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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CÍCERO WAGNER OLIVEIRA PINHEIRO ENSINO E APRENDIZAGEM DE GUITARRA ELÉTRICA NO TRIÂNGULO CRAJUBAR CE FORTALEZA CE 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CÍCERO WAGNER OLIVEIRA PINHEIRO

ENSINO E APRENDIZAGEM DE GUITARRA ELÉTRICA NO TRIÂNGULO

CRAJUBAR – CE

FORTALEZA – CE

2017

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CÍCERO WAGNER OLIVEIRA PINHEIRO

ENSINO E APRENDIZAGEM DE GUITARRA ELÉTRICA NO TRIÂNGULO

CRAJUBAR – CE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação. Área de concentração: Ensino de Música. Orientador: Prof. Luiz Botelho Albuquerque – PhD.

FORTALEZA 2017

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca UniversitáriaGerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

P718e Pinheiro, Cícero Wagner Oliveira. Ensino e aprendizagem de guitarra elétrica no Triângulo CRAJUBAR - CE / Cícero Wagner OliveiraPinheiro. – 2017. 152 f. : il. color.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Fortaleza, 2017. Orientação: Prof. Dr. Luiz Botelho Albuquerque.

1. Guitarra elétrica. 2. Ensino e aprendizagem. 3. Ensino de música democrático. I. Título. CDD 370

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CÍCERO WAGNER OLIVEIRA PINHEIRO

ENSINO E APRENDIZAGEM DE GUITARRA ELÉTRICA NO TRIÂNGULO

CRAJUBAR – CE

Dissertação apresentada à Linha de Pesquisa “Educação, Currículo e Ensino” do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação. Área de concentração: Ensino de Música.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Luiz Botelho Albuquerque – PhD (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Dr. Pedro Rogério

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Dr. José Albio Moreira de Sales

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

_________________________________________ Prof. Dr. Ivânio Lopes de Azevedo Júnior Universidade Federal do Cariri (UFCA)

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Dedico este trabalho a Deus e a minha família.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo seu amor incondicional e por guiar os meus passos.

Ao Prof. PhD. Luiz Botelho Albuquerque, pelo acolhimento e excelente orientação.

À Prof.ª Dra. Carmen María Saenz Coopat, por todos os sábios conselhos e pelo

carinho de sempre.

Aos professores participantes da Banca examinadora: Dr. Pedro Rogério, Dr. José

Albio Moreira de Sales e Dr. Ivânio Lopes de Azevedo Júnior.

À minha família, por acreditar nos meus projetos e sonhos.

À minha querida noiva Franciele Jany, por estar sempre ao meu lado.

A todos os entrevistados, João Martins, Lifanco Kariri, Cleivan Paiva, Jocean

Donelardy, Edmilson Duarte, Ivânio Lopes e Bismark Matos, pela imensa contribuição e sem

os quais esta pesquisa não teria sido possível.

A todos os meus alunos e amigos, pelas vivências compartilhadas e pela preciosa

amizade.

Aos colegas de mestrado, por todos os momentos de compartilha de saberes.

A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFC, pela

dedicação, profissionalismo e por acreditar no poder transformador da educação.

Aos professores Me. Marco Antonio Silva, Dra. Maria Goretti Herculano da Silva,

Me. Ítalo Rômulo de Holanda Ferro, Dr. Francisco Weber dos Anjos, Dr. Cleyton Vieira

Fernandes, Dr. Márcio Mattos Aragão Madeira e Me. Cesar Gabriel Berton, pelas conversas e

reflexões que muito me ajudaram.

À FUNCAP, pela bolsa concedida.

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“Eu me experimento inacabado. Da obra, o

rascunho. Do gesto, o que não termina. Sou

como o rio em processo de vir a ser. A

confluência de outras águas e o encontro com

filhos de outras nascentes o tornam outro. O

rio é a mistura de pequenos encontros. Eu sou

feito de águas, muitas águas. Também recebo

afluentes e com eles me transformo.”

(Padre Fábio de Melo)

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RESUMO

A presente dissertação teve como objetivo geral compreender as práticas pedagógicas e

metodológicas no ensino e aprendizagem de guitarra elétrica no triângulo CRAJUBAR e

fomentar aquelas consideradas fundamentais para um ensino de música democrático. Para

tanto, foi necessário, além de investigar alguns espaços de ensino e aprendizagem de guitarra

no curso de Licenciatura em Música da UFCA, apresentar um breve histórico da guitarra no

CRAJUBAR sob a perspectiva da história de vida de alguns agentes. A fim de iluminar as

reflexões esta pesquisa utilizou como referencial teórico a Ecologia dos Saberes de Maria

Cândida Moraes, a praxiologia do Pierre Bourdieu e algumas ideias e propostas de Maura

Penna sobre a democratização do acesso à arte e à cultura. Trata-se de uma pesquisa de cunho

qualitativo e os procedimentos metodológicos adotados são a história de vida em formação e

estudos do tipo etnográfico. O trabalho apresentou uma interessante organização dos estudos

da guitarra a partir de seis tópicos: conhecimento do braço, técnica, leitura, harmonia,

improvisação e repertório; sendo que, a partir dessa organização, podem ser utilizadas as

seguintes práticas pedagógicas e recursos metodológicos: Sistema 5 (CAGED), apreciação

musical, “pegar músicas de ouvido”, transcrição em partitura, composição – em sentido amplo

–, estudo e performance de repertório que contemple uma ampla variedade de gêneros e

estilos musicais, desde a música popular até a erudita, utilização de metrônomo, playbacks,

áudios, vídeos, videoaulas e gravação musical. Ressaltamos ainda a Aprendizagem Musical

Compartilhada como excelente proposta metodológica para o ensino e aprendizagem de

guitarra em contextos coletivos.

Palavras-Chave: guitarra elétrica; ensino e aprendizagem; ensino de música democrático.

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ABSTRACT

The aim of this dissertation was to understand pedagogical and methodological practices in

the teaching and learning of electric guitar in the CRAJUBAR triangle and to foster those

considered fundamental for a teaching of democratic music. For that, it was necessary,

besides investigating some spaces of teaching and learning of electric guitar in the course of

Graduation in Music of the UFCA, to present a brief history of the electric guitar in the

CRAJUBAR under the perspective of the life history of some agents. In order to illuminate

the reflections, this research used as a theoretical reference the Ecology of Knowledge of

Maria Cândida Moraes, the praxiology of Pierre Bourdieu and some ideas and proposals of

Maura Penna on the democratization of access to art and culture. It is a qualitative research

and the methodological procedures adopted are the life history in formation and studies of the

ethnographic type. The work presented an interesting organization of the studies of the guitar

from six topics: knowledge of the arm, technique, music reading, harmony, improvisation and

repertoire; From this organization, the following pedagogical practices and methodological

resources can be used: System 5 (CAGED), musical appreciation, “pick up songs from the

ear”, transcription in score, composition - in a broad sense -, study and repertoire performance

that contemplate a wide variety of genres and musical styles, from popular music to the

erudite, use of metronome, playbacks, audios, videos, video lessons and music recording. We

also emphasize Shared Musical Learning as an excellent methodological proposal for the

teaching and learning of electric guitar in collective contexts.

Keywords: electric guitar; teaching and learning; teaching democratic music.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Imagem 1 – João Martins com a sua guitarra elétrica Di Giorgio......................... 50

Imagem 2 – A guitarra Di Giorgio de João Martins na data da entrevista............ 51

Imagem 3 – J. Martins e Seu Conjunto.................................................................. 53

Imagem 4 – HildeMartins Som.............................................................................. 55

Imagem 5 – CD “Uma chance para recordar”....................................................... 57

Imagem 6 – CD “Mano a mano”........................................................................... 57

Imagem 7 – Guitarra Washburn de Lifanco........................................................... 63

Imagem 8 – Lifanco e sua guitarra Washburn....................................................... 65

Imagem 9 – Lifanco Kariri e Cleivan Paiva.......................................................... 66

Imagem 10 – Capa do disco Guerra e Paz............................................................. 73

Imagem 11 – Capa do segundo disco, intitulado “Cleivan Paiva”........................ 75

Imagem 12 – Cleivan Paiva................................................................................... 76

Imagem 13 – Cleivan Paiva e Francisco Silvino em

Guaramiranga.........................................................................................................

77

Imagem 14 – Carteira da Ordem dos Músicos do Brasil de Jocean...................... 81

Imagem 15 – Banda Eutanásia............................................................................... 83

Imagem 16 – Mr. Chagas....................................................................................... 84

Imagem 17 – Abidoral Jamacaru e Jocean Donelardy no EDS Studio.................. 86

Imagem 18 – Edilson, Edson, Diana, Marcondes e Edmilson, a Banda

Arquivo..................................................................................................................

93

Imagem 19 – Banda Arquivo................................................................................. 94

Imagem 20 – Cartaz de divulgação do Recital da disciplina Guitarra Elétrica I... 124

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AABB Associação Atlética Banco do Brasil

ABEM Associação Brasileira de Educação Musical

AMC Aprendizagem Musical Compartilhada

BNB Banco do Nordeste do Brasil

CAGED Dó (C), Lá (A), Sol (G), Mi (E) e Ré (D)

CBM Conservatório Brasileiro de Música

CD Compact Disc

C(L)A(S)P Composition, Literature studies, Audition, Skill aquisition, Performance

CRAJUBAR Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha

DVD Digital Versatile Disc

ECIM Ensino Coletivo de Instrumentos Musicais

EMUFRN Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

ETIM Técnico Integrado de Música

FAAM Faculdade Alcântara Machado

FAMOSP Faculdade Mozarteum de São Paulo

FASM Faculdade Santa Marcelina

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IES Instituições de Ensino Superior

IFPB Instituto Federal da Paraíba

IFPE Instituto Federal de Pernambuco

IG&T Instituto de Guitarra & Tecnologia

LEG Laboratório de Estudos de Guitarra

LP Long Play

MPB Música Popular Brasileira

ONG Organização Não Governamental

UBM Universidade Barra Mansa

UECE Universidade Estadual do Ceará

UFBA Universidade Federal da Bahia

UFC Universidade Federal do Ceará

UFCA Universidade Federal do Cariri

UFG Universidade Federal de Goiás

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UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

UFPB Universidade Federal da Paraíba

UFPE Universidade Federal do Pernambuco

UFPR Universidade Federal do Paraná

UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

UNIRIO Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

UNISANT‟ANNA Universidade Santana

UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí

USC Universidade Sagrado Coração

ZDP Zona de Desenvolvimento Proximal

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................... 12

1.1 A guitarra elétrica na música brasileira............................................ 16

1.2 Alguns espaços educacionais no Nordeste em que a guitarra

elétrica está presente e algumas pesquisas sobre o instrumento.....

20

2 REFERENCIAIS METODOLÓGICO E TEÓRICO...................... 28

2.1 Referencial Metodológico.................................................................... 28

2.2 Referencial Teórico.............................................................................. 31

2.2.1 Ecologia dos Saberes............................................................................ 31

2.2.2 Ensino de Música Democrático........................................................... 33

3 A GUITARRA ELÉTRICA NO TRIÂNGULO CRAJUBAR-CE

SOB A PERSPECTIVA DA HISTÓRIA DE VIDA DE ALGUNS

AGENTES.............................................................................................

45

3.1 João Martins Gonçalves...................................................................... 46

3.2 Lifanco Kariri (Francisco Macário da Silva Filho).......................... 58

3.3 Cleivan Paiva........................................................................................ 66

3.4 Jocean Donelardy Pereira................................................................... 77

3.5 Edmilson Duarte de Queiroz............................................................... 88

3.6 Trajetórias de mim............................................................................... 95

4 ENSINO E APRENDIZAGEM DE GUITARRA ELÉTRICA NA

UFCA.....................................................................................................

107

4.1 Experiências musicais no Laboratório de Estudos de Guitarra

(LEG).....................................................................................................

107

4.1.1 Objetivos e proposta pedagógica do LEG............................................. 107

4.1.2 A Aprendizagem Musical Compartilhada na formação do

guitarrista..............................................................................................

116

4.2 A disciplina Guitarra Elétrica I (2016.1)........................................... 119

4.3 A guitarra elétrica na Cariri Jazz Big Band...................................... 124

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 126

REFERÊNCIAS................................................................................... 133

APÊNDICES......................................................................................... 141

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1. INTRODUÇÃO

A guitarra elétrica1 é um instrumento que tem se tornado cada vez mais popular no

Brasil, principalmente por causa da sua grande adesão por parte dos jovens, que veem na

guitarra uma energia e jovialidade, uma identificação com o seu eu (PINHEIRO; SILVA;

MATTOS, 2011, p. 04). Contribui também para sua popularidade o fato de que hoje há

modelos e marcas desse instrumento num preço bem acessível, tornando-a objeto de consumo

de pessoas que há alguns anos não teriam condições financeiras para adquiri-la.

Soma-se a isso a grande globalização no mundo moderno, que tem proporcionado um

intenso processo de influências culturais, seja através da internet, da televisão, do rádio, entre

outros, fazendo com que a guitarra venha conquistando o gosto de um grande número de

pessoas (GARCIA, 2011-a, p. 54). Para Moraes a globalização é entendida como “expressão

das inter-relações econômicas, políticas e sociais que se estabelecem entre países, pessoas e

povos” e que os meios de comunicação e as tecnologias digitais a tornaram mais evidente.

Moraes ainda explicita que a globalização, além de influenciar a forma “como cada um

seleciona, produz e transmite informações”, também incentiva “os mais diferentes tipos de

intercâmbios culturais, informacionais, econômicos, políticos e sociais” (2008, p. 14-15).

Estas ideias são oportunas para entendermos que, a despeito dos mecanismos de dominação

que estão por detrás da questão e também dos cuidados que é preciso ter com a

“uniformização cultural” (MORAES, 2005, p. 39), o grande crescimento da popularidade da

guitarra e da música produzida com ela se deve muito a estes intercâmbios culturais

proporcionados pela globalização, alcançando assim, vários novos territórios e públicos.

Outro ponto a seu favor é que, por ser um instrumento potencialmente versátil, a

guitarra permite uma ampla possibilidade expressiva musical. É um instrumento harmônico

que pode cumprir a função de acompanhamento nos mais variados contextos e formações

musicais. É também um instrumento melódico, assumindo muitas vezes o papel de

protagonista através de solos ou improvisos, inclusive em música para orquestra. Também é

possível o trabalho de guitarra elétrica solo, em composições e/ ou arranjos em que harmonia

e melodia são desenvolvidas simultaneamente (ROCHA, 2005, p. v). As possibilidades para o

guitarrista ainda se ampliam de forma significativa se considerarmos o uso dos inúmeros

recursos musicais tecnológicos existentes e a exploração de novas fronteiras sonoras. Quanto

ao meio de produção do som, ou quanto ao timbre, a guitarra é considerada um instrumento

1 Daqui em diante utilizaremos preferencialmente apenas o termo guitarra para nos referir ao instrumento

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eletroeletrônico (ALMADA, 2000, p. 23) e certamente constitui um avanço histórico para a

organologia no Século XX na medida em que possibilita novas formas de se fazer música.

No entanto, diferentemente de alguns instrumentos legitimados pela longa tradição

musical europeia, a guitarra ainda hoje parece precisar provar que é um instrumento viável ao

estudo sério da música para assim conseguir aos poucos o espaço devido no âmbito

educacional. Assim, apesar de sua grande popularidade atual, da facilidade de aquisição do

instrumento e da ampla possibilidade expressiva musical através da mesma, somente há

pouquíssimo tempo é que a guitarra de fato tem conseguido conquistar mais espaço em

ambientes educacionais de caráter formal, espaço este ainda relativamente pequeno, porém

significativo se situado no contexto histórico. Destarte, este avanço da presença da guitarra

em ambientes formais está intrinsecamente ligado ao fato de que também a música popular

tem alcançado novos espaços e um novo status perante a educação musical no Brasil somente

muito recentemente.

A partir da minha experiência discente no Laboratório de Estudos da Guitarra (LEG)

da Universidade Federal do Cariri (UFCA2) nos períodos 2011.2, 2012.1 e 2012.2 e também

da experiência como professor de guitarra, tanto as aulas particulares que ministrei em 2011

como as aulas ministradas no Complexo Cultural Schoenberg em Juazeiro do Norte – CE, tais

questões se tornaram mais latentes e senti a necessidade e o desejo de empreender uma

pesquisa que buscasse um entendimento mais sofisticado sobre o ensino e aprendizagem do

instrumento. Além disso, minha intenção é que a pesquisa também contribua de alguma forma

para a solução, mesmo que parcial, obviamente, de algumas problemáticas e ajude a

desmistificar ideias e pensamentos contraditórios do senso comum a seu respeito. A saber,

meu envolvimento com a guitarra não se iniciou na graduação, mas foi a partir desta

experiência acadêmica e da experiência com o ensino do instrumento que surgiram tais

inquietações.

Nessa perspectiva, algo que chama atenção é que a presença da guitarra no currículo

de ambientes formais de ensino de música a nível nacional ainda é pequena se comparada

com outros instrumentos tradicionais, principalmente em se tratando de cursos de nível

superior em música (bacharelado e licenciatura) nas universidades brasileiras (GARCIA,

2010, p. 1488). Conforme aponta Rogério Lopes (p. 34), à época de sua pesquisa, no ano de

2 Na época da criação do curso de Licenciatura em Música, em 2009, era Campus Cariri da Universidade Federal do Ceará (UFC). Somente em junho de 2013, através da Lei n.º 12.826, é que a UFCA foi criada por desmembramento da UFC.

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2007, existiam apenas cinco instituições3 de nível superior no Brasil que em seus cursos de

música se trabalhava com a guitarra, sendo que todos os cinco cursos são de bacharelado, ou

seja, nenhum deles tratava-se de licenciatura.

Já na dissertação de Módolo (2015), o mesmo aponta que, de acordo com um

levantamento realizado entre abril de 2013 e novembro de 2014, houve um aumento dos

cursos de nível superior que contemplam a guitarra. Foram identificadas dezoito (18)

universidades brasileiras4 que contemplam o ensino do instrumento.

Assim, esse panorama nos mostra que houve um aumento significativo de cursos de

nível superior que contemplam a guitarra, o que é algo positivo. Porém, é um número ainda

pequeno diante das dimensões geográficas continentais do Brasil. Contribuindo com esse

pensamento, Jonas Tarcísio Reis afirma que:

Na Educação Básica ainda parece difícil trabalhar com a música de forma amplamente democrática, considerando as diferentes manifestações musicais do cenário brasileiro, visto que a formação acadêmica ainda é de base eurocêntrica e com o foco em instrumentos tradicionais, com exceção de algumas IES, pioneiras na inserção de instrumentos e práticas populares em seus currículos, tais como o acordeom, a bateria, a guitarra, a percussão e o canto popular (2012, p. 251-252).

Considerando as localizações das dezoito universidades, vemos que treze delas, mais

de dois terços do total, estão situadas nas regiões Sul e Sudeste do país, o que torna difícil o

acesso para estudantes de outras regiões e confirmando que a guitarra ainda encontra

dificuldades para conquistar seu espaço na educação musical a nível nacional.

Através de um mapeamento realizado via internet – no site das instituições e através

de contatos via e-mail – verifiquei que atualmente a guitarra está presente no currículo formal

de seis (06) cursos de música de nível superior no Nordeste, sendo que quatro (04) deles são

cursos de licenciatura. Abordarei este mapeamento em detalhe no tópico 1.2 que contempla o

estado da questão. Esta relativa pequena presença da guitarra em instituições de nível superior

3 A saber: [...] a Faculdade Santa Marcelina, a UNIRIO desde de 1987, a UNICAMP a partir de 1989 e a UFPR a partir de 2001. [...] iniciou-se um bacharelado em guitarra elétrica no Conservatório Brasileiro de Música (Rio de Janeiro- RJ), a partir de 2006 (LOPES, 2007, p. 34). 4 As universidades e as denominações dos cursos são: (1) Cursos de Bacharelado em Música: “Faculdade Alcântara Machado (FAAM/SP), Faculdade Santa Marcelina (FASM/SP), Faculdade Cantareira (SP), Universidade Barra Mansa (UBM/RJ), Universidade Santana (UNISANT‟ANNA/SP)”; (2) Cursos de Bacharelado em Instrumento: “Conservatório Brasileiro de Música (CBM/RJ), Faculdade Souza Lima (SP), Universidade Sagrado Coração (USC/SP), Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI/SC), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE/PE)”; (3) Cursos de Bacharelado em Música Popular: “Faculdade Mozarteum de São Paulo (FAMOSP/SP), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP/SP), Universidade Federal da Bahia (UFBA/BA), Universidade Federal de Minas Gerais UFMG/MG), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS/RS)”; e (4) Cursos de Licenciatura em Intrumento – opção guitarra elétrica: “Universidade Federal da Paraíba (UFPB/PB), Instituto Federal de Pernambuco (IFPE/PE), Universidade Federal de Goiás (UFG/GO)” (MÓDOLO, 2015, p. 30-31).

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reflete na formação pouco consistente de muitos professores de guitarra e também na

dificuldade de inserção do instrumento em outros contextos educacionais.

No próprio contexto caririense, em que o triângulo CRAJUBAR5 está inserido, apesar

de os guitarristas encontrarem muitos espaços artísticos abertos para pronunciarem seus

acordes e melodias, o ensino e aprendizagem do instrumento é presente somente em

pouquíssimos espaços educacionais. Entre outros fatores, acredito que um dos principais

motivos para isso é a falta de professores de guitarra qualificados com sólida formação para

atuarem com o ensino e aprendizagem do instrumento.

Após a aprovação da Lei 11.769/2008 e todas as consequências que ela implica na

prática, a região do Cariri foi contemplada com um curso de nível superior em música, a

Licenciatura em Música na UFCA, que tem promovido novos avanços para a educação

musical da região e possibilitado uma sólida formação docente na área. Assim, espero que

esta problemática da falta de professores de guitarra qualificados seja solucionada o mais

breve possível.

Desta forma, nos poucos ambientes de ensino de música no triângulo CRAJUBAR,

nos quais se encontra o ensino e aprendizagem de guitarra e também no caso das aulas

particulares, através de relatos e conversas informais percebe-se que, num sentido genérico,

parece ainda não haver uma sistematização e organização básica de práticas pedagógicas, de

conteúdos, metodologias e materiais didáticos a serem utilizados nas aulas, o que pode refletir

num processo de ensino e aprendizagem deficiente. Isso contribui para que, de um ponto de

vista didático-pedagógico, não haja uma sistematização de propostas e conteúdos bem

delineados de acordo com cada objetivo de ensino do instrumento, apesar do esforço de

alguns professores em ensinar de maneira coerente, criativa e dinâmica.

Há alguns anos atrás, esse cenário era ainda mais restrito, pois quando iniciei os

estudos no instrumento era raro encontrar na região uma escola especializada que ofertasse o

ensino de guitarra. Após um ano estudando a guitarra de forma autodidata e pegando dicas

com amigos foi que conheci um professor particular com quem tive as primeiras aulas. Outra

problemática era a escassez de bons materiais como livros, métodos, vídeos, etc. e a

dificuldade de adquiri-los. 5 O Triângulo CRAJUBAR compreende as cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, localizadas na região conhecida como o Cariri Cearense, no sul do Estado. Para ser mais exato, o Triângulo CRAJUBAR pertence à Região Metropolitana do Cariri, que foi criada oficialmente a partir da Lei Complementar n° 78/2009. Tal documento dispõe em seu Art. 1° que a Região Metropolitana do Cariri é compreendida pelo agrupamento dos municípios de Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha, Missão Velha, Caririaçu, Farias Brito, Jardim, Nova Olinda e Santana do Cariri. Os nove municípios citados estão localizados ao Sul do Estado do Ceará, que por sua vez pertence ao Nordeste Brasileiro.

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Numa visão geral, hoje esse cenário obteve alguns avanços, embora, na maioria dos

casos, o ensino ofertado precise ser repensado e melhor estruturado. O acesso a materiais

também foi facilitado, com destaque para algumas publicações de guitarristas brasileiros e o

compartilhamento de materiais através da internet. Assim, reforço que estas questões e outras

problemáticas em relação ao ensino e aprendizagem da guitarra podem ser minimizadas e

progressivamente solucionadas com a contínua inclusão do instrumento no currículo dos

cursos superiores de música, o que irá gerar mais pesquisas e propostas de ensino e

aprendizagem adequadas a cada contexto.

Um dos espaços que tem contribuído significativamente para o ensino e para as

pesquisas no campo da guitarra elétrica no triângulo CRAJUBAR é o Laboratório de Estudos

de Guitarra (LEG), que iniciou suas atividades em novembro de 2009 tendo o prof. Ivânio

Lopes de Azevedo Júnior como idealizador e coordenador (AZEVEDO JÚNIOR, 2013, p.

40). O LEG é um projeto de extensão do curso de Licenciatura em Música da UFCA e

encontrou oportunidade de existência graças a uma demanda significativa de pessoas que

gostariam de estudar o instrumento, inclusive muitas destas pessoas já tinham uma

participação ativa no contexto musical da região.

É preciso dar continuidade a esse processo de mudanças positivas ocorridas nos

últimos anos a fim de amadurecer cada vez mais o ensino e aprendizagem de guitarra na

região de acordo com cada contexto em que o mesmo acontece. Assim, acredito que é

necessária uma análise e reflexão sobre as práticas pedagógicas e metodológicas que

permeiam o ensino e aprendizagem de guitarra no CRAJUBAR, para que, posteriormente,

possamos dialogar e fomentar propostas coerentes.

Prosseguindo nesta tentativa de refletir sobre os desafios que se apresentam no campo

da guitarra elétrica, vale ressaltar que, além da sua restrita presença em cursos de nível

superior no país, tal instrumento ainda parece ser por vezes considerado um subproduto

importado da música norte-americana e que não contribui de forma significativa com a

música brasileira. Nessa perspectiva, empreendo uma discussão a partir de uma revisão de

literatura a fim de mostrar que este pensamento está equivocado e que sim, a guitarra tem

contribuído significativamente para a música brasileira.

1.1 A guitarra elétrica na música brasileira

Logo quando a guitarra elétrica chegou ao Brasil, havia uma preocupação por parte de

críticos e jornalistas de que a mesma prejudicaria a tradição do violão – que havia conseguido

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um status de símbolo nacional após muitos esforços – e também questionavam a autenticidade

da guitarra por ter sido inventada nos Estados Unidos (VISCONTI, 2010, p. 32-33). Assim,

muitos temiam que a mesma não pudesse reproduzir uma sonoridade musical tipicamente

brasileira e que não pudesse contribuir significativamente para os estudos da música.

Uma informação relevante é que na obra “Concerto Carioca nº1”6 o compositor

brasileiro Radamés Gnattali introduziu de maneira pioneira a guitarra na música brasileira de

concerto muito provavelmente motivado pelo fato da mesma possuir “grande identificação

com a música americana” e carregar em si um significado de modernização. Nesta

perspectiva, Visconti ainda destaca a ousadia de Gnattali que, a favor da modernização do

samba, compôs tal concerto para guitarra elétrica e orquestra numa época em que muitas

pessoas eram radicalmente contra a utilização do instrumento na música brasileira (2010, p.

36).

Esse tipo de mentalidade tem sido superado gradativamente, pelo menos em grande

parte. Inclusive, alguns pesquisadores e guitarristas brasileiros já há algum tempo vêm

fazendo um esforço no sentido de fortalecer as reflexões em torno do assunto (BORDA, 2005,

2015; LOPES, 2007, 2013; GARCIA, 2010, 2011-a, 2011-c; VISCONTI, 2005, 2010;

VIANNA NETO, 2009, entre outros).

Recentemente foi produzido um Método de Guitarra Elétrica intitulado “A Escola de

José Menezes França” (BORDA, 2015) que certamente irá contribuir significativamente para

o fortalecimento da guitarra brasileira. Segundo Borda, um dos objetivos do método citado é

“sistematizar o estudo dos materiais da guitarra elétrica e de seu idiomatismo tão amplo.

Buscar os conceitos mais essenciais e profundos da música para fundamentar a prática da

guitarra na música brasileira, exemplificando com um repertório selecionado por critérios de

relevância histórica, estética e idiomática”. Outro objetivo do método que tem haver com esta

discussão é “apresentar conceitos importantes para a técnica da guitarra elétrica na música

brasileira, bem como sua aplicação direta no repertório abordado” (2015, p. 02). Rogério

Borda tomou como base várias obras e a grande experiência prática musical de Zé Menezes7

para produzir tal método. Assim, podemos considera-lo um material didático-pedagógico

muito valioso para a guitarra brasileira. 6 Trata-se de um concerto para guitarra elétrica e orquestra composto na década de 50 e “constituído por quatro movimentos, sendo que o último é intitulado „Samba‟” (VISCONTI, 2010, p. 36). 7 O músico José Menezes França, mais conhecido por Zé Menezes, nasceu no dia 06 de setembro de 1921 na cidade de Jardim – CE e é considerado um grande ícone da guitarra brasileira, apesar de que não tocava apenas a guitarra, mas a maioria dos instrumentos de cordas dedilhadas (cavaquinho, baixo, bandolim, violão tenor e violão). Zé Menezes foi quem estreou o Concerto Carioca n.º 1 de Radamés Gnatalli, obra sinfônica para guitarra elétrica, piano e orquestra e teve uma sólida carreira musical atuando em diferentes contextos, por exemplo, no rádio, televisão, estúdios, bailes, etc.

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Sobre esta questão da identidade brasileira, pude constatar a preocupação de alguns

autores que se empenharam em apresentar nas suas pesquisas uma discussão em torno do

assunto, tendo seu foco em como a guitarra elétrica contribui com a identidade musical

brasileira. Na dissertação de Visconti, intitulada A guitarra brasileira de Heraldo do Monte, o

autor aponta nas conclusões que o entendimento de “Guitarra Brasileira” se dá a partir da

“articulação da música popular urbana (choro, samba e frevo), das manifestações musicais

regionais e do jazz” (2005, p. 199).

No trabalho de monografia de Rogério Lopes, o mesmo desenvolve um ponto de vista

mais crítico sobre a guitarra e sua relação com a identidade brasileira. Para o autor, não há

uma única identidade brasileira na guitarra, mas sim uma “pluralidade de guitarras

brasileiras”, em que se faz presente inclusive “as de caracterização supostamente estrangeira”.

Assim, a partir do hibridismo entre práticas populares, nacionais e estrangeiras, se formou

uma identidade brasileira. Por tal fato, seria minimamente contraditório negar ou evitar

contato com gêneros estrangeiros (2007, p. 52).

Vale lembrar que a música de qualquer região do mundo não acontece de forma pré-

determinada ou pré-estabelecida, pois está sujeita a mudanças, misturas e fusões que

acontecem de forma consciente ou inconsciente. Assim, embora haja ou não uma vontade de

criar algo novo, nunca se sabe com total certeza onde se irá chegar, e isto faz parte do

processo de transformação e convivência entre a tradição, modernidade e pós-modernidade

(CANCLINI, 2000-a). Contribuindo com a discussão também podemos dialogar com o termo

identidade ecologizada de Moraes, que indica que a identidade cultural está sempre em um

complexo processo de construção e reconstrução, “sujeito ao imprevisível e ao inesperado”.

Moraes aponta ainda que esse processo não tem caráter linear, “pois toda cultura é dinâmica e

se transforma em contato com outras culturas” (2008, p. 205).

Portanto, negar um instrumento afirmando que ele não representa uma suposta

identidade brasileira é negar a capacidade artística e criativa do ser humano, é negar o

dinamismo dos processos culturais e negar as possibilidades de integração entre o tradicional

e o novo, bem como negar suas contribuições a favor da educação musical.

O próprio movimento conhecido como o Pessoal do Ceará recebeu diversas

influências musicais locais, nacionais e inclusive internacionais, e que Rogério, Albuquerque

e Benvenuto (2012, p. 56) vão utilizar a expressão “transbordamento cultural” para sugerir a

“ideia modernista da antropofagia” que impulsionou o novo som do movimento citado a partir

da consideração das diversas influências. Embora as influências nacionais vindas da Bossa-

nova, do Tropicalismo, do Clube da Esquina, para citar alguns, tenham tido maior peso e

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importância na musicalidade do Pessoal do Ceará, não se pode negar a influência de bandas

estrangeiras como The Beatles e Rolling Stones, já que suas sonoridades eram presença forte

que circulavam na sociedade da época (Ibid., p. 65).

Então, apesar de ser um instrumento musical relativamente novo e de naturalidade

Estadunidense, a guitarra se adaptou muito bem ao país do samba, da bossa nova, do frevo, do

baião, do chorinho, etc., pois são inúmeros os estilos e ritmos musicais brasileiros. Apesar das

dificuldades e preconceitos encontrados no percurso, sinceramente parece que a guitarra se

tornou mais madura após conviver os últimos 60 anos8, aproximadamente, com a herança

musical brasileira. Tocando suas guitarras, os guitarristas brasileiros comprovaram que tal

instrumento é, de fato, um instrumento em nossas mãos.

Levando em consideração que o termo instrumento significa basicamente todo objeto

que nos auxilia de alguma forma a realizar determinado trabalho, a alcançar determinado

objetivo (FERREIRA, 2001), e também considerando que a música é um fenômeno universal

e que é feita por seres humanos (PENNA, 2012, p. 22-23), então precisamos ter consciência

que em nossas mãos a guitarra se torna um meio para chegarmos a um fim. Isso significa que

a maior parcela de responsabilidade nesta finalidade musical é nossa e não do instrumento.

Não afirmo isto desmerecendo as particularidades e potencialidades da guitarra, muito pelo

contrário, elas são um ponto chave na questão já que o instrumento deve se tornar uma

extensão de nosso corpo, porém apenas ressalto que a musicalidade ou a música nascem

primeiramente em nós músicos e somente depois, dependendo das habilidades musicais

desenvolvidas, é que podemos torná-la possível no plano real e sonoro através do

instrumento.

É então nossa a responsabilidade, do ser humano – do instrumentista –, de buscar

desenvolver as habilidades necessárias para bem nos expressar através do instrumento. Pode-

se conseguir uma infinidade de possibilidades musicais com a guitarra e incluí-la em diversos

contextos, levando em consideração suas inúmeras possibilidades timbrísticas e idiomáticas.

Por que então delimitar fronteiras? Demarcar territórios? Dizer que a guitarra elétrica não

serve à música brasileira?

Esta pequena provocação que faço é apenas para instigar o leitor a fazer uma reflexão

a respeito das contribuições que a guitarra trouxe e que ainda pode trazer para a música

brasileira e para a música de todo o mundo. Não apenas a guitarra elétrica foi incorporada na

música de vários povos, em grande parte por influência da crescente globalização, como 8 Segundo Visconti, “[...] a guitarra elétrica teve sua inserção na música popular brasileira em finais da década de 40, e ocupou posições conflitantes a partir da relação entre o nacional e o internacional” (2010, p. 29).

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certamente nasceu com ela uma experiência estético-musical que lhe é singular. O

instrumento em si tem suas particularidades físicas e construtivas, tem suas limitações,

recursos, etc., e por isso mesmo contribui para uma estética própria e ao mesmo tempo

diversificada quanto ao seu uso.

Sobre novas experiências estético-musicais ligadas à guitarra posso mencionar um

exemplo a partir da banda Dr. Raiz, que se inseriu no contexto do Movimento Cabaçal no

Ceará e que buscou unir recursos sonoros considerados modernos, bastante influenciados pelo

rock, com elementos característicos da música regional e tradicional do Cariri cearense.

Assim, “o referido grupo faz uma releitura da música regional, unindo o tradicional ao novo e

fazendo experimentações a fim de se renovar, mas, mantendo sua essência” (PINHEIRO;

SILVA; MATTOS, 2011, p. 01).

Segundo o músico Geraldo Júnior, um dos integrantes que formavam a banda Dr.

Raiz, a utilização da guitarra em suas músicas teve ainda a finalidade de facilitar a

assimilação por parte do público jovem e despertar seu interesse em conhecer melhor o

folclore da região do Cariri. Há uma relação de contribuição mútua em que se reafirma o

tradicional e ao mesmo tempo dá espaço para o contemporâneo. Assim, podemos perceber a

experiência estético-musical através da guitarra atuando num todo mais complexo que é a

banda Dr. Raiz em prol da construção da sua musicalidade e da sua identidade enquanto

cultura renovada (PINHEIRO; SILVA; MATTOS, 2011, p. 04).

E cada vez mais os sons da guitarra elétrica ecoam fortemente nas terras caririenses,

local em que a tradição está sempre pronta a coexistir com o novo, e mais que isso, está

sempre pronta a interagir com o novo. Assim, a partir de mais este exemplo podemos ter a

convicção de que a música é viva, atravessa fronteiras e bebe em novas fontes para se saciar.

1.2 Alguns espaços educacionais no Nordeste em que a guitarra elétrica está presente e

algumas pesquisas sobre o instrumento

Considerando a região Nordeste do Brasil, através de um mapeamento verifiquei

alguns espaços educacionais, especialmente cursos de música de nível superior, que em seus

currículos formais tem a presença da guitarra elétrica. Além disso, mapeei algumas pesquisas

acadêmicas relevantes a nível nacional as quais veremos a seguir.

A guitarra está presente na estrutura curricular do curso de Licenciatura em Música da

Universidade Federal da Paraíba (UFPB) enquanto “Área de Prática Interpretativa”, ou seja,

ao se graduar nesta área o egresso que tiver escolhido a opção de guitarra terá o título de

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licenciado em música com habilitação em guitarra elétrica. Esta graduação tem duração de

oito (08) períodos letivos (UFPB, 2009).

Há ainda o curso superior em Música Popular na modalidade Sequencial de Formação

Específica que visa a formação nas áreas de Práticas Interpretativas em música, e que como o

próprio nome diz, é voltado para a performance em música popular. Em tal curso da UFPB a

guitarra consta como uma das áreas de Práticas Interpretativas. É programado para ter duração

mínima de (04) quatro e máxima de 06 (seis) períodos letivos e o diploma expedido neste

curso é de nível superior, mas não equivale à graduação. Conforme verificado na Resolução

nº 59/ 2009 (UFPB, 2009, p. 01), os cursos sequenciais por campo de saber foram inclusos no

âmbito da educação superior por ocasião do Art. 44 da Lei 9.394/96. Os professores de

guitarra da UFPB são o Me. Anderson Mariano e o Leonardo Meira.

Ainda no Estado da Paraíba, no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia da Paraíba

(IFPB) – Campus João Pessoa –, a guitarra é uma das possibilidades da disciplina Instrumento

Musical no curso Técnico Integrado de Música (ETIM). Segundo Garcia:

Os cursos de nível médio integrado ofertados pelos Institutos Federais possuem um diferencial em relação a outras escolas normais, pois em acréscimo às disciplinas técnicas integradas, os alunos devem estudar na instituição durante quatro anos e não três, como é o comum, para que possam receber o diploma de conclusão do nível médio. Sendo que, durante os três primeiros anos, o aluno deve cursar três disciplinas específicas de música como, por exemplo, Instrumento Musical I, II e III, paralelamente às disciplinas de português, matemática, história, geografia, etc. Somente no quarto ano, opta-se por um currículo quase que exclusivamente composto por disciplinas relacionadas à área técnica escolhida (2011-b, p. 208).

