o código rossini - euterpe

10
O Código Rossini Rossini fotografado por Félix Nadar em torno de 1856. O papel inovador de Giovacchino Antonio Rossini (1792-1868) na história da ópera passa necessariamente pelo emprego dos recursos convencionais de composição que ele compartilhou com seus contemporâneos e deixou como legado a seus seguidores. Na obra A History of Opera: The Last Four Hundred Years (Penguin, 2015), os pesquisadores Carolyn Abbate e Roger Parker afirmam que a história da ópera tem sido geralmente escrita como um progressivo processo de mutação de formas musicais, observando-se, porém, frequentes resgates e regressão a estilos e recursos antigos. A alternância padronizada entre recitativo (com diálogo e ação cênica) e uma ária de um só movimento (com monólogo e reflexão) no início do século XVIII, discutida no tópico Um banho de seriedade na ópera barroca , já enfrentava resistência nas últimas décadas do mesmo século. Na época de Rossini, nasceu o chamado “movimento múltiplo” como unidade formal da ópera. Essa unidade era mais previsível nas óperas italianas, mas também passou a representar a espinha dorsal de obras em francês. Tratava-se de um número contendo momentos estáticos e movimentados . Nas primeiras décadas do século XIX, com mais ênfase na ópera-cômica, o recitativo ou diálogo falado com acompanhamento contínuo alternava com esses números; mas o

Upload: others

Post on 27-Jan-2022

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: O Código Rossini - Euterpe

O Código Rossini

Rossini fotografado por Félix Nadar emtorno de 1856.

O papel inovador de Giovacchino Antonio Rossini (1792-1868) na história daópera passa necessariamente pelo emprego dos recursos convencionais decomposição que ele compartilhou com seus contemporâneos e deixou como legadoa seus seguidores.

Na obra A History of Opera: The Last Four Hundred Years (Penguin, 2015), ospesquisadores Carolyn Abbate e Roger Parker afirmam que a história da óperatem sido geralmente escrita como um progressivo processo de mutação de formasmusicais, observando-se, porém, frequentes resgates e regressão a estilos erecursos antigos. A alternância padronizada entre recitativo (com diálogo eação cênica) e uma ária de um só movimento (com monólogo e reflexão) noinício do século XVIII, discutida no tópico Um banho de seriedade na óperabarroca, já enfrentava resistência nas últimas décadas do mesmo século.

Na época de Rossini, nasceu o chamado “movimento múltiplo” como unidadeformal da ópera. Essa unidade era mais previsível nas óperas italianas, mastambém passou a representar a espinha dorsal de obras em francês. Tratava-sede um número contendo momentos estáticos e movimentados. Nas primeirasdécadas do século XIX, com mais ênfase na ópera-cômica, o recitativo oudiálogo falado com acompanhamento contínuo alternava com esses números; mas o

Page 2: O Código Rossini - Euterpe

recitativo foi ganhando, pouco a pouco, um acompanhamento orquestral, e assimfoi estilisticamente absorvido nas seções movimentadas dos númerosoperísticos. Jean e Brigitte Massin (Histoire de la Musique Occidentale,1983) chegam a considerar que, em certos domínios, Rossini foi mais longe doque Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), morto alguns anos antes que elenascesse: em Elisabetta, regina d’Inghilterra, foi o primeiro a renunciartotalmente ao recitativo secco, sem por isso valer-se do recurso ao estilofrancês ou alemão, ao diálogo falado.

Caricatura de Rossini(1867).

