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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE)
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS (CFCH)
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS GEOGRÁFICAS (DCG)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
GLEYDSON PINHEIRO ALBANO
GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA: UMA ANALISE COMPARATIVA
ENTRE DUAS CIDADES COM FRUTICULTURA IRRIGADA PARA
EXPORTAÇÃO NO RN, IPANGUAÇU E BARAÚNA
RECIFE-PE
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE)
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS (CFCH)
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS GEOGRÁFICAS (DCG)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
GLEYDSON PINHEIRO ALBANO
GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA: UMA ANALISE COMPARATIVA
ENTRE DUAS CIDADES COM FRUTICULTURA IRRIGADA PARA
EXPORTAÇÃO NO RN, IPANGUAÇU E BARAÚNA
Tese apresentada ao Curso de Doutorado
do Departamento de Ciências Geográficas
do Centro de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Federal de Pernambuco
como requisito parcial para obtenção do
título de Doutor em Geografia.
Orientador
Professor Dr. Alcindo José de Sá
RECIFE-PE
2011
Catalogação na fonte Bibliotecária, Divonete Tenório Ferraz Gominho, CRB4- 985
A326g Albano, Gleydson Pinheiro Globalização da agricultura : uma analise comparativa entre duas cidades com fruticultura irrigada para exportação no RN, Ipanguaçu e Baraúna / Gleydson Pinheiro Albano. – Recife: O autor, 2011.
425 f. : il. ; 30 cm. Orientador: Prof. Dr. Alcindo José de Sá Tese (doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco, CFCH. Programa de
Pós -Graduação em Geografia, 2011. Inclui bibliografia.
1. Geografia. 2. Agricultura – Globalização. 3. Revolução verde. 4. Produção agrícola. 5. Relações internacionais. I. Sá, Alcindo José de. (Orientador). II. Titulo.
910 (22.ed.) UFPE(BCFCH2012-09)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS GEOGRÁFICAS – DCG
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
GLEYDSON PINHEIRO ALBANO
Título: GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA: UMA ANALISE
COMPARATIVA ENTRE DUAS CIDADES COM FRUTICULTURA
IRRIGADA PARA EXPORTAÇÃO NO RN, IPANGUAÇU E BARAÚNA
BANCA EXAMINADORA
Orientador: Prof. Dr. Alcindo José de Sá - UFPE
1º Examinador: Prof. Dr. David Sanchez Rubio – Universidad d Sevilla/Espanha
2ª Examinador: Prof. Dr. Paulo Sérgio Cunha Farias - UFCG
3º Examinador: Prof. Dr. Rosalvo Nobre Carneiro - UERN
4º Examinador: Profa. Dra. Aldemir Dantas Barbosa - UFPE
APROVADA em 10 de outubro de 2011.
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar a Deus que sempre esteve ao meu lado,
independente das circunstâncias.
Aos meus pais Sebastião Albano da Silva e Maria de Fátima Pinheiro Albano
por estarem sempre ao meu lado, dando-me forças em todos os momentos. Com certeza
os grandes responsáveis não só por esse trabalho, mas, por todos os trabalhos já feitos
por mim no decorrer da minha vida.
A minha irmã, Janaina Pinheiro Albano, por sempre acreditar que acabaria essa
jornada.
Ao meu orientador Alcindo José de Sá, por sempre me incentivar e acreditar no
meu potencial. Um grande homem, um grande companheiro e amigo das horas certas e
incertas. Internacionalizado, empreendedor, responsável direto pelas minhas primeiras
aventuras no mercado editorial e pelo incentivo à minha produção bibliográfica.
A professora Beatriz Soares Pontes sempre meu agradecimento por acreditar no
meu trabalho e na minha pesquisa, desde os tempos de graduação na UFRN. Uma ótima
professora, pesquisadora e amiga.
A professora Denise Elias, por sempre acreditar no meu trabalho e pesquisa.
Sempre a minha primeira referência quando se trata de Globalização da Agricultura.
Ao professor Ademir Araújo da Costa, meu orientador do mestrado e grande
incentivador da minha pesquisa. Sempre às ordens em todos os momentos.
Ao professor Caio Maciel por sempre me incentivar a buscar novos horizontes
no meio acadêmico e a possibilitar à inovação.
Ao professor Paulo Sérgio Cunha Farias, por sempre acreditar no meu potencial,
mesmo antes de adentrar-me ao doutorado da UFPE. Grande amigo e incentivador do
meu trabalho.
Ao professor Bruno Maia Halley, grande amigo de todas as horas, sempre a
postos para ajudar nos momentos mais difíceis. Um dos responsáveis pela minha
entrada na UFRN.
A professora Terezinha de Queiroz Aranha do NUT-Seca da UFRN, por sempre
acreditar no meu trabalho e na minha pesquisa e me incentivar.
Ao meu primo e conselheiro espiritual Frei Lúcio Rufino, sempre presente em
todos os momentos da minha vida e figura de destaque para me manter sempre no foco
da vida equilibrada e sem excessos.
Aos meus familiares e amigos da cidade de Luis Gomes, responsáveis sempre
por momentos de descontração. Entre eles se descacam minha tia Nita e tia Maria, tio
Zé, tia Socorro, tio Chiquinho, minha prima Luciene, Lucielio, Lamaison, Luciano, Pe.
Roberto Carlos, Jaime, dentre muitos outros amigos e primos dos sítios e da zona rural
que sempre me inspiraram a estudar a Geografia Agrária.
Aos meus familiares e amigos de Assú e Itajá, que sempre me ajudaram na
pesquisa sobre Ipanguaçu fornecendo preciosas entrevistas e contatos. Dentre eles se
destacam Maria Auxiliadora e seu esposo Genival, seus filhos Aline e Alex, por sempre
me abrigarem e ajudarem de forma direta e indireta na pesquisa. A família do meu
primo Diassis, Eulita, Juninho, meu primo Jaime, minha tia Clarice.
Ao meu ex-aluno e poeta Augusto Diniz de Jucurutu, por fornecer os contatos e
entrevistas necessárias para a localização de muitos trabalhadores de Baraúna.
Aos meus familiares de Baraúna, primos e primas que me ajudaram na pesquisa
sobre o referido município, fornecendo contatos e entrevistas essenciais. Com destaque
para minha prima Toinha.
Ao povo dos sítios de Baldum, Malhada da Areia, Olho d´Água, Ubarana e o
Assentamento Picada, em Ipanguaçu, e ao povo dos sítios Primavera, Boa Água e o
assentamento Caatingueira, em Baraúna.
Ao responsável pela EMATER em Ipanguaçu e Baraúna, as secretarias de
agricultura de Baraúna e Ipanguaçu e aos presidentes dos Sindicatos de Trabalhadores
de Ipanguaçu e Baraúna.
A minha colega Carolina de Sá Leitão, sempre as ordens no cartório de
Ipanguaçu, facilitando de sobremaneira meu trabalho no referido cartório.
Aos meus amigos do Ceará, principalmente Marília e Daniel, por sempre
estarem comigo nos mais diversos projetos.
Ao meu amigo José Reinaldo, grande companheiro desde o mestrado, sempre as
ordens para o que der e vier.
Ao meu grande amigo, agora nortista, Jean Claude, desde o ginásio, sempre
presente nos grandes momentos da minha vida. Lembranças da época em que ninguém
sabia o que era obrigação e tudo era lazer.
A minha grande amiga Geane Paiva de todas as horas, presente a mais de década
na história da minha vida.
A minha grande amiga para todos os momentos de agonia e desespero, Cleide
Alves, sempre presente nos momentos decisivos da minha vida.
A minha amiga, mestranda e grande estudiosa do turismo, a Edilene Pequeno.
Responsável por me aturar por muitas noites em conversas na internet.
Aos meus amigos mochileiros espalhados pelo país e fora do país,
principalmente minha amiga portuguesa Fátima Ramos. Grande incentivadora do meu
trabalho e grande intelectual a partir da vivencia e de suas viagens pelos quatro cantos
do mundo.
Aos meus amigos do curso de Geografia, Iguatemir, grande geógrafo e amigo de
todas as horas, Roberto, grande geógrafo e economista e o grande intelectual de várias
áreas e saberes, o geógrafo e agrônomo João Maria.
A minha amiga acolhedora e colega de doutorado, Francinete Brito, meu
obrigado pelo quartinho na Boa Viagem e aos belos momentos que convivemos juntos.
Aos meus amigos acolhedores Felippe, Priscila e a Ana, por me abrigarem com muita
simpatia no apartamento da várzea em momentos decisivos da minha vida.
Ao meu amigo Franklin Roberto da Costa, pela grande ajuda na parte
cartográfica da tese.
A Rosa, secretária da Pós-Graduação em Geografia da UFPE, pela maneira
sempre respeitosa e solícita com que me atendia sempre que necessitava dos serviços da
secretaria.
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
RESUMÉ
1 INTRODUÇÃO 14
PARTE I: GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA, RENDA DA TERRA,
CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA E RELAÇÕES DE TRABALHO: UMA
REFLEXÃO TEMPORAL E CONCEITUAL 19
2 GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA 20
2.1 Globalização 20
2.1.1 Conceitos e Características do Processo de Globalização 20
2.1.2 O Papel das Multinacionais 31
2.2 Globalização da Agricultura no Mundo e no Brasil 42
2.2.1 Revolução Verde: Pós-Segunda Guerra até Meados de 1980 42
2.2.2 Liberalização do Comércio na Agricultura (1990 - ) 67
3 RENDA DA TERRA, CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA E RELAÇÕES DE
TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO 96
3.1 Renda da Terra e Concentração Fundiária no Mundo Globalizado 96
3.1.1 Renda da Terra 96
3.1.2 Renda da Terra, Preço da Terra e Concentração Fundiária 110
3.1.3 Concentração Fundiária Hoje no Mundo Globalizado Contemporâneo e no Brasil
113
3.2 Globalização e Relações de Trabalho no Campo 135
3.2.1 Relações de Trabalho (o Trabalho) 135
3.2.2 Relações de Trabalho no Contexto da Globalização Contemporânea 137
3.2.3 Relações de Trabalho no Campo Durante o Processo de Globalização da
Agricultura 149
PARTE II: GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA: UMA ANALISE
COMPARATIVA ENTRE DOIS MUNICÍPIOS COM FRUTICULTURA
IRRIGADA PARA EXPORTAÇÃO NO RN: IPANGUAÇU E BARAÚNA 168
4 IPANGUAÇU: PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO COM GRANDE CAPITAL
MULTINACIONAL 169
4.1 Do Início da Ocupação do Território ao Fim do Ciclo da Carnaúba 169
4.1.1 Caracterização Geral da Área de Estudo 170
4.1.2 Histórico da Ocupação do Território 182
4.2 Anos 80: Fruticultura Irrigada, Revolução Verde e Concentração Fundiária 187
4.2.1 Projeto Baixo-Açu 188
4.2.2 Vinda das Empresas Agrícolas 198
4.2.3 Impactos Fundiários da Chegada das Empresas (1979-1992) 200
4.2.4 Impactos da Chegada das Empresas Agrícolas no Mercado de Trabalho e nas
Relações de Trabalho de Ipanguaçu 210
4.2.5 Impactos da Chegada das Empresas Agrícolas na Produção Agrícola de Ipanguaçu
213
4.3 Anos 90: Liberalização do Comércio, Vinda do Capital Multinacional,
Reconcentração Fundiária e Reconfiguração das Relações de Trabalho 219
4.3.1 Del Monte Fresh Produce 220
4.3.2 Inserção da Del Monte em Ipanguaçu 227
4.3.3 Del Monte Fresh Produce e Reconcentração Fundiária 238
4.3.4 Impactos da chegada da Del Monte nas relações de trabalho e nas estatísticas de
trabalho agrícola 250
4.3.5 Impactos da Chegada da Del Monte na Produção Agrícola de Ipanguaçu 257
4.4 Anos 2000: “Novas” Políticas Públicas Federais e Produção Globalizada 263
4.4.1‘Novas’ Políticas Públicas e seu Impacto no Mercado Fundiário de Ipanguaçu
264
4.4.2 Impactos das ‘Novas’ Políticas Públicas nas Relações de Trabalho e nas
Estatísticas do Trabalho Assalariado 270
4.4.3 Impactos das ‘Novas’ Políticas Públicas na Produção Agrícola de Ipanguaçu
273
5 BARAÚNA: PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO COM MÉDIAS “EMPRESAS
NACIONAIS” 278
5.1 Do inicio da Ocupação do Território a Emancipação Municipal 278
5.1.1 Caracterização Geral da Área de Estudo 279
5.1.2 Histórico da Ocupação do Território 289
5.2 Anos 80: Exploração Inicial em Baraúna 293
5.2.1 Mercado de Terras na Década de 1980 297
5.2.2 Mercado de Trabalho e Relações de Trabalho de Baraúna 302
5.2.3 Produção Agrícola de Baraúna 303
5.3 Anos 90: Globalização, Liberalização do Comércio, Vinda dos Japoneses e
Concentração Fundiária 307
5.3.1 Vinda das Empresas de Fruticultura e Concentração de Terras 314
5.3.2 Vinda das Empresas de Fruticultura e Mudanças nas Relações de Trabalho e nas
Estatísticas do Trabalho Agrícola 326
5.3.3 Impactos da Chegada das Empresas de Fruticultura na Produção Agrícola de
Baraúna 334
5.4 Anos 2000: “Novas” Políticas Públicas Federais e Produção Globalizada 339
5.4.1 ‘Novas’ Políticas Públicas e seu Impacto no Mercado Fundiário de Baraúna 340
5.4.2 Impactos das ‘Novas’ Políticas Públicas nas Relações de Trabalho e nas
Estatísticas do Trabalho Assalariado 355
5.4.3 Impactos das ‘Novas’ Políticas Públicas na Produção Agrícola de Baraúna 358
6 ANALISE COMPARATIVA ENTRE IPANGUAÇU E BARAÚNA 366
6.1 Analise da Estrutura Fundiária 366
6.1.1 Transações de Terras por Ano e Hectare 366
6.1.2 Compra e Venda por Pessoa Jurídica 370
6.1.3 Movimento de Terras com Intervenção do Governo por Área 374
6.2 Estatísticas do Trabalho e Relações de Trabalho 377
6.3 Eixo Produtivo 385
6.3.1 Produção Agrícola - Produtos Tradicionais – Área Colhida 385
6.3.2 Produção Agrícola– Produtos de Mercado – Área Colhida 389
6.3.3 Produção Agrícola– Produtos Tradicionais – Quantidade Produzida 393
6.3.4 Produção Agrícola– Produtos de Mercado – Quantidade Produzida 396
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 401
8 REFERÊNCIAS 407
RESUMO
Neste estudo procuramos analisar comparativamente duas áreas de fruticultura irrigada no Rio Grande do Norte e seu processo de inserção na Globalização da Agricultura. A primeira área é o município de Ipanguaçu que conta com uma inserção no comércio globalizado a partir do grande capital multinacional instalado atualmente no referido município. A segunda área é o município de Baraúna que conta com sua inserção no comercio global a partir de empresas médias. A referida análise comparativa se deu a partir de três períodos temporais: anos 1980, ainda no contexto da Revolução Verde; anos 1990, no contexto da Liberalização Comercial; e por fim, anos 2000, no contexto de novas políticas públicas federais para a agricultura. Nesses três períodos foram analisadas variáveis comparativas utilizando o arcabouço teórico/conceitual ligado a Globalização da Agricultura, Meio Técnico-Cientifico-Informacional, verticalidades e horizontalidades, renda da terra, concentração fundiária e relações de trabalho. As seguintes variáveis comparativas foram utilizadas: (1) movimento de terras municipal, a partir de dados de pesquisa de campo nos respectivos cartórios municipais; (2) movimento de empregados assalariados relacionados as atividades agrícolas globalizadas, a partir de dados do Banco de dados da RAIS, além de entrevistas com os atores sociais, funcionários e trabalhadores das empresas ligadas ao comércio internacional nos dois municípios; (3) produção agrícola municipal e mudança do eixo produtivo, a partir de dados do Banco de Dados da Produção Agrícola Municipal do IBGE. Como resultado da análise comparativa, constatamos que existem semelhanças e diferenças na inserção dessas duas áreas no processo de Globalização da Agricultura/Meio Técnico-Científico-Informacional. As semelhanças se fazem presentes na grande geração de empregos assalariados, no processo constante de concentração fundiária e na mudança do eixo produtivo para monoculturas exportadoras, além da intensificação do meio técnico-científico-inormacional nas duas áreas com a difusão da cientifização da agricultura. As diferenças ficam a cargo da multinacional instalada em Ipanguaçu, que usa parte da mão-de-obra especializada e gerencial de seus quadros globais, procura se relacionar o mínimo possível com o local, com poucos fornecedores locais e pouca sinergia, ampliando em sobre medida as verticalidades. Já as empresas médias de Baraúna se relacionam mais com o entorno e tem mão-de-obra local, além da relação patrão-empregado ser mais pessoal que na multinacional.
Palavras-chave: multinacionais, Globalização da Agricultura, relações de trabalho, concentração fundiária, Rio Grande do Norte, Meio Técnico-Cientifico-Informacional, Revolução Verde, Liberalização da Agricultura.
ABSTRACT In this study we aimed at comparing two areas of irrigated fruit in Rio Grande do Norte State of Brazil and its insertion process into the globalization of agriculture. The first area is the city of Ipanguaçu which has an insertion in the globalized trade from the large multinational capital that is currently installed in that city. The second area is the city of Baraúna which has its insertion in global trade from mid-sized companies. Such comparative analysis is made from three time periods: the 1980s, even in the context of the Green Revolution; the 1990s, in the context of trade liberalization, and finally, the 2000s, in the context of new federal policies for agriculture. In these three periods analyzed variables were compared using the theoretical/conceptual on the Globalization of Agriculture, The Environment Technical-Scientific-Informational, vertically and horizontally, ground rent, land concentration and labor relations. The following comparative variables were used: (1) earth-moving city, data from field research in their local registry offices, (2) movement of salaried employees globalized agricultural related activities, the data from the database of RAIS (Ministry of Labor of Brazilian Government), and interviews with social actors, staff and workers of companies linked to international trade in the two cities, (3) municipal agricultural production and change the shaft production, the data from the database of the IBGE (Brazilian Institute of Geography and Statistics) Municipal Agricultural Production. As a result of comparative analysis, we found that there are similarities and differences in the insertion of these two areas in the process of Globalization of Agriculture / Environment Technical and Scientific-Informational. The similarities are present in the great generation of wage employment in the constant process of land concentration and changing the productive axis for monocultures to export production, and the intensification of the environment technical-scientific-informacional in two areas with the intensification of agriculture scientification. The differences are in charge of the multinational installed in Ipanguaçu, which uses part of the skilled labor and management of their global frameworks, seeking to relate the minimum possible with local space, with few local suppliers and little synergy, increasing in extent increase in extent of vertical flows. Mid-sized companies in Baraúna city relate more with the local environment and your hand-labor site, besides the boss-employee relationship is more personal than the multinational.
Keywords: multinationals, Globalization of Agriculture, labor relations, land concentration, Rio Grande do Norte State, Environment Technical-Scientific-Informational, Green Revolution, Agricultural Liberalization.
RÉSUMÉ
Dans cette étude, nous cherchons à analyser comparativement deux secteurs d'arboriculture fruitière irriguée dans le Rio Grande do Norte et son processus d'insertion dans la Globalisation de l'Agriculture. Le premier secteur est la ville d'Ipanguaçu qui compte sur une insertion dans le commerce globalisé à partir du grand capital multinational qui, actuellement, est installé dans ladite ville. Le second secteur est la ville de Baraúna qui compte sur son insertion dans le commerce global à partir d’entreprises moyennes. Cette analyse comparative a été réalisée à partir de trois périodes distinctes: les années 1980, encore dans le contexte de la Révolution Verte; les années 1990, dans le contexte de la Libéralisation Commerciale; et finalement, les années 2000, dans le contexte de nouvelles politiques publiques fédérales pour l'agriculture. Dans ces trois périodes ont été analysées des variables comparatives en utilisant la structure théorico/conceptuelle liée à la Globalisation de l'Agriculture, le Moyen Technico-scientifico-Informationnel, verticalités et horizontalités, revenu de la terre, concentration agraire et relations de travail. Les variables comparatives suivantes ont été utilisées: (1) mouvement de terres municipal, à partir de données de recherche de terrain dans les respectives études de notaire municipales; (2) mouvement des employés salariés en rapport aux activités agricoles globalisées, à partir de données de la Banque de données de la RAIS, outre des entrevues avec les acteurs sociaux, employés et les travailleurs des entreprises liées au commerce international dans les deux villes; (3) production agricole municipale et changement de l'axe productif, à partir de données de la Banque de Données de la Production Agricole Municipale de l’IBGE. Comme résultat de l'analyse comparative, nous constatons qu’il existe des similitudes et des différences dans l'insertion de ces deux secteurs dans le processus de Globalisation de l'Agriculture/ Moyen Technico-scientifico-Informationnel. Les similitudes existent dans la grande génération d'emplois avec salaire, dans le processus constant de concentration agraire et dans le changement de l'axe productif pour des monocultures exportatrices, en plus de l'intensification du Moyen Technico-scientifico-Informationnel dans les deux secteurs avec l'intensification de la scientifisation de l'agriculture. Les différences demeurent à la charge de la multinationale installée à Ipanguaçu, qui utilise une partie de la main d'œuvre spécialisée et gestionnaire de ses cadres globaux, cherche à avoir le minimum de rapports possibles avec le lieu, avec peu de fournisseurs locaux et peu de synergie, en amplifiant les verticalités sur mesure. Les sociétés moyennes de Baraúna, elles, ont plus de rapports avec les alentours et ont de la main d'œuvre locale, en plus d’avoir une relation patron-employé plus personnelle que dans la multinationale. Mots-clés: Multinationales, Globalisation de l'Agriculture, relations de travail, concentration agraire, Rio Grande do Norte, / Moyen Technico-scientifico-Informationnel, Révolution Verte, Libéralisation de l'Agriculture.
1 INTRODUÇÃO A presente tese versa sobre o processo diferenciado de Globalização da
Agricultura nos municípios de Ipanguaçu e Baraúna, no Rio Grande do Norte,
enfatizando-se seu rebatimento na questão fundiária, nas relações de trabalho e na
produção. Ou seja, busca-se, através de uma análise comparativa entre os referidos
Municípios, mensurar os efeitos socioterritoriais das ações de uma grande empresa
multinacional e de empresas nacionais de porte médio, na tentativa de deslindar as
inúmeras estratégias dos agentes produtores envolvidos nas chamadas “manchas de
modernidade” no processo de inserção global da agricultura “moderna” do Semiárido
Nordestino.
Os dois Municípios foram escolhidos por estarem entre os maiores exportadores
de frutas do País e representarem dois modelos diferentes de inserção no comércio
global. Ipanguaçu representa um modelo de exportação de frutas que é dominado pela
multinacional Del Monte Fresh Produce, que detém amplas áreas de várzea e milhares
de funcionários assalariados, além de ser uma empresa extremamente verticalizada.
Baraúna, por sua vez, representa um modelo de exportação de frutas baseado em médios
proprietários - boa parte deles descendente de japoneses -, que detêm uma parcela
razoável de áreas de tabuleiros e trabalham também com funcionários assalariados.
Para operacionalizar a tese, inicialmente lançar-se-á mão de um referencial
teórico/conceitual, ou seja, de conceitos como “combinações de traços característicos
comuns a vários objetos”, isto é, combinações dependentes dos interesses
epistemológicos deste trabalho; enfim, do que realmente interessa a este.
No caso da tese em foco, os traços característicos de objetos e ações dos
processos globais de modernização da Agricultura em Ipanguaçu e Baraúna, na esteira
da afirmação histórica do meio técnico, científico e informacional, expressa na
Revolução Verde, da liberalização do mercado e da modificação na estrutura fundiária,
renda da terra e relações de trabalho.
Em um segundo momento, vai-se analisar, em uma série temporal dividida em
três partes (1980/1990/2000), a inserção dos dois Municípios no processo de
Globalização da Agricultura, e apresentar um breve histórico da ocupação municipal.
Nas três partes mencionadas, serão utilizados dados da pesquisa de campo, para
auxiliar nas duas análises a serem realizadas: uma tendo por objeto a realidade de
inserção, no referido processo, dos municípios em foco, e a outra comparativa desses
mesmos municípios.
A pesquisa em questão aconteceu de várias maneiras: 1) Pesquisa nos cartórios
públicos de terras dos dois Municípios - quando foram analisados todos os documentos
de terras da zona rural, de 1979 a 2008, em busca dos seguintes dados: comprador,
vendedor, tipo de transação (venda, arrendamento, adjudicação, desapropriação,
hipoteca, herança, permuta, usucapião, doação), preço, local do imóvel, área do imóvel,
pessoa física, pessoa jurídica; 2) Pesquisa no banco de dados do IBGE da Produção
Agrícola Municipal, de 1979 a 2008, em busca dos seguintes dados: área colhida de
produtos tradicionais, área colhida de produtos voltados para o mercado, quantidade
produzida de produtos tradicionais, quantidade produzida de produtos de mercado; 3)
Pesquisa no banco de dados da RAIS, no Ministério do Trabalho e Emprego,
compreendendo o período de 1985 a 2008, em busca dos seguintes dados: empregados
assalariados por setor de atividade econômica e a classe de emprego da mão-de-obra
municipal; 4) Pesquisa no banco de dados do Aliceweb do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, enfocando o período de 2002 a 2008,
em busca dos dados de exportação dos produtos mais exportados em Baraúna e
Ipanguaçu; 5) Entrevistas com os principais atores sociais de Ipanguaçu e Baraúna,
incluindo o Presidente do Sindicado dos Trabalhadores, o representante da EMATER, o
da Secretaria Municipal de Agricultura, os representantes de ONGs locais, de
assentamentos do INCRA, os assentados do Programa de Crédito Fundiário; com
funcionários e ex-funcionários das empresas Del Monte Fresh Produce, em Ipanguaçu,
e Cris Frutas, em Baraúna, sendo alguns funcionários da fazenda e outros da
administração da empresa; e com vizinhos das empresas agrícolas, tanto em Ipanguaçu
quanto em Baraúna.
A primeira parte vai tratar do processo de Globalização da Agricultura na década
de 1980, sob a influência da Revolução Verde, e quando começam a chegar empresas
agrícolas nos referidos Municípios. A segunda parte vai tratar do processo de
Globalização da Agricultura na década de 1990 - agora sob influência da Liberalização
do Comércio, da formação da Organização Mundial do Comércio e de governos
neoliberais no Brasil, com a chegada de grandes grupos empresariais que vão exportar
frutas, tanto em Ipanguaçu quanto em Baraúna. Por fim, a terceira parte enfocará a
década de 2000, a partir de 2003, na gestão do Governo Lula, quando vão ser analisadas
as recentes políticas públicas federais de incentivo à agricultura familiar e seus impactos
nesse ambiente de agricultura globalizada.
Assim e considerando os objetivos propostos, estruturar-se-á a tese da seguinte
forma:
Na primeira parte, intitulada “GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA,
RENDA DA TERRA, CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA E RELAÇÕES DE
TRABALHO: UMA REFLEXÃO TEMPORAL E CONCEITUAL”, far-se-á uma
análise conceitual e temporal sobre a Globalização, Renda da Terra, Concentração
Fundiária e Relações de Trabalho.
Essa parte está dividida em dois capítulos: no primeiro, intitulado
“GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA”, analisar-se-á a conceitualização de
Globalização, suas principais características e a importância do papel das
Multinacionais. Analisar-se-á também o processo histórico de inserção da Globalização
da Agricultura, no Mundo e no Brasil, a partir de dois períodos, a saber: o da Revolução
Verde - Pós-Segunda Guerra até meados de 1980 -, e o da Liberalização do Comércio
na Agricultura.
No segundo Capítulo, intitulado “RENDA DA TERRA, CONCENTRAÇÃO
FUNDIÁRIA E RELAÇÕES DE TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO”,
analisar-se-á a conceitualização de renda da terra, seus tipos, indo desde a renda pré-
capitalista até as capitalistas, como a Renda Diferencial I, a Renda Diferencial II, a
Renda Absoluta e a Renda de Monopólio.
Também se analisará nesse capítulo a questão do preço da terra e o processo
histórico de concentração fundiária no Mundo e no Brasil, desde a Revolução Verde até
os dias atuais, no contexto da Globalização. Além disto, serão analisadas as relações de
trabalho, partindo-se também de um processo histórico e chegando-se até o contexto
atual das relações de trabalho no campo durante o processo de Globalização da
Agricultura.
Na segunda parte, intitulada “GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA:
UMA ANALISE COMPARATIVA ENTRE DOIS MUNICÍPIOS COM
FRUTICULTURA IRRIGADA PARA EXPORTAÇÃO NO RN: IPANGUAÇU E
BARAÚNA”, far-se-á uma divisão em três capítulos, para tratar da inserção dos dois
Municípios no referido processo.
O primeiro Capítulo é intitulado “IPANGUAÇU: PROCESSO DE
GLOBALIZAÇÃO COM GRANDE CAPITAL MULTINACIONAL”.
Nele, tratar-se-á da inserção desse Município no processo de Globalização da
Agricultura. Tal capítulo inicia-se com o momento sobre a formação histórica da região:
“Do Início da Ocupação do Território ao Fim do Ciclo da Carnaúba”, quando se
mostrará, de forma breve, a evolução da produção do espaço no município de Ipanguaçu
até o final da década de 1970. Após essa parte, em um segundo momento, o trabalho vai
se deter mais especificamente no processo atual de globalização do referido Município,
com a fruticultura irrigada entre o início da década de 1980 e o final da de 2000,
quando se analisará o processo de inserção do Município na produção globalizada a
partir do mercado de terras, da mudança de eixo produtivo e das relações de trabalho.
Para isto, dividiu-se esta parte da tese em mais três momentos: No primeiro,
tratará-se-á do processo de construção da Barragem “Armando Ribeiro Gonçalves”, que
teve início em 1979, e do processo de concentração fundiária com empresas agrícolas
nacionais e da inserção do lugar na Revolução Verde. Foi definida uma periodização
que vai desde a construção da Barragem até o ano de 1992, intitulada de “Anos 80:
Fruticultura Irrigada, Revolução Verde e Concentração Fundiária”.
No segundo momento, tratar-se-á do processo de reconcentração fundiária e da
inserção do Município no contexto da Liberalização do Comércio, com a chegada da
multinacional Del Monte Fresh Produce, que vai de 1993, quando se têm as primeiras
compras de terras associadas ao capital multinacional, até 2002, intitulado de
“Liberalização do Comércio, Vinda do Capital Multinacional, Reconcentração
Fundiária e Reconfiguração das Relações de Trabalho”.
No terceiro momento, tratar-se-á do contexto mais recente, que vai de 2003 até
2008, com a chegada de “novas” políticas públicas federais e a influência destas no
mercado de terras e nas relações de trabalho, além da perspectiva de rearranjo local
frente a essas novas políticas intitulada de ““Novas” políticas públicas federais e
produção globalizada”.
No segundo capítulo dessa parte, intitulado “BARAÚNA: PROCESSO DE
GLOBALIZAÇÃO COM MÉDIAS “EMPRESAS NACIONAIS”, tratar-se-á da
inserção desse Município no processo de Globalização da Agricultura.
Esse capítulo inicia-se com o momento sobre a formação histórica do lugar,
onde se mostrará a evolução da produção do espaço no município de Baraúna, desde o
início da sua história com os nativos americanos que lá viviam, passando pela ocupação
da região pelos portugueses, seu processo de conquista e colonização, até o início da
década de 1980, com sua emancipação municipal, intitulado de “Do início da ocupação
do território à emancipação municipal”.
Em um segundo momento, o trabalho vai se deter mais especificamente no
processo atual de globalização do referido Município, dando-se ênfase à fruticultura
irrigada entre o início da década de 1980 e o final da de 2000, quando se analisará o
processo de inserção do Município na produção globalizada a partir do mercado de
terras, da mudança de eixo produtivo e das relações de trabalho.
Para isto, dividiu-se essa parte da tese em mais três momentos: No primeiro,
entre o início da década de 1980 e 1992, o trabalho se deterá mais no processo de
exploração inicial de Baraúna, com a constituição de suas primeiras empresas e
primeiras explorações comerciais vinculadas principalmente ao algodão e à castanha de
caju, intitulado de “Anos 80: Exploração inicial em Baraúna”.
No segundo momento, entre 1993 e 2002, tratar-se-á do processo de
concentração fundiária e da inserção do Município no contexto da Liberalização do
Comércio Globalizado, com a chegada das empresas agrícolas frutícolas dos japoneses,
que vão adquirir o viés de empresas exclusivamente exportadoras. Esse período vai de
1993, quando se têm as primeiras compras de terras pelos japoneses, até 2002, e é
intitulado de “Anos 90: Globalização, Liberalização do Comércio, Vinda dos Japoneses
e Concentração Fundiária”.
No terceiro momento, tratar-se-á do contexto mais recente, que vai de 2003 até
2008, com a chegada de “novas” políticas públicas federais e a influência destas no
mercado de terras e nas relações de trabalho, além da perspectiva de rearranjo local
frente a essas novas políticas, intitulado de “Anos 2000: “Novas” políticas públicas
federais e produção globalizada.”.
Por fim, no terceiro capítulo dessa parte, intitulado “ANÁLISE
COMPARATIVA ENTRA IPANGUAÇU E BARAÚNA”, será realizada uma análise
comparativa condensada entre os dois Municípios estudados. Essa análise vai se deter
em três aspectos: a estrutura fundiária, a partir de dados dos Cartórios Municipais entre
1979 e 2008; as estatísticas do trabalho e relações de trabalho, a partir do banco de
dados da RAIS, entre 1985 e 2008, Ministério do Trabalho e Emprego, e de entrevistas
com trabalhadores das empresas agrícolas e atores sociais, como o presidente do
Sindicato dos Trabalhadores; e o eixo produtivo, a partir de estatísticas da produção
agrícola municipal fornecidas pelo IBGE entre 1979 e 2008 (no caso de Ipanguaçu) e de
1984 a 2008 (no caso de Baraúna, pela falta de estatísticas anteriores).
PARTE I: GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA, RENDA DA TERRA, CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA E RELAÇÕES DE TRABALHO: UMA REFLEXÃO TEMPORAL E CONCEITUAL
Nesta parte, será feita uma análise conceitual e temporal sobre Globalização,
Renda da Terra, Concentração Fundiária e Relações de Trabalho. É uma parte que está
dividida em dois capítulos:
No primeiro, intitulado “Globalização da Agricultura”, analisar-se-á a
conceitualização de Globalização, suas principais características e a importância do
papel das Multinacionais. Analisar-se-á também o processo histórico de inserção da
Globalização da Agricultura no Mundo e no Brasil a partir de dois períodos, a saber: o
da Revolução Verde: Pós-Segunda Guerra até meados de 1980, e o da Liberalização do
Comércio na Agricultura.
No segundo capítulo, intitulado “Renda da Terra, Concentração Fundiária e
Relações de Trabalho no Mundo Globalizado”, será feita uma análise da
conceitualização de Renda da Terra e seus tipos, indo desde a Renda Pré-Capitalista até
as Capitalistas, como as Rendas Diferencial I, Diferencial II, Absoluta e de Monopólio.
Também se analisará a questão do preço da terra e o processo histórico de
concentração fundiária no Mundo e no Brasil, até os dias atuais, no contexto da
Globalização. Além disto, serão analisadas as relações de trabalho, partindo-se também
de um processo histórico e chegando-se até o contexto atual das relações de trabalho no
campo durante o processo de Globalização da Agricultura.
2 GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA
2.1 Globalização
2.1.1 Conceitos e Características do Processo de Globalização
Estudo da Globalização
O termo globalização começa a ser utilizado nos anos de 1960 e se torna
popular nos de 1990. Através de dados emitidos pelo International Bibliography of the
Social Sciences (IBSS, 2009), têm-se dados do processo histórico do uso desse termo
nos mais renomados periódicos acadêmicos internacionais. O geógrafo Murray (2006)
compilou esses dados e chegou ao processo histórico do uso dos termos globalização,
globalização e geografia nessa importante base de dados.
O termo globalização é utilizado pela primeira vez em periódico acadêmico em
1983, segundo o IBSS. Mas somente em 1987 é que se vai ter uma utilização
sistemática do termo nos periódicos internacionais, chegando, no decorrer da década de
1990, a crescer de forma impressionante, passando de 15 artigos em 1990 para mais de
1.000 em 1998. Em 2003, já se somavam quase 3.000 os periódicos que traziam o termo
referido (MURRAY, 2006).
Já a utilização conjunta dos termos globalização e geografia em um mesmo
periódico internacional vai acontecer mais tardiamente. Segundo Murray (2006), só em
1993, vai constar no IBSS o primeiro periódico que utiliza os dois termos. A partir
desse ano se vai ter um crescimento substancial do uso dos dois termos, chegando a 72
em 2000 e passando rapidamente para 152 artigos em 2003.
Outros geógrafos como Taylor, Watts e Johnston (2002) confirmam a explosão
da utilização do termo globalização nas Ciências Sociais na segunda metade da década
de 1990, mostrando dados que chegam a impressionar, como o surgimento de 32 artigos
por semana em 1999 com o termo em questão, no âmbito das Ciências Sociais.
Conceitos e Características
Nesse momento, procura-se definir e buscar as principais características do
termo globalização. Segundo o Dicionário Aurélio, globalização é o “processo típico da
segunda metade do séc. XX que conduz a crescente integração das economias e das
sociedades dos vários países, esp. no que toca à produção de mercadorias e serviços, aos
mercados financeiros e à difusão de informações” (sic) (GLOBALIZAÇÃO, 2003).
Para Benko (1999, p. 237), a palavra globalização “designa a tendência atual das
grandes empresas a delegar parte de seu poder a filiais espalhadas pelos quatro cantos
do mundo.”
Mas esta palavra apresenta outras acepções, além da referente ao espaço
temporal atual e à que se reporta às grandes corporações, pois existe todo um histórico
que nos leva à construção desse conceito de forma muito mais ampla.
A Globalização, além de expressar a internacionalização da Economia e a
expansão mundializada das Corporações Multinacionais, compreende também a
internacionalização dos Movimentos Sociais, como os que se preocupam com a questão
ambiental e com os direitos humanos, dentre outros. Um exemplo dessa organização
social em âmbito mundial são os protestos antiglobalização que ocorrem paralelamente,
em escala global, nos grandes centros urbanos.
Veiga (2005) indica algumas das principais características da Globalização no
momento atual, a saber: maior interligação econômica nas e entre as nações do Mundo;
mais desigualdades; maior ampliação dos problemas transnacionais e transfronteiriços
(como a lavagem de dinheiro, dentre outros); maior expansão das formas de gestão
internacional (como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial
do Comércio (OMC)) e o inédito reconhecimento do caráter planetário da apreensão
sobre a decadência ambiental.
Para Bauman (1999, p.67),
[...] o significado mais profundo transmitido pela idéia da globalização é o do caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo.
O mesmo autor reflete por fim que a Globalização é a extensão totalitária da
lógica dos mercados financeiros para todos os aspectos da vida
Bauman (1999, p.82), em sua caracterização da Globalização, dá ênfase à
anulação tecnológica das distâncias temporais/espaciais, as quais, em vez de
homogeneizar a condição humana, tendem a polarizá-la.
Tecnologias que efetivamente se livram do tempo e do espaço precisam de pouco tempo para despir e empobrecer o espaço. Elas tornam o capital verdadeiramente global; fazem com todos aqueles
que não podem acompanhar nem deter os novos hábitos nômades do capital observem impotentes a degradação do seu meio de subsistência e se indaguem de onde surgiu essa praga.
Segundo Antônio Filho (2002, p. 8), existem duas correntes que procuram
definir o termo “globalização”. Para uns “[...] corresponde às profundas e dramáticas
transformações pelas quais passam as sociedades humanas, na atualidade”; para outros
corresponde “aos acontecimentos de ordem econômica, em escala planetária”.
Para o referido autor, a Globalização, nos dias atuais, tem como características
principais: o desenvolvimento tecnológico de ponta, principalmente na Área de
Transportes e Comunicações; uma Nova Divisão Internacional do Trabalho (mais
perversa e moldada pelas Multinacionais); e, para uma maior abertura da Economia para
as Multinacionais, a ingerência mundial de órgãos supranacionais, como o Fundo
Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Banco
Mundial.
Já para Ianni (2004, p.11),
A globalização do mundo expressa um novo ciclo de expansão do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório de alcance mundial. Um processo de amplas proporções envolvendo nações e nacionalidades, regimes políticos e projetos nacionais, grupos e classes sociais, economias e sociedades, culturas e civilizações (grifos meus).
Para esse autor, na base da Globalização está o desenvolvimento extensivo e
intensivo do Capitalismo no Mundo. Em todos os lugares expandem-se as forças
produtivas, compreendendo o capital, a tecnologia, a força de trabalho, a divisão social,
o mercado e outros.
Nessa mesma linha, Costa (2008) afirma que a Globalização é um fenômeno do
tempo presente, uma singularidade originária do Capitalismo, que foi construído a partir
da segunda metade do século XX, quando as corporações iniciaram a aventura da
internacionalização da produção. Segundo Costa (2008, p.62)
[...] até meados da década de 1950, o capitalismo era um modo de produção mundialmente completo apenas no que se refere a duas variáveis da orbita da circulação, o comércio mundial e a exportação de capitais. Mas a globalização possibilitou ao sistema unificar mundialmente o ciclo do capital, estendendo a mundialização para as esferas produtiva e financeira.
O geógrafo Murray (2006) observa que existem atualmente vários tipos de
conceitualizações para a Globalização. Ele chega, porém, a dividi-las em três tipos –
Hiperglobalistas, Céticos e Transformacionalistas -, chamando-os de “teses
contemporâneas para o estudo da Globalização” (ver Quadro 1).
O tipo denominado Hiperglobalistas faz parte do grupo de ideologias diferentes
e antagônicas, como o dos neoliberais e dos neomarxistas. Ambos estão juntos pela tese
determinista que posiciona as forças econômicas globais como dominantes e integradas
que se sobrepõem aos poderes tradicionais do Estado-Nação, tornando-os irrelevantes,
construindo um mundo sem fronteiras para o livre-mercado. Os membros desse grupo
ressaltam que a Globalização é uma nova condição.
Quanto aos chamados Céticos, estes são os que são contra o determinismo da
Globalização. Argumentam que a integração mundial já acontecia de forma mais intensa
durante o final do século XIX. Para eles, os Governos Nacionais permanecem sendo os
atores centrais na construção e regulação da economia global e a Globalização é uma
“agenda” para o capital das economias avançadas se expandirem. Citam como exemplo
disto a concentração dos investimentos e do comércio global na tríade EUA, União
Europeia e Japão.
Os Transformacionalistas, de que fazem parte autores como Castells e Giddens,
pregam que a Globalização é uma realidade e que, através dela, se tem uma
reestruturação profunda da Sociedade, não se restringindo somente ao viés econômico,
mas, sim, ao tripé economia, política e cultura. Criticam eles o uso da nova condição
para a Globalização. Segundo essa linha, da qual, inclusive, Murray faz parte, esta já
vem ocorrendo há tempos, como um processo histórico, ressaltando que este é variável
de sociedade para sociedade.
Para melhor sintetizar os três tipos de conceito da Globalização, ver Quadro 1.
Quadro 1 - Três Teses para a Globalização – Um esquema Hiperglobalistas Céticos Transformacionalistas O que está acontecendo?
A Era Global Aumento do Regionalismo
Interconectividade sem precedentes.
Conceitualização da Globalização
Mundo sem fronteiras e mercados perfeitos.
Regionalização, internacionalização e mercados imperfeitos.
Compressão do Tempo-Espaço, distanciação e uma nova escala de interação.
Caminho Histórico Civilização Global baseada em uma nova elite transnacional e novas classes.
Neo-Imperialismo e novos confrontos civilizacionais através das ações de blocos regionais e da Agenda Neoliberal.
Indeterminado – dependendo da construção e da ação dos Estados-Nações e da Sociedade Civil.
Posição Central Triunfo do Capitalismo e do
Poderosos Estados Nacionais criaram a
Transformação da governança em todas as
Mercado sobre os Estados-Nações.
Agenda da Globalização para perpetuar sua posição dominante.
escalas e novas redes de poder.
Fonte: Adaptado de Murray (2006).
Logo abaixo (ver Quadro 2) dá-se ênfase à periodização, de Murray (2006), do
processo de globalização. Segundo o referido autor, esse processo se dá através de dois
períodos, chamados de Ondas:
Quadro 2 - Ondas da Globalização - Uma moldura Onda Período( datas aproximadas) Crises de Reestruturação Onda 1 Globalização Colonial (1500-1945)
- Fase Mercantilista (1500-1800) - Fase Industrial (1800-1945)
Revolução Industrial Grande Depressão e Segunda Guerra Mundial
Onda 2 Globalização Pós-Colonial (1945 - ) - Fase da Modernização (1945-1980) - Fase Neoliberal (1980 - )
Crise do Petróleo
Fonte: Adaptado de Murray (2006).
O primeiro período – primeira Onda - começa através das Grandes Navegações,
no século XVI, no início dos Impérios Português e Espanhol. Nessa época, tem-se mais
poder articulado entre os Estados-Nações. Esse período é dividido em duas fases: a fase
mercantilista (1500-1800), quando se deu o predomínio do comércio em um sistema
chamado “Pacto Colonial”, segundo o qual as colônias estabeleciam relações comerciais
exclusivas com as metrópoles; e a fase industrial (1800-1945), quando ocorre a
consolidação do Capitalismo e a multiplicação da mais-valia, através da utilização das
máquinas.
O segundo período – segunda Onda – começa depois da Grande Depressão e
com o fim da Segunda Guerra Mundial, com a crise dos sistemas coloniais
(principalmente dos Continentes Asiático e Africano) e a descolonização. Nesse período
dá-se a emergência de novas ideias no âmbito cultural, econômico e político, além da
criação de instituições supranacionais em nível global, como a ONU, o GATT (Acordo
Geral de Tarifas e Comércio), o Banco Mundial e o FMI.
Murray (2006) divide tal período em duas fases: a primeira, que chama de
modernização (também pode ser chamada de Fase Fordista), diz respeito ao período em
que o estado desenvolvimentista promovia as Multinacionais como motor principal da
difusão do Capitalismo Global; a segunda, logo após a crise do petróleo, que endividou
boa parte dos Estados-Nações, é a chamada Fase Neoliberal, em que o poder do Estado
é desafiado pelas instituições globais supranacionais, que visam a uma maior penetração
do Capitalismo.
Reafirmando o pensamento de uma globalização como um processo histórico
que se inicia com as Grandes Navegações, Mintz (2003) identifica os primórdios desse
processo no Caribe, com a produção e o comércio internacional de cana-de-açúcar,
através do termo Oikoumenê, que, segundo o referido autor, reflete a história de toda a
Civilização, vista como um todo único conectado de forma complexa, que passaria
gradualmente a cobrir todo o Planeta. Essa conexão acontecia de forma muito clara no
Caribe do século XVI e XVII, onde se tinha mão-de-obra importada de vários lugares
do Mundo, como contratados europeus, nativos americanos escravizados além de
africanos escravizados produzindo para o mercado consumidor europeu.
Dollfus (1997) também analisa a Globalização (que este autor chama de
Sistema-Mundo) como sendo um processo histórico. Para ele, esse processo se
estabeleceu a partir do momento em que todas as terras foram distribuídas entre os
estados territoriais e seus prolongamentos coloniais. Isto começa a acontecer com os
grandes descobrimentos ocorridos entre os séculos XV e XVI, que trazem os germes da
Globalização, com a conquista de novos territórios, como a América, a África e a Ásia
(através das Índias e do comércio de especiarias).
Tal processo, que abrange não somente a economia, mas a política e a cultura, é
estudado por Santos (2006), principalmente nos dias atuais, não como uma via de mão
única, mas como uma possibilidade de revanche das classes oprimidas, através do uso
dos instrumentos técnicos fabricados a priori como instrumentos da cultura dominante.
Um exemplo disto é o uso da Internet para divulgar e unir, em nível global, todo tipo de
cultura e movimento popular.
No mesmo sentido, refletem os geógrafos Taylor, Watts e Johnston (2002), que
acreditam que a Globalização é resultado de um processo muito maior que o
Neoliberalismo, e citam que as tecnologias que se tem hoje podem ser utilizadas para se
resistir a ela ou para se construirem globalizações alternativas.
Como se observa, a Globalização não é um movimento recente. Data do início
da Idade Moderna e não está restrito ao âmbito econômico, abarcando todas as esferas
sociais e culturais. E mais: não é um movimento de mão única, que só serve para
integrar as Corporações Multinacionais. Tem seu feedback no uso das tecnologias
também para unir e organizar as classes populares mundiais.
Outro elemento que caracteriza a Globalização (no período contemporâneo) é a
formação de um meio técnico-científico-informacional no espaço geográfico (SANTOS;
SOUZA; SCARLATO, 1997; SANTOS, 1997; SANTOS, 1997a; SANTOS;
SILVEIRA, 2001; SANTOS, 2002a; SANTOS, 2002b; SANTOS 2005; SANTOS;
2006).
Meio Técnico-Científico-Informacional Antes de se falar no meio técnico-científico-informacional, passar-se-á a analisar
alguns conceitos necessários para o entendimento da base teórica de Santos (2002a) e
do seu processo de periodização até esse referido meio. Entre os conceitos básicos, faz-
se importante analisar de forma resumida os conceitos de técnica e de espaço, bem
como a composição deste último entre fixos e fluxos e entre objetos e ações.
A técnica – é a principal forma de relação entre o homem, a Natureza e o meio,
sendo este último o instrumento de interação entre o primeiro e a segunda.
A influência da técnica sobre o espaço se exerce de duas maneiras e em duas
escalas diferentes: de um lado, a ocupação do solo pela infraestrutura das técnicas
modernas (fábricas, minas, espaços reservados à circulação) e, de outro, as
transformações generalizadas impostas pelo uso da máquina e pela execução dos novos
métodos de produção e de existência (SANTOS, 2002a). As técnicas promovem a fusão
do tempo e do espaço em si mesmas, por serem datadas e incluírem tempo. “A cada
lugar geográfico concreto corresponde em cada momento, um conjunto de técnicas e de
instrumentos de trabalho, resultado de uma combinação específica que também é
historicamente determinada” (SANTOS, 2002a, p. 56).
O espaço – outro conceito discutido por Santos (2002a) - pode ser
conceitualizado, segundo o referido autor, como um sistema de objetos e ações, como
um conjunto de fixos e fluxos.
Os objetos seriam a materialidade, produto de uma elaboração social. “Os
objetos são esse extenso, essa objetividade, isso que se cria fora do homem e se torna
instrumento material de sua vida.” (SANTOS, 2002a, p. 73).
As ações seriam os eventos, projetados, orientados e regulados, constituindo-se
um deslocamento visível do ser no espaço, de modo a criar uma alteração, uma
modificação no Mundo. Hoje, no contexto da Globalização, têm-se ações que geram
uma alienação regional e local. “[...] muitas das ações que se exercem num lugar são o
produto de necessidades alheias, de funções cuja geração é distante e das quais apenas a
resposta é localizada naquele ponto preciso da superfície da terra.” (SANTOS, 2002a, p.
80).
O espaço também é um conjunto de fixos e fluxos. Os fixos são a materialidade,
fixada em cada lugar, como uma barragem ou uma estrada. Esses elementos permitem
ações que modificam o próprio lugar, no caso, os fluxos, que são resultados direto ou
indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos, modificando sua significação e
o seu valor. Pode-se citar, como exemplo, a implantação de uma extensa área agrícola
irrigada privada perto da barragem, que vai gerar um grande fluxo de dinheiro, de
empregos e de produtividade racionalizada.
Do Meio Natural ao Meio Técnico-Científico-Informacional Santos (2002a) traça a evolução das técnicas, do uso do espaço, desde os tempos
antigos até os tempos atuais da Globalização. O referido autor faz uma periodização
dessa evolução em três momentos distintos, a saber: o Meio Natural, o Meio Técnico e
o Meio Técnico-Científico-Informacional, os quais passar-se-á agora a analisar:
a) Meio Natural (uso corrente pelos povos indígenas, desde a Pré-História) – a
motivação do uso das técnicas era local e utilizada pelo homem sem grandes
modificações na Natureza.
[...] pousio, a rotação de terras, a agricultura intinerante, que constituem ao mesmo tempo, regras sociais e regras territoriais, tendentes a conciliar o uso e a “conservação” da natureza: para que ela possa ser outra vez, utilizada. Esses sistemas técnicos sem objetos técnicos não eram, pois, agressivos, pelo fato de serem indissolúveis em relação à natureza que, em sua operação, ajudavam a reconstruir (SANTOS, 2002a, p.235).
Nesse Meio, entende-se que o homem dispunha de um sistema de técnicas
rudimentares locais que se harmonizavam com o Meio Ambiente.
b) Meio Técnico (uso corrente ao longo dos dois últimos séculos) – o espaço
passa a ser mecanizado. Os objetos que formam esse tipo de Meio não são
apenas culturais, mas culturais e técnicos ao mesmo tempo, e a razão do
comércio é condição para sua instalação. Uma decorrência da utilização
desse Meio é a poluição ambiental, que cresce em função das técnicas
altamente poluidoras. “O componente internacional da divisão do trabalho
tende a aumentar exponencialmente. Assim, as motivações de uso dos
sistemas técnicos são crescentemente estranhas às lógicas locais, e mesmo,
nacionais.” (SANTOS, 2002a, p. 237).
Com o surgimento do Meio Técnico, observa-se a mudança em relação à
motivação do uso dos sistemas técnicos. Muitos deles começam a apresentar
motivações externas à lógica local e até à lógica nacional. É o período que se inicia com
as grandes navegações, quando as Metrópoles Europeias dominaram grandes Colônias
ao redor do Mundo, impondo um sistema de troca desigual entre matérias-primas (das
suas Colônias) e produtos manufaturados (das Metrópoles), e se intensifica com a
emergência da Revolução Industrial nos dois últimos séculos.
c) Meio Técnico-Científico-Informacional – “O terceiro período começa
praticamente após a Segunda Guerra Mundial, e sua afirmação, incluindo os
países de Terceiro Mundo, vai realmente dar-se nos anos 70.” (SANTOS,
2002a, p.238). Vai haver uma profunda interação entre a Ciência e a Técnica,
sob a égide do Mercado. E este, graças àquelas, se torna um Mercado Global.
Nesse período, os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e
informacionais, já que, devido à extrema intencionalidade de sua produção e
de sua localização, eles já surgem como informação; e, na verdade, a energia
principal de seu funcionamento é também a informação.
Nesse Meio, “a ciência e a tecnologia, junto com a informação, estão na própria
base da produção, da utilização e do funcionamento do espaço e tendem a constituir o
seu substrato.” (SANTOS, 2002a, p. 238).
Por outro lado, a informação não apenas está presente nas coisas, nos objetos técnicos, que formam o espaço, como ela é necessária à ação realizada sobre essas coisas. A informação é o vetor fundamental do processo social e os territórios são, desse modo, equipados para facilitar a sua circulação (SANTOS, 2002a, p. 239).
Esses territórios, depois de reequipados e requalificados, são incorporados à
lógica global, passando a ficar subordinados aos interesses dos atores hegemônicos. Tal
reequipamento e requalificação se faz com o aumento da
[...] importância dos capitais fixos (estradas, pontes, silos, terra arada etc.) e dos capitais constantes (maquinário, veículos, sementes especializadas, fertilizantes, pesticidas etc), aumenta também a necessidade de movimento, crescendo o número e a importância dos fluxos, também financeiros e dando um relevo especial à vida de relações (SANTOS, 2002a, p. 240).
Um exemplo disto se dá no Mundo Rural, hoje marcado pelo Mundo Artificial,
com a presença de materiais plásticos, fertilizantes, corretivos, colorantes, máquinas e
pesticidas. Além da presença significativa de uma cientifização da paisagem rural, tem-
se ainda o reequipamento do seu território com estradas, portos, pontes e sistemas de
comunicação, que facilitam a circulação da informação e a subordinação ao mercado
muitas vezes distante (SANTOS, 2006).
Podem-se citar também como características desse sistema atual a rapidez na
difusão do sistema de técnicas, um menor período de desenvolvimento de uma
tecnologia, a inovação galopante e uma indiferença em relação ao meio em que se
instalam.
Santos (2002a) também cita como características marcantes da base do
fenômeno da Globalização (e que estão diretamente ligadas ao Meio Técnico-
Científico-Informacional): a Unicidade Técnica, a Unicidade do Tempo e a Unicidade
do Motor da Vida Econômica e Social.
A Unicidade Técnica, no início da História, não existia. Nesse período, havia
várias técnicas. A técnica era local, de um grupo local, mas, com o avançar dos tempos,
passou a ser difundida por meio das trocas entre os mais variados grupos, de modo que
a diversidade de sistemas técnicos foi diminuindo com o crescimento do intercâmbio
entre várias culturas. “A partir do século XVI, com a expansão do capitalismo, cria-se a
possibilidade de trocas intercontinentais e transoceânicas.” (SANTOS, 2002a, p. 190).
Com esse intercâmbio mundial proporcionado pelas grandes navegações, as
técnicas particulares tenderam a se contaminar mutuamente, aumentando o grau de
semelhança entre elas. A emergência do Período Técnico-Científico, imediatamente
após a Segunda Guerra, determinou que o respectivo sistema técnico se tornasse comum
a todas as Civilizações, todas as Culturas, todos os Sistemas Políticos, todos os
Continentes e Lugares – dando origem a um sistema único globalizado de técnicas
informacionais e a uma unicidade técnica em âmbito mundial. Isso não quer dizer que o
passado vá ser completamente varrido. “A herança material permanece em proporções
diferentes, segundo as civilizações, os países, as regiões. E, sobre esses restos de uma
sucessão de elaborações, vai se sobrepor o novo conjunto de técnicas característico do
período atual.” (SANTOS, 2002a, p. 192-193).
Quanto à Unicidade do Tempo, atualmente há a convergência dos momentos,
havendo, assim, a possibilidade de se vir a tomar conhecimento instantaneamente de
eventos longínquos, através dos avanços dos Meios de Comunicação, como a Televisão
e a Internet, que usam cabos de fibra ótica e satélites para passar a informação de forma
imediata, o que possibilita perceber a sua simultaneidade.
[...] A informação ganhou a possibilidade de fluir instantaneamente, comunicando a todos os lugares, sem nenhuma defasagem, o acontecer de cada qual. Sem isso, não haveria um sistema técnico universalmente integrado, nem sistemas produtivos e financeiros transnacionais, nem informação geral mundializada, e o processo atual de globalização seria impossível (SANTOS, 2002a, p. 198).
Com a Unicidade do Tempo, gerada a partir dos avanços dos Meios de
Comunicação, tem-se essa informação instantânea, base da integração dos Sistemas
Produtivos e Financeiros Globais, ou seja, da Globalização.
A Unicidade do Motor da Vida Econômica e Social em todo o Planeta, por sua
vez, é representada emblematicamente pela emergência de uma mais-valia no nível
mundial e assegurada, direta ou indiretamente, pela existência sistêmica de grandes
organizações multinacionais, que são, na Atualidade, os principais atores da vida
internacional.
[...] a mais valia no nível global contribui para ampliar e aprofundar o processo de internacionalização, que alcança um novo patamar. Agora, tudo se mundializa: a produção, o produto, o dinheiro, o crédito, a dívida, o consumo, a política e a cultura. Esse conjunto de mundializações, cada qual sustentado, arrastado, ajudando a impor a outra, merece o nome de globalização (SANTOS, 2002a, p. 198).
Santos (1997) afirma que, com o processo atual de Globalização, tem-se uma
reestruturação dos espaços globais. Para tanto, ele define duas formas de estruturação e
funcionamento do espaço, a saber: Horizontalidades e Verticalidades. Aquelas são o
alicerce de todos os cotidianos. São extensões formadas de pontos que se agregam sem
descontinuidade, como na definição tradicional de região, sendo as regras localmente
formuladas. As Verticalidades, por sua vez, agrupam áreas ou pontos, a serviço de
atores hegemônicos não raro distantes. São vetores da integração hierárquica regulada,
necessária em todos os lugares da produção globalizada e controlada à distância
(SANTOS, 1997; SANTOS, 2002a; SANTOS, 2002b; SANTOS, 2005; SANTOS,
2006).
Com o aprofundamento da Globalização, que vai impor cada vez mais relações
verticais novas às regulações horizontais preexistentes, vai haver também o
aprofundamento das tensões entre a Globalidade e a Localidade, entre o Mundo e o
Lugar.
A tendência atual é a que os lugares se unam verticalmente e tudo é feito para isso, em toda a parte. Créditos internacionais são postos à disposição dos países mais pobres para permitir que as redes modernas se estabeleçam ao serviço do grande capital. Mas os lugares também podem se unir horizontalmente, reconstruindo aquela base de vida comum, susceptível de criar normas locais, normas regionais [...], que acabam por afetar as normas nacionais e globais. Na união vertical, os
vetores de modernização são entrópicos. Eles trazem desordem às regiões onde se instalam, porque a ordem que criam é em seu próprio e exclusivo benefício. Isso se dá ao serviço do mercado, e tende a corroer a coesão horizontal que está posta ao serviço da sociedade civil tomada como um todo (SANTOS, 2002a, p. 258-259).
Esse fato explicado por Santos (2002a), sobre a tendência das verticalidades, da
ingerência externa nos locais, vai se apresentar cada vez mais por meio das
Multinacionais e suas filiais espalhadas pelo Mundo. Essas empresas vão, de suas
matrizes nas Cidades Globais, controlar centenas de filiais que estão espalhadas por
vários lugares do Planeta, implantando nestas uma lógica estranha à lógica dos lugares
onde elas se encontram, ou seja, uma lógica de mercado voltada exclusivamente para o
lucro máximo exigido pelos acionistas internacionais situados nos lugares de mando (as
Cidades Globais).
2.1.2 O Papel das Multinacionais
No presente trabalho, além de se utilizar o termo “globalização”, vai-se dar
importância ao seu aspecto econômico, do qual se vai destacar como o principal ator,
nos dias atuais, a Empresa Multinacional, cujo surgimento remonta ao século XVII,
com a fundação da Companhia das Índias Ocidentais e Orientais, na Holanda. Vale
lembrar que, naquele século, a Globalização tinha como ator principal o Estado, que
centralizava o comércio por intermédio das suas Colônias Ultramarinas e do Pacto
Colonial.
Na segunda metade do século XIX, tem-se uma rápida concentração de capitais
nas mãos de grandes grupos multinacionais, graças a uma intensa acumulação de
capitais e a um igualmente intenso processo de fusão, incorporação e associação de
várias pequenas empresas. Esse período sinaliza uma nova fase: a do capital
monopolista. “Os empresários mais hábeis e mais articulados com o setor bancário e
com o Estado, que incorporaram o progresso técnico à produção industrial, tiveram
enormes ganhos de produtividade e passaram a concorrer em posição de força com
outros capitalistas” (COSTA, 2008, p. 81).
Com impressionantes ganhos de produtividade, consegue-se criar grandes
empresas monopolistas multinacionais, que já se destacam em nível global no início do
século XX. Essas empresas, elemento fundamental da vida das grandes potências
capitalistas, já nessa época detinham o controle da cadeia produtiva, muitas vezes com a
formação de cartéis e trustes (COSTA, 2008). Durante esse período, entre a segunda
metade do século XIX e início do século XX, foi formada boa parte dos grandes grupos
multinacionais que existem hoje no Mundo, como a Nestlé (1867), a Coca-Cola (1886),
a General Electric (1890), dentre outros.
Em 1914, só as Multinacionais dos Estados Unidos já investiam mais de 2,5
bilhões em outros países. Nesse ano, um grupo de quatro países – EUA, França,
Alemanha e Reino Unido – detinha 87% do Investimento Estrangeiro Direto mundial.
Nessa época, existiam em voga duas estratégias de investimentos das
Multinacionais: a primeira era o investimento voltado para adquirir matérias-primas e
alimentos para o mercado doméstico, geralmente feito em colônias de potências
europeias; a segunda era o investimento nos mercados consumidores dos Países
Desenvolvidos. Como exemplo desta estratégia, pode-se citar a existência de firmas
americanas na Europa, como a Ford, a General Motors e a General Electric, da
montadora italiana Fiat, que já tinha aberto fábricas na Áustria em 1907, nos Estados
Unidos, em 1909, e na Rússia, em 1912, e da indústria farmacêutica Merck, considerada
a empresa farmacêutica e química mais antiga do Mundo, que, fundada originalmente
em Frankfurt (Alemanha), no ano de 1654, já tinha afiliada nos Estados Unidos em
1887 (WRIGHT, 2002).
Após a Segunda Guerra Mundial, com o surgimento do Acordo de Bretton
Woods, do GATT, as Corporações Multinacionais passam a internacionalizar sua
produção de uma forma mais rápida e intensa por todo o Mundo, inclusive na periferia
capitalista. “Na periferia capitalista, as transnacionais operam com grandes vantagens:
podem se utilizar das melhores disponibilidades de matérias-primas do país, além de
mão-de-obra barata, incentivos e subsídios fiscais dos Estados onde se instalam”
(COSTA, 2008, p. 93).
Corrêa (1991a; 1991b), por sua vez, chama a empresa multinacional de
Corporação e confirma que, após a Segunda Guerra Mundial, a grande Corporação
passou a constituir o mais importante agente da reorganização espacial capitalista. Sua
ação traduziu-se, na escala mundial, em uma nova Divisão Internacional do Trabalho,
que envolve a produção simultânea, em diversos lugares, das diferentes partes
componentes de um mesmo produto e no consequente comércio internacional entre
subsidiárias de uma mesma corporação; e, também, no aparecimento de verdadeiras
“cidades mundiais”, onde estão as sedes das Corporações que atuam como centros de
gestão econômica e territorial de amplas áreas do Globo.
Também após a Segunda Guerra Mundial, houve uma queda do lucro, por causa
da diminuição da taxa de exploração da força de trabalho nos Estados Unidos e na
Europa, e do constante reinvestimento para aumentar a capacidade produtiva. Por causa
dessa queda, vai se intensificar a internacionalização do capital para sua reprodução
ampliada e as empresas vão se expandir para novos territórios onde o custo da força de
trabalho é mais baixo, possibilitando, assim, mais lucro.
Na mesma linha refletem Bonanno et al (1994), que, além de ressaltarem a
corrida das Multinacionais mundo afora por mão-de-obra barata, pela pouca regulação
ambiental e poucas taxas, ressaltam também o controle das Companhias nas nações
avançadas, especificamente nas cidades globais.
Segundo Michalet (apud CHESNAIS, 1996, p.73), a Multinacional é “uma
empresa (ou um grupo), em geral de grande porte, que, a partir de uma base nacional,
implantou no exterior várias filiais em vários países, seguindo uma estratégia e uma
organização concebida em escala mundial”. Essa definição da década de 1980 hoje já
tem se modificado, conforme destacado a seguir.
Além das estratégias clássicas, que predominaram até fins dos anos de 1970,
como: as estratégias de aprovisionamento – características das Multinacionais do
Setor Primário, especializadas na integração vertical a partir de recursos minerais,
energéticos ou agrícolas dos Países Subdesenvolvidos; as estratégias de mercado –
com o estabelecimento de filiais intermediárias; e as estratégias de produção
racionalizada, ou produção integrada internacionalmente mediante o estabelecimento
de filiais “montadoras”, nos últimos anos (pós-Fordismo), começaram a existir também
novas estratégias das Multinacionais centradas numa busca, diferenciada e multiforme,
de uma valorização do capital, as quais (estratégias) podem assumir tanto a forma
produtiva de investimentos de capital quanto uma variedade de formas de investimento
que não envolvam nem investimento industrial, nem criação de valor, caracterizando-se
como formas improdutivas e parasitárias. É o que se dá com a atuação no mercado
financeiro especulativo e o fornecimento do knowhow e do Pesquisa &
Desenvolvimento (CHESNAIS, 1996).
Para atender aos acionistas, houve nos últimos trinta anos (pós-Fordismo) uma
busca por novas fontes de lucros, além das suas filiais, como: a “multiplicação das
participações minoritárias de companhias ‘coligadas’, das participações em cascata e,
sobretudo, de numerosos acordos de terceirização e de cooperação inter-empresas, que
levaram ao surgimento das chamadas ‘empresas-rede’” (CHESNAIS, 1996, p.78).
Portanto, hoje
[...] a empresa multinacional está assumindo cada vez mais, o papel de regente da orquestra, em relação a diversas atividades de produção e transações, que se dão no interior de um “cacho” ou “rede” de relações transnacionais, tanto internas como externas às companhias e que podem incluir ou não um investimento de capital, mas cujo objetivo consiste em promover seus interesses globais (DUNNING, 1988 apud CHESNAIS, 1996, p. 69).
Santos (2002a) chama essas Empresas Multinacionais que funcionam em redes e
desenvolvem toda sorte de ramificações e interdependências de Empresas Globais. Tais
empresas têm novas possibilidades de controle do processo global de produção, como o
“[...] controle da inovação (força produtiva científica e técnica), controle da circulação
(forças produtivas da comercialização e da distribuição), controle da gestão do capital
em sua forma dinheiro (força produtiva da gestão financeira).” (SANTOS, 2002a, p.
205).
Com o aperfeiçoamento desse mecanismo de controle do processo global de
produção, graças às novas técnicas da informação, têm-se concentrações oligopolísticas
de âmbito global, como é o caso da Del Monte Fresh Produce, que, junto com mais
duas Companhias (Chiquita e Dole), controla quase dois terços do comércio mundial de
banana.
Corrêa (1991a) identifica como principais características das Multinacionais
hoje, que fazem com que elas sejam atualmente os mais importantes agentes da
reorganização espacial capitalista e portanto também do processo de Globalização, as
seguintes:
a) Ampla escala de operações – refere-se à capacidade da Corporação em
manipular milhares de toneladas de matérias-primas, bens intermediários e produtos
finais nas suas unidades de P & D, fazendas próprias ou terceirizadas, unidades fabris,
escritórios de venda, prestação de serviços etc;
b) Natureza multifuncional – caracteriza-se pela concentração horizontal, com a
aquisição, fusão ou criação de novas unidades que produzem os mesmos produtos; pela
concentração vertical, com o controle das unidades situadas tanto a montante, na
confluência, como na jusante de uma operação básica, tendo-se, assim, o controle de
toda a cadeia produtiva, desde as matérias-primas e bens intermediários, até produtos
finais diversos; e pela diversificação de atividades e investimentos, visando a minimizar
os riscos. Um exemplo claro dessa diversificação é a Del Monte, que, além de atuar no
mercado de fruticultura irrigada, atua também no mercado imobiliário e no ramo de
petróleo;
c) Múltiplas localizações – são elas distintas entre si em termos de custos
diferenciais da força de trabalho, especialização funcional, mercado consumidor e em
termos da administração no âmbito da própria Corporação;
d) Enorme poder de pressão econômica e política – poder que as Corporações
possuem para controlar a organização espacial dos territórios em que atuam, dentre
outras coisas. A Del Monte, junto com outras gigantes, tem um forte lobby na OMC
para moldar mundialmente os espaços da fruticultura irrigada de acordo com os seus
interesses corporativos (CORRÊA, 1991a).
Algumas Empresas Multinacionais, como a Del Monte Fresh Produce, além de
fazerem parte de uma holding1 - um grande conglomerado diversificado multinacional -
têm uma forma de atuação ligada à internalização, ou seja, ao investimento direto.
A luta contra os custos de transação no Mercado Internacional gera as
Multinacionais. Vários são esses custos, os quais dificultam o comércio entre firmas
independentes, levando aquelas empresas a se estabelecerem no setor para baixar os
custos. Tais obstáculos incluem: a falta de contato entre o comprador e o vendedor, a
falta de acordo a respeito dos preços, a falta de confiança na adequação das mercadorias
às especificidades inicialmente estabelecidas, a existência de tarifas aduaneiras e a
taxação de ganhos criados pela transação etc. (CHESNAIS, 1996).
Essa luta contra os custos de transação justifica a preferência pelo investimento
direto, em contraposição à exportação ou à venda de licenças. Isto leva as Companhias a
criarem filiais em vários países no exterior, obrigando-as a ficarem ligadas muito
estreitamente, sob controle único, a fim de poderem dominar a internalização
internacional dos custos de transação (CHESNAIS, 1996).
Tal internalização, por meio da integração vertical e horizontal, que ocasiona o
fim dos concorrentes e fornecedores, não só é um meio de salvaguardar a vantagem
monopolística das Companhias, mas também de criar e de reforçar essa vantagem.
Existem, segundo Dunning (1988 apud CHESNAIS, 1996), inúmeras vantagens
que uma Companhia Multinacional apresenta ao se internalizar. Dentre estas, têm-se:
1 Holding é uma concentração vertical de empresas em que uma grande empresa ou organização controla empresas ou organizações menores geralmente pela aquisição majoritária de suas ações. Sua função básica não é produzir, mas administrar as outras empresas. As multinacionais são normalmente controladas por uma holding, que pode estar situada no país-sede ou em outro país (Sobre o assunto, ver CORRÊA, (1991a).
vantagens específicas da Companhia - propriedade de tecnologia, dotações específicas
(pessoal, capitais, organização), economias de escala, economias de envergadura, poder
de mercado como comprador e como vendedor, acesso aos mercados de fatores e de
produtos, conhecimento do mercado mundial, aprendizagem da gestão internacional,
capacidade de explorar as diferenças entre países e aprendizagem da gestão de riscos;
vantagens decorrentes da internalização - economias de transação na aquisição dos
insumos (inclusive tecnologia), redução da incerteza, maior proteção à tecnologia,
controle da validade e das iniciativas, possibilidade de evitar ou de explorar medidas
governamentais (especialmente as fiscais), possibilidade de praticar manipulação de
preços; vantagens decorrentes da localização - recursos específicos do país, qualidade e
preço dos insumos, qualidade das infraestruturas e externalidades (como P&D), custos
de transporte e de comunicação, distância psicológica (língua, cultura...), política
comercial (barreiras tarifárias e não-tarifárias), ameaças protecionistas, política
industrial, política tecnológica e social, subvenções e incentivos para atrair as
Companhias.
Por causa dessas vantagens, existem números impressionantes derivados do
processo de internalização das Multinacionais, através do Investimento Externo Direto
(IED). Hoje, essas Empresas são responsáveis por dois terços do Comércio Mundial,
sendo que as cem maiores concentram um terço do montante total mundial do IED
(CHESNAIS, 1996; CASTELLS, 2002).
Hoje, as Companhias Multinacionais compreendem um conjunto de mais de 63
mil matrizes e cerca de 690 mil filiais (UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE
AND DEVELOPMENT, 2000). Como se observa no Quadro 3, as 100 principais
Multinacionais, por vendas, do Mundo respondem pelo núcleo mais dinâmico da
produção e comercialização mundial. Esse pequeno núcleo de empresas multinacionais
chega a controlar vários setores da economia mundial. Nesse ranking, observa-se
claramente a concentração das Multinacionais nos Países Desenvolvidos: das 100
Multinacionais com maiores vendas no Mundo, apenas 9 estão nos países da periferia
do Capitalismo. Estão elas na Coreia do Sul (Samsung Eletronics, LG Corp, Hyndai
Motors e SK Holding), na China (Sinopec-China Petroleum, PetroChina), na Rússia
(Gazprom e Lukoil) e no Brasil (Petrobras).
Quadro 3 - Ranking de Multinacionais por vendas totais no Mundo (2008) Companhia País Indústria Vendas
(milhões de dólares)
1 Royal Dutch Shell Holanda Operações com Petróleo e Gás 458.360 2 ExxonMobil EUA Operações com Petróleo e Gás 425.700 3 Wal-Mart Stores EUA Varejo 405.610 4 BP Reino Unido Operações com Petróleo e Gás 361.140 5 Toyota Motor Japão Consumo Durável 263.420 6 Chevron EUA Operações com Petróleo e Gás 255.110 7 ConocoPhillips EUA Operações com Petróleo e Gás 225.420 8 Total França Operações com Petróleo e Gás 223.150 9 ING Group Holanda Seguros 213.990
10 General Electric EUA Conglomerados 182.520 11 Fortis Holanda Diversificado 164.370 12 Volkswagen Group Alemanha Consumo Durável 158.400 13 ENI Itália Operações com Petróleo e Gás 158.320 14 AXA Group França Seguros 156.950 15 Sinopec-China
Petroleum China Operações com Petróleo e Gás 154.280
16 Dexia Bélgica Banco 153.350 17 General Motors EUA Consumo Durável 148.980 18 Ford Motor EUA Consumo Durável 146.280 19 HSBC Holdings Reino Unido Banco 142.050 20 Daimler Alemanha Consumo Durável 133.430 21 Allianz Alemanha Seguros 127.240 22 ArcelorMittal Luxemburgo Materiais 124.940 23 Deutsche Bank Alemanha Finanças diversificadas 124.780 24 AT&T EUA Serviços de telecomunicação 124.030 25 Carrefour Group França Mercados de Alimentos 121.040 26 E.ON Alemanha Utilitários 120.740 27 Honda Motor Japão Consumo Durável 120.270 28 Hewlett-Packard EUA Tecnologia, Hardware e
equipamentos 118.700
29 Generali Group Itália Seguros 118.390 30 Valero Energy EUA Operações com Petróleo e Gás 118.300 31 GDF Suez França Utilitários 115.590 32 PetroChina China Operações com Petróleo e Gás 114.320 33 Bank of America EUA Banco 113.110 34 Hitachi Japão Tecnologia, Hardware e
equipamentos 112.490
35 Siemens Alemanha Conglomerados 108.760 36 Nissan Motor Japão Consumo Durável 108.460 37 BNP Paribas França Banco 107.960 38 Berkshire
Hathaway EUA Finanças diversas 107.790
39 Crédit Agricole França Banco 107.750 40 Nippon Telegraph
& Tel Japão Serviços de telecomunicação 107.020
41 Citigroup EUA Banco 106.660 42 McKesson EUA Drogas & Biotecnologia 106.640 43 Samsung
Electronics Coréia do Sul
Semicondutores 104.420
44 IBM EUA Software & Serviços 103.630 45 Nestlé Suíça Alimentos, bebidas & tabaco 103.010 46 JPMorgan Chase EUA Banco 101.490 47 Société Générale
Group França Banco 99.250
48 Verizon Communications
EUA Serviços de Telecomunicação 97.350
49 Gazprom Rússia Operações com Petróleo e Gás 97.290 50 Banco Santander Espanha Banco 96.230 51 Cardinal Health EUA Drogas & Biotecnologia 95.280 52 Metro AG Alemanha Mercado de Alimentos 93.920 53 Tesco Reino Unido Mercado de Alimentos 93.850 54 StatoilHydro Noruega Operações com Petróleo e Gás 93.380 55 Petrobras-Petróleo
Brasil Brasil Operações com Petróleo e Gás 92.080
56 Panasonic Japão Tecnologia, Hardware e Equipamentos
90.870
57 EDF Group França Utilitários 89.460 58 Sony Japão Tecnologia, Hardware e
Equipamentos 88.890
59 CVS Caremark EUA Varejo 87.470 60 BASF Alemanha Química 86.770 61 Royal Bank of
Scotland Reino Unido Banco 86.160
62 Deutsche Telekom Alemanha Serviços de Telecomunicação 85.890 63 UniCredit Group Itália Banco 83.720 64 Procter & Gamble EUA Produtos Pessoais e Domésticos 83.680 65 ENEL Itália Utilitários 82.920 66 Fiat Group Itália Consumo Durável 82.700 67 UnitedHealth
Group EUA Equipamentos Médicos 81.190
68 LG Corp Coreia do Sul
Conglomerados 80.870
69 Telefónica Espanha Serviços de Telecomunicação 80.700 70 Archer Daniels EUA Alimentos, Bebidas & Tabaco 78.330 71 Toshiba Japão Tecnologia, Hardware e
Equipamentos 76.830
72 Kroger EUA Mercado de Alimentos 75.980 73 Deutsche Post Alemanha Transporte 75.870 74 Peugeot Groupe França Consumo Durável 75.700 75 ThyssenKrupp
Group Alemanha Conglomerados 75.140
76 France Telecom França Serviços de Telecomunicação 74.500 77 BMW Group Alemanha Consumo Durável 74.040 78 Hyundai Motor Coreia do
Sul Consumo Durável 73.780
79 Costco Wholesale EUA Varejo 72.950 80 Home Depot EUA Varejo 71.290 81 Nokia Finlândia Tecnologia, Hardware e
Equipamentos 70.630
82 Vodafone Reino Unido Serviços de Telecomunicação 70.390 83 Marathon Oil EUA Operações com Petróleo e Gás 70.250 84 AmerisourceBergen EUA Drogas & Biotecnologia 70.250 85 Toyota Tsusho Japão Companhias Comerciais 70.140 86 SK Holdings Coreia do
Sul Operações com Petróleo e Gás 69.660
87 Repsol-YPF Espanha Operações com Petróleo e Gás 68.480 88 Lukoil Rússia Operações com Petróleo e Gás 66.860 89 RWE Group Alemanha Utilitários 66.160 90 Nippon Oil Japão Operações com Petróleo e Gás 65.460 91 Target EUA Varejo 64.950 92 Munich Re Alemanha Seguros 64.200 93 Johnson & Johnson EUA Drogas & Biotecnologia 63.750
94 Morgan Stanley EUA Finanças Diversas 62.260 95 Microsoft EUA Software & Serviços 61.980 96 Mitsubishi UFJ
Financial Japão Banco 61.430
97 WellPoint EUA Equipamentos Médicos 61.250 98 UBS Suíça Finanças Diversas 61.230 99 Mxller-Maersk Dinamarca Transporte 61.210 100 Dell EUA Tecnologia, Hardware 61.100 Fonte: Forbes (2009)
Essas Companhias Multinacionais muitas vezes têm vendas maiores que o
Produto Interno Bruto (PIB) de vários países. É o que se observa no Quadro 4, que faz
um comparativo entre as maiores Multinacionais, por vendas, em 2008 e os maiores
países do Mundo por PIB. Chega-se a constatar que quase metade do ranking das 100
maiores Multinacionais e países é composta por empresas - mais precisamente 45% do
ranking. No Quadro abaixo, observa-se que as quatro maiores Multinacionais por
vendas ( Shell, ExxonMobil, Wal-Mart e BP) têm um volume anual de negócios superior
ao PIB do Brasil. Só a Multinacional Wal-Mart tem um volume de vendas bem superior
ao PIB da Argentina e equivalente a três vezes o PIB do Peru. Uma empresa como a
General Eletric tem um volume de vendas superior ao PIB do Chile. Isto sem contar a
comparação com os países da África Subsaariana (com mais de meio bilhão de pessoas),
que, de acordo com dados do Banco Mundial (2009), têm PIB menor que as vendas das
duas Multinacionais mais bem colocadas no Quadro abaixo.
Quadro 4 - Ranking das 100 maiores Multinacionais e países por PIB ou vendas (2008)
País/Companhia Vendas
anuais/PIB
País/Companhia Vendas
anuais/PIB (milhões de
dólares)
1. Estados Unidos 14.204.322 51. Malásia 194.927 2. Japão 4.909.272 52. General Electric 182.520 3. China 3.860.039 53. Singapura 181.948 4. Alemanha 3.652.824 54. Ucrânia 180.355 5. França 2.853.062 55. Argélia 173.882 6. Reino Unido 2.645.593 56. Chile 169.458 7. Italia 2.293.008 57. Paquistão 168.276 8. Brasil 1.612.539 58. Filipinas 166.909 9. Federação Russa 1.607.816 59. Fortis 164.370 10. Espanha 1.604.174 60. Emirados Árabes
Unidos 163.296
11. Canadá 1.400.091 61. Egito 162.818 12. India 1.217.490 62. VolkswagenGroup 158.400 13. México 1.085.951 63. ENI 158.320 14. Austrália 1.015.217 64. AXA Group 156.950 15. Coreia do Sul 929.121 65. Hungria 154.668 16. Holanda 860.336 66.Sinopec-China 154.280
Fonte: Forbes (2009); World Bank (2009).
Após uma Companhia Multinacional se internalizar em um país, dá-se um
grande impacto no lugar em que ela se instala, ocorrendo a modificação de muitas
variáveis, dentre as quais, segundo Santos e Silveira (2001), pode-se destacar: a)
mudança no comportamento das empresas nacionais, que em muitos casos tendem a se
fundir em uma empresa forte para concorrer com a Multinacional; b) mudança nas
relações de trabalho; c) mudança no orçamento público; d) mudança na infraestrutura
material e social (como a questão da terra); e) mudança também nas políticas federais,
estaduais e municipais para atender às necessidades de instalação, permanência e
desenvolvimento das empresas. Essas mudanças e gastos são justificados mediante o
Petroleum 17. Turquia 794.228 67. Dexia 153.350 18. Polônia 526.966 68. General Motors 148.980 19. Indonésia 514.389 69. Ford Motor 146.280 20. Bélgica 497.586 70. HSBC Holdings 142.050 21. Suiça 488.470 71. Daimler 133.430 22. Suécia 480.021 72. Cazaquistão 132.229 23. Arábia Saudita 467.601 73. Nova Zelândia 130.693 24. Royal Dutch Shell 458.360 74. Peru 127.434 25. Noruega 449.996 75. Allianz 127.240 26. ExxonMobil 425.700 76. ArcelorMittal 124.940 27. Austria 416.380 77. Deutsche Bank 124.780 28. Wal-Mart Stores 405.610 78. AT&T 124.030 29. Iran 385.143 79. Carrefour Group 121.040 30. BP 361.140 80. E.ON 120.740 31. Grécia 356.796 81. Honda Motor 120.270 32. Dinamarca 342.672 82. Hewlett-Packard 118.700 33. Argentina 328.385 83. Generali Group 118.390 34. Venezuela 313.799 84. Valero Energy 118.300 35. Irlanda 281.776 85. GDF Suez 115.590 36. África do Sul 276.764 86. PetroChina 114.320 37. Finlândia 271.282 87. Bank of America 113.110 38.Toyota Motor 263.420 88. Hitachi 112.490 39. Tailândia 260.693 89. Kuwait 112.116 40. Chevron 255.110 90. Siemens 108.760 41. Portugal 242.689 91. Nissan Motor 108.460 42. Colômbia 242.268 92. BNP Paribas 107.960 43. ConocoPhillips 225.420 93. Berkshire Hathaway 107.790 44. Total 223.150 94. Crédit Agricole 107.750 45. República Theca 216.485 95. Nippon Telegraph &
Tel 107.020
46. Hong Kong. China 215.355 96. Citigroup 106.660 47. ING Group 213.990 97. McKesson 106.640 48. Nigéria 212.080 98. Samsung Electronics 104.420 49. Romênia 200.071 99. IBM 103.630 50. Israel 199.498 100. Nestlé 103.010
discurso oficial que apresenta essas empresas como salvadoras dos lugares e credoras de
reconhecimento pelos seus aportes de emprego e modernidade (SANTOS, 2006).
Todas essas mudanças, muito caras ao Estado e à Sociedade, não impedem a
Companhia de, a qualquer momento, sair do país e procurar um outro onde os acionistas
“...percebam ou prevejam uma chance de dividendos mais elevados, deixando a todos os
demais – presos como são à localidade [empregados, fornecedores, Estado...] – a tarefa
de lamber as feridas, de consertar o dano e se livrar do lixo...” (BAUMAN, 1999, p.15).
Corrêa (1991a) cita que hoje essas empresas têm um papel fundamental na
organização do espaço, interferindo em diversas áreas, como nas áreas agropastoris e
mineradoras (por serem grandes consumidoras e às vezes produtoras); no mercado de
trabalho (por empregarem um número elevado de pessoas); e no orçamento do Estado
(já que este tende a viabilizar o processo de acumulação dessas empresas através da
implantação de parte da infraestrutura, como rodovias, hidroelétricas, portos etc.).
Segundo Cavalcanti (1999), essas mudanças afetam o meio ambiente e os
processos de trabalho dos sistemas agroalimentares regionais. Assim, nas agriculturas
regionais, manifestam-se formas diversas de relações que emergem do jogo de forças
que se apresenta na relação entre controle global e as dinâmicas sociais locais,
implicando mudança de significado dos valores relativos ao trabalho, ao meio ambiente
e à produção e consumo de alimentos (CAVALCANTI, 1999).
A partir da concepção da Globalização como um processo histórico (MINTZ,
2003; MURRAY, 2006; SANTOS 1997), vai-se dividir a análise da globalização da
Agricultura em dois momentos, explicando-se sempre o contexto global, nacional e
regional (Nordeste) e focando-se nas políticas públicas e no processo de globalização
das frutas - núcleo deste trabalho -, já que as áreas que serão estudadas na sua segunda
parte são áreas de fruticultura para a exportação. Neste sentido, serão focalizadas a:
- Revolução Verde (entre as décadas de 1950 e 1980): em que se busca explicar
o processo de modernização da Agricultura em âmbito mundial e a inserção do Brasil
nessa conjuntura global, além de vincular esse processo aos ditames da produção
fordista em voga no mesmo período; e a
- Liberalização do Comércio na Agricultura (início na década de 1990 e em
voga até os dias atuais): em que se analisa o processo do Neoliberalismo no mercado
agrícola internacional e a inserção do Brasil nessa nova conjuntura global, além de se
vincular esse processo (em alguns momentos) aos ditames da acumulação flexível (ou
pós-Fordismo).
2.2 Globalização da Agricultura no Mundo e no Brasil
2.2.1 Revolução Verde: Pós-Segunda Guerra até meados de 1980
Nesta parte, vai-se fazer uma rápida síntese do processo de Globalização da
Agricultura, no Brasil e no Mundo, no século XX, após a Segunda Guerra Mundial até
meados da década de 1980. Isso se faz necessário para se poder vir a compreender logo
adiante, na segunda parte deste trabalho, como se deu tal processo nos municípios
globalizados do Rio Grande do Norte alvos neste estudo: Ipanguaçu e Baraúna.
Vale lembrar-se de que, durante esse período, há a difusão mundial e também
brasileira do meio técnico-científico-informacional. No Brasil, são marcos importantes
da difusão desse meio a implantação de complexos e polos industriais por todo o País,
além da ampliação da rede de transportes e comunicações e da modernização da
agricultura (SANTOS; SILVEIRA, 2001).
A Revolução Verde foi instituída no Mundo na década de 1950, com uma
participação intensiva do Estado através de políticas públicas, seja como agente
patrocinador, seja como produtor de tecnologias. Com isto, essa Revolução passa, a
partir de então, a impor transformações no campo, provocando, com sua modernização,
um processo de mudanças na divisão técnica e social do trabalho. A referida Revolução
atrela-se ao momento de dominância das formas de organização do trabalho típicas do
Fordismo, sobre o qual passar-se-á a tecer breves considerações.
Fordismo
Como dito anteriormente, a Revolução Verde vai acontecer com base em um
modelo de produção que existia desde o início do século XX - o Fordismo. Por isto,
antes de iniciar tratando- se desta questão, é importante que se busque entender um
pouco esse modelo que serviu de alicerce para a sua edificação.
O nome fordismo deriva-se do seu criador, Henry Ford, que introduziu
inovações no Processo de Produção, no início do século XX, em suas fábricas de
automóveis, com a finalidade de aumentar a produção em menor espaço de tempo. Para
tanto, o Fordismo cria o princípio da cadeia contínua, com a linha de montagem, em
que uma esteira move as peças, enquanto o trabalhador permanece fixo, realizando
tarefas especializadas, simples e repetitivas. Há a introdução da ideia de que deve haver
estandardização das peças e dos produtos para a fabricação de produtos mais baratos,
suscetíveis de serem vendidos em massa. Há também a concessão de salários elevados
para desenvolver a produção em massa pelo consumo em massa (BENKO, 1999).
Esse modelo vai vigorar com mais força após a Crise de 1929 e após a Segunda
Guerra Mundial, em 1945 - período este que passa a ser chamado de “Alto Fordismo”,
em que se reforça a atuação do Estado no desenvolvimento das economias nacionais, na
produção e no consumo de massa (com subsídios creditícios, subsídios fiscais e infra-
estrutura). Nesse período, o Capitalismo Fordista combina empresas de alta
racionalização, centralização e integração vertical com sindicatos nacionais e com uma
substancial expansão do Estado. Esse sistema propicia uma racionalização e uma
centralização do processo de trabalho, com maior especialização e mecanização da
produção, além de aumentar a inclusão de pessoas marginalizadas e ampliar o salário
médio do trabalhador. Seu ápice foi dos anos de 1950 até o fim dos de 1960
(BONANNO, 1999).
Nessa mesma época de ascensão fordista, dava-se também uma disputa global
entre duas superpotências - os EUA e a URSS -, que faziam concessões financeiras com
vários Países Subdesenvolvidos, para conseguirem apoio, fazendo com que estes
tivessem financiamentos para o desenvolvimento de seu Parque Industrial. Um exemplo
disto é a Coreia do Sul, que hoje dispõe de grandes Corporações Multinacionais, como a
LG, a Samsung e a Hyundai.
Nesse contexto de disputa global, surgem algumas instituições supranacionais
que vão financiar várias economias capitalistas no pós-guerra, além de pregarem o livre
comércio, intensificando com isto o processo de globalização da Economia. Estão entre
elas: o Banco Mundial2, o Fundo Monetário Internacional3 e o Acordo Geral sobre
2 Banco Mundial – criado em 1944 nos Acordos de Bretton Woods. Em sua primeira década de existência centrou suas atividades na ajuda para a reconstrução econômica dos países atingidos pela Segunda Guerra Mundial. Com o passar do tempo concentrou suas operações na assistência financeira aos países em desenvolvimento. Atualmente o Banco Mundial constitui a primeira fonte de financiamento multilateral ao desenvolvimento. Um detalhe importante, é que nenhum país pode ser membro do Banco Mundial sem ser do FMI (COSTA, 2008, SOLÍS, 2005). 3 Fundo Monetário Internacional – criado em 1944 nos Acordos de Bretton Woods, dentro da plataforma de elaboração de uma nova ordem mundial. O papel do FMI era cuidar da estabilidade monetária e cambial internacional e da retomada do comércio mundial. Também fornece serviços financeiros, como linhas de crédito e assistência financeira de emergência a países atingidos por crises. Desde a criação se
Tarifas Aduaneiras e Comércio - Gatt4, que iniciou a regulação internacional do
comércio global (DICKEN, 2002).
Na Agricultura, o Fordismo se destaca pela racionalização, massificação e
industrialização sob o controle e a regulação do Estado, com tecnologias patrocinadas
por este. Esse controle era para reafirmar o compromisso fordista com a produção de
alimentos baratos, que ia ao encontro da política do New Deal5, a qual pregava “um
carro em cada garagem e uma galinha em todas as panelas”. Essa política de
massificação, racionalização e industrialização da Agricultura estava sob a coordenação
de Empresas Multinacionais, fabricantes de tratores, insumos agrícolas, dentre outros.
Tal racionalização e industrialização da Agricultura ganhou o nome de “Revolução
Verde”.
A ‘Revolução Verde’ se iniciou nos Países Desenvolvidos, como os Estados
Unidos, e depois atingiu todo o Mundo. A partir da década de 1950, tem-se um grande
crescimento de produtividade e de quantidade na Agricultura, por meio do uso de
tecnologias, como os tratores agrícolas, técnicas de irrigação, defensivos químicos,
variedades de sementes, aviação agrícola, computadores, novos métodos de gestão etc.
De um lado da produção, tinha-se a Indústria Produtora de Insumos, com
fertilizantes, defensivos e corretivos; e, de outro, tinha-se a Indústria de Bens de
Capital, com tratores, colheitadeiras e equipamentos de irrigação (Quadro 6). Essa
chamada “industrialização da Agricultura” vai ser dirigida por grandes Empresas
Multinacionais.
notabilizou pelo caráter neoliberal, bem antes do neoliberalismo ganhar o mundo nos anos 1980 (COSTA, 2008; SOLÍS, 2005). 4 Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio – Gatt - , foi estabelecido pela primeira vez em 1947, naquele momento, somente 23 países faziam parte do Acordo. Foram feitas uma série de rodadas em busca da liberalização comercial desde 1947 em intervalos irregulares de tempo, sendo responsável pela redução de tarifas nos produtos manufaturados de aproximadamente 40% nos anos 1940 para 4% no meio da década de 1990. A sua última e mais importante rodada foi a Rodada Uruguai (1986-94), - nesse contexto o Gatt contava com mais de cem membros - onde pela primeira vez se buscou a regulação da agricultura, têxteis, roupas, propriedade intelectual, dentre outros. Foi substituído por uma instituição mais forte em 1995, com a emergência da Organização Mundial do Comércio – OMC (DICKEN, 2002). 5 “Nome dado ao movimento de reformas econômicas e sociais preconizadas por F.D.Roosevelt nos EUA, implantadas a partir de 1933, para resolver a crise econômica que assolava há quatro anos o país. O conjunto de medidas visava a aumentar o poder aquisitivo da população, socorrer os desempregados, aumentar o rendimento dos agricultores e organizar grandes obras públicas.” (LAROUSSE CULTURAL, 1998, p. 4199).
Quadro 6 - Cadeia da produção rural
Fonte: Guimarães (1979).
Whatmore (2002) ressalta que, com esse processo de industrialização da
Agricultura, vai ocorrer uma modificação tecnológica de processos biológicos na
fazenda e o incremento do processamento e embalagem fora da fazenda, intensificando-
se o crescimento dos setores “off-farm”.
A partir disto, vai se dar com mais intensidade a integração na Agricultura,
não só para assegurar a obtenção de meios de produção mais eficientes, necessários ao incremento de sua produtividade, como também para garantir o escoamento dos seus produtos em um mercado cada vez mais controlado pelas grandes empresas industriais e ou comerciais (GUIMARÃES, 1979, p. 93).
Essa integração, que provoca o surgimento de cartéis6, monopólios7,
conglomerados8, característicos do Capitalismo Monopolista, se dá de duas formas: a
Vertical, dominando a cadeia produtiva e gerando mais lucro; e a Horizontal,
dominando o mesmo gênero ou ramo de produção.
Nova Divisão do Trabalho
Segundo Guimarães (1979), nesse novo contexto, tem-se o surgimento de uma
nova Divisão Internacional do Trabalho. Antes desta, existiam Países Agrários e Países
Industriais. Agora se tem a internacionalização da produção com Países Desenvolvidos
(industrial-agrários) e Países Subdesenvolvidos (agrário-industriais).
6 Cartéis são formações de blocos de empresas que se unem para fazer acordos acerca de medidas de interesse comum ou de vantagens recíprocas, dividindo mercados, estabelecendo preços em comum acordo e com isso prejudicando o consumidor dos seus produtos. 7 Monopólio significa a exploração exclusiva de um negócio ou indústria por um grupo, em virtude de um privilégio. 8 Conglomerados são grupos de empresas que se associam, atuando em diferentes setores ou ramos da economia, para evitar prejuízos totais em um setor, sendo que normalmente nenhuma delas fornece elementos para a linha de produção das demais.
Indústria Produtora de Insumos - Fertilizantes - Defensivos - Corretivos
PRODUÇÃO
RURAL
Indústria de Bens de Capital - Tratores - Colheitadeiras - Equip. Irrigação
Tal internacionalização, nos moldes da nova Divisão Internacional do Trabalho,
ocorre geralmente com a chegada das filiais das Multinacionais nos Países
Subdesenvolvidos.
Essa nova divisão do trabalho acaba com a dicotomia centro/periferia no
comércio e no investimento. As Multinacionais agora podem investir em qualquer parte
do Mundo se aproveitando dos avanços nos transportes e nas comunicações, e usando o
exército de reserva e mão-de-obra não-especializada (MURRAY, 2006).
Tais tipos de empresas produzem para o Mercado Interno desses Países e, em
sua maior parte, para os Países Desenvolvidos. São empresas que monopolizam a
fabricação de equipamentos agrícolas, de defensivos, fertilizantes, sementes e toda a
sorte de insumos agrícolas, além de pregarem a modernização do sistema latifundiário-
exportador e não o fim dele. Nas suas matrizes nos Países Desenvolvidos, ficam
concentrados a produção de alta tecnologia e o desenvolvimento de P&D
(GUIMARÃES, 1979; WRIGHT, 2002).
A partir desse tipo de industrialização da Agricultura, vai se exigir da empresa
agrícola um aumento do volume de capital para sua implantação - o que contribui para
colocar a Agricultura Moderna inteiramente fora do alcance da imensa maioria do
campesinato (GUIMARÃES, 1979). Com isto, começa-se a notar a saída dos pequenos
agricultores das regiões produtivas, trazendo como consequência uma intensificação da
concentração da propriedade agrária, paralelamente à fragmentação ou eliminação das
explorações economicamente débeis para a economia de mercado.
Com a intensificação da industrialização da Agricultura, na década de 1950,
emerge o Complexo Agroindustrial, que teve como atores principais grandes indústrias
processadoras de produtos agrícolas e gigantes fabricantes de insumos agrícolas.
Esse Complexo se dá por um grande movimento de integração vertical e
horizontal, por meio de um processo de fusões e aquisições que transformam a
Agroindústria (insumos e transformação) em uma cadeia monopolística. Com a
integração vertical, com as grandes corporações de insumos a montante do produtor e as
indústrias processadoras a jusante, tem-se um verdadeiro cerco à produção, gerando
com isto o controle total desta e da distribuição, bem como a perda de autonomia do
produtor (GUIMARÃES, 1979).
Em decorrência da instalação desse novo modelo, vai haver mudanças
significativas principalmente na agricultura dos Países Subdesenvolvidos. Shiva (2003)
retrata bem essa mudança ocasionada pela ‘Revolução Verde’ no Mundo
Subdesenvolvido, quando ressalta que “os sistemas agrícolas tradicionais baseiam-se
em sistemas de rotação de culturas de cereais, legumes, sementes oleaginosas com
diversas variedades em cada safra, enquanto o pacote da Revolução Verde baseia-se em
monoculturas geneticamente uniformes.” (SHIVA, 2003, p. 57).
Além da substituição da tradicional rotação de culturas pelas monoculturas de
base genética uniforme, ocorreram também outras mudanças que alteraram o equilíbrio
que antes existia entre a Agricultura e a Natureza, conforme destaca Shiva (2003, p. 56):
Na agricultura nativa, por exemplo, os sistemas de cultivo incluem uma relação simbiótica entre solo, água, plantas e animais domésticos. A agricultura da Revolução Verde substitui essa integração no nível da propriedade rural pela integração de insumos como as sementes e os produtos químicos.
George (1989, p.87) discorre sobre as mudanças na paisagem agrícola com a
emergência da Revolução Verde e das monoculturas.
Numa paisagem uniformizada, desapareceram os animais de tração, os homens são raros, as diferenças regionais esbatem-se, os trabalhos são rapidamente feitos com a ajuda de enormes máquinas que, no que resta de tempo, dormem nos hangares, enquanto os exploradores fazem as suas contas tendo em atenção os movimentos internacionais e os artifícios da política agrícola.
Já Ianni (2004, p.42-43) ressalta que
A maquinização e a quimificação, acionadas com a agroindústria, mudam a face e a fisionomia da economia, sociedade e cultura [...] ocorre à substituição parcial ou até mesmo total de matérias-primas de origem agropecuária por matérias-primas produzidas pela indústria química [...] em conjugação com a maquinização e quimificação das atividades produtivas no campo, em conjugação com a substituição de matérias-primas, reduz-se drasticamente o contingente de trabalhadores rurais, compreendendo famílias, vizinhanças, bairros, patrimônios, colônias, vilas etc. no campo.
Essa Revolução, com a adição de produtos químicos, insumos e variedades de
sementes estrangeiras, que vão ser utilizadas em monoculturas em larga escala, não só
vai gerar vulnerabilidade ecológica - com a redução da diversidade genética e a
desestabilização dos sistemas do solo e da água -, como também dependência das
empresas multinacionais produtoras de veículos, máquinas e implementos agrícolas,
química e petroquímica produtora de defensivos e de sementes, dentre outros.
Tais Empresas Multinacionais vão receber ajuda do Banco Mundial, que, em
1970, cria o Grupo de Consultoria Internacional de Pesquisa Agrícola (GCIPA),
responsável por desenvolver sementes para os Países Subdesenvolvidos.
Para se desenvolverem, essas sementes vão depender de fertilizantes, pesticidas
e máquinas produzidas por conglomerados de grandes Empresas Multinacionais,
criando assim uma relação de dependência entre estas e os Países Subdesenvolvidos
(SHIVA, 2003, p. 102).
Tal organização entre Empresas Multinacionais, Organismos Internacionais de
Financiamento e novas tecnologias mecânicas, químicas e biológicas vai gerar nos
Países Subdesenvolvidos uma séria ameaça à sua biodiversidade local e também às suas
estruturas políticas e econômicas autosustentáveis. Essa ameaça começa a se concretizar
com a destruição do meio ambiente natural devido à inserção de megaprojetos
financiados pelos Organismos Internacionais, como a construção de represas e rodovias.
Depois, tal ameaça se intensifica com a tendência tecnológica e econômica de
se procurar substituir a diversidade pela homogeneidade, gerando, com isto, sistemas de
produção homogêneos e unidimensionais que “desintegram a estrutura da comunidade,
desalojam as pessoas das diversas ocupações e tornam a produção dependente de
insumos externos e mercados externos.” (SHIVA, 2003, p. 89). Isto gera
vulnerabilidade e instabilidade política e econômica, porque a base da produção é
ecologicamente instável e os mercados de bens internacionais são economicamente
instáveis.
Revolução Verde no Brasil
No Brasil, por sua vez, a inserção da Agricultura na Revolução Verde e
consequentemente também no processo de acumulação capitalista passou por um
processo evolutivo, que, segundo Santana (1997), enquadrou três fases, a saber: a
Modernização da Agricultura, a Industrialização da Agricultura e, por fim, a formação
de Complexos Agroindustriais (CAIs).
Vale salientar que, apesar da evolução das fases utilizadas por Santana (1997),
um termo não exclui os outros: todos se agregam em um processo contínuo. Por isto,
vai-se adotar durante todo o trabalho, como símbolo da evolução do Capitalismo na
Agricultura nos anos recentes, a expressão “Modernização da Agricultura”, por
abranger as mudanças no meio agrícola causadas pelo capital, além de ser uma
expressão de fácil entendimento e bastante utilizada por teóricos da área, como Santos e
Silveira (2001) e Elias (2002a).
A Modernização da Agricultura ganha dimensão nacional após 1960, utilizando
insumos modernos, embora houvesse espaço ainda para a produção artesanal. Introduz-
se, nesse período, na Agricultura o uso de máquinas (tratores, arados, colheitadeiras),
inovações químicas (fertilizantes, agrotóxicos, corretivos etc) e se produzem novas
variedades de culturas (SANTANA, 1997; ELIAS, 2002a).
A Industrialização da Agricultura, por sua vez, vai se intensificar nos idos de
1965, com mudanças tanto na base técnica, quanto nas relações de trabalho. A partir
desse período, há uma tendência de mecanização da Agricultura em todo o Processo
Produtivo (industrialização desse Setor), que se traduz na substituição da habilidade
manual e da destreza do trabalhador no campo pelas atividades mecanizadas. A
Agricultura passa a ser um ramo da produção semelhante à Indústria, comprando
determinados insumos e máquinas e produzindo matérias-primas para outros setores
produtivos. Nessa época, boa parte das máquinas, equipamentos e insumos modernos
que eram importados passa a ser produzida no Brasil (SANTANA, 1997), lembrando
que essa industrialização da Agricultura vai se intensificar nas áreas mais capitalizadas,
escolhidas pelo capital, também chamadas de “espaços luminosos” por Santos e Silveira
(2001). Paralelamente a isto, muitas áreas marginais do País, áreas abandonadas pelo
capital ou espaços opacos, não vão ter tal industrialização.
