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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA VIDA E TRABALHO DAS MULHERES CATADORAS DE RESÍDUOS SÓLIDOS NO ATERRO MUNICIPAL DE MANAUS: UM OLHAR PARA A COMUNIDADE LAGOA AZUL MANAUS – AM 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E

SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA

VIDA E TRABALHO DAS MULHERES CATADORAS DE

RESÍDUOS SÓLIDOS NO ATERRO MUNICIPAL DE MANAUS:

UM OLHAR PARA A COMUNIDADE LAGOA AZUL

MANAUS – AM

2010

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WANJA SOCORRO DE SOUSA DIAS LEAL

]

VIDA E TRABALHO DAS MULHERES CATADORAS DE

RESÍDUOS SÓLIDOS NO ATERRO MUNICIPAL DE MANAUS:

UM OLHAR PARA A COMUNIDADE LAGOA AZUL

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia, área de concentração em Pesquisa Políticas Sociais e Sustentabilidade na Amazônia na Amazônia, sob a orientação da professora doutora Iraildes Caldas Torres.

MANAUS – AM

2010

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WANJA SOCORRO DE SOUSA DIAS LEAL

VIDA E TRABALHO DAS MULHERES CATADORAS DE RESÍDUOS

SÓLIDOS NO ATERRO MUNICIPAL DE MANAUS: UM OLHAR PAR A A

COMUNIDADE LAGOA AZUL

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia, área de concentração em Pesquisa Políticas Sociais e Sustentabilidade na Amazônia na Amazônia, sob a orientação da professora doutora Iraildes Caldas Torres.

Aprovado em 27 de abril de 2010.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________

Profª. Drª. Iraildes Caldas Torres – Presidente

Universidade Federal do Amazonas

___________________________________

Profª. Drª. Rosa Ester Rossini – Membro

Universidade de São Paulo

___________________________________

Profª. Drª. Lucilene Ferreira de Melo – Membro

Universidade Federal do Amazonas

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L435v Leal, Wanja Socorro de Sousa Dias Vida e trabalho das mulheres catadoras de resíduos sólidos no aterro

municipal de Manaus : um olhar para a comunidade Lagoa Azul / Wanja Socorro de Sousa Dias Leal. - Manaus, AM : UFAM, 2010.

158 f. : il. color. ; 30 cm Inclui referências. Dissertação (Mestre em Serviço Social). Universidade Federal do Amazonas. Orientadora: Profª. Drª. Iraildes Caldas Torres. 1. Catadores de lixo – Manaus (AM) - Aspectos sociais 2. Lixo –

Eliminação – Aspectos sociais 3. Mulheres no desenvolvimento da comunidade – Manaus (AM) I. Torres, Iraildes Caldas (Orient.) II. Título

CDU (2007): 331-055.2: 628.472.3(811.3)(043.3)

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UFAM

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Era uma família grande, todos amigos. Viviam como grande parte de

nós: moscas presas na enorme teia de aranha que é a vida na cidade.

Diariamente, a rotina lhes arrancava um pedaço da existência. Viviam

cansados e, por isso, resolveram mudar de vida. Um sonho louco: Navegar. Um

barco, o mar, o céu as estrelas, os horizontes sem fim (...). Liberdade!!

Venderam tudo o que tinham e compraram um barco capaz de atravessar

mares e sobreviver às mais fortes tempestades. Mas para navegar não basta

sonhar. É preciso saber! São muitos os mistérios necessários para navegar.

Passaram, então, a estudar, cada um, aquilo que teria de fazer no barco

(...). Disse certo poeta “Navegar é preciso!”. A ciência da navegação é saber

preciso. Exige aparelhos precisos, números e medições exatas, afinal barcos se

fazem com precisão.

Assim, eles se tornaram especialistas. Cada com sua especialidade, juntos

para navegar. Chegou então, o momento da grande decisão: Para onde navegar?

E foi então que compreenderam que quando o assunto era a escolha do destino,

as ciências que conheciam para nada serviam. Faltava-lhes essa sutil

capacidade de ‘gostar’ e acreditar naquilo que se faz que é a essência da vida.

Anônimo.

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Á Deus fonte de toda sabedoria.

Meus pais, pelo amor que me dedicaram e pelos ensinamentos

que me permitiram ser o que sou.

Meus filhos, presentes que me confirmaram a existência de

Deus.

Meu esposo, que em todas as horas me oferece, além de seu

amor, o apoio que preciso para seguir em frente.

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AGRADECIMENTOS

Muitas vezes lutamos por sonhos que nos levam a crer que a maior conquista são suas

realizações, sem saber que as coisas mais importantes que os sonhos nos trazem é justamente

a possibilidade de compartilharmos, com os amigos as conquistas o e os sacrifícios

necessários para sua concretização. Mesmo temendo ser injusta com alguns, quero deixar

registrado aqui, meus profundos agradecimentos àqueles que ao longo dessa árdua jornada

me ajudaram diretamente para a conquista de mais esse ideal.

Ao Senhor Deus que dentre tantos sonhos realizados, me oportunizou mais uma

conquista, ao segurar minhas mãos e oferecer seu amor maravilhoso.

Aquela que avança como uma aurora nos dias mais nebulosos, trazendo delicadeza e

apoio a mim e minha família. Obrigada minha Mãe Santíssima.

A meu pai Lauro da Cruz Dias e Cirene de Souza Dias, por me ensinarem bons

princípios como honestidade, compaixão, fé e amor, me oportunizando as condições, mesmo

com muito sacrifício, para que eu continuasse estudando.

A meu esposo, Hely Leal e meus filhos Leandro e Gustavo, que hoje representam o

motivo principal para que eu busque sempre o melhor para minha vida.

As minhas irmãs, Cláudia e Ana Laura (vocês são mulheres fortes que conseguem lutar

pelo que querem com muita lealdade e delicadeza) e irmãos, Cléber, Antonio Jorge, Moisés

Alexandre e Lauro, por serem pessoas que me dão orgulho.

A minha orientadora Drª. Iraildes Torres, mulher forte e contemporânea, que ainda

consegue agregar às suas múltiplas facetas, as virtudes do trabalho e da competência.

As professoras, Drª. Rosa Ester Rossini pela colaboração valiosa que prestou nas

Bancas da Qualificação e da defesa desta Dissertação, contribuindo para a definição do rumo

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de nossa pesquisa e Drª. Lucilene Melo, que tão prestativamente aceitou o convite para a

avaliação deste trabalho.

As minhas colegas da Semsa e, em especial Laurisana e Ana Beatriz, vocês

representam uma das múltiplas faces da mulher atual.

A Universidade Federal do Amazonas que a cada dia vem se constituindo num espaço

de formação intelectual de profissionais éticos e competentes, tão necessários para a defesa e

preservação de nossa gigantesca Amazônia, além da valorização daqueles que nela habitam.

Finalmente, as mulheres catadoras de resíduos sólidos da zona Norte de Manaus, que

por muitas vezes interromperam sua lida diária para contribuir com minha pesquisa. Espero

que de alguma forma, este trabalho contribua para a visibilidade desse importante papel que

vocês desempenham para nossa cidade.

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RESUMO

A temática do crescimento econômico sempre pautou as discussões empreendidas por cientistas, analistas financeiros e comissões técnicas nas economias avançadas ou emergentes. Majoritariamente, tais estudos se concentravam em indicadores objetivos que mediam os índices de produção e lucratividade, deixando de fora questões fundamentais como a degradação ambiental, a pobreza e a desigualdade de gênero. A busca por alternativas que possibilitem a sobrevivência tem levado uma parcela de trabalhadores, especialmente as mulheres a encontrarem, na catação de resíduos sólidos, uma forma de geração de renda, a partir do estabelecimento de relações autogestionárias e solidárias. O ponto central deste estudo se assenta na observância da expressiva presença de mulheres que sobrevivem da atividade de coleta e seleção de resíduos sólidos em Manaus. Por meio de nossa pesquisa verificamos a condição paradoxal do trabalho feminino nas cooperativas de reciclagem da AMMAR e Instituto Ambiental Dorothy Stang, zona Norte de Manaus, que foram criados para retirar as famílias que exerciam essa atividade no antigo Aterro Municipal da capital, destacando as lutas empreendidas pelas catadoras, em prol de sua cidadania. Verificamos que essas trabalhadoras, mesmo enfrentando a invisibilidade social de sua atividade, o preconceito e a ausência de políticas públicas, não desistem de lutar pelo seu reconhecimento social. Elegemos neste estudo três categorias analíticas que, nos últimos tempos, vêm adquirindo relevância nas ciências sociais: Meio ambiente, Relações de Gênero e Trabalho. Esperamos com isso, propiciar maior visibilidade ao trabalho dessas mulheres, mostrando que esta é uma realidade permeada pelas desigualdades econômicas e por fatores como: raça, gênero e classe.

Palavras-chaves: Meio ambiente, relações de Gênero, resíduos sólidos, mulheres catadoras.

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ABSTRACT The theme of economic growth always was present in the discussions undertooken by scientists, financial analysts and technical commissions in countries with developed economy or with developing economy. These studies often got focus in objective indicators which provided rates of environment degradation, poverty and difference of genders. Searching alternatives which make possible the survival conducted a part of workers, specially women, to find in the solid waste collection, a way to get income generation, by the constitution of self-managing and solidarity relationships. Focus of this research is watching the substantial presence of women who earn a living by colleting solid waste in Manaus. By this research we could check the paradox in the female condition in the cooperatives of solid waste recycling of AMMAR and Environment Institute Dorothy Stang, North District of Manaus, which was created to take families out of the old job in the landfill services of the Capital, making evident the work by women collectors for their citizenship. We could see that these women workers, even facing social discrimination of their job, the prejudice and the inexistence of public policies, don`t give up for social recognition. We took three analytical categories which have been in evidence in the Social Science: Environment, Gender Relations and Work. We hope then we can make more visible the work of these women, showing how this reality is penetrated by economic inequalities and topics such as: race, gender and class. Key words: Environment, gender relations, solid waste, women solid waste collector.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 14

CAPÍTULO I – GÊNERO E MEIO AMBIENTE: UMA TEIA QUE S E

TECE NA AMAZÔNIA ...........................................................................................

18

1.1 - As ambigüidades da questão ambiental na Amazônia....................................... 18

1.2 - Aproximando a discussão entre Gênero e Meio Ambiente na Amazônia.......... 25

1.3 - O espaço urbano manauense e sua recente transformação................................. 37

CAPÍTULO II – MULHERES CATADORAS DE RESIDUOS SÓLIDO S E A

LUTA COTIDIANA PELA SOBREVIVÊNCIA ..................................................

47

2.1 - Mapeando o Campo de Pesquisa........................................................................ 47

2.2 - O cotidiano de trabalho das catadoras................................................................ 66

2.3 - O Lixão como estratégia de sobrevivência e os paradoxos com o Meio

Ambiente.....................................................................................................................

85

CAPÍTULO III – A ORGANIZAÇÃO DAS MULHERES CATADORAS NA

COMUNIDADE LAGOA AZUL ............................................................................

94

3.1 - As formas de organização das mulheres catadoras de resíduos sólidos............. 94

3.2 - Perfil das mulheres catadoras e suas relações com a economia solidária.......... 109

3.3 - Alguns fragmentos e memória da lida no lixão.................................................. 133

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 141

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 145

ANEXOS ................................................................................................................... 155

Anexo 1 – Questionário aberto e fechado dirigido às catadoras

Anexo 2 – Roteiro de entrevista semi-estruturada dirigida as catadoras

Anexo 3 - Autorização do Comitê de Ética em Pesquisa – CEP/UFAM

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Localização Geográfica de Manaus .................................................................. 43

Figura 2 - Mapa sobre as Unidades de Desenvolvimento Humano de Manaus................. 46

Figura 3 - Bacia Hidrográfica do Tarumã-Açú, zona Norte de Manaus............................ 49

Figura 4 - Foto dos catadores de lixo na antiga lixeira pública de Manaus....................... 54

Figura 5 - Imagem aérea da área destinada ao Aterro Municipal de Manaus.................... 56

Figura 6 - Imagem aérea do atual Aterro Municipal de Manaus....................................... 58

Figura 7 - Forma tradicional de depósito e manuseio do lixo coletado em áreas urbanas

do país.................................................................................................................................

63

Figura 8 - Imagem da comunidade Lagoa Azul onde estão localizadas as cooperativas

de mulheres catadoras de resíduos sólidos.........................................................................

65

Figura 9 - Foto do trabalho de catação e seleção de resíduos sólidos nas cooperativas da

AMMAR (Núcleo I)...........................................................................................................

71

Figura 10 - Trabalho de seleção de resíduos sólidos nas cooperativas da AMMAR

(Núcleo IV)........................................................................................................................

72

Figura 11 - Imagem do material descartado pelas cooperativas por não possuírem valor

comercial junto às empresas de reciclagem.......................................................................

78

Figura 12 - Fluxograma de trabalho das catadoras da AMMAR ..................................... 79

Figura 13 - Foto empresa receptadora do material coletado na AMMAR, bairro de

Santa Etelvina, zona Norte de Manaus...............................................................................

82

Figura 14 - Condições de descarte e/ou armazenamento do material da AMMAR........... 90

Figura 15 - Nível de escolaridade das catadoras da AMMAR........................................... 111

Figura 16 - Medição em percentuais da variabilidade financeira das catadoras................ 115

Figura 17 - Situação sócio-familiar das pesquisadas........................................................... 117

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Figura 18 - Contribuição masculina no trabalho nas cooperativas...................................... 119

Figura 19 – Principal provedor familiar.............................................................................. 120

Figura 20 - Fatores incidentes para a elevada taxa de mulheres trabalhando com a

reciclagem .........................................................................................................................

123

Figura 21 - Condições de infra-estrutura nas comunidades da AMMAR.......................... 126

Figura 22 - Existência de rede básica de serviços urbanos nos locais onde

residem................................................................................................................................

127

Figura 23 – Existência de rede pública de atenção em saúde do SUS............................... 129

Figura 24 – Incidência de agravos/problemas de saúde associados à atividade de catação de resíduos sólidos.................................................................................................

130

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Relação de preços dos produtos coletados, constatados na pesquisa de campo

junto às cooperativas da zona Norte de Manaus ................................................................

84

Tabela 2 - Quadro demonstrativo das cooperativas de reciclagem de resíduos sólidos

distribuídas por zona em Manaus........................................................................................

100

Tabela 3 - Renda familiar obtida pelas catadoras com a venda de materiais

recicláveis............................................................................................................................

113

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INTRODUÇÃO

A função das práticas e do pensamento emancipadores consiste em ampliar o espectro do possível, através de experimentação e da reflexão acerca de alternativas que representem formas de uma sociedade mais justa (Boaventura Santos, 2002).

Este estudo realiza uma abordagem sobre a realidade das mulheres catadoras de resíduos

sólidos, que atualmente se encontram organizadas em cooperativas de reciclagem localizadas

na comunidade Lagoa Azul e circunvizinhança no bairro Santa Etelvina, zona Norte de

Manaus. O nosso interesse está associado ao fato de Averiguar em que medida o trabalho das

mulheres cooperadas, catadoras de resíduos sólidos do Aterro Municipal, tem gerado impactos

positivos para a sobrevivência das famílias na Comunidade Lagoa Azul e adjacências,

apontando os paradoxos de precarização do trabalho feminino e de sustentabilidade

socioambiental.

Nossa pesquisa tem como eixos basilares de discussão a questão sócio-ambiental e a

economia solidária, tomando como foco a expressiva presença de mulheres que sobrevivem

da atividade de coleta e seleção de resíduos sólidos em Manaus por meio do cooperativismo.

Nesse estudo, aparecem as relações de gênero como categoria de análise central do trabalho,

o que nos permitiu verificar a condição paradoxal do trabalho feminino nas cooperativas de

reciclagem, as quais foram criadas para retirar as famílias que exerciam essa atividade no

antigo Aterro Municipal de Manaus. Se por um lado, a atividade de reciclagem pode se

constituir em um meio solidário de sustento dessas famílias, por outro, pode se apresentar

como um trabalho periculoso à saúde dessas mulheres, na medida em que, em muitas

situações, não há condições seguras e adequadas de estocagem e manuseio dos resíduos.

Autoras como Joan Scott (1989), Castro e Abramovay (2003), Torres (2002 e 2005),

Rossini (2009) dentre outras, contribuíram para uma abordagem relacional, em que a temática de

gênero emerge como eixo central de explicação do trabalho das mulheres e sua relação com o meio

ambiente. Somente com a consolidação científica do conceito de gênero, retroalimentado pelas

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pesquisas nos mais diversos contextos sociais, poder-se-á compreender a própria história das

mulheres, da desigualdade e da discriminação por classe, raça e gênero.

A temática das Relações de Gênero é basilar para a compreensão do papel feminino na

vida social. Quer seja no contexto familiar, na vida produtiva, ou na organização social, é

marcante a atuação das mulheres. Sua luta é voltada para o acesso a terra, ao emprego,

trabalho, saúde, habitação enfim, para a construção de sua cidadania.

É de nosso interesse, com este estudo propiciar maior visibilidade ao trabalho das

mulheres catadoras que subsistem da reciclagem, procurando mostrar as formas de

organização política arraigada às suas práticas sociais. Trata-se de uma realidade permeada

por desigualdades geradas pela lógica de acumulação capitalista e que se agudiza por

questões de raça, classe, etnia e gênero, fato este verificado empiricamente na atividade

profissional desta pesquisadora.

A problemática sócio-ambiental neste estudo foi tratada de forma transversal, para

explicar os riscos ocasionados à natureza, advindos com a exploração exacerbada dos

recursos naturais pelo grande capital e a problemática do desemprego estrutural que

“empurra” milhares de trabalhadores para a exclusão social. Como alternativa, a economia

solidária, surge segundo Singer (2002), como um modelo produtivo e distributivo sob o

princípio da socialização de lucros entre os trabalhadores e trabalhadoras cooperativadas.

A questão do lixo urbano vem se apresentando como uma problemática cujas proporções

tendem a seguir um curso crescente com sérias conseqüências para o meio ambiente e para a

própria saúde humana. No Brasil, o reaproveitamento dos resíduos sólidos ainda não assume

aspecto sistemático e racional, em razão da ineficiência da própria gestão pública que não

adotou medidas eficazes de tratamento e destinação do lixo urbano. Trata-se de um problema

crônico e estrutural que tem sido enfrentado com superficialidade, o que torna frágil o atual

sistema de coleta e destinação dos resíduos produzidos nas cidades.

Estudos como os de Sperândio e Serrano (2007); Nardin e Prochnnick (1987), mostram

que a atividade de reciclagem de resíduos no país é uma prática recente, e em grande

medida, vem apresentando uma escala crescente em decorrência das preocupações com o

esgotamento de recursos não renováveis e das altas taxas de desemprego formal que atingem

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grandes contingentes de trabalhadores em países como o Brasil. Essa atividade ainda se

recente da ausência de políticas estatais que possibilitem a gestão eficaz dos resíduos

sólidos. Essas políticas, com efeito, poderiam contribuir para o aperfeiçoamento do sistema

de coleta e destinação desses materiais, além de garantir incentivo e capacitação dos

trabalhadores e trabalhadoras que sobrevivem da atividade de catação, seleção e

comercialização de resíduos sólidos.

O trabalho de campo foi realizado junto a uma mostra de 20 (vinte) mulheres que

desenvolvem a atividade de reciclagem de resíduos sólidos nas cooperativas da AMMAR e

Instituto Dorothy Stang, sob a técnica de entrevista do tipo semi-estruturada. Essa amostra foi

extraída de um universo de aproximadamente 40 mulheres cooperativadas, na faixa etária de 25

a 60 anos, moradoras da comunidade Lagoa Azul e adjacências. Ouvimos também 02 homens,

sendo 01 representante da Prefeitura Municipal de Manaus (Semulsp) e 01 representante da

cooperativa Instituto Ambiental Dorothy Stang, por meio da técnica de entrevista aberta.

No trabalho de campo buscamos uma maior aproximação com as catadoras integrantes das

cooperativas da AMMAR, sendo possível compreender a realidade de trabalho dessas mulheres e

os principais desafios colocados a elas. Esse momento se revestiu de grande importância porque

elas estabeleceram diálogo aberto com esta pesquisadora, o que permitiu-nos elaborar uma

narrativa (uma espécie de etnografia) de sua história de trabalho.

As falas das catadoras foram primorosas e densas de significados de gênero, confirmando

as nossas suposições iniciais. Os dados são apresentados ora através de análise discursiva, ora

por intermédio de gráficos, tabelas e fluxograma, contando para isso, com um arcabouço teórico

constituído por fontes indicadas ao longo da orientação e selecionadas durante o processo

investigativo.

Nossa dissertação está estruturada em três capítulos articulados. No primeiro capítulo

procuramos enfocar as ambigüidades da questão ambiental na Amazônia, destacando as

investidas exógenas pautadas nos interesses econômicos do grande capital e os seus impactos

na realidade das populações tradicionais. Ainda neste capítulo realizamos uma discussão

entre gênero e meio ambiente na Amazônia, através da qual concebemos que a realidade

local comporta um espaço permeado por relações assimétricas de gênero e de poder. Outro

aspecto abordado diz respeito ao espaço urbano manauense e sua recente transformação.

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Nossa abordagem coloca em relevo os fatores históricos que confluíram para a consolidação

de uma cidade marcada por contrastes sociais, como mostra Oliveira (2003).

No segundo capítulo nos debruçamos sobre o processo de georreferenciamento do

campo da pesquisa. Analisamos o cotidiano de trabalho das catadoras pontuando os fatores

marcantes dessa realidade. A partir disso, foi possível problematizar em que medida o lixão

surge como estratégia de sobrevivência para essas mulheres e suas famílias, apontando os

paradoxos com o meio ambiente.

O último capítulo versa sobre as formas de organização das mulheres catadoras de

resíduos sólidos. Nosso intuito consistiu em refletir sobre o fenômeno da exclusão social e

dos obstáculos enfrentados pelas trabalhadoras, que reclamam reconhecimento social e o

fortalecimento de sua cidadania na arena política de Manaus. Outro aspecto analisado no

trabalho foi o perfil das mulheres catadoras, oportunidade em que problematizamos a

questão da chefia feminina, a escolaridade e a sua percepção sobre o trabalho que elas

desenvolvem para a melhoria do meio ambiente e para a garantia da sobrevivência pessoal e

familiar. Por fim, evidenciamos alguns fragmentos e memória da lida no lixão, por meio da

técnica de análise de caso, onde o sujeito investigado tem a oportunidade de falar abertamente

sobre o seu cotidiano, suas aspirações e seus receios.

As considerações finais apresentam os resultados da pesquisa, momento em que

apontamos a necessidade de maior mobilização coletiva das mulheres catadoras em favor da

defesa e conquista de seus interesses. Ressaltamos, também, a ausência de políticas públicas

eficazes de gestão dos resíduos que propiciem, dentre outros fatores, a otimização do trabalho

nas cooperativas. Finalmente, reconhecemos que sobre a temática abordada nesta dissertação, se

descortina um leque de limites e perspectivas para futuras investigações sobre o tema.

É assim que este estudo assume significativa importância não só para as ciências

sociais aplicadas que buscam compreender e explicar os novos fenômenos inter-relacionados

à temática de gênero, mas também porque poderá se constituir em um instrumento para

fundamentar estratégias de políticas públicas direcionadas as mulheres catadoras de resíduos

sólidos em Manaus.

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CAPÍTULO I - GÊNERO E MEIO AMBIENTE: UMA TEIA QUE S E

TECE NA AMAZÔNIA

Um passo à frente seria o respeito e a valorização do importante trabalho realizado pelas mulheres em benefício da humanidade. Acima de tudo é necessário o desenvolvimento de um modo de pensar e de agir que incorpore uma outra relação com a natureza-mulher, a natureza-negro, a natureza-índio, a natureza-operário, a natureza-camponês, enfim com a natureza-humanidade. (ROSSINI, 2008)

1.1. As ambigüidades da questão ambiental na Amazônia

A questão ambiental na Amazônia enseja reflexões que extrapolam a visão reducionista

que prima somente por seus aspectos naturais, desconsiderando que nesta região habitam,

populações tradicionais que confluem para a existência de uma sociodiversidade e modos de

vida peculiares, muitas das quais enfrentando processos de exclusão e empobrecimento

historicamente constituídos no espaço regional.

A compreensão desta região pressupõe a visualização de seus processos sociais cujos

elementos constituintes marcam este território como região do ‘atraso’, moldando-a sob os

nexos do preconceito e do estigma. Isto concorre para que a Amazônia se constitua em palco

da cobiça internacional e se torne, nesse viés alvo das investidas do grande capital, que

concentra na região seus interesses de exploração e acumulação de lucros.

A literatura regional se ocupa de uma análise crítica dos processos sociais da

Amazônia, enfatizando de forma crescente, as conseqüências e os resultados dos interesses

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capitalistas desde os primórdios da colonização regional até os grandes projetos na região

norte.

Com a urbanização regional visualiza-se a busca pela integração regional como

elemento estratégico dos interesses do Estado brasileiro e do mercado mundial,

transformando a Amazônia em um palco onde se antagonizam diversos atores com interesses

bastante distintos, não raro equacionando a expropriação de seus recursos naturais, a

exclusão e exploração de sua gente, desde os primórdios de sua colonização.

A apropriação da Amazônia pelos povos ibéricos, de acordo com Silva (2004), pode

ser reconhecida sob dois momentos. Em princípio pela exploração e reconhecimento do local

território como locus de ‘riqueza fácil’. Posteriormente pela conquista e colonização,

moldadas pela disputa interna com as populações que aqui habitavam, bem como com os

outros estrangeiros também envolvidos economicamente com a região, e externa com as

outras nações, via negociações diplomáticas para concessões de exploração do potencial

mercadológico deste território.

Esse complexo cenário teve como pano de fundo, as crises político-econômicas que na

época constituíam o contexto europeu: expansão ultramarina mercantil, crise do absolutismo

monárquico, emergência do sistema capitalista e sua nova forma de absorver recursos

naturais para a produção em massa de produtos industrializados, fatos esses que marcaram

irreversivelmente a Europa na época.

O cenário sociopolítico e econômico advindo com a instituição da indústria moderna

marcou fortemente os interesses europeus em se apropriar por meio das conquistas

ultramarinas, de novos recursos já em franca escassez naquele continente, decorrente de sua

forma predatória de utilização. Esse fato tornou-se a mola propulsora na busca por novos

territórios e conquistas. Seus reflexos se fizeram sentir através da conflituosa e irrestrita

apropriação de vastas regiões na América e, por conseguinte, de todo o território Amazônico

e seu ecossistema, o qual se desenhava a partir dos interesses internacionais como um campo

vasto diante dos exploradores ávidos por riquezas. Isso permite compreender como ocorreu,

ao longo da história, o processo de ocupação e exploração da Amazônia, a partir dos

interesses internacionais.

A própria existência dos povos tradicionais da Amazônia que vivem do trabalho e da

lida com os elementos da natureza, terra/água/ floresta é fortemente ameaçada pela

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intervenção estrangeira na região. Ao se concentrarem na região, os empresários capitalistas

trazem consigo a íntima relação entre a lógica de exploração dos recursos naturais e da mão-

de-obra farta que causam fortes impactos à vida desses povos.

A intervenção estrangeira, por intermédio dos grandes projetos e pelas forças de

mercado obteve variadas formas de lucratividade pela via da exploração humana e dos

recursos naturais. Isto gerou o empobrecimento gradativo das populações amazônicas e o

risco eminente de esgotamento de seus recursos naturais haja vista a retirada maciça de

matérias primas para a produção industrial.

Pedrini (1997, p. 21) chama a atenção para o fato de que com a lógica insustentável de

exploração dos recursos ambientais, “o homem praticamente extinguiu alguns dos recursos

que poderiam ser renováveis”. Segundo essa análise, os recursos ambientais são finitos,

limitados e estão dinamicamente inter-relacionados, sendo que qualquer fator de exploração

e degradação gera o desequilíbrio de todo o ecossistema local.

São três os grandes processos de atividades econômicas desenvolvidas pelas forças de

mercado na Amazônia, a saber: 1) A lógica expansionista e comercial européia que atrelou a

seus interesses a conquista da Amazônia como fonte de riqueza e ampliação de poder

político, em plena ascensão socioeconômica do capitalismo no mundo; 2) a fase da

exploração e exportação advinda com o boom da borracha no período que se inscreve entre o

final de 1890-1920, dotando algumas cidades locais, dentre elas Belém e Manaus, de um

vertiginoso crescimento urbano graças à economia do látex; 3) a implantação de grandes

projetos de desenvolvimento regional nas áreas da indústria, infra-estrutura e energia, sob a

égide do grande capital e forte intervenção do aparato estatal.

No período que abrange a fase extrativista da borracha, a capital do Amazonas, a

exemplo do que também ocorria com a capital paraense, vivenciou anos de intensa

prosperidade econômica e crescimento demográfico. Isto se deveu em face da elevação do

preço da seringa extraída da hevea Brasiliense segundo cotação da Bolsa de Londres

(CORREA, 1967). Esta situação de prosperidade foi responsável pelo surto urbano nesse

contexto que marcou profundamente a história da região. Manaus agora passa a agregar às

suas feições indígenas, elementos que lhe atribuem uma face humana complexa, não

somente em suas características físicas oriundas da mesclagem européia, africana e

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nordestina, mas na própria adaptação de práticas e conhecimentos diferentes ao modo local

de viver e fazer a Amazônia.

A Amazônia passou, então, a ser palco de uma intensa movimentação internacional,

com a chegada de empresas estrangeiras que se instalaram na região, com o intuito de

comandar engenhosamente o processo de comercialização do produto extraído da seringa,

por meio do agenciamento e da expansão do extrativismo que oportunizava empréstimos e

adiantamentos não só de capital (em menor escala), mas especificamente, com o apoio

logístico de abastecimento das frentes de trabalho com gêneros alimentícios (arroz, feijão,

farinha etc.) e implementos (PINHEIRO, 2006). Isso possibilitou a montagem de uma

estrutura produtiva que facilitou e subsidiou a produção e o abastecimento de grandes

empresas internacionais de beneficiamento do látex proveniente da Amazônia.

Nesse período, foi dada atenção especial à urbanização da cidade de Manaus, adotando

uma linha de intervenção que priorizou, por intermédio das políticas públicas, o

embelezamento nos moldes do padrão europeu, tido como o mais avançado. A partir de

pesquisa fundada em fontes documentais que registram a intensa movimentação financeira e

urbana da belle epoque, Dias (2007, p. 28), assim descreve o período que marcou esse

período.

Modernizar, embelezar e adaptar Manaus às exigências econômicas e sociais da época, passa a ser o objetivo maior dos administradores locais. Era necessário que a cidade se apresentasse moderna, limpa e atraente, para aqueles que a visitavam a negócios ou pretendessem estabelecer-se definitivamente. A política seria a transformação de Manaus, defendendo a dominação do grupo que vai geri-la.

Em termos objetivos, acrescenta a autora, isso representou a defesa dos interesses de

uma elite que se cercou do poder aferido pelos negócios com o produto gomífero que, de

forma ‘orquestrada’ uniu os seus interesses econômicos à capacidade de intervenção do

Estado.

O governo da época elencou uma série de investidas possibilitadas pelo crescimento da

receita pública, priorizando, do ponto de vista dos investimentos, medidas como: o aterro dos

igarapés, abertura de ruas, construção de prédios públicos, construção de pontes,

saneamento, iluminação, construção de escolas e limpeza das áreas nobres da cidade, em que

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o fluxo do capital ficava em poder de uma elite formada por grandes extrativistas e aviadores

ligados ao capital financeiro internacional.

Era preciso, portanto, que velhas formas de vida desenhadas pelas gerações locais em

épocas remotas que antecedem a colonização da região, fossem extintas e banidas com o

processo de ‘modernização’. Ou seja, passou a ser deletério tudo o que era tido como

atrasado em relação aos moldes importados da velha Europa, emblematicamente nos estilos

de vida de Paris.

A face indígena e cabocla deveria desaparecer para dar lugar ao padrão de

embelezamento europeu, que em nada se identificava com o modus vivendi dos ribeirinhos

manauenses. Sobre esse contexto, Dias (2007), acrescenta que o processo de modernização

de Manaus substituiu velhos padrões de moradia, isto é, a madeira pelo ferro, o barro pela

alvenaria, a palha pela telha, bem como o aterro de igarapés para a abertura de ruas e

avenidas que possibilitassem o transporte de mercadorias e o fluxo de cargas e descarga tão

importantes para o propósito econômico da época.

Esse processo trouxe não só implicações muito profundas ao cotidiano e à própria

existência das populações locais, como também, transformou a paisagem natural da antiga

vila, destruindo tradições e costumes frutos das vivências de seus antepassados. Estratificou,

ainda, as relações sociais da época, exacerbando as desigualdades sociais através do processo

de mão-de-obra forçada. Formava-se então, uma massa de trabalhadores urbanos indígena.

Era freqüente a utilização da força de trabalho indígena em atividades na capital,

principalmente na realização de obras públicas como aterros, construções de pontes e prédios

públicos, além da conservação de grandes áreas como praças e jardins. Pinheiro (2006) nos

informa que para a realização de atividades consideradas mais complexas, o Governo

Provincial recorria à contratação de profissionais da Corte e até mesmo da Europa.

No final do século XIX, a cidade crescia assustadoramente e as atividades de trabalho

se ampliavam, incorporando não somente os migrantes nas áreas de serviços e comércio, mas

principalmente as mulheres. Para Pinheiro (2006, p. 07), em suma as mulheres continuavam

a exercer funções tradicionalmente atribuídas a elas, as quais estavam exclusivamente

“inseridas no âmbito privado, como as funções domésticas: cozinheiras, passadeiras,

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lavadeiras, estas, muitas vezes desenvolvendo seus trabalhos nas margens dos igarapés da

cidade”.

Essa situação de opulência das elites estaria com os dias contados diante da crise que

estaria por vir em decorrência do cultivo e extração sistemática do látex da borracha nas

colônias britânicas na Ásia1. Assim, com a quebra do monopólio da borracha por volta de

1910, a região enfrenta um período de intenso ostracismo e decadência econômica, abalando

profundamente as condições de vida dos habitantes da época, em especial dos segmentos

mais abastados que, por muito tempo, acumularam lucros com o auge da economia gomífera.

Para Silva (1996, p. 147) “a região torna-se um imenso território empobrecido, abandonado e

atolado no marasmo tão característico das terras que viveram um fausto artificial”.

É, pois, nos marcos do projeto Zona Franca de Manaus implementado pelo Decreto-Lei

288/67, em pleno regime autocrático, que o Amazonas e toda a Amazônia Legal2 passaram a

viver um período de intensa circulação financeira, ou seja, entre o final da década de 60 e

meados da década de 70 ocorre a “criação do mercado interno para bens finais inéditos pela

atração de empresas internacionais, majoritariamente em eletrônica de consumo”

(MACHADO, 2006, p. 42).