Além disso, sobre a formação do guitarrista através deste curso, Garcia expõe que o

egresso deve estar capacitado a atuar no mercado de trabalho através de “atividades de

criação, desenvolvimento, produção e difusão da linguagem musical” (2011-b, p. 207).

O Marcos da Rosa Garcia tem realizado várias pesquisas envolvendo a guitarra

elétrica e contribuindo assim para a melhora do seu ensino e aprendizagem. No trabalho

Gestão profissional: o professor de guitarra em busca da qualificação e da qualidade,

apresentado no II Fórum Paraibano de Educação Musical (João Pessoa) em novembro de

2009, Garcia indica que há uma grande quantidade de professores de guitarra com boa

formação prática no instrumento – muitos deles músicos da noite – e que, no entanto, não tem

uma formação específica na área da educação musical. Segundo o autor, a formação

pedagógica é essencial e deve estar em consonância com a formação prática.

Já no artigo Processos de autoaprendizagem em guitarra e as aulas particulares de

ensino do instrumento, publicado na Revista da ABEM em 2011, Garcia aponta que, além de

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ser recorrente, a autoaprendizagem foi um elemento fundamental para a formação dos

guitarristas pesquisados. Esta questão é valiosa no contexto educacional, pois mais uma vez

aponta a importância e a necessidade de levarmos em consideração as experiências prévias

dos alunos.

Por último, mas não menos importante, destaco mais um trabalho do Garcia, o Ensino

e aprendizagem de guitarra elétrica na atualidade, apresentado no XX Congresso Nacional

da ABEM em novembro de 2011. Aqui o autor reforça nosso entendimento de que a crescente

inserção da guitarra na educação musical brasileira tem se dado principalmente a partir de

uma maior “valorização da música popular pelos currículos e programas de educação

formalizada”. Garcia reforça a ideia de que é preciso um diálogo entre os saberes acadêmicos

formais e os saberes informais a fim de que o ensino e aprendizagem do instrumento na

atualidade esteja adequado às várias demandas (2011-c). Concordo nesse sentido, pois

acredito que estas ideias contribuirão para a construção de um ensino e aprendizagem mais

coerente, com caminhos didáticos e pedagógicos mais ativos, dinâmicos, democráticos e que

se baseiem na Ecologia dos Saberes.

Diferentemente do que apontou Módolo (2015), verifiquei através de contato via e-

mail com o professor Dr. Eduardo de Lima Visconti que na cidade de Recife o curso de

Bacharelado em Guitarra Elétrica pela Universidade Federal do Pernambuco (UFPE) ainda

está em fase de elaboração/ criação.

O prof. Eduardo Visconti é o responsável pelo ensino e aprendizagem de guitarra no

curso de Licenciatura em Música da UFPE e o mesmo tem pesquisado constantemente sobre

o instrumento. Em sua tese, intitulada A guitarra elétrica na música popular brasileira: os

estilos dos músicos José Menezes e Olmir Stocker (2010), o autor apresenta um excelente

panorama histórico desde a criação da guitarra elétrica até sua inserção na música popular

brasileira. Para compreender como a guitarra foi introduzida e adequada ao repertório popular

brasileiro Visconti faz um estudo dos estilos de dois grandes guitarristas, o Zé Menezes e o

Olmir Stocker.

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pernambuco (IFPE) de Belo

Jardim também conta com um curso de nível superior de Licenciatura em Música com ênfase

em práticas interpretativas na música popular, no qual há a habilitação em guitarra elétrica. O

professor de guitarra do referido curso é o Me. Cesar Gabriel Berton. O curso tem duração de

oito (08) períodos letivos.

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Conforme consta no Projeto Político Pedagógico Institucional do IFPE, desde 2011 o

campus de Belo Jardim conta com o curso superior de Licenciatura em Música. Sobre tal

curso o documento informa que o mesmo:

[...] prepara professores para atuar na educação básica, em escolas especializadas de música (conservatórios, centros de educação musical, escolas de música) ou em espaços não formais onde o ensino de música ocorra (igrejas, ONGs, projetos culturais etc.). Além disso, a formação possibilita ao estudante a atuação no mercado da música popular, como intérprete instrumental ou vocal, ou em outras atividades e campos, instituídos e emergentes, das manifestações culturais ligadas à música popular. O curso também incentiva a produção de pesquisa relacionada à performance musical e à educação musical (IFPE, 2012, p. 16).

Esta informação demonstra o caráter pragmático do curso em formar profissionais

capazes de atuar, além do âmbito educacional e da pesquisa, nas diversas possibilidades que o

mercado musical popular atualmente oferece. O Projeto Pedagógico do curso de música está

em vias de reformulação para se adequar às demandas atuais.

A guitarra está presente também no curso de Música Popular da Universidade Federal

da Bahia (UFBA) e os professores são o Alex Mesquita e o Ivan Bastos. Os alunos estudam a

guitarra nas disciplinas de “Instrumento I, II, III e IV”, cada uma com uma carga horária de

trinta e quatro (34) horas.

Tendo a frente o professor João Barreto de Medeiros Filho (Manoca Barreto, in

memoriam), foi iniciado em 1999 o curso técnico profissionalizante de guitarra na Escola de

Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EMUFRN). A implantação deste

curso técnico de guitarra esteve muito relacionada com o crescente compromisso entre a

academia e a música popular (GOMES, 2015, p. 15). Vale ressaltar que o plano de curso

utilizado até hoje foi organizado pelo professor Manoca Barreto, que inclusive na época,

devido a escassez de literatura, teve de viajar ao Estado de São Paulo a fim de pesquisar sobre

conteúdos, materiais e referências bibliográficas (Ibid., p. 22). No entanto, na Universidade

Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) não tem um curso de nível superior em guitarra,

apenas o curso técnico informado acima. Atualmente, os professores de guitarra em tal curso

técnico são o Dr. Ticiano Maciel D‟Amore e o Me. Juliano Antonio Ferreira Xavier. Segundo

informação via e-mail de Ticiano D‟Amore – em 27 de abril de 2016 –, está sendo elaborado

um projeto para implantar futuramente um curso de nível superior em música popular, no qual

a guitarra será incluída.

A guitarra está presente no currículo formal do curso de Licenciatura em Música da

Universidade Federal do Cariri (UFCA) na disciplina “Guitarra elétrica I” e conforme consta

na sua ementa visa promover “iniciação ao estudo da pedagogia, literatura, técnica

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instrumental e dos processos de interpretação musical através da prática coletiva de guitarra

elétrica”. É uma disciplina em regime semestral ofertada no quarto semestre e tem uma carga

horária de sessenta e quatro (64) horas. Em relação ao espaço físico da UFCA, onde as aulas

de guitarra acontecem, há um Laboratório de Prática Instrumental de Violão e Guitarra que

comporta aproximadamente dez (10) alunos bem acomodados, além dos instrumentos

musicais e equipamentos. O curso dispõe de quatro (04) guitarras elétricas para serem

utilizadas durante as aulas e/ ou nas demais atividades do curso de música.

Além disso, como já mencionado anteriormente, há o Laboratório de Estudos de

Guitarra (LEG) que é um projeto de extensão do curso de música da UFCA. Segundo

Azevedo Júnior a razão de ser do LEG é incentivar o ensino e aprendizagem da guitarra

elétrica junto à comunidade e “desenvolver experiências didáticas e de investigação

bibliográfica com a colaboração de todos os envolvidos no projeto” (2013, p. 37). Este

conjunto de compromissos educacionais possibilitam reflexões significativas que permeiam o

início da formação docente dos alunos, se tornando um espaço fértil para o desenvolvimento

de atitudes pedagógicas.

Uma particularidade do curso de Música da UFCA é que, a fim de contribuir para a

igualdade de condições no acesso aos estudos musicais, o mesmo não prevê nenhum tipo de

teste de habilidades específicas em música para aqueles que desejam ingressar na graduação.

Esta iniciativa permite que, mesmo aqueles que anteriormente não tiveram acesso ao ensino

de música e não tem conhecimentos musicais prévios possam também participar do

vestibular9 com o objetivo de ingressar no curso de Música da UFCA, quebrando assim um

possível círculo de elitismo que daria prioridade apenas aos que já estão numa situação social

e cultural mais favorável.

Encontramos apenas uma pesquisa sobre o ensino e aprendizagem de guitarra elétrica

no CRAJUBAR, um artigo de Azevedo Júnior intitulado Laboratório de Estudos de Guitarra:

relato de uma experiência didático-musical no Cariri cearense (2013). Nele o autor apresenta

um histórico do projeto, seu conceito e plano pedagógico e uma avaliação dos resultados, que

foi extremamente importante para esta pesquisa e que discutiremos mais à frente.

Apesar de a guitarra não estar presente no currículo formal do curso de Licenciatura

em Música da Universidade Estadual do Ceará (UECE), gostaria de destacar que no referido

curso são desenvolvidas práticas coletivas em que a guitarra está presente, bem como outros

instrumentos que não estão no currículo formal, por exemplo, baixo elétrico, cavaquinho,

9 Ingresso via Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

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bandolim e violão de sete cordas. Atualmente o professor Me. Marcos Maia, que ministra a

disciplina de Prática Instrumental de Violão neste curso, está realizando uma pesquisa sobre a

guitarra elétrica no baião por ocasião do doutorado pela UNICAMP.

Desta forma, no Nordeste mapeei seis (06) cursos de música de nível superior que

contemplam o ensino e a aprendizagem de guitarra elétrica em seu currículo formal e também

mais outros dois (02) cursos que contemplam o instrumento, mas que não são de nível

superior ou considerados graduações. Em meu entendimento, para uma região com nove

Estados10, uma região tão grande e rica culturalmente, o Nordeste brasileiro tem relativamente

poucos cursos de música de nível superior que contemplam a guitarra.

A seguir, gostaria de mencionar mais alguns trabalhos que tem contribuído para o

amadurecimento das pesquisas e discussões sobre a guitarra no Brasil. Segundo Módolo

(2015, p. 25), o pioneiro no Brasil a abordar uma temática envolvendo a guitarra em pesquisas

na literatura específica foi o João Barreto de Medeiros Filho (2002) com o trabalho intitulado

Guitarra elétrica: um método para o estudo do aspecto criativo de melodias aplicadas às

escalas modais de improvisação jazzística. A partir daí, houve uma produção crescente de

pesquisas sobre a guitarra.

Na dissertação de Borda (2005), intitulada Por uma proposta curricular de curso

superior em guitarra elétrica, o autor busca elaborar sugestões para currículos de nível

superior em guitarra e para isso realizou uma pesquisa sobre a história do instrumento no

Brasil a fim de que houvesse uma relação coerente entre o currículo proposto e a realidade

para o qual foi pensado.

Numa perspectiva muito próxima, Chernicharo (2009), que na época pesquisou sobre

a ausência da guitarra na maioria dos cursos de música de nível superior do país,

especialmente no Rio de Janeiro, apresentou uma proposta curricular que tem o “intuito de

organizar os conteúdos que o guitarrista deve dominar, tentando apontar caminhos para a

futura criação de disciplinas e currículos”. Para o autor, desta forma seria possível viabilizar

de fato a profissionalização do músico guitarrista (p. 39).

Em sua dissertação de mestrado Módolo (2015) investigou quatro cursos superiores de

música que contemplam a guitarra, sendo dois deles de bacharelado e dois de licenciatura em

instrumento. O objetivo geral da pesquisa foi investigar quais os aspectos considerados

fundamentais para a formação musical e pedagógica nos cursos citados a partir da visão dos

10 A saber: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia; Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Acesso em 19 de maio de 2016. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/estadosat/>.

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quatro professores de guitarra pesquisados. Módolo verificou que tanto metodologias formais

quanto informais permeiam o ensino e aprendizagem de guitarra nos contextos pesquisados e

que o contato com outros professores foi determinante para moldar a identidade docente dos

profissionais pesquisados.

O intuito deste mapeamento se insere na perspectiva de visualizar o quanto a guitarra

elétrica tem estado presente no ambiente universitário, já que sua presença nestas instituições

legitima seu uso na educação musical de forma mais ampla uma vez que lhe dá certo poder

simbólico, além de que promove uma formação profissional muito mais consistente para

aqueles que pretendem trabalhar com o instrumento, seja na docência, na performance, etc.

Assim, podemos refletir sobre o assunto tendo visualizado este mapeamento e nos situado

melhor nesse processo sócio-histórico.

Nesse sentido, a possível falta de espaço e também de reconhecimento da guitarra –

especialmente pensando no contexto desta pesquisa, o triângulo CRAJUBAR – parece ser

devido a um conjunto de vários motivos específicos, entre eles a necessidade e continuidade

de mais reflexões, aprimoramento e divulgação de práticas pedagógicas e metodológicas

coerentes que fundamentem um ensino e aprendizagem de guitarra a nível acadêmico, seja

básico ou superior, e em outros ambientes educacionais e o investimento adequado na

formação dos profissionais que atuarão como docentes nas diversas áreas.

O meu sentimento de compromisso em pesquisar sobre a guitarra se intensificou após

ter participado, na condição de guitarrista bolsista, da Cariri Jazz Big Band, ação cultural

vinculada à Pró-Reitoria de Cultura da UFCA. Diante da disciplina “Guitarra Elétrica I”, do

LEG e da Cariri Jazz Big Band é possível perceber que o curso de música da UFCA

reconhece que uma boa educação musical não se restringe apenas a um determinado tipo ou

estilo de música ou a determinados tipos de instrumentos musicais. Parece haver o

entendimento de que, música erudita e popular, local, nacional e internacional, são

importantes no papel de democratização do acesso à arte e à cultura, bem como os diversos

instrumentos musicais utilizados e sua linguagem idiomática, etc.

Esse pensamento de democratizar o ensino de música está em consonância com as

ideias de Penna mencionadas em seu livro Música(s) e seu Ensino, em que a autora ressalta

que “não há um caminho único nem uma receita pronta” para um projeto de educação musical

democratizante, mas “é preciso construí-lo” (2012, p. 27).

Nesta dissertação, a pesquisa de campo sobre o ensino e aprendizagem de guitarra no

CRAJUBAR se limitará ao espaço acadêmico da UFCA tendo em vista a viabilidade do

trabalho e levando em consideração o importante papel do curso de Licenciatura em Música

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da UFCA na formação de novos guitarristas e professores de guitarra. Dessa forma, visando

compreender e fomentar práticas pedagógicas e metodológicas no ensino e aprendizagem de

guitarra elétrica que se alinhem com a proposta de um ensino de música democrático,

especialmente no triângulo CRAJUBAR, meu interesse de pesquisa se volta, em termos

gerais, para o conhecimento e análise do ensino e aprendizagem de guitarra elétrica neste

contexto. Este projeto de pesquisa se situa no eixo de ensino de música e nessa direção é que

os objetivos da pesquisa se delineiam.

O objetivo geral é compreender as práticas pedagógicas e metodológicas no ensino e

aprendizagem de guitarra elétrica no triângulo CRAJUBAR e fomentar aquelas consideradas

fundamentais para um ensino de música democrático.

Os objetivos específicos são:

- Apresentar um breve histórico da guitarra elétrica no Triângulo CRAJUBAR sob a

perspectiva da história de vida de alguns agentes;

- Investigar o ensino e aprendizagem de guitarra elétrica no curso de Licenciatura em

Música da Universidade Federal do Cariri (UFCA).

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2. REFERENCIAIS METODOLÓGICO E TEÓRICO

2.1 Referencial Metodológico

Este trabalho trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo, pois envolve o estudo de

fenômenos humanos e buscou investigar valores e características do ensino e aprendizagem

de guitarra elétrica no triângulo CRAJUBAR (QUEIROZ et al, 2007, p. 276). Martins afirma

que os métodos qualitativos de pesquisa são “aqueles que não restringem a fundamentação de

seus achados científicos a dados estatísticos, mas priorizam a interpretação do evento ou fato

pesquisado, considerando, inclusive, as percepções subjetivas do(s) pesquisador(es) e

pesquisado(s)” (1997, p. 62).

Sobre a coleta de dados Gil afirma que “obter dados mediante procedimentos diversos

é fundamental para garantir a qualidade dos resultados obtidos” (2009, p. 141). Sendo assim,

tratando-se de uma pesquisa qualitativa, fez parte do processo de coleta de dados a análise de

documentos, observações diretas, conversas informais, questionários e entrevistas

semiestruturadas com guitarristas, professores e alunos dos ambientes pesquisados. Para

tanto, foram necessários basicamente os seguintes recursos: gravador de som, filmadora e

caderno de notas de pesquisa. A análise dos dados foi realizada a partir do entrecruzamento

dos mesmos no decorrer da pesquisa.

Para tomar conhecimento sobre o histórico e a utilização da guitarra no CRAJUBAR,

foram realizadas entrevistas com alguns guitarristas da região e também consultas em

documentos que foram apresentados ou encontrados na internet. Este objetivo específico de

apresentar um breve panorama histórico inclusive possibilitará uma reflexão mais

aprofundada sobre práticas pedagógicas e metodológicas do ensino e aprendizagem de

guitarra coerentes com a realidade do CRAJUBAR e com os objetivos desta pesquisa,

contribuindo para a construção de um ensino de música democrático e engajado com o

contexto em que reside. O curso de Licenciatura em Música da UFCA foi o espaço

pesquisado a fim de alcançar o segundo objetivo específico.

Ademais, esta pesquisa qualitativa foi realizada através da combinação de duas

modalidades/ possibilidades metodológicas, a história de vida em formação e estudos do tipo

etnográfico.

A metodologia da história de vida em formação foi utilizada a fim de buscar um

entendimento mais sofisticado sobre os processos formativos e experiências que tem me

constituído enquanto músico e educador musical, que me levaram a pesquisar especificamente

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sobre a guitarra elétrica e qual minha parcela de contribuição neste contexto pesquisado.

Assim, não se trata de uma autobiografia, e sim de uma análise crítica e reflexiva sobre os

processos de formação situados em um determinado momento de minha vida. Esta

metodologia também me guiou no alcance do primeiro objetivo específico, no qual abordei

sobre a guitarra elétrica no CRAJUBAR sob a perspectiva da história de vida de alguns

agentes.

Tomando como base a “prática de histórias de vida em formação”, que segundo

Delory-Momberger “fundamenta-se sobre a ideia de apropriação que o indivíduo faz de sua

própria história ao realizar a narrativa de sua vida”, busquei narrar brevemente aquelas

experiências formadoras que por hora julgo serem as mais relevantes para que eu chegasse a

essa pesquisa (2006, p. 01). Lembrando ainda que “a vida recontada não é a vida”, mas tal

narrativa, bem como a reflexão e análise de fatos da nossa própria história de vida é

absolutamente relevante porque também constitui um processo de formação, uma vez que nos

permite tornar-se sujeito de nossa própria história e nos apropriarmos das experiências

formadoras e da nossa própria identidade (DELORY-MOMBERGER, 2006).

Nesse sentido, não é tanto a história da vida reconstruída que importa em si, mas sim o sentimento de congruência experimentado entre o eu-próprio e o passado recomposto, a impressão de conveniência que essa história toma para mim no aqui e agora de sua enunciação. Ela é a história que eu me atribuo e na qual eu me reconheço, é a que me convêm e à qual eu convenho, a versão „suficientemente boa‟ (Winnicott, 1970; Delory-Momberger, 2002) que eu me dou da minha vida (DELORY-MOMBERGER, 2006, p. 02).

Assim sendo, narrarei e analisarei brevemente os processos formativos e as

experiências de vida e formação as quais atribuo a mim mesmo como “a versão

suficientemente boa” desta parte da minha história de vida (DELORY-MOMBERGER, 2006,

p. 02).

Nessa perspectiva, a experiência de fazer e estudar música fora da academia tem papel

fundamental na formação do músico-educador. Muitos guitarristas, inclusive, iniciam seus

estudos num contexto informal compartilhando saberes e experiências pessoais.

Para essa discussão, utilizarei como referencial teórico os seguintes trabalhos:

Experiências de Vida e Formação (JOSSO, 2004) e Notas sobre a experiência e o saber de

experiência (BONDÍA, 2002). Jorge Larrosa Bondía, por exemplo, vai apontar em seu texto

que o homem moderno tem estado mais preocupado em apreender informação e

posteriormente emitir uma opinião como condições de demonstrar algum tipo de

aprendizagem e domínio de conhecimento, mas que na verdade são vazios, já que não se

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pautaram por uma experiência. Ele afirma que “é experiência aquilo que „nos passa‟, ou que

nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma. Somente o sujeito

da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação” (2002, p. 26). Assim, a

experiência e a consciência dessa experiência é o que torna possível uma existência particular

do indivíduo, particularidade essa que, somando-se a outras e produzindo uma coletividade,

vai gerar uma heterogeneidade e pluralidade necessária, que, no caso da educação, acredito

serem extremamente válidas.

É importante destacar que, na construção da narrativa de vida, o conceito de

“experiência formadora” diz respeito ao conjunto inesgotável de experiências significativas

consideradas como tal a partir do momento que me questiono: “o que é a minha formação?

Como me formei?” (JOSSO, 2004, p. 47). Além disso, segundo Josso (2004, p. 48), as

experiências adquirem esse status quando realizamos um trabalho reflexivo sobre nossas

vivências e percebemos que algumas delas tiveram “uma intensidade particular que se impõe

à nossa consciência e delas extrairemos as informações úteis às nossas transações conosco

próprios e/ ou com o nosso ambiente humano e natural”.

Além de considerar minha experiência com a guitarra elétrica dentro e fora da

academia, considerei as experiências de outros agentes buscando dialogar com a Ecologia dos

Saberes e demonstrando a validade da experiência enquanto formadora e transformadora no

contexto educacional.

Sobre a pesquisa etnográfica, Wolcott afirma que tal modalidade é aquela que

“interpreta os dados coletados em campo através do enfoque cultural, ou seja, busca na

cultura o suporte para a compreensão da realidade pesquisada” (1991, p. 21 apud MARTINS,

1997, p. 62). Pensando então na utilização da etnografia no contexto educacional, e, embora

as discussões sobre cultura sejam amplas demais, de modo que não podemos explorá-las

profundamente nesta pesquisa, encontro um respaldo em Forquin que afirma que “há uma

relação íntima entre Educação e Cultura” ao apontar que o “conteúdo que se transmite na

educação é sempre alguma coisa que nos precede, nos ultrapassa e nos institui enquanto

sujeitos humanos, o que nos autoriza a dar-lhe o nome de cultura” (1993, p. 10 apud

MARTINS, 1997, p. 63).

Nesse sentido, dialogando com André, entendo que no caso desta pesquisa seja mais

adequado se falar em “estudos do tipo etnográfico”, já que se trata de uma “adaptação da

etnografia à educação” (1995, p. 24). Desta forma há a possibilidade de maior interação entre

o pesquisador e o objeto pesquisado e uma ênfase maior nos processos educacionais e

culturais (ANDRÉ, 1995, p. 24; MARTINS, 1997, p. 63).

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Outra contribuição do estudo de tipo etnográfico aplicado nesta pesquisa que destaco é

que, apesar de seguir um roteiro básico de inquietações, as entrevistas foram flexíveis e

abertas o suficiente para considerar questões subjetivas ou inesperadas que surgiram na fala

dos entrevistados. Assim, foi possível construir uma relação de reciprocidade e facilitou a

troca mútua de conhecimentos (ECKERT; ROCHA, 2008, p. 14).

Por fim, destaco a utilização da análise de documentos, que segundo André é utilizada

com a finalidade de “contextualizar o fenômeno, explicitar suas vinculações mais profundas e

completar as informações coletadas através de outras fontes” (1995, p. 24).

2.2 Referencial Teórico

O referencial teórico escolhido para esta pesquisa tem como temas centrais: (1) a

Ecologia dos Saberes (MORAES, 2008) e suas contribuições sobre currículo, complexidade e

formação docente, a fim de iluminar a análise e reflexão das práticas pedagógicas que serão

pesquisadas e; (2) um ensino de música democrático, com base no aporte praxiológico do

Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 1972; 1994; JOPPKE, 1986; SILVA, 1995) e nas

contribuições de Maura Penna (2012) sobre a democratização do acesso à arte e à cultura.

2.2.1 Ecologia dos Saberes

No mundo contemporâneo, globalizado e em rede em vários aspectos, inclusive nas

suas aflições, Moraes aponta que os problemas da humanidade possuem uma “natureza

transnacional, transdisciplinar e absolutamente complexa”, e para lidar com esta

complexidade Moraes dialoga com Morin (2000) ao afirmar que é necessária uma reforma do

pensamento humano, reforma esta que “não mais dissolva o ser, a existência e a vida, mas que

os compreenda”. Nesse sentido, o pensamento de natureza complexa seria basicamente “um

pensamento relacional, articulado e questionador, que ajude o sujeito a melhor compreender a

dinâmica relacional existente nos processos interdependentes caracterizadores da vida” (2008,

p. 16).

Diante desta realidade caracterizada pela complexidade, Moraes afirma que a

educação precisa fornecer “respostas adequadas, competentes e oportunas” e alerta que o fato

de o professor ainda não estar preparado para atuar nesse sentido é o grande problema. Por

isso a necessidade da mudança de consciência, da reforma do pensamento, que caminhe para

a compreensão da diversidade e das adversidades, das múltiplas realidades, capaz de respeitar

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e ser solidário com o pensar, o sentir e o agir humano (2008, p. 16-17). Nessa perspectiva,

Moraes propõe a Ecologia dos Saberes a fim de promover uma reconstrução dos saberes.

Dialogando com Santos (2004), Moraes aponta que a expressão Ecologia dos Saberes

revela:

[...] que a universidade do século XXI deve reconhecer a existência de conhecimentos plurais [...] esta expressão estabelece uma forma de extensão de aprendizado ao contrário – de fora da universidade para dentro da universidade. Consiste na promoção de diálogos entre o saber científico e humanístico que a universidade produz e os saberes leigos, populares, tradicionais e campesinos, advindos de outras culturas não ocidentais que circulam na sociedade (2008, p. 20).

Assim, a Ecologia dos Saberes nos permite abordar vários campos ou referenciais

teóricos que estão numa trama complexa, e no contexto desta pesquisa, a Ecologia dos

Saberes nos ajudará a compreender os processos de ensino e aprendizagem de guitarra elétrica

pesquisados, bem como dar contribuições na medida em que permitirá uma abertura mais

consciente aos saberes e experiências informais que muitos guitarristas trazem de seu dia a dia

para dialogar com os saberes formais, científicos e sistematizados pela academia.

É o pensamento ecologizado que nos ajuda a religar os saberes, valorizando tanto o conhecimento científico quanto a sabedoria humana. Ajuda-nos a romper com o velho dogma reducionista de explicação do real, para perceber a complexidade entre o todo e as partes, entre o conhecimento científico e o senso comum, entre a ciência, a arte e as tradições (MORAES, 2008, p. 183).

Desta forma, este referencial nos permitirá enxergar a importância de um currículo

construído com base na Ecologia dos Saberes, ou seja, uma trajetória de formação que articule

saberes e conhecimentos científicos e populares – pois entendo que estes são complementares

– a fim de garantir um processo de ensino e aprendizagem efetivo e democrático (MORAES,

2008, p. 20 e 183).

Com base nesse currículo ecologizante, o reconhecimento das possibilidades

educativas com a guitarra elétrica e com tantos outros instrumentos musicais populares e sua

interligação com as práticas populares, regionais e eruditas – reconhecimento este que precisa

ser expresso no currículo e no repertório trabalhado – também é uma forma de articular

saberes populares com científicos, proporcionando acessos democráticos ao saber e fazer

musical.

Um currículo sob a perspectiva da Ecologia dos Saberes está aberto a dialogar com as

demandas que emergem de seu entorno, no contexto desta pesquisa: o triângulo CRAJUBAR.

É um currículo pensado como algo processual, inacabado e provisório, em constante

renovação (2008, p. 197).

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Manter o discurso da Ecologia dos Saberes me parece extremamente necessário para

que cada vez mais a mesma se efetive na prática. Inclusive, tal reflexão na academia é um

compromisso ético e político que exercemos frente ao que se mantém na prática. Assim, outra

importante justificativa para trabalhar sob a perspectiva da Ecologia dos Saberes nesta

pesquisa é que tais reflexões ainda precisam ser repetidas durante longo prazo, visando

justamente uma equivalência entre o discurso e a realidade.

2.2.2 Ensino de Música Democrático

Segundo Ferreira, Democracia significa “doutrina ou regime político baseado nos

princípios da soberania popular e da distribuição equitativa do poder” (2001, p. 208). Com

base nessa definição entendo que um ensino de música democrático é aquele que, se afastando

de velhos vícios elitistas e excludentes, se aproxime o máximo possível do povo, é um ensino

que seja popular no sentido de tornar o saber musical pertencente do povo. Isso não quer dizer

que os saberes científicos não serão valorizados, pelo contrário, evitemos certos

reducionismos, a ideia é justamente que os saberes científicos e populares sejam acessíveis

levando em conta que, com base na Ecologia dos Saberes, eles são complementares.

Trabalhar na perspectiva de um ensino de música democrático é lutar contra os

mecanismos que promovem a sua marginalidade escolar a fim de superá-los, é buscar uma

educação musical que coloque nas mãos do aluno, independente de sua classe social, a certeza

do pertencimento da arte musical, que lhe dê autonomia e liberdade perante o fazer musical.

Entendo, então, que não basta apenas pensarmos na ampliação e democratização do

acesso ao ensino de música, mas também trabalhar no sentido de promover um ensino e

aprendizagem coerente com a finalidade democrática a que se propõe, favorecendo não

somente o acesso aos estudos como também uma continuidade qualitativamente satisfatória e

transformadora (SAVIANI, 2003). Assim, de acordo com os objetivos deste trabalho, acredito

que o ensino e aprendizagem de guitarra elétrica pode contribuir mais significativamente com

a parcela que lhe cabe na construção de um ensino de música democrático, e para refletir

sobre o assunto irei utilizar basicamente como referencial teórico: (1) a praxiologia do

sociólogo Pierre Bourdieu, a fim de trazer para a discussão os conceitos de capital cultural,

habitus, campo, poder simbólico, entre outros (1972; 1994), bem como abordar o paradoxo

sobre o sistema escolar presente em sua teoria, em que ao mesmo tempo que a escola pode

reproduzir as desigualdades da sociedade também pode atuar na sua transformação (JOPPKE,

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1986; SILVA, 1995) e; (2) as ideias e propostas de Maura Penna sobre a democratização do

acesso à arte e à cultura, presentes em seu livro Música(s) e seu ensino (2012).

À luz deste referencial teórico citado acima e da Ecologia dos Saberes poderei, no

decorrer do trabalho, refletir e caminhar no sentido de alcançar, além do segundo objetivo

específico, o objetivo geral da pesquisa que é compreender e fomentar as práticas pedagógicas

e metodológicas no ensino e aprendizagem de guitarra elétrica no triângulo CRAJUBAR

consideradas fundamentais para um ensino de música democrático. Vejamos.

O fato de a guitarra estar presente no currículo formal (disciplina Guitarra Elétrica I) e

também no currículo oculto (LEG e Cariri Jazz Big Band) do curso de Licenciatura em

Música da UFCA parece ser um indicativo de que a mesma também é um instrumento

musical viável para a educação musical. Os guitarristas que vierem a atuar inclusive na

Educação Básica poderão usar o instrumento neste contexto como mais uma ferramenta

possível na educação musical, e não apenas usar instrumentos mais comuns como o piano, o

violão, a flauta doce, a percussão, etc.

Assim, investigar o ensino e aprendizagem de guitarra neste contexto universitário

será fundamental para obter uma percepção mais aprofundada sobre o assunto, já que o

mesmo exerce grande influência sobre os demais contextos de educação musical da região.

Este círculo de influências, entre universidade e demais espaços educacionais, também parece

ter haver com o fato de a sociedade atual ainda ter uma forte característica “credencialista”

(COLLINS, 1979) que continua privilegiando a diplomação educacional e os conhecimentos

sistematizados que estão ligados às instituições (SILVA, 1995, p. 29).

Em face disso, parece ser inevitável o fato de que, para conseguir atribuir à guitarra

certa legitimidade educacional, seja necessário se valer da força expedida pelo capital cultural

institucionalizado11, ou seja, a presença da guitarra na universidade é algo crucial para que a

mesma seja compreendida como um instrumento viável para a educação musical. Garcia

contribui com esta visão ao relatar que a maioria dos guitarristas entrevistados em sua

pesquisa tende a não lembrar ou não reconhecer como válidos os aprendizados e as

experiências não-formais e informais adquiridas anteriormente às experiências em ambientes

formais. Assim, percebe-se que esse não reconhecimento acontece principalmente quando a

construção do aprendizado não está relacionada a algum tipo de escola ou instituição de

ensino ou ainda à figura de um professor. O autor afirma que “ainda é do senso comum não

11 Silva (1995, p. 25), tomando como base alguns conceitos do sociólogo francês Pierre Bourdieu e as contribuições de outros autores, aponta que o aspecto institucionalizado do capital cultural “representa os títulos, diplomas e outras credenciais educacionais”.

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validar os conhecimentos adquiridos fora de instituições legitimadas e formalizadas”

(GARCIA, 2011-a, p. 58).

Além disso, a presença da guitarra no currículo formal de cursos de música a nível

superior certamente ajudará a amadurecer, sistematizar e divulgar materiais, práticas

pedagógicas e metodologias sobre o ensino e aprendizagem do instrumento. Tudo isso

levando em consideração, além da música erudita, do jazz e outros estilos e culturas musicais

populares, a cultura e linguagem musical brasileira (BORDA, 2005), contribuindo ainda para

a solução de outra problemática que é a precária formação profissional de boa parte dos

professores de guitarra.

No entanto, não quero dizer que as experiências de ensino e aprendizagem de guitarra

fora da academia não são legítimas, ao contrário, tais experiências são fundamentais para a

Ecologia dos Saberes, já que considero essencial a valorização do discurso musical dos

alunos, de seus conhecimentos e suas experiências cotidianas (ALMEIDA, 2014, p. 165;

MORAES, 2008, p. 20; SWANWICK, 2003). Na verdade, essa busca de legitimação da

guitarra através da educação formal, em especial através do ensino superior, só se fez possível

ou necessária porque primeiramente a guitarra se tornou legítima nas vivências e experiências

populares cotidianas, forjada e constituída primeiramente em ambientes informais e não-

formais, e que hoje faz parte do dia a dia de grande número de alunos e professores de

guitarra e também de um grande mercado musical (GARCIA, 2011-a; GARCIA, 2011-c).

Também não podemos afirmar que qualquer educação musical escolar/ formal gera

inevitavelmente uma democratização do acesso à arte e à cultura, é preciso um olhar crítico

sobre o assunto para descortinar algumas ações importantes para tal e também enxergar outras

questões que perpassam a temática. Sobre a perspectiva de Collins (1979) a respeito da

“sociedade credencialista” Silva nos traz que:

[...] a tendência de se exigir a diplomação na sociedade moderna não decorre de necessidades da economia e não garante a democratização através da educação [...] Essa tendência decorre do conflito entre os grupos de status: uns procurando manter sua situação privilegiada outros desejando acesso às mesmas oportunidades (SILVA, 1995, p. 29).

Diante desta constatação, ressalto a necessidade de constantemente repensarmos nossa

prática docente a fim de construir processos educativos democráticos de modo consciente e

crítico dentro do contexto da sociedade atual. Segundo Silva (1995, p. 30), na obra de Pierre

Bourdieu (1977) podemos encontrar um paradoxo teórico que se aplica a esta questão. Nele,

vemos primeiramente uma perspectiva na qual o sistema escolar geralmente perpetua o

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“mecanismo de reprodução das classes sociais” à medida que favorece a cultura dominante e

aqueles que a incorporaram desde o ambiente familiar através da socialização primária.

[...] para as crianças cuja origem provém de ambientes culturalmente favorecidos, a educação escolar mostra-se como continuidade da educação familiar. Logo, elas não sentem dificuldade em adaptar-se ao espaço escolar e às práticas nele difundidas. Para as outras crianças, no entanto, esse mesmo espaço é visto como diferente e até mesmo ameaçador. Isso devido ao impacto causado pela imposição de uma cultura diferente da qual esteve e permanece inserida desde seu nascimento (SILVA, 2009, p. 54).

Numa outra perspectiva, a educação escolar pode também atuar na mobilidade e

ascensão social das classes menos favorecidas a partir do momento em que lhes fornecer

acesso ao capital cultural, ou seja, acesso a um conjunto de informações consideradas

legítimas e que dão certo poder a quem os domina e os utiliza estrategicamente (SILVA,

1995, p. 25, 28 e 30).

Aqueles que têm acesso a esse capital cultural, a essas informações, terão maior valor, mais “distinção”, assim como acesso facilitado a outros recursos escassos. Nesta acepção, o conceito de capital cultural deixa de ser apenas uma sub-cultura de classe e passa a ser uma estratégia, um instrumento de poder (SILVA, 1995, p. 27).

Bourdieu utiliza o conceito de “estratégias de reconversão” para explicar a utilização

estratégica dos capitais, principalmente o capital cultural ou capital informacional, na

manutenção ou mudança da posição social. Assim, haveria esforços e estratégias por parte dos

grupos sociais para a aquisição de determinado capital e sua possível conversão em outro tipo

de capital (BOURDIEU, 1979 apud SILVA, 1995, p. 28).

Apoiando-nos nesta segunda abordagem do paradoxo teórico mencionado, acredito

que a educação escolar pode ser um dos meios eficazes na aquisição e domínio de capital

cultural e consequentemente, atrelado a outros fatores, esse capital pode atuar como fator

primordial na democratização do acesso à arte e à cultura, se tornando um “veículo de

mudança social” à medida que modifica, compõe e transforma, quantitativa e

qualitativamente, o habitus dos alunos (SILVA, 1995, p. 35). Silva aponta um respaldo para

esta questão a partir das próprias ideias de Bourdieu:

[...] ao descrever a situação escolar, Bourdieu abre caminho para uma outra perspectiva: a escola vista como um ambiente que favorece a mobilidade social através da cultura [...] Bourdieu considera ainda que a escola, ao se tornar uma passagem obrigatória da reprodução social, torna-se também um lugar onde se manifesta a luta de classes expressa por uma demanda sempre crescente pela abertura de oportunidades educacionais (1995, p. 30).

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A partir disso, o capital cultural a que os alunos, mesmo aqueles pertencentes às

classes menos favorecidas, tiverem acesso efetivo e consistente na escola, inclusive através da

educação musical, irá integrar o seu habitus e atuar em seus gostos, valores, costumes, etc.,

podendo dar acesso a novas oportunidades e atuando ainda como um valor simbólico12.

Assim, o novo capital cultural adquirido poderá atuar como ferramenta de democratização em

vários sentidos.

Saviani contribui com este pensamento ao afirmar que:

[...] o domínio da cultura constitui instrumento indispensável para a participação política das massas. Se os membros das camadas populares não dominam os conteúdos culturais, eles não podem fazer valer os seus interesses, porque ficam desarmados contra os dominadores, que se servem exatamente desses conteúdos culturais para legitimar e consolidar a sua dominação. Eu costumo, às vezes, enunciar isso da seguinte forma: o dominado não se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam. Então dominar o que os dominantes dominam é condição de libertação (2003, p. 61).

Pensar nestas questões dentro da área da Educação Musical requer uma postura

responsável e que esteja aberta às novas possibilidades, bem como o reconhecimento de que

existem caminhos plurais para se construir um acesso democrático à arte e à cultura, bem

como sua apropriação.