Quanto aos Complexos Agroindustriais (CAIs), há controvérsias sobre o período
em que surgiram no Brasil. Alguns autores, como Mazzali (2000), afirmam que foi nos
anos de 1960; já para Santana (1997), somente na segunda metade dos anos de 1970 é
que se pode falar nesses tipos de Complexos, que são compreendidos pelo processo de
fusão ou integração de capitais intersetoriais da agricultura/indústria.
Os CAIs caracterizam-se
fundamentalmente, pela implementação , no Brasil, de um setor industrial produtor de bens de produção para a agricultura. Paralelamente, desenvolve-se ou moderniza-se, em escala nacional, um mercado para produtos industrializados de origem agropecuária, dando origem à formação simultânea de um sistema de agroindústrias, em parte dirigido para o mercado interno e, em parte, voltado para a exportação (DELGADO, 1985 apud SANTANA, 1997, p.17).
Segundo Mazzali (2000), os CAIs tratam da articulação da Agricultura, por um
lado, com a Indústria Produtora de Insumos e Bens de Capital Agrícolas e, por outro,
com a Indústria Processadora de Produtos Agrícolas - a Agroindústria.
Com a emergência do Complexo Agroindustrial, tem-se como suporte para este
um tripé, que se sustenta através de um padrão de desenvolvimento tecnológico, de uma
inserção da Agricultura Brasileira no Mercado Internacional, com mais produtos
agrícolas elaborados, e também através da intensa atuação do Estado com sua regulação
financeira.
No decorrer da década de 1970, começa-se a ter, cada vez mais, a inserção de
grandes holdings multinacionais na formação dos CAIs e, com a presença intensiva das
Multinacionais,
cada vez mais, a produção para o autoconsumo é substituída pela economia de mercado, em decorrência das demandas urbanas e industriais, com vistas à produção de mercadorias padronizadas para o consumo de massa globalizado, aumentando a taxa de internacionalização da agropecuária brasileira em cujo processo as multinacionais são os agentes mais poderosos (ELIAS, 2002a, p. 15).
Para se ter uma dimensão dessas empresas no Complexo Agroindustrial
Brasileiro, em meados de 1970, observa-se que o dispositivo básico desse Complexo já
era dominado por 23 empresas a montante (empresas que ficam no início da cadeia
produtiva, ou seja, aquelas que são fornecedoras de insumos e maquinários agrícolas) e
77 a jusante (empresas que ficam no final da cadeia produtiva, ou seja, as que compram
a produção agrícola para o beneficiamento e para a venda ao mercado consumidor)
(GUIMARÃES, 1979). Entre elas estava, a montante, a Massey-Ferguson, uma das
maiores produtoras mundiais de maquinaria agrícola, e, a jusante, a Nestlé, a maior
multinacional do ramo alimentar, que já dava assistência técnica e controlava bacias
leiteiras no País.
Com a instalação dessas fábricas, o Complexo Agroindustrial passa a se
caracterizar como de forte participação estrangeira. “As subsidiárias de multinacionais
[...] atuam no mercado em condições de monopólio ou oligopólio, o que torna o seu
domínio, dentro do complexo agro-industrial, ainda mais completo.” (GUIMARÃES,
1979, p. 134).
Segundo Elias (2002b, p. 282), a expansão dos CAIs veio a constituir o principal
vetor da reestruturação produtiva da Agropecuária Brasileira e, consequentemente,
também da organização do agribusiness brasileiro e da expansão do Meio Técnico-
Científico-Informacional no campo.
Essa modernização ocasionada pela ‘Revolução Verde’, ocorrida nas décadas
de 1960 e 70, se concentra nos estados do centro-sul do País, principalmente nas
grandes propriedades, e vai contar com um amplo envolvimento do Estado Brasileiro,
através do fornecimento de crédito, não só para a compra de tratores e outros bens de
capital produzidos pelas Empresas Multinacionais, mas também para a produção
voltada para a exportação, como a soja, óleos vegetais, sucos e frutas, carnes de aves e
bovinos (MAZZALI, 2000), privilegiando também a indústria química produtora de
fertilizantes e defensivos agrícolas. Inclusive Sá (1998) enfatiza que, no Brasil, o Estado
foi o principal “articulador” do processo de capitalização do campo, através dessas
políticas de incentivo.
Tal modernização, entretanto, se caracteriza como conservadora, tendo em vista
que ela privilegia apenas algumas culturas e regiões assim como alguns tipos
específicos de unidades produtivas, como as médias e grandes propriedades (SOTO,
2002, p. 11).
Vai ocorrer também no Brasil, por parte do Estado Autoritário, uma política de
incentivos fiscais ao capital que visa a incrementar a exportação de produtos agro-
industriais, além da ajuda de órgãos de pesquisa do Governo, como a Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e a Empresa de Assistência Técnica
e Extensão Rural (EMATER), com vistas a trazer inovações biológicas voltadas
principalmente para os produtos constantes na pauta de exportações.
Essa política de intervenção a partir da atuação do Estado Autoritário, para fazer
presentes os meios necessários e incorporar o País na Revolução Verde, também
aconteceu no nordeste do Brasil.
Revolução Verde no Nordeste com a atuação do Estado através de Políticas Públicas
Para se ter as condições propícias para o desenvolvimento da Revolução Verde
no Nordeste, o Estado teve que intervir com uma série de políticas públicas para
dinamizar a Agricultura da Região e possibilitar a sua entrada no Sistema Global de
Acumulação Capitalista. Para tanto, conforme se verá abaixo, foi necessário um rápido
processo de periodização das políticas públicas impostas à Região no século XX,
percebendo-se, dessa forma, a evolução da atuação do Estado no espaço nordestino e
seu processo de intervenção voltada para a modernização da Agricultura em moldes
conservadores.
O período que vai do início do século XX até a década de 1950 corresponde à
Fase Hidráulica, na qual a ação governamental na Região tendeu a assumir a postura
predominante de uma “luta contra as secas”, em detrimento de quaisquer outros
objetivos. Com essa finalidade, órgãos oficiais foram criados desde 1909, sendo o
primeiro a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), inspirada no Reclamation
Service, surgido nos Estados Unidos em 1902, que depois, no Governo Epitácio Pessoa
(1919-22), foi transformada em Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS).
Em 1945, esse órgão passou a denominar-se “Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas” (DNOCS), para reforçar essa estratégia de intervenção, cuja limitação
principal tem sido a visão dominante de que a solução seria de natureza apenas
“hidráulica”, em detrimento de uma política séria de desenvolvimento capaz de intervir
no processo que gerava a pobreza do homem rural nordestino (NOSSA HISTÓRIA,
2005; POMPONET, 2009).
Mas, não obstante essa visão predominante, Castro (1984, p.200-201), já
observava tentativas de fruticultura irrigada nas estações agrícolas experimentais da
antiga Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, a partir da década de 1930. Segundo
este autor,
Provando que o meio ecológico permite a fruticultura com rendimentos compensadores, estão os resultados obtidos pelas estações agrícolas experimentais da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. As tentativas de fruticultura realizadas nas terras irrigadas pelos grandes açudes têm surpreendido aos próprios técnicos encarregados deste serviço. O agrônomo José Augusto Trindade, que chefiou este serviço, escrevera em 1937 as seguintes palavras: “A fruticultura está fadada a constituir um dos recursos de exploração mais rendosos das bacias de irrigação dos açudes. Mas, além de riqueza, ela tem no sertão uma alta finalidade humana. As frutas e as hortaliças em toda parte constituem alimento indispensável à saúde e à eficiência do trabalho humano, mas no sertão tal exigência sobe de grau devido ao clima cálido e à alimentação concentrada, pobre em vitaminas e minerais. De sorte que o estímulo da pomicultura nas áreas irrigáveis tem uma finalidade social de alta monta: tornar acessível às populações sertanejas um alimento saboroso e dotado de tantas propriedades higiênicas. Penso, entretanto, que a produção de frutas nas bacias de irrigação não deve apenas visar o abastecimento das feiras sertanejas. Não é desarrazoado prever que as laranjas do sertão, graças à qualidade finíssima que os nossos ensaios entremostram, conquistem os mercados das capitais e das cidades principais do Nordeste.
Em 1948, há um início de indicativo de mudança dessa política com a criação da
Comissão do Vale do São Francisco (hoje, Companhia de Desenvolvimento dos Vales
do São Francisco e do Parnaíba - CODEVASF), fortemente influenciada pelo Tenessee
Valley Authority (TVA), cujo objetivo era desenvolver a área do rio; e da Companhia
Hidroelétrica do Vale do São Francisco (CHESF), para produzir e distribuir energia
elétrica para a região (SOUZA, 1997; CARVALHO, 2001).
Segundo Elias (2001), a fase hidráulica possibilita, através da construção de
açudes por todo o Nordeste, a perenização de alguns rios e a realização de uma
agricultura irrigada de pequena dimensão técnica e econômica quase exclusivamente
voltada para a subsistência. Essa fase marcava o início do Meio Técnico no espaço
agrícola.
Mas a Fase Hidráulica também serviu para a preservação da estrutura fundiária
regional, extremamente concentrada, e de sua base técnica arcaica de produção,
mantendo intocável também “a força política das oligarquias agrárias, que se
sustentavam com a difusão da ‘indústria da seca’, explorando a miséria nordestina, base
para a formação e manutenção do coronelismo que legitimava localmente o poder
central.” (ELIAS, 2001, p.8).
Na segunda metade da década de 1950 vai ter início uma estratégia de
desenvolvimento regional, com a criação do Grupo de Trabalho para o
Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) pelo Governo Federal, em 1956. Isto só se torna
possível devido ao medo da instabilidade na região com a gritante desigualdade em
relação a São Paulo e principalmente com o avanço das Ligas Camponesas e seus ideais
comunistas pelo campo nordestino.
Com o surgimento, em 1959, do Relatório do GTDN, intitulado “Uma Política
de Desenvolvimento Econômico para o Nordeste”9, começava a elaboração de uma
estratégia de desenvolvimento regional, que culminaria, no mesmo ano, com a criação
da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE)10. Esse órgão foi
responsável pela “elaboração de inúmeras políticas públicas visando expandir as
condições técnicas e econômicas necessárias à modernização da agropecuária, entendida
como a expansão do capitalismo no campo.” (ELIAS, 2001, p.8).
No seu plano de ação inicial, o GTDN recomendou a adoção de políticas que
realizariam a tão necessária transformação do Nordeste. Essas medidas consistiam em:
a) intensificação dos investimentos industriais para criar um centro manufatureiro 9 Esse relatório, inteiramente escrito por Celso Furtado, diagnosticava que as desigualdades socio-econômicas regionais eram mais intensas entre o Centro-sul e o Nordeste. Acrescentava ainda que a economia nordestina estava crescendo a um ritmo inferior ao do Centro-Sul, com o que, mantidas as condições prevalecentes, aquelas disparidades tenderiam a aumentar cada vez mais (CARVALHO, 2001). 10 Criada em 1959, a SUDENE foi a principal instituição estatal responsável pela organização e planejamento das políticas públicas de modernização do espaço nordestino. Teve como mentor e coordenador o economista Celso Furtado (CARVALHO, 2001).
autônomo; b) garantia, por meio de uma mudança radical na economia agrícola da Zona
da Mata (Reforma Agrária), de uma oferta adequada de alimentos que viabilizasse o
crescimento dos centros urbanos e da industrialização; c) transformação da economia
das áreas semiáridas, no sentido de elevar sua produtividade e de torná-la mais
resistente ao impacto das secas; e d) deslocamento da fronteira agrícola, visando a
incorporar à economia da região as terras úmidas da hinterlândia maranhense, em
condições de receber os excedentes populacionais criados pela reorganização na faixa
semiárida (GTDN apud CARVALHO, 2001).
Para cumprir o que recomendava o GTDN para o desenvolvimento do Nordeste,
quatro Planos Diretores de Desenvolvimento Regional foram elaborados e aprovados
pelo Congresso, com a finalidade de servirem de orientação para as ações que viriam a
ser implementadas pela SUDENE.
A seguir, serão analisados sucintamente os referidos Planos, no que diz respeito
ao Setor Agrícola:
O primeiro Plano Diretor (1961-63) visava ao aproveitamento racional dos
recursos hídricos, à reestruturação da economia agrícola, à racionalização do
abastecimento e a uma política de colonização. Esse Plano deu maior ênfase à infra-
estrutura, principalmente a estradas, energias e comunicações, para possibilitar que
posteriormente se realizasse um grande volume de investimentos na região.
O segundo Plano Diretor (1963-65) institucionalizava o Crédito Rural11,
vinculando a este a compra de insumos agrícolas, como agrotóxicos, fertilizantes,
sementes melhoradas e maquinário. Além disto, esse Plano também ampliou o Sistema
de Incentivos Fiscais, dando permissão às pessoas jurídicas de deduzirem até 50% nas
suas declarações de rendas, para aplicação em projetos agrícolas. Mas, em função das
dificuldades de se intervir na questão agrária (pela força da oligarquia agrária), questões
11 “A institucionalização do crédito rural no Brasil data de 1965, quando o Governo Federal aumentou os estímulos, incentivando a modernização agrícola e facilitando o acesso à aquisição dos novos insumos técnicos e intelectuais. O Decreto 58.380 de 10/05/1966 regulamenta a Lei 4.829 de 1965 e estabelece os objetivos do crédito rural. Entre eles estavam: estimular investimentos rurais, favorecer o custeio da produção e comercialização, fortalecer produtores rurais e incentivar a modernização. De fato, esses incentivos provocaram o aumento do consumo de agrotóxicos e a expansão das grandes empresas agropecuárias, pois os empréstimos eram cedidos aos produtores mediante a compra de novos insumos. Os produtores rurais se viam obrigados a endividar-se com o SNCR (Sistema Nacional de Crédito Rural), adquirindo os novos insumos para se manterem competitivos no mercado. A compra pelo agricultor desses insumos é condição para o seu acesso aos recursos, já que o Manual de Crédito Rural estipulava que 15% do orçamento do custeio seriam utilizados no emprego de agrotóxicos, serviços de aviação agrícola, fertilizantes, sementes melhoradas, eletricidade etc. Tal fato vem reforçar a idéia de que a política de crédito rural nos anos 1960-70 beneficiou sobretudo as multinacionais do setor químico presentes no Brasil.” (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p.383).
como a colonização do Maranhão e o ataque direto aos problemas agrícolas regionais
ficaram em plano secundário (SANTOS; SILVEIRA, 2001; CARVALHO, 2001).
Todavia, no meio desse Plano Diretor ocorre o Golpe Militar (1964) e com ele a
mudança da estratégia de desenvolvimento regional para o Nordeste. Faz-se sentir, após
o golpe, uma crescente diminuição do poder institucional da SUDENE e a implantação
da Modernização Conservadora no campo, com a inviabilização da reforma agrária.
Os projetos de reforma fundiária na Zona da Mata para a produção de alimentos
e de colonização das terras úmidas do Maranhão pelos excedentes populacionais do
Semiárido jamais serão postos em prática. Hoje se observa a mesma concentração
fundiária de centenas de anos atrás na referida Zona, como também, nas terras úmidas
do Maranhão, a agricultura de grãos de exportação principalmente pela grande
propriedade.
No Governo Militar, a redução das desigualdades regionais é posta de lado, o
sistema de incentivos, que era restrito à Amazônia e ao Nordeste, passa a ser difuso,
setorial e muitas vezes localizado nos centros mais desenvolvidos do País. Um exemplo
disto é a instituição, em 1965, do novo Sistema Nacional de Crédito Rural, que
subsidiava principalmente os modernos segmentos voltados para a exportação, que eram
basicamente localizados na agricultura moderna de São Paulo e do sul do País
(CARVALHO, 2001).
O terceiro Plano Diretor (1965-67), por sua vez, aumentava as atividades de
extensão rural e reestruturação agrícola. Em 1968, em plena vigência desse Plano, o
Grupo Executivo de Irrigação para o Desenvolvimento Agrícola (GEIDA) fez um
levantamento de áreas irrigáveis para a reestruturação agrícola. “Para a reestruturação
da economia agrícola nordestina, destacava-se a continuação dos projetos de irrigação
do Submédio São Francisco, o desenvolvimento integrado do Vale do Jaguaribe e dos
incentivos às pesquisas de experimentação agronômicas.” (SOUZA, 1997, p. 503).
Já o quarto Plano Diretor (1969-73) direcionava estudos para o estabelecimento
de uma política de água, um reforço à política de expansão da oferta de terras
agricultáveis, através da ampliação do número de projetos de irrigação e para uma
racionalização do abastecimento de gêneros alimentícios.
Houve diversos problemas de execução das metas dos Planos Diretores por falta
de articulação entre a SUDENE e as diversas regiões do Nordeste. Desses problemas
ficam mais evidentes o problema de escassez dos recursos orçamentários e as limitações
dos esforços no sentido de coordenar as políticas de desenvolvimento regional.
A década de 1970 vai marcar um estilo de Planejamento Centralizado em nível
federal, com a instituição do Sistema Nacional de Planejamento em 1969. A partir desse
momento, observa-se, de forma clara, a perda de poder da SUDENE.
No que diz respeito à política para o Setor Rural, a década de 1970 se
caracterizou por um conjunto de iniciativas voltadas para a modernização da
Agricultura Brasileira, mantendo intocável a estrutura agrária existente. Esse processo
passou a ser denominado de “modernização conservadora.” Para executar essa
modernização, o Estado Brasileiro empreendeu, a partir de 1973, a implantação de um
sistema de planejamento agrícola, de pesquisa e de extensão. Para isto, empreendeu a
criação de Comissões Estaduais de Planejamento Agrícola, da EMBRAPA e da
Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER). Em vez de
Planos Diretores, os anos de 1970 trazem a elaboração de Planos de Desenvolvimento
do Nordeste, com as diretrizes regionais compatibilizadas com as do Planejamento
Nacional. Tais Planos foram inseridos nos Planos Nacionais de Desenvolvimento - os
famosos PNDs (GRAZIANO, 1981 apud SOUZA, 1997).
No I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), são definidos dois tipos de
Programa: o de Integração Nacional (PIN) e o de Redistribuição de Terras e de Estímulo
à Agroindústria do Norte e Nordeste (PROTERRA).
O PIN continha cinco linhas de ação, das quais duas eram direcionadas para o
Nordeste: o Plano de Irrigação do Nordeste, destinado ao aproveitamento dos vales
úmidos da Região e também à elevação da produtividade da faixa semiárida; e a
implantação de corredores de exportação por todo o Nordeste (SOUZA, 1997).
O PROTERRA continha duas linhas principais: a compra e desapropriação de
terras e a concessão de créditos a juros subsidiados pelo Governo. Esse Programa visava
a implantar projetos agrícolas com sentido empresarial e também financiar, a longo
prazo e com juros baixos, os projetos agropecuários, a expansão da Agroindústria e da
exportação. Visava também à aquisição de terras ou desapropriação para venda por
parte de pequenos e médios produtores rurais, além de empréstimos a estes. No entanto,
segundo Carvalho (2001, p.56),
O que se observou foi que quase todos os recursos do PROTERRA foram utilizados para estradas, usinas hidrelétricas e linhas de transmissão. A pequena parcela de recursos aplicada na agricultura foi destinada a médios e grandes proprietários, sendo desprezível a redistribuição de terras para os pequenos agricultores. Houve, ao contrário, um aumento da concentração da terra.
O II PND continuou com os dois Programas lançados no I PND e lançou dois
novos, a saber: O Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste
(POLONORDESTE) e o Programa Especial de Apoio ao Desenvolvimento da Região
Semiárida do Nordeste (Projeto “Sertanejo”). Esses programas novos, chamados de
especiais, foram concebidos de forma centralizada e fora do âmbito do planejamento
regional, que tem como órgão coordenador a SUDENE - o que reflete o aumento do
poder central e a crescente marginalização da SUDENE nos processos de decisão. Esses
dois Programas receberam recursos do PROTERRA.
Vale lembrar que, nesse mesmo ano de lançamento do II PND (1974), foi criado
pelo Governo Federal o Sistema FINOR, pelo qual, através de um sistema de deduções
de imposto de renda pessoa jurídica, da ordem de até 24%, a empresa privada passava a
ser quotista do fundo de investimento do Nordeste, que chegou a patrocinar inúmeros
projetos de inserção de empresas nessa região (CARVALHO, 2001)
O POLONORDESTE, criado em 1974, tinha como objetivo promover o
desenvolvimento e a modernização das atividades agropecuárias de algumas áreas
consideradas prioritárias do Nordeste, transformando progressivamente a agropecuária
tradicional em moderna economia de mercado (PIMES apud CARVALHO, 2001).
Entre as propostas, buscava-se com esse projeto a reorganização agrária e a
complementação da infraestrutura, da pesquisa, da assistência técnica, do crédito e da
comercialização. Os polos seriam áreas selecionadas, denominadas “áreas integradas”,
nas quais seriam realizados esforços concentrados, com o objetivo de transformá-las em
polos de desenvolvimento rural. Essas áreas teriam seus efeitos irradiados para as áreas
circunvizinhas. Em cada polo, ter-se-iam ações para a construção de estradas, armazéns,
obras de eletrificação, além do crédito, da extensão, da pesquisa e da experimentação
agrícola (SOUZA, 1997). Esse Programa se constituiu num divisor de águas nas
políticas públicas orquestradas pelo Estado Autoritário, por ser um marco da
intervenção do Banco Mundial na Agropecuária Nordestina, quando o então Estado
Brasileiro deixaria de ser “autoritário ativo” para ser um mero intermediário das
Políticas Internacionais. A partir desse momento, órgãos supranacionais vão intervir
diretamente nas políticas públicas relacionadas à modernização da Agricultura no
Nordeste.
O principal problema que o POLONORDESTE apresentou, sem dúvida, foi o de
não ter contemplado qualquer modificação na estrutura agrária, limtando-se à
implantação da infraestrutura, seguida do crédito vinculado à assistência técnica e à
extensão rural. Como resultado, os principais beneficiários foram os médios e grandes
proprietários (CARVALHO, 2001).
O Programa Especial de Apoio ao Desenvolvimento da Região Semiárida
(Projeto Sertanejo), criado em 1976, tinha como objetivo principal tornar a economia da
região do Semiárido Nordestino mais resistente às secas, mediante, principalmente, a
associação da agricultura irrigada com a agricultura seca. Sua população-meta seria a
pequena e média unidade produtiva agropecuária do Semiárido. O Projeto Sertanejo
estabeleceu estreita articulação com o POLONORDESTE e suas ações deveriam ser
executadas com base nos núcleos de prestação de serviços desenvolvidos a partir dos
projetos de irrigação do DNOCS, principalmente. Tal Projeto teve a participação de
técnicos da SUDENE, diferentemente de outros programas da mesma época.
O referido Programa dividiu a população beneficiada em quatro estratos, quais
sejam: I) trabalhadores sem terra e assalariados; II) pequenos proprietários; III) médios
proprietários até 500 hectares; IV) proprietários de terras com mais de 500 hectares que
proporcionem acesso aos estrados I e II.
O que se observou no final foi que o Programa concentrou 80% dos benefícios
nos estratos III e IV (com a construção de açudes e poços e com a concessão de crédito
subsidiado destinado a financiar a modernização dos processos produtivos), enquanto a
maioria dos agricultores que estavam nos dois primeiros estratos ficou apenas com 20%
dos benefícios. Em geral, nenhum programa implantado nessa época resolveu o
problema fundiário do Nordeste. Ao contrário, as políticas adotadas no contexto da
Modernização Conservadora reforçaram a grande propriedade (CARVALHO, 2001).
Além dos anteriormente citados, três outros Programas Especiais, voltados para
o meio rural, foram criados. São eles: o Programa Especial de Apoio às Populações
Pobres das Zonas Canavieiras do Nordeste (PROCANOR), o Programa de
Aproveitamento de Recursos Hídricos (PROHIDRO) – cujo principal objetivo era
armazenar água, com a construção de açudes pequenos e médios -, o Programa de
Emergência, que visava a prestar auxílio às populações atingidas pelas secas no início
dos anos de 1980.
Além desses três Programas Especiais adicionais, o Estado lançou, em 1978, o I
Programa Plurianual de Irrigação (PPI), financiado pelo PIN (criado no I PND). Este e
outros Programas de Irrigação coordenados pelo DNOCS se comprometem com a
transformação tecnológica e gestação de polos de desenvolvimento agrícola e negam a
experiência camponesa, pois
O gerenciamento do Estado sobre os recursos hídricos no semi-árido viabilizou a generalização de empreendimentos privados de irrigação. Aos capitais coube condições favoráveis de acesso a terra e a água, permitindo o uso de técnicas modernas que, minimizando a sazonalidade, aproximaram a produção do padrão industrial (VALENCIO,1995, p. 46).
O PPI incluiu 36 Projetos do DNOCS localizados no Polígono das Secas,
havendo prioridade de verbas para os projetos hídricos nos vales úmidos, como:
Gurgueia e Parnaíba (PI), Acaraú e Jaguaribe (CE), Itapicuru e Rio das Contas (BA) e
Açu e Apodi (RN). Com esses projetos hídricos, tem-se a intensificação da
concentração da estrutura agrária nos vales úmidos do Semiárido, como aconteceu no
Vale do Açu.
O objetivo desses Projetos era a construção de perímetros irrigados públicos,
onde o Estado investiria em fixos associados à irrigação (canais, barragens, perímetros
irrigados) e em políticas voltadas para a assistência técnica, a extensão e o crédito.
Nesse momento
[...] da adoção do modelo de irrigação pública, baseado em grandes perímetros irrigados, havia resquícios de preocupações sociais, mesmo que fundamentado em uma política assistencialista. Dessa forma, parte significativa dos lotes eram distribuídos para produtores e suas famílias. O DNOCS foi o grande gestor do perímetro, responsabilizando-se pelas diferentes necessidades para seu funcionamento, desde a execução das obras de engenharia. Formaram-se várias associações de produtores, especialmente cooperativas, mas tinham pequena participação nas tomadas de decisão (ELIAS, 2002b, p. 298).
Mas, apesar do relativo sucesso em alguns projetos hídricos, outros acabaram
sem o perímetro irrigado público e com as terras à mercê da especulação imobiliária,
como foi o caso de Ipanguaçu.
Deu-se ênfase também no II PND aos Programas de Desenvolvimento da
Agroindústria e Reforma Agrária e da Pesquisa Agropecuária através da EMBRAPA.
No final da década de 1970, os resultados desse Plano não chegaram ao esperado, pelas
dificuldades técnicas para a definição e execução das políticas públicas.
Os anos de 1980 são marcados pelo surgimento da Crise Fiscal do Estado e do
Novo Padrão de Crescimento. Nesse contexto, os primeiros anos, assim como boa parte
da década de 1980, se caracterizaram por um período de forte recessão. No Nordeste,
ainda em fins dos anos 70, acontece uma seca de grandes dimensões (1979-83),
desorganizando fortemente a economia agrícola do Semiárido. Depois, já em princípios
da década de 80, o Brasil foi atingido por uma de suas maiores crises econômicas,
caracterizada por baixo crescimento médio, recessão e elevação do desemprego
(CARVALHO, 2001).
No contexto da crise, o movimento camponês ressurge: trabalhadores e
pequenos proprietários do campo, contando com o apoio de sindicatos e da Igreja,
manifestam-se contra o Programa de Emergência. Isso faz com que o Estado volte a
insistir nos seus Programas Especiais, quando então é reapresentada a questão hidráulica
– inclusive, nessa época (1983), é apresentada ao Conselho Deliberativo da SUDENE,
pelo Ministro do Interior Mário Andreazza, a proposta da transposição das águas do Rio
São Francisco para a região semiárida (CARVALHO, 2001).
Com a crise, o Estado, ao mesmo tempo que corta significativamente os gastos
na Área Agrícola, procura buscar saldos comerciais crescentes no Setor Agrícola para
pagar a dívida externa. Desta forma, consegue direcionar alguns investimentos e
incentivos para as culturas de exportação. Isto se pode notar com a continuação dos
Programas que já existiam, como o POLONORDESTE e o Programa de Apoio ao
Pequeno Produtor Rural (PAPP), os quais vão ter a participação do Banco Mundial,
como um dos agentes financiadores e diretamente interessado nessa política de
exportações.
O PAPP surge dentro de um programa maior, chamado de “Projeto Nordeste”.
Este é criado em 1985, sob forte ingerência do Banco Mundial, tanto na concessão de
crédito como na administração das prioridades do Programa. Previa a implantação de
cinco Programas, quais sejam: i) o PAPP, ii) o programa de apoio aos pequenos
negócios; iii) o programa regional de educação rural; iv) o programa regional de saúde;
v) e o programa de saneamento rural (CARVALHO, 2001).
De fato, apenas o PAPP chegou a ser executado pelo referido Projeto. Esse
Programa, embora tivesse o objetivo de garantir ao pequeno produtor rural acesso à
posse e ao uso da terra através da ação fundiária, crédito e difusão de tecnologias, foi
prejudicado por problemas como: ineficiente esquema de administração financeira, com
atrasos na liberação dos recursos e cortes de dotações durante o exercício financeiro,
escassez de recursos para aplicação em crédito rural, dentre outros.
Nesse período de crise, começa a ser incentivada pelo Estado a irrigação
privada, orientada para o Mercado, já que se precisava de saldos positivos na Balança
Comercial para pagar a dívida externa e também por não se dispor de muitos recursos
disponíveis. Existiam dois Programas voltados para a irrigação privada, a saber: o
Programa Nacional de Aproveitamento Racional de Várzeas Irrigáveis
(PROVÁRZEAS), em 1981, e o Programa de Financiamento para Equipamentos de
Irrigação (PROFIR), em 1982.
O objetivo maior da irrigação privada “[...] é a busca da competitividade para o
agronegócio globalizado, centrada na expansão de uma agropecuária intensiva em
capital e tecnologia nas manchas irrigáveis, encabeçada pela iniciativa privada.”
(ELIAS, 2002a, p. 26).
Em relação aos perímetros irrigados públicos já constituídos,
com o redirecionamento político do Governo Federal na década de 80, visando um Estado menos intervencionista, mudou o âmago da política de irrigação e buscou-se erigir novos modelos de gestão para os perímetros irrigados. Iniciaram-se estudos tendo em vista a emancipação dos existentes, com o objetivo de transferir aos produtores a responsabilidade pela operação, manutenção e gerenciamento dos projetos públicos de irrigação, privilegiando a administração privada, por parte de empresários, e empresas agrícolas e agroindustriais (ELIAS, 2002b, p. 298).
Com a queda do cultivo do algodão nos perímetros irrigados, ocorrida na década
de 1980, foi incentivada, nesses perímetros, a fruticultura tropical para o mercado
interno e externo, apontada como uma das possíveis soluções para a agricultura do
Semiárido Nordestino. Entre as vantagens comparativas da Região, apontam-se suas
condições naturais (altas temperaturas, baixa umidade relativa do ar, luminosidade
acentuada), a grande quantidade de terras agricultáveis ociosas e baratas e a tecnologia
de irrigação. Essas condições permitiriam a produção de frutos de boa qualidade durante
o ano todo, eliminando a entressafra, que pode ser organizada de acordo com a demanda
nacional e internacional (ELIAS, 2002b).
Pode-se observar, pelo exposto acima, que a inserção da fruticultura para
exportação nos perímetros irrigados ganha intensidade na década de 1980, inserindo
definitivamente o Brasil e o Semiárido Nordestino no comércio global de frutas frescas.
Abaixo, no próximo item, vai se observar como estava o processo de
globalização das frutas frescas durante a Revolução Verde no Mundo.
Globalização das Frutas durante a Revolução Verde
Após a Segunda Guerra Mundial, tem-se um novo contexto no mercado de frutas
de modo geral. Conforme Murray (2006), nesse momento é inaugurado o Segundo
Regime Frutícola, com o uso intensivo do modelo fordista de produção nas frutas.
Como se observa no Quadro 7, Murray divide o comércio globalizado de frutas
em 3 períodos, dos quais um se inicia na Época Colonial (1780-1945), o outro, após a
Segunda Guerra Mundial com a Nova Divisão Internacional do Trabalho, a
desconcentração das indústrias e manufaturas e o fortalecimento do modelo fordista de
produção de massa, e o terceiro, na década de 1980, com a emergência do modelo pós-
fordista de produção (acumulação flexível) e o uso intensivo da biotecnologia.
Quadro 7 - Regimes Frutícolas: Quadro Cronológico Regime Frutícola/Cronologia Características 1º Regime Frutícola (1780-1945) Baseado na Divisão Colonial do Trabalho.
Transporte de frutas exóticas. Bananas vinham da América Latina e Caribe, Sudeste da Ásia e algumas partes da África para a Europa e Estados Unidos. Muitas vezes vinham de enclaves.
2º Regime Frutícola (1945-1980) Nova divisão Internacional do Trabalho. Agricultura Intensiva, globalizada na periferia e subsidiada no centro. Utilização intensiva do modelo fordista de produção em massa. Emergência do consumo de massa. Multinacionais procuram ativamente lugares no mundo que tenham baixos custos com mão-de-obra e recursos naturais. Muitos países subdesenvolvidos reorientam seus sistemas de produção agrícola para satisfazer a demanda por frutas no centro desprezando a produção doméstica de comida e gerando problemas de segurança alimentar.
3º Regime Frutícola (1980 - ) Grande importância da biotecnologia para satisfazer demandas de nicho, frutas exóticas. Múltiplas estratégias de suprimentos: com o uso de modelos fordistas de produção em massa ao mesmo tempo que se usam modelos pós-fordistas de diferenciação e inovação do produto (produtos orgânicos etc).
Fonte: Murray (2006).
O sistema de produção de massa, com mão-de-obra mal remunerada e terras
baratas, operado desde o início do século XX pelas grandes corporações bananeiras dos
Estados Unidos - a United Fruit (hoje chamada Chiquita) e a Standart Fruit (hoje Dole)
-, se expande pelo mundo todo no Segundo Regime Frutícola; ao mesmo tempo, dá-se a
concentração do mercado frutícola em poucas empresas globais - todas elas sendo
grandes empresas bananeiras.
Durante esse período, tem-se a explosão do consumo mundial de frutas frescas e
vegetais. Como se observa no Quadro 8, a exportação mundial de frutas sai do patamar
de mais de 1 bilhão e 500 mil dólares no início da década de 1960 para, vinte anos
depois, chegar a mais de 8 bilhões - um aumento de quase 600% no consumo de frutas
frescas em um intervalo de duas décadas.
Quadro 8 - Frutas Frescas e Vegetais, média trienal de valores exportados no Mundo entre 1963 e 1985 (US $000s) 1961-1963 1970-1972 1975-1977 1983-1985
Frutas 1.565.290 2.833.285 5.778.681 8.424.558
Vegetais 773.631 1.452.058 3.108.964 4.476.262
Fonte: Islam apud Friendland (1994)
Para explicar tal aumento no consumo de frutas, tem-se a emergência de novos
fatores sociais, culturais e até tecnológicos, que vão guiar a globalização das frutas e
bananas durante esse novo período da globalização. São eles:
1- Fatores Sociais e Culturais – evolução da Classe Média, que passa a ter
contato com novas frutas em viagens internacionais, influência de hábitos saudáveis,
imigrantes que trazem novos hábitos alimentares, envelhecimento da população no
Hemisfério Norte e preocupação desta com hábitos saudáveis, como o consumo de
frutas (FRIEDLAND, 1994; MURRAY, 2006);
2 - Fatores Tecnológicos – desenvolvimento de sistemas integrados de
abastecimento desde a fazenda até o supermercado, com o uso da refrigeração,
facilitando assim o transporte de perecíveis a longa distância; e transferência de
tecnologia de produção para os Países Subdesenvolvidos através das Multinacionais
(FRIEDLAND, 1994; MURRAY, 2006);
3 - Fatores Econômicos – crescimento da demanda disponível (não sendo as
frutas vistas mais como um produto de luxo) e aumento da mobilidade do capital
(investimento estrangeiro) através principalmente das grandes Corporações
Multinacionais de Banana que começam a diversificar suas operações com outras frutas
(FRIEDLAND, 1994; MURRAY, 2006).
É importante frisar, também nesse período, o surgimento de um Sistema Dual de
produção e consumo de alimentos, composto, de um lado, por um estrato privilegiado,
com alta educação e experiência de viagens pelo Mundo - estrato este que também tinha
grande preocupação com a alimentação de qualidade, segura e variada – e, por outro,
“todo o resto”, que era menos privilegiado, com baixo nível educacional e menos
informações sobre a segurança alimentar (FRIENDLAND, 1994).
Segundo Friendland (1994), as duas categorias estão envolvidas no sistema
fordista de produção, só que a categoria mais privilegiada tem mais escolhas de frutas e
dispõe de todo um marketing exclusivo, com produtos diferenciados, que seguem um
processo de produção padronizado nos moldes fordistas, embora tenham na sua
embalagem e na forma de se mostrar ao público a aparência de artesanais - é o chamado
“Novo Fordismo”, ou “Sloanismo”12 (volume e diversidade), a chamada “padronização
com escolhas”, que contrasta com a homogeneização dos consumidores menos
privilegiados.
As bananas
Depois da Segunda Guerra Mundial, observa-se no mercado globalizado de
bananas, mais precisamente a partir da década de 1950, uma mudança significativa, com
a substituição da variedade de banana predominante nas grandes monoculturas para a
exportação. A Gross Michael vai ser substituída pela Cavendish progressivamente,
devido às constantes pragas que atingiam a primeira. Essa nova variedade vai requerer
uma ação mais intensiva de capital, trabalho, cuidados químicos e água, o que vai
dificultar ainda mais a vida dos pequenos produtores, centralizando cada vez mais mais
a produção, além de aumentar os problemas de saúde dos trabalhadores em contato com
esses produtos químicos (STRIFFLER; MOBERG, 2003).
12 “As estratégias de “volume de produção” e “diversidade” eram consideradas incompatíveis até que Sloan, presidente da General Motors de 1923 a 1946,eliminou a contradição através da comunização do maior número possível de peças não perceptíveis pelo consumidor, diferenciando apenas carrocerias, acabamentos interiores e acessórios. Esta estratégia tem sucesso se a diversidade superficial é comercialmente aceitável, o que implica em uma diferenciação moderada da demanda, que ocorre em países onde a distribuição de renda nacional é coordenada nacionalmente e moderadamente hierarquizada. A mão-de-obra deve ser numerosa, capaz de aceitar a polivalência necessária para a montagem de variantes de produção. Estas condições ocorreram em muitos países de 1940 a 1980” (SAMPAIO E FARIAS FILHO, 2008).
A variedade Cavendish também era muito susceptível a machucados durante o
transporte. Por essa característica vai surgir a caixa “Box” de bananas e, daí, o “parking
house”, em 1957, para evitar esses machucados. Novos empregos vão surgir a partir de
tal melhoramento tecnológico, que vai se estender para toda a cadeia de frutas
(KOEPPEL, 2008; SOLURI, 2003; WILEY, 2008).
Também por isto, acentua-se nessa época uma divisão do trabalho que já era
presente na cadeia de bananas e frutas (ver Quadro 9). Nela se observa que a produção
de banana se concentra nos Países do Sul (subdesenvolvidos) e a de caixas, defensivos,
estradas de ferro, caminhões e navios refrigerados, no Norte (Países Desenvolvidos).
Quadro 9 - Divisão do Trabalho na cadeia das banana
Fonte: Koeppel, (2008); Soluri, (2003); Wiley, (2008)
Além disto, as Multinacionais desse Setor exercem historicamente forte
influência política em Países do Sul. Um exemplo dessa influência se deu na década de
1950, com um golpe de estado patrocinado por uma grande Multinacional de banana e
frutas: o Golpe Militar da Guatemala de 1954. Esse Golpe, tramado com a ajuda da
Multinacional United Fruit (hoje Chiquita) e dos Serviços de Inteligência dos Estados
Unidos - leia-se CIA - teve como motivo principal a desapropriação de mais de 160.000
ha de terras não cultivados da Multinacional pelo Governo Democrático da Guatemala,
para fins de reforma agrária, que iria atender a mais de 100.000 famílias (KOEPPEL,
2008; WILEY, 2008).
Após esse Golpe e a posterior repercussão negativa para toda a região, o
Departamento de Justiça dos Estados Unidos trata de instaurar uma ação antimonopólio
contra a United Fruit, devido ao poder dessa Empresa, que nesse momento controlava
não só 80% do mercado de banana dos Estados Unidos, mas também do de diversos
países da América Central, através de ingerência política nesses golpes de estado,
tráfico de influência e suborno (WILEY, 2008).
Em decorrência de tal ação do Departamento de Justiça (que forçou a
Multinacional a vender parte das suas terras na América Central) e do insucesso em
continuar por mais tempo com a variedade Gros Michael (atingida severamente por
- Caixas - Fertilizantes - Defensivos (Norte)
- Estradas de ferro - Caminhões - Navios Refrigerados (Norte)
Produção de Bananas (Sul)
pragas como o “Mal do Panamá”), enquanto seus concorrentes já utilizavam a
Cavendish, a empresa acima citada passou a perder mercado nas décadas de 1960 e
1970 (KOEPPEL, 2009; WILEY, 2008).
Em 1968, entrava em cena a Multinacional Del Monte, com a compra de uma
firma na Costa Rica e das operações da United Fruit na Guatemala, tornando-se
rapidamente a 3ª maior no ramo bananeiro nos Estados Unidos. A outra concorrente da
United Fruit (hoje Chiquita), a Standard Fruit, é comprada pelo grupo Castle and Cook
Inc. - uma grande Multinacional com operações no Havaí, Equador, sendo sua maior
base as Filipinas.
Com isto, ocorre uma alteração significativa do mercado bananeiro e o
monopólio da United Fruit se reduz, sendo agora compartilhado com mais duas
empresas, formando assim um mercado oligopolista concentrado em três grandes
Multinacionais. São estas que hoje controlam uma boa parte do mercado de frutas
mundial (ver Quadro 10).
Quadro 10 - Mercado Americano por Maiores Importadores de Banana (%) Ano United Fruit
(Chiquita)
Standard Fruit
(Dole)
Del Monte Outros
1950
1973
80
34.6
8.9
40.8
-
15.6
11.1
7.2
Fonte: Wiley (2008)
Diante desta análise, pode-se perceber como ocorreu o processo de
modernização da Agricultura através da Revolução Verde, no âmbito do Fordismo, e
como o Brasil, e o Nordeste em particular, se inseriu nesse processo mundial, através da
vinda de tecnologias e de políticas públicas acionadas pelo Estado Autoritário para
viabilizar essa Revolução no País. Observa-se também como esse processo ocorreu no
ramo das frutas frescas no Mundo.
A partir de agora, analisar-se-á como se deu o aprofundamento do processo de
globalização na Agricultura através da intensificação do pós-Fordismo, da
desregulamentação dos mercados, da liberalização do comércio e do enfraquecimento
do Estado enquanto órgão regulador, ao mesmo tempo que ocorre o fortalecimento das
Corporações Multinacionais balizadas por órgãos supranacionais como o Fundo
Monetário Internacional (FMI) e a OMC.
2.2.2 Liberalização do Comércio na Agricultura (1990 - )
No começo dos anos de 1970, vai se iniciar um processo de superação do
Fordismo, por causa da crise econômica gerada, entre outros fatores, pelo aumento dos
custos do bem-estar social e pelo aumento da competitividade nos mercados
internacionais, com a recuperação completa da Europa e da Ásia, no que diz respeito
aos estragos da Segunda Guerra Mundial. Esse processo vai se consolidar com a
liberalização dos mercados e do comércio na agricultura por mais de uma centena de
países, com a influência direta da Rodada Uruguai do Gatt e da formação da OMC na
década de 1990.
Organização Flexível da Produção
Com efeito, tem-se a implantação de uma organização flexível da produção,
denominada de pós-Fordismo, que vai se dar em um contexto de avanços tecnológicos,
com o advento da Microinformática, da Robótica, da Biotecnologia e, posteriormente,
com a Revolução da Tecnologia da Informação, que ocorre através da Microeletrônica,
da Computação, das Telecomunicações/Radiofusão, da Optoeletrônica e da Engenharia
Genética (CASTELLS, 2002). Todos esses avanços determinam um aumento
generalizado da produtividade.
A organização flexível da produção, que vai tomar forma a partir da década de
70, sendo muito difundida a partir da de 80, vai ser um dos pontos-mestres da
Globalização. Segundo Benko (1999), essa organização tem como características
(interna e externa à empresa): a flexibilidade funcional (com o empregado polivalente
exercendo várias funções), a flexibilidade da organização do trabalho (com uma linha
flexível de produção que se adapta aos tempos de crise e de abundância), a flexibilidade
do contrato de trabalho (utilizando várias medidas para diminuir o vínculo do
trabalhador com a empresa) e a dos custos com a mão-de-obra (com a relocalização das
empresas para regiões de baixos salários).
Outra característica muito importante da organização flexível da produção é com
relação à estruturação da própria empresa, que, em muitos casos, vai cortar custos
fazendo parcerias, subcontratação e franquias. Muitas empresas, aliás, vão se utilizar do
expediente da subcontratação para a redução de custos de encargos sociais e pressões
trabalhistas; outras tantas vão se utilizar da parceria e de joint venture13, para dividir os
riscos das operações e algumas vão se utilizar de franquias terceirizadas para anular os
riscos das operações de venda e varejo (MAZZALI, 2000).
Alguns teóricos, contudo, observam que, há setores que ainda hoje se utilizam
de técnicas fordistas. Um exemplo disto se dá na produção agrícola, onde as principais
commodities14, mesmo com variações de qualidade, ainda produzem conforme esse
modelo. Boa parte da produção de frutas atual também assim procede, apesar de que,
em contraste, algumas variedades sejam adaptadas para nichos específicos de mercado
usando a biotecnologia (BONANNO, 1994; MURRAY, 2006).
É essa organização flexível que, por conta dos avanços tecnológicos, vai
possibilitar ao capitalista uma ação em tempo-real e instantânea. Permite-se, segundo
Santos (2002a, p. 224), que essa ação ocorra
[...] não apenas no lugar escolhido, mas também na hora adequada, [...] atribuindo maior eficiência, maior produtividade, maior rentabilidade, aos propósitos daqueles que as controlam. A idéia bastante difundida de ação just in time, deve ser completada com uma outra noção, a de ação just in place para dar conta dessa precisão das ações da qual depende a sua eficácia no mundo de hoje.
Tal ação em tempo-real e instantânea - just in time15 e just in place16- gera a
hipermobilidade do capital, que, segundo Cavalcanti (1999), pode deslocar rapidamente
sua base operacional ou plantas de fábricas de um lugar para o outro, ou deslocar
grandes somas de capital de um sistema financeiro de um país para outro, em questão de
segundos. Isso só é possível pelos avanços tecnológicos e pela abertura comercial em
voga.
Essa hipermobilidade do capital geralmente acontece para se evitarem limitações
e restrições que são demandadas por outros atores sociais, como os governos,
trabalhadores e movimentos sociais. Tal hipermobilidade vai gerar uma grande
13 “[...] trata da criação de uma empresa nova ou um acordo em que uma empresa entra com um tipo de ativo específico à sua propriedade (e.g., tecnologia, capacidade gerencial e organizacional) e outra com outro ativo (e.g., capital e capacidade mercadológica).” (sic) (GONÇALVES, 2000, p. 82). 14 “Em inglês, este termo significa, literalmente, ‘mercadoria’. Nas relações comerciais internacionais, o termo designa um tipo particular de mercadoria em estado bruto ou produto primário de importância comercial, como é o caso do petróleo, da carne, do café, do chá, da lã, do algodão, da juta, do estanho, do cobre etc.” (SANDRONI, 2000, p.275). 15 O termo just in time (produção apenas-a-tempo) originalmente se refere a um modelo da organização da produção inventado no Japão por Sei-ichi Ohno quando trabalhava na Toyota, em fins dos anos 1960. Esse modelo prega um sistema de controle de estoques com um mínimo de desperdício, no qual as partes e componentes são produzidos e entregues nas diferentes seções um pouco antes de ser utilizadas, assim diminuindo muito os estoques (BENKO, 1999). 16 O termo just in place é utilizado por Santos (2002a) para enfatizar o lugar onde as ações globais serão coordenadas, lugar este que é dinâmico, variando de acordo com as vantagens locacionais.
vulnerabilidade para o bem-estar dos indivíduos e das comunidades nacionais, regionais
e locais, que a qualquer momento podem ser vítimas de uma fuga de capital (seja
financeiro, seja produtivo) em grande escala, o que deixa sua base econômica
completamente alterada.
É por conta dessa hipermobilidade do capital que se tem ultimamente, no
processo de globalização, uma intensificação da concorrência entre espaços, blocos e
empresas multinacionais que se utiliza de muitas estratégias do pós-Fordismo, inclusive
da subcontratação, diversificação e descentralização da produção, para procurar
vantagens locacionais em todo o Mundo (BENKO, 1999).
Outro fator que vai impulsionar a Globalização em âmbito mundial é a pressão
dos Organismos Internacionais, intensificada com o fim do Comunismo na URSS, no
final da década de 1980. Sem a concorrência da URSS, os EUA e os Organismos
Internacionais de Crédito, como o FMI e o Banco Mundial, passaram a condicionar toda
a ajuda que davam aos Países Subdesenvolvidos ao cumprimento da “Agenda
Neoliberal”, que visava a abrir as economias desses Países aos capitais estrangeiros e às
Multinacionais, através de privatizações de empresas estatais, desregulamentação das
atividades econômicas domésticas, liberação do comércio e dos investimentos
internacionais, queda nos impostos de importação etc. Com isto, o FMI impôs a sua
“cartilha” para mais de 80 países, inclusive a Rússia, o México, a Indonésia e o Brasil
(CASTELLS, 2002). Paralelamente à pressão do FMI e do Banco Mundial, surge, nos
anos de 1990, a OMC, que vai impor uma abertura econômica desigual em todas as
áreas, inclusive na Agricultura.
Essa Organização vai nascer, mais precisamente, em 1995, já com 149 membros
e 33 países observadores e quatro objetivos principais: o estabelecimento de regras para
governar o comércio internacional, um fórum permanente para negociar e monitorar a
liberalização comercial, uma melhoria da transparência nas políticas comerciais e a
resolução de disputa entre os membros (WILEY, 2008).
Com a disseminação da organização flexível, com os avanços tecnológicos e a
pressão de Organismos Internacionais (FMI, o Banco Mundial e a OMC), vai se dar um
salto qualitativo no núcleo da Globalização, que, segundo Castells (2002), envolve:
mercados financeiros, comércio internacional e produção transnacional.
Com a liberalização das economias e dos capitais e com os avanços
tecnológicos, os mercados financeiros se tornam globalizados, integrados 24 horas por
dia, com grandes volumes negociados, sendo a maioria deles extremamente volátil.
A abertura imposta pelas pressões creditícias fez com que o comércio
internacional tivesse um progressivo aumento, principalmente com a internalização das
Empresas Multinacionais em todo o Mundo, seja pela compra, fusão ou entrada no
Mercado. Por causa disto, esse comércio nos dias atuais é dominado pelas
Multinacionais, estimando-se em 2/3 a participação dessas empresas nas exportações de
bens e serviços mundiais (DICKEN, 2002).
Em relação à Produção Transnacional, o advento da acumulação flexível e a
busca extremada pelo lucro máximo levaram as Multinacionais à internacionalização de
sua produção, distribuição e administração, procurando sempre as famosas “vantagens
locacionais”. Geralmente a produção fica em lugares subdesenvolvidos que oferecem
mão-de-obra barata e outras vantagens locacionais, como incentivos fiscais, creditícios
etc. A administração e o P&D, em geral, ficam nos lugares centrais.
No último quarto do século XX, o crescimento do comércio internacional deu-se
muito rápido, devido às sucessivas rodadas de liberalização comercial empreendidas
pelo Gatt, posteriormente pela OMC e também pelas pressões do Banco Mundial e do
FMI.
Essa liberalização é um elemento central dos Programas de Ajuste Estrutural
(PAEs), em cuja implementação o Banco Mundial e o FMI insistem como condição
para os Países Subdesenvolvidos receberem ajuda financeira, perdão da dívida e
investimento.
Liberalização do Comércio na Agricultura: FMI, Gatt e OMC
O Banco Mundial e o FMI propuseram a criação dos PAEs, em 1980, quando
muitos Países em Desenvolvimento atravessavam uma profunda recessão, ocasionada
em parte por fatores fora do seu controle, e enfrentavam um grande endividamento com
os Órgãos Internacionais. Foi o caso do Brasil e de vários Países Subdesenvolvidos, que
nesse ano apresentavam uma elevada dívida externa, precisando de ajuda do FMI e do
Banco Mundial para quitar os seus débitos (MADELEY, 2003).
Para receber a ajuda financeira, esses Países tinham que pôr em prática, por
pressão desses organismos, os PAEs - um PAE típico implicava a liberalização do
comércio, a redução do gasto com Programas Sociais (Saúde, Educação), a eliminação
de subsídios para a alimentação e o aumento dos preços pagos a produtores de culturas
para o mercado externo.
Com o oferecimento de maiores preços por produtos para exportação, torna-se
mais interessante a compra de terras por parte das Empresas Multinacionais e de
fazendeiros de maior porte e mais abastados, ou seja, com a implementação desses
programas de ajuste, tem-se uma maior entrada de Multinacionais nos Países
Subdesenvolvidos, para produzir produtos de exportação e, como consequência, uma
desvalorização dos produtos de subsistência, levando assim muitos pequenos
agricultores a vender suas terras para essas empresas e migrar para a cidade à procura de
melhorias.
Em 1986, começa a Rodada Uruguai do Gatt. Esta, que resultou na criação da
OMC, terminou em 1993 com vários acordos, dos quais se sobressai o Acordo sobre
Agricultura, que cobre três áreas principais, a saber: acesso aos mercados, subsídios à
exportação e apoio doméstico à agricultura, contribuindo de forma efetiva para a
liberalização do comércio e, consequentemente, para a entrada de grandes grupos
multinacionais em Países Subdesenvolvidos.
Além do mais, o referido Acordo estipula uma diminuição de tarifas sobre
alimentos importados e de subsídios à exportação outorgados aos produtores agrícolas,
pois
[...] estabelece que os países não poderão aumentar a sua proteção ao setor agrícola acima do nível que já existia antes de 1993. Os países industrializados que já arcavam com altos níveis de proteção podem mantê-los, mas os países em desenvolvimento não podem elevar seus níveis (MADELEY, 2003, p. 69).
Como decorrência desse Acordo sobre a Agricultura, constata-se que a
liberalização do comércio nos Países Subdesenvolvidos trouxe um enorme surto de
importação em detrimento do aumento das exportações, devido à diminuição das tarifas
mencionadas, o que resultou na expulsão de milhões de trabalhadores rurais,
concentrando a propriedade da terra nas mãos de poucos grupos, muitos deles
multinacionais. Essa concentração leva as empresas a controlarem cada vez mais
maiores extensões de terras.
Segundo Madeley (2003), com o Acordo da Rodada Uruguai sobre Medidas de
Investimento Relacionadas ao Comércio (TRINS), tem-se uma mudança radical na
ajuda que os governos poderiam dar às empresas nacionais. Dessa forma,
o acordo impede os governos de concederem tratamento especial a empresas nacionais; investidores estrangeiros devem receber o mesmo tratamento. Os governos também não podem exigir que investidores estrangeiros usem mão-de-obra local [...] Segundo o acordo TRINS [...] um governo não pode, por exemplo, determinar que um hotel pertencente a estrangeiros compre gêneros alimentícios de produção nacional. O hotel tem liberdade para comprar todo o produto alimentício de fora do país (MADELEY, 2003, p. 71).
Esses acordos internacionais no âmbito da OMC tendem claramente a fortalecer
os grandes Grupos Multinacionais, porque, após a sua assinatura, os governos
automaticamente ficam com menos poder para regular e controlar o funcionamento
desses grupos. Assim, as Multinacionais costumam usar a OMC para tentar configurar
um mercado global desregulado que elas possam controlar e no qual nenhuma lei
rigorosa destinada a proteger o meio ambiente ou os direitos humanos possa existir
(MADELEY, 2003).
Os acordos da OMC tendem cada vez mais a privilegiar os grandes grupos
transnacionais, principalmente os 500 maiores, pois estes atualmente já respondem por
80% do investimento externo mundial, 70% do comércio internacional e 30% da
produção mundial (MADELEY, 2003). Sendo que, desses grupos, alguns poucos
conglomerados dominam mercados setoriais importantes, ou seja,
seis conglomerados dominam 85% do comércio mundial de grãos, oito respondem por 55% a 60% das vendas de café, sete controlam 90% do chá consumido nos países ocidentais, três respondem por 83% do comércio mundial de cacau e três por 80% das vendas de bananas (MADELEY, 2003,p. 131).
Heffernan e Constance (1994) enfatizaram também a concentração de
commodities agrícolas nas mãos das Multinacionais em uma estrutura de oligopólio,
onde poucos conglomerados, como a ConAgra17, Cargill18, ADM19 e Bunge20 dominam
17 Considerada a maior exportadora de carne de gado e ovelha do mundo, a Multinacional nascida na segunda metade do século XIX nos Estados Unidos hoje tem uma grande diversificação, atuando em vários segmentos com dezenas de marcas, sendo líder também em alimentos congelados. Com mais de 25.000 empregados diretos e com vendas, em 2008, de mais de 12 bilhões de dólares, a empresa é uma das maiores do mundo e está presente em 97% dos lares americanos (CONAGRA, 2009; HEFFERNAN E CONSTANCE, 1994). 18 Considerada a maior trading de grãos do mundo, atua em mais de 100 commodities e em mais de 40 países diretamente. Nasceu nos Estados Unidos na segunda metade do século XIX. No ano fiscal entre maio de 2008 e maio de 2009 acumulou vendas de 116 bilhões de dólares. Apesar da crise, entre 2008/2009, abriu novas unidades de processamento no Brasil, Canadá, China, França, Gana e Estados Unidos, além de expandir parcerias com agricultores de cacau e algodão na África (CARGILL, 2010; HEFFERNAN E CONSTANCE, 1994). 19 Considerada como uma das maiores tradings do mundo, a ADM foi fundada nos Estados Unidos em 1902 e trabalha não só com processamento de várias dezenas de alimentos, mas também no ramo energético e de logística mundial, ligando mais de 240 pontos no Globo na sua rede de logística e
não só uma, mas várias dessas commodities. No Quadro 11, pode-se observar o ranking
de vendas de quatro grandes Multinacionais Agrícolas no Mundo, no que se refere às
principais comoditties agrícolas selecionadas.
Quadro 11 - Ranking de Commodities dos Conglomerados Dominantes ConAgra Cargill ADM Bunge
Frangos 2 - - -
Perus 1 4 - -
Carne de Gado 2 3 - -
Porcos 2 4 - -
Farinha 1 3 2
Soja - 2 1 3
Milho úmido - 2 1 -
Milho seco 4 - 3 1
Frutos do Mar 1
Fonte: Adaptado de Heffernan e Constance (1994).
Essas grandes Multinacionais dominam não só mercados setoriais importantes,
mas também as infraestruturas de escoamento da produção, como os terminais
portuários - só as Multinacionais Cargill e a United Grain chegaram a dominar 50% dos
terminais graneleiros dos Estados Unidos (HEFFERNAN; CONSTANCE, 1994).
Esses acordos da OMC, junto com as pressões do Banco Mundial e do FMI, vão
intensificar também políticas comerciais que privilegiam as exportações. As
Multinacionais, também, de comum acordo com essas Instituições, estimulam os
agricultores a plantar culturas de exportação para ter mais demanda. Assim,
[...] em razão da necessidade de auferirem mais moeda forte para pagar a dívida externa, os países em desenvolvimento têm sido instados pelo Banco Mundial e outros credores a oferecerem a seus agricultores incentivos para produzir e vender produtos agrícolas primários (MADELEY, 2003, p.132).
Um exemplo disto é que nos últimos vinte anos houve um maciço crescimento
na exportação de frutas, hortaliças e até flores da América Latina para os Estados
transporte de cargas, com mais de 20.000 vagões de trens e 2000 barcaças de transporte de cargas. Em 2008, vendeu mais de 69 bilhões de dólares em produtos e possuía mais de 27.000 empregados diretos e 230 plantas processadoras em todos os continentes (ADM, 2009). 20 Fundada em 1818 em Amsterdã na Holanda, a Multinacional hoje é uma das maiores processadoras de grãos, oleaginosas e produtos alimentares do Mundo, além de atuar muito fortemente na área de fertilizantes. Possui inúmeras operações no Brasil, na área de fertilizantes, comércio de grãos, margarinas, óleos comestíveis, dentre outros. Em 2008, vendeu mais de 52 bilhões de dólares em produtos (BUNGE, 2009).
Unidos, devido à agricultura não tradicional ser mais lucrativa, embora a situação seja
controlada por grandes proprietários de terras, ricos investidores e companhias
estrangeiras. Empresas de maior porte acumularam terras onde plantam produtos
exportáveis, enquanto agricultores mais pobres foram expelidos do mercado e
deslocados para terras marginais de solos pobres. De acordo com Madeley (2003), hoje,
cerca de um milhão de hectares por ano são incorporados às culturas de exportação, em
detrimento da agricultura de subsistência.
Murray (2001) cita que essas pressões pelo aumento da exportação, no contexto
da política neoliberal, atingiu em cheio as Ilhas do Pacífico, onde surgiram inúmeras
monoculturas exportadoras, muitas vezes de produtos não-tradicionais, como a de
abóbora e baunilha, em Tonga, abóbora, em Vanuatu, e mamão, nas Ilhas Cook. Por
causa dessa política, as áreas de subsistência declinaram e as ilhas estão importando
alimentação básica que antes elas produziam.
Já Sklair (1995, p.130) lembra que, por causa desse tipo de pressão,
entre 1970 e 1986 a Costa do Marfim, geralmente considerada uma das histórias de sucesso da África, mais que triplicou suas importações de cereais, sua dívida externa cresceu mais de trinta vezes e a produção de alimentos per capita mal agüentou o crescimento da população [...]. Como outros países do terceiro mundo, sua busca pelos ganhos de exportação, sugeridos pelo Banco Mundial, através de safras comerciais, foi comprada a um alto preço sem nenhuma complementaridade significativa em safras de alimentos.
Com relação ao Brasil, tem-se a monocultura de soja na região dos cerrados e a
fruticultura irrigada nos vales férteis do Nordeste, que podem ser consideradas como
bom exemplo desse novo retrato do mundo globalizado contemporâneo, resultado da
política de exportações incitada por organismos supranacionais.
Liberalização da Agricultura no Brasil
Neste sentido, nos anos de 1990, o Brasil passou a operacionalizar, seguindo
pressões externas de acordos com o FMI e com a OMC, uma abertura comercial e um
amplo processo de privatizações, além da introdução de importantes mudanças de
natureza patrimonial, seguindo à risca os acordos assinados com a OMC, que igualavam
o tratamento entre empresas estrangeiras e de propriedade local (FERRAZ; LOOTTY,
2000). Entre essas mudanças podem-se destacar:
a) a eliminação, por meio de uma Emenda Constitucional de 1994, da
possibilidade legal de estabelecimento de diferenciação entre empresas nacionais e
estrangeiras, o que tornou possível às últimas o acesso a agências oficiais de crédito e a
subsídios e incentivos concedidos pelo Governo;
b) a isenção de Imposto de Renda sobre remessas de lucros e de dividendos por
filiais de empresas estrangeiras no País, com exceção de ganhos obtidos com aplicações
de renda fixa, que pagam uma alíquota de 15%;
c) a extinção, por decreto, da proibição de remessas referentes a pagamentos de
royalties por marcas e patentes em Empresas Multinacionais;
d) a remoção, na forma constitucional de 1995, das restrições setoriais à entrada
do capital estrangeiro nos Setores de Serviços (mais notadamente no Setor Financeiro),
Atividades Extrativas e Telecomunicações; e
e) a liberalização financeira, que criou condições mais favoráveis para as
Multinacionais estabelecidas no País, ao eliminar as restrições ao uso de recursos do
Sistema Financeiro Nacional e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES).
Após a tomada, pelo Governo Brasileiro, do processo de desregulamentação, da
liberalização do comércio e da promoção à entrada de capital estrangeiro (como visto
logo acima) e de privatizações, dá-se um intenso processo de fusões e aquisições no
País, transformando completamente sua estrutura patrimonial.
O Quadro 12 mostra que, no decorrer da década de 1990, dá-se, no Brasil, uma
intensificação do capital estrangeiro nesse processo, que, no inicio do período
mencionado, era responsável por menos da metade das transações (46,2%) - já
considerada uma participação elevada -, ficando o capital nacional com um pouco mais
da metade. Já no final dessa década, depois do processo de abertura, desregulamentação
e privatizações consolidado, nota-se o domínio do capital estrangeiro no mercado de
fusões e aquisições no Brasil, chegando a ser responsável, no ano de 1999, por quase
70% das fusões e aquisições no Brasil, enquanto o capital nacional passa a responder
por apenas uma média de 30%.
Quadro 12 - Número de Transações e Participação por Ano, segundo o Tipo de Comprador
Tipo de 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 Total
Comprador Nº. % Nº. % Nº. % Nº. % Nº. % Nº. % Nº. % Nº. % Nº. % Nº. % Nº. %
Brasileira 7 53,8 11 40,7 12 29,3 17 30,9 28 44,4 30 30,9 42 30,2 54 31,6 68 23,7 74 28,9 343 29,9
Consórcio Nacional
0 0,0 0 0,0 7 17,1 6 10,9 3 4,8 6 6,2 5 3,6 5 2,9 11 3,8 3 1,2 46 4,0
Estrangeira 6 46,2 14 51,9 15 36,6 28 50,9 28 44,4 58 59,8 84 60,4 106 62,0 176 61,3 171 66,8 686 59,7 Consórcio Estrangeiro
0 0,0 0 0,0 0 0,0 1 1,8 1 1,6 1 1,0 6 4,3 4 2,3 13 4,5 5 2,0 31 2,7
Consórcio Misto
0 0,0 1 3,7 0 0,0 2 3,6 0 0,0 2 2,1 1 0,7 2 1,2 18 6,3 1 0,4 27 2,3
Origem Des- Conhecida
0 0,0 1 3,7 7 17,1 1 1,8 3 4,8 0 0,0 1 0,7 0 0,0 1 0,3 2 0,8 16 1,4
Total 13 100 27 100 41 100 55 100 63 100 97 100 139
100 171 100 287 100 256 100 1149
100
Fonte: Ferraz e Lootty (2000) com dados da Securities Data.
Com relação ao mercado agrícola, aconteceu também uma concentração de
fusões e aquisições nas mãos do capital estrangeiro, desnacionalizando boa parte do
Setor Agrícola. Isso se deu como resultado dos acordos da OMC e também por causa de
uma dívida pública elevada, que levou o Estado Brasileiro a desregulamentar
rapidamente o mercado agrícola, diminuindo assim drasticamente os recursos para o
financiamento agrícola e para o apoio tecnológico. Tal fato ocorreu a partir do Governo
Collor, em 1990, com uma desregulamentação do Setor Agrícola e com a extinção de
vários institutos setoriais, como o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA).
Em 1995, Fernando Henrique Cardoso é eleito Presidente, dando sequência às
reformas neoliberais iniciadas por Collor em 1990. Vale ressaltar, todavia, que, dentre
estas, algumas medidas para desregulamentar os fluxos de capital internacional foram
adotadas, proporcionando, assim, uma maior liberdade. São exemplos disto a extinção
de restrições quanto ao prazo mínimo de carência e diversificação de aplicações e a
eliminação ou redução da participação de capital estrangeiro em vários setores outrora
regulamentados, como mineração, petróleo, telecomunicações, transportes, e açúcar e
etanol.
Com esse ambiente que, embora novo, apresentava-se mutável e incerto quanto
à atuação do Estado Brasileiro, as empresas agrícolas nacionais traçaram novas
estratégias.
Além do mais, essas empresas se deparavam também com o intenso ritmo das
mudanças tecnológicas (Biotecnologia, Microeletrônica e Pesquisa e Desenvolvimento),
decorrentes da intensificação da globalização no campo, o que passou a gerar incerteza
em relação à tecnologia e suas inovações. Também se tinha incerteza em relação à
demanda, devido à complexidade de conhecimento de um mercado globalizado
(MAZZALI, 2000).
Quadro 13 - Ranking Setorial pelo Valor das Transações (em US$ milhões) e Participação segundo o Tipo de Comprador (em %) – 1990/1999
Setor Valor Número de Transações c/informações de valor
Valor Médio
Brasileira
Consórcio Nacional
Estrangeira
Consórcio Estrangeiro
Consórcio Misto
Origem Desconhecida
Total
Telecomunicações 36.925,3 61 605,33 7,7 8,2 46,8 14,0 23,2 0,0 100 Energia Elétrica, Gás e Água
25.746,8 51 504,84 25,7 14,2 38,5 18,8 2,4 0,4 100
Financeiro 14.561,9 87 167,38 40,4 0,6 59,0 0,0 0,0 0,0 100 Metalurgia e Siderurgia
6.837,6 49 139,54 39,4 28,1 20,0 0,1 7,0 5,4 100
Alimentar 4.254,6 41 103,77 25,3 3,5 71,2 0,0 0,0 0,0 100 Químico 4.109,1 37 111,06 14,3 30,4 52,2 2,3 0,0 0,7 100 Mineração 4.067,9 16 254,24 85,9 0,0 14,1 0,0 0,0 0,0 100 Comércio Varejista 3.040,5 18 168,92 20,5 2,0 77,5 0,0 0,0 0,0 100 Serviços de Transporte
2.764,1 26 106,31 73,8 11,9 11,4 2,3 0,0 0,6 100
Minerais Não-Metálicos
2.481,5 17 145,97 28,6 0,0 71,4 0,0 0,0 0,0 100
Serviços Diversos 2.153,4 16 134,59 50,6 0,0 35,3 14,1 0,0 0,0 100 Petroquímico 1.468,0 14 104,86 35,7 18,5 4,4 0,0 39,2 2,2 100 Farmacêutico, Higiene e Limpeza
1.407,6 7 201,09 1,8 0,0 98,2 0,0 0,0 0,0 100
Papel e Celulose 1.373,6 14 98,11 64,9 7,3 26,2 1,6 0,0 0,0 100 Maquinaria 1.115,4 16 69,71 5,9 1,2 80,7 12,2 0,0 0,0 100 Comércio Atacadista 1.024,8 15 68,32 2,3 23,6 74,2 0,0 0,0 0,0 100 Automobilistica e Autopeças
852,9 20 42,65 17,4 14,0 38,8 14,9 14,8 0,0 100
Produtos em Borracha e Plástico
569,2 9 63,24 56,2 15,1 28,7 0,0 0,0 0,0 100
Têxtil 561,0 5 112,20 79,4 0,0 20,6 0,0 0,0 0,0 100 Agricultura e Pesca 520,4 14 37,17 8,4 6,7 84,8 0,0 0,0 0,0 100 Eletroeletrônico 488,8 9 54,31 7,8 0,0 92,2 0,0 0,0 0,0 100 Editorial, Gráfico e Propaganda
200,9 5 40,18 15,4 0,0 34,8 49,8 0,0 0,0 100
Construção Civil 171,6 2 85,80 52,8 0,0 47,2 0,0 0,0 0,0 100 Holdings 157,0 1 157,00 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 100 Serviços de Engenharia
136,2 2 68,10 64,6 0,0 35,4 0,0 0,0 0,0 100
Móveis e Produtos em Madeira
113,3 3 37,77 88,3 0,0 11,7 0,0 0,0 0,0 100
Aeroespacial e Aviação
96,7 1 96,70 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 100,0 100
Informática 64,6 4 16,15 13,6 0,0 86,4 0,0 0,0 0,0 100 Outros Manufaturados
59,7 4 14,93 58,0 0,0 42,0 0,0 0,0 0,0 100
Fumo 50,0 1 50,00 0,0 0,0 100,0 0,0 0,0 0,0 Couro e Artigos de Couro
ND 0 ND ND ND ND ND ND ND ND
TOTAL 117.314,7 565 207,74 26,2 9,7 45,5 9,3 8,8 0,6 100
Fonte: Ferraz e Lootty (2000) com dados da Securities Data.
Uma das estratégias mais utilizadas frente a esse ambiente turbulento foi a
intensificação das fusões e aquisições com as Multinacionais, além das associações
estratégicas com estas. Pode-se ver isto claramente no Quadro 13. Apesar de o valor de
transações no Setor Agrícola (que no Quadro vem junto ao Setor da Pesca) não ser
muito alto em relação aos outros setores mostrados, observa-se que, no período de 1990
a 1999, o ramo da Agricultura foi um dos que deu mais guarida à entrada de capitais
estrangeiros. De todas as fusões e aquisições do período mencionado, 84,8% das
transações foram feitas pelo capital multinacional, ficando apenas cerca de 15% nas
mãos da empresas brasileiras e dos consórcios nacionais.
Esse quadro brasileiro vai ao encontro de um comportamento mundial de Fusões
e Aquisições por parte de grandes Corporações Multinacionais, que são responsáveis
hoje por grande parcela dos fluxos de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) no Mundo.
Como se observa no Quadro 14, nos últimos anos essas fusões e aquisições
representaram muitas vezes mais de 80% do total dos fluxos de IDE, que historicamente
se dirigia muito mais para a área produtiva do que para movimentos de fusões ou
aquisições empresariais, mas que nos dias atuais mudou a tendência com o
comportamento agressivo das Multinacionais, que preferem controlar uma empresa já
existente, com tradição e performance competitiva no mercado, do que fomentar um
processo produtivo.
Quadro 14 - Fluxos Internacionais de Investimento Direto Externo no Exterior e Fusões e Aquisições no mesmo período de 2001 a 2007 (em milhões). Investimento Externo Direto Fusões e Aquisições
2001 735.146 593.960
2002 716.128 369.789
2003 632.599 296.988
2004 648.146 380.598
2005 958.697 929.362
2006 1.411.018 1.118.068
2007 1.833.324 1.637.107
Fonte: UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT. World Investment Report 2002; 2005; 2007.
Agricultura Globalizada Contemporânea no Nordeste Brasileiro e Ação do Estado
Com relação ao Nordeste Brasileiro, a década de 1960 vai ser o ponto de
mutação para a sua agricultura comercial, quando começa a ocorrer o processo de
modernização e depois de industrialização dessa atividade (ELIAS, 2002b).
Mas, somente a partir da década de 1980, é que se vislumbra a ocupação de
novas fronteiras pela Agricultura Globalizada Contemporânea. A partir disto, pontos
específicos do Nordeste passam a merecer atenção das empresas hegemônicas do Setor
e a receber grandes investimentos, dinamizando assim a sua agricultura comercial.
A esses pontos específicos Santos e Silveira (2001) vão denominar de
“modernização em manchas”, que só vai acontecer com mais frequência nos anos de
1980 e se intensificar nos anos de 1990. O fato é que vão se desenvolver no campo
nordestino áreas descontínuas e especializadas (seja em frutas, legumes,
industrializáveis, soja, laranja etc.), cuja expansão é limitada pela posição subordinada
da produção local nos circuitos comerciais e industriais nacionais e globais.
Com essa modernização em manchas, vai persistir a “[...] dicotomia entre uma
agricultura tradicional e uma agricultura moderna, apresentando-se a última em algumas
partes bem delimitadas do território nordestino, constituindo verdadeiros pontos
luminosos em pleno sertão, especialmente nos seus vales úmidos.” (ELIAS, 2002a, p.
18). Já a agricultura tradicional (arroz, feijão, mandioca, batata doce) vai ser
desvalorizada, com a colaboração do crédito público, da informação, da propaganda e
dos novos consumos (SANTOS; SILVEIRA, 2001).
Os estados da Bahia e de Pernambuco foram os primeiros a ser atingidos por
esse processo de modernização em manchas ou modernização seletiva. Hoje, esses
estados possuem importantes regiões de produção de frutas - como a área de
Petrolina/Juazeiro - e de produção de grãos - como a área dos cerrados no oeste da
Bahia -, estando essas áreas voltadas especialmente para a exportação (ELIAS, 2002b),
onde já se podem observar aí as reestruturações produtivas, com consequências para as
estruturas sociais locais e para a organização do território, revelando as potencialidades
econômicas do sertão nordestino.
Depois, em períodos mais recentes, como nos anos de 1980 e no decorrer dos de
1990, houve uma intensificação da economia e do consumo globalizados,
principalmente de alimentos frescos, como as frutas, legumes e verduras, que fizeram
com que antigas áreas do “exército de reserva dos lugares” fossem ocupadas e
começassem a participar dos circuitos espaciais globalizados da produção agrícola
(ELIAS, 2002b; ELIAS, 2006). Tem-se como alguns exemplos dessas áreas: o sul do
estado do Maranhão e o sudoeste do estado do Piauí, que foram invadidos pela
produção de grãos, especialmente a soja; o Vale do Jaguaribe, no Ceará, que se
transformou em um grande polo de fruticultura irrigada; e os Vales do Apodi-Mossoró e
do Açu, no Rio Grande do Norte, que se transformaram em um dos principais
produtores de melão e banana, respectivamente.
Essas manchas de modernização agrícola geralmente apresentam como resultado
de sua modernização ou reestruturação uma maior dependência das determinações
exógenas ao lugar da produção e uma perda de soberania alimentar, já que produzem
commodities internacionais e têm seus preços regulados e controlados pelas bolsas de
mercadorias do Mundo (ELIAS, 2001).
Esse tipo de modernização agrícola, que ocorre em algumas manchas no Semi-
árido Nordestino, reflete bem o processo de verticalização que se dá com a
intensificação da Globalização.
Segundo Santos (2002a, p.258), “[...] a tendência atual é a que os lugares se
unam verticalmente e tudo é feito para isso, em toda parte. Créditos internacionais são
postos à disposição dos países mais pobres para permitir que as redes modernas se
estabeleçam ao serviço do grande capital.”
Esse processo de verticalização que se executa nas manchas de modernização do
Nordeste também vai contar com créditos internacionais e nacionais postos pela
iniciativa do Banco Mundial e do Governo Brasileiro.
Santos (2002a) também enfatiza que esse processo de unificação vertical traz
desordem às regiões onde se instalam, porque estas passam a obedecer a uma lógica
externa que muitas vezes tende a gerar instabilidade em seus espaços, que passam a
depender do sabor e dos ventos da Economia Globalizada e das cotações das
commodities no Mercado Internacional.
Com relação às políticas públicas no âmbito da liberalização comercial no
Nordeste, a década de 1990 marca uma mudança nos paradigmas de desenvolvimento,
cujas características principais são a redefinição do papel do Estado na Economia, que,
em consequência, implicou a redução da sua intervenção na Agricultura e a crescente
abertura comercial (SOUZA, 1997).
Na realidade,
a redefinição do papel do Estado na agricultura ocorreu, em grande parte, devido à falta de recursos financeiros necessários ao crédito rural e às aquisições de produtos para recompor os estoques reguladores. Decorrente dessa nova política, órgãos federais voltados para a agricultura são extintos ou foram objeto de fusão (SOUZA, 1997, p. 508).
Com a falta de recursos do Estado, as bolsas de mercadorias e as empresas
agroindustriais vão ser os novos agentes responsáveis pela administração dos subsídios
e estoques. Com isto, reforçam-se as determinações exógenas ao lugar da produção e ao
tipo de produção que será conduzido nesses lugares. Os novos agentes vão estar
interessados somente nas culturas comerciais para exportação, fazendo com que o
pequeno produtor de culturas tradicionais, como o feijão e a mandioca, não tenha
qualquer tipo de subsídio.
Durante o Governo Fernando Henrique Cardoso (que trouxe a estabilidade
econômica com o Plano Real) é que se tem a retomada do planejamento governamental
com o primeiro Plano Plurianual de fato - o PPA 1996-1999. Esse Plano introduziu
novos conceitos no planejamento federal, a saber: “Os eixos nacionais de integração e
desenvolvimento, como referência espacial do desenvolvimento, e os projetos
estruturantes, essenciais para as transformações desejadas no ambiente econômico e
social” (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, 2008,
p.2).
Nesse contexto, agrega-se ao referido Plano Plurianual o Programa “Brasil em
Ação21”, que foi responsável pelo gerenciamento de empreendimentos estratégicos.
Esse Programa visava a articular o Brasil através de 42 empreendimentos estratégicos
nas áreas de infraestrutura econômica e desenvolvimento social. Essa articulação - a
partir dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento - se fazia baseando-se na
constatação da importância da logística nas trocas de mercadorias entre as distintas
regiões do Mundo e na identificação da necessidade do Brasil em implantar uma rede de
ligações intermodais para articular regiões brasileiras com regiões de outros países.
A partir dessa constatação, elaborou-se uma logística de transporte para reduzir
os custos de produção e comercialização e complementar a infraestrutura do Brasil,
21 O Programa “Brasil em Ação” elaborado pelo Governo Fernando Henrique em 1996 tinha como meta o chamado “desenvolvimento integrado do País”, para poder ter maior competitividade em nível internacional. Os projetos do Programa eram selecionados por sua capacidade de reduzir custos de produção e comercialização, completar elos de infra-estrutura para melhorar as condições de competitividade da Economia (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, 2008).
preparando assim o País para atrair novos investimentos e se inserir em condições
competitivas no Mercado Global, além de reduzir suas desigualdades regionais e sociais
(MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, 2008).
Em 1996, surgiu o Programa de Apoio e Desenvolvimento da Fruticultura
Irrigada do Nordeste, dentro do “Brasil em Ação”. Esse Programa pretendia implantar
um novo modelo de irrigação, dentro da filosofia do Banco Mundial.
Segundo Souza (1997, p. 511),
Tais diretrizes enfatizam as ações privadas na irrigação, passando o Estado a agente indutor e apoiador em vez de executor, ao mesmo tempo em que prioriza regionalmente o Nordeste semi-árido como área principal de convergência de irrigação e a fruticultura como atividade econômica de maior potencial sócio-econômico e de competitividade.
Também dentro do “Brasil em Ação”, surge em 1998 o programa “Polos de
Desenvolvimento Integrado do Nordeste”, que vinha a incentivar as chamadas
“manchas de modernidade” (áreas dinâmicas do Nordeste que se relacionam muito mais
com o Mercado Internacional do que com suas áreas vizinhas no interior da região),
deixando de lado as desigualdades regionais e as áreas mais pobres (BANCO DO
NORDESTE DO BRASIL, 2008a; CARVALHO, 2001).
Apesar do Documento Básico do Programa prever “um mecanismo de Gestão
Integrada de Políticas Públicas em Apoio ao Desenvolvimento Local, integrando as
diversas dimensões do desenvolvimento [...]”( BANCO DO NORDESTE DO BRASIL,
p.3, 2008a) e relacionando a visão estratégica nacional à participação local no âmbito
das comunidades, esse desenvolvimento local, na maioria das vezes, não aconteceu, já
que a maioria dos polos escolhidos para fazer parte do Programa estava voltada para o
circuito internacional e se relacionava mais com os mercados consumidores da Europa e
dos Estados Unidos do que com suas cidades vizinhas.
Foram escolhidos como polos de desenvolvimento integrado inicialmente 10
polos agroindustriais na Região Nordeste do Brasil, número que depois aumentou para
13, a saber (Figura 1):
1. Norte de Minas Gerais;
2. Petrolina(PE)/Juazeiro(BA);
3. Assu(RN)/Mossoró(RN);
4. Vale do Jaguaribe(CE);
5. Alto Piranhas(PB);
6. Oeste Baiano;
7. Sul do Maranhão;
8. Uruçuí-Gurgueia(PI);
9. Bacia Leiteira de Alagoas;
10. Sul de Sergipe;
11. Juazeiro (BA);
12. Cariri Cearense;
13. Noroeste do Espírito Santo.
Desses treze polos, praticamente a metade - seis - é caracterizada pela
agricultura irrigada. Tais polos foram escolhidos a partir do documento “Estudos sobre
a Agroindústria no Nordeste – Caracterização e Hierarquização de Polos Agro-
industriais (SENIR/Banco do Nordeste, 1992), que identificou 14 polos agroindustriais
do Nordeste, segundo o potencial para agroindustrialização (BANCO DO NORDESTE
DO BRASIL, 2008a).
Figura 1 - Distribuição Espacial dos 13 Polos de Desenvolvimento Integrado
Fonte: BANCO DO NORDESTE DO BRASIL (2008a). Tendências Atuais – Século XXI: Governo Lula, Política Dual - Agronegócio e
Agricultura Familiar Políticas Públicas com Viés no Agronegócio Globalizado O Governo Lula, através do Plano Plurianual (PPA) 2004-2007, das prioridades
e metas para o ano de 2006 e das políticas de Parceria Público Privado (PPP), incorpora
grande parte dos projetos elencados nos Eixos Nacionais de Integração e
Desenvolvimento do Governo anterior, mas vai além, com a participação efetiva no
desenvolvimento dos estudos da Iniciativa de Integração Regional da América do Sul22
(IIRSA), que significa traçar os Eixos de Integração numa escala sul-americana.
(PORTO, 2006).
O principal programa de desenvolvimento econômico do Governo Lula - O
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC – 2007-2010) - também reproduz em
parte a política dos Eixos do Governo passado. Observando-se as metas para a Região
Nordeste, notam-se investimentos em: transportes, rodovias, ferrovias, portos,
hidrovias, terminais intermodais, geração e transmissão de energia elétrica, aeroportos,
projetos de irrigação e o famoso Projeto de Integração da Bacia do Rio São Francisco -
a transposição desse rio. A maioria dessas metas, cumpre destacar, vai ao encontro da
logística de inserção do Brasil na economia globalizada.
Muitos desses investimentos do PAC (ver Figura 2) vão reforçar o Agronegócio
dos Polos de Desenvolvimento Integrado do Nordeste (ainda ativos na página do BNB
na Internet), através do que se segue:
- pavimentação de estradas que articulam o Agronegócio da Soja no Piauí e na
Bahia (BR 135 – PI-BA-MG);
- construção da Ferrovia “Nova Transnordestina”, que facilitará o escoamento da
soja dos cerrados do Piauí e da Bahia para os portos de Pecém (CE) e Suape (PE);
22 “Tal investida iniciou-se na reunião de presidentes de países da América do Sul, realizada em Brasília, em agosto de 2000, quando se discutiu a possibilidade da montagem de uma espécie de eixos de desenvolvimento de integração da América do Sul [...]. Se analisarmos os objetivos e produtos da IIRSA, podemos constatar que eles se coadunam perfeitamente com os objetivos gerais dos eixos, principalmente no relacionado ao portfólio de investimentos em infra-estrutura de transportes e comunicações, tendo como diferença básica a escala da sua realização” (PORTO, 2006, p. 100).
- acesso ao Porto de Itaqui pela BR-135, com melhorias na estrada, facilitando o
escoamento da soja proveniente do sudoeste do Piauí e do sul do Maranhão;
- acesso ao Porto de Pecém pela BR-222, com melhorias na estrada, facilitando o
escoamento da soja proveniente da Ferrovia “Nova Transnordestina” e o das frutas das
microrregiões do Baixo Jaguaribe (CE), Mossoró (RN) e Vale do Açu (RN).
- dragagem e derrocagem da Hidrovia “São Francisco” e acesso ferroviário ao
Porto de Juazeiro, na Bahia, facilitando o escoamento da soja do oeste baiano por
hidrovias e ferrovias até os principais portos;
- transposição do rio São Francisco, que traz a garantia hídrica para os grandes
grupos do Agronegócio Multinacional de Frutas que têm fazendas nas várzeas dos rios
Assu (RN) e Jaguaribe (CE), principais rios beneficiados pela transposição no Rio
Grande do Norte e no Ceará.
Figura 2 - Previsão de Investimentos em Transportes do “Programa de Aceleração do Crescimento na Região Nordeste” (2007-2009)
Fonte: BRASIL (2008). O Governo Lula ainda investe pesadamente no financiamento do Agronegócio
Globalizado através do Banco do Nordeste, do Banco do Brasil e do BNDES. Este
último tem uma série de programas para o Agronegócio em andamento, com
disponibilidade creditícia de 6,5 bilhões para a safra 2008/2009. Dentre eles, podem-se
destacar (BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E
SOCIAL, 2008; MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E
ABASTECIMENTO, 2008):
- O MODERAGRO II – Programa de Modernização da Agricultura e
Conservação de Recursos Naturais, destinado a produtores rurais;
- O MODERFROTA – Programa de Modernização da Frota de Tratores
Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras, destinado a produtores rurais,
pessoas físicas ou jurídicas, e suas cooperativas.
- O MODERINFRA – Programa de Incentivo à Irrigação e à Armazenagem,
destinado a produtores rurais, pessoas físicas ou jurídicas, e suas cooperativas.
- FINAME AGRÍCOLA - Essa linha de crédito é o principal mecanismo de
apoio do BNDES ao Setor Agropecuário e se destina à aquisição de máquinas e
equipamentos agrícolas.
Vale lembrar que, para a safra de 2008/2009, o Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento anunciou uma oferta de crédito agrícola de 65 bilhões de
reais para a Agricultura Empresarial e 13 bilhões para a Agricultura Familiar
(MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, 2008).
Políticas Públicas com viés no desenvolvimento regional e na agricultura familiar Em termos de Políticas Públicas que versam sobre o desenvolvimento regional,
nota-se um diferencial no Governo Lula: existem iniciativas que têm um caráter de
inovação e renovação. A principal delas é o desenvolvimento da “Política Nacional de
Desenvolvimento Regional - PNDR”. Essa política tem como base uma valorização do
potencial endógeno das regiões, como o que aconteceu na Terceira Itália e no Vale do
Silício nos Estados Unidos. O PNDR tem como horizonte a valorização das identidades
locais e regionais e a inclusão participativa de amplos setores da sociedade
(MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2008).
Segundo Porto (2006, p. 102), “[...] o maior objetivo do PNDR é reverter as
desigualdades regionais mediante exploração das potencialidades endógenas da
diversidade ambiental, socioeconômica e cultural brasileira.” Para chegar a isto, o
PNDR tem o propósito de estabelecer um quadro referencial das desigualdades
regionais, para o quê, utilizará a escala microrregional, de acordo com a divisão do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Essa metodologia está baseada
em duas variáveis:
a) Rendimento Médio Mensal por Habitante, englobando todas as fontes
declaradas (salários, benefícios, pensões, etc); e;
b) Taxa Geométrica de Variação dos Produtos Internos Brutos Municipais, por
habitante.
No final, adotando-se essa metodologia com o cruzamento das duas variáveis,
teve-se como resultados quatro situações “idealtípicas” descritas da seguinte forma
(MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2008):
Grupo 1: Microrregiões de ALTA RENDA – compreendendo Microrregiões (MRGs)
com alto rendimento domiciliar por habitante, independentemente do dinamismo
observado que se encontra predominantemente nas Regiões Sul e Sudeste e também no
Centro-Oeste.
Grupo 2: Microrregiões DINÂMICAS – MRGs com rendimentos médios e baixos, mas
com dinâmica econômica significativa. Elas possuem presença rarefeita nas Regiões Sul
e Sudeste e são mais frequentes no Centro-Oeste e no Nordeste, onde cobrem vastas
extensões territoriais.
Grupo 3: Microrregiões ESTAGNADAS - MRGs com rendimento domiciliar médio,
mas com baixo crescimento econômico. Em geral, refletem dinamismo em períodos
passados e possuem, em muitos casos, estrutura socioeconômica e capital social
considerável. A sua espacialização mostra uma dispersão por todo o território nacional,
embora predominem nas Regiões Sul e Sudeste, com importante presença em parte do
Centro-Oeste.
Grupo 4: Microrregiões de BAIXA RENDA - MRGs com baixo rendimento domiciliar
e baixo dinamismo. Concentradas no Norte e no Nordeste, combinam situações de
pobreza e debilidade da base econômica regional.
Com base na classificação acima, o PNDR define como prioritárias as
Microrregiões dos Grupos 2, 3 e 4, que devem ser territórios preferenciais para as
políticas setoriais (PLANALTO, 2008).
A classificação do PNDR vai se enquadrar em uma série de políticas públicas
por todo o Brasil e, no Nordeste, vai ter como suporte também a Nova Delimitação do
Semiárido23 como norte fundamental das principais políticas públicas de
desenvolvimento do Nordeste.
Abaixo, são citados exemplos das principais políticas públicas em execução do
Ministério da Integração Nacional (MIN) e Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA), que são vinculadas à classificação do PNDR e/ou à delimitação do Semiárido
(MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL (2008) e MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO (2008). São elas:
- Programa de Sustentabilidade de Espaços Sub-regionais – PROMESO –
que busca a redução das desigualdades sociais e regionais, a partir, principalmente, da
potencialização dos ativos endógenos tangíveis e intangíveis de mesorregiões
diferenciadas; são 13 mesorregiões no Brasil, das quais, seis fazem parte da região
Nordeste (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2008);
- Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semiárido –
CONVIVER – que busca reduzir as vulnerabilidades socioeconômicas dos espaços
regionais e sub-regionais com maior incidência de secas. O público-alvo desse
Programa é composto por cerca de 22 milhões de pessoas residentes nos 1.133
municípios do Semiárido Nordestino (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL,
2008); Uma das nove sub-regiões prioritárias é o Vale do Açu-RN;
- Linha de Crédito de Investimento para Obras Hídricas e Produção para
Convivência com o Semiárido - Pronaf24 Semiárido – consiste em viabilizar
23 A Nova Delimitação do Semiárido é fruto de um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), que, entre 2004 e 2005, executou uma nova delimitação do semiárido brasileiro. O GTI tomou por base três critérios técnicos, quais sejam: I. Precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 milímetros; Ii. Índice de aridez de até 0,5, calculado pelo balanço hídrico que relaciona as precipitações e a evapotranspiração potencial, no período entre 1961 e 1990; e Iii. Risco de seca maior que 60%, tomando-se por base o período entre 1970 e 1990. Esses três critérios foram aplicados consistentemente em todos os municípios que pertencem à área da antiga SUDENE, inclusive os do norte de Minas e do Espírito Santo. Além dos 1.031 municípios já incorporados, passam a fazer parte do semiárido outros 102 novos municípios enquadrados em pelo menos um dos três critérios utilizados. Com essa atualização, a área classificada oficialmente como semiárido brasileiro aumentou de 892.309,4 km para 969.589,4 km - um acréscimo de 8,66% (NOVA DELIMITAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO, 2008). 24 “O Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar foi criado através do Decreto 1946, de 28 de junho de 1996, e teve suas normas consolidadas na Resolução 2310, de 29 de agosto de 1996. Esse programa nasceu da luta histórica dos sindicatos rurais e de suas representações em nível estadual e nacional, recebendo, ainda, o apoio decisivo de instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), cujas pressões sobre o governo brasileiro foram mais importantes para o desfecho que o acúmulo de sucessivas experiências frustradas por parte dos trabalhadores. Essas reivindicações foram levadas a sério justamente num momento em que o campo era objeto de crescentes conflitos pela terra liderados por movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
investimentos em projetos de convivência com o Semiárido, focando na
sustentabilidade dos agroecossistemas e priorizando projetos de infraestrutura hídrica e
implantação, ampliação, recuperação ou modernização das demais infraestruturas,
inclusive aquelas relacionadas com projetos de produção e serviços agropecuários e não
agropecuários, de acordo com a realidade das famílias agricultoras da região semiárida.
Os produtores rurais beneficiários têm à disposição crédito com juros de 1% ao ano,
prazo de pagamento de até 10 anos e três anos de carência (MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2008);
- Territórios da Cidadania – visa à superação da pobreza e das desigualdades
sociais no meio rural, inclusive as de gênero, raça e etnia, por meio de uma estratégia de
desenvolvimento territorial sustentável. Até 2010, o Programa alcançará 120 Territórios
Rurais (aproximadamente 1.800 municípios ou 40% do total de municípios rurais do
País) e os municípios mais pobres, com mais baixos índices de IDH e enquadrados
também na política do PNDR, como de baixo dinamismo econômico. O território de
Açu-Mossoró é enquadrado como um dos territórios (MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2008; TERRITÓRIOS DA CIDADANIA, 2008);
- Programa Nacional de Crédito Fundiário - Dentre as linhas de
financiamento oferecidas pelo Programa Nacional de Crédito Fundiário, a de Combate
à Pobreza Rural é a que atende às camadas mais necessitadas da população rural,
contemplando trabalhadores rurais sem terra, pequenos produtores rurais com acesso
precário à terra e proprietários de minifúndios: imóveis cuja área não alcance a
dimensão da propriedade familiar. O objetivo básico do Programa é financiar a compra
de imóveis rurais e o requisito básico é formar associações. Para as associações
localizadas no Semiárido Nordestino, tem-se um bônus de adimplência de 40%, mais de
100% superior às outras regiões do Brasil (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO
AGRÁRIO, 2008; CREDITO FUNDIÁRIO, 2008).
Vale salientar que o gerenciamento de inúmeras políticas públicas para o
Nordeste, principalmente do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste
(FNE), do Fundo de Financiamento do Nordeste (FNDE), além da redução de Imposto
de Renda Pessoa Jurídica para reinvestimentos, dentre outros, passa a ser feito, a partir
de 2007, pela nova SUDENE, recriada pela Lei Complementar nº 125, de 3/jan/2007
(SUDENE, 2008).
(MST), que, em princípio, se contrapunham a soluções como a do Pronaf, consideradas paliativas, no contexto dos problemas que estavam enfrentando” (BASTOS, 2006, p.64-65).
Pode-se inferir, com base nessa política, que o Governo Brasileiro, na década de
1990 e no início do século XXI, vai seguir toda a “cartilha” pregada pelo FMI e pela
OMC, proporcionando com isso um ambiente ideal para a entrada de grandes
Corporações Multinacionais, como as de frutas, com moderna infraestrutura e linhas de
financiamento. Com o Governo Lula se tem uma política dual, com investimentos e
políticas públicas que favoreçem o Agronegócio Globalizado e ao mesmo tempo
formula políticas que contemplam a pequena agricultura familiar.
Globalização das Frutas: Liberalização e Grandes Multinacionais Globais
3º Regime Frutícola
O panorama atual se inicia entre as décadas de 1970 e 1980, com reformas
neoliberais e o uso de novas tecnologias, como a biotecnologia e a implementação, mais
recentemente, de novas formas de produção, com diferenciação e inovação nos frutos
com destino a nichos específicos de mercado. Ultimamente vêm se destacando em
escala global os produtos orgânicos (que não são tratados com defensivos químicos e
nem recebem fertilizantes sintéticos), que já estão na pauta das grandes Multinacionais
Frutícolas.
Mesmo com mudanças tecnológicas e preocupações ambientais, a produção na
cadeia das frutas operadas pelas grandes Multinacionais ainda é majoritariamente de
acordo com o modelo fordista de produção e consumo de massa, destacando-se a
banana como fruta mais produzida de acordo com esse modelo (BONANNO, 1994,
p.14).
Nesse contexto, tem-se a ampliação da competição global, graças a reformas
liberalizantes de cunho nacional e supranacional que fizeram com que várias barreiras
que dificultavam o comércio mundial fossem abaixo. Essas reformas foram conduzidas
no âmbito supranacional, principalmente pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e
pela Organização Mundial do Comércio (OMC), durante as décadas de 1980 e 1990,
como já se falou anteriormente.
Para responder à crescente competição global, as grandes Multinacionais de
frutas e banana traçaram inúmeras estratégias, algumas novas, outras já existentes há
décadas, dentre as quais, podem-se citar: a criação de especializações e nichos de
mercado, a procura pela terra e trabalho baratos em qualquer parte do Mundo, a
melhoria da tecnologia de transporte e logística e a pressão intensiva sobre países e
localidades, para prover a redução de impostos e benefícios (BONANNO, 1994, p.15).
Outro ponto que se fortaleceu frente a esse ambiente intensivo de competição
global foi o da integração vertical. Cada vez mais, esta, sob a coordenação direta das
Multinacionais de frutas, intensifica-se, devido também às particularidades das
atividades frutícolas, como a perecibilidade do produto transacionado, que obriga o
cumprimento de certas operações em um prazo curto de tempo e também a
sazonalidade da produção, que pode conferir a certos países ou regiões posições quase
monopolísticas durante certo período do ano (MARTINELLI; CAMARGO, 2003).
Essa integração vertical, principalmente através de grandes plantações próprias,
gera economia de escala e também grandes impactos para os países que hospedam essas
Multinacionais, como impactos ambientais, com o desmatamento de florestas, erosão,
contaminação química dos solos/água e dos rios/oceanos, com restos de sacos plásticos
usados na plantação para proteger as bananas dos insetos, e o uso intensivo de
pesticidas, que chegou a provocar a esterilização de milhares de trabalhadores na
América Central (RAYNOLDS, 2003).
Por fim, esse ambiente competitivo vai ser decisivo para um aumento no número
de fusões e aquisições, resultando em uma maior concentração do comércio global de
frutas, principalmente bananas, nas mãos de um punhado de grandes Multinacionais.
Martinelli e Camargo (2003, p.147) observam essas transformações, quando
citam que
[...] a difusão de um padrão competitivo globalizado tem levado a uma reconfiguração da cadeia de frutas. As grandes empresas de frutas e das redes varejistas, visando ao fortalecimento de suas posições competitivas, pautam-se pelas estratégias de fusão e aquisição, levando à maior concentração do mercado e à configuração mais complexa da cadeia produtiva em escala global.
Nos Estados Unidos, as fusões foram incentivadas por políticas neoliberais do
Governo Reagan, na década de 1980, que desregulamentaram e afrouxaram as leis
antitrustes (BONANNO, 1994, p.39). No resto do Mundo, as fusões e aquisições foram
incentivadas principalmente com a desregulamentação mundial do comércio promovida
pelas rodadas do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), criado para regular as
relações comerciais internacionais.
Em 1986, começa a Rodada Uruguai do Gatt. Esta, que resultou na criação da
OMC, terminou em 1993 com vários acordos, dos quais se sobressai o “Acordo sobre
Agricultura”. Tal Acordo cobre três áreas principais: acesso aos mercados, subsídios à
exportação e apoio doméstico à agricultura, contribuindo de forma efetiva para a
liberalização do comércio e consequentemente para a entrada de grandes grupos
multinacionais em Países Subdesenvolvidos, além de facilitar o processo de fusões e
aquisições (MADELEY, 2003).
A emergência desses acordos da OMC vem ocorrer na mesma época em que a
União Europeia executava uma diretriz especial para as suas importações de banana. A
regulação 404/93 da UE institui um sistema de cotas (que já existia para muitos dos
seus países), que vai dividir o mercado europeu de banana. Consiste esse sistema em:
- cota para a produção ultramarina de países da UE, como as Ilhas Canárias da
Espanha, Madeira, Açores e Algarve de Portugal, dentre outras (850.000 toneladas
métricas por ano);
- cota para os países da África, Caribe e Pacifico – ACP25 - tradicionais
exportadores – Belize, Camarões, Cabo Verde, Dominica, Granada, Costa do Marfim,
Jamaica, Madagascar, Santa Lúcia, São Vicente, Somália e Surniname. Essa cota
abrangia os países do Caribe que tinham sua produção de banana voltada para o
mercado europeu e que produziam através da agricultura familiar, com garantia de
preços elevados no mercado europeu (857.700 toneladas métricas).
Para os países que são do sistema “banana dollar”, ou seja, países da América
Latina que produzem de acordo com o sistema americano, através das Multinacionais
Americanas, foi colocado um sistema de licença que respeitou o comércio histórico
entre essa região e a União Europeia, mas que impedia o crescimento da produção em
alguns países (1,6 milhão de toneladas métricas) (WILEY, 2008).
Duas das três grandes Multinacionais frutícolas e bananeiras se adequaram ao
novo regime europeu de licenças e cotas (as norte-americanas Dole e Del Monte Fresh
25 Organização Intergovernamental de ex-colônias europeias da África, Caribe e Pacífico que funciona nos moldes da ONU. Essa organização nasce no âmbito da cooperação da União Europeia com as ex-colônias, e um dos aspectos dessa cooperação é a da não-reciprocidade. Essa cooperação é feita preferencialmente através de tratados que sempre valem por um determinado período. O primeiro tratado chamado de Convenção de Lomé (1975-80) focou na industrialização e no acesso preferencial à UE. A segunda Convenção de Lomé (1980-85) focou em fundos para reduzir a dependência do setor de mineração. A terceira Convenção de Lomé (1985-90) focou a segurança alimentar e deu suporte para o turismo e o transporte marítimo, e a quarta Convenção de Lomé (1990-2000) deu ênfase aos ajustes neo-liberais aplicados pelo FMI e Banco Mundial que promoviam as privatizações. Um dos mecanismos das Convenções de Lomé são as cotas, os acessos preferenciais para a entrada de commodities (como o açúcar, o rum e a banana) dessas ex-colônias na União Europeia (WILEY, 2008).
Produce). Já a Multinacional Norte-Americana Chiquita (importante contribuinte das
eleições americanas) pressionou o Governo Americano e conseguiu que este (junto com
outros países em que a Multinacional tem fazendas, como o Equador e Honduras),
defendesse seus interesses corporativos na OMC. Por fim, esta dá ganho de causa aos
EUA e à referida Multinacional. Com isto, a UE teve que redesenhar todo o seu regime
de importação de bananas, agora trazendo uma maior abertura de mercado e lucros
maiores para a multinacional Chiquita, ao mesmo tempo em que passa causar prejuízos
às economias de pequenas ilhas do Caribe, da África e do Pacífico, por causa da
mudança que teve de fazer nas cotas dos países da ACP (WILEY, 2008).
Todo esse processo intensificou ainda mais a concentração no comércio
internacional de banana (e frutas frescas, já que todas essas empresas de bananas são as
maiores exportadoras mundiais de frutas, com a exceção da Noboa, que se especializou
em banana) e faz com que esse mercado se configure nos dias atuais em um oligopólio
altamente concentrado, segundo Chesnais (1996), em que apenas cinco empresas
dominam cerca de 80% do comércio mundial dessa fruta (KASTEEKE; STICHELE,
2009) (Ver Gráfico 1).
Gráfico 1 - Comércio Mundial de Banana - 2003
Comércio Mundial de Banana - 2003
0
5
10
15
20
25
Dole Chiquita DelmonteFresh
Produce
Fyffes Noboa Outros
Maiores exportadores
Em
Po
rcen
tag
em
Fonte: Kasteeke; Stichele (2009).
Hoje, as exportações mundiais de banana e consequentemente de frutas são
quase inteiramente controladas pelas empresas seguintes:
a) Dole Food Company Inc. – Com sede na Califórnia, Estados Unidos,
essa empresa foi fundada no Havaí, em 1851, consagrando-se como líder mundial na
produção e exportação de frutas. Foi comprada em 2003 pelo empresário americano
David H. Murdoch, possuidor, entre outras empresas, da Castle & Cooke, que possui
dezenas de hotéis, resorts, residenciais e campos de golf espalhados pelos Estados
Unidos.
