos, uma tradição

guerreira africana espalhada por todas as regiões das Américas, e que receberam africanos

deportados do continente.

Outra obra que me impactou profundamente foi

O Quilombismo, escrita por Abdias Nascimento,

militante do movimento negro e de quem falaremos

adiante. Este livro, publicado originalmente em 1980, é

uma reunião de conferências apresentadas por Abdias

Nascimento em países africanos, Estados Unidos,

América Central e América do Sul entre 1974 e 1980.

Esta leitura foi minha introdução literária ao Pan-

africanismo, mas admito que somente anos depois,

comecei a alcançar a dimensão das intervenções de

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Abdias Nascimento transcritas naquele documento. Abdias Nascimento trouxe-nos através do

seu livro uma orientação científica e um sentido político libertário global para nossas

profissões.

O Quilombismo nos apresentou um conjunto de clássicos da historiografia e

referências excluídas dos programas de história que conhecíamos, como Cheikh Anta Diop,

Joseph Bem Jochoman, Ivan Van Sertima e John Henrike Clarck. No sentido político, Abdias

nos ofereceu o conceito de Quilombismo não como mais um slogan, mas como um sentido de

luta pan-africana a partir das nossas experiências no Brasil, em conexão com o continente

africano e com sua diáspora. O Quilombismo foi um alerta de que não precisávamos nos

sujeitar a aderir às ideologias de uma historiografia europeia para pensar a nossa própria

história. Este livro despertou em mim a compreensão de que o estudo das civilizações

africanas da antiguidade serviu de base fundamental para historiadores do século XX. Perante

o direcionamento eurocêntrico que reveste as civilizações africanas da antiguidade, este tema

é tão ou mais relevante agora no século XXI.

Pois, a originalidade e legado de civilizações da antiguidade clássica africana como o

antigo Egito e Etiópia interferem diretamente nas bases dos conteúdos ensinados em todas as

disciplinas, assim como no próprio propósito da educação. Quaisquer mudanças e

transformações positivas na percepção política, histórica, filosófica, geopolítica e econômica

que africanos e africanos de origem possuem de si mesmos, devem passar por uma

reavaliação total das primeiras civilizações criadas no continente africano. Estudar as

civilizações do passado africano, e perceber seu legado no presente como uma herança para a

construção do futuro, essa mensagem é muito marcante em O Quilombismo.

No Brasil, a articulação política e as pressões de movimentos sociais possibilitaram

que no ano de 2003 fosse publicada a Lei Federal Número 10.639-3, que tornou obrigatório o

ensino de História e cultura africana e Afro-brasileira no país. Nós, estudantes de ciências

sociais e membros do Núcleo de Consciência Negra Lélia Gonzales, víamos a Lei 10639-3

como um perigo, pois o ambiente institucional das universidades era racista, os professores

debochavam tanto de nós estudantes quanto dos clássicos da historiografia africana. No caso

da história do negro no Brasil, a situação era mais profunda, autores de suma importância para

a nossa historiografia como Souza Carneiro, Maria Beatriz Nascimento, Lélia Gonzales e

Clóvis Moura estavam excluídos dos programas. Questionávamos sobre qual História da

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Figura 2: Encontro de integrantes do Núcleo de Consciência Negra Lélia Gonzales com

Abdias Nascimento em 2004

Fonte: Arquivo Pessoal -Foto de Lincoln

Oliveira (2004)

Figura 3: Fábio Gomes e André Costa,

comunidade Céu Azul, em 2008.

Fonte:www.ebukhosinisolutions.co.za

Foto de Baba Buntu (2008)

África seria ensinada, a colonial ou da libertação? Quem iria lecionar e coordenar pesquisas e

cursos?

O nosso Núcleo de Consciência Negra funcionou entre os anos de 2003 e 2006, neste

período mantivemos semanalmente um grupo de estudos. Os principais livros que estudamos

foram Steve Biko (Eu escrevo o que Eu quero), Abdias Nascimento (O Quilombismo, uma

nova versão ampliada e lançada em 2002), Malcom X (Autobiografia), Maria Beatriz

Nascimento (textos diversos), Lélia Gonzales (Lugar de Negro), Guerreiro Ramos (A

Redução Sociológica), Maria Aparecida Bento (Psicologia Social do Racismo), Clovis Moura

(Sociologia do Negro Brasileiro e Rebeliões da Senzala) e capítulos dos Volumes I e II da

História Geral da África (UNESCO).

A História Geral da África (UNESCO) proporcionou-me o primeiro contato com a

história e historiografia africana. De uma forma geral, todos os professores de história na

universidade organizavam seus pensamentos, formulavam provas, escolhiam estagiários e

preparavam suas aulas sob a perspectiva de que a história da humanidade começava na

Grécia, passava por Portugal e transitava pelos centros de pesquisa da Alemanha, França,

Itália e Estados Unidos, até chegarem à Universidade de São Paulo (USP) e a partir de então

serem distribuídos pelo território nacional. Eu nunca concordei com esse modelo neocolonial

e antiafricano de construção do conhecimento!

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Figura 4: MusikFabrik atelier

Fonte: www.decult.uerj.br

Os professores Renato Emerson e Antônio Espirito Santo foram bases muito

importantes para a minha formação na época, tenho grande gratidão pelas oportunidades que

ambos me proporcionaram. A experiência com geógrafo Renato Emerson em investigação

sobre Políticas de Ação afirmativa e Pré-vestibulares para Negros e Carentes, levou-me ao

campo de pesquisa pela primeira vez. Durante o ano de 2002 percorremos dezenas de cursos

pré-vestibulares em todo o Estado do Rio de Janeiro. Os principais aprendizados que tive

foram sobre o valor do trabalho de campo, os relatos orais e seu registro. O professor Renato

Emerson assumiu uma postura em que não havia relacão sujeito-objeto, mas uma relacão

entre sujeitos de pesquisa.

Com Antônio Espirito Santo (Spirito

Santo) conheci a música e a musicologia,

integrei como aluno-monitor as oficinas de

construção de instrumentos musicais do seu

projeto MusikFabrik, instalado na década de

1990 na UERJ. No Musik Fabrik renovei

meu olhar para a história africana através da

musicologia, e tive acesso às informações

sobre as lutas africanas de independência,

principalmente do regime colonial português

em Angola, Moçambique, Guiné Bissau e Cabo Verde. Entre tantos, os principais exemplos

que tive de Spirito Santo foram à dedicação ao trabalho de pesquisa independente, o holismo

em tratar da cultura e de tudo mais que se refere ao negro e a África, e a fundamental

importância da pedagogia, onde o holismo e a pesquisa independente devem ser aplicados

com muita atenção. Outro elemento muito valorizado por Spirito foi a influencia Bantu na

história, cultura, língua, religiosidade e tecnologia africana trazida para o Brasil.

Nas oficinas de construção de instrumentos musicais do MusikFabrik conheci Abeba

Makeda, cabo-verdiana e estudante universitária no Brasil. Uma jovem muito interessada

pelas lutas contra a colonização e neocolonialismo no mundo africano, ela expressava

abertamente uma grande admiração por Amílcar Lopes Cabral (Abel Djassy), aquele que foi

um dos maiores lideres políticos anticoloniais do Cabo Verde e Guiné Bissau, países

localizados na Costa Oeste africana. Amílcar Cabral fundou em 1956 o PAIGC-Partido

africano da Independência.

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Ao retornar para Cabo Verde em 2006, esta cabo-verdiana trabalhou como assistente

internacional em conferências da Unidade africana (UA), participou de atividades em

associações de mulheres africanas e publicou artigos através da revista YOWLI, um projeto

da organização senegalesa pan-africana de mulheres Áfrican Women Milleniunm Initiative on

Poverty and Human Rights ( AWOMI). Makeda participou da criação de uma associação

comunitária voltada a trabalhos com jovens caboverdianos denominada Waaldé. Desde então

passamos a manter contato via internet.

África-Brasil-África

Após encerrar a graduação em História continuei os trabalhos de militância através de

projetos de educação alternativa em escolas, em comunidades e universidades, organizados

pelo MusikFabrik e do pré-vestibular do Céu Azul, o único trabalho que o Núcleo de

Consciência Negra Lélia Gonzales manteve. Em busca de uma continuidade dos estudos,

consegui uma bolsa de 50% para uma pós-graduação em História da África e do Negro no

Brasil pelo Centro de Estudos Afro-brasileiros da Universidade Candido Mendes - Rio de

Janeiro. Esta oportunidade foi conseguida graças a uma indicação da livraria Kitabu (Rio de

Janeiro) e do comprometimento do prof. Edson Borges, iniciei o curso em 2009.

O programa do curso alertava indiretamente os discentes que temáticas relacionadas

ao Pan-africanismo estavam fora da proposta de ensino de História da África. O Pan-

africanismo é, em síntese, um amplo movimento organizado por africanos e seus

descendentes na diáspora para combater o racismo e o colonialismo, e reorganizar as

estruturas politicas e econômicas africanas devastadas pela exploração sistemática europeia

nos últimos séculos que antecederam o XXI.

Enquanto conceito, o Pan-africanismo surgiu no final do século XIX através de

conferencias e congressos denominados pan-africanos. Nas primeiras décadas do século XX o

Pan-africanismo foi à alavanca impulsionadora das lutas de libertação africana no continente e

na construção de estados independentes. O PAIGC, por exemplo, é, ou foi, um partido

político pan-africano de importância decisiva para as lutas de libertação nacional. Foram os

chefes de Estado e dos movimentos pan-africanos que formularam as propostas de efetivação

de uma confederação de Estados africanos, capaz de tornar a África um continente

autossuficiente. A Organização da Unidade africana, criada em 1963, e lideranças

nacionalistas pan-africanas foram alguns dos maiores incentivadores da confecção da História

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Figura 5: Oficina de Construção de instrumentos musicais realizada na Fundação Amílcar Cabral,

2010.

Fonte: arquivo pessoal (2010)

Figura 6 : Oficina de Construção de instrumentos musicais realizada na Fundação

Amílcar Cabral 2010

Fonte: Arquivo Pessoal (2010)

Geral da África e de uma série de ações para modificação de currículos. Então, por que a

exclusão, no curso de pós-graduação, de um tema tão pertinente para a História da África?

O ensino de História no Brasil é estruturalmente eurocêntrico, comunga com valores

neoliberais racistas, e que acabam por marginalizar grandes movimentos e nomes da

historiografia africana como o senegalês Cheikh Anta Diop, Joseph Ki Zerbo do Burkina Faso

e Walter Rodney da Guiana, todos três militantes de movimentos sociais nacionalistas Pan-

africanos. A própria metodologia Geral de pesquisa para a confeccão da História Geral da

África, formulada por Joseph Ki Zerbo, tem no Pan-africanismo um de seus princípios

fundamentais.

Entre os anos de 2008 e 2009 mantive contato via internet com organizações

internacionais de caráter pan-africano, comecei a elaborar um projeto sobre história da África

e Diáspora e construção de marimbas (xilofones). Com o projeto pronto, em Dezembro de

2010 iniciamos um intercâmbio em Cabo Verde custeado de forma independente pelas

organizações e pessoas envolvidas, dentre as quais a Associação Comunitária Waaldé, a

Fundação Amílcar Cabral, o programa Ritmos Afrocentricos – RA, e eu mesmo, com as

poucas economias que tinha.

No Cabo Verde realizamos este projeto de arte-educação na Ilha de Santiago e

fizemos uma pequena workshop do mesmo na Ilha do Sal. Neste período tive a oportunidade

de fazer apresentações informais sobre a história do negro no Brasil para os participantes do

projeto. Dialoguei com professores, pesquisadores e estudantes, frequentei instituições de

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pesquisa, arquivos e bibliotecas da capital do país. Foi a partir destas vivências que percebi

que os programas, bibliografias e livros didáticos de história (manuais ) utilizados em Cabo

Verde estavam submersos em teorias coloniais racistas, muito parecidas com as do Brasil.

Mas meu visto de três meses já estava por terminar, retornei ao Brasil com a perspectiva de

voltar a Cabo Verde, me instalar de forma definitiva, trabalhar como professor de história e

interferir de forma cnstrutiva neste problema educacional.

No final do ano de 2010 retornei ao Cabo Verde com o apoio de Abeba Makeda e no

inicio de 2011 trabalhei com a Associação Comunitária Waaldé na criação de um programa

educacional denominado Grupo de Trabalho Amílcar Cabral 1956 (GTAC’56), em menção a

Amílcar Cabral e a criação do Partido africano para a Independência de Guiné Bissau e Cabo

Verde (PAIGC) em 1956. O objetivo do GTAC’56 foi realizar atividades de conscientização

política e identidade africana voltadas para um público jovem.

O programa GTAC´56 foi apoiado pela Fundação Amílcar Cabral, Associação de

Combatentes da Liberdade, Ministério da Juventude e pela senhora Ana Maria Cabral, viúva

de Amílcar Cabral e testemunha do seu assassinato no ano de 1973 em Guiné Conacri. A

Fundação Amílcar Cabral nos cedeu espaço para atividades do programa, sua biblioteca e

uma credencial tornando oficial o apoio. O ministério da juventude nos disponibilizou

transporte para atividades externas com os jovens, e a Sra. Ana Maria Cabral deu-me

orientações praticas para a condução do programa.

O primeiro projeto do GTAC’56 foi o Centro Escola do Pensamento africano

(CEPAFRO), que realizou semanalmente um grupo de estudos com jovens estudantes

universitários com os objetivos de estudar escritores do mundo africano, e conhecer

patrimônios culturais africanos, materiais e imateriais. O centro realizou uma formação de

oito encontros distribuídos por quatro semanas e as atividades desta formação resumiram-se a

sessões de vídeo documentário, exposição de livros e debates sobre história da África e

identidade africana, atividades realizadas na Fundação Amílcar Cabral. Nesta formação

ocorreram visitas guiadas a sítios históricos, como Cidade Velha (lugar onde foram iniciados

o processo de tráfico e povoamento do arquipélago de Cabo Verde no século XV), e no

campo de Concentração de Tchon Bom, um aparelho repressor para silenciar movimentos

anticoloniais criado pelo governo português na cidade do Tarrafal.

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Figura 7: Primeiro encontro organizados pelo CEPAFRO, 2011, na Fundação Amílcar Cabral.

Fonte: Arquivo pessoal.

Foto: Abeba Makeda

Figura 8: Visita guiada organizada pelo CEPAFRO ao campo de concentração do Tarrafal, presídio

colonial desativado.

Fonte: Arquivo pessoal (2012)

Em meio às atividades do CEPAFRO consegui uma bolsa de estudos para participar

de um atelier sobre metodologia de pesquisa organizada na Universidade de Cabo Verde pelo

CODESRIA (Conselho para o Desenvolvimento das Ciências Sociais em África). Preparei um

projeto voltado ao estudo qualitativo sobre o ensino de civilizações da antiguidade africana

em Cabo Verde cuja ideia foi inicialmente criticada por caboverdianos e portugueses nascidos

em Angola, participantes do atelier. Os críticos argumentaram que o tema não era relevante,

mas ao mesmo tempo angolanos (professores Nzinga e Coda) e dois dos representantes do

CODESRIA (professores Carlos Cardoso e Elísio Makamo), deram-me total apoio, pois

viram que o tema envolvia questões chave sobre educação, política, relações internacionais e

historiografia.

Somada a minha convicção de que a proposta era pertinente, precisando ser

aperfeiçoada, as criticas e tentativas de desqualificação reforçaram minha intenção de

pesquisar sobre o ensino de história da África em Cabo Verde. Eu acharia estranho se

portugueses e pesquisadores caboverdianos concordassem com uma abordagem sobre as

bases do ensino de história, francamente eurocêntrica. Os caboverdianos sabiam que a minha

presença os denunciava como cumplices de um ensino de história eurocêntrico.

A Waaldé organizou em 2011 uma visita à Guiné Bissau, que se estendeu a Gambia e

Senegal, esta experiência resumiu-se em militância e pesquisa. Em Guiné Bissau fomos

recebidos pela Associação de Jovens Pan-africanos Revolucionários (AJOPAR), que nos

proporcionou a articulação necessária para participarmos em atividades com estudantes,

professores e militantes de movimentos sociais. Realizamos no Instituto Nacional de

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Figura 9: Encontro com integrantes da AJOPAR no INEP em Guiné Bissau

Fonte : Aquivo pessoal

Figura 10: Encontro com secretário administrativo do PAIGC em Guiné Bissau

Fonte : Aquivo pessoal

Educação e Pesquisa (INEP), em Guiné Bissau, pesquisas bibliográficas, e com o apoio dos

professores Mamadu Jau, Imani na Umoja e Augusto Bock fizemos uma pequena palestra

sobre o legado de Abdias Nascimento, falecido no início daquele mesmo ano.

Para os guineenses foi uma surpresa o meu interesse por Amílcar Cabral, pelas lutas

de libertação e pelo ensino de história da África. Segundo Imani na Umoja, idealizador e líder

do AJOPAR, a grande maioria das pessoas do Brasil chega à Guiné Bissau interessadas na

disseminação de credos religiosos, trabalhos acadêmicos e atividades que possam gerar status

ou recursos financeiros para fins individualistas.

Com muitas informações na bagagem, saímos de Guiné Bissau em direção ao Senegal

pelas estradas e rios que cruzam a Gâmbia. No Senegal nosso trabalho foi buscar informações

sobre a vida e obra do historiador Cheikh Anta Diopág. Neste sentido, visitamos o Instituto

Fundamental da África Negra (IFAN), localizado em Dakar-Senegal, e onde Cheikh Anta

Diop trabalhou entre as décadas de 1960 e 1980. Tivemos a oportunidade de fazer

levantamentos bibliográficos na sede do CODESRIA em Dakar. Retornamos a Cabo Verde

renovados e fortalecidos com as experiências vividas.

Posso dizer que a partir dessas oportunidades sentia-me preparado para intervir de

alguma forma neste processo de colonizacão da história africana, algo que se ampliou a cada

conversa com estudantes e professores, a cada fronteira que passávamos e a cada instituição

em que pesquisamos. Os currículos eurocêntricos do Brasil e de países africanos estão

interligados a um mesmo sistema global de dominação e supremacia branca, europeia.

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A (outra) realidade

Diante de toda esta rica experiência em território africano e do conhecimento havia

uma preocupação: Eu estava sem um emprego, sem uma renda regular. Até então, eu vivia em

um dos quartos da casa onde fiquei desde minha chegada em 2010, que pertencia à mãe de

Abeba Makeda e com um donativo simbólico pelas atividades para a Waaldé.

Procurava emprego em Cabo Verde como professor e pesquisador, mas não consegui

absolutamente nenhum sinal positivo, muitas promessas de abertura, e todas as portas do

magistério fechadas. No começo parecia que o problema era não ter títulos acadêmicos, mas

dado o contexto em que graduados de varias partes do mundo darem aula em universidades os

motivos começaram a vira a tona. Sinto que vivi em Cabo Verde uma tripla discriminação,

tudo muito parecido com a realidade brasileira, onde roupas de dilla (tecidos africanos),

cabelos e barba longos e a militância pan-africana, são utilizadas por artistas como adereços

em festas a fantasia em eventos de caráter cultural. Não abri mão do que eu sou e da minha

consciência, e paguei um preço por isso.

Em Cabo Verde eu poderia dedicar-me a arte educação e até trabalhar com músicos

que conheci, mas isso exigia minha total dedicação, e a minha inquietação no campo da

história não permitiu dividir-me, decidi-me pela história. O sistema de contratação que eu

encontrei no país era feito por inscrição de vagas ou indicação, em nenhuma das duas formas

tive sucesso. Eu teria que construir um caminho com toda a criatividade, produção e

perseverança possíveis.

Voltei-me aos conteúdos sobre civilizações da antiguidade africana nos livros

didáticos e programas de história, organizando estudos para mim mesmo sobre a vida e obra

de Cheikh Anta Diop, Joseph Ki Zerbo e Walter Rodney, e esta tem sido, desde então, minhas

escolas. Para estes três autores, muitos dos problemas da formação educacional dos jovens

começam na deturpação da história das civilizações africanas e no apagamento de seu legado

nos manuais de história, sob as quais se manifestava uma espécie de introdução ao racismo

institucional. Nesta linha de abordagem crítica construí meu projeto de pesquisa e cabia-me

encontrar meios financeiros de materializá-la.

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Meios de trabalho

Aperfeiçoei o projeto de pesquisa apresentado em 2011 no CODESRIA, ampliando-o

a uma investigação sobre o lugar das civilizações da Antiguidade Clássica africana em

programas e livros didáticos no Cabo Verde e no Brasil. A Antiguidade Clássica africana é

uma classificação empregada por Cheikh Anta Diop (1989, pág. 43), para designar as

primeiras grandes civilizações do Vale do Nilo, como Antigo Egito e Etiópia.

Resolvi trabalhar Brasil-Cabo Verde como estudo comparado porque, em primeiro

lugar, percebi que havia um problema educacional com a mesma origem dentro das duas

sociedades. Em segundo, porque ter nascido no Brasil me facilitava à candidatura regular para

uma bolsa de mestrado em alguma uma universidade brasileira, que convertida na moeda de

Cabo Verde significava um modesto salário de professor, e no Brasil eu poderia contar com a

casa de minha família.

Circunstância: Ntu

Aguardando a abertura de algum mestrado em Cabo Verde pelo qual pudesse financiar

e orientar esse projeto, li um artigo sobre filosofia Bantu intitulado NTU, escrito pelo

engenheiro, historiador e filósofo Henrique Cunha Jr., professor da Universidade Federal do

Ceará. O professor Henrique Cunha Jr. tinha um vasto histórico nacional de militância no

movimento negro, ao mesmo tempo em que uma carreira de caráter internacional em ciências

humanas e exatas. Identifiquei-me pelo tema inserido na filosofia africana, e por suas

referências bibliográficas e pelo diálogo com George G. James, Theóphile Obenga, Ivan

Sertima, Martin Bernal e Cheikh Anta Diop. Uma abordagem completamente diferente do

que eu estava acostumado a ver no Brasil, tanto pelos escritores racistas quanto pelos

creditados como conscientes.

Entendi que a orientação do prof. Henrique Cunha Jr. seria excelente para o tipo de

trabalho de pesquisa e militancia que eu queria fazer. Comecei a preparar-me para o processo

de seleção do mestrado na Universidade Federal do Ceará, candidatei-me e consegui uma

vaga no processo seletivo de 2012 para ser um dos orientandos do Prof. Henrique Cunha Jr.

Mas haveria ainda uma grande luta pela frente, na verdade uma guerra.

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INTRODUÇÃO ________________________________________________

A história situa-se no centro da sistematização da gestão

científica e cultural da existência dos povos negros.

Penda Mbow

Importante, nossa pesquisa foi de ordem qualitativa e nosso estudo de caráter

preliminar. Por isso, não tivemos a pretensão de atingir altos índices de quantidade de

materiais analisados ou de pessoas entrevistadas. Terminamos o nosso trabalho cientes de que

apenas uma primeira fase se encerrava, ousamos testar na teoria e na prática um estilo de

trabalho cientifico pan-africano, proposto pelas gerações anteriores de historiadores da África.

Podemos dizer que nosso trabalho de investigação é militante em diferentes sentidos:

1) a qualidade do ensino de história africana foi preocupação comum às primeiras gerações de

historiadores da África, lideranças de movimentos nacionalistas; 2) a Metodologia de

Pesquisa Geral proposta por Joseph Ki-Zerbo estrutura-se sob duas colunas fundamentais: o

Pan-africanismo e a Unidade Federal do Continente africano ; 3) durante todo o nosso

trabalho dialogamos com clássicos da história e historiografia africana; 4) realizamos um

estudo comparado entre o ensino de história em dois países, Cabo Verde (África) e Brasil

(América do Sul); 5) não trabalhamos sob a sentença eurocêntrica sujeito-objeto de pesquisa,

mas entre sujeitos da pesquisa; 6) propusemos e colocamos em prática no final do nosso

trabalho alternativas para colaborar com a resolução dos problemas que identificamos no

percurso da pesquisa.

Por isso, afirmamos um posicionamento politico de conhecimento pan-africanista e

estamos comprometidos em dar continuidade a este trabalho, uma vez que o mesmo está

dentro de um plano de militância permanente do se seu autor. Foi por este motivo que

iniciamos nosso trabalho com o tema civilizações africanas da antiguidade clássica, convictos

que o mesmo não pode ser negligenciado, pois é parte decisiva das estruturas dos sistemas

educacionais, do comportamento, da identidade e consciência histórica africana. Para

quaisquer pretensões de revisão ou qualificação de currículos educacionais as civilizações

africanas, seu construto científico e seu legado cultural devem ser considerados. Mas, para o

nosso caso, entendemos que além das revisões, é necessária uma nova estrutura pedagógica de

ensino, baseada em outros valores cujo tema civilizações é uma exigência.

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Esta Introdução Geral foi baseada no meu projeto de mestrado, as alterações sobre o

documento original resultam das leituras, orientação, criticas, trabalho de campo e da defesa

do mestrado. As alterações que não decorrem dos motivos acima citados são consequência

dos avanços da minha própria consciência histórica enquanto investigador, professor e

militante pan-africanista.

i. Interesse pela consciência histórica

A investigação apresentada é sobre o ensino de História da África no qual nosso

campo de análise abrange manuais e programas de história utilizados por escolas em Cabo

Verde e no Brasil cujo foco de atenção são as civilizações africanas da antiguidade clássica,

neste caso o antigo Egito, situado no leste do continente africano. Nossa investigação teve

como parâmetro instrumental, ou referencial, textos clássicos da historiografia africana sobre

metodologia e antiguidade, alguns deles inseridos na História Geral da África (UNESCO).

Em nosso trabalho tratamos por clássicos da historiografia africana documentos

científicos dotados de propósitos libertários reconhecidos por organizações, movimentos

sociais e militantes. Neste sentido, Cheikh Anta Diop, Walter Rodney e Joseph Ki Zerbo são

referências principais para esta pesquisa, pois produziram intensamente, do período agitado

das lutas de libertação nacional africanas, durante a década de 1950, às problemáticas

neocoloniais da globalização do final do século XX. Para estes historiadores, não houve

dicotomia entre o trabalho científico e a militância política nacionalista\anticolonial.

Destacamos algumas convergências entre os teóricos supracitados enquanto elementos

que serviram como base para nossa pesquisa: a militância em movimentos sociais, o apelo à

integração africana, o combate ao racismo, o reconhecimento do legado para África das

civilizações da antiguidade africana, a preocupação com a qualidade de manuais de história, a

valorização da oralidade, a compreensão das consequências do sistema colonial para o

continente africano, a consciência histórica e a identidade africana.

De forma geral, foram historiadores da África que se organizaram para combater a

“colonização da história da África”, tanto no continente africano, quanto em sua diáspora.

Mas, a descolonização da história africana não esteve restrita ao ofício dos historiadores,

envolveram-se também neste processo, lideranças de movimentos de libertação nacional,

associações e instituições de pesquisa. Ao tratar-se da história da África sob o contexto

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nacionalista anticolonial os fatores em questão eram o sentido de construção das sociedades

libertadas, a coesão nacional, a integração de territórios, a identidade e a restauração da

consciência histórica.

A coleção História Geral da África produzida pela Organização das Nações Unidades

para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, entre as décadas de 1960 e 1980 é uma

obra pensada dentro deste propósito de descolonização, nela existem variados e controversos

posicionamentos sobre a história da África, mas mesmo assim, este documento reúne

clássicos da historiografia africana. Dividida em oito volumes, os Livros I e II, sobre

metodologia de pesquisa e história antiga, foram bases importantes para a nossa pesquisa,

pois contaram com a participação decisiva dos historiadores Joseph Ki Zerbo e Cheikh Anta

Diopág. O objetivo desta Introdução é delimitar o conjunto de elementos teóricos,

conceituais, metodológicos que estruturam o nosso trabalho.

ii. Delimitações do campo de pesquisa

O projeto da História Geral da África nasceu durante as décadas de 1950 e 1960, sob

um contexto de forte movimentação de luta anticolonial no continente africano. Kwame

N’krumah do Gana, Amílcar Cabral de Cabo Verde e Guiné Bissau, Julius Neyrere da

Tanzânia, Sekou Turé de Guiné Conacri, Jomo Kenyatta do Quênia e muitas outras lideranças

de movimentos nacionalistas anticoloniais advogaram a criação de escolas capazes de

popularizar a educação e de construir conteúdos programáticos voltados à conscientização e

identidade africana.

Entre o final da década de 1950 e o início dos anos de 1960, a preservação, o ensino e

a pesquisa de História da África foram temas de congressos de historiadores africanos

realizados no Gana e na Tanzânia. A Organização da Unidade africana (O.U.A.) criada no ano

de 1963, em Adis Abeba (capital da Etiópia), por Estados africanos independentes,

influenciou um projeto para confecção de uma obra sobre a história do continente africano

que fosse formulado e financiado, cuja proposta foi à reformulação do sistema de ensino e a

unificação curricular continental, enquanto etapas do processo de descolonização da história

da África.

A partir de 1965, a UNESCO e a O.U.A. patrocinaram a criação de um Comitê

Científico Internacional para a Confecção da História Geral da África. O processo de escrita

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da obra durou mais de vinte cinco anos, contando com a participação de aproximadamente

350 especialistas africanos e não africanos. Entre os cientistas selecionados para formar o

Comitê de redação da História Geral da África estavam Joseph Ki Zerbo do Burkina Faso,

Cheikh Anta Diop do Senegal e Walter Rodney da Guiana, autores de obras importantes para

a historiografia africana, críticos da qualidade dos manuais (livros didáticos) utilizados por

escolas e militantes de movimentos políticos anticoloniais.

A História Geral da África teve seu primeiro lançamento parcial na França, no final da

década de 1970 e foi publicada posteriormente em inglês, francês e árabe, e tiveram edições

resumidas em inglês, francês, árabe, Suahili, peule, haussa, em português, chinês, espanhol,

japonês, italiano e fulani. Os Livros I, II, IV e VI foram lançados no Brasil em português pela

Editora Ática enttre 1981 e 1982.

Durante as décadas de 1970 e 1980 historiadores negros no Brasil criticavam a

tradição historiográfica colonial no país, conduzida pelo que o escritor Clóvis Moura

denominou de intelectuais do sistema escravista. No final da década de 1980, com o apoio do

Ministério da Cultura, um projeto para confecção de uma História Geral do Negro no Brasil

começou a ser confeccionado sob a direção de Clóvis Moura, Décio Freitas e Joel Rufino,

mas o mesmo não foi adiante. No final da década de 1980, com o apoio do Ministério da

Cultura, um projeto para confecção de uma História Geral do Negro no Brasil começou a ser

confeccionado sob a direção de Clovis Moura, Décio Freitas e Joel Rufino, mas o mesmo não

foi adiante.

Esta tradicão historiográfica escravista brasileira (e de intelectuais do sistema

escravista no Brasil) possui uma correspondência com a historiografia colonial, muito

presente no continente africano do século XX e está ligada a distribuição diminuta das edições

da História Geral da África no país, ou a forma de ignorar a existência da obra. Por sua vez,

estes fatores influenciaram o desconhecimento dos autores, instituições e ideias que

fundamentaram a metodologia e as teorias presentes na História Geral da África.

Entre as décadas de 1980 e 1990, a UNESCO realizou três encontros sobre a História

Geral da África: em 1986 em Dakar (Senegal), em 1989 em Nairóbi (Quênia) e em 1999 em

Trípoli (Líbia). A partir destes encontros foi proposta, e aceita, a construção da segunda fase

da História Geral da África, intitulada Uso Pedagógico da História Geral da África (UPHGA)

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que objetivou ampliar a difusão e a utilização pedagógica dos conhecimentos inseridos na

obra.

A participação das organizações do movimento social afro-brasileiro, ou organizações

do movimento negro, na III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial,

Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada na cidade Sul-africana de Durban, entre 30 de

Agosto e sete de Setembro de 2001, serviu de base para criação de politicas públicas de Ação

Afirmativa, direcionadas a população negra no Brasil. A finalidade teórica destas politicas de

ações afirmativas foi compensar as injustiças e discrepâncias sociais vividas pela população

negra em diferentes setores sociais, a começar pelo acesso a educação de qualidade.

A partir de 2002, políticas de ação afirmativa começaram a ser implementadas no país

sendo a primeira delas reserva de vagas para estudantes negros em universidades públicas. No

ano de 2003, o governo brasileiro sancionou a Lei Federal 10639\3 que alterou a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394\96, e o parecer CNE-CP 003-004,

tornando obrigatório o ensino de História e Cultura da África e do Afro-brasileiro em escolas

e universidades de todo o país. Complementar a lei 10639\3, em 2004 foi publicado as

Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para

o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e africana. Este documento indica a pertinência

da vida e obra de Cheikh Anta Diop e das contribuições da ciência e das filosofias ocidentais

do Antigo Egito para o ensino de História da África no Brasil.

A União africana - U.A. (antiga Organização da Unidade africana) realizou um pedido

formal à UNESCO em 2007 para organização definitiva do uso pedagógico da História Geral

da África, objetivando com isto a adoção da História Geral da África como base de um

currículo comum dentro do continente africano. Por conseguinte, a partir de 2009 a UNESCO

e a União africana iniciaram efetivamente a confecção do Uso Pedagógico da História Geral

da África, com a realização de um diagnóstico quantitativo-qualitativo sobre o ensino de

História da África e a utilização da História Geral da África em países africanos. Segundo o

profº. ISSIFOU (2010, pág. 5), um dos coordenadores do diagnóstico e relator do documento

“Estado atual da História Geral da África”), a disponibilidade de exemplares da coleção em

países africanos ainda é mínima.

No Brasil, a lei 10.639/03 e as suas Diretrizes Curriculares Nacionais possibilitaram o

relançamento da História Geral da África no ano de 2010. A edição completa da obra foi

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organizada pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), pela Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), e pelo Ministério da Educação do Brasil

(MEC). Desde então, toda a obra pode ser consultada em acervos digitais da UNESCO ou

adquirida em livrarias. Este relançamento da História Geral da África sinalizou uma

oportunidade de diálogo com autores de difícil acesso em língua portuguesa, como Cheikh

Anta Diop, Walter Rodney, Teophile Obenga, Alexis Kagame, G.Mokhtar, B. A. Ogot,

S.K.B. Asante, B.O.Oloruntimehin e dezenas de outros.

Contudo, o próprio relançamento da coleção e as leis que tornam obrigatório o ensino

da História da África, não são suficientes para enfrentar as tradições eurocêntricas da história

nas perspectivas escravistas e coloniais. Para além do enfrentamento necessário, nossa

ambição é continuar o trabalho dos clássicos da historiografia no campo educacional e de

pesquisa, foi por isso que estabelecemos como marco teórico conceitual as contribuições de

Cheikh Anta Diop e Joseph Ki-Zerbo.

iii. Marco Teórico Conceitual

A afirmativa de que o continente africano é o berço da humanidade é assinalada com

os avanços das pesquisas científicas no campo da antropologia, paleontologia, geologia,

botânica, genética e arqueologia realizada nos últimos oitenta anos. A posição do Planeta

Terra em relacão ao sol permitiu que a intensidade energética dos raios solares fosse

absorvida e ativasse processos de transformação macro e micro biológicos na região

meridional, leste e sul, do continente africano, o mesmo não foi possível na Europa devido à

baixa intensidade de raios solares, uma região dominada por geleiras.

Por motivos geoclimáticos a vida humana no planeta terra iniciou-se na região dos

grandes Lagos, próximo ao atual país Uganda, no Leste africano. Até a década de 1950, os

achados arqueológicos mais antigos da raça humana (Australopitecos africanos), taxado entre

6 e 1 milhão de anos, haviam sido realizados na África do Sul por pesquisadores como

Raymond Dart. A partir destes achados arqueológicos, as regiões da África Austral, Sul e

Meridional, tornaram-se focos de pesquisa de arqueologia e paleontologia.

Nas décadas entre 1950 e 1970, a descoberta de fósseis do homo habilis e do homo

herectus nas mesmas regiões africanas, datados com mais de 1,7 milhões de anos, isolaram o

continente africano enquanto lugar de possível origem da humanidade. No início da década

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de 1970, pesquisas realizadas na Etiópia descobriram hominídeos com cerca de três milhões

de anos. Todavia, duas tendências dividiam as opiniões de cientistas, uma foi a monocêntrica,

baseada na ideia de que em 70 milhões de anos ocorreram em solo africano todas as

transições entre primatas (australopitecos) e os humanos modernos (homo sapiens–sapiens).

Neste sentido, as diferenciações fenotípicas estão associadas a fatores geoclimáticos (Eras

Glaciais) do planeta Terra. Outra tendência foi a policêntrica, em que seus teóricos não

discordavam das evidencias arqueológicas no continente africano, mas defendiam que

migrações fizeram com que o homo erectus habitasse o continente africano, europeu e

asiático, proporcionando que este homo (erectus\ australoptecus) evoluísse de maneira

distinta.

Considero que fica difícil sustentar a poligênese diante o fato de que os mais antigos

fósseis de homo sapiens encontrados na Europa possuem cerca de 40 mil anos, e que em

regiões do Quênia e Etiópia os fosseis mais antigos de homo sapiens-sapiens datam com mais

de 130 mil anos. O homo sapiens europeu também denominado homem de Grimaldi não

possui mais de 40 mil anos e migrou do continente africano para a Europa durante a era

glacial através do istmo de Gibraltar, atual estreito de Gibraltar, a cerca de 50 mil anos. Estes

africanos passaram por um processo de despigmentação e adaptação às condições geofísicas

da Europa durante a Era do Gelo, sob o contexto dos estratos médios do período quaternário.

No final do século XX, escavacões em Hadar, Etiópia, revelaram um fóssil de 52 ossos de

esqueleto de homo sapiens com mais de 4 milhões de anos, nomeado Birkimesh, que significa

você é uma pessoa de valor em amárico.

No último quarto do século XX foi iniciado nos Estados Unidos o Projeto Genoma

Humano, voltado ao estudo da constituição genética total do indivíduo. No ano de 2001

ocorreu o Congresso da Organização do Genoma Humano, que revelou – entre outras

questões, que os europeus modernos descendem de africanos migrados para o norte do

mediterrâneo entre 20 e 25 mil anos. A tese politeísta foi abalada pelos resultados do Projeto

Genoma Humana, e neste sentido, sua fundamentação ideológica racista ficou mais

evidenciada.

Mas não somos inocentes, sabemos que estes avanços na área de pesquisa

arqueológica, paleontológica e genética não interferiram na desconstrução sociocultural do

racismo. O racismo vigora, existe e continua determinando relações culturais, políticas,

econômicas e educacionais em todo o mundo.

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Por isto, consideramos que no contexto da década de 2010, a frase “África berço da

humanidade” é um mero slogan, vazio da força transformadora que emana do conhecimento

verdadeiro, um berço somente não nos satisfaz. Um berço, é uma condição infantil que não

capacita o sujeito histórico africano de ter sido o emérito edificador das primeiras civilizações

complexas como Núbia e o antigo Egito. O sedentarismo e as migrações inter-africanas são

dois aspectos importantes para a compreensão da origem das civilizações a partir da região

dos Grandes Lagos, estas primeiras civilizações constituíram-se como impérios, centros de

peregrinação e conexão entre as cinco regiões do continente africano na antiguidade clássica.

Superamos a condição berço, avançamos sobre o autodesenvolvimento intelectual, a técnica, a

ciência, a sociedade, o Estado e os sistemas jurídicos e econômicos que o compõem.

E é deste ponto fundamental de reorganização do sentido histórico que optamos por

uma teoria da história que respeite as especificidades do tempo e do espaço africano, uma

teoria da história fora do controle ideológico racialista e condicionada a experiência prática,

em hipótese alguma fora dela. Nosso marco teórico conceitual divide-se entre a Metodologia

Geral de pesquisa em História da África, proposta por Joseph Ki-Zerbo, e as teorizações de

Cheikh Anta Diop sobre as civilizações da antiguidade africana clássica (Antigo

Egito\Nubia). Neste trabalho, o continente africano é considerado em sua unidade, a partir de

sua totalidade física, geográfica e cultural. A unidade, neste sentido de totalidade, é a base

nuclear da Metodologia Geral de Joseph Ki-Zerbo.

O historiador Gamal Mokhtar ilustra-nos a importância da metodologia de Ki-Zerbo

dentro do contexto em que foi criada entre as décadas de 1960 e 1970:

Até aqui, costumava-se situar o início da história da África subsaariana no século

XV da Era Cristã, e isso por duas razões principais: a penúria de documentos

escritos e a clivagem dogmática que os historiadores costumam estabelecer

mentalmente entre essa região do continente, de um lado, e o Egito antigo e a África

do Norte, de outro. A despeito das lacunas e insuficiências das pesquisas efetuadas,

este volume contribui para mostrar a possibilidade da existência de uma unidade

cultural do conjunto do continente nos mais variados domínios. (MOKHTAR, 2010,

pág. 862)

A Antiguidade aqui é o período compreendido entre o fim da proto-história no

continente africano, por volta de 7.000 a.C, à decadência de Cartago (Norte da Tunísia ), em

aproximadamente 200 a.C., ocasionada por uma invasão do império romano em 180 a.C.,

que marca o fim de uma grande era da marcha africana sob o planeta Terra. Acontecimento

que na perspectiva de Cheikh Anta Diop foi o precedente para a dominação militar colonial

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europeia no continente africano no século XIX. O general e estadista de Cartago naquela

época era Annibal (247-183 a.C).

As civilizações da antiguidade clássica africana do Vale do Nilo1, como o antigo Egito

e a Núbia, detiveram um grau elevado de auto-desenvolvimento educacional, jurídico,

político, econômico e tecnológico, que as permitiu estabelecer rotas de migração

intercontinental. Estas migrações serviram de base para formação de grandes Estados e

Impérios, como Gana e Nok na costa oeste africana. Podemos citar grandes complexos

civilizacionais africanos na antiguidade e suas correspondências contemporâneas de acordo

com as pesquisas de Cheikh Anta Diop (1987, pág. 213): Núbia-Egito; Uganda-Ruanda-

Burundi; Tanzânia-Quenia-Zaire; Zimbábue-Moçambique; Botswana; Madagascar-Comores;

Namíbia-Zâmbia; Congo-Angola; Nigéria-Camarões; Gana-Burkina-Costa do Marfim;

Senegal-Guiné-Mali; Mauritânia; Marrocos-Tunísia-Argélia; Chade-Líbia. Nossas atenções

estão direcionadas ás civilizações da Núbia e do Egito.

Na antiguidade africana, o Egito localizava-se ao norte do mar mediterrâneo, Sul e

Sudeste entre Núbia e Etiópia, e a Oeste pelo deserto da Líbia. Kemet é o nome vernáculo do

antigo Egito, que e significa “terra de pretos” ou “terra de negros”. As primeiras culturas da

região datam de cerca de 10.000 a.C. e foram elas que configuraram parte significativa do que

veio a ser a civilização do Kemet ( antigo Egito ) no quarto milênio a.C.

De acordo com o pesquisador Asante (1992), a partir da unificação das regiões ao sul e

ao norte do rio Nilo, por volta de 3500 a.C., o império do Egito foi fundado e perdurou até 50

a.C. A periodização do Kemet é composta por 26 dinastias reais subdivididas em períodos de

grande prosperidade (as Três Eras de Ouro) e os Três Períodos de Instabilidade.

Conforme o Dicionário da Antiguidade africana (2004), a Núbia foi conhecida pelos

habitantes do antigo Egito como Ta Seti - Terra do Arco, estava localizada ao redor do Rio

Nilo, no atual Sudão e dividiu-se em: Baixa Núbia - entre as primeira e segunda cataratas do

Rio Nilo; Dongola, após a terceira catarata; Cush, entre a quarta e quinta cataratas, finalizada

por Uauat mais ao Sul do Nilo. Cush foi o primeiro grande Estado da região, e base para a

criação das civilizações de Napata e Meroé. De acordo com Cheikh Anta Diop (1954,

pág.73), a região da Núbia foi o ponto de partida para a construção do antigo Egito e de outras

1 Ver mapa em anexo.

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civilizações e sua relação com o Kemet foi marcada por parcerias equilibradas, trocas

comerciais, relações culturais e momentos de conflitos geopolíticos.

Não utilizamos os conceitos de África Negra e África Branca, uma vez que esta

divisão acaba por atribuir ao imaginário social dúvidas sobre a origem étnicocultural e a

identidade africana dos egípcios na antiguidade. Mas reconhecemos que entre as décadas de

1950 e 1970, historiadores como Cheikh Anta Diop e Joseph Ki-Zerbo afirmaram o termo

África Negra como forma de contradizer os historiadores coloniais que tentavam a todo custo

provar que o norte da África foi primeiramente ocupado por brancos e posteriormente por

Árabes, negligenciando o vestígio de quaisquer civilizações negras africanas. Uma ideologia

racista que construiu-se um mito criminoso de que o norte da África é desenvolvido e o sul

(“subsaariana”) subdesenvolvido.

Obras como Nações Negras e Cultura, de Cheikh Anta Diop, e História da África

Negra, de Joseph Ki-Zerbo, desconstruíram estas falácias através de argumentos

interdisciplinares. As ideologias coloniais serviram para “afastar” o antigo Egito do

continente africano, e foram reforçadas pela ideia aberrante de que o mesmo teve sua origem

na região do Delta, noroeste do continente africano. É nesta seara que a ideia de duas

“Áfricas”, uma negra e outra branca, exclui o continente africano dos processos de

hominização, socialização e civilização como observa Cunha Jr. (2012, pág.2):

Há a necessidade de mudar o caminho até hoje utilizado no ensino de História e que

não é bom para formação ética, moral e cidadã de todos. […]. A principal razão para

o estudo da história africana é que sem ela se torna impossível conhecer bem a História do Brasil. Nesse sentido, entende que o reconhecimento das civilizações

Egípcias e Etíopes da Europa, enquanto base de constituição Greco Romana, é

necessário para ilustração da importância e da bagagem africana trazida para o

Brasil.

O conhecimento científico foi um elemento conceitual importante para nossa pesquisa,

pois, entendemos que no continente africano, por meio da experimentação, dos ofícios, das

técnicas e da ciência, o ser humano desenvolveu invenções como abrigo, roupas, alimentos,

fogo, escrita, medicina e a matemática, por exemplo. Durante a antiguidade africana estes

conhecimentos e experiências científicas ascenderam em diversas partes do continente, com

muito vigor no Vale do Nilo, a exemplo do próprio antigo Egito. O povoamento do Alto Nilo,

próximo a região dos Grandes Lagos, exigiu muitos esforços de sobrevivência e adaptação

por parte de seus primeiros habitantes, ou grupos sociais.

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Em concordância com as orientações do profº. Cunha Jr. (2006, pág.12) substituimos o

conceito de “raça” pelo termo “etnocultural”, e optamos por uma abordagem diversialista dos

grupos sociais africanos . Tal abordagem nos foi importante para a efetuação de analogias

entre os relatos recolhidos dos professores participantes e as análises de materiais ( manuais e

programas/currículos) .

Na metade do século XX, a utilização do termo raça em obras escritas por Joseph Ki-

Zerbo e Cheikh Anta Diop justifica-se por não haver termos mais adequados na época para

distinguir o povo original do continente africano dos povos invasores e/ou colonizadores. Na

obra Nações Negras e Cultura, publicada em 1954, por exemplo, Cheikh Anta Diop defendeu

a existência de uma única raça humana detentora de diferentes ramificações influenciadas

fundamentalmente por questões geoclimáticas, e não por aspectos intelectuais e culturais,

como os cientistas do racismo no século XIX idealizaram. Não menos importante,

trabalhamos com o conceito de consciência histórica definida enquanto:

[...] um reflexo de cada sociedade, e mesmo de cada fase significativa na evolução

de cada sociedade, compreender–se á que a concepção que os africanos possuem de

sua própria história e da história em geral seja marcada por seu singular

desenvolvimento, e de consciência histórica [...]. (ZERBO, HAMA, 2010, pág.23)

Para M. M’Bow (2010) a consciência histórica deve ser “renovada, intensamente

vivida e assumida de geração em geração”, portanto, a consciência histórica em nossa

pesquisa foi dimensionada a partir do sentido que o livro didático e seus conteúdos ocupam

no processo de construção do conhecimento sobre África. Concordamos com o conceito de

memória de Nascimento (1982) que a diz possui um caráter fundamental de coesão grupal. A

partir desta perspectiva, entendemos que o projeto político-pedagógico adotado por livros

didáticos e programas curriculares de história é uma das posições mais determinantes e

influentes para a construção de uma memória sobre África. A relação entre livros didáticos,

programas/currículo e memória foi o que orientou o conceito de consciência histórica no

nosso trabalho.

No contexto da história da África o termo diáspora significa dispersão e subdivide-se

em três momentos. O primeiro, decorre do movimento dos povos africanos para a Ásia no

período da antiguidade. Esta dispersão voluntária difundiu os conhecimentos científicos e

técnicos africanos para o Crescente Fértil e Ásia, onde foram criadas grandes civilizações no

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Azerbaijan, Armênia, Bahrain, Bangladesh, Butano, por exemplo. Em um sentido moderno,

Nei Lopes (2010, pág. 2004) apresenta outros dois momentos da diáspora africana:

O primeiro, gerado pelo comércio de escravos (…) ocasionou a dispersão dos povos

africanos tanto através do Oceano Atlântico quanto do Índico e do mar vermelho,

caracterizando um verdadeiro genocídio (…). O segundo momento ocorre a partir do

século XX, com a imigração, sobretudo para Europa, em direção as antigas

metrópoles coloniais. O termo diáspora serve também para designar, por extensão de

sentido, os descendentes de africanos nas Américas e na Europa e o rico patrimônio

cultural que construíram.

Nei Lopes está correto quando afirma que a diáspora gerou um patrimônio cultural de

ordem material e imaterial e que este patrimônio foi construído e compartilhado entre

africanos e afrodescendentes sob circunstâncias de extrema tensão sociocultural geradas pelo

tráfico de pessoas. Ainda oferece outro elemento, que destacamos, por se tratar da realidade

complexa que envolve o patrimônio cultural, a desafricanização:

[…] se tiram ou se procuram tirar de um tema ou de um indivíduo os conteúdos que

o identificam com a origem africana [...] O processo de desafricanização começava

no continente de origem, com conversões forçadas ao cristianismo, antes do

embarque. Seguia-se a adoção compulsória do nome cristão, bem como do

sobrenome do dono […] Processo psicológico e cultural de desconstrução da

identidade dos africanos e seus descendentes dispersos. A principal estratégia do

escravismo nas américas era fazer com que os cativos perdessem o mais

rapidamente sua condição de africanos […] De qualquer forma a desafricanização da

diáspora é e continua sendo um processo altamente desagregador (LOPES, 2004,

pág. 233).

Entre os séculos XV e XIX nossos ancestrais enfrentaram, resistiram e sobreviveram à

desafricanização através da solidariedade e de uma profunda consciência histórica, elementos

transformados em valores. No final do século XIX com o avanço do sistema colonial de

exploração do continente africano, e da opressão racial na diáspora, lideranças organizadas

em coletivos de ação anticolonial passaram a definir como Pan-africanismo as articulações

políticas de resistência baseadas nestes valores.

No início do século XX, o Pan-africanismo tomou forma de movimento social e

doutrina política através das ações de organizações e movimentos dirigidos por líderes como

WEB Du Bois, dos Estados Unidos e, Marcus Garvey, da Jamaica. O primeiro foi

economista, pedagogo, filósofo e historiador, participando ativamente da Associação

Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor – NAACP. Marcus Garvey trabalhou em ampla

área da militância política, criou cursos, marchas populares, jornais e circuitos comerciais de

produtos. No ano de 1914, fundou a Universal Negro Improvement Association - UNIA.

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Estas representações políticas e intelectuais valorizaram o conhecimento histórico africano

como instrumento de conscientização política e cultural das massas negras de sua época.

Durante os primeiros quarenta anos do século XX, a organização de congressos e

conferências pan-africanistas foram fundamentais para formação de uma ampla rede de

relações políticas e culturais entre diáspora africana e África. Em sua época, WEB Du Bois e

Marcus Garvey foram críticos severos do racismo na diáspora e do colonialismo europeu no

continente africano. E, em essência, possuem muito mais convergências que divergências, a

começar pelo interesse de ambos pela melhoria da qualidade de vida global das populações

negras, e pelo conhecimento histórico enquanto força motriz de conscientização.

No contexto dos conflitos armados e da expansão colonial de Estados europeus na

África, a invasão da Etiópia pela Itália, em 1935, foi duramente criticada por Du Bois e por

Garvey. Naquela época, a Etiópia era governada pelo imperador Tafari Makonen, coroado em

1930 e nomeado Haile Selassie - Poder da Santíssima Trindade, o Rastafari (Cabeça Criadora

– Rei). Haile Selassie foi o general do exército etíope durante luta vitoriosa da nação africana

contra dominação das forças colonialistas de Mussolini, general dos exércitos e presidente da

Itália. A vitória etíope na década de 1930 foi compreendida como signo do nacionalismo

africano e embrião de diversos movimentos anticoloniais que surgiram posteriormente.

As lutas de independência africana das décadas de 1940 e 1960 foram um momento de

renovação para o Pan-africanismo em que líderes e partidos assumiram grandes embates

políticos, assim como organizaram movimentos armados de libertação. Kwame Nkrumah do

Gana e Amílcar Cabral de Cabo Verde e Guiné Bissau foram dois dos líderes de destaque

durante esse período. Kwame Nkrumah pertenceu ao Convention People Party e conduziu

processo politico de independência comprometido com o Pan-africanismo. Amílcar Cabral

fundou o Partido africano da Independência de Guiné Bissau e Cabo Verde – PAIGC, no ano

de 1956, e durante a década de 1960 dirigiu o processo de luta armada contra a dominação

colonial portuguesa em Guiné Bissau e Cabo Verde, derrotada entre 1973 e 1974. Contudo,

foi antes, em 1957, que Gana tornou-se o primeiro país independente da região oeste africana.

Amílcar Cabral e Kwame Nkrumah valorizavam a educação e mais especificamente o

conhecimento de história sobre África, reconheciam a importância do legado das grandes

civilizações africanas para a formação de uma consciência histórica mais ampla que a do

nacionalismo estreito. No início da década de 1960, presidentes de países independentes,

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como o próprio Kwame N’krumah, e Julius Neyrere da Tanzânia, apoiaram a construção de

centros de pesquisa em seus países, incentivaram congressos de historiadores, publicações e

orientaram ideias para elaboração de livros sobre a história do continente africano. Na grande

década das independências africanas, 1960, a história da África passou por um momento

especial de valorização enquanto patrimônio, assumida e afirmada por lideranças politicas e

movimentos sociais como um bem material e imaterial inalienável.

Durante a década de 1960, as escolas do pensamento histórico - de Dakar no Senegal,

de Ibadan na Nigéria e de Dar ES Salaan na Tanzânia, por exemplo - foram aquelas

instituições que reuniram historiadores empenhados na reescrita e descolonização da história

da África. Entre as décadas de 1960 e 1980, a escola de Dakar e de Daar Es Salan

conseguiram congregar historiadores como Cheikh Anta Diop, Joseph Ki Zerbo e Walter

Rodney em seus quadros de pesquisadores e professores. de Dakar no Senegal, de Ibadan na

Nigéria e de Dar ES Salaan na Tanzânia são alguns exemplos

Na diáspora, os movimentos sociais também empregaram à história da África uma

dimensão social de conscientização e combate ao racismo. No Brasil, os denominados

genericamente como movimentos negros produziram materiais didáticos, jornais e minicursos

sobre História da África. Nas décadas de 1980 e 1990 jornais como SINBA (Jornal da

Sociedade de Intercâmbio Brasil África) e a revista Afro diáspora (periódico do Instituto de

Pesquisa e Educação Afro-brasileiro) publicaram matérias sobre as lutas do PAIGC e da

SWAPO (South-West África People's Organisation) da Namíbia.

Alguns militantes do movimento negro do Brasil participaram de congressos

internacionais Pan-africanos, como o de 1974, na Tanzânia, que contou com a presença de

Abdias Nascimento que se dedicou à militância cultural, à manifestações artísticas e às

organizações política em defesa dos direitos do negro no Brasil e no mundo. Entre as décadas

de 1980 e 1990, Abdias Nascimento trabalhou enfaticamente pelo ensino de História da

África, coordenou uma pesquisa pioneira sobre o ensino de Civilizações africanas em escolas

públicas do Rio de Janeiro, e como senador da república, dedicou-se a formulações de leis

para a inserção da história da África no currículo escolar nacional, algo que se materializou

em 2003 através da lei nº. 10.639\3.

O Brasil sediou, no ano de 2006, a II Conferência de Intelectuais Africanos e da

Diáspora - CIAD, que por reunir um vasto número de professores, religiosos, artistas,

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pesquisadores, militantes e ativistas políticos em um mesmo espaço de debate na cidade de

Salvador – Bahia, entre 12 e 14 de Julho, sublinha-se como um evento capital na história da

educação do país. Com o objetivo de projetar ações sobre o tema da diáspora e do

renascimento africano apresenta um debate pautado nas dificuldades do ensino de antiguidade

africana e suas civilizações em uma das mais importantes conferência do evento: “A

contribuição da África para a civilização”.

A polêmica e o entusiasmo gerados pelos palestrantes e pelo tema em si chamaram à

atenção do público negro no Brasil para a emergência do tema civilizações africanas, e das

questões sobre a falsificação da história, denuncia feita por Cheikh Anta Diop na década de

1940. Colocou-se na conferência ser fundamental conhecer e explorar a obra deste autor, em

um sentido paradigmático. Após a promulgação da Lei Federal nº. 10.639, em 2003, e, de

suas Diretrizes Curriculares Nacionais em 2004, a II CIAD foi a primeira grande

oportunidade de diálogo nacional sobre o ensino de história da África e suas civilizações e o

nível crítico deste diálogo realizado na conferência foi da mais alta relevância para o nosso

trabalho.

Como comentamos no início desta introdução, muitos dos clássicos da historiografia

africana permanecem sem tradução, desconhecidos e ignorados pelas academias brasileiras,

isto é um fato. Como um país que se vangloria enquanto um promotor da história da África

sustenta quase que uma total ignorância sobre temas, obras e autores clássicos da história e

historiografia africana? Que ações concretas podem reverter esta situação?

A segunda fase da História Geral da África, intitulada Uso Pedagógico da História

Geral da África, nos serviu com dados importantes sobre o uso da obra no ensino primário e

secundário no continente africano. Em uma pesquisa feita entre 44 países do continente que

apresenta que o índice de utilização varia entre 2,27% e 15, 9 %, ou seja, é praticamente

desconhecida nas escolas africanas. Os dados oferecidos sobre a baixa utilização do material

didático na África auxiliaram-nos com informacões gerais do contexto africano de ensino de

história entre outras informações que trataremos no último capítulo.

Nosso trabalho confirma a importância de uma investigação sobre o lugar do tema das

civilizações africanas em livros didáticos. Na nossa perspectiva, a História Geral da África e o

seu Uso Pedagógico são ferramentas mínimas para mantermos um diálogo entre Brasil e Cabo

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Verde, e a partir deste enfrentarmos desafios comuns no campo do ensino e da pesquisa em

história da África, assim como a confecção de manuais e programas.

Em Cabo Verde encontramos o silêncio sobre o assunto, precedido de críticas veladas

ao Pan-africanismo, e diretamente a Diopág. Entretanto, tivemos a oportunidade de conhecer

o trabalho pioneiro do professor Peter karibe Mendy sobre a influência neocolonial de

Portugal e a ausência curricular da obra de Cheikh Anta Diop nos conteúdos curriculares de

países como Cabo Verde e Guiné Bissau, suas ex-colônias. Durante a nossa pesquisa de

campo em Cabo Verde encontramos fatores alarmantes sobre as condições-conteúdos do

ensino de civilizações africanas, e como no Brasil, revelou-nos uma das únicas reais e

possíveis colunas de mudança no ensino de história da África, a dedicação de professores

conscientes.

No Brasil, o historiador Muryatan Santana Barbosa, no ano de 2012, defendeu pelo

departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da

Universidade de São Paulo a tese de doutorado “A África por ela mesma: a perspectiva

africana na História Geral da África (UNESCO)”. Sua tese parte do principio do que ele

denomina de “perspectiva africana da Coleção História Geral da África” e seu estudo propõe

uma análise sobre a história institucional do projeto que originou a obra.

A pesquisa de Muryatan é a primeira integralmente dedicada à coleção, mas em nossa

perspectiva a História Geral da África deve ser mais explorada, principalmente sobre um

olhar crítico militante. Não podemos ser inocentes sobre a existência de unicidade de um

pensamento africano entre mais de trezentos e cinquenta autores da coleção, de diferentes

continentes, formações e escolas. Se foi importante para o projeto da História Geral da África

em 1964 objetivar a descolonização da história africana, e este objetivo não foi atingido, não

será mais a coleção a única forma capaz de enfrentar este problema cinquenta anos depois.

Acreditamos que uma pesquisa de caráter pan-africanista possa nos dar condições

iniciais, ou preliminares, de compreender problemáticas inerentes ao ensino da história das

civilizações da antiguidade africana no Brasil e em países africanos. É então a partir desta

exposição crítica que determinamos questões que puderam orientarr os nossos objetivos com

a pesquisa.

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iv. Questões da Pesquisa

1) Sob que aspectos da lei 10.639/3 as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino

de história e cultura africana e afro-brasileira influenciaram mudanças teóricas e

metodológicas sobre o lugar do antigo Egito em livros didáticos e programas de história no

Brasil?

2) Qual o lugar da história das civilizações africanas nos livros didáticos utilizados em

Cabo Verde e Brasil?

3) Qual proposta pode ser inicialmente um caminho educacional pan-africano para

resolução dos problemas encontrados durante a pesquisa?

v. Objetivos

O objetivo geral desse projeto de pesquisa foi identificar o lugar que o antigo Egito,

enquanto civilização da antiguidade clássica, ocupa em programas/currículos e em livros

didáticos (manuais) de ensino de história, no Ensino Médio de escolas brasileiras e em nível

de ensino correspondente (Ensino Secundário) nas escolas cabo-verdianas.

Os objetivos específicos desta pesquisa foram: 1) fazer uma análise crítica sobre a

localização das civilizações africanas da antiguidade nos livros didáticos brasileiros e

caboverdianos; e 2) propor os princípios fundamentais de uma pedagogia que auxilie o ensino

de temas e abordagens sobre civilizações africanas na antiguidade clássica.

vi. Metodologia

Esta pesquisa possui uma abordagem qualitativa, pois converge com a perspectiva

interpretativista da pesquisa social-histórica e com os procedimentos de entrevistas semi-

estruturadas. A metodologia escolhida é a Metodologia Geral de Pesquisa, formulada por

Joseph Ki Zerbo (2010), a seguir comentamos seus principais conceitos e características .

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A Metodologia Geral de Joseph Ki Zerbo define-se por quatro grandes princípios,

sendo o primeiro de interdisciplinaridade, base de sustentação para o diálogo entre diferentes

fontes de conhecimento e disciplinas, exemplificada pelas tradições orais, economia,

arqueologia, linguística, química, botânica, biologia, arte, geografia, cartografia e outros. O

segundo princípio é o da perspectiva interfricana, em que busca uma história completamente

inserida em valores africanos e na consciência de uma personalidade própria e independente.

Neste princípio a localização de um referencial africano para as experiências dos povos

africanos, em que se exige que a história da África seja concebida a partir de seu conjunto, da

origem em comum de valores, culturas e povos, interações ocorridas através de intercâmbios

milenares de bens materiais e espirituais entre regiões do continente africano (ZERBO,

2010).

O terceiro é o da consideração ao conjunto da história dos povos africanos, evitando

assim a fragmentação política e geográfica forjada pelas fronteiras coloniais. Nesse sentido,

Zerbo (2010) ressalta a relevância dos estatutos da Organização da Unidade africana – OUA,

para a Metodologia Geral. A OUA foi criada em 1963 por países africanos independentes na

cidade de Adis Abeba, na Etiópia e seus estatutos prezavam pela libertação das regiões

dominadas por países europeus e pela unificação política, econômica e administrativa das

cinco regiões do continente africano (Centro, Oeste, Sul, Leste e Norte) e suas ilhas. O quarto

princípio proposto é o de uma história dedicada e situada sobre tríplice: civilizações,

instituições e estruturas africanas em que o investigador defende que a história é um

elemento patrimonial nacional africano de valor inestimável e de merecida atenção política.

Viver sem história é ser uma ruína ou trazer consigo as raízes de outros. É renunciar

a possibilidade de ser raiz para outros que vêm depois. É aceitar, na maré da

evolução humana, o papel anônimo de plâncton ou de protozoário. É preciso que o

homem de Estado africano se interesse pela história como uma parte essencial do

patrimônio nacional que deve dirigir, ainda mais porque é pela história que ele

poderá ter acesso ao conhecimento dos outros países africanos na ótica da unidade

africana. (ZERBO, 2010, pág. LVII)

Sob esta orientação do Quarto Princípio proposto por Joseph Ki-Zerbo , organizamos

o trabalho de campo sob três categorias estruturais de análise : 1) Civilizacional: o Antigo

Egito e a Núbia , 2) Institucional: as escolas visitadas no Brasil e em Cabo Verde e 3)

Estrutural: configura-se nos programas e livros didáticos (manuais) de história analisados.

A partir destas três categorias estabelecemos contatos com professores através de entrevistas

ou atividades nas escolas; analisamos programas e livros didáticos cedidos por professores;

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realizamos analogias entre os materiais coletados no Cabo Verde ( cidade da Praia e St.

Catarina) e Brasil ( Fortaleza), entre os anos de 2012 e 2013.

Recolhemos para análise dois tipos de materiais em Cabo Verde e no Brasil, livros

didáticos (manuais) e programas de história, utilizados em séries, ou anos, em que as

civilizacões da antiguidade são parte do conteúdo. Determinamos seis categorias para a

análise temática dos livros didáticos e programas: 1) Estrutura do livro; 2) Geografia africana;

3) Origem e Povoamento do antigo Egito; 4) Cronologia da História do Antigo Egito; 5)

Conhecimento Científico produzido pelas civilizações africanas; 6) Referências Bibliográficas

da História Geral da África.

No Cabo Verde analisamos três livros didáticos (manuais) utilizados na 9ª serie do

ensino secundário e um programa geral dos conteúdos referentes a história antiga, tema

inicial da 9ª série, ou 9º ano. No caso brasileiro, analisamos um programa e dois livros

didáticos de história do primeiro ano do Ensino Médio utilizados em escolas da rede publica

de ensino em Fortaleza.

Em Cabo Verde realizamos entrevistas com nove professores da 9ª série do Ensino

Secundário, e recolhemos programas e livros didáticos ( manuais) para análise. No Brasil

realizamos uma série de três palestras com estudantes do ensino médio sobre a temáticas

civilizações africanas e conhecimento científico. Em Fortaleza fizemos um encontro com

professores sobre a utilização da História Geral da África e a Lei Federal 10639-3.

Acompanhamos o cotidiano de trabalho no Brasil de um dos professores colaboradores da

pesquisa durante o segundo semestre e 2012.

vii. Estrutura da Dissertação

Dividimos a dissertação em três partes: Pan-africanismo; Historiografia; e Educacão.

Na primeira parte abordamos os momentos do desenvolvimento histórico e social do Pan-

africanismo, seus valores e suas estruturas de pensamento politico. Nossa teoria central é que

o Pan-africanismo influenciou movimentos nacionalistas anticoloniais, a valorização

patrimonial da história da África, Escolas de pensamento e a própria historiografia africana

sobre civilizações e antiguidade clássica.

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O segundo momento, trabalhamos sobre as iniciativas de reescrita da história das

civilizações africanas a partir dos trabalhos de Cheikh Anta Diop, Joseph Ki Zerbo e Walter

Rodney. Abordamos nesta parte a relação entre a criação da Organização da Unidade africana

em 1963, o projeto de confecção da História Geral da África em 1964 e os desafios

enfrentados por historiadores da África.

A terceira e última parte desta dissertação apresentamos algumas similaridades entre

Cabo Verde e Brasil sobre educação, ensino de História e identidade. Apresentamos o

trabalho de campo (entrevistas\análise de materiais), recomendações gerais para superacão do

que identificamos como problemas e os princípios fundamentais da nossa proposta

denominada Pedagogia da Unidade.

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PARTE I PAN-AFRICANISMO_____________________________________________

Capítulo 1: PAN-AFRICANISMO: AÇÃO, CONCEITO E AUTO-

DESENVOLVIMENTO

O Pan-africanismo é um movimento social com características políticas, econômicas e

culturais. Enquanto ação, fez frente às agressões sofridas pelas populações africanas e da

diáspora, entre os séculos XV e XX, período conhecido como holocausto africano - Maafa, no

idioma Swahili. O conceito de Pan-africanismo surge no final do século XIX com o advento

de conferências internacionais organizadas na diáspora e no continente africano por iniciativas

nacionalistas de caráter anti-colonial que ampliaram o sentido ideológico do conceito.

Sublinhamos que alguns dos valores estruturais do Pan-africanismo, como a solidariedade, a

identidade e a consciência histórica estão intrínsecas as experiências milenares de formação

dos primeiros Estados africanos durante a antiguidade.

É neste bojo que elaboramos uma periodização do Pan-africanismo em quatro fases

referentes ao seu auto-desenvolvimento histórico e social:

1ª Fase de resistência e luta contra sistema europeu de tráfico de africanos

escravizados e colonialismo entre os séculos XVI \XIX;

2ª Fase de organização ideológica de movimentos nacionalistas de libertação entre

as décadas de 1900\1920;

3ª Fase de ascensão dos movimentos e partidos políticos nacionalistas no continente africano, assim como a projeção de uma confederação continental entre as décadas

de 1930 \1950;

4ª Fase de independências nacionais, construção da Organização da Unidade

africana, Golpes de Estado, e avanço do neo-colonialismo entre as décadas de 1960

\1980.

Neste capítulo nossos objetivos são: desenvolver ideias referentes as duas primeiras

fases do auto-desenvolvimento histórico-cultural do Pan-africanismo, e destacar o lugar do

conhecimento histórico nas perspectivas de militantes anti-coloniais na virada do século XIX

e metade do século XX. Entre os militantes deste período destacamos Antenor Firmin,

Edward Wilmot Blyden, WEB Du Bois e Marcus Garvey. O capítulo está dividido em três

momentos, o primeiro de redefinição histórico conceitual do Pan-africanismo, e o segundo

sobre o caráter pan-africano no pensamento político de lideranças de movimentos sociais na

diáspora africana no início do século XX.