Mais adiante, a partir da década de 90 advém a fase da substituição dos produtos

importados tão marcantes no período anterior pela produção local para suprimento das

necessidades do mercado nacional. Em meados da década de 90 interpõem-se aquela que

ficou conhecida como a etapa de modernização das formas e processos produtivos, seguindo

o movimento já em curso no âmbito internacional. De acordo com Machado (2006, p. 42),

a Amazônia vive, ainda, inúmeras contradições: planos de governo desenraizados da história e dos lugares, do espaço e do tempo, expressos no acesso às mais avançadas tecnologias – símbolos da modernidade, convivendo ao mesmo tempo com a grande maioria da população sem acesso às necessidades sociais básicas.

1 Segundo dados elencados na obra de Benchimol (1999), por volta de 1910 o preço da borracha na

Bolsa de Valores londrina alcançou a cotação de 21 shillings e 06 pences (cerca de $ 180 dólares americanos por quilo). Isso impulsionou o direcionamento de uma elevada soma de investimentos ingleses, holandeses, belgas e franceses no sudeste asiático – Índias holandesas, Estados Malaios Federados, Ceilão, Sul da Índia, Java, Bornéu, Filipinas e outras colônias européias no Oriente - para onde a hevea havia sido pirateada na forma de sementes, por Henry Wickman no ano de 1876. 2 A Amazônia Legal compreende os estados do Amazonas, Rondônia, Acre e Roraima.

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No tocante a qualidade de vida dos habitantes do Amazonas, o projeto Zona Franca

não se mostrou capaz de fazer frente às desigualdades sociais ampliadas nesta região. Foi,

com efeito, nos momentos de maior aprofundamento da crise capitalista na região que o

processo de exclusão e empobrecimento de sua população se mostrou mais expressivo.

No momento em que o grande capital, aqui implantado e subsidiado por incentivos

estatais, viu-se compelido a se reestruturar para realinhar-se às exigências da economia

global, recorreu ao mecanismo de demissão em massa dos trabalhadores do Pólo Industrial

de Manaus, principalmente as mulheres que trabalhavam nas indústrias eletroeletrônicas.

Inevitavelmente, chegamos à conclusão de que os grandes projetos amazônicos –

Carajás, Tucuruí, Zona Franca, Albrás, Mineração Taboca dentre outros, não conseguiram

promover grandes avanços em termos de qualidade de vida e desenvolvimento humano das

populações tradicionais e nem das populações urbanas.

A implantação de projetos econômicos, fortemente atrelados aos interesses capitalistas

concorrem para o aprofundamento das desigualdades sociais na medida em que excluem os

nativos da participação da riqueza produzida. Cabe reconhecer, no entanto, que somente a

empresa Petróleo Brasileiro S/A, a Petrobras, recolhe em royalties aos cofres públicos locais

sonde ela explora riquezas minerais.

Pensar a Amazônia sem considerar sua condição humana e os processos sociais

vividos nesta região, é pensar uma territorialidade sem sentido. Isso significa dizer, que a

Amazônia não pode ser concebida somente a partir das explicações que lhe atribuem um

caráter eminentemente reducionista fundado em determinismos biológicos e naturais,

desconsiderando a grande sócio-diversidade que lhe constrói e reconstrói a história e a

própria existência. Significa, por certo, que além de sua inestimável riqueza natural que atrai

tantos ‘olhares’ sob a vértice dos interesses econômicos mundiais, há uma riqueza humana

ainda não apreendida em suas dimensões locais e globais. De acordo com Silva (2004, p. 11)

a Amazônia apresenta questões que se expressam no próprio contexto nacional, pois

põe questões singulares, é certo, mas nunca isoladas. Como um espaço de diversidades e de desigualdades, os fundamentos organizativos da sociedade regional são, também, uma dimensão da sociedade brasileira.

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Outros elementos se articulam ou são expressões dessa singularidade regional, sendo

também, resultantes de um contexto sócio-histórico e econômico mais amplo. A exploração

da Amazônia assenta-se em dois aspectos fundamentais, quais sejam: a apropriação da

riqueza biológica de seus recursos naturais e a exploração da mão-de-obra de suas

populações. Para Ranciaro (2004), a forma como prevaleceu a história econômica na

Amazônia evidencia como ocorre a articulação estatal combinada ao desenvolvimento

intensivo e extensivo do capitalismo, beneficiando sobremaneira as elites e a classes

dominantes na região.

São grandes os desafios colocados às agendas governamentais e à pauta dos

organismos da sociedade civil, quanto à necessária inclusão dos diversos segmentos

humanos presentes na Amazônia. Trata-se da valorização dos saberes locais, da promoção

social das populações tradicionais, a consolidação de direitos sociais historicamente

conquistados e a utilização racional de suas riquezas naturais sem levar ao esgotamento dos

recursos.

1.2. Aproximando a discussão entre gênero e meio ambiente na Amazônia

A realidade das populações tradicionais que vivem na Amazônia não pode ser

percebida pela via de uma visão romântica e, por vezes utópica, que a transforma em

existência abstrata. Ela é antes de tudo, a expressão mais concreta da relação homem /

natureza / sociedade que se entrelaçam numa realidade simbiótica (TORRRES, 2005).

Um dos grandes desafios que se apresentam aos pesquisadores das ciências sociais,

diz respeito à necessidade de provocar discussões que extrapolem a compreensão

biologizada sobre de sua bio-sociodiversidade. A Amazônia representa àqueles que se

propõem a estudá-la como um vasto campo de descobertas científicas, mas ao mesmo tempo,

exige um olhar livre de concepções preconceituosas e reacionárias que tradicionalmente

grassaram em alguns estudos. Isso implica dizer que a sua compreensão deve abarcar a

natureza e a cultura indissociáveis da vida humana, estabelecendo um nexo de

interdependência entre ambos. Estão inseridos nesta compreensão os estudos sobre a questão

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indígena, as produções de pobreza, a problemática ambiental, a necessidade das políticas

sociais e os temas que envolvem a sustentabilidade, cidadania e relações de gênero.

Um desafio premente colocado às Ciências Sociais dos novos tempos consiste em

avançar nos estudos sobre a valorização do papel feminino na relação com o meio ambiente,

buscando dar visibilidade as práticas sociais das mulheres na Amazônia.

Weber (1997) assinala que o pensamento hegemônico vem, ao longo do tempo, dando

direcionamento aos debates dos problemas ambientais no mundo, parece culpabilizar as

populações tradicionais pela degradação do meio ambiente. Tais concepções se baseiam em

pensamentos como o de Malthus, que dá suporte a um movimento eugenista liderado por

pensadores3 como Ehrliche (1990), Hardin (1968) e Daly (1977), os quais sustentam que “os

pobres são mais prolíficos e mais capazes de destruir o meio ambiente” (Weber, 1997, p.

117). Sob essa ótica4, os neomalthuseanos defendem a redução da população mundial para

06 bilhões de habitantes, número correspondente a uma suposta “capacidade de carga” da

biosfera. Para tanto, torna-se necessário o fechamento de fronteiras, o bloqueio total das

migrações, a esterilização das mulheres e a prática do aborto.

Note-se que as preocupações de estudiosos neomalthuseanos recaem somente sobre as

populações humanas que deverão ser reduzidas para solucionar o problema da degradação

ambiental. Ignora-se as conseqüências ambientais dos fluxos internacionais do capital. Ao

contrário, o pensamento econômico ortodoxo, a regulação pelo mercado seria a mais

eficiente, permitindo a internalização dos custos reais, desde que bem calculados. Tal

proposta pode agravar, o que Weber (1997) denomina de apropriação privada estratégica de

todos os recursos disponíveis no mundo, intermediada pela regulação do mercado das

emissões de gases nocivos na atmosfera, considerados indutores do efeito estufa.

Esse panorama de debates vem, nas últimas décadas, sofrendo alterações significativas

com a entrada de novos atores, com forte participação feminina na arena de discussões do

planeta terra, ambientalmente mais justo e sustentável.

3DALY, H. Steady-state Economics; The science and management of sustainability. San Francisco: W.H. Freeman, 1977. EHRLICH, P. & EHRLICH, A. The Population Explosion. Nova York: Simon & Schuster, 1990. HARDIN, G.. The tragedy of the commons. Science, 1968. 4 Em setembro de 1994, ocorreu a Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento. O eixo propulsor dos debates e explicações pautou-se nas teorias malthuseanas sobre o crescimento populacional.

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O diálogo mais profícuo entre homens e mulheres pode ser fortalecido em espaços

onde se discuta questões essenciais à qualidade de vida de todos os sujeitos, sem distinção de

raça, credo ou gênero. Assim, Compreender as relações de gênero enquanto categoria de

análise exige uma leitura interpretativa das próprias relações sociais uma vez que o gênero

está presente como uma capilaridade em todo o tecido social. De acordo com Ryckmans

(2003, p. 263),

A análise de gênero permite entender, em cada contexto específico, as diversas maneiras pelas quais são gerenciadas as práticas de produção e de reprodução sociais, os papéis (produtivo, reprodutivo e social) desempenhados pelos homens e pelas mulheres, assim como o tempo que cada um consagra às atividades, o que varia ao longo do ciclo de vida.

Os papéis, socialmente construídos são resultados das variadas formas como cada

sociedade se vê e se compreende em suas relações coletivas. A forma como os papéis sociais

se apresentam ao imaginário dos sujeitos traduz o ethos e o regime da sociedade em que

esses sujeitos estão inseridos. Ou seja, traduz a maneira como os sujeitos se relacionam uns

com os outros e com o seu meio ambiente. Assim, quando estudamos o meio ambiente, além

de considerarmos a diversidade ecológica, devemos compreender o nexo entre as relações

sociais e suas conseqüências tanto para a natureza quanto para a condição humana em

determinada territorialidade.

O modelo hegemônico de produção, por seu caráter concentrador de poder e de capital,

é invariavelmente destrutivo ao meio ambiente e as condições de vida dos sujeitos sociais,

afetando de forma diferenciada o cotidiano de homens e mulheres. Para Castro e Abramovay

(2005, p. 37), “é preciso “desentranhar as estruturas de poder nas quais estamos imersos”.

A lógica hegemônica do crescimento, pautada nas relações de poder e na assimetria de

gênero, afeta substancialmente não somente a natureza, mas também as condições de vida

das mulheres. Trata-se de um modelo que passa ao largo das necessidades humanas

atingindo fortemente os segmentos femininos, que enfrentam formas variadas de preconceito

e discriminação.

Assim, as políticas sociais voltadas ao meio ambiente, precisam considerar a

perspectiva de gênero. Torna-se premente lutar pela eqüidade e justiça social entre homens e

mulheres, considerando a necessidade concreta de acesso, por parte desses sujeitos, aos bens

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sociais (saúde, educação, lazer, habitação e demais políticas públicas) e da natureza (acesso a

terra, a água, alimentação etc.).

A inserção da temática de gênero nas discussões sobre o meio ambiente nos fóruns e

debates, não diz respeito somente às melhorias das condições de vida das mulheres,

apontando a desigualdade de renda, o desemprego, a violência e a exploração da força de

trabalho feminina. Os debates têm assinalado, também, a relação que as mulheres sempre

mantiveram com a natureza e a necessária mudança das estruturas de poder que dificultam o

acesso igualitário entre os gêneros aos recursos naturais e a qualidade de vida.

Scherer e Oliveira (2006) afirmam que as políticas públicas voltadas para a Amazônia

não podem vir dissociadas das práticas sociais e dos conflitos presentes no cotidiano dos

diversos sujeitos sociais, considerando-os como produtores do espaço, dos lugares

construídos e vividos.

Desde os meados do século XX as estudiosas de gênero vêm elaborando um conceito

que pudesse explicar as relações assimétricas existentes entre homens e mulheres na

sociedade. Era preciso desconstruir as concepções apoiadas no determinismo biologista para

então, dar o salto necessário à construção das relações de gênero como conceito heurístico

dentro das ciências humanas e sociais. Para Scott (1995, p. 86), “gênero é um elemento

constitutivo das relações sociais, fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos e o

gênero é uma formas primordial de significar as relações de poder”.

O reconhecimento das dicotomias que marcam a realidade de homens e mulheres,

como construto social tem contribuído para que, em diversos momentos, a mulher lute por

seu reconhecimento social e sua cidadania. No fluxo dessas movimentações aparecem as

ações em defesa do meio ambiente por parte do movimento feminista que luta pelo

desenvolvimento mais equilibrado que garanta pela sustentabilidade sócio-ambiental.

Na década de 90, como resultado dos crescentes movimentos em defesa do meio

ambiente, as práticas do homem no planeta foram revistas e analisadas, sendo nesse espaço

privilegiado, que a noção de desenvolvimento sustentável se amplia. Assim, a Conferência

Mundial de Desenvolvimento Sustentado - Rio/92,

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colocou no centro dos debates as relações entre a população e o meio ambiente, levando diferentes setores sociais organizados a refletirem sobre a interdependência entre esses dois pólos da equação e a maneira como segmentos específicos da população são afetados por ele”. (CASTRO e ABRAMOVAY, 2003, p. 11).

Nesse mesmo período foi realizado o Fórum Social das ONG’s. Nessa reunião as

mulheres brasileiras tiveram significativa participação e conseguiram inserir na pauta das

discussões os desafios e problemas vivenciados pelas mulheres, e suas famílias, no trabalho

informal e na defesa do meio ambiente. Segundo Castro e Abramovay (2003, p. 11),

durante 12 dias, mulheres de todo o mundo discutiram os problemas vividos no planeta, formularam e adotaram sua própria plataforma (...) que tratou como governança, militarismo, globalização, pobreza, direitos a terra, segurança alimentar, direitos das mulheres.

Com essa efetiva participação em favor do meio ambiente e dos direitos humanos, as

mulheres brasileiras conseguiram, de acordo com essas autoras, chamar a atenção para a

questão social, não somente no plano econômico, mas também, nas questões de gênero, meio

ambiente, trabalho e cidadania. Esses grandes fóruns mundiais representam para as mulheres

um espaço imprescindível de articulação política e de visibilidade. É claro, a esse propósito,

que a mulher desempenha um importante papel nas questões ambientais, seja como mãe,

educadora, trabalhadora ou como cidadã.

É assim, que a inclusão da perspectiva de Gênero nos estudos sobre o trabalho e o meio

ambiente adquire um caráter inovador, pois permite, por seu aspecto relacional, a exata

compreensão da profícua atuação feminina junto à família, no mercado de trabalho e no

respeito à natureza. A partir dessa premissa, o movimento feminista, em especial a partir da

década de 90, vem suscitando debates, pautados numa teoria ambientalista critica e no

princípio ético de respeito do homem para com o meio ambiente e com os demais seres

humanos, surgindo assim, o movimento denominado de ecofeminismo.

O ecofeminismo estabelece uma conexão entre a mulher e a ecologia, reconhecendo

que assim como o meio ambiente, a mulher também sofre com a exploração e a dominação

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masculinas. O patriarcado enquanto conceito explicativo da submissão da mulher e da

superioridade do homem, como uma determinação natural e não como um aspecto da cultura

patriarcal é, ainda hoje, sobejamente presente em nosso meio. De acordo com Silva (2001,

p.78),

a prevalência do homem sobre a mulher pode encontrar elementos a partir de sua identificação com a natureza, sua maior proximidade com os aspectos que lembram uma característica menos racional e mais instável. É dessa visão reducionista que se justifica o preconceito contra ela, através do qual atribui-lhe aspectos como emotividade e intuição exacerbados e suas peculiaridades orgânicas ligadas a maternidade.

No percurso histórico os atributos femininos foram fortemente associados à natureza

como forma de desvalorização do sujeito mulher, justificando as relações sociais desiguais

entre os gêneros na suposta naturalização da condição feminina, estabelecendo o dualismo

entre natureza e cultura. Essa concepção dualista marcou o pensamento feminista nas

décadas anteriores, que lutou para desvincular a figura da mulher da idéia de natureza “como

um possível reforço à exclusão feminina da cultura, por representar um perigo às conquistas

feministas ao mesmo tempo em que propõem a igualdade entre os gêneros” (CIOMMO,

2003, p. 423).

Assim, as feministas, ao se inserirem nos debates sobre o meio ambiente e na luta pela

sustentabilidade sócio-ambiental, através do ecofeminismo, defendem a idéia de que a

associação da mulher à natureza, não é necessariamente uma forma de desvalorização, desde

que a própria mulher reconheça criticamente sua relação diferenciada com a natureza,

tentando reverter os valores atribuídos a si mesma e a natureza, pela lógica dualista da

cultura patriarcal. Assim, o ecofeminismo5 sugere,

5 Movimento político feminista, que surgiu no final do século XX representando a disposição crítica das mulheres de, ao superar a histórica associação feminina a natureza como forma de desvalorização social, reagirem contra sua exclusão da cultura e colocando-se ao lado da natureza contra as formas destrutivas e dualísticas dessa cultura excludente.

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uma outra direção na luta contra o preconceito e a desigualdade: o reconhecimento de que, apesar de o dualismo natureza–cultura ser um produto da cultura, podemos conscientemente escolher a aceitação da conexão mulher–natureza, participando da cultura, reconhecendo que a desvalorização da doação da vida tem conseqüências profundas para a ecologia e as mulheres (CIOMMO, 2003, p. 423).

O dualismo, acredita Ciommo (2003), representa a forma pela qual os conceitos

antagônicos foram construídos como opostos e excludentes, sendo apropriados pelo

julgamento moral da lógica da dominação. Nesse processo, a sociedade construiu e

consolidou a diferença por via de uma lógica hierárquica, atribuindo, por exemplo, um valor

sociocultural mais elevado ao sexo masculino tido como racional. Os homens passam a ser

seres de ordem diferente dos que estão do outro lado (seres humanos femininos e natureza,

ou seres não humanos), que são tratados como carentes de qualidades que possam elevá-los.

A cultura patriarcal ao diferenciar os papéis atribuídos aos sujeitos sociais, naturalizou

o lugar feminino a esfera doméstica e as tarefas vinculadas à reprodução. Essa

“naturalização” da tarefa feminina na reprodução e na vida doméstica, bem como a

responsabilidade pela alimentação, saúde e bem estar do grupo familiar, propiciou uma

maior aproximação da mulher à natureza, especialmente quando são elas as responsáveis

pela agricultura, pela extração de recursos da floresta e dos rios.

Na Amazônia, a perspectiva de gênero articulada ao meio ambiente pode representar

um esforço no sentido de compreender e explicar as formas como as relações sociais nesse

território foram engendradas, contribuindo para a sustentabilidade sócio-ambiental. Segundo

Torres (2008, p. 02),

a perspectiva de gênero, enquanto heurística elucidativa das relações sociais que engendram a condição humana em todos os tempos e lugares, pode transformar-se num recurso candente que aponta possíveis saídas no âmbito do paradigma da sustentabilidade.

As mulheres indígenas, negras e caboclas assumem um papel imprescindível na relação

com a natureza, pois estabeleceram maneiras próprias de buscar na floresta e nos rios as

possibilidades concretas e factíveis de trabalho, alimentação e cuidado com a sua saúde e de

sua família. Assim, “são as mulheres que têm mais zelo pelo meio ambiente do que os

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homens. Elas estabelecem uma relação de cumplicidade com os elementais terra, floresta e

rios” (TORRES, 2008, p. 04). Assim, para essas mulheres, o equilíbrio do meio ambiente se

apresenta como um fator fundamental para a sua qualidade de vida e de sua família,

concebendo, assim, a natureza como fonte de vida que precisa ser preservada, contrário à

lógica capitalista patriarcal, que concebe a natureza e a própria mulher como fontes de

exploração, dominação e poder.

Mas não é somente na floresta e rios que as mulheres da Amazônia, em especial

aquelas que moram Manaus, criam estratégias para a sobrevivência familiar associadas à

questão ambiental. Nesta capital, especialmente nas áreas periféricas onde as condições

sócio-ambientais e as possibilidades de renda e trabalho são extremamente restritas, há

formas de trabalho feminino que permitem a geração de renda e o respeito ao meio ambiente,

como no caso das catadoras de resíduos sólidos da zona Norte da cidade. Assim, na luta pela

manutenção familiar, as mulheres estabelecem uma estreita relação com a natureza que lhe

permite produzir, reproduzir, consumir e preservar a biodiversidade em beneficio de sua

família, sem degradar o meio ambiente.

As mulheres catadoras de resíduos sólidos da zona Norte de Manaus representam uma

parcela expressiva de pessoas que, ao longo dos anos, garantiram sua sobrevivência da antiga

Lixeira Pública de Manaus. Nesse local, as mulheres e suas famílias, enfrentavam toda sorte

de agravos à sua saúde e sua segurança, pois, além do contato direto com os resíduos

químicos e pérfuros cortantes concentrados no local, a prática de catação no Lixão era

duramente combatida pelo poder público municipal da época.

Por ocasião do mapeamento e estudo iniciado junto a essas mulheres, foi possível

percebermos a forma de organização dessas mulheres que sobrevivem da coleta e separação

de resíduos sólidos advindos do Aterro Municipal de Manaus. Atualmente no entorno do

Aterro Municipal de Manaus, existem oficialmente6 quatro cooperativas de reciclagem de

resíduos sólidos e um Instituto de Reciclagem. Essas cooperativas são organizadas por

núcleos e denominadas de Associação de Mulheres do Meio Ambiente e Reciclagem –

AMMAR.

6 Dado adquirido junto a Secretaria Municipal de Limpeza Pública – SEMULSP em 2008.

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Dados empíricos coletados através desta pesquisa em questão fornecem alguns

elementos que permitem traçar o perfil dessas mulheres e saber quais são suas percepções

sobre o meio ambiente e sua relação com a natureza.

O primeiro aspecto observado é a presença majoritária de mão-de-obra feminina, o que

pode ser explicado em parte pela redução de oportunidades de emprego no mercado formal

local. Esta realidade de desemprego atinge diretamente as mulheres e suas famílias. Outra

possível explicação pode estar associada à busca solidária de trabalho através de associações

e/ou cooperativas que lhes garantam a geração de renda pautadas na confiança e na ajuda

mútua.

Segundo detalhou Maria7, membro da III AMMAR, depois que as famílias foram

retiradas do Lixão, a situação socioeconômica ficou muito difícil. Após um longo período

desempregada, as condições de vida de sua família estava precária, pois na comunidade não

há alternativas de trabalho, principalmente quando a mulher encontra-se numa faixa etária

elevada. Mas ao observar que sua vizinha, estava junto com outras companheiras fazendo a

reciclagem se sentiu motivada a integrar o grupo das catadoras.

Sua inserção na cooperativa do Núcleo III ocorreu através de um convite de suas

colegas, que já haviam sido retiradas da antiga Lixeira Pública e cadastradas pela prefeitura.

Em sua entrevista ela descreve como se sentia em relação ao seu trabalho e as colegas. De

acordo com Dinalva – membro da III AMMAR. “Eu agradeço a Vanuza por ela ter visto a

minha situação e me convidado para esse trabalho. Ela viu que a minha situação, assim como

das demais colegas, estava difícil, e decidiu me ajudar (...). Esta é a única forma que nós

mulheres encontramos para não parar e trabalhar honestamente aqui na nossa comunidade”.

(Entrevista realizada em 2009).

Ao estudar as questões de gênero e meio ambiente entre as mulheres na reciclagem,

Martins (2005, p. 25) assinala que é crescente a inserção de mulheres expulsas do setor mais

formalizado do mercado encontrarem nas associações e cooperativas um “refúgio de

sobrevivência” as quais vêm adquirindo importância significativa para a subsistência dessas

pessoas.

Ao serem questionadas sobre o que as motiva a participarem desse tipo de atividade,

além das razões meramente econômicas a explicação de Izolina (líder do Núcleo III –

7 Para resguardar a identidade das mulheres pesquisadas, nosso estudo atribuiu-lhes nomes fictícios.

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AMMAR), apontar para a preocupação com o meio ambiente e com o futuro de seus filhos.

Vejamos o que ela nos diz:

No final do dia, quando eu vejo que depois de tanto sacrifício, eu consegui tirar do meio ambiente muita coisa que ia ser jogada no igarapé ou encher mais ainda o Lixão, eu me sinto orgulhosa de meu trabalho, pois sei que ajudei de alguma forma a natureza e o futuro dos meus filhos (Fonte: Entrevista/2009).

Em outra ocasião a fala de uma das catadoras que trabalham no II Núcleo (AMMAR

II) denota a preocupação com o grande acúmulo de lixo na abrangência do Aterro de

Manaus. Aqui aparece claramente a consciência das mulheres frente à preservação do meio

ambiente, conforme podemos perceber na entrevista de Iracy:

Antes eu não pensava que tudo que agente consumia nas nossas casas poderia prejudicar o meio ambiente. Depois que eu comecei a ir ‘pro’ Lixão. (...) há muitos anos atrás, eu fiquei pensando como é que nós vamos poder resolver o problema do lixo jogado perto dos igarapés e como nossos filhos vão viver sem água boa (Fonte: Entrevista/2009).

É claro a este propósito que as mulheres têm uma relação de respeito e cuidado para

com o meio ambiente. Como observa Torres (2008), elas têm consciência que o lixo

despejado no meio ambiente causa danos à natureza e à vida humana. Daí que a importância

de seu trabalho para a minimização desses impactos não somente na comunidade que fica no

entorno do Aterro, mas para a própria cidade.

Ao serem indagadas se elas consideram que o seu trabalho contribui positivamente para

o meio ambiente, as respostas de algumas catadoras foram as seguintes:

Se não fosse o nosso trabalho a cidade enfrentaria muitos problemas com a poluição (Joana – (Fonte: Entrevista/2009).

Sim! Tudo isso que agente vê – Diz apontando para as grandes montanhas de material sendo separado para comercialização – é um material que tem destino certo. Quando separamos e vendemos, conseguimos reciclar algo que iria para o meio ambiente não das casas dos ricos, mas para a nossa própria comunidade. (Graça – Fonte: Entrevista/2009).

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Acredito que sim, pois se todo esse material que as pessoas jogam fora fosse pro lixo o meio ambiente estaria muito pior do que agente já observa. (Izolina - Fonte: Entrevista/2009).

- Sim! Pois segundo os padres8, o chorume e o acúmulo de resíduos de material no ar e no subsolo é muito ruim para essa questão do meio ambiente. (Dalva - Fonte: Entrevista/2009).

Indagadas sobre suas opiniões acerca de quem tem mais zelo para com o meio

ambiente, se é homem ou mulher, todas as entrevistadas apontaram atributos que

normalmente são associados à figura feminina, para explicar porque acreditam ser a mulher a

mais preocupada com a natureza, como por exemplo: zelo, dedicação, amor a natureza e

preocupação com o futuro dos filhos. Segundo Torres (2008, p. 03), “são realmente as

mulheres que têm mais zelo e são menos nocivas ao meio ambiente do que os homens”.

Finalmente, perguntamos se educam seus filhos sobre o respeito e a preservação do

meio ambiente onde moram, as catadoras deixaram claro que o processo de educação

ambiental de seus familiares não ocorre somente por palavras, mas acima de tudo, pelo

exemplo do trabalho delas. A catadora Leonora, cooperada da IV AMMAR, diz que

Hoje meus filhos não jogam mais lixo no quintal e nem na rua, pois todo dia já nos preocupamos em separar em casa mesmo o papel, das latas e dos plásticos. A escola também tem ajudado bastante na educação ambiental de nossas crianças (Fonte: Entrevista/2009).

Ela acrescenta afirmando que,

Eu educo meus filhos através de meu próprio exemplo, não só dentro de minha própria casa, mas trabalhando aqui no grupo, ao lado de nossa casa. Eu acho que eles vêm meu exemplo, através do meu trabalho (Fonte: Entrevista/2009).

O trabalho feminino de reciclagem e comercialização dos resíduos sólidos após a

retirada das famílias da antiga lixeira pública de Manaus se constitui não somente como uma

8 A Igreja Católica, segundo informações das catadoras, nos últimos cinco anos vem desenvolvendo um trabalho de organização política e capacitação das mesmas, visando diminuir os riscos ambientais na comunidade e os agravos à saúde decorrente do manuseio impróprio dos produtos.

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alternativa importante de sobrevivência familiar, mas acima de tudo, representa uma

expressão da forte relação dessas mulheres com o meio ambiente. Em seus discursos, há

vários elementos que denotam a sua preocupação com a degradação ambiental na

comunidade e como isso pode afetar a qualidade de vida de seus familiares.

Observamos por meio da pesquisa com as catadoras/recicladoras, que o auto-

reconhecimento de seu papel sócio-ambiental enquanto "agentes ecológicos" embora não se

mostre por meio de um discurso refinado, já desponta como uma lição para todos nós. Ao

trabalharem com a reciclagem desempenham um importante papel sócio-familiar e ecológico

não só para a qualidade de vida de sua comunidade, mas para a cidade de Manaus como um

todo.

Assim, embora destaquem que a atividade de catadora iniciou por conta da escassez

e/ou inexistência de oportunidades de geração de renda, ainda no antigo Lixão, hoje

reconhecem que seu trabalho merece ser reconhecido e valorizado, pois o meio ambiente

local seria mais afetado se não houvesse iniciativas como essas.

A forma como as catadoras expressam suas visões sobre sua atividade de reciclagem e

as perspectivas futuras, destacando a importância de seu trabalho tanto para a sobrevivência

sócio-familiar quanto para a preservação ambiental, revela as maneiras distintas pelas quais

homens e mulheres concebem seu trabalho e se relacionam com suas famílias e o meio

ambiente. São elas que ao enfrentarem situações de desemprego e pobreza, buscam

alternativas viáveis que lhes propiciem condições de manter suas famílias. Essas estratégias,

no caso das mulheres catadoras, encontram-se fortemente atreladas as alternativas objetivas

encontradas dentro de sua própria comunidade. Aliado a isso, fica evidente sua preocupação

com o meio ambiente e como a degradação ocasionada pelo acumulo de resíduos sólidos no

Aterro pode afetar sua própria qualidade de vida e de seus filhos.

A questão amplamente debatida pelo movimento feminista sobre o meio ambiente traz

como premissa a relação mulher-natureza. Isto pode se constituir-se em uma questão central

para a visibilidade do trabalho dessas mulheres e seus resultados ambientalmente positivos.

Esta pesquisa revela que as mulheres encontraram uma alternativa factível de geração de

renda aliada a sua preocupação com o meio ambiente e com o sentimento de solidariedade

que fortalecem as relações sociais na comunidade. É o que explica Abreu (2001, p. 35),

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Os catadores nos lixões possuem forte senso comunitário e a grande presença de mulheres [entre eles] facilita o trabalho social - elas ouvem mais, acreditam mais na possibilidade de transformar sua vida e bebem menos do que os homens.

O reconhecimento gradual da atividade de reciclagem realizada pelas mulheres

catadoras como atividade social ambientalmente relevante, poderá empoderá-las no sentido

de construir uma identidade própria, necessária para o fortalecimento coletivo diante dos

desafios advindos com o desemprego, a degradação ambiental e a sua desvalorização social

por ser mulher e catadora.

1.3. O espaço urbano manauense e sua recente transformação: O caso do Aterro

Municipal de Manaus.

Ao longo da história humana a intervenção e utilização dos elementos da natureza pelo

homem imprimem marcas profundas que atribuem significado às suas relações sociais

mediadas pelo movimento de trabalho e apropriação do espaço natural. Um ponto importante

nesse aspecto é a apropriação estratificada de tal recurso, ou seja, a capacidade que alguns

grupos sociais têm, ou não, de se apropriarem do mesmo. Conforme aponta Lefebvre (1991),

o espaço é concomitantemente o local geográfico da ação e a possibilidade social de engajar-

se na ação, ou seja, comporta as atividades executadas pela sociedade nas suas mais variadas

dimensões permitindo ao mesmo tempo, que esse espaço seja produzido constantemente.

Este autor ressalta que o espaço urbano contém e está contido na sociedade, sendo

simultaneamente, o resultado, meio e condição para sua a existência. Constitui-se como

produto de uma dada formação social, das formas como os diferentes grupos sociais se

apropriaram e se utilizam desse recurso, a partir de suas especificidades e elementos

constitutivos.

No Brasil o processo de apropriação dos espaços urbanos pelos sujeitos que deixaram

seus lugares para morar na cidade grande se intensifica consideravelmente a partir de meados

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do século XX, em face da industrialização capitalista em determinados pólos do país. A falta

de perspectiva de vida das populações interioranas que sofrem com o abandono do Estado

propiciaram o desenvolvimento intenso da urbanização em face do desmesurado êxodo rural.

Para Santos (1986) as grandes cidades constituem-se no pólo de pobreza, isto é, o lugar

com maior capacidade de atrair e manter pessoas que não encontraram recursos apropriados

para a própria sobrevivência em seus locais de origem. Ao chegar à cidade as populações

tradicionais não tem acesso aos empregos necessários, nem aos bens de serviços essenciais.

Essa situação contribui, efetivamente, para a expansão da crise urbana, consignada no

“inchaço” da cidade ou explosão demográfica.

A urbanização da capital amazonense9 pode ser pontuada em dois recortes históricos

distintos onde o fenômeno urbano se mostra acentuado: no período da economia da borracha

entre a última década do século XIX e início do século XX; e, mais recentemente, com a

implantação da Zona Franca de Manaus implantada pelo Decreto-Lei nº. 288, de 28

fevereiro, quando o governo federal estabelece incentivos fiscais por 30 anos objetivando a

implantação de um pólo pautado no tripé: indústria, comércio e agropecuária, tendo como

base a capital amazonense.

Estas informações são importantes porque, segundo a Oliveira (2003), sua localização

estratégica será imprescindível tanto para a expansão quanto para a função urbana que

passará a exercer na região, repercutindo em última instância, em seu próprio

desenvolvimento. As mudanças conjunturais ocasionadas pela Zona Franca de Manaus

ocasionaram mudanças irreversíveis no cotidiano vivido por seus sujeitos sociais,

determinando espacialidades diversas, não somente para homens e mulheres, mas também

para o próprio processo produtivo da cidade.

Por isso, não se pode desconsiderar dois fatores imprescindíveis no processo urbano

em Manaus a composição e decomposição da paisagem local e as ações dos produtores do

espaço urbano: Estado, empresas imobiliárias, proprietários de terra urbana, bem como os

demais atores sociais que integram a lógica urbana. (OLIVEIRA, 2003).

9 Fundada em 1669, Manaus possui uma área que equivale a uma extensão territorial estimada em 11.458,5 Km², reproduzindo em sua fisiografia aspectos do relevo amazônico cuja paisagem apresenta-se entrecortada por igarapés além de cursos de rios. No que tange a sua localização esta capital encontra-se aos 3º de latitude Sul e 60º de longitude Oeste. Está assentada sobre o baixo planalto que se desenvolve na barranca da margem esquerda do rio Negro, na confluência deste com o rio Solimões, onde se forma o rio Amazonas. (PNUMA/MMA, 2002).

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A transformação urbano-industrial da capital amazonense é recente, remontando, à

década de 60, quando a Zona Franca de Manaus10, capitaneada pelo Estado, permite uma

política de industrialização da capital e conseqüentemente, a sua ampliação demográfica.

Esta industrialização representou modelo propulsor de crescimento e acumulação

capitalistas, embasado nos ditames internacionais vigentes na época, o qual, a partir de

incentivos fiscais e isenções de impostos nas ações de importação dos mais variados

produtos, possibilitaram a instalação em plena Amazônia ocidental, daquele que é

considerado um dos principais pólos eletro-eletrônicos da América Latina. Para Bentes

(2005, p.30)

Nessa perspectiva, o capitalismo migra para buscar ampliar suas chances de rentabilidade, apropriando-se das oportunidades geradas pelo Estado e pelos baixos salários que paga à mão-de-obra. O Amazonas, e sua capital Manaus, possuem as condições propiciadas pelo Estado para oportunizar aos grupos capitalistas nacionais e internacionais a garantia de lucros superiores aos obtidos nos seus locais de origem.