A Dole se consagra como uma empresa altamente verticalizada, com o domínio
da produção, da embalagem e do processamento dos produtos frescos, atuando
de forma diversificada com mais de 200 produtos, além de ter uma empresa
especializada no transporte - a “Dole Ocean Cargo Express” -, que transporta os
seus contêineres e também está a serviço de terceiros. Atua em vários
continentes, com plantações e logística em escala mundial (DOLE, 2009).
b) Chiquitita Brands International Inc. – Também conhecida por
“Chiquita”, essa empresa, com sede em Ohio, Estados Unidos, consagrou-se como a
segunda maior produtora e exportadora de frutas do Mundo. Foi fundada em 1899, com
o nome de “United Fruit Company”. É uma das empresas pioneiras em tecnologia de
refrigeração no transporte de contêineres pelo Mundo. Caracteriza-se também como
uma empresa altamente verticalizada, com mais de 30.000 ha de fazendas próprias e
uma frota de navios refrigerados para levar seus produtos para os EUA e a União
Europeia, tendo joint ventures nas Filipinas e na Austrália. É dona ainda de armazéns e
estradas de ferro usadas para escoar a produção (CHIQUITA, 2009).
c) Del Monte Fresh Produce ou Fresh Del Monte Produce – A marca Del
Monte nasceu no final do século XIX, anos de 1880, em Oakland, no estado norte-
americano da Califórnia. Tem sede nas Ilhas Cayman e seu principal centro
administrativo hoje se encontra nos Estados Unidos, em Coral Glabes, na Flórida. É
verticalizada, com empresas por toda a cadeia produtiva da banana, inclusive transporte
marítimo, beneficiamento e distribuição, e também diversificada, com negócios de
investimento em mercado financeiro, imobiliário e no Setor Turístico (DEL MONTE
FRESH PRODUCE, 2011).
d) Fyffes – Com sede na Irlanda, em Dublin, começou a funcionar em 1888,
levando bananas das Ilhas Canárias para Londres. É a primeira Companhia a ter navios
especialmente construídos para o transporte de banana, já em 1901. É uma empresa
também verticalizada, com o controle do transporte, beneficiamento e
comercialização,mas difere das demais: tem somente uma pequena parcela de fazendas
em Belize; o resto da produção é comprado da Dole ou de outras fazendas menores em
Belize, Suriname, Jamaica, Colômbia, Costa Rica, Panamá, Equador, Honduras e nas
Ilhas Canárias, não se responsabilizando, portanto, pelas condições dos trabalhadores.
(FYFFES, 2009; BANANALINK, 2011).
No contexto da liberalização comercial brasileira, durante a década de 1990,
chega a primeira grande Multinacional de frutas frescas, para atuar diretamente no
Nordeste do Brasil - a Del Monte Fresh Produce -, que instala inicialmente suas
fazendas nos vales férteis do Rio Grande do Norte e Ceará. Mais adiante, analisar-se-á a
chegada dessa empresa no Brasil, mais especificamente em Ipanguaçu, no Rio Grande
do Norte.
No próximo Capítulo, será feita a análise do processo de globalização, levando-
se em conta dois eixos fundamentais para o presente trabalho: a renda da terra/questão
fundiária e as relações de trabalho - eixos principais para a análise da Globalização
nos vales do Açu e Apodi, que se fará na segunda parte da Tese.
3 RENDA DA TERRA, CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA E RELAÇÕES DE TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO Neste Capítulo, proceder-se-á à análise teórica dos dois pilares modificados pelo
processo de globalização da Agricultura, pilares estes que são a base para a análise
empírica que se fará na segunda parte da Tese, conforme já afirmado.
O primeiro pilar diz respeito ao processo de concentração fundiária e às
mudanças na forma da renda da terra, ambos intensificados ao longo do processo de
globalização da Agricultura. O segundo, por sua vez, refere-se às mudanças nas
relações de trabalho que ocorreram no decorrer desse mesmo processo.
3.1 Renda da Terra e Concentração Fundiária no Mundo Globalizado 3.1.1 Renda da Terra
Neste tópico teórico, ir-se-á deter no conceito de renda da terra e nos seus
diversos tipos, quais sejam: Renda Diferencial I, Renda Diferencial II, Renda Absoluta
e Renda de Monopólio. Antes, vai-se procurar tecer rápidas considerações sobre alguns
conceitos relativos à acumulação capitalista e à gênese da renda da terra.
São de suma importância essas considerações teóricas sobre a renda da terra e o
caráter capitalista da Agricultura, tendo em vista que o trabalho em questão versa
também sobre os impactos fundiários decorrentes do processo de modernização da
Agricultura nos municípios de Ipanguaçu e Baraúna - impactos estes que se dão no
âmbito também da renda da terra, alterando assim a sua forma.
A) Uma Introdução ao Caráter Capitalista da Agricultura Moderna O caráter capitalista da Agricultura Moderna é composto, entre outras coisas,
pela mercadoria. Esta é um produto que resulta do trabalho humano e é produzida para
ser trocada, pelo produtor (que dela não necessita), por outros produtos de que ele
necessita (KAUTSKY, 1998).
Para Marx (1982, p. 41), mercadoria, “[...] é, antes de mais nada, um objeto
externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual
for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia”.
Neste contexto, toda mercadoria tem um valor. Esse valor é determinado,
segundo Ricardo (1988), da seguinte forma: “O valor de uma mercadoria, ou a
quantidade de qualquer outra pela qual pode ser trocada depende da quantidade relativa
de trabalho necessário para sua produção, e não da maior ou menor remuneração que é
paga por esse trabalho.” (RICARDO, 1988, p.13).
Kautsky (1998) comunga com Ricardo, quando afirma que o valor da
mercadoria é determinado pelo trabalho socialmente necessário para a sua elaboração.
Quanto mais trabalho utilizado no feitio da mercadoria, mais valor ela terá (AMIN;
VERGOPOULOS, 1977).
Para Ricardo (1988), existem duas formas de valor: o valor de uso e o valor de
troca. Aquele é definido pela utilidade de uma coisa - as que têm maior valor de uso
têm pouco valor de troca, como, por exemplo, a água e o ar. O valor de uso se realiza,
portanto, somente com a utilização ou o consumo de uma coisa.
O valor de troca, por sua vez, consiste na relação de troca que se estabelece entre
uma coisa e outra, entre a quantidade de um produto e a de outro. Com o valor de troca,
as mercadorias perdem todas as qualidades materiais do valor de uso e passam a
representar somente a força de trabalho humana gasta em sua produção. Algumas coisas
que têm maior valor de troca têm pequeno ou nenhum valor de uso, como por exemplo,
o ouro. Toda mercadoria pode ter um valor de troca (quando é trocada por outra
mercadoria) ou um valor monetário (quando é trocada pelo dinheiro) (MARX, 1982).
As mercadorias, segundo Ricardo (1988), derivam seu valor de troca de duas
fontes: de sua escassez e da quantidade de trabalho necessária para obtê-las, sendo que
a escassez representa uma parte muito pequena das mercadorias, como vinhos
cultivados em terras especiais, obras de arte etc, e a quantidade de trabalho necessária
representa quase a totalidade das mercadorias produzidas pelo homem.
Ao falar, portanto, das mercadorias, de seu valor de troca e das leis que regulam seus preços relativos, sempre nos referiremos somente àquelas mercadorias cuja quantidade pode ser aumentada pelo exercício da atividade humana, e em cuja produção a concorrência atua sem obstáculos (RICARDO, 1988, p.14).
O referido autor afirma também que não só o trabalho aplicado diretamente é
que afeta o valor da mercadoria, mas também o trabalho gasto em implementos,
ferramentas, máquinas e edifícios que contribuem para sua execução, pois “todo
melhoramento na maquinaria, nas ferramentas, nas edificações e na obtenção de
matérias-primas poupa trabalho, permitindo-nos produzir mais facilmente a mercadoria
à qual se aplicou a melhoria e, em conseqüência, o seu valor se altera” (RICARDO,
1988, p.26).
Marx (1982) insiste que o determinante da grandeza do valor é a quantidade de
trabalho socialmente necessário ou o tempo de trabalho socialmente necessário.
Afirma, porém, que essa quantidade de trabalho necessário é variável, mudando de
acordo com o desenvolvimento da ciência, da tecnologia, da organização social da
produção etc.
As mercadorias, portanto, são ao mesmo tempo objetos úteis (valor de uso) e
objetos de valor (valor de troca). Em um primeiro momento, elas tinham como valor de
troca apenas o equivalente em valor de outra mercadoria (M – M = Mercadoria –
Mercadoria). A mercadoria era trocada por outra de igual tempo de trabalho humano.
Com o tempo, surge o dinheiro, que “é o cristal gerado necessariamente pelo
processo de troca, e que serve, de fato, para equiparar os diferentes produtos do trabalho
e, portanto, para convertê-los em mercadorias.” (MARX, 1982, p. 97). O dinheiro
facilita o processo de troca do produto do seu trabalho pelo produto do trabalho alheio.
(M - D - M = Mercadoria – Dinheiro – Mercadoria).
No Mundo Capitalista, esse processo de troca vai ganhar um elemento adicional,
chamado mais-valia. Segundo Marx (1982), o capitalista, além de produzir uma
mercadoria destinada a venda, que tenha um valor de troca, vai querer produzir também
“[...] uma mercadoria de valor mais elevado que o valor conjunto das mercadorias
necessárias para produzi-la, isto é, a soma dos valores dos meios de produção e força de
trabalho26, pelos quais antecipou seu bom dinheiro no mercado.” (MARX, 1982, p.
221). Com isto, produzindo uma mercadoria com o valor maior que a soma dos valores
dos meios de produção e da força de trabalho, o capitalista está gerando mais-valia
(valor excedente).
Essa produção de mais-valia é gerada a partir de um excedente quantitativo de
trabalho, que é apropriado, pelo capitalista, já que, segundo Marx (1982), a manutenção
da força de trabalho é mantida só com meia jornada de trabalho (uma vez que o
26 Meios de Produção e Força de Trabalho são trabalhados por Marx (1982) e são componentes do processo de trabalho de produção de uma mercadoria. Os componentes do processo de trabalho são: a) A atividade adequada a um fim, isto é o próprio trabalho ; b) a matéria a que se aplica o trabalho, objeto de trabalho (pode ser uma matéria-prima); c) os meios de trabalho, o instrumental de trabalho. O componente a), que é o trabalho humano é chamado de Força de Trabalho e os componentes b) e c), que são os objetos de trabalho e os instrumentos de trabalho são chamados de Meios de Produção.
trabalhador ganha apenas o necessário para a sua subsistência), sendo a outra metade da
jornada apropriada pelo capitalista que contratou o trabalho.
B) Renda da Terra: uma Análise Conceitual Segundo Marx (1991, p.710), renda da terra ou renda fundiária se define como a
“quantia que o capitalista arrendatário paga ao proprietário de terras, ao dono do solo
que explora, em prazos fixados, digamos por ano, quantia contratualmente estipulada
pelo consentimento de empregar seu capital nesse campo especial de produção”.
Esse tipo de renda, portanto, vai ser sempre a sobra acima do lucro, da mais-
valia, acima da fração do valor das mercadorias, que o capitalista vai pagar para o
proprietário fundiário.
Mas nem sempre a renda fundiária consistia no excedente do lucro, da mais-
valia, que era retirada dos trabalhadores pelo capitalista e repassada para o proprietário
de terras. Percebe-se que, além do capitalista retirar o lucro, a mais-valia, e se apropriar
deste, existia ainda um excedente da mais-valia, este, sim, era entregue ao proprietário
fundiário.
Antes da emergência do modo capitalista de produção, a renda fundiária era
extraída, não como um excedente da mais-valia, mas como a própria mais-valia, ou, em
outras palavras, o correspondente ao trabalho excedente colhido na agricultura. Esta foi
extraído ao longo da história sob a forma de trabalho, de produto e, depois, com a
emergência da circulação das mercadorias, sob a forma de dinheiro.
A seguir, analisar-se-á como se dava a renda da terra antes do surgimento do
capital, denominado de “período pré-capitalista”.
Renda da Terra Pré-Capitalista
Bem antes de o modo de produção capitalista emergir, já existiam as rendas da
terra, que hoje são absorvidas por esse modo de produção. Neste sentido, este tipo de
renda se constitui na porção “do produto da terra paga ao seu proprietário pelo uso das
forças originais e indestrutíveis do solo” (RICARDO, 1988, p. 34).
Oliveira (1990), por sua vez, afirma que a renda da terra pré-capitalista é
diretamente produto excedente, mais-valia, que nasce diretamente na produção, ao
contrário da renda da terra capitalista, que, nascendo na circulação, é sempre sobra
acima do lucro médio, ou seja, fração da mais-valia.
Segundo Marx (1991), existem três tipos de Renda Pré-Capitalista, utilizados no
passado e hoje apropriados pelo modo de produção capitalista, a saber: Renda em
Trabalho, Renda em Produto e Renda em Dinheiro.
Para o referido autor, Renda em Trabalho (também chamada de corveia)
corresponde à forma mais simples e antiga de renda fundiária: geralmente,
[...] durante parte da semana, o produtor direto, com os instrumentos (arado, animais etc.) que pertencem de fato ou de direito, lavra o terreno de que dispõe de fato e, nos outros dias da semana, trabalha nas terras do Solar Senhorial, para o proprietário de terras gratuitamente. (MARX, 1991, p. 905).
Segundo o mesmo autor, essas relações de dependência podem reduzir-se, indo
da servidão com a corveia, como foi citado acima, até à mera obrigação de pagamento
de um tributo, como acontece nos dias atuais. Nessa modalidade de renda, o trabalho
excedente não pago é a renda da terra e não o lucro. Além disto, têm-se em tal tipo de
modalidade fortes relações de domínio e sujeição.
A Renda em Trabalho é a forma mais simples de renda e também a forma
original da mais-valia - uma mais-valia visível, não alienante, que é identificada pelo
produtor, “[...] pois o trabalho que o produtor direto efetua para si mesmo se distingue,
no tempo e no espaço, do que executa para o senhor das terras e que aparece
diretamente na forma brutal de trabalho sob coação para terceiro.” (MARX, 1991, p.
908).
Nessa forma de renda - a corveia -, extrai-se bem menos trabalho dos produtores
do que no modo de produção capitalista, já que o produtor dispõe de dias de trabalho só
para sua produção e, dependendo do esforço e da magnitude do trabalho posto na sua
produção, pode vir a contar com a geração de uma sobra acima dos meios de
subsistência indispensáveis (MARX, 1991).
Com relação à Renda em Produto, esta se origina do fato de que o trabalhador
cede parte de sua produção ao proprietário da terra, pelo fato de este ter-lhe concedido
permissão para cultivar a terra. Em outras palavras, esse tipo de renda nada mais é que
a Renda em Trabalho transformada em produto, uma vez que tal modalidade de renda é
a própria essência da renda da terra. O pouco que é colhido é dividido entre o
trabalhador e o proprietário da terra. A Renda em Produto ainda ocorre hoje e também é
conhecida como ‘parceria’, em que pode ocorrer a meação, a terça, a quarta etc.
Vale ressaltar que, com esse tipo de renda, tem-se uma mudança importante em
relação à Renda em Trabalho, pois
A renda em produtos supõe estágio cultural superior do produtor imediato, nível mais alto de desenvolvimento de seu trabalho e da sociedade em geral, distinguindo-se da forma anterior porque o trabalho excedente não deve mais prestar-se de maneira natural, sob a vigilância e a coação diretas do senhor da terra ou de seu representante; ao contrário, por força das circunstâncias e não por coação direta, compelindo-o a lei, em vez do açoite, deve o produtor imediato efetuar o trabalho excedente, responsabilizando-se ele mesmo pela execução (MARX, 1991, p. 911).
Com a Renda em Produto, o trabalho do produtor para si mesmo e o que fornece
para o proprietário da terra não se separam mais no tempo e no espaço. O produtor
passa a ter uma sobra de tempo maior para trabalhar em seu proveito, podendo até obter
meios para diretamente explorar por sua vez o trabalho alheio.
Finalmente, tem-se a Renda em Dinheiro. Esta é resultado da conversão, por
parte do trabalhador, de uma parcela da sua produção em dinheiro, para entregá-lo ao
proprietário da terra: conversão da Renda em Produto em Renda em Dinheiro. A adoção
desse tipo de renda pode levar à dissolução dessa mesma renda não-capitalista, já que o
proprietário, ao contrário, no caso da Renda em Produto, não aceita dividir prejuízos
com o trabalhador, passando a exigir o pagamento de uma quantia fixa em dinheiro pela
cessão da terra (OLIVEIRA, 1990).
A dissolução da renda não-capitalista começa a ocorrer a partir do momento em
que o produtor direto tem que converter parte do produto em mercadoria (para poder
vender e ganhar o dinheiro) e produzi-lo como tal. Com a conversão de parte do produto
em mercadoria, muda-se o caráter do modo de produção, perdendo a independência que
antes existia com relação à Sociedade. Agora o produtor vai ter que vender sua
produção, participando assim da circulação de mercadorias, do comércio e sujeitando-se
aos preços ditados pelos interesses mercantilistas (MARX, 1991).
Esse período de transformação
[...] da renda-produto em renda-dinheiro, primeiro esporádica, depois em escala mais ou menos nacional, supõe desenvolvimento já considerável do comércio, da indústria urbana, da produção mercantil em geral e por conseguinte da circulação monetária. Requer ainda que os produtos tenham preço de mercado e sejam vendidos aproximadamente pelo valor, o que de modo algum precisa ocorrer nas formas anteriores (MARX, 1991, p. 914).
Com a emergência da renda-dinheiro, a relação tradicional e consuetudinária que
existia entre o subordinado que possui e explora parte do solo e o proprietário da terra se
converte em relação contratual puramente monetária, que passa a ser determinada pelas
regras sólidas do Direito. A partir desse momento, o indivíduo que possui e lavra a terra
se transforma em mero arrendatário. Nessa época, dependendo das condições gerais de
produção, entram em cena os arrendatários capitalistas, que vão progressivamente
tomando o lugar dos antigos possuidores que ocupavam as terras e dos antigos
produtores, pequenos produtores.
Com a interferência do arrendatário capitalista entre o dono da terra e o que efetivamente a cultiva dissolvem-se todas as relações oriundas do velho modo rural de produção. O arrendatário se torna o comandante efetivo desses trabalhadores agrícolas e o verdadeiro explorador do trabalho excedente que efetuam, enquanto o proprietário só mantém relação direta, e de caráter puramente monetário e contratual, com esse arrendatário capitalista. Então muda de fato a natureza da renda, como ocasionalmente já ocorria às vezes nas formas anteriores, e transmuta-se a forma normal, reconhecida e dominante. A renda deixa de ser a forma normal da mais-valia e do trabalho excedente para reduzir-se a sobra desse trabalho excedente, a qual aparece depois de deduzida a parte de que se apropria o explorador capitalista sob a forma de lucro. Do mesmo modo, o total do trabalho excedente, o lucro e o que o ultrapassa, extrai ele agora diretamente, recebendo-o na forma de produto excedente global e convertendo-o em dinheiro. A renda que entrega ao proprietário de terra é apenas fração remanescente dessa mais-valia que extrai com o capital, explorando diretamente os trabalhadores agrícolas (MARX, 1991, p. 916).
A partir desse momento, tem-se a Renda Fundiária deixando seu formato normal
de trabalho excedente, ou mais-valia, para converter-se em remanescente da mais-valia
(sobra acima do lucro médio). O lucro (mais-valia), que antes era a renda, vai ser
apropriado pelo arrendatário capitalista, ficando a sobra acima do lucro médio, que
agora vai ser a renda para o proprietário. Tem-se com isso a formação da Renda
Fundiária Capitalista.
Cabe esclarecer que na Renda Capitalista o trabalhador direto não estabelece
qualquer relação social de produção com o proprietário da terra, mas sim com o
capitalista que explora a terra através de relações de trabalho assalariado,
diferentemente das Rendas Pré-Capitalistas em que ocorriam essas relações entre o
trabalhador direto e o proprietário.
Essas três formas de Renda Pré-Capitalista são, ainda hoje, cotidianamente
criadas, recriadas e redefinidas pelo capital, no seu desenvolvimento contraditório, não
fazendo parte, portanto, somente do passado. Podem-se ainda ser encontradas em
diversas regiões do País, perfeitamente integradas, em sua grande parte, pelo modo de
produção dominante.
Renda da Terra Capitalista
A renda da terra, sob o modo capitalista de produção, é sempre sobra acima do
valor das mercadorias, ou seja, lucro extraordinário permanente (acima do lucro médio)
que todo capitalista, que explora a terra através de relações de trabalho assalariado,
obtém e repassa para o dono da terra. Caso o capitalista seja o dono da terra, ele
embolsa não só a mais-valia como também o lucro extraordinário permanente.
Segundo Gorender (1987), a renda da terra é apenas uma parte da mais-valia, do
sobreproduto. O Capitalismo se sobrepõe ao domínio dessa, reproduzindo-se
prioritariamente no campo a partir do lucro, da mais-valia, e só secundariamente a partir
da referida renda.
Se todas as terras tivessem as mesmas características, se fossem ilimitadas na
quantidade e uniformes na qualidade, seu uso não implicaria qualquer custo, a não ser
que possuíssem particulares vantagens de localização. Mas, como a terra não tem nem
uma coisa nem outra e como, com o crescimento da população, terras de qualidade
inferior ou desvantajosamente situadas são postas em cultivo, a renda é paga por seu
uso.
Com o Capitalismo se tem a submissão da terra ao seu domínio, deixando esta
de ter só uma determinação natural, física, um valor de uso, e passando a ter cada vez
mais uma determinação social, um preço e um valor de troca. A terra é transformada,
pelo modo de produção capitalista, em uma das suas mercadorias específicas.
A renda da terra, sob o modo capitalista de produção, está dividida em: Renda
Diferencial I, Renda Diferencial II, Renda Fundiária Absoluta e Renda de Monopólio.
Para Marx (1991), a Renda Diferencial I é um tipo de lucro suplementar.
Existem vários tipos de lucros suplementares e eles podem ser obtidos do capital
empregado em grande escala e dos melhores métodos de trabalho. Mas, com o tempo,
há a generalização dos métodos e das técnicas, fazendo com que essa modalidade de
lucro decresça.
Já o lucro suplementar advindo de força natural monopolizável - um tipo de terra
superior - só pode ser utilizado pelos que a possuem. Portanto, “constitui monopólio do
respectivo proprietário dispor dessa força natural, condição de maior produtividade do
capital aplicado, que não pode ser fabricada pelo processo de produção do capital.”
(MARX, 1991, p.740).
Por causa desse monopólio da terra, do lucro suplementar, existe a Renda
Fundiária Diferencial, que se converte para o proprietário da força natural
monopolizável. O lucro suplementar ou a Renda Diferencial, só existe quando se
aplicam porções iguais de capital e se tem um lucro diferenciado (MARX, 1991).
Para Kautsky (1998), a Renda Diferencial I é o lucro extra proveniente da
produtividade desigual e dos tipos diversos de solo.
Não são apenas os diferentes graus de fertilidade que entram na constituição da renda fundiária. Em sua formação entram, igualmente, as diferenças decorrentes da situação geográfica da terra, de cultura, bem como a distância a que estas se encontram afastadas do mercado (KAUTSKY, 1998, p.109; grifos nossos).
Amin e Vergopoulos (1977, p.51), por sua vez, complementando Kautsky,
afirmam que a Renda Diferencial I cresce
porque com o aumento da demanda de produtos alimentares utiliza-se terras piores, que exigem mais trabalho, para um nível dado de produção. Se a renda aumenta é porque o custo marginal da produção agrícola desloca-se para o alto, em conseqüência da inserção de terras de fertilidade inferior.
Guimarães (1979, p. 162) também se refere à Renda Diferencial I, afirmando
que ela varia
[...] de país a país, de região a região, segundo o grau de densidade da população e o nível do progresso econômico, segundo as qualidades físicas (fertilidade, provisão de água, condições climáticas), bem como a distância e as facilidades de acesso em relação aos centros de consumo.
Das causas gerais, independentes do capital, que produzem diferenciações no
preço da produção agrícola e, portanto, a Renda Diferencial I, têm-se, entre outros
fatores, a fertilidade das terras e sua localização, como essenciais para a desigualdade
espacial dos lucros agrícolas.
A fertilidade de um solo agrícola não depende de forma direta de suas
características químicas, topográficas ou climáticas. Esses fatores naturais só intervêm
quando a técnica agrícola os tem em conta. Assim, pode-se observar que, a cada
mudança das forças produtivas e das relações de produção na Agricultura, produz-se
uma reclassificação das terras, do ponto de vista de sua fertilidade relativa.
Segundo a definição de Ricardo (1972 apud TOPALOV, 1984), a renda é
sempre a diferença entre os produtos obtidos pelo emprego de quantidades iguais de
capital e trabalho.
Assim, o montante de capital invertido e consumido, necessário para produzir
uma unidade de valor de uso, varia de um terreno para outro, dependendo da fertilidade
desse terreno, com reflexo no preço de produção individual da mercadoria. Dado o
preço de produção social, que é o preço regulador do mercado, a diferença entre este e
aquele constitui um sobre-lucro susceptível de se transformar em Renda Diferencial.
Além disto, os terrenos não se diferenciam somente por sua fertilidade, mas
também por sua distância do mercado, sua localização, cuja expressão econômica é o
custo de transporte do produto. A teoria de Ricardo (1972 apud TOPALOV, 1984) faz
referência a fertilidades idênticas e localizações variáveis. A renda do solo para cada
produto se estabelece em cada ponto como uma diferença entre o preço único no
mercado central e um custo diferenciado pelo custo do transporte.
Marx (1991, p. 746) aponta que “[...] o progresso da produção social atua no
sentido de anular a localização como causa da renda diferencial, criando mercados
locais ou facilitando a localização com meios de comunicação e de transportes.”
Apesar desse progresso apontado por Marx, até hoje se observa o peso do frete
no custo dos produtos agropecuários e a importância dada às empresas para localizar
suas produções perto de estradas e portos que facilitem o seu escoamento, diminuindo
assim os custos de localização.
Para Topalov (1984), a base da Renda Diferencial é o sobre-lucro de localização
que provém de uma diferenciação no espaço do preço de produção de uma mercadoria
homogênea, em virtude de umas condições de valorização exteriores ao capital. Mas a
taxa e a massa localizadas de lucro não variam somente em função dessas condições
exteriores. Dependem também da quantidade de capital invertido no processo de
valorização.
Marx (1991), conforme se viu, trabalha com duas formas na determinação da
Renda Diferencial: a primeira seria a Renda Diferencial I – devido às diferenças de
fertilidade e localização entre os terrenos. A segunda forma seria a Renda Diferencial
II – devido às diferenças na distribuição de capital entre os arrendatários.
Esse conceito de Renda Diferencial II de Marx, segundo Topalov (1984),
designa um processo geral concernente a todos os tipos de renda e não somente à Renda
Diferencial, como Marx supõe em ‘O Capital’: a variação da renda total por unidade de
superfície em função da quantidade de capital invertida por unidade de superfície. Essa
renda tende a produzir mais sobre-lucro por unidade de superfície, invertendo mais
capital por unidade de superfície.
Não se trata desta vez, como a primeira forma da Renda Diferencial, de um
incremento da produção (do sobre-lucro) proveniente unicamente das condições
exteriores e da natureza. Trata-se do efeito de um aumento do capital invertido pelo
arrendatário.
Marx (1991, p. 778) salienta, contudo, que, “naturalmente, ao desenvolver-se a
cultura intensiva, ao se efetuarem aplicações sucessivas de capital no mesmo solo, serão
elas de preferência ou em maior grau feitas nos melhores solos [...] por oferecer as
maiores probabilidades para a rentabilidade do capital aplicado.”
A Renda Diferencial II se daria, segundo Kautsky (1998), com o aumento do
capital aplicado ao solo, com a aquisição de adubos, ferramentas etc, o que vai
aumentar e potencializar a fertilidade do solo, gerando um sobre-lucro.
Com relação à Renda Fundiária Absoluta, como sucede com todo preço de
monopólio, o preço dos alimentos, inspirado pelo monopólio da propriedade fundiária,
também pode ultrapassar o de seu valor. O nível que essa elevação alcança depende
apenas dos limites do monopólio, acima dos quais as leis da concorrência ainda se
impõem (KAUTSKY, 1998).
A diferença básica entre a Renda Diferencial e a Renda Absoluta, para Kautsky
(1998), é que a primeira decorre dos preços de produção, enquanto a segunda resulta da
elevação dos preços de mercado, galgando níveis superiores aos do preço de produção.
Falando sobre as diferenças entre esses dois tipos de renda, Amin e Vergopoulos
(1977) afirmam que
[...] a renda diferencial surge da concorrência ilimitada interna na agricultura como fenômeno “normal”; a renda absoluta surge da concorrência limitada entre agricultura e indústria como fenômeno “anormal”, a longo prazo. A oferta limitada de terras constitui um elemento de monopólio na máquina capitalista da concorrência generalizada que pressupõe oferta limitada dos fatores (AMIN; VERGOPOULOS, 1977, p. 87 – grifos nossos).
Parafraseando Marx, esses autores afirmam que
[...] se todos os capitais pudessem ter acesso à utilização da força produtiva da terra não haveria sobrelucro agrícola. Este acesso é limitado pela quantidade restrita de terras cultiváveis, frente à oferta ilimitada dos outros fatores de produção (AMIN; VERGOPOULOS, 1977, p.87 – grifos nossos).
Segundo também Amin e Vergopoulos (1977), o produto agrícola é encarecido
simplesmente em virtude do crescimento mais rápido da produção industrial. Esses
autores discordam das ideias de Kautsky, quando este afirma que a Renda Diferencial
provém do caráter capitalista da produção, enquanto a Renda Absoluta resultaria da
propriedade privada do solo. Para Amin e Vergopoulos, essas duas formas de renda têm
a mesma causa, ou seja, o monopólio relativo da terra, pois
Como toda produção de monopólio, a única barreira que limita o sobrelucro agrícola é o mercado. A terra, sob forma de monopólio em quantidade limitada, explica a renda absoluta. A terra, sob forma de monopólio de qualidade diferenciada, explica a renda diferencial. Assim, o mecanismo social que engendra a renda é unificado, e o sobrelucro agrícola, único. As duas formas de renda têm a mesma causa, ou seja, o monopólio relativo da terra (AMIN; VERGOPOULOS, 1977, p.94 – grifos nossos).
Segundo Topalov (1984, p.58), a Renda Absoluta...
[...] está constituida por el excedente del valor de la mercancía sobre su precio de producción, cuando la existencia de un monopolio en una de las condiciones generales de la producción en el sector obstaculiza el processo general por el cual el precio regulador es desplazado del valor al precio de producción27.
Marx (1976 apud TOPALOV, 1984), por sua vez, apresenta duas condições para
que exista a Renda Absoluta: predomínio do modo de produção capitalista e o seu
desenvolvimento desigual e a resistência da propriedade do solo ao capital.
Com relação à primeira condição, esse tipo de renda supõe uma regulação geral
dos preços sob a base de uma taxa média de lucro e um excedente de valor sobre o
preço de produção dos produtos agrícolas.
O predomínio do modo de produção capitalista induz à transformação geral dos
valores em preços de produção e com isto vai ocorrer uma mudança nas relações dos
produtores com os meios de produção, isto é, aqueles não vão mais ser donos destes. O
novo dono será o capitalista, que vai se apropriar da nascente mais-valia, gerando a
maximização da taxa de lucro.
Dessa forma, estabelecem-se assim novas relações de intercâmbio que se
baseiam na lei do valor modificada pelas condições do Capitalismo: as mercadorias
tendem a se intercambiar em função do seu preço de produção, quer dizer, seu custo de
produção mais o lucro médio do capital invertido.
Com relação à resistência da propriedade do solo ao capital, o sobre-lucro
original do setor se fixa sob forma de Renda Absoluta, quando a terra não está livre, à
disposição do capital, e quando não é reproduzida por este, como os outros elementos
27 [...] está constituida pelo excedente do valor da mercadoria sobre seu preço de produção, quando há a existencia de um monopólio em uma das condições gerais da produção no setor obstaculariza o processo geral pelo qual o preço regulador é desprezado do valor do preço de produção. (TOPALOV, 1984, p.58),
da produção (bens livres e sem valor ou mercadorias produzidas pelo trabalho humano).
Isto se dá quando a propriedade privada do solo é anterior à aparição do modo de
produção capitalista. A terra já é apropriada e limitada.
A apropriação privada da terra só é possível porque esse elemento da produção
está fisicamente limitado, ao contrário de outros elementos disponíveis em quantidades
ilimitadas, como o ar e a água. Mas a causa da renda não é uma relação natural e sim
social, com a apropriação privada do solo já se dando desde os modos de produção pré-
capitalistas. É justamente a propriedade do solo que produz a única escassez pertinente:
a escassez da terra com relação ao capital - escassez social, que pode aparecer se não
são explorados todos os solos fisicamente disponíveis (TOPALOV, 1984).
Essa propriedade que opõe uma resistência real ao livre movimento do capital é
um pressuposto do modo de produção capitalista. A separação entre capital e a
propriedade do solo é um pressuposto do desenvolvimento capitalista e da agricultura,
já que a conversão do proprietário feudal em um explorador capitalista tropeça na falta
de capital em dinheiro. E quem tem tradicionalmente esse capital em dinheiro são os
comerciantes, os capitalistas (TOPALOV, 1984).
A Agricultura Capitalista supõe, pois, a existência autônoma da propriedade do
solo e sua correlativa Renda Absoluta, a qual nada mais é que a propriedade do solo
modificada pelo modo de produção capitalista.
Segundo Marx (1976 apud TOPALOV, 1984), esse tipo de renda não é uma
renda de monopólio, como pensam muitos autores já citados anteriormente, pois a
propriedade do solo não limita a produção. A acumulação de capital é que determina o
nível de produção agrícola e não a propriedade do solo.
Topalov (1984), com base em Marx, refere-se a dois fatores que impedem a
formação de preços de monopólio: o capital, como organizador do processo de trabalho
e de produção, e a expansão mundial da produção capitalista.
Quanto ao capital organizador do processo de trabalho e de produção, a
propriedade da terra, quando é cedida, não pode opor barreiras absolutas ao volume
quantitativo, nem a uma inversão de capital em uma parcela do terreno dada.
Assim se dá a base da agricultura intensiva, por meio da qual o arrendatário,
graças ao emprego de quantidades crescentes de capital por unidade de superfície e à
busca de incrementos de produtividade, obtém a formação de sobre-lucros que excedem
ao cultivo da renda precedente (TOPALOV, 1984).
Quanto mais alta a produtividade física dos capitais adicionais, livremente
invertidos nas terras em que não existe obstáculo territorial, mais baixo será o preço
regulador e mais débil o limite superior da renda da terra.
O novo modo de produção transforma o proprietário do solo em rendeiro,
perdendo este a função de organizador do processo de produção. A partir daí, o
arrendatário capitalista é quem controla a utilização real dos meios de produção, o
processo de trabalho; é também o que organiza, durante o período de arrendamento, a
valorização do seu capital, o processo de produção (TOPALOV, 1984).
A propriedade do solo não tem mais que um direito: fixar a cobrança da renda,
que vai determinar o mínimo de sobre-lucro que o capital estará obrigado a produzir.
Assim, o poder da propriedade do solo que subsiste é dominado pelo capital. É
este que tem a iniciativa em matéria de produção: a propriedade do solo tem, em forma
periódica, um direito de veto. Com isto, o capital está forçado a compartilhar o seu
poder quando enfrenta a barreira do solo, a qual é eliminada quando aquele tem a
propriedade do solo.
Quanto à expansão mundial da produção capitalista, segundo Marx (1976 apud
TOPALOV, 1984), este é o segundo fator que impede a formação de preços de
monopólio dos produtos agrícolas. Isso faz com que a escassez do solo seja superada,
tanto a física (falta de solo), quanto a social (criada pela propriedade do solo em relação
à acumulação). O capital por meio do comércio internacional sempre pode produzir
mais, anulando qualquer possibilidade de formação de preços de monopólio, podendo,
inclusive, produzir em terras de novos países, ainda sem propriedade do solo e sem
renda. O capital tem sempre a última palavra. Segundo Topalov (1984), o aumento ou
não da taxa de renda absoluta dependem da origem do aumento da produtividade,
podendo ser dividida em origem 1 e origem 2, a seguir apresentadas:
- Origem 1: Se a produtividade aumenta como resultado de um melhoramento natural
(sem o uso de capital), como uma mina mais produtiva, melhor localizada (Renda
Diferencial I), a Renda Absoluta permanece constante.
- Origem 2: Se o aumento da produtividade vem do uso do capital (Renda Diferencial
II), isto implica uma mudança da composição técnica e uma elevação da composição
orgânica do capital. A taxa interna do lucro setorial diminuirá e a Renda Absoluta
diminuirá também.
Quanto à Renda de Monopólio, ela é vista também como um lucro
suplementar, tal como a Renda Diferencial, que se deriva de um preço de monopólio
de uma certa mercadoria produzida em uma porção do globo terrestre dotada de
qualidades especiais que só existem nessa região e que fazem dela algo único.
O excedente provocado pela diferença entre o preço de monopólio (aquele que é determinado apenas pelo desejo e pela capacidade de pagamento dos compradores, sem depender do preço geral de produção ou do valor dos produtos) e o valor do produto (quantidade de trabalho socialmente necessária para a produção desse produto) é um lucro suplementar; portanto, renda de monopólio (OLIVEIRA, 1990, p.76).
Vale lembrar que a renda da terra de monopólio é oriunda de um preço de
monopólio de uma mercadoria especial. É esse preço que gera a renda da terra de
monopólio. Já no caso da renda da terra absoluta, é a existência da renda que gera o
preço do monopólio (OLIVEIRA, 1990).
3.1.2 Renda da Terra, Preço da Terra e Concentração Fundiária
Além das rendas auferidas com a terra, citado acima, tem-se, ao longo do
desenvolvimento capitalista, a progressiva valorização do preço da terra. Esta vai se dar
junto com a valorização das rendas da terra, que também ocorre pela utilização da terra
como reserva de valor ou fator especulativo, pois permite conservar a riqueza de um
período para outro (REYDON; PLATA, 2006). Esses dois fatores juntos vão
intensificar o processo de concentração fundiária (que já vem historicamente
constituindo-se no Brasil), através do aumento do preço da terra.
Com o desenvolvimento do modo capitalista de produção, consequentemente
com a consolidação do regime da propriedade privada da terra e da produção de
mercadorias na agricultura, a terra e o solo também foram transformados em
mercadorias. A terra se torna uma mercadoria especial, uma mercadoria que, ao
contrário das demais, não constitui um produto do trabalho humano. A terra vai gerar
renda e não lucro. Sob o modo capitalista de produção, o preço da terra é, portanto,
renda capitalizada e não capital (OLIVEIRA, 1990).
Quando os capitalistas compram a terra, estão convertendo o seu capital-dinheiro
em renda capitalizada, ou seja, estão adquirindo o direito de extrair renda. Portanto, o
preço da terra vai se medir pela renda da terra que ela pode dar, ao contrário do valor
efetivo de um capital-dinheiro, que no mercado de capitais é regulado pelo juro que ele
realmente dá.
No caso da terra em questão ter uma qualidade de solo superior e uma
localização privilegiada, ela tem a possibilidade de auferir a Renda Diferencial I, o que
faz seu preço vir a acompanhar a renda que ela pode dar, podendo se capitalizar mais.
Se a terra tiver muito capital invertido na forma de melhorias, como irrigação, poços,
adubos etc., o preço da terra vai acompanhar a renda que ela pode dar, que no caso é a
Renda Diferencial II.
Além de ser regulado pelo montante da renda da terra (a que auferir mais renda
vai ter mais valor), o preço da terra é regulado também, segundo Oliveira (1990), pela
taxa média de juro no mercado de capitais (mais juro, menor o preço da terra; menos
juro, maior o preço da terra). Isto acontece no Brasil porque a terra é adquirida na
maioria das vezes como reserva de valor e não para a produção.
Bastiaan Philip Reydon propõe um modelo econométrico que determina o preço
da terra rural no Brasil a partir de ganhos esperados para os quatro atributos
capitalizados. Para esse autor, assim como para Oliveira, é importante frisar que a terra
agrícola é um ativo e seu preço é determinado pela capitalização de suas rendas futuras,
obtidas com a utilização na produção de bens agropecuários e na atividade especulativa
como ativo de reserva de valor (PLATA, 2006; REYDON E PLATA, 2006).
Para Reydon (PLATA, 2006; REYDON E PLATA, 2006), o preço da terra rural
é determinado pelos ganhos esperados para os quatro atributos capitalizados, seguindo a
seguinte fórmula:
P= q - c + 1 + a q (quase-rendas produtivas) – são as rendas produtivas esperadas decorrentes da
propriedade da terra. (produção agrícola, crédito, subsídios governamentais).
c (custo de manutenção) – são os custos esperados para se manter a terra no portfólio do
agente, isto é, todos os custos não produtivos da terra, tais como custos de transação,
provisão para financiamento, quando este é utilizado para a aquisição da terra, impostos
e taxas decorrentes da propriedade.
l (prêmio de liquidez da terra) – refere-se à relativa facilidade de venda da terra no
futuro e depende, portanto, das expectativas formadas pelos agentes em relação ao
mercado de terras.
a (ganho patrimonial da terra) – este fluxo de renda é obtido no momento da venda da
terra e depende, portanto, das condições do mercado. Tal atributo é normalmente
incluído em q, mas neste caso é importante considerá-lo separadamente, pois muitos
compradores adquirem terras visando a este ganho. Um exemplo disto é a compra de
terras na fronteira, que não apresentam rendimento produtivo para um prazo econômico,
realizada com o objetivo explícito de obter ganhos na revenda.
Plata (2006) observa que, no caso do Brasil, o mercado de terras é imperfeito,
pois há desigualdades expressivas na distribuição da propriedade da terra, devido a
extrema desigualdade e concentração e também a agentes individuais que podem
interferir na oferta e no preço da terra.
Reydon e Plata (2006), Plata (2006), além de Dias, Vieira e Amaral (2001),
também identificam inúmeras variáveis que determinam o preço da terra rural, dentre as
quais, podem-se citar: a dinâmica entre a oferta e a demanda, as condições de mercado
do produto e as condições técnicas da produção, a infra-estrutura de produção e
comercialização (irrigação, estradas de acesso, transporte...), as leis de reserva florestal
ou de meio ambiente que limitam o uso da terra criando expectativas pessimistas que
diminuem o seu preço, o crescimento da população (que faz com que se exija mais
produção agrícola, aumentando a expectativa de retorno e o preço da terra), a inflação e
as incertezas econômicas (que afetam o preço dos produtos e insumos e o preço da terra,
além de fazerem com que a terra seja mais usada como reserva de valor, já que é
considerada como um ativo seguro para os investidores, aumentando consequentemente
seu preço) e a implantação de um imposto sobre a terra rural, que pode diminuir o preço
da terra (e não incentivar seu uso especulativo), na medida que aumenta seu custo de
manutenção.
Elias (2006) ressalta também que a seletividade na distribuição das políticas
públicas favorece as diferenças entre os lugares e, decorrente disto, o crescimento do
preço da terra onde são aplicadas tais políticas, como, por exemplo, programas de infra-
estrutura hídrica, como construção de barragens e canais.
Por último, Reydon e Plata (2006), Plata, (2006) frisam que o preço da terra
também reflete as condições microeconômicas do mercado local ou específico,
podendo, inclusive, essas condições locais sobrepujar as tendências
macroeconômicas, levando os preços a se deslocarem a uma velocidade maior ou até
em uma direção diferente. Portanto, a análise do mercado de terras deve levar em conta
tanto as tendências macro quanto as determinações do mercado local.
A partir de agora, vai-se analisar, de forma breve, o processo de concentração
fundiária recente no Mundo e no Brasil.
3.1.3 Concentração Fundiária Hoje no Mundo Globalizado Contemporâneo e no Brasil Após a Segunda Guerra Mundial, observa-se uma nova etapa do processo de
globalização, com a emergência do meio técnico-cientifico-informacional se difundindo
em escala global de maneira rápida, através do aperfeiçoamento das tecnologias e da
nova regulação mundial, estando à frente os EUA e as organizações supranacionais
ONU, Gatt, FMI e Banco Mundial.
Na Agricultura, tem-se uma nova fase da Globalização, com a emergência da
Revolução Verde, inicialmente nos Países Desenvolvidos, na década de 1950, e se
ampliando em escala mundial a partir dos anos de 1960. Nesse novo período, o processo
de concentração fundiária em nível global e nacional se amplia e se torna mais restrito
ao controle multinacional, seja em forma de empresas multinacionais, seja em forma de
governos, fundos soberanos,empresas estatais, etc.
Observar-se-á a seguir como se dá essa concentração fundiária no Mundo e no
Brasil, principalmente nas últimas fases do processo de globalização – Pós-Segunda
Guerra Mundial/Revolução Verde, até os dias atuais, com a liberalização do comércio e
no contexto da acumulação flexível – e os principais motivos que levam a essa
concentração em nível global e nacional.
a) Mundo A concentração de terras no Mundo ganha força com a emergência dos grandes
Impérios Coloniais a partir do século XVI e com a Revolução Agrícola no século
XVIII. O fim das terras comunais, com o início dos cercamentos, a anexação dos pastos
comuns à propriedade dos latifundiários ingleses e a expulsão dos ocupantes e
moradores, é um dos pontos mais marcantes do processo de concentração fundiária
desencadeado pela Revolução Agrícola na Inglaterra. Mas, vale lembrar, que, em
muitos países, essa concentração foi amenizada por legislações agrárias mais inclusivas,
como a dos Estados Unidos, colocada em prática em 1785, com o Homestead´s Act, que
promoveu o acesso à terra a mais de um milhão de famílias. Os EUA, nessa época,
proibiam a venda de terras públicas não demarcadas, fazendo milhões de famílias irem
para o Oeste buscar o seu pedaço de terra, a chamada “conquista do Oeste”, que se deu
com a usurpação da terra e a morte de milhões de índios americanos (GUIMARÃES,
1979).
Mas, com o processo de industrialização da agricultura, que se inicia em fins do
século XIX, tem-se um aumento na área cultivável no mundo todo, um crescimento
intensivo com defensivos químicos, novas técnicas, fertilizantes, máquinas e
implementos agrícolas, junto com o surgimento de grandes Multinacionais28, que
passam a se integrar verticalmente – desde a compra de terras ao comércio de
commodities agrícolas, transporte, beneficiamento e comercialização no mercado
consumidor –, para aumentar seus lucros e garantir o escoamento de seus produtos em
um mercado que passa a ser controlado por poucas e gigantes empresas globais. Com
isto, muitas propriedades economicamente débeis, que não acompanhavam o avanço
tecnológico na agricultura, foram sendo eliminadas e compradas pelos grandes grupos,
gerando assim uma maior concentração fundiária (GUIMARÃES, 1979).
Guimarães (1979, p. 160) observa que, a partir dos anos de 1950, com a
emergência da Revolução Verde, principalmente nos Países Capitalistas, tem-se uma
valorização do preço do solo no Mundo, com altas espetaculares. Para ele,
[...] o ritmo mais acelerado da urbanização e do desenvolvimento industrial, bem como a velocidade com que a agricultura se industrializa a partir das últimas décadas são fatores incontestáveis da extraordinária valorização do solo urbano e do solo rural nos tempos recentes.
Com a valorização do solo agrícola, tem-se “um estímulo para levar os
agricultores a abandonar o campo e vender suas propriedades ou a transformar antigos
produtores agrícolas em novos especuladores imobiliários.” (GUIMARÃES, 1979, p.
160), ou seja, com o processo de valorização do solo, tem-se uma capitalização maior
do campo, criando-se, em decorrência disto, um ambiente excludente onde os pequenos
agricultores não teriam mais vez na região, tendo que migrar, enquanto os grandes
produtores tradicionais se transformariam em especuladores de uma terra que começa a
pertencer cada vez mais ao grande capital, reforçando, em uma escala cada vez maior, a
concentração de terras.
Nos anos de 1980, tem-se o início da liberalização comercial em muitos países,
com os programas de ajuste estrutural (PAEs) do FMI e do Banco Mundial. Em muitos
28 Como exemplo de uma grande Multinacional, pode-se citar a Cargill, uma gigantesca trading, que está até hoje no mercado global de alimentos. Fundada em 1865, logo após, já em seus primeiros anos, estava envolvida com a compra e processamento de grãos, moagem de farinha, carvão, agricultura, compra de imóveis, madeira e até uma ferrovia (CARGILL, 2010).
países que adotaram esses programas, foi incentivada a liberalização comercial e os
incentivos para as culturas voltadas para a exportação, que muitas vezes precisavam de
tecnologias e terras que envolviam altos custos, fazendo com que grandes latifundiários
capitalizados e conglomerados multinacionais tivessem uma expansão em suas terras,
aumentando, assim, a concentração fundiária (MADELEY, 2003).
Com a liberalização comercial executada na década de 1990, tanto por pressão
do FMI quanto pelo surgimento da OMC, dá-se um enorme surto de importações em
Países Subdesenvolvidos, fazendo milhões de trabalhadores rurais serem expulsos do
campo por não terem condições de competir com os produtos subsidiados dos Países
Desenvolvidos ou com o Agronegócio Globalizado que se expande por todos os lugares.
Essa saída dos pequenos agricultores do campo leva a um aumento da
concentração fundiária exercida principalmente pelas grandes e tradicionais empresas
do Setor Agrícola, como a Multinacional Cargill, que espera dobrar o tamanho das suas
terras a cada 5 e 7 anos (MADELEY, 2003).
O momento atual no mercado internacional de terras, após a liberalização do
comércio global, é de compras agressivas por inúmeros agentes internacionais que
representam vários interesses, desde governos de nações independentes, fundos de
investimento soberanos vinculados a governos, empresas estatais, até joint-ventures
entre iniciativa privada e governo, além do capital privado multinacional ligado ao
agronegócio de alimentos e combustíveis renováveis - os biocombustiveis.
Inúmeros estudiosos, organizações supranacionais, como a Organização das
Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e ONGs internacionais, como a
Grain e a Via Campesina, estão estudando essa dinâmica atual, que ganha força com a
recente crise mundial, que fez subir às alturas os preços das commodities alimentares.
Cotula et al (2009), em estudo publicado pela FAO, discorrem sobre a compra
de terras em grande escala e citam as regiões do Mundo que são mais afetadas, a saber:
África, América Latina, Ásia Central e Sudeste da Ásia. Só em apenas 5 países
africanos estudados pelo autor com profundidade desde 2004, têm-se mais de 2.400.000
ha em transações, no período de 2004 a 2009, em propriedades com tamanho acima de
1000 ha.
Os interesses envolvidos nas aquisições gigantescas de terras pelo Mundo todo
envolvem preocupações com a segurança alimentar, por parte de alguns países que não
dispõem de terras aráveis e água em abundância para a produção de alimentos, com a
expansão recente dos biocombustíveis, que levam grandes corporações a investir em
enormes extensões de terra, com o alto preço das commodities agrícolas, que levam
fundos de investimentos a investir nesse setor depois da quebra dos mercados
financeiros, e com os interesses de grandes corporações multinacionais de alimentos,
que, procurando deter o controle sobre toda a cadeia produtiva e implantar um processo
de verticalização, compram terras (COTULA, et al, 2009; GRAIN, 2010).
Os principais atores na aquisição de terras são:
a) Os governamentais, através da aquisição direta de terras pelas agências
governamentais, fundos soberanos de investimentos, empresas estatais e em parcerias
com o Setor Privado (COTULA, et al, 2009).
O foco principal desses atores é a segurança alimentar. No quadro 15, pode-se
observar um levantamento feito pela ONG Grain (2010) sobre os principais interesses e
aquisições de terras por países. Nesse levantamento, observa-se a importância do Setor
Público nessas aquisições.
Devido ao grande número de transações e países envolvidos no levantamento,
resolveu-se escolher os cinco países que adquiriram mais terras. Vale lembrar que, em
muitos países, a compra de terras é uma estratégia inovadora a longo prazo, para
alimentar o próprio povo a um bom preço, garantindo, com isto, uma segurança
alimentar muito maior. Os principais países que agem assim são: China, Índia, Japão,
Malásia e Coreia do Sul, na Ásia; Egito e Líbia, na África; e Barein, Jordânia, Kuwait,
Qatar, Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, no Oriente Médio. (GRAIN,
2010).
No Quadro 15, observam-se com clareza os interesses da China, que, por temor
à sua segurança alimentar, devido a problemas com terras férteis e falta de água, tem
dezenas de acordos de cooperação na Área Agrícola, principalmente com Países
Asiáticos e Africanos, além de grandes empresas chinesas atuando com subsídios
bilionários governamentais, em extensas áreas de terras, para produzir principalmente
arroz, soja, milho e biocombustíveis a partir da cana-de-açúcar, mandioca ou sorgo
(GRAIN, 2010).
Observa-se também (ainda no Quadro 15), entre os principais países em
aquisição de terras, os Países do Oriente Médio, principalmente a Arábia Saudita,
Emirados Árabes Unidos e Kuwait. Esses países quase não têm terras férteis e são
reféns, na quase totalidade, das compras internacionais de alimentos. Ultimamente, com
o aumento dos preços dos alimentos em nível global, há o temor de revolta da classe de
trabalhadores estrangeiros (imigrantes que recebem baixos salários, que, na sua maioria,
trabalham na Construção Civil), que chegam a compor até 85% da população dos Países
do Oriente Médio.
Para conter os preços dos alimentos, esses países, na sua maioria, ricos em
petróleo, fornecem capital e contratos de petróleo, em troca de garantias de que as suas
corporações e seu governo tenham acesso à terra para produzirem alimentos e exportá-
los de volta aos seus países. Os estados mais visados com essa política são
principalmente Sudão e Paquistão, mas inúmeros outros fazem parte dessa lista, no
Sudeste Asiático, na Europa Oriental, na África Subsaariana e até na América Latina
(GRAIN, 2010).
Já o Japão (ver Quadro 15), que depende em cerca de 60% de importações de
alimentos - fazendo parte também da lista dos principais países com interesses
fundiários para fins de segurança alimentar -, entrega ao Setor Privado a
responsabilidade da política de importação de alimentos - ficando assim a cargo de
grandes corporações multinacionais japonesas, como a Mitsui (atua na forma de
integração vertical, com o controle desde a produção de alimentos, passando pelo
processamento, transporte até o varejo, sendo considerada nos dias atuais uma
gigantesca trading de grãos, ao lado na Cargill e da Bunge) - e a compra de terras para
produção de alimentos (GRAIN, 2010).
Quadro 15 - Principais Países em Aquisição de Terras entre 2003 e 2008 Países Quem
exatamente Alvos Tipo de
produção Detalhes
Governo e Setor Privado
África, Ásia Central, Rússia, América do Sul, Sudeste Asiático
Soja Política do governo central para incentivar empresas chinesas, principalmente estatais para adquirir terras e garantir produção de soja offshore.
Austrália 43.000 ha de fazendas offshore Suntime Cooperation
Austrália, Cuba, Cazaquistão, México, Rússia, América do Sul
- Joint ventures na produção de arroz em Cuba (5.000 ha) e no México (1.050 ha). Produção de grãos em outros países para a segurança alimentar chinesa.
Governo Brasil Soja Aquisição de fazendas de soja Setor Privado Birmânia Arroz Contratos de aquisição com
camponeses birmaneses. Setor Privado Camarões Arroz 10.000 ha, fazenda privada
chinesa Governo e Setor Privado
Cazaquistão Soja, Trigo e Pecuária
Joint-venture entre companhia chinesa e do Cazaquistão. Arrendamento de 7.000 ha.
Governo Laos Cereal e Pesca
5.000 ha entre o governo de Laos e o município de Chongqing.
China
ZTE (Telecomu-
Laos Arroz e Mandioca
100.000 ha etanol e 600.000 ha produção de arroz irrigado.
nicações) (etanol) Governo Moçambique Arroz Parceria e infraestrutura na
produção Governo e Setor Privado
Filipinas Arroz, Pesca, Milho, Cana-de-açúcar e Sorgo
Inúmeros acordos e parcerias para produção de alimentos e energia. Gerou grande protesto nas Filipinas.
Setor Privado Rússia Arroz, Soja, Vegetais
Mais de 100.000 ha, alguns arrendados.
Blackstone Group
África Subsaariana e Reino Unido
- Compra de extensas fazendas.
Chongqing Seed Corp
Tanzânia Arroz 300 ha, mais produção por contrato.
Setor Privado Uganda Arroz e Milho
4000 ha e 400 agriculturores chineses com sementes da China.
Governo Zimbábue Milho 101.000 ha Governo e Setor Privado
Brasil - Capital para produção em joint venture no Brasil.
Setor Privado Egito, Filipinas, Senegal, Turquia, Uganda, Ucrânia
Trigo, Cevada, Arroz, Soja e Forragem
Procura por terras para produção de alimentos por investidores.
Setor Privado Etiópia - Milhares de hectares de terras para investimento e desenvolvimento.
BinLaden Group
Indonésia Arroz Desenvolvimento de 500.000 ha de arroz.
Governo Cazaquistão Cereais e Gado
Investimentos
Al Rabie Group
Paquistão Laticínios Interesse em compra de terras para desenvolver indústria de laticínios.
Governo e Setor Privado
Paquistão, Sudão e Turquia
Arroz e Trigo
Fundo Saudita para o Desenvolvimento (Governo e Setor Privado), compra de terras para produção de alimentos.
Governo Sudão Pecuária e Peixe
Ministério do Comércio e Agricultura.
Hail Agricultural Development Company
Sudão Trigo, Produtos Hortículas, Alimentação Animal
Arrendamento de 10.117 ha
Arábia Saudita
Setor Privado Tailândia Arroz Interesse em arrendamento de terras.
Al Quadra Holding
Austrália,Croácia, Egito,Eritréia, Índia,Marrocos, Paquistão, Filipinas,Sudão, Síria,Tailândia, Ucrânia, Vietnã
Arroz. Gado e Laticínios. Milho (Etanol)
- 400.000 ha, na sua maioria, arrendados por 20 a 30 anos. - 40% em milho voltado para etanol.
Emirados Árabes Unidos
Governo África, Camboja Cazaquistão, América do Sul
- Ministério da Economia em busca de terras para suprir a segurança alimentar do país.
Vietnã Governo e Setor Privado
Paquistão - Acordos bilaterais envolvendo de 40.000 a 80.000 ha. Incluindo ministério da economia, fundos de investimento, estatais, cooperativas e iniciativa privada.
Governo e Abraaj Capital
Paquistão Arroz, trigo e laticínios
324.000 ha
Abu Dhabi Group
Paquistão Açúcar, laticínios
Investimentos
Emirate Investment Group
Paquistão Laticínios Interesse em desenvolver o setor de laticínios.
Setor Privado (incluindo Del Monte Fresh Produce)
Filipinas Frutas, peixes, cereais, frutos do mar
Varias aquisições de terras por todo país, incluindo 3.000 ha para bananas.
Fundo Abu Dhabi para o Desenvolvimento
Senegal e Uzbequistão
- Procura de terras para a produção de comida e ração
Governo Sudão Trigo, Milho, Forrageiras e Batatas
380.000 ha em vários estados sudaneses.
Mitsui Brasil Soja e Milho 100.000 ha nos estados da BA, MG e MA. E tem participação de 25% na Multigrain SA.
Asahi, Itochu, Sumitomo
China Vegetais, Frutas e Pecuária
Arrendamento em fazendas chinesas.
Asahi China Laticínios Compra de fazenda. Itochu China - Associação com a maior trading
chinesa e entrada no mercado de terras.
Setor Privado China, América do Sul e Sudeste Asiático
- Compra através de firmas japonesas de mais de 12 milhões de hectares.
Kobebussan Egito Óleo Vegetal, Açúcar, Laticínios, Vegetais, etc.
1.600 ha, em doação pelo governo municipal do Qena.
Mitsui Nova Zelândia Laticínios Compra de 22.5% de uma empresa com 5.700 ha.
Japão
Setor Privado Estados Unidos - 216.862 ha nos EUA. Governo Birmânia Arroz, óleo
de Palma. Fazendas de contrato
Governo Camboja Arroz Ministério da Agricultura, com tecnologia de irrigação.
Governo Egito, Marrocos e Iêmen.
Frango Kuait Investment Autority (fundo soberano) na produção de alimentos.
Governo Laos Arroz e Óleo de Palma
Terra para a produção
Kuwait
Governo Sudão Culturas e Ministério das Finanças,
Gado projetos de segurança alimentar Governo Tailândia Arroz Procura por terras que seriam
arrendadas por 90 anos. Governo Uganda e outros - Fundo “Vida Digna” para
produção de alimentos. Fonte: Adaptado de Grain (2010) b) Corporações Multinacionais – Não é novidade o interesse de grandes Corporações
Multinacionais por terras. Desde o século XIX, multinacionais de alimentos, de
considerável porte, compram terras e produzem em lugares distantes dos seus centros.
As Multinacionais de Frutas estão entre as pioneiras nas compras de terras para a
produção transnacional, como a Chiquita, que, há mais de um século, produz em suas
próprias terras na Costa Rica, Nicarágua, Guatemala etc. Mas, nos dias atuais, diante de
um novo quadro de referência, com a crise financeira internacional, inúmeros problemas
ambientais que comprometem a produção agrícola – como erosão dos solos, problemas
climáticos, rebaixamento dos lençóis de água subterrâneo –, e o aumento mundial da
área de produção de biocombustíveis, além do gigantesco aumento recente no preço
internacional das commodities agrícolas, levaram novos atores para a cena da compra
internacional de terras, com vistas à produção de alimentos e biodiesel.
Esses novos atores já são detectados no levantamento feito pela Grain (2010) em
2008, que mostra as principais Corporações Multinacionais interessadas no mercado de
terras global (ver Quadro 16). Tais atores são os bancos, os fundos de investimentos, de
uma forma geral, e o mercado financeiro, em busca de lucros e segurança diante de uma
crise financeira e de uma perspectiva de aumento constante no preço das commodities
agrícolas e, a partir disto, um aumento no preço da terra.
No Quadro 16, observa-se a presença de inúmeros bancos e fundos de
investimentos envolvidos na compra de terras no ano de 2008, como o Deutsche Bank
da Alemanha, o Goldman Sachs dos Estados Unidos e o Morgan Stanley também dos
Estados Unidos, além da presença de instituições supranacionais de crédito, como o
Banco Mundial, que coordena também a especulação das terras globais, com a
passagem das terras para grandes Corporações do Agronegócio Mundial.
Grandes conglomerados globais da Área de Alimentos, atuando há mais de um
século no comércio desses produtos, como gigantescas tradings, agora partem para a
compra de terras para produção própria, como é mostrado no Quadro 16, com a atuação
agressiva da trading Louis Dreyfus, que, em 2008, comprou inúmeros latifúndios na
Argentina e no Brasil, como a Usina Estivas (produção de açúcar) na zona da mata do
Rio Grande do Norte.
Quadro 16 - Principais Multinacionais em Aquisição de Terras em 2008 Empresas Alvos Tipo de
produção Detalhes
Agrowill AB (Lituânia)
Rússia - 64.500 ha
Alpcot Agro (Suécia)
Rússia, Ucrânia Cevada, Trigo, Centeio, Trigo Mourisco e Girassol
128.800 ha só na Rússia, e na recente expansão no final de 2008, incorpora mais 200.000ha.
Barclays (Reino Unido)
- - Procura por terras no Mundo todo.
Black Earth Farming (Suécia)
Rússia Lácteos, Carne, Grãos e Oleaginosas
331.000ha, cerca da metade com colheitas para o ano vigente.
BlackRock (Estados Unidos)
- - Uma empresa de gestão de grandes investimentos com fundo agrícola, usando 15% desse fundo para aquisições de terras.
Cru Investment Management
Malauí, África Pimenta, Mandioca e Milho
Fundo ético, com investimentos na Agricultura Africana, com o controle de 2.500ha em Malauí e mais 4000ha com parcerias com pequenos produtores.
Deutsche Bank (Alemanha)
China Aves Domésticas Investimentos na indústria de aves e em fazendas.
Dexion Capital (Reino Unido)
Austrália, Cazaquistão, América Latina, Rússia e Ucrânia
- Gerente de fundo hedge britânico, que está tentando comprar 1.200.000ha nos países e regiões indicados.
Goldman Sachs (Estados Unidos)
China Aves Domésticas Só em 2008, investiu mais de 300 milhões para o controle total de mais de 10 fazendas de aves domésticas na China.
Internacional Finance Corporation (Banco Mundial)
África,Argentina, Brasil,Cazaquistão, Paraguai, Rússia, Ucrânia,Uruguai
- Braço de investimento comercial do Banco Mundial, que intensifica o investimento em agronegócio com mais de 1.4bilhões, para que terras agrícolas sejam vendidas as grandes corporações globais do Agronegócio.
Knight Frank (Reino Unido)
Reino Unido Fundo Hedge e consultoria global para compra de terras.
Landkom (Reino Unido)
Ucrânia Trigo, Oleaginosas
Arrendamento de mais de 100.000ha para produzir para o mercado internacional.
Lonrho (Reino Unido)
Angola e África - 20.000ha em Angola e previsão de mais 200.000ha no resto da África.
Louis Dreyfus (Holanda)
Argentina, Brasil, Cone Sul
Soja, Cana-de-açúcar, Milho, Algodão e Gado.
60.000ha só no Brasil, com terras na zona canavieira do Nordeste.
Morgan Stanley (Estados Unidos)
Brasil - 40.000ha de terras no Brasil.
Palmer Capital (Alemanha) e Bidwells (Reino Unido)
República Theca Hungria, Polônia Romênia Europa Oriental
- Fundo de mais de 425 milhões de dólares para comprar terras na Europa.
RAV Agro Pro (Estados Unidos,
Rússia Cereais e Girassol 122.000ha na Rússia.
Israel e Reino Unido) Renaissance Capital (Rússia)
Ucrânia - Banco de investimentos Russo que arrendou 300.000ha na Ucrânia.
Schroders (Reino Unido)
- - Planos de lançar em breve um Fundo de Terras Global que tem na sua operação, 25% do capital em compras de terras.
Trans4mation Agric-Tech Ltd (Reino Unido)
Nigéria Algodão, Mandioca e Pescado
10.000ha no delta do Niger para a produção de alimentos para o Mercado Global.
Trigon Agri (Dinamarca)
Rússia Controle de 100.000ha
Fonte: Adaptado de Grain (2010) Cotula et al (2009), em estudo publicado pela FAO, analisa o mercado de terras
africano, registrando os interesses tanto governamentais (com fundos soberanos,
investimento governamental direto, empresas estatais), como de grandes grupos
privados (grandes Corporações do Agronegócio, bancos e holdings) em extensas áreas
de terras em Países Africanos nos últimos anos.
Assim como os estudos elaborados pela ONG Grain, este estudo chega à
conclusão que os principais países envolvidos na compra de terras africanas são os
Países do Extremo Oriente, como a China e os Países do Oriente Médio, como Arábia
Saudita e Emirados Árabes Unidos. Os principais investidores privados pertencem à
União Europeia e aos Estados Unidos.
Cotula et al (2009) observam que, na África, os países mais citados na compra
de terras internacionais são: Sudão, Etiópia, Madagascar e Moçambique. Fundos
soberanos de vários países petrolíferos do Oriente Médio e norte da África, como o do
Qatar e o da Líbia, estão atualmente financiando compra de terras, arrendamentos e
plantações de milhões de hectares na África Subsaariana.
O capital privado também age de forma intensiva nas terras africanas, como o
recente polêmico acordo entre o Governo de Madagascar e a holding coreana Daewoo
Logística, que envolvia a aquisição, pela última, de mais de 1.300.000 ha de terras para
a produção de milho e óleo de palma, que seria exportada rumo à Coreia do Sul
(COTULA, et al, 2009).
O apetite por terras no Continente Africano, com aquisições em larga escala, não
é novo, vem desde a época colonial. O exemplo mais famoso é da Firestone, que
utilizava milhares de hectares para a produção de borracha. Estudos da FAO na década
de 1980 mostravam a influência de grandes Corporações Multinacionais Alemãs e
Francesas dominando o Setor de Base Florestal em suas ex-colônias (CONTRERAS,
1987). Mas, nos últimos anos, esse apetite por terras ganha uma nova velocidade, com a
chegada dos novos atores globais em busca de terras, tanto para saciar os problemas de
segurança alimentar (no caso da China, Países do Oriente Médio), como o de realizar
lucros (bancos, fundos de investimento, grandes Corporações Multinacionais).
Cotula et al (2009), em estudo de caso em cinco Países Africanos – Etiópia,
Gana, Madagascar, Mali e Sudão -, durante o período de 2004 a 2009, a partir dos
inventários nacionais acima de 1.000 ha, identificam a documentação de cessão de
2.492.684,00 ha de terras para projetos de investimentos, na sua grande maioria,
estrangeiros (ver Gráficos 2 e 3).
Gráfico 2 - Investimento Estrangeiro e Nacional em Terras da Etiópia, Gana, Madagascar e Mali 2004-2009 (USS)
Investimento Estrangeiro e Nacional em Terras da Etiopia, Gana, Madagascar e Mali 2004-2009 (USS)
58.003.839,00
422.344.928,00
InvestimentoEstrangeiro
Investimento Nacional
Fonte: Adaptado de Cotula et al (2009). Gráfico 3 - Investimento Estrangeiro e Nacional em Terras da Etiópia, Gana, Madagascar e Mali 2004-2009 (ha)
Investimento Estrangeiro e Nacional em terras da Etiópia, Gana, Madagascar e Mali 2004-2009
(ha)
1.402.727,00
394.068,00
InvestimentoEstrangeiro
Investimento Nacional
Fonte: Adaptado de Cotula et al (2009) Esses investimentos, na sua maioria estrangeiros e voltados para o mercado
internacional de alimentos ou biocombustíveis, fazem aflorar inúmeros problemas em
nível local, como a insegurança alimentar das populações locais, devido à utilização das
terras para a exportação de alimentos e biocombustíveis, gerando falta de alimentos e
consequente subida dos seus preços. Madeley (2003, p.60) afirma que esse
[...] expansionismo agroindustrial [não só na África, mas no mundo todo] [...] está expulsando os pequenos produtores rurais de suas terras para as cidades. Obrigados a competir com variedades de alto rendimento produzidas em grandes fazendas de monocultura, muitos trabalhadores rurais que praticam agricultura de subsistência estão perdendo seu meio de vida e afundam na fome e na miséria.
Sobre o mercado de terras africano, é bom lembrar que muitas cessões de terras
para o capital estrangeiro se dão na forma de arrendamento por um longo período (50 a
100 anos), pelo fato de muitos países terem leis de terras que não permitem a compra
direta (COTULA et al, 2009).
Concentração Fundiária e Multinacionais de Frutas As empresas de frutas são empresas pioneiras em compras de terras para sua
própria produção. Koeppel (2008) cita que a compra de terras é apenas uma parte de
uma fórmula que é aplicada pelas Multinacionais de Frutas, principalmente as de
banana, para fazer chegar ao consumidor final o produto com um preço acessível. Essa
fórmula é empregada desde o século XIX até hoje e se constitui dos seguintes
elementos: produção em larga escala, controle do transporte e da distribuição e o
domínio agressivo da terra e do trabalho.
Desde fins do século XIX, têm-se dados sobre a compra de terras por grandes
empresas multinacionais de frutas na América Central, gerando alta concentração
fundiária, principalmente por empresas ligadas à bananicultura.
Segundo Wiley (2008), essa concentração de terras nas mãos das Multinacionais
Bananeiras já se configurava muito claramente no final do século XIX, com os vários
acordos feitos entre Minor Keith (fundador da futura Multinacional Chiquita) e vários
governos da América Central. Entre tais acordos, Wiley cita os seguintes: o acordo entre
Keith e a Costa Rica, em 1884, onde o Keith ficou com 7% do território da Costa Rica
para produzir banana, com 20 anos de isenção de taxas de terras, em troca da construção
de uma estrada de ferro que ligaria as plantações de banana aos portos. Vale destacar
que ao Keith eram fornecidos 99 anos de concessão; acordos com o Governo da
Guatemala, onde o Keith, em troca de construções de estradas de ferro, ganhou mais de
80.000ha em terras.
Em 1913, já se calculavam mais de 100.000ha recebidos só de acordos entre a
Multinacional Chiquita e governos da América Central. Boa parte dessa terra pertencia
à Igreja ou eram terras comunais indígenas apropriadas indevidamente, geralmente
florestas tropicais com grande biodiversidade, que, por fim, transformavam-se em
gigantescas áreas de monocultura de banana.
Em 1930, só a Multinacional Chiquita já havia adquirido mais de 1.300.000ha
de terras, principalmente na América Central. A maioria das aquisições vinha por meio
de concessões em troca das construções de ferrovias, mas muitas também vieram por
meio da grilagem de terras públicas que “não eram usadas” em Honduras e na Costa
Rica. Também muitos arrendamentos se fizeram na Costa Rica, Honduras e Guatemala .
Vale lembrar que a maioria das terras adquiridas pelas Multinacionais
Bananeiras ficava como terras de reserva, geralmente 86% não eram usadas. Isto
acontecia pela rápida exaustão dos solos bananeiros, desastres naturais e doenças como
o “mal do Panamá” e a sigatoka negra, que faziam as plantações de banana mudar de
lugar a cada 5 e 10 anos (WILEY, 2008).
Raynolds (2003) relata que, em 1999, todas as grandes Multinacionais
Bananeiras – Noboa, Dole, Del Monte e Chiquita - tinham produção em vários países,
dentre eles: no Equador (quase 200.000ha), na Costa Rica (quase 50.000ha), na
Colômbia (quase 50.000ha) e no Panamá (quase 20.000ha). Dessa área de produção,
pelo menos 30% eram de contratos e 70%, com plantações próprias, gerando grande
economia de escala.
Hoje, em países como o Panamá, Honduras, Guatemala e Costa Rica, 50% ou
mais da produção de bananas são executados em fazendas das próprias Multinacionais
de Frutas. Estima-se que quase metade da produção mundial das Multinacionais Dole e
Del Monte Fresh Produce venha de plantações de propriedade das empresas (FOOD
AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS, 2003).
b) Brasil
Sobre os dados da estrutura e concentração fundiárias brasileiras, é bom
observar alguns detalhes metodológicos que podem fazer a diferença na hora de se fazer
uma análise mais apurada da situação.
Analisando-se as diferenças entre os dados da estrutura fundiária emitidas pelo
INCRA e pelo IBGE, Girardi (2010) observa que
Os dados da estrutura fundiária, em especial aqueles do INCRA, possuem uma dimensão política importante, com a qual devemos ser cuidadosos. O cadastro do INCRA é abastecido com dados de natureza declaratória, não havendo conferências com informações dos cartórios de registro de imóveis, o que indica a fragilidade do sistema. A declaração de uma área superior ou inferior à área real do imóvel pode ter como objetivo a redução de impostos, omissão de terras improdutivas, ampliação de crédito rural e grilagem de terras. Por isso, devemos considerar possíveis desvios principalmente no tamanho da área dos imóveis rurais. Esses possíveis desvios nos dados do INCRA não os inutilizam, pois essas práticas ilegais, por mais numerosas que possam ser, não se aplicam à maioria dos detentores. Os dados do IBGE não estão totalmente isentos desses possíveis desvios, porém, em virtude de sua finalidade censitária, acreditamos que haja menos interesse dos produtores em fornecer informações falsas. (Girardi, 2010).
Outro detalhe metodológico importante se refere ao critério mais adequado para
o cálculo do índice Gini29 para a estrutura fundiária, que seria adotar como unidade
básica o proprietário e a área total da qual é detentor, não importando a contiguidade
nem a localização dos imóveis. Isto, contudo, não é possível devido ao formato de
divulgação dos dados do INCRA e do IBGE. Por isto, deve-se reconhecer a
possibilidade de a concentração da terra no Brasil ser ainda maior, pois vários
proprietários possuem mais de um imóvel rural (GIRARDI, 2010).
Analisando-se os primeiros Censos Agropecuários do IBGE (1940 a 1960),
observa-se uma estrutura fundiária extremamente desigual - herança do processo
desigual de distribuição de terras no Brasil, com grande concentração de terras nas
propriedades grandes, de 1000 ha ou mais, que sempre representam uma média de mais
ou menos 50% de todas as terras ocupadas por estabelecimentos rurais no País,
enquanto todas as pequenas propriedades, de menos de 10 ha, representam apenas uma
média de 1 a 2% de todas essas terras ocupadas. Inversamente, o número de
proprietários com menos de 10 ha no Censo de 1960 chega a quase 50% dos
29 Segundo o IBGE (2011), o índice Gini é uma medida do grau de concentração de uma distribuição, cujo valor varia de zero (perfeita igualdade) até um (a desigualdade máxima).
proprietários do País. Já os proprietários com 1.000 ha ou mais não chegam a 1% do
total dos proprietários do Brasil.
No Gráfico 4, pode-se observar claramente a diferença gritante entre as
pequenas e as grandes propriedades em estratos de áreas. À medida que os
estabelecimentos rurais ocupam mais áreas, mais se concentra essa terra nas mãos dos
grandes latifundiários. Uma exceção nessa tendência é o Censo Agrícola de 1960, que
mostra um viés de crescimento da área ocupada pelos pequenos e médios proprietários e
uma pequena diminuição da área ocupada pelos grandes latifundiários, apesar do
crescimento de quase 20 milhões de hectares nos estabelecimentos rurais entre 1950 e
1960.
Gráfico 4 - Distribuição dos estabelecimentos agropecuários, segundo o estrato de área – 1940 a 1960 – Brasil.
0
50.000.000
100.000.000
150.000.000
200.000.000
250.000.000
Total Menos de10 ha
De 10 ha amenos de
100 ha
De 100 ha amenos de1000 ha
1000 ha emais
Distribuição dos estabelecimentos agropecuários, segundo o estrato de área (ha) - Brasil - 1940/1960
194019501960
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo Agrícola de 1960 (1960) Referindo-se ao período representado pela década de 1960, Prado Junior (2000a,
p.17) observa que, por causa dessa concentração fundiária, uma parcela significativa da
população rural, “[...] não dispõe de terra própria alguma, nem de recursos e
possibilidades para ocupar e explorar terras alheias a título de arrendatário autônomo.
Vê-se assim obrigada a buscar emprego em serviço alheio”. Assim, “[...] o virtual
monopólio da terra, concentrada nas mãos de uma minoria de grandes proprietários,
obriga a massa trabalhadora a buscar ocupação e sustento junto a esses mesmos
proprietários, empregando-se a serviço deles”.
Durante o período militar, nota-se com bastante clareza nos três censos
agropecuários do período uma tendência de concentração de terras nas mãos dos
grandes proprietários, de 1.000 ha ou mais. Nota-se, no Gráfico 5, que, enquanto o
estrato de área dos pequenos proprietários de menos de 10 ha ficou estabilizado entre
1970 a 1980 em 9 milhões de hectares, o de 1000 ha ou mais cresceu de 116 milhões de
hectares em 1970 para 164 milhões de hectares em 1980 - um crescimento absurdo,
muito acima de todos os outros estratos de área, pequenos e médios.
Praticamente todo o aumento da área ocupada por estabelecimentos
agropecuários no Brasil – que foi de aproximadamente 70 milhões de hectares -, durante
esse período, foi parar nas mãos dos grandes latifundiários, reforçando e muito a
concentração de terras. Grandes latifundiários (com mais de 1.000 ha) que, nos Censos
de 1970, 1975 e 1980 sempre foram inferiores a 50 mil proprietários, menos de 1% do
total. Já os proprietários com menos de 10 ha estavam somando no Censo de 1980 mais
de 50% do número total dos proprietários (mais de 2.598.000).
Nota-se também no Gráfico 5 o resultado dos anos de Ditadura e a política de
expansão do Agronegócio para a Amazônia, principalmente com o início da ocupação
dos cerrados da Região Centro-Oeste e do Nordeste para a produção de grãos para o
Mercado Internacional.
Mendonça (2006,p.73) analisa que, nesse contexto,
[...] além de colonizar as fronteiras em favor do grande capital nacional e estrangeiro -, abrindo brechas para a expansão do latifúndio improdutivo em maior escala que os projetos agropecuários de colonização, a política de ‘modernização’ da agricultura brasileira, perpetrada pelos governos militares a partir dos anos 1960, pautar-se-ia por mais uma diretriz: a farta concessão estatal de créditos e subsídios seletivamente direcionados para a agricultura patronal, tendo em vista disseminar tecnologia e privilegiar produtos de exportação.
Dias, Vieira e Amaral (2001, p.14) também analisam a atuação do poder público
na concentração de terras nessa época e observam que
[...] embora tenham sido assentadas milhares de famílias em projetos oficiais de colonização, a esmagadora maioria das terras alienadas foram para projetos privados de colonização (até 500.000 ha) que permaneceram em mãos de grandes produtores, para glebas individuais que podiam ir de 3.000 ha até 60.000 ha. A concentração fundiária se acelerou com este padrão de ações ativas do poder público.
Observa-se claramente no Gráfico 5 a inclusão de novas áreas para os
estabelecimentos agropecuários e a transferência dessas novas áreas para os estratos de
terra de 100 a 1000ha e principalmente de 1000ha ou mais, aumentando a concentração
de terras nas mãos dos grandes proprietários.
Gráfico 5 - Distribuição dos estabelecimentos agropecuários, segundo o estrato de área – 1970/1980 – Brasil.
0
50.000.000
100.000.000
150.000.000
200.000.000
250.000.000
300.000.000
350.000.000
400.000.000
Total Menos de 10ha
De 10 ha amenos de
100 ha
De 100 ha amenos de1000 ha
1000 ha emais
Distribuição dos estabelecimentos agropecuários, segundo o estrato de área (ha) - Brasil - 1970/1980
197019751980
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo Agropecuário 1980 (1984). A desigualdade histórica na distribuição de terra no Brasil chega até o século
XXI de forma praticamente inalterada, exibindo uma extrema concentração de terras nas
mãos de poucos. É o que se observa de forma bem clara nas últimas três décadas através
do Gráfico 6, onde se comparam os três últimos Censos Agropecuários do IBGE. As
diferenças verificadas na área dos estabelecimentos agropecuários, quando comparados
os diferentes estratos fundiários, continuam a caracterizar a manutenção da
desigualdade.
Ainda no Gráfico 6, observa-se que, enquanto os estabelecimentos rurais de
menos de 10 ha ocupam menos de 2,7% da área total ocupada pelos estabelecimentos
rurais nos três últimos Censos Agropecuários (1985, 1995-1996 e 2006), a área
ocupada pelos estabelecimentos de mais de 1 000 ha concentra mais de 43,0% da área
total nesses anos. Vale salientar que esses estabelecimentos com menos de 10 ha, de
acordo com os últimos três Censos Agropecuários, concentram mais de 47% de todos os
proprietários. Já os estabelecimentos com mais de 1.000ha concentravam apenas 0,87%
(1985), 1,02% (1995-96) e 0,91% (2006) dos proprietários rurais, evidenciando
claramente a grande concentração de terras nas mãos de pouquíssimos proprietários.
No Gráfico 6, observa-se também uma diminuição da área total utilizada nos
estabelecimentos agropecuários. Essa diminuição, de mais de 50 milhões de hectares,
atinge todos os estratos de área, desde o menor até o maior, todos de maneira
proporcional. No final, observa-se que, mesmo com a diminuição de área, a
concentração fundiária se mantém extremamente desigual, com poucas variações,
seguindo a média histórica desde o primeiro Censo Agropecuário estudado em 1940,
após a fundação do IBGE.
Gráfico 6 - Distribuição dos estabelecimentos agropecuários, segundo o estrato de área – 1985/2006 – Brasil.
0
50.000.000
100.000.000
150.000.000
200.000.000
250.000.000
300.000.000
350.000.000
400.000.000
Total Menos de10 ha
De 10 ha amenos de
100 ha
De 100 ha amenos de1000 ha
1000 ha emais
Distribuição dos estabelecimentos agropecuários, segundo os estratos de área (ha) - Brasil - 1985/2006
1985
1995
2006
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo Agropecuário 2006 (2009). Sobre o índice Gini no Brasil, nota-se, com base no Quadro 17, que praticamente
não houve alteração nos últimos três Censos Agropecuários – 1985, 1995-1996 e 2006 -
, demonstrando, apesar de toda a propaganda e ação de políticas públicas
governamentais, que a concentração fundiária brasileira continua no mesmo patamar:
extremamente alto.
Segundo dados apurados por Plata e Reydon (2006), esse índice concentrado ao
redor de 0,85 vem desde 1975 sem modificações significativas. No Quadro 17,
observa-se também a concentração fundiária por estado, evidenciando-se as altas
concentrações nos estados nordestinos e na zona de expansão do Agronegócio –
principalmente Mato Grosso – e mais baixas concentrações nos estados do Sul do País,
pela forma diferenciada como foi ocupada essa região, através de pequenas e médias
propriedades facultadas por políticas públicas, diferentemente da ocupação sob forma
de grandes latifúndios baseados no regime de sesmarias no Nordeste e na ocupação
recente de Mato Grosso comandada pelo Agronegócio e baseada em gigantescos
latifúndios mecanizados.
Quadro 17 - Evolução do Índice de Gini, segundo as Unidades da Federação - 1985/2006.
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo Agropecuário 2006 (2009). No Cartograma 1, que indica o Índice de Gini por área dos estabelecimentos
agropecuários por município, pode-se visualizar claramente o aumento desse índice nas
áreas que, além das motivações históricas que marcaram o processo de ocupação do
território, têm agora o boom da expansão do agronegócio voltado para a exportação de
commodities agrícolas, como em algumas áreas da Zona da Mata (agronegócio de
açúcar e etanol), do Vale do São Francisco (agronegócio de frutas), do sudoeste do
Piauí, do sul do Maranhão e do oeste da Bahia (agronegócio de soja, principalmente).
Vale ressaltar que a inserção das áreas de Cerrado, em sua maior parte na Região
Centro-Oeste e no Mato Grosso, para a produção do agronegócio de soja, milho e
algodão mecanizados, vem potencializando o processo de concentração fundiária.
CARTOGRAMA 1 - Índice de Gini da área total dos estabelecimentos agropecuários, por município - 2006
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo Agropecuário 2006 (2009). Identificam-se, nesse contexto de alta concentração de terras, inúmeros
agravantes adicionais, como a fragilidade de um imposto territorial rural que não
dificulta a manutenção da terra para fins improdutivos, já que é um imposto declaratório
de difícil fiscalização. Por isto mesmo, no Brasil, é grande a utilização da terra como
reserva de valor. Muitos investidores utilizam a compra de terras para diversificar as
aplicações financeiras, a fim de reduzir seus riscos, uma vez que a terra é considerada
um ativo seguro.
Esses fatos, ligados a expectativas da rentabilidade agrícola, fizeram com que o
preço da terra no Brasil se tornasse, nos últimos anos, um dos mais altos do Mundo,
superando inúmeros países da Europa Oriental, alguns estados americanos e os vizinhos
Uruguai e Argentina. Vale lembrar que o caráter monopolista da posse da terra no Brasil
gera o reforço da renda absoluta, o que, por sua vez, tem reflexos no aumento do preço
da terra (REYDON, ET AL, 2006; DIAS; VIEIRA, AMARAL, 2001).
Outro agravante é a grilagem de terras, que historicamente tem aprofundado a
concentração fundiária. Segundo o INCRA, que está mapeando a estrutura fundiária do
País para localizar individualmente os casos de fraude e falsificação de títulos de
propriedade de terras, o total de terras sob suspeita de serem griladas é de
aproximadamente 100 milhões de hectares – quatro vezes a área do Estado de São Paulo
ou a área da América Central mais o México (PLATA; REYDON, 2006).
Esse problema da grilagem se perpetua até o momento porque o Estado não
possui, até hoje, um cadastro completo que permita reconhecer as terras de sua
propriedade, nem as de particulares e nem tampouco as com problemas de titularidade
(REYDON; BUENO, TIOZO, 2006).
Somente no início do século XXI é que o Governo Federal faz uma lei para ter
um Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR), em 2001, a qual foi regulamentada
em 2002. O INCRA, a partir de portarias, desde 1999 já estava cadastrando imóveis
rurais com área igual ou superior a 10.000 ha por todo o País. Dos proprietários
notificados, os que não responderam à notificação e automaticamente foram suspeitos
de grilagem correspondem, em todo o País, a 49,20% da área dos imóveis notificados a
partir de 10.000 ha ou mais. Isto representa, só nesse estrato de área, mais de 46 milhões
de hectares em suspeita de grilagem de terras (REYDON; BUENO, TIOZO, 2006).
Ao lado da grilagem (e, às vezes, a partir dela), outro fator que agrava ainda
mais a concentração de terras é a incorporação de grandes áreas para a produção de
commodities agropecuárias para o comércio global através do grande latifúndio. Prado
Junior (2000a, p.31) já observava na década de 1960 que essa “[...] grande exploração
de tipo comercial [...] tende, quando a conjuntura lhe é favorável, a se expandir e
absorver o máximo de terras aproveitáveis, eliminando lavradores independentes,
proprietários ou não, bem como suas culturas de subsistência”
Um caso clássico é a produção de cana-de-açúcar, que em países como a
Austrália é feita a partir de pequenas e médias propriedades familiares, gerando renda
para o pequeno e médio agricultor. Já no Brasil é resultante da herança de gigantescas
sesmarias que concentraram a terra absurdamente na zona da mata nordestina. Hoje, a
cana-de-açúcar ganha um novo fôlego com a produção de etanol para o mercado interno
em crescimento e para a exportação. Com esse fôlego, milhares de hectares vão sendo
incorporados ano a ano para a produção dessa commoditie global no sudeste e
principalmente no centro-oeste do País, gerando uma maior concentração de terras e
expulsão dos pequenos proprietários e posseiros incapazes de resistir ao poder (político
e econômico) da grande propriedade (REYDON; GUEDES, 2006).
Outra commoditie que gera grande valorização fundiária e concentração de terras
é a soja. Inúmeros estudos se fizeram sobre a concentração de terras a partir da chegada
da soja. O estudo de Reydon e Monteiro (2006) sobre a ocupação dos cerrados
piauienses é um desses. Nesse estudo, mostra-se de forma clara a atuação do Estado
para a ocupação da região por meio da distribuição de terras públicas a preços irrisórios
e subsídios creditícios e fiscais. A distribuição de terras, subsidiada principalmente pelo
Instituto de Terras do Piauí na década de 1970 e 1980, concentrava a terra em mãos de
pouquíssimos. Para se ter uma ideia, somente três grupos empresariais receberam 56,8%
de todos os projetos incentivados no sudoeste do Piauí, ficando os mesmos grupos com
mais de 34.000ha. Todas essas terras, originariamente concebidas para a produção de
caju, na década de 1990 entraram no circuito da soja, com a chegada de grandes grupos
do sul do país na região. Observa-se, de maneira bem clara, a concentração de terras no
sudoeste do Piauí pelo Cartograma 1.
Outro caso de concentração fundiária, que é relatado por Sá (1998), diz respeito
à compra de terras por agroindústrias da cadeia da laranja, que fazem isto para deter
toda a cadeia produtiva e aumentar as margens de lucro. Multinacionais como a Cargill
e a Coimbra já produzem 30% do que esmagam.
As políticas públicas locais, como já foi observado no caso do sudoeste do Piauí,
também podem gerar tanto o aumento da renda da terra e da valorização fundiária,
como a concentração fundiária, a partir da exclusão dos moradores e trabalhadores
locais. Isto ocorre muito nos projetos irrigados para a produção de frutas do DNOCS,
onde se tem muitas vezes uma expulsão dos moradores locais (desapropriação), que
nem sempre recebem suas indenizações, para a chegada dos irrigantes profissionais, em
geral grandes empresas agrícolas que se beneficiam da nova ordem fundiária
estabelecida pelo Estado.
Sobre isto, Elias (2006) afirma que essas políticas públicas voltadas para a
organização das condições econômicas e infraestruturais para o Agronegócio da
Fruticultura e Grãos, junto com a difusão de sistemas técnicos, geram forte aumento de
preços nas terras, tornando estas inacessíveis aos agricultores e aumentando o seu grau
de concentração. Um exemplo desse tipo de concentração de terras é relatado por Santos
(2006b, p.301), que observa o aumento do Índice Gini no município de Morada Nova-
CE, após a implementação do perímetro irrigado:
Em 1960, o Índice Gini para o município de Morada Nova era de 0,322. Esse índice evoluiu para 0,566 em 1970 com a implantação do Perímetro Irrigado Morada Nova [...] Isto foi motivado pelo anúncio dos investimentos do Estado, que teria provocado a valorização e estimulação da compra de terras, principalmente das pequenas e médias propriedades próximas às áreas de instalação do perímetro, resultando em uma elevação deste índice.
Com esses dados postos, nota-se que, nas últimas décadas, a concentração de
terras tendeu a se manter alta em todo o território nacional, sendo agravada muitas vezes
pela ação de políticas públicas que deveriam desconcentrar a terra.
3.2 Globalização e Relações de Trabalho no Campo Nesta parte do trabalho, serão analisadas as relações de trabalho no campo, no
contexto do processo de globalização. Em um primeiro momento, observar-se-á
brevemente a importância do trabalho e das relações de trabalho para o homem. Após
isto, proceder-se-á à análise das relações de trabalho no contexto da globalização
recente, enfocando o Fordismo e a acumulação flexível. Por fim, serão focalizadas as
relações de trabalho no campo, primeiramente no contexto mundial e depois se detendo
com maior ênfase no decorrer da história recente brasileira até os dias atuais.
3.2.1 Relações de Trabalho (o Trabalho)
O trabalho sempre foi um elemento importante na história da Humanidade,
definindo as características das Civilizações, já que determinava a organização social
das comunidades, sua cultura, seus costumes e suas ideias, de modo a criar instrumentos
materiais de usos característicos (CAVALCANTI, 2008).
Para Marx, trabalhar era, ao mesmo tempo, necessidade eterna para manter o
metabolismo social entre humanidade e natureza. Nesse contexto, o trabalho mostrava-
se como momento fundante de realização social, condição para sua existência
(ANTUNES, 2005).
Essa realização social acontecia muitas vezes porque o trabalho despertava,
como principal atividade cotidiana do homem, o gosto pelo agir, não apenas pela
contraprestação em produtos ou valores, mas, sobretudo, para fazer o homem sentir-se
útil, necessário, partícipe de uma obra que era executada individualmente ou por uma
equipe (CAVALCANTI, 2008).
Todo trabalho humano é tido, também, como dispêndio de força de trabalho do
homem no sentido fisiológico, sendo na qualidade de trabalho humano igual ou trabalho
humano abstrato que se vai gerar o valor das mercadorias (RICARDO, 1988, p.13).
Bauman (2001, p.157) observa que ao trabalho foram atribuídas muitas atitudes
e efeitos benéficos ao longo da história,
[...] como, por exemplo, o aumento da riqueza e a eliminação da miséria; mas subjacente a todos os méritos atribuídos estava sua suposta contribuição para o estabelecimento da ordem, para o ato histórico de colocar a espécie humana no comando do seu próprio destino.
O pensamento judaico clássico argumentava que o trabalho tinha entre suas
funções positivas o fato de favorecer a saúde física e mental do homem, evitando que
este se inclinasse para o mal provocado pela mente ociosa. Do mesmo modo, inúmeros
teóricos da religião cristã, como São Francisco de Assis, evocaram o trabalho contra o
ócio e para a glória de Deus (CAVALCANTI, 2008).
Em meados do século XVIII, o trabalho se configurava como um esforço físico
dirigido a atender às necessidades materiais da comunidade, tendo sido sempre
lembrado por ser uma fonte de riqueza e de bem-estar da sociedade.
Mas, com o advento do modo capitalista e do fetiche da mercadoria, a atividade
vital – o trabalho - passa a ser imposta, forçada e compulsória. O processo de trabalho
se converte em meio de subsistência e a força de trabalho se torna uma mercadoria
especial, cuja finalidade vem a ser a criação de novas mercadorias, objetivando a
valorização do capital. Desse processo de trabalho na sociedade capitalista, tem-se
como resultante a desrealização do ser social (ANTUNES, 2005).
Este é o tipo de contexto onde as relações de trabalho começam a sofrer uma
mudança, com o início da inserção do trabalho assalariado. A partir daí “... a relação de
poder passava a manter-se pelo capitalista moderno, burguês proprietário dos meios de
produção, sobre o operário assalariado, que, privado de meios de produção próprios,
vendia sua força de trabalho” (CAVALCANTI, 2008, p.42).
O golpe para os direitos comuns e associativos veio com a Revolução Francesa,
em 1789, que fez emergir os direitos individuais. Em decorrência dessa revolução
liberal , têm-se as primeiras bases jurídicas proibindo os agrupamentos profissionais, as
convenções coletivas e as greves, com a Lei Chapelier, em junho de 1791, na França.
Era a defesa do individualismo contratualista.
Essa legislação e pensamento liberal vão ser o combustível para a Revolução
Industrial, quando vai acontecer a venda livre da força de trabalho nas fábricas,
ocasionando baixos salários, o trabalho de crianças, mulheres e jornadas longas de até
15 horas por dia em locais insalubres (CAVALCANTI, 2008).
Harvey (2005, p.113) analisa que o trabalho assalariado se baseia na separação
forçosa do trabalhador do controle dos meios de produção. Para exemplificar sua
análise, ele cita o exemplo de várias colônias, como a Austrália, onde “...os recursos da
propriedade privada e do Estado foram usados para excluir os trabalhadores do fácil
acesso às terras sem donos, para preservar um conjunto de trabalhadores assalariados no
interesse da exploração capitalista”.
3.2.2 Relações de Trabalho no Contexto da Globalização Contemporânea a) Fordismo O Fordismo, já analisado no Capítulo 1 deste estudo, vai intensificar as relações
de trabalho capitalistas no mundo todo e fazer proliferar cada vez mais nessas relações a
especialização do trabalhador, a produção e o consumo de massa.
Paralelo a esse processo, ocorre o desenvolvimento de boa parte da legislação
trabalhista de proteção ao trabalhador, resultante sempre, vale salientar, de lutas
orquestradas pelo movimento operário. Em 1919, no final da Primeira Guerra Mundial,
dentro do Tratado de Versalhes, já se tem a instituição da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), com a instituição de regras básicas de proteção ao trabalhador: jornada
de oito horas de trabalho, igualdade de salário, repouso semanal remunerado, inspeção
do trabalho das mulheres e dos menores, direito sindical e salário mínimo
(CAVALCANTI, 2008; VIEIRA, 2005).
Uma das características do Fordismo, implantado pelo próprio Henry Ford, foi o
aumento dos salários dos trabalhadores. Ford chegou a dobrar o salário dos seus
trabalhadores, mas existia para ele uma razão para se fazer isso,
[...] era o desejo [...] de deter a mobilidade irritantemente alta no trabalho. Ele queria atar seus empregados às empresas Ford de uma
vez por todas, fazendo com que o dinheiro gasto em sua preparação e treinamento se pagasse muitas vezes, por toda a duração da vida útil dos trabalhadores (BAUMAN, 2001, p. 166).
Hobsbawm (1995, p.55), analisando a difusão do Fordismo, observa o papel das
guerras “...sobretudo a Segunda Guerra Mundial, ajudaram muito a difundir a
especialização técnica, e certamente tiveram um grande impacto na organização
industrial e nos métodos de produção em massa”.
Após a Segunda Guerra Mundial, observa-se o boom mundial do modelo
fordista:
O modelo de produção em massa de Henry Ford espalhou-se para as indústrias do outro lado dos oceanos, enquanto nos EUA o princípio fordista ampliava-se para novos tipos de produção, da construção de habitações à chamada junk food [...]. Bens e serviços antes restritos a minorias eram agora produzidos para um mercado de massa, como no setor de viagens e praias ensolaradas. Antes da guerra, não mais de 150 mil norte-americanos viajaram para a América Central ou o Caribe em um ano, mas entre 1950 e 1970 esse número cresceu de 300 mil para 7 milhões. (HOBSBAWM, 1995, p.259).
Essa época foi conhecida por “Era de Ouro” ou “Estado de Bem-Estar Social”,
principalmente pelo bem-estar das classes trabalhadoras na Europa, no Japão e nos
EUA. As taxas de desemprego na Europa e no Japão não passavam de 1,5%. Havia o
compromisso político com o pleno emprego, com a seguridade social e previdenciária,
tudo isto gerando mais renda e mais consumo de massa. Tinha-se a perspectiva, por
parte do trabalhador, de emprego por toda a vida dentro de uma empresa e existiam
sindicatos fortes. Vale lembrar que havia nesse contexto a Guerra Fria e o embate com a
URSS, o que fazia com que as diretrizes governamentais tivessem um cunho mais social
(BAUMAN, 2001; HOBSBAWM, 1995).
Na “Era de Ouro” dos Países Capitalistas,
[...] os patrões, que pouco se incomodavam com altos salários num longo boom de altos lucros, apreciavam a previsibilidade que tornava mais fácil o planejamento [...] as economias dos países capitalistas industrializados se deram esplendidamente bem, no mínimo porque [...] passava a existir uma economia de consumo de massa com base no pleno emprego e rendas reais em crescimento constante, escorada pela seguridade social, por sua vez paga pelas crescentes rendas públicas. O pleno emprego e uma sociedade de consumo orientados para um verdadeiro mercado de massa colocavam a maior parte da classe operária nos velhos países desenvolvidos, pelo menos durante parte de suas vidas, bem acima do patamar abaixo do qual seus pais, ou eles próprios, tinham vivido outrora, quando se gastava a renda sobretudo com necessidades básicas (HOBSBAWM, 1995, p.277-301).
Após a Segunda Guerra, também aconteceu a difusão mundial da legislação
trabalhista, presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Assembleia
Geral da ONU, em 1948. Destaca-se nessa declaração: a remuneração igual por trabalho
igual; o salário mínimo; o repouso e o lazer; a limitação horária da jornada de trabalho;
a livre sindicalização; e as férias remuneradas (CAVALCANTI, 2008).
No Brasil, tem-se, a partir de lutas operárias sangrentas desde a década de 1910,
a implementação de alguns direitos trabalhistas entre a década de 1930 e 1940, durante
o Governo Getúlio Vargas, como o salário mínimo, oito horas de trabalho,
aposentadoria, direito a sindicalização, indenização por demissão sem justa causa.
Muitos direitos foram estabelecidos na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT em
1943 (CAVALCANTI, 2008).
Após a Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento capitalista aconteceu sem a
generalização da legislação trabalhista na economia e na sociedade brasileira. Segundo
Cavalcanti (2008, p.79):
É inegável que entre 1945 e 1964 o processo de generalização do Direito do Trabalho se acentuou; no entanto, manteve-se restrito à parte urbana em decorrência da continuidade ao modelo de desenvolvimento iniciado em 1930, impulsionador da industrialização e da urbanização, antes correspondente a apenas 30% da população, em contraposição a 70% da população rural, esta excluída da tutela legal. Apenas em 1963 foi aprovado o Estatuto do Trabalhador Rural – Lei n. 4.214/63, que, todavia, não produziu efeitos reais em face da queda da democracia em 1964 pela ditadura militar.
Com esses dados, nota-se a flagrante discriminação da legislação trabalhista em
relação às atividades agrícolas que se realizavam no campo brasileiro e que
representavam àquela época mais de 2/3 da população do País.
b) Acumulação flexível & flexibilização do Trabalho Na década de 1970, o contexto global muda de forma drástica. A Guerra do
Vietnã, junto com a Guerra Fria e seus altos gastos, gerou despesas fantásticas nos
Estados Unidos que chegaram, em alguns anos, a trilhões de dólares, o que resultou no
descontrole orçamentário. O aumento do preço do petróleo pela Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP), em 1973, no contexto de mais uma guerra árabe-
israelense, gera um aumento geral no custo de vida e a entrada de petrodólares no
sistema financeiro internacional, que por sua vez financia a juros baixos empréstimos
por todo o Mundo.
Os EUA, no fim dos anos de 1970, mudam sua política de juros, aumentando-os,
privilegiando a valorização da moeda e a diminuição da inflação, fazendo com que
muitas dívidas contraídas por países do mundo todo (inclusive pelos próprios EUA) se
tornem gigantescas. Intensificam-se então as crises por débitos, começam a se fazer por
todos os lados cortes de empregos, de benefícios e a política de bem-estar social cai por
terra em boa parte do mundo, dando lugar à política neoliberal implantada e difundida
pelos Presidente Ronald Reagan (EUA) e pela Primeira-Ministra Margaret Thatcher
(Grã-Bretanha), que reforçava a Globalização da Economia e que pressionava, a partir
dos organismos supra-nacionais, como o FMI e Banco Mundia,l a entrada de países do
mundo todo para o incontrolável mercado mundial (HOBSBAWM, 1995).
Com o Neoliberalismo e simultaneamente com a implantação da acumulação
flexível, dá-se uma piora nas condições do operariado de base e uma melhora dos
qualificados na Grã-Bretanha. Os índices de desemprego sobem às alturas por todo o
Mundo e Países Desenvolvidos. A produção agora dispensava visivelmente mais seres
humanos do que a economia de mercado gerava novos empregos para eles. Esse
processo foi acelerado pela competição global e também pelo aperto financeiro dos
governos que, direta ou indiretamente, eram os maiores empregadores individuais e
agora estavam enxugando os empregos públicos (HOBSBAWM, 1995).
Na Europa, têm-se estatísticas que revelam claramente o aumento do
desemprego: em 1960, o desemprego nos Países da Europa era de 1,5%,; em 1970,
avança para 4,2%; em 1980, alcança 9,2%; e, em 1993, já com a União Europeia, tem-
se uma média de 11% de desempregados (HOBSBAWM, 1995).
Hobsbawm (1995, p.396) analisa os resultados dessa política neoliberal,
[...] quanto à pobreza e miséria, na década de 1980 muitos dos países mais ricos e desenvolvidos se viram outra vez acostumando-se com a visão diária de mendigos nas ruas, e mesmo com o espetáculo mais chocante de desabrigados protegendo-se em vãos de portas e caixas de papelão, quando não eram recolhidos pela polícia
Nos dias atuais, a OIT tem caracterizado como uma “crise global de emprego” o
que se passa hoje no Mundo, que se expressa em aumento da ordem de 25% na taxa de
desemprego aberto global entre 1995 e 2005, e na existência de aproximadamente 195
milhões de pessoas desempregadas no Mundo, o que equivale a 6,3% de toda a força de
trabalho. Destes, 86,3 milhões (ou 44% do volume total de desempregados) são jovens
entre 15 e 24 anos (ABRAMO; BOLZÓN, RAMOS, 2008).
Só a América Latina, cálculo realizado pela OIT em 2006, indicava a existência
de um déficit de emprego formal da ordem de 126 milhões de pessoas, equivalentes a
53% da População Economicamente Ativa (PEA) e que podia ser decomposto em 23
milhões de pessoas desempregadas e 103 milhões de pessoas trabalhando na
informalidade (ABRAMO; BOLZÓN, RAMOS, 2008).
Bauman (1999) faz uma análise da flexibilidade presente nos discursos
governamentais, sendo esta a característica que mais se destaca no contexto neoliberal
atual.
Essa flexibilidade faria parte de um conjunto de fatores para encorajar os
investidores, como, por exemplo, corte de gastos públicos, redução de impostos,
reforma e corte do sistema de proteção social. A flexibilidade entraria no relaxamento
das normas rígidas do mercado de trabalho, da legislação trabalhista, dos contratos e das
regras de proteção social, em prol dos investidores que agora são livres para correr onde
existem as melhores ofertas ou vantagens locacionais.
Pochmann (2001, p.30) relata essa liberdade de movimentos nas grandes
Corporações Transnacionais, que têm como estratégia marcante na década de 1990
“permanecer o mais livres possível dos investimentos de longa duração, com o intuito
de explorar rapidamente as oportunidades lucrativas de investimento, abrindo e
fechando quantas plantas produtivas fossem necessárias”
Segundo Bauman (1999, p.112-113), essa flexibilidade
[...] do lado da procura significa liberdade de ir aonde os pastos são verdes, deixando o lixo espalhado em volta do último acampamento para os moradores locais limparem; acima de tudo significa liberdade de desprezar todas as considerações que ‘não fazem sentido economicamente’. O que no entanto parece flexibilidade do lado da procura vem a ser para todos aqueles jogados no lado da oferta um destino duro, cruel. Inexpugnável, os empregos surgem e somem assim que aparecem, são fragmentados e eliminados sem aviso prévio, como as mudanças nas regras do jogo de contratação e demissão e pouco podem fazer os empregados ou os que buscam emprego para parar essa gangorra.
