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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE EDUCAÇÃO PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Antônio Carlos da Costa e Silva O TRABALHO COMO FORMAÇÃO E DEFORMAÇÃO DO HOMEM NOS MANUSCRITOS DE 1844 DE KARL MARX Fortaleza 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Antônio Carlos da Costa e Silva

O TRABALHO COMO FORMAÇÃO E DEFORMAÇÃO DO HOMEM NOS MANUSCRITOS DE

1844 DE KARL MARX

Fortaleza

2012

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ANTÔNIO CARLOS DA COSTA E SILVA

O TRABALHO COMO FORMAÇÃO E DEFORMAÇÃO DO HOMEM NOS MANUSCRITOS DE

1844 DE KARL MARX

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em

Educação, do Programa de Pós-Graduação em

Educação Brasileira, da Universidade Federal do Ceará,

como requisito parcial à obtenção de título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Ferreira Chagas.

Coorientador: Prof. Dr. José Rômulo Soares.

Fortaleza

2012

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Federal do Ceará

Biblioteca de Ciências Humanas

S578t Silva, Antônio Carlos da Costa e. O trabalho como formação e deformação do homem nos manuscritos de 1844 de Karl Marx /

Antônio Carlos da Costa e Silva. – 2012.

102 f. , enc. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação, Programa de

Pós-Graduação em Educação Brasileira, Fortaleza, 2012.

Área de Concentração: Educação.

Orientação: Prof. Dr. Eduardo Ferreira Chagas.

Coorientação: Prof. Dr. José Rômulo Soares.

1.Marx,Karl,1818-1883 – Crítica e interpretação. 2.Propriedade privada. 3.Trabalho. 4.Alienação

(Filosofia). I. Título.

CDD 335.41

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ANTONIO CARLOS DA COSTA E SILVA

O TRABALHO COMO FORMAÇÃO E DEFORMAÇÃO DO HOMEM NOS MANUSCRITOS DE 1844 DE KARL MARX

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em

Educação, do Programa de Pós-Graduação em

Educação Brasileira, da Universidade Federal do Ceará,

como requisito parcial à obtenção de título de Mestre.

Aprovada em _____/_______/_______.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________ Prof. Dr. Eduardo Ferreira Chagas (Orientador)

Universidade Federal do Ceará - UFC

_________________________________ Prof. Dr. Hildemar Luiz Rech (Examinador)

Universidade Federal do Ceará - UFC

_________________________________ Prof. Dr. José Rômulo Soares (Coorientador)

Universidade Estadual do Ceará - UECE

_________________________________ Profª. Drª. Lucíola Andrade Maia

Universidade Estadual do Ceará - UECE

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A minha mãe Otília Costa, a minha

esposa Francirene e ao meu filho João

Carlos que são para mim incentivos em

todos os momentos de minha vida.

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AGRADECIMENTOS

A Deus que sempre me ilumina e guia, dando-me força para trilhar essa caminhada.

Ao meu orientador Prof. Dr. Eduardo Ferreira Chagas por quem tenho um verdadeiro

apreço, pela contribuição de seus conhecimentos e experiência que com seu rigor

cientifico e zelo pelo saber dos educandos, com paciência e serenidade conduziu essa

orientação, não obstante seu grande número de orientandos e outras atividades

profissionais.

Ao Prof. Dr. José Rômulo Soares que tão gentilmente aceitou a coorientação desse

trabalho com preciosas sugestões, indicação e empréstimo de livros, fazendo as devidas

críticas teóricas sem imposições ideológicas.

Aos meus professores do mestrado em especial ao Prof. Dr. Hildemar e aos demais

membros-examinadores que participaram das bancas de qualificação e de defesa, pelo

cuidado com que leram meu trabalho e pelas críticas e sugestões que fizeram para

melhorá-lo. .

Ao amigo e incansável incentivador Pe. Emílio Castelo, que nunca mediu esforços para

me ajudar em todas as horas.

Aos meus amigos (as) de trabalho e aos companheiros (as) do eixo Filosofia, Política e

Educação pelo incentivo e força, por sempre acreditaram em mim e nos meus esforços.

A todos os professores, funcionários e a todos aqueles e aquelas que direta ou

indiretamente colaboraram para a realização deste trabalho.

Às Prefeituras de Fortaleza e de Maracanaú, através de suas respectivas Secretarias de

Educação, que me concedeu liberação para cursar o Mestrado Acadêmico em Educação,

e possibilitou dedicação exclusiva sem a qual não teria sido possível realizar esse

estudo.

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“O trabalho não é suscetível nem de

acumulação, nem mesmo de poupança,

diferentemente das verdadeiras mercadorias.

O trabalho é a vida, e se a vida não se

permutar todos os dias por alimento, sofre e,

em seguida, perece.”

Karl Marx.

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RESUMO

Esta pesquisa; objetivou investigar o duplo caráter do trabalho em Marx como formador

e deformador do homem nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, de 1844. Para

realização da referida pesquisa, qualitativa, bibliográfica e documental, utilizou-se a

análise imanente da obra supracitada, pelo método diátetico-critico-reflexivo. Este

estudo teve o intuito de averiguar a questão da propriedade privada como condição do

trabalho negado, na medida em que investigou a crítica de Marx tanto à Economia

Política quanto a Hegel e à sua dialética. Assim, procurou-se mostrar que a reflexão de

Marx nos Manuscritos de 44 comporta esse duplo caráter do trabalho como

negação/deformação do homem no trabalho estranhado (atividade de subsistência e de

satisfação imediata, como fator de desumanização do homem). Assim sendo, o trabalho

não representa uma atividade na qual o homem se educa e se forma material e

espiritualmente, mas um meio em que se estranha em sua natureza, daquilo que produz,

da sua atividade e de si mesmo. Por outro lado, vimos o conceito positivo de trabalho

como atividade afirmativa da vida e da existência da pessoa e seu caráter social. Para

Marx, o homem se realiza no trabalho na medida em que objetiva as suas forças

essenciais, como resultado previamente estabelecido pela consciência antecipadora da

sua vontade crítica, e recupera o seu caráter genérico/universal. Conclui-se que, para

Marx, o trabalho é na sua essência uma atividade criadora (formadora) do homem, ao

mesmo tempo em que, na sociedade capitalista, baseada na propriedade privada dos

meios de produção, o trabalho se transformou em atividade de negação do homem, ou

seja, negação da formação humana.

Palavras-chave: Propriedade Privada. Trabalho Estranhado. Formação. Deformação.

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ABSTRACT

The research that gives a particular shape to this dissertation had as its goal to

investigate Marx’s double perspective of work in his Economic Philosophic

Manuscripts of 1844, viz, labor as former and deformer of man. In order to carry on

this qualitative, biographic and documentary research, the task was based on an

immanent analysis of the aforementioned document by the use of the dialectic-critical-

reflexive method. The study was aimed at evaluating the issue of private propriety as a

condition to negated labor in so far as it investigates Marx’s critical appraisal not only

of Political Economy but also of Hegel’s dialectics. In this way the research tries to

show that Marx’s reflection in the 1844 manuscripts allows for that double perspective

of labor as a negation/deformation of man within estranged labor (activity of

subsistence and immediate satisfaction as a factor of man’s

dehumanization). Therefore, labor does not represent an activity by means of which

man educate and form himself materially and spiritually, but as an instrument that

alienates him from his production, his activity, even from himself. On the other hand,

one sees the positive concept of labor as an affirmative activity that validates life and

the individual within a social framework. Marx propounds that man asserts himself in

his job as far as it objectifies his essential strength that is a previously established output

engendered by an anticipating awakening of his critical will and in this fashion releases

its generic/universal appeal. One concludes then that for Marx, labor is essentially a

creative activity (forming) for man, while in the capitalist society which is based on

private propriety of the means of production, labor is changed into a tool for negation of

man and denial of human formation.

Keywords: Private Propriety, Estranged Work, Formation, Deformation

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................................... 11

1 A PROPRIEDADE PRIVADA COMO CONDIÇÃO DO TRABALHO / NEGADO E

DEFORMADOR DO HOMEM. .................................................................................................... 18

1.1 A Origem da Propriedade Privada e as Concepções de Trabalho antes de Marx. ........................ 22

1.2 Influência de Hegel e dos Economistas Clássicos sobre o Pensamento de Marx. ......................... 30

1.3 A Propriedade Privada no Contexto da Sociedade Burguesa. ........................................................ 33

2 TRABALHO ESTRANHADO EM MARX ................................................................................... 37

2.1 Aspectos Negativos do Trabalho .................................................................................................... 37

2.2 – O Trabalho como Produção da Existência ................................................................................... 40

2.3 Quando o Trabalho se Torna Negação: Trabalho Estranhado ........................................................ 44

2.4 A Diferença entre Alienação e Estranhamento ............................................................................. 52

3.5 As Determinações do Trabalho Estranhado .................................................................................. 55

2.5.1 O Produto do Trabalho ................................................................................................................ 55

2.5.2 O Ato da Produção ...................................................................................................................... 56

2.5.3 O Ser Genérico ............................................................................................................................ 58

2.5.4 O Trabalhador e os demais Seres Humanos ................................................................................ 60

3 O CONCEITO POSITIVO DO TRABALHO. ............................................................................. 63

3.1 A Influência Positiva de Hegel - A Positividade Hegeliana do Trabalho como Formação da

Consciência. ...................................................................................................................................... 64

3.2 Crítica aos Limites do Conceito de Trabalho em Hegel................................................................ 69

3.3 - Crítica Marxiana à Economia Política. ......................................................................................... 75

3.4. Positividade em Marx (Método da Inversão) ................................................................................ 79

3.4.1 A Relação do Trabalho com o Produto. ....................................................................................... 80

3.4.2 O Trabalho Constrói o Produto. ................................................................................................... 81

3.4.3 O Homem se Vê em Feixe de Relações. ...................................................................................... 82

3.4.4 Possibilita o Homem Ter Relações com o Outro. ........................................................................ 83

3.5 - Positividade do Trabalho com a Educação. .................................................................................. 85

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................... 93

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................................... 98

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INTRODUÇÃO

Ao completar 168 anos, a obra Manuscritos Econômico-Filosóficos, 1 esta pérola

marxiana, continua atualíssima e revolucionária. O contexto atual de mais uma crise do

capitalismo pós-industrial e de globalização dos mercados põe na pauta do dia a discussão

sobre a alienação do trabalho e da sua superação rumo à emancipação humana. A ebulição

sócio política e econômica mundial no presente, sem poupar nem mesmo as “grandes

potências”, como exemplo as últimas manifestações nos Estados Unidos do “ocupe Wall

Street”, a crise na zona do Euro e a chamada “Primavera Árabe”, bem figura que “tudo o que

era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são

finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações

recíprocas”. (MARX, 1990, p. 69).

Portanto, neste âmbito de crise do capitalismo mundial, sob o signo do domínio

das estruturas desumanas e mortíferas do capital, se impõe o debate sobre a dupla

determinação do trabalho, e esta providência histórica não está esgotada. O capitalismo não é

o sistema da emancipação humana porque sua “racionalidade” econômica e social é perversa

e “irracional” e sua proposta moral e social de liberdade/felicidade é ilusória, individualista e

egoísta.

Por isto, atualmente, quando se advoga o fim do trabalho e da sua centralidade,

para entender a sociabilidade e a emancipação humana, em autores como Offe (1989), Gorz

(1982) ao contrário deles ficamos com a posição confirmativa do trabalho, pois o trabalho,

continua sendo a atividade que ainda mais ocupa a maior parte da humanidade. Quase sempre,

porém ele é entendido como atividade precária, mal remunerada, alienada/estranhada, em que

os trabalhadores produzem as riquezas, mas não decidem o que produzem nem para quem

produzem, a que preço e outros aspectos da produção.

______________________

1 Os Manuscritos Econômico-Filosóficos também são conhecidos como Manuscritos de Paris ou Manuscritos

de 1844. Ao longo do texto, o leitor encontrará todas estas formas de nomenclatura referentes aos Manuscritos.

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Desconhecer essa realidade ou subestimá-la é situar-se fora do mundo real das

pessoas. Não por acaso as políticas que mais “distribuem renda” – confirmadas pelo processo

brasileiro – estão associadas com aumentos de salários, em particular, do salário mínimo, de

tal forma que as atividades de trabalho são centrais para a sobrevivência das pessoas.

Se as atividades humanas não podem ser reduzidas às do trabalho na realidade,

elas cruzam a vida de praticamente todos: negros, índios, mulheres, idosos, crianças

(infelizmente) trabalham. Há, contudo, um grande beneficiário, o dono do capital que, por sua

vez, vive do trabalho alheio.

Por isso, as atividades do mundo do trabalho e tudo o que as envolve têm que

voltar a ser preocupação central dos governos democráticos, dos movimentos populares, do

pensamento crítico e de todos os que lutam pela emancipação humana. Desta forma, as

relações do trabalho continuam a ocupar lugar central no capitalismo e devem ser

contempladas centralmente na formação de um mundo justo e solidário.

Confirmamos ser o trabalho a objetivação ineliminável e primária do ser social, o

que implica a mediação deste como um instrumento possível no ser social e em seu

metabolismo com a natureza. Tal metabolismo implica, no ser social, o estabelecimento de

meios e fins, de escolhas, de uma ação teleológica, objetivações que potencializam as

capacidades humanas. Até mesmo as objetivações aparentemente distantes do trabalho são, na

verdade, originadas por ele, como, por exemplo, a arte, a religião, a ciência, o pensamento

abstrato. Quanto mais se desenvolvem as esferas humanas originadas pelo trabalho, tanto

mais objetivações se relacionam a ele. Com efeito, entendemos não existir ser singular fora da

sociedade.

Todo o pensamento de Marx – desde a juventude até a maturidade – gravita ao

redor da efetivação da totalidade do homem, ou seja, o homem como ser plenamente realizado

e recuperado na sua unidade (essência e existência) com base no desenvolvimento das suas

potencialidades e capacidades humanas. Assim sendo, o fio condutor de sua reflexão é

alienação/estranhamento desde as obras de juventude até as da maturidade.

Ao analisar o contexto vivido por Marx, percebemos que ele foi contemporâneo

da segunda revolução burguesa na França de Napoleão III (1848-1852) e da primeira

revolução proletária mundial, a Comuna de Paris (1871), que no ano passado (2011)

completou 130 anos. O desenrolar e o desfecho delas contribuíram sobremaneira para Marx

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elaborar sua teoria de classes e compreender melhor a natureza do Estado burguês. Mészáros

(2006), em A Teoria da Alienação em Marx, mostra que a importância de Marx para o

pensamento filosófico ocorre com suporte na crítica à filosofia idealista, transcendentalista e

especulativista, fundando a “filosofia da práxis” (MARTÍNEZ, 2007), pois Marx

revolucionou o pensamento ocidental, ao fundar o materialismo histórico e ao elaborar a

teoria da mais-valia, ignorado pela economia política de teor clássico.

Faz-se mister e se justifica, portanto, esta pesquisa na proposta de explicitar e/ou

tematizar como o trabalho em Marx tem um duplo caráter como formação e deformação do

homem. Também foi nosso propósito analisar, nesta dissertação, a relação entre trabalho

estranhado e propriedade privada em Marx. Sustentamos, de saída, que tal relação implica a

submissão do ser humano ao capital, pois, segundo ele, a propriedade privada burguesa é o

principal obstáculo material à emancipação humana. A propriedade privada, segundo Marx,

faz com que o homem não reconheça o trabalho como atividade que engendra a vida genérica

(social). O trabalho como atividade estranhada, isto é, trabalho sob os ditames da propriedade

privada, impede a pessoa de trabalhar livre e consciente, portanto, de se reconhecer como ser

social.

Em decorrência, este estudo resulta de uma investigação bibliográfica e foi

desenvolvido com base na análise imanente da obra de Karl Marx, especificamente, os

Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844.

Assim sendo, pudemos detectar na obra de Marx que o problema central consiste

na crítica tanto à Economia Política, como a Hegel e à sua dialética especulativa. Desta forma,

procuramos mostrar que o objeto de reflexão nos Manuscritos de 44 é a crítica ao capitalismo,

à sociedade industrial moderna; crítica esta que se efetiva pela categoria trabalho como

negação do homem.

Nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, de 1844, a categoria “trabalho” se

apresenta, por um lado, como a dimensão que especifica o homem como ser genérico - é

atividade vital da consciência como atividade livre. Trabalho para Marx é objetivação integral

do próprio homem, relaciona-se à práxis. Por outro lado, o trabalho não realiza o homem, ao

contrário, é a negação dele.

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Em Marx, trabalho é tomado como processo e não existe trabalho sem teleologia.

Por isso, a sociabilidade em Marx é questão central quando se entende produção e reprodução

da vida social.

Assim sendo, é que, nestes Manuscritos de Paris, aparece pela primeira vez a

crítica marxiana à Economia Política. Esta crítica não é de cunho ético-humanista, mas,

especificamente, da ordem do real. É metodológica, uma vez que a Economia Política não vai

além do universo da sociedade capitalista; pelo contrario, ela vê a realidade como expressão

de leis eternas, isto é, não histórica.

Como definidor de nosso objeto, procuramos investigar como o estudo do

conceito trabalho contribui para pensar esta categoria, não apenas no universo do capitalismo

(sociedade industrial moderna), nem como a atividade teorética, mas objetivação integral do

próprio homem; ou seja, buscamos elucidar “o duplo caráter do trabalho em Marx como

formador e deformador do homem”.

Conforme já nos referimos, a fonte primária de nosso estudo se concentrou na

obra da juventude de Karl Marx, Manuscritos Econômico–Filosóficos, de 1844, e dela

buscamos extrair as tessituras dos conceitos que escolhemos investigar: propriedade privada,

trabalho alienado, trabalho estranhado. Do conceito de trabalho estranhado, entendemos

como aspectos negativos as atividades de subsistência e de satisfação imediata; e do conceito

trabalho alienação, foram vistas como positivas as atividades afirmativas da vida e da

existência do indivíduo e seu caráter social.

Como leitura de apoio, mas não de menor importância, estudamos A Teoria da

Alienação em Marx, de István Mészáros, que nesta obra retoma e desdobra os vários tipos de

alienação do sistema capitalista, ao demonstrar os aspectos econômicos, políticos,

ontológicos, morais e estéticos nas relações com o trabalho, na separação entre teoria e

prática, entre o homem e a natureza, e considerações sobre a sua superação. Assim, pudemos

investigar em que medida Marx e Mészáros se atualizam; e o segundo completa o primeiro.

Presumimos que a barreira da alienação, impeditiva do homem efetivar a

liberdade, é a barreira do trabalho estranhado na sociedade capitalista, constituída sob a

inapropriada forma de apropriação da força de trabalho. Com efeito, o cerne da alienação

econômica é o trabalho alienado, negador do ser do homem, coisificado nas relações sociais

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de produção. Ademais, o trabalho alienado valoriza e expande o capital e a propriedade

privada para uma minoria.

Esta dissertação desdobrou-se em cinco partes – “A PROPRIEDADE

PRIVADA COMO CONDIÇÃO DO TRABALHO NEGADO/DEFORMADOR DO

HOMEM”, “O TRABALHO ESTRANHADO EM MARX” E “O CONCEITO

POSITIVO DO TRABALHO” – incluindo Introdução e Considerações Finais.

No primeiro capítulo, procedemos à discussão sobre A propriedade privada como

condição do trabalho negado/deformador do homem. Inicialmente, expressamos uma visão

panorâmica da história do trabalho, como este foi sendo concebido nos vários momentos do

desenvolvimento da história da humanidade, desde a Idade Antiga, passando pela Idade

Média, Moderna e Contemporânea, período no qual Marx viveu e formulou sua teoria. Desta

forma, o seu conceito de trabalho recebeu a influência de Hegel e dos economistas clássicos

de sua época; pois, Marx, desenvolveu sérias críticas ao sistema capitalista, aos hegelianos, a

Hegel e aos economistas nacionais. Na sequência, contextualizamos a propriedade privada no

âmbito da sociedade burguesa pelo quanto transforma o trabalhador em mercadoria e a ele

(trabalhador) “só é permitido ter tanto para que queira viver, e só é permitido querer viver

para ter”. (MARX, 2010, p. 142).

O segundo capítulo, intitulado O Trabalho Estranhado em Marx, se pauta em

vários subitens como “Aspectos negativos do trabalho”, “O trabalho como produção da

existência”, “Quando o trabalho se torna negação”, “A diferença entre Alienação e

Estranhamento” e “As determinações do trabalho estranhado”. De início, tratamos

diretamente do conceito de trabalho na visão de Marx, para quem o trabalho é uma atividade

essencial do ser humano consciente, que o realiza em contato com a natureza. Mais do que

qualquer outra coisa, é o trabalho que torna o ser humano diferente dos outros animais. O

trabalho, portanto, é uma condição objetiva da existência humana. É graças ao trabalho que o

homem consegue alimentos, vestiários e moradia.

Na medida em que a humanidade cresceu, também desenvolveu seus meios de

produção. Do uso dos instrumentos de pedra, o homem primitivo passou ao uso dos arcos e

flechas, indo assim da caça à pecuária primitiva. Depois, mediante o uso de instrumentos de

metal, ele chegou à agricultura. Posteriormente, surgiram ofícios separados da agricultura. Em

seguida, apareceram as manufaturas, marcadas pela divisão parcial do trabalho. Depois, a fase

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de substituição dos instrumentos de produção artesanal pela máquina, da pequena oficina para

a grande indústria.

Com o desenvolvimento desse processo e com a influência do sistema capitalista,

o pequeno produtor tornou-se submisso ao proprietário dos meios de produção, ficando

alienado em relação ao trabalho e ao seu produto, em relação a si mesmo e à sua espécie. O

trabalho alienado passou a ser para o trabalhador, em vez de uma realização, uma negação de

si mesmo.

Marx reconhece o método de Hegel, que vê o trabalho como dimensão

constituidora de objetividade. Se por um lado, no entanto, o trabalho é a dimensão que

especifica o homem como ser genérico e é atividade vital da consciência como atividade livre,

de outra parte, o trabalho não realiza o homem, ao contrário, é sua negação.

Trabalho para Marx é objetivação integral do próprio homem. Segundo nosso

autor, trabalho é tomado como processo e não existe trabalho sem teleologia. Por isso, a

sociabilidade em Marx é questão central.

Marx refere-se ao trabalho alienado/estranhado como o processo em que nesse ato

humano por excelência, que é o trabalho, o homem se perde a si próprio, separando-se de si,

não reconhecendo a sua humanidade naquilo que faz. Portanto, em vez de libertar o homem

da natureza, por via da objetivação, o trabalho tornou o homem escravo; e deformação do

humano no homem.

Efetivamente, a sociedade burguesa exprime de forma aguda a transformação do

trabalho em meio de negação do homem, quando por essência devia ser a afirmação da sua

humanidade. Então, em vez de formar o homem, o trabalho estranhado está deformando e

negando sua existência como ser consciente e livre.

No terceiro capítulo, objetivamos esclarecer O conceito positivo do trabalho; nele

fizemos uma contraposição entre a crítica e os limites do conceito de trabalho em Hegel e nos

economistas político-clássicos. Analisamos a positividade hegeliana do trabalho como

formador da consciência e buscamos, pelo método da inversão, mostrar a positividade do

trabalho em Marx por meio das referidas determinações do trabalho.

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Em suma, esse módulo objetiva esclarecer como Marx anuncia a possibilidade

prática de realizar a emancipação humana com origem na abolição do trabalho alienado como

motor de expansão da propriedade privada e da valorização do capital.

Portanto, o trabalho é a atividade humana fundamental, pois com ânimo na

atividade laboral é desenvolvida toda a complexa rede de desdobramentos que envolvem a

condição humana: desde a produção dos produtos necessários para a satisfação das

necessidades humanas concretas, o desenvolvimento e aperfeiçoamento da atividade, dos

instrumentos utilizados ao desenrolar das próprias aptidões humanas, dos atributos humanos,

inclusive dos sentidos humanos, da linguagem, da consciência, da sociabilidade, das

representações humanas. Ou seja, temos o trabalho como formação da consciência.

De tal modo, esta consciência em relação à consciência com o outro é

possibilitada pela abolição da propriedade privada, bem como a superação da totalidade do

intercâmbio social estranhado. Isto porque estas, por sua vez, são expressas como condição

material para elaboração e surgimento do homem omnilateral que se edifica no seio de novas

relações sociais. Portanto se conclui que o trabalho não estranhado é mediação da formação

do homem que Marx chama de o homem rico; o homem de uma totalidade que concretiza a

manifestação humana de vida. O homem, no qual a sua efetivação própria (educação/

formação) não mais se expressa no reino da necessidade, mas no reino da liberdade.

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1. A PROPRIEDADE PRIVADA COMO CONDIÇÃO DO TRABALHO /

NEGADO E DEFORMADOR DO HOMEM

No terceiro caderno dos Manuscritos Econômico-Filosóficos, intitulado

“Propriedade Privada e Trabalho”, Marx inicia essa tematização dizendo que “a essência

subjetiva da propriedade privada, a propriedade privada enquanto atividade para si própria,

como sujeito, como pessoa, é a trabalho” (MARX, 2010, p. 99). Para Marx, a Economia

Política é a grande reveladora da essência subjetiva da riqueza, ao considerar o trabalho como

o princípio da formação da riqueza objetiva das coisas, como resultado da energia real e do

movimento da propriedade privada que acelera e intensifica o dinamismo e o

desenvolvimento da indústria, tornando-a uma potência no domínio da consciência.

Para Marx, a propriedade privada, no entender da Economia Política, surge de

uma relação estranhada como consequência do trabalho estranhado, isto é, o produto ou

consequência do trabalho estranhado que pertence a outro e não a si mesmo. Ela é uma

relação estranhada com a natureza, ou seja, “a propriedade privada é, portanto, o produto, o

resultado, a consequência do trabalho exteriorizado, da relação externa do trabalhador com

a natureza e consigo mesmo.” (IBIDEM, p. 87).

A propriedade privada, nesse caso, vem de um trabalho estranhado de uma relação

social externa, apropriada por um outro e não o produtor. Assim, consoante Marx, a

propriedade privada vem de um trabalho que pertence a um dominador ou senhor do trabalho,

implicando que a propriedade privada resulte “por análise, dom conceito de trabalho

exteriorizado, isto é, de homem exteriorizado, de trabalho estranhado, de vida estranhada, de

homem estranhado.” (IBIDEM, p. 87).

Marx diz que o trabalho exteriorizado provém de um resultado da propriedade

privada na qual esta é originada do domínio de outro ou comando de outro. A propriedade

privada não é a causa do trabalho estanhado e sim uma consequência. Assim, segundo Marx,

ela pode ser comparada com os deuses, pois eles vêm da produção dos outros.

Herdamos certamente o conceito de trabalho exteriorizado (de vida exteriorizada) da

economia nacional como resultado do movimento da propriedade privada. Mas

evidencia-se na analise desse conceito que, se a propriedade privada aparece como

fundamento, como razão do trabalho exteriorizado, ele é antes uma consequência do

mesmo, assim como também os deuses são, originalmente, não a causa, mas o efeito

do erro do entendimento humano. Mas tarde esta relação se transforme em ação

recíproca. (MARX, 2010, p. 87/8).