Manaus tornou-se um enorme atrativo para o fenômeno migratório, tanto interno

quanto externo, em especial aquelas parcelas humanas que viam na cidade uma possibilidade

de sobrevivência e emprego, em face das condições precárias enfrentadas no interior do

estado pela ausência/deficiência das políticas públicas e poucas oportunidades de trabalho,

gerando uma emergente e expressiva população urbano-rural na capital.

Porém, o caráter mais forte da urbanização na capital se dará a partir de aglomerados

humanos em áreas de ocupações espaciais irregulares denotando uma forma (ou formas)

diferenciada de apropriação da cidade e adequação a natureza, ocasionadas pela pobreza e

pela desigualdade socioeconômica tão presentes na realidade desta capital. Sendo assim, a

contribuição da natureza para a produção do espaço social acontece por meio das ocupações

espontâneas dos igarapés, executada de maneira aleatória, em sua grande parte, por aquelas

parcelas mais empobrecidas socialmente, que não vêem possibilidade de acesso democrático

a terra.

10 De acordo com Bentes (2005), a ZFM, dinamizou-se como área de livre comércio, inserindo esta capital na rota nacional e internacional do capitalismo. Posteriormente, exatamente em 30 de setembro de 1968, implanta-se o Pólo Industrial de Manaus – PIM, lançando as bases para sua segunda fase (1976 – 1990), quando ocorre o predomínio das atividades fabris, iniciando o recorte da industrialização da capital.

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A natureza expressa, mas não determina as formas de apropriação espacial da cidade.

De acordo com Oliveira (2003), ela contribui para a morfologia da capital, resultando em

formas diferenciadas de apropriação de seus espaços, denotando um desenvolvimento urbano

desigual e injusto, onde as margens dos igarapés e os fundos dos vales acabam sendo locais

de moradia dos segmentos sociais mais empobrecidos por meio das “ocupações urbanas” ao

passo que áreas naturalmente mais seguras e melhores passam a pertencer às parcelas mais

privilegiadas da capital. Oliveira (2003, p. 34), destaca que,

Não é a morfologia que determina o modo como à cidade é ocupada, mas o que lhe acrescem os homens. O modo de ocupação da cidade tem uma existência natura, porém, a existência real somente lhe é dada por causa das relações sociais. Assim como as áreas inundáveis e degradáveis das margens dos igarapés são geralmente ocupadas pelos segmentos mais pobres, as áreas da cidade mais planas e com maior altitude são ocupadas por setores ou segmentos com maior poder aquisitivo. Por exemplo, a avenida André Araújo, no bairro do Aleixo, considerada a área mais elevada da cidade, é ocupadas atualmente, por empresas de comunicação e por apartamentos de luxo.

Assim, um fato que não pode ser desconsiderado nos estudos sobre o processo de

urbanização desordenada em Manaus é que o seu crescimento demográfico e espacial

desorganizado “empurra” cada vez mais famílias afetadas pela pobreza a ambientes

ecologicamente frágeis como áreas de risco de alagação, desmoronamento, incidência de

doenças (malária, dengue, leishmaniose, leptospirose dentre outras doenças endêmicas que

ainda atingem principalmente as pessoas que habitam áreas de risco na capital, onde a

degradação ambiental representa um fator associado à pobreza), além de regiões que em

decorrência de fatores naturais ou estruturais não contam com uma rede mínima de serviços

sociais.

Leonard (2003, p.17), aponta três premissas que influenciam e colocam em conflito a

proteção ambiental em longo prazo, e as estratégias de sobrevivência em curto prazo das

populações afetadas pela desigualdade socioeconômica, as quais seriam: “o rápido

crescimento populacional; a consolidação da propriedade da terra e modernização agrícola; e

as desigualdades dominantes no sistema de posse de terra”. Esses condicionantes contribuem

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para que um percentual cada vez mais elevado de pessoas migre para outras regiões maiores,

ou para áreas urbanas já congestionadas, onde essas pessoas pressupõem haver a

possibilidade mais real de sobrevivência.

Na Amazônia, assinala Chaves (2004), as formas de viabilização e a natureza

contraditória das políticas públicas expressam o caráter multifacetado do Estado, nas suas

diferentes instâncias institucionais. As políticas adotadas na região são resultados das

disputas e confrontos entre diferentes interesses, sendo que no plano da tomada de decisões,

nem todos os segmentos sociais estão representados ou possuem canais de participação, o

que dificulta sobremodo o acesso da população aos bens e serviço sociais, intensificando-se

a exclusão social destes.

Historicamente, foram sendo realizadas diferentes formas de apropriação predatória da

cidade de Manaus11 e de seus recursos naturais, causando impactos deletérios e alterações

nefastas nas condições de vida de seus habitantes. Essas alterações desencadearam

problemas fundiários de largo prejuízo social, somado à exploração de mão-de-obra barata, à

destruição dos espaços de vida (perda do território, locais de existência sócio-cultural), a

desestruturação das formas de organização e reprodução material e sócio-cultural, além da

crescente degradação ambiental da capital.

Os problemas de conflito urbano-ambiental em Manaus configuram-se por meio do

avanço das fronteiras urbanizadas, em especial sobre áreas de floresta nativa, ocupações

irregulares – margens dos igarapés, da orla e outras encostas instáveis; déficit da infra-

estrutura de serviços essenciais como: esgotos sanitários e insuficiência do sistema de coleta

dos resíduos sólidos nas áreas de ocupação irregular. (PINHEIRO, 2008, p. 27). Na década

de 70 dá-se início ao processo expansionista direcionado às zonas Leste e Norte.

Em 1975 foi aprovado o PLAMAN, visando à reordenação do solo urbano, por

intermédio do remanejamento das famílias residentes em áreas consideradas impróprias a

ocupação, em especial aquelas residentes em áreas de igarapés, priorizando a zona central,

Igarapés Mestre Chico e Bittencourt, além dos igarapés de Manaus, São Raimundo e do

Estuário de Educandos dentre outros. 25 anos, após a criação do PLAMAN, o município era 11Geograficamente Manaus está situada a leste do estado e a norte do Brasil. Possui área² de 11.401,068 km² (073% da área do estado do Amazonas), e limita-se a norte com o município de Presidente Figueiredo, a sul com os municípios de Careiro da Várzea, Novo Airão e Iranduba e a leste com o município de Itacoatiara.

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constituído por uma população predominantemente urbana, cerca de 99,1%, avançando para

os “extensos platôs no sentido norte, predominado as ocupações espontâneas que ocorrem na

franja urbana, transformando a floresta em cidade” (PINHEIRO, 2008: p. 33).

Na década de 80 registra-se um elevado quantitativo de loteamentos realizados pelo

poder público12 tais como: Bairro do São José, Zumbi dos Palmares, Armando Mendes e

Cidade Nova. Na ocasião, tanto o governo do estado quanto prefeitura empreenderam

políticas públicas de infra-estrutura como asfalto, energia elétrica, abastecimento de água e

loteamento das áreas para os moradores da Cidade Nova (zona norte da cidade). Ainda

nesse período, os dados oficiais registravam um total de 37 bairros em Manaus, além do

Distrito Industrial. (NOGUEIRA e SANSON, 2007).

Segundo esses autores, atualmente registra-se um total de 56 bairros e diversas

comunidades que ainda não são oficialmente consideradas bairros, originadas pelas

ocupações irregulares, e fortemente marcadas pelo uso indiscriminado do solo e dos demais

recursos naturais presentes nessas áreas. A zona leste apresenta um quadro grave de

ocupações irregulares, com uma densidade populacional única que requer grandes

investimentos em políticas públicas.

Em termos demográfico as pesquisas oficiais (Censo do IBGE, 2000)13, a cidade cresce

desordenadamente num movimento sempre ascendente e frenético ampliando a dinâmica

populacional desses locais. Nesse ritmo, os bairros que mais se destacaram nesta década,

mais especificamente no ano de 2000 quanto ao contingente populacional foram: Cidade

Nova (13,76%), São José Operário (6,01%) e Jorge Teixeira (5,59%). A concentração

demográfica é tão marcante em Manaus, que somente 10 dos 56 bairros oficiais de Manaus,

concentram 50,37% da população residente neste município. As fronteiras da capital,

segundo Relatório Anual de Gestão da Secretaria Municipal de Saúde – SEMSA/2008,

tendem a se ampliar e novas organizações geopolíticas14 são efetivadas pelo poder público.

12 Vide: NOGUEIRA, Ana Cláudia, SANSON, Fábio et. al. A expansão urbana e demográfica da cidade de Manaus e seus impactos ambientais. In: Anais XIII. Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto. - Florianópolis: Brasil, abril 2007 – INPE. 13 De acordo com o Senso (2000), o bairro da Cidade Nova, concentrava população de aproximadamente 193.490 habitantes. O bairro Jorge Teixeira possuía um total de 78.631 hab. e o bairro de São José possuía população estimada em 84.490 habitantes. (BENTES, 2005). 14 Em termos políticos Manaus é a capital do estado do Amazonas, cujo território está estimado em 1.570.745,680 km². Esta capital localiza-se¹ na mesorregião 03 – Centro Amazonense, microrregião 07. Composta pelos seguintes municípios: Autazes, Careiro, Careiro da Várzea, Iranduba, Manacapuru, Manaquiri

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Figura 1 – Localização Geográfica de Manaus/AM

Fonte: IMPLURB/PMM15 e IBGE (2000)16

O que se depreende desses dados é que há um processo de urbanização marcado pela

explosiva concentração populacional em algumas áreas da capital, sendo que em grande

medida as habitações nesses locais encontram-se propensas aos problemas de alagamento e

desabamento, além do risco social, por conta da frágil, ou inexistente, rede de políticas

públicas de saneamento básico, eletricidade, transporte, educação e saúde, desafiando os

gestores locais, a planejarem e demandarem serviços mais eficientes e abrangentes.

e Manaus. O município de Manaus possui ainda 09 sub-distritos denominados de regiões administrativas (Primeira a Nona) e uma área rural.

15 Prefeitura Municipal de Manaus. Relatório de Gestão 2006. IBGE – Organização do Território – Divisão Territorial 2005 (27-04-2005).

16 Prefeitura Municipal de Manaus. Relatório de Gestão 2005. Resolução IBGE nº. 05, de 10 de outubro de 2002.

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Os fatores que agravam esse quadro podem ser elencados da seguinte forma:

vertiginoso crescimento demográfico, sentido especialmente nos últimos decênios pelo

inchaço populacional; fragilidade de sua rede de políticas públicas em especial por conta da

ausência de política de habitação e controle/fiscalização das ocupações tanto por segmentos

populares quanto por empreendimentos privados (empresas e especulação imobiliária); além

da ausência de planejamento sistemático que dê direcionamento conseqüente às atividades de

horizontalização do espaço urbano. De acordo com Morais e Ranciaro (2002/2003, p. 26),

Tais moradias constituem assentamentos habitacionais sem infra-estrutura, socialmente desvalorizados e sem nenhuma segurança. Na época das chuvas, por exemplo, aumenta o risco, pois o deslizamento de uma dessas casas traz inevitavelmente um efeito dominó, levando consigo outras moradias e provocando, por sua vez, conseqüências desastrosas para aquela população.

Segundo dados do IBGE (2002), Manaus ocupa a 12ª posição no ranking dos centros

urbanos, adquirindo um perfil metropolitano. Como reflexo disso, ocorre o aumento

progressivo dos contingentes humanos que, não encontrando meios de moradia e

sobrevivência nas áreas mais desenvolvidas da capital, são empurrados para as áreas

consideradas periféricas, onde a estrutura de serviços básicos como esgoto, energia elétrica,

postos saúde, escolas, asfalto e policiamento, ou não existem, ou são incipientes diante das

necessidades demandadas pela população. Isso acaba traçando um perfil de

insustentabilidade social e ambiental agravado por práticas sócio-ambientalmente

predatórias.

Esse panorama é retratado pelo Atlas de Desenvolvimento Humano/Manaus (2006),

realizado através da articulação entre estado e prefeitura e em parceria com o Programa das

Nações Unidas – PNUD, onde se retrata a lógica perversa que permeia historicamente a

realidade nesta metrópole.

O espaço urbano de Manaus, como a maioria dos municípios brasileiros, é extremamente desigual, e a perversidade dessa desigualdade é que ela é completamente explícita. Praticamente não existe barreira alguma (nem mesmo ruas) que dividem esses espaços.

Assim, realidades em desenvolvimento humano só encontradas em países de terceiro mundo convivem, lado a lado, com

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outras que, muitas vezes, ultrapassam os parâmetros dos países mais desenvolvidos. Se são regiões desiguais em renda, são mais ainda em indicadores sociais e principalmente educação. Por exemplo, nas UDHs com maiores rendas per capita, a taxa da população adulta com mais de 12 anos de estudo supera a 20% e chega a 27% na UDH NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS - Vieiralves / ADRIANÓPOLIS.

Em mais da metade delas, essa taxa não chega a 3%, sendo que naquelas com rendas menores, não chega a 1%.

Atlas de Desenvolvimento Humano/Manaus (2006) acena ainda, para as desigualdades

concernentes aos indicadores econômicos e educacionais. As áreas de maior poder aquisitivo

apresentam melhores índices de escolaridade, já nos bairros onde há menor acesso as

oportunidades de ensino e educação, a renda per capita assume níveis consideravelmente

baixos.

A média de anos de estudo da população adulta da UDH com maior nível, UDH NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS - Vieiralves / ADRIANÓPOLIS (11 anos) – maior nível de renda per capita – é quase três vezes a com menor média, COLÔNIA ANTÔNIO ALEIXO / PURAQUEQUARA (quatro anos) que, por sua vez, é onde se verifica o terceiro mais baixo nível de renda per capita. (Atlas de Desenvolvimento Humano/Manaus, 2006).

O cenário urbano da capital assenta-se em questões bastante controversas. De um lado,

uma parcela privilegiada que usufrui de todos os recursos, em termos de infra-estrutura e

políticas sociais, permitindo sua comparação, em termos de qualidade de vida, a países como

a Noruega (Atlas de Desenvolvimento Humano/Manaus, 2006). Em contrapartida, verifica-

se indicadores em bairros como Nova Vitória Jorge Teixeira, tão baixos que evidenciam as

disparidades socioeconômicas existentes no contexto intra-municipal.

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Figura 2 – Mapa sobre as Unidades de Desenvolvimento Humano de Manaus

Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano/Manaus (2006)

Esse retrato da capital, no entanto, permanece pouco nítido, à medida que muitos

indicadores sociais ainda não conseguem dar conta, ou deixam de revelar, as especificidades

internas decorrentes do elevado grau de heterogeneidade nela existente. Dessa forma, as

grandes aglomerações demográficas desse espaço urbano, não se mostram, ainda, eficientes

no planejamento e efetivação de estratégias socialmente eficazes que dêem suporte à

interpretação da realidade do município.

Ao contrário se desdobram em políticas sociais focalizadas e assistencialistas em

muitos de seus bairros e/ou comunidades, os quais se encontram marcados pela pobreza e

exclusão social, situando-os entre aqueles municípios com os piores resultados apresentados,

com o agravante de que as desigualdades e a segregação são aí muito mais visíveis, como é o

caso das comunidades que se situam no entorno da Antiga Lixeira Pública de Manaus.

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CAPÍTULO II – MULHERES CATADORAS DE RESIDUOS SÓLIDO S E A LUTA

COTIDIANA PELA SOBREVIVÊNCIA.

Cria-se um paradoxo: é preciso consumir cada vez mais para viver e manter-se na vida moderna, ao mesmo tempo, que se torna necessário evitar que o produto final desse consumo – o lixo – nos ameace (Eigenheer, 1999).

2.1 Mapeando o Campo de Pesquisa

Nas últimas quatro décadas Manaus vivenciou um intenso crescimento urbano que

provocou mudanças significativas no seu cotidiano e no seu perfil urbanístico. Os dados do

IBGE (2002) dão conta de que o contingente humano concentrado na área urbana

quintuplicou no período de 1970 a 2003, passando de 300.000 habitantes para quase 1,5

milhão de habitantes. Em grande medida esse aumento da população manauense é decorrente

dos arranjos habitacionais forjados pelos trabalhadores e trabalhadoras que vieram trabalhar

no Distrito Industrial de Manaus somado às ocupações de terras que afetaram o tecido

urbano.

As informações mais recentes divulgadas pelo IBGE (2009)17 apontam que o

crescimento demográfico de Manaus continua em uma ordem ascendente, pois é possível

estimar que a capital já tenha cerca de 1.738.641 habitantes e que áreas como a zona Norte

tendem a receber maior pressão nas décadas seguintes.

O alargamento do espaço urbano de Manaus se concentrou na zona Leste provocando o

surgimento de bairros com expressiva concentração demográfica como, por exemplo:

Coroado, São José Operário, Jorge Teixeira, Colônia Antonio Aleixo, Cidade de Deus dentre

outros. Somente com o esgotamento das áreas naturais da zona Leste propensas à ocupação e

especulação imobiliária é que a expansão urbana da capital segue um novo curso que aponta

para a zona Norte, provocando assim, o surgimento de bairros extremamente povoados como

Cidade Nova, Manoa, Nova Cidade e bairro de Santa Etelvina.

17 Disponível no site oficial do IBGE através do endereço www.ibge.gov.br/home/estimativa2009/pop2009_dou.pdf . acesso em 15 de dezembro de 2009.

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O processo de concentração demográfica nessas áreas não ocorre de forma linear e nem

espontânea, está associado à política de concentração de renda que exclui os trabalhadores

do direito à terra e à cidade. Esses excluídos sociais se vêem compelidos a forjar espaços de

moradia através do processo de ocupação desordenada da terra, como recurso extremo

utilizado para improvisar moradia. A instalação da antiga Lixeira Pública de Manaus

representa um desses arranjos, pois, atraiu para o seu entorno inúmeras famílias que, sem

direito à cidade e sem meios de geração de renda para a sua sobrevivência transformaram-na

em espaço de moradia e sustento.

A forma como a cidade foi sendo urbanizada demonstra uma lógica excludente e

desigual de acesso por parte dos segmentos subalternos, ao espaço urbano. Como analisa

Sposito (1988), os ritmos acentuados de crescimento demográfico e a concentração

capitalista de infra-estrutura nas metrópoles para sua auto-reprodução econômica,

promoveram um aumento progressivo da população desempregada, que se ‘aloja’ nesses

espaços sem direito à habitação, ocasionado com isso, uma série de problemas urbanos.

Conforme apontam Morais e Ranciaro (2003), dentre os fenômenos advindos com os

interesses econômicos em Manaus, está a problemática do ‘inchaço populacional’ e as

precárias condições de habitação de muitas famílias obrigadas a residirem sem as mínimas

condições de segurança e conforto. Essa situação diz respeito àqueles que,

moram em áreas de risco, ou seja, em casas localizadas em terrenos íngremes sobre barrancos à beira de córregos e igarapés, predominantemente nas áreas urbanas. Tais moradias constituem assentamentos habitacionais sem infra-estrutura, socialmente desvalorizados e sem nenhuma segurança (MORAIS e RANCIARO, 2003, p. 26).

Esta pesquisa assenta-se no estudo de 04 (quatro) Núcleos de reciclagem que integram

a Associação de Mulheres para o Meio Ambiente e Reciclagem – AMMAR e do Instituto

Ambiental Dorothy Stang. A área objeto de estudo apresentada na figura 3 mostra o avanço

da fronteira urbana para áreas florestais da zona Norte, além da bacia hidrográfica existente

na área e a localização estratégica dos grandes empreendimentos econômicos presentes na

região.

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Figura 3 – Bacia Hidrográfica do Tarumã – Açú, zona Norte de Manaus.

Fluxo do crescimento urbano de Manaus, potencializado pela BR-174/Manaus-Itacoatiara. Forte pressão ao desmatamento da área (Fonte: LANDSAT, 2004).

Nos últimos anos a Zona Norte de Manaus tem se constituído na grande fronteira em

termos de urbanização, pois com o esgotamento espacial nas outras áreas da capital, pode-se

dizer que grandes fluxos urbanos avançarão vertiginosamente para essa região. Essa

expansão representa um dos maiores testes impostos ao poder público, que deve investir na

conciliação entre crescimento urbano com preservação ambiental. Lefebvre (1978, p. 159),

assinala que o direito à cidade é a forma superior dos direitos dos cidadãos. Porém, o que se

observa é que as políticas urbanas em Manaus contribuem para uma injusta apropriação do

espaço urbano provocando o aprofundamento das desigualdades sociais e dos riscos sócio-

ambientais.

Segundo aponta o IBGE (2009), a zona Norte da capital conta com uma população

superior a 500.000 habitantes representando, portanto, a segunda maior taxa de ocupação

populacional urbana de Manaus. Essa área abrange cerca de 10 bairros e aproximadamente

20 comunidades, muitas das quais sem nenhuma infra-estrutura em termos de serviços

públicos. Só o bairro Santa Etelvina apresenta um dado populacional em torno de 23.315

habitantes, perfazendo um total de 5,1% do contingente populacional da área.

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O bairro Santa Etelvina é constituído por cerca de 10 comunidades, dentre elas a

comunidade Lagoa Azul que nasceu há pelo menos 20 anos com a instalação da antiga

Lixeira de Manaus. Isso nos leva a considerar que se o avanço horizontal desordenado da

cidade ocorrido nas zonas Sul, Leste e Oeste foram sucedidos por graves e irreversíveis

danos ao meio ambiente da capital, a pressão urbana sobre a zona Norte já vem impactando

sobremaneira as suas reservas hidrográfica e vegetal, onde se observa a influência de

diferentes agentes atuando no processo de ocupação e urbanização da área que aumentam a

complexidade socioambiental na região.

Segundo Scherer e Mendes Filho (2004), essa área vem sendo usada como “lixeira”

pública desde o inicio da década de 1970 pela Prefeitura Municipal de Manaus, recebendo

todo tipo de lixo, desde os resíduos industriais e domésticos até os hospitalares.

O mapeamento que fizemos do local dá conta da existência de uma questão estrutural

grave no que diz respeito à ocupação desordenada do solo, decorrente do surgimento de

bairros e comunidades densamente populosos. Soma-se a isto, outros impactos ao solo

provenientes da exploração da área que se adensa aos empreendimentos capitalistas,

capitaneados por grandes investimentos imobiliários e empresas que atuam no ramo de

produção industrial (bebidas, telefonia e eletrodomésticos), além de transportadoras, prédios

de depósitos e lojas de implementos agrícolas (Fonte: Mapeamento de campo/2009).

A pressão da acelerada urbanização ao Norte da cidade acarreta mais problemas aos

moradores dessa área não só no âmbito da depredação ambiental, mas também da má

qualidade de vida presente na insuficiência de equipamentos urbanos e comunitários. Outro

fenômeno marcante nesse processo de urbanização acelerada do local é a valorização de

algumas áreas, cortadas pela Avenida Torquato Tapajós e início da rodovia AM-10, onde

observamos a concentração de equipamentos públicos e a especulação imobiliária comercial

que promovem o parcelamento do solo e, por conseqüência, o encarecimento desses espaços.

De acordo com Sposito (1988, p.74),

Em nível intra-urbano, o poder público escolhe para seus investimentos em bens e serviços coletivos, exatamente os lugares da cidade onde estão os segmentos populacionais de maior poder aquisitivo; ou que poderão ser vendidos e

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ocupados por estes segmentos, pois é preciso valorizar as áreas. Os lugares da pobreza, os mais afastados, os mais densamente ocupados, vão ficando no abandono.

Em ambos os casos, o que constatamos é que a exploração da área não ocorre somente

por parte dos segmentos populares que ocupam a terra no movimento que se convencionou

denominar de “invasão”, mas também por parte dos interesses privados (empresas locais e

multinacionais, além de condomínios de luxo). Nesse processo ocorrem perdas consideráveis

da vegetação nativa, assoreamento, poluição de igarapés e incidência de focos de doenças

endêmicas que atingem muitas pessoas.

As intensas ocupações de terras em Manaus que vêm ocorrendo ao longo de quatro

decênios, geram profundas disfunções no tecido urbano, gerando desequilíbrio na qualidade

de vida de seus habitantes, repercutindo não somente no ecossistema desses locais, como

também nos agravos que, em grande medida, aumentam a vulnerabilidade social dos

segmentos mais pobres. Para Oliveira (2003, p. 29), esse processo denota o interesse do

poder local de produzir uma estrutura urbana complexa na floresta, cuja relação encontra-se

pautada em “ações que determinaram novas relações sócio-espaciais modificadoras da

natureza, da paisagem urbana e, principalmente dos modos de vida”.

Para esse autor, Manaus é produto dos equívocos do nosso tempo. Os modelos

adotados valorizaram os aspectos econômicos sem levar em consideração a dinâmica urbana.

Isto foi destrutivo ao meio ambiente. Vejamos:

Em se tratando da paisagem urbana de Manaus, este processo explicita uma tendência a degradação, demonstrando que a persistência do mito da produtividade ilimitada e a imposição de um urbanismo segundo modelos preestabelecidos constituem-se em alguns dos equívocos do nosso tempo (OLIVEIRA, 2003, p 30).

Os fragmentos florestais que sobrevivem ao processo de desmatamento para a

improvisação de moradias populares e construção de empreendimentos econômicos não são

suficientes para manter o equilíbrio do ecossistema local. Fenômenos como enchentes,

desmoronamentos e erosões são freqüentes e potencializam os problemas ambientais em

nossa cidade.

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Para Nogueira e Sanson (2007), as zonas Leste e Norte foram as que mais sofreram os

impactos negativos oriundos das intervenções humanas nesta capital, e a intensificação desse

processo transformou tais regiões em locais de rara incidência de vegetação e com sérios

problemas de alagamento, desabamento, grandes ventanias e vulnerabilidade social dos

moradores. Esses autores lembram, ainda, que grande parte das moradias foi erguida em

terrenos irregulares com risco sócio-ambiental para quem as habita.

A expansão espacial urbana direcionada para a zona Norte, a exemplo do que ocorreu

em áreas tradicionais de ocupação, provocou danos profundos ao meio ambiente da cidade.

Essa área guarda um rico ecossistema formado por uma extensa bacia hidrográfica – a Bacia

do Tarumã-Açú que, com o adensamento populacional e a instalação da Lixeira pública no

local enfrenta, ao longo dos anos, graves agressões por poluentes domésticos e resíduos

químicos.

Ao longo dos anos, a área que recebeu a antiga Lixeira pública de Manaus, sofreu não

somente com as conseqüências do acúmulo de lixo sem tratamento dos resíduos químicos,

domésticos e hospitalares, mas também se deparou com o acelerado processo de ocupação

humana que se formou nas adjacências do Lixão. Nesse local inexistiam políticas públicas

básicas de infra-estrutura e de serviços sociais como saúde, educação e segurança, expondo

seus moradores às condições precárias de vida.

O fenômeno de ocupação popular no entorno da Lixeira foi ocasionada pela atração

que o local exercia em muitas famílias que, sem perspectiva de trabalho em outros locais,

encontraram no lixão uma alternativa de geração de renda factível. Em estudo realizado na

zona Norte, especificamente na área que comportava a antiga Lixeira Pública, Scherer e

Mendes Filho (2004), destacam que como todos os demais bairros da periferia da cidade,

esse local apresenta todos os problemas de infra-estrutura urbana, resultante de ocupação

abrupta e desordenada. Segundo esses autores,

Torna-se peculiar estudá-lo devido aos problemas decorrentes da lixeira pública existentes nos anos 80. O lugar de uma lixeira pública, a contaminação química e a vulnerabilidade sócioambiental das famílias que ali vivem. Desde já, sabe-se de antemão da contaminação dos lençóis freáticos, uma vez que alguns poços artesianos estão sendo estudados. Além dos problemas advindos da antiga lixeira, o bairro não é dotado de infraestrutura urbana satisfatória, carecendo de saneamento básico (SCHERER e MENDES FILHO, 2004, p. 08).

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O cenário era de degradação humana e risco profundo à saúde dos moradores, pois no

local não havia condições mínimas de trabalho e os catadores conviviam com o mau cheiro e

a proliferação de animais como urubus, ratos, baratas e muitos outros insetos que expunham

ao risco a vida dos mesmos. Vem somar a isto, a violência física e psicológica que esses

trabalhadores e trabalhadoras enfrentavam por estarem desempenhando uma atividade

considerada ‘ilegal’ pelo poder público municipal da época.

Em 2004, nos diversos momentos em que a Secretaria Municipal de Assistência Social

e Cidadania – SEMASC realizou o trabalho de cadastramento e levantamento das famílias

existentes na área, não foram raras às vezes em que encontramos grupos de mulheres e

crianças no local. A rotina segundo relatos dos catadores e das catadoras começava cedo,

quando os primeiros caminhões chegavam trazendo cargas de lixo coletado nas áreas

centrais da cidade. Indagadas sobre essa questão duas mulheres catadoras revelaram o

seguinte:

Muitas vezes a gente saía pra buscar material na lixeira muito cedo, o sol ainda nem tinha despontado. Muitos catadores, hoje, não sabem o que é dureza de verdade, pois o caminhão já traz aqui (...). (Iracy – catadora da AMMAR, entrevista/2009).

Nós fomos ainda de noite pro local (...). Eu me juntava com os outros e a gente ia pra enfrentar mais um dia duro de catação, pois quanto mais cedo a gente chegava mais recolhia material. (Dinalva – catadora da AMMAR, entrevista/2009).

Essa rotina era feita durante todo o dia e, dependendo do volume das cargas, se

estendia pela madrugada. Em diversos momentos observamos a chegada dos veículos no

local e a aglomeração de catadores cavando com as próprias mãos o material descarregado

nas montanhas de lixo que eram despejadas em toda a área destinada. Visualizamos também,

os casebres erguidos ao longo da lixeira. Neles os catadores e as catadoras guardavam seus

alimentos e o resultado de um dia inteiro de trabalho, que posteriormente seria

comercializado e/ou reaproveitado em seu uso doméstico.

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Na época, a equipe técnica da SEMASC18 realizou, além de abordagens no lixão,

diversas visitas domiciliares à comunidade Lagoa Azul e áreas circunvizinhas, momento em

que observamos a situação de extremo isolamento em que se encontravam essas pessoas.

Esses trabalhadores (as) são invisíveis aos ‘olhos’ da sociedade que não os reconhece como

tal. O acúmulo de lixo nas grandes cidades e o surgimento de pessoas que sobrevivem nesses

insalubres depósitos a céu aberto contribuem tanto para a degradação ambiental quanto para

a exclusão social (ZACARIAS e BAVARESCO, 2009).

Embora a paisagem da Lixeira fosse desoladora, ainda guardava alguns recortes

naturais bastante expressivos, como a grande reserva de água que corta a região denominada

Lagoa Azul, que deu origem ao nome da comunidade em estudo. A figura 2 retrata a forma

como os catadores executavam o trabalho de coleta e seleção do material acumulado no

lixão, antes da retiradas da Lixeira Pública, ocorrida em 2005.

Figura 4 – Foto dos catadores de lixo na antiga lixeira pública de Manaus.

Fonte: Secretaria Municipal de Limpeza Pública – SEMULSP/ 2004.

18 Nesse período eu trabalhava na Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania – SEMASC, exercendo o cargo de assistente social e acompanhava de perto o trabalho das catadoras no Lixão.

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Em 2005, a Prefeitura Municipal de Manaus inaugurou uma nova sede administrativa

para a Lixeira Pública, denominado-a de Aterro Municipal, onde se instalou uma balança em

substituição à antiga, com capacidade dobrada de aferição dos detritos depositados no local.

Com isso, deu-se início a um processo de controle do material e tratamento dos resíduos

depositados, causando assim, menos danos ao meio ambiente.

A própria definição de resíduo sólido ainda não é consensual entre os teóricos.

Segundo os estudos realizados em quinze países o termo não possui uma definição única.

Uns consideravam resíduos sólidos só os domiciliares e comerciais, outros incluem no termo

os elementos provenientes do setor industrial.

No Brasil houve por parte de Streb, Nagle e Teixeira (2004), uma classificação

metodológica que estabelece o seguinte padrão: 1) Por origem: domiciliar (doméstico),

comercial, industrial, serviços de saúde (hospitalar) e especial; 2) por tratabilidade:

biodegradável, reciclável, descartável e perigoso; 3) por incineração: combustíveis e

incombustíveis; e 4) por biodegradação: facilmente biodegradável, moderadamente,

dificilmente e não biodegradável.

Além dessa classificação, há aquela que trata de sua disposição final (NBR 10004,

ABNT, 2004): classe I (perigosos), classe II (não perigosos) e sua subdivisão: classe II A

(não inertes) e classe II B (inertes). A partir desta normativa todos os resíduos devem ser

caracterizados separadamente e conforme sua classificação mais adequada.

Segundo dados apresentados por Santos e Horbe et. al. (2006), no Aterro são

despejadas mensalmente, aproximadamente 56.000 toneladas de lixo (1kg/hab/dia), que é

recoberto por uma camada de solo de aproximadamente 0,5 m de espessura. Do total do

material depositado, metade é composta por matéria orgânica e o restante por papel, papelão,

plásticos, metais, pano, estopa, madeira, vidro e pedra. Esses produtos constituem a base de

coleta das mulheres catadoras da comunidade Lagoa Azul e adjacências.

O Aterro Municipal de Manaus está localizado em uma área rica em recursos naturais,

onde se encontra uma das maiores redes hidrográficas da cidade, a Bacia do Tarumã – Açu. 19 . Essa singularidade do local eleva os impactos ambientais ocasionados pela instalação da

19 O rio Tarumã localiza-se nas zonas Norte e Oeste de Manaus, confluindo para os igarapés Bolívia,

Passarinho, Mariano e Marianinho, constituindo assim, parte da bacia do Tarumã-Açú. Ver Santos e Horbe et. al (2006).

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Lixeira Pública e, atualmente, pela permanência do Aterro Municipal, pois a grande

diversidade ambiental do local sofre danos irreversíveis em decorrência da contaminação

ocasionada pelo chorume e por outros materiais pesados, depositados na área.

Segundo o estudo realizado por Santos e Horbe et. alii (2006), o chorume produzido no

Aterro Municipal não é canalizado e acaba aflorando em vários locais do aterro. Ele escorre

livremente e contamina o rio Tarumã e parte dos seus afluentes, que até pouco tempo

formavam um dos mais bonitos balneários da cidade. Além do chorume, a questão ambiental

na localidade se agrava em decorrência de esgotos sanitários provenientes do bairro de Santa

Etelvina e dos moradores que vivem ao longo dos afluentes do Tarumã.

Figura 5 – Imagem aérea da área destinada ao Aterro Municipal de Manaus.

Fonte: Secretaria Municipal de Limpeza Pública – SEMULSP/ 2005.

As condições ambientais e de saúde dos moradores da área são preocupantes por conta

da proximidade com a lixeira e a contaminação ocasionada por materiais pesados que

exercem grande influência na qualidade do solo e da água do local. No caso das mulheres, o

risco é maior em decorrência da grande exposição aos resíduos decorrente de sua atividade.