Esse discurso flexível está presente como um dogma para o FMI e o Banco
Mundial que defendem a revogação de leis “favoráveis demais” à proteção do emprego
e do salário e pregam a eliminação de todas as “distorções” que se colocam no caminho
da autêntica competição, incluindo a quebra da resistência da mão-de-obra para desistir
de seus “privilégios adquiridos” (BAUMAN, 1999).
Com a flexibilidade, o trabalho muda seu caráter, não pode mais ser pensado a
longo prazo, porque a incerteza domina, e as estratégias e planos de vida só podem ser
de curto prazo. “O trabalho não pode mais oferecer o eixo seguro em torno do qual
envolver e fixar autodefinições, identidades e projetos de vida. Nem pode ser concebido
com facilidade como fundamento ético da sociedade, ou como eixo ético da vida
individual” (BAUMAN, 2001).
A incerteza gerada nesse contexto flexível divide, é individualizadora, faz com
que desapareçam o espírito de militância e a participação política e a preocupação com
o interesse comum.
Benko (1999) observa que, além de desvalorizar a força de trabalho reduzindo
todos os custos de sua reprodução (supressão de garantias de emprego, revisão de
salários diretos e indiretos), as grandes Corporações buscam também, como estratégias
de flexibilização, a utilização das virtualidades tecnológicas da automação como
suporte material, a fim de remodelar a organização do trabalho.
Castells (2002) observa que, em muitos casos, a flexibilização chega à própria
grande Multinacional, que passa a se utilizar de pequenas e médias empresas, para
terceirizar ou subcontratar alguns serviços ou produtos, possibilitando ganhos de
produtividade e eficiência às grandes empresas, que controlam as pequenas.
Castells (2002) também ressalta ainda os novos métodos de gerenciamento que
passam a ser usados na acumulação flexível, como: o método just-in-time, advindo de
empresas japonesas e que acaba com os estoques, sendo a entrega feita pelos
fornecedores nos locais de produção; o controle de qualidade total e o trabalho em
equipe dentro da empresa, além da terceirização.
Costa (2008, p.138) observa que esses
[...] novos modelos gerenciais estão contribuindo para aumentar o desemprego, intensificar e precarizar o trabalho, tornar variável grande parte dos salários, desarticular o movimento sindical, trazendo como conseqüência um maior grau de exploração dos trabalhadores.
Costa (2008) e Wright (2002) citam que modelos de terceirização como o
implantado pela Nike (que desenvolve o design dos seus produtos nos EUA, o
protótipo, em Taiwan, e busca fabricá-los no Sudeste Asiático, onde encontra os mais
vantajosos contratos de terceirização com baixos custos e sem atuação forte dos
sindicatos) geram, no final, a ampliação da taxa de lucro e a precarização das condições
de trabalho.
Costa (2008) observa também que a ideologia da participação nos lucros
vinculados a um sistema de metas do setor é extremamente daninho para o trabalhador,
já que
[...] caso alguma equipe ou trabalhador individual não cumpra a meta diária, já será mal visto por seus colegas, pois está atrapalhando o objetivo central. Assim, vai se criando no interior da empresa, quase que naturalmente ou estimulado pelas gerências, um clima de vigilância recíproca, em que o trabalhador passa a ser algoz do próprio trabalhador (COSTA, 2008,p.144).
Além de todos esses fatores nocivos ao trabalhador e que contribuem para uma
maior flexibilidade do trabalho, Salama (1999) acrescenta um outro da mesma ordem:
as finanças. Todas as recentes crises financeiras, ocasionadas por desequilíbrio na
balança de pagamentos, têm sempre como resultado uma reestruturação industrial e
bancária que leva em geral a um acréscimo da flexibilidade do trabalhador
(desemprego, baixa dos salários, precarização e intensificação pela introdução de outros
modos de dominação sobre o trabalho). Mas não é só em função de crises que a
flexibilidade do trabalho acontece. Esta encontra-se também associada à importância
das finanças para o balanço das empresas, ou melhor, o lugar que as aplicações
financeiras ocupam nas empresas. Quanto mais as empresas buscam investir no
mercado financeiro em vez de investirem no Setor Produtivo, mais se tem um volume
insuficiente de investimento na produção. Tal insuficiência leva as empresas a
privilegiar formas de dominação sobre o trabalho que favoreçam a sua flexibilização,
para poderem vir a encontrar uma competitividade ameaçada pela ausência desses
investimentos produtivos.
Castells (2002) analisa que, com a acumulação flexível, tem-se claramente a
difusão de duas classes de empregados polarizados:
A da camada superior de trabalhadores multifuncionais com muita qualificação e
especializados – que têm todos os direitos e estabilidade no emprego, alta remuneração,
para poderem cooperar mais com a empresa;
E a da camada inferior sem especialização, trabalhadores com baixa qualificação –
com poucos ou nenhum direito, baixa remuneração, descartáveis, uma vez que, a
qualquer momento, podem ser dispensados. A maioria deles encontra-se no Setor de
Serviços.
Antunes (2005, p.32) também analisa e comenta sobre essas duas classes
polarizadas:
Criou-se de um lado, em escala minoritária, o trabalhador ‘polivalente e funcional’ da era informacional, capaz de operar máquinas com controle numérico e de, por vezes, exercitar com mais intensidade sua dimensão mais ‘intelectual’ (sempre entre aspas). E, de outro lado, há uma massa de trabalhadores precarizados, sem qualificação, que hoje está presenciando as formas de part-time, emprego temporário, parcial, precarizado, ou mesmo vivenciando o desemprego estrutural.
Esses trabalhadores com baixa qualificação são os mais afetados pelos padrões
flexíveis, que, em muitos casos, estendem a jornada de trabalho, das tradicionais 35-
40h, para mais tempo; não têm estabilidade no emprego, porque o trabalho flexível é
regido por tarefas e não inclui compromisso com a permanência futura no emprego; e
não contam com contrato social entre patrão e empregado - a maioria é autônoma ou
terceirizada (que dissimula a precarização e a redução dos salários) (CASTELLS, 2002;
COSTA, 2008).
Cavalcanti (2008,p.90) ressalta também sobre a precarização do emprego que
[...] a transferência do emprego tradicional para o setor de serviços precarizado tem efeito tão impactante ou ainda mais grave porque não representa apenas a perda do emprego, mas também a fragmentação das relações de ambiente de trabalho e a desqualificação da atividade profissional.
A desqualificação da atividade profissional ganha intensidade, principalmente
com o sistema de subcontratações (terceirização), realizado por muitas empresas que
prestam serviços a outras. Esse sistema gera ausência de sindicalização, de
solidariedade e de disponibilidade reivindicatória, pela
[...] coexistência de um núcleo alargado de trabalhadores permanentes, de um conjunto de trabalhadores diferenciado com vínculos atípicos ou precários e, ainda, de um terceiro tipo de trabalhadores sem qualquer ligação jurídico-formal com a empresa numa dada unidade de trabalho (CAVALCANTI, 2008, p.110).
Antunes (2005,p.13), analisando sobre a precarização do trabalho, cita que “mais
de um bilhão de homens e mulheres padecem as vicissitudes da precarização do
trabalho, dos quais centenas de milhões têm seu cotidiano moldado pelo desemprego
estrutural”.
O mesmo autor observa que essa situação de trabalho flexível-precarizado já
representa em alguns lugares até 20% da mão-de-obra, como na Itália e na Espanha, e
que tal situação
[...] configura uma nova morfologia do trabalho: além dos assalariados urbanos e rurais que compreendem o operariado industrial, rural e de serviços, a sociedade capitalista moderna vem ampliando enormemente o contingente de homens e mulheres terceirizados, subcontratados, part-time, que exercem trabalhos temporários, entre tantas outras formas assemelhadas de informalização do trabalho, que proliferam em todas as partes do mundo (ANTUNES, 2005,p.17) (grifos meus).
Vale ressaltar, porém, que a acumulação flexível não tomou o lugar do
Fordismo, como ressalta com muita propriedade Antunes (2006, p.19), observando que,
apesar da grande intensidade e do curso acentuado em que a flexibilização e a
desregulamentação dos direitos sociais, bem como a terceirização e as novas formas de
gestão de trabalho, se apresentam hoje, ainda existe uma coexistência com o Fordismo,
que parece preservado em vários ramos produtivos e de serviços.
Da mesma forma ressalta Cavalcanti (2008, p.83) que “o panorama atual das
sociedades industrializadas não demonstra o abandono total do modelo fordista de
produção, nem indica a desaparição do trabalhador típico”.
Meszáros (2006) observa que o sistema atual de “flexibilidade” e
“desregulamentação” faz com que se acentue a exclusão de mais e mais pessoas do
processo de trabalho e se prolongue do tempo de trabalho dos que estão trabalhando,
aumentando, assim, a exploração e a mais-valia. Um exemplo disto é um recente projeto
de lei japonês que propõe aumentar de 9 h para 10 h por dia a jornada de trabalho e de
48 h para 52 h a jornada semanal. Além disto, tem-se nesse projeto uma cláusula
“flexível” que obrigaria os empregados a trabalhar mais horas quando houvesse mais
atividades na empresa, desde que o total de horas trabalhadas em um ano não excedesse
o limite fixado.
Outro exemplo de flexibilização aplicada por um país através da mudança de leis
é o caso italiano - país mais flexível da Europa -, que institui, a partir da Lei nº30 de
14/02/2003, a negação dos direitos trabalhistas a partir da mudança do contrato de
trabalho, que agora pode ser determinado ou indeterminado. Com isto, começa a se
generalizar o trabalho por empreitada, que
[...] as empresas podem preparar um contrato de fornecimento de força de trabalho com agências especializadas que as atendem em tempo real e apenas nos períodos solicitados. Geralmente, trata-se de um contrato por tempo determinado que oferece um trabalho limitado no tempo, para qualificações às vezes muito elevadas, o que configura e institucionaliza uma forma de precarização da vida por meio da vigência do trabalho atípico (VASAPOLLO, 2006, p.50-51).
Com a instituição de leis desse calibre, tem-se no contexto atual a emergência de
um grande número de trabalhadores que têm um contrato de curta duração ou de meio
expediente. Esses novos trabalhadores podem ser alugados por algumas poucas horas ao
dia, por cinco dias da semana ou por poucas horas em dois ou três dias da semana
(VASAPOLLO, 2006).
No Brasil, a implantação desse sistema flexível e neoliberal contribuiu
fortemente para a maior crise de emprego da sua história, junto com as baixas taxas de
expansão da economia. Segundo Pochmann (2006), o avanço do desemprego em massa
no Brasil impressiona justamente após o processo de liberalização comercial e
flexibilização na década de 1990.
Em 1986, o Brasil ocupava a 13ª posição no ranking mundial do desemprego,
mas, com o início da década de 1990, o índice de desemprego nacional dispara e faz
uma curva contínua, fazendo este País chegar em 2002 à 4ª posição mundial, atrás
apenas da Índia, Indonésia e Rússia. Isto gerou um aumento no número de pessoas sem
emprego e procurando por um posto de trabalho sem paralelo com qualquer período de
tempo anterior. Para se ter uma ideia de números, no Censo de 1980 tinha-se a
contagem de dois milhões de desempregados. Já no Censo de 2000, essa cifra ultrapassa
os 11 milhões e 500 mil.
Observa-se claramente a erosão dos empregos nacionais durante a década de
1990 no Quadro 18, que mostra a criação de empregos formais no Brasil. Nesse Quadro,
nota-se a variação quase nula e às vezes negativa entre os empregos criados na década
de 1990. Entre 1985 e 1999, tem-se claramente uma geração de empregos inferior à
entrada de novos trabalhadores no mercado de trabalho. Só a partir de 2000 é que se vai
ter uma mudança de rumo, com a melhoria dos indicadores.
Quadro 18 - EMPREGOS FORMAIS NO BRASIL – 1985- 2008 Ano N.º Empregos Variação Absoluta Variação Relativa
(%) 1985 20.492.131 - - 1986 22.164.306 1.672.175 8,16 1987 22.617.787 453.481 2,05 1988 23.661.579 1.043.792 4,61 1989 24.486.568 824.989 3,49 1990 23.198.656 -1.287.912 -5,26 1991 23.010.793 -187.863 -0,81 1992 22.272.843 -737.950 -3,21 1993 23.165.027 892.184 4,01 1994 23.667.241 502.214 2,17 1995 23.755.736 88.495 0,37
1996 23.830.312 74.576 0,31 1997 24.104.428 274.116 1,15 1998 24.491.635 387.207 1,61 1999 24.993.265 501.630 2,05 2000 26.228.629 1.235.364 4,94 2001 27.189.614 960.985 3,66 2002 28.683.913 1.494.299 5,50 2003 29.544.927 861.014 3,00 2004 31.407.576 1.862.649 6,30 2005 33.238.617 1.831.041 5,83 2006 35.155.249 1.916.632 5,77 2007 37.607.430 2.452.181 6,98 2008 39.441.566 1.834.136 4,88 Fonte: Ministério do Trabalho e do Emprego (2010).
Outro dado interessante é que, durante os anos de 1940 a 1970, a cada dez postos
de trabalho criados, apenas dois não eram assalariados, sendo sete com registro formal.
Já durante a década de 1990, a cada dez empregos criados, somente dois eram
assalariados, porém sem registro formal. Isto demonstra que, além do desemprego em
massa, o Brasil abre o século XXI tendo a inserção de grandes contingentes no trabalho
precário.
Outro dado interessante é que, no período entre 1990 e 1998, os postos de
trabalho qualificados no Brasil foram reduzidos em 12,3%, enquanto as ocupações não
qualificadas cresceram 14,2%, o que mostra a reprodução da divisão internacional do
trabalho no Brasil entre ocupações mais qualificadas se concentrando nos Países
Desenvolvidos e as menos qualificadas nos Países Subdesenvolvidos (POCHMANN,
2001; POCHMANN, 2006).
Pochmann (2006), analisando as razões do desemprego nacional, observa que,
na década de 1990, com a liberalização comercial brasileira, teve-se uma reinserção
externa do Brasil, que resultou, em um primeiro momento, na ampliação das
importações, acompanhada de um forte endividamento e da internacionalização do
parque produtivo interno, fazendo assim com que a produção nacional caísse e os
empregos desaparecessem. Na mesma época, no mesmo contexto, ocorre o processo de
reestruturação das empresas com forte redução do emprego “...por meio da adoção de
programas de reengenharia, de reorganização do trabalho e da produção, terceirização e
subcontratação de mão-de-obra entre outros” (POCHMANN, 2006, p.70). Além disto,
têm-se programas de ajustes e antiemprego público, seguindo orientações do FMI e do
Banco Mundial para enxugar pessoal através de programas de demissão voluntária e
privatizações.
Nesse contexto, dá-se a implantação de novas leis que vão intensificar a
flexibilização do trabalho no Brasil, dentre as quais se destaca a Lei n. 9.601/98, que
instituiu o contrato por prazo determinado no Brasil. Essa lei é gerada “sob os auspícios
do neoliberalismo, a essência desse fenômeno definido como flexibilização está
centrada na eliminação, diminuição e substituição da norma protetora do trabalhador por
outra norma em favor do empresário” (CAVALCANTI, 2008,p.134).
Tratava-se de uma lei apresentada como forma de combate ao desemprego -
apresentação típica para esse tipo de lei. Mas o entendimento jurídico geral
predominante é que essa lei faz parte de um processo global de perda dos direitos
trabalhistas.
Inúmeros juristas brasileiros relatam, inclusive, que essa lei (9.601/98) vai ao
encontro de outras leis “flexíveis” implantadas pela Espanha e pela Argentina nos
últimos anos e que causaram miséria entre os trabalhadores e até redução do consumo
interno. Um exemplo claro disto é a Lei Espanhola flexível 14/94 de contratação por
prazo determinado:
A adoção dessa flexibilidade, em 1994, causou a rotatividade de 50% dos trabalhadores espanhóis. Os contratos temporários eram de apenas quatro meses e geraram miséria maior. Caiu o índice de consumo interno (acabaram-se as compras a prestação), aniquilou-se o aperfeiçoamento profissional, pois empresas deixaram de investir em sua mão-de-obra (VIEIRA, 2005,p.65-66).
A lei brasileira de prazo determinado estabelece o prazo máximo do contrato
determinado de dois anos e reduz de forma intensa os custos para o empregador, já que
este só contribui com 50% para o salário educação, acidentes de trabalho e o sistema S
(SENAC, SESI, SENAI), e tem a redução do depósito do FGTS de 8% para 2%,
prejudicando de forma definitiva os trabalhadores (VIEIRA, 2005).
Além disto, nesse mesmo contexto é criado pelo governo, para flexibilizar a
jornada de trabalho, o chamado “banco de horas”, que agride uma conquista histórica da
Classe Trabalhadora: as 8 horas de trabalho por dia.
A regulamentação do banco de horas favorece muitas vezes uma jornada
suplementar além do padrão, mesmo que compensatória, pode afetar a saúde, a higiene
e a segurança laboral, atingindo de forma drástica a vida do trabalhador, que agora passa
a viver em função das necessidades da empresa, não tendo horário certo para deixar o
trabalho, nem dia certo de folga (CAVALCANTI, 2008).
Com o banco de horas, tem-se até 120 dias para compensar o horário
extraordinário, e o trabalhador não recebe mais a hora extra, ficando essa hora a ser
descontada em até 120 dias como folga, a critério da empresa. Claramente o banco de
horas se configura em um instrumento flexibilizador que traz todos os benefícios para o
patrão e nenhum para os empregados (VIEIRA, 2005).
Nos últimos anos (2004 em diante), tem-se uma política pública que busca
fomentar o emprego e o crescimento econômico, mas que, embora tenha tido um
relativo sucesso com o crescimento dos empregos formais, vem se revelando uma
política contraditória, já que, ao mesmo tempo em que fomenta o crescimento e geração
de empregos, reitera os instrumentos de política econômica que freiam sistematicamente
o processo (BASALDI, 2008a).
3.2.3 Relações de Trabalho no Campo Durante o Processo de Globalização da Agricultura
O campo tem uma gigantesca diversidade de relações de trabalho. São relações
que envolvem direta ou indiretamente a posse da terra e que se traduzem muitas vezes
em relações de trabalho de características não-capitalistas e capitalistas, relações
antiquíssimas que lembram o mundo feudal até relações de trabalho modernas do
Sistema Capitalista Contemporâneo.
Entre essas relações pode-se citar a parceria - regime que proporciona renda da
terra para o proprietário, renda em produto colhido (50% geralmente) , em troca do uso
e trabalho na terra do parceiro sem terra, sem direitos e com todos os riscos -; e o
arrendamento, ou aluguel da terra em troca de um valor em dinheiro fixo - todos os
riscos vão para o agricultor que aluga a terra e que no fim de determinado período tem
que pagar uma quantia, não importando se teve sucesso ou não na sua atividade
agropecuária, além de muitas outras formas que lembram relações feudais e pré-
capitalistas ainda presentes no campo no Mundo e no Brasil. Mas, apesar dessas
relações, se observa nos últimos anos, uma intensificação das relações capitalistas de
assalariamento no campo, tanto no mundo como no Brasil.
No trabalho em questão, vai-se procurar deter-se mais nas relações assalariadas
de trabalho no campo, pois são essas relações que vão predominar nas propriedades que
serão analisadas na pesquisa de campo - as propriedades voltadas para a exportação de
frutas no Vale do Açu (Ipanguaçu) e na Chapada do Apodi (Baraúna).
Abaixo observar-se-á uma breve abordagem sobre as relações de trabalho no
campo em nível mundial. Após isto, analisar-se-á a trajetória das relações de trabalho no
campo no Brasil, buscando-se dar foco ao Processo de Globalização nos últimos
tempos.
a) Relações de Trabalho no Campo: Mundo As relações de trabalho na Agricultura têm relação direta com a posse da terra,
definindo através desta o lugar que se ocupa no universo do trabalho: se é um lugar de
dominante ou dominado.
Nos dias atuais, com a acumulação flexível, observa-se que
[...] em praticamente todos os setores agropecuários está ocorrendo a racionalização dos processos produtivos, de organização social e técnica do trabalho, de modo a acelerar a produtividade e ampliar as condições de produção de excedente, lucro ou mais-valia” (IANNI, 2004, p.38).
A pequena agricultura, em muitos casos, fornece para as grandes empresas
agrícolas, como um agente terceirizado, porque o grande capital observa que é mais
vantajoso, no caso de certas culturas, contratar fornecimentos com pequenos
agricultores que investir diretamente na produção. Assim, “sob vários aspectos, a
pequena produção pode ser vista como um caso sui generis de subcontratação,
terceirização ou flexibilização” (IANNI, 2004, p.40) (grifos meus).
Cavalcanti (1999) observa que, no caso da agricultura para a exportação,
dominada por grandes grupos multinacionais, os efeitos chegam a ser mais daninhos
para os trabalhadores, já que se emprega alta tecnologia para aumentar a produtividade,
mecanizando e informatizando boa parte do processo produtivo, debilitando, assim, a
geração de empregos e requerendo uma mão-de-obra com maior nível de qualificação.
Muitas vezes se utilizam, dependendo do ramo produtivo, trabalhadores
temporários e flexíveis, precarizando ainda mais o mercado de trabalho. No fim,
observa-se, também, no trabalho agrícola a criação de uma polaridade de duas classes
de empregados: uma de trabalhadores estáveis, com direitos trabalhistas, capacitados e
vinculados aos estratos técnicos ou administrativos; e outra de trabalhadores
temporários, de baixa qualificação, flexíveis, terceirizados, que são a grande maioria nas
unidades produtivas do campo.
Outro fator vem a concentrar a agricultura para a exportação nas mãos de
grandes grupos multinacionais, como é o caso dos certificados de qualidade
internacional, ISO, que são exigidos pelo comércio exterior. Esses certificados excluem
os produtores mais fracos e os pequenos produtores rurais que não têm tecnologia,
levando muitos a serem incorporados aos grandes grupos, à falência ou à proletarização
(CAVALCANTI, 1999).
Mesmo com todos os avanços do Mundo Moderno, o campo hoje, em se
tratando de relações de trabalho, muitas vezes ainda apresenta muitos traços que
lembram o mundo feudal ou o escravista. De acordo com recente relatório da OIT,
apresentado em 2008, durante sua 97ª Conferência Internacional, três quartos dos
pobres do Mundo vivem nas zonas rurais e nelas acontecem as piores violações aos
direitos fundamentais do trabalho. Entre estas podem-se citar: os atos de violência
praticados contra aqueles que organizam e representam os pobres de zonas rurais; os
altos níveis de trabalho infantil na agricultura (que, segundo as estimativas, representam
70 por cento do total de trabalho infantil no Mundo); a perpetuação das práticas de
trabalho forçado ou escravo de uma geração para a outra; bem como desigualdade de
tratamento perante a lei; e o baixo índice de sindicalização - menos de 10% dos
trabalhadores assalariados agrícolas de todo o mundo estão filiados a sindicatos ou a
organizações de trabalhadores rurais (ABRAMO; BOLZÓN, RAMOS, 2008).
Relações de Trabalho e Multinacionais de Frutas As relações de trabalho no ramo frutícola, desde o início da exploração para o
mercado internacional na América Central, ainda no século XIX, envolveram grande
exploração dos trabalhadores, com a participação até das forças armadas e de Lei
Marcial. Tudo para garantir a mão-de-obra barata para manter os baixos preços das
frutas, principalmente das bananas, primeira fruta inserida no comércio global, já no
século XIX (KOEPPEL, 2008; WILEY, 2008).
Na Bananicultura, a difusão do Fordismo se refletiu com vários benefícios para
os trabalhadores (depois de muitas greves e massacres, vale observar) como: casas,
alojamentos com infra-estrutura, assistência à saúde, educação para suas crianças e
formação de sindicatos que negociavam junto com as empresas acordos e aumento de
salários. O Estado forte também ajudava, regulando e impondo regras para as
Multinacionais do Setor (HARARI, 2005).
Koeppel (2008) observa que, na Multinacional United Fruit, tinha-se a fundação
de minicolônias na mata para o desenvolvimento da plantação de banana nas décadas de
1930 e 1940, com a construção de casas, escolas e hospitais para os empregados, e
campos de golfe, igrejas e restaurantes e até bordel para os executivos em alguns países
da América Central.
Nos dias atuais, no Setor de Frutas e principalmente na Bananicultura da
América Latina - maior exportador mundial de banana, com mais de 2/3 das
exportações mundiais (HELLIN E HIGMAN, 2008) -, os efeitos da Flexibilização
foram extremamente danosos para os trabalhadores e principalmente para a sua
organização sindical.
Segundo Harari (2005), a exploração dos trabalhadores desse Setor na América
Latina agravou-se com a flexibilização. Ele cita os principais problemas enfrentados
hoje pelo trabalhador:
- declínio dos serviços públicos, com o Estado mais fraco;
- insuficiência de salários para a manutenção da família e aumento das horas
trabalhadas, às vezes com inúmeras horas extras sem remuneração;
- problemas com a instabilidade no emprego, devido à fraqueza dos Sindicatos e
à Política Trabalhista, o que causa uma insegurança nas famílias;
- ativa política antissindical, adotada pelas principais Multinacionais do Setor,
principalmente a Dole e a Del Monte Fresh Produce, com perseguições e até mortes dos
entes sindicais, através de ataques com matadores de aluguel, na América Central e no
Equador, principalmente;
- limitada ou até anulada a conversação coletiva entre patrões e empregados;
- diminuição da adoção de bônus (salário indireto), vinculando, inclusive, essa
prática à alta produtividade, o que leva muitos a adoecer;
- perda das condições mínimas de saúde e segurança no trabalho. Isto acontece
não só pela precarização dos alojamentos (sem sanitários, água de beber e chuveiros nas
fazendas) ou até pela falta destes, mas também pela ausência de treinamento;
- falta de consideração pelas condições de vida dos empregados e de suas
famílias, com o corte dos Programas de Habitação, Saúde e de Educação para seus
filhos.
Esses problemas acontecem principalmente nos principais Países Exportadores,
quais sejam: Costa Rica, Nicarágua, Honduras, Guatemala e Equador, onde estão
localizadas as maiores Multinacionais de Bananicultura do Mundo. Vale salientar que,
no Panamá e na Colômbia, a realidade é um pouco mais favorável para os trabalhadores
desse Setor, uma vez que alguns benefícios ainda são mantidos pelas Empresas e
também pelo Governo (Ver Quadro 19).
No Quadro 19, reproduzem-se, em boa parte, os problemas que envolvem os
trabalhadores de Bananicultura, no momento atual. Observa-se claramente a presença,
em todos os principais exportadores de banana da América Latina (Nicarágua,
Honduras, Costa Rica, Guatemala, Panamá, Colômbia e Equador), das grandes
Multinacionais que controlam o Setor em âmbito mundial.
Também se nota no mesmo Quadro a situação dos Sindicatos, que, nos últimos
anos, apresentaram uma queda no seu número e também no número de trabalhadores a
eles filiados. Isto se deve principalmente à política agressiva antissindicatos de muitas
empresas multinacionais, que pretendem com isto desmobilizar os trabalhadores e
retirar os programas nas áreas de Educação, Saúde e Habitação, para maximizar os
lucros, agravando as condições de trabalho com a falta de Acordos Coletivos para
reivindicar melhores salários e condições mínimas de higiene e alimentação.
Essa situação de perda de direitos e programas sociais para os trabalhadores da
Bananicultura só piora, como se observa no Quadro 19. Nos últimos anos, é frequente a
redução de programas nas referidas áreas, deixando para os trabalhadores esse encargo.
Além dessas reduções, observa-se também a das condições de trabalho, com a
diminuição do número de alojamentos, banheiros, acesso a água de beber, serviço
médico da Companhia etc.
Quadro 19 - PRODUÇÃO E CONDIÇÕES DE VIDA/SINDICALIZAÇÃO NOS PAÍSES PRODUTORES DE BANANA País Produção
Anual em ha
Países de Destino
Exporta-doras
Número de Empre-gados
Sindicatos 1990/2005
Evolução das Condições de Vida e Trabalho
Nicarágua 1.000 a 1.500 ha
EUA Chiquita 4.000 15 em 1990, 4 em 2005
Redução do Programa dos Alojamentos; educação provida pela Empresa é retirada; presença de trabalho infantil.
Honduras Antes do Furacão Mitch, 7.600 ha,
EUA e Europa
Chiquita, Dole, Associação Nacional
14.703 Destes, menos da metade
8 em 1990, 7 em 2005
Desemprego acima dos 50%; existem Programas de Alojamentos; educação; Existem Férias,
depois, 3.000 ha
dos Bananeiros Independentes
sindicalizados
Maternidade, Saúde e Segurança.
Costa Rica Aproximadamente 42.000 ha.
EUA e Europa
Dole, Chiquita, Del Monte, Corbana (nacional)
42.000 Destes, 10% sindicalizados
5 em 2005. Menos Sindicatos, mais membros.
Programas de Alojamentos descontinuados. Existe ainda o Programa “Venda de Casa para os empregados”; educação não é dada pelas companhias; não existe Acordo Coletivo.
Guatemala Não informado
EUA e Europa
Chiquita, Dole, Del Monte
2700 sindicalizados (Del Monte) e 800 não sindicalizados
12 em 1990, em 2005 apenas 6.
Redução dos alojamentos, água e banheiros escassos; Não fornece comida, só o tempo para comê-la; forte repressão aos Sindicatos; não há Escolas; Serviço Médico é descontado em 2% nos salários.
Panamá Não informado
EUA e Europa
Chiquita e Del Monte.
2000, com 800 sindicalizados
Em 1990, eram 10, agora são 3.
Através do Acordo Coletivo, são construídas 100 casas por ano para os trabalhadores; Seguro Social para a família e empregado. O Estado também contribui.
Colômbia 35.000 ha.
EUA e Europa
Del Monte e Banacol (nacional)
20.000 sindicalizados
Número tem caído
Fundo para a compra de casas; programas de Educação; acordos com Universidades.
Equador 200.000 ha.
EUA, Europae Japão
Noboa, Chiquita, Dole, Reybancap, Del Monte.
Entre 250.000 e 300.000
2 Sindicatos e 7 associações de empregados
Séria deterioração das condições de vida, trabalho, educação e saúde pelo não compromisso das Companhias; Trabalho Infantil.
Fonte: Entrevista com os Líderes Sindicais da América Central. Adaptado de Raúl Harari. (2005).
Com todas essas restrições impostas aos trabalhadores, há uma significativa
deterioração das condições de vida daqueles que trabalham no ramo de Bananicultura,
gerando, com isso, problemas de saúde para eles.
Segundo Harari (2005), os problemas de saúde são agravados tanto pela falta de
serviços médicos nos locais de trabalho quanto pela de condições mínimas de higiene.
Há também os problemas de saúde relacionados aos inseticidas utilizados pelas
empresas para combater as pragas. Muitos trabalhadores apresentam constantemente
incômodos como dor de cabeça e doenças de pele, por causa da exposição aos
inseticidas, seja pela aplicação manual, sem os equipamentos de proteção necessários,
seja pela aplicação aérea, que não os respeita nem a suas famílias que vivem no entorno
dessas grandes plantações.
A Dole, maior Companhia de Bananicultura do Mundo, foi uma das
Multinacionais que utilizou pesticidas tóxicos que causaram e causam até hoje danos a
centenas de empregados e suas famílias na América Central. Essa Companhia utilizou
um pesticida conhecido como DBPC, que destrói um parasita da banana que se aloja nas
suas raízes. A sua aplicação pode se dar via irrigação, via injeção, ou, de forma manual,
através do pesticida granulado. Isso fez com que milhares de trabalhadores entrassem
em contato com a droga.
Ainda na década de 1970, esse pesticida foi banido dos Estados Unidos por ficar
comprovado que causava, dentre outros males, a esterilização dos trabalhadores. Mas a
Companhia utilizou-o ainda por toda a década de 1980 nas suas plantações, causando
sérios danos à saúde dos empregados e de suas famílias, dentre os quais, podem-se
enumerar principalmente a esterilização, o desenvolvimento de câncer e doenças na
pele. Só na Nicarágua, 22.000 trabalhadores estão com ações na Justiça contra a Dole e
as Empresas Químicas responsáveis (DOLE, BEHIND THE SMOKE SCRENN, 2008).
Além dos problemas relacionados à saúde de muitos empregados da
Bananicultura, constata-se, em muitas plantações dessa fruta, a ocorrência do trabalho
infantil, mais documentado na Nicarágua e no Equador. Sobre tal situação, neste último
país citado, uma das mais importantes Organizações Não-Governamentais dos Direitos
Humanos - a “Human Rights Watch” - publicou um livro documentando os abusos do
trabalho infantil nas plantações de bananas.
Segundo a Human Rights Watch (2002), tem-se uma situação gritante no
Equador, que é o maior exportador mundial de banana e que tem uma particularidade no
Setor: mais de 90% da produção ficam a cargo de contratos terceirizados e não das
Multinacionais. Isso se deve à repartição das terras do Equador na segunda metade do
século XX, através de uma Reforma Agrária. Mas, mesmo assim, a maioria dos
produtores dessa cultura mantém-se atrelada a contratos de fornecimento de bananas
para as grandes Multinacionais do Setor, que se encontram lá para comprar a produção,
transportar e revender nos mercados americanos e europeus.
Através de pesquisa de campo, com a aplicação de entrevistas a dezenas de
crianças e adolescentes, a referida Organização Não-Governamental chegou a uma
radiografia do trabalho infantil naquele país, qual seja: esta é uma realidade que, ali,
atinge crianças desde os oito anos de idade, concentrando-se entre as de nove e treze
anos. Vale lembrar que, segundo a Organização Mundial do Trabalho, a idade mínima
para se começar a trabalhar é quatorze anos.
A situação no Equador nesse particular revela, inclusive, jornadas de trabalho de
nove a até treze horas por dia.
Logo abaixo, vão citados os mais flagrantes desrespeitos pelas leis internacionais
de proteção à criança que ocorrem nas plantações do Equador (plantações monitoradas
pelas grandes Multinacionais de Bananicultura, com as quais mantêm-se contratos. Tais
Empresas, ressalte-se, aprovam os procedimentos de trabalho e uso de pesticidas)
(HUMAN RIGHTS WATCH, 2002):
- Contato com pesticidas, que causam reações na pele e nos olhos das crianças.
Vale lembrar que esses produtos são aprovados pelas Multinacionais Exportadoras;
- Contato com inseticidas que causam: desordem no sistema nervoso, no sistema
neurológico, vômitos, diarreia, dor de cabeça, dificuldade de concentração e,
dependendo do nível de contaminação, risco de coma e morte. Foi relatado que muitas
crianças não usavam o equipamento de proteção;
- Aplicação de pesticidas nas plantas, com efeitos similares aos contatos com
inseticidas;
- Realização de trabalho durante a pulverização de pesticidas por avião. Apesar
de ser expressamente proibida a permanência de trabalhadores durante a pulverização
(dependendo do pesticida, essa proibição é de até 24 horas após a aplicação), muitas
crianças continuam trabalhando durante esse processo, o que as leva a sentir de imediato
dor de cabeça, formigamento na pele, tontura etc. Muitas delas, inclusive, ficam, como
foi constatado, sem máscaras de proteção;
- Trabalho com ferramentas perigosas, como machados e facas, levando muitas
crianças a se acidentar com frequência;
- Transporte de peso incompatível com o porte físico infantil, o que ocasiona
dores na região lombar, entre outros problemas;
- Falta de água potável e sanitários, obrigando as crianças a fazerem suas
necessidades em valas e rios e a beberem água de rios ou pagar a empresa por esta.
-Assédio Sexual às meninas da parte dos chefes imediatos, conforme relatado
pelas próprias.
Baseando-se nesses fatos, observa-se que as relações de trabalho no âmbito das
empresas multinacionais de frutas são particularmente complicadas, com muitas
irregularidades, apesar de algumas conquistas e benefícios em alguns países produtores
que têm um nível de sindicalização mais elevado.
b) Relações de Trabalho no Campo: Brasil As relações de trabalho no campo brasileiro sempre estiveram associadas,
através do tempo, ao regime brutal de concentração de terras existente, formando,
assim, amplos contingentes populacionais sem acesso a terra que tinham que se
subordinar, em um primeiro momento, ao senhor e dono, já que boa parte desse
contingente era escrava, e, em um segundo momento, mesmo com a abolição da
escravatura, as coisas só mudaram no nome: em vez de escravo, passou a morador, mas
sem acesso a terra . Até hoje no Brasil, o acesso a terra é determinante para a qualidade
das relações de trabalho que se tem no campo, para a maioria da sua população.
Abaixo, serão observadas, a partir de um breve histórico, as relações de trabalho
no campo nas últimas décadas.
Sobre o contexto do trabalhador nordestino do campo, Castro (1967, p.176),
relatando sobre a década de 1960, ressalta o caráter pouco monetário das relações de
trabalho:
A economia do Nordeste é agrária no que ela tem de fundamental, e as trocas monetárias processam-se ainda em escala reduzida. Mesmo nas grandes propriedades pouco penetrou o salariado. Se este é encontrado com freqüência nas zonas açucareiras de Pernambuco e Alagoas, está quase ausente das outras lavouras da região. Os assalariados não atingem um milhão sequer numa população de 20 milhões e nem todos percebem salário a seco, remuneração por excelência do regime capitalista (sic).
O mesmo autor ressalta também, através de uma reportagem publicada pela
Revista “Cruzeiro”, em 1961, que, além de terem um caráter pouco monetário, as
relações de trabalho no campo nordestino na década de 1960 chegavam às vias da
superexploração - uma escravidão disfarçada, através do regime do foro e do cambão:
Na verdade, o camponês vive submetido ao regime do cambão e do foro, palavras que constituem as correntes de uma escravidão branca. Para ter direito de usar a terra, o camponês é obrigado a pagar ao proprietário uma taxa anual (foro), que vai de Cr$ ... 10.000 a Cr$ 40.000. O foro é seguido do cambão, ou sejam, 99 dias de trabalho por ano, sendo 90 ao preço diário (em vários casos que examinamos) de Cr$ 4 a Cr$ 5, e os 9 dias restantes sem pagamento algum. Durante o trabalho do cambão, o camponês não recebe qualquer comida: é o que eles chamam de cambão a seca, sem mesmo um
copo com água. No caso de o camponês não poder — por doença ou qualquer motivo — dar os dias de cambão, é obrigado a pagar o dia ao preço do momento. Por um trabalho que recebe em pagamento Cr$ 5, quando trabalha, é obrigado a pagar de Cr$ 80 a Cr$ 100. É comum ainda os patrões exigirem, além do foro e do cambão, que o camponês se encarregue das contas da terra, ou seja, a lavra de trechos. Se o camponês, como no caso do cambão, não pode trabalhar na conta, tem de pagar a trabalhadores para que o façam naquele sistema de preço. Encontramos ainda agravantes odiosos. Como este: além de tais condições, o foreiro, só pode vender o produto de suas roças a dono da terra. Pelo preço que convenha a este e nem sempre a dinheiro vivo: em troca de fornecimentos ou de cachaça (CASTRO, 1967, p.197).
Esse tipo de relações de trabalho desiguais no campo era comum também pelo
fato de a Legislação Social e Trabalhista não chegar ao campo. A Legislação
Trabalhista e Sindical, aplicada nas décadas de 1930 e 1940 por Getúlio Vargas -
sobretudo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1942 -, foi fixada para os
trabalhadores das cidades, excluindo por completo os do campo de qualquer lei
trabalhista. Isto acontecia pelo enorme poder das burguesias agrárias (ANTUNES,
2006).
Krein e Stravinski (2008,p.359) observam que
[...] apesar de 68% da PEA estar na agricultura, a regulação do trabalho construída nos anos 30 e 40 (CLT, 1943) destinava-se basicamente aos trabalhadores urbanos, com a finalidade de estabelecer parâmetros para o projeto de industrialização que estava sendo desenvolvido. A legislação de proteção no trabalho rural ficou em segundo plano, sendo que a equivalência de direitos só irá efetuar-se na Constituição Federal de 1988.
Mas, a partir de meados da década de 1950, já se visualizavam algumas
mudanças no campo que começariam a alterar as práticas centenárias de exploração do
trabalhador. Uma das mudanças era a possibilidade de emigrar (fugir) para as
metrópoles que se industrializavam no Sudeste, buscando escapar da submissão
tradicional através da morada. Outra mudança foi o surgimento dos movimentos dos
trabalhadores rurais no campo com as Ligas Camponesas, em que se buscava sacralizar
o direito dos trabalhadores no campo. Destacou-se nessa época o advogado Francisco
Julião, que usava o Código Civil de 1916 para defender os trabalhadores rurais vítimas
do cambão (serviços gratuitos) (GARCIA, 2003).
A chegada efetiva dos direitos trabalhistas ao homem do campo só ocorreu 100
anos após a abolição da escravatura - com a Constituição de 1988 -, como ressaltam
Buainain e Dedecca (2008, p.54):
Os trabalhadores rurais ficaram completamente à margem dos mecanismos de proteção trabalhista, e apenas no final da década de 50 e início dos anos 60, com o Estatuto do Trabalhador Rural, os direitos já reconhecidos na cidade começaram a ser estendidos timidamente ao homem do campo. E a plena equiparação de direitos só foi estabelecida pela Constituição de 1988.
Por causa desse histórico de atraso da legislação trabalhista no campo e com a
chegada nos últimos anos do processo de flexibilização a essa dimensão espacial, junto
com o Agronegócio Mecanizado voltado para o comércio global, tem-se uma situação
de um
[...] mosaico de relações sociais no meio rural brasileiro [que] revela a convivência do moderno com o arcaico, a coexistência de relações de trabalho extintas nos países desenvolvidos ainda no século XIX ou no início do século XX, com relações que correspondem às exigências da sociedade contemporânea (BUAINAIN; DEDECCA, 2008, p.54) (grifos meus).
Esse mosaico ganha dimensão quando se observam os dados da Pesquisa
Nacional de Amostra por Domicilio (PNAD) de 2006, que revelam a presença limitada
das relações de trabalho assalariado convivendo com uma diversidade de outras formas
de relações de trabalho. Buainain e Dedecca (2008) observam, a partir de dados do
PNAD-2006, que a taxa de assalariamento da Agricultura Brasileira era de 29%,
sinalizando a extensão limitada dessa forma de relação de trabalho. Vale lembrar que,
desses assalariados, metade não possui vínculo permanente de trabalho e a maioria não
possui registro formal de trabalho, apesar da tendência de formalização das relações de
trabalho que já vem sendo observada desde a década de 1990 (GROSSI, 2008).
Esses números ficam ainda piores dependendo da atividade econômica e da
região em questão, podendo variar de 5% de taxa de assalariamento, na criação de aves,
até 45% de taxa de assalariamento, da criação de bovinos. As Regiões Nordeste e Sul
são as que têm as menores taxas de assalariamento, por causa da grande incidência do
trabalho familiar, informal ou precário (BUAINAIN; DEDECCA, 2008).
Basaldi (2008a) traz novos números sobre a ocupação na Agricultura Brasileira,
ressaltando o ranking que contém em 1º lugar os empregados (28,7%) (número similar
ao PNAD 2006), conta própria (25,7%), não-remunerados (23,3%) e os trabalhadores
para a produção para o próprio consumo (19,3%). Vale lembrar que a parcela que é
formada por trabalhadores por conta própria e não remunerados representa a agricultura
de base familiar, ainda forte principalmente no Sul e no Nordeste do País. Já o Sudeste e
o Sul têm uma base boa de empregados assalariados que estão diminuindo em número
nos últimos anos, assim como todo o trabalho na agricultura nessas duas regiões, pelo
avanço da mecanização.
Neder (2008, p. 161) faz uma ressalva importante sobre os dados acima:
A elevada composição de contas próprias, trabalhadores não remunerados e trabalhadores ocupados na produção de autoconsumo dentro do conjunto da força de trabalho ocupada em atividades agropecuárias reflete a inexatidão desta estimativa, dado que considerável nível de desemprego disfarçado e oculto pode aí estar presente (grifos meus).
O Censo Agropecuário 2006 também traz alguns dados que mostram a queda da
ocupação nos estabelecimentos agrícolas, que, no último decênio, foi de -7,2%. Tem-se
agora o número de 16 567 544 pessoas ocupadas em estabelecimentos agrícolas. Desse
percentual, 77% representavam o grupo de trabalhadores com laços de parentesco,
sendo que a quase totalidade dos pequenos estabelecimentos30 contava exclusivamente
com mão de obra familiar; entre os grandes estabelecimentos, este percentual era de
apenas 36,4%, confirmando que as relações de assalariamento são mais importantes nos
estabelecimentos maiores. Vale lembrar que a maioria das ocupações agrícolas se
concentra na Região Nordeste do País, com a impressionante marca de 7 698 631 de
pessoas ocupadas - quase 50% de todas as ocupações agrícolas do Brasil (CENSO
AGROPECUÁRIO 2006, IBGE, 2009).
Cumpre ressaltar que, apesar da diminuição nas ocupações agrícolas, vários
estudos, dentre eles pode-se citar o de Campolina e Silveira (2008), mostram uma
estabilização do processo migratório campo-cidade, devido ao crescimento das
atividades não-agrícolas ligadas ao Agronegócio e aos mais variados serviços, como
turismo, condomínios rurais, serviços domésticos, etc., que vão absorver parte dos
desocupados agrícolas ou vão reforçar a renda agrícola, fora a participação cada vez
maior das aposentadorias e pensões e até das transferências do bolsa-alimentação na
composição da renda domiciliar rural.
A chegada da Flexibilização no campo brasileiro nas últimas décadas trouxe sua
parcela de culpa para a continuação da precarização do trabalho no campo e para o
30
“Apesar de utilizarem individualmente poucos trabalhadores, os pequenos estabelecimentos de área inferior a 200 ha são muito mais intensivos em mão de obra que os outros grupos de tamanho. Isto se verifica pela relação entre o número de trabalhadores por unidade de área. Os pequenos estabelecimentos utilizam 12,6 vezes mais trabalhadores por hectare que os médios (área entre 200 e inferior a 2 000 ha) e 45,6 vezes mais que os grandes estabelecimentos (área superior a 2 000 ha). Assim, se por um lado os pequenos estabelecimentos detinham apenas 30,31% das terras, responderam por 84,36% das pessoas ocupadas em 31.12.2006” (CENSO AGROPECUÁRIO 2006, IBGE, 2009, p.129).
aumento dos índices de desemprego. Principalmente no Sudeste (São Paulo em
destaque) e no Centro-Oeste, tem-se uma reestruturação produtiva com investimentos
baseados em irrigação, mecanização das colheitas e cultivos adensados com alta
tecnologia e que geram mais desemprego (BASALDI, 2008a).
O resultado no estado de São Paulo foi a multiplicação da produção agrícola nos
últimos anos, junto com a multiplicação dos índices de desemprego, que subiu de 1,5%,
em 1989, para 10,3%, em 2005 (POCHMANN, 2008).
Enquanto o rendimento das principais culturas comerciais evolui, os salários e as
relações de trabalho nessas mesmas culturas involuem. Um exemplo desse quadro é
mostrado por Pochmann (2008), quando se refere ao setor sucroalcooleiro paulista. O
referido autor mostra que há duas classes de trabalhadores: a primeira, de técnicos com
maior escolaridade e treinamento e que têm contrato de trabalho formal; a segunda, com
trabalhadores descartáveis, com pouca escolaridade e que trabalham em regime de
contratação temporária.
Para os trabalhadores de segunda classe, tem-se uma alta rotatividade nas
ocupações, o que gera insegurança ocupacional e achatamento de salários, além da
pressão por produtividade, que leva a uma ampliação da jornada de trabalho para acima
do tempo oficial de 44h semanais, chegando, em muitos casos, a mais de 49 h semanais.
É importante observar que essa divisão em duas classes de trabalhadores entre
os especializados com estabilidade, de um lado, e os trabalhadores agrícolas
temporários com baixa instrução, de outro, é frequente em inúmeros ramos produtivos
voltados para o mercado global, como o ramo frutícola, pesquisado intensivamente por
Elias (2006).
Vale salientar ainda que muitas usinas de cana de São Paulo, seguindo os
ditames da flexibilização, passaram a terceirizar a mão-de-obra ocupada nas lavouras de
cana, o que agravou as já precárias condições dos trabalhadores rurais, os quais
perderam as mínimas garantias trabalhistas (RAMOS, 2008).
Sobre as condições de trabalho na agricultura, Basaldi (2008, p.123) pesquisou
de forma intensa, elaborando um índice para medir a qualidade do emprego no mercado
de trabalho assalariado da Agricultura Brasileira. Para esse índice, chamado de “Índice
de Qualidade do Emprego” (IQE), foi considerada uma série de elementos, a saber: o
nível educacional dos empregados, o grau de formalidade do emprego, o rendimento
recebido no trabalho e os auxílios recebidos (alimentação, moradia, transporte, saúde e
educação). Por fim, o referido autor concluiu (depois de se analisar os empregados
rurais e urbanos, permanentes e temporários, e de vários setores produtivos que
trabalham na agricultura entre 1992 e 2004) que:
[...] os empregados permanentes urbanos, que possuem as melhores condições de emprego, foram também os que apresentaram o maior progresso no período, enquanto os empregados temporários rurais, que possuem as condições mais desfavoráveis, foram os que tiveram o menor progresso (BASALDI, 2008, p.123).
O mesmo autor observa ainda que a melhor situação no ranking do IQE é dos
empregados permanentes urbanos que trabalham com a soja da Região Centro-Oeste, e
a pior posição é dos empregados temporários rurais que trabalham com a mandioca da
Região Nordeste. Vale salientar que, em 2004, os empregados temporários recebiam,
em média, 68,1% do que recebiam os empregados permanentes e recebiam menos
auxílios, com um nível de formalização extremamente baixo, com pouco acesso a
carteira assinada e previdência (BASALDI, 2008).
Ramos (2008) mostra alguns dados relativos à geração de empregos por área
colhida (ha) em 2005. Esses dados, quando comparados com o Censo de 1995/6,
demonstram o resultado do processo de reestruturação produtiva com intensa
mecanização e alta tecnologia, que está sendo aplicado principalmente nas culturas
comerciais voltadas para o mercado global. Um exemplo claro é a cana de açúcar, que,
em 1995, gerava 14,78 empregos a cada 100 ha e que, em 2005, passou a gerar 8,83 -
uma redução bastante significativa oriunda do processo de reestruturação produtiva com
o uso de máquinas.
Uma máquina de corte de cana colhe de 800 a 1000 toneladas por dia,
substituindo, portanto, o trabalho de cem homens (cada um cortando entre 8 e 12 t/dia).
Em um futuro próximo, essas máquinas substituirão cerca de 420 mil empregos só na
lavoura de cana (RAMOS, 2008). Belik et al (2003) analisam o impacto das
colheitadeiras31 sobre o nível de demanda de mão-de-obra agrícola. No algodão, uma
colheitadeira equivale a 80 ou 150 pessoas, no café, até 160 pessoas, no feijão, a 100 ou
120 pessoas. Por causa do intensivo processo de mecanização, é que a soja, cultura que
ocupa mais de 28% da área agrícola do País, é responsável apenas por 5,8% da geração
de mão-de-obra (7o. lugar), ficando atrás de culturas como o arroz (6º), mandioca (4º),
feijão (3º) e milho (1º).
31 É bom observar que os vários programas de modernização agrícola no campo, através da compra de modernas colheitadeiras e implementos agrícolas, são subsidiados pelo Governo Federal, através do BNDES e ironicamente através de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) (BELIK et al, 2003).
Sobre a soja, Belik et al (2003, p.171) destacam que
[...] os estados do Maranhão e Piauí, onde ocorreu forte expansão da área cultivada com soja e, em menor grau, com algodão, especialmente nas regiões de cerrado, apresentaram redução da demanda de mão-de-obra agrícola no período considerado. Isso deve-se ao fato de que essa expansão, feita com base em atividades capital-intensivas, não compensou a desestruturação da produção de outras culturas conduzidas em padrão de subsistência por grande número de agricultores familiares, tendo como resultado líquido uma redução do contingente de trabalhadores na agricultura desses Estados.
Esse processo de flexibilização se junta à herança das péssimas relações
trabalhistas no campo nordestino, resultando em uma situação mais intensiva de
precarização e desemprego. Um exemplo desse fato se dá no Setor Sucroalcooleiro
nordestino, principalmente na zona da mata de Pernambuco e de Alagoas, onde se
observa: a existência de “trabalhadores temporários-permanentes” - os trabalhadores
volantes contratados sempre pelas mesmas empresas em época de safra, sem direito ao
seguro-desemprego e a muitos direitos trabalhistas; menos de 30% dos trabalhadores
engajados no setor têm contrato permanente de trabalho; lógica produtivista, que faz
com que a maioria das empresas não contrate trabalhadores que não aceitem cortar
diariamente acima de 6 toneladas de cana; alto descumprimento das convenções
coletivas de trabalho pelas empresas, sobretudo na medição das tarefas, no transporte e
no fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs); e destruição
sistemática dos sítios de subsistência no entorno das usinas (mais de 40.000), com a
expulsão dos trabalhadores/moradores.
Esses fatos fazem com que os municípios das mesorregiões canavieiras de
Pernambuco e Alagoas forneçam sete dos dez piores IDH dos municípios brasileiros e
fiquem entre os vinte piores do Mundo, só perdendo para algumas nações africanas
extremamente pobres (PAIVA, 2008).
Apesar de todos esses processos recentes, vale observar que a flexibilização no
campo brasileiro, em se tratando de relações de emprego, já tem uma história que é bem
anterior ao processo de flexibilização contemporâneo. Ao longo do tempo,
[...] os empreendedores não tiveram dificuldades para realizar ajustes no volume e no preço da força de trabalho nas diferentes conjunturas econômicas, dada a facilidade de romper o vínculo de emprego (alta rotatividade), de recorrer à informalidade, de dispor de diferentes formas de contratação (por exemplo, contrato de safra), de manter baixos salários, de recorrer a horas extraordinárias etc. (KREIN; STRAVINSKI, 2008, p. 368).
Na década de 1970, já se tinha contrato por prazo determinado na Agricultura
com a Lei 5.889/73, que instituía o contrato determinado por safra (trabalho
temporário), em que
[...] os direitos conferidos aos ‘safristas’ são bem menores quando comparados aos dos empregados permanentes, sobretudo no que concerne aos custos de demissão. Isto porque, com a implementação do termo final, os empregados somente têm acesso às férias e décimos terceiros proporcionais, não percebendo aviso prévio, multa de 40% (quarenta) por cento sobre o FGTS recolhido durante o pacto, tampouco têm acesso à estabilidade provisória (tais como a gestante e o acidentado) e ao serviço do seguro-desemprego (KREIN; STRAVINSKI, 2008, p. 371).
Em período recente, deu-se um grande aumento no número dos empregados
temporários, uma vez que se procurou adotar todas as técnicas inovadoras em busca de
uma contratação flexível e com menor custo. Entre as novas (e muitas vezes velhas)
alternativas usadas para o emprego flexível, citam-se a:
a) recorrência à informalidade;
b) relação de emprego disfarçada, por meio das cooperativas de trabalho32,
“turmeiros33”(gatos), parceria34 (parcerias agrícolas espúrias), empreita e trabalho
autônomo.
32 “Surgiu de uma orientação patronal rural, incentivando a criação de cooperativas de mão-de-obra, consubstanciadas no seguinte: a) não existência de problemas trabalhistas; b) supressão de vínculo empregatício; c) inexistência de fiscalização trabalhista; e d) desobrigação das responsabilidades trabalhistas e sociais, etc. [...] A nova regulamentação abriu espaço para uma interpretação de que os trabalhadores poderiam deixar de ser empregados para tornarem-se “sócios” de uma cooperativa. Como “sócios” eles não têm registro em carteira de trabalho e, portanto, não têm assegurados os direitos trabalhistas básicos, tais como férias, 13º salário, descanso semanal remunerado e previdência social. Da mesma forma, também não têm os benefícios da contratação coletiva, pois já não são membros de uma categoria profissional. [...] Foi tão desastrosa a experiência vivenciada no campo que se avolumaram denúncias sobre o desvirtuamento do princípio do cooperativismo e a utilização das cooperativas para estabelecer uma relação de emprego disfarçada. A partir de uma ação combinada entre sindicatos, Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho foram combatidas as ‘fraudoperativas’”(KREIN; STRAVINSKI, 2008, p. 373). 33 “É uma forma de terceirização de mão-de-obra em atividades-fim por intermédio de empreiteiros‘gatos’. Ora, em razão da previsão regra legal, não há que se falar em qualquer tipo de
terceirização nas atividades agropecuárias, a não ser que sejam relacionadas aos serviços de limpeza, conservação, vigilância ou atividade meio. Não podem o preparo da terra, o plantio e colheita serem considerados atividades meio da agricultura. Isto porque se tratam de fases da produção, só que consideradas isoladamente, essencial para que a atividade empresarial alcance a finalidade a que se propôs” (KREIN; STRAVINSKI, 2008, p. 373) (grifos meus). 34 “Além das terras, os parceiros proprietários fornecem os implementos agrícolas, máquinas e equipamentos necessários para o cultivo, exigem a exclusiva utilização de determinados produtos que
devem ser adquiridos por específicos fornecedores previamente indicados. Diante desta nova relação de parceria que surge, o parceiro que recebe a terra cuida de toda a lavoura subordinadamente e, ao final,
não possui livre arbítrio na fixação do valor, tampouco na definição do comprador [...] Esse tipo de parceria, em verdade, está sendo realizada para se transferir a responsabilidade e os ônus das
contratações de empregados ao parceiro-produtor (através de cláusulas expressas nos contratos),
Muitas dessas alternativas de contratação flexível, na maioria passíveis de
punição pela Justiça do Trabalho, têm ficado impunes, pelo fato de o Governo Federal,
desde os anos de 1990, esvaziar as funções de controle e fiscalização do Ministério do
Trabalho sobre o mercado e principalmente sobre as relações de trabalho. Prova disto é
o baixo efetivo fiscalizador e o baixo número de empresas fiscalizadas, que se reduziu
em 30% entre 1990 e 2004 (BASALDI, 2008a; FERREIRA, 2008).
Outros problemas relativos à flexibilização das relações de trabalho no campo
brasileiro dizem respeito à remuneração. Observa-se, nos últimos anos, o crescimento
da remuneração vinculada diretamente à produção ou à comissão.
Entre 2002 e 2006, evidenciou-se um aumento de 16,5% para 19,5% da massa
de assalariados agrícolas no Brasil. Esse tipo de pagamento leva muitas vezes à prática
de sobrejornada de trabalho, já citada anteriormente no Setor Sucroalcooleiro, que
afetou quase 60% dos assalariados agrícolas permanentes e quase 40% dos assalariados
agrícolas temporários no Brasil em 2006, de acordo com dados da PNAD/IBGE
(KREIN; STRAVINSKI, 2008).
É sempre importante lembrar que essas práticas comprometem a saúde do
trabalhador, levando em muitos casos a mortes por excesso de trabalho, sem falar na
desorganização do núcleo familiar, pela ausência dos pais trabalhadores, seja pelas
superjornadas de trabalho, seja pelo sistema de folgas praticado por muitas empresas
agrícolas, o 5x1, que muitas vezes não inclui folga no domingo, acarretando, com isto,
desencontro familiar (KREIN; STRAVINSKI, 2008).
É importante observar também outro fator que interfere nas relações do trabalho:
o avanço do comércio exterior e a preocupação internacional com técnicas e padrões de
qualidade para produtos que estão inseridos no comércio global. Tem-se o
monitoramento de toda a cadeia produtiva através de certificados internacionais como o
ISO. Esse monitoramento internacional, que visa a comprovar técnicas e padrões de
qualidade, faz com que ocorram mudanças nas relações de trabalho, no ritmo e nas
características do trabalho das regiões produtoras, gerando uma maior formalização do
trabalho e uma maior mecanização da produção. Isto acontece, no Brasil, com muita
intensidade no ramo de fruticultura para exportação (CAVALCANTI, 2004;
CAVALCANTI; MOTA, SILVA, 2006;).
isentando os parceiros-proprietários de qualquer débito trabalhista ou previdenciário.” (KREIN; STRAVINSKI, 2008, p. 377) (grifos meus).
Também no ramo de fruticultura brasileiro, tem-se, nos últimos 40 anos, um
grande processo de mecanização através da agricultura irrigada, com introdução de
inúmeras novidades tecnológicas, muitas das quais, poupadoras de mão-de-obra, como
o sistema de irrigação autopropelido35, na década de 1970, e do pivô central, na década
de 1980, - aparelho mecanizado, automatizado, que irriga grandes áreas com mínimas
exigências de mão-de-obra.
Nos anos de 1990, têm-se o uso de “comandos informatizados” na agricultura
irrigada, que faz com que se aumente a produtividade do trabalho, e a exigência de
trabalhadores qualificados e especializados para manejar as máquinas, o que resulta no
emprego relativo de menor quantidade de mão-de-obra nesse setor. Para se ter uma
ideia, a irrigação controlada por computador pode ser feita por um homem na metade de
seu tempo, em vez de por quatro homens com o equipamento tradicional. Já a
fertirrigação, colocação do adubo diretamente na água - método possível com o sistema
de microaspersão - dispensa o funcionário que faria a adubação. No início da
modernização do Vale do São Francisco, falava-se em seis pessoas ocupadas por ha.
Hoje, após o processo de mecanização/informatização, fala-se em duas pessoas por ha.
(CAVALCANTI, 2010; SANTANA, 1997).
Paralelamente ao processo de incorporação tecnológica, tem-se também no ramo
frutícola um aprofundamento da precariedade laboral, mediante a multiplicação do
trabalho temporário, subcontratado e em tempo parcial em muitos lugares.
Cavalcanti (et al, 2010a) observam que existem vários lugares da fruticultura
irrigada, como o Platô de Neópolis, em Sergipe, onde já se requer um profissional
‘múltiplo’, polivalente, e onde se tem um aumento do trabalho assalariado, em
decorrência da diminuição dos proprietários de estabelecimentos. Quando se compara
com outros lugares do mundo, pode-se notar que não existe homogeneidade nas
relações de trabalho frutícola, mas se observa claramente a emergência comum da
flexibilização, como analisa Cavalcanti (2010, p.12), quando remete para a Argentina:
Tende a uma configuração de um mercado de trabalho caracterizado pela presença de equipes reduzidas de profissionais e técnicos altamente qualificados, em tempo integral, estáveis e com salários elevados; uma parte dos trabalhadores assalariados rurais permanentes, polivalentes e semi-qualificados; e finalmente, uma mão-de-obra assalariada temporária, menos qualificada com salários baixos e instáveis.
35 O sistema de irrigação por aspersão móvel ou autopropelido é movimentado por energia hidráulica, sendo composto por um canhão hidráulico (aspersor canhão), montado sobre uma plataforma, que se desloca sobre o terreno, irrigando-o simultaneamente (CIENTEC, 2010).
Cavalcanti (2006) também observa a tendência da divisão sexual do trabalho nas
fazendas de frutas, com a concentração das mulheres nas tarefas “leves”, como a
colheita e a pós-colheita, setor de seleção e embalagem nas packing houses, e os
homens com as tarefas mais duras, como a implantação da fazenda, a poda, a limpa da
terra, entre outros.
Elias (2006) também observa o processo de flexibilização e capitalização na
fruticultura do Ceará. Ao mesmo tempo que os empregos formais são gerados,
despertando esperança nos trabalhadores, tem-se um aumento da intensidade e do ritmo
da jornada de trabalho, além de, na maior parte das vezes, ser um trabalho temporário
para a maioria dos trabalhadores, sendo permanente somente para uma minoria
especializada.
PARTE II: GLOBALIZAÇÃO DA AGRICULTURA: UMA ANALISE COMPARATIVA ENTRE DUAS CIDADES COM FRUTICULTURA IRRIGADA PARA EXPORTAÇÃO NO RN: IPANGUAÇU E BARAÚNA
No quarto e quinto Capítulos, mostrar-se-á como se operou o processo de
globalização da agricultura em dois municípios do Rio Grande do Norte: Ipanguaçu e
Baraúna. Os referidos municípios foram escolhidos por terem um dos maiores
indicadores de exportação de frutas desse Estado, sendo inseridos assim de forma direta
no Processo de Globalização da Agricultura.
No Capítulo quatro, analisar-se-á a formação desse processo no Vale do Açu, no
município de Ipanguaçu, a partir da inserção de uma fruticultura comandada por uma
grande Multinacional de Frutas: a Del Monte Fresh Produce.
No Capítulo cinco, mostrar-se-á o desenvolvimento desse processo na Chapada
do Apodi, no município de Baraúna, a partir de empresas de médio porte comandadas
por imigrantes japoneses.
Por fim, no Capítulo seis, far-se-á uma análise comparativa entre os dados de
Ipanguaçu e Baraúna referentes ao mercado de terras, relações de trabalho e mudanças
na produção agrícola municipal.
4 IPANGUAÇU: PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO COM GRANDE CAPITAL
MULTINACIONAL
Inicialmente se mostrará a evolução da produção do espaço no município de
Ipanguaçu, desde o início de sua história até o final da década de 1970 (4.1 – Do Início
da Ocupação do Território ao Fim do Ciclo da Carnaúba).
Em um segundo momento, o trabalho vai se deter mais especificamente no
processo atual de globalização do referido município com a fruticultura irrigada entre o
início da década de 1980 e o final da de 2000, quando se analisará o processo de
inserção do Município na produção globalizada a partir do mercado de terras,da
mudança de eixo produtivo e das relações de trabalho. Para isto, dividiu-se esta parte
da tese em mais três momentos, a saber:
No primeiro, tratar-se-á do processo de construção da Barragem “Armando
Ribeiro Gonçalves”, que tem início em 1979, e do processo de concentração fundiária
com empresas agrícolas nacionais e a inserção do lugar na Revolução Verde. Definiu-se
uma periodização que vai desde a construção da Barragem até o ano de 1992 (4.2 –
Anos 80: Fruticultura Irrigada, Revolução Verde e Concentração Fundiária).
No segundo momento, tratar-se-á do processo de reconcentração fundiária e da
inserção do Município no contexto da liberalização do comércio, com a chegada da
Multinacional Del Monte Fresh Produce, que vai de 1993, quando se têm as primeiras
compras de terras associadas ao capital multinacional, até 2002 (4.3 – Anos 90:
Liberalização do Comércio, Vinda do Capital Multinacional, Reconcentração Fundiária
e Reconfiguração das Relações de Trabalho).
Por fim, no terceiro momento, tratar-se-á do contexto mais recente, que vai de
2003 até 2008, com a chegada de “novas” políticas públicas federais e a influência
destas no mercado de terras e nas relações de trabalho, além da perspectiva de rearranjo
local frente a essas novas políticas (4.4 - Anos 2000: “Novas” políticas públicas federais
e produção globalizada).
4.1 Do Início da Ocupação do Território ao Fim do Ciclo da Carnaúba
Nesta parte do trabalho, vai-se fazer uma breve caracterização da área de estudo
e, após esse momento, um histórico da ocupação do território pelo homem.
Na caracterização, que vai se dar em um primeiro momento, serão salientados os
elementos naturais de Ipanguaçu, como o clima, a vegetação, o relevo e a hidrografia;
além de se proceder à análise dos indicadores sociais e econômicos do Município.
Em um segundo momento, deter-se-á no histórico da ocupação de Ipanguaçu,
que vai resgatar o início da ocupação do território pelos indígenas, passando por todo o
processo de ocupação e povoação dos portugueses, com as principais atividades
econômicas desenvolvidas na região, até o fim do Ciclo da Cera de Carnaúba e início da
irrigação no Município no final da década de 1970.
4.1.1 Caracterização Geral da Área de Estudo
Segundo Cascudo (2002, p.92), Ipanguaçu vem de “ipã-guaçu, ilha grande,
nome de um pajé e guerreiro potiguar que decisivamente auxiliou a fixação
colonizadora dos portuguêses no Potengi, possibilitando as pazes e subseqüente
fundação da cidade do Natal em 1599.”
O município de Ipanguaçu era, até 23 de dezembro de 1948, distrito de Santana
do Matos e este, por sua vez, era distrito de Açu, tendo se emancipado em 1836. Criado
pela Lei Estadual nº. 146, de 23 de dezembro de 1948, o Município teve sua instalação
efetivada em 1º de janeiro de 1949.
Localizada dentro da Microrregião “Vale do Açu” (ver Mapa 1) e da
Mesorregião Potiguar, a cidade de Ipanguaçu (ver Mapa 2 e 3) está situada nas
coordenadas geográficas de 5º 31’ de latitude sul e 36º 53’ de longitude oeste e o seu
Município apresenta uma área de 367,6 km², estando distante da capital do Estado,
Natal, 185 quilômetros.
Mapa 1 - Microrregião Vale do Açu (2011)
Fonte: Franklin Roberto da Costa Mapa 2 - Localização do município de Ipanguaçu no estado do Rio Grande do Norte
Fonte: Josué Alencar Bezerra
O referido Município faz parte da região denominada de ‘Baixo Açu’, sendo esta
um segmento da Bacia Hidrográfica do rio Piranhas-Açu. Com cerca de 44.000 km²,
essa Bacia nasce em terras do estado da Paraíba, no município de Bonito de Santa Fé, e
se estende até encontrar-se com águas oceânicas do delta da cidade salineira de Macau,
no Rio Grande do Norte. É um rio de extrema importância para o RN, por ser ele o
maior em volume de água desse Estado e também por ter o papel principal no
abastecimento de água das principais adutoras do interior do Rio Grande do Norte
(SILVA, 1992; FERNANDES, 1992).
A região do Vale do Piranhas-Açu é composta de 28 municípios na Paraíba,
onde o rio nasce e de oito municípios no Rio Grande do Norte, sendo que “...ao penetrar
no Rio Grande do Norte passa a ser chamado de Vale do Açu, numa clara alusão às
extensas e férteis várzeas desse rio nos municípios de Açu e Ipanguaçu.” (SILVA, 1992,
p.13).
O lado nordeste do rio Açu, no Rio Grande do Norte, é chamado de “Baixo-
Açu”. Essa região é composta por mais de 27.000 hectares de terras férteis que estão
localizadas, na sua maioria, no município de Ipanguaçu, entre os rios Açu e Pataxó.
Esses dados fazem com que Ipanguaçu seja considerado o município que tem o
maior potencial de irrigação do referido Vale (SILVA, 1992).
Mapa 3 - Área do município de Ipanguaçu com sua Sede Municipal e Povoados do Interior.
Fonte: Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do RN (2011)
a) Elementos Naturais
Com relação aos elementos naturais, o Município apresenta as seguintes
características:
O clima é semiárido. Sua precipitação pluviométrica anual média, segundo o
Atlas Pluviométrico do Brasil (2011), encaixa-se na isoieta anual média de 500 mm nos
últimos 30 anos (entre 1977 e 2006). Seu período chuvoso se concentra entre fevereiro e
maio. Sua temperatura média anual é de 27,9º C e a umidade relativa média anual fica
em torno de 70% (INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MEIO
AMBIENTE DO RN, 2011).
A formação vegetal no Município é caracterizada por dois tipos de vegetação: a
Caatinga Hiperxerófila - vegetação de caráter mais seco, com abundância de cactáceas,
plantas de porte mais baixo e espalhadas, e outras espécies, como a jurema-preta, o
mufumbo, o faveleiro, o marmeleiro, o xique-xique e o facheiro; e o Carnaubal -
vegetação natural onde a espécie predominante é a palmeira, a carnaúba.
Seu relevo tem geralmente menos de 100 metros de altitude, atingindo em
alguns pontos quase nenhuma altitude. Os solos predominantes que se encontram na
área do Município são: Solos Aluviais Eutróficos, que apresentam fertilidade natural
alta, textura argilo/arenosa, argilosa ou arenosa, são medianamente profundos e
imperfeita a moderadamente drenados; Solo Latossolo Vermelho Amarelo Eutrófico,
que apresenta fertilidade de média a alta, textura média, bem fortemente drenado, relevo
plano, muito profundo e poroso; e os Solos Litólicos Eutróficos, com fertilidade natural
alta, rasos, textura arenosa e/ou média, fase pedregosa e rochosa, relevo ondulado, de
moderado a acentuadamente drenado (ANGELIM, 2007; INSTITUTO DE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE DO RN, 2011).
Geologicamente, o Município abrange terrenos pertencentes ao Embasamento
Cristalino e da Bacia Potiguar. A sua sede municipal e boa parte do seu setor central e
oeste (onde se concentram as atividades de fruticultura irrigada) situam-se em depósitos
aluvionares recentes de areias, cascalhos e níveis de argilas de menos de 23 milhões de
anos do Período Neógeno da Era Cenozoica, com que recobrem localmente os arenitos e
conglomerados da Formação Açu, com idade do Cretáceo Inferior (100 milhões de
anos). À porção noroeste do Município, predominam os calcários da Formação Jandaíra
do Cretácio Superior (80 milhões de anos), que estão sobrepostos aos arenitos da
Formação Açu. À porção sul, predominam os migmatitos, granitos, gnaisses, anfibolitos
e xistos do Embasamento Cristalino, com idade do Pré-Cambriano, 1.100 - 2.500
milhões de anos (ANGELIM, 2007; INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE DO RN, 2011).
Há ocorrências minerais na área do Município, destacando-se o mineral não
metálico-argila, que geralmente é encontrado na área drenada pelo rio Açu, constituída
por aluviões recentes, com espessura variando de 1 a 5 metros. O material dessa área é
utilizado como matéria-prima na indústria de cerâmicas e olarias.
O Município, além de estar inserido na Bacia Hidrográfica do rio Piranhas-Açu,
ainda conta com o rio Pataxós e algumas lagoas, sendo um município bem abastecido
de fontes de água superficiais, como se pode observar no Mapa de Hidrografia de
Ipanguaçu (ver Mapa 4) .
Mapa 4 - Mapa da Hidrografia do Município de Ipanguaçu – RN
Fonte: Franklin Roberto da Costa
Além dos rios, há também alguns aquíferos importantes em Ipanguaçu, como:
O Aluvião, que é um aquífero livre, apresentando-se disperso, sendo constituído
pelos sedimentos geralmente arenosos depositados nos leitos e terraços dos rios e
riachos de maior porte. Esses depósitos caracterizam-se pela alta permeabilidade, boas
condições de realimentação e uma profundidade média em torno de sete metros. A
qualidade da água geralmente é boa e pouco explorada;
O Açu: aquífero que ocorre em uma faixa que acompanha a borda da Bacia
Potiguar, apresentando uma espessura média de 150 metros na área de afloramento. O
arenito Açu tem um suave mergulho para norte, quando aumenta gradativamente de
espessura, chegando a atingir uma média de 500 metros em subsuperfície. Sobreposto a
ele, encontram-se os calcários da Formação Jandaíra. Esse aquífero é livre na sua faixa
de afloramento, apresentando uma vazão de 10 m /h, enquanto na de subsuperfície sua
vazão pode atingir até 200 m /h. As águas em geral são boas, podendo ser utilizadas
para consumo humano, animal, industrial e outros, não havendo, portanto, limitações
quanto à qualidade;
O Cristalino: é um aquífero que engloba todas as rochas cristalinas, onde o
armazenamento de águas subterrâneas somente se torna possível quando a geologia
local apresentar fraturas associadas a uma cobertura de solos residuais significativa. Os
poços perfurados apresentam uma vazão média baixa de 3,05 m /h e uma profundidade
de até 60 metros, com água comumente apresentando alto teor salino de 480 a 1.400
mg/l, com restrições para consumo humano e uso agrícola (INSTITUTO DE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE DO RN, 2011).
Com base nesses dados, pode-se notar que o município de Ipanguaçu tem
elementos naturais vantajosos que facilitam a agricultura, como: a longa faixa de solos
aluviais, que são extremamente férteis (facilitando a obtenção da renda da terra
diferencial I, já falada no Cap.2) e fazem com que Ipanguaçu seja considerado o
município que tem o maior potencial de irrigação do referido Vale; além do acesso fácil
a água, seja dos rios Piranhas-Açu e Pataxós, seja dos aquíferos de que o Município
dispõe.
A partir dessas constatações, pode-se começar a entender a inserção de
Ipanguaçu em políticas públicas de desenvolvimento regional, como o Programa “Polos
de Desenvolvimento Integrado”, lançado no Governo Fernando Henrique Cardoso, mas
vigente até hoje (BANCO DO NORDESTE, 2011).
Ipanguaçu, nessa política de polos de desenvolvimento, faz parte das “manchas
de modernidade” - áreas em que se tem um alto grau de cientifização da Agricultura e
que são apoiadas por ações de órgãos do Governo, como o Banco do Nordeste do Brasil
(BNB). Este Banco, inclusive, formulou toda uma nova política de polos de
desenvolvimento nesses lugares. (Ver Capítulo 1).
Essa nova política de Polos de Desenvolvimento Integrado esteve inserida no
Programa Federal Plurianual “Brasil em Ação” (1997/1999), em que o Governo
estabeleceu novos polos de dinamismo agroindustrial do Nordeste, a saber: Polos de
Grãos, de Irrigação e de Pecuária Leiteira e um Polo Citrícola. Esses Polos
compreendem o conjunto de muitos municípios que têm em comum algumas
especialidades produtivas e que já passaram por um processo de modernização
(CARVALHO, 2001).
Ipanguaçu – RN está inserido dentro de um Polo de Desenvolvimento Integrado
Frutícola: o Polo de Assu/Mossoró. Os Polos de Fruticultura Irrigada, que ao todo são
seis, têm o propósito de criar espaços de competitividade internacional no âmbito da
fruticultura e ao mesmo tempo a missão utópica de perseguir a construção da
sustentabilidade local.
b) Indicadores Socioeconômicos
Analisando os indicadores sociais, a população de Ipanguaçu estava em torno de
13.855, segundo dados demográficos do CENSO de 2010, do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA, 2011). Desse total do Censo de 2010, 8.473 (61,2%) vivem na Zona
Rural, enquanto 5.382 (38,8%) vivem na Zona Urbana (ver Gráfico 7), evidenciando
que as atividades rurais e a morada rural ocupam a maioria da população do Município.
Isto se deve à sua grande intensidade de atividades agrícolas, que têm como expoente
hoje a Multinacional Del Monte Fresh Produce, que utiliza a mão-de-obra local e dos
municípios vizinhos.
Gráfico 7 - População Urbana e Rural de Ipanguaçu (2010)
Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (2011)
A taxa de nascimentos em Ipanguaçu teve um significativo decréscimo de 2000
para 2010, passando a população entre 0 e 4 anos de 5,3% para 4,3%, seguindo a
tendência nacional (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA,
2011). Segundo o Mapa do Analfabetismo no Brasil (INSTITUTO NACIONAL DE
PESQUISAS EDUCACIONAIS, 2011), a taxa de analfabetismo de Ipanguaçu era de
37,1% da população acima de 14 anos, em 2000, e os analfabetos funcionais36 somavam
51,5% da população alfabetizada.
A renda per capita média do Município cresceu 54,27%, entre 1991 e 2000,
passando de R$ 55,46, em 1991, para R$ 85,56, em 2000. Mas, mesmo assim, olhando a
porcentagem da renda apropriada por extratos da população, demonstrada no Quadro
20, vê-se que, no decorrer desses últimos dez anos, a desigualdade cresceu de forma
assustadora. A renda passou a se concentrar muito mais nas camadas mais altas,
enquanto as mais baixas tiveram uma perda considerável. O índice Gini de desigualdade
cresceu significativamente, passando de 0,41, em 1991, para 0,56, em 2000. Significa
dizer que, mesmo com o capital multinacional no Município, a melhoria de renda
36 São considerados analfabetos funcionais as pessoas com menos de 4 anos de estudo (séries concluídas) (INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS EDUCACIONAIS, 2011).
trazida por ele se concentra, como usual, nas camadas mais altas (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011).
Quadro 20 - Porcentagem da renda apropriada por extratos da população em Ipanguaçu, 1991 e 2000.
1991 2000 20% mais pobres 5,8 1,3 40% mais pobres 16,6 8,5 60% mais pobres 32,4 20,8 80% mais pobres 54,1 42,0 20% mais ricos 45,9 58,0
Fonte: ATLAS do Desenvolvimento Humano no Brasil (2011)
O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de Ipanguaçu é de
0,613 e está na faixa das regiões consideradas de médio desenvolvimento humano (IDH
entre 0,5 e 0,8). Em relação aos outros municípios do Brasil, Ipanguaçu apresenta uma
situação ruim: ocupa a 4416ª posição, atrás de mais de 80% dos municípios do Brasil.
Em relação aos outros municípios do Estado, Ipanguaçu também apresenta uma situação
delicada, ficando na 114ª posição, abaixo de quase 70% dos municípios. (ATLAS ...,
2011).
Com relação aos indicadores econômicos agrícolas, Ipanguaçu, segundo dados
do IBGE (2011) coletados em 2009, tem como seu produto de maior valor de produção
a banana, com mais de 12 milhões de reais, dentre todos os produtos da lavoura
permanente e temporária (Quadro 21), sendo seguida pela manga, com 8 milhões de
reais, e pelo algodão herbáceo, com 1 milhão e 212 mil reais. Nota-se, ainda nesse
quadro, a presença do tomate, da melancia e do mamão, com valores significativos que
atendem ao mercado local e regional, e a presença tímida de produtos tradicionais como
feijão, milho e batata-doce, com valores de produção inferiores a 50 mil reais cada,
atendendo de forma tímida ao mercado local.
Quadro 21 - Ranking de Valor de produção de todos os produtos da lavoura temporária e permanente de Ipanguaçu-RN – 2009
Área plantada, área colhida, quantidade produzida e valor da produção da lavoura permanente e temporária - Ranking descendente
Variável = Valor da produção (Mil Reais) Ano = 2009
Município = Ipanguaçu - RN # Lavoura permanente/temporária
1 Banana (cacho) 12.112 2 Manga 8.000 3 Algodão herbáceo (em caroço) 1.212
4 Tomate 360 5 Melancia 252 6 Mamão 210 7 Feijão (em grão) 41 8 Goiaba 40 9 Milho (em grão) 26 10 Castanha de caju 20 11 Limão 18 12 Batata-doce 14 13 Sorgo (em grão) 13 14 Coco-da-baía 4 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011).
A banana produzida em Ipanguaçu se destaca como o segundo maior valor de
produção do estado do Rio Grande do Norte, com 12 milhões e 112 mil reais (Quadro
22), ganhando essa importância pela atuação, no Município, da Multinacional Del
Monte Fresh Produce. Esta faz de Ipanguaçu o maior exportador brasileiro de banana,
além de proporcionar ao Município um bom índice de produtividade na produção dessa
fruta.
Quadro 22 - Valor de produção da banana por município do RN - 2009 Área plantada, área colhida, quantidade produzida e valor da produção da
lavoura permanente - Ranking descendente Variável = Valor da produção (Mil Reais)
Lavoura permanente = Banana (cacho) Ano = 2009
# Município 1 Alto do Rodrigues – RN 12.443 2 Ipanguaçu – RN 12.112 3 Touros – RN 4.544 4 Açu – RN 3.840 5 Rio do Fogo – RN 3.591 6 Extremoz – RN 3.334 7 Maxaranguape – RN 3.116 8 Carnaubais – RN 2.362 9 Pureza – RN 1.361 10 Baraúna – RN 1.124 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011).
O município de Ipanguaçu também se destaca com um valor da produção de
manga significativo no Rio Grande do Norte, sendo o primeiro lugar no Estado, com 8
milhões de reais em produção, ficando bem à frente do segundo lugar - Açu -, que teve
um valor de produção de 2 milhões e 772 mil, graças à produção para exportação de
outra grande empresa localizada no município: a Finobrasa (Quadro 23).
Ipanguaçu se destaca ainda na produção de algodão herbáceo, ficando em
primeiro lugar no Estado, com mais de 1 milhão e 200 mil reais de valor de produção.
Quadro 23 - Valor de produção da manga por município do RN – 2009 Área plantada, área colhida, quantidade produzida e valor da produção da
lavoura permanente - Ranking descendente Variável = Valor da produção (Mil Reais)
Lavoura permanente = Manga Ano = 2009
# Município 1 Ipanguaçu – RN 8.000 2 Açu – RN 2.772 3 Carnaubais – RN 2.592 4 Afonso Bezerra – RN 518 5 Baraúna – RN 396 6 Santana do Matos – RN 378 7 São José de Mipibu – RN 341 8 Pendências – RN 277 9 Alto do Rodrigues – RN 252 10 São Pedro – RN 232 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011).
A cera de carnaúba, que no passado fez do Município um dos grandes
produtores do Brasil, agora já não representa tanta importância econômica, uma vez que
sua produção é irrelevante - apenas 14 toneladas com o valor de produção de 83 mil
reais, em 2009. Vale salientar também a pequena renda de 35 mil reais de lenha e 4 mil
de carvão vegetal (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA,
2011).
Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (2011), Ipanguaçu, em 2010,
apresentou exportações no valor de mais de 24 milhões de reais, sendo que, desse total,
71% se referem a exportações de bananas feitas pela Multinacional Del Monte Fresh
Produce e 29% se referem a mangas exportadas pela empresa nacional Finobrasa. Os
principais destinos dessa exportação de frutas são: Alemanha (28,5%), Holanda
(23,3%), Polônia (11,5%), Itália (11,4%) e Estados Unidos (11,2%).
Esses números, citados acima, da alta produção econômica das empresas rurais
situadas no Município são extremamente contraditórios quando se comparam aos
indicadores sociais deste, extremamente baixos, o que o torna um dos municípios com
pior qualidade de vida – Índice de Desenvolvimento Humano – do Rio Grande do Norte
e do Brasil.
Essa contradição entre alta concentração de renda e grande produção começa a
se construir no decorrer da história de Ipanguaçu, já no Período Colonial, quando
começa a ocorrer, através da distribuição de sesmarias, uma concentração fundiária
intensiva.
4.1.2 Histórico da Ocupação do Território
Os primeiros habitantes da região de que se tem notícia foram os índios Tarairiu
(chamados costumeiramente de “tapuias”). Esses silvícolas, que não falavam a língua
geral dos Tupis, eram também conhecidos como bárbaros. Alguns estudiosos incluem
esses grupos indígenas no tronco Macro-Jê, devido a traços culturais em comum. Os
Tapuias habitavam não só os sertões do Rio Grande do Norte, como também os do
Ceará e do Maranhão (ALBANO, 2008).
Com a expulsão dos índios e a fixação dos colonos na região do Vale do Açu, a
pecuária passa a ser a principal atividade econômica da região. Uma prova disso é que,
no ano de 1775, a ribeira do Açu, com a freguesia de S. João Batista do Açu (hoje
município de Açu), era a freguesia que tinha o maior número de fazendas de gado de
toda a Capitania do Rio Grande (hoje Rio Grande do Norte). Eram 90 fazendas de gado,
ficando o segundo lugar com a freguesia de Caicó, com 70 fazendas de gado. Além do
gado, na região do Vale do Açu, tinha-se também como complemento uma produção de
alimentos de subsistência protegida por travessões37: feijão de corda, milho, fava, sorgo,
jerimum, melão, melancia, banana e batata doce. Junto com essa produção de
subsistência, também se tinha a pesca do curimatã, da traíra, do piau, da piranha ou do
tucunaré (FERNANDES, 1992).
No final do século XVIII, a Revolução Industrial Inglesa, ante a necessidade de
mais algodão – matéria-prima para suas indústrias –, vai estimular a cotonicultura em
37 Travessões – cercavam as manchas úmidas de maior extensão para a agricultura. “Dentro do travessão a agricultura era feita livremente e o gado só poderia aí permanecer, se cercado ou preso.” (ANDRADE, 1998, p.175).
diferentes áreas, incluindo o sertão nordestino. Esse estímulo vai se dar sobretudo pela
interrupção do fornecimento do algodão que vinha dos Estados Unidos, devido à
Guerra de Independência (1776-1783) (MONTEIRO, 2000).
O cultivo do algodão, que era nativo da região, já era feito pelos indígenas, mas
para uma agricultura de autoabastecimento. O algodão depois ficou característico das
pequenas e médias propriedades, embora fosse usado também nas grandes fazendas que
exploravam o binômio, já que era cultivado e dividia espaço com a pecuária, em regime
de parceria ou de arrendamento sob formas tradicionais de cultivo e com a utilização de
muitos mecanismos de exploração (FERNANDES, 1992).
Nas grandes propriedades rurais, os senhores permitiam, em troca de um pagamento, que lavradores ocupassem pequenos lotes de terra com suas roças e criações, plantando algodão. O pagamento podia ser feito em produto, quando o lavrador era o “parceiro” que entregava parte de sua colheita; em dinheiro, quando o lavrador era o “foreiro” ou arrendatário; ou em trabalho, quando o lavrador era um simples morador de condição (MONTEIRO, 2000, p.103).
Nota-se já nesse momento a existência de rendas da terra pré-capitalistas. Estão
presentes no cultivo do algodão as três rendas pré-capitalistas, a saber: a renda em
trabalho, a renda em produto e a renda em dinheiro. A existência dessas rendas nos
remete à situação da terra na região, concentrada nas mãos de poucos por meio de
recebimento de sesmarias ou por meio da posse autoritária, ficando, assim, muitos sem
acesso a terra e se sujeitando a ser parceiro, arrendatário ou morador de condição,
enriquecendo o proprietário da terra por meio da mais-valia retirada da produção.
No período entre o fim do século XIX e início do século XX, ocorreu a
intensificação da exploração da cera de carnaúba, no Vale do Açu, que, além de
favorecer a ocupação da região, favoreceu também a
[...] concentração de terras pela incorporação de pequenos carnaubais às propriedades maiores. O processo mais forte deu-se principalmente no período entre as duas Grandes Guerras, quando o mercado internacional definiu um preço bastante compensador para quem comercializava o produto (FERNANDES, 1992, p.18).
A carnaúba, que ocupava vastas extensões da área de várzea do Vale do Açu,
começa a ganhar destaque já no início do século XVIII, na consolidação da ocupação
portuguesa no Vale, com o seu uso em utensílios caseiros, chapéus etc. Mas, só no
século XIX é que, através da extração da cera, vai ser exportada e conquistar o comércio
nacional e internacional, adentrando na lógica do Meio Técnico. Apesar de o processo
de beneficiamento ser relativamente simples, com o emprego de poucas técnicas para a
extração da cera de carnaúba, a motivação do uso do sistema técnico em uma grande
escala de produção servia a uma lógica externa, internacional, configurando-se assim o
Meio Técnico (SANTOS, 2002).
A cera de carnaúba teve e ainda tem os mais diversos usos. Segundo a química
Dantas (1995), é uma cera que pode fazer parte da composição de produtos para
polimento de pisos, de móveis e superfícies e de automóveis, bem como da composição
de papel para revestimentos, além de servir de proteção de frutos (através de um
revestimento protetor), de revestimento de fios e tecidos, conferindo a estes mais
flexibilidade e lubrificação, entrando também na composição de cosméticos (loções,
cremes de limpeza, creme e loção para as mãos...).
Com o avanço tecnológico nos dias atuais, observa-se o uso da cera de carnaúba
nas mais diversas áreas, desde o revestimento de cápsulas medicinais, medicamentos e
filmes fotográficos até tintas, embalagens para alimentos, frutas e flores artificiais
(ORTAL, 2007).
No início e até a década de 1970 do século XX, constata-se o auge da exportação
de cera de carnaúba pelo Rio Grande do Norte, que vai se manter sempre entre os três
maiores exportadores do Brasil (geralmente se fixando como terceiro maior produtor e
exportador), ao lado do Ceará e do Piauí. Na produção interna do Rio Grande do Norte,
por todo o período, percebe-se a participação dominante da região do Vale do Açu.
Observando o Gráfico 8, que representa a produção de cera de carnaúba no
Vale do Açu e no RN entre 1940 e 1985, nota-se que o maior carnaubal do referido
Estado foi responsável, na maioria das vezes, pela metade ou mais da produção de cera
até o início dos anos de 1980.
Essa tendência de alta do preço da cera fez com que a produção do Vale e do RN
aumentasse significativamente desde a década de 1940 até a de 1970, quando começa a
cair, devido ao decréscimo no preço internacional da cera.
Vale salientar (Gráfico 1) que, no ano de 1970, houve uma falha nos dados do
IBGE, qual seja, enquanto no Anuário Estatístico havia dados que mostravam uma
produção de cera de carnaúba similar à da década anterior, no Censo Agropecuário
registrava-se uma queda abrupta, sem relação com a ocorrida no Brasil e em outros
Estados da Federação.
Gráfico 8 - Produção de Cera de Carnaúba no Vale do Açu
PRODUÇÃO DE CERA DE CARNAÚBA NO VALE DO AÇU (1940-1985)
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1940 1950 1960 1970 1975 1980 1985
ANOS
TO
NE
LA
DA
S
VALE DO AÇU
RN
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1940,1950,1960,1970,1975,1980,1985) Como se observa no Gráfico 8, a partir do final da década de 1970, tem-se a
queda acentuada da produção e exportação de cera de carnaúba, tanto no Rio Grande do
Norte, quanto, principalmente, no Vale do Açu. Nessa década, além do preço
internacional baixo desse produto, foram implementados, em várias regiões de várzea
(onde a carnaúba é endêmica), incluindo o Vale do Açu, programas de construção de
grandes macrofixos, como barragens, e de programas de irrigação voltados para a
cultura de algodão e a de fruticultura irrigada. Emergia assim, em definitivo, o meio
técnico-científico-informacional no Vale do Açu (SANTOS; SILVEIRA, 2001).
Com a emergência desses programas de irrigação e da produção em massa de
frutas, houve uma retirada intensa dos carnaubais dos solos férteis das várzeas, que
passaram a serem as áreas preferidas para os programas citados.
O processo de evolução da irrigação no Baixo-Açu (região onde se encontra
Ipanguaçu) é estruturado por Silva (1992), que o faz identificando três períodos: o que
antecede a 1969, o compreendido entre 1969 e 1979 e o período pós-1979.
Assim, até 1969, tem-se o período em que se verificaram os primeiros registros
históricos da agricultura na várzea do Vale. Esse período se caracteriza pelo uso
tradicional das áreas de várzea para a cultura do algodão, pela extração da cera de
carnaúba, pela produção de culturas alimentares (principalmente milho, feijão e batata-
doce) e por uma pecuária de pequeno porte.
O Quadro abaixo retrata, segundo o Censo de 1950, a realidade do município de
Ipanguaçu com relação às suas principais atividades econômicas à época:
Tem-se como a principal cultura do Município o algodão, que representava, em
1950, cerca de 75% do total do valor da produção agrícola, ficando em segundo lugar a
batata-doce e depois a banana, o milho e o feijão.
Quadro 27 - Principais produtos da agricultura de Ipanguaçu - 1950 Produtos Unidade Quantidade Valor (Cr$ 1.000) Algodão Tonelada 825 8.250
Batata-doce Tonelada 1200 1.200 Banana Cacho 14000 560 Milho Saco 60 kg 2600 390 Feijão Saco 60 kg 1920 384
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1960)
Com relação à pecuária, nota-se, no Quadro 28, que o gado bovino continuava a
ter sua importância em Ipanguaçu (mais de 7500 cabeças de gado), representando
também como o rebanho de maior valor monetário, seguido do rebanho suíno, embora
este não fosse o segundo maior rebanho de cabeças.
Quadro 28 - Pecuária do Município de Ipanguaçu - 1950 População Pecuária Quantidade (cabeças) Valor (Cr$ 1.000)
Bovinos 7.500 30.000 Equinos 600 1.800 Asininos 2.700 1.350 Muares 400 400 Suínos 2.800 1.960 Ovinos 3.900 1.170
Caprinos 4.800 1.440 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1960)
Com relação à atividade extrativa, em 1955, de acordo com a Enciclopédia dos
Municípios (1960), a cera de carnaúba já era intensamente praticada em Ipanguaçu.
Nesse ano, tinham sido produzidos cerca de 105.000 quilogramas de cera no valor de
4.200 milhares de cruzeiros, o que representava metade do valor da produção de
algodão do Município.
Observando a ocupação das pessoas economicamente ativas (mais de 10 anos),
nota-se que 89% se concentravam no ramo agropecuário, em 1950. Com relação à
ocupação fundiária, também nota-se que, dos 55.741 hectares pertencentes aos 409
estabelecimentos agropecuários do município, 3.875 eram utilizados com lavoura e
16.027, com pastagens (ENCICLOPÉDIA DOS MUNICIPIOS, 1960).
Com relação à irrigação, Silva (1992, p.16-17) observa que:
[...] esse período é caracterizado pelo desenvolvimento de práticas de irrigação bastante rudimentares evoluindo de simples cultivos inundados nas várzeas até a prática de aguação em terrenos mais elevados. São áreas de vazantes onde se plantavam o feijão, a batata-doce e o capim para a alimentação do pequeno criatório. Registra-se também, nos limites desse período, o uso de moto-bombas para fins de irrigação, porém em escala bastante reduzida.
Indo na mesma direção, Andrade (1998) afirma que foi no Governo de Juscelino
Kubitscheck que se passou a financiar os proprietários que quisessem adquirir moto-
bombas, adquiridas por muitos pequenos proprietários do Vale do Açu para irrigar as
várzeas. Depois, por falta de conservação desse equipamento (a substituição de peças
era difícil e a assistência técnica praticamente não existia), o surto agrícola amainou.
Quanto ao período compreendido entre 1969-1979, “registra-se a combinação da
exploração dos carnaubais com a agricultura irrigada de algodão herbáceo (em áreas
nunca superiores a 15 ha), bananeiras e capineiras, também em pequenas áreas, menores
que 5 ha)” (SILVA, 1992, p.17).
Nesse período, inaugura-se o processo de modernização da agricultura da várzea
com a entrada da Empresa Agropecuária ‘Knoll’ (1971), que utiliza a irrigação com fins
exclusivamente comerciais. Com a chegada dessa Empresa, incrementa-se a difusão de
práticas irrigadas em Ipanguaçu.
O período Pós-1979 apresenta-se como marco do início das obras de
implantação do “Projeto Baixo-Açu”, com a construção da Barragem ‘Armando Ribeiro
Gonçalves,’ prolongando-se até os dias atuais. O referido Projeto tem o objetivo de
implantar na região do Baixo-Açu uma agricultura de mercado, em bases empresariais e
com razoável nível de produtividade. É sobre esse período que se vai falar no próximo
item, enfocando-se a construção da Barragem, o Projeto Baixo-Açu e a vinda das
primeiras empresas agrícolas para Ipanguaçu.
4.2 Anos 80: Fruticultura Irrigada, Revolução Verde e Concentração Fundiária
Nesta parte, vai-se abordar a efetiva chegada da Revolução Verde e da
modernização da Agricultura em Ipanguaçu. Essa chegada vai ser viabilizada com a
ajuda de políticas públicas que vão transformar a região através da construção de um
fixo: a Barragem de Açu.
Com a construção dessa Barragem, tem-se viabilizado o suporte básico para se
irrigar a região, ou seja, a infraestrutura hidráulica básica. Depois de terminada a
construção, grandes grupos do Agronegócio vão entrar em Ipanguaçu, inserindo o
Município no contexto da Revolução Verde, que alterará de vez a forma de produzir, a
produtividade, a forma de retirar a renda da terra e a relação do lugar com o global.
Também vai se alterar profundamente o mercado de terras, com uma intensiva
concentração fundiária, além de uma profunda mudança nas relações de trabalho, com a
massificação do trabalho assalariado.
4.2.1 Projeto Baixo-Açu
A construção da Barragem de Açu, através do Projeto Baixo-Açu, vai se dar em
um contexto de políticas públicas que são direcionadas para viabilizar a Revolução
Verde e a modernização da Agricultura no Nordeste.
Essa Revolução consiste (como visto no primeiro capítulo) num grande
crescimento de produtividade na agricultura, por meio do uso de tecnologias, como os
tratores agrícolas, técnicas de irrigação, defensivos químicos, variedades de sementes,
aviação agrícola, computadores, novos métodos de gestão etc. De um lado da produção,
vai se ter a Indústria Produtora de Insumos, com fertilizantes, defensivos e corretivos,
e, do outro, vai se ter a Indústria de Bens de Capital, com tratores, colheitadeiras e
equipamentos de irrigação.
Essa chamada “industrialização da Agricultura” vai ser dirigida por grandes
Empresas Multinacionais, com o apoio de organizações supranacionais como o Banco
Mundial, que vai ajudar na implementação dessa Revolução, a qual vai ser altamente
danosa para os pequenos produtores, uma vez que vai aumentar a dependência destes
com relação às grandes empresas fornecedoras de insumos (SHIVA, 2003).
No Brasil, na década de 1970, o Governo Autoritário vai implementar, através
de um conjunto de políticas públicas, um programa de modernização do campo de
acordo com os dizeres da Revolução Verde. No início da década de 1970, esse Governo
já implementa o I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que tem como
programas principais: o Programa de Redistribuição de Terras (PROTERRA) e de
estímulo à agroindústria do Norte e Nordeste - que visava, entre outras coisas, à
expansão da agroindústria e o aumento das exportações -, e o Programa de Integração
Nacional (PIN), que continha, entre suas principais linhas de ação, um plano de
irrigação no Nordeste, destinado ao aproveitamento dos vales úmidos e à elevação da
produtividade na faixa semiárida, assim como à implantação de corredores de
exportação no Nordeste (SOUZA, 1997).
Vai ser principalmente através do PIN que o Estado induzirá um processo de
modernização agrícola no Nordeste. No II PND, na segunda metade da década de 1970,
vai ser financiado pelo PIN o I Plano Plurianual de Irrigação, em 1978 (VALENCIO,
1995).
Esse Plano possibilitou a generalização de empreendimentos privados de
irrigação, através da facilitação do acesso a água, empreendimentos estes que usavam
técnicas modernas. O Estado Autoritário também estava sedento de divisas para pagar a
dívida com o FMI, por isto incentivou a agroexportação em bases modernas, investindo
em fixos que dessem uma infraestrutura para essa nova agricultura (VALENCIO, 1995).
O Programa Plurianual de Irrigação incluiu 36 Projetos do DNOCS localizados
no Polígono das Secas, havendo prioridade de verbas para os projetos situados nos
Vales Úmidos, a saber: Gurgueia e Parnaíba, no Piauí; Acaraú e Jaguaribe, no Ceará;
Itapicuru e rio das Contas, na Bahia e Açu e Apodi, no Rio Grande do Norte. Foi nesse
contexto do Programa citado que foi construída a Barragem “Armando Ribeiro
Gonçalves”, que iria servir de suporte para a entrada de Ipanguaçu na Revolução Verde,
na Modernização da Agricultura e, consequentemente, em uma agricultura de mercado
com bases empresariais.
Segundo Santos e Silveira (2001), nessa época da implantação de importantes
capitais fixos que são adicionados ao território, como a Barragem de Açu, este passa a
ganhar
[...] novos conteúdos e impõe novos comportamentos graças às enormes possibilidades de produção e sobretudo da circulação dos insumos, dos produtos, do dinheiro, das idéias e informações, das ordens e dos homens. É a irradiação do meio técnico-científico-informacional que se instala sobre o território, em áreas contínuas no Sudeste e Sul ou constituindo manchas e pontos no resto do país (SANTOS e SILVEIRA, 2001, p.52, grifos nossos).
A referida Barragem vai viabilizar a irradiação do meio técnico-científico-
informacional e a Revolução Verde, bem como a modernização da Agricultura e do
Capitalismo Agrário, naquela mancha onde está localizado Ipanguaçu, no meio do sem-
árido nordestino.
O espaço local, com a emergência da Barragem, vai ser requalificado, com vistas
a passar a atender sobretudo aos interesses dos atores hegemônicos da Economia,
passando a incorporar o espaço da produção globalizada (SANTOS, 2002a).
Até a Barragem de Açu ser construída e haver essa reinserção da região no
Mundo Globalizado, tem-se um longo processo histórico que começa na década de 1930
com estudos realizados pela Inspetoria de Obras Contra as Secas (IFOCS).
Desde o final da década de trinta (1937-1939),
[...] o Vale do Açu vinha tornando-se objeto de estudo e de sondagens em campo, realizados pela antiga Inspetoria de Obras Contra as Secas – IFOCS, na procura de uma melhor solução para o disciplinamento do rio Açu que, com suas cheias, chegava a inundar povoados. Com essas sondagens, buscava-se encontrar um local adequado para uma acumulação d´água que possibilitasse um programa mais intensivo de irrigação (FERNANDES, 1992, p.43).
O primeiro local escolhido para fazer a Barragem foi o boqueirão chamado
“Barra de Oiticica”, que ficava situado entre o município de Jucurutu e Barra de
Santana. Esse local tinha uma boa fundação em laje exposta por todo o boqueirão e, por
isto, no caso de indenização de terras, os gastos seriam menores, já que inundava uma
área menor pelo estreitamento da bacia hidráulica. Além do mais, haveria também um
melhor aproveitamento da bacia de irrigação (FERNANDES, 1992).
Fernandes (idem, p.45) conta que
[...] em 1954, o Decreto Presidencial nº. 36.370/54, de 21 de outubro, assinado pelo então presidente João Café Filho, declarava de utilidade pública a área do terreno necessária à construção do Açude Público de Oiticica, no município de Jucurutu, no Rio Grande do Norte. A área tinha a dimensão de 143.062.500 m².
No local demarcado como de utilidade pública pelo citado Presidente, começa a
se fazer um campo de pouso para aviação nas proximidades do Açude “Oiticica” e uma
vila de trabalhadores. Mas, em plena construção desta, as obras foram abandonadas por
falta de verbas.
Somente em inícios da década de 1960 é que técnicos dos Estados Unidos em
visita ao Nordeste, em um convênio com a SUDENE, recomendam a continuação do
Projeto do Açude “Oiticica”. (FERNANDES, 1992).
Durante o período de 1967 a 1971, ocorre um novo estudo na Bacia do rio Açu,
encomendada pelo DNOCS à empresa HIDROSERVICE, que aponta um novo lugar
para a construção do Açude: o lugar entre o norte do município de São Rafael e o sul do
então município de Ipanguaçu (hoje, o sul do município de Ipanguaçu se emancipou
formando um novo município chamado “Itajá”). A futura barragem ganha o nome
“Armando Ribeiro” em homenagem ao alto funcionário (engenheiro), morto na época.
(SANTANA, 1997; FERNANDES, 1992).
A Barragem de Açu começa a sair do papel com o Decreto nº. 76.046, de 29 de
julho de 1975, que declarava de utilidade pública uma área de aproximadamente
158.476,84 ha. Mas essa Barragem era apenas uma das fases do chamado Projeto
Baixo-Açu, que estava começando a ser implementado (SANTANA, 1997).
Esse Projeto foi concebido como um conjunto de três fases distintas, segundo
Silva (1992), a saber: 1ª Fase - correspondeu à construção da Barragem “Armando
Ribeiro Gonçalves”, no leito do rio Piranhas-Açu, com capacidade para acumular uma
estimativa de 2,4 milhões de m³ de água e um prazo de execução de três anos; 2ª Fase -
correspondente ao assentamento, a montante da Barragem, da população desalojada pela
inundação das terras. Como forma de sobrevivência, as famílias seriam beneficiadas
com a implantação de um polo pesqueiro; e finalmente a 3ª Fase - que constaria da
instalação, na Bacia de Irrigação, a jusante da Barragem, do Projeto de Assentamento de
Irrigantes, numa área de 22.000 ha, em áreas aluvionais.
Em 1975, começa a vir a público o teor do Projeto de Irrigação, a ser implantado
na região pelo Governo do Estado e o DNOCS:
A meta global do projeto seria irrigação de 22 mil hectares, mas, até 1979, previa-se atingir 8 mil hectares, o que possibilitaria o assentamento de mil empresas familiares, 3500 empregos diretos e 1450 indiretos, com uma produção prevista de arroz, amendoim, trigo, tomate, cebola, banana, uva, maracujá e forrageiras (FERNANDES, 1992, p.48).