No terceiro momento, tratamos de fatos históricos do nacionalismo africano e das

articulações internacionais organizadas na forma de congressos pan-africanas. Nosso diálogo

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geral neste capítulo foi realizado com os pesquisadores Henrique Cunha Jr., Molefi Kete

Asante, Joseph Ikinori, Kabenguele Munanga, Maria Beatriz Nascimento, Joseph Ki-Zerbo,

Maulana Karenga entre outros.

1.1. Pan-africanismo redefinido

Concordamos com a perspectiva do prof. Molefi Kete Asante de que uma das

operações mais importantes para a compreensão global do Pan-africanismo é a

descentralização dos Estados Unidos como seu lugar de origem:

Nós não podemos discutir o Pan-africanismo, sem a referência afro-americana em

um sentido geográfico. Por Afro-america queremos dizer o domicílio das pessoas de ascendência africana nas Américas. Nossa preocupação não é apenas com os

Estados Unidos, mas inclui o Brasil, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, México,

América Central e Índias Ocidentais. Mais de40% de africanos do novo mundo

vivem no Brasil, 37% vivem em Estados Unidos [...] (ASANTE, 1988, pág. 62).

É neste sentido que abordamos a primeira fase de Pan-africanismo, ou as raízes do

Pan-africanismo enquanto movimento social entre os séculos XV e XIX. Este período refere-

se inicialmente a um contexto histórico de desafricanização, marcado por ações de luta pro-

ativa contra o sistema europeu de escravização e tráfico de africanos. Os conflitos de

resistência ao tráfico ocorreram em regiões portuárias dentro do continente, a bordo dos

“navios negreiros”, e nas terras do denominado Novo Mundo (Américas). Fora do continente

de origem, africanos formaram micro-estados dotados de complexas estruturas políticas,

denominados quilombos, palenques ou cumbes, dependendo da região.

1.2. Uma era de grandes combates

O pesquisador Joseph Inikori em sua obra “Migrações Forçadas. O impacto da

exportação do trabalhador escravo em sociedades africanas” (1982 apud M’BOKOLO et AL.,

2009) construiu condições historiográficas para estudos sobre perdas de navios motivadas por

rebeliões na costa africana.

Entre 1680 e 1807 foram registradas 1052 perdas de embarcações, dentre as quais

17,9% (188) por motivos desconhecidos, e 17,7% (187) devido a ações empreendidas por

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africanos dentro e fora dos navios. Nas Zonas costeiras ocorreram diferentes tipos de revoltas,

as de maior destaque foram promovidas por embarcados, como em 1763 no navio inglês

Industry, próximo à Costa do Ouro (atual Gana). Populações se manifestaram contra as

embarcações, a exemplo das interceptações dos navios ingleses Nancy e Annde, atacados na

Costa da Guiné. Na maioria destes casos, as tripulações das embarcações eram exterminadas

ou conduzidas a trabalhos forçados.

A desafricanização da diáspora instalou-se como uma rede de trabalho forcado em

regiões da Costa Oeste africana, sul, leste e oeste da Europa, e em maior escala em todas as

Américas. A partir do século XVI, Brasil, Cuba, México, Porto Rico, Honduras, Guatemala,

Peru, Jamaica, Argentina, Venezuela, Colômbia, México, Estados Unidos passaram a receber

contingentes de africanos sob o regime escravista. Desde os primeiros anos de chegada (dos

que sobreviveram às guerras de captura, a falta de alimentos, epidemias e toda a

desumanidade do processo de travessia no Oceano Atlântico), muitos dos escravizados

conseguiram canalizar seu intelecto, energias físicas e criativas na formação de micro-estados

capazes de reconstituir instituições e culturas africanas fora da África.

O Brasil foi a região das Américas que mais recebeu africanos escravizados, e onde o

regime escravista durou mais tempo. Os quilombos, ou mocambos, exerceram uma

implacável tensão sobre o regime, existiram dezenas de centenas de quilombos espalhados por

regiões do país, como os de Laranjeiras e Itabaiana em Sergipe, Cachoeira, Cabula e Urubu na

Bahia, Jabaquara e Moji Guaçu em São Paulo, Mazagão no Amapá, Preto Cosme no

Maranhão, Chico Rei em Vassouras (Rio de Janeiro) e muitos outros. O pesquisador Clóvis

Moura identificou (1972, pág. 90) pelo menos sete tipos de quilombos: agrícolas,

mineradores, mercantis, pastoris, serviços, extrativistas e militares.

A palavra quilombo (kilombo) tem origem nas línguas Bantu, mais especificamente no

umbundu dos Ovimbundu, que integra uma esfera social de outros povos como Lunda,

Mbundu, Kongo e Imbangala, espalhados nas regiões que hoje são atual Angola e Zaire. O

professor Kabenguele Munanga (1996) define os quilombos em África como uma instituição

sociopolítica e militar resultante das migrações de povos nômades e guerreiros, que formaram

verdadeiros Estados durante os séculos XVI e XVII. Na perspectiva do prof. Munanga, o

amadurecimento político dos quilombos no continente africano foi o seu perfil trans-etnico e,

entre outras características relacionadas à filosofia e cosmo-visão Bantu, que influenciaram

diretamente a religião, arte, economia e cultura dos quilombos.

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Ao mesmo tempo, Kabenguele Munanga e a historiadora Maria Beatriz Nascimento

convergem na percepção de uma continuidade institucional entre os quilombos na África e no

Brasil dos séculos XVI e XVII. No Brasil, devido à predominância de populações de regiões

Bantu, os quilombos organizados por africanos e seus descendentes mantiveram

características estruturais desse grupo, sem deixarem de ser transculturais estabeleceram

oposição ao regime escravista através da implantação de outra estrutura política e conômica,

baseadas na justiça e dignidade humanas.

Na perspectiva de Maria Beatriz Nascimento (2009, pág. 71), os quilombos geraram

uma série de princípios políticos, culturais e ideológicos fundamentais para a conscientização

histórica da população negra na sociedade brasileira colonial. Durante todo o período de

colonização os quilombos instalaram-se fora do nascente perímetro urbano, e foram alvos de

seguidas investidas do exército imperial. O Quilombo dos Palmares foi um dos mais

emblemáticos do período, situado na Serra da Barriga em Pernambuco, região norte do atual

Estado brasileiro, sua população girava em torno de 3000 habitantes, maioritariamente de

origem Congo.

A história deste quilombo começa no século XVII, estendendo-se em séculos de luta

por soberania territorial. Palmares era formado por uma confederação de quilombos, o que

permitiu ao mesmo deter uma interdependência de atividades de pecuária, cerâmica,

agricultura, engenho de açúcar e farinha entre outras. As lideranças mais populares de

Palmares foram Nganga Zumba e Zumbi, ambos com conhecimentos militares,

administrativos, dotados de grande capacidade de mobilização e mediação de conflitos.

De forma geral, as experiências antiescravistas vividas pelas populações africanas

escravizadas no Brasil, Jamaica, Colômbia e outras regiões das Américas foram maximizadas

pela revolução do Haiti, iniciada no século XIX. Um elenco magistral de lideranças participou

desta revolução, dentre os quais Jean François, George Biassou, Toussanint L’overture, Jean

Jacques Dessalines entre dezenas de outros. A revolução haitiana foi marcada por levantes

populares, e terminou com a derrubada do regime escravista em 1804, momento em que a

população europeia que administrava o regime escravocrata na ilha foi expulsa, a partir de

então foi proclamada a república independente proclamada pelos revolucionários.

A revolução do Haiti desencadeou uma série de ações de ruptura e tentativas de

guerras pela libertação de escravizados nas Américas, tornando-se uma referencia de

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Figura 11: Antenor Firmin

Fonte : www.afrocentricite.com

resistência para a diáspora ou de temor para países imperialistas. A expansão simbólica e

cultural da revolução haitiana nas Américas chegou ao Recife, região norte do atual Brasil,

durante uma insurreição popular comandada pelo líder Emiliano Mandacaru, que inspirado na

revolução haitiana escreveu um manifesto referindo-se a Henri Cristophe, um dos lideres

haitianos. Abdias Nascimento destaca o seguinte trecho poético do manifesto escrito por

Emiliano Mandacaru no seu livro O Quilombismo (MOURA, 1972, pág. 106 apud

NASCIMENTO, 2001, pág. 66):

Qual eu imito Cristóvão

Esse imortal haitiano

Eia!Imitar seu povo

Ó meu povo soberano!

No século XIX foi criada no Brasil a expressão “haitianismo”, para designar

iniciativas e ações antiescravistas protagonizadas por africanos. Na revolução haitiana a

religião Vodu teve um papel fundamental de mobilização e conscientização social. De acordo

com o historiador John Henrique Clarke (1991), a revolução do Haiti possuía um caráter

estrutural popular, sendo capaz de constituir uma escola de pensamento intelectual sobre a

resistência ao imperialismo e a união entre povos de

ascendência africana. Um dos líderes da revolução

em 1805, Jean Jaques Dessalines, chegou a

oferecer cidadania haitiana a todos os afro-

descendentes interessados em colaborar na

reconstrução do país.

No final do século XIX, o presidente do

Haiti M. Geffrard apoiou o trabalho do advogado

haitiano Antenor Firmin, escritor exímio que

refutou sistematicamente as ideologias racistas

sobre uma pseudo inferioridade intelectual, física

e cultural de africanos, sustentadas entre outras, pela antropologia colonial europeia. Na

década de 1880, Antenor Firmin publicou a obra De L’Égalité des Races Humaines (Da

Igualdade das raças humanas), uma resposta ao francês Arthur de Gobineau, teórico da

inferioridade racial negra, apologista do racismo anti-africano e autor de Essai sur L’inégalité

des races humaines (Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas) publicado

originariamente em 1856.

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Para Antenor Firmin, no início do século XIX as teses sobre inferioridade e

superioridade racial serviam apenas para desagregar africanos do continente e da diáspora, ou

para justificar a exploração econômica coordenada por Estados europeus. Refletindo sobre o

impacto da Revolução do Haiti na diáspora, Firmin alegou que (FIRMIM, 2003, pág. 204):

Não há nenhuma diferença fundamental entre o negro da África e do Haiti. Recuso-

me a compreender que, quando se fala da inferioridade da raça negra, a alusão tenha

mais alcance contra o primeiro do que contra o segundo […] do mesmo passo, essa

independência (haitiana) mudou o regime econômico e moral de todas as potencias

europeias detentoras de colônias, e a sua realização pesou também sobre a economia

interior de todas as nações americanas que mantêm o sistema da escravatura.

Em Da Igualdade das raças humanas, Antenor Firmin defendeu a tese de uma única

raça e espécie humana, descartando qualquer tipo de hierarquia e desigualdade inerente às

características fenotípicas africanas. Firmin defendeu que a hierárquica entre raças era apenas

uma ficção pseudo-científica, inserida em uma concepção universalista da história da

humanidade onde os africanos não teriam possuído experiências civilizacionais e culturais

relevantes para a história da humanidade. Neste sentido, Firmin elaborou teses sobre o

percurso histórico e civilizacional africano afirmando que (FIRMIN, 2003, pág. 182):

O Egito era um país de negros africanos, a raça negra foi a primogênita de todas as

raças no percurso da civilização; é ela que se deve o primeiro brilho do pensamento,

o primeiro despertar da inteligência na espécie humana. […] Terá a raça negra ainda

um dia a oportunidade de exercer um papel de superioridade na história do mundo,

retomando o facho que empunhou nas margens do Nilo e com que a humanidade foi

iluminada nos primeiros vagidos da civilização? Creio ter provado que nada lhe falta

para atingir esse fim .

De Légalité des races humaines de Antenor Firmin foi publicado em meio a

organização da Conferencia de Berlin, cujo objetivo foi dividir oficialmente as fronteiras de

exploração do continente africano pelas potencias europeias imperialistas. O Sr. Firmim

pensou o Haiti e civilizações como a do antigo Egito enquanto exemplos de desconstrução

dos mitos raciais, mas não só, ele também interpretou o sentido histórico do conteúdo destas

experiências para a organização e resistência africana dentro do contexto colonial do século

XIX.

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1.3. Organizações, Integração e Resistência

No continente africano do século XIX ocorreram importantes experiências de

expansão e integração regional através da cultura, política, militarização e economia. Entre as

experiências de expansão e integração, Joseph Ki Zerbo (1972, pág. 59) sublinha algumas das

mais importantes. As coordenadas por Chaka Zulu na África do Sul, por Samori Touré no

antigo Mali, o elevado expansionismo islâmico de Usman Dan Fodio no Niger, Chad e Sudão

Central, a política baseada na preservação coletiva difundida por El Hadj Omar Tall do

Sudão, e a defesa da soberania de Menelike II da Etiópia.

Joseph Ki Zerbo (1972) compreende que tais experiências de integração africana

foram uma convergência de interesses entre a construção de vastos reinos políticos, capazes

de transcender os particularismos. Estas movimentações eram formas de definir um

posicionamento frente ao perigo eminente do avanço europeu sobre as fronteiras do

continente. Um dos maiores obstáculos para concretização das experiências de integração foi

a carência de meios técnicos militares, e inexistência de unidades políticas consistentes.

Complementar a análise de Joseph Ki-Zerbo, para o historiador Walter Rodney (1975) o

impacto do comércio de escravizados sobre a juventude (massa criativa) e o bloqueio europeu

de informações tecnológicas dificultaram a integração duradoura entre zonas comerciais da

costa oeste africana, além de outras conseqüências drásticas para toda a África.

A partir da década de 1840 as tentativas africanas de integração regional receberam o

impacto implacável das missões cristãs religiosas. A penetração de missões religiosas no

interior do continente possibilitou a comunicação via telégrafo, este fato viabilizou o envio de

dados estratégicos para a instalação militar e administrativa colonial. O historiador G.N.

Ozoigwe (2010) observa que durante a década de 1870 ocorreram conferências promovidas

por Bélgica e Portugal, e posteriormente por França e Reino Unido, para a criação do Estado

Livre do Congo pelos Belgas, e anexados territórios moçambicanos à Portugal.

Até a década de 1880 cerca de 80% do continente africano estava sob controle

africano. Com o propósito de organizar áreas de exploração do território africano, Itália,

França, Alemanha, Portugal, Holanda, Inglaterra, Bélgica e Espanha organizaram a

Conferência de Berlin, ocorrida de 1884 a 1885.No final desta Conferencia foi elaborado um

documento oficial de partilha colonial do continente africano denominado Tratado de Berlin .

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O continente africano passou por quatro séculos de ataques militares europeus, que

geraram um processo permanente de enfraquecimento de fronteiras, possibilitando a perda de

soberania territorial para Estados e Nações estabelecidos. Neste sentido, as ações imperialistas

da França foram decisivas para a derrubada de Estados liderados por chefes como Lat Dior no

Senegal em 1883, do Soninke durante a campanha de Taiba Kouta em 1887, Machemba no

Tanganica, Hendrik Witboi na Namíbia, e a total desintegração do reinado da Rainha

Ranavalona de Madagascar em 1897.

Destacamos a posição de lucidez do chefe Wogobo Naba, do Ouagadugu (atual

Burkina Faso), em 1895, durante diálogo com um europeu sobre o imperialismo francês, uma

ocasião que ilustra a situação da época (BOAHEM, 2010, pág. 4):

Sei que os brancos querem me matar para tomar o meu país, e, ainda assim, você

insiste em que eles me ajudarão a organizá-lo. Por mim, acho que meu país está

muito bem como está. Não preciso deles. Sei o que me falta e o que desejo: tenho

meus próprios mercadores; considere-se feliz por não mandar cortar lhe a cabeça.

Parta agora mesmo e. Principalmente, não volte nunca mais.

No ano de 1890, Bruxelas foi palco de uma convenção internacional, onde países

europeus se comprometeram a não vender armamentos e conhecimentos de engenharia bélica

à Estados s africanos, como no caso da metralhadora Gatling e Maxim de Lugard. Mesmo

assim, alguns territórios africanos como o Daomé conseguiram conduzir as lutas de

resistência durante mais tempo, graças à confecção de armas artesanais. Além da dificuldade

de armamentos, um dos maiores desafios da resistência militar africana foi ultrapassar as

fronteiras arbitrárias criadas pelo colonialismo, fator que dificultava a mobilização

anticolonial.

A Etiópia, sob o governo de Menelike II e com poucas pretensões expansionistas, se

estabeleceu como território integrado e soberano durante toda segunda metade do século XIX.

O Estado etíope conseguiu defender sua soberania e manter o colonialismo fora de suas

fronteiras através de uma concatenação entre solidariedade, resistência cultural e consciência

social. Ao contrário do que vinham acontecendo panoramicamente no continente africano, os

etíopes estabeleceram uma série de parcerias diplomáticas e cooperações internacionais com

Itália e França no final do século XIX, relações perigosas que se desvelariam como grandes

armadilhas políticas.

A prosperidade e esperança social materializaram-se na sociedade etíope através da

fundação da cidade de Adis Abeba (Capital), da construção de pontes, implantações de

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Figura 12: Menelik II

Fonte : http://ethiograph.com

Fonte : www.afrocentricite.com

sistemas fiscais, aberturas de estradas de ferro e instalações de linhas telegráficas, a “parceria

com países europeus foi utilizada para estes empreendimentos”. Entretanto, paulatinamente a

política de cooperação internacional revelou-se como uma estratégia de dominação. Italianos

começaram a ocupar o mar vermelho, e em 1870 ocorreram confrontos militares entre

italianos e etíopes na região de Dogali, onde os etíopes saíram vitoriosos.

A oposição de Menelike II contra o avanço da dominação europeia não se restringia à

soberania da Etiópia, mas sim a totalidade do continente africano. Menelik II que afirmava

não ter: […] a intenção de assistir de braços cruzados à chegada das potencias europeias de

além-mar com a intenção de dividir entre si a África (ZERBO, 1972, pág. 62)

Inevitavelmente, o avanço colonial

fragilizou as relações diplomáticas e políticas

entre Etiópia e países europeus, os apoios

prestados a obras de infra-estrutura eram ações

para o enfraquecimento e ocupação do território

etíope. No inicio da década de 1890 Menelik II

descobriu que a Itália falsificou acordos sobre as

fronteiras, desde então o soberano etíope não

poupou esforços para enfrentar o exército italiano

que avançava sobre as fronteiras, entre 1894 e

1896 ocorreram confrontos militares em território

etíope. Ingleses e franceses apoiaram

incondicionalmente este plano de invasão italiano

à Etiópia.

A tentativa italiana de colonização do território etíope foi frustrada na região de

Adowa. Sob comando militar e logístico de Menelik II e da Imperatriz Taitu o exército etíope

conseguiu mobilizar e centralizar etíopes e outros povos circunvizinhos em guerras de

guerrilha. As táticas de guerrilha e conhecimento do terreno determinaram o fracasso italiano

em Adowa, que se tornou rapidamente um exemplo de resistência para diversas outras regiões

do continente africano e da diáspora. O governo haitiano, por exemplo, enviou uma missão

diplomática para Adis Abeba no inicio do século XX, a fim de prestar solidariedade e

compreender os esquemas estratégicos da vitória etíope.

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No final do século XIX a comunicação entre africanos e negros na diáspora ficou mais

dinâmica, isto foi viável pela ampla divulgação da imprensa e avanço tecnológico de

embarcações a vapor, mas principalmente pelo aumento do nível de consciência e identidade

africana dos dois lados do Oceano Atlântico. Na ilha de Cuba Emmanuel Wilians George

criou em 1892 a União africana e seus Descendentes, uma linha marítima cujo objetivo foi

promover o retorno de africanos e afrodescendentes ao continente de origem africana.

Por motivações de ordem racista e paternalista, governos e instituições filantrópicas

norte-americanas incentivaram o retorno de afro-descendentes para o continente africano,

principalmente aqueles que demonstravam mais insatisfação com as condições sociais em que

viviam. Países como Estados Unidos e Brasil programaram políticas de estimulo a esse

retorno, neste contexto, no Benin foi fundado um bairro denominado “brasileiro”, e em uma

proporção maior, os Estados Unidos financiaram a criação da Libéria, um país projetado

dentro da África Ocidental.

Para a criação da Libéria foi necessárias à compra de terras ao leste da Costa do

Marfim, sua população era formada por povos da região e grupos migrantes do Congo. A

instituição filantrópica denominada Sociedade Americana de Colonização foi a responsável

pelo envio de negros libertos dos Estados Unidos, Antilhas e Jamaica. A Libéria foi vista por

muitos afrodescendentes como uma oportunidade de recomeço fora da difícil realidade social

estado-unidense. No ano de 1822 fundava-se Monróvia, a capital da Libéria, e em 1847 a

Libéria foi declarada república, entretanto, suas potencialidades agrícolas e comerciais

permaneceram condicionadas a administração inglesa, holandesa e alemã.

O antilhano Edward Wilmot Blyden foi estudante do Rutger’s Theological College

nos Estados Unidos e chegou à Libéria através da organização filantrópica New York

Colonization Society, organização filantrópica fundada em 1917. E. W. Blyden foi

responsável pela educação do Libéria College e mais tarde trabalhou em Free Town, capital

de Serra Leoa – outra região do país fundado por negros migrados para o continente africano.

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Figura 13 : Edward Blyden

Fonte: http://www.columbia.edu

E.W. Blyden teve a possibilidade de percorrer países do continente africano, Europa e

Oriente Médio, e mesmo com formação cristã não se deteve a apartação religiosa e travou

inúmeros diálogos com o islã, publicou artigos e teses ligadas a educação, história e religião.

No seu artigo The negro ancient history escrito em 1868, Edward E. Blyden expôs suas teses

sobre o lugar dos africanos da antiguidade no Vale do

Nilo e suas contribuições à arte e ciência mundial,

sublinhando a existência de migrações e trocas entre

as populações do vale do Nilo e da costa oeste

africana.

Sem desconsiderar o aprendizado possível

com as experiências políticas, científicas e culturais

provenientes das sociedades europeias, E.W. Blyden

afirmava o imperativo que os africanos na diáspora

dessem atenção e dedicação aos estudos sobre

instituições, culturas, música e línguas africanas,

para não se tornarem meros imitadores de

experiências alheias, nulos em capacidade crítica e intelectualmente bloqueados. Edward W.

Blyden empenhou-se em desconstruir as teses de inferioridade racial que a partir da década de

1870 infestaram o pensamento e a cultura política ocidental, estas teses atingiram diretamente

a população africana. Enquanto reitor da Universidade da Libéria, E.W. Blyden esboçou

algumas de suas preocupações com a educação como destaca o sociólogo:

Em todos os países de fala inglesa, a mente da criança negra inteligente se revolta

contra as descrições do negro encontradas nos textos primários das escolas -

geografias, viagens e histórias. […] Tendo abraçado, ou ao menos assentido, essas

falsidades sobre a si mesma, ela conclui que sua única esperança de se elevar na

escola da humanidade respeitável é esforçar-se na direção de tudo aquilo que é

distinto de si e mais estranho às suas preferências peculiares. (ANDRADE,

1998,pág. 69 apud BLYDEN, 1892,pág. 30).

As preocupações de E. W. Blyden com a qualidade e conteúdo educacional eram de

nível global, uma de suas críticas principais foi sobre a alienação global africana

(ANDRADE, 1998, pág. 145 apud BLYDEN pág.42) : [...] africano fica alienado de si

mesmo e de seus compatriotas. Não é um africano nem por seus sentimentos nem por seus

objetivos. Não respira África através das lições que lhe são dadas. Estas não transcendem o

cheiro da terra africana: tudo é Europa e europeu.

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Na década de 1880, E. W. Blyden passou a criticar abertamente a instalação colonial

no continente africano, segundo ele a aparente boa vontade e filantropia das organizações

ocidentais com o continente africano foi durante séculos um canal para o tráfico iniciado no

século XVI, e para o colonialismo do século XIX. Na perspectiva de E.W. Blyden, os

africanos não deveriam iludir-se com ajudas e apoios estrangeiros, mas sim construírem sua

própria libertação, e nesse sentido, as experiências obtidas na diáspora com o Haiti seriam de

grande valia dentro do continente.

Em 1893 Blyden cunhou a expressão Personalidade africana como símbolo

fundamental do direito a autonomia e auto-determinação de todos os povos do continente,

uma expressão que serviria de base para movimentos e lideranças africanas e da diáspora

durante toda a metade do século XX. Neste sentido, Antenor Firmin e Edward Wilmot Blyden

anteciparam o que as gerações futuras de lideranças nacionalistas e historiadores perceberiam

durante a primeira metade do século XX, a história africana é a base onde se assentam a luta

de libertação e a autodeterminação do continente africano .

1.4. No Limiar Colonial

No final do século XIX as movimentações políticas em prol da abolição da escravatura

no Brasil coincidiram com o processo de colonização efetiva do continente africano. O

encerramento do regime escravista europeu no Brasil deu-se por muitas pressões internas de

quilombos e organizações abolicionistas, uma das personalidades mais representativas dos

movimentos de libertação foi Luiz Gama, advogado, jornalista e político abolicionista negro,

que conseguiu vitória nos tribunais em centenas de casos de libertação de escravizados

africanos. Como jurista Luís Gama argumentou sobre a legitimidade de o escravizado

defender a sua própria vida através do assassinato do seu algoz.

Luís Gama desenvolveu forte trabalho literário de denúncia à escravidão, retratou o

racismo e as desigualdades estabelecidas pelas elites da sociedade brasileira em jornais da

época. Concordamos com a opinião do historiador Luiz Santos (2010) de que as ações de Luiz

Gama foram meticulosamente pensadas como uma futura contribuição às próximas gerações

de negros no Brasil. Naquele período, os jornais, imprensa, começaram a formar uma frente

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importante de comunicação, articulação política e organização negra para luta contra a

escravidão.

Neste mesmo período no continente africano, a literatura, os panfletos e os jornais

anti-coloniais em línguas europeias (inglês, Frances e português) e africanas (suahili e wollof)

começaram a tomar forma na última década do século XIX. A instalação da primeira gráfica

de Luanda em 1891 foi importante neste sentido, pois, através da impressão de panfletos

diversos criticas a exploração e indignidades coloniais puderam ser publicadas e

difundidas.Mesmo assim a comunicação continuou sendo um desafio comum dentro do

mundo africano.

1.5. Ambientes

A desagregação e a falta de comunicação entre pessoas foram dois dos principais

fatores que garantiram o processo contínuo de desafricanização da África e da diáspora.

Temos interesse pela análise do Prof.Walter Rodney (1975) sobre a consolidação da

exploração, opressão e do racismo cotidianos, enquanto expressões dos regimes escravista e

colonial. Neste sentido, a consciência, a resistência e a solidariedade foram os valores

estruturais das iniciativas de libertação colonial e integração política, muitos das quais

projetados em encontros internacionais agendados por movimentos sociais e partidos

políticos.

Entre 1900 e 1930, os congressos internacionais pan-africanos organizados por WEB

Du Bois e as ações políticas coordenadas por Marcus Mosiah Garvey conseguiram reunir

africanos das Américas, Europa e África em uma esfera de interesses em comum. Tratamos

do contexto social e das atividades promovidas pelos dois, considerados nesta dissertação

como duas colunas estruturais para o estabelecimento político, social e cultural do Pan-

africanismo no século XX.

O clima cultural, político e econômico dos Estados Unidos vividos por WEB Du Bois

e Marcus Garvey no início do século XX era de ácida tensão racial. O país havia acabado de

sair da Guerra de Secessão ocorrida entre as décadas de 1850 e 1860. O conflito armado

envolveu as regiões norte e sul do país, e originou-se de tensões entre o Sul, rural e favorável

à manutenção do regime escravocrata, e da região Norte, industrializado e favorável ao fim do

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regime de trabalho escravo. A vitória da região Norte em 1963 determinou a abolição do

sistema de trabalho escravo, entretanto a opressão, discriminação e perseguição racial

continuaram tanto nas regiões norte quanto sul.

Martin R. Delany foi um dos lideres abolicionistas mais emblemáticos durante a

guerra de Secessão. Nascido na Virgínia ocidental, médico e jornalista autodidata. Martin

Delany impediu a proliferação de cólera em 1850 e dirigiu com o abolicionista Frederik

Douglas o jornal Estrela do Norte. Debatedor das condições universais do negro, Delany foi

ativo defensor do direito ao retorno dos negros da diáspora para o continente africano, tema

pelo qual se dedicou a escrever e divulgar. Martin Delany teorizou de forma eloquente críticas

à arbitrariedade dos nomes e línguas de origem europeia impostos aos negros, e o lugar de

inferioridade ocupado pela África na narrativa histórica universal.

Após a guerra de Secessão foi criado um programa de organização social denominado

Reconstrução, entre seus objetivos estava a inserção da população afrodescendente nova

sociedade e a garantia de direitos básicos. Todavia, as iniciativas baseadas na solidariedade,

na consciência e na resistência coordenadas por lideranças populares que provocaram os

maiores impactos à vida da comunidade negra Estado Unidos. Hakin Adi (2008)lembra-nos

que o Instituto Educacional Tuksguee, criado no final do século XIX por Booker T.

Washignton foi mais eficaz que muitos projetos do governo.

Nascido em 1856 no sul dos Estados Unidos, Booker T. Washington criou um

programa de formação em ofícios manuais para a população negra no sul dos Estados Unidos.

Entretanto. O Sr. Washington desqualificava formações de ordem política, econômica e

filosófica, compreendo-as como fora das prioridades da população. Mesmo assim, Booker T.

Washington colaborou imensamente com a autoconfiança, auto-educação e formação prática,

essas iniciativas atraíram a atenção de jovens de dentro e de fora do país,como a do jamaicano

Marcus Garvey.

Dentro da análise do prof. Molefi Kete Asante (1988, pág. 57), os elementos que mais

o Sr. Washington prezava eram a educação, a economia e o avanço político. Entre seus

documentos escritos há uma autobiografia traduzida no Brasil por Graciliano Ramos durante a

década de 1940 (sob o título Memória de um negro). Nesta obra, Booker T. Washington narra

de uma forma muito superficial seu encontro com o educador WEB Du Bois em uma

conferencia nos EUA.

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O posicionamento de B.T.Washington sobre a formação prática obteve críticas do

National Association for the Advanced of Colored People (NAACP) – Associação Nacional

para o Progresso das Pessoas de Cor. Organização governamental (com colaboração de

entidades civis) criada após a Guerra de Seceção com o objetivo de criar políticas à melhoria

das condições de vida da população negra. O historiador, pedagogo, sociólogo e economista

WEB Du Bois dirigiu o NAACP durante mais de uma década. A partir do próximo tópico

iniciamos a segunda porta deste capítulo com uma breve apresentação do perfil de WEB du

Bois e de Marcus Garvey.Ambos marcam um novo momento, ou fase, do auto-

desenvolvimento do Pan-africanismo enquanto ideologia política e movimento social.

1.6. A lâmina afiada de WEB Du Bois

Willian Edward Burghardt Du Bois nasceu em 1868 em Great Barrington Estados

Unidos- Massachucets, foi considerado durante congresso de escritores negros do Senegal da

década de 1960 um dos homens mais influentes do século XX. Primeiro afro-americano a

receber título de doutor em filosofia pela faculdade Harvard,Web Du Bois publicou em 1896

o livro The Supression os the Áfrican Slave Trade e em seguida The Souls of the Black Folk.

Desde a juventude Web Du Bois enfrentou problemas de ordem racial infligidos a

população negra, seu ativismo político consolidou-se na liderança do Niagara

Moviment,movimento social pela reinvidicação de direitos civis afro-americanos.

Posteriormente, o trabalho de Du Bois obteve impacto internacional através de seu jornal The

Crisis, que denunciava o racismo nas Américas e o colonialismo na África. Sua participação

na organização dos Congressos Pan-africanos entre 1919 e 1945 foi muito importante, pois

estes eventos influenciaram uma dimensão doutrinária e política do Pan-africanismo.

Uma das principais características do trabalho de WEB Du Bois eram suas análises

críticas e em específico, a avaliacão avaliação sobre os primeiros anos do pós-guerra era que:

Desde então anos já se passaram – dez, vinte, quarenta; quarenta anos de vida

nacional, quarenta anos de renovação e desenvolvimento e, contudo [...] A nação

ainda não se libertou dos seus pecados; o liberto ainda não encontrou na liberdade a

sua terra prometida. O que quer de bom que tenha vindo nesses anos de mudança, a

sombra de um profundo desapontamento paira sobre o povo negro- um

desapontamento ainda amargo porque o ideal inalcançado era irrealizável, exceto

para a ignorância simples de um povo humilde (BOIS, 199, pág. 56).

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Em 1897 durante um congresso internacional em Londres sobre colonialismo, Du Bois

defendeu que a condição para África e africanos alcançarem um lugar na história era um

movimento pan-negro, em outras palavras, uma força popular capaz de reunir as

reivindicações de africanos sob a dominação colonial e dos negros sob jugo racial. Web Du

Bois criou o jornal The Crisis, com o objetivo de difundir ideias, dialogar sobre os direitos

sociais nas Américas e denunciar o colonialismo na África, o The Crisis também serviu de

ferramenta para a articulação da organização, entre 1919 e 1945, dos congressos pan-

africanos.

Du Bois formou-se na Universidade de Berlin e em Harvard, como a maioria dos

intelectuais de sua época incorporou muitos elementos do darwinismo, freudianismo,

marxismo tradicionais, as Escolas em voga do pensamento europeu. Por conseguinte,tais

elementos limitaram seus trabalhos a parâmetros estranhos à realidade diaspórica e africana.

Mas, Molefi K. Asante (1988, pág. 145) observa que Web Du Bois capturou importantes

elementos do pensamento de Buker T Washingtone procurou desenvolver uma utilização do

marxismo para interpretar a história e o próprio racismo.

A partir de 1910 o Pan-africanismo comeca a conquistar a força das ruas e o espírito

das massas através de grandes movimentos sociais, pois foi capaz de mobilizar milhares de

pessoas em manifestações e marchas. Neste contexto, o mais proeminente entre os

movimentos sociais foi a UNIA (Universal Negro Improvement Association). A UNIA

foicriada por Marcus Garvey e por sua esposa Amy Ashwood Garvey em 1914, a organização

chegou a ter seis milhões de membros espalhados pelas Américas, África e Europa.

1.7. O Martelo pesado de Marcus Garvey

Marcus Garvey nasceu na Jamaica em 1887, lugar onde iniciou sua trajetória política

de liderança. Orador dedicado à conscientização política das massas, Marcus Garvey

trabalhou na divulgação de ideias sobre a soberania política das nações africanas, o retorno

das populacões negras da diáspora à África, o valor do autoconhecimento,da pesquisa

científica e da sustentabilidade econômica das organizações. Marcus Garvey fundamentava a

mensagem Bíblica sob uma perspectiva africana.

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Os contatos com ativista político egípcio Dusé Mohamed, criador do jornal Áfrican

Times & Orient Review em 1912, iniciaram-no na prática do jornalismo e da organização

institucional. Em 1914 a UNIA iniciou suas atividades, cujo programa definia para seus

associados à promoção do desenvolvimento cultural comunitário, criação de fundo social para

escolas de formação humanista e industrial, subsídios para familiares de associados falecidos

ou acidentados, palestras e debates sobre atualidades e temas de interesse comunitário.

Através da UNIA, Marcus Garvey estabeleceu uma extensa rede de contatos nas Américas,

África e Europa. Concordamos com Molefi Kete Asante sobre o perfil multidimensional da

UNIA que pode ser visto nos seu programa desete dos pontos (ASANTE, 1988, pág.10):

1. despertar e unir todos os africanos

2. Mudar o pensamento para despertar o potencial

3. Canalizar energias emocionais em direção a interesses raciais construtivos

4. Sacrificar-se em trabalhos de massa

5. Promover a educação em ciência e indústria entre as massas 6. Preparara nações para exercerem o nacionalismo

7. Manter as jovens nações juntas, depois que elas estiverem formadas

Em nossa opinião, Marcus Garvey entendia, de forma similar a Edward Wilmot

Blyden, que a herança cultural africanadeveria ser plenamente assumida pelos princípios

africanos no continente e na diáspora. Estimulado pelos trabalhos do instituto criado por

Booker T. Washington, em 1916 Marcus Garvey transferiu a UNIA da Jamaica para os

Estados Unidos.

A UNIA produziu um o jornal The Negro World (O Mundo Negro), alcançando

organizações como a Frente Negra Brasileira, do Brasil, e a Liga africana de Angola. Nos

Estados Unidos Marcus Garvey organizou uma marinha mercante denominada Black Star

Line (Linha da Estrela Negra) com o objetivo de criar um trânsito livre de pessoas e negócios

entre diáspora africana e África.

No ano de 1917 a UNIA possuía instalações na África do Sul, pontos de apoio em

Angola e Moçambique, na década de 1920 havia articulações para instalação da organização

em Guiné Bissau e Senegal, como destacam Basil Davison (2010) e Oloruntimehin (2010).

Entre 1919 e 1921 em Angola foram criadas duas instituições de cunho pan-africano

importantes, o Partido Nacional africano e a Liga africana, ambas mantinham diálogo com o

Congresso Nacional africano (ANC) e a Associação Universal para o Progresso do Negro

(UNIA), a repressão política portuguesa combateu-os severamente conseguindo desintegrar as

organizações posteriormente.

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Os militantes da UNIA distribuiram-se por vários países ao longo de sua história,

como México, Honduras, Austrália, África do Sul, Serra Leoa, França, Portugal, São Tomé e

Príncipe, Guiné Bissau, Senegal, Venezuela Panamáe Inglaterra. Quanto à penetração africana

do projeto de Marcus Garvey, o professor Bob Blaisdell, organizador de Select Writings and

speeches of Marcus Garvey (Seleção de escritos e discursos de Marcus Garvey), comenta que

(GARVEY, XI, 2004): Desde a década de 1920, Garvey tem influenciado aspirações do

queniano Jomo Keniatta para a independência do seu país, bem como Kwame Nkrumah, do

Gana, que disse ter ficado entusiasmado pela filosofia e opiniões de Marcus Garvey.

Em 1920 ocorreu a Primeira Convenção dos Povos africanos do Mundo realizada em

Nova York, este evento reuniu 25 mil delegados responsáveis pela confecção da Declaração

de Direitos de africanos e Afrodescendentes. O objetivo desta Primeira Convenção foi à união

e solidariedade em defesa do legado histórico africano e da autodeterminação do continente e

seus povos. Durante a Segunda Convenção dos Povos africanos do Mundo realizada em Nova

York em 1921, Marcus Garvey alegou que:

Neste momento, eu vejo o anjo de Deus, empunhando o standart, o vermelho, o

preto e o verde, e dizendo: ”homens da raça negra, homens da Etiópia, sigam-me”.

Esta noite estamos seguindo. Estamos seguindo com a força de 400.000.000.

Estamos seguindo determinados que devemos ser livres antes da destruição da

matéria. Antes da destruição dos mundos "(Garvey, 2004, pág. 47)

Na perspectiva do pesquisador A. Adu Boahen (2010), as organizações políticas

africanas de cunho internacional criadas na década de 1920 abriram um caminho para a

penetraçãodo Pan-africanismo de Marcus Garvey e de Web Du Bois em territórios africanos.

A Liga Universal para a Defesa da Raça Negra, do Daomé (atual Benin), o Comitê de Defesa

da Raça Negra, Senegal, se identificaram diretamente com as ideias de Marcus Garvey, no

Daomé a UNIA teve como aliada de base à organização local denominada União

Intercontinental. A UNIA avançou no campo empresarial de produtos que variavam de livros,

roupas, brinquedos e de uma marinha mercante denominada Black Star Line.

Os objetivos gerais da Black Star Line eram divulgar valores de solidariedade entre

povos africanos e da diáspora, expandir circuitos de negócios, e alivre circulação de pessoas,

culturas e mercadorias. Em um dos seus discursosproferidos em 1923 no Libert Hall (Nova

York) Garvey afirmou que (GARVEY): Nosso ponto de vista é que não podemos enganar a

nós mesmos, no sentido de promover a Black Star Line, uma linha de navios a vapor

operados por negros para a promoção política [...].

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Em 1925 ojornal Negro World Garvey publicou o Manifesto Religioso de Orgulho da

Raça Negra, em que defendeu a solidariedade, o autoconhecimento e o conhecimento

histórico como a única forma possível de ruptura teórica e ideológica com os discursos

racistas sobre a história da África. Durante toda a década de 1920 Garvey dedicou-se a

lecionar filosofia africana paragrupos de associados da UNIA.

A tradição da imprensa afro-brasileira iniciada em 1888 com o “Jornal 13 de Maio” no

Rio de Janeiro,e em São Paulo com os jornais“A Pátria” e “Menelike” em circulação entre

1889 e 1915, constituíram um laço de comunicação importante de organizações afro-

brasileiras com as lutas mundiais contra o racismo. Uma das instituições mais dedicadas à

autossuficiência e organização nacional foi a Frente Negra Brasileira, criadano ano de1931

em São Paulo, ecom sedes em diversos outros Estados do país.

Durante seus anos de atividade a Frente Negra Brasileira (FNB) manteve escolas,

escritórios, clubes, barbearias, gráficas, livrarias e jornais como o Clarin da Alvorada. Através

de o jornal Chicago Defender ocorreram trocas de informação entre a Frente Negra Brasileira

e a UNIA. Nas palavras do jornalista e militante do Movimento Negro José Correia Leite

(apud Araújo Pereira, 2009, pág. 113): As ideias de Marcus Garvey vieram reforçar as nossas

com elas nós criamos mais convicção de que estávamos certos. Fomos descobrindo a

maneira sutil do preconceito brasileiro, a maneira de como agente era discriminado.

A Frente Negra foi fechada em 1934 com o golpe militar que levou o presidente

Getúlio Vargas ao poder máximo do país. O governo Vargas foi ditatorial e de perfil fascista,

o presidente não escondia sua admiração por Adolf Hitler. Em 1937 Getúlio Vargas outorgou

a constituição da República e tornou partidos políticos, associações e movimentos

clandestinos e sujeitos a intervenção policial e jurídica. Desde então, a Frente Negra

Brasileira encerrou suas suas atividades e não conseguiu se reestabelecer.

1.8. Etiópia e Marcus Garvey

A partir de 1925, Marcus Garvey começou a enfatizar no jornal Negro World e em

discursos públicos que a Etiópia era o lugar sagrado para os africanos de todo o mundo, e os

etíopes os escolhidos de Deus. Marcus Garvey passou a utilizar termos como “babilônia”,

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para indicar a decadência humana e os valores ocidentais, e “Rastafari” (em Aramaico) para

se referir ao Rei dos Reis, o imperador africano que se ergueria na Etiópia.

Após a morte de Menelik II em 1913 e da finalização do governo permissivo de Lij

Yasu (na época filho do influente governador da província de Wallo),a filha de Menelike II,

Imperatriz Zauditu, assumiu o trono junto ao príncipe herdeiro regente Tafari Makonen em

1917. Durante a década de 1920 a Etiópia viveuum período de prosperidade. A Imperatriz

Zauditu assumiu o ministério da educação e incentivou amodernização das escolas e

instituições de pesquisa criadas por Menelike II, tais serviços foram oferecidos amplamente às

populações de províncias de Makalle, Harar, Lakamli, e Gondar, distantes da capital Adis

Abeba. O professor e historiador Lance Seunarine (1999) apresenta-nos outras mudanças

importantes para a Etiópia neste período, a nacionalização do antigo banco da Abssynia em

Banco da Etiópia, a extinção dos antigos sistemas de servidão clânicas e familiar,a promoção

da imprensa e da literatura em amárico, língua nacional.

Em 1930 Tafari Makonen foi coroado imperador da Etiópia! Tafari Makonen assumiu

o legado de Menelike I (filho de Salomão e da Raiha de Sabá) e de Menelik II sob o título

dinástico de Haile Selassie (Santíssima Trindade), Rei dos Reis, o Leão conquistador da

Tribo de Judah. Lembra-nos o prof. Lance Seunarine (1999, pág. 48) que durante a coroação

em Adis Abeba, Tafari Makonen quebrou o protocolo real e fez ser coroada sua esposa

Menem como imperatriz em uma mesma cerimônia. A coroação de Haile Selassie em 1930

influenciou diretamente as igrejas cristãs africanas dentro do continente, onde já havia sedes

da UNIA e movimentos sociais de inspiração religiosa e espiritual etíope.

Para os associados da UNIA, a máxima de Marcus Garvey sobre ascensão de um

imperador etíope que seria denominado Rastafari revelou que a coroação de Tafari Makonen

não foi um acontecimento de ordem política somente, mas o cumprimento de uma profecia

divina e espiritual. No Caribe, a confirmação das palavras de Marcus Garvey impactaram

muitos os associados da UNIA, e movimentos sociais rurais organizados por marrons

(quilombolas), remanescentes da resistencia negra contra a escreavidão na Jamaica. Este

amálgama desencadeou ummovimento comunitário de homens emulheresdenominado

Rastafari.

Os Rastafaris dedicam-se e seguem as orientações de Marcus Garvey,

compreendemHaile Selassie como a personificação da potência divina em carne e espirito.

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Figura 14: Marcus Garvey e WEB Du

Bois

Fonte: http://garveybois.afrikblog.com e

http://unia.afrikblog.com

Leonard pág. Howell, associado da UNIA, elaborou uma base doutrinária paraRastafari e um

assentamento comunitário denominado Pinacle. Algumas das principais ideias de Howell

foram transcritas em um livro denominado The Promisse Key, documento que junto a livros

considerados apócrifos, como Kebra Negast (Glória dos Reis) e Fetha Negast (A Justiça dos

Reis), formam a base de uma extensa literatura espiritual e política da cultura Rastafari.

1.9. Das convergências

O prof. Maulana Ron Karenga propõe um interessante quadro geral e analítico da

situação da população afro-americana nos Estados Unidos. Em sua opinião, durante as

primeiras décadas do século XX estava dividida em frentes de ação: os comodistas que

pensavam as condições da população afro-americana sob o ângulo da subalternidade, como

Booker T. Washington, os teóricos e políticos da confrontação ao anticolonialismo, ativistas

dos direitos sociais e reformistas, representados por Web Du Bois; e os nacionalistas negros,

favoráveis à integração entre africanos e afrodiaspóricos, simbolizados por Marcus Garvey.

Sem desconsiderar as diferenças de

temperamento e estratégias utilizadas por WEB

Du Bois e Marcus Garvey, entendemos que os

dois lutaram pelaresolução de problemas

enfrentados pela população africana de uma

forma global. Com Maulana Karenga (1987)

concordamos que os aspectos mais importantes

em relação ao trabalho de WEB Du Bois e de

Marcus Garvey foram suas convergências.

Através de um grande censo de solidariedade e

justiça os dois conseguiram integrar um plano

psicossocial e uma agenda política voltada à autodeterminação de povos historicamente

oprimidos a partir de valores culturais africanos.

Aceitamos a opinião do prof. Molefi Asante (1988) de que os objetivos de Marcus

Garvey e WEB Du Bois eram os mesmos, os dois dividiam uma profunda consciência da

dimensão global da presença africana. Entendiam que a comunicação entre África e diáspora

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Figura 15: Jornal Negro World

Fonte: http://unia.afrikblog.com

Figura 16: Jornal The Crisis

Fonte: http://crisis.afrikblog.com

poderia ser viabilizada por jornais, pela diplomacia, por organizações internacionais e

relações econômicas construídas pelo trafego transatlântico de pessoas e produtos. Marcus

Garvey e WEB Du Bois projetavam e incentivavam a criação de escolas e cursos de formação

dentro das comunidades por saberem que a confluência de conhecimentos práticos e teóricos

era decisiva paraa descolonização africana e emancipação negra na diáspora.

Os jornais Negro World e The Crisis de Marcus Garvey e WEB Du Bois conquistaram

um circuito de comunicação dentro do continente. Foi através desta imprensa que

organizações africanas como o Congresso Nacional africano (ANC) tiveram os primeiros

contatos com as mensagens libertárias de Marcus Garvey e WEB Du Bois. O Congresso

Nacional africano foi fundado na África do Sul em 1912, com o objetivo de unir africanos

politicamente ativos e investir em diversas formas de resistência política, prontificou-se em

garantir suas relações de força internacional participando no primeiro congressos pan-

africanos em 1919.

Nas primeiras décadas do século XX, as resistências internas do continente africano

ao colonialismo europeu proliferaram-se através de jornais, artes e movimentos sociais

anticoloniais. Mas foi o nacionalismo etíope que de forma mais sistemática utilizou-se da

resistência, da solidariedade e da consciência como armas de luta contra a dominação colonial

europeia no continente africano naquele momento. Após a triunfal vitóriaem Adowa no ano

de 1896, a soberania etíope seria novamente colocada à prova com a tentativa de invasão

italiana no final da década de 1930. Por isto, são fundamentais algumas pontuações sobre a

resistência etíope enquanto signo do nacionalismo africano .Nosso tema da terceira e última

parte deste capítulo.

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1.10 Etiópia: Signo do nacionalismo africano

Após a vitória de Menelik II em Adowa as igrejas cristãs etíopes assumiram uma

postura progressista dentro do continente africano, com forte divulgação e penetração social.

Estes templos desencadearam um movimento denominado etiopianismo, que rapidamente

tornou-se uma potencial ameaça aos interesses coloniais. O professorLance Seunarine observa

que o etiopianismo pregava onacionalismo anticolonial, a igualdade e a solidariedade na

década de 1920 o movimento alcançou o sul e oriente do continente africano .

O recrutamento de jovens e o apoio de recursos cedidos por chefes africanos foram

suportes comuns para o financiamento do conflito armado entre países da America do Norte,

Europa e Ásia entre 1914 -1918, denominado de Primeira Guerra Mundial. Um conflitode

caráter imperialista entrepaíses europeus em busca de recursos minerais e áreas de livre

comércio. Países como Alemanha, Itália, Espanha e Portugal identificaram-se com o racismo

cientificamente organizado no século XIX, e usaram-no como base ideológica para

justificativas políticas religiosas e culturais para dominar territórios asiáticos, africanos e sul-

americanos.

No final do conflito a devastação territorial dentro da Europa motivoupaíses europeus

a explorarmaisrecursos primários africanos, utilizados pelas indústrias bélica e alimentícia

europeia. Na perspectiva do historiador Adu Boahen esse foi um momento de consolidação do

caráter autoritário e racista do colonialismo no continente. Adu Boahen (2010, pág. 741)

destacaque a Etiópia, neste contexto de exploração colonial, manteve-se livre e soberana no

continente africano.

Na década de 1930 doisblocos imperiais iniciavam uma nova disputa por hegemonia

econômica, militar e geopolítico: o Eixo, formado por Alemanha, Japão e Itália, e os Aliados

constituidos pelos EUA, Inglaterra, França e Brasil. O imperialismo nazista alemão,

idealizado por Adolf Hitler, e as ações fascistas de Benito Mussoline executaram manobras

militares e invasões na África Oriental a partir do mar Vermelho. Oterritório etíope até então

soberano passou a ser duramente ameaçado pelo exercito italiano.

O fascismo italiano de Benitto Mussolini em 1935 protagonizou a invasão do território

etíope com a condescendência de França, Inglaterra e Estados Unidos. Contraditoriamente,

todos estes países integravam a Sociedade das Nações, uma organização internacional dos

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Figura 17: Haile Selassie e Imperatriz Menen

Fonte:

http://selassiemeneni.afrikblog.com

países ocidentais criada após a I Guerra Mundial sob o pretexto central de evitar conflitos

militares entre nações! O objetivo imediato de Mussolini foi anexar a Etiópia ao projeto

Colônia da África Oriental Italiana.

A Etiópia foi ocupada em 1935 por meio da

utilização massiva de gases tóxicos, que mataram

milhares de pessoas, destruíram plantações e

poluíram rios. As vésperas da invasão o povo etíope

vivia momentos de esperança e de auto-

desenvolvimento com o governo de Haile Selassie.

Durante a invasão, Haile Selassie investiu

pessoalmente em diversos acordos e diálogos

internacionais para o fortalecimento militar de seu

exército, mesmocom o território ocupado, o país

resistiu internamente através de milícias e

guerrilhas.

Na diáspora ocorreram centenas as reações condenando a invasão etíope, fortaleza e o

último reduto de soberania africana. No ano de 1935 a International Áfrican Friends of

Abyssinia foi fundada em Londres por intelectuais e ativistas políticos de movimentos sociais

pan-africanos, como historiador das Antilhas C.L.R. James das Antilhas, a escritora jamaicana

A. Ashwood Garvey (esposa de Marcus Garvey), e o militante anti-colonial queniano Jomo

Keniatta. Movimentos e lideranças de regiões como Costa do Ouro (atual Gana) e Nigéria

também se posicionaram em solidariedade a Etiópia.

Sob o comando de Haile Selassie os etíopes derrubaram 56 batalhões em inúmeras

guerrilhas dentro do país. Em 1936 as tropas italianas foram definitivamente expulsas do

território, pondo fim à presença colonial europeia na Etiópia. Ohistoriador Ali Marzui (2010)

entende quea invasão etíope de 1935 elevou o sentido de consciência e identidade africana

dentro e fora do continente de origem A imprensa e rádio foram de grande importância para

mobilização internacional contra a invasão da Etiópia. Três anos após a vitória etíope o Eixo

de Hitler desencadeava um conflito armado entre os dois blocos que durouentre 1939 e 1945,

terminando com a vitória dos Aliados liderados por Estados Unidos, França e Inglaterra.

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1.11. Congressos Pan-africanos

Na diáspora africana, militantes anticoloniais como Henry Silvester Wilians de

Trinidad Tobago, Dusé Mohamed Ali do Egito, Amy Ashwood Garvey da Jamaica, Ras T.

Makonnem da Guiana, George Padmore de Trinidad e Ladipo Felix Solanke da Nigéria

participaram de conferencias internacionais sobre o tema racismo e colonialismo. No ano de

1898 o advogado Silvester Wilians fundou a Associação africana para organização de

encontros e projetos de apoio a interesses de afrodescendentes. De acordo com Adi (2003,

pág. 234), o programa da Associação Pan-africana objetivava em sua plataforma:

1. Garantir os direitos civis e políticos para os africanos e seus descendentes em

todo o mundo; 2. Incentivaras relações amistosas entre caucasianos e africanos;

3. Incentivar o empreendimento educacional, industrial e comercial entre os

africanos; 4. Influenciar a legislação que dizia respeito à População Negra; 5.

Melhorar a condição de" negros oprimidos" em África, na América, o Império

Britânico e em outras partes do mundo.

Após criar a Associação Pan-africana, em julho de 1900, Silvester Wilians obteve

apoio de Buker T. Washington e Web Du Bois dos EUA, Bishop James Johnson da Nigéria,

James Holly do Haiti para organizar em Londres, onde vivia como imigrante, uma

Conferencia Pan-africana. A Conferência tratou temas como direitos iguais nos EUA e nas

colônias britânicas, a exploração de empresas no continente africano e a opressão e

escravidão na África do Sul.Foram debatidos na conferência a filosofia darwinista, os

movimentos eugênicos impregnados de racismo, e o lugar do continente africano como

origem das civilizações, nascedouro de cientistas, artistas e escritores.

Nesta Conferencia Henry Silvester Wilians trabalhou como secretário geral e WEB Du

Bois o redator, a conferência reuniu representantes dos Estados Unidos, Canadá, Jamaica,

Antigua, Trinidad Tobago, St. Lucia, Cuba, Haiti, Dominicana, Libéria, Costa do Ouro, Serra

Leoa, Costa do Marfim, Etiópia e Guiné Bissau. Durante o evento a conferência Silvester

Willians elaborou o projetodo jornal Pan Áfrican, que no ano seguinte entrou em circulação.

Este encontro é considerado como referência na articulação do Pan-africanismo enquanto

pensamento político intelectual e como base para os Congressos Pan-africanos.

Os congressos Pan-africanos possibilitaram diálogos e trocas de experiências entre

povos africanos em todo o mundo. O primeiro Congresso Pan-africano foi organizado por

WEB Du Bois em Paris no ano de 1919, compareceram 57 representantes de colônias nos

Estados Unidos e do Caribe, uma das questões mais debatidas foi à autodeterminação e

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direitos internacionais dos povos africanos e da diáspora. O apoio político do parlamentar

senegalês Blaise Diagne foi fundamental para a realização do evento, uma vez que havia

ameaças da própria França e de outras metrópoles à produção de atividades anticoloniais

dentro do continente. O Congresso contou com 57 congressistas de Colônias francesas,

americana e inglesa, além de representações da América Central. Ao final do Congresso foi

elaborado um documento oficial pela Liga africana sobre a exploração colonial no continente

africano .

O Segundo Congresso Pan-africano foi realizado em três seções, Londres, Paris e

Bruxelas durante o ano de 1921. O encontro foi organizado por WEB Du Bois, estiveram

presentes 113 delegados oriundos de territórios africanos e da diáspora para discutir sobre o

progresso político e social das comunidades afrodescendentes na diáspora. Um dos destaques

de resultados desse congresso foi à confecção da Declaração ao Mundo em nome de justiça e

igualdade entre povos pretose brancos, o documento foi elaborado por WEB Du Bois.

O Terceiro Congresso Pan-africano dividiu-se em duas seções no ano de 1923, em

Londres e em Lisboa. Os temas variaram entre a necessidade de definição objetiva sobre

cooperação entre africanos dentro e fora do continente, e a situação dos territórios coloniais

portugueses, por isso a participação de angolanos e moçambicanos representados por Luanda

(Angola) e Lourenço Marques (atual Maputo- Moçambique) foi de suma importância.Neste

congresso foi defendida a necessidade de reformas nos sistemas de trabalho das colônias

portuguesas. A população cabo-verdiana, por exemplo, viveu nas décadas de 1930 e 1940

períodos de repressão política e administrativa que geraram a escassez de alimentos, e

consequentemente, a morte de milhares de pessoas. As reinvidicações do documento foram

ignoradas pelo governo português.

O quarto Congresso Pan-africano ocorreuem 1927 na cidade de Nova York (EUA), no

evento o número de delegados chegou a 208 e os posicionamentos concentraram-se na

necessidade de abertura de diálogo entre os governos coloniais e suas possessões em África.o

grupo de mulheres afro-americanas Circulo de Paz e Relações Exteriores participou

ativamente deste congresso .

Para um jovem militante pan-africano do Gana chamado Kwame N'krumah (1977),

um dos desdobramentos mais importantes do Quarto Congresso Pan-africano foi a criação em

1937 do International Áfrican Service Bureau, um organismo com a finalidade de promover o

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bem estar continente africano e na diáspora, através da cooperação entre todos os povos do

mundo. Todavia, durante a década de 1930 não ocorreram congressos pan-africanos,

principalmente por causa do conflito imperialista terminado em 1945.

Entre 1932 e 1940 publicações críticas ao colonialismo como a revista Legitima

Defesa e o Jornal Estudante Negro, produzidas por intelectuais da América central e do

Senegal radicados em Paris. O termo “negritude” comeca e se popularizar e recebe uma ampla

divulgacão ideologica a partir do poema do martinicanoAimée Cesárie em 1939. A partir de

então,ativistas destacaram-se produzindo o movimento literário, acadêmico, cultural da

negritude, que reuniu uma gama de intelectuais comoo próprio Aimé Césaire, o guianense

Leon Damas,e o senegalês Leopold Sedar Senghor.

O historiador Boubacar Barry (2004) comenta que sob a orientação de leopold

Senghor a Negritude assumiu um triângulo ideológico e hierárquico misturando os valores da

civilização francesa, o socialismo e valores tradicionais africanos. Mesmo sem um

posicionamento político anti-colonial firme, o movimento da Negritude colaborou para

solidariedade e identidade, explorando a arte e a cultura, onde a integração da coletividade

“negro-africana” tornou-se um ato político.

Os conflitos imperialistas do final da década de 1930 atingiram a juventude africana

em mais de 200.000 pessoas recrutadas como soldados. O contacto mais próximo com

sociedades europeias, a exclusão social e racismo direcionados aos combatentes que

sobreviveram ao conflito fizeram com que africanos percebessem de forma objetiva o sistema

internacional de exploração do continente africano como um todo. O historiador F. Canale

(2010, pág. 192) observa a que esta experiência de deslocamento para a Europa levou vários

combatentes africanos a alinharem-se aos movimentos nacionalistas de libertação colonial.

A partir de 1945 consolidaram-se movimentos de resistência social e plataformas

políticas voltadas à independência nacional no continente africano. Contudo, foram

necessárias novas estratégias para o enfrentamento da OTAN (Organização do Tratado do

Atlântico Norte) e de Israel, apoiadores do colonialismo português e aliado do regime da

apartheid sul-africana.

O Quinto Congresso Pan-africano foi realizado no mês de março de 1945 em

Manchester(Inglaterra). O Congresso contou com a presença de 200 participantes, as sessões

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foram coordenadas por lideranças africanas nascentes e com certa experiência de militância

anticolonial, comoKwame Nkrumah, George Padmore, R.T. Makonem e Peter Abrahamns.

No encontro foi objeto de denúncia às fronteiras artificiais e arbitrárias do colonialismo, a

exploração econômica desenfreada e o controle de terras cultiváveis por colonos europeus na

África, nesta oportunidade os participantes foram delimitadas ações objetivas de boicote nas

colônias através de greves.

Os delegados presentes no Quinto Congresso apresentaram propostas ligadas a

nutrição, educação, direito legal de associações, sindicatos e petições voltadas à libertação

colonial. Para a visibilidade destas propostas foi criado um comitê, o West Áfrican National

Secretariat cujo responsável era Kwame N’krumah,delegado da Costa do Ouro (atual Gana).

Na perspectiva de N’krumah, neste Quinto Congressoo Pan-africanismo e o nacionalismo

africano “receberam uma expressão verdadeiramente concreta”,principalmente por causa das

participações de operários, sindicalistas, agricultores e estudantes em sua maior parte do

continente africano. Muitos jovens africanos engajados em movimentos nacionalistas de

Angola, Moçambique, Alto Volta (atual Burkina Faso), Costa do ouro (atual Gana), Nigéria,

Congo e Senegal tornaram práticas as deliberações teóricas resultantes dos congressos pan-

africanos.Uma das declarações oficiais após o congresso formalizava que:

O quinto congresso pan-africano conclama os intelectuais e trabalhadores das

colônias a tomarem consciência das suas responsabilidades. A longa noite terminou.

Lutando pelos direitos sindicais, pelo direto de formar cooperativas, pela liberdade

da imprensa, de reunião, de manifestação e de greve, de imprimir e divulgar

literatura necessária à instrução das massas estará a utilizar os únicos meios que vos

permitiram conquistar preservas as vossas liberdades. Atualmente só há uma

maneira de atuar fixamente : a organização das massas”.-declaration to the colonial

peoples of the world. (NKRUMAH, 1977, pág. 158)

A década de 1930 foi um período de forte influência comunista entre os articuladores

do Pan-africanismo, principalmente na esfera dos intelectuais congressistas. Não havia

homogeneidade entre os movimentos, pensadores e lideranças pan-africanas, a convergência

entre diferentes tendências dos movimentos assentava-se sobre a necessidade de

descolonização, integração regional e combate ao racismo, elementos centrais do Congresso

de Manchester.

No congresso de Manchester que os ideais comunistas foram muito valorizados como

linha de ação dos movimentos, mas a busca de um caminho ideológico e filosófico baseado

nas experiências, ou valores, africanos criou certa tensão entre os participantes. Esta questão

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continuaria a ser uma problemática dentro do Pan-africanismo, mesmo uma contradição

carregada entre movimentos de diferentes frentes de luta. No entanto, mesmo com uma

formação marxista, na prática económica, politica, teórica e militar das lutas de libertação

lideranças nacionalistas conseguiram transcender a formatação política europeia, em alguns

casos sem perceber, para conceber uma via africana de desenvolvimento, o endógeno.

Conclusões

Concluímos que a resistência africana contra o regime escravista entre os séculos XVI

e XIX, através de movimentos quilombolas, a revolução haitiana e os movimentos

abolicionistas formaram, um conjunto fundamental de práticas de resistência e solidariedade.

Neste sentido, pensadores, militantes e ativistas políticos do final do século XIX como

Antenor Firmin e Edward Wilmot Blyden conseguiram construir uma sistematização teórica

das principais frentes de luta dos povos africanos contra o colonialismo, a opressão

econômica e o racismo. Para ambos, a educação e o ensino de história deveriam ser revistos e

transformados em ferramentas de conscientização histórica e política.

A importância fundamental da história e da educação foi retomada na segunda fase do

desenvolvimento histórico e social do Pan-africanismo (1900-1945) por WEB Du Bois e

Marcus Garvey. Os trabalhos políticos destes dois militantes em jornais, palestras e

movimentos sociais tiveram na história sua base para mobilização e conscientização de

pessoas. Os congressos pan-africanos ocorridos nesta fase do Pan-africanismo não seriam

realizados sem um mínimo de conscientização sobre a história e identidade em comum a

todos os povos africanos do continente e da diáspora, o apoio incondicional da diáspora a

libertação etíope marca este processo.

Nosso próximo passo é avançar sobre as lutas de libertação colonial no continente

africano como uma terceira fase do auto-desenvolvimento do Pan-africanismo. Outro aspecto

importante é entender qual o lugar que a história da África assume dentro dos

posicionamentos de movimentos e partidos políticos africanos anti-coloniais.

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Capítulo 2: LUTAS DE LIBERTAÇÃO AFRICANA E HISTÓRIA DA ÁFRICA

É preciso que o homem de Estado africano se interesse pela história como uma parte

essencial do patrimônio nacional que deve dirigir, ainda mais porque é pela história

que ele poderá ter acesso ao conhecimento dos outros países africanos na ótica da

Unidade africana.

Joseph Ki Zerbo

Neste capítulo trabalhamos dentro da terceira fase de auto-desenvolvimento histórico e

social do Pan-africanismo, entre o final da década de 1940 e início da década de 1960.

Entendemos que nesta fase o Pan-africanismo conseguiu forjar um sentido, ou dimensão,

continental e transcontinental para o nacionalismo africano, no que diz respeito a memória

coletiva e a resistência cultural. Esta fase possui duas características marcantes, as ações de

grandes movimentos e partidos políticos anticoloniais de luta pelas independências nacionais,

e o projeto de formação de uma unidade federal africana, incentivado por presidentes

africanos como Sekou Touré de Guiné Conacri, Haile Selassie da Etiópia, Kwame N’krumah

do Gana entre outros.

A maioria das lideranças nacionalistas pan-africanistas possuía formação em ciências

humanas. Daqueles que se alinharam ao projeto de uma unidade federal africana incentivaram

a educação e o ensino de história da África, considerada pelos mesmos como instrumento de

coesão e identidade nacional, elementos fundamentais para construção dos novos Estados

Nacionais independentes. Mas seriam necessárias todas as forças para enfrentar outros

desafios, como o nacionalismo “estreito” por exemplo, um obstáculo para a interdependência

econômica entre regiões. Na década de 1950, o historiador senegalês Cheikh Anta Diop

alertou sobre os riscos da apartação econômica, que poderia levar os Estados independentes

para a órbita de seus ex-colonizadores, neste seguimento Kwame N’krumah e Amílcar Cabral

(de Guiné Bissau e Cabo Verde) definiram como neocolonialismo as políticas de

reaproximação entre países europeus e africanos.

Nosso objetivo central neste terceiro capítulo é identificar o lugar do conhecimento

histórico na mensagem política de lideranças pan-africanistas de partidos nacionalistas. Na

primeira parte abordamos questões sobre educação e colonialismo, na segunda sobre a

movimentação nacionalista africano e na terceira estabelecemos um diálogo entre Kwame

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N’kruma e Amílcar Cabral. Algumas das nossas referências teóricas básicas são, Walter

Rodney, Joseph Ki-Zerbo e Ali Mazrui.

2.1 Educação e conhecimento histórico

Historiadores e antropólogos do século XX usaram ideologias de supremacia branca

para elaborar teorias sobre os supostos benefícios que o sistema colonial instaurou nas

sociedades africanas. Estas ideologias e argumentos a favor do colonialismo baseavam-se na

argumentação de que antes dos contatos sistemáticos com europeus, a partir do século XVI,

não havia educação ou qualquer tipo de conhecimento científico no continente africano. Neste

sentido, o historiador Walter Rodney (1975) nos traz uma série de fatores importantes sobre a

educação tradicional africana:

Entre os quais, os seus laços estreitos com a vida social, no sentido material e

espiritual que expressavam uma natureza coletiva do conhecimento; o caráter

multifacetado da educação;

O seu desenvolvimento progressivo em conformidade ao progresso físico e mental

da criança;

A não separação entre educação e atividade produtiva, ou entre atividade manual e

intelectual;

Programas específicos e divisão consciente entre professores e alunos;

Educação totalmente interligada a propósitos sociais.

No século XV os europeus encontraram pelo menos três sistemas educacionais no

continente africano, e que muitas vezes complementavam-se, como a educação tradicional

entre os povos Yorubá e Tuareg, A educação cristã entre os etíopes e a educação islâmico-

corânica nas universidades do Marrocos, Mali e Timbuctu. Nas palavras de Rodney (1975,

pág. 347):

Os colonizadores não introduziram a educação em África. Introduziu sim um tipo

mais de instituições educacionais formais que suplementaram e em parte e

substituíram as que já existiam. O sistema colonial também estimula valores e

práticas de educação formal. O principal propósito do sistema educacional colonial

era treinar africanos para servir como homens da administração a um plano

extraordinariamente baixo e fornecer mão de obra para as firmas capitalistas

privadas, pertencentes a europeus.

Em espaços providos por estruturas sociais de clãs e famílias, os períodos de estudo

variavam, podendo durar semanas ou anos, como na preparação para ritos de passagem de

idades, na integração em novas comunidades, na formação médica e na matemática, no

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aprendizado de técnicas de fundição, agricultura e cerâmica e no comércio profissional. Neste

sentido, os Asante do Gana, produziram um tipo de técnica de fiação e alfaiataria

extremamente sofisticada que misturava seda e algodão (kemte), por sua vez, o povo Zulu

investiu em especificidades filosóficas da educação militar. O ensino de história possuía uma

função muitas vezes de integração nacional e preservação da memória ancestral havendo

centros com esse propósito no Estado Yorubá de Keta durante o século XIX.

A falta de objetivos na utilização racional de recursos materiais e sociais, somada a

doutrina de submissão face ao sistema capitalista foram duas das principais tendências do

sistema educacional europeu na África. As características principais da educação europeia

eram as relações desequilibradas de grupos sociais com poderes diferentes na sociedade, o

racismo e a jactância cultural. Na opinião de Walter Rodney, os primeiros quarenta anos após

a Conferência de Berlin, ocorrida na década de 1880, foram dedicados à implantação do

sistema educacional colonial no continente africano. Paulatinamente a educação passou a ser

mais sistematizada, principalmente em áreas de exploração mineral como Congo e Rodésias.

