universidade federal de pernambuco (ufpe) centro de ... · zé, tia socorro, tio chiquinho, minha...

425
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS (CFCH) DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS GEOGRÁFICAS (DCG) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA GLEYDSON PINHEIRO ALBANO GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA: UMA ANALISE COMPARATIVA ENTRE DUAS CIDADES COM FRUTICULTURA IRRIGADA PARA EXPORTAÇÃO NO RN, IPANGUAÇU E BARAÚNA RECIFE-PE 2011

Upload: others

Post on 06-Aug-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE)

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS (CFCH)

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS GEOGRÁFICAS (DCG)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

GLEYDSON PINHEIRO ALBANO

GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA: UMA ANALISE COMPARATIVA

ENTRE DUAS CIDADES COM FRUTICULTURA IRRIGADA PARA

EXPORTAÇÃO NO RN, IPANGUAÇU E BARAÚNA

RECIFE-PE

2011

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE)

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS (CFCH)

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS GEOGRÁFICAS (DCG)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

GLEYDSON PINHEIRO ALBANO

GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA: UMA ANALISE COMPARATIVA

ENTRE DUAS CIDADES COM FRUTICULTURA IRRIGADA PARA

EXPORTAÇÃO NO RN, IPANGUAÇU E BARAÚNA

Tese apresentada ao Curso de Doutorado

do Departamento de Ciências Geográficas

do Centro de Filosofia e Ciências Humanas

da Universidade Federal de Pernambuco

como requisito parcial para obtenção do

título de Doutor em Geografia.

Orientador

Professor Dr. Alcindo José de Sá

RECIFE-PE

2011

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Catalogação na fonte Bibliotecária, Divonete Tenório Ferraz Gominho, CRB4- 985

A326g Albano, Gleydson Pinheiro Globalização da agricultura : uma analise comparativa entre duas cidades com fruticultura irrigada para exportação no RN, Ipanguaçu e Baraúna / Gleydson Pinheiro Albano. – Recife: O autor, 2011.

425 f. : il. ; 30 cm. Orientador: Prof. Dr. Alcindo José de Sá Tese (doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco, CFCH. Programa de

Pós -Graduação em Geografia, 2011. Inclui bibliografia.

1. Geografia. 2. Agricultura – Globalização. 3. Revolução verde. 4. Produção agrícola. 5. Relações internacionais. I. Sá, Alcindo José de. (Orientador). II. Titulo.

910 (22.ed.) UFPE(BCFCH2012-09)

Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS GEOGRÁFICAS – DCG

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

GLEYDSON PINHEIRO ALBANO

Título: GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA: UMA ANALISE

COMPARATIVA ENTRE DUAS CIDADES COM FRUTICULTURA

IRRIGADA PARA EXPORTAÇÃO NO RN, IPANGUAÇU E BARAÚNA

BANCA EXAMINADORA

Orientador: Prof. Dr. Alcindo José de Sá - UFPE

1º Examinador: Prof. Dr. David Sanchez Rubio – Universidad d Sevilla/Espanha

2ª Examinador: Prof. Dr. Paulo Sérgio Cunha Farias - UFCG

3º Examinador: Prof. Dr. Rosalvo Nobre Carneiro - UERN

4º Examinador: Profa. Dra. Aldemir Dantas Barbosa - UFPE

APROVADA em 10 de outubro de 2011.

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a Deus que sempre esteve ao meu lado,

independente das circunstâncias.

Aos meus pais Sebastião Albano da Silva e Maria de Fátima Pinheiro Albano

por estarem sempre ao meu lado, dando-me forças em todos os momentos. Com certeza

os grandes responsáveis não só por esse trabalho, mas, por todos os trabalhos já feitos

por mim no decorrer da minha vida.

A minha irmã, Janaina Pinheiro Albano, por sempre acreditar que acabaria essa

jornada.

Ao meu orientador Alcindo José de Sá, por sempre me incentivar e acreditar no

meu potencial. Um grande homem, um grande companheiro e amigo das horas certas e

incertas. Internacionalizado, empreendedor, responsável direto pelas minhas primeiras

aventuras no mercado editorial e pelo incentivo à minha produção bibliográfica.

A professora Beatriz Soares Pontes sempre meu agradecimento por acreditar no

meu trabalho e na minha pesquisa, desde os tempos de graduação na UFRN. Uma ótima

professora, pesquisadora e amiga.

A professora Denise Elias, por sempre acreditar no meu trabalho e pesquisa.

Sempre a minha primeira referência quando se trata de Globalização da Agricultura.

Ao professor Ademir Araújo da Costa, meu orientador do mestrado e grande

incentivador da minha pesquisa. Sempre às ordens em todos os momentos.

Ao professor Caio Maciel por sempre me incentivar a buscar novos horizontes

no meio acadêmico e a possibilitar à inovação.

Ao professor Paulo Sérgio Cunha Farias, por sempre acreditar no meu potencial,

mesmo antes de adentrar-me ao doutorado da UFPE. Grande amigo e incentivador do

meu trabalho.

Ao professor Bruno Maia Halley, grande amigo de todas as horas, sempre a

postos para ajudar nos momentos mais difíceis. Um dos responsáveis pela minha

entrada na UFRN.

A professora Terezinha de Queiroz Aranha do NUT-Seca da UFRN, por sempre

acreditar no meu trabalho e na minha pesquisa e me incentivar.

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Ao meu primo e conselheiro espiritual Frei Lúcio Rufino, sempre presente em

todos os momentos da minha vida e figura de destaque para me manter sempre no foco

da vida equilibrada e sem excessos.

Aos meus familiares e amigos da cidade de Luis Gomes, responsáveis sempre

por momentos de descontração. Entre eles se descacam minha tia Nita e tia Maria, tio

Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe.

Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos outros amigos e primos dos sítios e da zona rural

que sempre me inspiraram a estudar a Geografia Agrária.

Aos meus familiares e amigos de Assú e Itajá, que sempre me ajudaram na

pesquisa sobre Ipanguaçu fornecendo preciosas entrevistas e contatos. Dentre eles se

destacam Maria Auxiliadora e seu esposo Genival, seus filhos Aline e Alex, por sempre

me abrigarem e ajudarem de forma direta e indireta na pesquisa. A família do meu

primo Diassis, Eulita, Juninho, meu primo Jaime, minha tia Clarice.

Ao meu ex-aluno e poeta Augusto Diniz de Jucurutu, por fornecer os contatos e

entrevistas necessárias para a localização de muitos trabalhadores de Baraúna.

Aos meus familiares de Baraúna, primos e primas que me ajudaram na pesquisa

sobre o referido município, fornecendo contatos e entrevistas essenciais. Com destaque

para minha prima Toinha.

Ao povo dos sítios de Baldum, Malhada da Areia, Olho d´Água, Ubarana e o

Assentamento Picada, em Ipanguaçu, e ao povo dos sítios Primavera, Boa Água e o

assentamento Caatingueira, em Baraúna.

Ao responsável pela EMATER em Ipanguaçu e Baraúna, as secretarias de

agricultura de Baraúna e Ipanguaçu e aos presidentes dos Sindicatos de Trabalhadores

de Ipanguaçu e Baraúna.

A minha colega Carolina de Sá Leitão, sempre as ordens no cartório de

Ipanguaçu, facilitando de sobremaneira meu trabalho no referido cartório.

Aos meus amigos do Ceará, principalmente Marília e Daniel, por sempre

estarem comigo nos mais diversos projetos.

Ao meu amigo José Reinaldo, grande companheiro desde o mestrado, sempre as

ordens para o que der e vier.

Ao meu grande amigo, agora nortista, Jean Claude, desde o ginásio, sempre

presente nos grandes momentos da minha vida. Lembranças da época em que ninguém

sabia o que era obrigação e tudo era lazer.

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

A minha grande amiga Geane Paiva de todas as horas, presente a mais de década

na história da minha vida.

A minha grande amiga para todos os momentos de agonia e desespero, Cleide

Alves, sempre presente nos momentos decisivos da minha vida.

A minha amiga, mestranda e grande estudiosa do turismo, a Edilene Pequeno.

Responsável por me aturar por muitas noites em conversas na internet.

Aos meus amigos mochileiros espalhados pelo país e fora do país,

principalmente minha amiga portuguesa Fátima Ramos. Grande incentivadora do meu

trabalho e grande intelectual a partir da vivencia e de suas viagens pelos quatro cantos

do mundo.

Aos meus amigos do curso de Geografia, Iguatemir, grande geógrafo e amigo de

todas as horas, Roberto, grande geógrafo e economista e o grande intelectual de várias

áreas e saberes, o geógrafo e agrônomo João Maria.

A minha amiga acolhedora e colega de doutorado, Francinete Brito, meu

obrigado pelo quartinho na Boa Viagem e aos belos momentos que convivemos juntos.

Aos meus amigos acolhedores Felippe, Priscila e a Ana, por me abrigarem com muita

simpatia no apartamento da várzea em momentos decisivos da minha vida.

Ao meu amigo Franklin Roberto da Costa, pela grande ajuda na parte

cartográfica da tese.

A Rosa, secretária da Pós-Graduação em Geografia da UFPE, pela maneira

sempre respeitosa e solícita com que me atendia sempre que necessitava dos serviços da

secretaria.

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

SUMÁRIO

RESUMO

ABSTRACT

RESUMÉ

1 INTRODUÇÃO 14

PARTE I: GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA, RENDA DA TERRA,

CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA E RELAÇÕES DE TRABALHO: UMA

REFLEXÃO TEMPORAL E CONCEITUAL 19

2 GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA 20

2.1 Globalização 20

2.1.1 Conceitos e Características do Processo de Globalização 20

2.1.2 O Papel das Multinacionais 31

2.2 Globalização da Agricultura no Mundo e no Brasil 42

2.2.1 Revolução Verde: Pós-Segunda Guerra até Meados de 1980 42

2.2.2 Liberalização do Comércio na Agricultura (1990 - ) 67

3 RENDA DA TERRA, CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA E RELAÇÕES DE

TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO 96

3.1 Renda da Terra e Concentração Fundiária no Mundo Globalizado 96

3.1.1 Renda da Terra 96

3.1.2 Renda da Terra, Preço da Terra e Concentração Fundiária 110

3.1.3 Concentração Fundiária Hoje no Mundo Globalizado Contemporâneo e no Brasil

113

3.2 Globalização e Relações de Trabalho no Campo 135

3.2.1 Relações de Trabalho (o Trabalho) 135

3.2.2 Relações de Trabalho no Contexto da Globalização Contemporânea 137

3.2.3 Relações de Trabalho no Campo Durante o Processo de Globalização da

Agricultura 149

PARTE II: GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA: UMA ANALISE

COMPARATIVA ENTRE DOIS MUNICÍPIOS COM FRUTICULTURA

IRRIGADA PARA EXPORTAÇÃO NO RN: IPANGUAÇU E BARAÚNA 168

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

4 IPANGUAÇU: PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO COM GRANDE CAPITAL

MULTINACIONAL 169

4.1 Do Início da Ocupação do Território ao Fim do Ciclo da Carnaúba 169

4.1.1 Caracterização Geral da Área de Estudo 170

4.1.2 Histórico da Ocupação do Território 182

4.2 Anos 80: Fruticultura Irrigada, Revolução Verde e Concentração Fundiária 187

4.2.1 Projeto Baixo-Açu 188

4.2.2 Vinda das Empresas Agrícolas 198

4.2.3 Impactos Fundiários da Chegada das Empresas (1979-1992) 200

4.2.4 Impactos da Chegada das Empresas Agrícolas no Mercado de Trabalho e nas

Relações de Trabalho de Ipanguaçu 210

4.2.5 Impactos da Chegada das Empresas Agrícolas na Produção Agrícola de Ipanguaçu

213

4.3 Anos 90: Liberalização do Comércio, Vinda do Capital Multinacional,

Reconcentração Fundiária e Reconfiguração das Relações de Trabalho 219

4.3.1 Del Monte Fresh Produce 220

4.3.2 Inserção da Del Monte em Ipanguaçu 227

4.3.3 Del Monte Fresh Produce e Reconcentração Fundiária 238

4.3.4 Impactos da chegada da Del Monte nas relações de trabalho e nas estatísticas de

trabalho agrícola 250

4.3.5 Impactos da Chegada da Del Monte na Produção Agrícola de Ipanguaçu 257

4.4 Anos 2000: “Novas” Políticas Públicas Federais e Produção Globalizada 263

4.4.1‘Novas’ Políticas Públicas e seu Impacto no Mercado Fundiário de Ipanguaçu

264

4.4.2 Impactos das ‘Novas’ Políticas Públicas nas Relações de Trabalho e nas

Estatísticas do Trabalho Assalariado 270

4.4.3 Impactos das ‘Novas’ Políticas Públicas na Produção Agrícola de Ipanguaçu

273

5 BARAÚNA: PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO COM MÉDIAS “EMPRESAS

NACIONAIS” 278

5.1 Do inicio da Ocupação do Território a Emancipação Municipal 278

5.1.1 Caracterização Geral da Área de Estudo 279

5.1.2 Histórico da Ocupação do Território 289

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

5.2 Anos 80: Exploração Inicial em Baraúna 293

5.2.1 Mercado de Terras na Década de 1980 297

5.2.2 Mercado de Trabalho e Relações de Trabalho de Baraúna 302

5.2.3 Produção Agrícola de Baraúna 303

5.3 Anos 90: Globalização, Liberalização do Comércio, Vinda dos Japoneses e

Concentração Fundiária 307

5.3.1 Vinda das Empresas de Fruticultura e Concentração de Terras 314

5.3.2 Vinda das Empresas de Fruticultura e Mudanças nas Relações de Trabalho e nas

Estatísticas do Trabalho Agrícola 326

5.3.3 Impactos da Chegada das Empresas de Fruticultura na Produção Agrícola de

Baraúna 334

5.4 Anos 2000: “Novas” Políticas Públicas Federais e Produção Globalizada 339

5.4.1 ‘Novas’ Políticas Públicas e seu Impacto no Mercado Fundiário de Baraúna 340

5.4.2 Impactos das ‘Novas’ Políticas Públicas nas Relações de Trabalho e nas

Estatísticas do Trabalho Assalariado 355

5.4.3 Impactos das ‘Novas’ Políticas Públicas na Produção Agrícola de Baraúna 358

6 ANALISE COMPARATIVA ENTRE IPANGUAÇU E BARAÚNA 366

6.1 Analise da Estrutura Fundiária 366

6.1.1 Transações de Terras por Ano e Hectare 366

6.1.2 Compra e Venda por Pessoa Jurídica 370

6.1.3 Movimento de Terras com Intervenção do Governo por Área 374

6.2 Estatísticas do Trabalho e Relações de Trabalho 377

6.3 Eixo Produtivo 385

6.3.1 Produção Agrícola - Produtos Tradicionais – Área Colhida 385

6.3.2 Produção Agrícola– Produtos de Mercado – Área Colhida 389

6.3.3 Produção Agrícola– Produtos Tradicionais – Quantidade Produzida 393

6.3.4 Produção Agrícola– Produtos de Mercado – Quantidade Produzida 396

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 401

8 REFERÊNCIAS 407

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

RESUMO

Neste estudo procuramos analisar comparativamente duas áreas de fruticultura irrigada no Rio Grande do Norte e seu processo de inserção na Globalização da Agricultura. A primeira área é o município de Ipanguaçu que conta com uma inserção no comércio globalizado a partir do grande capital multinacional instalado atualmente no referido município. A segunda área é o município de Baraúna que conta com sua inserção no comercio global a partir de empresas médias. A referida análise comparativa se deu a partir de três períodos temporais: anos 1980, ainda no contexto da Revolução Verde; anos 1990, no contexto da Liberalização Comercial; e por fim, anos 2000, no contexto de novas políticas públicas federais para a agricultura. Nesses três períodos foram analisadas variáveis comparativas utilizando o arcabouço teórico/conceitual ligado a Globalização da Agricultura, Meio Técnico-Cientifico-Informacional, verticalidades e horizontalidades, renda da terra, concentração fundiária e relações de trabalho. As seguintes variáveis comparativas foram utilizadas: (1) movimento de terras municipal, a partir de dados de pesquisa de campo nos respectivos cartórios municipais; (2) movimento de empregados assalariados relacionados as atividades agrícolas globalizadas, a partir de dados do Banco de dados da RAIS, além de entrevistas com os atores sociais, funcionários e trabalhadores das empresas ligadas ao comércio internacional nos dois municípios; (3) produção agrícola municipal e mudança do eixo produtivo, a partir de dados do Banco de Dados da Produção Agrícola Municipal do IBGE. Como resultado da análise comparativa, constatamos que existem semelhanças e diferenças na inserção dessas duas áreas no processo de Globalização da Agricultura/Meio Técnico-Científico-Informacional. As semelhanças se fazem presentes na grande geração de empregos assalariados, no processo constante de concentração fundiária e na mudança do eixo produtivo para monoculturas exportadoras, além da intensificação do meio técnico-científico-inormacional nas duas áreas com a difusão da cientifização da agricultura. As diferenças ficam a cargo da multinacional instalada em Ipanguaçu, que usa parte da mão-de-obra especializada e gerencial de seus quadros globais, procura se relacionar o mínimo possível com o local, com poucos fornecedores locais e pouca sinergia, ampliando em sobre medida as verticalidades. Já as empresas médias de Baraúna se relacionam mais com o entorno e tem mão-de-obra local, além da relação patrão-empregado ser mais pessoal que na multinacional.

Palavras-chave: multinacionais, Globalização da Agricultura, relações de trabalho, concentração fundiária, Rio Grande do Norte, Meio Técnico-Cientifico-Informacional, Revolução Verde, Liberalização da Agricultura.

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

ABSTRACT In this study we aimed at comparing two areas of irrigated fruit in Rio Grande do Norte State of Brazil and its insertion process into the globalization of agriculture. The first area is the city of Ipanguaçu which has an insertion in the globalized trade from the large multinational capital that is currently installed in that city. The second area is the city of Baraúna which has its insertion in global trade from mid-sized companies. Such comparative analysis is made from three time periods: the 1980s, even in the context of the Green Revolution; the 1990s, in the context of trade liberalization, and finally, the 2000s, in the context of new federal policies for agriculture. In these three periods analyzed variables were compared using the theoretical/conceptual on the Globalization of Agriculture, The Environment Technical-Scientific-Informational, vertically and horizontally, ground rent, land concentration and labor relations. The following comparative variables were used: (1) earth-moving city, data from field research in their local registry offices, (2) movement of salaried employees globalized agricultural related activities, the data from the database of RAIS (Ministry of Labor of Brazilian Government), and interviews with social actors, staff and workers of companies linked to international trade in the two cities, (3) municipal agricultural production and change the shaft production, the data from the database of the IBGE (Brazilian Institute of Geography and Statistics) Municipal Agricultural Production. As a result of comparative analysis, we found that there are similarities and differences in the insertion of these two areas in the process of Globalization of Agriculture / Environment Technical and Scientific-Informational. The similarities are present in the great generation of wage employment in the constant process of land concentration and changing the productive axis for monocultures to export production, and the intensification of the environment technical-scientific-informacional in two areas with the intensification of agriculture scientification. The differences are in charge of the multinational installed in Ipanguaçu, which uses part of the skilled labor and management of their global frameworks, seeking to relate the minimum possible with local space, with few local suppliers and little synergy, increasing in extent increase in extent of vertical flows. Mid-sized companies in Baraúna city relate more with the local environment and your hand-labor site, besides the boss-employee relationship is more personal than the multinational.

Keywords: multinationals, Globalization of Agriculture, labor relations, land concentration, Rio Grande do Norte State, Environment Technical-Scientific-Informational, Green Revolution, Agricultural Liberalization.

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

RÉSUMÉ

Dans cette étude, nous cherchons à analyser comparativement deux secteurs d'arboriculture fruitière irriguée dans le Rio Grande do Norte et son processus d'insertion dans la Globalisation de l'Agriculture. Le premier secteur est la ville d'Ipanguaçu qui compte sur une insertion dans le commerce globalisé à partir du grand capital multinational qui, actuellement, est installé dans ladite ville. Le second secteur est la ville de Baraúna qui compte sur son insertion dans le commerce global à partir d’entreprises moyennes. Cette analyse comparative a été réalisée à partir de trois périodes distinctes: les années 1980, encore dans le contexte de la Révolution Verte; les années 1990, dans le contexte de la Libéralisation Commerciale; et finalement, les années 2000, dans le contexte de nouvelles politiques publiques fédérales pour l'agriculture. Dans ces trois périodes ont été analysées des variables comparatives en utilisant la structure théorico/conceptuelle liée à la Globalisation de l'Agriculture, le Moyen Technico-scientifico-Informationnel, verticalités et horizontalités, revenu de la terre, concentration agraire et relations de travail. Les variables comparatives suivantes ont été utilisées: (1) mouvement de terres municipal, à partir de données de recherche de terrain dans les respectives études de notaire municipales; (2) mouvement des employés salariés en rapport aux activités agricoles globalisées, à partir de données de la Banque de données de la RAIS, outre des entrevues avec les acteurs sociaux, employés et les travailleurs des entreprises liées au commerce international dans les deux villes; (3) production agricole municipale et changement de l'axe productif, à partir de données de la Banque de Données de la Production Agricole Municipale de l’IBGE. Comme résultat de l'analyse comparative, nous constatons qu’il existe des similitudes et des différences dans l'insertion de ces deux secteurs dans le processus de Globalisation de l'Agriculture/ Moyen Technico-scientifico-Informationnel. Les similitudes existent dans la grande génération d'emplois avec salaire, dans le processus constant de concentration agraire et dans le changement de l'axe productif pour des monocultures exportatrices, en plus de l'intensification du Moyen Technico-scientifico-Informationnel dans les deux secteurs avec l'intensification de la scientifisation de l'agriculture. Les différences demeurent à la charge de la multinationale installée à Ipanguaçu, qui utilise une partie de la main d'œuvre spécialisée et gestionnaire de ses cadres globaux, cherche à avoir le minimum de rapports possibles avec le lieu, avec peu de fournisseurs locaux et peu de synergie, en amplifiant les verticalités sur mesure. Les sociétés moyennes de Baraúna, elles, ont plus de rapports avec les alentours et ont de la main d'œuvre locale, en plus d’avoir une relation patron-employé plus personnelle que dans la multinationale. Mots-clés: Multinationales, Globalisation de l'Agriculture, relations de travail, concentration agraire, Rio Grande do Norte, / Moyen Technico-scientifico-Informationnel, Révolution Verte, Libéralisation de l'Agriculture.

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

1 INTRODUÇÃO A presente tese versa sobre o processo diferenciado de Globalização da

Agricultura nos municípios de Ipanguaçu e Baraúna, no Rio Grande do Norte,

enfatizando-se seu rebatimento na questão fundiária, nas relações de trabalho e na

produção. Ou seja, busca-se, através de uma análise comparativa entre os referidos

Municípios, mensurar os efeitos socioterritoriais das ações de uma grande empresa

multinacional e de empresas nacionais de porte médio, na tentativa de deslindar as

inúmeras estratégias dos agentes produtores envolvidos nas chamadas “manchas de

modernidade” no processo de inserção global da agricultura “moderna” do Semiárido

Nordestino.

Os dois Municípios foram escolhidos por estarem entre os maiores exportadores

de frutas do País e representarem dois modelos diferentes de inserção no comércio

global. Ipanguaçu representa um modelo de exportação de frutas que é dominado pela

multinacional Del Monte Fresh Produce, que detém amplas áreas de várzea e milhares

de funcionários assalariados, além de ser uma empresa extremamente verticalizada.

Baraúna, por sua vez, representa um modelo de exportação de frutas baseado em médios

proprietários - boa parte deles descendente de japoneses -, que detêm uma parcela

razoável de áreas de tabuleiros e trabalham também com funcionários assalariados.

Para operacionalizar a tese, inicialmente lançar-se-á mão de um referencial

teórico/conceitual, ou seja, de conceitos como “combinações de traços característicos

comuns a vários objetos”, isto é, combinações dependentes dos interesses

epistemológicos deste trabalho; enfim, do que realmente interessa a este.

No caso da tese em foco, os traços característicos de objetos e ações dos

processos globais de modernização da Agricultura em Ipanguaçu e Baraúna, na esteira

da afirmação histórica do meio técnico, científico e informacional, expressa na

Revolução Verde, da liberalização do mercado e da modificação na estrutura fundiária,

renda da terra e relações de trabalho.

Em um segundo momento, vai-se analisar, em uma série temporal dividida em

três partes (1980/1990/2000), a inserção dos dois Municípios no processo de

Globalização da Agricultura, e apresentar um breve histórico da ocupação municipal.

Nas três partes mencionadas, serão utilizados dados da pesquisa de campo, para

auxiliar nas duas análises a serem realizadas: uma tendo por objeto a realidade de

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

inserção, no referido processo, dos municípios em foco, e a outra comparativa desses

mesmos municípios.

A pesquisa em questão aconteceu de várias maneiras: 1) Pesquisa nos cartórios

públicos de terras dos dois Municípios - quando foram analisados todos os documentos

de terras da zona rural, de 1979 a 2008, em busca dos seguintes dados: comprador,

vendedor, tipo de transação (venda, arrendamento, adjudicação, desapropriação,

hipoteca, herança, permuta, usucapião, doação), preço, local do imóvel, área do imóvel,

pessoa física, pessoa jurídica; 2) Pesquisa no banco de dados do IBGE da Produção

Agrícola Municipal, de 1979 a 2008, em busca dos seguintes dados: área colhida de

produtos tradicionais, área colhida de produtos voltados para o mercado, quantidade

produzida de produtos tradicionais, quantidade produzida de produtos de mercado; 3)

Pesquisa no banco de dados da RAIS, no Ministério do Trabalho e Emprego,

compreendendo o período de 1985 a 2008, em busca dos seguintes dados: empregados

assalariados por setor de atividade econômica e a classe de emprego da mão-de-obra

municipal; 4) Pesquisa no banco de dados do Aliceweb do Ministério do

Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, enfocando o período de 2002 a 2008,

em busca dos dados de exportação dos produtos mais exportados em Baraúna e

Ipanguaçu; 5) Entrevistas com os principais atores sociais de Ipanguaçu e Baraúna,

incluindo o Presidente do Sindicado dos Trabalhadores, o representante da EMATER, o

da Secretaria Municipal de Agricultura, os representantes de ONGs locais, de

assentamentos do INCRA, os assentados do Programa de Crédito Fundiário; com

funcionários e ex-funcionários das empresas Del Monte Fresh Produce, em Ipanguaçu,

e Cris Frutas, em Baraúna, sendo alguns funcionários da fazenda e outros da

administração da empresa; e com vizinhos das empresas agrícolas, tanto em Ipanguaçu

quanto em Baraúna.

A primeira parte vai tratar do processo de Globalização da Agricultura na década

de 1980, sob a influência da Revolução Verde, e quando começam a chegar empresas

agrícolas nos referidos Municípios. A segunda parte vai tratar do processo de

Globalização da Agricultura na década de 1990 - agora sob influência da Liberalização

do Comércio, da formação da Organização Mundial do Comércio e de governos

neoliberais no Brasil, com a chegada de grandes grupos empresariais que vão exportar

frutas, tanto em Ipanguaçu quanto em Baraúna. Por fim, a terceira parte enfocará a

década de 2000, a partir de 2003, na gestão do Governo Lula, quando vão ser analisadas

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

as recentes políticas públicas federais de incentivo à agricultura familiar e seus impactos

nesse ambiente de agricultura globalizada.

Assim e considerando os objetivos propostos, estruturar-se-á a tese da seguinte

forma:

Na primeira parte, intitulada “GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA,

RENDA DA TERRA, CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA E RELAÇÕES DE

TRABALHO: UMA REFLEXÃO TEMPORAL E CONCEITUAL”, far-se-á uma

análise conceitual e temporal sobre a Globalização, Renda da Terra, Concentração

Fundiária e Relações de Trabalho.

Essa parte está dividida em dois capítulos: no primeiro, intitulado

“GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA”, analisar-se-á a conceitualização de

Globalização, suas principais características e a importância do papel das

Multinacionais. Analisar-se-á também o processo histórico de inserção da Globalização

da Agricultura, no Mundo e no Brasil, a partir de dois períodos, a saber: o da Revolução

Verde - Pós-Segunda Guerra até meados de 1980 -, e o da Liberalização do Comércio

na Agricultura.

No segundo Capítulo, intitulado “RENDA DA TERRA, CONCENTRAÇÃO

FUNDIÁRIA E RELAÇÕES DE TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO”,

analisar-se-á a conceitualização de renda da terra, seus tipos, indo desde a renda pré-

capitalista até as capitalistas, como a Renda Diferencial I, a Renda Diferencial II, a

Renda Absoluta e a Renda de Monopólio.

Também se analisará nesse capítulo a questão do preço da terra e o processo

histórico de concentração fundiária no Mundo e no Brasil, desde a Revolução Verde até

os dias atuais, no contexto da Globalização. Além disto, serão analisadas as relações de

trabalho, partindo-se também de um processo histórico e chegando-se até o contexto

atual das relações de trabalho no campo durante o processo de Globalização da

Agricultura.

Na segunda parte, intitulada “GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA:

UMA ANALISE COMPARATIVA ENTRE DOIS MUNICÍPIOS COM

FRUTICULTURA IRRIGADA PARA EXPORTAÇÃO NO RN: IPANGUAÇU E

BARAÚNA”, far-se-á uma divisão em três capítulos, para tratar da inserção dos dois

Municípios no referido processo.

O primeiro Capítulo é intitulado “IPANGUAÇU: PROCESSO DE

GLOBALIZAÇÃO COM GRANDE CAPITAL MULTINACIONAL”.

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Nele, tratar-se-á da inserção desse Município no processo de Globalização da

Agricultura. Tal capítulo inicia-se com o momento sobre a formação histórica da região:

“Do Início da Ocupação do Território ao Fim do Ciclo da Carnaúba”, quando se

mostrará, de forma breve, a evolução da produção do espaço no município de Ipanguaçu

até o final da década de 1970. Após essa parte, em um segundo momento, o trabalho vai

se deter mais especificamente no processo atual de globalização do referido Município,

com a fruticultura irrigada entre o início da década de 1980 e o final da de 2000,

quando se analisará o processo de inserção do Município na produção globalizada a

partir do mercado de terras, da mudança de eixo produtivo e das relações de trabalho.

Para isto, dividiu-se esta parte da tese em mais três momentos: No primeiro,

tratará-se-á do processo de construção da Barragem “Armando Ribeiro Gonçalves”, que

teve início em 1979, e do processo de concentração fundiária com empresas agrícolas

nacionais e da inserção do lugar na Revolução Verde. Foi definida uma periodização

que vai desde a construção da Barragem até o ano de 1992, intitulada de “Anos 80:

Fruticultura Irrigada, Revolução Verde e Concentração Fundiária”.

No segundo momento, tratar-se-á do processo de reconcentração fundiária e da

inserção do Município no contexto da Liberalização do Comércio, com a chegada da

multinacional Del Monte Fresh Produce, que vai de 1993, quando se têm as primeiras

compras de terras associadas ao capital multinacional, até 2002, intitulado de

“Liberalização do Comércio, Vinda do Capital Multinacional, Reconcentração

Fundiária e Reconfiguração das Relações de Trabalho”.

No terceiro momento, tratar-se-á do contexto mais recente, que vai de 2003 até

2008, com a chegada de “novas” políticas públicas federais e a influência destas no

mercado de terras e nas relações de trabalho, além da perspectiva de rearranjo local

frente a essas novas políticas intitulada de ““Novas” políticas públicas federais e

produção globalizada”.

No segundo capítulo dessa parte, intitulado “BARAÚNA: PROCESSO DE

GLOBALIZAÇÃO COM MÉDIAS “EMPRESAS NACIONAIS”, tratar-se-á da

inserção desse Município no processo de Globalização da Agricultura.

Esse capítulo inicia-se com o momento sobre a formação histórica do lugar,

onde se mostrará a evolução da produção do espaço no município de Baraúna, desde o

início da sua história com os nativos americanos que lá viviam, passando pela ocupação

da região pelos portugueses, seu processo de conquista e colonização, até o início da

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

década de 1980, com sua emancipação municipal, intitulado de “Do início da ocupação

do território à emancipação municipal”.

Em um segundo momento, o trabalho vai se deter mais especificamente no

processo atual de globalização do referido Município, dando-se ênfase à fruticultura

irrigada entre o início da década de 1980 e o final da de 2000, quando se analisará o

processo de inserção do Município na produção globalizada a partir do mercado de

terras, da mudança de eixo produtivo e das relações de trabalho.

Para isto, dividiu-se essa parte da tese em mais três momentos: No primeiro,

entre o início da década de 1980 e 1992, o trabalho se deterá mais no processo de

exploração inicial de Baraúna, com a constituição de suas primeiras empresas e

primeiras explorações comerciais vinculadas principalmente ao algodão e à castanha de

caju, intitulado de “Anos 80: Exploração inicial em Baraúna”.

No segundo momento, entre 1993 e 2002, tratar-se-á do processo de

concentração fundiária e da inserção do Município no contexto da Liberalização do

Comércio Globalizado, com a chegada das empresas agrícolas frutícolas dos japoneses,

que vão adquirir o viés de empresas exclusivamente exportadoras. Esse período vai de

1993, quando se têm as primeiras compras de terras pelos japoneses, até 2002, e é

intitulado de “Anos 90: Globalização, Liberalização do Comércio, Vinda dos Japoneses

e Concentração Fundiária”.

No terceiro momento, tratar-se-á do contexto mais recente, que vai de 2003 até

2008, com a chegada de “novas” políticas públicas federais e a influência destas no

mercado de terras e nas relações de trabalho, além da perspectiva de rearranjo local

frente a essas novas políticas, intitulado de “Anos 2000: “Novas” políticas públicas

federais e produção globalizada.”.

Por fim, no terceiro capítulo dessa parte, intitulado “ANÁLISE

COMPARATIVA ENTRA IPANGUAÇU E BARAÚNA”, será realizada uma análise

comparativa condensada entre os dois Municípios estudados. Essa análise vai se deter

em três aspectos: a estrutura fundiária, a partir de dados dos Cartórios Municipais entre

1979 e 2008; as estatísticas do trabalho e relações de trabalho, a partir do banco de

dados da RAIS, entre 1985 e 2008, Ministério do Trabalho e Emprego, e de entrevistas

com trabalhadores das empresas agrícolas e atores sociais, como o presidente do

Sindicato dos Trabalhadores; e o eixo produtivo, a partir de estatísticas da produção

agrícola municipal fornecidas pelo IBGE entre 1979 e 2008 (no caso de Ipanguaçu) e de

1984 a 2008 (no caso de Baraúna, pela falta de estatísticas anteriores).

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

PARTE I: GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA, RENDA DA TERRA, CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA E RELAÇÕES DE TRABALHO: UMA REFLEXÃO TEMPORAL E CONCEITUAL

Nesta parte, será feita uma análise conceitual e temporal sobre Globalização,

Renda da Terra, Concentração Fundiária e Relações de Trabalho. É uma parte que está

dividida em dois capítulos:

No primeiro, intitulado “Globalização da Agricultura”, analisar-se-á a

conceitualização de Globalização, suas principais características e a importância do

papel das Multinacionais. Analisar-se-á também o processo histórico de inserção da

Globalização da Agricultura no Mundo e no Brasil a partir de dois períodos, a saber: o

da Revolução Verde: Pós-Segunda Guerra até meados de 1980, e o da Liberalização do

Comércio na Agricultura.

No segundo capítulo, intitulado “Renda da Terra, Concentração Fundiária e

Relações de Trabalho no Mundo Globalizado”, será feita uma análise da

conceitualização de Renda da Terra e seus tipos, indo desde a Renda Pré-Capitalista até

as Capitalistas, como as Rendas Diferencial I, Diferencial II, Absoluta e de Monopólio.

Também se analisará a questão do preço da terra e o processo histórico de

concentração fundiária no Mundo e no Brasil, até os dias atuais, no contexto da

Globalização. Além disto, serão analisadas as relações de trabalho, partindo-se também

de um processo histórico e chegando-se até o contexto atual das relações de trabalho no

campo durante o processo de Globalização da Agricultura.

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

2 GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA

2.1 Globalização

2.1.1 Conceitos e Características do Processo de Globalização

Estudo da Globalização

O termo globalização começa a ser utilizado nos anos de 1960 e se torna

popular nos de 1990. Através de dados emitidos pelo International Bibliography of the

Social Sciences (IBSS, 2009), têm-se dados do processo histórico do uso desse termo

nos mais renomados periódicos acadêmicos internacionais. O geógrafo Murray (2006)

compilou esses dados e chegou ao processo histórico do uso dos termos globalização,

globalização e geografia nessa importante base de dados.

O termo globalização é utilizado pela primeira vez em periódico acadêmico em

1983, segundo o IBSS. Mas somente em 1987 é que se vai ter uma utilização

sistemática do termo nos periódicos internacionais, chegando, no decorrer da década de

1990, a crescer de forma impressionante, passando de 15 artigos em 1990 para mais de

1.000 em 1998. Em 2003, já se somavam quase 3.000 os periódicos que traziam o termo

referido (MURRAY, 2006).

Já a utilização conjunta dos termos globalização e geografia em um mesmo

periódico internacional vai acontecer mais tardiamente. Segundo Murray (2006), só em

1993, vai constar no IBSS o primeiro periódico que utiliza os dois termos. A partir

desse ano se vai ter um crescimento substancial do uso dos dois termos, chegando a 72

em 2000 e passando rapidamente para 152 artigos em 2003.

Outros geógrafos como Taylor, Watts e Johnston (2002) confirmam a explosão

da utilização do termo globalização nas Ciências Sociais na segunda metade da década

de 1990, mostrando dados que chegam a impressionar, como o surgimento de 32 artigos

por semana em 1999 com o termo em questão, no âmbito das Ciências Sociais.

Conceitos e Características

Nesse momento, procura-se definir e buscar as principais características do

termo globalização. Segundo o Dicionário Aurélio, globalização é o “processo típico da

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

segunda metade do séc. XX que conduz a crescente integração das economias e das

sociedades dos vários países, esp. no que toca à produção de mercadorias e serviços, aos

mercados financeiros e à difusão de informações” (sic) (GLOBALIZAÇÃO, 2003).

Para Benko (1999, p. 237), a palavra globalização “designa a tendência atual das

grandes empresas a delegar parte de seu poder a filiais espalhadas pelos quatro cantos

do mundo.”

Mas esta palavra apresenta outras acepções, além da referente ao espaço

temporal atual e à que se reporta às grandes corporações, pois existe todo um histórico

que nos leva à construção desse conceito de forma muito mais ampla.

A Globalização, além de expressar a internacionalização da Economia e a

expansão mundializada das Corporações Multinacionais, compreende também a

internacionalização dos Movimentos Sociais, como os que se preocupam com a questão

ambiental e com os direitos humanos, dentre outros. Um exemplo dessa organização

social em âmbito mundial são os protestos antiglobalização que ocorrem paralelamente,

em escala global, nos grandes centros urbanos.

Veiga (2005) indica algumas das principais características da Globalização no

momento atual, a saber: maior interligação econômica nas e entre as nações do Mundo;

mais desigualdades; maior ampliação dos problemas transnacionais e transfronteiriços

(como a lavagem de dinheiro, dentre outros); maior expansão das formas de gestão

internacional (como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial

do Comércio (OMC)) e o inédito reconhecimento do caráter planetário da apreensão

sobre a decadência ambiental.

Para Bauman (1999, p.67),

[...] o significado mais profundo transmitido pela idéia da globalização é o do caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo.

O mesmo autor reflete por fim que a Globalização é a extensão totalitária da

lógica dos mercados financeiros para todos os aspectos da vida

Bauman (1999, p.82), em sua caracterização da Globalização, dá ênfase à

anulação tecnológica das distâncias temporais/espaciais, as quais, em vez de

homogeneizar a condição humana, tendem a polarizá-la.

Tecnologias que efetivamente se livram do tempo e do espaço precisam de pouco tempo para despir e empobrecer o espaço. Elas tornam o capital verdadeiramente global; fazem com todos aqueles

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

que não podem acompanhar nem deter os novos hábitos nômades do capital observem impotentes a degradação do seu meio de subsistência e se indaguem de onde surgiu essa praga.

Segundo Antônio Filho (2002, p. 8), existem duas correntes que procuram

definir o termo “globalização”. Para uns “[...] corresponde às profundas e dramáticas

transformações pelas quais passam as sociedades humanas, na atualidade”; para outros

corresponde “aos acontecimentos de ordem econômica, em escala planetária”.

Para o referido autor, a Globalização, nos dias atuais, tem como características

principais: o desenvolvimento tecnológico de ponta, principalmente na Área de

Transportes e Comunicações; uma Nova Divisão Internacional do Trabalho (mais

perversa e moldada pelas Multinacionais); e, para uma maior abertura da Economia para

as Multinacionais, a ingerência mundial de órgãos supranacionais, como o Fundo

Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Banco

Mundial.

Já para Ianni (2004, p.11),

A globalização do mundo expressa um novo ciclo de expansão do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório de alcance mundial. Um processo de amplas proporções envolvendo nações e nacionalidades, regimes políticos e projetos nacionais, grupos e classes sociais, economias e sociedades, culturas e civilizações (grifos meus).

Para esse autor, na base da Globalização está o desenvolvimento extensivo e

intensivo do Capitalismo no Mundo. Em todos os lugares expandem-se as forças

produtivas, compreendendo o capital, a tecnologia, a força de trabalho, a divisão social,

o mercado e outros.

Nessa mesma linha, Costa (2008) afirma que a Globalização é um fenômeno do

tempo presente, uma singularidade originária do Capitalismo, que foi construído a partir

da segunda metade do século XX, quando as corporações iniciaram a aventura da

internacionalização da produção. Segundo Costa (2008, p.62)

[...] até meados da década de 1950, o capitalismo era um modo de produção mundialmente completo apenas no que se refere a duas variáveis da orbita da circulação, o comércio mundial e a exportação de capitais. Mas a globalização possibilitou ao sistema unificar mundialmente o ciclo do capital, estendendo a mundialização para as esferas produtiva e financeira.

O geógrafo Murray (2006) observa que existem atualmente vários tipos de

conceitualizações para a Globalização. Ele chega, porém, a dividi-las em três tipos –

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Hiperglobalistas, Céticos e Transformacionalistas -, chamando-os de “teses

contemporâneas para o estudo da Globalização” (ver Quadro 1).

O tipo denominado Hiperglobalistas faz parte do grupo de ideologias diferentes

e antagônicas, como o dos neoliberais e dos neomarxistas. Ambos estão juntos pela tese

determinista que posiciona as forças econômicas globais como dominantes e integradas

que se sobrepõem aos poderes tradicionais do Estado-Nação, tornando-os irrelevantes,

construindo um mundo sem fronteiras para o livre-mercado. Os membros desse grupo

ressaltam que a Globalização é uma nova condição.

Quanto aos chamados Céticos, estes são os que são contra o determinismo da

Globalização. Argumentam que a integração mundial já acontecia de forma mais intensa

durante o final do século XIX. Para eles, os Governos Nacionais permanecem sendo os

atores centrais na construção e regulação da economia global e a Globalização é uma

“agenda” para o capital das economias avançadas se expandirem. Citam como exemplo

disto a concentração dos investimentos e do comércio global na tríade EUA, União

Europeia e Japão.

Os Transformacionalistas, de que fazem parte autores como Castells e Giddens,

pregam que a Globalização é uma realidade e que, através dela, se tem uma

reestruturação profunda da Sociedade, não se restringindo somente ao viés econômico,

mas, sim, ao tripé economia, política e cultura. Criticam eles o uso da nova condição

para a Globalização. Segundo essa linha, da qual, inclusive, Murray faz parte, esta já

vem ocorrendo há tempos, como um processo histórico, ressaltando que este é variável

de sociedade para sociedade.

Para melhor sintetizar os três tipos de conceito da Globalização, ver Quadro 1.

Quadro 1 - Três Teses para a Globalização – Um esquema Hiperglobalistas Céticos Transformacionalistas O que está acontecendo?

A Era Global Aumento do Regionalismo

Interconectividade sem precedentes.

Conceitualização da Globalização

Mundo sem fronteiras e mercados perfeitos.

Regionalização, internacionalização e mercados imperfeitos.

Compressão do Tempo-Espaço, distanciação e uma nova escala de interação.

Caminho Histórico Civilização Global baseada em uma nova elite transnacional e novas classes.

Neo-Imperialismo e novos confrontos civilizacionais através das ações de blocos regionais e da Agenda Neoliberal.

Indeterminado – dependendo da construção e da ação dos Estados-Nações e da Sociedade Civil.

Posição Central Triunfo do Capitalismo e do

Poderosos Estados Nacionais criaram a

Transformação da governança em todas as

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Mercado sobre os Estados-Nações.

Agenda da Globalização para perpetuar sua posição dominante.

escalas e novas redes de poder.

Fonte: Adaptado de Murray (2006).

Logo abaixo (ver Quadro 2) dá-se ênfase à periodização, de Murray (2006), do

processo de globalização. Segundo o referido autor, esse processo se dá através de dois

períodos, chamados de Ondas:

Quadro 2 - Ondas da Globalização - Uma moldura Onda Período( datas aproximadas) Crises de Reestruturação Onda 1 Globalização Colonial (1500-1945)

- Fase Mercantilista (1500-1800) - Fase Industrial (1800-1945)

Revolução Industrial Grande Depressão e Segunda Guerra Mundial

Onda 2 Globalização Pós-Colonial (1945 - ) - Fase da Modernização (1945-1980) - Fase Neoliberal (1980 - )

Crise do Petróleo

Fonte: Adaptado de Murray (2006).

O primeiro período – primeira Onda - começa através das Grandes Navegações,

no século XVI, no início dos Impérios Português e Espanhol. Nessa época, tem-se mais

poder articulado entre os Estados-Nações. Esse período é dividido em duas fases: a fase

mercantilista (1500-1800), quando se deu o predomínio do comércio em um sistema

chamado “Pacto Colonial”, segundo o qual as colônias estabeleciam relações comerciais

exclusivas com as metrópoles; e a fase industrial (1800-1945), quando ocorre a

consolidação do Capitalismo e a multiplicação da mais-valia, através da utilização das

máquinas.

O segundo período – segunda Onda – começa depois da Grande Depressão e

com o fim da Segunda Guerra Mundial, com a crise dos sistemas coloniais

(principalmente dos Continentes Asiático e Africano) e a descolonização. Nesse período

dá-se a emergência de novas ideias no âmbito cultural, econômico e político, além da

criação de instituições supranacionais em nível global, como a ONU, o GATT (Acordo

Geral de Tarifas e Comércio), o Banco Mundial e o FMI.

Murray (2006) divide tal período em duas fases: a primeira, que chama de

modernização (também pode ser chamada de Fase Fordista), diz respeito ao período em

que o estado desenvolvimentista promovia as Multinacionais como motor principal da

difusão do Capitalismo Global; a segunda, logo após a crise do petróleo, que endividou

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

boa parte dos Estados-Nações, é a chamada Fase Neoliberal, em que o poder do Estado

é desafiado pelas instituições globais supranacionais, que visam a uma maior penetração

do Capitalismo.

Reafirmando o pensamento de uma globalização como um processo histórico

que se inicia com as Grandes Navegações, Mintz (2003) identifica os primórdios desse

processo no Caribe, com a produção e o comércio internacional de cana-de-açúcar,

através do termo Oikoumenê, que, segundo o referido autor, reflete a história de toda a

Civilização, vista como um todo único conectado de forma complexa, que passaria

gradualmente a cobrir todo o Planeta. Essa conexão acontecia de forma muito clara no

Caribe do século XVI e XVII, onde se tinha mão-de-obra importada de vários lugares

do Mundo, como contratados europeus, nativos americanos escravizados além de

africanos escravizados produzindo para o mercado consumidor europeu.

Dollfus (1997) também analisa a Globalização (que este autor chama de

Sistema-Mundo) como sendo um processo histórico. Para ele, esse processo se

estabeleceu a partir do momento em que todas as terras foram distribuídas entre os

estados territoriais e seus prolongamentos coloniais. Isto começa a acontecer com os

grandes descobrimentos ocorridos entre os séculos XV e XVI, que trazem os germes da

Globalização, com a conquista de novos territórios, como a América, a África e a Ásia

(através das Índias e do comércio de especiarias).

Tal processo, que abrange não somente a economia, mas a política e a cultura, é

estudado por Santos (2006), principalmente nos dias atuais, não como uma via de mão

única, mas como uma possibilidade de revanche das classes oprimidas, através do uso

dos instrumentos técnicos fabricados a priori como instrumentos da cultura dominante.

Um exemplo disto é o uso da Internet para divulgar e unir, em nível global, todo tipo de

cultura e movimento popular.

No mesmo sentido, refletem os geógrafos Taylor, Watts e Johnston (2002), que

acreditam que a Globalização é resultado de um processo muito maior que o

Neoliberalismo, e citam que as tecnologias que se tem hoje podem ser utilizadas para se

resistir a ela ou para se construirem globalizações alternativas.

Como se observa, a Globalização não é um movimento recente. Data do início

da Idade Moderna e não está restrito ao âmbito econômico, abarcando todas as esferas

sociais e culturais. E mais: não é um movimento de mão única, que só serve para

integrar as Corporações Multinacionais. Tem seu feedback no uso das tecnologias

também para unir e organizar as classes populares mundiais.

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Outro elemento que caracteriza a Globalização (no período contemporâneo) é a

formação de um meio técnico-científico-informacional no espaço geográfico (SANTOS;

SOUZA; SCARLATO, 1997; SANTOS, 1997; SANTOS, 1997a; SANTOS;

SILVEIRA, 2001; SANTOS, 2002a; SANTOS, 2002b; SANTOS 2005; SANTOS;

2006).

Meio Técnico-Científico-Informacional Antes de se falar no meio técnico-científico-informacional, passar-se-á a analisar

alguns conceitos necessários para o entendimento da base teórica de Santos (2002a) e

do seu processo de periodização até esse referido meio. Entre os conceitos básicos, faz-

se importante analisar de forma resumida os conceitos de técnica e de espaço, bem

como a composição deste último entre fixos e fluxos e entre objetos e ações.

A técnica – é a principal forma de relação entre o homem, a Natureza e o meio,

sendo este último o instrumento de interação entre o primeiro e a segunda.

A influência da técnica sobre o espaço se exerce de duas maneiras e em duas

escalas diferentes: de um lado, a ocupação do solo pela infraestrutura das técnicas

modernas (fábricas, minas, espaços reservados à circulação) e, de outro, as

transformações generalizadas impostas pelo uso da máquina e pela execução dos novos

métodos de produção e de existência (SANTOS, 2002a). As técnicas promovem a fusão

do tempo e do espaço em si mesmas, por serem datadas e incluírem tempo. “A cada

lugar geográfico concreto corresponde em cada momento, um conjunto de técnicas e de

instrumentos de trabalho, resultado de uma combinação específica que também é

historicamente determinada” (SANTOS, 2002a, p. 56).

O espaço – outro conceito discutido por Santos (2002a) - pode ser

conceitualizado, segundo o referido autor, como um sistema de objetos e ações, como

um conjunto de fixos e fluxos.

Os objetos seriam a materialidade, produto de uma elaboração social. “Os

objetos são esse extenso, essa objetividade, isso que se cria fora do homem e se torna

instrumento material de sua vida.” (SANTOS, 2002a, p. 73).

As ações seriam os eventos, projetados, orientados e regulados, constituindo-se

um deslocamento visível do ser no espaço, de modo a criar uma alteração, uma

modificação no Mundo. Hoje, no contexto da Globalização, têm-se ações que geram

uma alienação regional e local. “[...] muitas das ações que se exercem num lugar são o

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

produto de necessidades alheias, de funções cuja geração é distante e das quais apenas a

resposta é localizada naquele ponto preciso da superfície da terra.” (SANTOS, 2002a, p.

80).

O espaço também é um conjunto de fixos e fluxos. Os fixos são a materialidade,

fixada em cada lugar, como uma barragem ou uma estrada. Esses elementos permitem

ações que modificam o próprio lugar, no caso, os fluxos, que são resultados direto ou

indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos, modificando sua significação e

o seu valor. Pode-se citar, como exemplo, a implantação de uma extensa área agrícola

irrigada privada perto da barragem, que vai gerar um grande fluxo de dinheiro, de

empregos e de produtividade racionalizada.

Do Meio Natural ao Meio Técnico-Científico-Informacional Santos (2002a) traça a evolução das técnicas, do uso do espaço, desde os tempos

antigos até os tempos atuais da Globalização. O referido autor faz uma periodização

dessa evolução em três momentos distintos, a saber: o Meio Natural, o Meio Técnico e

o Meio Técnico-Científico-Informacional, os quais passar-se-á agora a analisar:

a) Meio Natural (uso corrente pelos povos indígenas, desde a Pré-História) – a

motivação do uso das técnicas era local e utilizada pelo homem sem grandes

modificações na Natureza.

[...] pousio, a rotação de terras, a agricultura intinerante, que constituem ao mesmo tempo, regras sociais e regras territoriais, tendentes a conciliar o uso e a “conservação” da natureza: para que ela possa ser outra vez, utilizada. Esses sistemas técnicos sem objetos técnicos não eram, pois, agressivos, pelo fato de serem indissolúveis em relação à natureza que, em sua operação, ajudavam a reconstruir (SANTOS, 2002a, p.235).

Nesse Meio, entende-se que o homem dispunha de um sistema de técnicas

rudimentares locais que se harmonizavam com o Meio Ambiente.

b) Meio Técnico (uso corrente ao longo dos dois últimos séculos) – o espaço

passa a ser mecanizado. Os objetos que formam esse tipo de Meio não são

apenas culturais, mas culturais e técnicos ao mesmo tempo, e a razão do

comércio é condição para sua instalação. Uma decorrência da utilização

desse Meio é a poluição ambiental, que cresce em função das técnicas

altamente poluidoras. “O componente internacional da divisão do trabalho

tende a aumentar exponencialmente. Assim, as motivações de uso dos

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

sistemas técnicos são crescentemente estranhas às lógicas locais, e mesmo,

nacionais.” (SANTOS, 2002a, p. 237).

Com o surgimento do Meio Técnico, observa-se a mudança em relação à

motivação do uso dos sistemas técnicos. Muitos deles começam a apresentar

motivações externas à lógica local e até à lógica nacional. É o período que se inicia com

as grandes navegações, quando as Metrópoles Europeias dominaram grandes Colônias

ao redor do Mundo, impondo um sistema de troca desigual entre matérias-primas (das

suas Colônias) e produtos manufaturados (das Metrópoles), e se intensifica com a

emergência da Revolução Industrial nos dois últimos séculos.

c) Meio Técnico-Científico-Informacional – “O terceiro período começa

praticamente após a Segunda Guerra Mundial, e sua afirmação, incluindo os

países de Terceiro Mundo, vai realmente dar-se nos anos 70.” (SANTOS,

2002a, p.238). Vai haver uma profunda interação entre a Ciência e a Técnica,

sob a égide do Mercado. E este, graças àquelas, se torna um Mercado Global.

Nesse período, os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e

informacionais, já que, devido à extrema intencionalidade de sua produção e

de sua localização, eles já surgem como informação; e, na verdade, a energia

principal de seu funcionamento é também a informação.

Nesse Meio, “a ciência e a tecnologia, junto com a informação, estão na própria

base da produção, da utilização e do funcionamento do espaço e tendem a constituir o

seu substrato.” (SANTOS, 2002a, p. 238).

Por outro lado, a informação não apenas está presente nas coisas, nos objetos técnicos, que formam o espaço, como ela é necessária à ação realizada sobre essas coisas. A informação é o vetor fundamental do processo social e os territórios são, desse modo, equipados para facilitar a sua circulação (SANTOS, 2002a, p. 239).

Esses territórios, depois de reequipados e requalificados, são incorporados à

lógica global, passando a ficar subordinados aos interesses dos atores hegemônicos. Tal

reequipamento e requalificação se faz com o aumento da

[...] importância dos capitais fixos (estradas, pontes, silos, terra arada etc.) e dos capitais constantes (maquinário, veículos, sementes especializadas, fertilizantes, pesticidas etc), aumenta também a necessidade de movimento, crescendo o número e a importância dos fluxos, também financeiros e dando um relevo especial à vida de relações (SANTOS, 2002a, p. 240).

Um exemplo disto se dá no Mundo Rural, hoje marcado pelo Mundo Artificial,

com a presença de materiais plásticos, fertilizantes, corretivos, colorantes, máquinas e

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

pesticidas. Além da presença significativa de uma cientifização da paisagem rural, tem-

se ainda o reequipamento do seu território com estradas, portos, pontes e sistemas de

comunicação, que facilitam a circulação da informação e a subordinação ao mercado

muitas vezes distante (SANTOS, 2006).

Podem-se citar também como características desse sistema atual a rapidez na

difusão do sistema de técnicas, um menor período de desenvolvimento de uma

tecnologia, a inovação galopante e uma indiferença em relação ao meio em que se

instalam.

Santos (2002a) também cita como características marcantes da base do

fenômeno da Globalização (e que estão diretamente ligadas ao Meio Técnico-

Científico-Informacional): a Unicidade Técnica, a Unicidade do Tempo e a Unicidade

do Motor da Vida Econômica e Social.

A Unicidade Técnica, no início da História, não existia. Nesse período, havia

várias técnicas. A técnica era local, de um grupo local, mas, com o avançar dos tempos,

passou a ser difundida por meio das trocas entre os mais variados grupos, de modo que

a diversidade de sistemas técnicos foi diminuindo com o crescimento do intercâmbio

entre várias culturas. “A partir do século XVI, com a expansão do capitalismo, cria-se a

possibilidade de trocas intercontinentais e transoceânicas.” (SANTOS, 2002a, p. 190).

Com esse intercâmbio mundial proporcionado pelas grandes navegações, as

técnicas particulares tenderam a se contaminar mutuamente, aumentando o grau de

semelhança entre elas. A emergência do Período Técnico-Científico, imediatamente

após a Segunda Guerra, determinou que o respectivo sistema técnico se tornasse comum

a todas as Civilizações, todas as Culturas, todos os Sistemas Políticos, todos os

Continentes e Lugares – dando origem a um sistema único globalizado de técnicas

informacionais e a uma unicidade técnica em âmbito mundial. Isso não quer dizer que o

passado vá ser completamente varrido. “A herança material permanece em proporções

diferentes, segundo as civilizações, os países, as regiões. E, sobre esses restos de uma

sucessão de elaborações, vai se sobrepor o novo conjunto de técnicas característico do

período atual.” (SANTOS, 2002a, p. 192-193).

Quanto à Unicidade do Tempo, atualmente há a convergência dos momentos,

havendo, assim, a possibilidade de se vir a tomar conhecimento instantaneamente de

eventos longínquos, através dos avanços dos Meios de Comunicação, como a Televisão

e a Internet, que usam cabos de fibra ótica e satélites para passar a informação de forma

imediata, o que possibilita perceber a sua simultaneidade.

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

[...] A informação ganhou a possibilidade de fluir instantaneamente, comunicando a todos os lugares, sem nenhuma defasagem, o acontecer de cada qual. Sem isso, não haveria um sistema técnico universalmente integrado, nem sistemas produtivos e financeiros transnacionais, nem informação geral mundializada, e o processo atual de globalização seria impossível (SANTOS, 2002a, p. 198).

Com a Unicidade do Tempo, gerada a partir dos avanços dos Meios de

Comunicação, tem-se essa informação instantânea, base da integração dos Sistemas

Produtivos e Financeiros Globais, ou seja, da Globalização.

A Unicidade do Motor da Vida Econômica e Social em todo o Planeta, por sua

vez, é representada emblematicamente pela emergência de uma mais-valia no nível

mundial e assegurada, direta ou indiretamente, pela existência sistêmica de grandes

organizações multinacionais, que são, na Atualidade, os principais atores da vida

internacional.

[...] a mais valia no nível global contribui para ampliar e aprofundar o processo de internacionalização, que alcança um novo patamar. Agora, tudo se mundializa: a produção, o produto, o dinheiro, o crédito, a dívida, o consumo, a política e a cultura. Esse conjunto de mundializações, cada qual sustentado, arrastado, ajudando a impor a outra, merece o nome de globalização (SANTOS, 2002a, p. 198).

Santos (1997) afirma que, com o processo atual de Globalização, tem-se uma

reestruturação dos espaços globais. Para tanto, ele define duas formas de estruturação e

funcionamento do espaço, a saber: Horizontalidades e Verticalidades. Aquelas são o

alicerce de todos os cotidianos. São extensões formadas de pontos que se agregam sem

descontinuidade, como na definição tradicional de região, sendo as regras localmente

formuladas. As Verticalidades, por sua vez, agrupam áreas ou pontos, a serviço de

atores hegemônicos não raro distantes. São vetores da integração hierárquica regulada,

necessária em todos os lugares da produção globalizada e controlada à distância

(SANTOS, 1997; SANTOS, 2002a; SANTOS, 2002b; SANTOS, 2005; SANTOS,

2006).

Com o aprofundamento da Globalização, que vai impor cada vez mais relações

verticais novas às regulações horizontais preexistentes, vai haver também o

aprofundamento das tensões entre a Globalidade e a Localidade, entre o Mundo e o

Lugar.

A tendência atual é a que os lugares se unam verticalmente e tudo é feito para isso, em toda a parte. Créditos internacionais são postos à disposição dos países mais pobres para permitir que as redes modernas se estabeleçam ao serviço do grande capital. Mas os lugares também podem se unir horizontalmente, reconstruindo aquela base de vida comum, susceptível de criar normas locais, normas regionais [...], que acabam por afetar as normas nacionais e globais. Na união vertical, os

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

vetores de modernização são entrópicos. Eles trazem desordem às regiões onde se instalam, porque a ordem que criam é em seu próprio e exclusivo benefício. Isso se dá ao serviço do mercado, e tende a corroer a coesão horizontal que está posta ao serviço da sociedade civil tomada como um todo (SANTOS, 2002a, p. 258-259).

Esse fato explicado por Santos (2002a), sobre a tendência das verticalidades, da

ingerência externa nos locais, vai se apresentar cada vez mais por meio das

Multinacionais e suas filiais espalhadas pelo Mundo. Essas empresas vão, de suas

matrizes nas Cidades Globais, controlar centenas de filiais que estão espalhadas por

vários lugares do Planeta, implantando nestas uma lógica estranha à lógica dos lugares

onde elas se encontram, ou seja, uma lógica de mercado voltada exclusivamente para o

lucro máximo exigido pelos acionistas internacionais situados nos lugares de mando (as

Cidades Globais).

2.1.2 O Papel das Multinacionais

No presente trabalho, além de se utilizar o termo “globalização”, vai-se dar

importância ao seu aspecto econômico, do qual se vai destacar como o principal ator,

nos dias atuais, a Empresa Multinacional, cujo surgimento remonta ao século XVII,

com a fundação da Companhia das Índias Ocidentais e Orientais, na Holanda. Vale

lembrar que, naquele século, a Globalização tinha como ator principal o Estado, que

centralizava o comércio por intermédio das suas Colônias Ultramarinas e do Pacto

Colonial.

Na segunda metade do século XIX, tem-se uma rápida concentração de capitais

nas mãos de grandes grupos multinacionais, graças a uma intensa acumulação de

capitais e a um igualmente intenso processo de fusão, incorporação e associação de

várias pequenas empresas. Esse período sinaliza uma nova fase: a do capital

monopolista. “Os empresários mais hábeis e mais articulados com o setor bancário e

com o Estado, que incorporaram o progresso técnico à produção industrial, tiveram

enormes ganhos de produtividade e passaram a concorrer em posição de força com

outros capitalistas” (COSTA, 2008, p. 81).

Com impressionantes ganhos de produtividade, consegue-se criar grandes

empresas monopolistas multinacionais, que já se destacam em nível global no início do

século XX. Essas empresas, elemento fundamental da vida das grandes potências

capitalistas, já nessa época detinham o controle da cadeia produtiva, muitas vezes com a

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

formação de cartéis e trustes (COSTA, 2008). Durante esse período, entre a segunda

metade do século XIX e início do século XX, foi formada boa parte dos grandes grupos

multinacionais que existem hoje no Mundo, como a Nestlé (1867), a Coca-Cola (1886),

a General Electric (1890), dentre outros.

Em 1914, só as Multinacionais dos Estados Unidos já investiam mais de 2,5

bilhões em outros países. Nesse ano, um grupo de quatro países – EUA, França,

Alemanha e Reino Unido – detinha 87% do Investimento Estrangeiro Direto mundial.

Nessa época, existiam em voga duas estratégias de investimentos das

Multinacionais: a primeira era o investimento voltado para adquirir matérias-primas e

alimentos para o mercado doméstico, geralmente feito em colônias de potências

europeias; a segunda era o investimento nos mercados consumidores dos Países

Desenvolvidos. Como exemplo desta estratégia, pode-se citar a existência de firmas

americanas na Europa, como a Ford, a General Motors e a General Electric, da

montadora italiana Fiat, que já tinha aberto fábricas na Áustria em 1907, nos Estados

Unidos, em 1909, e na Rússia, em 1912, e da indústria farmacêutica Merck, considerada

a empresa farmacêutica e química mais antiga do Mundo, que, fundada originalmente

em Frankfurt (Alemanha), no ano de 1654, já tinha afiliada nos Estados Unidos em

1887 (WRIGHT, 2002).

Após a Segunda Guerra Mundial, com o surgimento do Acordo de Bretton

Woods, do GATT, as Corporações Multinacionais passam a internacionalizar sua

produção de uma forma mais rápida e intensa por todo o Mundo, inclusive na periferia

capitalista. “Na periferia capitalista, as transnacionais operam com grandes vantagens:

podem se utilizar das melhores disponibilidades de matérias-primas do país, além de

mão-de-obra barata, incentivos e subsídios fiscais dos Estados onde se instalam”

(COSTA, 2008, p. 93).

Corrêa (1991a; 1991b), por sua vez, chama a empresa multinacional de

Corporação e confirma que, após a Segunda Guerra Mundial, a grande Corporação

passou a constituir o mais importante agente da reorganização espacial capitalista. Sua

ação traduziu-se, na escala mundial, em uma nova Divisão Internacional do Trabalho,

que envolve a produção simultânea, em diversos lugares, das diferentes partes

componentes de um mesmo produto e no consequente comércio internacional entre

subsidiárias de uma mesma corporação; e, também, no aparecimento de verdadeiras

“cidades mundiais”, onde estão as sedes das Corporações que atuam como centros de

gestão econômica e territorial de amplas áreas do Globo.

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Também após a Segunda Guerra Mundial, houve uma queda do lucro, por causa

da diminuição da taxa de exploração da força de trabalho nos Estados Unidos e na

Europa, e do constante reinvestimento para aumentar a capacidade produtiva. Por causa

dessa queda, vai se intensificar a internacionalização do capital para sua reprodução

ampliada e as empresas vão se expandir para novos territórios onde o custo da força de

trabalho é mais baixo, possibilitando, assim, mais lucro.

Na mesma linha refletem Bonanno et al (1994), que, além de ressaltarem a

corrida das Multinacionais mundo afora por mão-de-obra barata, pela pouca regulação

ambiental e poucas taxas, ressaltam também o controle das Companhias nas nações

avançadas, especificamente nas cidades globais.

Segundo Michalet (apud CHESNAIS, 1996, p.73), a Multinacional é “uma

empresa (ou um grupo), em geral de grande porte, que, a partir de uma base nacional,

implantou no exterior várias filiais em vários países, seguindo uma estratégia e uma

organização concebida em escala mundial”. Essa definição da década de 1980 hoje já

tem se modificado, conforme destacado a seguir.

Além das estratégias clássicas, que predominaram até fins dos anos de 1970,

como: as estratégias de aprovisionamento – características das Multinacionais do

Setor Primário, especializadas na integração vertical a partir de recursos minerais,

energéticos ou agrícolas dos Países Subdesenvolvidos; as estratégias de mercado –

com o estabelecimento de filiais intermediárias; e as estratégias de produção

racionalizada, ou produção integrada internacionalmente mediante o estabelecimento

de filiais “montadoras”, nos últimos anos (pós-Fordismo), começaram a existir também

novas estratégias das Multinacionais centradas numa busca, diferenciada e multiforme,

de uma valorização do capital, as quais (estratégias) podem assumir tanto a forma

produtiva de investimentos de capital quanto uma variedade de formas de investimento

que não envolvam nem investimento industrial, nem criação de valor, caracterizando-se

como formas improdutivas e parasitárias. É o que se dá com a atuação no mercado

financeiro especulativo e o fornecimento do knowhow e do Pesquisa &

Desenvolvimento (CHESNAIS, 1996).

Para atender aos acionistas, houve nos últimos trinta anos (pós-Fordismo) uma

busca por novas fontes de lucros, além das suas filiais, como: a “multiplicação das

participações minoritárias de companhias ‘coligadas’, das participações em cascata e,

sobretudo, de numerosos acordos de terceirização e de cooperação inter-empresas, que

levaram ao surgimento das chamadas ‘empresas-rede’” (CHESNAIS, 1996, p.78).

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Portanto, hoje

[...] a empresa multinacional está assumindo cada vez mais, o papel de regente da orquestra, em relação a diversas atividades de produção e transações, que se dão no interior de um “cacho” ou “rede” de relações transnacionais, tanto internas como externas às companhias e que podem incluir ou não um investimento de capital, mas cujo objetivo consiste em promover seus interesses globais (DUNNING, 1988 apud CHESNAIS, 1996, p. 69).

Santos (2002a) chama essas Empresas Multinacionais que funcionam em redes e

desenvolvem toda sorte de ramificações e interdependências de Empresas Globais. Tais

empresas têm novas possibilidades de controle do processo global de produção, como o

“[...] controle da inovação (força produtiva científica e técnica), controle da circulação

(forças produtivas da comercialização e da distribuição), controle da gestão do capital

em sua forma dinheiro (força produtiva da gestão financeira).” (SANTOS, 2002a, p.

205).

Com o aperfeiçoamento desse mecanismo de controle do processo global de

produção, graças às novas técnicas da informação, têm-se concentrações oligopolísticas

de âmbito global, como é o caso da Del Monte Fresh Produce, que, junto com mais

duas Companhias (Chiquita e Dole), controla quase dois terços do comércio mundial de

banana.

Corrêa (1991a) identifica como principais características das Multinacionais

hoje, que fazem com que elas sejam atualmente os mais importantes agentes da

reorganização espacial capitalista e portanto também do processo de Globalização, as

seguintes:

a) Ampla escala de operações – refere-se à capacidade da Corporação em

manipular milhares de toneladas de matérias-primas, bens intermediários e produtos

finais nas suas unidades de P & D, fazendas próprias ou terceirizadas, unidades fabris,

escritórios de venda, prestação de serviços etc;

b) Natureza multifuncional – caracteriza-se pela concentração horizontal, com a

aquisição, fusão ou criação de novas unidades que produzem os mesmos produtos; pela

concentração vertical, com o controle das unidades situadas tanto a montante, na

confluência, como na jusante de uma operação básica, tendo-se, assim, o controle de

toda a cadeia produtiva, desde as matérias-primas e bens intermediários, até produtos

finais diversos; e pela diversificação de atividades e investimentos, visando a minimizar

os riscos. Um exemplo claro dessa diversificação é a Del Monte, que, além de atuar no

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

mercado de fruticultura irrigada, atua também no mercado imobiliário e no ramo de

petróleo;

c) Múltiplas localizações – são elas distintas entre si em termos de custos

diferenciais da força de trabalho, especialização funcional, mercado consumidor e em

termos da administração no âmbito da própria Corporação;

d) Enorme poder de pressão econômica e política – poder que as Corporações

possuem para controlar a organização espacial dos territórios em que atuam, dentre

outras coisas. A Del Monte, junto com outras gigantes, tem um forte lobby na OMC

para moldar mundialmente os espaços da fruticultura irrigada de acordo com os seus

interesses corporativos (CORRÊA, 1991a).

Algumas Empresas Multinacionais, como a Del Monte Fresh Produce, além de

fazerem parte de uma holding1 - um grande conglomerado diversificado multinacional -

têm uma forma de atuação ligada à internalização, ou seja, ao investimento direto.

A luta contra os custos de transação no Mercado Internacional gera as

Multinacionais. Vários são esses custos, os quais dificultam o comércio entre firmas

independentes, levando aquelas empresas a se estabelecerem no setor para baixar os

custos. Tais obstáculos incluem: a falta de contato entre o comprador e o vendedor, a

falta de acordo a respeito dos preços, a falta de confiança na adequação das mercadorias

às especificidades inicialmente estabelecidas, a existência de tarifas aduaneiras e a

taxação de ganhos criados pela transação etc. (CHESNAIS, 1996).

Essa luta contra os custos de transação justifica a preferência pelo investimento

direto, em contraposição à exportação ou à venda de licenças. Isto leva as Companhias a

criarem filiais em vários países no exterior, obrigando-as a ficarem ligadas muito

estreitamente, sob controle único, a fim de poderem dominar a internalização

internacional dos custos de transação (CHESNAIS, 1996).

Tal internalização, por meio da integração vertical e horizontal, que ocasiona o

fim dos concorrentes e fornecedores, não só é um meio de salvaguardar a vantagem

monopolística das Companhias, mas também de criar e de reforçar essa vantagem.

Existem, segundo Dunning (1988 apud CHESNAIS, 1996), inúmeras vantagens

que uma Companhia Multinacional apresenta ao se internalizar. Dentre estas, têm-se:

1 Holding é uma concentração vertical de empresas em que uma grande empresa ou organização controla empresas ou organizações menores geralmente pela aquisição majoritária de suas ações. Sua função básica não é produzir, mas administrar as outras empresas. As multinacionais são normalmente controladas por uma holding, que pode estar situada no país-sede ou em outro país (Sobre o assunto, ver CORRÊA, (1991a).

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

vantagens específicas da Companhia - propriedade de tecnologia, dotações específicas

(pessoal, capitais, organização), economias de escala, economias de envergadura, poder

de mercado como comprador e como vendedor, acesso aos mercados de fatores e de

produtos, conhecimento do mercado mundial, aprendizagem da gestão internacional,

capacidade de explorar as diferenças entre países e aprendizagem da gestão de riscos;

vantagens decorrentes da internalização - economias de transação na aquisição dos

insumos (inclusive tecnologia), redução da incerteza, maior proteção à tecnologia,

controle da validade e das iniciativas, possibilidade de evitar ou de explorar medidas

governamentais (especialmente as fiscais), possibilidade de praticar manipulação de

preços; vantagens decorrentes da localização - recursos específicos do país, qualidade e

preço dos insumos, qualidade das infraestruturas e externalidades (como P&D), custos

de transporte e de comunicação, distância psicológica (língua, cultura...), política

comercial (barreiras tarifárias e não-tarifárias), ameaças protecionistas, política

industrial, política tecnológica e social, subvenções e incentivos para atrair as

Companhias.

Por causa dessas vantagens, existem números impressionantes derivados do

processo de internalização das Multinacionais, através do Investimento Externo Direto

(IED). Hoje, essas Empresas são responsáveis por dois terços do Comércio Mundial,

sendo que as cem maiores concentram um terço do montante total mundial do IED

(CHESNAIS, 1996; CASTELLS, 2002).

Hoje, as Companhias Multinacionais compreendem um conjunto de mais de 63

mil matrizes e cerca de 690 mil filiais (UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE

AND DEVELOPMENT, 2000). Como se observa no Quadro 3, as 100 principais

Multinacionais, por vendas, do Mundo respondem pelo núcleo mais dinâmico da

produção e comercialização mundial. Esse pequeno núcleo de empresas multinacionais

chega a controlar vários setores da economia mundial. Nesse ranking, observa-se

claramente a concentração das Multinacionais nos Países Desenvolvidos: das 100

Multinacionais com maiores vendas no Mundo, apenas 9 estão nos países da periferia

do Capitalismo. Estão elas na Coreia do Sul (Samsung Eletronics, LG Corp, Hyndai

Motors e SK Holding), na China (Sinopec-China Petroleum, PetroChina), na Rússia

(Gazprom e Lukoil) e no Brasil (Petrobras).

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Quadro 3 - Ranking de Multinacionais por vendas totais no Mundo (2008) Companhia País Indústria Vendas

(milhões de dólares)

1 Royal Dutch Shell Holanda Operações com Petróleo e Gás 458.360 2 ExxonMobil EUA Operações com Petróleo e Gás 425.700 3 Wal-Mart Stores EUA Varejo 405.610 4 BP Reino Unido Operações com Petróleo e Gás 361.140 5 Toyota Motor Japão Consumo Durável 263.420 6 Chevron EUA Operações com Petróleo e Gás 255.110 7 ConocoPhillips EUA Operações com Petróleo e Gás 225.420 8 Total França Operações com Petróleo e Gás 223.150 9 ING Group Holanda Seguros 213.990

10 General Electric EUA Conglomerados 182.520 11 Fortis Holanda Diversificado 164.370 12 Volkswagen Group Alemanha Consumo Durável 158.400 13 ENI Itália Operações com Petróleo e Gás 158.320 14 AXA Group França Seguros 156.950 15 Sinopec-China

Petroleum China Operações com Petróleo e Gás 154.280

16 Dexia Bélgica Banco 153.350 17 General Motors EUA Consumo Durável 148.980 18 Ford Motor EUA Consumo Durável 146.280 19 HSBC Holdings Reino Unido Banco 142.050 20 Daimler Alemanha Consumo Durável 133.430 21 Allianz Alemanha Seguros 127.240 22 ArcelorMittal Luxemburgo Materiais 124.940 23 Deutsche Bank Alemanha Finanças diversificadas 124.780 24 AT&T EUA Serviços de telecomunicação 124.030 25 Carrefour Group França Mercados de Alimentos 121.040 26 E.ON Alemanha Utilitários 120.740 27 Honda Motor Japão Consumo Durável 120.270 28 Hewlett-Packard EUA Tecnologia, Hardware e

equipamentos 118.700

29 Generali Group Itália Seguros 118.390 30 Valero Energy EUA Operações com Petróleo e Gás 118.300 31 GDF Suez França Utilitários 115.590 32 PetroChina China Operações com Petróleo e Gás 114.320 33 Bank of America EUA Banco 113.110 34 Hitachi Japão Tecnologia, Hardware e

equipamentos 112.490

35 Siemens Alemanha Conglomerados 108.760 36 Nissan Motor Japão Consumo Durável 108.460 37 BNP Paribas França Banco 107.960 38 Berkshire

Hathaway EUA Finanças diversas 107.790

39 Crédit Agricole França Banco 107.750 40 Nippon Telegraph

& Tel Japão Serviços de telecomunicação 107.020

41 Citigroup EUA Banco 106.660 42 McKesson EUA Drogas & Biotecnologia 106.640 43 Samsung

Electronics Coréia do Sul

Semicondutores 104.420

44 IBM EUA Software & Serviços 103.630 45 Nestlé Suíça Alimentos, bebidas & tabaco 103.010 46 JPMorgan Chase EUA Banco 101.490 47 Société Générale

Group França Banco 99.250

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

48 Verizon Communications

EUA Serviços de Telecomunicação 97.350

49 Gazprom Rússia Operações com Petróleo e Gás 97.290 50 Banco Santander Espanha Banco 96.230 51 Cardinal Health EUA Drogas & Biotecnologia 95.280 52 Metro AG Alemanha Mercado de Alimentos 93.920 53 Tesco Reino Unido Mercado de Alimentos 93.850 54 StatoilHydro Noruega Operações com Petróleo e Gás 93.380 55 Petrobras-Petróleo

Brasil Brasil Operações com Petróleo e Gás 92.080

56 Panasonic Japão Tecnologia, Hardware e Equipamentos

90.870

57 EDF Group França Utilitários 89.460 58 Sony Japão Tecnologia, Hardware e

Equipamentos 88.890

59 CVS Caremark EUA Varejo 87.470 60 BASF Alemanha Química 86.770 61 Royal Bank of

Scotland Reino Unido Banco 86.160

62 Deutsche Telekom Alemanha Serviços de Telecomunicação 85.890 63 UniCredit Group Itália Banco 83.720 64 Procter & Gamble EUA Produtos Pessoais e Domésticos 83.680 65 ENEL Itália Utilitários 82.920 66 Fiat Group Itália Consumo Durável 82.700 67 UnitedHealth

Group EUA Equipamentos Médicos 81.190

68 LG Corp Coreia do Sul

Conglomerados 80.870

69 Telefónica Espanha Serviços de Telecomunicação 80.700 70 Archer Daniels EUA Alimentos, Bebidas & Tabaco 78.330 71 Toshiba Japão Tecnologia, Hardware e

Equipamentos 76.830

72 Kroger EUA Mercado de Alimentos 75.980 73 Deutsche Post Alemanha Transporte 75.870 74 Peugeot Groupe França Consumo Durável 75.700 75 ThyssenKrupp

Group Alemanha Conglomerados 75.140

76 France Telecom França Serviços de Telecomunicação 74.500 77 BMW Group Alemanha Consumo Durável 74.040 78 Hyundai Motor Coreia do

Sul Consumo Durável 73.780

79 Costco Wholesale EUA Varejo 72.950 80 Home Depot EUA Varejo 71.290 81 Nokia Finlândia Tecnologia, Hardware e

Equipamentos 70.630

82 Vodafone Reino Unido Serviços de Telecomunicação 70.390 83 Marathon Oil EUA Operações com Petróleo e Gás 70.250 84 AmerisourceBergen EUA Drogas & Biotecnologia 70.250 85 Toyota Tsusho Japão Companhias Comerciais 70.140 86 SK Holdings Coreia do

Sul Operações com Petróleo e Gás 69.660

87 Repsol-YPF Espanha Operações com Petróleo e Gás 68.480 88 Lukoil Rússia Operações com Petróleo e Gás 66.860 89 RWE Group Alemanha Utilitários 66.160 90 Nippon Oil Japão Operações com Petróleo e Gás 65.460 91 Target EUA Varejo 64.950 92 Munich Re Alemanha Seguros 64.200 93 Johnson & Johnson EUA Drogas & Biotecnologia 63.750

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

94 Morgan Stanley EUA Finanças Diversas 62.260 95 Microsoft EUA Software & Serviços 61.980 96 Mitsubishi UFJ

Financial Japão Banco 61.430

97 WellPoint EUA Equipamentos Médicos 61.250 98 UBS Suíça Finanças Diversas 61.230 99 Mxller-Maersk Dinamarca Transporte 61.210 100 Dell EUA Tecnologia, Hardware 61.100 Fonte: Forbes (2009)

Essas Companhias Multinacionais muitas vezes têm vendas maiores que o

Produto Interno Bruto (PIB) de vários países. É o que se observa no Quadro 4, que faz

um comparativo entre as maiores Multinacionais, por vendas, em 2008 e os maiores

países do Mundo por PIB. Chega-se a constatar que quase metade do ranking das 100

maiores Multinacionais e países é composta por empresas - mais precisamente 45% do

ranking. No Quadro abaixo, observa-se que as quatro maiores Multinacionais por

vendas ( Shell, ExxonMobil, Wal-Mart e BP) têm um volume anual de negócios superior

ao PIB do Brasil. Só a Multinacional Wal-Mart tem um volume de vendas bem superior

ao PIB da Argentina e equivalente a três vezes o PIB do Peru. Uma empresa como a

General Eletric tem um volume de vendas superior ao PIB do Chile. Isto sem contar a

comparação com os países da África Subsaariana (com mais de meio bilhão de pessoas),

que, de acordo com dados do Banco Mundial (2009), têm PIB menor que as vendas das

duas Multinacionais mais bem colocadas no Quadro abaixo.

Quadro 4 - Ranking das 100 maiores Multinacionais e países por PIB ou vendas (2008)

País/Companhia Vendas

anuais/PIB

País/Companhia Vendas

anuais/PIB (milhões de

dólares)

1. Estados Unidos 14.204.322 51. Malásia 194.927 2. Japão 4.909.272 52. General Electric 182.520 3. China 3.860.039 53. Singapura 181.948 4. Alemanha 3.652.824 54. Ucrânia 180.355 5. França 2.853.062 55. Argélia 173.882 6. Reino Unido 2.645.593 56. Chile 169.458 7. Italia 2.293.008 57. Paquistão 168.276 8. Brasil 1.612.539 58. Filipinas 166.909 9. Federação Russa 1.607.816 59. Fortis 164.370 10. Espanha 1.604.174 60. Emirados Árabes

Unidos 163.296

11. Canadá 1.400.091 61. Egito 162.818 12. India 1.217.490 62. VolkswagenGroup 158.400 13. México 1.085.951 63. ENI 158.320 14. Austrália 1.015.217 64. AXA Group 156.950 15. Coreia do Sul 929.121 65. Hungria 154.668 16. Holanda 860.336 66.Sinopec-China 154.280

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Fonte: Forbes (2009); World Bank (2009).

Após uma Companhia Multinacional se internalizar em um país, dá-se um

grande impacto no lugar em que ela se instala, ocorrendo a modificação de muitas

variáveis, dentre as quais, segundo Santos e Silveira (2001), pode-se destacar: a)

mudança no comportamento das empresas nacionais, que em muitos casos tendem a se

fundir em uma empresa forte para concorrer com a Multinacional; b) mudança nas

relações de trabalho; c) mudança no orçamento público; d) mudança na infraestrutura

material e social (como a questão da terra); e) mudança também nas políticas federais,

estaduais e municipais para atender às necessidades de instalação, permanência e

desenvolvimento das empresas. Essas mudanças e gastos são justificados mediante o

Petroleum 17. Turquia 794.228 67. Dexia 153.350 18. Polônia 526.966 68. General Motors 148.980 19. Indonésia 514.389 69. Ford Motor 146.280 20. Bélgica 497.586 70. HSBC Holdings 142.050 21. Suiça 488.470 71. Daimler 133.430 22. Suécia 480.021 72. Cazaquistão 132.229 23. Arábia Saudita 467.601 73. Nova Zelândia 130.693 24. Royal Dutch Shell 458.360 74. Peru 127.434 25. Noruega 449.996 75. Allianz 127.240 26. ExxonMobil 425.700 76. ArcelorMittal 124.940 27. Austria 416.380 77. Deutsche Bank 124.780 28. Wal-Mart Stores 405.610 78. AT&T 124.030 29. Iran 385.143 79. Carrefour Group 121.040 30. BP 361.140 80. E.ON 120.740 31. Grécia 356.796 81. Honda Motor 120.270 32. Dinamarca 342.672 82. Hewlett-Packard 118.700 33. Argentina 328.385 83. Generali Group 118.390 34. Venezuela 313.799 84. Valero Energy 118.300 35. Irlanda 281.776 85. GDF Suez 115.590 36. África do Sul 276.764 86. PetroChina 114.320 37. Finlândia 271.282 87. Bank of America 113.110 38.Toyota Motor 263.420 88. Hitachi 112.490 39. Tailândia 260.693 89. Kuwait 112.116 40. Chevron 255.110 90. Siemens 108.760 41. Portugal 242.689 91. Nissan Motor 108.460 42. Colômbia 242.268 92. BNP Paribas 107.960 43. ConocoPhillips 225.420 93. Berkshire Hathaway 107.790 44. Total 223.150 94. Crédit Agricole 107.750 45. República Theca 216.485 95. Nippon Telegraph &

Tel 107.020

46. Hong Kong. China 215.355 96. Citigroup 106.660 47. ING Group 213.990 97. McKesson 106.640 48. Nigéria 212.080 98. Samsung Electronics 104.420 49. Romênia 200.071 99. IBM 103.630 50. Israel 199.498 100. Nestlé 103.010

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

discurso oficial que apresenta essas empresas como salvadoras dos lugares e credoras de

reconhecimento pelos seus aportes de emprego e modernidade (SANTOS, 2006).

Todas essas mudanças, muito caras ao Estado e à Sociedade, não impedem a

Companhia de, a qualquer momento, sair do país e procurar um outro onde os acionistas

“...percebam ou prevejam uma chance de dividendos mais elevados, deixando a todos os

demais – presos como são à localidade [empregados, fornecedores, Estado...] – a tarefa

de lamber as feridas, de consertar o dano e se livrar do lixo...” (BAUMAN, 1999, p.15).

Corrêa (1991a) cita que hoje essas empresas têm um papel fundamental na

organização do espaço, interferindo em diversas áreas, como nas áreas agropastoris e

mineradoras (por serem grandes consumidoras e às vezes produtoras); no mercado de

trabalho (por empregarem um número elevado de pessoas); e no orçamento do Estado

(já que este tende a viabilizar o processo de acumulação dessas empresas através da

implantação de parte da infraestrutura, como rodovias, hidroelétricas, portos etc.).

Segundo Cavalcanti (1999), essas mudanças afetam o meio ambiente e os

processos de trabalho dos sistemas agroalimentares regionais. Assim, nas agriculturas

regionais, manifestam-se formas diversas de relações que emergem do jogo de forças

que se apresenta na relação entre controle global e as dinâmicas sociais locais,

implicando mudança de significado dos valores relativos ao trabalho, ao meio ambiente

e à produção e consumo de alimentos (CAVALCANTI, 1999).

A partir da concepção da Globalização como um processo histórico (MINTZ,

2003; MURRAY, 2006; SANTOS 1997), vai-se dividir a análise da globalização da

Agricultura em dois momentos, explicando-se sempre o contexto global, nacional e

regional (Nordeste) e focando-se nas políticas públicas e no processo de globalização

das frutas - núcleo deste trabalho -, já que as áreas que serão estudadas na sua segunda

parte são áreas de fruticultura para a exportação. Neste sentido, serão focalizadas a:

- Revolução Verde (entre as décadas de 1950 e 1980): em que se busca explicar

o processo de modernização da Agricultura em âmbito mundial e a inserção do Brasil

nessa conjuntura global, além de vincular esse processo aos ditames da produção

fordista em voga no mesmo período; e a

- Liberalização do Comércio na Agricultura (início na década de 1990 e em

voga até os dias atuais): em que se analisa o processo do Neoliberalismo no mercado

agrícola internacional e a inserção do Brasil nessa nova conjuntura global, além de se

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

vincular esse processo (em alguns momentos) aos ditames da acumulação flexível (ou

pós-Fordismo).

2.2 Globalização da Agricultura no Mundo e no Brasil

2.2.1 Revolução Verde: Pós-Segunda Guerra até meados de 1980

Nesta parte, vai-se fazer uma rápida síntese do processo de Globalização da

Agricultura, no Brasil e no Mundo, no século XX, após a Segunda Guerra Mundial até

meados da década de 1980. Isso se faz necessário para se poder vir a compreender logo

adiante, na segunda parte deste trabalho, como se deu tal processo nos municípios

globalizados do Rio Grande do Norte alvos neste estudo: Ipanguaçu e Baraúna.

Vale lembrar-se de que, durante esse período, há a difusão mundial e também

brasileira do meio técnico-científico-informacional. No Brasil, são marcos importantes

da difusão desse meio a implantação de complexos e polos industriais por todo o País,

além da ampliação da rede de transportes e comunicações e da modernização da

agricultura (SANTOS; SILVEIRA, 2001).

A Revolução Verde foi instituída no Mundo na década de 1950, com uma

participação intensiva do Estado através de políticas públicas, seja como agente

patrocinador, seja como produtor de tecnologias. Com isto, essa Revolução passa, a

partir de então, a impor transformações no campo, provocando, com sua modernização,

um processo de mudanças na divisão técnica e social do trabalho. A referida Revolução

atrela-se ao momento de dominância das formas de organização do trabalho típicas do

Fordismo, sobre o qual passar-se-á a tecer breves considerações.

Fordismo

Como dito anteriormente, a Revolução Verde vai acontecer com base em um

modelo de produção que existia desde o início do século XX - o Fordismo. Por isto,

antes de iniciar tratando- se desta questão, é importante que se busque entender um

pouco esse modelo que serviu de alicerce para a sua edificação.

O nome fordismo deriva-se do seu criador, Henry Ford, que introduziu

inovações no Processo de Produção, no início do século XX, em suas fábricas de

automóveis, com a finalidade de aumentar a produção em menor espaço de tempo. Para

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

tanto, o Fordismo cria o princípio da cadeia contínua, com a linha de montagem, em

que uma esteira move as peças, enquanto o trabalhador permanece fixo, realizando

tarefas especializadas, simples e repetitivas. Há a introdução da ideia de que deve haver

estandardização das peças e dos produtos para a fabricação de produtos mais baratos,

suscetíveis de serem vendidos em massa. Há também a concessão de salários elevados

para desenvolver a produção em massa pelo consumo em massa (BENKO, 1999).

Esse modelo vai vigorar com mais força após a Crise de 1929 e após a Segunda

Guerra Mundial, em 1945 - período este que passa a ser chamado de “Alto Fordismo”,

em que se reforça a atuação do Estado no desenvolvimento das economias nacionais, na

produção e no consumo de massa (com subsídios creditícios, subsídios fiscais e infra-

estrutura). Nesse período, o Capitalismo Fordista combina empresas de alta

racionalização, centralização e integração vertical com sindicatos nacionais e com uma

substancial expansão do Estado. Esse sistema propicia uma racionalização e uma

centralização do processo de trabalho, com maior especialização e mecanização da

produção, além de aumentar a inclusão de pessoas marginalizadas e ampliar o salário

médio do trabalhador. Seu ápice foi dos anos de 1950 até o fim dos de 1960

(BONANNO, 1999).

Nessa mesma época de ascensão fordista, dava-se também uma disputa global

entre duas superpotências - os EUA e a URSS -, que faziam concessões financeiras com

vários Países Subdesenvolvidos, para conseguirem apoio, fazendo com que estes

tivessem financiamentos para o desenvolvimento de seu Parque Industrial. Um exemplo

disto é a Coreia do Sul, que hoje dispõe de grandes Corporações Multinacionais, como a

LG, a Samsung e a Hyundai.

Nesse contexto de disputa global, surgem algumas instituições supranacionais

que vão financiar várias economias capitalistas no pós-guerra, além de pregarem o livre

comércio, intensificando com isto o processo de globalização da Economia. Estão entre

elas: o Banco Mundial2, o Fundo Monetário Internacional3 e o Acordo Geral sobre

2 Banco Mundial – criado em 1944 nos Acordos de Bretton Woods. Em sua primeira década de existência centrou suas atividades na ajuda para a reconstrução econômica dos países atingidos pela Segunda Guerra Mundial. Com o passar do tempo concentrou suas operações na assistência financeira aos países em desenvolvimento. Atualmente o Banco Mundial constitui a primeira fonte de financiamento multilateral ao desenvolvimento. Um detalhe importante, é que nenhum país pode ser membro do Banco Mundial sem ser do FMI (COSTA, 2008, SOLÍS, 2005). 3 Fundo Monetário Internacional – criado em 1944 nos Acordos de Bretton Woods, dentro da plataforma de elaboração de uma nova ordem mundial. O papel do FMI era cuidar da estabilidade monetária e cambial internacional e da retomada do comércio mundial. Também fornece serviços financeiros, como linhas de crédito e assistência financeira de emergência a países atingidos por crises. Desde a criação se

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Tarifas Aduaneiras e Comércio - Gatt4, que iniciou a regulação internacional do

comércio global (DICKEN, 2002).

Na Agricultura, o Fordismo se destaca pela racionalização, massificação e

industrialização sob o controle e a regulação do Estado, com tecnologias patrocinadas

por este. Esse controle era para reafirmar o compromisso fordista com a produção de

alimentos baratos, que ia ao encontro da política do New Deal5, a qual pregava “um

carro em cada garagem e uma galinha em todas as panelas”. Essa política de

massificação, racionalização e industrialização da Agricultura estava sob a coordenação

de Empresas Multinacionais, fabricantes de tratores, insumos agrícolas, dentre outros.

Tal racionalização e industrialização da Agricultura ganhou o nome de “Revolução

Verde”.

A ‘Revolução Verde’ se iniciou nos Países Desenvolvidos, como os Estados

Unidos, e depois atingiu todo o Mundo. A partir da década de 1950, tem-se um grande

crescimento de produtividade e de quantidade na Agricultura, por meio do uso de

tecnologias, como os tratores agrícolas, técnicas de irrigação, defensivos químicos,

variedades de sementes, aviação agrícola, computadores, novos métodos de gestão etc.

De um lado da produção, tinha-se a Indústria Produtora de Insumos, com

fertilizantes, defensivos e corretivos; e, de outro, tinha-se a Indústria de Bens de

Capital, com tratores, colheitadeiras e equipamentos de irrigação (Quadro 6). Essa

chamada “industrialização da Agricultura” vai ser dirigida por grandes Empresas

Multinacionais.

notabilizou pelo caráter neoliberal, bem antes do neoliberalismo ganhar o mundo nos anos 1980 (COSTA, 2008; SOLÍS, 2005). 4 Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio – Gatt - , foi estabelecido pela primeira vez em 1947, naquele momento, somente 23 países faziam parte do Acordo. Foram feitas uma série de rodadas em busca da liberalização comercial desde 1947 em intervalos irregulares de tempo, sendo responsável pela redução de tarifas nos produtos manufaturados de aproximadamente 40% nos anos 1940 para 4% no meio da década de 1990. A sua última e mais importante rodada foi a Rodada Uruguai (1986-94), - nesse contexto o Gatt contava com mais de cem membros - onde pela primeira vez se buscou a regulação da agricultura, têxteis, roupas, propriedade intelectual, dentre outros. Foi substituído por uma instituição mais forte em 1995, com a emergência da Organização Mundial do Comércio – OMC (DICKEN, 2002). 5 “Nome dado ao movimento de reformas econômicas e sociais preconizadas por F.D.Roosevelt nos EUA, implantadas a partir de 1933, para resolver a crise econômica que assolava há quatro anos o país. O conjunto de medidas visava a aumentar o poder aquisitivo da população, socorrer os desempregados, aumentar o rendimento dos agricultores e organizar grandes obras públicas.” (LAROUSSE CULTURAL, 1998, p. 4199).

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Quadro 6 - Cadeia da produção rural

Fonte: Guimarães (1979).

Whatmore (2002) ressalta que, com esse processo de industrialização da

Agricultura, vai ocorrer uma modificação tecnológica de processos biológicos na

fazenda e o incremento do processamento e embalagem fora da fazenda, intensificando-

se o crescimento dos setores “off-farm”.

A partir disto, vai se dar com mais intensidade a integração na Agricultura,

não só para assegurar a obtenção de meios de produção mais eficientes, necessários ao incremento de sua produtividade, como também para garantir o escoamento dos seus produtos em um mercado cada vez mais controlado pelas grandes empresas industriais e ou comerciais (GUIMARÃES, 1979, p. 93).

Essa integração, que provoca o surgimento de cartéis6, monopólios7,

conglomerados8, característicos do Capitalismo Monopolista, se dá de duas formas: a

Vertical, dominando a cadeia produtiva e gerando mais lucro; e a Horizontal,

dominando o mesmo gênero ou ramo de produção.

Nova Divisão do Trabalho

Segundo Guimarães (1979), nesse novo contexto, tem-se o surgimento de uma

nova Divisão Internacional do Trabalho. Antes desta, existiam Países Agrários e Países

Industriais. Agora se tem a internacionalização da produção com Países Desenvolvidos

(industrial-agrários) e Países Subdesenvolvidos (agrário-industriais).

6 Cartéis são formações de blocos de empresas que se unem para fazer acordos acerca de medidas de interesse comum ou de vantagens recíprocas, dividindo mercados, estabelecendo preços em comum acordo e com isso prejudicando o consumidor dos seus produtos. 7 Monopólio significa a exploração exclusiva de um negócio ou indústria por um grupo, em virtude de um privilégio. 8 Conglomerados são grupos de empresas que se associam, atuando em diferentes setores ou ramos da economia, para evitar prejuízos totais em um setor, sendo que normalmente nenhuma delas fornece elementos para a linha de produção das demais.

Indústria Produtora de Insumos - Fertilizantes - Defensivos - Corretivos

PRODUÇÃO

RURAL

Indústria de Bens de Capital - Tratores - Colheitadeiras - Equip. Irrigação

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Tal internacionalização, nos moldes da nova Divisão Internacional do Trabalho,

ocorre geralmente com a chegada das filiais das Multinacionais nos Países

Subdesenvolvidos.

Essa nova divisão do trabalho acaba com a dicotomia centro/periferia no

comércio e no investimento. As Multinacionais agora podem investir em qualquer parte

do Mundo se aproveitando dos avanços nos transportes e nas comunicações, e usando o

exército de reserva e mão-de-obra não-especializada (MURRAY, 2006).

Tais tipos de empresas produzem para o Mercado Interno desses Países e, em

sua maior parte, para os Países Desenvolvidos. São empresas que monopolizam a

fabricação de equipamentos agrícolas, de defensivos, fertilizantes, sementes e toda a

sorte de insumos agrícolas, além de pregarem a modernização do sistema latifundiário-

exportador e não o fim dele. Nas suas matrizes nos Países Desenvolvidos, ficam

concentrados a produção de alta tecnologia e o desenvolvimento de P&D

(GUIMARÃES, 1979; WRIGHT, 2002).

A partir desse tipo de industrialização da Agricultura, vai se exigir da empresa

agrícola um aumento do volume de capital para sua implantação - o que contribui para

colocar a Agricultura Moderna inteiramente fora do alcance da imensa maioria do

campesinato (GUIMARÃES, 1979). Com isto, começa-se a notar a saída dos pequenos

agricultores das regiões produtivas, trazendo como consequência uma intensificação da

concentração da propriedade agrária, paralelamente à fragmentação ou eliminação das

explorações economicamente débeis para a economia de mercado.

Com a intensificação da industrialização da Agricultura, na década de 1950,

emerge o Complexo Agroindustrial, que teve como atores principais grandes indústrias

processadoras de produtos agrícolas e gigantes fabricantes de insumos agrícolas.

Esse Complexo se dá por um grande movimento de integração vertical e

horizontal, por meio de um processo de fusões e aquisições que transformam a

Agroindústria (insumos e transformação) em uma cadeia monopolística. Com a

integração vertical, com as grandes corporações de insumos a montante do produtor e as

indústrias processadoras a jusante, tem-se um verdadeiro cerco à produção, gerando

com isto o controle total desta e da distribuição, bem como a perda de autonomia do

produtor (GUIMARÃES, 1979).

Em decorrência da instalação desse novo modelo, vai haver mudanças

significativas principalmente na agricultura dos Países Subdesenvolvidos. Shiva (2003)

retrata bem essa mudança ocasionada pela ‘Revolução Verde’ no Mundo

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Subdesenvolvido, quando ressalta que “os sistemas agrícolas tradicionais baseiam-se

em sistemas de rotação de culturas de cereais, legumes, sementes oleaginosas com

diversas variedades em cada safra, enquanto o pacote da Revolução Verde baseia-se em

monoculturas geneticamente uniformes.” (SHIVA, 2003, p. 57).

Além da substituição da tradicional rotação de culturas pelas monoculturas de

base genética uniforme, ocorreram também outras mudanças que alteraram o equilíbrio

que antes existia entre a Agricultura e a Natureza, conforme destaca Shiva (2003, p. 56):

Na agricultura nativa, por exemplo, os sistemas de cultivo incluem uma relação simbiótica entre solo, água, plantas e animais domésticos. A agricultura da Revolução Verde substitui essa integração no nível da propriedade rural pela integração de insumos como as sementes e os produtos químicos.

George (1989, p.87) discorre sobre as mudanças na paisagem agrícola com a

emergência da Revolução Verde e das monoculturas.

Numa paisagem uniformizada, desapareceram os animais de tração, os homens são raros, as diferenças regionais esbatem-se, os trabalhos são rapidamente feitos com a ajuda de enormes máquinas que, no que resta de tempo, dormem nos hangares, enquanto os exploradores fazem as suas contas tendo em atenção os movimentos internacionais e os artifícios da política agrícola.

Já Ianni (2004, p.42-43) ressalta que

A maquinização e a quimificação, acionadas com a agroindústria, mudam a face e a fisionomia da economia, sociedade e cultura [...] ocorre à substituição parcial ou até mesmo total de matérias-primas de origem agropecuária por matérias-primas produzidas pela indústria química [...] em conjugação com a maquinização e quimificação das atividades produtivas no campo, em conjugação com a substituição de matérias-primas, reduz-se drasticamente o contingente de trabalhadores rurais, compreendendo famílias, vizinhanças, bairros, patrimônios, colônias, vilas etc. no campo.

Essa Revolução, com a adição de produtos químicos, insumos e variedades de

sementes estrangeiras, que vão ser utilizadas em monoculturas em larga escala, não só

vai gerar vulnerabilidade ecológica - com a redução da diversidade genética e a

desestabilização dos sistemas do solo e da água -, como também dependência das

empresas multinacionais produtoras de veículos, máquinas e implementos agrícolas,

química e petroquímica produtora de defensivos e de sementes, dentre outros.

Tais Empresas Multinacionais vão receber ajuda do Banco Mundial, que, em

1970, cria o Grupo de Consultoria Internacional de Pesquisa Agrícola (GCIPA),

responsável por desenvolver sementes para os Países Subdesenvolvidos.

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Para se desenvolverem, essas sementes vão depender de fertilizantes, pesticidas

e máquinas produzidas por conglomerados de grandes Empresas Multinacionais,

criando assim uma relação de dependência entre estas e os Países Subdesenvolvidos

(SHIVA, 2003, p. 102).

Tal organização entre Empresas Multinacionais, Organismos Internacionais de

Financiamento e novas tecnologias mecânicas, químicas e biológicas vai gerar nos

Países Subdesenvolvidos uma séria ameaça à sua biodiversidade local e também às suas

estruturas políticas e econômicas autosustentáveis. Essa ameaça começa a se concretizar

com a destruição do meio ambiente natural devido à inserção de megaprojetos

financiados pelos Organismos Internacionais, como a construção de represas e rodovias.

Depois, tal ameaça se intensifica com a tendência tecnológica e econômica de

se procurar substituir a diversidade pela homogeneidade, gerando, com isto, sistemas de

produção homogêneos e unidimensionais que “desintegram a estrutura da comunidade,

desalojam as pessoas das diversas ocupações e tornam a produção dependente de

insumos externos e mercados externos.” (SHIVA, 2003, p. 89). Isto gera

vulnerabilidade e instabilidade política e econômica, porque a base da produção é

ecologicamente instável e os mercados de bens internacionais são economicamente

instáveis.

Revolução Verde no Brasil

No Brasil, por sua vez, a inserção da Agricultura na Revolução Verde e

consequentemente também no processo de acumulação capitalista passou por um

processo evolutivo, que, segundo Santana (1997), enquadrou três fases, a saber: a

Modernização da Agricultura, a Industrialização da Agricultura e, por fim, a formação

de Complexos Agroindustriais (CAIs).

Vale salientar que, apesar da evolução das fases utilizadas por Santana (1997),

um termo não exclui os outros: todos se agregam em um processo contínuo. Por isto,

vai-se adotar durante todo o trabalho, como símbolo da evolução do Capitalismo na

Agricultura nos anos recentes, a expressão “Modernização da Agricultura”, por

abranger as mudanças no meio agrícola causadas pelo capital, além de ser uma

expressão de fácil entendimento e bastante utilizada por teóricos da área, como Santos e

Silveira (2001) e Elias (2002a).

Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

A Modernização da Agricultura ganha dimensão nacional após 1960, utilizando

insumos modernos, embora houvesse espaço ainda para a produção artesanal. Introduz-

se, nesse período, na Agricultura o uso de máquinas (tratores, arados, colheitadeiras),

inovações químicas (fertilizantes, agrotóxicos, corretivos etc) e se produzem novas

variedades de culturas (SANTANA, 1997; ELIAS, 2002a).

A Industrialização da Agricultura, por sua vez, vai se intensificar nos idos de

1965, com mudanças tanto na base técnica, quanto nas relações de trabalho. A partir

desse período, há uma tendência de mecanização da Agricultura em todo o Processo

Produtivo (industrialização desse Setor), que se traduz na substituição da habilidade

manual e da destreza do trabalhador no campo pelas atividades mecanizadas. A

Agricultura passa a ser um ramo da produção semelhante à Indústria, comprando

determinados insumos e máquinas e produzindo matérias-primas para outros setores

produtivos. Nessa época, boa parte das máquinas, equipamentos e insumos modernos

que eram importados passa a ser produzida no Brasil (SANTANA, 1997), lembrando

que essa industrialização da Agricultura vai se intensificar nas áreas mais capitalizadas,

escolhidas pelo capital, também chamadas de “espaços luminosos” por Santos e Silveira

(2001). Paralelamente a isto, muitas áreas marginais do País, áreas abandonadas pelo

capital ou espaços opacos, não vão ter tal industrialização.

Quanto aos Complexos Agroindustriais (CAIs), há controvérsias sobre o período

em que surgiram no Brasil. Alguns autores, como Mazzali (2000), afirmam que foi nos

anos de 1960; já para Santana (1997), somente na segunda metade dos anos de 1970 é

que se pode falar nesses tipos de Complexos, que são compreendidos pelo processo de

fusão ou integração de capitais intersetoriais da agricultura/indústria.

Os CAIs caracterizam-se

fundamentalmente, pela implementação , no Brasil, de um setor industrial produtor de bens de produção para a agricultura. Paralelamente, desenvolve-se ou moderniza-se, em escala nacional, um mercado para produtos industrializados de origem agropecuária, dando origem à formação simultânea de um sistema de agroindústrias, em parte dirigido para o mercado interno e, em parte, voltado para a exportação (DELGADO, 1985 apud SANTANA, 1997, p.17).

Segundo Mazzali (2000), os CAIs tratam da articulação da Agricultura, por um

lado, com a Indústria Produtora de Insumos e Bens de Capital Agrícolas e, por outro,

com a Indústria Processadora de Produtos Agrícolas - a Agroindústria.

Com a emergência do Complexo Agroindustrial, tem-se como suporte para este

um tripé, que se sustenta através de um padrão de desenvolvimento tecnológico, de uma

Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

inserção da Agricultura Brasileira no Mercado Internacional, com mais produtos

agrícolas elaborados, e também através da intensa atuação do Estado com sua regulação

financeira.

No decorrer da década de 1970, começa-se a ter, cada vez mais, a inserção de

grandes holdings multinacionais na formação dos CAIs e, com a presença intensiva das

Multinacionais,

cada vez mais, a produção para o autoconsumo é substituída pela economia de mercado, em decorrência das demandas urbanas e industriais, com vistas à produção de mercadorias padronizadas para o consumo de massa globalizado, aumentando a taxa de internacionalização da agropecuária brasileira em cujo processo as multinacionais são os agentes mais poderosos (ELIAS, 2002a, p. 15).

Para se ter uma dimensão dessas empresas no Complexo Agroindustrial

Brasileiro, em meados de 1970, observa-se que o dispositivo básico desse Complexo já

era dominado por 23 empresas a montante (empresas que ficam no início da cadeia

produtiva, ou seja, aquelas que são fornecedoras de insumos e maquinários agrícolas) e

77 a jusante (empresas que ficam no final da cadeia produtiva, ou seja, as que compram

a produção agrícola para o beneficiamento e para a venda ao mercado consumidor)

(GUIMARÃES, 1979). Entre elas estava, a montante, a Massey-Ferguson, uma das

maiores produtoras mundiais de maquinaria agrícola, e, a jusante, a Nestlé, a maior

multinacional do ramo alimentar, que já dava assistência técnica e controlava bacias

leiteiras no País.

Com a instalação dessas fábricas, o Complexo Agroindustrial passa a se

caracterizar como de forte participação estrangeira. “As subsidiárias de multinacionais

[...] atuam no mercado em condições de monopólio ou oligopólio, o que torna o seu

domínio, dentro do complexo agro-industrial, ainda mais completo.” (GUIMARÃES,

1979, p. 134).

Segundo Elias (2002b, p. 282), a expansão dos CAIs veio a constituir o principal

vetor da reestruturação produtiva da Agropecuária Brasileira e, consequentemente,

também da organização do agribusiness brasileiro e da expansão do Meio Técnico-

Científico-Informacional no campo.

Essa modernização ocasionada pela ‘Revolução Verde’, ocorrida nas décadas

de 1960 e 70, se concentra nos estados do centro-sul do País, principalmente nas

grandes propriedades, e vai contar com um amplo envolvimento do Estado Brasileiro,

através do fornecimento de crédito, não só para a compra de tratores e outros bens de

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

capital produzidos pelas Empresas Multinacionais, mas também para a produção

voltada para a exportação, como a soja, óleos vegetais, sucos e frutas, carnes de aves e

bovinos (MAZZALI, 2000), privilegiando também a indústria química produtora de

fertilizantes e defensivos agrícolas. Inclusive Sá (1998) enfatiza que, no Brasil, o Estado

foi o principal “articulador” do processo de capitalização do campo, através dessas

políticas de incentivo.

Tal modernização, entretanto, se caracteriza como conservadora, tendo em vista

que ela privilegia apenas algumas culturas e regiões assim como alguns tipos

específicos de unidades produtivas, como as médias e grandes propriedades (SOTO,

2002, p. 11).

Vai ocorrer também no Brasil, por parte do Estado Autoritário, uma política de

incentivos fiscais ao capital que visa a incrementar a exportação de produtos agro-

industriais, além da ajuda de órgãos de pesquisa do Governo, como a Empresa

Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e a Empresa de Assistência Técnica

e Extensão Rural (EMATER), com vistas a trazer inovações biológicas voltadas

principalmente para os produtos constantes na pauta de exportações.

Essa política de intervenção a partir da atuação do Estado Autoritário, para fazer

presentes os meios necessários e incorporar o País na Revolução Verde, também

aconteceu no nordeste do Brasil.

Revolução Verde no Nordeste com a atuação do Estado através de Políticas Públicas

Para se ter as condições propícias para o desenvolvimento da Revolução Verde

no Nordeste, o Estado teve que intervir com uma série de políticas públicas para

dinamizar a Agricultura da Região e possibilitar a sua entrada no Sistema Global de

Acumulação Capitalista. Para tanto, conforme se verá abaixo, foi necessário um rápido

processo de periodização das políticas públicas impostas à Região no século XX,

percebendo-se, dessa forma, a evolução da atuação do Estado no espaço nordestino e

seu processo de intervenção voltada para a modernização da Agricultura em moldes

conservadores.

O período que vai do início do século XX até a década de 1950 corresponde à

Fase Hidráulica, na qual a ação governamental na Região tendeu a assumir a postura

predominante de uma “luta contra as secas”, em detrimento de quaisquer outros

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

objetivos. Com essa finalidade, órgãos oficiais foram criados desde 1909, sendo o

primeiro a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), inspirada no Reclamation

Service, surgido nos Estados Unidos em 1902, que depois, no Governo Epitácio Pessoa

(1919-22), foi transformada em Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS).