Segundo Fernandes (1992), o DNOCS, no I Simpósio de Desenvolvimento do
Vale do Açu, em janeiro de 1977, passava as seguintes informações sobre o Projeto
Baixo-Açu: para a Bacia de Irrigação, a proposta inicial era a de assentamento de 2.812
famílias, sendo que, na primeira fase do Projeto, seriam irrigados 7.000 ha na margem
direita do rio Açu; na segunda fase, seriam irrigados, no prazo de quatro anos, 8.000 ha
na margem esquerda do rio no trecho Açu-Pendências; e, na terceira fase, no prazo de
seis anos, seriam irrigadas mais 7.000 ha na área do Tabuleiro. O Projeto de Irrigação
iria beneficiar mais de 3500 colonos, que estariam cultivando suas terras com uma
moderna tecnologia, dentro de mais seis a oito anos, tempo necessário para a total
implantação do Projeto. O colono desapropriado teria vantagem na seleção para colono
do perímetro irrigado, a ser feita por técnicos do DNOCS. Os órgãos financiadores
seriam os Bancos do Brasil e do Nordeste.
O referido Projeto também tinha o objetivo de implantar na região do Baixo-
Açu uma agricultura de mercado, em bases empresariais e com razoável nível de
produtividade.
No ano de 1975, é dado início ao processo de desapropriação nas áreas de
influência do Projeto Baixo-Açu. Dos vários municípios atingidos por esse processo,
Ipanguaçu iria ser o único a ser atingido duplamente, com desapropriações na área de
construção do reservatório (4.931 ha) e na área onde iria funcionar o perímetro de
irrigação, (10.362 ha) (Quadro 29).
Quadro 29 - Projeto Baixo-Açu. Áreas diretamente atingidas pelo Projeto Área Afetada (ha)
Reservatório Total Município Superfície
Territorial (ha)
Perímetro de Irrigação
Desap. Inund. Desap. Inund.
São Rafael
Jucurutu
Ipanguaçu
Açu
44.300
99.900
60.600
151.000
-
-
10.362
-
20.636
10.152
4.931
5.510
9.665
4.278
2.311
2.846
20.636
10.152
15.293
5.510
9.665
4.278
2.311
2.846
Total 355.000 10.362 41.337 19.100 51.799 19.100
Fonte: DNOCS (1979 apud VALENCIO, 1995).
Em meados de 1970, iniciou-se o processo de desapropriação executado pelo
DNOCS de 3.955 famílias, sendo 1.262 na região do Projeto de Irrigação e 2.693 na
Bacia Hidráulica, chegando a um total de 20.250 pessoas (VALENCIO, 1995).
Paralelamente a esse processo, o Governo suspende o financiamento da
produção agrícola feito pelas agências do Banco do Brasil na região do Baixo-Açu,
ordenando também o bloqueio do cartório para a alienação de imóveis.
A suspensão de financiamentos desde 1975 pelo Banco do Brasil, para
investimentos na área desapropriada, vai acarretar a desvalorização da área e a redução
dos valores das indenizações a serem pagas. O bloqueio do cartório para a alienação de
imóveis poderia ser de grande valia para a proposta de distribuição de terras e servir,
como hoje se constata, para uma posterior concentração de terras em áreas beneficiadas
com os recursos do Setor Público (FERNANDES, 1992).
Essas desapropriações, que foram pagas com desvalorização de dois anos após
serem avaliadas (vale lembrar que a desvalorização mensal da moeda por conta do
processo inflacionário era da ordem de 15% a 20%), no ano de 1979, causaram grande
prejuízo para todos que receberam indenizações, dos pequenos aos grandes. Para piorar
a situação, segundo a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Rio
Grande do Norte, 70% da população diretamente atingida pelas indenizações não
dispunham de título de propriedade da terra e 59% eram moradores. Todos eles estavam
excluídos das indenizações pagas pelo DNOCS (BONETI, 1998).
Todos esses fatores, junto com um acidente que vai causar a queda da parede da
Barragem, ainda na sua construção, vão acirrar os ânimos tanto dos agricultores
prejudicados pelas indenizações ou pela falta delas, quanto pelos grandes latifundiários
tradicionais da área, que começaram a ter prejuízos com a falta de crédito e com as
baixas e desvalorizadas indenizações. Esses dois grupos distintos se unem junto com
padres e bispos da Igreja Católica e com os sindicatos dos trabalhadores contra a
construção da Barragem (Foto 1). ,
Foto 1 - Pichações contra a Barragem de Açu.
Fonte: Arquivo do NUT Seca – UFRN (1979)
Para piorar a situação, muitos proprietários não receberam as indenizações no
prazo fixado, mas as máquinas da empreiteira Andrade Gutierrez, empresa contratada
para a obra não tomaram conhecimento disto. Como cita Boneti (1998, p.98):
No mês de agosto de 1979, grande parte dos ex-proprietários localizados na área desapropriada pelo DNOCS não havia ainda recebido suas indenizações e permanecia em suas propriedades. Mesmo assim, as máquinas da companhia construtora da barragem começaram o serviço de terraplanagem, demolindo cercas e desmatando as propriedades ainda habitadas [...] invadiram até mesmo propriedades não pertencentes à área a ser desapropriada pelo DNOCS.
Com esses atos e desapropriações, o Governo estava formando assim uma nova
conformação da estrutura fundiária dos municípios atingidos, principalmente Assu e
Ipanguaçu. A falta de informação da população e as notícias de que a barragem podia
estourar a qualquer momento, além da falta de credibilidade do DNOCS, fez muitos
agricultores nem esperarem pelas indenizações e alimentarem o mercado paralelo de
compra e venda de terras, vendendo sua terra por um preço irrisório (BONETI, 1998).
Mas vai ser com a presença de agentes do grande capital, comprando terras, que
se vai possibilitar o estabelecimento de um mercado de terras, cuja dinâmica jamais
tinha sido imaginada na região.
A estrutura fundiária já era extremamente concentrada antes do Projeto Baixo-
Açu. De acordo com o Censo Agropecuário de 1970, essa estrutura se configurava da
seguinte maneira: dos 9.504 estabelecimentos que ocupavam uma área total de 837.632
ha, 38,9% possuíam tamanho menor que 10 ha e ocupavam apenas 1,8% da área total;
46,6% possuíam área de 10 a 100 ha e ocupavam 18,3% da área total; 13,3% possuíam
área de 100 a 1.000 ha e ocupavam 40,2% da área total; 1,2% dos estabelecimentos
possuíam área superior a 1.000 ha e ocupavam 39,9% da área total.
Com a implantação do Projeto e a construção da Barragem “Armando Ribeiro”,
registra-se um descumprimento geral do objetivo de implantar um perímetro irrigado
para os desapropriados e para os agricultores da região. O que se vê é um atraso de mais
de dez anos para a implantação do primeiro perímetro irrigado. Isto só acontecerá em
1992, com apenas pouco mais de 5.000 ha, e não atendia aos desapropriados.
Na verdade, o Estado só colocou em prática a 1ª Fase do Projeto Baixo-Açu, que
foi a construção da Barragem “Armando Ribeiro Gonçalves”, iniciada em 1979 e
concluída em maio de 1983. As duas outras Fases foram “esquecidas”.
A 2ª Fase, com o assentamento da população a montante da Barragem e o Polo
de Piscicultura, foi esquecida, sendo que boa parte da população desapropriada ficou em
casas de madeira em situação desfavorável, em assentamentos, sem água, banheiro e
com terra infértil.
A 3ª Fase, com o Projeto de Irrigação a jusante da Barragem - projeto que,
segundo a propaganda do DNOCS, viria a beneficiar mais de 3.500 colonos diretamente
com um perímetro irrigado que chegaria a mais de 20.000 ha - foi esquecida.
Não sendo concretizadas as desapropriações da área do perímetro irrigado e não
se fazendo perímetro irrigado nenhum, desencadeou-se uma correria de grupos
empresariais nacionais atraídos pela potencialização das possibilidades de irrigação na
região de Ipanguaçu e Açu.
Até alguns grupos multinacionais se interessaram pela área e foram sondados
pelo então Governador Lavosier Maia, que viajou para Honduras e Costa Rica (onde
estão instaladas as maiores Multinacionais Exportadoras de Banana, como a Del Monte
Fresh Produce), logo no início da construção da Barragem. A Multinacional United
Brends, por exemplo, indicou que a região do Baixo-Açu tinha as melhores condições
do Planeta para o cultivo da banana (FERNANDES, 1992). Uma Multinacional do
Setor de Bananas, inclusive, se interessou por plantar bananeiras, querendo, para isto,
3.000 ha e propondo-se também a supervisionar mais 10.000 ha de produção dessa fruta
na região do Baixo-Açu (FERNANDES, 1992).
Apesar dos contatos com essas empresas no início da construção da Barragem,
nenhuma Multinacional se instalou no Baixo-Açu nessa época. Somente com a Del
Monte Fresh Produce, na década de 1990, é que se vai ter a entrada do grande capital
estrangeiro exportador de banana na área.
O que na verdade o Projeto Baixo-Açu propunha, e conseguiu realizar, era
[...] a reversão do padrão de utilização dos solos do Vale, o que compreenderia a eliminação de grande parcela da atividade econômica preexistente, como a agricultura de subsistência e a mineração, tidas como obstáculos a ser transpostos já desde a construção da barragem [...] (VALÊNCIO, 1995, p.66).
Com a Barragem, a mineração que existia no município de São Rafael, o maior
prejudicado, com mais de 20.000 ha desapropriados, foi literalmente por água abaixo,
com o quase desaparecimento dessa atividade.
A agricultura de subsistência também diminuiu muito com a Barragem e, depois
dela, com as compras de terras pelas grandes empresas rurais interessadas em produzir
monoculturas para exportação ou para o mercado interno.
Muitos agricultores que moram ainda hoje na região de terras de várzea de
Ipanguaçu se lembram do que a construção da Barragem trouxe de efetivo para eles.
Alguns têm o que comemorar; outros, nem tanto:
[...] antes da barragem aqui tinha muitas vazantes, agora acabou-se vazante, acabou-se tudo (informação verbal)38.
[...] antes da barragem, esse rio irrigava muita povo em vazante, era uma riqueza de vazante pro povo, sabe [...] as vazante era lá dentro do rio, todo mundo quando tinha, ou terra arrendada, ou que fosse proprietário, onde passava aquele rio, todo mundo ia plantar a sua vazante de feijão e batata, uma fartura de feijão e batata [...] (informação verbal)39.
Esses agricultores citados se lembram, com emoção, do tempo em que eles
tinham as vazantes - as terras que ficam no leito do rio - produzindo. Hoje, sem o
movimento de cheias e secas do rio (disciplinado hoje pela Barragem), que
proporcionavam a agricultura no verão, as vazantes não produzem mais.
Já para os desapropriados pelo DNOCS, a realidade foi bem mais sombria.
Segundo Boneti (1998), logo no início da instalação do Projeto Baixo-Açu, estima-se
que 35% da população diretamente atingida pelo projeto teriam abandonado a região,
sem esperar o desfecho do processo de desapropriação. Um segundo grupo fixou-se no
povoado, depois cidade, de Itajá, perto da parede da Barragem, onde, em sua maioria,
passou a trabalhar como mão-de-obra assalariada nas cerâmicas do entorno. Um terceiro
grupo foi instalado em agrovilas no município de Serra do Mel. Já um quarto grupo de
20% foi reinstalado pelo DNOCS em núcleos de assentamentos a montante da
Barragem de Açu, em núcleos de assentamento na área rural de São Rafael. O resto não
se sabe para onde foi.
Este último grupo, instalado pelo DNOCS, não conseguiu se reintegrar ao novo
processo produtivo, pois foi instalado em uma terra seca onde não existia a condição a
que ele estava acostumado antes, como a agricultura de vazante, colheita da carnaúba,
atividades extrativas de minério.
Os agricultores saíram de uma região de aluvião, que lhes dava acesso ao rio e a possibilidade de produzir nas vazantes, e deslocaram-se para uma região seca e de terras improdutivas [...] Além das terras improdutivas e secas para onde foram encaminhados os desalojados, o acesso à água tornou-se praticamente impossível (BONETI, 1998, p.124).
Tal grupo foi assentado pelo DNOCS em áreas secas, em casas rudimentares de
madeira, que iriam servir de morada provisória enquanto a população era transferida
38 Informação obtida através de entrevista com o morador do Sítio “Olho Dágua”, em Ipanguaçu – RN, na data de 24 de fevereiro de 2005. 39 Informação obtida através de entrevista com o morador do Sítio “Baldum”, em Ipanguaçu, na data de 24 de fevereiro de 2005.
para um perímetro irrigado. Tal morada, todavia, tornou-se permanente pela ausência do
Poder Público que “se esqueceu” dos perímetros irrigados públicos.
O grupo passa a sobreviver através dos favores do Poder Público, como as
Frentes de Emergência, ajuda de políticos locais, programas de assistência social e ajuda
de parentes que moram em cidades de médio e grande porte e que lhe mandam dinheiro.
Santos (1990) constatou a situação de desespero dos desalojados da zona rural
de São Rafael e o rápido abandono dos núcleos rurais pelas populações assentadas por
não terem perspectiva e nem condição de vida decente.
No Quadro 30, nota-se o alto nível de desistência das famílias assentadas pelo
DNOCS nos Núcleos Rurais de São Rafael. De 143 famílias assentadas pelo DNOCS,
68 famílias, ou seja, quase a metade, desistiram de morar nos núcleos e foram para as
cidades. Mesmo com a substituição de alguns desistentes por familiares (no Quadro 30),
o quadro total de famílias residentes (86 famílias) reitera o fracasso do assentamento
dessas famílias com o desaparecimento de quase metade da sua população em menos de
10 anos de implantado.
Quadro 30 - Modalidades de ocupação nos diferentes núcleos de assentamento de São Rafael
Núcleos Famílias Assentadas
Desistentes Ocupação Espontânea
Total de Famílias Residentes
Cajazeiras I 13 10 01 04
Cajazeiras II 12 07 - 05
Cavalo Bravo I
14 04 01 11
Cavalo Bravo II
27 15 01 13
Mazagão I 14 05 02 11
Mazagão II 10 05 01 06
Estreito 23 14 04 13
Fechado (Oiti)
18 03 - 15
Torrões 12 05 01 08
Total 143 68 11 86
Fonte: Adaptado de Santos (1990).
Além de todo esse impacto para os desalojados, a Barragem também vai
provocar profundos impactos ambientais na região, tais como: aumento da capacidade
erosiva do solo de aluvião, devido este não receber mais água e nutrientes do rio, o que
acontecia em épocas de cheias; aumento da potencialidade de salinização; prejuízo para
a ictiofauna (peixes) da região, com o término das migrações do curimatã e piau, peixes
que migravam dos lagos da região para o rio a fim de desovarem - com a Barragem,
essas migrações não acontecem mais, pela ausência de cheias que interliguem o rio e as
lagoas; mudança de ambiente aquático de lótico (relativo a água movente) para lêntico
(relativo a água parada) e mudança também na frequência de peixes endêmicos, que
caiu para 2,5%, enquanto as espécies introduzidas (como a tilápia, tucunaré)
aumentaram para 97,5%; e rápido processo de extinção das matas, com o
aproveitamento das terras para fins de produção agrícola e o desaparecimento de mais
de 5.000 ha de matas de carnaúba (VALENCIO, 1995).
Houve também a ocorrência de tremores de terra na área circunvizinha da
Barragem com o aumento do nível da água da Barragem de Açu. Segundo Assumpção e
Neto (2003), entre 1987 e 1989, o aumento do nível da água na Barragem foi seguido,
aproximadamente três meses depois, por um aumento na atividade sísmica. Entre 1994
e 1996, acontece o mesmo processo, havendo uma incidência de terremotos de até 3
graus de magnitude.
Logo depois da inauguração da Barragem, em 20 de maio de 1983, tem-se o
início da vinda dos grandes grupos para a região do Vale do Açu, enquanto o Governo
“se esquece” dos projetos de assentamentos dos colonos.
4.2.2 Vinda das Empresas Agrícolas
Com o início da construção da Barragem de Açu, observa-se o começo de um
processo de modernização da Agricultura no município de Ipanguaçu, processo este que
ocorre com a entrada de diversas empresas agrícolas nesse Município, pois é a partir da
inauguração da Barragem que vai haver as condições necessárias para que a agricultura
irrigada, com todas as suas técnicas, funcione. Com isto, vai se ter também uma
alteração no preço da terra (ver 3.1.2 – Renda da terra, preço da terra e concentração
fundiária), que aumenta com a implantação da Barragem, valorizando e modificando o
mercado de terras locais (COMÉLIO, REYDON, SARAIVA, 2006).
Com efeito, vai se dar em Ipanguaçu a expansão do meio técnico-científico-
informacional. Este, segundo Santos e Silveira (2001), se expandirá de forma seletiva
com o reforço de algumas regiões e o enfraquecimento relativo de outras.
Além da Barragem, outras vantagens locacionais levaram as empresas a se
instalarem em Ipanguaçu. Dentre elas, pode-se destacar a alta fertilidade de sua terra de
várzea, a proximidade com os portos de Natal e Fortaleza, essencial para o escoamento
nacional e principalmente internacional da produção, e com o seu sistema viário, que já
interligava Ipanguaçu às principais rodovias do País.
Com a chegada dessas empresas, observa-se um processo de reorganização
produtiva do território, com o processo de produção agrícola de Ipanguaçu sendo
totalmente rearranjado. Vai ocorrer, no período de 1979 a 1986, uma transição entre a
produção de alimentos e a fruticultura irrigada, com a redução da área improdutiva e o
aumento do emprego do insumo (120%) e da força de trabalho (400%) (VALENCIO,
1995).
Esses dados dão uma visão clara de transformação do município de Ipanguaçu,
que a passos muito largos vai se incorporando aos paradigmas da Revolução Verde e à
modernização da Agricultura. Tal transformação se dá principalmente com: a
implantação de técnicas modernas de irrigação, a disseminação nas novas empresas do
trabalho assalariado, o aumento no uso de insumos e o redimensionamento da produção,
que era predominantemente de alimentos e passa a ser de frutas irrigadas para mercados
distantes, nacionais e internacionais.
Entre as primeiras empresas a negociarem a terra no município de Ipanguaçu,
após o início da construção da Barragem “Armando Ribeiro Gonçalves”, estão: a
Itapetinga Agroindustrial, a Algodoeira “Âncora”, a Algodoeira “São Miguel”, a
AGROSOL e a FINOBRASA (Quadro 31).
Quadro 31 - Primeiras empresas a negociar terra no período de 1980 a 1985 ANO NOME DA EMPRESA
1980 Itapetinga Agroindustrial 1982 Algodoeira “Âncora” 1982 Algodoeira “São Miguel” 1983 AGROSOL – Agricultura de Mossoró 1985 FINOBRASA Fonte: Dados do Cartório Único de Ipanguaçu
Com a exceção da Itapetinga Agroindustrial, todas as outras empresas
compraram terras perto do final da construção da Barragem ou depois do término desta.
A Itapetinga Agroindustrial vai se instalar no Sítio “Pedrinhas” (Mapa 2), com
uma compra feita de apenas 19,2 ha. Esse Sítio se situa perto da área de várzea e do rio
Açu. A referida empresa é de origem local, mas especificamente de Natal, sem muita
expressão.
A Algodoeira “Âncora” vai começar a comprar terras em Ipanguaçu em 1982, já
de uma forma bastante agressiva, visto que, só nesse ano, adquire três propriedades,
somando mais de 500 ha de terras. Ligada ao ramo de fibras de algodão, essa empresa
concentra as suas três primeiras propriedades no mesmo lugar, qual seja, no Sítio
“Ubarana” (Figura 2), região de várzea, perto do rio Açu, que tem alta fertilidade
natural.
Segundo Silva (1992), existiam dois objetivos que nortearam o movimento
empresarial para a região do Baixo-Açu (Ipanguaçu e Açu, mais especificamente), em
um primeiro momento. O primeiro objetivo tinha por alvo as fibras de algodão; o
segundo, a fruticultura irrigada, visando ao mercado interno e externo. Essa empresa
instalada em Ipanguaçu tinha o propósito de praticar a agricultura irrigada de algodão e
o seu processamento.
Segundo o Quadro 14, pode-se notar que essa empresa fazia parte de um grupo
majoritário que pretendia usar as terras que comprava em Ipanguaçu para o
aproveitamento da agricultura irrigada de algodão.
Das quatro empresas que entraram em Ipanguaçu durante e depois da construção
da Barragem até 1985, três estavam diretamente vinculadas ao negócio do algodão (não
se têm dados sobre a vinculação ou não da AGROSOL com o algodão irrigado). Além
da Algodoeira “Âncora”, também se tem a Algodoeira “São Miguel”, que, entre 1982 e
1985, comprou quatro propriedades, totalizando mais de 100 ha de terras - todas elas
localizadas também no Sítio “Ubarana”, perto do rio Açu, em uma região de solos de
várzea.
Não se pode esquecer da Fiação Nordeste do Brasil S/A (FINOBRASA), que
começava a comprar terras em Ipanguaçu em 1985. Essa empresa também tinha o
objetivo inicial de cultivar o algodão irrigado.
4.2.3 Impactos Fundiários da Chegada das Empresas (1979-1992)
A partir do início da construção da Barragem “Armando Ribeiro Gonçalves”,
nota-se uma certa movimentação no mercado de terras de Ipanguaçu, a qual vai
aumentar significativamente depois do fim dessa construção, chegando a dobrar e até
triplicar o número de transações de terras, conforme demonstram os dados do Gráfico 1.
No Gráfico 9, pode-se ver o número de transações de terra efetuadas no período
que abrange de 1979 a 1992. Vale lembrar que esse número é baseado em dados brutos,
representando os números reais de transações cartoriais. Dentro desse período percebe-
se que foi a partir de 1980, principalmente com o início da construção da Barragem, que
passou a ocorrer um aumento no número de transações de terras, principalmente
naquelas propriedades entre 10 e 100 ha. Entre 1980 e 1987, esse tipo de propriedade
chegou a ter um aumento de negociação da ordem de aproximadamente 100% ou mais.
Gráfico 9 - Número de transações de terra por ano e ha (1979 a 1992).
0
10
20
30
40
50
60
70
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
Ano
Número de transações de terra por ano e ha (1979 a 1992)
0 a 10 ha
10 a 100 ha
+ 100 ha
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)
Entre 1980 e 1983, já se nota que o volume de transações de terra naquelas
propriedades entre 10 e 100 ha passa de pouco mais de 30 por ano, em 1980, para cerca
de 55, em 1983 - um aumento de quase 100%, embora, nesse mesmo período, ocorra
um movimento de oscilação sem definição aparente nas propriedades de terra com mais
de 100 ha e com pequena alta nos minifúndios entre 0 a 10 ha.
Entre 1986 e 1987, tem-se uma nova alta no número de transações de
propriedades entre 10 e 100 ha e as que têm mais de 100 ha, devido à entrada, no
Município, da FINOBRASA, que irá comprar grande quantidade de terras. A partir de
1988 até 1992, nota-se uma queda dessas transações em todos os tipos de propriedade -
o que vai revelar o processo de decadência de muitas empresas que se estabeleceram em
Ipanguaçu.
A partir do que se vê no Gráfico 9, conclui-se que, já durante a construção da
Barragem, começa a se intensificar o número de transações de terra no município de
Ipanguaçu, mantendo-se esse movimento principalmente entre o período de 1981 a
1987, com a participação intensa da camada de propriedades de 10 a 100 ha e com a
participação oscilante das outras duas camadas.
Observando mais atentamente os dados do referido Gráfico, podem-se inferir
algumas observações sobre o movimento intenso de transações de terra que ocorreu em
boa parte do período entre 1979 e 1992, em Ipanguaçu. Para isto, procedeu-se à
classificação dos tipos dessas transações em que se considerava aquele por quantidade
de transações e o por área transacionada em hectares. Tal classificação segue os passos
adotados por Moura (1989), quando esta classifica nove tipos de transações de terras, a
saber: adjudicação, arrendamento, desapropriação, herança, hipoteca, permuta,
usucapião, venda e doação.
O tipo de transação de terra que mais se sobressaiu, entre os anos de 1979 a
1992, foi o da compra e venda de terras, com mais de 1/3 de toda a quantidade
transacionada no período. Esse tipo foi seguido de perto pelo da hipoteca, com 30% de
toda a quantidade transacionada no período (Gráfico 10).
No Gráfico em questão foi também observada a presença da herança - com mais
de 10% de todas as transações do período - e a da desapropriação - com quase 10% das
mesmas transações. A desapropriação vai ganhar esse destaque por causa das que
ocorreram ao sul do município de Ipanguaçu, na área onde foi construída a Barragem.
Gráfico 10 - Tipo de transação de terras e a área transacionada (1979 a 1992).
0%10%20%30%40%50%
AdjudicaçãoArrendam
entoDesapropriação
HerançaHipotecaPerm
utaUsucapiãoVendaDoação
Tipo de transação de terras e área transacionada (1979 a 1992)
Quantidade
Área
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)
Os dados contidos no Gráfico 10 revelam claramente o processo de capitalização
das transações de terras de Ipanguaçu, seja por meio do processo de compra e venda,
que se registra de forma acelerada nesse período, seja por meio das hipotecas, que
refletem o caráter capitalista da produção agrícola desse Município, reforçando a
dependência do campo ao sistema financeiro. Só estes dois tipos de transação são
responsáveis por quase 2/3 de todas as transações de terras nesse período em Ipanguaçu.
Tal processo de capitalização das terras no referido Município, principalmente
pelo processo de compra e venda, vai dar origem a uma nova conformação na sua
estrutura fundiária. Esta não vai mais se caracterizar pelo predomínio da pessoa física,
dos agricultores e produtores rurais tradicionais do lugar, e sim pelo predomínio da
pessoa jurídica, das empresas, na sua maioria, empresas agrícolas que não têm origem
em Ipanguaçu. Empresas que vão estar em conformidade com os ditames da Revolução
Verde, da modernização da Agricultura.
Essa nova estrutura fundiária de caráter empresarial começa a se desenvolver
principalmente durante a construção da Barragem de Açu. Conforme demonstra o
Gráfico 11, a partir de 1982, perto do final da construção dessa Barragem, já começa a
se intensificar o processo de compra e venda envolvendo as pessoas jurídicas, na sua
imensa maioria, empresas agrícolas. Mas, é a partir de 1986 que vai se consolidar o
movimento empresarial em direção a Ipanguaçu. Movimento este que tem como seu
ápice justamente o ano de 1986, quando são negociados mais de 2.000 ha de terra com a
participação de pessoas jurídicas, na sua maior parte empresas rurais, intensificando-se
até 1989. A partir de 1990, porém, o movimento de transações de compra e venda tem
uma queda significativa (Gráfico 11).
Gráfico 11 - Compra e Venda de Terras por Pessoa Jurídica em Ipanguaçu (1979 a 1992).
COMPRA E VENDA DE TERRAS POR PESSOA JURÍDICA EM IPANGUAÇU
1979 A 1992
0
500
1000
1500
2000
2500
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
ÁREA- HA
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos) Vale lembrar que, além do movimento de compra e venda de terras pelas
empresas que afetou profundamente o mercado de terras de Ipanguaçu, não se pode
deixar de ignorar o movimento de terras ocasionado pelas intervenções do Governo
(Gráfico 12), majoritariamente a partir de desapropriações para o Projeto Baixo-Açu
(com exceção única da intervenção de 1987 feita pelo INCRA) . Nota-se que, entre
1979 e 1984, o Governo, através do DNOCS, desapropriou cerca de 2.500 ha de terras
para o Projeto Baixo-Açu, interferindo diretamente em mais de 70 propriedades.
Gráfico 12 - Movimento de terras com intervenção do Governo por área (1979 a 1992)
0
500
1000
1500
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
Movimento de terras com intervenção do governo por área (1979 a 1992)
Área - ha
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)
No início de 1990, grande parte das terras de várzea de Ipanguaçu já pertencia a
empresas agrícolas, ficando com os produtores tradicionais e pequenos proprietários do
lugar uma pequena parcela das terras que antes eram suas. Esse movimento de compra
de terras por empresas agrícolas, conforme foi visto, alterou profundamente a estrutura
fundiária de Ipanguaçu, concentrando as terras nas mãos de grupos empresariais que na
sua maioria não pertenciam ao referido Município. Essa alteração se deu,
principalmente, nas terras mais férteis - terras de várzea -, porque era onde a renda
diferencial oferecida era mais alta. Como se observa no Gráfico 13, a compra por
grupos empresariais foi direcionada principalmente para as localidades de Ubarana e
Arapuá, áreas vizinhas, conhecidas pelos solos férteis na parte norte da várzea do
município de Ipanguaçu.
Gráfico 13 - Compra e venda por área e principais localidades (Empresas) (1979 a 1992)
010002000300040005000
Arapuá
Baldum
Corrego do
Maia
Cuó
Havaí
Japiaçu
OlhoD
água
Ubarana
Veneza
Compra e venda - Empresas - por área e principais localidades (1979 a 1992)
Área -ha
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)
No Quadro 32, pode-se observar quais foram as empresas que compraram mais
terras, se compraram de outra empresa agrícola e em que período ocorreram as
principais compras.
Nesse contexto, percebe-se que havia um predomínio de dois tipos de empresas
agrícolas, a saber:
- as que trabalhavam com a cotonicultura irrigada para abastecer suas indústrias,
que beneficiavam as fibras de algodão, das quais são exemplos a FINOBRASA, a
Algodoeira “Âncora” LTDA, a Algodoeira “São Miguel” S/A, a Companhia Nacional
de Estamparia e a Agropecuária “São Guilherme” (empresa do grupo GIORGI), e
- as empresas que trabalhavam com a fruticultura irrigada para abastecer o
centro-sul do País e até o mercado externo, em alguns casos. São exemplos desse tipo
de empresas agrícolas a “Frutas do Nordeste LTDA” (FRUNORTE) e a Agropecuária
“Seridó”.
Com base também nesse Quadro, nota-se que, como já mostrava o Gráfico 11,
os anos que tiveram o maior movimento de compra e venda de terras pelas empresas
agrícolas foram os do período de 1986 a 1989. Nesses anos ocorreram mais de 2/3 de
todas as negociações de compra e venda de terra envolvendo empresas agrícolas - a
maioria delas na localidade de Ubarana, mas também nas localidades de várzea
chamadas de “Veneza”, “Baldum”, “Arapuá” e “Cuó”.
Observa-se também que o maior comprador de terras do Município é a
FINOBRASA, que começou sua ação em 1985, continuando o processo de compras até
quase o final do período estudado - 1991.
Quadro 32 - Compra e venda de terras das empresas agrícolas em Ipanguaçu por área e localidade (1979 a 1992)40 Ano Empresa Situação Área (ha) Localidade 1980 Itapetinga Agroindustrial S/A Compra 19,2 Pedrinhas 1982 Algodoeira “Âncora” LTDA Compra 242 Ubarana 1982 Algodoeira “Âncora” LTDA Compra 44,7 Ubarana 1982 Algodoeira “São Miguel” S/A Compra 25,1 Ubarana 1982 FARCOL – Fazendas
Reunidas Constantino S/A Venda 257,3 Ubarana
1982 Algodoeira “Âncora” LTDA Compra 257,3 Ubarana 1983 Algodoeira “Âncora” LTDA Compra 32,5 Ubarana 1983 AGROSOL – Agricultura de
Mossoró LTDA Compra 85 Havaí
1984 Algodoeira “São Miguel” S/A Compra 41,2 Ubarana 1984 Algodoeira “São Miguel” S/A Compra 38,7 Ubarana 1984 Algodoeira “São Miguel” S/A Compra 30,2 Ubarana 1985 FINOBRASA Compra 5 Havaí 1986 FINOBRASA Compra 185,8 Ubarana 1986 FINOBRASA Compra 40 Ubarana 1986 Algodoeira “São Miguel” S/A Compra 36,3 Ubarana 1986 AGROSOL – Agricultura de
Mossoró LTDA Venda 85 Havaí
1986 FINOBRASA Compra 85 Havaí 1986 Agropecuária Vale do Açu
LTDA Compra 318,7 Olho Dágua
1986 FINOBRASA Compra 87,1 Olho Dágua 1986 FINOBRASA Compra 43,5 Havaí 1986 FINOBRASA Compra 1,6 Havaí
40 No Quadro 32, foram colocadas em destaque (negrito) as operações de compra e venda feitas
entre as próprias empresas agrícolas. Quando a negociação de compra e venda não envolve duas empresas agrícolas, mas apenas uma empresa e uma pessoa física, essa negociação não aparece em destaque.
1986 FINOBRASA Compra 33,8 Ubarana 1986 FINOBRASA Compra 9,9 Havaí 1986 Montenegro Agroindustrial –
MASA Venda 190 Itú
1986 FINOBRASA Compra 190 Itu 1986 Fazendas Reunidas
Constantino LTDA – FARCOL
Venda 584,5 Ubarana
1986 FINOBRASA Compra 584,5 Ubarana 1986 FINOBRASA Compra 124,4 Veneza 1986 FINOBRASA Compra 85,6 Japiaçu 1986 FINOBRASA Compra 40 Ubarana 1986 FINOBRASA Compra 7 Havaí 1986 FINOBRASA Compra 40 Ubarana 1986 Agropecuária “Vale do Açu”
LTDA Compra 318,7 Olho Dágua
1986 FINOBRASA Compra 24 Pau do Jucá 1987 FINOBRASA Compra 174,2 Capivara 1987 FINOBRASA Compra 71,3 Ubarana 1987 FRUNORTE – Frutas do
Nordeste LTDA Compra 30,7 Sacramentinho
1987 FINOBRASA Compra 51,3 Veneza 1987 FINOBRASA Compra 16 Arapuá 1987 FINOBRASA Compra 20 Arrapuá 1987 FINOBRASA Compra 721,3 Arapuá 1987 FRUNORTE – Frutas do
Nordeste LTDA Compra 27,5 Pau do Jucá
1987 Agropecuária “Seridó” LTDA Compra 12 Japiaçu 1987 FINOBRASA Compra 154,2 Ubarana 1987 FINOBRASA Compra 295,2 Arapuá 1987 FINOBRASA Compra 25,7 Arapuá 1987 FINOBRASA Compra 121,7 Arapuá 1987 FINOBRASA Compra 83,6 Arapuá 1988 FINOBRASA Compra 16,5 Arapuá 1988 FINOBRASA Venda 11,3 Japiaçu 1988 FINOBRASA Venda 39,5 Japiaçu 1988 M. M. de Medeiros Compra 153 Cuó 1988 Algodoeira “São Miguel” S/A Venda 821,4 Ubarana 1988 Companhia Nacional de
Estamparia Compra 821,4 Ubarana
1988 Algodoeira “São Miguel” S/A Venda 422,4 Ubarana 1988 Companhia Nacional de
Estamparia Compra 422,4 Ubarana
1989 FINOBRASA Compra 8,2 Veneza 1989 Agropecuária “São Guilherme”
LTDA Compra 101,2 Baldum
1989 Agropecuária “São Guilherme” LTDA
Compra 49,8 Baldum
1989 Agropecuária “São Guilherme” Compra 101,2 Baldum
LTDA 1989 Companhia Nacional de
Estamparia Venda 399 Ubarana
1989 Pereira da Silva Empreendimentos Imobiliários LTDA
Compra 399 Ubarana
1989 Companhia Nacional de Estamparia
Venda 422,4 Ubarana
1989 Pereira da Silva Empreendimentos Imobiliários LTDA
Compra 422,4 Ubarana
1989 FINOBRASA Compra 8 Veneza 1990 FINOBRASA Compra 54,3 Veneza 1990 FINOBRASA Compra 54,3 Veneza 1990 FINOBRASA Compra 12,9 Veneza 1990 FINOBRASA Compra 48,7 Arapuá 1991 Agropecuária “São Guilherme”
LTDA Compra 139,3 Cuó
1991 FRUNORTE – Frutas do Nordeste LTDA
Venda 27,5 Pau do Jucá
1991 Agropecuária “São Guilherme” LTDA
Compra 31,2 Baldum
1991 FINOBRASA Compra 311,1 Passagem Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu
Com os dados contidos no referido Quadro, fica evidenciado que a maioria das
negociações de compra e venda de terra se deu entre pessoas físicas e empresas
agrícolas (cerca de 80% das transações de compra e venda) e que apenas 20% do total
negociado ocorreram entre as próprias empresas agrícolas. Isto significa que a maior
parte das propriedades pertencia a pessoas (pessoa física) em geral do lugar e que,
depois da construção da Barragem, tal realidade se modificou: as propriedades agrícolas
passaram para as mãos das empresas rurais (pessoa jurídica), causando, com isto, um
maior nível de concentração fundiária.
Observa-se, também, que as negociações de terras feitas entre as próprias
empresas rurais envolvem um grande volume de terras, sendo este quase sempre
superior a 200 ha por negociação de compra e venda, chegando a patamares superiores a
800 ha por negociação.
A negociação entre empresas, apesar de representar apenas 20% do total de
propriedades negociado, tem um peso muito maior, quando se leva em conta não
somente o número de propriedades negociadas, mas também a área negociada. Com
isto, a importância desse tipo de negociação entre empresas rurais sobe, representando
muito mais de que apenas 20%. Somente nos anos de 1988 e 1989, as negociações entre
as empresas rurais, para a compra e venda de terras, atingiram patamares superiores a
80% da área negociada nesses anos.
Se se levar em conta as compras de terras entre empresas e as de terras entre
empresas e pessoas físicas, ter-se-á como saldo desse período um intenso processo de
concentração fundiária que vai afetar sobremaneira o preço da terra no município de
Ipanguaçu.
Segundo Silva (1999, p.310), “
[...] a constituição de um mercado de terras com essas características levou ao estabelecimento de patamares tão elevados de valorização de terras, que aos poucos foram eliminados desse mercado os investidores locais, constituindo-se no que se convencionou chamar ‘economia de forasteiros’.
Esse processo de compra de terras e de concentração fundiária vai causar um
grande impacto sobre as populações das áreas atingidas por ele. Muitas pessoas vão se
lembrar com emoção do tempo antes e depois das chamadas “firmas” - termo usado
pelos populares que moram nas localidades atingidas pela compra de terras nesse
período.
[...] a gente tinha seu roçado, quando batia o inverno cada cá tinha que plantar o seu roçado né [...] hoje ninguém pranta é tudo parado, é difícil [...] tem gente por ai que planta de algoação né e ai as firma tomou conta do vale e ninguém pode mais trabalhar né [...] de primeiro a gente tinha o roçadozinho, tinha o feijão, a batata, o milho, o algodão, pra comprar a roupinha [...] hoje só dá somente pra despezasinha que a gente faz, e mal (informação verbal)41. No tempo que eu era mais nova eu achava melhor o tempo de plantiu, né, agente plantava, tinha o que comer, tinha o que vender. E na firma você sabe que você só tem aquele totalzinho certo de ganhar né. A não ser que um pegue uma sortinha maior que faça uma hora extra, uma coisa, que quebre o galho melhor [...]Você sabe, o pião vem só pra sofrer, só entra ganhando salário e só sai ganhando salário. E um salário hoje em dia, agente vive porque de qualquer maneira agente vive, não dá pra sobreviver não (informação verbal)42.
Com o território começando a se concentrar nas mãos das empresas agrícolas,
têm-se assim novos comportamentos desses territórios, com novas formas de produção
de alimentos, de circulação de insumos, de ideias e de informações, além do aumento do
capital de giro no Município. É a irradiação do meio técnico-científico-informacional
que se instala em Ipanguaçu.
41 Informação obtida através de entrevista com o morador do Sítio Ubarana, em Ipanguaçu, em 24 de fevereiro de 2005. 42 Informação obtida através de entrevista com a moradora do Povoado “Base Física”, em Ipanguaçu, em 24 de fevereiro de 2005.
4.2.4 Impactos da Chegada das Empresas Agrícolas no Mercado de Trabalho e nas
Relações de Trabalho de Ipanguaçu
Essa concentração de terras e a valorização do seu preço resultam num aumento
em todas as rendas da terra. Aliás, com a chegada das empresas agrícolas em Ipanguaçu,
dá-se também uma tendência a mudanças nas rendas da terra que existiam nesse
Município, o qual, assim como toda a região do Baixo-Açu, utilizava-se muito de
rendas da terra pré-capitalistas, antes da chegada das empresas agrícolas. Nesse período,
muitos agricultores já não eram donos de terras, por causa do índice elevado de
concentração fundiária que já existia na região, o que os levava a submeter-se aos donos
da terra pagando a renda pré-capitalista.
Muitos eram meeiros, ou seja, pagavam a renda da terra em produtos - nesse
caso, 50% da produção tinham que ser pagos para o proprietário de terras. Nos últimos
anos, a parceria estava sendo bastante utilizada na região. Ela era uma forma de renda
da terra em produtos. “O proprietário entra com a terra cortada, com o cacimbão, com a
energia, com o motor e o plantador com o trabalho; aí dividem meio-a-meio, as
despesas e o lucro.” (SILVA, 1992, p.71).
Segundo o referido autor, a parceria continuaria sendo uma opção, até mesmo
com a chegada das grandes empresas à região na década de 1980 - uma opção,
principalmente para os proprietários que não tinham recursos financeiros, nem mão-de-
obra qualificada e nem tecnologia.
Entretanto, para as grandes empresas que chegavam, como as que foram citadas
no Quadro 32, a parceria não existia. Estas, que tinham um elevado padrão tecnológico,
utilizavam-se na sua maioria do assalariamento permanente ou temporário.
Com o crescimento das empresas em Ipanguaçu, crescia o assalariamento e ao
mesmo tempo começava a declinar a extração da renda da terra pré-capitalista em
produto, como a parceria.
Análise de dados do Ministério do Trabalho
Com base em dados plotados do banco de dados da Relação Anual de
Informações Sociais - RAIS, do Ministério do Trabalho e Emprego (1985-2008),
observa-se no Quadro 33 o número de trabalhadores assalariados por setor de atividade
econômica, durante o período de 1985 a 1992, no município de Ipanguaçu. Vale
lembrar que 1985 foi o ano em que se iniciou a série estatística da RAIS, feita pelo
Ministério do Trabalho, daí porque não se têm dados anteriores a esse período no
referido banco.
Observando o Quadro 33, nota-se claramente o aumento da importância do Setor
da Agropecuária frente os outros setores na geração de empregos assalariados durante a
série histórica estudada em Ipanguaçu, passando de um número de 99 empregados
assalariados, em 1985, para um pico de 606, em 1989. Esse aumento está vinculado
diretamente à chegada de grandes empresas agrícolas nesse Município, principalmente
com o advento da FINOBRASA. Essas empresas vão se utilizar, prioritariamente, do
trabalho assalariado, renegando métodos tradicionais de parceria que existiam em toda a
região do Vale do Açu.
Com a chegada dessas empresas agrícolas, o Setor Agrícola passa a ser o setor
com o maior numero de empregos assalariados do município de Ipanguaçu,
ultrapassando a indústria de transformação (principalmente as cerâmicas), tradicional
fonte de empregos assalariados do Município.
Observa-se no Quadro 33 que nos anos de 1989 até 1991 o Setor Agropecuário
vai ser o setor com maior geração de empregos daquele município, chegando a
representar, em 1989 e em 1990, mais da metade de todos os empregos de carteira
assinada.
Quadro 33 - Ipanguaçu: Vínculos ativos por setor de atividade econômica (1985-1992) Setor 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 Extração Mineral 0 0 0 0 0 0 0 0 Ind. Transformação
295 337 360 326 320 252 285 143
Serv. Indústria 0 0 0 0 0 2 3 2 Construção Civil 0 0 0 0 0 0 0 0 Comércio 12 13 15 13 11 12 12 4 Serviços 20 18 19 26 27 27 26 18 Adm. Pública 113 142 156 0 166 188 0 208 Agropecuária 99 56 72 172 606 587 383 6 Total 539 566 622 537 1137 1077 718 411 Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho e Emprego (2011). Dados organizados pelo autor.
Em 1991 e 1992, o quadro se reverte, tanto na geração geral de empregos
assalariados municipais, quanto na de empregos agrícolas. Tem-se uma forte contração
do emprego assalariado que cai de 1137, em 1989, para 411, em 1992, agravando a
situação do emprego formal no município. No Setor Agropecuário, o trabalho
assalariado praticamente sumiu em 1992. Era a época em que várias empresas agrícolas
estavam abandonando a produção por problemas econômicos.
Sobre o perfil ocupacional do período citado, pode-se inferir, segundo dados
apurados do banco de dados da RAIS, do Ministério do Trabalho, no período de 1985
até 1992, que se tem um perfil ocupacional sendo direcionado gradativamente para as
ocupações agrícolas assalariadas durante todo o período estudado, com exceção dos
primeiros anos da década de 1990, quando se observa claramente um nível de emprego
baixo em todos os setores analisados, principalmente no Setor Agrícola, onde o
emprego assalariado quase sumiu em 1992.
Em 1985, Ipanguaçu tinha como principais ocupações em número de
assalariados as seguintes profissões: ceramistas, com 206 empregados, representando
quase a metade dos 539 empregados assalariados do Município; e, em segundo lugar, os
trabalhadores agropecuários, com 92 empregados assalariados (RAIS, MINISTÉRIO
DO TRABALHO E EMPREGO, 2011).
Com o aumento da compra de terras por empresas agrícolas voltadas para a
irrigação, principalmente com a atuação da FINOBRASA, até o ano de 1988, tem-se
uma mudança significativa nos empregados assalariados voltados para a agropecuária,
que passam a somar em 1989 o pico já indicado no Quadro 33, de 606 empregados
assalariados, sendo que só trabalhando com o algodão estavam 203 empregados, quase
a mesma quantidade dos trabalhadores assalariados ceramistas (214) (RAIS,
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2011).
Esses empregados assalariados da agropecuária, principalmente os ligados à
produção de algodão, tinham, em 1989, uma média salarial maior que um salário
mínimo por mês. Observa-se que essa média chegava a quase 1,5 salários mínimos por
empregado - uma média superior à média paga, por exemplo, pela indústria ceramista,
que pagava ligeiramente abaixo de um salário mínimo nesse ano (RAIS, MINISTÉRIO
DO TRABALHO E EMPREGO, 2011).
Já em 1992, em plena crise do emprego em todos os setores municipais, nota-se,
segundo as estatísticas da RAIS, que os empregados assalariados agrícolas vão
desaparecer, restando uma ínfima parte deles - só seis, de acordo com os dados do
Quadro 33, notando-se, além do mais, que a renda média era muito inferior a um salário
mínimo (RAIS, MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2011).
As populações das localidades atingidas sentem essa mudança do sistema da
renda pré-capitalista em produto para o assalariamento e a rigidez das empresas em não
admitirem mais esse tipo de renda. O depoimento abaixo parece elucidativo e explica
melhor essa questão:
[...] a gente pagava renda, meu pai pagava renda ao dono da terra, essa mesma terra aqui [...]venderam a FINOBRASA, quando morreu venderam tudo [...]você vê compraram e trabalharam em uma parte [a FINOBRASA] e ficou essa parte ai, muito terreno desocupado e mas não dão pra gente plantar um pé de feijão, não dão pra plantar um pé de milho, aí o inverno bate, mas a gente não planta porque eles não dão, porque ta aí sobrando, mas eles não plantam (informação verbal)43.
Além do assalariamento, as empresas que chegaram a Ipanguaçu também
mudaram a forma de produzir com relação aos insumos e à tecnologia utilizada. Cada
vez mais, elas se inseriam na lógica global com o consumo de muitos insumos que
vinham de fora, como a tecnologia de irrigação, que algumas firmas buscavam fora do
País, e até com tecnologia israelense.
Essas tecnologias fazem com que essas empresas extraiam não só a Renda
Diferencial I (advinda da fertilidade dos ricos solos das várzeas de Ipanguaçu), mas
também potencializem a Renda Diferencial II. Tais empresas agrícolas também
mudaram os rumos da produção agrícola do Município, como se verá a seguir.
4.2.5 Impactos da Chegada das Empresas Agrícolas na Produção Agrícola de Ipanguaçu
Com o início da instalação de empresas agrícolas no município de Ipanguaçu
(que começa a ocorrer no final da construção da Barragem de Açu e se intensifica logo
após a construção), começa a haver um processo de mudança estrutural na produção
agrícola municipal, no qual vai se destacar a cotonicultura para o mercado interno, em
um primeiro momento, e depois vai se firmar a fruticultura irrigada, como produção
emergente, voltada para o mercado interno e externo.
Esse processo de mudança na produção agrícola de Ipanguaçu vai ser danoso
para os produtos tradicionais e de subsistência, pois alguns vão perder espaço para a
fruticultura irrigada.
Para se entender melhor esse processo de mudança da produção agrícola de
Ipanguaçu, resolve-se analisar o desempenho de seis produtos agrícolas durante o
processo de inserção das empresas agrícolas no Município.
43 Informação obtida através de entrevista com o morador do Sítio Ubarana, em Ipanguaçu ,em 24 de fevereiro de 2005.
Dos seis produtos analisados, três são tradicionais e de subsistência, bastante
utilizados até então naquele Município (o feijão, o milho e a batata-doce), e os outros
três (o algodão herbáceo, a banana e a manga) são produtos voltados para o mercado
interno e externo. Serão analisadas a área plantada de cada produto e a quantidade da
produção.
Para isto, foram utilizados os dados da Produção Agrícola Municipal (PAM) do
IBGE, durante o período que vai do início da construção da Barragem de Açu (1979) até
o ano de 1992 (excetuando-se o ano de 1983, porque não houve registro no IBGE da
Produção Agrícola Municipal). Segue-se, assim, o mesmo período de tempo da análise
feita em cima das mudanças fundiárias.
Antes da entrada das empresas, tinha-se uma grande produção agrícola no
Município de produtos tradicionais e de subsistência. A partir do início da construção da
Barragem, observa-se, porém, conforme dados do Gráfico 14, uma depressão na área
colhida da produção tradicional, sendo o ano de 1980 um dos mais fracos para as
culturas analisadas. Vale lembrar que, entre 1979 e 1983, o semiárido nordestino era
vítima também de uma grande seca.
Depois do início da construção da Barragem, constata-se uma queda contínua na
área de plantio da batata-doce, começando no ano de 1982 e se acentuando depois do
final da sua construção e da chegada das empresas agrícolas. Em 1992, a área colhida
dessa cultura foi de apenas 71 ha.
Gráfico 14 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1979 a 1992) – Produtos Tradicionais Área Colhida (HA).
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1979 A 1992) - PRODUTOS TRADICIONAIS - ÁREA
COLHIDA (HA)
0
500
1000
1500
2000
1979
1980
1981
1982
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
ANO
ÁR
EA
- H
A
Feijão
Milho
Batata-doce
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1980, 1981, 1982, 1983, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)
Já com relação ao feijão e ao milho, suas áreas plantadas se mantiveram, mesmo
de forma irregular, durante todo o período analisado. Vale lembrar que algumas
empresas agrícolas de Ipanguaçu, como a FINOBRASA, utilizaram tanto o milho
quanto o feijão na agricultura irrigada, embora, analisando-se com mais detalhes o
Gráfico 14, observe-se um relativo decréscimo, depois de 1981, dessas culturas em
relação à área colhida, decréscimo este que se aprofunda nos anos de 1985 a 1987,
quando entravam muitas empresas em Ipanguaçu. Depois, entre 1988 e 1992, tem-se
uma área colhida maior de feijão, mas irregular, se se levar em conta o início do
período, um pouco menor. Já o milho mantém uma área colhida maior, chegando a
ultrapassar em alguns anos o feijão. Porém, tanto em um quanto em outro, a área
colhida tende a se reduzir com o passar da década de 1980 - fruto da capitalização da
terra no Município e seu uso para a agricultura de mercado.
O início da construção da Barragem marcou, para os produtos de mercado, o
início de um processo de crescimento da área colhida, como se pode ver no Gráfico 15.
Esse crescimento vai ser progressivo para a banana e a manga, principalmente
no final da década de 1980 e início da de 1990, com a consolidação das empresas de
fruticultura na área. Como exemplo de tal crescimento nesse período, destaca-se a
banana, que, entre 1987 e 1992, cresceu mais de 50% (a área era de 118 e foi para 185
ha) e principalmente a manga, cuja área colhida cresceu, entre 1989 e 1992, mais de
1000% (a área era de 23 e foi para 335 ha). Já a área do algodão herbáceo vai oscilar de
forma muito brusca durante os anos posteriores à inauguração da Barragem de Açu.
Em um primeiro momento, a área colhida desse tipo de algodão vai subir de
menos de 500 ha para mais de 1500 ha e depois fica oscilando entre aproximadamente
400 ha a 1500 ha, até o final da década de 1980 e início da de 1990, quando começa a
perder fôlego para a fruticultura, principalmente a manga e depois a banana.
Gráfico 15 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1979 a 1992) – Produtos de Mercado – Área Colhida (HA).
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1979 A 1992) - PRODUTOS DE MERCADO - ÁREA COLHIDA (HA)
0
500
1000
1500
200019
79
1980
1981
1982
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
ANO
ÁR
EA
(H
A)
Algodão Herbáceo
Banana
Manga
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1980, 1981, 1982, 1983, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)
Vale lembrar que, durante a década de 1980, o algodão de Ipanguaçu, assim
como o do resto da região do Baixo-Açu, passou por momentos de alta e baixa área
colhida.
Logo no início da década de 1980,
[...] a Fazenda São Miguel, [que] conseguia realizar uma experiência vitoriosa, plantando algodão adubado e irrigado no Vale do Açu, alcançava um índice recorde de produtividade de três mil quilos por hectare. Era o maior índice de produtividade do algodão no mundo. (SANTOS, 2001, p.301).
Mas, em junho de 1984, a praga do bicudo era identificada pela primeira vez no
Rio Grande do Norte, levando nos anos posteriores a uma queda maior da produção e a
uma oscilação da área colhida de algodão, já que essa praga reduzia a produção de
algodão em caroço em aproximadamente 80%, quando não havia combate, e em 40%,
quando havia aplicações de defensivos agrícolas (SANTOS, 2001). Vale lembrar que há
longas datas a produção de algodão no semiárido nordestino já apresentava queda,
devido a vários fatores, dentre eles a produção sintética de tecidos derivados de petróleo
feitas pelo polo petroquímico de Camaçari e a substituição do óleo de algodão pelo óleo
de soja (CLEMENTINO, 1986).
Em relação à quantidade produzida dos produtos tradicionais de Ipanguaçu,
durante o período de 1979 a 1992, tem-se um significativo decréscimo (Gráfico 16),
principalmente no que se refere à produção de batata-doce, que, assim como sua área
colhida, recuou muito logo depois do início da construção da Barragem, continuando a
recuar durante todo o período analisado: de uma produção de mais de 3.000 toneladas
em 1981, passou para uma inferior a 500 toneladas no ano de 1992.
Em relação ao feijão e ao milho tem-se uma contradição entre as áreas colhidas e
as quantidades produzidas, sendo aquelas muito superiores a estas, o que chega a
refletir, em alguns casos, a baixa taxa de rendimento kg/ha nessas culturas. Nota-se que
quase sempre tanto o milho quanto o feijão têm sempre uma quantidade produzida
inferior a 500 toneladas, oscilando quase sempre entre 500 toneladas e quase o zero.
Gráfico 16 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1979 a 1992) – Produtos Tradicionais –Quantidade Produzida (T).
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1979 A 1992) - PRODUTOS TRADICIONAIS -
QUANTIDADE PRODUZIDA (T)
0500
100015002000250030003500
1979
1980
1981
1982
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
ANO
QU
AN
TID
AD
E (
T)
Feijão
Milho
Batata-doce
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1980, 1981, 1982, 1983, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)
Com relação aos produtos de mercado44 (Gráfico 17), nota-se que há um
crescimento da produção, principalmente no começo da década de 1990, da banana e da
manga, por causa da atuação de grandes empresas agrícolas em Ipanguaçu. Entre 1987 e
1992, a banana teve um crescimento significativo de sua produção, passando de 221
para 347 toneladas, um crescimento superior a 50%. Mas o crescimento, nesse mesmo
período, da manga foi muito superior, ofuscando inclusive esses dados no Gráfico. A
produção dessa fruta entre 1987 e 1992 passou de 411 para 11.323 toneladas, o que
representa um crescimento de quase 3000%.
Sobre o algodão herbáceo, sua produção variou muito durante esse período, de
modo parecido ao da variação da área plantada, chegando a picos de produção, como no
ano de 1984 e 1990, e a quedas bruscas em vários anos do período estudado. 44 São os produtos voltados para o mercado interno e externo, sendo comercializados nos grandes centros nacionais e até internacionais.
Como falado anteriormente, ocorreu nessa década a maior produtividade do
mundo por hectare do algodão e também a emergência de uma praga que abalou a
produção dessa malvácea. Com relação ao Gráfico 17, convém não se deixar iludir, pois
nesse Gráfico, para poder comportar o crescimento extraordinário da produção de
banana, foi apresentada uma escala de valores bem elevada, indo até 12.000 toneladas, o
que fez com que a produção de algodão ficasse ofuscada por causa dos dados da
produção de manga. Pode-se ver claramente, porém, que, em alguns anos da década de
1980, com a atuação de muitas empresas ligadas à área de cotonicultura irrigada, a
produção de algodão, apesar das variações, chegou a picos de quase 2.000 toneladas
produzidas e, no início da década de 1990, surpreendeu com picos de aproximadamente
3.000 toneladas produzidas, quantidade muito superior à da banana e à dos produtos
tradicionais, como o milho, o feijão e a batata-doce.
Com a chegada e a estruturação das empresas agrícolas de fruticultura e com o
mercado externo favorável ao consumo das frutas, o início da década de 1990 vai se
apresentar para Ipanguaçu como uma nova oportunidade para a produção e exportação
de frutas.
Gráfico 17 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1979 a 1992) – Produtos de Mercado – Quantidade Produzida (T).
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1979 A 1992) - PRODUTOS DE MERCADO - QUANTIDADE PRODUZIDA (T)
0
2000
4000
6000
8000
10000
12000
1979
1980
1981
1982
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
ANO
QU
AN
TID
AD
E (
T)
Algodão Herbáceo
Banana
Manga
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1980, 1981, 1982, 1983, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)
Constata-se, portanto, que a construção da Barragem de Açu e a posterior vinda
de empresas agrícolas para o Município trouxeram alterações substanciais para o
mercado de terras da região, intensificando em muito a concentração fundiária, com a
vinda das empresas agrícolas, além de influir de forma decisiva no mercado trabalho
assalariado municipal, trazendo a atividade agropecuária para o centro de geração de
emprego assalariado naquela região, isto sem falar na alteração da sua produção
agrícola, com a emergência da fruticultura irrigada, mais particularmente a da manga e a
da banana, e com a queda da produção dos produtos tradicionais que eram bastante
cultivados, como a batata-doce.
A Barragem e o advento das empresas agrícolas trouxeram também alterações
para a extração da renda da terra, que era feita, conforme já foi visto, em grande parte,
por rendas pré-capitalistas, como a parceria. Com a chegada das empresas, começa-se a
praticar o assalariamento.
Essas empresas que chegam a Ipanguaçu vão também se beneficiar da Renda
Diferencial I (pelas suas terras férteis e bem localizadas, com acesso fácil ao
escoamento por estradas e portos), contribuindo, inclusive, para intensificar em muito a
Renda Diferencial II, com suas novas tecnologias de aproveitamento do solo e insumos
de toda ordem.
Afora tudo isto, a Barragem e a posterior vinda dessas empresas inseriram de
forma definitiva Ipanguaçu no meio técnico-científico-informacional, por meio das
técnicas que começaram a ser utilizadas no Município, através das empresas agrícolas e
da circulação de ideias e de informações necessárias a esses grupos, inserindo, portanto,
o Município na Revolução Verde com o uso dessas tecnologias, insumos e métodos.
4.3 Anos 90: Liberalização do Comércio, Vinda do Capital Multinacional,
Reconcentração Fundiária e Reconfiguração das Relações de Trabalho
Nesta parte se estudará a chegada do capital multinacional em Ipanguaçu, tendo
como espaço temporal o período que vai de 1993 a 2002. Esse período foi escolhido por
ser 1993 o ano em que foram concluídas as negociações da Rodada Uruguai, que incluía
a Agricultura nas suas negociações e que previa uma grande liberalização do comércio
agrícola a partir daquele ano nos países associados da OMC, que estava para se
consolidar, inclusive o Brasil.
Outro motivo da escolha desse período é que 1993 também marca o início da
compra de terras em Ipanguaçu por uma empresa associada à Multinacional Del Monte
Fresh Produce.
Durante esse período, retomar-se-á a discussão em torno do contexto da
liberalização comercial em que estava inserido o Brasil (ver Capítulo 1) e que
possibilitou a chegada do capital multinacional em Ipanguaçu. Analisar-se-á o porquê
desse capital ter escolhido a cidade de Ipanguaçu e como se inseriu nesse lugar, que
terminou por se inserir, ele próprio, com mais intensidade, na lógica da Globalização.
Em um segundo momento, serão analisados com detalhes os impactos desse
capital multinacional no mercado de terras, que gerou uma reconcentração fundiária; o
impacto no trabalho assalariado rural municipal através de dados do Ministério do
Trabalho e também nas relações de trabalho que serão reconstruídas a partir da
atuação da Multinacional.
Por fim, serão analisadas as mudanças na produção agrícola municipal a partir
da implantação pela Multinacional da monocultura de banana.
4.3.1 Del Monte Fresh Produce
A marca Del Monte nasceu especificamente na década de 1880, em Oakland, no
estado norte-americano da Califórnia, e foi especialmente desenvolvida por um
distribuidor de alimentos para dar nome a uma mistura de café feita com exclusividade
para o elegante Hotel “Del Monte”, na Península de Monterey (DEL MONTE FOODS,
2011).
A partir de 1892, essa marca começa a ser amplamente utilizada na expansão
dos negócios da firma, mantendo-se, daí para a frente, em todas as linhas de produtos a
serem lançados pela Empresa, a qual, inclusive, passa a encampá-la como seu nome.
No decorrer de boa parte do século XX, a Del Monte diversificou e verticalizou
sua atuação, indo desde a produção de frutas e legumes frescos até a industrialização
desses produtos e sua distribuição nos mercados mundiais.
Em 1968, entra na indústria de bananas com a compra de uma firma na Costa
Rica. No mesmo ano, compra as operações da gigante United Fruit (Chiquita), na
Guatemala, tornando-se, a partir dessas aquisições, a terceira maior Multinacional do
Setor Bananeiro Mundial (WILEY, 2008).
Em 1979, a Multinacional é comprada pela gigante da área de alimentos - a R.J.
Reynolds Indústrias (mais tarde chamada de “RJR Nabisco”). Essa mesma empresa
resolve, em 1989, fatiar a Del Monte em três unidades: Alimentos Processados (Del
Monte Foods USA), Frutas Frescas (Del Monte Fresh Produce) e Internacional
Alimentos e Bebidas (Del Monte Internacional).
Após essa divisão, a RJR Nabisco resolve vender as unidades separadamente
(DEL MONTE FOODS, 2011; KASTELEE, 1998). O braço Del Monte Foods USA foi
vendido para a Myrell Lynch Investment Funds, e o Del Monte Internacional foi para a
Royal Foods of South África. Já o braço Del Monte Fresh Produce foi vendido para o
grupo Polly Peck, que veio a abrir falência em 1992. Após isto, essa unidade foi vendida
para um grupo de investidores mexicanos conhecidos como “Grupo Empresarial
Agrícola Mexicano” (GEAM), encabeçado pelo sr. Cabal, pela quantia de 525 milhões
de dólares (KASTELEE, 1998).
Em julho de 1994, esse Grupo, chefiado pelo referido senhor, anuncia a compra
da Del Monte USA por um bilhão de dólares, com o objetivo de reunir o antigo Grupo
Del Monte e usar todos os direitos decorrentes da marca Del Monte. Mas, no final de
1995, descobre-se que o sr. Cabal tinha feito o empréstimo de um bilhão de dólares para
pagar a Del Monte USA de forma ilegal. Esse senhor então resolve “desaparecer” e o
Governo passa a pressionar o GEAM para vender a Del Monte Fresh Produce.
(KASTELEE, 1998). A venda se dá em 1996, quando a maior parte das ações da
empresa passa para o Grupo IAT, de propriedade da família Abu-Ghazaleh, pelo valor
de 534 milhões de dólares. Esse Grupo tem sede administrativa nos Emirados Árabes
Unidos e é dono do quarto maior exportador de frutas do Chile - a United Trade
Company (UTC). Até os dias atuais, a Del Monte Fresh Produce permanece nas mãos
dessa família árabe (KASTELEE, 1998).
Depois que a Multinacional foi comprada pelos Abu-Ghazaleh, a empresa
apresentou uma melhoria significativa e passou por um rápido processo de centralização
e verticalização de suas operações, com a compra de várias empresas e o aumento da
atuação direta em países com que tinha apenas parcerias - joint-ventures -, como o
Brasil.
Hoje a Del Monte Fresh Produce tem seu principal centro administrativo nas
Ilhas Cayman, na sua capital George Town, tendo como nome de registro oficial “Fresh
Delmonte Produce Inc” e como nome de registro comercial “Del Monte Fresh Produce
Company”. Seu principal escritório nos EUA se localiza em Coral Glabes, no Estado da
Flórida. (NASDAQ, 2005).
Essa Empresa apresenta, como multinacional que é, algumas características que
estão em conformidade com a tendência atual da produção flexível de efetivar
terceirizações, parcerias, joint-ventures, como coloca Castells (2002), fazendo com que
ocorra a “desintegração vertical da produção em uma rede de empresas, processo que
substitui a integração vertical de departamentos dentro da mesma estrutura empresarial”
(CASTELLS, 2002, p. 215). Entretanto, atualmente, ela investe principalmente em um
processo de compra, incorporações e verticalização intensiva altamente centralizada,
que reforça muito mais a integração vertical em todos os setores da Empresa,
contrariando assim parte da teoria sobre a flexibilização e o pós-fordismo (CASTELLS,
2002).
A Del Monte Fresh Produce tem todas as características citadas por Corrêa
(1991) de uma empresa multinacional, tais como: a ampla escala de operações, com a
manipulação de grandes quantidades de matérias-primas e manufaturados; a natureza
multifuncional, com um intensivo processo de horizontalização e verticalização, com o
controle desde fazendas de frutas, seu transporte por caminhões e navios refrigerados,
terminais aduaneiros e seu beneficiamento até a comercialização nos mercados
desenvolvidos; múltiplas localizações com subsidiárias espalhadas em vários
continentes; e enorme poder de pressão econômica e política na OMC e no Governo
Americano, devido ter sua sede na Flórida (Estados Unidos), sendo a maior empresa
desse estado americano, inclusive mantendo relações próximas com a família Bush, de
modo a um irmão de George Bush Filho (ex-Presidente dos Estados Unidos) fazer parte
da sua diretoria na Flórida (TRIGAUX, 2003).
Essa Multinacional também tem todas as características próprias de grandes
multinacionais do Setor Frutícola, citadas por Gómez (1999): possui terra e adquire
produções de vários países do Mundo; especializa-se em produtos de elevado valor,
como frutas e vegetais frescos, fruta tropical; abastece os mercados com uma ampla
oferta de produtos; etiqueta todos os produtos, utilizando somente uma marca; encontra-
se verticalmente integrada, oferecendo ampla gama de serviços, desde o cultivo direto
ou contrato com os agricultores, financiamento, colheita, embalagem, frete e
comercialização; além de possuir capacidade de coordenar sua estratégia de mercado
para a linha completa de seus produtos em escala mundial.
Quadro 34 - FLUXOGRAMA DO PROCESSO PRODUTIVO DE FRUTAS DA DEL MONTE FRESH PRODUCE Produção Transporte Distribuição e/ou
Industrialização Consumo
- Fazendas próprias (principalmente na banana).
- Caminhões e navios refrigerados próprios.
- Centros de distribuição próprios. - Industrialização
- Supermercados e Grandes redes multinacionais, como
- Fazendas de plantadores independentes com assistência técnica
própria para sucos, saladas...
o Wal Mart.
Localização - Brasil - Camarões - Costa Rica - Chile...
- Estados Unidos - Europa - Japão, China e Coréia do Sul...
Fonte: Del Monte Annual Report 2005 (2008), Del Monte Annual Report 2006 (2008), Del Monte Fresh Produce (2011), Bananalink (2011). Podem-se observar claramente essas características no Quadro 34, que mostra o
fluxograma do processo produtivo de frutas da Multinacional. Nesse quadro, vê-se que
a Del Monte Fresh Produce tem um elevado nível de verticalização, desde a produção,
na sua maioria processada pelas fazendas próprias, passando pelo transporte nos seus
próprios caminhões e navios refrigerados, que levam as frutas dos lugares mais distantes
do Mundo para o mercado americano e europeu, principalmente. Uma vez nesses
mercados, a Multinacional dispõe de uma rede gigantesca de distribuição própria, além
de fábricas próprias para a industrialização de parte das frutas frescas no Continente
Europeu.
Observa-se também que a Empresa tem atuação espacial em dois conjuntos
diferentes de países. O primeiro conjunto - o de países pobres, subdesenvolvidos - se
destaca nos centros de produção, abrangendo quase a totalidade destes, com exceção do
caso dos centros localizados nos Estados Unidos e na Espanha (ver Quadro 35). Essa
incidência de centros em países pobres se dá principalmente pelas vantagens locacionais
que os lugares subdesenvolvidos proporcionam para a Empresa, resultando em alta
lucratividade. São vantagens como: mão-de-obra barata, com poucos direitos
trabalhistas, infraestrutura hídrica pronta ou de fácil acesso, boa localização frente aos
portos de escoamento da produção, alta produtividade dos solos, ausência de pragas e
intempéries climáticas, baixa tributação ou ausência dela, dentre outras.
Quadro 35 - CENTROS DE PRODUÇÃO DA DEL MONTE FRESH PRODUCE NO MUNDO América do Norte
América Latina
Europa África Oriente Médio
Ásia/Oceania
EUA Brasil Chile Colômbia Costa Rica Equador Guatemala México
Espanha Itália
Camarões Quênia África do Sul
Jordânia Filipinas Nova Zelândia
Fonte: Del Monte Fresh Produce (2011); Fresh Del Monte Produce Inc. 2010 Annual Report (2011). Quando se observa o Quadro 36, que se refere aos centros de distribuição da
Multinacional, percebe-se claramente a presença quase total dos Países Desenvolvidos -
principalmente os EUA - de Países do Continente Europeu e do Japão. É nesses países
que se concentra o mercado consumidor dessa Empresa, principalmente na América do
Norte, com 49 % das vendas em 2010, e na Europa, com 26% das vendas no mesmo
ano (FRESH DEL MONTE PRODUCE INC., 2010; ANNUAL REPORT, 2011) (Ver
Quadro 36).
Os dois mercados juntos detêm 75% das vendas mundiais da Empresa,
representando uma porcentagem muito alta. Isto reflete o poder econômico do mercado
consumidor e sua disposição em consumir produtos frescos – frutas –, levado muitas
vezes pela tendência a uma vida mais saudável - vida saudável é justamente a base de
marketing da Empresa nesses mercados consumidores.
Nota-se também no Quadro 36 a importância crescente do mercado do Oriente
Médio, que já tem representatividade maior que os Gigantes Asiáticos.
Quadro 36 - CENTROS DE DISTRIBUIÇÃO DA DEL MONTE FRESH PRODUCE NO MUNDO E PORCENTAGEM DE VENDAS (2010) América do Norte América
Latina Europa Oriente
Médio e Norte da África
Ásia/Pacífico
- EUA - Argentina - Brasil - Chile
- Alemanha - Polônia - Reino Unido
- Jordânia - Emirados Árabes Unidos - Arabia Saudita - Egito
- China, (Hong Kong) - Japão - Coreia do Sul
Porcentagem de vendas: 49%
- 26% 12% 11%
Fonte: Del Monte Fresh Produce (2011); Fresh Del Monte Produce Inc. 2010 Annual Report (2011). Essa rede integrada, que liga desde a produção, passando pelo transporte, até
centros de distribuição nos mercados consumidores, se fortalece cada vez mais com a
política agressiva de aquisições da Del Monte Fresh Produce, que nos últimos anos
comprou inúmeras empresas, como a Desarollo Agroindustrial de Frutales, S.A,
Melones de Costa Rica S.A e a Frutas de Exportacion S.A, esta última sendo a maior
produtora de abacaxi da Costa Rica (FRESH DEL MONTE PRODUCE INC. 2010
ANNUAL REPORT, 2011).
Vale lembrar que cada área tem um papel bem definido pela Multinacional:
umas são produtoras de frutas frescas, por oferecerem vantagens locacionais
interessantes para a Multinacional - geralmente Países Subdesenvolvidos - e outras são
receptoras de frutas frescas, onde se localizam os mercados consumidores da Empresa,
geralmente em Países Desenvolvidos, que apresentam uma população preocupada com
uma vida mais saudável.
No Relatório Anual dirigido aos acionistas em 2011, a Del Monte lista suas
propriedades, terras e ativos. No Quadro 37, observa-se a localização espacial das suas
terras. A prioridade da Multinacional é sempre o baixo custo e o controle da produção,
como ocorre nas terras utilizadas no Brasil e com a maioria das suas terras próprias na
Costa Rica. Em alguns lugares, devido aos custos e à legislação de terras que não
permitem a compra por estrangeiros, a Multinacional é levada a arrendar terras para a
produção.
Vale salientar que no Brasil, ainda de acordo com dados oficiais da Del Monte,
esta dispõe de mais de 20.000 ha próprios de terra, mas atualmente sem produção, além
dos 3.100 ha em produção.
Quadro 37 - Terras utilizadas na produção da Del Monte Fresh Produce, por país e produto Localização Hectares Próprios
(em produção) Hectares Arrendados (em produção)
Produtos
Costa Rica 42.400 10.900 Banana, abacaxi e melão
Guatemala 5.500 11.000 Banana e melão Brasil 3.100 - Banana Chile 4.300 800 Frutas não-tropicais Quênia - 11.100 Abacaxi Filipinas 200 9.900 Banana e abacaxi Estados Unidos - 4.300 Melões Fonte: Fresh Del Monte Produce Inc. 2010 Annual Report (2011).
Além das terras, a Multinacional ainda detém inúmeras propriedades que são
listadas no Relatório Anual de 2010. Entre elas estão as operações de 22 centros de
distribuição nos Estados Unidos, dois, no Reino Unido, dois, na Polônia, e uma planta
de processamento de frutas e tomates na Grécia. Na Ásia, essa Multinacional opera
quatro centros de distribuição no Japão, três na Coreia do Sul e um em Hong Kong. Na
África, opera no Quênia, com armazém e fábrica de conservas. Na Jordânia, tem
fazendas próprias para aves, além de plantas de processamento. Nos Emirados Árabes
Unidos, tem manufaturas de sucos frescos, operações com corte de frutas e vegetais. Na
Arábia Saudita, tem dois centros de distribuição. Na parte de logística, detém 12 navios
refrigerados próprios para o transporte de frutas e arrenda outros 14, além de ter 4.500
contêineres refrigerados e 170 caminhões refrigerados para a distribuição nos Estados
Unidos (FRESH DEL MONTE PRODUCE INC. 2010 ANNUAL REPORT, 2011).
Quadro 38 - Produtos da Del Monte Fresh Produce/Principais produtos vendidos (2010) Produtos da Del Monte Fresh Produce (2010)
Principais Produtos vendidos (2010)
- Produtos Frescos - Banana - Abacate - Verdes: Repolho, Nabo, Mostarda - Abacaxi - Melões e Melancia - Citrus - Maçã, Cereja - Manga, Mamão - Alho, Tomate, Batata - Produtos Frescos Cortados e Saladas - Preparados de Frutas e Vegetais - Em lata - Em depósitos de plástico para refeições rápidas - Grãos - Trigo - Milho - Soja - Amendoim - Aves Domésticas - Frango
- Bananas - Abacaxi - Produtos frescos cortados - Frutas não-tropicais - Melões - Tomates - Vegetais - Outras frutas - Alimentos processados - Outros produtos e serviços Total
46% 14% 9% 8% 5% 3% 2% 1% 10% 2% 100%
Fonte: Del Monte Fresh Produce (2011); Fresh Del Monte Produce Inc. 2010 Annual Report (2011).
A Del Monte Fresh Produce tem como centro de seus negócios a produção de
frutas frescas, atualmente bastante diversificada, embora a banana se destaque como a
maior vendagem da empresa no Mundo (46%) (ver Quadro 38), estando a Multinacional
em 3º lugar no ranking mundial, atrás apenas das Multinacionais Dole e Chiquita. Além
disto, Del Monte Fresh... está em primeiro lugar no Mundo em vendas de abacaxi, que
representam 14% das suas vendas mundiais. Essa Empresa também vende frutas dos
mais variados tipos, como melões, uvas, citros, maçãs e outras frutas, além de vegetais.
Recentemente, após a compra da indústria de beneficiamento de frutas europeia – a Del
Monte Foods Europe -, a Multinacional também passou a beneficiar as frutas e,
paralelamente a essa aquisição, passou a atuar em outras áreas, como grãos, na
Argentina, e aves, na Jordânia. Mais uma prova da tendência à atuação diversificada da
Multinacional, que pode ser constatada no Quadro 38 (DEL MONTE FRESH
PRODUCE, 2011; FRESH DEL MONTE PRODUCE INC. 2010 ANNUAL REPORT,
2011).
A respeito do seu ramo de produção mais rentável e que se apresenta no
município de Ipanguaçu no Rio Grande do Norte - a banana –, a Del Monte Fresh
Produce se insere em um mercado que se configura como um oligopólio altamente
concentrado, segundo Chesnais (1996), em que apenas cinco empresas dominam mais
de 70% do comércio mundial dessa fruta (Sobre as multinacionais de bananas e frutas,
ver Capítulo 1) (FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED
NATIONS, 2003).
Mas, devido às características de produção de banana de forma intensiva e com
o uso de defensivos agrícolas, esses grupos multinacionais tendem a causar grandes
impactos ambientais nos países em que estão instalados, além dos impactos de natureza
social, por causa do uso da mão-de-obra e da forma como esta é usada por essas
Multinacionais, e do impacto no mercado de terras e na intensificação da concentração
fundiária, com as constantes compras de terras.
4.3.2 Inserção da Del Monte em Ipanguaçu
A Del Monte Fresh Produce começa a se inserir em Ipanguaçu - RN na década
de 1990, quando ocorre no Brasil um processo de liberalização do comércio, que vai se
intensificar em 1993, com o término das negociações da Rodada Uruguai e com a
pressão do FMI.
O Brasil vai ser um dos países signatários da OMC e um dos participantes do
Acordo sobre a Agricultura da Rodada Uruguai, que liberalizou a produção e o
comércio agrícola em todo o Mundo, com mais intensidade nos Países
Subdesenvolvidos.
Como já falado anteriormente (Capítulo 1), o Acordo sobre Agricultura cobre
três áreas principais: acesso aos mercados, subsídios à exportação e apoio doméstico.
Esse Acordo contribui de forma efetiva para a liberalização do comércio e
consequentemente para a entrada de grandes grupos multinacionais no Brasil, com a
diminuição de tarifas sobre alimentos importados e de subsídios à exportação aos
produtores agrícolas nacionais.
Como decorrência desse Acordo, constata-se que a liberalização do comércio
trouxe um enorme surto de importação, devido à diminuição de tarifas sobre alimentos
importados (o que ocorreu no início do Governo de Fernando Henrique Cardoso),
expulsando muitos trabalhadores rurais e concentrando a propriedade da terra nas mãos
de poucos grupos, muitos deles multinacionais.
Tal Acordo também limita em muito a ajuda que um governo poderia dar a uma
empresa nacional, pois essa ajuda tem que ser a mesma para a Multinacional.
Esses acordos internacionais no âmbito da OMC e as pressões do Banco
Mundial e do FMI vão impor ao Brasil um processo de globalização que vai privilegiar
as exportações e as corporações multinacionais. Um exemplo disto é que, nos últimos
vinte anos, houve um maciço crescimento do comércio de frutas, hortaliças e até de
flores da América Latina para os Estados Unidos, devido a agricultura não tradicional
ser mais lucrativa. Porém, a situação é controlada por grandes proprietários de terras,
ricos investidores e companhias estrangeiras.
Segundo Madeley (2003, p.14),
[...] a globalização econômica e a liberalização do comércio concentraram o poder nas entidades de grande porte que conhecemos como conglomerados transnacionais. Pequenos agricultores não conseguem competir na economia global e são expulsos de suas terras, deixando as portas escancaradas para os conglomerados.
Esse processo atualmente acontece no Brasil nas áreas de produção para a
exportação, como na região do cinturão da soja, no Centro-Oeste, e nas áreas de
fruticultura irrigada de alguns vales férteis do Nordeste. Em um desses vales, o Vale do
Açu, está situado o município de Ipanguaçu.
Como resultado desses acordos e também de uma dívida pública elevada, o
Estado Brasileiro, através de suas reformas, desregulamentou rapidamente o mercado
agrícola e diminuiu drasticamente os recursos para o seu financiamento e para o apoio
tecnológico. Isto aconteceu a partir do Governo Collor, em 1990, com a
desregulamentação do Setor Agrícola e a extinção de vários institutos setoriais, como o
Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA).
Em 1995, Fernando Henrique Cardoso é eleito Presidente, dando sequência às
reformas liberais iniciadas por Collor em 1990. Dentre as reformas, algumas medidas
para desregulamentar os fluxos de capital internacional foram realizadas,
proporcionando-lhe maior liberdade, como o fim da restrição do capital estrangeiro em
setores como o açúcar e o álcool, dentre outros, e a isenção de imposto de renda sobre a
remessa de lucros de filiais de Multinacionais (FERRAZ; LOTTY, 2000).
Além disso, Fernando Henrique tratou também de incentivar, com políticas
públicas, a capitalização do campo por empreendimentos privados, através do apoio à
irrigação privada. “No âmago de seus objetivos, encontra-se a busca da competitividade
para o agronegócio globalizado, centrado na expansão de uma agropecuária intensiva
em capital e tecnologia nas manchas irrigáveis, encabeçada pela iniciativa privada.”
(ELIAS, 2001).
Com esse novo ambiente da atuação do Estado Brasileiro, as empresas agrícolas
nacionais traçaram novas estratégias e as Multinacionais intensificaram sua atuação no
País. Uma das estratégias mais utilizadas pelas grandes empresas agrícolas brasileiras
frente a esse novo ambiente foi a intensificação das fusões e aquisições com as
Multinacionais que estavam investindo mais no País, além das associações estratégicas
com estas.
A intensificação dos investimentos externos diretos dessas Multinacionais no
Brasil não se deveu apenas à liberalização da Agricultura e à desregulamentação dos
capitais e do Setor Agrícola. Deveu-se também às estratégias de integração em redes
globais de comércio das Multinacionais, a partir do aproveitamento de dinâmicas
distintas de crescimento e rentabilidade apresentadas nesses países, como o Brasil.
Com isto se dá o crescimento da atuação de empresas multinacionais em boa
parte dos setores lucrativos da Agricultura e das cadeias produtivas. Um exemplo é o
crescimento do investimento multinacional nos setores de soja, açúcar e cítricos -
setores em que o Brasil é líder de vendas externas
Na década de 1990, nesses setores ocorre a intensificação da participação
estrangeira com a compra de Empresas Nacionais por Multinacionais e a ampliação das
atividades de algumas destas que tradicionalmente operam no Brasil.
No Setor da Soja, tem-se a ampliação e diversificação das operações das
Multinacionais Bunge (EUA) e Cargill (EUA). No Setor Sucroalcooleiro, têm-se várias
joint ventures se formando entre Gigantes Brasileiras e Multinacionais, como no caso da
parceria entre o Grupo COSAN, o maior Grupo Brasileiro exportador de cana de açúcar
do Mundo - e a Union SDA, uma grande Multinacional Francesa, além da participação
de Multinacionais como a Cargill, também nessa área. No ramo de cítricos, tem-se a
participação agressiva também da Cargill, entre outras Multinacionais, que tem
fazendas produtoras de laranja, plantas de processamento de suco de laranja, além de
um terminal portuário específico para exportar o suco e caminhões e navios próprios
para o transporte (ALBANO; COSTA, 2005).
Outro exemplo da intensificação da atuação das Multinacionais no Brasil é a da
chegada da Del Monte Fresh Produce, na década de 1990, nesse contexto de
liberalização e desregulamentação do Setor Agrícola.
Essa Multinacional vai escolher principalmente as chamadas “manchas férteis”
do Nordeste para se instalar, tendo como locais o Vale do Açu (RN), no município de
Ipanguaçu, e o Vale do Baixo Jaguaribe (CE), no município de Quixeré (SECRETARIA
DE COMÉRCIO EXTERIOR, 2011). Em ambos, a Del Monte Fresh Produce vai
produzir frutos para a exportação, sendo que sua unidade de produção de banana vai se
localizar em Ipanguaçu (depois, a Empresa vai expandir suas fazendas para dois outros
municípios vizinhos: Açu e Carnaubais), onde se fará a primeira análise.
Essas escolhas da Multinacional por áreas do semiárido nordestino (como no
caso do município de Ipanguaçu, no Rio Grande do Norte) vão se dar principalmente
em função das vantagens locacionais existentes nessas áreas.
Existem (como já citado no 1º. Capítulo), segundo Dunning (1988 apud
CHESNAIS, 1996, p. 86), inúmeras vantagens que uma Companhia Multinacional,
como a Del Monte Fresh Produce, procura ao se internalizar em um país. Dentre estas,
têm-se:
- Vantagens decorrentes da internalização - economias de transação na aquisição dos
insumos (inclusive tecnologia), redução da incerteza, maior proteção à tecnologia,
controle da validade e das iniciativas, possibilidade de evitar ou de explorar medidas
governamentais (especialmente as fiscais), possibilidade de praticar manipulação de
preços;
- Vantagens decorrentes da localização - recursos específicos do país, qualidade e preço
dos insumos, qualidade das infraestruturas e externalidades (como P&D), custos de
transporte e de comunicação, distância psicológica (língua, cultura...), política comercial
(barreiras tarifárias e não-tarifárias), ameaças protecionistas, política industrial, política
tecnológica e social, subvenções e incentivos para atrair as Companhias.
A Del Monte Fresh Produce resolve escolher o Vale do Açu e o município de
Ipanguaçu atraída tanto pela rentabilidade que passaria a auferir, quanto por uma série
de vantagens locacionais que esse lugar oferece para a Empresa. São elas:
- Infraestrutura Hídrica – Com a construção do macrossistema técnico - a Barragem de
Açu, ou “Armando Ribeiro Gonçalves”, no início da década de 1980 -, passa-se a dispor
de uma infraestrutura que oferece aptidões específicas à produção, colaborando com
uma especialização produtiva que vai possibilitar ao lugar se integrar ao meio técnico-
científico-informacional. Com essa Barragem, têm-se, assim, as condições necessárias
para a Multinacional desenvolver suas atividades, sem se preocupar com o fornecimento
de água. (SANTOS, 2002a; SANTOS; SILVEIRA, 2001).
- Infraestrutura Logística – Ipanguaçu se localiza em uma região de fácil acesso aos
portos de Natal-RN e Fortaleza-CE, economizando, assim, o frete marítimo, já que estes
ficam entre as fazendas da Multinacional da África (Libéria, Camarões) e as da América
Central (Costa Rica, Guatemala e Panamá).
- Região não Sujeita às Intempéries Climáticas – A Multinacional veio para Ipanguaçu
também por ser uma área não sujeita às intempéries climáticas, uma vez que a Empresa
já teve prejuízo com intempéries nas suas fazendas da Guatemala, perdendo quase 1/3
da sua área plantada em 1998, com a ocorrência do Furacão “Mitch” (COMISSÃO
ECONÔMICA PARA A AMERICA LATINA E O CARIBE, 2000).
- Alta Produtividade do Semi-Árido – As condições naturais de alta fertilidade dos solos
de várzeas (possibilitando o ganho de renda da terra diferencial I), mais o alto índice de
insolação da região fazem com que nesse lugar se tenha um alto grau de produtividade,
como foi atestado pela Fazenda “São Miguel” nos anos de 1980, que conseguiu na
região o maior índice de produtividade do algodão no Mundo (SANTOS; SILVEIRA,
2001).
- Fuga do Fungo “sigatoka negra” - Esse fungo já atinge as plantações da
Multinacional na América Central (Costa Rica, Panamá e Guatemala), proporcionando
um aumento de gasto com tratamentos à base de defensivos agrícolas e perdas de
produtividade e rendimentos. Na região onde se localiza Ipanguaçu, tal fungo ainda não
existe. Isso é um ponto favorável para a instalação da Multinacional nesse lugar
(COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMERICA LATINA E O CARIBE, 2000;
BANANALINK, 2011).
- Alto Custo da Mão-de-Obra Caribenha – Ao lado do alto índice de empregados no
Setor de Banana, no Istmo Americano, principalmente nos países em que a Del Monte
Fresh Produce tem suas fazendas – Costa Rica, Guatemala e Panamá -, existe também
um alto índice de sindicalização e sindicatos fortes, que possuem muito poder de
barganha e elevam o custo da mão-de-obra na região. Em Ipanguaçu não se tem esse
nível de sindicalização e o custo da mão-de-obra é mais barato (COMISSÃO
ECONÔMICA PARA A AMERICA LATINA E O CARIBE, 2000).
- Incentivos Fiscais – A Multinacional se beneficia, no Rio Grande do Norte, de
isenções fiscais, devido o Estado ter colocado em Decreto nº 13.640, de 13 de
novembro de 1997, a isenção de Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS) para a banana e outros produtos hortifrutigrangeiros (CARVALHO, 2001).
Após perceber todas essas vantagens locacionais, a Multinacional resolve se
instalar no Rio Grande do Norte, embora não tenha chegado a esse Estado, em um
primeiro momento, com suas instalações. A Empresa resolveu fazer uma joint-venture
com um grupo pernambucano chamado “Directivos Agrícola”.
Em Pernambuco, esse Grupo atua no Setor Imobiliário, no Comercial, através de
um Shopping Center, e também no Setor Industrial, com investimentos em usinas de
cana-de-açúcar (CARVALHO, 2001).
A partir de 1992, começa a se fazer estudos para se escolher o local da produção
e para a parceria com a “Directivos Agrícola”. O Grupo Pernambucano queria
diversificar sua área de atuação com a produção e exportação de bananas em Ipanguaçu.
Sabendo que o comércio internacional de bananas é território restrito de poucas
Empresas Multinacionais que formam um oligopólio extremamente concentrado, o
Grupo procura se associar com uma dessas grandes Multinacionais (CARVALHO,
2001).
No mesmo ano, começam as negociações com a Del Monte Fresh Produce para
a constituição de uma parceria.
Foi então celebrado o acordo de parceria, chamado “Projeto Brasil”, segundo o qual, num primeiro momento caberia ao grupo brasileiro, grupo Directivos, todo o esforço financeiro de produção, ou seja, seria de responsabilidade desse grupo todas as inversões iniciais, inclusive na aquisição de mudas, testes de solos, compra de terras, projeto de irrigação, câmara de frios e a produção propriamente dita, cabendo a empresa parceira fornecer a tecnologia de produção, além de assessorar todo processo de desenvolvimento das plantas. A multinacional também ficaria encarregada de comercializar a banana no Mercado Comum Europeu. Em um segundo momento, a empresa multinacional deveria fazer também inversões como se as empresas fossem gêmeas, ou seja, deveria investir o mesmo montante que o grupo nacional investiu (CARVALHO, 2001, p.88).
Celebrada a parceria, tem-se a compra, por intermédio do empresário da
“Directivos”, Eduardo Garcia Fernandes, de 502,4 ha de terras em 25/10/1993, em
Ipanguaçu, terras estas que vão dar origem à fazenda da “Directivos Agrícola”, em
Ipanguaçu (dados do Cartório de Ipanguaçu).
Essa joint-venture aparentemente vai colocar a Del Monte Fresh Produce como
uma Companhia que partilha seus conhecimentos através de parcerias e que segue os
ditames da terceirização, da desverticalização, como já falava Castells (2002) e
Chesnais (1996). Mas esse aparente movimento mudou quando a Multinacional foi
adquirida pela família Abu Ghazaleh, em 1996.
A plantação de banana na fazenda da “Directivos”, em Ipanguaçu, começa a ser
executada em 1995 e o início da produção dessa fruta se deu entre os anos de 1996 e
1997. Mas, no ano de 1996, já sob a administração da família citada, a Del Monte Fresh
Produce resolve unilateralmente quebrar o contrato de parceria.
Segundo Carvalho (2001), essa quebra de parceria por parte da Del Monte Fresh
Produce é entendida, inclusive pela própria Empresa Nacional, como premeditada,
talvez até forjada antes do acordo de parceria.
Segundo conclusões tiradas sobre os fatos que sucedem à quebra de contrato, o
projeto da Empresa Multinacional sempre seria o de comandar autonomamente sua
produção de banana, como acontece nos outros espaços em que ela atua no Mundo. No
entanto, como seu propósito era baseado em investimentos muito elevados, a estratégia
da Empresa foi cautelosa, optando por “testar” seu modelo de produção dentro de um
espaço novo: o clima semiárido do Nordeste.
Em outras palavras, a associação com o Grupo Nacional serviu apenas como
“laboratório”, como função experimental às pretensões finais da Empresa
Multinacional, que era o de encontrar um local no Semiárido que tivesse grande
produtividade e também pudesse implicar custos menores do que os da Costa Rica,
como já desconfiavam, em razão da investida da Dole (a Multinacional Dole também
fez uma parceria na região do Vale do Açu, mas sem sucesso). Entretanto, todo o
prejuízo ficou com a Empresa Nacional, pois, quando houve a constatação de alta
produtividade da banana tipo grand naine, nesse local, deu-se efetivamente a entrada da
Del Monte Fresh Produce, com a quebra do Acordo, que, por sua vez, ancorava as
pretensões do Grupo Nacional (CARVALHO, 2001).
Pode-se chegar à conclusão de que a Empresa usou a parceria como um
laboratório e não como uma estratégia nova de obter lucros com baixo risco. Esse tipo
de empresa multinacional tem como estratégia a verticalização intensiva, utilizando
sempre capital próprio para toda a sua cadeia produtiva, reduzindo assim os custos nessa
cadeia.
Após a quebra de contrato, a Multinacional vai se instalar efetivamente no Vale
do Açu e em Ipanguaçu, com as suas próprias fazendas, o que provocou no Município
um grande impacto e grandes mudanças no relacionamento que esse local passa a ter
com o global.
Impactos das ações da Del Monte Fresh Produce em Ipanguaçu
Com a chegada da Multinacional Del Monte Fresh Produce em Ipanguaçu,
observa-se que esta mantém uma relação diferenciada com o lugar em relação às outras
empresas de capital nacional que chegaram lá na década de 1980.
Observa-se, com base no Quadro 39, que pouco essa Empresa se relaciona com
o lugar. O capital da Multinacional é global e financeiro, não depende da conjuntura
local nem da política de crédito do Governo para a Agricultura.
Quadro 39 - A relação entre fatores de produção e aquisição dos insumos das empresas com os lugares de compra
Elementos da Cadeia
Del Monte Fresh Produce Empresas Locais
1 – Fatores de Produção
Capital Global e Financeiro Local e Empréstimo
Trabalho Global e Local Local
Terra Local Local
Integração Não Faz Difundida
2 – Insumos e serviços
Sementes/mudas Israel Chile, EUA
Adubos/fertilizantes Centro-Sul Centro-Sul
Equip. de Irrigação Israel e Costa Rica Local
Assistência Técnica Local (própria) Local (própria e parcerias)
Defensivos Estados Unidos Local
Mat. De Embalagem Estados Unidos/Costa
Rica/Chile
Centro-Sul
Mat. De Segurança Centro-Sul Local
P & D Israel e América Central Local
Combustíveis Posto Próprio Local
Frota de ônibus Frota Própria Sem Informação
Fonte: Quadro elaborado pelo autor baseado em entrevistas com funcionários da Del Monte Fresh Produce, em 2011, e em Carvalho (2001)
Com relação ao emprego de Fatores de Produção, nota-se que a Multinacional se
utiliza de capital global, com aportes internacionais de milhões de dólares oriundos da
sua holding, com sede fiscal nas Ilhas Cayman (FRESH DEL MONTE ANNUAL
REPORT 2010, 2011).
Com relação à origem da mão-de-obra, apesar de a Multinacional utilizar a local,
observa-se a utilização de quadros externos nas profissões mais qualificadas. Segundo
um ex-funcionário seu45, discorrendo sobre a origem dos engenheiros agrônomos:
[...] a maior parte são de fora, de outros estados, mas, a maior parte estudaram na Costa Rica [...] la parece que a Del monte tem uma parceria com essa universidade. Deve existir uma espécie de indicação [...] tanto que muitos deles estudaram juntos lá [...] a universidade é Earth [...] (grifos meus)
Vale lembrar que a Costa Rica é o maior centro produtivo da Multinacional e é
lá que existem grandes vínculos não só de mão-de-obra e convênios com Universidades,
como também com fornecimentos de muitos insumos de que a Multinacional precisa.
Observando o Quadro 40, com base em dados da Secretaria de Comércio
Exterior (2011), nota-se que a Costa Rica representa 68% das importações feitas em
2010 pelo município de Ipanguaçu. Essas importações são na sua totalidade insumos,
como caixa de papelão ondulado, que representou 25% nos principais produtos
importados.
Quadro 40 - Principais países de origem das importações de Ipanguaçu - 2010
Fonte: SECRETARIA DE COMÉRCIO EXTERIOR (2011)
Muitos plásticos, fitas e sacolas utilizados pela Del Monte vêm da sua fábrica de
embalagem no Chile - a United Plastic Corporation -, e os cabos-guia, utilizados para
transportar bananas são fornecidos pela Colômbia (SECRETARIA DE COMÉRCIO
EXTERIOR, 2011; Entrevista com ex-funcionário da Del Monte, 2011). As sementes e
mudas da Multinacional vêm de Israel e os adubos e os fertilizantes, do centro-sul do
País, tal como se dá com as empresas locais.
A Multinacional às vezes não importa de suas fábricas e busca alguns insumos
com grandes fornecedores brasileiros. Isto acontece quando a variação cambial é
prejudicial a importações, segundo observou o mesmo ex-funcionário da Del Monte. 45 Informação obtida através de entrevista com um ex-funcionário da Del Monte Fresh Produce, em 19 de janeiro de 2011.
DESCRIÇÃO US$ FOB Part. %TOTAL DOS PRINCIPAIS PAÍSES 939.489 100,001 COSTA RICA.......................................... 640.067 68,132 CHILE...................................................... 222.790 23,713 ESTADOS UNIDOS................................ 41.300 4,404 COLOMBIA ............................................ 35.332 3,76
A Multinacional costuma maximizar os lucros, o que explica o fato de, em
alguns setores e serviços, a empresa adotar a política de trabalhar sem terceirizar. Um
exemplo recente disto pode ser observado pela construção do seu próprio posto de
combustíveis (foto 2). Segundo um ex-funcionário da Del Monte46
[...] a Del monte tem uma política muito grande de redução de custo, assim como qualquer empresa multinacional [...] eles botam muito pelo aumento de produção e redução de custos, pra aumentar a margem de lucro e o posto foi uma grande sacada, fizeram um posto, todas as licenças, tiveram condição [...] e a própria Petrobras fornece a eles, e pega um preço muito mais em conta [...] o carro da Petrobras vai direto pra fazenda abastecer.
Foto 2 - Posto de combustível da Del Monte Fresh Produce em Ipanguaçu (2011)
Fonte: Arquivo do autor.
De acordo ainda com dados de entrevista com um ex-funcionário da Del
Monte47, esta mantém uma estrutura sem terceirização em vários setores:
[...] ônibus é tudo dela, carro baixo é tudo dela, motos é tudo dela [...] manutenção dela e manutenção de fora, a dela vai ate um certo ponto
46 Informação obtida através de entrevista com um ex-funcionário da Del Monte Fresh Produce, em 19 de janeiro de 2011 47 Informação obtida através de entrevista com ex-funcionário da Del Monte Fresh Produce em 19 de Janeiro de 2011
[...] tem oficina, tem um setor de construção civil, tem uns pedreiros dela [...] não é bem pedreiro, é um pessoal estilo Magaiver, e tem eletricista também, eletricista próprio.
Na maioria das vezes, levando em conta também a questão cambial, os
equipamentos de irrigação, defensivos, material de embalagem e P&D da Multinacional
vêm de fora do País, principalmente da Costa Rica, Chile, Estados Unidos, onerando,
quando chegam ao Brasil, a Balança Comercial, como visto no Quadro 40, em quase um
milhão de dólares com as importações. Paralelo a isto, também ocorre o desprezo, por
parte da Multinacional, pela dinâmica local como fornecedora desses insumos. Até o
material de segurança vem do centro-sul do País, desvalorizando o que é fornecido no
local, ao contrário das empresas locais, que em boa parte dos insumos mencionados
acima se utilizam do que é oferecido internamente.
A Empresa só se utiliza verdadeiramente de duas coisas em âmbito local: das
terras, para sua produção, e de parte da mão-de-obra, uma vez que algumas contratações
são feitas no centro-sul do País e outras são de quadros gerenciais de fora do País.
A empresa também não tem vínculos nem convênios com a Prefeitura de
Ipanguaçu, segundo a Secretaria Municipal de Agricultura48: “[...] eles são muito
fechados, eles não tem nenhuma parceria [...] nada, nada, com agente eles são muito
fechados [...] agente tem parceria com o IFRN, com a EMATER, com a PETROBRÁS,
mas, com a Del Monte não”.
Esse quadro de pouca dependência da Multinacional em relação ao local e maior
dependência do global reflete a intensificação do Meio Técnico-Científico-
Informacional e das verticalidades. Esses processos são explicados por Santos (1997),
quando afirma que, com o processo atual de Globalização, tem-se uma reestruturação
dos espaços globais, uma vez que esse processo define duas formas de estruturação e
funcionamento do espaço: a) Horizontalidades, que são o alicerce de todos os
cotidianos, isto é, do cotidiano de todos. São extensões formadas de pontos que se
agregam sem descontinuidade, como na definição tradicional de região. As regras são
localmente formuladas; b)Verticalidades, que agrupam áreas ou pontos, a serviço de
atores hegemônicos não raro distantes. São vetores da integração hierárquica, regulada,
necessária em todos os lugares da produção globalizada e controlada à distância
(SANTOS, 1997; SANTOS, 2002a; SANTOS, 2002b).
48 Informação obtida através de entrevista com o técnico agrícola da Secretária Municipal de Agricultura de Ipanguaçu, Tony Emerson da Silva Teófilo, em Ipanguaçu, em 17 de janeiro de 2011.
Com o aprofundamento da Globalização, que, cada vez mais, vai impor relações
verticais novas a regulações horizontais preexistentes, vai haver também o
aprofundamento das tensões entre a globalidade e a localidade, entre o mundo e o lugar
(SANTOS, 1997).
Esse aprofundamento da Globalização com a intensificação das verticalidades
vai acontecer em Ipanguaçu com a fixação da Del Monte Fresh Produce, pois, a partir
de então, “reforçam-se as determinações exógenas ao lugar da produção, especialmente
no tocante aos mercados, cada vez mais longínquos e competitivos.” (ELIAS, 2002b).
Dessa forma, a área das fazendas da Del Monte Fresh Produce não vai ter
relações significativas com a cidade mais próxima – Ipanguaçu -, embora vá manter
contatos intensos com outras muito mais distantes, no estrangeiro, como cidades na
Europa (onde ficam os representantes comerciais da Empresa e um grande mercado
consumidor), nos EUA (onde está sua principal representante comercial e um grande
mercado consumidor da produção de Ipanguaçu e fornecedor de insumos) e nas Ilhas
Cayman (onde fica sua sede oficial) (SANTOS; SILVEIRA, 2001).
O outro fator de produção de que a Multinacional se utiliza em Ipanguaçu é a
terra. No próximo item, vai-se fazer uma análise sobre o papel que a Empresa exerceu
no aprofundamento da concentração fundiária do município de Ipanguaçu e analisar os
impactos que essa compra de terras teve para a produção agrícola do Município e para o
estado do Rio Grande do Norte.
4.3.3 Del Monte Fresh Produce e Reconcentração Fundiária
Como mostrado no item anterior, a Del Monte Fresh Produce se relaciona pouco
com o lugar e muito com seus fornecedores e braços mundiais. Com o lugar, ela possui
efetivamente duas vinculações: a mão-de-obra, principalmente nos postos
intermediários e baixos; e a terra, que a Multinacional compra para instalar suas
fazendas e suas empacotadeiras que funcionam dentro das fazendas (Foto 3).
Foto 3 - Uma das Fazendas da Del Monte Fresh Produce em Ipanguaçu.
Fonte: Gleydson Pinheiro Albano
Neste momento, vai se focar na análise da atuação dessa Empresa no mercado de
terras de Ipanguaçu, vendo o quanto esta influenciou na dinâmica desse mercado, que já
vinha tendo um grande índice de concentração fundiária e de capitalização desde o fim
da construção da Barragem “Armando Ribeiro Gonçalves”, quando entraram no
Município várias empresas rurais.
Essa análise vai se dar entre o período de 1993 a 2002, período que começa no
ano em que a Multinacional compra terras em Ipanguaçu através de uma joint venture
com a “Directivos Agrícola”. A primeira compra vai ocorrer no final de 1993, através
de um representante da “Directivos” em Ipanguaçu.
O período que se inicia em 1993 e que vai até 2002 vai ser marcado, no que diz
respeito ao número de transações de terra, por uma tendência intensa a uma diminuição.
Isto pode ser observado claramente no Gráfico 18.
Essa diminuição do número de transações está claramente associada ao alto grau
de concentração da terra, que se intensificou, na década de 1980 (como já se viu no item
2.2), nas mãos de poucos, com a vinda das empresas agrícolas. Isto ocasionou esse
baixo movimento de transações de terra durante a década de 1990 e o início do século
XXI.
Gráfico 18 - Número de Transações de Terra por Ano e Ha (1993 a 2002)
05
1015202530
Número de transações
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Ano
Número de transações de terra por ano e ha (1993 a 2002)
0 a 10 ha
10 a 100 ha
+ 100 ha
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)
Outro ponto a ser notado é que, além do baixo número de transações de terras
durante todo o período (1993 a 2002), com uma pequena exceção nos anos de 1996,
nota-se, paralelamente a isto, uma concentração do número de transações nas
propriedades entre 10 e 100 hectares e nas de mais de 100 hectares, ficando as pequenas
propriedades de menos de 10 hectares com um número insignificante de transações.
Com a intensificação da compra de terras pela própria Multinacional, a partir de
1998, depois de rasgar o contrato de joint venture com o grupo pernambucano
“Directivos”, o quadro do número de transações de terras tende a ficar cada vez mais
insignificante.
A partir de 1998, dá-se uma intensificação da queda no número de transações de
terras, principalmente nas pequenas propriedades abaixo de 10 hectares, que
praticamente não são mais transacionadas a partir desse ano. Isto reflete também o
caráter da compra de terras que a Multinacional Del Monte Fresh Produce vai
empreender no Município - uma compra, em sua maioria, de empresas que já têm
muitos hectares de terras e que, portanto, não altera significativamente o movimento de
transações de terras no cartório, já que estas estão concentradas nas mãos de poucos e
não se precisa recorrer a inúmeras transações com várias pessoas físicas para se
constituir um grande patrimônio fundiário.
Sobre o tipo de transação de terras, nota-se no Gráfico 19 que, durante o período
estudado (1993 a 2002), houve uma intensificação da capitalização da terra. Essa
capitalização é demonstrada claramente pelo processo de compra e venda, que
representa nesse período cerca de 40%. A capitalização da terra também é demonstrada
pela sua dependência do crédito, do mercado financeiro, que é representado pela
hipoteca. Esta, em Ipanguaçu, representa quase 40% de todas as transações de terras
efetuadas no Município e, em termos de área hipotecada, chega a representar mais de
50%.