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Ao serem indagadas sobre os riscos que o trabalho com a catação pode representar à

sua saúde, devido à exposição aos resíduos trazidos pelas empresas coletoras de lixo, as

catadoras revelam que a “necessidade de trabalhar e o pouco lucro” advindos com trabalho

não lhes permitem adquirir equipamentos de proteção pessoal. Para Lindalva (catadora do

Núcleo IV/AMMAR),

A catação é perigosa devido a pouca seleção que as empresas coletoras fazem, antes de trazer o material pra gente. Ai, o trabalho duro de separar ‘o que presta’ e o que ‘não presta’ é da gente. Tem dia que a gente tem cada surpresa (Entrevista/2009.)

Mesmo descrevendo as diversas situações de risco a que estão expostas, as catadoras

do Núcleo II da AMMAR, localizado na AM 10, Ramal do Janjão, conseguem manter o bom

humor. Entre risos elas lembram de situações que, em suas próprias palavras, “não deixam

de ser cômicas”, como descreve a catadora do Núcleo II/ AMMAR:

A senhora acredita que vem de tudo pra gente separar. Meu marido me ajudando um dia, achou um envelope com seiscentos reais (...). Mas o comum é encontrar ‘camisinha’ usada, e outras coisas que esse ‘pessoal rico’ usa. Um dia eu e minhas filhas achamos um pênis de borracha muito gasto (Rosiane, Entrevista/2009).

A periculosidade decorrente da produção e não tratamento do chorume nos lixões pode

atingir a vida não só das pessoas do entorno da Lixeira, como também das populações que

habitam as calhas desse igarapé. Há um quadro arriscado sócio-ambientalmente que exige

atenção e vigilância em saúde por parte do poder público, que precisa adotar um modelo de

gerenciamento ambiental por meio da adoção de mecanismos integrados, eficazes e

sustentáveis de redução e destinação da substância.

A conceituação de chorume demonstra ser este um “líquido de cor escura, resultante da

putrefação dos orgânicos” (ROMANSINI, 2005, p. 18). Por ser uma substância líquida

resultante do processo de putrefação (apodrecimento) de matérias orgânicas, este poluente é

encontrado em lixões e aterros sanitários, sendo também, viscoso e de cheiro muito forte e

desagradável.

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Teixeira (2007) defende que o gerenciamento integrado dos resíduos sólidos impõe o

desenvolvimento de estudos e análises sobre as condições que regem a produção do resíduo,

inclusive a minimização das fontes geradoras, manejo e, sobretudo, as condições existentes

de tratamento e disposição dos mesmos, visando o menor impacto possível ao meio que o

cerca. Esses cuidados precisam ser redobrados quando se trata de áreas específicas como

aquelas que possuem uma rica biodiversidade que, possivelmente, são as mais vulneráveis a

agressão de agentes externos como no caso dos aterros.

O atual aterro de Manaus encontra-se localizado em uma dessas áreas. Sua geografia é

singular, posto que nela encontramos alguns elementos naturais que foram fortemente

impactados pela instalação da lixeira há pelo menos duas décadas atrás.

O relevo onde o Aterro está localizado é “formado por colinas com altitudes em torno

de 50 m, com até 150 m de extensão, topos aplanados, vales em V e drenagem com

densidade média. O Aterro Sanitário foi construído, inicialmente no topo de uma dessas

colinas, mas atualmente o lixo é acumulado também nas encostas” (SANTOS e HORBE et.

alii, 2006, p.230). A imagem abaixo retrata a ampliação do aterro. Se comparada à figura 3,

é possível verificamos o avanço progressivo da área do aterro sobre a floresta.

Figura 6– Imagem aérea do atual Aterro Municipal de Manaus.

Fonte: Secretaria Municipal de Limpeza Pública – SEMULSP/ 2006.

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De acordo com Cantúsio Neto (2007), o problema dos agravos à saúde das populações

decorrente da má distribuição de serviços e políticas públicas, representa um fenômeno

mundial. É cada vez mais preocupante o aumento dos níveis de contaminação da água pela

degradação dos recursos hídricos decorrente de múltiplos fatores como a ausência de

saneamento básico, infra-estrutura precária da rede de esgoto e abastecimento, uso industrial

dentre outros. Essa problemática tem variância de intensidade conforme os aspectos

socioeconômicos das regiões de todo o planeta.

Esses autores acrescentam que o cenário brasileiro é caracterizado pela “progressiva

contaminação das águas superficiais e subterrâneas por causa das deficiências de infra-

estrutura dos serviços de esgotamento sanitário20 (CANTUSIO NETO, 2007, p. 28). No caso

da comunidade Lagoa Azul e demais comunidades que orbitam a lixeira pública de Manaus,

a contaminação da água pode se constituir em apenas um dos agravos à saúde dos moradores

do local, pois com o grande volume de lixo na área, seu solo e subsolo também ficam

comprometidos pela contaminação.

Segundo o site oficial da Prefeitura de Manaus21, o espaço se transformou em Lixão

há cerca de 20 anos e desde a sua inauguração recebe todo o lixo coletado na capital. Em

1990, a Prefeitura de Manaus foi acionada pelo Ministério Público, por meio de uma ação

cívil pública contra o município e contra a Tumpex, empresa operadora dos serviços de

coleta e operação do aterramento de lixo.

O objetivo da ação pautou-se na exigência de modificação até 2008, das formas como

ambos vinham tratando e mantendo o local com consequentes despejos de toneladas22 de

resíduos urbanos sem tratamento adequado que previnise os impactos causados ao meio

ambiente. De acordo com a nota publicada os “danos oferecidos à saúde e ao meio ambiente

foram baseados em relatório encomendado no ano de 2004 ao Centro de Pesquisas de

Recursos Minerais - CPRM” (disponivel em www.manaus.am.gov.br).

20 No ano de 2004, o Ministério da Saúde – MS, por intermédio da Portaria nº. 518/2004 instituiu os procedimentos e as responsabilidades concernentes ao controle e a vigilância da qualidade da água para o consumo humano, estabelecendo ainda, o seu padrão de potabilidade a partir do estabelecimento de limites a presença de substâncias e organismos potencialmente nocivos à saúde humana na água (Ver CANTUSIO NETO, 2007). 21 http://www.manaus.am.gov.br 22 O aterro sanitário recebe mais de 2,5 mil toneladas por dia de lixo doméstico e hospitalar, que são depositadas em valas e recobertas com terra.

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Pela determinação legal do Ministério Público a Prefeitura Municipal teria até 2008

para desativar a então Lixeira de Manaus, estabelecendo outra forma de gerenciamento do

resíduo coletado na capital, por meio das estações de tratamento. As conclusões do órgão

estadual dá conta de que o local oferecia sérios riscos à saúde pública, além de promover

danos ambientais com a contaminação de lençóis freáticos, igarapés, solo e a atmosfera em

virtude do chorume e dos gases emitidos durante o processo de decomposição do matrial

armazenado no local. A ação do Ministério Público defendeu a tese de que a lixeira oferecia

riscos à saúde pública por estar a menos de 10 quilômetros de dois importantes igarapés,

Matrinxã e Araçu.

Outro fator suscitado pelo Ministério Público em 1990 foi a proximidade da Lixeira do

Aeroporto Internacional Eduardo Gomes (menos de 08 quilômetros). Isto representa grande

risco às turbinas das aeronaves que operam vôos no aeroporto, as quais podem ser atingidas

por urubus. Para não representar riscos, o novo aterro deve ser construído pelo menos 20

quilômetros de distância do referido aeroporto, conforme estabelece o Termo de

Ajustamento firmado entre Prefeitura e Ministério Público.

Foi por força desse Documento que, em 2005, o poder público municipal estabeleceu

uma série de medidas no sentido de implementar uma política de gestão ambiental da lixeira

de Manaus. No início dessas ações, conforme destacamos anteriormente, os órgãos ligados à

limpeza pública e à assistência social se empenharam no trabalho de mapeamento e

cadastramento das famílias que sobreviviam da coleta e retirada de materiais despejados no

local. Esse processo visava, dentre outras medidas, a instalação de um aterro monitorado

com a instalação de uma balança de controle da entrada de materiais provenientes da coleta

pública, além da criação de cooperativas de reciclagem e comercialização de resíduos sólidos

dentro do próprio bairro.

Embora o acordo entre poder público e Ministério Público tenha estabelecido a

remoção da antiga lixeira da região onde ela foi implantada, para uma área mais distante da

BR AM 10 (proximidades do aeroporto), isso de fato não ocorreu. A Prefeitura mudou

apenas a forma de manusear os resíduos coletados na capital, instalando no seu lugar o

Aterro Municipal.

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Com a instalação do Aterro Municipal23, essas famílias foram cadastradas e retiradas

do Lixão, a partir do trabalho técnico de profissionais das Secretarias Municipais de

Assistência Social e Cidadania e de Limpeza Pública. Dava-se início, em 2006, à

organização das mulheres catadoras em cooperativas denominadas de Associação de

Mulheres do Meio Ambiente e Reciclagem - AMMAR24.

Atualmente existem nas proximidades do Aterro, segundo informações da SEMULSP,

05 (cinco) núcleos de coleta e separação de resíduos sólidos, formados por mulheres

catadoras. Nesses locais, as condições ambientais e de trabalho são precárias o que pode, em

longo prazo, causar sérios danos à saúde das mulheres que trabalham com esses produtos e a

seus familiares, principalmente pela sua exposição a elementos contaminados e pérfuros

cortantes.

Os intensos contatos e exposições constantes dos catadores com os resíduos sólidos

podem representar fatores de risco, não somente ao meio ambiente, mas para a saúde dos (as)

trabalhadores (as). Muitos não têm acesso à informações essenciais sobre os riscos de

doenças nessas áreas, pois eles e elas trabalham sem as condições mínimas de segurança. Tal

fato indica, então, que a matéria-prima de seu trabalho pode conter não só sobras do

consumo domiciliar, mas também lixos “hospitalares, odontológicos, veterinários e ainda

resíduos industriais, que podem oferecer perigo tanto ao homem quanto à natureza”

(ROMANSINI, 2005, p. 16).

Embora não seja a forma correta de destinação dos resíduos sólidos urbanos, os lixões

ainda representam uma prática recorrente em grande parte das cidades do país. Segundo

dados do IBGE (2002), a principal forma de destinação final dos resíduos no Brasil ainda são

os lixões, presentes em aproximadamente 70% dos municípios brasileiros.

Os lixões a céu aberto não são casos isolados, mas ao contrário, é a forma mais comum

de destinação de resíduos sólidos urbanos na maioria dos municípios brasileiros, mesmo não

sendo a maneira mais sustentável ambientalmente. Segundo esse autor, “os inconvenientes

ambientais de um lixão a céu aberto são bem relevantes. Solos, águas superficiais, ar são

23 O Aterro Sanitário de Manaus está localizado no km 19 da rodovia AM-10 na ligação entre Manaus e Itacoatiara, localizando-se à margem direita de um pequeno afluente do igarapé da Bolívia denominado Igarapé do Matrinchã. 24 A sigla AMMAR não possui um sentido fechado, pois nem as próprias mulheres e nem os representantes da SEMULSP souberam afirmar com clareza seu significado. A denominação acima se refere à informação de uma das mulheres representantes da AMMAR, Núcleo II.

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bastante danificados, além da qualidade de vida das pessoas que residem próximas à área.

(ROMANSINI, 2005, p. 45).

A gestão da coleta e disposição dos materiais provenientes do consumo urbano é de

responsabilidade das administrações municipais, mas, a ação generalizada dessas

administrações em “apenas afastar das zonas urbanas o lixo coletado, depositando-o por

vezes em locais absolutamente inadequados, como encostas florestas, manguezais, rios, baías

e vales” (JUCÁ, 2002, p. 02), vem acarretando problemas de magnitude alarmante.

A cooperação e articulação em rede dos serviços públicos devem ser premissas que

perpassem todas as iniciativas de planejamento urbano e ambiental, buscando promover a

regulação, a fiscalização e o planejamento urbano adequado voltado para a realidade das

populações mais vulnerabilizadas. As populações por sua vez devem se organizar em

movimentos sociais que são os meios e instrumentos eficazes para a promoção do controle

social, assegurando a autonomia e a responsabilização consciente dos sujeitos sociais na

proteção ambiental e na luta por condições sanitárias e de saúde mais condizentes com a

realidade vivida.

A promoção da salubridade, segundo Gonçalves (2007), deve ser buscada por

“políticas integradas”, que visem também, a potencialização dos investimentos realizados.

Ou seja, as ações de saneamento ambiental, devem ser consolidadas à partir de princípios

fundamentados na gestão de resíduos sólidos, no abastecimento de água, esgotamento

sanitário, drenagem e controle das enchentes, dos vetores de doenças transmissíveis e de

educação sanitária e ambiental. Ou seja,

devem ser integradas e interligadas entre si e com as demais políticas públicas, em especial a de saúde, meio ambiente, recursos hídricos, desenvolvimento urbano e rural, habitação e desenvolvimento regional (GONÇALVES, 2007, p. 27).

Essa nova forma de gerir os resíduos sólidos por meio da intersetorialidade, em que

políticas como a Saúde, o emprego e a geração de renda, a capacitação para a economia

solidária dentre outras, possam constituir a rede de promoção/proteção social desses

trabalhadores, gerando por conseqüência, a redução dos riscos sócio-ambientais.

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Nesse aspecto, a interface entre saúde e ambiente, sob o marco da sustentabilidade,

compreende, de acordo com Franco Netto et. alii (2007, p. 19) a instituição de uma política

que “expresse a multiplicidade de forças interativas geradas, onde há uma diversidade de

‘olhares’ e ‘interesses’ em torno da promoção da vida e da saúde humana”.

Figura 7 – Forma tradicional de depósito e manuseio do lixo coletado em grande parte

das áreas urbanas do país.

Fonte: D’Almeida (2000).

Na figura em questão, D’Almeida (2000), demonstra o esquema de um lixão a céu-

aberto, mostrando a presença de catadores e animais no local, a descarga dos caminhões e o

acúmulo de chorume na superfície do terreno, bem como a absorção desse componente

poluente pelas camadas do solo.

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Para Agujaro (2007) a inter-relação entre saúde e meio ambiente tem ocasionado novos

estudos científicos que enfocam a baixa qualidade de vida e saúde das populações

subalternizadas, em especial daquelas pessoas que por razões diversas, têm contato mais

direto com agentes poluidores e insalubres. Essa autora esclarece que,

As abordagens clássicas desta questão apontam a relação entre condições sanitárias inadequadas e elevados índices de mortalidade infantil e morbidade, os quais persistem em regiões onde um adequado desenvolvimento social e econômico ainda não foi alcançado, em locais mais remotos do país, ou menos bolsões de miséria das grandes metrópoles (AGUJARO, 2007, p. 45).

Nas proximidades do lixão, inúmeras famílias instalaram suas residências onde

habitam muitos catadores, em sua grande maioria mulheres. Essas residências possuem

aspectos comuns entre si, apresentando as seguintes características: são precárias, pequenas e

de pouco conforto. Essa situação é agravada pelas condições sócio-ambientais da própria

comunidade, que é desprovida de infra-estrutura básica, especialmente esgoto e asfalto,

demonstrando os próprios limites do poder público municipal em atender as necessidades

que se avolumam nas áreas periféricas de Manaus.

Manaus é apontada como uma capital de grandes contrastes sócio-ambientais em

decorrência da incapacidade das administrações públicas de atender as necessidades de infra-

estrutura e serviços sociais de sua população. Conforme assinalam Scherer e Mendes Filho

(2004, p. 02),

A intervenção do poder público na construção da infra-estrutura pública e na expansão dos serviços coletivos, sempre esteve longe de atender às demandas sociais colocadas pelas classes subalternas que vivem nos bairros periféricos da cidade. Seja do ponto de vista habitacional, da saúde, da educação, seja dos bens de consumo coletivos mínimos necessários à reprodução da força de trabalho.

Ainda se observa no local uma grande presença de resíduos florestais o que exige

urgência na implementação de políticas públicas estruturais que impeçam o maior nível de

contaminação ambiental no local, tanto por resíduos domésticos quanto pelas cargas de

materiais trazidos pelos veículos de coleta para reciclagem.

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A implementação de políticas sociais para essas comunidades devem voltar-se para a

diminuição dos riscos à saúde e elevação dos níveis de qualidade de vida dos seus

moradores. O avanço da fronteira urbana sobre a floresta deve ser encarado como um

agravante das condições de vida desses segmentos, além de se constituir num problema

ambiental de grandes proporções para a cidade como um todo. Isso, de acordo com Jacobi

(2006, p. 31), nos possibilita compreender as “relações entre os problemas (ou agravos) de

meio ambiente e de saúde existentes” entre os estratos sociais mais vulneráveis aos impactos

da urbanização predatória sobre o ecossistema.

Figura 8 – Imagem da comunidade Lagoa Azul que se formou no entorno da antiga lixeira de Manaus, onde atualmente estão localizadas as cooperativas de mulheres catadoras de

resíduos sólidos.

Foto: Hely Leal/2009.

A responsabilidade em assegurar políticas urbanas eficientes está na esfera de atuação

de estados e municípios, os quais devem ter como meta a proteção do solo, do ar e da água,

pois estes são elementos essenciais a saúde da população. Porém, a ausência de políticas de

urbanização e de planos diretores “é responsável pela má utilização do uso do solo, com

comprometimento das nascentes e de outras áreas de preservação ambiental”

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(GONÇALVES, 2007, p. 23). Essa responsabilização passa pelo planejamento estratégico de

ações pactuadas em prol da melhoria dos indicadores de saúde de forma articulada.

Meio ambiente e saúde representam, assim, dois eixos basilares das políticas socais

voltadas para a comunidades pobres como a Lagoa Azul, onde ocorre um descompasso entre

estrutura de serviços básicos e necessidades sociais.

2.2 - O cotidiano de trabalho das catadoras

A realidade das mulheres catadoras com o mundo do trabalho não comporta glamour

nem lamentações, há existência de elementos contraditórios que se cruzam formando uma

unidade. De um lado, há permanência do preconceito que em grande medida invisibiliza e

desvaloriza o labor dessas mulheres e, por outro, o sentimento entre elas de estarem

realizando algo imprescindível para o sustento pessoal e familiar, propiciando-lhes relativa

autonomia e identidade social como trabalhadoras por meio da construção coletiva.

Neste diálogo, buscamos detectar a auto-consciência das próprias catadoras acerca de

sua importância como sujeitos sociais e como agente de proteção ambiental. O seu auto-

reconhecimento pode facilitar a luta por condições mais dignas de trabalho mantendo os

princípios de cooperação, por meio da socialização dos lucros obtidos e da superação dos

desafios colocados em sua prática social.

A situação dos sujeitos sociais que vivem e trabalham na Amazônia, segundo Almeida

(2004), indica para a emergência de auto-definições com base em elementos identitários.

Para esse autor,

A construção de sujeitos sociais indica para a existência coletiva objetivada numa diversidade de movimentos organizados com suas respectivas redes sociais redesenhando a sociedade civil da Amazônia e impondo seu reconhecimento aos centros do poder. Estas redes emergem para além de entidades ambientalistas ou de defesa ecológica, abrangendo sobretudo organizações locais. Já não é mais possível dissociar a questão ambiental das associações voluntárias e entidades da sociedade civil, com raízes locais profundas (ALMEIDA, 2004, p. 21).

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Torres (2004) avança nessa discussão ao analisar a questão da consciência do

trabalhador a partir de suas próprias “experiências de vivências”. A consciência, para a

autora, emerge então como fruto de uma construção cotidiana por meio das experiências, não

sendo, assim, algo determinado. A consciência de classe não se expressa restritamente nos

movimentos grevistas, é construída na cotidianidade das práticas vividas e partilhadas pelos

sujeitos sociais.

Essa autora ressalta que a solidariedade entre os trabalhadores representa um elemento

identitário da classe trabalhadora e demarca a união de todas as categorias de profissionais

no plano econômico-social, na formulação de alternativas frente ao pensamento hegemônico

e ao status quo. O pensamento dessa autora conflui com o pensamento de Santos (2002), o

qual critica a idéia reducionista de que não existem alternativas diante da lógica capitalista,

uma vez que a globalização neoliberal foi eficazmente posta em causa por múltiplos

movimentos e organizações populares. Ao contrário, diz o autor,

Uma das tarefas urgentes consiste em formular alternativas econômicas concretas que sejam ao mesmo tempo emancipatórias e viáveis e que, por isso, dêem conteúdo específico às propostas por uma globalização contra-hegemônica (SANTOS, 2002, p. 24).

Em Manaus, a exemplo do que ocorre em outras cidades do país, os empreendimentos

solidários vêm representando uma nova forma encontrada por muitos sujeitos sociais que

buscam se organizar enquanto trabalhadores, no empenho coletivo de se manter ou se inserir,

no mercado formal de trabalho. França et. alii (2008, p. 14), ao estudar o papel da economia

solidária como reinvencão de formas econômicas viáveis diante do sistema capitalista,

esclarece que a “a forma econômica mais representativa da economia solidária é a

cooperativa”, em que, segundo essa autora, o primeiro passo para a ação cooperativista se

inscreve na maior participação dos seus trabalhadores no processo produtivo.

França et. alii (2008, p. 14), destaca que os empreendimentos econômicos solidários

apresentam as seguintes características:

1) Coletivas (organizações suprafamiliares, singulares e complexas, tais como

associações, cooperativas, empresas autogestionárias, clubes de trocas, redes,

grupos produtivos etc.);

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2) Seus participantes ou sócias/os ou são trabalhadoras/

es do meio urbano e/ou rural que exercem coletivamente a gestão das atividades,

assim como a alocação dos resultados;

3) São organizações permanentes, incluindo os empreendimentos que estão em

funcionamento e as que estão em processo de implantação, com o grupo de

participantes constituído e as atividades econômicas definidas;

4) Realizam atividades econômicas que podem ser de produção de bens, prestação de

serviços, de crédito (ou seja, de finanças solidárias), de comercialização e de

consumo solidário.

Para que um empreendimento solidário tenha êxito e cumpra seu papel de resistência

efetiva às práticas e aos valores mercantilistas do capitalismo, ele precisa de condições

objetivas de trabalho. Nas visitas realizadas nas cooperativas onde as catadoras realizam a

atividade de coleta e separação dos produtos, foi possível observarmos as condições

precárias de trabalho a que estão expostas às trabalhadoras pesquisadas. Embora a criação

dos núcleos de mulheres catadoras as tenha afastado do antigo lixão isso, na prática, não

significou segurança e condições adequadas de trabalho às mesmas, pois a infra-estrutura dos

locais onde realizam as atividades de catação e seleção de resíduos ainda é precária. Para

Sandra (catadora da AMMAR – Núcleo II),

As coisas ainda estão difíceis pra gente. Nessas condições sabe como é, né?. Quando é quente, a gente sofre com o calor, quando chove, sofremos com a lama, o encharcado e com a deterioração do nosso produto. Nos dias de muita chuva não conseguimos trabalhar (Entrevista/2009).

Em geral as sedes dessas cooperativas são imóveis pequenos, cobertos de telhas

Ondinas Brasilit, onde as catadoras se abrigam da forte ação do sol no verão e das chuvas

torrenciais de grande incidência no inverno amazônico. Nesses ‘barracões’ não há paredes

que propiciem segurança e privacidade para as trabalhadoras. Internamente não encontramos

nenhum equipamento necessário para a execução do trabalho como esteiras, trituradores ou

máquinas de embalagem.

Outra questão observada é a inexistência de áreas destinadas ao armazenamento e

conservação dos produtos selecionados, o que ocasiona segundo alguns relatos, prejuízos

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constantes devido ao percentual elevado de perecividade de resíduos como papelão, sacolas e

papéis que ficam expostos a ação do tempo. Segundo informa Clarisse (catadora da AMMAR -

Núcleo I),

Essas ‘telhinhas’ aqui, não protegem muita coisa na hora de fazer o trabalho. Além disso, se a gente tivesse pelo menos uma esteira como aquela que tem lá na Dorothy Stang, seria muito melhor, não cansava tanto, e a coluna ficaria menos dolorida.

Quando chove, temos que correr pra salvar o material selecionado na catação. O pior é que não há muito espaço pra isso, tem vezes que a gente tem prejuízo, principalmente com o papel e papelão (Entrevista/2009).

O trabalho nas cooperativas é extremamente duro e desgastante, porque é feito em

meio à insalubridade e periculosidade próprias do manuseio dos materiais. As trabalhadoras

não contam com um espaço de descanso para a alimentação. Muitas se alimentam ali

mesmo, entre os sacos de lixo e o forte odor que tomam conta do local. Quase não há pausa

para a alimentação, pois “quando chegam os caminhões de carga para selecionar, é preciso

muito esforço e rapidez, porque o serviço não pode esperar”, ressalta Sandra (catadora da

AMMAR – Núcleo II), no momento da entrevista.

A questão de infra-estrutura e a não adequação do empreendimento solidário à

realidade macroeconômica pautada na eficácia e organização interna pode representar um

dificultador para a otimização do trabalho das mulheres nas cooperativas da AMMAR, pois

o mercado desses produtos vem se tornando cada vez mais competitivo e seletivo, exigindo

dos trabalhadores cooperativados maior volume de material reciclado, cumprimento de

prazos e qualidade do produto comercializado. Conforme destaca Gaiger (2006, p. 04),

o diferencial decisivo de êxito dos empreendimentos repousa na sua capacidade de conciliar as relações de trabalho que lhe são próprias com os imperativos de eficiência, de modo a converter a própria cooperação em viga mestra de uma nova racionalidade. Nessas circunstâncias, os resultados passam a depender em larga medida das virtudes do trabalho consorciado, no interesse da sobrevivência do empreendimento e em favor dos próprios produtores. O solidarismo e a cooperação no trabalho, uma vez internalizados como prática cotidiana, propiciariam fatores adicionais de eficiência, em prol do empreendimento.

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Numa sociedade que se mostra cada vez mais competitiva as cooperativas precisam

investir em incrementos tecnológicos para potencializar o trabalho feito, adotando estratégias

que otimizem a produção a qualidade do seu produto. As cooperativas precisam pensar em

estratégias que adotem novas tecnologias e práticas gerenciais modernas, além de práticas

que reforcem a inclusão e auto-estima e a afirmação consciente dos associados. Gaiger

(2006, p. 04), chama a atenção para o fato de que,

Se o trabalho cooperativo representa, além de uma opção ética, uma alavanca singular para o êxito econômico dos empreendimentos solidários, resta verificar se esse diferencial é sólido o bastante para livrá-los do padrão de instabilidade e insolvência que assola os pequenos negócios. Apenas estudos dirigidos à evolução dessas experiências ao longo do tempo poderiam atestar seu desempenho, ao distinguirem as suas forças básicas de sustentação de outras circunstâncias, contingentes e efêmeras.

Em outro momento, indagamos às catadoras como elas se percebem enquanto

trabalhadoras e sobre o trabalho duro desenvolvido por elas nas cooperativas. Leonora

catadora da AMMAR – Núcleo IV, deixa claro que por ser mulher acredita ter mais

disposição e força para o trabalho cooperativado, na medida em que as mulheres são sempre

mais dispostas a trabalhar. Ouçamo-na:

Mulher é assim mesmo, trabalha muito e em qualquer situação. Não pode parar porque senão, perde tempo. Nós aqui carregamos, selecionamos, estocamos (...). Fazemos de tudo um pouco. Não dá tempo pra preguiça e nem pra ‘lerdeza’. Isso é trabalhoso do início do dia até o final da tarde quando a gente separa tudo o que escolheu, e se prepara para o outro dia (Entrevista/2009).

Este é o cotidiano das mulheres catadoras que trabalham de forma solidária na

separação e seleção dos resíduos sólidos, em duas associações de reciclagem da AMMAR, as

quais integram as cinco cooperativas pesquisadas na zona Norte de Manaus.

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Figura 9 – Trabalho de seleção de resíduos sólidos nas cooperativas da AMMAR (Núcleo I ).

Foto: Hely Leal/2009.

Mesmo cientes de alguns perigos a que estão expostas as trabalhadoras permanecem

cerca de 08 (oito) horas por dia, em contato direto com esses produtos, não utilizando

nenhum Equipamento de Proteção Individual – EPI, que lhes propiciem condições

adequadas e seguras de manuseio do material coletado. De acordo com Adriana,

representante do Núcleo III – AMMAR,

O maior medo das mulheres que trabalham nessa atividade é a contaminação com os produtos que chegam nos caminhões coletores da prefeitura, pois eles trazem tanto os produtos do nosso trabalho, papelão, plástico, ferro e pet’s, quanto material perigoso como: seringas, camisinhas (preservativos), restos hospitalares e muitas outras coisas que a senhora nem queira saber (Entrevista/2009).

O sentimento de insegurança das catadoras tem fundamento, pois embora o lixo

hospitalar tenha uma legislação específica de regulação de seu manejo e destinação seguros

sob responsabilidade da gestão municipal, os resíduos residenciais provenientes do

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tratamento de doentes nas próprias moradias, não passam por fiscalização, indo diretamente

para o lixo doméstico.

Figura 10 – Trabalho de seleção de resíduos sólidos nas cooperativas da AMMAR (Núcleo IV).

Foto: Hely Leal/2009

A cooperada Adriana, representante da AMMAR – Núcleo III, destaca que as

trabalhadoras cooperadas precisam dos meios que permitem a viabilização do trabalho, pois

sem os mesmo seus esforços ficam ainda maiores. Ela nos afirma que ,

Para o trabalho melhorar nas cooperativas, precisamos de condições boas. Precisamos que o carro que antes fazia o transporte do nosso material volte, precisamos daqueles equipamentos que agilizam a catação e protegem como: esteira, luvas, mesas e um local bem organizado, senão nosso trabalho vai continuar difícil e perigoso (Entrevista/2009).

Esta situação expõe ao risco tanto os trabalhadores das empresas coletoras quanto as

pessoas que trabalham com a reciclagem dos produtos, pois “quando os ‘garis’ recolhem o

lixo das casas, não sabem se lá existe um doente sendo tratado. As pessoas jogam no seu lixo

as seringas, os curativos, as lâminas que naquele dia usaram. Ao pegar no saco, o coletor

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corre o risco de se contaminar” (SILVANIA, catadora da AMMAR- Núcleo

I/entrevista/2009).

Além da falta de equipamentos básicos que lhes garantam a segurança individual,

inexistem também, serviços de infra-estrutura nos locais que servem como depósito e

reciclagem do material. Vem somar a isto, a inexistência de vínculos previdenciários que

possam assegurar benefícios sociais no momento de um acidente de trabalho ou

adoecimento. Esses fatores são temas centrais no diálogo com as catadoras que estão

preocupadas com os riscos que comportam o seu trabalho.

Segundo uma de nossas informantes, “todas as catadoras ficam prejudicadas com a

exposição permanente ao sol ou a chuva” (Izolina, Catadora do - Núcleo

III/AMMAR/entrevista/2009). As mulheres trabalham expostas a poeira e a lama, por conta

da inexistência de asfalto e esgoto em algumas ruas da comunidade.

A participação feminina em empreendimentos econômicos solidários surge como uma

alternativa impulsionadora de construção da autonomia e econômica dessas mulheres. Essas

iniciativas, denominadas de solidárias, possuem um caráter coletivo na gestão do trabalho

realizado por seus integrantes, por meio da posse dos meios de produção e nos processos de

trabalho, “minimizando a presença de relações assalariadas e provocando o envolvimento

com os problemas da comunidade e com as questões da cidadania” (GAIGER, 2004, p. 01).

Essa atividade cooperativada das mulheres, no entanto, precisa ser reconhecida

socialmente pelo poder público, através do apoio institucional e incentivo à sua organização

coletiva. Trata-se do empoderamento dessas mulheres, pois o cooperativismo se fundamenta

num modelo autogestionário que preconiza a democracia e a participação direta dos

cooperativados no empreendimento. Como sugerem Cortizo e Oliveira (2004, p. 84), a

economia solidária, se caracteriza “como uma possibilidade de inclusão no mercado de

trabalho, mas principalmente como um espaço de politização, de aprendizado e de

construção coletiva”.

Nas cooperativas há uma forma de gestão que permite a administração democrática,

insurgindo-se contra as formas de exploração preconizadas pelo capitalismo. Esse modelo

prima pelos bem-estar coletivo, em que os interesses individuais financeiros subordinam-se à

equitativa socialização dos lucros entre seus integrantes sem distinção.

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Singer (2002, p. 13) pontua que a economia solidária emerge como uma alternativa de

produção e distribuição frente aos ditames capitalistas, o qual é criado e recriado

temporalmente pelos sujeitos que estão, ou temem ficar, excluídos do mercado de trabalho.

Para esse estudioso, diante da crise do trabalho formal, a economia solidária se apresenta

como uma estratégia viável de sobrevivência pela geração de renda de forma compartilhada.

E, ainda, tem a possibilidade de distribuição da produção simples de mercadorias, segundo o

princípio da socialização dos recursos disponíveis no grupo.

Embora a economia solidária desponte como uma alternativa concreta diante do

desemprego em massa de trabalhadores que não foram absorvidos pelo sistema econômico,

essa forma de trabalho ainda é desconhecida da expressiva parcela da sociedade. O discurso

hegemônico defende a economia de mercado como padrão produtivo, não dando espaço para

a visibilidade do modelo solidário.

O fluxo de trabalho estabelecido entre as catadoras é análogo nas quatro cooperativas

da AMMAR visitadas e no Instituto Ambiental Dorothy Stang. Nelas as próprias mulheres

estabeleceram uma rotina mais adequada às suas necessidades e possibilidades, pois muitas

delas mantém suas tarefas domésticas tradicionais de cuidado com os filhos, maridos e

manutenção da casa. Nos pequenos intervalos estabelecidos entre elas, as prioridades se

voltam para suas famílias.

A permanente manutenção de papéis tradicionais considerados femininos tem como

base o modelo de família patriarcal, segundo o qual fica sob responsabilidade das mulheres

as tarefas domésticas e socializadoras ou educativas no que se refere à educação dos filhos.

Isso limita a ascensão profissional e a maior dedicação das mulheres ao mercado de trabalho.

Para Bruschini (2000, p. 16),

A constante necessidade de articular papéis familiares e profissionais limita a disponibilidade das mulheres para o trabalho, que depende de uma combinação de características pessoais e familiares, como o estado conjugal e a presença de filhos, associados à identidade e à escolaridade da trabalhadora, assim, como as características do grupo familiar, como o ciclo de vida e a estrutura familiar.

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Essa autora aponta que já na década de 90, os estudos demonstram a mudança no perfil

da População Economicamente Ativa – PEA feminina, cujo maior percentual encontra-se

entre mulheres na faixa etária de 30 a 39 anos (66%) e, entre aquelas com idade entre 40 a 49

anos (63%). Essa mudança nos indicadores produtivos no país vem acompanhada por um

expressivo aumento do trabalho das mulheres. Trata-se de um tipo de trabalho precarizado

que passa ao largo da cidadania, sem as garantias trabalhistas e reconhecimento social.