Em 1945, esse órgão passou a denominar-se “Departamento Nacional de Obras

Contra as Secas” (DNOCS), para reforçar essa estratégia de intervenção, cuja limitação

principal tem sido a visão dominante de que a solução seria de natureza apenas

“hidráulica”, em detrimento de uma política séria de desenvolvimento capaz de intervir

no processo que gerava a pobreza do homem rural nordestino (NOSSA HISTÓRIA,

2005; POMPONET, 2009).

Mas, não obstante essa visão predominante, Castro (1984, p.200-201), já

observava tentativas de fruticultura irrigada nas estações agrícolas experimentais da

antiga Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, a partir da década de 1930. Segundo

este autor,

Provando que o meio ecológico permite a fruticultura com rendimentos compensadores, estão os resultados obtidos pelas estações agrícolas experimentais da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. As tentativas de fruticultura realizadas nas terras irrigadas pelos grandes açudes têm surpreendido aos próprios técnicos encarregados deste serviço. O agrônomo José Augusto Trindade, que chefiou este serviço, escrevera em 1937 as seguintes palavras: “A fruticultura está fadada a constituir um dos recursos de exploração mais rendosos das bacias de irrigação dos açudes. Mas, além de riqueza, ela tem no sertão uma alta finalidade humana. As frutas e as hortaliças em toda parte constituem alimento indispensável à saúde e à eficiência do trabalho humano, mas no sertão tal exigência sobe de grau devido ao clima cálido e à alimentação concentrada, pobre em vitaminas e minerais. De sorte que o estímulo da pomicultura nas áreas irrigáveis tem uma finalidade social de alta monta: tornar acessível às populações sertanejas um alimento saboroso e dotado de tantas propriedades higiênicas. Penso, entretanto, que a produção de frutas nas bacias de irrigação não deve apenas visar o abastecimento das feiras sertanejas. Não é desarrazoado prever que as laranjas do sertão, graças à qualidade finíssima que os nossos ensaios entremostram, conquistem os mercados das capitais e das cidades principais do Nordeste.

Em 1948, há um início de indicativo de mudança dessa política com a criação da

Comissão do Vale do São Francisco (hoje, Companhia de Desenvolvimento dos Vales

do São Francisco e do Parnaíba - CODEVASF), fortemente influenciada pelo Tenessee

Valley Authority (TVA), cujo objetivo era desenvolver a área do rio; e da Companhia

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Hidroelétrica do Vale do São Francisco (CHESF), para produzir e distribuir energia

elétrica para a região (SOUZA, 1997; CARVALHO, 2001).

Segundo Elias (2001), a fase hidráulica possibilita, através da construção de

açudes por todo o Nordeste, a perenização de alguns rios e a realização de uma

agricultura irrigada de pequena dimensão técnica e econômica quase exclusivamente

voltada para a subsistência. Essa fase marcava o início do Meio Técnico no espaço

agrícola.

Mas a Fase Hidráulica também serviu para a preservação da estrutura fundiária

regional, extremamente concentrada, e de sua base técnica arcaica de produção,

mantendo intocável também “a força política das oligarquias agrárias, que se

sustentavam com a difusão da ‘indústria da seca’, explorando a miséria nordestina, base

para a formação e manutenção do coronelismo que legitimava localmente o poder

central.” (ELIAS, 2001, p.8).

Na segunda metade da década de 1950 vai ter início uma estratégia de

desenvolvimento regional, com a criação do Grupo de Trabalho para o

Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) pelo Governo Federal, em 1956. Isto só se torna

possível devido ao medo da instabilidade na região com a gritante desigualdade em

relação a São Paulo e principalmente com o avanço das Ligas Camponesas e seus ideais

comunistas pelo campo nordestino.

Com o surgimento, em 1959, do Relatório do GTDN, intitulado “Uma Política

de Desenvolvimento Econômico para o Nordeste”9, começava a elaboração de uma

estratégia de desenvolvimento regional, que culminaria, no mesmo ano, com a criação

da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE)10. Esse órgão foi

responsável pela “elaboração de inúmeras políticas públicas visando expandir as

condições técnicas e econômicas necessárias à modernização da agropecuária, entendida

como a expansão do capitalismo no campo.” (ELIAS, 2001, p.8).

No seu plano de ação inicial, o GTDN recomendou a adoção de políticas que

realizariam a tão necessária transformação do Nordeste. Essas medidas consistiam em:

a) intensificação dos investimentos industriais para criar um centro manufatureiro 9 Esse relatório, inteiramente escrito por Celso Furtado, diagnosticava que as desigualdades socio-econômicas regionais eram mais intensas entre o Centro-sul e o Nordeste. Acrescentava ainda que a economia nordestina estava crescendo a um ritmo inferior ao do Centro-Sul, com o que, mantidas as condições prevalecentes, aquelas disparidades tenderiam a aumentar cada vez mais (CARVALHO, 2001). 10 Criada em 1959, a SUDENE foi a principal instituição estatal responsável pela organização e planejamento das políticas públicas de modernização do espaço nordestino. Teve como mentor e coordenador o economista Celso Furtado (CARVALHO, 2001).

Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

autônomo; b) garantia, por meio de uma mudança radical na economia agrícola da Zona

da Mata (Reforma Agrária), de uma oferta adequada de alimentos que viabilizasse o

crescimento dos centros urbanos e da industrialização; c) transformação da economia

das áreas semiáridas, no sentido de elevar sua produtividade e de torná-la mais

resistente ao impacto das secas; e d) deslocamento da fronteira agrícola, visando a

incorporar à economia da região as terras úmidas da hinterlândia maranhense, em

condições de receber os excedentes populacionais criados pela reorganização na faixa

semiárida (GTDN apud CARVALHO, 2001).

Para cumprir o que recomendava o GTDN para o desenvolvimento do Nordeste,

quatro Planos Diretores de Desenvolvimento Regional foram elaborados e aprovados

pelo Congresso, com a finalidade de servirem de orientação para as ações que viriam a

ser implementadas pela SUDENE.

A seguir, serão analisados sucintamente os referidos Planos, no que diz respeito

ao Setor Agrícola:

O primeiro Plano Diretor (1961-63) visava ao aproveitamento racional dos

recursos hídricos, à reestruturação da economia agrícola, à racionalização do

abastecimento e a uma política de colonização. Esse Plano deu maior ênfase à infra-

estrutura, principalmente a estradas, energias e comunicações, para possibilitar que

posteriormente se realizasse um grande volume de investimentos na região.

O segundo Plano Diretor (1963-65) institucionalizava o Crédito Rural11,

vinculando a este a compra de insumos agrícolas, como agrotóxicos, fertilizantes,

sementes melhoradas e maquinário. Além disto, esse Plano também ampliou o Sistema

de Incentivos Fiscais, dando permissão às pessoas jurídicas de deduzirem até 50% nas

suas declarações de rendas, para aplicação em projetos agrícolas. Mas, em função das

dificuldades de se intervir na questão agrária (pela força da oligarquia agrária), questões

11 “A institucionalização do crédito rural no Brasil data de 1965, quando o Governo Federal aumentou os estímulos, incentivando a modernização agrícola e facilitando o acesso à aquisição dos novos insumos técnicos e intelectuais. O Decreto 58.380 de 10/05/1966 regulamenta a Lei 4.829 de 1965 e estabelece os objetivos do crédito rural. Entre eles estavam: estimular investimentos rurais, favorecer o custeio da produção e comercialização, fortalecer produtores rurais e incentivar a modernização. De fato, esses incentivos provocaram o aumento do consumo de agrotóxicos e a expansão das grandes empresas agropecuárias, pois os empréstimos eram cedidos aos produtores mediante a compra de novos insumos. Os produtores rurais se viam obrigados a endividar-se com o SNCR (Sistema Nacional de Crédito Rural), adquirindo os novos insumos para se manterem competitivos no mercado. A compra pelo agricultor desses insumos é condição para o seu acesso aos recursos, já que o Manual de Crédito Rural estipulava que 15% do orçamento do custeio seriam utilizados no emprego de agrotóxicos, serviços de aviação agrícola, fertilizantes, sementes melhoradas, eletricidade etc. Tal fato vem reforçar a idéia de que a política de crédito rural nos anos 1960-70 beneficiou sobretudo as multinacionais do setor químico presentes no Brasil.” (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p.383).

Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

como a colonização do Maranhão e o ataque direto aos problemas agrícolas regionais

ficaram em plano secundário (SANTOS; SILVEIRA, 2001; CARVALHO, 2001).

Todavia, no meio desse Plano Diretor ocorre o Golpe Militar (1964) e com ele a

mudança da estratégia de desenvolvimento regional para o Nordeste. Faz-se sentir, após

o golpe, uma crescente diminuição do poder institucional da SUDENE e a implantação

da Modernização Conservadora no campo, com a inviabilização da reforma agrária.

Os projetos de reforma fundiária na Zona da Mata para a produção de alimentos

e de colonização das terras úmidas do Maranhão pelos excedentes populacionais do

Semiárido jamais serão postos em prática. Hoje se observa a mesma concentração

fundiária de centenas de anos atrás na referida Zona, como também, nas terras úmidas

do Maranhão, a agricultura de grãos de exportação principalmente pela grande

propriedade.

No Governo Militar, a redução das desigualdades regionais é posta de lado, o

sistema de incentivos, que era restrito à Amazônia e ao Nordeste, passa a ser difuso,

setorial e muitas vezes localizado nos centros mais desenvolvidos do País. Um exemplo

disto é a instituição, em 1965, do novo Sistema Nacional de Crédito Rural, que

subsidiava principalmente os modernos segmentos voltados para a exportação, que eram

basicamente localizados na agricultura moderna de São Paulo e do sul do País

(CARVALHO, 2001).

O terceiro Plano Diretor (1965-67), por sua vez, aumentava as atividades de

extensão rural e reestruturação agrícola. Em 1968, em plena vigência desse Plano, o

Grupo Executivo de Irrigação para o Desenvolvimento Agrícola (GEIDA) fez um

levantamento de áreas irrigáveis para a reestruturação agrícola. “Para a reestruturação

da economia agrícola nordestina, destacava-se a continuação dos projetos de irrigação

do Submédio São Francisco, o desenvolvimento integrado do Vale do Jaguaribe e dos

incentivos às pesquisas de experimentação agronômicas.” (SOUZA, 1997, p. 503).

Já o quarto Plano Diretor (1969-73) direcionava estudos para o estabelecimento

de uma política de água, um reforço à política de expansão da oferta de terras

agricultáveis, através da ampliação do número de projetos de irrigação e para uma

racionalização do abastecimento de gêneros alimentícios.

Houve diversos problemas de execução das metas dos Planos Diretores por falta

de articulação entre a SUDENE e as diversas regiões do Nordeste. Desses problemas

ficam mais evidentes o problema de escassez dos recursos orçamentários e as limitações

dos esforços no sentido de coordenar as políticas de desenvolvimento regional.

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

A década de 1970 vai marcar um estilo de Planejamento Centralizado em nível

federal, com a instituição do Sistema Nacional de Planejamento em 1969. A partir desse

momento, observa-se, de forma clara, a perda de poder da SUDENE.

No que diz respeito à política para o Setor Rural, a década de 1970 se

caracterizou por um conjunto de iniciativas voltadas para a modernização da

Agricultura Brasileira, mantendo intocável a estrutura agrária existente. Esse processo

passou a ser denominado de “modernização conservadora.” Para executar essa

modernização, o Estado Brasileiro empreendeu, a partir de 1973, a implantação de um

sistema de planejamento agrícola, de pesquisa e de extensão. Para isto, empreendeu a

criação de Comissões Estaduais de Planejamento Agrícola, da EMBRAPA e da

Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER). Em vez de

Planos Diretores, os anos de 1970 trazem a elaboração de Planos de Desenvolvimento

do Nordeste, com as diretrizes regionais compatibilizadas com as do Planejamento

Nacional. Tais Planos foram inseridos nos Planos Nacionais de Desenvolvimento - os

famosos PNDs (GRAZIANO, 1981 apud SOUZA, 1997).

No I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), são definidos dois tipos de

Programa: o de Integração Nacional (PIN) e o de Redistribuição de Terras e de Estímulo

à Agroindústria do Norte e Nordeste (PROTERRA).

O PIN continha cinco linhas de ação, das quais duas eram direcionadas para o

Nordeste: o Plano de Irrigação do Nordeste, destinado ao aproveitamento dos vales

úmidos da Região e também à elevação da produtividade da faixa semiárida; e a

implantação de corredores de exportação por todo o Nordeste (SOUZA, 1997).

O PROTERRA continha duas linhas principais: a compra e desapropriação de

terras e a concessão de créditos a juros subsidiados pelo Governo. Esse Programa visava

a implantar projetos agrícolas com sentido empresarial e também financiar, a longo

prazo e com juros baixos, os projetos agropecuários, a expansão da Agroindústria e da

exportação. Visava também à aquisição de terras ou desapropriação para venda por

parte de pequenos e médios produtores rurais, além de empréstimos a estes. No entanto,

segundo Carvalho (2001, p.56),

O que se observou foi que quase todos os recursos do PROTERRA foram utilizados para estradas, usinas hidrelétricas e linhas de transmissão. A pequena parcela de recursos aplicada na agricultura foi destinada a médios e grandes proprietários, sendo desprezível a redistribuição de terras para os pequenos agricultores. Houve, ao contrário, um aumento da concentração da terra.

Page 57: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

O II PND continuou com os dois Programas lançados no I PND e lançou dois

novos, a saber: O Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste

(POLONORDESTE) e o Programa Especial de Apoio ao Desenvolvimento da Região

Semiárida do Nordeste (Projeto “Sertanejo”). Esses programas novos, chamados de

especiais, foram concebidos de forma centralizada e fora do âmbito do planejamento

regional, que tem como órgão coordenador a SUDENE - o que reflete o aumento do

poder central e a crescente marginalização da SUDENE nos processos de decisão. Esses

dois Programas receberam recursos do PROTERRA.

Vale lembrar que, nesse mesmo ano de lançamento do II PND (1974), foi criado

pelo Governo Federal o Sistema FINOR, pelo qual, através de um sistema de deduções

de imposto de renda pessoa jurídica, da ordem de até 24%, a empresa privada passava a

ser quotista do fundo de investimento do Nordeste, que chegou a patrocinar inúmeros

projetos de inserção de empresas nessa região (CARVALHO, 2001)

O POLONORDESTE, criado em 1974, tinha como objetivo promover o

desenvolvimento e a modernização das atividades agropecuárias de algumas áreas

consideradas prioritárias do Nordeste, transformando progressivamente a agropecuária

tradicional em moderna economia de mercado (PIMES apud CARVALHO, 2001).

Entre as propostas, buscava-se com esse projeto a reorganização agrária e a

complementação da infraestrutura, da pesquisa, da assistência técnica, do crédito e da

comercialização. Os polos seriam áreas selecionadas, denominadas “áreas integradas”,

nas quais seriam realizados esforços concentrados, com o objetivo de transformá-las em

polos de desenvolvimento rural. Essas áreas teriam seus efeitos irradiados para as áreas

circunvizinhas. Em cada polo, ter-se-iam ações para a construção de estradas, armazéns,

obras de eletrificação, além do crédito, da extensão, da pesquisa e da experimentação

agrícola (SOUZA, 1997). Esse Programa se constituiu num divisor de águas nas

políticas públicas orquestradas pelo Estado Autoritário, por ser um marco da

intervenção do Banco Mundial na Agropecuária Nordestina, quando o então Estado

Brasileiro deixaria de ser “autoritário ativo” para ser um mero intermediário das

Políticas Internacionais. A partir desse momento, órgãos supranacionais vão intervir

diretamente nas políticas públicas relacionadas à modernização da Agricultura no

Nordeste.

O principal problema que o POLONORDESTE apresentou, sem dúvida, foi o de

não ter contemplado qualquer modificação na estrutura agrária, limtando-se à

implantação da infraestrutura, seguida do crédito vinculado à assistência técnica e à

Page 58: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

extensão rural. Como resultado, os principais beneficiários foram os médios e grandes

proprietários (CARVALHO, 2001).

O Programa Especial de Apoio ao Desenvolvimento da Região Semiárida

(Projeto Sertanejo), criado em 1976, tinha como objetivo principal tornar a economia da

região do Semiárido Nordestino mais resistente às secas, mediante, principalmente, a

associação da agricultura irrigada com a agricultura seca. Sua população-meta seria a

pequena e média unidade produtiva agropecuária do Semiárido. O Projeto Sertanejo

estabeleceu estreita articulação com o POLONORDESTE e suas ações deveriam ser

executadas com base nos núcleos de prestação de serviços desenvolvidos a partir dos

projetos de irrigação do DNOCS, principalmente. Tal Projeto teve a participação de

técnicos da SUDENE, diferentemente de outros programas da mesma época.

O referido Programa dividiu a população beneficiada em quatro estratos, quais

sejam: I) trabalhadores sem terra e assalariados; II) pequenos proprietários; III) médios

proprietários até 500 hectares; IV) proprietários de terras com mais de 500 hectares que

proporcionem acesso aos estrados I e II.

O que se observou no final foi que o Programa concentrou 80% dos benefícios

nos estratos III e IV (com a construção de açudes e poços e com a concessão de crédito

subsidiado destinado a financiar a modernização dos processos produtivos), enquanto a

maioria dos agricultores que estavam nos dois primeiros estratos ficou apenas com 20%

dos benefícios. Em geral, nenhum programa implantado nessa época resolveu o

problema fundiário do Nordeste. Ao contrário, as políticas adotadas no contexto da

Modernização Conservadora reforçaram a grande propriedade (CARVALHO, 2001).

Além dos anteriormente citados, três outros Programas Especiais, voltados para

o meio rural, foram criados. São eles: o Programa Especial de Apoio às Populações

Pobres das Zonas Canavieiras do Nordeste (PROCANOR), o Programa de

Aproveitamento de Recursos Hídricos (PROHIDRO) – cujo principal objetivo era

armazenar água, com a construção de açudes pequenos e médios -, o Programa de

Emergência, que visava a prestar auxílio às populações atingidas pelas secas no início

dos anos de 1980.

Além desses três Programas Especiais adicionais, o Estado lançou, em 1978, o I

Programa Plurianual de Irrigação (PPI), financiado pelo PIN (criado no I PND). Este e

outros Programas de Irrigação coordenados pelo DNOCS se comprometem com a

transformação tecnológica e gestação de polos de desenvolvimento agrícola e negam a

experiência camponesa, pois

Page 59: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

O gerenciamento do Estado sobre os recursos hídricos no semi-árido viabilizou a generalização de empreendimentos privados de irrigação. Aos capitais coube condições favoráveis de acesso a terra e a água, permitindo o uso de técnicas modernas que, minimizando a sazonalidade, aproximaram a produção do padrão industrial (VALENCIO,1995, p. 46).

O PPI incluiu 36 Projetos do DNOCS localizados no Polígono das Secas,

havendo prioridade de verbas para os projetos hídricos nos vales úmidos, como:

Gurgueia e Parnaíba (PI), Acaraú e Jaguaribe (CE), Itapicuru e Rio das Contas (BA) e

Açu e Apodi (RN). Com esses projetos hídricos, tem-se a intensificação da

concentração da estrutura agrária nos vales úmidos do Semiárido, como aconteceu no

Vale do Açu.

O objetivo desses Projetos era a construção de perímetros irrigados públicos,

onde o Estado investiria em fixos associados à irrigação (canais, barragens, perímetros

irrigados) e em políticas voltadas para a assistência técnica, a extensão e o crédito.

Nesse momento

[...] da adoção do modelo de irrigação pública, baseado em grandes perímetros irrigados, havia resquícios de preocupações sociais, mesmo que fundamentado em uma política assistencialista. Dessa forma, parte significativa dos lotes eram distribuídos para produtores e suas famílias. O DNOCS foi o grande gestor do perímetro, responsabilizando-se pelas diferentes necessidades para seu funcionamento, desde a execução das obras de engenharia. Formaram-se várias associações de produtores, especialmente cooperativas, mas tinham pequena participação nas tomadas de decisão (ELIAS, 2002b, p. 298).

Mas, apesar do relativo sucesso em alguns projetos hídricos, outros acabaram

sem o perímetro irrigado público e com as terras à mercê da especulação imobiliária,

como foi o caso de Ipanguaçu.

Deu-se ênfase também no II PND aos Programas de Desenvolvimento da

Agroindústria e Reforma Agrária e da Pesquisa Agropecuária através da EMBRAPA.

No final da década de 1970, os resultados desse Plano não chegaram ao esperado, pelas

dificuldades técnicas para a definição e execução das políticas públicas.

Os anos de 1980 são marcados pelo surgimento da Crise Fiscal do Estado e do

Novo Padrão de Crescimento. Nesse contexto, os primeiros anos, assim como boa parte

da década de 1980, se caracterizaram por um período de forte recessão. No Nordeste,

ainda em fins dos anos 70, acontece uma seca de grandes dimensões (1979-83),

desorganizando fortemente a economia agrícola do Semiárido. Depois, já em princípios

Page 60: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

da década de 80, o Brasil foi atingido por uma de suas maiores crises econômicas,

caracterizada por baixo crescimento médio, recessão e elevação do desemprego

(CARVALHO, 2001).

No contexto da crise, o movimento camponês ressurge: trabalhadores e

pequenos proprietários do campo, contando com o apoio de sindicatos e da Igreja,

manifestam-se contra o Programa de Emergência. Isso faz com que o Estado volte a

insistir nos seus Programas Especiais, quando então é reapresentada a questão hidráulica

– inclusive, nessa época (1983), é apresentada ao Conselho Deliberativo da SUDENE,

pelo Ministro do Interior Mário Andreazza, a proposta da transposição das águas do Rio

São Francisco para a região semiárida (CARVALHO, 2001).

Com a crise, o Estado, ao mesmo tempo que corta significativamente os gastos

na Área Agrícola, procura buscar saldos comerciais crescentes no Setor Agrícola para

pagar a dívida externa. Desta forma, consegue direcionar alguns investimentos e

incentivos para as culturas de exportação. Isto se pode notar com a continuação dos

Programas que já existiam, como o POLONORDESTE e o Programa de Apoio ao

Pequeno Produtor Rural (PAPP), os quais vão ter a participação do Banco Mundial,

como um dos agentes financiadores e diretamente interessado nessa política de

exportações.

O PAPP surge dentro de um programa maior, chamado de “Projeto Nordeste”.

Este é criado em 1985, sob forte ingerência do Banco Mundial, tanto na concessão de

crédito como na administração das prioridades do Programa. Previa a implantação de

cinco Programas, quais sejam: i) o PAPP, ii) o programa de apoio aos pequenos

negócios; iii) o programa regional de educação rural; iv) o programa regional de saúde;

v) e o programa de saneamento rural (CARVALHO, 2001).

De fato, apenas o PAPP chegou a ser executado pelo referido Projeto. Esse

Programa, embora tivesse o objetivo de garantir ao pequeno produtor rural acesso à

posse e ao uso da terra através da ação fundiária, crédito e difusão de tecnologias, foi

prejudicado por problemas como: ineficiente esquema de administração financeira, com

atrasos na liberação dos recursos e cortes de dotações durante o exercício financeiro,

escassez de recursos para aplicação em crédito rural, dentre outros.

Nesse período de crise, começa a ser incentivada pelo Estado a irrigação

privada, orientada para o Mercado, já que se precisava de saldos positivos na Balança

Comercial para pagar a dívida externa e também por não se dispor de muitos recursos

disponíveis. Existiam dois Programas voltados para a irrigação privada, a saber: o

Page 61: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Programa Nacional de Aproveitamento Racional de Várzeas Irrigáveis

(PROVÁRZEAS), em 1981, e o Programa de Financiamento para Equipamentos de

Irrigação (PROFIR), em 1982.

O objetivo maior da irrigação privada “[...] é a busca da competitividade para o

agronegócio globalizado, centrada na expansão de uma agropecuária intensiva em

capital e tecnologia nas manchas irrigáveis, encabeçada pela iniciativa privada.”

(ELIAS, 2002a, p. 26).

Em relação aos perímetros irrigados públicos já constituídos,

com o redirecionamento político do Governo Federal na década de 80, visando um Estado menos intervencionista, mudou o âmago da política de irrigação e buscou-se erigir novos modelos de gestão para os perímetros irrigados. Iniciaram-se estudos tendo em vista a emancipação dos existentes, com o objetivo de transferir aos produtores a responsabilidade pela operação, manutenção e gerenciamento dos projetos públicos de irrigação, privilegiando a administração privada, por parte de empresários, e empresas agrícolas e agroindustriais (ELIAS, 2002b, p. 298).

Com a queda do cultivo do algodão nos perímetros irrigados, ocorrida na década

de 1980, foi incentivada, nesses perímetros, a fruticultura tropical para o mercado

interno e externo, apontada como uma das possíveis soluções para a agricultura do

Semiárido Nordestino. Entre as vantagens comparativas da Região, apontam-se suas

condições naturais (altas temperaturas, baixa umidade relativa do ar, luminosidade

acentuada), a grande quantidade de terras agricultáveis ociosas e baratas e a tecnologia

de irrigação. Essas condições permitiriam a produção de frutos de boa qualidade durante

o ano todo, eliminando a entressafra, que pode ser organizada de acordo com a demanda

nacional e internacional (ELIAS, 2002b).

Pode-se observar, pelo exposto acima, que a inserção da fruticultura para

exportação nos perímetros irrigados ganha intensidade na década de 1980, inserindo

definitivamente o Brasil e o Semiárido Nordestino no comércio global de frutas frescas.

Abaixo, no próximo item, vai se observar como estava o processo de

globalização das frutas frescas durante a Revolução Verde no Mundo.

Globalização das Frutas durante a Revolução Verde

Page 62: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Após a Segunda Guerra Mundial, tem-se um novo contexto no mercado de frutas

de modo geral. Conforme Murray (2006), nesse momento é inaugurado o Segundo

Regime Frutícola, com o uso intensivo do modelo fordista de produção nas frutas.

Como se observa no Quadro 7, Murray divide o comércio globalizado de frutas

em 3 períodos, dos quais um se inicia na Época Colonial (1780-1945), o outro, após a

Segunda Guerra Mundial com a Nova Divisão Internacional do Trabalho, a

desconcentração das indústrias e manufaturas e o fortalecimento do modelo fordista de

produção de massa, e o terceiro, na década de 1980, com a emergência do modelo pós-

fordista de produção (acumulação flexível) e o uso intensivo da biotecnologia.

Quadro 7 - Regimes Frutícolas: Quadro Cronológico Regime Frutícola/Cronologia Características 1º Regime Frutícola (1780-1945) Baseado na Divisão Colonial do Trabalho.

Transporte de frutas exóticas. Bananas vinham da América Latina e Caribe, Sudeste da Ásia e algumas partes da África para a Europa e Estados Unidos. Muitas vezes vinham de enclaves.

2º Regime Frutícola (1945-1980) Nova divisão Internacional do Trabalho. Agricultura Intensiva, globalizada na periferia e subsidiada no centro. Utilização intensiva do modelo fordista de produção em massa. Emergência do consumo de massa. Multinacionais procuram ativamente lugares no mundo que tenham baixos custos com mão-de-obra e recursos naturais. Muitos países subdesenvolvidos reorientam seus sistemas de produção agrícola para satisfazer a demanda por frutas no centro desprezando a produção doméstica de comida e gerando problemas de segurança alimentar.

3º Regime Frutícola (1980 - ) Grande importância da biotecnologia para satisfazer demandas de nicho, frutas exóticas. Múltiplas estratégias de suprimentos: com o uso de modelos fordistas de produção em massa ao mesmo tempo que se usam modelos pós-fordistas de diferenciação e inovação do produto (produtos orgânicos etc).

Fonte: Murray (2006).

O sistema de produção de massa, com mão-de-obra mal remunerada e terras

baratas, operado desde o início do século XX pelas grandes corporações bananeiras dos

Page 63: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Estados Unidos - a United Fruit (hoje chamada Chiquita) e a Standart Fruit (hoje Dole)

-, se expande pelo mundo todo no Segundo Regime Frutícola; ao mesmo tempo, dá-se a

concentração do mercado frutícola em poucas empresas globais - todas elas sendo

grandes empresas bananeiras.

Durante esse período, tem-se a explosão do consumo mundial de frutas frescas e

vegetais. Como se observa no Quadro 8, a exportação mundial de frutas sai do patamar

de mais de 1 bilhão e 500 mil dólares no início da década de 1960 para, vinte anos

depois, chegar a mais de 8 bilhões - um aumento de quase 600% no consumo de frutas

frescas em um intervalo de duas décadas.

Quadro 8 - Frutas Frescas e Vegetais, média trienal de valores exportados no Mundo entre 1963 e 1985 (US $000s) 1961-1963 1970-1972 1975-1977 1983-1985

Frutas 1.565.290 2.833.285 5.778.681 8.424.558

Vegetais 773.631 1.452.058 3.108.964 4.476.262

Fonte: Islam apud Friendland (1994)

Para explicar tal aumento no consumo de frutas, tem-se a emergência de novos

fatores sociais, culturais e até tecnológicos, que vão guiar a globalização das frutas e

bananas durante esse novo período da globalização. São eles:

1- Fatores Sociais e Culturais – evolução da Classe Média, que passa a ter

contato com novas frutas em viagens internacionais, influência de hábitos saudáveis,

imigrantes que trazem novos hábitos alimentares, envelhecimento da população no

Hemisfério Norte e preocupação desta com hábitos saudáveis, como o consumo de

frutas (FRIEDLAND, 1994; MURRAY, 2006);

2 - Fatores Tecnológicos – desenvolvimento de sistemas integrados de

abastecimento desde a fazenda até o supermercado, com o uso da refrigeração,

facilitando assim o transporte de perecíveis a longa distância; e transferência de

tecnologia de produção para os Países Subdesenvolvidos através das Multinacionais

(FRIEDLAND, 1994; MURRAY, 2006);

3 - Fatores Econômicos – crescimento da demanda disponível (não sendo as

frutas vistas mais como um produto de luxo) e aumento da mobilidade do capital

(investimento estrangeiro) através principalmente das grandes Corporações

Multinacionais de Banana que começam a diversificar suas operações com outras frutas

(FRIEDLAND, 1994; MURRAY, 2006).

Page 64: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

É importante frisar, também nesse período, o surgimento de um Sistema Dual de

produção e consumo de alimentos, composto, de um lado, por um estrato privilegiado,

com alta educação e experiência de viagens pelo Mundo - estrato este que também tinha

grande preocupação com a alimentação de qualidade, segura e variada – e, por outro,

“todo o resto”, que era menos privilegiado, com baixo nível educacional e menos

informações sobre a segurança alimentar (FRIENDLAND, 1994).

Segundo Friendland (1994), as duas categorias estão envolvidas no sistema

fordista de produção, só que a categoria mais privilegiada tem mais escolhas de frutas e

dispõe de todo um marketing exclusivo, com produtos diferenciados, que seguem um

processo de produção padronizado nos moldes fordistas, embora tenham na sua

embalagem e na forma de se mostrar ao público a aparência de artesanais - é o chamado

“Novo Fordismo”, ou “Sloanismo”12 (volume e diversidade), a chamada “padronização

com escolhas”, que contrasta com a homogeneização dos consumidores menos

privilegiados.

As bananas

Depois da Segunda Guerra Mundial, observa-se no mercado globalizado de

bananas, mais precisamente a partir da década de 1950, uma mudança significativa, com

a substituição da variedade de banana predominante nas grandes monoculturas para a

exportação. A Gross Michael vai ser substituída pela Cavendish progressivamente,

devido às constantes pragas que atingiam a primeira. Essa nova variedade vai requerer

uma ação mais intensiva de capital, trabalho, cuidados químicos e água, o que vai

dificultar ainda mais a vida dos pequenos produtores, centralizando cada vez mais mais

a produção, além de aumentar os problemas de saúde dos trabalhadores em contato com

esses produtos químicos (STRIFFLER; MOBERG, 2003).

12 “As estratégias de “volume de produção” e “diversidade” eram consideradas incompatíveis até que Sloan, presidente da General Motors de 1923 a 1946,eliminou a contradição através da comunização do maior número possível de peças não perceptíveis pelo consumidor, diferenciando apenas carrocerias, acabamentos interiores e acessórios. Esta estratégia tem sucesso se a diversidade superficial é comercialmente aceitável, o que implica em uma diferenciação moderada da demanda, que ocorre em países onde a distribuição de renda nacional é coordenada nacionalmente e moderadamente hierarquizada. A mão-de-obra deve ser numerosa, capaz de aceitar a polivalência necessária para a montagem de variantes de produção. Estas condições ocorreram em muitos países de 1940 a 1980” (SAMPAIO E FARIAS FILHO, 2008).

Page 65: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

A variedade Cavendish também era muito susceptível a machucados durante o

transporte. Por essa característica vai surgir a caixa “Box” de bananas e, daí, o “parking

house”, em 1957, para evitar esses machucados. Novos empregos vão surgir a partir de

tal melhoramento tecnológico, que vai se estender para toda a cadeia de frutas

(KOEPPEL, 2008; SOLURI, 2003; WILEY, 2008).

Também por isto, acentua-se nessa época uma divisão do trabalho que já era

presente na cadeia de bananas e frutas (ver Quadro 9). Nela se observa que a produção

de banana se concentra nos Países do Sul (subdesenvolvidos) e a de caixas, defensivos,

estradas de ferro, caminhões e navios refrigerados, no Norte (Países Desenvolvidos).

Quadro 9 - Divisão do Trabalho na cadeia das banana

Fonte: Koeppel, (2008); Soluri, (2003); Wiley, (2008)

Além disto, as Multinacionais desse Setor exercem historicamente forte

influência política em Países do Sul. Um exemplo dessa influência se deu na década de

1950, com um golpe de estado patrocinado por uma grande Multinacional de banana e

frutas: o Golpe Militar da Guatemala de 1954. Esse Golpe, tramado com a ajuda da

Multinacional United Fruit (hoje Chiquita) e dos Serviços de Inteligência dos Estados

Unidos - leia-se CIA - teve como motivo principal a desapropriação de mais de 160.000

ha de terras não cultivados da Multinacional pelo Governo Democrático da Guatemala,

para fins de reforma agrária, que iria atender a mais de 100.000 famílias (KOEPPEL,

2008; WILEY, 2008).

Após esse Golpe e a posterior repercussão negativa para toda a região, o

Departamento de Justiça dos Estados Unidos trata de instaurar uma ação antimonopólio

contra a United Fruit, devido ao poder dessa Empresa, que nesse momento controlava

não só 80% do mercado de banana dos Estados Unidos, mas também do de diversos

países da América Central, através de ingerência política nesses golpes de estado,

tráfico de influência e suborno (WILEY, 2008).

Em decorrência de tal ação do Departamento de Justiça (que forçou a

Multinacional a vender parte das suas terras na América Central) e do insucesso em

continuar por mais tempo com a variedade Gros Michael (atingida severamente por

- Caixas - Fertilizantes - Defensivos (Norte)

- Estradas de ferro - Caminhões - Navios Refrigerados (Norte)

Produção de Bananas (Sul)

Page 66: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

pragas como o “Mal do Panamá”), enquanto seus concorrentes já utilizavam a

Cavendish, a empresa acima citada passou a perder mercado nas décadas de 1960 e

1970 (KOEPPEL, 2009; WILEY, 2008).

Em 1968, entrava em cena a Multinacional Del Monte, com a compra de uma

firma na Costa Rica e das operações da United Fruit na Guatemala, tornando-se

rapidamente a 3ª maior no ramo bananeiro nos Estados Unidos. A outra concorrente da

United Fruit (hoje Chiquita), a Standard Fruit, é comprada pelo grupo Castle and Cook

Inc. - uma grande Multinacional com operações no Havaí, Equador, sendo sua maior

base as Filipinas.

Com isto, ocorre uma alteração significativa do mercado bananeiro e o

monopólio da United Fruit se reduz, sendo agora compartilhado com mais duas

empresas, formando assim um mercado oligopolista concentrado em três grandes

Multinacionais. São estas que hoje controlam uma boa parte do mercado de frutas

mundial (ver Quadro 10).

Quadro 10 - Mercado Americano por Maiores Importadores de Banana (%) Ano United Fruit

(Chiquita)

Standard Fruit

(Dole)

Del Monte Outros

1950

1973

80

34.6

8.9

40.8

-

15.6

11.1

7.2

Fonte: Wiley (2008)

Diante desta análise, pode-se perceber como ocorreu o processo de

modernização da Agricultura através da Revolução Verde, no âmbito do Fordismo, e

como o Brasil, e o Nordeste em particular, se inseriu nesse processo mundial, através da

vinda de tecnologias e de políticas públicas acionadas pelo Estado Autoritário para

viabilizar essa Revolução no País. Observa-se também como esse processo ocorreu no

ramo das frutas frescas no Mundo.

A partir de agora, analisar-se-á como se deu o aprofundamento do processo de

globalização na Agricultura através da intensificação do pós-Fordismo, da

desregulamentação dos mercados, da liberalização do comércio e do enfraquecimento

do Estado enquanto órgão regulador, ao mesmo tempo que ocorre o fortalecimento das

Corporações Multinacionais balizadas por órgãos supranacionais como o Fundo

Monetário Internacional (FMI) e a OMC.

Page 67: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

2.2.2 Liberalização do Comércio na Agricultura (1990 - )

No começo dos anos de 1970, vai se iniciar um processo de superação do

Fordismo, por causa da crise econômica gerada, entre outros fatores, pelo aumento dos

custos do bem-estar social e pelo aumento da competitividade nos mercados

internacionais, com a recuperação completa da Europa e da Ásia, no que diz respeito

aos estragos da Segunda Guerra Mundial. Esse processo vai se consolidar com a

liberalização dos mercados e do comércio na agricultura por mais de uma centena de

países, com a influência direta da Rodada Uruguai do Gatt e da formação da OMC na

década de 1990.

Organização Flexível da Produção

Com efeito, tem-se a implantação de uma organização flexível da produção,

denominada de pós-Fordismo, que vai se dar em um contexto de avanços tecnológicos,

com o advento da Microinformática, da Robótica, da Biotecnologia e, posteriormente,

com a Revolução da Tecnologia da Informação, que ocorre através da Microeletrônica,

da Computação, das Telecomunicações/Radiofusão, da Optoeletrônica e da Engenharia

Genética (CASTELLS, 2002). Todos esses avanços determinam um aumento

generalizado da produtividade.

A organização flexível da produção, que vai tomar forma a partir da década de

70, sendo muito difundida a partir da de 80, vai ser um dos pontos-mestres da

Globalização. Segundo Benko (1999), essa organização tem como características

(interna e externa à empresa): a flexibilidade funcional (com o empregado polivalente

exercendo várias funções), a flexibilidade da organização do trabalho (com uma linha

flexível de produção que se adapta aos tempos de crise e de abundância), a flexibilidade

do contrato de trabalho (utilizando várias medidas para diminuir o vínculo do

trabalhador com a empresa) e a dos custos com a mão-de-obra (com a relocalização das

empresas para regiões de baixos salários).

Outra característica muito importante da organização flexível da produção é com

relação à estruturação da própria empresa, que, em muitos casos, vai cortar custos

fazendo parcerias, subcontratação e franquias. Muitas empresas, aliás, vão se utilizar do

expediente da subcontratação para a redução de custos de encargos sociais e pressões

Page 68: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

trabalhistas; outras tantas vão se utilizar da parceria e de joint venture13, para dividir os

riscos das operações e algumas vão se utilizar de franquias terceirizadas para anular os

riscos das operações de venda e varejo (MAZZALI, 2000).

Alguns teóricos, contudo, observam que, há setores que ainda hoje se utilizam

de técnicas fordistas. Um exemplo disto se dá na produção agrícola, onde as principais

commodities14, mesmo com variações de qualidade, ainda produzem conforme esse

modelo. Boa parte da produção de frutas atual também assim procede, apesar de que,

em contraste, algumas variedades sejam adaptadas para nichos específicos de mercado

usando a biotecnologia (BONANNO, 1994; MURRAY, 2006).

É essa organização flexível que, por conta dos avanços tecnológicos, vai

possibilitar ao capitalista uma ação em tempo-real e instantânea. Permite-se, segundo

Santos (2002a, p. 224), que essa ação ocorra

[...] não apenas no lugar escolhido, mas também na hora adequada, [...] atribuindo maior eficiência, maior produtividade, maior rentabilidade, aos propósitos daqueles que as controlam. A idéia bastante difundida de ação just in time, deve ser completada com uma outra noção, a de ação just in place para dar conta dessa precisão das ações da qual depende a sua eficácia no mundo de hoje.

Tal ação em tempo-real e instantânea - just in time15 e just in place16- gera a

hipermobilidade do capital, que, segundo Cavalcanti (1999), pode deslocar rapidamente

sua base operacional ou plantas de fábricas de um lugar para o outro, ou deslocar

grandes somas de capital de um sistema financeiro de um país para outro, em questão de

segundos. Isso só é possível pelos avanços tecnológicos e pela abertura comercial em

voga.

Essa hipermobilidade do capital geralmente acontece para se evitarem limitações

e restrições que são demandadas por outros atores sociais, como os governos,

trabalhadores e movimentos sociais. Tal hipermobilidade vai gerar uma grande

13 “[...] trata da criação de uma empresa nova ou um acordo em que uma empresa entra com um tipo de ativo específico à sua propriedade (e.g., tecnologia, capacidade gerencial e organizacional) e outra com outro ativo (e.g., capital e capacidade mercadológica).” (sic) (GONÇALVES, 2000, p. 82). 14 “Em inglês, este termo significa, literalmente, ‘mercadoria’. Nas relações comerciais internacionais, o termo designa um tipo particular de mercadoria em estado bruto ou produto primário de importância comercial, como é o caso do petróleo, da carne, do café, do chá, da lã, do algodão, da juta, do estanho, do cobre etc.” (SANDRONI, 2000, p.275). 15 O termo just in time (produção apenas-a-tempo) originalmente se refere a um modelo da organização da produção inventado no Japão por Sei-ichi Ohno quando trabalhava na Toyota, em fins dos anos 1960. Esse modelo prega um sistema de controle de estoques com um mínimo de desperdício, no qual as partes e componentes são produzidos e entregues nas diferentes seções um pouco antes de ser utilizadas, assim diminuindo muito os estoques (BENKO, 1999). 16 O termo just in place é utilizado por Santos (2002a) para enfatizar o lugar onde as ações globais serão coordenadas, lugar este que é dinâmico, variando de acordo com as vantagens locacionais.

Page 69: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

vulnerabilidade para o bem-estar dos indivíduos e das comunidades nacionais, regionais

e locais, que a qualquer momento podem ser vítimas de uma fuga de capital (seja

financeiro, seja produtivo) em grande escala, o que deixa sua base econômica

completamente alterada.

É por conta dessa hipermobilidade do capital que se tem ultimamente, no

processo de globalização, uma intensificação da concorrência entre espaços, blocos e

empresas multinacionais que se utiliza de muitas estratégias do pós-Fordismo, inclusive

da subcontratação, diversificação e descentralização da produção, para procurar

vantagens locacionais em todo o Mundo (BENKO, 1999).

Outro fator que vai impulsionar a Globalização em âmbito mundial é a pressão

dos Organismos Internacionais, intensificada com o fim do Comunismo na URSS, no

final da década de 1980. Sem a concorrência da URSS, os EUA e os Organismos

Internacionais de Crédito, como o FMI e o Banco Mundial, passaram a condicionar toda

a ajuda que davam aos Países Subdesenvolvidos ao cumprimento da “Agenda

Neoliberal”, que visava a abrir as economias desses Países aos capitais estrangeiros e às

Multinacionais, através de privatizações de empresas estatais, desregulamentação das

atividades econômicas domésticas, liberação do comércio e dos investimentos

internacionais, queda nos impostos de importação etc. Com isto, o FMI impôs a sua

“cartilha” para mais de 80 países, inclusive a Rússia, o México, a Indonésia e o Brasil

(CASTELLS, 2002). Paralelamente à pressão do FMI e do Banco Mundial, surge, nos

anos de 1990, a OMC, que vai impor uma abertura econômica desigual em todas as

áreas, inclusive na Agricultura.

Essa Organização vai nascer, mais precisamente, em 1995, já com 149 membros

e 33 países observadores e quatro objetivos principais: o estabelecimento de regras para

governar o comércio internacional, um fórum permanente para negociar e monitorar a

liberalização comercial, uma melhoria da transparência nas políticas comerciais e a

resolução de disputa entre os membros (WILEY, 2008).

Com a disseminação da organização flexível, com os avanços tecnológicos e a

pressão de Organismos Internacionais (FMI, o Banco Mundial e a OMC), vai se dar um

salto qualitativo no núcleo da Globalização, que, segundo Castells (2002), envolve:

mercados financeiros, comércio internacional e produção transnacional.

Com a liberalização das economias e dos capitais e com os avanços

tecnológicos, os mercados financeiros se tornam globalizados, integrados 24 horas por

dia, com grandes volumes negociados, sendo a maioria deles extremamente volátil.

Page 70: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

A abertura imposta pelas pressões creditícias fez com que o comércio

internacional tivesse um progressivo aumento, principalmente com a internalização das

Empresas Multinacionais em todo o Mundo, seja pela compra, fusão ou entrada no

Mercado. Por causa disto, esse comércio nos dias atuais é dominado pelas

Multinacionais, estimando-se em 2/3 a participação dessas empresas nas exportações de

bens e serviços mundiais (DICKEN, 2002).

Em relação à Produção Transnacional, o advento da acumulação flexível e a

busca extremada pelo lucro máximo levaram as Multinacionais à internacionalização de

sua produção, distribuição e administração, procurando sempre as famosas “vantagens

locacionais”. Geralmente a produção fica em lugares subdesenvolvidos que oferecem

mão-de-obra barata e outras vantagens locacionais, como incentivos fiscais, creditícios

etc. A administração e o P&D, em geral, ficam nos lugares centrais.

No último quarto do século XX, o crescimento do comércio internacional deu-se

muito rápido, devido às sucessivas rodadas de liberalização comercial empreendidas

pelo Gatt, posteriormente pela OMC e também pelas pressões do Banco Mundial e do

FMI.

Essa liberalização é um elemento central dos Programas de Ajuste Estrutural

(PAEs), em cuja implementação o Banco Mundial e o FMI insistem como condição

para os Países Subdesenvolvidos receberem ajuda financeira, perdão da dívida e

investimento.

Liberalização do Comércio na Agricultura: FMI, Gatt e OMC

O Banco Mundial e o FMI propuseram a criação dos PAEs, em 1980, quando

muitos Países em Desenvolvimento atravessavam uma profunda recessão, ocasionada

em parte por fatores fora do seu controle, e enfrentavam um grande endividamento com

os Órgãos Internacionais. Foi o caso do Brasil e de vários Países Subdesenvolvidos, que

nesse ano apresentavam uma elevada dívida externa, precisando de ajuda do FMI e do

Banco Mundial para quitar os seus débitos (MADELEY, 2003).

Para receber a ajuda financeira, esses Países tinham que pôr em prática, por

pressão desses organismos, os PAEs - um PAE típico implicava a liberalização do

comércio, a redução do gasto com Programas Sociais (Saúde, Educação), a eliminação

Page 71: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

de subsídios para a alimentação e o aumento dos preços pagos a produtores de culturas

para o mercado externo.

Com o oferecimento de maiores preços por produtos para exportação, torna-se

mais interessante a compra de terras por parte das Empresas Multinacionais e de

fazendeiros de maior porte e mais abastados, ou seja, com a implementação desses

programas de ajuste, tem-se uma maior entrada de Multinacionais nos Países

Subdesenvolvidos, para produzir produtos de exportação e, como consequência, uma

desvalorização dos produtos de subsistência, levando assim muitos pequenos

agricultores a vender suas terras para essas empresas e migrar para a cidade à procura de

melhorias.

Em 1986, começa a Rodada Uruguai do Gatt. Esta, que resultou na criação da

OMC, terminou em 1993 com vários acordos, dos quais se sobressai o Acordo sobre

Agricultura, que cobre três áreas principais, a saber: acesso aos mercados, subsídios à

exportação e apoio doméstico à agricultura, contribuindo de forma efetiva para a

liberalização do comércio e, consequentemente, para a entrada de grandes grupos

multinacionais em Países Subdesenvolvidos.

Além do mais, o referido Acordo estipula uma diminuição de tarifas sobre

alimentos importados e de subsídios à exportação outorgados aos produtores agrícolas,

pois

[...] estabelece que os países não poderão aumentar a sua proteção ao setor agrícola acima do nível que já existia antes de 1993. Os países industrializados que já arcavam com altos níveis de proteção podem mantê-los, mas os países em desenvolvimento não podem elevar seus níveis (MADELEY, 2003, p. 69).

Como decorrência desse Acordo sobre a Agricultura, constata-se que a

liberalização do comércio nos Países Subdesenvolvidos trouxe um enorme surto de

importação em detrimento do aumento das exportações, devido à diminuição das tarifas

mencionadas, o que resultou na expulsão de milhões de trabalhadores rurais,

concentrando a propriedade da terra nas mãos de poucos grupos, muitos deles

multinacionais. Essa concentração leva as empresas a controlarem cada vez mais

maiores extensões de terras.

Segundo Madeley (2003), com o Acordo da Rodada Uruguai sobre Medidas de

Investimento Relacionadas ao Comércio (TRINS), tem-se uma mudança radical na

ajuda que os governos poderiam dar às empresas nacionais. Dessa forma,

Page 72: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

o acordo impede os governos de concederem tratamento especial a empresas nacionais; investidores estrangeiros devem receber o mesmo tratamento. Os governos também não podem exigir que investidores estrangeiros usem mão-de-obra local [...] Segundo o acordo TRINS [...] um governo não pode, por exemplo, determinar que um hotel pertencente a estrangeiros compre gêneros alimentícios de produção nacional. O hotel tem liberdade para comprar todo o produto alimentício de fora do país (MADELEY, 2003, p. 71).

Esses acordos internacionais no âmbito da OMC tendem claramente a fortalecer

os grandes Grupos Multinacionais, porque, após a sua assinatura, os governos

automaticamente ficam com menos poder para regular e controlar o funcionamento

desses grupos. Assim, as Multinacionais costumam usar a OMC para tentar configurar

um mercado global desregulado que elas possam controlar e no qual nenhuma lei

rigorosa destinada a proteger o meio ambiente ou os direitos humanos possa existir

(MADELEY, 2003).

Os acordos da OMC tendem cada vez mais a privilegiar os grandes grupos

transnacionais, principalmente os 500 maiores, pois estes atualmente já respondem por

80% do investimento externo mundial, 70% do comércio internacional e 30% da

produção mundial (MADELEY, 2003). Sendo que, desses grupos, alguns poucos

conglomerados dominam mercados setoriais importantes, ou seja,

seis conglomerados dominam 85% do comércio mundial de grãos, oito respondem por 55% a 60% das vendas de café, sete controlam 90% do chá consumido nos países ocidentais, três respondem por 83% do comércio mundial de cacau e três por 80% das vendas de bananas (MADELEY, 2003,p. 131).

Heffernan e Constance (1994) enfatizaram também a concentração de

commodities agrícolas nas mãos das Multinacionais em uma estrutura de oligopólio,

onde poucos conglomerados, como a ConAgra17, Cargill18, ADM19 e Bunge20 dominam

17 Considerada a maior exportadora de carne de gado e ovelha do mundo, a Multinacional nascida na segunda metade do século XIX nos Estados Unidos hoje tem uma grande diversificação, atuando em vários segmentos com dezenas de marcas, sendo líder também em alimentos congelados. Com mais de 25.000 empregados diretos e com vendas, em 2008, de mais de 12 bilhões de dólares, a empresa é uma das maiores do mundo e está presente em 97% dos lares americanos (CONAGRA, 2009; HEFFERNAN E CONSTANCE, 1994). 18 Considerada a maior trading de grãos do mundo, atua em mais de 100 commodities e em mais de 40 países diretamente. Nasceu nos Estados Unidos na segunda metade do século XIX. No ano fiscal entre maio de 2008 e maio de 2009 acumulou vendas de 116 bilhões de dólares. Apesar da crise, entre 2008/2009, abriu novas unidades de processamento no Brasil, Canadá, China, França, Gana e Estados Unidos, além de expandir parcerias com agricultores de cacau e algodão na África (CARGILL, 2010; HEFFERNAN E CONSTANCE, 1994). 19 Considerada como uma das maiores tradings do mundo, a ADM foi fundada nos Estados Unidos em 1902 e trabalha não só com processamento de várias dezenas de alimentos, mas também no ramo energético e de logística mundial, ligando mais de 240 pontos no Globo na sua rede de logística e

Page 73: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

não só uma, mas várias dessas commodities. No Quadro 11, pode-se observar o ranking

de vendas de quatro grandes Multinacionais Agrícolas no Mundo, no que se refere às

principais comoditties agrícolas selecionadas.

Quadro 11 - Ranking de Commodities dos Conglomerados Dominantes ConAgra Cargill ADM Bunge

Frangos 2 - - -

Perus 1 4 - -

Carne de Gado 2 3 - -

Porcos 2 4 - -

Farinha 1 3 2

Soja - 2 1 3

Milho úmido - 2 1 -

Milho seco 4 - 3 1

Frutos do Mar 1

Fonte: Adaptado de Heffernan e Constance (1994).

Essas grandes Multinacionais dominam não só mercados setoriais importantes,

mas também as infraestruturas de escoamento da produção, como os terminais

portuários - só as Multinacionais Cargill e a United Grain chegaram a dominar 50% dos

terminais graneleiros dos Estados Unidos (HEFFERNAN; CONSTANCE, 1994).

Esses acordos da OMC, junto com as pressões do Banco Mundial e do FMI, vão

intensificar também políticas comerciais que privilegiam as exportações. As

Multinacionais, também, de comum acordo com essas Instituições, estimulam os

agricultores a plantar culturas de exportação para ter mais demanda. Assim,

[...] em razão da necessidade de auferirem mais moeda forte para pagar a dívida externa, os países em desenvolvimento têm sido instados pelo Banco Mundial e outros credores a oferecerem a seus agricultores incentivos para produzir e vender produtos agrícolas primários (MADELEY, 2003, p.132).

Um exemplo disto é que nos últimos vinte anos houve um maciço crescimento

na exportação de frutas, hortaliças e até flores da América Latina para os Estados

transporte de cargas, com mais de 20.000 vagões de trens e 2000 barcaças de transporte de cargas. Em 2008, vendeu mais de 69 bilhões de dólares em produtos e possuía mais de 27.000 empregados diretos e 230 plantas processadoras em todos os continentes (ADM, 2009). 20 Fundada em 1818 em Amsterdã na Holanda, a Multinacional hoje é uma das maiores processadoras de grãos, oleaginosas e produtos alimentares do Mundo, além de atuar muito fortemente na área de fertilizantes. Possui inúmeras operações no Brasil, na área de fertilizantes, comércio de grãos, margarinas, óleos comestíveis, dentre outros. Em 2008, vendeu mais de 52 bilhões de dólares em produtos (BUNGE, 2009).

Page 74: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Unidos, devido à agricultura não tradicional ser mais lucrativa, embora a situação seja

controlada por grandes proprietários de terras, ricos investidores e companhias

estrangeiras. Empresas de maior porte acumularam terras onde plantam produtos

exportáveis, enquanto agricultores mais pobres foram expelidos do mercado e

deslocados para terras marginais de solos pobres. De acordo com Madeley (2003), hoje,

cerca de um milhão de hectares por ano são incorporados às culturas de exportação, em

detrimento da agricultura de subsistência.

Murray (2001) cita que essas pressões pelo aumento da exportação, no contexto

da política neoliberal, atingiu em cheio as Ilhas do Pacífico, onde surgiram inúmeras

monoculturas exportadoras, muitas vezes de produtos não-tradicionais, como a de

abóbora e baunilha, em Tonga, abóbora, em Vanuatu, e mamão, nas Ilhas Cook. Por

causa dessa política, as áreas de subsistência declinaram e as ilhas estão importando

alimentação básica que antes elas produziam.

Já Sklair (1995, p.130) lembra que, por causa desse tipo de pressão,

entre 1970 e 1986 a Costa do Marfim, geralmente considerada uma das histórias de sucesso da África, mais que triplicou suas importações de cereais, sua dívida externa cresceu mais de trinta vezes e a produção de alimentos per capita mal agüentou o crescimento da população [...]. Como outros países do terceiro mundo, sua busca pelos ganhos de exportação, sugeridos pelo Banco Mundial, através de safras comerciais, foi comprada a um alto preço sem nenhuma complementaridade significativa em safras de alimentos.

Com relação ao Brasil, tem-se a monocultura de soja na região dos cerrados e a

fruticultura irrigada nos vales férteis do Nordeste, que podem ser consideradas como

bom exemplo desse novo retrato do mundo globalizado contemporâneo, resultado da

política de exportações incitada por organismos supranacionais.

Liberalização da Agricultura no Brasil

Neste sentido, nos anos de 1990, o Brasil passou a operacionalizar, seguindo

pressões externas de acordos com o FMI e com a OMC, uma abertura comercial e um

amplo processo de privatizações, além da introdução de importantes mudanças de

natureza patrimonial, seguindo à risca os acordos assinados com a OMC, que igualavam

Page 75: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

o tratamento entre empresas estrangeiras e de propriedade local (FERRAZ; LOOTTY,

2000). Entre essas mudanças podem-se destacar:

a) a eliminação, por meio de uma Emenda Constitucional de 1994, da

possibilidade legal de estabelecimento de diferenciação entre empresas nacionais e

estrangeiras, o que tornou possível às últimas o acesso a agências oficiais de crédito e a

subsídios e incentivos concedidos pelo Governo;

b) a isenção de Imposto de Renda sobre remessas de lucros e de dividendos por

filiais de empresas estrangeiras no País, com exceção de ganhos obtidos com aplicações

de renda fixa, que pagam uma alíquota de 15%;

c) a extinção, por decreto, da proibição de remessas referentes a pagamentos de

royalties por marcas e patentes em Empresas Multinacionais;

d) a remoção, na forma constitucional de 1995, das restrições setoriais à entrada

do capital estrangeiro nos Setores de Serviços (mais notadamente no Setor Financeiro),

Atividades Extrativas e Telecomunicações; e

e) a liberalização financeira, que criou condições mais favoráveis para as

Multinacionais estabelecidas no País, ao eliminar as restrições ao uso de recursos do

Sistema Financeiro Nacional e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e

Social (BNDES).

Após a tomada, pelo Governo Brasileiro, do processo de desregulamentação, da

liberalização do comércio e da promoção à entrada de capital estrangeiro (como visto

logo acima) e de privatizações, dá-se um intenso processo de fusões e aquisições no

País, transformando completamente sua estrutura patrimonial.

O Quadro 12 mostra que, no decorrer da década de 1990, dá-se, no Brasil, uma

intensificação do capital estrangeiro nesse processo, que, no inicio do período

mencionado, era responsável por menos da metade das transações (46,2%) - já

considerada uma participação elevada -, ficando o capital nacional com um pouco mais

da metade. Já no final dessa década, depois do processo de abertura, desregulamentação

e privatizações consolidado, nota-se o domínio do capital estrangeiro no mercado de

fusões e aquisições no Brasil, chegando a ser responsável, no ano de 1999, por quase

70% das fusões e aquisições no Brasil, enquanto o capital nacional passa a responder

por apenas uma média de 30%.

Quadro 12 - Número de Transações e Participação por Ano, segundo o Tipo de Comprador

Tipo de 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 Total

Page 76: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Comprador Nº. % Nº. % Nº. % Nº. % Nº. % Nº. % Nº. % Nº. % Nº. % Nº. % Nº. %

Brasileira 7 53,8 11 40,7 12 29,3 17 30,9 28 44,4 30 30,9 42 30,2 54 31,6 68 23,7 74 28,9 343 29,9

Consórcio Nacional

0 0,0 0 0,0 7 17,1 6 10,9 3 4,8 6 6,2 5 3,6 5 2,9 11 3,8 3 1,2 46 4,0

Estrangeira 6 46,2 14 51,9 15 36,6 28 50,9 28 44,4 58 59,8 84 60,4 106 62,0 176 61,3 171 66,8 686 59,7 Consórcio Estrangeiro

0 0,0 0 0,0 0 0,0 1 1,8 1 1,6 1 1,0 6 4,3 4 2,3 13 4,5 5 2,0 31 2,7

Consórcio Misto

0 0,0 1 3,7 0 0,0 2 3,6 0 0,0 2 2,1 1 0,7 2 1,2 18 6,3 1 0,4 27 2,3

Origem Des- Conhecida

0 0,0 1 3,7 7 17,1 1 1,8 3 4,8 0 0,0 1 0,7 0 0,0 1 0,3 2 0,8 16 1,4

Total 13 100 27 100 41 100 55 100 63 100 97 100 139

100 171 100 287 100 256 100 1149

100

Fonte: Ferraz e Lootty (2000) com dados da Securities Data.

Com relação ao mercado agrícola, aconteceu também uma concentração de

fusões e aquisições nas mãos do capital estrangeiro, desnacionalizando boa parte do

Setor Agrícola. Isso se deu como resultado dos acordos da OMC e também por causa de

uma dívida pública elevada, que levou o Estado Brasileiro a desregulamentar

rapidamente o mercado agrícola, diminuindo assim drasticamente os recursos para o

financiamento agrícola e para o apoio tecnológico. Tal fato ocorreu a partir do Governo

Collor, em 1990, com uma desregulamentação do Setor Agrícola e com a extinção de

vários institutos setoriais, como o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA).

Em 1995, Fernando Henrique Cardoso é eleito Presidente, dando sequência às

reformas neoliberais iniciadas por Collor em 1990. Vale ressaltar, todavia, que, dentre

estas, algumas medidas para desregulamentar os fluxos de capital internacional foram

adotadas, proporcionando, assim, uma maior liberdade. São exemplos disto a extinção

de restrições quanto ao prazo mínimo de carência e diversificação de aplicações e a

eliminação ou redução da participação de capital estrangeiro em vários setores outrora

regulamentados, como mineração, petróleo, telecomunicações, transportes, e açúcar e

etanol.

Com esse ambiente que, embora novo, apresentava-se mutável e incerto quanto

à atuação do Estado Brasileiro, as empresas agrícolas nacionais traçaram novas

estratégias.

Além do mais, essas empresas se deparavam também com o intenso ritmo das

mudanças tecnológicas (Biotecnologia, Microeletrônica e Pesquisa e Desenvolvimento),

decorrentes da intensificação da globalização no campo, o que passou a gerar incerteza

em relação à tecnologia e suas inovações. Também se tinha incerteza em relação à

Page 77: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

demanda, devido à complexidade de conhecimento de um mercado globalizado

(MAZZALI, 2000).

Quadro 13 - Ranking Setorial pelo Valor das Transações (em US$ milhões) e Participação segundo o Tipo de Comprador (em %) – 1990/1999

Setor Valor Número de Transações c/informações de valor

Valor Médio

Brasileira

Consórcio Nacional

Estrangeira

Consórcio Estrangeiro

Consórcio Misto

Origem Desconhecida

Total

Telecomunicações 36.925,3 61 605,33 7,7 8,2 46,8 14,0 23,2 0,0 100 Energia Elétrica, Gás e Água

25.746,8 51 504,84 25,7 14,2 38,5 18,8 2,4 0,4 100

Financeiro 14.561,9 87 167,38 40,4 0,6 59,0 0,0 0,0 0,0 100 Metalurgia e Siderurgia

6.837,6 49 139,54 39,4 28,1 20,0 0,1 7,0 5,4 100

Alimentar 4.254,6 41 103,77 25,3 3,5 71,2 0,0 0,0 0,0 100 Químico 4.109,1 37 111,06 14,3 30,4 52,2 2,3 0,0 0,7 100 Mineração 4.067,9 16 254,24 85,9 0,0 14,1 0,0 0,0 0,0 100 Comércio Varejista 3.040,5 18 168,92 20,5 2,0 77,5 0,0 0,0 0,0 100 Serviços de Transporte

2.764,1 26 106,31 73,8 11,9 11,4 2,3 0,0 0,6 100

Minerais Não-Metálicos

2.481,5 17 145,97 28,6 0,0 71,4 0,0 0,0 0,0 100

Serviços Diversos 2.153,4 16 134,59 50,6 0,0 35,3 14,1 0,0 0,0 100 Petroquímico 1.468,0 14 104,86 35,7 18,5 4,4 0,0 39,2 2,2 100 Farmacêutico, Higiene e Limpeza

1.407,6 7 201,09 1,8 0,0 98,2 0,0 0,0 0,0 100

Papel e Celulose 1.373,6 14 98,11 64,9 7,3 26,2 1,6 0,0 0,0 100 Maquinaria 1.115,4 16 69,71 5,9 1,2 80,7 12,2 0,0 0,0 100 Comércio Atacadista 1.024,8 15 68,32 2,3 23,6 74,2 0,0 0,0 0,0 100 Automobilistica e Autopeças

852,9 20 42,65 17,4 14,0 38,8 14,9 14,8 0,0 100

Produtos em Borracha e Plástico

569,2 9 63,24 56,2 15,1 28,7 0,0 0,0 0,0 100

Têxtil 561,0 5 112,20 79,4 0,0 20,6 0,0 0,0 0,0 100 Agricultura e Pesca 520,4 14 37,17 8,4 6,7 84,8 0,0 0,0 0,0 100 Eletroeletrônico 488,8 9 54,31 7,8 0,0 92,2 0,0 0,0 0,0 100 Editorial, Gráfico e Propaganda

200,9 5 40,18 15,4 0,0 34,8 49,8 0,0 0,0 100

Construção Civil 171,6 2 85,80 52,8 0,0 47,2 0,0 0,0 0,0 100 Holdings 157,0 1 157,00 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 100 Serviços de Engenharia

136,2 2 68,10 64,6 0,0 35,4 0,0 0,0 0,0 100

Móveis e Produtos em Madeira

113,3 3 37,77 88,3 0,0 11,7 0,0 0,0 0,0 100

Aeroespacial e Aviação

96,7 1 96,70 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 100,0 100

Informática 64,6 4 16,15 13,6 0,0 86,4 0,0 0,0 0,0 100 Outros Manufaturados

59,7 4 14,93 58,0 0,0 42,0 0,0 0,0 0,0 100

Fumo 50,0 1 50,00 0,0 0,0 100,0 0,0 0,0 0,0 Couro e Artigos de Couro

ND 0 ND ND ND ND ND ND ND ND

TOTAL 117.314,7 565 207,74 26,2 9,7 45,5 9,3 8,8 0,6 100

Page 78: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Fonte: Ferraz e Lootty (2000) com dados da Securities Data.

Uma das estratégias mais utilizadas frente a esse ambiente turbulento foi a

intensificação das fusões e aquisições com as Multinacionais, além das associações

estratégicas com estas. Pode-se ver isto claramente no Quadro 13. Apesar de o valor de

transações no Setor Agrícola (que no Quadro vem junto ao Setor da Pesca) não ser

muito alto em relação aos outros setores mostrados, observa-se que, no período de 1990

a 1999, o ramo da Agricultura foi um dos que deu mais guarida à entrada de capitais

estrangeiros. De todas as fusões e aquisições do período mencionado, 84,8% das

transações foram feitas pelo capital multinacional, ficando apenas cerca de 15% nas

mãos da empresas brasileiras e dos consórcios nacionais.

Esse quadro brasileiro vai ao encontro de um comportamento mundial de Fusões

e Aquisições por parte de grandes Corporações Multinacionais, que são responsáveis

hoje por grande parcela dos fluxos de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) no Mundo.

Como se observa no Quadro 14, nos últimos anos essas fusões e aquisições

representaram muitas vezes mais de 80% do total dos fluxos de IDE, que historicamente

se dirigia muito mais para a área produtiva do que para movimentos de fusões ou

aquisições empresariais, mas que nos dias atuais mudou a tendência com o

comportamento agressivo das Multinacionais, que preferem controlar uma empresa já

existente, com tradição e performance competitiva no mercado, do que fomentar um

processo produtivo.

Quadro 14 - Fluxos Internacionais de Investimento Direto Externo no Exterior e Fusões e Aquisições no mesmo período de 2001 a 2007 (em milhões). Investimento Externo Direto Fusões e Aquisições

2001 735.146 593.960

2002 716.128 369.789

2003 632.599 296.988

2004 648.146 380.598

2005 958.697 929.362

2006 1.411.018 1.118.068

2007 1.833.324 1.637.107

Fonte: UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT. World Investment Report 2002; 2005; 2007.

Agricultura Globalizada Contemporânea no Nordeste Brasileiro e Ação do Estado

Page 79: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Com relação ao Nordeste Brasileiro, a década de 1960 vai ser o ponto de

mutação para a sua agricultura comercial, quando começa a ocorrer o processo de

modernização e depois de industrialização dessa atividade (ELIAS, 2002b).

Mas, somente a partir da década de 1980, é que se vislumbra a ocupação de

novas fronteiras pela Agricultura Globalizada Contemporânea. A partir disto, pontos

específicos do Nordeste passam a merecer atenção das empresas hegemônicas do Setor

e a receber grandes investimentos, dinamizando assim a sua agricultura comercial.

A esses pontos específicos Santos e Silveira (2001) vão denominar de

“modernização em manchas”, que só vai acontecer com mais frequência nos anos de

1980 e se intensificar nos anos de 1990. O fato é que vão se desenvolver no campo

nordestino áreas descontínuas e especializadas (seja em frutas, legumes,

industrializáveis, soja, laranja etc.), cuja expansão é limitada pela posição subordinada

da produção local nos circuitos comerciais e industriais nacionais e globais.

Com essa modernização em manchas, vai persistir a “[...] dicotomia entre uma

agricultura tradicional e uma agricultura moderna, apresentando-se a última em algumas

partes bem delimitadas do território nordestino, constituindo verdadeiros pontos

luminosos em pleno sertão, especialmente nos seus vales úmidos.” (ELIAS, 2002a, p.

18). Já a agricultura tradicional (arroz, feijão, mandioca, batata doce) vai ser

desvalorizada, com a colaboração do crédito público, da informação, da propaganda e

dos novos consumos (SANTOS; SILVEIRA, 2001).

Os estados da Bahia e de Pernambuco foram os primeiros a ser atingidos por

esse processo de modernização em manchas ou modernização seletiva. Hoje, esses

estados possuem importantes regiões de produção de frutas - como a área de

Petrolina/Juazeiro - e de produção de grãos - como a área dos cerrados no oeste da

Bahia -, estando essas áreas voltadas especialmente para a exportação (ELIAS, 2002b),

onde já se podem observar aí as reestruturações produtivas, com consequências para as

estruturas sociais locais e para a organização do território, revelando as potencialidades

econômicas do sertão nordestino.

Depois, em períodos mais recentes, como nos anos de 1980 e no decorrer dos de

1990, houve uma intensificação da economia e do consumo globalizados,

principalmente de alimentos frescos, como as frutas, legumes e verduras, que fizeram

com que antigas áreas do “exército de reserva dos lugares” fossem ocupadas e

Page 80: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

começassem a participar dos circuitos espaciais globalizados da produção agrícola

(ELIAS, 2002b; ELIAS, 2006). Tem-se como alguns exemplos dessas áreas: o sul do

estado do Maranhão e o sudoeste do estado do Piauí, que foram invadidos pela

produção de grãos, especialmente a soja; o Vale do Jaguaribe, no Ceará, que se

transformou em um grande polo de fruticultura irrigada; e os Vales do Apodi-Mossoró e

do Açu, no Rio Grande do Norte, que se transformaram em um dos principais

produtores de melão e banana, respectivamente.

Essas manchas de modernização agrícola geralmente apresentam como resultado

de sua modernização ou reestruturação uma maior dependência das determinações

exógenas ao lugar da produção e uma perda de soberania alimentar, já que produzem

commodities internacionais e têm seus preços regulados e controlados pelas bolsas de

mercadorias do Mundo (ELIAS, 2001).

Esse tipo de modernização agrícola, que ocorre em algumas manchas no Semi-

árido Nordestino, reflete bem o processo de verticalização que se dá com a

intensificação da Globalização.

Segundo Santos (2002a, p.258), “[...] a tendência atual é a que os lugares se

unam verticalmente e tudo é feito para isso, em toda parte. Créditos internacionais são

postos à disposição dos países mais pobres para permitir que as redes modernas se

estabeleçam ao serviço do grande capital.”

Esse processo de verticalização que se executa nas manchas de modernização do

Nordeste também vai contar com créditos internacionais e nacionais postos pela

iniciativa do Banco Mundial e do Governo Brasileiro.

Santos (2002a) também enfatiza que esse processo de unificação vertical traz

desordem às regiões onde se instalam, porque estas passam a obedecer a uma lógica

externa que muitas vezes tende a gerar instabilidade em seus espaços, que passam a

depender do sabor e dos ventos da Economia Globalizada e das cotações das

commodities no Mercado Internacional.

Com relação às políticas públicas no âmbito da liberalização comercial no

Nordeste, a década de 1990 marca uma mudança nos paradigmas de desenvolvimento,

cujas características principais são a redefinição do papel do Estado na Economia, que,

em consequência, implicou a redução da sua intervenção na Agricultura e a crescente

abertura comercial (SOUZA, 1997).

Na realidade,

Page 81: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

a redefinição do papel do Estado na agricultura ocorreu, em grande parte, devido à falta de recursos financeiros necessários ao crédito rural e às aquisições de produtos para recompor os estoques reguladores. Decorrente dessa nova política, órgãos federais voltados para a agricultura são extintos ou foram objeto de fusão (SOUZA, 1997, p. 508).

Com a falta de recursos do Estado, as bolsas de mercadorias e as empresas

agroindustriais vão ser os novos agentes responsáveis pela administração dos subsídios

e estoques. Com isto, reforçam-se as determinações exógenas ao lugar da produção e ao

tipo de produção que será conduzido nesses lugares. Os novos agentes vão estar

interessados somente nas culturas comerciais para exportação, fazendo com que o

pequeno produtor de culturas tradicionais, como o feijão e a mandioca, não tenha

qualquer tipo de subsídio.

Durante o Governo Fernando Henrique Cardoso (que trouxe a estabilidade

econômica com o Plano Real) é que se tem a retomada do planejamento governamental

com o primeiro Plano Plurianual de fato - o PPA 1996-1999. Esse Plano introduziu

novos conceitos no planejamento federal, a saber: “Os eixos nacionais de integração e

desenvolvimento, como referência espacial do desenvolvimento, e os projetos

estruturantes, essenciais para as transformações desejadas no ambiente econômico e

social” (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, 2008,

p.2).

Nesse contexto, agrega-se ao referido Plano Plurianual o Programa “Brasil em

Ação21”, que foi responsável pelo gerenciamento de empreendimentos estratégicos.

Esse Programa visava a articular o Brasil através de 42 empreendimentos estratégicos

nas áreas de infraestrutura econômica e desenvolvimento social. Essa articulação - a

partir dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento - se fazia baseando-se na

constatação da importância da logística nas trocas de mercadorias entre as distintas

regiões do Mundo e na identificação da necessidade do Brasil em implantar uma rede de

ligações intermodais para articular regiões brasileiras com regiões de outros países.

A partir dessa constatação, elaborou-se uma logística de transporte para reduzir

os custos de produção e comercialização e complementar a infraestrutura do Brasil,

21 O Programa “Brasil em Ação” elaborado pelo Governo Fernando Henrique em 1996 tinha como meta o chamado “desenvolvimento integrado do País”, para poder ter maior competitividade em nível internacional. Os projetos do Programa eram selecionados por sua capacidade de reduzir custos de produção e comercialização, completar elos de infra-estrutura para melhorar as condições de competitividade da Economia (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, 2008).

Page 82: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

preparando assim o País para atrair novos investimentos e se inserir em condições

competitivas no Mercado Global, além de reduzir suas desigualdades regionais e sociais

(MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, 2008).

Em 1996, surgiu o Programa de Apoio e Desenvolvimento da Fruticultura

Irrigada do Nordeste, dentro do “Brasil em Ação”. Esse Programa pretendia implantar

um novo modelo de irrigação, dentro da filosofia do Banco Mundial.

Segundo Souza (1997, p. 511),

Tais diretrizes enfatizam as ações privadas na irrigação, passando o Estado a agente indutor e apoiador em vez de executor, ao mesmo tempo em que prioriza regionalmente o Nordeste semi-árido como área principal de convergência de irrigação e a fruticultura como atividade econômica de maior potencial sócio-econômico e de competitividade.

Também dentro do “Brasil em Ação”, surge em 1998 o programa “Polos de

Desenvolvimento Integrado do Nordeste”, que vinha a incentivar as chamadas

“manchas de modernidade” (áreas dinâmicas do Nordeste que se relacionam muito mais

com o Mercado Internacional do que com suas áreas vizinhas no interior da região),

deixando de lado as desigualdades regionais e as áreas mais pobres (BANCO DO

NORDESTE DO BRASIL, 2008a; CARVALHO, 2001).

Apesar do Documento Básico do Programa prever “um mecanismo de Gestão

Integrada de Políticas Públicas em Apoio ao Desenvolvimento Local, integrando as

diversas dimensões do desenvolvimento [...]”( BANCO DO NORDESTE DO BRASIL,

p.3, 2008a) e relacionando a visão estratégica nacional à participação local no âmbito

das comunidades, esse desenvolvimento local, na maioria das vezes, não aconteceu, já

que a maioria dos polos escolhidos para fazer parte do Programa estava voltada para o

circuito internacional e se relacionava mais com os mercados consumidores da Europa e

dos Estados Unidos do que com suas cidades vizinhas.

Foram escolhidos como polos de desenvolvimento integrado inicialmente 10

polos agroindustriais na Região Nordeste do Brasil, número que depois aumentou para

13, a saber (Figura 1):

1. Norte de Minas Gerais;

2. Petrolina(PE)/Juazeiro(BA);

3. Assu(RN)/Mossoró(RN);

4. Vale do Jaguaribe(CE);

5. Alto Piranhas(PB);

Page 83: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

6. Oeste Baiano;

7. Sul do Maranhão;

8. Uruçuí-Gurgueia(PI);

9. Bacia Leiteira de Alagoas;

10. Sul de Sergipe;

11. Juazeiro (BA);

12. Cariri Cearense;

13. Noroeste do Espírito Santo.

Desses treze polos, praticamente a metade - seis - é caracterizada pela

agricultura irrigada. Tais polos foram escolhidos a partir do documento “Estudos sobre

a Agroindústria no Nordeste – Caracterização e Hierarquização de Polos Agro-

industriais (SENIR/Banco do Nordeste, 1992), que identificou 14 polos agroindustriais

do Nordeste, segundo o potencial para agroindustrialização (BANCO DO NORDESTE

DO BRASIL, 2008a).

Figura 1 - Distribuição Espacial dos 13 Polos de Desenvolvimento Integrado

Page 84: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Fonte: BANCO DO NORDESTE DO BRASIL (2008a). Tendências Atuais – Século XXI: Governo Lula, Política Dual - Agronegócio e

Agricultura Familiar Políticas Públicas com Viés no Agronegócio Globalizado O Governo Lula, através do Plano Plurianual (PPA) 2004-2007, das prioridades

e metas para o ano de 2006 e das políticas de Parceria Público Privado (PPP), incorpora

grande parte dos projetos elencados nos Eixos Nacionais de Integração e

Desenvolvimento do Governo anterior, mas vai além, com a participação efetiva no

desenvolvimento dos estudos da Iniciativa de Integração Regional da América do Sul22

(IIRSA), que significa traçar os Eixos de Integração numa escala sul-americana.

(PORTO, 2006).

O principal programa de desenvolvimento econômico do Governo Lula - O

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC – 2007-2010) - também reproduz em

parte a política dos Eixos do Governo passado. Observando-se as metas para a Região

Nordeste, notam-se investimentos em: transportes, rodovias, ferrovias, portos,

hidrovias, terminais intermodais, geração e transmissão de energia elétrica, aeroportos,

projetos de irrigação e o famoso Projeto de Integração da Bacia do Rio São Francisco -

a transposição desse rio. A maioria dessas metas, cumpre destacar, vai ao encontro da

logística de inserção do Brasil na economia globalizada.

Muitos desses investimentos do PAC (ver Figura 2) vão reforçar o Agronegócio

dos Polos de Desenvolvimento Integrado do Nordeste (ainda ativos na página do BNB

na Internet), através do que se segue:

- pavimentação de estradas que articulam o Agronegócio da Soja no Piauí e na

Bahia (BR 135 – PI-BA-MG);

- construção da Ferrovia “Nova Transnordestina”, que facilitará o escoamento da

soja dos cerrados do Piauí e da Bahia para os portos de Pecém (CE) e Suape (PE);

22 “Tal investida iniciou-se na reunião de presidentes de países da América do Sul, realizada em Brasília, em agosto de 2000, quando se discutiu a possibilidade da montagem de uma espécie de eixos de desenvolvimento de integração da América do Sul [...]. Se analisarmos os objetivos e produtos da IIRSA, podemos constatar que eles se coadunam perfeitamente com os objetivos gerais dos eixos, principalmente no relacionado ao portfólio de investimentos em infra-estrutura de transportes e comunicações, tendo como diferença básica a escala da sua realização” (PORTO, 2006, p. 100).

Page 85: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

- acesso ao Porto de Itaqui pela BR-135, com melhorias na estrada, facilitando o

escoamento da soja proveniente do sudoeste do Piauí e do sul do Maranhão;

- acesso ao Porto de Pecém pela BR-222, com melhorias na estrada, facilitando o

escoamento da soja proveniente da Ferrovia “Nova Transnordestina” e o das frutas das

microrregiões do Baixo Jaguaribe (CE), Mossoró (RN) e Vale do Açu (RN).

- dragagem e derrocagem da Hidrovia “São Francisco” e acesso ferroviário ao

Porto de Juazeiro, na Bahia, facilitando o escoamento da soja do oeste baiano por

hidrovias e ferrovias até os principais portos;

- transposição do rio São Francisco, que traz a garantia hídrica para os grandes

grupos do Agronegócio Multinacional de Frutas que têm fazendas nas várzeas dos rios

Assu (RN) e Jaguaribe (CE), principais rios beneficiados pela transposição no Rio

Grande do Norte e no Ceará.

Figura 2 - Previsão de Investimentos em Transportes do “Programa de Aceleração do Crescimento na Região Nordeste” (2007-2009)

Fonte: BRASIL (2008). O Governo Lula ainda investe pesadamente no financiamento do Agronegócio

Globalizado através do Banco do Nordeste, do Banco do Brasil e do BNDES. Este

último tem uma série de programas para o Agronegócio em andamento, com

disponibilidade creditícia de 6,5 bilhões para a safra 2008/2009. Dentre eles, podem-se

destacar (BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E

Page 86: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

SOCIAL, 2008; MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E

ABASTECIMENTO, 2008):

- O MODERAGRO II – Programa de Modernização da Agricultura e

Conservação de Recursos Naturais, destinado a produtores rurais;

- O MODERFROTA – Programa de Modernização da Frota de Tratores

Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras, destinado a produtores rurais,

pessoas físicas ou jurídicas, e suas cooperativas.

- O MODERINFRA – Programa de Incentivo à Irrigação e à Armazenagem,

destinado a produtores rurais, pessoas físicas ou jurídicas, e suas cooperativas.

- FINAME AGRÍCOLA - Essa linha de crédito é o principal mecanismo de

apoio do BNDES ao Setor Agropecuário e se destina à aquisição de máquinas e

equipamentos agrícolas.

Vale lembrar que, para a safra de 2008/2009, o Ministério da Agricultura,

Pecuária e Abastecimento anunciou uma oferta de crédito agrícola de 65 bilhões de

reais para a Agricultura Empresarial e 13 bilhões para a Agricultura Familiar

(MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, 2008).

Políticas Públicas com viés no desenvolvimento regional e na agricultura familiar Em termos de Políticas Públicas que versam sobre o desenvolvimento regional,

nota-se um diferencial no Governo Lula: existem iniciativas que têm um caráter de

inovação e renovação. A principal delas é o desenvolvimento da “Política Nacional de

Desenvolvimento Regional - PNDR”. Essa política tem como base uma valorização do

potencial endógeno das regiões, como o que aconteceu na Terceira Itália e no Vale do

Silício nos Estados Unidos. O PNDR tem como horizonte a valorização das identidades

locais e regionais e a inclusão participativa de amplos setores da sociedade

(MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2008).

Segundo Porto (2006, p. 102), “[...] o maior objetivo do PNDR é reverter as

desigualdades regionais mediante exploração das potencialidades endógenas da

diversidade ambiental, socioeconômica e cultural brasileira.” Para chegar a isto, o

PNDR tem o propósito de estabelecer um quadro referencial das desigualdades

regionais, para o quê, utilizará a escala microrregional, de acordo com a divisão do

Page 87: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Essa metodologia está baseada

em duas variáveis:

a) Rendimento Médio Mensal por Habitante, englobando todas as fontes

declaradas (salários, benefícios, pensões, etc); e;

b) Taxa Geométrica de Variação dos Produtos Internos Brutos Municipais, por

habitante.

No final, adotando-se essa metodologia com o cruzamento das duas variáveis,

teve-se como resultados quatro situações “idealtípicas” descritas da seguinte forma

(MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2008):

Grupo 1: Microrregiões de ALTA RENDA – compreendendo Microrregiões (MRGs)

com alto rendimento domiciliar por habitante, independentemente do dinamismo

observado que se encontra predominantemente nas Regiões Sul e Sudeste e também no

Centro-Oeste.

Grupo 2: Microrregiões DINÂMICAS – MRGs com rendimentos médios e baixos, mas

com dinâmica econômica significativa. Elas possuem presença rarefeita nas Regiões Sul

e Sudeste e são mais frequentes no Centro-Oeste e no Nordeste, onde cobrem vastas

extensões territoriais.

Grupo 3: Microrregiões ESTAGNADAS - MRGs com rendimento domiciliar médio,

mas com baixo crescimento econômico. Em geral, refletem dinamismo em períodos

passados e possuem, em muitos casos, estrutura socioeconômica e capital social

considerável. A sua espacialização mostra uma dispersão por todo o território nacional,

embora predominem nas Regiões Sul e Sudeste, com importante presença em parte do

Centro-Oeste.

Grupo 4: Microrregiões de BAIXA RENDA - MRGs com baixo rendimento domiciliar

e baixo dinamismo. Concentradas no Norte e no Nordeste, combinam situações de

pobreza e debilidade da base econômica regional.

Com base na classificação acima, o PNDR define como prioritárias as

Microrregiões dos Grupos 2, 3 e 4, que devem ser territórios preferenciais para as

políticas setoriais (PLANALTO, 2008).

A classificação do PNDR vai se enquadrar em uma série de políticas públicas

por todo o Brasil e, no Nordeste, vai ter como suporte também a Nova Delimitação do

Page 88: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Semiárido23 como norte fundamental das principais políticas públicas de

desenvolvimento do Nordeste.

Abaixo, são citados exemplos das principais políticas públicas em execução do

Ministério da Integração Nacional (MIN) e Ministério do Desenvolvimento Agrário

(MDA), que são vinculadas à classificação do PNDR e/ou à delimitação do Semiárido

(MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL (2008) e MINISTÉRIO DO

DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO (2008). São elas:

- Programa de Sustentabilidade de Espaços Sub-regionais – PROMESO –

que busca a redução das desigualdades sociais e regionais, a partir, principalmente, da

potencialização dos ativos endógenos tangíveis e intangíveis de mesorregiões

diferenciadas; são 13 mesorregiões no Brasil, das quais, seis fazem parte da região

Nordeste (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2008);

- Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semiárido –

CONVIVER – que busca reduzir as vulnerabilidades socioeconômicas dos espaços

regionais e sub-regionais com maior incidência de secas. O público-alvo desse

Programa é composto por cerca de 22 milhões de pessoas residentes nos 1.133

municípios do Semiárido Nordestino (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL,

2008); Uma das nove sub-regiões prioritárias é o Vale do Açu-RN;

- Linha de Crédito de Investimento para Obras Hídricas e Produção para

Convivência com o Semiárido - Pronaf24 Semiárido – consiste em viabilizar

23 A Nova Delimitação do Semiárido é fruto de um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), que, entre 2004 e 2005, executou uma nova delimitação do semiárido brasileiro. O GTI tomou por base três critérios técnicos, quais sejam: I. Precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 milímetros; Ii. Índice de aridez de até 0,5, calculado pelo balanço hídrico que relaciona as precipitações e a evapotranspiração potencial, no período entre 1961 e 1990; e Iii. Risco de seca maior que 60%, tomando-se por base o período entre 1970 e 1990. Esses três critérios foram aplicados consistentemente em todos os municípios que pertencem à área da antiga SUDENE, inclusive os do norte de Minas e do Espírito Santo. Além dos 1.031 municípios já incorporados, passam a fazer parte do semiárido outros 102 novos municípios enquadrados em pelo menos um dos três critérios utilizados. Com essa atualização, a área classificada oficialmente como semiárido brasileiro aumentou de 892.309,4 km para 969.589,4 km - um acréscimo de 8,66% (NOVA DELIMITAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO, 2008). 24 “O Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar foi criado através do Decreto 1946, de 28 de junho de 1996, e teve suas normas consolidadas na Resolução 2310, de 29 de agosto de 1996. Esse programa nasceu da luta histórica dos sindicatos rurais e de suas representações em nível estadual e nacional, recebendo, ainda, o apoio decisivo de instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), cujas pressões sobre o governo brasileiro foram mais importantes para o desfecho que o acúmulo de sucessivas experiências frustradas por parte dos trabalhadores. Essas reivindicações foram levadas a sério justamente num momento em que o campo era objeto de crescentes conflitos pela terra liderados por movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

Page 89: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

investimentos em projetos de convivência com o Semiárido, focando na

sustentabilidade dos agroecossistemas e priorizando projetos de infraestrutura hídrica e

implantação, ampliação, recuperação ou modernização das demais infraestruturas,

inclusive aquelas relacionadas com projetos de produção e serviços agropecuários e não

agropecuários, de acordo com a realidade das famílias agricultoras da região semiárida.

Os produtores rurais beneficiários têm à disposição crédito com juros de 1% ao ano,

prazo de pagamento de até 10 anos e três anos de carência (MINISTÉRIO DO

DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2008);

- Territórios da Cidadania – visa à superação da pobreza e das desigualdades

sociais no meio rural, inclusive as de gênero, raça e etnia, por meio de uma estratégia de

desenvolvimento territorial sustentável. Até 2010, o Programa alcançará 120 Territórios

Rurais (aproximadamente 1.800 municípios ou 40% do total de municípios rurais do

País) e os municípios mais pobres, com mais baixos índices de IDH e enquadrados

também na política do PNDR, como de baixo dinamismo econômico. O território de

Açu-Mossoró é enquadrado como um dos territórios (MINISTÉRIO DO

DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2008; TERRITÓRIOS DA CIDADANIA, 2008);

- Programa Nacional de Crédito Fundiário - Dentre as linhas de

financiamento oferecidas pelo Programa Nacional de Crédito Fundiário, a de Combate

à Pobreza Rural é a que atende às camadas mais necessitadas da população rural,

contemplando trabalhadores rurais sem terra, pequenos produtores rurais com acesso

precário à terra e proprietários de minifúndios: imóveis cuja área não alcance a

dimensão da propriedade familiar. O objetivo básico do Programa é financiar a compra

de imóveis rurais e o requisito básico é formar associações. Para as associações

localizadas no Semiárido Nordestino, tem-se um bônus de adimplência de 40%, mais de

100% superior às outras regiões do Brasil (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO

AGRÁRIO, 2008; CREDITO FUNDIÁRIO, 2008).

Vale salientar que o gerenciamento de inúmeras políticas públicas para o

Nordeste, principalmente do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste

(FNE), do Fundo de Financiamento do Nordeste (FNDE), além da redução de Imposto

de Renda Pessoa Jurídica para reinvestimentos, dentre outros, passa a ser feito, a partir

de 2007, pela nova SUDENE, recriada pela Lei Complementar nº 125, de 3/jan/2007

(SUDENE, 2008).

(MST), que, em princípio, se contrapunham a soluções como a do Pronaf, consideradas paliativas, no contexto dos problemas que estavam enfrentando” (BASTOS, 2006, p.64-65).

Page 90: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Pode-se inferir, com base nessa política, que o Governo Brasileiro, na década de

1990 e no início do século XXI, vai seguir toda a “cartilha” pregada pelo FMI e pela

OMC, proporcionando com isso um ambiente ideal para a entrada de grandes

Corporações Multinacionais, como as de frutas, com moderna infraestrutura e linhas de

financiamento. Com o Governo Lula se tem uma política dual, com investimentos e

políticas públicas que favoreçem o Agronegócio Globalizado e ao mesmo tempo

formula políticas que contemplam a pequena agricultura familiar.

Globalização das Frutas: Liberalização e Grandes Multinacionais Globais

3º Regime Frutícola

O panorama atual se inicia entre as décadas de 1970 e 1980, com reformas

neoliberais e o uso de novas tecnologias, como a biotecnologia e a implementação, mais

recentemente, de novas formas de produção, com diferenciação e inovação nos frutos

com destino a nichos específicos de mercado. Ultimamente vêm se destacando em

escala global os produtos orgânicos (que não são tratados com defensivos químicos e

nem recebem fertilizantes sintéticos), que já estão na pauta das grandes Multinacionais

Frutícolas.

Mesmo com mudanças tecnológicas e preocupações ambientais, a produção na

cadeia das frutas operadas pelas grandes Multinacionais ainda é majoritariamente de

acordo com o modelo fordista de produção e consumo de massa, destacando-se a

banana como fruta mais produzida de acordo com esse modelo (BONANNO, 1994,

p.14).

Nesse contexto, tem-se a ampliação da competição global, graças a reformas

liberalizantes de cunho nacional e supranacional que fizeram com que várias barreiras

que dificultavam o comércio mundial fossem abaixo. Essas reformas foram conduzidas

no âmbito supranacional, principalmente pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e

pela Organização Mundial do Comércio (OMC), durante as décadas de 1980 e 1990,

como já se falou anteriormente.

Para responder à crescente competição global, as grandes Multinacionais de

frutas e banana traçaram inúmeras estratégias, algumas novas, outras já existentes há

décadas, dentre as quais, podem-se citar: a criação de especializações e nichos de

Page 91: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

mercado, a procura pela terra e trabalho baratos em qualquer parte do Mundo, a

melhoria da tecnologia de transporte e logística e a pressão intensiva sobre países e

localidades, para prover a redução de impostos e benefícios (BONANNO, 1994, p.15).

Outro ponto que se fortaleceu frente a esse ambiente intensivo de competição

global foi o da integração vertical. Cada vez mais, esta, sob a coordenação direta das

Multinacionais de frutas, intensifica-se, devido também às particularidades das

atividades frutícolas, como a perecibilidade do produto transacionado, que obriga o

cumprimento de certas operações em um prazo curto de tempo e também a

sazonalidade da produção, que pode conferir a certos países ou regiões posições quase

monopolísticas durante certo período do ano (MARTINELLI; CAMARGO, 2003).

Essa integração vertical, principalmente através de grandes plantações próprias,

gera economia de escala e também grandes impactos para os países que hospedam essas

Multinacionais, como impactos ambientais, com o desmatamento de florestas, erosão,

contaminação química dos solos/água e dos rios/oceanos, com restos de sacos plásticos

usados na plantação para proteger as bananas dos insetos, e o uso intensivo de

pesticidas, que chegou a provocar a esterilização de milhares de trabalhadores na

América Central (RAYNOLDS, 2003).

Por fim, esse ambiente competitivo vai ser decisivo para um aumento no número

de fusões e aquisições, resultando em uma maior concentração do comércio global de

frutas, principalmente bananas, nas mãos de um punhado de grandes Multinacionais.

Martinelli e Camargo (2003, p.147) observam essas transformações, quando

citam que

[...] a difusão de um padrão competitivo globalizado tem levado a uma reconfiguração da cadeia de frutas. As grandes empresas de frutas e das redes varejistas, visando ao fortalecimento de suas posições competitivas, pautam-se pelas estratégias de fusão e aquisição, levando à maior concentração do mercado e à configuração mais complexa da cadeia produtiva em escala global.

Nos Estados Unidos, as fusões foram incentivadas por políticas neoliberais do

Governo Reagan, na década de 1980, que desregulamentaram e afrouxaram as leis

antitrustes (BONANNO, 1994, p.39). No resto do Mundo, as fusões e aquisições foram

incentivadas principalmente com a desregulamentação mundial do comércio promovida

pelas rodadas do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), criado para regular as

relações comerciais internacionais.

Page 92: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Em 1986, começa a Rodada Uruguai do Gatt. Esta, que resultou na criação da

OMC, terminou em 1993 com vários acordos, dos quais se sobressai o “Acordo sobre

Agricultura”. Tal Acordo cobre três áreas principais: acesso aos mercados, subsídios à

exportação e apoio doméstico à agricultura, contribuindo de forma efetiva para a

liberalização do comércio e consequentemente para a entrada de grandes grupos

multinacionais em Países Subdesenvolvidos, além de facilitar o processo de fusões e

aquisições (MADELEY, 2003).

A emergência desses acordos da OMC vem ocorrer na mesma época em que a

União Europeia executava uma diretriz especial para as suas importações de banana. A

regulação 404/93 da UE institui um sistema de cotas (que já existia para muitos dos

seus países), que vai dividir o mercado europeu de banana. Consiste esse sistema em:

- cota para a produção ultramarina de países da UE, como as Ilhas Canárias da

Espanha, Madeira, Açores e Algarve de Portugal, dentre outras (850.000 toneladas

métricas por ano);

- cota para os países da África, Caribe e Pacifico – ACP25 - tradicionais

exportadores – Belize, Camarões, Cabo Verde, Dominica, Granada, Costa do Marfim,

Jamaica, Madagascar, Santa Lúcia, São Vicente, Somália e Surniname. Essa cota

abrangia os países do Caribe que tinham sua produção de banana voltada para o

mercado europeu e que produziam através da agricultura familiar, com garantia de

preços elevados no mercado europeu (857.700 toneladas métricas).

Para os países que são do sistema “banana dollar”, ou seja, países da América

Latina que produzem de acordo com o sistema americano, através das Multinacionais

Americanas, foi colocado um sistema de licença que respeitou o comércio histórico

entre essa região e a União Europeia, mas que impedia o crescimento da produção em

alguns países (1,6 milhão de toneladas métricas) (WILEY, 2008).

Duas das três grandes Multinacionais frutícolas e bananeiras se adequaram ao

novo regime europeu de licenças e cotas (as norte-americanas Dole e Del Monte Fresh

25 Organização Intergovernamental de ex-colônias europeias da África, Caribe e Pacífico que funciona nos moldes da ONU. Essa organização nasce no âmbito da cooperação da União Europeia com as ex-colônias, e um dos aspectos dessa cooperação é a da não-reciprocidade. Essa cooperação é feita preferencialmente através de tratados que sempre valem por um determinado período. O primeiro tratado chamado de Convenção de Lomé (1975-80) focou na industrialização e no acesso preferencial à UE. A segunda Convenção de Lomé (1980-85) focou em fundos para reduzir a dependência do setor de mineração. A terceira Convenção de Lomé (1985-90) focou a segurança alimentar e deu suporte para o turismo e o transporte marítimo, e a quarta Convenção de Lomé (1990-2000) deu ênfase aos ajustes neo-liberais aplicados pelo FMI e Banco Mundial que promoviam as privatizações. Um dos mecanismos das Convenções de Lomé são as cotas, os acessos preferenciais para a entrada de commodities (como o açúcar, o rum e a banana) dessas ex-colônias na União Europeia (WILEY, 2008).

Page 93: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Produce). Já a Multinacional Norte-Americana Chiquita (importante contribuinte das

eleições americanas) pressionou o Governo Americano e conseguiu que este (junto com

outros países em que a Multinacional tem fazendas, como o Equador e Honduras),

defendesse seus interesses corporativos na OMC. Por fim, esta dá ganho de causa aos

EUA e à referida Multinacional. Com isto, a UE teve que redesenhar todo o seu regime

de importação de bananas, agora trazendo uma maior abertura de mercado e lucros

maiores para a multinacional Chiquita, ao mesmo tempo em que passa causar prejuízos

às economias de pequenas ilhas do Caribe, da África e do Pacífico, por causa da

mudança que teve de fazer nas cotas dos países da ACP (WILEY, 2008).

Todo esse processo intensificou ainda mais a concentração no comércio

internacional de banana (e frutas frescas, já que todas essas empresas de bananas são as

maiores exportadoras mundiais de frutas, com a exceção da Noboa, que se especializou

em banana) e faz com que esse mercado se configure nos dias atuais em um oligopólio

altamente concentrado, segundo Chesnais (1996), em que apenas cinco empresas

dominam cerca de 80% do comércio mundial dessa fruta (KASTEEKE; STICHELE,

2009) (Ver Gráfico 1).

Gráfico 1 - Comércio Mundial de Banana - 2003

Comércio Mundial de Banana - 2003

0

5

10

15

20

25

Dole Chiquita DelmonteFresh

Produce

Fyffes Noboa Outros

Maiores exportadores

Em

Po

rcen

tag

em

Fonte: Kasteeke; Stichele (2009).

Hoje, as exportações mundiais de banana e consequentemente de frutas são

quase inteiramente controladas pelas empresas seguintes:

a) Dole Food Company Inc. – Com sede na Califórnia, Estados Unidos,

essa empresa foi fundada no Havaí, em 1851, consagrando-se como líder mundial na

Page 94: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

produção e exportação de frutas. Foi comprada em 2003 pelo empresário americano

David H. Murdoch, possuidor, entre outras empresas, da Castle & Cooke, que possui

dezenas de hotéis, resorts, residenciais e campos de golf espalhados pelos Estados

Unidos.

A Dole se consagra como uma empresa altamente verticalizada, com o domínio

da produção, da embalagem e do processamento dos produtos frescos, atuando

de forma diversificada com mais de 200 produtos, além de ter uma empresa

especializada no transporte - a “Dole Ocean Cargo Express” -, que transporta os

seus contêineres e também está a serviço de terceiros. Atua em vários

continentes, com plantações e logística em escala mundial (DOLE, 2009).

b) Chiquitita Brands International Inc. – Também conhecida por

“Chiquita”, essa empresa, com sede em Ohio, Estados Unidos, consagrou-se como a

segunda maior produtora e exportadora de frutas do Mundo. Foi fundada em 1899, com

o nome de “United Fruit Company”. É uma das empresas pioneiras em tecnologia de

refrigeração no transporte de contêineres pelo Mundo. Caracteriza-se também como

uma empresa altamente verticalizada, com mais de 30.000 ha de fazendas próprias e

uma frota de navios refrigerados para levar seus produtos para os EUA e a União

Europeia, tendo joint ventures nas Filipinas e na Austrália. É dona ainda de armazéns e

estradas de ferro usadas para escoar a produção (CHIQUITA, 2009).

c) Del Monte Fresh Produce ou Fresh Del Monte Produce – A marca Del

Monte nasceu no final do século XIX, anos de 1880, em Oakland, no estado norte-

americano da Califórnia. Tem sede nas Ilhas Cayman e seu principal centro

administrativo hoje se encontra nos Estados Unidos, em Coral Glabes, na Flórida. É

verticalizada, com empresas por toda a cadeia produtiva da banana, inclusive transporte

marítimo, beneficiamento e distribuição, e também diversificada, com negócios de

investimento em mercado financeiro, imobiliário e no Setor Turístico (DEL MONTE

FRESH PRODUCE, 2011).

d) Fyffes – Com sede na Irlanda, em Dublin, começou a funcionar em 1888,

levando bananas das Ilhas Canárias para Londres. É a primeira Companhia a ter navios

especialmente construídos para o transporte de banana, já em 1901. É uma empresa

também verticalizada, com o controle do transporte, beneficiamento e

comercialização,mas difere das demais: tem somente uma pequena parcela de fazendas

em Belize; o resto da produção é comprado da Dole ou de outras fazendas menores em

Belize, Suriname, Jamaica, Colômbia, Costa Rica, Panamá, Equador, Honduras e nas

Page 95: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Ilhas Canárias, não se responsabilizando, portanto, pelas condições dos trabalhadores.

(FYFFES, 2009; BANANALINK, 2011).

No contexto da liberalização comercial brasileira, durante a década de 1990,

chega a primeira grande Multinacional de frutas frescas, para atuar diretamente no

Nordeste do Brasil - a Del Monte Fresh Produce -, que instala inicialmente suas

fazendas nos vales férteis do Rio Grande do Norte e Ceará. Mais adiante, analisar-se-á a

chegada dessa empresa no Brasil, mais especificamente em Ipanguaçu, no Rio Grande

do Norte.

No próximo Capítulo, será feita a análise do processo de globalização, levando-

se em conta dois eixos fundamentais para o presente trabalho: a renda da terra/questão

fundiária e as relações de trabalho - eixos principais para a análise da Globalização

nos vales do Açu e Apodi, que se fará na segunda parte da Tese.

Page 96: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

3 RENDA DA TERRA, CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA E RELAÇÕES DE TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO Neste Capítulo, proceder-se-á à análise teórica dos dois pilares modificados pelo

processo de globalização da Agricultura, pilares estes que são a base para a análise

empírica que se fará na segunda parte da Tese, conforme já afirmado.

O primeiro pilar diz respeito ao processo de concentração fundiária e às

mudanças na forma da renda da terra, ambos intensificados ao longo do processo de

globalização da Agricultura. O segundo, por sua vez, refere-se às mudanças nas

relações de trabalho que ocorreram no decorrer desse mesmo processo.

3.1 Renda da Terra e Concentração Fundiária no Mundo Globalizado 3.1.1 Renda da Terra

Neste tópico teórico, ir-se-á deter no conceito de renda da terra e nos seus

diversos tipos, quais sejam: Renda Diferencial I, Renda Diferencial II, Renda Absoluta

e Renda de Monopólio. Antes, vai-se procurar tecer rápidas considerações sobre alguns

conceitos relativos à acumulação capitalista e à gênese da renda da terra.

São de suma importância essas considerações teóricas sobre a renda da terra e o

caráter capitalista da Agricultura, tendo em vista que o trabalho em questão versa

também sobre os impactos fundiários decorrentes do processo de modernização da

Agricultura nos municípios de Ipanguaçu e Baraúna - impactos estes que se dão no

âmbito também da renda da terra, alterando assim a sua forma.

A) Uma Introdução ao Caráter Capitalista da Agricultura Moderna O caráter capitalista da Agricultura Moderna é composto, entre outras coisas,

pela mercadoria. Esta é um produto que resulta do trabalho humano e é produzida para

ser trocada, pelo produtor (que dela não necessita), por outros produtos de que ele

necessita (KAUTSKY, 1998).

Page 97: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Para Marx (1982, p. 41), mercadoria, “[...] é, antes de mais nada, um objeto

externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual

for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia”.

Neste contexto, toda mercadoria tem um valor. Esse valor é determinado,

segundo Ricardo (1988), da seguinte forma: “O valor de uma mercadoria, ou a

quantidade de qualquer outra pela qual pode ser trocada depende da quantidade relativa

de trabalho necessário para sua produção, e não da maior ou menor remuneração que é

paga por esse trabalho.” (RICARDO, 1988, p.13).

Kautsky (1998) comunga com Ricardo, quando afirma que o valor da

mercadoria é determinado pelo trabalho socialmente necessário para a sua elaboração.

Quanto mais trabalho utilizado no feitio da mercadoria, mais valor ela terá (AMIN;

VERGOPOULOS, 1977).

Para Ricardo (1988), existem duas formas de valor: o valor de uso e o valor de

troca. Aquele é definido pela utilidade de uma coisa - as que têm maior valor de uso

têm pouco valor de troca, como, por exemplo, a água e o ar. O valor de uso se realiza,

portanto, somente com a utilização ou o consumo de uma coisa.

O valor de troca, por sua vez, consiste na relação de troca que se estabelece entre

uma coisa e outra, entre a quantidade de um produto e a de outro. Com o valor de troca,

as mercadorias perdem todas as qualidades materiais do valor de uso e passam a

representar somente a força de trabalho humana gasta em sua produção. Algumas coisas

que têm maior valor de troca têm pequeno ou nenhum valor de uso, como por exemplo,

o ouro. Toda mercadoria pode ter um valor de troca (quando é trocada por outra

mercadoria) ou um valor monetário (quando é trocada pelo dinheiro) (MARX, 1982).

As mercadorias, segundo Ricardo (1988), derivam seu valor de troca de duas

fontes: de sua escassez e da quantidade de trabalho necessária para obtê-las, sendo que

a escassez representa uma parte muito pequena das mercadorias, como vinhos

cultivados em terras especiais, obras de arte etc, e a quantidade de trabalho necessária

representa quase a totalidade das mercadorias produzidas pelo homem.

Ao falar, portanto, das mercadorias, de seu valor de troca e das leis que regulam seus preços relativos, sempre nos referiremos somente àquelas mercadorias cuja quantidade pode ser aumentada pelo exercício da atividade humana, e em cuja produção a concorrência atua sem obstáculos (RICARDO, 1988, p.14).

O referido autor afirma também que não só o trabalho aplicado diretamente é

que afeta o valor da mercadoria, mas também o trabalho gasto em implementos,

ferramentas, máquinas e edifícios que contribuem para sua execução, pois “todo

Page 98: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

melhoramento na maquinaria, nas ferramentas, nas edificações e na obtenção de

matérias-primas poupa trabalho, permitindo-nos produzir mais facilmente a mercadoria

à qual se aplicou a melhoria e, em conseqüência, o seu valor se altera” (RICARDO,

1988, p.26).

Marx (1982) insiste que o determinante da grandeza do valor é a quantidade de

trabalho socialmente necessário ou o tempo de trabalho socialmente necessário.

Afirma, porém, que essa quantidade de trabalho necessário é variável, mudando de

acordo com o desenvolvimento da ciência, da tecnologia, da organização social da

produção etc.

As mercadorias, portanto, são ao mesmo tempo objetos úteis (valor de uso) e

objetos de valor (valor de troca). Em um primeiro momento, elas tinham como valor de

troca apenas o equivalente em valor de outra mercadoria (M – M = Mercadoria –

Mercadoria). A mercadoria era trocada por outra de igual tempo de trabalho humano.

Com o tempo, surge o dinheiro, que “é o cristal gerado necessariamente pelo

processo de troca, e que serve, de fato, para equiparar os diferentes produtos do trabalho

e, portanto, para convertê-los em mercadorias.” (MARX, 1982, p. 97). O dinheiro

facilita o processo de troca do produto do seu trabalho pelo produto do trabalho alheio.

(M - D - M = Mercadoria – Dinheiro – Mercadoria).

No Mundo Capitalista, esse processo de troca vai ganhar um elemento adicional,

chamado mais-valia. Segundo Marx (1982), o capitalista, além de produzir uma

mercadoria destinada a venda, que tenha um valor de troca, vai querer produzir também

“[...] uma mercadoria de valor mais elevado que o valor conjunto das mercadorias

necessárias para produzi-la, isto é, a soma dos valores dos meios de produção e força de

trabalho26, pelos quais antecipou seu bom dinheiro no mercado.” (MARX, 1982, p.

221). Com isto, produzindo uma mercadoria com o valor maior que a soma dos valores

dos meios de produção e da força de trabalho, o capitalista está gerando mais-valia

(valor excedente).

Essa produção de mais-valia é gerada a partir de um excedente quantitativo de

trabalho, que é apropriado, pelo capitalista, já que, segundo Marx (1982), a manutenção

da força de trabalho é mantida só com meia jornada de trabalho (uma vez que o

26 Meios de Produção e Força de Trabalho são trabalhados por Marx (1982) e são componentes do processo de trabalho de produção de uma mercadoria. Os componentes do processo de trabalho são: a) A atividade adequada a um fim, isto é o próprio trabalho ; b) a matéria a que se aplica o trabalho, objeto de trabalho (pode ser uma matéria-prima); c) os meios de trabalho, o instrumental de trabalho. O componente a), que é o trabalho humano é chamado de Força de Trabalho e os componentes b) e c), que são os objetos de trabalho e os instrumentos de trabalho são chamados de Meios de Produção.

Page 99: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

trabalhador ganha apenas o necessário para a sua subsistência), sendo a outra metade da

jornada apropriada pelo capitalista que contratou o trabalho.

B) Renda da Terra: uma Análise Conceitual Segundo Marx (1991, p.710), renda da terra ou renda fundiária se define como a

“quantia que o capitalista arrendatário paga ao proprietário de terras, ao dono do solo

que explora, em prazos fixados, digamos por ano, quantia contratualmente estipulada

pelo consentimento de empregar seu capital nesse campo especial de produção”.

Esse tipo de renda, portanto, vai ser sempre a sobra acima do lucro, da mais-

valia, acima da fração do valor das mercadorias, que o capitalista vai pagar para o

proprietário fundiário.

Mas nem sempre a renda fundiária consistia no excedente do lucro, da mais-

valia, que era retirada dos trabalhadores pelo capitalista e repassada para o proprietário

de terras. Percebe-se que, além do capitalista retirar o lucro, a mais-valia, e se apropriar

deste, existia ainda um excedente da mais-valia, este, sim, era entregue ao proprietário

fundiário.

Antes da emergência do modo capitalista de produção, a renda fundiária era

extraída, não como um excedente da mais-valia, mas como a própria mais-valia, ou, em

outras palavras, o correspondente ao trabalho excedente colhido na agricultura. Esta foi

extraído ao longo da história sob a forma de trabalho, de produto e, depois, com a

emergência da circulação das mercadorias, sob a forma de dinheiro.

A seguir, analisar-se-á como se dava a renda da terra antes do surgimento do

capital, denominado de “período pré-capitalista”.

Renda da Terra Pré-Capitalista

Bem antes de o modo de produção capitalista emergir, já existiam as rendas da

terra, que hoje são absorvidas por esse modo de produção. Neste sentido, este tipo de

renda se constitui na porção “do produto da terra paga ao seu proprietário pelo uso das

forças originais e indestrutíveis do solo” (RICARDO, 1988, p. 34).

Oliveira (1990), por sua vez, afirma que a renda da terra pré-capitalista é

diretamente produto excedente, mais-valia, que nasce diretamente na produção, ao

Page 100: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

contrário da renda da terra capitalista, que, nascendo na circulação, é sempre sobra

acima do lucro médio, ou seja, fração da mais-valia.

Segundo Marx (1991), existem três tipos de Renda Pré-Capitalista, utilizados no

passado e hoje apropriados pelo modo de produção capitalista, a saber: Renda em

Trabalho, Renda em Produto e Renda em Dinheiro.

Para o referido autor, Renda em Trabalho (também chamada de corveia)

corresponde à forma mais simples e antiga de renda fundiária: geralmente,

[...] durante parte da semana, o produtor direto, com os instrumentos (arado, animais etc.) que pertencem de fato ou de direito, lavra o terreno de que dispõe de fato e, nos outros dias da semana, trabalha nas terras do Solar Senhorial, para o proprietário de terras gratuitamente. (MARX, 1991, p. 905).