Gráfico 19 - Tipo de Transação de Terras e a Área (1993 a 2002).
0%10%20%30%40%50%60%
Adjudicação
Arrendamento
Desapropriação
Herança
Hipoteca
Permuta
Usucapião
Venda
Doação
Tipo de transação de terras e área transacionada (1993 a 2002)
Quantidade
Área
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)
Juntando os dois tipos de transações: a hipoteca e a compra e venda de terras,
nota-se que se chega a algo em torno de 80% de todas as transações do Município, entre
1993 e 2002. Isto é um reflexo claro do alto grau de capitalização da terra em
Ipanguaçu, que se intensificou nesse último período estudado. No período anterior
(1979 e 1992), esse grau de capitalização era menor: cerca de 65%.
Sobre o processo de compra e venda por pessoa jurídica no período estudado
(1993 a 2002), pode-se observar no Gráfico 20 que esse processo foi bastante irregular
durante a década de 1990 e o início do século XXI, com muitos altos e baixos.
Tal movimento irregular na década de 1990 e no início do século XXI, que se
observa no Gráfico 20, retrata quase que na sua totalidade o movimento de compra de
terras estabelecido pela Multinacional Del Monte Fresh Produce em Ipanguaçu.
Gráfico 20 - Compra e Venda de terras por Pessoa Jurídica em Ipanguaçu (1993 a 2003).
0
200
400
600
800
1000
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
COMPRA E VENDA DE TERRAS POR PESSOA JURÍDICA EM IPANGUAÇU (1993 a 2002)
Área - ha
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)
Segundo o Gráfico 20, 1993 foi um ano com negociações de quase 800 hectares,
bem como o ano em que a Multinacional começa a comprar terras através da sua joint
venture com a “Directivos Agrícola”. Posteriormente, a Empresa Multinacional rompe o
contrato de joint venture com aquele Grupo e resolve ela mesma comprar terras em
Ipanguaçu a partir de 1998. Nota-se com isto que, entre 1994 e 1997, período em que a
Empresa não comprou terras, os negócios entre pessoas jurídicas em Ipanguaçu
praticamente não aconteceram (Gráfico 20).
Já com a volta da Multinacional ao negócio de compra de terras, a partir de
1998, continuando a comprar até o final de 2002, percebe-se que o Setor de Compra e
Venda por pessoa jurídica se alavanca outra vez e atinge um movimento considerável,
justamente nos anos em que a Multinacional comprou mais terras - os de 1998, 1999 e
2002.
Durante esse período, a intervenção do Governo no mercado de terras só foi
sentida efetivamente no ano de 2002, quando foram desapropriados, pelo INCRA, quase
1.500 ha provenientes da antiga Fazenda Itu, considerada o maior latifúndio da região,
que ocupava grandes áreas de tabuleiros e algumas áreas de várzea (ver Gráfico 21).
Fora desse ano, praticamente não houve intervenção pública no mercado de terras
municipal.
Gráfico 21 - Movimento de terras com intervenção do Governo por área (1993 a 2002)
0
500
1000
1500
19931994
19951996
19971998
19992000
20012002
Movimento de teras com intervenção do governo por área (1993 a 2002)
Área - ha
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos) Relativamente à localização do movimento de compra e venda de terras em
Ipanguaçu durante esse período, observa-se que as maiores compras foram efetuadas
nas áreas de Ubarana, Baldum e Veneza (ver Mapa 2), todas em áreas de várzea,
extremamente férteis e bem localizadas, perto da estrada asfaltada de acesso aos portos,
acumulando assim rendas diferenciais (Gráfico 22).
Gráfico 22 - Compra e venda – empresas – por área e principais localidades (1993 a 2002)
0
200
400
600
800
Arapuá
Baldum
Corrego do
Maia
Cuó
Havaí
Japiaçu
OlhoD
água
Ubarana
Veneza
Compra e venda - empresas - por área e principais localidades (1993 a 2002)
Área - ha
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)
A Del Monte Fresh Produce foi a empresa que mais influenciou o mercado de
terras de Ipanguaçu durante o período que vai de 1993 a 2002. Essa Multinacional foi
responsável por cerca de 80% de toda a comercialização de terras desse Município,
envolvendo suas empresas agrícolas (Quadro 41). Essas terras estavam concentradas nas
principais áreas de várzea, a saber: Ubarana, Baldum, Veneza e Cuó.
O restante da comercialização de terras envolvendo tais empresas durante o
período estudado (1993 a 2002) retrata em quase sua totalidade o processo de venda de
terras por parte de empresas agrícolas que chegaram a Ipanguaçu na década de 1980.
Quadro 41 - Compra e venda de terras das empresas agrícolas em Ipanguaçu por área (1993 a 2002)49 Ano Empresa Situação Área (ha) Localidade 1993 FINOBRASA Venda 273,9 Arapuá 1993 FINOBRASA Venda 502,4 Veneza 1993 Directivos Agrícola (Del
Monte) Compra 502,4 Veneza
1994 FINOBRASA Compra 10,1 Malheiro 1994 FINOBRASA Venda 10,5 Arapuá 1997 FINOBRASA Venda 19,2 Arapuá 1997 FINOBRASA Venda 16,9 Arapuá 1998 BANDEBRÁS (Del Monte) Compra 4,4 Malhada da Areia 1998 BANDEBRÁS (Del Monte) Compra 1 Córrego do Maia 1998 BANDEBRÁS (Del Monte) Compra 113 Córrego do Maia 1998 BANDEBRÁS (Del Monte) Compra 95,8 Baldum 1998 BANDEBRÁS (Del Monte) Compra 30,2 Córrego do Maia 1998 BANDEBRÁS (Del Monte) Compra 35 1999 Del Monte Fresh Produce
Brasil LTDA Compra 9,6 Baldum
1999 Pereira da Silva Nordeste S/A
Venda 399 Ubarana
1999 Del Monte Fresh Produce Brasil LTDA
Compra 399 Ubarana
1999 Pereira da Silva Nordeste S/A
Venda 322,4 Ubarana
1999 Del Monte Fresh Produce Brasil LTDA
Compra 322,4 Ubarana
1999 Del Monte Fresh Produce Brasil LTDA
Compra 32,6 Cuó
1999 Del Monte Fresh Produce Brasil LTDA
Compra 42,2 Ponta da Ilha
1999 Del Monte Fresh Produce Brasil LTDA
Compra 28,2 Baldum
1999 Del Monte Fresh Produce Brasil LTDA
Compra 15 Baldum
2000 Del Monte Fresh Produce Brasil LTDA
Compra 35 Cuó
2000 Del Monte Fresh Produce Brasil LTDA
Compra 26,1 Cuó
2002 Big River Melons LTDA Venda 472 Baldum 2002 Del Monte Fresh Produce
Brasil LTDA Compra 472 Baldum
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu
49 Os dados em negrito representam o processo de compra e venda entre as próprias empresas agrícolas.
Nota-se que empresas que tinham comprado grandes somas de terras em
Ipanguaçu na década de 1980 resolvem vendê-las para pessoas físicas (uma parte
pequena das vendas) ou para a Del Monte Fresh Produce, que, em um primeiro
momento – 1993 -, tinha uma parceria com a “Directivos Agrícola”, mas que, a partir de
1998, começa a comprar ela mesma terras no Município.
Os dados do quadro revelam que as principais empresas que venderam terras na
década de 1990 são: a FINOBRASA, com 812,8 hectares; a Pereira da Silva Nordeste
S/A, com 721,4 hectares.
A FINOBRASA foi a maior compradora de terras de Ipanguaçu na segunda
metade da década de 1980, e a Pereira da Silva Nordeste S/A (antiga Companhia
Nacional de Estamparia) trabalhava focada principalmente na cotonicultura irrigada.
Com a queda dessa cultura no Rio Grande do Norte, tem-se um processo de
diversificação, principalmente por parte da FINOBRASA, que começa a entrar na
fruticultura irrigada (SANTANA, 1997; VALÊNCIO, 1995),que, cultivada por essas e
outras empresas nacionais e regionais de Ipanguaçu, enfrenta, segundo os referidos
autores, uma série de problemas que dificultam a produção e exportação de frutas por
essas empresas, principalmente o melão. São eles: a falta de compatibilidade do produto
com as exigências de qualidade do mercado; a falta de poder de barganha junto aos
importadores europeus e a dificuldade de se concorrer em um mercado altamente
oligopolizado controlado por Gigantes Internacionais, que, com maior volume de
capital e tecnologia, impõem preços e abocanham mercados.
Esse movimento de venda de terras por empresas nacionais e regionais em
Ipanguaçu, na década de 1990, pode refletir os problemas colocados acima.
História das terras da “Del Monte Fresh Produce”
A Del Monte Fresh Produce começou a se inserir no mercado de terras de
Ipanguaçu-RN no ano de 1993 por intermédio de uma joint venture com a “Directivos
Agrícola”, de Pernambuco. Esta Empresa, por meio do empresário Eduardo Garcia
Fernandes, adquire um imóvel na área de várzea do Município com uma área de 502,4
hectares, em 25/10/1993, que é incorporado a ela em junho de 1994. O imóvel é
adquirido da empresa FINOBRASA, segundo dados do Cartório de Ipanguaçu.
Em 1996, a Multinacional Del Monte Fresh Produce resolve unilateralmente
encerrar a joint venture com a “Directivos”, começando, a partir de 1998, a agir
diretamente no mercado de terras do referido Município.
No Quadro 42, observa-se todo o movimento de compra de terras efetuado pela
Multinacional desde 1998, quando esta começou a comprar de forma direta terras no
Município, até o ano final do segundo período pesquisado: o ano de 2002.
Nota-se, a partir das informações do Quadro 42, que a Empresa realizou 15
compras de terras, das quais, somente três foram de pessoas jurídicas; o restante, de
pessoas físicas.
Mas, se levada em conta a quantidade de área negociada, percebe-se que as
compras de terras efetuadas com as doze transações provenientes de pessoas físicas têm
menos importância que as três compras efetuadas com as pessoas jurídicas, uma vez que
aquelas somam em área apenas 425,9 hectares de terras, enquanto estas somam uma
área de 1.193,4 hectares - quase três vezes a quantidade de área comprada às pessoas
físicas.
Quadro 42 - Compra de terras pela Del Monte Fresh Produce em Ipanguaçu (até 2002) Ano Vendedor Pessoa
Física Pessoa Jurídica
Área (ha)
Localidade Valor por hectare (em reais)
1998 Wilson Bezerra de Medeiros
X 4,4 Malhada da Areia
-
1998 Wilson Bezerra de Medeiros
X 1 Córrego do Maia
-
1998 Maria Evangelina Tavares de Sá Leitão
X 113 Córrego do Maia
4.424,77
1998 João Leônidas de Medeiros Júnior
X 95,8 Baldum 2.348,64
1998 Luiz Gonzaga Cavalcanti
X 30,2 Córrego do Maia
3.961,70
1998 Wilson Bezerra de Medeiros
X 35 Malhada da Areia
-
1999 Ana Corsino Rodrigues
X 9,6 Baldum 5.912,26
1999 Pereira da Silva Nordeste S/A
X 399 Ubarana 2.756,89
1999 Pereira da Silva Nordeste S/A
X 322,4 Ubarana 3.411,91
1999 João Rodrigues Filho X 32,6 Cuó 5.912,26 1999 Ana Ramalho
Corsino X 28,2 Baldum 5.003,54
1999 Francisco Edílson Maia da Costa
X 15 Baldum 5.000,00
2000 Júlio César Meireles Holanda
X 35 Cuó -
2000 Hermenegildo Bezerra de Oliveira
X 26,1 Cuó 3.448,27
2002 Big River Melons LTDA
X 472 Baldum 3.474,85
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu
Por isto, pode-se afirmar que houve, na década de 1990 e no início do século
XXI, um movimento no mercado de terras que pode ser considerado como um
aprofundamento da capitalização de terras. Um movimento de compra e venda de terras
que na sua maior parte, em termos de quantidade de área negociada, fica restrito a
empresas agrícolas, envolvendo pouco as pessoas físicas - diferentemente da década de
1980, quando a maioria das negociações e da quantidade de terra negociada envolvia
pessoas físicas que vendiam terras e pessoas jurídicas, ou empresas agrícolas que
compravam a terra.
Por fim, nota-se que, após esse processo de compra de terras, boa parte da área
de várzea municipal entre a RN-118 e o Rio Piranhas-Açu está sob o controle das
fazendas da Del Monte Fresh Produce, como se observam, na foto de satélite, as três
grandes partes em verde agregadas (ver foto 4).
Com esse processo de compras de terras pela Multinacional, tem-se uma
intensificação da valorização do solo, que é “um estímulo para levar os agricultores a
abandonar o campo e vender suas propriedades ou a transformar antigos produtores
agrícolas em novos especuladores imobiliários.” (GUIMARÃES, 1979, p.160).
Conclui-se daí que tanto o abandono do campo quanto a transformação de
antigos produtores agrícolas em especuladores imobiliários se verificam em Ipanguaçu.
Foto 4 - Fazendas da Del Monte Fresh Produce em Ipanguaçu (2010)
Fonte: GoogleEarth (2011)
O solo valorizado derivado da ação da Multinacional na região se junta à
valorização derivada das políticas públicas implementadas para garantir vantagens
locacionais (isenção de impostos, barragem, rodovias) e se agrega à valorização oriunda
do dinamismo gerado pela produção efetuada na região pelas empresas agrícolas e os
ganhos esperados pela produção de tais produtos (COMÉLIO, REYDON, SARAIVA,
2006; REYDON, BARRETO, 2006).
O solo valorizado também é reflexo de uma valorização das rendas da terra de
Ipanguaçu, principalmente a Renda Diferencial I, que, segundo Marx (1991), é uma
forma de lucro suplementar e que acontece também devido à localização privilegiada do
lugar em relação aos centros de consumo. No caso, Ipanguaçu tem essa localização em
termos de interconexão com mercados internacionais da Europa e dos Estados Unidos,
tendo sido um dos motivos para a vinda da Del Monte Fresh Produce para o lugar, além
do fácil escoamento da sua produção para esses mercados. A Renda Diferencial I
também diz respeito às qualidades físicas do lugar, como solos férteis e acesso a água
fácil. E isto também tendeu a se valorizar com a construção da Barragem e com a alta
produtividade do seu solo de várzea.
As terras de Ipanguaçu também geram a Renda Diferencial II, principalmente
para a Del Monte Fresh Produce, que soube aproveitar como poucos o uso de insumos
agrícolas com tecnologia de ponta para aumentar a produtividade da terra.
Levando em conta que o significado de Renda Absoluta é a elevação dos preços
de mercado aos preços de produção, como discorre Kautsky (1998), e também o
resultante da limitação do fator terra, como discorre Amin e Vergopoulos (1977), tem-
se que este tipo de Renda ocorre nas terras da Multinacional Del Monte Fresh Produce,
não somente por uma limitação e um encarecimento do acesso à terra, proporcionados
pela sua própria atuação nesse mercado, mas também por fazer a Multinacional parte de
um grupo pequeno de empresas multinacionais que controlam o comércio global da
banana, exercendo um controle nos preços dessa commodity e fazendo com que os
preços de mercado sejam superiores aos de produção.
Como consequência também da elevação do preço da terra, intensificado pela
Multinacional, tem-se um baixo movimento no Cartório de Ipanguaçu, como relata a
responsável por este:
Agora depois que essas empresas chegaram, valorizaram demais o hectare, ficou muito caro, ai pronto, é, dificilmente um dono de terra de Ipanguaçu comprar terra de outro proprietário de lá. Geralmente eles nem compram mais, ao contrário, eles tão vendendo pras [sic] empresas [...]Movimento de terras quase não tem quase nenhuma, é só uma empresa vendendo prá [sic] outra[...] (informação verbal)50.
Também se tem, com a elevação do preço da terra, uma expulsão dos
agricultores que estão nos melhores solos para os solos pobres, ficando aqueles
reservados à produção para a exportação (MADELEY, 2003).
Na verdade, quando se observa a situação de Ipanguaçu, vê-se uma reordenação
das terras de várzea (as melhores terras), que passam cada vez mais a se concentrar nas
mãos da Multinacional referida e de outras grandes empresas nacionais, enquanto os
solos de tabuleiro (os solos mais pobres) ficam com os mesmos donos de sempre, por
não interessarem às grandes empresas.
50 Informação obtida através de entrevista com a responsável pelo Cartório de Ipanguaçu, Maria Carolina de Sá Leitão, em 24 de fevereiro de 2005.
4.3.4 Impactos da Chegada da Del Monte nas Relações de Trabalho e nas Estatísticas de
Trabalho Agrícola
Com relação à mão-de-obra, a Empresa exerceu uma mudança no Município e
na região do Vale do Açu, já que nela trabalham pessoas de Ipanguaçu e de municípios
vizinhos.
Com a chegada da Empresa, há uma intensificação do trabalho assalariado
permanente, diferentemente do que existia antes, quando se tinha o sistema de parceria
nas pequenas propriedades e o sistema de trabalho assalariado temporário nas grandes
propriedades.
De acordo com o banco de dados do Ministério de Trabalho sobre o emprego
assalariado em Ipanguaçu (RAIS, MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO,
2011), observa-se, no Quadro 43, que no decorrer da série histórica de 1993 até 2002 o
emprego assalariado no Setor de Agropecuária é o que mais cresce no Município,
assumindo a partir de 1996 a dianteira frente a todos os setores analisados. Essa
dianteira se mantém por toda a série histórica, intensificando-se e chegando a
representar, no ano 2000, cerca de 80% de todos os empregos assalariados do
Município, com 1470 empregados de carteira assinada, frente a um total geral de 1797
empregados. Esse período, principalmente a partir de 1998, é o período em que a Del
Monte Fresh Produce quebra o contrato com a “Directivos” e começa a produzir e
comprar terras, ou seja, a Multinacional está em funcionamento pleno e em crescimento,
refletindo-se diretamente no crescimento do número de trabalhadores assalariados do
Setor Agropecuário.
Quadro 43 - Ipanguaçu: Vínculos ativos por setor de atividade econômica (1993-2002) Setor 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Extração Mineral 0 12 0 20 26 24 0 0 0 0 Ind. Transformação
120 334 302 419 440 495 249 181 95 63
Serv. Indústria 2 2 2 1 2 3 0 3 0 3 Construção Civil 2 0 3 4 2 1 41 3 3 8 Comércio 10 12 16 16 30 29 27 26 35 37 Serviços 21 15 192 224 247 11 12 21 17 13 Adm. Pública 243 264 246 87 92 83 90 93 275 367 Agropecuária 79 260 222 578 631 855 1037 1470 1084 1223 Outros/Ignorado 35 45 14 0 9 6 10 0 0 0 Total 512 944 997 1349 1479 1507 1466 1797 1509 1714 Fonte: RAIS, MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO (2011)
Desses empregados no referido Setor, vão se destacar aqueles com carteira
assinada que estavam descritos como empregados de fruticultura irrigada. Estes
somavam, no ano de 2000, o montante de 706 (RAIS, MINISTÉRIO DO TRABALHO
E EMPREGO, 2011). Vale lembrar que nessa época existiam duas empresas que
trabalhavam com fruticultura irrigada em Ipanguaçu - a Finobrasa, com a exportação de
manga, e a Del Monte Fresh Produce, com a exportação de banana.
A multinacional Del Monte não só empregava assalariados com a denominação
de “trabalhadores de fruticultura”, mas também constavam no leque dessa empresa
inúmeras funções ligadas à agricultura ou ao suporte da agricultura que aparecem no
Banco de Dados da RAIS. Entre elas podem-se citar: trabalhador agropecuário, guarda
de segurança, motoristas de ônibus, caminhões e automóveis, porteiros, cozinheiras,
secretárias bilíngues, técnicos de segurança do trabalho, técnicos de almoxarifado,
técnicos de contabilidade, fiscais de campo para supervisionar a operação nas fazendas,
funcionários do parking house, câmara fria, funcionários ligados à irrigação, técnicos
agrícolas, engenheiros agrônomos, dentre outras.
Bezerra Neto e Moura (1999) afirmam que, com a entrada desse tipo de
empresa, novas atividades serão criadas no processo de produção - atividades estas que
vão reforçar o caráter não-agrícola dos empregos na zona rural de Ipanguaçu. São
exemplos de atividades novas: a de fiscal, que monitora as atividades desenvolvidas
pelos demais trabalhadores; e as desempenhadas por mulheres que trabalham com a
limpeza, seleção e embalagem nas empacotadeiras da Del Monte Fresh Produce.
A Multinacional, com a implantação da mão-de-obra assalariada permanente, vai
de encontro às ideias referentes à jornada flexível - as grandes Empresas
Multinacionais, para baixar os custos, vão implantar diversas formas de flexibilidades
na organização do trabalho, como a subcontratação e terceirização (CASTELLS, 2002).
A Del Monte Fresh Produce, junto com as duas maiores exportadoras de bananas no
Mundo - a Dole e a Chiquita-, tem, porém, a característica de evitar trabalhar com a
subcontratação e a terceirização.
A Del Monte Fresh Produce instalada em Ipanguaçu não apresenta todas as
características da organização flexível da produção, já explicitadas anteriormente. A
Empresa, inserida em um ramo altamente competitivo, mantém uma política voltada
para a integração vertical e horizontal. Além disto, ela, em vez de adotar a flexibilidade
funcional, em que o empregado seria polivalente, apresenta um quadro bastante
especializado: o contrato de trabalho não é flexível, trabalhando-se com carteira
assinada de forma permanente e estável, o que se confirma, pelas entrevistas com
funcionários e ex-funcionários da Multinacional. Segundo um ex-funcionário do corpo
técnico da Multinacional51, “[...] a Del Monte não bota ninguém pra fora assim, eu acho
que é questão de custo [...] tem gente botar boneco pra sair, os cabas faltam, trabalha 1,
2 horas e vai embora [...] a empresa segura [não demite], massacra [...] [não bota pra
fora]”.
Um funcionário do corpo técnico da Del Monte52 vai na mesma linha quando
observa que “realmente é muito difícil” ser demitido, e ele tenta explicar o porquê disto,
ressaltando que
[...] as empresas procuram sempre manter aquele grupo de trabalhadores para não ta aquela rotatividade de entra e sai, entra e sai, ai ela perde ponto de capacitação, porque, se trabalha com pessoas novatas, a probabilidade de acontecer alguns acidentes alguns imprevistos é maior, porque não é pessoa experiente, é pra segurar o maximo possível o que ela puder segurar o pessoal na área, já pra evitar esses transtornos de acidentes, pessoal novato tem aplicar treinamento, as vezes não se adéqua a atividade.
Em relação aos direitos trabalhistas, a Multinacional trabalha de forma
diferenciada e às vezes causando até mal-estar entre os funcionários, pois ela trabalha
com direitos mínimos para os funcionários sem qualificação ou com baixa qualificação
e com muitos direitos para funcionários com alta qualificação. Isto remete ao que foi
tratado no Capítulo 1, onde Castells (2002) discorre sobre essa diferenciação de direitos
por nível de qualificação, e principalmente no Capítulo 2, onde Antunes (2005) relata
essa diferenciação de tratamento e a precarização do funcionário de baixa qualificação.
Castells (2002) analisa, como já se observou no Capítulo 1, que, com a
acumulação flexível, tem-se claramente a difusão de duas classes de empregados
polarizados, quais sejam, uma:
- camada superior de trabalhadores multifuncionais com muita qualificação e
especializados – estes têm todos os direitos e estabilidade no emprego, alta
remuneração, para poderem cooperar mais com a Empresa;
- camada inferior sem especialização, trabalhadores com baixa qualificação – que
têm poucos ou nenhum direito, baixa remuneração, são descartáveis, a qualquer
51 Informação obtida através de entrevista com ex-funcionário da Del Monte Fresh Produce em 17 de janeiro de 2011 52 Informação obtida através de entrevista com funcionário da Del Monte Fresh Produce em 18 de janeiro de 2011
momento podendo ser dispensados. A maioria dos empregados que formam essa
categoria se encontra no Setor de Serviços.
Já Antunes (2005, p.32) também analisa e comenta sobre essas duas classes
polarizadas:
Criou-se de um lado, em escala minoritária, o trabalhador ‘polivalente e funcional’ da era informacional, capaz de operar máquinas com controle numérico e de, por vezes, exercitar com mais intensidade sua dimensão mais ‘intelectual’ (sempre entre aspas). E, de outro lado, há uma massa de trabalhadores precarizados, sem qualificação, que hoje está presenciando as formas de part-time, emprego temporário, parcial, precarizado, ou mesmo vivenciando o desemprego estrutural.
Cavalcanti (1999) observa que, no caso da agricultura para a exportação,
dominada por grandes grupos multinacionais, os efeitos chegam a ser mais daninhos
para os trabalhadores, já que se emprega alta tecnologia para aumentar a produtividade,
mecanizando e informatizando boa parte do processo produtivo, debilitando a geração
de empregos e requerendo uma mão-de-obra com maior nível de qualificação. Muitas
vezes se utiliza, dependendo do ramo produtivo, de trabalhadores temporários e
flexíveis, precarizando ainda mais o mercado de trabalho.
No fim, observa-se também no trabalho agrícola a criação de uma polaridade, de
duas classes de empregados: uma de trabalhadores estáveis, com direitos trabalhistas,
capacitados e vinculados aos estratos técnicos ou administrativos; e outra, de
trabalhadores temporários, de baixa qualificação, flexíveis, terceirizados, que é a grande
maioria nas unidades produtivas do campo.
Esse fosso entre os trabalhadores muito qualificados e os de baixa qualificação
também é relatado por Basaldi (2008), mostrando que a precarização do trabalho para os
últimos é uma realidade no trabalho agrícola.
A Del Monte Fresh Produce faz uma diferenciação clara entre os trabalhadores
qualificados e os não qualificados, mas não chega a precarizar o trabalho dos não
qualificados com a terceirização e o trabalho informal, como relatam os autores acima
mencionados. Todos os trabalhadores da Multinacional têm carteira assinada
permanente, sejam de alta ou baixa qualificação e têm alguns direitos básicos como o
transporte para o local de trabalho e a água potável. Talvez isto ocorra pelas exigências
de certificações a que a empresa está amarrada, para poder vender seu produto nos
exigentes mercados do Norte, principalmente o Mercado Europeu. Essas certificações
promovem o respeito aos direitos humanos e trabalhistas e ao meio ambiente, gerando
assim uma pressão para oferecer melhores condições de trabalho e emprego
(BASALDI, 2008).
Quadro 44 - Direitos Trabalhistas dos Funcionários da Del Monte Fresh Produce Direitos Trabalhistas Funcionários da
Base (sem qualificação)
Funcionários Administrativos (qualificação média)
Engenheiros Agrônomos e Gerentes (alta qualificação)
Água Potável X X X Almoço - X (Quentinha) X (Cozinheira da
empresa) Plano de Saúde - X (Unimed) X (Unimed) Transporte X (ônibus da
empresa) X (ônibus ou moto a disposição)
X (carro a disposição)
Cesta Básica - - - Gratificação por mérito
- - -
Lazer Campo de futebol Campo de futebol Campo de futebol Fonte: Pesquisa de campo com funcionários e Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ipanguaçu (2011)
Observa-se no Quadro 44 que existe uma diferenciação clara entre os
funcionários, em vários quesitos, a saber: quando se trata do almoço - que é negado para
os trabalhadores sem qualificação -, este é servido, na forma de ‘quentinhas’, para o
corpo técnico administrativo, além de ser servido, por cozinheiras da Multinacional,
para os engenheiros agrícolas e administradores - geralmente estrangeiros ou de outras
regiões do País. Quando se observam os planos de saúde, o mesmo se repete, sendo que
os funcionários técnicos administrativos e os de alta qualificação têm acesso a um plano
de saúde, já os sem qualificação não o têm. Por fim, quando se observa o transporte, já
que os funcionários de baixa qualificação e alguns de nível médio vão de ônibus, outros,
como os técnicos de segurança do trabalho, têm motos à disposição, acontecendo o
mesmo com os engenheiros agrônomos que têm carros à disposição.
Um funcionário de baixa qualificação da Del Monte53 relata que essa
discriminação chega até o lazer:
[...] eu conheci um fim de ano que eles fizeram uma feijoada, mas, cada funcionário foi obrigado a dar 20,00 [...] fizeram em torno de dois mil e poucos reais pra fazer essa festa, fizeram aquela feijoada, a cerveja gelada era toda para os engenheiros, fiscal [...] aquelas fronteira melhor e tudo era para fiscal e aquele pessoal, e os pião besta, cachaça, um copo de cerveja já ia tomar já no fim da fila quente [...] ja tomava a cerveja quente [...] a cerveja mais fria fosse
53 Informação obtida através de entrevista com um funcionário da Del Monte Fresh Produce, em 17 de janeiro de 2011
mais fria era quem tivesse a roupa mais limpa, como diz aquele ditado [...] (sic).
Também há reclamações de funcionários da Multinacional e de vizinhos sobre a
superexploração dos empregados desta - com horas extras em demasiada -, nas suas
empacotadeiras. A Empresa, além das fazendas em Ipanguaçu, também tem, situada no
mesmo Município, uma série de quatro empacotadeiras, onde é feito o trabalho de
embalagem e conservação das bananas antes de serem colocadas nos caminhões
refrigerados e de seguirem viagem para os portos e para os mercados consumidores nos
Países Desenvolvidos.
Essa superexploração com horas extras muitas vezes se aproveita da nova
regulamentação do Governo Federal para flexibilizar a jornada de trabalho, o chamado
“banco de horas”, do qual se tratou no Capítulo 2. Esse banco de horas agride uma
conquista histórica da Classe Trabalhadora: as 8 horas de trabalho por dia. A
regulamentação do referido banco favorece, muitas vezes, uma jornada suplementar
além do padrão, mesmo que compensatória, podendo afetar a saúde e a higiene do
trabalhador, bem como sua segurança laboral, levando-o, inclusive, a viver em função
das necessidades da empresa, não tendo horário certo para deixar o trabalho nem dia
certo de folga (CAVALCANTI, 2008).
Com o banco de horas, tem-se até 120 dias para compensar o horário
extraordinário, mas o trabalhador não recebe mais a hora extra, a qual pode vir a ser
descontada em até 120 dias como folga, a critério da empresa. Claramente o banco de
horas se configura em um instrumento flexibilizador que traz todos os benefícios para o
patrão e nenhum para os empregados (VIEIRA, 2005).
A Del Monte, indo além da legislação flexível, se utilizava da famosa “folha
branca”, denominada assim pelos sindicalistas. Segundo o Presidente do Sindicato dos
Trabalhadores de Ipanguaçu João Batista Moura Oliveira, a Multinacional se utilizou e
muito desse recurso:
[...] os trabalhadores, eles trabalhavam mais de 8 horas por dia, ai a empresa, o excesso de horas eles colocavam em uma folha, que se chamava folha branca, anotavam as horas, no final do mês eles tinham 100 horas 200 horas e não recebiam o dinheiro, não recebiam. Quando agente constatou junto aos trabalhadores, agente acionou o Ministério do Trabalho, que veio na empresa, fez uma auditoria, uma fiscalização e constatou, a empresa foi multada e teve que pagar todas as horas branca para os trabalhadores, teve trabalhador que recebeu 4, 5, 6 salários mínimos só de folha branca que tava acumulada. O trabalhador muitas vezes nem sabia que tinha essas horas porque o
trabalhador não tinha como contabilizar, porque não foi no cartão de ponto, se fosse no cartão de ponto era fácil para o trabalhador dizer eu tenho tantas horas, como era por fora o trabalhador quando passava 5, 6 meses, um ano, não lembrava mais e continuava trabalhando aquela carga horária excessiva.54
As reclamações de superexploração dos empregados do Setor de Banana são
uma constante não só em Ipanguaçu mas também em todas as áreas onde se tem esse
tipo de produção voltada para o mercado externo. A Del Monte Fresh Produce foi
acusada por diversas organizações internacionais, como a Bananalink, do Reino Unido,
de superexplorar sua mão-de-obra, principalmente nas fazendas da Costa Rica e na
Guatemala, onde a Empresa entrou em disputa várias vezes nos últimos anos contra os
sindicatos independentes dos trabalhadores do Setor, que buscavam melhorias nas
condições de trabalho da região (BANANALINK, 2011).
São muitos os relatos de populares que moram na área onde se localizam as
fazendas da Multinacional e que falam de superexploração dos empregados,
principalmente no Setor de Embalagem da Empresa.
[...] tem vez que a Del Monte chega até [...]12 horas trabalhando [...] Não tem assim de duas etapas de gente trabalhando, uma trabalha de manhã e outra trabalha de noite, não, é só aquelas mesmas pessoas. [...]. Quem trabalha na empacotadeira começa de seis horas, sai de seis horas de casa, já é pra ta de seis horas na pista esperando o ônibus [ o ônibus da multinacional que transporta os trabalhadores da suas casas para a empresa]. Aí também, eles só querem que você saia de seis horas, esteja na pista. Mas, a hora que você chegar eles não querem, eles não diz. Por exemplo, vamos trabalhar de seis as seis, não, é de seis até a hora que tiver banana na empacotadeira. Enquanto tiver banana você ta lá trabalhando. [...] Tem gente que vai até 12 horas [da noite] (informação verbal)55.
Existem também relatos de funcionários que falam sobre doenças ocasionadas
devido ao tipo de trabalho executado na Multinacional. Segundo um funcionário da
fazenda56,
[...] sempre acontece de uns se arriar [...] teve um que teve um problema, ele aplicava adubo, perdeu a visão de um olho, sempre dar muita hérnia [...] às vezes perto da barriga, umbigo [...] o único peso que tem é só cacho, mas, às vezes pega de mal jeito, pega aquelas drenagem, pega uns córrego de lama [...] (grifos meus).
54 Informação obtida através de entrevista com o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ipanguaçu, João Batista Moura Oliveira, em 18 de janeiro de 2011. 55 Informação obtida através de entrevista com a moradora do Sítio “Olho Dágua”, em Ipanguaçu, em 24 de fevereiro de 2005. 56 Informação obtida através de entrevista com um funcionário da fazenda “Del Monte”, em Itajá, em 17 de janeiro de 2011.
Por fim, observa-se que a Multinacional trata de forma diferenciada seus
empregados, dependendo do nível em que se encontram na Empresa. Alguns têm mais
direitos que outros e os de baixa qualificação algumas vezes são sobreexplorados em
suas atividades.
4.3.5 Impactos da Chegada da Del Monte na Produção Agrícola de Ipanguaçu
Com a chegada e a compra de mais de 2.000 ha de terras pela Multinacional só
na área de várzea de Ipanguaçu, observa-se uma intensificação da produção de banana
no Município e, como consequência, uma mudança no eixo da produção agrícola
municipal, com a continuação da desvalorização de alguns produtos tradicionais e de
subsistência e com a valorização da produção da banana e de outros produtos voltados
para o mercado externo.
No Gráfico 23, já se observa uma irregularidade na área colhida de produtos
tradicionais da agricultura municipal. A batata-doce, que em anos anteriores tinha uma
grande área plantada, durante o período estudado (1993-2002), essa área praticamente
desapareceu depois de 1997, com a intensificação de compra de terras pela
Multinacional. Já a área colhida de milho, assim como a de feijão, oscilarou muito
durante o período estudado, indo de mais de 800 ha de área plantada em 1996 a
praticamente zero em 1998. Nota-se depois de 1997 uma relativa redução da área
plantada dos dois produtos, com um aumento significativo em 2002.
Gráfico 23 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1993 a 2002) – Produtos Tradicionais – Área Colhida (HA).
0100200300400500600700800900
ÁR
EA
(H
A)
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1993 A 2002) - PRODUTOS TRADICIONAIS - ÁREA COLHIDA (HA)
Batata-doce
Feijão
Milho
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)
Com relação à área colhida dos produtos de mercado, nota-se, durante a década
de 1990 e início do século XXI (Gráfico 24), tanto um aumento dessa área no que se
refere à manga e principalmente à banana, que é toda produzida pela Del Monte Fresh
Produce, quanto uma pequena diminuição da área relativa ao algodão herbáceo.
Com relação à manga, a área colhida passou de menos de 400 ha, no ano de
1993, para mais de 500 ha, no ano de 2002. Já com relação à banana, o aumento foi
muito maior, passando de menos de 200 ha, em 1993, para mais de 1.000 ha, em 2002,
ou seja, mais de 400% de aumento de área plantada. Aumento este que se intensifica
depois das compras de terras feitas pela Multinacional entre 1998 e 2002.
Gráfico 24 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1993 a 2002) – Produtos de Mercado – Área Colhida (HA).
0
200
400
600
800
1000
1200
ÁR
EA
(H
A)
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
19
99
20
00
20
01
20
02
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1993 A 2002) - PRODUTOS DE MERCADO - ÁREA COLHIDA (HA)
Algodão Herbáceo
Banana
Manga
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)
Em relação à quantidade produzida de produtos tradicionais e de subsistência,
tem-se, no decorrer da década de 1990 e início do século XXI, uma queda gradativa em
relação à batata-doce e ao feijão, assim como na produção de milho. No ano de 2002,
ocorre um aumento significativo na quantidade produzida da cultura de milho. Em
relação à primeira, com exceção do ano de 1996, ela seguiu sua trajetória de decréscimo
de produção até chegar em 2002 com uma produção quase insignificante. O feijão
também, no decorrer de todo o período, seguiu essa trajetória de decréscimo de
produção, chegando a uma quase insignificante em 2003 (Gráfico 25).
Gráfico 25 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1993 a 2002) – Produtos Tradicionais – Quantidade Produzida (T).
0
500
1000
1500
2000
QU
AN
TID
AD
E (
T)
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1993 A 2002) PRODUTOS TRADICIONAIS -
QUANTIDADE PRODUZIDA (T)
Feijão
Milho
Batata-doce
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)
No que diz respeito à quantidade produzida de produtos de mercado durante o
período de 1993 a 2002 (Gráfico 26), observa-se que esta é muito maior que a
quantidade produzida de produtos tradicionais (Gráfico 24). Observando os dois
gráficos, nota-se que a maior quantidade alcançada por um produto tradicional em todo
o período foi a do milho - com menos de 2.000 toneladas em 2002. Já em relação a um
produto de mercado, a maior quantidade alcançada foi a da banana em 2002, com quase
60.000 toneladas, ficando em segundo lugar a manga - com mais de 10.000 toneladas no
mesmo ano.
Se se levar em conta uma comparação entre a maior quantidade de produção
alcançada por um produto tradicional e a alcançada por um produto de mercado, chegar-
se-á a uma diferença de quase 3.000% a mais a favor da produção de mercado, no caso,
a banana.
Nota-se que, no Gráfico 26, a produção de manga mantém-se estável,
aumentando um pouco no final da década de 1990 e caindo no início do século XXI. Já
com relação ao algodão herbáceo, sua quantidade produzida se mantém em um nível
muito abaixo das outras quantidades produzidas de mercado, quase não aparecendo no
Gráfico.
Com relação à quantidade produzida de banana, tem-se uma ascensão meteórica
depois da compra de várias propriedades pela Del Monte Fresh Produce - a partir de
1998, quando se inicia o plantio, embora somente depois de algum tempo é que se vá
colher a banana. Por isto, só a partir de 2001 é que se observa com toda a intensidade o
resultado das plantações de bananas efetuadas pela Multinacional nos anos anteriores.
Gráfico 26 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (de 1993 a 2002) – Produtos de Mercado – Quantidade Produzida (T).
01000020000
3000040000
5000060000
QU
AN
TID
AD
E (
T)
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1993 A 2002) - PRODUTOS DE MERCADO -
QUANTIDADE PRODUZIDA (T)
Algodão Herbáceo
Banana
Manga
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)
É importante observar que a produção de banana da Multinacional vai ser quase
que totalmente voltada para o mercado externo. Segundo informações coletadas em
entrevistas com funcionários e ex-funcionários do corpo técnico da Del Monte57, cerca
de 92% da banana da Multinacional são exportados, ficando uma faixa de 8% no País
por não atender a critérios de qualidade para exportação - banana de segunda, que é
comercializada com outra marca, a Rosy, nas Regiões Sul e Sudeste do Brasil,
preservando assim a marca Del Monte exclusivamente para a banana exportada. Existe
também uma parcela, dentro desses 8%, abaixo dos padrões de qualidade para o
mercado nacional, chamada de banana de refugo, que é vendida para fábricas de doces
na região.
Assim, nota-se um aprofundamento da dependência de Ipanguaçu em relação ao
mercado consumidor global, intensificando-se com isto as relações de verticalidades
faladas por Santos (1997, 2002a). O lugar passa a ser cada vez mais dependente da
lógica global imposta por agentes externos.
Esse tipo de produção da banana extremamente moderno, com uso de
maquinário e muitos insumos agrícolas e com a colaboração do clima, do solo e do
57 Informações obtidas através de entrevistas com funcionários da Del Monte, em Itajá, Ipanguaçu e Assu, entre 16 e 18 de janeiro de 2011
acesso fácil à água, faz com que se obtenha uma alta produtividade dessa fruta por
hectare, além de uma grande produção, destacando o município de Ipanguaçu em nível
regional, nacional e internacional. A Multinacional vai participar de forma ativa da
balança comercial do Rio Grande do Norte e também do Brasil.
Em 2002, a exportação de banana já vai ser o 7º produto mais importante das
exportações desse Estado, com quase 14 milhões de dólares (SECRETARIA DE
COMÉRCIO EXTERIOR, 2011).
Ainda em 2002, pode-se notar, como mostra o Gráfico 27, que o Rio Grande do
Norte, com as exportações de bananas feitas pela Multinacional, chega pela primeira
vez a ser o segundo maior estado brasileiro exportador dessa fruta em valor exportado, à
frente de tradicionais exportadores como São Paulo (ALICEWEB, MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMERCIO EXTERIOR DO BRASIL,
2011).
Com base nos dados do Aliceweb, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio Exterior do Brasil (2011), pode-se afirmar que o estado do Rio Grande do
Norte, sozinho, tinha cerca de 40% da participação das exportações de banana do Brasil
em 2002, contribuindo e muito para as exportações brasileiras no Setor de Banana, que,
em 2000, eram de aproximadamente 12 milhões de dólares e que, após o aumento da
participação desse Estado (leia-se, aumento da participação da Del Monte Fresh
Produce, que é a única exportadora de banana do Rio Grande do Norte), passou em
2002 para mais de 30 milhões de dólares, mais do que dobrando sua participação no
Mercado Mundial (ALICEWEB, MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO,
INDÚSTRIA E COMERCIO EXTERIOR DO BRASIL, 2011).
Gráfico 27 - Exportação de Banana no Brasil (2002) por Estados Exportadores.
02.000.0004.000.0006.000.0008.000.000
10.000.00012.000.00014.000.00016.000.00018.000.000
US
$
CE RN BA MG ES RJ SP PR SC RS
Exportações de bananas no Brasil (2002) Estados Exportadores
US$
Fonte: Aliceweb, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil (2011)
A Figura 3, com dados da FAO/ONU, mostra o fluxo de destino para as
exportações brasileiras de banana, sendo cerca de 40% de produção exclusiva da Del
Monte Fresh Produce no Rio Grande do Norte. Além da destinação para a Argentina, os
principais destinos da banana brasileira vão ser o Reino Unido, Itália, Países Baixos,
Alemanha, Japão e Estados Unidos.
Figura 3 - Fluxos de exportações brasileiras de banana para o Mundo (2002)
Fonte: FAOSTAT (2011)
Nota-se também o diferencial das exportações de banana do Brasil em relação
aos outros exportadores do Mundo, que levam multinacionais como a Del Monte Fresh
Produce a se instalar no País, que cobra um valor unitário por tonelada métrica
considerado mundialmente o menor - cerca de 136 dólares -, inferior inclusive a países
africanos como Camarões, onde a Multinacional em questão também tem fazendas.
4.4 - Anos 2000: “Novas” Políticas Públicas Federais e Produção Globalizada
Nesta parte se estudará o período relativo aos seis primeiros anos do Governo
Luís Inácio Lula da Silva (2003 a 2008). Esse período foi incluído na análise pelo fato
de se terem observado em pesquisas cartoriais (tanto em Ipanguaçu quanto em Baraúna)
mudanças relativas a políticas públicas implantadas pelo Governo Lula no campo. A
mudança se mostra de forma clara em vários documentos cartoriais, como reflexo
principalmente da política do Crédito Fundiário, além do reforço na criação de inúmeros
assentamentos do INCRA. Vale observar que as aspas nas novas políticas públicas são
para ressaltar exatamente o caráter de repetição de inúmeras políticas pelo Governo
Lula do antigo Governo de Fernando Henrique Cardoso.
Com este novo contexto, observar-se-á a influência dessas ‘novas’ políticas
públicas voltadas para a agricultura familiar, no movimento de terras do Município, e se
essas políticas vão se refletir de algum modo nas relações de trabalho, no mercado de
trabalho assalariado e na produção agrícola municipal.
Como foi analisado no Capítulo 1, o Governo Lula, a partir de 2003, vai
imprimir um modelo dual de política pública, privilegiando ao mesmo tempo o
Agronegócio e a Agricultura Familiar. Esse modelo vai dar continuidade a várias
políticas públicas implementadas pelo Governo Neoliberal de Fernando Henrique
Cardoso, que eram voltadas para articular o Brasil no processo de globalização, como
projetos elencados nos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, que serão
reaproveitados nos PACs do Governo Lula. Muitos desses investimentos do PAC (como
já vistos no Capítulo 1) vão reforçar o Agronegócio nos Polos de Desenvolvimento
Integrado do Nordeste. Além disto, o Governo investe pesadamente no financiamento
do Agronegócio Globalizado através do Banco do Nordeste, do Banco do Brasil e do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social em inúmeros programas já
citados.
Com relação à Agricultura Familiar, têm-se inúmeras políticas, muitas das quais
baseadas no desenvolvimento regional e atreladas a este, além de pautadas em
diferenciações de crédito ou descontos em consonância com a região mais atrasada.
Muitas políticas vão seguir os ditames da Política Nacional de Desenvolvimento
Regional – PNDR, implantada e criada no Governo Lula. Segundo Porto (2006, p. 102),
“...o maior objetivo do PNDR é reverter as desigualdades regionais mediante
exploração das potencialidades endógenas da diversidade ambiental, socioeconômica e
cultural brasileira.”
A classificação do PNDR vai se enquadrar em uma série de políticas públicas
por todo o Brasil e, no Nordeste, vai ter como suporte também a Nova Delimitação do
Semiárido como norte fundamental das principais políticas públicas de desenvolvimento
dessa Região.
As principais políticas públicas em execução do Ministério da Integração
Nacional (MIN) e Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), como já se falou
anteriormente, são vinculadas à classificação do PNDR e/ou à delimitação do Semi-
árido (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2008) (MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2008). O principal programa que vai ser
observado de forma determinante em Ipanguaçu e Baraúna (além do PRONAF) vai ser
o Programa Nacional do Credito Fundiário:
Como já explicitado no Capítulo 1, o Programa Nacional de Crédito
Fundiário (um programa de compra de terras similar existia na época do Governo
Fernando Henrique Cardoso com o nome de “Banco da Terra”) tem inúmeras linhas de
financiamento oferecidas - a de Combate à Pobreza Rural é a que atende às camadas
mais necessitadas da população rural, contemplando trabalhadores rurais sem terra,
pequenos produtores rurais com acesso precário à terra e proprietários de minifúndios:
imóveis cuja área não alcance a dimensão da propriedade familiar.
O objetivo básico do Programa é financiar a compra de imóveis rurais, tendo
como requisito básico formar associações. Para as associações localizadas no semiárido
nordestino, tem-se um bônus de adimplência de 40% - mais de 100% superior ao das
outras regiões do Brasil (MDA) (CREDITO FUNDIÁRIO, 2008).
4.4.1 - ‘Novas’ Políticas Públicas e seu Impacto no Mercado Fundiário de Ipanguaçu
No decorrer dos anos do Governo Lula (2003 a 2008), nota-se de forma
marcante um aumento da interferência do Governo no mercado de terras de Ipanguaçu,
através dos programas ligados ao crédito fundiário (Programa Nacional de Crédito
Fundiário) e dos novos assentamentos do INCRA no Município.
No Gráfico 28, observa-se o recente movimento de terras com o uso de
associações entre 2003 e 2008. Em pesquisa realizada no Cartório Municipal, esse
movimento de terras a partir de compras de associações só aparece no referido período
em toda a série histórica analisada, que vai de 1979 a 2008.
Analisando-se cada um dos documentos de terras, ficou claro que todas elas
foram compradas por associações a partir de financiamento hipotecário do Programa
Nacional de Crédito Fundiário. Com esse Programa, teve-se uma reativação do
movimento de terras do Município, praticamente parado, principalmente na área de
várzea, por causa das compras monopolísticas da Del Monte Fresh Produce.
Gráfico 28 - Movimento de terras com uso de associações por área (2003 a 2008) – Ipanguaçu
0200
400600800
100012001400
16001800
2003 2004 2005 2006 2007 2008
Movimento de terras com uso de associações por área (2003 a 2008)
Área - ha
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)
Analisando-se o referido Gráfico ( o 28), observa-se que esse movimento de
compra de terras por associações ganha um impulso em 2004, chegando ao ápice em
2006, com a compra de 1.600 ha de terras por associações com o uso do referido
Programa e, em 2007, com a compra de quase 1.400 ha. Em 2008, não foi obtido,
porém, qualquer dado de compra utilizando tal Programa.
Por fim, nesse curto período tem-se uma compra acumulada de 4.127 ha de
terras oriundas desse Programa, especificamente, gerando um movimento razoável no
Cartório Municipal. Essas terras eram localizadas em diversas partes do Município e
não somente na área de várzea.
Segundo o técnico da EMATER de Ipanguaçu, Lucieudes Neves Lopes,58 que
também faz parte de uma associação com seus familiares, o processo para se chegar à
terra pelo Crédito Fundiário segue os seguintes passos:
[...] você escolhe lá a terra que você quer, você leva os documentos do proprietário assinado dizendo que o proprietário tem interesse de vender a terra e o projetista vai faz o projeto e envia para a Seara [Secretaria responsável pela Reforma Agrária do Estado do RN]. Com a proposta, a Seara avalia a terra, se o proprietário tiver interesse em vender pelo preço que a Seara avaliou ai entra o banco. Ai vem o Banco do Nordeste, ai faz o levantamento cadastral da associação, sempre 10 pessoas, 8 e você faz uma associação e compra pela associação [...] você compra e divide ate 17 anos [...] não chega a 1% ao ano, prestações anuais, com 17 anos para pagar com 2 anos de carência com rebate de 40% se pagar antecipado [...] pra muita gente deu certo [...] tem o numero de ha por pessoa, no mínimo 8ha por pessoa (sic).
Além do impacto desse Programa, o Governo Federal agiu diretamente no
mercado de terras de Ipanguaçu com a desapropriação de uma ampla área, chamada
“Fazenda Itu” (18.274 ha), em 2005. Essa fazenda tem algumas áreas de várzea e
amplas áreas no tabuleiro com terras de difícil manejo agrícola.
No Figura 4, pode-se observar o município de Ipanguaçu em destaque e os
assentamentos já instalados pelo INCRA em 2005, que ali aparecem demarcados,
muitos dos quais, em áreas com ampla porcentagem de terras de tabuleiro e com poucas
perspectivas agrícolas.
58 Entrevista concedida em 19 de janeiro de 2011 na EMATER de Ipanguaçu-RN.
Figura 4 - Assentamentos do INCRA em Ipanguaçu (2005)
Fonte: Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do RN (2011) Essa desapropriação da Fazenda Itu vai ser a única e grande intervenção do
Governo por área no município de Ipanguaçu. Como se observa no Gráfico 29, nos
outros anos a atuação do Governo foi praticamente nula.
Gráfico 29 - Movimento de terras com intervenção do Governo por área (de 2003 a 2008) – Ipanguaçu
0
5000
10000
15000
20000
2003 2004 2005 2006 2007 2008
Movimento de terras com intervenção do governo por área (2003 a 2008)
Área - ha
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)
Com esse grande movimento de intervenção do Governo, seja de forma indireta,
através do crédito fundiário, seja de forma direta, através de desapropriações feitas pelo
INCRA, tem-se uma mudança no movimento de terras no Cartório de Ipanguaçu.
Como se observa no Gráfico 30, de área transacionada por ano e por hectare no
período de 2003 a 2008, deu-se, principalmente nos anos de 2004, 2006 e 2007, um
movimento considerável de transações cartoriais, concentrando-se, principalmente nos
anos de 2006 e 2007, em negócios envolvendo pequenas propriedades de 0 a 10
hectares. Esse período foi o mesmo em que ocorreram as maiores compras de terras por
associações do Programa do Crédito Fundiário. Pode-se afirmar, com base nesses
dados, que as associações compraram mais pequenas e médias terras.
Gráfico 30 - Área transacionada por ano e por ha (2003 a 2008) – Ipanguaçu
010203040
Número de transações
2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano
Área transacionada por ano e por ha (2003 a 2008)
0 a 10 ha
10 a 100 ha
+ 100 ha
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)
Em relação ao tipo de transação efetuado nesse período (ver Gráfico 31), tem-se
outra surpresa, com a dianteira em termos de área das desapropriações, com quase 50%
de todos os tipos de transações. As desapropriações foram poucas e, tratando-se do
INCRA, foi só uma: a da Fazenda Itu. Por isto, tal fator não tem representatividade na
quantidade, mas sim em área, já que a fazenda tinha mais de 18 mil hectares.
Observa-se também o grande número de hipotecas e a grande quantidade de
vendas de terras com pouca representatividade de área. Esse evento acontece
exatamente pelo fato de o grande número de associações que se utilizam do Crédito
Fundiário comprar terras de pequeno e médio porte, fazendo com que se tenha uma
grande quantidade mas nem sempre uma grande área envolvida. E essas mesmas
associações, na hora em que compram, automaticamente fazem uma hipoteca, já que,
para se efetuar a compra se tem que financiar através de hipoteca, como é característica
do Programa de Crédito Fundiário. Por isto, também, o grande número de hipotecas no
período.
Gráfico 31 - Tipo de transação de terras e área transacionada (2003 a 2008) – Ipanguaçu
0%10%20%30%40%50%
Adjudicação
Arrendamento
Desapropriação
Herança
Hipoteca
Permuta
Usucapião
Venda
Doação
Tipo de transação de terras e área transacionada (2003 a 2008)
Quantidade
Área
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)
Por fim, observa-se no Gráfico 32 que, diferentemente de outros períodos onde
se tinha grande pressão de compras por pessoa jurídica, agora pouco se distingue a
atuação de empresas agrícolas no mercado de terras. Em todo o período analisado,
apenas em 2004 houve compra de terras executada por pessoa jurídica. Apenas uma
empresa comprou terras durante esse período: a Del Monte Fresh Produce, que
comprou cerca de 500 ha de terras da sua ex-parceira na joint venture de banana, a
“Directivos Agrícola”.
Gráfico 32 - Compra e venda de terras por pessoa jurídica em Ipanguaçu (2003 a 2008)
0
200
400
600
2003 2004 2005 2006 2007 2008
COMPRA E VENDA DE TERRAS POR PESSOA JURÍDICA EM IPANGUAÇU (2003 A 2008)
Área - ha
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)
Essa Multinacional, como se observa no Gráfico 33, mantém suas compras
sempre em área de várzea de alta fertilidade. No caso, como demonstra o Gráfico, na
localidade de Veneza, uma das várzeas mais férteis e produtivas do Município.
Gráfico 33 - Compra e venda – empresas – por área e principais localidades (2003 a 2008) – Ipanguaçu
0
200
400
600
Arapuá
Baldum
Corrego do
Maia
Cuó
Havaí
Japiaçu
OlhoD
água
Ubarana
Veneza
Compra e venda - empresas - por área e principais localidades (2003 a 2008)
Área - ha
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)
Com esses dados, observa-se a fraca participação de empresas agrícolas em
Ipanguaçu durante esse período, que reflete muitas vezes a alta concentração de terras
nas mãos da Multinacional (principalmente as terras mais férteis).
4.4.2 Impactos das ‘Novas’ Políticas Públicas nas Relações de Trabalho e nas
Estatísticas do Trabalho Assalariado
Durante os anos de 2003 a 2008, tem-se um reforço ainda maior da importância
da Agropecuária na geração de empregos assalariados municipais. De acordo com o
Quadro 45, observa-se que, durante todo o período pesquisado, essa atividade
representou uma média de 80% dos empregos de carteira assalariada no Município,
ultrapassando com folga todas as outras atividades econômicas, incluindo a
Administração Pública - segundo maior setor gerador de empregos assalariados
municipais -, que teve uma média de geração de empregos oscilando na faixa de 300 a
450 durante todo o período analisado. Já a geração do Setor Agropecuário ficou entre
1.600 e 2.100 empregos gerados com carteira assinada.
Quadro 45 - Ipanguaçu: Vínculos ativos por setor de atividade econômica (2003-2008) Setor 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Extração Mineral 0 0 0 0 0 0 Ind. Transformação
33 44 41 72 105 101
Serv. Indústria 1 1 1 1 1 3 Construção Civil 13 17 10 11 4 4 Comércio 58 55 59 54 59 57 Serviços 29 13 18 16 22 32 Adm. Pública 362 295 368 328 472 420 Agropecuária 1760 1702 2018 2106 2034 1615 Outros/Ignorado 0 0 0 0 0 0 Total 2256 2127 2515 2588 2697 2232 Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho e Emprego (2011)
Desses empregos assalariados do Setor Agropecuário, a grande maioria foi
gerada pela Del Monte Fresh Produce através de suas cinco fazendas e pela única
unidade da Finobrasa Agroindustrial. Só essas seis unidades fazendas geraram 1.770
empregos dos 2.034 empregos do Setor em 200759, demonstrando que, mesmo com os
assentamentos e políticas públicas ligadas ao pequeno e médio proprietário, se mantém
a importância no mercado assalariado das duas grandes empresas, com destaque para a
Del Monte, responsável por grande parte da geração de 1770 empregos (RAIS,
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO 2011).
Quando se observa o perfil das principais ocupações ligadas aos trabalhadores
do Setor Agropecuário (ver Quadro 46), tem-se o predomínio de salários baixos e de
trabalhos ligados à fruticultura - característica da Del Monte Fresh Produce -, com
muitos trabalhadores no serviço de apoio à agricultura, trabalhando em parking houses,
câmaras frias, dentre outros. Muitos também trabalham como técnicos agrícolas na
supervisão desses trabalhadores e alguns na mecanização agrícola, irrigação e
drenagem. Os que trabalham com um pouco mais de especialização ganham um pouco
mais.
Nota-se também, com base no Quadro 46, que são quase inexistentes os
trabalhadores assalariados da Pecuária de grande porte: só um trabalhador.
59 Utilizamos como parâmetro o ano de 2007 pelo fato de em 2008 ter ocorrido um desastre natural nas várzeas de Ipanguaçu com a inundação de áreas de várzea pela cheia do Rio Piranhas-Açu, causando um desastre na produção agrícola, principalmente na produção da multinacional Del Monte Fresh Produce, com isso afetando a geração de empregos e a produção agrícola temporariamente.
Quadro 46 - Perfil ocupacional dos trabalhadores agropecuários de Ipanguaçu (2007) Perfil Ocupacional Número de
trabalhadores Remuneração média em Salários Mínimos/Dezembro
Técnicos Agrícolas 44 2,2 Trabalhadores Agropecuários em geral
13 2,1
Trabalhadores de apóio a agricultura
461 1,1
Trabalhadores agrícolas na fruticultura
1168 1,1
Trabalhadores na pecuária de animais de grande porte
1 1
Trabalhadores da mecanização agrícola
26 1,7
Trabalhadores da irrigação e drenagem
23 1,4
Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho e Emprego (2011)
Observando esses dados relativos ao emprego assalariado e à concentração de
boa parte deste nas mãos da Del Monte Fresh Produce, fica uma questão em aberto
nessa nova conjuntura de instalação de muitos assentamentos do INCRA em Ipanguaçu:
Onde e como estão trabalhando esses assentados?
Com base nesta questão, resolve-se entrevistar o presidente de uma associação
que coordena um assentamento recém-implantado na área da antiga Fazenda Itu,
recentemente desapropriada. Segundo esse presidente, Francisco Casemiro60, devido à
implantação do assentamento ser recente e devido à falta de recursos e investimentos do
INCRA, tem-se um quadro ocupacional que se configura dessa forma: “ ..quem não tá
ainda aposentado continua nas empresas, Del Monte, Finobrasa, aguardando esses
demarcações e o recurso para nós trabalhar...”. O referido presidente do sindicato fala
ainda sobre o ônibus da Del Monte - “o ônibus vem buscar todos os dias, passa aqui
dentro no assentamento...esse ônibus dá três viagens por dia...”.
Essas informações trazem à tona um problema comum nos assentamentos: a
proletarização dos assentados em virtude da falta de infraestrutura e assistência técnica
do INCRA. Em virtude desse problema, muitos vão trabalhar para as empresas
agrícolas, no caso a Del Monte e a Finobrasa em grande parte.
Em relação à Política do Crédito Fundiário em Ipanguaçu, não tem como se ter
números sobre emprego assalariado nas associações, pois a maioria observada trabalha
com sua própria mão-de-obra familiar, não gerando empregos assalariados permanentes
60 Entrevista concedida em 18 de janeiro de 2011 no Assentamento “Picada”, zona rural de Ipanguaçu.
e sim eventuais, no momento da colheita ou da plantação de determinada cultura,
variando de cultura para cultura a necessidade e o número de trabalhadores eventuais ou
diaristas.
4.4.3 Impactos das ‘Novas’ Políticas Públicas na Produção Agrícola de Ipanguaçu
Observando a produção agrícola recente de Ipanguaçu, de produtos tradicionais,
geralmente plantados historicamente pela agricultura familiar, nota-se que a área
colhida tendeu a diminuir, principalmente nos últimos anos da série histórica de 2003 a
2008 (ver Gráfico 34). O feijão teve uma redução de cerca de 50% da área colhida entre
2003 e 2008, o mesmo dando-se com o milho, cuja área colhida passou de cerca de 600
hectares, em 2003, para cerca de 300 ha em 2008. A batata-doce, por sua vez, que
respondia historicamente sempre a uma área colhida de relevância, praticamente sumiu
em termos de área colhida.
Gráfico 34 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (2003 a 2008) – Produtos Tradicionais – Área Colhida (HA)
0
100
200
300
400
500
600
ÁR
EA
(H
A)
2003 2004 2005 2006 2007 2008
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (2003 A 2008) - PRODUTOS TRADICIONAIS - ÁREA COLHIDA (HA)
Feijão
Milho
Batata-doce
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)
Com esses dados, pode-se inferir que, apesar dos recentes assentamentos do
INCRA e da difusão em massa do Crédito Fundiário no Município a partir de
associações, não se tem, aparentemente, o reflexo dessas políticas na produção de
produtos tradicionais, que eram geralmente plantados pela pequena agricultura familiar
municipal.
Já com relação à área colhida de produtos de mercado (Gráfico 35), nota-se a
tendência a uma manutenção da área, como o algodão herbáceo, destacando-se, porém,
principalmente os produtos voltados quase que exclusivamente para o mercado externo,
como a manga e a banana da Del Monte Fresh Produce.
Observa-se, no entanto, que, no ano de 2008, aconteceu um grande desastre na
região, com a inundação de amplas áreas de várzea pela cheia do rio Piranhas-Açu, que
se encontra atualmente bastante assoreado. Isto vai fazer com que amplas áreas de
várzea da Multinacional fiquem debaixo d’água, gerando uma perda enorme na área
colhida de banana no ano de 2008.
Gráfico 35 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (2003 a 2008) – Produtos de Mercado – Área Colhida (HA)
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
ÁR
EA
(H
A)
2003 2004 2005 2006 2007 2008
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (2003 A 2008) - PRODUTOS DE MERCADO - ÁREA COLHIDA (HA)
Algodão Herbáceo
Banana
Manga
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)
Com relação à quantidade produzida de culturas tradicionais, durante essa série
histórica de 2003 a 2008, verifica-se, no Gráfico 36, que a produção tradicional de
milho, feijão e batata-doce praticamente desapareceu durante a série histórica, refletindo
inúmeras questões, como o desinteresse para plantar os produtos tradicionais, a falta de
infraestrutura nos assentamentos e, principalmente, o alto custo de insumos, além da
volatilidade dos atravessadores para comprar os produtos agrícolas, apesar de a terra,
principalmente na área de várzea, ser muito fértil. Segundo um agricultor entrevistado
na localidade rural de Baldum61 (área de várzea): “[...] o setor aqui é muito bom para
agricultura, o que plantar dá [...]. Mas, o mesmo fala das dificuldades na pequena
produção agrícola: [...] vem o atravessador leva para Caicó, para Natal, para Recife, uns 61 Entrevista concedida por um agricultor idoso na localidade de Baldum, na várzea de Ipanguaçu, em 20 de janeiro de 2011.
vendem, às vezes paga, às vezes não paga (sic) [...]a gente plantava o milho, tirava a
semente e plantava no outro ano, hoje o comércio não quer o milho [...].
O agricultor explica que os comerciantes não querem mais o milho tradicional
plantado pelo agricultor tradicional, querem espécies diferentes, com mais exigência em
relação à qualidade técnica das sementes.
Gráfico 36 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (2003 a 2008) – Produtos Tradicionais – Quantidade Produzida (T)
0
500
1000
1500
2000
QU
AN
TID
AD
E (
T)
2003 2004 2005 2006 2007 2008
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (2003 A 2008) - PRODUTOS TRADICIONAIS -
QUANTIDADE PRODUZIDA (T)
Feijão
Milho
Batata-doce
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)
O Gráfico 37 ratifica a superioridade da quantidade produzida das culturas de
mercado em relação às tradicionais, com a larga diferença da monocultura de banana,
afetada apenas em 2008 com a cheia do rio Piranhas-Açu.
Gráfico 37 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (2003 a 2008) – Produtos de Mercado – Quantidade Produzida (T)
0
10000
20000
30000
40000
50000
60000
QU
AN
TID
AD
E (
T)
2003 2004 2005 2006 2007 2008
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (2003 A 2008) - PRODUTOS DE MERCADO - QUANTIDADE PRODUZIDA (T)
Algodão Herbáceo
Banana
Manga
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)
Mesmo com a diminuição expressiva de quase 50% na produção de banana pela
Multinacional em 2008, as exportações do Rio Grande do Norte, nesse ano, alcançam o
primeiro lugar dentre todos os estados exportadores de banana, graças às fazendas da
Multinacional (ver Gráfico 38).
Gráfico 38 - Exportação de Banana no Brasil (2002) por Estados Exportadores.
02.000.0004.000.0006.000.0008.000.000
10.000.00012.000.00014.000.00016.000.000
US
$
PI CE RN BA MG RJ SP PR SC RS
Exportações de bananas no Brasil (2008) Estados Exportadores
US$
Fonte: Aliceweb, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comercio Exterior do Brasil (2011) Observando a Figura 5, mais uma vez veem-se os fluxos de exportação da
banana brasileira para países do Mundo. A banana de Santa Catarina atende às
demandas do MERCOSUL, enquanto as do RN - da Multinacional Del Monte Fresh
Produce - estão ligadas principalmente ao Mercado Europeu.
Figura 5 - Fluxos de exportações brasileiras de banana para o Mundo (2008)
Fonte: FAOSTAT (2011)
Com essa produção extraordinária, que gera muitos empregos no Município,
como observado no item anterior, a Multinacional é tida por muitos moradores, vizinhos
e empregados, como a “salvação do município”. Para muitos, como um agricultor de
Baldum62, que mora vizinho à sede da Empresa,
[...] ela paga os funcionário tudo direitinho, paga em dia, NÃO HÁ ENGANO NELA, não há dúvida, pagamento, paga 15 dias, 30 dias o dinheiro tá todo pronto, ninguém sabe de onde vem, ninguém sabe como é [...] o pagamento você tira no banco, não tem roubo, não tem nada [...] aí o povo pelo menos tá empregado (grifos meus).
Com isto, observa-se que a população do local onde a Multinacional está
instalada, apesar das críticas, a respalda sempre, principalmente por seguir algumas leis
trabalhistas, como pagar em dia. Fica subentendido aí que nem sempre se têm essas leis
como realidade no referido local.
No próximo Capítulo, analisar-se-á o processo de globalização da Agricultura na
Chapada do Apodi, tomando como exemplo o município de Baraúna, um dos maiores
produtores e exportadores de melão do País.
62 Entrevista concedida por um agricultor idoso na Localidade de Baldum, na várzea de Ipanguaçu, em 20 de janeiro de 2011.
5 BARAÚNA: PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO COM MÉDIAS “EMPRESAS NACIONAIS”
Neste Capítulo, mostrar-se-á a evolução da produção do espaço no município de
Baraúna, desde o início da sua história com os nativos americanos que lá viviam,
passando pela ocupação da região pelos portugueses, seu processo de conquista e
colonização, até o início da década de 1980, com sua emancipação política (5.1 – Do
início da ocupação do território à emancipação municipal).
Em um segundo momento, o trabalho vai se deter mais especificamente no
processo atual de globalização do referido Município, dando-se ênfase à fruticultura
irrigada entre o início da década de 1980 e o final da década de 2000, quando se
analisará o processo de inserção do Município na produção globalizada a partir de:
mercado de terras, mudança de eixo produtivo e relações de trabalho.
Para isto, dividiu-se esta parte da tese em mais três momentos, a saber: no
primeiro - entre o início da década de 1980 e o da década de 1992 -, o trabalho se deterá
mais no processo de exploração inicial de Baraúna, com a constituição de suas primeiras
empresas e primeiras explorações comerciais vinculadas principalmente ao algodão e à
castanha de caju (5.2 – Anos 80: Exploração inicial em Baraúna); no segundo momento,
entre 1993 e 2002, tratar-se-á do processo de concentração fundiária e da inserção do
Município no contexto da liberalização do comércio globalizada, com a chegada das
empresas agrícolas frutícolas dos japoneses, que vão ter o viés de empresas
exclusivamente exportadoras - esse período vai de 1993, quando se têm as primeiras
compras de terras pelos japoneses, até 2002 (5.3 – Anos 90: Globalização, Liberalização
do Comércio, Vinda dos Japoneses e Concentração Fundiária); no terceiro momento,
tratar-se-á do contexto mais recente, que vai de 2003 até 2008, com a chegada de
“novas” políticas públicas federais e a influência destas no mercado de terras e nas
relações de trabalho, além da perspectiva de rearranjo local frente a tais políticas (5.4 -
Anos 2000: “Novas” políticas públicas federais e novas perspectivas na produção
globalizada).
5.1 Do Início da Ocupação do Território à Emancipação Municipal
Nesta parte do trabalho, far-se-á uma breve caracterização da área de estudo e,
após esse momento, um resgate do histórico da ocupação do território pelo homem.
Na caracterização, serão salientados os elementos naturais de Baraúna, como
clima, vegetação, relevo e hidrografia; além de se analisarem os indicadores sociais e
econômicos do Município.
A parte relativa ao histórico da ocupação de Baraúna vai trazer um resgate do
início da ocupação do território pelos indígenas, passando por todo o processo de
ocupação e povoação dos portugueses, com as principais atividades econômicas
desenvolvidas no lugar , até a emancipação política no início da década de 1980.
5.1.1 Caracterização Geral da Área de Estudo
Segundo Cascudo (2002, p.70), Baraúna é um nome originário da palavra
indígena ibirá-una, cujo significado é “madeira preta”.
O município de Baraúna era, até 15 de dezembro de 1981, distrito de Mossoró e
este, por sua vez, era distrito de Açu, tendo se emancipado em 1852. Baraúna foi criado
pela Lei Estadual nº. 5.107 de 1981.
Localizada dentro da Microrregião “Mossoró” (ver Mapa 5) e da Mesorregião do
Oeste Potiguar, a cidade de Baraúna (ver Mapa 6 e 7) está situada nas coordenadas
geográficas de 5º 04’, de latitude sul, e 37º 37’, de longitude oeste, e o seu Município
apresenta uma área de 825,8 km², estando distante da capital do Estado 317
quilômetros.
Mapa 5 - Microrregião Mossoró (2011)
Fonte: Franklin Roberto da Costa Mapa 6 - Localização do município de Baraúna no estado do Rio Grande do Norte
Fonte: Gleydson Pinheiro Albano, adaptado de Josué Alencar Bezerra
Mapa 7 - Área do município de Baraúna com sua Sede Municipal e Povoados do interior.
Fonte: Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do RN (2011a)
a) Elementos Naturais
Com relação aos elementos naturais, Baraúna apresenta as seguintes
características:
O clima é semiárido. Sua precipitação pluviométrica anual média, segundo o
Atlas Pluviométrico do Brasil (2011), encaixa-se nas isoietas anuais de 600 e 700 mm
nos últimos 30 anos (entre 1977 e 2006). Seu período chuvoso se concentra entre
fevereiro e maio. A temperatura média anual é de 27,4º C e a umidade relativa média
anual fica em torno de 70% (INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE DO RN, 2011a).
Em relação as águas superficiais, o município não conta com rios e lagoas de
porte significativo, como se observa no no Mapa de Hidrografia do Município de
Baraúna (ver mapa 8).
A formação vegetal no Município é caracterizada pela Caatinga Hiperxerófila -
vegetação de caráter mais seco, com abundância de cactácea e plantas de porte mais
baixo e espalhadas. Entre outras espécies, destacam-se a jurema-preta, o mufumbo, o
faveleiro, o marmeleiro, o xique-xique e o facheiro.
Seu relevo varia entre 100 e 200 metros de altitude, estando localizado na
unidade de relevo chamada de “Chapada do Apodi”, que são terras planas ligeiramente
elevadas, formadas por terrenos sedimentares, cortados pelos rios Apodi-Mossoró e
Piranhas-Açu. Os solos predominantes que se encontram na área do Município são
[...] solos calcários ou argilos-calcários [...] dominam a maior parte da região a oeste do Rio Apodi [município de Baraúna], ocorrem também solos arenítico-calcários a Noroeste de Mossoró [também no município de Baraúna], com boas qualidades físicas, boa economia d´água e boas aptidões, portanto para o cultivo (LINS; ANDRADE, 1977, p.36).
Os referidos autores (op. cit, p.39) analisam também que, por causa da estrutura
cárstica da Chapada do Apodi, boa parte das precipitações é engolida por sumidouros e
vai alimentar uma drenagem subterrânea cuja vazão é muito grande nos poços tubulares.
Mapa 8 - Mapa da Hidrografia do Município de Baraúna-RN
Fonte: Franklin Roberto da Costa Geologicamente, o Município abrange terrenos pertencentes à Bacia Potiguar. A
maioria da área municipal tem a Formação Jandaíra: calcarenitos e calcilutitos
bioclásticos, cinza claros a amarelados, níveis de evaporito na base. Essas formações
são de bacias sedimentares e se localizam na Era Mesozoica, no Período Cretáceo
Superior, entre 65 e 96 milhões de anos. Também existem em partes do Município a
emergência de formação do Grupo Barreiras, com Arenitos e conglomerados,
intercalações de siltitose argilitos. Esses solos são recentes, da Era Cenozoica, com
média de 23 milhões de anos. (ANGELIM, 2007).
Segundo o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do RN
(2011a), há ocorrências minerais no Município. Estas estão localizadas na Formação
Jandaíra, a saber: calcários cálcicos e magnesianos (utilizados na indústria do cimento,
da cal, do corretivo agrícola e na indústria alimentar para animais); rochas ornamentais
(usadas como piso e revestimento); britas e pedras (para a construção civil) e gipsita e
argilas (que servem para a indústria do cimento e do gesso agrícola); e no Grupo
Barreiras, onde se destacam as ocorrências de cascalho (material utilizado para a
construção civil) e seixos e calhaus de calcedônia (utilizados em artesanato mineral e
em moinhos de bolas).
O Município encontra-se com 43,78% do seu território inserido na Bacia
Hidrográfica Apodi-Mossoró e 56,22%, na Faixa Norte de Escoamento Difuso. Nele há
também alguns aquíferos importantes, tais como:
Aquífero Jandaíra – que é composto predominantemente por calcários,
apresentando água geralmente salobra e uma composição química favorável à pequena
irrigação. É também um aquífero livre ou confinado, com vazões que variam até 30
m³/h, com média de 3 m³/h e poços com profundidade média em torno de 8 metros.
Abaixo de Jandaíra encontra-se o Aquífero Açu.
Aquífero Barreiras - composto por arenitos finos e grosseiros, conglomerados,
arenitos argilosos, caulínicos e ferruginosos níveis de cascalhos, lateritas e argilas
variadas, de coloração amarela e avermelhada. Quanto à hidrologia, esse aquífero
apresenta-se confinado, semiconfinado e livre em algumas áreas. Os poços construídos
mostram capacidade máxima de vazão, variando entre 5 a 100 m³/h, com águas de
excelente qualidade química, com baixos teores de sódio, podendo ser utilizadas
praticamente para todos os fins (INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE DO RN, 2011a).
Com base nesses dados, nota-se que o município de Baraúna tem elementos
naturais vantajosos que facilitam a agricultura, como solos férteis e águas subterrâneas
que proporcionam a irrigação a partir de poços. Por causa desses fatores, assim como
Ipanguaçu, esse Município se insere nas “manchas de modernidade” e
consequentemente na política de Polos de Desenvolvimento ( ver Capítulo 1),
inserindo-se assim, como Ipanguaçu, no Polo de Desenvolvimento Integrado Frutícola:
o Polo de Assu/Mossoró.
b) Indicadores Socioeconômicos
Analisando-se os indicadores sociais, verificou-se que a população do Município
estava em torno de 24.182, segundo dados demográficos do CENSO de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011). Desse total, 8.972 (37,1%) vivem
na Zona Rural, enquanto 15.210 (62,9%), na Zona Urbana (ver Gráfico 39),
evidenciando que, apesar das atividades rurais terem grande influência no Município, a
maioria da sua população reside na sua área urbana.
Gráfico 39 - População Urbana e Rural em Baraúna (2010)
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)
A taxa de nascimentos em Baraúna teve um significativo decréscimo de 2000
para 2010, passando a população entre 0 e 4 anos de 6,2% para 4,7%, seguindo a
tendência nacional (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA,
2011). A taxa de analfabetismo de Baraúna era de 47,7%, da população de acima de 15
anos, em 2000 (ATLAS do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2011)
A renda per capita média do Município cresceu 25,59%, entre 1991 e 2000,
passando de R$ 70,69, em 1991, para R$ 88,78, em 2000. Mas, mesmo assim, olhando-
se a porcentagem da renda apropriada por extratos da população, demonstrada no
Quadro 47, vê-se que, no decorrer destes últimos dez anos, a desigualdade cresceu de
forma assustadora. A renda passou a se concentrar muito mais nas camadas mais altas,
enquanto as mais baixas tiveram uma perda considerável. Significa dizer que, mesmo
com grandes empresas agrícolas no Município, a melhoria de renda trazida por elas se
concentra, como usual, nas camadas socialmente mais favorecidas. O índice Gini de
desigualdade passou de 0,50, em 1991, para 0,53, em 2000 (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011).
Quadro 47 - Porcentagem da renda apropriada por extratos da população em Baraúna, 1991 e 2000.
1991 2000 20% mais pobres 4,4 2,7 40% mais pobres 13,2 11,2 60% mais pobres 26,0 23,7 80% mais pobres 44,2 43,5 20% mais ricos 55,8 56,5
Fonte: ATLAS do Desenvolvimento Humano no Brasil (2011) O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de Baraúna é de
0,600 e está na faixa das regiões consideradas de médio desenvolvimento humano (IDH
entre 0,5 e 0,8).
Em relação aos outros municípios do Brasil, Baraúna apresenta uma situação
ruim: ocupa a 4648ª posição - atrás de mais de 84% dos municípios. Em relação aos
outros municípios do Estado, Baraúna também apresenta uma situação desfavorável,
ficando na 130ª posição, abaixo de quase 78% dos municípios (ATLAS ..., 2011).
Com relação aos indicadores econômicos agrícolas, Baraúna, segundo dados do
IBGE (2011) coletados em 2009, tem como a cultura de maior valor de produção o
mamão, com mais de 40 milhões de reais, dentre todos os produtos da lavoura
permanente e temporária (Quadro 48), sendo seguida pelo melão, com mais de 12
milhões de reais, e pelo tomate, banana e milho, todos com um pouco mais de 1 milhão
de reais. Nota-se ainda nesse quadro a presença do feijão, melancia, sorgo, manga,
algodão herbáceo, castanha de caju e sementes de girassol, com valores significativos
que atendem ao mercado local e regional, e a presença modesta de produtos como
goiaba, coco-da-bahia e batata-doce, com valores de produção inferiores a 20 mil reais
cada, que atendem de forma tímida ao mercado local.
Quadro 48 - Ranking de Valor de Produção de todos os produtos da lavoura temporária e permanente de Baraúna-RN – 2009
Área plantada, área colhida, quantidade produzida e valor da produção da lavoura permanente e temporária - Ranking descendente
Variável = Valor da produção (Mil Reais) Ano = 2009
Município = Baraúna - RN # Lavoura permanente/temporária
1 Mamão 40.500 2 Melão 12.600 3 Tomate 1.275 4 Banana (cacho) 1.124 5 Milho (em grão) 1.050 6 Feijão (em grão) 980 7 Melancia 525 8 Sorgo (em grão) 442 9 Manga 396 10 Algodão herbáceo (em caroço) 162 11 Castanha-de-cajú 126 12 Girassol (em grão) 110 13 Goiaba 16 14 Batata-doce 13 15 Coco-da-bahia 10 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)
A cultura temporária do mamão de Baraúna se destaca, em nível nacional, como
um dos grandes produtores nacionais com grande valor da produção. Como se pode
observar no Quadro 49, Baraúna fica em 9º lugar dentre todos os municípios do País no
valor da produção de mamão. No Rio Grande do Norte, ocupa o primeiro lugar, com 40
milhões de reais, deixando longe o segundo lugar, Ceará-Mirim, com uma renda de 2
milhões e 730 mil.
Quadro 49 - Ranking Nacional de Valor de Produção da lavoura permanente de Mamão - (2009)
Área plantada, área colhida, quantidade produzida e valor da produção da lavoura permanente - Ranking descendente - Brasil
Variável = Valor da produção (Mil Reais) Lavoura permanente = Mamão
Ano = 2009 # Município
1 Pinheiros - ES 196.875 2 Porto Seguro - BA 110.160 3 Itabela - BA 86.292 4 Prado - BA 68.544
5 Teixeira de Freitas - BA 53.856 6 Belmonte - BA 50.796 7 Santa Cruz Cabrália - BA 47.736 8 Nova Viçosa - BA 41.616 9 Baraúna - RN 40.500 10 Linhares – ES 39.660 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)
Com relação ao melão, assim como com o mamão, este tem grande destaque no
valor da produção nacional, ficando em 5º lugar entre todos os municípios do País (ver
Quadro 50). Vale observar que todos os outros quatro municípios que vêm na frente de
Baraúna são municípios vizinhos, todos fazendo parte da Chapada do Apodi, maior
produtor brasileiro e um dos maiores do Mundo em melão.
Quadro 50 - Ranking Nacional de Valor de Produção da lavoura temporária de Melão - (2009)
Área plantada, área colhida, quantidade produzida e valor da produção da lavoura temporária - Ranking descendente - Brasil
Variável = Valor da produção (Mil Reais) Lavoura temporária = Melão
Ano = 2009 # Município
1 Mossoró - RN 100.800 2 Quixeré - CE 29.688 3 Icapuí - CE 26.208 4 Aracati - CE 18.125 5 Baraúna - RN 12.600 6 Juazeiro - BA 8.950 7 Jaguaruana - CE 6.324 8 Floresta - PE 6.000 9 Canto do Buriti - PI 5.292 10 Limoeiro do Norte - CE 4.050 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)
Além da produção agrícola, Baraúna também conta com a extração vegetal, com
destaque em 2009 para o carvão vegetal, com renda de 160 mil reais, e para a lenha,
com 206 mil reais e 62 mil reais de madeira em tora (INSTITUTO BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011).
Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (2011), Baraúna em 2010
apresentou exportações no valor de quase 29 milhões de reais, sendo que, deste total,
73,5% se referem a exportações de melão; 13,9%, a melancias exportadas e 11,1%, a
exportações de mamão papaia. Nota-se, com isto, que, apesar de o mamão representar o
maior valor de produção do Município, em se tratando de exportações, o melão assume
a dianteira como maior valor exportado. Os principais destinos dessa exportação de
frutas são: Holanda (52,4%), Reino Unido (26,8%), Espanha (6%), Irlanda (4,1%) e
Dinamarca (3,7%).
Esses números, citados acima, da alta produção econômica das empresas rurais
situadas no Município são extremamente contraditórios quando comparados aos
indicadores sociais deste: extremamente baixos, o que o torna um dos municípios com
pior qualidade de vida (junto com Ipanguaçu) – Índice de Desenvolvimento Humano –
do Rio Grande do Norte e do Brasil.
Essa contradição entre alta concentração de renda e grande produção começa a
se construir no decorrer da história da região onde se localiza Baraúna (antes de 1981,
pertencente ao município de Mossoró), já no Período Colonial, quando começa a
ocorrer, através da distribuição de sesmarias, uma concentração fundiária intensiva.
5.1.2 Histórico da Ocupação do Território
Como já falado no Capítulo anterior, os primeiros habitantes da região de
Mossoró, assim como do Vale do Açu, foram os índios Tarairiu (chamados também de
Tapuias). O processo de ocupação da região de Mossoró (e da ribeira do rio Apodi-
Mossoró) pelos portugueses vai ser similar ao da ocupação do Vale do Açu, sendo
aquele, porém, um pouco mais tardio, no decorrer do século XVIII, após a expulsão e
morte dos indígenas pela Guerra dos Bárbaros (ver Capítulo 3).
Lins e Andrade (1977, p.66) relatam os primeiros contatos dos portugueses com
essa região: “[...] as extensas salinas que a cercam por todos os lados foram a
madrugadora referência dos primeiros contatos estabelecidos na era colonial com o
Baixo Apodi”
Segundo Cascudo (1996, p.10), a própria origem do topônimo Mossoró é mais
crível de provir do “[...] topônimo da tribo cariri dos Mouxorós ou Monxorós que
habitavam a região até quase metade do século XVIII, justamente o século do
povoamento mossoroense”. Essas tribos habitavam o último trecho do rio Mossoró e se
envolveram em conflitos que desencadearam a Guerra dos Bárbaros, por terem matado
gado dos curraleiros do município de Campo Grande.
Assim, como no Vale do Açu, Mossoró surge da “Fazenda de Gado”, localizada
às margens dos rios. Um dos primeiros relatos sobre o povoamento por fazendas de
gado na região de Mossoró cita a fazenda do Sargento-Mor Antônio de Souza Machado.
Ele era o dono da fazenda “Santa Luzia”, situada perto da margem esquerda do rio
Mossoró em idos de 1750. É a partir dessa fazenda que ocorre o processo de
povoamento do atual município de Mossoró, que inclusive era chamado inicialmente de
“Arraial de Santa Luzia de Mossoró” (CASCUDO, 1996).
Lins e Andrade (1977) relatam que, na segunda metade do século XIX, as velas
de cera de carnaúba e o algodão já tinham grande importância na pauta de produtos
exportados pela região de Mossoró, e observam que a exportação por via marítima
acontecia principalmente com a cera de carnaúba, o algodão, a borracha de maniçoba,
além de couros, queijos e peles do sertão.
A exportação de commodities vai ter uma queda com a seca de 1877,
considerada por muitos como uma das maiores secas de todos os tempos, ocasião em
que Mossoró foi invadida por milhares de indigentes:
A seca sacode para a cidade uma multidão das províncias vizinhas da Paraíba e Ceará [...] São tão tristes e lamentáveis as circunstancias em que se acha a população indigente desta cidade, superior a quarenta mil (40.000) emigrantes de diversas províncias, aqui chegados, quase que por um milagre – nus, famintos e afetados inchação das extremidades inferiores [...] parte dessa gente não encontrando um teto que lhe sirva de abrigo passa os dias e as noites exposta às intempéries do tempo, ao sol e ao relento, donde resulta principalmente a espantosa mortalidade que atinge a 40 pessoas por dia (CASCUDO, 1996, p.120).
Felipe (1982, p.55) observa que, nessa famosa seca, esses flagelados que viviam
à míngua eram usados por “[...] comerciantes e os proprietários de salinas, que
utilizavam essa mão de obra que trabalhava de 10 a 12 horas por dia a troco de migalhas
como rapadura e farinha”.
Mesmo com o advento dessa grande seca e de outras em fins do século XIX,
Mossoró vai iniciar o século XX sendo o líder estadual em exportações, principalmente
de algodão.
Cascudo (1996, p.147) relata o perfil das exportações no porto de Mossoró em
1910: “Em 1910 Mossoró exportou 602.348 fardos de algodão, pesando 4.000.250
quilos; Cera de Carnaúba, 304.581; Borracha norte, 1.659; Queijos, 3.589; Peles,
110.000; Couros, 94.296; Diversos gêneros 87.219”. Nesse ano, o porto de Areia
Branca (Porto de Mossoró) vai se destacar como o que gerou mais receitas para o estado
do Rio Grande do Norte, superando até o porto de Natal, sendo que a maior geração de
renda fica com o algodão e em segundo lugar com o sal (SANTOS, 2002).
Monteiro (2000) observa que, na segunda metade do século XIX, no contexto do
grande surto exportador de algodão, Mossoró se torna um grande centro comercial da
Província, principalmente no comércio algodoeiro, que era a principal atividade
econômica do Estado até a década de 1930.
Durante esse período, as casas exportadoras recebiam o algodão e repassavam
para o mercado externo, em um primeiro momento, e, em seguida, para o mercado
interno. Algumas dessas casas exportadoras de Mossoró tinham prensas hidráulicas de
alta densidade (para adequar o algodão recebido pelo produtor às exigências do mercado
externo) (CLEMENTINO, 1986).
Monteiro (2000, p.183) destaca que,
[...] com o tempo, surgiram as primeiras ‘usinas de beneficiamento’ do algodão no estado [como já observado no capítulo 3], que, através do emprego de uma série de aparelhos, preparavam o produto para a exportação. Pertenciam às grandes casas exportadoras que compravam o algodão e cujo capital tinha origem local ou estrangeira. Em 1912, Miguel Faustino do Monte - um dos maiores comerciantes de Mossoró, que atuava também na extração e comercialização do sal – instalou uma usina de algodão nessa cidade.
Com a implantação dessas ‘usinas de beneficiamento’ de algodão e suas
máquinas de produção a partir do início do século XX, a região de Mossoró já começa a
se inserir no período denominado por Santos (2002a) de “meio técnico”.
Vale lembrar que, pouco tempo depois, em 1916, o Rio Grande do Norte já
ocupava o segundo lugar em máquinas de descaroçar algodão do Brasil, perdendo
somente para a Paraíba (CLEMENTINO, 1986).
A extração da cera de carnaúba também teve uma grande importância para o
desenvolvimento comercial exportador de Mossoró.
A produção de cera de carnaúba, inicialmente usada para fazer velas, e de grande importância nos vales do Açu e Apodi, adquiriu grande expressão, enriquecendo proprietários de carnaubais e comerciantes, tendo contribuído, ao lado do algodão, para que Mossoró tivesse a posição que teve na segunda metade do século XIX (ANDRADE, 1995, p.27).
Mas, com o tempo essaa extração arrefeceu e o comércio exportador de Mossoró
também. Na segunda metade do século XX, o Governo Federal disponibilizou algumas
políticas públicas que visavam a dinamizar cidades médias como Mossoró. Nesse
contexto, nasce à empresa MAISA.
Primórdios do Agronegócio Frutícola: Constituição da MAISA
A constituição da empresa Mossoró Agroindustrial S/A (MAISA63) em 1968,
voltada em um primeiro momento para a agroindústria do caju, está diretamente ligada
às políticas públicas federais de incentivos fiscais da SUDENE (ver Capítulo 1), que
não só incentivavam o parque processador de castanhas do Nordeste, mas inúmeros
projetos agroindustriais e industriais, visando a descentralizar os investimentos que
eram concentrados no Sul e Sudeste (LEITE, 1994; ROCHA, 2005).
Com a aprovação do III Plano Diretor da SUDENE em 1965, passou-se a dispor
de novas diretrizes para a aplicação dos incentivos fiscais (que agora chegavam a até
75% do valor do projeto). Dentre essas diretrizes estava a modernização das empresas
agrícolas e o aproveitamento das matérias-primas agrícolas e minerais produzidas no
Nordeste. Com isto, foi dado um grande incentivo para a agroindústria do caju se
desenvolver, já que com apenas 25% de capital se podia montar um projeto visando a
plantação e processamento de caju/castanha de caju (LEITE, 1994).
Com esses incentivos, surgiram no Nordeste inúmeras empresas ligadas ao
beneficiamento e à produção de castanha de caju, principalmente no Ceará, e nesse
contexto surgiu também a MAISA em Mossoró.
O plantio de cajueiros da MAISA começou em 1969 e já em 1976 a empresa
colhia 2.000 toneladas de castanha de caju, ficando no campo sem aproveitamento por
falta de mão-de-obra contratada mais de 500 toneladas. Logo em seguida foi construída
a Vila dos Trabalhadores da MAISA, com 600 habitações.
Rocha (2005, p.155) observa que essa Vila era constituída de
[...] 600 habitações, 40 destas reservadas para moradia dos empregados com maior qualificação (engenheiros, técnicos); Praça, Escola e Centro Comunitário; duas Escolas para Ensino Infantil; quatro pequenas Lojas de Comércio Local, Posto de Saúde, Mercado, Comércio e Pequena Indústria; Urbanização de ruas, avenidas etc; Caixa d´água (reservatório coletivo), Poço tubular, com profundidade de 700 m, Rede de energia elétrica, Rede de distribuição d´água. A Vila dispunha ainda de: ambulância, quadro permanente para apoio, enfermeira, médico, dentista e professores. Em face dessa dimensão, havia um administrador, chamado de “Prefeito”, para cuidar da Vila e gerenciar as questões pertinentes ao seu funcionamento
63 “No dia 6 de abril de 1968, a empresa Mossoró Agroindustrial S/A – MAISA já estava constituída. A primeira Diretoria foi composta pelos engenheiros: José Agripino Maia, Diretor Presidente; José Nilson de Sá, Diretor Administrativo; e Geraldo Rola, Diretor Técnico” (ROCHA, 2005, p.154).
A partir de 1979, a fertilidade das plantações de caju apresenta uma queda
considerável por causa de seguidas secas e a direção da empresa decide então investir na
fruticultura irrigada do melão. Nessa época, um dos sócios da empresa vai a Israel
conhecer as técnicas de irrigação e volta para comandar o processo de agricultura
irrigada na propriedade. Nesse momento, já se sabia de algumas vantagens locacionais
que viabilizariam a produção irrigada na área. Dentre elas, podem-se citar: a fertilidade
das terras, as reservas hídricas existentes na área (consolidadas através de estudos feitos
por técnicos da PETROBRÁS, Projeto Radam Brasil e pelo Instituto de Pesquisas
Tecnológicas de São Paulo) e a alta irradiação solar (ROCHA, 2005).
Com isto, já no início da década de 1980, a MAISA se transforma na primeira
empresa exportadora de melões do Rio Grande do Norte, sendo comercializados na
Europa e em toda a América, que levou a empresa a abrir escritórios de representação
em Londres (Inglaterra) e em Rotterdam (Holanda) (ROCHA, 2005).
As próximas partes do trabalho focalizarão exclusivamente Baraúna. Na parte a
seguir, procurar-se-á observar o processo de formação do município de Baraúna, com o
desmembramento de Mossoró em 1983. Serão observados os potenciais elencados pelo
Plano Diretor para o aproveitamento dos recursos do solo e água do Vale do Apodi que
elegem Baraúna como uma das áreas-foco. Serão também observadas as primeiras
inversões agrícolas, no mercado de trabalho e no mercado de terra, durante a década de
1980, no referido Município.
5.2 Anos 80: Exploração Inicial em Baraúna
Os primeiros indícios da exploração da parte oeste de Mossoró, na povoação de
Baraúna, começam a ser mencionados a partir da década de 1930, quando aquela
povoação ganha o nome de “Rancho do Sabiá” (SILVA, 2004).
Cascudo (1996) relata, em 1953, a chegada da luz elétrica e da ligação telefônica
com a sede municipal de Mossoró. Nesse mesmo ano, Baraúna é elevada à condição de
distrito de Mossoró.
Silva (2004, p.34) observa que, “desde os primórdios de sua história, Baraúna
registra uma deficiência de recursos hídricos [superficiais] responsável por um
povoamento tardio, de forma que, somente pelos idos dos anos 1930 foi instalado seu
primeiro poço”.
Silva (2004) também observa que, até a década de 1970, a localidade de Baraúna
teve como principal suporte econômico o cultivo do algodão herbáceo - atividade que
ocupava a grande maioria dos proprietários e produtores rurais sem terra, geralmente
sob a condição de parceria.
Observa-se também, a partir da pesquisa efetuada no Cartório Único de Baraúna,
um grande movimento de doação de terras, por parte principalmente do Governo
Estadual, com início na década de 1960 e uma intensificação principalmente no ano de
1964. Essas doações de terras aconteceram também por toda a década de 1970, só que
em menor intensidade.
Lins e Andrade (1977) igualmente analisam o ainda distrito de Baraúna, quando
fazem referência aos solos férteis daquela porção distrital e à existência de poços
tubulares em algumas fazendas que se aproveitam da estrutura cárstica da Chapada do
Apodi.
Além da atividade algodoeira já citada acima, é mencionada pelos referidos
autores uma frente pioneira de desmatamento extensivo, com inúmeras serrarias naquele
distrito.
Plano Diretor para o Vale do Apodi (1978)
A importância de Baraúna para o cenário nacional começa a se descortinar com
a inclusão desse distrito de Mossoró em um ambicioso Plano Diretor custeado a partir
do Ministério do Interior e do DNOCS em 1978, chamado de “Plano Diretor para o
aproveitamento dos recursos do solo e água do Vale do Apodi – Rio Grande do Norte”,
elaborado pela HIDROSERVICE – Engenharia de Projetos LTDA. Esse Plano vinha de
encontro às políticas públicas estabelecidas no final da década de 1970 (ver Capítulo 1),
que pregavam projetos de irrigação para a região do semiárido a partir do I Programa
Plurianual de Irrigação (PPI), financiado pelo PIN (criado no I PND). O PPI incluiu 36
Projetos do DNOCS localizados no Polígono das Secas, havendo prioridade de verbas
para os projetos hídricos nos vales úmidos, como: Gurgueia e Parnaíba (PI), Acaraú e
Jaguaribe (CE), Itapicuru e Rio das Contas (BA), Açu e, por fim, esse projeto que
incluía o Vale do Apodi (RN).
Tal Plano consistia em quatro etapas, a seguir:
1ª Etapa: seleção de áreas adequadas para a implantação dos programas de
desenvolvimento agrícola;
2ª Etapa: formulação de esquemas de aproveitamento de águas superficiais e
subterrâneas e estudo das unidades típicas de exploração agropecuária;
3ª Etapa: formulação dos quatro planos de área e do programa de agroindústrias (Este
programa denominava-se “Programa de Desenvolvimento Cooperativo”, com o objetivo
de enfatizar a forma institucional adotada para realizar as inversões em transformação,
processamento e comercialização, bem como para operar agroindústrias);
4ª Etapa: avaliação socioeconômica dos investimentos e descrição dos investimentos e
do procedimento administrativo necessário para executar o Plano.
Quatro áreas foram selecionadas (ver Quadro 53): Passagem Funda, apoiada na
Barragem de Santa Cruz; Poço Verde, apoiada na Barragem de Poço Verde; Mossoró,
apoiado na Barragem de Mossoró e Baraúna.
Com base no Quadro 53, observa-se que as duas primeiras áreas-foco
desernvolverão programas mistos (com superfícies irrigadas e superfícies de sequeiro);
na terceira vai se desenvolver um programa só de irrigação e na quarta, Baraúna, um
programa de sequeiro, exclusivamente.
Quadro 53 - Áreas selecionadas para o aproveitamento dos recursos do solo e água do Vale do Apodi (1978)
Terras aptas para a agricultura irrigada
Terras aptas para a agricultura de sequeiro
Área- Programa
Superfície Total Levantada (ha) ha % ha %
Passagem Funda 36.054,4 15.262,4 42,3 20.110,4 55,8 Poço Verde 22.105,6 14.030,4 63,5 14.030,4 63,5 Mossoró 8.323,2 5.268,8 63,3 - - Baraúna 11.554,6 - - 11.554,6 100,0 Fonte: HIDROSERVICE (1978)
A HIDROSERVICE, mesmo citando os potenciais de águas subterrâneas da
região de Baraúna, não levou em consideração esse potencial para a exploração irrigada,
optando por sugerir que esse potencial fosse utilizado como suporte para a exploração
da agricultura de sequeiro, como se observa a seguir: O Plano Diretor tem o propósito
de “[...] aproveitar as reservas de água subterrânea para o consumo doméstico e animal,
com vistas a possibilitar a implantação de agricultura de ‘sequeiro’ em áreas não
irrigáveis e de baixos índices de precipitação pluviométrica” (HIDROSERVICE, 1978,
p.11).
Nota-se com isto que o programa de irrigação proposto (e que, no final, por
causa da crise econômica brasileira, não se tem notícias que tenha sido implementado)
se baseia somente em águas superficiais de Barragens.
O Plano Diretor formulado pela HIDROSERVICE (1978) chegou a estabelecer
as metas para cada área-programa. Nestas, existe a indicação do tipo de produção que
deveria ser operacionalizado em cada área. Nas áreas irrigadas era indicada como
principal meta a produção de frutas, principalmente a banana e o melão. Para a área de
Baraúna (que não tinha previsão de irrigação), eram indicados principalmente o cajueiro
(para a produção de castanha de caju) e o algodão arbóreo, junto com uma área vasta de
pastagem. Em segundo plano se indicava o consórcio milho/feijão macassar.
O referido Plano Diretor também executou um diagnóstico socioeconômico de
toda a área onde Baraúna está inserida, chamada de “Região Salineira”, que inclui o
Distrito de Baraúna, Mossoró, Areia Branca e Grossos. Nesse referido diagnóstico,
observa-se a já citada predominância do regime de parceria nas relações de trabalho até
aquele momento, usualmente no cultivo do algodão, do milho e do feijão.
De acordo com o Plano Diretor (HIDROSERVICE, 1978, p.22), esse tipo de
regime acontecia da seguinte forma:
De acordo com o contrato, após a colheita, o proprietário têm direito à metade do produto principal (‘meia’) e a um terço (‘terça’) dos subsidiários. O proprietário não tem obrigação de arcar, no todo ou em parte, com as despesas de produção, ou de subsistência da família do ‘parceiro’, embora seja habitual o fornecimento de farinha e de sal, além da concessão de autorizações – a título de adiamento – para aquisição de medicamentos e de alguns outros produtos, nos armazéns locais.
Teoricamente, conforme constatado pelo Diagnóstico, nesse regime, embora o
“parceiro” tivesse liberdade para vender sua parte da colheita, na prática, a
comercialização era realizada pelo proprietário de terras.
O Diagnóstico Socioeconômico do Plano Diretor também analisou a distribuição
de terras. A referida área onde se encontrava Baraúna na época (Microrregião Salineira)
já detinha um lugar de destaque na concentração de terras, com latifúndios de mais de
15.000 ha. É mostrado que, em 1975, 44,7% dos imóveis eram minifúndios entre 0 e 10
ha e somavam uma área representativa de 2,1% de todas as terras da Microrregião,
enquanto 0,9% dos imóveis que tinham mais de 1.000 ha representavam 44,7% de todas
as terras dessa área (HIDROSERVICE, 1978). Tal concentração de terras vem a ser um
espelho dos dados da concentração mostrada em termos de Brasil no Capítulo 2.
O referido Plano também tratou das áreas de lavouras, observando que o
principal crescimento desse tipo de área ocorreu na Microrregião onde estava inserida
Baraúna e Mossoró, cuja área de lavoura crescia a uma taxa de 11,1% ao ano entre 1970
e 1975, superior ao crescimento das outras microrregiões do Vale do Apodi, que no
máximo cresceram 3,2% (a Microrregião Serrana Norte-Rio-Grandense). Essa área de
lavoura compreendia principalmente os seguintes produtos em 1975: algodão arbóreo
(38,2%); milho (30,3%); algodão herbáceo (21%) e feijão (8,8%) (HIDROSERVICE,
1978).
Pode-se notar com esses dados o predomínio da cultura do algodão, que
representava quase 60% de toda a produção agrícola da Microrregião Salineira em
1975. Em segundo plano, vinham as culturas de subsistência do milho e do feijão,
somando quase 40% da lavoura nesse ano.
5.2.1 Mercado de terras na década de 1980
No decorrer da década de 1980, já com dados da pesquisa do Cartório Único
Judiciário de Baraúna, nota-se, principalmente a partir da emancipação municipal em
1981, um grande número de transações de terras (ver Gráfico 40). Esse número se
configura principalmente no intervalo entre 10 e 100 ha de terras, consideradas estas de
pequeno e médio porte. Entre 1983 e 1987, o número de transações anuais sempre foi
superior a 100. Já após 1987, tem-se um decréscimo desse número para a média de 50
transações anuais ou menos.
Gráfico 40 - Número de Transações de Terras por Ano e Ha (1979 a 1992).
0
50
100
150
200
250
300
Nú
mer
o d
e tr
ansa
ções
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
Ano
Número de transações de terras por ano e ha (1979 a 1992)
0 a 10 ha
10 a 100 ha
+ 100 ha
Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)
Com relação ao tipo de transação de terras desse período, observa-se que existia
um predomínio das relações de compra e venda de terras que abrangiam cerca de 50%
das quantidades transacionadas e praticamente a mesma porcentagem de área
transacionada, ficando em segundo lugar as transações envolvendo hipotecas com uma
média de 40% em número de transações e em área transacionada no município de
Baraúna, durante o período de 1979 a 1992 (ver Gráfico 41).
A partir desses dados, nota-se o caráter mercantil que assume inicialmente o
mercado de terras de Baraúna, com transações voltadas para a compra e venda e para
hipotecas representando 90% de todas as transações de terras municipais.
Gráfico 41 - Tipo de Transação de Terras e a Área Transacionada (1979 a 1992).
0%10%20%30%40%50%60%
Adjudicação
Arrendamento
Desapropriação
Herança
Hipoteca
Permuta
Usucapião
Venda
Doação
Tipo de transação de terras e área transacionada (1979 a 1992)
QuantidadeÁrea
Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)
Em relação à compra e venda de terras por pessoa jurídica em Baraúna, nota-se
um movimento tímido, com pouca representatividade durante esse período. Embora
observe-se um movimento de compra após a emancipação municipal em 1981, esse
movimento tem uma média de compras anual extremamente baixa, ficando em quase
todos os anos da série histórica abaixo dos 100 ha por ano (ver Gráfico 42).
Gráfico 42 - Compra e Venda por Pessoa Jurídica em Baraúna (1979 a 1992).
0
50
100
150
200
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
COMPRA E VENDA DE TERRAS POR PESSOA JURÍDICA EM BARAÚNA (1979 A 1992)
Área (ha)
Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)
Já o movimento de intervenção do Governo no mercado de terras de Baraúna é
extremamente elevado durante esse período, chegando a movimentar mais de 1.500 ha
em dois anos da série histórica e estabelecendo uma média anual em torno de 500 ha
ano ou acima disto, principalmente na primeira metade da década de 1980 e nos anos de
1987, 1990 e 1991 (ver Gráfico 43). Esse movimento de intervenção do Governo no
mercado de terras de Baraúna vai se dar principalmente pelas doações e vendas de terras
por parte do Governo do Estado do Rio Grande do Norte. Vale lembrar que já se
observa esse movimento de doações e vendas de terras pelo Governo do Estado desde a
década de 1960.