Bourdieu, com o seu vasto trabalho intelectual, nos ajuda a tomar consciência sobre

mecanismos de dominação que veladamente contribuem para a reprodução das estruturas

sociais e de suas desigualdades, sendo a escola um deles. Assim, enquanto músico-

educadores, a partir do momento em que tomamos consciência da importância do capital

cultural e do habitus dentro desta perspectiva, penso que precisamos refletir profundamente

sobre o assunto e buscar criar condições para que a escola não continue sendo um espaço em

que “o acesso à cultura legítima seja facilitado a uns – pela familiaridade e sensibilidade e

adquirida com o habitus – e dificultada a outros – aos que estão socialmente distantes e

internamente despreparados pela ausência do habitus” (SILVA, 1995, p. 27).

Nessa perspectiva, refletindo sobre o termo musicalização13 e dialogando com

Bourdieu e Darbel (2003, p. 71-74), e apesar de não citar os conceitos de capital cultural e

habitus, Penna se aproxima muito dos mesmos e nos ajuda na compreensão ao afirmar que:

12 “Uma das características consideradas típicas do grupo dominante é conseguir se legitimar e legitimar sua cultura como a melhor, i.e., a que tem valor simbólico” (SILVA, 1995, p. 27). 13 Entendido aqui como um momento fundamental no trajeto mais amplo que é a educação musical. Um processo educacional não somente orientado a crianças, mas destinado “a todos que, na situação escolar, necessitam desenvolver ou aprimorar seus esquemas de apreensão da linguagem musical – mesmo que sejam adolescentes ou adultos” (PENNA, 2012, p. 43-49). A esse respeito, ver o Capítulo 2 do livro “Música(s) e seu Ensino” de Maura Penna.

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A condição para que o indivíduo possa apreender a obra, dando-lhe sentido, é o domínio prévio dos instrumentos de percepção – isto é, de referenciais internalizados, construídos a partir de sua experiência, que lhe sirvam como esquemas de interpretação. Assim, a sua “competência artística” está diretamente vinculada ao grau desse domínio e ao refinamento desses esquemas de interpretação (2012, p. 32).

Assim, após uma reflexão em torno da questão, Penna vai defender que o processo de

musicalização precisa desenvolver no indivíduo os instrumentos de percepção que o torne

sensível à música, para que apreenda e receba como significativo o material sonoro-musical.

Utilizando os conceitos de Bourdieu para explicar o que Penna nos sugere, diria assim: para

que o material sonoro-musical seja significativo é necessário que o agente incorpore as

disposições necessárias para interpretá-lo, ou seja, é necessária a aquisição de determinado

capital cultural que consequentemente vai alimentar e enriquecer o habitus do agente dando-

lhe os esquemas de percepção indispensáveis (2012, p. 33).

É a partir deste ponto que Penna aponta que, apesar das experiências espontâneas ou

informais do dia a dia também musicalizarem, elas dependem das “condições socioculturais

do indivíduo”, fazendo com que o acesso à música, à arte e à cultura nestes termos, seja

socialmente diferenciado. Assim, haveria a necessidade da musicalização como um “processo

educacional orientado”, o que nos permite pensar que o ensino de música, especialmente o

escolar, precisa assumir um papel transformador no sentido de democratizar o acesso à arte e

à cultura, compensando as situações de desigualdade socioculturais existentes (PENNA, 2012,

p. 33-38).

Sabemos que, como bem desvelou Bourdieu em sua teoria reprodutivista, a escola tem

seus limites e poucas vezes tem cumprido seu papel a contento. E é justamente por isso que

não devemos nos acomodar, mas pensar constantemente em possibilidades que promovam

sistematicamente uma vivência cultural ampla e com base na Ecologia dos Saberes,

considerando e partindo dos saberes trazidos pelos alunos e lhes oferecendo em seguida novos

saberes que amplie seu capital cultural. Nas palavras de Penna:

Por isso é tão necessário repensar profundamente a nossa prática e seus pressupostos, articulando esforços tanto no plano da ação como da reflexão. Através da análise do ensino de arte e de música (que não ocorre no vazio, mas no quadro da educação brasileira), procurar conhecer os mecanismos de exclusão; entender como se reproduz uma competência musical para poucos, para poder pensar a musicalização como um processo pedagógico orientado que busque democratizá-la (2012, p. 43).

Então, embora historicamente as classes dominantes tenham se utilizado do sistema

escolar a fim de continuar reproduzindo sua situação social, a educação escolar precisa se

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tornar cada vez mais um espaço em que seus agentes se utilizem dele enquanto espaço de

transformação social. Diante destas colocações surgem então alguns questionamentos:

Primeiramente pensando no ensino de música em sentido amplo, que atitudes ou princípios

devem nos guiar a fim de construirmos um ensino democrático? E posteriormente, dentro do

contexto desta pesquisa, que práticas pedagógicas e metodológicas no ensino e aprendizagem

de guitarra elétrica poderíamos destacar como coerentes ao ensino de música democrático que

propomos?

Nesse sentido, Maura Penna (2012, p. 28) aponta duas atitudes renovadoras para se

construir uma educação musical democratizante e que considero extremamente importante

considerarmos, são elas:

1) Em lugar da acomodação, que leva a repetir sem crítica ou questionamento os

modelos tradicionais de ensino de música, faz-se necessária a disposição de buscar e experimentar alternativas, de modo consciente.

2) Em lugar de se prender a um determinado “padrão” musical, faz-se necessário encarar a música em sua diversidade e dinamismo, pois sendo uma linguagem cultural e historicamente construída, a música é viva e está em constante movimento.

Acredito que a primeira atitude que Penna nos recomenda já tem feito parte de minhas

buscas, bem como da maioria dos educadores musicais do país. Precisamos então continuar

firmes neste propósito, inclusive essa pesquisa se constitui um esforço nesse sentido. Assim,

ao nos dispormos conscientemente a buscar e experimentar alternativas para um ensino de

música democrático, o primeiro aspecto que proponho pensarmos é sobre o estudo de teoria

musical e da leitura e escrita de partitura. Para iluminar nossas reflexões e práticas nesse

sentido, acredito ser extremamente válido revisitarmos, com uma leitura crítica e

contextualizada, os Métodos Ativos em Educação Musical.

Em geral, a grande contribuição dos chamados Métodos Ativos foi propor a

experiência direta do aluno com o fazer musical, permitindo práticas ativas e criativas. De

acordo com as propostas pedagógicas dos educadores Émile Jaques-Dalcroze, Zoltán Kodály

e Edgar Willems, por exemplo, vemos que nas primeiras etapas do ensino de música os

alunos devem ter o máximo possível de contato com o fato sonoro, com a música em si, e

somente em etapas posteriores é que os mesmos devem ter contato com a teorização e de

forma bem gradativa. Estes educadores reconheciam a importância do aprendizado da teoria

musical e da leitura e escrita musical como algo essencial para uma alfabetização e formação

musical consistente, no entanto, tal aprendizado teórico deveria vir após uma sensibilização e

vivência musical (MATEIRO; ILARI, 2012).

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Dialogando com os Métodos Ativos em Educação Musical e com Penna (2012, 50-

65), algo que vale a pena comentar é que o estudo da teoria musical e a capacidade de ler e

escrever música não deve desprivilegiar nem retirar a legitimidade das práticas musicais

populares que não fazem seu uso deliberado, que demonstram nas suas práticas um caráter

mais intuitivo, até porque, mais importante que a teoria é o fato musical propriamente dito. E

assim, embora reconheçamos a importância da teoria musical, entendo que não só sabe

música aquele que lê e escreve partitura ou aquele que entende de teoria musical.

Após este breve esclarecimento de que é realmente necessário valorizar as diversas

formas de manifestação musical e suas particularidades, vale ressaltar que acredito ser

necessário que tal estudo teórico se torne cada vez mais acessível desde a Educação Básica e

com qualidade, desmistificando assim a aura inacessível que paira em torno do assunto na

visão de músicos populares que não tiveram acesso ao conhecimento teórico. Nesse sentido, o

estudo da teoria musical para o registro e comunicação do material sonoro, bem como para o

melhor entendimento de sua estrutura e organização (SOUZA, 1999, p. 210) é fundamental e

pode gerar uma ampliação significativa da experiência musical dos alunos, contribuindo para

o desenvolvimento de esquemas mais sofisticados de percepção da linguagem musical.

Esquemas estes que agora não estarão mais restritos a uma elite ou com valor de status ou de

prestígio (PENNA, 2012).

[...] Para a construção de uma escola de música includente, é preciso que o “conhecimento científico”, escondido muitas vezes sob o discurso musical acadêmico, dialogue com o discurso musical das ruas, sem hierarquização, para que, tanto um quanto outro, possam ser enriquecidos (ASSANO, 2001, p. 06 apud PENNA, 2012, p. 65).

O mais importante é que este estudo de teoria musical seja amplo o suficiente e

conduzido a partir de uma visão crítica para considerar a multiplicidade de manifestações e

saberes como significativos, tornando o acesso à arte e à cultura mais democrático em todos

os sentidos.

Agora visualizando os vários campos em que o guitarrista pode trabalhar e que

geralmente exigem um conhecimento teórico considerável – produção musical, gravação,

ensino de música em escola especializada, conservatório ou outros espaços, etc. –, enfatizo a

importância de que os estudos de teoria musical, leitura e escrita de partitura sejam

contemplados no ensino e aprendizagem de guitarra elétrica. Garcia contribui com esta ideia

ao apontar que, apesar dos alunos do curso técnico integrado em instrumento musical –

guitarra – do IFPB “preferirem recorrer à tablatura ou „tirar músicas de ouvido‟”, a integração

de tais práticas, consideradas informais, e a prática da leitura musical em notação tradicional,

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considerada formal, “foram incentivadas e declaradas como práticas que se complementam e

não devem se contrapor, especialmente quando pensamos em um mercado musical

contemporâneo” (2011-b, p. 214).

Sobre a leitura musical no ensino e aprendizagem de guitarra elétrica Módolo aponta

que seria interessante um aprofundamento dessa prática nas propostas curriculares visto que

ainda há uma dificuldade considerável por parte dos guitarristas nesse sentido (2015, p. 180).

Entre outras estratégias de ensino, os quatro professores de guitarra atuantes em universidades

brasileiras pesquisados por Módolo – os professores Hermilson, Paulo, Anderson e Cesar –

usam a leitura e escrita de partitura com os alunos.

O guitarrista Nelson Faria14 também aponta a prática de leitura musical como um dos

seis tópicos “mais importantes para o estudo diário da guitarra” (2005-a, p. 02). Outros

métodos de guitarra, bem como os mais diversos livros sobre música, geralmente utilizam a

notação em partitura para apresentar seus conteúdos e exemplos, o que significa que, só terá

acesso de qualidade a estes materiais aqueles que dominarem este tipo de notação.

Assim, esse caminho de formação é importante no sentido de fornecer às pessoas

diferentes instrumentos de percepção e compreensão musical e contribuir para a

descolonização dos saberes. Além disso, também é uma ferramenta que pode ser útil no

mercado de trabalho. Não vejo uma barreira epistemológica que impeça o aprendizado da

leitura e escrita musical, mas compreendo que, além das vantagens já mencionadas

anteriormente, o domínio destes códigos seria uma forma de não nos limitarmos a um

contexto de dominação cultural. Então, não quero opor oralidade e escrita, pelo contrário,

entendo que, buscando uma democratização do acesso à arte e à cultura, tais saberes se

complementam e nos ajudam a trilhar um caminho de formação mais rico e democrático.

Seguindo agora para a segunda atitude apontada por Penna como necessária à

construção de um ensino de música democratizante (2012, p. 28), vemos que a mesma

sintetiza bem a ideia de que é extremamente necessário trabalhar tanto o repertório erudito

quanto o popular. Nessa perspectiva, concordo com Penna que para encontrar algumas

respostas razoáveis devemos pensar num ensino de música que de fato ajude os alunos a

construírem instrumentos de percepção da linguagem musical que ampliem seu universo

musical, ou seja, que amplie o seu capital cultural relacionado à música. Dessa forma poderão

ter acesso aos diversos tipos e gêneros musicais independente de sua classe ou origem social, 14 Nascido em Belo Horizonte – MG, Nelson Faria tem uma longa e bem sucedida carreira musical no Brasil e no exterior. Além de ter acompanhado diversos artistas, realizado inúmeras gravações (inclusive de seus próprios projetos), Nelson também atua como educador, tendo lecionado aulas, cursos, workshops e lançado inclusive alguns livros didáticos (2005-a).

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já que a música é um bem simbólico, um patrimônio cultural pertencente a toda humanidade

(PENNA, 2012, p. 27).

Tal questão parece ser fundamental no contexto do triângulo CRAJUBAR, em que

somente no ano de 2009 o primeiro curso de nível superior em música foi implantado na UFC

Campus Cariri, hoje UFCA, e tendo iniciado a primeira turma no primeiro semestre de 2010

(ALMEIDA, 2014, p. 57). Inclusive, no próprio Projeto Pedagógico (2014, p. 06) de tal curso

verificamos que o mesmo tem a intenção de “contemplar a cultura musical brasileira e local, a

música canônica ocidental e as culturas musicais não europeias, respeitando suas

peculiaridades e identidades étnicas fundadoras”.

Sendo assim, dialogando com Penna e refletindo sobre que repertório – ou, padrões

musicais – pode ser trabalhado com os alunos tanto no nível superior como no nível básico de

ensino no triângulo CRAJUBAR, concordo sobre a necessidade de uma educação musical

ampla e transformadora – incluindo-se nela o processo de musicalização – que possibilite

oportunidades para o processo de familiarização tanto da música popular e regional quanto da

erudita, inclusive a música contemporânea. Assim os alunos se tornarão mais sensíveis à

música, podendo escolher futuramente o que lhes convém, e isso também é democracia

(PENNA, 2012, p. 47).

A Ecologia dos Saberes também nos ajuda nesse sentido, pois aqui o que estou

pretendendo é a construção de um currículo ecologizante na medida em que consideramos um

repertório que amplie nossa concepção de música. Segundo Penna, desta forma estaremos em

sintonia com o “projeto de democratização no acesso à arte e à cultura, contribuindo para a

sua efetiva construção” (2012, p. 28).

Ultrapassar a oposição entre a música popular e erudita e suas formas de ensino-aprendizagem, em prol de uma concepção ampla de música que considere toda a multiplicidade de manifestações como significativa, é condição indispensável para um projeto de democratização no acesso à arte e à cultura (PENNA, 2012, p. 65).

Compreendida a questão, posso agora advogar e reforçar a possibilidade de inclusão

de algumas obras do repertório erudito no ensino e aprendizagem de guitarra elétrica tendo

como objetivo principal democratizar o acesso a este tipo de repertório. Além disso, para que

faça sentido no estudo do instrumento, é essencial que cada obra trabalhada também tenha

suas finalidades pedagógicas, contribuindo para o desenvolvimento técnico e musical do

aluno. Lembrando que isso não é algo inédito, algumas instituições e métodos já trabalham

nesse sentido, vejamos alguns exemplos: No Método de guitarra elétrica desenvolvido por

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Rogério Borda há o estudo da técnica de palhetada sweep15 através do “Estudo nº 2 para

violão” de Villa-Lobos, que segundo o autor, “transcrito para esta técnica específica de

guitarra elétrica favorece uma ampla experiência neste assunto” (2015, p. 68). Também

podemos encontrar a presença do repertório erudito no segundo, terceiro e quarto semestres

do Curso de Guitarra do Conservatório Musical Souza Lima. De acordo com o currículo16, no

segundo semestre de curso, por exemplo, o aluno deve realizar três estudos a escolher dentre

os de M. J. Carrasqueira (O melhor de Pixinguinha), do The New Real Book e/ ou do livro

Bach Sonatas e Partitas for the violin. E apesar de ser um repertório optativo, nos ajuda a

demonstrar a viabilidade do mesmo no ensino e aprendizagem de guitarra.

Além disso, a mesma instituição tem uma Orquestra de Guitarras17 que oferece aulas

de prática de conjunto para guitarristas e baixistas e o repertório estudado é constituído por

obras originalmente escritas para orquestra ou quarteto de cordas por compositores da música

erudita como: J. S. Bach, A. Vivaldi, W. A. Mozart, entre outros. A Orquestra de Guitarras

Souza Lima é ensaiada e organizada pelo professor e regente Ciro Visconti.

A título de curiosidade também posso mencionar o excelente trabalho do Quarteto de

Guitarras Kroma18 que, em seu álbum intitulado “DesConstruindo”, mesclou obras do

repertório popular, como por exemplo, “Tico-Tico no fubá” de Zequinha de Abreu, até obras

do repertório erudito, como por exemplo, “Álbum para Juventude Opus 68 nº30” de Robert

Schumann, mostrando que através da guitarra elétrica é possível trabalhar um repertório

extremamente diversificado e com qualidade.

Enfim, no que se refere ao repertório a ser trabalhado num ensino e aprendizagem de

guitarra que esteja em sintonia com um ensino de música democrático, a proposta é, não de

opor um padrão ao outro, mas dar aos alunos “acesso à maior diversidade possível de

manifestações musicais”, pois conforme aponta Penna, em suas mais diversas formas e

padrões, a música “é um patrimônio cultural capaz de enriquecer a vida de cada um,

ampliando a sua experiência expressiva e significativa” (2012, p. 27).

Vale lembrar que todas estas questões apontadas como necessárias só farão sentido à

medida que houver um engajamento de todos os envolvidos para criar condições

15 Técnica de palhetadas no mesmo sentido, utilizada principalmente para tocar arpejos. 16 Para visualizar o referido currículo acessar: <http://www.souzalima.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=674&Itemid=270&lang=pt> Acesso em 03 de junho de 2016. 17 Para mais informações acessar: <http://www.souzalima.com.br/index.php?option=com_content&view=category&id=45&Itemid=318&lang=pt> Acesso em 03 de junho de 2016. 18 Grupo formado pelos músicos Heraldo Paarmann, Alexandre de Orio, Igor de Bruyn e Alexandre Spiga.

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democratizantes de ensino e aprendizagem para todos os alunos, desde os menos favorecidos

culturalmente através da socialização primária até os mais favorecidos.

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3. A GUITARRA ELÉTRICA NO TRIÂNGULO CRAJUBAR-CE SOB A

PERSPECTIVA DA HISTÓRIA DE VIDA DE ALGUNS AGENTES

Inicialmente pensei em apresentar um histórico desde o surgimento da guitarra elétrica

nos EUA, sua entrada e utilização no Brasil até chegar ao contexto do triângulo CRAJUBAR,

porém, após uma revisão de literatura percebi que outros autores já trataram satisfatoriamente

sobre o assunto, exceto sobre a guitarra elétrica no CRAJUBAR.

Alguns trabalhos que apresentam um panorama histórico sobre a guitarra elétrica são:

A tese A guitarra elétrica na música popular brasileira: os estilos dos músicos José Menezes

e Olmir Stocker, de Visconti (2010); Por uma proposta curricular de curso superior em

guitarra elétrica, dissertação do Rogério Borda (2005); A monografia Guitarra Elétrica: uma

discussão sobre sua aceitação na academia e sua relação com a identidade brasileira, de

Lopes (2007); Educação Musical: a relevância de Mozart Mello para o ensino da guitarra no

Brasil, de Vianna Neto (2009); Guitarra elétrica: um ícone na cultura pop do século XX, de

Souza (2002).

Desta forma, irei apresentar apenas um breve histórico sobre a guitarra elétrica no

triângulo CRAJUBAR, pois além de já haver vários trabalhos sobre a história da guitarra nos

EUA e no Brasil em sentido genérico, o que seria repetitivo reproduzi-las aqui, também não

seria viável em termos de tempo e espaço abordar com qualidade mais um assunto tão extenso

e tão rico.

Nessa perspectiva, uma breve contextualização histórica da guitarra no triângulo

CRAJUBAR sob a perspectiva da história de vida de alguns agentes possibilitará concatenar

questões educacionais, sociais e culturais. Assim, além do conhecimento deste recorte

histórico e das reflexões a partir das histórias de vida dos agentes, acredito que a partir da

visualização e compreensão de como a guitarra se insere nesse contexto histórico e social,

será possível entender melhor algumas possibilidades educativas que se abrem com sua

presença no ensino de música no CRAJUBAR.

A escolha dos cinco guitarristas entrevistados que terão uma parte de sua história de

vida narrada a seguir se deu a partir da análise de alguns critérios, por exemplo, terem sido

indicados por outros guitarristas e músicos da região, idade e principalmente pelo motivo de

que os mesmos participaram e/ ou participam ativamente da cena musical no triângulo

CRAJUBAR, e embora haja outros guitarristas e histórias importantes de serem conhecidas,

tivemos de optar por algumas delas, já que não seria viável pesquisar todas neste trabalho. Já

no tópico “Trajetórias de mim” também apresento a narrativa de uma parte da minha história

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de vida a fim de contextualizar de forma detalhada meu envolvimento com a guitarra elétrica

e trazer mais alguns elementos para a discussão.

Com este capítulo busco contemplar o primeiro objetivo específico da pesquisa.

3.1 João Martins Gonçalves

Nascido no ano de 1925 na cidade de Missão Velha, João Martins Gonçalves iniciou

os estudos musicais no cavaquinho por volta dos 12 anos de idade19, um pouco depois passou

para o violão e por último, já adulto, para a guitarra elétrica. No início ficava “mexendo no

cavaquinho” e quando seu irmão Ancilon Martins chegava a casa e tocava o violão João

Martins o acompanhava com o cavaco. O entrevistado destaca que tinha um “ouvido” muito

bom.

João Martins informa que em sua família havia vários músicos. Seu irmão Ancilon

Martins Gonçalves, falecido no ano 2000, era um excelente músico e inclusive foi colega do

famoso Zé Menezes. Este último tinha um primo em Missão Velha que trabalhava como

ferreiro, o que facilitou o encontro. Ancilon Martins viajava para tocar em outras cidades e

estados, pois em Missão Velha não dava para ganhar dinheiro suficiente sendo músico,

segundo palavras de João Martins.

O entrevistado menciona ainda outro “grande violonista” chamado Afonso Aires.

Natural de Juazeiro do Norte, Afonso Aires foi o primeiro violonista a atuar profissionalmente

na emissora Ceará Rádio Clube, a PRE-9, em Fortaleza – CE (SOUZA; ROGÉRIO, 2013, p.

02).

Sobre a aprendizagem de João Martins ao violão percebemos que a mesma se deu

basicamente de forma autodidata e o mesmo informa que nunca estudou com um professor.

Além disso, menciona o seguinte a respeito do estudo do instrumento:

E o instrumento, eu acho que é muito é treino. O camarada tem vocação, se ele treinar será um grande instrumentista, mas se não treinar não pode, como é que o camarada vai tocar sem ter prática, a verdade é essa (informação verbal20).

19 Colocamos no texto a idade que foi mencionada durante a entrevista concedida por ocasião desta pesquisa. No entanto, na Coluna do Renato há a informação de que João Martins “já aos 10 anos de idade tocava cavaquinho com grande habilidade” (CASIMIRO, 2015). Disponível em: <http://colunaderenato.blogspot.com.br/2015_03_20_archive.html> Acesso em 30 de janeiro de 2017. A biografia de João Martins presente neste site (publicada no dia 20 de março de 2015) faz parte de um conjunto de pequenas crônicas escritas por Renato Casimiro e que são lidas na FM Rádio Padre Cícero de Juazeiro do Norte sob o título “Boa Tarde para Você”. 20 Entrevista concedida por João Martins Gonçalves em Juazeiro do Norte – CE no dia 05 de março de 2016.

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Interessante o ponto de vista do entrevistado sobre a prática e estudo do instrumento,

pois de fato uma boa performance exige uma boa preparação. Nas palavras de Suzuki “a

habilidade cresce com o treinamento” (1994, p. 37). Já em relação à questão do aspirante à

instrumentista ter ou não vocação para a música tenho uma ressalva, pois não acredito em

vocação sob a perspectiva do mito do dom.

Shinichi Suzuki (1994, p. 09) afirma que o “talento não é um acaso do nascimento”,

para o autor “todo ser nasce com tendências naturais para aprender”. De acordo com as ideias

de Suzuki (1994) uma formação musical de qualidade está relacionada à combinação de

vários fatores, como por exemplo, a dedicação através da imitação e da repetição e o trabalho

com a memória, fazendo com que o talento seja desenvolvido. Além disso, Suzuki destaca a

influência do ambiente, que precisa ser propício e motivador, daí que o autor aponta como

essencial nesse processo o auxílio do professor e o auxílio dos pais, especialmente o da mãe.

Brito (2013, p. 28) faz uma colocação muito interessante que nos ajuda nesta reflexão.

O autor acredita que “uma visão equilibrada das características herdadas e da influência do

ambiente na aprendizagem seja mais verossímil”, ou seja, apesar do indivíduo nascer com

“predisposições para essa ou para aquela atividade”, o ambiente será “decisivo para moldar

essas predisposições”.

Outra experiência de aprendizado musical mencionada pelo entrevistado é que em

frente a sua casa moravam dois primos, um cantava e outro tocava violão, e João Martins

ficava observando: “eu aprendi assim, sem métodos sem nada, vendo os outros tocar”.

Gostaria de fazer uma pequena associação entre o método Suzuki e os estudos

musicais de João Martins, ressalvadas as notáveis diferenças. Percebe-se que, embora os

estudos musicais do entrevistado tenham tido seu foco no processo de aprendizagem e de

forma intuitiva, o mesmo apresenta características de práticas e/ ou princípios defendidos por

Suzuki (1994): a observação e a imitação. Uma diferença relevante a se considerar é que no

método Suzuki a observação e a imitação são focadas sob a perspectiva do ensino, e não da

aprendizagem, ou seja, a figura do professor é o centro do processo, ele é a referência

principal e atua de forma intencional.

Também percebemos o quanto o ambiente foi propício e motivador para o aprendizado

musical de João Martins, pois além de ver e ouvir o irmão Ancilon tocar, teve contato com

primos e outros familiares músicos. Então, mais uma vez ressalvadas as diferenças em relação

ao método Suzuki, constata-se – pela história de vida do entrevistado – que o ambiente da

socialização primária familiar tem uma força considerável na inculcação de determinado

capital cultural no habitus dos agentes, influenciando no seu aprendizado presente e futuro.

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João Martins ainda destaca que “na época o povo chamava um violonista, qualquer

pessoa que tocasse, era de malandro, de vagabundo, „os cabras não querem trabalhar, isso é

profissão?‟, na época era assim”. De fato, durante muito tempo no Brasil o violão foi

marginalizado, associado às classes mais populares, à vagabundagem e à vida boêmia, por

exemplo.

No ano de 1948, já adulto e casado21, João Martins se mudou para a cidade de

Milagres22, permanecendo nesta até o ano de 1954. Foi nesse período, mais precisamente no

ano de 1950, que aconteceria algo marcante em sua vida:

Os cantores juazeirenses, Alberto e José Brasileiro, foram realizar um show em Milagres e necessitavam do apoio de um regional que por indicação recaiu sobre João Martins, como líder e organizador, já considerado um músico de grande competência. O resultado foi tão bom que Alberto, uma espécie de cover do cantor Bob Nelson, e seu irmão, o tenor José Brasileiro induziram João Martins a vir para o Juazeiro, onde encontraria melhores condições de trabalho, tanto na alfaiataria, quanto na música (CASIMIRO, 201523).

No início da década de 1950, muito provavelmente no ano de 1951, a convite de

Coelho Alves, seu conterrâneo de Missão Velha e diretor da Rádio Iracema24, João Martins

passou quinze dias em Juazeiro do Norte tocando no Regional25 de Badiar26 por ocasião do

primeiro aniversário da Rádio Iracema. Uma curiosidade dessa época é que João Martins

recebeu uma boa proposta para ficar em Juazeiro do Norte tocando no Regional, porém

recusou sob o pretexto de que na cidade em que morava tinha um rendimento financeiro

melhor com sua alfaiataria. Ao relatar o fato João Martins parece ter se arrependido por não

aceitar a proposta, já que menciona ter perdido uma boa oportunidade.

Quando finalmente foi morar em Juazeiro do Norte, em 1954, João Martins afirma que

a Rádio Iracema já não estava em alta como no início e não tinha mais o Regional. Então ele e

o saxofonista Maurício de Barros formaram um novo Regional para a Rádio, no qual tocaram

juntos. Via de regra os músicos dos Regionais eram exímios improvisadores e tinham um

excelente ouvido musical. Nas palavras do entrevistado “o Regional em si era para

21 Informação obtida através do site: <http://colunaderenato.blogspot.com.br/2015_03_20_archive.html> Acesso em 30 de janeiro de 2017. 22 Município localizado ao sul do estado do Ceará. 23 Informação obtida através do site: <http://colunaderenato.blogspot.com.br/2015_03_20_archive.html> Acesso em 30 de janeiro de 2017. 24 Primeira emissora radiofônica de Juazeiro do Norte. 25 Formação musical muito ligada à tradição do chorinho e do samba e que acompanhava diversos cantores nos programas de rádio. Instrumentos que já figuraram nos Regionais: flauta, clarinete, saxofone, cavaquinho, bandolim, violões (de seis e de sete cordas), acordeom e pandeiro. 26 Badiar, natural de Fortaleza, foi um excelente bandolinista que tocou e dirigiu a primeira formação do Regional da Rádio Iracema em Juazeiro do Norte.

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acompanhar os artistas, chegava artista de fora, eu acompanhei muito artista bom aqui, tinha

muitos cantores bons”.

A primeira transmissão radiofônica brasileira aconteceu no Rio de Janeiro, no ano de

1922. Enquanto veículo de entretenimento musical o rádio foi espaço fecundo para o

exercício profissional de muitos músicos durante décadas. Souza e Rogério, por exemplo,

apontam que “no Estado do Ceará, na década de 1930, os primeiros violonistas profissionais

tiveram atuação nas emissoras radiofônicas” (2013, p. 02).

Isso possibilitou o surgimento de um campo27 violonístico no Estado (SOUZA;

ROGÉRIO, 2013, p. 02 apud FREITAS, 2012), ou seja, a criação de um novo espaço com

suas características particulares e que permitiu “aos agentes viverem da prática de sua arte”

(2013, p. 02).

Percebemos na história de vida de João Martins, assim como também veremos na de

outros entrevistados, que o rádio foi um grande influenciador, tanto na formação do gosto

quanto no aprendizado musical ao “pegar de ouvido28” músicas que faziam parte da

programação.

A influência das rádios na formação musical e cultural do ouvinte, inclusive do

ouvinte músico, sempre foi considerável, e consequentemente essa influência se manifesta em

seu gosto. Segundo Rogério, “a força educativa do rádio é justamente em se apresentar como

um meio que não está ligada ao aprendizado”. Os aspectos de naturalidade e de não

intencionalidade permitem que o rádio atue com muita eficácia na formação do gosto dos

ouvintes (2006, p. 60).

Em 1958 João Martins foi trabalhar na Rádio Educadora do Cariri29, situada no Crato

e que na época estava em fase de experiência segundo informações do entrevistado, que atuou

no Regional da Rádio Educadora até 1961.

João Martins tocou ao lado de seu sobrinho Rosiel Martins, filho do seu irmão Ancilon

Martins, no Regional da Rádio Educadora. Rosiel é músico profissional, compositor, maestro

e toca trompete, além de outros instrumentos. E uma curiosidade que percebemos neste

momento é que, para João Martins, quando o instrumentista sabe ler e escrever partitura ele 27 Sobre o conceito de campo de Bourdieu (1996:50), Thiry-Cherques (2006, p. 35) nos informa que o mesmo é tanto um “campo de forças”, uma estrutura que constrange os agentes nele envolvidos, quanto um “campo de lutas”, em que os agentes atuam conforme suas posições relativas no campo de forças, conservando ou transformando a sua estrutura. 28 Expressão popular para a prática de ouvir músicas e, através da percepção auditiva musical, identificar, reconhecer ou perceber os seus elementos, visando, posteriormente, reproduzi-los da forma mais fiel possível. 29 A Rádio Educadora do Cariri foi inaugurada oficialmente no dia 15 de fevereiro de 1959 na cidade do Crato – CE. Disponível em: <http://cariricult.blogspot.com.br/2009/02/radio-educadora-do-cariri-completa-50.html>. Acesso em 01 de fevereiro de 2017.

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sabe música. O fato de saber música está associado à capacidade de ler e escrever partitura.

Além disso, também ressalta a capacidade de “pegar músicas de ouvido” como um requisito

para ser músico:

Eu ensaiava muito, sempre ensaiava, a gente ensaiava todo dia, ensaiava pelo disco, botava o disco na radiola e ia fazendo, tocava, era idêntico ao disco, não tinha diferença. Já com esse meu sobrinho, que era um bom músico, ele fazia era copiar os instrumentos e tocava pela partitura, mas ele que tirava do disco, tocava do mesmo jeito o arranjo, era a mesma coisa do disco, tinha ouvido muito bom também, é preciso o camarada, o músico bom mesmo é o que tem ouvido bom, toca de ouvido e toca pela partitura, porque o músico que não tem bom ouvido ele não pode escrever certo (informação verbal).

Percebemos então o quanto essa questão marcou e ainda marca a opinião e crença de

muitos músicos, por exemplo, um grande número de músicos populares que não leem ou

escrevem partitura não se reconhece enquanto músico. O fato de ler e escrever partitura atua

como uma distinção e ao mesmo tempo, para aqueles que não dominam este conhecimento, se

torna algo excludente. Por isso defendo a necessidade de que no ensino e aprendizagem de

guitarra, e da música em geral, esteja contemplada a leitura e escrita de partitura, pois além de

ampliar as possibilidades musicais e profissionais, um acesso mais democrático a este saber

pode inclusive ir diminuindo a crença elitista em torno do assunto e aos poucos permitir aos

músicos populares que de fato se aceitem enquanto músicos e desfrutem desse afeto.

João Martins mencionou sua guitarra elétrica Di Giorgio, comprada em 1959,

conforme segue: “a primeira guitarra elétrica que veio na região do Cariri feita no Sul, eu

ainda tenho ela e ela ainda toca”. Ou seja, de guitarras elétricas fabricadas e/ ou vendidas no

Sul do país, esta foi a primeira adquirida por um músico do Triângulo CRAJUBAR.

Imagem 1 – João Martins com a sua guitarra elétrica Di Giorgio

Fonte: João Martins.

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Imagem 2 – A guitarra Di Giorgio de João Martins na data da entrevista

Fonte: Arquivo pessoal.

Como podemos ver através das fotos é uma guitarra com corpo num formato muito

parecido com o corpo de um violão, porém sem a boca e com um pequeno corte (cutway) para

facilitar o acesso às últimas casas da escala. Possui uma ponte muito parecida com alguns

modelos presentes em violões e possui dois captadores. Tal guitarra já foi reformada uma vez

segundo informação do entrevistado.

João Martins conta que certa vez a Rádio Educadora do Cariri foi palco do show do

“Gaúcho e Seu Conjunto”, ocasião em que o entrevistado viu o guitarrista do referido

conjunto tocar e ficou admirado com a sua performance e também com a sonoridade da

guitarra elétrica, o que o motivou a comprar a sua Di Giorgio. No entanto, João menciona que

a sua guitarra não era do mesmo modelo da guitarra do “gaúcho”.

Sobre a primeira festa que tocou com a guitarra seu João Martins descreve:

A primeira festa que eu fiz com ela foi no Crato Tênis Clube30, eu tocava no conjunto de Hildegardo, quando eu cheguei em dia de sábado que liguei a caixa, ninguém conhecia, tinha um pedalzinho, ainda hoje está aí os pedaços, acho que ainda está por aí, quando eu liguei na caixa aquele pedal vibrava, eu treinei um

30 “O Crato Tênis Clube foi fundado em 1932 e funcionou inicialmente na Rua Senador Pompeu”. A sede no bairro Pimenta, também no Crato – CE, “foi inaugurada em 27 de maio de 1950”. O clube oferece esporte, lazer e alimentação e já foi palco de variados eventos (shows, festas, reuniões, etc.). “Grandes nomes da música nacional já se apresentaram” nos seus palcos, como por exemplo, Nelson Gonçalves, Luiz Gonzaga, Fagner, entre outros. Disponível em: < https://cratotenisclube.wordpress.com/oclube/>. Acesso em 02 de fevereiro de 2017.

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bocado para poder tocar, [...] quando eu comprei foi uma novidade mesmo, foi um negócio fora de sério, Hildegardo subiu demais por causa disso (informação verbal).

Hildegardo Benício (in memoriam), segundo João Martins, foi um “músico de muito

carisma” e que na época tinha uma banda chamada “Hildegardo e Seu Conjunto”, na qual

João Martins tocou guitarra antes de formar seu próprio conjunto. João Martins informa que

seu sobrinho Rosiel também tocou no Hildegardo e Seu Conjunto, era ele “quem fazia os

arranjos da orquestra de Hildegardo Benício”. Durante algum tempo o conjunto tocou no

Crato Tênis Clube todo domingo numa espécie de matinal, uma “festa dançante” que

acontecia no período da manhã.

Vale a pena destacar a utilização do pedal de efeito ligado à guitarra conforme

mencionado por João Martins, demonstrando o aspecto de novidade que tal tecnologia

agregava não apenas ao som do referido instrumento, mas ao som de todo o conjunto. Além

disso, a utilização da guitarra elétrica juntamente com o pedal de efeito foi também um fator

de distinção em relação aos demais grupos musicais na época.

Em 1961, após ter saído do Regional da Rádio Educadora e do Hildegardo e Seu

Conjunto, João Martins formou seu próprio grupo musical com seu sobrinho Rosiel, o “J.

Martins e Seu Conjunto31”. O entrevistado informa que o conjunto J. Martins era muito bom e

que excursionaram por vários lugares do Nordeste tocando da música internacional ao baião.

Depois de um tempo Rosiel saiu do conjunto e João Martins deu continuidade ao trabalho

sem ele.

João Martins e seu conjunto animaram festas memoráveis no Treze Atlético Juazeirense, no Clube dos Doze, no BNB Clube e na AABB em Juazeiro do Norte. Eram grandes festas, especialmente as realizadas nas décadas de 60 e 70, quando a sociedade juazeirense bancava festas inesquecíveis, como a Festa Branca, a Festa das Flores, a Festa das Debutantes e as tradicionais Festas de Colação de Grau. João Martins estava no centro de tudo isso (blog “Juazeiro Anos 60”32).

Logo após ter se mudado para Juazeiro do Norte João Martins ainda mantinha em

paralelo aos trabalhos de músico o trabalho de alfaiate. O entrevistado informou que foi por

volta do ano de 1961 que deixou a profissão de alfaiate – muito provavelmente em

decorrência das viagens com o conjunto.

31 Alguns músicos que tocaram no conjunto: João Martins (guitarra), Antonio Miguel (Piston), Edmundo (Trombone de vara), Geraldo Martins (Bateria), Wilson Borges (Ritmo e Crooner), Roterdan Martins (Contrabaixo) e Zezinho (Acordeom). Disponível em: <http://colunaderenato.blogspot.com.br/2015_03_20_archive.html>. Acesso em 30 de janeiro de 2017. 32 Disponível em: <http://juazeiroanos60.blogspot.com.br/2012/03/joao-martins-no-tempo-das-grandes.html>. Acesso em 03 de fevereiro de 2017.