Em relação ao papel duplificado das mulheres com a casa e o trabalho remunerado, a

proximidade dos barracões com as suas residências representa um ponto facilitador segundo

as catadoras, pois assim, elas podem trabalhar sem se afastar de seus filhos e de suas

residências.Uma das catadoras pesquisadas explica seu sentimento em relação ao seu

trabalho na cooperativa e junto à sua família. Para Raimunda, catadora da AMMAR – Núcleo I

Mesmo trabalhando aqui na AMMAR, eu não desgrudo os olhos da minha casa. Por isso esse negócio é bom pra mim, pois além de ficar ‘produzindo’ meu trabalho, posso dar conta dos meus filhos e de casa. O sentimento que tenho é de tranqüilidade (Entrevista/2009).

Isso denota que essas mulheres mesmo exercendo uma atividade essencial para a

sobrevivência familiar, não se desvencilharam de antigas funções, como a responsabilidade

com seus filhos e as tarefas domésticas. Esse fenômeno não pode ser encarado de forma

isolada, pois as mulheres de modo geral não conseguiram se desvencilhar da dupla jornada

de trabalho, como reconhece a vasta literatura de gênero25.

Questionadas se, por conta do trabalho desgastante com os resíduos, as cooperativadas

conseguiram estabelecer uma rotina diária mais amena em termos de tarefas domésticas,

grande parte das entrevistadas respondeu que as responsabilidades com seus filhos, netos e

maridos ainda cabe a elas. Stein (2000, p. 34) assinala que,

As mulheres são responsáveis pelas atividades reprodutivas e os cuidados com a casa e os membros da família, e ainda são vistas como aquelas que ‘ajudam no orçamento familiar’, enquanto aos homens cabe o papel de provedor. A divisão sexual de papéis sociais se mantém e se reproduz nos limites das unidades de produção, em conceitos, visões e atitudes

25 Ver Hirata (1998), Bruschini (2000), Torres (2005) e muitas outras.

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sobre as quais são ou deveriam ser os papéis de ambos os sexos ao longo de toda a esfera social, educação, saúde e atendimento a infância.

A manutenção de um modelo familiar patriarcal, segundo o qual são atribuídas às

mulheres as responsabilidades domésticas e socializadoras, além da persistência de uma

identidade fundada na esfera privada “condicionam a participação feminina no mercado de

trabalho a outros fatores além daqueles que se referem a sua qualificação e à oferta de

emprego” (BRUSCHINI, 2000, p. 16).

Embora a incorporação do trabalho feminino nas cooperativas de reciclagem

represente uma importante alternativa financeira para dezenas de famílias em situação

subalterna devido à exclusão do mercado formal de trabalho, ainda não há o reconhecimento

necessário para sua atividade econômico-familiar, acarretando a exploração feminina mais

aguda e de pouco prestígio social. Essa inserção, segundo Abreu (2009, p. 06), “geralmente

resulta de necessidades internas de complementação da renda familiar. Os homens, chefes da

casa, sustentam a família e o trabalho das mulheres é visto como ‘simples ajuda’ ”.

Isso afeta o seu desempenho produtivo, pois elas sempre estarão sobrecarregadas com

tarefas tradicionais domésticas e maternas, paralelas ao trabalho fora de casa. Seu

desempenho é sempre visto como um complemento aos ganhos ‘oficiais’ dos maridos ou

companheiros.

Mesmo não possuindo o prestígio e o reconhecimento necessários para a valorização

da atividade de reciclagem, o trabalho das mulheres nas cooperativas AMMAR mostra-se

desgastante, exigindo das mesmas um esforço extra, na medida em que só se efetiva

mediante o esforço físico e o dispêndio de muitas horas de dedicação às tarefas. Muitas

famílias se beneficiam diretamente dos frutos desse esforço, pois a renda proveniente da

atividade é empregada essencialmente para o sustento de maridos desempregados, filhos e

até mesmo netos.

A falta de condições de trabalho e de apoio técnico deve ser enfrentada por meio de um

maior nível de politização dessas trabalhadoras, tendo em vista a importância desse trabalho

para a sobrevivência de inúmeras famílias que se beneficiam diretamente dos frutos desse

esforço feminino nas cooperativas.

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Segundo relato de Silvânia, catadora da AMMAR – Núcleo I, a renda proveniente da

atividade é empregada essencialmente para o sustento de maridos desempregados, filhos e

até mesmo netos, pois “nem sabemos como nossa família iria viver sem essa fonte de renda.

Meus filhos sabem da importância do meu trabalho, pois sem ele, como a gente iria se

alimentar, vestir e viver?. Não dá nem pra pensar em outra situação onde eu não poderia

contar com meu trabalho” (Entrevista/2009).

Cortizo e Oliveira (2004, p. 86), sustentam que,

O fato de os empreendimentos da economia solidária emergirem com uma forte vinculação com os espaços locais faz com que esses recebam de cada território a sua influencia histórica, cultural, econômica, social. Possibilitam ainda, maior envolvimento dos (as) trabalhadores (as) com a dinâmica local, com os espaços de debate público, de participação, de decisão.

Ao serem inquiridas sobre seus processos de trabalhos, as mulheres esclareceram que

suas atividades começam com a chegada do material trazido pelos caminhões coletores. A

partir disso, iniciam o esforço de alocar os resíduos coletados, em local mais adequado,

evitando assim, a alta carga de unidade e perecividade dos produtos que poderia facilmente

comprometer o resultado de muitos dias de trabalho.

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Figura 11 – Grande quantidade de material descartado pelas cooperativas por não

possuírem valor comercial junto às empresas de reciclagem.

Foto: Hely Leal/2009.

O fluxo de trabalho das catadoras da AMMAR não envolve somente o trabalho

‘braçal’ de receptação e seleção dos produtos para reciclagem, pois uma vez separados e

embalados, estas iniciam o processo de negociação com os ‘atravessadores’, os quais

negociam diretamente com as empresas recicladoras. O ideal, segundo Adriana,

representante da AMMAR, é que “todas nós contássemos com um meio de transporte, pois

sem essas condições tudo fica muito mais difícil” (Entrevista/2009).

Outra questão suscitada por Adriana é o fato de não possuírem meios de contatar

outros locais que poderiam ser parceiros na doação de material em bom estado para a

reciclagem, uma vez que “isso poderia possibilitar a vinda de resíduos em bom estado. Mas

pra isso, precisamos de apoio e dos meios que facilitem nosso trabalho aqui na AMMAR,

pois não podemos continuar trabalhando sem o devido reconhecimento e sem auxílio

nenhum” (Entrevista/2009).

As catadoras descrevem os processos de trabalho realizados na AMMAR,

esquematicamente esses processos podem ser esquematizados da seguinte forma,

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Figura 12 – Fluxograma de trabalho das catadoras da AMMAR (zona Norte de Manaus).

Fonte: pesquisa de campo realizada em 2009.

No primeiro momento do trabalho, as catadoras realizam o que elas denominam de

‘espera do produto’ trazido pelas empresas terceirizadas, que fazem a coleta urbana nos

bairros. O material despejado no local não possui nenhum critério seletivo antes de chegar à

cooperativa.

Com a chegada dos carros coletores, as mulheres se preparam para muitas jornadas de

trabalho árduo, em que terão que contar com um clima propício que lhes permita a execução

do trabalho. Dias chuvosos além de comprometer o andamento das atividades, causa perdas

de materiais como papel e papelão. Isso fica expresso na fala de uma de nossas entrevistadas,

que lamenta a falta de condições do local e as conseqüências advindas com o inverno ou até

mesmo com as tempestades de verão. Analisando suas condições de trabalho, Francisca,

catadora da AMMAR – Núcleo IV ressalta que,

Mesmo trabalhando com afinco, nos dias de chuva há muitos prejuízos para todas nós, pois não temos lugar de ‘estocagem’

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daquilo que selecionamos. A água vem e acaba com dias de luta. O produto perde valor, pois nenhuma empresa quer papelão molhado. Às vezes a chuva chega de surpresa e não dá tempo de salvar quase nada. Isso causa uma grande perda pra gente (Entrevista/2009).

Após a acolhida do material inicia-se o processo de classificação dos elementos

considerados recicláveis e não recicláveis. Isto ocorre por meio da separação das frações de

resíduos conforme a sua possibilidade de reciclagem. O trabalho consiste, então, em separar

aquilo que será aproveitado pelas empresas de reciclagem tendo, portanto, valor comercial.

Segundo Teixeira (2007, p. 47),

A reciclagem é o resultado de uma gama de atividades pelas quais o material que se tornaria resíduo ou que assim já é considerado, é desviado, coletado, separado e processado para ser usado como matéria prima na manufatura de novos produtos.

Com a seleção dos materiais recicláveis e não recicláveis, dá-se início a outra etapa

do processo, a de separação por tipo de produto, isto é, plástico, ferro, papel, papelão e

outros. Aqui, as catadoras se preocupam em como conservá-los para que haja o mínimo de

desperdício e perecividade. Com o término da estocagem as mulheres preparam o material

selecionado para repassá-los aos atravessadores que assumiram a função de intermediar a

compra dos materiais selecionados com as empresas do ramo de reciclagem.

Na cooperativa denominada Instituto Ambiental Dorothy Stang, também localizada

nas adjacências do Aterro Municipal, o fluxo em princípio parece se diferenciar das demais.

Esse empreendimento conta com um financiamento privado e está sob a responsabilidade do

Sr. Jorge Queiroz, responsável por parte do transporte dos materiais doados por instituições

públicas e privadas, tais como: lojas de decoração, bancos e órgãos públicos, além da

negociação direta com a empresa de reciclagem do bairro.

A cooperativa em questão possui veículo próprio e conseguiu estruturar uma rede

específica de doadores de resíduos que lhes permite a aquisição de materiais em bom estado

de conservação e, portanto, com ótimo valor comercial.

Na concepção do Sr. Jorge Queiroz, representante do instituto Dorothy Stang,

“somente com boa estrutura e apoio por parte das entidades governamentais o

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empreendimento cooperado pode avançar. Não adianta só boa vontade e disposição para o

trabalho” (Entrevista/2009). As parcerias se colocam como alternativa de apoio para as

cooperativas de resíduos sólidos em Manaus. As modernas práticas de gestão sugere como

fatores de eficiência de um empreendimento a racionalização e a organização dos processos

de trabalhos como diferenciais para o seu êxito.

Sobre esse aspecto, o Sr. Jorge Queiroz, explica que o diferencial que vem

otimizando o trabalho das catadoras e catadores no Instituto Ambiental Dorothy Stang é a

rede de parceiros que demandam material em bom estado, com boa aceitação no mercado e o

apoio logístico que têm possibilitado a aquisição de insumos como: esteiras, Equipamentos

de Proteção Individual – EPI’s e até transporte dos materiais doados.

Em entrevista esse representante do Instituto Dorothy Stang, afirma que,

As parcerias firmadas com instituições públicas e privadas nos ajudam a manter nosso empreendimento funcionando. Não nos limitamos somente à esfera pública como o Fórum Henoch Reis. Firmamos parcerias com empresas de móveis, Banco do Brasil e muitos outros. Nosso contato com a empresa que compra o produto reciclado aqui no bairro é direto” (Entrevista/2009).

As condições adequadas dos materiais recebidos pelo Instituto Dorothy Stang

constituem, sem dúvida, um facilitador no trabalho de seleção realizado pelas catadoras, pois

a sujeira e a umidade podem comprometer e, até mesmo, inviabilizar comercialmente

produtos como papelão, plástico e madeira. Além disso, a posse de um veículo facilita o

transporte das doações e permite um contato direto, sem interlocutores, com a empresa

compradora do material.

No caso das demais cooperativas as mulheres ainda não contam com o apoio

necessário para a otimização de seu trabalho. Sem isso, elas continuarão dependendo da

figura do atravessador.

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Figura 13 – Empresa de reciclagem que recebe grande parte do material coletado na AMMAR, instalada no bairro de Santa Etelvina, zona Norte de Manaus.

Foto: Hely Leal/2009.

As empresas de grande porte no ramo da reciclagem são as grandes negociadoras dos

materiais coletados pelas cooperativas de mulheres da AMMAR. O não acesso por parte das

mulheres da AMMAR às linhas de crédito, à capacitação técnica e ao apoio do poder público

local constitui-se num fator impeditivo da sua autonomia.

Essa lógica diminui os lucros das cooperadas, pois os preços ficam sujeitos às

negociações entre empresas e atravessadores. Ou seja, as catadoras não têm acesso ao

processo comercial de venda dos seus produtos. Pelas informações obtidas na pesquisa junto

às cooperadas os preços dos produtos costumam oscilar.

De acordo com a representante da AMMAR - Núcleo I, “o atravessador possui a

condução e o acesso às empresas” (Entrevista/2009). Isso lhe garante a maior parcela dos

lucros obtidos com a venda do material reciclado, perfazendo um total de 75% do lucro com

a comercialização direta do produto nas empresas.

Em nenhuma cooperativa da AMMAR constatamos a figura de uma pessoa destinada

exclusivamente para a gestão das atividades burocráticas como organização documental,

contato com fornecedores de resíduos, negociação dos preços do material reciclado junto às

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empresas e demais atividades concernentes à racionalização do empreendimento.

Geralmente, essas atividades quando realizadas, envolvem a pessoa de uma das cooperadas

que naturalmente assumiu a liderança do grupo.

Segundo Cecília representante do Núcleo IV da AMMAR, por não haver ainda uma

organização mais sistemática das atividades na cooperativa, as mulheres cooperativadas

ainda precisam de melhor capacitação quanto à lógica autogestionária. Ela acredita que as

reuniões no Fórum Lixo e Cidadania, realizadas na Câmara Municipal de Manaus, possam

esclarecer algumas dúvidas que ainda persistem sobre as atividades e a melhor condução dos

processos de trabalho não somente na AMMAR, como também nas outras cooperativas que

hoje atuam na capital amazonense.

Segundo essa entrevistada,

Nosso trabalho ainda carece de uma organização melhor, mas eu acredito que conforme a gente vai pegando o ‘jeito’ com as coisas, isso vai melhorando. Acho que o Fórum tem ajudado muitas de nós a entender o seu trabalho dentro das cooperativas, não somente na AMMAR, mas nas outras que ficam mais lá pro centro e na zona Leste também (Entrevista/2009).

Essa é uma realidade que afeta não somente as mulheres da AMMAR em Manaus,

mas grande parte dos catadores de resíduos no Brasil que, sem as condições mínimas de

logística, dependem de atravessadores e intermediadores que, por sua vez, possuem os meios

(carros, equipamentos etc.) para a realização da comercialização.

O quadro a seguir foi confeccionado a partir das informações adquiridas junto às

catadoras da AMMAR o qual permite visualizar a oscilação dos valores atribuídos aos

materiais selecionados nas cooperativas por meio de negociações com as empresas de

reciclagem em Manaus.

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Tabela 1 – Relação de preços que indica os valores aproximados dos produtos coletados.

VALORES NEGOCIADOS DOS PRODUTOS RECICLÁVEIS DA AMMA R

PRODUTO 2005- 2008 2009

Papelão/papel R$ 0,15/Kg – R$ 150,00/ton. R$ 0,5/Kg – R$ 50,00/ton.

PET R$ 0,50/Kg – R$ 500,00/ton. R$ 0,5/Kg – R$ 50,00/ton.

Sacolas R$ 0,30/Kg – R$ 300,00/ton. (Sem venda)

Ferro R$ 0,30/Kg – R$ 300,00/ton. R$ 0,50/Kg – R$ 500,00/ton.

Alumínio R$ 0,10/Kg – R$ 100,00/ton. R$ 0,70/Kg – R$ 700,00/ton.

Fonte: Pesquisa de campo realizada em 2009.

Nos estudos de Romansini (2005), a figura do atravessador representa um elemento

fundamental na relação capital–trabalho, pois sem as condições necessárias para negociar os

frutos de seu trabalho, muitos catadores necessitam da intermediação desses sujeitos para dar

fluxo a seus produtos.

De acordo com esse autor,

após a coleta, os recicláveis segregados pelos catadores normalmente são vendidos para um sucateiro, tido como um intermediário. Este sucateiro, por sua vez, realiza algum tipo de processamento aos recicláveis, agregando valor a estes e comercializando muitas vezes pelo dobro do preço de compra pago ao catador. O simples enfardamento significa agregar valor aos recicláveis, reduzindo volume. A trituração, a lavagem e extrusão de plásticos, são um outro tipo de processamento utilizando maior tecnologia e que agrega maior valor ainda aos recicláveis. O plástico granulado obtido por processamento vai direto para a indústria recicladora (ROMANSINI, 2005, p. 26).

A atual condição de trabalho das mulheres da AMMAR exige por parte delas

próprias uma maior articulação, para que a partir disso, haja pressão mais acirrada ao poder

público local. Há necessidade de estruturação de uma gestão ambiental que apóie iniciativas

populares de geração de renda e sustentabilidade sócio-ambiental, em especial às mulheres

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que mantém suas famílias com os recursos gerados pelo trabalho de reciclagem. Conforme

esclarece Teixeira (2002), a gestão ambiental é entendida como a condução, a direção,

proteção da biodiversidade; o controle do uso de recursos naturais, por meio de determinados

instrumentos, que incluem regulamentos e normatização, investimentos públicos e

financiamentos; requisitos institucionais e jurídicos.

A ação do poder público não pode, em absoluto, ser confundida com benemerência

ou assistencialismo, mas sim como política pública de trabalho como uma forma de apoiar

práticas socialmente solidárias e ambientalmente corretas, que empodere e fomente a

autonomia individual e coletiva daqueles segmentos subalternizados, incluindo as mulheres.

2.3 O Lixão como estratégia de sobrevivência e os paradoxos com o meio ambiente.

As cooperativas desempenham uma importante função social na vida de milhares de

trabalhadores que não têm acesso a outras formas de sobrevivência, via mercado formal de

trabalho. Esse empreendimento centra-se nos princípios de solidariedade e cooperação, num

procedimento mútuo entre seus integrantes, por meio de vínculos solidários que visam

objetivos comuns acordados entre todos.

O Brasil possui legislação própria que rege essas iniciativas, por meio da Lei nº. 5.764,

de 16 de dezembro de 1971, que define a Política Nacional de Cooperativismo. As

cooperativas de catadores possuem socialmente um modo mais humanitário de se beneficiar

com os resíduos sólidos. Para Machado et. alii (2006, p. 02),

Os antigos catadores se transformam em profissionais e aprendem a gerenciar suas tarefas como em uma empresa, visando a produção, sobrevivência e lucro, além de adquirem respeito e auto-estima.

As iniciativas organizadas de reciclagem e reaproveitamento de resíduos sólidos no

país ainda estão em um estágio incipiente, mas outras iniciativas cooperativadas vêm se

tornando expressiva nas últimas décadas. Os problemas gerados pelo uso irracional de

produtos industrializados, o esgotamento das fontes de recursos não-renováveis e,

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especialmente a queda do emprego formal, são fatores que contribuem para o aumento dessa

frente de trabalho.

Uma das características mais marcantes dessa nova frente de trabalho é a presença

majoritária de mulheres que, sem outras oportunidades, acabam sendo absorvidas nas

cooperativas. Esse fenômeno em parte é explicado em face do “problema do desemprego e

de precariedade no trabalho entre a População Economicamente Ativa das regiões

metropolitanas brasileiras que atinge em maior proporção o sexo feminino” (MARTINS,

2003, p. 01).

A precarização do trabalho atinge, sem dúvida, os empreendimentos solidários,

principalmente as cooperativas de serviços. Com efeito, mais do que a economia solidária é

o trabalho informal individual, descolado dos princípios de solidariedade e cooperação, que é

fortemente precarizado. As mulheres têm se constituído na mão-de-obra majoritária desse

tipo de trabalho informal em todo o país.

O que criticamos na economia solidária é o fato de esse tipo de trabalho não assegurar

as garantias trabalhistas conquistadas historicamente pelos sindicatos e movimentos sociais,

o que contribui para tornar precarizado o trabalho. A precarização do trabalho gera efeitos

nefastos nas já fragilizadas condições de vida dos segmentos subalternizados expostos à

vulnerabilidade social, especialmente em países como o Brasil, onde a distribuição da

riqueza ocorre de forma ostensivamente desigual.

Para Ryckmans (2003), o agravamento das desigualdades advindas com a lógica da

mundialização liberal ocorre devido os seres humanos não estarem em condições iguais

preparados para entrar na grande competição global. Isto incide não só no alargamento das

classes socais, mas também no fenômeno denominado ‘feminização da pobreza’.

A década de 80 representou um período de intensas pressões coletivas e inserção

feminina nas lutas pelo reconhecimento político-social da mulher na arena da cidadania.

Temáticas como: violência, gênero, meio ambiente e acesso à terra compuseram os debates

em torno das famílias chefiadas por mulheres no Brasil. A realidade do emprego que absorve

as mulheres de camadas subalternizadas tem imposto a elas um nível de pressão que se

intensifica com a perda dos postos de trabalho, com o aumento da informalidade, com a

fragilidade e/ou inexistência das políticas públicas de proteção social dirigidas a esses grupos

de trabalhadoras.

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A temática do crescimento econômico sempre fez parte da agenda de discussões e

estudos empreendidos por economistas, analistas financeiros e comissões técnicas, oriundos

tanto dos países de economia avançada quanto daquelas nações emergentes. Em sua grande

maioria esses estudos centram-se em indicadores objetivos que medem o desempenho dos

índices de produção e movimentação de lucros, deixando de fora questões viscerais como:

degradação ambiental ocasionada pela lógica produção-consumo e miséria de vultosas

parcelas humanas no mundo capitalista.

Nesse aspecto, considerando as taxas de desemprego no país, a busca por novas formas

de sobrevivência pode representar uma saída para as condições socioeconômicas precárias

das famílias, em especial daquelas chefiadas por mulheres. As atividades autônomas e

solidárias podem se constituir em um “refugio de sobrevivência para a mão-de-obra expulsa

do setor mais formalizado do mercado de trabalho” (BRUSCHINI e LOMBARDI, 2002, p.

58).

As cooperativas de mulheres catadoras emergem como uma alternativa necessária de

ocupação da mão-de-obra feminina na zona Norte de Manaus. Não obstante a isto, as

mulheres catadoras da AMMAR convivem cotidianamente com os problemas gerados pela

falta de apoio técnico que lhes propiciem a gestão mais adequada de seu empreendimento, a

inexistência de políticas sociais municipais que lhes garantam as condições mínimas de

segurança no trabalho e o maior aproveitamento dos materiais coletados, como já dissemos

anteriormente.

Outro ponto incidente observado na pesquisa demonstra que mesmo sendo uma

atividade importante ambientalmente, a má gestão dos resíduos descartados no processo de

seleção acarreta graves conseqüências ambientais para a própria comunidade onde estas

residem e trabalham. O acumulo de ‘lixo’ nesses locais pode gerar a proliferação de

microorganismos, a produção de chorume e a contaminação mais ampliada do ambiente

local (solo, ar e água).

Em estudo realizado por Cantúsio Neto (2007), sobre a qualidade da água e a produção

do lixo no Brasil, a questão da baixa qualidade da saúde entre as pessoas mais pobres, deriva

das condições de abastecimento e precariedade ou inexistência de um sistema de infra-

estrutura e tratamento do lixo urbano eficaz. Segundo esse autor,

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No Brasil, o cenário atual é caracterizado pela progressiva contaminação das águas superficiais e subterrâneas por causa das deficiências de infra-estrutura dos serviços de esgotamento sanitário. Uma série de doenças pode ser associada à água, seja em decorrência de sua contaminação por excretas humanas ou de outros animais; ou pela presença de substâncias químicas, nocivas a saúde humana (CANTÚSIO NETO, 2007, p. 28).

Nas ocasiões de despejo observadas na pesquisa, constatamos uma grande quantidade

de produtos que não tinham valor de mercado para as cooperadas. Isso acaba gerando outro

problema com graves repercussões ambientais, ou seja, o que fazer com os detritos que não

poderão ser reciclados por não possuírem função comercial para as empresas que compram o

produto final do trabalho.

Isso tem seu custo, pois aumenta o tempo gasto de trabalho em tarefas

economicamente desnecessárias, fazendo com que as trabalhadoras equacionem energia e

horas que não serão agregadas ao valor final do produto, sem falar do problema gerado pela

falta de destinação adequada dos rejeitos. Para Adriana (catadora da AMMAR – Núcleo III),

“o trabalho com esses resíduos, mesmo ajudando nas despesas domésticas, não deixa de ser

perigoso. Causam cortes nas mãos e irritações no corpo, que só vamos ver no final do dia”

(Entrevista/2009).

No fim das etapas as trabalhadoras terão outros problemas a enfrentar, a falta de

espaço para suas atividades por conta do acúmulo de ‘lixo’, a possível proliferação de pragas

urbanas geradoras de adoecimentos e demais riscos ambientais no local como enchentes,

enxurradas e alagamentos das residências no entorno das cooperativas.

Em uma pesquisa realizada por Mafra (2008), junto às organizações de catadores em

Manaus, alguns problemas foram identificados, quais sejam:

• Dificuldades para estimar o capital de giro;

• Recursos escassos para a ampliação do negócio;

• Logística para todo esse material com o qual trabalham;

• Problemas para garantir a procedência idônea do material recebido (se não foi oriundo de

roubo);

• Falta de espaço suficiente para o armazenamento do material;

• Necessidade de equipamentos adequados para o processamento do material reciclável; e

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• Percepção de que a sociedade ainda receia em adquirir objetos produzidos com matéria-

prima de origem de reciclada; entre outras informações.

Nas cooperativas da AMMAR observamos que nem sempre há, por parte das

empresas fornecedoras de matéria – prima a disponibilização de produtos de boa qualidade,

que propiciariam a redução do acúmulo de rejeitos no final do processo de triagem. Essas

medidas poderiam minimizar os impactos causados ao meio ambiente local e à saúde das

catadoras que se encontram expostas a situações de risco extremas ao lidarem com descartes

potencialmente periculosos.

Como destaca Martins (2003), é preciso entender que mesmo nos dias atuais, grande

parte das experiências de coleta e reciclagem no país ainda não possui caráter auto-

sustentável, pois a falta de planejamento e gerenciamento adequados representa um grande

impeditivo para que esses empreendimentos se tornem autônomos de fato, gerando

condições dignas de trabalho, menor impacto ambiental e sustento para os trabalhadores que

precisam tirar seu sustento desses locais.

Martins (2003, p. 25) informa que,

O fato de que, em geral, não se leva em conta os danos ao meio ambiente provocados pela disposição de resíduos sólidos em áreas impróprias, nem se contabilizam todas as externalidades sociais e ambientais geradas nesse procedimento, faz com que não se tenha a exata dimensão da relação custo-benefício que envolve todo o processo de separação e reciclagem de resíduos.

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Figura 14 – Condições de descarte e/ou armazenamento do material que não passou no

processo de seleção da AMMAR e que podem gerar riscos ambientais a comunidade.

Foto: Hely Leal/2009.

Geralmente as sobras da seleção feita pelas catadoras se aglomeram no próprio espaço

de trabalho e em outras áreas da comunidade, formando um cenário degradado. O trabalho

em si é socialmente útil, pois se constitui em fonte geradora de renda e manutenção das

famílias despossuídas de outras formas de sobrevivência no mercado formal. Contribui,

também, para a redução de resíduos no lixão da capital, os quais sem tratamento e destinação

adequados aprofundariam o problema de acúmulo de resíduos, impactando negativamente o

meio ambiente da cidade.

Para Machado, et. alii, (2006, p. 05) as iniciativas que fomentam a interdependência, a

parceria e a organização coletiva “têm permitido o fortalecimento e a valorização da

atividade de catação e a recuperação de materiais recicláveis que geram emprego e renda

para muitas famílias sem acesso aos bens de consumo mínimos”. Muitos catadores têm

“enfrentado numerosas dificuldades e revelam a necessidade de instrumental que ajude a

organizar e a orientar suas atividades” (Ibid. p.05).

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Não podemos negar que a pessoa do catador trabalhador é estratégica em termos

ambientais, pois com seu trabalho ele evita que milhares de toneladas de materiais

recicláveis se tornem lixo danoso ao ambiente, saturando-o ainda mais, pela degradação e

acúmulo de resíduos sem tratamento e destinação corretos. Segundo Machado et. alii, (2006,

p. 06),

ao juntar os seus recicláveis, a atuação do catador evita que grandes quantidades de matéria-prima sejam enterradas ou desperdiçadas todos os dias nos centros urbanos. Por exemplo, o vidro tem como origem principal a areia, o papel origina-se principalmente da madeira, o plástico do petróleo e os metais dos minérios extraídos da natureza. Quando são conduzidos para a reciclagem, além da economia de recursos naturais poupados da extração, tem-se ainda uma economia de recursos naturais no próprio processo de reciclagem.

As mulheres catadoras acreditam na importância de seu trabalho para a sociedade,

porém, o não reconhecimento social e o descaso dos órgãos públicos geram um sentimento

de insegurança e revolta nas mesmas. Ao descrever o sentimento vivido pelas catadoras em

relação ao preconceito social e a falta de apoio do poder público local, Clara (catadora da

AMMAR – Núcleo IV), conta que,

As pessoas passam por aqui e olham como se o lixo e a gente fossem a mesma coisa. Acho que elas não sabem da importância do que a gente faz. Até confundem a gente com lixeiro, pois não sabem a diferença entre catador e lixeiro (Entrevista/2009).

Em alguns diálogos, duas das pesquisadas apontaram o fato de serem mulheres, o

grande impeditivo para a melhoria de suas condições trabalho, pois argumentam que as

pessoas acreditam que sua atividade é “só passa tempo, não tem valor, pois são um bando de

mulheres que mexem com lixo. Na outra cooperativa da comunidade ‘comandada’ por um

homem se conseguiu até financiamento, apoio e muito mais” (Entrevista/2009).

A sociedade desconhece a importância que têm as mulheres para a preservação do

planeta. Segundo Torres (2009, p. 348) “as mulheres possuem uma racionalização

estratégica preservacionista em relação ao solo, animais, plantas, águas. Trata-se de uma

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racionalização intuitiva que tem como horizonte a continuidade da vida, a reprodução das

espécies e a perenidade do planeta”. De fato, as condições da cooperativa Doroth Stang são

bem melhores que as demais. Sua coordenação está sob responsabilidade de uma pessoa do

sexo masculino, o qual se encarrega de fazer contatos com as empresas compradoras dos

materiais reciclados pela cooperativa, transporte, convênios com empresas e instituições

públicas que lhes fornecem materiais para reciclagem como: papel, madeira, metal e plástico.

Embora este senhor represente a instituição no âmbito público, internamente quem coordena

o trabalho concreto das catadoras é uma mulher, que se responsabiliza pelo fluxo,

organização e manutenção da produção.

Não podemos afirmar que haja discriminação de gênero no Instituto Dorothy Stang,

mas não se pode negar que no imaginário das catadoras há uma certa suspeita de que, por

serem mulheres, elas enfrentam maiores obstáculos no que tange ao seu reconhecimento

social. Isso é um elemento dificultador do acesso aos meios que poderiam melhorar suas

condições de vida e trabalho. Uma delas nos revela o seguinte:

Acho que pra homem as coisas acontecem mais rápido e mais fácil, não sei por quê. Nós mulheres da AMMAR damos o maior duro e as coisas sempre são difíceis lá com o pessoal de cima. (Maria das Graças, catadora da AMMAR – Núcleo III /entrevista/2009).

Um ponto importante na análise das relações de gênero é a constatação de que

homens e mulheres têm formas diferenciadas de acesso aos bens e serviços socialmente

postos. Isso decorre da própria diferenciação entre os gêneros no que tange aos direitos

reconhecidos na prática cotidiana. Ryckmans (2003) considera que as pesquisas científicas

realizadas para descrever a realidade das mulheres no concernente à cidadania, apontam para

o fato de que o acesso, o controle e a utilização dos recursos variam em função do gênero e

de acordo com cada sociedade. As mulheres usufruem menos direitos e ganham menos que

os homens, o que as coloca em níveis desiguais no processo de desenvolvimento.

Juncá et. alii. (2000) acrescenta que um dos grande problemas decorrentes da

instalação dos lixões nas cidades brasileiras, é justamente o agravamento da questão social

dos segmentos da população mais vulneráveis socioeconomicamente. Nesses locais, as

catadoras estão expostas não somente á fome, à miséria, aos agravos a saúde, mas também a

toda forma de preconceitos, a invisibilidade social e ao descaso dos governos.

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Além da invisibilidade e da atribuição de conceitos pejorativos e discriminatórios em

relação à atividade dos catadores de um modo geral, comumente denominados como

‘lixeiros’, as mulheres ainda precisam enfrentar algumas dificuldades concretas que

dificultam o trabalho feminino nas cooperativas AMMAR. Elas precisam provar ao poder

público e à sociedade que são trabalhadoras centrais do processo de trabalho de reciclagem,

não são coadjuvantes e/ou ajudantes dos homens.

À mulher catadora de resíduos sólidos precisa perceber-se como sujeito histórico,

portadora de uma identidade e consciência de si. Elas precisam também, construir sua

cidadania como grupo socialmente solidário, capaz de conduzir seus empreendimentos,

assumindo novos rumos diante das mudanças familiares, das inflexões do mercado de

trabalho, na luta por políticas públicas, como educadora e trabalhadora e, como merecedora

de respeito e reconhecimento social.

A consciência coletiva das catadoras de resíduos sólidos na zona norte de Manaus,

pode ser um caminho para sua maior visibilidade social. Somente com o reconhecimento da

importância de seu trabalho estas poderão lutar por políticas publicas que atuem frente às

precárias condições de trabalho a que estão submetidas.

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CAPÍTULO III – A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E AS FORM AS DE ORGANIZAÇÃO DAS MULHERES CATADORAS DA AMMAR

Não é demasiado afirmar que as mulheres têm uma relação menos destrutiva com o meio ambiente do que os homens. Elas possuem uma racionalização estratégica preservacionista importante em relação ao solo, animais, plantas, água. Trata-se de uma racionalização intuitiva que tem como horizonte a continuidade da vida, a reprodução das espécies e a perenidade da vida (TORRES, 2009).

3.1 As formas de organização das mulheres catadoras de resíduos sólidos nas Cooperativas AMMAR

A crise do trabalho assalariado que atinge o Brasil a partir da última década do século

XX tornou-se o elemento determinante que ocasionou a formulação de estratégias de

sobrevivência, por parte de grandes contingentes de trabalhadores excluídos pela

reestruturação produtiva.

No Japão essa última crise tem inicio nos anos 1960 e nos países da Europa, a partir de

1970 e nos países emergentes como o Brasil, a partir de 1990. Isto contribuiu para que o

grande capital a desenvolver sua auto-reprodução ampliada. Antunes (2006) assinala que

esta crise ocasionou extrema expansão do neoliberalismo e crise do Welfare State (Estado de

Bem - Estar Social), forçando a social democracia a atuar em consonância com os preceitos

da agenda neoliberal.

Particularmente nos últimos decênios, algumas respostas foram elaboradas diante do

esgotamento dos modelos fordista/taylorista, dentre as quais, o incremento tecnológico e o

aumento da produtividade e do consumismo exacerbado. Isso engendrou dois fenômenos no

mercado de trabalho. Por um lado, surge a figura do trabalhador polivalente e multifuncional

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da era informacional, e por outro, uma “massa de precarizados, sem qualificação que

vivencia o part time26” (ANTUNES, 2006, p. 43).