Walter Rodney (1975) comenta-nos que a falta de investimentos em escolas era

justificada pelos governos coloniais por motivos financeiros, com essa premissa, os ingleses

alegavam a necessidade de cobranças mais acentuadas de impostos. Nas colônias estas eram

apenas justificativas políticas para exploração financeira, uma vez que na década de 1940 os

investimentos em educação em colônias inglesas como Quênia e Nigéria formavam as somas

desprezíveis de 2,26% e 3,4% orçamento coloniais.

Após 1945, com o fim do conflito armado organizado por nações ocidentais

considerado a II Guerra Mundial, a tendência dos governos europeus foi investir na instrução

de tarefas no continente africano, para facilitar o escoamento de matérias primas africanas

para a Europa. No Tanganica, por exemplo, o investimento em escolas primárias esteve

atrelado à exploração do algodão e do café. Os locais de construção de escolas eram capitais

administrativas como Balhurst no Gâmbia e Buganda em Uganda, fator este que criou grandes

contrastes entre o setor rural e urbano. Para o supracitado autor, alguns dados possibilitam

comprovar o absurdo da implantação do sistema escolar colonial no continente africano, nas

formações primária 50% dos alunos eram reprovados, ou seja, para cada um que completava o

ciclo escolar há um que não, há ausência de escolas técnicas e universidades, e

preponderância da formação de padres e pastores.

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As problemáticas de nível qualitativo passavam primeiramente pelos conteúdos dos

livros didáticos, totalmente baseados em uma concepção europeia do conhecimento, e sem

nenhuma ligação com as realidades locais. As escolas da segunda metade do século XX

possuíam conteúdos do século XIX, ao mesmo tempo em que conteúdos de ordem científica,

técnica e pedagógica eram de referência europeia. Os programas de colônias inglesas e

francesas alunos africanos aprendiam história, geografia e língua desses países como se

fossem superiores as suas, ou seja, civilizadas, úteis e dignificantes.

De forma geral, os temas dos currículos relativos à história eram centrados nas

experiências europeias, inclusive a de iniciar a “civilização” no continente africano como

insistiam franceses belgas e ingleses. Africanos eram considerados incivilizados e europeus

ocidentais civilizados, o antigo Egito, por exemplo, era tratado de maneira isolada como se

fosse externo à África. Os currículos asseguravam a subalternidade, gratidão, serventia e

assimilação, inclusive, entre os mais educados estavam os mais desafricanizados, acadêmicos

reduzidos a meros imitadores e consumidores de valores do capitalismo europeu. No currículo

escolar da Tanganica estudantes aprendiam obrigatoriamente informações sobre a família real

inglesa, seus cavalos e castelos.

Walter Rodney observa duas outras tendências desenvolvidas pelos governos

coloniais, uma de falso respeito à cultura africana, que se contradizia pelo vil desprezo às

línguas locais. Neste sentido, Walter Rodney expõe o tratamento prestado à cultura africana

no Congo pelos belgas, que lançaram verdadeiras campanhas educacionais em língua local,

entretanto a língua escolhida para a campanha era do grupo étnico diretamente ligado à área

de exploração de recursos e algo que se desdobrava em conflitos internos entre diferentes

grupos locais, obrigados a aceitar a estratificação social criada pelos colonizadores europeus.

Os portuguêses e os espanhóis desprezaram sempre a língua e a religião africanas.

Os jardins de infância e as escolas primárias para africanos nas colônias portuguesas

não passaram de agências de difusão da língua portuguesa. Muitas escolas eram

controladas pela igreja Católica, como reflexo da união estreita entre Igreja e o

Estado no Portugal fascista. Na pouca conhecida colônia espanhola da Guiné (Rio

Muni), a pouca educação proporcionada aos africanos baseava-se na eliminação da linguagem local e nas tentativas de infundir nos seus corações o “sagrado temor de

Deus [...]”.“Outro aspecto da educação colonial e do padrão cultural que carece

investigação é o modo como o racismo e o desprezo europeu eram expressos não

somente pela hostilidade para com a cultura africana, mas também pelo

paternalismo”. (RODNEY, 1975, pág. 360)

A outra tendência contraditória da lógica colonial observada pelo autor foi coordenada

pelos progressistas europeus nas colônias, que fizeram propaganda demagógica sobre a

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educação de mulheres africanas, algo que não ocorria nem mesmo nos países europeus.

Dentro do sistema colonial racista e sexista a educação feminina não tinha sentido, a mesma

demagogia foi empregada ao discursso sobre o estímulo ao ensino agrícola, impossibilitado

por não haver condições para uma indústria e técnicas autônomas. O imperialismo cultural

europeu no continente africano baseou-se em três pilares: língua, religião e educação, por isto

o desenvolvimento de uma educação para a manutenção do subdesenvolvimento econômico

foi consciente.

Entre as décadas de 1930 e 1940 a educação e as escolas tornaram-se um ponto de

referência e convergência para as movimentações nacionalistas africanas. Há exemplos de

movimentos sociais como All África Peoples Conference do Gana, African Nationalist

Congress (ANC) da África do Sul, Partido africano da Independência de Guiné Bissau e

Cabo Verde (PAIGC), e de ativistas políticos como Sekou Turé de Guiné Conacry, Kwame

Nkrumah do Gana, Obafemi Awolowo da Nigéria, Patrice Lumumba do Congo e Julius

Neyrere da Tanzânia, que compreendiam a educação como ferramenta capaz de construir o

processo de libertação nacional de territórios africanos dominados pelo colonialismo europeu.

Desta forma, fazia-se necessária uma educação popular, anteriormente impossibilitada

pelo número limitado de escolas durante o regime colonial, as poucas escolas que existiam

estavam voltadas à formação de elites e à proteção de interesses coloniais, na opnião de Sekou

Turé era fundamental uma renovação dos conteúdos (apud HABTE et al, 2010): Nós devemos

africanizar a nossa educação e livrarmo-nos das falsas ideias herdadas por um sistema

educativo concebido para servir aos objetivos coloniais.

Sekou Turé não estava isolado em sua opinião, na verdade, as lideranças nacionalistas

anticoloniais comungavam das mesmas perspectivas em relação a descolonização do sistema

educacional. Vimos nos capítulos anteriores que a consciência histórica é um dos valores

fundamentais do Pan-africanismo, no dealbar da primeira metade do século XX o Pan-

africanismo e seus valores estruturam o pensamento nacionalista e os movimentos de

independência. São estas algumas das questões que abordamos no próximo tópico.

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2.2 Pan-africanismo e nacionalismo anti-colonial

O fim do conflito armado entre potências imperialistas do ocidente em 1945 reinicia

um clima de tensão política e militar entre dois blocos de países. Um bloco capitalista

liderado pelos Estados Unidos, inserido em um sistema político e econômico de exploração

liberal, e outro bloco imerso no sistema político e econômico socialista-comunista,

comandado pela União das Republicas Socialistas Soviéticas (URSS). Estes dois blocos de

países estabeleceram relações de cooperação com o continente africano baseadas na

submissão e trocas desiguais de recursos.

Desde a década de 1920, foi criada uma instituição denominada Liga das Nações com

o objetivo de mediar conflitos e promover a paz entre as nações, principalmente do ocidente.

Em 1945, a Liga das Nações foi transformada na Organização das Nações Unidade (ONU),

uma entidade internacional com a finalidade máxima de promover e assegurar a paz e os

direitos humanos no mundo. Contudo, as contradições da ONU começaram em sua própria

estrutura, formada a partir dos interesses de grandes potências econômicas como Estados

Unidos e França.

O nacionalismo africano no final da década de 1940 refletiu muitas consequências da

desafricanização, da degradação socioeconômica, do trabalho forçado e da destruição do

meio-ambiente em regiões como Moçambique, Angola e Cabo Verde. Amílcar Cabral (1978)

e os historiadores F.Canale e Adu Boahen (2010) comentam que no arquipélago de Cabo

Verde, localizado na costa oeste africana e colonizado por Portugal, entre os séculos XVI e

XX, a população de aproximadamente 150.000 habitantes foi reduzida a cem mil entre 1940 e

1948, por fome causada pela opressão administrativa portuguesa na região.

Na ótica do historiador B.O. Olatunji Oloruntimehin (2010), o nacionalismo africano

da primeira metade do século XX foi por essência pan-africano, e enquanto movimento foi

abrangente, alcançando populações rurais e do perímetro urbano que se mostravam

insatisfeitas e conscientes da exploração econômica e de outros abusos do sistema colonial. A

partir da década de 1940 eram nítidas as diferentes correntes pan-africanas no continente e na

diáspora. Havia divergências em relação à ideologia marxista-socialista e a busca por uma

opção política fundada em uns referenciais africanos. Algumas tensões entre correntes

políticas diferentes foram inesgotavelmente exploradas pelos colonizadores, como brecha

para criação de conflitos políticos.

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George Padmore foi um dos mais importantes críticos da postura imperialista dos

comunistas em relação ao continente africanos e aos afrodescendentes na diáspora. Padmore

nasceu em Trinidad em 1902, foi amigo de infância pelo historiador e influente escritor CRL

James,um dos criadores do movimento da Negritude. Na juventude Padmore dedicou-se aos

estudos de medicina e direito, conciliando-os à militância comunista junto a sindicalistas nos

Estados Unidos e Inglaterra. Trabalhou em ações coletivas contra a invasão da Etiópia através

da International Áfrican Friends of Abyssinia que após 1945 tornou-se o International

Áfrican Service Bureau, organização que realizou inúmeras publicações e encontros

políticos.George Padmore construiu uma rede de referenciais que possibilitaram seu contato

mais direto com as experiências anticoloniais na África Oeste. Estes contatos fizeram-no

conhecer Kwame Nkrumah, com quem trabalhou como conselheiro político..

O caráter político pan-africano do nacionalismo na África consolidou-se através do

que Joseph Ki Zerbo denominou de “grupos motores” das independências africanas, que era

formado por sindicatos, intelectuais, movimentos de estudantes, igrejas, partidos políticos, e

movimentos de jovens e mulheres. Os grupos motores trabalharam na mobilização e

conscientização popular, prepararam e condicionaram o Pan-africanismo teórico, cultural e

político ao plano do cotidiano, fatores que possibilitaram a construção das independências a

partir da década de 1950.

2.3 Grupos Motores das Independências africanas

A partir da década de 1930, os sindicatos africanos catalisaram diferentes aspirações

populares, principalmente em regiões de industrialização ou em fase de industrialização,

como a Costa do Ouro (Gana) e Nigéria. Foram considerados organismos subversivos pelos

sistemas coloniais, tiveram que enfrentar obstáculos impostos pela administração colonial, as

críticas estabelecidas por muitos sindicatos abrangiam todo o sistema colonial e não somente

suas condições de trabalho, tornando-os alvo da repressão dos governos coloniais. A

estabilidade profissional de professores possibilitou que a categoria cria-se seus primeiros

sindicatos na década de 1950, sem o risco eminente de demissões. Mas os sindicatos de maior

autonomia e articulação política foram a Confederação Geral dos Trabalhadores africanos na

Guiné Conacri a partir de 1956, e a Confederação africana de Sindicatos Livres, criada em

Abidjã no ano de 1958.

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O combate a alienação cultural se deu sob diversas frentes de luta, na forma de

associações de escritores, instituições de educação e pesquisa, conferências e na formação

política de jovens e estudantes. As organizações de estudantes aproximaram-se das

perspectivas políticas e sociais do Pan-africanismo. Na França de 1952 estudantes senegaleses

fundaram a Federação de Estudantes da África como movimento nacionalista, a revista

Presence Africaine, criada pelo senegalês Alione Diop e sua esposa foi um potencial canal de

comunicação desta Federação. Países como Portugal e Bélgica começaram a realizar seleções

mais cuidadosas de bolsistas africanos, para evitar tendências nacionalistas pan-africanas.Em

1956 e 1959 estudantes negros realizaram em França e Roma congressos de Escritores e

artistas africanos com o apoio da Presence Africaine.

Os jovens articularam seus pontos de vista políticos em inúmeros grupos religiosos,

cristãos, islâmicos e das religiões tradicionais africanos. Durante toda a primeira metade do

século XX no Senegal, Gana, Nigéria, Congo e África do Sul ocorreram diversas atividades

anticoloniais promovidas em caráter coletivo de templos religiosos. Mesmo sistematicamente

combatidos desde a decada1920 movimentos islâmicos como Mouride no Senegal e Sokoto

da Nigéria deram continuidade aos seus trabalhos e manifestações anticoloniais.

No campo cristão, as igrejas de Jesus Cristo Sobre a Terra (dirigida por Simon

Kimbangu do Congo), Cristo Negro na Nigéria, Antepassados no Quênia, Cristo para União

dos Bantus na África do Sul, a Igreja autóctone do Exército da Cruz de Cristo liderada por

Jeremiah Jehu–Apiah na Costa do Ouro (atual Gana), e asigrejas independentes na África do

Sul assumiram uma postura de oposição ao colonialismo, e conseguiram congregar setores

intelectuais e populares da sociedade. O historiador Basil Davison (2010) nos revela que entre

1918 e 1932 havia mais de 800 igrejas etiopes pro - ruptura e sionistas no continente africano.

O caráter de movimentação de massas das organizações de jovens operou como

verdadeiro catalisador das aspirações populares,os movimentos estudantis assumiram a

produção intelectual e cultural pan-africana. Sabemos através do Historiador T. Odhiambo

(2010) queorganizações de jovens reivindicavam melhores condições de trabalho, salariais,

educacionais, autonomia política, e políticas antirracistas em suas reuniões e

conferências.Neste sentido, podemos citar o Young Baganda Association de Uganda, e a East

Áfrican Association do Quênia, o Nigérian Youth Moviment, os clubes e as associações da

Costa do ouro (atual Gana) como o West Áfrican Youth League e em Serra Leoa o West

Áfrican Youth.Muitas organizações de jovens foram criadas fora do continente por

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universitários africanos, como a West Áfrican Studants Union (WASU) na Inglaterra,

Federation dês Etudiants d’Áfrique Noire (FEANF) na França e a Casa dos Estudantes do

Império em Portugal. Em muitos casos lideranças dos processos de independência adquiriram

sua primeira formação política nessas associações estudantis.

A partir de 1945 outro grupo motor das independências entrava em cena, os partidos

políticos, que começaram aproliferar-se de um encadeamento entre fatores anteriores à

colonização, dentre os quais a anterioridade dos chefes tradicionais, organizações clânicas e

grupos religiosos. Na década de 1950 tais características foram suplantadas pela difusão da

informação por novos meios de comunicação através de rádio e jornais como Evening News

do (Gana) e West Áfrican Pilot da Nigéria.

Mas sem dúvida, a consolidação dos partidos deu-se com a adesão por parte dos

sindicatos, grupos de jovens interessados pela unidade africana, e pelas mulheres com suas

perspectivas sobre o anticolonialismo, comissões educacionais e de tradicionais contadores de

história, responsáveis pela divulgação da memória através de canções, muitas das quais,

tornaram-se símbolos de partidos. Joseph Ki Zerbo (1972) argumenta que os comícios eram

pedagogicamente baseados em informações sociais e conhecimento histórico, tais eventos

transformaram-se em centros de educação popular. Os partidos políticos de caráter

nacionalista pan-africano como o Centre for Áfrican Studies (CAS), Partido africano da

Independência de Guiné Bissau e Cabo Verde (PAIGC), African Revolutionary Front

(FRAIN), Conferência das Organizações Nacionais das Colônias Portuguesas, Comitê de

Libertação dos Territórios africanos sob Dominio Português, o Convention People Party, o

All Áfrican People Conference, e o African Nationalst Congress destinaram todo o empenho à

formulação e cumprimento de seus programas políticos de libertação. Muitos destes optaram

por não medir forças militares contra as instituições do regime colonial por três motivos, as

fronteiras artificiais do colonialismo, a falta de poder bélico dos movimentos e a existência de

força militar colonial exterminadora.

Nos territórios sob dominação francesa, inglesa e portuguesa formaram-se os grandes

partidos políticos, primeiramente naquelas regiões onde havia assembleias legislativas, assim

foram criados no Gana o United Coast Convention (UGCC) e o Convention People Party

(CPP), na Nigéria o Action Group, Serra Leoa o Sierra Leoa People Party, Cabo Verde e

Guiné Bissau o Partido africano para Libertação de Guiné Bissau e Cabo Verde – PAIGC e

em Gâmbia o People Progress Party. Tais partidos tinham em sua base jovem do perímetro

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rural e urbano, organizações femininas, militares, estudantes, chefes tradicionais, sindicatos,

comerciantes, artistas e negociantes.

As mulheres formaram uma linha horizontal de participação e atuação nas estruturas e

das bases dos partidos políticos. No contexto africano as mulheres foram à força motriz dos

movimentos anticoloniais, Joseph Ki Zerbo (1972, pág. 181) observa que:

[...] seu papel foi ainda mais decisivo nas regiões do litoral do Golfo da Guiné, onde

tradicionalmente tomava parte de maneira mais ampla nos assuntos públicos, como

consequência de sua maior liberdade, do regime matrilinear e da sua força

econômica. As associações de quitandeiras na Costa do Marfim e do Togo

dominavam o mercado pelo monopólio da venda de certos produtos de grande

consumo. As quitandeiras politizadas eram propagandistas de choque, com atividade

permanente, e iam ao ponto de exigir do cliente apresentação do cartão do seu

próprio partido antes de o servirem. Certas mulheres são exaltadas ainda como

heroínas da luta anticolonial.

Mesmo a luta anticolonial possuia diferentes direcionamentos, desde as intencões

individualistas de grupos locais que viram na independência uma forma de assumir uma

espécie de colonização doméstica, aos que pretendiam reproduzir as experiências socialistas

sovieticas dentro do continente africano. Sem negarmos a influência das ideias socialistas no

seio das lutas anticoloniais, as frentes de luta que nos interessam são aquelas que buscaram

nas experiencias históricas africanas um direcionamento para o pós independencia, mais

objetivamente os que viram na Unidade Federal africana a única saida para a auto-

determinacão da nacões recêm independentes.

2.4 O Fator Unidade na África

As associacões, organizacões de estudantes, sindicatos e partidos politicos engajaram-

se em iniciativas e manifestações pela melhoria das condição nacional e pela independência

propriamente dita. Todavia, setores destas organizações dedicaram-se a luta pela

independencia nacional consiliando-a a perspectiva de unidade federal dos Estados africanos

independentes. Como vimos no Capítulo 1, a unidade africana tem sido uma questão pensada

e posta em prática por lideranças africanas – como Samory Touré e Chaka Zulu, desde o

século XIX, antes das instalações militares coloniais.

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Nas decadas de 1940 e 1950 a proposta de uma unidade federal africana foi tema de

militancia estudantil, fator estrutural de movimentos sociais, partidos politicos, e a linha de

trabalho seguida por lideres nacionalistas.Entre as associações instaladas na França por

exemplo havia a Associacão dos Estudantes do Alto Volta (AEVF), Federacão dos Estudantes

da África Negra (FEANF) e Associacão dos Estudantes africanos de Paris ( AEAP). O jovem

estudante senegalês Cheikh Anta Diop fazia parte de um partido politico nacionalista

denominado Reunião Democrática Africana (RDA) e da Associacão de Estudantes da RDA

(AERDA). Na segunda metade de 1940, Diop realizou uma série de conferências sobre

aspectos do nacionalismo africano , dentre os quais a lingua, cultura, economia, história e

política.

No ano de 1948, Cheikh Anta Diop escreveu o artigo Quando vamos falar de uma

Renascimento africano , onde sintetizou uma reconstrução das nações africanas independentes

apartir das suas próprias tradições e experiências históricas .O jovem Diop enfatizou o papel

dos escritores, dos artistas e das linguas maternas como base de fundacão da cultura, na sua

perspectiva os cientistas e principalmente das massas jovens africanas deveriam acreditar

mais em si perante os desafios da luta nacionalista contra o colonialismo.

Mas foi no jornal da AERDA em 1952, que Cheikh Anta Diop elaborou um programa

do pensamento nacionalista sobre a Unidade, “Vers une idéologie politique Áfricaine”, em

que tratou da identificação e transposicão dos obstáculos para a constituição de uma

federação de Estados africanos. Dentre as problemáticas observadas pelo autor estavam a

alienação cultural atrelada a falta de consciência histórica e a relação entre conflitos étnicos

e qualidade da educacão .

No campo dos partidos politicos pan-africanos podemos citar dois exemplos daqueles

que consiliaram a luta por independencia com a proposta de Unidade Federal, o CPP de

Kwame Nkrumah do Gana, e o PAIGC de Amílcar Cabral da Guiné Bissau\Cabo Verde.

Aproveitando-se de assembleias gerais e linhas de diálogo diplomático com a Inglaterra os

partidos UGCC e posteriormente o CPP do Gana foram apoiados pelo grupo cultural Veranda

Boys, que organizou na déecada de 1950 uma verdadeira campanha popular pelos ideais pan-

africanos do CPP, a independencia do Gana, a unificação política e econômica do continente

africano. Em 1957, ano de independência do Gana, a substituição do nome Costa do Ouro

para Gana baseou-se no conhecimento histórico sobre o antigo Reino do Gana, ao mesmo

tempo, tal escolha era uma posição de resitência cultural.

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Figura18: Kwame Nkrumah

Fonte: correionago.ning.com

O PAIGC nasceu equanto partido por volta de 1956, mas no início da decada de 1960

os objetivos principais do Partido, independência e Unidade, já estavam sendo movimentados

na prática por seu fundador, Amílcar Cabral. O PAIGC enquanto partido africano, ou seja,

continental, foi pensado como um elo histórico entre duas regiões invadidas e colonizadas por

Portugal, Guiné Bissau e o arquipelago de Cabo Verde. Na década de 1960, o PAIGC foi a

ferramenta de luta política e militar para a libertação de ambas nações na decada seguinte.

A Unidade dizia respeito a organizacão política administrativa, as relações

econômicas, restruturação dos sistemas educacionais, impulsionar o avanço da ciência e criar

novas infraestruturas, ao mesmo tempo, uma forma de estirpar através da resistência conjunta

as ações dos exploradores do continente. Unidade e a resistência, ou os tipos de resistência,

foram os elementos decisivos que lideranças nacionalistas empregaram nas lutas de libertação

nacional. E é este painel de elementos que na terceira parte desta capítulo delineamos dentro

do perfil biográfico de formacão politica de kwame Nkrumah e Amilcar Cabral.

2.5 Unidade e resistência: Kwame N’kruma e Amílcar Cabral

Kwame Nkrumah nasceu no ano de 1909

em Nkroful, província de Nzima, antiga Costa do

Ouro (atual Gana), onde foi aluno de escolas

missionárias criadas pela administração colonial

para formação de quadros administrativos. Em

1935 migrou para os Estados Unidos onde estudou

direito e sociologia na Lincoln School. Logo nos

primeiro anos no EUA identificou-se com trabalho

de WEB Du Bois e com a UNIA de Marcus

Garvey.

O jovem Nkrumah participou com empenho de atividades estudantis, que o

possibilitaram conquistar a presidência da organização de estudantes West African Students.

Durante os Congressos Pan-africanos conheceu o antilhano George Padmore, os dois

estabeleceram uma parceria sólida na formulação de teorias sobre independência, no Pan-

africanismo e na política internacional.

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Figura 19: Amílcar Cabral

Fonte : www.reunionblackfamily.com

Em 1945 N´krumah e George Padmore trabalham na Pan-African Federation, uma

plataforma para a organização do congresso pan-africano de Manchester, neste mesmo ano

Nkrumah liderou do The Circle, uma organização secreta de combate ao colonialismo e para

organizacão nacional africana. Após o Congresso Pan-africano de Manchester em 1945

Nkrumah fundou a West Áfrican National Secretariat e em 1947 retornou ao Gana. Sob a

indicação do líder sindicalde J.B. Danquah, Kwame N’krumah assume o cargo de secretário

do United Gold Coast Convention (UGCC), organização que coordenava reuniões periódicas

para formação política de trabalhadores e para boicotes ao monopólio de produtos europeus,

essas atividades levaram Nkrumah à prisão diversas vezes.

Sentindo-se limitado com o excesso de teorização e poucas ações práticas da UGCC,

Nkrumah cria um movimento de massas denominado Convention People Party (CPP), uma

organização diretamente ligada a setores como os sindicatos e associações organizações da

juventude, sob o lema de: “ação positiva para autonomia imediata (“ self goverment now”),

auto governo e unidade entre diferentes setores sociais, tal envergadura política leva Nkrumah

e uma série de militantes do CPP para a prisão. Sob negociação com Inglaterra o CPP

consegue intermediar eleições públicas para primeiro ministro através da campanha de voto

consciente “ação positiva”. Através das eleições, mesmo em cárcere, N’krumah foi eleito

primeiro ministro em 1952, situação que preparou as medidas necessárias para em 1957 a

Costa do Ouro assumir sua independência como primeiro Estado africano liberto da

dominação colonial, passando a se chamar Gana, e utilizando a bandeira da Etiópia como base

de construção da sua própria bandeira.

Filho de pai e mãe cabo verdianos,

Amílcar Cabral nasceu no ano de 1924 em Bafatá,

região sul da Guiné Bissau em 1924, território

regido pela dominacão colonial portuguesa. Em

1945 Cabral migrou para Portugal para estudar

economia e engenharia hidráulica, onde se

envolveu no ativismo político com outros

estudantes africanos tornando-se Secretário Geral

na Casa dos Estudantes do Império. Com

estudantes africanos de outras colônias

portuguêsas realizou atividades no Centro de Estudos

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africanos, estudos críticos sobre o colonialismo. Após formar-se em Portugal, Amílcar Cabral

foi enviadoà Guiné Bissau para realizar um recenseamento agrícola em 1953. Tal atitude deu-

lhe apossibilidade de conhecer todo o país, e projetar caminhos de organização popular.

Durante a década de 1950, Amílcar Cabral optou pelo Pan-africanismo e pela unidade

africana como caminhos e ferramentas viáveis para a independência e desenvolvimento

africano das nações. Em 1956 fundou o Partido africano da Independência (PAI), o embrião

do que se tornou o Partido africano da Independência de Guiné Bissau e Cabo Verde.

Os países europeus imperialistas assumiram diferentes estilos administrativos no

continente africano. No contexto social da África Meridional, do Sul e Central o colonialismo

belga, holandês e português investiu na espoliação das condições de trabalho de campo, a

proletarização e urbanização mais rápidas que em outras áreas como a região leste do

continente, o historiador Basil Davison (2010, pág. 788) chama a atenção para o fato que na

região meridional: […] os brancos tinham monopolizado todos os emprego que poderiam ser

acessíveis aos africanos instruídos, seja na administração, no setor econômico, na igreja ou

em outros setores [“…]”

No ano de 1956, sob a liderança de Cabral foram lançadas as diretrizes do Partido

africano da Independência de Guiné Bissau e Cabo Verde, no mesmo sentido, o Convention

People Party de Kwame Nkrumah avançava nos enfrentamentos políticos e diplomáticos para

a libertação e independência do Gana. O CPP e o PAIGC militaram pela integração e

autossuficiência do continente africano. As tendências de fragmentação regional apoiavam-se

na vulnerabilidade industrial e militar do continente africano, na dependência psicológica de

dirigentes e de setores elitistas que inseriam cada vez mais o continente das aventuras e

desventuras de sistemas econômicos de países europeus e Estados Unidos.

2.6 Entre as independências africanas

A construção nacional dos primeiros territórios libertos passava por toda uma

reorganização da economia, da divisão social do trabalho, infraestrutura e língua nacional…

enfim, uma retomada do que os historiadores Joseph Ki Zerbo e Ali Marzrui denominam de

valores políticos africanos. A coletividade era, por exemplo, um valor político do

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nacionalismo africano, nesse sentido Joseph Ki Zerbo (2010, pág. 566) destaca a perspectiva

de Sekou Ture da Guiné Conacri:

A África é, essencialmente, ”comunocrática”. A vida coletiva, marcada pela

solidariedade social, confere aos seus hábitos um caráter humanístico que muitos

povos podem invejar. Igualmente em razão destas qualidades humanas, na África,

um ser não pode conceber a organização da sua vida à margem da estrutura própria à

sociedade familiar fundada sobre pequenas comunidades ou clânicas. [...]

Intelectuais ou artistas, pensadores ou pesquisadores, as suas capacidades não têm

valor, senão à condição de concorrerem em prol da vida do povo, salvo se estiverem

integradas, de modo fundamental, à ação, ao pensamento, assim como às aspirações da população.

Na década de 1960 durante os processos de independências africanas formaram-se

dois blocos políticos distintos. Um bloco integrado por cerca de doze dirigentes africanos que

advogavam a continuidade das relações de submissão aos interesses de países europeus e dos

Estados Unidos, esse bloco ficou conhecido como Monróvia, por que iniciou uma série de

conferências em Monróvia, capital da Libéria. O outro bloco minoritário era formado por

Gana, Guiné Conacri, Mali, Egito (República Árabe Unida), Argélia e Marrocos, sua postura

era de ruptura e independência imediata com o colonialismo e advogavam pela unidade

africana, suas primeiras reuniões ocorreram em Casa Blanca, capital do Marrocos, conotando

ao mesmo a denominação de “Casa Blanca”.

Sob um contexto geopolítico nitidamente dividido, o III Congresso dos Povos

africanos ocorreu em 1961 no Cairo comandado por Abdel Nasser do Egito. A realização do

Congresso foi uma vitória, pois não existiam voôs regulares, muitos participantes tiveram que

viajar de navio, e as linhas telefônicas funcionavam com precariedade, no geral a

comunicação era feita através do correio e de emissários.

O encontro conseguiu reunir 250 delegados, partidos políticos, sindicatos e

organizações africanas com a proposta de encerramento das ações do imperialismo dentro do

continente, nessa oportunidade foram definidos deliberações pertinentes, entre as quais: a)

Formação de um comitê responsável por um fundo para sustentar custos dos processos de

libertação e estruturação nacional; b) Rede de rádio difusão para diálogo direto com as

populações em línguas locais; e c) Solidariedade com movimentos de libertação da diáspora

africana.

Entre 1954 e 1961 a repressão colonial executou uma série consecutiva de assassinatos

às lideranças de movimentos, de partidos e de presidentes africanos com posturas

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anticoloniais. Podemos exemplificar com as mortes de Dedan Kimathi do Movimento Mau

Mau no Quênia, Reuben Um Nyobe do Camarões, Barthelemy Boganda da República Centro

africana e Felix Rolant Moumié do Camarões. Algumas das agências de espionagem e

repressão vinculadas a países europeus e Estados Uidos envolvidos nestes golpes foram o

Serviço de Inteligência da França (SDECE), o Serviço de Inteligência de Portugal (PIDE) e

serviços secretos dos Estados Unidos (CIA) E Grã-Bretanha (M5).

Patrice Lumumba foi o primeiro ministro do Congo, seu assassinato na província de

Katanga em 1961 está ligado a uma aliança entre Estados Unidos, Bélgica e França e elites

locais interessados nos recursos minerais e energéticos da região, o assassinato de Lumumba

está inserido em um universo de intrigas de países europeus e conivências de organizações

internacionais como a ONU. O assassinato de Lumumba desencadeou uma série de protestos

no continente e diáspora, organizados por grupos como a Associação Cultural de Mulheres de

Tradição africana, dirigida pela escritora Maya Angelou, e a Nação do Islã (NOI) presidida

por Elijah Mohamed e representada por Malcom X nos Estados Unidos.

As ações de Kwame Nkrumah e Amílcar Cabral merecem o devido destaque por

alguns motivos, ambos assumiram a posição nacionalista, anticolonial e pan-africana em seus

projetos e atividades políticas. Integrantes de grandes movimentos sociais de massas, os dois

preocuparam-se com a educação popular, com a escola e com o conhecimento histórico,

produziram também uma gama de documentos escritos. Kwame Nkrumah e Amílcar Cabral

instrumentalizaram-se do socialismo, mas não se limitaram as teorizações e conceitos

marxistas e soviéticos, o socialismo obteve função circunstancial, instrumental e política do

Pan-africanismo naquele período.

2.7 Similaridades – N’krumah e Cabral

Nas perspectivas de Kwame N’krumah e Amílcar Cabral a Unidade africana era uma

resposta à dominação colonial, e principalmente uma resolução das problemáticas políticas e

econômicas do continente. Neste sentido era projetada como caminho concreto para formação

de um Mercado Comum africano, a interdependência econômica seria capaz de servir aos

interesses dos Estados africanos, em substituição às aberrações econômicas importadas dos

países industrializados, mas sim das riquezas do continente dentro do próprio continente.

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A unidade administrativa e econômica africana esteve na base das perspectivas

políticas dos partidos e movimentos de luta pelas independências nacionais, mas seus

obstáculos diretos foram às elites locais separatistas. Sob os diferentes estatutos políticos

coloniais (francês, inglês, português, belga, italianos, espanhol e alemão) governos europeus

reprimiram movimentos sociais e partidos politicos, desistimulando quaisquer iniciativas

africanas de integração, pois, a desagregação era uma forma de controle político e econômico

do continente africano. Grupos políticos e militares fortes o suficiente para contrapor a

dominação estrangeira e estabelecer a plena independência.

Kwame N’krumah (1977) tinha uma posicão muito nítida sobre o Pan-africanismo

enquanto um movimento pela unidade africana e independência .Na mentalidade de Nkrumah,

o significado da independência do Gana só seria completo com a independência ideológica ao

sistema colonial, unificação federativa do continente, e de sua autonomia econômica, política

e militar. Para N’krumah a Unificação, ou Unidade africana, manifestou-se com a percepção

do que Wilmot Blyden definiu de personalidade africana. O nascimento do Pan-africanismo,

como foi expresso por Nkrumah (1977) deveria ser compreendido no âmbito da política

mundial, pois seria impossível separar a África das questões mundiais.

Kwame N’krumah foi decisivo ao afirmar que a independência africana só se dará

com libertação do continente, e a libertação do continente será a face de sua unificação: Só

poderemos celebrar avitória final da luta pan-africana edos movimentos africanos de

libertação quando tivermos conseguido uma unidade política perfeita.(NKRUMAH, 1977,

pág. 161). No caso de Amílcar Cabral não havia divergência entre independência e unidade,

os dois propósitos caminhavam juntos, interdependentes. O historiador venezuelano Reinaldo

José Bolívar destaca o seguinte pensamento de Cabral sobre o tema (BOLIVAR, 2003, pág.

72):

“[...] somos pela unidade africana à escala regional ou continental, enquanto meio

necessário para construção do progresso dos povos africanos, para garantir a unidade

e segurança desse processo […] não devemos esquecer que a característica essencial

da história, a situação concreta da África exige a liquidação total do colonialismo, a

construção de uma base fundamental para realização da unidade africana”.

Ocorreram exemplos contemporâneos bem sucedidos de unidade, como a realizada

por Julius Neyrere entre Zanzibar e Tanganica, que se tornou o Estado da Tanzânia em 1964.

No caso específico de Guine Bissau e Cabo Verde, a Unidade era elemento estrutural do

PAIGC, Amílcar Cabral (1978, pág. 118) afirmava que:

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Pusemos o problema da unidade na nossa terra, tanto na Guiné quanto em Cabo

Verde, no sentido de tirar ao inimigo a possibilidade de explorar as contradições que

pode haver entre a nossa gente para enfraquecer a nossa força, que temos de opor a

do inimigo […]. A contradição limita-se apenas a uma pequena burguesia (…) é

dessa pequena burguesia que surgem os grupos oportunistas que tem combatido o

PAIGC. Grupos de oportunistas que, no primeiro movimento que fizeram, já eram

ministro disso e daquilo […].

Mas, esta pequena burguesia, ou elite identificada e criticada por Amílcar Cabral se

elevaria ao agente da colonizacão doméstica. As elites formaram o elemento chave para a

perpetuacão das relacões de exploracão, Kwame Nkrumah denominou de sistema neo-

colonial, aquele que foi um dos maiores obstáculos a independencia nacional e unidade

africana.

2.8 Elites e Neocolonialismo

As elites formadas pelo sistema de dominação colonial exerceram o papel de

desarticulação da unidade politica e econômica africana. Trabalharam sob a perspectiva de

individualismo e busca de privilégios e obtenção de benefícios dos sistemas econômicos

internacionais, além de fazerem apologias aos mitos de superioridade cultural europeia e

inferioridade cultural africana. Esses mitos aberrantes eram reconhecidos por Kwame

N’krumah como um problema para o nacionalismo e à própria unidade africana:

Os efeitos sociais do colonialismo são ainda mais insidiosos que os efeitos políticos e econômicos, por que penetrando profundamente nos espíritos, demoram mais a

desaparecer. Os europeus relegaram-nos para uma situação de seres inferiores em

todos os aspectos da vida quotidiana. Muitos dos nossos compatriotas chegaram a

admitir que eramos um povo inferior. Só depois de essa ideia ter sido postacausa é

que a revolta se manifestou e os fundamentos do colonialismo foram abalados.

(NKRUMAH, 1977, pág. 47)

Sob análise de N’krumah (1977), os separatismos regionais, étnicos e culturais

promovidos pela cultura colonial e seus representantes africanos dessas ideias foram os

propulsores das mais diversas privações para os Estados recém-independentes nesse contexto,

a posição de não alinhamento à política externa dos colonizadores europeus de nações

afrianas tornou-se um imperativo para a administração econômica do Gana, assim como da

Tanzânia de Julius Neyrere, e da Guiné Conacri de Sekou Turé.

O comentário de Amílcar Cabral (1974, pág. 125) sobre a “Vigilância porque quem

divide o nosso povo, ele é pior que o inimigo tuga (português) que de certeza se vai embora”

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estava diretamente ligada a duas questões perigosas: o papel das elites e o neocolonialismo.

Amílcar Cabral observava que em Cabo Verde e Guiné Bissau os portugueses investiam

estrategicamente na formação de administradores, apostando no reforço das relações de

exploração e investindo na ganância das elites africanas.

2.9 O neocolonial e Resitência Nacional

A década de 1960 foi à década das independências africanas, período em que uma

série de nações conquistaram a independência, entre as quais o Alto Volta (atual Burkina

Faso), Uganda, Togo, Nigéria e Mali. Todavia, o processo das independências africanas fez

com que as classes burguesas constituídas durante o colonialismo ficassem politicamente

mais fortes, e esta força irradiava da reorganização global do colonialismo conduzida por

Estados Unidos, França, Alemanha Bélgica, Espanha e Portugal. Na perspectiva de Kwame

Nkrumah esse era o retrato crítico da geopolítica do novo colonialismo, ou neocolonialismo:

[...] na Ásia, África, região das Caraíbas e América Latina, o imperialismo

simplesmente muda de tática. Sem qualquer escrúpulo, dispensa as bandeiras e

mesmo determinados dos seus funcionários mais odiados no estrangeiro. Isso

significa segundo afirma que está dando independência aos seus antigos súditos, que

será seguida de “ajuda” para o desenvolvimento. Sob essas frases, no entanto, imagina meios inumeráveis para alcançar os objetivos que eram anteriormente

atingidos pelo colonialismo […] a soma dessas tentativas modernas para perpetuar o

colonialismo ao mesmo tempo em que falam em liberdade, que veio a ser conhecida

como Neocolonialismo (NKRUMAH, 1967, pág. 281).

Em busca de uma definição mais precisa do neocolonialismo no continente africano,

Kwame N’krumah insistiu na fragilidade politica das independências africanas na década de

1960, problematizando que:

[...] dando a independência aos seus antigos súditos, que será em seguida de ajuda

para o desenvolvimento. Sob essas frases ,no entanto, imagina meios inumeráveis

para alcançar os objetivos que eram anteriormente atingidos pelo colonialismo […].

É a soma dessas tentativas modernas para perpetuar o colonialismo, ao mesmo

tempo em que falam de liberdade, que veio a ser conhecida como neo-colonialsmo.

(NKRUMAH, 1975, pág. 281)

Para Kwame Nkrumah, um dos passos mais importantes para todo o movimento de

unificação africana foi dado em 1958 no Gana com a I Conferência de Estados africanos,

onde foi confeccionado um documento geral e um núcleo para Organização dos Estados

africanos. Kwame Nkrumah considerava que as experiências promovidas pelas conferências

foram de suma importância:

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“[...] outras conferências de todos os povos da África se realizarão, e as suas

resoluções e declarações terão um peso cada vez maior Outra reuniões pan-africanas

continuarão a surgir, para discutir problemas políticos, econômicos e sociais”. Já não

se passa uma semana se que se ouça falar de qualquer reunião e africanos de

diversas partes do continente. À medida que África se for livre, estes encontros

crescerão em participação, em força e eficácia. (ZERBO, 1977, pág. 163)

Nesse encontro foram oportunizados diálogos entre o Governo Provisório da Argélia e

o governo Francês. Ao mesmo tempo em que ocorreram cisões e principalmente medidas

conjuntas de cerceamento econômico, energético e jurídico à África do Sul através da

Comewelth e do Tribunal da Haia. Em 1959 II Conferência dos Estados Independentes

realizada em Monróvia, foram condenados os testes nucleares franceses no Saara, os conflitos

no Camarões e na Argélia, essa conferência foi uma oportunidade de reunir diversos tipos de

apoio à Força de Libertação Nacional da Argélia responsável pela instauração do Governo

Provisório no país.

Durante o I Congresso dos Povos africanos em 1958 o projeto pan-africano de

unificação do continente deparou-se com cisões políticas entre os países recém-

independentes. No mesmo ano ocorria em Adis Abeba – Etiópia a III Conferência dos Estados

independentes organizada por Haile Selassie, o historiador Lance Seunarine destaca o

seguinte trecho do discurso de abertura do evento feito por Haile Selassie: Os povos africanos

só conhecerão o seu pleno desenvolvimento no dia e que cada um deles conquistar a

independência e liberdade totais. (SEUNARINE, 1999, pág. 75)

No ano de 1960 ocorreu o II Congresso dos Povos africanos na Tunísia, com a

participação de 32 países a maioria representante de territórios dominados ou influenciados

pela França entre os quais Guiné Conacri, Togo e Camarões. Deste congresso foi retirado um

comitê formado por Ahmed Boumendjel, Félix Moumié e Sekou Turé de Guiné Conacri e

Patrice Lumumba do Congo. O tema central do encontro foram as dificuldades e as estratégias

a serem tomadas para a libertação definitiva de territórios dominados.

Perante o contexto neocolonial enfrentado pelas nacões independentes como Gana,

Tanzânia, Quenia, Egito e Guiné Conacri, e pelas colônias em luta pela independência a

exemplo de Namibia, Cabo Verde, Guiné Bissau, Angola e Mocambique, Nkrumah

compreendia que havia uma série de desafios para a o desenvolvimento do processo de

unidade africana, dentre os quais o desafio cultural, um deles foi o idioma :

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[…] os neo-colonialistas tudo fazem […] encorajando a formação de comunidades

baseadas na língua dos antigos colonizadores. Não podemos permitir que este

processo nos divida e desorganize. Fato de falar inglês não faz de mim um inglês.

Do mesmo modo o fato de alguns de nós falarmos Frances ou português não os

transforma em franceses ou portugueses. Somos africanos, simplesmente africanos,

e só poderemos defender os nossos interesses nos unindo no quadro de uma

comunidade africana […]. (NKRUMAH, 1977, pág. 244)

Para N’krumah os sindicatos eram encarados como um verdadeiro “grupo motor”, um

setor com potencial força de construção da Unidade africana, e um meio de impedir as

intenções de continuidade do sistema colonial no setor industrial e semi-industrial. Após a

independência do Gana foi criada uma Federação Pan-africana de Sindicatos dos países

africanos independentes, no primeiro evento organizado por este sindicato no ano de 1959

Nkrumah afirmou que:

Devido à sua orientação africana e independente, considero a federação pan-africana

dos sindicatos um instrumento dinâmico e positivo para unidade dos povos

africanos. Pode servir de ponto de encontro para todos os sindicatos do continente,

pode constituir uma união de fato, imediata, reunindo os sindicatos que já existem

nos estados independentes e acolhendo os restantes quando os seus países libertarem-se. Temos que optar em unir-nos para defender os interesses africanos ou

sucumbir às manobras imperialistas para nos recolonizar. (NKRUMAH, 1977, pág.

158)

Os imperialistas colonizadores europeus investiram nas elites marionetes como a

continuidade de seus interesses de exploração de recursos africanos. Beneficiadas enquanto

classe econômica e politica, essas elites receberam subsídios internacionais para enfraquecer

os governos das nações recém-independentes, assim como sindicatos, escolas e planos de

cooperação regional. Neste contexto ocorreram golpes de Estado e a reprodução no setor

administrativo de valores comportamentais ocidentais racistas, elitistas e individualistas, nas

palavras de Kwame N’krumah:

[…] é preciso atacar com determinação a minoria reacionária, fortemente entrincheirada entre os nossos povos. Porque a suceção de golpes de Estado

reacionários perpretados na África ocidental e central demonstram claramente […] a

relação existente entre os interesses do neocolonialismo e da burguesia local.

(N’KRUMAH, 1975, pág. 8)

Neste sentido, o capital estrangeiro, americano e europeu, investido em elites locais,

crioupara as mesmas uma falsa ideia de poder, uma vez que eram facilmente substituídas pela

influência de empresas das antigas dominações europeias. Empresas estas dedicadas a

extração de diversos tipos de recursos naturais, principalmente minérios. Uma questão

problemática e diretamente ligada ao assassinato de Patrice Lumumba do Congo, pois a

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província de Katanga era um território cobiçado por belgas e franceses como setor energético

e mineral.

Na administração de Nkrumah no Gana a posição perante a exploração do capital

estrangeiro era de combate, e teve como objetivo impedir que a força financeira de nações

como Estados Unidos, França e Inglaterra empobrecesse a economia não somente do país

como de nações com menos condições. Nesse sentido, a política de não alinhamento

promovida por países africanos independentes, e reforçada pela Conferência de Bandung, que

teve como motivação central a defesa dos interessesde países com menos poder de capital, em

outras palavras criar mecanismos de poder para os mesmos.

A exploração neocolonial dividia-se entre as políticas econômicas de mercado e a

extração desenfreada de matérias e fontes de energia do continente. Mercados financeiros e

bancos passaram a ser agentes do sistema neocolonial, invadindo de forma predatória as

antigas coloniais no continente usando como instrumento de diálogo consórcios financeiros e

industriais de bancos e organizações. N’krumah (1982) exemplifica este fato com as ações da

Oppenheimer, Hambro, Drayton, Rothschild, D.Erlanger, Gillet, Lafond,Robiliard, ligadas a

países como Reino Unido, França, Estados Unidos, Alemanha entre outros.

Entre o final da década de 1940 e metade da década de 1950 a população africana era

estimada em 280 milhões de pessoas (oito por cento da população mundial), distribuída em

regiões com reservas minerais duas vezes maiores que das Américas e leste europeu em cerca

de dois bilhões de toneladas métricas, além de reservas de carvão, petróleo e quarenta por

cento potenciais de energia elétrica mundial. Contudo, em “Neocolonialismo: Ultimo Estágio

do Imperialismo” Kwame Nkrumah (1982) ressalta que detendo 53 dos mais importantes

minerais e metais básicos do mundo, nenhum destes bens estavadisponível para o a

industrialização e desenvolvimento endógeno do próprio continente africano .

Em síntese, no final da década de 1950 foram contabilizados os seguintes produtos

explorados em benefício de países internacionais, segundo N’krumah (1982): Grã- Bretanha–

minério de estanho e concentrados, minério de ferro, manganês, cobre, bauxita, minério de

cromo, amianto, cobalto e antimônio; França- algodão, minério de ferro, zinco, chumbo e

fosfato; Alemanha- artigos de cobre importados, minério de ferro, minério de chumbo,

minério de manganês, minério de cromo e fosfóritos.

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Ao mesmo tempo, crescia o perigo da existência de uma falsa proposta de cooperação

internacional baseada na ideia de desenvolvimento dos setores financeiros, educacionais e

culturais. Todavia, os países não alinhados ao sistema capitalista as viam como um método

eficaz para conter o desenvolvimento real das nações independentes. Nas regiões não

independentes os enfrentamentos destas práticas duvidosas de cooperação exigiram um

verdadeiro elenco de forças anticoloniais denominadas por algumas lideranças pan-africanas

por “resistência”, ou formas de resistência. A ideia de resistência econômica, política e

cultural são por diversas vezes confundidas com um posicionamento de refúgio estático,

entretanto, no sentido social e histórico do Pan-africanismo a resistência é sinônimo de

movimentação, persistência, dinamismo e criatividade.

Na perspectiva imperialista todas as atividades políticas, econômicas, religiosas e

artísticas ligadas à unidade africana eram ameaças ao sistema, pois colocavam em risco os

interesses múltiplos de exploração. Sobre a exploração das riquezas, Amílcar Cabral entendia

que a resistência econômica era uma forma de assegurar vida do trabalhador e dos bens da

terra, nesse sentido, em seu conjunto de documentos denominado “Unidade e Luta”, Cabral

(1974, pág. 158) afirmava que era fundamental:

[…] destruir tudo, completamente, o sistema econômico colonial português na nossa

terra […] construir a nossa própria economia. […] em Cabo Verde, o nosso objetivo

é destruir principalmente a exploração no nosso povo pelo regime de grandes

propriedades de terras ao nosso povo. O nosso povo tem que ser rendeiro, o quer

produza ou não, tem que pagar a renda, vivendo na miséria, submetido à fome e sujeito a ser vendido ou contratado como trabalhador forçado para outras colônias.

Devemos destruir isso.

A resistência, no pensamento de Amílcar Cabral (1974, pág. 136) resumia-se em uma

prática comportamental,formada por um conjunto de atitudes cotidianas contra os abusos da

colonização, e em favor da independência e autodeterminação do povo de Cabo Verde e

Guiné Bissau. A solidariedade foi considerada por Amílcar Cabral o fundamento das formas

de resistência, pois a mesma possibilitava a consciência socialda necessidade de união entre

Guiné Bissau e Cabo Verde.

Temos que estar vigilantes para não permitirmos a ninguém dividir o nosso povo.

Temos que definir claramente, como vos disse o que é o povo, na fase atual da nossa

história. Eu repito: o povo é todo o filho da nossa terra, na Guiné e Cabo Verde, que

quer correr com os colonialistas portugueses, mais nada. Ele quer, ele é o nosso

povo, e nós não queremos que ninguém divida o nosso povo. Vigilância porque

quem divide o nosso povo, ele é pior que o inimigo tuga (português) que de certeza

se vai embora (CABRAL, 142, pág. 1974)

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Amílcar Cabral considerava que o sentido da União era sua potencialidade não

somente nacional como regional e continental. Na prática, Amílcar Cabral manteve ativa e

contínua suas relações com Angola, onde foi um dos fundadores do Movimento de Libertação

de Angola (MPLA), da Frente de Libertação de Moçambique-FRELIMO em Moçambique, e

de movimentos de libertação na Argélia, Tanzânia, Senegal, Congo Brazzaville, Costa do

Marfim, Zâmbia, Quênia, e nas articulações que criaram a Organizações da Unidade africana

criada em 1963.

Cabral dividia a resistência em quatro campos, o político, econômico, cultural e o

armado. A resistência política baseava-se na União Nacional, no isolamento político do

governo colonial português, e no empenho resignado e convicto da vitória política.A

resistência cultural tinha como objetivo fundamental acabar com a ideia de divisão entre uma

cultura de massas e a cultura das elites assimiladas.

O colonialismo construiu por assim dizer, uma mentalidade colonial de hierarquia

reafirmada pelo neocolonialismo, e por isso era necessário quebrar barreiras étnicas para

melhor integração nacional, e de reconhecimento do papel popular da educação através do

acesso a informação, do conhecimento histórico e das artes populares como as mornas e

coladeiras, ritmos musicais típicos do Cabo Verde. Amílcar Cabral (1974) compreendia que

historicamente oarquipélago de Cabo Verde, povoado em sua maioria por etnias da atual

Guiné Bissau, era de conhecimento de povos africanos muito antes da chegada de Portugal no

século XV e por esses fatores não poderia ser considerado uma mera invenção do

colonialismo português.

Desde quando a fundação do PAIGC, em 1956, Amílcar Cabral comprometeu-se a

trabalhar sob a lógica do diálogo político com a administração colonial portuguesa, por saber

que um possível conflito armado exigiria um trabalho de treinamento militar, financiamento e

aquisição de poder bélico e alianças transcontinentais. Mudar a opinião pública internacional

contra a violência do colonialismo português foi uma estratégia utilizada pelo PAIGC para

tentar isolar Portugal em termos políticos internacionais enquanto guineenses e cabo-

verdianos recebiam formação militar e intelectual para a luta revolucionária por

independência e unidade nacional.

A partir de 1960 Amílcar Cabral começa uma série de tentativas de diálogos com

Portugal, objetivando a libertação nacional de Guiné Bissau e Cabo Verde, sem respostas cria

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a Frente Revolucionária africana para a Independência Nacional das Colônias Portuguêsas

(FRAIN) e o jornal Libertação. Em 1961 a repressão colonial do governo português do

presidente Salazar provocou uma grande chacina aos trabalhadores portuários da região

guineense de Pidjiguiti, que reivindicavam melhores condições de trabalho, conhecido como

Massacre de Pidjiguiti. Nesse mesmo ano o PAIGC inicia treinamentos militares na Argélia,

Rússia e China. Em concordância com o historiador Joseph Ki Zerbo (1972) podemos afirmar

que governo colonial de Salazar foi um misto de hipocrisia, violência, sadismo e auto-

satisfação.

Nos anos de 1961 e 1962 Amílcar Cabral apresentou comunicações às Organizações

das Nações Unidas sobre a situação colonial, mas não obteve ações concretas como desejava.

Completamente ignorado pelas tentativas de diálogo com o governo português, o PAIGC fez-

se ouvir em 1963, ao desencadear a luta armada pela libertação nacional a partir do Sul de

Guiné Bissau com o objetivo de ampliá-la ao arquipélago de Cabo Verde. Os principais

aliados para resistência do PAIGC foram Sekou Turé de Guiné Conacri e Kwame Nkrumah

do Gana.

A resistência cultural, na perspectiva de Amílcar Cabral, nascia à resistência armada.

Enquanto Portugal recebia apoio tanto da OTAN quanto do governo sul africano o PAIGC

recebeu apoio internacional da URSS, China e das nações independentes Guiné Conacri,

Gana e Argélia, naquele momento Kwame N´krumah defendeu que: […] chegou à altura de

passar a fase decisiva do processo revolucionário, em que a luta armada que há pouco

começou deve ser agora intensificada e coordenada a níveis estratégicos e táticos

(NKRUMAH, 1975, pág. 8).

O objetivo da luta armada foi defender a dignidade africana e abrir um caminho de seu

progresso nacional. Sob uma justificativa racional de continuidade histórica e de destruição

das ideologias coloniais, Amílcar Cabral (1974, pág. 234) afirmava que:

Hoje pegamos de novo em armas, continuando a luta de nossos antepassados, que

não queriam perder o direito de decidirem eles mesmos da sua vida. Em Cabo

Verde, podemos interpretar a nossa luta, ainda hoje política, mas possivelmente

amanhã armada também, como o prolongamento da resistência daqueles africanos filhos da Guiné ou de qualquer outro lado da África perto da Guiné, que foram

levados para Cabo Verde como escravos, e que, como escravos, resistiram,

sofreram, negando, lutando contra a dominação dos escravizadores tugas

(portugueses) que os venderam na América, no Brasil e noutras parte do mundo,

como se fossem bichos.

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O conhecimento histórico africano foi empregado não somente para os disrcursso

politicos de Cabral, mas para as diretrizes do partido e para a conscientizacão total das razões

objetivas da luta de libertacão. De forma mais ampla a história aliou-se a cultura como

potênciais forcas de resistência.

2.10 Resistência e Conhecimento Histórico

Amílcar Cabral compreendia a educação como parte de um processo de resistência ao

sistema colonial. Criou uma escola em Bissau denominada LAR, onde foi responsável por

momentos de recreação com crianças, aconselhamentos e formação política para jovens e

adultos. Na sua perspectiva a história possibilitava conhecer a extensão dos desequilíbrios

sociais e a consciência social mais profunda sobre a necessidade das lutas pela libertação, nas

palavras de Cabral (1978, pág. 180):

No fundamento da libertação nacional reside no direito inalienável que assiste a cada

povo, independente das formulações adotadas pelo direito internacional de ter sua própria história. O objetivo da libertação é, portanto a reconquista desse direito

usurpado pela mineração imperialista.

A identificacão das elites caboverdianas, principalmente, com os portugueses era um

fato objetivo, e Amílcar Cabral percebeu e criticou isto. Na perspectiva de Amílcar Cabral

(1978, pág. 139) a manipulação das informações sobre o processo histórico e social de

povoamento das ilhas de Cabo Verde gerou uma série de mitos sobre raça e cultura,

hierarquia racial e cultural em Cabo Verde, através deste tipo de perspectiva a formação

escolar em liceus de administradores poderiam assegurar os interesses coloniais.

Amílcar Cabral estava ciente de que a resistência cultural deveria renovar a cultura no

continente africano. Entendendo que a resistência Cultural estava atrelada a educação e

consciência histórica da africanidade negada pelo sistema colonialista. Neste sentido, Amílcar

Cabral iniciou um programa denominado Reafricanização de Espíritos e mentalidades, que

consistia na desconstrução dos valores coloniais instaurados nos propósitos alienantes da

educação colonial:

Revela-se assim indispensável uma reconversão dos espíritos – das mentalidades-

para sua verdadeira integração no movimento de libertação. Essa reconversão –

ReÁfricanização, no nosso caso – pode –se verificar –se antes da luta, mas só se

completo decurso desta, no contato quotidiano com as massas populares e na

comunhão de sacrifícios que a luta exige. (CABRAL, 1978, pág. 227)

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Entre 1955 e 1960 Amílcar Cabral formou um centro de estudos sobre história da

África em Guiné Bissau, em que eram trabalhados temas como civilizações africanas, cultura

e formação política, sobre as civilizações africanas Amílcar Cabral (1978, pág. 321) que:

De Cartago ao Zimbábue, de Meroe ao Benin e a Ifé, do Saara ou de Tombouctou a

Kilwa, através da imensidão e da diversidade das condições naturais do continente, a

cultura dos povos africanos é um fato indismentível, nas obras de arte como nas

tradições orais [.] nas concepções cosmogonias como na musica e nas danças [...] no

equilíbrio dinâmico das estruturas política e sociais que o homem africano soube

criar.

Na visão de Kwame N’krumah o Renascimento africano viria ser uma realidade a

partir da renovação do conhecimento histórico. A história na perspectiva de N’krumah

ocupava um lugar teórico fundamental dentro da lógica política e filosófica das lutas de

libertação, e na própria Unidade africana. Para N’krumah o colonialismo construiu um: [...]

vazio perfeito através da linha traçada atrás da nossa história...Como se tivesse

deliberadamente querido reprimir todos os vínculos entre o passado e o presente que

poderiam ter- nos ajudado a retomar a marcha. (NKRUMAH,1977,pág. 123)

No livro Conscientism escrito por Kwame Nkrumah, o autor propôs uma teoria

política a partir do conhecimento histórico e da função estratégica do historiador. O

historiador Thiermo Bah destaca alguns dos elementos definidos por Nkrumah como

fundamentais para o trabalho do historiador enquanto formador de consciências (BAH, 2009,

pág. 210):

(a) denunciar os mitos perversos que negava à África qualquer historicidade;

(b) desconstruir o lugar da história da África como anexo da História europeia;

(c) considerar a sociedade africana como processo de sua própria integridade;

(d) a importância da história para o renascimento africano ; (e) relacionar a forma de escrever a história, a história e a ideologia;

(f) engajamento social do historiador;

As teorias da antropologia sociais europeias defendidas por essas elites africanas

ignoravam o passado do continente africano anterior à colonização, o que tornava a

reformulação dos conteúdos de manuais uma emergência. Na compreensão de N’krumah

(1977, pág. 65): sobre o tema:

Foi durante o período chamado aberturada África que surgiu uma escola de

antropólogos imperialistas, como lhes chamaram alguns fervorosos nacionalistas

africanos, escola cuja descendência tem sobrevivido até os nossos dias. Assuas obras

pretendem provar a inferioridade do africano. Atribuem tudo o que de bom se opõe

encontrar em África à influência de certo grupo pretensamente superior eu teria

vivido no continente, ou a algum povo não africano.

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Kwame N’krumah defendeu a reformulação dos conteúdos nos livros didáticos, pois

entendia que a cultura e a educação colonial influenciaram a história antiga, principalmente na

negação da origem das civilizações africanas como a do antigo Egito:

Evita-se pensar que a África tem podido exercer qualquer influencia civilizadora

sobre outros povos, ou nega-se essa influencia. […] Certos historiadores e

antropólogos pensam que a civilização surgiu simultaneamente na China e em

África. “Mas há ainda muitas investigações a realizar para descoberta de novos

dados que permitam determinar a proto-história do homem no continente africano .”

Está confirmado que a cultura europeia tem as suas raízes nas antigas civilizações do

Vale do Nilo. “Geógrafos e cronistas antigos falam de Estados e Impérios africanos

organizados que existiam e um e de outro lado do continente (NKRUMAH,

1977:16)

Na nossa perspectiva, a história da África durante o período das independências

passou por um processo de valorização patrimonial. Esta valorização da história, enquanto

patrimônio nacional e continental foi é uma continuação renovada dos pensamentos

esboçados no final do século XIX por Martin Delany, Antenor Firmin e Edward Wilmot

Blyden, assim como os de WEB Du Bois e Marcus Garvey nas primeiras décadas do século

XX.

Conclusões

Os Grupos Motores determinaram uma dimensão social e popular ao Pan-africanismo,

assumindo-o como caráter político central. A educação popular ocupou posição proeminente

na visão de lideranças de movimentos nacionalistas. Estes movimentos foram fundamentais

durante o processo nacionalista anticolonial das décadas de 1950 e 1960. O posicionamento

de Amílcar Cabral e Kwame N’krumah foi de valorização e estímulo ao conhecimento

histórico africano.

Na perspectiva do historiador Thiermo Bah (2009), Amílcar Cabral e Kwame

N’krumah possuem entre si inúmeras convergências ideológicas, principalmente com relação

à libertação, dignidade e bem estar coletivo do continente africano. Ambos exerceram uma

função fundamental na popularização da educação, aderimos à análise de Thiermo Bah sobre

o lugar da história nas perspectivas de Kwame Nkruma e Amílcar a Cabral dividiu-se entre

três bases: ponto de referência; narrativa; e análise.

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Em 1962 em Acra no Gana foi realizado o primeiro Congresso de Áfricanistas entre

11 e 18 de dezembro, presidido pelo historiador nigeriano Kenneth Onuwuka Dikie. O

congresso contou com a participação de cerca de 500 especialistas de todo o mundo, e o apoio

da UNESCO (United Nations Educational Scientific and Cultural Organization). Este

congresso foi de suma importância para desencadear um projeto para a construção de uma

história do continente africano fora da perspectiva colonial. Segundo o historiador P. D.

Curvin (2010), o maior promotor do congresso – Kwame N’krumah – insistiu positivamente

na responsabilidade dos historiadores e do lugar do ensino de história para a construção da

unidade africana.

Os valores e legados construídos pelas civilizações africanas não foram negligenciados

pelos movimentos de libertação e independências africanas. Neste capítulo, observamos

citações sobre civilizações como o Antigo Egito e Meroé em projetos e raciocínios políticos

de Kwame N’krumah e Amílcar Cabral.

Há uma nítida continuidade de interesse pela história e historiografia africana entre o

final do século XIX e primeira metade do século XX. Na nossa compreensão, este interesse

foi fundamental para a formação de Escolas de pensamento e historiadores dedicados a

descolonização da história da África e revisão da historiografia africana, no próximo capítulo

dedicamo-nos a esta questão.

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PARTE II HISTORIOGRAFIA ______________________________________

Capítulo 3: ESCOLAS E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO

Na primeira parte desta dissertação propusemos uma reinterpretação histórica do Pan-

africanismo, e seu lugar estrutural para a constituição do nacionalismo africano

contemporâneo. Destacamos o quanto o conhecimento histórico sobre civilizações clássicas

africanas foi importante para o pensamento anti-colonial do final do século XIX e nacionalista

pan-africano da segunda metade do século XX.

Para a segunda parte desta dissertação retomamos o tema civilizações da antiguidade

africana dentro do trabalho de historiadores da África. Nossa tese é de que entre as décadas de

1950 e 1970 foi erigida uma nova historiografia africana fundamentada no Pan-africanismo e

na proposta de unidade federal africana. Este capítulo número 3 inicia a segunda parte desta

dissertação, cujo tema é História e Historiadores da África. Nosso objetivo central é

identificar semelhanças entre três gerações de historiadores da África, Cheikh Anta Diop,

Joseph Ki-Zerbo e Walter Rodney. A partir deste objetivo é de nosso interesse destacar

algumas as principais contribuições destes historiadores em relação a teoria, método,

educação e militância política.

Neste capítulo vamos trabalhar as Escolas do Conhecimento Histórico, descolonizacão

da História da África e sobre os historiadores Cheikh Anta Diop, Joseph Ki-Zerbo e Walter

Rodney.

3.1 Escolas e pensamento Histórico

As movimentações europeias no continente africano construíram durante séculos as

condições favoráveis para a sua divisão, dominação e exploração oficial através do Tratado de

Berlin criado por europeus no final do século XIX. A divisão do continente e dominação

colonial do final do século XIX provocaram uma séria ruptura na transmissão do

conhecimento, impactando diretamente as tradições orais e as escritas tradicionai.

Valores, tradições africanas e seus conhecimentos foram atacados no século XIX

através da desqualificação intelectual e destruição física das estruturas tradicionais de ensino

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no continente africano. Segundo Marzrui (2010), em sociedades africanas tradicionais, o

conhecimento complexo da matemática e da engenharia, da flora e da medicina, dos mitos,

costumes e da justiça não se distinguiam da “razão, experimentação, imaginação e fé, e ao

mesmo tempo, não se reduziam às abordagens quantitativas e mecanistas”.

Neste contexto foi forjada uma escrita da história colonial, endereçada a um público

europeu, entretanto muitos africanos absorviam e reproduziam a ideia de que não tinham

história e civilizações e etc. Sobre o ensino de história, Ali Marzrui (2010) comenta que a

educação colonial teve o papel estratégico de apagamento do passado africano, negando

sumariamente a origem da população e civilização egípcia na antiguidade, provocando as

ideias de: impotência científica coletiva do continente; complexo de inferioridade técnica e de

dependência.

No final do século XIX a criação de instituições de ensino e pesquisa em territórios

africanos colonizados objetivava a ordenação e manutenção do regime de exploração colonial.

O ensino fundamentava-se em uma mensagem teológica cristã de submissão, e no treinamento

em atividades capazes de assegurar os interesses de exploração colonial, como serviços

domésticos e carpintaria. Durante as décadas de 1930 e 1940, as escolas coloniais dedicavam-

se a formação de indígenas em cargos administrativos. O historiador Boubacar Barry (2000)

destaca que havia um rígido controle nos conteúdos ensinados e na expedição de diplomas, a

maioria de professores era europeia, as formações em áreas de tecnologia e ciências sociais

foram marginalizadas.

Durante as décadas de 1950 e 1960, as primeiras escolas secundárias e universidades

na Nigéria, em Uganda, Senegal, Quênia e Gana, criaram novas desigualdades em uma

mescla de racismo e opressão econômica. No ano de 1959 em Uganda, a partir de dados

analisados por Walter Rodney (1975), para cada aluno africano o investimento era de 11

libras, indiano 35libras e europeu 156 libras, no liceu do Senegal em 1946 dos 723 alunos

somente 174 eram africanos, durante a década seguinte na Universidade de Dakar 30% dos

alunos eram africanos e 70 % franceses. Na realidade social dos territórios portugueses os

investimentos no setor educacional eram mínimos, em Moçambique, por exemplo, a

prioridade era para portugueses. A exploração do Congo no final da década de 1940 provocou

tímidos investimentos em formação educacional, entre os 18.000.000 de habitantes 16 eram

licenciados.

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Baseado em dados cedidos pela UNESCO, Walter Rodney (1975) apresenta alguns

aspectos pertinentes sobre o acesso ao ensino na África dos anos 1960. A população de

nações africanas independentes chegava a torno de 170.000.000 de pessoas, 25.000.000 em

idade escolar, 13.000.000 sem oportunidades contra 12.000.000 com oportunidade, desse

numero cerca de 6.000.000 completam a série primária, três em cada 100 conhecem o

secundário, e 2 em cada 1.0000 ingressavam em universidades, dentro do continente como no

Gana, Ibadan, Sudão e Makerere.

O processo de transformação implantado pelos movimentos de independênciaentre

1950 e 1960 gerou grandes centros universitários no continente africano. As Universidades de

Dakar no Senegal, Makerere College de Kampala em Uganda, Gordon College de Cartum no

Sudão, Universidade de Ibadan na Nigéria, Universidade de Loranuin no Congo,

Universidade de Daar es Salan em Tanzânia e Universidade de Nairóbi no Quênia fazem parte

deste período. A perspectiva de formulação destes centros era popularizar conteúdos e

currículos de qualidade, diferentes dos gerados durante o período colonial, inadequados para a

realidade e solução dos problemas na vida africana.

Em congressos organizados por presidentes nacionalistas entre 1956 e 1965 a história

da África foi tema de especial destaque, por dois motivos principais: 1) o interesse político

cultural de construção e coesão nacional; 2) o interesse ético e educacional de historiadores

nacionalistas. Em 1956 durante o primeiro Congresso de Escritores e Artistas Negros,

realizado em Roma, o tema Civilizações africanas recebeu uma abrangência internacional

com a ampla divulgação da obra Nações Negra e Cultura, escrita pelo historiador senegalês

Cheik Anta Diop.

A Revista Presence Africaine organizou o Primeiro Congresso de Escritores e artistas

Negros em Roma foi organizado pela Revista Presence Africaine reuniu intelectuais

nacionalistas pan-africanos do continente e da diáspora africana. Durante o congresso foi

fundada a Sociedade Africana de Cultura, esta organização teve como objetivo promover a

solidariedade entre africanos e afrodescendentes a partir da tradução de obras e intercâmbios.

Em 1958 a Sociedade africana de Cultura tornou-se órgão consultivo da UNESCO e

promoveu em Roma o Segundo Congresso de Escritores e Artistas Negros.

Em 1958 foram múltiplos os esforços políticos e financeiros empregados pelo governo

independente do Gana na formulação do primeiro bloco regional de unificação política e

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econômica. Na ocasiãofoi criada a União de Estados africanos (UEA), que para o presidente

Kwame N’krumah objetivou o apoio estratégico às lutas de libertação travadas em Guiné

Bissau pelo PAIGC de Amílcar Cabral. Kwame N’kruma e Amílcar Cabral investiram

especificamente na construção de grupos educacionais de formação política, baseados em

estudos sobre cultura, política, comportamento e história da África.