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Tal ação recíproca vem de uma ação natural ou que foi herdada da fantasia

humana de forma fictícia. O mistério da propriedade privada, por um lado, para Marx é o

produto de um trabalho exteriorizado ou de alguém que não é o trabalhador, e, por outro lado,

vem de uma realização do trabalho exteriorizado, porque, segundo Marx, o ponto máximo do

desenvolvimento da propriedade privada “é, por um lado, o produto do trabalho exteriorizado

e, em segundo lugar, que é o meio através do qual o trabalho exterioriza a realização desta

exteriorização.” (MARX, 2010, p. 88).

Marx verifica que não é o trabalho em geral que a Economia diz que é a alma da

produção e sim o trabalho abstrato. Marx diz que a “economia nacional parte do trabalho

como [sendo] propriamente a alma da produção, e, apesar disso, nada concebe ao trabalho e

tudo a propriedade privada”. (IBIDEM, p. 88)

Com isso, Proudhon1 não percebe ou ignora o trabalho estranhado, pois, conforme

Marx, não é o trabalho em geral a alma da produção capitalista e sim o trabalho abstrato, ou

seja, ele analisa de modo geral que:

Proudhon, a partir desta contradição, conclui a favor do trabalho [e] contra a

propriedade privada. Nós reconhecemos, porém, que esta aparente contradição do

trabalho estranhado consigo mesmo, e que a economia nacional apenas enunciou as

leis do trabalho estranhado. (MARX, 2010, p. 88).

Com efeito, Marx assevera que a Economia Política só anunciou as leis do

trabalho alienado por causa da contradição em atribuir tudo à propriedade privada. Marx vê

que salário e propriedade privada são iguais porque o salário é apenas uma recompensa para o

homem aceitar o trabalho estranhado, isto é, o salário e a propriedade privada procedem da

consequência de um trabalho estranhado, por isso “reconhecemos que salário e propriedade

privada são idênticos, pois o salário (onde o produto, o objeto do trabalho, paga o próprio

trabalho) é somente uma consequência necessária do estranhamento do trabalho”. (IBIDEM,

p. 88).

Há um caráter estranhado do trabalho diante do homem, pois o salário mostra que

o trabalhador não tem direito à totalidade do produto do trabalho e sim apenas a uma parcela.

______________________

1 Marx desaprova Proudhon por ele não abolir o estranhamento político econômico no interior do estranhamento

político econômico. Proudhon não pensa em uma superação do estranhamento econômico, por isso ele pensa em

uma política numa economia utópica.

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Diferentemente do escravo, que recebia comida para trabalhar, o trabalhador recebe salário

para se manter. Marx questiona que, mesmo com uma elevação, ou melhor, pagamento do

salário, o valor ou dignidade do homem não aumentará, pois é como, por exemplo, um

escravo que recebe algo a mais para continuar trabalhando ou até mesmo um óleo colocado

em uma roda para manter o movimento. Assim, podemos perceber que, mesmo quando há

aumento do salário, ainda se preserva o estranhamento do trabalho, ou seja, “uma violenta

elevação do salário... nada seria além de um melhor assalariamento do escravo e não teria

conquistado nem ao trabalhador e nem ao trabalho a sua dignidade e determinação

humana”. (MARX, 2010, p. 88).

Mesmo com a elevação dos salários, ainda se mantém o trabalho que é de outro,

isto é, o trabalho que é do não trabalhador ou senhor do trabalho. Marx também descarta a

possibilidade de uma igualdade de salários, como pensava Proudhon, com o aumento dos

salários, mesmo assim o dono da propriedade privada ainda é considerado um capitalista, pois

as relações entre os homens com o seu trabalho permanecem afetadas, isto é, continua sendo

um trabalho estranhado porque a igualdade de salário ainda faz com que o não trabalhador ou

o senhor do trabalho continue sendo o mesmo, pois,

Mesmo a igualdade de salários, como quer Proudhon, transforma somente a relação

do trabalhador contemporâneo como o seu trabalho na relação de todos os homens

com o trabalho. A sociedade é neste caso compreendida como um capitalista

abstrato. (MARX, 2010, p. 88).

Com essa igualdade de salário, ainda continua sendo a mesma realidade porque,

como já frisamos, o salário é só uma parcela da totalidade do que o homem produz. Esse

salário é como, por exemplo, um bônus ou uma recompensa para que o trabalhador aceite o

trabalho estranhado. Com o trabalho estranhado, salário e propriedade privada estão

interligados. Se por acaso se tiver de eliminar algum, o outro também deve ser eliminado, ou

seja,

salário é uma consequência imediata do trabalho estranhado, e o trabalho estranhado

é a causa imediata da propriedade privada. Consequentemente, com um dos lados

tem também de cair o outro. Da relação do trabalho estranhado com a propriedade

privada depreende-se, além do mais, que a emancipação da sociedade da

propriedade privada etc, da servidão, se manifesta na forma política da emancipação

dos trabalhadores (MARX, 2010, p. 88).

Isso acontece porque quando deixa de existir o trabalho estranhado, o senhor do

trabalho deixa de ser o dono do trabalho porque o trabalhador recebe a totalidade do salário e

com isso caem o salário e a propriedade privada. Segundo Marx, somente com a abolição da

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propriedade privada, teremos a emancipação humana, pois a emancipação humana universal é

com o encerramento do trabalho estranhado que é a causa da propriedade privada, pois estão

envolvidas nelas todas as relações humanas que fazem originar as opressões em virtude das

relações de produção e de servidão ambas envolvidas, ou seja:

Da relação do trabalho estranhado com a propriedade privada depreende-se, além do

mais, que a emancipação da sociedade da propriedade privada etc., da servidão, se

manifesta na forma política da emancipação dos trabalhadores, não como se dissesse

respeito somente a emancipação deles, mas por que na sua emancipação está

encerrada a [emancipação] humana universal, mas esta [última] está aí encerrada por

que a opressão humana inteira está envolvida na relação do trabalhador na produção,

e todas as relações de servidão são apenas modificação e consequências dessa

relação. (MARX, 2010, p. 88).

A emancipação humana é a emancipação do trabalhador, pois a atividade

produtiva do trabalhador não pode ser atividade produtiva universal estranhada, ou seja, a

emancipação do trabalhador, porque nenhum trabalhador irá, no futuro, trabalhar para um

outro. Marx encontra por análise o conceito de propriedade privada por meio do conceito de

trabalho estranhado e diz que, com a ajuda desses dois conceitos, há também de encontrar e

desenvolver todas as categorias econômicas consideradas determinadas. Portanto, Marx diz

que, “assim como encontramos, por analise, a partir do conceito de trabalho estranhado,

exteriorizado, o conceito de propriedade privada, assim podemos, com a ajuda desses dois

fatores, ser desenvolvidas todas as categorias econômicas...” (MARX, 2010, p. 89).

A Economia Política considera a propriedade privada como categoria fixa ou que

sempre existiu, isto é, fora da história. Há dois problemas que Marx procura solucionar. O

primeiro é determinar a essência universal da propriedade privada. O segundo é o fato de que

o homem chegou ao ponto de exteriorizar seu trabalho. No primeiro, Marx exprime que,

perguntar pela origem da propriedade privada (fato que veremos na próxima seção) é o

mesmo que procurar saber qual foi o primeiro ser na terra. Nesse sentido, ele assinala:

Já obtivemos muito para a solução do problema quando transmutamos a questão

sobre a origem da propriedade privada na questão sobre a relação do trabalhador

exteriorizado com a marcha do desenvolvimento da humanidade. Pois quando se

fala em propriedade, acredita-se de está se tratando de uma coisa fora do homem.

Quando se fala do trabalho, está se tratando, imediatamente, do próprio homem. Esta

nova disposição já é inclusive a sua solução. (2010, p. 89).

Marx chega à conclusão de que o trabalho é algo do próprio homem, o trabalho

estranhado surge na história da humanidade e não que sempre existiu ou que está na história,

ou seja, quando se fala do trabalho, a sua solução já é a partir da história da humanidade.

Segundo Marx, o que são expressões distintas no estranhamento do homem de uma mesma

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ralação é o trabalho estranhado exteriorizado com a propriedade privada estranhada, que

resultou em uma civilização estranhada, ou seja, “o trabalho exteriorizado solucionou-se para

nós, [ou seja,] a apropriação aparece como estranhamento como a verdadeira civilização”.

(MARX, 2010, p. 89).

Podemos perceber, então, que o trabalho estranhado se tornou “natural” na

civilização do capital, pois estão incluídos o não trabalhador e produto ou resultado do

trabalho estranhado. Assim sendo, a propriedade privada é encontrada como expressão

material do trabalho estranhado; nisso a propriedade privada abarca a relação com o produto

do trabalho, com o trabalho, com o não trabalhador e a relação do não trabalhador com o

trabalhador e com o seu produto.

1.1 A Origem da Propriedade Privada e as Concepções de Trabalho antes de Marx.

Como nos referimos na seção anterior, no segundo Manuscrito, Marx trata da

relação entre trabalho estranhado e propriedade privada. Ele inicia a tematização, explicitando

a condição existencial do trabalhador no processo da produção a partir do ponto de vista da

Economia Política. A propriedade privada vinculada ao trabalho estranhado é, na verdade, um

inautêntico modo de ter e possuir, porque é um tipo de propriedade privada baseada na

espoliação/exploração do trabalho humano. Portanto, imaginamos que tal relação implica

submissão do ser humano ao capital. Assim sendo, optamos por mergulhar um pouco na

história do surgimento da propriedade privada e como esta foi vista em diversas épocas.

A origem e evolução da propriedade são pontos interessantes e importantes na

história da humanidade. O conceito de propriedade no decorrer do tempo foi alvo de inúmeras

transformações, adaptando-se, num contexto histórico, a cada época e a todo lugar. Tal

conceito nos informa a maneira como cada sociedade vive e como seus membros dispõem dos

meios para transformá-los em riqueza e satisfazer as suas necessidades. Ou seja, expressa o

modo de produção que adotam. De acordo com Engels, “a ordem social em que vivem os

homens de determinada época ou determinado país está condicionada por duas espécies de

produção: pelo grau de desenvolvimento do trabalho, de um lado, e da família, de outro”

(1991, p. 02).

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A propriedade teve sua história criada através dos tempos. Então, vejamos, por

exemplo, como as ideias sobre propriedade mudaram no decorrer da história. Primeiramente,

noticia-se que a propriedade era coletiva, quando a população humana ainda era pequena e

estruturada numa forma de organização social primitiva em agrupamentos humanos

reduzidos, vivendo basicamente como coletores e caçadores nômades. Nada era de ninguém,

ou seja, não se possuía nada privadamente a não ser a própria vestimenta e as armas como

lança ou pau.

Aos poucos, a propriedade passa de coletiva para individual. Os agrupamentos

humanos crescem, tornam-se sedentários e descobrem a agricultura e o comércio. Esse

processo de sedentarização e a descoberta da agricultura que chamamos de Revolução

Agrícola foram a base para a institucionalização da propriedade privada e o surgimento do

Estado.

Como nos ensina Rousseau (1998, p. 84), “o homem deixou o Estado de Natureza

quando alguém cercou um pedaço de terra e disse que era seu e os outros acreditaram”.

Então, por esta época, a ideia de propriedade passa a ter um caráter sagrado de direito divino,

como aparece nas primeiras civilizações da Antiguidade.

Assim sendo, são duas as principais correntes que debatem sobre os primórdios da

propriedade: a primeira corrente, defendida pelos teóricos, como Rousseau, Cesare Beccaria2

e Montesquieu, que acreditavam na propriedade como criação do Direito positivo contrário à

natureza humana; a segunda tem em Coulanges3 seu paladino, que via a propriedade privada

como instrumento motor e regulador da ordem e do desenvolvimento social.

Não é pacífica, porém, a discussão sobre o surgimento da propriedade. O fato é

que, desde o fim do século passado, se intensificou esta discussão. Sabemos, no entanto, que a

posição adotada em geral era de que a Propriedade Original como coletiva baseia-se

principalmente na ideia de que a propriedade privada se desenvolveu ao mesmo tempo em

______________________

2 Cesare Bonesana, (1753 – 1794), marquês de Beccaria, filósofo, jurista e economista italiano, exerceu

influência decisiva na reformulação da legislação vigente da época.

3 Numa Denis Fustel de Coulanges (1830 – 1889), historiador francês, autor de La Cité antique (1864), sobre a

evolução política e social da Grécia e Roma.

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que ocorreu a dominação de um grupo humano sobre outro, tendo como objetivo manter essa

dominação.

Na verdade, o que se pode dizer com certeza é que o homem, vivendo

inicialmente da caça, da pesca e da coleta, sequer cogitaria em se apropriar da terra, pois esta

nada representava para seus fins imediatos e escapava às suas necessidades.

Posteriormente, com o advento do pastoreio, em razão das pequenas populações

humanas e grande quantidade de recursos naturais (água, pastagens), é provável como se

observa em algumas civilizações antigas, como, por exemplo, Hebréia e Caldéia, que a terra

tenha permanecido coletiva, enquanto os semoventes (os rebanhos) tenham se tornados

individuais. Quando se iniciou, no entanto, o cultivo da terra para a agricultura, revelou-se a

necessidade da apropriação individual ou familiar da terra, pois, a partir daí, a terra passa a

fazer parte dos fins imediatos do homem, e havia que se estimular o interesse individual de

cada um. (VICENTINO, 2010).

Nos primórdios da sua existência e de seu relacionamento com a terra, a relação

do homem com ela era meramente extrativista. A subsistência do homem do período

Paleolítico era garantida pela coleta de frutos e raízes, caça e pesca. Em razão da escassez de

alimentos e da hostilidade do meio ambiente, os grupos humanos viviam como nômades,

sempre em busca de novas regiões e, quando os recursos da região findavam, eles a

abandonavam. Nessa sociedade primitiva, o coletivo prevalecia sobre o individual. Incapaz de

viver sozinho e com poucos recursos em um ambiente hostil, o homem primitivo vivia e

trabalhava em função dos agrupamentos humanos, nessa época, compostos por poucas

pessoas em espécies de clãs ou tribos, que estavam ligados por fortes relações, sentimento de

responsabilidade, obrigações ou por crenças e afinidades que os uniam ao grupo. A riqueza

era distribuída de forma equitativa dentro do agrupamento social primitivo.

A evolução da agricultura fez com que os grupos humanos antigos evoluíssem

além da agricultura de subsistência, e o homem começou a produzir mais do que necessário

para o consumo. A produção excedente passou a ter valor de troca, tendo surgido a partir daí o

comércio e o dinheiro, passando o homem a se apropriar da terra, o meio de produção,

atribuindo-lhe um valor e introduzindo a noção de propriedade privada.

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Todas essas transformações verificadas nesse período contribuíram para o

desaparecimento da propriedade coletiva dos primórdios para o surgimento da propriedade

privada, e, aos poucos, como escrevemos, foram sendo intensificados o comércio e o

artesanato que até então tinham pouca importância por causa da estagnação social e

econômica do limitado desenvolvimento das atividades comerciais.

A esta estrutura sócio econômica, baseada no Estado despótico e no controle da

produção agrícola comunitária sustentada por grandes obras, deu-se o nome de Modo de

Produção Asiático; na Antiguidade ou Idade Antiga, as grandes civilizações (Egito,

Mesopotâmia, Grécia e Roma) tiveram o Modo de Produção Escravista ou Escravocrata; e,

na Idade Média, houve uma mudança fundamental no sistema de propriedade com a mudança

no sistema de produção, pois, em lugar do sistema de produção escravagista, que entrara em

crise com o advento do cristianismo e com as invasões bárbaras que obrigaram as populações

a se refugiarem no campo, promovendo a ruralização de Roma. Por esta época confere muita

força o sistema feudalista, que constituiu a base da sociedade medieval e sobreviveu até o

surgimento das ideias que levaram à Revolução Francesa (HUNT, 1989).

Há basicamente duas figuras no sistema de propriedade vigente na Idade Média: o

senhor feudal e os vassalos. Os pequenos proprietários de terra cediam a terra a um senhor e

lhe davam parte da produção da terra, enquanto o senhor lhes dava proteção. Observe-se,

ainda, que um vassalo maior poderia também ter seus vassalos. Se um senhor houvesse cedido

um grande feudo a um determinado vassalo, esse, por sua vez, poderia cedê-lo em feudos

menores para seus próprios vassalos, desde que, ao final, cumprisse as obrigações com o

senhor. Assim, verifica-se na Idade Média, na prática, uma superposição de propriedades

baseada na hierarquia dos feudos, que se afastava totalmente do conceito romano exclusivista

sobre a terra.

Dessa forma, assim como o vassalo, que não era proprietário, não poderia dispor

do bem, o senhor também não poderia fazê-lo livremente, muito embora pudesse ser dado em

benefício a outro homem livre, que se tornaria vassalo do vassalo do proprietário. Ambos,

senhor e vassalo, estavam presos à relação de vassalagem. O senhor não poderia retirar o

feudo do vassalo a não ser que este cometesse falta em suas obrigações. O vassalo, por sua

vez, achava-se ligado à terra e não poderia se afastar dela. Assim, tinha-se o feudo como um

direito imóvel vitalício, intransmissível e inalienável.

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Pelo uso da terra, os vassalos tinham obrigações para com o senhor: prestar

serviço militar, trabalhar determinados dias da semana em áreas cuja produção era exclusiva

do senhor, entregar parte da sua colheita ou uma determinada quantia em dinheiro e, em troca,

recebia do suserano o direito de permanecer e usar a terra e a proteção dos muros do castelo

do suserano. Desta forma, tendo o feudo como organismo básico da economia feudal, quanto

maior o feudo, maior o poder. Assim, a divisão da terra para a formação de novos feudos

gerava a fragmentação do poder do senhor feudal. Então, teoricamente, temos o rei como

suserano maior, senhor dos senhores feudais, diante dos quais todos deveriam se curvar. Na

prática, no entanto, cada senhor feudal era de fato a suprema autoridade em seu território

respectivo. (VICENTINO, 2010).

Desta forma, como vimos, a formação dos feudos se deu muito em função das

guerras que arruinaram a capacidade produtiva das pequenas fazendas, colocando os

camponeses em estado de desproteção e renúncia, primeiro, junto à nova nobreza e à Igreja,

em segundo lugar, junto ao seu patrão, o senhor feudal, transferindo-lhe as terras em troca de

arrendamento ou proteção de serviços até caírem na servidão. Em síntese,

As relações entre os poderosos latifundiários e os servos camponeses dependentes –

relações que tinham sido para os romanos a forma da decadência irremediável do

mundo antigo – foram, para a nova geração, o ponto de partida para um novo

desenvolvimento. E, além disso, nem por isso deixaram de produzir um grande

resultado: as nacionalidades modernas, a refundição e a reorganização da Europa

ocidental para a história iminente. (ENGELS, 1991, p. 124).

No século XIII, começa-se a observar o declínio gradativo do feudalismo. Com o

fim das invasões na Europa, aconteceu uma verdadeira explosão demográfica, a que o sistema

de produção feudal não era capaz de atender. Até mesmo o isolamento da população em

feudos contribuiu para que as grandes pestes (Peste Negra, século XIV, Varíola, século XVI)

que assolaram o Velho Continente diminuíssem e as taxas de natalidade superassem as de

mortalidade. Havendo mais gente trabalhando no campo e o aprimoramento das técnicas

agrícolas, gerou-se um excedente de produção que precisou ser trocado; surgindo as feiras

medievais e com elas o fortalecimento do comércio e o florescimento das cidades, onde o

excedente populacional que os feudos não comportavam ia se aglomerar. Assim, rapidamente

o feudalismo perde a sua razão política e econômica.

O liberalismo e a Revolução Francesa vieram acabar com os últimos vestígios de

feudalismo. O pensamento Iluminista considerava que o princípio organizador da sociedade

deveria ser a busca da felicidade. Aos governos caberiam garantia o direito à liberdade

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individual, a livre posse dos bens e a igualdade perante a lei. As relações econômicas

deveriam ser regidas por uma liberdade natural que se estabeleceriam por si mesmas (HUNT,

1989).

A ideia da função social da propriedade, no entanto, só ganhou corpo no fim do

século XIX e início do século XX. Ainda lá na Idade Média, porém, haviam aparecido as

primeiras preocupações de pensadores relacionando a propriedade com necessidades e

interesses sociais, como é o caso de Santo Tomás de Aquino, na sua Summa Theologica4.

Santo Tomás de Aquino, como outros doutores da Igreja - Santo Anselmo de

Cantuária e Santo Ambrósio - se dedicaram a investigações sobre a propriedade. Muito

embora Santo Tomás de Aquino não defendesse uma propriedade coletivizada, ele condenava

o caráter individualista da propriedade e defendia a ideia de uma propriedade individual que

atendesse aos interesses coletivos.

Ao analisar o modo como a propriedade foi entendida na Antiguidade e na Idade

Média, podemos entender como o trabalho era visto unicamente pelo seu lado negativo, pois a

própria palavra trabalhar, que deriva do latim tripaliare, significa “torturar por meio de

tripalium” (instrumento formado por três paus, próprio para atar os condenados ou para

manter presos os animais difíceis de ferrar). Igualmente a palavra labor é sinônima de

trabalho, mas também lembra sofrimento, dor, fadiga.

Na pólis grega, o trabalho manual era desvalorizado por ser feito por escravos5.

Enquanto isso, o trabalho intelectual era supervalorizado por ser feito pelos cidadãos que

viviam no ócio digno, disponíveis para cultivar o espírito. Platão assevera que a finalidade das

pessoas livres é a contemplação das ideias, portanto, sendo a atividade teórica mais digna

pelo fato de representar a essência de ser racional.

_______________________

4 A obra Summa Theologica, escrita entre 1265-1274, é o trabalho mais conhecido de Tomás de Aquino (c.1225-

1274) e, apesar de inacabado, é um dos clássicos da História da Filosofia, e uma das obras mais influentes da

literatura ocidental. Pretende ser como um manual para iniciantes em Teologia, um compêndio de todos os

princípios teológicos da Igreja. Ele apresenta o raciocínio para quase todos os pontos da teologia cristã no

Ocidente. É famosa, entre outras coisas, por seus cinco argumentos para a existência de Deus.

5“Como Platão considera esta classe inferior, indica, como símbolo corporal humano, as entranhas também tidas

por inferiores na cultura antiga. Estes homens não precisam de instrução superior, basta que aprendam apenas as

habilidades de sua função”. (PEGORARO, 2006, p. 32).

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Também em Roma, o trabalho manual era desvalorizado. Cícero, o grande orador

e trovador latino, um dos grandes agentes da helenização da cultura romana, defende a

preferência pelo otium sobre o nec-otium, desprezo deste também ser algo pago (LOGOS,

1989, p. 246). Esta concepção clássica teve repercussão na Idade Média com a distinção entre

as atividades próprias dos homens livres e aquelas próprias dos escravos.

Desde os primórdios, a divisão do trabalho não foi algo tão natural como nos

parece nas sociedades tribais de acordo com a força e a capacidade. O fato é que, desde as

mais antigas civilizações, sempre existiram os que mandam e os que só obedecem e

executam.

Entre os romanos, o trabalho para sustentar a vida era identificado com a palavra

negócio, literalmente, negação do ócio. O ócio significava, para os antigos, a forma nobre e

digna de ocupar o tempo livre com o lazer, a arte de governar e a reflexão. Enquanto isso, as

atividades relacionadas diretamente com a sobrevivência material ficavam a cargo dos

escravos, cujas funções eram consideradas desprezíveis.

Também é um fato que as sociedades descobrem mecanismos para manter a

divisão, não conforme os talentos, mas de acordo com a classe a que cada um pertence. É

claro que um dos instrumentos de manutenção desse estado de coisas é a educação, privilégio

daqueles que são proprietários. Não é por acaso que a palavra grega scholé, de onde deriva

escola, significa inicialmente o lugar do ócio (ARANHA, 1993, p. 37). Aí as crianças das

classes abastadas se ocupam com jogos, ginásticas, música e retórica, enquanto as demais,

pertencentes aos segmentos pobres, seguem seu destino social, sem que se levem em conta as

tendências individuais.

Na Idade Moderna, cresceu o interesse pelo trabalho manual em virtude da

ascensão dos burgueses provenientes de setores de antigos servos, praticantes de atividades

manuais, que, comprando sua liberdade, se dedicavam ao comércio.

Uma das marcas da burguesia nascente foi a procura de novos mercados pelo

estímulo às navegações. A partir do século XV, com os grandes empreendimentos marítimos,

foram descobertos, um novo caminho para as Índias e as terras do Novo Mundo. Logo depois,

com o aperfeiçoamento da tinta e do papel, Gutenberg criou a imprensa. Todas essas

mudanças contribuíram para formar uma nova mentalidade no ser humano acerca do seu

pensar e agir, o que, no século seguinte, resultaria nas revoluções do comércio e da ciência.

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O século XVII também foi marcado por descobertas e intervenções

importantíssimas: Pascal inventa a primeira máquina de calcular; Torricelli constrói o

barômetro; surge o tear mecânico; Galileu, por suas pesquisas, faz nascer a Astronomia e a

Física. A influência da máquina sobre a mentalidade do homem moderno é tanta que

Descartes, em sua obra Meditações, compara o universo a um relógio e Deus ao grande

relojoeiro.

Enquanto na Idade Média o saber considerado mais importante era o

contemplativo, no Renascimento e na Idade Moderna, o que se torna mais importante é o

saber prático, mediante a técnica e a experimentação.

Também não é por acaso que entre as fábulas de Jean de La Fontaine, que viveu

na França no século XVII, destaca-se a conhecida fábula: A Cigarra e a Formiga, típica

alegoria do elogio ao trabalho e crítica à vagabundagem da cigarra, que passara o verão

cantando e “se esquecera” de fazer as provisões para o inverno.

Durante a passagem do feudalismo para o capitalismo, aconteceram grandes

transformações na vida social e econômica como os avanços da técnica e o crescimento dos

mercados. O acúmulo do capital possibilitou a compra de matérias-primas e de máquinas.

Com isso, muitas famílias que viviam do trabalho doméstico nas antigas corporações

manufatureiras foram obrigadas a dispor de seus antigos instrumentos de trabalho e, para

sobreviver, venderam sua força de trabalho em troca de salário.

Com o aumento da população, começaram a surgir os primeiros barracões das

futuras fábricas, nos quais os trabalhadores eram submetidos à ordem da divisão do trabalho,

com horários preestabelecidos. Isso significou o surgimento de uma nova classe social: o

proletariado.

No século XVIII, na Inglaterra, a mecanização no setor da indústria têxtil foi

objeto de um grande impulso6 com o surgimento da máquina a vapor que fez a produção de

tecidos aumentar de forma extraordinária. Aconteceram também avanços em outros setores,

como o metalúrgico e também no campo, pelo processo da revolução agrícola.

_______________________

6 “O futuro dos trabalhadores deixa de pertencer aos trabalhadores e a sua produção passa a ser vendida pelo

empresário, que retém os lucros”. (ARANHA, 1993, p. 38).