Com a crise estrutural do capital, os índices de ocupação e emprego de grandes

parcelas de trabalhadores caem vertiginosamente, pois com o novo padrão de acumulação

ocorrem mudanças de ordem industrial, tecnológica e nas relações sociais, pautadas na

especulação financeira e na mundialização do capital.

Esse fenômeno engendra também, a lógica destrutiva global, a qual vem acarretando

outros fenômenos que atingem, o meio ambiente. Nesse aspecto, o autor destaca que,

Dentre tantos efeitos nefastos, um monumental desemprego, uma intensa precarização da mão- de- obra humana e uma degradação crescente na relação metabólica entre homem e natureza, conduzida pela lógica societal voltada prioritariamente para a produção de mercadorias, que destrói o meio ambiente em escala globalizada (ANTUNES, 2006, p. 35).

O Parque industrial de Manaus, gradativamente se amplia com a vinda dos grandes

grupos estrangeiros que absorvem uma parcela considerável de trabalhadores, mesmo sem

especialização, atraindo mão-de-obra, sobretudo, do interior do estado com salários irrisórios

(PONTES, 2000). Já na década de 70, a capital recebe grandes levas de migrantes, em

especial de mulheres oriundas de cidades interioranas, que acabam abandonando seu local de

origem para se integrar ao corpo de mão-de-obra barata.

É sob essa lógica que a metrópole emerge em meio aos fluxos migratórios constantes e

vertiginosos que acabam, na mesma medida, propiciando um maior nível de exclusão social.

É crucial, portanto, compreender que “a pobreza, a fome, a miséria espalhada e ampliada por

todo território nacional, sobretudo em nossas cidades, deriva de um modelo econômico,

político e social perverso” (GOMES, 2003, p.65).

As décadas de 80 e 90 possuem suas singularidades por trazerem consigo a luta

coletiva por melhores condições de trabalho através da organização política sindical e, 26 Forma de emprego precarizado, marcado pela exígua temporalidade e parcialidade, agudizada pela pouca ou nenhuma garantia trabalhista (Ver ANTUNES, Ricardo, 2007).

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posteriormente, o reconhecimento gradativo da mulher operária no sindicato27. Embora

sofrendo toda sorte de discriminação e preconceito, a mulher operária do Distrito de

Industrial não se calou em momentos cruciais de luta na construção de sua cidadania, mesmo

enfrentando sanções e relações de poder assaz autoritárias.

A partir dos anos 1990, Manaus enfrenta o processo de reestruturação produtiva que

determina mudanças substantivas nas formas de seletividade da mão-de-obra, dentre outros

fatores.

Esse período de grande recessão econômica provoca uma impressionante dispensa de

mão-de-obra local, agravada pela desaceleração da empregabilidade de novos trabalhadores.

Com isso, as taxas de emprego entram em um movimento ascensional e instala-se um

período de precarização do mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que na relação capital-

trabalho, a força de trabalho perde seu valor de troca no mercado. Pochmann (1999, p. 61)

assinala que,

De um período de inclusão de novos segmentos de trabalhadores no mercado de trabalho urbano passa-se a um processo de exclusão via desemprego e oferta de ocupações a descoberto dos padrões de proteção legal e previdenciária vigentes – assalariamento desregulamentado, trabalho por conta própria ou auto-emprego. Os efeitos nocivos desse processo recaem, de forma especial, sobre a mão-de-obra feminina, ampliando sua participação no contingente de trabalhadores desempregados e nas formas precarizadas de ocupação.

É verdade que os efeitos nocivos da crise do trabalho assalariado recai sobre as

mulheres, como afirma o autor, na medida em que elas irão ampliar as fileiras do trabalho

precarizado e sem as garantias trabalhistas.

27 Em sua análise acerca dos desafios e conquistas que marcaram a trajetória da mulher operária em Manaus, com a emergência do Distrito Industrial de Manaus – DIM, fortemente atrelado e dependente dos interesses internacionais capitalistas, Torres (2005), estabelece em sua pesquisa uma conversação rica em detalhes acerca do movimento operário nesta capital, em especial nas décadas de 80 e 90. Nesse período, a presença da mulher trabalhadora na luta operária é inegável por sua combatividade e volume, mas também, paradoxal à medida que esta se insere nas lutas mais gerais da classe trabalhadora, e precisa lutar também, por seu reconhecimento e legitimidade dentro do próprio movimento sindical (Ver TORRES, 2005).

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Com a implantação de novas tecnologias advindas com a reestruturação produtiva uma

parcela considerável de mulheres trabalhadoras enfrenta um duplo dilema: de um lado detém

capacidade físico-intelectual para assumir posições no mercado, por outro, precisa aceitar

condições salariais precárias que nem sempre estão condizentes com seus esforços e

qualificação, em decorrência da alta competitividade, da acelerada presença de novos saberes

emergentes e da polivalência que demanda tempo e dedicação. Essas exigências de refinada

capacitação dos trabalhadores escapam às condições das mulheres que assume dupla tarefa

de mãe e de chefe de família.

Cria-se deliberadamente parâmetros para delinear quem são os sujeitos aptos ao

trabalho e os que não o são. Essas exigências determinam as regras básicas do

reconhecimento social dos trabalhadores, a partir de aspectos individuais e não coletivos.

Aqueles que, por qualquer razão, “não conseguem se inserir na lógica do capital e,

conseqüentemente, não conseguem atender aos apelos que circundam a ótica consumista por

ele imposta, serão entes socialmente invisíveis” (SOBRAL et. alii., 2009, p. 02).

A invisibilidade dos trabalhadores (as) não qualificados está associada à falta de

reconhecimento social da própria função que eles e elas exerceram na sociedade. Isto é,

nega-se aquilo que outrora foi desempenhado com êxito por esses mesmos trabalhadores.

Se esses trabalhadores não conseguem o necessário reconhecimento pelo que fazem ou

produzem, outras repercussões podem ser geradas, inclusive no que tange às suas próprias

condições de vida, pois o retorno pelo que fazem será aquém da energia gasta para produzi-

lo. Além disso, a invisibilidade social do trabalho “gera sentimentos de desprezo e

humilhação para aqueles que convivem com esse tipo de execração” (SOBRAL et. alii.,

2009, p. 04).

De acordo com Juncá (2000), a atividade de catador surgiu no início do século XX, por

meio da figura do garrafeiro, mas foi nos últimos anos que a catação de resíduos sólidos se

constitui numa forma de sustento para milhares de pessoas. Em uma sociedade regida pelo

alto padrão de consumo e pela necessidade constante de reconhecimento, os catadores de

resíduos sólidos vêem-se cotidianamente submersos no fenômeno da exclusão tanto no que

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diz respeito ao mercado de trabalho formal quanto no que se refere ao reconhecimento social

de sua profissão (informal).

Os padrões de vida contemporâneos geram grandes quantidades de sobras que por não

serem reaproveitadas, ou bem destinadas, agridem ainda mais o meio ambiente. O

consumismo em larga escala provoca a escassez de recursos naturais e delimita ainda mais o

lugar social dos sujeitos, pois o reconhecimento de uma pessoa pelos padrões

socioeconômicos vigentes, passa pelo nível de consumo que ela apresenta.

Mesmo constituindo-se numa alternativa frente ao desperdício de matéria-prima e

poluição ambiental, essa atividade, ainda não adquiriu o reconhecimento social necessário,

uma vez que é marcada por estigmas comumente atribuídos a informalidade. Sobral et. alii.

(2009, p. 07), considera que os estigmas mais evidentes estão na “associação do/a catador/a

com o próprio lixo, aqueles/as que sobrevivem das sobras, além da noção deturpada de

considerá-lo/a pessoas perigosas que devem ser mantidos/as à distância”.

Considerando que a invisibilidade e preconceito vivenciados pelos catadores, de um

modo geral, é expressão da própria concepção social em relação à atividade de reciclagem, a

qual vem sempre associada à marginalidade, mendicância e ao próprio lixo. È importante

conceituarmos os significados dos termos ‘lixo’ e ‘resíduos sólidos’, pois com esta definição

poderemos entender como esse processo afeta a cidadania e a auto-representação das

catadoras da AMMAR e de outros catadores na contemporaneidade.

De acordo com Steckel e Rocha (2009), não há uma definição exata acerca do termo

lixo. Embora a sua grafia nos remeta à língua latina, há autores que afirmam que sua origem

deriva do substantivo ‘lix’, que significa cinzas ou lixívia. Para outros, entretanto, advém do

verbo ‘lixare’, cujo significado seria lixar, desbastar e que teria sido adotada no português

com a conotação de sobra, resto ou sujeira. Para Sobral et. alii. (2009, p. 04),

Os catadores de materiais recicláveis estão, portanto, em contato com aquilo que não se quer por perto, fatores que agravam sua condição de ser invisível, pois muitas vezes são associados ao próprio lixo, além de não terem qualquer acesso a direitos trabalhistas, dada a total informalidade do trabalho exercido.

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No Brasil, há uma definição oficial dada pela Associação Brasileira de Normas e

Técnicas - ABNT, nas Normas Brasileiras NBR n°. 10004, a qual define lixo como sendo

quaisquer resíduos, estados sólidos e semi-sólidos, que resultam de atividades da

comunidade de origem: industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços,

varrição e especialmente os lodos.

Na concepção popular o termo resíduo é muitas vezes confundido com lixo, fazendo

com que as pessoas que lidam com a reciclagem sejam, comumente, associadas a ele. Nesse

caso, os catadores de resíduos sólidos sofrem com o próprio preconceito que a sociedade tem

em relação àquilo que foi descartado no processo consumista, ou seja, do lixo que produz,

pois sobrevivem exatamente das sobras do consumo, estando em contato com tudo aquilo

que as pessoas descartam e consideram inúteis.

A sociedade brasileira sempre foi marcada por grandes desigualdades entre as classes

sociais, e essas assimetrias se consolidam em face do não acesso dos subalternizados à

educação de qualidade, à saúde, habitação e saneamento básico. Essa realidade provoca uma

lógica controversa. De um lado, enfrentamos um cenário socioeconômico exigente e elitista

e, por outro, o crescimento da massa composta por pessoas inaptas ao trabalho formal e sem

capacidade objetiva de superar sua situação de miséria e apartação social a que estão

submetidas. Sobre esse aspecto, Souza (2004), deixa claro que à pobreza e à desigualdade

social, presentes em décadas anteriores no país, agregou-se a falta de investimentos na área

social, empurrando os segmentos já vulneráveis socialmente, a uma condição degradante.

Devido a ausência de políticas públicas eficazes, incluindo a assistência social, a

miséria atingiu mais profundamente aqueles que não puderam fazer frente a esse fenômeno.

Cresce o numero de pessoas que vivem de subempregos e de atividades “invisíveis”

socialmente. Os riscos dessas atividades são muitos e não garantem direitos básicos nas áreas

da previdência, assistência social e saúde.

Por ser a função de catação de resíduos sólidos marcada pela vulnerabilidade social

pela precariedade, decorrentes da informalidade e dos estigmas sociais, a luta pela cidadania

não pode passar despercebida. Cumpre-nos reconhecer que a organização social desses

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segmentos, ainda não conquistou a visibilidade política necessária para lograr direitos

básicos de cidadania.

A criação de cooperativas de reciclagem pode representar uma saída para muitas

famílias que sobreviviam, ou ainda sobrevivem, em situação de extrema pobreza nos lixões

das grandes cidades do país.

Em Manaus, algumas experiências de cooperativas podem representar uma alternativa

de geração de renda e organização coletiva para seus integrantes. De acordo com

informações coletadas junto a Secretaria Municipal de Limpeza Pública – SEMULSP há nas

quatro zonas da capital, grupos organizados de catadores que dependem do trabalho de

catador para manter o sustento familiar. Essas associações possuem cadastro no órgão e são

constituídas por muitas pessoas que antes dependiam exclusivamente da lixeira pública para

a sua sobrevivência.

Tabela 2 – Cooperativas distribuídas por zona em Manaus.

Zonas de Manaus Qtd./grupos

organizados

%

Norte 04 37

Sul 03 27

Leste 01 9

Oeste 03 27

Total 11 100%

Fonte: Informações coletadas em 2009, junto a SEMULSP.

A retirada ou o fim da lixeira de Manaus não foi uma iniciativa dos catadores, mas

uma determinação do poder público municipal por ocasião da implantação do atual Aterro.

Indagadas sobre a sua saída do antigo lixão, algumas catadoras ressaltam que as condições

de trabalho melhoraram muito, pois agora a maior proximidade com a residência e a

segurança possibilitam certa tranqüilidade pessoal. Segundo destaca Regina (catadora da

AMMAR),

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Muitas vezes a gente precisava sair muito cedo para a lixeira. Isso era perigoso, pois além dos vigias que guardavam o local, ninguém nunca sabe o que vai encontrar pela frente durante a noite ou a madrugada (Entrevista/2009).

É necessário frisar que a organização em cooperativas e associações de catadores, não

garante que os direitos trabalhistas sejam efetivados. Isso deverá implicar em debates e

discussões no âmbito da economia solidária no sentido de buscar incluir esses trabalhadores

nas políticas trabalhistas, que contribuam para o empoderamento e valorização dos sujeitos,

por meio do empoderamento. Segundo Cortizo e Oliveira (2004, p. 84),

O processo de empoderamento compreende a trajetória de emancipação, autonomia, crescimento desses trabalhadores e trabalhadoras que, ao vivenciarem uma outra lógica de trabalho, tecem relações, se apropriam de informações, se conscientizam de seu poder.

Questionadas se possuíam alguma forma de organização política, as catadoras da

AMMAR, informaram que participam periodicamente do Fórum Lixo e Cidadania28, quando

aproveitavam para discutir questões relacionadas às condições de trabalho, oscilação dos

preços e formas de melhorar a situação dos catadores. O Fórum de Economia Solidária do

Amazonas também desenvolve atividades de formação aos trabalhadores de

empreendimentos solidários contando, inclusive, com a participação de professores da

Universidade Federal do Amazonas, através da Incubadora Tecnológica e do Núcleo de

Tecnologias Sociais. Falta, outrossim, envolver as catadoras dessas cooperativas nesse

processo formativo.

Segundo nos informou uma das catadoras, o Fórum Lixo e Cidadania representa,

também, um espaço de diálogo e debate com as entidades representativas da sociedade e do

poder público, visando obter apoio desses organismos para a causa dos catadores em

Manaus. Maria da Conceição comenta sobre a participação dos demais catadoras no Fórum

28 O Fórum Lixo e Cidadania é um projeto coordenado pelo Programa das Nações Unidas, através do UNICEF, o qual é constituído por mais de 44 instituições, dentre eles o Ministério do Meio Ambiente - MMA o qual integra a Secretaria Executiva do Fórum. Segundo o Boletim Gestão Integrada de Resíduos Sólidos para a Amazônia, nº. 01/2001, ao Fórum se associaram, por meio do Termo de Compromisso para retirada das crianças dos lixões, mais de 1.700 Prefeitos. Hoje, 13 mil crianças já deixaram o trabalho com o lixo. O UNICEF no Brasil mantém informações atualizadas sobre o Fórum pelo endereço eletrônico: www.unicef.org.br.

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Lixo e Cidadania, ressaltando o papel desse espaço de discussão e debate para o

fortalecimento coletivo dos trabalhadores tanto dos cooperativados como dos catadores

autônomos, em Manaus. Ouçamo-na:

No Fórum é muito bom. É uma oportunidade da gente trocar experiências, onde se fala das nossas dificuldades e se ouve um pouco da dificuldade dos outros catadores. Com isso, a gente acaba tendo mais força de cobrar melhorias pro nosso trabalho e mostrar a situação em que a gente se encontra diariamente aqui (Entrevista/2009).

Conforme dados oficiais do Ministério do Meio Ambiente29, nos últimos anos o Fórum

Lixo e Cidadania, vem se constituindo numa importante organização de cunho nacional.

Tem como premissas a erradicação do trabalho infanto-juvenil nas lixeiras, inserindo os

adolescentes e contribuindo para a ampliação de renda familiar dos segmentos que

sobrevivem da catação, além de extinguir os lixões dos centros urbanos.

Esse Fórum nasce com o intuito de fortalecer a luta dos catadores em todo o país por

melhores condições de trabalho, a partir do reconhecimento de suas dificuldades e na

inclusão social de muitos trabalhadores que sobrevivem da atividade de catação em muitos

centros urbanos do Brasil. Conforme esclarece Cappellin (2007, p. 07),

Os processos de inclusão social são pensados, defendidos e implementados para atender a população, sob a ótica de quem defende a possibilidade de transformação social, baseada na dicotomia de exclusão e inclusão. Portanto, o que podemos ver ainda, são medidas afirmativas compensatórias, que mudam lentamente as questões relacionadas à vida e ao trabalho dessa população trabalhadora.

Ao falar da participação dos catadores no Fórum do lixo, o Sr. Jorge Queiroz

representante do Instituto Ambiental Dorothy Stang, nos informou que as reuniões eram

mensais e, nesses encontros, o Fórum conta com a participação de vários grupos organizados

de catadores que atuam em Manaus, além de pessoas que sobrevivem individualmente da

catação, pois o “Fórum é um espaço aberto. Todos são convidados a comparecer. Nenhum

companheiro ou companheira, da catação fica é impedido de participar, pois quanto mais

29 BRASIL. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Secretaria de Coordenação da Amazônia. Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos - IBAM - Instituto Brasileiro de Administração Municipal. Gestão Integrada de Resíduos Sólidos para a Amazônia. In Boletim nº 1/2001.

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trabalhador envolvido mais gente tem pra falar das dificuldades e lutar por melhorias”

(Entrevista/2009).

Embora o Fórum Lixo e Cidadania se constitua num espaço expressivo de

representatividade dos catadores no País, ele não é a única forma de organização coletiva

desse segmento. Em 2001 os catadores se organizam politicamente em grupos dando origem

ao Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), que no decorrer

de sua história, vem produzindo resultados positivos e criou oportunidades de trabalho no

campo de reciclagem dos resíduos sólidos. Outra grande conquista ocorreu em 2002 com o

reconhecimento, pelo Ministério do Trabalho e Emprego da categoria profissional –

Catadores de Materiais Recicláveis.

Após cinco anos desde o 1º Encontro Nacional ocorrido em Brasília, os catadores

organizados já tiveram vitórias significativas em seu percurso, como o reconhecimento da

ocupação de catador e a sua inclusão no Cadastro Brasileiro de Ocupações – CBO, sob o

número 5192. Segundo Silva (2006, p. 15), “os catadores relacionam a superação de

preconceitos e desafios à sua organização, quando se referem ao 1º Encontro Nacional dos

Catadores”. Isso contribui para a luta contra velhos preconceitos em torno trabalho do

catador e a conquista do reconhecimento da categoria por parte da sociedade.

Há, então, na luta das catadoras de resíduos sólidos uma luta passa não somente pelo

reconhecimento da atividade em si, mas pela construção de sua própria cidadania que

compreende a luta contra o preconceito incluindo a luta pela igualdade de gênero. A

perspectiva de gênero na economia solidária contribui para a politização das diversas esferas

da vida, inclusive do “espaço doméstico por meio da desmistificação da subalternidade e

inferioridades feminina, mediante a valorização e o empoderamento das mulheres”

(CORTIZO e OLIVEIRA, 2004, p. 86).

Ao se inserirem nesses movimentos sociais os catadores conseguiram articular

premissas de gestão ambiental aos direitos do trabalho, assumindo visibilidade social por

meio de seu protagonismo político e, com isso, o seu “reconhecimento como parceiro

prioritário das instâncias municipais e federais na coleta seletiva do material reciclável”

(STECKEL e ROCHA, 2009, p. 18).

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O desafio desses trabalhadores, segundo Cortizo e Oliveira (2004) é conceber que

todas essas dimensões se constituem em espaços a serem politizados, sem diferenciações e

fragmentação. Nessa perspectiva, a cidadania emerge como um processo em construção

constante, o qual é gestado entre conflitos, luta política, interesses, que aponta para uma

cultura verdadeiramente democrática.

Em 2003, surge o Comitê Interministerial da Inclusão Social dos Catadores de Lixo,

tendo como princípio a garantia das condições dignas de vida e trabalho desse segmento

social, além da pactuação de medidas de gestão sustentáveis pautadas na destinação racional

e sistemática dos resíduos nos municípios do país. Para Oliveira (2007), a criação desse

Comitê representa um passo importante de reconhecimento da figura do catador. Porém,

diante da profunda exclusão social a que os catadores estão submetidos, essa iniciativa ainda

não é suficiente, pois o trabalho com o lixo quase sempre é desfavorável para quem o realiza.

Nesse cenário de pressões políticas em favor dos direitos de cidadania, os catadores

especialmente as mulheres, ainda têm um longo percurso até que alcancem o reconhecimento

pleno de sua condição social, pois embora não sendo uma atividade recente, a figura do

catador de resíduos urbanos ainda não possui o reconhecimento e a valorização necessários

para o fortalecimento de sua cidadania. Entre as inúmeras reivindicações desse segmento

está a luta por melhores condições de trabalho, as quais são degradantes e periculosas. Sem

condições básicas de trabalho, a tarefa de lidar com os despejos da sociedade assuem uma

carga maior de letalidade e adoecimento.

De acordo com Nascimento (2005, p. 20), as iniciativas solidárias na região

amazônica, ainda possuem caráter espontâneo e esparso sendo, pois, “necessário que essas

ações recebam incentivos públicos, a fim de que as populações tradicionais possam elevar a

sua qualidade de vida”.

Um dos aspectos mais difíceis dessa realidade é o descaso social e governamental, que

fazem com que muitos trabalhadores não tenham registro institucional, previdência ou

assistência social, o que requer, por parte de todos os catadores, homens e mulheres, uma

organização política sem tutela e com autonomia.

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O sentido de organização política tem dois vieses para Bierrenbach (1987). Um que diz

respeito ao acesso, exercício e manutenção do poder que se efetiva por meio de partidos

políticos, eleições e até a ocupação de cargos públicos e, um outro sentido mais amplo, em

que a idéia de participação encontra-se articulada à autonomia dos cidadãos. A política

pressupõe um nível mais avançado de compromisso e envolvimento dos sujeitos sociais.

Para esse autor,

A Política depende, para sua concretização, de uma ação coletiva com vistas às transformações da sociedade. Política é, também, entendida no sentido democratização ou soberania popular, sendo que cabe as maiorias populares decidirem seu próprio destino, sem contraposição ao seguimento puro e simples das orientações preestabelecidas pelos governantes (BIERRENBACH, 1987, p. 19).

Em diversos momentos das entrevistas ou conversas, muitas mulheres relataram o

medo e o receio que sentiam com o término da gestão municipal, iniciada em 2005, pois

acreditavam que o outro prefeito eleito em 2009, não teria interesse em dar continuidade às

ações empreendidas pela gestão anterior. Isso pode indicar que as cooperativas ainda se

encontram bastante dependentes das ações e de subsídios demandados pelo poder público

local. Conforme descreve Antonia (Catadora da AMMAR – Núcleo I).

Acho que com esse prefeito as coisas vão ficar difíceis, pois lembro quando a gente vivia no lixão e, por muitas vezes, ele expulsou todo mundo de lá, até parecia que a gente não tinha valor, não era gente. Esse que passou pelo menos ‘ajudava’ com o carro para transportar nosso material (Entrevista/2009).

A concepção das catadoras de que o prefeito anterior era “muito bom, muito humano,

pois se preocupava com a causa das mulheres catadoras” (Entrevista/2009), pode ser

atribuída à persistência de formas tradicionais de fazer política em Manaus, através das quais

os governantes assumem uma postura paternalista e clientelista junto aos segmentos

subalternizados (TORRES, 2002). Essa relação de dependência é mais estreita,

principalmente quando os subalternizados necessitam de sua influência direta para a

resolução de seus problemas. Em outra ocasião, a catadora Adriana ressalta que “todas as

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catadoras são muito agradecidas ao prefeito antigo, pois ele percebeu nosso problema e se

compadeceu. Eu vou sempre lembrar do favor que ele nos fez” (Entrevista/2009).

A ação política associada à imagem e ao discurso ideológicos pode contribuir para a

manutenção de relações interpessoais que fortalecem os vínculos entre a figura do político e

a população. Essa relação exclui os conflitos de classe e os antagonismos socais, fazendo

com que as políticas sociais sejam recebidas como se fossem favores. O caráter ideológico

das decisões políticas esconde uma relação de poder muito mais complexa e mascarada

frente aqueles que dependem dessas decisões. Para Faleiros (1997, p. 16), o paternalismo

consiste na “manutenção ou na distribuição de um direito como se fosse um favor, obtendo-o

em troca a lealdade do indivíduo”.

Em outro diálogo, uma catadora nos revelou a forma como a Prefeitura agiu no

processo de retirada das famílias do lixão e, partir disso, como as mulheres conseguiram se

organizar nas cooperativas de reciclagem, das quais atualmente fazem parte. Para elas, a

antiga gestão ajudou todos aqueles que desejavam de fato continuar trabalhando com a

reciclagem. Ao relembrar o processo de retirada das famílias que trabalhavam na antiga

lixeira de Manaus, Izolina (catadora da AMMAR – Núcleo III), acredita que,

Eles viram nossa situação e disseram que a gente não poderia mais ficar no lixão. Fizeram umas reuniões e informaram que iriam ajudar todos aqueles que queriam continuar trabalhando com o lixo. Alguns permaneceram outros não. Pena que a prefeitura não arranjou um local para nosso trabalho, mas nós demos o jeito. Esse (local) onde a gente trabalha é emprestado por um senhor que nos ajudou (Entrevista/2009).

Ao desconhecerem todo o imbricado processo judicial que implicou na criação do atual

Aterro Municipal e retirada das famílias que trabalhavam na antiga lixeira, as catadoras

atribuem à sensibilidade do antigo gestor municipal, a saída do local e organização das

cooperativas. Sobre esse processo Dalva (catadora da AMMAR – Núcleo II), destaca que

“fizeram encontros com a gente pra mostrar que nossa situação ia ficar melhor quando a

gente saísse do lixão. Vieram representantes das secretarias, ficharam todo mundo e

organizaram o processo organizado de saída, por isso, ninguém criou caso”

(Entrevista/2009).

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Na perspectiva de solução dos problemas que surgem como resultantes das

desigualdades sociais, as instituições atuam pelo princípio de resolutividade técnica da

questão social, no processo do problem solving (FALEIROS, 1997). Nessa perspectiva,

utilizando o aparato institucional disponível, a prefeitura realizou um processo relativamente

articulado e organizado de retirada desses trabalhadores para outros locais não tão visíveis

aos olhos da sociedade. Segundo esse autor,

O processo do problem solving ou solução de problemas tem como postulado que as soluções mais adequadas a esses problemas estão justamente nessas instituições e, por isso mesmo, esses problemas são institucionalizados. (...). Não existe na realidade, uma verdadeira participação decisória da população nas questões fundamentais nas quais essas instituições intervém (FALEIROS, 1997, p. 59).

O que se depreende do estudo realizado junto às mulheres catadoras de resíduos

sólidos da zona Norte de Manaus, é que o processo de organização e mobilização dos

catadores como um todo, ainda possui caráter bem incipiente e dependente das ações

empreendidas pelo poder público local, sendo, portanto, imprescindível que esses grupos e

cooperativas se fortaleçam e ganhem maturidade política. Somente a partir disso, não

somente as dificuldades e os desafios terão visibilidade, mas também será dado o enfoque

devido à importância dessa atividade para o meio ambiente da capital.

Para Jacobi (2006, p. 29), as reflexões sobre as práticas sociais num contexto urbano

que sofrem, constantemente, com o problema da degradação ambiental, não podem

prescindir nem da análise dos fatores que confluíram para essa realidade, nem dos sujeitos

socais envolvidos e das “formas de organização social que potencializam novos

desdobramentos e alternativas de ação numa perspectiva de sustentabilidade”.

Ao fortalecerem seus vínculos solidários, as mulheres catadoras de resíduos sólidos

poderão estar experimentando um processo de emancipação. Para isso, elas necessitam se

inserir cada vez mais nas lutas dos demais catadores, percebendo-se como sujeitos históricos,

portadoras de uma identidade social. Isso será possível a partir da tomada de consciência da

importância de seu trabalho, não somente para o sustento familiar, mas para a proteção

ambiental. Sem essa tomada de consciência elas continuarão enfrentando velhos padrões

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ideo-culturais que têm contribuído para a manutenção das relações desiguais entre mulheres

e homens numa sociedade que se pauta em padrões patriarcais.

Segundo Santos (2002), os debates sobre as formas solidárias de sobrevivência têm

aglutinado inúmeras correntes de pensamento e ações críticas representadas, por exemplo, no

Movimento Ecofeminista, a saber:

Esta participação decisiva das mulheres e do pensamento feminista não é causal. As lutas pela produção não capitalista fazem parte das lutas contra todas as formas de opressão – o patriarcado, a exploração, o racismo etc. As lutas econômicas não têm prioridade sobre as lutas de gênero, raça ou outros tipos de movimentos emancipatórios. A prioridade de uma luta sobre outra depende das circunstancias concretas de cada momento e lugar. Por essa razão, as iniciativas de produção alternativa alimentam-se, e contribuem para o impulso, das lutas contra a sociedade patriarcal (SANTOS, 2002, p. 71).

A conquista de melhores condições de trabalho e de reconhecimento social das

catadoras da AMMAR e de outras organizações de reciclagem deve ser precedida de um

processo de mobilização, organização e auto-reconhecimento que não pode ser

eminentemente dependente das determinações do Estado. Assim, os espaços de diálogo e

reflexão entre esses sujeitos precisam assumir caráter autônomo, pois somente assim,

poderão adquirir maturidade suficiente para continuar com a luta por seus direitos, mesmo

em momentos desfavoráveis politicamente. Caso contrário, esse segmento corre o risco de

tornar-se refém de processos eleitorais, como ficou claro nos diálogos mantidos com as

mulheres pesquisadas.

A consciência coletiva das catadoras de resíduos sólidos na zona Norte de Manaus,

pode ser um caminho para sua maior visibilidade social. Somente com o auto-

reconhecimento e o fortalecimento dos vínculos solidários, é que essas trabalhadoras

poderão lutar por políticas públicas que façam frente às precárias condições de trabalho a

que estão submetidas.

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3.2 O Perfil das mulheres catadoras da AMMAR.

O preconceito e a discriminação contribuem para que esses trabalhadores se tornem

socialmente invisíveis e desprestigiados socialmente, distanciados de direitos essenciais de

cidadania, vivendo unicamente do trabalho que realizam nos lixões ou nas cooperativas de

reciclagem.

Os dados relativos ao perfil socioeconômico das catadoras da AMMAR e a presença

de mulheres chefes de domicílios é relevante em nossa pesquisa e confirmam o estado de

vulnerabilidade social das famílias de catadores. Essa realidade vem sendo apontada por

inúmeros estudos já realizados em outros estados do país30. A presença majoritariamente

feminina nessas atividades denota a permanência de velhos padrões de gênero e a busca de

alternativas de sobrevivência por parte das mulheres e não dos homens.

Na questão que trata da procedência das catadoras, a pesquisa constata que a grande

parcela de trabalhadoras é proveniente do interior do Amazonas ou de outros estados da

região Norte. Os dados apontam que 45% das mulheres são provenientes de cidades como

Coari, Codajás, Manacapurú e Itacoatiara; 25% delas migraram de outros estados como

Maranhão e Pará e 30% têm Manaus como cidade natal.

Ao analisar as condições e repercussões advindas com a consolidação do Distrito

Industrial em Manaus, Scherer (2004, p. 129), destaca que a concentração econômica na

capital ocasionou a vinda de grandes contingentes de trabalhadores, compostos pelas “levas

de caboclos (ribeirinhos, agricultores, castanheiros, seringueiros) que migraram do mundo

rural amazonense”.

Mesmo que essas pessoas não possuíssem qualquer experiência na esfera do trabalho

industrial, elas passaram por um amplo processo de recrutamento de sua força de trabalho,

30 Diversos estudos vêm sendo realizados sobre a realidade e importância dos catadores de resíduos sólidos no Brasil. Neles se verifica um fenômeno bastante expressivo, a presença majoritária de mulheres seja nos lixões, nas cooperativas ou atuando sozinhas na atividade de coleta e reciclagem de materiais descartados pelos centros urbanos. Dentre os estudos encontram-se Martins (2003); Zacarias e Bavaresco (2009); Oliveira (2007) e Juncá (et. alii. 2000).

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servindo assim estrategicamente para as necessidades do mercado. O processo migratório de

trabalhadores de todas as partes do país está associada à uma nova dinâmica do capital na

região, por meio da constituição de um “novo proletariado urbano majoritariamente

composto por trabalhadores que migram do mundo rural dá uma nova configuração à cidade

de Manaus” (SCHERER, 2004, p. 129).

No que tange ao nível de escolaridade, verificamos que a maioria das catadoras possui

pouca qualificação educacional. Mais da metade (53%), não chegou sequer a concluir o

ensino fundamental. 32% afirmaram ter somente o ensino fundamental, 10% chegaram a

cursar o ensino médio, porém, não concluíram e, somente 5% informaram ter concluído o

ensino médio. Esses dados não entram nos indicadores que apontam a elevação da taxa de

escolaridade das mulheres em muitos países da América Latina, especialmente no Brasil. No

caso das catadoras a baixa escolaridade ainda persiste e contribui para a situação de

subalternidade de muitas mulheres no país.

É preciso considerar que o Brasil não possuía educação formal para todos e para todas.

Os trabalhadores, por exemplo, foram excluídos do processo formal de ensino ao longo da

história. De acordo com Ammann (1997, p. 88),

Se considerarmos a variável econômica, a análise desagregada segundo faixas de renda permite vislumbrar os percalços enfrentados pelos grupos mais carentes da população para terem acesso à escola. Mais de dois terços da população que recebe entre um quarto e meio salário mínimo são constituídos de analfabetos, em termos nacionais.

O gráfico a seguir mostra em termos percentuais a baixa escolaridade das catadoras de

resíduos sólidos que trabalham nas cooperativas da zona Norte de Manaus. O fenômeno do

empobrecimento dessas famílias e a falta de oportunidades e acesso a outras

profissões/atividades com melhor remuneração e prestígio social, podem estar associados ao

acesso desigual à educação formal.

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Figura 15 – Nível de escolaridade das mulheres catadoras da AMMAR.

Fonte: Pesquisa de campo, realizada em 2009, nas cooperativas da AMMAR (zona Norte de Manaus).

Ammann (1997, p. 86), destaca que estatísticas oficiais sobre a alfabetização feminina

apontam para resultados “animadores neste campo e, tal é o otimismo, que se tem às vezes a

impressão de que o problema do analfabetismo não merece mais ser tematizado”. Mas, essa

mesma autora adverte que os indicadores são tomados de forma isolada, desconsiderando

algumas situações em que as mulheres não conseguem acesso ao sistema educacional como

os homens. Vejamos:

Não devemos nos deixar impressionar por indicadores isolados. Desagregados por critérios socioeconômicos (gênero, idade, regiões fisiográficas, situação econômica), os índices médios de alfabetização revelam fortes discrepâncias. Eles são, por exemplo, invariavelmente mais altos nas áreas urbanas do que nas rurais, nas faixas etárias mais baixas do que nas mais elevadas (AMMANN, 1997, p. 87).