Segundo o mesmo autor, essas relações de dependência podem reduzir-se, indo

da servidão com a corveia, como foi citado acima, até à mera obrigação de pagamento

de um tributo, como acontece nos dias atuais. Nessa modalidade de renda, o trabalho

excedente não pago é a renda da terra e não o lucro. Além disto, têm-se em tal tipo de

modalidade fortes relações de domínio e sujeição.

A Renda em Trabalho é a forma mais simples de renda e também a forma

original da mais-valia - uma mais-valia visível, não alienante, que é identificada pelo

produtor, “[...] pois o trabalho que o produtor direto efetua para si mesmo se distingue,

no tempo e no espaço, do que executa para o senhor das terras e que aparece

diretamente na forma brutal de trabalho sob coação para terceiro.” (MARX, 1991, p.

908).

Nessa forma de renda - a corveia -, extrai-se bem menos trabalho dos produtores

do que no modo de produção capitalista, já que o produtor dispõe de dias de trabalho só

para sua produção e, dependendo do esforço e da magnitude do trabalho posto na sua

produção, pode vir a contar com a geração de uma sobra acima dos meios de

subsistência indispensáveis (MARX, 1991).

Com relação à Renda em Produto, esta se origina do fato de que o trabalhador

cede parte de sua produção ao proprietário da terra, pelo fato de este ter-lhe concedido

permissão para cultivar a terra. Em outras palavras, esse tipo de renda nada mais é que

a Renda em Trabalho transformada em produto, uma vez que tal modalidade de renda é

a própria essência da renda da terra. O pouco que é colhido é dividido entre o

trabalhador e o proprietário da terra. A Renda em Produto ainda ocorre hoje e também é

conhecida como ‘parceria’, em que pode ocorrer a meação, a terça, a quarta etc.

Page 101: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Vale ressaltar que, com esse tipo de renda, tem-se uma mudança importante em

relação à Renda em Trabalho, pois

A renda em produtos supõe estágio cultural superior do produtor imediato, nível mais alto de desenvolvimento de seu trabalho e da sociedade em geral, distinguindo-se da forma anterior porque o trabalho excedente não deve mais prestar-se de maneira natural, sob a vigilância e a coação diretas do senhor da terra ou de seu representante; ao contrário, por força das circunstâncias e não por coação direta, compelindo-o a lei, em vez do açoite, deve o produtor imediato efetuar o trabalho excedente, responsabilizando-se ele mesmo pela execução (MARX, 1991, p. 911).

Com a Renda em Produto, o trabalho do produtor para si mesmo e o que fornece

para o proprietário da terra não se separam mais no tempo e no espaço. O produtor

passa a ter uma sobra de tempo maior para trabalhar em seu proveito, podendo até obter

meios para diretamente explorar por sua vez o trabalho alheio.

Finalmente, tem-se a Renda em Dinheiro. Esta é resultado da conversão, por

parte do trabalhador, de uma parcela da sua produção em dinheiro, para entregá-lo ao

proprietário da terra: conversão da Renda em Produto em Renda em Dinheiro. A adoção

desse tipo de renda pode levar à dissolução dessa mesma renda não-capitalista, já que o

proprietário, ao contrário, no caso da Renda em Produto, não aceita dividir prejuízos

com o trabalhador, passando a exigir o pagamento de uma quantia fixa em dinheiro pela

cessão da terra (OLIVEIRA, 1990).

A dissolução da renda não-capitalista começa a ocorrer a partir do momento em

que o produtor direto tem que converter parte do produto em mercadoria (para poder

vender e ganhar o dinheiro) e produzi-lo como tal. Com a conversão de parte do produto

em mercadoria, muda-se o caráter do modo de produção, perdendo a independência que

antes existia com relação à Sociedade. Agora o produtor vai ter que vender sua

produção, participando assim da circulação de mercadorias, do comércio e sujeitando-se

aos preços ditados pelos interesses mercantilistas (MARX, 1991).

Esse período de transformação

[...] da renda-produto em renda-dinheiro, primeiro esporádica, depois em escala mais ou menos nacional, supõe desenvolvimento já considerável do comércio, da indústria urbana, da produção mercantil em geral e por conseguinte da circulação monetária. Requer ainda que os produtos tenham preço de mercado e sejam vendidos aproximadamente pelo valor, o que de modo algum precisa ocorrer nas formas anteriores (MARX, 1991, p. 914).

Com a emergência da renda-dinheiro, a relação tradicional e consuetudinária que

existia entre o subordinado que possui e explora parte do solo e o proprietário da terra se

converte em relação contratual puramente monetária, que passa a ser determinada pelas

Page 102: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

regras sólidas do Direito. A partir desse momento, o indivíduo que possui e lavra a terra

se transforma em mero arrendatário. Nessa época, dependendo das condições gerais de

produção, entram em cena os arrendatários capitalistas, que vão progressivamente

tomando o lugar dos antigos possuidores que ocupavam as terras e dos antigos

produtores, pequenos produtores.

Com a interferência do arrendatário capitalista entre o dono da terra e o que efetivamente a cultiva dissolvem-se todas as relações oriundas do velho modo rural de produção. O arrendatário se torna o comandante efetivo desses trabalhadores agrícolas e o verdadeiro explorador do trabalho excedente que efetuam, enquanto o proprietário só mantém relação direta, e de caráter puramente monetário e contratual, com esse arrendatário capitalista. Então muda de fato a natureza da renda, como ocasionalmente já ocorria às vezes nas formas anteriores, e transmuta-se a forma normal, reconhecida e dominante. A renda deixa de ser a forma normal da mais-valia e do trabalho excedente para reduzir-se a sobra desse trabalho excedente, a qual aparece depois de deduzida a parte de que se apropria o explorador capitalista sob a forma de lucro. Do mesmo modo, o total do trabalho excedente, o lucro e o que o ultrapassa, extrai ele agora diretamente, recebendo-o na forma de produto excedente global e convertendo-o em dinheiro. A renda que entrega ao proprietário de terra é apenas fração remanescente dessa mais-valia que extrai com o capital, explorando diretamente os trabalhadores agrícolas (MARX, 1991, p. 916).

A partir desse momento, tem-se a Renda Fundiária deixando seu formato normal

de trabalho excedente, ou mais-valia, para converter-se em remanescente da mais-valia

(sobra acima do lucro médio). O lucro (mais-valia), que antes era a renda, vai ser

apropriado pelo arrendatário capitalista, ficando a sobra acima do lucro médio, que

agora vai ser a renda para o proprietário. Tem-se com isso a formação da Renda

Fundiária Capitalista.

Cabe esclarecer que na Renda Capitalista o trabalhador direto não estabelece

qualquer relação social de produção com o proprietário da terra, mas sim com o

capitalista que explora a terra através de relações de trabalho assalariado,

diferentemente das Rendas Pré-Capitalistas em que ocorriam essas relações entre o

trabalhador direto e o proprietário.

Essas três formas de Renda Pré-Capitalista são, ainda hoje, cotidianamente

criadas, recriadas e redefinidas pelo capital, no seu desenvolvimento contraditório, não

fazendo parte, portanto, somente do passado. Podem-se ainda ser encontradas em

diversas regiões do País, perfeitamente integradas, em sua grande parte, pelo modo de

produção dominante.

Page 103: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Renda da Terra Capitalista

A renda da terra, sob o modo capitalista de produção, é sempre sobra acima do

valor das mercadorias, ou seja, lucro extraordinário permanente (acima do lucro médio)

que todo capitalista, que explora a terra através de relações de trabalho assalariado,

obtém e repassa para o dono da terra. Caso o capitalista seja o dono da terra, ele

embolsa não só a mais-valia como também o lucro extraordinário permanente.

Segundo Gorender (1987), a renda da terra é apenas uma parte da mais-valia, do

sobreproduto. O Capitalismo se sobrepõe ao domínio dessa, reproduzindo-se

prioritariamente no campo a partir do lucro, da mais-valia, e só secundariamente a partir

da referida renda.

Se todas as terras tivessem as mesmas características, se fossem ilimitadas na

quantidade e uniformes na qualidade, seu uso não implicaria qualquer custo, a não ser

que possuíssem particulares vantagens de localização. Mas, como a terra não tem nem

uma coisa nem outra e como, com o crescimento da população, terras de qualidade

inferior ou desvantajosamente situadas são postas em cultivo, a renda é paga por seu

uso.

Com o Capitalismo se tem a submissão da terra ao seu domínio, deixando esta

de ter só uma determinação natural, física, um valor de uso, e passando a ter cada vez

mais uma determinação social, um preço e um valor de troca. A terra é transformada,

pelo modo de produção capitalista, em uma das suas mercadorias específicas.

A renda da terra, sob o modo capitalista de produção, está dividida em: Renda

Diferencial I, Renda Diferencial II, Renda Fundiária Absoluta e Renda de Monopólio.

Para Marx (1991), a Renda Diferencial I é um tipo de lucro suplementar.

Existem vários tipos de lucros suplementares e eles podem ser obtidos do capital

empregado em grande escala e dos melhores métodos de trabalho. Mas, com o tempo,

há a generalização dos métodos e das técnicas, fazendo com que essa modalidade de

lucro decresça.

Já o lucro suplementar advindo de força natural monopolizável - um tipo de terra

superior - só pode ser utilizado pelos que a possuem. Portanto, “constitui monopólio do

respectivo proprietário dispor dessa força natural, condição de maior produtividade do

capital aplicado, que não pode ser fabricada pelo processo de produção do capital.”

(MARX, 1991, p.740).

Page 104: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Por causa desse monopólio da terra, do lucro suplementar, existe a Renda

Fundiária Diferencial, que se converte para o proprietário da força natural

monopolizável. O lucro suplementar ou a Renda Diferencial, só existe quando se

aplicam porções iguais de capital e se tem um lucro diferenciado (MARX, 1991).

Para Kautsky (1998), a Renda Diferencial I é o lucro extra proveniente da

produtividade desigual e dos tipos diversos de solo.

Não são apenas os diferentes graus de fertilidade que entram na constituição da renda fundiária. Em sua formação entram, igualmente, as diferenças decorrentes da situação geográfica da terra, de cultura, bem como a distância a que estas se encontram afastadas do mercado (KAUTSKY, 1998, p.109; grifos nossos).

Amin e Vergopoulos (1977, p.51), por sua vez, complementando Kautsky,

afirmam que a Renda Diferencial I cresce

porque com o aumento da demanda de produtos alimentares utiliza-se terras piores, que exigem mais trabalho, para um nível dado de produção. Se a renda aumenta é porque o custo marginal da produção agrícola desloca-se para o alto, em conseqüência da inserção de terras de fertilidade inferior.

Guimarães (1979, p. 162) também se refere à Renda Diferencial I, afirmando

que ela varia

[...] de país a país, de região a região, segundo o grau de densidade da população e o nível do progresso econômico, segundo as qualidades físicas (fertilidade, provisão de água, condições climáticas), bem como a distância e as facilidades de acesso em relação aos centros de consumo.

Das causas gerais, independentes do capital, que produzem diferenciações no

preço da produção agrícola e, portanto, a Renda Diferencial I, têm-se, entre outros

fatores, a fertilidade das terras e sua localização, como essenciais para a desigualdade

espacial dos lucros agrícolas.

A fertilidade de um solo agrícola não depende de forma direta de suas

características químicas, topográficas ou climáticas. Esses fatores naturais só intervêm

quando a técnica agrícola os tem em conta. Assim, pode-se observar que, a cada

mudança das forças produtivas e das relações de produção na Agricultura, produz-se

uma reclassificação das terras, do ponto de vista de sua fertilidade relativa.

Segundo a definição de Ricardo (1972 apud TOPALOV, 1984), a renda é

sempre a diferença entre os produtos obtidos pelo emprego de quantidades iguais de

capital e trabalho.

Assim, o montante de capital invertido e consumido, necessário para produzir

uma unidade de valor de uso, varia de um terreno para outro, dependendo da fertilidade

Page 105: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

desse terreno, com reflexo no preço de produção individual da mercadoria. Dado o

preço de produção social, que é o preço regulador do mercado, a diferença entre este e

aquele constitui um sobre-lucro susceptível de se transformar em Renda Diferencial.

Além disto, os terrenos não se diferenciam somente por sua fertilidade, mas

também por sua distância do mercado, sua localização, cuja expressão econômica é o

custo de transporte do produto. A teoria de Ricardo (1972 apud TOPALOV, 1984) faz

referência a fertilidades idênticas e localizações variáveis. A renda do solo para cada

produto se estabelece em cada ponto como uma diferença entre o preço único no

mercado central e um custo diferenciado pelo custo do transporte.

Marx (1991, p. 746) aponta que “[...] o progresso da produção social atua no

sentido de anular a localização como causa da renda diferencial, criando mercados

locais ou facilitando a localização com meios de comunicação e de transportes.”

Apesar desse progresso apontado por Marx, até hoje se observa o peso do frete

no custo dos produtos agropecuários e a importância dada às empresas para localizar

suas produções perto de estradas e portos que facilitem o seu escoamento, diminuindo

assim os custos de localização.

Para Topalov (1984), a base da Renda Diferencial é o sobre-lucro de localização

que provém de uma diferenciação no espaço do preço de produção de uma mercadoria

homogênea, em virtude de umas condições de valorização exteriores ao capital. Mas a

taxa e a massa localizadas de lucro não variam somente em função dessas condições

exteriores. Dependem também da quantidade de capital invertido no processo de

valorização.

Marx (1991), conforme se viu, trabalha com duas formas na determinação da

Renda Diferencial: a primeira seria a Renda Diferencial I – devido às diferenças de

fertilidade e localização entre os terrenos. A segunda forma seria a Renda Diferencial

II – devido às diferenças na distribuição de capital entre os arrendatários.

Esse conceito de Renda Diferencial II de Marx, segundo Topalov (1984),

designa um processo geral concernente a todos os tipos de renda e não somente à Renda

Diferencial, como Marx supõe em ‘O Capital’: a variação da renda total por unidade de

superfície em função da quantidade de capital invertida por unidade de superfície. Essa

renda tende a produzir mais sobre-lucro por unidade de superfície, invertendo mais

capital por unidade de superfície.

Não se trata desta vez, como a primeira forma da Renda Diferencial, de um

incremento da produção (do sobre-lucro) proveniente unicamente das condições

Page 106: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

exteriores e da natureza. Trata-se do efeito de um aumento do capital invertido pelo

arrendatário.

Marx (1991, p. 778) salienta, contudo, que, “naturalmente, ao desenvolver-se a

cultura intensiva, ao se efetuarem aplicações sucessivas de capital no mesmo solo, serão

elas de preferência ou em maior grau feitas nos melhores solos [...] por oferecer as

maiores probabilidades para a rentabilidade do capital aplicado.”

A Renda Diferencial II se daria, segundo Kautsky (1998), com o aumento do

capital aplicado ao solo, com a aquisição de adubos, ferramentas etc, o que vai

aumentar e potencializar a fertilidade do solo, gerando um sobre-lucro.

Com relação à Renda Fundiária Absoluta, como sucede com todo preço de

monopólio, o preço dos alimentos, inspirado pelo monopólio da propriedade fundiária,

também pode ultrapassar o de seu valor. O nível que essa elevação alcança depende

apenas dos limites do monopólio, acima dos quais as leis da concorrência ainda se

impõem (KAUTSKY, 1998).

A diferença básica entre a Renda Diferencial e a Renda Absoluta, para Kautsky

(1998), é que a primeira decorre dos preços de produção, enquanto a segunda resulta da

elevação dos preços de mercado, galgando níveis superiores aos do preço de produção.

Falando sobre as diferenças entre esses dois tipos de renda, Amin e Vergopoulos

(1977) afirmam que

[...] a renda diferencial surge da concorrência ilimitada interna na agricultura como fenômeno “normal”; a renda absoluta surge da concorrência limitada entre agricultura e indústria como fenômeno “anormal”, a longo prazo. A oferta limitada de terras constitui um elemento de monopólio na máquina capitalista da concorrência generalizada que pressupõe oferta limitada dos fatores (AMIN; VERGOPOULOS, 1977, p. 87 – grifos nossos).

Parafraseando Marx, esses autores afirmam que

[...] se todos os capitais pudessem ter acesso à utilização da força produtiva da terra não haveria sobrelucro agrícola. Este acesso é limitado pela quantidade restrita de terras cultiváveis, frente à oferta ilimitada dos outros fatores de produção (AMIN; VERGOPOULOS, 1977, p.87 – grifos nossos).

Segundo também Amin e Vergopoulos (1977), o produto agrícola é encarecido

simplesmente em virtude do crescimento mais rápido da produção industrial. Esses

autores discordam das ideias de Kautsky, quando este afirma que a Renda Diferencial

Page 107: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

provém do caráter capitalista da produção, enquanto a Renda Absoluta resultaria da

propriedade privada do solo. Para Amin e Vergopoulos, essas duas formas de renda têm

a mesma causa, ou seja, o monopólio relativo da terra, pois

Como toda produção de monopólio, a única barreira que limita o sobrelucro agrícola é o mercado. A terra, sob forma de monopólio em quantidade limitada, explica a renda absoluta. A terra, sob forma de monopólio de qualidade diferenciada, explica a renda diferencial. Assim, o mecanismo social que engendra a renda é unificado, e o sobrelucro agrícola, único. As duas formas de renda têm a mesma causa, ou seja, o monopólio relativo da terra (AMIN; VERGOPOULOS, 1977, p.94 – grifos nossos).

Segundo Topalov (1984, p.58), a Renda Absoluta...

[...] está constituida por el excedente del valor de la mercancía sobre su precio de producción, cuando la existencia de un monopolio en una de las condiciones generales de la producción en el sector obstaculiza el processo general por el cual el precio regulador es desplazado del valor al precio de producción27.

Marx (1976 apud TOPALOV, 1984), por sua vez, apresenta duas condições para

que exista a Renda Absoluta: predomínio do modo de produção capitalista e o seu

desenvolvimento desigual e a resistência da propriedade do solo ao capital.

Com relação à primeira condição, esse tipo de renda supõe uma regulação geral

dos preços sob a base de uma taxa média de lucro e um excedente de valor sobre o

preço de produção dos produtos agrícolas.

O predomínio do modo de produção capitalista induz à transformação geral dos

valores em preços de produção e com isto vai ocorrer uma mudança nas relações dos

produtores com os meios de produção, isto é, aqueles não vão mais ser donos destes. O

novo dono será o capitalista, que vai se apropriar da nascente mais-valia, gerando a

maximização da taxa de lucro.

Dessa forma, estabelecem-se assim novas relações de intercâmbio que se

baseiam na lei do valor modificada pelas condições do Capitalismo: as mercadorias

tendem a se intercambiar em função do seu preço de produção, quer dizer, seu custo de

produção mais o lucro médio do capital invertido.

Com relação à resistência da propriedade do solo ao capital, o sobre-lucro

original do setor se fixa sob forma de Renda Absoluta, quando a terra não está livre, à

disposição do capital, e quando não é reproduzida por este, como os outros elementos

27 [...] está constituida pelo excedente do valor da mercadoria sobre seu preço de produção, quando há a existencia de um monopólio em uma das condições gerais da produção no setor obstaculariza o processo geral pelo qual o preço regulador é desprezado do valor do preço de produção. (TOPALOV, 1984, p.58),

Page 108: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

da produção (bens livres e sem valor ou mercadorias produzidas pelo trabalho humano).

Isto se dá quando a propriedade privada do solo é anterior à aparição do modo de

produção capitalista. A terra já é apropriada e limitada.

A apropriação privada da terra só é possível porque esse elemento da produção

está fisicamente limitado, ao contrário de outros elementos disponíveis em quantidades

ilimitadas, como o ar e a água. Mas a causa da renda não é uma relação natural e sim

social, com a apropriação privada do solo já se dando desde os modos de produção pré-

capitalistas. É justamente a propriedade do solo que produz a única escassez pertinente:

a escassez da terra com relação ao capital - escassez social, que pode aparecer se não

são explorados todos os solos fisicamente disponíveis (TOPALOV, 1984).

Essa propriedade que opõe uma resistência real ao livre movimento do capital é

um pressuposto do modo de produção capitalista. A separação entre capital e a

propriedade do solo é um pressuposto do desenvolvimento capitalista e da agricultura,

já que a conversão do proprietário feudal em um explorador capitalista tropeça na falta

de capital em dinheiro. E quem tem tradicionalmente esse capital em dinheiro são os

comerciantes, os capitalistas (TOPALOV, 1984).

A Agricultura Capitalista supõe, pois, a existência autônoma da propriedade do

solo e sua correlativa Renda Absoluta, a qual nada mais é que a propriedade do solo

modificada pelo modo de produção capitalista.

Segundo Marx (1976 apud TOPALOV, 1984), esse tipo de renda não é uma

renda de monopólio, como pensam muitos autores já citados anteriormente, pois a

propriedade do solo não limita a produção. A acumulação de capital é que determina o

nível de produção agrícola e não a propriedade do solo.

Topalov (1984), com base em Marx, refere-se a dois fatores que impedem a

formação de preços de monopólio: o capital, como organizador do processo de trabalho

e de produção, e a expansão mundial da produção capitalista.

Quanto ao capital organizador do processo de trabalho e de produção, a

propriedade da terra, quando é cedida, não pode opor barreiras absolutas ao volume

quantitativo, nem a uma inversão de capital em uma parcela do terreno dada.

Assim se dá a base da agricultura intensiva, por meio da qual o arrendatário,

graças ao emprego de quantidades crescentes de capital por unidade de superfície e à

busca de incrementos de produtividade, obtém a formação de sobre-lucros que excedem

ao cultivo da renda precedente (TOPALOV, 1984).

Page 109: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Quanto mais alta a produtividade física dos capitais adicionais, livremente

invertidos nas terras em que não existe obstáculo territorial, mais baixo será o preço

regulador e mais débil o limite superior da renda da terra.

O novo modo de produção transforma o proprietário do solo em rendeiro,

perdendo este a função de organizador do processo de produção. A partir daí, o

arrendatário capitalista é quem controla a utilização real dos meios de produção, o

processo de trabalho; é também o que organiza, durante o período de arrendamento, a

valorização do seu capital, o processo de produção (TOPALOV, 1984).

A propriedade do solo não tem mais que um direito: fixar a cobrança da renda,

que vai determinar o mínimo de sobre-lucro que o capital estará obrigado a produzir.

Assim, o poder da propriedade do solo que subsiste é dominado pelo capital. É

este que tem a iniciativa em matéria de produção: a propriedade do solo tem, em forma

periódica, um direito de veto. Com isto, o capital está forçado a compartilhar o seu

poder quando enfrenta a barreira do solo, a qual é eliminada quando aquele tem a

propriedade do solo.

Quanto à expansão mundial da produção capitalista, segundo Marx (1976 apud

TOPALOV, 1984), este é o segundo fator que impede a formação de preços de

monopólio dos produtos agrícolas. Isso faz com que a escassez do solo seja superada,

tanto a física (falta de solo), quanto a social (criada pela propriedade do solo em relação

à acumulação). O capital por meio do comércio internacional sempre pode produzir

mais, anulando qualquer possibilidade de formação de preços de monopólio, podendo,

inclusive, produzir em terras de novos países, ainda sem propriedade do solo e sem

renda. O capital tem sempre a última palavra. Segundo Topalov (1984), o aumento ou

não da taxa de renda absoluta dependem da origem do aumento da produtividade,

podendo ser dividida em origem 1 e origem 2, a seguir apresentadas:

- Origem 1: Se a produtividade aumenta como resultado de um melhoramento natural

(sem o uso de capital), como uma mina mais produtiva, melhor localizada (Renda

Diferencial I), a Renda Absoluta permanece constante.

- Origem 2: Se o aumento da produtividade vem do uso do capital (Renda Diferencial

II), isto implica uma mudança da composição técnica e uma elevação da composição

orgânica do capital. A taxa interna do lucro setorial diminuirá e a Renda Absoluta

diminuirá também.

Quanto à Renda de Monopólio, ela é vista também como um lucro

suplementar, tal como a Renda Diferencial, que se deriva de um preço de monopólio

Page 110: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

de uma certa mercadoria produzida em uma porção do globo terrestre dotada de

qualidades especiais que só existem nessa região e que fazem dela algo único.

O excedente provocado pela diferença entre o preço de monopólio (aquele que é determinado apenas pelo desejo e pela capacidade de pagamento dos compradores, sem depender do preço geral de produção ou do valor dos produtos) e o valor do produto (quantidade de trabalho socialmente necessária para a produção desse produto) é um lucro suplementar; portanto, renda de monopólio (OLIVEIRA, 1990, p.76).

Vale lembrar que a renda da terra de monopólio é oriunda de um preço de

monopólio de uma mercadoria especial. É esse preço que gera a renda da terra de

monopólio. Já no caso da renda da terra absoluta, é a existência da renda que gera o

preço do monopólio (OLIVEIRA, 1990).

3.1.2 Renda da Terra, Preço da Terra e Concentração Fundiária

Além das rendas auferidas com a terra, citado acima, tem-se, ao longo do

desenvolvimento capitalista, a progressiva valorização do preço da terra. Esta vai se dar

junto com a valorização das rendas da terra, que também ocorre pela utilização da terra

como reserva de valor ou fator especulativo, pois permite conservar a riqueza de um

período para outro (REYDON; PLATA, 2006). Esses dois fatores juntos vão

intensificar o processo de concentração fundiária (que já vem historicamente

constituindo-se no Brasil), através do aumento do preço da terra.

Com o desenvolvimento do modo capitalista de produção, consequentemente

com a consolidação do regime da propriedade privada da terra e da produção de

mercadorias na agricultura, a terra e o solo também foram transformados em

mercadorias. A terra se torna uma mercadoria especial, uma mercadoria que, ao

contrário das demais, não constitui um produto do trabalho humano. A terra vai gerar

renda e não lucro. Sob o modo capitalista de produção, o preço da terra é, portanto,

renda capitalizada e não capital (OLIVEIRA, 1990).

Quando os capitalistas compram a terra, estão convertendo o seu capital-dinheiro

em renda capitalizada, ou seja, estão adquirindo o direito de extrair renda. Portanto, o

preço da terra vai se medir pela renda da terra que ela pode dar, ao contrário do valor

efetivo de um capital-dinheiro, que no mercado de capitais é regulado pelo juro que ele

realmente dá.

Page 111: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

No caso da terra em questão ter uma qualidade de solo superior e uma

localização privilegiada, ela tem a possibilidade de auferir a Renda Diferencial I, o que

faz seu preço vir a acompanhar a renda que ela pode dar, podendo se capitalizar mais.

Se a terra tiver muito capital invertido na forma de melhorias, como irrigação, poços,

adubos etc., o preço da terra vai acompanhar a renda que ela pode dar, que no caso é a

Renda Diferencial II.

Além de ser regulado pelo montante da renda da terra (a que auferir mais renda

vai ter mais valor), o preço da terra é regulado também, segundo Oliveira (1990), pela

taxa média de juro no mercado de capitais (mais juro, menor o preço da terra; menos

juro, maior o preço da terra). Isto acontece no Brasil porque a terra é adquirida na

maioria das vezes como reserva de valor e não para a produção.

Bastiaan Philip Reydon propõe um modelo econométrico que determina o preço

da terra rural no Brasil a partir de ganhos esperados para os quatro atributos

capitalizados. Para esse autor, assim como para Oliveira, é importante frisar que a terra

agrícola é um ativo e seu preço é determinado pela capitalização de suas rendas futuras,

obtidas com a utilização na produção de bens agropecuários e na atividade especulativa

como ativo de reserva de valor (PLATA, 2006; REYDON E PLATA, 2006).

Para Reydon (PLATA, 2006; REYDON E PLATA, 2006), o preço da terra rural

é determinado pelos ganhos esperados para os quatro atributos capitalizados, seguindo a

seguinte fórmula:

P= q - c + 1 + a q (quase-rendas produtivas) – são as rendas produtivas esperadas decorrentes da

propriedade da terra. (produção agrícola, crédito, subsídios governamentais).

c (custo de manutenção) – são os custos esperados para se manter a terra no portfólio do

agente, isto é, todos os custos não produtivos da terra, tais como custos de transação,

provisão para financiamento, quando este é utilizado para a aquisição da terra, impostos

e taxas decorrentes da propriedade.

l (prêmio de liquidez da terra) – refere-se à relativa facilidade de venda da terra no

futuro e depende, portanto, das expectativas formadas pelos agentes em relação ao

mercado de terras.

a (ganho patrimonial da terra) – este fluxo de renda é obtido no momento da venda da

terra e depende, portanto, das condições do mercado. Tal atributo é normalmente

incluído em q, mas neste caso é importante considerá-lo separadamente, pois muitos

Page 112: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

compradores adquirem terras visando a este ganho. Um exemplo disto é a compra de

terras na fronteira, que não apresentam rendimento produtivo para um prazo econômico,

realizada com o objetivo explícito de obter ganhos na revenda.

Plata (2006) observa que, no caso do Brasil, o mercado de terras é imperfeito,

pois há desigualdades expressivas na distribuição da propriedade da terra, devido a

extrema desigualdade e concentração e também a agentes individuais que podem

interferir na oferta e no preço da terra.

Reydon e Plata (2006), Plata (2006), além de Dias, Vieira e Amaral (2001),

também identificam inúmeras variáveis que determinam o preço da terra rural, dentre as

quais, podem-se citar: a dinâmica entre a oferta e a demanda, as condições de mercado

do produto e as condições técnicas da produção, a infra-estrutura de produção e

comercialização (irrigação, estradas de acesso, transporte...), as leis de reserva florestal

ou de meio ambiente que limitam o uso da terra criando expectativas pessimistas que

diminuem o seu preço, o crescimento da população (que faz com que se exija mais

produção agrícola, aumentando a expectativa de retorno e o preço da terra), a inflação e

as incertezas econômicas (que afetam o preço dos produtos e insumos e o preço da terra,

além de fazerem com que a terra seja mais usada como reserva de valor, já que é

considerada como um ativo seguro para os investidores, aumentando consequentemente

seu preço) e a implantação de um imposto sobre a terra rural, que pode diminuir o preço

da terra (e não incentivar seu uso especulativo), na medida que aumenta seu custo de

manutenção.

Elias (2006) ressalta também que a seletividade na distribuição das políticas

públicas favorece as diferenças entre os lugares e, decorrente disto, o crescimento do

preço da terra onde são aplicadas tais políticas, como, por exemplo, programas de infra-

estrutura hídrica, como construção de barragens e canais.

Por último, Reydon e Plata (2006), Plata, (2006) frisam que o preço da terra

também reflete as condições microeconômicas do mercado local ou específico,

podendo, inclusive, essas condições locais sobrepujar as tendências

macroeconômicas, levando os preços a se deslocarem a uma velocidade maior ou até

em uma direção diferente. Portanto, a análise do mercado de terras deve levar em conta

tanto as tendências macro quanto as determinações do mercado local.

A partir de agora, vai-se analisar, de forma breve, o processo de concentração

fundiária recente no Mundo e no Brasil.

Page 113: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

3.1.3 Concentração Fundiária Hoje no Mundo Globalizado Contemporâneo e no Brasil Após a Segunda Guerra Mundial, observa-se uma nova etapa do processo de

globalização, com a emergência do meio técnico-cientifico-informacional se difundindo

em escala global de maneira rápida, através do aperfeiçoamento das tecnologias e da

nova regulação mundial, estando à frente os EUA e as organizações supranacionais

ONU, Gatt, FMI e Banco Mundial.

Na Agricultura, tem-se uma nova fase da Globalização, com a emergência da

Revolução Verde, inicialmente nos Países Desenvolvidos, na década de 1950, e se

ampliando em escala mundial a partir dos anos de 1960. Nesse novo período, o processo

de concentração fundiária em nível global e nacional se amplia e se torna mais restrito

ao controle multinacional, seja em forma de empresas multinacionais, seja em forma de

governos, fundos soberanos,empresas estatais, etc.

Observar-se-á a seguir como se dá essa concentração fundiária no Mundo e no

Brasil, principalmente nas últimas fases do processo de globalização – Pós-Segunda

Guerra Mundial/Revolução Verde, até os dias atuais, com a liberalização do comércio e

no contexto da acumulação flexível – e os principais motivos que levam a essa

concentração em nível global e nacional.

a) Mundo A concentração de terras no Mundo ganha força com a emergência dos grandes

Impérios Coloniais a partir do século XVI e com a Revolução Agrícola no século

XVIII. O fim das terras comunais, com o início dos cercamentos, a anexação dos pastos

comuns à propriedade dos latifundiários ingleses e a expulsão dos ocupantes e

moradores, é um dos pontos mais marcantes do processo de concentração fundiária

desencadeado pela Revolução Agrícola na Inglaterra. Mas, vale lembrar, que, em

muitos países, essa concentração foi amenizada por legislações agrárias mais inclusivas,

como a dos Estados Unidos, colocada em prática em 1785, com o Homestead´s Act, que

promoveu o acesso à terra a mais de um milhão de famílias. Os EUA, nessa época,

proibiam a venda de terras públicas não demarcadas, fazendo milhões de famílias irem

para o Oeste buscar o seu pedaço de terra, a chamada “conquista do Oeste”, que se deu

Page 114: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

com a usurpação da terra e a morte de milhões de índios americanos (GUIMARÃES,

1979).

Mas, com o processo de industrialização da agricultura, que se inicia em fins do

século XIX, tem-se um aumento na área cultivável no mundo todo, um crescimento

intensivo com defensivos químicos, novas técnicas, fertilizantes, máquinas e

implementos agrícolas, junto com o surgimento de grandes Multinacionais28, que

passam a se integrar verticalmente – desde a compra de terras ao comércio de

commodities agrícolas, transporte, beneficiamento e comercialização no mercado

consumidor –, para aumentar seus lucros e garantir o escoamento de seus produtos em

um mercado que passa a ser controlado por poucas e gigantes empresas globais. Com

isto, muitas propriedades economicamente débeis, que não acompanhavam o avanço

tecnológico na agricultura, foram sendo eliminadas e compradas pelos grandes grupos,

gerando assim uma maior concentração fundiária (GUIMARÃES, 1979).

Guimarães (1979, p. 160) observa que, a partir dos anos de 1950, com a

emergência da Revolução Verde, principalmente nos Países Capitalistas, tem-se uma

valorização do preço do solo no Mundo, com altas espetaculares. Para ele,

[...] o ritmo mais acelerado da urbanização e do desenvolvimento industrial, bem como a velocidade com que a agricultura se industrializa a partir das últimas décadas são fatores incontestáveis da extraordinária valorização do solo urbano e do solo rural nos tempos recentes.

Com a valorização do solo agrícola, tem-se “um estímulo para levar os

agricultores a abandonar o campo e vender suas propriedades ou a transformar antigos

produtores agrícolas em novos especuladores imobiliários.” (GUIMARÃES, 1979, p.

160), ou seja, com o processo de valorização do solo, tem-se uma capitalização maior

do campo, criando-se, em decorrência disto, um ambiente excludente onde os pequenos

agricultores não teriam mais vez na região, tendo que migrar, enquanto os grandes

produtores tradicionais se transformariam em especuladores de uma terra que começa a

pertencer cada vez mais ao grande capital, reforçando, em uma escala cada vez maior, a

concentração de terras.

Nos anos de 1980, tem-se o início da liberalização comercial em muitos países,

com os programas de ajuste estrutural (PAEs) do FMI e do Banco Mundial. Em muitos

28 Como exemplo de uma grande Multinacional, pode-se citar a Cargill, uma gigantesca trading, que está até hoje no mercado global de alimentos. Fundada em 1865, logo após, já em seus primeiros anos, estava envolvida com a compra e processamento de grãos, moagem de farinha, carvão, agricultura, compra de imóveis, madeira e até uma ferrovia (CARGILL, 2010).

Page 115: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

países que adotaram esses programas, foi incentivada a liberalização comercial e os

incentivos para as culturas voltadas para a exportação, que muitas vezes precisavam de

tecnologias e terras que envolviam altos custos, fazendo com que grandes latifundiários

capitalizados e conglomerados multinacionais tivessem uma expansão em suas terras,

aumentando, assim, a concentração fundiária (MADELEY, 2003).

Com a liberalização comercial executada na década de 1990, tanto por pressão

do FMI quanto pelo surgimento da OMC, dá-se um enorme surto de importações em

Países Subdesenvolvidos, fazendo milhões de trabalhadores rurais serem expulsos do

campo por não terem condições de competir com os produtos subsidiados dos Países

Desenvolvidos ou com o Agronegócio Globalizado que se expande por todos os lugares.

Essa saída dos pequenos agricultores do campo leva a um aumento da

concentração fundiária exercida principalmente pelas grandes e tradicionais empresas

do Setor Agrícola, como a Multinacional Cargill, que espera dobrar o tamanho das suas

terras a cada 5 e 7 anos (MADELEY, 2003).

O momento atual no mercado internacional de terras, após a liberalização do

comércio global, é de compras agressivas por inúmeros agentes internacionais que

representam vários interesses, desde governos de nações independentes, fundos de

investimento soberanos vinculados a governos, empresas estatais, até joint-ventures

entre iniciativa privada e governo, além do capital privado multinacional ligado ao

agronegócio de alimentos e combustíveis renováveis - os biocombustiveis.

Inúmeros estudiosos, organizações supranacionais, como a Organização das

Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e ONGs internacionais, como a

Grain e a Via Campesina, estão estudando essa dinâmica atual, que ganha força com a

recente crise mundial, que fez subir às alturas os preços das commodities alimentares.

Cotula et al (2009), em estudo publicado pela FAO, discorrem sobre a compra

de terras em grande escala e citam as regiões do Mundo que são mais afetadas, a saber:

África, América Latina, Ásia Central e Sudeste da Ásia. Só em apenas 5 países

africanos estudados pelo autor com profundidade desde 2004, têm-se mais de 2.400.000

ha em transações, no período de 2004 a 2009, em propriedades com tamanho acima de

1000 ha.

Os interesses envolvidos nas aquisições gigantescas de terras pelo Mundo todo

envolvem preocupações com a segurança alimentar, por parte de alguns países que não

dispõem de terras aráveis e água em abundância para a produção de alimentos, com a

expansão recente dos biocombustíveis, que levam grandes corporações a investir em

Page 116: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

enormes extensões de terra, com o alto preço das commodities agrícolas, que levam

fundos de investimentos a investir nesse setor depois da quebra dos mercados

financeiros, e com os interesses de grandes corporações multinacionais de alimentos,

que, procurando deter o controle sobre toda a cadeia produtiva e implantar um processo

de verticalização, compram terras (COTULA, et al, 2009; GRAIN, 2010).

Os principais atores na aquisição de terras são:

a) Os governamentais, através da aquisição direta de terras pelas agências

governamentais, fundos soberanos de investimentos, empresas estatais e em parcerias

com o Setor Privado (COTULA, et al, 2009).

O foco principal desses atores é a segurança alimentar. No quadro 15, pode-se

observar um levantamento feito pela ONG Grain (2010) sobre os principais interesses e

aquisições de terras por países. Nesse levantamento, observa-se a importância do Setor

Público nessas aquisições.

Devido ao grande número de transações e países envolvidos no levantamento,

resolveu-se escolher os cinco países que adquiriram mais terras. Vale lembrar que, em

muitos países, a compra de terras é uma estratégia inovadora a longo prazo, para

alimentar o próprio povo a um bom preço, garantindo, com isto, uma segurança

alimentar muito maior. Os principais países que agem assim são: China, Índia, Japão,

Malásia e Coreia do Sul, na Ásia; Egito e Líbia, na África; e Barein, Jordânia, Kuwait,

Qatar, Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, no Oriente Médio. (GRAIN,

2010).

No Quadro 15, observam-se com clareza os interesses da China, que, por temor

à sua segurança alimentar, devido a problemas com terras férteis e falta de água, tem

dezenas de acordos de cooperação na Área Agrícola, principalmente com Países

Asiáticos e Africanos, além de grandes empresas chinesas atuando com subsídios

bilionários governamentais, em extensas áreas de terras, para produzir principalmente

arroz, soja, milho e biocombustíveis a partir da cana-de-açúcar, mandioca ou sorgo

(GRAIN, 2010).

Observa-se também (ainda no Quadro 15), entre os principais países em

aquisição de terras, os Países do Oriente Médio, principalmente a Arábia Saudita,

Emirados Árabes Unidos e Kuwait. Esses países quase não têm terras férteis e são

reféns, na quase totalidade, das compras internacionais de alimentos. Ultimamente, com

o aumento dos preços dos alimentos em nível global, há o temor de revolta da classe de

trabalhadores estrangeiros (imigrantes que recebem baixos salários, que, na sua maioria,

Page 117: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

trabalham na Construção Civil), que chegam a compor até 85% da população dos Países

do Oriente Médio.

Para conter os preços dos alimentos, esses países, na sua maioria, ricos em

petróleo, fornecem capital e contratos de petróleo, em troca de garantias de que as suas

corporações e seu governo tenham acesso à terra para produzirem alimentos e exportá-

los de volta aos seus países. Os estados mais visados com essa política são

principalmente Sudão e Paquistão, mas inúmeros outros fazem parte dessa lista, no

Sudeste Asiático, na Europa Oriental, na África Subsaariana e até na América Latina

(GRAIN, 2010).

Já o Japão (ver Quadro 15), que depende em cerca de 60% de importações de

alimentos - fazendo parte também da lista dos principais países com interesses

fundiários para fins de segurança alimentar -, entrega ao Setor Privado a

responsabilidade da política de importação de alimentos - ficando assim a cargo de

grandes corporações multinacionais japonesas, como a Mitsui (atua na forma de

integração vertical, com o controle desde a produção de alimentos, passando pelo

processamento, transporte até o varejo, sendo considerada nos dias atuais uma

gigantesca trading de grãos, ao lado na Cargill e da Bunge) - e a compra de terras para

produção de alimentos (GRAIN, 2010).

Quadro 15 - Principais Países em Aquisição de Terras entre 2003 e 2008 Países Quem

exatamente Alvos Tipo de

produção Detalhes

Governo e Setor Privado

África, Ásia Central, Rússia, América do Sul, Sudeste Asiático

Soja Política do governo central para incentivar empresas chinesas, principalmente estatais para adquirir terras e garantir produção de soja offshore.

Austrália 43.000 ha de fazendas offshore Suntime Cooperation

Austrália, Cuba, Cazaquistão, México, Rússia, América do Sul

- Joint ventures na produção de arroz em Cuba (5.000 ha) e no México (1.050 ha). Produção de grãos em outros países para a segurança alimentar chinesa.

Governo Brasil Soja Aquisição de fazendas de soja Setor Privado Birmânia Arroz Contratos de aquisição com

camponeses birmaneses. Setor Privado Camarões Arroz 10.000 ha, fazenda privada

chinesa Governo e Setor Privado

Cazaquistão Soja, Trigo e Pecuária

Joint-venture entre companhia chinesa e do Cazaquistão. Arrendamento de 7.000 ha.

Governo Laos Cereal e Pesca

5.000 ha entre o governo de Laos e o município de Chongqing.

China

ZTE (Telecomu-

Laos Arroz e Mandioca

100.000 ha etanol e 600.000 ha produção de arroz irrigado.

Page 118: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

nicações) (etanol) Governo Moçambique Arroz Parceria e infraestrutura na

produção Governo e Setor Privado

Filipinas Arroz, Pesca, Milho, Cana-de-açúcar e Sorgo

Inúmeros acordos e parcerias para produção de alimentos e energia. Gerou grande protesto nas Filipinas.

Setor Privado Rússia Arroz, Soja, Vegetais

Mais de 100.000 ha, alguns arrendados.

Blackstone Group

África Subsaariana e Reino Unido

- Compra de extensas fazendas.

Chongqing Seed Corp

Tanzânia Arroz 300 ha, mais produção por contrato.

Setor Privado Uganda Arroz e Milho

4000 ha e 400 agriculturores chineses com sementes da China.

Governo Zimbábue Milho 101.000 ha Governo e Setor Privado

Brasil - Capital para produção em joint venture no Brasil.

Setor Privado Egito, Filipinas, Senegal, Turquia, Uganda, Ucrânia

Trigo, Cevada, Arroz, Soja e Forragem

Procura por terras para produção de alimentos por investidores.

Setor Privado Etiópia - Milhares de hectares de terras para investimento e desenvolvimento.

BinLaden Group

Indonésia Arroz Desenvolvimento de 500.000 ha de arroz.

Governo Cazaquistão Cereais e Gado

Investimentos

Al Rabie Group

Paquistão Laticínios Interesse em compra de terras para desenvolver indústria de laticínios.

Governo e Setor Privado

Paquistão, Sudão e Turquia

Arroz e Trigo

Fundo Saudita para o Desenvolvimento (Governo e Setor Privado), compra de terras para produção de alimentos.

Governo Sudão Pecuária e Peixe

Ministério do Comércio e Agricultura.

Hail Agricultural Development Company

Sudão Trigo, Produtos Hortículas, Alimentação Animal

Arrendamento de 10.117 ha

Arábia Saudita

Setor Privado Tailândia Arroz Interesse em arrendamento de terras.

Al Quadra Holding

Austrália,Croácia, Egito,Eritréia, Índia,Marrocos, Paquistão, Filipinas,Sudão, Síria,Tailândia, Ucrânia, Vietnã

Arroz. Gado e Laticínios. Milho (Etanol)

- 400.000 ha, na sua maioria, arrendados por 20 a 30 anos. - 40% em milho voltado para etanol.

Emirados Árabes Unidos

Governo África, Camboja Cazaquistão, América do Sul

- Ministério da Economia em busca de terras para suprir a segurança alimentar do país.

Page 119: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Vietnã Governo e Setor Privado

Paquistão - Acordos bilaterais envolvendo de 40.000 a 80.000 ha. Incluindo ministério da economia, fundos de investimento, estatais, cooperativas e iniciativa privada.

Governo e Abraaj Capital

Paquistão Arroz, trigo e laticínios

324.000 ha

Abu Dhabi Group

Paquistão Açúcar, laticínios

Investimentos

Emirate Investment Group

Paquistão Laticínios Interesse em desenvolver o setor de laticínios.

Setor Privado (incluindo Del Monte Fresh Produce)

Filipinas Frutas, peixes, cereais, frutos do mar

Varias aquisições de terras por todo país, incluindo 3.000 ha para bananas.

Fundo Abu Dhabi para o Desenvolvimento

Senegal e Uzbequistão

- Procura de terras para a produção de comida e ração

Governo Sudão Trigo, Milho, Forrageiras e Batatas

380.000 ha em vários estados sudaneses.

Mitsui Brasil Soja e Milho 100.000 ha nos estados da BA, MG e MA. E tem participação de 25% na Multigrain SA.

Asahi, Itochu, Sumitomo

China Vegetais, Frutas e Pecuária

Arrendamento em fazendas chinesas.

Asahi China Laticínios Compra de fazenda. Itochu China - Associação com a maior trading

chinesa e entrada no mercado de terras.

Setor Privado China, América do Sul e Sudeste Asiático

- Compra através de firmas japonesas de mais de 12 milhões de hectares.

Kobebussan Egito Óleo Vegetal, Açúcar, Laticínios, Vegetais, etc.

1.600 ha, em doação pelo governo municipal do Qena.

Mitsui Nova Zelândia Laticínios Compra de 22.5% de uma empresa com 5.700 ha.

Japão

Setor Privado Estados Unidos - 216.862 ha nos EUA. Governo Birmânia Arroz, óleo

de Palma. Fazendas de contrato

Governo Camboja Arroz Ministério da Agricultura, com tecnologia de irrigação.

Governo Egito, Marrocos e Iêmen.

Frango Kuait Investment Autority (fundo soberano) na produção de alimentos.

Governo Laos Arroz e Óleo de Palma

Terra para a produção

Kuwait

Governo Sudão Culturas e Ministério das Finanças,

Page 120: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gado projetos de segurança alimentar Governo Tailândia Arroz Procura por terras que seriam

arrendadas por 90 anos. Governo Uganda e outros - Fundo “Vida Digna” para

produção de alimentos. Fonte: Adaptado de Grain (2010) b) Corporações Multinacionais – Não é novidade o interesse de grandes Corporações

Multinacionais por terras. Desde o século XIX, multinacionais de alimentos, de

considerável porte, compram terras e produzem em lugares distantes dos seus centros.

As Multinacionais de Frutas estão entre as pioneiras nas compras de terras para a

produção transnacional, como a Chiquita, que, há mais de um século, produz em suas

próprias terras na Costa Rica, Nicarágua, Guatemala etc. Mas, nos dias atuais, diante de

um novo quadro de referência, com a crise financeira internacional, inúmeros problemas

ambientais que comprometem a produção agrícola – como erosão dos solos, problemas

climáticos, rebaixamento dos lençóis de água subterrâneo –, e o aumento mundial da

área de produção de biocombustíveis, além do gigantesco aumento recente no preço

internacional das commodities agrícolas, levaram novos atores para a cena da compra

internacional de terras, com vistas à produção de alimentos e biodiesel.

Esses novos atores já são detectados no levantamento feito pela Grain (2010) em

2008, que mostra as principais Corporações Multinacionais interessadas no mercado de

terras global (ver Quadro 16). Tais atores são os bancos, os fundos de investimentos, de

uma forma geral, e o mercado financeiro, em busca de lucros e segurança diante de uma

crise financeira e de uma perspectiva de aumento constante no preço das commodities

agrícolas e, a partir disto, um aumento no preço da terra.

No Quadro 16, observa-se a presença de inúmeros bancos e fundos de

investimentos envolvidos na compra de terras no ano de 2008, como o Deutsche Bank

da Alemanha, o Goldman Sachs dos Estados Unidos e o Morgan Stanley também dos

Estados Unidos, além da presença de instituições supranacionais de crédito, como o

Banco Mundial, que coordena também a especulação das terras globais, com a

passagem das terras para grandes Corporações do Agronegócio Mundial.

Grandes conglomerados globais da Área de Alimentos, atuando há mais de um

século no comércio desses produtos, como gigantescas tradings, agora partem para a

compra de terras para produção própria, como é mostrado no Quadro 16, com a atuação

agressiva da trading Louis Dreyfus, que, em 2008, comprou inúmeros latifúndios na

Page 121: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Argentina e no Brasil, como a Usina Estivas (produção de açúcar) na zona da mata do

Rio Grande do Norte.

Quadro 16 - Principais Multinacionais em Aquisição de Terras em 2008 Empresas Alvos Tipo de

produção Detalhes

Agrowill AB (Lituânia)

Rússia - 64.500 ha

Alpcot Agro (Suécia)

Rússia, Ucrânia Cevada, Trigo, Centeio, Trigo Mourisco e Girassol

128.800 ha só na Rússia, e na recente expansão no final de 2008, incorpora mais 200.000ha.

Barclays (Reino Unido)

- - Procura por terras no Mundo todo.

Black Earth Farming (Suécia)

Rússia Lácteos, Carne, Grãos e Oleaginosas

331.000ha, cerca da metade com colheitas para o ano vigente.

BlackRock (Estados Unidos)

- - Uma empresa de gestão de grandes investimentos com fundo agrícola, usando 15% desse fundo para aquisições de terras.

Cru Investment Management

Malauí, África Pimenta, Mandioca e Milho

Fundo ético, com investimentos na Agricultura Africana, com o controle de 2.500ha em Malauí e mais 4000ha com parcerias com pequenos produtores.

Deutsche Bank (Alemanha)

China Aves Domésticas Investimentos na indústria de aves e em fazendas.

Dexion Capital (Reino Unido)

Austrália, Cazaquistão, América Latina, Rússia e Ucrânia

- Gerente de fundo hedge britânico, que está tentando comprar 1.200.000ha nos países e regiões indicados.

Goldman Sachs (Estados Unidos)

China Aves Domésticas Só em 2008, investiu mais de 300 milhões para o controle total de mais de 10 fazendas de aves domésticas na China.

Internacional Finance Corporation (Banco Mundial)

África,Argentina, Brasil,Cazaquistão, Paraguai, Rússia, Ucrânia,Uruguai

- Braço de investimento comercial do Banco Mundial, que intensifica o investimento em agronegócio com mais de 1.4bilhões, para que terras agrícolas sejam vendidas as grandes corporações globais do Agronegócio.

Knight Frank (Reino Unido)

Reino Unido Fundo Hedge e consultoria global para compra de terras.

Landkom (Reino Unido)

Ucrânia Trigo, Oleaginosas

Arrendamento de mais de 100.000ha para produzir para o mercado internacional.

Lonrho (Reino Unido)

Angola e África - 20.000ha em Angola e previsão de mais 200.000ha no resto da África.

Louis Dreyfus (Holanda)

Argentina, Brasil, Cone Sul

Soja, Cana-de-açúcar, Milho, Algodão e Gado.

60.000ha só no Brasil, com terras na zona canavieira do Nordeste.

Morgan Stanley (Estados Unidos)

Brasil - 40.000ha de terras no Brasil.

Palmer Capital (Alemanha) e Bidwells (Reino Unido)

República Theca Hungria, Polônia Romênia Europa Oriental

- Fundo de mais de 425 milhões de dólares para comprar terras na Europa.

RAV Agro Pro (Estados Unidos,

Rússia Cereais e Girassol 122.000ha na Rússia.

Page 122: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Israel e Reino Unido) Renaissance Capital (Rússia)

Ucrânia - Banco de investimentos Russo que arrendou 300.000ha na Ucrânia.

Schroders (Reino Unido)

- - Planos de lançar em breve um Fundo de Terras Global que tem na sua operação, 25% do capital em compras de terras.

Trans4mation Agric-Tech Ltd (Reino Unido)

Nigéria Algodão, Mandioca e Pescado

10.000ha no delta do Niger para a produção de alimentos para o Mercado Global.

Trigon Agri (Dinamarca)

Rússia Controle de 100.000ha

Fonte: Adaptado de Grain (2010) Cotula et al (2009), em estudo publicado pela FAO, analisa o mercado de terras

africano, registrando os interesses tanto governamentais (com fundos soberanos,

investimento governamental direto, empresas estatais), como de grandes grupos

privados (grandes Corporações do Agronegócio, bancos e holdings) em extensas áreas

de terras em Países Africanos nos últimos anos.

Assim como os estudos elaborados pela ONG Grain, este estudo chega à

conclusão que os principais países envolvidos na compra de terras africanas são os

Países do Extremo Oriente, como a China e os Países do Oriente Médio, como Arábia

Saudita e Emirados Árabes Unidos. Os principais investidores privados pertencem à

União Europeia e aos Estados Unidos.

Cotula et al (2009) observam que, na África, os países mais citados na compra

de terras internacionais são: Sudão, Etiópia, Madagascar e Moçambique. Fundos

soberanos de vários países petrolíferos do Oriente Médio e norte da África, como o do

Qatar e o da Líbia, estão atualmente financiando compra de terras, arrendamentos e

plantações de milhões de hectares na África Subsaariana.

O capital privado também age de forma intensiva nas terras africanas, como o

recente polêmico acordo entre o Governo de Madagascar e a holding coreana Daewoo

Logística, que envolvia a aquisição, pela última, de mais de 1.300.000 ha de terras para

a produção de milho e óleo de palma, que seria exportada rumo à Coreia do Sul

(COTULA, et al, 2009).

O apetite por terras no Continente Africano, com aquisições em larga escala, não

é novo, vem desde a época colonial. O exemplo mais famoso é da Firestone, que

utilizava milhares de hectares para a produção de borracha. Estudos da FAO na década

de 1980 mostravam a influência de grandes Corporações Multinacionais Alemãs e

Francesas dominando o Setor de Base Florestal em suas ex-colônias (CONTRERAS,

1987). Mas, nos últimos anos, esse apetite por terras ganha uma nova velocidade, com a

Page 123: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

chegada dos novos atores globais em busca de terras, tanto para saciar os problemas de

segurança alimentar (no caso da China, Países do Oriente Médio), como o de realizar

lucros (bancos, fundos de investimento, grandes Corporações Multinacionais).

Cotula et al (2009), em estudo de caso em cinco Países Africanos – Etiópia,

Gana, Madagascar, Mali e Sudão -, durante o período de 2004 a 2009, a partir dos

inventários nacionais acima de 1.000 ha, identificam a documentação de cessão de

2.492.684,00 ha de terras para projetos de investimentos, na sua grande maioria,

estrangeiros (ver Gráficos 2 e 3).

Gráfico 2 - Investimento Estrangeiro e Nacional em Terras da Etiópia, Gana, Madagascar e Mali 2004-2009 (USS)

Investimento Estrangeiro e Nacional em Terras da Etiopia, Gana, Madagascar e Mali 2004-2009 (USS)

58.003.839,00

422.344.928,00

InvestimentoEstrangeiro

Investimento Nacional

Fonte: Adaptado de Cotula et al (2009). Gráfico 3 - Investimento Estrangeiro e Nacional em Terras da Etiópia, Gana, Madagascar e Mali 2004-2009 (ha)

Investimento Estrangeiro e Nacional em terras da Etiópia, Gana, Madagascar e Mali 2004-2009

(ha)

1.402.727,00

394.068,00

InvestimentoEstrangeiro

Investimento Nacional

Page 124: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Fonte: Adaptado de Cotula et al (2009) Esses investimentos, na sua maioria estrangeiros e voltados para o mercado

internacional de alimentos ou biocombustíveis, fazem aflorar inúmeros problemas em

nível local, como a insegurança alimentar das populações locais, devido à utilização das

terras para a exportação de alimentos e biocombustíveis, gerando falta de alimentos e

consequente subida dos seus preços. Madeley (2003, p.60) afirma que esse

[...] expansionismo agroindustrial [não só na África, mas no mundo todo] [...] está expulsando os pequenos produtores rurais de suas terras para as cidades. Obrigados a competir com variedades de alto rendimento produzidas em grandes fazendas de monocultura, muitos trabalhadores rurais que praticam agricultura de subsistência estão perdendo seu meio de vida e afundam na fome e na miséria.

Sobre o mercado de terras africano, é bom lembrar que muitas cessões de terras

para o capital estrangeiro se dão na forma de arrendamento por um longo período (50 a

100 anos), pelo fato de muitos países terem leis de terras que não permitem a compra

direta (COTULA et al, 2009).

Concentração Fundiária e Multinacionais de Frutas As empresas de frutas são empresas pioneiras em compras de terras para sua

própria produção. Koeppel (2008) cita que a compra de terras é apenas uma parte de

uma fórmula que é aplicada pelas Multinacionais de Frutas, principalmente as de

banana, para fazer chegar ao consumidor final o produto com um preço acessível. Essa

fórmula é empregada desde o século XIX até hoje e se constitui dos seguintes

elementos: produção em larga escala, controle do transporte e da distribuição e o

domínio agressivo da terra e do trabalho.

Desde fins do século XIX, têm-se dados sobre a compra de terras por grandes

empresas multinacionais de frutas na América Central, gerando alta concentração

fundiária, principalmente por empresas ligadas à bananicultura.

Segundo Wiley (2008), essa concentração de terras nas mãos das Multinacionais

Bananeiras já se configurava muito claramente no final do século XIX, com os vários

acordos feitos entre Minor Keith (fundador da futura Multinacional Chiquita) e vários

governos da América Central. Entre tais acordos, Wiley cita os seguintes: o acordo entre

Keith e a Costa Rica, em 1884, onde o Keith ficou com 7% do território da Costa Rica

para produzir banana, com 20 anos de isenção de taxas de terras, em troca da construção

Page 125: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

de uma estrada de ferro que ligaria as plantações de banana aos portos. Vale destacar

que ao Keith eram fornecidos 99 anos de concessão; acordos com o Governo da

Guatemala, onde o Keith, em troca de construções de estradas de ferro, ganhou mais de

80.000ha em terras.

Em 1913, já se calculavam mais de 100.000ha recebidos só de acordos entre a

Multinacional Chiquita e governos da América Central. Boa parte dessa terra pertencia

à Igreja ou eram terras comunais indígenas apropriadas indevidamente, geralmente

florestas tropicais com grande biodiversidade, que, por fim, transformavam-se em

gigantescas áreas de monocultura de banana.

Em 1930, só a Multinacional Chiquita já havia adquirido mais de 1.300.000ha

de terras, principalmente na América Central. A maioria das aquisições vinha por meio

de concessões em troca das construções de ferrovias, mas muitas também vieram por

meio da grilagem de terras públicas que “não eram usadas” em Honduras e na Costa

Rica. Também muitos arrendamentos se fizeram na Costa Rica, Honduras e Guatemala .

Vale lembrar que a maioria das terras adquiridas pelas Multinacionais

Bananeiras ficava como terras de reserva, geralmente 86% não eram usadas. Isto

acontecia pela rápida exaustão dos solos bananeiros, desastres naturais e doenças como

o “mal do Panamá” e a sigatoka negra, que faziam as plantações de banana mudar de

lugar a cada 5 e 10 anos (WILEY, 2008).

Raynolds (2003) relata que, em 1999, todas as grandes Multinacionais

Bananeiras – Noboa, Dole, Del Monte e Chiquita - tinham produção em vários países,

dentre eles: no Equador (quase 200.000ha), na Costa Rica (quase 50.000ha), na

Colômbia (quase 50.000ha) e no Panamá (quase 20.000ha). Dessa área de produção,

pelo menos 30% eram de contratos e 70%, com plantações próprias, gerando grande

economia de escala.

Hoje, em países como o Panamá, Honduras, Guatemala e Costa Rica, 50% ou

mais da produção de bananas são executados em fazendas das próprias Multinacionais

de Frutas. Estima-se que quase metade da produção mundial das Multinacionais Dole e

Del Monte Fresh Produce venha de plantações de propriedade das empresas (FOOD

AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS, 2003).

b) Brasil

Page 126: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Sobre os dados da estrutura e concentração fundiárias brasileiras, é bom

observar alguns detalhes metodológicos que podem fazer a diferença na hora de se fazer

uma análise mais apurada da situação.

Analisando-se as diferenças entre os dados da estrutura fundiária emitidas pelo

INCRA e pelo IBGE, Girardi (2010) observa que

Os dados da estrutura fundiária, em especial aqueles do INCRA, possuem uma dimensão política importante, com a qual devemos ser cuidadosos. O cadastro do INCRA é abastecido com dados de natureza declaratória, não havendo conferências com informações dos cartórios de registro de imóveis, o que indica a fragilidade do sistema. A declaração de uma área superior ou inferior à área real do imóvel pode ter como objetivo a redução de impostos, omissão de terras improdutivas, ampliação de crédito rural e grilagem de terras. Por isso, devemos considerar possíveis desvios principalmente no tamanho da área dos imóveis rurais. Esses possíveis desvios nos dados do INCRA não os inutilizam, pois essas práticas ilegais, por mais numerosas que possam ser, não se aplicam à maioria dos detentores. Os dados do IBGE não estão totalmente isentos desses possíveis desvios, porém, em virtude de sua finalidade censitária, acreditamos que haja menos interesse dos produtores em fornecer informações falsas. (Girardi, 2010).

Outro detalhe metodológico importante se refere ao critério mais adequado para

o cálculo do índice Gini29 para a estrutura fundiária, que seria adotar como unidade

básica o proprietário e a área total da qual é detentor, não importando a contiguidade

nem a localização dos imóveis. Isto, contudo, não é possível devido ao formato de

divulgação dos dados do INCRA e do IBGE. Por isto, deve-se reconhecer a

possibilidade de a concentração da terra no Brasil ser ainda maior, pois vários

proprietários possuem mais de um imóvel rural (GIRARDI, 2010).

Analisando-se os primeiros Censos Agropecuários do IBGE (1940 a 1960),

observa-se uma estrutura fundiária extremamente desigual - herança do processo

desigual de distribuição de terras no Brasil, com grande concentração de terras nas

propriedades grandes, de 1000 ha ou mais, que sempre representam uma média de mais

ou menos 50% de todas as terras ocupadas por estabelecimentos rurais no País,

enquanto todas as pequenas propriedades, de menos de 10 ha, representam apenas uma

média de 1 a 2% de todas essas terras ocupadas. Inversamente, o número de

proprietários com menos de 10 ha no Censo de 1960 chega a quase 50% dos

29 Segundo o IBGE (2011), o índice Gini é uma medida do grau de concentração de uma distribuição, cujo valor varia de zero (perfeita igualdade) até um (a desigualdade máxima).

Page 127: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

proprietários do País. Já os proprietários com 1.000 ha ou mais não chegam a 1% do

total dos proprietários do Brasil.

No Gráfico 4, pode-se observar claramente a diferença gritante entre as

pequenas e as grandes propriedades em estratos de áreas. À medida que os

estabelecimentos rurais ocupam mais áreas, mais se concentra essa terra nas mãos dos

grandes latifundiários. Uma exceção nessa tendência é o Censo Agrícola de 1960, que

mostra um viés de crescimento da área ocupada pelos pequenos e médios proprietários e

uma pequena diminuição da área ocupada pelos grandes latifundiários, apesar do

crescimento de quase 20 milhões de hectares nos estabelecimentos rurais entre 1950 e

1960.

Gráfico 4 - Distribuição dos estabelecimentos agropecuários, segundo o estrato de área – 1940 a 1960 – Brasil.

0

50.000.000

100.000.000

150.000.000

200.000.000

250.000.000

Total Menos de10 ha

De 10 ha amenos de

100 ha

De 100 ha amenos de1000 ha

1000 ha emais

Distribuição dos estabelecimentos agropecuários, segundo o estrato de área (ha) - Brasil - 1940/1960

194019501960

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo Agrícola de 1960 (1960) Referindo-se ao período representado pela década de 1960, Prado Junior (2000a,

p.17) observa que, por causa dessa concentração fundiária, uma parcela significativa da

população rural, “[...] não dispõe de terra própria alguma, nem de recursos e

possibilidades para ocupar e explorar terras alheias a título de arrendatário autônomo.

Vê-se assim obrigada a buscar emprego em serviço alheio”. Assim, “[...] o virtual

monopólio da terra, concentrada nas mãos de uma minoria de grandes proprietários,

obriga a massa trabalhadora a buscar ocupação e sustento junto a esses mesmos

proprietários, empregando-se a serviço deles”.

Page 128: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Durante o período militar, nota-se com bastante clareza nos três censos

agropecuários do período uma tendência de concentração de terras nas mãos dos

grandes proprietários, de 1.000 ha ou mais. Nota-se, no Gráfico 5, que, enquanto o

estrato de área dos pequenos proprietários de menos de 10 ha ficou estabilizado entre

1970 a 1980 em 9 milhões de hectares, o de 1000 ha ou mais cresceu de 116 milhões de

hectares em 1970 para 164 milhões de hectares em 1980 - um crescimento absurdo,

muito acima de todos os outros estratos de área, pequenos e médios.

Praticamente todo o aumento da área ocupada por estabelecimentos

agropecuários no Brasil – que foi de aproximadamente 70 milhões de hectares -, durante

esse período, foi parar nas mãos dos grandes latifundiários, reforçando e muito a

concentração de terras. Grandes latifundiários (com mais de 1.000 ha) que, nos Censos

de 1970, 1975 e 1980 sempre foram inferiores a 50 mil proprietários, menos de 1% do

total. Já os proprietários com menos de 10 ha estavam somando no Censo de 1980 mais

de 50% do número total dos proprietários (mais de 2.598.000).

Nota-se também no Gráfico 5 o resultado dos anos de Ditadura e a política de

expansão do Agronegócio para a Amazônia, principalmente com o início da ocupação

dos cerrados da Região Centro-Oeste e do Nordeste para a produção de grãos para o

Mercado Internacional.

Mendonça (2006,p.73) analisa que, nesse contexto,

[...] além de colonizar as fronteiras em favor do grande capital nacional e estrangeiro -, abrindo brechas para a expansão do latifúndio improdutivo em maior escala que os projetos agropecuários de colonização, a política de ‘modernização’ da agricultura brasileira, perpetrada pelos governos militares a partir dos anos 1960, pautar-se-ia por mais uma diretriz: a farta concessão estatal de créditos e subsídios seletivamente direcionados para a agricultura patronal, tendo em vista disseminar tecnologia e privilegiar produtos de exportação.

Dias, Vieira e Amaral (2001, p.14) também analisam a atuação do poder público

na concentração de terras nessa época e observam que

[...] embora tenham sido assentadas milhares de famílias em projetos oficiais de colonização, a esmagadora maioria das terras alienadas foram para projetos privados de colonização (até 500.000 ha) que permaneceram em mãos de grandes produtores, para glebas individuais que podiam ir de 3.000 ha até 60.000 ha. A concentração fundiária se acelerou com este padrão de ações ativas do poder público.

Observa-se claramente no Gráfico 5 a inclusão de novas áreas para os

estabelecimentos agropecuários e a transferência dessas novas áreas para os estratos de

Page 129: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

terra de 100 a 1000ha e principalmente de 1000ha ou mais, aumentando a concentração

de terras nas mãos dos grandes proprietários.

Gráfico 5 - Distribuição dos estabelecimentos agropecuários, segundo o estrato de área – 1970/1980 – Brasil.

0

50.000.000

100.000.000

150.000.000

200.000.000

250.000.000

300.000.000

350.000.000

400.000.000

Total Menos de 10ha

De 10 ha amenos de

100 ha

De 100 ha amenos de1000 ha

1000 ha emais

Distribuição dos estabelecimentos agropecuários, segundo o estrato de área (ha) - Brasil - 1970/1980

197019751980

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo Agropecuário 1980 (1984). A desigualdade histórica na distribuição de terra no Brasil chega até o século

XXI de forma praticamente inalterada, exibindo uma extrema concentração de terras nas

mãos de poucos. É o que se observa de forma bem clara nas últimas três décadas através

do Gráfico 6, onde se comparam os três últimos Censos Agropecuários do IBGE. As

diferenças verificadas na área dos estabelecimentos agropecuários, quando comparados

os diferentes estratos fundiários, continuam a caracterizar a manutenção da

desigualdade.

Ainda no Gráfico 6, observa-se que, enquanto os estabelecimentos rurais de

menos de 10 ha ocupam menos de 2,7% da área total ocupada pelos estabelecimentos

rurais nos três últimos Censos Agropecuários (1985, 1995-1996 e 2006), a área

ocupada pelos estabelecimentos de mais de 1 000 ha concentra mais de 43,0% da área

total nesses anos. Vale salientar que esses estabelecimentos com menos de 10 ha, de

acordo com os últimos três Censos Agropecuários, concentram mais de 47% de todos os

proprietários. Já os estabelecimentos com mais de 1.000ha concentravam apenas 0,87%

(1985), 1,02% (1995-96) e 0,91% (2006) dos proprietários rurais, evidenciando

claramente a grande concentração de terras nas mãos de pouquíssimos proprietários.

Page 130: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

No Gráfico 6, observa-se também uma diminuição da área total utilizada nos

estabelecimentos agropecuários. Essa diminuição, de mais de 50 milhões de hectares,

atinge todos os estratos de área, desde o menor até o maior, todos de maneira

proporcional. No final, observa-se que, mesmo com a diminuição de área, a

concentração fundiária se mantém extremamente desigual, com poucas variações,

seguindo a média histórica desde o primeiro Censo Agropecuário estudado em 1940,

após a fundação do IBGE.

Gráfico 6 - Distribuição dos estabelecimentos agropecuários, segundo o estrato de área – 1985/2006 – Brasil.

0

50.000.000

100.000.000

150.000.000

200.000.000

250.000.000

300.000.000

350.000.000

400.000.000

Total Menos de10 ha

De 10 ha amenos de

100 ha

De 100 ha amenos de1000 ha

1000 ha emais

Distribuição dos estabelecimentos agropecuários, segundo os estratos de área (ha) - Brasil - 1985/2006

1985

1995

2006

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo Agropecuário 2006 (2009). Sobre o índice Gini no Brasil, nota-se, com base no Quadro 17, que praticamente

não houve alteração nos últimos três Censos Agropecuários – 1985, 1995-1996 e 2006 -

, demonstrando, apesar de toda a propaganda e ação de políticas públicas

governamentais, que a concentração fundiária brasileira continua no mesmo patamar:

extremamente alto.

Segundo dados apurados por Plata e Reydon (2006), esse índice concentrado ao

redor de 0,85 vem desde 1975 sem modificações significativas. No Quadro 17,

observa-se também a concentração fundiária por estado, evidenciando-se as altas

concentrações nos estados nordestinos e na zona de expansão do Agronegócio –

principalmente Mato Grosso – e mais baixas concentrações nos estados do Sul do País,

pela forma diferenciada como foi ocupada essa região, através de pequenas e médias

propriedades facultadas por políticas públicas, diferentemente da ocupação sob forma

de grandes latifúndios baseados no regime de sesmarias no Nordeste e na ocupação

Page 131: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

recente de Mato Grosso comandada pelo Agronegócio e baseada em gigantescos

latifúndios mecanizados.

Quadro 17 - Evolução do Índice de Gini, segundo as Unidades da Federação - 1985/2006.

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo Agropecuário 2006 (2009). No Cartograma 1, que indica o Índice de Gini por área dos estabelecimentos

agropecuários por município, pode-se visualizar claramente o aumento desse índice nas

áreas que, além das motivações históricas que marcaram o processo de ocupação do

território, têm agora o boom da expansão do agronegócio voltado para a exportação de

commodities agrícolas, como em algumas áreas da Zona da Mata (agronegócio de

açúcar e etanol), do Vale do São Francisco (agronegócio de frutas), do sudoeste do

Piauí, do sul do Maranhão e do oeste da Bahia (agronegócio de soja, principalmente).

Vale ressaltar que a inserção das áreas de Cerrado, em sua maior parte na Região

Centro-Oeste e no Mato Grosso, para a produção do agronegócio de soja, milho e

algodão mecanizados, vem potencializando o processo de concentração fundiária.

Page 132: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

CARTOGRAMA 1 - Índice de Gini da área total dos estabelecimentos agropecuários, por município - 2006

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo Agropecuário 2006 (2009). Identificam-se, nesse contexto de alta concentração de terras, inúmeros

agravantes adicionais, como a fragilidade de um imposto territorial rural que não

dificulta a manutenção da terra para fins improdutivos, já que é um imposto declaratório

de difícil fiscalização. Por isto mesmo, no Brasil, é grande a utilização da terra como

reserva de valor. Muitos investidores utilizam a compra de terras para diversificar as

aplicações financeiras, a fim de reduzir seus riscos, uma vez que a terra é considerada

um ativo seguro.

Esses fatos, ligados a expectativas da rentabilidade agrícola, fizeram com que o

preço da terra no Brasil se tornasse, nos últimos anos, um dos mais altos do Mundo,

superando inúmeros países da Europa Oriental, alguns estados americanos e os vizinhos

Uruguai e Argentina. Vale lembrar que o caráter monopolista da posse da terra no Brasil

Page 133: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

gera o reforço da renda absoluta, o que, por sua vez, tem reflexos no aumento do preço

da terra (REYDON, ET AL, 2006; DIAS; VIEIRA, AMARAL, 2001).

Outro agravante é a grilagem de terras, que historicamente tem aprofundado a

concentração fundiária. Segundo o INCRA, que está mapeando a estrutura fundiária do

País para localizar individualmente os casos de fraude e falsificação de títulos de

propriedade de terras, o total de terras sob suspeita de serem griladas é de

aproximadamente 100 milhões de hectares – quatro vezes a área do Estado de São Paulo

ou a área da América Central mais o México (PLATA; REYDON, 2006).

Esse problema da grilagem se perpetua até o momento porque o Estado não

possui, até hoje, um cadastro completo que permita reconhecer as terras de sua

propriedade, nem as de particulares e nem tampouco as com problemas de titularidade

(REYDON; BUENO, TIOZO, 2006).

Somente no início do século XXI é que o Governo Federal faz uma lei para ter

um Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR), em 2001, a qual foi regulamentada

em 2002. O INCRA, a partir de portarias, desde 1999 já estava cadastrando imóveis

rurais com área igual ou superior a 10.000 ha por todo o País. Dos proprietários

notificados, os que não responderam à notificação e automaticamente foram suspeitos

de grilagem correspondem, em todo o País, a 49,20% da área dos imóveis notificados a

partir de 10.000 ha ou mais. Isto representa, só nesse estrato de área, mais de 46 milhões

de hectares em suspeita de grilagem de terras (REYDON; BUENO, TIOZO, 2006).

Ao lado da grilagem (e, às vezes, a partir dela), outro fator que agrava ainda

mais a concentração de terras é a incorporação de grandes áreas para a produção de

commodities agropecuárias para o comércio global através do grande latifúndio. Prado

Junior (2000a, p.31) já observava na década de 1960 que essa “[...] grande exploração

de tipo comercial [...] tende, quando a conjuntura lhe é favorável, a se expandir e

absorver o máximo de terras aproveitáveis, eliminando lavradores independentes,

proprietários ou não, bem como suas culturas de subsistência”

Um caso clássico é a produção de cana-de-açúcar, que em países como a

Austrália é feita a partir de pequenas e médias propriedades familiares, gerando renda

para o pequeno e médio agricultor. Já no Brasil é resultante da herança de gigantescas

sesmarias que concentraram a terra absurdamente na zona da mata nordestina. Hoje, a

cana-de-açúcar ganha um novo fôlego com a produção de etanol para o mercado interno

em crescimento e para a exportação. Com esse fôlego, milhares de hectares vão sendo

incorporados ano a ano para a produção dessa commoditie global no sudeste e

Page 134: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

principalmente no centro-oeste do País, gerando uma maior concentração de terras e

expulsão dos pequenos proprietários e posseiros incapazes de resistir ao poder (político

e econômico) da grande propriedade (REYDON; GUEDES, 2006).

Outra commoditie que gera grande valorização fundiária e concentração de terras

é a soja. Inúmeros estudos se fizeram sobre a concentração de terras a partir da chegada

da soja. O estudo de Reydon e Monteiro (2006) sobre a ocupação dos cerrados

piauienses é um desses. Nesse estudo, mostra-se de forma clara a atuação do Estado

para a ocupação da região por meio da distribuição de terras públicas a preços irrisórios

e subsídios creditícios e fiscais. A distribuição de terras, subsidiada principalmente pelo

Instituto de Terras do Piauí na década de 1970 e 1980, concentrava a terra em mãos de

pouquíssimos. Para se ter uma ideia, somente três grupos empresariais receberam 56,8%

de todos os projetos incentivados no sudoeste do Piauí, ficando os mesmos grupos com

mais de 34.000ha. Todas essas terras, originariamente concebidas para a produção de

caju, na década de 1990 entraram no circuito da soja, com a chegada de grandes grupos

do sul do país na região. Observa-se, de maneira bem clara, a concentração de terras no

sudoeste do Piauí pelo Cartograma 1.

Outro caso de concentração fundiária, que é relatado por Sá (1998), diz respeito

à compra de terras por agroindústrias da cadeia da laranja, que fazem isto para deter

toda a cadeia produtiva e aumentar as margens de lucro. Multinacionais como a Cargill

e a Coimbra já produzem 30% do que esmagam.

As políticas públicas locais, como já foi observado no caso do sudoeste do Piauí,

também podem gerar tanto o aumento da renda da terra e da valorização fundiária,

como a concentração fundiária, a partir da exclusão dos moradores e trabalhadores

locais. Isto ocorre muito nos projetos irrigados para a produção de frutas do DNOCS,

onde se tem muitas vezes uma expulsão dos moradores locais (desapropriação), que

nem sempre recebem suas indenizações, para a chegada dos irrigantes profissionais, em

geral grandes empresas agrícolas que se beneficiam da nova ordem fundiária

estabelecida pelo Estado.

Sobre isto, Elias (2006) afirma que essas políticas públicas voltadas para a

organização das condições econômicas e infraestruturais para o Agronegócio da

Fruticultura e Grãos, junto com a difusão de sistemas técnicos, geram forte aumento de

preços nas terras, tornando estas inacessíveis aos agricultores e aumentando o seu grau

de concentração. Um exemplo desse tipo de concentração de terras é relatado por Santos

Page 135: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

(2006b, p.301), que observa o aumento do Índice Gini no município de Morada Nova-

CE, após a implementação do perímetro irrigado:

Em 1960, o Índice Gini para o município de Morada Nova era de 0,322. Esse índice evoluiu para 0,566 em 1970 com a implantação do Perímetro Irrigado Morada Nova [...] Isto foi motivado pelo anúncio dos investimentos do Estado, que teria provocado a valorização e estimulação da compra de terras, principalmente das pequenas e médias propriedades próximas às áreas de instalação do perímetro, resultando em uma elevação deste índice.

Com esses dados postos, nota-se que, nas últimas décadas, a concentração de

terras tendeu a se manter alta em todo o território nacional, sendo agravada muitas vezes

pela ação de políticas públicas que deveriam desconcentrar a terra.

3.2 Globalização e Relações de Trabalho no Campo Nesta parte do trabalho, serão analisadas as relações de trabalho no campo, no

contexto do processo de globalização. Em um primeiro momento, observar-se-á

brevemente a importância do trabalho e das relações de trabalho para o homem. Após

isto, proceder-se-á à análise das relações de trabalho no contexto da globalização

recente, enfocando o Fordismo e a acumulação flexível. Por fim, serão focalizadas as

relações de trabalho no campo, primeiramente no contexto mundial e depois se detendo

com maior ênfase no decorrer da história recente brasileira até os dias atuais.

3.2.1 Relações de Trabalho (o Trabalho)

O trabalho sempre foi um elemento importante na história da Humanidade,

definindo as características das Civilizações, já que determinava a organização social

das comunidades, sua cultura, seus costumes e suas ideias, de modo a criar instrumentos

materiais de usos característicos (CAVALCANTI, 2008).

Para Marx, trabalhar era, ao mesmo tempo, necessidade eterna para manter o

metabolismo social entre humanidade e natureza. Nesse contexto, o trabalho mostrava-

se como momento fundante de realização social, condição para sua existência

(ANTUNES, 2005).

Essa realização social acontecia muitas vezes porque o trabalho despertava,

como principal atividade cotidiana do homem, o gosto pelo agir, não apenas pela

Page 136: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

contraprestação em produtos ou valores, mas, sobretudo, para fazer o homem sentir-se

útil, necessário, partícipe de uma obra que era executada individualmente ou por uma

equipe (CAVALCANTI, 2008).

Todo trabalho humano é tido, também, como dispêndio de força de trabalho do

homem no sentido fisiológico, sendo na qualidade de trabalho humano igual ou trabalho

humano abstrato que se vai gerar o valor das mercadorias (RICARDO, 1988, p.13).

Bauman (2001, p.157) observa que ao trabalho foram atribuídas muitas atitudes

e efeitos benéficos ao longo da história,

[...] como, por exemplo, o aumento da riqueza e a eliminação da miséria; mas subjacente a todos os méritos atribuídos estava sua suposta contribuição para o estabelecimento da ordem, para o ato histórico de colocar a espécie humana no comando do seu próprio destino.

O pensamento judaico clássico argumentava que o trabalho tinha entre suas

funções positivas o fato de favorecer a saúde física e mental do homem, evitando que

este se inclinasse para o mal provocado pela mente ociosa. Do mesmo modo, inúmeros

teóricos da religião cristã, como São Francisco de Assis, evocaram o trabalho contra o

ócio e para a glória de Deus (CAVALCANTI, 2008).

Em meados do século XVIII, o trabalho se configurava como um esforço físico

dirigido a atender às necessidades materiais da comunidade, tendo sido sempre

lembrado por ser uma fonte de riqueza e de bem-estar da sociedade.

Mas, com o advento do modo capitalista e do fetiche da mercadoria, a atividade

vital – o trabalho - passa a ser imposta, forçada e compulsória. O processo de trabalho

se converte em meio de subsistência e a força de trabalho se torna uma mercadoria

especial, cuja finalidade vem a ser a criação de novas mercadorias, objetivando a

valorização do capital. Desse processo de trabalho na sociedade capitalista, tem-se

como resultante a desrealização do ser social (ANTUNES, 2005).

Este é o tipo de contexto onde as relações de trabalho começam a sofrer uma

mudança, com o início da inserção do trabalho assalariado. A partir daí “... a relação de

poder passava a manter-se pelo capitalista moderno, burguês proprietário dos meios de

produção, sobre o operário assalariado, que, privado de meios de produção próprios,

vendia sua força de trabalho” (CAVALCANTI, 2008, p.42).

O golpe para os direitos comuns e associativos veio com a Revolução Francesa,

em 1789, que fez emergir os direitos individuais. Em decorrência dessa revolução

liberal , têm-se as primeiras bases jurídicas proibindo os agrupamentos profissionais, as

Page 137: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

convenções coletivas e as greves, com a Lei Chapelier, em junho de 1791, na França.

Era a defesa do individualismo contratualista.

Essa legislação e pensamento liberal vão ser o combustível para a Revolução

Industrial, quando vai acontecer a venda livre da força de trabalho nas fábricas,

ocasionando baixos salários, o trabalho de crianças, mulheres e jornadas longas de até

15 horas por dia em locais insalubres (CAVALCANTI, 2008).

Harvey (2005, p.113) analisa que o trabalho assalariado se baseia na separação

forçosa do trabalhador do controle dos meios de produção. Para exemplificar sua

análise, ele cita o exemplo de várias colônias, como a Austrália, onde “...os recursos da

propriedade privada e do Estado foram usados para excluir os trabalhadores do fácil

acesso às terras sem donos, para preservar um conjunto de trabalhadores assalariados no

interesse da exploração capitalista”.

3.2.2 Relações de Trabalho no Contexto da Globalização Contemporânea a) Fordismo O Fordismo, já analisado no Capítulo 1 deste estudo, vai intensificar as relações

de trabalho capitalistas no mundo todo e fazer proliferar cada vez mais nessas relações a

especialização do trabalhador, a produção e o consumo de massa.

Paralelo a esse processo, ocorre o desenvolvimento de boa parte da legislação

trabalhista de proteção ao trabalhador, resultante sempre, vale salientar, de lutas

orquestradas pelo movimento operário. Em 1919, no final da Primeira Guerra Mundial,

dentro do Tratado de Versalhes, já se tem a instituição da Organização Internacional do

Trabalho (OIT), com a instituição de regras básicas de proteção ao trabalhador: jornada

de oito horas de trabalho, igualdade de salário, repouso semanal remunerado, inspeção

do trabalho das mulheres e dos menores, direito sindical e salário mínimo

(CAVALCANTI, 2008; VIEIRA, 2005).

Uma das características do Fordismo, implantado pelo próprio Henry Ford, foi o

aumento dos salários dos trabalhadores. Ford chegou a dobrar o salário dos seus

trabalhadores, mas existia para ele uma razão para se fazer isso,

[...] era o desejo [...] de deter a mobilidade irritantemente alta no trabalho. Ele queria atar seus empregados às empresas Ford de uma

Page 138: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

vez por todas, fazendo com que o dinheiro gasto em sua preparação e treinamento se pagasse muitas vezes, por toda a duração da vida útil dos trabalhadores (BAUMAN, 2001, p. 166).

Hobsbawm (1995, p.55), analisando a difusão do Fordismo, observa o papel das

guerras “...sobretudo a Segunda Guerra Mundial, ajudaram muito a difundir a

especialização técnica, e certamente tiveram um grande impacto na organização

industrial e nos métodos de produção em massa”.

Após a Segunda Guerra Mundial, observa-se o boom mundial do modelo

fordista:

O modelo de produção em massa de Henry Ford espalhou-se para as indústrias do outro lado dos oceanos, enquanto nos EUA o princípio fordista ampliava-se para novos tipos de produção, da construção de habitações à chamada junk food [...]. Bens e serviços antes restritos a minorias eram agora produzidos para um mercado de massa, como no setor de viagens e praias ensolaradas. Antes da guerra, não mais de 150 mil norte-americanos viajaram para a América Central ou o Caribe em um ano, mas entre 1950 e 1970 esse número cresceu de 300 mil para 7 milhões. (HOBSBAWM, 1995, p.259).

Essa época foi conhecida por “Era de Ouro” ou “Estado de Bem-Estar Social”,

principalmente pelo bem-estar das classes trabalhadoras na Europa, no Japão e nos

EUA. As taxas de desemprego na Europa e no Japão não passavam de 1,5%. Havia o

compromisso político com o pleno emprego, com a seguridade social e previdenciária,

tudo isto gerando mais renda e mais consumo de massa. Tinha-se a perspectiva, por

parte do trabalhador, de emprego por toda a vida dentro de uma empresa e existiam

sindicatos fortes. Vale lembrar que havia nesse contexto a Guerra Fria e o embate com a

URSS, o que fazia com que as diretrizes governamentais tivessem um cunho mais social

(BAUMAN, 2001; HOBSBAWM, 1995).

Na “Era de Ouro” dos Países Capitalistas,

[...] os patrões, que pouco se incomodavam com altos salários num longo boom de altos lucros, apreciavam a previsibilidade que tornava mais fácil o planejamento [...] as economias dos países capitalistas industrializados se deram esplendidamente bem, no mínimo porque [...] passava a existir uma economia de consumo de massa com base no pleno emprego e rendas reais em crescimento constante, escorada pela seguridade social, por sua vez paga pelas crescentes rendas públicas. O pleno emprego e uma sociedade de consumo orientados para um verdadeiro mercado de massa colocavam a maior parte da classe operária nos velhos países desenvolvidos, pelo menos durante parte de suas vidas, bem acima do patamar abaixo do qual seus pais, ou eles próprios, tinham vivido outrora, quando se gastava a renda sobretudo com necessidades básicas (HOBSBAWM, 1995, p.277-301).

Page 139: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Após a Segunda Guerra, também aconteceu a difusão mundial da legislação

trabalhista, presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Assembleia

Geral da ONU, em 1948. Destaca-se nessa declaração: a remuneração igual por trabalho

igual; o salário mínimo; o repouso e o lazer; a limitação horária da jornada de trabalho;

a livre sindicalização; e as férias remuneradas (CAVALCANTI, 2008).

No Brasil, tem-se, a partir de lutas operárias sangrentas desde a década de 1910,

a implementação de alguns direitos trabalhistas entre a década de 1930 e 1940, durante

o Governo Getúlio Vargas, como o salário mínimo, oito horas de trabalho,

aposentadoria, direito a sindicalização, indenização por demissão sem justa causa.

Muitos direitos foram estabelecidos na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT em

1943 (CAVALCANTI, 2008).

Após a Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento capitalista aconteceu sem a

generalização da legislação trabalhista na economia e na sociedade brasileira. Segundo

Cavalcanti (2008, p.79):

É inegável que entre 1945 e 1964 o processo de generalização do Direito do Trabalho se acentuou; no entanto, manteve-se restrito à parte urbana em decorrência da continuidade ao modelo de desenvolvimento iniciado em 1930, impulsionador da industrialização e da urbanização, antes correspondente a apenas 30% da população, em contraposição a 70% da população rural, esta excluída da tutela legal. Apenas em 1963 foi aprovado o Estatuto do Trabalhador Rural – Lei n. 4.214/63, que, todavia, não produziu efeitos reais em face da queda da democracia em 1964 pela ditadura militar.

Com esses dados, nota-se a flagrante discriminação da legislação trabalhista em

relação às atividades agrícolas que se realizavam no campo brasileiro e que

representavam àquela época mais de 2/3 da população do País.

b) Acumulação flexível & flexibilização do Trabalho Na década de 1970, o contexto global muda de forma drástica. A Guerra do

Vietnã, junto com a Guerra Fria e seus altos gastos, gerou despesas fantásticas nos

Estados Unidos que chegaram, em alguns anos, a trilhões de dólares, o que resultou no

descontrole orçamentário. O aumento do preço do petróleo pela Organização dos Países

Exportadores de Petróleo (OPEP), em 1973, no contexto de mais uma guerra árabe-

israelense, gera um aumento geral no custo de vida e a entrada de petrodólares no

Page 140: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

sistema financeiro internacional, que por sua vez financia a juros baixos empréstimos

por todo o Mundo.

Os EUA, no fim dos anos de 1970, mudam sua política de juros, aumentando-os,

privilegiando a valorização da moeda e a diminuição da inflação, fazendo com que

muitas dívidas contraídas por países do mundo todo (inclusive pelos próprios EUA) se

tornem gigantescas. Intensificam-se então as crises por débitos, começam a se fazer por

todos os lados cortes de empregos, de benefícios e a política de bem-estar social cai por

terra em boa parte do mundo, dando lugar à política neoliberal implantada e difundida

pelos Presidente Ronald Reagan (EUA) e pela Primeira-Ministra Margaret Thatcher

(Grã-Bretanha), que reforçava a Globalização da Economia e que pressionava, a partir

dos organismos supra-nacionais, como o FMI e Banco Mundia,l a entrada de países do

mundo todo para o incontrolável mercado mundial (HOBSBAWM, 1995).

Com o Neoliberalismo e simultaneamente com a implantação da acumulação

flexível, dá-se uma piora nas condições do operariado de base e uma melhora dos

qualificados na Grã-Bretanha. Os índices de desemprego sobem às alturas por todo o

Mundo e Países Desenvolvidos. A produção agora dispensava visivelmente mais seres

humanos do que a economia de mercado gerava novos empregos para eles. Esse

processo foi acelerado pela competição global e também pelo aperto financeiro dos

governos que, direta ou indiretamente, eram os maiores empregadores individuais e

agora estavam enxugando os empregos públicos (HOBSBAWM, 1995).

Na Europa, têm-se estatísticas que revelam claramente o aumento do

desemprego: em 1960, o desemprego nos Países da Europa era de 1,5%,; em 1970,

avança para 4,2%; em 1980, alcança 9,2%; e, em 1993, já com a União Europeia, tem-

se uma média de 11% de desempregados (HOBSBAWM, 1995).

Hobsbawm (1995, p.396) analisa os resultados dessa política neoliberal,

[...] quanto à pobreza e miséria, na década de 1980 muitos dos países mais ricos e desenvolvidos se viram outra vez acostumando-se com a visão diária de mendigos nas ruas, e mesmo com o espetáculo mais chocante de desabrigados protegendo-se em vãos de portas e caixas de papelão, quando não eram recolhidos pela polícia

Nos dias atuais, a OIT tem caracterizado como uma “crise global de emprego” o

que se passa hoje no Mundo, que se expressa em aumento da ordem de 25% na taxa de

desemprego aberto global entre 1995 e 2005, e na existência de aproximadamente 195

milhões de pessoas desempregadas no Mundo, o que equivale a 6,3% de toda a força de

Page 141: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

trabalho. Destes, 86,3 milhões (ou 44% do volume total de desempregados) são jovens

entre 15 e 24 anos (ABRAMO; BOLZÓN, RAMOS, 2008).

Só a América Latina, cálculo realizado pela OIT em 2006, indicava a existência

de um déficit de emprego formal da ordem de 126 milhões de pessoas, equivalentes a

53% da População Economicamente Ativa (PEA) e que podia ser decomposto em 23

milhões de pessoas desempregadas e 103 milhões de pessoas trabalhando na

informalidade (ABRAMO; BOLZÓN, RAMOS, 2008).

Bauman (1999) faz uma análise da flexibilidade presente nos discursos

governamentais, sendo esta a característica que mais se destaca no contexto neoliberal

atual.

Essa flexibilidade faria parte de um conjunto de fatores para encorajar os

investidores, como, por exemplo, corte de gastos públicos, redução de impostos,

reforma e corte do sistema de proteção social. A flexibilidade entraria no relaxamento

das normas rígidas do mercado de trabalho, da legislação trabalhista, dos contratos e das

regras de proteção social, em prol dos investidores que agora são livres para correr onde

existem as melhores ofertas ou vantagens locacionais.

Pochmann (2001, p.30) relata essa liberdade de movimentos nas grandes

Corporações Transnacionais, que têm como estratégia marcante na década de 1990

“permanecer o mais livres possível dos investimentos de longa duração, com o intuito

de explorar rapidamente as oportunidades lucrativas de investimento, abrindo e

fechando quantas plantas produtivas fossem necessárias”

Segundo Bauman (1999, p.112-113), essa flexibilidade

[...] do lado da procura significa liberdade de ir aonde os pastos são verdes, deixando o lixo espalhado em volta do último acampamento para os moradores locais limparem; acima de tudo significa liberdade de desprezar todas as considerações que ‘não fazem sentido economicamente’. O que no entanto parece flexibilidade do lado da procura vem a ser para todos aqueles jogados no lado da oferta um destino duro, cruel. Inexpugnável, os empregos surgem e somem assim que aparecem, são fragmentados e eliminados sem aviso prévio, como as mudanças nas regras do jogo de contratação e demissão e pouco podem fazer os empregados ou os que buscam emprego para parar essa gangorra.

Esse discurso flexível está presente como um dogma para o FMI e o Banco

Mundial que defendem a revogação de leis “favoráveis demais” à proteção do emprego

e do salário e pregam a eliminação de todas as “distorções” que se colocam no caminho

Page 142: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

da autêntica competição, incluindo a quebra da resistência da mão-de-obra para desistir

de seus “privilégios adquiridos” (BAUMAN, 1999).

Com a flexibilidade, o trabalho muda seu caráter, não pode mais ser pensado a

longo prazo, porque a incerteza domina, e as estratégias e planos de vida só podem ser

de curto prazo. “O trabalho não pode mais oferecer o eixo seguro em torno do qual

envolver e fixar autodefinições, identidades e projetos de vida. Nem pode ser concebido

com facilidade como fundamento ético da sociedade, ou como eixo ético da vida

individual” (BAUMAN, 2001).

A incerteza gerada nesse contexto flexível divide, é individualizadora, faz com

que desapareçam o espírito de militância e a participação política e a preocupação com

o interesse comum.

Benko (1999) observa que, além de desvalorizar a força de trabalho reduzindo

todos os custos de sua reprodução (supressão de garantias de emprego, revisão de

salários diretos e indiretos), as grandes Corporações buscam também, como estratégias

de flexibilização, a utilização das virtualidades tecnológicas da automação como

suporte material, a fim de remodelar a organização do trabalho.

Castells (2002) observa que, em muitos casos, a flexibilização chega à própria

grande Multinacional, que passa a se utilizar de pequenas e médias empresas, para

terceirizar ou subcontratar alguns serviços ou produtos, possibilitando ganhos de

produtividade e eficiência às grandes empresas, que controlam as pequenas.

Castells (2002) também ressalta ainda os novos métodos de gerenciamento que

passam a ser usados na acumulação flexível, como: o método just-in-time, advindo de

empresas japonesas e que acaba com os estoques, sendo a entrega feita pelos

fornecedores nos locais de produção; o controle de qualidade total e o trabalho em

equipe dentro da empresa, além da terceirização.

Costa (2008, p.138) observa que esses

[...] novos modelos gerenciais estão contribuindo para aumentar o desemprego, intensificar e precarizar o trabalho, tornar variável grande parte dos salários, desarticular o movimento sindical, trazendo como conseqüência um maior grau de exploração dos trabalhadores.

Costa (2008) e Wright (2002) citam que modelos de terceirização como o

implantado pela Nike (que desenvolve o design dos seus produtos nos EUA, o

protótipo, em Taiwan, e busca fabricá-los no Sudeste Asiático, onde encontra os mais

vantajosos contratos de terceirização com baixos custos e sem atuação forte dos

Page 143: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

sindicatos) geram, no final, a ampliação da taxa de lucro e a precarização das condições

de trabalho.

Costa (2008) observa também que a ideologia da participação nos lucros

vinculados a um sistema de metas do setor é extremamente daninho para o trabalhador,

já que

[...] caso alguma equipe ou trabalhador individual não cumpra a meta diária, já será mal visto por seus colegas, pois está atrapalhando o objetivo central. Assim, vai se criando no interior da empresa, quase que naturalmente ou estimulado pelas gerências, um clima de vigilância recíproca, em que o trabalhador passa a ser algoz do próprio trabalhador (COSTA, 2008,p.144).

Além de todos esses fatores nocivos ao trabalhador e que contribuem para uma

maior flexibilidade do trabalho, Salama (1999) acrescenta um outro da mesma ordem:

as finanças. Todas as recentes crises financeiras, ocasionadas por desequilíbrio na

balança de pagamentos, têm sempre como resultado uma reestruturação industrial e

bancária que leva em geral a um acréscimo da flexibilidade do trabalhador

(desemprego, baixa dos salários, precarização e intensificação pela introdução de outros

modos de dominação sobre o trabalho). Mas não é só em função de crises que a

flexibilidade do trabalho acontece. Esta encontra-se também associada à importância

das finanças para o balanço das empresas, ou melhor, o lugar que as aplicações

financeiras ocupam nas empresas. Quanto mais as empresas buscam investir no

mercado financeiro em vez de investirem no Setor Produtivo, mais se tem um volume

insuficiente de investimento na produção. Tal insuficiência leva as empresas a

privilegiar formas de dominação sobre o trabalho que favoreçam a sua flexibilização,

para poderem vir a encontrar uma competitividade ameaçada pela ausência desses

investimentos produtivos.

Castells (2002) analisa que, com a acumulação flexível, tem-se claramente a

difusão de duas classes de empregados polarizados:

A da camada superior de trabalhadores multifuncionais com muita qualificação e

especializados – que têm todos os direitos e estabilidade no emprego, alta remuneração,

para poderem cooperar mais com a empresa;

E a da camada inferior sem especialização, trabalhadores com baixa qualificação –

com poucos ou nenhum direito, baixa remuneração, descartáveis, uma vez que, a

qualquer momento, podem ser dispensados. A maioria deles encontra-se no Setor de

Serviços.

Page 144: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Antunes (2005, p.32) também analisa e comenta sobre essas duas classes

polarizadas:

Criou-se de um lado, em escala minoritária, o trabalhador ‘polivalente e funcional’ da era informacional, capaz de operar máquinas com controle numérico e de, por vezes, exercitar com mais intensidade sua dimensão mais ‘intelectual’ (sempre entre aspas). E, de outro lado, há uma massa de trabalhadores precarizados, sem qualificação, que hoje está presenciando as formas de part-time, emprego temporário, parcial, precarizado, ou mesmo vivenciando o desemprego estrutural.

Esses trabalhadores com baixa qualificação são os mais afetados pelos padrões

flexíveis, que, em muitos casos, estendem a jornada de trabalho, das tradicionais 35-

40h, para mais tempo; não têm estabilidade no emprego, porque o trabalho flexível é

regido por tarefas e não inclui compromisso com a permanência futura no emprego; e

não contam com contrato social entre patrão e empregado - a maioria é autônoma ou

terceirizada (que dissimula a precarização e a redução dos salários) (CASTELLS, 2002;

COSTA, 2008).

Cavalcanti (2008,p.90) ressalta também sobre a precarização do emprego que

[...] a transferência do emprego tradicional para o setor de serviços precarizado tem efeito tão impactante ou ainda mais grave porque não representa apenas a perda do emprego, mas também a fragmentação das relações de ambiente de trabalho e a desqualificação da atividade profissional.

A desqualificação da atividade profissional ganha intensidade, principalmente

com o sistema de subcontratações (terceirização), realizado por muitas empresas que

prestam serviços a outras. Esse sistema gera ausência de sindicalização, de

solidariedade e de disponibilidade reivindicatória, pela

[...] coexistência de um núcleo alargado de trabalhadores permanentes, de um conjunto de trabalhadores diferenciado com vínculos atípicos ou precários e, ainda, de um terceiro tipo de trabalhadores sem qualquer ligação jurídico-formal com a empresa numa dada unidade de trabalho (CAVALCANTI, 2008, p.110).

Antunes (2005,p.13), analisando sobre a precarização do trabalho, cita que “mais

de um bilhão de homens e mulheres padecem as vicissitudes da precarização do

trabalho, dos quais centenas de milhões têm seu cotidiano moldado pelo desemprego

estrutural”.

O mesmo autor observa que essa situação de trabalho flexível-precarizado já

representa em alguns lugares até 20% da mão-de-obra, como na Itália e na Espanha, e

que tal situação

Page 145: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

[...] configura uma nova morfologia do trabalho: além dos assalariados urbanos e rurais que compreendem o operariado industrial, rural e de serviços, a sociedade capitalista moderna vem ampliando enormemente o contingente de homens e mulheres terceirizados, subcontratados, part-time, que exercem trabalhos temporários, entre tantas outras formas assemelhadas de informalização do trabalho, que proliferam em todas as partes do mundo (ANTUNES, 2005,p.17) (grifos meus).

Vale ressaltar, porém, que a acumulação flexível não tomou o lugar do

Fordismo, como ressalta com muita propriedade Antunes (2006, p.19), observando que,

apesar da grande intensidade e do curso acentuado em que a flexibilização e a

desregulamentação dos direitos sociais, bem como a terceirização e as novas formas de

gestão de trabalho, se apresentam hoje, ainda existe uma coexistência com o Fordismo,

que parece preservado em vários ramos produtivos e de serviços.

Da mesma forma ressalta Cavalcanti (2008, p.83) que “o panorama atual das

sociedades industrializadas não demonstra o abandono total do modelo fordista de

produção, nem indica a desaparição do trabalhador típico”.

Meszáros (2006) observa que o sistema atual de “flexibilidade” e

“desregulamentação” faz com que se acentue a exclusão de mais e mais pessoas do

processo de trabalho e se prolongue do tempo de trabalho dos que estão trabalhando,

aumentando, assim, a exploração e a mais-valia. Um exemplo disto é um recente projeto

de lei japonês que propõe aumentar de 9 h para 10 h por dia a jornada de trabalho e de

48 h para 52 h a jornada semanal. Além disto, tem-se nesse projeto uma cláusula

“flexível” que obrigaria os empregados a trabalhar mais horas quando houvesse mais

atividades na empresa, desde que o total de horas trabalhadas em um ano não excedesse

o limite fixado.

Outro exemplo de flexibilização aplicada por um país através da mudança de leis

é o caso italiano - país mais flexível da Europa -, que institui, a partir da Lei nº30 de

14/02/2003, a negação dos direitos trabalhistas a partir da mudança do contrato de

trabalho, que agora pode ser determinado ou indeterminado. Com isto, começa a se

generalizar o trabalho por empreitada, que

[...] as empresas podem preparar um contrato de fornecimento de força de trabalho com agências especializadas que as atendem em tempo real e apenas nos períodos solicitados. Geralmente, trata-se de um contrato por tempo determinado que oferece um trabalho limitado no tempo, para qualificações às vezes muito elevadas, o que configura e institucionaliza uma forma de precarização da vida por meio da vigência do trabalho atípico (VASAPOLLO, 2006, p.50-51).

Page 146: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Com a instituição de leis desse calibre, tem-se no contexto atual a emergência de

um grande número de trabalhadores que têm um contrato de curta duração ou de meio

expediente. Esses novos trabalhadores podem ser alugados por algumas poucas horas ao

dia, por cinco dias da semana ou por poucas horas em dois ou três dias da semana

(VASAPOLLO, 2006).

No Brasil, a implantação desse sistema flexível e neoliberal contribuiu

fortemente para a maior crise de emprego da sua história, junto com as baixas taxas de

expansão da economia. Segundo Pochmann (2006), o avanço do desemprego em massa

no Brasil impressiona justamente após o processo de liberalização comercial e

flexibilização na década de 1990.

Em 1986, o Brasil ocupava a 13ª posição no ranking mundial do desemprego,

mas, com o início da década de 1990, o índice de desemprego nacional dispara e faz

uma curva contínua, fazendo este País chegar em 2002 à 4ª posição mundial, atrás

apenas da Índia, Indonésia e Rússia. Isto gerou um aumento no número de pessoas sem

emprego e procurando por um posto de trabalho sem paralelo com qualquer período de

tempo anterior. Para se ter uma ideia de números, no Censo de 1980 tinha-se a

contagem de dois milhões de desempregados. Já no Censo de 2000, essa cifra ultrapassa

os 11 milhões e 500 mil.

Observa-se claramente a erosão dos empregos nacionais durante a década de

1990 no Quadro 18, que mostra a criação de empregos formais no Brasil. Nesse Quadro,

nota-se a variação quase nula e às vezes negativa entre os empregos criados na década

de 1990. Entre 1985 e 1999, tem-se claramente uma geração de empregos inferior à

entrada de novos trabalhadores no mercado de trabalho. Só a partir de 2000 é que se vai

ter uma mudança de rumo, com a melhoria dos indicadores.

Quadro 18 - EMPREGOS FORMAIS NO BRASIL – 1985- 2008 Ano N.º Empregos Variação Absoluta Variação Relativa

(%) 1985 20.492.131 - - 1986 22.164.306 1.672.175 8,16 1987 22.617.787 453.481 2,05 1988 23.661.579 1.043.792 4,61 1989 24.486.568 824.989 3,49 1990 23.198.656 -1.287.912 -5,26 1991 23.010.793 -187.863 -0,81 1992 22.272.843 -737.950 -3,21 1993 23.165.027 892.184 4,01 1994 23.667.241 502.214 2,17 1995 23.755.736 88.495 0,37

Page 147: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

1996 23.830.312 74.576 0,31 1997 24.104.428 274.116 1,15 1998 24.491.635 387.207 1,61 1999 24.993.265 501.630 2,05 2000 26.228.629 1.235.364 4,94 2001 27.189.614 960.985 3,66 2002 28.683.913 1.494.299 5,50 2003 29.544.927 861.014 3,00 2004 31.407.576 1.862.649 6,30 2005 33.238.617 1.831.041 5,83 2006 35.155.249 1.916.632 5,77 2007 37.607.430 2.452.181 6,98 2008 39.441.566 1.834.136 4,88 Fonte: Ministério do Trabalho e do Emprego (2010).

Outro dado interessante é que, durante os anos de 1940 a 1970, a cada dez postos

de trabalho criados, apenas dois não eram assalariados, sendo sete com registro formal.

Já durante a década de 1990, a cada dez empregos criados, somente dois eram

assalariados, porém sem registro formal. Isto demonstra que, além do desemprego em

massa, o Brasil abre o século XXI tendo a inserção de grandes contingentes no trabalho

precário.

Outro dado interessante é que, no período entre 1990 e 1998, os postos de

trabalho qualificados no Brasil foram reduzidos em 12,3%, enquanto as ocupações não

qualificadas cresceram 14,2%, o que mostra a reprodução da divisão internacional do

trabalho no Brasil entre ocupações mais qualificadas se concentrando nos Países

Desenvolvidos e as menos qualificadas nos Países Subdesenvolvidos (POCHMANN,

2001; POCHMANN, 2006).

Pochmann (2006), analisando as razões do desemprego nacional, observa que,

na década de 1990, com a liberalização comercial brasileira, teve-se uma reinserção

externa do Brasil, que resultou, em um primeiro momento, na ampliação das

importações, acompanhada de um forte endividamento e da internacionalização do

parque produtivo interno, fazendo assim com que a produção nacional caísse e os

empregos desaparecessem. Na mesma época, no mesmo contexto, ocorre o processo de

reestruturação das empresas com forte redução do emprego “...por meio da adoção de

programas de reengenharia, de reorganização do trabalho e da produção, terceirização e

subcontratação de mão-de-obra entre outros” (POCHMANN, 2006, p.70). Além disto,

têm-se programas de ajustes e antiemprego público, seguindo orientações do FMI e do

Banco Mundial para enxugar pessoal através de programas de demissão voluntária e

privatizações.

Page 148: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Nesse contexto, dá-se a implantação de novas leis que vão intensificar a

flexibilização do trabalho no Brasil, dentre as quais se destaca a Lei n. 9.601/98, que

instituiu o contrato por prazo determinado no Brasil. Essa lei é gerada “sob os auspícios

do neoliberalismo, a essência desse fenômeno definido como flexibilização está

centrada na eliminação, diminuição e substituição da norma protetora do trabalhador por

outra norma em favor do empresário” (CAVALCANTI, 2008,p.134).

Tratava-se de uma lei apresentada como forma de combate ao desemprego -

apresentação típica para esse tipo de lei. Mas o entendimento jurídico geral

predominante é que essa lei faz parte de um processo global de perda dos direitos

trabalhistas.

Inúmeros juristas brasileiros relatam, inclusive, que essa lei (9.601/98) vai ao

encontro de outras leis “flexíveis” implantadas pela Espanha e pela Argentina nos

últimos anos e que causaram miséria entre os trabalhadores e até redução do consumo

interno. Um exemplo claro disto é a Lei Espanhola flexível 14/94 de contratação por

prazo determinado:

A adoção dessa flexibilidade, em 1994, causou a rotatividade de 50% dos trabalhadores espanhóis. Os contratos temporários eram de apenas quatro meses e geraram miséria maior. Caiu o índice de consumo interno (acabaram-se as compras a prestação), aniquilou-se o aperfeiçoamento profissional, pois empresas deixaram de investir em sua mão-de-obra (VIEIRA, 2005,p.65-66).

A lei brasileira de prazo determinado estabelece o prazo máximo do contrato

determinado de dois anos e reduz de forma intensa os custos para o empregador, já que

este só contribui com 50% para o salário educação, acidentes de trabalho e o sistema S

(SENAC, SESI, SENAI), e tem a redução do depósito do FGTS de 8% para 2%,

prejudicando de forma definitiva os trabalhadores (VIEIRA, 2005).

Além disto, nesse mesmo contexto é criado pelo governo, para flexibilizar a

jornada de trabalho, o chamado “banco de horas”, que agride uma conquista histórica da

Classe Trabalhadora: as 8 horas de trabalho por dia.

A regulamentação do banco de horas favorece muitas vezes uma jornada

suplementar além do padrão, mesmo que compensatória, pode afetar a saúde, a higiene

e a segurança laboral, atingindo de forma drástica a vida do trabalhador, que agora passa

a viver em função das necessidades da empresa, não tendo horário certo para deixar o

trabalho, nem dia certo de folga (CAVALCANTI, 2008).

Page 149: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Com o banco de horas, tem-se até 120 dias para compensar o horário

extraordinário, e o trabalhador não recebe mais a hora extra, ficando essa hora a ser

descontada em até 120 dias como folga, a critério da empresa. Claramente o banco de

horas se configura em um instrumento flexibilizador que traz todos os benefícios para o

patrão e nenhum para os empregados (VIEIRA, 2005).

Nos últimos anos (2004 em diante), tem-se uma política pública que busca

fomentar o emprego e o crescimento econômico, mas que, embora tenha tido um

relativo sucesso com o crescimento dos empregos formais, vem se revelando uma

política contraditória, já que, ao mesmo tempo em que fomenta o crescimento e geração

de empregos, reitera os instrumentos de política econômica que freiam sistematicamente

o processo (BASALDI, 2008a).

3.2.3 Relações de Trabalho no Campo Durante o Processo de Globalização da Agricultura

O campo tem uma gigantesca diversidade de relações de trabalho. São relações

que envolvem direta ou indiretamente a posse da terra e que se traduzem muitas vezes

em relações de trabalho de características não-capitalistas e capitalistas, relações

antiquíssimas que lembram o mundo feudal até relações de trabalho modernas do

Sistema Capitalista Contemporâneo.