O sucesso de Rossini no domínio do emergente repertório da década de 1820 tema ver com uma matriz de padrões formais recorrentes de composição que nasceuem suas mãos, que iria influenciar as várias décadas seguintes na Itália. Erao que Abbate e Parker chamam de código rossiniano. Tal código evitavaaventuras frustrantes e agradava bastante às plateias. A ária solista,principal elemento, era composta tipicamente por um recitativo introdutórioseguido por três movimentos, exemplificados no vídeo abaixo da ária “Quant’ègrato all’alma mia” de Elisabetta, regina d’Inghilterra, de Rossini: (a) ummovimento lírico, em geral de andamento lento e com frequência chamado decantabile; (b) uma passagem movimentada de ligação, estimulada por algumacontecimento em cena e chamada de tempo di mezzo; e (c) uma cabaletta deconclusão, geralmente mais rápida do que o primeiro movimento e exigindoagilidade por parte do cantor.

https://www.youtube.com/watch?v=zSDqRZT4IdE

***

Page 3: O Código Rossini - Euterpe

Isabella Colbran(1785-1845) estreouSemiramide e Otello deRossini, de quem foiesposa.

Os grandes duetos e os longos números executados por conjuntos tinham o mesmoformato, mas com um movimento de abertura antes do cantabile, quase semprecom diálogos entre seus personagens. Esse esquema, porém, não era seguido deforma rígida. As soluções operísticas de Rossini muitas vezes eram diferentesdesse modelo, em especial nos conjuntos de suas óperas italianas maistardias. Às vezes, como no segundo ato de Semiramide, ele utilizava umatécnica que adicionava uma sequência de movimentos num só número, respondendomelhor às peculiaridades da situação dramática.

Mais radical ainda, segundo Abbate e Parker, é o ato final de Otello (1816),que pode ser ouvido no áudio a seguir, uma audaciosa tentativa de Rossini emtranspor Shakespeare para os termos da ópera italiana. Formatos fixos quasedesapareceram em favor de números breves e tocantes, repentinos contrastes einjeções de colorido local. Mas Otello foi um caso extremo: com maisfrequência, Rossini manteria os números de múltiplos movimentos, mas osexpandindo e modulando. Jean e Brigitte Massin entendem que, num contexto emque o teatro cantado aproximava-se do teatro propriamente dito a partir deElisabetta, Otello contribuiu para familiarizar a Itália com um universoromântico ao qual ela haveria sempre de sentir-se um pouco estranha.

http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2016/07/Rossini-Otello-Non-arrestare-il-colpo-Finale.mp3

***

Um caso clássico de movimento múltiplo é o chamado terzettone (termoinventado pelo próprio Rossini, significando um enorme terzetto, ou trio) queocupa o a metade do primeiro ato de Maometto II (1820), com trechoapresentado no vídeo abaixo, numa elaborada ação cênica: são reunidos numúnico bloco musical um recitativo acompanhado (cerca de quatro minutos demúsica), um trio (sete minutos), sem conclusão musical, apontando paramudança de cena (dos aposentos de Anna para a Piazza di Negroponte), um corofeminino (dois minutos), a oração comovente de Anna (outros três minutos), um

Page 4: O Código Rossini - Euterpe

novo recitativo e o retorno do trio interrompido (mais 14 minutos). Um totalde meia hora de música. Há quem atribua o insucesso da estreia da ópera emNápoles às suas estruturas musicais atípicas e pesadas para o público, comose observa neste número.

***

Apesar das naturais manipulações, essas formas fixas de composição de óperasajudaram a comunicação teatral de duas importantes maneiras: primeiro, deramaos cantores principais um variado leque de possibilidades para exibir suaarte, e com isso reivindicar a identificação do público; segundo, issoassegurava certo nível de expectativa do público, que podia ser aproveitadapara efeito dramático. O mesmo pode-se dizer de alguns recursos de Rossinique tornavam a sua música instantaneamente reconhecível: os ritmos enérgicosde seus temas orquestrais, com suas típicas marcações e acentos inesperados,bem como suas melodias líricas delicadamente sentimentais e finamenteequilibradas.