Embora a baixa escolaridade não represente um determinante exclusivo da situação de

pobreza e desigualdade social, ela pode representar um eixo explicativo para a maior

incidência de pessoas em situação de vulnerabilidade social, pois em uma sociedade

extremamente competitiva e exigente, o fator educacional pode constituir no marco divisor

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entre aqueles que serão socialmente aceitos e aqueles que não serão absorvidos pelo sistema

capitalista.

Ao comparar dois fatores marcantes para a compreensão do perfil dos catadores de

resíduos nos grandes centros urbanos no país, Martins (2003), assinala que mais de 50% da

população brasileira alcançou somente uma média de quatro anos de estudo, o que nos

permite associar baixa escolaridade com pobreza. Embora a baixa escolaridade não seja o

único determinante do empobrecimento ela está articulada a elementos que reduzem a

qualidade de vida, tais como: gênero, etnia e classe. Tais fatores concorrem para reduzir as

chances dessas pessoas conseguirem oportunidades melhores de sobrevivência, ocasionado a

pouca ascensão social e as diferenciações salariais entre elas.

Esses elementos nos reportam aos estudos de Scott (1989), a qual ao estudarmos as

complexas relações sociais entre homens e mulheres na sociedade é preciso identificar outras

categorias presentes nessa análise como raça e classe. Essa autora destaca que só

recentemente a temática de gênero se consolidou como categoria de análise, uma vez que “ao

longo dos séculos as pessoas utilizavam de forma figurada os termos gramaticais para evocar

traços de caráter e traços sexuais” (SCOTT, 1989, p. 01).

Ainda de acordo com a autora, mais recentemente os movimentos políticos de mulheres

começaram a utilizar a temática gênero de forma mais apurada e, por certo, sistemática, dando-

lhe um sentido mais literal, como uma maneira de referir-se à organização social da relação

entre os sexos. Essa nova maneira de entender como homens e mulheres se relacionam e

constroem suas vivências ampliou e, até mesmo, fortaleceu as lutas femininas por um espaço

mais democrático e menos injusto em termos de sobrevivência e dignidade.

Outro fator que nos ajuda a compreender o perfil das mulheres catadoras de resíduos

sólidos da AMMAR diz respeito à baixa remuneração proveniente da lida com a reciclagem,

a qual pode estar relacionada a outros fatores já destacados neste estudo como a falta de

políticas públicas de incentivo e apoio a essa atividade. Vem somar a isto a pouca valorização

econômica dos produtos, ocasionando o baixo valor comercial no mercado e, sobretudo, a

impossibilidade dessas mulheres de negociarem diretamente com as empresas compradoras,

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necessitando para isso, da figura do atravessador que acaba ficando com grande parcela dos

lucros obtidos com a venda do material.

A tabela 3 mostra a renda obtida pelas catadoras com a venda do produto reciclado, a

qual está associada à figura 17 que revela a variação desses ganhos financeiros entre as

trabalhadoras pesquisadas, apontando que o nível de ganhos econômicos está sensivelmente

associado à produtividade diária das mulheres. Isso pode gerar uma série de problemas de

saúde para as trabalhadoras, pois se a obtenção real de ganhos econômicos extraídos do

trabalho com os resíduos encontra-se diretamente ligada ao nível de produtividade diária, uma

carga individual maior de trabalho será necessária para a obtenção de maior cifra financeira

para o seu sustento pessoal e familiar.

Tabela 3 – Renda familiar obtida pelas catadoras com a venda de materiais recicláveis.

Renda declarada Qtd. de catadoras

Menos de 1 salário 13

1 salário 05 2 salários 02 Acima de 2 salários 00 Total 20

Fonte: Pesquisa de campo, realizada em 2009, nas cooperativas da AMMAR (zona Norte de Manaus).

Conforme destaca Leone (2000), o crescimento do trabalho das mulheres casadas ou

mães, pode ser explicado por fatores como a pressão econômica das famílias que necessitam

do trabalho feminino para manter seu acesso ao consumo e à sobrevivência. Porém, as

mulheres precisam trabalhar um percentual de horas muito maior para a obtenção de melhores

rendimentos, determinando uma carga elevada de trabalho a essas mulheres. Entre as famílias

mais pobres “a renda familiar é bastante baixa e, portanto, a complementação de renda

proveniente do trabalho da mulher pode ser muito expressiva na renda familiar” (LEONE,

2000, p. 98).

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Esses dados nos revelam a má qualidade de vida dessas trabalhadoras. Se

considerarmos os gastos com alimentação, vestuário, saúde e transporte, verificamos a

insuficiência desses ganhos no suprimento das necessidades básicas para que uma família

sobreviva adequadamente. Leone (2000) destaca que a dependência familiar em relação ao

trabalho feminino pode ser explicada pelo empobrecimento gradual dos grupos familiares e

pelo crescimento da chefia de domicílio por parte das mulheres, exigindo delas maior tempo

de dedicação ao trabalho em prol da família. De acordo com essa autora,

O perfil das famílias pobres segundo as situações familiares revela uma diminuição acentuada das famílias constituídas pela mulher com cônjuge e mais de dois filhos e um aumento também, pronunciado das formadas pela chefe sem cônjuge e com filhos (LEONE, 2000, p. 98).

Os dados oficiais no Brasil demonstram que essa realidade do aumento de mulheres que

contam com seus ganhos salariais para prover as necessidades de suas famílias vem crescendo

assustadoramente. Segundo o IBGE (2001), em 1991, o índice de mulheres que exerciam a

chefia de domicílio no país era de 7,7 milhões, perfazendo um percentual de 26,7% da

população brasileira. Desse total somente 14% desse percentual de mulheres possuem

cônjuges.

Um aspecto que deve ser ressaltado é a instabilidade desses ganhos, uma vez que

dependem do tempo dedicado ao trabalho, da qualidade e da quantidade do material a ser

selecionado, embalado e comercializado. Outro fator destacado pelas pesquisadas é a própria

aquisição do material a ser selecionado, que varia conforme as épocas de maior consumo dos

produtos que geram os recicláveis. Por último, a estação do ano (inverno ou verão), que pode

prejudicar o andamento dos trabalhos nas cooperativas.

Em momentos desfavoráveis, ocasionados pelo clima, adoecimento de algum membro

da cooperativa ou a pouca aquisição de material de qualidade, a realização da coleta fica

prejudicada. Em decorrência disso, ocorre uma queda significativa nos ganhos monetários das

famílias que encontram na catação uma forma concreta de sobrevivência. Se considerarmos

que o sustento desses grupos familiares depende diretamente de qualquer renda obtida por

seus integrantes, no momento em que ocorre a queda desses ganhos por parte das

trabalhadoras essa sobrevivência fica comprometida.

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O trabalho das catadoras, então, adquire centralidade na sobrevivência de seus

familiares, seja pelos seus aspectos imediatamente econômicos que lhes permitem o consumo

material (vestuário, remédios e alimentação), seja pela possibilidade de acesso a serviços

essenciais a manutenção dessa sobrevivência (saúde, transporte e educação).

De acordo com Ribeiro et. alii (2004, p. 147), a sobrevivência de um número cada vez

maior de famílias em situação subalterna, depende de estratégias principalmente na obtenção

de rendimentos femininos, os quais por sua vez, serão decisivos contra os impactos da

recessão e do desemprego. É na família que esses ganhos promovem ou contribuem para que

o consumo, nivelando no seu interior, até certo grau, a satisfação das necessidades de seus

membros.

Figura 16 – Medição em percentuais da variabilidade financeira das catadoras.

Fonte: Pesquisa de campo, realizada em 2009, nas cooperativas da AMMAR (zona Norte de Manaus).

Para Kaloustian (2004), fatores como o gênero e a idade são determinantes para os tipos

de famílias que verificamos atualmente e as oportunidades delas satisfazerem, suas

necessidades sociais básicas, adquirindo, ou não, capacidade de superação das condições de

pobreza em que muitas se encontram. A família acrescenta o autor, em situação de extrema

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pobreza, acaba recorrendo a formas complementares de garantir sua subsistência por meio de

atividades que gerem renda.

As famílias, principalmente as mais pobres, agem como unidades de renda e consumo, como já se afirmou, e desenvolvem estratégias de maximização dos recursos de todos os seus membros, ampliando seus efeitos sobre todos. Ora é de se esperar que um adicional sobre sua renda venha reforçar estas estratégias, operando com maior eficácia na melhoria do bem-estar dos seus componentes. (KALOUSTIAN, 2004, p. 113).

Ao verificarmos o quesito idade constatamos que as catadoras são mulheres jovens e de

meia idade. Cerca de 5% das entrevistadas estão na faixa etária de 15 a 20 anos e 35%

possuem idade que varia entre 21 a 30 anos. Segundo Rocha (2000), além do aumento

quantitativo de mulheres no mercado de trabalho, outro fator pode ser suscitado, referente ao

perfil dessas trabalhadoras. Atualmente há uma heterogeneidade no que tange à faixa etária,

pois mesmo se verificando uma expressiva inserção de mulheres jovens, também se observa a

entrada progressiva de mulheres com idades mais avançadas no mercado de trabalho.

Os dados mais expressivos estão entre aquelas que possuem idade entre 31 e 40 anos

em torno de 90%. Somente 10% se encontram em idade acima de 50 anos. Essas informações

revelam que o desemprego e a falta de alternativas no mercado formal de trabalho atingem

um número variado de mulheres, mas aquelas em idade mais elevada são as mais

prejudicadas. Para Rocha (2000, p. 17),

As trabalhadoras que, até o final dos anos 70, em sua maioria, eram jovens, solteiras e sem filhos, passaram a ser mais velhas, casadas e mães. Um dos indicadores mais evidentes dessa mudança é a idade. Embora a atividade feminina tenha se ampliado em todas as faixas etárias, os aumentos mais relevantes ocorreram nas mais elevadas.

Assim, por meio das informações obtidas junto às trabalhadoras pesquisadas, é possível

estabelecer uma articulação entre a situação sócio-familiar e as responsabilidades com o

sustento da família.

No gráfico a seguir, observamos que 60% das entrevistadas declararam viver relação

conjugal estável, o que poderia sugerir que grande parte delas encontra no companheiro um

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apoio financeiro para a manutenção e sobrevivência familiar. Rocha (2000, p. 17) destaca que

a mudança no perfil etário da População Economicamente Ativa – PEA feminina, vem

“acompanhada por um expressivo aumento do trabalho das esposas”. Embora essas

trabalhadoras tenham companheiros, são elas as principais provedoras do grupo familiar.

Cerca de 45% das mulheres entrevistadas, apontaram a si próprias como únicas responsáveis

pelo sustento de suas famílias e outros 5% declararam a necessidade de contar com o apoio de

familiares, especialmente de pai e mãe, para o sustento de seus filhos.

Figura 17 – Situação sócio-familiar das catadoras, onde se observa o estado civil das

pesquisadas.

Fonte: Pesquisa de campo, realizada em 2009, nas cooperativas da AMMAR.

Estes dados mostram que o sustento de grande parte das famílias fica a cargo das

mulheres. Mesmo nos casos em que elas declaram contar com o apoio masculino para a

sobrevivência familiar, fica evidente a grande dependência dos familiares em relação à renda

obtida pelas catadoras do trabalho com o lixo. Indagada sobre a participação do companheiro

no sustento da casa Maria Antonia (40 anos), revela que,

Mesmo meu companheiro tendo renda, ele não consegue sustentar sozinho nossa família. Na maioria das vezes eu vivo

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só, com meus filhos, pois ele trabalha em um sítio. Na hora do aperto, sou eu que tenho que dar um jeito (Entrevista/2009).

Para Leone (2000, p. 91), o aumento progressivo de famílias constituídas por mulheres

sem cônjuges e com filhos tiveram um incremento a partir de 1980 e se intensificou nos anos

1990, em decorrência do aumento de mulheres separadas e divorciadas. Essas trabalhadoras

“que cuidam sozinhas dos filhos são relativamente jovens, na sua maioria solteiras ou

separadas”.

Em outras falas surge uma questão comum nas famílias de baixa renda, o desemprego

masculino ou a diminuição dos ganhos dos maridos, que ocasiona a diminuição mais

acentuada dos padrões de consumo familiar. A diminuição dos rendimentos das famílias “não

foi maior devido à contribuição de mães e esposas para a renda familiar que permitiu, ao

menos parcialmente, recompor as perdas de renda dos maridos” (LEONE, 2000, p. 95).

Nessas ocasiões, os membros da família se unem para juntos laborarem com os resíduos

e, assim, garantir uma renda mínima que garanta a subsistência do grupo. Nesse aspecto

aparece um elemento novo na perspectiva de gênero: homens no papel de ‘auxiliares’ de suas

companheiras ou esposas, na lida com os materiais de reciclagem. Uma das mulheres ouvidas

revela o seguinte:

Eu não largo meu trabalho, pois ele é uma forma de garantir comida e roupa para mim e minha família. Meu marido vive desempregado, tem período que ele passa meses sem ganho nenhum. Como a gente vai viver dessa forma? Às vezes ele me ajuda a separar e vender meu material. Até minha mãe e meu pai vêm me ajudar. O pouco que agente consegue já garante alguma coisa (Clarice, catadora do Instituto Dorothy Stang, entrevista/2009).

O que se depreende desses relatos é que a renda obtida por meio da reciclagem de

materiais sólidos, em muitas ocasiões não se constitui um acréscimo à economia doméstica,

uma vez que em virtude do desemprego de outros membros da família ela representa seu

único meio de sobrevivência. Essa realidade demonstra que as mulheres ao serem atingidas

pelo desemprego, e conseqüentemente, pela pobreza, buscam novos arranjos e ocupações

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que garantam sua sobrevivência e daqueles que constituem seu grupo familiar mais do que o

homem.

Isso nos leva a crer que atividades como a catação de resíduos sólidos representa

apenas uma das diversas estratégias postas em prática por muitas mulheres diante do

desemprego familiar, ocorrendo com isso, a inversão de um velho padrão patriarcal de que a

figura do homem mantenedor aparece como a base de sustento desses grupos.

Figura 18 – Em momentos de desemprego, alguns esposos, companheiros e pais

contribuem com o trabalho nas cooperativas.

Foto: Hely Leal/2009

Segundo destaca Koulostian (2004), se formos levar em consideração o período entre

1981 a 1990, já se verifica um forte incremento da participação da mulher no mercado de

trabalho, ao passo que houve uma diminuição considerável da participação masculina.

Acrescenta o autor, nos últimos anos foram as mulheres que mais aumentaram sua

participação na esfera do trabalho, principalmente entre aquelas famílias afetadas pelo

desemprego masculino.

Essa figura 19 mostra a presença de homens auxiliando esposas, companheiras e filhas

na receptação e separação de mais uma carga entregue pelos carros coletores. Conforme o

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relato de algumas catadoras, ao não conseguirem colocação no mercado, muitos maridos ou

companheiros acabam dependendo exclusivamente dos lucros advindos com o trabalho delas

na catação, o que acarreta uma sobrecarga de responsabilidade ainda mais pesada às

mulheres.

O gráfico a seguir representa um indicativo dessa realidade, pois, a maior parte desse

percentual, 45% aponta o sexo feminino como única mantenedora do lar, ao passo que 35%

compartilham a responsabilidade de manutenção do domicílio, com maridos e companheiros.

Figura 19 – Principal responsável pelo suprimento das necessidades familiares.

Fonte: Pesquisa de campo, realizada em 2009, nas cooperativas da AMMAR (zona Norte de Manaus).

Até nos caso em que as entrevistadas declararam os companheiros como principais

provedores das suas famílias, elas assumem que mesmo assim, acabam abarcando uma

considerável responsabilidade com a subsistência familiar. Deixam claro que seus ganhos

são sempre voltados para o bem estar dos outros membros, especialmente dos filhos.

Nas regiões metropolitanas as taxas de desemprego entre as chefas de domicílios

brasileiros superam as dos homens em vários pontos percentuais, tanto em 1999 como em

2000. Montalli (2000, p. 03), lança mão de dados extraídos da economia paulistana (Região

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Metropolitana de São Paulo), para exemplificar a realidade nacional, destacando que

enquanto a taxa de desemprego atingia 9,7% entre os chefes homens, alcançava 12,6% entre

as na mesma posição na família. “Em Salvador, estava em 15,9% para os chefes homens, mas

em 19,0% para as chefas. O mesmo comportamento repetiu-se em todas as outras regiões”.

Na sociedade contemporânea se alarga ainda mais a diferenciação social entre homens

e mulheres à medida que esta vem assumindo inúmeras funções no âmbito da sobrevivência

de suas famílias. Ammann (1997) enfatiza que os organismos internacionais comprovam

que, na quase totalidade do planeta, as mulheres trabalham mais que os homens. Não

obstante a isto, uma expressiva parcela de sua atividade laborativa permanece invisível e

ignorada, pois não integra a classificação do Produto Nacional Bruto (PNB). Segundo esta

autora,

Como indica o PNUD, até o presente os Sistemas de Contabilidade Nacional (SCN), por exemplo, levam em conta apenas o trabalho economicamente produtivo e remunerado, o qual gera valor transmitido a bens e serviços transformados em mercadoria. Em tais condições permanecem excluídas as atividades (femininas?) de educação dos filhos e de administração do lar, embora elas sejam imprescindíveis à perpetuação da espécie e dos trabalhadores que produzem valor (AMMANN, 1997, p. 90).

A intensificação da participação feminina no mercado de trabalho eleva o quantitativo

de famílias que contam com a força produtiva da mulher para a sua sobrevivência. Assim, já

em 1995, “mais da metade das famílias, cerca de 53%, tinha pelo menos uma mulher na

População Economicamente Ativa (PEA), constatando-se um aumento de 10 pontos

percentuais com relação ao ano de 1980” (LEONE, 2000, p.92). A autora esclarece que esse

incremento nos dados oficiais que apontam a presença elevada de mulheres na esfera

produtiva no país, pode ser atribuído àquelas que exercem a chefia feminina.

Contraditoriamente a mulher, além de lutar pelo sustento de sua família, não recebe o

devido reconhecimento por tal função. Existe hoje uma discussão envolvendo o próprio

conceito de chefia de domicílio, uma vez que, em sua origem, está a noção de provedor e

chefe da família, calcada na figura masculina. Esse questionamento baseia-se nas mudanças

ocorridas na sociedade, na organização familiar e na própria legislação. Para Montalli (2000, p.

01),

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A maioria dessas transformações está diretamente vinculada ao papel que as mulheres passaram a desempenhar, a partir do seu trabalho remunerado, no orçamento doméstico e, parcialmente, está se refletindo em formas juridicamente mais eqüitativas na afirmação da responsabilidade familiar e em papéis mais igualitários na organização das famílias.

A face negativa desse fenômeno está, também, relacionada ao empobrecimento das

famílias, às perdas de rendimentos e de empregos que levam o núcleo familiar a se utilizar de

todas as alternativas disponíveis e viáveis para assegurar sua sobrevivência e as condições

mais apropriadas de vida. Convém destacar que embora este já se mostre um processo

extremamente agudo, foi nas últimas décadas que a proporção de mulheres que assumem a

difícil responsabilidade de prover as necessidades de seus lares aumentou. Kaloustian (2004)

destaca que a dinâmica familiar recebe um duro golpe advindo com os arranjos

macroeconômicos, o que contribui par ao aumento da chefia feminina.

Já no final da década de 90, alguns dados oficiais, aferidos pelo IBGE31 apontam que

cerca de 26% dos lares do país eram chefiados por mulheres. Muito embora os números

confirmem que mais da metade (55%) das famílias brasileiras sejam constituídas por casais

com filhos, outras 17,1% do total são formadas essencialmente por mulheres sem cônjuge e

com filhos. Segundo Montalli (2000) esses dados refletem, em suma, as matizes que

permeiam as reais condições dessas famílias dada à dimensão da responsabilidade dessas

mulheres na luta pela sobrevivência familiar. E acrescenta:

Ainda se sabe que, na composição da renda familiar, os rendimentos do chefe do domicílio, homem ou mulher, respondem por mais de dois terços do total, ou seja, são uma referência fundamental na avaliação da qualidade de vida desses núcleos (MONTALLI, 2000, p. 02).

Dentre as razões apontadas pelas pesquisadas para a sua inserção no ramo da catação,

muitas apontaram o desemprego e a falta de oportunidades no mercado de trabalho como

fator preponderante, fato que ocasionou a busca por estratégias de sobrevivência, ressaltando

31

Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 1990, através dos quais é possível visualizar a realidade da situação feminina e das famílias no cenário nacional, inclusive no mercado de trabalho.

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que na falta de outra oportunidade encontraram na reciclagem uma alternativa mais viável e

menos dispendiosa de trabalho.

A partir desses indicadores, podemos inferir que a inserção das mulheres na catação

não se caracteriza como uma opção pessoal, mas principalmente, representa uma

conseqüência da crise do emprego assalariado que atinge, sobremaneira, os segmentos mais

vulnerabilizados. Esses segmentos não têm acesso ao mercado formal, tentam se afirmar na

informalidade e nos pequenos ‘bicos’ onde a pessoa extrai seu sustento imediato.

A inserção de muitos trabalhadores na atividade de catação decorre, sobretudo, pela

ausência de um emprego estável. Isto revela “que as pessoas se inserem na atividade apenas

por falta de oportunidade de emprego melhor” (SOBRAL et. al., 2009, p. 07).

Figura 20 – Fatores incidentes para a elevada taxa de mulheres trabalhando com na

reciclagem de resíduos sólidos na zona Norte de Manaus.

Fonte: Pesquisa de campo, realizada em 2009, nas cooperativas da AMMAR (zona Norte de Manaus).

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Ao longo das suas trajetórias profissionais essas mulheres sempre buscaram

alternativas de sobrevivência, executando outras atividades laborais como empregadas

domésticas, garçonetes de bares e restaurantes e na própria lixeira de Manaus.

Fica claro em nossa pesquisa que o trabalho das mulheres com o lixo decorre,

essencialmente, em razão da grande dificuldade de inserção no mercado de trabalho local.

As explicações elencadas pelas entrevistadas são variadas e decorrem ora pela ausência de

vagas, ora pelas longas distâncias percorridas do local de residência ao local de trabalho,

exigindo mais horas dedicadas ao emprego e distanciamento dos filhos. Incluem até os

gastos com transporte a baixa remuneração aferida aos serviços prestados.

Outras variáveis vêm se associar à realidade das mulheres catadoras de resíduos

sólidos na zona Norte de Manaus, tais como, a precariedade da rede de serviços públicos na

comunidade, considerados imprescindíveis para a qualidade de vida e saúde dessas famílias

que já vivem em estado de vulnerabilidade social e más condições de sobrevivência.

Ao perguntarmos sobre as principais dificuldades enfrentadas pelas mulheres nas

comunidades onde residem, elas apontaram a fragilidade das políticas públicas como fatores

que dificultam a sua qualidade de vida sócio-familiar tais quais: rede de esgoto, energia

elétrica, postos de saúde e escolas. De um total de 20 entrevistadas, aproximadamente 55%

delas, responderam não contarem com rede de esgoto próximo às suas casas. No que tange

ao abastecimento de água, 45%, declararam não ter acesso à água encanada.

Segundo Gonçalves (2007, p. 23), se analisarmos os dados oficiais da Política

Nacional de Saneamento Básico - PNSB (2000) constataremos os elevados índices de

pessoas que não contam com serviços básicos, essenciais para a qualidade de saúde no país.

Tais dados dão conta de que “45 milhões de brasileiros não têm acesso à rede de água e 82

milhões não são atendidos por redes coletoras de esgoto”.

Mesmo entre aquelas que informaram possuir água encanada nos domicílios,

observamos casos de ligações clandestinas, em que as famílias por não poderem arcar com as

despesas decorrentes da distribuição oficial, acabam recorrendo a esses artifícios para

usufruírem desse serviço.

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A ausência de políticas públicas de urbanização contribui para a má utilização dos

recursos públicos, comprometendo o uso do solo devido o não tratamento dos resíduos

domiciliares, as nascentes e outras áreas de preservação ambiental.

No Brasil, a implementação de políticas sociais, em geral, é marcada por ações

emergenciais e paliativas dos municípios na solução de situações de riscos sociais

decorrentes de um modo de produção que gera exclusão e desigualdade. Dadas às

proporções das desigualdades sociais, as classes populares que se encontram no limite da

pobreza se vêem excluídas de bens e serviços sociais básicos, como: saúde, educação,

trabalho sem condições dignas, lazer, entre outros.

Segundo Faleiros (1991, p. 13), as políticas sociais se caracterizam como,

um conjunto de medidas criadas pelo Estado a serem desenvolvidas junto à população, como forma de resposta às necessidades imediatas por ela apresentadas, principalmente para garantir a manutenção das desigualdades sociais.

Ao defender a importância da integralidade das políticas públicas como caminho para a

qualidade de vida e saúde dos segmentos populares no Brasil, Gonçalves (2007, p. 27), destaca

que a promoção da salubridade ambiental, principalmente nas comunidades que sofrem com o pouco

investimento público em serviços básicos, deve ser buscada por políticas integradas, visando

potencializar ou promover os investimentos realizados.

As ações de saneamento ambiental, ou seja, de gestão de resíduos sólidos, de abastecimento de água, de esgotamento sanitário, de drenagem e controle das enchentes, de controle de vetores de doenças transmissíveis e de educação sanitária e ambiental, devem ser integradas e interligadas entre si e com as demais políticas públicas, em especial com as de saúde, meio ambiente, recursos hídricos, desenvolvimentos urbano e rural, habitação e desenvolvimento regional.

A não urbanização desses locais também representa um ponto crítico no cotidiano das

famílias, pois a inexistência ou precariedade de serviços urbanos como asfalto e energia

elétrica expõe as pessoas a inúmeros agravos sociais e ambientais. Cantúsio Netto (2007, p.

28) informa que no Brasil ocorre uma progressiva contaminação das águas superficiais e

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subterrâneas “por causa das deficiências de infra-estrutura dos serviços de esgotamento

sanitário”. Essa problemática pode incidir em uma série de doenças associadas à água devido

a sua contaminação por substancias e organismos potencialmente nocivos a saúde dos seres

humanos por meio do consumo da água contaminada.

Figura 21 - Embora parte da comunidade conte com alguns serviços essenciais, muitos

moradores sobrevivem em condições precárias, em termos de infra-estrutura.

Foto: Hely Leal/2009.

Das entrevistadas somente 35% afirmaram possuir luz elétrica oficial nos domicílios; a

grande maioria num percentual de 65%, afirmaram que a energia utilizada advém de ligações

não oficiais (gatos). Esse quadro compromete a saúde e a segurança dessas famílias, pois

somente com a articulação das políticas sociais os riscos sócio-ambientais podem ser

reduzidos nessas comunidades.

Outro elemento importante constatado neste estudo é a precariedade ou inexistência de

pavimentação urbana, problema que aumenta a exposição desses sujeitos aos riscos

ambientais e de saúde. Se considerarmos que as políticas sociais diminuem os impactos

causados pela pobreza, a ausência destas pode representar um problema a mais no cotidiano

das catadoras.

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Figura 22 – Existência de rede básica de serviços urbanos nos locais onde residem.

Fonte: Pesquisa de campo, realizada em 2009, nas cooperativas da AMMAR (zona Norte de Manaus).

.

Para Gonçalves (2007), a situação social das pessoas que sobrevivem da catação de

resíduos nas grandes cidades, é agravada por diversos fatores, inclusive as condições de vida

e trabalho a que estão expostas, uma vez que residem em habitações precárias, que não

contam com sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, além de também,

estarem expostos à carência nutricional.

O precário acesso a saúde e à difícil realidade vivenciada pelas mulheres da AMMAR

são também constatados nesta pesquisa. A rede de serviços de saúde disponível no bairro

Santa Etelvina, ainda não atende as reais necessidades apresentadas por seus moradores.

A implementação das políticas sociais direcionadas aos segmentos mais

vulnerabilizados impõem-se, como uma necessidade premente, neste caso das catadoras do

bairro Santa Etelvina. Não podem ser políticas de caráter focal e restrito porque acabam não

atuando na resolução de problemáticas estruturais. As mulheres necessitam de políticas

geradoras de emprego e renda, para fins de elevação da qualidade de vida desses

segmentos.Segundo destaca Juncá et. alii. (2000, p. 66),

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Assim, a mercadoria-trabalhador cem sendo submetida a um crescente processo de pauperização, não encontra seu lugar no mercado de trabalho, e no seu cotidiano soma carências que se avolumam e o distanciam do discurso da cidadania.

Segundo dados oficiais da PNSB (2000)32, 45 milhões de brasileiros não têm acesso

mínimo a rede de água e 82 milhões não são atendidos por redes coletoras de esgoto. Quanto

aos resíduos sólidos, 64% dos municípios dispõem de seus resíduos sólidos em lixões. A

ausência de políticas de urbanização e de planos diretores é, conforme relato de Gonçalves

(2007), responsável pela má utilização do solo com comprometimento das nascentes e de

outras áreas de preservação ambiental.

Ao longo do processo de maior modernização das áreas metropolitanas dos países

periféricos, as famílias expulsas do mercado de trabalho não conseguem com tanta facilidade

adquirir uma moradia nas áreas espaciais mais urbanizadas, onde as políticas sociais são

mais eficazes principalmente nos quesitos: saneamento básico, abastecimento de luz e água,

asfalto, saúde e áreas de lazer. Isto contribui para um processo excludente de expropriação

do solo e das políticas sociais tão significativas para a minimização da pobreza e,

conseqüentemente, para a qualidade de vida dessas famílias.

Inquiridas sobre o acesso a algum Estabelecimento Assistencial de Saúde – EAS, as

entrevistadas desenharam o seguinte quadro: em média 40%, se ressente da ausência de

qualquer serviço de atenção em saúde, outras 35% apontaram a existência de uma Unidade

Básica de Saúde – UBS próximo a comunidade, 20% afirmaram contar com Equipes de

Saúde da Família – USF’s e, somente 5% afirmaram saber da existência de serviços de alta

complexidade na zona onde residem como hospitais e Serviços de Pronto Atendimento -

SPA’s.

32 Tais dados podem ser melhor visualizados no livro de Sérgio Gonçalves. In: O meio ambiente colaborando na produção da saúde. SPERANDIO, Ana Maria Girotti; SERRANO, Miguel Malo (orgs). O Plano diretor: uma ferramenta para o desenvolvimento das políticas públicas em um município potencialmente saudável – Campinas: FCM/UNICAMP; Organização Panamericana de Saúde, 2007.

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Figura 23 – Existência de rede pública de atenção em saúde do SUS.

Fonte: Pesquisa de campo, realizada em 2009, nas cooperativas da AMMAR (zona Norte de Manaus).

A saúde não pode ser pautada somente em procedimentos curativos e

hospitalocêntricos, pois no processo saúde-doença outros elementos devem constar como

condições de trabalho, ambientais, saúde mental dentre outros. No Brasil dificilmente se co-

relacionam os problemas de saúde com as condições de vida e trabalho dos usuários dos

serviços, “estabelecendo-se como rotina única de serviço, a prescrição de medicamentos, ou

seja, uma prática meramente curativa” (GONÇALVES, 2004, p.10).

Para que os indicadores de saúde em áreas como o bairro Santa Etelvina sejam

revertidos é necessário o reconhecimento das necessidades e dificuldades enfrentadas por

seus moradores, para que a saúde seja de fato promotora de vida e não de doença.

O trabalho dos catadores, sejam homens ou mulheres, representa uma atividade

periculosa, pois ao entrarem em contato direto com o lixo muitos ficam expostos a inúmeras

doenças, além de fatores de risco como cortes, perfurações e esforço repetitivo. Todas as

catadoras relataram problemas relacionados à doença e acidentes de trabalho. Entre os

problemas de saúde relacionados à doença foram citados: reumatismo/má circulação

sanguínea, doenças dermatológicas, doenças gastrointestinais, hipertensão/diabetes, dores

nos membros (pernas, braços, pescoço e ombros) dentre outros.

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Os riscos à saúde dos catadores (as) são extremos, uma vez que essas pessoas, ao

executarem suas atividades laborais, ficam sempre expostas a sol ou chuva, em intenso ritmo

de trabalho e posicionamento físico. Além desses agravos, elas precisam conviver com o

odor dos gases exalados do acúmulo de lixo, da intensa combustão dos gases, com animais

comuns nesses ambientes, especialmente, os urubus e moscas, “estando ainda, a mercê do

risco de contrair várias doenças, se acidentarem e se contaminarem” (GONÇALVES, 2004,

p. 13).

Figura 24 – Maior incidência de agravos/problemas de saúde associados à atividade de catação de resíduos sólidos.

Fonte: Pesquisa de campo, realizada em 2009, nas cooperativas da AMMAR (zona Norte de Manaus).

Com relação aos acidentes de trabalho, as queixas mais freqüentes decorrem do

contato com agulhas e seringas descartáveis, vidros quebrados e metais pérfuro-cortantes.

Esse representa um dos pontos de maior preocupação entre as catadoras, pois a exposição a

esses materiais pode, segundo elas, ocasionar problemas mais sérios. Segundo Maria Lúcia

(38 anos),

Nosso trabalho com a reciclagem coloca a gente em muita situação perigosa, pois até a gente abrir os sacos não sabemos o que tem dentro, tanto pode ser um ‘lixo bom’, com muita

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coisa para separar, quanto pode ser um material perigoso. Já teve momento em que encontramos muitos cacos de vidro, curativos usados, espetos, latas de conserva e, até mesmo, agulhas de injeção, mas é um risco que a gente tem que correr se quer continuar trabalhando (Entrevista/2009).

Não foi constatado em nenhuma cooperativa da AMMAR, cuidados mínimos de

prevenção aos acidentes de trabalho. 100% das entrevistadas admitiram não utilizar nenhum

meio ou instrumento de proteção contra os riscos decorrentes da exposição constante e direta

aos resíduos sólidos e as intempéries ambientais.

O principal motivo relatado é a falta de condições financeiras para a aquisição desses

materiais. Segundo as entrevistadas, esses equipamentos têm um preço elevado no mercado,

não permitindo às mesmas, sua aquisição constante. Muitas têm ciência dos riscos que

correm ao transitarem entre as pilhas de resíduos urbanos coletados e se exporem

constantemente a chuva e sol, mas alegam que a aquisição de Equipamentos de Proteção

Individual – EPI, especialmente luvas impermeáveis, botas, óculos e aventais, estão além de

suas condições financeiras.

Finalmente, perguntamos às catadoras se mesmo trabalhado nas cooperativas de

resíduos sólidos, elas continuavam assumindo outras responsabilidades atinentes à educação

de filhos e cuidados domésticos com a casa. Elas responderam que as atribuições de mães,

esposas e cuidados domésticos continuam sob sua responsabilidade, pois nos horários vagos

aproveitam para cuidar de seus filhos e companheiros.

Rocha (2000, p. 18), ressalta que estando ou não no mercado de trabalho, as mulheres

ainda mantém responsabilidades atribuídas tradicionalmente a elas, como os cuidados com

os filhos e as tarefas domésticas, cumprindo uma carga elevada de trabalho, “dificultando

sua dedicação ao trabalho remunerado”.

Isso demonstra que a crescente inserção feminina no mercado de trabalho, formal ou

informal, não as desvencilhou das tarefas domésticas, ao contrário, ocasionou o aumento de

suas responsabilidades. As tarefas domésticas são realizadas por elas nos momentos em que

deveriam estar descansando de suas tarefas externas.