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No século XIX, em meio ao progresso, destacou-se um grande problema social, o

agravamento da exploração do proletariado, levando muitos operários a viver em condições

subumanas7 8

. Nas fábricas, os trabalhadores viviam em condições desfavoráveis à saúde, por

serem locais escuros e sem higiene. A moradia dos trabalhadores era em alojamentos

inadequados e apertados, nos quais não havia privacidade.

É nesse âmbito de exploração no mundo do trabalho que aparecem as figuras de

Hegel e Marx com propostas para a modificação das relações de produção9.

1.2 Influência de Hegel e dos Economistas Clássicos sobre o Pensamento de Marx

Na seção anterior, demonstramos como se deu a relação da propriedade privada

com o trabalho ao longo da História; porém, na Modernidade esta relação assume outra

conotação, como veremos mais adiante. Marx, no entanto, como grande estudioso de Hegel e

dos economistas clássicos, faz uma crítica a ambos e, como todo pensamento é fruto do seu

tempo, o pensamento de Marx não poderia ser diferente.

Marx, como já assinalamos, desenvolveu os seus escritos em um contexto de

exploração dos trabalhadores (proletários) por parte dos patrões (burgueses). Seu

pensamento, é claro, é influenciado por escritos de contemporâneos e antecessores, entre os

quais destacamos Hegel e os neo-hegelianos.

_______________________

7 “A nova classe é submetida a extensas jornadas de trabalho, de dezesseis a dezoito horas, sem direito a férias,

sem garantia para velhice, doença ou invalidez”. (ARANHA, 1993, p. 39).

8 “Embora todos sejam mal pagos, crianças e mulheres são arregimentados como mão de obra mais barata

ainda”. (ARANHA, 1993, p. 39).

9 “Hegel e Marx apresentaram as duas últimas grandes doutrinas sobre o trabalho com muitos pontos de acordo,

mas profundamente diferentes”. (LOGOS, 1989, vol. V, p. 247).

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Constatando a situação de desigualdade e exploração no mundo do trabalho, Marx

tem a pretensão de formular uma filosofia de ação10 11

em que, segundo ele: os filósofos têm-

se limitado a interpretar diferentemente o mundo, sendo sua função transformá-lo. (MARX,

2009, p. 128).

De Hegel, Marx fez uma leitura crítica, tomando por base, sobretudo, a dialética

do senhor e do escravo12

. Enquanto, para os hegelianos, a realidade era vista como a ideia que

fazemos dela, Marx demonstra que o real é o concreto e que a essência do homem é

exatamente aquilo que ele produz, pois ele não é um ser metafísico.

A filosofia hegeliana da história é a última consequência, levada à sua ‘expressão

mais pura’, de toda esta historiografia alemã, que gira em torno de interesses

políticos, mas em torno de pensamentos puros, os quais consequentemente devem

aparecer a São Bruno como uma série de ‘pensamentos’ que se devoram entre si e

perecem, finalmente, na ‘autoconsciência’; e, de modo ainda mais consciente, ao

sagrado Max Stirner, que nada sabe da história real, o curso da história aparece

como simples conto de ‘cavaleiros’, bandidos e fantasmas, de cujas visões só

consegue naturalmente se salvar pela ‘dessacralização’. (MARX, 2009, p. 58).

Estando em Berlim, em 1837, Marx descreve suas relações contraditórias com o

hegelianismo. Sendo contra o idealismo de Hegel, Marx não deixou de ser envolvido e

atraído por ele. O marxismo apropria-se de alguns aspectos do hegelianismo, principalmente

da dialética, para voltá-los contra o sistema.

Marx parte da análise de um dos grupos mais atuantes de Europa, até 1843 – a

esquerda hegeliana. Os intelectuais desse grupo eram fiéis à dialética do mestre, criticando a

religião, porém, para Marx: “Toda crítica filosófica alemã de Strouss a Stirner se reduz à

crítica de representações religiosas”. (MARX, 2009, p. 24). As representações metafísicas,

__________________________

10

“Ao contrário das leituras tradicionais da obra de Marx, em que se afirma o abandono da filosofia em prol de

uma ciência econômica, percebemos que a filosofia esteve sempre presente no seu pensamento, ainda que não

explícita. Porém, uma filosofia em novas bases, que ele busca esclarecer”. (SOBRAL, 2005, p. 96).

11 Nas Teses sobre Feuerbach, Marx afirma que o mundo não muda somente pela prática: requer uma crítica

teórica (que inclui fins e táticas), pois só a teoria pura não consegue fazê-lo. A práxis é a atividade prática

adequada a fins (algo deseja mudar e algo conserva), ou seja, tem um caráter teleológico.

12 A dialética do senhor e do escravo consiste no seguinte: “O senhor é senhor porque é vitorioso e assim realiza

seu desejo de ser reconhecido como tal pelo escravo, sobre o qual tem poder de vida e morte. Mas a relação

senhor - escravo é, como toda relação, dinâmica, e o escravo não é um elemento meramente passivo. É a

consciência do escravo que reconhece o senhor como tal; este, por isso, necessita do outro para afirmar-se e se

manter como senhor. O escravo, dependente em princípio de senhor, torna-se senhor da consciência de seu

próprio amo”. (HEGEL, 1992, p. 135).

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políticas, jurídicas, morais, entre outras, foram incluídas na esfera das representações

religiosas ou teológicas e no homem religioso. Tendo como pressuposto o domínio da religião

em todas as relações de dominação, estas representações passaram a ser explicadas com

relação à religião transformada em culto. O ponto de partida para tudo era a fé nos dogmas.

Em sua obra Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, Marx critica essa forma de

pensar, afirmando que as instituições jurídicas são o resultado das condições materiais de

vida, e não do desenvolvimento do espírito humano. Tanto em A Ideologia Alemã, quanto em

A Sagrada Família, Marx garante que os hegelianos são conservadores, pois não combatem o

mundo real, do qual suas frases provêm. O pensamento deles é ideológico e sem radicalidade,

pois mantém a teoria separada da práxis.

Os mais jovens entre eles descobriram a expressão exata para qualificar sua

atividade quando afirmam que lutam unicamente contra “fraseologias”. Esquecem,

apenas que opõem a estas fraseologias nada mais do que fraseologias e que, ao

combaterem as fraseologias deste mundo, não combatem de forma alguma o mundo

real existente. (MARX, 2009, p.26).

Marx não parte de dogmas, mas de premissas reais. O homem, para ele, é sujeito

de uma realidade e sua libertação só acontecerá pela superação da alienação e da sua condição

social de produção e exploração.

É baseado na realidade e em escritos do seu tempo como as obras de Hegel (1770-

1831), Ludwig Feuerbach (1804-1872), Friedrich Engels (1820-1895), Bruno Bauer (1809-

1882), Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), David Ricardo (1772-1823), Saint-Simon

(1760-1825), Jean-Baptiste Say (1767-1832) entre outros, que Marx edifica a sua filosofia

como forma nova de pensar a sociedade, uma sociedade em que trabalho material e trabalho

intelectual sejam tratados de forma inseparáveis.

Dentre as obras de Marx visitadas neste estudo podemos citar: Crítica da

Filosofia Hegeliana do Direito Público (1843), Manuscritos Econômico-Filosóficos (1844)

(objeto deste trabalho), Teses sobre Feuerbach (1845), Miséria da Filosofia (reposta à

Filosofia da miséria de Proudhon) (1947) e O Capital (1867) (dividido em três volumes, dos

quais os dois últimos foram publicados posteriormente por Engels); assim como outras obras

que Marx escreveu em colaboração com Engels como: O Manifesto do Partido Comunista

(1848), A Sagrada Família (1845) e A Ideologia Alemã (1846/7).

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1.3 A Propriedade Privada no Contexto da Sociedade Burguesa

Se até a Idade Média a riqueza se restringia à posse de terras, com predominância

na economia no chamado setor primário, como vimos nas seções anteriores, nos séculos XVI

e XVII as atividades mercantis e manufatureiras se desenvolvem a tal ponto que a riqueza

passou a significar também a posse do dinheiro e do capital, o que exigiu o desenvolvimento

da ciência e da técnica para a ampliação das indústrias, ou seja, do setor secundário.

Com a Revolução Francesa e o advento da sociedade liberal, a propriedade passa

a ser encarada como instrumento de afirmação da liberdade humana. Na condição de sujeito

de direitos, o homem é caracterizado por sua liberdade de contratar e dispor de seus bens

conforme melhor lhe aprouvesse. Não cabe qualquer intervenção de ninguém na esfera

privada particular, podendo a pessoa gerir suas riquezas como bem entender. Essa perspectiva

liberal será a base do capitalismo mundial (BONAVIDES, 2004).

A liberdade política, no entanto, adquirida na Revolução, que é contratual13

, e a

igualdade formal pouco fizeram para a grande maioria da população, que, despossuída, não

tinha a mínima condição de contratar ou dispor de seus bens.

Vale destacar ainda que, nos séculos XVIII e XIX, os Estados europeus se

encontravam em profundas desigualdades sociais que se acirraram ainda mais com a

Revolução Industrial. Esta revolução, por sua vez, transformou as relações de trabalho e

obrigou contingentes enormes de pessoas cada vez mais miseráveis a se adaptar a condições

desumanas de trabalho, por outro lado, propiciando a concentração de riquezas.

É esse panorama que propicia o surgimento das obras de Karl Marx e Friedrich

Engels, que criticaram o modelo de propriedade liberal burguesa. Marx propõe, entre outras

coisas, a supressão da propriedade sobre os bens de produção, qualificando com homo

_______________________

13 “A premissa capital do Estado Moderno é a conversão do Estado Absoluto em Estado Constitucional; o poder

já não é das pessoas, mas de leis. São as leis, e não as personalidades, que governam o ordenamento social e

político. A legalidade é a máxima de valor supremo e se traduz no texto dos códigos e das constituições”.

(BONAVIDES, 2004, p. 29).

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hominis lupus (exploração do homem pelo homem) o fato de uma minoria da população deter

os meios sem os quais nenhum indivíduo pode trabalhar.

Para Marx, a propriedade privada pressupõe o conceito de trabalho exteriorizado e

do homem exteriorizado, ou seja, do trabalho estranhado e do homem estranhado. Segundo o

próprio autor,

A propriedade privada é o produto, o resultado, a consequência necessária do

trabalho exteriorizado, da relação externa (äusserlichen) do trabalhador com a

natureza e consigo mesmo. [...] em que da relação do trabalho estranhado com a

propriedade privada depreende-se, além do mais, que a emancipação da sociedade

da propriedade privada, da servidão se manifesta na forma política da emancipação

dos trabalhadores. (MARX, 2010, p. 87-88).

Como vimos, a propriedade privada é a expressão material-sensível da vida

humana estranhada. Para Marx, a suprassunção positiva da propriedade privada, como

apropriação da vida humana, é a superação de todo o estranhamento e, por conseguinte, a

emancipação completa de todas as qualidades e sentidos humanos.

No complemento ao caderno II dos Manuscritos, intitulado Propriedade Privada

e Comunismo, Marx, ao se referir à sociedade futura, define a relação da propriedade como a

“transcendência positiva da propriedade privada”, como “naturalismo plenamente

desenvolvido” e “humanismo plenamente desenvolvido”. Para Marx (2010, p. 105), essa fase de

desenvolvimento da humanidade em que os poderes essenciais do homem são plenamente

exercidos (O comunismo) é descrita como:

A verdadeira dissolução (Auflösung) do antagonismo do homem com a natureza e

com o homem; a verdadeira resolução do conflito entre existência e essência, entre

objetivação e autoconfirmação (Selbstbestätigung), entre liberdade e necessidade

(Notwendigkeit), entre indivíduo e gênero. (MARX, 2010, p. 105).

Como podemos perceber, em Marx, a supressão da propriedade privada é

condição sine qua non para a sociedade futura; pois só “o trabalho é a propriedade ativa do

homem” (IBIDEM, p. 29), e como tal é considerada propriedade interna que deve se

manifestar numa “atividade livre”. ”(MARX, 2010, p. 84). O trabalho é, portanto, específico

no homem como uma atividade livre, sendo contrastado com as “funções animais, comer,

beber e procriar” (IBIDEM, p. 83), que pertencem à esfera da necessidade, sem liberdade,

sem consciência.

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Marx difere propriedade privada de propriedade fundiária, a posse da terra, pois a

verdadeira propriedade privada é o trabalho não estranhado, trabalho livre.

A relação entre estranhamento, trabalho estranhado e propriedade privada é

central e decisiva nesses escritos de Marx, uma vez que só quando se entende o trabalho como

essência da propriedade privada é que se pode penetrar o movimento econômico como tal em

sua determinação real. Dessa forma, trabalho estranhado e propriedade privada se determinam

mutuamente, de tal maneira que a superação do primeiro implica a supressão da segunda, o

que se materializa num modo de produção que suplante o capitalismo, qual seja, o

comunismo. Nessa questão Marx (2010, p.105) é bastante claro:

Na condição de suprassunção (Aufhebung) positiva da propriedade privada, como

estranhamento de si (Selbstentfremdung) humano, e por isso apropriação efetiva da

essência humana pelo e para o homem. Por isso, trata-se do retorno pleno, tornado

consciente e interior a toda riqueza do desenvolvimento até aqui realizado, retorno

do homem para si como homem social, isto é, humano. Este comunismo é [...] a

verdadeira dissolução (Auflösung) do antagonismo do homem com a natureza e

com o homem; a verdadeira resolução (Auflösung) do conflito entre existência e

essência, entre objetivação e autoconfirmação (Selbstestätigung), entre liberdade e

necessidade (Notwendigkeit), entre indivíduo e gênero. É o enigma resolvido da

história e se sabe como esta solução.

Marx faz uma exposição relativamente rica e detalhada a respeito de sua proposta

de comunismo, com realização da superação, a um só tempo, da propriedade privada e do

trabalho estranhado e, portanto, do reencontro do homem com sua essência humana, e depois

realiza uma inflexão analítica, voltando a examinar a relação entre capitalismo, propriedade

privada e estranhamento. Senão vejamos em sua indagação:

que significação tem, do ponto de vista do socialismo, a riqueza das necessidades

humanas e, por isso, que significação tem tanto um novo modo de produção como

um novo objeto da mesma. Nova afirmação da força essencial humana e novo

enriquecimento da essência humana. No interior da propriedade privada, o

significado inverso. (MARX, 2010, p. 105).

Dessa forma, o novo modo de produção, o comunismo, fundado na superação da

propriedade privada, significa a afirmação da força essencial humana e o enriquecimento da

essência humana, um modo de produção baseado na propriedade privada, como é o

capitalismo, tem um significado inverso, ou seja, a negação da força essencial humana e o

empobrecimento da essência humana. Em outras palavras, no comunismo, ao serem negados

o estranhamento e o trabalho estranhado por meio da negação da propriedade privada, afirma-

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se a essência humana; no capitalismo, ao contrário, ao se afirmar a propriedade privada,

afirmam-se também o estranhamento e o trabalho estranhado e, por essa razão, se nega a

essência humana. Marx descreve a caracterização do operário produzido sob o reino da

propriedade privada e do trabalho estranhado e, portanto, do reencontro do homem com sua

essência humana, e depois volta a examinar a relação entre capitalismo, propriedade privada e

estranhamento.

Lembrando o que expressamos anteriormente a propósito do “ócio e negócio”,

podemos concluir que, na sociedade futura, haverá de ser recuperada a dignidade humana.

Isto porque o proprietário mais importante da nova sociedade deixará de ser o senhor ou o

nobre “ocioso” que sempre desprezara a atividade manual, mas o homem omnilateral14

.

Nos Manuscritos de 1844, quando analisa a propriedade privada como aquilo em

que se condensa a criação do trabalho humano alienado, e sua contribuição decisiva para a

definição de uma base social em que se impõe a unilateralidade humana, Marx acentua:

A propriedade privada nos faz tão cretinos e unilaterais que um objeto somente é

nosso [objeto] se o temos, portanto, quando existe para nós como capital ou é por

nós imediatamente possuído, comido, bebido, trazido em nosso corpo, habitado por

nós etc., enfim, usado. Embora a propriedade privada apreenda todas estas

efetivações imediatas da própria posse novamente apenas como meios de vida, e a

vida, à qual servem de meio, é a vida da propriedade privada: trabalho e

capitalização. (2010, p. 108).

Como podemos perceber, a propriedade privada nos deixa tão unilateral que a

dinâmica da vida social se submete aos imperativos não determinados pelos indivíduos, mas a

dinâmica da vida social fica determinada pelo movimento de valorização do capital, que

submete as pessoas a agentes da sua “vontade”.

____________________________________

14 O conceito de homem omnilateral se refere a uma formação humana oposta à formação unilateral provocada

pelo trabalho alienado, pela divisão social do trabalho, pela reificação, pelas relações burguesas estranhadas.

Enfim, esse conceito não foi precisamente definido por Marx, todavia, em sua obra, há suficientes indicações

para que seja compreendido como uma ruptura ampla e radical com o homem limitado da sociedade capitalista.

(SOUSA JUNIOR, 2010).

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2 O TRABALHO ESTRANHADO EM MARX

Como podemos ver, a sociedade capitalista, que tem como fundamento a

propriedade privada, se baseia no modo de produção cuja base está na acumulação de

riquezas. Desse modo, está em constante busca de maior lucratividade do capital na produção

de mercadorias. Para tal, a força de trabalho será explorada de forma a produzir maior lucro

por meio do trabalho estranhado como veremos a seguir.

Com efeito, a emancipação dos trabalhadores, que toma forma de emancipação do

homem, terá que suprimir essa propriedade privada, que é meio e resultado da exploração do

trabalho. A emancipação humana como totalidade dependerá dessa supressão. Conforme

anota Marx (2010, p. 88-89)

Da relação do trabalho estanhado com a propriedade privada depreende-se, além do

mais, que a emancipação da sociedade da propriedade privada etc., da servidão, se

manifesta na forma política da emancipação dos trabalhadores, não como dissesse

respeito somente à emancipação deles, mas porque na sua emancipação está

encerrada a [emancipação] humana universal. Mas esta [última] está aí encerrada

porque a opressão humana inteira está envolvida na relação do trabalhador com a

produção, e todas as relações de servidão são apenas modificação e consequências

dessa relação.

2.1 Aspectos Negativos do Trabalho

Como nos referimos no capítulo anterior, a concepção de trabalho desde o mundo

antigo teve sua perspectiva em sentido pejorativo como castigo, padecimento e sofrimento.

Basta lembrarmos alguns exemplos como o Mito de Sísifo1, em que o personagem que dá

nome ao referido mito num eterno retorno, sempre levando uma pedra até o cimo da

montanha como castigo de Zeus, ou ainda, como no relato bíblico sobre a expulsão do homem

do paraíso, em que Deus diz:

Porque atendeste à voz da tua mulher e comeste o fruto da árvore, a respeito da qual

Eu te tinha ordenado: ‘Não comas dela, maldita seja a terra por tua causa. E dela só

arrancarás alimento à custa de penoso trabalho, todos os dias da tua vida. Produzir-

te-á espinhos e abrolhos, e comerás a erva dos campos. Comerás o pão com o suor

do teu rosto, até que voltes à terra de onde foste tirado; porque tu és pó e ao pó

voltarás. 2

__________________________

1 – BULFINCH, Thomas, O livro de ouro da Mitologia: historias de deuses e heróis, 2006. p. 206.

2 _ Gn 3, 17-20. (grifamos).

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Somente na Modernidade a categoria trabalho assume outra perspectiva em

pensadores com Hegel, Feuerbach, Engels e o nosso autor, Karl Marx, que, com suas ideias

centradas no materialismo histórico dialético, entende o trabalho em sua dupla dimensão:

positiva, como fundamento da sociabilidade, atividade que gesta a sociedade como atividade

livre e consciente, como práxis humana, atividade criadora do novo (dimensão formadora do

homem) como vermos mais adiante, e em seu aspecto negativo, uma forma específica de

trabalho, não o trabalho em geral, mas o trabalho estranhado, que é o escopo deste capítulo

(dimensão deformadora do homem).

Ao analisar a concepção marxiana do duplo caráter do trabalho nos Manuscritos

Econômico-Filosóficos de 1844, aqui ressaltamos precisamente os aspectos negativos do

trabalho. Ou seja, se, por um lado, trabalho é a mediação ineliminável do ser humano, o

homem se faz a si e ao mundo pelo trabalho; por outro lado, na sociedade capitalista, o

trabalho assume a forma do estranhamento (Entfremdung), negação do homem, quando

assume a condição de trabalho morto (CHAGAS, 1994, p. 23-33).

Na quarta seção do Primeiro Manuscrito de 1844, Marx expõe sua concepção de

trabalho diferentemente das posições dos economistas políticos clássicos como: David

Ricardo (1772 – 1823), James Mill (1806 – 1873), Jean-Beptiste Say (1767 – 1832), Adam

Smith (1723 – 1790), Proudhon (1809 – 1865) e Saint-Simon

(1760 -1825), que só percebem

o trabalho em seu aspecto positivo, sobre o qual trataremos no próximo capítulo. Para

compreender, todavia, o conceito de trabalho e suas consequências para a classe trabalhadora,

é necessário, antes de tudo, compreendê-lo como fez Marx, com uma dupla possibilidade: na

condição de atividade produtiva emancipatória e na condição de atividade produtiva

estranhada.

Outra consideração necessária à análise aqui presente, no que diz respeito ao

estranhamento, ocorre em determinadas condições históricas. Precisamente por ser o

capitalismo o atual modo de produção predominante, consideramos essa base material como

ponto de partida para as devidas reflexões sobre a alienação do trabalho.

Também se faz necessário considerar que a atividade produtiva é um fator sem o

qual a existência humana não seria possível. Aqui defendemos a centralidade do trabalho para

a existência humana. Conforme sustenta Mészáros, “o modo de existência humano é

inconcebível sem as transformações humanas realizadas pela atividade produtiva”. Nesse

sentido, a atividade produtiva é o “mediador na relação sujeito-objeto entre homem e

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natureza” (MÉSZÁROS, 2006, p. 78), pois o produto do trabalho é a objetivação do homem.

Quando livre, o trabalho possibilita ao ser humano – um ser então objetivo – manifestar-se e

contemplar-se a “si mesmo num mundo criado por ele, objetivado, e não somente no seu

pensamento”. (MÉSZÁROS, 2006, p. I44).

Assim, uma vez considerado que o trabalho – como atividade produtiva – é a

mediação fundamental entre o homem e a natureza, a partir do momento em que o trabalho se

torna uma mercadoria, surgem mediações de segundo grau – tais como a propriedade privada,

a divisão do trabalho, a mercadoria, a troca, intercâmbio – que o “impedem de se realizar em

seu trabalho, no exercício de suas capacidades produtivas (criativas), e na apropriação

humana dos produtos de sua atividade”. (MÉSZÁROS, 2006, p. 78).

Dessa forma, haja vista a composição e o funcionamento da sociedade capitalista,

fundamentada na reificação3 do trabalho, ou ainda, no capital, entendido como uma relação

social de dominação baseada na estrutura hierárquica do trabalho, ele se torna uma atividade

penosa e de sofrimento, uma atividade estranhada pelo homem.

Marx estudou profundamente, em 1843, os clássicos da Economia Política e, nos

Manuscritos de Paris, ele nos revela o caráter ideológico da Economia Política de conteúdo

clássico, pois esta não compreende a historicidade da propriedade privada, ou seja, a toma

como um fato natural e trata o trabalhador como mercadoria. Para Marx, o ponto de partida é

outro, pois ele parte de uma dada forma particular de produção, a sociedade industrial

moderna, e critica a unilateralidade da economia política clássica, que vê somente o lado

exterior e produtivo do trabalho. Assim sendo, Marx desmascara a alienação que está na base

da sociedade burguesa.

A Economia Política, segundo Marx, não enxerga as contradições entre trabalho e

capital. Como vimos, o ponto de partida dos economistas políticos é a sociedade burguesa e

sua objetividade. Eles apenas expressam as leis do trabalho estranhado.

Citando o próprio Marx (2010, p. 79),

_______________________

3 Considerar algo abstrato como coisa material. Representar o ser humano como objeto físico privado de

qualidades pessoais ou de individualidade. De acordo com Marx, considerar o trabalho como uma mercadoria

(commodity) exemplifica a reificação do indivíduo. Transformar o homem ou algo em coisa - objeto de consumo

(ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo, Mestre Jou, 2009).

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A economia nacional parte do fato dado e acabado da propriedade privada.

Não nos explica o mesmo. Ela percebe o processo material da propriedade

privada, que passa, na realidade, por fórmulas gerais, abstratas... Não

concebe estas leis, isto é, não mostra como têm origem na essência da

propriedade privada.

Deste modo, a economia política não vê a gênese histórica das determinações

sociais do trabalho. Marx, ao contrário, recusa toda e qualquer, robsionada4 econômica de

ficção que não explica a realidade histórica. Para Marx (2010, p. 80), enquanto a Economia

Política parte de um “estado primitivo que nada explica, ele simplesmente empurra a questão

para uma região nebulosa, cinzenta. Supõe na forma de fato, do acontecimento, aquilo que

deveria deduzir”. Marx chega a comparar, ironicamente, esta relação da Economia Política

com a Teologia que explica a origem do mal pela queda do homem, pois, segundo ele, os

economistas políticos, pressupõem como fato histórico o que se deveriam explicar. Ou seja,

não são capazes de ver as suas determinações histórico-sociais.

O ponto de partida de Marx é outro: é o fato econômico real contemporâneo da

sociedade capitalista com todas suas formas de relações de trabalho estranhado e do homem

negado.

2.2 O Trabalho como Produção da Existência

O pensamento de Marx toma como ponto de partida a realidade em que vivem os

indivíduos, suas ações e o que produzem com base nessas ações, arriscando-se em

constatações obtidas em experiências comuns, e não por via de teorias sobre o real.

________________________

4 Robisonada . Refere-se ao mito fictício em que um homem vivia isolado de todos os outros. Para Marx, esse

homem civilizado, quando é transportado para uma ilha deserta, leva consigo a dinâmica de sua sociedade, e

mesmo a sua produção individual não é nada além do que mais um produto de sua sociedade, fruto da história de

sua produção social. Ele não cria, não interage com o meio novo em que vive, apenas repete aquilo tudo o que

aprendeu burguesa e religiosamente. O termo robsionada se refere a Robinson Crusoé, romance escrito

por Daniel Defoe e publicado originalmente em 1719 no Reino Unido. É uma obra autobiográfica fictícia em

que o personagem-título, um náufrago que passou 28 anos em uma remota ilha tropical próxima a Trinidad, encontra canibais, cativos e revoltosos antes de ser resgatado.

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Para Marx (2010, p. 27), “O primeiro pressuposto de toda a história humana é,

naturalmente, a existência de indivíduos humanos vivos”. Portanto, em primeiro lugar,

devem-se constatar as organizações materiais dos indivíduos entre si e a natureza que os

cerca. O homem deve ser pensado no seu todo como indivíduo físico.

Para Marx, podemos distinguir os seres humanos dos outros animais por vários

meios, como a consciência, a religião; mas o que o faz diferente de fato é que o homem

produz os próprios meios de viver. “Produzindo seus meios de vida, os homens produzem

indiretamente sua própria vida material”. (MARX, 2010, p. 27).