Entre essas relações pode-se citar a parceria - regime que proporciona renda da

terra para o proprietário, renda em produto colhido (50% geralmente) , em troca do uso

e trabalho na terra do parceiro sem terra, sem direitos e com todos os riscos -; e o

arrendamento, ou aluguel da terra em troca de um valor em dinheiro fixo - todos os

riscos vão para o agricultor que aluga a terra e que no fim de determinado período tem

que pagar uma quantia, não importando se teve sucesso ou não na sua atividade

agropecuária, além de muitas outras formas que lembram relações feudais e pré-

capitalistas ainda presentes no campo no Mundo e no Brasil. Mas, apesar dessas

relações, se observa nos últimos anos, uma intensificação das relações capitalistas de

assalariamento no campo, tanto no mundo como no Brasil.

No trabalho em questão, vai-se procurar deter-se mais nas relações assalariadas

de trabalho no campo, pois são essas relações que vão predominar nas propriedades que

Page 150: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

serão analisadas na pesquisa de campo - as propriedades voltadas para a exportação de

frutas no Vale do Açu (Ipanguaçu) e na Chapada do Apodi (Baraúna).

Abaixo observar-se-á uma breve abordagem sobre as relações de trabalho no

campo em nível mundial. Após isto, analisar-se-á a trajetória das relações de trabalho no

campo no Brasil, buscando-se dar foco ao Processo de Globalização nos últimos

tempos.

a) Relações de Trabalho no Campo: Mundo As relações de trabalho na Agricultura têm relação direta com a posse da terra,

definindo através desta o lugar que se ocupa no universo do trabalho: se é um lugar de

dominante ou dominado.

Nos dias atuais, com a acumulação flexível, observa-se que

[...] em praticamente todos os setores agropecuários está ocorrendo a racionalização dos processos produtivos, de organização social e técnica do trabalho, de modo a acelerar a produtividade e ampliar as condições de produção de excedente, lucro ou mais-valia” (IANNI, 2004, p.38).

A pequena agricultura, em muitos casos, fornece para as grandes empresas

agrícolas, como um agente terceirizado, porque o grande capital observa que é mais

vantajoso, no caso de certas culturas, contratar fornecimentos com pequenos

agricultores que investir diretamente na produção. Assim, “sob vários aspectos, a

pequena produção pode ser vista como um caso sui generis de subcontratação,

terceirização ou flexibilização” (IANNI, 2004, p.40) (grifos meus).

Cavalcanti (1999) observa que, no caso da agricultura para a exportação,

dominada por grandes grupos multinacionais, os efeitos chegam a ser mais daninhos

para os trabalhadores, já que se emprega alta tecnologia para aumentar a produtividade,

mecanizando e informatizando boa parte do processo produtivo, debilitando, assim, a

geração de empregos e requerendo uma mão-de-obra com maior nível de qualificação.

Muitas vezes se utilizam, dependendo do ramo produtivo, trabalhadores

temporários e flexíveis, precarizando ainda mais o mercado de trabalho. No fim,

observa-se, também, no trabalho agrícola a criação de uma polaridade de duas classes

de empregados: uma de trabalhadores estáveis, com direitos trabalhistas, capacitados e

vinculados aos estratos técnicos ou administrativos; e outra de trabalhadores

Page 151: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

temporários, de baixa qualificação, flexíveis, terceirizados, que são a grande maioria nas

unidades produtivas do campo.

Outro fator vem a concentrar a agricultura para a exportação nas mãos de

grandes grupos multinacionais, como é o caso dos certificados de qualidade

internacional, ISO, que são exigidos pelo comércio exterior. Esses certificados excluem

os produtores mais fracos e os pequenos produtores rurais que não têm tecnologia,

levando muitos a serem incorporados aos grandes grupos, à falência ou à proletarização

(CAVALCANTI, 1999).

Mesmo com todos os avanços do Mundo Moderno, o campo hoje, em se

tratando de relações de trabalho, muitas vezes ainda apresenta muitos traços que

lembram o mundo feudal ou o escravista. De acordo com recente relatório da OIT,

apresentado em 2008, durante sua 97ª Conferência Internacional, três quartos dos

pobres do Mundo vivem nas zonas rurais e nelas acontecem as piores violações aos

direitos fundamentais do trabalho. Entre estas podem-se citar: os atos de violência

praticados contra aqueles que organizam e representam os pobres de zonas rurais; os

altos níveis de trabalho infantil na agricultura (que, segundo as estimativas, representam

70 por cento do total de trabalho infantil no Mundo); a perpetuação das práticas de

trabalho forçado ou escravo de uma geração para a outra; bem como desigualdade de

tratamento perante a lei; e o baixo índice de sindicalização - menos de 10% dos

trabalhadores assalariados agrícolas de todo o mundo estão filiados a sindicatos ou a

organizações de trabalhadores rurais (ABRAMO; BOLZÓN, RAMOS, 2008).

Relações de Trabalho e Multinacionais de Frutas As relações de trabalho no ramo frutícola, desde o início da exploração para o

mercado internacional na América Central, ainda no século XIX, envolveram grande

exploração dos trabalhadores, com a participação até das forças armadas e de Lei

Marcial. Tudo para garantir a mão-de-obra barata para manter os baixos preços das

frutas, principalmente das bananas, primeira fruta inserida no comércio global, já no

século XIX (KOEPPEL, 2008; WILEY, 2008).

Na Bananicultura, a difusão do Fordismo se refletiu com vários benefícios para

os trabalhadores (depois de muitas greves e massacres, vale observar) como: casas,

alojamentos com infra-estrutura, assistência à saúde, educação para suas crianças e

Page 152: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

formação de sindicatos que negociavam junto com as empresas acordos e aumento de

salários. O Estado forte também ajudava, regulando e impondo regras para as

Multinacionais do Setor (HARARI, 2005).

Koeppel (2008) observa que, na Multinacional United Fruit, tinha-se a fundação

de minicolônias na mata para o desenvolvimento da plantação de banana nas décadas de

1930 e 1940, com a construção de casas, escolas e hospitais para os empregados, e

campos de golfe, igrejas e restaurantes e até bordel para os executivos em alguns países

da América Central.

Nos dias atuais, no Setor de Frutas e principalmente na Bananicultura da

América Latina - maior exportador mundial de banana, com mais de 2/3 das

exportações mundiais (HELLIN E HIGMAN, 2008) -, os efeitos da Flexibilização

foram extremamente danosos para os trabalhadores e principalmente para a sua

organização sindical.

Segundo Harari (2005), a exploração dos trabalhadores desse Setor na América

Latina agravou-se com a flexibilização. Ele cita os principais problemas enfrentados

hoje pelo trabalhador:

- declínio dos serviços públicos, com o Estado mais fraco;

- insuficiência de salários para a manutenção da família e aumento das horas

trabalhadas, às vezes com inúmeras horas extras sem remuneração;

- problemas com a instabilidade no emprego, devido à fraqueza dos Sindicatos e

à Política Trabalhista, o que causa uma insegurança nas famílias;

- ativa política antissindical, adotada pelas principais Multinacionais do Setor,

principalmente a Dole e a Del Monte Fresh Produce, com perseguições e até mortes dos

entes sindicais, através de ataques com matadores de aluguel, na América Central e no

Equador, principalmente;

- limitada ou até anulada a conversação coletiva entre patrões e empregados;

- diminuição da adoção de bônus (salário indireto), vinculando, inclusive, essa

prática à alta produtividade, o que leva muitos a adoecer;

- perda das condições mínimas de saúde e segurança no trabalho. Isto acontece

não só pela precarização dos alojamentos (sem sanitários, água de beber e chuveiros nas

fazendas) ou até pela falta destes, mas também pela ausência de treinamento;

- falta de consideração pelas condições de vida dos empregados e de suas

famílias, com o corte dos Programas de Habitação, Saúde e de Educação para seus

filhos.

Page 153: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Esses problemas acontecem principalmente nos principais Países Exportadores,

quais sejam: Costa Rica, Nicarágua, Honduras, Guatemala e Equador, onde estão

localizadas as maiores Multinacionais de Bananicultura do Mundo. Vale salientar que,

no Panamá e na Colômbia, a realidade é um pouco mais favorável para os trabalhadores

desse Setor, uma vez que alguns benefícios ainda são mantidos pelas Empresas e

também pelo Governo (Ver Quadro 19).

No Quadro 19, reproduzem-se, em boa parte, os problemas que envolvem os

trabalhadores de Bananicultura, no momento atual. Observa-se claramente a presença,

em todos os principais exportadores de banana da América Latina (Nicarágua,

Honduras, Costa Rica, Guatemala, Panamá, Colômbia e Equador), das grandes

Multinacionais que controlam o Setor em âmbito mundial.

Também se nota no mesmo Quadro a situação dos Sindicatos, que, nos últimos

anos, apresentaram uma queda no seu número e também no número de trabalhadores a

eles filiados. Isto se deve principalmente à política agressiva antissindicatos de muitas

empresas multinacionais, que pretendem com isto desmobilizar os trabalhadores e

retirar os programas nas áreas de Educação, Saúde e Habitação, para maximizar os

lucros, agravando as condições de trabalho com a falta de Acordos Coletivos para

reivindicar melhores salários e condições mínimas de higiene e alimentação.

Essa situação de perda de direitos e programas sociais para os trabalhadores da

Bananicultura só piora, como se observa no Quadro 19. Nos últimos anos, é frequente a

redução de programas nas referidas áreas, deixando para os trabalhadores esse encargo.

Além dessas reduções, observa-se também a das condições de trabalho, com a

diminuição do número de alojamentos, banheiros, acesso a água de beber, serviço

médico da Companhia etc.

Quadro 19 - PRODUÇÃO E CONDIÇÕES DE VIDA/SINDICALIZAÇÃO NOS PAÍSES PRODUTORES DE BANANA País Produção

Anual em ha

Países de Destino

Exporta-doras

Número de Empre-gados

Sindicatos 1990/2005

Evolução das Condições de Vida e Trabalho

Nicarágua 1.000 a 1.500 ha

EUA Chiquita 4.000 15 em 1990, 4 em 2005

Redução do Programa dos Alojamentos; educação provida pela Empresa é retirada; presença de trabalho infantil.

Honduras Antes do Furacão Mitch, 7.600 ha,

EUA e Europa

Chiquita, Dole, Associação Nacional

14.703 Destes, menos da metade

8 em 1990, 7 em 2005

Desemprego acima dos 50%; existem Programas de Alojamentos; educação; Existem Férias,

Page 154: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

depois, 3.000 ha

dos Bananeiros Independentes

sindicalizados

Maternidade, Saúde e Segurança.

Costa Rica Aproximadamente 42.000 ha.

EUA e Europa

Dole, Chiquita, Del Monte, Corbana (nacional)

42.000 Destes, 10% sindicalizados

5 em 2005. Menos Sindicatos, mais membros.

Programas de Alojamentos descontinuados. Existe ainda o Programa “Venda de Casa para os empregados”; educação não é dada pelas companhias; não existe Acordo Coletivo.

Guatemala Não informado

EUA e Europa

Chiquita, Dole, Del Monte

2700 sindicalizados (Del Monte) e 800 não sindicalizados

12 em 1990, em 2005 apenas 6.

Redução dos alojamentos, água e banheiros escassos; Não fornece comida, só o tempo para comê-la; forte repressão aos Sindicatos; não há Escolas; Serviço Médico é descontado em 2% nos salários.

Panamá Não informado

EUA e Europa

Chiquita e Del Monte.

2000, com 800 sindicalizados

Em 1990, eram 10, agora são 3.

Através do Acordo Coletivo, são construídas 100 casas por ano para os trabalhadores; Seguro Social para a família e empregado. O Estado também contribui.

Colômbia 35.000 ha.

EUA e Europa

Del Monte e Banacol (nacional)

20.000 sindicalizados

Número tem caído

Fundo para a compra de casas; programas de Educação; acordos com Universidades.

Equador 200.000 ha.

EUA, Europae Japão

Noboa, Chiquita, Dole, Reybancap, Del Monte.

Entre 250.000 e 300.000

2 Sindicatos e 7 associações de empregados

Séria deterioração das condições de vida, trabalho, educação e saúde pelo não compromisso das Companhias; Trabalho Infantil.

Fonte: Entrevista com os Líderes Sindicais da América Central. Adaptado de Raúl Harari. (2005).

Com todas essas restrições impostas aos trabalhadores, há uma significativa

deterioração das condições de vida daqueles que trabalham no ramo de Bananicultura,

gerando, com isso, problemas de saúde para eles.

Segundo Harari (2005), os problemas de saúde são agravados tanto pela falta de

serviços médicos nos locais de trabalho quanto pela de condições mínimas de higiene.

Há também os problemas de saúde relacionados aos inseticidas utilizados pelas

empresas para combater as pragas. Muitos trabalhadores apresentam constantemente

incômodos como dor de cabeça e doenças de pele, por causa da exposição aos

inseticidas, seja pela aplicação manual, sem os equipamentos de proteção necessários,

Page 155: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

seja pela aplicação aérea, que não os respeita nem a suas famílias que vivem no entorno

dessas grandes plantações.

A Dole, maior Companhia de Bananicultura do Mundo, foi uma das

Multinacionais que utilizou pesticidas tóxicos que causaram e causam até hoje danos a

centenas de empregados e suas famílias na América Central. Essa Companhia utilizou

um pesticida conhecido como DBPC, que destrói um parasita da banana que se aloja nas

suas raízes. A sua aplicação pode se dar via irrigação, via injeção, ou, de forma manual,

através do pesticida granulado. Isso fez com que milhares de trabalhadores entrassem

em contato com a droga.

Ainda na década de 1970, esse pesticida foi banido dos Estados Unidos por ficar

comprovado que causava, dentre outros males, a esterilização dos trabalhadores. Mas a

Companhia utilizou-o ainda por toda a década de 1980 nas suas plantações, causando

sérios danos à saúde dos empregados e de suas famílias, dentre os quais, podem-se

enumerar principalmente a esterilização, o desenvolvimento de câncer e doenças na

pele. Só na Nicarágua, 22.000 trabalhadores estão com ações na Justiça contra a Dole e

as Empresas Químicas responsáveis (DOLE, BEHIND THE SMOKE SCRENN, 2008).

Além dos problemas relacionados à saúde de muitos empregados da

Bananicultura, constata-se, em muitas plantações dessa fruta, a ocorrência do trabalho

infantil, mais documentado na Nicarágua e no Equador. Sobre tal situação, neste último

país citado, uma das mais importantes Organizações Não-Governamentais dos Direitos

Humanos - a “Human Rights Watch” - publicou um livro documentando os abusos do

trabalho infantil nas plantações de bananas.

Segundo a Human Rights Watch (2002), tem-se uma situação gritante no

Equador, que é o maior exportador mundial de banana e que tem uma particularidade no

Setor: mais de 90% da produção ficam a cargo de contratos terceirizados e não das

Multinacionais. Isso se deve à repartição das terras do Equador na segunda metade do

século XX, através de uma Reforma Agrária. Mas, mesmo assim, a maioria dos

produtores dessa cultura mantém-se atrelada a contratos de fornecimento de bananas

para as grandes Multinacionais do Setor, que se encontram lá para comprar a produção,

transportar e revender nos mercados americanos e europeus.

Através de pesquisa de campo, com a aplicação de entrevistas a dezenas de

crianças e adolescentes, a referida Organização Não-Governamental chegou a uma

radiografia do trabalho infantil naquele país, qual seja: esta é uma realidade que, ali,

atinge crianças desde os oito anos de idade, concentrando-se entre as de nove e treze

Page 156: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

anos. Vale lembrar que, segundo a Organização Mundial do Trabalho, a idade mínima

para se começar a trabalhar é quatorze anos.

A situação no Equador nesse particular revela, inclusive, jornadas de trabalho de

nove a até treze horas por dia.

Logo abaixo, vão citados os mais flagrantes desrespeitos pelas leis internacionais

de proteção à criança que ocorrem nas plantações do Equador (plantações monitoradas

pelas grandes Multinacionais de Bananicultura, com as quais mantêm-se contratos. Tais

Empresas, ressalte-se, aprovam os procedimentos de trabalho e uso de pesticidas)

(HUMAN RIGHTS WATCH, 2002):

- Contato com pesticidas, que causam reações na pele e nos olhos das crianças.

Vale lembrar que esses produtos são aprovados pelas Multinacionais Exportadoras;

- Contato com inseticidas que causam: desordem no sistema nervoso, no sistema

neurológico, vômitos, diarreia, dor de cabeça, dificuldade de concentração e,

dependendo do nível de contaminação, risco de coma e morte. Foi relatado que muitas

crianças não usavam o equipamento de proteção;

- Aplicação de pesticidas nas plantas, com efeitos similares aos contatos com

inseticidas;

- Realização de trabalho durante a pulverização de pesticidas por avião. Apesar

de ser expressamente proibida a permanência de trabalhadores durante a pulverização

(dependendo do pesticida, essa proibição é de até 24 horas após a aplicação), muitas

crianças continuam trabalhando durante esse processo, o que as leva a sentir de imediato

dor de cabeça, formigamento na pele, tontura etc. Muitas delas, inclusive, ficam, como

foi constatado, sem máscaras de proteção;

- Trabalho com ferramentas perigosas, como machados e facas, levando muitas

crianças a se acidentar com frequência;

- Transporte de peso incompatível com o porte físico infantil, o que ocasiona

dores na região lombar, entre outros problemas;

- Falta de água potável e sanitários, obrigando as crianças a fazerem suas

necessidades em valas e rios e a beberem água de rios ou pagar a empresa por esta.

-Assédio Sexual às meninas da parte dos chefes imediatos, conforme relatado

pelas próprias.

Baseando-se nesses fatos, observa-se que as relações de trabalho no âmbito das

empresas multinacionais de frutas são particularmente complicadas, com muitas

Page 157: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

irregularidades, apesar de algumas conquistas e benefícios em alguns países produtores

que têm um nível de sindicalização mais elevado.

b) Relações de Trabalho no Campo: Brasil As relações de trabalho no campo brasileiro sempre estiveram associadas,

através do tempo, ao regime brutal de concentração de terras existente, formando,

assim, amplos contingentes populacionais sem acesso a terra que tinham que se

subordinar, em um primeiro momento, ao senhor e dono, já que boa parte desse

contingente era escrava, e, em um segundo momento, mesmo com a abolição da

escravatura, as coisas só mudaram no nome: em vez de escravo, passou a morador, mas

sem acesso a terra . Até hoje no Brasil, o acesso a terra é determinante para a qualidade

das relações de trabalho que se tem no campo, para a maioria da sua população.

Abaixo, serão observadas, a partir de um breve histórico, as relações de trabalho

no campo nas últimas décadas.

Sobre o contexto do trabalhador nordestino do campo, Castro (1967, p.176),

relatando sobre a década de 1960, ressalta o caráter pouco monetário das relações de

trabalho:

A economia do Nordeste é agrária no que ela tem de fundamental, e as trocas monetárias processam-se ainda em escala reduzida. Mesmo nas grandes propriedades pouco penetrou o salariado. Se este é encontrado com freqüência nas zonas açucareiras de Pernambuco e Alagoas, está quase ausente das outras lavouras da região. Os assalariados não atingem um milhão sequer numa população de 20 milhões e nem todos percebem salário a seco, remuneração por excelência do regime capitalista (sic).

O mesmo autor ressalta também, através de uma reportagem publicada pela

Revista “Cruzeiro”, em 1961, que, além de terem um caráter pouco monetário, as

relações de trabalho no campo nordestino na década de 1960 chegavam às vias da

superexploração - uma escravidão disfarçada, através do regime do foro e do cambão:

Na verdade, o camponês vive submetido ao regime do cambão e do foro, palavras que constituem as correntes de uma escravidão branca. Para ter direito de usar a terra, o camponês é obrigado a pagar ao proprietário uma taxa anual (foro), que vai de Cr$ ... 10.000 a Cr$ 40.000. O foro é seguido do cambão, ou sejam, 99 dias de trabalho por ano, sendo 90 ao preço diário (em vários casos que examinamos) de Cr$ 4 a Cr$ 5, e os 9 dias restantes sem pagamento algum. Durante o trabalho do cambão, o camponês não recebe qualquer comida: é o que eles chamam de cambão a seca, sem mesmo um

Page 158: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

copo com água. No caso de o camponês não poder — por doença ou qualquer motivo — dar os dias de cambão, é obrigado a pagar o dia ao preço do momento. Por um trabalho que recebe em pagamento Cr$ 5, quando trabalha, é obrigado a pagar de Cr$ 80 a Cr$ 100. É comum ainda os patrões exigirem, além do foro e do cambão, que o camponês se encarregue das contas da terra, ou seja, a lavra de trechos. Se o camponês, como no caso do cambão, não pode trabalhar na conta, tem de pagar a trabalhadores para que o façam naquele sistema de preço. Encontramos ainda agravantes odiosos. Como este: além de tais condições, o foreiro, só pode vender o produto de suas roças a dono da terra. Pelo preço que convenha a este e nem sempre a dinheiro vivo: em troca de fornecimentos ou de cachaça (CASTRO, 1967, p.197).

Esse tipo de relações de trabalho desiguais no campo era comum também pelo

fato de a Legislação Social e Trabalhista não chegar ao campo. A Legislação

Trabalhista e Sindical, aplicada nas décadas de 1930 e 1940 por Getúlio Vargas -

sobretudo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1942 -, foi fixada para os

trabalhadores das cidades, excluindo por completo os do campo de qualquer lei

trabalhista. Isto acontecia pelo enorme poder das burguesias agrárias (ANTUNES,

2006).

Krein e Stravinski (2008,p.359) observam que

[...] apesar de 68% da PEA estar na agricultura, a regulação do trabalho construída nos anos 30 e 40 (CLT, 1943) destinava-se basicamente aos trabalhadores urbanos, com a finalidade de estabelecer parâmetros para o projeto de industrialização que estava sendo desenvolvido. A legislação de proteção no trabalho rural ficou em segundo plano, sendo que a equivalência de direitos só irá efetuar-se na Constituição Federal de 1988.

Mas, a partir de meados da década de 1950, já se visualizavam algumas

mudanças no campo que começariam a alterar as práticas centenárias de exploração do

trabalhador. Uma das mudanças era a possibilidade de emigrar (fugir) para as

metrópoles que se industrializavam no Sudeste, buscando escapar da submissão

tradicional através da morada. Outra mudança foi o surgimento dos movimentos dos

trabalhadores rurais no campo com as Ligas Camponesas, em que se buscava sacralizar

o direito dos trabalhadores no campo. Destacou-se nessa época o advogado Francisco

Julião, que usava o Código Civil de 1916 para defender os trabalhadores rurais vítimas

do cambão (serviços gratuitos) (GARCIA, 2003).

A chegada efetiva dos direitos trabalhistas ao homem do campo só ocorreu 100

anos após a abolição da escravatura - com a Constituição de 1988 -, como ressaltam

Buainain e Dedecca (2008, p.54):

Page 159: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Os trabalhadores rurais ficaram completamente à margem dos mecanismos de proteção trabalhista, e apenas no final da década de 50 e início dos anos 60, com o Estatuto do Trabalhador Rural, os direitos já reconhecidos na cidade começaram a ser estendidos timidamente ao homem do campo. E a plena equiparação de direitos só foi estabelecida pela Constituição de 1988.

Por causa desse histórico de atraso da legislação trabalhista no campo e com a

chegada nos últimos anos do processo de flexibilização a essa dimensão espacial, junto

com o Agronegócio Mecanizado voltado para o comércio global, tem-se uma situação

de um

[...] mosaico de relações sociais no meio rural brasileiro [que] revela a convivência do moderno com o arcaico, a coexistência de relações de trabalho extintas nos países desenvolvidos ainda no século XIX ou no início do século XX, com relações que correspondem às exigências da sociedade contemporânea (BUAINAIN; DEDECCA, 2008, p.54) (grifos meus).

Esse mosaico ganha dimensão quando se observam os dados da Pesquisa

Nacional de Amostra por Domicilio (PNAD) de 2006, que revelam a presença limitada

das relações de trabalho assalariado convivendo com uma diversidade de outras formas

de relações de trabalho. Buainain e Dedecca (2008) observam, a partir de dados do

PNAD-2006, que a taxa de assalariamento da Agricultura Brasileira era de 29%,

sinalizando a extensão limitada dessa forma de relação de trabalho. Vale lembrar que,

desses assalariados, metade não possui vínculo permanente de trabalho e a maioria não

possui registro formal de trabalho, apesar da tendência de formalização das relações de

trabalho que já vem sendo observada desde a década de 1990 (GROSSI, 2008).

Esses números ficam ainda piores dependendo da atividade econômica e da

região em questão, podendo variar de 5% de taxa de assalariamento, na criação de aves,

até 45% de taxa de assalariamento, da criação de bovinos. As Regiões Nordeste e Sul

são as que têm as menores taxas de assalariamento, por causa da grande incidência do

trabalho familiar, informal ou precário (BUAINAIN; DEDECCA, 2008).

Basaldi (2008a) traz novos números sobre a ocupação na Agricultura Brasileira,

ressaltando o ranking que contém em 1º lugar os empregados (28,7%) (número similar

ao PNAD 2006), conta própria (25,7%), não-remunerados (23,3%) e os trabalhadores

para a produção para o próprio consumo (19,3%). Vale lembrar que a parcela que é

formada por trabalhadores por conta própria e não remunerados representa a agricultura

de base familiar, ainda forte principalmente no Sul e no Nordeste do País. Já o Sudeste e

o Sul têm uma base boa de empregados assalariados que estão diminuindo em número

Page 160: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

nos últimos anos, assim como todo o trabalho na agricultura nessas duas regiões, pelo

avanço da mecanização.

Neder (2008, p. 161) faz uma ressalva importante sobre os dados acima:

A elevada composição de contas próprias, trabalhadores não remunerados e trabalhadores ocupados na produção de autoconsumo dentro do conjunto da força de trabalho ocupada em atividades agropecuárias reflete a inexatidão desta estimativa, dado que considerável nível de desemprego disfarçado e oculto pode aí estar presente (grifos meus).

O Censo Agropecuário 2006 também traz alguns dados que mostram a queda da

ocupação nos estabelecimentos agrícolas, que, no último decênio, foi de -7,2%. Tem-se

agora o número de 16 567 544 pessoas ocupadas em estabelecimentos agrícolas. Desse

percentual, 77% representavam o grupo de trabalhadores com laços de parentesco,

sendo que a quase totalidade dos pequenos estabelecimentos30 contava exclusivamente

com mão de obra familiar; entre os grandes estabelecimentos, este percentual era de

apenas 36,4%, confirmando que as relações de assalariamento são mais importantes nos

estabelecimentos maiores. Vale lembrar que a maioria das ocupações agrícolas se

concentra na Região Nordeste do País, com a impressionante marca de 7 698 631 de

pessoas ocupadas - quase 50% de todas as ocupações agrícolas do Brasil (CENSO

AGROPECUÁRIO 2006, IBGE, 2009).

Cumpre ressaltar que, apesar da diminuição nas ocupações agrícolas, vários

estudos, dentre eles pode-se citar o de Campolina e Silveira (2008), mostram uma

estabilização do processo migratório campo-cidade, devido ao crescimento das

atividades não-agrícolas ligadas ao Agronegócio e aos mais variados serviços, como

turismo, condomínios rurais, serviços domésticos, etc., que vão absorver parte dos

desocupados agrícolas ou vão reforçar a renda agrícola, fora a participação cada vez

maior das aposentadorias e pensões e até das transferências do bolsa-alimentação na

composição da renda domiciliar rural.

A chegada da Flexibilização no campo brasileiro nas últimas décadas trouxe sua

parcela de culpa para a continuação da precarização do trabalho no campo e para o

30

“Apesar de utilizarem individualmente poucos trabalhadores, os pequenos estabelecimentos de área inferior a 200 ha são muito mais intensivos em mão de obra que os outros grupos de tamanho. Isto se verifica pela relação entre o número de trabalhadores por unidade de área. Os pequenos estabelecimentos utilizam 12,6 vezes mais trabalhadores por hectare que os médios (área entre 200 e inferior a 2 000 ha) e 45,6 vezes mais que os grandes estabelecimentos (área superior a 2 000 ha). Assim, se por um lado os pequenos estabelecimentos detinham apenas 30,31% das terras, responderam por 84,36% das pessoas ocupadas em 31.12.2006” (CENSO AGROPECUÁRIO 2006, IBGE, 2009, p.129).

Page 161: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

aumento dos índices de desemprego. Principalmente no Sudeste (São Paulo em

destaque) e no Centro-Oeste, tem-se uma reestruturação produtiva com investimentos

baseados em irrigação, mecanização das colheitas e cultivos adensados com alta

tecnologia e que geram mais desemprego (BASALDI, 2008a).

O resultado no estado de São Paulo foi a multiplicação da produção agrícola nos

últimos anos, junto com a multiplicação dos índices de desemprego, que subiu de 1,5%,

em 1989, para 10,3%, em 2005 (POCHMANN, 2008).

Enquanto o rendimento das principais culturas comerciais evolui, os salários e as

relações de trabalho nessas mesmas culturas involuem. Um exemplo desse quadro é

mostrado por Pochmann (2008), quando se refere ao setor sucroalcooleiro paulista. O

referido autor mostra que há duas classes de trabalhadores: a primeira, de técnicos com

maior escolaridade e treinamento e que têm contrato de trabalho formal; a segunda, com

trabalhadores descartáveis, com pouca escolaridade e que trabalham em regime de

contratação temporária.

Para os trabalhadores de segunda classe, tem-se uma alta rotatividade nas

ocupações, o que gera insegurança ocupacional e achatamento de salários, além da

pressão por produtividade, que leva a uma ampliação da jornada de trabalho para acima

do tempo oficial de 44h semanais, chegando, em muitos casos, a mais de 49 h semanais.

É importante observar que essa divisão em duas classes de trabalhadores entre

os especializados com estabilidade, de um lado, e os trabalhadores agrícolas

temporários com baixa instrução, de outro, é frequente em inúmeros ramos produtivos

voltados para o mercado global, como o ramo frutícola, pesquisado intensivamente por

Elias (2006).

Vale salientar ainda que muitas usinas de cana de São Paulo, seguindo os

ditames da flexibilização, passaram a terceirizar a mão-de-obra ocupada nas lavouras de

cana, o que agravou as já precárias condições dos trabalhadores rurais, os quais

perderam as mínimas garantias trabalhistas (RAMOS, 2008).

Sobre as condições de trabalho na agricultura, Basaldi (2008, p.123) pesquisou

de forma intensa, elaborando um índice para medir a qualidade do emprego no mercado

de trabalho assalariado da Agricultura Brasileira. Para esse índice, chamado de “Índice

de Qualidade do Emprego” (IQE), foi considerada uma série de elementos, a saber: o

nível educacional dos empregados, o grau de formalidade do emprego, o rendimento

recebido no trabalho e os auxílios recebidos (alimentação, moradia, transporte, saúde e

educação). Por fim, o referido autor concluiu (depois de se analisar os empregados

Page 162: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

rurais e urbanos, permanentes e temporários, e de vários setores produtivos que

trabalham na agricultura entre 1992 e 2004) que:

[...] os empregados permanentes urbanos, que possuem as melhores condições de emprego, foram também os que apresentaram o maior progresso no período, enquanto os empregados temporários rurais, que possuem as condições mais desfavoráveis, foram os que tiveram o menor progresso (BASALDI, 2008, p.123).

O mesmo autor observa ainda que a melhor situação no ranking do IQE é dos

empregados permanentes urbanos que trabalham com a soja da Região Centro-Oeste, e

a pior posição é dos empregados temporários rurais que trabalham com a mandioca da

Região Nordeste. Vale salientar que, em 2004, os empregados temporários recebiam,

em média, 68,1% do que recebiam os empregados permanentes e recebiam menos

auxílios, com um nível de formalização extremamente baixo, com pouco acesso a

carteira assinada e previdência (BASALDI, 2008).

Ramos (2008) mostra alguns dados relativos à geração de empregos por área

colhida (ha) em 2005. Esses dados, quando comparados com o Censo de 1995/6,

demonstram o resultado do processo de reestruturação produtiva com intensa

mecanização e alta tecnologia, que está sendo aplicado principalmente nas culturas

comerciais voltadas para o mercado global. Um exemplo claro é a cana de açúcar, que,

em 1995, gerava 14,78 empregos a cada 100 ha e que, em 2005, passou a gerar 8,83 -

uma redução bastante significativa oriunda do processo de reestruturação produtiva com

o uso de máquinas.

Uma máquina de corte de cana colhe de 800 a 1000 toneladas por dia,

substituindo, portanto, o trabalho de cem homens (cada um cortando entre 8 e 12 t/dia).

Em um futuro próximo, essas máquinas substituirão cerca de 420 mil empregos só na

lavoura de cana (RAMOS, 2008). Belik et al (2003) analisam o impacto das

colheitadeiras31 sobre o nível de demanda de mão-de-obra agrícola. No algodão, uma

colheitadeira equivale a 80 ou 150 pessoas, no café, até 160 pessoas, no feijão, a 100 ou

120 pessoas. Por causa do intensivo processo de mecanização, é que a soja, cultura que

ocupa mais de 28% da área agrícola do País, é responsável apenas por 5,8% da geração

de mão-de-obra (7o. lugar), ficando atrás de culturas como o arroz (6º), mandioca (4º),

feijão (3º) e milho (1º).

31 É bom observar que os vários programas de modernização agrícola no campo, através da compra de modernas colheitadeiras e implementos agrícolas, são subsidiados pelo Governo Federal, através do BNDES e ironicamente através de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) (BELIK et al, 2003).

Page 163: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Sobre a soja, Belik et al (2003, p.171) destacam que

[...] os estados do Maranhão e Piauí, onde ocorreu forte expansão da área cultivada com soja e, em menor grau, com algodão, especialmente nas regiões de cerrado, apresentaram redução da demanda de mão-de-obra agrícola no período considerado. Isso deve-se ao fato de que essa expansão, feita com base em atividades capital-intensivas, não compensou a desestruturação da produção de outras culturas conduzidas em padrão de subsistência por grande número de agricultores familiares, tendo como resultado líquido uma redução do contingente de trabalhadores na agricultura desses Estados.

Esse processo de flexibilização se junta à herança das péssimas relações

trabalhistas no campo nordestino, resultando em uma situação mais intensiva de

precarização e desemprego. Um exemplo desse fato se dá no Setor Sucroalcooleiro

nordestino, principalmente na zona da mata de Pernambuco e de Alagoas, onde se

observa: a existência de “trabalhadores temporários-permanentes” - os trabalhadores

volantes contratados sempre pelas mesmas empresas em época de safra, sem direito ao

seguro-desemprego e a muitos direitos trabalhistas; menos de 30% dos trabalhadores

engajados no setor têm contrato permanente de trabalho; lógica produtivista, que faz

com que a maioria das empresas não contrate trabalhadores que não aceitem cortar

diariamente acima de 6 toneladas de cana; alto descumprimento das convenções

coletivas de trabalho pelas empresas, sobretudo na medição das tarefas, no transporte e

no fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs); e destruição

sistemática dos sítios de subsistência no entorno das usinas (mais de 40.000), com a

expulsão dos trabalhadores/moradores.

Esses fatos fazem com que os municípios das mesorregiões canavieiras de

Pernambuco e Alagoas forneçam sete dos dez piores IDH dos municípios brasileiros e

fiquem entre os vinte piores do Mundo, só perdendo para algumas nações africanas

extremamente pobres (PAIVA, 2008).

Apesar de todos esses processos recentes, vale observar que a flexibilização no

campo brasileiro, em se tratando de relações de emprego, já tem uma história que é bem

anterior ao processo de flexibilização contemporâneo. Ao longo do tempo,

[...] os empreendedores não tiveram dificuldades para realizar ajustes no volume e no preço da força de trabalho nas diferentes conjunturas econômicas, dada a facilidade de romper o vínculo de emprego (alta rotatividade), de recorrer à informalidade, de dispor de diferentes formas de contratação (por exemplo, contrato de safra), de manter baixos salários, de recorrer a horas extraordinárias etc. (KREIN; STRAVINSKI, 2008, p. 368).

Page 164: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Na década de 1970, já se tinha contrato por prazo determinado na Agricultura

com a Lei 5.889/73, que instituía o contrato determinado por safra (trabalho

temporário), em que

[...] os direitos conferidos aos ‘safristas’ são bem menores quando comparados aos dos empregados permanentes, sobretudo no que concerne aos custos de demissão. Isto porque, com a implementação do termo final, os empregados somente têm acesso às férias e décimos terceiros proporcionais, não percebendo aviso prévio, multa de 40% (quarenta) por cento sobre o FGTS recolhido durante o pacto, tampouco têm acesso à estabilidade provisória (tais como a gestante e o acidentado) e ao serviço do seguro-desemprego (KREIN; STRAVINSKI, 2008, p. 371).

Em período recente, deu-se um grande aumento no número dos empregados

temporários, uma vez que se procurou adotar todas as técnicas inovadoras em busca de

uma contratação flexível e com menor custo. Entre as novas (e muitas vezes velhas)

alternativas usadas para o emprego flexível, citam-se a:

a) recorrência à informalidade;

b) relação de emprego disfarçada, por meio das cooperativas de trabalho32,

“turmeiros33”(gatos), parceria34 (parcerias agrícolas espúrias), empreita e trabalho

autônomo.

32 “Surgiu de uma orientação patronal rural, incentivando a criação de cooperativas de mão-de-obra, consubstanciadas no seguinte: a) não existência de problemas trabalhistas; b) supressão de vínculo empregatício; c) inexistência de fiscalização trabalhista; e d) desobrigação das responsabilidades trabalhistas e sociais, etc. [...] A nova regulamentação abriu espaço para uma interpretação de que os trabalhadores poderiam deixar de ser empregados para tornarem-se “sócios” de uma cooperativa. Como “sócios” eles não têm registro em carteira de trabalho e, portanto, não têm assegurados os direitos trabalhistas básicos, tais como férias, 13º salário, descanso semanal remunerado e previdência social. Da mesma forma, também não têm os benefícios da contratação coletiva, pois já não são membros de uma categoria profissional. [...] Foi tão desastrosa a experiência vivenciada no campo que se avolumaram denúncias sobre o desvirtuamento do princípio do cooperativismo e a utilização das cooperativas para estabelecer uma relação de emprego disfarçada. A partir de uma ação combinada entre sindicatos, Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho foram combatidas as ‘fraudoperativas’”(KREIN; STRAVINSKI, 2008, p. 373). 33 “É uma forma de terceirização de mão-de-obra em atividades-fim por intermédio de empreiteiros‘gatos’. Ora, em razão da previsão regra legal, não há que se falar em qualquer tipo de

terceirização nas atividades agropecuárias, a não ser que sejam relacionadas aos serviços de limpeza, conservação, vigilância ou atividade meio. Não podem o preparo da terra, o plantio e colheita serem considerados atividades meio da agricultura. Isto porque se tratam de fases da produção, só que consideradas isoladamente, essencial para que a atividade empresarial alcance a finalidade a que se propôs” (KREIN; STRAVINSKI, 2008, p. 373) (grifos meus). 34 “Além das terras, os parceiros proprietários fornecem os implementos agrícolas, máquinas e equipamentos necessários para o cultivo, exigem a exclusiva utilização de determinados produtos que

devem ser adquiridos por específicos fornecedores previamente indicados. Diante desta nova relação de parceria que surge, o parceiro que recebe a terra cuida de toda a lavoura subordinadamente e, ao final,

não possui livre arbítrio na fixação do valor, tampouco na definição do comprador [...] Esse tipo de parceria, em verdade, está sendo realizada para se transferir a responsabilidade e os ônus das

contratações de empregados ao parceiro-produtor (através de cláusulas expressas nos contratos),

Page 165: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Muitas dessas alternativas de contratação flexível, na maioria passíveis de

punição pela Justiça do Trabalho, têm ficado impunes, pelo fato de o Governo Federal,

desde os anos de 1990, esvaziar as funções de controle e fiscalização do Ministério do

Trabalho sobre o mercado e principalmente sobre as relações de trabalho. Prova disto é

o baixo efetivo fiscalizador e o baixo número de empresas fiscalizadas, que se reduziu

em 30% entre 1990 e 2004 (BASALDI, 2008a; FERREIRA, 2008).

Outros problemas relativos à flexibilização das relações de trabalho no campo

brasileiro dizem respeito à remuneração. Observa-se, nos últimos anos, o crescimento

da remuneração vinculada diretamente à produção ou à comissão.

Entre 2002 e 2006, evidenciou-se um aumento de 16,5% para 19,5% da massa

de assalariados agrícolas no Brasil. Esse tipo de pagamento leva muitas vezes à prática

de sobrejornada de trabalho, já citada anteriormente no Setor Sucroalcooleiro, que

afetou quase 60% dos assalariados agrícolas permanentes e quase 40% dos assalariados

agrícolas temporários no Brasil em 2006, de acordo com dados da PNAD/IBGE

(KREIN; STRAVINSKI, 2008).

É sempre importante lembrar que essas práticas comprometem a saúde do

trabalhador, levando em muitos casos a mortes por excesso de trabalho, sem falar na

desorganização do núcleo familiar, pela ausência dos pais trabalhadores, seja pelas

superjornadas de trabalho, seja pelo sistema de folgas praticado por muitas empresas

agrícolas, o 5x1, que muitas vezes não inclui folga no domingo, acarretando, com isto,

desencontro familiar (KREIN; STRAVINSKI, 2008).

É importante observar também outro fator que interfere nas relações do trabalho:

o avanço do comércio exterior e a preocupação internacional com técnicas e padrões de

qualidade para produtos que estão inseridos no comércio global. Tem-se o

monitoramento de toda a cadeia produtiva através de certificados internacionais como o

ISO. Esse monitoramento internacional, que visa a comprovar técnicas e padrões de

qualidade, faz com que ocorram mudanças nas relações de trabalho, no ritmo e nas

características do trabalho das regiões produtoras, gerando uma maior formalização do

trabalho e uma maior mecanização da produção. Isto acontece, no Brasil, com muita

intensidade no ramo de fruticultura para exportação (CAVALCANTI, 2004;

CAVALCANTI; MOTA, SILVA, 2006;).

isentando os parceiros-proprietários de qualquer débito trabalhista ou previdenciário.” (KREIN; STRAVINSKI, 2008, p. 377) (grifos meus).

Page 166: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Também no ramo de fruticultura brasileiro, tem-se, nos últimos 40 anos, um

grande processo de mecanização através da agricultura irrigada, com introdução de

inúmeras novidades tecnológicas, muitas das quais, poupadoras de mão-de-obra, como

o sistema de irrigação autopropelido35, na década de 1970, e do pivô central, na década

de 1980, - aparelho mecanizado, automatizado, que irriga grandes áreas com mínimas

exigências de mão-de-obra.

Nos anos de 1990, têm-se o uso de “comandos informatizados” na agricultura

irrigada, que faz com que se aumente a produtividade do trabalho, e a exigência de

trabalhadores qualificados e especializados para manejar as máquinas, o que resulta no

emprego relativo de menor quantidade de mão-de-obra nesse setor. Para se ter uma

ideia, a irrigação controlada por computador pode ser feita por um homem na metade de

seu tempo, em vez de por quatro homens com o equipamento tradicional. Já a

fertirrigação, colocação do adubo diretamente na água - método possível com o sistema

de microaspersão - dispensa o funcionário que faria a adubação. No início da

modernização do Vale do São Francisco, falava-se em seis pessoas ocupadas por ha.

Hoje, após o processo de mecanização/informatização, fala-se em duas pessoas por ha.

(CAVALCANTI, 2010; SANTANA, 1997).

Paralelamente ao processo de incorporação tecnológica, tem-se também no ramo

frutícola um aprofundamento da precariedade laboral, mediante a multiplicação do

trabalho temporário, subcontratado e em tempo parcial em muitos lugares.

Cavalcanti (et al, 2010a) observam que existem vários lugares da fruticultura

irrigada, como o Platô de Neópolis, em Sergipe, onde já se requer um profissional

‘múltiplo’, polivalente, e onde se tem um aumento do trabalho assalariado, em

decorrência da diminuição dos proprietários de estabelecimentos. Quando se compara

com outros lugares do mundo, pode-se notar que não existe homogeneidade nas

relações de trabalho frutícola, mas se observa claramente a emergência comum da

flexibilização, como analisa Cavalcanti (2010, p.12), quando remete para a Argentina:

Tende a uma configuração de um mercado de trabalho caracterizado pela presença de equipes reduzidas de profissionais e técnicos altamente qualificados, em tempo integral, estáveis e com salários elevados; uma parte dos trabalhadores assalariados rurais permanentes, polivalentes e semi-qualificados; e finalmente, uma mão-de-obra assalariada temporária, menos qualificada com salários baixos e instáveis.

35 O sistema de irrigação por aspersão móvel ou autopropelido é movimentado por energia hidráulica, sendo composto por um canhão hidráulico (aspersor canhão), montado sobre uma plataforma, que se desloca sobre o terreno, irrigando-o simultaneamente (CIENTEC, 2010).

Page 167: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Cavalcanti (2006) também observa a tendência da divisão sexual do trabalho nas

fazendas de frutas, com a concentração das mulheres nas tarefas “leves”, como a

colheita e a pós-colheita, setor de seleção e embalagem nas packing houses, e os

homens com as tarefas mais duras, como a implantação da fazenda, a poda, a limpa da

terra, entre outros.

Elias (2006) também observa o processo de flexibilização e capitalização na

fruticultura do Ceará. Ao mesmo tempo que os empregos formais são gerados,

despertando esperança nos trabalhadores, tem-se um aumento da intensidade e do ritmo

da jornada de trabalho, além de, na maior parte das vezes, ser um trabalho temporário

para a maioria dos trabalhadores, sendo permanente somente para uma minoria

especializada.

Page 168: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

PARTE II: GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA: UMA ANALISE COMPARATIVA ENTRE DUAS CIDADES COM FRUTICULTURA IRRIGADA PARA EXPORTAÇÃO NO RN: IPANGUAÇU E BARAÚNA

No quarto e quinto Capítulos, mostrar-se-á como se operou o processo de

globalização da agricultura em dois municípios do Rio Grande do Norte: Ipanguaçu e

Baraúna. Os referidos municípios foram escolhidos por terem um dos maiores

indicadores de exportação de frutas desse Estado, sendo inseridos assim de forma direta

no Processo de Globalização da Agricultura.

No Capítulo quatro, analisar-se-á a formação desse processo no Vale do Açu, no

município de Ipanguaçu, a partir da inserção de uma fruticultura comandada por uma

grande Multinacional de Frutas: a Del Monte Fresh Produce.

No Capítulo cinco, mostrar-se-á o desenvolvimento desse processo na Chapada

do Apodi, no município de Baraúna, a partir de empresas de médio porte comandadas

por imigrantes japoneses.

Por fim, no Capítulo seis, far-se-á uma análise comparativa entre os dados de

Ipanguaçu e Baraúna referentes ao mercado de terras, relações de trabalho e mudanças

na produção agrícola municipal.

Page 169: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

4 IPANGUAÇU: PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO COM GRANDE CAPITAL

MULTINACIONAL

Inicialmente se mostrará a evolução da produção do espaço no município de

Ipanguaçu, desde o início de sua história até o final da década de 1970 (4.1 – Do Início

da Ocupação do Território ao Fim do Ciclo da Carnaúba).

Em um segundo momento, o trabalho vai se deter mais especificamente no

processo atual de globalização do referido município com a fruticultura irrigada entre o

início da década de 1980 e o final da de 2000, quando se analisará o processo de

inserção do Município na produção globalizada a partir do mercado de terras,da

mudança de eixo produtivo e das relações de trabalho. Para isto, dividiu-se esta parte

da tese em mais três momentos, a saber:

No primeiro, tratar-se-á do processo de construção da Barragem “Armando

Ribeiro Gonçalves”, que tem início em 1979, e do processo de concentração fundiária

com empresas agrícolas nacionais e a inserção do lugar na Revolução Verde. Definiu-se

uma periodização que vai desde a construção da Barragem até o ano de 1992 (4.2 –

Anos 80: Fruticultura Irrigada, Revolução Verde e Concentração Fundiária).

No segundo momento, tratar-se-á do processo de reconcentração fundiária e da

inserção do Município no contexto da liberalização do comércio, com a chegada da

Multinacional Del Monte Fresh Produce, que vai de 1993, quando se têm as primeiras

compras de terras associadas ao capital multinacional, até 2002 (4.3 – Anos 90:

Liberalização do Comércio, Vinda do Capital Multinacional, Reconcentração Fundiária

e Reconfiguração das Relações de Trabalho).

Por fim, no terceiro momento, tratar-se-á do contexto mais recente, que vai de

2003 até 2008, com a chegada de “novas” políticas públicas federais e a influência

destas no mercado de terras e nas relações de trabalho, além da perspectiva de rearranjo

local frente a essas novas políticas (4.4 - Anos 2000: “Novas” políticas públicas federais

e produção globalizada).

4.1 Do Início da Ocupação do Território ao Fim do Ciclo da Carnaúba

Nesta parte do trabalho, vai-se fazer uma breve caracterização da área de estudo

e, após esse momento, um histórico da ocupação do território pelo homem.

Page 170: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Na caracterização, que vai se dar em um primeiro momento, serão salientados os

elementos naturais de Ipanguaçu, como o clima, a vegetação, o relevo e a hidrografia;

além de se proceder à análise dos indicadores sociais e econômicos do Município.

Em um segundo momento, deter-se-á no histórico da ocupação de Ipanguaçu,

que vai resgatar o início da ocupação do território pelos indígenas, passando por todo o

processo de ocupação e povoação dos portugueses, com as principais atividades

econômicas desenvolvidas na região, até o fim do Ciclo da Cera de Carnaúba e início da

irrigação no Município no final da década de 1970.

4.1.1 Caracterização Geral da Área de Estudo

Segundo Cascudo (2002, p.92), Ipanguaçu vem de “ipã-guaçu, ilha grande,

nome de um pajé e guerreiro potiguar que decisivamente auxiliou a fixação

colonizadora dos portuguêses no Potengi, possibilitando as pazes e subseqüente

fundação da cidade do Natal em 1599.”

O município de Ipanguaçu era, até 23 de dezembro de 1948, distrito de Santana

do Matos e este, por sua vez, era distrito de Açu, tendo se emancipado em 1836. Criado

pela Lei Estadual nº. 146, de 23 de dezembro de 1948, o Município teve sua instalação

efetivada em 1º de janeiro de 1949.

Localizada dentro da Microrregião “Vale do Açu” (ver Mapa 1) e da

Mesorregião Potiguar, a cidade de Ipanguaçu (ver Mapa 2 e 3) está situada nas

coordenadas geográficas de 5º 31’ de latitude sul e 36º 53’ de longitude oeste e o seu

Município apresenta uma área de 367,6 km², estando distante da capital do Estado,

Natal, 185 quilômetros.

Page 171: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Mapa 1 - Microrregião Vale do Açu (2011)

Fonte: Franklin Roberto da Costa Mapa 2 - Localização do município de Ipanguaçu no estado do Rio Grande do Norte

Fonte: Josué Alencar Bezerra

O referido Município faz parte da região denominada de ‘Baixo Açu’, sendo esta

um segmento da Bacia Hidrográfica do rio Piranhas-Açu. Com cerca de 44.000 km²,

Page 172: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

essa Bacia nasce em terras do estado da Paraíba, no município de Bonito de Santa Fé, e

se estende até encontrar-se com águas oceânicas do delta da cidade salineira de Macau,

no Rio Grande do Norte. É um rio de extrema importância para o RN, por ser ele o

maior em volume de água desse Estado e também por ter o papel principal no

abastecimento de água das principais adutoras do interior do Rio Grande do Norte

(SILVA, 1992; FERNANDES, 1992).

A região do Vale do Piranhas-Açu é composta de 28 municípios na Paraíba,

onde o rio nasce e de oito municípios no Rio Grande do Norte, sendo que “...ao penetrar

no Rio Grande do Norte passa a ser chamado de Vale do Açu, numa clara alusão às

extensas e férteis várzeas desse rio nos municípios de Açu e Ipanguaçu.” (SILVA, 1992,

p.13).

O lado nordeste do rio Açu, no Rio Grande do Norte, é chamado de “Baixo-

Açu”. Essa região é composta por mais de 27.000 hectares de terras férteis que estão

localizadas, na sua maioria, no município de Ipanguaçu, entre os rios Açu e Pataxó.

Esses dados fazem com que Ipanguaçu seja considerado o município que tem o

maior potencial de irrigação do referido Vale (SILVA, 1992).

Page 173: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Mapa 3 - Área do município de Ipanguaçu com sua Sede Municipal e Povoados do Interior.

Fonte: Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do RN (2011)

a) Elementos Naturais

Com relação aos elementos naturais, o Município apresenta as seguintes

características:

O clima é semiárido. Sua precipitação pluviométrica anual média, segundo o

Atlas Pluviométrico do Brasil (2011), encaixa-se na isoieta anual média de 500 mm nos

Page 174: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

últimos 30 anos (entre 1977 e 2006). Seu período chuvoso se concentra entre fevereiro e

maio. Sua temperatura média anual é de 27,9º C e a umidade relativa média anual fica

em torno de 70% (INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MEIO

AMBIENTE DO RN, 2011).

A formação vegetal no Município é caracterizada por dois tipos de vegetação: a

Caatinga Hiperxerófila - vegetação de caráter mais seco, com abundância de cactáceas,

plantas de porte mais baixo e espalhadas, e outras espécies, como a jurema-preta, o

mufumbo, o faveleiro, o marmeleiro, o xique-xique e o facheiro; e o Carnaubal -

vegetação natural onde a espécie predominante é a palmeira, a carnaúba.

Seu relevo tem geralmente menos de 100 metros de altitude, atingindo em

alguns pontos quase nenhuma altitude. Os solos predominantes que se encontram na

área do Município são: Solos Aluviais Eutróficos, que apresentam fertilidade natural

alta, textura argilo/arenosa, argilosa ou arenosa, são medianamente profundos e

imperfeita a moderadamente drenados; Solo Latossolo Vermelho Amarelo Eutrófico,

que apresenta fertilidade de média a alta, textura média, bem fortemente drenado, relevo

plano, muito profundo e poroso; e os Solos Litólicos Eutróficos, com fertilidade natural

alta, rasos, textura arenosa e/ou média, fase pedregosa e rochosa, relevo ondulado, de

moderado a acentuadamente drenado (ANGELIM, 2007; INSTITUTO DE

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE DO RN, 2011).

Geologicamente, o Município abrange terrenos pertencentes ao Embasamento

Cristalino e da Bacia Potiguar. A sua sede municipal e boa parte do seu setor central e

oeste (onde se concentram as atividades de fruticultura irrigada) situam-se em depósitos

aluvionares recentes de areias, cascalhos e níveis de argilas de menos de 23 milhões de

anos do Período Neógeno da Era Cenozoica, com que recobrem localmente os arenitos e

conglomerados da Formação Açu, com idade do Cretáceo Inferior (100 milhões de

anos). À porção noroeste do Município, predominam os calcários da Formação Jandaíra

do Cretácio Superior (80 milhões de anos), que estão sobrepostos aos arenitos da

Formação Açu. À porção sul, predominam os migmatitos, granitos, gnaisses, anfibolitos

e xistos do Embasamento Cristalino, com idade do Pré-Cambriano, 1.100 - 2.500

milhões de anos (ANGELIM, 2007; INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE DO RN, 2011).

Há ocorrências minerais na área do Município, destacando-se o mineral não

metálico-argila, que geralmente é encontrado na área drenada pelo rio Açu, constituída

Page 175: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

por aluviões recentes, com espessura variando de 1 a 5 metros. O material dessa área é

utilizado como matéria-prima na indústria de cerâmicas e olarias.

O Município, além de estar inserido na Bacia Hidrográfica do rio Piranhas-Açu,

ainda conta com o rio Pataxós e algumas lagoas, sendo um município bem abastecido

de fontes de água superficiais, como se pode observar no Mapa de Hidrografia de

Ipanguaçu (ver Mapa 4) .

Mapa 4 - Mapa da Hidrografia do Município de Ipanguaçu – RN

Fonte: Franklin Roberto da Costa

Page 176: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Além dos rios, há também alguns aquíferos importantes em Ipanguaçu, como:

O Aluvião, que é um aquífero livre, apresentando-se disperso, sendo constituído

pelos sedimentos geralmente arenosos depositados nos leitos e terraços dos rios e

riachos de maior porte. Esses depósitos caracterizam-se pela alta permeabilidade, boas

condições de realimentação e uma profundidade média em torno de sete metros. A

qualidade da água geralmente é boa e pouco explorada;

O Açu: aquífero que ocorre em uma faixa que acompanha a borda da Bacia

Potiguar, apresentando uma espessura média de 150 metros na área de afloramento. O

arenito Açu tem um suave mergulho para norte, quando aumenta gradativamente de

espessura, chegando a atingir uma média de 500 metros em subsuperfície. Sobreposto a

ele, encontram-se os calcários da Formação Jandaíra. Esse aquífero é livre na sua faixa

de afloramento, apresentando uma vazão de 10 m /h, enquanto na de subsuperfície sua

vazão pode atingir até 200 m /h. As águas em geral são boas, podendo ser utilizadas

para consumo humano, animal, industrial e outros, não havendo, portanto, limitações

quanto à qualidade;

O Cristalino: é um aquífero que engloba todas as rochas cristalinas, onde o

armazenamento de águas subterrâneas somente se torna possível quando a geologia

local apresentar fraturas associadas a uma cobertura de solos residuais significativa. Os

poços perfurados apresentam uma vazão média baixa de 3,05 m /h e uma profundidade

de até 60 metros, com água comumente apresentando alto teor salino de 480 a 1.400

mg/l, com restrições para consumo humano e uso agrícola (INSTITUTO DE

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE DO RN, 2011).

Com base nesses dados, pode-se notar que o município de Ipanguaçu tem

elementos naturais vantajosos que facilitam a agricultura, como: a longa faixa de solos

aluviais, que são extremamente férteis (facilitando a obtenção da renda da terra

diferencial I, já falada no Cap.2) e fazem com que Ipanguaçu seja considerado o

município que tem o maior potencial de irrigação do referido Vale; além do acesso fácil

a água, seja dos rios Piranhas-Açu e Pataxós, seja dos aquíferos de que o Município

dispõe.

A partir dessas constatações, pode-se começar a entender a inserção de

Ipanguaçu em políticas públicas de desenvolvimento regional, como o Programa “Polos

de Desenvolvimento Integrado”, lançado no Governo Fernando Henrique Cardoso, mas

vigente até hoje (BANCO DO NORDESTE, 2011).

Page 177: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Ipanguaçu, nessa política de polos de desenvolvimento, faz parte das “manchas

de modernidade” - áreas em que se tem um alto grau de cientifização da Agricultura e

que são apoiadas por ações de órgãos do Governo, como o Banco do Nordeste do Brasil

(BNB). Este Banco, inclusive, formulou toda uma nova política de polos de

desenvolvimento nesses lugares. (Ver Capítulo 1).

Essa nova política de Polos de Desenvolvimento Integrado esteve inserida no

Programa Federal Plurianual “Brasil em Ação” (1997/1999), em que o Governo

estabeleceu novos polos de dinamismo agroindustrial do Nordeste, a saber: Polos de

Grãos, de Irrigação e de Pecuária Leiteira e um Polo Citrícola. Esses Polos

compreendem o conjunto de muitos municípios que têm em comum algumas

especialidades produtivas e que já passaram por um processo de modernização

(CARVALHO, 2001).

Ipanguaçu – RN está inserido dentro de um Polo de Desenvolvimento Integrado

Frutícola: o Polo de Assu/Mossoró. Os Polos de Fruticultura Irrigada, que ao todo são

seis, têm o propósito de criar espaços de competitividade internacional no âmbito da

fruticultura e ao mesmo tempo a missão utópica de perseguir a construção da

sustentabilidade local.

b) Indicadores Socioeconômicos

Analisando os indicadores sociais, a população de Ipanguaçu estava em torno de

13.855, segundo dados demográficos do CENSO de 2010, do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE) (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E

ESTATÍSTICA, 2011). Desse total do Censo de 2010, 8.473 (61,2%) vivem na Zona

Rural, enquanto 5.382 (38,8%) vivem na Zona Urbana (ver Gráfico 7), evidenciando

que as atividades rurais e a morada rural ocupam a maioria da população do Município.

Isto se deve à sua grande intensidade de atividades agrícolas, que têm como expoente

hoje a Multinacional Del Monte Fresh Produce, que utiliza a mão-de-obra local e dos

municípios vizinhos.

Page 178: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 7 - População Urbana e Rural de Ipanguaçu (2010)

Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (2011)

A taxa de nascimentos em Ipanguaçu teve um significativo decréscimo de 2000

para 2010, passando a população entre 0 e 4 anos de 5,3% para 4,3%, seguindo a

tendência nacional (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA,

2011). Segundo o Mapa do Analfabetismo no Brasil (INSTITUTO NACIONAL DE

PESQUISAS EDUCACIONAIS, 2011), a taxa de analfabetismo de Ipanguaçu era de

37,1% da população acima de 14 anos, em 2000, e os analfabetos funcionais36 somavam

51,5% da população alfabetizada.

A renda per capita média do Município cresceu 54,27%, entre 1991 e 2000,

passando de R$ 55,46, em 1991, para R$ 85,56, em 2000. Mas, mesmo assim, olhando a

porcentagem da renda apropriada por extratos da população, demonstrada no Quadro

20, vê-se que, no decorrer desses últimos dez anos, a desigualdade cresceu de forma

assustadora. A renda passou a se concentrar muito mais nas camadas mais altas,

enquanto as mais baixas tiveram uma perda considerável. O índice Gini de desigualdade

cresceu significativamente, passando de 0,41, em 1991, para 0,56, em 2000. Significa

dizer que, mesmo com o capital multinacional no Município, a melhoria de renda

36 São considerados analfabetos funcionais as pessoas com menos de 4 anos de estudo (séries concluídas) (INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS EDUCACIONAIS, 2011).

Page 179: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

trazida por ele se concentra, como usual, nas camadas mais altas (INSTITUTO

BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011).

Quadro 20 - Porcentagem da renda apropriada por extratos da população em Ipanguaçu, 1991 e 2000.

1991 2000 20% mais pobres 5,8 1,3 40% mais pobres 16,6 8,5 60% mais pobres 32,4 20,8 80% mais pobres 54,1 42,0 20% mais ricos 45,9 58,0

Fonte: ATLAS do Desenvolvimento Humano no Brasil (2011)

O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de Ipanguaçu é de

0,613 e está na faixa das regiões consideradas de médio desenvolvimento humano (IDH

entre 0,5 e 0,8). Em relação aos outros municípios do Brasil, Ipanguaçu apresenta uma

situação ruim: ocupa a 4416ª posição, atrás de mais de 80% dos municípios do Brasil.

Em relação aos outros municípios do Estado, Ipanguaçu também apresenta uma situação

delicada, ficando na 114ª posição, abaixo de quase 70% dos municípios. (ATLAS ...,

2011).

Com relação aos indicadores econômicos agrícolas, Ipanguaçu, segundo dados

do IBGE (2011) coletados em 2009, tem como seu produto de maior valor de produção

a banana, com mais de 12 milhões de reais, dentre todos os produtos da lavoura

permanente e temporária (Quadro 21), sendo seguida pela manga, com 8 milhões de

reais, e pelo algodão herbáceo, com 1 milhão e 212 mil reais. Nota-se, ainda nesse

quadro, a presença do tomate, da melancia e do mamão, com valores significativos que

atendem ao mercado local e regional, e a presença tímida de produtos tradicionais como

feijão, milho e batata-doce, com valores de produção inferiores a 50 mil reais cada,

atendendo de forma tímida ao mercado local.

Quadro 21 - Ranking de Valor de produção de todos os produtos da lavoura temporária e permanente de Ipanguaçu-RN – 2009

Área plantada, área colhida, quantidade produzida e valor da produção da lavoura permanente e temporária - Ranking descendente

Variável = Valor da produção (Mil Reais) Ano = 2009

Município = Ipanguaçu - RN # Lavoura permanente/temporária

1 Banana (cacho) 12.112 2 Manga 8.000 3 Algodão herbáceo (em caroço) 1.212

Page 180: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

4 Tomate 360 5 Melancia 252 6 Mamão 210 7 Feijão (em grão) 41 8 Goiaba 40 9 Milho (em grão) 26 10 Castanha de caju 20 11 Limão 18 12 Batata-doce 14 13 Sorgo (em grão) 13 14 Coco-da-baía 4 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011).

A banana produzida em Ipanguaçu se destaca como o segundo maior valor de

produção do estado do Rio Grande do Norte, com 12 milhões e 112 mil reais (Quadro

22), ganhando essa importância pela atuação, no Município, da Multinacional Del

Monte Fresh Produce. Esta faz de Ipanguaçu o maior exportador brasileiro de banana,

além de proporcionar ao Município um bom índice de produtividade na produção dessa

fruta.

Quadro 22 - Valor de produção da banana por município do RN - 2009 Área plantada, área colhida, quantidade produzida e valor da produção da

lavoura permanente - Ranking descendente Variável = Valor da produção (Mil Reais)

Lavoura permanente = Banana (cacho) Ano = 2009

# Município 1 Alto do Rodrigues – RN 12.443 2 Ipanguaçu – RN 12.112 3 Touros – RN 4.544 4 Açu – RN 3.840 5 Rio do Fogo – RN 3.591 6 Extremoz – RN 3.334 7 Maxaranguape – RN 3.116 8 Carnaubais – RN 2.362 9 Pureza – RN 1.361 10 Baraúna – RN 1.124 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011).

O município de Ipanguaçu também se destaca com um valor da produção de

manga significativo no Rio Grande do Norte, sendo o primeiro lugar no Estado, com 8

milhões de reais em produção, ficando bem à frente do segundo lugar - Açu -, que teve

Page 181: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

um valor de produção de 2 milhões e 772 mil, graças à produção para exportação de

outra grande empresa localizada no município: a Finobrasa (Quadro 23).

Ipanguaçu se destaca ainda na produção de algodão herbáceo, ficando em

primeiro lugar no Estado, com mais de 1 milhão e 200 mil reais de valor de produção.

Quadro 23 - Valor de produção da manga por município do RN – 2009 Área plantada, área colhida, quantidade produzida e valor da produção da

lavoura permanente - Ranking descendente Variável = Valor da produção (Mil Reais)

Lavoura permanente = Manga Ano = 2009

# Município 1 Ipanguaçu – RN 8.000 2 Açu – RN 2.772 3 Carnaubais – RN 2.592 4 Afonso Bezerra – RN 518 5 Baraúna – RN 396 6 Santana do Matos – RN 378 7 São José de Mipibu – RN 341 8 Pendências – RN 277 9 Alto do Rodrigues – RN 252 10 São Pedro – RN 232 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011).

A cera de carnaúba, que no passado fez do Município um dos grandes

produtores do Brasil, agora já não representa tanta importância econômica, uma vez que

sua produção é irrelevante - apenas 14 toneladas com o valor de produção de 83 mil

reais, em 2009. Vale salientar também a pequena renda de 35 mil reais de lenha e 4 mil

de carvão vegetal (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA,

2011).

Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (2011), Ipanguaçu, em 2010,

apresentou exportações no valor de mais de 24 milhões de reais, sendo que, desse total,

71% se referem a exportações de bananas feitas pela Multinacional Del Monte Fresh

Produce e 29% se referem a mangas exportadas pela empresa nacional Finobrasa. Os

principais destinos dessa exportação de frutas são: Alemanha (28,5%), Holanda

(23,3%), Polônia (11,5%), Itália (11,4%) e Estados Unidos (11,2%).

Esses números, citados acima, da alta produção econômica das empresas rurais

situadas no Município são extremamente contraditórios quando se comparam aos

Page 182: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

indicadores sociais deste, extremamente baixos, o que o torna um dos municípios com

pior qualidade de vida – Índice de Desenvolvimento Humano – do Rio Grande do Norte

e do Brasil.

Essa contradição entre alta concentração de renda e grande produção começa a

se construir no decorrer da história de Ipanguaçu, já no Período Colonial, quando

começa a ocorrer, através da distribuição de sesmarias, uma concentração fundiária

intensiva.

4.1.2 Histórico da Ocupação do Território

Os primeiros habitantes da região de que se tem notícia foram os índios Tarairiu

(chamados costumeiramente de “tapuias”). Esses silvícolas, que não falavam a língua

geral dos Tupis, eram também conhecidos como bárbaros. Alguns estudiosos incluem

esses grupos indígenas no tronco Macro-Jê, devido a traços culturais em comum. Os

Tapuias habitavam não só os sertões do Rio Grande do Norte, como também os do

Ceará e do Maranhão (ALBANO, 2008).

Com a expulsão dos índios e a fixação dos colonos na região do Vale do Açu, a

pecuária passa a ser a principal atividade econômica da região. Uma prova disso é que,

no ano de 1775, a ribeira do Açu, com a freguesia de S. João Batista do Açu (hoje

município de Açu), era a freguesia que tinha o maior número de fazendas de gado de

toda a Capitania do Rio Grande (hoje Rio Grande do Norte). Eram 90 fazendas de gado,

ficando o segundo lugar com a freguesia de Caicó, com 70 fazendas de gado. Além do

gado, na região do Vale do Açu, tinha-se também como complemento uma produção de

alimentos de subsistência protegida por travessões37: feijão de corda, milho, fava, sorgo,

jerimum, melão, melancia, banana e batata doce. Junto com essa produção de

subsistência, também se tinha a pesca do curimatã, da traíra, do piau, da piranha ou do

tucunaré (FERNANDES, 1992).

No final do século XVIII, a Revolução Industrial Inglesa, ante a necessidade de

mais algodão – matéria-prima para suas indústrias –, vai estimular a cotonicultura em

37 Travessões – cercavam as manchas úmidas de maior extensão para a agricultura. “Dentro do travessão a agricultura era feita livremente e o gado só poderia aí permanecer, se cercado ou preso.” (ANDRADE, 1998, p.175).

Page 183: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

diferentes áreas, incluindo o sertão nordestino. Esse estímulo vai se dar sobretudo pela

interrupção do fornecimento do algodão que vinha dos Estados Unidos, devido à

Guerra de Independência (1776-1783) (MONTEIRO, 2000).

O cultivo do algodão, que era nativo da região, já era feito pelos indígenas, mas

para uma agricultura de autoabastecimento. O algodão depois ficou característico das

pequenas e médias propriedades, embora fosse usado também nas grandes fazendas que

exploravam o binômio, já que era cultivado e dividia espaço com a pecuária, em regime

de parceria ou de arrendamento sob formas tradicionais de cultivo e com a utilização de

muitos mecanismos de exploração (FERNANDES, 1992).

Nas grandes propriedades rurais, os senhores permitiam, em troca de um pagamento, que lavradores ocupassem pequenos lotes de terra com suas roças e criações, plantando algodão. O pagamento podia ser feito em produto, quando o lavrador era o “parceiro” que entregava parte de sua colheita; em dinheiro, quando o lavrador era o “foreiro” ou arrendatário; ou em trabalho, quando o lavrador era um simples morador de condição (MONTEIRO, 2000, p.103).

Nota-se já nesse momento a existência de rendas da terra pré-capitalistas. Estão

presentes no cultivo do algodão as três rendas pré-capitalistas, a saber: a renda em

trabalho, a renda em produto e a renda em dinheiro. A existência dessas rendas nos

remete à situação da terra na região, concentrada nas mãos de poucos por meio de

recebimento de sesmarias ou por meio da posse autoritária, ficando, assim, muitos sem

acesso a terra e se sujeitando a ser parceiro, arrendatário ou morador de condição,

enriquecendo o proprietário da terra por meio da mais-valia retirada da produção.

No período entre o fim do século XIX e início do século XX, ocorreu a

intensificação da exploração da cera de carnaúba, no Vale do Açu, que, além de

favorecer a ocupação da região, favoreceu também a

[...] concentração de terras pela incorporação de pequenos carnaubais às propriedades maiores. O processo mais forte deu-se principalmente no período entre as duas Grandes Guerras, quando o mercado internacional definiu um preço bastante compensador para quem comercializava o produto (FERNANDES, 1992, p.18).

A carnaúba, que ocupava vastas extensões da área de várzea do Vale do Açu,

começa a ganhar destaque já no início do século XVIII, na consolidação da ocupação

portuguesa no Vale, com o seu uso em utensílios caseiros, chapéus etc. Mas, só no

século XIX é que, através da extração da cera, vai ser exportada e conquistar o comércio

nacional e internacional, adentrando na lógica do Meio Técnico. Apesar de o processo

de beneficiamento ser relativamente simples, com o emprego de poucas técnicas para a

extração da cera de carnaúba, a motivação do uso do sistema técnico em uma grande

Page 184: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

escala de produção servia a uma lógica externa, internacional, configurando-se assim o

Meio Técnico (SANTOS, 2002).

A cera de carnaúba teve e ainda tem os mais diversos usos. Segundo a química

Dantas (1995), é uma cera que pode fazer parte da composição de produtos para

polimento de pisos, de móveis e superfícies e de automóveis, bem como da composição

de papel para revestimentos, além de servir de proteção de frutos (através de um

revestimento protetor), de revestimento de fios e tecidos, conferindo a estes mais

flexibilidade e lubrificação, entrando também na composição de cosméticos (loções,

cremes de limpeza, creme e loção para as mãos...).

Com o avanço tecnológico nos dias atuais, observa-se o uso da cera de carnaúba

nas mais diversas áreas, desde o revestimento de cápsulas medicinais, medicamentos e

filmes fotográficos até tintas, embalagens para alimentos, frutas e flores artificiais

(ORTAL, 2007).

No início e até a década de 1970 do século XX, constata-se o auge da exportação

de cera de carnaúba pelo Rio Grande do Norte, que vai se manter sempre entre os três

maiores exportadores do Brasil (geralmente se fixando como terceiro maior produtor e

exportador), ao lado do Ceará e do Piauí. Na produção interna do Rio Grande do Norte,

por todo o período, percebe-se a participação dominante da região do Vale do Açu.

Observando o Gráfico 8, que representa a produção de cera de carnaúba no

Vale do Açu e no RN entre 1940 e 1985, nota-se que o maior carnaubal do referido

Estado foi responsável, na maioria das vezes, pela metade ou mais da produção de cera

até o início dos anos de 1980.

Essa tendência de alta do preço da cera fez com que a produção do Vale e do RN

aumentasse significativamente desde a década de 1940 até a de 1970, quando começa a

cair, devido ao decréscimo no preço internacional da cera.

Vale salientar (Gráfico 1) que, no ano de 1970, houve uma falha nos dados do

IBGE, qual seja, enquanto no Anuário Estatístico havia dados que mostravam uma

produção de cera de carnaúba similar à da década anterior, no Censo Agropecuário

registrava-se uma queda abrupta, sem relação com a ocorrida no Brasil e em outros

Estados da Federação.

Page 185: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 8 - Produção de Cera de Carnaúba no Vale do Açu

PRODUÇÃO DE CERA DE CARNAÚBA NO VALE DO AÇU (1940-1985)

0

100

200

300

400

500

600

700

800

900

1940 1950 1960 1970 1975 1980 1985

ANOS

TO

NE

LA

DA

S

VALE DO AÇU

RN

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1940,1950,1960,1970,1975,1980,1985) Como se observa no Gráfico 8, a partir do final da década de 1970, tem-se a

queda acentuada da produção e exportação de cera de carnaúba, tanto no Rio Grande do

Norte, quanto, principalmente, no Vale do Açu. Nessa década, além do preço

internacional baixo desse produto, foram implementados, em várias regiões de várzea

(onde a carnaúba é endêmica), incluindo o Vale do Açu, programas de construção de

grandes macrofixos, como barragens, e de programas de irrigação voltados para a

cultura de algodão e a de fruticultura irrigada. Emergia assim, em definitivo, o meio

técnico-científico-informacional no Vale do Açu (SANTOS; SILVEIRA, 2001).

Com a emergência desses programas de irrigação e da produção em massa de

frutas, houve uma retirada intensa dos carnaubais dos solos férteis das várzeas, que

passaram a serem as áreas preferidas para os programas citados.

O processo de evolução da irrigação no Baixo-Açu (região onde se encontra

Ipanguaçu) é estruturado por Silva (1992), que o faz identificando três períodos: o que

antecede a 1969, o compreendido entre 1969 e 1979 e o período pós-1979.

Assim, até 1969, tem-se o período em que se verificaram os primeiros registros

históricos da agricultura na várzea do Vale. Esse período se caracteriza pelo uso

tradicional das áreas de várzea para a cultura do algodão, pela extração da cera de

carnaúba, pela produção de culturas alimentares (principalmente milho, feijão e batata-

doce) e por uma pecuária de pequeno porte.

Page 186: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

O Quadro abaixo retrata, segundo o Censo de 1950, a realidade do município de

Ipanguaçu com relação às suas principais atividades econômicas à época:

Tem-se como a principal cultura do Município o algodão, que representava, em

1950, cerca de 75% do total do valor da produção agrícola, ficando em segundo lugar a

batata-doce e depois a banana, o milho e o feijão.

Quadro 27 - Principais produtos da agricultura de Ipanguaçu - 1950 Produtos Unidade Quantidade Valor (Cr$ 1.000) Algodão Tonelada 825 8.250

Batata-doce Tonelada 1200 1.200 Banana Cacho 14000 560 Milho Saco 60 kg 2600 390 Feijão Saco 60 kg 1920 384

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1960)

Com relação à pecuária, nota-se, no Quadro 28, que o gado bovino continuava a

ter sua importância em Ipanguaçu (mais de 7500 cabeças de gado), representando

também como o rebanho de maior valor monetário, seguido do rebanho suíno, embora

este não fosse o segundo maior rebanho de cabeças.

Quadro 28 - Pecuária do Município de Ipanguaçu - 1950 População Pecuária Quantidade (cabeças) Valor (Cr$ 1.000)

Bovinos 7.500 30.000 Equinos 600 1.800 Asininos 2.700 1.350 Muares 400 400 Suínos 2.800 1.960 Ovinos 3.900 1.170

Caprinos 4.800 1.440 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1960)

Com relação à atividade extrativa, em 1955, de acordo com a Enciclopédia dos

Municípios (1960), a cera de carnaúba já era intensamente praticada em Ipanguaçu.

Nesse ano, tinham sido produzidos cerca de 105.000 quilogramas de cera no valor de

4.200 milhares de cruzeiros, o que representava metade do valor da produção de

algodão do Município.

Observando a ocupação das pessoas economicamente ativas (mais de 10 anos),

nota-se que 89% se concentravam no ramo agropecuário, em 1950. Com relação à

ocupação fundiária, também nota-se que, dos 55.741 hectares pertencentes aos 409

estabelecimentos agropecuários do município, 3.875 eram utilizados com lavoura e

16.027, com pastagens (ENCICLOPÉDIA DOS MUNICIPIOS, 1960).

Com relação à irrigação, Silva (1992, p.16-17) observa que:

Page 187: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

[...] esse período é caracterizado pelo desenvolvimento de práticas de irrigação bastante rudimentares evoluindo de simples cultivos inundados nas várzeas até a prática de aguação em terrenos mais elevados. São áreas de vazantes onde se plantavam o feijão, a batata-doce e o capim para a alimentação do pequeno criatório. Registra-se também, nos limites desse período, o uso de moto-bombas para fins de irrigação, porém em escala bastante reduzida.

Indo na mesma direção, Andrade (1998) afirma que foi no Governo de Juscelino

Kubitscheck que se passou a financiar os proprietários que quisessem adquirir moto-

bombas, adquiridas por muitos pequenos proprietários do Vale do Açu para irrigar as

várzeas. Depois, por falta de conservação desse equipamento (a substituição de peças

era difícil e a assistência técnica praticamente não existia), o surto agrícola amainou.

Quanto ao período compreendido entre 1969-1979, “registra-se a combinação da

exploração dos carnaubais com a agricultura irrigada de algodão herbáceo (em áreas

nunca superiores a 15 ha), bananeiras e capineiras, também em pequenas áreas, menores

que 5 ha)” (SILVA, 1992, p.17).

Nesse período, inaugura-se o processo de modernização da agricultura da várzea

com a entrada da Empresa Agropecuária ‘Knoll’ (1971), que utiliza a irrigação com fins

exclusivamente comerciais. Com a chegada dessa Empresa, incrementa-se a difusão de

práticas irrigadas em Ipanguaçu.

O período Pós-1979 apresenta-se como marco do início das obras de

implantação do “Projeto Baixo-Açu”, com a construção da Barragem ‘Armando Ribeiro

Gonçalves,’ prolongando-se até os dias atuais. O referido Projeto tem o objetivo de

implantar na região do Baixo-Açu uma agricultura de mercado, em bases empresariais e

com razoável nível de produtividade. É sobre esse período que se vai falar no próximo

item, enfocando-se a construção da Barragem, o Projeto Baixo-Açu e a vinda das

primeiras empresas agrícolas para Ipanguaçu.

4.2 Anos 80: Fruticultura Irrigada, Revolução Verde e Concentração Fundiária

Nesta parte, vai-se abordar a efetiva chegada da Revolução Verde e da

modernização da Agricultura em Ipanguaçu. Essa chegada vai ser viabilizada com a

ajuda de políticas públicas que vão transformar a região através da construção de um

fixo: a Barragem de Açu.

Page 188: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Com a construção dessa Barragem, tem-se viabilizado o suporte básico para se

irrigar a região, ou seja, a infraestrutura hidráulica básica. Depois de terminada a

construção, grandes grupos do Agronegócio vão entrar em Ipanguaçu, inserindo o

Município no contexto da Revolução Verde, que alterará de vez a forma de produzir, a

produtividade, a forma de retirar a renda da terra e a relação do lugar com o global.

Também vai se alterar profundamente o mercado de terras, com uma intensiva

concentração fundiária, além de uma profunda mudança nas relações de trabalho, com a

massificação do trabalho assalariado.

4.2.1 Projeto Baixo-Açu

A construção da Barragem de Açu, através do Projeto Baixo-Açu, vai se dar em

um contexto de políticas públicas que são direcionadas para viabilizar a Revolução

Verde e a modernização da Agricultura no Nordeste.

Essa Revolução consiste (como visto no primeiro capítulo) num grande

crescimento de produtividade na agricultura, por meio do uso de tecnologias, como os

tratores agrícolas, técnicas de irrigação, defensivos químicos, variedades de sementes,

aviação agrícola, computadores, novos métodos de gestão etc. De um lado da produção,

vai se ter a Indústria Produtora de Insumos, com fertilizantes, defensivos e corretivos,

e, do outro, vai se ter a Indústria de Bens de Capital, com tratores, colheitadeiras e

equipamentos de irrigação.

Essa chamada “industrialização da Agricultura” vai ser dirigida por grandes

Empresas Multinacionais, com o apoio de organizações supranacionais como o Banco

Mundial, que vai ajudar na implementação dessa Revolução, a qual vai ser altamente

danosa para os pequenos produtores, uma vez que vai aumentar a dependência destes

com relação às grandes empresas fornecedoras de insumos (SHIVA, 2003).

No Brasil, na década de 1970, o Governo Autoritário vai implementar, através

de um conjunto de políticas públicas, um programa de modernização do campo de

acordo com os dizeres da Revolução Verde. No início da década de 1970, esse Governo

já implementa o I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que tem como

programas principais: o Programa de Redistribuição de Terras (PROTERRA) e de

estímulo à agroindústria do Norte e Nordeste - que visava, entre outras coisas, à

expansão da agroindústria e o aumento das exportações -, e o Programa de Integração

Nacional (PIN), que continha, entre suas principais linhas de ação, um plano de

Page 189: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

irrigação no Nordeste, destinado ao aproveitamento dos vales úmidos e à elevação da

produtividade na faixa semiárida, assim como à implantação de corredores de

exportação no Nordeste (SOUZA, 1997).

Vai ser principalmente através do PIN que o Estado induzirá um processo de

modernização agrícola no Nordeste. No II PND, na segunda metade da década de 1970,

vai ser financiado pelo PIN o I Plano Plurianual de Irrigação, em 1978 (VALENCIO,

1995).

Esse Plano possibilitou a generalização de empreendimentos privados de

irrigação, através da facilitação do acesso a água, empreendimentos estes que usavam

técnicas modernas. O Estado Autoritário também estava sedento de divisas para pagar a

dívida com o FMI, por isto incentivou a agroexportação em bases modernas, investindo

em fixos que dessem uma infraestrutura para essa nova agricultura (VALENCIO, 1995).

O Programa Plurianual de Irrigação incluiu 36 Projetos do DNOCS localizados

no Polígono das Secas, havendo prioridade de verbas para os projetos situados nos

Vales Úmidos, a saber: Gurgueia e Parnaíba, no Piauí; Acaraú e Jaguaribe, no Ceará;

Itapicuru e rio das Contas, na Bahia e Açu e Apodi, no Rio Grande do Norte. Foi nesse

contexto do Programa citado que foi construída a Barragem “Armando Ribeiro

Gonçalves”, que iria servir de suporte para a entrada de Ipanguaçu na Revolução Verde,

na Modernização da Agricultura e, consequentemente, em uma agricultura de mercado

com bases empresariais.

Segundo Santos e Silveira (2001), nessa época da implantação de importantes

capitais fixos que são adicionados ao território, como a Barragem de Açu, este passa a

ganhar

[...] novos conteúdos e impõe novos comportamentos graças às enormes possibilidades de produção e sobretudo da circulação dos insumos, dos produtos, do dinheiro, das idéias e informações, das ordens e dos homens. É a irradiação do meio técnico-científico-informacional que se instala sobre o território, em áreas contínuas no Sudeste e Sul ou constituindo manchas e pontos no resto do país (SANTOS e SILVEIRA, 2001, p.52, grifos nossos).

A referida Barragem vai viabilizar a irradiação do meio técnico-científico-

informacional e a Revolução Verde, bem como a modernização da Agricultura e do

Capitalismo Agrário, naquela mancha onde está localizado Ipanguaçu, no meio do sem-

árido nordestino.

Page 190: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

O espaço local, com a emergência da Barragem, vai ser requalificado, com vistas

a passar a atender sobretudo aos interesses dos atores hegemônicos da Economia,

passando a incorporar o espaço da produção globalizada (SANTOS, 2002a).

Até a Barragem de Açu ser construída e haver essa reinserção da região no

Mundo Globalizado, tem-se um longo processo histórico que começa na década de 1930

com estudos realizados pela Inspetoria de Obras Contra as Secas (IFOCS).

Desde o final da década de trinta (1937-1939),

[...] o Vale do Açu vinha tornando-se objeto de estudo e de sondagens em campo, realizados pela antiga Inspetoria de Obras Contra as Secas – IFOCS, na procura de uma melhor solução para o disciplinamento do rio Açu que, com suas cheias, chegava a inundar povoados. Com essas sondagens, buscava-se encontrar um local adequado para uma acumulação d´água que possibilitasse um programa mais intensivo de irrigação (FERNANDES, 1992, p.43).

O primeiro local escolhido para fazer a Barragem foi o boqueirão chamado

“Barra de Oiticica”, que ficava situado entre o município de Jucurutu e Barra de

Santana. Esse local tinha uma boa fundação em laje exposta por todo o boqueirão e, por

isto, no caso de indenização de terras, os gastos seriam menores, já que inundava uma

área menor pelo estreitamento da bacia hidráulica. Além do mais, haveria também um

melhor aproveitamento da bacia de irrigação (FERNANDES, 1992).

Fernandes (idem, p.45) conta que

[...] em 1954, o Decreto Presidencial nº. 36.370/54, de 21 de outubro, assinado pelo então presidente João Café Filho, declarava de utilidade pública a área do terreno necessária à construção do Açude Público de Oiticica, no município de Jucurutu, no Rio Grande do Norte. A área tinha a dimensão de 143.062.500 m².

No local demarcado como de utilidade pública pelo citado Presidente, começa a

se fazer um campo de pouso para aviação nas proximidades do Açude “Oiticica” e uma

vila de trabalhadores. Mas, em plena construção desta, as obras foram abandonadas por

falta de verbas.

Somente em inícios da década de 1960 é que técnicos dos Estados Unidos em

visita ao Nordeste, em um convênio com a SUDENE, recomendam a continuação do

Projeto do Açude “Oiticica”. (FERNANDES, 1992).

Durante o período de 1967 a 1971, ocorre um novo estudo na Bacia do rio Açu,

encomendada pelo DNOCS à empresa HIDROSERVICE, que aponta um novo lugar

para a construção do Açude: o lugar entre o norte do município de São Rafael e o sul do

então município de Ipanguaçu (hoje, o sul do município de Ipanguaçu se emancipou

formando um novo município chamado “Itajá”). A futura barragem ganha o nome

Page 191: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

“Armando Ribeiro” em homenagem ao alto funcionário (engenheiro), morto na época.

(SANTANA, 1997; FERNANDES, 1992).

A Barragem de Açu começa a sair do papel com o Decreto nº. 76.046, de 29 de

julho de 1975, que declarava de utilidade pública uma área de aproximadamente

158.476,84 ha. Mas essa Barragem era apenas uma das fases do chamado Projeto

Baixo-Açu, que estava começando a ser implementado (SANTANA, 1997).

Esse Projeto foi concebido como um conjunto de três fases distintas, segundo

Silva (1992), a saber: 1ª Fase - correspondeu à construção da Barragem “Armando

Ribeiro Gonçalves”, no leito do rio Piranhas-Açu, com capacidade para acumular uma

estimativa de 2,4 milhões de m³ de água e um prazo de execução de três anos; 2ª Fase -

correspondente ao assentamento, a montante da Barragem, da população desalojada pela

inundação das terras. Como forma de sobrevivência, as famílias seriam beneficiadas

com a implantação de um polo pesqueiro; e finalmente a 3ª Fase - que constaria da

instalação, na Bacia de Irrigação, a jusante da Barragem, do Projeto de Assentamento de

Irrigantes, numa área de 22.000 ha, em áreas aluvionais.

Em 1975, começa a vir a público o teor do Projeto de Irrigação, a ser implantado

na região pelo Governo do Estado e o DNOCS:

A meta global do projeto seria irrigação de 22 mil hectares, mas, até 1979, previa-se atingir 8 mil hectares, o que possibilitaria o assentamento de mil empresas familiares, 3500 empregos diretos e 1450 indiretos, com uma produção prevista de arroz, amendoim, trigo, tomate, cebola, banana, uva, maracujá e forrageiras (FERNANDES, 1992, p.48).

Segundo Fernandes (1992), o DNOCS, no I Simpósio de Desenvolvimento do

Vale do Açu, em janeiro de 1977, passava as seguintes informações sobre o Projeto

Baixo-Açu: para a Bacia de Irrigação, a proposta inicial era a de assentamento de 2.812

famílias, sendo que, na primeira fase do Projeto, seriam irrigados 7.000 ha na margem

direita do rio Açu; na segunda fase, seriam irrigados, no prazo de quatro anos, 8.000 ha

na margem esquerda do rio no trecho Açu-Pendências; e, na terceira fase, no prazo de

seis anos, seriam irrigadas mais 7.000 ha na área do Tabuleiro. O Projeto de Irrigação

iria beneficiar mais de 3500 colonos, que estariam cultivando suas terras com uma

moderna tecnologia, dentro de mais seis a oito anos, tempo necessário para a total

implantação do Projeto. O colono desapropriado teria vantagem na seleção para colono

do perímetro irrigado, a ser feita por técnicos do DNOCS. Os órgãos financiadores

seriam os Bancos do Brasil e do Nordeste.

Page 192: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

O referido Projeto também tinha o objetivo de implantar na região do Baixo-

Açu uma agricultura de mercado, em bases empresariais e com razoável nível de

produtividade.

No ano de 1975, é dado início ao processo de desapropriação nas áreas de

influência do Projeto Baixo-Açu. Dos vários municípios atingidos por esse processo,

Ipanguaçu iria ser o único a ser atingido duplamente, com desapropriações na área de

construção do reservatório (4.931 ha) e na área onde iria funcionar o perímetro de

irrigação, (10.362 ha) (Quadro 29).

Quadro 29 - Projeto Baixo-Açu. Áreas diretamente atingidas pelo Projeto Área Afetada (ha)

Reservatório Total Município Superfície

Territorial (ha)

Perímetro de Irrigação

Desap. Inund. Desap. Inund.

São Rafael

Jucurutu

Ipanguaçu

Açu

44.300

99.900

60.600

151.000

-

-

10.362

-

20.636

10.152

4.931

5.510

9.665

4.278

2.311

2.846

20.636

10.152

15.293

5.510

9.665

4.278

2.311

2.846

Total 355.000 10.362 41.337 19.100 51.799 19.100

Fonte: DNOCS (1979 apud VALENCIO, 1995).

Em meados de 1970, iniciou-se o processo de desapropriação executado pelo

DNOCS de 3.955 famílias, sendo 1.262 na região do Projeto de Irrigação e 2.693 na

Bacia Hidráulica, chegando a um total de 20.250 pessoas (VALENCIO, 1995).

Paralelamente a esse processo, o Governo suspende o financiamento da

produção agrícola feito pelas agências do Banco do Brasil na região do Baixo-Açu,

ordenando também o bloqueio do cartório para a alienação de imóveis.

A suspensão de financiamentos desde 1975 pelo Banco do Brasil, para

investimentos na área desapropriada, vai acarretar a desvalorização da área e a redução

dos valores das indenizações a serem pagas. O bloqueio do cartório para a alienação de

imóveis poderia ser de grande valia para a proposta de distribuição de terras e servir,

como hoje se constata, para uma posterior concentração de terras em áreas beneficiadas

com os recursos do Setor Público (FERNANDES, 1992).

Page 193: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Essas desapropriações, que foram pagas com desvalorização de dois anos após

serem avaliadas (vale lembrar que a desvalorização mensal da moeda por conta do

processo inflacionário era da ordem de 15% a 20%), no ano de 1979, causaram grande

prejuízo para todos que receberam indenizações, dos pequenos aos grandes. Para piorar

a situação, segundo a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Rio

Grande do Norte, 70% da população diretamente atingida pelas indenizações não

dispunham de título de propriedade da terra e 59% eram moradores. Todos eles estavam

excluídos das indenizações pagas pelo DNOCS (BONETI, 1998).

Todos esses fatores, junto com um acidente que vai causar a queda da parede da

Barragem, ainda na sua construção, vão acirrar os ânimos tanto dos agricultores

prejudicados pelas indenizações ou pela falta delas, quanto pelos grandes latifundiários

tradicionais da área, que começaram a ter prejuízos com a falta de crédito e com as

baixas e desvalorizadas indenizações. Esses dois grupos distintos se unem junto com

padres e bispos da Igreja Católica e com os sindicatos dos trabalhadores contra a

construção da Barragem (Foto 1). ,

Foto 1 - Pichações contra a Barragem de Açu.

Fonte: Arquivo do NUT Seca – UFRN (1979)

Para piorar a situação, muitos proprietários não receberam as indenizações no

prazo fixado, mas as máquinas da empreiteira Andrade Gutierrez, empresa contratada

para a obra não tomaram conhecimento disto. Como cita Boneti (1998, p.98):

Page 194: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

No mês de agosto de 1979, grande parte dos ex-proprietários localizados na área desapropriada pelo DNOCS não havia ainda recebido suas indenizações e permanecia em suas propriedades. Mesmo assim, as máquinas da companhia construtora da barragem começaram o serviço de terraplanagem, demolindo cercas e desmatando as propriedades ainda habitadas [...] invadiram até mesmo propriedades não pertencentes à área a ser desapropriada pelo DNOCS.

Com esses atos e desapropriações, o Governo estava formando assim uma nova

conformação da estrutura fundiária dos municípios atingidos, principalmente Assu e

Ipanguaçu. A falta de informação da população e as notícias de que a barragem podia

estourar a qualquer momento, além da falta de credibilidade do DNOCS, fez muitos

agricultores nem esperarem pelas indenizações e alimentarem o mercado paralelo de

compra e venda de terras, vendendo sua terra por um preço irrisório (BONETI, 1998).

Mas vai ser com a presença de agentes do grande capital, comprando terras, que

se vai possibilitar o estabelecimento de um mercado de terras, cuja dinâmica jamais

tinha sido imaginada na região.

A estrutura fundiária já era extremamente concentrada antes do Projeto Baixo-

Açu. De acordo com o Censo Agropecuário de 1970, essa estrutura se configurava da

seguinte maneira: dos 9.504 estabelecimentos que ocupavam uma área total de 837.632

ha, 38,9% possuíam tamanho menor que 10 ha e ocupavam apenas 1,8% da área total;

46,6% possuíam área de 10 a 100 ha e ocupavam 18,3% da área total; 13,3% possuíam

área de 100 a 1.000 ha e ocupavam 40,2% da área total; 1,2% dos estabelecimentos

possuíam área superior a 1.000 ha e ocupavam 39,9% da área total.

Com a implantação do Projeto e a construção da Barragem “Armando Ribeiro”,

registra-se um descumprimento geral do objetivo de implantar um perímetro irrigado

para os desapropriados e para os agricultores da região. O que se vê é um atraso de mais

de dez anos para a implantação do primeiro perímetro irrigado. Isto só acontecerá em

1992, com apenas pouco mais de 5.000 ha, e não atendia aos desapropriados.

Na verdade, o Estado só colocou em prática a 1ª Fase do Projeto Baixo-Açu, que

foi a construção da Barragem “Armando Ribeiro Gonçalves”, iniciada em 1979 e

concluída em maio de 1983. As duas outras Fases foram “esquecidas”.

A 2ª Fase, com o assentamento da população a montante da Barragem e o Polo

de Piscicultura, foi esquecida, sendo que boa parte da população desapropriada ficou em

casas de madeira em situação desfavorável, em assentamentos, sem água, banheiro e

com terra infértil.

Page 195: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

A 3ª Fase, com o Projeto de Irrigação a jusante da Barragem - projeto que,

segundo a propaganda do DNOCS, viria a beneficiar mais de 3.500 colonos diretamente

com um perímetro irrigado que chegaria a mais de 20.000 ha - foi esquecida.

Não sendo concretizadas as desapropriações da área do perímetro irrigado e não

se fazendo perímetro irrigado nenhum, desencadeou-se uma correria de grupos

empresariais nacionais atraídos pela potencialização das possibilidades de irrigação na

região de Ipanguaçu e Açu.

Até alguns grupos multinacionais se interessaram pela área e foram sondados

pelo então Governador Lavosier Maia, que viajou para Honduras e Costa Rica (onde

estão instaladas as maiores Multinacionais Exportadoras de Banana, como a Del Monte

Fresh Produce), logo no início da construção da Barragem. A Multinacional United

Brends, por exemplo, indicou que a região do Baixo-Açu tinha as melhores condições

do Planeta para o cultivo da banana (FERNANDES, 1992). Uma Multinacional do

Setor de Bananas, inclusive, se interessou por plantar bananeiras, querendo, para isto,

3.000 ha e propondo-se também a supervisionar mais 10.000 ha de produção dessa fruta

na região do Baixo-Açu (FERNANDES, 1992).

Apesar dos contatos com essas empresas no início da construção da Barragem,

nenhuma Multinacional se instalou no Baixo-Açu nessa época. Somente com a Del

Monte Fresh Produce, na década de 1990, é que se vai ter a entrada do grande capital

estrangeiro exportador de banana na área.

O que na verdade o Projeto Baixo-Açu propunha, e conseguiu realizar, era

[...] a reversão do padrão de utilização dos solos do Vale, o que compreenderia a eliminação de grande parcela da atividade econômica preexistente, como a agricultura de subsistência e a mineração, tidas como obstáculos a ser transpostos já desde a construção da barragem [...] (VALÊNCIO, 1995, p.66).

Com a Barragem, a mineração que existia no município de São Rafael, o maior

prejudicado, com mais de 20.000 ha desapropriados, foi literalmente por água abaixo,

com o quase desaparecimento dessa atividade.

A agricultura de subsistência também diminuiu muito com a Barragem e, depois

dela, com as compras de terras pelas grandes empresas rurais interessadas em produzir

monoculturas para exportação ou para o mercado interno.

Muitos agricultores que moram ainda hoje na região de terras de várzea de

Ipanguaçu se lembram do que a construção da Barragem trouxe de efetivo para eles.

Alguns têm o que comemorar; outros, nem tanto:

Page 196: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

[...] antes da barragem aqui tinha muitas vazantes, agora acabou-se vazante, acabou-se tudo (informação verbal)38.

[...] antes da barragem, esse rio irrigava muita povo em vazante, era uma riqueza de vazante pro povo, sabe [...] as vazante era lá dentro do rio, todo mundo quando tinha, ou terra arrendada, ou que fosse proprietário, onde passava aquele rio, todo mundo ia plantar a sua vazante de feijão e batata, uma fartura de feijão e batata [...] (informação verbal)39.

Esses agricultores citados se lembram, com emoção, do tempo em que eles

tinham as vazantes - as terras que ficam no leito do rio - produzindo. Hoje, sem o

movimento de cheias e secas do rio (disciplinado hoje pela Barragem), que

proporcionavam a agricultura no verão, as vazantes não produzem mais.

Já para os desapropriados pelo DNOCS, a realidade foi bem mais sombria.

Segundo Boneti (1998), logo no início da instalação do Projeto Baixo-Açu, estima-se

que 35% da população diretamente atingida pelo projeto teriam abandonado a região,

sem esperar o desfecho do processo de desapropriação. Um segundo grupo fixou-se no

povoado, depois cidade, de Itajá, perto da parede da Barragem, onde, em sua maioria,

passou a trabalhar como mão-de-obra assalariada nas cerâmicas do entorno. Um terceiro

grupo foi instalado em agrovilas no município de Serra do Mel. Já um quarto grupo de

20% foi reinstalado pelo DNOCS em núcleos de assentamentos a montante da

Barragem de Açu, em núcleos de assentamento na área rural de São Rafael. O resto não

se sabe para onde foi.

Este último grupo, instalado pelo DNOCS, não conseguiu se reintegrar ao novo

processo produtivo, pois foi instalado em uma terra seca onde não existia a condição a

que ele estava acostumado antes, como a agricultura de vazante, colheita da carnaúba,

atividades extrativas de minério.

Os agricultores saíram de uma região de aluvião, que lhes dava acesso ao rio e a possibilidade de produzir nas vazantes, e deslocaram-se para uma região seca e de terras improdutivas [...] Além das terras improdutivas e secas para onde foram encaminhados os desalojados, o acesso à água tornou-se praticamente impossível (BONETI, 1998, p.124).

Tal grupo foi assentado pelo DNOCS em áreas secas, em casas rudimentares de

madeira, que iriam servir de morada provisória enquanto a população era transferida

38 Informação obtida através de entrevista com o morador do Sítio “Olho Dágua”, em Ipanguaçu – RN, na data de 24 de fevereiro de 2005. 39 Informação obtida através de entrevista com o morador do Sítio “Baldum”, em Ipanguaçu, na data de 24 de fevereiro de 2005.

Page 197: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

para um perímetro irrigado. Tal morada, todavia, tornou-se permanente pela ausência do

Poder Público que “se esqueceu” dos perímetros irrigados públicos.

O grupo passa a sobreviver através dos favores do Poder Público, como as

Frentes de Emergência, ajuda de políticos locais, programas de assistência social e ajuda

de parentes que moram em cidades de médio e grande porte e que lhe mandam dinheiro.

Santos (1990) constatou a situação de desespero dos desalojados da zona rural

de São Rafael e o rápido abandono dos núcleos rurais pelas populações assentadas por

não terem perspectiva e nem condição de vida decente.

No Quadro 30, nota-se o alto nível de desistência das famílias assentadas pelo

DNOCS nos Núcleos Rurais de São Rafael. De 143 famílias assentadas pelo DNOCS,

68 famílias, ou seja, quase a metade, desistiram de morar nos núcleos e foram para as

cidades. Mesmo com a substituição de alguns desistentes por familiares (no Quadro 30),

o quadro total de famílias residentes (86 famílias) reitera o fracasso do assentamento

dessas famílias com o desaparecimento de quase metade da sua população em menos de

10 anos de implantado.

Quadro 30 - Modalidades de ocupação nos diferentes núcleos de assentamento de São Rafael

Núcleos Famílias Assentadas

Desistentes Ocupação Espontânea

Total de Famílias Residentes

Cajazeiras I 13 10 01 04

Cajazeiras II 12 07 - 05

Cavalo Bravo I

14 04 01 11

Cavalo Bravo II

27 15 01 13

Mazagão I 14 05 02 11

Mazagão II 10 05 01 06

Estreito 23 14 04 13

Fechado (Oiti)

18 03 - 15

Torrões 12 05 01 08

Total 143 68 11 86

Fonte: Adaptado de Santos (1990).

Além de todo esse impacto para os desalojados, a Barragem também vai

provocar profundos impactos ambientais na região, tais como: aumento da capacidade

erosiva do solo de aluvião, devido este não receber mais água e nutrientes do rio, o que

Page 198: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

acontecia em épocas de cheias; aumento da potencialidade de salinização; prejuízo para

a ictiofauna (peixes) da região, com o término das migrações do curimatã e piau, peixes

que migravam dos lagos da região para o rio a fim de desovarem - com a Barragem,

essas migrações não acontecem mais, pela ausência de cheias que interliguem o rio e as

lagoas; mudança de ambiente aquático de lótico (relativo a água movente) para lêntico

(relativo a água parada) e mudança também na frequência de peixes endêmicos, que

caiu para 2,5%, enquanto as espécies introduzidas (como a tilápia, tucunaré)

aumentaram para 97,5%; e rápido processo de extinção das matas, com o

aproveitamento das terras para fins de produção agrícola e o desaparecimento de mais

de 5.000 ha de matas de carnaúba (VALENCIO, 1995).

Houve também a ocorrência de tremores de terra na área circunvizinha da

Barragem com o aumento do nível da água da Barragem de Açu. Segundo Assumpção e

Neto (2003), entre 1987 e 1989, o aumento do nível da água na Barragem foi seguido,

aproximadamente três meses depois, por um aumento na atividade sísmica. Entre 1994

e 1996, acontece o mesmo processo, havendo uma incidência de terremotos de até 3

graus de magnitude.

Logo depois da inauguração da Barragem, em 20 de maio de 1983, tem-se o

início da vinda dos grandes grupos para a região do Vale do Açu, enquanto o Governo

“se esquece” dos projetos de assentamentos dos colonos.

4.2.2 Vinda das Empresas Agrícolas

Com o início da construção da Barragem de Açu, observa-se o começo de um

processo de modernização da Agricultura no município de Ipanguaçu, processo este que

ocorre com a entrada de diversas empresas agrícolas nesse Município, pois é a partir da

inauguração da Barragem que vai haver as condições necessárias para que a agricultura

irrigada, com todas as suas técnicas, funcione. Com isto, vai se ter também uma

alteração no preço da terra (ver 3.1.2 – Renda da terra, preço da terra e concentração

fundiária), que aumenta com a implantação da Barragem, valorizando e modificando o

mercado de terras locais (COMÉLIO, REYDON, SARAIVA, 2006).

Com efeito, vai se dar em Ipanguaçu a expansão do meio técnico-científico-

informacional. Este, segundo Santos e Silveira (2001), se expandirá de forma seletiva

com o reforço de algumas regiões e o enfraquecimento relativo de outras.

Page 199: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Além da Barragem, outras vantagens locacionais levaram as empresas a se

instalarem em Ipanguaçu. Dentre elas, pode-se destacar a alta fertilidade de sua terra de

várzea, a proximidade com os portos de Natal e Fortaleza, essencial para o escoamento

nacional e principalmente internacional da produção, e com o seu sistema viário, que já

interligava Ipanguaçu às principais rodovias do País.

Com a chegada dessas empresas, observa-se um processo de reorganização

produtiva do território, com o processo de produção agrícola de Ipanguaçu sendo

totalmente rearranjado. Vai ocorrer, no período de 1979 a 1986, uma transição entre a

produção de alimentos e a fruticultura irrigada, com a redução da área improdutiva e o

aumento do emprego do insumo (120%) e da força de trabalho (400%) (VALENCIO,

1995).

Esses dados dão uma visão clara de transformação do município de Ipanguaçu,

que a passos muito largos vai se incorporando aos paradigmas da Revolução Verde e à

modernização da Agricultura. Tal transformação se dá principalmente com: a

implantação de técnicas modernas de irrigação, a disseminação nas novas empresas do

trabalho assalariado, o aumento no uso de insumos e o redimensionamento da produção,

que era predominantemente de alimentos e passa a ser de frutas irrigadas para mercados

distantes, nacionais e internacionais.

Entre as primeiras empresas a negociarem a terra no município de Ipanguaçu,

após o início da construção da Barragem “Armando Ribeiro Gonçalves”, estão: a

Itapetinga Agroindustrial, a Algodoeira “Âncora”, a Algodoeira “São Miguel”, a

AGROSOL e a FINOBRASA (Quadro 31).

Quadro 31 - Primeiras empresas a negociar terra no período de 1980 a 1985 ANO NOME DA EMPRESA

1980 Itapetinga Agroindustrial 1982 Algodoeira “Âncora” 1982 Algodoeira “São Miguel” 1983 AGROSOL – Agricultura de Mossoró 1985 FINOBRASA Fonte: Dados do Cartório Único de Ipanguaçu

Com a exceção da Itapetinga Agroindustrial, todas as outras empresas

compraram terras perto do final da construção da Barragem ou depois do término desta.

A Itapetinga Agroindustrial vai se instalar no Sítio “Pedrinhas” (Mapa 2), com

uma compra feita de apenas 19,2 ha. Esse Sítio se situa perto da área de várzea e do rio

Page 200: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Açu. A referida empresa é de origem local, mas especificamente de Natal, sem muita

expressão.

A Algodoeira “Âncora” vai começar a comprar terras em Ipanguaçu em 1982, já

de uma forma bastante agressiva, visto que, só nesse ano, adquire três propriedades,

somando mais de 500 ha de terras. Ligada ao ramo de fibras de algodão, essa empresa

concentra as suas três primeiras propriedades no mesmo lugar, qual seja, no Sítio

“Ubarana” (Figura 2), região de várzea, perto do rio Açu, que tem alta fertilidade

natural.

Segundo Silva (1992), existiam dois objetivos que nortearam o movimento

empresarial para a região do Baixo-Açu (Ipanguaçu e Açu, mais especificamente), em

um primeiro momento. O primeiro objetivo tinha por alvo as fibras de algodão; o

segundo, a fruticultura irrigada, visando ao mercado interno e externo. Essa empresa

instalada em Ipanguaçu tinha o propósito de praticar a agricultura irrigada de algodão e

o seu processamento.

Segundo o Quadro 14, pode-se notar que essa empresa fazia parte de um grupo

majoritário que pretendia usar as terras que comprava em Ipanguaçu para o

aproveitamento da agricultura irrigada de algodão.

Das quatro empresas que entraram em Ipanguaçu durante e depois da construção

da Barragem até 1985, três estavam diretamente vinculadas ao negócio do algodão (não

se têm dados sobre a vinculação ou não da AGROSOL com o algodão irrigado). Além

da Algodoeira “Âncora”, também se tem a Algodoeira “São Miguel”, que, entre 1982 e

1985, comprou quatro propriedades, totalizando mais de 100 ha de terras - todas elas

localizadas também no Sítio “Ubarana”, perto do rio Açu, em uma região de solos de

várzea.

Não se pode esquecer da Fiação Nordeste do Brasil S/A (FINOBRASA), que

começava a comprar terras em Ipanguaçu em 1985. Essa empresa também tinha o

objetivo inicial de cultivar o algodão irrigado.

4.2.3 Impactos Fundiários da Chegada das Empresas (1979-1992)

A partir do início da construção da Barragem “Armando Ribeiro Gonçalves”,

nota-se uma certa movimentação no mercado de terras de Ipanguaçu, a qual vai

aumentar significativamente depois do fim dessa construção, chegando a dobrar e até

triplicar o número de transações de terras, conforme demonstram os dados do Gráfico 1.

Page 201: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

No Gráfico 9, pode-se ver o número de transações de terra efetuadas no período

que abrange de 1979 a 1992. Vale lembrar que esse número é baseado em dados brutos,

representando os números reais de transações cartoriais. Dentro desse período percebe-

se que foi a partir de 1980, principalmente com o início da construção da Barragem, que

passou a ocorrer um aumento no número de transações de terras, principalmente

naquelas propriedades entre 10 e 100 ha. Entre 1980 e 1987, esse tipo de propriedade

chegou a ter um aumento de negociação da ordem de aproximadamente 100% ou mais.

Gráfico 9 - Número de transações de terra por ano e ha (1979 a 1992).

0

10

20

30

40

50

60

70

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

Ano

Número de transações de terra por ano e ha (1979 a 1992)

0 a 10 ha

10 a 100 ha

+ 100 ha

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)

Entre 1980 e 1983, já se nota que o volume de transações de terra naquelas

propriedades entre 10 e 100 ha passa de pouco mais de 30 por ano, em 1980, para cerca

de 55, em 1983 - um aumento de quase 100%, embora, nesse mesmo período, ocorra

um movimento de oscilação sem definição aparente nas propriedades de terra com mais

de 100 ha e com pequena alta nos minifúndios entre 0 a 10 ha.

Entre 1986 e 1987, tem-se uma nova alta no número de transações de

propriedades entre 10 e 100 ha e as que têm mais de 100 ha, devido à entrada, no

Município, da FINOBRASA, que irá comprar grande quantidade de terras. A partir de

1988 até 1992, nota-se uma queda dessas transações em todos os tipos de propriedade -

o que vai revelar o processo de decadência de muitas empresas que se estabeleceram em

Ipanguaçu.

Page 202: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

A partir do que se vê no Gráfico 9, conclui-se que, já durante a construção da

Barragem, começa a se intensificar o número de transações de terra no município de

Ipanguaçu, mantendo-se esse movimento principalmente entre o período de 1981 a

1987, com a participação intensa da camada de propriedades de 10 a 100 ha e com a

participação oscilante das outras duas camadas.

Observando mais atentamente os dados do referido Gráfico, podem-se inferir

algumas observações sobre o movimento intenso de transações de terra que ocorreu em

boa parte do período entre 1979 e 1992, em Ipanguaçu. Para isto, procedeu-se à

classificação dos tipos dessas transações em que se considerava aquele por quantidade

de transações e o por área transacionada em hectares. Tal classificação segue os passos

adotados por Moura (1989), quando esta classifica nove tipos de transações de terras, a

saber: adjudicação, arrendamento, desapropriação, herança, hipoteca, permuta,

usucapião, venda e doação.

O tipo de transação de terra que mais se sobressaiu, entre os anos de 1979 a

1992, foi o da compra e venda de terras, com mais de 1/3 de toda a quantidade

transacionada no período. Esse tipo foi seguido de perto pelo da hipoteca, com 30% de

toda a quantidade transacionada no período (Gráfico 10).

No Gráfico em questão foi também observada a presença da herança - com mais

de 10% de todas as transações do período - e a da desapropriação - com quase 10% das

mesmas transações. A desapropriação vai ganhar esse destaque por causa das que

ocorreram ao sul do município de Ipanguaçu, na área onde foi construída a Barragem.

Gráfico 10 - Tipo de transação de terras e a área transacionada (1979 a 1992).