Na década de 1960 o presidente Julius Neyrere da Tanzania patrocinou em seu paíso

primeiro Congresso Internacional de Historiadores africanos na universidade de Dar El

Salaam. Esta universidade tornou-se um dos maiores centros de pesquisa do continente onde

trabalharam grandes intelectuais do mundo africano como o geografo Milton Santos (Brasil).

Durante as décadas de 1960 e 1970 aquela universidade albergou em seus programas o

historiador da GuianaWalter Rodney.

As nações africanas independentes buscaram encontrar equilíbrio entre o

conhecimento científico, artístico, filosófico e tecnológico tradicional africano, assim como de

outros povos e regiões do mundo. Esta busca de utilização do conhecimento para a construção

dos Estados Independentes foi interpretada por Walter Rodney (1975) como desenvolvimento

por contradição, uma vez que as escolas coloniais foram originalmente pensadas para a

manutenção do colonialismo, e posteriormente resignificadas pelos Estados Independentes. O

caso do Quênia ilustra esta situação:

No Quênia, pode-se dizer que o governo só construiu escolas para os africanos

depois dos anos trinta. Assim os Kikuyos os construíram próprios, fundando a

Kikuyu Indepentent Schools Association. Para recrutar professores, Peter Koinange criou o Quênia Teacher’s College de Githunguri, que mais tarde viria ter como

diretor Jomo Keniatta. Não admira, pois que essas escolas Kikuyu tenham formado

ardentes nacionalistas, nem que tenham sido suprimidas pelos ingleses depois da

revolta Mau Mau em 1952. Em 1955 só havia 35 estabelecimentos de ensino

secundário neste país de cinco milhões e meio de habitantes africanos (NKRUMAH,

1977, pág. 60).

Após os conflitos entre potências imperialistas ocidentais, denominado pelos países

envolvidos de “II Guerra Mundial”, a falta de recursos em colônias africanas levou algumas

dessas instituições de ensino à decadência. Os movimentos de libertação das décadas de 1960

e 1970 mudariam sensivelmente a função das Escolas coloniais, que passaram por processo de

Africanização. Universidades como Ibadan (Benin), Legon (Gana), Makerere (Tanzania) e

Dakar (Senegal) deixaram de ser usadas para propósitos coloniais, Ali Marzrui (2010, pág.

775) propõe duas categorias de instituições escolares: as de experiência acadêmica pan-

africana, e as nacionais de pesquisa privada ou pública.

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Na categoria experiência acadêmica pan-africana os países africanos que mais

realizaram investimentos foram o Gana, Nigéria e Costa do Marfim, principalmente nas áreas

de ciências naturais, engenharias e agronomia. Entre os anos de 1963 e 1970 University of

East África abrangia os territórios de Uganda, Tanzania e Quenia. A University of East África

foi um conjunto de academias bem sucedidas, envolvendo Maquerere College de Uganda no

campo da medicina, a engenharia da University College da Namíbia, o direito e a economia

em Dar es Salaan, Tanzania. A academia africana de ciência do Nairóbi e o Instituto

Internacional de Ciência da Nigéria incentivaram estudantes com bolsas de pesquisa dentro do

continente em áreas técnicas e científicas.

As escolas africanas tornaram-se grandes centros de pensamento e pesquisa,estruturas

que subsidiaram o trabalho científico, educacional, a formulação e formação política. Os

estudos técnicos para a produção de gás combustível, infraestruturas (esgoto, luz, água),

transportes e industrialização eram preocupações coexistentes com as lutas contra o

colonialismo e o neocolonialismo. Os estudos no campo das ciências humanas também

tiveram importância e atenção de presidentes e lideranças de partidos políticos, como vimos

no capítulo anterior. A História da África precisava ser descolonizada para libertar a memória

africana, encarcerada pela educação colonial.

Joseph Ki Zerbo (1972) comenta que entre as décadas de 1960 e 1970 o Instituto de

Estudos africanos do Gana e as universidades de Ibadan e Kaduna descobriram e trabalharam

em centenas de documentos Haussa (nordeste da Nigéria) sobre a origem dos reinos dos

Mossis.Os Historiadores nacionalistas foram responsáveis por transformações na construção

do conhecimento histórico e historiográfico africano

No seio de universidadesde Portugal, França e Bélgica, estudantes africanos

imigrantes organizaram-se em associações e movimentos nacionalistas. Um verdadeiro senso

de justiça, de consciência, de caráter mobilizou estudantes a questionarem a postura

imperialista e eurocentrada dessas universidades. No continente, as Escolas de conhecimento

histórico começaram a ser organizadas no final da década de 1940 e início da década de 1950

por pesquisadores que retornaram de suas formações na Europa e Estados Unidos. As Escolas

africanas que mais se destacaram nas ciências sociais e econômicas foram as de Dakar no

Senegal, Ibadan na Nigéria e Dar Es Salaan na Tanzania. Diversos historiadores especialistas

em África articularam-se em mais de uma Escola, Cheik Anta Diop do Senegal trabalhou na

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Universidade de Dakar e na Universidade do Cairo, Walter Rodney da Guiana trabalhou na

Universidade de Dar Es Salaan e de Dakar, por exemplo.

Entretanto, em um contexto onde as colônias eram consideradas como vazios

intelectuais, os historiadores coloniais continuaram a ignorar e desqualificar os trabalhos de

historiadores africanos. As Escolas e historiadores da África assumiram o compromisso de

reescrever a história da África.O professor Boubacar Barry (2000) comenta que as diferenças

linguísticas foram sobrepujadas pela consciência social de reescrever a história, e a escola de

Dakar é um exemplo importante nesse segmento.

A escola de Dakar no Senegal tem sua história interligada ao Instituto Francês da

África Negra e do Departamento de História da Universidade de Dakar. O objetivo da

Universidade de Dakar era a formar elites locais, mas com a independência do Senegal no

início da década de 1960 e a influência literária do movimento da Negritude, a instituição

assumiu uma postura progressista em relação aos interesses pelo autodesenvolvimento e

preservação dos patrimônios materiais e imateriais africanos.

Com a independência do Senegal Leopold Sedar Senghor, ex-militante de

organizações de estudantes africanos na França, e uma das mais conhecidas referências do

movimento da Negritude, assumiu a presidência da República do Senegal. O movimento da

negritude ocupou papel importante na militância de uma identidade africana e na luta conjunta

entre africanos e diaspórico no mundo.Todavia, na visão crítica de historiadores e

pesquisadores como Boubacar Barry (2000), Joseph Ki Zerbo (1972), Cheik Anta Diop

(1954) e Femi Ojo Ade (2006) faltou mais posicionamento político ao movimento da

Negritude, e,à Leopold Senghor, um projeto anticolonial de governo sob o respaldo de uma

agenda educacional realmente pan-africana.

Para historiadores nacionalistas militantes as Escolas tornaram-se setores estratégicos,

porque possibilitavam a sobrevivência da palavra e do corpo. Enquanto as ruas, sindicatos,

marchas e grupos secretos serviram de base prática para conscientização e protesto, eram elas

que nutriam o seu propósito da ciência e da pesquisa. Historiadores como Joseph Ki-Zerbo,

SKB Asante, Walter Rodney e Cheikh Anta Diop envolveram-se em partidos e movimentos

políticos anticoloniais, assim comoematividades sociais comunitárias nenhum deles, não

ficaram fechados em um gabinete pensando como escrever sobre um ou outro tema.

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Por um lado os historiadores elevavam a história da África a uma posição de

proeminência e valorização em que as civilizações incorporavam-se ao legado e continuação

de valores e cultura. Por outro lado, presidentes como Leopold S. Senghor advogavama

função paternalista da Europa e a superioridade de suas civilizações em relação à África.

Boubacar Barry lembra-nos que Senghor era “partidário a mestiçagem, que para ele era o

melhor meio de chegar à civilização do universal” (BARRY, 2000, pág. 21).

Na Europa, muitos estudantes africanos bolsistas em universidades perceberam o jogo

político de alienação eurocêntrica, e alguns reagiram através da militância politica e produção

científica, como Cheikh Anta Diop e Joseph Ki-Zerbo. Como comentado, os desafios do

historiador da África foram múltiplos, principalmente no que se refere ao eurocentrismo como

colonizador da história africana. O Europocentrismo, ou paradigma eurocêntrico, determina o

continente europeu como referência universal para toda a humanidade. O eurocentrismo é

muito evidente no ensino de história, mas opera em todas as áreas da atividade humana.

Enquanto estudante africano em intercâmbio na França, Cheikh Anta Diop interessou-

se pelo estudo de história como forma de deslegitimar o colonialismo, e lutar pela libertação

imediata do Senegal e de todo o continente. Cheik Anta Diop e o historiador AbdulayLy

foram asprincipais referências da primeira geração da escola de Dakar. Ambos foram punidos

pelo governo senegalês de Senghor enão tiveram a oportunidade de lecionar história na

universidade de Dakar. Na perspectiva de Boubacar Barry (2000, pág. 37), a postura de Cheik

Anta Diop foi de ruptura com a historiografia colonial, vendo a história como ferramenta de

libertação africana.

Na Escola de Dakar, Cheikh Anta Diop, Joseph Ki Zerbo e Walter Rodney da Guiana

edificaram um escopo epistemológico fundamental àconstrução do conhecimento histórico e

historiográfico africcano. Cheik Anta Diop publicouNações Negras e Cultura de 1954, Joseph

Ki Zerbo História da África Negra em 1969 e Walter Rodney, escritor de de Como a Europa

Subdesenvolveu a África, de 1972.Dividimos em quatro campos os desafios enfrentados pela

historiografia africana entre as décadas de 1950 e 1970. Descolonizar a história da África,

desenvolver uma crítica teórica as ideologias coloniais, construir uma concepção de história

da África e explorar suas dimensões pedagógicas, politicas e temáticas. Abordamos a seguir

estes desafios mesclados à biografia de Cheikh Anta Diop, Joseph Ki-Zerbo e Walter Rodney.

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3.2. Descolonização da História

Nas décadas de 1950, 1960 e 1970 historiadores da África optaram pela utilização das

palavras sociedade, tradição, história e cultura no singular. Este foi um posicionamento

afirmativo poruma matriz, por uma perspectiva de uma unidade africana. Coube aos

historiadores da África desconstruir mitos sobre a inexistência de uma história própria do

continente africano. ParaKi Zerbo e Boubou Hama (2010) a história tem seu lugar nas

sociedades africanas, e os africanos tem consciência de serem agentes da sua própria história.

Quem pensa que a história da África iniciou-sedo contato de africanos comasiáticos, árabes e

europeus está completamente equivocado.

A história enquanto evento social interpretado, dinamizado, analisado, divulgado e

sistematizado pelo historiador ocupou um espaço de fundamental importância no contexto

africano de libertação colonial. Ali Marzrui (2010) orienta-nos a perceber que durante a

primeira metade do século XX, a história e outras ciências sociais não derivam do sistema

colonial, elas nascem e originam-se, sobretudo de valores e tradições africanos.

Os achados arqueológicos, principalmente de fósseis, no continente africano a partir

da década de 1970 revelaram quea vida humana começou nas regiões da Bacia do Chade,

Vale do Olmo, Etiópia e Quênia há 120.000 anos. Somente 50.000 anos depois se inicia um

movimento de dispersão da África para outros continentes, Europa, Ásia e posteriormente

América. De acordo com o Congresso de Organização do Genôma Humano realizado em

2001, os europeus modernos descendem de africanos que migraram há 25.000 anos a partir de

seu referencial para o norte do Mar Mediterrâneo.

A partir Com base nos trabalhos do historiador Cheik Anta Diop (1979), durante o

período da proto-história (pré-história) ocorreram diversas migrações da região dos grandes

Lagos para a Bacia do Nilo. Estas populações migradas iniciaram a civilização do antigo

Egito, a partir do século 16 a.C. as invasões persas na região forçaram esta população a se

dispersar para diversas regiões do continente e desencadear outras civilizações como Gana,

Nok e Zimbábue. Tais teses lançadas por pesquisadores da segunda metade do século XX

foram confirmadas através do avanço dos sistemas de datação. Nas décadas de 1940 e 1950 o

Carbono 14 foi o elemento básico para a datação, compartilhando função importante com

estudos interdisciplinares nos campos da linguística,envolvendo tradições orais e escritas.

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As tradições orais africanas foram desqualificadas enquanto confiáveis pelo ocidente

europeu. Contrariando esta perspectiva, historiadores e especialistas em tradição oral como

Joseph Ki Zerbo, Boubacar Barry ,Boubou Hama, Niane Djibril Tamsir e Amadou Hampate

Ba especializaram-se no cruzamento de fontes, conexões de metodologias e pela

interdisciplinaridade. Realizaram trabalhos importantes utilizando as tradições orais como

fontes primárias, orientação arqueológica e aporte fundamental à pesquisa histórica e o seu

ensino. Nas décadas de 1950 e 1960 pesquisadores realizaram verdadeiras proezas no registro

de tradições orais, Joseph Ki Zerbo e Amadou Hampaté Ba (2010) relatam suas frustrações

com a morte de um ancião sem o correto aproveitamento de sua “biblioteca mental”, de seus

conhecimentos do tempo e do espaço dentro de uma dimensão africana, pois essas pessoas

eram verdadeiras memórias vivas.

O racismo foi o agente motivador das críticas à oralidade africanas formuladas pelas

academias europeias. Foi com indignação que Amadou Hampaté Bâ (2010, pág. 169)

percebeu que acadêmicos europeus passaram a alegar deliberadamente que povos sem escrita

não possuíam cultura. Boubacar Barry orienta-nos a entender que a as tradições orais

africanas eram preservadas, construídas e divulgadas por verdadeiros tradicionalistas, pessoas

iniciadas em escolas especializadas em histórias sobre famílias, dinastias, contextos sociais e

processos de migração.

Os tradicionalistas africanos divulgavam seus conhecimentos e ideias através de

narrativas da história e da animação cultural. Eram muitos os contadores de história, em

ambientes predominantemente coloniais, e sua importância foi quantitativamente ampliada.

Entretanto, somente os contadores de história com formação tradicional (iniciados nas Escolas

Tradicionais) seguiam um estatuto de princípios éticos, que serviam para trabalhar com

informações, conhecimentos e técnicas de narrativa.

De acordo com Amadou Hampate BA (2010) os contadores de história tradicionalistas

tem um compromisso com valores jurídicos e ancestrais, através dos quais Estados, ou

famílias, e pequenas cidades mantinham seu patrimônio vivo, sabido e reconhecido. Esses

sujeitos mantem o “contar história” através de seus instrumentos musicais, guitarras, koras,

tambores ,marimbas e timbres de voz dos mais variados.

O ofício destes tradicionalistas representava instituições dentro de lógicas políticas,

religiosas e econômicas. O prof. Boubacar Barry comenta que o dom da palavra, estruturas de

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mediação e educação foram três das características implícitas ao trabalho dos tradicionalistas.

Na opinião do prof. Barry o islã e o colonialismo comprometeram o trabalho dos

tradicionalistas por motivos teológicos e políticos, em relação ao islã: Em todo caso, as

tradições muçulmanas tendem a ocultar o passado pagão e a ligar os líderes muçulmanos

fundadores de teocracias muçulmanas dos séculos XVII-XVIII e XIX a ancestrais

muçulmanos próximos dos companheiros do Profeta (Mohamed )(BARRY, 2000, pág. 13).

Sobre o colonialismo o professor observa que: […] não analisaram suficientemente a

lógica do discurso histórico que teria sido transmitido com o objetivo bastante preciso contar

a história (BARRY, 2000, pág. 5). No Centro Oeste africano, as narrativas dos tradicionalistas

contadores de história Mandinga possibilitaram grandes avanços em estudos sobre as

migrações do antigo Egito para a Costa Oeste africana. Através de instrumentos musicais

como o Korá e seus cânticos, os tradicionalistas: [...] ensinam sobre a origem das coisas.

Essas narrativas trazem dados preciosos sobre as civilizações mandinga, ao mesmo tempo em

que revelam os laços indiscutíveis entre estas e as civilizações do antigo Egito (BARRY,

2000,pág. 8).

Muitas das evidências do antigo Egito enquanto uma civilização negra africana foram

ignoradas, desqualificadas e até escondidas. Dentro desta problemática, concordamos com

opesquisador Teophile Obenga (2010), quando este afirma que as regras gerais da

historiografia relativas ao cruzamento de diferentes fontes do conhecimento e integração

interdisciplinar de métodos é uma contribuição africana a ciência e a consciência historica.

A utilizacão das ciências físicas modernas com as medidas de radiatividade, como no

caso do carbono 14, permitiram a construção de cronologias e estudos sobre o passado e

origem da humanidade em milhões de anos, o que metodologicamente foi decisivo. Na

perspectiva de Theóphile Obenga a egiptologia enquanto “arqueologia histórica e decifração

de textos” (2010) foi pouco usada pela historiografia africana, ela é de extrema importância

para o estudo da língua do antigo Egito, denominado CIKAM.

O CIKAM foi utilizado durante 5.000 anos por meio da escrita de signos hieroglíficos,

da escrita cursiva dos signos, hierática e a sua simplificação, a escrita demótica. O estudo do

CIKAM para o historiador é a possibilidade de conhecer mais e melhor o espírito e as ideias

de um povo. Theóphile Obenga sublinha o fato de que a difusão do CIKAM no que são hoje o

Quênia, Nigéria, Serra Leoa, Libéria, Camarões e Mali é importante, pois há :

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[...] possibilidade de ver nascer e se desenvolver uma epígrafia absolutamente

desconhecidas e que até aqui e cujo objeto será o estudo rigoroso das relações

mútuas entre famílias escriturais da África Negra. O historiador tiraria proveito

disso, já que, através da história da escrita e das decifrações surge a história dos

homens responsáveis por essas grafias. O exame dos sistemas gráficos é em si

mesmo uma fonte preciosa de história. (OBENGA, 2010, pág. 68)

Para Obenga (2010) o conhecimento da CIKAM é fundamental na desmistificação das

ideias francamente racistas sobre a origem, povoamentoe conexão do Vale do Nilo com todo

o continente africano. Muitas escolas europeias assumiram um posicionamento criminoso ao

ignorar regras gerais da historiografia e as bases da historiografia africana, pois formularam

uma prática científica de exclusão e corrupção de informações. Neste sentido, é relevante a

análise de Obenga de que a historiografia europeia tornou a história da Europa “toda à

história”.

No campo da história e especificamente sobre o tema civilizações, as teorias raciais

foram utilizadas como ideologias para afastar as civilizações do Vale do Nilo de outras

regiões do continente africano. Esse afastamento parte do princípio de que os egípcios eram

civilizados enquanto as demais regiões do continente africano mergulhavam em práticas

culturais primitivas e selvagens.Nesta linha de pensamento, os egípcios da antiguidade

passaram a ser classificados como brancos, asiáticos, semitas, mestiços... e até seres de outros

planetas!

Cabe lembrar que França e Inglaterra entre os séculos XVIII e XIX efetuaram dezenas

de pilhagens materiais durante seguidas invasões ao Egito. A literatura de Alan Quatermain e

Indiana Jones, por exemplo, que encantaram plateias do mundo inteiro através do cinema

nada mais são que relatos coloniais de viajem, onde a ficção está em sua boa vontade de

“preservar a história da humanidade das acões de selvagens”. O pesquisador e artista plástico

Nur Ankh Amen (1999) nos lembra que ano de 1798 sob a coordenação de Napoleão

Bonaparte 167 cientistas foram recrutados na missão do general para África, Cairo. O quê

levaria uma equipe internacional de cientistas para um lugar considerado inóspito e selvagem?

O quê esses homens e mulheres arrancaram do Eguto? Como esses documentos foram

absorvidos pelos cientistas e pelas igrejas cristãs ocidentais? O quê realmente sabemos é que

o século XIX foi de efervescência das teorias raciais e seu papel no direcionamento

disciplinar da História, da linguística e da Antropologia.

Walter Rodney (1975) observa que no final do século XIX acadêmicos europeus

tentaram desesperadamente negar as experiências dos Yorubas, herdeiras da civilização antiga

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de Nok, atual Nigéria e Benin. A civilização de Nok sofisticou consideravelmente técnicas de

trabalho com fornos de altas temperaturas para fundição e manipulação de metais como ferro,

por motivações racistas acadêmicos ingleses e franceses alegaram que todo este conhecimento

foi levado à Nigéria e ao Benin por gregos, cartaginenses e portuguêses. Na perspectiva

criminosa destes cientistas, os africanos em Nok não tinham conhecimentos complexos e

estruturas institucionais para tal.

Ali Marzui colabora com nossa reflexão ao afirmar que na concepção de pensadores

europeus no final do século XIX o processo de construção de uma civilização ocorria através

do posicionamento imperialista de um povo perante outros povos e territórios. Isto fica muito

nítido na concepção de civilização dentro da mentalidade de Friedrich Engels, no texto

“Construção da Nação e Evolução das Estruturas Políticas” (MAZRUI, 2010, pág. 27):

[…] a conquista da Argélia já forçou os bey de Túnis e de Trípoli, e inclusive o

imperador do Marrocos, a se engajarem na via da civilização […] .E, sobretudo, o

burguês moderno – com a civilização, a indústria e as luzes, pelo menos relativas, de que está cercado – será preferível ao senhor feudal ou ao bandido salteador, bem

como ao bárbaro estado social ao qual pertencem.

A educação e o ensino de história foram profundamente afetados por estas ideologias

racistas sobre civilizações. O ensino de história na perspectiva colonial prezava

primordialmente pela exclusão da história da maioria da população, caracterizadas pela

subordinação e o desprezo ao próprio passado. Neste sentido, a história foi completamente

manipulada enquanto ferramenta de privilégios do poder colonial e suas elites locais

marionetes. No final do século XIX na diáspora e no continente africano os livros didáticos

de história foram diretamente influenciados por teorias racistas sobre a origem do antigo

Egito.

Entretanto, neste período autores africanos e da diáspora, como Martin Delany e E.W.

Blyden e Souza Carneiro, e mesmo os ingleses John Baldwin, Gerald Massey e David Mc

Ritchie esboçaram suas reflexões sobre a influência das civilizações africanas do Vale do Nilo

sobre a Grécia e Europa de forma geral. Wole Soyinka ajuda-nos a perceber a posição

totalmente adversa de Edward Wilmot Blyden, reitor do Libéria College, sobre as relações

entre educação, civilização e África:

[…] a história do homem negro desde a antiguidade, Edward Blyden publicou suas

conclusões afirmando a anterioridade de uma civilização negra no Egito e provando que Heródoto era um comentador digno de fé do que seus anotadores europeus, os

quais, além de não serem contemporâneos dos acontecimentos escritos, tinham

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restituído o seu saber entregando-se a preconceitos racistas (SOYINKA, 2010, pág.

632).

No final da década de 1940 o uso das ciências exatas possibilitou ao Dr.Diop dosar

taxas de melanina e queratina em corpos mumificados com a utilização de carbono 14, com

estes corpos Diop argumentou sobre a identidade e a origem étnica e cultural africana do

antigo Egito. Na primeira metade do século XX,Aimé Cesaire, um dos principais

articuladores do movimento da Negritude, via que sobre civilizações africanas o trabalho do

historiador Cheikh Anta Diop foi exemplar.

Segundo Cesaire (1978), Diop conseguiu desmontar os mecanismos coloniais racistas

da historiografia, da sociologia e da psicologia através de seu livro Nações Negras e Cultura,

publicado em 1954 pela editora Présence Áfricaine. Diop conseguiu influenciar um sentido

politico revolucionário para o ensino de história da África nos Estados africanos

independentes.

A partir da segunda metade do século XX, pesquisas no campo da arqueologia e da

genéticades construíram cientificamente inúmeras teses e teorias pseudocientíficas sobre raça.

As ideias racistas sobre superioridade e inferioridade racial ancoraram-se nas argumentações

dos teóricos poligenistas sobre a origem da humanidade. De acordo com os poligenistas a

suposta superioridade e inferioridade entre raças explicava-se através de diferenças genéticas

entre povos que surgiram em diferentes momentos e locais do planeta terra.

Pesquisadores no continente africano e em sua diáspora nas Américas e Europa

dedicaram-se a hipótese monogenista, baseadas em evidências de que a humanidade tem sua

origem no continente africano. Estes cientistas começaram a relacionar diferenças fenotípicas

às diferenças ambientais dos continentes, com o auxilio da linguística, arqueologia, oralidade,

arte, botânica entre outras áreas do conhecimentoos estudos sobre a origem da humanidade e

das civilizações convergiram para uma mesma localização geográfica e constituição etnico-

cultural: as populações do Vale do Nilo (Egito, Núbia, Etiópiaentre outras).

Joseph Ki Zerbo (2010) observa que as evidências materiais da arqueologia

possibilitaram a existência de apenas uma raça humana, e não de várias raças organizadas

hierarquicamente pelos continentes Mas isso não impediu que as teorias pseudocientíficas

sobre raça fossem utilizadas com interesses políticos, econômicos e culturais de grupos

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Figura 20: Cheik Anta Diop

Fonte : http\www.senegalheritage.com

hegemônicos, influenciando currículos, livros didáticos, programas, prática de pesquisa

ensino e em toda a teoria da história.

Trabalhamos agora com as contribuições de Cheikh Anta Diop, Joseph Ki Zerbo e

Walter Rodney. Consideramos que estes três historiadores colaboraram decisivamente com o

processo de de descolonização da história africana entre as décadas de 1950, 1960 e 1970. As

intervenções destes três ícones da historiografia africana alcançaram livros didáticos,

movimentos sociais e o tema civilizações da antiguidade clássica.

3.3 Dr. Cheikh Anta Diop

A obra de Cheikh Anta Diop foi dedicada a duas

frentes de trabalho, a antiguidade africana clássica,

onde civilizações como Etiópia e o antigo Egito

desempenharam o papel central na construção de

técnicas e conhecimentos científicos. Em segundo

lugar a resolução das problemáticas e consequências

do sistema colonial e neocolonial, através da projeção

de uma unidade federal do continente africano.

Cheikh Anta Diop nasceu no distrito de

Diourbel, em Caytou,sul do Senegal em 1923, seu

avô foi o Cheikh Amadou Bamba, fundador do

movimento islâmico e anticolonial Mouride. Diop formou-se em escolas corânicas no

Senegal, e em 1946 decidiu estudar física nuclear, matriculando-se na Universidade de

Sorbone na França, onde trabalhou com Madame Curie, prêmio Nobel de física, pela

descoberta o elemento químico Rádio.

Na França de 1946, Cheik Anta Diop realizou seus estudos em uma situação diferente

da maioria dos estudantes africanos, pois detinha amplos conhecimentos de línguas como o

Bambara, Tocoleur, árabe e francês. Diop detinha segurança intelectual e emocional o

bastante para estar disposto a problematizar e buscar respostas sobre os postulados científicos

europeus que enfatizavam a inferioridade africana. Outro fator fundamental para Diop foi seu

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posicionamento político anticolonial, participando ativamente das organizações de estudantes

africanos em França e de movimentos anticoloniais de luta pela independência.

No ano de 1948 Diop publica o ensaio “Quando falaremos de uma renascença

africana” propondo uma reavaliação e reconstrução do passado africano. Após

aproximadamente dez anos de formação em França, fez o cursou pós-graduação em história,

antropologia, sociologia e linguística, com estudos parciais em arqueologia e egiptologia. No

ano de 1949 sua tese sobre a anterioridade civilizacional africana e a origem dos antigos

egípcios não foi aceita pela banca da universidade de Sorbone,sendo rejeitadas duas vezes.

Em suas teses, Diop propunha uma mudança pan-africana de paradigma dentro da

investigação acadêmica, objetivando a construção de uma nova estruturadisciplinar e sentido

social, político e econômico do conhecimento. O trabalho ao lado de especialistas e químicos

e físicos da França credenciou Diop a realizar seus estudos de tal forma que segundo o

pesquisador Charles Finch III (2009 ,pág. 74): Foi-lhe particularmente útil enquanto se

preparava para uma batalha vitalícia contra a erudição estabelecida ao interpretar

ereconstruir o passado da África, batalhada qual emergiria como um verdadeiro homem da

Renascença africano.

Entre 1950 e 1953 Cheik Anta Diop foi membro fundador e secretário geral de

Association des Etudiantsdu Rassemblement Démocratique Africain (AERDA) e participoude

outras associações de estudantes africanos. Comprometido com as política e ciência,Diop

participou em 1951 do primeiro congresso pan-africano de estudantes africanos em Paris,

tornando-se colunista do jornal AERDA – Lavaix de l’Afrique Noire, em 1954 sua tese de

doutorado foi publicada sob o título de Nações Negras e Cultura.

Após traduzir hieróglifos e desenvolver inúmeros estudos da relação entre civilizações

do vale do Nilo e outras regiões do continente africano Cheikh Anta Diop concluiu que a

história da África fora falsificada em seus documentos escritos por interesses imperialistas de

países europeus, este foi um dos enfoques da sua tese de doutorado transformada no livro

Nações Negras e Cultura. Na perspectiva de Diop, as distorções dostestemunhos orais dos

escritores da antiguidade sobre a origem do antigo Egito, Etiópia e Nok comprometeram o

legado civilizacional para o continente africano e sua diáspora.

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No inicio da década de 1960, Cheikh Anta Diop começou a trabalhar no Departamento

de Física e Energia da Universidade de Dakar, Senegal. Um laboratório de radio carbono, em

quedeu continuidade as pesquisas sobre o antigo Egito, e em paralelo continuou suas

atividades políticas anticoloniais. Em 1961 foi um dos fundadores do Bloc de Masses

Senégalaise (BMS) oposto ao governo abertamente neocolonial de Leopold Sedar Senghor –

que o levou a prisão em 1962 por causa do seu envolvimento com o movimento Front

Nacional du Senegal. No total, durante o governo de Leopold S. Senghor, Diop foi preso por

motivos políticos quatro vezes.

As teses sobre inferioridade africana estavam a serviço do colonialismo, e as

ideologias sobre a incapacidade intelectual dos povos de pele preta difundiram-se na Europa

com facilidade através do racismo. Por isto, na opinião de Diop era indispensável que

africanos encaminhassem a sua própria história e civilização, que estudassem a história para a

conhecer melhor seu passado, para perceber o caráter grotesco do estilo e estratégia de

dominação cultural europeu e sobrepujá-la. Diop percebeu que havia um clima de alienação

em relação ao conhecimento africano atingiu profundamente a personalidade dos negros

intelectuais,que acabariam por perder confiança em suas próprias possibilidades e de seu país,

segundo Diop (1979, pág. 54), este foi o caso de Leopold Sedar Senghor. Em suas próprias

palavras:

No cumulo do cinismo: se apresenta a colonização como um dever da humanidade,

invocando a missão civilizadora do Ocidente,o qual se incumbiu da carga de elevar

o africano ao nível dos demais homens. A partir de então, o capitalismo campará as

suas anchas (em África): poderá exercer a exploração mais feroz sobre o respaldo de

um pretexto moral.

Nações Negras e Cultura foi um trabalho seminal, onde o autor explorou de forma

interdisciplinar e multidimensional as teorias sobre as origens da humanidade, a anterioridade

das civilizações africanas no Vale do Nilo e as conexões milenares desta região com outras do

continente. Diop debruçou-se sobre documentos históricos falsificados e o que tais ações de

cientistas europeus geraram a humanidade, além da presença africana na antiguidade na Ásia,

nas Américas entre outros temas.

Nações Negras e Cultura atingiu o interesse de movimentos sociais nacionalistas, pan-

africanistas, culturais, artísticos e literários. Mas foram poucos os africanos estudantes,

pesquisadores e professores com coragem e humildade o suficiente para apoiar um trabalho

científico nitidamente dedicado à justiça social, a qualidade de vida e função do fazer ciência.

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Segundo o próprio Diop, o único a dedicar um diálogo com suas teses em 1954 foi Aime

Cesaire. Ao ler Nações Negras e Cultura, Aimé Cesaire destacou doze teses contidas em

(DIOP, 1979, pág. 5) que abaixo apresentamos com tradução nossa:

1) Independência da África; 2) A criação de um Estado Federal Continental

africano; 3) A origem africana e negroide da humanidade e da civilização; 4) A

origem negra da civilização egípcio Núbia; 5)A contribuição das civilizações

africana, e portanto, do pensamento negro a civilização ocidental no campo das

ciências, letras e artes; 6)A identificação de grandes correntes migratórias e da

formação de etnias africanas;7)Parentesco linguístico entre o Egito e as regiões

centro, e oeste do continente africano .8) A verdadeira origem do mundo semítico;

9) A delimitação da área cultural do mundo negro, que se extende através da Ásia

ocidental até o Rio Indo; 10) Caracterização das estruturas políticas africanas; 11) A

formação dos Estados africanos em todo o continente após a decadência do Kemet e

a continuidade dos vínculos históricos e culturais até os tempos modernos; 12) A descrição do universo artístico africano e de seus problemas (escultura, pintura,

musica, arquitetura, literatura e etc.); 13) A demonstração da atitude de nossas

línguas para expressar o pensamento científico e filosófico e, a primeira transcrição

africana não etnográfica destas línguas;

A publicação de Nações Negras e Cultura gerou três consequências de pequeno, médio

e longo prazo, a perseguição profissional; o recrudescimento das teorias racistas sobre a

história da África; e a construção de uma frente de historiadores dispostos a romper com a

epistemologia da história colonial europeia. A obra foi dividida em duas partes, a primeira

sobre a história da África na antiguidade, e a segunda sobre aspectos estruturais da cultura

nacional.Comentamos alguns tópicos dos três primeiros capítulos da primeira parte.

Inicialmente com o capítulo “Quem eram os egípcios” Diop estabelece um diálogo

com historiadores, geógrafos e filósofos gregos, e, em um segundo momento, relaciona os

relatos bíblicos sobre a antiguidade, especificamente os contidos em Gênese (Bíblia).

Heródoto, Diodoro da Sicília, Estrabão foram testemunhas oculares do cotidiano, da política,

da estética, economia, línguae cultura da civilização egípcia e segundo Cheikh Anta Diop não

teriam por que ocultar ou inventar uma descrição física dos egípcios diferente das que eles

mesmos viram.

Na perspectiva dos próprios gregos o antigo Egito era à base de sua civilização, suas

realizações no campo da arte, literatura, ciências e construções eram aperfeiçoadas e

inspiradas pelas experiências milenares das populações do Vale do Nilo. A partir de 610 a.C.

pesquisadores gregos como Tales, Pitágoras, Solon, Anaximandro e Platão (para citar alguns)

viveram anos de aprendizado no Egito. Pitágoras, por exemplo, passou dois anos no século VI

ac para formular o que hoje é considerado o fundamento da filosofia ocidental .

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Lembra-nos o prof. Charles Finch III (2009) que o chauvinismo racista do século XIX

tornou tais informações – trazidas pelos próprios gregos – inaceitáveis, uma vez que na

mentalidade colonial o continente africano não passava de um conglomerado de tribos

selvagens sob um solo extremamente rico em minérios e pedras preciosas. Sob-

responsabilidade de historiadores e antropólogos coloniais as referências sobre o antigo Egito

foram aglutinadas em centros de estudos afro-orientais ou do oriente próximo, demarcando a

ideologia racista de negar a África sua própria história.

Em visita ao antigo Egito em diferentes épocas, estudiosos gregos descrevem

egípcios e etiopes sob as mesmas características físicas. Os relatos do historiador Heródoto

são explorados por Diop, por sua riqueza de detalhes e honestidade. Heródoto viveu no Egito

durante o século V a.C e chegou a conhecer a Índia, descreveu parte dos povos escuros da

Índia parecidos com etiopes e egípcios, considerou também que mulheres pretas, egípcias,

foram raptadas de Tebas para fundar em Roma os oráculos religiosos. Geógrafos antigos

como Diodoro da Sicília e Estrabão identificaram que estruturas como leis, honra, escultura e

escritura resultaram de inúmeros movimentos de migração entre egípcios, ou kemeticos, para

o norte do Mediterrâneo.

Cheikh Anta Diop (1979) destaca que arqueólogos e egiptólogos do século XIX e

início do século XX, como Gaston Maspero e Christiane Desroches Noblecout, confirmaram

semelhanças culturais e físicas testemunhadas pelos historiadores, geógrafos e filósofos

gregos da antiguidade. Na perspectiva de Diop é completamente plausível o fato de Heródoto

confundir-se com a leitura e compreensão de certos hábitos, mas não inventar ou mentir,

Heródoto posicionava-se cético a respeito de história de povos que se transformavam em

animais, assim como assumia a diferença entre o que lhe era narrado e o que ele mesmo

testemunhava, como arquiteturas do Labirinto de Hawara construído entre 1900 e 1800 a.C,

encontradas pela arqueologa Christiane Desroches Noblecout no século XX.

Heródoto, na perspectiva de Cheikh Anta Diop (1979), possuía um espírito

racionalista, escrúpulos e um trabalho científico e objetivo para a época, sem ser um

informador passivo, buscava explicações cientificas para fenômenos complexos, como as

cheias do Nilo. O antigo Egito possuía mais de 6.000 anos de história quando a chegada de

Heródoto, que encontrou uma civilização preta africana, em que era possível identificar

nômades, comerciantes e invasores de fora da África, esse era o retrato do final do Egito.

Segundo o pesquisador M.de Paw, no final do século VII a incorporação de tropas

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estrangeiras e de colônias distantes enfraqueceu o Kemetdemasiadamente, um fator somado

ao que J.J.Buchofen identificou como política grega de assimilação.

Os relatos bíblicos são importantes a partir do momento que possuem correspondência

com resultados de investigações de nível arqueológico, linguístico, botânico e geográfico. Os

judeus chegaram ao Egito em número de 70 pessoas divididas em 12 famílias sem indústria

ecriticados pela população local,por seu nomadismo (causado pela expulsão da palestina no

século 18 a.C.). Povo errante das estepes, assentados em um sistema patrilinear, os judeus

encontraram porto seguro em torno de José, foram usados como mão de obra para a

construção da cidade de Ramsés e seu aumento populacional foi visto com receio por dois

motivos, influência de um sistema religioso patriarcal, e possíveis levantes internos em

períodos de guerra contra invasores.

O surgimento de Moisés corresponde ao período denominado Tell Amarna quando

Amenofis IV – Akhenaton e Nefertite durante o século 15 a.C. instauraram uma renovação do

monoteísmo egípcio primitivo contra a corrupção de corporações de sacerdotes. Diop

comenta que era necessário transferir o centralismo político para uma esfera religiosa e

espiritual, e essa grande reforma promovida por Akhenaton e Nefertite transformou

profundamente Moisés e o povo judeu como um todo, que foram guiados para fora do antigo

Egito por Moisés após 400 anos de sofrimento, em um número de 6.000 pessoas e com uma

religião integralmente baseada no culto monoteísta local. Na perspectiva de Diop é a partir

deste momento que se constrói uma mitologia do povo amaldiçoado marcados pela cor preta,

a maldição de Kerma.

Com base na bíblia, Diop (1979) explica-nos que o antigo Egito foi formado pelos

descendentes de Kam, em hebreu a palavra Kam significa preto, queimado e escuro, na língua

egípcia o kemet significa preto e por extensão o território que os gregos denominaram Egito

tinha o nome vernacular de Kemet, que significa: terra dos pretos. Há uma dupla utilização do

termo Kam, a bíblica- indicando o povo amaldiçoado e preto que criou o Egito, e com quem

ironicamente os judeus viveram e aprenderam religião e valores civilizacionais, e outra versão

da historiografia e arqueologia-em que Kam era um povo branco e de fora da África, os

verdadeiros criadores do Egito, ou seja, uma negação total da origem africana das

civilizações.

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No segundo capítulo “Nascimento do mito do negro” Cheikh Anta Diop desconstróios

mitos sobre a história da África, observando queHeródoto chega a um antigo Egitoinvadido,

dominado e conquistado por persas, macedônios, romanos, árabes, turcos. A civilização do

Egito, se constituiu no período antigo-clássico, durante 4.425 anos, mas o povoamento data de

17.000 mil anos, se pensarmos uma cronologia ampliada a partir da construção de calendário,

que exigiu milênios de observação. Gregos e Romanos obtiveram conhecimentos científicos,

religiosos, morais e sociais do Egitoem peregrinações que se transformaram em invasões

sistemáticos.

A partir do século IV d.C., o esgotamento do paganismo, a ascensão do cristianismo e

as invasões bárbaras construíram uma nova civilização assumidamente herdeirados progressos

técnicos originado dos contatos com outros povos e excitadamente disposta a lançar-se a

conquista do mundo no século XVI. Na perspectiva de Diop esse contato dos europeus com

África na modernidade foi à base da construção da ideologia do negro primitivo, para

entender o histórico social desta construção Diop propõe como necessária a compreensão de

que a população negra africana passou porgrandes movimentos de descolamento, um dos mais

importantes foi a cerca de 7.000 a.C., com a desertificação do Saara as populações negras que

lá habitavam migraram para o Alto Nilo, sua adaptação aos costumes da população também

negra lá encontrada, deu início a um ciclo civilizatório de 10.000 anos.

Esse núcleo desenvolvido no Alto Nilo expandiu-se dentro do continente africano

formando outros núcleos civilizacionais, que através do Vale do Nilo se expandiramaté o

Delta e o Mediterrâneo. As seguidas invasões ao antigo Egito tornaram esses núcleos fora do

Vale do Nilo fortes em termos organizacionais,sociais, políticose moral, mas que ficaramcada

vez mais isolados e sem contato com o Vale do Nilo. Na interpretação de Diop(1979,pág.

51),a investigação cientifica especulativa, a busca por soluções para irrigação e cheias e as

técnicas daí resultantes não se justificavam fora do Vale do Nilo.

Outro detalhe importante, relacionado às invasões, é sobre a deficiência militar do

antigo Egito, pois, mesmo inventando técnicas de operação do ferro e a pólvora os egípcios

snão criaram canhões ou munições. Todavia, as organizações eram dotadas de sofisticação e

complexibilidade, as monarquias constitucionais, conselhos populares formados por

estamentos sociais e em certos casos primeiros ministros e uma constituição a ser seguida.

Observa Diop que durante os séculos da idade média europeia, o conhecimento sobre a

anterioridade civilizacional africana foi esquecido em bibliotecas e soterrado em ruínas.

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A perspectiva do negro primitivo de mentalidade pré-lógica foi construída na Europa

com base em alguns fatos, principalmente a ignorância sobre a história antiga do negro, o

racismo, costumes distintos e a necessidade econômica de exploração. Diop destaca a

surpresa do pesquisador Volney no século XVIII ao se deparar com a população egípcia não

árabe, ou seja, nativa e remanescente do antigo Egito:

[...] esta raça de homens negros, hoje nossos escravos e objeto do nosso menosprezo

é o mesmo a quem devemos nossas artes, nossas ciências e até o uso da palavra, de

imaginar, enfim, que é por intermédio do povo que se diz mais amigo da liberdade e

da humanidade de onde provem a mais Barbara da escravidão, profundamente

problemática se o homem negro tiver uma inteligência do tipo da dos Brancos!(DIOP, 1979, pág. 58, tradução nossa)

Na Europa a produção literária moderna consolidou a ideologia mito de inferioridade

humana tornando-se um forte elemento de alienação entre africanos. Mesmo com alto nível de

instrução uma grande maioria de africanos tem a supremacia branca introjetada em seu

psicológico, que corrobora com um processo de autonegação tamanho, que nem mesmo eles

aceitam o fato a origem da primeira civilização que se propagou pela terra e que fez progredir

a humanidade foi no continente africano. Foi uma falsificação moderna da história esse

movimento de interpretação criminosa da história africana, nas palavras de Diop (1979,

pág.59), tradução nossa:

[...] falsificação mais monstruosa da história da humanidade perpetrada pelos

historiadores modernos […] O nascimento da egiptologia se caracteriza assim pela

necessidade de destruir, a qualquer preço e em toda memória, a recordação do Egito

negro.“O denominador comum de todas as teses dos egiptólogos, seu parentesco

intimo, sua afinidade profunda se resumirão em uma tentativa desesperada de refutar

a teoria de um Egito negro.” (DIOP,

Desde então, na perspectiva de Diop (1979, pág. 60), tradução nossa:

[…] aqueles que ignoravam a grandeza passada dos negros, incluindo os próprios

negros encontravam cada dia mais dificuldade de incluso inadmissível, que estes

puderam estar na origem da primeira civilização que se propagou pela terra e a qual

a humanidade deve o que é essencial para o seu progresso

O capítulo “Falsificação moderna da História” apresenta-nos um estudo e

problematização sistematizados sobre a falsificação de documentos da antiguidade africana,

mais diretamente a respeito da antiguidade clássica. Meu interesse aqui é destacar alguns

aspectos propostos pelo capítulo no que diz respeito às teses falsificadas esuas contradições.

Por razões de tempo e espaço limitado dedicar-me-ei aos registros em pintura, escultura e

objetos pessoais analisados por Dr Diop.

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Figura 21: Quadro do vale dos Reis

A B C D

Fonte: L’Antiquité Áfricaine Par L’imag (1994)

Cheikh Anta Diop inicia sua abordagem com o período entre a campanha de Napoleão

Bonaparte em 1789 e a década de 1920 e 1930, que integram a tradução de hieróglifos feita

por Champolion Figeac e a criação da egiptologia. A primeira tese sobre falsificação

analisada refere-se aos quadros em baixo relevo da XVIII Dinastia, século XV a.C,

encontrados por Champolion O Jovem, irmão de Champolion Figeac, na Tumba de Ouser I

localizada no Vale dos Reis. Os quadros do Vale dos Reis são considerados por Cheik Anta

Diop (1979) como o primeiro documento etnográfico que se tem registro na humanidade, pois

nele os egípcios registraram sua visão a cerca de si mesmos e de grupos humanos de regiões

estrangeiras.

De acordo com Diop (1979) a figura A representa os egípcios – Kemet; a figura B os

Amu – asiáticos; C eram os Nahasi – africanos de outras regiões do continente; e a figura D

representando os Tehemu – europeus;Em uma série de cartas, Champolion descreve sua

própria consternação em constatar que os Tehemu (europeus) enquadravam-se em uma

situação selvagem perante os outros povos, principalmente os africanos. Este documento

encontrado na expedição de Napoleão veio ratificar os testemunhos oculares de historiadores,

geógrafos e filósofos gregos da antiguidade.

Os comentários de Champolion-O Jovem entraram em um contexto científico europeu

inundado de teses racistas e pre-colonialista. Assim como as observações anteriores feitas por

C.Volney sobre a origem negra africana do Egito, as observações de Champolion tornaram-se

praticamente inaceitáveis, seu próprio irmão, Champolion Figeac, considerado o pai da

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egiptologia,prontificou-sea desconstruir e relativizar os relatos antigos de Heródoto, de

Volney e de seu próprio Champolion-O Jovem. Champolion Figeac utilizou-sede

argumentações absurdas alegando que a cor da pele, os traços físicos e o tipo de cabelo das

múmias, retratados pelos monumentos e esculturas, não eram suficientes para provar que os

egípcios formavam uma grande civilização negra africana.

Champolion Figeac optou por inventar teorias que pudessem sustentar sua recusa às

evidencias históricas. Primeiramente propôs a existência de três raças habitantes do continente

africano, os negros no interior, os cafres na costa oriental, e os mouros,entendidos por ele

como os verdadeiros egípcios, homens brancos. Cheik Anta Diop (1979) chama-nos atenção

para o fato de que a palavra cafre designa um titulo empregado pelos muçulmanos aos povos

não muçulmanos da época em que islã invadiu a África oriental através de Zanzibar. O termo

Mouro foi utilizado para os descendentes dessas invasões árabes, que percorreram os séculos

VII ao XV, experiências extremamente recentes no continente africano .

Em um processo consciente, político e raciologico de manipulação da história,

Champolion Figeac entrou em uma série de contradições ao ignorar que as esculturas,

pinturas e monumentos confeccionados no antigo Egito foram retratos do cotidiano e registros

de diversos estratos sociais, dos faraós, aos músicos, passando por agricultores, crianças e

escribas. A arte egípcia conseguia em suas estéticas ser mais preto-africana que em qualquer

parte do continente e na diáspora. Outros teóricos como Cherubine tentaram descartar o fato

de a tinta usada nas pinturas ser para representar a cor da pele, um argumento que não

conseguiu ser sustentado com solides.

O elemento mestiçagem também é abordado por Diop (1979) em três sentidos

importantes, primeiro que tal processo não criou um grupo racial distinto e diferenciado, uma

vez que o tom da pigmentação possuía diversas variações dentro do próprio continente

africano. Em segundo lugar a presença estrangeira no antigo Egito tornou-se contínua a partir

da XI dinastia, principalmente em Tebas. Cheikh Anta Diop faz uma analogia sobre a

presença estrangeira em Paris do século XX, uma grande capital com alta circulação de

pessoas estrangeiras. Outro aspecto importante é que a presença de estrangeiros do norte do

mediterrâneo e semitas nas pinturas e esculturas revela-nos processo gradual de finalização do

Kemet, o encerramento de sua época clássica.

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A desconstrução do mito sobre o conceito de preto-negro africano deveria ser

realizada com urgência para uma compreensão correta sobre a formação populacional do

antigo Egito (DIOP, 1979, pág. 105), tradução nossa:

No sentido exato do termo, tampouco existe uma cor negra (associada à pele

humana)... não sendo possível aplicar um qualitativo exato, dificuldade essa

agravada pela variedade de matizes entre as regiões.…por exemplo, os negros que

vivem em regiões calcárias possuem a pele menos escuras que em outras regiões.

Logo, é muito difícil reproduzir a cor do negro através da pintura e o habitual é

contentar-se com a aproximação de suas diversas matizes […].

Para Diop a questão chave das representações gráficas era o início do povoamento e o

retrato de ordem cultural e civilizacional presentes no antigo Egito. A atribuição de uma cor

branca aos egípcios, empregada pela egiptologia e pelos historiadores coloniais,por exemplo,

era uma maneira de criar uma origem não africana para os mesmos. Nesse sentido, estava

descartado o processo de migrações do Vale do Nilo para regiões centro,suloeste do

continente africano, como defendeu Diop.

O elemento crucial das distorções modernas sobre o antigo Egito foi à falsificação,

propriamente dita, dos quadros em alto relevo encontrados no Vale dos Reis. Champolion

Figeac não respeitou os originais registrados por seu irmão, optando conscientemente por

trocar a cor preta dos egípcios pela cor branca, o que desencadeou um sério problema na

compreensão da história da humanidade. A egiptologia organizou um conjunto de alegorias

subjetivas para provar a origem externa da população egípcia, contradizendo-os testemunhos

oculares dos antigos perante a realidade objetiva do Egito, ignorando-os e silenciando-os

sobre a origem e povoamento da região.

Em diálogo com Amélineau, a segunda tese analisada por Cheikh Anta Diop, é sobre o

Anu, um grupo africano do período proto-histórico fundou os elementos da civilização

egípcia. Os estudos arqueológicos de Amélineau indicam que os Anu integram um processo

milenar de migração populacionalda região norte do continente africano para a região ao sul

do Nilo, onde com a população já instalada deram inicio a construção da civilização do antigo

Egito, nas palavras de Amélineau sobre os Anu :

[...]eram uma população agrícola habitava a margem do Rio Nilo, em cidades

muradas onde se defendiam”. É a esta população a quem podemos atribuir sem

medo de erro os livros mais antigos do Egito, o Livro dos Mortos e os Textos das

Pirâmides, e, em consequência, todos os mitos e encenações religiosas, e eu quase

diria que incluo todos os sistemas filosóficos até então conhecidos, que sempre

foram denominados egípcios. É evidente que conheciam todos os ofícios necessários

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Figura 22 : Anu -Tera Neter

Fonte: Nações Negras e Cultura (1979)

Figura 23 : Narmer

Fonte:Nações Negras e Cultura (1979)

para desenvolver toda a civilização e,portanto, também conheciam o uso dos metais,

pelo menos os metais elementares... (DIOP, 1979, pág. 133, tradução nossa)

É seguro que este povo já conhecia as artes principais. Há provas disso na arquitetura e

nas tumbas de Abydos, em especial na tumba de Osíris. Nestas tumbas foram encontrados

objetos que levam a marca indelével de sua origem, como as peçasde marfim esculpidas,

como uma pequena cabeça de Núbia talhada em um sepulcro destinado ao Deus Osíris, ou

como os pequenos recipientes de madeira, ou marfim, em forma de cabeça de felino, todos

eles documentados publicamente no primeiro volume das minhas Fouilles de Abydos.

Todavia, Amélineau entra em contradição aoafirmar que após a fundação do Egito as

populações do Vale do Nilo eos Anu foram dominados por uma população branca oriunda do

interior do continente. A tese de Amélineau fundamenta-se na palheta de Narmer, artefato de

dupla face encontrado em Hierakonpolis, uma escultura de 3.200 a.c. que evoca a guerra de

unificação do Baixo e do Egito sob a liderança de Narmer, fundador da primeira dinastia

faraônica.Todavia, sob a análise de Cheikh Anta Diop, não há nenhum indicador na palheta

que suporte a tese sobre um contingente branco dominante no Egito antigo. Primeiro, a

escultura de Narmer é precisa na caracterização da origem étnico cultural africana e traços

físicos de Narmer,em absolutamente nada estas características correspondemà asiáticos ou

europeus, como se pode observar abaixo na figura 23.

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Figura 25 : Palheta de Narmer - Face 2

Fonte: Nações Negras e Cultura (1979)

Figura 24: Palheta de Narmer - Face 1

Fonte:Nações Negras e Cultura (1979)

No caso da palheta, Cheikh Anta Diop (figura 24) nos explica que as duas faces

narram momentos distintos da unificação entre Baixo e Alto Egito conduzidas por Narmer

contra adversários políticos núbios e invasores estrangeiros semitas. Na primeira face, Narmer

usa um amuleto eveste uma coroa representando a Baixo Egito, em uma das mãos segura uma

massa de guerra e na outra segura o adversário pelos cabelos, acima de Narmer o Deus Hórus

segura uma corda que sai das narinas de uma cabeça decepada, e na parte inferior da palheta

encontram-se dois homens correndo.

O contexto da primeira face indica um momento de sacrifício ritual em um local

sagrado, pois Narmer está descalço sob um patamar, o que indica um ambiente sacro. O

sacrifício ritual foi comum durante muito tempo em regiões africanas como no Daomé. O

amuleto no peito de Narmer, a cultura de servidão e os tipos de sandálias comuns no Senegal,

e em outros lugares do continente africano, também são sinais do ambiente, da cultura,

geografia africanos.

Por influência do islã, o gorro usado por Narmer tem se extinguindo no continente

africano, mas ainda é tradicional entre os Dogon do Mali, por exemplo. Outro dado

interessante trazido por Diop é a relação das narinas com a vida, uma crença antiga nas

culturas africanas. Os fugitivos portam perucas típicas, muito parecidas com as utilizadas no

Senegal,e seus traços físicos são indubitavelmente africanos.

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A segunda face da palheta divide-se em três dimensões, primeiramente uma grande

marcha em que soldados carregam standarts diversos à frente de Narmer e de seu servo. No

centro são justapostasas figuras dedois homens controlando dois felinos. No plano inferior um

touro impõe-se sobre um homem estendido no chão. O exército em marcha carrega insígnias

do Alto e Baixo Kemet, como as núbias representadas pelo chacal e pelo gavião. Assim como

na primeira face da palheta, Narmer porta na cintura um objeto muito comum entre os chefes

religiosos da Nigéria, o rabo de touro – outro animal totêmico do Baixo Kemet, que ilustra as

duas faces da palheta. Diferente da primeira fase, os vencidos possuem traços físicos semitas.

Voltando a parte superior da palheta, Narmer porta uma nova coroa a do Baixo Egito

o recém-conquistado, eseguranas mãos símbolos do Alto e Baixo Egito, o fato de seu servo

carregar suas sandálias indica o lugar sagrado onde os conquistados não foram simplesmente

executados, mas sim imolados ritualisticamente. No centro da palheta há total simetria entre

os dois homens e entre os dois felinos, os homens iguais simbolizam o Baixo e Alto Egito,

ambos controlam felinos que representam os dois reinos, dominados e unificados, impedidos

de lutar entre si. Essa ilustração central é chave enquanto símbolo da união entre os habitantes

do Egito e os povos negros em geral.

A ideia de que os faraós eram entidades asiáticas não correspondearte encontrada pela

arqueologia e vistas de forma pública como a esfinge, uma imagem de um rosto preto

africano. Outra tese falsificada foi a da existência de uma raça intermediária oriunda do

cruzamento de negro com branco, teoria considerada por Diop (1979), como um mito baseado

na ideia de incapacidade dos povos melanodérmicos constituírem uma civilização, por isso foi

tecnicamente importante para acadêmicos racistas considerar os egípcios como mestiços,

herdeiro do gênio europeu .

Este primeiro capítulo do livro Nações Negras e Cultura é encerrado com a

desconstrução das teses sobre o povoamento do antigo Egito. A primeira tese criticada por

Diop é sobre o Delta como lugar de origem do Egito, apresentada como uma zona de

confluência de asiáticos, árabes e europeus na região do Delta. Diop defende a origem local

do Egito, a partir da região do Alto Egito, que reúne todas as fases históricas da civilização,

com documentos materiais comprovados dos períodos Tarsiense, Badariense, Amratiense,

Proto-dinastico, Dinástico e etc. Em relação ao processo de povoamento do Alto Egito, o

povoamento do Delta é recente.

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Outros indicadores contrários à preponderância do Delta se dão pelos textos antigos,

como o Livro dos Mortos, que denominam Isis e Osíris, originários da Núbia, nascidos no

Alto Egito, Isis em Dendera e Osíris em Tebas. Cheikh Anta Diop (1979), destaca que o culto

a ancestralidade presente no Egito é típico de todo o continente africano, o enterro dos faraós

em Tebas, por exemplo, justifica-se por a mesma ser no alto Egito o lugar de origem dos seus

ancestrais, e de onde se erigiu a civilização.

Da primeira dinastia nascida no Alto Egito com o Faraó Narmer foi não somente

responsável pela unificação do Egito, mas pela construção de diques e de Menfis no Delta,

Menfis foi uma verdadeira base militar contra invasores. Entre o período proto dinástico e a

XIX Dinastia não ocorriam invasões serias, mas a presença da Líbia em terras outorgadas por

faraó, e a persistência de nômades estrangeiros sempre foram uma ameaça, até o Faraó

Narmer, o Delta era uma região insalubre.

A origem asiática do Egito é descartada por inúmeros elementos que comprovam a

origem local, populacional e cultural africana no Alto Egito. Para a sustentação da tese

asiática deveria haver uma civilização anterior a do Egito na Ásia, e não há. A origem

mesopotâmica é insustentável historicamente, uma vez que naquela região não havia técnicas

de cozimento do barro (adobe), o que tornou a chuva um carrasco climático da arquitetura e

engenharia. A escrita cuneiforme da Mesopotâmia, por sua vez era praticamente restrita a

registros comerciais, mas a mesma foi levada para aregião através de sacerdotes do antigo

Egito denominados Caldeus.

Com base em testemunhos escritos e oculares de gregos, romanos e de egípcios, não

há uma anterioridade mesopotâmica em relação à civilização doantigo Egito. A contribuição

dos Caldeus foi de suma importância para a Mesopotâmia,para Diop (1979) a Torre de Babel

foi um aparelho astronômico construído pelos Caldeus, palavra que originou em grego o

termo astrologia, inclusive a estética da pirâmide escalonada, como era Babel, tem origem no

Egito e foi expandida do mesmo para outras regiões do continente como Costado Marfim,

para a Índia e México. Na concepção do autor os semitas originam-se da miscigenação entre

africanos e europeus, sua hipótese é de que semitas judeus e árabes são fruto desta

confluência.

Para concluir este debate sobre origem do antigo Egito, Diop faz uma analogia entre o

mesmo efenícios, árabes e sabeus, em uma reflexão sobreorigem e características dos egípcios

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vistos pela antropologia. O autor reconstrói a árvore genealógica fenícia a partir de canaan,

que na proto-história significava preto, os cananeus, por conseguinte, eram os descendentes de

canaan, irmãos do egípcio Mizrain e do etíope Cush. Os fenícios, na análise Diop, foram

descendentes dos cananeus e mantiveram relação direta de lealdade com a população do

Egito.

A religião dos fenícios é outro aspecto de ligação entre o Egito com o restante do

continente. A influência do Egito foi muito grande no aparato teológico fenício, como no

culto a Toth e Osíris, virtudese os valores. Os fenícios eram africanos de origem, e junto aos

egípcios dominaram o mar Mediterrâneo,mantendo as populações da antiga Europa sob forte

influência econômica e cultural. Diop menciona que o culto de Isis, por exemplo, difundiu-se

por toda a Europa em ambientes denominados Casa de Isis,uma indicação dos locais onde a

ancestral era adorada. De acordo com os estudos de Diop a contração das palavras Peer (Casa)

e Isis originou a palavra “Paris”, capital da França.

A influência das línguas africanas sob as línguas latinas sobrepõem-se à família indo-

europeia, o que se explica devido à anterioridade civilizacional e organizacional do antigo

Egito (1979, pág. 181). Os pesquisadores negligenciaram a influência africana linguísticano

mediterrâneo, esquecendo e fazendo esquecer que os homens de Grimaldi eram africanos que

migraram e povoaram a Europa no final do paleolítico. No caso da árabe, Cheik Anta Diop

(1979) Frances François Lenormant que apresentou inúmeros materiais sobre a expansão do

império de Cush sobre toda a Arábia. Durante a época do Rei dos Aditas, neto de Kam, seu

filho Ad-Keddad, foi responsável em sua época pela construção do paraíso terrestre

mencionado no sagrado Corão. O Império Adita foi destruído no século XVIII a.C. por

povosjectanidas do norte do mediterrâneo, parte dos Aditas por consequência migraram para

Etiópia estabelecendo fortes laços linguísticos e etnográficos.

A expansão Cushita na Arábia e posteriormente a invasão nômade dos jectanidas

ajuda-nos a compreender a formação do povo árabe semita, originalmente mestiça e recente,

em analogia ao Egito antigo. De acordo com as pesquisas revistas por Cheik Anta Diop

(1979) antes do século XVIII a.C. o mundo árabe era uma extensão do reino de Cush. Todas

essas informações são fundamentais para a desconstrução de uma ideologia sobre a influência

semita na criação da escrita no Egito, a origem desta escrita é anterior ao século XVIII a.C. e

expressa somente à flora e fauna africana.

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No século XIX, a arqueologia europeia defendia que os Sabeus eram da mesma

linhagem dos Cushitas, seus descendentes. Cheikh Anta Diop analisa dois aspectos da

questão, os costumes e as instituições dos sabeus. Estas possuem uma interligação direta com

o Vale do Nilo, pois, os Sabeus praticavam a circuncisão, sistema de castas, literatura,

hidráulica e engenharia, sua religião era um arremedo de elementos doantigo Egito e da

Fenícia. O islã realizou uma verdadeira depuração dos conhecimentos sabeus para a

construção de sua própria teologia). Através de métodos de datação com o carbono 14, Diop

alega que nenhuma das civilizações dos fenícios,sabeus,árabes... é anterior ao antigo Egito,

pelo contrário, na verdade todas foram profundamente influenciadase mesmo dependentes das

civilizações do Vale do Nilo.

Entretanto, Cheik Anta Diop exige-nos no final desse terceiro capítulo uma reflexão

crítica sobre o trabalho de antropólogos a respeito do antigo Egito, apresentado como uma

civilização de origem externa ao continente africano, uma civilização culturalmente e

intelectualmente branca,ignorando todas as evidências materiais contrarias a esta tese.

Inúmeros tratados antropológicos prestaram um verdadeiro desserviço à ciência, confundindo

estudantes e pesquisadores através de ideologias, como a de África Negra e África Branca.

Diop não se dedicou as tradições orais propriamente ditas, mas suas pesquisas nos

campos da linguística e da etimologia serviram de suporte a trabalhos no campo da oralidade,

como os dohistoriador Djibril Tanzim sobre a formação do reino do Mali (Epopéia

Mandinga). O professor Boubacar Barry (2000) observa que as narrativas do Reino do Mali

“Trazem dados preciosos sobre civilizações mandinga, ao mesmo tempo em que revelam os

laços indiscutíveis entre estas e as civilizações do Antigo Egito”.

O final da década de 1950 historiadores africanos buscaram, a partir da oralidade,

construir ferramentas de pesquisa, narrativas e linguagens capazes de descolonizar a história

da África. Entretanto, no campo epistemológico foi necessário desenvolver uma nova

concepção de história desvinculadas ideologias raciais e reabilitar a história das civilizações e

cultura. O historiador Joseph Ki Zerbo dedicou-se a isto.

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Figura 26: Joseph Ki-Zerbo

Fonte: http\www.ceda.com

3.4 Dr. Joseph ki Zerbo

Joseph Ki Zerbo nasceu em 1922 em

Ouagadougou, capital do Alto Volta (atual Burkina

Faso), com excelente desempenho escolar e oriundo

da primeira família cristã da região, o jovem Ki-

Zerbo teve a oportunidade de conseguir uma bolsa

de estudos na Universidade Sorbone na franca, para

onde emigrou no ano de 1949. Em 1955 Joseph Ki-

Zerbo adquiriu o título de historiador pelo Institut

d'Études Politiques.

Durante a graduacão participou ativamente em iniciativas educacionais em

associacões nacionalistas de estudantes africanos na Franca como a Associacão dos

Estudantes do Alto Volta (AEVF), Associacão de Estudantes africanos na Franca e da

Federação de Estudantes da África Negra em Franca, com Abduale Wade, Cheikh Anta Diop

e A. Mahtar Mbow). Joseph Ki Zerbo, dedicou-se a pesquisa histórica e valorizacão de fontes

documentais africanas como a arte, arqueologia e principalmente a oralidade, que na

compreensão de Ki- Zerbo era uma das fontes documentais mais preciosas do conhecimento

africano.

Ki Zerbo enfrentou os discursos racistas sobre a história da África e trabalhou–com

outros historiadores- na construção de uma literatura científica dotada de conhecimentos,

métodos, conceitos e instrumentos próprios. Ki Zerbo intensificou a integração de fontes

linguísticas, arqueológica, orais e antropológicas para uma concepção de história favorável a

edificação do autoconhecimento, da confiança e da dignidade.

Retornou ao Burkina Faso – na época denominada Alta Volta- para unir-se as forças

de resistência anticolonial de Sekou Turé em Guiné Conacri, que enfrentava as pressões do

neocolonialismo Frances de Charles De Gaulle. Trabalhou com chefes de Estados e partidos

como Patrice Lumumba, Kwame Nkrumah, Modibo Keitá, Jomo Keniatta, Amílcar Cabral,

Tom Mboya e Julius Neyrere. Em 1958 no Burkina fundou o Movimento de Libertação

Nacional, propondo uma democracia baseada em valores africanos. Ao longo de sua vida

Joseph Ki Zerbo conquistou inúmeras inimizades por criticar a opção individualista dos

lideres africanos, principalmente no caso das cooperações internacionais:

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Há um provérbio africano que diz: “Quando um cavalo tem demasiados

palafreneiros, arrisca-se a morrer de fome”. Ora, o número de médicos que se

apressam para a cabeceira do continente doente aumenta paradoxalmente, numa

altura em que se vê uma maior desobrigação em relação à África; é neste momento

que sefala mais e que se constroem teorias sobre o direito e o dever de ingerência,

que se parecem estranhamento com as ideologias do tempo do tráfico de negros e da

conquista colonial. (ZERBO, 2007, pág. 5)

Participou de congressos africanos de história da África como o de 1965 na Tanzania,

e a partir de 1962 iniciou as pesquisas de seu primeiro trabalho da história e historiografia

africana História da África Negra, terminado em 1969 e publicado em 1972. Nesta mesma

década Ki Zerbo integrou o Comitê Internacional para Confecção da História Geral da África,

sua responsabilidade neste comitê foi construir a metodologia de pesquisa da coleção. Joseph

Ki Zerbo (2007, PÁG. 134) não deixou de criticar a hegemonia europeia na construção do

conhecimento histórico, assim como a sua preservação e difusão:

[...] à frente da caravana da humanidade ia a Europa, pioneira da civilização, e atrás

os povos primitivos” da Oceania, Amazônia e África. Como se pode ser índio,

negro, papua, árabe? O “outro”, atrasado, bárbaro, selvagem em diversos graus, é sempre diferente, e por essa razão torna-se objeto de interesse do pesquisador ou de

cobiça do traficante. A etnologia recebeu, assim, procuração geral para ser o

ministério da curiosidade europeia diante dos “nossos nativos”. Apreciadora dos

estados miseráveis, da nudez e do folclore, a visão etnológica era muitas vezes

sádica, lúbrica e, na melhor das hipóteses, um pouco paternalista [...]

O objetivo central de História da África Negra é elaborar uma nova concepção cada

História da África, pois a concepção é um elemento fundamental para uma mudança

metodológica e utilização do conhecimento. Em História da África Negra Joseph Ki Zerbo

propões uma concepção de História da África desprovida das ideologias racistas presentes na

historiografia da época, que afirmavam não haver uma história da africana perspectiva de Ki

Zerbo ( 1972), as ideologias coloniais baseadas em autores como Hegel, Coupland, P.

Gaxotte, Charles André Julien, deveriam ser imediatamente descartadas, para a construção de

métodos e linguagens historiográficas autônomas:

[...] o continente africano quase nunca era considerado como uma entidade

histórica. Em contrário, enfatizava-se tudo o que pudesse reforçar a ideia de uma cisão que teria existido, desde sempre, entre uma ‘África branca’ e uma ‘África

negra’ que se ignoravam reciprocamente. Traçavam-se fronteiras intransponíveis

entre as civilizações do antigo Egito e da Núbia e aquelas dos povos subsaarianos.

[...] nos dias atuais, é amplamente reconhecido que as civilizações do continente

africano, ela sua variedade linguística e cultural, formam em graus variados as

vertentes históricas de um conjunto de povos e sociedades, unidos por laços

seculares.” (M’BOW, 2010, pág. XIII).

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Para Joseph Ki Zerbo (1972, pág. 46), o método ocupa lugar central para construção

de uma história africana descolonizada. Mas para isso, seria necessário o enfrentamento das

ideologias racistas, através do cruzamento de fontes, e o trabalho interdisciplinar :

Tudo pode histórico para o historiador atento. Tudo e não apenas as datas das

batalhas ou de tratados, os nomes dos príncipes e dos presidentes da república. O

homem tornou histórico tudo àquilo que tocou com a sua mão criadora: a pedra

como o papel, os tecidoscomo os metais, a madeira como as joias mais preciosas.