Observando o perfil das doações e vendas de terras pelo Governo Estadual,
constata-se que 100% dessas doações e vendas eram de terras com área abaixo de 100
ha e que a média de área doada e vendida pelo Governo era na maioria das vezes
inferior a 50 ha por pessoa física - o que se traduz como doações direcionadas a
pequenos e médios proprietários, parte dos quais já morando na terra como posseiro.
Gráfico 43 - Movimento de Terras com Intervenção do Governo por Área (1979 a 1992)
0
500
1000
1500
2000
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
Movimento de terras por intervenção do governo - por área (1979 a 1992)
Área - ha
Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)
Com relação às principais localidades com movimento de compra e venda de
pessoa jurídica, têm-se como destaque as áreas de divisa com o Ceará: Maxixeiro no
extremo oeste e Lagedo do Mel, no noroeste de Baraúna. Já o lugar onde se localiza a
principal área de compras de terras, a Caatingueira, este fica próximo à sede municipal,
a sudoeste dessa mesma sede (ver Gráfico 44).
Gráfico 44 - Compra e Venda – Empresas – por Área e Principais Localidades (1979 a 1992)
0
100
200
300
Baixa Branca
Boa água
Caatingueira
Lagedo do Mel
Mato Alto
Maxixeiro
Primavera
Poço Perdido
São Francisco
Sumidouro
Toca da Raposa
Três Veredas
Velame
Vereda do Anel
Compra e venda - empresas - por área e principais localidades (1979 a 1992)
Área - ha
Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)
O movimento de compra de terras por empresas em Baraúna durante o período
de 1979 a 1992 é bastante tímido, como se observa no Quadro 54. Todas as terras das
empresas são compradas de pessoas físicas e a primeira empresa agrícola a movimentar
terras no Cartório Municipal foi a firma S. Barisic, comprando áreas na localidade de
Olho D’Água da Escada, em 1983, e na Caatingueira, em 1984, regiões contínuas e
vizinhas. Após essa empresa, entra no mercado de terras a Comercial Felix de Produtos
Agrícolas, comprando terras na divisa entre Baraúna e o Ceará, na localidade do
Maxixeiro (entre 1986 e 1987). A Laserdan Agrícola Comercial Importadora e
Exportadora também compra terras entre 1989 e 1992, através do seu sócio Sérgio
Gonçalves da Silva, na área contínua da Caatingueira e de Olho d’água da Escada, além
de comprar no Sumidouro, também vizinho à Caatingueira, no sudoeste da sede
municipal. E, por último, a Fruitland Comércio Representação Produtos Agrícolas
Ltda., compra terras também na localidade da Caatingueira. Nota-se, com isto, que a
área mais mercantilizada pelas pessoas jurídicas ligadas à agropecuária foi a da
Caatingueira no sudoeste de Baraúna, a cerca de 8 km da sede municipal.
Vale salientar que, com a emancipação municipal de Baraúna em 1981,
inúmeras áreas da Fazenda MAÍSA passaram a pertencer à área municipal de Baraúna.
Essas áreas se localizavam na parte norte e nordeste desse do Município, divisa com o
município de Mossoró.
Quadro 54 - Compra e venda de terras das empresas em Baraúna por área (1979 a
1992)
Ano Empresa Situação Área (ha) Localidade 1983 Firma S. Barisic. Compra 74 Olho D Água da
Escada 1984 Mineral – Mineração
Nordestina Ltda. Compra 22 Baixa Branca
1984 Firma S. Barisic Compra 177 Catingueira 1986 Comercial Felix de
Produtos Agrícolas Ltda Compra 90 Sitio Maxixe
1987 Comercial Felix de Produtos Agrícolas Ltda
Venda 90 Sitio Maxixe
1989 Sérgio Gonçalves da Silva (Sócio da Laserdan Agrícola Comercial Importadora)
Compra 27 Sumidouro
1990 Jacerama Jaguaruana Cerâmica Ltda
Compra 20 Lagedo do Mel
1990 Jacerama – Jaguaruana Cerâmica Ltda
Compra 129 Lagedo do Mel
1991 Sérgio Gonçalves Da Silva (Sócio da Laserdan Agrícola Comercial Impo. E Exp. Ltda.)
Compra 36,6 Catingueira
1991 Santa Helena Agropecuária Ltda.
Compra 58,8 Cajueiro
1991 Sérgio Gonçalves Da Silva (Vinculado à Laserdan Agrícola Comercial Imp. E Exp. Ltda.)
Compra 17,1 Caatingueira
1992 Sérgio Gonçalves Da Silva (Vinculado à Laserdan Agrícola Comercial Imp. E Exp. Ltda.)
Compra 78 Olho D’Água Da Escada
1992 Fruitland Comércio Representação Produtos Agrícolas Ltda.
Compra 22 Caatingueira
Fonte: Cartório Único de Baraúna
5.2.2 Mercado de Trabalho e Relações de Trabalho de Baraúna
Nos anos de 1980, o mercado de trabalho e as relações de trabalho em Baraúna
ainda eram predominantemente sem carteira assinada, como se pode observar pelos
dados da RAIS do Ministério do Trabalho (2011), tabulados no Quadro 55. Em todos os
setores de atividades econômicas, está ausente durante todo o período que vai de 1985 a
1992 o trabalho assalariado com carteira assinada. Somente no Setor de Serviço a
regularização dessa realidade trabalhista aparece de forma tímida - com uma média de
12 trabalhadores assalariados.
Quadro 55 - Baraúna: Vínculos Ativos por Setor de Atividade Econômica (1985-1992) Setor 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 Extração Mineral 0 0 0 0 0 0 0 0 Ind. Transformação
0 0 0 0 0 0 0 8
Serv. Indústria 0 0 0 0 0 0 0 0 Construção Civil 0 0 0 0 0 0 0 0 Comércio 0 0 0 3 1 0 0 2 Serviços 11 11 15 17 16 12 6 8 Adm. Pública 0 0 0 0 0 0 0 0 Agropecuária 0 0 0 0 0 0 0 0 Total 11 11 15 20 17 12 6 18 Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho e Emprego (2011)
No Setor Agropecuário, apesar do estabelecimento de algumas poucas empresas
agrícolas, o trabalho assalariado não ocorreu em nenhum momento da série histórica
estudada. Pode-se inferir daí que as relações de trabalho pretéritas que aconteciam em
Baraúna - como a parceria (ver Capítulo 2) e o jornaleiro (trabalhador diarista que era
recrutado entre os desocupados e sem-terras do Município e da região) - ainda estavam
presentes durante a década de 1980, sendo amplamente utilizadas por todos os
proprietários de terras e empresas agrícolas estabelecidas em Baraúna.
5.2.3 Produção Agrícola de Baraúna
A partir de 1984, o IBGE começa a sistematizar dados sobre a produção agrícola
do recém-criado município de Baraúna. Já se identifica, portanto, a tendência produtiva
dos principais produtos tradicionais (ou de subsistência) e de mercado.
Entre os principais produtos tradicionais do Município se destacam três em
produção e área plantada: milho, feijão e mandioca. Com base no Gráfico 45, observa-
se a área plantada desses produtos no decorrer da série histórica que se inicia com os
primeiros dados do IBGE em 1984 e vai até 1992. Nesse período, o produto tradicional
que tem a maior área plantada é o milho, que em alguns anos chega a ultrapassar os
10.000 ha, mantendo uma média anual sempre superior a 5.000 ha plantados, com a
exceção de dois anos: 1990 e 1991. Logo após o milho, tem-se como o segundo produto
com maior área plantada do Município o feijão, que segue o mesmo padrão de
crescimento e decréscimo do milho em toda a série histórica, chegando em alguns
momentos a ultrapassar a área de 6.000 ha de área plantada, mas mantendo uma média
de 4.000 ha na série histórica, com exceção, assim como o milho, de dois anos: 1990 e
1991. A área plantada de mandioca é a terceira do Município, mas com pouca
relevância, nunca ultrapassando os 400 ha anuais.
Gráfico 45 - Produção Agrícola de Baraúna (1984 a 1992) – Produtos Tradicionais – Área Colhida (HA).
0
2000
4000
6000
8000
10000
12000
ÁR
EA
- H
A
1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1984 A 1992) - PRODUTOS TRADICIONAIS - ÁREA COLHIDA (HA)
Feijão
Mandioca
Milho
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)
Com relação aos produtos voltados para o mercado, tem-se o predomínio em
Baraúna de dois produtos no decorrer da década de 1980. São eles a castanha de caju e o
algodão herbáceo.
Como se observa no Gráfico 46, a castanha mantém uma área plantada sempre
superior a 10.000 ha em todos os anos da série histórica, chegando até o pico de quase
14.000 ha de área plantada entre os anos de 1984 e 1988. Entre 1989 e 1992 a área
plantada de castanha de caju, embora caia um pouco, mantém-se no patamar de 11.000
ha anuais. Essa cultura comercial se consagra como a principal de Baraúna nesse
período, superando todas as outras comerciais e, também, todas as culturas tradicionais
do período.
Em segundo lugar, aparece a cultura do algodão herbáceo, com sua área plantada
flutuando muito - indo de cerca de 8.000 ha em 1984 até cerca de 3.000 ha em alguns
anos, como 1988 e 1989 e chegando a não ter área plantada em 1987 e 1990. Mesmo
assim, Baraúna chega, em 1992, com uma área plantada de algodão herbáceo
significativa - 6.000 ha -, configurando-se como a maior área plantada desse algodão no
estado do Rio Grande do Norte. Como observado antes, o algodão já vinha sendo
plantado na região de Baraúna há muitas décadas, chegando a ter grande
representatividade agrícola no passado.
Já a área plantada de frutas é muito pequena, quase insignificante. As principais
frutas plantadas atualmente em Baraúna não tinham espaço na década de 1980: o melão
não era plantado e o mamão tinha como área plantada apenas uma média de 9 ha
durante toda essa série histórica.
Gráfico 46 - Produção Agrícola de Baraúna (1984 a 1992) – Produtos de Mercado – Área Colhida (HA).
02000400060008000
10000120001400016000
ÁR
EA
- H
A
1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1984 A 1992) - PRODUTOS DE MERCADO - ÁREA COLHIDA (HA)
Algodão Herbáceo
Castanha de Cajú
Melão
Mamão
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)
Em relação à quantidade produzida dos produtos tradicionais, nota-se uma
grande irregularidade dos principais produtos no decorrer da referida série. Essa
irregularidade é atribuída ao regime climático, já que estas são culturas que não se
utilizavam de irrigação.
Observa-se, no Gráfico 47, que a variação da produção de milho era muito
significativa, indo de quase 6.000 toneladas produzidas em 1984 até praticamente não
ter produção nos anos de 1987 e 1990. Na maioria dos anos da série, a produção de
milho se mantém por volta de 1.000 toneladas produzidas. A cultura do feijão segue
exatamente a mesma tendência do milho - o ano de 1984 foi um ano de pico, quando se
teve a maior produção da série histórica, com quase 3.000 toneladas. E, assim como o
milho, o feijão praticamente não teve produção em 1987 e 1990. Repetindo a tendência
do milho, na maioria dos anos a produção de feijão se mantém por volta de 1.000
toneladas produzidas.
Já a produção de mandioca pouco oscila se mantendo sempre abaixo de 400
toneladas produzidas no decorrer da série histórica, tendendo a diminuir ainda mais sua
produção nos primeiros anos da década de 1990.
Gráfico 47 - Produção Agrícola de Baraúna (1984 a 1992) – Produtos Tradicionais – Quantidade Produzida (T).
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
QU
AN
TID
AD
E (
T)
1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1984 A 1992) - PRODUTOS TRADICIONAIS - QUANTIDADE PRODUZIDA (T)
Feijão
Mandioca
Milho
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)
Com relação à produção dos produtos de mercado, vale destacar em primeiro
lugar a mudança de metodologia feita pelo IBGE a partir do ano de 1988, quando passa
a desconsiderar o caju como um todo, para considerar somente a sua castanha. Com isto
se tem um gráfico inflado até 1987, já que até esse ano o peso da castanha de caju vinha
junto com o peso total do caju. Mas, mesmo com essa mudança de cálculo, se observa a
dianteira da castanha de caju como produto de mercado mais produzido. Em segundo
lugar, oscilando muito no decorrer da série histórica, aparece o algodão herbáceo
(Gráfico 48).
Gráfico 48 - Produção Agrícola de Baraúna (1984 a 1992) – Produtos de Mercado – Quantidade Produzida (T).
0
20000
40000
60000
80000
100000
120000
140000
QU
AN
TID
AD
E (
T)
1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1984 A 1992) - PRODUTOS DE MERCADO - QUANTIDADE PRODUZIDA (T)
Algodão Herbáceo
Castanha de Cajú
Melão
Mamão
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)
A produção de frutas no decorrer da década de 1980 era irrelevante no município
de Baraúna: o melão não era produzido e o mamão tinha uma produção média de apenas
14 toneladas no decorrer da década de 1980 até o ano de 1992.
Esse quadro vai mudar, a partir de 1993, com a chegada de outros grupos
agrícolas especializados na fruticultura irrigada, que virão para o município de Baraúna
como decorrência da expansão da área de fruticultura de Mossoró.
5.3 Anos 90: Globalização, Liberalização do Comércio, Vinda dos Japoneses e
Concentração Fundiária
Nesta parte, estudar-se-á a chegada dos capitais empresariais ligados à
fruticultura em Baraúna, dando-se ênfase à chegada dos empresários e produtores
japoneses que irão trabalhar com a fruticultura irrigada para exportação, inserindo assim
Baraúna na globalização contemporânea das frutas frescas, através principalmente das
exportações de melão.
Esta parte tem como espaço temporal o período que vai de 1993 a 2002, período
escolhido, como falado anteriormente, por ser 1993 o ano em que foram concluídas as
negociações da Rodada Uruguai, que incluía a Agricultura nas suas negociações e que
previa uma grande liberalização do comércio agrícola a partir daquele ano nos países
associados da OMC, a qual estava para se consolidar. Dentre esses países, incluía-se o
Brasil.
Outro motivo da escolha desse período é que 1993 também marca o início da
compra de terras em Baraúna por empresas de propriedades de japoneses ou
descendentes de japoneses especializados na fruticultura irrigada e que vão ser
responsáveis diretos pelas maiores exportações de frutas do Município.
Durante esse período, retomar-se-á a discussão em torno do contexto da
liberalização comercial em que estava inserido o Brasil (Capítulo 1) e que possibilitou
um ambiente propício para a chegada de empresários e produtores japoneses no
município de Baraúna. Analisar-se-á o porquê desse capital ter escolhido a cidade de
Baraúna e como se inseriu nesse lugar, fazendo com que este se inserisse com mais
intensidade na lógica da Globalização.
Em um segundo momento, serão analisados, com detalhes, os impactos
desse capital no mercado de terras - gerando uma concentração fundiária -; no
trabalho assalariado rural municipal, através de dados do Ministério do Trabalho; e
também nas relações de trabalho, que serão transformadas a partir da atuação desses
empresários japoneses. Por fim, serão analisadas as mudanças na produção agrícola
municipal a partir da chegada desses empresários e produtores nipônicos.
Chegada das Novas Empresas Agrícolas e seus Impactos em Baraúna
Somente nos anos de 1990 o município de Baraúna conheceu a fruticultura
irrigada, com destaque para o melão. Essa situação só foi possível com a ampliação da
base produtiva dessa fruta tropical na região de Mossoró. Com isto, teve-se a
constituição de um fator de dinamismo que impulsionou a economia do Município até
os dias atuais (SILVA, 2004).
Essa ampliação da produção de fruticultura irrigada se deu, na sua maior parte,
com a chegada a Baraúna das empresas pertencentes aos japoneses. Estes já há algum
tempo trabalhavam na fruticultura irrigada no Nordeste, com destaque para a região de
Petrolina e Juazeiro, no Rio São Francisco. Lá, desde a década de 1980, tem-se uma
fruticultura irrigada para exportação, com participação ativa de descendentes de
japoneses ou dos próprios japoneses. Um exemplo dessa participação pode ser auferido
pelo sucesso da Fazenda Special Fruit pertencente ao japonês Suemi Koshiyama, que
atualmente é considerada a maior exportadora de frutas do Vale do Rio São Francisco,
com a exportação anual de 10 mil toneladas de manga e 5 mil toneladas de uva sem
sementes para os Estados Unidos, União Europeia, MERCOSUL e o Japão, dentre
outros (SPECIAL FRUIT, 2011; ORIUNDI, 2011).
O primeiro imigrante japonês a chegar à região de Mossoró (e posteriormente a
Baraúna) foi o Junichi Irikita, que ali se estabeleceu no fim dos anos 1960, vindo do
interior de São Paulo. Posteriormente, devido à sua experiência no cultivo de frutas, foi
convidado por Tarcísio Maia (ex-Governador do Rio Grande do Norte) para trabalhar
nas suas terras. Algum tempo depois, seu cunhado, Masatoshi Otani, chega à região
para visitar o parente e resolve se estabelecer ali também. O ex-Governador queria
produzir uvas, mas o clima e o solo eram mais propícios para a produção do melão e foi
esta a produção iniciada pelos japoneses (MURAKAMI, 2011). Segundo dados do
Portal Nippo-Brasil (MURAKAMI, 2011), existem atualmente cerca de dez famílias
nikkeis64 cultivando melão na região de Mossoró.
Os primeiros japoneses a estabelecerem empresa agrícola em Baraúna foram
Alexandre Takeshi Suzuki e Armando Suzuki, com a fundação da Ytiban Agroindústria
Exportadora e Importadora LTDA, em 1993, que passou a produzir e exportar melões
para um comprador espanhol, Miguel Garcia. A partir daí, outras empresas de japoneses
são instaladas no município de Baraúna.
Vale lembrar que 1993 é o ano em que ganhava destaque o Acordo sobre a
Agricultura da Rodada Uruguai, que liberalizou a produção e o comércio agrícola em
todo o Mundo, com mais intensidade nos Países Subdesenvolvidos. O Brasil era um dos
signatários, como já falado anteriormente (Capítulo 1 e 3). Além do incentivo à
produção voltada para a exportação dado pela Rodada Uruguai, tinha-se também, no
âmbito nacional nos anos de 1990 (Governo de Fernando Henrique Cardoso), políticas
públicas que visavam à capitalização do campo por empreendimentos privados, através
do apoio à irrigação privada. “No âmago de seus objetivos, encontra-se a busca da
competitividade para o agronegócio globalizado, centrado na expansão de uma
agropecuária intensiva em capital e tecnologia nas manchas irrigáveis, encabeçada pela
iniciativa privada.” (ELIAS, 2001).
64 Nikkei (nik'kei') S.m., Adj. Pessoas de origem japonesa e seus descendentes, que tenham imigrado para outros países e criado comunidades e estilos de vida com características únicas dentro do contexto das sociedades em que vivem (JAPANESE AMERICAN NATIONAL MUSEUM, 2012).
Elias e Pequeno (2010, p.134) observam que a década de 1990 é uma década de
mudanças para a agropecuária nordestina, com a expansão da fronteira agrícola:
Se até a década de 1980 o conjunto da agropecuária nordestina permaneceu quase inalterado, a partir de então se vislumbra a ocupação de novas fronteiras pelo agronegócio globalizado em alguns lugares específicos dessa região. Eles passam a receber vultosos investimentos de algumas importantes empresas do setor, difundindo-se a agricultura científica e o agronegócio.
Esse novo contexto fez com que muitos japoneses e empresários nacionais se
interessassem por investir na fruticultura irrigada para exportação em Baraúna. Mas,
além disso, existem nesse lugar inúmeras vantagens locacionais oferecidas para esse
tipo de empreendimento, dentre as quais, estão:
- O acesso a água – por causa da estrutura cárstica da Chapada do Apodi, boa parte das
precipitações é engolida por sumidouros e vai alimentar uma drenagem subterrânea cuja
vazão é muito grande nos poços, facilitando a fruticultura irrigada. (LINS E
ANDRADE, 1977, p.39).
- A infra-estrutura logística – Baraúna se localiza em uma região de fácil acesso ao
porto de Fortaleza-CE, que dista apenas 229 quilômetros da sua sede municipal,
facilitando com isto a exportação de frutas voltadas para o mercado externo.
- A alta produtividade dos solos – Baraúna tem, em parte de seu território, solos
calcários ou argilos-calcários, e também solos arenítico-calcários, com boas qualidades
físicas, boa economia de água e boas aptidões para o cultivo de frutas (LINS;
ANDRADE, 1977, p.36).
- Um alto índice de insolação – O Município também tem uma alta taxa de insolação, o
que favorece a atividade de fruticultura, além de ter chuvas concentradas em parte do
ano (fevereiro a maio), deixando outra parte sem chuvas, o que é essencial para a
atividade de fruticultura de melão e melancia, principalmente.
- Uma topografia plana – A topografia plana da Chapada do Apodi possibilita o
emprego da mecanização agrícola, facilitando a obtenção de rendas diferenciais por
aporte tecnológico.
- Área livre da mosca de fruta – A partir de 2008, os Estados Unidos ampliam o
reconhecimento da área livre de mosca de fruta no Rio Grande do Norte, que passa a
abranger treze municípios, incluindo Baraúna (NOMINUTO.COM, 2011).
- Baixo Custo da Mão-de-obra – Apesar da sindicalização reinante no Setor de
Fruticultura, os sindicatos não conseguem ter um aumento significativo no piso salarial
implantado para os funcionários desse tipo de atividade agrícola - geralmente a
diferença entre o piso dos trabalhadores rurais e o salário mínimo fica entre 10,00 e
20,00. Os baixos salários são sempre atrativos para os investimentos em fruticultura.
- Incentivos Fiscais – o Setor de Fruticultura frequentemente consegue isenções na sua
cadeia produtiva. Mais recentemente, em 2010, foi isento de ICMS o frete rodoviário
interestadual de frutas frescas, o que aumenta a competitividade dos exportadores do
Rio Grande do Norte (TENDENCIAS DE MERCADO, 2011).
Com a chegada das empresas de frutas em Baraúna na década de 1990,
principalmente empresas comandadas por japoneses, têm-se profundas transformações
na base técnica e nas relações de produção.
Sobre as mudanças na base técnica, Silva (2004) observa que, entre elas,
destacam-se:
a) Práticas mecanizadas de preparação do solo;
b) Uso exclusivo de sementes selecionadas de comprovado padrão genético, em
geral importadas;
c) Utilização massiva de adubos e fertilizantes químicos e agrotóxicos (nacionais e
importados);
d) Adoção de métodos e sistemas de irrigação por pressão - tipo gotejamento.
Com isto, observa-se um aumento significativo da base técnica de produção,
com a utilização intensiva de técnicas, adubos, corretivos, defensivos e equipamentos de
irrigação, inserindo de forma definitiva o Município no meio técnico-científico-
informacional.
Mas, diferentemente de empresas multinacionais, como a Del Monte Fresh
Produce, as empresas agrícolas que chegam a Baraúna têm um nível maior de
integração com o lugar, até mesmo as empresas comandadas por japoneses - todas
estabecem uma relação mais íntima com o lugar que essa Multinacional, conforme foi
observado no Capítulo anterior.
Como se vê no Quadro 56, que analisa os fatores de produção e os insumos e
serviços utilizados pela empresa Cris Frutas, de propriedade do japonês Masatoshi
Otani, a integração e o uso de fatores de produção, insumos e serviços são
predominantemente locais - a maioria sendo amplamente adquirida no município
vizinho de Mossoró, o segundo maior município do Rio Grande do Norte e grande
fornecedor para as atividades do Agronegócio da região.
O capital da empresa é local, assim como seus trabalhadores e a terra. E tem
mais: no tocante aos trabalhadores especializados, é bom ressaltar que diferentemente
da Del Monte, que busca a maior parte dos seus engenheiros em outras regiões do País
(principalmente a Região Sudeste), preferindo os tenham vinculação com Universidades
na Costa Rica, a Cris Frutas busca seus engenheiros em Mossoró, na Universidade
Federal do Semi-Árido, como a atual engenheira agrônoma da Empresa (ver Quadro
56).
No tocante aos insumos e serviços, observa-se que praticamente todos são
vinculados a Baraúna ou a Mossoró. A engenheira da empresa destaca, entretanto, que
as compras são feitas em grande parte a empresas multinacionais que têm filiais,
revendas ou representações em Mossoró (ver Quadro 56).
No caso da assistência técnica, nota-se a parceria com o Serviço Nacional de
Aprendizagem Rural (SENAR), que frequentemente está na empresa ministrando cursos
para os funcionários, dando assim suporte para a qualificação profissional e a
assistência técnica necessária para se chegar ao padrão de qualidade que é imposto pelo
mercado externo, através dos certificados internacionais de qualidade e gestão
Eurepgap65 e Globalgap66 (ver Quadro 56).
65 “EUREP refere-se a "European Retailers Produce Working Group", que preparou um protocolo de boas práticas agrícolas [Good agricultural practices - GAP], que devem ser seguidas pelos produtores, que recebem certificação de uma terceira parte. O protocolo de boas práticas agrícolas do EUREPGAP é considerado um código de conduta e já é adotado para a certificação. Trata-se de um modelo de certificação, documento normativo, baseado nas boas práticas agrícolas, aplicadas na produção de frutas, vegetais frescos, flores e carne. O EurepGap é um programa de certificação voluntário, baseado em critérios objetivos, os quais podem ser resumidos nas seguintes exigências: • Estabelecimento de uma Gestão Ambiental que garanta a minimização dos seus impactos ambientais, incluindo o aproveitamento racional dos recursos naturais. • Garantia do Uso e Manuseio adequados de defensivos agrícolas. • Estabelecimento de uma Gestão Ocupacional, visando redução e controle dos perigos e riscos aos quais os trabalhadores rurais estão sujeitos. • Estabelecimento de uma Gestão de Qualidade do processo produtivo, garantindo a segurança dos alimentos produzidos. Os Objetivos do EUREPGAP são os de reduzir os riscos, assegurar a qualidade e inocuidade dos alimentos na produção primária, objetivando, também, a implementação das melhores práticas para uma produção sustentável” (PGP CONSULTORIA E ASSESSORIA, 2011).
66 GLOBALG.A.P é uma organização privada que estabelece normas voluntárias para a certificação de produtos agrícolas (inclusive aquicultura) em todo o mundo. A norma GLOBALG.A.P foi principalmente elaborada para reafirmar perante os consumidores que a produção alimentar nas unidades de produção agrícola é realizada através da minimização dos impactos negativos de operações agrícolas no meio-ambiente, redução do uso de insumos químicos e garantia de uma abordagem responsável dos assuntos de saúde e segurança dos empregados e saúde animal. (GLOBALGAP, 2011)
Quadro 56 - A relação entre fatores de produção e aquisição dos insumos da empresa Cris Frutas (Baraúna) com os lugares de compra
Elementos da Cadeia Empresa Cris Frutas em Baraúna
1 – Fatores de Produção
Capital Local e Empréstimo
Trabalho Local
Terra Local
Integração Difundida
2 – Insumos e Serviços
Sementes/mudas Mossoró
Adubos/fertilizantes Mossoró
Equip. de Irrigação Mossoró
Assistência Técnica Local (própria e parceria com o
SENAR)
Defensivos Mossoró
Mat. de Embalagem Mossoró
Mat. de Segurança Mossoró
P & D Mossoró (UFERSA)
Combustíveis Local
Frota de ônibus Sem Informação
Fonte: Quadro elaborado pelo autor baseado em entrevista com a Engenheira Agrônoma da Cris Frutas, em fevereiro de 2011.
Como se observa no Quadro 56, esse consumo de insumos e serviços por parte
das empresas agrícolas, decorrente do processo de modernização da agricultura em
Baraúna, vai alimentar o processo de urbanização em Mossoró, que, entre outras coisas,
tem um viés de sustentar as demandas produtivas dos setores relacionados à
modernização da agricultura em Baraúna, como também em toda a área de influência de
Mossoró (ELIAS, 2006).
Segundo Elias (2006, p.59-60),
[...] as demandas das produções agrícolas e agroindustriais intensivas têm o poder de adaptar as cidades próximas às suas principais demandas, convertendo-as no seu laboratório, em virtude de fornecerem a grande maioria dos aportes técnicos, financeiros, jurídicos, de mão-de-obra e de todos os demais produtos e serviços necessários a sua realização. Quanto mais modernas se tornam essas atividades, mais urbana se torna a sua regulação.
Em Mossoró, o Agronegócio é integrado aos circuitos da economia urbana,
suprindo o consumo produtivo agrícola da região e de Baraúna.
Segundo Elias e Pequeno (2010, p.149):
Em Mossoró, são inúmeras as variáveis associadas ao consumo produtivo agrícola geradas pelo agronegócio: empresas comerciais (máquinas e implementos agrícolas, sementes selecionadas, produtos veterinários, agrotóxicos etc); empresas de serviços (pesquisa agropecuária, análise de solos, aviação agrícola, consultoria agrícola, telefonia rural, irrigação, manutenção de máquinas agrícolas, informática, empresas de gestão de recursos humanos, de transporte de cargas, entre outras) [...]
De acordo com levantamentos realizados sob a coordenação da Professora
Denise Elias e Renato Pequeno (ELIAS; PEQUENO, 2010) em Mossoró, tem-se a
chegada recente, principalmente a partir de 1993, de inúmeras atividades vinculadas à
venda de insumos, implementos e serviços relacionados à agricultura, o que mostra uma
sinergia entre as empresas agrícolas da Chapada do Apodi, incluindo Baraúna, dentre
outras localidades da região, e o processo de crescimento urbano vinculado a esse setor
em Mossoró.
A partir do levantamento de atividades vinculadas à Agricultura em Mossoró,
chegou-se a 20 empresas trabalhando com máquinas, equipamentos, insumos, serviços,
telefonia rural etc, algumas vendendo em toda a região de Mossoró e até em partes do
Ceará e da Paraíba. Dessas empresas, 13 se instalaram entre 1993 e 2002, uma, antes de
1993 e as outras seis, depois de 2002 (ELIAS; PEQUENO, 2010). Por esses dados,
nota-se a importância da década de 1990 para a explosão desse setor de atividades em
Mossoró, que é o mesmo período de tempo em que vai explodir a atividade de
fruticultura irrigada em Baraúna.
5.3.1 Vinda das Empresas de Fruticultura e Concentração de Terras
O período de 1993 a 2002 vai marcar a entrada das empresas de fruticultura
irrigada no município de Baraúna, como já afirmado. Um grande movimento de
transações de terras começa a ser sentido a partir do ano de 1993, que destaca mais de
150 transações de terras durante esse período no Município (ver Gráfico 49). O perfil da
maioria dessas transações, durante toda a série histórica analisada, ainda vai ser o das
pequenas propriedades entre 10 e 100 hectares - muito superior a todos os tipos de
transações de outros perfis (0 a 10 hectares ou mais de 100 hectares).
Gráfico 49 - Número de Transações de Terra por Ano e Ha (1993 a 2002).
020406080
100120140
Nú
mer
o d
e tr
ansa
ções
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Ano
Número de transações de terras por ano e ha (1993 a 2002)
0 a 10 ha
10 a 100 ha
+ 100 ha
Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)
Mas, quando se observa o tipo de transação de terras, é reafirmado o caráter
capitalista do mercado de terras de Baraúna, com o predomínio da hipoteca e da venda
sobre todos os tipos de transações, chegando a representar essas duas formas cerca de
90% da quantidade de transações efetuadas no Município e cerca de 90% de toda a área
transacionada municipal, deixando em uma posição muito distante os outros colocados,
como as desapropriações e as doações (ver Gráfico 50).
Gráfico 50 - Tipo de Transação de Terras e a Área Transacionada (1993 a 2002).
0%10%20%30%40%50%60%70%
Adjudicação
Arrendamento
Desapropriação
Herança
Hipoteca
Permuta
Usucapião
Venda
Doação
Tipo de transação de terras e área transacionada (1993 a 2002)
Quantidade
Área
Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)
Quando se observa o movimento de compra e venda de terras por Pessoa
Jurídica em Baraúna, é que se tem ideia da dimensão da entrada de empresas agrícolas
no Município.
O processo de compra de terras por empresas começa a ter uma intensidade
nunca vista antes, com nível de compras muito superior ao da década de 1980, quando,
em nenhum ano, as compras por pessoa jurídica ultrapassaram os 200 hectares de terras.
Já durante essa segunda série histórica, nota-se que, em vários anos, as compras de
terras chegaram a 1.000 ha ou até mais, como foi no ano de 2002 (ver Gráfico 51).
Gráfico 51 - Compra e Venda por Pessoa Jurídica em Baraúna (1979 a 1992).
0
500
1000
1500
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
COMPRA E VENDA DE TERRAS POR PESSOA JURÍDICA EM BARAÚNA (1993 a 2002)
Área (ha)
Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)
Já a intervenção do Governo no mercado de terras sofreu um revés durante a
década de 1990. Com a exceção de 1997, quando houve uma desapropriação do INCRA
de 3.172 hectares de terras, nos outros anos a intervenção do Estado no movimento de
terras foi pífia, diferentemente da década de 1980, quando o Governo atuava de forma
intensa e periódica no mercado de terras de Baraúna (Ver Gráfico 52).
Gráfico 52- Movimento de Terras com Intervenção do Governo por Área (1993 a 2002)
0
1000
2000
30004000
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
19
99
20
00
20
01
20
02
Movimento de terras por intervenção do governo - por área (1993 a 2002)
Área - ha
Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)
Com relação às principais localidades compradas pelas empresas agrícolas que
chegaram a Baraúna na década de 1990, tem-se uma diversificação entre várias
localidades na área municipal, com preferência das áreas com certa proximidade da sede
do Município, acumulando, assim, as rendas diferenciais de localização, além das
rendas diferenciais de fertilidade do solo, como é o caso da localidade de Primavera, a
mais negociada entre as empresas, que fica a cerca de 2 km a leste da sede municipal;
Mato Alto, que fica a cerca de 6 km a sudoeste da sede é a segunda mais negociada;
sendo a terceira, Boa Água, que fica a cerca de 4 km ao sul da sede municipal (ver
Gráfico 53).
Gráfico 53 - Compra e Venda por Área e Principais Localidades (Empresas) (1993 a 2002)
0200400600800
Baixa Branca
Boa água
Caatingueira
Lagedo do Mel
Mato Alto
Maxixeiro
Primavera
Poço Perdido
São Francisco
Sumidouro
Toca da Raposa
Três Veredas
Velame
Vereda do Anel
Compra e venda - empresas - por área e principais localidades (1993 a 2002)
Área - ha
Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)
No Quadro 57, pode-se notar todo o movimento de compra e venda por
empresas em Baraúna durante a série histórica que vai de 1993 até 2002. Esse
movimento, como bem se observa no referido Quadro, é predominantemente um
movimento de compras por pessoa jurídica e vendas por pessoa física, caracterizando o
processo recente de inserção de empresas agrícolas no referido Município.
Ao se analisar o Quadro citado, observa-se o movimento inicial da MAISA, que
já estava em Mossoró e em parte de Baraúna e que intensifica, em 1993, a aquisição de
terras em Baraúna, com oito compras de terras no referido ano. Fora isto, nota-se a
chegada de inúmeras empresas pertencentes a imigrantes japoneses, muitos deles já
estabelecidos, com empresas em Mossoró, além de outras empresas de empresários
mossoroenses e brasileiros.
Entre as empresas de Mossoró pertencentes a mossoroenses e outros brasileiros
que chegaram em Baraúna, pode-se observar que algumas delas já estavam produzindo
ou tinham unidades em Mossoró, expandindo assim sua área produtiva para essa nova
área. É o caso da Agricoll, que tem sua base localizada em Mossoró (fez três compras
de terras na localidade de Toca da Raposa, em Baraúna, no ano de 1996); da Multi
Comércio e Empreendimento Ltda (fez três compras de terras na localidade de Velame,
entre 1994 e 1995 e vendeu duas em 1996); da Petroforte Ltda Factoring (uma compra
de terra na localidade de Poço Perdido, em 1993); e da Agrosol Agricultura de Mossoró
(quatro compras de terras entre 1998 e 1999 nas localidades de Primavera e Boa água).
Os primeiros japoneses a estabelecerem empresa agrícola em Baraúna foram
Alexandre Takeshi Suzuki e Armando Suzuki, com a fundação da Ytiban Agroindústria
Exportadora e Importadora LTDA, em 1993. A referida empresa foi, junto com a
MAISA, uma das primeiras empresas a comprarem terras e investirem em melões para
exportação em Baraúna.
Ao se observar com atenção o Quadro 57, nota-se a importância da presença de
empresas ligadas a imigrantes japoneses em compras de terras no município de
Baraúna. Das 82 transações de terras efetuadas entre empresas no período estudado
(1993 a 2002), 36 estão ligadas a empresas de imigrantes japoneses que se instalaram
comprando terras a partir de 1993, em Baraúna. Isto representa cerca de 45% do
mercado de terras por pessoa jurídica em Baraúna.
Por terem tamanha representatividade, as empresas ligadas aos imigrantes
japoneses, que são praticamente as mesmas empresas ligadas à exportação de frutas no
Município, foram escolhidas como o centro do processo de mudanças no mercado de
terras e nas relações de trabalho. É a partir dessas empresas que se fará a análise mais
detalhada do processo de concentração fundiária em Baraúna e do processo de
mudanças nas relações de trabalho em função da fruticultura.
Quadro 57 - Compra e Venda de Terras das Empresas Agrícolas em Baraúna por Área e Localidade (1993 a 2002)67
67 No Quadro 57, foram colocadas em destaque (negrito) as operações de compra e venda feitas entre as próprias empresas agrícolas. Quando a negociação de compra e venda não envolve duas empresas agrícolas e sim apenas uma empresa e uma pessoa física, essa negociação não aparece em destaque.
Ano Empresa Situação Área (Ha) Localidade 1993 MAISA Compra 49 Aroeira Grande 1993 MAISA Compra 100 Aroeira Grande 1993 Ytyban Agroindustrial,
Exportadora e Importadora Ltda. Compra 19 Sítio Futuro
1993 MAISA Compra 38 Terras Soltas ou Santa Maria
1993 Ytyban Agroindustrial, Exportadora e Importadora Ltda
Compra 31 Sítio Sumidouro
1993 MAISA Compra 193 São Francisco ou Aroeira Grande
1993 MAISA Compra 25 Três Riachos 1993 MAISA Compra 25,3 São Francisco ou
Terra Solta 1993 MAISA Compra 9,4 Terra Solta 1993 MAISA Compra 130 São Manoel ou
Terra Solta 1993 Petroforte Ltda Factoring Compra 307 Poço Perdido 1993 Ytyban Agroindustrial,
Exportadora e Importadora Ltda Compra 87 Sumidouro
1993 Ytyban Agroindustrial, Exportadora e Importadora Ltda
Compra 67 Monte Alegre
1994 Antonio Solon Nunes (Vinculado a J. Pereira Produção e Distribuição de Frutas Ltda)
Compra 35 Facheiro
1994 Multi Comércio e Empreendimento Ltda
Compra 13 Velame
1995 Multi Comércio e Empreendimento Ltda
Compra 18 Velame
1996 Gleidson Paz de Lira (Vinculado Com a Agricoll – Agroindustrial e Comércio Lira Ltda)
Compra 58 Toca da Raposa
1996 Gleidson Paz de Lira (Vinculado Com a Agricoll – Agroindustrial e Comércio Lira Ltda)
Compra 30 Toca da Raposa
1996 Gleidson Paz de Lira (Vinculado Com a Agricoll – Agroindustrial e Comércio Lira Ltda)
Compra 56 Toca da Raposa
1996 Masatoshi Otani (Vinculado a Otani Agropecuária Ltda)
Compra 398 Boa Água
1996 Santa Helena Agropecuária Ltda Venda 58,8 Cajueiro 1996 Multi-Agro Industrial Ltda Compra 58,8 Cajueiro 1996 Multi Comercio e
Empreendimento Ltda Venda 18 Velame
1996 Multi-Agro Industrial Ltda Compra 18 Velame 1996 Agropecuária Nascente Ltda Compra 78,6 Mutamba 1996 Ytyban Agroindustrial,
Exportadora e Importadora Ltda Venda 205,8 Sumidouro, Monte
Alegre, Sumidouro II e Sitio Futuro
1996 Multi Comercio e Empreendimento Ltda
Venda 13 Velame
1996 Multi-Agro Industrial Ltda Compra 13 Velame
1996 Evandro Mendes e Junichi Irikita (Vinculado a Jiem Agricola e Comercial Ltda)
Compra 50 Mato Alto
1996 Evandro Mendes e Junichi Irikita (Vinculado a Jiem Agricola e Comercial Ltda)
Compra 50 Mato Alto
1996 Multiagro Industrial Ltda Compra 4,8 Velame 1997 Junichi Irikita = Jiem Agricola e
Comercial Ltda (A Partir de 2001) Compra 64 Mato Alto
1997 Junichi Irikita = Jiem Agricola e Comercial Ltda (a Partir de 2000)
Compra 76 Mato Alto
1997 Junichi Irikita = Jiem Agricola E Comercial Ltda (A Partir de 2000)
Compra 29 Baraúna
1997 Multi-Agro Industrial Ltda. Compra 91 Primavera 1997 Multi-Agro Industrial Ltda Compra 51 Primavera 1997 Evandro Mendes (Vinculado a
Jiem Agrícola e Comercial Ltda) Compra 105,3 Mato Alto
1997 Evandro Mendes (Vinculado a Jiem Agrícola e Comercial Ltda)
Compra 66 Mato Alto
1997 C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo Export e Importadora
Compra 12 Mato Alto
1997 C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo Export e Importadora
Compra 48 Mato Alto
1997 Agropecuária Nascente Ltda Compra 30 Primavera 1998 Nutland Indústria e Comércio Ltda Compra 25 Vereda do Anel 1998 PH Produção e Distribuição de
Frutas Ltda Compra 80 Vereda do Anel
1998 Agro Safra Agricultura Com. Imp. e Exp. Ltda.
Compra 14 Caatingueira
1998 Sergio Gonçalves da Silva (Vinculado a Serdan Agrícola Comercial Imp. e Exp. Ltda)
Compra 79 Baraúna
1998 Agro Safra Agricultura Com. Imp. e Exp. Ltda.
Compra 40 Sumidouro
1998 Otani Agropecuária Ltda Compra 50 Fazenda Shoryu 1998 Agrosol Agricultura de Mossoró Compra 47 Primavera 1998 Agrosol Agricultura de Mossoró Compra 49 Primavera 1999 Agrosol Agricultura de Mossoró Compra 35 Boagua 1999 C. Y. Matsumoto – Agropecuária
Modelo Export e Importadora Compra 17 Mato Alto
1999 Agro Safra Agricultura Com. Imp. E Exp. Ltda.
Compra 46,5 Bela Vista
1999 Agrosafra Agricultura Comercio Importação e Exportação Ltda
Compra 86 Mato Alto
1999 Cris Frutas Ltda Compra 61,2 Sítio Facheiro 1999 Multi-Agro Industrial Ltda Venda 51 Primavera 1999 Agropecuária Nascente Ltda
(Junichi Irikita) Compra 51 Primavera
1999 Cris Frutas Ltda Compra 49 Primavera 1999 C. Y. Matsumoto – Agropecuária
Modelo Export e Importadora Compra 6 Velame
2000 Otani Agropecuária Ltda Compra 33 Sítio Boa Água 2000 Otani Agropecuária Ltda. Compra 6,9 Sítio Primavera
2000 C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo Exportação e Importadora
Compra 13 Fazenda Modelo
2000 C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo Exportação e Importadora
Compra 26 Fazenda Modelo
2001 P.H. Produção e Distribuição de Frutas Ltda
Compra 66,7 Baraúna
2001 P.H. Produção e Distribuição de Frutas Ltda
Compra 57,6 Vereda do Anel
2001 J. F. Produção e Distribuição de Frutas Ltda.
Compra 43 Sítio Currais
2001 Agropecuária Tiuma Ltda (Incorporado a Calmit Industrial Ltda Em 2004)
Compra 167 Boa Sorte
2001 PH Produção e Distribuição de Frutas Ltda
Compra 47 Saco Do Frade
2001 PH Produção e Distribuição de Frutas Ltda
Compra 59 Encruzilhada
2001 Otani Agropecuária Ltda Compra 4,2 Primavera 2001 Agrosafra – Agricultura Com. Imp.
e Exp. Ltda Compra 24 Caatingueira
2001 Agro Safra Agricultura Com. Imp. e Exp. Ltda
Compra 8 Caatingueira
2001 Laserdan Agrícola Com. Importação e Exportação Ltda
Compra 49 Caatingueira
2001 C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo Export. e Importadora
Compra 26 Velame
2002 F.M. Produção e Distribuição de Frutas Ltda.
Compra 15 Portões
2002 Agro Safra Agricultura Com Imp. e Exp. Ltda
Compra 167 Santa Lígia
2002 Agro Safra Agricultura Com. Importação e Exportação
Compra 934 Sítio Maxixe
2002 Matsumoto Agrop. Modelo Exportação e Importadora
Compra 11 Velame
2002 Agropecuária Tiuma Ltda (Incorporado A Calmit Industrial Ltda em 2004)
Compra 30 Baixa Branca
2002 Otani Agropecuária Ltda Compra 9,2 Sítio Primavera 2002 Fruitland Comércio Representação
Produtos Agrícolas Ltda Venda 22 Caatingueira
2002 Otani Agropecuária Ltda Compra 4,2 Primavera 2002 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Compra 80 Primavera 2002 C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo
Export. e Importadora Compra 4 Velame
2002 Agropecuária Tiuma Ltda Compra 16 Sete Kilômetro 2002 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Compra 55,8 Primavera 2002 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Compra 30 Primavera Fonte: Cartório Único de Baraúna
História das terras dos Empresários Japoneses em Baraúna
A história das terras dos empresários imigrantes japoneses no município de
Baraúna começa em 1993 com a compra de terras de pessoas físicas, pela empresa
Ytiban Agroindústria Exportadora e Importadora LTDA (de sociedade entre Alexandre
Takeshi Suzuki e Armando Suzuki), em três localidades municipais a sudoeste de
Baraúna (ver Quadro 58). O valor de aquisição dessas terras vai ser extremamente alto,
destacando-se dos valores apresentados para a compra por outros empresários japoneses
na mesma época. Em 1996, as terras da empresa são vendidas para Willian Akira
Suzuki, que tem o mesmo sobrenome dos sócios.
Quadro 58 - Compra de Terras por Ytyban Agroindustrial, Exportadora e Importadora Ltda em Baraúna (até 2002) Ano Vendedor Pessoa
Física Pessoa Jurídica
Área (ha)
Localidade Valor por hectare (em reais)
1993 João Bosco da Silva Dantas
X 19 Sítio Futuro 10.526,31
1993 Orlando Jales Dantas X 31 Sumidouro 6.451,61 1993 Orlando Jales Dantas X 67 Monte
Alegre 4.477,71
1993 Orlando Jales Dantas X 87 Sumidouro 3.448,25 Fonte: Cartório Único de Baraúna
Poucos anos depois se instala em Baraúna Masatoshi Otani, que funda duas
empresas, a Otani Agropecuária e a Cris Frutas, e, a partir delas, começa a comprar
terras no município em 1996.
As terras compradas por esse imigrante japonês correspondem a uma área de
ótima localização perto da sede municipal e das estradas. São as localidades conhecidas
como Boa Água, Facheiro e Primavera, todas perto da sede municipal - a cerca de 2 a 5
km.
Observa-se no Quadro 59 que essas terras com ótima localização, acumulando
assim rendas diferenciais, foram compradas exclusivamente de pessoas físicas - às vezes
da mesma família -, por preços que chegam a ter grande desvalorização, com o valor do
hectare chegando a 30,00 e 81,00 reais em alguns casos. Em outros, os valores flutuam
de forma rápida no mesmo local, como as últimas compras na localidade Primavera,
onde o hectare variou entre 238,09 e 714,28 reais, em apenas um ano. Vale lembrar que
a prática de subvalorização das terras para fugir dos impostos é corrente em vários
cartórios da região.
Quadro 59 - Compra de Terras pelas Empresas de Masatoshi Otani – Cris Frutas e Otani Agropecuária - em Baraúna (até 2002) Ano Vendedor Pessoa
Física Pessoa Jurídica
Área (ha)
Localidade Valor por hectare (em reais)
1996 Francisca Albertina da Silva
X 398 Boa Água 30,15
1998 José Alves de Oliveira
X 50 Fazenda Choril (Shoryu)/Facheiro
1.000,00
1999 José Jerônimo de Queiroz
X 61,2 Facheiro 147,00
1999 Severino Alves Costa X 49 Primavera 81,63 2000 José Maria Rebouças X 33 Boa Água 151,51 2000 José Dantas de
Oliveira X 6,9 Primavera 434,78
2001 Josefa Rodrigues de Medeiros Barbosa
X 4,2 Primavera 238,09
2002 Francisco Justino X 9,2 Primavera 434,78 2002 Francisco Justino X 4,2 Primavera 714,28 Fonte: Cartório Único de Baraúna
No mesmo ano, instala-se no Município Junichi Irikita, casado com a irmã de
Masatoshi Otani, que vai investir em terras próximas e até vizinhas às terras de
Masatoshi, com compras na mesma região da localidade de Primavera (leste, sudeste e
sul da sede municipal) - distante cerca de 2 a 5 km em média da sede municipal. Esse
imigrante vai comprar também terras de grande volume na localidade de Mato Alto, a
sudoeste da sede municipal.
Assim como se deu com Masatoshi Otani, o valor de compra dessas terras por
hectare vai ser extremamente baixo, se comparado ao das compras da Ytiban - inclusive,
na média, o valor de compra de Junichi Irikita vai ser mais baixo do que o de Masatoshi
Otani, com compras no Mato Alto variando de 50,00 a 189,00 reais, no período de um
ano, e, na localidade Primavera, variando de 147,00 a 333,00 reais no período de três
anos (ver Quadro 60). Vale lembrar que quase todas as compras foram feitas a pessoas
físicas, com exceção de uma, a feita à Multi-Agro Industrial Ltda.
Quadro 60 - Compra de Terras pelas Empresas de Junichi Irikita –Agropecuária Nascente e Jiem Agrícola e Comercial Ltda - em Baraúna (até 2002) Ano Vendedor Pessoa
Física Pessoa Jurídica
Área (ha)
Localidade Valor por hectare (em reais)
1996 José Odival de Oliveira
X 78,6 Mutamba 152,67
1996 Francisco Rogério da Silva
X 50 Mato Alto 50,00
1996 Francisco Rogério da Silva
X 50 Mato Alto 50,00
1997 Aprígio Laurentino da Silva
X 64 Mato Alto 120,00
1997 Francisco Pereira de Sousa
X 76 Mato Alto 131,57
1997 Clóvis da Silva Laurentino
X 29 - 137,93
1997 Francisco Rogério da Silva
X 105,3 Mato Alto 189,93
1997 João Ambrósio da Silva
X 66 Mato Alto 120,00
1997 Vicente Francisco da Silva
X 30 Primavera 166,66
1999 Multi-Agro Industrial Ltda
X 51 Primavera 147,05
2002 Raimundo Pereira da Silva
X 80 Primavera 187,50
2002 Carlos Antônio de Medeiros
X 55,8 Primavera 197,13
2002 Carlos Antônio de Medeiros
X 30 Primavera 333,33
Fonte: Cartório Único de Baraúna
Por fim, outro imigrante japonês se instala, fundando a empresa C. Y.
Matsumoto Agrop. Modelo e começando a comprar terras em 1997. Segundo
informações verbais colhidas no município de Baraúna, existe um grau de parentesco
entre o empresário dessa empresa e os outros japoneses instalados no Município.
Assim como Junichi Irikita, esse empresário compra terras na localidade de
Mato Alto, a sudoeste de Baraúna, além de comprar terras a oeste de Baraúna, perto da
fronteira com o Ceará e da estrada que liga Baraúna com o Ceará - localidade conhecida
hoje como Mato Alto e Velame.
Tal como os outros japoneses fizeram, todas as compras de terras são efetuadas
de pessoas físicas (ver Quadro 61) e o valor do hectare comercializado sofre uma grande
variação no período de poucos anos, para cima ou para baixo, podendo ser negociado,
em 1997, por 416,00 reais, no Mato Alto, e dois anos depois vir a ser negociado por
235,00 reais - uma queda de quase 50%. A mesma situação de volatilidade acontece na
localidade de Velame, sendo que, desta vez, para cima, onde os preços flutuam de
307,69 reais o hectare, em 2001, para 625,00 reais, um ano depois.
Quadro 61 - Compra de Terras pela Empresa C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo, em Baraúna (até 2002) Ano Vendedor Pessoa
Física Pessoa Jurídica
Área (ha)
Localidade Valor por hectare (em reais)
1997 Francisco Bernardo X 12 Mato Alto 333,33 1997 Raimundo Pereira da
Silva X 48 Mato Alto 416,66
1999 Francisco Canindé da Silva
X 17 Mato Alto 235,29
1999 Francisco Canindé da Silva
X 6 Velame 333,33
2000 Geraldo Cordeiro do Vale
X 13 Fazenda Modelo
538,46
2000 Geraldo Cordeiro do Vale
X 26 Fazenda Modelo
538,46
2001 José Francisco Virgínio
X 26 Velame II 307,69
2002 Raimundo Nonato da Silva
X 4 Velame 625,00
2002 Francisco de Assis Varela da Silva
X 11 Velame 318,18
Fonte: Cartório Único de Baraúna
A compra de terras durante esse período em Baraúna, principalmente pelos
japoneses, assim como por outros empresários, vai intensificar a concentração fundiária
e elevar o preço da terra no Município, fazendo com que muitos agricultores se sintam
estimulados “[...] a abandonar o campo e vender suas propriedades ou a [se]
transformar [...] em novos especuladores imobiliários.” (GUIMARÃES, 1979, p.160).
Reydon e Barreto (2006) observam que a dinâmica do mercado de terras é, em
grande medida, determinada pelo dinamismo do mercado de produtos da região em
análise. Como, a partir de 1993, vai se dar um grande dinamismo em Baraúna a partir da
fruticultura de melão, o mercado de terras local vai sofrer uma mudança significativa,
com sua valorização também vinculada ao sucesso dessa cultura na região.
Em Baraúna, as rendas diferenciais I e II vão ser exploradas ao máximo pelos
produtores rurais voltados para a exportação de melão que vão se utilizar de tecnologia
de ponta e aproveitar as características de fertilidade do solo do Município,
características estas salientadas em um estudo comparativo publicado na Revista
Brasileira de Fruticultura (ARAÚJO NETO, ET AL, 2003), onde se compara a
produção de melão nos quatro principais municípios produtores do Rio Grande do
Norte: Mossoró, Carnaubais, Alto do Rodrigues e Baraúna.
Entre todos esses municípios, Baraúna vai se destacar com a melhor fertilidade
dos solos, com as mais estruturadas características químicas entre todos os solos,
levando o Município a ter uma produtividade média por hectare muito superior a todos
os outros estudados, superando em 53%, 75% e 166% os ambientes de Carnaubais,
Mossoró e Alto do Rodrigues, respectivamente.
As rendas diferenciais também são aproveitadas a partir da boa localização,
principalmente das propriedades dos japoneses, que ficam, como se pode observar na
foto de satélite (Foto 5), todas próximas à sede municipal de Baraúna e às principais
estradas, algumas a leste (Primavera), outras ao sul e sudeste (Facheiro, Boa Água e
Primavera) e outras a oeste (Fazenda Modelo, Velame, Mato Alto).
Foto 5 - Propriedades dos empresários japoneses em Baraúna (2009)
Fonte: GoogleEarth (2011)
5.3.2 Vinda das Empresas de Fruticultura e Mudanças nas Relações de Trabalho e nas
Estatísticas do Trabalho Agrícola
Primavera
Boa Água Mato Alto
Com relação à mão-de-obra, a vinda de empresas de fruticultura irrigada,
principalmente as de empresários japoneses, exerceu uma mudança no perfil de
empregos assalariados de Baraúna, influenciando, inclusive, em toda a região do Oeste
Potiguar e até no Vale do Açu, já que muitos empregados dessas empresas de
fruticultura vêm de outras cidades e até de outras microrregiões do Estado do Rio
Grande do Norte.
Com a chegada das empresas de fruticultura em Baraúna a partir de 1993, tem-se
o surgimento do trabalho assalariado com carteira assinada no ramo agropecuário, o que
antes não era constatado nas estatísticas do Ministério do Trabalho, diferentemente do
que existia antes, quando se tinha o sistema de parceria e trabalho por diária.
De acordo com o banco de dados do Ministério de Trabalho sobre o emprego
assalariado em Baraúna (RAIS, MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2011),
exposto no Quadro 62, no decorrer da série histórica de 1993 a 2002, o emprego
assalariado no Setor de Agropecuária é o que mais cresce no Município, assumindo, a
partir de 1996, a dianteira frente a todos os setores analisados. Essa dianteira se mantém
por toda a série histórica, intensificando-se e chegando a representar, no ano de 2002,
cerca de 80% de todos os empregos assalariados do Município, com 2.268 empregados
de carteira assinada de um total geral de 2.824 empregados. Esse período representa o
momento em que vão se estabelecendo em Baraúna inúmeras empresas de fruticultura
irrigada para a exportação, boa parte delas controladas por imigrantes japoneses.
Quadro 62 - Baraúna: Vínculos Ativos por Setor de Atividade Econômica (1993-2002) Setor 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Extração Mineral 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Ind. Transformação
0 0 6 0 0 1 0 2 6 5
Serv. Indústria 0 0 0 0 0 41 138 85 3 3 Construção Civil 0 0 0 0 40 0 0 0 1 0 Comércio 3 6 7 6 43 42 42 36 38 45 Serviços 9 5 9 5 10 8 6 8 26 28 Adm. Pública 350 352 339 219 388 386 0 377 465 475 Agropecuária 4 35 123 486 779 975 1424 1392 1688 2268 Outros/Ignorado 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Total 366 398 484 716 1260 1453 1610 1900 2227 2824 Fonte: RAIS, Ministério de Trabalho e Emprego (2011)
Desses empregados no Setor Agropecuário, vão se destacar aqueles com carteira
assinada que estavam descritos como atuantes na fruticultura irrigada. Estes somavam,
no ano de 2002, o montante de 1.799, representando cerca de 80% de todos os
empregados com carteira assinada do referido Setor (RAIS, MINISTÉRIO DO
TRABALHO E EMPREGO, 2011).
As empresas de fruticultura de Baraúna também empregavam outros
trabalhadores com inúmeras funções ligadas à agricultura ou de suporte a esta, que
aparecem no Banco de Dados da RAIS. Entre essas funções, podem-se citar: trabalhador
agropecuário, guarda de segurança, motoristas de caminhões e automóveis, porteiros,
cozinheiras, secretarias, técnicos de segurança do trabalho, técnicos de almoxarifado,
técnicos de contabilidade, fiscais de campo para supervisionar a operação nas fazendas,
funcionários do parking house, câmara fria, funcionários ligados a irrigação, técnicos
agrícolas, engenheiros agrônomos, dentre outras.
Esse assalariamento com carteira assinada, que obriga o empregador a pagar
pelo menos um salário mínimo, faz com que haja um aumento do salário médio do
emprego agrícola em cumprimento à legislação trabalhista (SILVA, 2004). Além disto,
existe um pequeno aumento adicional negociado pelos sindicatos dos trabalhadores de
fruticultura do Polo Açu-Mossoró em acordos coletivos. No ano de 2010, segundo
informações do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Baraúna, esse valor era de 10,00
reais além do salário mínimo.
Durante a década de 1990, com a atuação da MAISA no município de Baraúna e
nos seus arredores, tem-se também a implementação, a partir dessa empresa, de um
processo de terceirização, com um sistema de produtores contratados que trabalhavam
para a MAÍSA nas suas próprias terras ou associações de assentamentos.
Silva (1997) salienta que, entre os produtores contratados na década de 1990
pela MAÍSA em Baraúna, podiam-se enumerar tanto produtores individuais como
associações de pequenos produtores em área de assentamento de Reforma Agrária.
Entre as associações de assentamentos se destacavam: Olho D´água da Escada,
Caatinga, Poço Baraúnas, Pico Estreito e Rancho do Pereiro.
A MAÍSA, que vai entrar em colapso no início dos anos 2000, atuou com um
nível de terceirização elevado em Baraúna, mas existiam condições limitantes para esse
modelo.
Segundo Silva (1997, p.25),
[...] uma das condições limitantes para que o produtor seja selecionado é que ele esteja apto a absorver a tecnologia usada no processo produtivo do melão, ou seja, a produção de melão na região caracteriza-se, na sua maioria, pelo uso de técnicas modernas de preparo do solo e irrigação, bem como tratos culturais com base em agroquímicos sofisticados e fertilizações controladas e freqüentes.
[...] as empresas fornecem apenas sementes, sem nenhum outro insumo ou implemento, chega-se a crer que para o produtor absorver esta tecnologia de produção é necessário que detenha capital, para que possa investir no cultivo do melão.
Além dessas condições limitantes, outra condição vem se juntar quando se
observa que a produção é voltada para o mercado externo. São as certificações
internacionais de qualidade e gestão, que limitam e dificultam esse modelo que foi
levado a cabo durante a década de 1990 pela MAÍSA.
Basaldi (2008) observa também que as atividades articuladas ao mercado
internacional tem exigências de certificações que promovem o respeito aos direitos
humanos, trabalhistas e meio ambiente, gerando assim uma pressão para oferecer
maiores condições de trabalho e emprego.
Não foi constatado nas empresas pesquisadas (empresas de imigrantes
japoneses) qualquer indício de que essas práticas de terceirizações tenham ganhado
terreno na fruticultura voltada para a exportação de melão operacionalizada pelos
imigrantes japoneses. Segundo informações passadas pelo responsável pela EMATER
(extensão rural) em Baraúna, Francisco Girolando de Freitas68, a fruticultura voltada
para a exportação comandada pelos japoneses não tem terceirização, “[...] ele não quer
nada com ninguém não [...] só ele e pronto [...] ele não quer não [...] [terceirização] de
jeito nenhum”.
Os dados da RAIS (2011) do período reforçam o caráter de assalariamento com
carteira assinada que passou a predominar no município de Baraúna a partir dos anos
1990 e que se intensificou durante os primeiros anos de 2000.
Sobre as relações de trabalho orquestradas pelas empresas de fruticultura
irrigada em Baraúna, existem duas realidades postas: a de empregados de empresas de
fruticultura que vendem apenas para o mercado nacional e local e a de empregados de
empresas de fruticultura que vendem para o mercado internacional e têm que seguir
certas certificações internacionais que priorizam as boas relações de trabalho.
No trabalho em questão, foram focadas as empresas voltadas para o mercado
externo, na sua grande maioria pertencentes a imigrantes japoneses. Destas, foi
escolhida uma empresa de propriedade de um imigrante japonês para uma análise mais
detalhada das relações de trabalho. Essa empresa foi a Cris Frutas, de propriedade de
Masatoshi Otani.
68 Informação verbal adquirida em entrevista em 31 de janeiro de 2011, na sede local da EMATER em Baraúna.
Essa empresa atua de forma contínua, só que com uma mão-de-obra descontínua
em números de funcionários, já que trabalha com o melão de junho a fevereiro e com a
safrinha de milho mecanizado entre fevereiro e maio, tendo uma demanda de mão-de-
obra muito maior durante o cultivo de melão. Com isto, a empresa opta por trabalhar
com carteira assinada para a maioria dos funcionários durante o período que vai de
junho/julho até janeiro/fevereiro.
Segundo a Engenheira da Cris Frutas69, o processo de trabalho ocorre da
seguinte maneira:
[...] aqui agente contrata por safra, então os primeiros começam a trabalhar em junho e ficam ate agora, essa época de fevereiro [...] seu Masatoshi ele dá prioridade a botar pra fora quem vai receber seguro desemprego, quem não recebe ai fica trabalhando, porque agente planta milho aqui sabe, e tem a parte de manutenção que tem que fazer cercas, tem coisa pra fazer na fazenda e só pode fazer quando não ta funcionando [...] então pouca gente fica, mas, fica [...] é seguro desemprego [...] você recebendo um ano, e outro ano que você sair você já não tem direito de receber, então ele dar prioridade pra ficar trabalhando direto quem não vai receber, que ai a pessoa não fica sem renda [...].
Nota-se com esse processo de trabalho uma preocupação do empregador para
que os empregados não fiquem sem renda durante a parcela do ano em que eles não
trabalham de forma intensiva com frutas. Esse tipo de preocupação chama a atenção e
se diferencia das empresas multinacionais, que trabalham de forma estritamente
profissional, preocupando-se somente com a lucratividade.
Outra característica da empresa é o de usar para o trabalho, na época da
fruticultura (junho/fevereiro), sempre os mesmos empregados, mesmo sendo de outras
cidades, às vezes até distantes. Ainda é a Engenheira da Cris Frutas70 quem observa:
“[...] quando eles saem eles já sabem que vai voltar [...] o pessoal da fazenda Também
[...] os que dão mais trabalho não voltam não [...]”. Ela ressalta que os empregados
‘trabalhosos’ são os que faltam muito e que produzem pouco. Estes geralmente deixam
de ser chamados no período seguinte de trabalho no Melão.
A partir de depoimento dos entrevistados, foi notado também que a forma de
contratação dos empregados é baseada na indicação de amigos ou parentes - prática
comum, relatada por Bendini e Calvalcanti (1996, p.12): “[...] indicação de conhecidos
69 Informação obtida através de entrevista com a Engenheira da Cris Frutas, Baraúna, em 1º de fevereiro de 2011. 70 Informação obtida através de entrevista com a Engenheira da Cris Frutas, Baraúna, em 1º de fevereiro de 2011.
ou parentes para ocupar postos de trabalho com posterior acompanhamento da pessoa
que indica para saber se está dando certo”. Quem indica, portanto, reforça sua
permanência se o indicado corresponde.
Em entrevistas com funcionários da Cris Frutas, foi notado que esta tem o
comportamento parecido com a multinacional Del Monte Fresh Produce, em relação à
diferença de tratamento entre os funcionários com alto nível de qualificação e os de
baixo nível de qualificação. Isto nos remete ao que foi tratado no Capítulo 1, onde
Castells (2002) discorre sobre essa diferenciação de direitos por nível de qualificação, e
principalmente no Capítulo 2, onde Antunes (2005) relata essa diferenciação de
tratamento e a precarização do funcionário de baixa qualificação.
Cavalcanti (1999) observa que, no caso da agricultura para a exportação,
dominada por grandes grupos multinacionais, os efeitos chegam a ser mais daninhos
para os trabalhadores, já que se emprega alta tecnologia para aumentar a produtividade,
mecanizando e informatizando boa parte do processo produtivo, debilitando, assim, a
geração de empregos e requerendo uma mão-de-obra com maior nível de qualificação.
Muitas vezes se utiliza, dependendo do ramo produtivo, de trabalhadores temporários e
flexíveis, precarizando ainda mais o mercado de trabalho.
No fim, observa-se também no trabalho agrícola a criação de uma polaridade de
duas classes de empregados: uma de trabalhadores estáveis, com direitos trabalhistas,
capacitados e vinculados aos estratos técnicos ou administrativos; e outra, de
trabalhadores temporários, de baixa qualificação, flexíveis, terceirizados, que é a grande
maioria nas unidades produtivas do campo.
Esse fosso entre os trabalhadores muito qualificados e os de baixa qualificação
também é relatado por Basaldi (2008), mostrando que a precarização do trabalho para os
últimos é uma realidade no trabalho agrícola.
A Cris Frutas, assim como a multinacional Del Monte Fresh Produce, não
chega a precarizar o trabalho dos não qualificados com a terceirização e o trabalho
informal, como relatam os autores acima mencionados. Todos os trabalhadores da Cris
Frutas têm carteira assinada permanente, sejam de alta ou baixa qualificação e ela não
faz uma diferenciação tão clara entre os trabalhadores qualificados e os não
qualificados, como faz a Del Monte Fresh Produce em Ipanguaçu, embora essa
diferenciação ocorra de forma sutil, como foi observado nas entrevistas com
trabalhadores da empresa.
A Engenheira da Cris Frutas71 observa tal diferença nessa Empresa:
[...] seu Masatoshi gosta muito de agradar o funcionário, gratificação por fora [...] para o funcionário mesmo eles trabalham com hora extra né, quando ta no pico mesmo tem muito hora extra, mas para o pessoal, não o trabalhador mesmo, mas, o encarregado, o pessoal que trabalha no faturamento, ele sempre gosta de dar um agrado ne [...] (grifos meus)
A mesma Engenheira salienta que os empregados de outras cidades almoçam no
refeitório da Empresa, diferentemente dos empregados que moram em Baraúna, que vão
almoçar em casa. Esses empregados de fora também têm direito a alojamentos na
própria Cris Frutas, pois só vão visitar as famílias de tempos em tempos.
Foram entrevistados alguns trabalhadores assalariados da fazenda da Cris Frutas
que tem suas famílias no Vale do Açu, voltando de tempos em tempos para ver suas
famílias. Os referidos trabalhadores destacam algumas relações de trabalho que
acontecem na empresa.
Os trabalhadores enumeram que a alimentação deles no horário de trabalho não
é por conta da empresa. Segundo um trabalhador da Cris Frutas do Vale do Açu72,
[...] o refeitório é por conta da gente, [...] a comida quem paga é agente [...] as cozinheiras, eles paga apenas as cozinheiras pra fazer comida, mas a comida vem descontado no pagamento da gente [...] os produtos [...] vem descontado mensal [...] eles fazem a feira , mas só que agente desconta, desconta no pagamento da gente, eles dividem entre todos os funcionários e desconta desse total.
Sobre os benefícios dados pela empresa, os trabalhadores entrevistados que tem
sua família no Vale do Açu enumeram que: não existe plano de saúde, existe água
potável no trabalho, mas não recebem cesta básica. Os referidos trabalhadores moram
na empresa em um alojamento (durante os meses que trabalham lá – junho/fevereiro)
que é descrito como:
[...] o alojamento lá é normal, uns galpão bem grande, tudo fechado, sempre fica 10, 12 pessoas em cada parte, tudo separado, agora lá é o seguinte, quem é de Caraúbas [município do RN] fica num canto, quem é de Jucurutu [município do RN] fica em outro, é tudo separado [...] lá tem televisão pra gente assistir, tem televisão, tem sinuca pra quem gosta de jogar, tem futebol, tem o campo lá Também, se quiser jogar bola, tem um bocado de diversão lá, eu
71 Informação obtida através de entrevista com a Engenheira da Cris Frutas, Baraúna, em 1º de fevereiro de 2011. 72 Informação obtida através de entrevista com um empregado da Cris Frutas, Jucurutu, em 20 de março de 2011.
gosto mesmo de assistir televisão [...] lá tudo é rede [...] eu levo a minha, cada um leva a sua...73 ”
Os funcionários mostram uma certa satisfação com as condições de trabalho e
salientam que geralmente a pessoa todo ano é chamada para trabalhar na empresa,
criando com ela um certo vínculo. Alguns citam que o patrão é bom por ajudar o
trabalhador a não ficar sem renda durante o período em que perde o seguro desemprego:
[...] mas sempre no ano que eu não pego seguro eu fico direto sabe la, fico duas safras direto [...] o home la me conhece muito e sempre [diz] vai ficar esse ano, fico sempre cuidando do milho qualquer coisa que aparecer, [...] eu passo 1 ano e 7 meses, 1 ano e 8 meses la quando eu não pego seguro sabe [...] nunca fico sem renda [...] ele sempre deixa [...]74
Outros citam que o patrão é bom porque
[...] não massacra trabalhador, pra trabalhar estressado, paga em dias [...] ele não escraviza ninguém entendeu, é bom o patrão, agora ele não facilita ne, nada pra ninguém, mas Também não deve a ninguém não [...] ele não deve um centavo a um trabalhador, tudo em cima da ordem75
Foi dito também pelos trabalhadores que têm família longe que o patrão ajuda no
transporte para ver os seus familiares. “A metade da passagem a empresa dá [...]
uma vez por mês [...]76.
Mas, assim como foi dito pela Engenheira da empresa, os funcionários notam a
diferença de tratamento entre o corpo técnico e os funcionários do trabalho pesado na
fazenda, quando é perguntado se eles recebem algum tipo de agrado no final do ano.
“[...] ele dá alguma coisa aos auxiliar, encarregado no final de ano, mas aos funcionário
não dá não [...]77
Outro aspecto de grande relevância sobre as relações de trabalho no campo é a
sobrejornada ou horas extras - prática muito comum no campo, como já observavam
Krein e Stravinsk (2008), em análise consistente sobre a jornada de trabalho no campo,
onde constataram que mais de 50% dos trabalhadores permanentes e cerca de 40% dos
trabalhadores temporários tinham jornadas acima da jornada legal de 44 horas semanais.
73 Informação obtida através de entrevista com um empregado da Cris Frutas, Jucurutu, em 20 de março de 2011. 74 Informação obtida através de entrevista com um empregado da Cris Frutas, Jucurutu, em 20 de março de 2011. 75 Informação obtida através de entrevista com um empregado da Cris Frutas, Jucurutu, em 20 de março de 2011. 76 Informação obtida através de entrevista com um empregado da Cris Frutas, Jucurutu, em 20 de março de 2011. 77 Informação obtida através de entrevista com um empregado da Cris Frutas, Jucurutu, em 20 de março de 2011.
Na empresa de fruticultura estudada, essa prática ocorre mais nos setores de
embalagem e câmara fria - o chamado parking house, onde as atividades iam até às “[...]
7 horas [da noite], só pode fazer 2 horas por dia, o ministério do trabalho exige que
ninguém pode fazer mais de 10 horas [...] mesmo que tivesse uma programação que
eles, as vezes tem uma programação que não pode [...] mas parava e deixava pro outro
dia”78
Sobre as convenções coletivas, Baraúna tinha a mesma que Ipanguaçu, reunindo
o mesmo grupo de sindicatos de trabalhadores que negociam todo ano, coletivamente,
as relações de trabalho.
5.3.3 Impactos da Chegada das Empresas de Fruticultura na Produção Agrícola de
Baraúna
Em relação à produção agrícola, a chegada das empresas de fruticultura irrigada,
principalmente empresas de imigrantes japoneses voltadas para a exportação, mudou a
“cara” da produção agrícola de Baraúna a partir de 1993, estabelecendo um novo eixo
produtivo local.
Como se observa no Gráfico 54, a área colhida de produtos tradicionais dos três
mais significantes produtos da década de 1980 tendeu a cair nessa nova série temporal,
com exceção do milho, que sempre manteve uma média de 6.000 ha de área colhida
durante a série histórica que vai de 1993 a 2002, com exceção do ano de 1993, quando
não se teve produção alguma, e dos anos de 1998 e 1999, que apresentaram uma
acentuada redução de área colhida.
Já o feijão, nessa série temporal, passou por uma redução de sua área colhida,
que em 1994 chegou a representar 4.000 hectares, terminando, em 2002, com pouco
mais de 1.000 hectares, o que representou uma redução de área de cerca de 75%, à
semelhança do milho, que, nos anos de 1993 e 1998, teve praticamente reduzida a zero
sua área colhida.
Com relação à mandioca, definitivamente esse tubérculo saiu do eixo produtivo
nessa nova série temporal, não tendo nenhuma área colhida durante esse período.
78 Informação obtida através de entrevista com um empregado da Cris Frutas, Jucurutu, em 20 de março de 2011
Gráfico 54 - Produção Agrícola de Baraúna (1993 a 2002) – Produtos Tradicionais – Área Colhida (HA).
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
7000
ÁR
EA
(H
A)
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1993 A 2002) ÁREA COLHIDA (HA) - PRODUTOS TRADICIONAIS
Feijão
Mandioca
Milho
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011) Com relação à área colhida dos principais produtos de mercado, tem-se uma
transição clara entre o algodão herbáceo e a castanha de caju, de um lado, e, de outro, o
melão. Durante toda a série histórica se nota o declínio da maior área colhida de
produtos de mercado do Município, que era a área colhida da castanha de caju, a qual,
em 1993, representava quase 12.000 hectares de terras (ver Gráfico 55), No decorrer da
série histórica, essa área míngua significativamente, principalmente após 1998,
terminando a década com apenas 400 hectares - uma redução de mais de 95% em
relação à área colhida de 1993.
De forma similar, mas, com maiores oscilações no decorrer da série temporal,
comporta-se o algodão herbáceo, que, com uma área colhida em 1994 em torno de
6.000 hectares, começa a perder terreno em 1996, tendo uma redução muito
significativa em 1998, quando essa área quase desaparece, terminando o ano de 2002
com menos de 2.000 hectares - uma redução de 60% em relação à área colhida em 1994.
De forma inversa ocorre com o melão, que tinha uma área colhida insignificante
até o ano de 1998, quando começa a ter representatividade, e, já no ano seguinte,
ultrapassa a área colhida de castanha de caju e de algodão herbáceo, consolidando-se
nos anos de 2001 e 2002 como o produto com maior área dentre os principais produtos
de mercado apresentados: quase 4.000 hectares.
O mamão começa a ter algum destaque em área colhida a partir de 2001, mas
ainda com pouco significado frente aos outros produtos de mercado.
Gráfico 55 - Produção Agrícola de Baraúna (1993 a 2002) – Produtos de Mercado – Área Colhida (HA).
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011) Com relação à quantidade produzida de produtos tradicionais, observa-se a
liderança do milho, apesar de profundas oscilações no decorrer do período - indo de
5.000 toneladas em 1994 até a uma produção zero em 1998 e quase zerando em 1999 e
2001. Em segundo lugar, também com grandes oscilações, vem o feijão. Mas,
diferentemente do milho, essa cultura tem uma tendência explícita a redução de
produção. Quando se analisa a série histórica, observa-se claramente que, em 1994,
tinha uma produtividade na faixa de 2.000 toneladas, passando para menos de 1.000
toneladas em 2002. Quanto à mandioca, não há produção registrada durante o período
(Ver Gráfico 56).
Gráfico 56 - Produção Agrícola de Baraúna (1993 a 2002) – Produtos Tradicionais – Quantidade Produzida (T).
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
QU
AN
TID
AD
E (
T)
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1993 A 2002) QUANTIDADE PRODUZIDA (T) - PRODUTOS TRADICIONAIS
Feijão
Mandioca
Milho
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)
Com relação à quantidade produzida pelos produtos de mercado, tem-se uma
grande virada no eixo produtivo a partir de 1997/98, quando o melão assume o lugar de
maior produtividade dentre todos os produtos de mercado mostrados, deixando para trás
produtos que eram o carro-chefe no Município na década passada e nos primeiros anos
da década de 1990, como o algodão herbáceo e principalmente a castanha de caju. O
melão se destaca de forma inequívoca com quase 40.000 toneladas produzidas no ano
de 1998, chegando à impressionante marca de 100.000 toneladas em 2002 (Ver Gráfico
57).
Gráfico 57 - Produção Agrícola de Baraúna (1993 a 2002) – Produtos de Mercado – Quantidade Produzida (T).
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)
Esses dados sobre a altíssima produção de melão a partir de 1998 refletem a
chegada e a produção de inúmeras empresas agrícolas instaladas a partir de 1993 em
Baraúna, principalmente empresas comandadas por imigrantes japoneses, que vão se
destacar como os maiores exportadores de melão do Município.
Percebe-se, assim, um aprofundamento da dependência de Baraúna em relação
ao mercado consumidor global, e com isto se intensificam as relações de verticalidades
citadas por Santos (1997, 2002a). O lugar passa a ser cada vez mais dependente da
lógica global imposta por agentes externos ao lugar.
Tal se observa quando se faz uma análise da balança comercial do Rio Grande
do Norte no ano de 2002 - final dessa série histórica. O segundo produto mais exportado
do Rio Grande do Norte vai ser o melão - com 10,8% do total das exportações -, só
perdendo para a carcinicultura (SECRETARIA DE COMERCIO EXTERIOR, 2011).
Quando se observa no mesmo ano o ranking da produção de melão nacional
pelo IBGE, nota-se o predomínio de Baraúna frente a todos os municípios do Brasil -
ficando em primeiro lugar, com mais de 104.000 toneladas -, deixando para trás o
município pioneiro na cultura e exportação de melão: Mossoró (ver Quadro 63).
Quadro 63 - Ranking dos Principais Municípios Produtores de Melão do Brasil por Quantidade Produzida (Toneladas) – 2002
Área plantada, área colhida, quantidade produzida e valor da produção da lavoura temporária - Ranking descendente
Variável = Quantidade produzida (Toneladas) Lavoura temporária = Melão
Ano = 2002 # Município
1 Baraúna - RN 104.500
Quixeré - CE 62.500 2 Mossoró - RN 62.500
4 Juazeiro - BA 18.120
5 Aracati - CE 17.600
6 Sento Sé - BA 9.000
7 Curaçá - BA 8.730
8 Upanema - RN 7.200
9 Santa Maria da Boa Vista - PE 5.400
10 Floresta - PE 4.500
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)
Em se tratando de exportações nacionais, por causa da alta produtividade dos
melões produzidos e exportados em Baraúna, o Rio Grande do Norte se mantém em
2002 - de acordo com o banco de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comercio Exterior do Brasil, intitulado Aliceweb – como o maior exportador nacional
de melão, com quase 25 milhões de reais em exportações, deixando para trás todos os
outros estados, inclusive o Ceará (Ver Gráfico 58).
Gráfico 58 - Exportação de Melões no Brasil (2002) por Estados Exportadores.
0
5.000.000
10.000.000
15.000.000
20.000.000
25.000.000
US
$
PI CE RN PE BA MG ES SP PR RS
Exportação de Melões no Brasil (2002) Estados Exportadores
US$
Fonte: AliceWeb, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil (2011) A Figura 6 mostra o destino final dos melões produzidos no País, destacando-se
como principais: o Reino Unido e a Holanda (cores mais avermelhadas na Figura) - os
maiores consumidores dessa fruta produzida na Chapada do Apodi e principalmente em
Baraúna.
Figura 6 - Fluxos de Exportações Brasileiras de Melão para o Mundo (2002)
Fonte: FAOSTAT (2011)
5.4 Anos 2000: “Novas” Políticas Públicas Federais e Produção Globalizada
Nesta parte, estudar-se-á o período relativo aos seis primeiros anos do Governo
Luís Inácio Lula da Silva (2003 a 2008) - já explicitado no item relativo às “novas”
políticas públicas federais e produção globalizada referente ao município de Ipanguaçu .
Esse período foi incluído na análise pelo fato de se ter observado em pesquisas
cartoriais mudanças relativas a políticas públicas implantadas pelo Governo Lula no
campo, as quais se mostram de forma clara em vários documentos cartoriais como
reflexo principalmente da Política do Crédito Fundiário e como reforço na criação de
inúmeros assentamentos do INCRA. Vale observar que as aspas nas novas políticas
públicas são para ressaltar exatamente o caráter de repetição de inúmeras políticas pelo
Governo Lula do antigo Governo de Fernando Henrique Cardoso.
5.4.1 ‘Novas’ Políticas Públicas e seu Impacto no Mercado Fundiário de
Baraúna
No decorrer dos anos do Governo Lula (2003 a 2008), nota-se, de forma
marcante, um aumento da interferência do Governo no mercado de terras de Baraúna
através dos programas ligados ao crédito fundiário (Programa Nacional de Crédito
Fundiário) e aos novos assentamentos do INCRA no Município.
Antes de observar o movimento de terras com uso de Associações entre 2003 e
2008, vale salientar que, em pesquisa realizada no Cartório Municipal, esse movimento,
a partir de compras dessas entidades, aparece desde o ano de 2001 em toda a série
histórica analisada, que vai de 1979 a 2008.
Analisando-se cada um dos documentos de terras, ficou claro que todas elas
foram compradas por Associações a partir de financiamento hipotecário do Programa
Nacional de Crédito Fundiário, que antes de 2003 se chamava “Banco da Terra”.
Entre os anos de 2001 e 2002, existiram sete operações envolvendo a compra de
terras por Associações no município de Baraúna. Essas operações envolveram 285
hectares de terras em 2001, na localidade de São Jorge, extremo sudeste da sede
municipal de Baraúna, divisa com Mossoró, onde estão localizados os assentamentos do
INCRA, fora do eixo das fazendas de fruticultura. Em 2002, as operações de compra de
terras por Associações envolveram 1.156 hectares distribuídos nas localidades de
Escada (633 ha), na área conhecida como Mato Alto – sudoeste da sede municipal -
onde se têm empreendimentos frutícolas: São Sebastião (107 ha) e Nogueira (417 ha).
Com base no Gráfico 59, pode-se notar o mesmo movimento de terras com uso
de Associações entre 2003 e 2008, que tem seu ápice no ano de 2003, com a compra de
quase 1.200 hectares de terras por associações a partir do Programa do Crédito
Fundiário. Nos anos de 2004, 2006 e 2007, as compras de terras foram muito pequenas -
de apenas 200 hectares - e, em 2005 e 2008, o Cartório não registrou compra a partir do
referido Programa.
Gráfico 59 - Movimento de Terras com Uso de Associações por Área (2003 a 2008) – Baraúna
0
200
400
600
800
1000
1200
2003 2004 2005 2006 2007 2008
Movimento de terras com uso de associações por área (2003 a 2008)
Área - ha
Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)
Por fim, nesse curto período, tem-se uma compra acumulada de 1.856 ha de
terras oriundas desse Programa especificamente, com 17 compras de terras nas mais
variadas localizações dentro da área municipal de Baraúna, indo desde as bem situadas
localidades de Primavera (vizinho à sede municipal) e Juremal (próximo à estrada que
liga Mossoró e Baraúna), até localidades mais afastadas, como Lagedo, a noroeste da
sede municipal.
Segundo entrevista com o engenheiro agrônomo responsável por uma
Associação que comprou terra a partir do Programa do Crédito Fundiário (antigo
“Banco da Terra”) na localidade de Primavera79 em Baraúna, o sistema do Crédito
Fundiário tem algumas fragilidades e deficiências em relação aos principais atores
envolvidos - o Governo do Estado e o Banco do Nordeste:
[...] apenas o Governo do Estado seleciona os agricultores quando o projeto ta tudo ok [...] ta selecionado essa propriedade aqui, custa tantos mil reais, vale isso mesmo, entrega o projeto ao Banco do Nordeste e pronto, o Governo do Estado desaparece, eles andaram aqui [Banco do Nordeste] algumas vezes pra saber se tinha aplicado o dinheiro direitinho também desapareceram, tem mais nada com agente não [...] se agente for atrás de qualquer empréstimo do Banco do Nordeste, é 2, 3 anos pra você cumprir com a burocracia do Banco do Nordeste, e é 500,00 pra um , 200,00 pra um, e isso pra irrigação é melhor não se meter [...] você sabe que irrigação é cara [...]
79 Entrevista realizada com o Engenheiro Agrônomo responsável por uma Associação (que comprou terra pelo Sistema do Crédito Fundiário) na localidade de Primavera, em 1/2/2011.
Além desse Programa, o Governo Federal agiu diretamente no mercado de terras
de Baraúna com desapropriações feitas pelo INCRA, em 2005, que não chegaram a
1.000 ha de terras (Gráfico 60). Essas terras se localizavam em sua maioria na
localidade de Tiradentes, ao norte do Município, longe da sede municipal e das
principais estradas.
Gráfico 60 - Movimento de Terras com Intervenção do Governo, por Área (2003 a 2008) – Ipanguaçu
0
500
1000
2003 2004 2005 2006 2007 2008
Movimento de terras por intervenção do governo - por área (2003 a 2008)
Área - ha
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)
Apesar do baixo movimento de terras por desapropriações do INCRA, no último
período, Baraúna se configura como um município que tem um grande número de
assentamentos desse Instituto (assentamentos em vermelho na área destacada de
amarelo – município de Baraúna - Figura 7). Tais assentamentos estão concentrados
principalmente no norte e nordeste do Município - na área pertencente à antiga MAÍSA,
a empresa de frutas pioneira em toda a região e que abriu processo de falência no início
do século XXI. Também existem inúmeros assentamentos do INCRA na parte sul da
área municipal. Segundo dados colhidos na EMATER de Baraúna, são 28
assentamentos, sendo que foram instalados no decorrer dos anos, com várias políticas
distintas.
Figura 7 - Assentamentos do INCRA em Baraúna (2005)
Fonte: Arcevo Fundiário, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (2011)
Segundo o representante da EMATER em Baraúna, Francisco Girolando de
Freitas80, existem dois tipos de assentamentos em Baraúna: os instalados antigamente e
os instalados recentemente. Para o representante da EMATER,
[...] a maioria desses assentamentos hoje funciona precariamente [...] eu não tenho medo de dizer porque eu tenho como provar [...] alguns, os mais velhos que eram 5 assentamentos, Caatingueira, Poço Baraúna, Escada, Rancho do Pereiro, Pico Estreito/Tiradentes [...] esses cinco assentamentos quem começou a trabalhar com eles foi a Emater e quem fundou praticamente esses assentamentos [...] esses ainda hoje vivem razoavelmente bem (grifos meus).
Sobre os assentamentos feitos recentemente, o representante da EMATER,
observa que
[...] chega INCRA, sindicato, e faz ajuntamento [...] leva esse ajuntamento para uma determinada fazenda [ ..]e la leva a maioria dos agricultores que não tem vinculo com a agricultura, a prova ta ai como é que estão [...] tem alguns desses assentamentos, desses 23, 24, novos assentamentos que estão caminhando alguns produtores, que tão caminhando por livre e espontânea vontade e livre e
80 Entrevista realizada na EMATER de Baraúna em 31 de Janeiro de 2011.
espontânea coragem [...] não é porque o INCRA chegue la e oriente (grifos meus)81.
O mesmo representante ainda discute o papel das ONGs na assistência técnica
aos assentamentos recentes. Segundo ele,
[,..] as ONGs só tão nos assentamentos quando tem dinheiro, acabou o dinheiro eles vão embora [...] é tanto que tão tudo abandonado, há uns três anos que tão completamente abandonado [...] acabou-se aquele dinheirinho do Pronaf A, C, que é o deles né, diferenciado, por conta da inadimplência que eles não pagam, os próprios assentamentos fazem o financiamento e não pagam [...] então Baraúna ta inadimplente há mais de 3 anos por conta disso, há mais de 3 anos que eles praticamente desapareceram do município de Baraúna [as ongs]. (grifos meus)82.
Um ex-representante da ONG “Visão Mundial” na região, o Engenheiro
Agrônomo Júlio Filho, também faz o mesmo tipo de observação sobre os assentamentos
que foram implantados pelo INCRA no município de Baraúna. Para ele83,
[...] os assentamentos hoje é uma favelização do meio rural, por que eu digo isso? Porque o Estado não se investiu nesses assentamentos, não tem escola de qualidade, não tem atendimento de saúde, não tem saneamento básico, a própria água não tem [...] não tem água de qualidade para beber, quando se tem é água salina que é usada mais pra irrigação, e água salina salobra que nas condições pra se produzir é mei complicado, por que que é complicado, se a água é salina e os solos são rasos, vai salinizar os solos também. Por outro lado, também tem os assentamentos que vieram [de] alguns grandes [que] produziram, o auge do melão ai, haja usando a tecnologia pesada, os defensivos, essas coisas, se tornou improdutivo, então se tornou área de assentamento. Quer dizer, se os grandes não produzia, os fazendeiros não produzia porque desgastaram a terra, fizeram mal uso da terra, eles mesmo procuravam o INCRA pra desapropriar essa terra pra ser área de reforma agrária, e ai muitos assentamentos ta ai hoje [...] em área de solos degradados [...] E ai as condições de moradia também não é lá essas coisas, muito precária, iluminação pública não tem, nas casas ainda tem mas, pública não tem, então é uma coisa que agente fica imaginando, então fica se questionando, que tipo de reforma agrária é essa tanto apregoada ai, eu mesmo que venho da base de movimento social que agente defendia a bandeira de reforma agrária, tinha uma concepção diferente dessa ai dos assentamentos que estão [...] (grifos meus).
Além do movimento da intervenção de terras pelo Governo em Baraúna, que não
tem um grande impacto no mercado de terras durante o período referido, tem-se,
observando dados sobre o número de transações de terras no Cartório Municipal, um
grande movimento de transações, principalmente nos anos de 2003 e 2004 - com mais 81 Entrevista realizada na EMATER em Baraúna, em 31 de janeiro de 2011. 82 Entrevista realizada na EMATER em Baraúna, em 31 de janeiro de 2011. 83 Entrevista realizada em Mossoró, em 31 de janeiro de 2011.
de 100 transações de terras em cada um desses anos, com a concentração de transações
nas propriedades entre 10 a 100 hectares (ver Gráfico 61). No resto da série histórica,
observa-se um pico em 2006, com quase 100 transações, e os outros anos com menos de
80 transações de terras.
Gráfico 61 - Área Transacionada por Ano e por Ha (2003 a 2008) – Baraúna
0
50
100
150
Nú
mer
o d
e tr
ansa
ções
2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano
Número de transações de terras por ano e por ha (2003 a 2008)
0 a 10 ha
10 a 100 ha
+ 100 ha
Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)
O tipo de transação de terras e a área transacionada durante esse período (2003 a
2008) remetem mais uma vez para o predomínio das transações de compra e venda e de
hipotecas - representando, durante essa série histórica, um pouco mais de 80% da área
transacionada e da quantidade de transações. Em segundo plano, com pouquíssima
representação, estão as desapropriações, arrendamentos e adjudicação (Gráfico 62).
Gráfico 62 - Tipo de Transação de Terras e Área Transacionada (2003 a 2008) – Baraúna
0%
20%
40%
60%
Adjudicação
Arrendamento
Desapropriação
Herança
Hipoteca
Permuta
Usucapião
Venda
Doação
Tipo de transação de terras e área transacionada (2003 a 2008)
QuantidadeÁrea
Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)
Já a compra e venda de terras por pessoa jurídica em Baraúna, durante esse
período, continuou forte nos primeiros anos da série histórica, principalmente nos anos
de 2003 e 2004, com mais de 1.500 hectares de negociações entre empresas - a maioria
ligada à fruticultura irrigada. A partir de 2005, começa a se ter um declínio desse
movimento, que é interrompido em 2008, com compras ligadas, na sua maioria, à
instalação de um grande grupo de cimento no Município - o Grupo Votorantim -, que
comprava terras agressivamente durante o ano de 2008 (ver Gráfico 63).
Gráfico 63 - Compra e Venda de Terras por Pessoa Jurídica em Baraúna (2003 a 2008)
0
500
1000
1500
2000
2003 2004 2005 2006 2007 2008
COMPRA E VENDA DE TERRAS POR PESSOA JURÍDICA EM BARAÚNA (2003 a 2008)
Área (ha)
Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos) A principal localidade escolhida pelas empresas para comprarem terras foi a de
Primavera, que fica vizinho (a leste) à sede municipal de Baraúna e com fácil acesso à
estrada que liga Baraúna ao Ceará. Depois, têm-se compras na localidade vizinha de
Primavera - Boa Água -, também muito próxima da sede municipal. Outras empresas
compraram terras a sudoeste de Baraúna, nas localidades de Caatingueira e Mato Alto
(com certa proximidade com a sede municipal). Outras compraram mais a oeste e
sudoeste - na divisa com o Ceará (Maxixeiro, Baixa Branca e Velame). Dentro deste
último grupo, estão as empresas mineradoras, com destaque para o Grupo Votorantim.
As demais empresas são ligadas à fruticultura irrigada (Gráfico 64).
Gráfico 64 - Compra e Venda – Empresas – por Área e Principais Localidades (2003 a 2008) – Baraúna
0100200300400500600
Baixa Branca
Boa água
Caatingueira
Lagedo do Mel
Mato Alto
Maxixeiro
Primavera
Poço Perdido
São Francisco
Sumidouro
Toca da Raposa
Três Veredas
Velame
Vereda do Anel
Compra e venda - empresas - por área e principais localidades (2003 a 2008)
Área - ha
Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)
A maior participação de empresas na compra e venda de terras no município de
Baraúna é de empresas ligadas à fruticultura irrigada, principalmente as ligadas a
empresários imigrantes japoneses - seguindo a mesma tendência da década de 1990 (ver
Quadro 64).
Com 72 transações de terras em apenas seis anos, esse período (de 2003 a 2008) fica
marcado na história fundiária de Baraúna como o período com mais transações de terras
entre empresas agropecuárias, já que o período anterior (1993 a 2002), apesar de nele
terem ocorrido 82 transações, foi um período mais extenso (10 anos).
Proporcionalmente, o de 6 anos apresenta um maior volume de transações de terras
entre empresas agropecuárias, dentre as quais, já se nota um processo de concentração
fundiária mais ligado a pessoas jurídicas, diferente do período anterior. Nesse período,
já se observa 21 transações de terras entre pessoas jurídicas, diferente do período
anterior quando existiram apenas 4 transações de terras entre pessoas jurídicas,
mostrando o avançado processo de capitalização da terra em andamento em Baraúna.
Quadro 64 - Compra e Venda de Terras das Empresas Agrícolas em Baraúna por Área e Localidade (2003 a 2008)84
84 No Quadro 64, foram colocadas em destaque (negrito) as operações de compra e venda feitas
entre as próprias empresas agrícolas. Quando a negociação de compra e venda não envolve duas empresas
Ano Empresa Situação Área (Ha)
Localidade
2003 Agro Safra Agricultura Com. Importação e Exportação Ltda
Compra 27 Altamira
2003 Agrosol Agricultura de Mossoró Venda 35 Boa Água 2003 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Compra 35 Boa Água 2003 Otani Agropecuária Ltda Compra 22 Boa Água 2003 Agropecuária Tiuma Ltda Compra 84,7 Maxixeiro 2003 Agro Safra Agricultura Com.
Importação e Exportação Ltda. Compra 17 Caatingueira
2003 Universus Agricola Comercio Importação e Exportação Ltda
Compra 99 Baraúna
2003 Curral Veterinária Ltda Venda 60 Mato Alto 2003 C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo
Exportação e Importadora Compra 60 Mato Alto
2003 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Compra 41 Sumidouro 2003 Agro Safra Agricultura Com.
Importação e Exportação Ltda. Compra 23 Catingueira
2003 Otani Agropecuária Ltda Venda 33 Boa Água 2003 Cris Frutas Ltda. Compra 33 Boa Água 2003 Otani Agropecuária Ltda Venda 4,2 Primavera 2003 Cris Frutas Ltda. Compra 4,2 Primavera 2003 Otani Agropecuária Ltda Venda 9,2 Primavera 2003 Cris Frutas Ltda. Compra 9,2 Primavera 2003 Otani Agropecuária Ltda Venda 6,9 Primavera 2003 Cris Frutas Ltda. Compra 6,9 Primavera 2003 Agropecuária Nascente Ltda Venda 78,6 Mutamba 2003 Jiam Agricola e Comercial Ltda Compra 78,6 Mutamba 2003 Cris Frutas Ltda Compra 16,1 Primavera 2003 Agrosafra Agricultura Comercio e
Importação e Exportação Ltda Compra 32 Caatingueira
2003 Agropecuária Nascente Ltda (Junichi Irikita)
Venda 51 Primavera
2003 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Compra 51 Primavera 2003 Agropecuária Nascente Ltda Venda 30 Primavera 2003 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Compra 30 Primavera 2003 Otani Agropecuária Ltda Venda 50 Fazenda Shoryu 2003 Cris Frutas Ltda Compra 50 Fazenda Shoryu 2003 Agrosol Agricultura de Mossoró Venda 47 Primavera 2003 Jiem Agricola e Comercial Ltda Compra 47 Primavera 2003 Agrosol Agricultura de Mossoró Venda 49 Primavera 2003 Jiem Agricola e Comercial Ltda Compra 49 Primavera 2003 Otani Agropecuária Venda 4,2 Primavera 2003 Cris Frutas Ltda Compra 4,2 Primavera 2003 Jiem Agricola e Comercial Ltda Venda 219,9 Mato Alto 2003 C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo
Export. e Importadora Compra 219,9 Mato Alto
2003 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Venda 80 Primavera
agrícolas, envolvendo apenas uma empresa e uma pessoa física, essa negociação não aparece em destaque.
2003 Agrosol Agricultura de Mossoró Ltda
Compra 80 Primavera
2003 Agropecuária Tiuma Ltda Compra 76 Baraúna 2003 Agropecuária Tiuma Ltda Compra 76 Baraúna 2003 Cris Frutas Ltda (Masatoshi Otani) Compra 40 Juremal 2003 Universus Agrícola Comercio
Importação e Exportação Ltda Compra 73,5 Sítio Paraguai
2003 Agropecuária Tiuma Ltda Compra 45 Maxixeiro 2003 J. M. Produção e Distribuição de
Frutas Ltda Compra 84 Currais
2004 Agro Safra Agricultura Com.
Importação e Exportação Ltda. Venda 17 Caatingueira
2004 Agro Industrial Sumidouro Ltda. Compra 17 Caatingueira 2004 Nolem Compra 71 Sítio São Romualdo 2004 Nolem Compra 71 Sítio São Romualdo 2004 Agro Safra Agricultura Com.
Importação e Exportação Ltda. Venda 23 Caatingueira
2004 Agro Industrial Sumidouro Ltda Compra 23 Caatingueira 2004 Agroindustrial Sumidouro Ltda Compra 29 Sítio Sumidouro 2004 Agrosafra – Agricultura Com.
Imp. e Exp. Ltda Venda 24 Caatingueira
2004 Agroindustrial Sumidouro Ltda Compra 24 Caatingueira 2004 Otani Agropecuária Ltda Compra 17 Boa Água 2004 Banco do Brasil Venda 58 Três Veredas 2004 Cris Frutas Ltda Compra 58 Três Veredas 2004 Cris Frutas Ltda Venda 58 Três Veredas 2004 Agro Safra Agricultura Com.
Imp. e Exp. Ltda Venda 8 Caatingueira
2004 Agroindustrial Sumidouro Ltda Compra 8 Caatingueira 2004 A. Pereira Sobrinho Veterinários Compra 20 Três Veredas 2004 W. G. Produção e Distribuição de
Frutas Ltda Compra 45 Sitio Lagedo do
Sebo 2004 M. C. Farias Agro-Brazil Compra 57 Fazenda Eldorado 2004 Cris Frutas Ltda Compra 461 Novo Horizonte 2005 Otani Agropecuária Ltda. Compra 495 Poço Perdido 2005 Ctm – Agricola Ltda Compra 21,5 São Francisco ou
Baraúna 2005 E. W. Empreendimentos Agrícola
Ltda. (Otani) Compra 50 Aracaju
2005 E. W. Empreendimentos Agrícola Ltda.
Compra 60 Veneza
2005 Laserdan Agricola Comercial Importadora e Exportadora Ltda
Compra 25 Baixa do Angico
2005 W. G. Produção e Distribuição de Frutas Ltda.
Compra 35,2 Baraúna
2005 E. W. Empreendimento Agrícola Ltda
Compra 39 Sitio Coração
2005 Jiem Agricola e Comercial Ltda Compra 164 Buracos 2006 Tema – Tecnologia Em Máquinas e
Agricultura Comercio e Representações Ltda
Compra 86 Catingueira I
2006 Frutas Novo Horizonte Ltda Compra 45,4 Primavera/Novo Horizonte IV
2006 Jiem Agrícola Comercial Ltda Compra 38,7 Sítio Buracos 2006 Laserdan Agrícola Comercial
Importação e Exportação Ltda Compra 0,5 Catingueira
2006 Brazil Melon Produção Exportação e Importação Ltda.
Compra 49 Sítio Campestre
2006 Brazil Melon Produção Exportação e Importação Ltda
Compra 14,8 Sítio Campestre
2006 Frutas Novo Horizonte Ltda Compra 39 Mata Burro/Baixa da Aroeira/Fazenda São José
2006 Petroforte Ltda Factoring Venda 307 Poço Perdido 2006 Frutas Novo Horizonte Ltda Compra 22,5 Primavera 2006 Tema – Tecnologia Máquinas e
Agricultura Comercio e Representações Ltda.
Compra 31 Primavera ou Catingueira
2006 Frutas Novo Horizonte Ltda Compra 23 Toca da Raposa ou Novo Horizonte I
2007 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Compra 23,4 Primavera 2007 Jiem Agrícola e Comercial Ltda Compra 23,5 Primavera 2007 Frutas Novo Horizonte Ltda Compra 45,5 Primavera ou Novo
Horizonte V 2007 Agrosol Agricultura de Mossoró
Ltda Compra 21,6 Lagoa dos Alves
2008 Mata Fresca Ltda
Compra 57,2 São Luís
2008 Agro Safra Agricultura Com Imp. e Exp. Ltda
Venda 167 Santa Lígia
2008 Agroindustrial Sumidouro Ltda Venda 8 Caatingueira 2008 Agroindustrial Sumidouro Ltda Venda 24 Caatingueira 2008 Agrosafra Agricultura Comercio
e Importação e Exportação Ltda Venda 32 Caatingueira
2008 Agristar do Brasil Ltda Compra 32 Caatingueira Fonte: Cartório Único de Baraúna
Ao se observar detidamente o Quadro 64, nota-se a entrada de algumas empresas
agrícolas novas no Município, como a Universus Agricola Comercio Importação e
Exportação Ltda, Nolem (considerada uma das maiores exportadoras de melão do País
essa empresa, com áreas de plantação em torno de 8.000 hectares em vários municípios
no Rio Grande do Norte e no Ceará, tem sua sede em Mossoró), a Agroindustrial
Sumidouro Ltda (empresa de Mossoró), e a Brazil Melon Produção Exportação e
Importação Ltda, W. G. Produção e Distribuição de Frutas Ltda (empresa sediada em
Mossoró) (NOLEM, 2011).
Mas, observando-se o quantitativo das transações durante esse período, nota-se
mais uma vez a predominância dos imigrantes japoneses nas transações de terras.
Responsáveis por 31 das transações durante esse período, os imigrantes japoneses
continuam a ter cerca de 45% de todas as transações de terras envolvendo empresas
agrícolas no Município.
Em seguida, observar-se-á, durante esse novo período, a evolução fundiária dos
principais grupos japoneses em Baraúna.
História das Terras dos Empresários Japoneses em Baraúna II
Nesse período estudado, observa-se que a história das terras dos japoneses no
município de Baraúna ganha novos contornos com a mudança de perfil dos envolvidos
no processo de compra e venda. Diferentemente da década de 1990, quando a quase
totalidade dos vendedores eram pessoas físicas, na década de 2000 o perfil muda e a
maioria dos vendedores de terras para os japoneses são pessoas jurídicas (ver Quadros
65, 66, 67).
Nessa nova década se consolidam de forma clara três grupos japoneses. O
primeiro é o do Masatoshi Otani, que agora ganha uma nova empresa, a E. W.
Empreendimentos Agrícola Ltda, dirigida por seu parente Alberto Eiji Otani. As
compras dessa empresa estão indicadas no Quadro com a sigla EW em parênteses (ver
Quadro 65).
Parte das recentes compras do grupo de Masatoshi Otani se fixa na área
tradicional de produção do grupo (perto da sede municipal), qual seja: Boa Água,
Primavera, Shoryu e Juremal. A maioria dessas compras é de empresas do próprio
grupo, que passam da Otani Agropecuária para a Cris Frutas, ou do próprio dono
Masatoshi, que vende terras para sua própria empresa (ver Quadro 65).
Outra parte das compras do grupo de Masatoshi é direcionada para terras ao sul
da sede municipal - muitas vezes em terras contínuas às terras adquiridas na Boa Água e
Primavera, chegando até a área de assentamentos, que fica no sul do município. São
principalmente as terras adquiridas na localidade de Veneza, Poço Perdido e Novo
Horizonte. Essas novas terras mais ao sul são todas adquiridas de pessoas físicas e
demonstram o processo de expansão do grupo (ver Quadro 65).