Donald Grout e Claude Palisca ressaltam em A History of Western Music(Norton, 1988) o dom invulgar de Rossini para a melodia e seu faro especialpara os efeitos cênicos, que lhe proporcionaram o sucesso precoce. O estilorossiniano combina um fluxo melódico inesgotável com a vivacidade dos ritmos,a clareza do fraseado, a estrutura equilibrada e por vezes muito poucoconvencional do período musical, uma textura leve, uma orquestração fluidaque respeita a individualidade de cada instrumento e uma estrutura harmônicaque, embora não sendo complexa, é muitas vezes original, afirmam taisautores. Um bom exemplo dessas características está na cabaletta para tenor“Se a’ miei voti Amor sorride” no primeiro ato de La donna del lago, aseguir.

http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2016/07/Rossini-La-Donna-del-Lago-Se-a-miei-voti-Amor-sorride.mp3

***

Tudo isso aparece também nas aberturas rossinianas, com uma melodiasentimental na lenta introdução e uma ideia ritmicamente marcante comoprimeira melodia principal. A abertura é o lugar principal do mais famoso detodos os truques rossinianos, o célebre crescendo de Rossini, tipo deostinato, bem audível no final da sinfonia inicial de La gazza ladra (vídeo aseguir), no qual uma sequência de oito ou dezesseis compassos seráseguidamente repetida, a cada vez com uma orquestração e um nível dinâmicomais intenso.

https://www.youtube.com/watch?v=CXIG9_tSZS8

***

O crescendo é um processo simples e eficaz que Rossini utiliza também nosseus conjuntos e árias: a animação crescente é obtida através das muitasrepetições de uma frase, cada vez mais forte e mais aguda, como acontece em“La calunnia è un venticello” de Il Barbiere di Siviglia (vídeo a seguir), um

Page 5: O Código Rossini - Euterpe

dos seus momentos mais inspirados e criativos. Nesses crescendos, a repetiçãoera, claramente, um momento de prazer para o público: o fato de todossaberem, desde o início, como o crescendo ia se desenvolver estimulava aantecipação de seu clímax, em vez de amortecê-lo.

***

Outra prática operística de Rossini cabe ser aqui destacada como algo bemcaracterístico de suas óperas: os ornamentos. Estes eram anotados rigidamentepor ele não apenas como desejo de controlar os artistas numa atividade muitoapreciada. Por trás de todo o magnífico fluir de um som vocal há uma espéciede estética constante, que é o fato de que Rossini continuou a acreditarteimosamente na voz que canta como o meio pelo qual a beleza e aexpressividade enfim se unem. O fato de que tantas de suas melodias sejamadornadas com muitas notas é um traço que pode parecer algo mecânico, ou atémesmo superficial. Mas para Rossini e o público que adora essa escritaflorida, lembram Abbate e Parker, os infindáveis grupetos, trinados evolatas, não eram ornamentos no sentido moderno, nem decorações de umamelodia básica. Eram, sim, os próprios meios pelos quais uma bela melodiapodia comunicar sua mensagem especial, como apresentado a seguir no rondó-final de La donna del lago (1819).

https://www.youtube.com/watch?v=97O3gFAVDik

***

Depois da estreia de Tancredi, em 1813, o sucesso de Rossini estavaassegurado. Sua ária “Di tanti palpiti” se tornou tão popular que ositalianos cantavam-na em multidões nos tribunais até que o juiz ordenasse queparassem. Rossini escreveu mais 30 óperas, tanto sérias quanto cômicas,culminando a fase italiana de sua carreira com Semiramide.

Um de seus contemporâneos, o siciliano Giovanni Pacini (1796-1867),pesarosamente mencionou em suas memórias que durante o apogeu rossinianotodos tinham de se tornar seus imitadores, pois não havia outro modo deganhar a vida. Das 74 óperas de Pacini, 25 delas foram escritas enquantoRossini dominava a ópera italiana, sem espaço para qualquer concorrência.Basta observar a programação da Ópera de Viena em 1822, quando lá Rossiniregeu seu sucesso La Cenerentola e nova Zelmira: apenas óperas rossinianas emexibição. Escreveu Sthendal em sua biografia de Rossini:

“Napoleão está morto; mas um novo conquistador está se apresentando parao mundo; de Moscou a Nápoles, de Londres a Viena, de Paris a Calcutá, seunome é citado em todas as línguas. A fama deste herói não conhecefronteira”.

Page 6: O Código Rossini - Euterpe

Tournedos Rossini.