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Imagem 3 – J. Martins e Seu Conjunto33

Fonte: <http://juazeiroanos60.blogspot.com.br/2012/03/joao-martins-no-tempo-das-grandes.html>.

João Martins afirmou durante a entrevista que a necessidade de tocar em banda baile

também o motivou a tocar guitarra elétrica. Ele ainda menciona que foi um dos primeiros

guitarristas da região: “[...] Eu comecei fazendo as guitarras que era daqueles violões com sete

bocas que tinha, a gente pegava um adaptador e botava para tocar elétrico e depois com uns

tempos foi que eu comprei a guitarra”.

Para João Martins a guitarra elétrica é praticamente a mesma coisa do violão. Em suas

palavras “a diferença que tem é que guitarra a gente tem que tocar mais com palheta e violão

a dedo dedilhando”. Além disso, o mesmo afirma que não teve nenhuma dificuldade em

aprender a tocar guitarra já que sua afinação é a mesma do violão e, por isso, as posições de

acordes e escalas são as mesmas.

Ainda é comum essa distinção na forma de tanger as cordas da guitarra e do violão

conforme apontado por João Martins. Conforme afirma Borda, os “idiomatismos técnicos” de

instrumentos como a guitarra elétrica, o violão, o bandolim, o cavaquinho, a guitarra baiana,

entre outros, se diferenciam sutilmente através das “scordaturas e pela utilização da palheta ou

do dedilhado”. De fato, tais instrumentos “possuem uma mesma lógica na divisão harmônica

da escala: todos os instrumentos citados utilizam trasteamento por semitons e scordaturas

baseadas em intervalos de 3as, 4as e 5as” (2005, p. 18).

33 Da esquerda para a direita: Patrício (acordeom), João Martins (guitarra), Roterdan (contrabaixo), Chico Cancão (saxofone), Bebê (piston), Geraldo (bateria), Wilson (percussão e vocal) e o empresário Raimundo Milton. A informação dos nomes dos músicos e do empresário presente na foto foi obtida através do blog “Juazeiro Anos 60”. No entanto, segundo a postagem no referido site, feita por Daniel Walker em março de 2012, o nome do conjunto que aparece na foto é citado como “J. Martins Show”. Disponível em: <http://juazeiroanos60.blogspot.com.br/2012/03/joao-martins-no-tempo-das-grandes.html>. Acesso em 03 de fevereiro de 2017.

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No entanto, tocar a guitarra elétrica com palheta ou tocá-la dedilhando com os dedos

vai depender de várias questões, como por exemplo, a sonoridade que se busca, o tipo de

arranjo ou repertório que será executado, a técnica necessária para uma execução específica,

etc. O britânico Jeff Beck é um ótimo exemplo de guitarrista bem sucedido que toca sem

palheta. No ramo da música jazzística temos o guitarrista Martin Taylor, que geralmente toca

sua semiacústica ao estilo da postura dos violonistas eruditos e também dedilhando as cordas

com os dedos ao invés da palheta.

Por último gostaria de mencionar o guitarrista brasileiro André Nieri, que faz uma

incrível combinação técnica ora usando a palheta – alternada e/ ou sweep –, ora usando os

dedos da mão. Desta forma ele toca do rock fusion à MPB com muito virtuosismo. Vale

destacar que no Brasil a técnica de tocar as cordas da guitarra com os dedos tem sido

geralmente denominada de fingerpicking.

Assim, devido às várias influências musicais, atualmente vemos crescer o número de

guitarristas que tocam utilizando a técnica de fingerpicking, fazendo com que haja cada vez

mais um enriquecimento técnico na forma de tocar a guitarra e também uma aproximação

idiomática entre ela, o violão e outros instrumentos de cordas dedilhadas. O próprio André

Nieri começou a usar a técnica de fingerpicking justamente por causa da influência do violão

brasileiro34. Ainda assim, apesar das semelhanças, vale ressaltar que estes instrumentos

apresentam várias diferenças construtivas e tecnológicas e geralmente desempenham funções

um tanto distintas nas diversas formações musicais. Nas palavras de Borda:

Devemos pensar a guitarra elétrica mais como uma derivação, uma ramificação, do que uma evolução; trata-se de um novo instrumento com muitos recursos tecnológicos, com possibilidades técnicas e sonoras distintas das do violão (2005, p. 17).

Enfim, acredito que ao mesmo tempo em que é importante se preservar as tradições

destes instrumentos também é fundamental estar aberto às novas possibilidades que os

mesmos têm a oferecer, cada qual com suas características específicas e ainda levando em

consideração o resultado musical esperado.

Em determinado período de existência do J. Martins e Seu Conjunto também tocou

guitarra um rapaz chamado Vidal, este fazia a guitarra base enquanto João Martins era o

guitarrista solo. Em 196935 João Martins parou de tocar guitarra no conjunto por um período. 34 Informação obtida no curso online de guitarra “Intensivo do Nieri”, no módulo Fingerpicking. 35 De acordo com Renato Casimiro (2015), foi também no ano de 1969 que “o grupo passou a ser conhecido como J. Martins Show”. Disponível em: <http://colunaderenato.blogspot.com.br/2015_03_20_archive.html>. Acesso em 30 de janeiro de 2017.

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Em 1971 João Martins formou o grupo “HildeMartins Som” em parceria com

Hildegardo, pois o grupo Hildegardo e Seu Conjunto havia se desfeito. João Martins afirma

que, apesar de Hildegardo ser o dono do grupo Hildegardo e Seu Conjunto, o era apenas de

nome, pois os instrumentos pertenciam aos músicos que tocavam no conjunto.

Imagem 4 – HildeMartins Som

Fonte: João Martins.

Já na HildeMartins Som o entrevistado colocou em seu lugar um guitarrista

conterrâneo seu chamado de Zé Libório, que segundo ele também tocava muito bem e já

havia tocado no “Ases do Ritmo”, grupo do sr. Irineu Sisnando de Alencar. Zé Libório

morreu “novo demais”, ainda no ano de 1971. Uma curiosidade é que, quando ainda residia

em Missão Velha, Zé Libório morou quase em frente a um dos tios de João Martins.

Ao que parece, um dos motivos para João Martins não querer tocar guitarra no

conjunto e administrá-lo paralelamente era porque, conforme ele mesmo menciona, “dava

muito trabalho”.

Este nome, HildeMartins Som, permaneceu na banda até o ano de 1978, ano em que

Hildegardo saiu da banda e o nome foi alterado para “Martins Som”. O conjunto Martins Som

atuou até o ano de 2002, aproximadamente. Estes eram os integrantes do conjunto em sua

última apresentação musical: “João Martins (Guitarra), Manito (Sax tenor), Zé dos Prazeres

(Percussão), Toni (Piston), Pirralho (Bateria), Carlo (Contrabaixo), Antonio (Teclados) e João

Paulo Junior (irmão de Alcimar Monteiro, Crooner)” (CASIMIRO, 2015).

João Martins menciona que em 1980 foi feita uma gravação ao vivo de uma festa

tocada pela Martins Som no Clube Treze Atlético Juazeirense. O mesmo ainda informa que

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montou um grupo para tocar forró chamado “Banda Desejo” e gravaram inclusive um CD.

Destaque para o tino comercial de João Martins que naquele momento percebeu a ascensão

das novas bandas de forró e do público voltado a esse gênero e entrou nesse mercado musical

específico.

Apesar de não estar mais trabalhando com bandas, João Martins ainda hoje toca

serestas de vez em quando, como ele mesmo menciona toca “para brincar”. Nestas ocasiões

geralmente reúne um grupo de quatro músicos, ensaiam e tocam um repertório mais antigo.

Quando perguntado se já ministrou aulas de violão ou guitarra João Martins informou

que nunca deu aulas porque não nasceu para ser professor, ele informa que não tem muita

paciência: “quando eu vou ensinar eu quero que a pessoa aprenda logo”. Seu João informa

que sua única experiência ensinando é quando seus netos lhe perguntam alguma coisa sobre

música. Menciona ainda que tem um filho chamado Beto que é violonista e dá aulas muito

bem.

Segundo o entrevistado, seu irmão Ancilon Martins ensinava violão muito bem e

muitas pessoas daqui da região aprenderam com ele. Outro detalhe é que Ancilon, depois de

casado, aprendeu a tocar clarinete a fim tocar em uma “banda de músicos”, pois tocar violão

não dava dinheiro suficiente para sustentar uma família.

Ancilon Martins compunha músicas instrumentais ao estilo de choro e também

compunha canções, porém o entrevistado informa que o irmão não ligava para escrever as

próprias músicas a fim de registrá-las. João Martins informa ainda que o Rosiel gravou um

DVD com músicas do pai, fazendo assim o registro das obras.

João Martins também é compositor, inclusive gravou o CD “Uma chance para

recordar” por ocasião de seus 90 anos de idade e, juntamente com músicas de outros autores,

gravou um chorinho de sua autoria, intitulado “Chorinho brega”, e também uma das

composições de Ancilon Martins, “Preludio do amanhecer”. Nesta gravação João Martins

utilizou o violão e a guitarra.

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Imagem 5 – CD “Uma chance para recordar”

Fonte: Arquivo pessoal.

Há outro CD gravado por João Martins cujo título é “Mano a mano – João Martins

muito feliz com sua irmã e seu violão”, em homenagem a sua irmã Mundinha (in memoriam),

inclusive com uma canção intitulada “Eu não sei” de autoria dela, que foi justamente a música

que motivou a gravação. Este CD também conta com outras duas composições de Ancilon

Martins, “Momentos em Barbalha” e “Tango da Saudade”. E ainda, além de algumas músicas

de outros autores, há no CD mais quatro composições de João Martins: “Ana Luiza”, “Nó de

pau”, “Pingo de Ouro” e “Chorinho para Criança”.

Imagem 6 – CD “Mano a mano”

Fonte: Arquivo pessoal.

Ao final da entrevista João Martins menciona com muita serenidade que foi muito

feliz nessa vida de músico e ainda destaca que tudo que ele fazia “o povo gostava”.

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Ainda vale mencionar os nomes de alguns cantores que já foram acompanhados por

João Martins durante sua longa trajetória musical: Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Carlos

Gonzaga, Blecaute, Jorge Goulart, Nora Ney, Dalva de Oliveira, Patrick Dimon, entre outros.

3.2 Lifanco Kariri (Francisco Macário da Silva Filho)

Lifanco, como é popularmente conhecido, é natural da cidade de Juazeiro do Norte e

na data da entrevista36 estava com 60 anos de idade. Em sua história de vida, tal como na de

João Martins, a socialização primária familiar vem desempenhando papel relevante na

transmissão de significativo capital cultural e na inculcação de um habitus musical entre as

gerações. Sua mãe e sua avó gostavam muito de cantar, assim como seu pai, que também

tocava caixa em uma Banda Cabaçal. Hoje Lifanco tem duas filhas que cantam música

gospel, a Nara Jiordania e a Cinthia Samara. Também tem uma neta que está aprendendo a

tocar violão e um sobrinho que toca contrabaixo elétrico.

Quando perguntado sobre o início de seus estudos musicais o entrevistado informou

que seu “primeiro instrumento” foi uma bateria feita com livros, na qual ficava brincando.

Além de ver seu pai tocando caixa, Lifanco relembra que o gosto pelo instrumento também

foi influência do filme dos The Beatles “A Hard day‟s night: os reis do yê yê yê”, lançado em

1964. Ver o baterista Ringo Starr tocando lhe transmitia alegria e vontade de tocar o

instrumento.

Ainda muito jovem, com apenas 13 anos de idade, Lifanco fez algumas viagens

vendendo uma espécie de cítara educativa. O fato de estar vendendo um instrumento musical

certamente o aproximou ainda mais da vida de músico, pois, além de possibilitar o contato

com outros músicos, Lifanco conta que ficava mais tempo tentando tocar melodias na cítara

do que vendendo o instrumento.

Aos 16 anos de idade Lifanco já estava tocando violão. Sobre o aprendizado do

instrumento menciona que às vezes assistia alguns filmes, como por exemplo, um do Eric

Clapton, e tentava memorizar os acordes que o músico tocava no filme. Logo em seguida

“corria para casa”, em Juazeiro do Norte, e tentava reproduzir no violão aquilo que tinha

memorizado. É provável que o filme mencionado pelo entrevistado seja “All my loving”, de

1968, no qual Eric Clapton faz parte do elenco – a época em que Lifanco começou a estudar

violão se aproxima do ano de lançamento deste filme.

36 Entrevista concedida por Lifanco Kariri em Crato – CE no dia 16 de fevereiro de 2016.

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Menciona ainda que nessa época utilizava um violão emprestado de uma pessoa

apelidada de Teta.

Ele me emprestava, ele trabalhava né, eu pegava de manhã, quando ele voltava meio dia eu corria e devolvia, quando ele saia eu pegava de novo e era desse jeito, quando ele ia trabalhar eu ia trabalhar também no violão para aprender a tocar (informação verbal).

Teta era um vizinho de Lifanco na época em que morava no bairro Centro de Juazeiro

do Norte. Não ter um instrumento próprio e a dificuldade de ficar pegando e devolvendo o

violão emprestado todo dia não foram motivos para Lifanco desistir. O desejo de fazer música

sempre foi maior que estas adversidades.

Em uma das viagens vendendo cítara, desta vez na cidade de Teresina – PI, Lifanco

conheceu o saxofonista Zé de Brito, que aguardava seu teclado que estava em conserto em

uma loja. Ao conversarem sobre música Lifanco recebeu um convite para tocar guitarra na

banda “Brito Bossa”, no município de Bacabal – MA. O entrevistado aceitou a proposta e no

Maranhão permaneceu durante as décadas de 1970 e 1980 tocando guitarra.

Como se percebe pelo nome, a banda Brito Bossa era de propriedade do próprio Zé de

Brito, que para Lifanco foi um dos melhores saxofonistas que já conheceu. Depois mudaram o

nome da banda para “Brito Som Seis”, já que este era o número de integrantes. Sobre o

repertório que a banda tocava, Lifanco menciona:

Não tinha nada com bossa nova, tocava coisa popular, daí quando eu cheguei eu dei as novas, cheguei tocando Beatles, inventando de tocar Beatles, gostava muito do Led Zeppelin, o Led Zeppelin foi quem fez eu gostar de guitarra mesmo, foi o Led Zeppelin, o Jimmy Page, esse Jimi Hendrix eu curtia, mas não tanto como eu curtia o Jimmy Page, eu gostava mais do Jimmy Page (informação verbal).

Lifanco nos dá informações importantes sobre suas influências musicais e que também

acabaram por influenciar o som do grupo. Devido a sua qualidade e criatividade musicais, os

The Beatles e a banda Led Zeppelin, com seu excelente guitarrista Jimmy Page, até hoje são

grandes referências musicais.

Lifanco menciona ainda como influências musicais: Eric Clapton, Peter Frampton e

Dire Straits. Sobre o jazz afirma que aprendeu “algumas frases jazzistas” com o saxofonista

Zé de Brito, mas ressalta não ter muito conhecimento sobre o gênero. Lifanco ficava ouvindo

o mesmo tocar no sax e transportava para a guitarra. Destaque para essa compartilha de

saberes entre membros de um grupo heterogêneo, no qual o próprio Zé de Brito incentivava

Lifanco a pegar algumas de suas frases jazzistas e inclusive as tocava mais lentamente para

facilitar o processo.

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A guitarra utilizada por Lifanco nessa época pertencia à banda e o mesmo afirma que

passava o dia inteiro estudando o instrumento. Lifanco menciona que sempre teve a sorte de

poder levar a guitarra da banda para casa, um dos motivos para que ele estudasse bastante, e

destaca que nem sempre os donos das bandas permitiam que os outros músicos fizessem o

mesmo. Segundo o entrevistado, em Juazeiro do Norte também eram as bandas que

geralmente adquiriam os instrumentos para seus músicos utilizarem e cita como exemplo o sr.

Irineu, dono do Ases do Ritmo, que comprava guitarras fora, inclusive para revender.

Ao ser perguntado se teve aulas de guitarra o entrevistado mencionou que sua aula era

ouvindo os The Beatles, ouvindo LPs e “pegando as músicas de ouvido”. Inclusive nesse

momento o entrevistado relata, em tom de riso, que “era difícil, era complicado”. Apesar da

dificuldade mencionada, esse desafio parece ter sido um elemento essencial no aprendizado

do músico e na formação do seu habitus musical. Diferentemente do que sugere Libâneo

(1994) quanto à assimilação ativa – que necessitaria ser orientada por um professor –, Lifanco

não teve uma orientação docente ao “pegar músicas de ouvido”. Porém, embora ausente a

faceta “ensino”, entendemos que “pegar músicas de ouvido” possibilitou ao entrevistado um

esforço cognitivo próprio, o que culminou na assimilação ativa de conhecimentos e

habilidades.

Quando perguntado se já havia utilizado métodos, livros ou videoaulas para estudar

guitarra o entrevistado respondeu que ainda hoje aprende mais “pegando de ouvido”. Desde

criança tem o costume de fechar os olhos e focar mais no som que está ouvindo. Também

menciona que quando “decora o desenho” – melódico ou harmônico – que viu ou ouviu

algum músico tocando, então vai procurar no braço do instrumento a região em que

conseguirá executá-lo com mais facilidade e com o som mais limpo. Feito de forma intuitiva

pelo entrevistado, este é um exercício muito valioso para alcançar um bom conhecimento do

braço do instrumento e que proporcionará maior fluência musical. No volume II das aulas

virtuais de Nelson Faria (2005-b) vemos uma série de exercícios que auxiliam o guitarrista a

conhecer melhor o braço do instrumento e assim “expandir seu vocabulário de acordes”.

Apesar de nunca ter utilizado métodos de guitarra e ressalvada as devidas diferenças, o tipo de

prática na qual Lifanco procurava a região do braço que mais lhe agradava para determinada

execução está em consonância com esta aula do Nelson Faria, especialmente com um dos

tópicos abordados no volume, o de número 5, que tem como título “Transferência de cordas”.

Lifanco também afirma que, apesar de todas as influências musicais que foi

adquirindo, intencionais ou não, busca não soar muito parecido com este ou aquele músico,

tenta na medida do possível ter uma identidade musical própria.

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Além de ter tocado na Brito Som Seis, Lifanco ainda tocou brevemente na “Banda

América” e na “Banda Califórnia”, ambas tocavam baile e eram da cidade de Bacabal.

Lifanco também foi muito requisitado para acompanhar cantores.

Recebeu convite para participar também de uma banda da cidade de Brasília, da qual

ele não recorda o nome. Aceitando a proposta, viajou até Juazeiro da Bahia para encontrar a

banda, ensaiou e de lá partiram em excursão pelo Nordeste, tocando em várias cidades.

Chegando a cidade de Brasília Lifanco se desligou da banda, mas ficou morando lá durante

dois ou três anos.

Já casado, Lifanco voltou para Juazeiro do Norte por volta da década de 1990 e

começou a tocar guitarra na banda de João Martins. Nessa ocasião chegou a tocar ao lado de

João Martins e depois ao lado de outro guitarrista conhecido por Paulinho. Este último,

segundo Lifanco, também já ministrou aulas de violão no Teatro Raquel de Queiroz.

Quanto ao período em que tocou na banda “Alpha e Ômega”, de Juazeiro do Norte,

Lifanco menciona que, ao ouvir outros guitarristas usando pedaleira e tocando com um efeito

específico, tentou algo diferente a fim de suprir a falta do pedal:

[...] eu fiz um buraco, peguei a guitarra do cara e perguntei se podia, ele disse “pode”, aí eu fiz só para tirar esse som, aí ficava o buraco aqui e fazia: “fez o som com a boca”. Acabei com a guitarra do cara, mas pelo menos esse som eu fazia (risos) [...] rapei, rapei, rapei e aí ficou o buraco, ficava assim ondulado de um traste para o outro e dava aqueles efeitos, rapaz, fez foi sucesso, os caras ficavam: “que som é esse?” (risos) (informação verbal).

Na impossibilidade de adquirir a pedaleira ou o pedal de efeito que reproduzia o efeito

específico mencionado, o entrevistado utilizou uma estratégia inusitada a fim de alcançar uma

sonoridade similar e assim incrementar o seu som.

Primeiro guitarrista da banda “Magazine37”, Lifanco afirma que os integrantes da

mesma eram músicos muito bons e que inclusive na época, para confirmar se tinha capacidade

de tocar na banda, precisava passar por um teste. Informa que só tocavam músicas boas

escolhidas a dedo. No entanto, durante um dos ensaios Gilson Magazine pediu para os

músicos pegarem uma música da dupla sertaneja “Zezé di Camargo & Luciano” e, não

gostando da mesma, Lifanco se recusou a pegá-la, embora hoje considere que sua atitude

tenha sido uma “falta de respeito”. Como o repertório da banda começou a ser

progressivamente modificado, Lifanco preferiu sair da mesma.

37 Banda de Juazeiro do Norte cujo proprietário era Francisco Gilson Sobreira de Melo (in memoriam). Mais conhecido como Gilson Magazine, o mesmo também foi proprietário das bandas “Baião de Dois” e “Azimuth”.

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Inclusive, o entrevistado aponta dois motivos pelos quais não costuma tocar com

muita frequência na noite: o primeiro por não gostar do repertório que é preciso tocar nesse

contexto; e o segundo porque, segundo ele, geralmente as pessoas não prestam atenção no que

o músico está tocando. Para Lifanco o músico e a música merecem o devido respeito e

atenção e admite não gostar muito de tocar em contextos em que a música seja apenas um

pano de fundo para o ambiente.

Apesar da guitarra e do violão serem seus instrumentos principais, Lifanco também já

tocou teclado, bateria e baixo elétrico em bandas, menciona inclusive que durante um período

já tocou teclado em uma banda na cidade de Jaguaribe38. O entrevistado menciona que o fato

de tocar estes vários instrumentos, mesmo que basicamente, o ajuda na hora de criar arranjos

musicais, já que as ideias fluem mais facilmente. A aquisição deste significativo capital

cultural é algo relevante, pois de fato capacitam o agente com um vasto repertório de ideias,

conhecimentos e habilidades que serão utilizadas em novas e variadas situações reais.

Lifanco informa que atualmente trabalha mais fazendo arranjos e que já gravou em

torno de cinquenta (50) CDs como arranjador. Alguns estúdios de gravação da região

mencionados foram: IbbertSom Studio e Wbstudio – BAGA MIX, ambos na cidade do Crato

e EDS Studio de Juazeiro do Norte. Além destes o entrevistado já fez gravações para estúdios

das cidades de São Paulo, Campina Grande e Salvador. Em algumas ocasiões ele recebe o

áudio da música a ser gravada apenas com a voz guia e, após produzir o arranjo, faz a

captação do violão com um gravador e a envia por e-mail para o estúdio.

A primeira guitarra que Lifanco adquiriu foi uma Giannini, que ele apelida, em tom de

brincadeira, de “Chianini”. O entrevistado informou que passou pouco tempo com ela e logo a

revendeu devido à baixa qualidade do instrumento. Sua segunda guitarra, uma Washburn, foi

uma espécie de pagamento que recebeu há mais ou menos vinte anos atrás em virtude de um

trabalho fazendo os arranjos de um disco intitulado “A turma do Cariri”. Nesse disco

participaram nomes como João do Crato, Abidoral Jamacaru, Ana Célia, entre outros.

38 Município localizado no Estado do Ceará, às margens do Rio Jaguaribe.

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Imagem 7 – Guitarra Washburn de Lifanco

Fonte: Arquivo pessoal.

Uma curiosidade é que Lifanco afirma ter preferência pelo violão e que tocava guitarra

elétrica com mais frequência quando estava nas bandas baile. Ao ser perguntado sobre os

guitarristas mais antigos que conheceu no triângulo CRAJUBAR, Lifanco respondeu:

Rapaz, teve um guitarrista, ah lembrei o nome dele, ainda bem que eu lembrei, mas esse cara tocava jazz de uma maneira que muita gente não percebia, nessa época era Beatles, era Renato, essas coisas, e a gente não sacava a capacidade do cara, um tal de Zé Libório, um dos primeiros guitarristas do meu tempo, porque eu já tenho sessenta, o cara era maravilha (informação verbal).

Lifanco confirma sobre Zé Libório ter tocado em algum dos conjuntos de João Martins

e também no conjunto Ases do Ritmo.

Em seguida menciona a banda Ases do Ritmo como a “escolinha de todos os

músicos”. Segundo Lifanco, “quase todos os bons músicos” que moram ou moravam na

cidade do Crato já passaram pelo Ases do Ritmo e cita alguns nomes, como por exemplo,

Demontier (baterista), Cleivan Paiva (guitarrista), Manel D‟Jardim (baixista) e ele próprio.

Quando perguntado sobre qual o mais antigo professor de guitarra que conheceu

Lifanco mencionou um músico chamado Manoel Barros. O entrevistado não lembra com

certeza se Manoel Barros dava aulas, mas informa que o mesmo fabricava guitarras baianas e

que era ainda mais antigo que o Zé Libório. Aos sábados e domingos, numa espécie de oficina

na Rua Pe. Cícero, bairro Centro de Juazeiro do Norte, ligava a guitarra numa caixa de som e

passava o dia quase todo tocando. Lifanco, ainda criança, ficava na janela assistindo-o tocar

chorinhos, valsas e marchinhas.

Apesar de a socialização primária ter uma influência precípua, todo um conjunto de

relações sociais secundárias também determina o habitus dos agentes. No caso de Lifanco,

entre tantos exemplos, posso citar a experiência que acabei de apresentar acima, em que o

mesmo assistia Manoel Barros tocando sua guitarra. Isso demonstra o caráter

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multirreferencial da formação humana, já que a existência social engloba diferentes contextos,

situações e relações entrelaçadas e atuando mutuamente na formação do ser humano

(ROGÉRIO, 2006, p. 27).

Apesar de, durante dois anos, já ter sido regente da banda no Festival da Canção do

Crato, Lifanco nunca gostou de festivais de música, pois segundo ele não há

compartilhamento e sim um clima de competição. Entretanto, o fato de acompanhar

compositores nos festivais o motivou a criar suas próprias composições, principalmente a

parte musical, e consequentemente afirma que precisou “estudar mais o instrumento, estudar

mais harmonia”.

O entrevistado evidencia que sua música “é alegria, é compartilhada”, e como

exemplo citamos o seu CD “Valores”, finalizado no EDS Studio em meados de 2016 e que

tem participações de músicos da França: Juliette Loez, Elodie Xavier e Guillaume Xavier.

Uma das canções presente no trabalho é intitulada “Ignorância39” e trata sobre a relação do ser

humano com o meio ambiente. A letra desta canção é de Abidoral Jamacaru e a música de

Lifanco.

O entrevistado afirma não ser muito bom em compor letras, porém tem exercitado a

partir da influência e incentivo de Abidoral Jamacaru – um talentoso e reconhecido

compositor da região. Em termos de compor canções Lifanco trabalha mais com parcerias e

cita os nomes de alguns amigos letristas: o próprio Abidoral, Sheyla Xenofonte, Osmar

Barroso, Cleilson Ribeiro e Rangel Junior.

Além de compor canções o entrevistado também já compôs músicas instrumentais.

Sobre composições instrumentais especificamente para guitarra elétrica Lifanco menciona ter

feito “uns dois blues” e durante a entrevista tocou um deles no violão40. Na referida

composição, além da sonoridade blues, também identifiquei influências do jazz em função da

harmonia repleta de acordes com tensões adicionadas e do fraseado melódico sofisticado.

39 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_pMi_7jE9sE>. Acesso em 07 de fevereiro de 2017. 40 Durante toda a entrevista Lifanco esteve com seu violão em mãos, tocando na maior parte do tempo.

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Imagem 8 – Lifanco e sua guitarra Washburn

Fonte:

<https://www.facebook.com/photo.php?fbid=112087938933200&set=a.112087912266536.16851.100003959848357&type=3&theater>.

Lifanco também já gravou outros trabalhos enquanto artista principal. Um deles é o

“Alpendres do Brasil”, de 2003, e para o autor trata-se de um disco eclético, “tem de tudo”,

por isso a ideia de utilizar o nome alpendre, que segundo o mesmo remete a um lugar onde as

famílias conversam sobre variados tipos de assuntos.

O entrevistado informou que também já teve “um Reisado com vinte e cinco

crianças”, com o qual já gravou dois CDs. De acordo com uma postagem de Carlos Rafael

Dias no Blog do Crato em 27 de agosto de 2009, o CD “Lifanco e o Reisado Nação Cariri”,

de 2007, é resultado do “trabalho de pesquisa da música de raiz e da cultura popular

caririense41” realizado por Lifanco.

Sobre ter tocado com outros guitarristas da região Lifanco menciona que em algumas

ocasiões já tocou com um grande guitarrista da região chamado Cleivan Paiva:

Já fiz apresentação com Cleivan, muito bom tocar com Cleivan, tremendo músico [...] um cara muito compartilhador, ele compartilhava demais [...] eu amo o jeito que ele toca, respeito demais o Cleivan, dos guitarristas aqui o que eu tenho respeito mesmo é o Cleivan (informação verbal).

Uma destas apresentações aconteceu quando Cleivan Paiva estava tocando e convidou

Lifanco ao palco para fazer uma participação, na ocasião “tinha dois violões” e os dois

tocaram juntos. Ainda segundo o entrevistado, sempre que se encontram os dois mencionam

sobre fazer um trabalho juntos e ressalta: “qualquer dia a gente faz, não sei, espero”.

41 Disponível em: <http://blogdocrato.blogspot.com.br/2009/08/programa-cariri-encantado-desta-sexta_27.html>. Acesso em 07 de fevereiro de 2017.

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Imagem 9 – Lifanco Kariri e Cleivan Paiva

Fonte:

<https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1381325059785&set=t.100002159153907&type=3&theater>. Lifanco também já tocou guitarra na banda “Os Águias de Barbalha” e na “Musisom”

– esta última da cidade do Crato e cujo dono era Gracindo. Esta é uma pequena parte da

história de vida de Lifanco, um excelente ser humano e músico de extrema sensibilidade que

certamente é uma grande referência musical no CRAJUBAR.

3.3 Cleivan Paiva

Cleivan Paiva nasceu no ano de 1955 no município de Simões – PI. Sua mãe, dona

Eva, também é natural deste município. Já a família do seu pai, o Sr. Joaquim, que era mais

conhecido por Quinco e trabalhava como farmacêutico, é natural do Crato e de Santana do

Cariri.

Sobre sua cidade natal menciona que, na época em que era garoto, havia muitos

sanfoneiros, porém, devido a influência do seu pai, que tocava violão, acabou iniciando os

estudos musicais em um cavaquinho. Aos 04 anos de idade, em 1959, Cleivan ganhou o

cavaquinho de presente da sua mãe, que comprou o instrumento durante uma “visita ao Pe.

Cícero” em Juazeiro do Norte.

O pai de Cleivan ensinou-o a tocar no cavaquinho alguns acordes tríades,

possivelmente aqueles que considerava de execução mais simples, e depois Cleivan continuou

aprendendo outros acordes básicos observando seu pai tocar:

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Então eu praticamente comecei assim, observando ele tocar, muito curioso, eu sempre fui muito curioso com música, minha vida toda, eu acho que o que eu toco, grande parte tem a ver com a curiosidade, eu presto muita atenção, procuro ler muito. Aí eu observava e comecei a aprender os acordes a partir de ouvir ele, vendo ele tocando (informação verbal42).

É evidente que a subjetividade do agente é essencial na determinação das suas

escolhas, neste caso exemplificado pela curiosidade ou gosto que o entrevistado sempre teve

em relação à música. Porém, a força da socialização primária talvez tenha sido tão

determinante quanto sua subjetividade foi. Rogério aponta que, quando se referem às suas

formações musicais, os sujeitos “invariavelmente retomam suas origens familiares, o que

confirma a força constituidora do habitus primário” (2006, p. 35).

Sobre as músicas que o pai de Cleivan costumava tocar ao violão podemos citar nomes

como Dilermando Reis, Noel Rosa, Luiz Gonzaga, entre outros. Inclusive, o entrevistado

destaca que quando seu pai vinha ao Cariri, devido a forte influência de Luiz Gonzaga na

região, voltava à Simões levando muito do repertório do “rei do baião”.

Aos 06 anos de idade, logo após o falecimento do seu pai, Cleivan deixou “o

cavaquinho de lado” e já começou a pegar o violão. Tocava nas praças da cidade e informa

que, para os padrões da época e do local, “tocava até bem”. Já adolescente, com 14 anos de

idade, ganhou duas guitarras de sua madrinha e formou um grupo musical amador chamado

“The Jetsons”. O nome do grupo foi escolhido por Cleivan e, segundo o mesmo, já imitava

um grupo da época que tocava música internacional. O grupo The Jetsons tinha quatro

integrantes: o baterista, que era de outra cidade e já tinha o próprio instrumento, dois

guitarristas, Cleivan na guitarra solo e Chagas na base, e o cantor.

Assim como João Martins, Cleivan demonstra através de sua narrativa que o fato de

ser o guitarrista solo era um aspecto relevante, que chamava a atenção. Até hoje, ser o

guitarrista solo parece indicar um status de melhor guitarrista, ao contrário do guitarrista base,

que geralmente está na função por ser o menos experiente e/ ou menos capacitado a tocar os

solos. Porém, entendo que ser o guitarrista base nem sempre implica em ser o menos

experiente ou aquele que possui menos destreza técnica no instrumento. Essas definições são

em certo ponto questionáveis se considerarmos que determinadas bases – riffs, acordes,

harmonias em geral – são de fato mais complexas do que muitos solos. Assim, apesar dessa

divisão entre solo e base, em determinados casos – guitarristas contratados como apoio por

bandas famosas, por exemplo – é possível que o guitarrista base tenha até mais experiência e

habilidade técnica que o solista. 42 Entrevista concedida por Cleivan Paiva em Crato – CE no dia 13 de dezembro de 2016.

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Os The Jetsons tocavam em uma das barracas das quermesses da Igreja Católica de

Simões a fim de arrecadar dinheiro para a referida instituição. Já a apresentação principal da

festa geralmente ficava a cargo de um grupo profissional vindo de outra cidade. Numa destas

ocasiões um grupo chamado “Os Inocentes”, pertencente à prefeitura da cidade vizinha

Jaicós, foi tocar na festa e, como um dos guitarristas da banda iria sair, convidaram Cleivan

para se juntar ao grupo e morar em Jaicós:

[...] o padre de Simões era o vigário de Jaicós, ele vinha pra fazer a missa em Simões e voltava, eles conseguiram falar com o padre, o padre falou com minha mãe, rs, foi uma coisa incrível, principalmente na época, um padre, ave maria, era Deus, ela concordou demais, jamais minha mãe concordaria de eu ir pra canto nenhum, principalmente nessa idade, 14 anos, ela concordou sim (informação verbal).

A autoridade religiosa do padre Mariano fez com que a mãe de Cleivan o permitisse

morar em Jaicós para assim tocar nos Inocentes. Lá o entrevistado era funcionário da

prefeitura e ficou morando em uma pensão, pela manhã trabalhava como sacristão na Igreja e

a noite ensaiava ou tocava com Os Inocentes.

“Pegar músicas de ouvido” também sempre foi uma prática constante na vida musical

de Cleivan. O repertório do The Jetsons, por exemplo, era geralmente composto por músicas

que ele aprendia ouvindo no rádio. Costumava ouvir sucessos da época, como por exemplo,

Jovem Guarda, Roberto Carlos, Jerry Adriani, entre outros.

O rádio também teve papel relevante na “constituição de estruturas de percepção” e na

formação do gosto musical de Cleivan desde tenra idade. E ainda conforme aponta Rogério “o

rádio manteve sobre a população brasileira um verdadeiro fascínio, os próprios equipamentos,

quando chegavam às casas tornavam-se objetos de fetiche entre os familiares” (2006, p. 65).

Quando mudou para Os Inocentes logo recebeu dos membros da banda um disco do

grupo “The Pop‟s” para que “pegasse as músicas de ouvido”. Sobre seus estudos nesse

período dos Inocentes informa que “passava o dia com a famosa vitrola aprendendo essas

músicas” e a noite ia para o ensaio do grupo.

Nos Inocentes Cleivan era o guitarrista base e Genésio era o solista. Este, segundo

Cleivan, tocava muito bem e usava a alavanca da guitarra e o pedal de efeito com muita

habilidade.

O fato dos músicos do grupo gostarem muito de beber cachaça parece ter feito com

que Cleivan passasse por certo conflito consigo mesmo, pois menciona que nesse momento

sua vida estava “oito ou oitenta”: de dia trabalhava na igreja e de noite estava em um

ambiente que o aproximava de um estilo de vida que ele não queria para si. Apesar disso, não

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queria deixar a banda, porém, durante as férias do meio do ano sua mãe descobriu a respeito e

organizou para que Cleivan fosse morar e estudar na cidade do Crato.

Já na cidade do Crato Cleivan conheceu Rosemberg Cariri na escola e logo esta

amizade se tornou uma grande parceria para compor músicas. Por ocasião do “Festival

Regional da Canção” Rosemberg enviava muitas letras para Cleivan compor a parte musical.

Além disso, Cleivan também participava do festival tocando guitarra e assim foi ficando

conhecido na cidade.

Diferente de Lifanco, Cleivan demonstrou ter tido mais entusiasmo e prazer ao

participar dos festivais. Estar tocando nesses eventos “era uma festa”, era como uma nova

descoberta, porém, encarada com profissionalismo e seriedade. Isso lhe rendeu um convite

para tocar no Ases do Ritmo, pois um dos guitarristas, o José Augusto43, ao sair do grupo

recomendou ao sr. Irineu que chamasse Cleivan para tocar guitarra. Cleivan também

mencionou outro guitarrista chamado Paulinho, que era o guitarrista base do conjunto de João

Martins, pois antes do José Augusto indicar o Cleivan, o convite para tocar no Ases do Ritmo

foi feito ao Paulinho, porém o mesmo preferiu continuar trabalhando com João Martins.

Assim, Cleivan fez o teste para tocar no Ases do Ritmo e, embora mencione que na

época ainda não estava tão preparado para tocar no grupo, conseguiu a aprovação, pois já

conhecia as músicas solicitadas no referido teste. Comprovando o que Lifanco mencionou

sobre o Ases do Ritmo, este grupo também foi uma espécie de “escolinha” para Cleivan, pois

o mesmo aponta que não sabia tocar as harmonias que o grupo geralmente tocava, porém se

esforçou e foi aprendendo. Também não conhecia a “guitarra rock” e foi nesse momento,

“através do convívio com o conjunto”, que foi conhecendo e aprendendo a tocar esse tipo de

repertório. Como exemplos do repertório rock que tocavam Cleivan citou “Os Mutantes”,

“Raul Seixas” e a banda “If”.

Quando criança Cleivan teve o primeiro contato com a música de João Gilberto, pois

uma amiga de seu pai emprestou à sua família uma vitrola e um disco deste renomado artista.

O entrevistado descreve que “passava o dia” ouvindo o disco, porém ainda não conseguia

compreender as harmonias. Apesar disso, tal experiência foi o suficiente para criar um gosto e

um vínculo com a sonoridade de João. Anos depois, durante uma viagem com a banda Ases

do Ritmo para tocar na cidade de Petrolina – PE, Cleivan adquiriu três vinis de João Gilberto.