Com isso, Marx situa o

trabalho como atividade essencial do ser humano consciente5, e é a partir do trabalho que o

homem é capaz de produzir meios que garantam sua vida material, satisfazendo suas

necessidades principais, como alimentação, moradia, vestuário e as demais necessidades

surgidas ao longo da história. Sendo o indivíduo sujeito de sua história, o que ele é se

identifica com a sua produção. O homem é aquilo que produz, ou, em outras palavras, é o

produto do seu trabalho.

A maneira como cada nação desenvolve suas formas de produção influi em sua

relação com as demais, pois a produção se desenvolve com o aumento da população.

Pressupõe-se que, quanto maior a nação, maior também será sua produção. A produção foi se

desenvolvendo de acordo com o desenvolvimento das civilizações. Com o crescimento da

humanidade, cresce também o conhecimento. Com a necessidade de produzir mais, foram

surgindo também outros meios e instrumentos capazes de ir atendendo às novas necessidades

para o bem do homem.

_______________________

5 “O trabalho é antes de tudo um ato que decorre entre o homem e a natureza. O homem representa, ele próprio,

diante da natureza, o papel de uma força natural. As forças de que seu corpo é dotado, braços e pernas, cabeça e

mãos, são por ele postas em movimento a fim de se apropriar das matérias, dando-lhes uma forma útil à sua vida.

Ao mesmo tempo em que, através desse movimento, atua sobre a natureza exterior e a modifica, modifica

também a sua própria natureza e desenvolve as faculdades que nela estavam adormecidas. Não nos deteremos

neste estágio primordial do trabalho ainda não despojado do seu modo puramente instintivo. O nosso ponto de

partida é o trabalho sob uma forma que pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha faz operações

semelhantes às de um tecelão e a abelha confunde, pela estrutura das células de cera, muitos arquitetos hábeis.

Mas o que, logo de início, distingue o pior arquiteto da abelha mais habilidosa é que ele construiu a célula na

cabeça antes de a construir na colméia. O resultado a que chega o trabalhador preexiste, idealmente, na

imaginação do trabalhador. Não muda apenas a forma das matérias naturais; realiza, ao mesmo tempo, o seu

próprio objetivo de que tem consciência, que determina como lei o seu modo de ação e a que deve subordinar a

vontade. E esta subordinação não é momentânea. Durante toda a sua duração, além de esforço dos órgãos que

atuam, a obra exige uma atenção firme que não pode resultar senão de uma tensão constante de vontade”.

(MARX, 1986, p. 27).

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Outros fatores também importantes nas relações entre as sociedades são os

intercâmbios, tanto internos quanto externos, e a divisão do trabalho. “A divisão do trabalho

no interior de uma nação leva inicialmente à separação entre o trabalho industrial e

comercial de um lado, e o trabalho agrícola de outro, com isso a separação da cidade e do

campo leva à oposição de seus interesses”. (MARX, 2010, p. 29).

A divisão do trabalho começa, portanto, na propriedade tribal, sendo a família o

modelo para a divisão do trabalho, que Marx chama de escravatura latente. Ou seja, a

estrutura social segue o modelo da família na sua hierarquia: os patriarcas, os chefes das

tribos, depois os membros das tribos, e, por fim, os escravos. E esta divisão vai se

desenvolvendo de acordo com o aumento da população e de suas necessidades e com isso

também o desenvolvimento do comércio e do intercâmbio externo.

Depois desta fase ainda não desenvolvida da produção, em que o povo vivia de

forma muito simples, surge a propriedade comunal e estatal antiga, desenvolvida pela união

de várias tribos, formando cidades, algumas se organizando por meio de acordos, outras

mediante conquistas. Com esta nova maneira de organização, acompanhada de novas formas

de produção, continua a existir a escravatura. Desenvolve-se ainda a propriedade privada

móvel e, mais tarde, a imóvel, sendo esta subordinada à primeira. Os cidadãos em comum

dominam os escravos. Tendo sua propriedade privada em comum, eles devem permanecer

em associação perante os escravos. “Eis por que toda estrutura social baseada nesta

propriedade coletiva, e com ela o poder do povo no mesmo grau, decaem, na medida em que

se desenvolve a propriedade privada imóvel”. (MARX, 2010, p. 31). Com isso, está sendo

formada a relação de classes pela oposição de ideias entre campo e cidade, depois entre

Estados, uns demonstrando interesse pelo urbano e outros pelo rural.

Para Marx, todas as relações de exploração existentes na sociedade capitalista são

consequência do desenvolvimento da propriedade privada, iniciado na Antiguidade e

desenvolvido ao longo da história. De um lado, os dominadores, e do outro, o proletariado,

que em sua posição média não conseguiu o desenvolvimento autônomo.

A terceira forma de propriedade surge na Idade Média a propriedade feudal.

Diferentemente da Grécia e de Roma, a população passa a residir no meio rural e a viver do

trabalho agrícola. Esse desenvolvimento do feudalismo acontece num território preparado por

conquistas romanas, às quais a expansão da agricultura está inicialmente ligada. Com o final

do Império Romano e a conquista pelos bárbaros, as forças produtivas foram destruídas, tanto

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a agricultura, quanto o comércio e a indústria foram abalados e a população diminuiu. Ante tal

situação, sob a influência da constituição militar germânica, é que surge a propriedade feudal.

De modo semelhante à propriedade comunal e tribal, a propriedade feudal era uma associação

em face os opressores, só que, diferentemente dos escravos, os pequenos produtores feudais

eram produtores diretos.

A estrutura feudal da propriedade fundiária era semelhante à propriedade

corporativa das cidades. “Aqui, a propriedade consistia, principalmente, no trabalho de cada

indivíduo”. (MARX, 2010, p. 34). Fatores como a necessidade de associação contra a rapina

da nobreza associada deram origem às corporações, que desenvolveram na população uma

hierarquia semelhante à do campo.

A principal forma de trabalho, na época feudal, era o trabalho servil, ligado à

propriedade fundiária. A outra era uma forma própria de trabalho com um pequeno capital

que dominava o trabalho das oficinas. Ambas as formas estavam adequadas às relações de

produção limitadas à agricultura rudimentar e à indústria artesanal. “No apogeu do

feudalismo, houve pequena divisão do trabalho”. (IBIDEM, p. 35). Havia nos países oposição

de ideias entre campo e cidade, e na estrutura de Estado era forte a diferenciação de príncipes,

nobreza, clero e camponeses no campo, e de oficiais e aprendizes na cidade, portanto, não

houve nenhuma divisão importante. Tanto na agricultura, quanto na indústria, não havia uma

divisão do trabalho propriamente dita. A divisão de indústria e comércio só aconteceu quando

as cidades mais novas entraram em relação com a cultura das cidades mais antigas, onde essa

divisão já estava desenvolvida.

Com o surgimento do capitalismo, o trabalho se torna mercadoria a ser vendida,

enquanto, para Marx, ele deve significar a produção da vida. Queremos esclarecer que vida

aqui tem um sentido mais amplo, abarcando todas as manifestações humanas. A vida humana

com deliberação humana, eis a sua liberdade: algo incompatível com a existência do

trabalhador6 que vê sua vida produzida sob o caráter mediato da necessidade, da operação

física e da mera sobrevivência.

_______________________

6 A essência

humana se realiza no trabalho, ou melhor dizendo. O trabalho é a própria essência do homem. É,

pois, insustentável pensar a vida humana, ou qualquer forma de sociabilidade, sem o trabalho, sem objetivação.

(CHAGAS, 1994, p. 28, grifamos).

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2.3 Quando o Trabalho se Torna Negação: Trabalho Estranhado

Se, por um lado, trabalho é possibilidade de existência como será aprofundado no

próximo capítulo, quando veremos seus aspectos positivos, ele também é negação do homem,

quando trabalho estranhado.

A sociedade capitalista é regida por imensa acumulação de riquezas. Seu modo de

produção aparece como uma “coleção de mercadorias”. Sua constituição econômica se

compõe da classe trabalhadora, que produz a riqueza, da qual só recebe o suficiente para se

manter como classe trabalhadora, e dos capitalistas que se apossam dos valores produzidos e

lhes permite comprar a força de trabalho dos trabalhadores. Se, por um lado, se produz imensa

riqueza, de outra parte, a grande massa da sociedade é incapaz de se apropriar da produção.

Considerando essa configuração capitalista na qual a produção se destina à criação

do capital privado, as relações de trabalho assumem dimensões diversas da sua essência.

Assim sendo, o trabalho não representa mais uma atividade na qual o homem se educa e se

forma material e espiritualmente (dimensão formadora), mas um meio em que se estranha

da sua natureza, daquilo que produz, da sua atividade e de si mesmo (deformação do homem).

Nessa forma de organização social, o trabalho – atividade de autodeterminação do

homem, mediante a qual satisfaz necessidades e cria condições para a liberdade – transforma-

se em único meio pelo qual o homem garante sua existência. É nesse sentido que Karl Marx

destaca o caráter desumanizante do trabalho no capitalismo. Esse, como uma atividade

forçada, um sacrifício que o homem realiza em troca apenas da manutenção da sua vida. Sua

liberdade é suprimida e somente é gozada nas suas funções animais, como comer, beber e

procriar. Embora tais funções sejam igualmente humanas, se estas forem transformadas em

objetivo único, tornam-se componente puramente animal, pois o indivíduo se volta,

exclusivamente, para a garantia de satisfação da sua natureza orgânica. Assim, aquilo que é

humano transforma-se em desumano. Nesse caso, o trabalho representa para o homem a perda

de si mesmo, não mais atividade vital na qual manifesta sua vida genérica. Trata-se da

expropriação de sua própria vida (MARX, 2010, p. 80).

Observando as consequências do capitalismo, Marx percebe que, com a divisão

social do trabalho, a propriedade privada, a industrialização e o assalariamento, o trabalhador

foi, aos poucos, se distanciando dos meios de produção.

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Com a divisão de classes, aquele que nada possui é obrigado a sobreviver

vendendo a própria força de trabalho, com base em um contrato. Assim sendo, o proprietário

passa a comprar a força de trabalho do operário em troca de um salário.

O salário deve ser um valor equivalente à sobrevivência da pessoa e de sua

família, visto que a capacidade física com a qual ele desenvolve o trabalho vem do corpo. E

este corpo tem necessidades básicas para sobreviver, como alimentação, vestimentas e

moradia. O indivíduo trabalha para que, com o salário recebido, possa satisfazer as suas

necessidades e as de sua família.

O valor do salário do operário é calculado de acordo com suas necessidades de

sobrevivência; contudo, o valor dos bens necessários à sobrevivência depende muito da

realidade na qual o indivíduo está inserido, dos seus hábitos, dos seus costumes. Daí a

diferença do valor do salário de um lugar para outro. Outros fatores que ainda influenciam no

valor do salário são a natureza do trabalho e a habilidade do trabalhador. Certo também é que,

no cálculo do salário, deve também estar incluso o tempo que o operário gastou para adquirir

conhecimento suficiente para exercer tal atividade.

Para Marx, a força de trabalho não deveria ser vendida como mercadoria

qualquer, pois, diferentemente dos produtos que se gastam e até se acabam, a força de

trabalho tem valor de criação. É por isso que economistas como Adam Smith e David

Ricardo7 consideram o trabalho a principal fonte de riqueza das sociedades.

Marx assevera que tudo o que é criado pelo homem contém em si um trabalho

‘morto’, e que o valor da mercadoria deveria depender do tempo gasto em sua produção, das

habilidades individuais e das condições técnicas estabelecidas, concluindo que no valor da

mercadoria era incluído o tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção.

______________________

7 A obra desses economistas é fundamental para compreender a análise marxista da sociedade capitalista. O

contacto com a obra de Smith e Ricardo permitiu a Marx conhecer a fundo os mecanismos da economia

capitalista, os processos históricos que produzem acumulação de capital, além de lhe ter permitido explicar a

situação das classes sociais da sua época. Partindo de Adam Smith, mas contrariando o seu pensamento, Marx

estabelece uma ideia muito importante a respeito da estabilidade das leis econômicas: enquanto para Adam

Smith as leis econômicas da sociedade capitalista do seu tempo eram leis universais e necessárias, válidas para

todos os tempos e todos os tipos de sociedade, para Marx essas leis não tinham universalidade nem necessidade,

pois eram simplesmente leis próprias da sociedade capitalista e, portanto, durariam o tempo que esta durasse.

Marx estudou profundamente a obra destes economistas ingleses durante o seu exílio em Londres.

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Para o capitalista adquirir a matéria-prima, os instrumentos necessários para a

produção de determinado objeto e a mão de obra dos vários colaboradores, ele deve pagar por

tudo isso uma determinada quantia, quantia essa que será incorporada ao valor do produto.

Como, porém, o interesse do capitalista é o lucro, e na maioria das vezes o lucro

exagerado, ele tende a aumentar o preço do produto e a quantidade de produção. Com isso, o

operário é motivado a produzir sempre mais, até chegar ao limite de suas forças. Então, com o

aumento na quantidade de produção, o lucro do capitalista aumenta de forma demasiada, e a

renda desse trabalho ao capitalista, é inúmeras vezes superior ao valor pago ao operário.

Para chegar a obter a mais-valia, o capitalista procura aumentar mais e mais a

jornada de trabalho do operário que, muitas vezes interessado em melhorias no salário, que é

uma questão de segurança para o seu sustento e de sua família, se vê forçado a cumprir os

ditames do patrão como forma de manter seu emprego.

Com a modernização das indústrias e a substituição do trabalho humano por

máquinas, o número de operários tende a diminuir e a quantidade da produção a aumentar.

Desse modo, o trabalhador fica cada vez mais desvalorizado em relação às máquinas. E o

salário que recebe é, em muitos casos, inferior ao valor do objeto que ele produziu, o que o

impede de se beneficiar do próprio produto do seu trabalho, pois este lhe passa a ser estranho.

Marx identifica, nos próprios pressupostos da Economia Política, que a produção

do trabalhador se mostra de maneira estranhada. Esse estranhamento não é uma contradição

geral do trabalho e sim uma condição de uma determinada forma de relação objetiva que o

trabalhador tem com a produção. Consoante Marx (2010, p. 81),

A exteriorização do trabalhador em seu produto tem o significado não somente de

que seu trabalho se torna um objeto, uma existência externa fora dele, independente

dele e estranha a ele, tornando-se uma potência autônoma diante dele, que a vida que

ele concedeu ao objeto se lhe defronta hostil e estranha.

Marx localiza o estranhamento nessa relação do homem com a natureza. Se é

verdade que toda relação com a natureza é uma relação com um exterior, é igualmente

verdade que toda relação com a natureza ocorre pela mediação do trabalho, que, na

sociabilidade capitalista, é uma mediação meramente exterior entre homem e natureza. Se a

natureza independe do homem, na sociabilidade capitalista, o trabalho e o resultado do

trabalho igualmente independem, tornando-se para o homem mera relação exterior.

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Marx traz o conceito de trabalho estranhado em quatro dimensões: como

estranhamento a) na relação com o produto do trabalho; b) no próprio ato da produção; c) do

seu próprio ser genérico, e d) estranhamento do homem pelo próprio homem.

O estranhamento do trabalho consiste em o trabalhador, sem possuir os meios

necessários à realização do seu trabalho, vender sua força ao proprietário dos meios de

produção em troca de um salário. Com a separação entre o trabalhador e os meios de

produção, de um lado fica o capitalista, proprietário dos meios de produção, e do outro o

operário; esse, por sua vez, com única propriedade - a sua força de trabalho.

O trabalhador, ao vender o seu trabalho, que não lhe pertence mais, passa a ser

considerado mercadoria pelo proprietário. Com isso, o capitalista dono dos meios de produção

passa a possuir até mesmo a capacidade criadora do operário. Assim sendo, quanto mais o

trabalhador produz, mais desvalorizado vai se tornando. Conforme Marx (2010, p. 80),

O trabalhador torna-se uma mercadoria tanto mais barata, quanto maior quantidade

de bens produz. Com a valorização do mundo das coisas, aumenta direta a

desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz apenas mercadorias;

produz-se também a si mesmo e ao trabalhador como mercadoria, e justamente na

mesma medida que produz bens.

Significa dizer que o produto do trabalho não pertence mais ao produtor e até

mesmo o trabalho se torna propriedade do capitalista, que detém os meios de produção. Com

efeito, o trabalho torna-se uma “desrealização”, pois, sendo objeto à venda, ele não pertencerá

mais ao seu produtor.

Não pertencendo mais ao produtor, o trabalho torna-se para ele uma atividade

forçada, desgastante. Enquanto, para o proprietário, constitui uma fonte de prazer, “(...) tudo o

que aparece no trabalhador como atividade estranhada se manifesta ao não-trabalhador

como condição de estranhamento”. (IBIDEM, p.89 - 90).

Separado do trabalhador, o trabalho ganha certa autonomia. Assim, como o

trabalho não pertence mais ao trabalhador, igualmente o produto do seu trabalho também não

lhe pertence. Uma vez vendida a força de trabalho, o trabalhador não tem mais nenhum direito

sobre seu produto. Tal produto é propriedade do capitalista, dono dos meios de produção, que

comprou a força de trabalho por meio de um salário.

Assim sendo, a mercadoria passa a ter valor próprio. Não são levadas em conta as

condições do trabalhador. As relações de produção assumem a forma de coisas, perdendo-se o

conceito de trabalho social.

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O estranhamento do trabalho e do produto está muito ligado ao estranhamento do

homem em relação a si, à sua espécie e à natureza. O estranhamento do produto implica o

estranhamento do produtor e só acontece porque a atividade do produtor lhe é oposta.

De trabalhador, o homem passa a ser considerado uma mercadoria e a considerar

como tal os seus semelhantes. Quem não trabalha, não produz, não tem nenhum valor para a

sociedade do capital e para si próprio.

A condição de estranhamento em relação ao seu trabalho, ao produto do trabalho e

a si mesmo torna o homem estranhado em relação aos outros homens. Pela sua condição de

estranhamento, o homem passa a olhar para os seus semelhantes como uma ameaça. O outro

que poderia ser sua realização passa a ser uma limitação. Isso acontece, sobretudo, quando o

trabalhador se coloca em relação com o proprietário dos meios de produção, ao qual se sente

submisso. É partindo desses pressupostos que Marx propõe a abolição da propriedade privada,

pois, em toda formação social baseada na propriedade privada, o trabalho deixa de ser uma

atividade positiva, livre e consciente, com a qual o homem se identifica, e se transforma numa

atividade sob o controle de um outro, numa potência negativa, estranha e hostil do homem.

O Trabalho Estranhado8 está elaborado no primeiro manuscrito da obra,

Manuscritos Econômico-Filosóficos, que Marx escreveu no período de abril a agosto de

1844. Nele, Marx inicia sua reflexão sobre as formas privadas de produção com suporte nos

pressupostos da Economia Política, aceitando as leis e a terminologia inerentes a ela. Em

outras palavras, a propriedade privada, a divisão do trabalho, capital e terra, salários, lucro do

capital e renda, a concorrência, o conceito de valor de troca são os pressupostos fundamentais

trabalhados por Marx na sua reflexão sobre a sociedade industrial moderna.

Usando as palavras da própria Economia Política, Marx mostra que o trabalhador

foi reduzido a uma mercadoria, quer dizer, a uma miserabilíssima mercadoria, e que o estado

de miséria do trabalhador aumenta ou se amplia com o poder e o volume de produção; e

também que a acumulação do capital nas mãos de uma minoria, resultado da concorrência,

_______________________

8 Marx, ao se referir à categoria trabalho estranhado, vai além da análise antropológica e analisa em sua

condição particular, negativa, isto é, o trabalho determinado pelas contradições da propriedade privada na

sociedade burguesa do século XVIII.

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restabelece o monopólio; e que, enfim, a diferenciação entre capitalista e proprietário

fundiário como trabalhador industrial e trabalhador rural se converte em duas classes

“estanques”, ou seja, os possuidores de propriedade e os trabalhadores sem propriedade. É

assim que Marx inicia o primeiro parágrafo do “capítulo” Trabalho Estranhado, fazendo uma

síntese da reflexão sobre os capítulos anteriores a esse.

Se, por um lado, o trabalho é uma categoria ontológica na centralidade da

filosofia de Marx como atividade afirmativa da vida humana, e sua existência como indivíduo

e seu caráter social (pontos que aprofundaremos no próximo capítulo), por outro lado, ele se

exibe também como atividade de subsistência, de satisfação imediata de suas necessidades.

Desta forma, o trabalho se mostra como estranhamento, pois ele é expropriado dos seus

verdadeiros produtores, os trabalhadores. De tal modo, o trabalho perde sua condição

fundamental de atividade vital humana e se torna uma atividade estranhada que conduz o

homem à perda de sua essência ao objetivar-se nos produtos do trabalho.

Assim sendo, compreendemos o sentido ontológico do trabalho como mediação

ineliminável da vida humana em que se fundamentam a relação homem e a natureza,

apresentando a limitação física do ser humano. O trabalho só é possível socialmente e na

medida em que ele potencializa as capacidades humanas. Dito isto, entendemos o trabalho

como atividade exclusivamente humana, uma vez que a atividade dos animais carece de uma

teleologia, ou seja, é sempre uma atividade diretamente ligada às necessidades físicas de si e

de suas crias. O trabalho não é sempre, no seu sentido original, universal, um fazer repetitivo

e mecânico, como é caricaturado por Charles Chaplin no clássico filme Tempos Modernos,

mas uma atividade livre e consciente, mesmo em sua forma negativa como atividade

perniciosa e imposta que se expressa como reprodução e autovalorização do capital.

Segundo Marx, é o trabalho que produz objetos para outros; produz riquezas para

o burguês e miséria para o trabalhador. Como assegura nosso autor,

O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quando mais a

sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria

tão mais barata quanto mais mercadoria cria. Com a valorização do mundo das

coisas (Sachenwelt), aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos

homens (Menschenwelt). O trabalho não produz somente mercadorias; ele produz a

si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em que produz,

de fato, mercadorias em geral. (MARX, 2010, p. 80).

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Na sociedade burguesa, o trabalho aparece, evidentemente, em sua forma

estranhada. É por isto que, na sociedade do capital, é tão necessário um exército reserva de

mão de obra que pressiona sempre mais o mercado excedente de trabalhadores.

Marx compara o estranhamento do trabalhador ao seu trabalho com a alienação

religiosa, uma vez que, de modo geral e em sua existência, quanto mais o homem atribui a

Deus, tanto menos guarda para si mesmo. Como anota Marx (2010, p. 81),

O trabalhador encerra a sua vida no objeto; mas agora ela não pertence mais a ele,

mas sim ao objeto. Por conseguinte, quão maior esta atividade, tanto mais sem-

objeto é o trabalhador. Ele não é o que é o produto do seu trabalho. Portanto, quanto

maior este produto, tanto menor ele mesmo é. A exteriorização (Entäusserung) do

trabalhador em seu produto tem o significado não somente de que seu trabalho se

torna um objeto, uma existência externa (äussern), mas, bem, além disso, [que se

torna uma existência] que exista fora dele (ausserihm), independente dele e estranha

a ele, tornando-se uma potência (Macht) autônoma diante dele, que a vida que ele

concedeu ao objeto se lhe defronta hostil e estranha.

Os economistas burgueses absolutamente não se interessam pela condição

humana do trabalhador, nem pela relação dele com o seu trabalho ou com o produto de sua

atividade. Para eles, trabalho, mercadoria, salário e lucro são elementos abstratos, examinados

apenas do ponto de vista econômico nas contas das empresas. Neste processo de

estranhamento, há uma supervaloração do mundo das coisas em detrimento de uma

valorização do ser humano.

Os reflexos negativos do trabalho para o homem não interessam a tais

economistas. A eles só interessa o trabalho como capital, cujo valor é conforme a lei da oferta

e da procura. Para Marx, o estranhamento do trabalhador se expressa nas leis da Economia

Política, uma vez que, quanto mais o trabalhador produz, tanto menos tem de consumir;

quanto mais valor ele cria, tanto mais sem valor e mais indigno ele se torna; quanto mais

refinado o produto do seu trabalho, tanto mais deformado se torna o trabalhador; e quanto

mais civilizado o produto, tanto mais bárbaro fica o trabalhador. Ainda para Marx, quanto

mais poderoso o trabalho, tanto mais impotente se torna o trabalhador; quanto mais brilhante e

pleno de inteligência o trabalho, tanto mais o trabalhador diminui em inteligência e se torna

servo da natureza (MARX, 2010, p. 82).

Desta forma, para Marx, a Economia Política esconde a alienação na natureza do

trabalho, porquanto não examina a imediata relação entre o trabalhador (trabalho) e a

produção. É claro que, quando o trabalhador, com seu trabalho, produz maravilhas para os

ricos, por outro lado, produz a privação para si mesmo. Produz palácios para o burguês, mas

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ele próprio mora em casebre. O trabalho produz beleza, mas deformidades para o trabalhador.

Para Marx, na sociedade do capital “se substitui o trabalhador por máquinas e joga-se uma

grande parte dos trabalhadores para um trabalho bárbaro enquanto transforma outros em

máquinas”. (2010, p. 82).

O trabalhador, no entanto, é uma mercadoria especial, pois é um ser vivo, um

homem de necessidade e qualidade humanas. Ironiza Marx, porém, ser um capital vivo é o

infortúnio do homem – trabalhador porque ele só interessa ao capitalista o ponto de satisfazer

o interesse do capital, ou seja, como trabalhador e não como homem.

Por isso, Marx acrescenta que, para os olhos da Economia Política, o homem fora

do trabalha não existe, ou seja,

A economia nacional não conhece, por conseguinte, o trabalhador desocupado, o

homem que trabalha, (Arbeitsmenschen), na medida em que ele se encontra fora da

relação de trabalho. O homem que trabalha (Arbeitsmenschen), o ladrão, o vigarista,

o mendigo o desempregado, o faminto, o miserável, e o criminoso são figuras

(Gestalten) que não existem para ela, mas só para outros olhos, para os do médico,

do juiz, do coveiro, do administrador da miséria, fantasmas [situados] fora de seu

domínio. (MARX, 2010, p. 92).

Em consequência disto, a Economia Política se preocupa com a produção das

mercadorias, entre elas, o trabalhador, que para sua sustentação e reprodução, se paga um

salário; que, apesar de não constituir uma categoria analisada neste trabalho, lembramos

apenas que o salário entra na relação do trabalhador tão somente como uma necessidade do

trabalhador para mantê-lo durante o trabalho e de maneira que a raça dos trabalhadores não se

extingue. Dessa forma, o salário possui exatamente o mesmo significado que a manutenção de

qualquer outro instrumento produtivo; “assemelha-se ao óleo que se aplica a uma roda para

manter em movimento ou ao capim que se dá ao cavalo para que ele continue trabalhando” 8.

(IBIDEM, p. 92).

Assim bem figura a objetivação do trabalhador como perda e servidão do objeto.