Após Semiramide, Rossini se mudou para Paris, a Meca de tantos compositoresitalianos bem-sucedidos, e passou a escrever óperas em francês. A última desuas obras em língua francesa, a grande ópera Guillaume Tell (1829), é muitodistinta de suas óperas italianas. Depois dela, então com 37 anos, Rossiniparou de compor óperas. Viveu quase 40 anos, primeiro em Bolonha, depois emFlorença e Paris. Era um conhecido contador de anedotas e gourmand. Há umareceita famosa que leva seu nome: Tournedos Rossini. Ele é basicamente umalto filé mignon servido com uma generosa fatia de foie gras por cima e molhofeito com vinho, demi-glace e algumas lascas de trufas.

Segundo Burton Fisher, em The Barber of Seville (Opera Classics LibrarySeries, 2005), até sua aposentadoria em 1829, Rossini era o mais popularcompositor de óperas da história. Mas, afinal, por que ele teria desistido?Certamente tinha alcançado segurança financeira e não precisava escrevercontinuamente novas obras. Os hábeis investimentos que fizera, com osdireitos autorais recebidos e a pequena fortuna ganha na Inglaterra,permitiram-lhe viver folgadamente. Os Massin chamam a atenção para se vernessa retirada precoce principalmente o sinal de esgotamento físico de umhomem que há muito tempo retirava de sua própria inteligência os recursos desua sobrevivência, com um esforço acima do suportável. O Rossini que se calouem 1830 era um homem doente. Acumulara toda uma série de aflições estomacaise intestinais que certamente tinham reflexo sobre seu estado mental. A seuamigo, o pintor Guglielmo de Sanctis (1829-1911), ele tinha escrito: “Sair decena na hora certa também exige gênio”.

Page 7: O Código Rossini - Euterpe

Valsa para piano em “Mo[dera]to”, assinada “A Madlle. Pauline Granville, G. Rossini,Kissingen, le 23 Aout 1856″.

Também deve ser considerado que nos anos em torno de 1829 já surgiam modosnovos e mais diretos de escrever ópera italiana que Rossini não queriaemular. Já mais velho escreveu algumas primorosas peças religiosas, como oStabat mater (1831) e a Petite Messe solennelle (1864), e entreteve seu salãoparisiense com miniaturas instrumentais e vocais jocosamente chamadas Péchésde vieillesse (Pecados da velhice). Entre as mais pungentes destas últimas hávárias composições para voz e piano de um antigo texto de Metastasio, “Milagnerò tacendo dela mia sorte amara” (Choro em silêncio minha amarga sina),apresentada no vídeo abaixo, considerado por Abbate e Parker um comentário emcódigo sobre seu longo silêncio, delicadamente equilibrado, como sempre,entre o irônico e o sentimental.

***

Escolher Metastasio para emitir tais declarações “confessionais” torna maispertinente a questão levantada por Abbate e Parker: para qual direção Rossiniestava voltado? Para o século XVIII com sua frieza arcadiana, ou para o maisvago, porém emocionalmente mais explícito futuro romântico? Já no fim davida, quando compunha seus Péchés, Rossini lamentava o moderno gostooperístico, dizendo que a decadência começara com a saída de cena doscastrati, cantores cujos corpos tinham sido mutilados na busca da purezavocal. Na música de Rossini outros aspectos sugerem uma ponte com o séculoXVIII: os conjuntos de ação farsesca nas óperas-cômicas e a similaridade deseu gosto orquestral com o que Mozart praticava.

Page 8: O Código Rossini - Euterpe

Mozart (Joseph Lange,1780).