O entrevistado menciona que tal aquisição se tornou uma festa e “pegou de ouvido”

todas as músicas dos três discos. A partir daí começou a compreender melhor as sofisticadas 43 Segundo Cleivan Paiva, o guitarrista José Augusto é natural de Santana do Cariri – CE e atualmente reside em João Pessoa – PB.

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harmonias da bossa nova. E não parou por aí, logo Cleivan também começou a ouvir

guitarristas americanos jazzistas, como por exemplo, Wes Montgomery, a fim de

compreender como eles tocavam suas harmonias e quais relações o jazz mantinha com a

bossa nova.

Quanto mais Cleivan se interessava pelas harmonias bossa novistas e jazzistas mais

perdia o interesse de continuar tocando em bandas baile. Então o entrevistado saiu do grupo e

em meados da década de 1970 foi morar na cidade de São Paulo – SP em busca de novas

perspectivas profissionais. Firmino Holanda (1984)44 nos traz informações valiosas sobre a

atuação de Cleivan em São Paulo:

Nos anos 70, Cleivan formou, ao lado de Bá Freire, Isânio Santos, Audizio (Tapioca) e Bill Soares (ex- Papa Poluição) - o Ave de Arribação. O grupo arribou mesmo e, fatalmente, atuou em São Paulo; shows no metrô, nas praças e nos teatros da periferia. Quando desfeito, seus integrantes buscaram outros rumos musicais. Cleivan fez (faz) de tudo no ramo; desde gravações, como acompanhante em estúdios, até apresentações em casas noturnas.

Cleivan conta que o grupo foi até uma agência que “empresariava vários cantores de

sucesso” e isso também foi abrindo portas. Foi guitarrista da empresa ALA, Agência Latino-

americana, e acompanhou muitos artistas em virtude desse trabalho. Durante algum tempo

também tocou guitarra na noite paulistana acompanhando vários artistas. E apesar de terem

ido para São Paulo em grupo, cada músico do Ave de Arribação também tinha seus objetivos

e compromissos individuais. O foco de Cleivan era o trabalho como compositor, voltado para

o que ele chama de “cultura musical”, em oposição à música mercadológica ou midiática. No

entanto, o trabalho enquanto músico não podia se limitar a isso, precisava atuar em vários

contextos para se manter, o que reflete, de certa maneira, uma das tensões do campo.

Além de ter atuado de diversas formas e em diversos contextos em São Paulo, Cleivan

destaca dois festivais que participou como compositor: o Festival Universitário de MPB da

TV Cultura de São Paulo e o Festival de Música da extinta Rede Tupi de Televisão.

Cleivan informa que no festival da TV Cultura participou com duas composições:

“Ribanceira” e “O circo”, classificando esta última em oitavo lugar. Segundo o site “Nordeste

VinteUm”, a composição Ribanceira tem como autores Cleivan Paiva e Ivan Alencar e o

festival em que a mesma foi apresentada aconteceu no ano de 198145. No festival da TV Tupi

Cleivan classificou a música “Perímetro urbano”, parceria sua com Aloísio Silva, que compôs 44 Texto escrito no ano de 1984 por Firmino Holanda e postado por Janinha Brito no Blog “Cultura no Cariri” em 16 de março de 2011. Disponível em: <http://culturanocariri.blogspot.com.br/2011/03/cleivan-paiva.html>. Acesso em 11 de fevereiro de 2017. 45 Disponível em: <https://nordestevinteum.wordpress.com/2011/01/27/ba-freyre-lanca-seu-mais-novo-cd-%E2%80%9Cpedra-bonita%E2%80%9D/>. Acesso em 13 de fevereiro de 2017.

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a letra, e interpretada por Marku Ribas46. Provavelmente esta edição do festival da Tupi que

Cleivan participou aconteceu no ano de 197947.

O entrevistado menciona que ter suas composições classificadas em festivais deste

porte foi algo maravilhoso, pois havia excelentes obras concorrendo. De fato, os festivais de

música no Brasil constituíram um espaço singular que abriu portas para muitos compositores,

cantores e músicos em geral. Chegando ao grande público através da televisão, os festivais

também exerceram influência significativa sobre a formação do seu gosto musical.

Em São Paulo Cleivan fez um curso de violão na Escola Paulista e afirma ter sido sua

única experiência com o ensino formal. Principalmente no período em que estava no Crato,

antes de morar em São Paulo, geralmente os estudos eram por conta própria, pegava um livro

e o instrumento, se isolava e ia estudar. Cleivan informa que nessa época pedia para alguém o

favor de comprar e trazer alguns livros, fitas e discos do Rio de Janeiro.

[...] passava o dia estudando, eu vivia o meu dia a dia se chamava música esporte clube, eu estudava tanto que eu acho que se fosse estudar em algum canto não ia dar certo porque eu ia querer permanecer demais, então era melhor eu na minha sala mesmo porque eu passava o dia, a noite e a madrugada (informação verbal).

Percebemos durante a entrevista que Cleivan tinha uma clareza em relação à dedicação

e organização de seus estudos e utilizou isso estrategicamente visando algo mais a frente. Já

com o desejo de viajar e levar sua música a lugares mais distantes, Cleivan tratou de se

“preparar bem musicalmente”. Inclusive demonstra que obteve êxito nesse sentido, pois,

apesar de em São Paulo não ter muito tempo para estudar, já havia chegado lá muito bem

preparado.

Também aprendeu a ler e escrever partitura e reconhece a importância desse

aprendizado. No seu caso, como ele mesmo descreve, aprendeu mais para registrar e para

tocar uma ou outra música que ocasionalmente são pedidas em situações específicas. Porém,

como sua atuação musical é mais voltada para a improvisação, afirma não ser tão recorrente o

uso desse tipo de notação no seu dia a dia.

Cleivan também ministrou aulas de violão enquanto estava em São Paulo. Menciona a

compositora Isolda como um de seus alunos. Toda terça e toda quinta-feira se deslocava até o

apartamento dela para ensinar-lhe conteúdos básicos sobre o instrumento, pois apesar de

compor excelentes melodias e letras, a referida aluna tinha pouca experiência com o violão na

época. Durante uns dois meses também substituiu um professor num Conservatório de Música 46 Disponível em: <http://culturanocariri.blogspot.com.br/2011/03/cleivan-paiva.html>. Acesso em 13 de fevereiro de 2017. 47 Disponível em: <http://cleivanpaiva.webs.com/biografia>. Acesso em 13 de fevereiro de 2017.

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no bairro Ipiranga. Através da narrativa do entrevistado percebemos que o mesmo buscava,

estrategicamente, ensinar de maneira descontraída a fim de que houvesse uma harmonia entre

ele e os alunos:

[...] era incrível porque eu fui substituir ele e os alunos gostavam muito das minhas aulas, gostavam muito, eu ensinava bem assim a vontade, e eu já tinha assim um contato muito bom com a música no geral, entrava no clima deles e eles gostavam muito (informação verbal).

Para Libâneo, entre outros fatores, a relação e interação professor-aluno são

determinantes na qualidade e efetividade do processo ensino e aprendizagem. Assim, é

necessário que haja uma relação recíproca entre a atividade do professor – ensino – e a

atividade de estudo dos alunos – aprendizagem – (1994).

Apesar de ministrar bem as aulas, Cleivan menciona que a diretora da instituição

parecia não gostar dele, talvez pelo fato dele ser muito novo. Esta situação gerou um clima

desagradável e o entrevistado resolveu sair do Conservatório. Também acredito na

possibilidade de que o distanciamento da diretora em relação à Cleivan tenha se dado por

motivos de preconceito com o jovem nordestino.

A respeito de gravações Cleivan começou gravando violão e guitarra em pequenos

estúdios e, como os clientes ficavam satisfeitos com seu trabalho, isso lhe garantiu, durante

um período, ser guitarrista do Estúdio do Guto.

Paralelo aos trabalhos de gravação foi convidado para ser guitarrista de uma banda

chamada “Tarantulas”, que na época estava gravando o seu disco na RCA Victor. Na ocasião,

quem gravou as baterias do disco foi o baterista do grupo “Pholhas”, que segundo Cleivan era

um dos músicos da mencionada gravadora.

Cleivan, que estava interessado em gravar um trabalho independente, foi convidado

pelos membros dos Pholhas a visitar o “Mosh Studios”, que havia sido criado há pouco tempo

e hoje é um dos grandes estúdios do Brasil. O entrevistado gostou das instalações e da

qualidade dos trabalhos que estavam sendo produzidos e gravados no Mosh e resolveu gravar

nele seu primeiro disco, intitulado “Guerra e Paz”, no ano de 1984.

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Imagem 10 – Capa do disco Guerra e Paz

Fonte:

<https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1095070683908226&set=piaarp.100002159153907.1095070673908227&type=3&theater>.

Integram o Lado A do disco Guerra e Paz as seguintes composições: “Raso da

Catarina” (Cleivan Paiva), “Santa Cruz de Capibaribe” (Oswaldinho), “Rosa” (Cleivan

Paiva), “Canudos”, “No sertão e na cidade” e “Para Cantar o amor distante” (Cleivan Paiva/

Rosemberg Cariry). No Lado B temos: “Guerra e Paz” (Cleivan Paiva/ Rosemberg Cariry),

“Angorá” (Cleivan Paiva/ Luanda), “Perímetro urbano” (Cleivan Paiva/ Aloísio Silva),

“Procura” (Cleivan Paiva/ Getúlio Oliveira), “Incenso” (Cleivan Paiva/ Rosinha de Canãa) e

“Serenidade” (Cleivan Paiva/ Geraldo Urano). Os músicos que gravaram o trabalho foram:

“Marcos Juan, Proveta, Gil, Demontier, Ubaldo, Isânio Santos, Tapioca, Rubens Quinin e

Cacá”, além das participações especiais de Luanda e Vitor Assis Brasil. Cleivan gravou

violão, guitarra e vocais48.

O entrevistado menciona inclusive que o professor Weber dos Anjos já fez um estudo

sobre o disco Guerra e Paz juntamente com alunos do curso de música da UFCA. Na ocasião

Cleivan foi convidado para conversar com a turma e para tocar algumas músicas. Aqui vemos

um exemplo de Ecologia dos Saberes muito precioso, no qual a universidade reconhece a

validade e importância da pluralidade de conhecimentos e busca fazer esta ecologia, trazendo

para o ambiente formal da academia as experiências, a música e os saberes de um músico da

região. 48 Postado por Klaudia Alvarez no blog “Música do Ceará”. Disponível em: <http://musicadoceara.blogspot.com.br/2007/07/cleivan-paiva-guerra-e-paz.html>. Acesso em 19 de fevereiro de 2017.

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Cleivan cita dois motivos que de certa forma anteciparam sua volta para o Crato: o

primeiro foi o fato de a música sertaneja estar em alta naquela região e o entrevistado não

gostar muito de tocar esse tipo de repertório; e o segundo motivo foi o falecimento repentino

de seu amigo Aloísio Silva. Foram em torno de sete anos morando em São Paulo.

De volta ao Crato Cleivan ficou tentando contatos para divulgar seu trabalho Guerra e

Paz em algumas capitais, como por exemplo, Fortaleza, Recife, São Paulo, entre outras. O

entrevistado viajou várias vezes para estas cidades para se apresentar em programas de

televisão ou para fazer shows.

Rogério aponta a viagem como uma das estratégias de mudança fundamentais que três

músicos do Pessoal do Ceará – Rodger, Manassés e Fagner – “utilizaram e que é central para

a acumulação de capitais e para a mobilidade no espaço social”. A viagem – deslocamento

físico – possibilita ao agente enxergar aspectos do campo musical de uma nova perspectiva e

contribui para a redefinição de sua posição – deslocamento social – no interior do campo

(2011, p. 158). No caso de Cleivan, as viagens também foram essenciais para a construção de

uma nova perspectiva sobre os diferentes campos musicais, inclusive o musical-

mercadológico, para a formação do seu habitus profissional e para o seu deslocamento social

no interior do campo musical.

Outro marco em sua vida foi ter participado da trilha sonora do filme “O Caldeirão da

Santa Cruz do Deserto”, a convite de Rosemberg Cariri, que produziu e dirigiu o mesmo. A

trilha sonora conta com músicas instrumentais compostas e gravadas ao violão por Cleivan e

tem também canções, sendo a maioria delas em parceria com Rosemberg, que compôs as

letras.

O entrevistado descreve que ainda na década de 1970, antes de ir para São Paulo, ele e

Rosemberg gravavam cantadores e emboladores da região usando um simples gravador de

fita, numa espécie de pesquisa musical que era comum na época. E na ocasião do filme, agora

com um gravador de melhor qualidade, usaram o estúdio da Rádio Educadora e fizeram a

produção e gravação da trilha sonora do filme.

No ano de 1990 Cleivan gravou seu segundo disco, desta vez em Fortaleza no

PROAUDIO Studio e também pelo selo Nação Cariri.

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Imagem 11 – Capa do segundo disco, intitulado “Cleivan Paiva”

Fonte: <http://blogdocrato.blogspot.com.br/2012/02/artistas-do-cariri-cleivan-paiva.html>.

Tal como Lifanco, entrar no universo da composição influenciou significativamente o

aprendizado guitarrístico e musical de Cleivan. A vontade e a necessidade de explorar seus

próprios caminhos musicais através da composição fizeram com que estes músicos tivessem

de certa forma uma postura de pesquisadores e se dedicassem mais aos estudos.

O educador Keith Swanwick (1979), em seu Modelo C(L)A(S)P, apresenta o que

considera os parâmetros fundamentais para uma educação musical de qualidade. Os

parâmetros Composição (C), Apreciação (A) e Performance (P) constituem os pilares deste

modelo e se referem às atividades que proporcionam experiências diretas, e portanto

essenciais, entre o estudante e o fazer musical ativo. A Composição, em sentido amplo, é um

elemento primordial na formação musical, pois contribui para que o aluno desenvolva sua

criatividade musical. Assim, ao lado da Apreciação e da Performance, a Composição constitui

uma das possibilidades de envolvimento direto com a música e por isso Swanwick defende

que estes três parâmetros devem orientar qualquer programa de educação musical.

Cleivan declara que atualmente não tem mais o costume de ficar ouvindo guitarristas

ou aprendendo músicas de outras pessoas, mas tem focado no processo composicional,

inclusive buscando tocar de imediato no instrumento aquilo que ouve internamente em sua

mente:

[...] hoje eu sou um músico que procuro tocar o que eu penso, o meu desafio é esse, o que minha mente pensa eu fazer no instrumento, que é talvez a coisa mais complicada que existe [...] hoje em dia eu só quero saber de minha mente, aí eu não

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escuto mais guitarrista nenhum, hoje só quero escutar minha mente, mas sou fã de muitos (informação verbal).

Entendo que, além de buscar amadurecer cada vez mais a sua musicalidade, o agente

busca certa autenticidade para sua arte, ele busca cada vez mais uma identidade própria. Essa

questão demonstra também, nas entrelinhas, a busca por uma distinção no campo musical no

qual está inserido a fim de legitimar a sua arte.

Vale registrar a participação de Cleivan ministrando um Workshop no II Simpósio de

Guitarra, evento realizado entre os dias 22 e 24 de novembro de 2010 no campus da UFC em

Juazeiro do Norte, hoje UFCA. Atualmente o entrevistado tem ministrado, esporadicamente,

algumas aulas particulares de violão e guitarra, geralmente para iniciantes, e menciona que

devido estar recebendo alguns pedidos, provavelmente no ano de 2017 irá abrir uma turma

apenas para alunos que já tenham alguma experiência com o instrumento.

Imagem 12 – Cleivan Paiva

Fonte:

<https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1120241461391148&set=piaarp.100002159153907.1095070673908227&type=3&theater>.

Quando perguntado sobre qual o guitarrista mais antigo da região que conheceu,

Cleivan mencionou um que “gostava de tocar „Brasileirinho‟ com uma chave de fenda”, ele

era conhecido por Pedro 21, hoje já falecido. Pedro geralmente tocava em boates e bares de

um bairro que na época era conhecido por Gesso, no Crato. Cleivan menciona que quando

chegava a algum local no qual Pedro 21 estava tocando, este tirava da bolsa uma chave de

fenda e solava a música para chamar sua atenção, talvez pelo fato de Cleivan ainda muito

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jovem já tocar em uma das grandes bandas de baile da região, o Ases do Ritmo. Após algum

tempo os dois se tornaram grandes amigos. Cleivan ainda relembrou do guitarrista Vicente,

que também chegou a tocar na banda Ases do Ritmo.

Cleivan recebeu convite para tocar no 18º Festival Jazz e Blues de Guaramiranga e fez

uma parte do show tocando músicas instrumentais ao violão e a outra parte tocando em duo

com o seu convidado, o gaitista Francisco Silvino. O show aconteceu no dia 25 de fevereiro

de 2017.

Imagem 13 – Cleivan Paiva e Francisco Silvino em Guaramiranga

Fonte: <http://www.jazzeblues.com.br/2017/site/galeria.html>.

Na família de Cleivan a música continua seguindo seu rumo na próxima geração. Dois

de seus filhos são músicos profissionais, um deles é professor de música nos EUA e o outro é

professor de música na rede pública de ensino do Ceará.

Cleivan Paiva também continua trabalhando ativamente enquanto compositor e em

breve pretende gravar, no seu próprio home studio, dois CD‟s com canções e músicas

instrumentais, sendo a maioria inéditas.

3.4 Jocean Donelardy Pereira

Jocean Donelardy, natural da cidade de Barbalha, iniciou os estudos musicais ao

violão por influência direta do seu pai Francisco das Chagas, mais conhecido como Mr.

Chagas, um dos fundadores da banda “Os Águias de Barbalha”, na qual cantava e tocava

guitarra. Embora hoje não esteja mais trabalhando como músico, Chagas ainda canta e toca

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violão e guitarra por hobby. Segundo Rogério (2006, p. 26), “as profissões desenvolvidas

pelos pais, irmãos mais velhos ou parentes próximos tornam-se referências de comportamento

e das funções que se espera que sejam desenvolvidas pelos indivíduos”.

A banda Os Águias de Barbalha, fundada em meados da década de 1960, fez muito

sucesso pelo Nordeste nas décadas de 1960 e 1970. O grupo tinha por influência a Jovem

Guarda, os The Beatles, entre outros. Inclusive, como não tinham muitos recursos na época,

utilizaram “artimanhas bem peculiares” para se destacar no mercado musical, como por

exemplo, um dos integrantes do grupo que gostava de eletrônica, o Rômulo, conseguia

sintonizar no rádio a BBC de Londres e gravava as músicas que nela tocava para que os

demais integrantes pudessem ouvi-las, aprendê-las e assim incluí-las em seu repertório. Por

volta do ano de 1974, ano em que Jocean nasceu, a primeira formação da banda se desfez e

Chagas foi morar em São Paulo.

Chagas e sua família retornaram ao Cariri cearense quando Jocean ainda era criança,

tinha entre 07 e 08 anos de idade, e na ocasião Chagas foi convidado para cantar e tocar

guitarra na banda Alpha e Ômega. Durante os ensaios da banda, Jocean, que ia para assistir,

aproveitava as pausas para mexer na bateria, porém, apesar do interesse pelo instrumento seus

pais não tinham condição financeira para comprar uma. Foi então que Chagas se propôs a

ensinar o filho a tocar violão.

Tendo o pai como referência maior na música e como professor, Jocean começou a

estudar violão aos 09 anos de idade:

Eu lembro muito bem que ele mostrava no violão como era a armação do acorde e dizia “olha, você aperta com a ponta dos dedos, pressiona bem as cordas e coloca os dedos nessas posições aqui”, aí eu fui colocando de acordo com o que ele dizia, me mostrava e eu ia fazendo, como se fosse um espelho né, então ele fazia no violão e eu pegava o violão e ia imitar até conseguir fazer os acordes perfeitamente, tirar o som sem engasgo, sem deixar o som mudo né, até conseguir fazer o acorde novamente, e aí ele me ensinou os acordes maiores e os acordes menores [...] mas logo em seguida ele se separou da minha mãe e eu perdi todo esse contato junto a ele com relação à música. Então, a partir daí, meus 10 ou 11 anos, eu comecei a desenvolver por conta própria, autodidata (informação verbal49).

Após ter iniciado o aprendizado no violão de forma bem pragmática com o auxílio do

pai, percebemos um ponto de ruptura no processo quando acontece a separação de seus pais,

momento em que Jocean perde o contato musical com Chagas e, buscando se adaptar à sua

ausência, continuou os estudos musicais por conta própria. Jocean mencionou que ainda hoje

tem dificuldades com cifras e com partitura, o que ele acredita ser consequência de a maior

parte dos seus estudos terem sido de forma autodidata. 49 Entrevista concedida por Jocean Donelardy Pereira em Juazeiro do Norte no dia 09 de janeiro de 2017.

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Esse período foi um desafio, como narra Jocean, pois seu pai teve que levar os

instrumentos quando se mudou após a separação. Conta que, como tinha muita curiosidade e

queria aprender, sempre estava por perto de colegas que tinham violão e pedia o instrumento

para tentar tocar alguma música.

Após algum tempo Chagas deu um violão de presente para o filho, o que facilitou os

estudos. Na tentativa de aprender mais sobre o instrumento Jocean continuava buscando se

enturmar com outras pessoas, no entanto, relata que na época “o pessoal não era tão

transparente quanto é hoje”. Segundo Jocean, havia uma má vontade por parte de muitos em

compartilhar os saberes. Esta questão, especialmente na época relatada, parece ser uma

problemática do campo que revela um possível medo ou insegurança que alguns músicos

tinham de, ao compartilhar seus conhecimentos, estar alimentando a concorrência e

posteriormente perder espaço no mercado ou simplesmente de perder prestígio no campo

tendo em vista o surgimento de outros bons músicos.

Diante da dificuldade de aprender diretamente com outros músicos, mesmo que

diletantes, e da dificuldade em adquirir materiais de estudo, por exemplo, livros, métodos e

videoaulas, o entrevistado buscou outras estratégias para aprender: ia observar os músicos

tocando ao vivo, “pegava músicas de ouvido” e, um pouco mais a frente, também teve ajuda

de instrumentistas que tocaram junto com ele.

Aos 14 anos de idade Jocean recebeu um convite para tocar guitarra em uma banda

baile, a “Stilus Musical”, de propriedade de Geraldo Martins – irmão de João Martins. Foi

nessa ocasião que teve as primeiras experiências com a guitarra elétrica – uma Giannini

modelo stratocaster –, já que a banda disponibilizava o instrumento e outros equipamentos

para que os músicos, indo até a sede da banda, estudassem e aprendessem as músicas que

iriam tocar nas festas. Assim, algo em comum com Lifanco é que a primeira guitarra elétrica a

qual Jocean teve acesso efetivo não era de sua propriedade, mas sim uma guitarra da banda

em que começou a tocar profissionalmente.

A banda Stilus Musical trabalhava em seu repertório basicamente as músicas de

sucesso que eram tocadas nas rádios. A partir dos relatos dos entrevistados fica claro o poder

de alcance das emissoras radiofônicas. Todos estes guitarristas, em algum momento dos seus

estudos musicais ou da vida profissional, tiveram no rádio o acesso a uma grande quantidade

de músicas que, na época, não eram encontradas com a mesma facilidade em outros meios de

comunicação e tecnológicos.

Principalmente para aqueles que ainda estavam no início do aprendizado, em que a

percepção musical geralmente ainda não está bem desenvolvida, vale ressaltar que “pegar

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músicas de ouvido” através do rádio era um grande desafio. Como não havia o recurso de

pausar e nem de retroceder o áudio, às vezes era preciso ter muita paciência e esperar a

música tocar novamente para, enfim, terminar de “pegá-la”. No entanto, esse desafio de

aprender músicas através do rádio parece ter impulsionado o desenvolvimento das habilidades

perceptivas de grande parte dos músicos mais antigos. Foi uma característica da aprendizagem

musical informal da época e que pode servir de exemplo para o ensino e aprendizagem de

guitarra nos dias de hoje, em que a internet trouxe muitas facilidades, mas também parece ter

gerado certo comodismo e passividade nos estudos musicais.

Para Jocean, os guitarristas que constantemente “pegavam músicas de ouvido” e

também aqueles que tiveram alguma vivência tocando na noite, geralmente apresentam um

diferencial que muitos guitarristas de hoje em dia não têm, por exemplo, maior versatilidade e

capacidade intuitiva musical para trabalhar em contextos diversos, seja solando ou

harmonizando. Ainda conforme o entrevistado, além da destreza técnica para tocar solos ao

estilo rock, seria importante que os guitarristas de hoje buscassem expandir mais seus

horizontes musicais:

[...] é porque também a minha geração foi aquela geração de músico pau pra toda obra, “ah, eu estou precisando de um cara pra tocar violão, o que é que você toca?”, “meu amigo, cante aí que a gente te acompanha”. [...] A gente vai fazer um teste para guitarrista, o que é que ele vai tocar? Ele vai tocar rock, vai tocar samba, vai tocar jazz, vai tocar o que for, você tem que estar preparado, você não pode ser também aquela coisa “ah, um super”, não, mas aquela coisa ali de resolver, resolve, e tem uma turma ainda que é dessa levada né, e já tem uma turma mais nova que quando segmenta aí fica limitada para certas coisas (informação verbal).

O entrevistado demonstra uma preocupação que de certa forma está em consonância

com o que o mercado musical espera cada vez mais dos músicos, que o mesmo seja versátil o

suficiente para trabalhar com a ampla gama de possibilidades atuais. A discussão em torno do

assunto é vasta e envolve muitas variáveis, de modo que não será possível explorá-las nesse

trabalho, porém, vale ressaltar que concordo sobre a importância de expandir os horizontes

musicais, não apenas pela questão das possibilidades profissionais que serão maiores, mas

também pelo fato de que uma ampla aquisição de capital cultural, nesse sentido, constituirá

novos saberes e um novo olhar que podem habilitar o agente a se relacionar com a arte e com

a sociedade de forma mais autônoma, podendo, por exemplo, escolher de fato aquilo que lhe

agrada e que lhe convém sem depender necessariamente da arbitrariedade midiática e dos

mecanismos de exclusão social.

Sobre o repertório que gostava de escutar e pegar no violão Jocean menciona os nomes

de alguns artistas que ele aponta como sendo a “fina flor da MPB”, por exemplo, Gilberto Gil,

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Caetano Veloso, Djavan, Chico Buarque, Belchior, entre outros. Assim como Cleivan Paiva,

Jocean também sempre teve um interesse especial pelo estudo da harmonia. Somente após o

início dos estudos na guitarra elétrica foi que veio o interesse pelas bandas de rock, como por

exemplo, The Beatles, Led Zeppelin, Deep Purple, entre outras bandas que fizeram sucesso na

época. É interessante notar que os estudos de Jocean, tanto no violão quanto na guitarra,

sempre tiveram o aprendizado de repertório como prática central. O foco da sua prática diária

era pegar as músicas que ele gostava e também as que precisava tocar nas bandas.

Somente na década de 1990 é que Jocean veio a ter uma experiência mais significativa

em relação ao aprendizado de teoria musical. Em virtude de a Ordem dos Músicos do Brasil

começar a cobrar que os músicos da região estivessem regularizados perante o seu sistema, o

entrevistado e outros músicos precisaram se preparar tendo em vista serem aprovados em uma

prova de conhecimentos específicos aplicada pelo referido órgão.

[...] lógico que aquilo ali foi um meio de ganhar um dinheiro fácil, mas foi uma coisa legal, na época, eu, Nailton e outros colegas fizemos o curso de música com o Arimatéia50, que ministrava as aulas, aí foi onde eu aprendi o que era a cifra, o que era partitura, as notas na partitura, muito embora eu aprendi mesmo só ali no curso, rs, as notas, como é que se formavam os acordes, então ali que eu fui despertar para essa questão, eu tinha que saber aquilo ali, foi quando eu fui saber quando o acorde era maior por conta disso, [...] então eu fiz esse curso pra tirar a carteira, ainda hoje eu tenho a carteira profissional, que não serve de nada, rs, e depois disso aí foi quando eu disse “não, peraí, eu vou buscar mais conhecimento nisso aqui para poder ter base no que eu estou fazendo” (informação verbal).

O curso de teoria musical ministrado por Arimatéia no qual Jocean participou durou

em torno de cinco ou seis meses. Ainda sobre a atuação da Ordem dos Músicos do Brasil,

Jocean critica a sua ineficácia na época em que era associado e defende a existência de um

órgão no Cariri que de fato proteja e atenda as necessidades básicas do músico profissional,

oferecendo serviços sociais diversos aos seus associados.

Imagem 14 – Carteira da Ordem dos Músicos do Brasil de Jocean

Fonte: Jocean Donelardy.

50 Tecladista e saxofonista, Arimatéia atuou durante muito tempo na banda de música de Juazeiro do Norte, segundo informação do entrevistado.

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Jocean ainda mencionou que somente por volta dos anos de 1996 e 1997 foi que teve

acesso a um material de estudo impresso, a Revista Guitar Player. Com ela obteve

importantes informações a respeito de escalas, equipamentos, pedais de efeito, entre outros

assuntos relacionados à guitarra. A parte de lições que a revista propõe também ajudou Jocean

a incorporar um conjunto de ideias musicais que hoje integram seu vocabulário.

Ainda sobre sua trajetória em bandas, entre os anos de 1989 e 1990, após sair da banda

Stilus Musical, Jocean tocou guitarra na banda de forró “Baby Som”. A saída da Stilus

Musical se deu porque a mesma não estava tocando muitas festas e, precisando ajudar sua

mãe com as despesas mensais, Jocean decidiu procurar uma banda que estivesse tocando com

mais frequência. Já na Baby Som o aspecto financeiro melhorou, pois às vezes a banda tocava

até quatro festas por semana. Nesse período Jocean também utilizava a guitarra da banda, que

era da marca Dolphin.

Após um ano tocando na Baby Som Jocean resolveu sair da mesma e trabalhar num

escritório de contabilidade, pois queria um emprego fixo. Porém, a paixão pela música falava

alto e Jocean retornou à banda Stilus Musical, na época já administrada por Gilberto devido o

falecimento do seu pai Geraldo Martins. O convite era para Jocean tocar guitarra, no entanto,

o mesmo pediu para tocar contrabaixo elétrico, já que sempre gostou das conduções e queria

ter essa experiência. Esta fase tocando contrabaixo na Stilus Musical durou em torno de um

ano.

Um pouco antes disso, no ano de 1990, Jocean também havia realizado uma vontade

antiga de ter a sua própria banda, junto com alguns amigos – Ermoncélio Gregory,

Boaventura Filho e Jeferson –, formaram uma banda de rock com o nome de “Eutanásia”. O

repertório do grupo era variado, faziam cover de Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Titãs,

Led Zeppelin, Deep Purple, entre outras.

[...] eu posso dizer que foi uma das primeiras bandas de garagem, pelo menos dessa nossa época, que surgiu no Juazeiro. Tinha a banda Fator Rh que era a turma, Marcos Leonel, Lupeu do Crato, e logo em seguida veio a gente, e também teve a banda de Michel Macedo, mas nesse interim foram as bandas que começaram a fazer a cena rock de Juazeiro, e a nossa banda era a “Eutanásia”, uma das primeiras banda de rock fazendo música cover. [...] E a gente conseguiu fazer uma certa zoada por aí né, a gente tocou em um monte de lugar aí e foi até legal, era uma brincadeira na verdade (informação verbal).

Essas informações são muito valiosas, pois além de apresentar sua banda e vários

outros nomes da cena rock de Juazeiro do Norte, foi através desses nomes que encontrei o site

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de Igor Arraes da banda Fator Rh51 e assim também obtive a informação de que sua

antecessora, a banda Os Pombos Urbanos, foi a primeira banda de rock autoral do Cariri

cearense.

Após encerrarem as atividades da banda Eutanásia Jocean começou a fazer “voz e

violão” na noite e informa que nessa época tocou em vários lugares e conheceu muitos

músicos que ainda hoje estão na ativa. Por ocasião dos trabalhos na noite decidiu abandonar o

emprego na área de contabilidade. O entrevistado afirma, porém, que atualmente não tem

procurado muito este tipo de trabalho por conta de motivos pessoais.

Imagem 15 – Banda Eutanásia

Fonte:

<https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1082163948529257&set=t.100009204683851&type=3&theater>.

51 “Em maio de 1988 nasceu o Fator Rh, sucessora legítima d'Os Pombos Urbanos, primeira banda autoral de rock‟n‟roll do Cariri Cearense, fundada pelos ex-Pombos Urbanos Carlos Rafael, Marcos Leonel e Segestes Tocantins. Em 1989, com a saída de Segestes Tocantins, Igor Arraes entrou para a banda, firmando a formação mais profícua da banda, ao lado de Carlos Rafael, Lupeu Lacerda, Calazans Callou e João Eymard. A banda atuou até setembro de 1990, sempre tocando um repertório próprio. Em janeiro de 2013, depois de 23 anos do fim da banda, o Fator Rh voltou à ativa, para realizar shows em tributo ao guitarrista Segestes Tocantins, falecido em 2011”. Disponível em: <http://igorarraes.tnb.art.br/>. Acesso em 24 de fevereiro de 2017.

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Foi também durante a década de 1990, entre os anos de 1994 e 1995, que Os Águias

de Barbalha retornaram após aproximadamente 20 anos de término da primeira formação. A

volta do grupo, num primeiro momento, foi apenas para se apresentar numa gincana de feira

de ciências em um colégio na cidade de Barbalha, porém, devido o incentivo de muitas

pessoas os integrantes resolveram voltar definitivamente com os trabalhos. Chagas, que estava

morando em Foz do Iguaçu, recebeu o convite para retornar ao grupo e assim o fez. Uma

curiosidade é que, logo no início da segunda formação dos Águias de Barbalha, Lifanco

chegou a tocar guitarra no grupo ao lado de Chagas. Pouco tempo depois, após a saída de

Lifanco entre os anos de 1995 e 1996, Jocean entrou na banda e nela permaneceu até 2009.

Assim, Chagas e Jocean, pai e filho, fizeram dupla de guitarra e voz nos Águias de Barbalha.

Paralelo a isso Jocean também trabalhou com vendas e representações, período em que cursou

graduação – tendo ingressado em julho de 2010 – e pós-graduação em Administração.

Imagem 16 – Mr. Chagas

Fonte: Jocean Donelardy.

A primeira guitarra de propriedade de Jocean foi uma Fender, que ele menciona ter

tomado de seu pai: “meu pai quando veio de Foz do Iguaçu ele trouxe a Fender aí eu disse

„essa vai ser minha, se vira aí e compra outra pra você‟, tomei a guitarra dele, rsrs”.

Atualmente Jocean está com uma Epiphone modelo Les Paul e uma PRS.

Por volta do ano de 2004, ao lado de Saul Brito (bateria) e João Neto (contrabaixo),

Jocean (guitarra e voz) formou o grupo “Terra Brasilis” para tocar músicas do repertório pop

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rock nacional, especialmente os sucessos da década de 1980. Após algum tempo Geovani

Brasil também entrou no grupo para fazer as guitarras base e ajudar nos vocais. O grupo fez

apresentações na Boate PY Clube, nas festas da cidade de Barbalha, do Crato, do Brejo Santo

e também em festas particulares.

Em 2009, após sua saída da banda Os Águias, foi tocar guitarra na “Orquestra

Sonata”, uma das bandas baile mais requisitada da região e de propriedade do músico

Ibbertson Nobre. Jocean narra que enquanto esteve na Orquestra Sonata aprendeu muito sobre

música com o baixista e violonista João Neto, que segundo o entrevistado, era um dos poucos

músicos profissionais da região que estavam dispostos a compartilhar o que sabia. João

esclarecia as dúvidas de Jocean na prática, mostrando de fato como fazer: “algumas coisas o

João dizia „não, tu faz assim, assim‟, aí dizia como era, tinha o maior prazer em passar, coisa

que antigamente não tinha”.

Mais recentemente Jocean também tocou guitarra na “Orquestra Celebrar” – hoje com

o nome de “Orquestra Premium Cariri” – e atualmente é o guitarrista da “Orquestra Prisma”,

outra excelente banda e de propriedade de Gillyerme Dino.

A competência profissional de Jocean é reconhecida no campo musical da região, o

que lhe permitiu participar de muitos e diferentes trabalhos. Já acompanhou diversos artistas e

cantores, por exemplo, Eugênio Leandro, Abidoral Jamacaru, Luiz Carlos Salatiel, João do

Crato, Leonardo de Luna, Fábio Carneirinho, Leninho do Bodocó, Ana Paula Nogueira, entre

outros.

Sobre produção musical e/ ou gravação o entrevistado citou alguns nomes com quem

já trabalhou: Lê Alencar, Muniz Chaves, João do Crato, Albinha, entre outros. Também

participou do DVD “Certidão Nordestina” de Ana Paula Nogueira, gravado ao vivo na cidade

de Granito – PE.

Além de estar tocando na Orquestra Prisma, Jocean também tem acompanhado

Abidoral Jamacaru em seus shows, inclusive está gravando os violões e guitarras, dirigindo e

produzindo seu novo CD no EDS Studio. O entrevistado menciona ser uma grande honra

estar trabalhando com Abidoral, que para ele é um “grande compositor e uma figura

exemplar, uma pessoa formidável”.

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Imagem 17 – Abidoral Jamacaru e Jocean Donelardy no EDS Studio

Fonte:

<https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1725529724430500&set=a.1446532332330242.1073741830.100009204683851&type=3&theater>.

Sobre festivais de música Jocean mencionou ter participado como guitarrista da banda

de apoio dos concorrentes em um Festival no Crato e outro na cidade do Barro – CE.

Jocean já ministrou aulas particulares e individuais de violão popular em sua casa e

conta que não era nada muito elaborado, ensinava “os acordes básicos”. Assim como Cleivan

Paiva, no ano de 2010 Jocean também ministrou um Workshop no II Simpósio de Guitarra,

no campus da UFC em Juazeiro do Norte. Como já mencionei, o fato de músicos

reconhecidos no cenário regional compartilharem seus saberes no contexto da universidade é

um aspecto que contribui para a Ecologia dos Saberes.

Mais recentemente Jocean também esteve como professor de guitarra e de violão

popular no Complexo Cultural Schoenberg. Como o próprio entrevistado aponta, seu público

alvo era geralmente pessoas que estavam iniciando os estudos musicais, desde crianças até

adultos. Na fala abaixo ele descreve basicamente sua atuação nas aulas de violão para

iniciantes:

[...] eu explicava o que era o violão, quais são as partes do violão, cordas, afinação de cordas e toda estrutura do violão, depois é que eu passava pra questão do instrumento mesmo pra você pegar o violão, a posição de pegar o violão, a parte musical né, aí ensinava no caso do braço do violão as notas em cada casa, em cada corda, fazia lá o desenhozinho e ensinava isso, aí depois ia passar a questão de como é que formava o acorde, como era a formação, porque que ele era maior ou porque era menor, quer dizer, toda a parte de início mesmo, e de acordo com o desenvolvimento do aluno, tinha alguns alunos que já conseguiam tocar, tinha alguns que já tocavam e iam passar a entender o que estavam tocando, [...] aí eu ia passar para eles o que era aquilo pra ele poder entender o que é a música, o que é o acorde, o que é a música em si, [...] a questão da iniciação mesmo (informação verbal).