Não negamos longe disso o valoas provas escritas. Mas por necessidade e por

convicção, rejeitamos a concepção estreita e ultrapassada da história só pelas provas

escritas, teoria segundo a qual certas zonasda África mal acabariam agora e sair da

pré-história […] somos por uma história de múltiplas fontes e polivalente, que tome

em conta absolutamente todos os vestígios humanos deixados pelos nossos

antepassados […].

Os fetichistas da escrita eram os historiadores agentes da historiografia colonial, que

influenciavam a desqualificação da oralidade enquanto documento histórico. Havia também a

categoria dos funcionalistas que viam a história como fonte mitológica, a dos iconófilos, que

desconfiam de sistemas de contagem do tempo fora da estética e logica do calendário greco-

romano. Outro problema identificado por Zerbo (1972) era a respeito dos historiadores

especialistas em África que consideravam a legitimidade da história oral, condicionavam-na a

fontes escritas, entendidas como mais precisas, ele considerava que o debate mais importante

sobre a história oral era sobre que método adotar para diagnosticar as tradições e selecionar

com toda a segurança aquilo que é digno de servir como fonte para a história.

A concepção de história elaborada por Joseph Ki Zerbo (1972) está no campo amplo

de ação investigativa que transcende laboratórios, museus e o universo livresco da literatura

científica. Por um lado, o historiador deve reconstruir o passado africano, e por outro, deve ser

capaz de desconstruir mitos e preconceitos sociais, eenfrentar as dificuldades referentes aos

métodosno campo da oralidade. Na perspectiva do historiador, a história enquanto ciência não

admite uma postura neutra do historiador da África, que mesmo participando ativamente de

seu tempo, comunidade e sociedade, deve mantero tempo e distância necessários para

conservar seu papel de testemunha.

O historiador da África, sem ser um mercador do ódio, deve dar à opressão do

tráfico de escravos e à exploração imperialista o lugar que elas realmente ocuparam

na evolução do continente e que tantas vezes e tão habilmente é minimizado por certos historiadores europeus, com resultados terríveis para a mentalidade dos

jovens africanos que nos bancos das escolas se alimentaram deses manjares

envenenados. (ZERBO, 1972,pág. 35)

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O antigo Egito está presente na História da África Negra, Joseph Ki Zerbo não se priva

em estabelecer continuidade entre as atividades ocorridas no Egito e na África atual. Neste

sentido, cita os exemplos dos Mossi que comemoram os trinta anos do Rei, assim como no

Egito comemoravam-se trinta anos do Faraó, durante a festa do Sed. Em diálogo aberto com

Cheik Anta Diop, Joseph Ki Zerbo refere-se ao parentesco linguístico entre o Egito e demais

regiões do continente, afirmando que:

Fornece uma hipótese cientifica de trabalho. abre perspectivas espantosas,

intrigantes e estimulantes ao historiador, que vê o parentesco linguístico do haussa e

do egípcio antigo ....Tais trabalhos podem permitir, pelo estudo genético e

comparativo das gramáticas, reconstituir como no caso das línguas indoeuropeias,

tronco da evolução. (ZERBO, 1972:24)

Ki Zerbo explora evidências da rota do milho a partir do antigo Egito para o centro

leste do continente. A expansão do totemismo das populações do vale do Nilo, exemplificadas

pela cabeça de boi apresentadas de perfil e com chifres de frente, possui similares com as

configurações no Vale do Nilo, como na palheta de Narmer. Na perspectiva de Joseph Ki

Zerbo o continente africano possui uma forte rede de inter-relações de regiões, o autor

assume a existência de uma espécie de solidariedade histórica entre as populaçõesdo Vale do

Nilo, Sudão, África Oriental e a floresta guineense: Houve trocas interafricanas que

constituem um puzzle apaixonante e explicam as analogias surpreendentes que se verificam

através do continente do ponto de vista das estruturas políticas, das materiais e artísticas

(ZERBO, 1972,pág. 34).

Joseph Ki Zerbo critica as ideologias raciais presentes na construção do conhecimento

histórico, na sua perspectiva a divisão em etnias e cores ocupa um lugar tão pernicioso quanto

à rigidez das fronteiras coloniais criadas pelo tratado de Berlin. Para os historiadores da

África a reconstrução da história das civilizações da antiguidade, a concepção e o método

foram questões chave para a descolonização da história da África. A seguir, o trabalho de

Walter Rodney acrescenta mais um elemento fundamental para a descolonização da história, a

dimensão do ensino e militância do historiador.

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Figura 27: Walter Rodney

Fonte: http\www.rodneyfoundation.com

3.5 Dr.Walter Rodney

O historiador Walter Rodney compartilha

com Joseph Ki Zerbo e Cheikh Anta Diop o

reconhecimento internacional, entretanto no

Brasil, ambos compartilham o desconhecimento

nacional. Faltam traduções e, em alguns casos, a

desqualificação acadêmica é um obstáculo ao

conhecimento histórico e historiográfico africano.

Nascido em 1942 na Guiana, Walter Rodney deu

continuidade ao ativismo político de seus

familiares, que integravam movimentos sociais

anti-imperialistas.

Em 1966 Walter Rodney concluiu o curso de P.H.D. pela escola de Estudos africanos

e Orientais de Londres, e a partir deste ano iniciou seus trabalhos na Universidade de Daar es

Salaan na Tanzania, associando-se a lendária East Áfrican Publishing House. Em sua época,

um dos diferenciais do trabalho de Rodney foi construir uma rede de diálogo entre o

pensamento marxista e o pensamento pan-africano, mas a posição de Walter Rodney foi de

exceção, por que o marxismo exerceu um poder hegemônico no pensamento intelectual no

continente e na diasporico, assim como Cheikh Anta Diop e Joseph Ki-Zerbo, o Pan-

africanismo em Rodney era uma plataforma de militância política, afirmação cultural e do

fazer ciência.

A obra de mais impacto e popularidade de Walter Rodney é Como a Europa

Subdesenvolveu a África, original de 1972. A tese central de Como a Europa Subdesenvolveu

a África é de que o colonialismo foi um sistema criado conscientemente pelos

paíseseuropeuspara subdesenvolver o continente africano, por conseguinte, as consequências

seculares do mesmo precisavam ser analisadas sob a perspectiva da dimensão social da

exploração africana e da distorção da sua tecnologia. Outra característica importante da obra

foi à metodologiade trabalho, orientada sob uma perspectiva historiográfica nitidamente pan-

africana (RODNEY, 1975, pág. 50):

1) Reconstruir o caráter do desenvolvimento africano anterior à chegada dos

europeus;

2) Reconstituir o caráter da evolução registrada na Europa antes de sua expansão;

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3)Analisar o contributo da África ao desenvolvimento presente da Europa;

4)Analisar o grau de responsabilidade da Europa no atual subdesenvolvimento

africano

Na proposta de Rodney as fronteiras acadêmicas deveriam ser ultrapassadas e o

intelectual dedicar-se a mediação pública dos problemas vividos pelasociedade, com os

movimentos sociais e suas reinvidicações. A partir do início da década de 1960 Dr. Rodney

participou de atividades e vivências no Caribe com o movimento Black Power, comunidades

Rastafarie remanescentes da UNIA de Marcus Garvey.

As experiências de Walter Rodney com movimento Black Power e Rastafari foram

compiladas no livro Os Fundamentos com Meus Irmãos, publicado em 1969 pela Bogle-

L’Overture Publications, editora administrada em Londres pelos ativistas políticos e

empresária Jessica Huntley e Eric L. Huntley. Neste trabalho, Rodney fez considerações

importantes sobre a atenção e dedicação que Marcus Garvey prestou ao ensino de história

para a mobilização e conscientização política das massas .

Na perspectiva de Walter Rodney a estratégia de mobilização da população preta e a

aquisição do conhecimento africano eram dois princípios básicos para a utilização da história

como arma de libertação mental. Rodney criticou duramente o governo jamaicano durante a

década de 1960, por vetar projetos para o ensino de história da África e de línguas africanas

no país (1990, pág. 65). Sob a temática das civilizações africanas Rodney também expôs suas

análises e reflexões nos ensaios “História africana e Cultura” e “História africana a serviço da

Revolução Preta”, em que dialogou com Nações Negras e Cultura de Cheik Anta Diop.

Destacamos aqui três ideias de Walter Rodney sobre história e civilizações da

antiguidade presentes nos ensaios História africana a serviço da revolução Preta, e História

africana e Cultura inseridos em Os Fundamentos com meus irmãos. Rodney critica a forma

elitizada que os estudiosos europeus trabalharam a história das civilizações africanas,

estritamente vinculadas à formação de Estados, sem elementos importantes como a cultura

cotidiana, famíliae sociedade (RODNEY,1990, pág. 66), tradução nossa:

A presente história escrita do continente não toca nas vidas de milhões de africanos

que viviam fora dos estados: como Egito, Kush, Etiópia, Gana, Benim, etc. Esses reinos mesmo dentro os relatos históricos, muitas vezes concentram-se estritamente

sobre o comportamento dos grupos de elite e dinastias, precisamos retratar os

elementos do cotidiano, para compreendermos a cultura de todos os africanos...A

hospitalidade africana, a morte e o tratamento com idade, a lei e a ordem pública, a

tolerância social e etc.

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Na perspectiva de Walter Rodney, o lugar da mulher e a questão de gênero na

antiguidade africana não deveriam ser ignorados, uma vez que (RODNEY,1990, pág.

53,tradução nossa): As mulheres desempenharam na parte importante na estrutura política de

Kush, e isso é algo que se encontra na maior parte da África Negra. Havia grandes rainhas de

Kush, e considera-se que Candace, mencionada na Bíblia como a rainha da Etiópia, era uma

Kushita. No ensaio África História e Cultura, Rodney reconheceu na geografia africana um

fator chave para a localização das primeiras civilizaçõese criticou a forma pela qual o Antigo

Egito era apresentado nos livros didáticos (RODNEY, 1990, pág. 54), tradução nossa:

As civilizações do Nilo. O Nilo é um dos grandes rios da África e do mundo. Um

ramo, o Nilo Azul começa na Etiópia, enquanto o Nilo Branco começa em Uganda. Eles se reúnem no Sudão e, em seguida, correm para o mar através do Egito. Poucos

locais são mais espetaculares do que as Murchison Falls no Nilo Branco e Tisisat cai

no Nilo Azul, mas o Nilo é famoso não só por causa de seu tamanho e de grande

beleza, mas o Porquê é o berço de civilizações antigas... A história do Egito dos

faraós é bem conhecida, e não deve ser difícil obter um bom livro (com fotografias).

Mesmo assim, os brancos são rápidos em negar que o Egito Antigo era africano

...Por muitos anos uma linhagem de reis negros governou o Egito.

A problemática dos manuais que abordam a antiguidade africana sempre foi elemento

de preocupação de historiadores comprometidos com mudanças de concepção, propósito e

objetivo da ciência histórica. Em nossa opinião, Walter Rodney poderia estabelecer uma

análise crítica sobre diversos períodos da história africana, mas optou em observar o tema das

civilizações porque é a partir do mesmo que toda a história antiga, recente e atual do

continente africano é alienada e distorcida. Cheik Anta Diop, Joseph Ki Zerbo e Walter

Rodney estiveram demasiadamente preocupados com esta situação e não deixaram de

registra-las em suas obras.

3.6. Educação e manuais de história

Cheikh Anta Diop expressou sua preocupação com a educação dos jovens,

especificamente em relação aos livros didáticos, na perspectiva de Cheikh Anta Diop os livros

didáticos foram capazes de influenciar graves distorções a respeito da composição etnico-

cultural do antigo Egito. Em Nações Negras e Cultura (1979) Diop criticou a formação nos

níveis fundamental e universitário na formação psicológica das pessoas, desencadeada pelos

manuais didáticos, e não se intimidou em acusar as academias ocidentais de ter ciência da

falsificação de documentos e produzir manais de história “voluntariamente confusos” (1974),

por manipularem racialmente cores dos egípcios como forma de assegurar a supremacia

branca e o eurocentrismo em livros didáticos de estudantes de 13 e 14 anos.

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No terceiro capítiulo de Nacões Negras e Cultura, Falsificacão Moderna da História,

Diop (1979,pág. 202) após fazer uma crítica as teses antropológicas de tentativa de

branqueamento e afasatamento do antigo Egito da realidade etnico-cultural africana, analisa o

efeito, ou reflexo, destas teses nos manuais didáticos de história:

Os manuais atuais, simplesmente se suprime a questão : o mais frequente é que se

tome partido, que se afirme categoricamente que os egipcios era brancos.Todos os

leigos honestos tem então a impressão de que uma afirmação semelhante deveria estar apoiada necessariamente sobre trabalhos solidos anteriormente estabelecidos e

não há nada disso.

Durante a década de 1960 Joseph Ki Zerbo via que o ensino de história da África tinha

um papel estratégico e fundamental, pois: O ardor nacional baseado no conhecimento do

passado africano não pode ser detido porque determinado arqueólogo evita pronunciar-se

sobre origem de um crânio pré-histórico. Na concepção de Rodney as tensões raciais e

coloniais encontravam campo espaço de ação nos livros didáticos. Sob as temáticas da

antiguidade africana e suas civilizações Rodney via como problemática a dificuldade de se

conseguir imagens do antigo Egito e as que existiam eram reproduções das originais

arbitrariamente clareadas ou pintadas de branco. Uma critica também compartilhada por Diop

(1979) em Nações Negras e Cultura. De forma incisiva, Walter Rodney chegou a afirmar que:

Seria preferível, num certo sentido, ignorar esse lixo e afastar os nossos jovens

desses insultos, mas,infelizmente, um dos aspectos do atual subdesenvolvimento

africano são o fato de os editores capitalistas e os acadêmicos burgueses dominarem

a cena cultural e assim ajudarem a moldar as opiniões do Mundo inteiro. É

precisamente por isso que, escritos desse calibre que justificam o tráfico de escravos

devem ser denunciados como propaganda racista burgueses absolutamente afastados

da realidade[...] interpretações erradas das causas do subdesenvolvimento são provocadas pelo preconceito de pensar e pelo erro de crer que se poderão descobrir

as razões do subdesenvolvimento dentro da economia subdesenvolvida. Só se

conseguirá uma explicação verdadeira se se analisarem as relações entre África e

certos países desenvolvidos e se reconhecerem nelas relações de exploração”

(RODNEY, 1972 pág. 60).

Entre os três autores, como podemos observar, houve um conjunto de preocupações e

acões direcionadas a qualificacão dos manuais de história da África. Faz-se necessária a

compreensão que no quadro da descolonizacão da história da África, a educacão e o estudo de

história foram questões chave para os historiadores, e consideradas como estruturais na

constituicão dos novos Estados africanos independentes.Foi este lugar de protagonismo da

história da África que justificou que dez anos após a primeira publicação de Nacões Negras e

Cultura e um ano após a criacão da Organização da Unidade africana (OUA) fosse criado o

projeto História Geral da África em 1964, tema do nosso próximo capítulo, mas antes faremos

alguns comentários conclusivos .

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Conclusões

A valorização patrimonial da história da África verificada no pensamento de

lideranças políticas africanas durante as lutas de libertação e construção de Estados

independentes foram beneficiadas pela construção de grandes centros de ensino e pesquisa,

assumidamente de caráter pan-africano. Entretanto, sem o trabalho de historiadores realmente

conscientes, estas instituições estariam fadadas a reprodução das ideologias racistas presentes

em temas, concepção e propósito do ensino de história.

Os historiadores reabilitaram a história africana em um projeto árduo de pesquisa,

ensino e produção de materiais, cujo objetivo era a descolonização da história e identidade

africanas. O trabalho sobre a antiguidade africana e suas civilizações foi imperativo para este

processo, uma vez que tal temática sofreu manipulação dos pensadores racistas e acabou por

desencadear uma série de distorções para a história da África como um todo. A própria

egiptologia teve sua parte em uma tendência eurocêntrica de afastamento do Antigo Egito do

restante do continente, uma prática acadêmica racista sustentada na ideologia de que uma

civilização milenar como o antigo Egito não poderia ter sido criada por africanos, entendidos

como selvagens e primitivos.

Destacamos os trabalhos de Cheikh Anta Diop, Joseph Ki-Zerbo e Walter Rodney por

que identificamos a preocupação direta dos três com a renovação total de método, propósito e

concepção da história. E neste sentido, os três não deixaram de prestar atenção ao

conhecimento sobre o Antigo Egito, e a qualidade do material didático oferecido aos

estudantes, materiais repletos de distorções e ideologias de cunho racista.

A ideia de descolonização da História africana foi transformada em um projeto para a

formulação de uma obra capaz de sintetizar toda a história do continente africano. O projeto

foi criado em 1963 e apoiado por Estados africanos independentes e pela UNESCO.

Entendemos que Organização da Unidade africana (OUA) criada em 1963 influenciou

diretamente a proposta de formulação da História Geral da África. No próximo capítulo

comentamos a relação influência da maior instituição pan-africana continental, a Organização

da Unidade africana, com a projeção e confecção da História Geral da África.

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Capítulo 4: ORGANIZAÇÃO DA UNIDADE AFRICANA E HISTÓRIA GERAL DA

ÁFRICA (UNESCO)

O conhecimento da nossa história é indispensável para estabelecer a nossa

personalidade e a nossa identidade de africanos. Proclamamos hoje aqui que a nossa

maior tarefa consiste na libertação definitiva de todos os nossos irmãos africanos

que se encontram ainda sob o jugo da exploração e do domínio estrangeiro.

Haile Selassie

A História é uma fonte na qual poderemos não apenas ver e reconhecer nossa

própria imagem, mas também beber e recuperar nossas forças, para prosseguir

adiante na caravana do progresso humano.

Joseph ki-Zerbo

Há uma equação política envolvendo a Organização da Unidade africana criada em

1963, e o projeto da História Geral da África iniciado em 1964. Historiadores, movimentos

sociais e lideranças políticas foram os agentes que protagonizaram uma grande e diversificada

frente de luta, tanto pela descolonização do território, quanto pela descolonização da história

africana. Ao mesmo tempo, a formulação de uma história de caráter continental está

completamente interligada as intenções de uma unidade federal africana.

Nosso objetivo neste capítulo é estabelecer uma relação entre os propósitos da

Organização da Unidade Africana e a História Geral da África. Interessamos-nos pelo

processo de criação da Organização da Unidade africana, pelas etapas de confecção da

História Geral da África e por seu lançamento parcial no Brasil durante o início da década de

1980.

4.1 Unificar para Renascer

O contexto político e econômico da década africana de 1960 foi de nítida bipolaridade

entre um grupo numeroso de líderes políticos defensores da continuidade dos laços de

dependência colonial (Togo, Daomé, Alto Volta e Costa do Marfim e outros), e outro grupo a

favor da independência e formação de uma confederação de estados africanos, formado por

Etiópia, Gana, Tanzânia, Mali e Guiné Conacri basicamente. O grupo disposto a manter as

relacões de dependência econômica foi denominado Monróvia, em referencia a capital da

Libéria, sede da sua primeira reunião. Em menor número, o grupo denominado Casa Blanca,

em referencia a sua primeira grande reunião na capital do Marrocos.

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O ano de 1962 foi especialmente produtivo para o projeto da Unidade africana, porque

os grupos de Monróvia e Casa Blanca aceitaram dialogar entre si. Este diálogo foi dinamizado

pelo Imperador Etíope Haile Selassie e pelo movimento Pan-African Freedom Movement for

East, Central e South Africa. Haile Selassie foi um militante incansável pela Unidade

africana. Lutou bravamente para a dissolução dos grupos de Monróvia e Casa Blanca através

da mediação de conflitos e da produção de conferências internacionais voltadas ao

estabelecimento de acordos entre diferentes lideranças políticas.

Mas, o contexto das independências no início da década de 1960 mostrava seus

primeiros sinais trágicos. No Togo, o recém-eleito presidente Silvanus Olímpio foi

brutalmente assassinado em Lomé durante um golpe de Estado, em nossa opinião, a ascensão

de Olímpio poderia deslocar o Togo para uma posição de insubmissão frente às investidas

neocoloniais. A morte de Silvanus Olimpio foi um drástico sinal da prática de golpes militares

contra Estados africanos que assumiram uma posição anticolonial.

Para Haile Selassie, as ameaças e tensões entre chefes de Estado deveriam ser

imediatamente solucionadas de forma institucional, tal posição foi de encontro às intenções de

todo o grupo de Casa Blanca e atingiu lideranças mais identificadas com Monróvia, como

Milton Obote de Uganda. Após uma série de encontros com chefes de Estado, Haile Selassie

lançou a pedra fundamental da maior reunião de lideranças já realizada no continente

africano, onde em 1963 foram criadas a Carta africana e a Organização da Unidade africana,

assinadas e concordadas por trinta e um chefes de Estado.

Em diálogo com os pesquisadores Edem Kodjo e David Chanawa (2010), observamos

que os primeiros dez anos da OUA foram totalmente dedicados à mediação e arbitragem de

conflitos, apoios aos movimentos de libertação e relações diplomáticas. O campo dos

conflitos onde a OUA inseriu suas competências dividiu-se entre o combate ao colonialismo

(e luta contra o racismo), e as tensões em fronteiras coloniais, como entre Togo e Gana, Líbia

e Níger, Etiópia e Somália, Gabão e Guiné Equatorial. A primeira reunião extraordinária da

OUA foi realizada em 1976, em Adis Abeba, objetivando a resolução dos conflitos em

Angola. De forma objetiva, o regime do Apartheid na África do sul foi duramente criticado e

condenado, o apoio de Israel aos colonizadores Portugal e África do Sul foi denunciado, e

meios foram acionados para impedir as relações econômicas destes em território africano.

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Para a luta de libertação foram criados fundos financeiros e um comitê africano de

libertação, sediado em Dar es Salaam na Tanzânia, os países que integram o comitê foram

Argélia, Uganda, Egito, Senegal, Egito, Etiópia, Zaire, Guiné, Tanzânia e Nigéria. Os apoios

aos movimentos de libertação foram em nível material, logístico e de formação em

conhecimentos técnicos e políticos, entre os movimentos diretamente beneficiados pela OUA

estiveram a FRELIMO, MPLA, Patriotic Front, SWAPO e o ANC. A diplomacia

internacional da OUA na Europa conquistou importantes aliados contra o Apartheid, como a

Organização Internacional de Trabalho, ONU e UNESCO, que criaram comitês antiapartheid.

A consciência e determinação política de Haile Selassie foram decisivas para criação

da Organização da Unidade africana em maio de 1963. Uma das maiores preocupações de

Haile Selassie foi à relação às tensões e cisões internas entre as lideranças africanas

representadas na OUA, mais que um patrocinador material da organização, Haile Selassie foi

o mediador pacífico entre o grupo de Casa Blanca e Monróvia, chegando a afirmar durante a

cerimônia de fundação da OUA que:

Temos de evitar, antes de qualquer coisa, cair nas ciladas do tribalismo. Se nos

dividirmos entre nós numa base tribal, isso constitui um convite à intervenção

estrangeira, com todas as consequências nefastas daí advêm... reconhecendo que e o

futuro deste continente reside, em ultima instancia, numa união política, devemos

reconhecer também que são numerosos e difíceis os obstáculos a vencer para lá

chegar (ZERBO, 1972, pág. 400).

Haile Selassie rogou a superação das diferenças artificiais entre países africanos

através da OUA, a criação de um centro político e administrativo do continente africano seria

na verdade o espírito da Organização da Unidade africana. Nas palavras de Haile Selassie

durante a conferência em 1963, em tradução nossa:

Reconhecendo que o futuro do continente reside, em ultima instancia, numa união política, devemos reconhecer também que numerosos e difíceis os obstáculos a

vencer para lá chegar. Por consequência, é inevitável um período de transição...

certas organizações regionais devem assumir funções e satisfazer necessidades que

não poderiam ser satisfeitas de outra maneira. Mas o que existe de diferente aqui é

que reconhecemos estas situações no seu justo valor, isto é, como sucedâneos e

expedientes temporários de que nos servimos até o dia em que tivermos atingido as

condições que tornem possível a unidade africana total ao nosso alcance... esta

conferencia não pode terminar sem a adoção de uma carta africana uma, que reúna

os atributos que escrevemos. A da Carta africana de que falamos deve ficar de

harmonia com a das Nações Unidas. (SELASSIE, 1967, pág. 143)

De acordo com o segundo artigo da Carta africana os objetivos da OUA eram os

seguintes: a) Fortalecer a unidade e a solidariedade dos Estados africanos; b) Coordenar e

intensificar sua colaboração e seus esforços para proporcionar uma vida melhor aos povos

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africanos; c) Defender sua soberania, integridade territorial e independência; d) Erradicar

todas as formas de colonialismo no continente africano; e) Promover a cooperação

internacional, observando a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos

do Homem.

A função da Carta africana, que Haile Selassie cita em seu discurso, era formalizar e

amalgamar o processo de independência e unidade do continente africano. As partes fracas da

organização foram aquelas que abriam espaço para influências de países europeus e Estados

Unidos, estas brechas foram articuladas pelas elites africanas marionetes, preocupadas com a

manutenção de seus privilégios individuais:

Apesar de obstáculos, conseguimos estabelecer a organização de unidade africana.

Isto tem conseguido porque a unidade que buscamos resultou da profunda convicção

de que o povo da África para a aceleração do seu desenvolvimento político, social e

económica. O fato de que tivemos sucesso em colocar a Fundação da nossa unidade

deveu-se principalmente ao desejo de todos os africanos se unem em uma luta

comum contra o colonialismo, a pobreza, a doença e a ignorância que são inimigos

da África. (SELASSIE, 1967, pág. 247, tradução nossa).

A Organização da Unidade africana dividia-se entre uma Conferência de Chefes de

Estado e de Governo, um Conselho de Ministros, sete ministérios (organizados em comissões)

e um Secretariado Geral. As comissões eram de Mediação de Conciliação e Arbitragem;

Econômica e Social; Educação e Ensino; Defesa; Científica, Técnica e Pesquisa; Higiene e

Nutrição e o Comitê africano de Libertação.

Mesmo com muita dificuldade de se formar uma ideia objetiva sobre o tipo de unidade

necessária para o continente, houve consensos e sinais de esperança. Joseph Ki Zerbo (1972)

comenta que as propostas de um mercado e moeda comuns para todo o continente

conquistaram aliados poderosos, como Milton Obote de Uganda, e Julius Neyrere da

Tanzânia. Estes lideres enfatizavam que a dominação psicológica e espiritual era um

impedimento a unidade africana. As unanimidades também existiam, em relação à libertação

colonial, ao fim do apartheid, à criação do banco de desenvolvimento e da concepção da

Unidade envolvendo todos os Estados e Ilhas.

Os primeiros anos da Organização da Unidade africana foram de fissuras e desgastes

internos, os problemas entre Monróvia e Casa Blanca sobrepujaram o ordenamento estrutural

promulgado pela Carta africana. Joseph Ki Zerbo (1972) observa que imediatamente após a

criação da OUA os franceses esforçaram-se para fortalecer a União africana e Malgaxe

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através de Togo, Costa do Marfim e Madagascar. A União africana e Malgaxe foi uma

organização nitidamente neocolonial, referencial político de países africanos de língua oficial

francesa para ONU, um contrassenso para os objetivos da OUA. Ocorreram tensões a respeito

da criação de um exército continental que foi vetada, mas substituída pela criação em Uganda

da Comissão africana de Libertação. Existiam problemas de fronteira entre Argélia e

Marrocos, logo mediados e apaziguados pela intervenção de Haile Selassie e de Amadou

Keitá do Mali.

A unidade africana requeria a superação de uma série de desafios, e a educação foi um

dos centrais, e esteve presente na formação da militância social, nas perspectivas dos

historiadores e nos projetos políticos de chefes de Estado. Comentamos alguns exemplos

desses posicionamentos anteriormente, sublinhando as ações de Kwame Nkrumah com o

Convention People Party no Gana, e de Amílcar Cabral com o Partido africano da

Independência de Guiné Bissau e Cabo Verde. No sentido educacional, historiadores da

África como Cheikh Anta Diop, Joseph Ki Zerbo e Walter Rodney defenderam em suas

pesquisas a necessidade de uma história e currículos adequados à realidade do continente,

cabendo ao ensino de história à construção de uma consciência humana e africana para as

atuais e futuras gerações.

4.2 A Educação na Organização da Unidade africana

Durante as décadas de 1950 e 1960, as primeiras escolas secundárias e universidades

na Nigéria, em Uganda, Senegal, Quênia e Gana, criaram novas desigualdades em uma

mescla de racismo e opressão econômica. No ano de 1959 em Uganda, a partir de dados

analisados por Walter Rodney (1975), para cada aluno africano o investimento era de 11

libras, indiano 35 libras e europeu 156 libras, no liceu do Senegal em 1946 dos 723 alunos

somente 174 eram africanos, durante a década seguinte na Universidade de Dakar 30% dos

alunos eram africanos e 70 % franceses. Na realidade social dos territórios portuguêses os

investimentos no setor educacional eram mínimos, em Moçambique, por exemplo, a

prioridade era para portuguêses.

A exploração do Congo no final da década de 1940 provocou tímidos investimentos

em formação educacional, entre os 18.000.000 de habitantes 16 eram licenciados. Com base

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em dados cedidos pela UNESCO, Walter Rodney (1975) apresenta alguns aspectos

pertinentes sobre o acesso ao ensino na África dos anos 1960. A população de nações

africanas independentes chegava a torno de 170.000.000 de pessoas, 25.000.000 em idade

escolar, 13.000.000 sem oportunidades contra 12.000.000 com oportunidade, desse número

cerca de 6.000.000 completam a série primária, três em cada 100 conhecem o secundário, e 2

em cada 1.0000 ingressavam em universidades, dentro do continente como no Gana, Ibadan,

Sudão e Makerere.

A posição da Educação dentro da estrutura da Organização da Unidade africana

(OUA) recebeu influência direta da experiência de Haile Selassie e da Imperatriz Menen,

responsáveis pela formulação da educação etíope. Na década de 1940 a Imperatriz Menen

coordenou a criação escolas e pela qualificação de currículos técnicos na década de 1940. A

educação dentro do esquema geral da OUA esteve sob responsabilidade do primeiro

secretário de educação e cultura da Comissão de Educação e Ensino, o professor M. Diallo

Telli, intelectual progressista de Guiné Conacri. Durante a conferência da OUA Haile Selassie

apresentou a todos os Estados membros da OUA um projeto formal para criação de uma

Universidade africana, capaz de transcender interesses individuais em nome das necessidades

do continente, na verdade uma universidade pan-africana.

A OUA realizou sua primeira conferência de ministros em 1964, a partir da qual foram

prestados incentivos em defesa das línguas africanas, escolas, alfabetização e currículo. O

apoio da OUA foi fundamental para a produção dos festivais Pan africanos, conhecidos como

World Black and Áfrican Festival of Arts and Culture em Argel no ano de 1969, e na Nigéria

em 1977. No Festival Pan africano de Argel foi lançado o Manifesto Cultural africano, na

edição nigeriana o tema central foi Civilizações Negras e Educação, foi durante o Festival de

Argel que Joseph Ki-Zerbo terminou suas pesquisas para a confecção de História da África

Negra, publicado em 1972.

Entre 1980 e 1982 ocorreram importantes avanços no setor cultural e educacional da

Organização da Unidade africana. No ano de 1980 foi fundado o Centro de Estudos

Linguísticos Orais e um Fundo Cultural Interafricano. Em parceria com a UNESCO, a OUA

organizou em 1981 em Libreville importante Congresso de Ciência e Cultura, em 1982 a

Segunda Conferência de Ministros da Educação, Primeira Conferencia de Reitores africanos e

Vice Chanceleres das Universidades africanas, onde foi criada uma Comissão Cientifica

africana com um secretariado executivo em Lagos (Nigéria) possibilitando posteriormente a

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criação do primeiro Congresso dos Cientistas africanos e a premiação do Renascimento

Científico africano .

Mencionamos na abertura desse capítulo que as lutas políticas e armadas pelas

independências africanas confundem-se com as lutas para descolonização da história, ruptura

epistemológica com os limites raciais do euro centrismo. Historiadores da África, nascidos na

diáspora e no continente assumiram o lugar militante em movimentos sociais, e de

interlocução com o Estado.

No continente africano, dedicamos quase que todo o quarto capítulo a importância do

trabalho das escolas e dos historiadores articulados com a militância política, nesse sentido,

vimos o exemplo de Joseph Ki Zerbo e Cheikh Anta Diop. Os historiadores africanos e da

diáspora encararam frontalmente o desafio de descolonizar a história africana, mas para isso

teriam que cumprir etapas de sua reorganização, escrita, reescrita e ensino. A percepção real

destes desafios foi importante para a criação do projeto da História Geral da África em 1964.

Figura 28: Diagramas estruturais das comissões da Organização da Unidade africana - OUA

Fonte: Adaptado da História Geral da África Livro VIII (2010)

Comissão de defesa

Conferência de chefes de Estado e de

Governo

Conselho de Ministros

Comitê Africano De Libertação

Comissão De Higiene E Nutrição

Comissão Cientifica Tecnica E Pesquisa

Secretariado Geral

Comissão De Mediação De Conciliaçãoe

De Arbitragem

Comissão Economica E

Social

Educação e Cultura

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4.3 História Geral da África (UNESCO)

As primeiras reformas educacionais em países africanos independentes foram

iniciadas após a Conferência dos Ministros africanos em Adis Abeba em 1961, uma

Conferencia que conclamaram Estados-membros a Africanizar seus sistemas

educacionais. Em essência, essas reformas envolveram a revisão dos programas e livros

didáticos, a fim de excluir conteúdos da ideologia colonial. O ensino de História foi

diretamente afetado pelas ideologias coloniais, tradições, personalidades, sociedades, culturas,

contextos e civilizações africanas foram apagadas ou inferiorizadas pelos currículos e

programas das escolas coloniais.

No ano de 1961 Kwame Nkrumah adianta os debates e ações em prol da organização

de uma história africana, convidando o historiador WEB Du Bois para contribuir com a

redação do projeto da Enciclopédia africana. Para Du Bois aquela era uma oportunidade de

exílio do contexto de segregação racial oficial dos Estados Unidos, em meio aos trabalhos e

residente no Gana com sua esposa, em 1963 Du Bois tornou-se cidadão do Gana, mas faleceu

em 29 de Agosto do mesmo ano sob a égide fúnebre de um grande chefe de Estado.

Neste mesmo período, a UNESCO United Nations Educational Scientfic and Cultural

Organization disponibilizou um programa cooperação educacional para países africanos

independentes. Para historiadores da África, a aliança com UNESCO disponibilizou recursos

para pesquisa e escrita de uma nova história da África. A obra História da África Negra,

escrita por Joseph Ki Zerbo entre 1962 e 1969, obteve financiamento parcial da UNESCO seu

setor educacional foi um canal de diálogo com o continente africano e com a diáspora nos

campos da pesquisa, educação e combate ao racismo.

No ano de 1962 ocorreu no Gana o Primeiro Congresso Internacional de Africanistas,

incentivado pelo presidente Kwame N’krumah, que advogava a história da África como

imperativo para os países independentes. A UNESCO participou formalmente como

agenciadora deste congresso, que reuniu mais de 500 especialistas, na ocasião foi

confeccionado por historiadores e chefes de Estado um pedido de parceria com a UNESCO

para a elaboração de uma História da África. Da parte dos historiadores africanos e da

diáspora, alguns já haviam lançado obras de alta relevância – como J.C. Graft-Johnsondo do

Gana, autor de Áfrican Flory: The story of vanished negro civilizations, e Cheikh Anta Diop

do Senegal, autor de Nações Negras e Cultura, duas obras publicadas em 1954.

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A descolonização africana prosseguiu em sua versão educacional através do projeto de

confecção da História Geral (HGA). O projeto nasceu do posicionamento formal de nações

independentes africanas à UNESCO, em um contexto político, cultural e econômico de luta

pela Unidade africana, como afirma Bethwell Ogot, presidente do Comitê Científico

Internacional criado para confecção da História Geral da África (Ogot). As principais

justificativas apresentadas para confecção de uma obra capaz de reunir a história do povo e

continente mais antigo foram, a preservação de fontes escritas e orais, a construção da

plataforma de um currículo continental e a desconstrução dos mitos racistas instalados

hegemonicamente no oficio dos historiadores da África.

Os processos de criação, conceituação e confecção da História Geral da África

ocorreram ao longo de quase três décadas, em meio a circunstâncias marcadas por conflitos,

tensões, rusgas e acima de tudo muito trabalho. Sem a determinação profissional de

historiadores e especialistas, e os apoios logísticos e financeiros da Organização da Unidade

africana e da UNESCO a obra não seria possível.

No ano de 1965 o presidente da recém formada Tanzânia, Julius Neyrere, ofereceu

todo o apoio a produção de um congresso internacional de historiadores africanos no país. O

pesquisador Hakin Adi (2003) destaca que Julius Neyrere desde quando chegou a presidência

da Tanzânia através do partido TANU (Tanganyka African National Union), evocou políticas

educacionais e apoios internacionais para a população que até 1957 possuía apenas dez por

cento de seu contingente adulto alfabetizada. Em 1963 Neyrere foi condecorado Chanceler da

East African University. Com a união Tanganica – Zanzibar em 1964 Julius Neyrere assumiu

a presidência da Tanzânia, investindo diretamente na educação e no ensino de História – sua

área de formação.

Identificando o momento histórico como propício, Julius Neyrere apoiou a iniciativa

dos historiadores africanos em organizar um congresso, que também contou com o

financiamento da UNESCO. O Congresso internacional de historiadores africanos foi

realizado em Dar ES Salaam, de acordo com o professor Bakary Kamian da École Normale

Supérieure de Bamako, Mali, o objetivo maior do Congresso foi identificar problemas

diretamente relacionados ao campo do ensino e pesquisa da história da África, no campo das

ações concretas para resolução dos problemas quatro pontos foram destacados: historiografia

africana, seus métodos, seus temas emergentes, e o ensino da história africana.

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A partir de 1965, o projeto de confecção da História Geral da África passa por uma

série de momentos marcados por reuniões administrativas, estruturação da obra, escolha de

temas, comissões e editores. A UNESCO através de seu web site disponibiliza atas das

reuniões, deliberação elaborada pelo comitê cientifica e comissão de especialistas

responsáveis pela confecção da obra. Em 2012 o pesquisador Muryatan Santana Barbosa, do

Brasil, dedicou pesquisa de doutorado ao projeto da coleção História Geral da África.

Baseando-se principalmente na documentação disponibilizada pela UNESCO, Muryatan S.

Barbosa (2012) destaca quatro fases importantes da confecção da História Geral da África.

A primeira fase entre 1965 e 1969, foi definido o comitê científico para confecção da

obra, dirigido pelo professor Kenneth Onuufidjike da Nigéria (vice-reitor da Universidade de

Ibadan). Em 1966 foi realizada reunião em Abidjan, em que foi criada uma Comissão

Científica e definidos os objetivos de organizar fontes, sintetizar o conhecimento até então

existente construir uma nova história da África. Durante esta fase de Confecção da História,

ocorreu em Dakar – no Senegal- o Festival das Artes Negras de 1966, promovido pelo

presidente Leopold Sedar Senghor. O evento reconheceu a influência mundial de WEB Du

Bois, já falecido, e de Cheikh Anta Diop. Este festival promoveu uma aproximação entre

Escolas de todo o continente.

Mas a promoção da educação no continente enfrentaria um velho problema, as elites

subalternas e individualistas, completamente manipuladas pelos interesses neocoloniais de

países europeus. O neocolonialismo conseguiu formar quadros em dois setores decisivos na

estrutura dos novos Estados africanos independentes, o setor militar e na imprensa. Assim, a

serie sangrenta de golpes de Estado coordenados por militares que inflamaram o continente

africano durante toda a década de 1960 foram precedidos por uma forte propaganda contra

lideranças nacionalistas pan-africanas, via jornal impresso, panfletos e rádio. Em 1966,

Kwame Nkrumah – um ardente defensor da liberdade de imprensa e direitos de militares- foi

traído por um conluio entre imprensa, militares e governo do Reio Unido, durante viajem

diplomática a Hanoi, Vietnam do Norte, militares organizaram um Golpe de Estado,

prenderam e eliminaram pessoas com apoio de uma forte campanha contra o governo de

Nkrumah, orquestrada por esquemas políticos internacionais .

Neste mesmo ano Nkrumah direciona-se a Guiné Conacry para trabalhar ao lado de

Ahmed Sekou Turé, mas o impacto político do golpe atingiu a saúde de Kwame Nkrumah que

acabou por ser diagnosticado por um cancro na garganta, doença que o fez falecer

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prematuramente em 1972, sem ter tido a possibilidade de retornar ao Gana. Seu amigo e

companheiro político Amílcar Cabral prestou-lhe um tributo durante Simpósio Organizado

pelo Partido Democrático da Guiné, no Palácio do Povo de Conakry, por ocasião do dia

dedicado a Kwame Nkrumah, em 13 de maio de 1972.

Prestamos homenagem ao pioneiro do Pan-africanismo, ao combatente infatigável,

sempre inspirado, da Unidade africana. Prestamos homenagem ao inimigo declarado

do neocolonialismo em África, como no resto do mundo, ao estratega do desenvolvimento econômico do seu país. (…) Os povos da África, e principalmente

os combatentes da liberdade, não se deixam enganar. Não venham dizer-nos que

Nkrumah morreu com um cancro na garganta ou qualquer outra doença. Não,

Nkrumah foi morto pelo cancro da traição, cujas raízes devem ser extirpadas de

África, se queremos de fato liquidar definitivamente a dominação imperialista neste

continente. (CABRAL, 1976, pág 195)

As palavras de Amílcar Cabral evocam por si mesmas gratidão, unidade, luta e justiça

perante as agressões neocoloniais vividas no continente africano. Mas ele mesmo, Amílcar

Cabral, estaria no ano seguinte à passagem de Nkrumah em uma situação de traição muito

parecida, mas antes disto voltemos ao processo de confecção da História Geral da África. No

segundo momento, entre os anos de1969 e 1975, a Comissão Científica passou a ser presidida

por Akilulu Habte da Etiópia. O Comitê Cientifico Internacional organizou seminário em

Adis Abeba, onde foram definidos a divisão da obra em oito volumes, a organização

administrativa do projeto, conteúdos e a coordenação das pesquisas. Em 1971 ocorreu outro

seminário, para a escolha dos Editores e uma comissão responsável, formada F. A. Ajay,

Joseph Ki Zerbo, Cheikh Anta Diop e outros.

A quarta fase ocorrida entre 1975 e 1978 foi marcada por dificuldades na confecção do

oitavo Volume - África desde 1935. Nesta fase ocorreram conflitos de ordem ideológica e

organizacionais previsíveis, não há duvidas de que questões relacionadas às ideologias

coloniais, ao Pan-africanismo, raça e racismo não coadjuvaram todas as fases de confecção da

obra, em um volume diretamente relacionado ao momento atual das lutas de independências.

Todavia, durante a última fase entre e 1978 e 1982, a História Geral da África foi finalizada.

Durante a década de 1970 Walter Rodney ingressou na equipe responsável pelo sétimo

volume da História Geral da África, dirigido pelo historiador Adu Boahen. Em 1974 a

UNESCO organizou um dos eventos mais polêmicos dos mencionados trinta anos da

historiografia africana (1950-1970), o Colóquio sobre o povoamento do Antigo Egito e a

Decifração da Escrita Meroíta ocorrido no Cairo em 1974, onde o tema civilizações africanas

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e os nomes de Cheikh Anta Diop e Teophile Obenga tornaram-se referências de porte

mundial, para o bem e para o mal.

No ano de 1972 foram publicados História da África Negra de Joseph Ki Zerbo e

Como a Europa Subdesenvolveu a África de Walter Rodney, neste ano a Escola de Dakar,

Abidjan, Camarões e Zaire criam a Associação Pan-africana de Historiadores, um organismo

muito criticado por um considerável grupo de intelectuais europeus. No ano seguinte o

governo senegalês apoiou a criação do CODESRIA (Conselho para o desenvolvimento de

Pesquisa em Ciências Sociais em África), com a participação de o Samir Amin, Boubacar

Barry, Joseph Ki Zerbo ente outros.

Junto à ascensão da historiografia e da educação dentro do continente africano as

ações anticoloniais protagonizadas por movimentos remanescentes de luta pela libertação

como SWAPO na Namíbia, MPLA de Angola e o PAIGC de Guiné Bissau e Cabo Verde

continuavam em plena vigor. Com quase uma década de duração a luta campal desencadeada

pelo PAIGC avançou poderosamente na derrubada do governo neocolonial português, no final

do processo de libertação, Amílcar Cabral foi violentamente assassinado em Guiné Conacri

em1973, resultado de um conluio entre PIDE e traidores do movimento de libertação,

infiltrado em Guiné Bissau e em Cabo Verde.

Mas mesmo com a morte de Amílcar Cabral, o PAIGC conseguiu concluir suas

atividades consolidando – pelo menos simbolicamente- a independência de ambos os países.

Amílcar Cabral foi um dos maiores incentivadores da educação e da formação política, de

certa maneira, a vitória do PAIGC em Guiné Bissau favoreceu os combates em outras

colônias portuguesas no continente africano. Portugal viu-se enfraquecido pelas humilhações

sofridas com as derrotas militares na África, e as burguesias forçaram a queda da ditadura

terrorista portuguesa comandada pelo presidente Salazar.

Para a história e a historiografia africanas o inicio da década de 1970 foi marcado pelo

“Colóquio Internacional sobre o povoamento do antigo Egito e a decifração da escrita

Meroíta”, organizado pela UNESCO no Cairo em 1974. No próximo tópico fazemos uma

cobertura geral do colóquio.

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Figura 29: Relatório do Congresso sobre povoamento do Egito e Decifração da Escrita Meroíta

Fonte: http\:www.unesco.org (2012)

4.4 Cairo’ 74 - Historiografia africana

O Colóquio Internacional sobre o povoamento do antigo Egito e a decifração da

escrita Meroíta foi realizado em dois momentos, o primeiro do dia 28 a 31 de janeiro sobre o

Povoamento do Antigo Egito, e a segunda de1 a 3 de fevereiro tratou da Decifração da Escrita

Meroíta. Participaram do evento pesquisadores representando o Canadá, EUA, França,

Sudão, Republica Árabe Unida, Congo Brazavile, Senegal, Suécia, Malta e Egito. Os

representantes da UNESCO ( 2010, 824) foram Maurice Glélé, Monique Velar e o professor

J. Devisse, que assumiu o cargo de relator do Colóquio.

Cheikh Anta Diop e Theóphile Obenga do

Congo participaram como palestrantes e colaboraram

significativamente na organização do evento, seus

trabalhos foram polêmicos por dois motivos. Primeiro

pelas argumentações científicas de suas teses, segundo

por que ambos prepararam um trabalho

interdisciplinar rigoroso sobre a origem negro africana

do antigo Egito, suas conexões e continuidade

contemporânea no continente africano, com especial

destaque ao parentesco genético linguístico.

Com base na síntese do Colóquio publicada pela UNESCO, comentamos a seguir

aspectos que entendemos como os mais pertinentes nas duas partes do congresso. A síntese

da UNESCO (2010) o divide em cinco momentos: resumo dos textos dos participantes;

declaração dos participantes; discussão geral; conclusão geral; e recomendações.

Os resumos dos textos introdutórios produzidos pelos participantes foram estudados

pelo professor Vercoutter e pela prof. Blanc. Para Vercoutter no campo da antropologia física

e da iconografia as pesquisas sobre o Antigo Egito estavam, até aquele momento, em um

estágio insuficiente, todavia o relator da UNESCO (2010) não se deteve a defender a

preponderância do Delta e a indefinição estética como características do povoamento e

origem do Egito. A Sra Blanc reconheceu a pertinência observou questões mais interessantes

sobre o papel do sedentarismo, e a facilitação de comunicação através do Nilo.

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Vercouter e Le Blanc identificaram nos resumos, duas tendências historiográficas

distintas, a primeira que desde o período pré-dinástico o Antigo Egito foi habitado por

brancos de pele escura ou negra, e neste sentido os negros só apareceriam a partir da XVIII

Dinastia. Conforme o relatório (2010), A segunda tendência historiográfica entendia que o

Egito foi povoado por africanos desde o início do Neolítico até o final das dinastias nativas,

rechaçando completamente a linha de pensamento racista onde branca civilizada povoou o

Egito do norte para o sul.

As declarações preliminares dos participantes no relatório da UNESCO seguiram as

tendências observadas por Vercoutter e Le Blanc. Professores Cave Soddeberg, Debono,

Ghallab, Abdelgair M. Abdalla, Sauneron, Gordon Jaquet defenderam a origem caucasoide do

Antigo Egito e a pouca credibilidade das migrações internas do Vale do Nilo para outras

regiões do continente. O professor Diop iniciou sua declaração preliminar de forma

pedagógica, apresentando o processo de hominização no continente africano, o processo

orgânico de pigmentação humana (melanina), a ocupação sul-norte do Vale do Nilo entre o

paleolítico superior, e o período proto-histórico. Segundo o registro do redator:

[“...] o professor Diop estudou diversas preparações submetidas a exame de

laboratório em Dacar, constituídas por amostras de pele extraídas de múmias

provenientes das escavações de Mariette”. Todas revelaram e o professor Diop convidou os especialistas presentes a examina-las a presença de considerável teor de

melanina entre a epiderme e a derme. A melanina, ausente na pele branca,

conserva-se durante milhões de anos (ao contrario do que frequentemente se afirma),

como se pode observar pelo exame das peles de animais fosseis. O professor Diop

manifestou o desejo de realizar pesquisas semelhantes com as peles dos faraós cujas

múmias encontram-se no Museu do Cairo.(UNESCO, 2010, pág. 822)

Diop fez uma série de recomendações no campo da antropologia física,

especificamente nos estudos ozonométricos e de grupos sanguíneos, pois os antigos egípcios

pertenciam ao mesmo grupo B da África Ocidental, e não ao grupo O característico da

Europa. Segundo o relatório da UNESCO (2010), no campo iconográfico o prof. Diop

apresentou um dossiê de documentos, e destacou que a iconografia do Antigo Egito era

diferenciada por características sociais e não raciais. Diop registrou a importância das fontes

escritas de autores gregos e latinos como Aristóteles, Luciano, Apolodoro, Ésquilo, Estrabão,

Diodoro da Scicilia entre outros, a demais, para o professor as pesquisas de Volney no século

XVIII e o testemunho bíblico não podem ser negligenciados.

Para finalizar, o professor ressaltou o valor imperativo da autodescrição feita pelos

próprios egípcios, exemplificados pela palavra Egito representado por um pedaço de carvão

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vegetal. No relatório geral da UNESCO (2010), há o destaque para o depoimento de Diop

sobre o significado de Kemet, o termo mais forte na língua faraônica para a palavra negra ou

preta. O pesquisador não poupou em sua explanação críticas a recusa na aceitação dos

testemunhos antigos, e os propósitos da egiptologia enquanto ciência, uma prática nascida do

imperialismo europeu no continente africano. Professores como Le Clant, Ghallab,

Abdegaldir M. Abdalla concentraram suas exposições na critica a traducão do termo Kemet,

enquanto forma de autodesignação, nos comparativo genético linguístico intercontinental e

nas migrações internas. Em sua declaração, o professor Teophile Obenga apresentou dados de

parentesco entre o egípcio faraônico, o copta e línguas africanas, observando que há uma

diferença entre parentesco linguístico tipológico e parentesco genético de origem (UNESCO,

2010, pág. 829):

Antes de arriscar qualquer comparação, deve-se tomar cuidado para não confundir

parentesco linguístico tipológico, que não permite reconhecer o ancestral pre-dialetal

comum as línguas comparadas, e parentesco genético. Por exemplo, o inglês

moderno, considerado do ponto de vista tipológico, apresenta afinidades com o

chinês; já na perspectiva genética, as duas línguas pertencem a diferentes famílias

linguísticas. Do mesmo modo, o professor Obenga rejeitou a moção de língua mista

com um contrassenso linguístico.

O parentesco genético depende da formulação de leis fonéticas através da

comparação de morfemas e fonemas de línguas próximas. Com base nessas

correspondências morfológicas, lexicais e fonéticas, poder-se-ia chegar às primeiras

formas comuns. Tal procedimento permitiu reconstituir abstratamente uma língua “indo-europeia” teórica, que serviu de modelo operacional e revelou uma

macroestrutura cultural comum partilhada pelas línguas que em seguida se

desenvolveram separadamente.

O professor Obenga também se manifestou interessado nos estudos em semelhanças

tipológicas de natureza gramatical, por entender que estes estudos são capazes de estabelecer

semelhanças entre o egípcio e outras línguas africanas atuais. Na perspectiva de Theóphile

Obenga (2010) os estudos comparativos são capazes de apresentar estreitos parentescos entre

o egípcio antigo comum na língua Bantu. Há uma estrutura genética comum entre os dois, o

redator destaca que o prof. Obenga concluiu afirmando que:

[...] paralelos entre palavras de diferentes línguas palmeira, espirito, arvore, lugar e

entre pequenos fonemas: por exemplo, km (Kem), “negro” em egípcio antigo, torna-

se kame, kemi, kem em copta; ikama em Bantu (com o sentido de carbonizado em

consequência de exposição a calor excessivo), kame em azer (cinzas); Romé,

“homem” em egípcio antigo, torna-se lomi em Bantu. Os mesmos fonemas exercem

as mesmas funções nas diferentes línguas comparadas.

Dessas comparações o professor T. Obenga deduziu a possibilidade de identificar, no

futuro, uma língua “negro-egípcia”, análoga ao “indo-europeu”: [...] Nesse contexto, e

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considerando o inegável fundo cultural comum a todas as línguas comparadas, dispõe-se de

uma base solida para o desenvolvimento de estudos futuros “(UNESCO, 2010, pág. 831)

O momento de discussão geral sobre os trabalhos foi estabelecido pelos contrastes

entre um Antigo Egito de origem local, negra africana, e um Antigo Egito de origem externa,

caucasoide ou asiática. As argumentações dividiram os participantes em dois lados, um com

Cheikh Anta Diop e Teophile Obenga, origem local, e outro com todos os professores

presentes, origem externa. De acordo com a UNESCO (2010), as principais questões

abordadas direcionaram-se a cronologia, existência de migrações, antropologia física, estudos

iconográficos, análises linguísticas e desenvolvimento de metodologias interdisciplinares e

pluridisciplinares para pesquisas.

Diop iniciou sua argumentação apresentando dados sobre a origem da raça humana no

continente africano há aproximadamente cinco milhões e trezentos mil anos. Defendeu que o

homo sapiens há cento e cinquenta mil anos iniciou seus primeiros movimentos de migração

para outros continentes. A população que ocupava o Vale do Nilo nesse período era Negra.

Considerando a defesa da mestiçagem feita por professores como Vercoutter e Massoulard

como atributos de base raciologica, na concepção de Diop a população negra do Antigo Egito

deve ser considerada em seu todo, e não em subdivisões racialistas modernas e

ideologicamente hierarquizadas. Mesmo sem negar o processo de mestiçagem no Antigo

Egito, o professor Diop salientou que a existência da mesma se deu de fora para dentro do

continente africano, no Alto Egito, por exemplo, a população negra diminuíra a partir das

invasões persas.

Segundo os redatores da síntese do Colóquio (2010), houve um profundo desacordo

dos participantes com as teses do professor Cheikh Anta Diopág. As argumentações

contrárias às teses do prof. Diop concentraram-se na defesa de um paleolítico caucasoide pelo

professor Ghallab, da existência de homo sapiens de várias procedências pelo professor

Shinie, da predominância do Delta como lugar de origem do Egito por El Nadury, e sobre a o

povoamento mestiço, advogado pelos pesquisadores Vercouter, Saunerone Abu Bakr. A ideia

de uma migração do Saara para o povoamento do Antigo Egito foi apresentada como

argumento contrário ao povoamento sul-norte defendido por Diop e Theóphile Obenga. Na

compreensão de Diop, termos como negroide possuíam uma conotação pejorativa, e as

críticas feitas ao seu trabalho eram desprovidas de uma sólida base fatual.

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Os debates sobre migrações envolvendo o Vale do Nilo e outras regiões africanas

foram entendidos pelos redatores como confusos e inconclusivos. Mais uma vez, conforme a

síntese dos relatores estas críticas direcionaram-se a tese de Diop sobre as migrações em

massa para o Vale do Nilo a partir dos grandes lagos, do sul para o norte gradativamente. O

homo sapiens, nesse sentido, instalou-se progressivamente no Nilo até a latitude de Menfis.

Em corroboração as teses do prof. Diop, o professor Obenga defendeu um contínuo e

uniforme povoamento do Antigo Egito entre o paleolítico superior e o neolítico, com base nas

tradições orais do Egito que indicavam a região dos grande lagos como terra mãe e a Núbia

como um país idêntico.

Diop apresentou um estudo mais amplo a partir de testes com radio- carbono e análise

climatológica no Saara, para a compreensão das migrações interafricanas. De acordo com o

relatório Diop ofereceu aos conferencistas algumas das teses de Nações Negras e Cultura

sobre o povoamento sul-norte, citando a chegada dos Anu durante o proto-dinástico, e o

calendário datado de 4.236 anos com um padrão cíclico de 1461 anos, a estabilidade causada

por abalos sísmicos na bacia do mediterrâneo por volta de 1.450, os ataques dos povos do

mar, e a conquista e expansão coordenada por Narmer em 3.330. No registro dos redatores,

mediante esta exposição do professor não houve debate.

No debate a cerca da antropologia física, a maior parte dos professores insistiu na

necessidade de pesquisas para uma definição conceitual de negro, nesse sentido, na avaliação

dos redatores, Cheikh Anta Diop e Teophile Obenga foram considerados imprudentes ao

alegarem que a própria antropologia física já havia feito suas definições sobre o negro, muitas

delas racistas, e que, por conseguinte, o conceito já possuía sua definição, neste sentido, negar

as características africanas dos egípcios era apenas oportunismo. Para Diop era importante

que os professores parassem de ignorar dados como os trinta e dois mil anos do homem de

Grimaldi, os vinte mil anos do Cro-magnon e os quinze mil do magdeliano. O problema do

Antigo Egito negro africano escorava-se em fatores psicológicos e educacionais dos

professores, mesmo convincente, as teses de Diop foram alvo de crítica direta dos

participantes.

No âmbito da validade das pesquisas iconográficas, os participantes consideravam sua

interpretação demasiadamente subjetiva. O prof. Diop desafiou os professores presentes ao

analisar, através de artefatos artísticos, que aquela foi uma expressão nitidamente da

dignidade, em que negros eram representados pela arte do Antigo Egito. Na interpretação de

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Diop, as representações em vermelho foram uma forma de identificar o negro, enquanto as em

amarelo indicavam algo comum no continente, à tonalidade mais clara entre as mulheres de

certas etnias e regiões.

Sobre os estudos linguísticos, o redator considerou os trabalhos de Cheikh Anta Diop e

Theóphile Obenga os mais avançados em matéria de pesquisa e resultados. O prof. Diop

desconsiderou a influência semítica no antigo egípcio, e Teophile Obenga sustentou a

necessidade de metodologias capazes de suportar estudos comparados com outras línguas

africanas, nesse sentido Diop apresentou sua pesquisa sobre o parentesco linguístico entre os

Kaw na Núbia e os Wollof no Senegal.

A respeito do desenvolvimento de uma metodologia interdisciplinar e

pluridisciplinares a concordância foi geral entre os participantes, principalmente para Cheikh

Anta Diop, que há vinte anos antes do Colóquio já fazia suas pesquisas seguindo esta base

metodológica. O prof. Diop comentou alguns pontos importantes no âmbito da metodologia,

relacionada à rota dos povos do Darfur para a região Oeste do continente, atingindo

posteriormente à Costa Atlântica para o Sul, Vale do Zaire e norte emdireção ao Senegal e

Nigéria. Outros elementos importantes foram às pormenores da relação entre Antigo Egito e

continente africano. Neste sentido, Diop citou o exemplo da estatueta de Osíris, encontrada na

província de Shaba, África do sul, datada de VII antes da era cristã. E finalmente, a

necessidade de considerar a hipótese dos impactos para o continente de acontecimentos

ocorridos no Vale do Nilo, entre os quais o saque de Tebas pelos sírios em 525 a. C. (Ver

mapa 3 em anexo). A conclusão geral do Colóquio sobre povoamento do Antigo Egito foi

direcionada as questões metodológicas (UNESCO, 2010, pág. 849):

Embora o texto preparatório enviado pela UNESCO especificasse o que se esperava

do Simpósio, nem todos os participantes prepararam comunicações comparáveis às

contribuições, minuciosamente pesquisadas, dos professores Cheikh Anta Diop e Obenga. Em consequência, houve um verdadeiro desequilíbrio nas discussões.

As recomendações dividiram-se entre a antropologia física, estudos das migrações,

linguística e metodologia, muitas das quais se basearam diretamente nas propostas e

intervenções de Cheikh Anta Diop e Theóphile Obenga (2010): o estudo de vestígios

humanos; estudos arqueológicos cruzados entre Egito e Dakar; estudo das línguas africanas

com prioridade aos Kaw Kaw da Núbia; aplicabilidade de metodologia interdisciplinar

prioritariamente na Núbia, regiões do Nilo e Darfur.

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O professor J. Leclant foi o redator do relatório preliminar do seminário sobre a

Decifração da Escrita Meroíta. Segundo análise do redator, as quatro reuniões de especialistas

sobre a escrita Meroíta organizadas pelo grupo de Estudos da História Meroíta nos anos de

1970 em Cartum, 1971 em Berlim, e em1972 e 1973 em Paris foram muito importantes para

avanços na pesquisa para decifração da escrita Meroíta, mas não para sua compreensão. A

comparação entre línguas africanas, à arqueologia em busca de documentos bilíngues, e o

auxilio da informática foram vistos como os focos de auxilio à decifração da escrita Meroíta.

Durante o debate, o professor Cheikh Anta Diop afirmou sua satisfação com os

processos realizados por outros pesquisadores, observando que a utilização da informática era

um imperativo (UNESCO: 2010 pág. 853):

No caso do Meroíta, o procedimento correto seria combinar o multilinguísmo e as

potencialidades do computador da seguinte maneira:

- Postular, por meio de um procedimento puramente metodológico, um parentesco

entre o Meroíta e as línguas negro-africanas, o que e uma maneira de reencontrar o

multilinguísmo;

- Uma vez que dispomos atualmente, em cartões perfurados, de 22 mil palavras

Meroítas de leitura razoavelmente segura, estabelecer um vocabulário básico de

quinhentas palavras por língua para cem línguas africanas rigorosamente escolhidas

por uma equipe de linguistas devidamente credenciada. As palavras selecionadas

poderiam ser as que indicam, por exemplo, as partes do corpo, as relações de

parentesco, o vocabulário religioso, os termos relativos à cultura material, etc.;

- O computador deveria ser programado para reconhecer, por exemplo, três consoantes idênticas, duas consoantes idênticas, etc.;

Com base nos resultados obtidos, seria necessário comparar as estruturas, das

línguas justapostas.

Os professores Le Clant, Sauneron e Sorderbegh concordaram e reforçaram as

posições do professor Cheikh Anta Diop, no que se refere aos procedimentos operacionais e

de investigação. O responsável pela UNESCO – prof. Gleglé, e também do Ministério da

Educação da OUA, cobrou pessoalmente mais dedicação de professores que pouco

contribuíram no Colóquio, como Knorossov, Patrouski, Hothoer e Hinze, pois os mesmos

foram convidados para contribuir com as pesquisas e seus debates. O prof. Glelé também

assumiu que mais investimentos no campo da linguística africana iriam ser oferecidos a partir

daquele momento.

Cheikh Anta Diop esboçou sua sincera esperança para a continuidade dos estudos

Meroítas, observando que eram necessárias as compilações de sistemas de vocabulário no

Sudão, e que a participação profissional do prof. Theóphile Obenga era importante por conta

de suas competências na área como linguista. O professor Obenga propôs o primeiro

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inventário de características gramaticais Meroítas, o que foi de pleno acordo entre todos os

participantes.

Dentro das recomendações, o redator Leclant (2010), assumiu sua satisfação com os

trabalhos do Grupo de História Meroíta de Paris. As recomendações foram unânimes no

campo dos estudos Meroítas, no auxilio de informática e divulgação, elaboração de listas com

nome de pessoas, lugares e títulos, elaboração de um repertório de escrita e um vocabulário

Meroíta completo. A UNESCO e o Colóquio e o Comitê Cientifico Internacional para a

História Geral da África comprometeram-se a investir financeiramente nos avanços das

pesquisas, elaborar proposta à Universidade de Cartum para estudos linguísticos, custear

secretariado e publicações, pesquisas, deslocamentos de especialistas e informática em

beneficio a escrita Meroíta e línguas africanas modernas.

Cheikh Anta Diop e Teophile Obenga foram obrigados a enfrentar a maior parte dos

acadêmicos participantes, que em uníssono defenderam a origem externa da civilização

egípcia, rechaçando qualquer tipo de referencial distinto do norte do mediterrâneo e da Ásia.

As argumentações de Cheikh Anta Diop e Teophile Obenga baseavam-se em conhecimentos

históricos, antropológicos e linguísticos, contra as teses de fundo raciologica e ideológico que

negavam a qualidade e legitimidade documental sobre a origem africana. Charles Finch III

(2009, pág. 75) observa que ao final do Colóquio, a comissão organizadora declarou que

somente Obenga e Diop prepararam suas pesquisas e argumentos com suficiente cuidado e

rigor científico. Trinta anos após o Colóquio Obenga comenta alguns dos posicionamentos de

estudiosos europeus consagrados sobre o tema:

Por sua natureza intrínseca, o egípcio faraónico era o mundo africano : A prática

religiosa dos negros é a mais recente expressão das doutrinas da Etiópia e do Egito.

Nas atas do famoso colóquio Internacional do Cairo organizado pela UNESCO em

1974, as duas seguintes passagens se destacam por sua relevância e focada precisão

o: a) declarou o professor Vercouter que na sua opnião o Egito foi africano em sua

escrita, sua cultura e sua maneira de pensar e b) o professor Leclant reconhece que a

mesma qualidade no temperamento africano os egípcios e na sua forma de pensar

(OBENGA, 2004, pág. 15).

O Colóquio de 1974 significou uma estreia de alto nível para o trabalho Teophile

Obenga, e um momento de consagração para a obra de Cheikh Anta Diop, pelo

reconhecimento irrevogável do Colóquio. Em 1974 foi feita nos Estados Unidos a tradução

parcial de Nações Negras e Cultura e Anterioridade das Civilizações Negras, sob o título A

origem africana da Civilização: mito ou realidade para a língua inglesa em 1974. Alfa Oumar

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Diallo e Cintia Santos Diallo (2007, pág. 9) analisam o universo impactante a Nações Negras

e Cultura:

[...] não somente por que Cheikh Anta Diop propôs a “descolonização” da história

africana, mas também porque o livro criou uma “Historia” africana e colocou-se nas

fronteiras do engajamento político, analisando a identificação das grandes correntes

migratórias e a formação das etnias; a delimitação da área cultural do mundo negro,

que se estende até a Ásia Ocidental, no Vale do Indus; as demonstrações da aptidão

das línguas africanas para suportarem o pensamento cientificam e filosófico e,

fazendo, pela primeira a transcrição africana não etnográfica destas línguas.

Durante o Colóquio de 1974, Cheikh Anta Diop percebeu que as tentativas

desesperadas de negar a origem e identidade africana do antigo Egito não se davam por

questões técnicas, cientificas ou metodológicas, mas por questões psicológicas e educacionais.

Professores africanos e europeus como Abdalla, Vercoutter, Abu Bakr e Sauneron

defenderam a mestiçagem no Antigo Egito e seu povoamento de fora, ou do norte, para o sul,

negando uma origem local, mesmo sem conhecer a história da África. De uma forma quase

que insana, os professores participantes buscaram desconstruir o trabalho de Cheikh Anta

Diop.

A participação de Obenga demarcou o campo da linguística, a necessidade de

compêndios, e o exemplo de confiança e produtividade da relação mestre–aluno, estabelecida

entre ele e Diop. A maioria dos cientistas participantes era formada por acadêmicos centrados

em gabinetes e arquivos, Diop e Obenga desenvolveram trabalhos intelectuais, dedicados à

educação, a formação da personalidade, aos problemas comunitários, ao rigor cientifica e a

qualidade metodológica.

O Colóquio de 1974 foi o último evento de caráter científico internacional antes da

publicação da História Geral da África. A seguir, faremos um breve apanhado das

contribuições de Cheikh Anta Diop e Joseph Ki Zerbo da História Geral da África, nos

campos da metodologia e teorização.

4.5 História Geral da África (UNESCO)

A História Geral da África obteve sua primeira publicação em 1981 na França.

Dividida em oito volumes e em diferentes idiomas como Suahili, Peul, Português, Inglês,

Árabe, Espanhol entre outros. A História Geral da África também obteve edições sintese e de

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bolso, o editor e presidente do comitê científico da História Geral da África – Joseph Ki-

Zerbo criou uma metodologia de pesquisa para a obra e editou o primeiro volume, na

introdução justifica-a:

A História da África, como a de toda a humanidade, é a história de uma tomada de

consciência. Nesse sentido, a história da África deve ser reescrita. E isso porque, até

o presente momento, ela foi mascarada, camuflada, desfigurada, mutilada. Pela

“força das circunstâncias”, ou seja, pela ignorância e pelo interesse. Abatido por

vários séculos de opressão, esse continente presenciou gerações de viajantes, de

traficantes de escravos, de exploradores, de missionários, de pro-cônsules, de sábios

de todo o tipo, que acabaram por fixar sua imagem no cenário de miséria, da

barbárie, da irresponsabilidade e do caos. Essa imagem foi projetada e extrapolada

ao infinito ao longo do tempo, passando a justificar tanto o presente quanto o futuro

(ZERBO, 2010, pág. 22).

Joseph Ki Zerbo apresenta a metodologia Geral de pesquisa da História da África a

partir da utilização interdisciplinar de fontes, com o objetivo de estabelecer um ponto de

equilíbrio entre a singularização excessiva da África, enquanto experiência histórica, e a

tentativa de alinhamento dessa experiência as história de outros continentes. Na perspectiva

de Ki Zerbo (2010), os desafios da pesquisa histórica no continente africano enfrentados pelo

pesquisador historiador, dividem-se entre o domínio das fronteiras materiais e imateriais do

terreno, e do que ele denomina de “ignorância voluntaria”, ou seja, os argumentos que

advogam sob o prisma da inferioridade racial.

Na Introdução Geral da obra Joseph Ki Zerbo afirma as fontes documentais escritas,

arqueológicas e a tradição oral, compreendidos enquanto pilares do conhecimento histórico. O

autor orienta-nos a necessidade de um cruzamento interdisciplinar entre antropologia,

linguística e geografia, para um aproveitamento holístico, intimo e qualificado das

experiências vividas na África. No campo das fontes, Ki Zerbo identifica às escritas, a

arqueologia, a tradição oral, a linguística, a antropologia e a etnologia como fundamentais.