0%10%20%30%40%50%

AdjudicaçãoArrendam

entoDesapropriação

HerançaHipotecaPerm

utaUsucapiãoVendaDoação

Tipo de transação de terras e área transacionada (1979 a 1992)

Quantidade

Área

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)

Page 203: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Os dados contidos no Gráfico 10 revelam claramente o processo de capitalização

das transações de terras de Ipanguaçu, seja por meio do processo de compra e venda,

que se registra de forma acelerada nesse período, seja por meio das hipotecas, que

refletem o caráter capitalista da produção agrícola desse Município, reforçando a

dependência do campo ao sistema financeiro. Só estes dois tipos de transação são

responsáveis por quase 2/3 de todas as transações de terras nesse período em Ipanguaçu.

Tal processo de capitalização das terras no referido Município, principalmente

pelo processo de compra e venda, vai dar origem a uma nova conformação na sua

estrutura fundiária. Esta não vai mais se caracterizar pelo predomínio da pessoa física,

dos agricultores e produtores rurais tradicionais do lugar, e sim pelo predomínio da

pessoa jurídica, das empresas, na sua maioria, empresas agrícolas que não têm origem

em Ipanguaçu. Empresas que vão estar em conformidade com os ditames da Revolução

Verde, da modernização da Agricultura.

Essa nova estrutura fundiária de caráter empresarial começa a se desenvolver

principalmente durante a construção da Barragem de Açu. Conforme demonstra o

Gráfico 11, a partir de 1982, perto do final da construção dessa Barragem, já começa a

se intensificar o processo de compra e venda envolvendo as pessoas jurídicas, na sua

imensa maioria, empresas agrícolas. Mas, é a partir de 1986 que vai se consolidar o

movimento empresarial em direção a Ipanguaçu. Movimento este que tem como seu

ápice justamente o ano de 1986, quando são negociados mais de 2.000 ha de terra com a

participação de pessoas jurídicas, na sua maior parte empresas rurais, intensificando-se

até 1989. A partir de 1990, porém, o movimento de transações de compra e venda tem

uma queda significativa (Gráfico 11).

Page 204: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 11 - Compra e Venda de Terras por Pessoa Jurídica em Ipanguaçu (1979 a 1992).

COMPRA E VENDA DE TERRAS POR PESSOA JURÍDICA EM IPANGUAÇU

1979 A 1992

0

500

1000

1500

2000

2500

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

ÁREA- HA

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos) Vale lembrar que, além do movimento de compra e venda de terras pelas

empresas que afetou profundamente o mercado de terras de Ipanguaçu, não se pode

deixar de ignorar o movimento de terras ocasionado pelas intervenções do Governo

(Gráfico 12), majoritariamente a partir de desapropriações para o Projeto Baixo-Açu

(com exceção única da intervenção de 1987 feita pelo INCRA) . Nota-se que, entre

1979 e 1984, o Governo, através do DNOCS, desapropriou cerca de 2.500 ha de terras

para o Projeto Baixo-Açu, interferindo diretamente em mais de 70 propriedades.

Gráfico 12 - Movimento de terras com intervenção do Governo por área (1979 a 1992)

0

500

1000

1500

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

Movimento de terras com intervenção do governo por área (1979 a 1992)

Área - ha

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)

No início de 1990, grande parte das terras de várzea de Ipanguaçu já pertencia a

empresas agrícolas, ficando com os produtores tradicionais e pequenos proprietários do

lugar uma pequena parcela das terras que antes eram suas. Esse movimento de compra

Page 205: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

de terras por empresas agrícolas, conforme foi visto, alterou profundamente a estrutura

fundiária de Ipanguaçu, concentrando as terras nas mãos de grupos empresariais que na

sua maioria não pertenciam ao referido Município. Essa alteração se deu,

principalmente, nas terras mais férteis - terras de várzea -, porque era onde a renda

diferencial oferecida era mais alta. Como se observa no Gráfico 13, a compra por

grupos empresariais foi direcionada principalmente para as localidades de Ubarana e

Arapuá, áreas vizinhas, conhecidas pelos solos férteis na parte norte da várzea do

município de Ipanguaçu.

Gráfico 13 - Compra e venda por área e principais localidades (Empresas) (1979 a 1992)

010002000300040005000

Arapuá

Baldum

Corrego do

Maia

Cuó

Havaí

Japiaçu

OlhoD

água

Ubarana

Veneza

Compra e venda - Empresas - por área e principais localidades (1979 a 1992)

Área -ha

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)

No Quadro 32, pode-se observar quais foram as empresas que compraram mais

terras, se compraram de outra empresa agrícola e em que período ocorreram as

principais compras.

Nesse contexto, percebe-se que havia um predomínio de dois tipos de empresas

agrícolas, a saber:

- as que trabalhavam com a cotonicultura irrigada para abastecer suas indústrias,

que beneficiavam as fibras de algodão, das quais são exemplos a FINOBRASA, a

Algodoeira “Âncora” LTDA, a Algodoeira “São Miguel” S/A, a Companhia Nacional

de Estamparia e a Agropecuária “São Guilherme” (empresa do grupo GIORGI), e

- as empresas que trabalhavam com a fruticultura irrigada para abastecer o

centro-sul do País e até o mercado externo, em alguns casos. São exemplos desse tipo

Page 206: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

de empresas agrícolas a “Frutas do Nordeste LTDA” (FRUNORTE) e a Agropecuária

“Seridó”.

Com base também nesse Quadro, nota-se que, como já mostrava o Gráfico 11,

os anos que tiveram o maior movimento de compra e venda de terras pelas empresas

agrícolas foram os do período de 1986 a 1989. Nesses anos ocorreram mais de 2/3 de

todas as negociações de compra e venda de terra envolvendo empresas agrícolas - a

maioria delas na localidade de Ubarana, mas também nas localidades de várzea

chamadas de “Veneza”, “Baldum”, “Arapuá” e “Cuó”.

Observa-se também que o maior comprador de terras do Município é a

FINOBRASA, que começou sua ação em 1985, continuando o processo de compras até

quase o final do período estudado - 1991.

Quadro 32 - Compra e venda de terras das empresas agrícolas em Ipanguaçu por área e localidade (1979 a 1992)40 Ano Empresa Situação Área (ha) Localidade 1980 Itapetinga Agroindustrial S/A Compra 19,2 Pedrinhas 1982 Algodoeira “Âncora” LTDA Compra 242 Ubarana 1982 Algodoeira “Âncora” LTDA Compra 44,7 Ubarana 1982 Algodoeira “São Miguel” S/A Compra 25,1 Ubarana 1982 FARCOL – Fazendas

Reunidas Constantino S/A Venda 257,3 Ubarana

1982 Algodoeira “Âncora” LTDA Compra 257,3 Ubarana 1983 Algodoeira “Âncora” LTDA Compra 32,5 Ubarana 1983 AGROSOL – Agricultura de

Mossoró LTDA Compra 85 Havaí

1984 Algodoeira “São Miguel” S/A Compra 41,2 Ubarana 1984 Algodoeira “São Miguel” S/A Compra 38,7 Ubarana 1984 Algodoeira “São Miguel” S/A Compra 30,2 Ubarana 1985 FINOBRASA Compra 5 Havaí 1986 FINOBRASA Compra 185,8 Ubarana 1986 FINOBRASA Compra 40 Ubarana 1986 Algodoeira “São Miguel” S/A Compra 36,3 Ubarana 1986 AGROSOL – Agricultura de

Mossoró LTDA Venda 85 Havaí

1986 FINOBRASA Compra 85 Havaí 1986 Agropecuária Vale do Açu

LTDA Compra 318,7 Olho Dágua

1986 FINOBRASA Compra 87,1 Olho Dágua 1986 FINOBRASA Compra 43,5 Havaí 1986 FINOBRASA Compra 1,6 Havaí

40 No Quadro 32, foram colocadas em destaque (negrito) as operações de compra e venda feitas

entre as próprias empresas agrícolas. Quando a negociação de compra e venda não envolve duas empresas agrícolas, mas apenas uma empresa e uma pessoa física, essa negociação não aparece em destaque.

Page 207: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

1986 FINOBRASA Compra 33,8 Ubarana 1986 FINOBRASA Compra 9,9 Havaí 1986 Montenegro Agroindustrial –

MASA Venda 190 Itú

1986 FINOBRASA Compra 190 Itu 1986 Fazendas Reunidas

Constantino LTDA – FARCOL

Venda 584,5 Ubarana

1986 FINOBRASA Compra 584,5 Ubarana 1986 FINOBRASA Compra 124,4 Veneza 1986 FINOBRASA Compra 85,6 Japiaçu 1986 FINOBRASA Compra 40 Ubarana 1986 FINOBRASA Compra 7 Havaí 1986 FINOBRASA Compra 40 Ubarana 1986 Agropecuária “Vale do Açu”

LTDA Compra 318,7 Olho Dágua

1986 FINOBRASA Compra 24 Pau do Jucá 1987 FINOBRASA Compra 174,2 Capivara 1987 FINOBRASA Compra 71,3 Ubarana 1987 FRUNORTE – Frutas do

Nordeste LTDA Compra 30,7 Sacramentinho

1987 FINOBRASA Compra 51,3 Veneza 1987 FINOBRASA Compra 16 Arapuá 1987 FINOBRASA Compra 20 Arrapuá 1987 FINOBRASA Compra 721,3 Arapuá 1987 FRUNORTE – Frutas do

Nordeste LTDA Compra 27,5 Pau do Jucá

1987 Agropecuária “Seridó” LTDA Compra 12 Japiaçu 1987 FINOBRASA Compra 154,2 Ubarana 1987 FINOBRASA Compra 295,2 Arapuá 1987 FINOBRASA Compra 25,7 Arapuá 1987 FINOBRASA Compra 121,7 Arapuá 1987 FINOBRASA Compra 83,6 Arapuá 1988 FINOBRASA Compra 16,5 Arapuá 1988 FINOBRASA Venda 11,3 Japiaçu 1988 FINOBRASA Venda 39,5 Japiaçu 1988 M. M. de Medeiros Compra 153 Cuó 1988 Algodoeira “São Miguel” S/A Venda 821,4 Ubarana 1988 Companhia Nacional de

Estamparia Compra 821,4 Ubarana

1988 Algodoeira “São Miguel” S/A Venda 422,4 Ubarana 1988 Companhia Nacional de

Estamparia Compra 422,4 Ubarana

1989 FINOBRASA Compra 8,2 Veneza 1989 Agropecuária “São Guilherme”

LTDA Compra 101,2 Baldum

1989 Agropecuária “São Guilherme” LTDA

Compra 49,8 Baldum

1989 Agropecuária “São Guilherme” Compra 101,2 Baldum

Page 208: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

LTDA 1989 Companhia Nacional de

Estamparia Venda 399 Ubarana

1989 Pereira da Silva Empreendimentos Imobiliários LTDA

Compra 399 Ubarana

1989 Companhia Nacional de Estamparia

Venda 422,4 Ubarana

1989 Pereira da Silva Empreendimentos Imobiliários LTDA

Compra 422,4 Ubarana

1989 FINOBRASA Compra 8 Veneza 1990 FINOBRASA Compra 54,3 Veneza 1990 FINOBRASA Compra 54,3 Veneza 1990 FINOBRASA Compra 12,9 Veneza 1990 FINOBRASA Compra 48,7 Arapuá 1991 Agropecuária “São Guilherme”

LTDA Compra 139,3 Cuó

1991 FRUNORTE – Frutas do Nordeste LTDA

Venda 27,5 Pau do Jucá

1991 Agropecuária “São Guilherme” LTDA

Compra 31,2 Baldum

1991 FINOBRASA Compra 311,1 Passagem Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu

Com os dados contidos no referido Quadro, fica evidenciado que a maioria das

negociações de compra e venda de terra se deu entre pessoas físicas e empresas

agrícolas (cerca de 80% das transações de compra e venda) e que apenas 20% do total

negociado ocorreram entre as próprias empresas agrícolas. Isto significa que a maior

parte das propriedades pertencia a pessoas (pessoa física) em geral do lugar e que,

depois da construção da Barragem, tal realidade se modificou: as propriedades agrícolas

passaram para as mãos das empresas rurais (pessoa jurídica), causando, com isto, um

maior nível de concentração fundiária.

Observa-se, também, que as negociações de terras feitas entre as próprias

empresas rurais envolvem um grande volume de terras, sendo este quase sempre

superior a 200 ha por negociação de compra e venda, chegando a patamares superiores a

800 ha por negociação.

A negociação entre empresas, apesar de representar apenas 20% do total de

propriedades negociado, tem um peso muito maior, quando se leva em conta não

somente o número de propriedades negociadas, mas também a área negociada. Com

isto, a importância desse tipo de negociação entre empresas rurais sobe, representando

Page 209: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

muito mais de que apenas 20%. Somente nos anos de 1988 e 1989, as negociações entre

as empresas rurais, para a compra e venda de terras, atingiram patamares superiores a

80% da área negociada nesses anos.

Se se levar em conta as compras de terras entre empresas e as de terras entre

empresas e pessoas físicas, ter-se-á como saldo desse período um intenso processo de

concentração fundiária que vai afetar sobremaneira o preço da terra no município de

Ipanguaçu.

Segundo Silva (1999, p.310), “

[...] a constituição de um mercado de terras com essas características levou ao estabelecimento de patamares tão elevados de valorização de terras, que aos poucos foram eliminados desse mercado os investidores locais, constituindo-se no que se convencionou chamar ‘economia de forasteiros’.

Esse processo de compra de terras e de concentração fundiária vai causar um

grande impacto sobre as populações das áreas atingidas por ele. Muitas pessoas vão se

lembrar com emoção do tempo antes e depois das chamadas “firmas” - termo usado

pelos populares que moram nas localidades atingidas pela compra de terras nesse

período.

[...] a gente tinha seu roçado, quando batia o inverno cada cá tinha que plantar o seu roçado né [...] hoje ninguém pranta é tudo parado, é difícil [...] tem gente por ai que planta de algoação né e ai as firma tomou conta do vale e ninguém pode mais trabalhar né [...] de primeiro a gente tinha o roçadozinho, tinha o feijão, a batata, o milho, o algodão, pra comprar a roupinha [...] hoje só dá somente pra despezasinha que a gente faz, e mal (informação verbal)41. No tempo que eu era mais nova eu achava melhor o tempo de plantiu, né, agente plantava, tinha o que comer, tinha o que vender. E na firma você sabe que você só tem aquele totalzinho certo de ganhar né. A não ser que um pegue uma sortinha maior que faça uma hora extra, uma coisa, que quebre o galho melhor [...]Você sabe, o pião vem só pra sofrer, só entra ganhando salário e só sai ganhando salário. E um salário hoje em dia, agente vive porque de qualquer maneira agente vive, não dá pra sobreviver não (informação verbal)42.

Com o território começando a se concentrar nas mãos das empresas agrícolas,

têm-se assim novos comportamentos desses territórios, com novas formas de produção

de alimentos, de circulação de insumos, de ideias e de informações, além do aumento do

capital de giro no Município. É a irradiação do meio técnico-científico-informacional

que se instala em Ipanguaçu.

41 Informação obtida através de entrevista com o morador do Sítio Ubarana, em Ipanguaçu, em 24 de fevereiro de 2005. 42 Informação obtida através de entrevista com a moradora do Povoado “Base Física”, em Ipanguaçu, em 24 de fevereiro de 2005.

Page 210: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

4.2.4 Impactos da Chegada das Empresas Agrícolas no Mercado de Trabalho e nas

Relações de Trabalho de Ipanguaçu

Essa concentração de terras e a valorização do seu preço resultam num aumento

em todas as rendas da terra. Aliás, com a chegada das empresas agrícolas em Ipanguaçu,

dá-se também uma tendência a mudanças nas rendas da terra que existiam nesse

Município, o qual, assim como toda a região do Baixo-Açu, utilizava-se muito de

rendas da terra pré-capitalistas, antes da chegada das empresas agrícolas. Nesse período,

muitos agricultores já não eram donos de terras, por causa do índice elevado de

concentração fundiária que já existia na região, o que os levava a submeter-se aos donos

da terra pagando a renda pré-capitalista.

Muitos eram meeiros, ou seja, pagavam a renda da terra em produtos - nesse

caso, 50% da produção tinham que ser pagos para o proprietário de terras. Nos últimos

anos, a parceria estava sendo bastante utilizada na região. Ela era uma forma de renda

da terra em produtos. “O proprietário entra com a terra cortada, com o cacimbão, com a

energia, com o motor e o plantador com o trabalho; aí dividem meio-a-meio, as

despesas e o lucro.” (SILVA, 1992, p.71).

Segundo o referido autor, a parceria continuaria sendo uma opção, até mesmo

com a chegada das grandes empresas à região na década de 1980 - uma opção,

principalmente para os proprietários que não tinham recursos financeiros, nem mão-de-

obra qualificada e nem tecnologia.

Entretanto, para as grandes empresas que chegavam, como as que foram citadas

no Quadro 32, a parceria não existia. Estas, que tinham um elevado padrão tecnológico,

utilizavam-se na sua maioria do assalariamento permanente ou temporário.

Com o crescimento das empresas em Ipanguaçu, crescia o assalariamento e ao

mesmo tempo começava a declinar a extração da renda da terra pré-capitalista em

produto, como a parceria.

Análise de dados do Ministério do Trabalho

Com base em dados plotados do banco de dados da Relação Anual de

Informações Sociais - RAIS, do Ministério do Trabalho e Emprego (1985-2008),

observa-se no Quadro 33 o número de trabalhadores assalariados por setor de atividade

econômica, durante o período de 1985 a 1992, no município de Ipanguaçu. Vale

Page 211: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

lembrar que 1985 foi o ano em que se iniciou a série estatística da RAIS, feita pelo

Ministério do Trabalho, daí porque não se têm dados anteriores a esse período no

referido banco.

Observando o Quadro 33, nota-se claramente o aumento da importância do Setor

da Agropecuária frente os outros setores na geração de empregos assalariados durante a

série histórica estudada em Ipanguaçu, passando de um número de 99 empregados

assalariados, em 1985, para um pico de 606, em 1989. Esse aumento está vinculado

diretamente à chegada de grandes empresas agrícolas nesse Município, principalmente

com o advento da FINOBRASA. Essas empresas vão se utilizar, prioritariamente, do

trabalho assalariado, renegando métodos tradicionais de parceria que existiam em toda a

região do Vale do Açu.

Com a chegada dessas empresas agrícolas, o Setor Agrícola passa a ser o setor

com o maior numero de empregos assalariados do município de Ipanguaçu,

ultrapassando a indústria de transformação (principalmente as cerâmicas), tradicional

fonte de empregos assalariados do Município.

Observa-se no Quadro 33 que nos anos de 1989 até 1991 o Setor Agropecuário

vai ser o setor com maior geração de empregos daquele município, chegando a

representar, em 1989 e em 1990, mais da metade de todos os empregos de carteira

assinada.

Quadro 33 - Ipanguaçu: Vínculos ativos por setor de atividade econômica (1985-1992) Setor 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 Extração Mineral 0 0 0 0 0 0 0 0 Ind. Transformação

295 337 360 326 320 252 285 143

Serv. Indústria 0 0 0 0 0 2 3 2 Construção Civil 0 0 0 0 0 0 0 0 Comércio 12 13 15 13 11 12 12 4 Serviços 20 18 19 26 27 27 26 18 Adm. Pública 113 142 156 0 166 188 0 208 Agropecuária 99 56 72 172 606 587 383 6 Total 539 566 622 537 1137 1077 718 411 Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho e Emprego (2011). Dados organizados pelo autor.

Em 1991 e 1992, o quadro se reverte, tanto na geração geral de empregos

assalariados municipais, quanto na de empregos agrícolas. Tem-se uma forte contração

do emprego assalariado que cai de 1137, em 1989, para 411, em 1992, agravando a

situação do emprego formal no município. No Setor Agropecuário, o trabalho

Page 212: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

assalariado praticamente sumiu em 1992. Era a época em que várias empresas agrícolas

estavam abandonando a produção por problemas econômicos.

Sobre o perfil ocupacional do período citado, pode-se inferir, segundo dados

apurados do banco de dados da RAIS, do Ministério do Trabalho, no período de 1985

até 1992, que se tem um perfil ocupacional sendo direcionado gradativamente para as

ocupações agrícolas assalariadas durante todo o período estudado, com exceção dos

primeiros anos da década de 1990, quando se observa claramente um nível de emprego

baixo em todos os setores analisados, principalmente no Setor Agrícola, onde o

emprego assalariado quase sumiu em 1992.

Em 1985, Ipanguaçu tinha como principais ocupações em número de

assalariados as seguintes profissões: ceramistas, com 206 empregados, representando

quase a metade dos 539 empregados assalariados do Município; e, em segundo lugar, os

trabalhadores agropecuários, com 92 empregados assalariados (RAIS, MINISTÉRIO

DO TRABALHO E EMPREGO, 2011).

Com o aumento da compra de terras por empresas agrícolas voltadas para a

irrigação, principalmente com a atuação da FINOBRASA, até o ano de 1988, tem-se

uma mudança significativa nos empregados assalariados voltados para a agropecuária,

que passam a somar em 1989 o pico já indicado no Quadro 33, de 606 empregados

assalariados, sendo que só trabalhando com o algodão estavam 203 empregados, quase

a mesma quantidade dos trabalhadores assalariados ceramistas (214) (RAIS,

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2011).

Esses empregados assalariados da agropecuária, principalmente os ligados à

produção de algodão, tinham, em 1989, uma média salarial maior que um salário

mínimo por mês. Observa-se que essa média chegava a quase 1,5 salários mínimos por

empregado - uma média superior à média paga, por exemplo, pela indústria ceramista,

que pagava ligeiramente abaixo de um salário mínimo nesse ano (RAIS, MINISTÉRIO

DO TRABALHO E EMPREGO, 2011).

Já em 1992, em plena crise do emprego em todos os setores municipais, nota-se,

segundo as estatísticas da RAIS, que os empregados assalariados agrícolas vão

desaparecer, restando uma ínfima parte deles - só seis, de acordo com os dados do

Quadro 33, notando-se, além do mais, que a renda média era muito inferior a um salário

mínimo (RAIS, MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2011).

As populações das localidades atingidas sentem essa mudança do sistema da

renda pré-capitalista em produto para o assalariamento e a rigidez das empresas em não

Page 213: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

admitirem mais esse tipo de renda. O depoimento abaixo parece elucidativo e explica

melhor essa questão:

[...] a gente pagava renda, meu pai pagava renda ao dono da terra, essa mesma terra aqui [...]venderam a FINOBRASA, quando morreu venderam tudo [...]você vê compraram e trabalharam em uma parte [a FINOBRASA] e ficou essa parte ai, muito terreno desocupado e mas não dão pra gente plantar um pé de feijão, não dão pra plantar um pé de milho, aí o inverno bate, mas a gente não planta porque eles não dão, porque ta aí sobrando, mas eles não plantam (informação verbal)43.

Além do assalariamento, as empresas que chegaram a Ipanguaçu também

mudaram a forma de produzir com relação aos insumos e à tecnologia utilizada. Cada

vez mais, elas se inseriam na lógica global com o consumo de muitos insumos que

vinham de fora, como a tecnologia de irrigação, que algumas firmas buscavam fora do

País, e até com tecnologia israelense.

Essas tecnologias fazem com que essas empresas extraiam não só a Renda

Diferencial I (advinda da fertilidade dos ricos solos das várzeas de Ipanguaçu), mas

também potencializem a Renda Diferencial II. Tais empresas agrícolas também

mudaram os rumos da produção agrícola do Município, como se verá a seguir.

4.2.5 Impactos da Chegada das Empresas Agrícolas na Produção Agrícola de Ipanguaçu

Com o início da instalação de empresas agrícolas no município de Ipanguaçu

(que começa a ocorrer no final da construção da Barragem de Açu e se intensifica logo

após a construção), começa a haver um processo de mudança estrutural na produção

agrícola municipal, no qual vai se destacar a cotonicultura para o mercado interno, em

um primeiro momento, e depois vai se firmar a fruticultura irrigada, como produção

emergente, voltada para o mercado interno e externo.

Esse processo de mudança na produção agrícola de Ipanguaçu vai ser danoso

para os produtos tradicionais e de subsistência, pois alguns vão perder espaço para a

fruticultura irrigada.

Para se entender melhor esse processo de mudança da produção agrícola de

Ipanguaçu, resolve-se analisar o desempenho de seis produtos agrícolas durante o

processo de inserção das empresas agrícolas no Município.

43 Informação obtida através de entrevista com o morador do Sítio Ubarana, em Ipanguaçu ,em 24 de fevereiro de 2005.

Page 214: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Dos seis produtos analisados, três são tradicionais e de subsistência, bastante

utilizados até então naquele Município (o feijão, o milho e a batata-doce), e os outros

três (o algodão herbáceo, a banana e a manga) são produtos voltados para o mercado

interno e externo. Serão analisadas a área plantada de cada produto e a quantidade da

produção.

Para isto, foram utilizados os dados da Produção Agrícola Municipal (PAM) do

IBGE, durante o período que vai do início da construção da Barragem de Açu (1979) até

o ano de 1992 (excetuando-se o ano de 1983, porque não houve registro no IBGE da

Produção Agrícola Municipal). Segue-se, assim, o mesmo período de tempo da análise

feita em cima das mudanças fundiárias.

Antes da entrada das empresas, tinha-se uma grande produção agrícola no

Município de produtos tradicionais e de subsistência. A partir do início da construção da

Barragem, observa-se, porém, conforme dados do Gráfico 14, uma depressão na área

colhida da produção tradicional, sendo o ano de 1980 um dos mais fracos para as

culturas analisadas. Vale lembrar que, entre 1979 e 1983, o semiárido nordestino era

vítima também de uma grande seca.

Depois do início da construção da Barragem, constata-se uma queda contínua na

área de plantio da batata-doce, começando no ano de 1982 e se acentuando depois do

final da sua construção e da chegada das empresas agrícolas. Em 1992, a área colhida

dessa cultura foi de apenas 71 ha.

Gráfico 14 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1979 a 1992) – Produtos Tradicionais Área Colhida (HA).

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1979 A 1992) - PRODUTOS TRADICIONAIS - ÁREA

COLHIDA (HA)

0

500

1000

1500

2000

1979

1980

1981

1982

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

ANO

ÁR

EA

- H

A

Feijão

Milho

Batata-doce

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1980, 1981, 1982, 1983, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)

Page 215: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Já com relação ao feijão e ao milho, suas áreas plantadas se mantiveram, mesmo

de forma irregular, durante todo o período analisado. Vale lembrar que algumas

empresas agrícolas de Ipanguaçu, como a FINOBRASA, utilizaram tanto o milho

quanto o feijão na agricultura irrigada, embora, analisando-se com mais detalhes o

Gráfico 14, observe-se um relativo decréscimo, depois de 1981, dessas culturas em

relação à área colhida, decréscimo este que se aprofunda nos anos de 1985 a 1987,

quando entravam muitas empresas em Ipanguaçu. Depois, entre 1988 e 1992, tem-se

uma área colhida maior de feijão, mas irregular, se se levar em conta o início do

período, um pouco menor. Já o milho mantém uma área colhida maior, chegando a

ultrapassar em alguns anos o feijão. Porém, tanto em um quanto em outro, a área

colhida tende a se reduzir com o passar da década de 1980 - fruto da capitalização da

terra no Município e seu uso para a agricultura de mercado.

O início da construção da Barragem marcou, para os produtos de mercado, o

início de um processo de crescimento da área colhida, como se pode ver no Gráfico 15.

Esse crescimento vai ser progressivo para a banana e a manga, principalmente

no final da década de 1980 e início da de 1990, com a consolidação das empresas de

fruticultura na área. Como exemplo de tal crescimento nesse período, destaca-se a

banana, que, entre 1987 e 1992, cresceu mais de 50% (a área era de 118 e foi para 185

ha) e principalmente a manga, cuja área colhida cresceu, entre 1989 e 1992, mais de

1000% (a área era de 23 e foi para 335 ha). Já a área do algodão herbáceo vai oscilar de

forma muito brusca durante os anos posteriores à inauguração da Barragem de Açu.

Em um primeiro momento, a área colhida desse tipo de algodão vai subir de

menos de 500 ha para mais de 1500 ha e depois fica oscilando entre aproximadamente

400 ha a 1500 ha, até o final da década de 1980 e início da de 1990, quando começa a

perder fôlego para a fruticultura, principalmente a manga e depois a banana.

Page 216: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 15 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1979 a 1992) – Produtos de Mercado – Área Colhida (HA).

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1979 A 1992) - PRODUTOS DE MERCADO - ÁREA COLHIDA (HA)

0

500

1000

1500

200019

79

1980

1981

1982

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

ANO

ÁR

EA

(H

A)

Algodão Herbáceo

Banana

Manga

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1980, 1981, 1982, 1983, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)

Vale lembrar que, durante a década de 1980, o algodão de Ipanguaçu, assim

como o do resto da região do Baixo-Açu, passou por momentos de alta e baixa área

colhida.

Logo no início da década de 1980,

[...] a Fazenda São Miguel, [que] conseguia realizar uma experiência vitoriosa, plantando algodão adubado e irrigado no Vale do Açu, alcançava um índice recorde de produtividade de três mil quilos por hectare. Era o maior índice de produtividade do algodão no mundo. (SANTOS, 2001, p.301).

Mas, em junho de 1984, a praga do bicudo era identificada pela primeira vez no

Rio Grande do Norte, levando nos anos posteriores a uma queda maior da produção e a

uma oscilação da área colhida de algodão, já que essa praga reduzia a produção de

algodão em caroço em aproximadamente 80%, quando não havia combate, e em 40%,

quando havia aplicações de defensivos agrícolas (SANTOS, 2001). Vale lembrar que há

longas datas a produção de algodão no semiárido nordestino já apresentava queda,

devido a vários fatores, dentre eles a produção sintética de tecidos derivados de petróleo

feitas pelo polo petroquímico de Camaçari e a substituição do óleo de algodão pelo óleo

de soja (CLEMENTINO, 1986).

Em relação à quantidade produzida dos produtos tradicionais de Ipanguaçu,

durante o período de 1979 a 1992, tem-se um significativo decréscimo (Gráfico 16),

principalmente no que se refere à produção de batata-doce, que, assim como sua área

Page 217: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

colhida, recuou muito logo depois do início da construção da Barragem, continuando a

recuar durante todo o período analisado: de uma produção de mais de 3.000 toneladas

em 1981, passou para uma inferior a 500 toneladas no ano de 1992.

Em relação ao feijão e ao milho tem-se uma contradição entre as áreas colhidas e

as quantidades produzidas, sendo aquelas muito superiores a estas, o que chega a

refletir, em alguns casos, a baixa taxa de rendimento kg/ha nessas culturas. Nota-se que

quase sempre tanto o milho quanto o feijão têm sempre uma quantidade produzida

inferior a 500 toneladas, oscilando quase sempre entre 500 toneladas e quase o zero.

Gráfico 16 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1979 a 1992) – Produtos Tradicionais –Quantidade Produzida (T).

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1979 A 1992) - PRODUTOS TRADICIONAIS -

QUANTIDADE PRODUZIDA (T)

0500

100015002000250030003500

1979

1980

1981

1982

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

ANO

QU

AN

TID

AD

E (

T)

Feijão

Milho

Batata-doce

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1980, 1981, 1982, 1983, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)

Com relação aos produtos de mercado44 (Gráfico 17), nota-se que há um

crescimento da produção, principalmente no começo da década de 1990, da banana e da

manga, por causa da atuação de grandes empresas agrícolas em Ipanguaçu. Entre 1987 e

1992, a banana teve um crescimento significativo de sua produção, passando de 221

para 347 toneladas, um crescimento superior a 50%. Mas o crescimento, nesse mesmo

período, da manga foi muito superior, ofuscando inclusive esses dados no Gráfico. A

produção dessa fruta entre 1987 e 1992 passou de 411 para 11.323 toneladas, o que

representa um crescimento de quase 3000%.

Sobre o algodão herbáceo, sua produção variou muito durante esse período, de

modo parecido ao da variação da área plantada, chegando a picos de produção, como no

ano de 1984 e 1990, e a quedas bruscas em vários anos do período estudado. 44 São os produtos voltados para o mercado interno e externo, sendo comercializados nos grandes centros nacionais e até internacionais.

Page 218: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Como falado anteriormente, ocorreu nessa década a maior produtividade do

mundo por hectare do algodão e também a emergência de uma praga que abalou a

produção dessa malvácea. Com relação ao Gráfico 17, convém não se deixar iludir, pois

nesse Gráfico, para poder comportar o crescimento extraordinário da produção de

banana, foi apresentada uma escala de valores bem elevada, indo até 12.000 toneladas, o

que fez com que a produção de algodão ficasse ofuscada por causa dos dados da

produção de manga. Pode-se ver claramente, porém, que, em alguns anos da década de

1980, com a atuação de muitas empresas ligadas à área de cotonicultura irrigada, a

produção de algodão, apesar das variações, chegou a picos de quase 2.000 toneladas

produzidas e, no início da década de 1990, surpreendeu com picos de aproximadamente

3.000 toneladas produzidas, quantidade muito superior à da banana e à dos produtos

tradicionais, como o milho, o feijão e a batata-doce.

Com a chegada e a estruturação das empresas agrícolas de fruticultura e com o

mercado externo favorável ao consumo das frutas, o início da década de 1990 vai se

apresentar para Ipanguaçu como uma nova oportunidade para a produção e exportação

de frutas.

Gráfico 17 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1979 a 1992) – Produtos de Mercado – Quantidade Produzida (T).

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1979 A 1992) - PRODUTOS DE MERCADO - QUANTIDADE PRODUZIDA (T)

0

2000

4000

6000

8000

10000

12000

1979

1980

1981

1982

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

ANO

QU

AN

TID

AD

E (

T)

Algodão Herbáceo

Banana

Manga

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1980, 1981, 1982, 1983, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)

Constata-se, portanto, que a construção da Barragem de Açu e a posterior vinda

de empresas agrícolas para o Município trouxeram alterações substanciais para o

mercado de terras da região, intensificando em muito a concentração fundiária, com a

vinda das empresas agrícolas, além de influir de forma decisiva no mercado trabalho

assalariado municipal, trazendo a atividade agropecuária para o centro de geração de

Page 219: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

emprego assalariado naquela região, isto sem falar na alteração da sua produção

agrícola, com a emergência da fruticultura irrigada, mais particularmente a da manga e a

da banana, e com a queda da produção dos produtos tradicionais que eram bastante

cultivados, como a batata-doce.

A Barragem e o advento das empresas agrícolas trouxeram também alterações

para a extração da renda da terra, que era feita, conforme já foi visto, em grande parte,

por rendas pré-capitalistas, como a parceria. Com a chegada das empresas, começa-se a

praticar o assalariamento.

Essas empresas que chegam a Ipanguaçu vão também se beneficiar da Renda

Diferencial I (pelas suas terras férteis e bem localizadas, com acesso fácil ao

escoamento por estradas e portos), contribuindo, inclusive, para intensificar em muito a

Renda Diferencial II, com suas novas tecnologias de aproveitamento do solo e insumos

de toda ordem.

Afora tudo isto, a Barragem e a posterior vinda dessas empresas inseriram de

forma definitiva Ipanguaçu no meio técnico-científico-informacional, por meio das

técnicas que começaram a ser utilizadas no Município, através das empresas agrícolas e

da circulação de ideias e de informações necessárias a esses grupos, inserindo, portanto,

o Município na Revolução Verde com o uso dessas tecnologias, insumos e métodos.

4.3 Anos 90: Liberalização do Comércio, Vinda do Capital Multinacional,

Reconcentração Fundiária e Reconfiguração das Relações de Trabalho

Nesta parte se estudará a chegada do capital multinacional em Ipanguaçu, tendo

como espaço temporal o período que vai de 1993 a 2002. Esse período foi escolhido por

ser 1993 o ano em que foram concluídas as negociações da Rodada Uruguai, que incluía

a Agricultura nas suas negociações e que previa uma grande liberalização do comércio

agrícola a partir daquele ano nos países associados da OMC, que estava para se

consolidar, inclusive o Brasil.

Outro motivo da escolha desse período é que 1993 também marca o início da

compra de terras em Ipanguaçu por uma empresa associada à Multinacional Del Monte

Fresh Produce.

Page 220: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Durante esse período, retomar-se-á a discussão em torno do contexto da

liberalização comercial em que estava inserido o Brasil (ver Capítulo 1) e que

possibilitou a chegada do capital multinacional em Ipanguaçu. Analisar-se-á o porquê

desse capital ter escolhido a cidade de Ipanguaçu e como se inseriu nesse lugar, que

terminou por se inserir, ele próprio, com mais intensidade, na lógica da Globalização.

Em um segundo momento, serão analisados com detalhes os impactos desse

capital multinacional no mercado de terras, que gerou uma reconcentração fundiária; o

impacto no trabalho assalariado rural municipal através de dados do Ministério do

Trabalho e também nas relações de trabalho que serão reconstruídas a partir da

atuação da Multinacional.

Por fim, serão analisadas as mudanças na produção agrícola municipal a partir

da implantação pela Multinacional da monocultura de banana.

4.3.1 Del Monte Fresh Produce

A marca Del Monte nasceu especificamente na década de 1880, em Oakland, no

estado norte-americano da Califórnia, e foi especialmente desenvolvida por um

distribuidor de alimentos para dar nome a uma mistura de café feita com exclusividade

para o elegante Hotel “Del Monte”, na Península de Monterey (DEL MONTE FOODS,

2011).

A partir de 1892, essa marca começa a ser amplamente utilizada na expansão

dos negócios da firma, mantendo-se, daí para a frente, em todas as linhas de produtos a

serem lançados pela Empresa, a qual, inclusive, passa a encampá-la como seu nome.

No decorrer de boa parte do século XX, a Del Monte diversificou e verticalizou

sua atuação, indo desde a produção de frutas e legumes frescos até a industrialização

desses produtos e sua distribuição nos mercados mundiais.

Em 1968, entra na indústria de bananas com a compra de uma firma na Costa

Rica. No mesmo ano, compra as operações da gigante United Fruit (Chiquita), na

Guatemala, tornando-se, a partir dessas aquisições, a terceira maior Multinacional do

Setor Bananeiro Mundial (WILEY, 2008).

Em 1979, a Multinacional é comprada pela gigante da área de alimentos - a R.J.

Reynolds Indústrias (mais tarde chamada de “RJR Nabisco”). Essa mesma empresa

resolve, em 1989, fatiar a Del Monte em três unidades: Alimentos Processados (Del

Page 221: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Monte Foods USA), Frutas Frescas (Del Monte Fresh Produce) e Internacional

Alimentos e Bebidas (Del Monte Internacional).

Após essa divisão, a RJR Nabisco resolve vender as unidades separadamente

(DEL MONTE FOODS, 2011; KASTELEE, 1998). O braço Del Monte Foods USA foi

vendido para a Myrell Lynch Investment Funds, e o Del Monte Internacional foi para a

Royal Foods of South África. Já o braço Del Monte Fresh Produce foi vendido para o

grupo Polly Peck, que veio a abrir falência em 1992. Após isto, essa unidade foi vendida

para um grupo de investidores mexicanos conhecidos como “Grupo Empresarial

Agrícola Mexicano” (GEAM), encabeçado pelo sr. Cabal, pela quantia de 525 milhões

de dólares (KASTELEE, 1998).

Em julho de 1994, esse Grupo, chefiado pelo referido senhor, anuncia a compra

da Del Monte USA por um bilhão de dólares, com o objetivo de reunir o antigo Grupo

Del Monte e usar todos os direitos decorrentes da marca Del Monte. Mas, no final de

1995, descobre-se que o sr. Cabal tinha feito o empréstimo de um bilhão de dólares para

pagar a Del Monte USA de forma ilegal. Esse senhor então resolve “desaparecer” e o

Governo passa a pressionar o GEAM para vender a Del Monte Fresh Produce.

(KASTELEE, 1998). A venda se dá em 1996, quando a maior parte das ações da

empresa passa para o Grupo IAT, de propriedade da família Abu-Ghazaleh, pelo valor

de 534 milhões de dólares. Esse Grupo tem sede administrativa nos Emirados Árabes

Unidos e é dono do quarto maior exportador de frutas do Chile - a United Trade

Company (UTC). Até os dias atuais, a Del Monte Fresh Produce permanece nas mãos

dessa família árabe (KASTELEE, 1998).

Depois que a Multinacional foi comprada pelos Abu-Ghazaleh, a empresa

apresentou uma melhoria significativa e passou por um rápido processo de centralização

e verticalização de suas operações, com a compra de várias empresas e o aumento da

atuação direta em países com que tinha apenas parcerias - joint-ventures -, como o

Brasil.

Hoje a Del Monte Fresh Produce tem seu principal centro administrativo nas

Ilhas Cayman, na sua capital George Town, tendo como nome de registro oficial “Fresh

Delmonte Produce Inc” e como nome de registro comercial “Del Monte Fresh Produce

Company”. Seu principal escritório nos EUA se localiza em Coral Glabes, no Estado da

Flórida. (NASDAQ, 2005).

Essa Empresa apresenta, como multinacional que é, algumas características que

estão em conformidade com a tendência atual da produção flexível de efetivar

Page 222: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

terceirizações, parcerias, joint-ventures, como coloca Castells (2002), fazendo com que

ocorra a “desintegração vertical da produção em uma rede de empresas, processo que

substitui a integração vertical de departamentos dentro da mesma estrutura empresarial”

(CASTELLS, 2002, p. 215). Entretanto, atualmente, ela investe principalmente em um

processo de compra, incorporações e verticalização intensiva altamente centralizada,

que reforça muito mais a integração vertical em todos os setores da Empresa,

contrariando assim parte da teoria sobre a flexibilização e o pós-fordismo (CASTELLS,

2002).

A Del Monte Fresh Produce tem todas as características citadas por Corrêa

(1991) de uma empresa multinacional, tais como: a ampla escala de operações, com a

manipulação de grandes quantidades de matérias-primas e manufaturados; a natureza

multifuncional, com um intensivo processo de horizontalização e verticalização, com o

controle desde fazendas de frutas, seu transporte por caminhões e navios refrigerados,

terminais aduaneiros e seu beneficiamento até a comercialização nos mercados

desenvolvidos; múltiplas localizações com subsidiárias espalhadas em vários

continentes; e enorme poder de pressão econômica e política na OMC e no Governo

Americano, devido ter sua sede na Flórida (Estados Unidos), sendo a maior empresa

desse estado americano, inclusive mantendo relações próximas com a família Bush, de

modo a um irmão de George Bush Filho (ex-Presidente dos Estados Unidos) fazer parte

da sua diretoria na Flórida (TRIGAUX, 2003).

Essa Multinacional também tem todas as características próprias de grandes

multinacionais do Setor Frutícola, citadas por Gómez (1999): possui terra e adquire

produções de vários países do Mundo; especializa-se em produtos de elevado valor,

como frutas e vegetais frescos, fruta tropical; abastece os mercados com uma ampla

oferta de produtos; etiqueta todos os produtos, utilizando somente uma marca; encontra-

se verticalmente integrada, oferecendo ampla gama de serviços, desde o cultivo direto

ou contrato com os agricultores, financiamento, colheita, embalagem, frete e

comercialização; além de possuir capacidade de coordenar sua estratégia de mercado

para a linha completa de seus produtos em escala mundial.

Quadro 34 - FLUXOGRAMA DO PROCESSO PRODUTIVO DE FRUTAS DA DEL MONTE FRESH PRODUCE Produção Transporte Distribuição e/ou

Industrialização Consumo

- Fazendas próprias (principalmente na banana).

- Caminhões e navios refrigerados próprios.

- Centros de distribuição próprios. - Industrialização

- Supermercados e Grandes redes multinacionais, como

Page 223: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

- Fazendas de plantadores independentes com assistência técnica

própria para sucos, saladas...

o Wal Mart.

Localização - Brasil - Camarões - Costa Rica - Chile...

- Estados Unidos - Europa - Japão, China e Coréia do Sul...

Fonte: Del Monte Annual Report 2005 (2008), Del Monte Annual Report 2006 (2008), Del Monte Fresh Produce (2011), Bananalink (2011). Podem-se observar claramente essas características no Quadro 34, que mostra o

fluxograma do processo produtivo de frutas da Multinacional. Nesse quadro, vê-se que

a Del Monte Fresh Produce tem um elevado nível de verticalização, desde a produção,

na sua maioria processada pelas fazendas próprias, passando pelo transporte nos seus

próprios caminhões e navios refrigerados, que levam as frutas dos lugares mais distantes

do Mundo para o mercado americano e europeu, principalmente. Uma vez nesses

mercados, a Multinacional dispõe de uma rede gigantesca de distribuição própria, além

de fábricas próprias para a industrialização de parte das frutas frescas no Continente

Europeu.

Observa-se também que a Empresa tem atuação espacial em dois conjuntos

diferentes de países. O primeiro conjunto - o de países pobres, subdesenvolvidos - se

destaca nos centros de produção, abrangendo quase a totalidade destes, com exceção do

caso dos centros localizados nos Estados Unidos e na Espanha (ver Quadro 35). Essa

incidência de centros em países pobres se dá principalmente pelas vantagens locacionais

que os lugares subdesenvolvidos proporcionam para a Empresa, resultando em alta

lucratividade. São vantagens como: mão-de-obra barata, com poucos direitos

trabalhistas, infraestrutura hídrica pronta ou de fácil acesso, boa localização frente aos

portos de escoamento da produção, alta produtividade dos solos, ausência de pragas e

intempéries climáticas, baixa tributação ou ausência dela, dentre outras.

Quadro 35 - CENTROS DE PRODUÇÃO DA DEL MONTE FRESH PRODUCE NO MUNDO América do Norte

América Latina

Europa África Oriente Médio

Ásia/Oceania

EUA Brasil Chile Colômbia Costa Rica Equador Guatemala México

Espanha Itália

Camarões Quênia África do Sul

Jordânia Filipinas Nova Zelândia

Page 224: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Fonte: Del Monte Fresh Produce (2011); Fresh Del Monte Produce Inc. 2010 Annual Report (2011). Quando se observa o Quadro 36, que se refere aos centros de distribuição da

Multinacional, percebe-se claramente a presença quase total dos Países Desenvolvidos -

principalmente os EUA - de Países do Continente Europeu e do Japão. É nesses países

que se concentra o mercado consumidor dessa Empresa, principalmente na América do

Norte, com 49 % das vendas em 2010, e na Europa, com 26% das vendas no mesmo

ano (FRESH DEL MONTE PRODUCE INC., 2010; ANNUAL REPORT, 2011) (Ver

Quadro 36).

Os dois mercados juntos detêm 75% das vendas mundiais da Empresa,

representando uma porcentagem muito alta. Isto reflete o poder econômico do mercado

consumidor e sua disposição em consumir produtos frescos – frutas –, levado muitas

vezes pela tendência a uma vida mais saudável - vida saudável é justamente a base de

marketing da Empresa nesses mercados consumidores.

Nota-se também no Quadro 36 a importância crescente do mercado do Oriente

Médio, que já tem representatividade maior que os Gigantes Asiáticos.

Quadro 36 - CENTROS DE DISTRIBUIÇÃO DA DEL MONTE FRESH PRODUCE NO MUNDO E PORCENTAGEM DE VENDAS (2010) América do Norte América

Latina Europa Oriente

Médio e Norte da África

Ásia/Pacífico

- EUA - Argentina - Brasil - Chile

- Alemanha - Polônia - Reino Unido

- Jordânia - Emirados Árabes Unidos - Arabia Saudita - Egito

- China, (Hong Kong) - Japão - Coreia do Sul

Porcentagem de vendas: 49%

- 26% 12% 11%

Fonte: Del Monte Fresh Produce (2011); Fresh Del Monte Produce Inc. 2010 Annual Report (2011). Essa rede integrada, que liga desde a produção, passando pelo transporte, até

centros de distribuição nos mercados consumidores, se fortalece cada vez mais com a

política agressiva de aquisições da Del Monte Fresh Produce, que nos últimos anos

comprou inúmeras empresas, como a Desarollo Agroindustrial de Frutales, S.A,

Melones de Costa Rica S.A e a Frutas de Exportacion S.A, esta última sendo a maior

produtora de abacaxi da Costa Rica (FRESH DEL MONTE PRODUCE INC. 2010

ANNUAL REPORT, 2011).

Page 225: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Vale lembrar que cada área tem um papel bem definido pela Multinacional:

umas são produtoras de frutas frescas, por oferecerem vantagens locacionais

interessantes para a Multinacional - geralmente Países Subdesenvolvidos - e outras são

receptoras de frutas frescas, onde se localizam os mercados consumidores da Empresa,

geralmente em Países Desenvolvidos, que apresentam uma população preocupada com

uma vida mais saudável.

No Relatório Anual dirigido aos acionistas em 2011, a Del Monte lista suas

propriedades, terras e ativos. No Quadro 37, observa-se a localização espacial das suas

terras. A prioridade da Multinacional é sempre o baixo custo e o controle da produção,

como ocorre nas terras utilizadas no Brasil e com a maioria das suas terras próprias na

Costa Rica. Em alguns lugares, devido aos custos e à legislação de terras que não

permitem a compra por estrangeiros, a Multinacional é levada a arrendar terras para a

produção.

Vale salientar que no Brasil, ainda de acordo com dados oficiais da Del Monte,

esta dispõe de mais de 20.000 ha próprios de terra, mas atualmente sem produção, além

dos 3.100 ha em produção.

Quadro 37 - Terras utilizadas na produção da Del Monte Fresh Produce, por país e produto Localização Hectares Próprios

(em produção) Hectares Arrendados (em produção)

Produtos

Costa Rica 42.400 10.900 Banana, abacaxi e melão

Guatemala 5.500 11.000 Banana e melão Brasil 3.100 - Banana Chile 4.300 800 Frutas não-tropicais Quênia - 11.100 Abacaxi Filipinas 200 9.900 Banana e abacaxi Estados Unidos - 4.300 Melões Fonte: Fresh Del Monte Produce Inc. 2010 Annual Report (2011).

Além das terras, a Multinacional ainda detém inúmeras propriedades que são

listadas no Relatório Anual de 2010. Entre elas estão as operações de 22 centros de

distribuição nos Estados Unidos, dois, no Reino Unido, dois, na Polônia, e uma planta

de processamento de frutas e tomates na Grécia. Na Ásia, essa Multinacional opera

quatro centros de distribuição no Japão, três na Coreia do Sul e um em Hong Kong. Na

África, opera no Quênia, com armazém e fábrica de conservas. Na Jordânia, tem

fazendas próprias para aves, além de plantas de processamento. Nos Emirados Árabes

Unidos, tem manufaturas de sucos frescos, operações com corte de frutas e vegetais. Na

Page 226: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Arábia Saudita, tem dois centros de distribuição. Na parte de logística, detém 12 navios

refrigerados próprios para o transporte de frutas e arrenda outros 14, além de ter 4.500

contêineres refrigerados e 170 caminhões refrigerados para a distribuição nos Estados

Unidos (FRESH DEL MONTE PRODUCE INC. 2010 ANNUAL REPORT, 2011).

Quadro 38 - Produtos da Del Monte Fresh Produce/Principais produtos vendidos (2010) Produtos da Del Monte Fresh Produce (2010)

Principais Produtos vendidos (2010)

- Produtos Frescos - Banana - Abacate - Verdes: Repolho, Nabo, Mostarda - Abacaxi - Melões e Melancia - Citrus - Maçã, Cereja - Manga, Mamão - Alho, Tomate, Batata - Produtos Frescos Cortados e Saladas - Preparados de Frutas e Vegetais - Em lata - Em depósitos de plástico para refeições rápidas - Grãos - Trigo - Milho - Soja - Amendoim - Aves Domésticas - Frango

- Bananas - Abacaxi - Produtos frescos cortados - Frutas não-tropicais - Melões - Tomates - Vegetais - Outras frutas - Alimentos processados - Outros produtos e serviços Total

46% 14% 9% 8% 5% 3% 2% 1% 10% 2% 100%

Fonte: Del Monte Fresh Produce (2011); Fresh Del Monte Produce Inc. 2010 Annual Report (2011).

A Del Monte Fresh Produce tem como centro de seus negócios a produção de

frutas frescas, atualmente bastante diversificada, embora a banana se destaque como a

maior vendagem da empresa no Mundo (46%) (ver Quadro 38), estando a Multinacional

em 3º lugar no ranking mundial, atrás apenas das Multinacionais Dole e Chiquita. Além

disto, Del Monte Fresh... está em primeiro lugar no Mundo em vendas de abacaxi, que

representam 14% das suas vendas mundiais. Essa Empresa também vende frutas dos

mais variados tipos, como melões, uvas, citros, maçãs e outras frutas, além de vegetais.

Recentemente, após a compra da indústria de beneficiamento de frutas europeia – a Del

Monte Foods Europe -, a Multinacional também passou a beneficiar as frutas e,

paralelamente a essa aquisição, passou a atuar em outras áreas, como grãos, na

Argentina, e aves, na Jordânia. Mais uma prova da tendência à atuação diversificada da

Multinacional, que pode ser constatada no Quadro 38 (DEL MONTE FRESH

Page 227: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

PRODUCE, 2011; FRESH DEL MONTE PRODUCE INC. 2010 ANNUAL REPORT,

2011).

A respeito do seu ramo de produção mais rentável e que se apresenta no

município de Ipanguaçu no Rio Grande do Norte - a banana –, a Del Monte Fresh

Produce se insere em um mercado que se configura como um oligopólio altamente

concentrado, segundo Chesnais (1996), em que apenas cinco empresas dominam mais

de 70% do comércio mundial dessa fruta (Sobre as multinacionais de bananas e frutas,

ver Capítulo 1) (FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED

NATIONS, 2003).

Mas, devido às características de produção de banana de forma intensiva e com

o uso de defensivos agrícolas, esses grupos multinacionais tendem a causar grandes

impactos ambientais nos países em que estão instalados, além dos impactos de natureza

social, por causa do uso da mão-de-obra e da forma como esta é usada por essas

Multinacionais, e do impacto no mercado de terras e na intensificação da concentração

fundiária, com as constantes compras de terras.

4.3.2 Inserção da Del Monte em Ipanguaçu

A Del Monte Fresh Produce começa a se inserir em Ipanguaçu - RN na década

de 1990, quando ocorre no Brasil um processo de liberalização do comércio, que vai se

intensificar em 1993, com o término das negociações da Rodada Uruguai e com a

pressão do FMI.

O Brasil vai ser um dos países signatários da OMC e um dos participantes do

Acordo sobre a Agricultura da Rodada Uruguai, que liberalizou a produção e o

comércio agrícola em todo o Mundo, com mais intensidade nos Países

Subdesenvolvidos.

Como já falado anteriormente (Capítulo 1), o Acordo sobre Agricultura cobre

três áreas principais: acesso aos mercados, subsídios à exportação e apoio doméstico.

Esse Acordo contribui de forma efetiva para a liberalização do comércio e

consequentemente para a entrada de grandes grupos multinacionais no Brasil, com a

diminuição de tarifas sobre alimentos importados e de subsídios à exportação aos

produtores agrícolas nacionais.

Page 228: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Como decorrência desse Acordo, constata-se que a liberalização do comércio

trouxe um enorme surto de importação, devido à diminuição de tarifas sobre alimentos

importados (o que ocorreu no início do Governo de Fernando Henrique Cardoso),

expulsando muitos trabalhadores rurais e concentrando a propriedade da terra nas mãos

de poucos grupos, muitos deles multinacionais.

Tal Acordo também limita em muito a ajuda que um governo poderia dar a uma

empresa nacional, pois essa ajuda tem que ser a mesma para a Multinacional.

Esses acordos internacionais no âmbito da OMC e as pressões do Banco

Mundial e do FMI vão impor ao Brasil um processo de globalização que vai privilegiar

as exportações e as corporações multinacionais. Um exemplo disto é que, nos últimos

vinte anos, houve um maciço crescimento do comércio de frutas, hortaliças e até de

flores da América Latina para os Estados Unidos, devido a agricultura não tradicional

ser mais lucrativa. Porém, a situação é controlada por grandes proprietários de terras,

ricos investidores e companhias estrangeiras.

Segundo Madeley (2003, p.14),

[...] a globalização econômica e a liberalização do comércio concentraram o poder nas entidades de grande porte que conhecemos como conglomerados transnacionais. Pequenos agricultores não conseguem competir na economia global e são expulsos de suas terras, deixando as portas escancaradas para os conglomerados.

Esse processo atualmente acontece no Brasil nas áreas de produção para a

exportação, como na região do cinturão da soja, no Centro-Oeste, e nas áreas de

fruticultura irrigada de alguns vales férteis do Nordeste. Em um desses vales, o Vale do

Açu, está situado o município de Ipanguaçu.

Como resultado desses acordos e também de uma dívida pública elevada, o

Estado Brasileiro, através de suas reformas, desregulamentou rapidamente o mercado

agrícola e diminuiu drasticamente os recursos para o seu financiamento e para o apoio

tecnológico. Isto aconteceu a partir do Governo Collor, em 1990, com a

desregulamentação do Setor Agrícola e a extinção de vários institutos setoriais, como o

Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA).

Em 1995, Fernando Henrique Cardoso é eleito Presidente, dando sequência às

reformas liberais iniciadas por Collor em 1990. Dentre as reformas, algumas medidas

para desregulamentar os fluxos de capital internacional foram realizadas,

proporcionando-lhe maior liberdade, como o fim da restrição do capital estrangeiro em

setores como o açúcar e o álcool, dentre outros, e a isenção de imposto de renda sobre a

remessa de lucros de filiais de Multinacionais (FERRAZ; LOTTY, 2000).

Page 229: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Além disso, Fernando Henrique tratou também de incentivar, com políticas

públicas, a capitalização do campo por empreendimentos privados, através do apoio à

irrigação privada. “No âmago de seus objetivos, encontra-se a busca da competitividade

para o agronegócio globalizado, centrado na expansão de uma agropecuária intensiva

em capital e tecnologia nas manchas irrigáveis, encabeçada pela iniciativa privada.”

(ELIAS, 2001).

Com esse novo ambiente da atuação do Estado Brasileiro, as empresas agrícolas

nacionais traçaram novas estratégias e as Multinacionais intensificaram sua atuação no

País. Uma das estratégias mais utilizadas pelas grandes empresas agrícolas brasileiras

frente a esse novo ambiente foi a intensificação das fusões e aquisições com as

Multinacionais que estavam investindo mais no País, além das associações estratégicas

com estas.

A intensificação dos investimentos externos diretos dessas Multinacionais no

Brasil não se deveu apenas à liberalização da Agricultura e à desregulamentação dos

capitais e do Setor Agrícola. Deveu-se também às estratégias de integração em redes

globais de comércio das Multinacionais, a partir do aproveitamento de dinâmicas

distintas de crescimento e rentabilidade apresentadas nesses países, como o Brasil.

Com isto se dá o crescimento da atuação de empresas multinacionais em boa

parte dos setores lucrativos da Agricultura e das cadeias produtivas. Um exemplo é o

crescimento do investimento multinacional nos setores de soja, açúcar e cítricos -

setores em que o Brasil é líder de vendas externas

Na década de 1990, nesses setores ocorre a intensificação da participação

estrangeira com a compra de Empresas Nacionais por Multinacionais e a ampliação das

atividades de algumas destas que tradicionalmente operam no Brasil.

No Setor da Soja, tem-se a ampliação e diversificação das operações das

Multinacionais Bunge (EUA) e Cargill (EUA). No Setor Sucroalcooleiro, têm-se várias

joint ventures se formando entre Gigantes Brasileiras e Multinacionais, como no caso da

parceria entre o Grupo COSAN, o maior Grupo Brasileiro exportador de cana de açúcar

do Mundo - e a Union SDA, uma grande Multinacional Francesa, além da participação

de Multinacionais como a Cargill, também nessa área. No ramo de cítricos, tem-se a

participação agressiva também da Cargill, entre outras Multinacionais, que tem

fazendas produtoras de laranja, plantas de processamento de suco de laranja, além de

um terminal portuário específico para exportar o suco e caminhões e navios próprios

para o transporte (ALBANO; COSTA, 2005).

Page 230: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Outro exemplo da intensificação da atuação das Multinacionais no Brasil é a da

chegada da Del Monte Fresh Produce, na década de 1990, nesse contexto de

liberalização e desregulamentação do Setor Agrícola.

Essa Multinacional vai escolher principalmente as chamadas “manchas férteis”

do Nordeste para se instalar, tendo como locais o Vale do Açu (RN), no município de

Ipanguaçu, e o Vale do Baixo Jaguaribe (CE), no município de Quixeré (SECRETARIA

DE COMÉRCIO EXTERIOR, 2011). Em ambos, a Del Monte Fresh Produce vai

produzir frutos para a exportação, sendo que sua unidade de produção de banana vai se

localizar em Ipanguaçu (depois, a Empresa vai expandir suas fazendas para dois outros

municípios vizinhos: Açu e Carnaubais), onde se fará a primeira análise.

Essas escolhas da Multinacional por áreas do semiárido nordestino (como no

caso do município de Ipanguaçu, no Rio Grande do Norte) vão se dar principalmente

em função das vantagens locacionais existentes nessas áreas.

Existem (como já citado no 1º. Capítulo), segundo Dunning (1988 apud

CHESNAIS, 1996, p. 86), inúmeras vantagens que uma Companhia Multinacional,

como a Del Monte Fresh Produce, procura ao se internalizar em um país. Dentre estas,

têm-se:

- Vantagens decorrentes da internalização - economias de transação na aquisição dos

insumos (inclusive tecnologia), redução da incerteza, maior proteção à tecnologia,

controle da validade e das iniciativas, possibilidade de evitar ou de explorar medidas

governamentais (especialmente as fiscais), possibilidade de praticar manipulação de

preços;

- Vantagens decorrentes da localização - recursos específicos do país, qualidade e preço

dos insumos, qualidade das infraestruturas e externalidades (como P&D), custos de

transporte e de comunicação, distância psicológica (língua, cultura...), política comercial

(barreiras tarifárias e não-tarifárias), ameaças protecionistas, política industrial, política

tecnológica e social, subvenções e incentivos para atrair as Companhias.

A Del Monte Fresh Produce resolve escolher o Vale do Açu e o município de

Ipanguaçu atraída tanto pela rentabilidade que passaria a auferir, quanto por uma série

de vantagens locacionais que esse lugar oferece para a Empresa. São elas:

- Infraestrutura Hídrica – Com a construção do macrossistema técnico - a Barragem de

Açu, ou “Armando Ribeiro Gonçalves”, no início da década de 1980 -, passa-se a dispor

de uma infraestrutura que oferece aptidões específicas à produção, colaborando com

uma especialização produtiva que vai possibilitar ao lugar se integrar ao meio técnico-

Page 231: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

científico-informacional. Com essa Barragem, têm-se, assim, as condições necessárias

para a Multinacional desenvolver suas atividades, sem se preocupar com o fornecimento

de água. (SANTOS, 2002a; SANTOS; SILVEIRA, 2001).

- Infraestrutura Logística – Ipanguaçu se localiza em uma região de fácil acesso aos

portos de Natal-RN e Fortaleza-CE, economizando, assim, o frete marítimo, já que estes

ficam entre as fazendas da Multinacional da África (Libéria, Camarões) e as da América

Central (Costa Rica, Guatemala e Panamá).

- Região não Sujeita às Intempéries Climáticas – A Multinacional veio para Ipanguaçu

também por ser uma área não sujeita às intempéries climáticas, uma vez que a Empresa

já teve prejuízo com intempéries nas suas fazendas da Guatemala, perdendo quase 1/3

da sua área plantada em 1998, com a ocorrência do Furacão “Mitch” (COMISSÃO

ECONÔMICA PARA A AMERICA LATINA E O CARIBE, 2000).

- Alta Produtividade do Semi-Árido – As condições naturais de alta fertilidade dos solos

de várzeas (possibilitando o ganho de renda da terra diferencial I), mais o alto índice de

insolação da região fazem com que nesse lugar se tenha um alto grau de produtividade,

como foi atestado pela Fazenda “São Miguel” nos anos de 1980, que conseguiu na

região o maior índice de produtividade do algodão no Mundo (SANTOS; SILVEIRA,

2001).

- Fuga do Fungo “sigatoka negra” - Esse fungo já atinge as plantações da

Multinacional na América Central (Costa Rica, Panamá e Guatemala), proporcionando

um aumento de gasto com tratamentos à base de defensivos agrícolas e perdas de

produtividade e rendimentos. Na região onde se localiza Ipanguaçu, tal fungo ainda não

existe. Isso é um ponto favorável para a instalação da Multinacional nesse lugar

(COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMERICA LATINA E O CARIBE, 2000;

BANANALINK, 2011).

- Alto Custo da Mão-de-Obra Caribenha – Ao lado do alto índice de empregados no

Setor de Banana, no Istmo Americano, principalmente nos países em que a Del Monte

Fresh Produce tem suas fazendas – Costa Rica, Guatemala e Panamá -, existe também

um alto índice de sindicalização e sindicatos fortes, que possuem muito poder de

barganha e elevam o custo da mão-de-obra na região. Em Ipanguaçu não se tem esse

nível de sindicalização e o custo da mão-de-obra é mais barato (COMISSÃO

ECONÔMICA PARA A AMERICA LATINA E O CARIBE, 2000).

- Incentivos Fiscais – A Multinacional se beneficia, no Rio Grande do Norte, de

isenções fiscais, devido o Estado ter colocado em Decreto nº 13.640, de 13 de

Page 232: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

novembro de 1997, a isenção de Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços

(ICMS) para a banana e outros produtos hortifrutigrangeiros (CARVALHO, 2001).

Após perceber todas essas vantagens locacionais, a Multinacional resolve se

instalar no Rio Grande do Norte, embora não tenha chegado a esse Estado, em um

primeiro momento, com suas instalações. A Empresa resolveu fazer uma joint-venture

com um grupo pernambucano chamado “Directivos Agrícola”.

Em Pernambuco, esse Grupo atua no Setor Imobiliário, no Comercial, através de

um Shopping Center, e também no Setor Industrial, com investimentos em usinas de

cana-de-açúcar (CARVALHO, 2001).

A partir de 1992, começa a se fazer estudos para se escolher o local da produção

e para a parceria com a “Directivos Agrícola”. O Grupo Pernambucano queria

diversificar sua área de atuação com a produção e exportação de bananas em Ipanguaçu.

Sabendo que o comércio internacional de bananas é território restrito de poucas

Empresas Multinacionais que formam um oligopólio extremamente concentrado, o

Grupo procura se associar com uma dessas grandes Multinacionais (CARVALHO,

2001).

No mesmo ano, começam as negociações com a Del Monte Fresh Produce para

a constituição de uma parceria.

Foi então celebrado o acordo de parceria, chamado “Projeto Brasil”, segundo o qual, num primeiro momento caberia ao grupo brasileiro, grupo Directivos, todo o esforço financeiro de produção, ou seja, seria de responsabilidade desse grupo todas as inversões iniciais, inclusive na aquisição de mudas, testes de solos, compra de terras, projeto de irrigação, câmara de frios e a produção propriamente dita, cabendo a empresa parceira fornecer a tecnologia de produção, além de assessorar todo processo de desenvolvimento das plantas. A multinacional também ficaria encarregada de comercializar a banana no Mercado Comum Europeu. Em um segundo momento, a empresa multinacional deveria fazer também inversões como se as empresas fossem gêmeas, ou seja, deveria investir o mesmo montante que o grupo nacional investiu (CARVALHO, 2001, p.88).

Celebrada a parceria, tem-se a compra, por intermédio do empresário da

“Directivos”, Eduardo Garcia Fernandes, de 502,4 ha de terras em 25/10/1993, em

Ipanguaçu, terras estas que vão dar origem à fazenda da “Directivos Agrícola”, em

Ipanguaçu (dados do Cartório de Ipanguaçu).

Essa joint-venture aparentemente vai colocar a Del Monte Fresh Produce como

uma Companhia que partilha seus conhecimentos através de parcerias e que segue os

ditames da terceirização, da desverticalização, como já falava Castells (2002) e

Page 233: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Chesnais (1996). Mas esse aparente movimento mudou quando a Multinacional foi

adquirida pela família Abu Ghazaleh, em 1996.

A plantação de banana na fazenda da “Directivos”, em Ipanguaçu, começa a ser

executada em 1995 e o início da produção dessa fruta se deu entre os anos de 1996 e

1997. Mas, no ano de 1996, já sob a administração da família citada, a Del Monte Fresh

Produce resolve unilateralmente quebrar o contrato de parceria.

Segundo Carvalho (2001), essa quebra de parceria por parte da Del Monte Fresh

Produce é entendida, inclusive pela própria Empresa Nacional, como premeditada,

talvez até forjada antes do acordo de parceria.

Segundo conclusões tiradas sobre os fatos que sucedem à quebra de contrato, o

projeto da Empresa Multinacional sempre seria o de comandar autonomamente sua

produção de banana, como acontece nos outros espaços em que ela atua no Mundo. No

entanto, como seu propósito era baseado em investimentos muito elevados, a estratégia

da Empresa foi cautelosa, optando por “testar” seu modelo de produção dentro de um

espaço novo: o clima semiárido do Nordeste.

Em outras palavras, a associação com o Grupo Nacional serviu apenas como

“laboratório”, como função experimental às pretensões finais da Empresa

Multinacional, que era o de encontrar um local no Semiárido que tivesse grande

produtividade e também pudesse implicar custos menores do que os da Costa Rica,

como já desconfiavam, em razão da investida da Dole (a Multinacional Dole também

fez uma parceria na região do Vale do Açu, mas sem sucesso). Entretanto, todo o

prejuízo ficou com a Empresa Nacional, pois, quando houve a constatação de alta

produtividade da banana tipo grand naine, nesse local, deu-se efetivamente a entrada da

Del Monte Fresh Produce, com a quebra do Acordo, que, por sua vez, ancorava as

pretensões do Grupo Nacional (CARVALHO, 2001).

Pode-se chegar à conclusão de que a Empresa usou a parceria como um

laboratório e não como uma estratégia nova de obter lucros com baixo risco. Esse tipo

de empresa multinacional tem como estratégia a verticalização intensiva, utilizando

sempre capital próprio para toda a sua cadeia produtiva, reduzindo assim os custos nessa

cadeia.

Após a quebra de contrato, a Multinacional vai se instalar efetivamente no Vale

do Açu e em Ipanguaçu, com as suas próprias fazendas, o que provocou no Município

um grande impacto e grandes mudanças no relacionamento que esse local passa a ter

com o global.

Page 234: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Impactos das ações da Del Monte Fresh Produce em Ipanguaçu

Com a chegada da Multinacional Del Monte Fresh Produce em Ipanguaçu,

observa-se que esta mantém uma relação diferenciada com o lugar em relação às outras

empresas de capital nacional que chegaram lá na década de 1980.

Observa-se, com base no Quadro 39, que pouco essa Empresa se relaciona com

o lugar. O capital da Multinacional é global e financeiro, não depende da conjuntura

local nem da política de crédito do Governo para a Agricultura.

Quadro 39 - A relação entre fatores de produção e aquisição dos insumos das empresas com os lugares de compra

Elementos da Cadeia

Del Monte Fresh Produce Empresas Locais

1 – Fatores de Produção

Capital Global e Financeiro Local e Empréstimo

Trabalho Global e Local Local

Terra Local Local

Integração Não Faz Difundida

2 – Insumos e serviços

Sementes/mudas Israel Chile, EUA

Adubos/fertilizantes Centro-Sul Centro-Sul

Equip. de Irrigação Israel e Costa Rica Local

Assistência Técnica Local (própria) Local (própria e parcerias)

Defensivos Estados Unidos Local

Mat. De Embalagem Estados Unidos/Costa

Rica/Chile

Centro-Sul

Mat. De Segurança Centro-Sul Local

P & D Israel e América Central Local

Combustíveis Posto Próprio Local

Frota de ônibus Frota Própria Sem Informação

Fonte: Quadro elaborado pelo autor baseado em entrevistas com funcionários da Del Monte Fresh Produce, em 2011, e em Carvalho (2001)

Com relação ao emprego de Fatores de Produção, nota-se que a Multinacional se

utiliza de capital global, com aportes internacionais de milhões de dólares oriundos da

Page 235: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

sua holding, com sede fiscal nas Ilhas Cayman (FRESH DEL MONTE ANNUAL

REPORT 2010, 2011).

Com relação à origem da mão-de-obra, apesar de a Multinacional utilizar a local,

observa-se a utilização de quadros externos nas profissões mais qualificadas. Segundo

um ex-funcionário seu45, discorrendo sobre a origem dos engenheiros agrônomos:

[...] a maior parte são de fora, de outros estados, mas, a maior parte estudaram na Costa Rica [...] la parece que a Del monte tem uma parceria com essa universidade. Deve existir uma espécie de indicação [...] tanto que muitos deles estudaram juntos lá [...] a universidade é Earth [...] (grifos meus)

Vale lembrar que a Costa Rica é o maior centro produtivo da Multinacional e é

lá que existem grandes vínculos não só de mão-de-obra e convênios com Universidades,

como também com fornecimentos de muitos insumos de que a Multinacional precisa.

Observando o Quadro 40, com base em dados da Secretaria de Comércio

Exterior (2011), nota-se que a Costa Rica representa 68% das importações feitas em

2010 pelo município de Ipanguaçu. Essas importações são na sua totalidade insumos,

como caixa de papelão ondulado, que representou 25% nos principais produtos

importados.

Quadro 40 - Principais países de origem das importações de Ipanguaçu - 2010

Fonte: SECRETARIA DE COMÉRCIO EXTERIOR (2011)

Muitos plásticos, fitas e sacolas utilizados pela Del Monte vêm da sua fábrica de

embalagem no Chile - a United Plastic Corporation -, e os cabos-guia, utilizados para

transportar bananas são fornecidos pela Colômbia (SECRETARIA DE COMÉRCIO

EXTERIOR, 2011; Entrevista com ex-funcionário da Del Monte, 2011). As sementes e

mudas da Multinacional vêm de Israel e os adubos e os fertilizantes, do centro-sul do

País, tal como se dá com as empresas locais.

A Multinacional às vezes não importa de suas fábricas e busca alguns insumos

com grandes fornecedores brasileiros. Isto acontece quando a variação cambial é

prejudicial a importações, segundo observou o mesmo ex-funcionário da Del Monte. 45 Informação obtida através de entrevista com um ex-funcionário da Del Monte Fresh Produce, em 19 de janeiro de 2011.

DESCRIÇÃO US$ FOB Part. %TOTAL DOS PRINCIPAIS PAÍSES 939.489 100,001 COSTA RICA.......................................... 640.067 68,132 CHILE...................................................... 222.790 23,713 ESTADOS UNIDOS................................ 41.300 4,404 COLOMBIA ............................................ 35.332 3,76

Page 236: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

A Multinacional costuma maximizar os lucros, o que explica o fato de, em

alguns setores e serviços, a empresa adotar a política de trabalhar sem terceirizar. Um

exemplo recente disto pode ser observado pela construção do seu próprio posto de

combustíveis (foto 2). Segundo um ex-funcionário da Del Monte46

[...] a Del monte tem uma política muito grande de redução de custo, assim como qualquer empresa multinacional [...] eles botam muito pelo aumento de produção e redução de custos, pra aumentar a margem de lucro e o posto foi uma grande sacada, fizeram um posto, todas as licenças, tiveram condição [...] e a própria Petrobras fornece a eles, e pega um preço muito mais em conta [...] o carro da Petrobras vai direto pra fazenda abastecer.

Foto 2 - Posto de combustível da Del Monte Fresh Produce em Ipanguaçu (2011)

Fonte: Arquivo do autor.

De acordo ainda com dados de entrevista com um ex-funcionário da Del

Monte47, esta mantém uma estrutura sem terceirização em vários setores:

[...] ônibus é tudo dela, carro baixo é tudo dela, motos é tudo dela [...] manutenção dela e manutenção de fora, a dela vai ate um certo ponto

46 Informação obtida através de entrevista com um ex-funcionário da Del Monte Fresh Produce, em 19 de janeiro de 2011 47 Informação obtida através de entrevista com ex-funcionário da Del Monte Fresh Produce em 19 de Janeiro de 2011

Page 237: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

[...] tem oficina, tem um setor de construção civil, tem uns pedreiros dela [...] não é bem pedreiro, é um pessoal estilo Magaiver, e tem eletricista também, eletricista próprio.

Na maioria das vezes, levando em conta também a questão cambial, os

equipamentos de irrigação, defensivos, material de embalagem e P&D da Multinacional

vêm de fora do País, principalmente da Costa Rica, Chile, Estados Unidos, onerando,

quando chegam ao Brasil, a Balança Comercial, como visto no Quadro 40, em quase um

milhão de dólares com as importações. Paralelo a isto, também ocorre o desprezo, por

parte da Multinacional, pela dinâmica local como fornecedora desses insumos. Até o

material de segurança vem do centro-sul do País, desvalorizando o que é fornecido no

local, ao contrário das empresas locais, que em boa parte dos insumos mencionados

acima se utilizam do que é oferecido internamente.

A Empresa só se utiliza verdadeiramente de duas coisas em âmbito local: das

terras, para sua produção, e de parte da mão-de-obra, uma vez que algumas contratações

são feitas no centro-sul do País e outras são de quadros gerenciais de fora do País.

A empresa também não tem vínculos nem convênios com a Prefeitura de

Ipanguaçu, segundo a Secretaria Municipal de Agricultura48: “[...] eles são muito

fechados, eles não tem nenhuma parceria [...] nada, nada, com agente eles são muito

fechados [...] agente tem parceria com o IFRN, com a EMATER, com a PETROBRÁS,

mas, com a Del Monte não”.

Esse quadro de pouca dependência da Multinacional em relação ao local e maior

dependência do global reflete a intensificação do Meio Técnico-Científico-

Informacional e das verticalidades. Esses processos são explicados por Santos (1997),

quando afirma que, com o processo atual de Globalização, tem-se uma reestruturação

dos espaços globais, uma vez que esse processo define duas formas de estruturação e

funcionamento do espaço: a) Horizontalidades, que são o alicerce de todos os

cotidianos, isto é, do cotidiano de todos. São extensões formadas de pontos que se

agregam sem descontinuidade, como na definição tradicional de região. As regras são

localmente formuladas; b)Verticalidades, que agrupam áreas ou pontos, a serviço de

atores hegemônicos não raro distantes. São vetores da integração hierárquica, regulada,

necessária em todos os lugares da produção globalizada e controlada à distância

(SANTOS, 1997; SANTOS, 2002a; SANTOS, 2002b).

48 Informação obtida através de entrevista com o técnico agrícola da Secretária Municipal de Agricultura de Ipanguaçu, Tony Emerson da Silva Teófilo, em Ipanguaçu, em 17 de janeiro de 2011.

Page 238: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Com o aprofundamento da Globalização, que, cada vez mais, vai impor relações

verticais novas a regulações horizontais preexistentes, vai haver também o

aprofundamento das tensões entre a globalidade e a localidade, entre o mundo e o lugar

(SANTOS, 1997).

Esse aprofundamento da Globalização com a intensificação das verticalidades

vai acontecer em Ipanguaçu com a fixação da Del Monte Fresh Produce, pois, a partir

de então, “reforçam-se as determinações exógenas ao lugar da produção, especialmente

no tocante aos mercados, cada vez mais longínquos e competitivos.” (ELIAS, 2002b).

Dessa forma, a área das fazendas da Del Monte Fresh Produce não vai ter

relações significativas com a cidade mais próxima – Ipanguaçu -, embora vá manter

contatos intensos com outras muito mais distantes, no estrangeiro, como cidades na

Europa (onde ficam os representantes comerciais da Empresa e um grande mercado

consumidor), nos EUA (onde está sua principal representante comercial e um grande

mercado consumidor da produção de Ipanguaçu e fornecedor de insumos) e nas Ilhas

Cayman (onde fica sua sede oficial) (SANTOS; SILVEIRA, 2001).

O outro fator de produção de que a Multinacional se utiliza em Ipanguaçu é a

terra. No próximo item, vai-se fazer uma análise sobre o papel que a Empresa exerceu

no aprofundamento da concentração fundiária do município de Ipanguaçu e analisar os

impactos que essa compra de terras teve para a produção agrícola do Município e para o

estado do Rio Grande do Norte.

4.3.3 Del Monte Fresh Produce e Reconcentração Fundiária

Como mostrado no item anterior, a Del Monte Fresh Produce se relaciona pouco

com o lugar e muito com seus fornecedores e braços mundiais. Com o lugar, ela possui

efetivamente duas vinculações: a mão-de-obra, principalmente nos postos

intermediários e baixos; e a terra, que a Multinacional compra para instalar suas

fazendas e suas empacotadeiras que funcionam dentro das fazendas (Foto 3).

Page 239: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Foto 3 - Uma das Fazendas da Del Monte Fresh Produce em Ipanguaçu.

Fonte: Gleydson Pinheiro Albano

Neste momento, vai se focar na análise da atuação dessa Empresa no mercado de

terras de Ipanguaçu, vendo o quanto esta influenciou na dinâmica desse mercado, que já

vinha tendo um grande índice de concentração fundiária e de capitalização desde o fim

da construção da Barragem “Armando Ribeiro Gonçalves”, quando entraram no

Município várias empresas rurais.

Essa análise vai se dar entre o período de 1993 a 2002, período que começa no

ano em que a Multinacional compra terras em Ipanguaçu através de uma joint venture

com a “Directivos Agrícola”. A primeira compra vai ocorrer no final de 1993, através

de um representante da “Directivos” em Ipanguaçu.

O período que se inicia em 1993 e que vai até 2002 vai ser marcado, no que diz

respeito ao número de transações de terra, por uma tendência intensa a uma diminuição.

Isto pode ser observado claramente no Gráfico 18.

Essa diminuição do número de transações está claramente associada ao alto grau

de concentração da terra, que se intensificou, na década de 1980 (como já se viu no item

2.2), nas mãos de poucos, com a vinda das empresas agrícolas. Isto ocasionou esse

baixo movimento de transações de terra durante a década de 1990 e o início do século

XXI.

Page 240: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 18 - Número de Transações de Terra por Ano e Ha (1993 a 2002)

05

1015202530

Número de transações

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Ano

Número de transações de terra por ano e ha (1993 a 2002)

0 a 10 ha

10 a 100 ha

+ 100 ha

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)

Outro ponto a ser notado é que, além do baixo número de transações de terras

durante todo o período (1993 a 2002), com uma pequena exceção nos anos de 1996,

nota-se, paralelamente a isto, uma concentração do número de transações nas

propriedades entre 10 e 100 hectares e nas de mais de 100 hectares, ficando as pequenas

propriedades de menos de 10 hectares com um número insignificante de transações.

Com a intensificação da compra de terras pela própria Multinacional, a partir de

1998, depois de rasgar o contrato de joint venture com o grupo pernambucano

“Directivos”, o quadro do número de transações de terras tende a ficar cada vez mais

insignificante.

A partir de 1998, dá-se uma intensificação da queda no número de transações de

terras, principalmente nas pequenas propriedades abaixo de 10 hectares, que

praticamente não são mais transacionadas a partir desse ano. Isto reflete também o

caráter da compra de terras que a Multinacional Del Monte Fresh Produce vai

empreender no Município - uma compra, em sua maioria, de empresas que já têm

muitos hectares de terras e que, portanto, não altera significativamente o movimento de

transações de terras no cartório, já que estas estão concentradas nas mãos de poucos e

não se precisa recorrer a inúmeras transações com várias pessoas físicas para se

constituir um grande patrimônio fundiário.

Sobre o tipo de transação de terras, nota-se no Gráfico 19 que, durante o período

estudado (1993 a 2002), houve uma intensificação da capitalização da terra. Essa

capitalização é demonstrada claramente pelo processo de compra e venda, que

representa nesse período cerca de 40%. A capitalização da terra também é demonstrada

Page 241: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

pela sua dependência do crédito, do mercado financeiro, que é representado pela

hipoteca. Esta, em Ipanguaçu, representa quase 40% de todas as transações de terras

efetuadas no Município e, em termos de área hipotecada, chega a representar mais de

50%.

Gráfico 19 - Tipo de Transação de Terras e a Área (1993 a 2002).

0%10%20%30%40%50%60%

Adjudicação

Arrendamento

Desapropriação

Herança

Hipoteca

Permuta

Usucapião

Venda

Doação

Tipo de transação de terras e área transacionada (1993 a 2002)

Quantidade

Área

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)

Juntando os dois tipos de transações: a hipoteca e a compra e venda de terras,

nota-se que se chega a algo em torno de 80% de todas as transações do Município, entre

1993 e 2002. Isto é um reflexo claro do alto grau de capitalização da terra em

Ipanguaçu, que se intensificou nesse último período estudado. No período anterior

(1979 e 1992), esse grau de capitalização era menor: cerca de 65%.

Sobre o processo de compra e venda por pessoa jurídica no período estudado

(1993 a 2002), pode-se observar no Gráfico 20 que esse processo foi bastante irregular

durante a década de 1990 e o início do século XXI, com muitos altos e baixos.

Tal movimento irregular na década de 1990 e no início do século XXI, que se

observa no Gráfico 20, retrata quase que na sua totalidade o movimento de compra de

terras estabelecido pela Multinacional Del Monte Fresh Produce em Ipanguaçu.

Page 242: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 20 - Compra e Venda de terras por Pessoa Jurídica em Ipanguaçu (1993 a 2003).

0

200

400

600

800

1000

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

COMPRA E VENDA DE TERRAS POR PESSOA JURÍDICA EM IPANGUAÇU (1993 a 2002)

Área - ha

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)

Segundo o Gráfico 20, 1993 foi um ano com negociações de quase 800 hectares,

bem como o ano em que a Multinacional começa a comprar terras através da sua joint

venture com a “Directivos Agrícola”. Posteriormente, a Empresa Multinacional rompe o

contrato de joint venture com aquele Grupo e resolve ela mesma comprar terras em

Ipanguaçu a partir de 1998. Nota-se com isto que, entre 1994 e 1997, período em que a

Empresa não comprou terras, os negócios entre pessoas jurídicas em Ipanguaçu

praticamente não aconteceram (Gráfico 20).

Já com a volta da Multinacional ao negócio de compra de terras, a partir de

1998, continuando a comprar até o final de 2002, percebe-se que o Setor de Compra e

Venda por pessoa jurídica se alavanca outra vez e atinge um movimento considerável,

justamente nos anos em que a Multinacional comprou mais terras - os de 1998, 1999 e

2002.

Durante esse período, a intervenção do Governo no mercado de terras só foi

sentida efetivamente no ano de 2002, quando foram desapropriados, pelo INCRA, quase

1.500 ha provenientes da antiga Fazenda Itu, considerada o maior latifúndio da região,

que ocupava grandes áreas de tabuleiros e algumas áreas de várzea (ver Gráfico 21).

Fora desse ano, praticamente não houve intervenção pública no mercado de terras

municipal.

Page 243: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 21 - Movimento de terras com intervenção do Governo por área (1993 a 2002)

0

500

1000

1500

19931994

19951996

19971998

19992000

20012002

Movimento de teras com intervenção do governo por área (1993 a 2002)

Área - ha

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos) Relativamente à localização do movimento de compra e venda de terras em

Ipanguaçu durante esse período, observa-se que as maiores compras foram efetuadas

nas áreas de Ubarana, Baldum e Veneza (ver Mapa 2), todas em áreas de várzea,

extremamente férteis e bem localizadas, perto da estrada asfaltada de acesso aos portos,

acumulando assim rendas diferenciais (Gráfico 22).

Gráfico 22 - Compra e venda – empresas – por área e principais localidades (1993 a 2002)

0

200

400

600

800

Arapuá

Baldum

Corrego do

Maia

Cuó

Havaí

Japiaçu

OlhoD

água

Ubarana

Veneza

Compra e venda - empresas - por área e principais localidades (1993 a 2002)

Área - ha

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)

A Del Monte Fresh Produce foi a empresa que mais influenciou o mercado de

terras de Ipanguaçu durante o período que vai de 1993 a 2002. Essa Multinacional foi

responsável por cerca de 80% de toda a comercialização de terras desse Município,

envolvendo suas empresas agrícolas (Quadro 41). Essas terras estavam concentradas nas

principais áreas de várzea, a saber: Ubarana, Baldum, Veneza e Cuó.

Page 244: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

O restante da comercialização de terras envolvendo tais empresas durante o

período estudado (1993 a 2002) retrata em quase sua totalidade o processo de venda de

terras por parte de empresas agrícolas que chegaram a Ipanguaçu na década de 1980.

Quadro 41 - Compra e venda de terras das empresas agrícolas em Ipanguaçu por área (1993 a 2002)49 Ano Empresa Situação Área (ha) Localidade 1993 FINOBRASA Venda 273,9 Arapuá 1993 FINOBRASA Venda 502,4 Veneza 1993 Directivos Agrícola (Del

Monte) Compra 502,4 Veneza

1994 FINOBRASA Compra 10,1 Malheiro 1994 FINOBRASA Venda 10,5 Arapuá 1997 FINOBRASA Venda 19,2 Arapuá 1997 FINOBRASA Venda 16,9 Arapuá 1998 BANDEBRÁS (Del Monte) Compra 4,4 Malhada da Areia 1998 BANDEBRÁS (Del Monte) Compra 1 Córrego do Maia 1998 BANDEBRÁS (Del Monte) Compra 113 Córrego do Maia 1998 BANDEBRÁS (Del Monte) Compra 95,8 Baldum 1998 BANDEBRÁS (Del Monte) Compra 30,2 Córrego do Maia 1998 BANDEBRÁS (Del Monte) Compra 35 1999 Del Monte Fresh Produce

Brasil LTDA Compra 9,6 Baldum

1999 Pereira da Silva Nordeste S/A

Venda 399 Ubarana

1999 Del Monte Fresh Produce Brasil LTDA

Compra 399 Ubarana

1999 Pereira da Silva Nordeste S/A

Venda 322,4 Ubarana

1999 Del Monte Fresh Produce Brasil LTDA

Compra 322,4 Ubarana

1999 Del Monte Fresh Produce Brasil LTDA

Compra 32,6 Cuó

1999 Del Monte Fresh Produce Brasil LTDA

Compra 42,2 Ponta da Ilha

1999 Del Monte Fresh Produce Brasil LTDA

Compra 28,2 Baldum

1999 Del Monte Fresh Produce Brasil LTDA

Compra 15 Baldum

2000 Del Monte Fresh Produce Brasil LTDA

Compra 35 Cuó

2000 Del Monte Fresh Produce Brasil LTDA

Compra 26,1 Cuó

2002 Big River Melons LTDA Venda 472 Baldum 2002 Del Monte Fresh Produce

Brasil LTDA Compra 472 Baldum

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu

49 Os dados em negrito representam o processo de compra e venda entre as próprias empresas agrícolas.

Page 245: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Nota-se que empresas que tinham comprado grandes somas de terras em

Ipanguaçu na década de 1980 resolvem vendê-las para pessoas físicas (uma parte

pequena das vendas) ou para a Del Monte Fresh Produce, que, em um primeiro

momento – 1993 -, tinha uma parceria com a “Directivos Agrícola”, mas que, a partir de

1998, começa a comprar ela mesma terras no Município.

Os dados do quadro revelam que as principais empresas que venderam terras na

década de 1990 são: a FINOBRASA, com 812,8 hectares; a Pereira da Silva Nordeste

S/A, com 721,4 hectares.

A FINOBRASA foi a maior compradora de terras de Ipanguaçu na segunda

metade da década de 1980, e a Pereira da Silva Nordeste S/A (antiga Companhia

Nacional de Estamparia) trabalhava focada principalmente na cotonicultura irrigada.

Com a queda dessa cultura no Rio Grande do Norte, tem-se um processo de

diversificação, principalmente por parte da FINOBRASA, que começa a entrar na

fruticultura irrigada (SANTANA, 1997; VALÊNCIO, 1995),que, cultivada por essas e

outras empresas nacionais e regionais de Ipanguaçu, enfrenta, segundo os referidos

autores, uma série de problemas que dificultam a produção e exportação de frutas por

essas empresas, principalmente o melão. São eles: a falta de compatibilidade do produto

com as exigências de qualidade do mercado; a falta de poder de barganha junto aos

importadores europeus e a dificuldade de se concorrer em um mercado altamente

oligopolizado controlado por Gigantes Internacionais, que, com maior volume de

capital e tecnologia, impõem preços e abocanham mercados.

Esse movimento de venda de terras por empresas nacionais e regionais em

Ipanguaçu, na década de 1990, pode refletir os problemas colocados acima.

História das terras da “Del Monte Fresh Produce”

A Del Monte Fresh Produce começou a se inserir no mercado de terras de

Ipanguaçu-RN no ano de 1993 por intermédio de uma joint venture com a “Directivos

Agrícola”, de Pernambuco. Esta Empresa, por meio do empresário Eduardo Garcia

Fernandes, adquire um imóvel na área de várzea do Município com uma área de 502,4

hectares, em 25/10/1993, que é incorporado a ela em junho de 1994. O imóvel é

adquirido da empresa FINOBRASA, segundo dados do Cartório de Ipanguaçu.

Page 246: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Em 1996, a Multinacional Del Monte Fresh Produce resolve unilateralmente

encerrar a joint venture com a “Directivos”, começando, a partir de 1998, a agir

diretamente no mercado de terras do referido Município.

No Quadro 42, observa-se todo o movimento de compra de terras efetuado pela

Multinacional desde 1998, quando esta começou a comprar de forma direta terras no

Município, até o ano final do segundo período pesquisado: o ano de 2002.

Nota-se, a partir das informações do Quadro 42, que a Empresa realizou 15

compras de terras, das quais, somente três foram de pessoas jurídicas; o restante, de

pessoas físicas.

Mas, se levada em conta a quantidade de área negociada, percebe-se que as

compras de terras efetuadas com as doze transações provenientes de pessoas físicas têm

menos importância que as três compras efetuadas com as pessoas jurídicas, uma vez que

aquelas somam em área apenas 425,9 hectares de terras, enquanto estas somam uma

área de 1.193,4 hectares - quase três vezes a quantidade de área comprada às pessoas

físicas.

Quadro 42 - Compra de terras pela Del Monte Fresh Produce em Ipanguaçu (até 2002) Ano Vendedor Pessoa

Física Pessoa Jurídica

Área (ha)

Localidade Valor por hectare (em reais)

1998 Wilson Bezerra de Medeiros

X 4,4 Malhada da Areia

-

1998 Wilson Bezerra de Medeiros

X 1 Córrego do Maia

-

1998 Maria Evangelina Tavares de Sá Leitão

X 113 Córrego do Maia

4.424,77

1998 João Leônidas de Medeiros Júnior

X 95,8 Baldum 2.348,64

1998 Luiz Gonzaga Cavalcanti

X 30,2 Córrego do Maia

3.961,70

1998 Wilson Bezerra de Medeiros

X 35 Malhada da Areia

-

1999 Ana Corsino Rodrigues

X 9,6 Baldum 5.912,26

1999 Pereira da Silva Nordeste S/A

X 399 Ubarana 2.756,89

1999 Pereira da Silva Nordeste S/A

X 322,4 Ubarana 3.411,91

1999 João Rodrigues Filho X 32,6 Cuó 5.912,26 1999 Ana Ramalho

Corsino X 28,2 Baldum 5.003,54

1999 Francisco Edílson Maia da Costa

X 15 Baldum 5.000,00

Page 247: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

2000 Júlio César Meireles Holanda

X 35 Cuó -

2000 Hermenegildo Bezerra de Oliveira

X 26,1 Cuó 3.448,27

2002 Big River Melons LTDA

X 472 Baldum 3.474,85

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu

Por isto, pode-se afirmar que houve, na década de 1990 e no início do século

XXI, um movimento no mercado de terras que pode ser considerado como um

aprofundamento da capitalização de terras. Um movimento de compra e venda de terras

que na sua maior parte, em termos de quantidade de área negociada, fica restrito a

empresas agrícolas, envolvendo pouco as pessoas físicas - diferentemente da década de

1980, quando a maioria das negociações e da quantidade de terra negociada envolvia

pessoas físicas que vendiam terras e pessoas jurídicas, ou empresas agrícolas que

compravam a terra.

Por fim, nota-se que, após esse processo de compra de terras, boa parte da área

de várzea municipal entre a RN-118 e o Rio Piranhas-Açu está sob o controle das

fazendas da Del Monte Fresh Produce, como se observam, na foto de satélite, as três

grandes partes em verde agregadas (ver foto 4).

Com esse processo de compras de terras pela Multinacional, tem-se uma

intensificação da valorização do solo, que é “um estímulo para levar os agricultores a

abandonar o campo e vender suas propriedades ou a transformar antigos produtores

agrícolas em novos especuladores imobiliários.” (GUIMARÃES, 1979, p.160).

Conclui-se daí que tanto o abandono do campo quanto a transformação de

antigos produtores agrícolas em especuladores imobiliários se verificam em Ipanguaçu.

Page 248: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Foto 4 - Fazendas da Del Monte Fresh Produce em Ipanguaçu (2010)

Fonte: GoogleEarth (2011)

O solo valorizado derivado da ação da Multinacional na região se junta à

valorização derivada das políticas públicas implementadas para garantir vantagens

locacionais (isenção de impostos, barragem, rodovias) e se agrega à valorização oriunda

do dinamismo gerado pela produção efetuada na região pelas empresas agrícolas e os

ganhos esperados pela produção de tais produtos (COMÉLIO, REYDON, SARAIVA,

2006; REYDON, BARRETO, 2006).

O solo valorizado também é reflexo de uma valorização das rendas da terra de

Ipanguaçu, principalmente a Renda Diferencial I, que, segundo Marx (1991), é uma

forma de lucro suplementar e que acontece também devido à localização privilegiada do

lugar em relação aos centros de consumo. No caso, Ipanguaçu tem essa localização em

termos de interconexão com mercados internacionais da Europa e dos Estados Unidos,

tendo sido um dos motivos para a vinda da Del Monte Fresh Produce para o lugar, além

do fácil escoamento da sua produção para esses mercados. A Renda Diferencial I

Page 249: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

também diz respeito às qualidades físicas do lugar, como solos férteis e acesso a água

fácil. E isto também tendeu a se valorizar com a construção da Barragem e com a alta

produtividade do seu solo de várzea.

As terras de Ipanguaçu também geram a Renda Diferencial II, principalmente

para a Del Monte Fresh Produce, que soube aproveitar como poucos o uso de insumos

agrícolas com tecnologia de ponta para aumentar a produtividade da terra.

Levando em conta que o significado de Renda Absoluta é a elevação dos preços

de mercado aos preços de produção, como discorre Kautsky (1998), e também o

resultante da limitação do fator terra, como discorre Amin e Vergopoulos (1977), tem-

se que este tipo de Renda ocorre nas terras da Multinacional Del Monte Fresh Produce,

não somente por uma limitação e um encarecimento do acesso à terra, proporcionados

pela sua própria atuação nesse mercado, mas também por fazer a Multinacional parte de

um grupo pequeno de empresas multinacionais que controlam o comércio global da

banana, exercendo um controle nos preços dessa commodity e fazendo com que os

preços de mercado sejam superiores aos de produção.

Como consequência também da elevação do preço da terra, intensificado pela

Multinacional, tem-se um baixo movimento no Cartório de Ipanguaçu, como relata a

responsável por este:

Agora depois que essas empresas chegaram, valorizaram demais o hectare, ficou muito caro, ai pronto, é, dificilmente um dono de terra de Ipanguaçu comprar terra de outro proprietário de lá. Geralmente eles nem compram mais, ao contrário, eles tão vendendo pras [sic] empresas [...]Movimento de terras quase não tem quase nenhuma, é só uma empresa vendendo prá [sic] outra[...] (informação verbal)50.

Também se tem, com a elevação do preço da terra, uma expulsão dos

agricultores que estão nos melhores solos para os solos pobres, ficando aqueles

reservados à produção para a exportação (MADELEY, 2003).

Na verdade, quando se observa a situação de Ipanguaçu, vê-se uma reordenação

das terras de várzea (as melhores terras), que passam cada vez mais a se concentrar nas

mãos da Multinacional referida e de outras grandes empresas nacionais, enquanto os

solos de tabuleiro (os solos mais pobres) ficam com os mesmos donos de sempre, por

não interessarem às grandes empresas.

50 Informação obtida através de entrevista com a responsável pelo Cartório de Ipanguaçu, Maria Carolina de Sá Leitão, em 24 de fevereiro de 2005.

Page 250: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

4.3.4 Impactos da Chegada da Del Monte nas Relações de Trabalho e nas Estatísticas de

Trabalho Agrícola

Com relação à mão-de-obra, a Empresa exerceu uma mudança no Município e

na região do Vale do Açu, já que nela trabalham pessoas de Ipanguaçu e de municípios

vizinhos.

Com a chegada da Empresa, há uma intensificação do trabalho assalariado

permanente, diferentemente do que existia antes, quando se tinha o sistema de parceria

nas pequenas propriedades e o sistema de trabalho assalariado temporário nas grandes

propriedades.

De acordo com o banco de dados do Ministério de Trabalho sobre o emprego

assalariado em Ipanguaçu (RAIS, MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO,

2011), observa-se, no Quadro 43, que no decorrer da série histórica de 1993 até 2002 o

emprego assalariado no Setor de Agropecuária é o que mais cresce no Município,

assumindo a partir de 1996 a dianteira frente a todos os setores analisados. Essa

dianteira se mantém por toda a série histórica, intensificando-se e chegando a

representar, no ano 2000, cerca de 80% de todos os empregos assalariados do

Município, com 1470 empregados de carteira assinada, frente a um total geral de 1797

empregados. Esse período, principalmente a partir de 1998, é o período em que a Del

Monte Fresh Produce quebra o contrato com a “Directivos” e começa a produzir e

comprar terras, ou seja, a Multinacional está em funcionamento pleno e em crescimento,

refletindo-se diretamente no crescimento do número de trabalhadores assalariados do

Setor Agropecuário.

Quadro 43 - Ipanguaçu: Vínculos ativos por setor de atividade econômica (1993-2002) Setor 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Extração Mineral 0 12 0 20 26 24 0 0 0 0 Ind. Transformação

120 334 302 419 440 495 249 181 95 63

Serv. Indústria 2 2 2 1 2 3 0 3 0 3 Construção Civil 2 0 3 4 2 1 41 3 3 8 Comércio 10 12 16 16 30 29 27 26 35 37 Serviços 21 15 192 224 247 11 12 21 17 13 Adm. Pública 243 264 246 87 92 83 90 93 275 367 Agropecuária 79 260 222 578 631 855 1037 1470 1084 1223 Outros/Ignorado 35 45 14 0 9 6 10 0 0 0 Total 512 944 997 1349 1479 1507 1466 1797 1509 1714 Fonte: RAIS, MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO (2011)

Page 251: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Desses empregados no referido Setor, vão se destacar aqueles com carteira

assinada que estavam descritos como empregados de fruticultura irrigada. Estes

somavam, no ano de 2000, o montante de 706 (RAIS, MINISTÉRIO DO TRABALHO

E EMPREGO, 2011). Vale lembrar que nessa época existiam duas empresas que

trabalhavam com fruticultura irrigada em Ipanguaçu - a Finobrasa, com a exportação de

manga, e a Del Monte Fresh Produce, com a exportação de banana.

A multinacional Del Monte não só empregava assalariados com a denominação

de “trabalhadores de fruticultura”, mas também constavam no leque dessa empresa

inúmeras funções ligadas à agricultura ou ao suporte da agricultura que aparecem no

Banco de Dados da RAIS. Entre elas podem-se citar: trabalhador agropecuário, guarda

de segurança, motoristas de ônibus, caminhões e automóveis, porteiros, cozinheiras,

secretárias bilíngues, técnicos de segurança do trabalho, técnicos de almoxarifado,

técnicos de contabilidade, fiscais de campo para supervisionar a operação nas fazendas,

funcionários do parking house, câmara fria, funcionários ligados à irrigação, técnicos

agrícolas, engenheiros agrônomos, dentre outras.

Bezerra Neto e Moura (1999) afirmam que, com a entrada desse tipo de

empresa, novas atividades serão criadas no processo de produção - atividades estas que

vão reforçar o caráter não-agrícola dos empregos na zona rural de Ipanguaçu. São

exemplos de atividades novas: a de fiscal, que monitora as atividades desenvolvidas

pelos demais trabalhadores; e as desempenhadas por mulheres que trabalham com a

limpeza, seleção e embalagem nas empacotadeiras da Del Monte Fresh Produce.

A Multinacional, com a implantação da mão-de-obra assalariada permanente, vai

de encontro às ideias referentes à jornada flexível - as grandes Empresas

Multinacionais, para baixar os custos, vão implantar diversas formas de flexibilidades

na organização do trabalho, como a subcontratação e terceirização (CASTELLS, 2002).

A Del Monte Fresh Produce, junto com as duas maiores exportadoras de bananas no

Mundo - a Dole e a Chiquita-, tem, porém, a característica de evitar trabalhar com a

subcontratação e a terceirização.

A Del Monte Fresh Produce instalada em Ipanguaçu não apresenta todas as

características da organização flexível da produção, já explicitadas anteriormente. A

Empresa, inserida em um ramo altamente competitivo, mantém uma política voltada

para a integração vertical e horizontal. Além disto, ela, em vez de adotar a flexibilidade

funcional, em que o empregado seria polivalente, apresenta um quadro bastante

especializado: o contrato de trabalho não é flexível, trabalhando-se com carteira

Page 252: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

assinada de forma permanente e estável, o que se confirma, pelas entrevistas com

funcionários e ex-funcionários da Multinacional. Segundo um ex-funcionário do corpo

técnico da Multinacional51, “[...] a Del Monte não bota ninguém pra fora assim, eu acho

que é questão de custo [...] tem gente botar boneco pra sair, os cabas faltam, trabalha 1,

2 horas e vai embora [...] a empresa segura [não demite], massacra [...] [não bota pra

fora]”.

Um funcionário do corpo técnico da Del Monte52 vai na mesma linha quando

observa que “realmente é muito difícil” ser demitido, e ele tenta explicar o porquê disto,

ressaltando que

[...] as empresas procuram sempre manter aquele grupo de trabalhadores para não ta aquela rotatividade de entra e sai, entra e sai, ai ela perde ponto de capacitação, porque, se trabalha com pessoas novatas, a probabilidade de acontecer alguns acidentes alguns imprevistos é maior, porque não é pessoa experiente, é pra segurar o maximo possível o que ela puder segurar o pessoal na área, já pra evitar esses transtornos de acidentes, pessoal novato tem aplicar treinamento, as vezes não se adéqua a atividade.

Em relação aos direitos trabalhistas, a Multinacional trabalha de forma

diferenciada e às vezes causando até mal-estar entre os funcionários, pois ela trabalha

com direitos mínimos para os funcionários sem qualificação ou com baixa qualificação

e com muitos direitos para funcionários com alta qualificação. Isto remete ao que foi

tratado no Capítulo 1, onde Castells (2002) discorre sobre essa diferenciação de direitos

por nível de qualificação, e principalmente no Capítulo 2, onde Antunes (2005) relata

essa diferenciação de tratamento e a precarização do funcionário de baixa qualificação.

Castells (2002) analisa, como já se observou no Capítulo 1, que, com a

acumulação flexível, tem-se claramente a difusão de duas classes de empregados

polarizados, quais sejam, uma:

- camada superior de trabalhadores multifuncionais com muita qualificação e

especializados – estes têm todos os direitos e estabilidade no emprego, alta

remuneração, para poderem cooperar mais com a Empresa;

- camada inferior sem especialização, trabalhadores com baixa qualificação – que

têm poucos ou nenhum direito, baixa remuneração, são descartáveis, a qualquer

51 Informação obtida através de entrevista com ex-funcionário da Del Monte Fresh Produce em 17 de janeiro de 2011 52 Informação obtida através de entrevista com funcionário da Del Monte Fresh Produce em 18 de janeiro de 2011

Page 253: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

momento podendo ser dispensados. A maioria dos empregados que formam essa

categoria se encontra no Setor de Serviços.

Já Antunes (2005, p.32) também analisa e comenta sobre essas duas classes

polarizadas:

Criou-se de um lado, em escala minoritária, o trabalhador ‘polivalente e funcional’ da era informacional, capaz de operar máquinas com controle numérico e de, por vezes, exercitar com mais intensidade sua dimensão mais ‘intelectual’ (sempre entre aspas). E, de outro lado, há uma massa de trabalhadores precarizados, sem qualificação, que hoje está presenciando as formas de part-time, emprego temporário, parcial, precarizado, ou mesmo vivenciando o desemprego estrutural.

Cavalcanti (1999) observa que, no caso da agricultura para a exportação,

dominada por grandes grupos multinacionais, os efeitos chegam a ser mais daninhos

para os trabalhadores, já que se emprega alta tecnologia para aumentar a produtividade,

mecanizando e informatizando boa parte do processo produtivo, debilitando a geração

de empregos e requerendo uma mão-de-obra com maior nível de qualificação. Muitas

vezes se utiliza, dependendo do ramo produtivo, de trabalhadores temporários e

flexíveis, precarizando ainda mais o mercado de trabalho.

No fim, observa-se também no trabalho agrícola a criação de uma polaridade, de

duas classes de empregados: uma de trabalhadores estáveis, com direitos trabalhistas,

capacitados e vinculados aos estratos técnicos ou administrativos; e outra, de

trabalhadores temporários, de baixa qualificação, flexíveis, terceirizados, que é a grande

maioria nas unidades produtivas do campo.

Esse fosso entre os trabalhadores muito qualificados e os de baixa qualificação

também é relatado por Basaldi (2008), mostrando que a precarização do trabalho para os

últimos é uma realidade no trabalho agrícola.

A Del Monte Fresh Produce faz uma diferenciação clara entre os trabalhadores

qualificados e os não qualificados, mas não chega a precarizar o trabalho dos não

qualificados com a terceirização e o trabalho informal, como relatam os autores acima

mencionados. Todos os trabalhadores da Multinacional têm carteira assinada

permanente, sejam de alta ou baixa qualificação e têm alguns direitos básicos como o

transporte para o local de trabalho e a água potável. Talvez isto ocorra pelas exigências

de certificações a que a empresa está amarrada, para poder vender seu produto nos

exigentes mercados do Norte, principalmente o Mercado Europeu. Essas certificações

promovem o respeito aos direitos humanos e trabalhistas e ao meio ambiente, gerando

Page 254: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

assim uma pressão para oferecer melhores condições de trabalho e emprego

(BASALDI, 2008).

Quadro 44 - Direitos Trabalhistas dos Funcionários da Del Monte Fresh Produce Direitos Trabalhistas Funcionários da

Base (sem qualificação)

Funcionários Administrativos (qualificação média)

Engenheiros Agrônomos e Gerentes (alta qualificação)

Água Potável X X X Almoço - X (Quentinha) X (Cozinheira da

empresa) Plano de Saúde - X (Unimed) X (Unimed) Transporte X (ônibus da

empresa) X (ônibus ou moto a disposição)

X (carro a disposição)

Cesta Básica - - - Gratificação por mérito

- - -

Lazer Campo de futebol Campo de futebol Campo de futebol Fonte: Pesquisa de campo com funcionários e Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ipanguaçu (2011)

Observa-se no Quadro 44 que existe uma diferenciação clara entre os

funcionários, em vários quesitos, a saber: quando se trata do almoço - que é negado para

os trabalhadores sem qualificação -, este é servido, na forma de ‘quentinhas’, para o

corpo técnico administrativo, além de ser servido, por cozinheiras da Multinacional,

para os engenheiros agrícolas e administradores - geralmente estrangeiros ou de outras

regiões do País. Quando se observam os planos de saúde, o mesmo se repete, sendo que

os funcionários técnicos administrativos e os de alta qualificação têm acesso a um plano

de saúde, já os sem qualificação não o têm. Por fim, quando se observa o transporte, já

que os funcionários de baixa qualificação e alguns de nível médio vão de ônibus, outros,

como os técnicos de segurança do trabalho, têm motos à disposição, acontecendo o

mesmo com os engenheiros agrônomos que têm carros à disposição.

Um funcionário de baixa qualificação da Del Monte53 relata que essa

discriminação chega até o lazer:

[...] eu conheci um fim de ano que eles fizeram uma feijoada, mas, cada funcionário foi obrigado a dar 20,00 [...] fizeram em torno de dois mil e poucos reais pra fazer essa festa, fizeram aquela feijoada, a cerveja gelada era toda para os engenheiros, fiscal [...] aquelas fronteira melhor e tudo era para fiscal e aquele pessoal, e os pião besta, cachaça, um copo de cerveja já ia tomar já no fim da fila quente [...] ja tomava a cerveja quente [...] a cerveja mais fria fosse

53 Informação obtida através de entrevista com um funcionário da Del Monte Fresh Produce, em 17 de janeiro de 2011

Page 255: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

mais fria era quem tivesse a roupa mais limpa, como diz aquele ditado [...] (sic).

Também há reclamações de funcionários da Multinacional e de vizinhos sobre a

superexploração dos empregados desta - com horas extras em demasiada -, nas suas

empacotadeiras. A Empresa, além das fazendas em Ipanguaçu, também tem, situada no

mesmo Município, uma série de quatro empacotadeiras, onde é feito o trabalho de

embalagem e conservação das bananas antes de serem colocadas nos caminhões

refrigerados e de seguirem viagem para os portos e para os mercados consumidores nos

Países Desenvolvidos.

Essa superexploração com horas extras muitas vezes se aproveita da nova

regulamentação do Governo Federal para flexibilizar a jornada de trabalho, o chamado

“banco de horas”, do qual se tratou no Capítulo 2. Esse banco de horas agride uma

conquista histórica da Classe Trabalhadora: as 8 horas de trabalho por dia. A

regulamentação do referido banco favorece, muitas vezes, uma jornada suplementar

além do padrão, mesmo que compensatória, podendo afetar a saúde e a higiene do

trabalhador, bem como sua segurança laboral, levando-o, inclusive, a viver em função

das necessidades da empresa, não tendo horário certo para deixar o trabalho nem dia

certo de folga (CAVALCANTI, 2008).

Com o banco de horas, tem-se até 120 dias para compensar o horário

extraordinário, mas o trabalhador não recebe mais a hora extra, a qual pode vir a ser

descontada em até 120 dias como folga, a critério da empresa. Claramente o banco de

horas se configura em um instrumento flexibilizador que traz todos os benefícios para o

patrão e nenhum para os empregados (VIEIRA, 2005).