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Percebemos que Jocean tentava reproduzir, mesmo que não intencionalmente, as

características das próprias experiências que tivera com o ensino e aprendizagem do

instrumento, por exemplo, o estudo dos primeiros acordes de forma bem pragmática conforme

aprendeu com seu pai, o aprendizado teórico musical básico que aprendeu nas aulas com o Sr.

Arimatéia, o aprendizado na prática diária com músicos com os quais tocou junto, etc.

Sobre o repertório que trabalhava com seus alunos Jocean afirma que utilizava

músicas de acordo com o gosto ou sugestão dos mesmos. Para o entrevistado, no contexto de

aulas individuais as quais ele ministrava, é importante que o professor considere “o quê” os

alunos querem aprender, para que gere motivação ao invés de frustração. Porém, exemplifica

que, em um contexto de “prática em grupo”, obviamente seria mais interessante trabalhar as

músicas que o grupo irá tocar, que pode, inclusive, coincidir com o gosto dos alunos.

Uma questão que me inquietou foi o fato de a maioria dos professores de música do

Complexo Cultural Schoenberg ministrarem aulas de violão, independentemente de sua

especialidade. Também no período em que atuei na referida escola, parece que o critério para

alguém ensinar violão era saber basicamente tocar algumas músicas no mesmo, deixando de

lado a importância da efetiva experiência com o instrumento e de sua pedagogia. Talvez pelo

fato de ter um status tão popular, é como se o ensino do violão não necessitasse de pelo

menos um mínimo de organização e sistematização. Apesar de a questão merecer ser

pesquisada mais a fundo neste contexto, entendo que a qualidade do ensino está muito

relacionada às vivências e experiências práticas que o professor de fato tem com o

instrumento, como é o caso de Jocean, que é um violonista e guitarrista competente e

engajado. Além disso, também acredito que toda uma série de aspectos pedagógicos e

didáticos próprio da área são determinantes para a eficácia e eficiência do ensino.

Gostaria ainda de registrar os nomes de outros guitarristas da cidade de Barbalha:

Nilsinho, Ênio Santos, Francinaldo Sampaio, que é o atual guitarrista dos Águias de Barbalha,

Jossean Silva, proprietário e produtor musical do ProlineStudio e Véva, que por algum tempo

tocou na banda “Limão com Mel”.

Ao final da entrevista Jocean expôs sua felicidade e satisfação em trabalhar com a

música, no entanto também mencionou que na região do Cariri é difícil ter uma boa

perspectiva tocando apenas em bandas. O entrevistado afirma que o músico profissional

geralmente também precisa trabalhar com outras coisas ou, ao invés de apenas viver da

performance, também atuar ministrando aulas de música. Aqui vemos mais uma tensão

presente no campo, pois, apesar de algumas pessoas terem dificuldades em administrar sua

vida financeira mesmo diante de boas condições, o fato de o trabalho em bandas e na noite ser

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bastante informal, dificulta a existência de uma estabilidade profissional e financeira, o que

interfere diretamente nos planejamentos que o agente faz para o seu futuro e para uma vida

mais confortável.

3.5 Edmilson Duarte de Queiroz

Edmilson Duarte de Queiroz nasceu em Barbalha e estava com 51 anos de idade na

época da entrevista52. Assim como aconteceu com Cleivan Paiva e com Jocean Donelardy,

Edmilson e seus irmãos aprenderam os primeiros acordes no violão com seu pai, o Sr. João

Duarte de Queiroz, que sabia tocar um pouco o instrumento, “afinava de ouvido” e tocava

alguns acordes. João Duarte trabalhava como pintor automotivo em sua própria oficina na

cidade de Barbalha e a mãe de Edmilson, dona Pedrina Maria de Queiroz, era dona do lar.

Quando morava com seus pais na casa de seus avós paternos, o Sr. Antônio Felix

Duarte e a Sra. Maria Antônia de Queiroz, o entrevistado menciona que Os Águias de

Barbalha tinham um local de ensaio na casa de trás e assim constantemente os ouvia tocando.

Experiências como essas são relevantes para a formação do gosto dos agentes e todo esse

capital cultural, depois de internalizado, irá estruturar o habitus dos mesmos.

Segundo Edmilson, Os Águias de Barbalha tinham um Chevrolet Veraneio de cor

verde na qual viajavam para tocar em outras cidades e foi seu pai João Duarte quem pintou a

imagem de uma águia no capuz e na porta do veículo.

Além dos Águias de Barbalha e do seu pai João Duarte, que foram forte referência

musical para Edmilson e seus irmãos, outros amigos músicos, por exemplo, Marcelino e

Márcio, também os influenciou a ingressar no mundo da música e futuramente formarem uma

banda. E vale destacar que todas estas experiências narradas até o momento aconteceram

quando Edmilson ainda era criança. Tal como aponta Rogério (2006, p. 28), “as estruturas

constitutivas do habitus são especialmente fortes na infância”.

No ano de 1977 o Sr. João Duarte começou a trabalhar como pintor no setor de

assistência técnica da antiga Loja Pernambucana, que vendia tecidos e eletrodomésticos. Um

ano depois, em 1978, toda a família se mudou para a cidade de Juazeiro do Norte, onde se

localizava a Loja Pernambucana.

52 Entrevista concedida por Edmilson Duarte Queiroz em Juazeiro do Norte no dia 24 de fevereiro de 2016.

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O primeiro instrumento de Edmilson foi um violão feito por seu Chico Marceneiro,

que morava em Juazeiro do Norte, na Rua Santa Luzia próximo ao prédio do antigo Colégio

Municipal.

[...] meu pai foi e comprou esse violão, a gente não sabia tocar, o meu pai tocava, até a palheta do meu pai era um palito de fósforo, ele fazia e tocava lá e disso daí fui aprendendo vendo ele tocar, ele foi ensinando pra gente, a gente comprava muito, hoje não, hoje não existe mais banca de revista, a gente comprava e ia aprendendo a cifra, escutava muita música e ia tocar (informação verbal).

Edmilson começou a aprender os primeiros acordes no violão com seu pai João

Duarte, quando já estavam morando em Juazeiro do Norte. É perceptível o quanto as

socializações familiares tiveram total relevância na transmissão de determinado capital

cultural e na constituição do habitus musical dos agentes.

Nas histórias de vida de Cleivan, de Jocean e de Edmilson há um ponto de

convergência ou similaridades que demonstram certa semelhança e que certamente

influenciou em suas escolhas profissionais, que foi a influência musical paterna. Vale ressaltar

que as influências da socialização primária não atuam de forma fechada, com caráter

determinista, mas o fato de ter aprendido os primeiros acordes com o pai e toda a influência

musical paterna e familiar, por exemplo, foram experiências marcantes que se tornaram um

referencial na vida dos agentes.

Na época Edmilson visitava muito a loja de instrumentos musicais Cratense e comprou

um jogo de tarraxas para seu Chico fazer sua primeira guitarra em meados da década de 1980.

Conta que os trastes eram feitos de solda amarela, um tipo de solda utilizada em serviços de

funilaria automotiva. A dificuldade em adquirir uma guitarra na época é ilustrada através da

fala do sonhador aspirante à guitarrista:

[...] uma guitarra pra você comprar era mais difícil, porque não tinha, era pingada as guitarras, só quem tinha as guitarras eram as bandas, uma pessoa particular como você e outros e outros não tinha acesso a comprar uma guitarra, que era caro, é tanto que eu mandei fazer a minha porque eu não podia comprar uma. Aí Wagner, eu lembro como hoje, eu sonhava com as tarraxas na mão, ficava pegando, olhando como era que afinava, imaginando né, como era uma guitarra (informação verbal).

Seu Chico Marceneiro também fez um contrabaixo elétrico para Marcondes, irmão de

Edmilson, e ainda fez uma bateria – que eles apelidavam de instrumentos Padre Cícero. Com

exceção de seu irmão Antônio, que trabalha como motorista, os seus outros irmãos,

Marcondes, Edilson, Edson e Diana, são músicos. Edmilson afirma que seus irmãos também

tocam violão e guitarra, mas ele foi o que se dedicou mais a estes instrumentos, seus irmãos se

dedicaram mais a outros: contrabaixo elétrico, bateria, teclado, por exemplo.

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Sobre seu Chico Marceneiro, Edmilson afirma:

[...] se hoje ele fosse trabalhar fabricando instrumento ele faria um trabalho no instrumento que você ficaria de boca aberta, se ele pegasse um headstock de um instrumento quebrado ele colocava um novo, fazia outro do mesmo jeito, montava e você jurava que não foi trocado (informação verbal).

Pouco tempo depois de adquirir a guitarra feita por seu Chico, Edmilson vendeu a

mesma e adquiriu na loja Cratense sua primeira guitarra de fábrica, uma Tonante. A terceira

guitarra de Edmilson foi uma Dolphin e, segundo o entrevistado, as guitarras que circulavam

por aqui na época eram as seguintes marcas: Tonante, Dolphin e Giannini. Edmilson narra

que já passaram por suas mãos muitas guitarras, acredita que foram em torno de sessenta (60).

Já usou Fender, Epiphone, PRS, Jackson, Tagima, Encore, entre outras.

Sobre lojas de instrumentos musicais no CRAJUBAR Edmilson menciona que a mais

antiga é a Cratense, localizada no Crato, e também informa que havia outra loja antiga

chamada Oliveira, que vendia armas e instrumentos musicais, localizada na Rua São Pedro

em Juazeiro do Norte.

O entrevistado narra que, através do rádio e dos vinis, “pegava de ouvido” as músicas,

o que nos demonstra mais uma vez a proximidade desta geração de músicos com este tipo de

prática e aprendizagem musical e ainda com as referidas tecnologias. Edmilson afirma que

também tirou proveito das famosas revistas de cifras, muito comuns na época.

Paralelo aos estudos musicais Edmilson começou a trabalhar na área de eletrônica

após ter feito dois cursos técnicos por correspondência. Por volta dos anos de 1982 e 1983 fez

os cursos simultaneamente, um pela Escola Associada e o outro pelo Instituto Universal,

ocasião em que recebia mensalmente as apostilas e demais materiais de estudo pelos correios.

O entrevistado menciona que, na sua família, o primeiro a se aventurar na área de

eletrônica foi Antônio, seu irmão mais velho, e por influência do mesmo quis seguir no ramo.

Seus primeiros equipamentos, por exemplo, amplificadores, foram feitos por ele

mesmo após ter cursado eletrônica, era tudo artesanal, como ele mesmo diz. Assim, com a

ajuda de seu irmão Marcondes, Edmilson construiu alguns amplificadores, mesa de som e

outros equipamentos. O entrevistado menciona ainda que o primeiro pedal de efeito que

construiu foi um fuzz e o guitarrista Michel Macedo, do Crato, foi o primeiro a utilizá-lo.

Logo em seguida Edmilson aprendeu sozinho a fazer manutenção em violões,

guitarras, contrabaixos, entre outros, e comenta que testava tudo em seus próprios

instrumentos. Somente em 1986, após considerar-se apto, foi que começou a trabalhar

profissionalmente fazendo serviços de manutenção nos instrumentos de outras pessoas. A

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paixão pela música fez com que Edmilson buscasse inseri-la em sua vida profissional a partir

do ramo da eletrônica, o que expandiu suas habilidades para o ramo da luthieria. Assim, o

agente conseguiu unir o útil ao agradável.

Edmilson inclusive já trabalhou na área de assistência técnica representando algumas

marcas de instrumentos musicais e equipamentos, como por exemplo, Giannini, Condor,

Tagima, PRS, Meteoro, Staner, entre outras.

Retomando sobre seu aprendizado musical, outra importante experiência foi quando

teve aulas particulares. O entrevistado menciona já ter tido algumas aulas particulares com o

violonista Jair Santos, momento em que aprendeu um pouco sobre teoria musical. Na época

Jair dava aulas no Teatro Raquel de Queiroz, no Crato, mas como era amigo da família de

Edmilson, também deu aulas para ele. Sobre partitura Edmilson afirma que Jair queria ensiná-

lo, mas como não tinha muito tempo para se dedicar aos estudos, acabou não estudando. As

primeiras aulas com Jair aconteceram entre os anos de 1996 e 1997.

Edmilson menciona que também aprendeu muita coisa de música e de guitarra com

Célio Uchoa, época em que este último tocava em bandas de baile no Cariri. Em

contrapartida, o entrevistado narra que foi com ele que Célio Uchoa começou a aprender

sobre eletrônica. Hoje Célio mora em Fortaleza e é conhecido pela ótima qualidade de seus

pedais de efeito.

Uma curiosidade é que Edmilson não gostava muito de estudar através de videoaulas

porque geralmente os músicos tocavam num nível que ele considerava muito alto e isso o

desmotivava. O entrevistado inclusive contou que certo dia o guitarrista Raniere Mazille, com

quem Edmilson também aprendeu muito sobre música, o levou à sua casa e colocou no

videocassete uma videoaula do Frank Gambale. Raniere, que já vinha estudando o conteúdo

da aula há algum tempo, tocou alguns arpejos do Frank Gambale para Edmilson ver

pessoalmente. Porém, para Edmilson, aquela foi uma experiência negativa, pois devido ao

grau de dificuldade técnico para executar os arpejos acreditou que nunca seria capaz de tocá-

los.

Raniere Mazille também ministrava aulas de música na época em que morava em

Juazeiro do Norte e tocou guitarra na banda Azimuth, de Gilson Magazine. Hoje Raniere

mora em Natal – RN e é produtor musical na empresa Usina de Hits.

Outro músico violonista mencionado por Edmilson é o irmão de Jair Santos, o Gilvan

Santos, que segundo o entrevistado, “é um cara que toca do popular ao clássico”. Edmilson

informa que também aprendeu muita coisa com Gilvan e que o mesmo dá aulas particulares

de violão.

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Para Edmilson, o violão é para ser dedilhado e tem mais a ver com um repertório

erudito, já a guitarra é mais abrangente em termos de repertório e formas de tocar e foi

justamente essa sua forma de enxergar os referidos instrumentos que o motivou a querer tocar

guitarra. Vale ressaltar que, em geral, um instrumento musical não precisa estar limitado a um

repertório específico, por exemplo, há guitarristas – individualmente – ou grupos de guitarra

elétrica que tocam repertório erudito, algo ainda não muito comum, mas totalmente possível e

interessante do ponto de vista estético e pedagógico. Apesar disso, o que acontece na maioria

das vezes é que as pessoas associam e restringem determinado instrumento aos seus usos mais

frequentes e/ ou consolidados pela grande mídia, entre outros fatores.

A primeira banda formada por Edmilson e seus irmãos Marcondes, Edilson e Edson

era chamada “The Brothers”. A banda teve início na década de 1980 e tocava um repertório

rock. Algum tempo depois o nome da banda foi alterado para “Banda Miragem” e o grupo

começou a tocar um repertório mais variado, típico de bandas de baile. Diana, a irmã de

Edmilson, começou a fazer parte do grupo nessa época. No entanto, uma banda de outra

região do país e com o mesmo nome começou a fazer sucesso, o que fez com que Edmilson e

seus irmãos abandonassem o nome Banda Miragem. Por fim, após sugestão do cantor e

compositor Luiz Fidélis, no ano de 1994 eles adotaram o nome de Banda Arquivo. Nas

palavras do entrevistado:

[...] nós somos uma banda baile, só tem uma coisa que a gente não colocou no repertório nosso, que foi o forró e música sertaneja, agora assim, o cara quer curtir uma boa música da década de 60, 70, anos 80, não é a toa que o nome da banda é “Arquivo”, a gente relaciona tudo que já passou, que já marcou, nós não somos aquela banda assim de forró, que aí toca só forró, nós não somos aquela banda anos 60, que só toca anos 60, nós somos a banda Arquivo, pega tudo que for de arquivo, o que fez sucesso, independente de cantor A, B, C, nós somos um arquivo (informação verbal).

Uma curiosidade narrada pelo entrevistado é que, ao ficaram sabendo de uma festa que

aconteceria na Chácara Metilde com “Renato e Seus Blue Caps”, “The Fevers” e “Pholhas” e

a fim de conseguir mais destaque para a Banda Arquivo no campo musical da região,

Edmilson e seus irmãos adotaram a seguinte estratégia: conversaram com Jota Rodrigues, que

era o produtor do evento, para que o mesmo fizesse a propaganda da Banda Arquivo em pé de

igualdade com os grupos de fora e também fornecesse o transporte no dia do evento, em

contrapartida eles fariam o show sem cobrar cachê.

Edmilson conta que o show aconteceu no dia 09 de outubro do ano de 2002 ou de

2003 e que dessa data até o Carnaval do ano seguinte a Banda Arquivo “não parou de tocar”.

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[...] quando foi na segunda-feira o telefone não parava, festa em Iguatu, nós rodamos aqui, Fortaleza, nós fomos três vezes para Fortaleza, na Paraíba nós já tocamos várias vezes, Rio Grande do Norte nós já tocamos, já rodamos tudo aqui (informação verbal).

Percebendo as dificuldades impostas pelo campo no qual estavam inseridos, os

integrantes do grupo abriram mão de seu cachê naquele show tendo em vista ganhar mais

espaço e distinção no campo musical. Além disso, adquirindo uma nova posição no campo, o

grupo certamente esperava obter um retorno financeiro mais favorável a médio e longo prazo.

Levando em consideração os objetivos do grupo tal estratégia foi um sucesso e a partir disso a

Banda Arquivo fez uma sequência de shows em várias cidades, sendo reconhecida e

requisitada até hoje. Podemos deduzir que naquele momento o grupo abriu mão de

determinado capital econômico53 para investir na construção de capital social54 e de capital

simbólico55, capitais estes que em seguida seriam convertidos em um maior volume de capital

econômico, devido o aumento de propostas de shows e festas para a banda tocar.

Imagem 18 – Edilson, Edson, Diana, Marcondes e Edmilson, a Banda Arquivo

Fonte:

<https://www.facebook.com/bandaarquivooficial/photos/a.294336100660290.65906.221889764571591/844559658971262/?type=3&theater>.

A Banda Arquivo gravou seu primeiro DVD no dia 29 de outubro de 2015 no Clube

dos Comerciários, em Juazeiro do Norte. Hoje o grupo já tem vinte e três anos de existência e

toca em diversos tipos de eventos, por exemplo, festas em Igrejas, festas particulares, entre

outras.

53 Aqui utilizado no sentido de renda ou dinheiro. Porém o capital econômico também é relacionado ao patrimônio, aos bens materiais. 54 À luz da praxiologia de Bourdieu, o capital social é basicamente a rede de relações sociais tecidas e que pode gerar benefícios para os agentes. Dentro de um campo é comum a transformação de determinado capital social em outros tipos de capital, como o econômico, por exemplo. Segundo Thiry-Cherques, o capital social “corresponde ao conjunto de acessos sociais, que compreende o relacionamento e a rede de contatos” (2006, p. 39). 55 “Corresponde ao conjunto de rituais de reconhecimento social, e que compreende o prestígio, a honra etc.” (THIRY-CHERQUES, 2006, p. 39).

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Atualmente a banda se reúne para ensaiar na casa de Marcondes, que construiu um

estúdio justamente para essa finalidade. Os integrantes da Banda Arquivo são: Edmilson

(guitarra), Marcondes (contrabaixo elétrico e vocal), Edilson (teclado e vocal), Edson (bateria

e vocal) e Diana (vocal e meia lua).

Imagem 19 – Banda Arquivo

Fonte:

<https://www.facebook.com/bandaarquivooficial/photos/a.294336100660290.65906.221889764571591/1097300180363874/?type=1&theater>.

O único festival de música que Edmilson participou foi um que ele menciona ter sido

uma espécie de show de calouros, no início da década de 1990, organizado por Expedito

Moreira, Claudionor e Alan Duarte, no qual ele e seus irmãos eram a banda de apoio para os

participantes. A banda também contou com a ajuda do violonista Neto, sobrinho de Expedito

Moreira. Tal festival aconteceu no prédio do antigo Colégio Municipal, em Juazeiro do Norte.

Edmilson também costuma intermediar negociações de compra e venda de

instrumentos musicais usados no triângulo CRAJUBAR, especialmente guitarras. Algumas

vezes os músicos deixam seus instrumentos na oficina de Edmilson e o mesmo faz a

divulgação da venda.

O entrevistado afirmou que quando ainda trabalhava em casa, tinha mais tempo para

se dedicar ao instrumento e chegava a estudar entre duas até seis horas num mesmo dia.

Porém, hoje, devido aos compromissos no trabalho e com a família não tem mais tanto tempo

para estudar. Atualmente Edmilson segue conciliando os trabalhos enquanto guitarrista da

Banda Arquivo, os trabalhos na área de eletrônica, principalmente fazendo consertos e

manutenção em equipamentos de áudio, e na área da luthieria. Sua oficina, a “Eletromusic”, é

localizada na Rua do Cruzeiro, bairro São Miguel.

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3.6 Trajetórias de mim

Narrar minha história de vida em formação se trata de um esforço epistemológico no

sentido de compreender trajetórias e experiências formadoras que tem me constituído

enquanto músico e enquanto educador e assim, tomando consciência sobre estes processos e

me apropriando deles, continuar me formando. Delory-Momberger (2006, p. 01) nos confirma

nesse sentido ao apontar que nos apropriamos da nossa própria história de vida ao fazer a

narração da mesma. Esta narração se torna uma apropriação porque constitui uma reflexão

profunda e através dela nos colocamos numa nova perspectiva a fim de visualizar e desvelar

nossos próprios caminhos formativos e nossas subjetividades.

O trabalho de pesquisa a partir da narração das histórias de vida ou, melhor dizendo, de histórias centradas na formação, efetuado na perspectiva de evidenciar e questionar as heranças, a continuidade e a ruptura, os projetos de vida, os múltiplos recursos ligados às aquisições de experiência, etc., esse trabalho de reflexão a partir da narrativa da formação de si (pensando, sensibilizando-se, imaginando, emocionando-se, apreciando, amando) permite estabelecer a medida das mutações sociais e culturais nas vidas singulares e relacioná-las com a evolução dos contextos de vida profissional e social. As subjetividades exprimidas são confrontadas à sua frequente inadequação a uma compreensão libertadora de criatividade em nossos contextos em mutação. O trabalho sobre essa subjetividade singular e plural torna-se uma das prioridades da formação em geral e do trabalho de narração das histórias de vida em particular (JOSSO, 2007, p. 414-415).

Em uma das aulas da disciplina “Educação, Currículo e Ensino II”56 do Programa de

Pós-Graduação em Educação da FACED-UFC, o professor Luiz Botelho nos dizia que a

abordagem das histórias de vida nos ajuda a compreender a nossa formação para poder

transformá-la, confirmando, de forma simples e direta, o que Josso nos apresenta nesta citação

acima. O prof. Botelho apontava ainda que “cada relato de vida é singular e com ele

buscamos nos descolonizar”, demonstrando mais uma vez a grande importância dessas

narrativas (nota de aula).

Nesta abordagem de história de vida também utilizarei a praxiologia do sociólogo

Pierre Bourdieu a fim de enriquecer teoricamente a construção da narrativa de vida e assim

alcançar uma percepção mais madura sobre minha formação. A partir desse diálogo

epistemológico é possível olhar para as narrativas de vida e perceber a influência dos campos

e das socializações na formação do habitus, os capitais adquiridos, etc.

56 Disciplina com código PEP0722 e que foi ministrada em conjunto pelos professores Luiz Botelho Albuquerque, Pedro Rogério e Henrique Sérgio Beltrão de Castro no período letivo 2016.1.

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Apesar da importância da socialização primária, especialmente no período da infância,

para a formação do habitus dos agentes, narrarei minha história de vida a partir do momento

em que fui morar na cidade de Juazeiro do Norte e que também coincide basicamente com o

início dos meus estudos musicais propriamente ditos. Isso se deve não apenas por questão de

espaço, mas também para se alinhar melhor aos objetivos deste capítulo e também com o

objetivo geral, que estão delimitados ao espaço do triângulo CRAJUBAR.

Então, este tópico também ajudará a compreender melhor alguns aspectos da formação

docente no campo do ensino e aprendizagem de guitarra no triângulo CRAJUBAR, agora sob

a perspectiva da minha própria história de vida, e busco compreender também a minha

contribuição no referido campo, para assim continuar promovendo uma transformação de si.

Diante desse processo de conhecimento e de caminhar para si o agente pode então

adquirir uma percepção mais sofisticada “da sua postura de sujeito e das ideias que,

consciente ou não-conscientemente, estruturam essa postura”. Assim, além de “compreender

como nos formamos por meio de um conjunto de experiências” ao longo da vida, é necessário

conhecermos as características que nos subjetivam para que então alcancemos o objetivo

último desse processo que é chegar a um “projeto de si auto-orientado” (JOSSO, 2004, p. 58-

60).

[...] este autoconhecimento poderá inaugurar a emergência de um eu mais consciente e perspicaz para orientar o futuro da sua realização e reexaminar, na sua caminhada, os pressupostos das suas opções. Esses são os objetivos formativos da abordagem história de vida, além das aprendizagens que a abordagem, tal como é a proposta, pode favorecer (JOSSO, 2004, p. 60).

Irei então narrar uma parte da minha trajetória de vida a fim de compreender os

processos que me levaram primeiramente ao campo musical e posteriormente ao campo

educacional e que tem contribuído para a constante incorporação de um habitus musical e

professoral (SILVA, 2011). Além disso, este tópico não apenas contribuirá com o objetivo

deste capítulo como também fará uma conexão com o seguinte.

Tendo nascido e morado meus primeiros quatorze anos na cidade de São Paulo – SP,

em agosto do ano 2000 eu e minha família nos mudamos para Juazeiro do Norte. Alguns

meses depois, em março de 2001, comecei a participar da Comunidade Católica Sal da Terra,

uma comunidade pertencente ao contexto da Renovação Carismática. A música no cotidiano

do Sal da Terra é muito forte, já que a mesma tem papel essencial “na divulgação e afirmação

de valores religiosos e socioculturais neste cenário” (PINHEIRO, 2014, p. 09-10).

Desde criança sempre gostei muito de música e diante desta nova experiência de vida

no Sal da Terra comecei a ajudar no grupo de oração através da música. No ano de 2002,

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minha participação musical no grupo de oração se deu inicialmente cantando, já que cantava

afinado e não sabia tocar nenhum instrumento musical. Neste mesmo ano, por volta do mês de

Agosto, comecei a ter aulas particulares de violão com Reginaldo Dias, um colega da escola57

que tocava em outra comunidade da Renovação Carismática de Juazeiro do Norte.

As aulas particulares duraram pouco tempo por questões financeiras, em torno de seis

meses, mas foram essenciais para minha iniciação musical no instrumento. Nesta época

também ainda não tinha um violão próprio, mas uma amiga do grupo de oração, a Rociane,

emprestou gentilmente seu Tonante de cor vermelha para que eu iniciasse logo os estudos.

Alguns meses depois comprei meu próprio violão, um Giannini.

Durante meu aprendizado musical sempre estive atento ao entrar em contato com

outros músicos, especialmente violonistas do meio religioso. Ficava visualizando sua forma

de tocar, principalmente os acordes executados, em missas, encontros, grupo de oração, entre

outros eventos. Estes momentos informais de observação, de escuta e de conversas sempre

foram muito proveitosos e contribuíram para a incorporação de um habitus musical.

No início do ano 2003 comecei então a tocar violão no grupo de oração e a partir de

então a música se tornou cada vez mais presente na minha vida, influenciando minhas

amizades, minha rotina e modo de ser. As disposições duráveis que internalizamos no

decorrer do tempo se tornam nosso habitus, e ao mesmo tempo em que o habitus é adquirido

através da interiorização das estruturas sociais, ele também é determinante de nossas ações,

pensamentos, sentimentos (WACQUANT, 2007, p. 65-66).

Em meados de 2003 adquiri uma guitarra Eagle stratocaster de cor azul e de maneira

autodidata iniciei os estudos no instrumento. Mais alguns meses depois, surgiu a oportunidade

de cantar na banda da Comunidade Católica Sal da Terra, chamada de Ministério de Música

Missionário. Entre outros eventos e ocasiões, em julho de 2004 participei cantando no II Juá

Christus, um show católico organizado pela Comunidade Sal da Terra.

Estar mais próximo dos integrantes do Ministério de Música Missionário fez com que

eles percebessem minha dedicação aos estudos do violão e da guitarra e então fui convidado

para ser o guitarrista de uma banda que seria especialmente formada para tocar em um evento

de evangelização infantil, chamado Samuel. Apesar de que, na época, eu já havia tocado

guitarra em um contexto coletivo no grupo de oração – guitarra, violão, timbal e vozes –, a

experiência enquanto guitarrista no evento Samuel foi mais marcante para mim, já que se

57 Na época cursávamos o 2º ano do Ensino Médio no Colégio Moreira de Sousa em Juazeiro do Norte.

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tratava de uma banda com maior número de integrantes e diferentes instrumentos e também

pelo porte do evento.

E foi ainda em 2004, no mês de dezembro, que participei pela primeira vez como

instrumentista do Ministério de Música Missionário – a banda principal –, tocando violão no

evento Adoremos a Deus, que é realizado todo ano no estádio O Romeirão.

Foram aproximadamente oito anos tocando no Ministério de Música Missionário,

período de muitas experiências formadoras, compartilhando aprendizados no dia a dia com

vários outros músicos. A citação a seguir, retirada do meu Trabalho de Conclusão de Curso no

qual pesquisei sobre o ensino e aprendizagem de música na Comunidade Sal da Terra, retrata

um pouco desse profícuo ambiente musical:

Nos ensaios, principalmente durante o processo de criação de arranjos, os músicos têm a oportunidade de experimentar a heterogeneidade de sons do grupo, conhecer melhor sobre aspectos importantes dos outros instrumentos, entender como funciona, por exemplo, determinado ritmo na bateria, além de estar sempre buscando adequar seu instrumento para soar melhor no conjunto. Ao passo que a performance é preparada nos ensaios, esta prática em conjunto e sua dinâmica acaba por desenvolver conhecimentos amplos neste ambiente da banda (PINHEIRO, 2014, p. 33).

O campo religioso no qual estive inserido e principalmente a música católica que o

permeava marcou muito minha história, suas letras me ensinaram muitos princípios de vida e

suas melodias e harmonias continuam a inspirar minha musicalidade. Embora o habitus não

seja “estático ou eterno”, ele “é dotado de inércia incorporada”, já que “tende a produzir

práticas moldadas depois das estruturas sociais que os geraram e na medida em que cada uma

de suas camadas opera como um prisma por meio do qual as últimas experiências são filtradas

e os subsequentes estratos de disposições são sobrepostos” (WACQUANT, 2007, p. 67).

As ocasiões em que estive tocando, cantando, ensinando, observando, partilhando e/

ou ministrando no grupo de oração, nas missas, reuniões, etc., foram excelentes experiências

formadoras. “O sujeito da experiência é sobretudo um espaço onde têm lugar os

acontecimentos” (BONDÍA, 2002, p. 24). Enfim, todos estes foram momentos de

crescimento, de conhecimento de si, conhecimento das minhas potencialidades e limitações,

foram ainda excelentes estímulos que atuaram no meu processo de desinibição e isso tem sido

muito favorável já que atuo enquanto profissional da educação, que geralmente está à frente

de uma turma de discentes.

Outra grande influência que se intensificou após ter feito aulas particulares com alguns

amigos guitarristas – Sirlan Grangeiro, Paulo Rafael e Alberto Carvalho –, foi o gosto pela

música instrumental, especialmente pelo jazz-fusion e pela música popular brasileira. Refiro-

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me aqui ao gosto sob dois pontos de vista, um deles é aquele que me classifica quanto às

minhas preferências estético-musicais, e o outro ponto de vista trata-se da minha atual

preferência ou gosto pela música mais do que por outras artes, embora na infância estive

muito inclinado às artes visuais. Para Bourdieu (1979, p. 59 apud SILVA, 1995, p. 26), “o

gosto é o princípio de tudo o que temos (pessoas e coisas), de tudo o que somos para os outros

e é através dele que classificamos e somos classificados”.

Ter desenvolvido certa preferência pela música instrumental foi um aspecto que

motivou ainda mais os estudos na guitarra a fim de aprimorar meus conhecimentos e

habilidades musicais, tendo em vista que o nível de exigência técnica e musical no repertório

instrumental é geralmente maior do que das canções católicas. Inclusive, a dedicação aos

estudos possibilitou que eu tivesse as primeiras experiências pedagógicas compartilhando

saberes de forma intencional com outros músicos da Comunidade Sal da Terra. A paixão e o

gosto pela música foram tanta que no ano de 2010, ao saber que havia sido implantado o

curso de Licenciatura em Música na UFC Campus Cariri, resolvi me desligar da empresa

EDR Inspeções e Sinistros, na qual trabalhava na função de Regulador de Sinistro58, para me

dedicar profissionalmente à música.

Estudar num curso de nível superior em música significava para mim duas questões

específicas muito importantes: a primeira é que eu teria acesso a uma formação acadêmica de

qualidade a fim de me tornar um músico melhor e então expressar com mais qualidade minha

musicalidade; e a segunda é que, por ser um curso de Licenciatura e tendo em vista os

concursos, percebi que poderia, além de trabalhar com o que mais gosto, ter uma melhor

oportunidade profissional, já que na área da docência a probabilidade de conseguir um

emprego estável é maior que em muitas outras áreas.

Ao me debruçar sobre esta abordagem da história de vida confirmo que as

experiências e formação profissional na graduação e as experiências e formação humana no

Sal da Terra foram totalmente recíprocas e complementares. Ao passo que a graduação me

propiciou uma formação profissional mais sistemática e necessária, as experiências musicais e

religiosas no cotidiano do Sal da Terra me prepararam, sobretudo, enquanto cidadão e

enquanto ser social que precisa do outro e também é precisado (PINHEIRO, 2014, p. 60-62).

Nesse sentido, ter conhecimentos musicais prévios, mesmo que básicos, facilitou muito meu

percurso na graduação e inclusive, durante o Trabalho de Conclusão de Curso, pude perceber

58 Realiza vistoria/ perícia em veículos segurados sinistrados a fim de constatar danos e elabora e acompanha relatórios e orçamentos a fim de assegurar os reparos necessários de acordo com a apólice do seguro.

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com mais clareza o quanto as experiências nestes dois contextos – Sal da Terra e Graduação –

se fortaleceram mutuamente.

[...] além das experiências e conhecimentos adquiridos na graduação serem compartilhados no dia a dia do Ministério, também as experiências musicais adquiridas na Comunidade têm refletido nos seus estudos acadêmicos, fazendo esta ponte entre a universidade e a comunidade externa e entre os processos de educação formal, não-formal e informal (PINHEIRO, 2014, p. 60).

O fato de eu ter ministrado oficinas de música e compartilhado saberes com outros

músicos na Comunidade Sal da Terra é um aspecto da minha trajetória de vida que gostaria de

retomar e destacar, pois, além do campo da performance, estas experiências com o ensino de

música foram determinantes para minha entrada também no campo da educação musical.

Hoje percebo que desde estes momentos mais simples de ensino de música na

Comunidade Sal da Terra já vinha me caracterizando enquanto um agente atuante no campo

da educação musical.

Assim, podemos dizer que sofremos influência direta do habitus do campo e ao

mesmo tempo, em menor ou maior grau dependendo da posição que ocupamos no campo,

exercemos influência sobre o habitus que o estrutura. Esse jogo de influências e ações dos

indivíduos e dos grupos, bem como seus interesses que são de várias ordens, determina a

existência e a vida de um determinado campo (THIRY-CHERQUES, 2006, p. 36).

Os estudos sobre a guitarra elétrica: habitus professoral e habitus estudantil... Foi

ainda durante a graduação no curso de Licenciatura em Música e por influência das aulas que

vinha ministrando que minhas inquietações e questionamentos sobre a relativa precariedade

do ensino e aprendizagem de guitarra no Triângulo CRAJUBAR foram se delineando. Assim,

com o intuito de dar continuidade à minha formação acadêmica através da Pós-Graduação

(Mestrado), resolvi pesquisar sobre o ensino e aprendizagem do instrumento e contribuir

nesse sentido.

Para fazer compreender melhor a minha opção por este objeto de pesquisa na Pós-

Graduação, bem como um pouco mais sobre o papel da guitarra elétrica na minha formação,

irei voltar um pouco na linha do tempo da minha narrativa.

No ano de 2010, paralelamente aos estudos para o vestibular (ENEM) – a fim de tentar

o ingresso no curso de música da UFC Cariri – comecei a ministrar aulas particulares de

violão. Estas foram as primeiras experiências profissionais enquanto professor de música. Já

no ano seguinte, em 2011, ingressei no curso de música e também comecei a ministrar aulas

particulares de guitarra elétrica, e não apenas de violão. No entanto, apesar de conseguir

organizar as aulas razoavelmente bem, já havia percebido que me faltavam saberes

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relacionados à área pedagógica que fundamentassem melhor minha prática docente e que

fizesse com que meus alunos construíssem seu aprendizado de forma mais ativa, eficaz e

eficiente.

Tal como aponta Marilda da Silva (2011), uma boa formação docente exige dois

espaços distintos, um deles é a sala de aula da universidade e o outro é a sala de aula na qual

se efetivará a atuação docente. O entendimento é de que, embora indissociáveis, os saberes

teóricos e os saberes práticos tem naturezas distintas e existem também lugares e formas

diferentes para que eles sejam ensinados e aprendidos. Nesse sentido, a autora discute sobre a

constituição de duas categorias de habitus que são fundamentais na formação docente, um

habitus professoral e outro estudantil.

Se estamos considerando que a prática do professor e a prática do aluno consubstanciam um habitus, neste caso, teremos de considerar o fato de que a formação de professores tem um aprendizado teórico e outro prático que, inexoravelmente, interagem, tendo em vista o processo de interiorização e exteriorização, em sentido largo, que opera o tipo e a estética de um habitus (SILVA, 2011, p. 02).

Foi então no curso de Licenciatura em Música que tive acesso a um conjunto de

saberes teóricos e pedagógicos totalmente necessários à minha formação docente. No entanto,

é preciso deixar claro que neste espaço universitário, em que se deu a continuidade da

formação de um habitus estudantil e que embora agora estivesse intencionalmente voltado

para a profissionalização docente, não constitui um habitus professoral. Estas duas categorias

de habitus são distintas, porém complementares. Silva nos confirma esta ideia ao apontar que,

na prática:

[...] surgem questões muito pontuais, específicas, muitas vezes inesperadas, que não podem ser transmitidas nem vivenciadas no âmbito da formação teórica justamente por aparecerem conforme as contingências do ambiente de trabalho. [...] com a inserção dos professores no campo prático, suas certezas subjetivas são partilhadas com outros agentes educacionais, o que as torna, de certa maneira, certezas objetivas. Assim a formação inicial não é negada pelos docentes, mas adquire outros significados quando o profissional confronta os saberes teóricos adquiridos com a realidade e valida-os pela própria prática pedagógica (2011, p. 05-06).

Assim, em relação a minha formação docente durante a graduação, ao mesmo tempo

em que aprendia os saberes teóricos na sala de aula da universidade (habitus estudantil), já

experimentava tais saberes na prática, dando continuidade então à construção de saberes

práticos que constituem o habitus professoral. Tais saberes práticos foram possibilitados

desde as primeiras experiências de ensino de música na Comunidade Sal da Terra, graças

também as aulas particulares que ministrei, como mencionado anteriormente, bem como

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graças ao período que ministrei aulas de violão e guitarra elétrica no Complexo Cultural

Schoenberg.