Outro aspecto importante é que na Introdução Geral, Joseph apresenta os Quatro

Grandes Princípios Metodológicos para a pesquisa em história da África. O primeiro princípio

é a Interdisciplinaridade, o segundo resume-se a uma perspectiva africana da sua própria

história, onde e a concepção da mesma deve assumir como característica os propósitos de

conscientização, identidade e autenticidade. O terceiro principio é a história integral – total,

capaz de considerar a geografia e cultura africanas e transcender as divisões políticas e

étnicas do regime colonial, um história dos povos. Para Joseph Ki Zerbo, este terceiro

princípio deve considerar a integralidade do continente africano conforme estipulado nos

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estatutos da Organização da Unidade africana. O Prof. Ki-Zerbo definiu como quarto grande

principio a não exacerbação da fatualidade na história da África, para assim evitar uma

dependência de considerados grandes acontecimentos e que inúmeras vezes estão atrelados a

uma razão externa, como as invasões na antiguidade, a diáspora e o colonialismo.

Na conclusão de cada Volume é responsabilidade do Editor, que neste caso foi Joseph

Ki Zerbo. Sob o título Da natureza bruta à humanidade liberada, Ki Zerbo recapitulou os

momentos centrais do volume, fez críticas a pseudo-originalidade das teses marxistas para a

realidade social e experiências milenares africanas, identificou as etapas pelas quais o

continente africano foi o ambiente propício para os processos de hominização, socialização e

civilização. Ki Zerbo define que Antigo Egito foi uma civilização nascida do ventre do

continente africano.

Ki Zerbo(2010) propõe cinco fatores que caracterizam essas fases de hominização,

socialização e civilização: 1) a adaptação ao meio, responsável por características

morfossomáticas (pele, melanina, nariz, queratina, lábios entre outros); 2) o conhecimento do

meio ambiente, que permitiu a sobrevivência humana; 3) as dinâmicas sociais de

comunicabilidade; 4) a troca de conhecimentos e técnicas que emergiram da necessidade de

vida em conjunto; 5) as relações sociais, marcadas por uma grande fase de sedentarismo e

surgimento de grupos como Khoisan, Pigmeus, Bantu e Sudaneses. O autor chama atenção

para o período neolítico no continente africano, que começou pelo menos três mil anos antes

do neolítico na Europa.

Ki Zerbo justifica e especifica a capacidade da história africana de mesclar diversos

elementos dentro de um mesmo espaço físico-temporal. Joseph Ki Zerbo faz comentários

sobre as fontes escritas e estruturas sociais, a desconstrução da historiografia colonial,

especificidades fundamentais e marcos decisivos para a história da África. Neste sentido, o

autor considera que as concepções de St. Agostinho (354-430) e de outros pensadores

africanos não podem ser negligenciadas. Cita o exemplo de Ibn Khaldun (1332-1406), que em

sua opinião foi o fundador da história enquanto ciência, e onde se encontram os primeiros

registros de categorias e análises sobre modos de produção, cultura e sociedade, civilização e

materialismo histórico.

No que concerne às estruturas, o Ki-Zerbo entende que a experiência africana

diferencia-se fundamentalmente do modo de produção asiático. Segundo o autor (2010) não

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houve um sistema escravista no continente africano antes das invasões árabes e europeias,

mas havia uma condição marginal de cativos, e os mesmos a possuíam mobilidade de

integração em famílias. O cativeiro em África comenta Ki Zerbo: “não arrancava do homem

sua condição humana”.

O autor critica como desprezíveis as atribuições feudais no contexto africano, onde a

terra era um bem comunitário e inalienável, o comércio era um atributo de nascimento e da

matrilinearidade. Ki Zerbo destaca que a matrilinearidade possuía diversas implicações

sociais, políticas e econômicas, radicalmente transformadas com as intervenções do Islã e das

civilizações ocidentais com a patrilinearidade. O decline do Antigo Egito para o império

Roma é interpretado pelo autor como uma grande abertura para as invasões dos séculos XVI e

dominação territorial no século XIX.

O arqueólogo do Antigo Egito, G. Mokhtar editou o Livro II, História Antiga. As

civilizações da antiguidade foram organizadas nos 15 primeiros capítulos da obra. Cheikh

Anta Diop escreveu “Quem eram os egípcios”, o primeiro capítulo do livro. Cheikh Anta

Diop utilizou-se da primeira parte de Nações Negras e Cultura, trabalhando com o

povoamento e origem do Egito. O capitulo alberga a origem da humanidade na região dos

grandes lagos, a desconstrução das teorias poligenistas, e na demarcação do pioneirismo

africano no processo de hominização, socialização e civilização na região do vale do Nilo.

O capítulo “Quem eram os antigos egípcios” foi organizado em dois momentos, o

primeiro momento formado por evidências da antropologia física, as representações humanas

do período pré-histórico, teste e dosagem de melanina, medidas osteológicas e grupos

sanguíneos. Complementar a tais evidências, Cheikh Anta Diop apresenta (2010) os egípcios

de acordo com os testemunhos oculares de autores clássicos, os egípcios vistos por si

mesmos, as classificações divinas e os testemunhos bíblicos. O segundo momento reúne

dados culturais e afinidade linguística, originalmente apresentada na segunda parte de Nações

Negras e Cultura e desenvolvida ao longo dos anos de pesquisa.

Esta foi uma oportunidade de Diop reapresentar uma série interdisciplinar de

evidências sobre a origem da humanidade, povoamento e identidade do Antigo Egito. Diop

(2010) utilizou fontes como as do VIII Congresso Pan africano de Pré-História realizado em

Adis Abeba no ano de 1971, este congresso reuniu os resultados das últimas pesquisas que

confirmavam a origem africana da raça humana na região dos Grandes Lagos, o que

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confirmava a homogeneidade étnica do povoamento do Nilo e do Saara, do paleolítico

superior à época dinástica.

Diop fez críticas contundentes aos livros didáticos e suas distorções, que abrem um

precedente para o embranquecimento do Antigo Egito. Questionou o trabalho dos acadêmicos

europeus em evitar a anterioridade civilizacional africana a partir de uma classificação racial

criada por eles, e aplicadas ao continente africano de forma completamente arbitrárias, de

forma que a pessoa são negras, brancas e mestiças de acordo com interesses do pesquisador.

Insistiu categoricamente na utilização das representações humanas enquanto documentos de

grande valor histórico, e ampliou detalhadamente o contexto de testemunho ocular de gregos

e romanos no continente africano entre 480 a.C. a 58 a.C..

O prof. Diop (2010) fez importantes considerações às palavras negro e vermelha no

Kemet. O negro era um indicativo dos Deuses ancestrais, e o vermelho o deserto infértil, os

espíritos maléficos e os animais selvagens. O professor advogou que a partir dos estudos

comparativos entre o egípcio antigo e as línguas africanas é possível estudar o vocalismo do

Egito. A afinidade linguística foi apresentada a partir das correspondências fonéticas em uma

listagem da maioria dos fonemas e formas verbais entre presentes no antigo egípcio e no

Wollof.

A conclusão do capítulo aborda a continuidade de ritos e costumes do vale do Nilo no

restante do continente africano, no campo da cosmogonia e totemismo, exemplificado através

da festa do Sed e da circuncisão. O autor também comentou sobre o processo de confecção

do Livro II da História Geral da África que exigiu três conferências, uma delas foi o

“Colóquio sobre o povoamento do Egito e decifração da escrita Meroíta” em 1974. Diop

destaca os comentários de J. A. Vercouter que assumiu a que não há dados para determinar o

grau de mestiçagem do Antigo Egito, e que o mesmo era africano em sua escrita, cultura e

maneira de pensar, neste sentido a hipótese de que o antigo egípcio é uma língua semítica foi

completamente descartada.

Neste capítulo Diop é categórico ao afirmar que o Colóquio do Cairo em 1974 foi uma

nova pagina na historiografia africana. O Colóquio revelou que há a necessidade de se

reescrever a história da humanidade a partir de um ponto de vista cientifico, que considere o

componente negro africano como preponderante no espaço e no tempo. Do contrário, a farsa

sobre fatos históricos importantes continuará em vigor. E finalmente, o elemento crucial do

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capitulo é o retrato do propósito mais elevado da reescrita e ensino da história e civilizações

africanas:

A redescoberta do verdadeiro passado dos povos africanos não deverá ser um fator

de divisão, mas contribuir para uni-los, todos e cada um, estreitando seus laços de

norte a sul do continente, permitindo-lhes realizar, juntos uma nova missão histórica

para o bem da humanidade (DIOP, 2010, pág. 36).

O lançamento da História Geral da África no final da década de 1970 foi um marco

inédito na história da humanidade, a obra reuniu alguns dos maiores historiadores da história e

historiografia africana. A obra foi publicada em 1982 em São Paulo – Brasil, durante um

encontro internacional de editoras (Bienal do Livro). Entretanto, em língua portuguesa foram

publicados somente cinco dos oito volumes, e a tiragem foi em diminuta quantidade, dividida

entre Brasil e países africanos de língua oficial portuguesa.

4.6. História Geral (UNESCO) da África no Brasil

O professor Ladislau Dowbor foi o único pesquisador do Brasil autor da História

Geral da África. Aproveitando a oportunidade de lançamento do Volume I durante a Bienal

do Livro em São Paulo no ano de 1982, Dowbor escreveu o texto Redescoberta da África. O

texto, originalmente escrito para a Folha de São Paulo em 1982 faz uma crítica à falta de

reconhecimento dos processos civilizacionais africanos pela história e historiografia no Brasil.

O documento aborda quatro questões: 1) tecnologia; 2) tradição religiosa; 3) ciência; e

4) crítica à folclorização do continente africano pela indústria cinematográfica. Sob o

contexto social da Guiné Bissau e do Mali na década de 1980, Ladislau Dubor (1982)

destacou a herança civilizacional viva entre historiadores tradicionais, a resistência oferecida

pelas tradições religiosas e pela oralidade, e a capacidade intelectual e tecnológica de

reaproveitamento do lixo ambiental descarregado pelas multinacionais no continente africano.

O autor sublinha a importância da História Geral da África para o conhecimento do

continente e para a desmitificação criada pela escravidão e colonialismo. Em destaque, Dubor

comenta sobre a lucides de Joseph Ki Zerbo ao encaminhar uma verdadeira saga de reescrita

da história africana e de construção de uma metodologia interdisciplinar importante para a

desconstrução de conceitos pejorativos como tribos e sociedades estáticas. Ladislau Dubor

(1982) reconheceu que mesmo em quantidade diminuta os trabalhos realizados no Brasil por

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Kabenguele Munanga, Kazadi Wa Mukuna e Abdias Nascimento foram pioneiros no campo

da história da África:

Para nós, no Brasil, a importância da edição desta obra é óbvia. E os historiadores

africanos não deixam de mencionar esta curiosidade de dois países, onde a

população africana teve papel fundamental no desenvolvimento econômico e

cultural, como o Brasil e os Estados Unidos, estarem praticamente na estaca zero em

termos de estudo do passado africano : “Por mais importantes que fossem os

vestígios culturais africanos, nem o Brasil, nem as Caraíbas deram a atenção

merecido ao assunto... O interesse era anda menor nos Estados Unidos...”.

Com base nos comentários do autor, a questão que nos colocamos a partir do

comentário de Ladislau Dubour é para nós quem? O otimismo do autor talvez tenha o feito

ignorar o fato de que para a grande maioria de historiadores, filósofos, sociólogos e

antropólogos do Brasil a História da África não oferecia nenhum interesse, e uma obra como a

História Geral da África, por exemplo, representava até certa ameaça, fator que ajuda a

explicar seus ostracismo desde o lançamento em 1982 até sua reedição em 2010. Por motivos

que desconhecemos o autor deixa de salientar que o Brasil é um pais racista regido por elites

antiafricano e, por mais contraditório que pareça, é o próprio racismo que lhe conferiu

vantagens suficientes para participar como autor da História Geral da África, diferente dos

que ele cita como pioneiros.

Para finalizar, o autor afirma “A história oficial africana se descoloniza” com a

publicação da História Geral da África, e questiona até quando a nossa permanecerá na Casa

Grande? No nosso entendimento, o fato da história da África estar em processo de

descolonização justifica o argumento que a história do negro no Brasil continua na casa

grande, acorrentada nas senzalas, chicoteada nos pelourinhos e nos porões do navio negreiro.

Em outras palavras, enquanto a história da África permanece colonizada a nossa história afro-

brasileira permaneceu escravizada.

O questionamento inicial do texto de Ladislaw Dowbor sobre “Quem de nós conhece

as civilizações africanas” em 1982 reflete um pouco do que vivi em 2002 durante a graduação

em História. Fui aluno de um professor consagrado em História Antiga Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro, indiscutivelmente um dos maiores especialistas em

História antiga no Brasil. Responsável pela cadeira de história antiga, este professor fez

questão de comentar que a africanidade do antigo Egito era uma invenção dos negros dos

Estados Unidos que usavam desta argumentação para se auto afirmarem durante as lutas por

direitos civis na década de 1960. O professor defendia a origem semita da população e da

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língua dos antigos egípcios. Em determinado seminário sobre revolução neolítica, chegou a

me advertir que eu não abordasse absolutamente nada sobre África, pois a mesma não cabia

no assunto.

Mesmo com uma tiragem diminuta, o lançamento da História Geral da África no

Brasil gerou tanto o interesse de setores de movimentos sociais afro, quanto à indiferença e

desqualificação acadêmica racista durante as décadas de 1980 e 1990. Ao mesmo tempo, na

esfera internacional este foi um momento atribulado, a começar pelo deflagração de um ciclo

de assassinatos de lideranças africanas nacionalistas que militavam pela confederacão de

Estados africanos, uma das consequências desta série de assassinatos foi seguida pela

decadência cabal da Organização da Unidade africana e por pressões políticas sistemáticas

para historiadores da África.

4.7. Atribulações do momento

No ano de 1974 o contrato de professor de História de Walter Rodney em Dar Es

Salaam terminou. Ao retornar para a Jamaica Rodney teve sua entrada proibida no aeroporto

de Kingston, capital do país, sob a alegação criminal de seus envolvimentos políticos com

partidos e movimentos considerados subversivos, o que na verdade era uma retaliação as

criticas de Walter Rodney ao contexto político-militar de corrupção que infestou o Caribe e

toda a América Latina, inclusive no Brasil. Em nosso artigo sobre Walter Rodney (Gomes,

2012), comentamos que a historiadora Lélia Gonzáles considerava no início da década de

1980 que Walter Rodney conseguiu fazer uma leitura coerente da relação entre colonialismo,

capitalismo e racismo no Brasil.

Instalado na Guiana com sua família, Walter Rodney dedicou-se a militância no

movimento social Working People Alliance, organização em oposição ao governo corrupto e

neocolonial de Burnhan na Guiana, que levou Rodney e mais sete militantes a cadeia nacional

do pais. Após sérias ameaças, algumas delas relatadas em belíssimo artigo escrito por Eusi

Kwanza em Jamaica Under Siege, o professor Walter Rodney foi brutalmente executado em

13 de Junho de 1980, por uma bomba armadilhada em seu carro. Rodney deixou mulher e três

filhos pequenos, que continuam seu legado através de instituição não governamental, Walter

Rodney Foundation.

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Walter Rodney participou no livro 7 da Coleção História Geral da África – A África

sob dominação colonial, 1880-1935, editada por Albert Adu Boahen. Rodney escreveu o texto

A economia colonial, capítulo em que analisaram, os impactos desastrosos das duas guerras

mundiais sobre as economias africanas, e de como os africanos combateram as crises e

criaram soluções alternativas em regiões como Gana, Níger e Tanzânia (2010). Mesmo com

uma carreira multidimensional e meteórica, Rodney construiu uma obra sólida, de cunho pan-

africano e em dialógica com a produção histórica africana. O propósito do ensino de história

da África, o aperfeiçoamento dos livros didáticos, a metodologia e as civilizações da

antiguidade foram questões pelas quais historiadores do porte de John Henrik Clark, Joseph

Bem Jochoman, Joseph Ki Zerbo, Cheikh Anta Diop e Walter Rodney dedicaram-se

sistematicamente.

Ao formular a questão título do primeiro capitulo de Nações Negras e Cultura, “Quem

eram os egípcios”, Cheikh Anta Diop alegou que jamais os egípcios precisaram questionar

quem eles mesmos eram, pois, assim como seus próprios testemunhos e de outros povos da

antiguidade (gregos, romanos e asiáticos) os egípcios eram homens e mulheres negros

africanos. Recentemente, em meio às orientações para essa pesquisa, o professor Henrique

Cunha Jr. chamou-me atenção para o fato de que a obviedade da origem e experiência

civilizacional negra e africana do Egito é um fator polêmico por conta do racismo e suas

distorções criminosas da história da África.

Os adeptos das Escolas de pensamento colonial tentaram empobrecer a complexa obra

de Cheikh Anta Diop, acusando-o de apenas procurar provar que os egípcios eram negros.

Críticas desse nível não tomarão nosso tempo aqui, mas sabemos que elas são

permanentemente reproduzidas por acadêmicos, professores e estudantes de história, muitos

dos quais desconhecem a vida e obra de Cheikh Anta Diop, sobretudo suas críticas à

falsificação da história. Enquanto houver negligência sobre a origem e identidade africana do

Egito, a humanidade continuará vivenciando uma farsa cultural e histórica, com efeitos

diretos sob a formação psicossocial de juventude no continente africano e na diáspora.

Após anos marginalizado na Universidade de Dakar, em 1984 C. Anta Diop foi

contratado em 1984, vindo a falecer de problemas cardíacos dois anos depois, sob uma

pressão muito grande de pessoas, organizações e instituições contrários as suas teses. Sua

herança continua viva através de sua vasta obra, não somente na história, mas no campo da

física, química, linguística e política. O governo senegalês da época mudou o nome da

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Universidade de Dakar para Universidade Cheikh Anta Diop em sua homenagem. Mais de

vinte anos após seu desaparecimento físico seus trabalhos continuam direcionando todo tipo

de iniciativa em prol do continente africano e de sua história.

No final da década de 1980, os historiadores da África enfrentaram um período de

silenciamento por parte de governos neocoloniais e pró-união soviética. No Burkina Faso,

Joseph Ki Zerbo aos sessenta anos de idade, foi obrigado a sair com sua esposa, Jaqueline ki

Zerbo, do país por conta de ameaças e ações terroristas do governo socialista do presidente

Thomas Sankara, que via em Ki-Zerbo uma vanguarda descartável e perigosa para o seu

regime socialista. A percepção da gravidade do problema tornou-se óbvia, quando a sua

biblioteca com mais de onze mil livros foi violentamente queimada, completamente destruída.

A Organização da Unidade africana passou praticamente toda a década de 1980

enfrentando problemas internos em apoio a conflitos armados na Argélia, Angola, Namíbia,

Marrocos e Saara Ocidental. Externamente a instituição via-se mergulhada em dívidas e com

dificuldades de bloquear os apoios de Israel e países europeus ao regime sul-africano do

apartheid. A inoperância da OUA neutralizou sua agenda de ações no continente africano,

dentre as quais a educação e o ensino de história.

Conclusões

Neste capítulo, tivemos condições de identificar a relação entre a criação da

Organização da Unidade africana em 1963 e do projeto de confecção da História Geral da

África em 1964. Como vimos a OUA nasceu dos esforços de chefes de Estado como Haile

Selassie e Kwame N’krumah que dedicaram todos os seus recursos ao projeto de um

continente africano confederado, autossuficiente e totalmente livre do colonialismo. Por

ironia, tanto N’Nkrumah quanto Haile Selassie não foram poupados de violentos golpes de

Estado motivados por elites marionetes comandadas de fora para dentro do continente. Na

metade da década de 1970 os dois e mais uma dezena de líderes desapareceram em meio a

circunstancias violentas e degradantes.

Trabalhamos as fases do processo de confecção da História Geral da África, onde nos

dedicamos a entender o “Colóquio Internacional sobre o povoamento do antigo Egito (Kemet)

e a decifração da escrita Meroíta”, promovido pela UNESCO no Cairo em 1974. A reunião

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internacional contou com a presença de Cheikh Anta Diop e Theóphile Obenga, na nossa

compreensão a reunião foi uma tentativa de desqualificação das teses de Cheikh Anta Diop

sobre a origem e povoamento do Antigo Egito, entretanto a brilhante participação de Cheikh

Anta Diop e Teophile Obenga fortaleceram ainda mais seu trabalho .

O que Cheikh Anta Diop encontrou no Cairo em 1974 foi um grupo ou bando como os

define Teophile Obenga (2013) de racistas acadêmicos tentando a todo o custo mostrarem que

os africanos não tinham condições de construir um processo arrojado, complexo e sofisticado

de civilizações no Vale do Nilo durante a antiguidade africana, Diop inclusive passou a

trabalhar com o termo “civilizações da antiguidade clássica”. Na nossa reflexão, uma vez que

os representantes da UNESCO como o Sr.Vercouter se portaram de forma tão covarde e

mesquinha, os discursos de isenção da UNESCO durante o processo de elaboração da História

Geral da África caem por terra.

Os problemas verificados durante a construção da História Geral da África e a próprio

Colóquio do Cairo, talvez possam explicar a participação mínima de Cheikh Anta Diop no

Volume II da obra. A História Geral da África foi publicada no Brasil em 1981 em meio a um

contexto politico e governamental de ditadura militar, somado a todo o elitismo e racismo

acadêmico tradicional no Brasil, e não só. A década de 1980 como um todo foi de

silenciamento e violência para os historiadores africanos, mortos prematuramente e em certos

casos até banidos de seus países como ocorreu com Joseph Ki Zerbo.

Pensando exatamente cinquenta anos após o início do projeto de confecção da História

Geral da África em 1964, será que a história da África foi descolonizada, se não em que etapa

está hoje, 2014? Essa pergunta é de suma importância e voltaremos à mesma no sétimo

capitulo em que analisaremos livros didáticos e a utilização nas escolas da História Geral da

África, e o lugar das civilizações africanas em manuais e programas de história. Para nós,

estes são verdadeiros termômetros sobre a descolonização da história da África, no sexto

capítulo, nosso objetivo é apresentar o contexto sociocultural em que nosso trabalho de

campo inseriu-se no Brasil e no Cabo Verde.

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PARTE III EDUCAÇÃO _____________________________________________________

Capítulo 5: ANTIGUIDADE AFRICANA NO ENSINO DE HISTÓRIA

Leia!Leia!Leia! E nunca pare antes de descobrir o conhecimento do Universo.

Marcus Garvey

Os Estados africanos devem organizar equipes para salvar, antes que seja tarde

demais, o maior numero possível de vestígios históricos. Devem-se construir museus

e promulgar leis para a proteção dos sítios e dos objetos. Devem ser concedidas

bolsas de estudo em particular para a formação de arqueólogos. Os programas e

cursos devem sofrer profundas modificações, a partir de uma perspectiva africana.

Joseph Ki Zerbo

Neste capítulo analisamos aspectos educacionais e culturais sobre o ensino de

antiguidade africana no Brasil e no Cabo Verde e apresentamos a nossa pesquisa de campo

realizada nestes dois países. O objetivo deste capítulo é identificar desafios comuns ao ensino

de história no Brasil e no Cabo Verde. Trabalhamos sob duas perspectivas, a primeira de que

os discursos sobre identidade mestiçagem possuem uma fundamentação racista e interferem

diretamente no ensino de história da África. Nossa segunda perspectiva de trabalho é que no

Cabo Verde e no Brasil as contribuições de Cheikh Anta Diop à História e Historiografia

africanas vêm sendo boicotadas pelo eurocentrismo acadêmico. Apresentamos um panorama

geral de atividades sobre a história da África no Brasil, esboçamos a nossa posição militante e

a preparação para realização da pesquisa de campo. Dialogamos aqui com os professores

pesquisadores Petronília Rodrigues, Abdias Nascimento, Henrique Cunha J., José Carlos dos

Anjos e Elias Moniz Alfama.

5.1 Mestiçagem, Racismo e educação: lógica do eurocentrismo curricular brasileiro

Nossa abordagem não permite, neste momento, uma avaliação aprofundada das

reformas educacionais ocorridas no sistema de ensino cabo verdiano e brasileiro entre 1960 e

1990, mas podemos salientar tendências e convergências importantes no que se refere ao

ensino de história. No caso brasileiro, o golpe militar instaurado no país a partir de 1964 foi

motivado pelo descontentamento de setores militares e de oligarquias regionais do país, mas,

sobretudo pela política norte-americana de controle capitalista e anticomunista em toda a

América do Sul.

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A partir de Abril de 1964, o presidente brasileiro João Goulart foi deposto, e os

militares assumiram a governação do país, sob a orientação das agências de segurança do

governo estados-unidense Lyndon B. Johnson. A ditadura militar brasileira realizou uma série

de ajustes sociais através de reformas em todos os campos, inclusive na educação. Durante a

década de 1970 houve uma maior conscientizacão do movimento negro do Brasil com as lutas

de libertação nacional no continente africano e na perspectiva do professor Cunha Jr (1992),

esta se deu pela compreensão histórico cultural de um passado e de um sistema de opressão

racial em comum, entre Brasil e África, e a busca do movimento negro no Brasil por uma

alternativa ao sistema de opressão capitalista.

A influência dos movimentos por direitos humanos e civis nos Estados Unidos

também foi da mais alta relevância para movimentos no Brasil, entretanto, a mesma ateve-se

mais à estética, uma vez que as informações políticas e ideológicas foram obscurecidas pela

mídia e o desconhecimento da língua inglesa também foi outra barreira de difícil transposição.

Cunha Jr. (1992) identifica que até a primeira metade da década 1970 o movimento Negro no

Brasil enfrentou três problemáticas centrais: 1) o esvaziamento dos movimentos como a

Frente Negra Brasileira por governos autoritários como o de Getúlio Vargas, nas décadas de

1930 e 1940; 2) as perseguições da ditadura militar a partir de 1964; e 3) o isolamento político

de organizações e pessoas no território nacional. Ao mesmo tempo, os avanços políticos e

sociais no decorrer da década de 1970 foram demarcados pela ruptura com posicionamentos

das gerações anteriores, onde a busca por emprego foi substituída pela busca de novas

relações de trabalho.

Em um sentido mais estrutural, o prof. Henrique Cunha Jr. reconhece três fases

importantes dos avanços: a revisão histórica sobre o negro no Brasil; a crítica ao capitalismo;

e a valorização da cultura negra enquanto ferramenta de recuperação dos valores africanos e

afro-brasileiros. O professor considera que com o afrouxamento do sistema político

bipartidário da ditadura militar brasileira, pouco a pouco começaram a surgir mais negros em

partidos políticos, que mesmo com pouca autonomia eram referências, como Hélio Santos e

Milton Santos, detentores de plataformas voltadas para a população afro-brasileira. No plano

internacional, o próprio prof. Henrique Cunha Jr. teve uma participação brilhante no III

Congresso das Américas Negras, ocorrido no Panamá em 1976, onde defendeu aquele

momento histórico como de ruptura dos movimentos negros no Brasil com os critérios e

valores impostos pela população branca.

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Em 1974 o militante Pan-Africanista Abdias Nascimento participou do 6º Congresso

Pan-africano na Tanzânia, onde denunciou a farsa da democracia racial brasileira, e a suposta

inexistência de movimentos de resistência no país. Três anos depois, o trabalho do professor

Abdias ampliou-se à Nigéria, onde lecionou na universidade de Ilé Ifé em 1976. No ano de

1977 Abdias Nascimento participou do Festival de Artes e Culturas Negras da Nigéria,

conhecido como FESTAC’77.

A participação de Abdias no FESTAC’77 foi muito polêmica por causa seus choques

com os diplomatas brasileiros na Nigéria, eles tentaram inviabilizar sua participação no

evento. Abdias Nascimento articulou-se com o prof. Maulana Ron Karenga dos Estados

Unidos e fez uma apresentação eletrizante no evento, chamando atenção das autoridades

internacionais para o genocídio da população negra no Brasil, para a necessidade de melhorias

nas condições de vida dos estudantes africanos no país, e para o ensino de história das

civilizações africanas no currículo escolar, enquanto uma ferramenta de reconstrução da

identidade africana do afro-brasileiro.

No plano nacional, em 1976 o debate sobre cidadania e direitos, e as relações entre

raça e classe elevaram o nível qualitativo do movimento negro. Entretanto, concordamos com

prof. Henrique Cunha Jr. (1992) sobre a imaturidade teórica do movimento negro que em

nossa opinião tornou frágeis às estratégias de ações em nível pratico, como a criação de

instrumentos de mobilização e mesmo fundação de escolas e instituições voltadas aos nossos

interesses. Entre os anos de 1978 e 1980, os Estados brasileiros mais ativos na militância

eram São Paulo, Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. O ano de 1978 foi

especialmente importante porque concatenou em uma dubiedade entre iniciativas de

unificação nacional do movimento negro e crise entre os movimentos. Em 1978 foi fundado o

Movimento Negro Contra a Discriminação Racial, cujo o nome foi objeto de crítica,

entendido como reducionista, mais tarde, foi substituído pela sigla MNU, Movimento Negro

Unificado.

Ademais, algumas tensões em relação a alianças com organizações de esquerda, como

a Convergência Socialista, alimentavam desconfianças de militantes negros, pois

historicamente os movimentos marxistas e de esquerda em geral oscilavam entre a

desqualificação e a utilização do movimento negro como massa de manobra. Para Cunha Jr

(1992), a crise do Movimento Negro em 1970 concentrou-se na falta de mobilização, na

presença majoritária de militantes de gabinete e na inexistência de um apoio das massas. Mas

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há pontos muito positivos a ser considerada nesse período, como a ampliação do movimento a

todos os Estados da Federação, a ampliação dos debates em um nível nacional e, em menor

proporção, internacional.

Em 1985, dez anos após as convulsões do sistema colonial no continente africano e da

instalação do neocolonialismo, a ditadura militar no Brasil encerrava sua hegemonia deixando

um legado de racismo, favelização e falta de infraestruturas, êxodo rural e péssima qualidade

da educação, fatores que atingiram diretamente a população afro-brasileira. Entre os anos de

1964 e 1985, o regime militar brasileiro assumiu o caráter radical de perseguições,

extermínios, exclusões, tortura e exílio, supressão de direitos constitucionais e repressão aos

discordantes do sistema. Escolas, universidades e o sistema educacional como um todo se

tornaram aparelhos ideológicos do Estado militar brasileiro a partir de 1964. Em 28 de

novembro de 1968, foi criada a lei nº. 5540, regulamentada pelo decreto n.464 de fevereiro de

1969, o ensino foi unificado em uma base de primeiro e segundo graus, o primeiro grau em

oito anos (primeira a oitava séries) e segundo grau em três anos.

O ensino universitário de História e Geografia passou a ser uma disciplina única

denominada Estudos Sociais (PCNS, 2000, pág. 7), em uma ação de nítida censura ao

conhecimento histórico e geopolítico. Esta medida influenciou negativamente capacidade

crítica no campo da pesquisa, ensino básico e produção de materiais didáticos. Enquanto

aparelho ideológico do Estado ditatorial militar, a razão do ensino centrou-se em propósitos

nacionalistas e patrióticos.

No ano de 1971 ocorreu outra reforma nacional do ensino básico, que unificou as

disciplinas História e Geografia em Estudos Sociais, posteriormente complementada pela

disciplina Educação Moral e Cívica, e Educação Social e Política do Brasil. Dois anos depois,

em 1973, professores de história e geografia reuniram-se na Universidade de São Paulo para

realizar um grande Fórum sobre estudos sociais, nesta ocasião foram criadas a Associação de

Geografia do Brasil (AGB) e a Associação Nacional dos professores de História (ANPUH).

Há um aspecto inerente à estrutura ideológica da ditadura militar muitas vezes

ignorado pelos pesquisadores, o racismo. Neste sentido, os discursos nacionalistas e

patrióticos brasileiros tiveram como base fundamental, a valorização da mestiçagem como

forma ideológica de branqueamento da população e afastamento da presença africana no

Brasil. A ditadura militar brasileira foi uma alavanca política para a propagação da

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democracia racial brasileira. Entretanto, os trabalhos de pesquisadores afro-brasileiros foram

de suma importância para a desconstrução das ideologias racistas que impregnaram áreas

como cultura, saúde e educação.

Atenta a situação do afro-brasileiro na sociedade, a prof. Petronília Rodrigues no final

da década de 1990 contribuiu com o debate sobre o pensamento negro na educação no Brasil,

pontuando a elaboração de um pensamento próprio do negro no país, a partir de suas

experiências históricas iniciadas dentro do continente africano. Partindo do princípio que

foram construídos inúmeros estereótipos sobre a incapacidade intelectual do negro do negro

no Brasil, a proposta trazida pela Prof. Petronília em parceria com a Prof.ª Lúcia Maria no

livro “O Pensamento Negro em Educação no Brasil - Expressões do Movimento Negro”

define o pensamento como:

Um processo de expressar conhecimentos constituídos na experiência vivida e

refletida, de combinar compreensões do vivido com julgamentos, propostas,

avaliações,hipóteses. Processo este que revela escolha crítica de concepções de mundo, de sociedade, de relações entre pessoas, de educação. (SILVA, BARBOSA,

1997, pág. 10)

Em diálogos com movimento negro, professores, pesquisadores e estudantes Petronília

Beatriz e Lúcia Maria definiram postos-chave da relação entre Pensamento Negro e Educação

no país, afirmando que:

A população de origem africana, no Brasil, desde sempre expressou suas

concepções, convicções, orientações tendo em vistas a educação de suas crianças e adolescentes, visassem ou não a educação escolar; suas posições costumam ser

desconsideradas, desvalorizadas; há quem argumente ser difícil ou impossível saber,

hoje, o que em suas escolhas e decisões tem por base uma visão africana de mundo;

para que tais argumentos possam ser debatidos, faz se necessário ampliar e

intensificar investigações junto à comunidade negra na diáspora e na África;

(SILVA, BARBOSA, 1997, pág. 12).

Ao considerar a história africana como base para definição de pensamento negro, a

prof. Petronília nos permite uma compreensão não universalista da história do negro no

Brasil. Inclusive, a autora chama nossa atenção para o fato de as primeiras referências sobre

educação da humanidade estão nas civilizações africanas. Essa relação entre história da

África, continuidade histórica, cosmovisão africana, e pensamento negro, nos confere a

possibilidade de uma abordagem pan-africana para pensarmos formas de superação dos

desafios enfrentados pela população afro-brasileira na educação, dentre os quais o combate ao

racismo e o direito ao acesso a história africana.

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A eugenia é uma ideologia racista que tem como perspectiva central a evolução da

condição humana a partir dos valores e comportamentos ocidentais, brancos e europeus. A

apologia à miscigenação como forma de branqueamento físico e todos os atributos da

desafricanização são ferramentas operacionais da eugenia. Portanto, a eugenia contempla o

racismo, a supremacia branca e o eurocentrismo. Na definição do professor Jerry Dávila

(2006, pág. 31):

A eugenia foi uma tentativa científica de “aperfeiçoar” a população humana por

meio do aprimoramento de traços hereditários – noção popular por toda a Europa e

Américas no período entre guerras. Os cientistas voltaram-se a eugenia como uma

ciência de ampla abrangência, que combinava diferentes teorias sobre raça,

hereditariedade, cultura e influência do meio ambiente em práticas e receitas que

visavam geralmente a “melhorar” a população nacional.

Devemos estar atentos às tentativas de diluição do significado prático da eugenia, pois

documentos como o dicionário Aurélio da língua portuguesa define eugenia como o “estudo

das condições mais propícias à reprodução e melhora da raça humana” (FERREIRA, 2010,

pág. 326), uma definição que não condiz com a realidade histórica e social da eugenia no

Brasil. A eugenia foi incorporada às políticas de educação e cultura do Estado brasileiro

oficialmente na década de 1930, através da constituição outorgada pelo presidente fascista

Getúlio Vargas, em 1934. O professor Michael Mitchell (1984, pág. 96) destaca a referência à

eugenia no artigo 138 b.: Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis

respectivas: (...) estimular a educação eugênica.

Nossa observação é que a eugenia não “foi”, ela é e existe mesmo que não

oficialmente entranhada na politica, pensamento cultura e no que se construiu como

identidade brasileira. Partindo do principio que o ocidente cristão, através do tráfico de

africanos escravizados, estabeleceu uma relação de franca guerra cultural e física contra

africanos, a professora Maria José Lopes da Silva (1994) entende que a educação oficial

brasileira incorporou a discriminação racial, doutrinando crianças e jovens negros sobre uma

ideologia de subalternidade social. Propondo uma atualização do contexto da educação

brasileira no início da década de 1990, Maria José argumenta que a não inclusão da história da

África serviu ao fortalecimento das falácias sobre democracia racial e da negação da

identidade da maior parte da maior parte da população do Brasil.

Sob a justificativa de mudança dos conteúdos escolares e, em nome da inserção de

temáticas africanas e afro-brasileiras no currículo, a historiadora Jussara França coordenou a

pesquisa denominada “Racismo na Escola- Linguagem do silêncio”. A pesquisa indica que a

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discriminação sofrida por crianças negras nas escolas está relacionada diretamente a evasão

escolar das mesmas, a pesquisa realizada em uma dezena de escolas durante três anos, revelou

traumas e uma profunda autonegação da parte de alunos negros em todas as escolas.

Outra pesquisa importante conduzida pela professora Vera Moreira (1994) expõe

resultados sobre preconceito racial na escola, um trabalho financiado pela Fundação Ford e

pelo Centro de Estudos Afro-Asiáticos no âmbito do centenário da abolição em 1988. Mesmo

direcionada ao Rio de Janeiro, a pesquisa de Vera Moreira Figueira abrangeu a visão do

aluno, a visão do professor e livros didáticos, nos interessa destacar alguns aspectos

destacados pela autora sobre o livro didático. Em primeiro lugar, a interpretação do livro

didático enquanto um instrumento formador da memória, a função das imagens no processo

de formação da memória, e a existência de intencionalidades nas mensagens dos conteúdos,

com sérias consequências psicológicas e políticas para os estudantes. A autora salienta os

efeitos do racismo nos livros didáticos na esfera psicológico-identidade (FIGUEIRA, 1994,

pág. 55): De um ponto de vista psicológico, o livro didático funciona como um agente de

destruição da identidade do sujeito negro, do mesmo modo que confirma no branco o

sentimento da supremacia de sua raça.

No âmbito da identidade, a Prof.ª Maria José Lopes da Silva denomina como uma

verdadeira guerra o racismo na educação brasileira, afirmando que esta guerra:

Vem matando paulatinamente a personalidade do negro, sua dignidade, sua

identidade, destruindo suas raízes e tradições e seus próprios projetos de futuro,

lançando-o e a seus descendentes numa vida sem história e sem perspectivas de mudança. Foi o que sucedeu quando foi transplantado para as Américas. Atacado em

sua personalidade, ele perdeu, em parte, a identidade, tornando-se presa fácil nas

mãos daqueles que o exploravam continuamente. (SILVA, 1994, pág. 15)

De acordo com a reflexão da prof. Petronília Beatriz, a anterioridade civilizacional

africana proveu ao continente tradições educacionais desqualificadas pelo racismo. Neste

sentido, a professora entende que são fundamentais estudos e pesquisas que possam cruzar

informações sobre educação e currículo na diáspora e no continente africano. O arquipélago

do Cabo Verde localizado na Costa Oeste africana é a nossa referência para desenvolver estes

estudos e cruzar informações.

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5.2 Mestiçagem, neocolonialismo e educação: lógica do eurocentrismo curricular

Cabo verdiano

O povoamento das ilhas de Cabo Verde foi iniciado em 1460, através de violência

física e cultural do desterro das populações da região da Guiné, que povoaram primeiramente

a parte sul do arquipélago, região Sotavento- o norte do arquipélago foi posteriormente

povoado e denominado Barlavento. Para o sociólogo José Carlos dos Anjos (2002) a elite

intelectual cabo-verdiana desde o século XIX ocupou um espaço de mediação e formulação

da identidade nacional. Uma identidade mestiça baseada no racialismo evolucionista de

Darwin, traduzido na supervalorização material e cultural da Europa e do Branco enquanto

modelo, nas palavras de José Carlos dos Anjos (2002, pág. 26):

A trajetória ascendente dos intelectuais, desde os fins do século passado,

fundamenta-se no acesso limitado às instâncias de importação de modelos e diálogo

com a intelectualidade das metrópoles. Resumindo, até fins do século XIX, a

sociedade colonizada cabo-verdiana se estruturava sob a dominação racial de uma

minoria branca sobre a maioria negra da população.

Segundo Anjos (2002) e Alfama (2009), a partir da década de 1930 a elite intelectual

cabo verdiana apropriou-se do discurso luso-tropicalista-brasileiro, como uma espécie de

revigoramento das já instaladas ideologias de superioridade racial e apologia à miscigenação,

eugenia. Entre as décadas de 1930 e 1960 o maior movimento literário do país foi a

Claridade, que até mesmo pelo nome já conota a perspectiva de branqueamento no

pensamento e postura intelectual na colônia. O movimento defendia uma valorização da

mestiçagem através do que veio a se chamar “criolidade” e “morabeza”que correspondem à

ideia de “cordialidade brasileira”. Destacamos abaixo a análise de José Carlos dos Anjos

(2002, pág. 131) sobre esta relação entre Brasil e Cabo Verde no âmbito da identidade a partir

da década de 1930:

Os intelectuais cabo-verdianos reapropriaram-se do discurso colonial português que

concebe a província num papel geoestratégico (sobretudo para a navegação) entre o

Brasil, a Europa e a África, para reformulá-lo em termos culturais. O que Cabo

Verde, uma pobre província, tem a oferecer ao domínio colonial? Como se os

intelectuais cabo-verdianos da década de 1930, sob uma estratégia que consolida sua

posição de grupo e reforça o discurso ideológico da colonização, oferece a cultura

cabo-verdiana como modelo, à vanguarda de um processo de luso Áfricanidade. Na

verdade, uma cópia do mito brasileiro da mistura e ajustamento racial. Toda a afinidade ideológica se estabelece entre ideólogos do nacionalismo brasileiro, os

intelectuais portugueses engajados na colonização e os intelectuais cabo-verdianos.

Aqui, José Carlos dos Anjos nos apresenta com nitidez os fundamentos de um

processo de construção da identidade cabo-verdiana, a partir da exportação de um modelo

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indenitário criado no Brasil. O autor também nos concede uma importante dos intelectuais

colonialistas na articulação destas ideias. E neste sentido, Gilberto Freyre foi um dos maiores

entusiastas da eugenia enquanto caminho para a construção de uma identidade mestiça no

Brasil na primeira metade do século XX. O trabalho de Gilberto Freyre foi consagrado a partir

de década de 1930 com o livro Casa Grande e Senzala, em que o autor defendeu a brandura

do regime de trabalho escravo no Brasil – capaz de integrar africanos e europeus em um

circulo de cumplicidade permeado por sexo e trocas culturais.

Na perspectiva de Gilberto Freyre, a relação de cumplicidade entre portugueses e

africanos no Brasil foi determinante para desencadear um processo de miscigenação em larga

escala no país. A miscigenação, em Freyre, é um aspecto de diferenciação entre a colonização

portuguesa- vista como branda- e a colonização inglesa, observada como racista e

extremamente violenta. Por essa visão amena e distorcida do processo colonial português,

entendido por nós como genocida. Na década de 1930 Gilberto Freyre torna-se uma referência

para os intelectuais cabo-verdianos, segundo José Carlos dos Anjos (2002), Freyre era tido

nos meios intelectuais como o “messias brasileiro”.

No ano de 1951 Gilberto Freyre visitou o arquipélago de Cabo Verde sob uma grande

expectativa da intelectualidade cabo-verdiana, no entanto ao participar de programas de rádio

e palestras, Gilberto Freyre decepcionou intelectuais do movimento da Claridade, como o

escritor Baltasar Lopes. Na perspectiva de Gilberto Freyre a sociedade cabo-verdiana possuía

características muito distintas do Brasil, e por isso suas teorias sobre miscigenação não eram

cabíveis naquele contexto. Nas palavras do próprio Gilberto Freyre:

A estabilização cultural de uma gente que, procurando ser europeia, repudia as

origens africanas e encontra-se, em grande número, em estado ou situação precária

de instabilidade cultural e não apenas econômica. Instabilidade cultural de que são

indícios: por um lado, o uso generalizado, pelos ilhéus, de um dialeto; e, por outro

lado a ausência, entre esses mesmos ilhéus de artes populares em que se exprimisse

uma saudável interpenetração das culturas que neles se cruzam. (FREYRE, opcitp

250, apud ELIAS ALFAMA, pág. 141)

Na nossa compreensão desses comentários de Freyre, é que o mesmo via que o

processo de miscigenação deveria avançar mais para se adaptar ao lusotropicalismo,ou seja,

Cabo Verde precisava ser mais desafricanizado. De 1939 a 1942 Freyre foi convidado pelo

governo colonial português de Salazar para visitar as suas colônias no continente africano. De

acordo com Abdias Nascimento (2001) um dos propósitos das visitas de Freyre foi a

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formulação em Angola da lei do indigenato, uma espécie de versão portuguesa do sistema sul-

africano do apartheid.

Sob o contexto das independências africanas, a partir da década de 1950 as

perspectivas sobre a relação colonial entre Portugal e Cabo Verde começam a tomar uma

nova conotação crítica nos meios populares. Jornais e organizações de contestação começam a

tomar uma dimensão ampla no arquipélago, os abusos coloniais e tornaram-se cada vez mais

agudos e o nacionalismo ganha força entre a população local e estudantes em intercambio que

começam a se organizar com estudantes de outras colônias como São Tomé e Príncipe,

Angola e Moçambique.

Como vimos no terceiro capítulo esta dissertação, o PAIGC iniciou no sul de Guiné

Bissau os primeiros combates armados para libertação de Guiné Bissau e Cabo Verde, neste

mesmo ano começam os estudos do PAIGC sobre as possibilidades de programar a luta

armada nas ilhas. Após grande parte da luta armada ter reconquistado o território de Guiné

Bissau do domínio colonial português entre 1963 e 1972, Amílcar Cabral foi assassinado em

uma emboscada da PIDE em Guiné Conacri. Amílcar Cabral demonstrou preocupação com a

burguesia local como mediadora da estrutura colonial, o que podemos ler como a raiz das

elites analisadas por José Carlos dos Anjos. Cabral também criticava a atitudes de soldados

que agiam como militares, apenas seguindo regras, em sua opinião a militância era mais

eficaz, pois exigia a utilização do intelecto.

A independência em Guiné Bissau e Cabo Verde entre 1973-1974 consolidaram-se de

forma frágil, talvez para Cabo Verde mais ainda devido à falta de estruturas internas para uma

maior autonomia. De toda forma, o arquipélago de Cabo Verde, na nossa percepção,

estabeleceu uma rede de parcerias, numa espécie de política externa mestiça, ou seja, uma

politica internacional que aceitou fazer parceiras com Portugal, África do Sul, Cuba, Estados

Unidos e União das Republicar Socialistas Soviéticas (URSS).

Com o advento das independências africanas tardia, como no caso das colônias

portuguesas, as problemáticas no campo de ensino estavam entre os grandes desafios para

estruturação dos novos Estados. Em comum aos países africanos do pós-independência foi à

importação de modelos de governação ocidentais de tendência capitalista ou socialista. No

caso do Cabo Verde, de acordo com José dos Anjos (2002) a opção foi por uma democracia

participativa com uma correspondência remota com o modelo soviético, em um momento

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entre 1975 e 1980 denominadas primeiras república, conduzida a maior parte do seu tempo

pelo regime mono- partido único PAIGC-PAICV, ou Partido Estado. A partir de 1990, Anjos

(2002) explica que teve inicio a Segunda Republica marcada pelo encerramento do sistema de

Partido Estado e pela administração neoliberal do Movimento para Democracia (MPD).

Desde 1975, o partido único fundamentou-se na fusão binacional Cabo Verde – Guiné

Bissau. Mas esta fusão foi objeto detenção em Cabo Verde. Setores das elites entendiam que

havia uma tendência dentro do PAIGC de supervalorização dos combatentes das matas da

Guiné Bissau, em detrimento aos combatentes clandestinos de Cabo Verde na época da luta.

Nesse sentido, a cisão entre duas tendências tornou-se cada vez mais latente entre a defesa de

uma “identidade mestiça cabo-verdiana” e uma “identidade africana guineense”.

A crise do bi nacionalismo chega ao seu ponto crucial com o golpe de Nino Vieira em

Guiné Bissau no ano de 1980. Nino Vieira foi o primeiro ministro de Guiné Bissau através de

um golpe de Estado que depôs o presidente Luís Cabral (irmão de Amílcar Cabral), esta crise

constitui o fator decisivo para a Segunda Republica. O Golpe de Estado em Guiné Bissau

serviu como espaço propício à ala caboverdiana dirigente do PAIGC para se afastar da

Unidade com Guiné Bissau, inclusive não cumprindo com os acordos que asseguravam uma

espécie de retaguarda Militar em risco de ataques a soberania, foi nesse contexto que se criou

o Partido da Independência de Cabo Verde PAICV. Segundo Anjos (2002, pág. 227):

Fica Claro que a parte cabo-verdiana tinha outros grandes interesses além da

unidade e que de certa forma ficavam embaraçados pela unidade: o da reconciliação

da elite política com a elite intelectual maldita que promovera a tese de mestiçagem e não acreditava na Áfricanização do país.

Como vimos, o princípio racista da identidade cabo-verdiana foi formatado durante o

movimento Claridade, esse principio baseou-se em ideologias racistas como a existência de

uma “inferioridade tribal” de Guiné Bissau e “superioridade intelectual de Cabo Verde”

segundo José dos Anjos. Tal perspectiva foi alimentada nas argumentações em defesa da

separação entre Guiné Bissau e Cabo Verde. O prof. Elias Alfama faz uma avaliação

pertinente da transição entre o regime colonial e a independência em Cabo Verde a partir da

perspectiva de continuidades e descontinuidades na estruturação e funcionamento da

sociedade. Alfama (2008) entende que as continuidades foram diminutas, resguardadas ao

encerramento da administração colonial portuguesa, e de novas políticas de cooperação

internacional com países como Holanda, Brasil e Estados Unidos, por exemplo. As

continuidades foram inúmeras, primeiramente em relação à permanência do esgotamento do

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solo e sub-aproveitamento das capacidades pescatórias, influenciando a dificuldade de

produção de alimentos, exportação e um processo intenso de migrações populacionais em

busca de melhores condições socio-econômicas.

No campo cultural-político, o prof. Elias Alfama (2008) também observa uma forte

continuidade da influência portuguesa, uma vez que as elites cabo verdianas se identificavam

com Portugal, e foi nesse país europeu que os governantes adquiriram a base de sua formação.

Como consequência previsível, o ensino também apresentou seus laços de continuidade com o

período colonial, a partir de 1975 coube ao ministério da Educação e Cultura e ao Ministério

da Saúde a Assuntos Coloniais a responsabilidade sob a educação em Cabo Verde. Poucas

foram às mudanças estruturais e segundo avaliação de Alfama, as educações nos primeiros

anos de independência entrou em uma fase estática no que diz respeito a reformas e

mudanças. Nas palavras de Elias Alfama (2002, pág. 253) sobre a estrutura colonial de

ensino, temos:

No período colonial, a pedagogia utilizada, o conteúdo das disciplinas, o objetivo da

educação e a utilização do português como língua veicular do ensino, transformando

a escola num espaço de legitimação de diferenciações entre grupos oriundos dos

diferentes quadrantes da sociedade, assim como reforço da situação de subjugação

da maioria por uma pequena elite.

A estrutura de ensino em Cabo Verde, em níveis, entre 1958 e 1973 dividia-se em

Ensino Primário (EP), Ciclo Preparatório (CP), Ensino Liceal (EL), Ensino Técnico

Profissional (ETP), Ensino Eclesiástico (ECL) e Ensino Normal (EN). Em 1975 no pós-

independência o ensino passou para uma estrutura de Educação Pré-escolar não obrigatória,

Ensino de Base: básico elementar EBE – Básico complementar EBC Ensino Secundário e

Secundário Geral ESG – Ensino Secundário Complementar.

Livros escolares com grande ênfase na história lançados pelo Ministério da Educação

e Cultura como a “Coletânea de Textos de Português” para o primeiro ano do ensino

secundário. Muitos materiais expressam o momento educacional de inserção de valores e

fatos inerentes à independência do Cabo Verde, a Unidade com Guiné Bissau, mensagens de

lideranças africanas, cultura e conhecimentos gerais de ciência e tecnologia. Entretanto,

mesmo com o discurso de ruptura com as determinações educacionais do regime colonial, dez

anos após a independência o ensino em Cabo Verde continuou desconectado da realidade

cultural, geografia e humana local, na perspectiva de Alfama (2008).

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Questões objetivas como a integração entre Escola e vida da comunidade, Escola e

mundo do trabalho ficaram apenas no plano teórico. Este distanciamento gerou consequências

diretas sobre a identidade cultural, tornando-a confusa e tencionada pela unidade política

binacional Cabo Verde Guiné Bissau institucionalizada pelo PAIGC.

Em um plano geral, Alfama (2008) propõe uma análise trifásica de reestruturação do

sistema de ensino em Cabo Verde entre as décadas de 1970 e 1990. A primeira fase entre

1975 e 1980 diz respeito à massificação do ensino caracterizada pelo aumento de efetivos e

uma grande carência infraestrutura, exemplificada pela ausência de pré-escolar por falta de

profissionais qualificados. Para o ensino básico logo após a independência foi criado na

cidade da Praia – Santiago, capital, um curso para formação de professores voltada

exclusivamente para o ensino secundário, mas no geral, a formação profissional ainda

continuou sendo um problema. Observamos nesse sentido que foram recorrentes as

requisições de cooperação com Portugal para formação de professores, algo que

indubitavelmente comprometeu a formação qualitativa desses profissionais.

A segunda fase percorre a década de 1980, e é composta por um período de

ajustamentos em um sistema educacional desequilibrado pelo apelo governamental a

educação e ao mesmo tempo falta de formação profissional e infraestrutura precária, de

acordo com Alfama (2008). Os ajustamentos, ou tentativas de ajustes, foram coordenadas por

reformas denominadas Planos Nacional de Desenvolvimento (PND) I e II. O PND I está

inserido na segunda fase proposta por Elias Alfama, e dentro de uma perspectiva de

valorização dos recursos humanos e democratização do ensino. O PND I em operação entre

1982 e 1985 teve como objetivo central eliminar as marcas do colonialismo para a criação de

um desenvolvimento amplo e independente.

Na aplicabilidade com o PND I constataram-se contradições graves entre o discurso

governamental de ruptura e a situação do sistema educacional, mais diretamente para o Ciclo

Básico, Secundário e Secundário Liceal. Dentre as problemáticas, Alfama (2008) cita algumas

de cariz mais emergencial, como as de ordem financeira, que comprometeram as

infraestruturas de salas de aula, assistência alimentar, materiais pedagógicos e formação de

professores. No sentido curricular, as mudanças foram muito tímidas, mas ocorreram nas

disciplinas de História, Geografia, Filosofia e Formação Política.

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Elias Alfama comenta que outros problemas de nível estrutural nas cidades, pois a

dificuldade das estradas e transportes públicos na Ilha de Santiago sacrificou a presença de

estudantes, aumentando índices de evasão escolar. Outro grave problema identificado por

Alfama foi à desconexão entre as diferentes áreas da educação tanto no nível Secundário

quanto no Técnico Profissional, na nossa perspectiva essa falta de dialogo interdisciplinar

esteve ligada a não oficialização do kriolo como língua nacional, que por questões de ordem

ideológica e política permaneceu marginal no currículo, no livro didático e na própria sala de

aula. Houve na época uma justificativa infame de que a oficialização do kriolo cabo-verdiano

como língua nacional, e do português como estrangeira, iria isolar Cabo Verde das relações

internacionais fundamentais para sua estrutura nacional.

O Plano Nacional de desenvolvimento II entre 1986 e 1990 insere-se na terceira fase

de estruturação do Sistema Educacional em Cabo Verde, dentro de um contexto nacional de

reforma política, reforma da função publica, reforma educacional e reforma econômica. Os

objetivos desta terceira fase de estruturação foram direcionados a uma nova dinâmica

educacional integrada as mudanças de nível nacional e internacional, o que por si só tornou-se

um desafio para um regime de partido único. O II PND teve como metas centrais melhorar o

ensino básico, tornar a escolaridade obrigatória a partir dos seis anos, a redução do

analfabetismo, a ampliação do sistema extra escolar, a formação profissional, a articulação

escola-comunidade e a escola, o desenvolvimento socio econômico, a democratização ao

acesso ao ensino, principalmente no secundário onde as discrepâncias sociais eram mais

evidentes. Todavia, Elias Alfama comenta que os problemas estruturais inviabilizaram as

metas ou objetivos educacionais do II PND.

Os dois primeiros congressos do PAICV foram nos anos de 1977 e 1987, e no ano de

1988 foi realizado o III Congresso, em que a temática educacional recebeu atenção destacada

no evento em meio a um contexto curricular de programas euro centrados. O discurso e cunho

radical do PAICV no III Congresso previa a valorização das capacidades físicas, intelectuais e

espiritual complementar a educação física e patriótica com base nas diretrizes do Estado.

Entretanto, o ensino de História, por exemplo, persistia em iniciar a história do Cabo Verde a

partir da colonização, concordamos com que essa postura foi um nítido distanciamento da

“reafricanização de espíritos” proposta por Amílcar Cabral (1978, pág. 283):

O sistema escolar foi-se configurando, cada vez mais, como uma forma de

esgarçamento dos alunos e seus familiares das suas raízes e estando afastados dos

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seus contextos não têm condições de produzir argumentos em relação às formas de

poder vigentes, concentrados em mãos de uma pequena minoria.

As consequências para Cabo Verde da inexistência de uma revolução cultural capaz de

destruir uma identidade nacional racista baseada na mestiçagem esteve enraizada nas próprias

posturas dos dirigentes do PAICV, que se voltou em conciliação aos ideólogos da Claridade.

A reabilitação da Claridade que na época das lutas de independência era muito criticado foi

uma marca de convergência para o PAICV no encerramento do ciclo monopartidário, e para a

ala neoliberal entre as elites que estruturou o Movimento para Democracia, o MPD. Neste

contexto, a identidade racial miscigenada já estava posta como fato consumado e irrevogável.

A Ilha de Santiago – capital- foi simbolicamente um ícone referencial de cultura e

fenótipo de resgate da identidade nacional africana reverenciada pelo PAIGC. Conforme

explica Anjos (2002), Santiago tornou-se o sentido de uma direção africana para o

arquipélago, e palco de diversas disputas internas para a condução do país, principalmente nas

divergências quanto o regime monopartidário. Segundo José Carlos dos Anjos, o

nacionalismo africano vacilou por dedicar-se a autonomia política e negligenciar a revolução

cultural (língua, códigos burocráticos e políticos).

Na década de 1990 tem inicio a Segunda Republica de Cabo Verde, favorecida pela

decadência do modelo soviético, a ala neoliberal outorgou-se da importação de modelos

democráticos, que nada mais foram que uma inserção sistemática do país em um jogo de

subserviência ao imperialismo euro-norte-americano. O MPD programou uma série de

políticas de desafricanização dos pais, mudança dos nomes africanos de ruas, bandeira e hino,

um sutil e constante distanciamento de outros países africanos, aproximação maior com

Portugal, investimentos no setor de turismo, privatizações e cooperação internacional em

todos os serviços públicos. José Carlos dos Anjos apresenta um interessante perfil das elites

no final da década de 1990:

Em fins do século XX Cabo Verde é uma sociedade estruturada sob a dominação de

elites que, pela manipulação dos códigos político-culturais ocidentais, fazem a

mediação entre o sistema internacional e a população local. Desaparecem

internamente as contraposições assentes em critérios raciais e, ou étnicos, ao mesmo

tempo em que se reforçam as distancias culturais, não mais se diferenciando grupos

étnicos, mas criando-se elites destacadas pelo desempenho e manipulação dos

códigos dominantes ocidentais, (ANJOS, 2002, pág. 214).

A Reforma Educacional de 1990 assumiu duas vertentes, uma estrutural sob o ensino

básico e ensino complementar, e uma vertente de ordem pedagógica. A vertente estrutural

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preocupou-se diretamente com problemas alarmantes de evasão escolar e da falta de

articulação entre o ensino básico e secundário, seguida por preocupações como a aproximação

entre escola e mundo do trabalho, inserção de novas disciplinas e métodos de trabalho,

principalmente no ensino secundário, mais deficitário. A segunda vertente atuou sobre duas

problemáticas centrais, a falta de qualidade no ensino e a continuação dos estudos no ensino

secundário para aqueles que encerravam o ciclo básico.

Os principais obstáculos da Reforma de 1990 foram à falta de profissionais

qualificados, a importação de livros didáticos a altos preços, falta de laboratórios para estudos

de ciências e conteúdos distantes da realidade local e nacional. Algumas das necessidades

centrais constatadas pela reforma encontravam-se na inexistência da interdisciplinaridade, de

flexibilidade entre entradas e saídas, da formação técnica, distanciamento em relação ao

mercado de trabalho, e acesso a tecnologias de informação. A lei número 103-III-90 tinha

como objetivo sanar problemáticas inerentes ao sistema educacional, entre outras as

anteriormente comentadas. Artigos como o 10º demarcavam a importância da educação

integral universalista, consciência ética, cívica e de unidade nacional.

A Reforma de 1990 precisou assumir como propósitos a formulação do pensamento

sociocultural, análise e reflexão sobre historicidade, formação do estudante também para

atender o mercado de trabalho, a promoção da ciência e da pesquisa. Na perspectiva de Elias

Alfama (2008) os interesses internacionais estão nas raízes mais profundas dos obstáculos à

Reforma. Entretanto, na análise de Alfama a dificuldade da Reforma de 1990, mesmo com

índices, constatações e metas não conseguiram levar ao nível prático as mudanças se deu pelo

fato da mesma ser dirigida por grupos hegemônicos na direção do país.

Fortemente influenciada por objetivos político-partidários, a reforma de 1990 foi

pensada para enraizar na cultura cabo-verdiana perspectivas evolutivas, de estilo

eurocêntrico, ignorando problemas que reformas realizadas outrora- período colonial-não considera, pelo menos em sua essência, obstando a superação de

questões que afligiram e ainda afligem populações cabo-verdianas. (ALFAMA,

2008, pág. 306).

Elias Alfama recomenda a incorporação de metodologias e materiais didáticos

condizentes com a realidade do país, pois os mesmos permanecem nitidamente

eurocentrados. No ano de 1990 ocorreu a primeira Reforma Educacional propriamente dita

em Cabo Verde. As problemáticas, ou obstáculos encontrados pela reforma foram de ordem

socioeconômica completamente desfavorável, estruturas coloniais ainda vigentes, desajustes

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econômicos e demográficos entre ilhas, migrações intensas e o que o prof. Elias Alfama

denominou de “vazio de identidade histórico cultural”.

Este vazio, muito bem observado pelo professor, possui relação direta a qualidade

desfavorável do ensino de história, mas também, sob nossa perspectiva, a permanência da

ideologia racista de uma identidade mestiça. As ideologias de apologia à miscigenação

difundiram-se por todos os meios de comunicação, religião, cultura, idioma e sistemas de

educação, no Brasil e no Cabo Verde. No campo educacional a apologia de uma identidade

mestiça incorporou-se ao perfil eurocêntrico das disciplinas, e de forma mais aguda no ensino

de história. A mestiçagem na sociedade brasileira, por exemplo, foi durante muito tempo uma

propaganda de democracia racial. Destacamos a reflexão de Cheikh Anta Diop sobre esta

questão:

Eu acredito que mestiçagem biológica, a mestiçagem cultural, elevada ao nível de

uma doutrina política aplicada a uma nação, é um erro que pode mesmo conduzir a

resultados lamentáveis. Eu creio que todas as nações devem cooperar no plano cultural, mas neste momento as expressões que empregarão são as de intercâmbio

cultural, não se deve ir além e criar uma doutrina da mestiçagem cultural ou

biológica. Isso pode levar em longo prazo, a uma crise de identidade dos indivíduos

e crise de identidade nacional, como parece ter ocorrido no Egito na baixa era... Eu

acredito que se devam deixar as relações prosseguir naturalmente e não pressionar

uma mestiçagem qualquer, o que é um erro político e que nada tem a ver com uma

abertura e o desenvolvimento de uma civilização multirracial (MOORE, apud DIOP,

2009, pág. 323)

A opinião de Cheikh Anta Diop traz os elementos fundamentais do que estamos

trabalhando em relação à lógica do racismo e a lógica do colonialismo no Brasil e no Cabo

Verde, a miscigenação enquanto doutrina política e a crise indenitária. Concordamos com

Diop que as relações humanas devem seguir seu caminho natural sem interferências

propagandistas. Observamos que as elites, tanto brasileiras quanto cabo-verdianas,

fundamentaram-se nesse erro de procurar uma formatação cultural e biológica através de

propagandas políticas de caráter racista.

Para começarmos a construir um pensamento crítico sobre o ensino de civilizações

africanas enquanto um referencial, e o diálogo entre países africanos e da diáspora, como

indicado pela Prof. Petronília Rodrigues, e a renovação de materiais didáticos comentados

acima por Elias Alfama, apresentamos uma breve crítica à forma pela qual as contribuições de

Cheikh Anta Diop foram percebidas e recebidas no contexto elitista cabo-verdiano e brasileiro

na década de 1980, quando foi lançada a História Geral da África.

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5.3 Brasil e Cabo Verde: civilizações e sabotagem a Cheikh Anta Diop

No mesmo ano de lançamento da História Geral da África foi publicado no Brasil o

livro “O Egito Antigo” do historiador Ciro Flamarion. O Egito Antigo é possivelmente a

primeira produção no Brasil exclusivamente sobre o tema. Ciro Flamariam apresenta um

material compacto e focado nos temas povoamento, economia e sociedade e vida intelectual

no antigo Egito. Este é um material interessante para entendermos uma face de construção

colonial eurocêntrica da história do Antigo Egito nas academias brasileiras. Na Introdução

(1982) é possível perceber algumas das tendências que delineiam o material, dentre as quais,

crítica ao Pan-africanismo, desqualificação do trabalho de Cheikh Anta Diop e tese sobre

origem e povoamento do antigo Egito não africano, tendo como referência a tese de

desenvolvimento hidráulico de Karl Marx.

No primeiro capítulo Ciro Flamarion (1982, pág. 22) dialoga com J. Vercoutter se a

tese de Karl Marx sobre a preponderância das técnicas hidráulicas como imperativo para

surgimento e unificação do Antigo Egito. Na perspectiva do autor, o sistema hidráulico é

resultado de um Estado, a base pela qual surgiu a civilização. Flamarion argumenta que o

povoamento do Egito (1982) ocorreu através de migrações de brancos do Saara para o Vale

do Nilo, e essa gênese originou uma população mestiça (branca-negroide-semita) e um grupo

linguístico hamita. Dentro dessa perspectiva Flamarion defende que a cor dos egípcios é um

fator sem importância. O autor faz uma análise sobre a participação de Cheikh Anta Diop e

Theóphile Obenga no Colóquio de 1974, alegando que:

Felizmente algumas vozes sensatas fizeram-se então ouvir. Mostrou-se absurdo

querer estabelecer correlações automáticas entre grupos étnicos, línguas e sistemas

culturais (a verdade é que termos como hamita e negroide, por exemplo, não

correspondem a conceitos claros). Foi lembrado também que o Egito, situado na

confluência da África e da Ásia, nunca esteve isolado, sendo inaceitável pretender

que sua população foi exclusiva ou predominantemente branca, tanto quanto negra,

já que tudo indica ter sido sempre muito mesclada, pelo menos desde o Neolítico. E

recordou-se que, no fundo, uma discussão abstrata sobre a cor da pele é bastante

irrelevante diante de questões bem mais importantes, como por exemplo, a necessidade de explicar descontinuidades e continuidades étnico-culturais em

distintas épocas no interior do Egito e entre o Egito e a Nubia. (FLAMARION,

1982, pág. 16)

Ciro Flamarion estabelece uma relação entre racismo e Pan-africanismo para criticar o

que ele entende como dogma lançado por Diop e Obenga, sua definição de Pan-africanismo é

de uma teoria com conotações sentimentais e políticas. No primeiro capítulo o autor considera

que os maiores legados da Mesopotâmia para o Antigo Egito foram às leis. A partir do

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segundo capítulo, a narrativa de Ciro Flamarion divide-se entre a preponderância

civilizacional do Delta para o Egito, a herança das técnicas da Mesopotâmia e o

distanciamento do Egito de outras regiões do continente.

A Nubia é apresentada como região para punição e aquisição de recursos naturais, e o

Alto Egito é praticamente ignorado na narrativa do autor. Em diálogo com os pesquisadores

europeus K. Wittfogel, J. Vercoutter e Karl Marx, o autor identifica o antigo Egito como uma

sociedade Pré-capitalista. No que se refere aos aspectos da vida intelectual, o pensamento no

Egito é considerado como pre-filosófico e mítico, em outras palavras, não havia razão e

ciência, mas empiria e fantasia. Sobre a cultura religiosa, ou espiritual, no antigo Egito, o

autor comenta que:

A um homem de hoje pode parecer incoerente e contraditório que o céu pudesse ser

descrito como uma vaca, como uma mulher, e ainda como um rio no qual navegava

o barco do Sol. Ou que Osíris – deus ligado à ideia do renascer, daquilo que morre e

volta a despertar – fossem associadas ao mesmo tempo as coisas tão diferentes

quanto à cheia do Nilo, que decorria dos humores que fluem de seu cadáver..., o

grão é enterrado e germina a lua com suas fases, e finalmente o Sol noturno que

atravessa o mundo subterrâneo (FLAMARION, 1982, pág. 44).

Sobre a língua, a escrita e literatura no Antigo Egito, o autor baseia-se no conceito de

“hamita”, que segundo ele mesmo não é nítido. Nesse tema todas as argumentações de origem

técnica fora do Egito são expostas. O calendário, por exemplo, é na visão de Flamarion uma

influencia grega de Ptolomeu. Na conclusão, o autor entende que o povoamento e criação do

Egito na antiguidade são o resultado do que Karl Marx e Frederik Engels denominaram de

modo de produção asiático, na perspectiva de Flamarion esta tese justifica-se na história do

antigo Egito pelas seguintes características do mesmo: ausência de uma comunidade e

aldeamento, a presença de Estado Despótico, a escravidão, a inexistência de comércio e a

tendência à estagnação.