A este momento do trabalhador que se perde como homem e se converte em coisa no ato

econômico da produção, Marx denomina de trabalho estranhado. Estranhado porque se torna

_______________________

9 Marx não considera que as categorias econômicas sejam naturais, pois elas ocorrem com a exploração,

ensejando as desigualdades, uma vez que o trabalhador no capitalismo torna-se uma simples mercadoria, torna-

se coisa. Para o capitalismo, o que importa é o lucro e não os problemas do trabalhador. Nessas condições, o

trabalhador não é visto como ser humano e sim como mercadoria.

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exterior ao trabalhador e é trabalho forçado que esvazia o homem de sua natureza humana,

em que a realização do trabalho surge de tal modo como desrealização que o trabalhador se

invalida até a morte pela fome. A objetivação revela-se de tal maneira como perda do objeto

que o trabalhador fica privado dos objetos mais necessários, não só à vida, mas também ao

trabalho. De onde se conclui que o trabalho se transforma em objeto. A apropriação do

objeto manifesta-se a tal ponto como estranhamento que quanto mais objetos o trabalhador

produzir tanto menos ele pode possuir e mais se submete ao domínio do seu produto, ou seja,

ao domínio do capital (MARX, 2010, p. 81).

2.4 A Diferença entre Alienação e Estranhamento

Para precisar estas categorias, faz-se necessário estabelecer a diferença entre

alienação e estranhamento, embora muitos marxistas, como Calvez (1962), Frederico (1995)

e Netto (2006), por vezes, usem estes termos como sinônimos. Optamos, no entanto, pelo

entendimento de autores como Lukács (1981), Mészáros (2006) e Chagas (1994), que

situam objetivação e alienação como complexo unitário distinto do fenômeno do

estranhamento. Ou seja, Lukács diferencia as categorias Entäusserung e Entfremdung como

aparecem nos Manuscritos, ambas traduzidas, indistinta e frequentemente, por alienação.

“Para uma Ontologia do Ser Social”, trabalho inconcluso de Lukács do final da

década de 1960, traz à tona o "momento basilar do ser social" sobre o qual "devemos ocupar-

nos detalhadamente do seu caráter geral: a objetivação do objeto e a alienação do sujeito,

que formam como processo unitário a base da prática de teoria humana”. (1981, p. 397).

Lukács indica ainda o caráter da relação deste complexo unitário com o fenômeno do

estranhamento quando nos diz que,

[...] o estranhamento pode originar-se somente da alienação [...]. Mas, quando se

enfrenta este problema, nunca se deve esquecer que ontologicamente a origem do

estranhamento na alienação não significa absolutamente que estes dois complexos

sejam unívoca e condicionalmente um só: é verdade que determinadas formas de

estranhamento podem nascer da alienação, mas esta última pode muito bem existir e

operar sem produzir estranhamentos. (1981, p. 397-8).

Para Lukács, a objetivação humana representa um movimento duplo, no qual, ao

mesmo tempo, se transformam a objetividade do objeto e a subjetividade do sujeito, que, por

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sua vez, se torna capaz de transformar a própria objetividade. Sobre esse ponto, assim se

expressa Lukács:

qualquer práxis social, sempre e ao mesmo tempo revela uma atividade de sujeitos

sociais, que - precisamente na sua atividade - não somente agem sobre um mundo

objetivo objetivando-o, mas simultaneamente transformam o ser mesmo de sujeitos

que põem objetivações. (1981, p. 401).

Essa transformação é possível porque "cada ato de objetivação do objeto da

práxis é, ao mesmo tempo, um ato de alienação do sujeito". (IBIDEM, p. 402).

A categoria da alienação, portanto, assume, na abordagem lukacsiana, o

significado de momento subjetivo da objetivação com todas as implicações individuais. O

estranhamento, por seu turno, aparece na tematização de Lukács, na situação em que o

indivíduo e gênero se desenvolvem sem sentidos contrários; ou seja, quando as objetivações

progridem na direção oposta das alienações. Como vemos nas palavras do Filósofo húngaro:

O desenvolvimento da força produtiva é necessariamente também o

desenvolvimento das capacidades humanas, mas – e aqui emerge plasticamente o

problema do estranhamento – o desenvolvimento da capacidade humana não produz

obrigatoriamente aquele da personalidade humana. Ao contrário: justamente

potenciando a capacidade singular pode desfigurar-se, desvalorizar etc. a

personalidade do homem. (1981, p. 562).

Pode-se observar que Lukács, nesta sua definição do estranhamento, sugere uma

emanação direta da personalidade humana do interior do processo produtivo em si. Melhor

ainda, seu entendimento da alienação como momento subjetivo da objetivação prevê,

justamente, que a base do estranhamento é o ato produtivo em si.

A investigação dos Manuscritos Econômico-Filosóficos, no entanto demonstrou

que, ao contrário do que acredita Lukács, não é o desenvolvimento das capacidades humanas

que produz direta e imediatamente a personalidade, mas a forma social na qual a produção e

reprodução da vida se realizam; ou seja, o fenômeno do estranhamento deriva de

determinadas relações sociais que se estabelecem entre os homens no engendramento de sua

existência e não no ato da produção em si.

Na leitura do primeiro Manuscrito, pôde-se acompanhar a análise de Marx acerca

do desenvolvimento do processo de alienação/estranhamento da atividade que acaba por gerar

a objetividade do trabalho na propriedade privada. No terceiro Manuscrito, foi possível

identificar a categoria Veräusserung, traduzida por venda, como a mediação que permite à

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exterioridade do trabalho em relação ao produtor (alienação) se transformar em inversão na

qual o produtor se subjuga ao produto (estranhamento).

Fato é que, no entanto, alienação e estranhamento, mesmo que distintas, são

categorias complementares. O estranhamento é a consequência necessária da alienação do

trabalho; a venda, para Marx (1844), é a mediação que atualiza esta inversão.

Portanto, como podemos ver nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, a alienação

aparece sempre vinculada ao estranhamento, enquanto uma dada forma do trabalho humano

se apresentar. Assim, é possível verificar que há de fato uma distinção

entre Entäusserung e Entfremdung nos Manuscritos, mas apenas como categorias que

guardam uma complementaridade entre si. A Entfremdung, ou estranhamento, é a

desrealização, e Entäusserung, é alienação. Em outras palavras, a alienação como

separação do homem de seu produto, sua atividade, do gênero e dos demais homens acaba

por gerar a Entfremdung - o estranhamento - do homem em relação ao produto, atividade,

gênero e dos homens entre si. Melhor dizendo, tal separação acaba por forjar o antagonismo

entre homem e produto, invertendo a relação de tal forma que o produto e a atividade se

tornam poderosos e estranhos perante os indivíduos. Onde o gênero e os demais homens

transformam-se de fins em simples meios de produção e reprodução da atividade humana.

Na formulação lukacsiana, no entanto, entende-se que Marx reconhece a alienação

como momento necessário da objetivação. O lado subjetivo da objetivação pode ser

identificado em várias passagens dos Manuscritos Econômico-Filosóficos. Dessa forma, a

categoria alienação é exteriorização, e quando o homem sai de si e se reencontra na

exterioridade consigo mesmo é pura objetivação, é efetivação e realização, pois o homem só

se realiza se exteriorizando. Assim sendo, ele se constrói pelo trabalho, enquanto

nos Manuscritos podemos traduzir Entfremdung como não retorno e não realização. Isto

ocorre quando o interior não corresponde ao exterior. O homem criou as coisas (sua

subjetividade), mas perdeu sua objetividade, pois ele não se apropriou de sua produção.

Dessa forma, todo processo de objetivação traz intrínseco o momento da

alienação, porém, nem toda alienação é um estranhamento; somente uma dada forma

particular da sociabilidade, cuja base é a propriedade privada dos meios de produção, “o

processo de objetivação traz consigo o momento do estranhamento, onde a objetivação surge

como “perda do objeto”, a atividade produtiva torna-se atividade que desrealiza e

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desumaniza o homem.” (CHAGAS, 1994, p. 28). Em outras palavras, a alienação é o

momento positivo10

da exteriorização do homem, enquanto o estranhamento é o homem

perdido de si mesmo e que se tornou objeto-coisa. Nesse caso, o homem está sob o domínio e

jugo de outro.

2.5 As Determinações do Trabalho Estranhado

Conforme esclarecem Marx (2010) e Mészáros (2006), o estranhamento na fase

capitalista pode ser entendido, como já dissemos, em quatro dimensões interdependentes: o

estranhamento do homem em relação ao produto do trabalho; o estranhamento da própria

atividade produtiva; o estranhamento do homem como membro de sua espécie – de seu ser

“genérico”; e o estranhamento do homem em relação aos outros homens.

2.5.1 O Produto do Trabalho

Analisando estas quatro determinações do trabalho estranhado, segundo Marx;

podemos ver que a primeira delas diz respeito à relação produto do trabalho, ou seja,

trabalho e objeto, pois os produtos da atividade humana adquirem autonomia ante o seu

produtor. O produto do trabalho é expresso como um objeto estranho que exerce poder sobre

o trabalhador. Essa relação é também a relação do trabalhador com o mundo sensível externo;

a natureza, que se impõe ao trabalhador como mundo hostil e estranho, é também

estranhamento da coisa. Nesse sentido, na produção capitalista, a objetivação do trabalho,

tanto aparece como perda do objeto que o trabalhador é despossuído dos objetos mais

necessários não somente à vida, mas também dos objetos do trabalho.

______________________

10 O homem ao objetivar-se na cultura, na arte, no Estado, na política, ao mesmo tempo se aliena. A alienação é,

pois, um momento necessário da objetivação, ou melhor, um momento insuperável da existência humana.

Precisamente uma das grandes dificuldades do marxismo contemporâneo consiste em não compreender a

distinção ontológica fundamental entre objetivação, alienação e estranhamento. A alienação, como dissemos a

partir das análises de Marx, é um momento indispensável da objetivação, enquanto que o estranhamento

corresponde a uma forma particular da objetivação que traz intrínseco em si o momento da perdição e da

despossessão do objeto pelo sujeito, isto é, o produto do trabalho lhe aparece como algo autônomo, alheio e

independente de sua atividade. (CHAGAS, 1994, p.28).

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O trabalho mesmo se torna um objeto, do qual o trabalhador só pode se apossar

com os maiores esforços. A apropriação do objeto tanto aparece como estranhamento, pois

quanto mais objetos o trabalhador produz, tanto menos pode possuir e tanto mais fica sob o

domínio do seu produto, do capital. Dessa forma, o trabalhador, ao se relacionar com o

produto de seu trabalho, este lhe aparece como “um objeto estranho”, “uma existência

externa” que se defronta com uma “potência autônoma diante dele”. (MARX, 2010, p. 80).

Não obstante, o estranhamento não se dá apenas na relação entre o sujeito e o objeto, no

resultado da atividade produtiva, mas também “e, principalmente, no ato da produção, dentro

da própria atividade produtiva”. (IBIDEM, p. 87).

A conclusão desta determinação é que o trabalho como objetivação laborativa

passa a ter existência fora do homem e é a ele hostil; ou seja, a relação do trabalhador com o

produto do seu trabalho é como objeto alheio que o domina.

2.5.2 O Ato da Produção

A segunda determinação diz respeito à relação trabalhador e atividade estranhada,

ou seja, o estranhamento do trabalho em relação ao ato de produzir. A atividade produtiva

não é expressa para o homem como constituinte das generalidades, mas é sacrifício,

mortificação, desrealização, atividade forçada e negação de todas as potencialidades. Assim

sendo, o trabalho se torna uma atividade penosa. A atividade produtiva aparece como não

pertencente ao trabalhador e a sua atividade, como miséria, enquanto a força do seu trabalho

assume o caráter de impotência.

A atividade do trabalhador, no entanto, é sua vida, porque o trabalho é vida. Este,

porém, se torna uma atividade voltada contra ele, independente dele, não lhe pertencendo. O

homem vai perdendo sua humanidade e se coisificando.

Com efeito, o trabalho é exterior ao trabalhador, quer dizer, não pertence à sua

natureza, portanto, ele não se afirma no trabalho, mas se nega a si mesmo, não se sente bem,

mas infeliz, não desenvolve livremente as energias físicas e mentais, mas se esgota

fisicamente e arruína o espírito. Por conseguinte, como bem expressa Marx, o trabalhador só

se sente em si, fora do trabalho, enquanto no trabalho se sente fora de si. Assim, o seu

trabalho não é voluntário, mas imposto, é trabalho forçado, não constituindo a satisfação de

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uma necessidade, mas apenas um meio de satisfazer outras necessidades. O seu caráter

estranho ressalta claramente o fato de se fugir do trabalho como o diabo foge da cruz (MARX,

2010, p. 83).

Desta forma, o trabalho assume o caráter negativo, pois é trabalho externo. É o

trabalho em que o homem se aliena e é um trabalho de sacrifício de si mesmo e de

mortificação. Assim sendo, essa exterioridade do trabalho para o trabalhador se caracteriza no

fato de que ele não é o seu trabalho, mas o de outro, não lhe pertence, mas pertence a outro,

ao capitalista.

Sendo esta a condição do trabalho, Marx chega à conclusão de que o homem

(trabalhador) só se sente livre ativo na suas funções animais – comer, beber e procriar, quando

muito, na habitação, no adorno – enquanto nas funções humanas se vê reduzido a animal. O

elemento animal torna-se humano e o humano animal. (IDEM, IBIDEM, p. 83).

Dito de outra forma, a segunda dimensão do estranhamento pode ser observada na

relação do trabalhador no interior do processo produtivo, na sua relação com sua própria

atividade, como uma atividade “alheia que não lhe oferece satisfação por si e em si mesma,

mas apenas pelo ato de vendê-la a outra pessoa” (MÉSZÁROS, 2006, p. 20).

Efetivamente, não é a atividade em si que lhe proporciona satisfação, mas uma

“propriedade abstrata dela: a possibilidade de vendê-la em certas condições”. (IDEM,

IBIDEM, p. 20). O trabalho se torna apenas um meio de existência para satisfazer carências

fora dele.

Por isto, podemos concluir que a relação do trabalhador à própria atividade é

como alguma coisa estranha que não lhe pertence. Sua atividade é vista como sofrimento, a

força como impotência, a criação como emasculação, a própria energia física e mental do

trabalhador, a sua vida pessoal, tudo é dirigido contra ele, independentemente dele, e não lhe

pertence (MARX, 2010, p. 83).

Tal como o estranhamento referido ao objeto, também no estranhamento a

atividade do trabalhador expressa o autoestranhamento, uma vez que a relação do trabalhador

com o ato da produção estranha o trabalhador a si mesmo, numa atividade que lhe é hostil e

na qual ele não se sente bem.

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2.5.3 O Ser Genérico

Conhecida a primeira dimensão do estranhamento no trabalho, que Marx chama

de estranhamento da coisa e a segunda, de autoestranhamento, podem ser então entendidas as

outras duas dimensões, consequências diretas e indiretas das duas primeiras, a saber: o

estranhamento do ser humano como membro de sua espécie, ou seja, o estranhamento, do

homem como ser genérico e o estranhamento do homem em relação aos outros homens, ou

seja, em sua sociabilidade.

A terceira dimensão do estranhamento do ser humano, que se concretiza por meio

do trabalho estranhado, faz “do ser genérico do homem, tanto da natureza quanto da faculdade

espiritual dele, um ser estranho a ele, um meio de sua existência individual”. (MARX, 2010,

p. 84). Em outras palavras, quando a atividade livre do homem é reduzida a apenas um meio,

“ele faz da vida genérica do homem um meio de sua existência física” (IDEM, IBIDEM, p.

84). Corroborando este pensamento, Mészáros: (2006, p. 20) nos diz que,

O terceiro aspecto – a alienação do homem com relação ao seu genérico – está

relacionado com a concepção segundo a qual o objeto do trabalho é a objetivação da

vida da espécie humana, pois o homem se duplica não apenas na consciência,

intelectual (mente), mas operativa, efetiva (mente), contemplando-se, por isso, a si

mesmo num mundo criado por ele.

Com efeito, ao situar o indivíduo isolado em primeira instância em relação à

humanidade, de forma imediata, a própria consciência de ser um sujeito histórico é perdida, e

a capacidade de “fazer história” é negada, uma vez que a contradição entre individuo e

humanidade conduz à aparente ideia de que a história já está constituída e, desta forma, é

limitada aos indivíduos. Isso é:

[...] traz a dissecação e a completa eliminação cética do sujeito histórico, com

consequências devastadoras para as teorias que podem ser construídas no interior

desses horizontes. Pois uma vez que o sujeito histórico é lançado ao mar, não apenas

a possibilidade de fazer, mas também de entender a história deve sofrer o mesmo

destino (MÉSZÁROS, 2006, p. 87).

Assim, podemos concluir que a terceira determinação do trabalho estranhado se

expressa na relação indivíduo e ser genérico, em que o homem se aliena de si mesmo como

ser genérico; ser para si, capaz de ter consciência de si mesmo como genérico, enfim, tornar-

se capaz de reconhecimento. Assim, o homem põe a natureza como mero meio de existência

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individual; pois, se a natureza é o corpo inorgânico do homem, fica este, então, estranhado de

seu próprio corpo por estar a natureza entendida como algo fora dele. A essência humana

torna-se estranha ao homem. Assim sendo, para Marx, “O homem é um ser genético no

sentido que ele se comporta perante si próprio como a espécie presente, viva, como um ser

universal e, portanto livre”. (2010, p. 83).

Ora, se o trabalho estranhado aliena, a natureza do homem aliena também o

homem de si mesmo de sua atividade, aliena igualmente o homem a respeito da espécie;

transforma a vida genérica em meio de vida individual. No trabalho estranhado, conforme

Marx (2010, p. 84),

A atividade vital, a vida produtiva, aparece agora ao homem como único meio de

satisfação de uma necessidade, a de manter a existência física. A vida produtiva,

porém, é a vida genérica. É a vida criando vida. No tipo de atividade vital reside

todo o caráter de uma espécie, o seu caráter genético; e a atividade livre, consciente,

constitui o caráter genérico do homem. A vida revela-se simplesmente como meio

de vida.

O fato é que, se por um lado, os animais vivem da natureza11

e são seres de

necessidades como o homem, por outro, os animais não se distinguem da sua atividade. O

específico do homem é, justamente, sua atividade consciente; é a capacidade prática de fazer

um mundo objetivo e de manipular a natureza inorgânica11

; é a confirmação do homem como

ser consciente. Por conseguinte, quando o trabalhador se confronta com o trabalho estranhado,

como um trabalho não típico de sua espécie, não próprio de seu gênero – o seu ser genérico

então se converte num ser estranho a ele próprio. De fato, o trabalho, como atividade livre e

consciente, que especifica o caráter genérico do homem e o distingue do animal, é negado e se

transforma em simples meio de subsistência, despojado e contraposto aos demais seres

humanos.

____________________

11 “Pode de distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou por tudo que queira. Mas eles

próprios começam a se diferenciar dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida, passo este que

é condicionado por sua organização corporal. Produzindo seus meios de vida, os homens produzem,

indiretamente, sua própria vida material” (MARX, 1984, p. 27).

12 Pelo trabalho, a natureza torna-se "o corpo inorgânico do homem", e o homem pode ascender à

consciência de si mesmo, não tanto como indivíduo, mas como "espécie de natureza universal” (Manuscritos Econômico-

Filosóficos - 1844). O trabalho também transforma o homem num ente social porque o põe em contato com os outros

indivíduos, mais de que com a natureza: desse modo, as relações de trabalho e de produção constituem a trama

ou a estrutura autêntica da história, cujos reflexos são as várias formas de consciência. No trabalho não alienado,

que não se tornou mercadoria , que ocorre na sociedade capitalista, manifesta-se o contraste entre a

personalidade individual do proletário e o trabalho como condição de vida que lhe é imposta pelas relações

das quais faz par te como objeto, e não como sujeito (MARX, 1984, p. 75).

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A atividade dos animais, mesmo a mais admirável, é a repetição instintiva e quase

mecânica de uma série de movimentos; por outro lado, ela é unilateral, limitada e ligada a

uma necessidade específica. Atinge a natureza, mas parcial e setorialmente, pois o animal não

se distingue da natureza. Ao contrário, a atividade do homem é radicalmente distinta da dos

animais, pois é consciente, finalizada, tem uma teleologia, ou seja, tem uma finalidade. De

fato, o homem só produz universalmente livre da necessidade física e só produz

verdadeiramente livre de tal necessidade. O homem produz toda a natureza; é livre perante o

seu próprio produto. “O homem sabe como produzir de acordo com o padrão de cada espécie

e sabe como aplicar o padrão apropriado ao objeto; desde modo, o homem constrói também

em conformidade com as leis da beleza”. (MARX, 2010, p. 85).

É com o trabalho que o homem desenvolve sua consciência e sua capacidade

técnica e espiritual, torna-se ser genérico, isto é, supera a individualidade fechada dos

animais, produz a existência e cria a consciência do seu ser social, chegando à condição de

“ser universal e livre”. Também é verdade que a atividade produtiva, a vida genérica do

homem, é negada no trabalho estranhado: “o trabalho estranhado reduz a auto-atividade, a

atividade livre a um meio, ele faz da vida genérica do homem um meio de existência física”

(MARX, 2010, p. 85).

2.5.4 O Trabalhador e os demais Seres Humanos

Finalmente, a quarta determinação do trabalho estranhado, segundo Marx, diz

respeito à relação do trabalhador com o outro, o capitalista. Esta é uma relação de estranheza

recíproca, pois o homem é alienado em relação ao outro homem. O outro, que deveria

expressar sua própria liberdade, se opõe como um obstáculo. Ou seja, é quando o homem se

confronta consigo mesmo no confronto com o outro homem. Cada indivíduo considera o

outro segundo o critério no qual se encontra no mundo do trabalho.

Enquanto Marx levou em consideração a relação do homem com a humanidade

em geral para formular a terceira dimensão de estranhamento, na quarta determinação, ele

considera a relação do homem com os outros homens.

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Segundo Marx: (2010, p. 85-86),

Uma consequência imediata disto, de o homem estar estranhado do produto do seu

trabalho, de sua atividade vital e de seu ser genérico é o estranhamento do homem

pelo (próprio) homem. Quando o homem está frente a si mesmo, defronta-se com

ele o outro homem. O que é produto da relação do homem com seu trabalho,

produto do seu trabalho e consigo mesmo, vale em relação do homem com outro

homem, como o trabalho e o objeto do trabalho de outro homem.

Este estranhamento está enraizado no estranhamento do homem com relação ao

produto do seu trabalho, à sua atividade vital e à sua vida genérica. Citando o próprio Marx,

(2010, p. 86) “O estranhamento do homem, em geral toda a relação na qual o homem está

diante de si mesmo, é primeiramente efetivado, se expressa na relação em que o homem está

para com o outro homem”.

De fato, produzir para os outros e não ter o controle sobre o produto do próprio

trabalho faz com que, por outro lado, o produto do trabalho alheio seja apropriado por outro,

que não são os deuses nem a natureza, mas o capitalista, dono dos meios de produção e da

propriedade privada. Se o produto do trabalho não pertence ao trabalhador, é um poder

estranho diante dele, então, isso só é possível porque ele pertence a um outro homem que não

o trabalhador. Se a sua atividade é para ele tormento, então deve ser gozo e alegria de viver

para um outro.

Se, contudo, trabalhador e capitalista são igualmente estranhados, as

consequências são diferentes: estranhamento para o trabalhador se manifesta como miséria,

sofrimento e desumanização, enquanto para o patrão, é riqueza, gozo e satisfação. Tal

estranhamento do outro se concretiza na sua relação de sociabilidade homem-homem em que

o trabalhador não se reconhece no outro.

Não obstante, o pensamento de Marx na obra em estudo sobre a alienação /

estranhamento e suas dimensões, este trabalho de nenhuma forma pretende esgotar todas as

categorias do trabalho em Marx, mas tem como propósito expor elementos para a reflexão da

categoria trabalho como formadora e, em determinadas condições, como deformadora do

homem.

Nos Manuscritos de 1844, o trabalho é considerado tanto em sua acepção geral

como atividade produtiva, a determinação ontologia fundamental da humanidade, isto é o

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modo realmente humano da existência, e em sua acepção particular, na forma da “divisão do

trabalho”, que é a base de toda a alienação.

Marx entende o trabalho não somente como trabalho estranhado, mas, como

exprimimos, o trabalho como a essência categórica13

do homem e seu ser genérico, aspecto

que abordaremos no próximo capítulo, intitulado “O Conceito Positivo do Trabalho”, quando

será visto o trabalho como fundamento da sociabilidade, ou seja, o trabalho como a base da

sociedade.

______________________

13 O trabalho, para Marx, não é apenas o meio com que os homens asseguram sua subsistência: é a próp r i a

e x i s t ê n c i a . A produção e o trabalho não são, pois, uma condenação para o homem:

consti tui o próprio homem, seu modo específico de ser e de fazer-se homem. E efetivação de sua vida.

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3. O CONCEITO POSITIVO DO TRABALHO.

O trabalho expressa a relação que os seres humanos estabelecem entre si e a

natureza. A execução do trabalho requer o emprego físico e mental. Esses esforços

transformam elementos da natureza em bens que satisfazem as necessidades humanas. Ao

realizar as atividades de transformação de elementos da natureza, os homens se relacionam

entre si. As relações de trabalho permitem diversas formas de organização do mundo do

trabalho, e, na sociedade capitalista, o trabalho assumiu uma forma muito específica: o

trabalho estranhado (como analisamos no capítulo anterior). Também vimos que, nos

diferentes períodos históricos, as relações de trabalho sempre foram carregadas de relações de

poder estabelecidas entre grupos antagônicos, sejam eles senhores versus escravos, patrícios

versus plebeus, burgueses versus operários.

A valorização do trabalho, contudo, se deu num período mais recente, e,

principalmente, com a difusão das ideias renascentistas e iluministas. No Renascimento

(séculos XV ao XVI), o trabalho passa a ser visto como um estímulo para o desenvolvimento

dos seres humanos, e como expressão da personalidade humana ao se tornar um criador por

sua atividade. Assim, é por meio do trabalho que os seres humanos preenchem suas vidas e

podem realizar qualquer coisa.

Nas sociedades modernas, intensificou-se a ideia de que todos têm que trabalhar e

fortaleceu-se a constante repressão à vadiagem. O trabalhador é impulsionado a exercer uma

atividade, mesmo que por um salário que mal paga sua alimentação. Desse modo, o trabalho

assalariado se impõe como condição de existência humana, na medida em que esta é a forma

de produzir instituída na sociedade contemporânea.

Foi com o Iluminismo, no século XVIII, que o trabalho foi exaltado ao lado da

técnica, quando o capitalismo se consolidava e surgiam as primeiras fábricas. Com os estudos

de economistas e filósofos, como John Locke (1632-1704), Adam Smith (1723-1790) e David

Ricardo (1779-1823), o trabalho passou a ser exaltado como fonte de toda riqueza, porém, é

em pensadores como Hegel (1770-1831), que encontramos esta positividade do trabalho,

pois, para ele, o trabalho é nossa ação real e útil sobre o mundo exterior e constitui,

necessariamente, a fonte inicial de toda riqueza material.