Sobre o desenvolvimento do habitus estudantil na graduação, ou seja, a aquisição de

todo instrumental teórico e pedagógico, irei narrar agora algumas experiências estudantis mais

relacionadas com meu objeto de pesquisa, a guitarra elétrica.

Disciplina Guitarra Elétrica I... No período letivo de 2011.1 foi ofertada pela

primeira vez a disciplina “Guitarra Elétrica I” no curso de música da UFC Cariri, ministrada

pelo professor Ivânio. Na ocasião solicitei participar como ouvinte, já que era o meu primeiro

semestre no curso e não tive como me matricular na disciplina.

Permitida minha participação, pude ter contato com aspectos pedagógicos e

metodológicos essenciais para o ensino e aprendizagem de guitarra elétrica. Alguns pontos

discutidos na referida disciplina que destaco são: conhecimento dos conteúdos mais

convencionais nos estudos da guitarra elétrica; planejamento de aulas; adequação entre o

conteúdo e o público alvo; clareza na exposição e comunicação; desenvolver um

posicionamento crítico e reflexivo sobre a prática docente.

Realizamos alguns relatórios sobre workshops de guitarra que aconteceram no SESC

Juazeiro durante o semestre e sobre uma videoaula do guitarrista Tomati59. Além disso, o

trabalho final da disciplina foi que cada uma das seis equipes de alunos preparasse e

ministrasse uma aula sobre um tema específico. Assim, todo este conjunto de atividades e

avaliações me proporcionou consolidar e aplicar vários conhecimentos estudados em sala de

aula.

Outro aprendizado observando as aulas do professor Ivânio nesta disciplina foi que,

conforme aponta Libâneo (1994), todos estes momentos do processo de ensino são

fundamentais para uma boa estruturação do trabalho docente.

O Laboratório de Estudos de Guitarra (LEG)... Diferentemente da disciplina

Guitarra Elétrica I, que tinha uma proposta mais teórica e didático-pedagógica, o LEG tinha

um caráter mais prático musical, pois era mais focado na performance instrumental. O contato

com obras standards do repertório jazz e da música brasileira é um dos aspectos que

contribuíram muito para o meu desenvolvimento musical, bem como os estudos sobre

harmonia, improvisação e de conhecimento do braço da guitarra com base no Sistema 5

(CAGED)60. Vale destacar que no LEG o estudo de repertório geralmente é central e tem

59 Videoaula intitulada “Guitarra, Jazz e Improvisação”, produzida e lançada pela Aprenda Música. 60 Esta metodologia toma como base inicial os formatos de cinco acordes, sendo eles: Dó, Lá, Sol, Mi e Ré (por isso também é chamada de CAGED, com base nas suas respectivas cifras). Assim, tendo como referência os

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implícito outras finalidades e objetivos pedagógicos, pois os demais tópicos citados são

desenvolvidos a partir das obras que se está estudando.

Algumas das obras que estudei no LEG são: Tune up (Miles Davis); Garota de

Ipanema (Tom Jobim e Vinícius de Moraes); All Blues (Miles Davis); Footprints (Wayne

Shorter); Equinox (John Coltrane); The Chicken (Jaco Pastorius); Incompatibilidade de

Gênios (João Bosco e Aldir Blanc).

O aprendizado dos temas das músicas geralmente ocorria por meio de partitura cedida

pelo professor. Já os estudos de improvisação, embora seguissem alguns caminhos e

resoluções estudadas previamente – algo comum na música tonal e até na modal e que

recebem críticas a esse respeito, por promover uma liberdade limitada –, abriam mais espaço

para o trabalho de ouvido. Assim, o desenvolvimento da percepção auditiva acontecia na

medida em que determinadas sonoridades características iam sendo internalizadas através dos

estudos das escalas e da sua aplicação e também pelo fato de na improvisação haver certa

abertura para a criatividade do instrumentista.

Outra grande contribuição do LEG na minha formação, devido a valorização que era

dada à interação entre os alunos, foi a possibilidade de algumas vezes estar a frente da turma

que eu participava e também de outra turma menos experiente. Essa experiência discente no

LEG se aproximou muito da prática docente, pois neste momento exercia o papel de

mediador, e por isso acredito fortemente que tal experiência também estruturou meu habitus

professoral. Então, ressalto duas questões: a primeira é que embora eu continuasse estudante e

não docente tive a “chance de abalar a inércia” do meu habitus estudantil no LEG (SILVA,

2011, p. 09); e a segunda é para lembrar que quando era aluno da licenciatura e estudava no

LEG também já atuava profissionalmente enquanto docente, ou seja, se é possível dizer,

habitus estudantil e professoral foram alimentados concomitantemente.

Cariri Jazz Big Band... Ter atuado como guitarrista na Cariri Jazz Big Band no ano

de 2014 foi outro momento em minha trajetória de vida que proporcionou contato e interação

com diversos músicos experientes, com os quais pude compartilhar saberes e acima de tudo:

fazer música.

Na Big Band pude ainda conhecer um pouco mais do repertório da música brasileira e

ter contato com arranjos escritos especificamente para esta formação musical. Algumas das

obras que estudamos e apresentamos em diversos lugares do Cariri cearense: Garota de cinco formatos citados, o Sistema 5 ajuda o estudante a mapear o braço do instrumento e tocar com fluência em cinco regiões diferentes do mesmo, o que consequentemente possibilita ao instrumentista um domínio de toda a extensão do braço do instrumento. Este raciocínio pode ser aplicado em acordes, arpejos e/ ou escalas (VIANNA NETO, 2009).

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Ipanema (Tom Jobim e Vinícius de Moraes); O barquinho (Roberto Menescal e Ronaldo

Bôscoli); Batida diferente (Maurício Einhorn e Durval Ferreira); Chorou, chorou (João

Donato e Paulo César Pinheiro); Andorinha (Tom Jobim); Piston de Gafieira (Billy Blanco);

Closely Dancing (Arturo Sandoval); Stevie Wonder Medley – Isn’t she lovely, Knocks me off

my feet e Sir Duke (Stevie Wonder).

A Big Band também foi um ótimo espaço para colocar em prática os estudos sobre

improvisação, já que era um dos improvisadores do grupo. Também ressalto a prática em

conjunto e a performance diante do público, que constituem práticas essenciais para a

formação do músico. Desta forma, tais experiências se somaram às anteriores e favoreceram o

enriquecimento do meu habitus musical e demonstram um pouco mais da minha atuação no

campo musical da região.

Professor temporário do curso de música da UFCA... Agora narrarei algumas

vivências, experiências e aprendizados durante minha atuação enquanto professor temporário

no curso de Licenciatura em Música da UFCA por ocasião de aprovação no concurso para

vaga em “Educação Musical e Percussão”. Tal oportunidade contribuiu significativamente

para minha formação docente na medida em que ampliou meu habitus professoral.

Como afirma Freire (2002, p. 12): “quem forma se forma e re-forma ao formar e quem

é formado forma-se e forma ao ser formado”. Nos últimos anos venho experimentando

constantemente no exercício da docência o que essa frase de Freire quer nos fazer

compreender. De fato, ao estar à frente de uma sala de aula e assumindo a responsabilidade de

ser mediador da construção de conhecimentos e habilidades de tantas outras pessoas, pude

crescer e amadurecer substancialmente enquanto profissional da educação.

Apesar de ainda ter muito para aprender, meu amadurecimento profissional tem sido

consequência de várias situações na minha trajetória de vida: as experiências de prática

musical em grupo e ministrando oficinas de música na Comunidade Católica Sal da Terra

antes e durante a graduação; as aulas de violão e guitarra que ministrei; os estudos de guitarra

na universidade; a monitoria de Percepção e Solfejo realizada no ano de 2012 e a monitoria da

disciplina de Didática em 2013 durante a graduação; os estágios supervisionados; a graduação

em si (Licenciatura em Música); e já como professor temporário da UFCA entre abril de 2015

e fevereiro de 2016: o planejamento e organização de cada aula; o estudo, pesquisa e

aprofundamento de cada conteúdo que iria ministrar; estar efetivamente como professor na

sala de aula; os diálogos e debates em sala de aula com os discentes; as reflexões e

inquietações após cada aula ministrada; a busca por uma didática melhor e por metodologias

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de ensino que contribuíssem da melhor maneira possível com o aprendizado da turma em

questão; etc.

Refletindo sobre a experiência como professor temporário no curso de música da

UFCA e dialogando com Silva, afirmo que a sala de aula é de fato o “local mais expressivo

para a formação docente, onde verdadeiramente o aluno aprende a ensinar e a tornar-se

professor” (2011, p. 07). Cada uma das experiências que mencionei acima foi como um

pequeno degrau que subi, algumas atuando no meu habitus estudantil e outras no meu habitus

professoral, gerando saberes que foram se tornando complementares e que foram muito

propícios para minha atuação enquanto professor temporário no curso de música da UFCA,

momento em que pude aprimorar algumas habilidades e conhecimentos.

Gostaria ainda de mencionar sobre uma apostila de estudo do violão que produzi

durante o ano de 2014 e que vim a conclui-la em janeiro de 2015. Esta apostila foi resultado

da organização e sistematização de conteúdos, exercícios e repertório que eu vinha

pesquisando e utilizando com meus alunos particulares de violão. Este trabalho contribuiu

muito para a organização didática das aulas que ministro e para a renovação do repertório

utilizado.

Ademais, a formação do eu músico e do eu educador musical se entrelaça e se

complementa, e todos estes saberes – teóricos e práticos, musicais e pedagógicos – têm sido

essenciais e transformadores na minha história de vida em formação.

Algumas considerações... Foi a partir das experiências acadêmicas na universidade

que ampliei as reflexões e conhecimentos sobre repertório, organização de conteúdos e

exercícios em passos gradativos e de acordo com literatura especializada, utilização mais

proveitosa de recursos metodológicos (metrônomo, playbacks, etc.), atenção para a

importância da interação entre os alunos, atenção para questões de postura e cuidados com a

saúde durante a prática instrumental, atenção para questões didáticas, como por exemplo,

fazer o aluno pensar e raciocinar sobre o que está aprendendo ao invés de dar a ele todas as

respostas, contribuindo assim para uma aprendizagem realmente ativa e efetiva, etc.

Assim sendo, posso dizer que todas estas vivências narradas se tornaram experiências

formadoras significativas à medida que foram constituindo uma espécie de referencial de

“atitudes, comportamentos, pensamentos, saber-fazer, sentimentos que caracterizam uma

subjetividade e identidades” (JOSSO, 2004, p. 48). Todas estas experiências e aprendizados é

que trago como contribuições para a pesquisa, e espero que possa iluminar, nem que seja um

pouco, as pesquisas de outros guitarristas e educadores musicais.

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Finalizo esta parte dialogando com a música “O que é, o que é?” do Gonzaguinha, que

tem um lindo refrão que transmite um ensinamento realmente importante: se reconhecer como

um eterno aprendiz nos possibilita a beleza de estar sempre amadurecendo e crescendo diante

das circunstâncias da vida.

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4. ENSINO E APRENDIZAGEM DE GUITARRA ELÉTRICA NA UFCA

Neste capítulo apresento e analiso os dados coletados sobre o ensino e aprendizagem

de guitarra elétrica presentes no LEG, na disciplina Guitarra Elétrica I (período letivo de

2016.1) e na Cariri Jazz Big Band do curso de Licenciatura em Música da UFCA. Pretendo

com este capítulo contemplar o segundo objetivo específico e o mesmo terá os seguintes

tópicos:

4.1 Experiências musicais no Laboratório de Estudos de Guitarra (LEG);

4.2 A disciplina Guitarra Elétrica I (2016.1);

4.3 A guitarra elétrica na Cariri Jazz Big Band.

4.1 Experiências musicais no Laboratório de Estudos de Guitarra (LEG)

Diante da importância do LEG no fortalecimento da educação musical da região,

busquei compreender em que medida o mesmo tem contribuído para a formação musical e

formação docente dos estudantes. Além disso, meu intuito foi refletir e apresentar ideias e

contribuições pedagógicas para a área, inclusive para outros espaços – formais, não-formais e/

ou informais – em que há este ensino e aprendizagem.

4.1.1 Objetivos e proposta pedagógica do LEG

Desde o início o LEG tem a pretensão de ser um grupo de estudos, de contar realmente

com a colaboração de todos os envolvidos: professor, monitores e alunos. A motivação para

esta relação fica mais clara a partir da entrevista na qual Azevedo Júnior relata que seus

estudos na música começaram numa relação lúdica com os amigos, quando se reuniam na

calçada em frente sua casa para tocar e compartilhar materiais e saberes. No trecho a seguir o

entrevistado menciona sua vontade de resgatar o clima de estudo lúdico e informal entre

amigos:

Acho que no fundo talvez paire sobre mim sempre a minha experiência com os meus amigos em grupo, agora pensando sobre, talvez essa representação de alguma maneira me persiga, então o que eu queria com o LEG era isso, reunir as pessoas, falar sobre guitarra, estudar, trocar material, então eu acho que foi exatamente porque esse era o objetivo principal que eu acho que ele é bastante informal apesar

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da sua pretensão formal, de ter consciência do que está fazendo (informação verbal61).

A afirmação acima está em consonância com o que Azevedo Júnior considera uma das

características principais do LEG, que é:

“[...] o incentivo ao estudo formal da guitarra elétrica, a partir de uma „atmosfera de informalidade‟ que, ao seu modo, tenta construir uma relação intelectual e afetiva com o instrumento, trabalhando com um repertório popular, até então, reunindo clássicos do jazz, do rock, do blues e da música brasileira” (2013, p. 38).

Ao abordar o termo “atmosfera de informalidade” Azevedo Júnior acaba nos

remetendo ao fato de que o LEG é, como o próprio nome diz, um laboratório, ou seja, um

espaço educativo sujeito a novas experiências e propostas pedagógicas, em que a

sistematização curricular e de conteúdos não é muito rígida, mas que mesmo assim há uma

consciência e organização pedagógica sobre o processo. Nesta perspectiva, o fato de o LEG

ser um laboratório e guardar relação com a maneira como Azevedo Júnior iniciou seus

estudos musicais, interagindo e compartilhando saberes entre amigos, traz ao espaço certa

“atmosfera de informalidade”. E foram justamente estes os catalizadores que, de forma muito

prática, possibilitaram a proposta metodológica presente no LEG e que iremos discutir mais

adiante, a Aprendizagem Musical Compartilhada.

Vemos ainda que o intuito do LEG é instigar o estudo de um repertório variado,

trabalhando com o rock, o blues, a música brasileira e sobretudo o jazz, possibilitando novas

experiências musicais e o amadurecimento social dos alunos (2013, p. 49-50). Apesar de

Azevedo Júnior, com base nas críticas de Adorno, apontar o jazz como uma música reificada

e produto da indústria do entretenimento, regida pela racionalização econômica da sociedade

administrada, também ressalta seu caráter democrático a partir da “possibilidade de acesso

musical que o gênero permitiu a uma massa trabalhadora que, desde sempre, ficava à margem

da experiência artística”, visão esta a partir de Hobsbawm62 (2015, p. 127).

Assim, dialogando com Azevedo Júnior (2015, p. 109-110), considero que apesar das

limitações em sua estrutura musical engendrada por um processo histórico-social, limitações

estas, inclusive, muito em função do próprio tonalismo, o jazz e toda música popular que teve

sua influência certamente propiciou um acesso mais democrático à arte e à cultura do que a

chamada música erudita conseguiu até então. Esta é uma problemática atual bastante

discutida, visto que ainda há mecanismos de dominação atuando para que a música erudita – 61 Entrevista concedida por Ivânio Lopes de Azevedo Júnior em Juazeiro do Norte – CE no dia 23 de fevereiro de 2016. 62 Para saber mais a respeito ler AZEVEDO JÚNIOR (2015) e HOBSBAWM (1990).

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modal, tonal e pós-tonal – permaneça com um caráter elitista, não sendo, assim, acessível para

a maior parte da sociedade.

Sobre o jazz vale a pena ressaltar que, mesmo considerando sua limitação

mercadológica, o mesmo alcança de maneira sensível muitos ouvintes, além de conseguir

“manter o espírito crítico e de protesto diante da ordem social estabelecida” (AZEVEDO

JÚNIOR, 2015, p. 106). E acrescento que esta característica de criticidade não está presente

apenas no gênero jazz, pois a música popular em termos gerais ainda mantém este caráter.

Neste sentido, ainda sobre as aulas no LEG, Azevedo Júnior ressalta que:

“Os mais diferentes exercícios, sejam os que visam à técnica, o conhecimento do braço do instrumento ou a percepção auditiva do aluno, são frequentemente extraídos de uma música do repertório popular que está no contexto de formação do próprio discente. É comum a leitura e o estudo prático de temas que são facilmente reconhecidos pelos alunos” (2013, p. 46).

Assim, fica evidente que inicialmente se trabalha com músicas mais próximas do

contexto de formação do aluno, buscando valorizar suas experiências prévias, e à medida que

o mesmo vai avançando nos estudos vai sendo encorajado a trabalhar com um repertório

novo, inclusive com estilos musicais que não tinha afinidade, possibilitando a ampliação dos

seus horizontes musicais e confirmando a ideia de amadurecimento social e musical.

Sobre a possibilidade de inclusão de obras do repertório canônico ocidental no ensino

e aprendizagem de guitarra elétrica o professor Ivânio considera interessante a proposta e

concorda sobre a importância da democratização desse tipo de repertório. O professor

inclusive mencionou na entrevista o “pessoal da guitarra neoclássica”, por exemplo, Yngwie

Malmsteen, Vinnie Moore, entre outros, que tem muita influência da música erudita. É

possível, em sala de aula, realizar estudos relacionais entre o rock ou metal neoclássico e

obras do repertório erudito, analisando suas semelhanças e diferenças.

Em consonância com o assunto, o monitor do LEG, Bismark Matos, respondeu o

seguinte ao ser questionado sobre a possibilidade de trabalhar com repertório erudito no LEG:

[...] eu já mostrei algumas coisas, alguns elementos que o Malmsteen toca, Escala Menor, a Menor Harmônica, os licks que ele faz na Menor Harmônica só que com a sonoridade que, por exemplo, Bach, aqueles licks com pedal point, tipo, é uma Escala Menor, vamos supor, utilizando pedal point, “ah, mas aquilo ali na música do Bach é erudito, na música do Malmsteen é popular”, mas com elementos eruditos. Eu tentava mostrar algumas coisas disso, mas estudar música erudita por si só não, nunca estudei, nunca estudei e nunca passei para os alunos do LEG (informação verbal63).

63 Entrevista concedida por Bismark Matos Rodrigues de Sousa em Juazeiro do Norte – CE no dia 16 de dezembro de 2016.

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Embora o Bismark ainda não tenha trabalhado o repertório erudito propriamente dito

com os alunos do LEG, sua fala nos ajuda a visualizar que esta associação com o estilo

neoclássico, que já é bem conhecido por muitos guitarristas, pode servir como mais uma boa

maneira de criar pontes entre as experiências prévias dos alunos e o novo repertório erudito

que poderá vir a ser estudado. Assim, enfatizo que também é importante que os alunos de fato

estudem o repertório erudito em si, para que tenham uma experiência direta e efetiva com o

mesmo, e não fiquem apenas no plano das análises e comparações.

Reforço a necessidade de mais reflexões em torno do assunto, inclusive para que as

obras eruditas escolhidas, além de democratizar o acesso a esse tipo de repertório, tenham

também um sentido pedagógico, conforme explicitado acima e conforme já mencionado no

referencial teórico. Além disso, é interessante pensar em alguns outros critérios para a escolha

das obras, por exemplo, compositores e/ ou obras representativas de cada período, forma da

música, grau de dificuldade técnica e musical, aspectos interpretativos e expressivos

envolvidos, etc.

Também ressalto que nos dias de hoje fica cada vez mais difícil definir o que

realmente é erudito e o que é popular, mas não é meu intuito entrar nesse mérito no momento.

Um dos objetivos aqui é demonstrar a importância de estarmos abertos a experimentar novas

possibilidades e cada vez mais buscarmos a superação da dicotomia entre erudito e popular.

Durante a entrevista Bismark aponta que a proposta de trabalhar com repertório

erudito no ensino e aprendizagem de guitarra seria algo relevante em vários aspectos e destaca

um deles, a leitura musical:

[...] eu acho que principalmente leitura, leitura para guitarra, porque o guitarrista tem a mania de não estudar partitura, eu mesmo estudei na faculdade, principalmente por precisão das disciplinas e depois que abri mão das disciplinas eu relaxei total (informação verbal).

Nesse sentido, além do estudo da leitura musical a partir de obras do repertório

canônico ocidental, gostaria de destacar mais alguns materiais específicos que podem ser

utilizados no ensino e aprendizagem de guitarra visando o desenvolvimento da leitura, entre

outras coisas.

Já que estava tratando sobre o trabalho com um repertório erudito, vou começar

indicando o método Music reading for guitar: the complete method64 do David Oakes, com

conteúdo que vai do nível elementar até a utilização de técnicas mais avançadas. Esta obra

conta com melodias de obras eruditas. 64 Publicado pela Hal Leonard Corporation.

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Agora no estilo jazzístico e para alunos desde o nível iniciante temos os três volumes

do A modern method for guitar65 do Willian Leavitt, que contém estudos e peças escritas

especificamente para guitarra solo e que abordam vários conteúdos, inclusive elementos

relacionados à leitura musical.

[...] é empregado, há mais de 40 anos, no curso de guitarra do famoso Berklee College of Music. O livro desenvolve gradativamente a destreza nas duas mãos, através da leitura musical (pauta, clave, valores, articulações, sustenidos e bemóis), o acompanhamento (ritmo, baixos e acordes em diversas posições), a técnica (diferentes tipos de palhetadas e digitação, velocidade) e as escalas (tonalidades e posições). É repleto de peças originais compostas pelo autor, especialmente para o treino de cada assunto66.

O professor Cesar Berton estudou os métodos do Leavitt na sua graduação –

Bacharelado em Música – na UNICAMP, no ano de 1994, e hoje inclusive utiliza, em

semestres distintos, os materiais citados do Willian Leavitt e do David Oakes com seus alunos

de guitarra do curso de Licenciatura em Música do IFPE67.

Outro excelente trabalho voltado para a leitura musical desde o nível iniciante é o livro

Exercícios de leitura para guitarristas e violonistas68, do Nelson Faria. A primeira parte do

livro contém noventa e nove exercícios progressivos e a segunda parte tem um Songbook com

mais de vinte composições do próprio Nelson, para que o estudante não pratique apenas com

exercícios, mas também com um repertório.

Por último gostaria de mencionar os Estudos de Jimmy Wyble, um repertório de nível

avançado escrito especialmente para guitarra elétrica solo e que trabalha muito o contraponto

a duas vozes numa linguagem jazzística. Os estudos estão presentes em seu método The art of

two-line improvisation (2001)69. Os direitos de gravação dos Estudos do Jimmy Wyble foram

concedidos para o guitarrista e professor do IFPE Cesar Berton, que deverá lançá-los em CD

no final do primeiro semestre de 2017.

Enfim, considerando a leitura musical como algo relevante em vários sentidos, este

mapeamento básico de materiais – inclusive os mencionados no referencial teórico – fica aqui

registrado como uma sugestão de uso para professores e guitarristas, caso considerem os

mesmos coerentes para sua realidade de ensino ou de estudos.

65 Também publicado pela editora Hal Leonard Corporation. 66 Disponível em: <http://www.vitale.com.br/sistema/produtos/produto.asp?codigo=36125>. Acesso em 16 de março de 2017. 67 Comunicação pessoal de Cesar G. Berton em 15 de março de 2017. 68 Vídeo no qual o próprio Nelson Faria fala sobre o livro: <https://www.youtube.com/watch?v=EiHfDfn-m9Q>. Acesso em 16 de março de 2017. 69 Publicado pela Mel Bay Publications, o método do Jimmy Wyble contém gravações e edições feitas por David Oakes.

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O curso do LEG é programado para durar dez semestres letivos, um total de cinco

anos, e há uma organização de estudos a partir de seis tópicos com base nas ideias do

guitarrista Nelson Faria: conhecimento do braço, técnica, leitura, harmonia, improvisação e

repertório (2005-a, p. 02). Esta organização em seis tópicos não se trata de uma divisão rígida,

pois não teria sentido abordá-los totalmente dissociados. Antes, tal organização tem objetivos

didáticos e pretende dar o devido destaque para cada tema específico, mas sem perder a noção

do todo.

Ressalto a improvisação – um dos seis tópicos – como uma prática musical

fundamental e que colabora para o êxito da experiência pedagógica do LEG.

“Desde o início de suas atividades, a compreensão do LEG foi de que a improvisação é a atividade que mais aproxima o estudante do fazer musical, pois é mediante a „criação espontânea‟ de melodias que o poder inventivo do estudante é reforçado e estimulado. Todo o repertório analisado e praticado em sala, após sua compreensão e execução, servem como base harmônica para as improvisações” (2013, p. 46).

Para Azevedo Júnior, essa abordagem pedagógica tem o intuito de provocar a

sensação de que é possível ao músico, seja amador ou profissional, “reproduzir um repertório

socialmente reconhecido e, através da improvisação, apropriar-se do mesmo” (2013, p. 46-

47). Na entrevista Azevedo Júnior confirma a importância do caráter criativo musical através

da improvisação e destaca que a mesma precisa ser prioridade desde o início dos estudos do

guitarrista:

[...] improvisação sempre desde o começo também, para o cara começar a descobrir as melodias, descobrir os padrões, quando ele começar a sentir que está fazendo música, que está fazendo algo com sentido, por contra própria (informação verbal).

Swanwick (1979) aponta a Composição, em sentido amplo, como um dos parâmetros

basilares do seu modelo C(L)A(S)P. O parâmetro Composição “pode ser entendido de forma

mais ampla enquanto processo criativo, no qual a improvisação, por exemplo, também faz

parte” (PINHEIRO, 2014, p. 26). Em meu Trabalho de Conclusão de Curso, à luz dos três

princípios de ação70 e do Modelo C(L)A(S)P do Swanwick, verificamos que alguns músicos

da Comunidade Católica Sal da Terra alcançam “certa autonomia e habilidade para

improvisar com seus instrumentos”, contribuindo assim para o desenvolvimento de sua

criatividade e para um fazer musical dinâmico, motivador e significativo (Ibid., p. 61).

Corroborando com esta ideia Azevedo Júnior aponta que: 70 A saber: (1) Considerar a música como discurso; (2) Considerar o discurso musical dos alunos; e (3) Fluência musical no início e no final (SWANWICK, 2003).

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[...] aquele que improvisa com musicalidade e fluência, fazendo com que o instrumento se torne uma extensão de seu corpo, está inserido na atividade musical pelo simples fato de haver conquistado uma autonomia expressiva que se revela no improviso (2013, p. 43).

Assim, penso a improvisação musical enquanto uma ferramenta pedagógica essencial

para o desenvolvimento da criatividade e da independência musical do indivíduo, para que o

mesmo não seja apenas um reprodutor do discurso musical, mas crie também o seu próprio

discurso, se permitindo uma relação de pertencimento sobre o fazer musical.

Nesse sentido, o estudo da improvisação também não precisa ser realizado apenas nos

moldes tonais, mas podem ser exploradas outras formas e propostas, é inclusive desejável que

isto aconteça a fim de incentivar a imaginação e criatividade musical do aluno, não se

prendendo ao que já está posto.

Já que mencionei o parâmetro Composição do Modelo C(L)A(S)P, em sentido amplo,

vale lembrar que o mesmo comporta experiências criativo-musicais diversas. Como vimos no

capítulo anterior, Lifanco e Cleivan são exemplos de músicos que tiveram experiências

significativas tanto compondo músicas (letra e música) quanto produzindo arranjos e são

excelentes improvisadores. Estes processos composicionais foram fundamentais para o

desenvolvimento musical destes guitarristas citados, permitindo-lhes a aquisição de um vasto

capital cultural.

Nas aulas do LEG sobre improvisação o professor Ivânio utiliza basicamente as

seguintes abordagens: improvisação Temática (o ponto de partida é o tema da música),

improvisação Vertical (o ponto de partida são as notas do acorde) e improvisação Horizontal

(o ponto de partida é a correlação escala-acorde)71.

No LEG também há o uso do Sistema 5 (CAGED), metodologia de ensino

sistematizada pelo guitarrista brasileiro Mozart Mello por influência de alguns métodos

americanos que propunham o estudo do instrumento a partir de um raciocínio matemático de

tocar em cinco regiões (VIANNA NETO, 2009, p. 15). Azevedo Júnior adotou o uso do

Sistema 5 no LEG, bem como a utilização de outras propostas pedagógicas, por influência de

sua formação e experiência discente nas aulas da graduação em guitarra elétrica no Instituto

de Guitarra & Tecnologia (IG&T72) de Campinas, em São Paulo, curso este que por sua vez

teve muita influência do Mozart Mello em seu projeto pedagógico.

71 Para mais detalhes a respeito, ler o artigo do músico e compositor Turi Collura disponível no endereço: <http://www.turicollura.com/turiadmin/_temp/estud_improvis_1-240.pdf>. Acesso em 15 de março de 2017. 72 O IG&T foi fundado em 1988 pelo professor Wander Taffo e teve o apoio pedagógico de Mozart Mello.

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114

Destaco o Sistema 5 como uma metodologia de ensino muito eficaz e eficiente,

inclusive dando mais confiança aos alunos nos exercícios de improvisação, já que conseguem

melhorar significativamente a visualização do braço do instrumento. O estudo dos shapes das

escalas, acordes ou arpejos a partir dessa sistematização tem proporcionado bons resultados e

em pouco tempo. (AZEVEDO JÚNIOR, 2013, p. 48). Na época em que fui discente no LEG

obtive uma melhora significativa na visualização do braço da guitarra e alcancei maior

fluência musical após conhecer e estudar com base no Sistema 5.

Enfatizo que, no médio ou longo prazo, o instrumentista não deve se limitar a tocar

apenas por shapes, mas expandir o aprendizado e pensar musicalmente. É interessante que os

shapes sejam um suporte, uma ferramenta, especialmente para ajudar os iniciantes a se

familiarizar com o conhecimento do braço do instrumento.

Sobre ferramentas metodológicas utilizadas nas aulas do LEG, temos: o metrônomo,

uso de playbacks, áudios, vídeos, videoaulas e o incentivo ao aluno para gravar a sua

performance a fim de analisá-la criticamente.

O metrônomo é uma ferramenta essencial para os estudos de qualquer instrumentista,

ficando a critério do professor em que momentos ou atividades utilizá-lo. Módolo (2015, p.

126), dialogando com um dos seus entrevistados, o professor de guitarra da UNIVALI Paulo

Demetri Gekas, aponta a importância de anotar o andamento do metrônomo semanalmente,

pois se trata de uma estratégia de organização gradativa dos estudos, “fazendo com que os

alunos tenham uma referência do ponto em que estão ao ponto que desejam alcançar”.

O uso de playbacks, áudios, vídeos e videoaulas, se utilizados de maneira coerente e

didática, podem contribuir para que o processo ensino e aprendizagem se torne mais dinâmico

ao expandir as possibilidades da sala de aula.

Sobre a gravação da performance do aluno no LEG, o professor Ivânio e o monitor

Bismark incentivam seus alunos a usarem este recurso. Esta prática metodológica vem sendo

utilizada cada vez mais por diversos professores e pode ajudar o aluno a, tendo um

posicionamento crítico sobre si, desenvolver mais autonomia nos estudos, identificar os

possíveis erros e corrigi-los, identificar o que já está bom e manter, se preparar melhor para

avaliações, etc., e assim elaborar uma performance de melhor qualidade. Além disso, o

conteúdo da gravação também pode ser analisado em conjunto com o professor, como aponta

Módolo:

Um ponto de destaque das aulas observadas na UNIVALI é a gravação em áudio e vídeo das aulas, momento em que alunos e professor discutem posteriormente as execuções desenvolvidas. Essa prática facilitava a percepção de erros e dificuldades

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115

apresentadas pelos alunos, contribuindo para uma melhor visualização de elementos executados durante a prática instrumental. Após a realização das gravações, professor e aluno escutavam e teciam comentários sobre a execução. O professor Paulo sempre disponibilizava aos alunos os conteúdos gravados e enviava por e-mail, ou fazia a cópia em um pendrive. [...] Nesse sentido, as gravações realizadas salientavam o que ainda poderia ser melhorado nas práticas dos alunos, servindo também como forma de avaliação dos alunos (2015, p. 127).

Então, fazendo uso de diferentes tecnologias, todas estas práticas metodológicas

mencionadas podem contribuir significativamente para um bom ensino e aprendizagem de

guitarra, contanto que sejam utilizadas de forma didática e coerente com os objetivos

pretendidos.

Podem participar do LEG tanto pessoas da comunidade externa à UFCA quanto alunos

da própria instituição. As turmas em geral são divididas em grupos que variam entre 2 a 4

alunos, e apesar de haver uma separação por nível técnico e por experiência musical este

processo não é rígido, permitindo ainda assim uma turma heterogênea. Entram alunos que não

leem partitura e até alunos que nunca tiveram contato com a guitarra, e isso se justifica

porque, segundo Azevedo Júnior, “exigir uma formação musical prévia em uma região do

país onde a falta de espaços formativos é justamente o problema” não faz sentido, pois seria

uma atitude excludente (2013, p. 44). Nesse sentido, todas as atividades do LEG deveriam ser

gratuitas, o que é uma questão de caráter político-social a ser destacada, já que o projeto tem

um compromisso “com a universalização do acesso ao estudo formal do instrumento,

minimizando, ao máximo, os custos para os participantes” (2013, p. 40-41).

Além de tudo que já foi mencionado, podemos perceber com muita clareza o quanto o

LEG está em consonância com o Projeto Pedagógico do curso de Licenciatura em Música da

UFCA na busca pela formação de professores e comprometido com a democratização do

acesso à arte e à cultura quando Azevedo Júnior aponta que o LEG deve ser compreendido da

seguinte maneira:

[...] como um espaço de experiência musical que visa formar instrumentistas comprometidos com a arte e com a docência. Há no Laboratório a forte presença de alguns princípios que, ao mesmo tempo, constituem o Projeto Pedagógico do curso de graduação, por exemplo, o interesse em formar professores de guitarra e as aulas, sempre coletivas, são elementos que perpassam igualmente as ações pedagógicas do curso de Licenciatura em Música (2013, p. 42-43).

Vemos que além de formar o guitarrista o LEG também tem outro compromisso com

os alunos, o de incentivá-los a desenvolverem habilidades de ensino. Inclusive, a partir do

questionário online73 aplicado foi possível confirmar esta questão uma vez que vários 73 Questionário online via Google Forms aplicado em abril de 2016.

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participantes afirmaram que o LEG contribuiu positivamente em sua formação e prática

docente. Este compromisso também se alinha com o Projeto Pedagógico da graduação, que

por sua vez tem como um de seus objetivos a formação de músico-educadores para atuar com

qualidade e excelência no cenário educacional (2014, p. 10).

Outro princípio comum foi a escolha por realizar as aulas do LEG em formato

coletivo, que conforme Azevedo Júnior afirma na entrevista, tinha o intuito inicial de

democratizar o acesso às pessoas que queriam estudar no projeto. No entanto, durante o

percurso essa escolha propiciou também a Aprendizagem Musical Compartilhada (AMC),

uma metodologia de ensino muito exitosa à medida que proporcionou interações, experiências

e compartilhamento de saberes valiosos entre os alunos (ALMEIDA, 2014). Tudo isso foi

possível uma vez que no LEG há o incentivo para uma relação colaborativa nos estudos, por

exemplo, frequentemente acontece de discentes mais experientes e também aqueles que foram

monitores do projeto mediarem aulas para uma turma menos experiente. Outro exemplo

comum era um discente ficar a frente de sua própria turma, mediando a construção dos

saberes entre o grupo.

4.1.2 A Aprendizagem Musical Compartilhada na formação do guitarrista

Tal como aponta Almeida (2014), é importante delimitar minimamente algumas

questões conceituais que diferenciam a Aprendizagem Musical Compartilhada (AMC) de

outra metodologia de ensino comum no Brasil e que também pressupõe princípios de

coletividade, o Ensino Coletivo de Instrumentos Musicais (ECIM).

Dialogando com Matos e Moraes (2012), Almeida (2014, p. 125) aponta que para

muitos autores a principal justificativa para o ECIM é obter um melhor aproveitamento do

tempo dos alunos e professores, bem como um melhor aproveitamento dos espaços

necessários às atividades. Nesta perspectiva, a interação entre os participantes não é

necessariamente essencial, é como se houvesse um ensino de caráter tutorial/ individual

acontecendo em grupo (Ibid., p. 122-123). Diferentemente, segundo Matos, Viana Júnior e

Fernandes (2012, p. 221), uma aprendizagem musical de caráter colaborativo pressupõe a

interação dos estudantes como fator essencial na construção ativa dos conhecimentos

musicais.

As ideias e teorias de Vygotsky (1998) sobre as relações e interações sociais,

desenvolvimento e aprendizagem constituem um material conceitual importante que nos

ajudam a compreender a amplitude e os benefícios dos processos interacionistas suscitados

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pela AMC. À luz do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) de Vygotsky, por

exemplo, evidencio que a partir da interação com pessoas mais experientes em um processo

de aprendizado o indivíduo pode realizar determinadas atividades que naquele momento não

conseguiria sozinho, despertando assim “vários processos internos de desenvolvimento” e que

depois de internalizados se tornarão partes das aquisições do seu desenvolvimento autônomo

e real (1998, p. 117-118).

Assim como na disciplina de Prática Instrumental de Sopros/ Madeiras do curso de

música da UFCA a proposta metodológica presente no LEG se afasta do conceito de Ensino

Coletivo de Instrumentos Musicais e se caracteriza como Aprendizagem Musical

Compartilhada (AMC) pelo fato de supor a interação social, a valorização da prática musical,

a aprendizagem ativa (ALMEIDA, 2014), a “colaboração em grupo, a solidariedade ao

ensinar e aprender para novamente (e sempre) ensinar aprendendo” (MATOS; MORAES,

2012, p. 37). Apesar de no início das atividades do LEG este aporte metodológico não estar

bem delimitado e o intuito principal do aspecto coletivo ser apenas o de ampliar o acesso ao

ensino de música, no decorrer de sua existência essas propostas foram se delineando e

fazendo parte de seu dia a dia, se constituindo um caminho favorável.

A partir do questionário online utilizado nesta pesquisa, um dos questionamentos tinha

o intuito de compreender se, do ponto de vista dos estudantes, houve uma contribuição em sua

aprendizagem a partir das interações entre professor-aluno e entre alunos-alunos presentes no

LEG. Dentre as respostas, gostaria de destacar duas delas que a meu ver revelam uma melhor

percepção da compartilha de saberes e do espírito colaborativo no grupo:

Sim, pois como a proposta é de um laboratório, não existem conceitos definitivos e cada nova opinião de diferentes indivíduos só aumenta as possibilidades de estudo do instrumento (Participante A).