O que Ciro Flamarion nos traz em O Egito é um conjunto de teses eurocêntricas e

completamente contrárias a todo o trabalho pioneiro de historiadores africanos de grande

estatura como Cheikh Anta Diop e Joseph Ki Zerbo. Ciro Flamarion nos deixa nítido que a

sua perspectiva é de desqualificação de intelectuais e Escolas africanas, o autor optou por

inventar que as participações de Diop e Obenga no Colóquio do Cairo foram um fracasso,

entretanto, segundo os próprios organizadores Obenga e Diop foram os mais bem preparados

pesquisadores no evento.

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O autor apoia-se nas teses sobre origem branca do antigo Egito de forma

completamente arbitrária e criminosa. Segundo Flamarion “povos brancos” do Saara foram os

fundadores do Egito. Mas quem eram esses povos? O autor não nos informa, mas afirma que

o Egito era mestiço em sua composição biológica e cultural, neste sentido a língua era semita,

o calendário grego e o conhecimento técnico da Mesopotâmia. Vemos aqui um Egito

completamente descontextualizado, desafricanizado e arrancado do continente africano.

acordo com nossos estudos nesta dissertação todos estes elementos que Flamarion

considera que chegaram ao Egito através do Delta, do Norte do Mediterrâneo e da Ásia são

falsos. De acordo com Cheikh Anta Diop, como vimos detalhadamente no Capítulo 4 desta

dissertação, o povoamento, a língua, a escrita a religião, a tecnologia e os calendários foram

criações milenarmente anteriores as civilizações da Grécia e Mesopotâmia citadas por

Flamarion. E se a cor da população do Egito realmente não fosse importante não haveria

porque dedicar à introdução um espaço para criticar o trabalho de Cheikh Anta Diop e afirmar

a origem branca dos antigos egípcios.

Quando Flamarion alega que para “A um homem de hoje pode parecer incoerente e

contraditório que o céu pudesse ser descrito como uma vaca, como uma mulher, e ainda como

um rio no qual navegava o barco do Sol” ele está pensando em seu grupo sociocultural cristão

ocidental, uma vez que em diversas expressões culturais e religiosas africanas e indígenas nas

Américas não há contradição ou incoerência nas descrições cosmológicas do céu enquanto um

ser divino e fértil, capaz de gerar a vida e alimentar a humanidade em seu ventre sagrado.

Na Metodologia Geral e no na Conclusão do Volume I da História Geral da África,

Joseph Ki Zerbo recomenda que a pesquisa histórica sobre o continente africano não deve

depender de teses e experiências externas, Ki Zerbo cita justamente a impropriedade das

teorias de como a de Karl Marx sobre o sistema hidráulico, pois como vimos no Capitulo

quatro tal experiência asiática é milenarmente posterior à civilização do Antigo Egito. A

partir deste panorama geral em O Antigo Egito podemos obter algumas tendências das escolas

coloniais reproduzidas no Brasil e que foram profundamente absorvidas por livros didáticos,

cursos de formação de professores e de graduação em História. Sem uma metodologia nítida e

fortemente calcada na supremacia branca .O livro O Egito Antigo enquanto livro de bolso e

produzido no Brasil tornou-se rapidamente Popular, uma distorção histórica que encontrou

terreno fértil no meio acadêmico brasileiro estéreo.

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Em relação ao Cabo Verde, no ano de 1983 a associação de imigrantes cabo-verdiana

denominada “Solidariedade Cabo Verdiana” fez uma publicação de textos e biografia em

homenagem a Pedro Monteiro Cardoso denominada Folclore Cabo-verdiano. Poeta cabo

verdiano da primeira metade do século XX, e militante das primeiras gerações preocupadas

com a secessão da dominação colonial. Pedro Cardoso nasceu na ilha do Fogo em 1890 e

faleceu na cidade da Praia em 1942. A Ilha do Fogo é tradicionalmente conhecida pelas fortes

tensões de tendência racial, aos dezesseis anos Pedro Monteiro assumiu o pseudônimo Afro, o

que foi na época e contexto um ato de identidade africana. Por volta de 1906 o Afro, Pedro

Monteiro, assinava seu primeiro soneto intitulado “Ao Egito” (MARGARIDO, apud DIOP,

1983, pág. XXXIV) :

Ao Egito

Egito! Berço de Isis Lacrimosa,

Do sacro Nilo de caudais enchentes:

Pátria dos Faraós armipotentes

E da Hipatia e Cleópatra formosa!

Se hoje a Tebas de portas cem, famosa,

Envolve o manto de areais candentes,

Ninguém inda os enigmas transcendentais! Ergue-te, pois! E o jugo anglo-otomano

Sacudindo, proclama soberano.

A tua independência ante as nações!

Que no halo envolto de uma gloria infinda,

Doa alto dessas Pirâmides ainda

Lança ao mundo rútilos clarões!

A introdução de Folclore Cabo-verdiano foi feita por Luiz Silva e prefaciada por

Alfredo Margarido. Chamou-nos atenção à análise feita por Alfredo Margarido sobre o soneto

“Ao Egito”, na sua perspectiva os afro-americanos envolvidos com o Pan-africanismo

mitificaram a história da África sem nenhuma legitimidade para tal, na concepção do crítico:

Estamos hoje em face de uma de formação da história cultural africana e afra americana que leva a maior parte das pessoas a aceitar a ideia de que a recuperação

do Egito pelos africanos se processou a partir da reflexão e da demonstração teórica

de Cheikh Anta Diopág. Trata-se de uma visão puramente francófona da situação,

visto esta revisão da história cultural do mundo, nas suas relações com o homem

africano, se elaborar graças aos afro-americanos E. W. Blyden, Casal Watford e

Carter G. Lodoso. (Margarido, 1982, pág. XXXV)

A posição arrogante, autoritária e reacionária de Alfredo Margarido é importante

porque nos revela algo que no campo literário intelectual era obscuro em relação a Cabo

Verde: a perspectiva das elites sobre a antiguidade africana e mais precisamente dos trabalhos

do historiador do país vizinho Cheikh Anta Diop. Negar a africanidade em Cabo Verde e as

Civilizações africanas fizeram, ou faz parte da formação intelectual portuguesa, ao mesmo

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tempo, a influência de Alfredo Margarido deu-se por uma das características da educação em

Cabo Verde, a propaganda de apologia à miscigenação como doutrina política

embranquecimento.

Para entendermos mais sobre o tema civilizações e Cheikh Anta Diop em Cabo Verde

consultamos o historiador guineense Peter Karibe Mendy. Na década de 1990 Karibe Mendy

assumiu em Guiné Bissau a presidência da maior referência educacional do país, o INEP –

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas. O Prof. Mendy produziu um excelente trabalho de

crítica à influência do colonialismo português nos estudos de História, principalmente através

do silenciamento e apagamento de Cheikh Anta Diop. Para o professor Mendy (1997) a

importância de Cheikh Anta Diop em Cabo Verde e Guiné Bissau se da pelas contribuições

aos estudos históricos e pela dedicação a construção de uma federação africana continental e

democrática, no caso da realidade neocolonial dos dois países os estudos sobre Diop

tornaram-se imperativos.

Refletindo sobre a observação do professor Mendy (1997) , entendemos que para a

ação neocolonial portuguesa sob o sistema educacional de suas ex-colônias, manter distante

dos currículos, programas e livros didáticos uns cientistas de múltiplas vertentes como Cheikh

Anta Diop distante foi mais que necessário, uma questão de segurança pública praticamente.

Se por um lado Nações Negras e Cultura subsidia uma nova compreensão sobre a origem da

humanidade e civilizações, Fundamentos econômicos para União Federal africana oferece

uma série de propostas para se repensar a marginalização das línguas maternas e políticas de

fronteira. O professor Karibe Mendy nos lembra de que originalmente o território atual de

Guiné Bissau, de onde foram arrancadas violentamente a população para ocupar Cabo Verde,

foi originalmente uma região ocupada por populações migradas dos Grandes Lagos e do Vale

do Nilo, essas populações edificaram importantes impérios Salesianos como Tukulor, Gana e

Mali (1997). Para o prof. Mendy o trabalho de Diop também foi de denúncia da

desonestidade e do colonialismo denro da historiografia (MENDY, 1997, pág. 18) :

Uma consequência significativa da marginalização histórica da África foi à

marginalização da sua contribuição para a civilização mundial. A importância do

professor Cheikh Anta Diop reside na sua enorme e bem sucedida luta contra a ardente crença dos historiadores europeus, sancionando a dominação colonial, de

que os africanos eram intrinsecamente incapazes de fazer história, ou de produzir

obras de arte extraordinárias, quanto mais conhecimento científico e know-how.

As elites africanas locais desprezavam o imperativo de uma federação pan-africano

democrático defendido por Cheikh Anta Diop e por Amílcar Cabral foi incapaz de impedir a

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desintegração política e as relações de dependência econômica e educacional de Guiné Bissau

e Cabo Verde com países europeus: O necessário trabalho de base para reduzir as distancia

e culturais, sarar velhas feridas e mudar enraizados preconceitos herdados da dominação

colonial não portuguesa não foi realizado de forma adequada e satisfatória (MENDY, 1997,

pág. 23).

Como salientamos em dialogo com o prof. Elias Alfama, o sistema educacional cabo

verdiano sofreu fortes impactos do autoritarismo das elites dirigentes de uma estrutura

neocolonial de governo no país. Os ideais pan-africanos lançados por Amílcar Cabral foram

transformados em palavras mortas de discursos, jornais e poesias saudosistas. A coragem e o

empenho pela libertação africana foram relegados ao conceito medíocre de “utopia”.

5.4 Década de 2000 – História da África

A luta pela história da África faz parte do histórico de atividades dos movimentos

sociais afro-brasileiros ( movimento negro) desde a primeira metade do século XX. De acordo

com Kabenguele Munanga (2008) iniciativas de educação e pesquisa no campo da história

africana foram articuladas no Rio de Janeiro e São Paulo durante as décadas de 1940 e

1950através doTeatro Experimental do Negro, do professor Abdias Nascimento, e do Teatro

Popular, de Solano Trindade. Entre o final da década de 1950 e 1960 o sociólogo Alberto

Guerreiro Ramos foi o maior articulador de diálogos com cientistas do mundo africano, como

Kwame Nkrumah e Cheikh Anta Diop, cujo trabalho de revisão histórica em Nações Negras e

Cultura foi incorporado como referencia ao livro introdução critica a sociologia brasileira, de

1956. Relata-nos o Henrique Cunha Jr. que durante a década de 1970 professores militantes

do movimento negro em São Paulo, inclusive ele mesmo, dedicaram-se a ensinar História da

África e criticar as distorções eurocêntricas. As críticas às distorções passavam pelos

seguintes termos:

O principal problema encontrado no processo de ensino e aprendizado da História

africana não é relativo à história e à sua complexibilidade, mas é com relação aos

preconceitos adquiridos num processo de informação desinformada sobre a África.

Estas informações de caráter racista, produtoras de um imaginário pobre e

preconceituoso, brutalmente erradas, extremamente alienantes e fortemente

restritivas. Seu efeito é tão forte que as pessoas quando colocadas em frente a uma

nova informação sobre África tem dificuldade em articular novos raciocínios sobre a história deste continente (CUNHA, 2002, pág. 58)

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Este contexto de críticas ao eurocentrismo na História narrado por Cunha Jr. foi

sistematicamente combatido por professores conscientes e organizações afro-brasileiras

comprometidas em todo o Brasil. Além das críticas ocorreram iniciativas voltadas à

renovação do conhecimento histórico africano durante a década de 1990. Perante um contexto

persistente de símbolos negativos sobre África vinculados por livros didáticos, jornais, rádio e

televisão, Cunha Jr. (2002, pág. 59) propôs naquele período cinco pontos fundamentais para a

desconstrução da imaginação sobre África selvagem e primitiva no Brasil:

1. A África não é uma selva tropical

2. A África não é mais distante que os outros continentes

3. As populações africanas não são isoladas e perdidas na selva

4. O europeu não chegou um dia na África trazendo a civilização

5. A África tem história e também tinha uma escrita

Entre diversas iniciativas de renovação do ensino de História da África desenvolvidas

na década de 1990 identificamos o 1º Fórum Estadual sobre o Ensino da História das

Civilizações africanas na Escola Pública. O Fórum foi realizado no Rio de Janeiro em 1991,

entre os meses de junho e agosto, pelo Instituto de Pesquisa e Educação Afro-brasileiro-

IPEAFRO, criado por Abdias Nascimento com o apoio de uma serie de militantes do

movimento negro em São Paulo, no ano de 1984.

O 1º Fórum sobre o Ensino de História das Civilizações africanas na Escola Pública

foi realizado nas dependências da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),

organizado pelo IPEAFRO em parceria com a Secretaria Extraordinária de Defesa e

Promoção das Populações Negras (SEAFRO). O IPEAFRO e o SEAFRO possuíam como

objetivo comum – de acordo com o documento do IPEAFRO (1991), integrar assuntos

africanos e afro-brasileiros ao currículo escolar, e formação de professores de escolas do

Estado do Rio de Janeiro.

O projeto assumiu uma perspectiva teórica interdisciplinar, a filosofia adotada para a

orientação do trabalho foi à visão Afrocentrada do conhecimento. A Afrocentricidade é uma

proposta criada pelo professor Molefi Kete Asante no final da década de 1960. Molefi Asante

é diretor do departamento de Estudos africanos da Universidade de Temple nos Estados

Unidos. Segundo a definição do autor (ASANTE, 2009, pág. 93):

A ideia afrocêntrica refere-se essencialmente à proposta epistemológica do lugar.

Tendo sido os africanos deslocados em termos culturais, psicológicos, econômicos e históricos, é importante que qualquer avaliação de suas condições em qualquer país

seja feita com base em uma localização centrada na África e em sua diáspora.

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Começamos com a visão de que a Afrocentricidade é um tipo de pensamento,

prática e perspectiva que percebe os africanos como sujeitos e agentes de fenômenos

atuando sobre sua própria imagem cultural e de acordo com os seus próprios

interesses humanos.

O conceito de localização citado pelo professor Molefi Asante é fundamental para a

Afrocentricidade. A localização refere-se ao lugar psicológico, histórico, individual ou

cultural de uma pessoa em relação a sua própria história, neste sentido a localização procura

identificar a posição central ou marginal do africano dentro e no centro de sua própria

história. A referencia da Afrocentricidade a africano diz respeito a todos os africanos nascidos

no continente e aos afrodescendentes no mundo.

Dentro da proposta do 1º Fórum, a Afrocentricidade foi utilizada para renovar e

valorizar a identidade africana no Brasil, combatida e discriminada pelo eurocentrismo, e – de

acordo com Larkin, para trabalhar pedagogicamente um conhecimento distinto do ocidental

europeu e analisar criticamente matérias, temáticas e currículos. Em minha opinião a

Afrocentricidade é de extrema importância para a desconstrução da miscigenação enquanto

doutrina politica, e para reconstrução da dignidade humana de todos nós que tivemos nossas

vidas, sociedades e projetos interrompidos pela escravidão e pelo colonialismo. Os conteúdos

sobre civilizações clássicos africanos propostos pelo Fórum para ações pedagógicas concretas

no ensino fundamental, médio e universitário referiram-se a (Larkin, 1994, pág. 35):

1. Ensino Fundamental: referencia às civilizações clássicas da África Antiga em

todos os contextos que abordam a antiguidade ou as origens das civilizações ocidentais (Grécia e Roma);

2. Ensino Médio: Implantação da Matéria História Geral das Civilizações africanas;

3. Cursos sobre as civilizações clássicas africanas da antiguidade ( Nubia, Meroé,

Axum, Egito) como fonte dos fundamentos científicos e filosóficos das civilizações

clássicas greco-romana, e sobre sua presença e participação na Antiga Europa, Ásia

e América.

O relatório do 1º Fórum sobre o Ensino de História das Civilizações africanas na

Escola Pública foi publicado em 1994 pela SEAFRO, cujo coordenador na época era

Nascimento. Através do Partido Democrático Trabalhista (PDT) Abdias Nascimento assumiu

como suplente o cargo de Senador da Republica entre 1996 e 1999. Enquanto Senador,

Abdias trabalhou no parlamento em projetos de lei direcionados a introdução das civilizações

africanas no currículo escolar, a exemplo do Projeto de Lei No 75 de 1997: II- Incorporar ao

conteúdo dos cursos sobre história geral o ensino das contribuições positivas das civilizações

africanas, particularmente seus avanços tecnológicos e culturais antes da invasão europeia

do continente africano. (NASCIMENTO, 1997. pág. 59).

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No final da década de 1990 o governo brasileiro iniciou os preparativos para sua

participação na III Conferencia Mundial das Nações Unidas contra o Racismo, a

Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada na cidade sul-africana

de Durban, entre 30 de agosto e 7 de setembro de 2001. O governo brasileiro organizou uma

série de seminários durante o ano de 2000, objetivando construir uma agenda de discussão na

Conferência Mundial na África do Sul.

A partir de Durban foi desenvolvido um programa de ação, um dos itens do mesmo

foram as Políticas de Educação, que incorporaram programas especiais para o ingresso de

negros e índios na pós-graduação universitária e a obrigatoriedade do ensino de História e

cultura africana e afro-brasileira no currículo escolar nacional, através da Lei 10639-3. No ano

de 2004 foram lançadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações

Étnico Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e africana (DCN). Entre

uma série de orientações, o DCN indica o ensino de clássicos da história e da historiografia,

especificamente a vida e obra Cheik Anta Diop, assim como as contribuições do antigo Egito

para a ciência e filosofia ocidentais.

A partir da lei 10.639-3 e do DCN, uma série de eventos sobre a história da África de

nível nacional e internacional foram realizados no Brasil por instituições não governamentais,

instituições do governo, centros de pesquisa e Universidades. Destacamos aqui dois daqueles

que tiveram sessões especiais voltadas à história das civilizações africanas, a II Conferência

de Intelectuais da África e da Diáspora em 2006 (II CIAD) e os dois Colóquios sobre a

Presença Global africana e Ensino da História da África e Diáspora organizados em 2008 e

2009 no Rio de Janeiro e em Brasília pelo Centro das Artes e Civilizações Negro-africanas da

Nigéria (CBAAC).

O II CIAD foi realizado em Salvador entre 12 a 14 de julho de 2006 com o tema A

Diáspora e o Renascimento africano. O evento foi o primeiro evento de grande porte após a

lei 10639-3 e do DCN, e reuniu uma gama de organizações, intelectuais, políticos e temáticas

em mesas e Grupos de Trabalho sobre Perspectivas da Juventude na África e na Diáspora,

Economia e sociedade na África e na Diáspora, Perspectivas da cooperação na área da saúde

entre outros. O tema do Grupo de Trabalho número 12 foi A Contribuição da África para a

Civilização, dividido em dois blocos, o Bloco-A tematizou “O legado das antigas civilizações

africanas”, e contou com as participações de André Salifou (ex-Ministro das Relações

Exteriores -Niger), Berhanou Abebe da Comissão Econômica da ONU para a África- Etiópia,

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Cheikh Mbake Diop (historiador –Senegal, filho de Cheikh Anta Diop), Dudley Thompson

(historiador e diplomata -Jamaica), Elisa Larkin Nascimento do IPEAFRO - EUA/Brasil,

Molefi K. Asante do Departamento de Estudos africanos, Temple University - EUA e

Oyeweso Siyan da Universidade Federal de Lagos -Nigéria.

No Bloco A as principais questões debatidas foram sobre a falsificação da história e a

apropriação eurocêntrica do antigo Egito e outra questão de suma importância, a tendência da

educação europeia em estabelecer uma relação triangular entre a raça, inteligência e

civilização. De acordo com o relator Eddy Maloka, Diretor da África Institute of South África

alguns dos participantes fizeram menção ao discurso afrocentrico como um imperativo para a

reescrita da história da África.

Os palestrantes advogaram a necessidade de se retomar a obra de Cheikh Anta Diop

como referencial para uma nova forma de se fazer ciência no continente africano e na

diáspora. Palestrantes também expuseram o legado das civilizações africanas nas áreas de

ciência, língua, religião, cultura, etc. Outra questão muito debatida no Bloco foi à urgência da

inclusão nos currículos escolares da história dos povos africanos e da diáspora interligada

diretamente ao combate ao racismo.

O CBAAC realizou na década de 2000 dois Colóquios no Brasil, o primeiro em 2008

com o tema Ensinando e Propagando a História e a Cultura da África na Diáspora e da

Diáspora na África – entre 10 e 14 de novembro na Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

O segundo foi realizado em Brasília em 2009 de 9 a 13 de novembro sobre o tema: O Ensino

e a Divulgação da História e Cultura africanas à Diáspora e Ensino da História e Cultura da

Diáspora à África. O encontro de 2008 contou com grandes nomes da historiografia como

Runoko Rashid dos Estados Unidos, Bahru Zewede da Etiópia e Doulaye Konate do Mali.

No campo da antiguidade africana contou com os trabalhos do professor Kimani S.K.Nehusi

da Universidade de East London (Londres), Mukasa África da Filadelfia (EUA) e Ras E.S.P.

Mc Persson da Filadélfia ( EUA).

Um dos trabalhos mais impactantes no campo da história antiga foi do prof. Kimani

S.K. Nehusi sobre o sistema de educação no antigo Egito. O trabalho tratou de uma forma

panorâmica as origens do sistema educacional do Egito, a linguística, as instituições e o

trabalho dos escribas, os estudantes e material pedagógico, educação e gênero, o lugar dos

professores-mestres, o currículo e a metodologia de ensino.

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Em seu trabalho, o prof.Kimani (2010) apresentou com foi o detalhes as instituições

de estudos avançados no Antigo Egito denominadas Hersetha que significa “professores dos

mistérios”, onde eram ensinados conhecimentos divididos em departamentos de astronomia e

astrologia, geografia, geologia, filosofia e teologia, lei e comunicação. De acordo com Kimani

Nehusi estas instituições em sua grande maioria foram destruídas nas seguidas invasões do

Egito por europeus, asiáticos e árabes.

No ano de 2010 o Ministério da Educação em parceria com a Universidade Federal de

São Carlos e UNESCO realizaram o relançamento da História Geral da África em versão

material e eletrônica, o que desde então tem possibilitado o acesso ao vasto conteúdo dos oito

volumes da obra. Alguns dos Volumes foram alterados com apêndices, como o Volume II,

que na versão de 2010 apresenta o resumo do Colóquio da UNESCO sobre o Povoamento do

Egito e Decifração da Escrita Meroíta, realizado no Cairo em 1974.

5.5. Pesquisa Militante

Optamos por um trabalho de pesquisa militante, sobre as civilizações africanas nos

livros-manuais didáticos e a utilização da História Geral da África. Militante no sentido

empregado por Amílcar Cabral (1978) de não nos limitarmos a parâmetros fechados e

preestabelecidos, típicos do trabalho acadêmico, quase que militarizado por conceitos e

práticas distantes da realidade.

Antes de iniciarmos nosso trabalho de campo pré-determinamos que fossem

entrevistar dezenas de professores, percorrer diversas escolas e recolher uma quantidade

elevada de livros-manuais didáticos de história. Na prática percebemos que nosso

planejamento inicial não condizia com a disponibilidade dos professores, que as escolas não

estavam abertas a nossa presença e que o universo de utilização dos livros didáticos é de

grande complexibilidade que nosso trabalho não termina nesta dissertação.

Nossa militância, neste sentido, foi de estabelecer um conjunto de categorias –

enquanto referenciais básicos e nos abrirmos ao que os professores tinham a nos oferecer a

partir de suas próprias vivências e reflexões. Foi a partir do contato com os professores que

tivemos acesso as escolas, aos seus programas e aos livros didáticos utilizados pelos mesmos,

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e não simplesmente a partir do que nós resolvemos investigar. Na verdade todo o trabalho de

campo esteve permeado pela troca, pelo diálogo e respeito.

O que percebemos como elementos realmente decisivos para a realização do trabalho

de campo foram à superação de (aparentes) obstáculos culturais e a construção de uma

proposta de contribuição final. Em síntese, o nosso propósito central com esta pesquisa de

campo identificar problemas relacionados ao material utilizado no ensino de história e propor

soluções para superação da mesma.

A superação a qual nos referimos, é a ruptura com a chamada barreira linguística,

Cabo Verde é um país africano que possui uma língua africana (denominada kriolo

caboverdiano). Não consideramos o kriolo caboverdiano um obstáculo, mas uma ponte de

troca e acesso ao cotidiano africano em Cabo Verde, por isso nossas entrevistas e demais

diálogos com os professores sujeitos contribuintes da pesquisa foram realizados no idioma

caboverdiano. Enquanto propósito libertário dialógico, apresentamos no final da dissertação

nossa proposta para Cabo Verde e Brasil.

A Ilha de Santiago é localizada na região sul do arquipélago de Cabo Verde –

denominada região de Sotavento. Atualmente, Santiago é a capital do país, no século XV foi o

ponto inicial da colonização portuguesa no século XV, na região de Cidade Velha- ex Ribeira

Grande. Segundo autores como Antônio Carreira (1983), José Carlos dos Anjos (2002) e Elias

Alfama (2008) a existência da ilha já era de conhecimento de wolofs da costa oeste africana (

Senegal) e Árabes.

Percorremos três Liceus (Escolas Públicas) da Ilha de Santiago, Capital do país. Os

Liceus visitados estão localizados na cidade da Praia e no concelho (município) de Santa

Catarina. Na cidade da Praia começamos a nossa trajetória, a Praia foi inicialmente

denominada Vila da Praia de Santa Maria, criada em 1615 por portugueses devido à expansão

do povoamento da Ilha iniciado na região de Ribeira Grande, hoje conhecida como Cidade

Velha. O primeiro instituto de ensino secundário do país – Liceu Nacional – foi criado em

1861 na cidade da Praia, que por falta de recursos foi transferido para a Ilha de São Nicolau

(Região Norte do arquipélago - denominada Barlavento), ficando sob administração da igreja

católica, muito presente no país. O ensino secundário é reinstalado no país em 1960, passando

a albergar a partir das décadas de 1980 e 1990 uma série de instituições voltadas ao ensino

primário, secundário e universitário.

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Visitamos um (1) Liceu no concelho de Santa Catarina, uma região em pleno

crescimento habitacional, de forte atividade agrícola e com um histórico de ativismo político

por parte de seus moradores. No livro A Vila de Assomada o pesquisador Henrique Vieira

(1993) ajuda-nos a compreender o histórico da região, marcado por lutas contra o regime de

trabalho escravo português, como a revolta dos Engenhos em 1822, as Revolta de Ribeirão

Manuel em 1910 e do Monte Agarro em 1850. No período entre as décadas de 1950 e 1970, a

região foi um pólo dos debates anticoloniais encaminhados por trabalhadores rurais e

estudantes, e ainda hoje é um termômetro que mede a satisfação política da sociedade.

Amílcar Cabral viveu parte da infância e adolescência em Cabo Verde, no concelho de Santa

Catarina, na cidade de Assomada, antes de se mudar com os pais para Guiné-Bissau.

No Liceu da Praia obtivemos a colaboração de uma (1) professora (Profa. Titina), e,

no Liceu do concelho de Santa Catarina colaboraram conosco sete (7) Professores (Djassi,

Abdulay, Améli, Ramos, Malan, Telli, Djua) em um total de oito (8). Os professores nos

cederam gentilmente dois dos manuais utilizados no Liceu de Santa Catarina, e um manual

alternativo utilizado pela professora do Liceu da Praia. Todos os professores cabo-verdianos

que colaboraram com a pesquisa trabalham com ensino de história no 9º Ano do Ensino

Secundário I.

No Brasil trabalhamos na cidade de Fortaleza, localizada no Estado do Ceará, região

nordeste do Brasil. O Ceará é reconhecido na história do Brasil e afro-brasileira como um

pioneiro no encerramento do regime escravocrata do século XIX, através de Francisco José do

Nascimento, popularmente conhecido como Dragão do Mar, devido as suas atividades

abolicionistas no meio dos trabalhadores jangadeiros no litoral cearense no final de 1870.

Entretanto, como no restante do país, a população afro-brasileira do Ceará no pós-

abolição foi completamente apartada de um processo de seus direitos humanos e civis pelas

elites brancas da região. O Ceará é geograficamente o Estado brasileiro mais próximo do

continente africano, e que recebe um contingente considerável de jovens estudantes de Guiné

Bissau e Cabo Verde. Se não for o único, é um dos poucos sítios no Brasil que possibilitam

voos diretos para o continente africano, cuja escala passa obrigatoriamente por Cabo Verde.

Todavia, no sentido cultural e social, Fortaleza está muito distante do continente africano e da

população afro-brasileira, devido ao racismo e aos altos índices de violência que atingem

principalmente a população jovem africana e afro-brasileira nas periferias e centros urbanos

do Estado.

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Na cidade de Fortaleza, no Ceará, visitamos três escolas da periferia da cidade,

localizadas na região periférica da barra do Ceará. Entrevistamos o Prof. Biko, que trabalha

nas três escolas, por ser o único professor contribuinte na pesquisa desenvolvemos uma

relação de convivência em atividades voltadas ao mês da consciência negra em Novembro de

2012 e de 2013. As atividades que realizamos juntos foram com os estudantes do Primeiro

ano do Ensino Médio em 2012.

Organizamos questões para a nossa entrevistas semi-estruturadas a partir da literatura

de Diop e Joseph Ki Zerbo. Outras questões são do nosso interesse, como a qualidade de

manuais, programas e a utilização da História Geral da África. A partir destas organizamos

um pequeno quadro esquemático do trabalho de campo:

Figura 31: Quadro da entrevista semiestruturada

Fonte: adaptação Nossa (2013)

MANUAIS E

PROGRAMAS

CIVILIZAÇÕES

AFRICANAS

COOPERAÇÃO

INTERNACIONAL

PROPÓSITO

REFERÊNCIAS

HISTÓRIA GERAL DA AFRICA

EDUCAÇÃO

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Conclusões

Procuramos neste capítulo construir um panorama geral sobre a educação e ensino de

História no Brasil e no Cabo Verde. Baseamo-nos em questões desafiadoras, como o racismo,

a mestiçagem enquanto doutrina política, as sabotagens ao trabalho de Cheikh Anta Diop e o

ensino de civilizações africanas, em especial o antigo Egito. Neste sentido, uma das questões

mais elementares que observamos que foram à necessidade de estudos cruzados entre África e

Brasil estudos que possam colaborar com análises e resoluções de problemas enfrentados por

ambas as sociedades.

Consideramos relevantes as iniciativas do movimento negro no Brasil na educação, e

principalmente no ensino de civilizações africanas, e a ocorrência de congressos em promoção

da lei 10639\3, que focalizaram atividades no campo das civilizações africanas da

antiguidade. Observamos que muitas das iniciativas de professores e organizações do

movimento negro, assim como congressos precisam ser mais valorizados, pois a impressão

que tivemos é que os mesmos passam por um processo de esquecimento na memória das

iniciativas afro-brasileiras pela educação.

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Capítulo 6: BRASIL E CABO VERDE – UM ESTUDO DE CAMPO INTEGRADO

PELA HISTÓRIA

Viver sem história é ser uma ruína, ou trazer consigo as raízes dos outros. É reiniciar

a possibilidade de ser raiz para outros que vem depois. É aceitar, na maré da

evolução, o papel anônimo do plâncton ou do protozoário.

Joseph Ki Zerbo

A reflexão do historiador Joseph Ki Zerbo sobre a história e a sua importância

enquanto patrimônio são fundamentais para a agência no ensino da história da África. Aqui,

pensamos o conceito de agência em diálogo com o professor Molefi Kete Asante (2009), ou

seja, a sustentação de competências de ordem cultural e psicológica necessárias para a

libertação humana. Neste sentido, o agente é o ser com competências, ou recursos

psicológicos e culturais, que o permitem ser o protagonista em sua vida, nos seus

pensamentos e seus objetivos dentro de uma sociedade. Doravante, o ensino de história da

África é uma ferramenta de construção da agência.

A história é um ativador orgânico da consciência de continuidade histórica entre

África e diáspora, e de todo o seu patrimônio material e imaterial. É a partir desta consciência,

que conseguiremos retomar a direção do nosso próprio destino e dos nossos interesses,

interrompidos pelo tráfico internacional de pessoas, pelo regime escravocrata e colonial dos

últimos seis séculos, o ensino de história possui uma relevante tarefa nesse empreendimento.

O que os jovens aprendem sobre a história da África em escolas de países africanos e da

diáspora? O que os professores ensinam sobre a história africana? Temas como civilizações

africanas possuem espaço em programas e manuais de História? Em que estágio está no

processo de descolonização da história da África?

Estes questionamentos formam o espírito desta pesquisa sobre ensino de história da

África. Optamos pelo tema civilizações, e mais precisamente o antigo Egito, porque o mesmo

faz parte dos primeiros contatos com a história da África, que adolescentes e jovens tem

diariamente nas escolas africanas e na diáspora. Entendemos que este tema é fundamental

para organizar uma compreensão de potencialidades problemas que devem ser superados no

campo da educação e das ciências. Ao mesmo tempo, pensamos que o patrimônio deve ser

usado como ferramenta para a conscientização histórica e agência. O conhecimento sobre os

valores, a tecnologia e ciência criados e vivenciados pelo antigo Egito são os primeiros passos

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em direção à libertação mental de um povo desafricanizado, que teve sua memória e

identidade atacada por séculos de genocídio e escravidão.

Neste capítulo, apresentamos uma síntese do nosso trabalho de campo sobre o lugar do

antigo Egito nos livros didáticos utilizados em escolas da cidade de Fortaleza, e escolas da

ilha de Santiago, Cabo Verde, entre os anos de 2012 e 2013. Procuramos identificar e analisar

a utilização de referências da História Geral da África, e dialogar com a experiência e

colaboração de professores de ambos os países. No Brasil a nossa investigação concentrou-se

no primeiro ano do ensino Médio, e no Cabo Verde dedicamo-nos ao 9º Ano do Ensino

Secundário (equivalente à 6ª Série do Ensino Fundamental do Brasil). A história do antigo

Egito integra os conteúdos temáticos destas duas séries.

Este capítulo está dividido em três momentos, no primeiro apresentamos as conexões,

metodologia e categorias utilizadas no trabalho de campo. No segundo momento

apresentamos uma plataforma de dados sobre o ensino de história da África no continente

africano, extraídos do Uso Pedagógico da História Geral da África (UNESCO). No terceiro

momento fazemos a análise de programas e manuais de história para em seguida

encaminharmos nossas reflexões, recomendações e propostas.

6.1 Conexões, Metodologia e Categorias

Optamos pela orientação de Theóphile Obenga, sobre a utilização de conexões entre

fontes e métodos para o trabalho de pesquisa em história e para a historiografia. Estas

propostas do autor nos permitem estabelecer diálogos e valorizar o elemento qualitativo

dentro da pesquisa. No artigo “Fontes e técnicas específicas da história da África-Panorama

Geral”, o prof. Obenga (2010, pág. 91) afirma que:

Devem-se buscar de forma sistemática novas relações intelectuais que estabeleçam

ligações imprevistas entre setores anteriormente distintos. A utilização cruzada de

fontes aparece como uma inovação qualitativa. Certa profundidade temporal só pode

ser assegurada pela intervenção simultânea de diversos tipos de fontes, pois um fato

isolado permanece, por assim dizer, à margem do movimento de conjunto. A

integração global dos métodos e o cruzamento das fontes constituem desde já uma eficaz contribuição da África à ciência e mesmo a consciência historiográfica

contemporânea.

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A metodologia Geral para pesquisa em história da África criada pelo historiador

Joseph Ki Zerbo possui quatro fundamentos: 1) a interdisciplinaridade; 2) a perspectiva

africana (autenticidade-identidade-consciência); 3) a história dos povos africanos em seu

conjunto; 4) a tríade: civilizações, instituições e estruturas. Todos esses quatro fundamentos

foram utilizados direta e indiretamente nesta dissertação, mas para o trabalho de campo

dedicamo-nos aos terceiro e quarto fundamentos. Por quê?

A perspectiva de uma história da África a partir dos povos africanos em seu conjunto

tem como imperativo a integração de todas das regiões Norte, Centro, Sul, Leste e Oeste do

continente africano, em conformidade com a Organização da Unidade africana (OUA) de

1963. A OUA e seus estatutos foram substituídos pela União africana, cujos estatutos

adotaram uma perspectiva mais ampla das regiões do continente africano, incorporando a

Diáspora como a 6ª Região administrativa do continente africano. Entretanto, mesmo

considerando os estatutos da UA, a consciência de uma continuidade histórica, e a identidade

africana são as bases elementar da nossa perspectiva de diálogo e trabalho entre Brasil e Cabo

Verde.

O terceiro fundamento ocupa lugar de destaque, para organização das etapas e

categorias do trabalho de campo. Consideramos que as civilizações africanas da antiguidade

clássica como o antigo Egito, Etiópia e Núbia, formam a categoria civilizacional. As escolas

visitadas representam a categoria institucional, e a categoria estrutural cabe à análise dos

manuais-livros de história e programas. Entendemos que as civilizações na antiguidade

africana foram sociedades que detiveram um grau elevado de autodesenvolvimento

educacional, cultural, jurídico, político, científico econômico.

A Metodologia Afrodescendente de pesquisa, criada pelo professor Henrique Cunha

Jr., propõe uma relação entre sujeitos da pesquisa, e não uma relação entre sujeito-objeto de

pesquisa. Esta metodologia permitiu-nos estabelecer no Cabo Verde e no Brasil um trabalho

de colaboração com os professores enquanto sujeitos desta pesquisa. Em Fortaleza,

trabalhamos diretamente com o Prof. Biko, vivenciando seu cotidiano e reflexões como

professor e militante do movimento negro. No Cabo Verde, realizamos entrevistas

semiestruturadas com os Professores e Professoras Titina, Djassi, Améli, Ramos, Malan,

Telli, Abdulay e Djua.

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Para a análise dos manuais de história, trabalhamos dentro da tríade proposta por

Joseph Ki Zerbo com seis subcategorias: 1) Estrutura: o espaço ocupado pela África na

antiguidade em manuais - livros didáticos; 2) a Geografia do antigo Egito nos manuais; 3) a

origem e povoamento do antigo Egito nos manuais; 4) a cronologia do antigo Egito nos

manuais; 5) o conhecimento técnico e científico do antigo Egito; seis ) as referências

bibliográficas, da História Geral da África, presentes nos manais de história analisados .

Outro elemento importante para a análise dos materiais foram os dados do Uso

Pedagógico da História Geral da África, os utilizamos como um parâmetro preliminar sobre

ensino de história e utilização da História Geral da África. No próximo tópico selecionamos

dados do Uso Pedagógico e os interseccionamos a relatos dos Professores colaboradores da

pesquisa.

6.2 Uso Pedagógico da História Geral da África (UNESCO)

Durante a década de 1990, os presidentes africanos Robert Mugabe do Zimbábue, e

Muamar Kadafi da Líbia realizaram esforços para reformulação da Organização da Unidade

africana (OUA), sob o discurso politico e ideológico de criação de um mercado econômico

comum entre países africanos. Na quarta reunião extraordinária da OUA em 1999, a Líbia

propôs aos países membros da organização a criação da União africana, uma instituição capaz

de reformular e assumir o lugar da O.U.A. Em 2000 27 Estados africanos aderiram ao projeto

oficializado, em um ato constitutivo realizado em Durban, África do sul. No ano de 2001, a

União africana fez sua primeira reunião geral, com objetivos de integração econômica,

renovação e qualificação educacional.

Dentro do campo educacional, a qualidade do ensino de história da África é uma

questão desafiadora, fundamental para a consciência de integração do continente, preservação

de seus patrimônios e identidade cultural. Na perspectiva do pesquisador Zakari Dramani

Issifou (2009), durante a década de 2000 foi nítido no debate educacional sobre a História da

África no continente africano, permanecia de tendências eurocêntricas, como o nacionalismo

estreito (história estritamente local). Lembra-nos Issifou, que não existe um documento oficial

sobre o estado da educação no continente africano. Entretanto, há um conjunto de documentos

produzidos entre os anos de 2004 e 2007que esboçam perspectivas politicas do ensino de

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história da África em relação à integração do continente, dentre os quais (ISSIFOU, 2009,

pág. 20, tradução nossa):

1) Plano Estratégico da Comissão da União africana, Volume 1 – formulado durante

Conferencia da União africana, terceira sessão ordinária ocorrida entre 6 e 8 de

Junho de 2004 em Adis Abeba, Etiópia;

2) Plano Estratégico da Comissão da União africana, Volume 2, produzido pela UA

entre 2004 e 2007;

3) Carta do Renascimento Cultural africano, produzida durante a Conferência da

União africano - a sexta sessão de 23 a 24 de Janeiro de 2006 em Cartum, Tunísia;

(4) O plano de ação para a Segunda Década da Educação em África (2006-2015)

Através de uma parceria entre a UNESCO e a União africana, em Março de 2009 foi

oficialmente lançada à segunda fase da História Geral da África, intitulada Uso Pedagógico da

História Geral da África. O objetivo desta fase é construir um currículo continental baseado

na utilização da História Geral da África. De acordo com o relator do projeto Zakari Dramani

Issifou, o Uso Pedagógico da História Geral da África foi dividido em etapas, conferências

regionais com os principais países interessados na definição de estratégias para resolução de

problemas ligados a história da África, a organização de grupos de perítos para os

desenvolvimentos de conteúdos, guias e outros materiais didáticos para as escolas primárias e

secundárias, o desenvolvimento de campanhas de comunicação e informações sobre o projeto,

a incorporação de conteúdos comuns nos currículos nacionais, o estabelecimento de um

Comité de 10 membros seleccionados a partir das cinco sub-regiões da África (Norte, Centro,

Sul, Oeste e Leste).

Vimos com estranhamento o fato da diáspora não ser inserida entre o comitê de

membros. Na perspectiva de um dos historiadores contratados para a organização do projeto,

o prof. Mamadou Ndoye (2009, pág. 10), o Uso Pedagógico da História Geral da África criou

uma agenda de apoio direto à realização da Unidade africana sob as perspectivas de:

Desenvolver conteúdo comum para os currículos e livros didáticos de história

africanos

Fortalecer a formação inicial e continuada para professores de história restaurados,

Reorganizar e atualizar o site da História Geral da África para carregar o conteúdo

de oito volumes, produção de materiais didáticos e de literatura pertinente, incluindo

uma ordem, para facilitar o acesso livre a todos esses recursos digitais.

Durante a primeira reunião do Comité Científico (16 e 17 de Março de 2009) sobre o

projeto O uso pedagógico da História Geral da África, a comissão responsável decidiu

desenvolver um quadro conceitual para a compreensão objetiva de diferentes questões sobre o

ensino de história da África, e a utilização da História Geral da África no continente africano.

A partir do objetivo de renovar o ensino de História nas escolas e universidades, o quadro

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conceitual buscou: A) Uma melhor compreensão da rica história da África, o seu património e

a sua contribuição para o progresso geral da humanidade; B) A consciência de valores

partilhados e laços que unem os povos de África; e C) Promover a identidade e cidadania no

continente africano ;

A confecção do quadro conceitual dividiu-se em duas etapas, primeiro a construção de

um questionário sobre ensino de história e utilização da História Geral da África, e em

segundo, a produção de uma série de recomendações. Os questionários foram enviados para

os departamentos de educação dos Estados membros da União africana, que o responderam.

As respostas foram analisadas por comissão técnica e divulgadas através do site da UNESCO.

Entre Março de 2009 e Agosto de 2010, os 53 Estados do continente africano receberam o

questionário e 44 responderam as questões propostas, ou seja, 84%.

O questionário está dividido em sete capítulos principais, compreendendo um total de

32 perguntas, muitas das quais questões de múltipla escolha. As Perguntas abordam as

estruturas do ensino de História em três níveis, o ensino primário, o ensino secundário inferior

e superior (ou Ensino secundário I e II), que no Brasil correspondem ao ensino Fundamental e

Ensino Médio. O Capítulo I do questionário centra-se na organização do sistema educativo, as

estruturas, idades de entrada no sistema e duração do ensino primário e secundário nos países.

O capítulo II trata do ensino de História no currículo educacional, o status do ensino de

História e o lugar do sujeito da História. As questões número 7 e número 8 deste capítulo nos

interessam, pois elas abordam diretamente a entidade responsável pela elaboração do

currículo e sua supervisão.

Sobre a entidade responsável pela elaboração do currículo, em 35 países, ou seja, em

(79, 54 %) dos casos, em 11 dos países entrevistados (25%) existe um instituto orientado pelo

Ministério da Educação, responsável pela elaboração da pedagogia de ensino. Organizações

independentes em comitês de províncias e de professores exercem ações voltadas à

elaboração de currículos, dentre os entrevistados elas correspondem a 9%%. A supervisão do

ensino de história é realizada por departamentos do ministério da Educação em 39 países

(88,6%), através de uma Inspeção Geral de Ensino em 23 países (52,27%), por instituições

pedagógicas em 5 países (11,36%) e pelas próprias escolas em 10 países, ou seja, 22, 72% dos

casos.

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O relator Zakari Dramani Issifou (2009) comenta que o papel do Estado, através do

ministério da educação, continua predominante em quase 88% dos casos. Na perspectiva do

relator, seria ideal que essa tarefa fosse assegurada em conjunto pela Inspecção-Geral de

Ensino, a instituição de avaliação pedagógica e com as escolas (cuja participação é muito

limitada), a fim de garantir uma pedagogia mais equilibrada, com base em critérios e

habilidades de experiência na área.

Pareceu-nos problemático que na maior parte dos países entrevistados, os Estados

exercerem um papel preponderante na formulação de currículos e supervisão do ensino de

História, por que as elites neocoloniais africanas ocupam física e ideologicamente estes

departamentos e ministérios, na maioria dos países africanos. A pouca ou quase nula

intervenção de organizações independentes de províncias e professores (escolas) torna a

situação ainda mais grave, fazendo com que o ensino público de história esteja

completamente vulnerável às ideologias eurocêntricas, em nossa opinião.

O Capítulo III, do Questionário, trata do conteúdo do ensino de História Geral e de

História da África. Este capítulo é composto por nove perguntas, a Pergunta 15aborda temas

abordados nas escolas, e nos revela os seguintes dados sobre antiguidade africana no

Primário, Secundário I e Secundário II: a) Primários 25 países (56,85 %); b) Secundário I: 35

países (79,5 %); c) Secundário II: 39 países (88,6%).

No Cabo Verde, contactamos professores de Liceus para colaborarem com nossa

pesquisa. Na cidade da Praia, nossa colaboradora foi a Profa. Titina, responsável por lecionar

história em três turmas de 8º e 9º Anos do Secundário I. Procuramos entender com a

professora, qual o lugar da história antiga (geral) no curso Secundário, segundo ela:

O ensino de história antiga é oferecido somente à 9ª Série do Ensino Secundário I,

de 1990 para o ano 2000 alguns temas foram reduzidos dos currículos e programas,

principalmente após o governo do Movimento Para Democracia (MPD). Pois, a

partir das reformas realizadas por este governo, o ensino – de forma geral passou a

ser mais voltado ao mercado... Alguns temas da história foram perdendo espaço e

importância (Prof.Titina – entrevista, nome fictício).

Procuramos entender sobre o lugar do antigo Egito no programa do ensino Secundário

I, e de como os professores trabalhavam com esse tema:

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O Egito é um tema importante, por ser uma das primeiras civilizações do continente

africano e da humanidade. Antes, na época em que eu estudava no Secundário,

aprendíamos muito mais sobre a história da África, mas isso tem mudado muito, os

programas de história do Secundário hoje são quase que inteiramente voltados à

história da Europa, o Egito é tratado como uma civilização oriental, enquanto Kush

e Etiópia estão fora dos manuais programas. Mas eu não me prendo aos programas e

amuais, consulto as fontes que tenho em casa e procuro introduzir o que sinto

necessidade, o que está fora dos conteúdos. Quando trabalhamos o Egito enquanto

uma civilização de origem africana os jovens estranham... Mas depois demonstram

mais interesse pela história do Egito e pela história da África como um todo. Se não

houver uma interferência nossa (professores) nos manuais os alunos aprenderam que o Egito Antigo era mediterrâneo e semita (Prof.Titina – entrevista, nome fictício).

No Liceu do concelho de Santa Catarina, dialogamos neste mesmo sentido com o

Professor Djassi e com a Professora Améli, que lecionam história em turmas do Secundário I

e II. Segundo o Prof. Djassi:

Eu visitei os Estados Unidos a cerca de dois anos, meus sobrinhos moram e estudam

lá. Fiquei muito motivado ao vê-los falando da história da África como sua própria

história e reconhecendo nas civilizações antigas um legado vivo e atual. Eu sei que isso não acontece em todo o país, eu estava em Nova Jersey... mas pelo menos

acontece. Aqui em Cabo Verde a história antiga está concentrada na Europa, e

mesmo assim somente no 9ºAno do Secundário I tem acesso aos seus conteúdos. O

Egito nos manuais é um tema pouco trabalhado. Em minha opinião, tudo que

envolve África no ensino depende do nosso interesse (Professores) em abordar estes

temas. (Prof.Djassi – entrevista, nome fictício).

Na opinião da Prof. Améli sobre Antiguidade e o ensino do Egito:

Nós vemos a antiguidade com os alunos no 9º Ano do Secundário I. Como

professora, acho a Antiguidade importante, mas a história atual é mais, nossos

jovens precisam saber mais sobre Cabo Verde, o Egito é muito distante e faz parte

de uma África Branca, Árabe. Saber sobre as pirâmides e matemática é importante como uma base de compreensão da história mundial. O que eu sinto falta no ensino

é a história “di terra”, a nossa história cabo-verdiana. (Prof.Améli – entrevista, nome

fictício).

Perante os dados do Uso Pedagógico da história Geral da África, Cabo Verde está

entre os trinta e cinco países que abordam a História Antiga no Secundário I, e, ao mesmo

tempo, entre os países que não abordam o tema no Primário e no Secundário II, Nos

comentários dos Professores Djassi e Titina pecebemos uma insatisfação com o lugar do

Egito no ensino de antiguidade, e ao mesmo tempo a iniciativa própria de melhorar conteúdos

a este respeito. No campo das iniciativas, em Fortaleza o Prof. Biko organiza atividades com

os alunos do Ensino Médio todo mês de Novembro (Mês da Consciência Negra), para reforçar

seu trabalho anual sobre história da África e do afro-brasileiro.

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Figura 32 :Encontro na Escola

Fonte: Arquivo pessoal

Em 2012 participei com o Prof.

Biko de atividades nas três Escolas onde

leciona, nesta oportunidade apresentei aos

estudantes de 1º do ano alguns dos

conhecimentos criados pelos egípcios e

que ajudaram a prolongar nossa vida no

planeta terra, como a medicina, implantes

dentários, prótese de membros, operações

cerebrais,química,matemática, engenharia

e etc.

Mesmo familiarizados como assunto – por causa do trabalho do Prof. Biko, muitos

dos jovens demonstravam não acreditar nas informações apresentadas, mesmo com as

imagens apresentadas através de slides, registramos em nosso caderno de campo a reflexão do

Prof. Biko sobre este nosso trabalho e suas consequências nas escolas:

Esse trabalho foi importante por que reforçou os temas que tenho apresentado aos

alunos. Alguns deles, na semana seguinte à sua visita, estavam muito questionadores

sobre a situação atual do continente africano, e do porque os outros professores não

falavam sobre aqueles assuntos da história da África. (Prof.Biko – entrevista,

registro de caderno de campo. 2012 nomes fictício)

As Perguntas 16, 17 e 18 do Uso Pedagógico objetivam identificar utilização da

História Geral da África. O número 16 questiona o conhecimento sobre a publicação da

História Geral da África nos países, entre os 44 que responderam 39 responderam que sim, 20

responderam que não, e 6 não responderam. Dos participantes 45, 45 % dos países

responderam não estarem familiarizados com a obra, e outros afirmaram nunca terem ouvido

falar sobre a mesma.

A pergunta 17 buscou entender a disponibilidade dos volumes da História Geral da

África, 41 dos 44 entrevistados afirmaram que sim, 30 que não e 3 países não responderam. A

pergunta número 18 questiona e trata da utilização pedagógica da História Geral da África:

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Tabela 1 : Utilização da História Geral da África

Séries Utilizam

A HGA

Pouco

Utilizada

Não

Utilizada

PRIMÁRIO 1 país

(2,27%)

12 países

(27,27%);

9 países

(20,45%)

SECUNDÁRIO

INFERIOR

5 países

(11,36 %)

6 países

(13,6%);

12 países

(27,27%);

SECUNDÁRIO

SUPERIOR

7 países

(15,9 %)

17 Países

(38,6%);

Cinco países

(11,36%).

Fonte: Adaptado do Uso Pedagógico da História Geral da África (2009)

É interessante a relação entre as perguntas 15, 16, 17 e 18. O ensino de antiguidade faz

parte do primário e dos dois secundários, e a História Geral da África é afirmada na resposta

dos países, como uma obra conhecida, entretanto os mesmos países que alegaram conhecer a

obra assumiram também não ter acesso nem familiaridade à mesma. Com exceção de um

único país que utiliza a História Geral da África no ensino primário, e 12 outros que utilizam

no secundário, não há uma utilização pedagógica da obra. Neste sentido, quais as bases de

fundamentação teórica para a antiguidade no ensino Secundário, por exemplo?

Uma das questões da nossa entrevista foram sobre a utilização da História Geral da

África entre os professores e a disponibilidade das escolas, todos os professores comentaram

conhecer a obra, todavia, da mesma forma que aparece no Uso Pedagógico da História Geral

da África, não havia entre os mesmos a familiaridade e manuseio do conteúdo da obra. Dos

nove professores que colaboraram conosco sete reconheceram a obra como uma grande

referência, destes sete, somente dois alegaram fazer consultas à obra, o Prof. Telli de Santa

Catarina, e o Prof. Biko de Fortaleza. O prof. Telli comentou que:

[...] através da minha sobrinha, que trabalhava na época como secretária do

Ministério da Educação e Desporto. Ela é formada em comunicação e está sempre

procurando informações sobre o continente africano, recebeu um correio electrónico

do Brasil, na verdade, uma propaganda do Ministério da Educação sobre a

publicação da História Geral da África, ela me falou sobre isso e fez download para

mim (Prof.Telli entrevista, nome fictício)

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Figura 33 : Palestra Escola

Fonte: Arquivo Pessoal (2013)

Observamos no conhecimento, e no

desconhecimento, dos professores sobre o

lançamento da História Geral da África

uma divulgação ineficaz da mesma. No

caso de Cabo Verde, na Ilha de Santiago há

uma sede das Nações Unidas, uma Casa de

Cultura Brasil Cabo Verde e universidades,

entendemos que estas instituições tinham a

obrigação de divulgar esta obra. Sobre o

Uso Pedagógico da História Geral da África, entre os nove professores colaboradores da

pesquisa, nenhum conhecia o projeto, é interessante demarcar que, nas duas escolas visitadas

em Santiago, não havia exemplares da primeira edição da História Geral da África. Nas três

Escolas que visitamos em Fortaleza, nenhuma possuía exemplares da História Geral da África

em suas bibliotecas. O Prof. Biko criticou esta situação e comentou sobre a sua relação com a

História Geral da África, enquanto ferramenta de trabalho:

Eu soube através da internet, em um site da Bahia chamado Correio Nagô. Mas já

conhecia a obra, o livro 1, que tenho até hoje um exemplar em casa. Acho muito

cansativo consultar a obra no computador, prefiro ter os livros materiais, físicos... Na verdade, eu já fiz um pedido formal a Escola para obtenção da História Geral da

África, mas eles (escola) estão sempre criando impedimentos, por parte dos

professores que eu conheço não há interesse nenhum pelo tema ou pela obra.

(Prof.Biko – entrevista, registro de caderno de campo, nome fictício).

Assumido como militante do movimento negro, o Prof. Biko organiza há cinco anos

atividades nos meses de consciência negra, em Novembro. O Prof. alega que não tem sido

fácil enfrentar os obstáculos da Escola em relação à lei de ensino de História da África:

É uma possibilidade de fazer cumprir a lei, ou pelo menos alertar sobre sua

existência, e ao mesmo tempo conscientizar esses jovens. Uma das maiores

dificuldades dessa lei nas escolas que trabalho é os gestores. Eles fazem tudo para

dificultar a maior divulgação da lei 10639-3, para mim isto está relacionado

diretamente com racismo. O mes da consciência negra é uma forma mais ampla de

militância e debate na escola. O dia 20 de Novembro é em memória de Zumbi dos

Palmares, a história da África precisa ser refletida especialmente nesta data.

(Prof.Biko – registro de caderno de campo, nome fictício).

Participamos durante o ano de 2013 da atividade "Reflexões sobre os Dez anos de Lei

para o ensino de História da África”. Nossa atividade concentrou-se em uma das Escolas de

Fortaleza, onde apresentamos aos professores uma palestra dentro do tema da atividade. Este

trabalho foi organizado pelo Prof. Biko, em nome da organização do movimento negro da

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Bahia que o mesmo faz parte, a Quilombo Xis. Nesta oportunidade, registramos em nosso

caderno de campo que entre os 20 professores que compareceram na atividade, nenhum

haviam lido ou manuseado a História Geral da África. Mesmo os professores mais

interessados no tema história e cultura africana, percebemos rejeição a obra História Geral da

África. Esta rejeição pareceu-nos oriunda de dois motivos, a formação eurocêntrica através da

qual fontes africanas de conhecimento histórico-historiográfico são desqualificadas, e uma

cultura (também relacionada à formação) de pouca leitura.

O capítulo IV é composto por seis questões sobre o ensino de história e procedência

dos livros didáticos. O tema das perguntas 21 e 22 abordam a elaboração e autoria dos

materiais didáticos, os dados fornecidos foram os seguintes:

Tabela 2: Elaboração de Manuais

Elaborados pelo

Estado

Elaborados por

professores

Primário 36 países (81,8%); 19 países (43,18%);

Secundário

Inferior 36 países (81,8%); 20 países (45,45%);

Secundário

Superior 12 países (27,27%); 25 países (56,8%);

Fonte: Adaptado do Uso Pedagógico da História Geral da África (2009)

Tabela 3 - Produção de Manuais

Ministério da Educação 30 países (68,18%)

Editoras nacionais 13 países (29,54%)

Editoras nacionais privadas 21 países (47,7%);

Editoras africanas 13 países (29,54%)

Editoras estrangeiras 17 países (38,6%)

Fonte: Adaptado do Uso Pedagógico da História Geral da África (2009)

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A baixa produção de livros didáticos pelos Estados africanos, e a falta de interação

entre escolas, organizações de professores, a partir do secundário é um sinal de abertura para a

interferência estrangeira na produção de materiais. É diminuta a quantidade de livros

produzidos por editoras africanas, e seria importante que o questionário identificasse se as

editoras privadas são de estrangeiros residentes no continente. Sem dúvida alguma, este

espaço vazio deixado pela falta de uma produção local do conhecimento é ocupado por

grupos estrangeiros e seus interesses políticos, culturais e ideológicos. Nossos colaboradores

de Santa Catarina expressaram suas opiniões sobre a procedência dos manuais.

Os manuais que nós utilizamos para História Geral são produzidos em Portugal, e eu

não vejo problemas nisso, porque nós não temos outras opções no momento, e os livros portugueses são de qualidade. A história geral é universal, independente de

onde é produzida. O importante é que a história de Cabo Verde é nós que

produzimos. (Profa. Améli entrevista, nome fictício).

O Prof. Djua compartilha de opnião parecida com a da Prof. Améli:

Aqui em Cabo Verde nós não temos editoras fortes como Portugal, a nossa relação

com os portugueses é histórica, as nossas histórias estão interligadas profundamente.

Em Cabo Verde somos um povo mestiço e sem barreiras a contribuições de

Portugal, os manuais são portugueses, mas quem dá aulas somos nós! (Prof.Djua-

entrevista, nome fictício).

A perspectiva do Prof. Ramos sobre a procedência de manuais em Cabo Verde destoa

severamente das anteriores:

Na minha opnião isso é um absurdo, mas é decisão que vem das elites proletárias do

país... Que estão nos ministérios, governo. Antigamente nós nos organizávamos em

oficinas para criar nossos programas e construir conteúdos para a história geral, mas

tudo tem mudado aqui em Cabo Verde. Parece que nós professores de história estamos desarticulados, e aceitamos esses manuais de Portugal sem contestação,

essa é uma forma de recolonizar nossas mentes, pegue um desses documentos para

analisar, o continente africano não existe em geografia e cultura. (Professor Ramos

– entrevista, nome fictício).

No caso brasileiro, que a perspectiva do Prof.Biko sobre os livros didáticos é

semelhante a do Professor Ramos de Cabo Verde:

Eu sou muito insatisfeito com os livros de história aqui no Brasil, mesmo com a lei

10639 \3 em vigor parece que pouca coisa mudou na concepção de livros, na verdade... Quem produz esses materiais são as elites brancas do país, e a influência

das concepções racistas é muito forte. No caso da história antiga, por exemplo, o

antigo Egito continua tão branco quanto à Etiópia continua invisível. Infelizmente

nós, professores negros, não conseguimos nos organizar o suficiente para produzir

bons materiais, livros didáticos de história... nosso passado não está em nossas

mãos…(Prof.Biko – registro de caderno de campo, nome fictício).

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Sobre as formas de aquisição dos materiais didáticos, o objetivo da Pergunta do Uso

Pedagógico 24 é identificar os meios pelos quais os livros didáticos são adquiridos por alunos

e famílias:

Tabela 4 - Disponibilidade de Manuais

Series Dada

gratuitamente

Emprestados Alugado Adquiridos

pelos alunos

Primário 22 países

(50%);

10 países

(22,7%)

1 país

(2,27%)

17 países

(38,6%)

Secundário

inferior

5 países

(11,36%)

7 países

(15,9%)

3 países

(6,8%)

25 países

(56,8%)

Superior

secundário

9 países

(20,45%)

6 países

(13,6%)

2 países

(4,54%)

25 países

(56,8%)

Fonte: Adaptado do Uso Pedagógico da História Geral da África (2009)

De acordo com os dados fornecidos, observamos que a partir do Secundário inferior o

Estado diminui sua cobertura de materiais gratuitos e emprestados, e isso nos faz questionar a

maneira pela qual os estudantes se preparam para outros graus de ensino técnico e

universitário. Segundo os relatores do Uso Pedagógico da História Geral da África, as

alternativas dos alunos muitas vezes é a utilização de livros de anos anteriores, o Prof.Telli

comentou que:

Nós fazemos o que está ao nosso alcance, emprestamos livros quando temos e

orientamos muitos dos jovens, mas são as famílias com mais condições que podem

investir em seus filhos, compram livros pensando na bolsa de estudos em Portugal

ou no Brasil, principalmente na cidade da Praia, onde há mais concentração de

renda. .(Prof.Telli – entrevista, nome fictício).

Considerando as poucas editoras africanas existentes, entendemos que as cooperações

internacionais são responsáveis pelos livros que chegam ao país e são oferecidos por

empréstimo, ou dados gratuitamente. O aumento da aquisição por aluguel e por conta própria

indicam outro elemento, a busca pela continuação do secundário, e estudos universitários no

país ou no estrangeiro, as famílias com mais condições investem nisto. No Liceu do concelho

de Santa Catarina procuramos saber como os professores entendiam as políticas de

cooperação de Cabo Verde com Portugal em termos de educacionais:

A cooperação é importante, muitos de nós fomos para Portugal nos formar. Eu me

formei no Porto por exemplo. Portugal é um país amigo e irmão de Cabo Verde,

somos um país sem restrição, nossa história mestiça faz-nos ter uma cultura rica e

dinâmica. Portugal nos ajuda muito com manuais de todas as matérias. .(Prof.Malan

– entrevista, nome fictício).

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Registramos a opinião do Prof. Abdulay sobre o mesmo questionamento:

A cooperação Portuguesa é boa e é ruim. É boa por que sempre temos o que

aprender uns com os outros, ainda mais nessa profissão de professor. È ruins porque

estão sempre privados de materiais e condicionados e receber coisas de fora, com

você aqui me entrevistando eu fico até com vergonha em assumir que nossos

manuais de História Geral são feitos em Portugal e estão completamente

desatualizados. Eu me formei aqui, no Instituto de Formação de Professores, quando éramos estudantes organizávamos fichas que seriam utilizadas para fazer manuais

próprios.... Mas o tempo foi passando, e tornou-se mais prático receber os que o

governo indica de Portugal e fazer as alterações e modificações que achamos

necessárias, não temos apoio suficiente para produzirmos nossos materiais.

(Prof.Abdulay – entrevista, nome fictício).

Percebemos uma diferença de perspectivas entre os professores, e observamos que a

mesma está relacionada à formação em Portugal, e a identificação cultural-estética com os

portugueses. Entre os professores, os que se formaram em Portugal não demonstraram o

mesmo tipo de crítica como aqueles formados em Cabo Verde, no Instituto de Formação de

Professores. Os Professores Djassi e Améli, formados em Portugal, apresentam uma opnião

muito parecida com a do Prof. Malan sobre a cooperação com Portugal, na perspectiva do

Prof. Djassi:

Nós precisamos de Portugal aqui nesse país, não temos um parque gráfico para produzir manuais, e os de Portugal são muito bons, nós fazemos os manuais de Cabo

Verde e eles fazem os manuais de história geral, eu não vejo problema nisso. Nós

somos países irmãos. (Prof.Djassi – entrevista, nome fictício).

Na opinião da Profa. Améli sobre os livros didáticos de Portugal:

Não vejo problemas, nós aqui em Cabo Verde aceitamos a cooperação com Portugal

porque precisamos e porque se não fosse este apoio teríamos dificuldades de formar

nossos jovens aqui e lá, pois eles estudam com esses livros e isso facilita muito para

conseguir bolsas de estudo em Portugal. Com esses manuais nossos jovens estão

aptos para competir com o mundo. .(Prof.Améli – entrevista, nome fictício).

Através deste depoimento da Profa. Améli percebemos as engrenagens da relação de

cooperação internacional entre os países e as escolas. A problemática não se restringe a

qualidade do conhecimento, mas a toda uma relação política, cultural e neocolonial complexa.

A utilização dos manuais portugueses enquadrar-se em uma perspectiva de continuação dos

estudos em Portugal, não simplesmente para aprenderem a história a partir de uma visão

portuguesa. E, nos parece que aqueles professores que se formaram em Portugal, não

entendem isso de uma maneira crítica. Neste sentido, a educação é um elemento implícito à

política de migração no país.

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Aqui, podemos encerrar um conjunto de informações que envolvem a produção, o

acesso, a procedência de livros didáticos, a abordagem do tema antiguidade e a utilização da

História Geral da África. No caso das escolas em Cabo Verde, os professores conhecem a

obra, mas não estão familiarizados com a mesma. No Brasil, de acordo com a atividade que

participamos os professores já ouviram falar, mas demonstraram não ter interesse, alegando

que a obra é cara e muito extensa.

Os relatos do Prof. Biko, nos ajudaram a perceber que os professores tem dificuldade

de aceitar trabalhar a história da África e utilizar a história geral da África. Registramos o fato

que, com excesso, ou com a falta de materiais como nos casos do Brasil e do Cabo Verde,

aqueles professores conscientes e realmente interessados na qualidade do ensino, pesquisam,

alteram e buscam melhorar suas fontes e meios materiais de trabalho. Há dois momentos no

relatório do Uso Pedagógico da História Geral da África, comentados pelo relator Zakari

Dramani, que são muito significativos, primeiro sobre o histórico de reformas educacionais no

continente:

No final dos anos 60 e 70, a segunda onda de reformas dos sistemas de ensino em

sido no sentido de uma Africanização menos defensiva e mais "socrática"

(introspecção), na medida em que procurou integrar programas, escola, patrimônio,

práticas endógenas e conhecimento local, valores, culturas e línguas africanas.

(ISSIFOU, 2009, pág. 21, tradução nossa).

Para justificar a importância da Utilização Pedagógica da História Geral da África, o

relator Zakari Dramani Issifou (2009, pág. 22,tradução nossa) afirma que:

Tendo em conta as capacidades de compreensão da história por idade e nível de

escolaridade do aluno... Algumas propostas aparecem a partir da consideração do

desenvolvimento do pensamento intuitivo, para um pensamento operacional e

conceitual da criança (Piaget).

A introspecção e o pensamento infantil não podem ser encerrados pelas experiencias

europeias. No Egito durante o 3º Milênio a.C. Ptahotep foi um grande pensador escreveu

documentos filosóficos exemplares no campo da introspecção. Na história contemporânea, as

experiências de vida do prof. Amadou Hampatê Ba no Mali é um excelente documento para

compreensão do pensamento infantil. Porque optar por franceses e gregos para fundamentar

ideias sobre educação e história da África? As escolhas não são aleatórias.O eurocentrismo

antecede todos os problemas relacionado ao ensino de história da África que temos visto até

agora.

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Para nós, este foi um péssimo sinal. Fez-nos pensar sobre as intenções mais realistas

de projetos financiados e coordenados de fora para dentro do continente, a UNESCO –

mesmo com seu departamento de cultura e Seção africana – é uma organização internacional

administrada pelos países que mantem uma relação neocolonial com o continente africano

(França, Itália, Portugal, Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos e et).Não esquecemos que em

meio a confecção da História Geral da África, a tentativa frustrada das lideranças da

UNESCO de humilhar o prof. Cheikh Anta Diop em 1974, durante o Colóquio Internacional

sobre o Povoamento do Egito e Decifração da Escrita Meroíta.

No ano de 2009 o Setor da Cultura da UNESCO produziu a Revisão do Conteúdo da

História Geral da África. Uma série de recomendações para a utilização pedagógica da obra

coordenada pelo prof. Doualaye Konate. As recomendações cobrem todos os capítulos dos

oito Volumes da História Geral da África. Para Douale Konate durante o período da

antiguidade, a história da África foi dominada pelo do Vale do Nilo, onde organizações sócio

politicas foram estabelecidas por africanos. Na perspectiva de Konatédeve-se evitar a

fragmentação da história Antiga da África através de analogias como período antigo da

história europeia, dominada pela da costa norte da bacia do Mediterrâneo.

No que se refere ao ensino sobre o Antigo Egito o relator recomenda que, de acordo

com o Capítulo 3 do Volume II: Os três aspectos para serem mantidos aqui seriam as bases do

desenvolvimento econômico no Egito, administração egípcia e o estudo da ciência, das artes e

técnicas. Um quarto aspecto poderia incidir sobre "a vida cotidiano no Egito (KONATE,

2010, pág. 12, tradução nossa)

O capítulo 3, do Volume II, da História Geral da África, foi escrito por J.YoYotte,

Egiptólogo francês e coordenador de estudos na École Pratique des Hautes Études de Paris.