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Rossini (2006), ao estudar o trabalho das mulheres nos canaviais paulistas, esclarece

que o fato de as mulheres realizarem tarefas pesadas fora da esfera doméstica, não as livra

das suas funções tradicionais, pois estas precisam organizar mais ainda seu tempo,

possibilitando o cumprimento de dessas atividades, mesmo nos momentos em que deveria

estar descansando. Vejamos:

A atividade doméstica passou a ser considerada secundária, realizada nas horas extremas (muito cedo ou à noite) ou no final do sábado e no domingo, pois é indispensável para a reprodução da família. O tempo de repouso para a mulher passa a ser cada vez mais exíguo, enquanto para o homem ele permanece quase o mesmo, pois após uma longa jornada de trabalho o homem chega em casa e aguarda o jantar. Poucos têm colaborado no trabalho doméstico. (ROSSINI, 2006, p. 05).

O trabalho das mulheres de modo geral, é acompanhado da dupla jornada. A maioria

das catadoras ouvidas nesta pesquisa se ocupa do trabalho doméstico, além do trabalho fora

de casa, pois acaba associando as tarefas de reciclagem as atribuições tradicionais da esfera

privada como dona de casa. Com isso, sua jornada de trabalho é ampliada.

Para Abreu (2009, p. 354), o trabalho cooperado das mulheres catadoras, ainda

enfrenta muitos desafios, mas podem ser superados a partir do fortalecimento da

solidariedade e dos vínculos de trabalho entre elas. Isto pode contribuir para que elas se

tornem aliadas da preservação ambiental, uma vez que para as mulheres o equilíbrio do meio

ambiente se “apresenta como um fator fundamental para a qualidade de vida dos seus entes,

concebendo a natureza como fonte de vida que precisa ser preservada”.

A formação de associações ou cooperativas de catadoras é uma inovação em termos de

inclusão de mulheres excluídas do mercado de trabalho, possibilitando uma elevação da sua

auto-estima. Falta, outrossim, elas se organizarem melhor no âmbito da economia solidária.

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3.3 Alguns fragmentos e memória da lida no lixão.

Neste item temos como desafio discorrer sobre o trabalho das mulheres catadoras e

suas dimensões subjetivas, visando com isso elucidar os aspectos que marcam sua lida

cotidiana, os quais vão além da luta pela subsistência sócio-familiar. Para tanto, as narrativas

extraídas por meio de diálogo com algumas catadoras será o ponto de partida de nossa

incursão por um universo permeado pela ambivalência. Preconceito e discriminação são

faces de um fenômeno que traz consigo a coragem e a obstinação de mulheres que se

contrapõem a imagem estigmatizada da catadora de resíduos sólidos.

Nos momentos primorosos do diálogo com as catadoras elas não colocaram obstáculos

quando foram solicitadas a contar um pouco de suas experiências na lida diária da catação,

ao contrário, foram bem solícitas recordando os sentimentos de angústia e medo pela

incerteza dos ganhos e pela violência a que foram expostas. Para evitar a exposição de sua

pessoa, nos reportaremos a elas somente pelos nomes fictícios já utilizados ao longo de

nosso estudo.

Quando indagadas sobre seu trabalho na época em que trabalhava no lixão da capital

(antiga lixeira Pública), as catadoras afirmam não terem recordações boas desse período,

caracterizando-o como uma etapa da vida que lhes exigiu “muitos sacrifícios, pois além de

sofremos com a discriminação, ainda havia aquelas situações de violência que não respeitava

homem e nem mulher” (Clara, entrevista/2009).

As experiências de vida dessas mulheres na lixeira de Manaus ajudaram-nas a escrever

uma história tecida em meio ao medo e a necessidade financeira, mas também, recheada pelo

espírito de solidariedade e cooperação mútua. A profundidade com que as mulheres

relembram a sua trajetória na antiga lixeira de Manaus é impressionante. Elas falam dos

desafios que precisaram enfrentar para que a sobrevivência de suas famílias pudesse ser

garantida, mostrando a dura essência, uma realidade similar entre todas as catadoras. São os

relatos sobre suas histórias de trabalho que mostram o espírito de mulheres fortes,

destemidas e guerreiras que não se intimidaram diante da pobreza e do preconceito, indo

buscar no lixão o trabalho para a sua sobrevivência e de sua família.

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Mesmo sendo uma atividade perigosa e insalubre, o trabalho dessas mulheres na lixeira

tinha grande significado: era antes de tudo uma forma de sociabilização e de encontro de

alteridade. As catadoras viam no reconhecimento do outro, a sua própria situação. Por

diversas vezes, conta Adriana, “me batia uma tristeza. Cheguei a pensar em desistir, pois

sabia que aquilo não era lugar pra se viver. Olhava ao redor e percebia que outras pessoas

também estavam lutando do mesmo jeito, por isso não parei” (Entrevista/2009).

A vivência, por meios das experiências dos sujeitos em seu cotidiano constitui-se numa

fonte imensurável de trocas subjetivas, permeadas por valores, constructos e um vasto feixe

de representações simbólicas33 que permitem às pessoas uma troca simbólica de tudo aquilo

que sentem ou que marcam suas vidas. Segundo Heller (1992, p. 17) é por meio das relações

cotidianas mantidas entre homens e mulheres que os sujeitos participam na vida cotidiana

com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. Por meio dessas relações,

“colocam-se em funcionamento todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas

habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, idéias, ideologias”.

Ao buscarem sua sobrevivência utilizando os meios concretos que possuem, os sujeitos

elaboram estratégias capazes de responder as suas necessidades, mantendo com outros

sujeitos relações de apoio e solidariedade. Para Torres (2002, p. 41), o “indivíduo adquire

atitudes e posturas das mais variadas dentro do processo social com capacidade para criar e

recriar a própria história”.

A educação formal historicamente representou um obstáculo de acesso às classes

subalternizadas. O estado brasileiro não se preocupou em preparar os trabalhadores para

enfrentarem a crise do trabalho, excluindo seus filhos e os próprios trabalhadores do ensino

formal. É o que percebemos na fala de Leonora “a vida nunca foi fácil pra mim, pois desde

criança a escola parecia um luxo. Eu tinha que trabalhar pra ajudar minha mãe que também

sofria com a necessidade e a falta das coisas”.

Leonora acredita que suas chances de viver e trabalhar vieram com a união de esforços

na cooperativa, caso contrário não teria outro meio de vida, em decorrência de sua pouca

escolaridade. Ela cursou até a 3ª série do ensino fundamental, mas afirma que, mesmo com

33 Ver Bourdieu, Pierre. O poder simbólico (1989).

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as barreiras do preconceito e da discriminação, é realizada pessoalmente com o que faz,

principalmente por que sua família “poderia estar enfrentando muitas dificuldades caso não

contasse com o trabalho na cooperativa (Entrevista/2009).

As práticas emancipadoras dessas mulheres consistem em ampliar as alternativas de

sobrevivência sob os princípios da união e da organização política daqueles que sofrem com

o processo de sujeição e apartação econômica e social. Esse movimento de acordo com

Santos (2002, p. 29), não tem a pretensão de acabar com a lógica capitalista hegemônica

fundada na aniquilação humana e no desrespeito aos princípios éticos de justiça e equidade

social. Representa, antes de tudo, que “os frutos do trabalho são distribuídos de maneira

equitativa pelos seus produtores e o processo de produção implica a participação de todos na

tomada de decisões”.

As dificuldades da vida são bem marcantes na memória dessas mulheres que vêm a

antiga lixeira como o ponto inicial suas trajetórias no lixão. Serviu para que algumas

amizades fossem construídas e algumas lições fossem adquiridas. Em seu relato, Dalva

demonstra sabedoria ao destacar que “mesmo não tendo muito tempo no banco da escola, a

vida me ensinou a ser forte. Essas coisas não se aprende no colégio, se aprende na lida como

ocorreu com a gente na lixeira e hoje na AMMAR”.

Segundo Torres (2005, p. 236),

O processo educativo está associado ao aspecto de humanização. Refere-se tanto ao processo que nos faz seres humanos, quanto ao fato de que os bens culturais também se humanizam. A educação não pode estar circunscrita apenas ao âmbito da escola, pois os papéis sociais são assimilados dentro do processo educativo.

Na trama das relações sociais, quando homens e mulheres se defrontam com o mundo

concreto e sua ambivalência, esses sujeitos se vêem compelidos a se expressarem, segundo

suas “opções, comportamentos, resume escolhas, supõe gestos que se inserem no drama do

dia-a-dia e nos nexos da história” (TORRES, 2002, p. 35). Não obstante a isto, a catadora

Lindalva reconhece que a ida para a antiga lixeira não foi uma decisão simples, exigiu-lhe

uma dose de coragem pessoal e empenho. Com a criação das cooperativas esse sentimento

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foi fortalecido pela satisfação de trabalhar junto com as outras ‘companheiras’, como ela

prefere se referir às demais catadoras, pois “aqui ninguém vai nos expulsar a peso de tiro,

como muitas vezes ocorreu na lixeira” (Fonte: Entrevista/2009).

Em outro momento essa trabalhadora faz questão de ressaltar que mesmo tendo muito

orgulho de seu trabalho, hoje, sua inserção na catação se deveu à necessidade econômica em

decorrência do desemprego e da falta de oportunidades. Se não fosse “por minha família, eu

não tinha tido coragem pra enfrentar a barra de ir pro lixão altas horas da noite ou

madrugada, me arriscando e fugindo dos seguranças do local.”, destaca a nossa personagem

ao relembrar do período em que precisava, junto com outros catadores, entrar

clandestinamente na lixeira pública da capital.

Se as dificuldades encontradas no trabalho de catação dos resíduos da antiga Lixeira

foram muitas, as catadoras não esmoreceram no momento de aceitar o desafio de integrar

uma cooperativa de reciclagem. Mesmo garantindo relativo reconhecimento institucional, a

Prefeitura Municipal de Manaus, não lhes garantiu as condições essenciais para uma melhor

organização e racionalização do trabalho. Muitas tiveram que lutar por um espaço na própria

comunidade para a implantação dos núcleos, utilizando parte de seu quintal, ou, ainda,

emprestando de algum vizinho ou conhecido uma pequena faixa de terra onde pudessem

implantar o empreendimento. Outras adquiriram materiais para levantar a estrutura e iniciar

o processo. No seu relato Iracy descreve como foi esse período:

Logo depois da retirada de todos os catadores do lixão, a prefeitura garantiu o transporte do produto, mas não se responsabilizou pelas condições de trabalho. Então nós corremos atrás de qualquer cantinho aqui mesmo na comunidade que nos permitisse trabalhar. Esse terreno, por exemplo, não é nosso, ele foi emprestado por um dentista que não mora aqui, sob o compromisso de a gente zelar pelo local (Entrevista/2009).

O espaço onde as catadoras trabalham possui aspecto simples, constituído de madeira e

material retirado ao longo dos anos de trabalho na antiga lixeira e da seleção na cooperativa.

Em termos de infra-estrutura, como vimos na pesquisa, a comunidade se ressente da falta de

serviços e estrutura adequada à promoção da qualidade de vida dos seus moradores. Lindalva se

mostra firme ao falar da realidade de sua comunidade: “sem asfalto, esgoto e luz elétrica, as

condições do local são bastante precárias, dificultando ainda mais a nossa condição de trabalho”.

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A rua é de terra batida, e segundo a entrevistada, “em épocas de grandes chuvas o local fica

intrafegável e quase incessível” (Entrevista/2009).

Outro aspecto observado na comunidade onde as catadoras residem é a questão

ambiental, uma vez que está localizada em uma área entrecortada por um dos igarapés da

Bacia do Tarumã-Açú e por grandes extensões de mata que gradualmente estão sendo

derrubadas pelo avanço das moradias. Constatamos na pesquisa que o local vem, nos últimos

anos, enfrentado não somente a contaminação provocada pelo aterro sanitário que

diariamente descarrega lá um volume expressivo de contaminação, mas sofre também com

os esgotos e os desmatamentos que influenciam a qualidade das águas e do solo na região,

além das “atividades agro-industriais, como extrações de óleos vegetais, despolpamento de

frutas” (SANTOS e HORBE, et. alii., 2006).

Para Rossini (2008, p. 03), questões como os impactos ambientais e o empobrecimento

“sobrecarregam as mulheres, particularmente as mais pobres que, envolvidas com a família,

estabelecem relações de solidariedade mútua e coletivizam carências”. Essa problemática se

agrava devido a fragilidade da ação estatal em cumprir suas responsabilidades em termos de

políticas públicas, as quais poderiam reduzir os riscos sócio-ambientais verificados no

cotidiano da comunidade. A autora chama a atenção para o fato de que,

Empenhadas em compensar a insuficiência crônica dos serviços e equipamentos sociais, as mulheres são levadas a produzir um volume considerável de trabalho cotidiano que aqui definiríamos como um fenômeno essencial para talvez evitar explosões sociais, trazendo à ordem do dia a importância das políticas públicas que incorporem as suas necessidades e também a sua participação nas tomadas de decisão (ROSSINI, 2009, p. 03).

O fato de estarem mais sujeitas aos riscos ambientais decorrentes da degradação e da

poluição urbana em sua comunidade, representa uma preocupação constante na fala de

Leonora. Segundo ela, “em muitas ocasiões os moradores do local enfrentam surtos de

doenças, além de enxurradas que põem em risco a segurança de nós moradores”. A realidade

sublinhada por Leonora dá conta das dificuldades vivenciadas pelas próprias catadoras e

pelos demais moradores das comunidades no entorno do Aterro Municipal.

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As catadoras acreditam que embora as condições atuais nas cooperativas não sejam as

ideais, já melhoraram consideravelmente se comparadas aos anos de trabalho na lixeira

pública de Manaus, mesmo tendo que enfrentar ainda a falta de condições estruturais e a

discriminação presente no seu cotidiano de trabalho. Isso fica evidente na fala de Lindalva, ao

descrever a situação em que muitas vezes se encontrou, ao buscar no lixão formas de

sobreviver.

Antes nosso trabalho no lixão era muito mais desgastante e perigoso. Na cooperativa eu trabalho perto de casa, na minha própria comunidade e, ainda consigo cuidar da minha família. Tem gente ainda passa por aqui e olha de cara feia, mas é menos do que antes. Aqui nosso trabalho já melhorou bastante (Lindalva, entrevista/2009).

Para Steckel e Rocha (2009, p. 38),

O número de famílias que vivem da coleta e reciclagem de materiais aumenta a cada ano, da mesma forma que aumenta a quantidade de materiais recicláveis, encontrada junto aos restos de consumo. Desta forma, o trabalho realizado pelos catadores junto às lixeiras passa a ser uma forma encontrado por estes grupos sociais, que sem ter acesso a emprego ou por estarem desempregados, não encontram outras formas de sobreviver.

Outra forte lembrança destacada por Iracy, quando relembra os desafios vivenciados

pelos catadores na antiga Lixeira, diz respeito aos estigmas associados a sua pessoa e aos

demais companheiros que trabalhavam lá. Por muitas vezes sua própria família recebeu

algumas denominações pejorativas decorrentes da atividade que ela exercia. Segundo ela,

Até meus filhos ganhavam apelidos na escola, por ter uma mãe que trabalha na catação. Isso gerava até um desânimo pessoal, mas aí eu lembrava que meu trabalho era importante e não deixava me abater por comentário alheio (Fonte: Entrevista/2009).

Na ótica de Iracy, o trabalho com a reciclagem não foi marcado somente por situações

negativas, pois a partir dele, algumas experiências impactaram positivamente na sua

realidade, lhe proporcionando oportunidades de se relacionar com outras pessoas e até

mesmo conhecer outros lugares fora do Estado. Sobre isso ela lembra que “nunca pensei ter

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a oportunidade de sair de minha comunidade, imagina de Manaus pra outro Estado. Daí eu

pensei que essa chance era muito boa e deveria ser aproveitada” (Entrevista/2009).

Estimulada a falar sobre o assunto essa trabalhadora destaca que a coragem para

assumir o trabalho na cooperativa, veio quando começou a entender sua atividade e conhecer

outras pessoas que sobrevivem da mesma atividade. Ouçamo-na:

Quando a Igreja Católica começou a fazer reuniões e debates com a gente, eu comecei a entender que minha atividade é importante (...). Além do mais muitas outras pessoas sobrevivem honestamente disso no Brasil. Já viajei até São Paulo, pra participar de um encontro de catadores, e isso me impulsionou a começar na cooperativa (Iracy, entrevista/2009).

Mesmo enfrentando alguns desafios, como o preconceito e a falta de reconhecimento

social do seu trabalho, Iracy acredita que com o passar do tempo a sociedade deverá perceber

que a reciclagem propicia um retorno positivo para toda a sociedade, independente da

situação econômica das pessoas, pois os problemas ambientais impactarão menos a

coletividade. Segundo torres (2009, p. 353)“ as mulheres têm um ethus de especial cuidado

com o meio ambiente. A sua ética é em torno de um planeta sustentável. Elas têm uma

cultura menos predatória com o meio ambiente.

O pouco reconhecimento do trabalho das mulheres catadoras da zona Norte de

Manaus, pode representar o recorte de um fenômeno mais amplo e complexo que tinge com

cores preconceituosas e excludentes a história das mulheres em toda a Amazônia. O pouco

reconhecimento feminino na Amazônia se dá pela intensiva relação de poder sexista,

limitações históricas, que segundo Costa (2005, p. 18), impedem que elas tenham maior

efetividade nas decisões e, por conseqüência, menor reconhecimento de seu trabalho.

Para Rossini (2009, p. 03),

a insuficiente participação das mulheres tanto nos níveis de decisão e formulação de políticas como na gestão, conservação e sustentabilidade da Amazônia, leva ao sub-aproveitamento de suas experiências e capacidades voltadas às técnicas de utilização dos recursos, e repercute também nas instâncias de poder e de tomadas de decisões.

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Ao tecer algumas considerações acerca do papel do poder público municipal junto aos

catadores, Lindalva ressalta que muitas catadoras da AMMAR estão apreensivas com o

retorno de um determinado grupo político ao poder na cidade. Elas ainda não esqueceram os

momentos de medo e violência sofridos quando trabalhavam clandestinamente na lixeira

pública. De acordo com suas próprias palavras,

Há um certo temor com o que vem pela frente, mas não se pode perder a esperança. Quem sabe as coisas não melhoram pra gente, né?. Agora que a gente saiu do lixão, acho que devemos só lutar pra conseguir os meios de vender nosso produto, mas pra isso, precisamos de apoio dos homens lá de cima (Lindalva, entrevista/2009).

O poder público local não pode se restringir somente à disponibilização de ações

paliativas e tuteladoras, que em grande medida se mostram ineficazes na resolução dos

fenômenos sócio-ambientais ocasionados pela poluição e precarização do trabalho dos

catadores. É preciso que a gestão pública promova meios sustentáveis sócio-ambientalmente,

congregando o respeito ao meio ambiente com os princípios de desenvolvimento humano.

Não se isenta, desta feita, de buscar caminhos seguros que “residem na maior atenção com a

qualidade da educação para homens e mulheres” (ROSSINI, 2008, P. 02).

Sobre esse aspecto, Oliveira (2007) destaca que a parceria entre catadores e Prefeitura

se justifica não somente em termos ambientais, sobretudo, porque envolve o desemprego,

que é um fator relevante na economia brasileira. Com isso, o poder público estará assumindo

uma perspectiva política favorável à gestão ambiental e social da cidade, promovendo a

redução dos riscos decorrentes de décadas sem políticas públicas ambientais.

É necessário que sejam adotadas, também, políticas educativas que reduzam os riscos a

natureza e promovam a melhoria dos indicadores de vida e saúde daqueles segmentos que

sobrevivem da coleta de resíduos, visando o reconhecimento social do trabalho das (os)

catadoras (es).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As mulheres não têm que se tornarem homens para serem iguais, e sim o contrário, isto é, essa igualdade é que tem que absorver e incorporar as diferenças. Temos, portanto, que buscar uma democracia radical, pluralista, que entenda a cidadania como uma forma de identidade política que garanta a liberdade e igualdade para todos (COSTA, 1999).

O caso das mulheres catadores de resíduos sólidos que atuam nas cooperativas da

AMMAR, zona Norte de Manaus, demonstra claramente todo o processo de exclusão social

agravado pela poluição ambiental e pela fragilidade da rede social de políticas públicas. Essa

realidade cria verdadeiras zonas de esquecimento, em que as parcelas mais vulneráveis e

subalternas da população são cada vez mais afastadas de qualquer prática de cidadania e

submetidas a graves riscos ambientais.

As mulheres catadoras, ao se inserirem nas cooperativas de reciclagem de resíduos

sólidos, demonstram uma forma de resistência frente ao processo de exclusão social a que

estão submetidas. Ao buscarem a sobrevivência familiar na antiga lixeira pública,

enfrentando toda sorte de acidentes, violência e agravos à sua saúde elas mostram que têm

fibra e raça.

Esta pesquisa constata os desafios enfrentados em face do preconceito e do pouco

apoio por parte do poder público local. Esse quadro influi diretamente na constituição da

identidade social dessa categoria de trabalhadoras e trabalhadores os quais passam a ser

confundidos com a matéria prima de seu próprio trabalho,ou seja, como produtos

socialmente descartáveis.

Outro fator verificado nas cooperativas da AMMAR, diz respeito às condições de

saúde das catadoras, devido à exposição permanente aos fatores de risco presente na

manipulação dos resíduos. Verificamos, a partir disso, que a exposição direta das

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trabalhadoras tem implicado em uma série de riscos que as deixam mais suscetíveis a

doenças, impactando negativamente na qualidade de vida e saúde dessas trabalhadoras.

Sem as condições adequadas para a realização de suas atividades, essas mulheres

acabam contraindo doenças e enfermidades adquiridas no local de trabalho. Ou seja, as

doenças estão presentes no próprio produto de seu trabalho.

Dentre os fatores apontados pelas catadoras que concorrem para o risco à sua saúde

constam os seguintes: a inalação de gases e o contato direto com o chorume resultantes da

decomposição dos resíduos, a constante exposição a objetos pérfuros-cortantes que chegam

misturados ao material trazido pelas empresas de coleta, o manuseio acidental de materiais

hospitalares de origem doméstica como seringas e curativos. Some-se a isso, outro problema

verificado que é a falta de Equipamentos de Proteção Individual – EPI’s, que poderiam

reduzir minimamente os riscos decorrentes do manuseio e contato diretos com o material

reciclável.

O principal motivo destacado pelas catadoras que explicam a falta dos equipamentos

de proteção é a questão financeira, pois “a renda é muito pouca e os equipamentos são caros”

(Izolina, entrevista/2009), o que inviabiliza a sua aquisição.

Os problemas de saúde estão entre as questões que mais afetam a vida das catadoras,

os quais são diversificados. Dentre eles, verificamos que os mais prevalentes são as doenças

dermatológicas (coceiras, irritações cutâneas, inflamações dentre outras), seguidas dos

problemas gastrointestinais, dores nas juntas e nos membros, além do reumatismo e má

circulação, decorrentes das condições de trabalho e da insalubridade nesses locais.

Nossa pesquisa também constatou que as mulheres catadoras ainda sofrem com o

preconceito e com o não reconhecimento social de seu trabalho, mas isso não interfere a

ponto de elas largarem a atividade de catação, pois conforme elas ressaltaram na pesquisa, a

reciclagem é uma forma de sustento familiar e de sociabilização. Muitas delas mantêm uma

relação de amizade e confiança desde a época em que trabalhavam na antiga lixeira de

Manaus, ou se conheceram no início do trabalho cooperado, mantendo assim, uma rede de

solidariedade que extrapola as funções do trabalho com resíduos.

Ao que tudo indica as catadoras já buscam formas de organização política junto a

outros catadores. Seu reconhecimento social e efetivação de alguns direitos que lhes

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garantam melhores condições de trabalho e autonomia na condução das relações de

comercialização do produto de seu trabalho, junto às empresas de reciclagem, são as

principais bandeiras de luta. Para tanto, é necessário que elas adquiram um maior nível de

consciência sobre a importância de sua atividade tanto para o meio ambiente, quanto para a

garantia da sobrevivência familiar. Isso é possível mediante sua crescente inserção entidades

representativas como os Fóruns e grupos de economia solidária que lutam para que ocorra o

efetivo protagonismo político e o controle social por parte desses trabalhadores e

trabalhadoras.

A construção da cidadania dessas mulheres não é tarefa fácil, posto que elas precisam

de um maior nível de consciência, apropriação de novos saberes, a articulação coletiva com

as próprias catadoras, além de maior racionalidade na gestão dos grupos.

Outro desafio colocado às cooperativas de resíduos sólidos pesquisadas consiste em

ampliar as possibilidades de comércio de seus produtos, bem como o acesso ao consumo e

ao crédito, para que assim, seja possível alavancar a venda às empresas compradoras de seus

materiais. Sem condições logísticas e estruturais e, sem direito ao crédito, a lógica de

dependência em relação ao atravessador continuará impedindo que essas trabalhadoras

conquistem sua autonomia sócio-política e econômica.

Isso será possível, a partir do momento em que as cooperativas adquiriram subsídios

tecnológicos e novos conhecimentos sobre práticas gerenciais modernas, o que lhes

possibilitará a adoção de medidas mais racionais e eficazes diante dos desafios

mercadológicos. O poder público e as demais instituições que financiam as práticas

cooperativadas em Manaus devem apresentar-se como referência às cooperativas da

AMMAR. Torna premente investir na capitalização desses empreendimentos, apoiando a

capacitação permanente das lideranças e dos demais associados e associadas. O poder

público não pode deixar de implementar as políticas públicas de inclusão social dessas

mulheres, potencializando e dando maior visibilidade à atividade de catação.

Profissionalmente esse estudo representa um conhecimento que contribuirá para minha

atuação, enquanto assistente social especialista em saúde, na área de gestão e planejamento

da Secretaria Municipal de Saúde – SEMSA. Nossa intenção é que os conteúdos aqui

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apresentados sejam amplamente utilizados pelas equipes técnicas do Distrito de Saúde Oeste,

onde desenvolvo a prática profissional desde 2004.

Enquanto acadêmica este trabalho representa a apreensão de novos saberes que

consubstanciarão minha trajetória na área da pesquisa e extensão, somando ao interesse

científico pela temática das relações de gênero. Pessoalmente o estudo sobre a atividade das

catadoras nas cooperativadas da zona Norte de Manaus, me possibilitou uma compreensão

mais aprofundada sobre a importância do trabalho feminino em Manaus, lançando um novo

olhar para essa realidade que precisa de maior visibilidade social.

Destacamos que mesmo diante dos desafios que marcam o trabalho dessas mulheres

catadoras, elas têm assumido com muita garra e coragem o trabalho nas cooperativas, o qual

vem impactando diretamente nos indicadores sócio-ambientais nas comunidades da zona

Norte de Manaus.

O trabalho das mulheres catadoras que compõem os núcleos da AMMAR em Manaus,

objeto de nosso estudo, exige urgência de se pensar estratégias socialmente justas, que

extrapolem a ótica antiética de abjeta pobreza em favor da economia de lucros, capitaneada

pelo modelo hegemônico capitalista. Requer um olhar humanístico que priorize os vínculos

homem-natureza, mulher-homem, enfim, na construção de relações mais humanas, e de

convivência saudável com o meio ambiente.

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ANEXOS

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ANEXO 1

FFoorrmmuulláárriioo ddaa PPeessqquuiissaa ddee MMeessttrraaddoo:: VViiddaa EE TTrraabbaallhhoo ddaass MMuullhheerreess CCaattaaddoorraass ddee RReessíídduuooss SSóólliiddooss nnoo AAtteerrrroo MMuunniicciippaall ddee MMaannaauuss:: UUmm OOllhhaarr ppaarraa aa CCoommuunniiddaaddee LLaaggooaa AAzzuull..

II –– IIDDEENNTTIIFFIICCAAÇÇÃÃOO DDOO CCAATTAADDOORR DDEE RREESSÍÍDDUUOOSS::

1.1. Nome: ____________________________________ Idade: ________ Renda R$ ________________

1.2. Naturalidade: ____________________ UF: _______ Tempo/residência em Manaus _________________

1.3. Escol.: Não alfab.(a) ( ) Fund. Completo ( ) Incompleto ( ) Médio: Comp. ( ) Incomp. ( ).

1.5. Local de Trabalho: _______________ Atividade: ____________________Função: ________________

IIII –– DDOOCCUUMMEENNTTAAÇÇÃÃOO:

2.1. Cert. de Nascimento/Casamento ( ) RG ( ) CPF ( ) CTPS ( ) Outros ( ) Quais? ___________

IIIIII –– SSIITTUUAAÇÇÃÃOO SSÓÓCCIIOO--FFAAMMIILLIIAARR::

3.1. Estado Civil: Casado ( ) Divorciado ( ) Relação estável ( ) Outro ( ) Qual______________

3.2. Composição Familiar (Dados de ocupação, renda e relações de parentesco).

nº. Nome Relação/Parent. Idade Local/Trab. Estuda Profissão Renda

Obs: Caso a Cônjuge/companheira não trabalhe isso de deve a que fator (s)? _____________________________ _______________________________________________________

____________________________________________________________________________________

IIVV –– IINNFFRRAA--EESSTTRRUUTTUURRAA DDOO BBAAIIRRRROO//CCOOMMUUNNIIDDAADDEE ((RReeddee ddee sseerrvviiççooss ssoocciiaaiiss))::

Possui rede de esgoto: SIM ( ) NÃO ( )

Água encanada: SIM ( ) NÃO( )

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Pavimentação: Asfalto ( ) Piçarra ( ) Barro ( ) Outro: ___________________________________

Energia elétrica: oficial ( ) gato ( ) Não possui ( ) Outro: ( )__________________________

Posto de Saúde: UBS ( ) UBSF( ) Hospital ( ) Não Possui ( )

VV –– IINNFFRRAA--EESSTTRRUUTTUURRAA HHAABBIITTAACCIIOONNAALL::

4.1. Moradia: Nº. de cômodos: ____________

a) Situação: Própria ( ) Alugada( ) Cedida ( ) Outros( ): _____________________________

b) Construção: Alvenaria ( ) Madeira ( ) Mista ( ) Outros ( ): ____________________________

c) Terreno: Próprio ( ) Cedido ( ) Invadido ( ) Outros( ): _____________________________

Condições: Plano ( ) Declive ( ) Morro ( ) Seco ( ) Encharcado ( ) Outro ( )________

d) Condições Sanitárias: Água: Encanada ( ) Poço ( ) Cacimba ( ) Outro ( ): ___________________

Fossa ( ) biológica/negra ( ) esgoto Outro ( ) _____________________

VVII -- CCOONNDDIIÇÇÕÕEESS DDEE SSAAÚÚDDEE ((MMaaiioorr pprreevvaallêênncciiaa ddee rriissccooss ee aaggrraavvooss)) :

Doenças dermatológicas ( ) Intestinais( ) Hipertensão/diabetes ( ) Acidentes ( )

Outros ( ): __________

Freq./consultas em saúde: Mensal ( ) Trimestral ( ) Anual ( ) Outros( ): _____________________

IIII –– CCOONNDDIIÇÇÕÕEESS DDEE TTRRAABBAALLHHOO::

Carteira assinada ( ) Cooperado( ) Autônomo( ) Outra( ): ____________________________

Possui outra fonte de renda? ( ) SIM ( ) NÃO. Caso afirmativo: Qual? __________________________

Carga Horária/dia de trabalho: 1h à 3hs ( ) 4hs à 6hs ( ) Mais de 6hs/dia ( )

VVIIIIII –– PPEERRCCEEPPÇÇÕÕEESS DDOO CCAATTAADDOORR AACCEERRCCAA DDOO TTRRAABBAALLHHOO CCOOMM RREESSÍÍDDUUOOSS ((lliixxoo))..

8.1 - Você se identifica com o que o faz? Ou seja, com a sua ocupação? ( )SIM ( )NÃO

Justifique._______________________________________________________________________________________

8.2 - Você enfrenta alguma dificuldade em realizar a sua atividade? ( )SIM ( )NÃO

Caso afirmativo, qual (s)? ( )Física (Dores, cansaço, pouca força etc.) ( ) Econômica (Falta recursos para transporte, alimentação etc.) ( )Locomoção (Difícil acesso ao local de trabalho, não há linhas de ônibus etc.) ( )Familiar (Não tem com quem deixar os filhos, ciúmes etc.) ( )Segurança (Violência, assaltos etc.) ( ) Outros fatores. Quais? _____

_____________________________________________

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8.3 – Já sentiu alguma forma de preconceito ou discriminação por trabalhar com resíduos ? ( )SIM ( )NÃO Caso afirmativo, como isso ocorre ?: ________________________________________________________

8.4 – Quais os fatores que levaram você a atividade de coleta e seleção de resíduos sólidos? ___ __ ___

______________________

8.5 – Antes de trabalhar com resíduos, você exercia outra função? ( )SIM ( ) NÃO. Caso afirmativo, onde? ( ) Comércio ( ) Indústria ( ) Emprego doméstico ( ) Sempre trabalhou com resíduos ( ) Não trabalhava ( )Outro. _____________ __

8.6 – Já sentiu vontade de trabalhar em outra atividade? ( ) SIM ( ) NÃO

Por quê? ___________________________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________________

8.7– Se sente realizado econômica e pessoalmente com a atividade que exerce? ( ) SIM ( ) NÃO .

Por quê? ____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________________

8.8 – Você considera que a atividade de catador (a) de resíduos pode ser exercida igualitariamente tanto por homens quanto por mulheres? Por quê ____________________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________________

Manaus _______ de ___________ de 2009

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AANNEEXXOO 22

RRootteeiirroo ddee eennttrreevviissttaa ddaa PPeessqquuiissaa ddee MMeessttrraaddoo:: VViiddaa EE TTrraabbaallhhoo ddaass MMuullhheerreess CCaattaaddoorraass ddee RReessíídduuooss SSóólliiddooss nnoo AAtteerrrroo MMuunniicciippaall ddee MMaannaauuss:: UUmm OOllhhaarr ppaarraa aa CCoommuunniiddaaddee LLaaggooaa AAzzuull,, aapplliiccaaddoo ààss

mmuullhheerreess ccaattaaddoorraass ddee lliixxoo..

1- Como, e por que, você iniciou sua lida com o lixo (resíduos sólidos)?

2- Você exerceu outra atividade antes de trabalhar com os resíduos sólidos? Caso afirmativo, o quê? Onde? E quando?

3- Você acredita que seu trabalho contribui de alguma forma, para o meio ambiente em Manaus e no mundo? Por quê?

4- O trabalho com a coleta e seleção de material descartado pela sociedade, considerado por muitos como ‘lixo’, lhe traz alguma satisfação pessoal? Por quê?

5- Sua relação com outros colegas de trabalho, inclusive os homens, é tranqüila? Você se sente respeitada e valorizada no que faz?

6- E na sua família, como você concilia os papéis de mãe, esposa (se for casada ou tiver companheiro) e trabalhadora?

7- Você já se sentiu discriminada por ser mulher ou por trabalhar com ‘lixo’? Caso afirmativo como e quando isso ocorreu?

Obrigada por sua colaboração!

Manaus, ______ de ________________ 2009.

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