A Del Monte, indo além da legislação flexível, se utilizava da famosa “folha

branca”, denominada assim pelos sindicalistas. Segundo o Presidente do Sindicato dos

Trabalhadores de Ipanguaçu João Batista Moura Oliveira, a Multinacional se utilizou e

muito desse recurso:

[...] os trabalhadores, eles trabalhavam mais de 8 horas por dia, ai a empresa, o excesso de horas eles colocavam em uma folha, que se chamava folha branca, anotavam as horas, no final do mês eles tinham 100 horas 200 horas e não recebiam o dinheiro, não recebiam. Quando agente constatou junto aos trabalhadores, agente acionou o Ministério do Trabalho, que veio na empresa, fez uma auditoria, uma fiscalização e constatou, a empresa foi multada e teve que pagar todas as horas branca para os trabalhadores, teve trabalhador que recebeu 4, 5, 6 salários mínimos só de folha branca que tava acumulada. O trabalhador muitas vezes nem sabia que tinha essas horas porque o

Page 256: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

trabalhador não tinha como contabilizar, porque não foi no cartão de ponto, se fosse no cartão de ponto era fácil para o trabalhador dizer eu tenho tantas horas, como era por fora o trabalhador quando passava 5, 6 meses, um ano, não lembrava mais e continuava trabalhando aquela carga horária excessiva.54

As reclamações de superexploração dos empregados do Setor de Banana são

uma constante não só em Ipanguaçu mas também em todas as áreas onde se tem esse

tipo de produção voltada para o mercado externo. A Del Monte Fresh Produce foi

acusada por diversas organizações internacionais, como a Bananalink, do Reino Unido,

de superexplorar sua mão-de-obra, principalmente nas fazendas da Costa Rica e na

Guatemala, onde a Empresa entrou em disputa várias vezes nos últimos anos contra os

sindicatos independentes dos trabalhadores do Setor, que buscavam melhorias nas

condições de trabalho da região (BANANALINK, 2011).

São muitos os relatos de populares que moram na área onde se localizam as

fazendas da Multinacional e que falam de superexploração dos empregados,

principalmente no Setor de Embalagem da Empresa.

[...] tem vez que a Del Monte chega até [...]12 horas trabalhando [...] Não tem assim de duas etapas de gente trabalhando, uma trabalha de manhã e outra trabalha de noite, não, é só aquelas mesmas pessoas. [...]. Quem trabalha na empacotadeira começa de seis horas, sai de seis horas de casa, já é pra ta de seis horas na pista esperando o ônibus [ o ônibus da multinacional que transporta os trabalhadores da suas casas para a empresa]. Aí também, eles só querem que você saia de seis horas, esteja na pista. Mas, a hora que você chegar eles não querem, eles não diz. Por exemplo, vamos trabalhar de seis as seis, não, é de seis até a hora que tiver banana na empacotadeira. Enquanto tiver banana você ta lá trabalhando. [...] Tem gente que vai até 12 horas [da noite] (informação verbal)55.

Existem também relatos de funcionários que falam sobre doenças ocasionadas

devido ao tipo de trabalho executado na Multinacional. Segundo um funcionário da

fazenda56,

[...] sempre acontece de uns se arriar [...] teve um que teve um problema, ele aplicava adubo, perdeu a visão de um olho, sempre dar muita hérnia [...] às vezes perto da barriga, umbigo [...] o único peso que tem é só cacho, mas, às vezes pega de mal jeito, pega aquelas drenagem, pega uns córrego de lama [...] (grifos meus).

54 Informação obtida através de entrevista com o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ipanguaçu, João Batista Moura Oliveira, em 18 de janeiro de 2011. 55 Informação obtida através de entrevista com a moradora do Sítio “Olho Dágua”, em Ipanguaçu, em 24 de fevereiro de 2005. 56 Informação obtida através de entrevista com um funcionário da fazenda “Del Monte”, em Itajá, em 17 de janeiro de 2011.

Page 257: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Por fim, observa-se que a Multinacional trata de forma diferenciada seus

empregados, dependendo do nível em que se encontram na Empresa. Alguns têm mais

direitos que outros e os de baixa qualificação algumas vezes são sobreexplorados em

suas atividades.

4.3.5 Impactos da Chegada da Del Monte na Produção Agrícola de Ipanguaçu

Com a chegada e a compra de mais de 2.000 ha de terras pela Multinacional só

na área de várzea de Ipanguaçu, observa-se uma intensificação da produção de banana

no Município e, como consequência, uma mudança no eixo da produção agrícola

municipal, com a continuação da desvalorização de alguns produtos tradicionais e de

subsistência e com a valorização da produção da banana e de outros produtos voltados

para o mercado externo.

No Gráfico 23, já se observa uma irregularidade na área colhida de produtos

tradicionais da agricultura municipal. A batata-doce, que em anos anteriores tinha uma

grande área plantada, durante o período estudado (1993-2002), essa área praticamente

desapareceu depois de 1997, com a intensificação de compra de terras pela

Multinacional. Já a área colhida de milho, assim como a de feijão, oscilarou muito

durante o período estudado, indo de mais de 800 ha de área plantada em 1996 a

praticamente zero em 1998. Nota-se depois de 1997 uma relativa redução da área

plantada dos dois produtos, com um aumento significativo em 2002.

Gráfico 23 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1993 a 2002) – Produtos Tradicionais – Área Colhida (HA).

0100200300400500600700800900

ÁR

EA

(H

A)

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1993 A 2002) - PRODUTOS TRADICIONAIS - ÁREA COLHIDA (HA)

Batata-doce

Feijão

Milho

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)

Page 258: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Com relação à área colhida dos produtos de mercado, nota-se, durante a década

de 1990 e início do século XXI (Gráfico 24), tanto um aumento dessa área no que se

refere à manga e principalmente à banana, que é toda produzida pela Del Monte Fresh

Produce, quanto uma pequena diminuição da área relativa ao algodão herbáceo.

Com relação à manga, a área colhida passou de menos de 400 ha, no ano de

1993, para mais de 500 ha, no ano de 2002. Já com relação à banana, o aumento foi

muito maior, passando de menos de 200 ha, em 1993, para mais de 1.000 ha, em 2002,

ou seja, mais de 400% de aumento de área plantada. Aumento este que se intensifica

depois das compras de terras feitas pela Multinacional entre 1998 e 2002.

Gráfico 24 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1993 a 2002) – Produtos de Mercado – Área Colhida (HA).

0

200

400

600

800

1000

1200

ÁR

EA

(H

A)

19

93

19

94

19

95

19

96

19

97

19

98

19

99

20

00

20

01

20

02

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1993 A 2002) - PRODUTOS DE MERCADO - ÁREA COLHIDA (HA)

Algodão Herbáceo

Banana

Manga

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)

Em relação à quantidade produzida de produtos tradicionais e de subsistência,

tem-se, no decorrer da década de 1990 e início do século XXI, uma queda gradativa em

relação à batata-doce e ao feijão, assim como na produção de milho. No ano de 2002,

ocorre um aumento significativo na quantidade produzida da cultura de milho. Em

relação à primeira, com exceção do ano de 1996, ela seguiu sua trajetória de decréscimo

de produção até chegar em 2002 com uma produção quase insignificante. O feijão

também, no decorrer de todo o período, seguiu essa trajetória de decréscimo de

produção, chegando a uma quase insignificante em 2003 (Gráfico 25).

Page 259: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 25 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1993 a 2002) – Produtos Tradicionais – Quantidade Produzida (T).

0

500

1000

1500

2000

QU

AN

TID

AD

E (

T)

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1993 A 2002) PRODUTOS TRADICIONAIS -

QUANTIDADE PRODUZIDA (T)

Feijão

Milho

Batata-doce

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)

No que diz respeito à quantidade produzida de produtos de mercado durante o

período de 1993 a 2002 (Gráfico 26), observa-se que esta é muito maior que a

quantidade produzida de produtos tradicionais (Gráfico 24). Observando os dois

gráficos, nota-se que a maior quantidade alcançada por um produto tradicional em todo

o período foi a do milho - com menos de 2.000 toneladas em 2002. Já em relação a um

produto de mercado, a maior quantidade alcançada foi a da banana em 2002, com quase

60.000 toneladas, ficando em segundo lugar a manga - com mais de 10.000 toneladas no

mesmo ano.

Se se levar em conta uma comparação entre a maior quantidade de produção

alcançada por um produto tradicional e a alcançada por um produto de mercado, chegar-

se-á a uma diferença de quase 3.000% a mais a favor da produção de mercado, no caso,

a banana.

Nota-se que, no Gráfico 26, a produção de manga mantém-se estável,

aumentando um pouco no final da década de 1990 e caindo no início do século XXI. Já

com relação ao algodão herbáceo, sua quantidade produzida se mantém em um nível

muito abaixo das outras quantidades produzidas de mercado, quase não aparecendo no

Gráfico.

Com relação à quantidade produzida de banana, tem-se uma ascensão meteórica

depois da compra de várias propriedades pela Del Monte Fresh Produce - a partir de

1998, quando se inicia o plantio, embora somente depois de algum tempo é que se vá

Page 260: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

colher a banana. Por isto, só a partir de 2001 é que se observa com toda a intensidade o

resultado das plantações de bananas efetuadas pela Multinacional nos anos anteriores.

Gráfico 26 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (de 1993 a 2002) – Produtos de Mercado – Quantidade Produzida (T).

01000020000

3000040000

5000060000

QU

AN

TID

AD

E (

T)

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1993 A 2002) - PRODUTOS DE MERCADO -

QUANTIDADE PRODUZIDA (T)

Algodão Herbáceo

Banana

Manga

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)

É importante observar que a produção de banana da Multinacional vai ser quase

que totalmente voltada para o mercado externo. Segundo informações coletadas em

entrevistas com funcionários e ex-funcionários do corpo técnico da Del Monte57, cerca

de 92% da banana da Multinacional são exportados, ficando uma faixa de 8% no País

por não atender a critérios de qualidade para exportação - banana de segunda, que é

comercializada com outra marca, a Rosy, nas Regiões Sul e Sudeste do Brasil,

preservando assim a marca Del Monte exclusivamente para a banana exportada. Existe

também uma parcela, dentro desses 8%, abaixo dos padrões de qualidade para o

mercado nacional, chamada de banana de refugo, que é vendida para fábricas de doces

na região.

Assim, nota-se um aprofundamento da dependência de Ipanguaçu em relação ao

mercado consumidor global, intensificando-se com isto as relações de verticalidades

faladas por Santos (1997, 2002a). O lugar passa a ser cada vez mais dependente da

lógica global imposta por agentes externos.

Esse tipo de produção da banana extremamente moderno, com uso de

maquinário e muitos insumos agrícolas e com a colaboração do clima, do solo e do

57 Informações obtidas através de entrevistas com funcionários da Del Monte, em Itajá, Ipanguaçu e Assu, entre 16 e 18 de janeiro de 2011

Page 261: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

acesso fácil à água, faz com que se obtenha uma alta produtividade dessa fruta por

hectare, além de uma grande produção, destacando o município de Ipanguaçu em nível

regional, nacional e internacional. A Multinacional vai participar de forma ativa da

balança comercial do Rio Grande do Norte e também do Brasil.

Em 2002, a exportação de banana já vai ser o 7º produto mais importante das

exportações desse Estado, com quase 14 milhões de dólares (SECRETARIA DE

COMÉRCIO EXTERIOR, 2011).

Ainda em 2002, pode-se notar, como mostra o Gráfico 27, que o Rio Grande do

Norte, com as exportações de bananas feitas pela Multinacional, chega pela primeira

vez a ser o segundo maior estado brasileiro exportador dessa fruta em valor exportado, à

frente de tradicionais exportadores como São Paulo (ALICEWEB, MINISTÉRIO DO

DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMERCIO EXTERIOR DO BRASIL,

2011).

Com base nos dados do Aliceweb, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria

e Comércio Exterior do Brasil (2011), pode-se afirmar que o estado do Rio Grande do

Norte, sozinho, tinha cerca de 40% da participação das exportações de banana do Brasil

em 2002, contribuindo e muito para as exportações brasileiras no Setor de Banana, que,

em 2000, eram de aproximadamente 12 milhões de dólares e que, após o aumento da

participação desse Estado (leia-se, aumento da participação da Del Monte Fresh

Produce, que é a única exportadora de banana do Rio Grande do Norte), passou em

2002 para mais de 30 milhões de dólares, mais do que dobrando sua participação no

Mercado Mundial (ALICEWEB, MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO,

INDÚSTRIA E COMERCIO EXTERIOR DO BRASIL, 2011).

Page 262: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 27 - Exportação de Banana no Brasil (2002) por Estados Exportadores.

02.000.0004.000.0006.000.0008.000.000

10.000.00012.000.00014.000.00016.000.00018.000.000

US

$

CE RN BA MG ES RJ SP PR SC RS

Exportações de bananas no Brasil (2002) Estados Exportadores

US$

Fonte: Aliceweb, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil (2011)

A Figura 3, com dados da FAO/ONU, mostra o fluxo de destino para as

exportações brasileiras de banana, sendo cerca de 40% de produção exclusiva da Del

Monte Fresh Produce no Rio Grande do Norte. Além da destinação para a Argentina, os

principais destinos da banana brasileira vão ser o Reino Unido, Itália, Países Baixos,

Alemanha, Japão e Estados Unidos.

Figura 3 - Fluxos de exportações brasileiras de banana para o Mundo (2002)

Fonte: FAOSTAT (2011)

Nota-se também o diferencial das exportações de banana do Brasil em relação

aos outros exportadores do Mundo, que levam multinacionais como a Del Monte Fresh

Page 263: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Produce a se instalar no País, que cobra um valor unitário por tonelada métrica

considerado mundialmente o menor - cerca de 136 dólares -, inferior inclusive a países

africanos como Camarões, onde a Multinacional em questão também tem fazendas.

4.4 - Anos 2000: “Novas” Políticas Públicas Federais e Produção Globalizada

Nesta parte se estudará o período relativo aos seis primeiros anos do Governo

Luís Inácio Lula da Silva (2003 a 2008). Esse período foi incluído na análise pelo fato

de se terem observado em pesquisas cartoriais (tanto em Ipanguaçu quanto em Baraúna)

mudanças relativas a políticas públicas implantadas pelo Governo Lula no campo. A

mudança se mostra de forma clara em vários documentos cartoriais, como reflexo

principalmente da política do Crédito Fundiário, além do reforço na criação de inúmeros

assentamentos do INCRA. Vale observar que as aspas nas novas políticas públicas são

para ressaltar exatamente o caráter de repetição de inúmeras políticas pelo Governo

Lula do antigo Governo de Fernando Henrique Cardoso.

Com este novo contexto, observar-se-á a influência dessas ‘novas’ políticas

públicas voltadas para a agricultura familiar, no movimento de terras do Município, e se

essas políticas vão se refletir de algum modo nas relações de trabalho, no mercado de

trabalho assalariado e na produção agrícola municipal.

Como foi analisado no Capítulo 1, o Governo Lula, a partir de 2003, vai

imprimir um modelo dual de política pública, privilegiando ao mesmo tempo o

Agronegócio e a Agricultura Familiar. Esse modelo vai dar continuidade a várias

políticas públicas implementadas pelo Governo Neoliberal de Fernando Henrique

Cardoso, que eram voltadas para articular o Brasil no processo de globalização, como

projetos elencados nos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, que serão

reaproveitados nos PACs do Governo Lula. Muitos desses investimentos do PAC (como

já vistos no Capítulo 1) vão reforçar o Agronegócio nos Polos de Desenvolvimento

Integrado do Nordeste. Além disto, o Governo investe pesadamente no financiamento

do Agronegócio Globalizado através do Banco do Nordeste, do Banco do Brasil e do

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social em inúmeros programas já

citados.

Com relação à Agricultura Familiar, têm-se inúmeras políticas, muitas das quais

baseadas no desenvolvimento regional e atreladas a este, além de pautadas em

diferenciações de crédito ou descontos em consonância com a região mais atrasada.

Page 264: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Muitas políticas vão seguir os ditames da Política Nacional de Desenvolvimento

Regional – PNDR, implantada e criada no Governo Lula. Segundo Porto (2006, p. 102),

“...o maior objetivo do PNDR é reverter as desigualdades regionais mediante

exploração das potencialidades endógenas da diversidade ambiental, socioeconômica e

cultural brasileira.”

A classificação do PNDR vai se enquadrar em uma série de políticas públicas

por todo o Brasil e, no Nordeste, vai ter como suporte também a Nova Delimitação do

Semiárido como norte fundamental das principais políticas públicas de desenvolvimento

dessa Região.

As principais políticas públicas em execução do Ministério da Integração

Nacional (MIN) e Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), como já se falou

anteriormente, são vinculadas à classificação do PNDR e/ou à delimitação do Semi-

árido (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2008) (MINISTÉRIO DO

DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2008). O principal programa que vai ser

observado de forma determinante em Ipanguaçu e Baraúna (além do PRONAF) vai ser

o Programa Nacional do Credito Fundiário:

Como já explicitado no Capítulo 1, o Programa Nacional de Crédito

Fundiário (um programa de compra de terras similar existia na época do Governo

Fernando Henrique Cardoso com o nome de “Banco da Terra”) tem inúmeras linhas de

financiamento oferecidas - a de Combate à Pobreza Rural é a que atende às camadas

mais necessitadas da população rural, contemplando trabalhadores rurais sem terra,

pequenos produtores rurais com acesso precário à terra e proprietários de minifúndios:

imóveis cuja área não alcance a dimensão da propriedade familiar.

O objetivo básico do Programa é financiar a compra de imóveis rurais, tendo

como requisito básico formar associações. Para as associações localizadas no semiárido

nordestino, tem-se um bônus de adimplência de 40% - mais de 100% superior ao das

outras regiões do Brasil (MDA) (CREDITO FUNDIÁRIO, 2008).

4.4.1 - ‘Novas’ Políticas Públicas e seu Impacto no Mercado Fundiário de Ipanguaçu

No decorrer dos anos do Governo Lula (2003 a 2008), nota-se de forma

marcante um aumento da interferência do Governo no mercado de terras de Ipanguaçu,

através dos programas ligados ao crédito fundiário (Programa Nacional de Crédito

Fundiário) e dos novos assentamentos do INCRA no Município.

Page 265: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

No Gráfico 28, observa-se o recente movimento de terras com o uso de

associações entre 2003 e 2008. Em pesquisa realizada no Cartório Municipal, esse

movimento de terras a partir de compras de associações só aparece no referido período

em toda a série histórica analisada, que vai de 1979 a 2008.

Analisando-se cada um dos documentos de terras, ficou claro que todas elas

foram compradas por associações a partir de financiamento hipotecário do Programa

Nacional de Crédito Fundiário. Com esse Programa, teve-se uma reativação do

movimento de terras do Município, praticamente parado, principalmente na área de

várzea, por causa das compras monopolísticas da Del Monte Fresh Produce.

Gráfico 28 - Movimento de terras com uso de associações por área (2003 a 2008) – Ipanguaçu

0200

400600800

100012001400

16001800

2003 2004 2005 2006 2007 2008

Movimento de terras com uso de associações por área (2003 a 2008)

Área - ha

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)

Analisando-se o referido Gráfico ( o 28), observa-se que esse movimento de

compra de terras por associações ganha um impulso em 2004, chegando ao ápice em

2006, com a compra de 1.600 ha de terras por associações com o uso do referido

Programa e, em 2007, com a compra de quase 1.400 ha. Em 2008, não foi obtido,

porém, qualquer dado de compra utilizando tal Programa.

Por fim, nesse curto período tem-se uma compra acumulada de 4.127 ha de

terras oriundas desse Programa, especificamente, gerando um movimento razoável no

Cartório Municipal. Essas terras eram localizadas em diversas partes do Município e

não somente na área de várzea.

Page 266: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Segundo o técnico da EMATER de Ipanguaçu, Lucieudes Neves Lopes,58 que

também faz parte de uma associação com seus familiares, o processo para se chegar à

terra pelo Crédito Fundiário segue os seguintes passos:

[...] você escolhe lá a terra que você quer, você leva os documentos do proprietário assinado dizendo que o proprietário tem interesse de vender a terra e o projetista vai faz o projeto e envia para a Seara [Secretaria responsável pela Reforma Agrária do Estado do RN]. Com a proposta, a Seara avalia a terra, se o proprietário tiver interesse em vender pelo preço que a Seara avaliou ai entra o banco. Ai vem o Banco do Nordeste, ai faz o levantamento cadastral da associação, sempre 10 pessoas, 8 e você faz uma associação e compra pela associação [...] você compra e divide ate 17 anos [...] não chega a 1% ao ano, prestações anuais, com 17 anos para pagar com 2 anos de carência com rebate de 40% se pagar antecipado [...] pra muita gente deu certo [...] tem o numero de ha por pessoa, no mínimo 8ha por pessoa (sic).

Além do impacto desse Programa, o Governo Federal agiu diretamente no

mercado de terras de Ipanguaçu com a desapropriação de uma ampla área, chamada

“Fazenda Itu” (18.274 ha), em 2005. Essa fazenda tem algumas áreas de várzea e

amplas áreas no tabuleiro com terras de difícil manejo agrícola.

No Figura 4, pode-se observar o município de Ipanguaçu em destaque e os

assentamentos já instalados pelo INCRA em 2005, que ali aparecem demarcados,

muitos dos quais, em áreas com ampla porcentagem de terras de tabuleiro e com poucas

perspectivas agrícolas.

58 Entrevista concedida em 19 de janeiro de 2011 na EMATER de Ipanguaçu-RN.

Page 267: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Figura 4 - Assentamentos do INCRA em Ipanguaçu (2005)

Fonte: Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do RN (2011) Essa desapropriação da Fazenda Itu vai ser a única e grande intervenção do

Governo por área no município de Ipanguaçu. Como se observa no Gráfico 29, nos

outros anos a atuação do Governo foi praticamente nula.

Gráfico 29 - Movimento de terras com intervenção do Governo por área (de 2003 a 2008) – Ipanguaçu

0

5000

10000

15000

20000

2003 2004 2005 2006 2007 2008

Movimento de terras com intervenção do governo por área (2003 a 2008)

Área - ha

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)

Page 268: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Com esse grande movimento de intervenção do Governo, seja de forma indireta,

através do crédito fundiário, seja de forma direta, através de desapropriações feitas pelo

INCRA, tem-se uma mudança no movimento de terras no Cartório de Ipanguaçu.

Como se observa no Gráfico 30, de área transacionada por ano e por hectare no

período de 2003 a 2008, deu-se, principalmente nos anos de 2004, 2006 e 2007, um

movimento considerável de transações cartoriais, concentrando-se, principalmente nos

anos de 2006 e 2007, em negócios envolvendo pequenas propriedades de 0 a 10

hectares. Esse período foi o mesmo em que ocorreram as maiores compras de terras por

associações do Programa do Crédito Fundiário. Pode-se afirmar, com base nesses

dados, que as associações compraram mais pequenas e médias terras.

Gráfico 30 - Área transacionada por ano e por ha (2003 a 2008) – Ipanguaçu

010203040

Número de transações

2003 2004 2005 2006 2007 2008

Ano

Área transacionada por ano e por ha (2003 a 2008)

0 a 10 ha

10 a 100 ha

+ 100 ha

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)

Em relação ao tipo de transação efetuado nesse período (ver Gráfico 31), tem-se

outra surpresa, com a dianteira em termos de área das desapropriações, com quase 50%

de todos os tipos de transações. As desapropriações foram poucas e, tratando-se do

INCRA, foi só uma: a da Fazenda Itu. Por isto, tal fator não tem representatividade na

quantidade, mas sim em área, já que a fazenda tinha mais de 18 mil hectares.

Observa-se também o grande número de hipotecas e a grande quantidade de

vendas de terras com pouca representatividade de área. Esse evento acontece

exatamente pelo fato de o grande número de associações que se utilizam do Crédito

Fundiário comprar terras de pequeno e médio porte, fazendo com que se tenha uma

grande quantidade mas nem sempre uma grande área envolvida. E essas mesmas

associações, na hora em que compram, automaticamente fazem uma hipoteca, já que,

para se efetuar a compra se tem que financiar através de hipoteca, como é característica

Page 269: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

do Programa de Crédito Fundiário. Por isto, também, o grande número de hipotecas no

período.

Gráfico 31 - Tipo de transação de terras e área transacionada (2003 a 2008) – Ipanguaçu

0%10%20%30%40%50%

Adjudicação

Arrendamento

Desapropriação

Herança

Hipoteca

Permuta

Usucapião

Venda

Doação

Tipo de transação de terras e área transacionada (2003 a 2008)

Quantidade

Área

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)

Por fim, observa-se no Gráfico 32 que, diferentemente de outros períodos onde

se tinha grande pressão de compras por pessoa jurídica, agora pouco se distingue a

atuação de empresas agrícolas no mercado de terras. Em todo o período analisado,

apenas em 2004 houve compra de terras executada por pessoa jurídica. Apenas uma

empresa comprou terras durante esse período: a Del Monte Fresh Produce, que

comprou cerca de 500 ha de terras da sua ex-parceira na joint venture de banana, a

“Directivos Agrícola”.

Gráfico 32 - Compra e venda de terras por pessoa jurídica em Ipanguaçu (2003 a 2008)

0

200

400

600

2003 2004 2005 2006 2007 2008

COMPRA E VENDA DE TERRAS POR PESSOA JURÍDICA EM IPANGUAÇU (2003 A 2008)

Área - ha

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)

Page 270: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Essa Multinacional, como se observa no Gráfico 33, mantém suas compras

sempre em área de várzea de alta fertilidade. No caso, como demonstra o Gráfico, na

localidade de Veneza, uma das várzeas mais férteis e produtivas do Município.

Gráfico 33 - Compra e venda – empresas – por área e principais localidades (2003 a 2008) – Ipanguaçu

0

200

400

600

Arapuá

Baldum

Corrego do

Maia

Cuó

Havaí

Japiaçu

OlhoD

água

Ubarana

Veneza

Compra e venda - empresas - por área e principais localidades (2003 a 2008)

Área - ha

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)

Com esses dados, observa-se a fraca participação de empresas agrícolas em

Ipanguaçu durante esse período, que reflete muitas vezes a alta concentração de terras

nas mãos da Multinacional (principalmente as terras mais férteis).

4.4.2 Impactos das ‘Novas’ Políticas Públicas nas Relações de Trabalho e nas

Estatísticas do Trabalho Assalariado

Durante os anos de 2003 a 2008, tem-se um reforço ainda maior da importância

da Agropecuária na geração de empregos assalariados municipais. De acordo com o

Quadro 45, observa-se que, durante todo o período pesquisado, essa atividade

representou uma média de 80% dos empregos de carteira assalariada no Município,

ultrapassando com folga todas as outras atividades econômicas, incluindo a

Administração Pública - segundo maior setor gerador de empregos assalariados

municipais -, que teve uma média de geração de empregos oscilando na faixa de 300 a

450 durante todo o período analisado. Já a geração do Setor Agropecuário ficou entre

1.600 e 2.100 empregos gerados com carteira assinada.

Page 271: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Quadro 45 - Ipanguaçu: Vínculos ativos por setor de atividade econômica (2003-2008) Setor 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Extração Mineral 0 0 0 0 0 0 Ind. Transformação

33 44 41 72 105 101

Serv. Indústria 1 1 1 1 1 3 Construção Civil 13 17 10 11 4 4 Comércio 58 55 59 54 59 57 Serviços 29 13 18 16 22 32 Adm. Pública 362 295 368 328 472 420 Agropecuária 1760 1702 2018 2106 2034 1615 Outros/Ignorado 0 0 0 0 0 0 Total 2256 2127 2515 2588 2697 2232 Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho e Emprego (2011)

Desses empregos assalariados do Setor Agropecuário, a grande maioria foi

gerada pela Del Monte Fresh Produce através de suas cinco fazendas e pela única

unidade da Finobrasa Agroindustrial. Só essas seis unidades fazendas geraram 1.770

empregos dos 2.034 empregos do Setor em 200759, demonstrando que, mesmo com os

assentamentos e políticas públicas ligadas ao pequeno e médio proprietário, se mantém

a importância no mercado assalariado das duas grandes empresas, com destaque para a

Del Monte, responsável por grande parte da geração de 1770 empregos (RAIS,

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO 2011).

Quando se observa o perfil das principais ocupações ligadas aos trabalhadores

do Setor Agropecuário (ver Quadro 46), tem-se o predomínio de salários baixos e de

trabalhos ligados à fruticultura - característica da Del Monte Fresh Produce -, com

muitos trabalhadores no serviço de apoio à agricultura, trabalhando em parking houses,

câmaras frias, dentre outros. Muitos também trabalham como técnicos agrícolas na

supervisão desses trabalhadores e alguns na mecanização agrícola, irrigação e

drenagem. Os que trabalham com um pouco mais de especialização ganham um pouco

mais.

Nota-se também, com base no Quadro 46, que são quase inexistentes os

trabalhadores assalariados da Pecuária de grande porte: só um trabalhador.

59 Utilizamos como parâmetro o ano de 2007 pelo fato de em 2008 ter ocorrido um desastre natural nas várzeas de Ipanguaçu com a inundação de áreas de várzea pela cheia do Rio Piranhas-Açu, causando um desastre na produção agrícola, principalmente na produção da multinacional Del Monte Fresh Produce, com isso afetando a geração de empregos e a produção agrícola temporariamente.

Page 272: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Quadro 46 - Perfil ocupacional dos trabalhadores agropecuários de Ipanguaçu (2007) Perfil Ocupacional Número de

trabalhadores Remuneração média em Salários Mínimos/Dezembro

Técnicos Agrícolas 44 2,2 Trabalhadores Agropecuários em geral

13 2,1

Trabalhadores de apóio a agricultura

461 1,1

Trabalhadores agrícolas na fruticultura

1168 1,1

Trabalhadores na pecuária de animais de grande porte

1 1

Trabalhadores da mecanização agrícola

26 1,7

Trabalhadores da irrigação e drenagem

23 1,4

Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho e Emprego (2011)

Observando esses dados relativos ao emprego assalariado e à concentração de

boa parte deste nas mãos da Del Monte Fresh Produce, fica uma questão em aberto

nessa nova conjuntura de instalação de muitos assentamentos do INCRA em Ipanguaçu:

Onde e como estão trabalhando esses assentados?

Com base nesta questão, resolve-se entrevistar o presidente de uma associação

que coordena um assentamento recém-implantado na área da antiga Fazenda Itu,

recentemente desapropriada. Segundo esse presidente, Francisco Casemiro60, devido à

implantação do assentamento ser recente e devido à falta de recursos e investimentos do

INCRA, tem-se um quadro ocupacional que se configura dessa forma: “ ..quem não tá

ainda aposentado continua nas empresas, Del Monte, Finobrasa, aguardando esses

demarcações e o recurso para nós trabalhar...”. O referido presidente do sindicato fala

ainda sobre o ônibus da Del Monte - “o ônibus vem buscar todos os dias, passa aqui

dentro no assentamento...esse ônibus dá três viagens por dia...”.

Essas informações trazem à tona um problema comum nos assentamentos: a

proletarização dos assentados em virtude da falta de infraestrutura e assistência técnica

do INCRA. Em virtude desse problema, muitos vão trabalhar para as empresas

agrícolas, no caso a Del Monte e a Finobrasa em grande parte.

Em relação à Política do Crédito Fundiário em Ipanguaçu, não tem como se ter

números sobre emprego assalariado nas associações, pois a maioria observada trabalha

com sua própria mão-de-obra familiar, não gerando empregos assalariados permanentes

60 Entrevista concedida em 18 de janeiro de 2011 no Assentamento “Picada”, zona rural de Ipanguaçu.

Page 273: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

e sim eventuais, no momento da colheita ou da plantação de determinada cultura,

variando de cultura para cultura a necessidade e o número de trabalhadores eventuais ou

diaristas.

4.4.3 Impactos das ‘Novas’ Políticas Públicas na Produção Agrícola de Ipanguaçu

Observando a produção agrícola recente de Ipanguaçu, de produtos tradicionais,

geralmente plantados historicamente pela agricultura familiar, nota-se que a área

colhida tendeu a diminuir, principalmente nos últimos anos da série histórica de 2003 a

2008 (ver Gráfico 34). O feijão teve uma redução de cerca de 50% da área colhida entre

2003 e 2008, o mesmo dando-se com o milho, cuja área colhida passou de cerca de 600

hectares, em 2003, para cerca de 300 ha em 2008. A batata-doce, por sua vez, que

respondia historicamente sempre a uma área colhida de relevância, praticamente sumiu

em termos de área colhida.

Gráfico 34 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (2003 a 2008) – Produtos Tradicionais – Área Colhida (HA)

0

100

200

300

400

500

600

ÁR

EA

(H

A)

2003 2004 2005 2006 2007 2008

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (2003 A 2008) - PRODUTOS TRADICIONAIS - ÁREA COLHIDA (HA)

Feijão

Milho

Batata-doce

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)

Com esses dados, pode-se inferir que, apesar dos recentes assentamentos do

INCRA e da difusão em massa do Crédito Fundiário no Município a partir de

associações, não se tem, aparentemente, o reflexo dessas políticas na produção de

produtos tradicionais, que eram geralmente plantados pela pequena agricultura familiar

municipal.

Page 274: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Já com relação à área colhida de produtos de mercado (Gráfico 35), nota-se a

tendência a uma manutenção da área, como o algodão herbáceo, destacando-se, porém,

principalmente os produtos voltados quase que exclusivamente para o mercado externo,

como a manga e a banana da Del Monte Fresh Produce.

Observa-se, no entanto, que, no ano de 2008, aconteceu um grande desastre na

região, com a inundação de amplas áreas de várzea pela cheia do rio Piranhas-Açu, que

se encontra atualmente bastante assoreado. Isto vai fazer com que amplas áreas de

várzea da Multinacional fiquem debaixo d’água, gerando uma perda enorme na área

colhida de banana no ano de 2008.

Gráfico 35 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (2003 a 2008) – Produtos de Mercado – Área Colhida (HA)

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

ÁR

EA

(H

A)

2003 2004 2005 2006 2007 2008

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (2003 A 2008) - PRODUTOS DE MERCADO - ÁREA COLHIDA (HA)

Algodão Herbáceo

Banana

Manga

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)

Com relação à quantidade produzida de culturas tradicionais, durante essa série

histórica de 2003 a 2008, verifica-se, no Gráfico 36, que a produção tradicional de

milho, feijão e batata-doce praticamente desapareceu durante a série histórica, refletindo

inúmeras questões, como o desinteresse para plantar os produtos tradicionais, a falta de

infraestrutura nos assentamentos e, principalmente, o alto custo de insumos, além da

volatilidade dos atravessadores para comprar os produtos agrícolas, apesar de a terra,

principalmente na área de várzea, ser muito fértil. Segundo um agricultor entrevistado

na localidade rural de Baldum61 (área de várzea): “[...] o setor aqui é muito bom para

agricultura, o que plantar dá [...]. Mas, o mesmo fala das dificuldades na pequena

produção agrícola: [...] vem o atravessador leva para Caicó, para Natal, para Recife, uns 61 Entrevista concedida por um agricultor idoso na localidade de Baldum, na várzea de Ipanguaçu, em 20 de janeiro de 2011.

Page 275: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

vendem, às vezes paga, às vezes não paga (sic) [...]a gente plantava o milho, tirava a

semente e plantava no outro ano, hoje o comércio não quer o milho [...].

O agricultor explica que os comerciantes não querem mais o milho tradicional

plantado pelo agricultor tradicional, querem espécies diferentes, com mais exigência em

relação à qualidade técnica das sementes.

Gráfico 36 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (2003 a 2008) – Produtos Tradicionais – Quantidade Produzida (T)

0

500

1000

1500

2000

QU

AN

TID

AD

E (

T)

2003 2004 2005 2006 2007 2008

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (2003 A 2008) - PRODUTOS TRADICIONAIS -

QUANTIDADE PRODUZIDA (T)

Feijão

Milho

Batata-doce

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)

O Gráfico 37 ratifica a superioridade da quantidade produzida das culturas de

mercado em relação às tradicionais, com a larga diferença da monocultura de banana,

afetada apenas em 2008 com a cheia do rio Piranhas-Açu.

Gráfico 37 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (2003 a 2008) – Produtos de Mercado – Quantidade Produzida (T)

0

10000

20000

30000

40000

50000

60000

QU

AN

TID

AD

E (

T)

2003 2004 2005 2006 2007 2008

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (2003 A 2008) - PRODUTOS DE MERCADO - QUANTIDADE PRODUZIDA (T)

Algodão Herbáceo

Banana

Manga

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)

Page 276: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Mesmo com a diminuição expressiva de quase 50% na produção de banana pela

Multinacional em 2008, as exportações do Rio Grande do Norte, nesse ano, alcançam o

primeiro lugar dentre todos os estados exportadores de banana, graças às fazendas da

Multinacional (ver Gráfico 38).

Gráfico 38 - Exportação de Banana no Brasil (2002) por Estados Exportadores.

02.000.0004.000.0006.000.0008.000.000

10.000.00012.000.00014.000.00016.000.000

US

$

PI CE RN BA MG RJ SP PR SC RS

Exportações de bananas no Brasil (2008) Estados Exportadores

US$

Fonte: Aliceweb, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comercio Exterior do Brasil (2011) Observando a Figura 5, mais uma vez veem-se os fluxos de exportação da

banana brasileira para países do Mundo. A banana de Santa Catarina atende às

demandas do MERCOSUL, enquanto as do RN - da Multinacional Del Monte Fresh

Produce - estão ligadas principalmente ao Mercado Europeu.

Figura 5 - Fluxos de exportações brasileiras de banana para o Mundo (2008)

Page 277: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Fonte: FAOSTAT (2011)

Com essa produção extraordinária, que gera muitos empregos no Município,

como observado no item anterior, a Multinacional é tida por muitos moradores, vizinhos

e empregados, como a “salvação do município”. Para muitos, como um agricultor de

Baldum62, que mora vizinho à sede da Empresa,

[...] ela paga os funcionário tudo direitinho, paga em dia, NÃO HÁ ENGANO NELA, não há dúvida, pagamento, paga 15 dias, 30 dias o dinheiro tá todo pronto, ninguém sabe de onde vem, ninguém sabe como é [...] o pagamento você tira no banco, não tem roubo, não tem nada [...] aí o povo pelo menos tá empregado (grifos meus).

Com isto, observa-se que a população do local onde a Multinacional está

instalada, apesar das críticas, a respalda sempre, principalmente por seguir algumas leis

trabalhistas, como pagar em dia. Fica subentendido aí que nem sempre se têm essas leis

como realidade no referido local.

No próximo Capítulo, analisar-se-á o processo de globalização da Agricultura na

Chapada do Apodi, tomando como exemplo o município de Baraúna, um dos maiores

produtores e exportadores de melão do País.

62 Entrevista concedida por um agricultor idoso na Localidade de Baldum, na várzea de Ipanguaçu, em 20 de janeiro de 2011.

Page 278: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

5 BARAÚNA: PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO COM MÉDIAS “EMPRESAS NACIONAIS”

Neste Capítulo, mostrar-se-á a evolução da produção do espaço no município de

Baraúna, desde o início da sua história com os nativos americanos que lá viviam,

passando pela ocupação da região pelos portugueses, seu processo de conquista e

colonização, até o início da década de 1980, com sua emancipação política (5.1 – Do

início da ocupação do território à emancipação municipal).

Em um segundo momento, o trabalho vai se deter mais especificamente no

processo atual de globalização do referido Município, dando-se ênfase à fruticultura

irrigada entre o início da década de 1980 e o final da década de 2000, quando se

analisará o processo de inserção do Município na produção globalizada a partir de:

mercado de terras, mudança de eixo produtivo e relações de trabalho.

Para isto, dividiu-se esta parte da tese em mais três momentos, a saber: no

primeiro - entre o início da década de 1980 e o da década de 1992 -, o trabalho se deterá

mais no processo de exploração inicial de Baraúna, com a constituição de suas primeiras

empresas e primeiras explorações comerciais vinculadas principalmente ao algodão e à

castanha de caju (5.2 – Anos 80: Exploração inicial em Baraúna); no segundo momento,

entre 1993 e 2002, tratar-se-á do processo de concentração fundiária e da inserção do

Município no contexto da liberalização do comércio globalizada, com a chegada das

empresas agrícolas frutícolas dos japoneses, que vão ter o viés de empresas

exclusivamente exportadoras - esse período vai de 1993, quando se têm as primeiras

compras de terras pelos japoneses, até 2002 (5.3 – Anos 90: Globalização, Liberalização

do Comércio, Vinda dos Japoneses e Concentração Fundiária); no terceiro momento,

tratar-se-á do contexto mais recente, que vai de 2003 até 2008, com a chegada de

“novas” políticas públicas federais e a influência destas no mercado de terras e nas

relações de trabalho, além da perspectiva de rearranjo local frente a tais políticas (5.4 -

Anos 2000: “Novas” políticas públicas federais e novas perspectivas na produção

globalizada).

5.1 Do Início da Ocupação do Território à Emancipação Municipal

Nesta parte do trabalho, far-se-á uma breve caracterização da área de estudo e,

após esse momento, um resgate do histórico da ocupação do território pelo homem.

Page 279: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Na caracterização, serão salientados os elementos naturais de Baraúna, como

clima, vegetação, relevo e hidrografia; além de se analisarem os indicadores sociais e

econômicos do Município.

A parte relativa ao histórico da ocupação de Baraúna vai trazer um resgate do

início da ocupação do território pelos indígenas, passando por todo o processo de

ocupação e povoação dos portugueses, com as principais atividades econômicas

desenvolvidas no lugar , até a emancipação política no início da década de 1980.

5.1.1 Caracterização Geral da Área de Estudo

Segundo Cascudo (2002, p.70), Baraúna é um nome originário da palavra

indígena ibirá-una, cujo significado é “madeira preta”.

O município de Baraúna era, até 15 de dezembro de 1981, distrito de Mossoró e

este, por sua vez, era distrito de Açu, tendo se emancipado em 1852. Baraúna foi criado

pela Lei Estadual nº. 5.107 de 1981.

Localizada dentro da Microrregião “Mossoró” (ver Mapa 5) e da Mesorregião do

Oeste Potiguar, a cidade de Baraúna (ver Mapa 6 e 7) está situada nas coordenadas

geográficas de 5º 04’, de latitude sul, e 37º 37’, de longitude oeste, e o seu Município

apresenta uma área de 825,8 km², estando distante da capital do Estado 317

quilômetros.

Page 280: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Mapa 5 - Microrregião Mossoró (2011)

Fonte: Franklin Roberto da Costa Mapa 6 - Localização do município de Baraúna no estado do Rio Grande do Norte

Fonte: Gleydson Pinheiro Albano, adaptado de Josué Alencar Bezerra

Page 281: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Mapa 7 - Área do município de Baraúna com sua Sede Municipal e Povoados do interior.

Fonte: Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do RN (2011a)

Page 282: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

a) Elementos Naturais

Com relação aos elementos naturais, Baraúna apresenta as seguintes

características:

O clima é semiárido. Sua precipitação pluviométrica anual média, segundo o

Atlas Pluviométrico do Brasil (2011), encaixa-se nas isoietas anuais de 600 e 700 mm

nos últimos 30 anos (entre 1977 e 2006). Seu período chuvoso se concentra entre

fevereiro e maio. A temperatura média anual é de 27,4º C e a umidade relativa média

anual fica em torno de 70% (INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE DO RN, 2011a).

Em relação as águas superficiais, o município não conta com rios e lagoas de

porte significativo, como se observa no no Mapa de Hidrografia do Município de

Baraúna (ver mapa 8).

A formação vegetal no Município é caracterizada pela Caatinga Hiperxerófila -

vegetação de caráter mais seco, com abundância de cactácea e plantas de porte mais

baixo e espalhadas. Entre outras espécies, destacam-se a jurema-preta, o mufumbo, o

faveleiro, o marmeleiro, o xique-xique e o facheiro.

Seu relevo varia entre 100 e 200 metros de altitude, estando localizado na

unidade de relevo chamada de “Chapada do Apodi”, que são terras planas ligeiramente

elevadas, formadas por terrenos sedimentares, cortados pelos rios Apodi-Mossoró e

Piranhas-Açu. Os solos predominantes que se encontram na área do Município são

[...] solos calcários ou argilos-calcários [...] dominam a maior parte da região a oeste do Rio Apodi [município de Baraúna], ocorrem também solos arenítico-calcários a Noroeste de Mossoró [também no município de Baraúna], com boas qualidades físicas, boa economia d´água e boas aptidões, portanto para o cultivo (LINS; ANDRADE, 1977, p.36).

Os referidos autores (op. cit, p.39) analisam também que, por causa da estrutura

cárstica da Chapada do Apodi, boa parte das precipitações é engolida por sumidouros e

vai alimentar uma drenagem subterrânea cuja vazão é muito grande nos poços tubulares.

Page 283: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Mapa 8 - Mapa da Hidrografia do Município de Baraúna-RN

Fonte: Franklin Roberto da Costa Geologicamente, o Município abrange terrenos pertencentes à Bacia Potiguar. A

maioria da área municipal tem a Formação Jandaíra: calcarenitos e calcilutitos

bioclásticos, cinza claros a amarelados, níveis de evaporito na base. Essas formações

Page 284: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

são de bacias sedimentares e se localizam na Era Mesozoica, no Período Cretáceo

Superior, entre 65 e 96 milhões de anos. Também existem em partes do Município a

emergência de formação do Grupo Barreiras, com Arenitos e conglomerados,

intercalações de siltitose argilitos. Esses solos são recentes, da Era Cenozoica, com

média de 23 milhões de anos. (ANGELIM, 2007).

Segundo o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do RN

(2011a), há ocorrências minerais no Município. Estas estão localizadas na Formação

Jandaíra, a saber: calcários cálcicos e magnesianos (utilizados na indústria do cimento,

da cal, do corretivo agrícola e na indústria alimentar para animais); rochas ornamentais

(usadas como piso e revestimento); britas e pedras (para a construção civil) e gipsita e

argilas (que servem para a indústria do cimento e do gesso agrícola); e no Grupo

Barreiras, onde se destacam as ocorrências de cascalho (material utilizado para a

construção civil) e seixos e calhaus de calcedônia (utilizados em artesanato mineral e

em moinhos de bolas).

O Município encontra-se com 43,78% do seu território inserido na Bacia

Hidrográfica Apodi-Mossoró e 56,22%, na Faixa Norte de Escoamento Difuso. Nele há

também alguns aquíferos importantes, tais como:

Aquífero Jandaíra – que é composto predominantemente por calcários,

apresentando água geralmente salobra e uma composição química favorável à pequena

irrigação. É também um aquífero livre ou confinado, com vazões que variam até 30

m³/h, com média de 3 m³/h e poços com profundidade média em torno de 8 metros.

Abaixo de Jandaíra encontra-se o Aquífero Açu.

Aquífero Barreiras - composto por arenitos finos e grosseiros, conglomerados,

arenitos argilosos, caulínicos e ferruginosos níveis de cascalhos, lateritas e argilas

variadas, de coloração amarela e avermelhada. Quanto à hidrologia, esse aquífero

apresenta-se confinado, semiconfinado e livre em algumas áreas. Os poços construídos

mostram capacidade máxima de vazão, variando entre 5 a 100 m³/h, com águas de

excelente qualidade química, com baixos teores de sódio, podendo ser utilizadas

praticamente para todos os fins (INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE DO RN, 2011a).

Com base nesses dados, nota-se que o município de Baraúna tem elementos

naturais vantajosos que facilitam a agricultura, como solos férteis e águas subterrâneas

que proporcionam a irrigação a partir de poços. Por causa desses fatores, assim como

Ipanguaçu, esse Município se insere nas “manchas de modernidade” e

Page 285: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

consequentemente na política de Polos de Desenvolvimento ( ver Capítulo 1),

inserindo-se assim, como Ipanguaçu, no Polo de Desenvolvimento Integrado Frutícola:

o Polo de Assu/Mossoró.

b) Indicadores Socioeconômicos

Analisando-se os indicadores sociais, verificou-se que a população do Município

estava em torno de 24.182, segundo dados demográficos do CENSO de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011). Desse total, 8.972 (37,1%) vivem

na Zona Rural, enquanto 15.210 (62,9%), na Zona Urbana (ver Gráfico 39),

evidenciando que, apesar das atividades rurais terem grande influência no Município, a

maioria da sua população reside na sua área urbana.

Gráfico 39 - População Urbana e Rural em Baraúna (2010)

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)

A taxa de nascimentos em Baraúna teve um significativo decréscimo de 2000

para 2010, passando a população entre 0 e 4 anos de 6,2% para 4,7%, seguindo a

tendência nacional (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA,

Page 286: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

2011). A taxa de analfabetismo de Baraúna era de 47,7%, da população de acima de 15

anos, em 2000 (ATLAS do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2011)

A renda per capita média do Município cresceu 25,59%, entre 1991 e 2000,

passando de R$ 70,69, em 1991, para R$ 88,78, em 2000. Mas, mesmo assim, olhando-

se a porcentagem da renda apropriada por extratos da população, demonstrada no

Quadro 47, vê-se que, no decorrer destes últimos dez anos, a desigualdade cresceu de

forma assustadora. A renda passou a se concentrar muito mais nas camadas mais altas,

enquanto as mais baixas tiveram uma perda considerável. Significa dizer que, mesmo

com grandes empresas agrícolas no Município, a melhoria de renda trazida por elas se

concentra, como usual, nas camadas socialmente mais favorecidas. O índice Gini de

desigualdade passou de 0,50, em 1991, para 0,53, em 2000 (INSTITUTO

BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011).

Quadro 47 - Porcentagem da renda apropriada por extratos da população em Baraúna, 1991 e 2000.

1991 2000 20% mais pobres 4,4 2,7 40% mais pobres 13,2 11,2 60% mais pobres 26,0 23,7 80% mais pobres 44,2 43,5 20% mais ricos 55,8 56,5

Fonte: ATLAS do Desenvolvimento Humano no Brasil (2011) O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de Baraúna é de

0,600 e está na faixa das regiões consideradas de médio desenvolvimento humano (IDH

entre 0,5 e 0,8).

Em relação aos outros municípios do Brasil, Baraúna apresenta uma situação

ruim: ocupa a 4648ª posição - atrás de mais de 84% dos municípios. Em relação aos

outros municípios do Estado, Baraúna também apresenta uma situação desfavorável,

ficando na 130ª posição, abaixo de quase 78% dos municípios (ATLAS ..., 2011).

Com relação aos indicadores econômicos agrícolas, Baraúna, segundo dados do

IBGE (2011) coletados em 2009, tem como a cultura de maior valor de produção o

mamão, com mais de 40 milhões de reais, dentre todos os produtos da lavoura

permanente e temporária (Quadro 48), sendo seguida pelo melão, com mais de 12

milhões de reais, e pelo tomate, banana e milho, todos com um pouco mais de 1 milhão

de reais. Nota-se ainda nesse quadro a presença do feijão, melancia, sorgo, manga,

algodão herbáceo, castanha de caju e sementes de girassol, com valores significativos

que atendem ao mercado local e regional, e a presença modesta de produtos como

Page 287: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

goiaba, coco-da-bahia e batata-doce, com valores de produção inferiores a 20 mil reais

cada, que atendem de forma tímida ao mercado local.

Quadro 48 - Ranking de Valor de Produção de todos os produtos da lavoura temporária e permanente de Baraúna-RN – 2009

Área plantada, área colhida, quantidade produzida e valor da produção da lavoura permanente e temporária - Ranking descendente

Variável = Valor da produção (Mil Reais) Ano = 2009

Município = Baraúna - RN # Lavoura permanente/temporária

1 Mamão 40.500 2 Melão 12.600 3 Tomate 1.275 4 Banana (cacho) 1.124 5 Milho (em grão) 1.050 6 Feijão (em grão) 980 7 Melancia 525 8 Sorgo (em grão) 442 9 Manga 396 10 Algodão herbáceo (em caroço) 162 11 Castanha-de-cajú 126 12 Girassol (em grão) 110 13 Goiaba 16 14 Batata-doce 13 15 Coco-da-bahia 10 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)

A cultura temporária do mamão de Baraúna se destaca, em nível nacional, como

um dos grandes produtores nacionais com grande valor da produção. Como se pode

observar no Quadro 49, Baraúna fica em 9º lugar dentre todos os municípios do País no

valor da produção de mamão. No Rio Grande do Norte, ocupa o primeiro lugar, com 40

milhões de reais, deixando longe o segundo lugar, Ceará-Mirim, com uma renda de 2

milhões e 730 mil.

Quadro 49 - Ranking Nacional de Valor de Produção da lavoura permanente de Mamão - (2009)

Área plantada, área colhida, quantidade produzida e valor da produção da lavoura permanente - Ranking descendente - Brasil

Variável = Valor da produção (Mil Reais) Lavoura permanente = Mamão

Ano = 2009 # Município

1 Pinheiros - ES 196.875 2 Porto Seguro - BA 110.160 3 Itabela - BA 86.292 4 Prado - BA 68.544

Page 288: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

5 Teixeira de Freitas - BA 53.856 6 Belmonte - BA 50.796 7 Santa Cruz Cabrália - BA 47.736 8 Nova Viçosa - BA 41.616 9 Baraúna - RN 40.500 10 Linhares – ES 39.660 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)

Com relação ao melão, assim como com o mamão, este tem grande destaque no

valor da produção nacional, ficando em 5º lugar entre todos os municípios do País (ver

Quadro 50). Vale observar que todos os outros quatro municípios que vêm na frente de

Baraúna são municípios vizinhos, todos fazendo parte da Chapada do Apodi, maior

produtor brasileiro e um dos maiores do Mundo em melão.

Quadro 50 - Ranking Nacional de Valor de Produção da lavoura temporária de Melão - (2009)

Área plantada, área colhida, quantidade produzida e valor da produção da lavoura temporária - Ranking descendente - Brasil

Variável = Valor da produção (Mil Reais) Lavoura temporária = Melão

Ano = 2009 # Município

1 Mossoró - RN 100.800 2 Quixeré - CE 29.688 3 Icapuí - CE 26.208 4 Aracati - CE 18.125 5 Baraúna - RN 12.600 6 Juazeiro - BA 8.950 7 Jaguaruana - CE 6.324 8 Floresta - PE 6.000 9 Canto do Buriti - PI 5.292 10 Limoeiro do Norte - CE 4.050 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)

Além da produção agrícola, Baraúna também conta com a extração vegetal, com

destaque em 2009 para o carvão vegetal, com renda de 160 mil reais, e para a lenha,

com 206 mil reais e 62 mil reais de madeira em tora (INSTITUTO BRASILEIRO DE

GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011).

Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (2011), Baraúna em 2010

apresentou exportações no valor de quase 29 milhões de reais, sendo que, deste total,

73,5% se referem a exportações de melão; 13,9%, a melancias exportadas e 11,1%, a

exportações de mamão papaia. Nota-se, com isto, que, apesar de o mamão representar o

maior valor de produção do Município, em se tratando de exportações, o melão assume

Page 289: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

a dianteira como maior valor exportado. Os principais destinos dessa exportação de

frutas são: Holanda (52,4%), Reino Unido (26,8%), Espanha (6%), Irlanda (4,1%) e

Dinamarca (3,7%).

Esses números, citados acima, da alta produção econômica das empresas rurais

situadas no Município são extremamente contraditórios quando comparados aos

indicadores sociais deste: extremamente baixos, o que o torna um dos municípios com

pior qualidade de vida (junto com Ipanguaçu) – Índice de Desenvolvimento Humano –

do Rio Grande do Norte e do Brasil.

Essa contradição entre alta concentração de renda e grande produção começa a

se construir no decorrer da história da região onde se localiza Baraúna (antes de 1981,

pertencente ao município de Mossoró), já no Período Colonial, quando começa a

ocorrer, através da distribuição de sesmarias, uma concentração fundiária intensiva.

5.1.2 Histórico da Ocupação do Território

Como já falado no Capítulo anterior, os primeiros habitantes da região de

Mossoró, assim como do Vale do Açu, foram os índios Tarairiu (chamados também de

Tapuias). O processo de ocupação da região de Mossoró (e da ribeira do rio Apodi-

Mossoró) pelos portugueses vai ser similar ao da ocupação do Vale do Açu, sendo

aquele, porém, um pouco mais tardio, no decorrer do século XVIII, após a expulsão e

morte dos indígenas pela Guerra dos Bárbaros (ver Capítulo 3).

Lins e Andrade (1977, p.66) relatam os primeiros contatos dos portugueses com

essa região: “[...] as extensas salinas que a cercam por todos os lados foram a

madrugadora referência dos primeiros contatos estabelecidos na era colonial com o

Baixo Apodi”

Segundo Cascudo (1996, p.10), a própria origem do topônimo Mossoró é mais

crível de provir do “[...] topônimo da tribo cariri dos Mouxorós ou Monxorós que

habitavam a região até quase metade do século XVIII, justamente o século do

povoamento mossoroense”. Essas tribos habitavam o último trecho do rio Mossoró e se

envolveram em conflitos que desencadearam a Guerra dos Bárbaros, por terem matado

gado dos curraleiros do município de Campo Grande.

Page 290: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Assim, como no Vale do Açu, Mossoró surge da “Fazenda de Gado”, localizada

às margens dos rios. Um dos primeiros relatos sobre o povoamento por fazendas de

gado na região de Mossoró cita a fazenda do Sargento-Mor Antônio de Souza Machado.

Ele era o dono da fazenda “Santa Luzia”, situada perto da margem esquerda do rio

Mossoró em idos de 1750. É a partir dessa fazenda que ocorre o processo de

povoamento do atual município de Mossoró, que inclusive era chamado inicialmente de

“Arraial de Santa Luzia de Mossoró” (CASCUDO, 1996).

Lins e Andrade (1977) relatam que, na segunda metade do século XIX, as velas

de cera de carnaúba e o algodão já tinham grande importância na pauta de produtos

exportados pela região de Mossoró, e observam que a exportação por via marítima

acontecia principalmente com a cera de carnaúba, o algodão, a borracha de maniçoba,

além de couros, queijos e peles do sertão.

A exportação de commodities vai ter uma queda com a seca de 1877,

considerada por muitos como uma das maiores secas de todos os tempos, ocasião em

que Mossoró foi invadida por milhares de indigentes:

A seca sacode para a cidade uma multidão das províncias vizinhas da Paraíba e Ceará [...] São tão tristes e lamentáveis as circunstancias em que se acha a população indigente desta cidade, superior a quarenta mil (40.000) emigrantes de diversas províncias, aqui chegados, quase que por um milagre – nus, famintos e afetados inchação das extremidades inferiores [...] parte dessa gente não encontrando um teto que lhe sirva de abrigo passa os dias e as noites exposta às intempéries do tempo, ao sol e ao relento, donde resulta principalmente a espantosa mortalidade que atinge a 40 pessoas por dia (CASCUDO, 1996, p.120).

Felipe (1982, p.55) observa que, nessa famosa seca, esses flagelados que viviam

à míngua eram usados por “[...] comerciantes e os proprietários de salinas, que

utilizavam essa mão de obra que trabalhava de 10 a 12 horas por dia a troco de migalhas

como rapadura e farinha”.

Mesmo com o advento dessa grande seca e de outras em fins do século XIX,

Mossoró vai iniciar o século XX sendo o líder estadual em exportações, principalmente

de algodão.

Cascudo (1996, p.147) relata o perfil das exportações no porto de Mossoró em

1910: “Em 1910 Mossoró exportou 602.348 fardos de algodão, pesando 4.000.250

quilos; Cera de Carnaúba, 304.581; Borracha norte, 1.659; Queijos, 3.589; Peles,

110.000; Couros, 94.296; Diversos gêneros 87.219”. Nesse ano, o porto de Areia

Branca (Porto de Mossoró) vai se destacar como o que gerou mais receitas para o estado

Page 291: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

do Rio Grande do Norte, superando até o porto de Natal, sendo que a maior geração de

renda fica com o algodão e em segundo lugar com o sal (SANTOS, 2002).

Monteiro (2000) observa que, na segunda metade do século XIX, no contexto do

grande surto exportador de algodão, Mossoró se torna um grande centro comercial da

Província, principalmente no comércio algodoeiro, que era a principal atividade

econômica do Estado até a década de 1930.

Durante esse período, as casas exportadoras recebiam o algodão e repassavam

para o mercado externo, em um primeiro momento, e, em seguida, para o mercado

interno. Algumas dessas casas exportadoras de Mossoró tinham prensas hidráulicas de

alta densidade (para adequar o algodão recebido pelo produtor às exigências do mercado

externo) (CLEMENTINO, 1986).

Monteiro (2000, p.183) destaca que,

[...] com o tempo, surgiram as primeiras ‘usinas de beneficiamento’ do algodão no estado [como já observado no capítulo 3], que, através do emprego de uma série de aparelhos, preparavam o produto para a exportação. Pertenciam às grandes casas exportadoras que compravam o algodão e cujo capital tinha origem local ou estrangeira. Em 1912, Miguel Faustino do Monte - um dos maiores comerciantes de Mossoró, que atuava também na extração e comercialização do sal – instalou uma usina de algodão nessa cidade.

Com a implantação dessas ‘usinas de beneficiamento’ de algodão e suas

máquinas de produção a partir do início do século XX, a região de Mossoró já começa a

se inserir no período denominado por Santos (2002a) de “meio técnico”.

Vale lembrar que, pouco tempo depois, em 1916, o Rio Grande do Norte já

ocupava o segundo lugar em máquinas de descaroçar algodão do Brasil, perdendo

somente para a Paraíba (CLEMENTINO, 1986).

A extração da cera de carnaúba também teve uma grande importância para o

desenvolvimento comercial exportador de Mossoró.

A produção de cera de carnaúba, inicialmente usada para fazer velas, e de grande importância nos vales do Açu e Apodi, adquiriu grande expressão, enriquecendo proprietários de carnaubais e comerciantes, tendo contribuído, ao lado do algodão, para que Mossoró tivesse a posição que teve na segunda metade do século XIX (ANDRADE, 1995, p.27).

Mas, com o tempo essaa extração arrefeceu e o comércio exportador de Mossoró

também. Na segunda metade do século XX, o Governo Federal disponibilizou algumas

políticas públicas que visavam a dinamizar cidades médias como Mossoró. Nesse

contexto, nasce à empresa MAISA.

Page 292: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Primórdios do Agronegócio Frutícola: Constituição da MAISA

A constituição da empresa Mossoró Agroindustrial S/A (MAISA63) em 1968,

voltada em um primeiro momento para a agroindústria do caju, está diretamente ligada

às políticas públicas federais de incentivos fiscais da SUDENE (ver Capítulo 1), que

não só incentivavam o parque processador de castanhas do Nordeste, mas inúmeros

projetos agroindustriais e industriais, visando a descentralizar os investimentos que

eram concentrados no Sul e Sudeste (LEITE, 1994; ROCHA, 2005).

Com a aprovação do III Plano Diretor da SUDENE em 1965, passou-se a dispor

de novas diretrizes para a aplicação dos incentivos fiscais (que agora chegavam a até

75% do valor do projeto). Dentre essas diretrizes estava a modernização das empresas

agrícolas e o aproveitamento das matérias-primas agrícolas e minerais produzidas no

Nordeste. Com isto, foi dado um grande incentivo para a agroindústria do caju se

desenvolver, já que com apenas 25% de capital se podia montar um projeto visando a

plantação e processamento de caju/castanha de caju (LEITE, 1994).

Com esses incentivos, surgiram no Nordeste inúmeras empresas ligadas ao

beneficiamento e à produção de castanha de caju, principalmente no Ceará, e nesse

contexto surgiu também a MAISA em Mossoró.

O plantio de cajueiros da MAISA começou em 1969 e já em 1976 a empresa

colhia 2.000 toneladas de castanha de caju, ficando no campo sem aproveitamento por

falta de mão-de-obra contratada mais de 500 toneladas. Logo em seguida foi construída

a Vila dos Trabalhadores da MAISA, com 600 habitações.

Rocha (2005, p.155) observa que essa Vila era constituída de

[...] 600 habitações, 40 destas reservadas para moradia dos empregados com maior qualificação (engenheiros, técnicos); Praça, Escola e Centro Comunitário; duas Escolas para Ensino Infantil; quatro pequenas Lojas de Comércio Local, Posto de Saúde, Mercado, Comércio e Pequena Indústria; Urbanização de ruas, avenidas etc; Caixa d´água (reservatório coletivo), Poço tubular, com profundidade de 700 m, Rede de energia elétrica, Rede de distribuição d´água. A Vila dispunha ainda de: ambulância, quadro permanente para apoio, enfermeira, médico, dentista e professores. Em face dessa dimensão, havia um administrador, chamado de “Prefeito”, para cuidar da Vila e gerenciar as questões pertinentes ao seu funcionamento

63 “No dia 6 de abril de 1968, a empresa Mossoró Agroindustrial S/A – MAISA já estava constituída. A primeira Diretoria foi composta pelos engenheiros: José Agripino Maia, Diretor Presidente; José Nilson de Sá, Diretor Administrativo; e Geraldo Rola, Diretor Técnico” (ROCHA, 2005, p.154).

Page 293: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

A partir de 1979, a fertilidade das plantações de caju apresenta uma queda

considerável por causa de seguidas secas e a direção da empresa decide então investir na

fruticultura irrigada do melão. Nessa época, um dos sócios da empresa vai a Israel

conhecer as técnicas de irrigação e volta para comandar o processo de agricultura

irrigada na propriedade. Nesse momento, já se sabia de algumas vantagens locacionais

que viabilizariam a produção irrigada na área. Dentre elas, podem-se citar: a fertilidade

das terras, as reservas hídricas existentes na área (consolidadas através de estudos feitos

por técnicos da PETROBRÁS, Projeto Radam Brasil e pelo Instituto de Pesquisas

Tecnológicas de São Paulo) e a alta irradiação solar (ROCHA, 2005).

Com isto, já no início da década de 1980, a MAISA se transforma na primeira

empresa exportadora de melões do Rio Grande do Norte, sendo comercializados na

Europa e em toda a América, que levou a empresa a abrir escritórios de representação

em Londres (Inglaterra) e em Rotterdam (Holanda) (ROCHA, 2005).

As próximas partes do trabalho focalizarão exclusivamente Baraúna. Na parte a

seguir, procurar-se-á observar o processo de formação do município de Baraúna, com o

desmembramento de Mossoró em 1983. Serão observados os potenciais elencados pelo

Plano Diretor para o aproveitamento dos recursos do solo e água do Vale do Apodi que

elegem Baraúna como uma das áreas-foco. Serão também observadas as primeiras

inversões agrícolas, no mercado de trabalho e no mercado de terra, durante a década de

1980, no referido Município.

5.2 Anos 80: Exploração Inicial em Baraúna

Os primeiros indícios da exploração da parte oeste de Mossoró, na povoação de

Baraúna, começam a ser mencionados a partir da década de 1930, quando aquela

povoação ganha o nome de “Rancho do Sabiá” (SILVA, 2004).

Cascudo (1996) relata, em 1953, a chegada da luz elétrica e da ligação telefônica

com a sede municipal de Mossoró. Nesse mesmo ano, Baraúna é elevada à condição de

distrito de Mossoró.

Silva (2004, p.34) observa que, “desde os primórdios de sua história, Baraúna

registra uma deficiência de recursos hídricos [superficiais] responsável por um

Page 294: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

povoamento tardio, de forma que, somente pelos idos dos anos 1930 foi instalado seu

primeiro poço”.

Silva (2004) também observa que, até a década de 1970, a localidade de Baraúna

teve como principal suporte econômico o cultivo do algodão herbáceo - atividade que

ocupava a grande maioria dos proprietários e produtores rurais sem terra, geralmente

sob a condição de parceria.

Observa-se também, a partir da pesquisa efetuada no Cartório Único de Baraúna,

um grande movimento de doação de terras, por parte principalmente do Governo

Estadual, com início na década de 1960 e uma intensificação principalmente no ano de

1964. Essas doações de terras aconteceram também por toda a década de 1970, só que

em menor intensidade.

Lins e Andrade (1977) igualmente analisam o ainda distrito de Baraúna, quando

fazem referência aos solos férteis daquela porção distrital e à existência de poços

tubulares em algumas fazendas que se aproveitam da estrutura cárstica da Chapada do

Apodi.

Além da atividade algodoeira já citada acima, é mencionada pelos referidos

autores uma frente pioneira de desmatamento extensivo, com inúmeras serrarias naquele

distrito.

Plano Diretor para o Vale do Apodi (1978)

A importância de Baraúna para o cenário nacional começa a se descortinar com

a inclusão desse distrito de Mossoró em um ambicioso Plano Diretor custeado a partir

do Ministério do Interior e do DNOCS em 1978, chamado de “Plano Diretor para o

aproveitamento dos recursos do solo e água do Vale do Apodi – Rio Grande do Norte”,

elaborado pela HIDROSERVICE – Engenharia de Projetos LTDA. Esse Plano vinha de

encontro às políticas públicas estabelecidas no final da década de 1970 (ver Capítulo 1),

que pregavam projetos de irrigação para a região do semiárido a partir do I Programa

Plurianual de Irrigação (PPI), financiado pelo PIN (criado no I PND). O PPI incluiu 36

Projetos do DNOCS localizados no Polígono das Secas, havendo prioridade de verbas

para os projetos hídricos nos vales úmidos, como: Gurgueia e Parnaíba (PI), Acaraú e

Jaguaribe (CE), Itapicuru e Rio das Contas (BA), Açu e, por fim, esse projeto que

incluía o Vale do Apodi (RN).

Tal Plano consistia em quatro etapas, a seguir:

Page 295: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

1ª Etapa: seleção de áreas adequadas para a implantação dos programas de

desenvolvimento agrícola;

2ª Etapa: formulação de esquemas de aproveitamento de águas superficiais e

subterrâneas e estudo das unidades típicas de exploração agropecuária;

3ª Etapa: formulação dos quatro planos de área e do programa de agroindústrias (Este

programa denominava-se “Programa de Desenvolvimento Cooperativo”, com o objetivo

de enfatizar a forma institucional adotada para realizar as inversões em transformação,

processamento e comercialização, bem como para operar agroindústrias);

4ª Etapa: avaliação socioeconômica dos investimentos e descrição dos investimentos e

do procedimento administrativo necessário para executar o Plano.

Quatro áreas foram selecionadas (ver Quadro 53): Passagem Funda, apoiada na

Barragem de Santa Cruz; Poço Verde, apoiada na Barragem de Poço Verde; Mossoró,

apoiado na Barragem de Mossoró e Baraúna.

Com base no Quadro 53, observa-se que as duas primeiras áreas-foco

desernvolverão programas mistos (com superfícies irrigadas e superfícies de sequeiro);

na terceira vai se desenvolver um programa só de irrigação e na quarta, Baraúna, um

programa de sequeiro, exclusivamente.

Quadro 53 - Áreas selecionadas para o aproveitamento dos recursos do solo e água do Vale do Apodi (1978)

Terras aptas para a agricultura irrigada

Terras aptas para a agricultura de sequeiro

Área- Programa

Superfície Total Levantada (ha) ha % ha %

Passagem Funda 36.054,4 15.262,4 42,3 20.110,4 55,8 Poço Verde 22.105,6 14.030,4 63,5 14.030,4 63,5 Mossoró 8.323,2 5.268,8 63,3 - - Baraúna 11.554,6 - - 11.554,6 100,0 Fonte: HIDROSERVICE (1978)

A HIDROSERVICE, mesmo citando os potenciais de águas subterrâneas da

região de Baraúna, não levou em consideração esse potencial para a exploração irrigada,

optando por sugerir que esse potencial fosse utilizado como suporte para a exploração

da agricultura de sequeiro, como se observa a seguir: O Plano Diretor tem o propósito

de “[...] aproveitar as reservas de água subterrânea para o consumo doméstico e animal,

com vistas a possibilitar a implantação de agricultura de ‘sequeiro’ em áreas não

irrigáveis e de baixos índices de precipitação pluviométrica” (HIDROSERVICE, 1978,

p.11).

Page 296: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Nota-se com isto que o programa de irrigação proposto (e que, no final, por

causa da crise econômica brasileira, não se tem notícias que tenha sido implementado)

se baseia somente em águas superficiais de Barragens.

O Plano Diretor formulado pela HIDROSERVICE (1978) chegou a estabelecer

as metas para cada área-programa. Nestas, existe a indicação do tipo de produção que

deveria ser operacionalizado em cada área. Nas áreas irrigadas era indicada como

principal meta a produção de frutas, principalmente a banana e o melão. Para a área de

Baraúna (que não tinha previsão de irrigação), eram indicados principalmente o cajueiro

(para a produção de castanha de caju) e o algodão arbóreo, junto com uma área vasta de

pastagem. Em segundo plano se indicava o consórcio milho/feijão macassar.

O referido Plano Diretor também executou um diagnóstico socioeconômico de

toda a área onde Baraúna está inserida, chamada de “Região Salineira”, que inclui o

Distrito de Baraúna, Mossoró, Areia Branca e Grossos. Nesse referido diagnóstico,

observa-se a já citada predominância do regime de parceria nas relações de trabalho até

aquele momento, usualmente no cultivo do algodão, do milho e do feijão.

De acordo com o Plano Diretor (HIDROSERVICE, 1978, p.22), esse tipo de

regime acontecia da seguinte forma:

De acordo com o contrato, após a colheita, o proprietário têm direito à metade do produto principal (‘meia’) e a um terço (‘terça’) dos subsidiários. O proprietário não tem obrigação de arcar, no todo ou em parte, com as despesas de produção, ou de subsistência da família do ‘parceiro’, embora seja habitual o fornecimento de farinha e de sal, além da concessão de autorizações – a título de adiamento – para aquisição de medicamentos e de alguns outros produtos, nos armazéns locais.

Teoricamente, conforme constatado pelo Diagnóstico, nesse regime, embora o

“parceiro” tivesse liberdade para vender sua parte da colheita, na prática, a

comercialização era realizada pelo proprietário de terras.

O Diagnóstico Socioeconômico do Plano Diretor também analisou a distribuição

de terras. A referida área onde se encontrava Baraúna na época (Microrregião Salineira)

já detinha um lugar de destaque na concentração de terras, com latifúndios de mais de

15.000 ha. É mostrado que, em 1975, 44,7% dos imóveis eram minifúndios entre 0 e 10

ha e somavam uma área representativa de 2,1% de todas as terras da Microrregião,

enquanto 0,9% dos imóveis que tinham mais de 1.000 ha representavam 44,7% de todas

as terras dessa área (HIDROSERVICE, 1978). Tal concentração de terras vem a ser um

espelho dos dados da concentração mostrada em termos de Brasil no Capítulo 2.

Page 297: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

O referido Plano também tratou das áreas de lavouras, observando que o

principal crescimento desse tipo de área ocorreu na Microrregião onde estava inserida

Baraúna e Mossoró, cuja área de lavoura crescia a uma taxa de 11,1% ao ano entre 1970

e 1975, superior ao crescimento das outras microrregiões do Vale do Apodi, que no

máximo cresceram 3,2% (a Microrregião Serrana Norte-Rio-Grandense). Essa área de

lavoura compreendia principalmente os seguintes produtos em 1975: algodão arbóreo

(38,2%); milho (30,3%); algodão herbáceo (21%) e feijão (8,8%) (HIDROSERVICE,

1978).

Pode-se notar com esses dados o predomínio da cultura do algodão, que

representava quase 60% de toda a produção agrícola da Microrregião Salineira em

1975. Em segundo plano, vinham as culturas de subsistência do milho e do feijão,

somando quase 40% da lavoura nesse ano.

5.2.1 Mercado de terras na década de 1980

No decorrer da década de 1980, já com dados da pesquisa do Cartório Único

Judiciário de Baraúna, nota-se, principalmente a partir da emancipação municipal em

1981, um grande número de transações de terras (ver Gráfico 40). Esse número se

configura principalmente no intervalo entre 10 e 100 ha de terras, consideradas estas de

pequeno e médio porte. Entre 1983 e 1987, o número de transações anuais sempre foi

superior a 100. Já após 1987, tem-se um decréscimo desse número para a média de 50

transações anuais ou menos.

Gráfico 40 - Número de Transações de Terras por Ano e Ha (1979 a 1992).

0

50

100

150

200

250

300

mer

o d

e tr

ansa

ções

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

Ano

Número de transações de terras por ano e ha (1979 a 1992)

0 a 10 ha

10 a 100 ha

+ 100 ha

Page 298: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)

Com relação ao tipo de transação de terras desse período, observa-se que existia

um predomínio das relações de compra e venda de terras que abrangiam cerca de 50%

das quantidades transacionadas e praticamente a mesma porcentagem de área

transacionada, ficando em segundo lugar as transações envolvendo hipotecas com uma

média de 40% em número de transações e em área transacionada no município de

Baraúna, durante o período de 1979 a 1992 (ver Gráfico 41).

A partir desses dados, nota-se o caráter mercantil que assume inicialmente o

mercado de terras de Baraúna, com transações voltadas para a compra e venda e para

hipotecas representando 90% de todas as transações de terras municipais.

Gráfico 41 - Tipo de Transação de Terras e a Área Transacionada (1979 a 1992).

0%10%20%30%40%50%60%

Adjudicação

Arrendamento

Desapropriação

Herança

Hipoteca

Permuta

Usucapião

Venda

Doação

Tipo de transação de terras e área transacionada (1979 a 1992)

QuantidadeÁrea

Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)

Em relação à compra e venda de terras por pessoa jurídica em Baraúna, nota-se

um movimento tímido, com pouca representatividade durante esse período. Embora

observe-se um movimento de compra após a emancipação municipal em 1981, esse

movimento tem uma média de compras anual extremamente baixa, ficando em quase

todos os anos da série histórica abaixo dos 100 ha por ano (ver Gráfico 42).

Page 299: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 42 - Compra e Venda por Pessoa Jurídica em Baraúna (1979 a 1992).

0

50

100

150

200

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

COMPRA E VENDA DE TERRAS POR PESSOA JURÍDICA EM BARAÚNA (1979 A 1992)

Área (ha)

Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)

Já o movimento de intervenção do Governo no mercado de terras de Baraúna é

extremamente elevado durante esse período, chegando a movimentar mais de 1.500 ha

em dois anos da série histórica e estabelecendo uma média anual em torno de 500 ha

ano ou acima disto, principalmente na primeira metade da década de 1980 e nos anos de

1987, 1990 e 1991 (ver Gráfico 43). Esse movimento de intervenção do Governo no

mercado de terras de Baraúna vai se dar principalmente pelas doações e vendas de terras

por parte do Governo do Estado do Rio Grande do Norte. Vale lembrar que já se

observa esse movimento de doações e vendas de terras pelo Governo do Estado desde a

década de 1960.

Observando o perfil das doações e vendas de terras pelo Governo Estadual,

constata-se que 100% dessas doações e vendas eram de terras com área abaixo de 100

ha e que a média de área doada e vendida pelo Governo era na maioria das vezes

inferior a 50 ha por pessoa física - o que se traduz como doações direcionadas a

pequenos e médios proprietários, parte dos quais já morando na terra como posseiro.

Page 300: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 43 - Movimento de Terras com Intervenção do Governo por Área (1979 a 1992)

0

500

1000

1500

2000

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

Movimento de terras por intervenção do governo - por área (1979 a 1992)

Área - ha

Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)

Com relação às principais localidades com movimento de compra e venda de

pessoa jurídica, têm-se como destaque as áreas de divisa com o Ceará: Maxixeiro no

extremo oeste e Lagedo do Mel, no noroeste de Baraúna. Já o lugar onde se localiza a

principal área de compras de terras, a Caatingueira, este fica próximo à sede municipal,

a sudoeste dessa mesma sede (ver Gráfico 44).

Gráfico 44 - Compra e Venda – Empresas – por Área e Principais Localidades (1979 a 1992)

0

100

200

300

Baixa Branca

Boa água

Caatingueira

Lagedo do Mel

Mato Alto

Maxixeiro

Primavera

Poço Perdido

São Francisco

Sumidouro

Toca da Raposa

Três Veredas

Velame

Vereda do Anel

Compra e venda - empresas - por área e principais localidades (1979 a 1992)

Área - ha

Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)

O movimento de compra de terras por empresas em Baraúna durante o período

de 1979 a 1992 é bastante tímido, como se observa no Quadro 54. Todas as terras das

empresas são compradas de pessoas físicas e a primeira empresa agrícola a movimentar

terras no Cartório Municipal foi a firma S. Barisic, comprando áreas na localidade de

Olho D’Água da Escada, em 1983, e na Caatingueira, em 1984, regiões contínuas e

Page 301: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

vizinhas. Após essa empresa, entra no mercado de terras a Comercial Felix de Produtos

Agrícolas, comprando terras na divisa entre Baraúna e o Ceará, na localidade do

Maxixeiro (entre 1986 e 1987). A Laserdan Agrícola Comercial Importadora e

Exportadora também compra terras entre 1989 e 1992, através do seu sócio Sérgio

Gonçalves da Silva, na área contínua da Caatingueira e de Olho d’água da Escada, além

de comprar no Sumidouro, também vizinho à Caatingueira, no sudoeste da sede

municipal. E, por último, a Fruitland Comércio Representação Produtos Agrícolas

Ltda., compra terras também na localidade da Caatingueira. Nota-se, com isto, que a

área mais mercantilizada pelas pessoas jurídicas ligadas à agropecuária foi a da

Caatingueira no sudoeste de Baraúna, a cerca de 8 km da sede municipal.

Vale salientar que, com a emancipação municipal de Baraúna em 1981,

inúmeras áreas da Fazenda MAÍSA passaram a pertencer à área municipal de Baraúna.

Essas áreas se localizavam na parte norte e nordeste desse do Município, divisa com o

município de Mossoró.

Page 302: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Quadro 54 - Compra e venda de terras das empresas em Baraúna por área (1979 a

1992)

Ano Empresa Situação Área (ha) Localidade 1983 Firma S. Barisic. Compra 74 Olho D Água da

Escada 1984 Mineral – Mineração

Nordestina Ltda. Compra 22 Baixa Branca

1984 Firma S. Barisic Compra 177 Catingueira 1986 Comercial Felix de

Produtos Agrícolas Ltda Compra 90 Sitio Maxixe

1987 Comercial Felix de Produtos Agrícolas Ltda

Venda 90 Sitio Maxixe

1989 Sérgio Gonçalves da Silva (Sócio da Laserdan Agrícola Comercial Importadora)

Compra 27 Sumidouro

1990 Jacerama Jaguaruana Cerâmica Ltda

Compra 20 Lagedo do Mel

1990 Jacerama – Jaguaruana Cerâmica Ltda

Compra 129 Lagedo do Mel

1991 Sérgio Gonçalves Da Silva (Sócio da Laserdan Agrícola Comercial Impo. E Exp. Ltda.)

Compra 36,6 Catingueira

1991 Santa Helena Agropecuária Ltda.

Compra 58,8 Cajueiro

1991 Sérgio Gonçalves Da Silva (Vinculado à Laserdan Agrícola Comercial Imp. E Exp. Ltda.)

Compra 17,1 Caatingueira

1992 Sérgio Gonçalves Da Silva (Vinculado à Laserdan Agrícola Comercial Imp. E Exp. Ltda.)

Compra 78 Olho D’Água Da Escada

1992 Fruitland Comércio Representação Produtos Agrícolas Ltda.

Compra 22 Caatingueira

Fonte: Cartório Único de Baraúna

5.2.2 Mercado de Trabalho e Relações de Trabalho de Baraúna

Nos anos de 1980, o mercado de trabalho e as relações de trabalho em Baraúna

ainda eram predominantemente sem carteira assinada, como se pode observar pelos

dados da RAIS do Ministério do Trabalho (2011), tabulados no Quadro 55. Em todos os

setores de atividades econômicas, está ausente durante todo o período que vai de 1985 a

Page 303: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

1992 o trabalho assalariado com carteira assinada. Somente no Setor de Serviço a

regularização dessa realidade trabalhista aparece de forma tímida - com uma média de

12 trabalhadores assalariados.

Quadro 55 - Baraúna: Vínculos Ativos por Setor de Atividade Econômica (1985-1992) Setor 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 Extração Mineral 0 0 0 0 0 0 0 0 Ind. Transformação

0 0 0 0 0 0 0 8

Serv. Indústria 0 0 0 0 0 0 0 0 Construção Civil 0 0 0 0 0 0 0 0 Comércio 0 0 0 3 1 0 0 2 Serviços 11 11 15 17 16 12 6 8 Adm. Pública 0 0 0 0 0 0 0 0 Agropecuária 0 0 0 0 0 0 0 0 Total 11 11 15 20 17 12 6 18 Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho e Emprego (2011)

No Setor Agropecuário, apesar do estabelecimento de algumas poucas empresas

agrícolas, o trabalho assalariado não ocorreu em nenhum momento da série histórica

estudada. Pode-se inferir daí que as relações de trabalho pretéritas que aconteciam em

Baraúna - como a parceria (ver Capítulo 2) e o jornaleiro (trabalhador diarista que era

recrutado entre os desocupados e sem-terras do Município e da região) - ainda estavam

presentes durante a década de 1980, sendo amplamente utilizadas por todos os

proprietários de terras e empresas agrícolas estabelecidas em Baraúna.

5.2.3 Produção Agrícola de Baraúna

A partir de 1984, o IBGE começa a sistematizar dados sobre a produção agrícola

do recém-criado município de Baraúna. Já se identifica, portanto, a tendência produtiva

dos principais produtos tradicionais (ou de subsistência) e de mercado.

Entre os principais produtos tradicionais do Município se destacam três em

produção e área plantada: milho, feijão e mandioca. Com base no Gráfico 45, observa-

se a área plantada desses produtos no decorrer da série histórica que se inicia com os

primeiros dados do IBGE em 1984 e vai até 1992. Nesse período, o produto tradicional

que tem a maior área plantada é o milho, que em alguns anos chega a ultrapassar os

10.000 ha, mantendo uma média anual sempre superior a 5.000 ha plantados, com a

exceção de dois anos: 1990 e 1991. Logo após o milho, tem-se como o segundo produto

Page 304: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

com maior área plantada do Município o feijão, que segue o mesmo padrão de

crescimento e decréscimo do milho em toda a série histórica, chegando em alguns

momentos a ultrapassar a área de 6.000 ha de área plantada, mas mantendo uma média

de 4.000 ha na série histórica, com exceção, assim como o milho, de dois anos: 1990 e

1991. A área plantada de mandioca é a terceira do Município, mas com pouca

relevância, nunca ultrapassando os 400 ha anuais.

Gráfico 45 - Produção Agrícola de Baraúna (1984 a 1992) – Produtos Tradicionais – Área Colhida (HA).

0

2000

4000

6000

8000

10000

12000

ÁR

EA

- H

A

1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1984 A 1992) - PRODUTOS TRADICIONAIS - ÁREA COLHIDA (HA)

Feijão

Mandioca

Milho

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)

Com relação aos produtos voltados para o mercado, tem-se o predomínio em

Baraúna de dois produtos no decorrer da década de 1980. São eles a castanha de caju e o

algodão herbáceo.

Como se observa no Gráfico 46, a castanha mantém uma área plantada sempre

superior a 10.000 ha em todos os anos da série histórica, chegando até o pico de quase

14.000 ha de área plantada entre os anos de 1984 e 1988. Entre 1989 e 1992 a área

plantada de castanha de caju, embora caia um pouco, mantém-se no patamar de 11.000

ha anuais. Essa cultura comercial se consagra como a principal de Baraúna nesse

período, superando todas as outras comerciais e, também, todas as culturas tradicionais

do período.

Em segundo lugar, aparece a cultura do algodão herbáceo, com sua área plantada

flutuando muito - indo de cerca de 8.000 ha em 1984 até cerca de 3.000 ha em alguns

anos, como 1988 e 1989 e chegando a não ter área plantada em 1987 e 1990. Mesmo

Page 305: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

assim, Baraúna chega, em 1992, com uma área plantada de algodão herbáceo

significativa - 6.000 ha -, configurando-se como a maior área plantada desse algodão no

estado do Rio Grande do Norte. Como observado antes, o algodão já vinha sendo

plantado na região de Baraúna há muitas décadas, chegando a ter grande

representatividade agrícola no passado.

Já a área plantada de frutas é muito pequena, quase insignificante. As principais

frutas plantadas atualmente em Baraúna não tinham espaço na década de 1980: o melão

não era plantado e o mamão tinha como área plantada apenas uma média de 9 ha

durante toda essa série histórica.

Gráfico 46 - Produção Agrícola de Baraúna (1984 a 1992) – Produtos de Mercado – Área Colhida (HA).

02000400060008000

10000120001400016000

ÁR

EA

- H

A

1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1984 A 1992) - PRODUTOS DE MERCADO - ÁREA COLHIDA (HA)

Algodão Herbáceo

Castanha de Cajú

Melão

Mamão

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)

Em relação à quantidade produzida dos produtos tradicionais, nota-se uma

grande irregularidade dos principais produtos no decorrer da referida série. Essa

irregularidade é atribuída ao regime climático, já que estas são culturas que não se

utilizavam de irrigação.

Observa-se, no Gráfico 47, que a variação da produção de milho era muito

significativa, indo de quase 6.000 toneladas produzidas em 1984 até praticamente não

ter produção nos anos de 1987 e 1990. Na maioria dos anos da série, a produção de

milho se mantém por volta de 1.000 toneladas produzidas. A cultura do feijão segue

exatamente a mesma tendência do milho - o ano de 1984 foi um ano de pico, quando se

teve a maior produção da série histórica, com quase 3.000 toneladas. E, assim como o

milho, o feijão praticamente não teve produção em 1987 e 1990. Repetindo a tendência

Page 306: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

do milho, na maioria dos anos a produção de feijão se mantém por volta de 1.000

toneladas produzidas.

Já a produção de mandioca pouco oscila se mantendo sempre abaixo de 400

toneladas produzidas no decorrer da série histórica, tendendo a diminuir ainda mais sua

produção nos primeiros anos da década de 1990.

Gráfico 47 - Produção Agrícola de Baraúna (1984 a 1992) – Produtos Tradicionais – Quantidade Produzida (T).

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

QU

AN

TID

AD

E (

T)

1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1984 A 1992) - PRODUTOS TRADICIONAIS - QUANTIDADE PRODUZIDA (T)

Feijão

Mandioca

Milho

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)

Com relação à produção dos produtos de mercado, vale destacar em primeiro

lugar a mudança de metodologia feita pelo IBGE a partir do ano de 1988, quando passa

a desconsiderar o caju como um todo, para considerar somente a sua castanha. Com isto

se tem um gráfico inflado até 1987, já que até esse ano o peso da castanha de caju vinha

junto com o peso total do caju. Mas, mesmo com essa mudança de cálculo, se observa a

dianteira da castanha de caju como produto de mercado mais produzido. Em segundo

lugar, oscilando muito no decorrer da série histórica, aparece o algodão herbáceo

(Gráfico 48).

Page 307: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 48 - Produção Agrícola de Baraúna (1984 a 1992) – Produtos de Mercado – Quantidade Produzida (T).

0

20000

40000

60000

80000

100000

120000

140000

QU

AN

TID

AD

E (

T)

1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1984 A 1992) - PRODUTOS DE MERCADO - QUANTIDADE PRODUZIDA (T)

Algodão Herbáceo

Castanha de Cajú

Melão

Mamão

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)

A produção de frutas no decorrer da década de 1980 era irrelevante no município

de Baraúna: o melão não era produzido e o mamão tinha uma produção média de apenas

14 toneladas no decorrer da década de 1980 até o ano de 1992.

Esse quadro vai mudar, a partir de 1993, com a chegada de outros grupos

agrícolas especializados na fruticultura irrigada, que virão para o município de Baraúna

como decorrência da expansão da área de fruticultura de Mossoró.

5.3 Anos 90: Globalização, Liberalização do Comércio, Vinda dos Japoneses e

Concentração Fundiária

Nesta parte, estudar-se-á a chegada dos capitais empresariais ligados à

fruticultura em Baraúna, dando-se ênfase à chegada dos empresários e produtores

japoneses que irão trabalhar com a fruticultura irrigada para exportação, inserindo assim

Baraúna na globalização contemporânea das frutas frescas, através principalmente das

exportações de melão.

Esta parte tem como espaço temporal o período que vai de 1993 a 2002, período

escolhido, como falado anteriormente, por ser 1993 o ano em que foram concluídas as

negociações da Rodada Uruguai, que incluía a Agricultura nas suas negociações e que

previa uma grande liberalização do comércio agrícola a partir daquele ano nos países

Page 308: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

associados da OMC, a qual estava para se consolidar. Dentre esses países, incluía-se o

Brasil.

Outro motivo da escolha desse período é que 1993 também marca o início da

compra de terras em Baraúna por empresas de propriedades de japoneses ou

descendentes de japoneses especializados na fruticultura irrigada e que vão ser

responsáveis diretos pelas maiores exportações de frutas do Município.

Durante esse período, retomar-se-á a discussão em torno do contexto da

liberalização comercial em que estava inserido o Brasil (Capítulo 1) e que possibilitou

um ambiente propício para a chegada de empresários e produtores japoneses no

município de Baraúna. Analisar-se-á o porquê desse capital ter escolhido a cidade de

Baraúna e como se inseriu nesse lugar, fazendo com que este se inserisse com mais

intensidade na lógica da Globalização.

Em um segundo momento, serão analisados, com detalhes, os impactos

desse capital no mercado de terras - gerando uma concentração fundiária -; no

trabalho assalariado rural municipal, através de dados do Ministério do Trabalho; e

também nas relações de trabalho, que serão transformadas a partir da atuação desses

empresários japoneses. Por fim, serão analisadas as mudanças na produção agrícola

municipal a partir da chegada desses empresários e produtores nipônicos.

Chegada das Novas Empresas Agrícolas e seus Impactos em Baraúna

Somente nos anos de 1990 o município de Baraúna conheceu a fruticultura

irrigada, com destaque para o melão. Essa situação só foi possível com a ampliação da

base produtiva dessa fruta tropical na região de Mossoró. Com isto, teve-se a

constituição de um fator de dinamismo que impulsionou a economia do Município até

os dias atuais (SILVA, 2004).

Essa ampliação da produção de fruticultura irrigada se deu, na sua maior parte,

com a chegada a Baraúna das empresas pertencentes aos japoneses. Estes já há algum

tempo trabalhavam na fruticultura irrigada no Nordeste, com destaque para a região de

Petrolina e Juazeiro, no Rio São Francisco. Lá, desde a década de 1980, tem-se uma

fruticultura irrigada para exportação, com participação ativa de descendentes de

japoneses ou dos próprios japoneses. Um exemplo dessa participação pode ser auferido

Page 309: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

pelo sucesso da Fazenda Special Fruit pertencente ao japonês Suemi Koshiyama, que

atualmente é considerada a maior exportadora de frutas do Vale do Rio São Francisco,

com a exportação anual de 10 mil toneladas de manga e 5 mil toneladas de uva sem

sementes para os Estados Unidos, União Europeia, MERCOSUL e o Japão, dentre

outros (SPECIAL FRUIT, 2011; ORIUNDI, 2011).

O primeiro imigrante japonês a chegar à região de Mossoró (e posteriormente a

Baraúna) foi o Junichi Irikita, que ali se estabeleceu no fim dos anos 1960, vindo do

interior de São Paulo. Posteriormente, devido à sua experiência no cultivo de frutas, foi

convidado por Tarcísio Maia (ex-Governador do Rio Grande do Norte) para trabalhar

nas suas terras. Algum tempo depois, seu cunhado, Masatoshi Otani, chega à região

para visitar o parente e resolve se estabelecer ali também. O ex-Governador queria

produzir uvas, mas o clima e o solo eram mais propícios para a produção do melão e foi

esta a produção iniciada pelos japoneses (MURAKAMI, 2011). Segundo dados do

Portal Nippo-Brasil (MURAKAMI, 2011), existem atualmente cerca de dez famílias

nikkeis64 cultivando melão na região de Mossoró.

Os primeiros japoneses a estabelecerem empresa agrícola em Baraúna foram

Alexandre Takeshi Suzuki e Armando Suzuki, com a fundação da Ytiban Agroindústria

Exportadora e Importadora LTDA, em 1993, que passou a produzir e exportar melões

para um comprador espanhol, Miguel Garcia. A partir daí, outras empresas de japoneses

são instaladas no município de Baraúna.

Vale lembrar que 1993 é o ano em que ganhava destaque o Acordo sobre a

Agricultura da Rodada Uruguai, que liberalizou a produção e o comércio agrícola em

todo o Mundo, com mais intensidade nos Países Subdesenvolvidos. O Brasil era um dos

signatários, como já falado anteriormente (Capítulo 1 e 3). Além do incentivo à

produção voltada para a exportação dado pela Rodada Uruguai, tinha-se também, no

âmbito nacional nos anos de 1990 (Governo de Fernando Henrique Cardoso), políticas

públicas que visavam à capitalização do campo por empreendimentos privados, através

do apoio à irrigação privada. “No âmago de seus objetivos, encontra-se a busca da

competitividade para o agronegócio globalizado, centrado na expansão de uma

agropecuária intensiva em capital e tecnologia nas manchas irrigáveis, encabeçada pela

iniciativa privada.” (ELIAS, 2001).

64 Nikkei (nik'kei') S.m., Adj. Pessoas de origem japonesa e seus descendentes, que tenham imigrado para outros países e criado comunidades e estilos de vida com características únicas dentro do contexto das sociedades em que vivem (JAPANESE AMERICAN NATIONAL MUSEUM, 2012).

Page 310: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Elias e Pequeno (2010, p.134) observam que a década de 1990 é uma década de

mudanças para a agropecuária nordestina, com a expansão da fronteira agrícola:

Se até a década de 1980 o conjunto da agropecuária nordestina permaneceu quase inalterado, a partir de então se vislumbra a ocupação de novas fronteiras pelo agronegócio globalizado em alguns lugares específicos dessa região. Eles passam a receber vultosos investimentos de algumas importantes empresas do setor, difundindo-se a agricultura científica e o agronegócio.

Esse novo contexto fez com que muitos japoneses e empresários nacionais se

interessassem por investir na fruticultura irrigada para exportação em Baraúna. Mas,

além disso, existem nesse lugar inúmeras vantagens locacionais oferecidas para esse

tipo de empreendimento, dentre as quais, estão:

- O acesso a água – por causa da estrutura cárstica da Chapada do Apodi, boa parte das

precipitações é engolida por sumidouros e vai alimentar uma drenagem subterrânea cuja

vazão é muito grande nos poços, facilitando a fruticultura irrigada. (LINS E

ANDRADE, 1977, p.39).

- A infra-estrutura logística – Baraúna se localiza em uma região de fácil acesso ao

porto de Fortaleza-CE, que dista apenas 229 quilômetros da sua sede municipal,

facilitando com isto a exportação de frutas voltadas para o mercado externo.

- A alta produtividade dos solos – Baraúna tem, em parte de seu território, solos

calcários ou argilos-calcários, e também solos arenítico-calcários, com boas qualidades

físicas, boa economia de água e boas aptidões para o cultivo de frutas (LINS;

ANDRADE, 1977, p.36).

- Um alto índice de insolação – O Município também tem uma alta taxa de insolação, o

que favorece a atividade de fruticultura, além de ter chuvas concentradas em parte do

ano (fevereiro a maio), deixando outra parte sem chuvas, o que é essencial para a

atividade de fruticultura de melão e melancia, principalmente.

- Uma topografia plana – A topografia plana da Chapada do Apodi possibilita o

emprego da mecanização agrícola, facilitando a obtenção de rendas diferenciais por

aporte tecnológico.

- Área livre da mosca de fruta – A partir de 2008, os Estados Unidos ampliam o

reconhecimento da área livre de mosca de fruta no Rio Grande do Norte, que passa a

abranger treze municípios, incluindo Baraúna (NOMINUTO.COM, 2011).

- Baixo Custo da Mão-de-obra – Apesar da sindicalização reinante no Setor de

Fruticultura, os sindicatos não conseguem ter um aumento significativo no piso salarial

implantado para os funcionários desse tipo de atividade agrícola - geralmente a

Page 311: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

diferença entre o piso dos trabalhadores rurais e o salário mínimo fica entre 10,00 e

20,00. Os baixos salários são sempre atrativos para os investimentos em fruticultura.

- Incentivos Fiscais – o Setor de Fruticultura frequentemente consegue isenções na sua

cadeia produtiva. Mais recentemente, em 2010, foi isento de ICMS o frete rodoviário

interestadual de frutas frescas, o que aumenta a competitividade dos exportadores do

Rio Grande do Norte (TENDENCIAS DE MERCADO, 2011).

Com a chegada das empresas de frutas em Baraúna na década de 1990,

principalmente empresas comandadas por japoneses, têm-se profundas transformações

na base técnica e nas relações de produção.

Sobre as mudanças na base técnica, Silva (2004) observa que, entre elas,

destacam-se:

a) Práticas mecanizadas de preparação do solo;

b) Uso exclusivo de sementes selecionadas de comprovado padrão genético, em

geral importadas;

c) Utilização massiva de adubos e fertilizantes químicos e agrotóxicos (nacionais e

importados);

d) Adoção de métodos e sistemas de irrigação por pressão - tipo gotejamento.

Com isto, observa-se um aumento significativo da base técnica de produção,

com a utilização intensiva de técnicas, adubos, corretivos, defensivos e equipamentos de

irrigação, inserindo de forma definitiva o Município no meio técnico-científico-

informacional.

Mas, diferentemente de empresas multinacionais, como a Del Monte Fresh

Produce, as empresas agrícolas que chegam a Baraúna têm um nível maior de

integração com o lugar, até mesmo as empresas comandadas por japoneses - todas

estabecem uma relação mais íntima com o lugar que essa Multinacional, conforme foi

observado no Capítulo anterior.

Como se vê no Quadro 56, que analisa os fatores de produção e os insumos e

serviços utilizados pela empresa Cris Frutas, de propriedade do japonês Masatoshi

Otani, a integração e o uso de fatores de produção, insumos e serviços são

predominantemente locais - a maioria sendo amplamente adquirida no município

vizinho de Mossoró, o segundo maior município do Rio Grande do Norte e grande

fornecedor para as atividades do Agronegócio da região.

O capital da empresa é local, assim como seus trabalhadores e a terra. E tem

mais: no tocante aos trabalhadores especializados, é bom ressaltar que diferentemente

Page 312: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

da Del Monte, que busca a maior parte dos seus engenheiros em outras regiões do País

(principalmente a Região Sudeste), preferindo os tenham vinculação com Universidades

na Costa Rica, a Cris Frutas busca seus engenheiros em Mossoró, na Universidade

Federal do Semi-Árido, como a atual engenheira agrônoma da Empresa (ver Quadro

56).

No tocante aos insumos e serviços, observa-se que praticamente todos são

vinculados a Baraúna ou a Mossoró. A engenheira da empresa destaca, entretanto, que

as compras são feitas em grande parte a empresas multinacionais que têm filiais,

revendas ou representações em Mossoró (ver Quadro 56).

No caso da assistência técnica, nota-se a parceria com o Serviço Nacional de

Aprendizagem Rural (SENAR), que frequentemente está na empresa ministrando cursos

para os funcionários, dando assim suporte para a qualificação profissional e a

assistência técnica necessária para se chegar ao padrão de qualidade que é imposto pelo

mercado externo, através dos certificados internacionais de qualidade e gestão

Eurepgap65 e Globalgap66 (ver Quadro 56).

65 “EUREP refere-se a "European Retailers Produce Working Group", que preparou um protocolo de boas práticas agrícolas [Good agricultural practices - GAP], que devem ser seguidas pelos produtores, que recebem certificação de uma terceira parte. O protocolo de boas práticas agrícolas do EUREPGAP é considerado um código de conduta e já é adotado para a certificação. Trata-se de um modelo de certificação, documento normativo, baseado nas boas práticas agrícolas, aplicadas na produção de frutas, vegetais frescos, flores e carne. O EurepGap é um programa de certificação voluntário, baseado em critérios objetivos, os quais podem ser resumidos nas seguintes exigências: • Estabelecimento de uma Gestão Ambiental que garanta a minimização dos seus impactos ambientais, incluindo o aproveitamento racional dos recursos naturais. • Garantia do Uso e Manuseio adequados de defensivos agrícolas. • Estabelecimento de uma Gestão Ocupacional, visando redução e controle dos perigos e riscos aos quais os trabalhadores rurais estão sujeitos. • Estabelecimento de uma Gestão de Qualidade do processo produtivo, garantindo a segurança dos alimentos produzidos. Os Objetivos do EUREPGAP são os de reduzir os riscos, assegurar a qualidade e inocuidade dos alimentos na produção primária, objetivando, também, a implementação das melhores práticas para uma produção sustentável” (PGP CONSULTORIA E ASSESSORIA, 2011).

66 GLOBALG.A.P é uma organização privada que estabelece normas voluntárias para a certificação de produtos agrícolas (inclusive aquicultura) em todo o mundo. A norma GLOBALG.A.P foi principalmente elaborada para reafirmar perante os consumidores que a produção alimentar nas unidades de produção agrícola é realizada através da minimização dos impactos negativos de operações agrícolas no meio-ambiente, redução do uso de insumos químicos e garantia de uma abordagem responsável dos assuntos de saúde e segurança dos empregados e saúde animal. (GLOBALGAP, 2011)

Page 313: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Quadro 56 - A relação entre fatores de produção e aquisição dos insumos da empresa Cris Frutas (Baraúna) com os lugares de compra

Elementos da Cadeia Empresa Cris Frutas em Baraúna

1 – Fatores de Produção

Capital Local e Empréstimo

Trabalho Local

Terra Local

Integração Difundida

2 – Insumos e Serviços

Sementes/mudas Mossoró

Adubos/fertilizantes Mossoró

Equip. de Irrigação Mossoró

Assistência Técnica Local (própria e parceria com o

SENAR)

Defensivos Mossoró

Mat. de Embalagem Mossoró

Mat. de Segurança Mossoró

P & D Mossoró (UFERSA)

Combustíveis Local

Frota de ônibus Sem Informação

Fonte: Quadro elaborado pelo autor baseado em entrevista com a Engenheira Agrônoma da Cris Frutas, em fevereiro de 2011.

Como se observa no Quadro 56, esse consumo de insumos e serviços por parte

das empresas agrícolas, decorrente do processo de modernização da agricultura em

Baraúna, vai alimentar o processo de urbanização em Mossoró, que, entre outras coisas,

tem um viés de sustentar as demandas produtivas dos setores relacionados à

modernização da agricultura em Baraúna, como também em toda a área de influência de

Mossoró (ELIAS, 2006).

Segundo Elias (2006, p.59-60),

[...] as demandas das produções agrícolas e agroindustriais intensivas têm o poder de adaptar as cidades próximas às suas principais demandas, convertendo-as no seu laboratório, em virtude de fornecerem a grande maioria dos aportes técnicos, financeiros, jurídicos, de mão-de-obra e de todos os demais produtos e serviços necessários a sua realização. Quanto mais modernas se tornam essas atividades, mais urbana se torna a sua regulação.

Page 314: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Em Mossoró, o Agronegócio é integrado aos circuitos da economia urbana,

suprindo o consumo produtivo agrícola da região e de Baraúna.

Segundo Elias e Pequeno (2010, p.149):

Em Mossoró, são inúmeras as variáveis associadas ao consumo produtivo agrícola geradas pelo agronegócio: empresas comerciais (máquinas e implementos agrícolas, sementes selecionadas, produtos veterinários, agrotóxicos etc); empresas de serviços (pesquisa agropecuária, análise de solos, aviação agrícola, consultoria agrícola, telefonia rural, irrigação, manutenção de máquinas agrícolas, informática, empresas de gestão de recursos humanos, de transporte de cargas, entre outras) [...]

De acordo com levantamentos realizados sob a coordenação da Professora

Denise Elias e Renato Pequeno (ELIAS; PEQUENO, 2010) em Mossoró, tem-se a

chegada recente, principalmente a partir de 1993, de inúmeras atividades vinculadas à

venda de insumos, implementos e serviços relacionados à agricultura, o que mostra uma

sinergia entre as empresas agrícolas da Chapada do Apodi, incluindo Baraúna, dentre

outras localidades da região, e o processo de crescimento urbano vinculado a esse setor

em Mossoró.

A partir do levantamento de atividades vinculadas à Agricultura em Mossoró,

chegou-se a 20 empresas trabalhando com máquinas, equipamentos, insumos, serviços,

telefonia rural etc, algumas vendendo em toda a região de Mossoró e até em partes do

Ceará e da Paraíba. Dessas empresas, 13 se instalaram entre 1993 e 2002, uma, antes de

1993 e as outras seis, depois de 2002 (ELIAS; PEQUENO, 2010). Por esses dados,

nota-se a importância da década de 1990 para a explosão desse setor de atividades em

Mossoró, que é o mesmo período de tempo em que vai explodir a atividade de

fruticultura irrigada em Baraúna.

5.3.1 Vinda das Empresas de Fruticultura e Concentração de Terras

O período de 1993 a 2002 vai marcar a entrada das empresas de fruticultura

irrigada no município de Baraúna, como já afirmado. Um grande movimento de

transações de terras começa a ser sentido a partir do ano de 1993, que destaca mais de

150 transações de terras durante esse período no Município (ver Gráfico 49). O perfil da

maioria dessas transações, durante toda a série histórica analisada, ainda vai ser o das

Page 315: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

pequenas propriedades entre 10 e 100 hectares - muito superior a todos os tipos de

transações de outros perfis (0 a 10 hectares ou mais de 100 hectares).

Gráfico 49 - Número de Transações de Terra por Ano e Ha (1993 a 2002).

020406080

100120140

mer

o d

e tr

ansa

ções

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Ano

Número de transações de terras por ano e ha (1993 a 2002)

0 a 10 ha

10 a 100 ha

+ 100 ha

Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)

Mas, quando se observa o tipo de transação de terras, é reafirmado o caráter

capitalista do mercado de terras de Baraúna, com o predomínio da hipoteca e da venda

sobre todos os tipos de transações, chegando a representar essas duas formas cerca de

90% da quantidade de transações efetuadas no Município e cerca de 90% de toda a área

transacionada municipal, deixando em uma posição muito distante os outros colocados,

como as desapropriações e as doações (ver Gráfico 50).

Gráfico 50 - Tipo de Transação de Terras e a Área Transacionada (1993 a 2002).

0%10%20%30%40%50%60%70%

Adjudicação

Arrendamento

Desapropriação

Herança

Hipoteca

Permuta

Usucapião

Venda

Doação

Tipo de transação de terras e área transacionada (1993 a 2002)

Quantidade

Área

Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)

Page 316: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Quando se observa o movimento de compra e venda de terras por Pessoa

Jurídica em Baraúna, é que se tem ideia da dimensão da entrada de empresas agrícolas

no Município.

O processo de compra de terras por empresas começa a ter uma intensidade

nunca vista antes, com nível de compras muito superior ao da década de 1980, quando,

em nenhum ano, as compras por pessoa jurídica ultrapassaram os 200 hectares de terras.

Já durante essa segunda série histórica, nota-se que, em vários anos, as compras de

terras chegaram a 1.000 ha ou até mais, como foi no ano de 2002 (ver Gráfico 51).

Gráfico 51 - Compra e Venda por Pessoa Jurídica em Baraúna (1979 a 1992).

0

500

1000

1500

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

COMPRA E VENDA DE TERRAS POR PESSOA JURÍDICA EM BARAÚNA (1993 a 2002)

Área (ha)

Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)

Já a intervenção do Governo no mercado de terras sofreu um revés durante a

década de 1990. Com a exceção de 1997, quando houve uma desapropriação do INCRA

de 3.172 hectares de terras, nos outros anos a intervenção do Estado no movimento de

terras foi pífia, diferentemente da década de 1980, quando o Governo atuava de forma

intensa e periódica no mercado de terras de Baraúna (Ver Gráfico 52).

Gráfico 52- Movimento de Terras com Intervenção do Governo por Área (1993 a 2002)

0

1000

2000

30004000

19

93

19

94

19

95

19

96

19

97

19

98

19

99

20

00

20

01

20

02

Movimento de terras por intervenção do governo - por área (1993 a 2002)

Área - ha

Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)

Page 317: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Com relação às principais localidades compradas pelas empresas agrícolas que

chegaram a Baraúna na década de 1990, tem-se uma diversificação entre várias

localidades na área municipal, com preferência das áreas com certa proximidade da sede

do Município, acumulando, assim, as rendas diferenciais de localização, além das

rendas diferenciais de fertilidade do solo, como é o caso da localidade de Primavera, a

mais negociada entre as empresas, que fica a cerca de 2 km a leste da sede municipal;

Mato Alto, que fica a cerca de 6 km a sudoeste da sede é a segunda mais negociada;

sendo a terceira, Boa Água, que fica a cerca de 4 km ao sul da sede municipal (ver

Gráfico 53).

Gráfico 53 - Compra e Venda por Área e Principais Localidades (Empresas) (1993 a 2002)

0200400600800

Baixa Branca

Boa água

Caatingueira

Lagedo do Mel

Mato Alto

Maxixeiro

Primavera

Poço Perdido

São Francisco

Sumidouro

Toca da Raposa

Três Veredas

Velame

Vereda do Anel

Compra e venda - empresas - por área e principais localidades (1993 a 2002)

Área - ha

Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)

No Quadro 57, pode-se notar todo o movimento de compra e venda por

empresas em Baraúna durante a série histórica que vai de 1993 até 2002. Esse

movimento, como bem se observa no referido Quadro, é predominantemente um

movimento de compras por pessoa jurídica e vendas por pessoa física, caracterizando o

processo recente de inserção de empresas agrícolas no referido Município.

Ao se analisar o Quadro citado, observa-se o movimento inicial da MAISA, que

já estava em Mossoró e em parte de Baraúna e que intensifica, em 1993, a aquisição de

terras em Baraúna, com oito compras de terras no referido ano. Fora isto, nota-se a

chegada de inúmeras empresas pertencentes a imigrantes japoneses, muitos deles já

estabelecidos, com empresas em Mossoró, além de outras empresas de empresários

mossoroenses e brasileiros.

Entre as empresas de Mossoró pertencentes a mossoroenses e outros brasileiros

que chegaram em Baraúna, pode-se observar que algumas delas já estavam produzindo

Page 318: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

ou tinham unidades em Mossoró, expandindo assim sua área produtiva para essa nova

área. É o caso da Agricoll, que tem sua base localizada em Mossoró (fez três compras

de terras na localidade de Toca da Raposa, em Baraúna, no ano de 1996); da Multi

Comércio e Empreendimento Ltda (fez três compras de terras na localidade de Velame,

entre 1994 e 1995 e vendeu duas em 1996); da Petroforte Ltda Factoring (uma compra

de terra na localidade de Poço Perdido, em 1993); e da Agrosol Agricultura de Mossoró

(quatro compras de terras entre 1998 e 1999 nas localidades de Primavera e Boa água).

Os primeiros japoneses a estabelecerem empresa agrícola em Baraúna foram

Alexandre Takeshi Suzuki e Armando Suzuki, com a fundação da Ytiban Agroindústria

Exportadora e Importadora LTDA, em 1993. A referida empresa foi, junto com a

MAISA, uma das primeiras empresas a comprarem terras e investirem em melões para

exportação em Baraúna.