Novamente, questionamos o porquê o destaque especial os europeus de todas as eras e épocas

em uma documentação de valorização da história da África. A super valorização da economia

também nos parece uma tendência de J. YoYotte assumida por konaté. , o capítulo escrito por

J.Yoyotte – O Egito faraônico: sociedade, economia e cultura- aborda temáticas a economia,

administração e cultura militar no Antigo Egipto.

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Em relação ao Capitulo 1, escrito por Cheikh Anta Diop ( Quem eram os Antigos

Egípcios), o relator recomenda:

A história dos órgãos políticos criados pelos pretos começou com o reino do Antigo

Egito (Gana continua a ser apresentado nas escolas como africano sendo o mais

antigo Estado preto conhecido) estabelecido no final do quarto milênio BC. Com

base em argumentos desenvolvidos por Cheikh Anta Diop, pode-se afirmar de

acordo com Babacar Sall, que os fundadores de civilizações africanas e do reino do

Egito eram negros. (KONATE, 2010,pág. 13,tradução nossa)

O trabalho e os esforços de historiadores em prol da descolonização da história da

África foram árduos durante a segunda metade do século XX. Esses nomes não podem ficar a

margem das referências principais de um documento, que pretende recomendações para a

utilização do Volume II sobre antiguidade africana. Não tivemos acesso à abordagem

completa do prof. Babacar Sall, mas entendemos deveras reducionista o destaque dado à

contribuição do prof. Cheikh Anta Diop no capítulo I. Entretanto, reconhecemos aqui que a

própria participação do autor na coleção foi muita a quem do seu trabalho. A partir dos

estudos sobre a antiguidade, o trabalho de C. Anta Diop foi de renovação total dos estudos

sobre história da África, e da própria forma e propósito de se fazer ciência, uma proposta de

renovação paradigmática. Nosso próximo passo é analisar um programa da nona série do

ensino secundário em Cabo Verde, e três manuais de história.

6.3 Programa e Manuais de História – Cabo Verde

Primeiro analisamos o lugar da antiguidade africana nas temáticas e objetivos de um

programa da 9º série, do ensino Secundário, no Liceu de Santa Catarina, e três manuais

utilizados pelo Liceu de Santa Catarina e pelo da Cidade da Praia. O programa da 9ª Série

analisado data de 2012-2013, e os livros-manuais de história que analisamos datam das

décadas de 1970 e 1990, os datados de 1990 são utilizados por professores das escolas de

Santa Catarina e da Praia. O livro mais recente que nos indicaram data de 2011, mas não

conseguimos um exemplar, contudo, uma vez que os analisados estão em uso nossa análise

não perdeu o sentido.

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218

Tabela 5: Programa de História 9 º ano Cabo Verde

Antigo Egito Grécia Roma

OBJETIVOS OBJETIVOS OBJETIVOS

1-O desenvolvimento dos mais

variados setores da vida no Egito

e respectivas características;

1-Explicar a formação do povo

grego;

2-Identificar e compreender

aspectos comuns às civilizações

urbanas mercantis da antiguidade;

3-Explicar a formação do povo

grego;

4-Conhecer a evolução política da

Grécia e caracterizar a

democracia ateniense;

5-Compreender como se formam as cidades Estadas Gregas;

6-Relacionar a colonização com

os problemas dos vários setores

da população;

7-Referir os traços particulares da

religião grega;

8-Distinguir as grandes figuras

das várias áreas da cultura

helenísticas

9-Compreender as causas da

decadência da Grécia;

10-Compreender as causas da decadência na Grécia;

1-Compreender a origem da

população romana;

2-Compreender as implicações

econômicas, sociais e políticas da

expansão romana.

3-Compreender as razões da difusão

do cristianismo no império romano

4-caracterizar a cultura romana;

5-reconhecer a vida viária, a

administração, o direito e a língua

como fatores de integração dos povos do império;

6-relacionar o clima de insegurança

com a decadência do império;

CONTEÚDOS CONTEÚDOS CONTEÚDOS

1-Econômia e sociedade egípcia;

2-Evolução Política;

3-Religião e Cultura;

1-Aspectos comuns: localização

geográfica e meio natural

2-Aspectos comuns: estrutura

social e religião

3-Aspectos diferenciados: Grécia

4-Origem da população;

5-Evolução política: a democracia

ateniense

6-A formação das cidades-estados

gregas

7-colonização grega 8-a vida religiosa:

particularidades

9-As manifestações culturais e

artísticas

10-decadencia da Grécia

1-Origem da população

2-A expansão-situação econômica,

social e política antes e depois;

3-Evolução da vida religiosa (aspectos

particulares da fase politeísta e a

adoção do cristianismo-suas

características)

4-As manifestações culturais e

artísticas;

5-A romanização

6-Adecadência do império romano;

Fonte : Programa de História -Escola de Santa Catarina – adaptação nossa (2012-3)

O programa de história do Liceu em Santa Catarina foi confeccionado no Encontro

Nacional de Coordenadores de História, que ocorre anualmente durante o mês de setembro,

este encontro recomenda uma lista de referências bibliográficas. O ano escolar em Cabo

Verde é composto por três trimestres, o conteúdo sobre História Antiga cobre os dois

primeiros trimestres do ano. A seguir, destacamos os conteúdos e objetivos sobreas

civilizações no primeiro e segundo trimestre de história antiga. Utilizamos nas análises de

manuais e programas de História o termo Egito e Antigo Egito, a forma como o mesmo

aparece nos materiais investigados.

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A História Antiga faz parte dos conteúdos programáticos de todo o Segundo

Trimestre, e alberga o Egito, Grécia e Roma. Há um desequilíbrio notório entre Egito, Grécia

e Roma. O Egito resume-se a economia e a política, o que nos parece um distanciamento do

processo de experimentação, migração e socialização que constituiu o Egito na história

africana. A economia e a política existiram, mas a partir de uma série de valores, fatos e

tecnologias, relacionados a códigos de justiça, espiritualidade, migrações e os calendários. A

tendência demasiadamente econômica que observamos nas recomendações do Uso

Pedagógico, faz-se presente neste programa, contudo somente em relação ao Egito.

Observamos que o 2º Trimestre é quase inteiramente dedicado a Europa, ou seja, a

Roma e Grécia na antiguidade. No total, há uma diferença de 17 temáticas com objetivos

direcionados a compreensão do mundo europeu, e três temas relacionados ao Antigo Egito.

Na coluna Grécia e Roma, o aluno tem o direito de estudar a formação dos povos, a formação

das cidades, problemas sociais, arte, língua e integração dos povos, economia, política,

religião, personalidades e expansão. O Egito resume-se a economia, politica, cultura e religião

de forma vaga e durante duas semanas de aula.

Os objetivos e conteúdos sobre Grécia e Roma não estão restritos a economia e ao

Estado, por mais que os mesmos sejam abordados. Entendemos que as dimensões oferecidas

sobre estas duas civilizações aproximam mais os alunos dos conteúdos, que estão distribuídos

em oito semanas. De acordo com o programa, Roma e Grécia foram “civilizações” e o Egito

uma sociedade, outros dois aspectos que destacamos em relação à Grécia e Roma é a

demarcação de uma localização geográfica e origem da população, dois elementos

fundamentais para o caso do antigo Egito, tradicionalmente distorcido em sua origem

populacional e posição geográfica.

As consequências para o psicológico e identidade dos adolescentes atendidos por um

programa completamente eurocentrados são devastadoras. Mesmo com os esforços e em certa

medida, com a militância de alguns dos professores, dificilmente um adolescente terá algum

respeito e interesse por um tema pautado “pela economia e evolução política”. Esta situação

agrava-se mais, atentamos para o fato que a história contemporânea, é oferecida como

conteúdo da8ª Série do Secundário, ou seja, antes do contato com a história antiga. Uma das

questões do nosso diálogo com os professores foi sobre as condições de formação dos

mesmos, mais de uma vez, surgiu o nome professora brasileira Carmen. A procura de mais

detalhes sobre, a Prof.Titina relatou-nos que:

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Ela (Carmen) ajudou a organizar o currículo de história aqui em Cabo Verde e

formou muitos professores no Instituto Pedagógico de Formação de Professores foi

a Prof.ª Carmen Gabriel Anhorn, ela era uma excelente professora... Mas nós não

gostamos muito das mudanças que ela introduziu no primeiro ciclo, agora está tudo

de cabeça para baixo. Mesmo depois de anos de mudança alguns alunos perguntam

por que estudamos ao contrário. (Profa. Titina – entrevista, nome fictício).

A Prof. Titina não possuía um exemplar do manual no momento, mas o mesmo é

utilizado na lista obrigatória de livros em praticamente todos os Liceus da Ilha de Santiago. O

Prof. Djassi, ex-aluno da Prof.ª Carmen no Instituto de Formação de Professores, deu-nos

mais informações sobre a mesma, inclusive me presenteando comum a cópia do material,

segundo o mesmo:

A Prof.ª Carmen Gabriel Anhorn chegou aqui na década de 1990, seu marido era

embaixador da Suíça em Cabo Verde. Ela fez amizade com o pessoal do Ministério

da Educação, Ciência e Cultura da época. Trabalhou no instituto e produziu o livro Conhecimento do Mundo Contemporâneo. Ela trabalhou muito pelas reformas na

época, estávamos em 1996, pouco antes de deixar o país com a família. (Prof.Djassi

entrevista, nome fictício).

Para o nosso conhecimento, além da inversão cronológica absurda implantada nos

currículos, foi uma pessoa do Brasil a responsável pela condução deste processo político

pedagógico. A História contemporânea de Carmen no Cabo Verde não poderia ser diferente

da história eurocêntrica produzida no Brasil, seu livro inicia-se no século XIX – Revolução

Industrial Inglesa, sem citar o esmagamento das sociedades africanas para a consecução da tal

“Revolução”, contudo ficará para outro momento. Questionamos o Prof. Ramos sobre dois

aspectos da lista de livros, a procedência portuguesa e a desatualização do material.

Cabo Verde produz apenas o livro História Geral de Cabo Verde, e mesmo assim em parceria de autores portugueses. A escolha de livros e o programa são feita de cima

para baixo, são opções políticas. Quando eu era jovem, estudava história da África

nos livros didáticos cabo-verdianos, lembro-me bem do livro “História. Guiné

Bissau e as Ilhas de Cabo Verde” com civilizações africanas e inteiramente

dedicadas ao continente... Mas isso acabou. (Prof. Ramos – entrevista, nome fictício)

A Profa. Titina foi enfática ao alegar que os livros para história antiga eram de

péssima qualidade, e que os professores precisavam actualizar e acrescentar temas africanos,

segundo ela:

No final da década de 1970 eu me formei aqui em Cabo Verde no secundário, minha

professora... Esqueci o nome, mas ele era angolano, valorizava muito Joseph Ki-

Zerbo, nós adorávamos o livro da época, pois contava a história de Egito, Gana,

Mali, Songhai, Guiné Bissau e Cabo Verde. .(Prof.Titina entrevista, nome fictício).

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Infelizmente, os professores e as escolas não possuíam exemplares do livro citado.

Neste sentido, incorporamos aos nossos objetivos de campo encontrar esse material, e ao

encontrarmos acrescentamos o mesmo a lista de manuais analisados. Procurei na Fundação

Amílcar Cabral e na biblioteca nacional, mas não obtive maiores informações. No Arquivo

público de Cabo Verde uma funcionária relatou que a partir da mudança de governos durante

a década de 1990, os manuais produzidos pelo governo antecessor foram substituídos e

descartados.

Segundo a funcionária do arquivo os manuais eram produzidos pelo PAIGC – Partido

africano da Libertação de Guiné Bissau e Cabo Verde. Contudo, dias depois consegui um

exemplar deste manual com um jovem raper, estudante de Relações Internacionais e que já

havia participado de trabalhos em nossas oficinas em Cabo Verde. Ele possuía um exemplar

do livro, oferecido por um tio seu. O manual “História: Guiné Bissau e Ilhas de Cabo Verde”

foram publicadas em 1974, e é assinado pelo PAIGC. Após a pesquisa, descobri outro

exemplar na Biblioteca Nacional, cidade da Praia. Analisamos as lista de manuais utilizados

no ano letivo 2012 e 2013 pelo Liceu de Santa Catarina, da mesma, nós conseguimos

exemplares dos livros três e quatro:

1. Nova História. Livros do Aluno 7º Ano de Escolaridade. Porto Editora, 1984.

2. História 7º Ano. Porto Editora. Naércia Crisanto. 1992.

3. História -7º Ano. Texto Editora .Ana Maria Leal de Faria;Joaquina Mendes

Pereira; Maria Eugenia Reis Gomes; Margarida Mendes Matos .1993

4. História 7.Editorial o Livro. Maria Emília Diniz. 1994

5. História 7.História 7º Ano. Porto Editora. Almiro Pedro Neves, Cláudia Amaral,

Ana Lídia Pinto – Editor Porto 2011.

Os manuais portuguêses 2,3,4 e 5 foram publicados e projetados para estudantes de

Portugal, europeus. Os manuais são do 7º Ano escolar do Ensino Secundário em Portugal são

utilizados no Cabo Verde para o 9º Ano, o que nos leva a crer que os jovens portugueses tem

contato com a história antiga antes dos jovens caboverdianos. Esta situação de manuais

estrangeiros não está de acordo com as perspectivas e lutas pela descolonização da História da

África, e com o próprio pensamento de Amílcar Cabral sobre a autonomia intelectual africana

e no caso de Cabo Verde.

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Os três manuais de 1974, 1993 e 1994 foram publicados por editoras portuguesas,

Editorial O Livro, Texto Editora e Apartado 532. Não encontramos indicação de autores do

manual História das Ilhas de Guiné e Cabo Verde, mas de acordo com membros da

Associação de Combatentes da Liberdade e do Arquivo Publico este tipo o material feito por

membros do PAIGV.

Tabela 6 – Manuais de História – Secundário - Cabo Verde

Título Editora Ano Autores

História da Guiné e das

Ilhas de cabo Verde

Edições Afrontamento:

Porto 1974 PAIGC

História -7º Texto Editor 1993

Ana Maria Leal de Faria;

Joaquina Mendes Pereira;

Maria Eugenia Reis Gomes;

Margarida Mendes Matos.

História 7 ano

Lisboa-Porto

Editorial - O livro 1994

Marilia Emília Diniz

Aderito Tavares

Arlindo M. Caldeira

Fonte: Adaptação , Escola do Concelho Santa Catarina e Cidade da Praia (2012-2013)

O manual do PAIGC é integralmente dedicado ao continente africano e possui 31

capítulos. Sua abordagem temporal se estende entre a pré-história, e as independências de

Guiné Bissau e Cabo Verde no início da década de 1970. Neste manual, do PAIGC o Antigo

Egito ocupam tópico dentro do capítulo “O Começo do período Histórico”, o manual faz

menções a Egito, Etiópia, Kush, Núbia e Nok durante a antiguidade africana. O manual

História 7, de 1993, possui doze capítulos, o Antigo Egito divide o capítulo “Contributos das

Primeiras Civilizações” com Mesopotâmia, Pérsia, China, Israel e India.Omanual História 7,

de 1994, possui dez capítulos divididos, o Antigo Egito divide um capítulo com

Mesopotâmia, Fenícia e Israel.

No manual do PAIGC (1974) a primeira referência ao Egito é de uma civilização do

Vale do Nilo, criadora da escrita e que influenciou Ásia e Mediterrâneo. Na concepção dos

autores da História 7, de 1993, a origem da civilização egípcia é o Delta do Nilo. O Egito

Antigo na História 7, de 1994, é apresentado como uma Civilização dos Grandes Rios, uma

civilização oriental do Crescente Fértil. Nos dois Manuais de História 7, Grécia e Roma

ocupam um capítulo inteiro cada uma.

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No campo geográfico, no manual do PAIGC o Antigo Egito é trabalhado sob a

perspectiva de uma civilização africana da antiguidade. O PAIGC produziu um mapa parcial

do continente africano na antiguidade, onde destacou as rotas de migração do Vale do Nilo

para a Costa Oeste africano durante a antiguidade (PAIGC, 1974). Todavia, os autores

defendem que o Egito não exerceu influência em regiões fora da Costa Oeste africana. Na

perspectiva dos autores, as civilizações da Núbia e Etiópia surgiram a partir do século 4 a.C.

sob influência grega no Egito. Ver Mapa 4 em anexo, - Migrações do Vale do Nilo

O Manual História 7(1993) apresenta mapas parciais do continente africano, o Antigo

Egito é posicionado como um foco civilizacional do Crescente Fértil ( Zona fértil entre os

rios Tigre e Eufrates), a geografia do Egito é restrita ao Delta, os autores utilizam o termo

“Terra Negra” e “Dom do Nilo” para indicar a fertilidade do Delta e a origem da civilização.

No Manual de 1994, História 7, o Egito foi inserido na região do Crescente Fértil, os autores

o apresentam no mapa geral do continente africano e a região do Nilo demarcada a partir do

Delta, este manual é o primeiro a trazer um mapa completo do continente africano. Mesmo

assim, os autores circunscrevem a civilização no Delta, afirmando que (DINIZ, TAVARES,

CALDEIRA, 1994, pág. 26):

O Egito é um território desértico atravessado por um grande rio, o Nilo, que corre de

sul para o Norte. A terra fértil limita-se a uma nesga de campos verdejantes, nas

margens, que nunca atinge mais de uma dezena de quilômetros de largura. Apenas

junto à foz, na região do Delta se alargam as terras cultiváveis.

A cronologia do Egito varia nos três manuais entre o 4º milênio a.C. e o século 6 a .C.

No Manual de 1974, do PAIGC (1974), a história do Egito é iniciada pela escrita no 5º

milênio às ocupações de Roma no século IV a.C. O Manual de 1993 trabalha a partir do 4º

milênio ao século 6º a.C., e o História 7, de 1994, apoia-se em uma cronologia do 5º milênio

ao século 5º a.C. No livro do PAIGC, o Antigo Egito é apresentado como uma civilização

africana do Vale do Nilo. Sem maiores detalhes sobre a origem e povoamento, todavia há

duas indicações geográficas externas, ou mediterrânicas da população do Egito, primeiro

afirmam que o mesmo: “irradiou durante Séculos sua grandeza sobre o Mediterrâneo, a Ásia

ocidental, o Vale do Alto Nilo”. A outra indicação é de que (PAIGC, 1974, pág. 9):

Os Gregos e Romanos Antigos conheciam os Negros: estes ocupavam, como hoje, o

alto vale do Nilo (Núbia) e o Sul do Egito. Por volta de 400 anos antes de Jesus

Cristo o historiador grego Heródoto viajou por estas regiões e descreveu os

guerreiros negros. Ele menciona e descreve os Pigmeus que teriam habitado, nesta

época, até o Saara.

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Será que os Antigos conheceram as regiões situadas ao sul do Saara... A África ao

norte do Saara é muito bem conhecida: todas as indicações dadas sobre a África do

Sul do Saara são, pelo contrário, imprecisas e fantasiosas.

Os autores do Manual português de 1993 não são objetivos quanto à origem e

povoamento do Egito, mas todos os referenciados autores são direcionados às supostas

migrações do crescente fértil para o Delta. No Manual de 1994, os autores trabalham sob a

perspectiva de região dos grandes Rios, onde o Delta é preponderante como origem do Egito,

os autores não são objetivos sobre “quem eram os antigos egípcios”.

No Manual do PAIGC (1974), os conhecimentos técnicos e científicos são

exemplificados pela escrita e pelas técnicas de construção das pirâmides. Os autores citam a

Núbia e Mero, como referências da metalurgia do ferro no século 4 ac, e sua influência na

Costa Oeste africana .Os autores do manual do PAIGC destacam os reinos de Napata e

Meroé da região da Núbia como difusores da metalurgia na África tropical, influenciando

diretamente a civilização de Nok na antiguidade (Nigéria). Os autores também ressaltam a

Ascenção da civilização etíope no 4º século a.C.

Os manuais portugueses de 1993 e 1994 oferecem uma série de informações ilustradas

sobre o uso de técnicas de irrigação, o Chaduf para tirar água do Nilo, as técnicas de arado na

agricultura e ourivesaria. Os autores do Manual de 1993 estipulam uma lista de técnicas

utilizadas pelos egípcios, como drenagem de campos, arado e conhecimentos agrícolas, a

construção de barragens pirâmides, a manipulação do vidro no artesanato, a arquitetura, e a

química, utilizada na medicina e cosmética. Todavia, a matemática é caracterizada como

limitada a soma, medicina e a magia. Na perspectiva dos autores, as técnicas agrícolas no

Egito são uma herança de povos antecessores, neste sentido, na concepção dos autores, as

técnicas de ferro e metalurgia foram herança de seus antecessores sumérios e hititas.

As primeiras considerações feitas pelo manual de 1994 sobre técnicas são os

progressos da metalurgia, que de acordo com os mesmos foi uma característica das planícies

fluviais na antiguidade. Os autores citam os exemplos de técnicas nas áreas de construção de

diques, papiros, escritas a literatura (no 4º Milênio), o artesanato e a construção de templos.

Na proposta do Manual de 1994, a Medicina, o cálculo e a astronomia foram fruto da

observação e astronomia, e não de uma ciência propriamente dita, pois a influência da magia

era muito grande.

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O livro do PAIGC não apresenta quais foram às referências bibliográficas utilizadas na

obra. Contudo, o mapa de migrações no primeiro capítulo, nos leva a crer que houve algum

referencial provavelmente Cheikh Anta Diop- para a fundamentação desta matéria. Nossa

hipótese é reforçada pelo Capítulo X, “Coli Tenguela e as Primeiras Migrações (Fulas)”, que

indica a as rotas de migração entre o Vale do Nilo e Costa Oeste africana como a origem dos

Fula (PAIGC, 1974, pág. 32):

Povo de Pastores, especializados na criação de gado bovino, os Fulas viera

provavelmente do Vale do Nilo para a África Ocidental, passando pelo Saara, nos

tempos pré-históricos em que esta região era mais húmida. Pinturas existentes nos

rochedos em pleno centro do Saara representam pastores com as suas manadas de

bovinos. Esses pastores parecem-se muito com os Fulas e correspondem,

provavelmente aos seus antepassados.

Capítulos mistos entre o Egito e civilizações da Ásia possibilitam a distorção

geográfica e cronológica do mesmo. Como vimos com Cheikh Anta Diop (1979), o período

pré-dinástico, as migrações dos Anu e os milênios de observação, exigidos para construção de

calendários como Dendera do 5º Milênio não podem ser ignorados. Na nossa compreensão a

falta de uma demarcação do período pré-dinástico em todos os manuais é propícia para a

definição do Delta como origem da civilização, de forma a ignorar o restante do continente.

Esta perspectiva, muito presente nos dois manuais de 1993 e 1994, possibilita aos

autores argumentarem que as ciência e tecnologia no Egito Antigo não existiram, ou tiveram

origem estrangeira. Mesmo com contradições de ordem conceitual e ideológica o único

material que trabalha com o continente africano é o livro do PAIGC de 1974, com mapas e

temas que nos surpreenderam, como as migrações e origem dos Peule.

No manual português de 1993, por exemplo, os autores definem que a utilização da

matemática foi restrita a soma, e a medicina dependente da magia. A partir desta questão, os

autores advogam que não havia conhecimento científico no Egito (1993). A preponderância

do Delta é uma marca decisiva dos manuais analisados. De forma silenciosa ela orienta o

leitor a ignorar o continente africano, como se o mesmo não existisse, principalmente nos

manuais de 1993 e 1994.

A partir do Delta, os autores do Manual português de 1993 recuperaram Heródoto para

sustentar a ideia corrupta de “dádiva do Nilo”, e no Manual de 1994 os autores optaram por

“dádiva divina”. O Egito é resultado do intelecto, da técnica e da pesquisa científica de

homens e mulheres africanos, que criaram o Egito da região do Alto Egito (Sul), para o Baixo

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Egito (Norte) - no Delta. Os autores dos Manuais de 1993 e 1994 utilizam muitos recursos de

imagens e interpretação de papiros, iconografias e escrituras. Em um documento denominado

pelos autores do Manual de 1994, por eles, de Hino ao Nilo do 3º Milênio. Onde há o seguinte

trecho (DINIZ, TAVARES, CALDEIRA, 1994.39):

Salve, ó Nilo,

Que sais da Terra

E vens dar a beber ao Egito! Misteriosa é a tua saída das trevas.

Em seguida, os autores pedem para os estudantes interpretar o trecho: “Misteriosa é a

tua saída das trevas”. Aqui, fica muito nítida a ideia de que o Alto Egito representa as trevas

por causa do interior do continente africano, desta formados autores distorcem e confundem

os jovens. Não identificamos referências bibliográficas no Manual do PAIGC, e nos manuais

portugueses não há referências a História Geral da África. Nosso entendimento é de que o

universo confuso dos materiais didáticos é um espelho de problemas já identificados no

programa. Entretanto, se pensarmos fora das aparências há problemas políticos, educacionais

e de ordem ideológica que a colaboração dos professores ajudou-nos a perceber.

6.4 Programa e Manuais de História Brasil

No Brasil, em Fortaleza, analisamos um programa de história do 1ºano do ensino

Médio. O programa que analisamos foi produzido em 2009 pelo Governo do Estado do

Ceará, e os livros didáticos que analisamos cobrem uma faixa de quatro anos, entre 2010 e

2011. O programa e os manuais estão sendo utilizados atualmente pelas escolas visitadas.

Destacamos a seguir os conteúdos referentes à história antiga no programa, cedido

gentilmente pelo prof. Biko, que trabalha em três escolas da rede Estadual de Ensino. Natural

de Salvador e residente em Fortaleza há quinzeanos, o Prof.Biko é professor do ensino Médio

e Fundamental em Escolas publica na periferia de Fortaleza, região da Barra do Ceará.

Nossa primeira observação é a posição das civilizações da América central Maias

Astecas e Incas em posição de anterioridade ao Egito, inclusive tais sociedades são

apresentadas pelo programa como “comunidades primitivas”, um termo pejorativo. Esta

orientação confunde a percepção do espaço e do tempo histórico.

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Neste programa do 1º Ano do Ensino Fundamental há a persistência do modo de

produção asiático, cujo fundamento marxista é uma tendência eurocêntrica foram duramente

criticadas por Joseph Ki Zerbo (2010) na História Geral da África como impróprias e

descartáveis. Segundo Ki Zerbo as civilizações africanas são milenarmente anteriores às

asiáticas, e precisam de um parâmetro próprio para sua historiografia.

Tabela 7: Programa de História do 1º Ano Ensino Médio - Fortaleza

Antiguidade

Objetivos Gerais

(Competências e habilidades)

1. Construir a identidade pessoal e social na

dimensão histórica, a partir do conhecimento do

papel do individuo como sujeito da história e

produtor do conhecimento

2. Interpretar, analisar e criticar fontes,

documentos de natureza diversas, reconhecendo o papel das diferentes linguagens, dos diferentes

agentes sociais nos contextos envolvidos em sua

participação

3. Entender e relativizar as diversas concepções

de tempo e formas de periodização,

reconhecendo-as como construções culturais e

históricas.

4. compreender o conhecimento histórico como

produção do saber

5. Situar as diversas produções da cultura –as

linguagens, as artes, a filosofia, a religião e as

manifestações culturais- como representações sociais que emergem no cotidiano da vida social e

se solidificam nas diversas organizações e

instituições da sociedade.

6. analisar as diversas concepções de Estado no

passado, comparando as permanências e

mudanças na contemporaneidade

7. Desenvolver o conceito de ideologia enquanto

instrumento de dominação e resistência dos

diferentes grupos humanos .

8. Compreender os conceitos de Capitalismo,

Socialismo e Democracia, fundamentando-se na historiografia contemporânea

Conteúdos

Egito Grécia e Roma

As primeiras civilizações(Egito, Mesopotâmia, Fenícios,

Hebreus e Persas) – o modo de produção asiático:

estabelecer um paralelo entre as atividades econômicas

percebendo as semelhanças e diferenças de cada

civilização. A influência da religiosidade na organização

social, política e cultural dessas civilizações, sua relação

com a sociedade e civilizações africanas. 5-

Antiguidade Clássica (Civilizações Grega e

Romana) – A Pólis grega, as cidades-estado e o

legado cultural (mitologia, filosofia, democracia e

artes) da civilização grega; Formação, expansão e

decadência da civilização romana, sua relação

com as sociedades e civilizações africanas; 5-7

Civilizações africanas A formação dos reinos africanos, aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais

(mitologia, filosofia, relação política e artes). 5-6

Fonte: Governo do Estado do Ceará (2009)

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Os autores nos oferecem outro problema, separam o Egito das demais civilizações

africanas, na perspectiva do programa, as civilizações da Europa e o Egito influenciaram a

política, religião e formação social das civilizações africanas... isso é um crime que está sendo

feito com nossos estudantes! O programa entende que as civilizações africanas criaram uma

concepção diversa de Estado, o que nos indica um pressuposto de matriz não africana, por

isso as experiencia africanas tornam-se “diversas”. No campo “Civilizações africanas”, que a

palavra mito surge pela primeira vez. Não se trata aqui do mito histórico, impulsionado pela

oralidade conforme analisava Hampate Ba e Ki Zerbo, mas o mito pejorativo, da imaginação

desprovida de uma lógica e dinâmica de conhecimentos .

Grécia e Roma, consequentemente, estão sob o título de Antiguidade Clássica, e seu

primeiro tópico temático no programa é o modo de produção asiático e ideologia, para

diferencia-las da “mitologia” africana e o que é mais preocupante, estabelecer uma linha de

continuidade histórica entre as sociedades baseadas no modo de produção asiático. Mediante a

constatação das questões problemáticas do programa produzido pelo Governo do Estado do

Ceará, consultei o Prof.Biko sobre qual a interpretação dele sobre o programa de história:

O programa é eurocêntrico. As civilizações africanas são completamente

marginalizadas. Eu sou professor de filosofia e de história, e por isso trabalho

sempre no sentido interdisciplinar, procurando cruzar informações de uma e outra disciplina.... Sempre quando posso adiquir um livro sobre África ou consulto, faço

adaptações ao programa. Se eu for trabalhar somente com o programa oferecido as

aulas ficarão insuportáveis para mim e para os alunos..(Prof.Biko – registro de

caderno de campo, nome fictício).

Problematizamos para o Prof.Biko a relação entrea lei 10639\3 e o programa de

história oferecido pelo Estado do Ceará, registramos em nosso caderno de campo a seguinte

fala do professor:

Quando eu comecei a trabalhar nessas escolas aqui de Fortaleza, percebi que a

relação com os professores seria muito difícil. Nas reuniões eles indiretamente me

diziam que a lei não fazia sentido em um lugar como o Ceará, pois no Ceará não

havia negros. Inicialmente eu achei que fosse uma piada.... mas não era. Há no

Ceará uma cultura de que o “negro” é uma pessoa de pele muito escura, pessoas –na

mentalidade deles – que vivem em tribos no continente africano. Sendo assim, os

professores com tom de pele clara se assumem enquanto brancos ou mestiços. É a

partir desta perspectiva que eles alegam não serem “negros”, que no Ceará não há

“negros”, e que uma lei para história da África não se sustenta em uma sociedade

mestiça. .(Prof.Biko – registro de caderno de campo, nome fictício).

O depoimento do Prof. Biko levou-me a lembrar da celebração do dia da África em 25

de maio de 2013 naUniversidade Federal do Ceará. O evento foi organizado por professores

de história desta universidade e por uma organização não governamental do Ceará que possui

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projetos de preservação do meio ambiente em Guiné Bissau. Confesso que meu primeiro

estranhamento foi este, com tantos problemas ambientais em Fortaleza e no Ceará, o que

levaria uma Ong para Guiné Bissau, um país africano considerado pobre, sem recursos?

De toda maneira, fui convidado para assistir o evento, iniciado com o pronunciamento

de um professor de história daquela universidade. Em 2013 completaram-se dez anos da Lei

10639\3, um dos professores palestrantes fez questão de dizer que não concordava com a lei,

sob a justificativa que não somente africanos e afro-brasileiros mereciam uma lei, mas todos

os povos de vários continentes contribuíram com a história e sociedade brasileira como

japoneses, alemães e árabes, “o Brasil é mestiço”, afirmou ele . Imediatamente, eu pedi a

palavra para argumentar que a perspectiva do professor era uma contradição ao próprio

evento, pois, ali naquele lugar, a África deveria ser celebrada, e em nenhum momento eu vi

ou ouvi uma manifestação sobre Amílcar Cabral, referência da libertação guineense e cabo

verdiana.

Celebrava-se naquele ambiente o trabalho de uma ong brasileira para “salvar o

continente africano ”, e encerrei alegando que o dia da Europa no Brasil era todo dia, bastava

caminhar pela universidade e observar as casas de cultura hispânica, inglesa, francesa e

alemã! Não havia nenhuma casa de cultura etíope, angolana ou sul-africana. Ao comentar o

fato ocorrido no dia da África com Prof. Biko, este contribuiu com a seguinte reflexão :

Pois é, são esses professores que produzem os nossos manuais e programas de

história. Como todasas leis neste país, a lei 10630\3 não é respeitada, e muito menos

nossa história e cultura, meus colegas me acham insuportável por insistir no cumprimento desta lei, mas eu insisto por militância e consciência, a qualidade do

ensino deve mudar, com o objetivo de combater o racismo, melhorar a qualidade dos

materiais didáticos e reorientar a mentalidade do negro a cerca de si

mesmo.(Prof.Biko – registro de caderno de campo, nome fictício)

Tabela 8: Manual História do 1º Ano Ensino Médio - Brasil

Título Editora Ano Autores

Estudos de História FTD 2010

Ricardo de Moura Faria

Monica Liz Miranda

Helena Guimarães Campos

História 1 Saraiva 2010

Ronaldo Vainfas

Sheila de castro Faria

Jorge Ferreira

Georgina dos Santos

A Escrita da História Escola Educacional 2011

Flávio de Campos Renan Garcia Miranda

Fonte :Lista de Livros utilizados pelas Escolas Estaduais (2012)

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Estudos de História divide-se em Seis Unidades e uma delas dedicada a Antiguidade,

Povos da Antiguidade. Esta unidade foi dividida em três capítulos: 1). Oriente Próximo:

sociedades, reinos, impérios; 2) O mundo Grego ; 3) O Mundo Romano. O Egito divide o

capitulo Oriente Próximo: sociedades, reinos, impérios – com Mesopotâmia, Pérsia, Hebreus

e Fenícios, As temáticas são Escritas; Deuses; economia; cultura.

O manual Estudos de História está dividido em seis unidades, das quais uma é para a

antiguidade. Esta unidadedivide-se em quatro capítulos: povos dos orientais ; as estruturas das

sociedades orientais; Grécia antiga;mundo romano. Em anexo um tema denominado

DossiêÁfrica. O Antigo Egitona perspectiva dos autores faz parte do oriente próximo,

poisestá inseridono capitulo Povos Orientais e Estruturas das Sociedades Orientais. A

Unidade possui um anexo denominado Dossiê África, onde os seguintes temas são abordados:

1) relações entre o povo egípcio e o rio Nilo; 2) caminhos e fronteiras do antigo Egito; 3)

Reinos e impérios; 4)Nossos ancestrais africanos; 4) olhar grego sobre África.

O livro A Escrita da História divide-se em 9 Unidades, Antiguidade : 1 Unidade –

Nas Fronteiras da Antiguidade. Capitulo 2:Antiguidade Oriental : Mesopotâmia, O Egito

Antigo, Poder dos faraós, A sociedade egípcia, As pirâmides, A religião no Egito, Antigo

Império, Médio Império, Monoteísmo; e Cleópatra.

O manual Estudos de História utiliza o Atlas geográfico para a localização das

civilizações na antiguidade. História 1 e A Escrita de História trabalham com mapas parciais,

demarcados pelo Delta do Nilo. Estudos de História e História 1 trabalham com uma

cronologia entre 4.000 ac e 400 a.C. A Escrita da História propõe um período mais extenso,

3000 ac à 400 ac.. Na perspectiva dos três materiais a civilização do Antigo Egito inicia-se no

Delta do Rio Nilo.Os três livros trabalham com a ideia de sociedade hidráulica beneficiada

pelo Crescente Fértil, oconhecimento técnico e cientifico resume-se a escrita e construção de

pirâmides. No A Escrita da História é aberta a possibilidade da escrita do antigo Egito ter

origem na Mesopotâmia.

Dentro do anexo Dossiê África os egípcios são apresentados enquanto um povo que

habitou o continente africano. Os autores utilizam um mapa parcial do continente africano.

Cush – Egito e Nubia são civilizações marcadas por guerras entre si ao longo da história.

Destacamos as palavras de (FARIA; MIRANDA; CAMPOS, 2010, pág. 82):

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231

Até recentemente, a única região africana que era estudada no período

tradicionalmente conhecido como idade antiga era o Egito. Curiosamente esse país

era associadomais a Ásia do que a África propriamente dita. O Egito fazia parte do

chamado Crescente fértil, que englobavam a região do oriente próximo

Mesmo com estas palavras, os autores apresentamo Egito como uma civilização do

oriente. Segundo os autores, o Egito Antigoignorou os povos do continente africano e

manteve com os mesmos uma relação imperialista. O Livro 1 de 1983 da História Geral da

África é citado na bibliografia geral do manual Estudos de História, e do manual A escrita da

História, o Livro 1 de 1983. Não há indicações do autor da História Geral da África utilizado

na obra.

A utilização da causa hidráulica é uma maneira de assegurar a predominância do Delta

e o afastamento do Alto Egito, na nossa compreensão. Os fatores novos que encontramos nos

manuais foram o a periodização até o ano 100 a.C de A Escrita da História onde é citada a

invasão do Egito pela macedônia, e a presença de Cleópatra, representada no livro com a foto

da atriz Elisabeth Taylor. Os três manuais desenvolvem a perspectiva de civilizações orientais

e com a perspectiva de sociedades hidráulicas. Outro ponto de igualdade que se extende aos

manuais de Cabo Verde é a forma de apresentação do faraó enquanto um ser opressor e

detentor da terra, enquanto um bem privado, e de uma estruturação da sociedade similar a

feudal: camponeses, religiosos, guerreiros, pequenos comerciantes e artesãos.

O fator realmente novo foi entre os três materiais foi o Dossiê África, por criticar a

localização Asiática do Egito em livros didáticos, mas por contradição, este mesmo manual

identifica o Egito como uma civilização oriental. Livro I da História Geral da África é citado

no quadro Geral das referências, pensamos que durante a confecção destes manuais, a coleção

ainda não havia sido relançada.

6.5 Reflexões e Recomendações

Todavia, reanalisando os dados e vivências da pesquisa chegamos a conclusão de que

o ensino de história nos manuais utilizados no Cabo Verde está em plena decadência. Mesmo

com deficiências o manual de 1974 possui a abordagem mais avançada que encontramos nas

análises.

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Se avaliarmos isto dentro de um contexto de lei federal 10639-3, e o Uso Pedagógico

da História Geral da África poderemos perceber que existem governos demais envolvidos

nestas ações. Uma contradição quando pensamos o envolvimento na história da África

empreendido por organizações, movimentos e historiadores nas décadas de 1950, 1960 e

1970.A cooperação internacional entre Cabo Verde e Portugal, e a democracia brasileira,

criaram para cabo-verdianos e afro-brasileiros uma falsa impressão de independência

nacional. O cabo-verdiano continua tão dependente de Portugal, quanto nós afro-brasileiros

estamos dependentes de uma elite branca que regula e produz o que devemos estudar sobre a

nossa própria história .

Entre as décadas de 1960 e 1980 foi produzido um dos maiores projetos dos maiores

projetos de pesquisa em história realizados, a História Geral da África. Um projeto ambicioso

de reconstrução da história do continente africano, através da colaboração de centenas de

historiadores durante trinta anos de trabalho. Entre 1980 e 1990 a História Geral da África foi

publicada pela UNESCO. Um dos objetivos centrais da História Geral da África foi a

descolonização e reconstrução da história do continente africano .

Em diversas regiões da diáspora africana, a reconstrução da história da África foi vista

como um elemento capital para militantes de movimentos sociais. O tema história da África

foi elemento de pesquisa e ensino desde a década de 1940 no Brasil.Professores das mais

diversas formações estiveram durante as últimas décadas engajados na oficialização do ensino

de História da África no país, que passou a ser obrigatória a partir do ano de 2003, através da

lei 10639-3. Marcada por uma diminuta promoção no Brasil a História Geral da África

lançada parcialmente no país durante a década de 1980, recebeu uma nova edição e

lançamento em 2010, motivada pela Lei 10639-3 e pelas movimentações de países africanos e

da UNESCO em prol do Uso Pedagógico da História Geral da África.

A pesquisa sobre o atual estado do ensino de história e utilização da história Geral da

África, realizada pelo Uso Pedagógico da História Geral da África revelou-nos graves

obstáculos para o ensino de história da África no continente africano do século XXI. Dentre

eles, a dificuldade de acesso a Manuais e o desconhecimento da História Geral da África, uma

obra importante enquanto subsídio básico para o ensino e pesquisa em história africana.

Consideramos tais problemas como de ordem estrutural, manuaisde História produzidos por

editoras não africanas, a dificuldade para aquisição de livros e o distanciamento

dascomunidades em relação à Escola, as decisões curriculares e programáticas.

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Quando identificamos as reflexões dos organizadores do Uso Pedagógico da História

Geral da África, referências à Grécia Antiga e França contemporânea, questionamos a

serventia de um projeto sobre o uso pedagógico da História da África e ensino de História no

continente africano. Uma vez que as referências para reflexão e organização da história e

educação no continente africano desprezam os pensadores do próprio continente, é

economicamente mais viável convidar o ministro da educação do governo francês para criar

um plano padrão para reformulação e ajuste dos sistemas educacionais africanos. Inclusive,

no setor militar, os franceses possuem larga experiências em fazer “ajustes” em países

africanos.

No Brasil, em nosso trabalho de campo em escolas públicas de Fortaleza (Ceará)

vivenciamos o interesse dos de estudantes sobre temas e abordagens sobre civilizações

Áfricans pouco conhecidaspelos mesmos, e que não deveriam ser, por que o tema faz parte da

história da humanidade,e há dez anos existe uma lei no país para o ensino de história da

África. Mesmo com o trabalho de excelente nível do Prof. Biko, ele está completamente

isolado, dividido em três escolas, procurando cobrir a falta de informações dos jovens e a

negligência profissional de professores e gestores. Mas, o mais importante entre os estudantes

foi à consciência que há um conflito entre as narrativas históricas, pois, somente o Prof.Biko

aborda temáticas sobre civilizações, combate ao racismo, história da África e do afro-

brasileiro.A consciência e militância do professor foram fundamentais para um desbloqueio

na consciência dos jovens. Sem a consciência e formaçãodo próprio professor, a lei 10639-3

não possuiria significado algum.

Neste sentido, tivemos a mesma sensação nos diálogos travados com os professores de

três escolas em Cabo Verde, uma vez que neste país, e em uma série de outros países

africanos, os manuais didáticos são pensadose formulados para um publico europeu,

documentos eurocêntricos e desprovidos de compromisso com quaisquer projetos de

conscientização histórica africana.

A iniciativa e empenho dos professores cabo-verdianos é o elemento que faz a

diferença no ensino de história, além da procedência portuguesa dos manuais de história,

existem outros dois agravantes, a desatualização dos materiais e a corrupção dos programas,

que não passam de espelhos dos manuais e das intenções neocoloniais no país. Entendemos

que, no caso de Cabo Verde, a inexistência de um manual de história de qualidade, impede a

formação de uma consciência histórica. Talvez, a dependência psicológica construída por

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esses materiais na mentalidade do cabo-verdiano seja o elemento que precede a dependência

econômica e cultural do país, sedento por uma aproximação cultural com países europeus e

distante de uma apropriação oficial de seu próprio idioma.

É inaceitável que algo tão básico e fundamental como programas e manuais de história

no Brasil e no Cabo Verde sejam completamente manipulado pelos interesses mesquinhos,

alienados e racistas de uma minoria que controla estes países, direta, ou indiretamente. Neste

contexto de tensão, entre um conhecimento marginalizado e um conhecimento hegemônico

sobre a história africana, o Egito enquanto conteúdo continua devassado pelas intenções de

supremacistas brancos, podemos dizer de uma tradição des distorções sobre o tema.

O manual do PAIGC de 1974 e seu conteúdo nos revelaram que o processo de

reconstrução da história da África, e de sua descolonização foi interrompido. Há professores

interessados em utilizar este material como uma forma legítima de resistência, militância e

iniciativa intelectual, entendeu este fato como algo demasiadamente positivo e um grande

potencial de transformação.A pesquisa realizada pelo IPEAFRO sobre o ensino de

civilizações africanas nas décadas de 1980-1990 emescolas públicas no Brasil, e as iniciativas

de professores de história, como Henrique Cunha Jr., estão inseridas em um processo de

reconstrução da história da África no Brasil.

O Prof. Biko afirmou e apresentou-nos uma série de referências que utiliza para a

preparação de suas aulas, entre os quais o Livro I da História Geral da África, textos de uma

série de documentos denominada Thoth, uma revistaproduzida pelo gabinete de Abdias

Nascimento durante seu mandato como Senador na década de 1990, e trabalhos escritos pelo

Prof. Henrique Cunha Jr. como Ntu e A História africana e os elementos básicos do seu

ensino. Muitos dos textos da revista Toth,e os dois documentos citados do Prof. Henrique

Cunha desenvolvem questões históricas sobre a antiguidade africana, sua pesquisa e ensino.

No Cabo Verde os Professores como Ramos, Telli, Abdulay, Djassy e Titina

apresentaram entre as suas próprias referências História da África Negra de Joseph Ki Zerbo,

alegando que o mesmo é inegavelmente um historiador comprometido com o ensino de

história. Os professores afirmaram que Ki Zerbo oferecia em seu livro uma história a partir do

próprio continente africano. A Prof. Titina revelou-nos que enquanto mulher e professora de

história tinha a obrigação de continuar o trabalho de Ki Zerbo nas salas de aula, procurando

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Figura 34: Pedagoga da Unidade

Fonte: Criação do autor

motivar seus alunos a conhecerem o continente africano, para valorizarem sua memória e a si

mesmos como seres humanos.

6.6 Pedagogia da Unidade

Unidade é o motor da história da África e

razão da vida no planeta terra. Unidade não é

homogeneidade, é interdependência, equilíbrio e

poder. Tudo o que divide África a enfraquece

enquanto continente, pois aparta africanos uns dos

outros em categorias como claros e escuros, do

norte e do sul, mais fortes e mais fracos,

ocidentalizados e não ocidentalizados, mestiços e

“africanos puros”, mais africanos e menos africanos

e etc. A apartação é essencialmente uma acão anti-

africana, como tal precede a descaracterizacão física ( alisantes de cabelo \ clareadores

(dispigmentadores de pele) entre africanos, dependência econômica de países e crises de

identidade cultural.

Estamos convictos que o reconhecimento da importância da Unidade por si só não

basta, é necessária uma profunda consciencia histórica africana que possa orientar praticas

culturais são necessárias acões práticas culturais cotidianas capazes de materializar todo o

sentido da Unidade capaz de tranaformar vida de pessoas e fazer com que o continente

africano renasça. Foi dentro desta perspectiva que no campo educacional elaboramos a ideia

de uma Pedagogia da Unidade, um conjunto de princípios e práticas voltados a restauração

geral da consciencia histórica africana.

O símbolo da pedagogia da unidade é formado por duas adinkras, uma no centro que

representa a unidade das relacões humanas na vida material e espiritual Nkonsonkonson, e

outra adinkra Hwemudua que significa exame e controle da qualidade, em um número de seis,

cada uma envolvidos por um círculo vermelho.Esta formacão de adinkras significa que é da

unidade entre relacões humanas que se constroi e distribui a melhor qualidade de vida, este é

para o sentido pedagógico que propomos para o ensino de História, a tranformação humana.

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Na perspectiva da Pedagogia da Unidade, estudante, professor e pesquisador de

história da África são um só. Não é a tecnologia ou a titulação académica o fator que qualifica

o ensino de história, mas a consciencia histórica africana do estudante-professor-pesquisador.

Os princípios fundamentais da Pedagogia da Unidade são resultados de um conjunto de

experiências que vivi enquanto professor de história e não só, quanto um estudante

permanente e pesquisador ciente de que o aprendizado é infinito. Estes princípios servem

como direcionamento necessário a pratica das ideias trabalhadas durante esta dissertação e

direcionadas a restauracão da consciencia histórica africana.

Tabela 9: Princípios da Pedagogia da Unidade

I. África e diáspora devem ter pleno direito a auto-determinação oral e historiográfica

II. África e diáspora tem pleno direito a sua própria consciência histórica, que é inalienável e

intransponível

III. A história africana é energia viva, imortal e infinita, base para presente e futuro dos próprios

africanos enquanto um povo

IV. A história da África é a raiz, a continuidade, razão da existência e base para o futuro de todo o

povo africano, no continente e na diáspora V. A “árvore do esquecimento” e o “portão do não retorno” criados por europeus para destruir

memóra e identidade africana durante o holocausto africano ( Maafa) devem ser relembrados,

criticados e toda a forma de sua continuidade combatida .

VI. As determinações de europeus sobre quem é ou não é africano a partir do local de nascimento,

idioma, religião e cor de pele não devem ser respeitadas.

VII. O ensino de história da África tem por objetivo primeiro a formação de militantes e guerreiros

conscientes da urgente libertação mental e física do racismo e do neocolonialismo que afligem o

povo africano no continente e na diáspora

VIII. O ensino de história deve combater todas as teorias racistas, suas práticas e conceitos ( mestiço,

macaco, tortura, assassinatos, intimidação, fome, miséria, alienação )

IX. Todo o estudante, professor e pesquisador de história deve investir em auto-conhecimento, para sua própria conscientizacão, de forma permanente e ininterrupta .

X. A história da África faz parte de todos os povos nascidos no continente e daqueles que nasceram

fora da África durante o holocausto africano (maafa), sobreviventes.

XI. Todos os que resistiram e sobreviveram ao processo de escravidão, colonialismo e

embranquecimento durante a maafa são africanos, conscientes ou inconscientes disto.

XII. Todo o ancião historiador ,tradicional e/ ou profissional, deve ser respeitado a partir de seu

histórico de luta pela libertação

XIII. Todo o historiador da África deve prestar serviços a organizações pan-africanas e afrocentradas

Abaixo são apresentados tópicos resumidos para o ensino de civilizacões da

antiguidade clássica africana, com enfase no antigo Egito, entre a Unificacão no 3º milênio

por Narmer a morte de Aníbal no século 2 a.C. .Nossa proposta baseia-se nos quadros

cronológicos de Joseph Ki Zerbo em História da África Negra e de Molefi Kete Asante no

livro Kemet, Afrocentricity and Knowledge.

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Tabela 10: Proposta de tópicos para o ensino de civilizações da antguidade clássica africana

Introdução

Galáxia, cosmo e formacão geologica e geográfica do planeta terra

I. Ciclo Pré-histórico e Proto-histórico 5.300.000 a.C.

Contributo de historiadores da África contemporaneos

Primeiro a terceiro Pluvial ( Kegeriano, Kamasiano, Gambliano) e das três idades da

pedr: 1700000 -1200000 a.C.

Origem, Gênese, da raça humana : continente africano, região dos grandes Lagos

Neolítico africano , arte rupestre do saara e todos os indícios pre-históricos africanos

II. Ciclo Egípcio \Núbio civilizações do Vale do Nilo 10.000 - 5.200 a.C.

Migracões centro, sul e norte africanas para o vale do Nilo, região sul ( alto Egito) -

10.000-7000 a.C. Agricultura e criação de gado - 4.000 a.C.

Fundação do Império egípcio (Kemet)\ Unificação do Egito e Formação das primeiras

dinastias- 3500\ 2890 a.C.

Primeira Dinastia

3500-2890 a.C.

Narmer

Aha Djer

Den

Semerkhet

Qaa

Primeiros documentos escritos – Paleta de Narmer 3200

a.C.Matemática e valores éticos, Farmacopéia,Medicina humana e animal

Núcleos Agricolas da Etiópia do Alto e médio Níger

3200 a.C

Construções das grandes pirâmides 3200 a.C

Primeira Era do Ouro

Segunda Dinastia

2890 – 2686 a.C

Hotepsekhemwi

Nynetjer

Peribsen

Khasekhemwi

Proliferação das gravuras rupestres do

Saara 2780 a.C

Iniciativas expansionaistas das 2ª Dinasta

2.778 a.C.

3ª Dinastia

2686 -2613 a.C.

Sanakhte

Zoser

Sekhemkhet

Huni

4ª Dinastia

2613-2494 a.C.

Sneferu

Cheops Chephren

Micerinus

Dessecação gradual do Saara 2500 a.C.

5ª Dinastia

2494-2345 a.C.

Userkafi

Sahure

Yuserre

Unas

6ª Dinastia

2345-2181 a.C.

Teti

PepiI

Merenre

Pepi II

Primeiro período de (grande) instabilidade polítca que abrangeu da 7ª a 10ª dinastias

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Segunda Era do Ouro

11 ª Dinastia

2133-1991 a .C.

Mentuhotep I

Inyotef I-III

Mentuhotep II-IV

Migrações para Sul, sudeste e leste

2000 a.C.

12 ª Dinastia

1991-1786 a.C

Amenemet I

Sesostris I

Sesostris III

Amenemet III

13 ª Dinastia

1786-1633 a.C.

Sebekhotep III

Neferhotep

Introdução do carro -1700 a.C.

Invasão dos Hicsos - 1700 a.C.

Segundo Período de Instabilidade - Instabilidade política gerada pela invasão e permanência de Hycsos

da 14 ª Dinastia à 17ª Dinastias as leis de governação foram instáveis, alternadas entre egípcios e Hycsos.

Novo Reinado

18ª Dinastia

1567 – 1320 a.C.

Amosis Amenophis

Tuthmosis I

Tuthmosis II

Hatshepsut

Tuthmosis III

Amenophis II

Tuthmosis IV

Amenophis III

Akenaton

Smenkhkare

Tutankhamen

Ay Horemheb

19 ª Dinastia

1320-1200 a.C.

Rameses I

Seti I

Rameses II

Merneptah

Amen-meset

Seti II

20ª Dinastia

1200-1080 a.C.

Sethnakhte

Rameses III

Ramases IV-XI

3º Período de Instabilidade – período de

instabilidade política entre 1166 a 750 A.C.

,basicamente desencadeado por rivalidades entre

famílias e desorganização da ordem social e valores

culturais tradicionais estabelecida

Desenvolvimento de Cuxe ( capital Napata) -1080 a.C.

Expansão da navegação Egipcia -1000 a.C.

Fundacão de Cartago -814 a.C.

3º Era do Ouro

25 ª Dinastia

750-656 a.C.

Piankhi

Shabaka

Taharka

Shabataka

Pianky de Cuxe exerce governo até

a região de Menfis- 716 a.C.

Chabaka de Cuxe funda no Egito a

25ª Dinastia -715 a.C.

Taharka de Cuxe - 669 a.C.

26 ª Dinastia

664- 525 a.C.

Psammetichus I

Necho II

Apries

Amasis

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26 ª Dinastia

Inveção do Navio com Balanceiro -600 a.C.

Périplo dos Fenícios enviados pelo Faraó Nacau para uma exploração em volta do continente africano -600 a.C.

Tomada de Chipre pelos egípcios-565 a.C.

Decresce o número de rainhas enterradas em Napata. A Capital de Cuxe é transferida de Napata para Méroe -

553 a.C.

Declínio do grande reinado, desencadeado por seguidas invasões de Assirios que dominaram da 28ª a 30ª

Dinastias, implementando suas proprias leis estrangeiras ; seguidas por invasões de Macedônios, a dominação do

general Alexandre – período Ptolomaico e das presenças de gregos e do Império Romano 526 a 50 A.C.

Introdução do camelo no Egito pelos persas - 500 a.C.

Agravação do deserto do Saara – 480 a.C.

Florescimento da civilizaçao de Nok -450 a.C. Heródoto visita Núbia e Egito -445 a.C.

Amannete Yeriki de Méroe lança incursões contra nomedes do Oeste -420 a.C.

Florescimento da metalurgia em Méroe -420 a.C.

Os cartagineses invadem a Sicília - 409 a.C.

Os Malaios desembarcam em Madagascar-400 a.C.

A revolta dos Berberes ameaça Cartago -379a.C.

Segunda conquista Persa no Egito-341 a.C.

Exército de Alexandre invade o Egito -332 a.C.

Fundação de Alexandria -331 a.C.

Dinastia dos Ptolomeus no Egito -323 a.C.

Os Bantos chegam a África Oriental, Tanzânia - 300 a.C.

Restauração do canal do Nilo ao Mar vermelho -250 a.C. Arkamani leanta imensas pirâmides em Méroe - 220 a.C.

Vitória de Amílcar Barca de Cartago ( Pai de Aníbal) - 237 a.C.

Morte de Aníbal -183 a.C.

Dinasttia das Candaces de Méroe - 160 a.C.

Cartago é destruida pelos romanos que criam a provincia África - 146 a.C.

Fonte : Kemet, Afrocentricity and Knowledge (1992)

Conclusões

Para o nosso trabalho e campo as conexões metodológicas foram indispensáveis , pois

sem elas poderíamos incorrer nos mesmos equívocos do eurocentrismo metodológico, como

por exemplo a imcompreensão do tempo e espaço africano e a desqualificação da experiência

africana na diáspora . Por isto o diálogo entre metodologia geral de pesquisa em história de

Joseph KI-Zerbo e a metodologia afrodescendente de pesquisa foram bases de diálogo,

através do qual preparamo-nos para o trabalho de campo.

Os manuais que analisamos são oferecidos a dezenas de centenas de estudantes, é

possível identificar que os mesmos utilizados neste momento em Cabo Verde e no Brasil

abordam o tema civilizações e principalmente o antigo Egito de forma muito semelhante, e

contraditória a todas as referências que possuímos de Cheikh Anta Diop, por exemplo.Como

trabalhamos ao longo deste trabalho, as distorções sobre o tema civilizações e antiguidade

clássica africana se arrastam desde o século XIX.

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A indagação inicial sobre para o queserve a história da África pode ser substituída por

outra,qual o propósito do ensino da história da África. O que nós vimos até aqui foi uma

silenciosa guerra intelectual sobre o ensino de história da África. Avaliando o contexto

nacional brasileiro da lei 10639 em 2003, o relançamento da História Geral da África em

2010, e projeto Uso Pedagógico da História Geral da África de 2009,não é plausível que

manuais didáticos apresentem um tema que foi sempre tão importante para a descolonização

da história – o Egito-relegado à formação do Estado, opressão de faraós, predominância do

Delta e etc. No campo das questões estipulamos três para esse trabalho, a seguir comentamos

cada uma delas: A lei 10639/3, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino de história

e cultura africana e afro-brasileiranão influenciaram mudanças teóricas e metodológicas

sobre o lugar do Egito antigoem livros didáticos e programas de história no Brasil?

A lei 10639/3 e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino de história e cultura

africana e afro-brasileira (DCN) são utilizadas em três escolas que visitei em Fortaleza como

ferramentas de trabalho por um professor, que compreende as mesmas com o argumento

político para justificar suas atividades e propostas de trabalho. Segundo o mesmo, a Lei e o

DCN são “canais de conscientização”. De acordo com nossas visitas a escola não encontrou

exemplares da História Geral da África, algo que nos revela um descompromisso dos

gestores: 1) O Racismo e o neocolonialismo são dois elementos influentes no ensino do Egito

na História Antiga em escolas do Brasil e do Cabo Verde?.

A temática africana na antiguidade nos programas e manuais de história dos dois

países é elaborada a partir de uma perspectiva eurocêntrica do antigo Egito, e por uma

minoria privilegiada, no caso do Cabo Verde, autores portugueses, e no caso do Brasil autores

brancos, em sua grande maioria.

Entendemos que as tensõesracistas pautadas por uma doutrina politica da mestiçagem

no Brasil e em Cabo Verde estão inseridas nas próprias dinâmicas dos manuais de história em

ambos os países, um dos resultados é a persistência do Egito antigo ser considerado uma

civilização não africana. As elites brasileiras precisam ter sua devida contra ofensiva a

imposição de uma identidade mestiça a parte de sua população não branca, assim como as

elites cabo-verdianas que estimulam e promovem as cooperações internacionais devem ser

encaradas como marionetes do neocolonialismo no país.

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A partir de agora,outro caminho deve ser tomado. A lei 10639-3, as Diretrizes

Curriculares Nacionais e a História Geral da África são canais e ferramentas de trabalho, e

como podemos perceber limitados, uma vez que somente a consciência e um proposito

poderão assegurar a qualidade da educação. O exemplo de Amilcar Cabral (PAIGC) e das

ações de base do movimento negro, professores e pesquisadores precisamretomar ou iniciar

uma ação de militância junto aos movimentos e organizações africanos e na diáspora (mundo

africano), produzindo e divulgando materiais educacionais,e ações deformação política.

Somente a partir destes encaminhamentos que poderemos pensar em escolas e editoras

independentes.

Não podemos ser neutralizados pela argumentação de que a antiguidade clássica não é

importante, especialmente o conhecimento sobre o Antigo Egito, que significa uma

reintegração de todos os povos da África e diáspora (mundo africano ) ao fluxo da vida, ao

caminho ascendente dos valores ancestrais. Nós não abriremos mão disso.

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Conclusões Finais

As sete razões que me levaram a iniciar esta pesquisa sobre o ensino de história da

África podem ser reduzidas agora, no momento da conclusão, em duas palavras, justiça e

libertação. Busquei nesta investigação justiça no sentido de possibilitar aos leitores acesso a

informações sobre periodos decisivos da história e historiografia africana, restritas ou

ignoradas por sistemas educacionais neocoloniais, tanto no continente africano e em sua

diáspora. Como um povo pode ser livre para decidir seu destino sem consciência histórica do

que foi no passado, de onde e como está no momento presente?

A partir do meu interesse pela consciência histórica confeccionei o projeto desta

investigação atento a três pontos chave do ensino de história da África , as civilizações da

antiguidade clássica, os programas e manuais de história, por saber que os trabalhos geniais

de Cheikh Anta Diop e Joseph Ki Zerbo estiveram concentrados nestas pontos. Os problemas

estruturais do ensino de história persistem concentrados sob estes pontos, e não será possível

a construção de uma consciência histórica concistente sem o devido conhecimento da

antiguidade clássica africana e do seu legado milenar que permanece adormecido na mente e

no espirito de africanos e pessoas de ascendência africana em todo o mundo .

O Pan-africanismo foi um elemento decisivo dentro do nosso trabalho de pesquisa,

desde sua fundação conceitual no final do século XIX, o pan-africanismo proveu a

consciência histórica africana uma diretriz singular de unidade, incorporando a mesma valores

de interdependência, coletiviadade, identidade e solidariedade dentro de um proposito de

libertação para africanos no continente e na diáspora. Lideranças nacionalistas durante o

processo de luta para independencias africanas entre 1940 e 1970 perceberam rapidamente o

lugar da história da África para a integração nacioanal e esforçaram-se para descolonizar os

sistemas educacionais e curriculos, como foram os casos de Sekou Turé, Kwame Nkrumah e

Julius Neyrere.

Movimentos de caráter pan-africano durante a primeira metade do século XX foram

bases de Escolas do conhecimento e militância para historiadores da África. Historiadores

como Walter Rodney, Cheikh Anta Diop e Joseph Ki-Zerbo form grandes desbravadores da

descolonizaão da história da África, propositalmente dedicaram trabalhos a civilizações,

manuais e programas de história. Foi no seio de movimentos pan-africanos que nasceram

projetos como o da História Geral da África apoiado pela O.U.A. e pela UNESCO entre 1964

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até suas primeiras publicações na decada de 1980.Uma obra que abrigou a ambição de

subsidiar a descolonização da história da África, mas que foi frustrada pelo neocolonialismo e

por um certo teor conservador em muitos e seus autores .

Este conservadorismo historiográfico, um composto de racismo, eugenia e

eurocentrismo, construiu um imaginário deturpado das civilizações da antiguidade clássica

africana o Egito Antigo (Kemet) orientado em uma egiptologia criminosa. Vimos através de

fatos objetivos que historiadores e suas obras foram sistematicamente sabotados pela opção

eurocêntrica de sistemas educacionais africanos e da diáspora. Obras do calibre de Nações

Negras e Cultura escrita por Cheikh Anta Diop sessenta anos depois e escritas estão distantes

de programas e manuais de história no Brasil e Cabo Verde.

Foi dentro de nossa proposta de preliminar estudo sobre o ensino de antiguidade

africana no Brasil e no Cabo Verde que planejamos um trabalho de campo integrado, onde

identificamos problemas comuns e propusemos um caminho de solução , princípios para uma

pedagogia da Unidade, que tenha na hitória da África uma base de integração entre África e

Diáspora, mas sobretudo um mesmo propósito de libertação mental, pela libertação da

consciência histórica africana .

Brasil e Cabo Verde são dois países criados a partir do desterro de povos africanos,

condicionados a um contexto de radical desafricanização. Após a conclusão desta

investigação, estou convicto de que é necessário um propósito de conscientização histórica e

libertação no ensino de história capaz de transcender leis, programas e projetos

governamentais. Um propósito de “reafricanização das mentalidades e dos espíritos”, como

afirmou Amílcar Cabral.O propósito em comum ao ensino de história da África no Brasil e

Cabo deve prezar pela integração e construção de uma identidade africana, capaz de

transcender diferenças linguísticas, geográficas e epidérmicas.

Pretendemos a partir de esta dissertação ampliar nossos estudos e contribuições sobre

o ensino e pesquisa em história da África, objetivamente sobre a antiguidade clássica, o Egito

e o Vale do Nilo. A proposta da Pedagogia da Unidade em seus princípios possui uma pontos

objetivos para o ensino de história em sociedades anti-africanas e marcadas pelo desterro,

como é o caso do Cabo Verde e no Brasil.

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A necessidade de construção de novos manuais de história da Africa fundamentados

em pesquisas e orientações de Cheikh Anta Diop, Joseph Ki Zerbo, Walter Rodney é um

imperativo de ordem qualitativa e de propósito libertário para o ensino de história. Ignoradas,

desqualificadas ou mesmo desconhecidas pelo grande público de professores e estudantes,as

contribuições destes professores no campo da ciência, da política, da tecnologia e da cultura

estão sendo confirmadas e compreendidas no século XXI como os principais desafios do

processo de descolonização da história da África. Somente juntos e assentados em uma sólida

plataforma de luta alcançaremos a vitória para a nossa própria libertação.

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ANEXOS__________________________________________________________________

MAPA 1

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MAPA 2

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MAPA 3

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MAPA 4

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ROTEIRO DE ENTREVISTAS

Caros Professores

Estou desenvolvendo um trabalho de pesquisa e mestrado em Escolas\Liceus aboverdianos e brasileiros, cujo

objetivo geral é compreender o lugar das civilizações africanas no ensino de história antiga.

Solicito sua colaboração e gentileza respondendo as questões que seguem e desde já agradeço a colaboração.

Roteiro

1. Enquanto professor de História , qual escola que o sr. ou sra. escolheu para trabalhar como base de

referencial teórico e metodologico para o ensino de história antiga, e por que ?

2. Na sua opnião qual a imporância do ensino de história antiga nas escolas e qual o lugar da África

na história antigua da humanidade?

3. Qual a sua opnião sobre a qualidade dos materias didáticos para o ensino de história antiga ( mapas

, livros , programas e manuais)

4. O professor (ou professora) utiliza os volumes I e II da História Geral da África ( UNESCO) ?

5. Na sua opnião , nos últimos anos quais os avanços da história da África no campo educacional em

Cabo Verde, em outros países africanos e na diáspora ?

Ficha de Identificação

1. GERAL

I. Sexo ( ) masculino ( ) feminino

II. Qual a sua faixa etária ? ( ) -25\ ( ) 26 a 35 /( ) 36 a 45/ ( ) 46 a 55\ ( ) + de 56

2. DADOS PROFISSIONAIS

I . Escola que trabalha

III. Osrnada de trabalho ( ) até 20h ( ) 21 a 30 h ( ) 31 a 40 h ( ) 41 a 50 h ( ) +50h

IV. Vínculo empregatício ( ) efetivo ( ) contrato temporário

V. Está satisfeito com a profissão ( ) sim ( ) não ( ) razoável

VI. Tempo e serviço (anos) magistério __________________________

3. ACADÊMICA

I . Possui alguma formação específica em História ? ( ) sim ( ) não

II. Formação

Curso de graduação ( )

Especialização ( )

Pós-graduação ( )

Mestrado ( )

Doutorado ( )

Pós-doutorado ( )

4. CONCEPÇÕES POLÍTICO PEDAGÓGICAS

I.Considera a História uma disciplina :

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( ) Neutra – desprovida de enunciados de valores e visões de mundo

( ) Não Neutra – constituída de enunciados de valores e visões de mundo

( ) Não sei

II. Considera que a historiografia colonial exerce influência nos conteúdos de história do seu país?

( ) sim – em todos

( ) as vezes – em alguns conteúdos

( ) Não – em nenhum conteúdo

III. Considera importante atribuir uma perspectiva etnico-cultural ao ensino de história ? Ou

seja ,contextualizar o ensino dos conteúdos etnica e culturalmente ?

( ) sim – em todos os conteúdos

( ) as vezes – em alguns conteúdos

( ) Não – em nenhum conteúdo

IV. Considera que os movimentos de libertação das décadas de 1950,1960 e 1970 influenciaram o

ensino e a pesquisa em história da África ? (no caso do Brasil : movimento negro das décadas de

1950,1960 e 1970)

( ) sim

( ) não

V. e sua resposta à questão IV foi sim em qual sentido influenciaram a história da África:

( ) político pedagógico

( ) científico

( ) cultural

( ) os três sentidos

( ) não influenciou em nenhum dos três sentidos

VII. Qual a sua opnião sobre os atuais trabalhos de cooperação internacional entre Cabo Verde no

campo educacional ( Brasil : (…) qual tem sido o papel do Brasil na cooperação internacional em

países africanos no campo educacional ? )

5.PERSPECTIVAS TEÓRICO PEDAGÓGICAS

I . Qual seu método para o ensino das civilizações africanas durante a antiguidadde geral histórica ?

II. Como o antigo Egito e Etiópia estão apresentados no material didático (manuais e programas) ?

III. A antiguidade africana é contemplada por seu material didático (livros e mapas) ?

IV. Conhece o Uso Pedagógico da História Geral da África ?

V. Considera que há uma concepção europocentrica na abordagem do livro didático utilizado sobre antiguidade?

Se há está em benefício de quem ?

VI . Estabelece relação entre o ensino de civilizações africanas da antiguidadecom outras disciplinas do

programa ?