As óperas italianas de Mozart foram ocasionalmente reapresentadas na Itáliadurante a primeira metade do século XIX, e em geral foram consideradas muitodifíceis – tanto melódicas como atordoantemente densas, demasiado cheias dedetalhes harmônicos, de contrapontos orquestrais. Por outro lado, na suajuventude, Rossini estudou tais óperas e por elas ficou profundamentemarcado. Basta comparar os dois Barbieri di Siviglia, o de Giovanni Paisiello(1740-1816) e o de Rossini, para percebermos a diferença especialmente quantoà estrutura. A ópera de Paisiello é concebida como uma série de árias e duos,e os personagens só se encontram em conjunto no final. Na ópera de Rossini,as fórmulas as mais diversas se sucedem com a maior das velocidades. Duos,trios, árias, quartetos e maiores conjuntos configuram uma espécie degeometria de figuras variáveis em perpétuo movimento. A questão é que entreas duas versões operísticas da primeira comédia de Pierre-Augustin deBeaumarchais (1732-1799) está Le nozze di Figaro, em que Mozart demonstrara apossibilidade de sair das fórmulas rígidas que a ópera italiana continuava aimpor, como se observa no final do seu segundo ato, no vídeo abaixo.

***

Para os compositores italianos, incluindo Rossini (embora fizesse uma exceçãopara Mozart), os compositores alemães eram dominados pela harmonia e por umaorquestração complexa: suas obras teatrais deveriam ser apenas paraorquestra, com vozes opcionais. Um dos primeiros autores sobre Rossini,Giuseppe Carpani (1751-1825), compartilhava do gosto do compositor, e oexpressou assim na sua obra Le Rossiniane ossia lettere musico-teatrali(1824):

“Se, então, o compositor dispõe do mais belo texto poético para pô-lo emforma de música, ele não deve tratá-lo de maneira tão servil que o façaperder de vista seu principal dever, que é o de oferecer prazer musical.A expressão deve ser, portanto, seu objetivo secundário, e ele devesempre tratar a ideia musical como sua meta primária”.

Não poderia haver melhor resumo do código de Rossini, um código no qual aspalavras devem ser sempre subservientes à música, assim como pregava Mozart,e no qual o objetivo é um prazer estético sem palavras. Stendhal tinha uma

Page 9: O Código Rossini - Euterpe

teoria curiosa sobre as origens da diferença entre os gostos italiano ealemão:

“O alemão, que devido ao clima gélido do Norte tem uma fibra corporalmais grossa, precisa que sua música seja mais barulhenta; e além disso,esse mesmo frio […] conspirou, junto com a carência de vinho, a destituí-lo de uma voz que cante”.

Autógrafo de La Cenerentola (Accademia Filarmonicadi Bologna).

Essa polêmica, que ficou mais movimentada com a onda rossiniana, continua acircular em torno da ópera durante o século XIX. As óperas-sérias italianasde Rossini, que eram o mais puro exemplo do ideal vocal, tornaram-seinjustamente vítimas no longo desenrolar desse processo. São mundosdistintos. Mas suas óperas-cômicas sobreviveram e prosperaram. O que há emRossini que lhe permitiu imprimir sua visão humorística tão permanentementeno firmamento operístico? A obra que talvez seja a mais próxima de Mozart,tanto em termos musicais quanto no espírito, segundo Abbate e Parker, tambémestava entre as mais bem-sucedidas: La Cenerentola. Nela estão presentes ashabituais situações da ópera-cômica, como um criado mais sensato do que seupatrão, mas o tom dominante – e aqui a conexão com Mozart é mais forte – é ode uma comédia sentimental. A seguir está um dos mais belos números de LaCenerentola, que bem exemplifica a habilidade de Rossini na composição deconjuntos vocais, como a tinha seu mestre austríaco.

***

Tal como era, a fórmula rossiniana de compor dominou um século de óperaitaliana. Algumas vezes essa fórmula, nos piores casos, produziu a caricaturamecânica que muito erradamente é designada pela expressão bel canto, adverteJean e Brigitte Massin; outras vezes foi capaz de produzir obras-primas, tãodiferentes umas das outras que não parecem estar referidas a uma mesmaestética inicial. Não é certo que Rossini tenha alguma vez se dado conta danovidade e da solidez da fórmula que aperfeiçoara.

Page 10: O Código Rossini - Euterpe

***

Rossini, aposentado, agradece aos aplausos da plateia (Litografia francesa,séc. XIX).