Ao se observar com atenção o Quadro 57, nota-se a importância da presença de

empresas ligadas a imigrantes japoneses em compras de terras no município de

Baraúna. Das 82 transações de terras efetuadas entre empresas no período estudado

(1993 a 2002), 36 estão ligadas a empresas de imigrantes japoneses que se instalaram

comprando terras a partir de 1993, em Baraúna. Isto representa cerca de 45% do

mercado de terras por pessoa jurídica em Baraúna.

Por terem tamanha representatividade, as empresas ligadas aos imigrantes

japoneses, que são praticamente as mesmas empresas ligadas à exportação de frutas no

Município, foram escolhidas como o centro do processo de mudanças no mercado de

terras e nas relações de trabalho. É a partir dessas empresas que se fará a análise mais

detalhada do processo de concentração fundiária em Baraúna e do processo de

mudanças nas relações de trabalho em função da fruticultura.

Quadro 57 - Compra e Venda de Terras das Empresas Agrícolas em Baraúna por Área e Localidade (1993 a 2002)67

67 No Quadro 57, foram colocadas em destaque (negrito) as operações de compra e venda feitas entre as próprias empresas agrícolas. Quando a negociação de compra e venda não envolve duas empresas agrícolas e sim apenas uma empresa e uma pessoa física, essa negociação não aparece em destaque.

Page 319: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Ano Empresa Situação Área (Ha) Localidade 1993 MAISA Compra 49 Aroeira Grande 1993 MAISA Compra 100 Aroeira Grande 1993 Ytyban Agroindustrial,

Exportadora e Importadora Ltda. Compra 19 Sítio Futuro

1993 MAISA Compra 38 Terras Soltas ou Santa Maria

1993 Ytyban Agroindustrial, Exportadora e Importadora Ltda

Compra 31 Sítio Sumidouro

1993 MAISA Compra 193 São Francisco ou Aroeira Grande

1993 MAISA Compra 25 Três Riachos 1993 MAISA Compra 25,3 São Francisco ou

Terra Solta 1993 MAISA Compra 9,4 Terra Solta 1993 MAISA Compra 130 São Manoel ou

Terra Solta 1993 Petroforte Ltda Factoring Compra 307 Poço Perdido 1993 Ytyban Agroindustrial,

Exportadora e Importadora Ltda Compra 87 Sumidouro

1993 Ytyban Agroindustrial, Exportadora e Importadora Ltda

Compra 67 Monte Alegre

1994 Antonio Solon Nunes (Vinculado a J. Pereira Produção e Distribuição de Frutas Ltda)

Compra 35 Facheiro

1994 Multi Comércio e Empreendimento Ltda

Compra 13 Velame

1995 Multi Comércio e Empreendimento Ltda

Compra 18 Velame

1996 Gleidson Paz de Lira (Vinculado Com a Agricoll – Agroindustrial e Comércio Lira Ltda)

Compra 58 Toca da Raposa

1996 Gleidson Paz de Lira (Vinculado Com a Agricoll – Agroindustrial e Comércio Lira Ltda)

Compra 30 Toca da Raposa

1996 Gleidson Paz de Lira (Vinculado Com a Agricoll – Agroindustrial e Comércio Lira Ltda)

Compra 56 Toca da Raposa

1996 Masatoshi Otani (Vinculado a Otani Agropecuária Ltda)

Compra 398 Boa Água

1996 Santa Helena Agropecuária Ltda Venda 58,8 Cajueiro 1996 Multi-Agro Industrial Ltda Compra 58,8 Cajueiro 1996 Multi Comercio e

Empreendimento Ltda Venda 18 Velame

1996 Multi-Agro Industrial Ltda Compra 18 Velame 1996 Agropecuária Nascente Ltda Compra 78,6 Mutamba 1996 Ytyban Agroindustrial,

Exportadora e Importadora Ltda Venda 205,8 Sumidouro, Monte

Alegre, Sumidouro II e Sitio Futuro

1996 Multi Comercio e Empreendimento Ltda

Venda 13 Velame

1996 Multi-Agro Industrial Ltda Compra 13 Velame

Page 320: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

1996 Evandro Mendes e Junichi Irikita (Vinculado a Jiem Agricola e Comercial Ltda)

Compra 50 Mato Alto

1996 Evandro Mendes e Junichi Irikita (Vinculado a Jiem Agricola e Comercial Ltda)

Compra 50 Mato Alto

1996 Multiagro Industrial Ltda Compra 4,8 Velame 1997 Junichi Irikita = Jiem Agricola e

Comercial Ltda (A Partir de 2001) Compra 64 Mato Alto

1997 Junichi Irikita = Jiem Agricola e Comercial Ltda (a Partir de 2000)

Compra 76 Mato Alto

1997 Junichi Irikita = Jiem Agricola E Comercial Ltda (A Partir de 2000)

Compra 29 Baraúna

1997 Multi-Agro Industrial Ltda. Compra 91 Primavera 1997 Multi-Agro Industrial Ltda Compra 51 Primavera 1997 Evandro Mendes (Vinculado a

Jiem Agrícola e Comercial Ltda) Compra 105,3 Mato Alto

1997 Evandro Mendes (Vinculado a Jiem Agrícola e Comercial Ltda)

Compra 66 Mato Alto

1997 C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo Export e Importadora

Compra 12 Mato Alto

1997 C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo Export e Importadora

Compra 48 Mato Alto

1997 Agropecuária Nascente Ltda Compra 30 Primavera 1998 Nutland Indústria e Comércio Ltda Compra 25 Vereda do Anel 1998 PH Produção e Distribuição de

Frutas Ltda Compra 80 Vereda do Anel

1998 Agro Safra Agricultura Com. Imp. e Exp. Ltda.

Compra 14 Caatingueira

1998 Sergio Gonçalves da Silva (Vinculado a Serdan Agrícola Comercial Imp. e Exp. Ltda)

Compra 79 Baraúna

1998 Agro Safra Agricultura Com. Imp. e Exp. Ltda.

Compra 40 Sumidouro

1998 Otani Agropecuária Ltda Compra 50 Fazenda Shoryu 1998 Agrosol Agricultura de Mossoró Compra 47 Primavera 1998 Agrosol Agricultura de Mossoró Compra 49 Primavera 1999 Agrosol Agricultura de Mossoró Compra 35 Boagua 1999 C. Y. Matsumoto – Agropecuária

Modelo Export e Importadora Compra 17 Mato Alto

1999 Agro Safra Agricultura Com. Imp. E Exp. Ltda.

Compra 46,5 Bela Vista

1999 Agrosafra Agricultura Comercio Importação e Exportação Ltda

Compra 86 Mato Alto

1999 Cris Frutas Ltda Compra 61,2 Sítio Facheiro 1999 Multi-Agro Industrial Ltda Venda 51 Primavera 1999 Agropecuária Nascente Ltda

(Junichi Irikita) Compra 51 Primavera

1999 Cris Frutas Ltda Compra 49 Primavera 1999 C. Y. Matsumoto – Agropecuária

Modelo Export e Importadora Compra 6 Velame

2000 Otani Agropecuária Ltda Compra 33 Sítio Boa Água 2000 Otani Agropecuária Ltda. Compra 6,9 Sítio Primavera

Page 321: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

2000 C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo Exportação e Importadora

Compra 13 Fazenda Modelo

2000 C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo Exportação e Importadora

Compra 26 Fazenda Modelo

2001 P.H. Produção e Distribuição de Frutas Ltda

Compra 66,7 Baraúna

2001 P.H. Produção e Distribuição de Frutas Ltda

Compra 57,6 Vereda do Anel

2001 J. F. Produção e Distribuição de Frutas Ltda.

Compra 43 Sítio Currais

2001 Agropecuária Tiuma Ltda (Incorporado a Calmit Industrial Ltda Em 2004)

Compra 167 Boa Sorte

2001 PH Produção e Distribuição de Frutas Ltda

Compra 47 Saco Do Frade

2001 PH Produção e Distribuição de Frutas Ltda

Compra 59 Encruzilhada

2001 Otani Agropecuária Ltda Compra 4,2 Primavera 2001 Agrosafra – Agricultura Com. Imp.

e Exp. Ltda Compra 24 Caatingueira

2001 Agro Safra Agricultura Com. Imp. e Exp. Ltda

Compra 8 Caatingueira

2001 Laserdan Agrícola Com. Importação e Exportação Ltda

Compra 49 Caatingueira

2001 C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo Export. e Importadora

Compra 26 Velame

2002 F.M. Produção e Distribuição de Frutas Ltda.

Compra 15 Portões

2002 Agro Safra Agricultura Com Imp. e Exp. Ltda

Compra 167 Santa Lígia

2002 Agro Safra Agricultura Com. Importação e Exportação

Compra 934 Sítio Maxixe

2002 Matsumoto Agrop. Modelo Exportação e Importadora

Compra 11 Velame

2002 Agropecuária Tiuma Ltda (Incorporado A Calmit Industrial Ltda em 2004)

Compra 30 Baixa Branca

2002 Otani Agropecuária Ltda Compra 9,2 Sítio Primavera 2002 Fruitland Comércio Representação

Produtos Agrícolas Ltda Venda 22 Caatingueira

2002 Otani Agropecuária Ltda Compra 4,2 Primavera 2002 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Compra 80 Primavera 2002 C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo

Export. e Importadora Compra 4 Velame

2002 Agropecuária Tiuma Ltda Compra 16 Sete Kilômetro 2002 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Compra 55,8 Primavera 2002 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Compra 30 Primavera Fonte: Cartório Único de Baraúna

História das terras dos Empresários Japoneses em Baraúna

Page 322: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

A história das terras dos empresários imigrantes japoneses no município de

Baraúna começa em 1993 com a compra de terras de pessoas físicas, pela empresa

Ytiban Agroindústria Exportadora e Importadora LTDA (de sociedade entre Alexandre

Takeshi Suzuki e Armando Suzuki), em três localidades municipais a sudoeste de

Baraúna (ver Quadro 58). O valor de aquisição dessas terras vai ser extremamente alto,

destacando-se dos valores apresentados para a compra por outros empresários japoneses

na mesma época. Em 1996, as terras da empresa são vendidas para Willian Akira

Suzuki, que tem o mesmo sobrenome dos sócios.

Quadro 58 - Compra de Terras por Ytyban Agroindustrial, Exportadora e Importadora Ltda em Baraúna (até 2002) Ano Vendedor Pessoa

Física Pessoa Jurídica

Área (ha)

Localidade Valor por hectare (em reais)

1993 João Bosco da Silva Dantas

X 19 Sítio Futuro 10.526,31

1993 Orlando Jales Dantas X 31 Sumidouro 6.451,61 1993 Orlando Jales Dantas X 67 Monte

Alegre 4.477,71

1993 Orlando Jales Dantas X 87 Sumidouro 3.448,25 Fonte: Cartório Único de Baraúna

Poucos anos depois se instala em Baraúna Masatoshi Otani, que funda duas

empresas, a Otani Agropecuária e a Cris Frutas, e, a partir delas, começa a comprar

terras no município em 1996.

As terras compradas por esse imigrante japonês correspondem a uma área de

ótima localização perto da sede municipal e das estradas. São as localidades conhecidas

como Boa Água, Facheiro e Primavera, todas perto da sede municipal - a cerca de 2 a 5

km.

Observa-se no Quadro 59 que essas terras com ótima localização, acumulando

assim rendas diferenciais, foram compradas exclusivamente de pessoas físicas - às vezes

da mesma família -, por preços que chegam a ter grande desvalorização, com o valor do

hectare chegando a 30,00 e 81,00 reais em alguns casos. Em outros, os valores flutuam

de forma rápida no mesmo local, como as últimas compras na localidade Primavera,

onde o hectare variou entre 238,09 e 714,28 reais, em apenas um ano. Vale lembrar que

a prática de subvalorização das terras para fugir dos impostos é corrente em vários

cartórios da região.

Page 323: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Quadro 59 - Compra de Terras pelas Empresas de Masatoshi Otani – Cris Frutas e Otani Agropecuária - em Baraúna (até 2002) Ano Vendedor Pessoa

Física Pessoa Jurídica

Área (ha)

Localidade Valor por hectare (em reais)

1996 Francisca Albertina da Silva

X 398 Boa Água 30,15

1998 José Alves de Oliveira

X 50 Fazenda Choril (Shoryu)/Facheiro

1.000,00

1999 José Jerônimo de Queiroz

X 61,2 Facheiro 147,00

1999 Severino Alves Costa X 49 Primavera 81,63 2000 José Maria Rebouças X 33 Boa Água 151,51 2000 José Dantas de

Oliveira X 6,9 Primavera 434,78

2001 Josefa Rodrigues de Medeiros Barbosa

X 4,2 Primavera 238,09

2002 Francisco Justino X 9,2 Primavera 434,78 2002 Francisco Justino X 4,2 Primavera 714,28 Fonte: Cartório Único de Baraúna

No mesmo ano, instala-se no Município Junichi Irikita, casado com a irmã de

Masatoshi Otani, que vai investir em terras próximas e até vizinhas às terras de

Masatoshi, com compras na mesma região da localidade de Primavera (leste, sudeste e

sul da sede municipal) - distante cerca de 2 a 5 km em média da sede municipal. Esse

imigrante vai comprar também terras de grande volume na localidade de Mato Alto, a

sudoeste da sede municipal.

Assim como se deu com Masatoshi Otani, o valor de compra dessas terras por

hectare vai ser extremamente baixo, se comparado ao das compras da Ytiban - inclusive,

na média, o valor de compra de Junichi Irikita vai ser mais baixo do que o de Masatoshi

Otani, com compras no Mato Alto variando de 50,00 a 189,00 reais, no período de um

ano, e, na localidade Primavera, variando de 147,00 a 333,00 reais no período de três

anos (ver Quadro 60). Vale lembrar que quase todas as compras foram feitas a pessoas

físicas, com exceção de uma, a feita à Multi-Agro Industrial Ltda.

Quadro 60 - Compra de Terras pelas Empresas de Junichi Irikita –Agropecuária Nascente e Jiem Agrícola e Comercial Ltda - em Baraúna (até 2002) Ano Vendedor Pessoa

Física Pessoa Jurídica

Área (ha)

Localidade Valor por hectare (em reais)

1996 José Odival de Oliveira

X 78,6 Mutamba 152,67

Page 324: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

1996 Francisco Rogério da Silva

X 50 Mato Alto 50,00

1996 Francisco Rogério da Silva

X 50 Mato Alto 50,00

1997 Aprígio Laurentino da Silva

X 64 Mato Alto 120,00

1997 Francisco Pereira de Sousa

X 76 Mato Alto 131,57

1997 Clóvis da Silva Laurentino

X 29 - 137,93

1997 Francisco Rogério da Silva

X 105,3 Mato Alto 189,93

1997 João Ambrósio da Silva

X 66 Mato Alto 120,00

1997 Vicente Francisco da Silva

X 30 Primavera 166,66

1999 Multi-Agro Industrial Ltda

X 51 Primavera 147,05

2002 Raimundo Pereira da Silva

X 80 Primavera 187,50

2002 Carlos Antônio de Medeiros

X 55,8 Primavera 197,13

2002 Carlos Antônio de Medeiros

X 30 Primavera 333,33

Fonte: Cartório Único de Baraúna

Por fim, outro imigrante japonês se instala, fundando a empresa C. Y.

Matsumoto Agrop. Modelo e começando a comprar terras em 1997. Segundo

informações verbais colhidas no município de Baraúna, existe um grau de parentesco

entre o empresário dessa empresa e os outros japoneses instalados no Município.

Assim como Junichi Irikita, esse empresário compra terras na localidade de

Mato Alto, a sudoeste de Baraúna, além de comprar terras a oeste de Baraúna, perto da

fronteira com o Ceará e da estrada que liga Baraúna com o Ceará - localidade conhecida

hoje como Mato Alto e Velame.

Tal como os outros japoneses fizeram, todas as compras de terras são efetuadas

de pessoas físicas (ver Quadro 61) e o valor do hectare comercializado sofre uma grande

variação no período de poucos anos, para cima ou para baixo, podendo ser negociado,

em 1997, por 416,00 reais, no Mato Alto, e dois anos depois vir a ser negociado por

235,00 reais - uma queda de quase 50%. A mesma situação de volatilidade acontece na

localidade de Velame, sendo que, desta vez, para cima, onde os preços flutuam de

307,69 reais o hectare, em 2001, para 625,00 reais, um ano depois.

Page 325: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Quadro 61 - Compra de Terras pela Empresa C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo, em Baraúna (até 2002) Ano Vendedor Pessoa

Física Pessoa Jurídica

Área (ha)

Localidade Valor por hectare (em reais)

1997 Francisco Bernardo X 12 Mato Alto 333,33 1997 Raimundo Pereira da

Silva X 48 Mato Alto 416,66

1999 Francisco Canindé da Silva

X 17 Mato Alto 235,29

1999 Francisco Canindé da Silva

X 6 Velame 333,33

2000 Geraldo Cordeiro do Vale

X 13 Fazenda Modelo

538,46

2000 Geraldo Cordeiro do Vale

X 26 Fazenda Modelo

538,46

2001 José Francisco Virgínio

X 26 Velame II 307,69

2002 Raimundo Nonato da Silva

X 4 Velame 625,00

2002 Francisco de Assis Varela da Silva

X 11 Velame 318,18

Fonte: Cartório Único de Baraúna

A compra de terras durante esse período em Baraúna, principalmente pelos

japoneses, assim como por outros empresários, vai intensificar a concentração fundiária

e elevar o preço da terra no Município, fazendo com que muitos agricultores se sintam

estimulados “[...] a abandonar o campo e vender suas propriedades ou a [se]

transformar [...] em novos especuladores imobiliários.” (GUIMARÃES, 1979, p.160).

Reydon e Barreto (2006) observam que a dinâmica do mercado de terras é, em

grande medida, determinada pelo dinamismo do mercado de produtos da região em

análise. Como, a partir de 1993, vai se dar um grande dinamismo em Baraúna a partir da

fruticultura de melão, o mercado de terras local vai sofrer uma mudança significativa,

com sua valorização também vinculada ao sucesso dessa cultura na região.

Em Baraúna, as rendas diferenciais I e II vão ser exploradas ao máximo pelos

produtores rurais voltados para a exportação de melão que vão se utilizar de tecnologia

de ponta e aproveitar as características de fertilidade do solo do Município,

características estas salientadas em um estudo comparativo publicado na Revista

Brasileira de Fruticultura (ARAÚJO NETO, ET AL, 2003), onde se compara a

produção de melão nos quatro principais municípios produtores do Rio Grande do

Norte: Mossoró, Carnaubais, Alto do Rodrigues e Baraúna.

Page 326: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Entre todos esses municípios, Baraúna vai se destacar com a melhor fertilidade

dos solos, com as mais estruturadas características químicas entre todos os solos,

levando o Município a ter uma produtividade média por hectare muito superior a todos

os outros estudados, superando em 53%, 75% e 166% os ambientes de Carnaubais,

Mossoró e Alto do Rodrigues, respectivamente.

As rendas diferenciais também são aproveitadas a partir da boa localização,

principalmente das propriedades dos japoneses, que ficam, como se pode observar na

foto de satélite (Foto 5), todas próximas à sede municipal de Baraúna e às principais

estradas, algumas a leste (Primavera), outras ao sul e sudeste (Facheiro, Boa Água e

Primavera) e outras a oeste (Fazenda Modelo, Velame, Mato Alto).

Foto 5 - Propriedades dos empresários japoneses em Baraúna (2009)

Fonte: GoogleEarth (2011)

5.3.2 Vinda das Empresas de Fruticultura e Mudanças nas Relações de Trabalho e nas

Estatísticas do Trabalho Agrícola

Primavera

Boa Água Mato Alto

Page 327: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Com relação à mão-de-obra, a vinda de empresas de fruticultura irrigada,

principalmente as de empresários japoneses, exerceu uma mudança no perfil de

empregos assalariados de Baraúna, influenciando, inclusive, em toda a região do Oeste

Potiguar e até no Vale do Açu, já que muitos empregados dessas empresas de

fruticultura vêm de outras cidades e até de outras microrregiões do Estado do Rio

Grande do Norte.

Com a chegada das empresas de fruticultura em Baraúna a partir de 1993, tem-se

o surgimento do trabalho assalariado com carteira assinada no ramo agropecuário, o que

antes não era constatado nas estatísticas do Ministério do Trabalho, diferentemente do

que existia antes, quando se tinha o sistema de parceria e trabalho por diária.

De acordo com o banco de dados do Ministério de Trabalho sobre o emprego

assalariado em Baraúna (RAIS, MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2011),

exposto no Quadro 62, no decorrer da série histórica de 1993 a 2002, o emprego

assalariado no Setor de Agropecuária é o que mais cresce no Município, assumindo, a

partir de 1996, a dianteira frente a todos os setores analisados. Essa dianteira se mantém

por toda a série histórica, intensificando-se e chegando a representar, no ano de 2002,

cerca de 80% de todos os empregos assalariados do Município, com 2.268 empregados

de carteira assinada de um total geral de 2.824 empregados. Esse período representa o

momento em que vão se estabelecendo em Baraúna inúmeras empresas de fruticultura

irrigada para a exportação, boa parte delas controladas por imigrantes japoneses.

Quadro 62 - Baraúna: Vínculos Ativos por Setor de Atividade Econômica (1993-2002) Setor 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Extração Mineral 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Ind. Transformação

0 0 6 0 0 1 0 2 6 5

Serv. Indústria 0 0 0 0 0 41 138 85 3 3 Construção Civil 0 0 0 0 40 0 0 0 1 0 Comércio 3 6 7 6 43 42 42 36 38 45 Serviços 9 5 9 5 10 8 6 8 26 28 Adm. Pública 350 352 339 219 388 386 0 377 465 475 Agropecuária 4 35 123 486 779 975 1424 1392 1688 2268 Outros/Ignorado 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Total 366 398 484 716 1260 1453 1610 1900 2227 2824 Fonte: RAIS, Ministério de Trabalho e Emprego (2011)

Desses empregados no Setor Agropecuário, vão se destacar aqueles com carteira

assinada que estavam descritos como atuantes na fruticultura irrigada. Estes somavam,

no ano de 2002, o montante de 1.799, representando cerca de 80% de todos os

Page 328: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

empregados com carteira assinada do referido Setor (RAIS, MINISTÉRIO DO

TRABALHO E EMPREGO, 2011).

As empresas de fruticultura de Baraúna também empregavam outros

trabalhadores com inúmeras funções ligadas à agricultura ou de suporte a esta, que

aparecem no Banco de Dados da RAIS. Entre essas funções, podem-se citar: trabalhador

agropecuário, guarda de segurança, motoristas de caminhões e automóveis, porteiros,

cozinheiras, secretarias, técnicos de segurança do trabalho, técnicos de almoxarifado,

técnicos de contabilidade, fiscais de campo para supervisionar a operação nas fazendas,

funcionários do parking house, câmara fria, funcionários ligados a irrigação, técnicos

agrícolas, engenheiros agrônomos, dentre outras.

Esse assalariamento com carteira assinada, que obriga o empregador a pagar

pelo menos um salário mínimo, faz com que haja um aumento do salário médio do

emprego agrícola em cumprimento à legislação trabalhista (SILVA, 2004). Além disto,

existe um pequeno aumento adicional negociado pelos sindicatos dos trabalhadores de

fruticultura do Polo Açu-Mossoró em acordos coletivos. No ano de 2010, segundo

informações do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Baraúna, esse valor era de 10,00

reais além do salário mínimo.

Durante a década de 1990, com a atuação da MAISA no município de Baraúna e

nos seus arredores, tem-se também a implementação, a partir dessa empresa, de um

processo de terceirização, com um sistema de produtores contratados que trabalhavam

para a MAÍSA nas suas próprias terras ou associações de assentamentos.

Silva (1997) salienta que, entre os produtores contratados na década de 1990

pela MAÍSA em Baraúna, podiam-se enumerar tanto produtores individuais como

associações de pequenos produtores em área de assentamento de Reforma Agrária.

Entre as associações de assentamentos se destacavam: Olho D´água da Escada,

Caatinga, Poço Baraúnas, Pico Estreito e Rancho do Pereiro.

A MAÍSA, que vai entrar em colapso no início dos anos 2000, atuou com um

nível de terceirização elevado em Baraúna, mas existiam condições limitantes para esse

modelo.

Segundo Silva (1997, p.25),

[...] uma das condições limitantes para que o produtor seja selecionado é que ele esteja apto a absorver a tecnologia usada no processo produtivo do melão, ou seja, a produção de melão na região caracteriza-se, na sua maioria, pelo uso de técnicas modernas de preparo do solo e irrigação, bem como tratos culturais com base em agroquímicos sofisticados e fertilizações controladas e freqüentes.

Page 329: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

[...] as empresas fornecem apenas sementes, sem nenhum outro insumo ou implemento, chega-se a crer que para o produtor absorver esta tecnologia de produção é necessário que detenha capital, para que possa investir no cultivo do melão.

Além dessas condições limitantes, outra condição vem se juntar quando se

observa que a produção é voltada para o mercado externo. São as certificações

internacionais de qualidade e gestão, que limitam e dificultam esse modelo que foi

levado a cabo durante a década de 1990 pela MAÍSA.

Basaldi (2008) observa também que as atividades articuladas ao mercado

internacional tem exigências de certificações que promovem o respeito aos direitos

humanos, trabalhistas e meio ambiente, gerando assim uma pressão para oferecer

maiores condições de trabalho e emprego.

Não foi constatado nas empresas pesquisadas (empresas de imigrantes

japoneses) qualquer indício de que essas práticas de terceirizações tenham ganhado

terreno na fruticultura voltada para a exportação de melão operacionalizada pelos

imigrantes japoneses. Segundo informações passadas pelo responsável pela EMATER

(extensão rural) em Baraúna, Francisco Girolando de Freitas68, a fruticultura voltada

para a exportação comandada pelos japoneses não tem terceirização, “[...] ele não quer

nada com ninguém não [...] só ele e pronto [...] ele não quer não [...] [terceirização] de

jeito nenhum”.

Os dados da RAIS (2011) do período reforçam o caráter de assalariamento com

carteira assinada que passou a predominar no município de Baraúna a partir dos anos

1990 e que se intensificou durante os primeiros anos de 2000.

Sobre as relações de trabalho orquestradas pelas empresas de fruticultura

irrigada em Baraúna, existem duas realidades postas: a de empregados de empresas de

fruticultura que vendem apenas para o mercado nacional e local e a de empregados de

empresas de fruticultura que vendem para o mercado internacional e têm que seguir

certas certificações internacionais que priorizam as boas relações de trabalho.

No trabalho em questão, foram focadas as empresas voltadas para o mercado

externo, na sua grande maioria pertencentes a imigrantes japoneses. Destas, foi

escolhida uma empresa de propriedade de um imigrante japonês para uma análise mais

detalhada das relações de trabalho. Essa empresa foi a Cris Frutas, de propriedade de

Masatoshi Otani.

68 Informação verbal adquirida em entrevista em 31 de janeiro de 2011, na sede local da EMATER em Baraúna.

Page 330: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Essa empresa atua de forma contínua, só que com uma mão-de-obra descontínua

em números de funcionários, já que trabalha com o melão de junho a fevereiro e com a

safrinha de milho mecanizado entre fevereiro e maio, tendo uma demanda de mão-de-

obra muito maior durante o cultivo de melão. Com isto, a empresa opta por trabalhar

com carteira assinada para a maioria dos funcionários durante o período que vai de

junho/julho até janeiro/fevereiro.

Segundo a Engenheira da Cris Frutas69, o processo de trabalho ocorre da

seguinte maneira:

[...] aqui agente contrata por safra, então os primeiros começam a trabalhar em junho e ficam ate agora, essa época de fevereiro [...] seu Masatoshi ele dá prioridade a botar pra fora quem vai receber seguro desemprego, quem não recebe ai fica trabalhando, porque agente planta milho aqui sabe, e tem a parte de manutenção que tem que fazer cercas, tem coisa pra fazer na fazenda e só pode fazer quando não ta funcionando [...] então pouca gente fica, mas, fica [...] é seguro desemprego [...] você recebendo um ano, e outro ano que você sair você já não tem direito de receber, então ele dar prioridade pra ficar trabalhando direto quem não vai receber, que ai a pessoa não fica sem renda [...].

Nota-se com esse processo de trabalho uma preocupação do empregador para

que os empregados não fiquem sem renda durante a parcela do ano em que eles não

trabalham de forma intensiva com frutas. Esse tipo de preocupação chama a atenção e

se diferencia das empresas multinacionais, que trabalham de forma estritamente

profissional, preocupando-se somente com a lucratividade.

Outra característica da empresa é o de usar para o trabalho, na época da

fruticultura (junho/fevereiro), sempre os mesmos empregados, mesmo sendo de outras

cidades, às vezes até distantes. Ainda é a Engenheira da Cris Frutas70 quem observa:

“[...] quando eles saem eles já sabem que vai voltar [...] o pessoal da fazenda Também

[...] os que dão mais trabalho não voltam não [...]”. Ela ressalta que os empregados

‘trabalhosos’ são os que faltam muito e que produzem pouco. Estes geralmente deixam

de ser chamados no período seguinte de trabalho no Melão.

A partir de depoimento dos entrevistados, foi notado também que a forma de

contratação dos empregados é baseada na indicação de amigos ou parentes - prática

comum, relatada por Bendini e Calvalcanti (1996, p.12): “[...] indicação de conhecidos

69 Informação obtida através de entrevista com a Engenheira da Cris Frutas, Baraúna, em 1º de fevereiro de 2011. 70 Informação obtida através de entrevista com a Engenheira da Cris Frutas, Baraúna, em 1º de fevereiro de 2011.

Page 331: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

ou parentes para ocupar postos de trabalho com posterior acompanhamento da pessoa

que indica para saber se está dando certo”. Quem indica, portanto, reforça sua

permanência se o indicado corresponde.

Em entrevistas com funcionários da Cris Frutas, foi notado que esta tem o

comportamento parecido com a multinacional Del Monte Fresh Produce, em relação à

diferença de tratamento entre os funcionários com alto nível de qualificação e os de

baixo nível de qualificação. Isto nos remete ao que foi tratado no Capítulo 1, onde

Castells (2002) discorre sobre essa diferenciação de direitos por nível de qualificação, e

principalmente no Capítulo 2, onde Antunes (2005) relata essa diferenciação de

tratamento e a precarização do funcionário de baixa qualificação.

Cavalcanti (1999) observa que, no caso da agricultura para a exportação,

dominada por grandes grupos multinacionais, os efeitos chegam a ser mais daninhos

para os trabalhadores, já que se emprega alta tecnologia para aumentar a produtividade,

mecanizando e informatizando boa parte do processo produtivo, debilitando, assim, a

geração de empregos e requerendo uma mão-de-obra com maior nível de qualificação.

Muitas vezes se utiliza, dependendo do ramo produtivo, de trabalhadores temporários e

flexíveis, precarizando ainda mais o mercado de trabalho.

No fim, observa-se também no trabalho agrícola a criação de uma polaridade de

duas classes de empregados: uma de trabalhadores estáveis, com direitos trabalhistas,

capacitados e vinculados aos estratos técnicos ou administrativos; e outra, de

trabalhadores temporários, de baixa qualificação, flexíveis, terceirizados, que é a grande

maioria nas unidades produtivas do campo.

Esse fosso entre os trabalhadores muito qualificados e os de baixa qualificação

também é relatado por Basaldi (2008), mostrando que a precarização do trabalho para os

últimos é uma realidade no trabalho agrícola.

A Cris Frutas, assim como a multinacional Del Monte Fresh Produce, não

chega a precarizar o trabalho dos não qualificados com a terceirização e o trabalho

informal, como relatam os autores acima mencionados. Todos os trabalhadores da Cris

Frutas têm carteira assinada permanente, sejam de alta ou baixa qualificação e ela não

faz uma diferenciação tão clara entre os trabalhadores qualificados e os não

qualificados, como faz a Del Monte Fresh Produce em Ipanguaçu, embora essa

diferenciação ocorra de forma sutil, como foi observado nas entrevistas com

trabalhadores da empresa.

Page 332: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

A Engenheira da Cris Frutas71 observa tal diferença nessa Empresa:

[...] seu Masatoshi gosta muito de agradar o funcionário, gratificação por fora [...] para o funcionário mesmo eles trabalham com hora extra né, quando ta no pico mesmo tem muito hora extra, mas para o pessoal, não o trabalhador mesmo, mas, o encarregado, o pessoal que trabalha no faturamento, ele sempre gosta de dar um agrado ne [...] (grifos meus)

A mesma Engenheira salienta que os empregados de outras cidades almoçam no

refeitório da Empresa, diferentemente dos empregados que moram em Baraúna, que vão

almoçar em casa. Esses empregados de fora também têm direito a alojamentos na

própria Cris Frutas, pois só vão visitar as famílias de tempos em tempos.

Foram entrevistados alguns trabalhadores assalariados da fazenda da Cris Frutas

que tem suas famílias no Vale do Açu, voltando de tempos em tempos para ver suas

famílias. Os referidos trabalhadores destacam algumas relações de trabalho que

acontecem na empresa.

Os trabalhadores enumeram que a alimentação deles no horário de trabalho não

é por conta da empresa. Segundo um trabalhador da Cris Frutas do Vale do Açu72,

[...] o refeitório é por conta da gente, [...] a comida quem paga é agente [...] as cozinheiras, eles paga apenas as cozinheiras pra fazer comida, mas a comida vem descontado no pagamento da gente [...] os produtos [...] vem descontado mensal [...] eles fazem a feira , mas só que agente desconta, desconta no pagamento da gente, eles dividem entre todos os funcionários e desconta desse total.

Sobre os benefícios dados pela empresa, os trabalhadores entrevistados que tem

sua família no Vale do Açu enumeram que: não existe plano de saúde, existe água

potável no trabalho, mas não recebem cesta básica. Os referidos trabalhadores moram

na empresa em um alojamento (durante os meses que trabalham lá – junho/fevereiro)

que é descrito como:

[...] o alojamento lá é normal, uns galpão bem grande, tudo fechado, sempre fica 10, 12 pessoas em cada parte, tudo separado, agora lá é o seguinte, quem é de Caraúbas [município do RN] fica num canto, quem é de Jucurutu [município do RN] fica em outro, é tudo separado [...] lá tem televisão pra gente assistir, tem televisão, tem sinuca pra quem gosta de jogar, tem futebol, tem o campo lá Também, se quiser jogar bola, tem um bocado de diversão lá, eu

71 Informação obtida através de entrevista com a Engenheira da Cris Frutas, Baraúna, em 1º de fevereiro de 2011. 72 Informação obtida através de entrevista com um empregado da Cris Frutas, Jucurutu, em 20 de março de 2011.

Page 333: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

gosto mesmo de assistir televisão [...] lá tudo é rede [...] eu levo a minha, cada um leva a sua...73 ”

Os funcionários mostram uma certa satisfação com as condições de trabalho e

salientam que geralmente a pessoa todo ano é chamada para trabalhar na empresa,

criando com ela um certo vínculo. Alguns citam que o patrão é bom por ajudar o

trabalhador a não ficar sem renda durante o período em que perde o seguro desemprego:

[...] mas sempre no ano que eu não pego seguro eu fico direto sabe la, fico duas safras direto [...] o home la me conhece muito e sempre [diz] vai ficar esse ano, fico sempre cuidando do milho qualquer coisa que aparecer, [...] eu passo 1 ano e 7 meses, 1 ano e 8 meses la quando eu não pego seguro sabe [...] nunca fico sem renda [...] ele sempre deixa [...]74

Outros citam que o patrão é bom porque

[...] não massacra trabalhador, pra trabalhar estressado, paga em dias [...] ele não escraviza ninguém entendeu, é bom o patrão, agora ele não facilita ne, nada pra ninguém, mas Também não deve a ninguém não [...] ele não deve um centavo a um trabalhador, tudo em cima da ordem75

Foi dito também pelos trabalhadores que têm família longe que o patrão ajuda no

transporte para ver os seus familiares. “A metade da passagem a empresa dá [...]

uma vez por mês [...]76.

Mas, assim como foi dito pela Engenheira da empresa, os funcionários notam a

diferença de tratamento entre o corpo técnico e os funcionários do trabalho pesado na

fazenda, quando é perguntado se eles recebem algum tipo de agrado no final do ano.

“[...] ele dá alguma coisa aos auxiliar, encarregado no final de ano, mas aos funcionário

não dá não [...]77

Outro aspecto de grande relevância sobre as relações de trabalho no campo é a

sobrejornada ou horas extras - prática muito comum no campo, como já observavam

Krein e Stravinsk (2008), em análise consistente sobre a jornada de trabalho no campo,

onde constataram que mais de 50% dos trabalhadores permanentes e cerca de 40% dos

trabalhadores temporários tinham jornadas acima da jornada legal de 44 horas semanais.

73 Informação obtida através de entrevista com um empregado da Cris Frutas, Jucurutu, em 20 de março de 2011. 74 Informação obtida através de entrevista com um empregado da Cris Frutas, Jucurutu, em 20 de março de 2011. 75 Informação obtida através de entrevista com um empregado da Cris Frutas, Jucurutu, em 20 de março de 2011. 76 Informação obtida através de entrevista com um empregado da Cris Frutas, Jucurutu, em 20 de março de 2011. 77 Informação obtida através de entrevista com um empregado da Cris Frutas, Jucurutu, em 20 de março de 2011.

Page 334: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Na empresa de fruticultura estudada, essa prática ocorre mais nos setores de

embalagem e câmara fria - o chamado parking house, onde as atividades iam até às “[...]

7 horas [da noite], só pode fazer 2 horas por dia, o ministério do trabalho exige que

ninguém pode fazer mais de 10 horas [...] mesmo que tivesse uma programação que

eles, as vezes tem uma programação que não pode [...] mas parava e deixava pro outro

dia”78

Sobre as convenções coletivas, Baraúna tinha a mesma que Ipanguaçu, reunindo

o mesmo grupo de sindicatos de trabalhadores que negociam todo ano, coletivamente,

as relações de trabalho.

5.3.3 Impactos da Chegada das Empresas de Fruticultura na Produção Agrícola de

Baraúna

Em relação à produção agrícola, a chegada das empresas de fruticultura irrigada,

principalmente empresas de imigrantes japoneses voltadas para a exportação, mudou a

“cara” da produção agrícola de Baraúna a partir de 1993, estabelecendo um novo eixo

produtivo local.

Como se observa no Gráfico 54, a área colhida de produtos tradicionais dos três

mais significantes produtos da década de 1980 tendeu a cair nessa nova série temporal,

com exceção do milho, que sempre manteve uma média de 6.000 ha de área colhida

durante a série histórica que vai de 1993 a 2002, com exceção do ano de 1993, quando

não se teve produção alguma, e dos anos de 1998 e 1999, que apresentaram uma

acentuada redução de área colhida.

Já o feijão, nessa série temporal, passou por uma redução de sua área colhida,

que em 1994 chegou a representar 4.000 hectares, terminando, em 2002, com pouco

mais de 1.000 hectares, o que representou uma redução de área de cerca de 75%, à

semelhança do milho, que, nos anos de 1993 e 1998, teve praticamente reduzida a zero

sua área colhida.

Com relação à mandioca, definitivamente esse tubérculo saiu do eixo produtivo

nessa nova série temporal, não tendo nenhuma área colhida durante esse período.

78 Informação obtida através de entrevista com um empregado da Cris Frutas, Jucurutu, em 20 de março de 2011

Page 335: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 54 - Produção Agrícola de Baraúna (1993 a 2002) – Produtos Tradicionais – Área Colhida (HA).

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

7000

ÁR

EA

(H

A)

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1993 A 2002) ÁREA COLHIDA (HA) - PRODUTOS TRADICIONAIS

Feijão

Mandioca

Milho

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011) Com relação à área colhida dos principais produtos de mercado, tem-se uma

transição clara entre o algodão herbáceo e a castanha de caju, de um lado, e, de outro, o

melão. Durante toda a série histórica se nota o declínio da maior área colhida de

produtos de mercado do Município, que era a área colhida da castanha de caju, a qual,

em 1993, representava quase 12.000 hectares de terras (ver Gráfico 55), No decorrer da

série histórica, essa área míngua significativamente, principalmente após 1998,

terminando a década com apenas 400 hectares - uma redução de mais de 95% em

relação à área colhida de 1993.

De forma similar, mas, com maiores oscilações no decorrer da série temporal,

comporta-se o algodão herbáceo, que, com uma área colhida em 1994 em torno de

6.000 hectares, começa a perder terreno em 1996, tendo uma redução muito

significativa em 1998, quando essa área quase desaparece, terminando o ano de 2002

com menos de 2.000 hectares - uma redução de 60% em relação à área colhida em 1994.

De forma inversa ocorre com o melão, que tinha uma área colhida insignificante

até o ano de 1998, quando começa a ter representatividade, e, já no ano seguinte,

ultrapassa a área colhida de castanha de caju e de algodão herbáceo, consolidando-se

nos anos de 2001 e 2002 como o produto com maior área dentre os principais produtos

de mercado apresentados: quase 4.000 hectares.

O mamão começa a ter algum destaque em área colhida a partir de 2001, mas

ainda com pouco significado frente aos outros produtos de mercado.

Page 336: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 55 - Produção Agrícola de Baraúna (1993 a 2002) – Produtos de Mercado – Área Colhida (HA).

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011) Com relação à quantidade produzida de produtos tradicionais, observa-se a

liderança do milho, apesar de profundas oscilações no decorrer do período - indo de

5.000 toneladas em 1994 até a uma produção zero em 1998 e quase zerando em 1999 e

2001. Em segundo lugar, também com grandes oscilações, vem o feijão. Mas,

diferentemente do milho, essa cultura tem uma tendência explícita a redução de

produção. Quando se analisa a série histórica, observa-se claramente que, em 1994,

tinha uma produtividade na faixa de 2.000 toneladas, passando para menos de 1.000

toneladas em 2002. Quanto à mandioca, não há produção registrada durante o período

(Ver Gráfico 56).

Gráfico 56 - Produção Agrícola de Baraúna (1993 a 2002) – Produtos Tradicionais – Quantidade Produzida (T).

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

QU

AN

TID

AD

E (

T)

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1993 A 2002) QUANTIDADE PRODUZIDA (T) - PRODUTOS TRADICIONAIS

Feijão

Mandioca

Milho

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)

Page 337: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Com relação à quantidade produzida pelos produtos de mercado, tem-se uma

grande virada no eixo produtivo a partir de 1997/98, quando o melão assume o lugar de

maior produtividade dentre todos os produtos de mercado mostrados, deixando para trás

produtos que eram o carro-chefe no Município na década passada e nos primeiros anos

da década de 1990, como o algodão herbáceo e principalmente a castanha de caju. O

melão se destaca de forma inequívoca com quase 40.000 toneladas produzidas no ano

de 1998, chegando à impressionante marca de 100.000 toneladas em 2002 (Ver Gráfico

57).

Gráfico 57 - Produção Agrícola de Baraúna (1993 a 2002) – Produtos de Mercado – Quantidade Produzida (T).

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)

Esses dados sobre a altíssima produção de melão a partir de 1998 refletem a

chegada e a produção de inúmeras empresas agrícolas instaladas a partir de 1993 em

Baraúna, principalmente empresas comandadas por imigrantes japoneses, que vão se

destacar como os maiores exportadores de melão do Município.

Percebe-se, assim, um aprofundamento da dependência de Baraúna em relação

ao mercado consumidor global, e com isto se intensificam as relações de verticalidades

citadas por Santos (1997, 2002a). O lugar passa a ser cada vez mais dependente da

lógica global imposta por agentes externos ao lugar.

Tal se observa quando se faz uma análise da balança comercial do Rio Grande

do Norte no ano de 2002 - final dessa série histórica. O segundo produto mais exportado

do Rio Grande do Norte vai ser o melão - com 10,8% do total das exportações -, só

perdendo para a carcinicultura (SECRETARIA DE COMERCIO EXTERIOR, 2011).

Page 338: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Quando se observa no mesmo ano o ranking da produção de melão nacional

pelo IBGE, nota-se o predomínio de Baraúna frente a todos os municípios do Brasil -

ficando em primeiro lugar, com mais de 104.000 toneladas -, deixando para trás o

município pioneiro na cultura e exportação de melão: Mossoró (ver Quadro 63).

Quadro 63 - Ranking dos Principais Municípios Produtores de Melão do Brasil por Quantidade Produzida (Toneladas) – 2002

Área plantada, área colhida, quantidade produzida e valor da produção da lavoura temporária - Ranking descendente

Variável = Quantidade produzida (Toneladas) Lavoura temporária = Melão

Ano = 2002 # Município

1 Baraúna - RN 104.500

Quixeré - CE 62.500 2 Mossoró - RN 62.500

4 Juazeiro - BA 18.120

5 Aracati - CE 17.600

6 Sento Sé - BA 9.000

7 Curaçá - BA 8.730

8 Upanema - RN 7.200

9 Santa Maria da Boa Vista - PE 5.400

10 Floresta - PE 4.500

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)

Em se tratando de exportações nacionais, por causa da alta produtividade dos

melões produzidos e exportados em Baraúna, o Rio Grande do Norte se mantém em

2002 - de acordo com o banco de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e

Comercio Exterior do Brasil, intitulado Aliceweb – como o maior exportador nacional

de melão, com quase 25 milhões de reais em exportações, deixando para trás todos os

outros estados, inclusive o Ceará (Ver Gráfico 58).

Gráfico 58 - Exportação de Melões no Brasil (2002) por Estados Exportadores.

0

5.000.000

10.000.000

15.000.000

20.000.000

25.000.000

US

$

PI CE RN PE BA MG ES SP PR RS

Exportação de Melões no Brasil (2002) Estados Exportadores

US$

Page 339: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Fonte: AliceWeb, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil (2011) A Figura 6 mostra o destino final dos melões produzidos no País, destacando-se

como principais: o Reino Unido e a Holanda (cores mais avermelhadas na Figura) - os

maiores consumidores dessa fruta produzida na Chapada do Apodi e principalmente em

Baraúna.

Figura 6 - Fluxos de Exportações Brasileiras de Melão para o Mundo (2002)

Fonte: FAOSTAT (2011)

5.4 Anos 2000: “Novas” Políticas Públicas Federais e Produção Globalizada

Nesta parte, estudar-se-á o período relativo aos seis primeiros anos do Governo

Luís Inácio Lula da Silva (2003 a 2008) - já explicitado no item relativo às “novas”

políticas públicas federais e produção globalizada referente ao município de Ipanguaçu .

Esse período foi incluído na análise pelo fato de se ter observado em pesquisas

cartoriais mudanças relativas a políticas públicas implantadas pelo Governo Lula no

campo, as quais se mostram de forma clara em vários documentos cartoriais como

reflexo principalmente da Política do Crédito Fundiário e como reforço na criação de

inúmeros assentamentos do INCRA. Vale observar que as aspas nas novas políticas

públicas são para ressaltar exatamente o caráter de repetição de inúmeras políticas pelo

Governo Lula do antigo Governo de Fernando Henrique Cardoso.

Page 340: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

5.4.1 ‘Novas’ Políticas Públicas e seu Impacto no Mercado Fundiário de

Baraúna

No decorrer dos anos do Governo Lula (2003 a 2008), nota-se, de forma

marcante, um aumento da interferência do Governo no mercado de terras de Baraúna

através dos programas ligados ao crédito fundiário (Programa Nacional de Crédito

Fundiário) e aos novos assentamentos do INCRA no Município.

Antes de observar o movimento de terras com uso de Associações entre 2003 e

2008, vale salientar que, em pesquisa realizada no Cartório Municipal, esse movimento,

a partir de compras dessas entidades, aparece desde o ano de 2001 em toda a série

histórica analisada, que vai de 1979 a 2008.

Analisando-se cada um dos documentos de terras, ficou claro que todas elas

foram compradas por Associações a partir de financiamento hipotecário do Programa

Nacional de Crédito Fundiário, que antes de 2003 se chamava “Banco da Terra”.

Entre os anos de 2001 e 2002, existiram sete operações envolvendo a compra de

terras por Associações no município de Baraúna. Essas operações envolveram 285

hectares de terras em 2001, na localidade de São Jorge, extremo sudeste da sede

municipal de Baraúna, divisa com Mossoró, onde estão localizados os assentamentos do

INCRA, fora do eixo das fazendas de fruticultura. Em 2002, as operações de compra de

terras por Associações envolveram 1.156 hectares distribuídos nas localidades de

Escada (633 ha), na área conhecida como Mato Alto – sudoeste da sede municipal -

onde se têm empreendimentos frutícolas: São Sebastião (107 ha) e Nogueira (417 ha).

Com base no Gráfico 59, pode-se notar o mesmo movimento de terras com uso

de Associações entre 2003 e 2008, que tem seu ápice no ano de 2003, com a compra de

quase 1.200 hectares de terras por associações a partir do Programa do Crédito

Fundiário. Nos anos de 2004, 2006 e 2007, as compras de terras foram muito pequenas -

de apenas 200 hectares - e, em 2005 e 2008, o Cartório não registrou compra a partir do

referido Programa.

Page 341: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 59 - Movimento de Terras com Uso de Associações por Área (2003 a 2008) – Baraúna

0

200

400

600

800

1000

1200

2003 2004 2005 2006 2007 2008

Movimento de terras com uso de associações por área (2003 a 2008)

Área - ha

Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)

Por fim, nesse curto período, tem-se uma compra acumulada de 1.856 ha de

terras oriundas desse Programa especificamente, com 17 compras de terras nas mais

variadas localizações dentro da área municipal de Baraúna, indo desde as bem situadas

localidades de Primavera (vizinho à sede municipal) e Juremal (próximo à estrada que

liga Mossoró e Baraúna), até localidades mais afastadas, como Lagedo, a noroeste da

sede municipal.

Segundo entrevista com o engenheiro agrônomo responsável por uma

Associação que comprou terra a partir do Programa do Crédito Fundiário (antigo

“Banco da Terra”) na localidade de Primavera79 em Baraúna, o sistema do Crédito

Fundiário tem algumas fragilidades e deficiências em relação aos principais atores

envolvidos - o Governo do Estado e o Banco do Nordeste:

[...] apenas o Governo do Estado seleciona os agricultores quando o projeto ta tudo ok [...] ta selecionado essa propriedade aqui, custa tantos mil reais, vale isso mesmo, entrega o projeto ao Banco do Nordeste e pronto, o Governo do Estado desaparece, eles andaram aqui [Banco do Nordeste] algumas vezes pra saber se tinha aplicado o dinheiro direitinho também desapareceram, tem mais nada com agente não [...] se agente for atrás de qualquer empréstimo do Banco do Nordeste, é 2, 3 anos pra você cumprir com a burocracia do Banco do Nordeste, e é 500,00 pra um , 200,00 pra um, e isso pra irrigação é melhor não se meter [...] você sabe que irrigação é cara [...]

79 Entrevista realizada com o Engenheiro Agrônomo responsável por uma Associação (que comprou terra pelo Sistema do Crédito Fundiário) na localidade de Primavera, em 1/2/2011.

Page 342: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Além desse Programa, o Governo Federal agiu diretamente no mercado de terras

de Baraúna com desapropriações feitas pelo INCRA, em 2005, que não chegaram a

1.000 ha de terras (Gráfico 60). Essas terras se localizavam em sua maioria na

localidade de Tiradentes, ao norte do Município, longe da sede municipal e das

principais estradas.

Gráfico 60 - Movimento de Terras com Intervenção do Governo, por Área (2003 a 2008) – Ipanguaçu

0

500

1000

2003 2004 2005 2006 2007 2008

Movimento de terras por intervenção do governo - por área (2003 a 2008)

Área - ha

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)

Apesar do baixo movimento de terras por desapropriações do INCRA, no último

período, Baraúna se configura como um município que tem um grande número de

assentamentos desse Instituto (assentamentos em vermelho na área destacada de

amarelo – município de Baraúna - Figura 7). Tais assentamentos estão concentrados

principalmente no norte e nordeste do Município - na área pertencente à antiga MAÍSA,

a empresa de frutas pioneira em toda a região e que abriu processo de falência no início

do século XXI. Também existem inúmeros assentamentos do INCRA na parte sul da

área municipal. Segundo dados colhidos na EMATER de Baraúna, são 28

assentamentos, sendo que foram instalados no decorrer dos anos, com várias políticas

distintas.

Page 343: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Figura 7 - Assentamentos do INCRA em Baraúna (2005)

Fonte: Arcevo Fundiário, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (2011)

Segundo o representante da EMATER em Baraúna, Francisco Girolando de

Freitas80, existem dois tipos de assentamentos em Baraúna: os instalados antigamente e

os instalados recentemente. Para o representante da EMATER,

[...] a maioria desses assentamentos hoje funciona precariamente [...] eu não tenho medo de dizer porque eu tenho como provar [...] alguns, os mais velhos que eram 5 assentamentos, Caatingueira, Poço Baraúna, Escada, Rancho do Pereiro, Pico Estreito/Tiradentes [...] esses cinco assentamentos quem começou a trabalhar com eles foi a Emater e quem fundou praticamente esses assentamentos [...] esses ainda hoje vivem razoavelmente bem (grifos meus).

Sobre os assentamentos feitos recentemente, o representante da EMATER,

observa que

[...] chega INCRA, sindicato, e faz ajuntamento [...] leva esse ajuntamento para uma determinada fazenda [ ..]e la leva a maioria dos agricultores que não tem vinculo com a agricultura, a prova ta ai como é que estão [...] tem alguns desses assentamentos, desses 23, 24, novos assentamentos que estão caminhando alguns produtores, que tão caminhando por livre e espontânea vontade e livre e

80 Entrevista realizada na EMATER de Baraúna em 31 de Janeiro de 2011.

Page 344: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

espontânea coragem [...] não é porque o INCRA chegue la e oriente (grifos meus)81.

O mesmo representante ainda discute o papel das ONGs na assistência técnica

aos assentamentos recentes. Segundo ele,

[,..] as ONGs só tão nos assentamentos quando tem dinheiro, acabou o dinheiro eles vão embora [...] é tanto que tão tudo abandonado, há uns três anos que tão completamente abandonado [...] acabou-se aquele dinheirinho do Pronaf A, C, que é o deles né, diferenciado, por conta da inadimplência que eles não pagam, os próprios assentamentos fazem o financiamento e não pagam [...] então Baraúna ta inadimplente há mais de 3 anos por conta disso, há mais de 3 anos que eles praticamente desapareceram do município de Baraúna [as ongs]. (grifos meus)82.

Um ex-representante da ONG “Visão Mundial” na região, o Engenheiro

Agrônomo Júlio Filho, também faz o mesmo tipo de observação sobre os assentamentos

que foram implantados pelo INCRA no município de Baraúna. Para ele83,

[...] os assentamentos hoje é uma favelização do meio rural, por que eu digo isso? Porque o Estado não se investiu nesses assentamentos, não tem escola de qualidade, não tem atendimento de saúde, não tem saneamento básico, a própria água não tem [...] não tem água de qualidade para beber, quando se tem é água salina que é usada mais pra irrigação, e água salina salobra que nas condições pra se produzir é mei complicado, por que que é complicado, se a água é salina e os solos são rasos, vai salinizar os solos também. Por outro lado, também tem os assentamentos que vieram [de] alguns grandes [que] produziram, o auge do melão ai, haja usando a tecnologia pesada, os defensivos, essas coisas, se tornou improdutivo, então se tornou área de assentamento. Quer dizer, se os grandes não produzia, os fazendeiros não produzia porque desgastaram a terra, fizeram mal uso da terra, eles mesmo procuravam o INCRA pra desapropriar essa terra pra ser área de reforma agrária, e ai muitos assentamentos ta ai hoje [...] em área de solos degradados [...] E ai as condições de moradia também não é lá essas coisas, muito precária, iluminação pública não tem, nas casas ainda tem mas, pública não tem, então é uma coisa que agente fica imaginando, então fica se questionando, que tipo de reforma agrária é essa tanto apregoada ai, eu mesmo que venho da base de movimento social que agente defendia a bandeira de reforma agrária, tinha uma concepção diferente dessa ai dos assentamentos que estão [...] (grifos meus).

Além do movimento da intervenção de terras pelo Governo em Baraúna, que não

tem um grande impacto no mercado de terras durante o período referido, tem-se,

observando dados sobre o número de transações de terras no Cartório Municipal, um

grande movimento de transações, principalmente nos anos de 2003 e 2004 - com mais 81 Entrevista realizada na EMATER em Baraúna, em 31 de janeiro de 2011. 82 Entrevista realizada na EMATER em Baraúna, em 31 de janeiro de 2011. 83 Entrevista realizada em Mossoró, em 31 de janeiro de 2011.

Page 345: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

de 100 transações de terras em cada um desses anos, com a concentração de transações

nas propriedades entre 10 a 100 hectares (ver Gráfico 61). No resto da série histórica,

observa-se um pico em 2006, com quase 100 transações, e os outros anos com menos de

80 transações de terras.

Gráfico 61 - Área Transacionada por Ano e por Ha (2003 a 2008) – Baraúna

0

50

100

150

mer

o d

e tr

ansa

ções

2003 2004 2005 2006 2007 2008

Ano

Número de transações de terras por ano e por ha (2003 a 2008)

0 a 10 ha

10 a 100 ha

+ 100 ha

Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)

O tipo de transação de terras e a área transacionada durante esse período (2003 a

2008) remetem mais uma vez para o predomínio das transações de compra e venda e de

hipotecas - representando, durante essa série histórica, um pouco mais de 80% da área

transacionada e da quantidade de transações. Em segundo plano, com pouquíssima

representação, estão as desapropriações, arrendamentos e adjudicação (Gráfico 62).

Gráfico 62 - Tipo de Transação de Terras e Área Transacionada (2003 a 2008) – Baraúna

0%

20%

40%

60%

Adjudicação

Arrendamento

Desapropriação

Herança

Hipoteca

Permuta

Usucapião

Venda

Doação

Tipo de transação de terras e área transacionada (2003 a 2008)

QuantidadeÁrea

Page 346: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)

Já a compra e venda de terras por pessoa jurídica em Baraúna, durante esse

período, continuou forte nos primeiros anos da série histórica, principalmente nos anos

de 2003 e 2004, com mais de 1.500 hectares de negociações entre empresas - a maioria

ligada à fruticultura irrigada. A partir de 2005, começa a se ter um declínio desse

movimento, que é interrompido em 2008, com compras ligadas, na sua maioria, à

instalação de um grande grupo de cimento no Município - o Grupo Votorantim -, que

comprava terras agressivamente durante o ano de 2008 (ver Gráfico 63).

Gráfico 63 - Compra e Venda de Terras por Pessoa Jurídica em Baraúna (2003 a 2008)

0

500

1000

1500

2000

2003 2004 2005 2006 2007 2008

COMPRA E VENDA DE TERRAS POR PESSOA JURÍDICA EM BARAÚNA (2003 a 2008)

Área (ha)

Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos) A principal localidade escolhida pelas empresas para comprarem terras foi a de

Primavera, que fica vizinho (a leste) à sede municipal de Baraúna e com fácil acesso à

estrada que liga Baraúna ao Ceará. Depois, têm-se compras na localidade vizinha de

Primavera - Boa Água -, também muito próxima da sede municipal. Outras empresas

compraram terras a sudoeste de Baraúna, nas localidades de Caatingueira e Mato Alto

(com certa proximidade com a sede municipal). Outras compraram mais a oeste e

sudoeste - na divisa com o Ceará (Maxixeiro, Baixa Branca e Velame). Dentro deste

último grupo, estão as empresas mineradoras, com destaque para o Grupo Votorantim.

As demais empresas são ligadas à fruticultura irrigada (Gráfico 64).

Page 347: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 64 - Compra e Venda – Empresas – por Área e Principais Localidades (2003 a 2008) – Baraúna

0100200300400500600

Baixa Branca

Boa água

Caatingueira

Lagedo do Mel

Mato Alto

Maxixeiro

Primavera

Poço Perdido

São Francisco

Sumidouro

Toca da Raposa

Três Veredas

Velame

Vereda do Anel

Compra e venda - empresas - por área e principais localidades (2003 a 2008)

Área - ha

Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)

A maior participação de empresas na compra e venda de terras no município de

Baraúna é de empresas ligadas à fruticultura irrigada, principalmente as ligadas a

empresários imigrantes japoneses - seguindo a mesma tendência da década de 1990 (ver

Quadro 64).

Com 72 transações de terras em apenas seis anos, esse período (de 2003 a 2008) fica

marcado na história fundiária de Baraúna como o período com mais transações de terras

entre empresas agropecuárias, já que o período anterior (1993 a 2002), apesar de nele

terem ocorrido 82 transações, foi um período mais extenso (10 anos).

Proporcionalmente, o de 6 anos apresenta um maior volume de transações de terras

entre empresas agropecuárias, dentre as quais, já se nota um processo de concentração

fundiária mais ligado a pessoas jurídicas, diferente do período anterior. Nesse período,

já se observa 21 transações de terras entre pessoas jurídicas, diferente do período

anterior quando existiram apenas 4 transações de terras entre pessoas jurídicas,

mostrando o avançado processo de capitalização da terra em andamento em Baraúna.

Quadro 64 - Compra e Venda de Terras das Empresas Agrícolas em Baraúna por Área e Localidade (2003 a 2008)84

84 No Quadro 64, foram colocadas em destaque (negrito) as operações de compra e venda feitas

entre as próprias empresas agrícolas. Quando a negociação de compra e venda não envolve duas empresas

Page 348: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Ano Empresa Situação Área (Ha)

Localidade

2003 Agro Safra Agricultura Com. Importação e Exportação Ltda

Compra 27 Altamira

2003 Agrosol Agricultura de Mossoró Venda 35 Boa Água 2003 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Compra 35 Boa Água 2003 Otani Agropecuária Ltda Compra 22 Boa Água 2003 Agropecuária Tiuma Ltda Compra 84,7 Maxixeiro 2003 Agro Safra Agricultura Com.

Importação e Exportação Ltda. Compra 17 Caatingueira

2003 Universus Agricola Comercio Importação e Exportação Ltda

Compra 99 Baraúna

2003 Curral Veterinária Ltda Venda 60 Mato Alto 2003 C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo

Exportação e Importadora Compra 60 Mato Alto

2003 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Compra 41 Sumidouro 2003 Agro Safra Agricultura Com.

Importação e Exportação Ltda. Compra 23 Catingueira

2003 Otani Agropecuária Ltda Venda 33 Boa Água 2003 Cris Frutas Ltda. Compra 33 Boa Água 2003 Otani Agropecuária Ltda Venda 4,2 Primavera 2003 Cris Frutas Ltda. Compra 4,2 Primavera 2003 Otani Agropecuária Ltda Venda 9,2 Primavera 2003 Cris Frutas Ltda. Compra 9,2 Primavera 2003 Otani Agropecuária Ltda Venda 6,9 Primavera 2003 Cris Frutas Ltda. Compra 6,9 Primavera 2003 Agropecuária Nascente Ltda Venda 78,6 Mutamba 2003 Jiam Agricola e Comercial Ltda Compra 78,6 Mutamba 2003 Cris Frutas Ltda Compra 16,1 Primavera 2003 Agrosafra Agricultura Comercio e

Importação e Exportação Ltda Compra 32 Caatingueira

2003 Agropecuária Nascente Ltda (Junichi Irikita)

Venda 51 Primavera

2003 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Compra 51 Primavera 2003 Agropecuária Nascente Ltda Venda 30 Primavera 2003 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Compra 30 Primavera 2003 Otani Agropecuária Ltda Venda 50 Fazenda Shoryu 2003 Cris Frutas Ltda Compra 50 Fazenda Shoryu 2003 Agrosol Agricultura de Mossoró Venda 47 Primavera 2003 Jiem Agricola e Comercial Ltda Compra 47 Primavera 2003 Agrosol Agricultura de Mossoró Venda 49 Primavera 2003 Jiem Agricola e Comercial Ltda Compra 49 Primavera 2003 Otani Agropecuária Venda 4,2 Primavera 2003 Cris Frutas Ltda Compra 4,2 Primavera 2003 Jiem Agricola e Comercial Ltda Venda 219,9 Mato Alto 2003 C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo

Export. e Importadora Compra 219,9 Mato Alto

2003 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Venda 80 Primavera

agrícolas, envolvendo apenas uma empresa e uma pessoa física, essa negociação não aparece em destaque.

Page 349: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

2003 Agrosol Agricultura de Mossoró Ltda

Compra 80 Primavera

2003 Agropecuária Tiuma Ltda Compra 76 Baraúna 2003 Agropecuária Tiuma Ltda Compra 76 Baraúna 2003 Cris Frutas Ltda (Masatoshi Otani) Compra 40 Juremal 2003 Universus Agrícola Comercio

Importação e Exportação Ltda Compra 73,5 Sítio Paraguai

2003 Agropecuária Tiuma Ltda Compra 45 Maxixeiro 2003 J. M. Produção e Distribuição de

Frutas Ltda Compra 84 Currais

2004 Agro Safra Agricultura Com.

Importação e Exportação Ltda. Venda 17 Caatingueira

2004 Agro Industrial Sumidouro Ltda. Compra 17 Caatingueira 2004 Nolem Compra 71 Sítio São Romualdo 2004 Nolem Compra 71 Sítio São Romualdo 2004 Agro Safra Agricultura Com.

Importação e Exportação Ltda. Venda 23 Caatingueira

2004 Agro Industrial Sumidouro Ltda Compra 23 Caatingueira 2004 Agroindustrial Sumidouro Ltda Compra 29 Sítio Sumidouro 2004 Agrosafra – Agricultura Com.

Imp. e Exp. Ltda Venda 24 Caatingueira

2004 Agroindustrial Sumidouro Ltda Compra 24 Caatingueira 2004 Otani Agropecuária Ltda Compra 17 Boa Água 2004 Banco do Brasil Venda 58 Três Veredas 2004 Cris Frutas Ltda Compra 58 Três Veredas 2004 Cris Frutas Ltda Venda 58 Três Veredas 2004 Agro Safra Agricultura Com.

Imp. e Exp. Ltda Venda 8 Caatingueira

2004 Agroindustrial Sumidouro Ltda Compra 8 Caatingueira 2004 A. Pereira Sobrinho Veterinários Compra 20 Três Veredas 2004 W. G. Produção e Distribuição de

Frutas Ltda Compra 45 Sitio Lagedo do

Sebo 2004 M. C. Farias Agro-Brazil Compra 57 Fazenda Eldorado 2004 Cris Frutas Ltda Compra 461 Novo Horizonte 2005 Otani Agropecuária Ltda. Compra 495 Poço Perdido 2005 Ctm – Agricola Ltda Compra 21,5 São Francisco ou

Baraúna 2005 E. W. Empreendimentos Agrícola

Ltda. (Otani) Compra 50 Aracaju

2005 E. W. Empreendimentos Agrícola Ltda.

Compra 60 Veneza

2005 Laserdan Agricola Comercial Importadora e Exportadora Ltda

Compra 25 Baixa do Angico

2005 W. G. Produção e Distribuição de Frutas Ltda.

Compra 35,2 Baraúna

2005 E. W. Empreendimento Agrícola Ltda

Compra 39 Sitio Coração

2005 Jiem Agricola e Comercial Ltda Compra 164 Buracos 2006 Tema – Tecnologia Em Máquinas e

Agricultura Comercio e Representações Ltda

Compra 86 Catingueira I

2006 Frutas Novo Horizonte Ltda Compra 45,4 Primavera/Novo Horizonte IV

Page 350: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

2006 Jiem Agrícola Comercial Ltda Compra 38,7 Sítio Buracos 2006 Laserdan Agrícola Comercial

Importação e Exportação Ltda Compra 0,5 Catingueira

2006 Brazil Melon Produção Exportação e Importação Ltda.

Compra 49 Sítio Campestre

2006 Brazil Melon Produção Exportação e Importação Ltda

Compra 14,8 Sítio Campestre

2006 Frutas Novo Horizonte Ltda Compra 39 Mata Burro/Baixa da Aroeira/Fazenda São José

2006 Petroforte Ltda Factoring Venda 307 Poço Perdido 2006 Frutas Novo Horizonte Ltda Compra 22,5 Primavera 2006 Tema – Tecnologia Máquinas e

Agricultura Comercio e Representações Ltda.

Compra 31 Primavera ou Catingueira

2006 Frutas Novo Horizonte Ltda Compra 23 Toca da Raposa ou Novo Horizonte I

2007 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Compra 23,4 Primavera 2007 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Compra 23,5 Primavera 2007 Frutas Novo Horizonte Ltda Compra 45,5 Primavera ou Novo

Horizonte V 2007 Agrosol Agricultura de Mossoró

Ltda Compra 21,6 Lagoa dos Alves

2008 Mata Fresca Ltda

Compra 57,2 São Luís

2008 Agro Safra Agricultura Com Imp. e Exp. Ltda

Venda 167 Santa Lígia

2008 Agroindustrial Sumidouro Ltda Venda 8 Caatingueira 2008 Agroindustrial Sumidouro Ltda Venda 24 Caatingueira 2008 Agrosafra Agricultura Comercio

e Importação e Exportação Ltda Venda 32 Caatingueira

2008 Agristar do Brasil Ltda Compra 32 Caatingueira Fonte: Cartório Único de Baraúna

Ao se observar detidamente o Quadro 64, nota-se a entrada de algumas empresas

agrícolas novas no Município, como a Universus Agricola Comercio Importação e

Exportação Ltda, Nolem (considerada uma das maiores exportadoras de melão do País

essa empresa, com áreas de plantação em torno de 8.000 hectares em vários municípios

no Rio Grande do Norte e no Ceará, tem sua sede em Mossoró), a Agroindustrial

Sumidouro Ltda (empresa de Mossoró), e a Brazil Melon Produção Exportação e

Importação Ltda, W. G. Produção e Distribuição de Frutas Ltda (empresa sediada em

Mossoró) (NOLEM, 2011).

Mas, observando-se o quantitativo das transações durante esse período, nota-se

mais uma vez a predominância dos imigrantes japoneses nas transações de terras.

Responsáveis por 31 das transações durante esse período, os imigrantes japoneses

Page 351: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

continuam a ter cerca de 45% de todas as transações de terras envolvendo empresas

agrícolas no Município.

Em seguida, observar-se-á, durante esse novo período, a evolução fundiária dos

principais grupos japoneses em Baraúna.

História das Terras dos Empresários Japoneses em Baraúna II

Nesse período estudado, observa-se que a história das terras dos japoneses no

município de Baraúna ganha novos contornos com a mudança de perfil dos envolvidos

no processo de compra e venda. Diferentemente da década de 1990, quando a quase

totalidade dos vendedores eram pessoas físicas, na década de 2000 o perfil muda e a

maioria dos vendedores de terras para os japoneses são pessoas jurídicas (ver Quadros

65, 66, 67).

Nessa nova década se consolidam de forma clara três grupos japoneses. O

primeiro é o do Masatoshi Otani, que agora ganha uma nova empresa, a E. W.

Empreendimentos Agrícola Ltda, dirigida por seu parente Alberto Eiji Otani. As

compras dessa empresa estão indicadas no Quadro com a sigla EW em parênteses (ver

Quadro 65).

Parte das recentes compras do grupo de Masatoshi Otani se fixa na área

tradicional de produção do grupo (perto da sede municipal), qual seja: Boa Água,

Primavera, Shoryu e Juremal. A maioria dessas compras é de empresas do próprio

grupo, que passam da Otani Agropecuária para a Cris Frutas, ou do próprio dono

Masatoshi, que vende terras para sua própria empresa (ver Quadro 65).

Outra parte das compras do grupo de Masatoshi é direcionada para terras ao sul

da sede municipal - muitas vezes em terras contínuas às terras adquiridas na Boa Água e

Primavera, chegando até a área de assentamentos, que fica no sul do município. São

principalmente as terras adquiridas na localidade de Veneza, Poço Perdido e Novo

Horizonte. Essas novas terras mais ao sul são todas adquiridas de pessoas físicas e

demonstram o processo de expansão do grupo (ver Quadro 65).

Vale observar, principalmente nas terras adquiridas na mesma localidade, a

variação dos preços, que pode ir de 238,00 o hectare até 714,28 reais, no mesmo ano na

localidade de Primavera, e os baixos preços pagos por hectare nas localidades

compradas pela E. W. Empreendimentos Agrícola Ltda nas localidades mais ao sul do

município de Baraúna (ver Quadro 65).

Page 352: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Quadro 65 - Compra de Terras pelas Empresas de Masatoshi Otani e Alberto Eiji Otani – Cris Frutas, Otani Agropecuária e E. W. Empreendimentos Agrícola Ltda - em Baraúna (entre 2003 a 2008) Ano Vendedor Pessoa

Física Pessoa Jurídica

Área (ha)

Localidade Valor por hectare (em reais)

2003 Guimarães Simão da Silva

X 22 Boa Água 250,00

2003 Otani Agropecuária Ltda

X 33 Boa Água 151,51

2003 Otani Agropecuária Ltda

X 4,2 Primavera 238,00

2003 Otani Agropecuária Ltda

X 9,2 Primavera 434,78

2003 Otani Agropecuária Ltda

X 6,9 Primavera 434,78

2003 Masatoshi Otani X 16,1 Primavera 248,44 2003 Otani Agropecuária

Ltda X 50 Fazenda

Shoryu 280,00

2003 Otani Agropecuária X 4,2 Primavera 714,28 2003 José Paulo de

Oliveira X 40 Juremal 300,00

2004 Geraldo José de Araujo

X 17 Boa Água 235,29

2004 Banco do Brasil X 58 Três Veredas 224,13 2004 Miguel Mendes X 461 Novo

Horizonte 65,07

2005 Francisco Aires Sobrinho

X 495 Poço Perdido -

2005 Pedro Bispo de Meneses (EW)

X 50 Aracajú 110,00

2005 Antonio Aires Queiroz (EW)

X 60 Veneza 200,00

2005 José Alves Ferreira (EW)

X 39 Coração 115,38

Fonte: Cartório Único de Baraúna

O segundo grupo japonês envolvido no mercado de terras de Baraúna é o

chefiado por Junichi Irikita –Agropecuária Nascente e Jiem Agrícola e Comercial Ltda.

Esse grupo, durante o referido período recente, exerce uma prática similar ao do grupo

de Otani: vende terras de uma propriedade sua (a Agropecuária Nascente) para outra

propriedade do próprio grupo ( a Jiem Agrícola), além de comprar terras da empresa

Agrosol Agricultura, de Mossoró.

É interessante notar que, em todas as terras vendidas pela Agrosol para a Jiem

Agrícola, os preços foram menores que os comprados por aquela empresa cinco anos

Page 353: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

antes. Exemplos: A terra de 47 hectares que a Agrosol vendeu em 2003 para a Jiem

Agrícola custou 9.280,00 reais, embora a tenha comprado, em 1998, por 11.000,00

reais. Coisa semelhante aconteceu na terra de 49 hectares vendida pela mesma empresa

em 2003 para a Jiem a 10.000,00 reais, Quando, em 1998, havia-a comprado por

13.000,00.

Pode-se pensar em subvalorização em uma região com intensas compras e

valorização de terras? Muito complicado. Mas, sempre se tem a possibilidade de recuar

nos preços declarados no Cartório para pagar menos taxas e impostos (Ver Quadro 66).

Outro ponto relevante com relação à operação de terras por esse grupo é a

compra de terras contínuas para expandir sua área de produção, assim como ocorre com

o grupo de Otani. As áreas de Primavera, Boa Água e agora as recém-adquiridas terras

na localidade de Buracos (indo em direção ao sudeste de Baraúna) em 2005 e 2006 são

todas áreas contíguas.

Quadro 66 - Compra de Terras pelas Empresas de Junichi Irikita –Agropecuária Nascente e Jiem Agrícola e Comercial Ltda - em Baraúna (entre 2003 e 2008) Ano Vendedor Pessoa

Física Pessoa Jurídica

Área (ha)

Localidade Valor por hectare (em reais)

2003 Agrosol Agricultura de Mossoró

X 35 Boa Água 100,00

2003 Ruth Naoko Irikita X 41 Sumidouro 85,36 2003 Agropecuária

Nascente Ltda X 78,6 Mutamba 152,67

2003 Agropecuária Nascente Ltda

X 51 Primavera 231,37

2003 Agropecuária Nascente Ltda

X 30 Primavera 266,66

2003 Agrosol Agricultura de Mossoró

X 47 Primavera 197,44

2003 Agrosol Agricultura de Mossoró

X 49 Primavera 204,08

2005 Manoel Rodrigues Filho

X 164 Buracos 182,92

2006 Cosme Dantas de Lima

X 38,7 Buracos 300,00

2007 Geraldo José de Araújo

X 23,4 Primavera 512,82

2007 Adonias de Sá Cavalcante

X 23,5 Primavera 510,63

Fonte: Cartório Único de Baraúna

Page 354: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Por fim, tem-se o terceiro grupo de japoneses, chefiadas pela empresa C. Y.

Matsumoto Agrop. Modelo, que comprou poucas terras durante esse período - 100%

delas de pessoas jurídicas, a saber: Curral Veterinária e Jiem Agrícola Comercial,

reforçando sua presença no oeste e sudoeste de Baraúna, na localidade de Mato Alto

(ver Quadro 67).

Quadro 67 - Compra de Terras pela Empresa C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo em Baraúna (entre 2003 e 2008) Ano Vendedor Pessoa

Física Pessoa Jurídica

Área (ha)

Localidade Valor por hectare (em reais)

2003 Curral Veterinária Ltda

X 60 Mato Alto 405,33

2003 Jiem Agrícola e Comercial Ltda

X 219,9 Mato Alto 350,00

Fonte: Cartório Único de Baraúna

Um fato interessante a se notar com as últimas aquisições de terras é a

organização espacial da maioria dos grupos japoneses. Cris Frutas, Jiem Agrícola e

Otani Agropecuária são vizinhos de fazendas, tendo suas terras e a sede de suas

principais fazendas em uma proximidade impressionante (ver foto 6).

Page 355: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Foto 6 - Fazendas dos japoneses em Baraúna (2009)

Fonte: Google Earth (2011). 5.4.2 Impactos das ‘Novas’ Políticas Públicas nas Relações de Trabalho e nas Estatísticas do Trabalho Assalariado

Durante os anos de 2003 a 2008 tem-se um decréscimo da importância da

Agropecuária na geração de empregos assalariados municipais, mas, mesmo assim, esta

ainda continua a gerar a maior parte dos empregos com carteira assinada do Município.

De acordo com o Quadro 68, observa-se que, durante todo o período

pesquisado, essa atividade representou uma média superior a 60% dos empregos de

carteira assalariada em Baraúna, passando longe de todas as outras atividades

econômicas e também da Administração Pública - segundo maior setor gerador de

empregos assalariados municipais -, que teve uma média de geração de empregos

oscilando na faixa de 500 a 600 durante todo o período analisado, enquanto a geração

Otani Agropecuária

Jiem Agrícola

Cris Frutas

Cidade de Baraúna

Page 356: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

do Setor Agropecuário ficou entre 1.500 e 2.100 empregos gerados com carteira

assinada.

Quadro 68 - Baraúna: Vínculos Ativos por Setor de Atividade econômica (2003-2008) Setor 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Extração Mineral 0 0 0 3 4 4 Ind. Transformação

9 12 23 56 79 62

Serv. Indústria 3 3 3 3 3 3 Construção Civil 1 1 2 7 0 2 Comércio 101 90 141 234 230 212 Serviços 38 68 45 102 79 83 Adm. Pública 516 515 536 605 594 564 Agropecuária 2125 1936 1494 1645 1902 1526 Outros/Ignorado 0 0 0 0 0 0 Total 2793 2625 2244 2655 2891 2456 Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho e Emprego (2011)

Com relação ao perfil ocupacional desses empregos, a maioria são trabalhadores

agrícolas da fruticultura irrigada (ver Quadro 69) - cerca de 2/3 de todos os

trabalhadores agrícolas com carteira assinada, com salários muito próximos ao salário

mínimo e remuneração média de 1,28 salários mínimos. Mas as empresas de

fruticultura, além de empregarem trabalhadores desse setor, também empregam outros

trabalhadores que dão suporte ao trabalho com frutas, como técnicos agrícolas,

trabalhadores de apoio à agricultura, trabalhadores da mecanização agrícola, como

descritos no Quadro 69. Quanto maior for a qualificação e a complexidade do trabalho,

maior vai ser a renda auferida pelo trabalhador, como se observa com os trabalhadores

ligados à mecanização e os técnicos agrícolas.

Quadro 69 - Perfil Ocupacional dos Trabalhadores Agropecuários de Baraúna (2008) Perfil Ocupacional Número de

trabalhadores Remuneração média em Salários Mínimos/Dezembro

Técnicos Agrícolas 8 4 Trabalhadores Agropecuários em geral

360 1,27

Trabalhadores de apoio à agricultura

12 1,20

Trabalhadores agrícolas na fruticultura

1019 1,28

Trabalhadores na pecuária de animais de grande porte

0 0

Trabalhadores da mecanização agrícola

65 1,70

Trabalhadores da irrigação e 0 0

Page 357: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

drenagem Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho e Emprego (2011) Assim como a multinacional Del Monte Fresh Produce, as empresas de frutas de

Baraúna têm parking houses e empregam inúmeros trabalhadores em câmaras frias,

setor de embalagem, carga e descarga, cozinheiras, vigias, contadores, engenheiros

agrônomos, dentre outras profissões de suporte a essa atividade econômica.

Com esses dados, nota-se que a fruticultura que ocorre em Baraúna tem uma

característica forte de assalariamento com carteira assinada por tempo determinado,

devido o melão ser uma cultura temporária - geralmente os empregados trabalham de

junho a janeiro ou fevereiro (época da safra) e há empresas que aproveitam alguns

empregados para a época da safrinha de milho (de março a maio).

Ocorre de forma minoritária no Município o processo de terceirização,

utilizando-se de pequenos proprietários. Esse processo, segundo o representante da

EMATER, Francisco Girolando de Freitas, é desenvolvido por um engenheiro

agrônomo chamado

[...] Wilson Galdino da ESAM [nome antigo da UFERSA] [...] ele faz uma rede de terceirização com o pequeno, pra ele exportar como agricultura familiar [...] ele chega pra você que é pequeno diz , bom, eu garanto a sua produção, eu compro a sua produção de mamão e lhe ajudo, lhe forneço semente, lhe forneço adubo, lhe forneço alguma coisa, ele da algum subsidio pra a produção ser minha, eu quero a produção assim assim assim, aceita aceito, ele é um ancora, que faz a exportação em nome de vários pequenos produtores rurais e exporta como agricultura familiar [...]ele terceirizou dentro do município [...]85

Assim como em Ipanguaçu, muitos assentados do INCRA trabalham nas

empresas de fruticultura irrigada. Segundo Francisco Girolando de Freitas

[...] você chega aqui em assentamento, tipo aqui o Rancho de Pereiro, tipo aqui o PA [Projeto de Assentamento] Vitoria, ali os da MAÍSA, eles trabalham muito fora [para as firmas-empresas agrícolas], porque não tem nada, só tem sequeiro e produzindo muito pouco [...]86 (grifos meus).

Indo na mesma direção do representante da EMATER, o Agrônomo Júlio Filho

(ex-representante regional da ONG “Visão Mundial”) observa que

[...] varias pessoas, assentados trabalham nesses projetos [...] como assalariados nesses projetos [empresas agrícolas] isso porque falta infra-estrutura, de um credito, da política agrícola, [...] então, os agricultores familiares não tem condições de ta produzindo nos seus próprios lotes ,dentro dos próprios assentamentos, então vão trabalhar nesses projetos, nesses grandes projetos [...] (grifos meus).

85 Entrevista concedida na EMATER de Baraúna, em 31 de janeiro de 2011. 86 Entrevista concedida na EMATER de Baraúna, em 31 de janeiro de 2011.

Page 358: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Por fim, em entrevista com um dos diretores do Sindicato dos Trabalhadores

Rurais de Baraúna, que também mora e representa o assentamento de Caatingueira em

Baraúna, o senhor Manoel Paulino da Silva87, tem-se mais uma confirmação dessa

realidade que está presente, principalmente, nos assentamentos com menos infra-

estrutura e crédito agrícola. Perguntado se alguém no assentamento que ele representava

trabalhava em alguma empresa de fruticultura irrigada, ele assim se expressou: “[...] os

filhos dos posseiros sim [...] vão de moto mesmo [sem transporte cedido pela

empresa] [...] trabalham mais em Wilson Galdino [empresa de Wilson Galdino – no

Sumidouro] [...] WG [nome da empresa]” (grifos meus).

Um dos principais problemas trabalhistas no Município é citado pelo sindicalista

Manoel Paulino da Silva: a falta de transporte para os trabalhadores até a chegada à

fazenda (local de trabalho). Muitos trabalhadores, do município e dos assentamentos,

têm que se deslocar de bicicleta, a pé ou de moto até o local de trabalho sem nenhuma

ajuda da parte da maioria dos empresários de frutas, que burlam a lei 10.243/01,

referente ao tempo de transporte e ao pagamento de horas intineres, segundo Krein e

Stravinsky (2008, p.383):

O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, passou a não ser mais computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução (grifos meus).

As fazendas de frutas são locais de difícil acesso e não são servidas por

transporte público, sendo necessária a ajuda do empregador. A maioria não ajuda e

burla não só o auxílio-transporte, mas também a contagem do tempo de serviço a partir

da entrada no referido transporte - a chamada hora intinere.

O mesmo se dá com o auxílio-alimentação, que não é pago por nenhuma

empresa - pelo que foi observado em pesquisa de campo nas entrevistas com

trabalhadores, ex-trabalhadores, sindicalistas e assentados.

5.4.3 Impactos das ‘Novas’ Políticas Públicas na Produção Agrícola de Baraúna

87 Entrevista concedida no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Baraúna, em 31 de janeiro de 2011.

Page 359: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Observando a produção agrícola recente de Baraúna, de produtos tradicionais,

geralmente plantados pela agricultura familiar, nota-se que a área colhida tendeu a ficar

muito irregular durante toda a série histórica de 2003 a 2008 (ver Gráfico 65).

O feijão teve uma média de área colhida de 1.000 ha com subidas e descidas no

decorrer dos anos, terminando praticamente como começou a série histórica. Já o milho

oscilou muito mais, devido também à sua plantação nas fazendas de fruticultura irrigada

como safrinha entre os meses de fevereiro e maio, fazendo com que, em alguns anos, se

tivesse uma grande área colhida - como no ano de 2006, em que se colheu quase 8.000

hectares – o que não se manteve, pois encerrou a série histórica um pouco abaixo dos

3.000 hectares. Quanto à mandioca, esta teve uma área plantada muito tímida em 2005 e

2006, desaparecendo no resto da série histórica.

Gráfico 65 - Produção Agrícola de Baraúna (2003 a 2008) – Produtos Tradicionais – Área Colhida (HA)

010002000300040005000600070008000

ÁR

EA

(H

A)

2003 2004 2005 2006 2007 2008

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (2003 A 2008) ÁREA COLHIDA (HA) - PRODUTOS TRADICIONAIS

Feijão

Mandioca

Milho

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)

A produção agrícola de Baraúna voltada para os produtos de mercado começa a

série histórica (de 2003 a 2008) com o predomínio da exportação de grande parte da

área plantada de melão, embora, nos últimos dois anos da referida série histórica, se

note uma queda significativa nessa área, passando de uma média de 3.000 hectares/ano

para cerca de 1.000 hectares. Todavia, mesmo com essa queda significativa, o melão

continuou sendo o produto de mercado com mais área plantada, seguido de perto pelo

mamão, cultura perene, que foi escolhido por muitos agricultores e empresas para

substituir o melão, diante dos seus baixos preços no mercado interno e dos altos custos

de sua produção (ver Gráfico 66).

Page 360: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Já o algodão herbáceo segue uma curva descendente constante, indo de 1.500

hectares em 2003 para menos de 1.000 hectares em 2008. A castanha de caju, por sua

vez, se mantém sempre abaixo dos 500 hectares plantados, muito longe dos records de

área plantada conseguidos durante a década de 1980.

Gráfico 66 - Produção Agrícola de Baraúna (2003 a 2008) – Produtos de Mercado – Área Colhida (HA)

0500

1000150020002500300035004000

ÁR

EA

(H

A)

2003 2004 2005 2006 2007 2008

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (2003 A 2008) ÁREA COLHIDA (HA) - PRODUTOS DE MERCADO

Algodão Herbáceo

Castanha de Caju

Melão

Mamão

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011) Já a quantidade produzida de produtos tradicionais se mantém a taxas muito

baixas no decorrer da série histórica analisada, só se destacando em alguns anos a

produção de milho, que atinge em 2006 mais de 6.000 toneladas produzidas. O feijão

sempre se mantém abaixo de 1.000 toneladas produzidas e a mandioca tem uma

produção insignificante (ver Gráfico 67).

Gráfico 67 - Produção Agrícola de Baraúna (de 2003 a 2008) – Produtos Tradicionais – Quantidade Produzida (T)

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

7000

QU

AN

TID

AD

E (

T)

2003 2004 2005 2006 2007 2008

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (2003 A 2008) QUANTIDADE PRODUZIDA (T) - PRODUTOS TRADICIONAIS

Feijão

Mandioca

Milho

Page 361: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)

Quando se compara a quantidade produzida de produtos de mercado com a

produção tradicional, tem-se uma diferença gigantesca. Mesmo o melão com uma queda

substancial nessa série histórica recente - passando de uma média de 90.000 toneladas

para cerca de 30.000 toneladas -, sua produção ainda é muito maior que o maior pico de

produção do milho, que foi de pouco mais de 6.000 toneladas (ver Gráficos 67 e 68).

Gráfico 68 - Produção Agrícola de Baraúna (2003 a 2008) – Produtos de Mercado – Quantidade Produzida (T)

0

20000

40000

60000

80000

100000

120000

QU

AN

TID

AD

E (

T)

2003 2004 2005 2006 2007 2008

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (2003 A 2008) QUANTIDADE PRODUZIDA (T) - PRODUTOS DE MERCADO

Algodão Herbáceo

Castanha de Caju

Melão

Mamão

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)

Observa-se também o grande destaque para a produção de mamão, que dispara

de quantidades insignificantes até o ano de 2006 para a maior quantidade produzida em

2008 - quase 80.000 toneladas -, um impressionante salto, só justificado pela decepção

com as rendas da principal mercadoria agrícola municipal: o melão.

Procurando-se saber os motivos que levaram a uma mudança para o mamão,

encontrou-se o alto custo da produção do melão como um dos principais motivos.

Francisco Girolando de Freitas, responsável pela EMATER de Baraúna, observa que

[...] o melão quem planta é o grande, o pequeno saiu do melão, custo de produção muito alto e vender barato, ele não tinha contrato pra vender. Porque o plantador de melão daqui primeiro vende a área que vai plantar para poder plantar, ele vai , você compra ai vai fazer contrato, contrato assinado, registrado em cartório [...] se o cara quebrar ele bota na justiça [...] vende para poder plantar [...] os grandes, poucos médios [...]88

88 Entrevista concedida na EMATER de Baraúna, em 31/1/2011.

Page 362: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Observa-se também nesse depoimento de Girolando que os grandes produtores

que vendem a produção para o mercado externo conseguem vendê-la antes de plantar,

com contrato assinado em cartório, gerando assim uma garantia de preço e de compra, o

que não ocorre com os pequenos produtores que abastecem o mercado interno.

Do mesmo jeito, pensam os vizinhos dos japoneses na localidade Boa Água.

Segundo uma vizinha que mora há 19 anos naquela localidade, trabalhando na

agricultura:

[...] nós não temos condições de plantar melão [...] o pequeno plantar melão não conheço nenhum que tenha ido a frente [...] porque pra você vender no mercado interno ele não tem preço, ele só tem preço para o externo, então, só os grandes que têm como exportar, o pequeno não tem, o pequeno geralmente fica no feijão, no milho, na melancia, essa cultura mais barata [...]89

Mas essa queda que atinge o melão nas estatísticas sobre a produção agrícola de

Baraúna não atinge de fato todos os que produzem. De acordo com a Engenheira da

empresa Cris Frutas do imigrante japonês Masatoshi Otani, não houve redução da área

plantada nos últimos anos.

[...] não, a gente aqui sempre trabalhou sempre nessa mesma quantidade, na mesma área plantada, a gente tem conseguido fidelizar os contratos [...] internacionais [...] a gente trabalha também com o mercado nacional Também, mas a base é a exportação, a gente trabalha no mercado nacional indo pra São Paulo, mas geralmente ou no início e no fim da safra, as primeiras áreas que planta em junho e julho vai pro mercado interno e as últimas, agora [fevereiro] vão pro mercado interno também [...]

A explicação então para a queda da produção vem dos produtores que vendem

no mercado interno e são vítimas dos atravessadores. Por todos os lados existem

depoimentos neste sentido.

O Engenheiro Agrícola responsável por uma Associação que planta cebola em

Baraúna faz uma síntese do que aconteceu em 2010 e do que geralmente acontece com

quem produz para o mercado interno e depende de atravessadores, como muitos dos

pequenos e médios produtores.

[...] esse ano nos tivemos prejuízo grande aqui em Baraúna, eu estimo que perdeu-se 4 milhões de reais ai, porque jogamos a cebola toda fora [...] aqui dentro [do assentamento] uns perderam 200.000,00 outros 500,000,00 [...] [...] nós plantamos, produzimos bem e não teve preço e nem teve venda [...] [Tava quanto a saca de 20kg de cebola em 2009?] tava de 25,00. [E esse ano?] [...] 3,00, não compensava nem colher, tem uma

89 Entrevista concedida em residência na localidade de Boa Água, zona rural de Baraúna, em 1/2/2011.

Page 363: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

área ali que vou já passar o trator por cima, que não compensa colher [E custo de produção por saco de 20kg?] 8,00 [...] [...] aqui [em Baraúna] todo mundo perdeu muito esse ano, o melão, o mamão, o mamão o chão ficou amarelo aqui porque não tinha a quem vender, porque tinha demais e banana do mesmo jeito, muita banana no mato ai, muita banana jogada no mato [...]90

Mesmo com queda da produção, a do melão de Baraúna para a exportação

continua se destacando, no âmbito do Estado como uma das maiores exportadoras dessa

fruta em valor, segundo dados da SECEX.

As maiores empresas em exportações entre 1 milhão e 10 milhões de dólares em

2008, em Baraúna, são: C. Y. Matsumoto, Cris Frutas e Jiem Agrícola, todas

pertencentes a imigrantes japoneses (SECRETARIA DE COMÉRCIO EXTERIOR,

2011).

Como se observa no quadro abaixo (ver Quadro 70), Baraúna ainda está entre os

principais municípios produtores de melão do País, apesar da queda da produção nos

últimos anos.

Quadro 70 - Ranking nacional de Produção de Melão por Quantidade Produzida por Município (2008)

Área plantada, área colhida, quantidade produzida e valor da produção da lavoura temporária - Ranking descendente

Variável = Quantidade produzida (Toneladas) Lavoura temporária = Melão

Ano = 2008 # Município

1 Quixeré - CE 78.000 2 Mossoró - RN 56.000 3 Icapuí - CE 45.000

Aracati - CE 30.000 4 Baraúna - RN 30.000

6 Juazeiro - BA 10.440 7 Russas - CE 10.400 8 Floresta - PE 10.000 9 Parazinho - RN 4.400 10 Limoeiro do Norte - CE 4.375 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)

De acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (2011), Baraúna em

2008 participou de forma ativa das exportações brasileiras, tendo como o seu principal

produto de exportação o melão - com mais de 10 milhões de dólares, o que representou

90 Entrevista concedida na Associação de Cebolas, localidade de Primavera, zona rural de Baraúna, em 1/2/2011.

Page 364: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

84,3% das exportações municipais, ficando em segundo lugar a melancia, com 11,5%, e

o mamão, com 3,7%.

Mostra-se, a partir dessas informações, o nível de importância que o melão

continua tendo para o comércio exterior de Baraúna.

Com isto se observa que o estado do Rio Grande do Norte, mesmo com a

diminuição da produção de melão de Baraúna, ainda se mantém como o segundo maior

exportador dessa fruta do Brasil - ficando com mais de 40% de todas as exportações do

País (ver Gráfico 69).

Gráfico 69 - Exportação de Melão no Brasil (2008) por Estados Exportadores.

0

20.000.000

40.000.000

60.000.000

80.000.000

100.000.000

US

$

AP PI CE RN PB PE BA ES SP PR GO

Exportação de Melões no Brasil (2008) Estados Exportadores

US$

Fonte: AliceWeb, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comercio Exterior do Brasil (2011)

Essas exportações seguem principalmente para os mercados europeus, mais

destacamente o Reino Unido e a Holanda, como os maiores consumidores do melão do

Rio Grande do Norte e do Ceará, produzidos quase que exclusivamente na área da

Chapada do Apodi (Ver Figura 8).

Page 365: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Figura 8 - Fluxos de Exportações Brasileiras de Melão para o Mundo (2008)

Fonte: FAOSTAT (2011)

No próximo Capítulo se consolidará uma análise comparativa entre esses dois

municípios exportadores de frutas, que seguem aparentemente dois modelos

diferenciados: um através de uma Multinacional e o outro através de médios produtores

“locais”.

Page 366: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

6 ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE IPANGUAÇU E BARAÚNA

Nesta parte da pesquisa, busca-se fazer uma análise comparativa condensada

entre os dois municípios estudados. A referida análise se deterá em três aspectos (já

analisados nos capítulos anteriores, só que de forma isolada em cada município): a

estrutura fundiária, a partir de dados dos cartórios municipais, entre 1979 e 2008;

estatísticas do trabalho, a partir do banco de dados da RAIS, entre 1985 e 2008,

Ministério do Trabalho e Emprego; relações de trabalho, a partir de entrevistas com

trabalhadores das empresas agrícolas e atores sociais; eixo produtivo, a partir de

estatísticas da produção agrícola municipal fornecidas pelo IBGE, entre 1979 e 2008

(no caso de Ipanguaçu) e 1984 e 2008 (no caso de Baraúna, pela falta de estatísticas

anteriores).

6.1 Análise da Estrutura Fundiária

6.1.1 Transações de Terras por Ano e Hectare

Com relação à estrutura fundiária, tem-se, de maneira clara, uma situação de

diferenças entre os dados encontrados nos Cartórios de Ipanguaçu e Baraúna, devido, na

maioria das vezes, ao processo histórico de formação do mercado de terras e das

intervenções do Governo no mercado de terras da região, seja de forma direta, seja de

forma indireta.

O primeiro dado a se comparar entre os dois Municípios é o movimento do

Cartório através do número de transações de terra por ano e por estrato de terra, seja ela

abaixo de 10 hectares, entre 10 e 100 hectares, seja acima de 100 hectares. Vale lembrar

que esse número é baseado em dados brutos, representando os números reais de

transações cartoriais.

Em Ipanguaçu, foi a partir de 1980, principalmente com o início da construção

da Barragem, que passou a ocorrer um aumento no número de transações de terras,

principalmente naquelas propriedades entre 10 e 100 ha. Entre 1980 e 1987, esse tipo de

propriedade chegou a ter um aumento de negociação da ordem de aproximadamente

100% (Gráfico 70).

Page 367: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Entre 1986 e 1987, tem-se uma nova alta no número de transações de

propriedades entre 10 e 100 ha e as que têm mais de 100 ha, devido à entrada, no

Município, da empresa FINOBRASA, que comprou grande quantidade de terras.

A partir de 1988 até 1992, nota-se uma queda dessas transações em todos os

tipos de propriedade, o que vai refletir o processo de decadência de muitas empresas

que se estabeleceram em Ipanguaçu.

Gráfico 70 - Número de Transações de Terra por Ano e Ha (1979 a 2008).

0

10

20

30

40

50

60

70

mer

o d

e tr

ansa

ções

1979

1981

1983

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

2001

2003

2005

2007

Ano

Número de transações de terra por ano e ha (1979 a 2008) Ipanguaçu

0 a 10 ha

10 a 100 ha

+ 100 ha

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)

O período que se inicia em 1993 e que vai até 2002 vai ser marcado, no que diz

respeito ao número de transações de terra, por uma tendência intensiva a uma

diminuição (ver Gráfico 70), que está claramente associada ao alto grau de concentração

da terra, intensificada, na década de 1980, nas mãos de poucos, com a vinda das

empresas agrícolas. Isto ocasionou esse baixo movimento de transações de terra durante

a década de 1990 e o início do século XXI.

Com a intensificação da compra de terras pela Del Monte Fresh Produce, a

partir de 1998, o quadro do número de transações de terras tende a ficar cada vez mais

insignificante.

A partir de 1998, tem-se uma intensificação da queda no número de transações

de terras, principalmente nas pequenas propriedades abaixo de 10 hectares, que

praticamente não são mais transacionadas a partir desse ano. Isto reflete também o

caráter da compra de terras que a Multinacional Del Monte Fresh Produce vai

empreender no Município - uma compra, em sua maioria, de empresas que já têm

muitos hectares de terras e que, portanto, não altera significativamente o movimento de

transações de terras no Cartório, já que as terras estão concentradas nas mãos de poucos

Page 368: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

e não se precisa recorrer a inúmeras transações com várias pessoas físicas para se

constituir um grande patrimônio fundiário.

Já no período compreendido entre 2003 e 2008, tem-se uma reativação no

movimento de terras no Cartório de Ipanguaçu. Como se observa no Gráfico 70, de área

transacionada por ano e por hectare, no período de 2003 a 2008 observou-se

principalmente nos anos de 2004, 2006 e 2007 um movimento considerável de

transações cartoriais, concentrado principalmente nos anos de 2006 e 2007 em negócios

envolvendo todas as faixas de terras, tendo destaque as pequenas propriedades de 0 a 10

hectares. Esse período foi o mesmo em que ocorreram as maiores compras de terras por

Associações do Programa do Crédito Fundiário (Ver Capítulo 1). Pode-se afirmar que

estas compraram mais pequenas e médias terras com base nesses dados.

É importante notar também que, durante esse período, vão se destacar, dentre as

transações de terras, as compras e as hipotecas com volumes sempre elevados,

transparecendo o caráter mercantil que a terra ganha em Ipanguaçu desde a construção

da Barragem de Açu.

Em Baraúna, percebe-se um perfil diferente de Ipanguaçu, sempre com grande

número de transações de terras em toda a série histórica, principalmente após a

emancipação política em 1981, passando por picos em 1983, 1986, 1993, 1997, 2003,

mas sempre mantendo uma média de transações anuais superiores a 50 por ano,

diferentemente, portanto, de Ipanguaçu, que teve o numero de transações comprometido

pela concentração das terras, principalmente terras de várzea, nas mãos de empresas

agrícolas, notadamente a partir da década de 1990, pela influência da multinacional Del

Monte Fresh Produce. Ipanguaçu só experimenta um movimento de crescimento no

número de transação de terras nos últimos anos devido principalmente ao Programa de

Crédito Fundiário (Ver Capítulo 1).

No decorrer da década de 1980, já com dados da pesquisa do Cartório Único

Judiciário de Baraúna, nota-se, principalmente a partir da emancipação política em

1981, um aumento no número de transações de terras. Esse aumento se configura

principalmente no intervalo entre 10 e 100 ha, consideradas de pequeno e médio porte.

Entre 1983 e 1987 o número de transações anuais sempre é superior a 100. Já

após 1987, tem-se um decréscimo desse número para a média de 50 transações anuais

ou menos (Gráfico 71).

O período de 1993 a 2002 vai marcar a entrada das empresas de fruticultura

irrigada no município de Baraúna. Um grande movimento de transações de terras

Page 369: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

começa a ser sentido a partir do ano de 1993, que destaca mais de 150 transações de

terras só durante esse ano (ver Gráfico 71). O perfil da maioria das transações de terras

do município, durante toda a série histórica analisada, ainda vai ser o das pequenas

propriedades entre 10 e 100 hectares - muito superiores a todos os tipos de transações de

outros perfis (0 a 10 hectares ou mais de 100 hectares).

Gráfico 71 - Número de Transações de Terra por Ano e Ha (1979 a 2008).

0

50

100

150

200

250

300

mer

o d

e tr

ansa

ções

1979

1981

1983

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

2001

2003

2005

2007

Ano

Número de transações de terra por ano e ha (1979 a 2008) Baraúna

0 a 10 ha

10 a 100 ha

+ 100 ha

Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)

No período entre 2003 e 2008, observa-se que o movimento da intervenção de

terras pelo Governo em Baraúna (Crédito Fundiário e Desapropriações) não exerce um

grande impacto no mercado de terras durante esse período, diferentemente de Ipanguaçu

onde facilmente se pode observar a influência das Políticas do Crédito Fundiário

durante esse período (Gráfico 70).

Observando dados sobre o número de transações de terras no Cartório de

Baraúna, nota-se um grande movimento de transações decorrentes em boa parte do

aquecimento da Fruticultura e do Setor de Cimento, principalmente nos anos de 2003 e

2004 - com mais de 100 transações de terras em cada um desses anos, com a

concentração de transações nas propriedades entre 10 a 100 hectares (Gráfico 71).

No resto da série histórica, observa-se um pico em 2006 - com quase 100

transações -, e nos outros anos posteriores, com menos de 80 transações de terras.

É importante notar também que durante esse período, tanto em Baraúna como

em Ipanguaçu, vão se destacar dentre as transações de terras as compras e as hipotecas

com volumes sempre elevados - transparecendo o caráter mercantil que a terra ganha

em Baraúna, desde a sua emancipação política em 1981, e, em Ipanguaçu, desde a

construção da Barragem de Açu em 1979.

Page 370: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

6.1.2. Compra e Venda por Pessoa Jurídica

Com relação à compra e venda por pessoa jurídica, observa-se uma clara

distinção entre Ipanguaçu e Baraúna no decorrer da série histórica em questão.

Ipanguaçu, com concentração de compras por pessoa jurídica na segunda

metade da década de 1980 e pontos isolados na década de 1990 e 2000, enquanto

Baraúna tem concentração de compras por pessoa jurídica nos últimos anos da década

de 1990 e durante a década de 2000. Isto se deve, entre outros fatores, à chegada

antecipada de empresas em Ipanguaçu na década de 1980, logo após a construção da

Barragem de Açu, enquanto em Baraúna essa chegada é mais tardia, consolidando-se

nos últimos anos da década de 1990 e durante a década de 2000.

O processo de capitalização das terras em Ipanguaçu, constituído principalmente

pelo processo de compra e venda, vai dar origem a uma nova conformação na sua

estrutura fundiária. Esta não será mais com o predomínio da pessoa física, dos

agricultores e produtores rurais tradicionais da região, e sim com o predomínio da

pessoa jurídica, das empresas, na sua maioria, empresas agrícolas que não têm origem

em Ipanguaçu. Empresas que vão estar em conformidade com os ditames da Revolução

Verde, da modernização da Agricultura (GUIMARÃES, 1979).

Essa nova estrutura fundiária de caráter empresarial começa a se desenvolver

principalmente durante a construção da Barragem de Açu.

Conforme demonstra o Gráfico 72, a partir de 1982, já perto do final da

construção dessa Barragem, começa a se intensificar o processo de compra e venda

envolvendo as pessoas jurídicas, na sua imensa maioria, empresas agrícolas. Mas, é a

partir de 1986 que vai se consolidar o movimento empresarial em direção a Ipanguaçu,

movimento este que tem como seu ápice justamente o ano de 1986, quando são

negociados mais de 2.000 ha de terra com a participação de pessoas jurídicas, na sua

maior parte empresas rurais, intensificando-se até 1989. Dentre as empresas agrícolas

que entraram em Ipanguaçu nesse período, tem destaque a FINOBRASA, responsável

por mais de 50% das transações envolvendo pessoas jurídicas entre 1985 e 1991. A

partir de 1990, porém, o movimento de transações de compra e venda apresenta uma

queda significativa (Gráfico 72).

Com a chegada dessas empresas, vai se ter um aproveitamento maior das rendas

da terra capitalistas I e II, com o uso intensivo de tecnologias agrícolas, fazendo com

que as rendas em produto (parceria, meia) fiquem de fora do processo de acumulação

Page 371: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

dessas empresas, que se baseiam, na sua maioria, no trabalho assalariado formal. Com

isto, vai se dar de forma definitiva a emergência do meio técnico-científico-

informacional no Município (SANTOS, 1997; SANTOS, 2002a).

Sobre o processo de compra e venda por pessoa jurídica no período entre 1993 e

2002, pode-se observar, no Gráfico 72, que este foi bastante irregular durante a década

de 1990 e o início do século XXI, com muitos altos e baixos.

Esse movimento irregular retrata quase que na sua totalidade o movimento de

compra de terras estabelecido pela Multinacional Del Monte Fresh Produce em

Ipanguaçu.

Segundo o Gráfico 72, 1993 foi um ano com negociações de quase 800 hectares,

bem como o ano em que a Multinacional começa a comprar terras através da sua joint

venture com a “Directivos Agrícola”. Posteriormente, a Empresa Multinacional rompe o

contrato de joint venture com a “Directivos” e resolve ela mesma comprar terras em

Ipanguaçu a partir de 1998. Nota-se com isto que, entre 1994 e 1997, período em que a

Empresa não comprou terras, os negócios entre pessoas jurídicas em Ipanguaçu

praticamente não aconteceram (Gráfico 72).

Já com a volta da Multinacional ao negócio de compra de terras - a partir de

1998 -, continuando a comprar até o final de 2002, percebe-se que o Setor de Compra e

Venda por Pessoa Jurídica se alavanca outra vez e atinge um movimento considerável,

justamente nos anos em que a Multinacional comprou mais terras: os de 1998, 1999 e

2002.

Gráfico 72 - Compra e Venda de Terras por Pessoa Jurídica em Ipanguaçu (1979 a 2008).

0

500

1000

1500

2000

2500

1979

1981

1983

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

2001

2003

2005

2007

COMPRA E VENDA DE TERRAS POR PESSOA JURÍDICA EM IPANGUAÇU (1979 a 2008)

Área - ha

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)

Page 372: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Por fim, entre 2003 e 2008, observa-se que, diferentemente de outros períodos

onde se tinha grande pressão de compras por pessoa jurídica, agora pouco se observa da

atuação de empresas agrícolas no mercado de terras. Em todo o período analisado,

apenas em 2004 houve compra de terras executada por pessoa jurídica. Uma única

empresa comprou terras durante esse período: a multinacional Del Monte Fresh

Produce, que comprou cerca de 500 ha de terras da sua ex-parceira na joint venture de

produção de banana, a “Directivos Agrícola”.

Essa estagnação de compras por pessoa jurídica acontece durante os últimos

anos devido ao monopólio da região da várzea de Ipanguaçu pela multinacional Del

Monte Fresh Produce, que a partir de 1993 compra terras, em sua maioria de empresas

agrícolas estabelecidas preteritamente em área de várzea, reconcentrando-as em suas

mãos. Essa área de várzea é a mais fértil e é a mais apropriada para o desenvolvimento

da fruticultura irrigada.

Em relação à compra e venda de terras por pessoa jurídica em Baraúna, nota-se

um movimento tímido, com pouca representatividade durante o período que vai de 1979

a 1992. Observa-se um movimento de compra após a emancipação política em 1981,

mas esse movimento tem uma média de compras anuais extremamente baixa, ficando

em quase todos os anos da série histórica abaixo dos 100 ha (ver Gráfico 73).

A partir de 1993, tem-se a chegada das empresas de fruticultura irrigada em

Baraúna, em boa parte comandadas por imigrantes japoneses.

Com a chegada dessas empresas, ganham relevo as compras de terras executadas

por pessoas jurídicas no Município. O processo de compras de terras por empresas

começa a ter uma intensidade nunca vista antes - com nível de compras muito superior

ao da década de 1980, em cujos anos as compras por pessoas jurídicas jamais

ultrapassaram os 200 hectares de terras.

Já durante essa segunda série histórica (1993 a 2002), nota-se que, em vários

anos, as compras de terras chegaram a 1.000 ha ou até a mais de 1.000 há, como foi no

ano de 2002 (ver Gráfico 73).

Merece destaque, dentre essas compras, o papel das empresas pertencentes a

imigrantes japoneses, que são responsáveis por cerca de 45% de todo o movimento de

compra e venda por pessoa jurídica em Baraúna durante esse período (de 1993 a 2002).

Foram esses imigrantes que ajudaram significativamente a dinamizar o mercado de

terras de Baraúna e são os maiores responsáveis pela exportação de frutas do Município.

Page 373: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Com esses imigrantes japoneses e empresas de frutas, tem-se em Baraúna a

superação das rendas pré-capitalistas que se configuravam na parceria e a retirada das

rendas capitalistas diferenciais I e II com o auxilio de tecnologias agrícolas que são

implantadas no campo. É a inserção do meio técnico-científico-informacional no

referido Município (SANTOS, 1997, SANTOS, 2002a).

A compra e venda de terras por pessoa jurídica em Baraúna durante o último

período estudado (de 2003 a 2008) continuou forte nos primeiros anos da série histórica,

principalmente nos anos de 2003 e 2004 - com mais de 1.500 hectares de negociações

entre empresas, a maioria ligada à fruticultura irrigada. A partir de 2005, começa a

ocorrer um declínio, que é interrompido em 2008, com compras ligadas na sua maioria à

instalação de um grande grupo de cimento no Município, o Grupo Votorantim, que

comprava terras agressivamente durante o ano de 2008 (ver Gráfico 73).

Gráfico 73 - Compra e Venda de Terras por Pessoa Jurídica em Baraúna (1979 a 2008).

0

500

1000

1500

2000

1979

1981

1983

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

2001

2003

2005

2007

COMPRA E VENDA DE TERRAS POR PESSOA JURÍDICA EM BARAÚNA (1979 A 2008)

Área - ha

Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)

Por fim, nota-se uma dinâmica na compra e venda de terras por pessoa jurídica

em Baraúna que se estabelece em definitivo a partir de 1993 e que vai até o fim da série

histórica (2008), mantendo-se com uma certa regularidade, devido ao grande número de

atores no mercado de terras do Município - a maioria no Setor de Fruticultura Irrigada e,

recentemente, também no Setor de Cimento -, diferentemente de Ipanguaçu, onde boa

parte da área utilizada na fruticultura irrigada está concentrada nas mãos de uma

Corporação Multinacional, paralisando, assim, o mercado de terras voltado para pessoas

jurídicas desde a década de 1990.

Page 374: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

6.1.3. Movimento de Terras com Intervenção do Governo por Área

O Governo teve um papel decisivo, assim como as empresas, na conformação da

estrutura fundiária atual dos dois Municípios. Em Ipanguaçu, atuou de forma intensa,

com as desapropriações do DNOCS para a construção da Barragem de Açu na década

de 1980, além das desapropriações do INCRA, durante a década de 1980, 1990 e

principalmente nos últimos anos. Em Baraúna, a intensidade dessa atuação foi a mesma,

através de doações e venda de terras para posseiros no decorrer da década de 1980 pelo

Governo Estadual, além de desapropriações de inúmeras propriedades pelo INCRA,

durante as décadas de 1980, 1990 e 2000.