A melhor forma de se aprender é vendo alguém tocar e poder perguntar sobre algum detalhe e ser respondido na hora, podendo tocar junto (Participante C).

Vemos mais uma vez o caráter laboratorial que o LEG assume na medida em que o

Participante A aponta que não existem conceitos definitivos e que os próprios alunos têm a

possibilidade de influenciar no ambiente de estudo a fim de contribuir positivamente na

aprendizagem do grupo. Esta visão do participante demonstra também que este tipo de

metodologia, por ser relativamente nova, ainda não é tão comum, a ponto de o mesmo dar a

entender que a influência dos discentes no processo educativo só ser permitida pelo fato do

LEG ser um laboratório. Podemos também confirmar que a AMC favorece a promoção de um

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aprendizado solidário entre o grupo, contribuindo consequentemente na formação humana dos

estudantes na medida em que suscita um espírito colaborativo.

A partir da valorização da interação social e de uma maior participação dos discentes

no processo educativo outro pressuposto que ganha força na AMC é a não centralidade no

papel do professor, uma vez que se busca um equilíbrio maior entre os processos de ensino e

de aprendizagem ativa. Nesse sentido, Almeida afirma:

Por meio de relatos de experiências e estudos apresentados nos encontros da área, é evidente, no que se denomina Ensino Coletivo de instrumentos musicais, a centralidade na ação de ensinar e, por conseguinte, na figura do professor. Não se pode, entretanto, depositar a importância do processo pedagógico somente na ação de ensinar e na figura do professor, assim como, não se deve segregar o ato de ensinar do de aprender [...] Com isto, não intento minimizar a atenção que se deve ofertar para a formação de professores para atuar nos contextos coletivos de ensino de música, mas evidenciar que o docente, mesmo sendo figura importante, não pode se reconhecer como o centro do processo educacional (2014, p. 121).

A oportunidade de os alunos mais experientes do LEG exercerem um papel de

orientação, mediando atividades em sala de aula, além de amadurecer e ampliar sua própria

experiência pedagógica também gera muitos benefícios para toda a turma. Inclusive, confirmo

a relevância deste tipo de oportunidade já que, a pedido do coordenador do projeto, tive a

valiosa experiência de estar à frente de aulas da turma em que eu participava bem como de

outra turma. Mais uma vez, como afirma Paulo Freire, “quem forma se forma e re-forma ao

formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado” (2002, p. 12). Segundo Matos,

Viana Júnior e Fernandes, essa visão de Freire é um dos pressupostos que dão sustentação à

aprendizagem colaborativa. Para os autores, o papel do professor nesta perspectiva “está mais

relacionado à coordenação das atividades propostas, sendo assim uma abordagem menos

centralizada na figura do docente, e valorizando mais as interações dos estudantes” (2012, p.

222).

Nessa orientação, as interações e a não centralidade na figura do professor suscitados

pela AMC contribuem significativamente para que os alunos de hoje e professores amanhã

possam amadurecer sua identidade docente desde as experiências discentes em sala de aula e

de uma reflexão crítica sobre tais experiências. Ademais, essas profícuas experiências podem

suscitar cada vez mais um processo de ensino e aprendizagem de guitarra em que as atitudes

mediadoras do docente valorizem a construção ativa do saber por parte dos estudantes. Ou

seja, na medida em que o docente estimula as interações e convida os discentes a contribuírem

com seus saberes e experiências prévias favorece decisivamente para a ecologia e construção

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de novos saberes, para despertar o gosto dos alunos pelo aprendizado e consequentemente

promovendo um processo educativo mais dinâmico, motivador e efetivo.

Além disso, para que a AMC tenha de fato um resultado positivo, é fundamental que

desde o início o docente conheça os objetivos dos alunos para que direcione bem as aulas, já

que está lidando com iniciantes e também com alunos experientes, fazendo com que a aula

seja interessante para todos.

4.2 A disciplina Guitarra Elétrica I (2016.1)

Agora abordarei sobre a disciplina optativa Guitarra Elétrica I, mais especificamente

sobre a que foi ministrada no período letivo de 2016.1.

O professor Ivânio fez algumas considerações importantes sobre a disciplina na fala

abaixo e que nos ajudará a compreender basicamente a sua proposta:

[...] apesar de ser uma disciplina de guitarra elétrica ela é teórica e prática, e o resultado de apreensão do conteúdo da disciplina por parte do aluno varia muito, ele vai apreender aquilo que para ele parece interessante, um cara que é instrumentista então ele vai pegar muita informação voltada especificamente do instrumento, para o cara que é apreciador, talvez ele se interesse mais por questões estéticas da história do instrumento e tal, então a disciplina está aberta para quem quiser, seria estudar a música a partir da guitarra, uns estudando música propriamente e outros fazendo mais reflexão estética (informação verbal).

Então, a disciplina está aberta não apenas para guitarristas, mas também para

apreciadores do instrumento, que geralmente têm interesse em realizar reflexões estéticas e

compreender melhor a prática musical e teórica a partir da guitarra elétrica. De qualquer

forma, para se matricular na referida disciplina o aluno precisa estar regularmente matriculado

no curso de Licenciatura em Música da UFCA.

Desde o início o professor Ivânio sugeriu aos alunos que escrevessem uma espécie de

síntese com comentários sobre cada aula e no decorrer do semestre postassem no grupo do

LEG no facebook a fim de gerar mais reflexões e debates, bem como para que tais postagens

também fossem utilizadas como uma forma de avaliação. Essa estratégia foi muito

interessante do ponto de vista pedagógico, fazendo com que os alunos revisassem o conteúdo

abordado e ainda criando espaço para novos debates, reflexões e compartilha de saberes na

rede social mencionada. Na primeira aula o professor também fez uma apresentação geral da

disciplina e dos objetivos da mesma.

Assim, além de utilizar os dados coletados através de observação e entrevista, resolvi

construir este tópico tendo como referência as próprias considerações dos alunos a respeito do

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ensino e aprendizagem de guitarra na disciplina. Portanto, a descrição e análise que se segue

das aulas foram realizadas utilizando também os comentários que os alunos postaram no

facebook.

Na primeira aula também foi realizada uma abordagem geral sobre o instrumento –

suas possibilidades e variedade timbrística, o uso de equipamentos e pedais de efeito, entre

outras questões – e, assim como no LEG, também foi abordada a sistematização do estudo da

guitarra em seis tópicos de acordo com Nelson Faria (2005-a, p. 02): conhecimento do braço,

técnica, leitura, harmonia, improvisação e repertório.

Em uma das notas publicada no grupo do LEG no facebook sobre a primeira aula da

disciplina – quarta-feira, dia 16 de março de 2016 –, um dos alunos destaca que houve uma

breve discussão sobre o que faz o músico ser musical e também mencionou que a disciplina

realmente ajuda a “pensar a música a partir da guitarra”74.

Outro aluno destacou que na primeira aula os discentes foram convidados a falar sobre

sua “formação musical, sobre a sua motivação em participar da disciplina e sobre suas

expectativas”75. Conhecer o perfil da turma desde o início é um importante passo para que o

docente consiga promover um ambiente educacional e social agradável e articulado com os

objetivos e saberes que os alunos trazem para a sala de aula.

Os diferentes tipos de guitarra elétrica e as variadas técnicas e formas de tocar o

instrumento foram abordadas na segunda aula, ministrada no dia 23 de março. Houve

utilização de vídeos para que a turma apreciasse a performance de diferentes guitarristas.

Após a aula o aluno B aproveitou o grupo do facebook para divulgar entre os colegas o

guitarrista Martin Taylor, que usa uma guitarra semiacústica e que toca na mesma postura que

os violonistas eruditos tocam, porém seu repertório é jazzístico. Sobre a importância da

apreciação na educação musical, França e Swanwick (2002, p. 37) nos apontam que a mesma

“nutre o repertório de ideias criativas e amplia os horizontes musicais”, sendo, assim, uma

atividade essencial para o desenvolvimento da musicalidade.

No dia 30 de março aconteceu a terceira aula da disciplina, momento em que foi

abordado sobre a importância de se ter um bom conhecimento do braço do instrumento – um

dos seis tópicos do Nelson Faria. Dentro deste tópico sobre o conhecimento do braço foi

abordado o uso do Sistema 5 (CAGED), ferramenta metodológica também utilizada no LEG

conforme vimos anteriormente.

74 Comentário postado no dia 18 de março de 2016 pelo aluno A. 75 Comentário postado no dia 29 de março de 2016 pelo aluno B.

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Alguns dos exercícios propostos na terceira aula foram: através de partitura pegar uma

melodia e em seguida tentar executar em outras regiões do braço e executar acordes nas várias

possibilidades de shapes de acordo com o CAGED. O aluno C76 apontou que a partir desta

aula ficou mais fácil fazer uma associação de ideias musicais entre o seu instrumento

principal, o trombone, e a guitarra elétrica.

Na quarta aula – dia 06 de abril – foi abordado o tópico harmonia, abrangendo os

conteúdos sobre campo harmônico maior e funções harmônicas. Mais uma vez foram

realizadas apreciações musicais em sala de aula. Comentando sobre a quarta aula através do

facebook, o aluno C compartilha sua perspectiva e experiência a respeito: “conhecer e saber

identificar as funções harmônicas de cada acorde nos dá mais fluência nos improvisos e nos

proporciona uma apreciação mais apurada ou até mesmo consciente de uma determinada

música ou improviso”77.

No dia 20 de abril aconteceu a quinta aula, momento em que houve uma continuação

dos estudos sobre o assunto harmonia funcional.

O tópico improvisação foi iniciado na sexta aula, no dia 27 de abril. Durante a aula foi

dada uma maior ênfase nos conteúdos sobre escalas e modos, sendo que os conhecimentos

sobre o braço do instrumento e sobre harmonia, trabalhados nas aulas anteriores, foram

essenciais para a continuidade fluente do aprendizado.

Na sétima aula, realizada no dia 11 de maio, houve a continuação do tópico

improvisação. Nesta aula o professor Ivânio abordou sobre o improviso programado,

indicando à turma que poderia pensa-lo, basicamente, por centro tonal (Horizontal), por

acorde (Vertical) ou com base no tema da música (improviso Temático).

Na oitava aula – dia 18 de maio – o professor Ivânio, além das explicações prévias

sobre o conteúdo, usou algumas videoaulas do guitarrista Nelson Faria abordando, entre

outros assuntos, a reharmonização e a utilização de acordes com função de retardar a

resolução harmônica. Também foram utilizados vídeos da performance de outros guitarristas

a fim de apreciar e analisar o fraseado e a sonoridade de cada um. O aluno D comenta a

respeito: “também vimos as diferentes resoluções de fraseados de guitarristas em estilos

diversos, como no jazz, fusion e rock, para percebermos as principais características de cada

um”78. 76 Comentário postado no dia 06 de abril de 2016 pelo aluno C. 77 Comentário postado no dia 20 de abril de 2016 pelo aluno C. 78 Comentário postado no dia 24 de maio de 2016 pelo aluno D.

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Na nona aula, que aconteceu no dia 25 de maio e que foi observada presencialmente

por este autor, o professor pediu para que os alunos, um de cada vez, respondessem diante da

turma: (1) qual a sua relação atual com a guitarra e, (2) de tudo o que já tinham visto na

disciplina durante o semestre, o que foi que realmente agregou aos seus conhecimentos.

Entre os principais aspectos destacados nas falas dos alunos estão: o conteúdo teórico

musical trabalhado, a facilidade e qualidade de acesso a conteúdos na disciplina – alguns

alunos mencionaram a dificuldade de encontrar material de estudo de qualidade antes de

ingressar no curso de música –, a organização e sistematização dos conteúdos.

No segundo momento da nona aula o professor Ivânio abordou novamente o tópico

improvisação buscando chamar a atenção da turma para vários aspectos, um deles foi o

desenvolvimento de ideias que soem musicais, ao invés de apenas ficar “subindo e descendo

escalas”. Foi então proposto um pequeno exercício no qual os alunos iam improvisando sobre

uma harmonia em Dó Maior e o professor, de acordo com as dificuldades e necessidades de

cada aluno, fazia as devidas intervenções e sugestões, além de instigar os outros alunos a

refletirem como agiriam caso fossem eles o professor naquela situação.

Uma observação importante realizada pelo professor nesse momento da aula e que

gostaria de mencionar é que, embora haja questões da técnica guitarrística que são padrões, no

final das contas cada guitarrista vai ter uma forma particular de se adaptar ao instrumento,

pois as diferenças anatômicas influenciarão nesse sentido.

Além de ter sido um momento para dialogar sobre questões musicais, técnicas e para

revisar o assunto de improvisação, agora de modo mais direcionado a cada aluno, esta

segunda parte da aula foi também um momento de orientação para aspectos do trabalho

docente, no qual o professor Ivânio exemplificou na prática aspectos pedagógicos do ensino

da guitarra, especialmente voltado para iniciantes no instrumento.

O professor ainda destacou dois aspectos que ele considera importantes e que o

docente precisa observar antes de iniciar um curso ou disciplina de guitarra. O primeiro seria

ter uma visão de totalidade do curso, organizando um programa de estudos tendo em vista o

curso como um todo, e o segundo aspecto seria a organização e preparação de cada aula.

Esses aspectos estão relacionados ao planejamento das aulas e são essenciais para a

estruturação do trabalho docente. Destaco ainda que, referente à organização de cada aula, o

professor organize e estabeleça previamente os seus objetivos específicos, conteúdos,

metodologias, atividades e critérios avaliativos.

O professor Ivânio também aponta que, mesmo realizando todo o planejamento do

curso e das aulas, é possível que surjam situações inesperadas, situações estas que devem

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gerar reflexões e fazer com que o docente busque soluções a fim de melhorar a sua prática: “o

inesperado e o inusitado na experiência docente na hora da aula é o que vai fazer você revisar

algumas coisas, que vai fazer você preparar o curso de um outro modo quando for repeti-lo,

por exemplo”.

Tal como no LEG, podemos perceber que a disciplina de Guitarra Elétrica I mantém

coerência entre a prática real do dia a dia e o que está previsto no Projeto Pedagógico, pois

está alinhada ao compromisso de formar profissionais bem qualificados para atuar na área da

educação musical. Além da parte musical desenvolvida, há constantemente o incentivo para

que os alunos desenvolvam habilidades de ensino, embora, ressalte-se, seja necessária a

consolidação dessas habilidades na própria prática docente, momento em que o habitus

professoral será decisivamente constituído.

Uma das propostas da disciplina, sugerida pelo professor Ivânio, foi que os próprios

alunos produzissem um recital para ser apresentado no final do semestre e o mesmo teria

caráter avaliativo. Os alunos da disciplina formaram uma banda, convidaram mais alguns

alunos do curso de Licenciatura em Música para fazer participações e a partir da aula do dia

01 de junho começaram a ensaiar para o recital, usando uma parte da própria aula para esta

finalidade. A banda contou com teclado, trombone, bateria, contrabaixo elétrico, guitarras e

vocal.

O aluno Bismark Matos – que também estava participando da disciplina – ficou

responsável por mediar os ensaios do recital, aspecto característico da Aprendizagem Musical

Compartilhada, pois possibilita uma maior interação social entre os alunos e uma participação

mais efetiva dos mesmos no processo educativo.

No dia do recital – 27 de junho – o professor Ivânio abriu a apresentação falando sobre

a disciplina Guitarra Elétrica I, que desta vez teve um cunho mais prático. O repertório

apresentado foi: Revelação (Raimundo Fagner), Sampa (Caetano Veloso), Hey Joe (Jimi

Hendrix) e Cocaine (Eric Clapton).

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Imagem 20 – Cartaz de divulgação do Recital da disciplina Guitarra Elétrica I

Fonte:

<https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1044527028967807&set=gm.1079006658836405&type=3&theater>.

O repertório que foi trabalhado e apreciado durante as aulas foi basicamente o mesmo

tipo ou estilo de repertório trabalhado e apreciado durante as aulas do LEG: jazz, rock, pop,

blues e música brasileira.

A disciplina de Guitarra Elétrica I abordou muito do que é abordado no LEG, mas

como o público destes dois contextos é diferente, não foi algo repetitivo. A disciplina também

teve um viés ainda mais focado na educação musical, abordando a guitarra como uma

ferramenta para a aprendizagem musical, uma vez que pertence à estrutura curricular formal

do curso de Licenciatura em Música. Já o LEG tem seu foco mais voltado para a performance

do instrumentista.

Também na disciplina de Guitarra Elétrica I percebemos que há espaço para que os

alunos tragam suas experiências e conhecimentos para a sala de aula, validando a experiência

enquanto formadora e transformadora no contexto educacional e contribuindo para a Ecologia

dos Saberes, já que está aberta a respeitar e dialogar com as múltiplas realidades.

4.3 A guitarra elétrica na Cariri Jazz Big Band

Embora a Cariri Jazz Big Band não seja especificamente um espaço de ensino e

aprendizagem de guitarra como o são o LEG e a disciplina de Guitarra Elétrica I, focadas

especificamente no instrumento e que têm um professor de guitarra para mediar os estudos, a

prática na Big Band é de muita relevância para o aprendizado e desenvolvimento do

guitarrista e por isso quero enfatizar algumas questões.

A primeira delas é a questão do repertório, onde o guitarrista tem acesso prático à

música brasileira, ao jazz, e até ao rock e ao pop. Os arranjos das músicas que serão ensaiadas

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pelo grupo são entregues antecipadamente a cada integrante e dependendo do tipo de arranjo e

para qual instrumento se destina o mesmo pode ser escrito em cifras e/ ou em partitura.

Assim, além de proporcionar o contato com obras consagradas por seu excelente

conteúdo musical, a Big Band é um espaço propício para se trabalhar na prática a leitura

musical, especialmente a leitura de partitura.

O fato da Big Band ser um grupo heterogêneo e propiciar uma série de relações sociais

entre os integrantes, seja durante os ensaios, nas viagens, etc., promove uma socialização e

compartilha de saberes que é fundamental para o desenvolvimento do músico, especialmente

porque o grupo é composto por integrantes experientes, inclusive alguns deles são professores

do curso de música, e outros menos experientes, cada qual com sua bagagem e saberes a

oferecer.

Na Big Band a performance é um dos pontos fortes e com base nas ideias de

Swanwick (1979), é nela “que o fazer musical de fato se consuma, gerando prazer e uma

experiência estético musical significativa” (PINHEIRO, 2014, p. 31). A performance é uma

atividade fundamental não apenas para o ensino e aprendizagem de instrumentos musicais,

mas para a educação musical de forma ampla.

Inclusive, os momentos de preparação da performance são especiais para se abordar e

trabalhar questões interpretativas e expressivas, trabalhar aspectos musicais, como por

exemplo, andamento, dinâmicas, fraseado, técnicas diversas, sonoridade, etc.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo final irei apresentar os resultados principais da pesquisa, fomentando as

práticas pedagógicas e metodológicas que foram consideradas fundamentais para um ensino

de música democrático e contemplando assim o objetivo geral. Um detalhe a ser considerado

é que tentei priorizar práticas pedagógicas e metodológicas ao invés de abordar

detalhadamente sobre conteúdos, pois acredito que no momento esta abordagem se fazia

necessária por ser mais elementar.

A partir da narrativa das histórias de vida no terceiro capítulo tivemos conhecimento

de vários aspectos históricos relevantes envolvendo a guitarra elétrica no triângulo

CRAJUBAR, por exemplo, nomes de guitarristas, bandas da região que tinham em sua

formação a guitarra elétrica, principalmente bandas de baile e bandas de rock – autoral ou

cover –, as principais marcas de guitarra que circulavam na região, como os agentes tinham

acesso a instrumentos e materiais de estudo, etc.

Ademais, os entrevistados foram sujeitos da experiência e o sucesso de suas histórias

de vida está muito relacionado ao fato de terem passado por variados contextos, situações e

relações.

A praxiologia do sociólogo Pierre Bourdieu nos ajudou a tomar consciência da

importância das relações sociais na formação dos agentes e na constituição do seu habitus,

que vai sendo formado durante toda uma vida e em instâncias formativas diversas. Apesar de

a socialização primária familiar ter atuado de forma muito relevante na constituição do

habitus musical dos agentes, especialmente na infância, tanto a socialização primária quanto a

socialização secundária exerceram papéis únicos e essenciais na formação dos mesmos,

munindo-os de disposições que tem guiado suas práticas.

Ainda percebemos o surgimento de um subcampo musical guitarrístico no

CRAJUBAR a partir da atuação dos guitarristas nos diversos tipos de bandas, em festivais de

música, shows, produzindo e gravando, entre outras situações e contextos, o que gerou uma

demanda que possibilitou com que o ensino e aprendizagem do instrumento fossem

legitimados institucionalmente na UFCA. E vale ressaltar que através da pesquisa também

fica claro que a guitarra elétrica é um instrumento legítimo para a educação musical.

Assim, a partir das histórias de vida também pude refletir sobre questões que

envolvem o ensino e aprendizagem da guitarra. Os entrevistados apresentam em grande parte

processos formativos semelhantes e posso destacar algumas práticas relevantes: composição –

em sentido amplo –, “pegar músicas de ouvido” e performance ativa no cenário musical da

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região. Estas práticas mencionadas nos remete aos parâmetros que são pilares do Modelo

C(L)A(S)P do educador Swanwick – Composição, Apreciação Musical e Performance.

Dos cinco guitarristas entrevistados apenas o Cleivan Paiva estudou música em uma

instituição de ensino formal, mas foi na cidade de São Paulo e durante pouco tempo, ou seja,

o estudo musical dos entrevistados se deu praticamente apenas em contextos informais, nos

quais as relações sociais e práticas informais foram fundamentais para a constituição do seu

habitus musical e guitarrístico.

No entanto, apesar da validade das experiências e práticas informais no aprendizado

musical dos agentes, quando pensamos numa educação musical ampla e democratizante

entendemos que há também a necessidade de um processo educacional orientado e

transformador, já que as condições socioculturais dos agentes nem sempre possibilitam

acessos democráticos à arte e à cultura.

Ademais, abordar sobre o ensino e a aprendizagem de guitarra elétrica a partir de

algumas histórias de vida e a partir do curso de música da UFCA é uma tentativa de gerar

reflexões e saberes considerando tanto práticas informais como também práticas mais

recorrentes na academia e consideradas formais, visando uma integração destes saberes e uma

visão mais ampla das práticas no campo pesquisado.

Nesse sentido, as experiências e práticas informais de aprendizagem podem contribuir

para o ensino formal – de nível básico ou superior – na medida em que for realizada uma

Ecologia de Saberes, considerando os saberes científicos e sistematizados e os saberes

populares e informais como complementares. De fato, no contexto educacional há uma

riqueza e multiplicidade de saberes que os alunos, professores e músicos trazem de suas

vivências e experiências e que podem fazer diferença se forem bem aproveitados. Vale

lembrar que o fato de dialogar e considerar os saberes trazidos pelos alunos não implica

permanecer somente neles, é necessário que o processo educacional amplie seu universo

musical, lhes fornecendo os instrumentos de percepção necessários para o domínio dos

códigos culturais musicais a fim de promover o acesso democrático à arte e à cultura. Assim,

a ecologia entre saberes formais e saberes informais pode nos conduzir a um processo de

ensino e aprendizagem de música mais democrático, dinâmico e motivador.

Defendo, então, um currículo construído com base na Ecologia dos Saberes. E destaco

mais uma vez que um currículo ecologizante está aberto a dialogar com as demandas que

emergem de seu entorno. No caso do ensino e aprendizagem de guitarra elétrica na UFCA

percebemos uma forte tendência nesse sentido, pois está aberto a dialogar com os saberes

populares e com os agentes do campo musical da região. Os convites realizados aos músicos

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Cleivan Paiva e Jocean Donelardy para ministrarem aula e workshops na universidade, a

Aprendizagem Musical Compartilhada no LEG, entre outros aspectos, são bons exemplos

disso. Reforço ainda que este currículo precisa ter um caráter processual para que esteja em

constante renovação.

Por isso é tão importante a reforma do pensamento mencionada por Moraes (2008),

para que compreendamos e saibamos lidar com a diversidade e com as adversidades, enfim,

com as múltiplas realidades, respeitando a integralidade do ser humano. E a Ecologia dos

Saberes caminha exatamente nesse sentido, buscando promover uma reconstrução dos

saberes.

De maneira mais geral, a partir da análise dos dados de todas as entrevistas,

documentos e aulas observadas, constatei vários aspectos e práticas que propiciou uma

reflexão sobre o ensino e a aprendizagem de guitarra no triângulo CRAJUBAR. E de maneira

mais específica, a pesquisa sobre o ensino e aprendizagem de guitarra elétrica no curso de

Licenciatura em Música da UFCA possibilitou identificar algumas características e práticas

que considero extremamente desejáveis, alcançando, assim, o segundo objetivo específico.

Vejamos.

O caráter laboratorial e a flexibilidade curricular do LEG demonstram que o mesmo

está aberto a novas experiências e propostas pedagógicas. Essas características estão em

sintonia com a primeira atitude apontada por Maura Penna para a construção de uma

educação musical democratizante.

Algo muito valioso para a pesquisa foi identificar a presença da Aprendizagem

Musical Compartilhada no contexto do LEG, que mesmo tendo sido inserida de forma muito

pragmática tem revelado avanços significativos no ensino e aprendizagem de guitarra aqui

estudado. Tal proposta metodológica pode ser utilizada não apenas no ensino e aprendizagem

de guitarra, mas também em outros contextos coletivos de educação musical, buscando um

diálogo e uma ecologia maior entre os saberes sistematizados e os saberes informais que os

alunos trazem de suas experiências cotidianas.

Ressalte-se que não quero dizer que não deva haver uma autoridade pedagógica por

parte do docente, defendo apenas que esta autoridade pedagógica não seja arbitrária, mas que

esteja aberta e pautada pelos pressupostos democráticos mencionados nesta pesquisa a fim de

fomentar uma participação ativa e responsável por parte dos alunos no processo de ensino e

aprendizagem formal.

Enfatizo a necessidade desta Ecologia de Saberes na atual situação educacional em

que vivemos, pois este autor inclusive é testemunha do quanto as experiências fora da

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academia ao se conectarem com os saberes acadêmicos sistematizados podem potencializar o

processo de ensino e aprendizagem. Ter vivenciado metodologias que valorizam os saberes

prévios dos alunos me fez experienciar uma série de processos formativos que têm sido

fundamentais para minha atuação em sala de aula.

Além de atuar com muita qualidade na formação musical dos guitarristas, o LEG e a

disciplina de Guitarra Elétrica I têm sido importantes espaços para a formação docente dos

mesmos, cumprindo com o compromisso de incentivar os discentes a desenvolverem

habilidades de ensino e dialogando, assim, com o objetivo de formação de músico-educadores

do curso de Licenciatura em Música. Excepcionalmente em algumas ocasiões do LEG pode

haver a formação de um habitus professoral em alguns discentes devido a possibilidade que

eles tem de mediarem atividades, tendo como pressuposto a Aprendizagem Musical

Compartilhada. Porém, ressalto que ainda assim é imprescindível que estes guitarristas

também atuem em sala de aula para que, assumindo o papel de docente, essa prática possa

ampliar seu habitus professoral de forma efetiva. Pois, embora o LEG e a disciplina de

Guitarra Elétrica sejam fundamentais para sua formação pedagógica, nestes contextos se dá

preponderantemente ou exclusivamente a ampliação de um habitus estudantil, que sem

dúvidas é importante, mas não descarta a prática docente propriamente dita.

O trabalho apresentou uma interessante organização dos estudos da guitarra a partir de

seis tópicos: conhecimento do braço, técnica, leitura, harmonia, improvisação e repertório. Tal

organização permite um estudo muito abrangente, consciente e que mantém essa divisão para

ser mais didático, porém tal divisão não deve ser rígida, pois os tópicos precisam manter

relação entre si.

A partir dessa organização em seis tópicos e com base nos espaços pesquisados

sugerimos a utilização das seguintes práticas pedagógicas e recursos metodológicos: Sistema

5 (CAGED), apreciação musical, “pegar músicas de ouvido”, transcrição em partitura,

composição – em sentido amplo –, estudo e performance de repertório que contemple uma

ampla variedade de gêneros e estilos musicais, desde a música popular até a erudita, utilização

de metrônomo, playbacks, áudios, vídeos, videoaulas e gravação musical.

O Sistema 5, também conhecido como CAGED, é uma metodologia que permite

maior eficácia e eficiência no mapeamento do braço do instrumento. Pode ser utilizado para o

estudo de acordes, arpejos e escalas, fornecendo ao instrumentista uma ampliação

significativa do seu repertório de ideias harmônicas e melódicas. No entanto, para estudos

mais avançados recomendamos que o estudante não se limite a pensar apenas por shapes.

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Destaco também os parâmetros Composição, Apreciação e Performance do Modelo

C(L)A(S)P como fundamentais no ensino e aprendizagem de guitarra, gerando uma

experiência direta com o fazer musical e desenvolvendo habilidades musicais essenciais.

Como já mencionado, práticas semelhantes a estes parâmetros foram verificadas nos estudos e

vivências dos agentes entrevistados, porém de uma forma muito pragmática e não

sistematizada.

Sobre o termo Composição, em sentido amplo, estamos englobando uma série de

atividades criativas, desde compor uma nova música, produzir arranjos para músicas já

existentes – re-harmonizando ou não –, até a improvisação. Tais atividades permitem que os

alunos organizem e comuniquem seu pensamento musical.

Destaque para a improvisação como uma das atividades criativas que mais aproximam

o aluno do fazer musical e como forma de apropriação musical, contribuindo para que o

estudante crie seu próprio discurso de maneira mais espontânea e para o desenvolvimento de

sua percepção auditiva e criatividade. A prática de improvisação pode ser estudada com base

nas seguintes abordagens: improvisação Temática, Vertical e/ ou Horizontal. Sugiro ainda

que, buscando expandir o universo musical dos guitarristas, a improvisação não seja

trabalhada apenas nos moldes tonais.

A integração entre a prática de “pegar músicas de ouvido” – geralmente considerada

informal – e a prática da escrita musical através da transcrição das músicas aprendidas –

considerada formal – é uma possibilidade interessante e desejável. Inclusive, este é mais um

exemplo no qual dois tipos de prática, uma formal e outra de caráter mais informal, podem ser

trabalhadas de maneira complementar e proporcionando uma Ecologia dos Saberes. Em

tempo, também é fundamental trabalhar com músicas escritas na partitura para que o aluno

exercite a leitura, contemplando assim tanto a escrita quanto a leitura musical.

A prática de “pegar músicas de ouvido” contribuirá para o desenvolvimento da

percepção musical; e o domínio da leitura e escrita, bem como o conhecimento de teoria

musical, são competências cada vez mais exigidas no mercado musical atual e são uma

aquisição cultural fundamental para uma formação musical consistente. Uma boa percepção

aliada ao conhecimento musical teórico e à capacidade de leitura e escrita certamente

ampliará a experiência musical do estudante de modo que desenvolva esquemas mais

sofisticados de apreensão da linguagem musical.

Na disciplina de Guitarra Elétrica I ministrada no período letivo de 2016.1 houve

momentos exclusivamente reservados para a preparação da performance de um repertório que

foi apresentado no recital de final de semestre. Os momentos de preparação são muito

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oportunos para que o docente oriente os estudantes sobre aspectos interpretativos e

expressivos, dinâmicas, fraseado, sonoridade, técnica, etc., e ainda para abordar sobre

aspectos históricos envolvendo a obra, o compositor, etc. No ensino e aprendizagem do

instrumento é interessante que haja a promoção de variados momentos de performance para

que os guitarristas se apresentem diante de um público e assim aprendam também a lidar com

o nervosismo, com a ansiedade e com outras questões inesperadas.

A Cariri Jazz Big Band da UFCA também tem sido um espaço propício para que

sejam colocadas em prática questões como improvisação, estudo de repertório – geralmente

jazz e música brasileira – e performance. Porém, sua limitação é que somente um aluno

guitarrista é que tem a possibilidade de tocar no grupo durante o período de um ano.

Sobre a escolha do repertório, além de considerar as experiências prévias dos alunos, é

importante que o mesmo forneça novas experiências. Assim, a sugestão de inclusão do

repertório erudito no ensino e aprendizagem de guitarra tem a finalidade de ampliar os

conhecimentos e universo musical dos guitarristas, democratizando o acesso a esse tipo de

repertório.

Defendo a construção de uma educação musical ampla e transformadora que estimule

o processo de familiarização tanto da música erudita, inclusive a música contemporânea,

quanto da música popular – valorizando inclusive obras de músicos da região, já que há rica

produção musical. Tal repertório poderá ampliar a nossa concepção de música e mais uma vez

vale a pena citar as duas atitudes renovadoras apontadas por Penna para uma educação

musical democratizante e que refletem o que defendemos aqui: (1) “faz-se necessária a

disposição de buscar e experimentar alternativas, de modo consciente” e (2) “faz-se

necessário encarar a música em sua diversidade e dinamismo” (2012, p. 28).

Sobre o ensino e aprendizagem de guitarra em nível superior e tendo em vista o atual

mercado de trabalho cada vez mais diversificado, possibilitar um acesso de qualidade a uma

ampla variedade de gêneros musicais na graduação me parece algo necessário. Ademais, no

repertório podemos aplicar na prática questões estudadas em outros tópicos, como por

exemplo, técnica, improvisação, leitura, etc.

Sobre a utilização de recursos metodológicos, destaco os seguintes: metrônomo,

playbacks, áudios, vídeos, videoaulas e incentivo à gravação. Sugiro apenas que, a gravação

da performance do aluno possa ser também realizada durante a própria aula, a fim de que haja

maior interação do professor com o aluno para explorar ao máximo as possibilidades

pedagógicas que esse recurso oferece.

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Outra prática que merece destaque foi o uso do espaço do facebook para que os alunos

comentem sobre o que foi estudado nas aulas da disciplina de Guitarra Elétrica I. Além de ser

uma forma de relembrar os conteúdos trabalhados em sala, pode gerar novos debates,

reflexões e a compartilha de saberes e informações.

Estas são algumas práticas pedagógicas e metodológicas e recursos possíveis ao

ensino e aprendizagem de guitarra elétrica que destaco como coerentes ao ensino de música

democrático que propus.

Relembro que o curso de Licenciatura em Música da UFCA, ao qual os ambientes de

ensino e aprendizagem de guitarra pesquisados estão relacionados, não tem teste de

habilidades, gerando características bem peculiares, por exemplo, o ingresso de alunos que

nunca haviam estudado música. Então é preciso estar atento a este detalhe, pois, embora não

sejam restritas apenas a este contexto específico, a escolha e a maneira como as práticas

pedagógicas e metodológicas pesquisadas nesse trabalho são desenvolvidas está atrelada ao

seu contexto. Assim, é sempre recomendável que, ao serem exploradas em outros contextos,

inclusive na Educação Básica, haja um estudo prévio para que tais práticas sejam utilizadas de

forma contextualizada e coerente.

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APÊNDICE A – ROTEIRO UTILIZADO NAS ENTREVISTAS PARA

ELABORAÇÃO DAS HISTÓRIAS DE VIDA E PARA A PESQUISA SOBRE O

ENSINO E APRENDIZAGEM DE GUITARRA ELÉTRICA NO TRIÂNGULO

CRAJUBAR - CE

1 – Como se deu seu aprendizado inicial com a música? (com qual instrumento, teoria

musical, leitura e escrita de partitura, solfejo, etc.).

2 – Como se deu seu aprendizado inicial na guitarra elétrica? (sozinho, em escola, com

professor particular ou outra forma).

3 – Há um motivo específico porque você optou iniciar seus estudos na guitarra elétrica desta

forma? (autodidata, com professor particular ou em escola).

4 – Fale um pouco como é sua rotina enquanto estudante de música/ guitarra elétrica (ensaios,

estudos individuais, aulas, reuniões, etc.).

5 – Você já estudou guitarra elétrica utilizando métodos, livros, vídeo-aulas ou a internet?

Fale um pouco a respeito.

6 – Em média, quantas horas você dedica ao estudo do instrumento (guitarra) por semana?

a) [ ] Até uma hora

b) [ ] De 1 a 2 horas

c) [ ] De 2 a 3 horas

d) [ ] De 3 a 4 horas

e) [ ] De 4 a 5 horas

f) [ ] Mais de 5 horas

7 – Por quais motivos não dedica mais tempo ao estudo do instrumento?

8 – O que te levou a escolher a guitarra elétrica como principal instrumento?

9 – Em quais atividades você atua enquanto músico/ guitarrista? Trabalha profissionalmente

com música?

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10 – Você toca guitarra elétrica em bandas, na noite ou em outra formação musical em grupo?

11 – Você ministra aulas de guitarra elétrica?

12 – Como é a formatação das aulas que você ministra? Individuais ou Coletivas? Por quê?

13 – Que tipo de métodos/ metodologias você utiliza com seus alunos?

14 – Quais materiais (livros, apostilas, áudios, vídeos) você utiliza com seus alunos?

15 – Quais conteúdos e aspectos pedagógicos (técnica, improvisação e composição,

repertório, etc.) você aborda com seus alunos de guitarra elétrica?

16 – Que tipo de repertório você trabalha com seus alunos? (Cite alguns exemplos, por favor).

[ ] Pop e Rock

[ ] MPB

[ ] Jazz

[ ] Blues

[ ] Música Erudita

[ ] Outros. Quais:

17 – Qual a sua opinião sobre o repertório que pode ser trabalhado na prática de guitarra

elétrica e o motivo?

18 – Quais as principais dificuldades que você encontra enquanto professor de guitarra

elétrica?

19 – Qual o guitarrista mais antigo do Cariri ou CRAJUBAR que você conhece?

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APÊNDICE B – TERMOS DE ESCLARECIMENTO E AUTORIZAÇÃO DO USO

DAS FALAS DOS SUJEITOS DA PESQUISA

TERMO DE ESCLARECIMENTO E AUTORIZAÇÃO DO USO DAS FALAS DOS

SUJEITOS DA PESQUISA

O trabalho de dissertação a que se refere o presente termo tem como título: O ENSINO E

APRENDIZAGEM DE GUITARRA ELÉTRICA NO TRIÂNGULO CRAJUBAR, e tem como

objetivo geral analisar em que medida o ensino e aprendizagem de guitarra elétrica nos ambientes

formais e não-formais de ensino de música no Cariri cearense pode contribuir para a democratização

do acesso à arte e à cultura. Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo e faremos uso de

entrevistas semiestruturadas para a coleta de informações. Para tanto, será utilizado um roteiro de

perguntas para entrevistar alguns guitarristas e professores de guitarra elétrica. Após gravadas, as

entrevistas serão transcritas e, se necessário, se dará um tratamento, sem que o conteúdo e contextos

sejam modificados.

Caso seja necessário o entrevistado será identificado pelo seu verdadeiro nome e/ ou apelido durante o

trabalho, pois em alguns casos esta informação será essencial para a reconstituição de históricos e

contextualização de toda a pesquisa.

É importante sua participação para esse processo como sujeito da pesquisa. Para que tal ocorra faz-se

necessário sua assinatura abaixo, autorizando o uso dos dados coletados em sua fala. Como

pesquisador, agradeço por sua colaboração.

Juazeiro do Norte, ____ de _____________________ de 2016.

____________________________________________ CICERO WAGNER OLIVEIRA PINHEIRO

PESQUISADOR

__________________________________________________ ENTREVISTADO

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