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Marx vai mais além, ao dizer que: “produzindo seus meios de subsistência, os

homens produzem indiretamente sua própria vida material”. (2010, p. 85). Ou seja, é por

meio do trabalho que o homem se torna livre; pelo trabalho, o homem domina a natureza e

mostra que está acima dela.

O trabalho é feixe de relações dos homens entre si. Com efeito, o trabalho tem

essa positividade, pois é fonte e fundamento da sociabilidade; é atividade que gesta a

sociedade como atividade livre e consciente. Trabalho é a mediação ineliminável do ser

humano, ou seja, o homem se faz a si e ao mundo pelo trabalho.

3.1 A Influência Positiva de Hegel - A Positividade Hegeliana do Trabalho como

Formação da Consciência

Sem dúvida os escritos de Hegel influenciaram profundamente o jovem Marx, que

absorveu dele a “concepção positiva do trabalho”, mesmo quando critica a relação hegeliana

do homem com a natureza e do homem com o homem.

Marx, como Hegel, enuncia que só os indivíduos emancipados e autônomos criam

bens e riquezas pelo trabalho, e é pelo trabalho que eles têm direitos à cidadania, a

participação na esfera do político e do jurídico. Com Marx temos um salto na dialética

hegeliana (A Dialética do Senhor e do Escravo) que só vê relação entre homem e coisa, mas o

homem não pode viver somente sujeitado; ele também é sujeito na relação homem - homem.

Assim sendo, a liberdade está no reconhecimento. Isto de certa forma foi antevisto por

Descartes (1596 - 1650), pois para ele, “o pensar pressupõe o SER, e o homem é um ser

constantemente se constituindo”. (1983, p.173).

Com Marx, porém, vemos que os seres humanos não se reconhecem como

sujeitos sociais, políticos, históricos, como agentes e criadores da realidade na qual vivem,

pois que, além de não se perceberem como sujeitos e agentes, os homens se submetem às

condições sociais, políticas, culturais, como se elas tivessem vida própria, poder próprio,

vontade própria e os governassem, em lugar de serem governadas por eles. Marx interessou-se

em compreender as causas pelas quais os homens ignoram que são eles os criadores da

sociedade, da política, da cultura e agentes da História. Interessou-se em compreender por que

os homens acreditam que a sociedade não foi instituída por eles, mas por vontade e obra dos

deuses, da Natureza, da Razão, em vez de perceberem que são eles próprios que, em

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condições históricas determinadas, criam as instituições sociais – família, relações de

produções e de trabalho, relações de troca, linguagem oral, linguagem escrita, escola, religião,

artes, ciências, filosofia – e as instituições políticas – leis, direitos, deveres, tribunais, Estado,

exército, impostos, prisões.

Na sociedade do capital, entretanto, só existe o não reconhecimento ou

reconhecimento falso; dominação onde cada um quer ser essência sem afirmar a

essencialidade do outro. Este papel, em Hegel, é assumido pelo servo que com base na própria

experiência, sai de si para ter relação com a consciência1. Dessa maneira, trabalho em Hegel é

exteriorização, contudo o indivíduo não é colado à sua natureza. Ele é o ser quando sai de si

(pelo trabalho) e se apropria da natureza. Na sociedade capitalista, porém, o trabalho é visto

só como negativo (como vimos no capítulo anterior) que cria valor de uso (mais-valia).

Os conflitos da sociedade capitalista não são vistos por G.W.F.Hegel; no entanto,

para Marx, o trabalho vai trazer o momento da liberdade, pois, ao dar forma ao mundo, o

homem vai dar forma a si mesmo. Nesse sentido, a liberdade só é alcançada pelo

reconhecimento do outro, onde o indivíduo se forma saindo de si e o servo está se

constituindo pelo trabalho; como afirmamos anteriormente, trabalho é feixe de relações.

Para Hegel, na Fenomenologia do Espírito, trabalho é visto como atividade em

que o homem está saindo - atividade positiva, como expressa Marx (2010, p.118):

Mas na medida em que Hegel apreendeu a negação da negação – conforme a relação

positiva que nele reside, como a única e verdadeiramente positiva, e conforme a

relação negativa que nele reside como o ato unicamente verdadeiro e como o ato de

autoacionemento de todo o ser -, ele somente encontrou a expressão abstrata, lógica,

especulativa para o movimento da história, a história ainda não efetiva do homem

enquanto um sujeito pressuposto, mas em primeiro lugar ato de produção, história da

geração do homem.

De acordo com Marx, Hegel não percebeu as contradições do trabalho positivo;

segundo ele; Hegel viu apenas o lado positivo, pois, na Fenomenologia do Espírito, Hegel

descreve a relação do homem com o trabalho como uma construção social do indivíduo. O

autor parte de um conceito puro, o conceito de reconhecimento, em busca de estabelecer a

_______________________

1 “Quer dizer; essas consciências ainda não se apresentaram uma para a outra, como puro ser-para-si, ou seja,

como consciência-de-si. Sem dúvida, cada uma está certa de si mesma, mas não da outra; e assim sua própria

certeza de si não tem verdade nenhuma, pois sua verdade só seria se seu ser-para-si ,lhe fosse apresentado como

objeto independente ou, o que é o mesmo, o objeto fosse apresentado como essa pura certeza de si mesmo. Mas,

de acordo com o conceito do reconhecimento, isso não é possível a não ser que cada um leve acabo essa pura

abstração do ser-para-si: ele para o outro, o outro para ele; cada um em si mesmo, mediante seu próprio agir, e

de novo, mediante o agir do outro”. (HEGEL, 1992, p. 128).

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verdade, melhor dizendo, é a partir do conceito de reconhecimento que Hegel quer chegar

num momento em que haja concordância entre a vida subjetiva e a objetiva. Para isso, faz um

esforço percorrendo um caminho que vai do puro reconhecer à eficácia do conceito na

realidade.

Embora seja apreendido um movimento que parte do indivíduo e termina na

consciência, em relação à desefetivação da vida alienada, é possível perceber que o

reconhecimento que acontece é unilateral, não é efetivo; no entanto, como sabemos, o

trabalho faz o lapidar do ser humano; não é a natureza colada, ou seja, ele está se

exteriorizando e sua consciência está se formando.

Conforme citamos, o trabalho é exteriorização do ser humano, desefetivação e

alienação, além de dependência, na medida em que a divisão do trabalho progride e cada vez

mais o trabalhador se torna unilateral e específico, algo que não ocorre somente no que diz

respeito às atividades do trabalho, mas incluindo as relações no âmbito das artes, da relação

consigo mesmo, tanto em sua vida animal quanto espiritual (vida amorosa, a vida que recorre

à religião). Quanto mais as divisões das atividades de produção aumentam, mais a tecnologia

se desenvolve para substituir o trabalhador. A produção dessa tecnologia não está no todo

social que Hegel pretende, mas é uma produção voltada contra os trabalhadores e a favor dos

senhores. Não é a pessoa que se volta contra a sociedade no jogo pela vida, é a sociedade

(como um conjunto de circunstâncias diversas) que se antepõe como obstáculo contra o

indivíduo. Há uma inversão e confusão entre o que “é” e o “como deveria ser”

Como consequência disso, temos que o estranhamento enseja ainda mais

resultados: a pessoa não pode apreender sua criação, porque esta pertence a um outro; o

operário está em oposição ao outro e isso, elevado ao todo social, significa um estranhamento

duplo: a pessoa que cria não reconhece o outro, pois é seu inimigo, e não reconhecendo o

outro não pode se encontrar como ser social. É a perda de si mesmo na generalidade das

relações, pois, enquanto o produto é destinado nas mãos de outro, esse outro tem a posse e

pode usufruir a coisa. Nesse contexto, para Hegel, é na posse e no uso da coisa que a vontade

de uma pessoa e a necessidade podem ganhar realização e liberdade.

Para Marx, contudo, a propriedade privada deixou o homem unilateral, uma vez

que a coisa só existe se é possuída e consumida, isto é, se for “usada”. Essa relação em Marx

é negativa e não são percebidas as necessidades do outro, que também não reconhece. A coisa

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deixa de existir imediatamente após ser produzida e só volta a ter vida quando é conquistada

no mercado – somente uma parcela mínima de todas as coisas fabricadas pelos homens

trabalhadores pode-lhes retornar e serem usadas. O processo é antagônico já em seu princípio;

o trabalho serve para satisfazer as necessidades das pessoas, mas essas necessidades são

impostas pela ordem. A satisfação vem na forma intermediária de salário, que tem o limite de

satisfazer a vida física nas mínimas condições. A pessoa perdida de si tem que levar sua vida

fazendo renúncias e despojamentos.

Portanto, diante do contexto de conformação das relações de produção

capitalistas, baseadas na divisão do trabalho, trabalho industrial voltado para a criação de

mercadorias, e com as degenerações causadas pela perda da vida criativa, Hegel concebe

acertadamente o homem efetivo como resultado do próprio trabalho. Com efeito, de uma

atividade estranhada só pode haver um ser estranhado e a sua deterioração. Hegel concebeu a

estranheza do trabalho, mas só em princípio - essa circunstância deve ser superada pelo

indivíduo por meio da positividade.

Por fim, a questão é que em Hegel os problemas reais são superados pelo agir da

razão no pensamento; mas o pensamento não pode ser livre se a realidade não estiver em igual

medida. Logo, chega-se por sua via do pensamento somente a uma situação “confortável”, à

mente que quer a satisfação na ordem da dominação, papel conciliador desempenhado pelo

Estado como esfera oposta à sociedade civil, mas não como visão das contradições das

próprias classes.

Enfim, sobre o trabalho, temos que o objeto fruto da exteriorização ganha

autonomia na vida social. Ao ser produzido, o produto “escapa” das mãos de seu criador e

“vai parar” na esfera das relações comerciais, a sociedade civil de Hegel; processo que

demonstra a movimentação da matéria que, pelo trabalho, é transformada em produto e

finalmente em mercadoria. Na esfera da sociedade civil burguesa, o produto submete a pessoa

porque sem o dinheiro não há como se servir da mercadoria. Segundo Marx (2010, p. 80),

A efetivação do trabalho é sua objetivação. Esta efetivação do trabalho aparece ao

estado nacional-econômico como desefetivação do trabalhador, a objetivação como

perda do objeto e servidão ao objeto, a apropriação como estranhamento, como

alienação.

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Conforme Hegel, quanto mais a pessoa produz, é a sociedade como um todo que

enriquece. O resultado, porém, é o contrário disso: o todo absorve os resultados dessa

produção, mas cada parte de maneira diferente, pois, com produto do trabalhador, maravilhas

são elaboradas e criadas, mas ao criador efetivo a imbecilidade e o cretinismo são sua

recompensa. O resultado é também o apoderamento das riquezas2 nas mãos de poucos, e isso

é um processo estranho, de oposição. Assim sendo, vê-se no seguinte trecho da

Fenomenologia do Espírito um ciclo de dominação:

O senhor, porém, é a potência sobre esse ser, pois mostrou na luta que tal ser só vale

pra ele como um negativo. O senhor é a potência que está por cima desse ser; ora,

esse ser é a potência que está sobre o Outro; logo, o senhor tem esse Outro por baixo

de si (...) (HEGEL, 1992, p.130).

Esta passagem é chamada por G.W.F.Hegel de Silogismo da Dominação. O ser é

o produto do trabalhador (o outro), produto que está acima dele. O senhor se apropria do

trabalhador e de seus frutos; ele se coloca acima de tudo e de todos.

Em Hegel, senhor e escravo (os dois) são consciências, porém o servo é uma

consciência que está se construindo (reconhecimento). Como dissemos anteriormente, o

indivíduo só é indivíduo quando é para si e para o outro (HEGEL, 1990, p. 126), porém, na

sociedade moderna eles são tomados como coisas; não há o reconhecimento do outro como

também um essencial. Essa positividade hegeliana é expressa na negação da negação, pois eu

só sou quando nego e afirmo o outro. A liberdade permite o reconhecimento, uma vez que

permite ao outro ser a consciência-de-si e ao sair ela se perde e ao se perder ela se encontra.

Essa negação da negação é uma afirmação do homem que se forma na autoconscência-de-si.

Por outro lado, a pessoa que tem a posse de outra possui também a atividade e

seus frutos. Nesse caso, Hegel admite que haja perda na vida efetiva do dominado revelada na

perda de forças físicas e mentais, na perda do tempo de vida, mas podendo ele se realizar

como homem, retirando a positividade dessa situação. Isso significa que, na alienação de si,

aliena-se também o trabalho de produção ou de prestação de serviço, enquanto alienável, mas

______________________

2 “A possibilidade de participação na riqueza universal, ou riqueza particular, está desde logo condicionada por

uma base imediata adequada (o capital); está depois condicionada pela aptidão e também pelas circunstâncias

contingentes, em cuja diversidade está a origem das diferenças de desenvolvimento dos dons corporais e

espirituais já por natureza desiguais”. (HEGEL, 1990, p.189).

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por um período limitado (HEGEL, 1990, p.78), pois, caso tal fato não ocorresse e o tempo

não fosse definido, o trabalhador estaria dando sua realidade inteira. Então, a possessão do

capitalista é dupla: é posse dos produtos e posse da pessoa enquanto ela exerce seu labor.

Portanto, a positividade pode ser entendida como o momento em que a pessoa se

cede à outra, contribuindo para à formulação apenas da vida alheia, entretanto, isso também

constitui o momento da negatividade que permite a fruição do dominado, uma vez que este,

ao construir para o outro, constrói também para si, mas isso é só a positividade relatada de

forma unilateral.

O desenvolvimento abstrato do trabalho leva a uma mecanização maior das

atividades, tornando desnecessária cada vez mais a presença do homem. No capitalismo, a

mecanização das atividades leva os trabalhadores a uma disputa maior entre si pelas

atividades que ainda restam. Com isso, os salários baixam para além do mínimo. Para Hegel,

o sistema de produção constitui um todo, no qual cada um faz para si e para os outros,

proporcionando uma riqueza geral, como concebe Smith (HEGEL, 2009, p. 75).

Nesse sentido, entendemos, o que é chamado de limitação, ou dado como modo

unilateral em Hegel, condiz essencialmente não às limitações teóricas do autor, mas ao nível

de desenvolvimento social que ele pode presenciar, pois se tratou de um período histórico em

que as forças produtivas ainda caminhavam para seus primeiros momentos mais explosivos.

3.2 Crítica aos Limites do Conceito de Trabalho em Hegel.

Nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, na seção intitulada Critica da Dialética

e da Filosofia Hegelianas em Geral, Marx critica Hegel no que ele chama de limites da

filosofia hegeliana, que não submete à critica o trabalho alienado. Segundo ele, o ponto de

partida de Hegel é o mesmo da moderna Economia Política. Assim sendo, concebe o trabalho

como a essência confirmativa do homem. Considera apenas o lado positivo do trabalho não o

seu aspecto negativo. O único trabalho que Hegel entende e reconhece é o trabalho intelectual

abstrato (MARX, 2010, p. 124).

No capítulo final da Fenomenologia do Espírito, de Hegel, intitulado O Saber

Humano, o homem é equivalente à autoconsciência3. Por conseguinte, toda a alienação se

reduz à alienação da autoconsciência, ou seja, o homem é olhado como um ser não objetivo,

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espiritualista. Consequentemente, a alienação da vida humana nada mais é do que a alienação

da autoconsciência. Assim sendo, a superação da alienação dá-se também na esfera da

consciência. Isto porque, como foi expresso, o único trabalho que Hegel entende e reconhece

é o trabalho intelectual abstrato. Para Marx, trabalho é atividade prática; diz respeito à práxis4

humana, é trabalho como dimensão histórico-social. É condição de possibilidade da

sociabilidade.

Na leitura critica de Hegel, Marx aduz não somente elementos negativos, mas

alguns elementos positivos, senão vejamos: O primeiro deles é a afirmação da autocriação do

homem. Marx nos apresenta o grande mérito de Hegel, quando diz: “A grandeza da

Fenomenologia hegeliana e do seu resultado final - dialética, a negatividade enquanto

princípio motor e gerador – é que Hegel toma, por um lado, a autoprodução do homem como

processo”. (2010, p. 123). Esta afirmação é para Marx absolutamente fundamental para a sua

concepção do homem. Se não depende de ninguém para existir como ser humano, o homem

identifica-se com a sua história, e é a sua história. Por isso, a natureza humana não é algo fixo

definitivo, é também histórica, isto é, mutável.

O segundo aspecto da concepção extraordinária de Hegel consiste em aprender a

natureza do trabalho e conceber o homem objetivo (verdadeiro, porque homem real), como

resultado do seu trabalho. Marx assegura-nos, contudo, que o homem pode se afirmar como

ser genérico – isto é, ser natural e humano - só na medida em que de fato põe em ação todas

as suas forças genéricas, pois “O que é possível apenas mediante a ação conjunta dos

homens, somente enquanto resultados da história –, comportando-se diante delas como frente

a objetos, o que, por sua vez, só em princípio é possível na forma do estranhamento”.

(IDEM, IBIDEM, p.123).

Nesta passagem, é assegurado o fato de que o homem só se manifesta como ser

humano à medida que exterioriza e objetiva os seus poderes específicos no trabalho material,

o qual, porém, só é possível como trabalho social, pois o homem precisa de outros para

_______________________

3 A questão principal é que o objeto da consciência nada mais é do que a consciência-de-si, ou que o objeto é

somente a consciência-de-si objetivada, a consciência-de-si como objeto. (MARX, 2010, p.124).

4 Com esta palavra (que é a transcrição da palavra grega que significa ação), a terminologia marxista designa o

conjunto de relações de produção e trabalho, que constituem a estrutura social, e a ação transformadora que a

revolução deve exercer sobre tais relações. Marx dizia que é preciso explicar a formação das ideias a partir da "práxis material", e

que, por conseguinte, formas e produtos da consciência só podem ser eliminados por meio da "inversão prática das relações

sociais existentes", e não por meio da "crítica intelectual” (MARX, 1984, p. 34).

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produzir. Ao tratar, porém as próprias forças objetivadas como objeto, isto é, algo alheio e

estranho, o homem torna possível à alienação.

Portanto, extraem-se desta passagem duas ideias: primeiro, a produção é essencial

para que o homem se afirme como ser humano. Segundo, enquanto produz em relação a

outros homens, escapa-lhe o controle do objeto produzido, trabalha em condições alienadas.

Seguindo estas considerações de Marx, podemos entender que, apesar de trabalhar

em condições alienadas, o homem não depende de ninguém, pois ele se cria. “O que se chama

história mundial é apenas a criação do homem através do trabalho humano, a emergência da

natureza para o homem, ele possui já a prova evidente e irrefutável da sua autocriação, das

suas próprias origens”. (2010, p. 114).

Enfim, o terceiro aspecto positivo da contribuição de Hegel, expresso na

Fenomenologia, é que Hegel concebe a autocriação do homem como processo e a objetivação

como perda do objeto, como alienação e abolição da alienação.

Assim sendo, esta concepção hegeliana da alienação da vida humana, como

alienação da autoconsciência, é limitada e parcial, segundo Marx, pois falta a relação entre o

homem e o seu mundo objetivo material; relação esta que nasce da práxis real do homem.

Marx tem uma posição crítica baseada da contradição capital-trabalho assalariado. Ele parte

do conceito e da estrutura dialética do processo de alienação e procura desvincular a alienação

da atividade da consciência para ancorá-la à atividade material prática do homem.

A crítica realizada por Marx em 1844 destacou um caráter monarquista em Hegel,

que buscava a conciliação do real com o racional, implicando que uma realidade contraditória

havia sido concebida como momento suprassumido, porque o Estado5 já aparecia com o papel

da realidade em ato que sabe e se reconhece algo possivelmente já acabado e incorporado na

figura do príncipe - embora isso fosse para Hegel a verdade se manifestando (no sentido da

categoria de conceito, ou seja, nesse caso, a realidade em conformidade com a mais

desenvolvida racionalidade).

______________________

5 - Hegel vivia sob o reinado de Frederico Guilherme III, e era professor de Filosofia da Universidade de Berlim,

circunstância que o deixava à mercê do poder estatal.

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Segundo Hegel, as carências6 só podem ser resolvidas com o trabalho, só pela

mediação do outro. Os homens satisfazem suas carências pelo aprimoramento dos meios. Na

medida em que vai se aprimorando a ciência e a técnica, elas vão se desenvolvendo, e o

trabalho se tornando menos personificado, mais universal, pois qualquer pessoa pode fazê-lo.

Para Hegel, o trabalho possui uma dimensão formadora, constituidora do

homem; Hegel adota uma concepção positiva do trabalho. Assim sendo, trabalho é visto

como mediação humana, na relação homem-homem. Portanto, trabalho é natureza

transformada para satisfazer às necessidades do homem.

A sociedade capitalista, contudo, possui como um de seus fundamentos a apologia

ao trabalho. Como expressa a fábula de La Fontaine A cigarra e a formiga, aliás, a sociedade

capitalista se afirma e tem vida no trabalho dos seres humanos. O trabalho, porém, não é

somente a atividade física diária e o salário como resultado. O processo do trabalho pressupõe

outras formas de relação entre o trabalhador e sua atividade e entre o trabalhador e os outros

trabalhadores. Marx, nos Manuscritos de 1844, assevera que Hegel apreende acertadamente a

essência do trabalho como exteriorização, transformação objetiva e esforço humano nos seus

escritos de 18067 e em 1821

8:

A mediação que, para a carência particularizada, prepara e obtém um meio também

particularizado é o trabalho. Através dos mais diferentes processos, especifica a

matéria que a natureza imediatamente entrega para os diversos fins. Esta elaboração

dá ao meio o seu valor e a sua utilidade; na sua consumação, o que o homem

encontra são, sobretudo produtos humanos, como o que utiliza são esforços

humanos. (HEGEL, 1990, p. 187).

Nesse trecho, o trabalho acontece quando há dispêndio e dispersão de atenção

(atividade consciente) e de força física, sendo que é um meio entre a necessidade que é

própria de cada ser particular (muitas das necessidades que estão além das biológicas, são

_________________

6 – “As carências e os meios tornam-se, como existência real, um ser para outrem, e, pelas carências e pelo

trabalho desses outrem, a satisfação é reciprocamente condicionada. A abstração que veio a ser uma

característica das carências e dos meios vem também a ser uma determinação das relações recíprocas dos

indivíduos”. (HEGEL, 1990, p. 185). 7 - Na "Fenomenologia do Espírito", Hegel discorre sobre o conceito da Consciência (a consciência a caminho

da consciência de-si) que representa o "vir-a-se-de-si" (o devir) da Ideia, ou seja, a passagem da Razão ao

Espírito; está prefigurada a dialética do saber. Trata-se da "tríade fundamental" da dialética hegeliana

(Tese/Ideia; Antítese/Natureza; Síntese/Espírito). Em resumo: para Hegel, o saber de si é sempre um saber do

outro e vice-versa. A consciência - que em-si, já é um saber - é sempre saber de algo. 8 –“Princípios da Filosofia do Direito”, publicado em 1820, embora a data na folha de rosto da edição original

seja de 1821. A Filosofia do Direito (como é geralmente chamada) começa com uma discussão do conceito

de livre arbítrio e demonstra que este só pode ser entendido no complicado contexto social da propriedade

privada e das relações, contratos, compromissos morais, vida familiar, economia e sistema legal. Uma pessoa

não é verdadeiramente livre, a menos que seja participante em todos estes diferentes aspectos da vida do Estado.

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determinadas pelo conjunto das relações pessoais) e a satisfação pessoal e social. Segundo

Hegel (2009, p. 178), “Há uma tal mediação do particular pelo universal, um tal movimento

dialético, que cada um, ao ganhar e produzir para sua fruição ganha e produz também para

fruição dos outros.”

Quando uma carência humana é satisfeita, deve-se remeter ao processo que a

possibilitou, isso é, a carência está concebida como algo particular ligado ao social, à

satisfação da mesma forma pelo trabalho de um e de muitos.

Além da concepção do trabalho como transformação objetiva, Hegel elabora uma

ideia da sociedade dividida em classes, sendo que a classe industrial é aquela que realiza a

transformação do produto natural, dando satisfação às carências das pessoas, na sociedade, ou

seja:

Um organismo formado por sistemas particulares de carências, técnicas e trabalhos,

modos de satisfazer as carências, cultura teórica e prática, sistemas entre os quais se

repartem os indivíduos, assim se estabelecendo as diferenças de classes. (HEGEL,

1990, p. 190).

Tanto em Marx como em Hegel, as necessidades se fazem em sociedade e são

satisfeitas por ela mesma por meio da atividade de cada um, caracterizando relações de

dependências. A satisfação, contudo, é contraditória desde o princípio até o seu fim, há

problemas nos momentos do fabrico, da apropriação dos produtos, na distribuição etc. Nem

todos os indivíduos participam ativamente das etapas de produção, não são todos que

encontram satisfação, pois essa é uma circunstância essencial pela qual a sociedade capitalista

se reproduz: muitos se dedicando a elaborar as coisas e poucos usufruindo; este último fato se

refere à forma de distribuição dos produtos.

O trabalho em Hegel aparece como detrimento do trabalhador pela máquina: “em

suma, a abstração da produção leva a mecanizar cada vez mais o trabalho e, por fim, é

possível que o homem seja excluído e a máquina o substitua” (HEGEL, 1990, p. 188) e, com

Marx: “(...) o trabalhador baixou à condição de máquina, a máquina pode enfrentá-lo como

concorrente” (MARX, 2010, p. 27). No seio da própria classe trabalhadora, existe a

competição pela sobrevivência por meio do trabalho; pois, com a introdução das máquinas

nas fábricas para aumentar a produção e aperfeiçoá-la, tem-se a segunda competição: a dos

indivíduos com as máquinas, sendo que os primeiros perdem, porque as segundas não têm

carências de ordem social e biológica.

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Enquanto o trabalhador sofre a negatividade do trabalho, o senhor (para Marx, o

proprietário dos meios de produção) goza da positividade da criação de outrem. Isso pode ser

verificado em Hegel na Dialética do Senhor e do Servo, presente na Fenomenologia do

Espírito (HEGEL, 1992, p. 130). O proprietário utiliza mecanismos de dominação para

usufruir do trabalho de outrem, e essa relação, se elevada à generalidade social, indica a

dominação de um grupo pelo outro. Esses mecanismos estão presentes nas particularidades

das relações, por exemplo, quando o operário tem que se submeter ao capitalista para se

sustentar. Há, também, os desempregados necessitando de emprego – isso tudo, entre outros

fatores, enseja uma circunstância que age na pessoa e a obriga a se render aos desejos de

outra.

Com suporte nesse fato, é possível verificar que, para Hegel, o homem está sujeito

a ser submetido ao poder de outrem, acrescentando-se que essa submissão está associada à

própria noção de classes, que, para Hegel, estão divididas9 em: 1) classe substancial, 2) classe

industrial e 3) classe universal. A primeira é a camponesa, que sobrevive de seu trabalho na

terra; a segunda é a classe operária da indústria e da cidade, que transforma a natureza; a

terceira é a burocracia estatal e a classe dominante, capaz de pensar a universalidade10 11

social – inclusos os problemas da ordem da sociabilidade.