Em Ipanguaçu, vale destacar que, entre o período de 1979 e 1992, além do

movimento de compra e venda de terras pelas empresas, que afetou profundamente o

seu mercado de terras, não se pode ignorar o movimento de terras ocasionado pelas

intervenções do Governo (Gráfico 74) - majoritariamente a partir de desapropriações

para o Projeto Baixo-Açu (com exceção única da intervenção de 1987 feita pelo

INCRA).

Nota-se que, entre 1979 e 1984, o Governo, através do DNOCS, desapropriou

cerca de 2.500 ha de terras para o Projeto Baixo-Açu (Construção da Barragem de Açu),

interferindo diretamente em mais de 70 propriedades - a maioria pertencente a pequenos

proprietários.

Já durante o período compreendido entre 1993 e 2002, a intervenção do Governo

no mercado de terras só foi sentida efetivamente no ano de 2002, quando foram

desapropriados pelo INCRA quase 1.500 ha provenientes da antiga “Fazenda Itu” -

considerado o maior latifúndio da região -, que ocupava grandes áreas de tabuleiros e

algumas áreas de várzea (ver Gráfico 74). Afora esse ano, praticamente não houve

intervenção pública no mercado de terras em Ipanguaçu.

Page 375: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 74 - Movimento de Terras com Intervenção do Governo por Área (1979 a 2008)

0

5000

10000

15000

2000019

79

1981

1983

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

2001

2003

2005

2007

Movimento de terras com intervenção do governo por área (1979 a 2008) Ipanguaçu

Área - ha

Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)

Já em 2005, o Governo Federal agiu diretamente no mercado de terras de

Ipanguaçu com a desapropriação de uma ampla área chamada “Fazenda Itu” (18.274 ha)

- considerada a maior área de desapropriação em toda a história das desapropriações do

Município. Essa Fazenda tem algumas áreas de várzea e amplas áreas no tabuleiro com

terras de difícil manejo agrícola. Tal desapropriação vai ser a única e grande intervenção

do Governo, por área, no Município de Ipanguaçu, durante o período que vai de 2003 a

2008 (Gráfico 74).

Vale destacar também que, entre os anos de 2004 e 2007, algumas Associações

conseguiram comprar terras a partir do Programa de Crédito Fundiário, já citado. Essas

compras somam mais de 4.000 hectares de terras durante o referido período.

O Governo também interveio significativamente no mercado de terras de

Baraúna, na década de 1980, só que desta vez de forma diferenciada em relação a

Ipanguaçu: enquanto neste Município o Governo Federal (DNOCS) desalojava dezenas

de famílias para executar as obras da Barragem de Açu, em Baraúna o Governo

Estadual fazia doações e vendas de inúmeras terras - a maioria de pequenas

propriedades - para posseiros já estabelecidos.

O movimento de intervenção do Governo no mercado de terras de Baraúna é

extremamente elevado durante esse período (de 1979 a 1992), chegando a movimentar

mais de 1.500 ha em dois anos da série histórica e estabelecendo uma média anual em

torno de 500 ha/ano ou acima disto - principalmente na primeira metade da década de

1980 e nos anos de 1987, 1990 e 1991 (ver Gráfico 75).

Page 376: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Esse movimento governamental de intervenção em Baraúna vai se dar, como já

mencionado, principalmente pelas doações e vendas de terras por parte do Governo do

Estado do Rio Grande do Norte. Vale lembrar que tal tipo de movimento já era

percebido desde a década de 1960.

Observando-se o perfil das doações e vendas de terras pelo Governo Estadual,

nota-se que 100% destas eram de terras com área abaixo de 100 ha e que a média de

área doada e vendida pelo Governo Estadual era, na maioria das vezes, inferior a 50 ha

por pessoa física, o que se traduz como doações direcionadas a pequenos e médios

proprietários - parte já efetivamente morando na terra como posseiro.

Esse movimento de intervenção do Governo em terras de Baraúna sofreu,

porém, um revês durante a década de 1990, com exceção de 1997, quando houve uma

desapropriação do INCRA de 3.172 hectares de terras. Nos outros anos, a intervenção

do Estado foi baixa - diferentemente da década de 1980, quando o Governo atuava de

forma intensa e periódica no mercado de terras desse Município (Ver Gráfico 75). Vale

lembrar que as atuações ocorridas a partir de 1993, quando se formaram assentamentos,

foram todas relacionadas ao INCRA.

Gráfico 75 - Movimento de Terras com Intervenção do Governo por Área (1979 a 2008)

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

1979

1981

1983

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

2001

2003

2005

2007

Movimento de terras por intervenção do governo por área (1979 a 2008) Baraúna

Área - ha

Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)

Durante a década de 2000, o Governo Federal agiu diretamente no mercado de

terras de Baraúna, com desapropriações feitas pelo INCRA, que em 2005 não chegaram

a 1.000 ha de terras - diferentemente de Ipanguaçu, onde houve uma grande

desapropriação. Essas terras se situavam em sua maioria na localidade de Tiradentes, ao

norte de Baraúna, longe da sede municipal e das principais estradas.

Page 377: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Apesar disto, observa-se a grande quantidade de assentamentos nesse Município

(26 assentamentos) - fruto de uma política de desapropriação que vem se dando no

decorrer de décadas, diferentemente de Ipanguaçu, que tem apenas poucos

assentamentos, oriundos na sua maioria da grande desapropriação da Fazenda Itu, entre

2002 e 2005.

Vale destacar também que, entre os anos de 2001 e 2007, algumas Associações

conseguiram comprar terras a partir do Programa do Banco da Terra (de 2001 a 2002,

durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso) e do Crédito Fundiário (de 2003 a

2007, durante o Governo Lula). Essas compras somam mais de 3.300 hectares de terras

durante o referido período. Tal política pública gerou uma situação análoga à de

Ipanguaçu.

6.2 Estatísticas do Trabalho e Relações de Trabalho

Em relação às estatísticas do trabalho, nota-se que, tanto em Ipanguaçu como em

Baraúna, se tem ao longo da série histórica analisada o predomínio do trabalho

assalariado em função da atividade agrícola assalariada. Esta, por sua vez, é dominada

em grande parte pela atividade da fruticultura nos dois Municípios. A diferença que

existe nas estatísticas é relativa à antecipação de Ipanguaçu devido à chegada, na década

de 1980, de inúmeras empresas agrícolas. Já em Baraúna, como essas empresas só

chegaram ali efetivamente no decorrer da década de 1990, a geração do trabalho

assalariado por carteira assinada se deu em um período posterior ao de Ipanguaçu.

Com base em dados plotados do banco de dados da Relação Anual de

Informações Sociais-RAIS (2011), observa-se, no Gráfico 76, o número de

trabalhadores assalariados por setor de atividade econômica durante o período de 1985 a

2008, no município de Ipanguaçu. Vale lembrar que 1985 foi o ano em que se iniciou a

série estatística da RAIS feita pelo Ministério do Trabalho, o que explica o fato de não

se dispor de dados anteriores a esse período no referido banco de dados.

Observando-se o Gráfico 76, vê-se claramente o aumento da importância do

Setor da Agropecuária na geração de empregos assalariados durante a primeira parte da

série histórica estudada (1985-1992) - passando de um número de 99 empregados

assalariados em 1985, para um pico de 606 em 1989. Esse aumento está vinculado

diretamente à chegada de grandes empresas agrícolas em Ipanguaçu, principalmente

Page 378: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

com o advento da FINOBRASA. Tais empresas vão se utilizar prioritariamente do

trabalho assalariado, renegando métodos tradicionais de parceria que existiam na região.

Com a chegada dessas empresas agrícolas, o Setor Agrícola passa a ser o setor

com o maior número de empregos assalariados do município de Ipanguaçu,

ultrapassando a Indústria de Transformação (principalmente as cerâmicas) - tradicional

fonte de empregos assalariados do Município.

Observa-se no Gráfico 76 que, nos anos de 1989 a 1991, o Setor Agropecuário

vai ser o setor com maior geração de empregos desse Município, chegando a representar

em 1989 e em 1990 mais da metade de todos os empregos de carteira assinada.

Em 1991 e 1992, o quadro se reverte, tanto na geração de empregos assalariados

municipais quanto na de empregos agrícolas. Tem-se uma forte contração do emprego

assalariado, que cai de 1.137, em 1989, para 411, em 1992, agravando assim a situação

do emprego formal no Município. No Setor Agropecuário, por exemplo, o trabalho

assalariado praticamente sumiu em 1992. Era a época em que várias empresas agrícolas

estavam abandonando a produção por problemas econômicos, muitas vezes ligados a

sua não adequação às exigências do Mercado Internacional.

Gráfico 76 - Empregos com Carteira Assinada (1985-2008) – Ipanguaçu

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

2001

2003

2005

2007

Empregos com carteira assinada (1985-2008) Ipanguaçu

Agropecuária

Total Municipal

Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho e Emprego (2011)

A partir de 1993, com a chegada da multinacional Del Monte Fresh Produce em

Ipanguaçu, vai se ter uma explosão na geração de empregos no Setor Agropecuário

Municipal. Essa explosão, como se observa no Gráfico 76, vai multiplicar toda a

geração de empregos assalariados do município.

Com a chegada da multinacional referida, há uma intensificação do trabalho

assalariado permanente. Diferentemente do que existia antes, quando se tinha o sistema

Page 379: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

de parceria nas pequenas propriedades e o sistema de trabalho assalariado temporário

nas grandes.

De acordo com o banco de dados do Ministério de Trabalho sobre o emprego

assalariado em Ipanguaçu (RAIS, MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO

2011), observa-se no Gráfico 76 que, no decorrer da série histórica de 1993 a 2002, o

emprego assalariado no Setor de Agropecuária é o que mais cresce no Município,

assumindo, a partir de 1996, a dianteira frente a todos os setores analisados. Essa

posição se mantém por toda a série histórica, intensificando-se e chegando a representar,

no ano de 2000, cerca de 80% de todos os empregos assalariados de Ipanguaçu - com

1.470 empregados de carteira assinada, de um total geral de 1.797 empregados. Tal

período, principalmente a partir de 1998, é quando a Del Monte Fresh Produce quebra o

contrato com a “Directivos Agrícola” e começa a produzir e comprar terras, ou seja, a

Multinacional revela estar em funcionamento pleno e em crescimento, o que se reflete

diretamente no crescimento do número de trabalhadores assalariados do referido setor.

Desses empregados no Setor Agropecuário, vão se destacar aqueles com carteira

assinada, que estavam descritos como empregados de fruticultura irrigada. Estes

somavam, no ano de 2000, o montante de 706 (RAIS, MINISTÉRIO DO TRABALHO

E EMPREGO 2011). Vale lembrar que, nessa época, existiam duas empresas que

trabalhavam com fruticultura irrigada em Ipanguaçu, a saber: a Finobrasa, com a

exportação de manga, e a Del Monte Fresh Produce, com a exportação da monocultura

de banana.

A multinacional Del Monte Fresh Produce não só empregava assalariados com a

denominação de “trabalhadores de fruticultura”, mas também aqueles que vinham

exercer funções ligadas à agricultura ou ao suporte a esta, que aparecem no Banco de

Dados da RAIS. Entre essas funções, podem-se citar (como já dito no Capítulo 4):

trabalhador agropecuário, guarda de segurança, motoristas de ônibus, caminhões e

automóveis, porteiros, cozinheiras, secretarias e secretárias bilíngues, técnicos de

segurança do trabalho, técnicos de almoxarifado, técnicos de contabilidade, fiscais de

campo para supervisionar a operação nas fazendas, funcionários do parking house,

câmara fria, funcionários ligados à irrigação, técnicos agrícolas, engenheiros

agrônomos, dentre outras.

Durante os anos de 2003 a 2008, tem-se um reforço ainda maior da importância

da Agropecuária na geração de empregos assalariados municipais. Observa-se que,

durante todo o período pesquisado, essa atividade representou uma média de 80% dos

Page 380: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

empregos de carteira assalariada no Município, deixando para trás todas as outras

atividades econômicas e também a Administração Pública - segundo maior setor

gerador de empregos assalariados municipais, que teve uma média de geração de

empregos oscilando na faixa de 300 a 450 durante todo o período analisado, enquanto a

geração do Setor Agropecuário ficou entre 1.600 e 2.100 empregos gerados com carteira

assinada.

Desses empregos assalariados do referido Setor, a grande maioria foi gerada pela

Del Monte Fresh Produce através de suas cinco unidades e da única unidade da

Finobrasa Agroindustrial. Só essas seis unidades geraram 1.770 empregos dos 2.034

empregos do Setor em 2007, demonstrando que, mesmo com os assentamentos e

políticas públicas ligadas ao pequeno e médio proprietário, mantém-se a importância no

mercado assalariado das duas grandes empresas, com destaque para a Del Monte, que

foi a responsável por grande parte da geração dos 1.770 empregos (RAIS,

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO 2011).

Quando se observa o perfil das principais ocupações ligadas aos trabalhadores

do Setor Agropecuário de Ipanguaçu, têm-se: o predomínio de salários baixos e de

trabalhos ligados à fruticultura - característica da multinacional Del Monte Fresh

Produce; muitos trabalhadores no serviço de apoio à agricultura, atuando em parking

houses, câmaras frias, dentre outros empregos; e muitos também com a função de

técnicos agrícolas na supervisão desses trabalhadores e alguns na mecanização agrícola,

irrigação e drenagem, com a ressalva de que os que trabalham com um certo grau de

especialização ganham um pouco mais.

Nos anos 1980, diferentemente de Ipanguaçu, o mercado de trabalho e as

relações de trabalho em Baraúna ainda eram predominantemente sem carteira assinada -

como se pode observar pelos dados da RAIS (MINISTÉRIO DO TRABALHO E

EMPREGO 2011) (Gráfico 77). Em todos os setores de atividades econômicas, está

ausente, durante todo o período que vai de 1985 a 1992, o trabalho assalariado com

carteira assinada.

No Setor Agropecuário, apesar do estabelecimento de algumas poucas empresas

agrícolas, o trabalho assalariado não ocorreu em nenhum momento entre 1985 e 1992.

Pode-se inferir com isto que as relações de trabalho pretéritas que aconteciam

em Baraúna - como a parceria e o jornaleiro ( trabalhador diarista que era recrutado

entre os desocupados e sem-terras do Município e da região) - ainda estavam presentes

Page 381: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

durante a década de 1980, continuando a serem amplamente utilizadas por todos os

proprietários de terras e empresas agrícolas agora estabelecidas em Baraúna.

Com a chegada das empresas de fruticultura nesse Município, a partir de 1993 -

mesma época em que a multinacional Del Monte Fresh Produce chega em Ipanguaçu -,

tem-se o surgimento do trabalho assalariado com carteira assinada no ramo

agropecuário, que antes não constava nas estatísticas do Ministério do Trabalho.

De acordo com o banco de dados do Ministério de Trabalho sobre o emprego

assalariado em Baraúna (RAIS, MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO 2011),

observa-se no Gráfico 77 que, no decorrer da série histórica de 1993 a 2002, o emprego

assalariado no Setor de Agropecuária é o que mais cresce no Município - assumindo, a

partir de 1996, a dianteira, frente a todos os setores analisados. Essa dianteira se

mantém por toda a série histórica, intensificando-se e chegando a representar, no ano de

2002, cerca de 80% de todos os empregos assalariados do Município, com 2.268

empregados de carteira assinada, frente a um total geral de 2.824 empregados. Esse

período é o período em que vão se estabelecendo em Baraúna inúmeras empresas de

fruticultura irrigada para a exportação - boa parte delas controlada por imigrantes

japoneses.

As empresas de fruticultura de Baraúna, assim como acontecia com a

multinacional Del Monte, em Ipanguaçu, também empregavam outros trabalhadores

com inúmeras funções ligadas à agricultura ou ao suporte à agricultura, os quais

aparecem no Banco de Dados da RAIS. Entre essas funções, podem-se citar (como já

dito no Capítulo 5): trabalhador agropecuário, guarda de segurança, motoristas de

caminhões e automóveis, porteiros, cozinheiras, secretarias, técnicos de segurança do

trabalho, técnicos de almoxarifado, técnicos de contabilidade, fiscais de campo para

supervisionar a operação nas fazendas, funcionários do parking house, câmara fria,

funcionários ligados a irrigação, técnicos agrícolas, engenheiros agrônomos, dentre

outras.

Page 382: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 77 - Empregos com Carteira Assinada (1985-2008) – Baraúna

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

2001

2003

2005

2007

Empregos com carteira assinada (1985-2008) Baraúna

Agropecuária

Total Municipal

Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho e Emprego (2011)

Durante os anos de 2003 a 2008, tem-se um decréscimo da importância da

Agropecuária na geração de empregos assalariados municipais, mas, mesmo assim, este

é um setor que ainda continua a gerar a maior parte dos empregos com carteira assinada

do Município.

De acordo com o Gráfico 77, observa-se que, durante todo o período pesquisado,

essa atividade representou uma média superior a 60% dos empregos de carteira

assalariada em Baraúna, superando, e muito, todas as outras atividades econômicas e

também da Administração Pública - segundo maior setor gerador de empregos

assalariados municipais, que teve uma média de geração de empregos oscilando na faixa

de 500 a 600, durante todo o período analisado, enquanto a geração do Setor

Agropecuário ficou entre 1.500 e 2.100 empregos gerados com carteira assinada.

Com esses dados, nota-se que a fruticultura que ocorre em Baraúna tem uma

característica forte de assalariamento com carteira assinada por tempo determinado

devido o melão ser uma cultura temporária. Geralmente os empregados trabalham de

junho a janeiro ou fevereiro (época da safra). Algumas empresas aproveitam alguns

empregados para a época da safrinha de milho (março a maio). Diferentemente da Del

Monte que trabalha com o trabalho assalariado durante todo o ano, devido à banana ser

uma cultura permanente.

A partir desses dados, observa-se que, nos dois Municípios, a fruticultura

irrigada praticada por empresas agrícolas para a exportação passa a gerar boa parte dos

empregos assalariados municipais nas últimas duas décadas, sendo determinante para a

ocupação com carteira assinada e contribuindo para uma taxa de assalariamento maior

Page 383: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

na agricultura. Isto é de fundamental relevância, já que, segundo Buainain e Dedecca

(2008), a taxa de assalariamento da agricultura brasileira era de 29%, sinalizando a

extensão limitada desta forma de relação de trabalho no Brasil.

Com relação às relações de trabalho, nota-se, com base em entrevistas com

trabalhadores, presidentes de sindicatos, representantes da EMATER e secretários

municipais de Agricultura, uma diferenciação entre os trabalhadores de alta e baixa

qualificação, tanto no caso de Ipanguaçu como em Baraúna, indo de encontro às idéias

de Castells (2002), Antunes (2005) e Cavalcanti (1999).

Em Ipanguaçu, a multinacional Del Monte Fresh Produce faz essa diferenciação

de forma explicita e institucional, a partir dos benefícios que são dados para uma

determinada classe e omitidos para as outras. Um exemplo disto é a alimentação no

trabalho. Enquanto os trabalhadores sem qualificação têm que trazer sua ‘boia fria’ de

casa, os que são fiscais de campo e os do Setor Administrativo recebem ‘quentinhas’. Já

os engenheiros agrônomos recebem alimentação a partir da cozinha instalada na própria

empresa. Em Baraúna essa diferenciação vem de forma implícita pelo que foi analisado

(na empresa Cris Frutas, de propriedade de um imigrante japonês). Vem na forma de

‘agrados’ pelo empresário que administra a fazenda. Esses agrados são gratificações

dadas ao corpo técnico e administrativo em determinadas épocas do ano. Já para os

trabalhadores de baixa qualificação, não se tem esses ‘agrados’.

Nota-se também que as relações de trabalho em torno do patrão são

diferenciadas entre a multinacional Del Monte (Ipanguaçu) e a empresa Cris Frutas

(Baraúna).

No caso da Multinacional, tem-se um anonimato e um senso de distância em

relação aos donos, envolvidos às vezes em uma aura de mistério, principalmente pelos

empregados de baixa qualificação, que não sabem bem quem é quem, nem quem

comanda a empresa e nem onde essa pessoa mora. As relações são estritamente

profissionais, existindo uma hierarquia de comando que percorre funcionários técnicos

– engenheiros agrônomos - nacionais e estrangeiros.

Já com a Cris Frutas, todos se comunicam com o dono quando necessário - o sr.

Masatoshi está na boca dos empregados sempre, percebendo-se, pela versão dos de

baixa qualificação, que ele é um bom patrão, sempre disposto a ajudar de alguma forma

a seu funcionário. A hierarquia técnica de comando efetivamente não existe na Cris

Frutas, apesar de essa Empresa ter engenheiro agrônomo e fiscais de campo - todos no

fim se dirigem ao Masatoshi, como se ele fosse ao final das contas quem devesse dar a

Page 384: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

palavra final sobre todos os assuntos. Isto demonstra a relação de proximidade e

informalidade que muitas vezes existe entre patrão e empregado, em Baraúna (Cris

Frutas), e a inexistência desse tipo de relacionamento em Ipanguaçu (Del Monte).

Em relação às leis do trabalho, foram constatadas em ambos os Municípios,

denúncias sobre métodos de trabalho que não seguem a legislação trabalhista em vigor.

Dentre estas, destaca-se a denúncia, em Ipanguaçu, sobre a “folha branca” (horas extras,

anotadas em folhas, que não foram pagas), adotada pelo presidente do Sindicado dos

Trabalhadores Rurais de Ipanguaçu. Também nesse Município, apesar do transporte

fornecido pela empresa multinacional, não existe a contabilização das horas intineres

(horas de trabalho contadas a partir do momento em que o funcionário entra no

transporte), em flagrante desrespeito à legislação trabalhista. Uma outra denúncia em

Ipanguaçu diz respeito à sobrecarga de trabalho nas empacotadeiras, dentre outras.

Em Baraúna, foi notado também um desrespeito à legislação laboral,

principalmente quando com relação à questão do transporte para o local de trabalho,

além de denúncias sobre várias empresas que não transportam seus funcionários,

deixando-os vir a pé para as fazendas, num percurso de vários quilômetros, ou de

bicicleta ou moto Outras denúncias foram feitas por trabalhadoras e ex-trabalhadoras de

empresas de fruticultura que não são voltadas para a exportação e, portanto, não seguem

os protocolos de certificação internacional que prezam pelas relações de trabalho.

Afirmam elas que tais empresas adotam um excesso de horas extras - o que não é

diferente da realidade no resto do País, onde a sobrejornada afetou quase 60% dos

assalariados agrícolas permanentes e quase 40% dos assalariados agrícolas temporários

em 2006, de acordo com dados da PNAD/IBGE (KREIN; STRAVINSKI, 2008).

Em relação aos trabalhadores assentados do INCRA, nota-se, nos dois

Municípios, a inserção de assentados no trabalho das empresas de fruticultura irrigada.

Muitos são levados, inclusive, a grandes distâncias, como no caso da Del Monte Fresh

Produce, que chega a levar assentados do assentamento “Picada”, em Ipanguaçu, para

trabalhar durante a semana na unidade da Del Monte do Ceará.

Foi relatado que os ônibus que levavam os trabalhadores da Multinacional

tinham rotas dentro dos assentamentos de Ipanguaçu. Em Baraúna, por sua vez, foi

relatado que alguns assentados do assentamento “Caatingueira” trabalhavam em

empresas de fruticultura no Município, mas que essas empresas não disponibilizavam

transporte para tal, fazendo com que muitos assentados se locomovessem de bicicleta ou

Page 385: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

rachando a gasolina de uma moto com outro companheiro - em flagrante desrespeito à

legislação laboral.

6.3 Eixo Produtivo

Com relação ao eixo produtivo, tanto Ipanguaçu quanto Baraúna, ao longo da

série histórica, que vai da década de 1980 até os anos 2000, passaram por mudanças

radicais na sua base produtiva agrícola.

A partir da análise dos dados da Produção Agrícola Municipal do IBGE,

colocando em destaque produtos tradicionais (e de subsistência) e produtos

direcionados ao mercado, passar-se-á à análise dessas mudanças da sua base de

produção agrícola e das semelhanças e diferenças entre os dois Municípios.

6.3.1. Produção Agrícola - Produtos Tradicionais – Área Colhida

Ipanguaçu

Com o início da instalação de empresas agrícolas no município de Ipanguaçu

(que começa a ocorrer no final da construção da Barragem de Açu e se intensifica logo

depois da construção), começa a haver um processo de mudança estrutural na produção

agrícola municipal, no qual vai se destacar a cotonicultura para o mercado interno, em

um primeiro momento, e depois vai se firmar a fruticultura irrigada, como produção

emergente, voltada para o mercado interno e externo.

Esse processo de mudança na produção agrícola de Ipanguaçu vai ser danoso

para os produtos tradicionais e de subsistência, pois alguns vão perder espaço para a

fruticultura irrigada.

Para se entender melhor esse processo de mudança da produção agrícola de

Ipanguaçu, vai-se proceder à análise do desempenho de seis produtos agrícolas durante

o processo de inserção das empresas agrícolas no Município, a saber: desses produtos,

três são tradicionais e de subsistência, bastante utilizados até então naquele Município

(o feijão, o milho e a batata-doce), e os outros três (o algodão herbáceo, a banana e a

manga) são produtos voltados para o mercado interno e externo.

Analisar-se-á agora a área plantada de cada produto e a quantidade de sua

produção.

Page 386: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Para isto, foram utilizados os dados da Produção Agrícola Municipal (PAM) do

IBGE, durante o período que vai do início da construção da Barragem de Açu (1979) até

o ano de 1992 (excetuando-se o ano de 1983, quando não houve registro no IBGE da

Produção Agrícola Municipal). Segue-se, assim, o mesmo período de tempo da análise

realizada sobre as mudanças fundiárias.

Antes da entrada das empresas, tinha-se uma grande produção agrícola no

Município de produtos tradicionais e de subsistência. A partir do início da construção da

Barragem, observa-se, conforme dados do Gráfico 78, uma depressão na área colhida da

produção tradicional. Depois desse início, constata-se uma queda contínua na área de

plantio da batata-doce, começando no ano de 1982 e se acentuando depois do final da

construção da Barragem e da chegada das empresas agrícolas. Em 1992, a área colhida

dessa cultura foi de apenas 71 ha.

Já com relação ao feijão e ao milho, suas áreas plantadas se mantiveram de

forma irregular durante todo o período analisado. Vale lembrar que algumas empresas

agrícolas de Ipanguaçu, como a FINOBRASA, utilizaram tanto o milho quanto o feijão

na agricultura irrigada. Mas, analisando-se com mais detalhes o Gráfico 78, observa-se

um relativo decréscimo, depois de 1981, tanto do feijão quanto do milho, em relação à

área colhida. Decréscimo este que se aprofunda nos anos de 1985 a 1987, quando

entravam muitas empresas em Ipanguaçu. Depois, entre 1988 e 1992, tem-se uma área

colhida maior de feijão, embora irregular, se levar em conta o início do período um

pouco mais curto. Já o milho mantém uma área colhida maior, chegando a ultrapassar

em alguns anos o feijão. Porém, tanto em um quanto em outro, a área colhida tende a se

reduzir com o passar da década de 1980 - fruto da capitalização da terra no Município e

seu uso para a agricultura de mercado.

Com a chegada e a compra de mais de 2.000 ha de terras pela multinacional Del

Monte Fresh Produce só na área de várzea de Ipanguaçu a partir da década de 1990,

observa-se uma intensificação da produção de banana no Município e como

consequência uma mudança no eixo da produção agrícola municipal, com a continuação

da desvalorização de alguns produtos tradicionais e de subsistência e com a valorização

da produção daquela fruta e de outros produtos voltados para o mercado externo.

No Gráfico 78, já se observa uma irregularidade na área colhida de produtos

tradicionais da agricultura municipal. A batata-doce, que em anos anteriores tinha uma

grande área plantada, viu essa área praticamente desaparecer depois de 1997, com a

intensificação de compra de terras pela Multinacional. Já a área colhida de milho, assim

Page 387: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

como a de feijão, oscilou muito durante o período estudado, indo de cerca de 800 ha de

área plantada em 1996 a praticamente zero em 1998. Nota-se, depois de 1997, uma

relativa redução da área plantada dos dois produtos, com um aumento significativo em

2002.

Observando-se a produção agrícola recente de Ipanguaçu de produtos

tradicionais, geralmente plantados historicamente pela agricultura familiar, percebe-se

que a área colhida tendeu a diminuir, principalmente nos últimos anos da série histórica

de 2003 a 2008 (ver Gráfico 78). O feijão apresentou uma redução de cerca de 50% da

área colhida entre 2003 e 2008; já o milho teve uma redução semelhante, passando de

cerca de 600 hectares de área colhida em 2003 para cerca de 300 ha de área colhida em

2008. A batata-doce, por sua vez, que respondia historicamente sempre a uma área

colhida de relevância, praticamente sumiu em termos desse tipo de área.

Com tais dados, pode-se inferir que, apesar dos recentes assentamentos do

INCRA e da difusão em massa do Crédito Fundiário no Município a partir de

Associações, não se tem aparentemente o reflexo dessas políticas na produção de

produtos tradicionais, que eram geralmente plantados pela pequena agricultura

municipal.

Gráfico 78 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1979 a 2008) – Produtos Tradicionais – Área Colhida (HA)

0200400600800

10001200140016001800

ÁR

EA

(H

A)

1979

1981

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

2006

2008

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1979 A 2008) - ÁREA COLHIDA (HA) - PRODUTOS TRADICIONAIS

Feijão

Milho

Batata-doce

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1980, 1981, 1982, 1983, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)

Page 388: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Baraúna

A partir de 1984, o IBGE começa a sistematizar dados sobre a produção agrícola

do recém-criado município de Baraúna, já se identificando, assim, uma tendência

produtiva dos principais produtos tradicionais (ou de subsistência) e de mercado.

Entre os principais produtos tradicionais do Município se destacavam três em

produção e área plantada, a saber: milho, feijão e mandioca.

Com base no Gráfico 79, observa-se a área plantada desses produtos no decorrer

da primeira parte da série histórica, que se inicia com os primeiros dados do IBGE em

1984 e vai até 1992. Nesse período, o produto tradicional que tem a maior área plantada

é o milho, que em alguns anos chega a ultrapassar os 10.000 ha de área plantada,

mantendo uma média anual sempre superior a 5.000 ha plantados, com a exceção de

dois anos: 1990 e 1991. Logo após o milho, tem-se como o segundo produto com maior

área plantada no Município o feijão, que segue o mesmo padrão de crescimento e

decréscimo do milho em toda a série histórica, chegando em alguns momentos a

ultrapassar a área de 6.000 ha, mas mantendo uma média de 4.000 ha na referida série,

com exceção, assim como o milho, de dois anos: 1990 e 1991. A área plantada de

mandioca foi a terceira do Município, embora com pouca relevância, nunca

ultrapassando os 400 ha anuais.

Em relação à produção agrícola da década de 1990, a chegada das empresas de

fruticultura irrigada, principalmente empresas de imigrantes japoneses voltadas para a

exportação, mudou a cara da produção agrícola de Baraúna a partir de 1993,

estabelecendo um novo eixo produtivo local.

Como se observa no Gráfico 79, a área colhida de produtos tradicionais dos três

mais significantes produtos da década de 1980 tendeu a cair nessa nova série temporal,

com exceção do milho, que sempre manteve uma média de 6.000 ha de área colhida

durante a série histórica que vai de 1993 até 2002, exceptuando o ano de 1993, quando

não se teve produção alguma, e os anos de 1998 e 1999, que teve uma grande redução

de área colhida. Já o feijão, nessa série temporal, passou por uma redução de sua área

colhida: em 1994, esta chegou a apresentar 4.000 hectares, acabando em 2002 com

pouco mais de 1.000 hectares, o que representou uma profunda redução da área referida

- cerca de 75% -, salientando-se que, assim como o milho, nos anos de 1993 e 1998

praticamente sumiu a área colhida do feijão. Com relação à mandioca, definitivamente

esse tubérculo saiu do eixo produtivo nessa nova série temporal, não tendo nenhuma

área colhida durante período em foco.

Page 389: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Observando-se a produção agrícola recente de Baraúna de produtos tradicionais,

geralmente plantados pela agricultura familiar, nota-se que a área colhida tendeu a ficar

muito irregular durante toda a série histórica de 2003 a 2008 (ver Gráfico 79). O feijão

teve uma média de área colhida de 1.000 ha, com subidas e descidas no decorrer dos

anos, terminando praticamente como começou a série histórica. Já o milho oscilou

muito mais, devido também à sua plantação nas fazendas de fruticultura irrigada como

safrinha, entre os meses de fevereiro e maio, fazendo com que, em alguns anos, essa

cultura viesse a ter uma grande área colhida, como no ano de 2006 em que se colheu

quase 8.000 hectares. Mas tal cultura encerra a série histórica um pouco abaixo dos

3.000 hectares. Por fim, a mandioca, que teve uma área plantada muito tímida em 2005

e 2006, desaparecendo no resto da série histórica.

Gráfico 79 - Produção Agrícola de Baraúna (1984 a 2008) – Produtos Tradicionais– Área Colhida (HA)

0

2000

4000

6000

8000

10000

12000

ÁR

EA

(H

A)

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

2006

2008

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1984 A 2008) ÁREA COLHIDA (HA) - PRODUTOS TRADICIONAIS

Feijão

Mandioca

Milho

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)

Comparando-se os dois Municípios, observa-se que em ambos a área colhida de

produtos tradicionais tendeu a cair no decorrer das séries históricas analisadas. A

diferença é que ela cai primeiro em Ipanguaçu (década de 1980) e depois em Baraúna

(década de 1990). Em todas as duas áreas, tem-se a diminuição de importância das

culturas tradicionais, com exceção do milho em Baraúna, porque essa cultura passa a ser

utilizada como safrinha (de fevereiro a maio) pelos agentes da fruticultura irrigada, que

naquele Município é sazonal (de junho a janeiro).

6.3.2. Produção Agrícola– Produtos de Mercado – Área Colhida

Page 390: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Ipanguaçu

O início da construção da Barragem marcou, para os produtos de mercado, o

começo de um processo de crescimento da área colhida, como se pode ver no Gráfico

80. Esse crescimento vai ser progressivo para a banana e a manga, principalmente no

final da década de 1980 e início da de 1990, com a consolidação das empresas de

fruticultura na área. Como exemplo de tal crescimento no referido período, destacam-se

a banana, que, entre 1987 e 1992, cresceu mais de 50% (a área era de 118 e foi para 185

ha) e principalmente a manga, cuja área colhida cresceu, entre 1989 e 1992, mais de

1.000% (a área era de 23 e foi para 335 ha). Já a área do algodão herbáceo vai oscilar de

forma muito brusca durante os anos posteriores à inauguração da Barragem de Açu.

Em um primeiro momento, a área colhida desse algodão vai subir de menos de

500 ha para mais de 1.500 ha e depois fica oscilando entre aproximadamente 400 ha a

1.500 ha até o final da década de 1980 e início da de 1990, quando começa a perder

fôlego para a fruticultura, também por causa da “praga do bicudo” e da liberalização

comercial.

Com relação à área colhida dos produtos de mercado, nota-se, durante a década

de 1990 e início do século XXI (Gráfico 80), um aumento dessa área no que se refere à

manga e principalmente à banana, que passa a ser produzida pela multinacional Del

Monte Fresh Produce. Nota-se também uma pequena diminuição da área relativa ao

algodão herbáceo. Com relação à manga, a área colhida passou de menos de 400 ha, no

ano de 1993, para mais de 500 ha, no ano de 2002. Já com relação à banana, o aumento

foi muito maior, passando de menos de 200 ha, em 1993, para mais de 1.000 ha, no ano

de 2002, ou seja, mais de 400% de aumento de área plantada. Aumento este que se

intensifica depois das compras de terras feitas pela Multinacional entre 1998 e 2002.

Com relação à área colhida entre os anos de 2003 e 2008 (Gráfico 80), percebe-

se uma tendência à manutenção da área de produtos voltados para o mercado, como o

algodão herbáceo, mas principalmente os quase que exclusivamente voltados para o

mercado externo, como a manga e a monocultura de banana da multinacional Del Monte

Fresh Produce. Observa-se, no entanto, que no ano de 2008 vai se ter um grande

desastre na região, com a inundação de amplas áreas de várzea pela cheia do rio

Piranhas-Açu, que se encontrava então bastante assoreado. Isto vai fazer com que

amplas áreas de várzea da Multinacional fiquem debaixo da água, gerando uma perda

enorme na área colhida de banana no ano de 2008.

Page 391: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 80 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1979 a 2008) – Produtos de Mercado – Área Colhida (HA)

0200400600800

10001200140016001800

ÁR

EA

(H

A)

1979

1981

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

2006

2008

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1979 A 2008) - ÁREA COLHIDA (HA) - PRODUTOS DE MERCADO

Algodão Herbáceo

Banana

Manga

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1980, 1981, 1982, 1983, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)

Baraúna

Com relação aos produtos voltados para o mercado, tem-se o predomínio em

Baraúna de dois no decorrer da década de 1980. São eles: a castanha de caju e o algodão

herbáceo.

Como se observa no Gráfico 81, a castanha de caju mantém uma área plantada

sempre superior a 10.000 ha em todos os anos da série histórica, chegando até o pico de

quase 14.000 ha de área plantada entre os anos de 1984 e 1988. Entre 1989 e 1992, a

área plantada de castanha de caju cai um pouco, embora se mantenha no patamar de

11.000 ha anuais. Essa cultura comercial se consagra como a principal cultura de

Baraúna nesse período, superando todas as outras comerciais e também todas as culturas

tradicionais. Em segundo lugar, aparece a cultura do algodão herbáceo, com sua área

plantada flutuando muito - indo de cerca de 8.000 ha em 1984 até cerca de 3.000 ha em

alguns anos, como 1988 e 1989, até chegar a não ter área plantada em 1987 e 1990.

Mesmo assim, Baraúna chega em 1992 com uma área plantada de algodão herbáceo

significativa - 6.000 ha -, configurando-se como a maior área plantada desse algodão no

estado do Rio Grande do Norte. Como observado antes, o algodão já vinha sendo

plantado na região de Baraúna há muitas décadas, chegando a ter grande

representatividade agrícola no passado.

Page 392: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

A área plantada de frutas era muito pequena, quase insignificante. As principais

frutas plantadas atualmente em Baraúna não tinham espaço na década de 1980: o melão

não era plantado e o mamão tinha como área plantada apenas uma média de 9 ha.

Com relação à área colhida dos principais produtos de mercado durante a década

de 1990, tem-se uma transição clara entre o algodão herbáceo e a castanha de caju, de

um lado, e ,de outro, o melão. Durante toda a série histórica se nota o declínio da maior

área colhida de produtos de mercado do Município: a da castanha de caju. Essa área

representava em 1993 quase 12.000 hectares de terras (ver Gráfico 81).

No decorrer da série histórica, tal área colhida míngua significativamente,

principalmente após 1998, terminando a década com apenas 400 hectares - uma redução

de mais de 95% em relação à de 1993. De forma similar, mas com maiores oscilações

no decorrer da série temporal, comporta-se o algodão herbáceo, que tinha uma área

colhida em 1994 em torno de 6.000 hectares, começando a perder terreno em 1996, o

que resultou numa redução muito significativa em 1998, quando quase desaparece,

terminando o ano de 2002 com menos de 2.000 hectares de área colhida - uma redução

de 60% em relação a 1994.

De forma inversa ocorre com o melão - que tinha uma área colhida insignificante

até o ano de 1998, quando começa a ter representatividade, chegando, no ano seguinte, a

ultrapassar a área colhida de castanha de caju e de algodão herbáceo, consolidando-se

assim, nos anos de 2001 e 2002, como produto com maior área colhida, dentre os

principais produtos de mercado apresentados: quase 4.000 hectares. O mamão começa a

ter algum destaque em área colhida a partir de 2001, mas ainda com pouco significado

frente aos outros produtos de mercado.

A produção agrícola de Baraúna voltada para os produtos de mercado começa a

série histórica (de 2003 a 2008) com o predomínio da área plantada de melão, voltado

em grande parte para a exportação. Mas, nos últimos dois anos da referida série, nota-se

uma queda significativa na área dessa cultura - passando de uma media de 3.000

hectares ano para cerca de 1.000 hectares. Todavia, mesmo com essa queda

significativa, o melão ainda é o produto de mercado com a maior área plantada, sendo

seguido de perto pelo mamão, cultura perene, que foi escolhido por muitos agricultores

e empresas para substituir o melão, diante dos baixos preços deste no mercado interno e

dos altos custos de produção (ver Gráfico 81).

Já o algodão herbáceo segue uma curva descendente constante, indo de 1.500

hectares em 2003 para menos de 1.000 hectares em 2008. A castanha de caju se mantém

Page 393: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

sempre abaixo dos 500 hectares plantados - muito longe dos recordes de área plantada

conseguidos durante a década de 1980.

Gráfico 81 - Produção Agrícola de Baraúna (1984 a 2008) – Produtos de Mercado – Área Colhida (HA)

02000400060008000

10000120001400016000

ÁR

EA

(H

A)

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

2006

2008

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1984 A 2008) ÁREA COLHIDA (HA) - PRODUTOS DE MERCADO

Algodão Herbáceo

Castanha de Caju

Melão

Mamão

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011) A partir desses dados, observa-se que tanto Ipanguaçu quanto Baraúna mudaram

seu eixo produtivo de produtos de mercado entre as décadas de 1980 e 2000, passando

ambos de uma agricultura de mercado baseada no algodão herbáceo e/ou na castanha de

caju para uma baseada em frutas - banana, melão e mamão -, voltada em boa parte para

a exportação e sendo controlada pelo capital multinacional, no caso de Ipanguaçu, e por

imigrantes japoneses e alguns capitalistas nacionais, no caso de Baraúna.

6.3.3 Produção Agrícola– Produtos Tradicionais – Quantidade Produzida

Ipanguaçu Em relação à quantidade produzida das culturas tradicionais de Ipanguaçu,

durante o período de 1979 a 1992, tem-se um significativo decréscimo (Gráfico 82),

principalmente no que se refere à produção de batata-doce, que, assim como sua área

colhida, recuou muito logo depois do início da construção da Barragem, continuando a

recuar durante todo o período analisado: de uma produção de mais de 3.000 toneladas,

em 1981, para uma inferior a 500 toneladas, no ano de 1992.

Em relação ao feijão e ao milho, tem-se uma contradição entre as áreas colhidas

e as quantidades produzidas, sendo aquelas muito superiores a estas - o que chega a

Page 394: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

refletir, em alguns casos, a baixa taxa de rendimento kg/ha nessas culturas. Nota-se que

quase sempre tanto o milho quanto o feijão apresenta uma quantidade produzida inferior

a 500 toneladas - oscilando quase sempre entre 500 e quase zero toneladas.

Em relação à quantidade produzida de culturas tradicionais e de subsistência no

decorrer da década de 1990 e início do século XXI, observa-se uma queda gradativa da

batata-doce e do feijão. Quanto ao milho, no ano de 2002 ocorre um aumento

significativo na quantidade de sua produção. A batata-doce, por sua vez, com exceção

do ano de 1996, seguiu uma trajetória de decréscimo, até chegar em 2002 com uma

produção quase insignificante. O mesmo se deu com o feijão no decorrer de todo o

período, chegando a uma produção quase insignificante em 2003 (Gráfico 82).

No que diz respeito à quantidade produzida do mesmo tipo de cultura durante a

série histórica de 2003 a 2008, verifica-se no Gráfico 82 que a produção tradicional de

milho, feijão e batata-doce praticamente desapareceu durante esse período, refletindo,

assim, inúmeras questões, como o desinteresse por plantar os produtos tradicionais, a

falta de infraestrutura nos assentamentos implantados durante esse período em

Ipanguaçu e, principalmente, o alto custo de insumos, isto sem falar na volatilidade dos

preços apresentados pelos atravessadores por ocasião da compra dos produtos agrícolas,

apesar da terra, principalmente na área de várzea, ser muito fértil.

Gráfico 82 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1979 a 2008) – Produtos Tradicionais – Quantidade Produzida (T)

0500

1000

15002000

2500

3000

3500

QU

AN

TID

AD

E (

T)

1979

1981

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

2006

2008

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1979 A 2008) - QUANTIDADE PRODUZIDA (T) - PRODUTOS TRADICIONAIS

Feijão

Milho

Batata-doce

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1980, 1981, 1982, 1983, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)

Page 395: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Baraúna

Em relação à quantidade produzida das culturas tradicionais entre 1984 e 1992,

em Baraúna, nota-se uma grande irregularidade dos principais produtos no decorrer

dessa série histórica. Tal irregularidade é atribuída ao regime climático, já que estas são

culturas que não se utilizavam de irrigação - observa-se, no Gráfico 83, que a variação

da produção de milho, por exemplo, era muito significativa: de quase 6.000 toneladas

produzidas em 1984 até praticamente não ter produção nos anos de 1987 e 1990. Na

maioria dos anos da série, a produção dessa cultura se mantém por volta de 1.000

toneladas produzidas.

A cultura do feijão segue exatamente a mesma tendência do milho: o ano de

1984 foi um ano de pico, com a maior produção da série histórica - quase 3.000

toneladas -, mas, assim como o milho, o feijão praticamente não teve produção nos

mesmos citados anos: 1987 e 1990. Repetindo a tendência do milho, na maioria dos

anos a produção de feijão se mantém por volta de 1.000 toneladas produzidas.

Já a produção de mandioca pouco oscila, mantendo-se sempre abaixo de 400

toneladas produzidas ao ano, no decorrer da série histórica, apresentando, porém, uma

tendência a diminuir ainda mais sua produção nos primeiros anos da década de 1990.

Entre 1993 e 2002 se observa a liderança do milho, apesar de profundas

oscilações no decorrer do período - indo de 5.000 toneladas, em 1994, a produção zero,

em 1998, e a quase zero, em 1999 e 2001. Em segundo lugar, também com grandes

oscilações, vem o feijão. Mas, diferentemente do milho, essa cultura tem uma tendência

explícita para uma redução de produção. Quando se analisa a série histórica, observa-se

que, em 1994, era uma cultura com produtividade na faixa de 2.000 toneladas, passando

para menos de 1.000 toneladas em 2002. Quanto à mandioca, o que se tem é o

desaparecimento de sua produção durante esse período.

Entre 2003 e 2008, a quantidade produzida de culturas tradicionais se mantém a

taxas muito baixas - só se destacando em alguns anos a produção de milho, que atinge

em 2006 mais de 6.000 toneladas. O feijão sempre se mantém abaixo de 1.000 toneladas

produzidas e a mandioca tem uma produção insignificante (ver Gráfico 83).

Page 396: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Gráfico 83 - Produção Agrícola de Baraúna (1984 a 2008) – Produtos Tradicionais– Quantidade Produzida (T)

01000

2000300040005000

60007000

QU

AN

TID

AD

E (

T)

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

2006

2008

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1984 A 2008) QUANTIDADE PRODUZIDA (T) - PRODUTOS TRADICIONAIS

Feijão

Mandioca

Milho

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)

A partir desses dados, observa-se que, tanto em Ipanguaçu quanto em Baraúna, a

quantidade produzida de culturas tradicionais oscila muito e cai entre as décadas de

1980 e 2000. Em Ipanguaçu, essa queda é nítida e generalizada entre os principais

produtos tradicionais no decorrer das décadas, com o desaparecimento da batata-doce e

a queda vertiginosa do feijão e do milho.

Já em Baraúna, embora a produção dessas culturas tenha oscilado muito no

decorrer das últimas décadas, observa-se claramente o desaparecimento da produção de

mandioca e a diminuição progressiva da produção de feijão. Só o milho não teve uma

tendência à redução constante, porque foi aproveitado pelo Agronegócio de Frutas para

safrinha, nos momentos em que não se tinham condições de produção de frutas (no

inverno).

6.3.4 Produção Agrícola– Produtos de Mercado – Quantidade Produzida

Ipanguaçu

Observando o Gráfico 84, percebe-se, entre 1979 e 1992, com relação aos

produtos de mercado, que há um crescimento da produção, principalmente no começo

da década de 1990, da banana e da manga, por causa da atuação de grandes empresas

agrícolas em Ipanguaçu. Entre 1987 e 1992, a banana teve um crescimento significativo

de sua produção, passando de 221 para 347 toneladas - um crescimento superior a 50%,

mas o crescimento, nesse mesmo período, da manga foi muito superior: a produção

Page 397: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

dessa fruta entre 1987 e 1992 passou de 411 para 11.323 toneladas - o que representa

um crescimento de quase 3.000%.

Sobre o algodão herbáceo, sua produção variou muito durante esse período, de

modo parecido ao da variação da área plantada, chegando a picos de produção, como

nos anos de 1984 e 1990, com quedas bruscas em vários anos do período estudado.

Como falado anteriormente, ocorreu nessa década a maior produtividade do

mundo por hectare do algodão e também a emergência de uma praga que abalou a

produção dessa malvácea, junto com a abertura comercial no referido Setor.

Com a chegada e estruturação das empresas agrícolas de fruticultura,

principalmente a multinacional Del Monte Fresh Produce, no início da década de 1990,

vai se apresentar uma tendência a esse tipo de produção em Ipanguaçu.

No que diz respeito à quantidade produzida de culturas de mercado durante o

período de 1993 a 2002 (Gráfico 84), observa-se que esta é muito maior que a

quantidade produzida de culturas tradicionais (Gráfico 82).

Atentando-se para os dois Gráficos, nota-se que a maior quantidade produzida

de uma cultura tradicional em todo o período foi a do milho: menos de 2.000 toneladas

em 2002. Já com relação à cultura de mercado, a maior quantidade produzida foi a da

banana em 2002: quase 60.000 toneladas, ficando em segundo lugar a manga, com mais

de 10.000 toneladas no mesmo ano. Se levar em conta uma comparação entre a maior

quantidade produzida de uma cultura tradicional e a de uma cultura de mercado, chegar-

se-á a uma diferença de quase 3.000% a mais a favor da produção de mercado - no caso,

a da banana.

Vê-se que, durante os anos de 1990, a produção de manga mantém-se estável,

aumentando um pouco no final da década de 1990 e caindo no início do século XXI. Já

com relação ao algodão herbáceo, sua quantidade produzida se mantém em um nível

muito abaixo das outras quantidades produzidas de mercado, quase não aparecendo no

Gráfico. Com relação à quantidade produzida de banana, tem-se aí uma ascensão

meteórica depois da compra de várias propriedades pela Del Monte Fresh Produce, a

partir de 1998.

Entre 2003 e 2008, tem-se a ratificação da superioridade da quantidade

produzida das culturas de mercado em relação às tradicionais, com a larga diferença da

monocultura de banana, afetada apenas em 2008 com a cheia do rio Piranhas-Açu.

Assim, nota-se um aprofundamento da dependência de Ipanguaçu em relação ao

mercado consumidor global, intensificando-se com isto as relações de verticalidades

Page 398: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

faladas por Santos (1997, 2002a). O lugar passa a ser cada vez mais dependente da

lógica global imposta por agentes externos.

Gráfico 84 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1979 a 2008) – Produtos de Mercado – Quantidade Produzida (T)

0

10000

20000

30000

40000

50000

60000

QU

AN

TID

AD

E (

T)

1979

1981

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

2006

2008

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1979 A 2008) - QUANTIDADE PRODUZIDA (T) - PRODUTOS DE MERCADO

Algodão Herbáceo

Banana

Manga

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1980, 1981, 1982, 1983, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)

Baraúna

Com relação à produção das culturas de mercado em Baraúna entre 1984 e 1992,

vale destacar, em primeiro lugar, a mudança de metodologia feita pelo IBGE a partir do

ano de 1988, quando passa a desconsiderar o caju como um todo, para considerar

somente a sua castanha, o que determinou um gráfico inflado até 1987, já que até esse

ano o peso da castanha vinha junto com o peso total do caju. Mas, mesmo com a

mudança de cálculo, observa-se claramente a dianteira da castanha de caju como o

produto de mercado de maior quantidade de produção; em segundo, oscilando muito no

decorrer da série histórica, aparece o algodão herbáceo (Gráfico 85).

A produção de frutas no decorrer da década de 1980 era irrelevante no município

de Baraúna: o melão não era produzido e o mamão tinha uma produção média de apenas

14 toneladas no decorrer dessa década e até o ano de 1992.

Tal quadro vai mudar a partir de 1993 com a chegada de outros grupos agrícolas

especializados na fruticultura irrigada em Baraúna, devido à expansão da área de

fruticultura de Mossoró.

Com relação à quantidade produzida das culturas de mercado, tem-se uma

grande virada no eixo produtivo a partir de 1997/98: o melão assume como a cultura de

maior produtividade dentre todos os produtos de mercado mostrados, deixando para trás

Page 399: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

produtos que eram o carro-chefe da economia agrícola no Município na década passada

e nos primeiros anos da década de 1990, como o algodão herbáceo e principalmente a

castanha de caju. O melão se destaca de forma inequívoca, com quase 40.000 toneladas

produzidas no ano de 1998, chegando à impressionante marca de 100.000 toneladas em

2002 (Gráfico 85).

Entre os anos de 2003 e 2008, ainda é bastante significativa a quantidade

produzida de culturas de mercado. Quando se compara essa quantidade com a da

produção tradicional, tem-se uma diferença gigantesca – mesmo com o melão sofrendo

queda substancial nessa série histórica recente, passando de uma média de 90.000

toneladas para cerca de 30.000 toneladas, pois o maior pico de produção do milho foi de

pouco mais de 6.000 toneladas (ver Gráfico 85).

Observa-se também o grande destaque para a produção de mamão, que dispara

de quantidades insignificantes até o ano de 2006 para a maior quantidade produzida em

2008: quase 80.000 toneladas - um impressionante salto, só justificado pela decepção

com as rendas da principal mercadoria agrícola municipal: o melão.

Gráfico 85 - Produção Agrícola de Baraúna (1984 a 2008) – Produtos de Mercado – Quantidade Produzida (T)

020000400006000080000

100000120000140000

QU

AN

TID

AD

E (

T)

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

2006

2008

ANO

PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1984 A 2008) QUANTIDADE PRODUZIDA (T) - PRODUTOS DE MERCADO

Algodão Herbáceo

Castanha de Caju

Melão

Mamão

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)

Assim, comparando-se os dois Municípios estudados, nota-se um

aprofundamento da dependência, tanto de Ipanguaçu quanto de Baraúna, em relação ao

mercado consumidor global de frutas (banana, em Ipanguaçu, e melão, e também agora

mamão, em Baraúna), intensificando-se com isto as relações de verticalidades faladas

por Santos (1997, 2002a). Esses lugares passam a ser cada vez mais dependentes da

Page 400: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

lógica global imposta por agentes externos. Isto é demonstrado tanto pelas exportações,

como pelas importações dos municípios analisados (ver Quadro 71).

Quadro 71 - Balança Comercial de Baraúna e Ipanguaçu (2010) Principais Países de destino/exportações Ipanguaçu

Principais Países de destino/exportações Baraúna

Principais Países de origem/importações Ipanguaçu

Principais Países de origem/importações Baraúna

Alemanha (28,5%) Holanda (52,4%) Costa Rica (68,1%) China (74,9%)

Holanda (23,3%) Reino Unido

(26,8%)

Chile (23,7%) África do Sul

(7,3%)

Polônia (11,5%) Espanha (6%) EUA (4,4%) Espanha (5,3%)

Itália (11.4%) Irlanda (4,1%) Colômbia (3,7%) México (5,2%)

EUA (11,2%) Dinamarca (3,7%) - Israel (2,6%)

Fonte: Secretaria de Comércio Exterior (2011)

No Quadro 71, tem-se o retrato dos países que compram as frutas dos referidos

Municípios e os que vendem os insumos, sementes, equipamentos mecânicos e até

papelão ondulado usado para embalar as frutas.

Observa-se o predomínio dos países da Europa e dos EUA como os grandes

mercados consumidores das frutas produzidas por Ipanguaçu e Baraúna. Já como países

que fornecem os insumos, tem-se o destaque da Costa Rica, sede da Multinacional que

comanda a exportação de frutas em Ipanguaçu, do Chile, tradicional fornecedor de

embalagens para a fruticultura, da China, fornecedora de insumos mecânicos e de Israel,

tradicional fornecedor de sementes.

Page 401: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Viu-se, no decorrer do trabalho, como se deu o processo de inserção dos

municípios de Ipanguaçu e Baraúna na globalização da Agricultura, durante as décadas

de 1980, 1990 e 2000, a partir de três níveis de análise, a saber: o primeiro nível tratou

dessa inserção com base no mercado de terras - a partir de documentos de cartório; o

segundo nível, com base nas estatísticas do trabalho agrícola e nas relações de trabalho -

a partir da base de dados do Ministério do Trabalho e Emprego e de entrevistas com

trabalhadores, vizinhos e atores sociais; e o terceiro nível tratou dessa inserção com

base na Produção Agrícola Municipal fornecida pelo Banco de Dados do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística, com a ajuda de dados sobre as exportações da

Secretaria de Comércio Exterior.

Nota-se, no decorrer das análises, a necessidade de se considerar a antiguidade

do processo de globalização nas referidas regiões estudadas. Para isto, recorreu-se a

uma conceituação de Globalização que permitisse pensar esta como um processo

presente e pretérito. Tal foi possível com a periodização de Murray (2006), além da

abertura conceitual de Mintz (2003) e Dollfus (1997).

Foi de essencial importância também o uso das categorias de análise de Santos

(2002a) para destacar o processo de globalização a partir do meio técnico-científico-

informacional e a inserção das regiões nas verticalidades.

A primeira série temporal analisada foi a década de 1980, ainda sob influência

da Revolução Verde. Durante essa década se nota, tanto em Ipanguaçu quanto em

Baraúna, a ação do Estado, que direta e indiretamente interfere no mercado de terras.

Em Ipanguaçu, tal interferência se dá com desapropriações para a construção da

Barragem do Açu e, em Baraúna, com doações ou vendas de terras de pequeno tamanho

para posseiros. Nesse período, tem-se em Ipanguaçu uma transição das terras de pessoas

físicas para pessoas jurídicas, com a chegada de muitas empresas agrícolas,

principalmente na área mais fértil, a das várzeas do referido Município, pela construção

da Barragem de Açu, que dava garantia hídrica aos novos investimentos.

Com a chegada dessas empresas começam a ocorrer em Ipanguaçu mudanças

nas relações de trabalho e a se inserir o trabalho assalariado e novas tecnologias

agrícolas, responsáveis pela inserção do Município no meio técnico-científico-

informacional e pela sua reinserção no processo de globalização da Agricultura, na fase

Page 402: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

compreendida como Revolução Verde (já que o referido Município preteritamente já se

inseria na globalização com a cera de carnaúba).

Tem-se também, a partir do uso intensivo de defensivos agrícolas, adubos e

maquinários, a extração intensiva da Renda Diferencial II e o reforço da Renda

Diferencial I, através das vantagens locacionais de solos, climas, localização e agora da

Barragem de Açu.

Já em Baraúna, não se teve esse processo de trabalho assalariado gerado por

empresas na década de 1980, predominando no campo ainda sistemas pré-capitalistas,

como a parceria.

Em relação à produção agrícola municipal, nota-se, tanto em Ipanguaçu quanto

em Baraúna, o predomínio do algodão como agricultura voltada para o mercado (em

Baraúna, vai se destacar mais a castanha de caju), além do decrescimento progressivo

da agricultura tradicional.

Na segunda série temporal, na década de 1990, tem-se efetivamente uma

mudança profunda na agricultura dos dois Municípios, coincidentemente, a partir do

mesmo marco temporal: o ano de 1993. Foi durante esse ano que se encerrou a Rodada

Uruguai da OMC, que inaugurava de fato a Liberalização da Agricultura, uma nova fase

da Globalização.

Nesse mesmo ano, tem-se em Ipanguaçu a chegada da multinacional Del Monte

Fresh Produce, que iria praticar a fruticultura para exportação no referido Município, e,

em Baraúna, a chegada das primeiras empresas de fruticultura para exportação, de

imigrantes japoneses.

Durante essa série temporal, têm-se mudanças expressivas no mercado de terras

nos dois municípios estudados. Em Ipanguaçu, o referido mercado sofre um processo de

reconcentração fundiária, com a passagem de terras de empresas agrícolas (que tinham

chegado na década de 1980) para o monopólio da multinacional Del Monte Fresh

Produce, que compra agressivamente a fértil terra de várzea do Município.

Já em Baraúna, tem-se o início do processo de concentração de terras, com a

chegada de muitas empresas de frutas, principalmente as que já atuavam em Mossoró e

que expandiram sua atuação para Baraúna. Além disto, também se nota a chegada de

muitas empresas pertencentes a imigrantes japoneses. Essas empresas recém-chegadas a

Baraúna vão comprar terras, na maioria das vezes, de pessoas físicas.

Tanto em Ipanguaçu como em Baraúna vai haver uma intensificação na

utilização de insumos, maquinários e defensivos agrícolas, com a consolidação nas duas

Page 403: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

áreas do meio técnico-científico-informacional e no reforço da extração das rendas

diferenciais I e II, principalmente. Só que essa consolidação efetivamente acontece de

forma diferenciada entre Ipanguaçu e Baraúna, devido à forma diferenciada de agir das

empresas agrícolas de Baraúna e da multinacional Del Monte Fresh Produce em

Ipanguaçu.

Nas empresas agrícolas para exportação de frutas de Baraúna de propriedade de

imigrantes japoneses, observa-se que elas interagem com o lugar, compram defensivos,

insumos, serviços na região onde elas estão e firmam parcerias com institutos de

pesquisa e assistência técnica locais, como o SENAR.

Já a multinacional Del Monte Fresh Produce compra insumos, defensivos,

maquinários, material de embalagem, dentre outros, de suas parceiras globais e não de

empresas locais ou regionais. A Multinacional tem uma característica diferente das

empresas nacionais: ela se relaciona o mínimo possível com o lugar. Até suas parcerias

são de fora do País, como a parceria com a Universidade Earth, da Costa Rica.

Com isto, observa-se uma intensificação da lógica global tanto em Baraúna

quanto em Ipanguaçu, já que os dois Municípios passam a ter produtos exportados para

mercados mundiais e dependem de decisões que muitas vezes são tomadas em lugares

distantes, reforçando, assim, as verticalidades.

Só que em Ipanguaçu, com a Del Monte Fresh Produce, a lógica global vai ser

mais intensa, pois os atores locais vãos ser, à medida do possível, desprezados em nome

de alianças da Multinacional com seus parceiros globais, fazendo com que a lógica

global nesse Município subordine e oprima ainda mais.

Em relação ao mercado de trabalho e as relações de trabalho durante a década de

1990, tem-se um aprofundamento do trabalho assalariado com carteira assinada, tanto

em Baraúna quanto em Ipanguaçu.

Diferentemente de vários teóricos, como Castells (2002), Antunes (2005) e

Cavalcanti (1999), que observam que durante a liberalização comercial se tem um

processo de flexibilização da mão-de-obra, com a precarização do trabalho e a

informalidade, as empresas instaladas em Baraúna e em Ipanguaçu, voltadas para a

exportação, trabalham exclusivamente com trabalhadores assalariados com carteira

assinada - provavelmente pelas exigências das certificações internacionais a que ambos

estão amarrados, ao venderem para mercados da América do Norte e da União

Europeia.

Page 404: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Já com relação às diferenças entre funcionários qualificados e funcionários de

baixa qualificação, a pesquisa nesses dois Municípios encontrou diferenças já

observadas por Castells (2002), Antunes (2005) e Cavalcanti (1999).

Essas diferenças são institucionalizadas de forma clara pela multinacional Del

Monte Fresh Produce, em Ipanguaçu, com relação ao almoço diferenciado, ao plano de

saúde e ao transporte, dependendo do funcionário e da especialização/hierarquia deste.

Já na empresa de fruticultura voltada para exportação em Baraúna, as diferenças

ocorrem, mas são mais sutis, reveladas em entrevistas como “agrados” que só são

oferecidos ao corpo técnico/gerencial.

Nos dois Municípios aparecem muitas queixas sobre as empresas agrícolas e as

prováveis infrações na legislação trabalhista, dentre as quais podem-se citar: o não

pagamento de horas intineres por todas as empresas; a falta de ajuda no transporte até a

fazenda, por parte de algumas empresas de Baraúna; o excesso de horas extras nas

empresas dos dois Municípios; o não pagamento de horas extras pela multinacional Del

Monte Fresh Produce (chamado de “folha branca”).

Também foi observado o caráter formal e impessoal do tratamento da

multinacional Del Monte com os seus funcionários. Muitos deles não sabem onde estão,

nem quem são os donos, gerando assim uma especulação e uma mitologia em cima

dessas informações.

Já com a empresa de frutas de Baraúna analisada, todos os funcionários sabem

quem é o dono, todos têm algum tipo de relação supostamente informal com o dono e o

chamam pelo primeiro nome, pelo fato de ele estar próximo e presente praticamente

todos os dias dentro da empresa, em contraposição ao dono da Del Monte Fresh

Produce.

Sobre o eixo produtivo na década de 1990, nota-se que nos dois Municípios

houve uma mudança radical com a chegada das empresas de fruticultura irrigada, com o

crescimento monumental da produção agrícola de mercado voltada para a exportação de

frutas, bananas e mangas, em Ipanguaçu, e melão, em Baraúna.

Em contraposição, têm-se mais dados da queda da produção agrícola tradicional,

com o quase desaparecimento da produção tradicional de batata-doce em Ipanguaçu e

da produção de mandioca em Baraúna, além da queda de produção de todos os produtos

da agricultura tradicional, até o tradicional feijão.

Os produtos agrícolas de exportação de Baraúna e de Ipanguaçu, as chamadas

“frutas frescas”, vão ganhar o Mundo e as estatísticas nacionais e internacionais,

Page 405: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

fazendo do estado do Rio Grande do Norte um dos maiores exportadores nacionais de

melão e de banana e inserindo com muito mais intensidade os referidos Municípios na

lógica globalizante das verticalidades, causando com isto ainda mais dependência

desses Municípios às decisões que vêm de fora e que são impostas ao lugar.

Na terceira e última série temporal, que vai focar os anos recentes - a década de

2000 -, dá-se um enfoque à chegada de políticas públicas com viés para a agricultura

familiar no campo e a possível modificação que essas políticas trouxeram para os

municípios analisados.

Tais políticas recentes foram inicialmente implantadas pelo Governo de

Fernando Henrique Cardoso, mas ganharam fôlego com a gestão do Presidente Luís

Inácio Lula da Silva, a partir de 2003, quando começa a nossa última série temporal.

As políticas que se destacaram mais e que afetaram a muitos no campo foram as

de crédito, o PRONAF e a Política de Crédito Fundiário e as desapropriações do

INCRA (além das políticas sociais do Bolsa-Família).

Neste trabalho, observa-se diretamente nos documentos de cartório a inserção da

Política de Crédito Fundiário, além das desapropriações do INCRA para a reforma

agrária.

Nos dois Municípios, essas políticas foram sentidas a partir da análise dos

documentos cartoriais da época (2003-2008). Trata-se das políticas de Crédito Fundiário

e de assentamentos do INCRA, as quais acarretaram mudanças significativas no

movimento de terras do Cartório de Ipanguaçu, que estava quase parado, em função do

monopólio de terras da Multinacional. Nota-se no cenário uma clara movimentação de

compra e venda, resultante da política de Crédito Fundiário em Ipanguaçu e uma

desapropriação recorde de quase 20.000 ha de terras, que gerou um movimento inédito

de assentados no Município.

Já em Baraúna, o movimento cartorial não refletiu com intensidade as políticas

de Crédito Fundiário nem as desapropriações do INCRA, que passaram despercebidas

na série histórica cartorial, pelo grande movimento no mesmo período de negócios

vinculados à compra e venda de terras por empresas de fruticultura e, em um segundo

momento, por empresas de cimento.

Já com relação às estatísticas do trabalho no referido período, tem-se uma

continuação do movimento notado na década de 1990, com um alto índice de

assalariamento com carteira assinada derivado das empresas de frutas, tanto em

Ipanguaçu quanto em Baraúna, com a repetição das mesmas relações de trabalho já

Page 406: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

observadas na década anterior, com os seus referidos problemas. Só que se observou um

elemento a mais na equação das relações de trabalho nessas duas áreas, com o grande

número de assentados nos dois Municípios: a inserção de um contingente significativo

de assentados, tanto em Baraúna quanto em Ipanguaçu, no trabalho assalariado das

empresas de frutas, pela falta de infraestrutura e de oportunidades dos assentamentos do

INCRA.

Com relação ao eixo produtivo na década de 2000, mantém-se neste a mesma

tendência da década de 1990: a manutenção da hegemonia dos produtos de mercado

voltados para exportação nos dois Municípios, com a queda de produção dos produtos

tradicionais e voltados para a subsistência, mesmo com as novas políticas direcionadas

para a agricultura familiar. Com isto, reforçam-se as verticalidades, o meio técnico-

científico-informacional e a vinculação do lugar com o processo contemporâneo de

globalização da Agricultura.

Por fim, chegou-se à conclusão, com o referido trabalho, de que os dois

Municípios em questão se inseriram na lógica das verticalidades e do Mundo

Globalizado. Só que tal inserção ocorreu de maneira diferente: com particularidades em

cada um dos municípios. Foram observadas, por exemplo, níveis distintos de

intensidade em cada um deles, fruto de uma ação diferenciada na regulação e

intervenção do Governo, junto com a ação direta uma empresa multinacional – Del

Monte Fresh Produce – que fez a diferença na hora de qualificar a intensidade da

vinculação do local com o global.

Page 407: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

REFERÊNCIAS ABRAMO, Laís; BOLZÓN, Andrea; RAMOS, Christian. Agenda do trabalho decente. In: MIRANDA, Carlos; TIBURCIO, Breno (Orgs). Emprego e trabalho na Agricultura Brasileira. Brasília: IICA, 2008. (Série Desenvolvimento Rural Sustentável;v.9).p.487-511. ADM. 2009. Disponível em: < http://www.adm.com/en-US/Pages/default.aspx>. Acesso em: 11 mar. 2009. ALBANO, Gleydson Pinheiro. Globalização da agricultura e concentração fundiária no município de Ipanguaçu-RN. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2008. ALBANO, Gleydson Pinheiro; COSTA, Ademir Araújo da. Globalização da agricultura: a atuação das multinacionais no campo brasileiro. ENCONTRO DE GEÓGRAFOS DA AMÉRICA LATINA, 10., 2005, São Paulo. Anais... São Paulo: Departamento de Geografia/FFLCH/USP, 2005. p.276-297.

AMIN, Samir; VERGOPOULOS, Kostas. A questão agrária e o capitalismo. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. AMORIM, D.R.P. 1929. O município de Assu (notícia até 1928). Natal: Imprensa Oficial.

ANDRADE, Manuel Correia de. A produção do espaço norte-rio-grandense. Natal: EDUFRN/CCHLA, 1995.

ANDRADE, Manuel Correia de. A terra e o homem no Nordeste: contribuição ao estudo da questão agrária no Nordeste. 6.ed. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1998.

ANGELIM, Luiz Alberto de Aquino. Geologia e recursos minerais do Estado do Rio Grande do Norte. Recife: CPRM – Serviço Geológico do Brasil, 2007. ANTONIO FILHO, Fadel David. Globalização: para quem? Geosul: revista do Departamento de Geociências, Florianópolis, v.17, n.33, p.7-21, 1º semest.2002. ANTUNES, Ricardo L. C. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005. ANTUNES, Ricardo L. C. A era da informatização e a época da informalização: riqueza e miséria do trabalho no Brasil. In: ANTUNES, Ricardo L. C. (Org). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. p.15-25.

Page 408: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

ARAUJO NETO, Sebastião Elviro de et al. Produtividade e qualidade de genótipos de melão-amarelo em quatro ambientes. Rev. Bras. Frutic. [online]. 2003, vol.25, n.1, pp. 104-107. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbf/v25n1/a30v25n1.pdf>. Acesso em: 5 maio 2011. ASSUMPCAO, M. ; DIAS NETO, C. M. . Sismicidade e Estrutura Interna da Terra.. In: Teixeira et al. (Org.). Decifrando a Terra. São Paulo: Oficina de Textos, 2000. , p. 43-62.

ATLAS do desenvolvimento humano no Brasil. 2011. Disponível em: < http://www.pnud.org.br/atlas/>. Acesso em: 1 jul. 2011.

ATLAS PLUVIOMETRICO DO BRASIL. CPRM. Serviço Geológico do Brasil. 2011. Disponível em: <http://www.cprm.gov.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1351&sid=9>. Acesso em: 30 mar. 2011. BANANALINK. 2011. Disponível em: < http://www.bananalink.org.uk>. Acesso em: 11 mar. 2011. BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL. 2008. Disponível em: < http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt>. Acesso em: 5 dez. 2008. BANCO DO NORDESTE DO BRASIL. 2008. Disponível em: < http://www.bnb.gov.br>. Acesso em: 5 dez. 2008. BANCO DO NORDESTE DO BRASIL. 2008a. Disponível em: <http://www.bnb.gov.br/content/Aplicacao/ETENE/Rede_Irrigacao/Docs/Documento%20Basico%20do%20Proj%20Polos%20de%20Desenv%20Integrado%20do%20NE.PDF>. Acesso em: 5 dez. 2008. BANCO DO NORDESTE DO BRASIL. 2011. Pólos de Desenvolvimento Integrado. Disponível em: <http://www.bnb.gov.br/content/aplicacao/Meio_Ambiente/Acoes/gerados/ambiente_polos.asp?idTR=meioambiente>. Acesso em: 30 mar. 2011. BASALDI, Otavio Valentim. O mercado de trabalho assalariado na agricultura brasileira e suas diferenciações regionais no período 1992-2004. São Paulo: Editora Hucitec, 2008. BASALDI, Otavio Valentim. Evolução das ocupações e do emprego na agricultura brasileira no período 1992-2006. In: MIRANDA, Carlos; TIBURCIO, Breno (Orgs). Emprego e trabalho na Agricultura Brasileira. Brasília: IICA, 2008a. (Série Desenvolvimento Rural Sustentável;v.9).p.96-135. BASTOS, Fernando. Ambiente institucional no financiamento da agricultura familiar. São Paulo: Polis; Campinas, SP: CERES – UNICAMP, 2006.

Page 409: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1999. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. BELIK Walter, et al. O emprego rural nos anos 90. In: PRONI, Marcelo Weishaupt; HENRIQUE, Wilnês (Orgs). Trabalho, mercado e sociedade: O Brasil nos anos 90. São Paulo: Editora UNESP; Campinas, SP: Instituto de Economia da UNICAMP, 2003. p. 107-152. BENDINI, Mônica; CAVALCANTI, Josefa Salete Barbosa. Globalization and labor in Argentinean and Brazilian fruitculture regions: a comparative analysis. Recife, 1996. 9th World Congress of Rural Sociology, Romênia, 1996. BENKO, Georges. Economia, espaço e globalização: na aurora do século XXI. 2.ed. São Paulo: Hucitec, 1999. BEZERRA NETO, Pedro dos Santos, MOURA, Olga Nogueira de Sousa. Ocupações não-agrícolas: novas opções de emprego no campo. ENCONTRO NORTE-NORDESTE DE CIÊNCIAS SOCIAIS, 9., 1999, Natal. Anais... Disponível em: <http://www.eco.unicamp.br/nea/rurbano/textos/downlo/textos.html>. Acesso em: 28 jun. 2005. BONANNO, Alessandro et al (ORGs). From Columbus to ConAgra: The Globalization of Agriculture and Food. Kansas: The University Press of Kansas, 1994. BONANNO, Alessandro. A Globalização da economia e da sociedade: Fordismo e pós-Fordismo no setor agroalimentar. In: CAVALCANTI, Josefa Salete Barbosa (Org.). Globalização, trabalho, meio ambiente: mudanças socioeconômicas em regiões frutícolas para exportação. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 1999. p.47-94 BONETI, Lindomar Wessler. O silêncio das águas: políticas públicas, meio ambiente e exclusão social. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 1998. BRASIL, 2008. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/pac/conheca/copy_of_infra_estrutura/nordeste/nordeste/pac_no5>. Acesso em: 5 dez. 2008. BUAINAIN, Antônio Márcio; DEDECCA, Claudio Salvadori. Introdução: Emprego e trabalho na agricultura brasileira. In: MIRANDA, Carlos; TIBURCIO, Breno (Orgs). Emprego e trabalho na Agricultura Brasileira. Brasília: IICA, 2008. (Série Desenvolvimento Rural Sustentável;v.9).p.21-63. BUNGE. 2009. Disponível em: < http://www.bunge.com/>. Acesso em: 11 mar. 2009. CAMPOLINA, Bernardo; SILVEIRA, Fernando Gaiger. O mercado de trabalho rural: evolução recente, composição da renda e dimensão regional. In: MIRANDA, Carlos; TIBURCIO, Breno (Orgs). Emprego e trabalho na Agricultura Brasileira. Brasília: IICA, 2008. (Série Desenvolvimento Rural Sustentável;v.9).p.214-248. CARGILL, 2010. Disponível em: <http://www.cargill.com/>. Acesso em: 1 jun. 2010.

Page 410: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

CARVALHO, Augusto Carlos Avelino Teixeira de. Centralização de capital e espaço local: a produção de bananas no pólo de fruticultura potiguar. 2001. 121p. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Dep. De Ciências Sociais, Natal, 2001. CASCUDO, L. da C. 1964. A carnaúba. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro. v. 26, n. 2, p. 159. CASCUDO, Luís da Câmara. Notas e documentos para a História de Mossoró. 3.ed. Mossoró: Fundação Vingt-un Rosado. (Coleção Mossoroense, Série C, Volume 849). 1996. CASCUDO, Luis da Câmara. Nomes da terra: Geografia, História e Toponímia do Rio Grande do Norte. Natal: Sebo Vermelho, 2002. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 6.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. CASTRO, Josué de. Geografia da fome: o dilema brasileiro: pão ou aço. Rio de Janeiro: Edições Antares, 1984. CASTRO, Josué de. Sete palmos de terra e um caixão: ensaio sobre o Nordeste, área explosiva. 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 1967. CAVALCANTI, Josefa Salete Barbosa. Globalização e processos sociais na fruticultura de exportação do Vale do São Francisco. In: CAVALCANTI, Josefa Salete Barbosa (Org.). Globalização, trabalho, meio ambiente: mudanças socioeconômicas em regiões frutícolas para exportação. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 1999. p.123-170. CAVALCANTI, Josefa Salete Barbosa. Globalização e ruralidade. In: WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel (Org.). Globalização e desenvolvimento sustentável: dinâmicas sociais rurais no Nordeste brasileiro. São Paulo: Polis; Campinas, SP: Ceres – Centro de Estudos Rurais do IFCH – Unicamp, 2004. p.17-32. CAVALCANTI, Josefa Salete Barbosa; MOTA, Dalva Maria da; SILVA, Pedro Carlos Gama da. Transformações recentes nos espaços de fruticultura do Nordeste do Brasil. In: ELIAS, Denise; PEQUENO, Renato (Orgs). Difusão do agronegócio e novas dinâmicas socioespaciais. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2006. p.117-150. CAVALCANTI, Josefa Salete Barbosa; SILVA, Ana Cristina Belo da. Globalização, Estratégias Produtivas e o trabalho de homens e mulheres na fruticultura de exportação: o caso do Vale do São Francisco. 2010. Disponível em: < http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/pernambuco/glob.doc>. Acesso em: 2 jun. 2010. CAVALCANTI, Josefa Salete Barbosa, et al. Regiões Agrícolas, Mercado de Trabalho e Migrações: Novas Áreas Produtivas de Frutas, casos do Brasil e da Argentina. 2010a. Disponível em: < http://www.alasru.org/cdalasru2006/04%20GT%20Josefa%20Salete%20Barbosa%20C

Page 411: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

avalcanti,%20M%C3%B3nica%20Isabel%20Bendini,%20Dalva%20Maria%20da%20Mota,%20Norma%20Graciela%20Steimbreger.pdf>. Acesso em: 2 jun. 2010. CAVALCANTI, Lygia Maria de Godoy Batista. A flexibilização do direito do trabalho no Brasil: desregulação ou regulação anética do mercado? São Paulo: LTr, 2008. CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996. CHIQUITA. 2009. Disponível em: < http://www.chiquita.com/>. Acesso em: 11 mar. 2009. CIENTEC, 2010. Disponível em: <http://www.cientec.net/cientec/InformacoesTecnicas_Irriga/Irrigacao_MetoIrriga_Aspersao_Autopropelido.asp>. Acesso em: 2 jun. 2010. CLEMENTINO, Maria do Livramento Miranda. O maquinista de algodão e o capital comercial. Natal: EDUFRN, 1986. COMÉLIO, Francisca Neide Maemura; REYDON, Bastiaan Philip; SARAIVA, Odilon Ferreira. Políticas públicas locais e valorização fundiária: um estudo de caso. In: REYDON, Bastiaan Philip; CORNÉLIO, Francisca Neide Maemura (Orgs). Mercados de terras no Brasil: estrutura e dinâmica. Brasília: NEAD, 2006. p.313-336. COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMERICA LATINA E O CARIBE. Istmo Centroamericano: formento y modernización del sector agroexportador: los casos del azúcar, el banano y el café. México: CEPAL, 2000. CONANGRA. 2009. Disponível em: < http://www.conagrafoods.com/>. Acesso em: 11 mar. 2009. CONTRERAS, Arnoldo. Transnational corporations in the Forest-based sector of developing countries. Unasylva: An international journal of forestry and forest industries. Rome: Food and Agriculture Organization of the United Nations, vol. 39, n.157-158. 1987. Disponível em: < http://www.fao.org/docrep/s4550e/s4550e07.htm#transnational%20corporations%20in%20the%20forest%20based%20sector%20of%20developing%20countries>. Acesso em: 1 jun. 2011. CORRÊA, Roberto Lobato. Corporação e Espaço: uma nota. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v.53, n.1, p.137-145, jan./mar. 1991a. CORRÊA, Roberto Lobato. Corporação e organização espacial: um estudo de caso. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v.53, n.3,p.33-65, jul/set. 1991b. COSTA, Edmilson. A globalização e o capitalismo contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular, 2008. COTULA, Lorenzo, et al. Land Grab or development opportunity? Agricultural investment and international land deals in Africa. Rome: Food and Agriculture

Page 412: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

Organization of the United Nations, 2009. Disponível em: < http://www.ifad.org/pub/land/land_grab.pdf>. Acesso em: 1 jun. 2011. CREDITO FUNDIÁRIO, 2008. Disponível em: < http://portal.mda.gov.br/portal/sra/programas/credito>. Acesso em: 5 dez. 2008. DANTAS, T.N. de C. 1995. Algumas alternativas de aplicação para cera de carnaúba. In: ARANHA, T. de Q. (Org.). Sesquicentenário da cidade do Assu 1845-1995. Natal: Departamento Estadual de Imprensa, pp. 217-222. DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da mata atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. DEL MONTE ANNUAL REPORT 2005. Disponível em: < http://www.delmontefresh.com>. Acesso em: 3 jan. 2008. DEL MONTE ANNUAL REPORT 2006. Disponível em: < http://www.delmontefresh.com>. Acesso em: 3 jan. 2008. DEL MONTE FOODS. 2011. Disponível em: <http://www.delmonte.com>. Acesso em: 1 jun. 2011. DEL MONTE FRESH PRODUCE. 2011. Disponível em: < http://www.delmontefresh.com>. Acesso em: 3 mar. 2011. DIAS, Guilherme Leite da Silva; VIEIRA, Claudio Afonso; AMARAL, Cicely Moitinho. Comportamento do mercado de terras no Brasil. Santiago do Chile: CEPAL, 2001. DICKEN, Peter. Trading Worlds. In: JOHNSTON, R. J.; TAYLOR, Peter J.; WATTS, Michael J (ORGs). Geographies of global change: remapping the world.2.ed. Malden: Blackwell Publishing, 2002. DOLE, BEHIND THE SMOKE SCREEN. Disponível em: < http://www.iufdocuments.org/www/documents/DoleReport-e.pdf>. Acessado em: 11 mar. 2008. DOLE. 2009. Disponível em: < http://www.dole.com>. Acesso em: 11 mar. 2009. DOLLFUS, Oliver. Geopolítica do Sistema-Mundo. In: SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia A. de; SCARLATO, Francisco Capuano; ARROYO, Monica (ORGs). O novo mapa do mundo: Fim de século e Globalização. 3.ed. São Paulo: Hucitec, 1997. p.23-45. ELIAS, Denise. Globalização, fragmentação e reorganização do espaço agrário cearense. GEONORDESTE: revista de Pós-Graduação em Geografia, Aracaju, ano 11, n.2, p. 79-99, 2001.

Page 413: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

ELIAS, Denise. Integração competitiva do semi-árido. In: ELIAS, Denise; SAMPAIO, José Levi Furtado (Org.). Modernização excludente. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002a. p.11-36. ELIAS, Denise. A modernização da produção agropecuária. In: ELIAS, Denise (Org.). O novo espaço da produção globalizada: O Baixo Jaguaribe – CE. Fortaleza: FUNECE, 2002b. p.281-346. ELIAS, Denise. Agronegócio e desigualdades socioespaciais. In: ELIAS, Denise; PEQUENO, Renato (Orgs). Difusão do agronegócio e novas dinâmicas socioespaciais. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2006. p.25-82. ELIAS, Denise; PEQUENO, Renato. Mossoró: o novo espaço da produção globalizada e aprofundamento das desigualdades socioespaciais. In: SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; ELIAS, Denise, SOARES, Beatriz Ribeiro (Orgs). Agentes econômicos e reestruturação urbana e regional: Passo Fundo e Mossoró. São Paulo: Expressão Popular, 2010. p.101-272. FAOSTAT. 2011. Disponível em: < http://faostat.fao.org/default.aspx>. Acesso em: 3 mar. 2011. FERNANDES, Ana Amélia. Autoritarismo e resistência no Baixo Açu. Natal: CCHLA, 1992. (Humanas Letras e Vale do Açu). FERRAZ, João Carlos; LOOTTY, Mariana. Fusões, aquisições e internacionalização patrimonial no Brasil nos anos 90. In: VEIGA, Pedro da Motta (Org.). O Brasil e os desafios da globalização. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; São Paulo: SOBEET, 2000. p.39-63. FERREIRA, José Otávio de Souza. O papel da justiça do trabalho no funcionamento do mercado de trabalho: entre os direitos dos trabalhadores e dos empresários. In: MIRANDA, Carlos; TIBURCIO, Breno (Orgs). Emprego e trabalho na Agricultura Brasileira. Brasília: IICA, 2008. (Série Desenvolvimento Rural Sustentável;v.9).p.389-439. FELIPE, José Lacerda Alves. Organização do espaço urbano de Mossoró. Mossoró: Fundação Guimarães Duque. (Coleção Mossoroense, Série C – Volume CCXXXVI). 1982. FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. The World Banana Economy 1985-2002. Roma: Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2003. Disponível em: <www.fao.org>. Acesso em: 10 jun. 2005. FORBES. The World's Biggest Companies. 2009. Disponível em: <http://www.forbes.com/2009/04/08/worlds-largest-companies-business-global-09-global_land.html>. Acesso em: 13 out. 2009. FRESH DEL MONTE PRODUCE INC. 2010 ANNUAL REPORT. Disponível em: < http://www.delmontefresh.com>. Acesso em: 3 mar. 2011.

Page 414: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

FRIEDLAND, William H. The New Globalization: The Case of Fresh Produce. In: BONANNO, Alessandro et al (ORGs). From Columbus to ConAgra: The Globalization of Agriculture and Food. Kansas: The University Press of Kansas, 1994. p.210-231 FYFFES. 2009. Disponível em: < http://www.fyffes.com>. Acesso em: 11 mar. 2009. GARCIA, Afrânio. A sociologia rural no Brasil: entre escravos do passado e parceiros do futuro. Sociologias, Porto Alegre, n. 10, 2003 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222003000200006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 02 Jun. 2010. GEORGE, Pierre. O homem na terra: a geografia em ação. Lisboa: Edições 70, 1989. GIRARDI, Eduardo Paulon. Atlas da Questão Agrária Brasileira. UNESP. Disponível em: <http://www4.fct.unesp.br/nera/atlas/>. Acesso em: 1 jun. 2010. GLOBALGAP. 2011. Disponível em: <http://www.globalgap.org/cms/front_content.php?client=1&changelang=4&parent=&subid=&idcat=9>. Acesso em: 6 jul. 2011. GLOBALIZAÇÃO. In: NOVO Dicionário Aurélio. 2003. Disponível em: <http: www.uol.com.br/biblioteca>. Acesso em: 26 set. 2003. GÓMES, Sergio. Exportação de Frutas Chilenas: reflexões sociológicas sobre uma experiência (madura?). In: CAVALCANTI, Josefa Salete Barbosa (Org.). Globalização, trabalho, meio ambiente: mudanças socioeconômicas em regiões frutícolas para exportação. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 1999. p.171-220. GONÇALVES, Reinaldo. Centralização do capital em escala global e desnacionalização da economia brasileira. In: VEIGA, Pedro da Motta (Org.). O Brasil e os desafios da globalização. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; São Paulo: SOBEET, 2000. p.39-63. GORENDER, Jacob. Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. GRAIN. 2010. Disponível em: < http://www.grain.org/front/>. Acesso em: 1 jun. 2010. GROSSI, Mauro Eduardo Del. Dinâmicas dos mercados de trabalho no campo. In: MIRANDA, Carlos; TIBURCIO, Breno (Orgs). Emprego e trabalho na Agricultura Brasileira. Brasília: IICA, 2008. (Série Desenvolvimento Rural Sustentável;v.9).p.136-156. GUIMARÃES, Alberto Passos. A crise Agrária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. HARARI, R. The working and living conditions of banana workers in Latin America. In: INTERNATIONAL BANANA CONFERENCE II: Reversing the race to the bottom, 2005, Bruxelas. p.57-69. Disponível em: < http://www.ibc2.org/images/stories/textibc/finadoc.pdf>. Acessado em 11 mar. 2008.

Page 415: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005. HEFFERNAN, William D.; CONSTANCE, Douglas H. Transnational Corporations and the Globalization of the Food System. In: BONANNO, Alessandro et al (ORGs). From Columbus to ConAgra: The Globalization of Agriculture and Food. Kansas: The University Press of Kansas, 1994. p.29-51. HELLIN, Jon; HIGMAN, Sophie. The impact of the multinational companies on the banana sector in Ecuador. Disponível em: < http://www.maketradefair.com/assets/english/bananas.pdf>. Acessado em 11 mar. 2008. HIDROSERVICE. Plano Diretor para o aproveitamento dos recursos de solo e água do Vale do Apodi – Rio Grande do Norte. São Paulo, 1978. HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. HUMAN RIGHTS WATCH. Tainted Harvest: Child labor and obstacles to organizing on Equador´s Bananas Plantation. Human Rights Watch: Estados Unidos da América. 2002. Disponível em: < http://www.hrw.org/reports/2002/ecuador/>. Acessado em: 15 mar. 2008. IANNI, Octavio. A era do globalismo. 8.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. 1952. CENSO GERAL DO BRASIL 1940. Censo demográfico população e habitantes, Censos Econômico, Agrícola, Industrial, Comercial e dos Serviços. Rio de Janeiro. IBGE. Série Regional, Parte VII, RN. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. 1956. CENSO GERAL DO BRASIL 1950. Estado do RN: Censos Econômicos. Rio de Janeiro. IBGE. Série Regional, v. XV, Tomo 2. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.Censo Agrícola de 1960. Rio de Janeiro, 1960. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/>. Acesso em: 1 jun. 2010. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro, 1960. (Volume XVII – Paraíba/Rio Grande do Norte). INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. CENSO AGROPECUÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE 1970. Série Regional. v. III, Tomo VIII, Rio de Janeiro. IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. CENSOS ECONÔMICOS DE 1975. CENSO AGROPECUÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE. Série Regional. v. I, Tomo VIII, Rio de Janeiro. IBGE.

Page 416: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. CENSO AGROPECUÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE 1980. Série Regional. v. II, Tomo III, n. 10. Rio de Janeiro. IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. CENSOS ECONÔMICOS DE 1985. CENSO AGROPECUÁRIO 1985. n. 12, Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro. IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção Agrícola Municipal 1979. Rio de Janeiro, 1980. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção Agrícola Municipal 1980. Rio de Janeiro, 1981. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção Agrícola Municipal 1981. Rio de Janeiro, 1982. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção Agrícola Municipal 1982. Rio de Janeiro, 1983. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.Censo Agropecuário de 1980. Rio de Janeiro, 1984. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/>. Acesso em: 1 jun. 2010. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção Agrícola Municipal 1984. Rio de Janeiro, 1985. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção Agrícola Municipal 1985. Rio de Janeiro, 1986. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção Agrícola Municipal 1986. Rio de Janeiro, 1987. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção Agrícola Municipal 1987. Rio de Janeiro, 1988. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção Agrícola Municipal 1988. Rio de Janeiro, 1989. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção Agrícola Municipal 1989. Rio de Janeiro, 1990. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.Censo Agropecuário de 2006. Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/>. Acesso em: 1 jun. 2010. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em 30 jun. 2011.

Page 417: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE DO RN. 2011. Disponível em: <http://www.idema.rn.gov.br/contentproducao/aplicacao/idema/socio_economicos/enviados/perfil_i.asp>. Acesso em: 30 mar. 2011.

INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE DO RN. 2011a. Disponível em: <http://www.idema.rn.gov.br/contentproducao/aplicacao/idema/socio_economicos/enviados/perfil_b.asp>. Acesso em: 30 mar. 2011. INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA. Arcevo Fundiário. 2011. Disponível em: <http://acervofundiario.incra.gov.br/i3geo/aplicmap/geral.htm?be1c03dd171f297335a34466eeb264c6>. Acesso em: 8 jul. 2011. INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS EDUCACIONAIS (INEP). Mapa do analfabetismo no Brasil. Brasília/DF, 2003. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/estatisticas/analfabetismo/default.htm>. Acesso em: 30 mar. 2011. JAPANESE AMERICAN NATIONAL MUSEUM. Projeto Internacional de Pesquisa sobre Nikkeis. 2012. Disponível em: <http://www.janm.org/projects/inrp/portuguese/index_po.htm>. Acesso em: 7 fev. 2012. JOHNSTON, R. J.; TAYLOR, Peter J.; WATTS, Michael J (ORGs). Geographies of global change: remapping the world.2.ed. Malden: Blackwell Publishing, 2002. KASTEELE, Adelien Van de. The Banana Chain: the macro economics of the Banana Trade. In: INTERNATIONAL BANANA CONFERENCE, 1998, Bruxelas. Disponível em: <http://bananas.xs4all.be/MacroEconomics.htm>. Acesso em 10 jun. 2005. KASTEELE, Adelien Van de; STICHELE, Myriam van der. Update on the Banana Chain. In: INTERNATIONAL BANANA CONFERENCE II, 2005, Bruxelas. Disponível em: < http://www.ibc2.org/images/stories/textibc/finadoc.pdf >. Acesso em 11 mar. 2009. KAUTSKY, Karl. A questão agrária. Brasília: Linha Gráfica Editora, 1998. KOEPPEL, Dan. Banana: the fate of the fruit that changed the world. New York: Penguin Group, 2008. KREIN, José Dari; STRAVINSKI, Bruna. A regulação do trabalho no campo. In: MIRANDA, Carlos; TIBURCIO, Breno (Orgs). Emprego e trabalho na Agricultura Brasileira. Brasília: IICA, 2008. (Série Desenvolvimento Rural Sustentável;v.9).p.357-388. LAROUSSE Cultural. Rio de Janeiro: Nova Cultural, 1998. v.17.

Page 418: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

MARTINELLI, Orlando; CAMARGO, José Marangoni. Cadeias Produtivas Globais: as atividades de produção e comercialização de frutas frescas. In: FURTADO, João (Org). Globalização das cadeias produtivas do Brasil. São Carlos: EdUFSCar, 2003. LEITE, Lucas Antônio de Sousa. A Agroindústria do Caju no Brasil: Políticas públicas e transformações econômicas. Tese. Campinas: UNICAMP. 1994. Disponível em: <http://cutter.unicamp.br/document/?code=vtls000082241>. Acesso em: 1 jun. 2011. LINS, Rachel; ANDRADE, Gilberto Osório de. Os rios-da-carnaúba I o Rio Mossoró (Apodi) 2.ed. Mossoró: ESAM (Coleção Mossoroense – Volume L). 1977. MADELEY, John. O comércio da fome. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. 7.ed. São Paulo: Difel, 1982. Livro primeiro, v.1: o processo de produção do capital. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. 5.ed. São Paulo: Difel, 1991. Livro terceiro, v.6: o processo global da produção capitalista. MAZZALI, Leonel. O processo recente de reorganização agroindustrial: do complexo à organização “em rede”. São Paulo: UNESP, 2000. MENDONÇA, Sonia Regina. A questão agrária no Brasil: a classe dominante agrária – natureza e comportamento 1964-1990. São Paulo: Expressão Popular, 2006. MÉSZÁROS, István. Desemprego e precarização: um grande desafio para a esquerda. In: In: ANTUNES, Ricardo L. C. (Org). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. p.27-44 MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, INDÚSTRIA E COMMERCIO (SERVIÇO DE INFORMAÇÕES). 1929. A Exploração da Carnaúba. Rio de Janeiro. Ministério da Agricultura. 44p. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, 2008. Disponível em: < http://www.agricultura.gov.br/>. Acesso em: 5 dez. 2008. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO. 2008. Disponível em: < http://www.mda.gov.br/portal/>. Acesso em: 5 dez. 2008. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMERCIO EXTERIOR DO BRASIL. Aliceweb. Banco de dados do Aliceweb. Brasília: MDIC, 2011. Disponível em: <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/>. Acesso em: 2 jun. 2011. MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2008. Disponível em: <http://www.integracao.gov.br/desenvolvimentoregional/pndr/sumario.asp#sumario>. Acesso em: 5 dez. 2008. MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. 2008. Disponível em:

Page 419: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

<http://www.planejamento.gov.br/arquivos_down/spi/publicacoes/evolucao_1.pdf>. Acesso em: 5 dez. 2008. MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. 2010. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/rais/2008/arquivos/Resultados_Definitivos.pdf>. Acesso em: 2 jun. 2010. MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). Base de dados RAIS e CAGED. Brasília: MTE, 2011. Disponível em: <http://sgt.caged.gov.br/XOLAPW.dll/pamLoginMTE?lang=0>. Acesso em: 1 jan. 2011. MINTZ, Sidney Wilfred. Pleasues of the table: The Old and new world exchange. Nutrition Today. Maio/Junho, 1998. Vol 33, edição 3. p.99-102. MINTZ, Sidney Wilfred. O poder amargo do açúcar: produtores escravizados, consumidores proletarizados. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2003. MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução à História do Rio Grande do Norte. Natal: EDUFRN, 2000. MORELLO, Evandro José. O direito à proteção social e as ambigüidades conceituais que demarcam o trabalho rural assalariado. In: MIRANDA, Carlos; TIBURCIO, Breno (Orgs). Emprego e trabalho na Agricultura Brasileira. Brasília: IICA, 2008. (Série Desenvolvimento Rural Sustentável;v.9).p.462-485. MURAKAMI, Susy. Pioneirismo Japonês na fruticultura de Mossoró. Nippo no campo. Disponível em: <http://www.nippobrasil.com.br/campo/historia/historia478.php>. Acesso em: 18 maio 2011. MURRAY, Warwick E. The second wave of globalization and agrarian change in the Pacific Islands. Journal of Rural Studies. n.17 (2001) p.135-148. MURRAY, Warwick E. Geographies of Globalization. New York: Routledge, 2006. NASDAQ. 2005. Disponível em: <http://www.nasdaq.com>. Acesso em 10 jun. 2005. NEDER, Henrique Dantas. Estrutura do mercado de trabalho agrícola no Brasil: uma análise descritiva da evolução de suas categorias entre 1995 e 2006. In: MIRANDA, Carlos; TIBURCIO, Breno (Orgs). Emprego e trabalho na Agricultura Brasileira. Brasília: IICA, 2008. (Série Desenvolvimento Rural Sustentável;v.9).p.157-182. NOLEM (2011). Disponível em: <http://www.nolem.com.br>. Acesso em: 8 jul. 2011. NOMINUTO.COM (2011). Disponível em: <http://www.nominuto.com/noticias/economia/eua-reconhecem-13-municipios-do-rn-como-area-livre-da-mosca-de-fruta/17660/print/>. Acesso em: 1 jun. 2011. NOSSA HISTÓRIA. Rio de Janeiro: Vera Cruz, ano 2, n.18, abr. 2005.

Page 420: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

NOVA DELIMITAÇÃO DO SEMI-ÁRIDO BRASILEIRO. 2008. Disponível em: < http://www.integracao.gov.br/desenvolvimentoregional/publicacoes/delimitacao.asp>. Acesso em: 5 dez. 2008. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo capitalista de produção e agricultura. 3.ed. São Paulo: Ática, 1990. ORIUNDI (2011). Disponível em: <http://oriundi.net/site/oriundi.php?menu=negociosdet&id=2048>. Acesso em: 1 jun. 2011. ORTAL. 2007. Disponível em: http://www.ortal.com.br/pt/aplicacoes.htm. Acesso em: 26 nov.2007. PAIVA, Bruno Ribeiro de. As relações de trabalho no setor sucroalcooleiro do Nordeste – entre o atraso e a modernidade. In: MIRANDA, Carlos; TIBURCIO, Breno (Orgs). Emprego e trabalho na Agricultura Brasileira. Brasília: IICA, 2008. (Série Desenvolvimento Rural Sustentável;v.9).p.328-340. PGP CONSULTORIA E ASSESSORIA. 2011. Disponível em: <http://www.pgpconsultoria.com.br/servicos_eurepgap.php>. Acesso em 6 jul. 2011. PLANALTO. 2008. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6047.htm>. Acesso em: 5 dez. 2008. PLATA, Ludwig Einstein Agurto. Dinâmica do preço da terra rural no Brasil: uma análise de co-integração. In: REYDON, Bastiaan Philip; CORNÉLIO, Francisca Neide Maemura (Orgs). Mercados de terras no Brasil: estrutura e dinâmica. Brasília: NEAD, 2006. p.125-154. PLATA, Ludwig Einstein Agurto; REYDON, Bastiaan Philip. Políticas de intervenção no mercado de terras no governo FHC. In: REYDON, Bastiaan Philip; CORNÉLIO, Francisca Neide Maemura (Orgs). Mercados de terras no Brasil: estrutura e dinâmica. Brasília: NEAD, 2006. p.25-52. POCHMANN, Márcio. O emprego na globalização: a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2001. POCHMANN, Márcio. Desempregados do Brasil. In: ANTUNES, Ricardo L. C. (Org). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. p.59-73. POCHMANN, Márcio. Novas configurações do trabalho não urbano no Brasil. In: MIRANDA, Carlos; TIBURCIO, Breno (Orgs). Emprego e trabalho na Agricultura Brasileira. Brasília: IICA, 2008. (Série Desenvolvimento Rural Sustentável; v.9).p.65-95. POMPONET, André Silva. 100 anos de DNOCS: marchas e contramarchas da convivência com as secas. Conjuntura & Planejamento. Salvador: SEI, 2009. n.162, p.58-65, jan./mar. 2009.

Page 421: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

PORTO, Edgard. As políticas de desenvolvimento regional do Brasil e seus reflexos sobre a região Nordeste. In: ELIAS, Denise; PEQUENO, Renato (Orgs.) Difusão do Agronegócio e Novas Dinâmicas Socioespaciais. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2006. p. 83-113. PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia. São Paulo: Brasiliense; Publifolha, 2000. PRADO JÚNIOR, Caio. A questão agrária no Brasil. 5.ed. São Paulo: Brasiliense, 2000a. RAMOS, Pedro. O trabalho na lavoura canavieira paulista: evolução recente, situação atual e perspectivas. In: MIRANDA, Carlos; TIBURCIO, Breno (Orgs). Emprego e trabalho na Agricultura Brasileira. Brasília: IICA, 2008. (Série Desenvolvimento Rural Sustentável;v.9).p.306-327. RAYNOLDS, Laura T. The Global Banana Trade. In: STRIFFLER, Steve; MOBERG, Mark (ORGs). Banana Wars: Power, Production, and History in the Americas. Durham and London: Duke University Press, 2003. p.23-47. REYDON, Bastiaan Philip; BARRETO, Gilson. O mercado de terras agrícolas da região cacaueira da Bahia: um caso de preços candentes e expectativas voláteis. In: REYDON, Bastiaan Philip; CORNÉLIO, Francisca Neide Maemura (Orgs). Mercados de terras no Brasil: estrutura e dinâmica. Brasília: NEAD, 2006. p.337-351. REYDON, Bastiaan Philip; BUENO, Ana Karina Silva; TIOZO, Carla. Regulação da propriedade rural no Brasil: resultados dos primeiros passos. In: REYDON, Bastiaan Philip; CORNÉLIO, Francisca Neide Maemura (Orgs). Mercados de terras no Brasil: estrutura e dinâmica. Brasília: NEAD, 2006. p.56-72. REYDON, Bastiaan Philip; GUEDES, Sebastião Neto Ribeiro. Regulação institucional do acesso à terra e a organização da agroindústria canavieira: contraste dos casos do Brasil e da Austrália. In: REYDON, Bastiaan Philip; CORNÉLIO, Francisca Neide Maemura (Orgs). Mercados de terras no Brasil: estrutura e dinâmica. Brasília: NEAD, 2006. p.73-94. REYDON, Bastiaan Philip; MONTEIRO, Maria do Socorro Lira. A ocupação do cerrado piauiense: um processo de valorização fundiária. In: REYDON, Bastiaan Philip; CORNÉLIO, Francisca Neide Maemura (Orgs). Mercados de terras no Brasil: estrutura e dinâmica. Brasília: NEAD, 2006. p.95-122. RICARDO, David. Princípios de economia política e tributação. 3.ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. ROCHA, Aristotelina Pereira Barreto. Expansão urbana de Mossoró (período de 1980 a 2004): geografia dinâmica e reestruturação do território. Natal, RN: EDUFRN, Editora da UFRN, 2005.

Page 422: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

SÁ, Alcindo José de. O espaço citricultor paulista nos anos 90: a (re)afirmação de um meio técnico-científico-informacional da Globalização. 1998. Tese. Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998. SALAMA, Pierre. Pobreza e exploração do trabalho na América Latina. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002. SAMPAIO, Paulo Soares; FARIAS FILHO, José Rodrigues de. Além do paradigma do modelo único de produção: uma aplicação do modelo de boyer e freyssenet à indústria automobilística brasileira. Anais do IV Congresso Nacional de Excelência em Gestão. Niterói, RJ. 2008. Disponível em: <http://www.excelenciaemgestao.org/Portals/2/documents/cneg4/anais/T7_0097_0093.pdf>. Acesso em: 15. ago. 2010. SANDRONI, Paulo. Traduzindo o economês: para entender a economia brasileira na época da globalização. São Paulo: Best Seller, 2000. SANTANA, Lindaura Maria de. Produção, emprego e receita tributária: O efeito paradisíaco das frutas tropicais no Pólo Agroindustrial do Açu/RN. Natal: Ed. Universitária UFRN, 1997. (Coleção Vale do Açu, v.14). SANTOS, Franciso Kennedy Silva dos. Uma análise da estrutura fundiária e dos determinantes do preço e uso de terras no Perímetro Irrigado Morada Nova. In: ELIAS, Denise; PEQUENO, Renato (Orgs). Difusão do agronegócio e novas dinâmicas socioespaciais. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2006b. p.287-306. SANTOS, Maria do Socorro Rodrigues dos. Os desalojados da área rural de São Rafael-RN. Para onde ir? Mossoró: ESAM, 1990. (Monografia). SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico científico-informacional. 3.ed. São Paulo: Hucitec, 1997. SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia A. de; SCARLATO, Francisco Capuano; ARROYO, Monica (ORGs). O novo mapa do mundo: Fim de século e Globalização. 3.ed. São Paulo: Hucitec, 1997a. SANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002a. SANTOS, Milton. O retorno do território. In: Território: globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec, 2002b. p. 11-20. SANTOS, Milton. Da Totalidade ao Lugar. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 13.ed. São Paulo: Record, 2006.

Page 423: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

SANTOS, Paulo Pereira dos. Evolução econômica do Rio Grande do Norte (século XVI ao XXI): 500 anos da história econômica do Rio Grande do Norte. 2.ed. Natal: Departamento de Imprensa do Estado, 2002. SECRETARIA DE COMERCIO EXTERIOR. 2011. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/sitio/>. Acesso em: 1 jul. 2011. SHIVA, Vandana. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Gaia, 2003. SILVA, Aldenôr Gomes da. A Parceria na agricultura irrigada no Baixo Açu. Natal: CCHLA, 1992. SILVA, Aldenôr Gomes da. Trabalho e tecnologia na produção de frutas irrigadas no Rio Grande do Norte – Brasil. In: CAVALCANTI, Josefa Salete Barbosa (Org.). Globalização, trabalho, meio ambiente: mudanças socioeconômicas em regiões frutícolas para exportação. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 1999. p.171-220. SILVA, Aldenôr Gomes da. Do rural ao local: os reflexos das políticas públicas nos “municípios rurais” do Nordeste. In: WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel (Org.). Globalização e desenvolvimento sustentável: dinâmicas sociais rurais no nordeste brasileiro. São Paulo: Polis; Campinas, SP: Ceres – Centro de Estudos Rurais do IFCH – Unicamp, 2004. p.33-60. SILVA, José Nunes da. Terceirização da fruticultura no Pólo Açu-Mossoró. Uma alternativa para a pequena produção? 1997. 52p. Monografia (Engenharia Agronômica) – Escola Superior de Agricultura de Mossoró. Dep. Engenharia Agronômica, Mossoró, 1997. SKLAIR, Leslie. Sociologia do Sistema Global. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. SOLÍS, José Antonio Nieto. Organización económica internacional y globalización: Los organismos internacionales en la economía mundial. Madrid: Siglo XXI de España Editores, 2005. SOLURI, John. Banana Cultures: Linking the Production and Consumption of Export Bananas, 1800-1980. In: STRIFFLER, Steve; MOBERG, Mark (ORGs). Banana Wars: Power, Production, and History in the Americas. Durham and London: Duke University Press, 2003. p.48-79. SOTO, William Héctor Gómez. A produção de conhecimento sobre o “mundo rural” no Brasil: as contribuições de José de Souza Martins e José Graziano da Silva. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2002. SOUZA, Hermino Ramos de. Agricultura e política agrícola no Nordeste: do GTDN à liberalização comercial. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v.28, n.4, p.499-517, out./dez. 1997.

Page 424: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

SOUZA, Rafael. Apostila 2: Registro de Imóveis. UFBA, 2002. Disponível em: <www.direitoufba.net/mensagem/rafaelsouza/di-apostila02.doc>. Acesso em: 1 jun. 2010. SPECIAL FRUIT (2011). Disponível em: <http://www.fazendaspecialfruit.com>. Acesso em: 18 maio 2011. STRIFFLER, Steve; MOBERG, Mark (ORGs). Banana Wars: Power, Production, and History in the Americas. Durham and London: Duke University Press, 2003. SUASSUNA, Luiz Eduardo Brandão. História do Rio Grande do Norte Colonial: 1597/1822. Natal: Natal Editora, 1997. SUDENE. 2008. Disponível em: < http://www.sudene.gov.br/site/index.php?idioma=ptbr>. Acesso em: 5 dez. 2008. TENDENCIAS DE MERCADO (2011). Disponível em: <http://www.tendenciasemercado.com.br/negocios/rn-isencao-de-icms-para-frete-de-fruticultura/>. Acesso em: 1 jun. 2011. TOPALOV, Christian. Ganâncias y rentas urbanas: elementos teóricos. Madrid: Siglo Veintiuno de Espana Editores, 1984. TERRITÓRIOS DA CIDADANIA, 2008. Disponível em: <http://www.territoriosdacidadania.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/one-community>. Acesso em: 5 dez. 2008. TRIGAUX, Robert. Another suspect deal, another Bush brother in the mix. St. Petersburg Times, 3 de jan. de 2003. Disponível em <http://www.sptimes.com/2003/01/03/Columns/Another_suspect_deal_.shtml>.Acesso em 10 jun. 2005. UNCTAD. Disponível em: <http://www.unctad.org/infocomm/anglais/banana/sitemap.htm>. Acesso em 11 mar. 2009. UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT (UNCTAD) (2000). World Investment Report 2000. New York and Geneva: United Nations publication, 2000. UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT (UNCTAD) (2002). World Investment Report 2002. New York and Geneva: United Nations publication, 2002. UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT (UNCTAD) (2005). World Investment Report 2005. New York and Geneva: United Nations publication, 2005.

Page 425: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) CENTRO DE ... · Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe. Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos

UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT (UNCTAD) (2007). World Investment Report 2007. New York and Geneva: United Nations publication, 2007. VALENCIO, Norma Felicidade. Grandes projetos hídricos no Nordeste: suas implicações para a agricultura do semi-árido. Natal: Ed. Universitária UFRN, 1995. (Coleção Vale do Açu, v.8). VALVERDE, O.; MESQUITA, M.G.C. 1961. Geografia Agrária do Baixo Açu. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro. IBGE. v. 23, n. 3, p. 455-494. VASAPOLLO, Luciano. O trabalho atípico e a precariedade: elemento estratégico determinante do capital no paradigma pós-fordista. In: ANTUNES, Ricardo L. C. (Org). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. p.45-57. VEIGA, José Eli da. Do global ao local. Campinas, SP: Armazém do Ipê (Autores Associados), 2005. VIEIRA, Maria Margareth Garcia. A globalização e as relações de trabalho. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2005. WHATMORE, Sarah. From Farming to Agribusiness: Global Agri-Food Networks. In: JOHNSTON, R. J.; TAYLOR, Peter J.; WATTS, Michael J(ORGs). Geographies of global change: remapping the world.2.ed. Malden: Blackwell Publishing, 2002. p.57-67. WIKIPÉDIA. 2011. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:RioGrandedoNorte_Micro_ValedoAcu.svg>. Acesso em: 1 jul. 2011. WILEY, James. The Banana: Empires, Trade Wars, and Globalization. Nebraska: University of Nebraska Press, 2008. WORLD BANK. 2009. Disponível em: <http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.CD>. Acesso em: 13 out. 2009. WRIGHT, Richard. Transnational Corporations and Global Divisions of Labor. In: JOHNSTON, R. J.; TAYLOR, Peter J.; WATTS, Michael J(ORGs). Geographies of global change: remapping the world.2.ed. Malden: Blackwell Publishing, 2002. p.68-77.