A universalidade há pouco citada, segundo Marx, é uma universalidade falsa na

qual os interesses da classe dominante são defendidos de acordo com o geral, ou seja, o todo

social serve para conservar essa classe dominante; é falsa pelo fato de que aparentemente essa

classe pensa nos problemas das outras; do contrário, Hegel dá a essa classe o papel de

organizadora da sociedade com a função de pensar o universal de forma conciliadora.

_______________________

9 A divisão do conjunto em classes, por si mesma, objetivamente, se realiza em uns porque é racional em si mas

o princípio da particularidade subjetiva não recebe o que lhe é devido, quando a repartição dos indivíduos em

classes é feita pelo Governo, como acontece no Estado platônico (República; liv.III), ou quando depende do

nascimento, como nas castas da Índia. (HEGEL, 1990, p.192/3).

10 “

o que há de universal e de objetivo no trabalho, liga-se à abstração que é produzida pela especificidade dos

meios e das carências e de que resulta também a especificação da produção e a divisão dos trabalhos. Pela

divisão, o trabalho do indivíduo torna-se mais simples, aumentando a sua aptidão para o trabalho abstracto bem

como a quantidade da sua produção. Esta abstração das aptidões e dos meios completa, ao, mesmo tempo, a

dependência mútua dos homens para a satisfação das outras carências, assim se estabelecendo uma necessidade

total. Em suma, a abstração da produção leva a mecanizar cada vez mais o trabalho e, por fim, é possível que o

homem seja excluído e a máquina o substitua”. (HEGEL, 1990, p.188).

11

“A universalidade, que é aqui o reconhecimento de uns pelos outros, reside naquele momento em que o

universal faz das carências, dos meios e dos modos de satisfação, em seu isolamento em sua abstração, algo de

concreto enquanto social”. (HEGEL, 19990, p. 185).

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Desse modo, Hegel justifica a desigualdade social, pois, se pelo trabalho se

produz riqueza, é natural que exista a desigualdade, porque os homens são desiguais,

portanto, justa. A desigualdade se dá pela capacidade, pela contingência (sorte), pelo

patrimônio da família e pela aptidão; no estado de natureza o que prevalece é a força. Somos

diferentes. Portanto, segundo ele, esta desigualdade é legítima.

Buscando sintetizar e clarificar os resultados, temos que a crítica ao sistema

capitalista às maneiras de relação estabelecidas entre as pessoas não consiste nos objetivos de

Hegel em seu livro. Muitos dos elementos tratados por G.W.F.Hegel, no entanto, avançam

além desses objetivos e adentram o campo da crítica, algo que é inevitável para aquele que

trata do campo das relações pessoais. Na Fenomenologia do Espírito, Hegel adverte para a

elaboração de sua obra, que deve ser vista em todo o seu processo. Assim sendo, na

Fenomenologia, que é um escrito de 1806, se fazem presentes muitos temas desenvolvidos e

retomados de maneira mais acabada no escrito de 1821; como questões relativas à produção

do conhecimento sob a perspectiva da atividade humana criativa como fundamento para a

formação humana, ainda que limitada ao âmbito ideal; porém foi de fundamental importância

para a concepção marxista do trabalho, que antes de desembocar na concepção metodológica

na “critica da economia política”, ainda passaria por uma crítica “antropológica” das

consequências negativas do trabalho para os produtores, desenvolvida por Marx nos

Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844.

Marx realizou diversas críticas ao sistema de Hegel, e são algumas das críticas,

presentes na obra de 1844, que abordamos muito brevemente aqui, como também aquelas que

fazem referência ao sistema de Hegel de maneira indireta. Retomaremos este tópico

posteriormente, mas aqui destacamos somente alguns fatores que comprovam a crítica de

Marx sobre Hegel e também ao sistema econômico.

3.3 Crítica Marxiana à Economia Política

Nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, Marx elaborou duas críticas, a primeira

como já vimos: a Crítica da Dialética e da Filosofia Hegelianas em Geral, e a segunda, a

crítica à Economia Política, que trataremos nesta seção. Aqui queremos ressaltar à

importância dessa crítica, em virtude da centralidade da vida econômica na vida social.

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Marx apresenta, na folha XXII dos Manuscritos Econômico-Filosóficos, pela

primeira vez sua crítica à economia nacional. Esse conceito designa, aqui, em Marx, a ciência

da Economia Política. Esta critica não é de cunho ético-humanista, é da ordem do real, como

afirmamos no início de nosso trabalho, é metodológica, uma vez que a Economia Política não

vai além do universo da sociedade capitalista; pelo contrario, ela vê a realidade como

expressão de leis eternas, isto é, não históricas.

Segundo Marx, o limite da Economia Política (economia nacional) é de não ir

além da análise abstrata dos fatores da produção, sem explicar o problema do homem que

trabalha. Marx insurge-se contra a noção parcial de trabalho da Economia Política, pois o

trabalho não é apenas força produtiva ou um dado na conta dos custos de produção – “O

trabalho aparece, na economia nacional, apenas sob a forma de emprego” (MARX, 2010, p.

30) - e logo aparece a contradição:

Diz-nos o economista nacional que tudo é comprado com o trabalho, e que o capital

nada mais é do que trabalho acumulado. Mas ele nos diz, simultaneamente, que o

trabalhador, longe de poder comprar tudo, tem de vender-se a si próprio e a sua

humanidade. (MARX, 2010, p. 28).

Portanto, o dono do trabalho não é o trabalhador, mas sim o outro. – “O

trabalhador torna-se uma mercadoria e é uma sorte para ele conseguir chegar ao homem que

se interesse por ele”. (IBIDEM, p. 24).

Para os representantes da Economia Política, na crítica marxiana, o trabalho é

tudo e o sujeito do trabalho (o operário/o trabalhador) é nada. “A economia nacional conhece

o trabalhador apenas como animal de trabalho, como uma besta, reduzida às mais estreitas

necessidades corporais” (IBIDEM, p. 31), e, consequentemente, pode-se propor a tese de

que, tal como um cavalo, deve receber tanto quanto precisa para ser capaz de trabalhar.

Segundo o nosso Filósofo alemão, a Economia Política não se ocupa do homem no seu tempo

livre como homem, mas deixa este aspecto para o Direito Penal, para os médicos, para a

religião, para as tabelas estatísticas, para a política e para o funcionário de hospício.

É assim que o valor do trabalho é completamente destituído se não for vendido a

todo o instante, pois

O trabalho não é suscetível nem de acumulação, nem mesmo de poupança,

diferentemente das verdadeiras mercadorias. O trabalho é a vida, e se a vida não se

permutar todos os dias por alimento, sofre e, em seguida, perece. Para que a vida do

homem seja uma mercadoria, é preciso, portanto, admitir a escravidão. (MARX,

2010, p. 36).

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Por conseguinte, “o trabalho é a mercadoria mais miserável que existe”. Esta

expressão de David Ricardo (1771-1823) bem figura isto que dissemos: “As nações são

apenas oficinas da produção, o homem é uma máquina de consumir e produzir; a vida

humana, um capital; as leis econômicas regem cegamente o mundo”. (MARX, 2010, p. 56).

Nesse sentido, podemos concluir que para Ricardo o homem é nada, o produto é

tudo. Com base nesta posição, Marx critica a unilateralidade da Economia Política, que vê só

o lado exterior e produtivo do trabalho, e desmascara a alienação que está na base da

sociedade burguesa e, mais em geral, de a toda sociedade burguesa. Para ele, a abolição

positiva da propriedade privada, tal como a apropriação da vida humana, constitui, portanto, a

abolição positiva de toda alienação, o regresso do homem à sua existência humana, isto é,

social12

.

A Economia Política, segundo Marx, não vê a contradição entre trabalho e capital.

O ponto de partida dos economistas políticos é a sociedade burguesa e a objetividade das

relações capitalistas. Eles apenas expressam as leis do trabalho estranhado. O ponto de

partida de Marx é outro: é o fato econômico real com todas suas formas de relações de

trabalho estranhado e do homem negado. Assim sendo, podemos concluir que a contradição

da Economia Política não é só contradição do discurso, mas do método também, pois a

própria realidade é contraditória.

Ao iniciarmos a análise da “crítica da economia política” de Marx, devemos ter

bem claro que não correspondem à obra de um economista no sentido particular, mas sim de

um filósofo materialista, que sempre parte da totalidade do ser social, tomando as categorias

econômicas como aquelas fundamentais da produção e reprodução do ser social, em razão da

prioridade ontológica na totalidade do ser. Marx (2010, p. 79/80) nos esclarece:

______________________

12 – A perspectiva da atividade humana criativa como fundamento para a formação humana, ainda que limitada

ao âmbito ideal, será de fundamental importância para a concepção marxista do trabalho, que, antes de

desembocar na concepção metodológica da “crítica da economia política”, ainda passaria por uma crítica

“antropológica” às consequências negativas do trabalho para os produtores, desenvolvida por Marx nos

Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844.

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Supusemos a propriedade privada, a separação de trabalho, capital e terra,

igualmente do salário, lucro de capital e renda da terra, da mesma forma que a

divisão do trabalho, a concorrência, o conceito de valor de troça etc. (...) Vimos

como inclusive a troca parece a ela um fato meramente acidental. As únicas rodas

que o economista nacional põe em movimento são a ganância e a guerra entre os

gananciosos, a concorrência. Justamente pelo fato de a economia nacional não

compreender a conexão do movimento, ela pôde novamente opor, por exemplo, a

doutrina da concorrência à doutrina do monopólio, a doutrina da liberdade industrial

à doutrina da corporação, a doutrina da divisão da posse da terra à doutrina da

grande propriedade fundiária, pois, concorrência, liberdade industrial, divisão da

posse da terra eram desenvolvidas e concebidas apenas como consequências

acidentais [...].

Nosso autor assevera, logo no início da folha XXII partir dos pressupostos da

economia nacional, aceitando suas leis e seus princípios. Aqui temos essa breve afirmação

com a apresentação de certos pressupostos metodológicos do próprio Marx. Ele pretende não

utilizar pressupostos aleatórios, mas parte dos pressupostos da própria Economia Política.

Partir dos pressupostos da própria Economia Política significa pretender ter origem em

pressupostos fundados na própria realidade 13

.

Marx diz que os conceitos da Economia Política (propriedade privada, capital...)

são tratados como se fossem categorias naturais, não históricas. Essa naturalização das leis da

Economia Política justifica a exploração do homem pelo homem, de forma que a Economia

Política não pode conceber a propriedade privada em termos genéricos, por isso compreende a

realidade regida por leis gerais e abstratas:

A economia parte do fato dado e acabado da propriedade privada. Não nos explica o

mesmo. Ela percebe o processo material da propriedade privada, que passa, na

realidade, por fórmulas gerais, abstratas, que passam a valer como leis para ela. Não

concebe estas leis, isto é, não mostra como tem origem na essência da propriedade

privada. (MARX, 2010, p. 79).

Por não lidar com categorias históricas, a Economia Política não compreende a

conexão do movimento (geral de totalidade), e toma como contraditórias ou acidentais as

consequências necessárias do desenvolvimento histórico-social.

________________________

13 – “Partimos dos pressupostos da economia nacional. Aceitamos a sua linguagem e suas leis. Supusemos a

propriedade privada, a separação de trabalho, capital e terra, igualmente do salário, lucro do capital e renda da

terra, da mesma forma que a divisão do trabalho, a concorrência, o conceito de valor de traça etc. A partir da

economia nacional, com suas próprias palavras, constatamos que o trabalhador baixa à condição de mercadoria e

a de mais miserável mercadoria, que a miséria do trabalhador põe em relação inversa a potência e a grandeza da

sua produção, que o resultado necessário da concorrência é a acumulação de capital em poucas mãos.” (MARX,

2010, p.79).

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As necessidades do trabalhador reduzem assim a necessidade de mantê-lo durante o

trabalho e de maneira que a raça dos trabalhadores não se extingue. Por conseguinte,

o salário possui exatamente o mesmo significado que a manutenção de qualquer

outro instrumento produtivo (...) assemelha-se ao óleo que se aplica a uma roda para

manter em movimento. O salário pertence, pois, aos necessários custos do Capital e

do capitalista e não deve exceder o montante necessário. (MARX, 2010, p. 92)

A lógica da Economia Política é, deveras, de um cinismo devastador, pois

produzindo o homem como mercadoria, acaba reduzindo-o ao nível de um ser espiritual e

fisicamente desumanizando. Assim se expressa Marx:

A produção não produz unicamente o homem como uma mercadoria, a mercadoria

humana, o homem sob a forma de mercadoria; de acordo com tal situação, produ-lo

ainda como um ser espiritual e fisicamente desumanizado... Imoralidade,

deformidade, hilotismo dos trabalhadores e capitalistas (...) o seu produto e a

mercadoria autoconsciente e activa... a mercadoria humana. (2010, p. 92).

Marx elogia, porém, a Economia Política, quando esta entende que o trabalho

produz riqueza e este em situação de não estranhamento enseja liberdade para as necessidades

do homem. Ele reconhece o avanço cientifico representado pelos economistas políticos, em

especial Adam Smith e David Ricardo, quando identifica no trabalho, em geral, a fonte

produtora de riqueza - “o capital é trabalho acumulado”. (MARX, 2010, p. 26); distintamente

dos mercantilistas, que atribuíam, por exemplo, ao acúmulo de metais, e dos fisiocratas, que a

limitavam ao trabalho agrícola.

Essa “positividade” do trabalho, no entanto, como atividade humana criativa,

transformadora da natureza e produtora de riqueza, é limitada pelas consequências negativas

que acarretam nos produtores diretos, os trabalhadores. O trabalho produz a riqueza (objetos);

quanto maior é a capacidade produtiva da indústria capitalista, maior é a pobreza do

trabalhador, isto é, o trabalhador não se apropria e, portanto, não se “reconhece” no produto

de seu próprio trabalho; por fim, o próprio trabalho vira um objeto de seu produto.

3.4. Positividade em Marx (Método da Inversão)

Não se pode negar a posição de Marx acerca da constituição social da vida

humana. Para ele, o homem é um ser objetivo que transforma a natureza por meio do trabalho.

Nessa transformação, ele se gera, ou seja, por via do trabalho, o homem se exterioriza ao

mesmo tempo em que se faz senhor da natureza e se determina como ser livre. O trabalho,

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nesse aspecto, é o processo fundante do devir dos homens, é o modelo de toda práxis social,

enfim, é a categoria fundante do ser social.

Com efeito, Marx se referir ao trabalho como criador de valor de uso, tendo como

finalidade suprir as necessidades humanas, histórico-social. Trata-se, pois, do processo que se

desenrola entre o homem e a natureza, isto é, da atividade do homem que o torna um ser que

pertence a uma espécie (ser social), e isso independe de qualquer forma social determinada,

sendo, portanto, válida para todas as épocas, como anota o próprio Marx ao falar do modo de

produção capitalista:

A produção de valores de uso ou bens, não modifica a sua própria natureza geral,

pelo fato de se realizar para o capitalista e sob o seu controle. Portanto, o processo

de trabalho dever ser considerado, num primeiro momento, independente de

qualquer forma social determinada (...). Antes de tudo o trabalho é um processo que

se desenrola entre o homem e a natureza, no qual o homem, por meio da própria

ação media, regula e controla seu metabolismo com a natureza (...). Atuando

mediante tal movimento sobre a natureza externa e modificando-o, ele modifica a

sua própria natureza (MARX, 1982, p. 220).

Percebe-se nesse trecho, que Marx tematiza o trabalho como atividade de

autoconstrução do homem, quer dizer, ele trata do trabalho em sua essência ontológica, como

possibilidade de desenvolvimento humano. Nele se edifica, pois, a passagem do ser

meramente biológico ao ser social. Lukács também compartilha com essa ideia ao exprimir

que a essência do trabalho constitui precisamente em ir além da fixação dos seres vivos na

competição biológica com seu mundo ambiente.

Em sua Ontologia do Ser Social, na parte que trata do trabalho, ele diz que este é

ponto de análise para se entender, em termos ontológicos, as categorias específicas do ser

social; “o salto qualitativo das espécies inferiores às superiores.” Daí porque, como diz

Lukács: “para entendermos o ser social e tudo o que é novo nele é metodologicamente

vantajoso começar com a análise do trabalho, ele é considerado o fenômeno originário, a

protoforma do ser social.” (LUKÁCS, 1981, p.78).

3.4.1 A relação do trabalho com o produto

Como nos referimos no capitulo anterior, Marx, nos Manuscritos Econômico-

Filosóficos de 1844, ressalta que o trabalho na sociedade capitalista é estranhado. A partir daí,

situa-nos quatro momentos do estranhamento do homem em relação ao trabalho que realiza.

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Primeiramente, nos fala do seu estranhamento com o produto do trabalho. Esse se configura

como um objeto que pertence a outro, embora sua vida esteja colada nele. A objetivação do

trabalho torna-se exterior ao homem, porquanto o que produz não será para si, mas para outro;

não satisfará suas necessidades, mas as de outro.

Na sua relação com o mundo externo sensível, o homem se relaciona com a

natureza para produzir os objetos. Nessa objetivação estranhada, contudo, a apropriação da

natureza origina desapropriação. Quanto mais o trabalhador produz, menos tem para si. O que

ele produz para si não é produto no qual concentra sua força, mas o salário, uma certa

quantidade de meios de subsistência. Sua atividade produtiva representa unicamente um meio

de ganhar dinheiro que lhe permitirá viver, ainda que seja como trabalhador. A perda do

objeto produzido será, para o homem, a perda de si mesmo.

Assim sendo, o homem se identifica com o objeto como própria atividade do

homem, ou seja, o homem faz o objeto e, dessa relação do homem com a natureza, o homem

constrói o mundo e ele (homem) sai de si e se apropria do objeto. O homem, porém, se

coisifica. O que vale são os objetos como se atrás das coisas não existisse o homem que faz e

este fosse independente, tivesse vida própria. Na sociedade capitalista aquilo que é produzido

não é apropriado pelo trabalhador e sim pelo não trabalhador em troca de salário, mas o

salário é apenas uma parte do que foi produzido.

Essa relação do homem com a natureza, contudo,não se expressa somente como

perda do objeto (produto) e perde de si mesmo (MARX, 2010, p. 83); o homem se exterioriza

nas coisas que produz.

3.4.2 O Trabalho Constrói o Produto

Do mesmo modo como o objeto que o homem produz se torna estranho a ele, a

atividade produtiva também é alheia. O trabalho, da forma como se expressa na sociedade

capitalista, não pertence à natureza do homem; não representa a satisfação das suas

necessidades, mas das de um outro, estranho a ele. O trabalho é a sua desumanização, esgota-

o e arruína seu espírito; esse é o momento de negação da formação física e espiritual do

homem como uma atividade realizada por ele, mas contra sua existência. Nesse sentido, Marx

acentua o estranhamento do homem em relação ao processo de produção.

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Sua estranheza evidencia-se aqui de [de forma] tão pura que, tão logo inexiste

coerção física ou outra qualquer, foge-se do trabalho como de uma peste. O trabalho

externo, o trabalho no qual o homem se exterioriza, é um trabalho de auto-sacrifício,

de mortificação. Finalmente, a exterioridade do trabalho aparece para o trabalhador

como se [o trabalho] não fosse seu próprio, mas de um outro, como se [o trabalho]

não lhe pertencesse, como se ele não pertencesse a si mesmo, mas a um outro.

(MARX, 2010, p. 83).

Como vimos, ao produzir, o homem sai de si, e mesmo no trabalho estranhado,

ainda assim, ele é livre na sua subjetividade e sua idealidade. Daí por que seu trabalho é

provido de um telos (tem uma finalidade) e é mediado pela práxis. O homem não é só um

sujeito sujeitado; ele se faz a si pelo trabalho. A atividade do trabalho é sua vida porque o

trabalho é vida. Então, pelo trabalho, temos a relação do homem com o homem por meio

também do produto do trabalho.

3.4.3 O homem se Vê em Feixe de Relações

A terceira determinação do estranhamento do homem em relação ao trabalho

concretiza-se na relação alheia que ele estabelece com o seu gênero. Nesse momento, a vida

genérica do homem se transforma em meio de vida individual. Diferentemente de afirmar-se

como ser genérico na transformação da natureza inorgânica, a vida genérica reduz-se à

individualidade. O individuo direciona todas as suas potencialidades para sua singularidade

imediata.

Quando o homem tem o objeto que produz, tirado de si e apropriado por outro,

tem também sua vida genérica subtraída. A objetivação da natureza não aparece mais como

seu produto, como realização de sua vida genérica. Assim,

Consequentemente, quando arranca do homem o objeto de sua produção, o trabalho

estranhado arranca-lhe sua vida genérica, sua efetiva objetividade genérica e

transforma a sua vantagem com relação ao animal na desvantagem de lhe ser tirado

o seu corpo inorgânico, a natureza. (MARX, 2010, p. 84).

Marx expressa aqui a relação do homem enquanto seu gênero/ universal, só o

homem é capaz desse reconhecimento; o animal não se reconhece no outro, pois ele não tem a

ideia do coletivo. Ao contrário, o homem é universal, vê-se na espécie.

Portanto, compreender o homem como Ser genérico é entendê-lo como humano e

universal, pertencente à formação do gênero, o gênero humano. A sociabilidade humana, no

entanto, é produzida e reproduzida constantemente e isso se expressa na consciência do ser

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genérico. Marx diz que um objeto só se torna humano para o homem quando é social e ele

próprio se torna para ele um ser no referido objeto; ou seja, pressupõe a espécie (universal) na

relação social do homem com o outro. Mesmo que o outro se apresente como uma ameaça, o

outro é um meio para atingir seus objetivos. Nesse feixe de relações está presente o trabalho

cooperado, uma vez que não existe o individuo isolado. Ele está situado na totalidade da

relação com a natureza e com o outro no trabalho cooperado. Assim sendo, temos esta

sociabilidade na relação do homem com o homem, uma vez que o homem não é só espírito,

mas é também um ser de necessidades.

3.4.4 Possibilita o Homem Ter Relações com o Outro

Como quarta determinação, encontramos o homem que, estranho ao próprio

homem, na medida em que o objeto produzido por ele pertencerá a outro ser estranho a ele.

Não será divindade ou outra força mística que se apropriará do objeto do seu trabalho, mas é o

próprio homem. O que é produzido será gozo para um e desprazer para outro. Tal fato

acontece porque o homem (capitalista) não se reconhece no próprio homem (trabalhador). Os

dois estabelecem uma relação de negação recíproca em que o homem se aliena do seu gênero

e se limita à individualidade. As relações entre os homens serão estabelecidas segundo o

padrão em que cada um se encontra.

Se ele se relaciona, portanto, com o produto do seu trabalho, com o seu trabalho

objetivado, enquanto objeto estranho, hostil, poderoso, independente dele, então se

relaciona com ele de forma tal que um outro homem estranho a ele, inimigo,

poderoso, independente dele, é o senhor deste objeto. Se ele se relaciona com a sua

própria atividade como uma atividade não-livre, então ele se relaciona com ela como

a atividade a serviço de, sob o domínio, a violência e o julgo de um outro homem.

(MARX, 2010, p. 87).

Então, é, pois na relação estranhada entre o trabalhador e o não trabalhador que

resultarão a apropriação de um e a não apropriação de outro. Esse processo de apropriação do

trabalho do outro tem como determinação ultima a propriedade privada, por meio da qual são

os meios de produção expropriados de uma grande parcela dos indivíduos, obrigados a vender

sua força de trabalho para sobreviver. Essa será posta a serviço da produção capitalista e

criará objetos dos quais não se apossará.

Na sociedade capitalista, que tem como fundamento a propriedade privada, seu

modo de produção se baseia na acumulação de riquezas. Dessa forma, está em constante

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busca de maior lucratividade do capital na produção de mercadorias. Para tal, a força de

trabalho será expropriada de forma a produzir maior lucro.

Nesse contexto, a emancipação dos trabalhadores, que toma forma de

emancipação do homem, terá que suprimir essa propriedade privada, meio e resultado da

exploração do trabalho. A emancipação humana como totalidade dependerá de tal ação,

(...) está aí encerrada porque a opressão humana inteira está envolvida na relação do

trabalhador com a produção, e todas as relações de servidão são apenas

modificações e consequências dessa relação. (MARX, 2010 p. 89).

Nos Manuscritos de Paris, Marx entende o trabalho não somente como trabalho

alienado, mas, como dissemos, ele concebe o trabalho como a essência categórica do homem

e seu ser genérico, onde o trabalho é fundamento de sociabilidade; ou seja, o trabalho é à base

da sociedade. E a vida produtiva é vida genérica, é a vida criando vida. A sociabilidade em

Marx é questão central, é a produção e reprodução da vida; ela produz para espécie enquanto

totalidade.

Para Marx, o início da Filosofia é o homem ente, natural e genérico, cujo ser não

está fechado como os seres inferiores. O homem só se realiza objetivando-se, pois que

O homem não é unicamente um ser natural; é um ser natural humano; quer dizer, um

ser para si mesmo, por conseguinte um ser genérico, e como tal tem de autenticar-se

e expressa-se tanto no ser como no pensamento. (...) E assim como tudo que é

natural deve ter a sua origem, também o homem tem o seu processo de gênese, a

história, que, no entanto para ele constitui um processo consciente e que assim,

enquanto ato de origem com consciência, se transcende a se próprio. A história é a

verdadeira história natural do homem. (MARX, 2010 p. 84).

Para Marx, a história humana é o lugar da mediação efetiva do trabalho como

elemento universal da socialização da humanidade, mesmo quando há uma humanização das

coisas e uma coisificação do homem, pois, antes de ser relação com a natureza, trabalho é

cooperado, é criação, é relação do homem com o homem e a vida humana não é dada por

imediato, precisa se exteriorizar, sair de si, projetar-se para se efetivar; pressupõe abstração.

Por sua vez, esta se realiza na relação do homem com os demais homens, ou seja, para Marx,

o homem é um ser universal e é pelo trabalho que o homem constrói o mundo para o próprio

homem. Pois, como sabemos, trabalho é atividade necessária que cria o mundo humano como

algo que não está preso à natureza.

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3.5 - Positividade do Trabalho com a Educação

Como vimos na seção anterior, pelo trabalho o homem constrói e reconstrói o

mundo, contudo, o homem é um ser inacabado que se constrói justamente através das relações

sociais; ou seja, o homem é um ser social que produz a si em sociedade, transforma a si e ao

mundo, num processo em que se afirma o caráter educativo da práxis humana. Neste sentido,

Mészáros (2006, p. 267) recorre ao pensador suíço nascido em 1493: “Na sua época,

Paracelso estava absolutamente correto e não está menos certo atualmente: “a

aprendizagem é a nossa própria vida, desde a juventude até a velhice, de fato, quase até a

morte; ninguém passa dez horas sem nada aprender””. Isto é verdade. Aprende-se com a

vida e na vida. Nessa dimensão o trabalho também se apresenta como “princípio educativo”14

.

Nos Manuscritos de 1844, Marx reforça a ideia de que o processo histórico da

sociabilidade humana é um processo educativo (da formação humana). “A formação

(educação) dos cinco sentidos é um trabalho de toda historia do mundo até hoje” (MARX,

2010, p. 110). Quando Marx afirma que a formação (educação) dos cinco sentidos é obra de

toda a história humana anterior, está justamente ressaltando o caráter processual do

desenvolvimento do homem, dos órgãos e da subjetividade humana, num processo de

transformação, cuja energia básica é a práxis humana, social e histórica.

A concepção de homem em Marx é fundamentada no âmbito das relações sociais.

Marx concebe a própria transformação do homem, ou seja, a construção histórica da sua

humanidade como processo de formação (educação) em que os homens (trans)formam-se nas

relações sociais que estabelecem e que têm como fundamento a atividade prática, produtora

da vida. Para Marx, então, o fundamento da história é a atividade humana, a práxis humana e

o trabalho.

______________________

14 Embora não sendo uma categoria examinada nessa dissertação, o trabalho como princípio educativo foi, sem

dúvida, um dos temas mais recorrentes no Brasil, nos anos 1980 e início dos 1990. No Brasil, o trabalho como

princípio educativo foi e vem sendo apreciado por um considerável leque de autores, entre os quais poderíamos

citar os mais conhecidos, como Saviani (1986 e 1994), Kuenzer (1988a, 1989, 1994), Frigotto (2001a, 2001b,

2002), Franco (1989), Machado (1989), Nosella (1989), Ferretti & Madeira (1992). No plano mundial, seguindo

uma tradição entre os marxistas, provavelmente Gramsci tenha sido o pensador que mais debateu o tema, sem

contar, é claro, Makarenko (1985) e também Pistrak (1981). Manacorda (1977), e Enguita (1993).

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Com efeito, se as relações sociais são a essência genérica do homem; se o trabalho

é atividade que produz materialmente a própria vida; e se o homem é um ser que se constrói

no conjunto das relações, num movimento constante, num processo infinito, então não há

como se recusar o caráter educativo imanente a toda a historia da formação do homem.

Se a categoria trabalho ilustra bem essa relação contraditória em face do processo

de formação humana - de um lado, a negação do homem e, ao mesmo tempo, criação de

possibilidade para a emancipação social - então, essa contradição, que perpassa toda a

sociabilidade estranhada, coloca-se também, logicamente, na perspectiva da educação.

Ao falar da nova sociedade, Marx nos diz que a revolução15

é autotransformação

do homem, é práxis humana, atividade finalista que intervém transformando as circunstâncias

em relação com as quais o homem se constrói. De tal forma, uma nova consciência só será

possível se houver uma transformação do homem, e se esse homem transformado, a partir do

qual pode surgir a nova consciência, apenas por meio de um movimento prático

revolucionário é que poderá emergir historicamente. Lembramos que o homem novo e a nova

consciência são interdependentes e ambos se constroem no processo educativo da práxis

revolucionaria.

Marx não está sozinho ao entender que a formação acontece também na prática

revolucionaria; Mészáros concorda com essa tese que defende a revolução como um processo

pedagógico, quando afirma que “a transcendência positiva da alienação é, em última análise,

uma tarefa educacional, exigindo uma revolução cultural radical para sua realização”.

(2006, p. 264).

Assim sendo, Mészáros reconhece em Marx uma perspectiva de educação que

ultrapassa as instituições formais. E assim se expressa:

_____________________

15 Marx e Engels, na obra “Ideologia Alemã” afirmam que: “tanto para a produção massiva desta consciência

comunista como para a realização da própria causa, é necessária uma transformação massiva dos homens que

só pode processar-se num movimento prático, numa revolução; que, portanto, a revolução não é só necessária

porque a classe dominante de nenhum outro modo pode ser derrubada, mas também porque a classe que a

derruba só numa revolução consegue sacudir dos ombros toda a velha porcaria e tornar-se capaz de uma nova

fundação da sociedade” (MARX E ENGELS, 1981, p. 51).

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As sociedades existem por intermédio dos atos dos indivíduos particulares que

buscam realizar seus próprios fins. Em consequência, a questão crucial, para

qualquer sociedade estabelecida, é a reprodução bem-sucedida de tais indivíduos,

cujos fins próprios não negam as potencialidades do sistema de produção dominante.

Essa é a verdadeira dimensão do problema educacional: “a educação formal” não é

mais do que um pequeno segmento dela. (MÉSZÁROS, 2006 p. 264).

Para o autor húngaro,

As relações sociais de produção reificadas sob o capitalismo não se perpetuam

automaticamente. Elas só o fazem porque os indivíduos particulares interiorizam as

pressões externas. Eles adotam as perspectivas gerais da sociedade de mercadorias

como os limites inquestionáveis de suas próprias aspirações. (MÉSZÁROS, 2006 p.

264).

Daí concluímos que, quanto mais profundo for o processo de transformação do

homem, tanto mais ultrapassará as limitações do desenvolvimento unilateral burguês, tanto

mais livre ele estará dos valores, ideologias e condicionamentos da sociedade do capital. Isto

porque, do mesmo modo que o trabalho estranhado, que nega o homem ao mesmo tempo em

que abre possibilidades para as relações de homens livres, assim também se coloca o principio

da união trabalho e ensino.

Esse homem livre de que Marx fala não é o homem fora do trabalho, pois, uma

vez estabelecidas as relações de produção livres, entre indivíduos de uma sociedade

emancipada, em que todos são igualmente possuidores dos meios de produção e se tenha,

portanto, abolido a propriedade privada, tal principio continua como meio importante para a

formação do homem omnilateral16

.

Em outras palavras, nas relações livres, as novas formas de trabalho, não

alienadas, são fundamentais para a formação do homem, mas não esgotam o processo de

______________________

16 “O homem se apropria de sua essência omnilateral de uma maneira omnilateral, portanto, como um homem

total. (MARX, 2010, p. 108)”. Aqui queremos lembrar que “o conceito de omnilteralidade é de grande

importância para a reflexão em torno do problema da educação em Marx. Ele se refere a uma formação humana

oposta à formação unilateral provocada pelo trabalho alienado, pela divisão social do trabalho, pela reificação,

pelas relações estranhadas. (...) compreendido como uma ruptura ampla e radical com o homem limitado da

sociedade capitalista”. SOUSA JUNIOR, Justino de. Marx e a crítica da educação: da expansão liberal-

democrática à crise regressivo-destrutiva do capital / Justino de Sousa Junior. Aparecida, SP: Ideias & Letras,

2010.

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educação do homem livre17

. E esta transformação que ocorre no trabalho quando se passa do

“reino da necessidade” para o “reino da liberdade”, ou seja, se trabalho por um lado é simples

meio de vida, também é manifestação humana de atividade vital livre.

De fato, o modo como Marx reflete sobre o trabalho o define como a atividade

fundante para a constituição da humanidade do homem e como a atividade que detém a

primazia no processo de criação e transformação humana; sendo, portanto, responsável pela

própria construção e formação do ser social. Isto faz de sua tese sobre o trabalho uma

contribuição importantíssima para a reflexão sobre a educação. Ou seja, se para Marx o

trabalho é categoria fundante para se pensar a sociabilidade, esta, por sua vez, é em si uma

totalidade de relações objetivas de formação/educação.

Se o trabalho, como dissemos, é responsável pela criação das riquezas, é em torno

do trabalho e em função dele que se estrutura a sociedade desde o fundamental antagonismo

das classes sociais. Assim, Marx define o trabalho como a atividade que representa a condição

fundamental da existência humana. E a atividade vital, ontologicamente fundamental,

mediante a qual o homem se faz. Nesse plano de análise, o trabalho é plena positividade.

Sem deixar, porém, de ser a atividade vital, a condição para a existência humana

em geral, o trabalho adquire determinidades históricas concretas que se opõem à qualidade

destacada acima. Ou seja, além de ser atividade vital da humanidade, o trabalho passa a ser

também o pilar fundamental da sociedade negadora do homem. Nesse plano de análise,

diferentemente da anterior, e em oposição a ele, o trabalho adquire dimensão negativa muito

intensa, 18

como vimos no segundo capitulo (Trabalho Estranhado).

Analisando por este lado, o trabalho como manifestação humana, como atividade

não estranhada, é o fundamento para que se estabeleça uma relação positiva entre o homem e

______________________

17 Reforçamos esse argumento de Marx nos Manuscritos de 1844 onde se lê que “o tempo livre para poder criar

intelectualmente e saborear as alegrias do espírito”. (MARX, 2010 p. 112).

18 “O trabalhador, portanto, só se sente livre fora do trabalho...” (MARX 2010, p. 83). Isto, contudo, não

expressa a ideia de liberdade, como se o simples fato de se estar fora do trabalho indicasse liberdade, pois o livre

desenvolvimento do homem nas suas amplas possibilidades, como ser não alienado/estranhado e dotado de uma

formação verdadeiramente humana, onilateral.

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a natureza em que se tornam possíveis a naturalização do homem e a humanização da

natureza (MARX, 2010, p. 91). O trabalho é a condição a partir da qual as relações entre os

homens podem se apresentar como relações verdadeiramente humanas e o processo de

interiorização e exteriorização entre o homem e a natureza podem emergir como processo

construtor do homem onilateral. Para Marx o livre desenvolvimento humano dependia da

superação das barreiras objetivas impostas pelo metabolismo sócio-historico, o qual, no texto

de 1844, aparece ligado à

Suprassunção positiva da propriedade privada, ou seja, a apropriação sensível da

essência e da vida humana, do ser humano objetivo, da obra humana para e pelo

homem, não pode ser apreendida apenas no sentido da fruição imediata, unilateral,

não somente no sentido da posse, no sentido do ter. O homem se apropria da sua

essência onilateral de uma maneira omnilateral, portanto, como homem total. Cada

uma das suas relações humanas com o mundo, ver, ouvir, cheirar, degustar, sentir,

pensar, intuir, perceber, querer, ser ativo, amar, em fim todos os órgãos da sua

individualidade, assim como os órgãos que são imediatamente em sua forma como

órgãos comunitários , são (...) a apropriação da efetividade humana... (MARX, 2010,

p. 108).

Nota-se que a abolição da propriedade privada, bem como a superação da

totalidade do intercambio social estranhado, são postas como condição material para construir

as possibilidades do surgimento do homem onilateral que se constrói no seio de novas

relações sociais. Daí a absoluta inviabilidade da onilateralidade no âmbito da sociedade

burguesa. Nesse sentido, a onilateralidade seria uma ruptura nos níveis da moral, da ética, do

fazer prático, teórico, da afetividade; enfim, representa uma profunda ruptura com os modos

de subjetividade e vida social estranhadas.

Esse homem onilateral seria mais ou menos equivalente ao conceito de homem

rico que Marx põe no texto de 1844: “O homem rico é simultaneamente o homem carente de

uma totalidade da manifestação humana da vida. O homem, no qual a sua efetivação própria

existe como necessidade interior, como falta”. (MARX, 2010, p. 112). Aqui Marx discute a

riqueza humana com base na capacidade de desenvolver necessidades: um homem é tanto

mais rico quanto mais demanda manifestações humanas.

O homem onilateral é uma formulação da sociabilidade nova, emancipada,

portanto, é impossível a existência desse homem onilateral no seio de um intercâmbio social

estranhado. O homem onilateral é expressão de uma totalidade de determinações não

estranhadas, construídas no cotidiano da nova vida social, cujo fundamento é o trabalho social

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livre, o planejamento e a execução coletiva do trabalho, bem como a repartição justa dos

produtos do trabalho.

Para Marx, o trabalho é categoria fundante do ser social e garante a constituição

social da vida humana, de onde se conclui que o homem é um ser objetivo que transforma a

natureza através do trabalho.

Marx comenta que a mais bela música, por exemplo, não significa nada para o

ouvido amusical, Isto é, não constitui nenhum objeto, e sim somente na medida em que a

minha faculdade existe para ele “como capacidade subjetiva, porque para mim o significado

de um objeto só vai até onde chega o meu sentido (e um objeto só tem um significado

através de um sentido correspondente”. ( MARX, 2010, p. 127).

O processo de objetividade do trabalho só é possível mediante a teleologia19

do

homem. Uma cadeira, por exemplo, ganha a sua forma mediante o trabalho; tal forma só

surge a partir de uma prévia ideação, que é a articulação do subjetivo (homem) com o objetivo

(natureza). Dessa articulação, surge a produção do novo, proporcionando a mudança tanto da

consciência como do objeto. Portanto, a natureza nada produz por si, ela em si é apenas

potência do ato humano. E é nesse ato de transformação da natureza que o homem deixa a

condição de ser natural para tornar-se pessoa humana, ser social.

Nesse sentido, nosso autor nos assegura:

Uma aranha executa operações que se assemelha àquelas do tecelão, e a abelha

supera mais de um arquiteto com a construção de seus favos de cera, mas o que

distingue, a principio, o pior arquiteto da melhor abelha é o fato de ele construir o

favo na sua cabeça antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho

obtém-se um resultado que no inicio já estava presente na ideia do trabalhador, que

portanto já estava presente idealmente. (MARX, 1984, p. 202).

_______________________

19 O sistema marxiano e organizado em termos de uma teleologia inerentemente histórica – “aberta” – que não

pode admitir “fixidez” em nenhuma fase. (...) Na concepção de Marx, a história permanece aberta de acordo com

a necessidade ontológica específica da qual a teleologia humana automediadora é parte integral; pois não pode

haver nenhum modo de predeterminar as formas e modalidades da “automediação” humana (cujas complexas

condições teleológicas só podem ser satisfeitas no curso dessa mesma automediação), exceto reduzindo

arbitrariamente a complexidade das ações humanas à crua simplicidade das determinações mecânicas. Nunca se

pode alcançar um ponto na história no qual seja possível dizer: “agora a substância humana foi plenamente

realizada”. Pois uma tal determinação privaria o ser humano de seu atributo essencial: seu poder de

“automediação” e “autodesenvolvimento”. (MESZÁROS, 2006, p. 111; grifo do autor).

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Percebe-se aqui o trabalho como condição essencial, isto é, como o elemento

genérico do ser humano. O homem, por via da atividade consciente, é o único ser que trabalha

e é isto que o distingue do animal.

Nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, Marx diz que é pelo trabalho consciente

que o homem se torna um ser genérico, livre e universal; ao passo que a atividade animal é

apenas uma repetição vital, não se distingue dela, ao passo que o homem faz da sua atividade

vital o principio objetivo da sua vontade e consciência. “Da atividade vital consciente do

homem o distingue imediatamente do animal... justamente por isso ele (o homem) é um ser

pertencente a uma espécie. Ou melhor, ele é um ser consciente... somente por isso a sua

atividade é uma atividade livre”. (MARX, 2010, p. 84). Continuando essa passagem, Marx

diz que o trabalho estranhado reveste essa relação própria do homem, uma vez que ele faz da

sua atividade vital “somente um meio para sua existência”.

Para Marx, a criação de um mundo objetivo, a transformação da natureza

inorgânica, é a prova de que o homem é um ser pertencente a sua espécie em direção ao seu

próprio ser:

Certamente também os animais produzem, fabricam ninhos, habitações, como

fazem as abelhas, os castores, as formigas, etc. Só que o animal produz unicamente

o indispensável para si e para suas crias, produz de modo unilateral, ao passo que o

homem produz de modo universal. (MARX, 2010, p. 84).

Marx procura mostrar nesse trecho que o trabalho humano é um ato consciente,

tem uma teleologia. Aqui ocorre o processo da objetivação no trabalho, que é uma condição

necessária para a realização da ideação humana, onde se faz presente a alienação do homem

que, em certos casos, torna-se estranhamento. Segundo Marx, no entanto, o proletariado é

protagonista principal da luta contra o sistema de exploração da força de trabalho, contra o

individualismo da vida burguesa, contra o amesquinhamento da vida social, a moral hipócrita,

na luta pela liberdade, pela justiça, demonstrando um espírito solidário, enfim, o proletariado

representa a força social que pode esboçar determinadas propriedades que se configuram

numa certa forma embrionária das novas relações20

.

___________________________

20 A sociabilidade burguesa nega a humanidade do homem, mas, contraditoriamente, cria as condições para que

o homem oprimido e explorado proponha e lute pela superação dessa forma social opressora. E nesse sentido

Mészáros assinala: “As relações sociais de produção reificadas sob o capitalismo não se perpetuam

automaticamente. Elas só o fazem porque os indivíduos particulares interiorizam as pressões externas; eles

adotam as perspectivas gerais da sociedade de mercadorias como os limites inquestionáveis de suas próprias

aspirações. (...) Assim, a transcendência positiva da alienação é, em última análise, uma tarefa educacional,

exigindo uma “revolução cultural” radical para a sua realização”. (2006, p. 263).

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Marx observa as possibilidades do estabelecimento de novas relações entre os

explorados, ao acentuar que,

Quando os artesões comunistas se unem, vale para eles, antes de mais nada, como

finalidade a doutrina, propaganda etc. Mas ao mesmo tempo eles se apropriam,

dessa maneira, de uma nova carência de sociedade, e o que aparece como meio,

tornou-se fim. Este movimento prático pode-se intuir nos seus mais brilhantes

resultados quando se vê operários (ourives) socialistas franceses reunidos. Nessas

circunstâncias, fumar, beber, comer, etc., não existe mais como meios de união ou

como meios que os unem. A sociedade, a associação, o entretenimento, que

novamente têm a sociedade como fim, basta a eles, e a nobreza da humanidade nos

ilumina a partir dessas figuras endurecidas pelo trabalho. (2010, p. 146).

De onde se conclui que, para Marx, o proletariado, após alcançar um determinado

estágio de consciência, pode esboçar elementos embrionários das novas relações sociais,

principalmente por ser o sujeito que vive as contradições sociais do sistema capitalista.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Criticando as leis da Economia Política, Marx revela como ocorrem as relações

sociais, decorrentes do processo de trabalho, no sistema capitalista – o qual transforma as

relações sociais humanas em relações “sociais” entre coisas, já que nele os produtos do

trabalho e o próprio trabalho se tornam mercadorias. Trata-se aqui do fetichismo da

mercadoria e da consequente reificação das relações humanas.

Em nossa pesquisa, confirmamos que, para Marx, o trabalho é na sua essência

uma atividade criadora (formadora) do homem, ao mesmo tempo em que na sociedade

capitalista, baseada na propriedade privada dos meios de produção, o trabalho se transformou

em atividade de negação do homem, ou seja, negação da formação humana (deformadora).

Marx não nega o trabalho em si, mas nega a forma como ele se apresenta na

sociedade capitalista. Trabalho para ele é entendido como práxis humana, atividade criadora

do novo. De forma que o trabalho está carregado da capacidade de construir em eixo

estruturador da autoconsciência e de organização sócio-política dos trabalhadores. Trabalho é

uma atividade exclusivamente humana, haja vista possuir uma posição teleológica que torna o

homem capaz de primeiro planejar a atividade a ser objetivada, pressupondo, assim, a

existência de uma consciência capaz de relacionar-se com a objetividade do mundo.

Estamos certo de que a constituição da negação do trabalho estranhado passa

mesmo pelo entendimento de buscar o seu sentido original, que é o da produção da vida

humana e não a destruição dela. Portanto, nesta dissertação, buscamos resgatar a essência do

trabalho como fundamento ontológico do ser social e, portanto, negá-lo seria negar a própria

existência humana; uma vez que o trabalho é uma atividade social em que se relacionam não

só o homem e a natureza, mas também os homens entre si na produção de valores de uso

necessários à existência do homem. Também entendemos ser mediante o trabalho que o

homem se torna homem, ou seja, que ele supera sua animalidade caracterizada pela supressão

apenas de suas necessidades orgânicas.

Conclui-se, então, que o homem se torna homem na medida em que trabalha no

processo de transformação da natureza e na relação com os outros homens, pois, dessa

maneira, transforma sua própria existência com suas necessidades.

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No primeiro capítulo, onde tratamos da Propriedade Privada, vimos como esta,

torna o trabalho sua essência invertida no modo de produção capitalista, uma vez que, nessa

situação, o trabalho reduz-se a uma mera atividade estranhada ao homem, negando sua

própria constituição histórica, reduzindo o homem a um mero executor de tarefa que vende

sua força de trabalho em troca de uma abstração, de uma quantidade incerta de meios de

subsistência. Por conseguinte, o homem não tem só os meios de produção desapropriados,

como também a sua própria existência é expropriada.

No segundo capítulo, ao analisarmos o Trabalho Estranhado em Marx, vimos

que, para o nosso autor, em determinada situação (de exploração), o trabalho é deformador do

homem; quando negando sua natureza, o trabalho se constitui num processo de miséria da

maior parte da população em nome do prazer e do gozo de poucos. Isto fica claro, quando se

analisam as quatro determinações do trabalho estranhado apontadas por Marx nos

Manuscritos de 1844.

Nessa análise, pudemos compreender como se consolidam as relações do homem

com o trabalho, que, por sua vez, não podem ser desvinculadas da forma como se organiza o

modo de produção de determinada sociedade. No caso da sociedade capitalista, é regida por

imensa acumulação de riquezas, pois quem a produz não se apropria dela, uma vez que a

produção se destina à criação do capital privado. Enquanto isso, o trabalho assume dimensão

diversa da sua essência, de forma que o trabalho não representa mais uma atividade na qual o

homem se educa e se forma material e espiritualmente, mas um meio em que se estranha em

sua natureza, daquilo que produz, da sua atividade e de si mesmo.

Como nos referimos, na sociedade do capital, que se estrutura com base na

propriedade privada, o trabalho, que deveria ser atividade de autodeterminação do homem

mediante a qual satisfaz necessidades e cria condições para a liberdade, transformou-se em

único meio pelo qual o homem garantirá sua existência. Nesse sentido, Marx destaca o caráter

desumanizante do trabalho, pois, (o trabalho) torna-se uma atividade forçada, e será com

sacrifício que o homem o realizará em troca da manutenção da sua vida. Sua liberdade será

suprimida e somente será gozada nas suas funções de animal, como de comer, beber e

procriar. Embora tais funções sejam igualmente humanas, se estas forem transformadas em

objetivo único, tornam-se componente puramente animal, pois o individuo volta-se,

exclusivamente, para a garantia de satisfação da sua natureza orgânica. Assim, aquilo que é

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humano transforma-se em desumano (deformação do homem). O trabalho representará para

o homem a perda de si mesmo, não mais atividade vital na qual manifesta sua vida genérica.

Trata-se da expropriação de sua própria vida, haja vista que é por meio do modo

de produção que se estabelecem e se transformam as relações sociais de produção,

dependendo do seu grau de desenvolvimento e de sua constituição história.

Então, concluímos que, na realização do trabalho estranhado, a miséria do

trabalhador é o produto do seu próprio trabalho. Suas necessidades são limitadas àquelas

exclusivamente corporais, pois, para desenvolver seu espírito, é necessário tempo livre, ou

seja, estar fora da busca de suprir a sua materialidade imediata. Nesse sentido, o homem só se

realiza “fora do trabalho”, pois, no trabalho estranhado, fruto das relações estranhadas entre o

trabalhador e o não-trabalhador, o que resulta é a apropriação de um e a não-apropriação de

outro. Nesse processo que tem como determinação última a propriedade privada, o próprio

trabalhador se vê na condição de mercadoria que se vende em troca de salário, ou seja, ele

próprio se coisifica. Aqui temos bem claro o quanto o trabalho na sociedade do capital

assume o caráter de deformador do homem.

No terceiro capítulo, intitulado O Conceito Positivo do Trabalho, tendo como

base os estudos apontados nos capítulos anteriores, fizemos uma contraposição entre a

positividade do trabalho em Hegel e Marx, de onde se conclui que a natureza por si só nada

produz; assim, podemos dizer que existe uma relação dialética homem e natureza mediada

pelo trabalho. Ou seja, o homem transforma a natureza, subjugando-a numa ordem externa, ao

mesmo tempo em que a modifica por meio do trabalho. Nesse ato de transformação da

natureza, ele transforma a si próprio resultando na autoconstrução; em outras palavras, pelo

trabalho o homem forma a si e o mundo.

Assim, podemos dizer que a essência do homem é o trabalho, pois a essência

humana não é dada ao homem; não é uma dádiva divina ou material; não é algo que precede a

existência do homem. Ao contrário, a essência humana é produzida pelos próprios homens,

assim, o que o homem é, o é pelo trabalho. Em outras palavras, a essência do homem é um

feito humano, contudo, como sabemos, se a existência humana não é garantida pela natureza,

não é uma dádiva natural, mas tem de ser produzida pelos próprios homens, sendo, pois, um

produto do trabalho, isso significa que o homem não nasce homem. Ele forma-se homem. Ele

não nasce sabendo produzir-se como homem. Ele necessita aprender a ser homem, precisa

aprender a produzir sua própria existência. Portanto, a produção do homem é, ao mesmo

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tempo, a formação do homem, isto é, um processo educativo; em que a origem da educação

coincide, então, com a origem do homem mesmo.

Marx mostra a natureza viva do trabalho, do produto da produção e reprodução da

vida humana, cuja mediação é à sociabilidade que, por sua vez, só pode ser pensada, nesse

processo, pela dimensão da práxis humana.

Se Hegel reconheceu o trabalho como a essência do homem espiritual, Marx

colocou no lugar do trabalho espiritual abstrato a atividade material objetiva do homem

estranhado e a importância da mediação histórica do trabalho na formação do ser social.

Marx toma o trabalho como centralidade, uma vez que não se pode falar de

Estado, direito ou política sem se referir ao trabalho, pois o trabalho faz parte da

imediaticidade das pessoas, e isto não está superado e resolvido; ao contrário, a existência

humana se configura pelo trabalho. Para Marx, trabalho é fundamental, da juventude à

maturidade há nele uma concepção positiva e negativa do trabalho.

A crítica de Marx a Hegel é que este só viu o caráter positivo do trabalho, não

divisou as contradições do trabalho estanhado. Se por um lado, porém, não podemos negar do

trabalho às condições materiais da existência, de outra parte, ao afirmar o trabalho positivo,

Marx não está fazendo uma apologia ao trabalho estranhado, negador da liberdade.

Essa positividade é expressa no trabalho como atividade livre e consciente que é

próprio do ser livre e consciente. Atividade teleológica, com um fim e uma idealidade; assim

se configura o trabalho alienado (positivo) como atividade necessária, momento inalienável,

exteriorização do homem que sai de si; em outras palavras, não há trabalho sem alienação.

Diferentemente do trabalho estranhando que não realiza o homem, pois é trabalho negativo,

mecânico, repetitivo do homem estranhado de si, e do outro, e com a natureza.

Em Hegel e Marx, alienação não tem o caráter negativo, mas de exteriorização. Só

o homem é um ser do trabalho. O animal não trabalha porque sua atividade não é livre e

consciente. O animal também não tem linguagem. Jamais um macaco vai trabalhar, porque

ele não faz seus instrumentos e ferramentas. Assim sendo, trabalho não é mero fazer

mecânico, ele expressa, do homem, sua criatividade e sua espiritualidade.

Como vimos, o trabalho em Marx é fundamental no âmbito das relações sociais.

Marx concebe o trabalho como a própria transformação do homem, ou seja, a construção

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histórica da sua humanidade como processo de formação (educação) em que os homens se

(trans)formam nas relações sociais que estabelecem e que têm como fundamento a atividade

prática, produtora da vida. Nesse sentido, o trabalho forma o homem, pois ele é o que faz.

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