Vale observar, principalmente nas terras adquiridas na mesma localidade, a
variação dos preços, que pode ir de 238,00 o hectare até 714,28 reais, no mesmo ano na
localidade de Primavera, e os baixos preços pagos por hectare nas localidades
compradas pela E. W. Empreendimentos Agrícola Ltda nas localidades mais ao sul do
município de Baraúna (ver Quadro 65).
Quadro 65 - Compra de Terras pelas Empresas de Masatoshi Otani e Alberto Eiji Otani – Cris Frutas, Otani Agropecuária e E. W. Empreendimentos Agrícola Ltda - em Baraúna (entre 2003 a 2008) Ano Vendedor Pessoa
Física Pessoa Jurídica
Área (ha)
Localidade Valor por hectare (em reais)
2003 Guimarães Simão da Silva
X 22 Boa Água 250,00
2003 Otani Agropecuária Ltda
X 33 Boa Água 151,51
2003 Otani Agropecuária Ltda
X 4,2 Primavera 238,00
2003 Otani Agropecuária Ltda
X 9,2 Primavera 434,78
2003 Otani Agropecuária Ltda
X 6,9 Primavera 434,78
2003 Masatoshi Otani X 16,1 Primavera 248,44 2003 Otani Agropecuária
Ltda X 50 Fazenda
Shoryu 280,00
2003 Otani Agropecuária X 4,2 Primavera 714,28 2003 José Paulo de
Oliveira X 40 Juremal 300,00
2004 Geraldo José de Araujo
X 17 Boa Água 235,29
2004 Banco do Brasil X 58 Três Veredas 224,13 2004 Miguel Mendes X 461 Novo
Horizonte 65,07
2005 Francisco Aires Sobrinho
X 495 Poço Perdido -
2005 Pedro Bispo de Meneses (EW)
X 50 Aracajú 110,00
2005 Antonio Aires Queiroz (EW)
X 60 Veneza 200,00
2005 José Alves Ferreira (EW)
X 39 Coração 115,38
Fonte: Cartório Único de Baraúna
O segundo grupo japonês envolvido no mercado de terras de Baraúna é o
chefiado por Junichi Irikita –Agropecuária Nascente e Jiem Agrícola e Comercial Ltda.
Esse grupo, durante o referido período recente, exerce uma prática similar ao do grupo
de Otani: vende terras de uma propriedade sua (a Agropecuária Nascente) para outra
propriedade do próprio grupo ( a Jiem Agrícola), além de comprar terras da empresa
Agrosol Agricultura, de Mossoró.
É interessante notar que, em todas as terras vendidas pela Agrosol para a Jiem
Agrícola, os preços foram menores que os comprados por aquela empresa cinco anos
antes. Exemplos: A terra de 47 hectares que a Agrosol vendeu em 2003 para a Jiem
Agrícola custou 9.280,00 reais, embora a tenha comprado, em 1998, por 11.000,00
reais. Coisa semelhante aconteceu na terra de 49 hectares vendida pela mesma empresa
em 2003 para a Jiem a 10.000,00 reais, Quando, em 1998, havia-a comprado por
13.000,00.
Pode-se pensar em subvalorização em uma região com intensas compras e
valorização de terras? Muito complicado. Mas, sempre se tem a possibilidade de recuar
nos preços declarados no Cartório para pagar menos taxas e impostos (Ver Quadro 66).
Outro ponto relevante com relação à operação de terras por esse grupo é a
compra de terras contínuas para expandir sua área de produção, assim como ocorre com
o grupo de Otani. As áreas de Primavera, Boa Água e agora as recém-adquiridas terras
na localidade de Buracos (indo em direção ao sudeste de Baraúna) em 2005 e 2006 são
todas áreas contíguas.
Quadro 66 - Compra de Terras pelas Empresas de Junichi Irikita –Agropecuária Nascente e Jiem Agrícola e Comercial Ltda - em Baraúna (entre 2003 e 2008) Ano Vendedor Pessoa
Física Pessoa Jurídica
Área (ha)
Localidade Valor por hectare (em reais)
2003 Agrosol Agricultura de Mossoró
X 35 Boa Água 100,00
2003 Ruth Naoko Irikita X 41 Sumidouro 85,36 2003 Agropecuária
Nascente Ltda X 78,6 Mutamba 152,67
2003 Agropecuária Nascente Ltda
X 51 Primavera 231,37
2003 Agropecuária Nascente Ltda
X 30 Primavera 266,66
2003 Agrosol Agricultura de Mossoró
X 47 Primavera 197,44
2003 Agrosol Agricultura de Mossoró
X 49 Primavera 204,08
2005 Manoel Rodrigues Filho
X 164 Buracos 182,92
2006 Cosme Dantas de Lima
X 38,7 Buracos 300,00
2007 Geraldo José de Araújo
X 23,4 Primavera 512,82
2007 Adonias de Sá Cavalcante
X 23,5 Primavera 510,63
Fonte: Cartório Único de Baraúna
Por fim, tem-se o terceiro grupo de japoneses, chefiadas pela empresa C. Y.
Matsumoto Agrop. Modelo, que comprou poucas terras durante esse período - 100%
delas de pessoas jurídicas, a saber: Curral Veterinária e Jiem Agrícola Comercial,
reforçando sua presença no oeste e sudoeste de Baraúna, na localidade de Mato Alto
(ver Quadro 67).
Quadro 67 - Compra de Terras pela Empresa C. Y. Matsumoto Agrop. Modelo em Baraúna (entre 2003 e 2008) Ano Vendedor Pessoa
Física Pessoa Jurídica
Área (ha)
Localidade Valor por hectare (em reais)
2003 Curral Veterinária Ltda
X 60 Mato Alto 405,33
2003 Jiem Agrícola e Comercial Ltda
X 219,9 Mato Alto 350,00
Fonte: Cartório Único de Baraúna
Um fato interessante a se notar com as últimas aquisições de terras é a
organização espacial da maioria dos grupos japoneses. Cris Frutas, Jiem Agrícola e
Otani Agropecuária são vizinhos de fazendas, tendo suas terras e a sede de suas
principais fazendas em uma proximidade impressionante (ver foto 6).
Foto 6 - Fazendas dos japoneses em Baraúna (2009)
Fonte: Google Earth (2011). 5.4.2 Impactos das ‘Novas’ Políticas Públicas nas Relações de Trabalho e nas Estatísticas do Trabalho Assalariado
Durante os anos de 2003 a 2008 tem-se um decréscimo da importância da
Agropecuária na geração de empregos assalariados municipais, mas, mesmo assim, esta
ainda continua a gerar a maior parte dos empregos com carteira assinada do Município.
De acordo com o Quadro 68, observa-se que, durante todo o período
pesquisado, essa atividade representou uma média superior a 60% dos empregos de
carteira assalariada em Baraúna, passando longe de todas as outras atividades
econômicas e também da Administração Pública - segundo maior setor gerador de
empregos assalariados municipais -, que teve uma média de geração de empregos
oscilando na faixa de 500 a 600 durante todo o período analisado, enquanto a geração
Otani Agropecuária
Jiem Agrícola
Cris Frutas
Cidade de Baraúna
do Setor Agropecuário ficou entre 1.500 e 2.100 empregos gerados com carteira
assinada.
Quadro 68 - Baraúna: Vínculos Ativos por Setor de Atividade econômica (2003-2008) Setor 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Extração Mineral 0 0 0 3 4 4 Ind. Transformação
9 12 23 56 79 62
Serv. Indústria 3 3 3 3 3 3 Construção Civil 1 1 2 7 0 2 Comércio 101 90 141 234 230 212 Serviços 38 68 45 102 79 83 Adm. Pública 516 515 536 605 594 564 Agropecuária 2125 1936 1494 1645 1902 1526 Outros/Ignorado 0 0 0 0 0 0 Total 2793 2625 2244 2655 2891 2456 Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho e Emprego (2011)
Com relação ao perfil ocupacional desses empregos, a maioria são trabalhadores
agrícolas da fruticultura irrigada (ver Quadro 69) - cerca de 2/3 de todos os
trabalhadores agrícolas com carteira assinada, com salários muito próximos ao salário
mínimo e remuneração média de 1,28 salários mínimos. Mas as empresas de
fruticultura, além de empregarem trabalhadores desse setor, também empregam outros
trabalhadores que dão suporte ao trabalho com frutas, como técnicos agrícolas,
trabalhadores de apoio à agricultura, trabalhadores da mecanização agrícola, como
descritos no Quadro 69. Quanto maior for a qualificação e a complexidade do trabalho,
maior vai ser a renda auferida pelo trabalhador, como se observa com os trabalhadores
ligados à mecanização e os técnicos agrícolas.
Quadro 69 - Perfil Ocupacional dos Trabalhadores Agropecuários de Baraúna (2008) Perfil Ocupacional Número de
trabalhadores Remuneração média em Salários Mínimos/Dezembro
Técnicos Agrícolas 8 4 Trabalhadores Agropecuários em geral
360 1,27
Trabalhadores de apoio à agricultura
12 1,20
Trabalhadores agrícolas na fruticultura
1019 1,28
Trabalhadores na pecuária de animais de grande porte
0 0
Trabalhadores da mecanização agrícola
65 1,70
Trabalhadores da irrigação e 0 0
drenagem Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho e Emprego (2011) Assim como a multinacional Del Monte Fresh Produce, as empresas de frutas de
Baraúna têm parking houses e empregam inúmeros trabalhadores em câmaras frias,
setor de embalagem, carga e descarga, cozinheiras, vigias, contadores, engenheiros
agrônomos, dentre outras profissões de suporte a essa atividade econômica.
Com esses dados, nota-se que a fruticultura que ocorre em Baraúna tem uma
característica forte de assalariamento com carteira assinada por tempo determinado,
devido o melão ser uma cultura temporária - geralmente os empregados trabalham de
junho a janeiro ou fevereiro (época da safra) e há empresas que aproveitam alguns
empregados para a época da safrinha de milho (de março a maio).
Ocorre de forma minoritária no Município o processo de terceirização,
utilizando-se de pequenos proprietários. Esse processo, segundo o representante da
EMATER, Francisco Girolando de Freitas, é desenvolvido por um engenheiro
agrônomo chamado
[...] Wilson Galdino da ESAM [nome antigo da UFERSA] [...] ele faz uma rede de terceirização com o pequeno, pra ele exportar como agricultura familiar [...] ele chega pra você que é pequeno diz , bom, eu garanto a sua produção, eu compro a sua produção de mamão e lhe ajudo, lhe forneço semente, lhe forneço adubo, lhe forneço alguma coisa, ele da algum subsidio pra a produção ser minha, eu quero a produção assim assim assim, aceita aceito, ele é um ancora, que faz a exportação em nome de vários pequenos produtores rurais e exporta como agricultura familiar [...]ele terceirizou dentro do município [...]85
Assim como em Ipanguaçu, muitos assentados do INCRA trabalham nas
empresas de fruticultura irrigada. Segundo Francisco Girolando de Freitas
[...] você chega aqui em assentamento, tipo aqui o Rancho de Pereiro, tipo aqui o PA [Projeto de Assentamento] Vitoria, ali os da MAÍSA, eles trabalham muito fora [para as firmas-empresas agrícolas], porque não tem nada, só tem sequeiro e produzindo muito pouco [...]86 (grifos meus).
Indo na mesma direção do representante da EMATER, o Agrônomo Júlio Filho
(ex-representante regional da ONG “Visão Mundial”) observa que
[...] varias pessoas, assentados trabalham nesses projetos [...] como assalariados nesses projetos [empresas agrícolas] isso porque falta infra-estrutura, de um credito, da política agrícola, [...] então, os agricultores familiares não tem condições de ta produzindo nos seus próprios lotes ,dentro dos próprios assentamentos, então vão trabalhar nesses projetos, nesses grandes projetos [...] (grifos meus).
85 Entrevista concedida na EMATER de Baraúna, em 31 de janeiro de 2011. 86 Entrevista concedida na EMATER de Baraúna, em 31 de janeiro de 2011.
Por fim, em entrevista com um dos diretores do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Baraúna, que também mora e representa o assentamento de Caatingueira em
Baraúna, o senhor Manoel Paulino da Silva87, tem-se mais uma confirmação dessa
realidade que está presente, principalmente, nos assentamentos com menos infra-
estrutura e crédito agrícola. Perguntado se alguém no assentamento que ele representava
trabalhava em alguma empresa de fruticultura irrigada, ele assim se expressou: “[...] os
filhos dos posseiros sim [...] vão de moto mesmo [sem transporte cedido pela
empresa] [...] trabalham mais em Wilson Galdino [empresa de Wilson Galdino – no
Sumidouro] [...] WG [nome da empresa]” (grifos meus).
Um dos principais problemas trabalhistas no Município é citado pelo sindicalista
Manoel Paulino da Silva: a falta de transporte para os trabalhadores até a chegada à
fazenda (local de trabalho). Muitos trabalhadores, do município e dos assentamentos,
têm que se deslocar de bicicleta, a pé ou de moto até o local de trabalho sem nenhuma
ajuda da parte da maioria dos empresários de frutas, que burlam a lei 10.243/01,
referente ao tempo de transporte e ao pagamento de horas intineres, segundo Krein e
Stravinsky (2008, p.383):
O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, passou a não ser mais computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução (grifos meus).
As fazendas de frutas são locais de difícil acesso e não são servidas por
transporte público, sendo necessária a ajuda do empregador. A maioria não ajuda e
burla não só o auxílio-transporte, mas também a contagem do tempo de serviço a partir
da entrada no referido transporte - a chamada hora intinere.
O mesmo se dá com o auxílio-alimentação, que não é pago por nenhuma
empresa - pelo que foi observado em pesquisa de campo nas entrevistas com
trabalhadores, ex-trabalhadores, sindicalistas e assentados.
5.4.3 Impactos das ‘Novas’ Políticas Públicas na Produção Agrícola de Baraúna
87 Entrevista concedida no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Baraúna, em 31 de janeiro de 2011.
Observando a produção agrícola recente de Baraúna, de produtos tradicionais,
geralmente plantados pela agricultura familiar, nota-se que a área colhida tendeu a ficar
muito irregular durante toda a série histórica de 2003 a 2008 (ver Gráfico 65).
O feijão teve uma média de área colhida de 1.000 ha com subidas e descidas no
decorrer dos anos, terminando praticamente como começou a série histórica. Já o milho
oscilou muito mais, devido também à sua plantação nas fazendas de fruticultura irrigada
como safrinha entre os meses de fevereiro e maio, fazendo com que, em alguns anos, se
tivesse uma grande área colhida - como no ano de 2006, em que se colheu quase 8.000
hectares – o que não se manteve, pois encerrou a série histórica um pouco abaixo dos
3.000 hectares. Quanto à mandioca, esta teve uma área plantada muito tímida em 2005 e
2006, desaparecendo no resto da série histórica.
Gráfico 65 - Produção Agrícola de Baraúna (2003 a 2008) – Produtos Tradicionais – Área Colhida (HA)
010002000300040005000600070008000
ÁR
EA
(H
A)
2003 2004 2005 2006 2007 2008
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (2003 A 2008) ÁREA COLHIDA (HA) - PRODUTOS TRADICIONAIS
Feijão
Mandioca
Milho
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)
A produção agrícola de Baraúna voltada para os produtos de mercado começa a
série histórica (de 2003 a 2008) com o predomínio da exportação de grande parte da
área plantada de melão, embora, nos últimos dois anos da referida série histórica, se
note uma queda significativa nessa área, passando de uma média de 3.000 hectares/ano
para cerca de 1.000 hectares. Todavia, mesmo com essa queda significativa, o melão
continuou sendo o produto de mercado com mais área plantada, seguido de perto pelo
mamão, cultura perene, que foi escolhido por muitos agricultores e empresas para
substituir o melão, diante dos seus baixos preços no mercado interno e dos altos custos
de sua produção (ver Gráfico 66).
Já o algodão herbáceo segue uma curva descendente constante, indo de 1.500
hectares em 2003 para menos de 1.000 hectares em 2008. A castanha de caju, por sua
vez, se mantém sempre abaixo dos 500 hectares plantados, muito longe dos records de
área plantada conseguidos durante a década de 1980.
Gráfico 66 - Produção Agrícola de Baraúna (2003 a 2008) – Produtos de Mercado – Área Colhida (HA)
0500
1000150020002500300035004000
ÁR
EA
(H
A)
2003 2004 2005 2006 2007 2008
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (2003 A 2008) ÁREA COLHIDA (HA) - PRODUTOS DE MERCADO
Algodão Herbáceo
Castanha de Caju
Melão
Mamão
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011) Já a quantidade produzida de produtos tradicionais se mantém a taxas muito
baixas no decorrer da série histórica analisada, só se destacando em alguns anos a
produção de milho, que atinge em 2006 mais de 6.000 toneladas produzidas. O feijão
sempre se mantém abaixo de 1.000 toneladas produzidas e a mandioca tem uma
produção insignificante (ver Gráfico 67).
Gráfico 67 - Produção Agrícola de Baraúna (de 2003 a 2008) – Produtos Tradicionais – Quantidade Produzida (T)
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
7000
QU
AN
TID
AD
E (
T)
2003 2004 2005 2006 2007 2008
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (2003 A 2008) QUANTIDADE PRODUZIDA (T) - PRODUTOS TRADICIONAIS
Feijão
Mandioca
Milho
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)
Quando se compara a quantidade produzida de produtos de mercado com a
produção tradicional, tem-se uma diferença gigantesca. Mesmo o melão com uma queda
substancial nessa série histórica recente - passando de uma média de 90.000 toneladas
para cerca de 30.000 toneladas -, sua produção ainda é muito maior que o maior pico de
produção do milho, que foi de pouco mais de 6.000 toneladas (ver Gráficos 67 e 68).
Gráfico 68 - Produção Agrícola de Baraúna (2003 a 2008) – Produtos de Mercado – Quantidade Produzida (T)
0
20000
40000
60000
80000
100000
120000
QU
AN
TID
AD
E (
T)
2003 2004 2005 2006 2007 2008
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (2003 A 2008) QUANTIDADE PRODUZIDA (T) - PRODUTOS DE MERCADO
Algodão Herbáceo
Castanha de Caju
Melão
Mamão
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)
Observa-se também o grande destaque para a produção de mamão, que dispara
de quantidades insignificantes até o ano de 2006 para a maior quantidade produzida em
2008 - quase 80.000 toneladas -, um impressionante salto, só justificado pela decepção
com as rendas da principal mercadoria agrícola municipal: o melão.
Procurando-se saber os motivos que levaram a uma mudança para o mamão,
encontrou-se o alto custo da produção do melão como um dos principais motivos.
Francisco Girolando de Freitas, responsável pela EMATER de Baraúna, observa que
[...] o melão quem planta é o grande, o pequeno saiu do melão, custo de produção muito alto e vender barato, ele não tinha contrato pra vender. Porque o plantador de melão daqui primeiro vende a área que vai plantar para poder plantar, ele vai , você compra ai vai fazer contrato, contrato assinado, registrado em cartório [...] se o cara quebrar ele bota na justiça [...] vende para poder plantar [...] os grandes, poucos médios [...]88
88 Entrevista concedida na EMATER de Baraúna, em 31/1/2011.
Observa-se também nesse depoimento de Girolando que os grandes produtores
que vendem a produção para o mercado externo conseguem vendê-la antes de plantar,
com contrato assinado em cartório, gerando assim uma garantia de preço e de compra, o
que não ocorre com os pequenos produtores que abastecem o mercado interno.
Do mesmo jeito, pensam os vizinhos dos japoneses na localidade Boa Água.
Segundo uma vizinha que mora há 19 anos naquela localidade, trabalhando na
agricultura:
[...] nós não temos condições de plantar melão [...] o pequeno plantar melão não conheço nenhum que tenha ido a frente [...] porque pra você vender no mercado interno ele não tem preço, ele só tem preço para o externo, então, só os grandes que têm como exportar, o pequeno não tem, o pequeno geralmente fica no feijão, no milho, na melancia, essa cultura mais barata [...]89
Mas essa queda que atinge o melão nas estatísticas sobre a produção agrícola de
Baraúna não atinge de fato todos os que produzem. De acordo com a Engenheira da
empresa Cris Frutas do imigrante japonês Masatoshi Otani, não houve redução da área
plantada nos últimos anos.
[...] não, a gente aqui sempre trabalhou sempre nessa mesma quantidade, na mesma área plantada, a gente tem conseguido fidelizar os contratos [...] internacionais [...] a gente trabalha também com o mercado nacional Também, mas a base é a exportação, a gente trabalha no mercado nacional indo pra São Paulo, mas geralmente ou no início e no fim da safra, as primeiras áreas que planta em junho e julho vai pro mercado interno e as últimas, agora [fevereiro] vão pro mercado interno também [...]
A explicação então para a queda da produção vem dos produtores que vendem
no mercado interno e são vítimas dos atravessadores. Por todos os lados existem
depoimentos neste sentido.
O Engenheiro Agrícola responsável por uma Associação que planta cebola em
Baraúna faz uma síntese do que aconteceu em 2010 e do que geralmente acontece com
quem produz para o mercado interno e depende de atravessadores, como muitos dos
pequenos e médios produtores.
[...] esse ano nos tivemos prejuízo grande aqui em Baraúna, eu estimo que perdeu-se 4 milhões de reais ai, porque jogamos a cebola toda fora [...] aqui dentro [do assentamento] uns perderam 200.000,00 outros 500,000,00 [...] [...] nós plantamos, produzimos bem e não teve preço e nem teve venda [...] [Tava quanto a saca de 20kg de cebola em 2009?] tava de 25,00. [E esse ano?] [...] 3,00, não compensava nem colher, tem uma
89 Entrevista concedida em residência na localidade de Boa Água, zona rural de Baraúna, em 1/2/2011.
área ali que vou já passar o trator por cima, que não compensa colher [E custo de produção por saco de 20kg?] 8,00 [...] [...] aqui [em Baraúna] todo mundo perdeu muito esse ano, o melão, o mamão, o mamão o chão ficou amarelo aqui porque não tinha a quem vender, porque tinha demais e banana do mesmo jeito, muita banana no mato ai, muita banana jogada no mato [...]90
Mesmo com queda da produção, a do melão de Baraúna para a exportação
continua se destacando, no âmbito do Estado como uma das maiores exportadoras dessa
fruta em valor, segundo dados da SECEX.
As maiores empresas em exportações entre 1 milhão e 10 milhões de dólares em
2008, em Baraúna, são: C. Y. Matsumoto, Cris Frutas e Jiem Agrícola, todas
pertencentes a imigrantes japoneses (SECRETARIA DE COMÉRCIO EXTERIOR,
2011).
Como se observa no quadro abaixo (ver Quadro 70), Baraúna ainda está entre os
principais municípios produtores de melão do País, apesar da queda da produção nos
últimos anos.
Quadro 70 - Ranking nacional de Produção de Melão por Quantidade Produzida por Município (2008)
Área plantada, área colhida, quantidade produzida e valor da produção da lavoura temporária - Ranking descendente
Variável = Quantidade produzida (Toneladas) Lavoura temporária = Melão
Ano = 2008 # Município
1 Quixeré - CE 78.000 2 Mossoró - RN 56.000 3 Icapuí - CE 45.000
Aracati - CE 30.000 4 Baraúna - RN 30.000
6 Juazeiro - BA 10.440 7 Russas - CE 10.400 8 Floresta - PE 10.000 9 Parazinho - RN 4.400 10 Limoeiro do Norte - CE 4.375 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011)
De acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (2011), Baraúna em
2008 participou de forma ativa das exportações brasileiras, tendo como o seu principal
produto de exportação o melão - com mais de 10 milhões de dólares, o que representou
90 Entrevista concedida na Associação de Cebolas, localidade de Primavera, zona rural de Baraúna, em 1/2/2011.
84,3% das exportações municipais, ficando em segundo lugar a melancia, com 11,5%, e
o mamão, com 3,7%.
Mostra-se, a partir dessas informações, o nível de importância que o melão
continua tendo para o comércio exterior de Baraúna.
Com isto se observa que o estado do Rio Grande do Norte, mesmo com a
diminuição da produção de melão de Baraúna, ainda se mantém como o segundo maior
exportador dessa fruta do Brasil - ficando com mais de 40% de todas as exportações do
País (ver Gráfico 69).
Gráfico 69 - Exportação de Melão no Brasil (2008) por Estados Exportadores.
0
20.000.000
40.000.000
60.000.000
80.000.000
100.000.000
US
$
AP PI CE RN PB PE BA ES SP PR GO
Exportação de Melões no Brasil (2008) Estados Exportadores
US$
Fonte: AliceWeb, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comercio Exterior do Brasil (2011)
Essas exportações seguem principalmente para os mercados europeus, mais
destacamente o Reino Unido e a Holanda, como os maiores consumidores do melão do
Rio Grande do Norte e do Ceará, produzidos quase que exclusivamente na área da
Chapada do Apodi (Ver Figura 8).
Figura 8 - Fluxos de Exportações Brasileiras de Melão para o Mundo (2008)
Fonte: FAOSTAT (2011)
No próximo Capítulo se consolidará uma análise comparativa entre esses dois
municípios exportadores de frutas, que seguem aparentemente dois modelos
diferenciados: um através de uma Multinacional e o outro através de médios produtores
“locais”.
6 ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE IPANGUAÇU E BARAÚNA
Nesta parte da pesquisa, busca-se fazer uma análise comparativa condensada
entre os dois municípios estudados. A referida análise se deterá em três aspectos (já
analisados nos capítulos anteriores, só que de forma isolada em cada município): a
estrutura fundiária, a partir de dados dos cartórios municipais, entre 1979 e 2008;
estatísticas do trabalho, a partir do banco de dados da RAIS, entre 1985 e 2008,
Ministério do Trabalho e Emprego; relações de trabalho, a partir de entrevistas com
trabalhadores das empresas agrícolas e atores sociais; eixo produtivo, a partir de
estatísticas da produção agrícola municipal fornecidas pelo IBGE, entre 1979 e 2008
(no caso de Ipanguaçu) e 1984 e 2008 (no caso de Baraúna, pela falta de estatísticas
anteriores).
6.1 Análise da Estrutura Fundiária
6.1.1 Transações de Terras por Ano e Hectare
Com relação à estrutura fundiária, tem-se, de maneira clara, uma situação de
diferenças entre os dados encontrados nos Cartórios de Ipanguaçu e Baraúna, devido, na
maioria das vezes, ao processo histórico de formação do mercado de terras e das
intervenções do Governo no mercado de terras da região, seja de forma direta, seja de
forma indireta.
O primeiro dado a se comparar entre os dois Municípios é o movimento do
Cartório através do número de transações de terra por ano e por estrato de terra, seja ela
abaixo de 10 hectares, entre 10 e 100 hectares, seja acima de 100 hectares. Vale lembrar
que esse número é baseado em dados brutos, representando os números reais de
transações cartoriais.
Em Ipanguaçu, foi a partir de 1980, principalmente com o início da construção
da Barragem, que passou a ocorrer um aumento no número de transações de terras,
principalmente naquelas propriedades entre 10 e 100 ha. Entre 1980 e 1987, esse tipo de
propriedade chegou a ter um aumento de negociação da ordem de aproximadamente
100% (Gráfico 70).
Entre 1986 e 1987, tem-se uma nova alta no número de transações de
propriedades entre 10 e 100 ha e as que têm mais de 100 ha, devido à entrada, no
Município, da empresa FINOBRASA, que comprou grande quantidade de terras.
A partir de 1988 até 1992, nota-se uma queda dessas transações em todos os
tipos de propriedade, o que vai refletir o processo de decadência de muitas empresas
que se estabeleceram em Ipanguaçu.
Gráfico 70 - Número de Transações de Terra por Ano e Ha (1979 a 2008).
0
10
20
30
40
50
60
70
Nú
mer
o d
e tr
ansa
ções
1979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
2007
Ano
Número de transações de terra por ano e ha (1979 a 2008) Ipanguaçu
0 a 10 ha
10 a 100 ha
+ 100 ha
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)
O período que se inicia em 1993 e que vai até 2002 vai ser marcado, no que diz
respeito ao número de transações de terra, por uma tendência intensiva a uma
diminuição (ver Gráfico 70), que está claramente associada ao alto grau de concentração
da terra, intensificada, na década de 1980, nas mãos de poucos, com a vinda das
empresas agrícolas. Isto ocasionou esse baixo movimento de transações de terra durante
a década de 1990 e o início do século XXI.
Com a intensificação da compra de terras pela Del Monte Fresh Produce, a
partir de 1998, o quadro do número de transações de terras tende a ficar cada vez mais
insignificante.
A partir de 1998, tem-se uma intensificação da queda no número de transações
de terras, principalmente nas pequenas propriedades abaixo de 10 hectares, que
praticamente não são mais transacionadas a partir desse ano. Isto reflete também o
caráter da compra de terras que a Multinacional Del Monte Fresh Produce vai
empreender no Município - uma compra, em sua maioria, de empresas que já têm
muitos hectares de terras e que, portanto, não altera significativamente o movimento de
transações de terras no Cartório, já que as terras estão concentradas nas mãos de poucos
e não se precisa recorrer a inúmeras transações com várias pessoas físicas para se
constituir um grande patrimônio fundiário.
Já no período compreendido entre 2003 e 2008, tem-se uma reativação no
movimento de terras no Cartório de Ipanguaçu. Como se observa no Gráfico 70, de área
transacionada por ano e por hectare, no período de 2003 a 2008 observou-se
principalmente nos anos de 2004, 2006 e 2007 um movimento considerável de
transações cartoriais, concentrado principalmente nos anos de 2006 e 2007 em negócios
envolvendo todas as faixas de terras, tendo destaque as pequenas propriedades de 0 a 10
hectares. Esse período foi o mesmo em que ocorreram as maiores compras de terras por
Associações do Programa do Crédito Fundiário (Ver Capítulo 1). Pode-se afirmar que
estas compraram mais pequenas e médias terras com base nesses dados.
É importante notar também que, durante esse período, vão se destacar, dentre as
transações de terras, as compras e as hipotecas com volumes sempre elevados,
transparecendo o caráter mercantil que a terra ganha em Ipanguaçu desde a construção
da Barragem de Açu.
Em Baraúna, percebe-se um perfil diferente de Ipanguaçu, sempre com grande
número de transações de terras em toda a série histórica, principalmente após a
emancipação política em 1981, passando por picos em 1983, 1986, 1993, 1997, 2003,
mas sempre mantendo uma média de transações anuais superiores a 50 por ano,
diferentemente, portanto, de Ipanguaçu, que teve o numero de transações comprometido
pela concentração das terras, principalmente terras de várzea, nas mãos de empresas
agrícolas, notadamente a partir da década de 1990, pela influência da multinacional Del
Monte Fresh Produce. Ipanguaçu só experimenta um movimento de crescimento no
número de transação de terras nos últimos anos devido principalmente ao Programa de
Crédito Fundiário (Ver Capítulo 1).
No decorrer da década de 1980, já com dados da pesquisa do Cartório Único
Judiciário de Baraúna, nota-se, principalmente a partir da emancipação política em
1981, um aumento no número de transações de terras. Esse aumento se configura
principalmente no intervalo entre 10 e 100 ha, consideradas de pequeno e médio porte.
Entre 1983 e 1987 o número de transações anuais sempre é superior a 100. Já
após 1987, tem-se um decréscimo desse número para a média de 50 transações anuais
ou menos (Gráfico 71).
O período de 1993 a 2002 vai marcar a entrada das empresas de fruticultura
irrigada no município de Baraúna. Um grande movimento de transações de terras
começa a ser sentido a partir do ano de 1993, que destaca mais de 150 transações de
terras só durante esse ano (ver Gráfico 71). O perfil da maioria das transações de terras
do município, durante toda a série histórica analisada, ainda vai ser o das pequenas
propriedades entre 10 e 100 hectares - muito superiores a todos os tipos de transações de
outros perfis (0 a 10 hectares ou mais de 100 hectares).
Gráfico 71 - Número de Transações de Terra por Ano e Ha (1979 a 2008).
0
50
100
150
200
250
300
Nú
mer
o d
e tr
ansa
ções
1979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
2007
Ano
Número de transações de terra por ano e ha (1979 a 2008) Baraúna
0 a 10 ha
10 a 100 ha
+ 100 ha
Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)
No período entre 2003 e 2008, observa-se que o movimento da intervenção de
terras pelo Governo em Baraúna (Crédito Fundiário e Desapropriações) não exerce um
grande impacto no mercado de terras durante esse período, diferentemente de Ipanguaçu
onde facilmente se pode observar a influência das Políticas do Crédito Fundiário
durante esse período (Gráfico 70).
Observando dados sobre o número de transações de terras no Cartório de
Baraúna, nota-se um grande movimento de transações decorrentes em boa parte do
aquecimento da Fruticultura e do Setor de Cimento, principalmente nos anos de 2003 e
2004 - com mais de 100 transações de terras em cada um desses anos, com a
concentração de transações nas propriedades entre 10 a 100 hectares (Gráfico 71).
No resto da série histórica, observa-se um pico em 2006 - com quase 100
transações -, e nos outros anos posteriores, com menos de 80 transações de terras.
É importante notar também que durante esse período, tanto em Baraúna como
em Ipanguaçu, vão se destacar dentre as transações de terras as compras e as hipotecas
com volumes sempre elevados - transparecendo o caráter mercantil que a terra ganha
em Baraúna, desde a sua emancipação política em 1981, e, em Ipanguaçu, desde a
construção da Barragem de Açu em 1979.
6.1.2. Compra e Venda por Pessoa Jurídica
Com relação à compra e venda por pessoa jurídica, observa-se uma clara
distinção entre Ipanguaçu e Baraúna no decorrer da série histórica em questão.
Ipanguaçu, com concentração de compras por pessoa jurídica na segunda
metade da década de 1980 e pontos isolados na década de 1990 e 2000, enquanto
Baraúna tem concentração de compras por pessoa jurídica nos últimos anos da década
de 1990 e durante a década de 2000. Isto se deve, entre outros fatores, à chegada
antecipada de empresas em Ipanguaçu na década de 1980, logo após a construção da
Barragem de Açu, enquanto em Baraúna essa chegada é mais tardia, consolidando-se
nos últimos anos da década de 1990 e durante a década de 2000.
O processo de capitalização das terras em Ipanguaçu, constituído principalmente
pelo processo de compra e venda, vai dar origem a uma nova conformação na sua
estrutura fundiária. Esta não será mais com o predomínio da pessoa física, dos
agricultores e produtores rurais tradicionais da região, e sim com o predomínio da
pessoa jurídica, das empresas, na sua maioria, empresas agrícolas que não têm origem
em Ipanguaçu. Empresas que vão estar em conformidade com os ditames da Revolução
Verde, da modernização da Agricultura (GUIMARÃES, 1979).
Essa nova estrutura fundiária de caráter empresarial começa a se desenvolver
principalmente durante a construção da Barragem de Açu.
Conforme demonstra o Gráfico 72, a partir de 1982, já perto do final da
construção dessa Barragem, começa a se intensificar o processo de compra e venda
envolvendo as pessoas jurídicas, na sua imensa maioria, empresas agrícolas. Mas, é a
partir de 1986 que vai se consolidar o movimento empresarial em direção a Ipanguaçu,
movimento este que tem como seu ápice justamente o ano de 1986, quando são
negociados mais de 2.000 ha de terra com a participação de pessoas jurídicas, na sua
maior parte empresas rurais, intensificando-se até 1989. Dentre as empresas agrícolas
que entraram em Ipanguaçu nesse período, tem destaque a FINOBRASA, responsável
por mais de 50% das transações envolvendo pessoas jurídicas entre 1985 e 1991. A
partir de 1990, porém, o movimento de transações de compra e venda apresenta uma
queda significativa (Gráfico 72).
Com a chegada dessas empresas, vai se ter um aproveitamento maior das rendas
da terra capitalistas I e II, com o uso intensivo de tecnologias agrícolas, fazendo com
que as rendas em produto (parceria, meia) fiquem de fora do processo de acumulação
dessas empresas, que se baseiam, na sua maioria, no trabalho assalariado formal. Com
isto, vai se dar de forma definitiva a emergência do meio técnico-científico-
informacional no Município (SANTOS, 1997; SANTOS, 2002a).
Sobre o processo de compra e venda por pessoa jurídica no período entre 1993 e
2002, pode-se observar, no Gráfico 72, que este foi bastante irregular durante a década
de 1990 e o início do século XXI, com muitos altos e baixos.
Esse movimento irregular retrata quase que na sua totalidade o movimento de
compra de terras estabelecido pela Multinacional Del Monte Fresh Produce em
Ipanguaçu.
Segundo o Gráfico 72, 1993 foi um ano com negociações de quase 800 hectares,
bem como o ano em que a Multinacional começa a comprar terras através da sua joint
venture com a “Directivos Agrícola”. Posteriormente, a Empresa Multinacional rompe o
contrato de joint venture com a “Directivos” e resolve ela mesma comprar terras em
Ipanguaçu a partir de 1998. Nota-se com isto que, entre 1994 e 1997, período em que a
Empresa não comprou terras, os negócios entre pessoas jurídicas em Ipanguaçu
praticamente não aconteceram (Gráfico 72).
Já com a volta da Multinacional ao negócio de compra de terras - a partir de
1998 -, continuando a comprar até o final de 2002, percebe-se que o Setor de Compra e
Venda por Pessoa Jurídica se alavanca outra vez e atinge um movimento considerável,
justamente nos anos em que a Multinacional comprou mais terras: os de 1998, 1999 e
2002.
Gráfico 72 - Compra e Venda de Terras por Pessoa Jurídica em Ipanguaçu (1979 a 2008).
0
500
1000
1500
2000
2500
1979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
2007
COMPRA E VENDA DE TERRAS POR PESSOA JURÍDICA EM IPANGUAÇU (1979 a 2008)
Área - ha
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)
Por fim, entre 2003 e 2008, observa-se que, diferentemente de outros períodos
onde se tinha grande pressão de compras por pessoa jurídica, agora pouco se observa da
atuação de empresas agrícolas no mercado de terras. Em todo o período analisado,
apenas em 2004 houve compra de terras executada por pessoa jurídica. Uma única
empresa comprou terras durante esse período: a multinacional Del Monte Fresh
Produce, que comprou cerca de 500 ha de terras da sua ex-parceira na joint venture de
produção de banana, a “Directivos Agrícola”.
Essa estagnação de compras por pessoa jurídica acontece durante os últimos
anos devido ao monopólio da região da várzea de Ipanguaçu pela multinacional Del
Monte Fresh Produce, que a partir de 1993 compra terras, em sua maioria de empresas
agrícolas estabelecidas preteritamente em área de várzea, reconcentrando-as em suas
mãos. Essa área de várzea é a mais fértil e é a mais apropriada para o desenvolvimento
da fruticultura irrigada.
Em relação à compra e venda de terras por pessoa jurídica em Baraúna, nota-se
um movimento tímido, com pouca representatividade durante o período que vai de 1979
a 1992. Observa-se um movimento de compra após a emancipação política em 1981,
mas esse movimento tem uma média de compras anuais extremamente baixa, ficando
em quase todos os anos da série histórica abaixo dos 100 ha (ver Gráfico 73).
A partir de 1993, tem-se a chegada das empresas de fruticultura irrigada em
Baraúna, em boa parte comandadas por imigrantes japoneses.
Com a chegada dessas empresas, ganham relevo as compras de terras executadas
por pessoas jurídicas no Município. O processo de compras de terras por empresas
começa a ter uma intensidade nunca vista antes - com nível de compras muito superior
ao da década de 1980, em cujos anos as compras por pessoas jurídicas jamais
ultrapassaram os 200 hectares de terras.
Já durante essa segunda série histórica (1993 a 2002), nota-se que, em vários
anos, as compras de terras chegaram a 1.000 ha ou até a mais de 1.000 há, como foi no
ano de 2002 (ver Gráfico 73).
Merece destaque, dentre essas compras, o papel das empresas pertencentes a
imigrantes japoneses, que são responsáveis por cerca de 45% de todo o movimento de
compra e venda por pessoa jurídica em Baraúna durante esse período (de 1993 a 2002).
Foram esses imigrantes que ajudaram significativamente a dinamizar o mercado de
terras de Baraúna e são os maiores responsáveis pela exportação de frutas do Município.
Com esses imigrantes japoneses e empresas de frutas, tem-se em Baraúna a
superação das rendas pré-capitalistas que se configuravam na parceria e a retirada das
rendas capitalistas diferenciais I e II com o auxilio de tecnologias agrícolas que são
implantadas no campo. É a inserção do meio técnico-científico-informacional no
referido Município (SANTOS, 1997, SANTOS, 2002a).
A compra e venda de terras por pessoa jurídica em Baraúna durante o último
período estudado (de 2003 a 2008) continuou forte nos primeiros anos da série histórica,
principalmente nos anos de 2003 e 2004 - com mais de 1.500 hectares de negociações
entre empresas, a maioria ligada à fruticultura irrigada. A partir de 2005, começa a
ocorrer um declínio, que é interrompido em 2008, com compras ligadas na sua maioria à
instalação de um grande grupo de cimento no Município, o Grupo Votorantim, que
comprava terras agressivamente durante o ano de 2008 (ver Gráfico 73).
Gráfico 73 - Compra e Venda de Terras por Pessoa Jurídica em Baraúna (1979 a 2008).
0
500
1000
1500
2000
1979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
2007
COMPRA E VENDA DE TERRAS POR PESSOA JURÍDICA EM BARAÚNA (1979 A 2008)
Área - ha
Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)
Por fim, nota-se uma dinâmica na compra e venda de terras por pessoa jurídica
em Baraúna que se estabelece em definitivo a partir de 1993 e que vai até o fim da série
histórica (2008), mantendo-se com uma certa regularidade, devido ao grande número de
atores no mercado de terras do Município - a maioria no Setor de Fruticultura Irrigada e,
recentemente, também no Setor de Cimento -, diferentemente de Ipanguaçu, onde boa
parte da área utilizada na fruticultura irrigada está concentrada nas mãos de uma
Corporação Multinacional, paralisando, assim, o mercado de terras voltado para pessoas
jurídicas desde a década de 1990.
6.1.3. Movimento de Terras com Intervenção do Governo por Área
O Governo teve um papel decisivo, assim como as empresas, na conformação da
estrutura fundiária atual dos dois Municípios. Em Ipanguaçu, atuou de forma intensa,
com as desapropriações do DNOCS para a construção da Barragem de Açu na década
de 1980, além das desapropriações do INCRA, durante a década de 1980, 1990 e
principalmente nos últimos anos. Em Baraúna, a intensidade dessa atuação foi a mesma,
através de doações e venda de terras para posseiros no decorrer da década de 1980 pelo
Governo Estadual, além de desapropriações de inúmeras propriedades pelo INCRA,
durante as décadas de 1980, 1990 e 2000.
Em Ipanguaçu, vale destacar que, entre o período de 1979 e 1992, além do
movimento de compra e venda de terras pelas empresas, que afetou profundamente o
seu mercado de terras, não se pode ignorar o movimento de terras ocasionado pelas
intervenções do Governo (Gráfico 74) - majoritariamente a partir de desapropriações
para o Projeto Baixo-Açu (com exceção única da intervenção de 1987 feita pelo
INCRA).
Nota-se que, entre 1979 e 1984, o Governo, através do DNOCS, desapropriou
cerca de 2.500 ha de terras para o Projeto Baixo-Açu (Construção da Barragem de Açu),
interferindo diretamente em mais de 70 propriedades - a maioria pertencente a pequenos
proprietários.
Já durante o período compreendido entre 1993 e 2002, a intervenção do Governo
no mercado de terras só foi sentida efetivamente no ano de 2002, quando foram
desapropriados pelo INCRA quase 1.500 ha provenientes da antiga “Fazenda Itu” -
considerado o maior latifúndio da região -, que ocupava grandes áreas de tabuleiros e
algumas áreas de várzea (ver Gráfico 74). Afora esse ano, praticamente não houve
intervenção pública no mercado de terras em Ipanguaçu.
Gráfico 74 - Movimento de Terras com Intervenção do Governo por Área (1979 a 2008)
0
5000
10000
15000
2000019
79
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
2007
Movimento de terras com intervenção do governo por área (1979 a 2008) Ipanguaçu
Área - ha
Fonte: Cartório Único de Ipanguaçu (Dados Brutos)
Já em 2005, o Governo Federal agiu diretamente no mercado de terras de
Ipanguaçu com a desapropriação de uma ampla área chamada “Fazenda Itu” (18.274 ha)
- considerada a maior área de desapropriação em toda a história das desapropriações do
Município. Essa Fazenda tem algumas áreas de várzea e amplas áreas no tabuleiro com
terras de difícil manejo agrícola. Tal desapropriação vai ser a única e grande intervenção
do Governo, por área, no Município de Ipanguaçu, durante o período que vai de 2003 a
2008 (Gráfico 74).
Vale destacar também que, entre os anos de 2004 e 2007, algumas Associações
conseguiram comprar terras a partir do Programa de Crédito Fundiário, já citado. Essas
compras somam mais de 4.000 hectares de terras durante o referido período.
O Governo também interveio significativamente no mercado de terras de
Baraúna, na década de 1980, só que desta vez de forma diferenciada em relação a
Ipanguaçu: enquanto neste Município o Governo Federal (DNOCS) desalojava dezenas
de famílias para executar as obras da Barragem de Açu, em Baraúna o Governo
Estadual fazia doações e vendas de inúmeras terras - a maioria de pequenas
propriedades - para posseiros já estabelecidos.
O movimento de intervenção do Governo no mercado de terras de Baraúna é
extremamente elevado durante esse período (de 1979 a 1992), chegando a movimentar
mais de 1.500 ha em dois anos da série histórica e estabelecendo uma média anual em
torno de 500 ha/ano ou acima disto - principalmente na primeira metade da década de
1980 e nos anos de 1987, 1990 e 1991 (ver Gráfico 75).
Esse movimento governamental de intervenção em Baraúna vai se dar, como já
mencionado, principalmente pelas doações e vendas de terras por parte do Governo do
Estado do Rio Grande do Norte. Vale lembrar que tal tipo de movimento já era
percebido desde a década de 1960.
Observando-se o perfil das doações e vendas de terras pelo Governo Estadual,
nota-se que 100% destas eram de terras com área abaixo de 100 ha e que a média de
área doada e vendida pelo Governo Estadual era, na maioria das vezes, inferior a 50 ha
por pessoa física, o que se traduz como doações direcionadas a pequenos e médios
proprietários - parte já efetivamente morando na terra como posseiro.
Esse movimento de intervenção do Governo em terras de Baraúna sofreu,
porém, um revês durante a década de 1990, com exceção de 1997, quando houve uma
desapropriação do INCRA de 3.172 hectares de terras. Nos outros anos, a intervenção
do Estado foi baixa - diferentemente da década de 1980, quando o Governo atuava de
forma intensa e periódica no mercado de terras desse Município (Ver Gráfico 75). Vale
lembrar que as atuações ocorridas a partir de 1993, quando se formaram assentamentos,
foram todas relacionadas ao INCRA.
Gráfico 75 - Movimento de Terras com Intervenção do Governo por Área (1979 a 2008)
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
1979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
2007
Movimento de terras por intervenção do governo por área (1979 a 2008) Baraúna
Área - ha
Fonte: Cartório Único de Baraúna (Dados Brutos)
Durante a década de 2000, o Governo Federal agiu diretamente no mercado de
terras de Baraúna, com desapropriações feitas pelo INCRA, que em 2005 não chegaram
a 1.000 ha de terras - diferentemente de Ipanguaçu, onde houve uma grande
desapropriação. Essas terras se situavam em sua maioria na localidade de Tiradentes, ao
norte de Baraúna, longe da sede municipal e das principais estradas.
Apesar disto, observa-se a grande quantidade de assentamentos nesse Município
(26 assentamentos) - fruto de uma política de desapropriação que vem se dando no
decorrer de décadas, diferentemente de Ipanguaçu, que tem apenas poucos
assentamentos, oriundos na sua maioria da grande desapropriação da Fazenda Itu, entre
2002 e 2005.
Vale destacar também que, entre os anos de 2001 e 2007, algumas Associações
conseguiram comprar terras a partir do Programa do Banco da Terra (de 2001 a 2002,
durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso) e do Crédito Fundiário (de 2003 a
2007, durante o Governo Lula). Essas compras somam mais de 3.300 hectares de terras
durante o referido período. Tal política pública gerou uma situação análoga à de
Ipanguaçu.
6.2 Estatísticas do Trabalho e Relações de Trabalho
Em relação às estatísticas do trabalho, nota-se que, tanto em Ipanguaçu como em
Baraúna, se tem ao longo da série histórica analisada o predomínio do trabalho
assalariado em função da atividade agrícola assalariada. Esta, por sua vez, é dominada
em grande parte pela atividade da fruticultura nos dois Municípios. A diferença que
existe nas estatísticas é relativa à antecipação de Ipanguaçu devido à chegada, na década
de 1980, de inúmeras empresas agrícolas. Já em Baraúna, como essas empresas só
chegaram ali efetivamente no decorrer da década de 1990, a geração do trabalho
assalariado por carteira assinada se deu em um período posterior ao de Ipanguaçu.
Com base em dados plotados do banco de dados da Relação Anual de
Informações Sociais-RAIS (2011), observa-se, no Gráfico 76, o número de
trabalhadores assalariados por setor de atividade econômica durante o período de 1985 a
2008, no município de Ipanguaçu. Vale lembrar que 1985 foi o ano em que se iniciou a
série estatística da RAIS feita pelo Ministério do Trabalho, o que explica o fato de não
se dispor de dados anteriores a esse período no referido banco de dados.
Observando-se o Gráfico 76, vê-se claramente o aumento da importância do
Setor da Agropecuária na geração de empregos assalariados durante a primeira parte da
série histórica estudada (1985-1992) - passando de um número de 99 empregados
assalariados em 1985, para um pico de 606 em 1989. Esse aumento está vinculado
diretamente à chegada de grandes empresas agrícolas em Ipanguaçu, principalmente
com o advento da FINOBRASA. Tais empresas vão se utilizar prioritariamente do
trabalho assalariado, renegando métodos tradicionais de parceria que existiam na região.
Com a chegada dessas empresas agrícolas, o Setor Agrícola passa a ser o setor
com o maior número de empregos assalariados do município de Ipanguaçu,
ultrapassando a Indústria de Transformação (principalmente as cerâmicas) - tradicional
fonte de empregos assalariados do Município.
Observa-se no Gráfico 76 que, nos anos de 1989 a 1991, o Setor Agropecuário
vai ser o setor com maior geração de empregos desse Município, chegando a representar
em 1989 e em 1990 mais da metade de todos os empregos de carteira assinada.
Em 1991 e 1992, o quadro se reverte, tanto na geração de empregos assalariados
municipais quanto na de empregos agrícolas. Tem-se uma forte contração do emprego
assalariado, que cai de 1.137, em 1989, para 411, em 1992, agravando assim a situação
do emprego formal no Município. No Setor Agropecuário, por exemplo, o trabalho
assalariado praticamente sumiu em 1992. Era a época em que várias empresas agrícolas
estavam abandonando a produção por problemas econômicos, muitas vezes ligados a
sua não adequação às exigências do Mercado Internacional.
Gráfico 76 - Empregos com Carteira Assinada (1985-2008) – Ipanguaçu
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
2007
Empregos com carteira assinada (1985-2008) Ipanguaçu
Agropecuária
Total Municipal
Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho e Emprego (2011)
A partir de 1993, com a chegada da multinacional Del Monte Fresh Produce em
Ipanguaçu, vai se ter uma explosão na geração de empregos no Setor Agropecuário
Municipal. Essa explosão, como se observa no Gráfico 76, vai multiplicar toda a
geração de empregos assalariados do município.
Com a chegada da multinacional referida, há uma intensificação do trabalho
assalariado permanente. Diferentemente do que existia antes, quando se tinha o sistema
de parceria nas pequenas propriedades e o sistema de trabalho assalariado temporário
nas grandes.
De acordo com o banco de dados do Ministério de Trabalho sobre o emprego
assalariado em Ipanguaçu (RAIS, MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
2011), observa-se no Gráfico 76 que, no decorrer da série histórica de 1993 a 2002, o
emprego assalariado no Setor de Agropecuária é o que mais cresce no Município,
assumindo, a partir de 1996, a dianteira frente a todos os setores analisados. Essa
posição se mantém por toda a série histórica, intensificando-se e chegando a representar,
no ano de 2000, cerca de 80% de todos os empregos assalariados de Ipanguaçu - com
1.470 empregados de carteira assinada, de um total geral de 1.797 empregados. Tal
período, principalmente a partir de 1998, é quando a Del Monte Fresh Produce quebra o
contrato com a “Directivos Agrícola” e começa a produzir e comprar terras, ou seja, a
Multinacional revela estar em funcionamento pleno e em crescimento, o que se reflete
diretamente no crescimento do número de trabalhadores assalariados do referido setor.
Desses empregados no Setor Agropecuário, vão se destacar aqueles com carteira
assinada, que estavam descritos como empregados de fruticultura irrigada. Estes
somavam, no ano de 2000, o montante de 706 (RAIS, MINISTÉRIO DO TRABALHO
E EMPREGO 2011). Vale lembrar que, nessa época, existiam duas empresas que
trabalhavam com fruticultura irrigada em Ipanguaçu, a saber: a Finobrasa, com a
exportação de manga, e a Del Monte Fresh Produce, com a exportação da monocultura
de banana.
A multinacional Del Monte Fresh Produce não só empregava assalariados com a
denominação de “trabalhadores de fruticultura”, mas também aqueles que vinham
exercer funções ligadas à agricultura ou ao suporte a esta, que aparecem no Banco de
Dados da RAIS. Entre essas funções, podem-se citar (como já dito no Capítulo 4):
trabalhador agropecuário, guarda de segurança, motoristas de ônibus, caminhões e
automóveis, porteiros, cozinheiras, secretarias e secretárias bilíngues, técnicos de
segurança do trabalho, técnicos de almoxarifado, técnicos de contabilidade, fiscais de
campo para supervisionar a operação nas fazendas, funcionários do parking house,
câmara fria, funcionários ligados à irrigação, técnicos agrícolas, engenheiros
agrônomos, dentre outras.
Durante os anos de 2003 a 2008, tem-se um reforço ainda maior da importância
da Agropecuária na geração de empregos assalariados municipais. Observa-se que,
durante todo o período pesquisado, essa atividade representou uma média de 80% dos
empregos de carteira assalariada no Município, deixando para trás todas as outras
atividades econômicas e também a Administração Pública - segundo maior setor
gerador de empregos assalariados municipais, que teve uma média de geração de
empregos oscilando na faixa de 300 a 450 durante todo o período analisado, enquanto a
geração do Setor Agropecuário ficou entre 1.600 e 2.100 empregos gerados com carteira
assinada.
Desses empregos assalariados do referido Setor, a grande maioria foi gerada pela
Del Monte Fresh Produce através de suas cinco unidades e da única unidade da
Finobrasa Agroindustrial. Só essas seis unidades geraram 1.770 empregos dos 2.034
empregos do Setor em 2007, demonstrando que, mesmo com os assentamentos e
políticas públicas ligadas ao pequeno e médio proprietário, mantém-se a importância no
mercado assalariado das duas grandes empresas, com destaque para a Del Monte, que
foi a responsável por grande parte da geração dos 1.770 empregos (RAIS,
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO 2011).
Quando se observa o perfil das principais ocupações ligadas aos trabalhadores
do Setor Agropecuário de Ipanguaçu, têm-se: o predomínio de salários baixos e de
trabalhos ligados à fruticultura - característica da multinacional Del Monte Fresh
Produce; muitos trabalhadores no serviço de apoio à agricultura, atuando em parking
houses, câmaras frias, dentre outros empregos; e muitos também com a função de
técnicos agrícolas na supervisão desses trabalhadores e alguns na mecanização agrícola,
irrigação e drenagem, com a ressalva de que os que trabalham com um certo grau de
especialização ganham um pouco mais.
Nos anos 1980, diferentemente de Ipanguaçu, o mercado de trabalho e as
relações de trabalho em Baraúna ainda eram predominantemente sem carteira assinada -
como se pode observar pelos dados da RAIS (MINISTÉRIO DO TRABALHO E
EMPREGO 2011) (Gráfico 77). Em todos os setores de atividades econômicas, está
ausente, durante todo o período que vai de 1985 a 1992, o trabalho assalariado com
carteira assinada.
No Setor Agropecuário, apesar do estabelecimento de algumas poucas empresas
agrícolas, o trabalho assalariado não ocorreu em nenhum momento entre 1985 e 1992.
Pode-se inferir com isto que as relações de trabalho pretéritas que aconteciam
em Baraúna - como a parceria e o jornaleiro ( trabalhador diarista que era recrutado
entre os desocupados e sem-terras do Município e da região) - ainda estavam presentes
durante a década de 1980, continuando a serem amplamente utilizadas por todos os
proprietários de terras e empresas agrícolas agora estabelecidas em Baraúna.
Com a chegada das empresas de fruticultura nesse Município, a partir de 1993 -
mesma época em que a multinacional Del Monte Fresh Produce chega em Ipanguaçu -,
tem-se o surgimento do trabalho assalariado com carteira assinada no ramo
agropecuário, que antes não constava nas estatísticas do Ministério do Trabalho.
De acordo com o banco de dados do Ministério de Trabalho sobre o emprego
assalariado em Baraúna (RAIS, MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO 2011),
observa-se no Gráfico 77 que, no decorrer da série histórica de 1993 a 2002, o emprego
assalariado no Setor de Agropecuária é o que mais cresce no Município - assumindo, a
partir de 1996, a dianteira, frente a todos os setores analisados. Essa dianteira se
mantém por toda a série histórica, intensificando-se e chegando a representar, no ano de
2002, cerca de 80% de todos os empregos assalariados do Município, com 2.268
empregados de carteira assinada, frente a um total geral de 2.824 empregados. Esse
período é o período em que vão se estabelecendo em Baraúna inúmeras empresas de
fruticultura irrigada para a exportação - boa parte delas controlada por imigrantes
japoneses.
As empresas de fruticultura de Baraúna, assim como acontecia com a
multinacional Del Monte, em Ipanguaçu, também empregavam outros trabalhadores
com inúmeras funções ligadas à agricultura ou ao suporte à agricultura, os quais
aparecem no Banco de Dados da RAIS. Entre essas funções, podem-se citar (como já
dito no Capítulo 5): trabalhador agropecuário, guarda de segurança, motoristas de
caminhões e automóveis, porteiros, cozinheiras, secretarias, técnicos de segurança do
trabalho, técnicos de almoxarifado, técnicos de contabilidade, fiscais de campo para
supervisionar a operação nas fazendas, funcionários do parking house, câmara fria,
funcionários ligados a irrigação, técnicos agrícolas, engenheiros agrônomos, dentre
outras.
Gráfico 77 - Empregos com Carteira Assinada (1985-2008) – Baraúna
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
2007
Empregos com carteira assinada (1985-2008) Baraúna
Agropecuária
Total Municipal
Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho e Emprego (2011)
Durante os anos de 2003 a 2008, tem-se um decréscimo da importância da
Agropecuária na geração de empregos assalariados municipais, mas, mesmo assim, este
é um setor que ainda continua a gerar a maior parte dos empregos com carteira assinada
do Município.
De acordo com o Gráfico 77, observa-se que, durante todo o período pesquisado,
essa atividade representou uma média superior a 60% dos empregos de carteira
assalariada em Baraúna, superando, e muito, todas as outras atividades econômicas e
também da Administração Pública - segundo maior setor gerador de empregos
assalariados municipais, que teve uma média de geração de empregos oscilando na faixa
de 500 a 600, durante todo o período analisado, enquanto a geração do Setor
Agropecuário ficou entre 1.500 e 2.100 empregos gerados com carteira assinada.
Com esses dados, nota-se que a fruticultura que ocorre em Baraúna tem uma
característica forte de assalariamento com carteira assinada por tempo determinado
devido o melão ser uma cultura temporária. Geralmente os empregados trabalham de
junho a janeiro ou fevereiro (época da safra). Algumas empresas aproveitam alguns
empregados para a época da safrinha de milho (março a maio). Diferentemente da Del
Monte que trabalha com o trabalho assalariado durante todo o ano, devido à banana ser
uma cultura permanente.
A partir desses dados, observa-se que, nos dois Municípios, a fruticultura
irrigada praticada por empresas agrícolas para a exportação passa a gerar boa parte dos
empregos assalariados municipais nas últimas duas décadas, sendo determinante para a
ocupação com carteira assinada e contribuindo para uma taxa de assalariamento maior
na agricultura. Isto é de fundamental relevância, já que, segundo Buainain e Dedecca
(2008), a taxa de assalariamento da agricultura brasileira era de 29%, sinalizando a
extensão limitada desta forma de relação de trabalho no Brasil.
Com relação às relações de trabalho, nota-se, com base em entrevistas com
trabalhadores, presidentes de sindicatos, representantes da EMATER e secretários
municipais de Agricultura, uma diferenciação entre os trabalhadores de alta e baixa
qualificação, tanto no caso de Ipanguaçu como em Baraúna, indo de encontro às idéias
de Castells (2002), Antunes (2005) e Cavalcanti (1999).
Em Ipanguaçu, a multinacional Del Monte Fresh Produce faz essa diferenciação
de forma explicita e institucional, a partir dos benefícios que são dados para uma
determinada classe e omitidos para as outras. Um exemplo disto é a alimentação no
trabalho. Enquanto os trabalhadores sem qualificação têm que trazer sua ‘boia fria’ de
casa, os que são fiscais de campo e os do Setor Administrativo recebem ‘quentinhas’. Já
os engenheiros agrônomos recebem alimentação a partir da cozinha instalada na própria
empresa. Em Baraúna essa diferenciação vem de forma implícita pelo que foi analisado
(na empresa Cris Frutas, de propriedade de um imigrante japonês). Vem na forma de
‘agrados’ pelo empresário que administra a fazenda. Esses agrados são gratificações
dadas ao corpo técnico e administrativo em determinadas épocas do ano. Já para os
trabalhadores de baixa qualificação, não se tem esses ‘agrados’.
Nota-se também que as relações de trabalho em torno do patrão são
diferenciadas entre a multinacional Del Monte (Ipanguaçu) e a empresa Cris Frutas
(Baraúna).
No caso da Multinacional, tem-se um anonimato e um senso de distância em
relação aos donos, envolvidos às vezes em uma aura de mistério, principalmente pelos
empregados de baixa qualificação, que não sabem bem quem é quem, nem quem
comanda a empresa e nem onde essa pessoa mora. As relações são estritamente
profissionais, existindo uma hierarquia de comando que percorre funcionários técnicos
– engenheiros agrônomos - nacionais e estrangeiros.
Já com a Cris Frutas, todos se comunicam com o dono quando necessário - o sr.
Masatoshi está na boca dos empregados sempre, percebendo-se, pela versão dos de
baixa qualificação, que ele é um bom patrão, sempre disposto a ajudar de alguma forma
a seu funcionário. A hierarquia técnica de comando efetivamente não existe na Cris
Frutas, apesar de essa Empresa ter engenheiro agrônomo e fiscais de campo - todos no
fim se dirigem ao Masatoshi, como se ele fosse ao final das contas quem devesse dar a
palavra final sobre todos os assuntos. Isto demonstra a relação de proximidade e
informalidade que muitas vezes existe entre patrão e empregado, em Baraúna (Cris
Frutas), e a inexistência desse tipo de relacionamento em Ipanguaçu (Del Monte).
Em relação às leis do trabalho, foram constatadas em ambos os Municípios,
denúncias sobre métodos de trabalho que não seguem a legislação trabalhista em vigor.
Dentre estas, destaca-se a denúncia, em Ipanguaçu, sobre a “folha branca” (horas extras,
anotadas em folhas, que não foram pagas), adotada pelo presidente do Sindicado dos
Trabalhadores Rurais de Ipanguaçu. Também nesse Município, apesar do transporte
fornecido pela empresa multinacional, não existe a contabilização das horas intineres
(horas de trabalho contadas a partir do momento em que o funcionário entra no
transporte), em flagrante desrespeito à legislação trabalhista. Uma outra denúncia em
Ipanguaçu diz respeito à sobrecarga de trabalho nas empacotadeiras, dentre outras.
Em Baraúna, foi notado também um desrespeito à legislação laboral,
principalmente quando com relação à questão do transporte para o local de trabalho,
além de denúncias sobre várias empresas que não transportam seus funcionários,
deixando-os vir a pé para as fazendas, num percurso de vários quilômetros, ou de
bicicleta ou moto Outras denúncias foram feitas por trabalhadoras e ex-trabalhadoras de
empresas de fruticultura que não são voltadas para a exportação e, portanto, não seguem
os protocolos de certificação internacional que prezam pelas relações de trabalho.
Afirmam elas que tais empresas adotam um excesso de horas extras - o que não é
diferente da realidade no resto do País, onde a sobrejornada afetou quase 60% dos
assalariados agrícolas permanentes e quase 40% dos assalariados agrícolas temporários
em 2006, de acordo com dados da PNAD/IBGE (KREIN; STRAVINSKI, 2008).
Em relação aos trabalhadores assentados do INCRA, nota-se, nos dois
Municípios, a inserção de assentados no trabalho das empresas de fruticultura irrigada.
Muitos são levados, inclusive, a grandes distâncias, como no caso da Del Monte Fresh
Produce, que chega a levar assentados do assentamento “Picada”, em Ipanguaçu, para
trabalhar durante a semana na unidade da Del Monte do Ceará.
Foi relatado que os ônibus que levavam os trabalhadores da Multinacional
tinham rotas dentro dos assentamentos de Ipanguaçu. Em Baraúna, por sua vez, foi
relatado que alguns assentados do assentamento “Caatingueira” trabalhavam em
empresas de fruticultura no Município, mas que essas empresas não disponibilizavam
transporte para tal, fazendo com que muitos assentados se locomovessem de bicicleta ou
rachando a gasolina de uma moto com outro companheiro - em flagrante desrespeito à
legislação laboral.
6.3 Eixo Produtivo
Com relação ao eixo produtivo, tanto Ipanguaçu quanto Baraúna, ao longo da
série histórica, que vai da década de 1980 até os anos 2000, passaram por mudanças
radicais na sua base produtiva agrícola.
A partir da análise dos dados da Produção Agrícola Municipal do IBGE,
colocando em destaque produtos tradicionais (e de subsistência) e produtos
direcionados ao mercado, passar-se-á à análise dessas mudanças da sua base de
produção agrícola e das semelhanças e diferenças entre os dois Municípios.
6.3.1. Produção Agrícola - Produtos Tradicionais – Área Colhida
Ipanguaçu
Com o início da instalação de empresas agrícolas no município de Ipanguaçu
(que começa a ocorrer no final da construção da Barragem de Açu e se intensifica logo
depois da construção), começa a haver um processo de mudança estrutural na produção
agrícola municipal, no qual vai se destacar a cotonicultura para o mercado interno, em
um primeiro momento, e depois vai se firmar a fruticultura irrigada, como produção
emergente, voltada para o mercado interno e externo.
Esse processo de mudança na produção agrícola de Ipanguaçu vai ser danoso
para os produtos tradicionais e de subsistência, pois alguns vão perder espaço para a
fruticultura irrigada.
Para se entender melhor esse processo de mudança da produção agrícola de
Ipanguaçu, vai-se proceder à análise do desempenho de seis produtos agrícolas durante
o processo de inserção das empresas agrícolas no Município, a saber: desses produtos,
três são tradicionais e de subsistência, bastante utilizados até então naquele Município
(o feijão, o milho e a batata-doce), e os outros três (o algodão herbáceo, a banana e a
manga) são produtos voltados para o mercado interno e externo.
Analisar-se-á agora a área plantada de cada produto e a quantidade de sua
produção.
Para isto, foram utilizados os dados da Produção Agrícola Municipal (PAM) do
IBGE, durante o período que vai do início da construção da Barragem de Açu (1979) até
o ano de 1992 (excetuando-se o ano de 1983, quando não houve registro no IBGE da
Produção Agrícola Municipal). Segue-se, assim, o mesmo período de tempo da análise
realizada sobre as mudanças fundiárias.
Antes da entrada das empresas, tinha-se uma grande produção agrícola no
Município de produtos tradicionais e de subsistência. A partir do início da construção da
Barragem, observa-se, conforme dados do Gráfico 78, uma depressão na área colhida da
produção tradicional. Depois desse início, constata-se uma queda contínua na área de
plantio da batata-doce, começando no ano de 1982 e se acentuando depois do final da
construção da Barragem e da chegada das empresas agrícolas. Em 1992, a área colhida
dessa cultura foi de apenas 71 ha.
Já com relação ao feijão e ao milho, suas áreas plantadas se mantiveram de
forma irregular durante todo o período analisado. Vale lembrar que algumas empresas
agrícolas de Ipanguaçu, como a FINOBRASA, utilizaram tanto o milho quanto o feijão
na agricultura irrigada. Mas, analisando-se com mais detalhes o Gráfico 78, observa-se
um relativo decréscimo, depois de 1981, tanto do feijão quanto do milho, em relação à
área colhida. Decréscimo este que se aprofunda nos anos de 1985 a 1987, quando
entravam muitas empresas em Ipanguaçu. Depois, entre 1988 e 1992, tem-se uma área
colhida maior de feijão, embora irregular, se levar em conta o início do período um
pouco mais curto. Já o milho mantém uma área colhida maior, chegando a ultrapassar
em alguns anos o feijão. Porém, tanto em um quanto em outro, a área colhida tende a se
reduzir com o passar da década de 1980 - fruto da capitalização da terra no Município e
seu uso para a agricultura de mercado.
Com a chegada e a compra de mais de 2.000 ha de terras pela multinacional Del
Monte Fresh Produce só na área de várzea de Ipanguaçu a partir da década de 1990,
observa-se uma intensificação da produção de banana no Município e como
consequência uma mudança no eixo da produção agrícola municipal, com a continuação
da desvalorização de alguns produtos tradicionais e de subsistência e com a valorização
da produção daquela fruta e de outros produtos voltados para o mercado externo.
No Gráfico 78, já se observa uma irregularidade na área colhida de produtos
tradicionais da agricultura municipal. A batata-doce, que em anos anteriores tinha uma
grande área plantada, viu essa área praticamente desaparecer depois de 1997, com a
intensificação de compra de terras pela Multinacional. Já a área colhida de milho, assim
como a de feijão, oscilou muito durante o período estudado, indo de cerca de 800 ha de
área plantada em 1996 a praticamente zero em 1998. Nota-se, depois de 1997, uma
relativa redução da área plantada dos dois produtos, com um aumento significativo em
2002.
Observando-se a produção agrícola recente de Ipanguaçu de produtos
tradicionais, geralmente plantados historicamente pela agricultura familiar, percebe-se
que a área colhida tendeu a diminuir, principalmente nos últimos anos da série histórica
de 2003 a 2008 (ver Gráfico 78). O feijão apresentou uma redução de cerca de 50% da
área colhida entre 2003 e 2008; já o milho teve uma redução semelhante, passando de
cerca de 600 hectares de área colhida em 2003 para cerca de 300 ha de área colhida em
2008. A batata-doce, por sua vez, que respondia historicamente sempre a uma área
colhida de relevância, praticamente sumiu em termos desse tipo de área.
Com tais dados, pode-se inferir que, apesar dos recentes assentamentos do
INCRA e da difusão em massa do Crédito Fundiário no Município a partir de
Associações, não se tem aparentemente o reflexo dessas políticas na produção de
produtos tradicionais, que eram geralmente plantados pela pequena agricultura
municipal.
Gráfico 78 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1979 a 2008) – Produtos Tradicionais – Área Colhida (HA)
0200400600800
10001200140016001800
ÁR
EA
(H
A)
1979
1981
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1979 A 2008) - ÁREA COLHIDA (HA) - PRODUTOS TRADICIONAIS
Feijão
Milho
Batata-doce
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1980, 1981, 1982, 1983, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)
Baraúna
A partir de 1984, o IBGE começa a sistematizar dados sobre a produção agrícola
do recém-criado município de Baraúna, já se identificando, assim, uma tendência
produtiva dos principais produtos tradicionais (ou de subsistência) e de mercado.
Entre os principais produtos tradicionais do Município se destacavam três em
produção e área plantada, a saber: milho, feijão e mandioca.
Com base no Gráfico 79, observa-se a área plantada desses produtos no decorrer
da primeira parte da série histórica, que se inicia com os primeiros dados do IBGE em
1984 e vai até 1992. Nesse período, o produto tradicional que tem a maior área plantada
é o milho, que em alguns anos chega a ultrapassar os 10.000 ha de área plantada,
mantendo uma média anual sempre superior a 5.000 ha plantados, com a exceção de
dois anos: 1990 e 1991. Logo após o milho, tem-se como o segundo produto com maior
área plantada no Município o feijão, que segue o mesmo padrão de crescimento e
decréscimo do milho em toda a série histórica, chegando em alguns momentos a
ultrapassar a área de 6.000 ha, mas mantendo uma média de 4.000 ha na referida série,
com exceção, assim como o milho, de dois anos: 1990 e 1991. A área plantada de
mandioca foi a terceira do Município, embora com pouca relevância, nunca
ultrapassando os 400 ha anuais.
Em relação à produção agrícola da década de 1990, a chegada das empresas de
fruticultura irrigada, principalmente empresas de imigrantes japoneses voltadas para a
exportação, mudou a cara da produção agrícola de Baraúna a partir de 1993,
estabelecendo um novo eixo produtivo local.
Como se observa no Gráfico 79, a área colhida de produtos tradicionais dos três
mais significantes produtos da década de 1980 tendeu a cair nessa nova série temporal,
com exceção do milho, que sempre manteve uma média de 6.000 ha de área colhida
durante a série histórica que vai de 1993 até 2002, exceptuando o ano de 1993, quando
não se teve produção alguma, e os anos de 1998 e 1999, que teve uma grande redução
de área colhida. Já o feijão, nessa série temporal, passou por uma redução de sua área
colhida: em 1994, esta chegou a apresentar 4.000 hectares, acabando em 2002 com
pouco mais de 1.000 hectares, o que representou uma profunda redução da área referida
- cerca de 75% -, salientando-se que, assim como o milho, nos anos de 1993 e 1998
praticamente sumiu a área colhida do feijão. Com relação à mandioca, definitivamente
esse tubérculo saiu do eixo produtivo nessa nova série temporal, não tendo nenhuma
área colhida durante período em foco.
Observando-se a produção agrícola recente de Baraúna de produtos tradicionais,
geralmente plantados pela agricultura familiar, nota-se que a área colhida tendeu a ficar
muito irregular durante toda a série histórica de 2003 a 2008 (ver Gráfico 79). O feijão
teve uma média de área colhida de 1.000 ha, com subidas e descidas no decorrer dos
anos, terminando praticamente como começou a série histórica. Já o milho oscilou
muito mais, devido também à sua plantação nas fazendas de fruticultura irrigada como
safrinha, entre os meses de fevereiro e maio, fazendo com que, em alguns anos, essa
cultura viesse a ter uma grande área colhida, como no ano de 2006 em que se colheu
quase 8.000 hectares. Mas tal cultura encerra a série histórica um pouco abaixo dos
3.000 hectares. Por fim, a mandioca, que teve uma área plantada muito tímida em 2005
e 2006, desaparecendo no resto da série histórica.
Gráfico 79 - Produção Agrícola de Baraúna (1984 a 2008) – Produtos Tradicionais– Área Colhida (HA)
0
2000
4000
6000
8000
10000
12000
ÁR
EA
(H
A)
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1984 A 2008) ÁREA COLHIDA (HA) - PRODUTOS TRADICIONAIS
Feijão
Mandioca
Milho
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)
Comparando-se os dois Municípios, observa-se que em ambos a área colhida de
produtos tradicionais tendeu a cair no decorrer das séries históricas analisadas. A
diferença é que ela cai primeiro em Ipanguaçu (década de 1980) e depois em Baraúna
(década de 1990). Em todas as duas áreas, tem-se a diminuição de importância das
culturas tradicionais, com exceção do milho em Baraúna, porque essa cultura passa a ser
utilizada como safrinha (de fevereiro a maio) pelos agentes da fruticultura irrigada, que
naquele Município é sazonal (de junho a janeiro).
6.3.2. Produção Agrícola– Produtos de Mercado – Área Colhida
Ipanguaçu
O início da construção da Barragem marcou, para os produtos de mercado, o
começo de um processo de crescimento da área colhida, como se pode ver no Gráfico
80. Esse crescimento vai ser progressivo para a banana e a manga, principalmente no
final da década de 1980 e início da de 1990, com a consolidação das empresas de
fruticultura na área. Como exemplo de tal crescimento no referido período, destacam-se
a banana, que, entre 1987 e 1992, cresceu mais de 50% (a área era de 118 e foi para 185
ha) e principalmente a manga, cuja área colhida cresceu, entre 1989 e 1992, mais de
1.000% (a área era de 23 e foi para 335 ha). Já a área do algodão herbáceo vai oscilar de
forma muito brusca durante os anos posteriores à inauguração da Barragem de Açu.
Em um primeiro momento, a área colhida desse algodão vai subir de menos de
500 ha para mais de 1.500 ha e depois fica oscilando entre aproximadamente 400 ha a
1.500 ha até o final da década de 1980 e início da de 1990, quando começa a perder
fôlego para a fruticultura, também por causa da “praga do bicudo” e da liberalização
comercial.
Com relação à área colhida dos produtos de mercado, nota-se, durante a década
de 1990 e início do século XXI (Gráfico 80), um aumento dessa área no que se refere à
manga e principalmente à banana, que passa a ser produzida pela multinacional Del
Monte Fresh Produce. Nota-se também uma pequena diminuição da área relativa ao
algodão herbáceo. Com relação à manga, a área colhida passou de menos de 400 ha, no
ano de 1993, para mais de 500 ha, no ano de 2002. Já com relação à banana, o aumento
foi muito maior, passando de menos de 200 ha, em 1993, para mais de 1.000 ha, no ano
de 2002, ou seja, mais de 400% de aumento de área plantada. Aumento este que se
intensifica depois das compras de terras feitas pela Multinacional entre 1998 e 2002.
Com relação à área colhida entre os anos de 2003 e 2008 (Gráfico 80), percebe-
se uma tendência à manutenção da área de produtos voltados para o mercado, como o
algodão herbáceo, mas principalmente os quase que exclusivamente voltados para o
mercado externo, como a manga e a monocultura de banana da multinacional Del Monte
Fresh Produce. Observa-se, no entanto, que no ano de 2008 vai se ter um grande
desastre na região, com a inundação de amplas áreas de várzea pela cheia do rio
Piranhas-Açu, que se encontrava então bastante assoreado. Isto vai fazer com que
amplas áreas de várzea da Multinacional fiquem debaixo da água, gerando uma perda
enorme na área colhida de banana no ano de 2008.
Gráfico 80 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1979 a 2008) – Produtos de Mercado – Área Colhida (HA)
0200400600800
10001200140016001800
ÁR
EA
(H
A)
1979
1981
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1979 A 2008) - ÁREA COLHIDA (HA) - PRODUTOS DE MERCADO
Algodão Herbáceo
Banana
Manga
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1980, 1981, 1982, 1983, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)
Baraúna
Com relação aos produtos voltados para o mercado, tem-se o predomínio em
Baraúna de dois no decorrer da década de 1980. São eles: a castanha de caju e o algodão
herbáceo.
Como se observa no Gráfico 81, a castanha de caju mantém uma área plantada
sempre superior a 10.000 ha em todos os anos da série histórica, chegando até o pico de
quase 14.000 ha de área plantada entre os anos de 1984 e 1988. Entre 1989 e 1992, a
área plantada de castanha de caju cai um pouco, embora se mantenha no patamar de
11.000 ha anuais. Essa cultura comercial se consagra como a principal cultura de
Baraúna nesse período, superando todas as outras comerciais e também todas as culturas
tradicionais. Em segundo lugar, aparece a cultura do algodão herbáceo, com sua área
plantada flutuando muito - indo de cerca de 8.000 ha em 1984 até cerca de 3.000 ha em
alguns anos, como 1988 e 1989, até chegar a não ter área plantada em 1987 e 1990.
Mesmo assim, Baraúna chega em 1992 com uma área plantada de algodão herbáceo
significativa - 6.000 ha -, configurando-se como a maior área plantada desse algodão no
estado do Rio Grande do Norte. Como observado antes, o algodão já vinha sendo
plantado na região de Baraúna há muitas décadas, chegando a ter grande
representatividade agrícola no passado.
A área plantada de frutas era muito pequena, quase insignificante. As principais
frutas plantadas atualmente em Baraúna não tinham espaço na década de 1980: o melão
não era plantado e o mamão tinha como área plantada apenas uma média de 9 ha.
Com relação à área colhida dos principais produtos de mercado durante a década
de 1990, tem-se uma transição clara entre o algodão herbáceo e a castanha de caju, de
um lado, e ,de outro, o melão. Durante toda a série histórica se nota o declínio da maior
área colhida de produtos de mercado do Município: a da castanha de caju. Essa área
representava em 1993 quase 12.000 hectares de terras (ver Gráfico 81).
No decorrer da série histórica, tal área colhida míngua significativamente,
principalmente após 1998, terminando a década com apenas 400 hectares - uma redução
de mais de 95% em relação à de 1993. De forma similar, mas com maiores oscilações
no decorrer da série temporal, comporta-se o algodão herbáceo, que tinha uma área
colhida em 1994 em torno de 6.000 hectares, começando a perder terreno em 1996, o
que resultou numa redução muito significativa em 1998, quando quase desaparece,
terminando o ano de 2002 com menos de 2.000 hectares de área colhida - uma redução
de 60% em relação a 1994.
De forma inversa ocorre com o melão - que tinha uma área colhida insignificante
até o ano de 1998, quando começa a ter representatividade, chegando, no ano seguinte, a
ultrapassar a área colhida de castanha de caju e de algodão herbáceo, consolidando-se
assim, nos anos de 2001 e 2002, como produto com maior área colhida, dentre os
principais produtos de mercado apresentados: quase 4.000 hectares. O mamão começa a
ter algum destaque em área colhida a partir de 2001, mas ainda com pouco significado
frente aos outros produtos de mercado.
A produção agrícola de Baraúna voltada para os produtos de mercado começa a
série histórica (de 2003 a 2008) com o predomínio da área plantada de melão, voltado
em grande parte para a exportação. Mas, nos últimos dois anos da referida série, nota-se
uma queda significativa na área dessa cultura - passando de uma media de 3.000
hectares ano para cerca de 1.000 hectares. Todavia, mesmo com essa queda
significativa, o melão ainda é o produto de mercado com a maior área plantada, sendo
seguido de perto pelo mamão, cultura perene, que foi escolhido por muitos agricultores
e empresas para substituir o melão, diante dos baixos preços deste no mercado interno e
dos altos custos de produção (ver Gráfico 81).
Já o algodão herbáceo segue uma curva descendente constante, indo de 1.500
hectares em 2003 para menos de 1.000 hectares em 2008. A castanha de caju se mantém
sempre abaixo dos 500 hectares plantados - muito longe dos recordes de área plantada
conseguidos durante a década de 1980.
Gráfico 81 - Produção Agrícola de Baraúna (1984 a 2008) – Produtos de Mercado – Área Colhida (HA)
02000400060008000
10000120001400016000
ÁR
EA
(H
A)
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1984 A 2008) ÁREA COLHIDA (HA) - PRODUTOS DE MERCADO
Algodão Herbáceo
Castanha de Caju
Melão
Mamão
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011) A partir desses dados, observa-se que tanto Ipanguaçu quanto Baraúna mudaram
seu eixo produtivo de produtos de mercado entre as décadas de 1980 e 2000, passando
ambos de uma agricultura de mercado baseada no algodão herbáceo e/ou na castanha de
caju para uma baseada em frutas - banana, melão e mamão -, voltada em boa parte para
a exportação e sendo controlada pelo capital multinacional, no caso de Ipanguaçu, e por
imigrantes japoneses e alguns capitalistas nacionais, no caso de Baraúna.
6.3.3 Produção Agrícola– Produtos Tradicionais – Quantidade Produzida
Ipanguaçu Em relação à quantidade produzida das culturas tradicionais de Ipanguaçu,
durante o período de 1979 a 1992, tem-se um significativo decréscimo (Gráfico 82),
principalmente no que se refere à produção de batata-doce, que, assim como sua área
colhida, recuou muito logo depois do início da construção da Barragem, continuando a
recuar durante todo o período analisado: de uma produção de mais de 3.000 toneladas,
em 1981, para uma inferior a 500 toneladas, no ano de 1992.
Em relação ao feijão e ao milho, tem-se uma contradição entre as áreas colhidas
e as quantidades produzidas, sendo aquelas muito superiores a estas - o que chega a
refletir, em alguns casos, a baixa taxa de rendimento kg/ha nessas culturas. Nota-se que
quase sempre tanto o milho quanto o feijão apresenta uma quantidade produzida inferior
a 500 toneladas - oscilando quase sempre entre 500 e quase zero toneladas.
Em relação à quantidade produzida de culturas tradicionais e de subsistência no
decorrer da década de 1990 e início do século XXI, observa-se uma queda gradativa da
batata-doce e do feijão. Quanto ao milho, no ano de 2002 ocorre um aumento
significativo na quantidade de sua produção. A batata-doce, por sua vez, com exceção
do ano de 1996, seguiu uma trajetória de decréscimo, até chegar em 2002 com uma
produção quase insignificante. O mesmo se deu com o feijão no decorrer de todo o
período, chegando a uma produção quase insignificante em 2003 (Gráfico 82).
No que diz respeito à quantidade produzida do mesmo tipo de cultura durante a
série histórica de 2003 a 2008, verifica-se no Gráfico 82 que a produção tradicional de
milho, feijão e batata-doce praticamente desapareceu durante esse período, refletindo,
assim, inúmeras questões, como o desinteresse por plantar os produtos tradicionais, a
falta de infraestrutura nos assentamentos implantados durante esse período em
Ipanguaçu e, principalmente, o alto custo de insumos, isto sem falar na volatilidade dos
preços apresentados pelos atravessadores por ocasião da compra dos produtos agrícolas,
apesar da terra, principalmente na área de várzea, ser muito fértil.
Gráfico 82 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1979 a 2008) – Produtos Tradicionais – Quantidade Produzida (T)
0500
1000
15002000
2500
3000
3500
QU
AN
TID
AD
E (
T)
1979
1981
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1979 A 2008) - QUANTIDADE PRODUZIDA (T) - PRODUTOS TRADICIONAIS
Feijão
Milho
Batata-doce
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1980, 1981, 1982, 1983, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)
Baraúna
Em relação à quantidade produzida das culturas tradicionais entre 1984 e 1992,
em Baraúna, nota-se uma grande irregularidade dos principais produtos no decorrer
dessa série histórica. Tal irregularidade é atribuída ao regime climático, já que estas são
culturas que não se utilizavam de irrigação - observa-se, no Gráfico 83, que a variação
da produção de milho, por exemplo, era muito significativa: de quase 6.000 toneladas
produzidas em 1984 até praticamente não ter produção nos anos de 1987 e 1990. Na
maioria dos anos da série, a produção dessa cultura se mantém por volta de 1.000
toneladas produzidas.
A cultura do feijão segue exatamente a mesma tendência do milho: o ano de
1984 foi um ano de pico, com a maior produção da série histórica - quase 3.000
toneladas -, mas, assim como o milho, o feijão praticamente não teve produção nos
mesmos citados anos: 1987 e 1990. Repetindo a tendência do milho, na maioria dos
anos a produção de feijão se mantém por volta de 1.000 toneladas produzidas.
Já a produção de mandioca pouco oscila, mantendo-se sempre abaixo de 400
toneladas produzidas ao ano, no decorrer da série histórica, apresentando, porém, uma
tendência a diminuir ainda mais sua produção nos primeiros anos da década de 1990.
Entre 1993 e 2002 se observa a liderança do milho, apesar de profundas
oscilações no decorrer do período - indo de 5.000 toneladas, em 1994, a produção zero,
em 1998, e a quase zero, em 1999 e 2001. Em segundo lugar, também com grandes
oscilações, vem o feijão. Mas, diferentemente do milho, essa cultura tem uma tendência
explícita para uma redução de produção. Quando se analisa a série histórica, observa-se
que, em 1994, era uma cultura com produtividade na faixa de 2.000 toneladas, passando
para menos de 1.000 toneladas em 2002. Quanto à mandioca, o que se tem é o
desaparecimento de sua produção durante esse período.
Entre 2003 e 2008, a quantidade produzida de culturas tradicionais se mantém a
taxas muito baixas - só se destacando em alguns anos a produção de milho, que atinge
em 2006 mais de 6.000 toneladas. O feijão sempre se mantém abaixo de 1.000 toneladas
produzidas e a mandioca tem uma produção insignificante (ver Gráfico 83).
Gráfico 83 - Produção Agrícola de Baraúna (1984 a 2008) – Produtos Tradicionais– Quantidade Produzida (T)
01000
2000300040005000
60007000
QU
AN
TID
AD
E (
T)
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1984 A 2008) QUANTIDADE PRODUZIDA (T) - PRODUTOS TRADICIONAIS
Feijão
Mandioca
Milho
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)
A partir desses dados, observa-se que, tanto em Ipanguaçu quanto em Baraúna, a
quantidade produzida de culturas tradicionais oscila muito e cai entre as décadas de
1980 e 2000. Em Ipanguaçu, essa queda é nítida e generalizada entre os principais
produtos tradicionais no decorrer das décadas, com o desaparecimento da batata-doce e
a queda vertiginosa do feijão e do milho.
Já em Baraúna, embora a produção dessas culturas tenha oscilado muito no
decorrer das últimas décadas, observa-se claramente o desaparecimento da produção de
mandioca e a diminuição progressiva da produção de feijão. Só o milho não teve uma
tendência à redução constante, porque foi aproveitado pelo Agronegócio de Frutas para
safrinha, nos momentos em que não se tinham condições de produção de frutas (no
inverno).
6.3.4 Produção Agrícola– Produtos de Mercado – Quantidade Produzida
Ipanguaçu
Observando o Gráfico 84, percebe-se, entre 1979 e 1992, com relação aos
produtos de mercado, que há um crescimento da produção, principalmente no começo
da década de 1990, da banana e da manga, por causa da atuação de grandes empresas
agrícolas em Ipanguaçu. Entre 1987 e 1992, a banana teve um crescimento significativo
de sua produção, passando de 221 para 347 toneladas - um crescimento superior a 50%,
mas o crescimento, nesse mesmo período, da manga foi muito superior: a produção
dessa fruta entre 1987 e 1992 passou de 411 para 11.323 toneladas - o que representa
um crescimento de quase 3.000%.
Sobre o algodão herbáceo, sua produção variou muito durante esse período, de
modo parecido ao da variação da área plantada, chegando a picos de produção, como
nos anos de 1984 e 1990, com quedas bruscas em vários anos do período estudado.
Como falado anteriormente, ocorreu nessa década a maior produtividade do
mundo por hectare do algodão e também a emergência de uma praga que abalou a
produção dessa malvácea, junto com a abertura comercial no referido Setor.
Com a chegada e estruturação das empresas agrícolas de fruticultura,
principalmente a multinacional Del Monte Fresh Produce, no início da década de 1990,
vai se apresentar uma tendência a esse tipo de produção em Ipanguaçu.
No que diz respeito à quantidade produzida de culturas de mercado durante o
período de 1993 a 2002 (Gráfico 84), observa-se que esta é muito maior que a
quantidade produzida de culturas tradicionais (Gráfico 82).
Atentando-se para os dois Gráficos, nota-se que a maior quantidade produzida
de uma cultura tradicional em todo o período foi a do milho: menos de 2.000 toneladas
em 2002. Já com relação à cultura de mercado, a maior quantidade produzida foi a da
banana em 2002: quase 60.000 toneladas, ficando em segundo lugar a manga, com mais
de 10.000 toneladas no mesmo ano. Se levar em conta uma comparação entre a maior
quantidade produzida de uma cultura tradicional e a de uma cultura de mercado, chegar-
se-á a uma diferença de quase 3.000% a mais a favor da produção de mercado - no caso,
a da banana.
Vê-se que, durante os anos de 1990, a produção de manga mantém-se estável,
aumentando um pouco no final da década de 1990 e caindo no início do século XXI. Já
com relação ao algodão herbáceo, sua quantidade produzida se mantém em um nível
muito abaixo das outras quantidades produzidas de mercado, quase não aparecendo no
Gráfico. Com relação à quantidade produzida de banana, tem-se aí uma ascensão
meteórica depois da compra de várias propriedades pela Del Monte Fresh Produce, a
partir de 1998.
Entre 2003 e 2008, tem-se a ratificação da superioridade da quantidade
produzida das culturas de mercado em relação às tradicionais, com a larga diferença da
monocultura de banana, afetada apenas em 2008 com a cheia do rio Piranhas-Açu.
Assim, nota-se um aprofundamento da dependência de Ipanguaçu em relação ao
mercado consumidor global, intensificando-se com isto as relações de verticalidades
faladas por Santos (1997, 2002a). O lugar passa a ser cada vez mais dependente da
lógica global imposta por agentes externos.
Gráfico 84 - Produção Agrícola de Ipanguaçu (1979 a 2008) – Produtos de Mercado – Quantidade Produzida (T)
0
10000
20000
30000
40000
50000
60000
QU
AN
TID
AD
E (
T)
1979
1981
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE IPANGUAÇU (1979 A 2008) - QUANTIDADE PRODUZIDA (T) - PRODUTOS DE MERCADO
Algodão Herbáceo
Banana
Manga
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1980, 1981, 1982, 1983, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)
Baraúna
Com relação à produção das culturas de mercado em Baraúna entre 1984 e 1992,
vale destacar, em primeiro lugar, a mudança de metodologia feita pelo IBGE a partir do
ano de 1988, quando passa a desconsiderar o caju como um todo, para considerar
somente a sua castanha, o que determinou um gráfico inflado até 1987, já que até esse
ano o peso da castanha vinha junto com o peso total do caju. Mas, mesmo com a
mudança de cálculo, observa-se claramente a dianteira da castanha de caju como o
produto de mercado de maior quantidade de produção; em segundo, oscilando muito no
decorrer da série histórica, aparece o algodão herbáceo (Gráfico 85).
A produção de frutas no decorrer da década de 1980 era irrelevante no município
de Baraúna: o melão não era produzido e o mamão tinha uma produção média de apenas
14 toneladas no decorrer dessa década e até o ano de 1992.
Tal quadro vai mudar a partir de 1993 com a chegada de outros grupos agrícolas
especializados na fruticultura irrigada em Baraúna, devido à expansão da área de
fruticultura de Mossoró.
Com relação à quantidade produzida das culturas de mercado, tem-se uma
grande virada no eixo produtivo a partir de 1997/98: o melão assume como a cultura de
maior produtividade dentre todos os produtos de mercado mostrados, deixando para trás
produtos que eram o carro-chefe da economia agrícola no Município na década passada
e nos primeiros anos da década de 1990, como o algodão herbáceo e principalmente a
castanha de caju. O melão se destaca de forma inequívoca, com quase 40.000 toneladas
produzidas no ano de 1998, chegando à impressionante marca de 100.000 toneladas em
2002 (Gráfico 85).
Entre os anos de 2003 e 2008, ainda é bastante significativa a quantidade
produzida de culturas de mercado. Quando se compara essa quantidade com a da
produção tradicional, tem-se uma diferença gigantesca – mesmo com o melão sofrendo
queda substancial nessa série histórica recente, passando de uma média de 90.000
toneladas para cerca de 30.000 toneladas, pois o maior pico de produção do milho foi de
pouco mais de 6.000 toneladas (ver Gráfico 85).
Observa-se também o grande destaque para a produção de mamão, que dispara
de quantidades insignificantes até o ano de 2006 para a maior quantidade produzida em
2008: quase 80.000 toneladas - um impressionante salto, só justificado pela decepção
com as rendas da principal mercadoria agrícola municipal: o melão.
Gráfico 85 - Produção Agrícola de Baraúna (1984 a 2008) – Produtos de Mercado – Quantidade Produzida (T)
020000400006000080000
100000120000140000
QU
AN
TID
AD
E (
T)
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
ANO
PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE BARAÚNA (1984 A 2008) QUANTIDADE PRODUZIDA (T) - PRODUTOS DE MERCADO
Algodão Herbáceo
Castanha de Caju
Melão
Mamão
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 2011)
Assim, comparando-se os dois Municípios estudados, nota-se um
aprofundamento da dependência, tanto de Ipanguaçu quanto de Baraúna, em relação ao
mercado consumidor global de frutas (banana, em Ipanguaçu, e melão, e também agora
mamão, em Baraúna), intensificando-se com isto as relações de verticalidades faladas
por Santos (1997, 2002a). Esses lugares passam a ser cada vez mais dependentes da
lógica global imposta por agentes externos. Isto é demonstrado tanto pelas exportações,
como pelas importações dos municípios analisados (ver Quadro 71).
Quadro 71 - Balança Comercial de Baraúna e Ipanguaçu (2010) Principais Países de destino/exportações Ipanguaçu
Principais Países de destino/exportações Baraúna
Principais Países de origem/importações Ipanguaçu
Principais Países de origem/importações Baraúna
Alemanha (28,5%) Holanda (52,4%) Costa Rica (68,1%) China (74,9%)
Holanda (23,3%) Reino Unido
(26,8%)
Chile (23,7%) África do Sul
(7,3%)
Polônia (11,5%) Espanha (6%) EUA (4,4%) Espanha (5,3%)
Itália (11.4%) Irlanda (4,1%) Colômbia (3,7%) México (5,2%)
EUA (11,2%) Dinamarca (3,7%) - Israel (2,6%)
Fonte: Secretaria de Comércio Exterior (2011)
No Quadro 71, tem-se o retrato dos países que compram as frutas dos referidos
Municípios e os que vendem os insumos, sementes, equipamentos mecânicos e até
papelão ondulado usado para embalar as frutas.
Observa-se o predomínio dos países da Europa e dos EUA como os grandes
mercados consumidores das frutas produzidas por Ipanguaçu e Baraúna. Já como países
que fornecem os insumos, tem-se o destaque da Costa Rica, sede da Multinacional que
comanda a exportação de frutas em Ipanguaçu, do Chile, tradicional fornecedor de
embalagens para a fruticultura, da China, fornecedora de insumos mecânicos e de Israel,
tradicional fornecedor de sementes.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Viu-se, no decorrer do trabalho, como se deu o processo de inserção dos
municípios de Ipanguaçu e Baraúna na globalização da Agricultura, durante as décadas
de 1980, 1990 e 2000, a partir de três níveis de análise, a saber: o primeiro nível tratou
dessa inserção com base no mercado de terras - a partir de documentos de cartório; o
segundo nível, com base nas estatísticas do trabalho agrícola e nas relações de trabalho -
a partir da base de dados do Ministério do Trabalho e Emprego e de entrevistas com
trabalhadores, vizinhos e atores sociais; e o terceiro nível tratou dessa inserção com
base na Produção Agrícola Municipal fornecida pelo Banco de Dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, com a ajuda de dados sobre as exportações da
Secretaria de Comércio Exterior.
Nota-se, no decorrer das análises, a necessidade de se considerar a antiguidade
do processo de globalização nas referidas regiões estudadas. Para isto, recorreu-se a
uma conceituação de Globalização que permitisse pensar esta como um processo
presente e pretérito. Tal foi possível com a periodização de Murray (2006), além da
abertura conceitual de Mintz (2003) e Dollfus (1997).
Foi de essencial importância também o uso das categorias de análise de Santos
(2002a) para destacar o processo de globalização a partir do meio técnico-científico-
informacional e a inserção das regiões nas verticalidades.
A primeira série temporal analisada foi a década de 1980, ainda sob influência
da Revolução Verde. Durante essa década se nota, tanto em Ipanguaçu quanto em
Baraúna, a ação do Estado, que direta e indiretamente interfere no mercado de terras.
Em Ipanguaçu, tal interferência se dá com desapropriações para a construção da
Barragem do Açu e, em Baraúna, com doações ou vendas de terras de pequeno tamanho
para posseiros. Nesse período, tem-se em Ipanguaçu uma transição das terras de pessoas
físicas para pessoas jurídicas, com a chegada de muitas empresas agrícolas,
principalmente na área mais fértil, a das várzeas do referido Município, pela construção
da Barragem de Açu, que dava garantia hídrica aos novos investimentos.
Com a chegada dessas empresas começam a ocorrer em Ipanguaçu mudanças
nas relações de trabalho e a se inserir o trabalho assalariado e novas tecnologias
agrícolas, responsáveis pela inserção do Município no meio técnico-científico-
informacional e pela sua reinserção no processo de globalização da Agricultura, na fase
compreendida como Revolução Verde (já que o referido Município preteritamente já se
inseria na globalização com a cera de carnaúba).
Tem-se também, a partir do uso intensivo de defensivos agrícolas, adubos e
maquinários, a extração intensiva da Renda Diferencial II e o reforço da Renda
Diferencial I, através das vantagens locacionais de solos, climas, localização e agora da
Barragem de Açu.
Já em Baraúna, não se teve esse processo de trabalho assalariado gerado por
empresas na década de 1980, predominando no campo ainda sistemas pré-capitalistas,
como a parceria.
Em relação à produção agrícola municipal, nota-se, tanto em Ipanguaçu quanto
em Baraúna, o predomínio do algodão como agricultura voltada para o mercado (em
Baraúna, vai se destacar mais a castanha de caju), além do decrescimento progressivo
da agricultura tradicional.
Na segunda série temporal, na década de 1990, tem-se efetivamente uma
mudança profunda na agricultura dos dois Municípios, coincidentemente, a partir do
mesmo marco temporal: o ano de 1993. Foi durante esse ano que se encerrou a Rodada
Uruguai da OMC, que inaugurava de fato a Liberalização da Agricultura, uma nova fase
da Globalização.
Nesse mesmo ano, tem-se em Ipanguaçu a chegada da multinacional Del Monte
Fresh Produce, que iria praticar a fruticultura para exportação no referido Município, e,
em Baraúna, a chegada das primeiras empresas de fruticultura para exportação, de
imigrantes japoneses.
Durante essa série temporal, têm-se mudanças expressivas no mercado de terras
nos dois municípios estudados. Em Ipanguaçu, o referido mercado sofre um processo de
reconcentração fundiária, com a passagem de terras de empresas agrícolas (que tinham
chegado na década de 1980) para o monopólio da multinacional Del Monte Fresh
Produce, que compra agressivamente a fértil terra de várzea do Município.
Já em Baraúna, tem-se o início do processo de concentração de terras, com a
chegada de muitas empresas de frutas, principalmente as que já atuavam em Mossoró e
que expandiram sua atuação para Baraúna. Além disto, também se nota a chegada de
muitas empresas pertencentes a imigrantes japoneses. Essas empresas recém-chegadas a
Baraúna vão comprar terras, na maioria das vezes, de pessoas físicas.
Tanto em Ipanguaçu como em Baraúna vai haver uma intensificação na
utilização de insumos, maquinários e defensivos agrícolas, com a consolidação nas duas
áreas do meio técnico-científico-informacional e no reforço da extração das rendas
diferenciais I e II, principalmente. Só que essa consolidação efetivamente acontece de
forma diferenciada entre Ipanguaçu e Baraúna, devido à forma diferenciada de agir das
empresas agrícolas de Baraúna e da multinacional Del Monte Fresh Produce em
Ipanguaçu.
Nas empresas agrícolas para exportação de frutas de Baraúna de propriedade de
imigrantes japoneses, observa-se que elas interagem com o lugar, compram defensivos,
insumos, serviços na região onde elas estão e firmam parcerias com institutos de
pesquisa e assistência técnica locais, como o SENAR.
Já a multinacional Del Monte Fresh Produce compra insumos, defensivos,
maquinários, material de embalagem, dentre outros, de suas parceiras globais e não de
empresas locais ou regionais. A Multinacional tem uma característica diferente das
empresas nacionais: ela se relaciona o mínimo possível com o lugar. Até suas parcerias
são de fora do País, como a parceria com a Universidade Earth, da Costa Rica.
Com isto, observa-se uma intensificação da lógica global tanto em Baraúna
quanto em Ipanguaçu, já que os dois Municípios passam a ter produtos exportados para
mercados mundiais e dependem de decisões que muitas vezes são tomadas em lugares
distantes, reforçando, assim, as verticalidades.
Só que em Ipanguaçu, com a Del Monte Fresh Produce, a lógica global vai ser
mais intensa, pois os atores locais vãos ser, à medida do possível, desprezados em nome
de alianças da Multinacional com seus parceiros globais, fazendo com que a lógica
global nesse Município subordine e oprima ainda mais.
Em relação ao mercado de trabalho e as relações de trabalho durante a década de
1990, tem-se um aprofundamento do trabalho assalariado com carteira assinada, tanto
em Baraúna quanto em Ipanguaçu.
Diferentemente de vários teóricos, como Castells (2002), Antunes (2005) e
Cavalcanti (1999), que observam que durante a liberalização comercial se tem um
processo de flexibilização da mão-de-obra, com a precarização do trabalho e a
informalidade, as empresas instaladas em Baraúna e em Ipanguaçu, voltadas para a
exportação, trabalham exclusivamente com trabalhadores assalariados com carteira
assinada - provavelmente pelas exigências das certificações internacionais a que ambos
estão amarrados, ao venderem para mercados da América do Norte e da União
Europeia.
Já com relação às diferenças entre funcionários qualificados e funcionários de
baixa qualificação, a pesquisa nesses dois Municípios encontrou diferenças já
observadas por Castells (2002), Antunes (2005) e Cavalcanti (1999).
Essas diferenças são institucionalizadas de forma clara pela multinacional Del
Monte Fresh Produce, em Ipanguaçu, com relação ao almoço diferenciado, ao plano de
saúde e ao transporte, dependendo do funcionário e da especialização/hierarquia deste.
Já na empresa de fruticultura voltada para exportação em Baraúna, as diferenças
ocorrem, mas são mais sutis, reveladas em entrevistas como “agrados” que só são
oferecidos ao corpo técnico/gerencial.
Nos dois Municípios aparecem muitas queixas sobre as empresas agrícolas e as
prováveis infrações na legislação trabalhista, dentre as quais podem-se citar: o não
pagamento de horas intineres por todas as empresas; a falta de ajuda no transporte até a
fazenda, por parte de algumas empresas de Baraúna; o excesso de horas extras nas
empresas dos dois Municípios; o não pagamento de horas extras pela multinacional Del
Monte Fresh Produce (chamado de “folha branca”).
Também foi observado o caráter formal e impessoal do tratamento da
multinacional Del Monte com os seus funcionários. Muitos deles não sabem onde estão,
nem quem são os donos, gerando assim uma especulação e uma mitologia em cima
dessas informações.
Já com a empresa de frutas de Baraúna analisada, todos os funcionários sabem
quem é o dono, todos têm algum tipo de relação supostamente informal com o dono e o
chamam pelo primeiro nome, pelo fato de ele estar próximo e presente praticamente
todos os dias dentro da empresa, em contraposição ao dono da Del Monte Fresh
Produce.
Sobre o eixo produtivo na década de 1990, nota-se que nos dois Municípios
houve uma mudança radical com a chegada das empresas de fruticultura irrigada, com o
crescimento monumental da produção agrícola de mercado voltada para a exportação de
frutas, bananas e mangas, em Ipanguaçu, e melão, em Baraúna.
Em contraposição, têm-se mais dados da queda da produção agrícola tradicional,
com o quase desaparecimento da produção tradicional de batata-doce em Ipanguaçu e
da produção de mandioca em Baraúna, além da queda de produção de todos os produtos
da agricultura tradicional, até o tradicional feijão.
Os produtos agrícolas de exportação de Baraúna e de Ipanguaçu, as chamadas
“frutas frescas”, vão ganhar o Mundo e as estatísticas nacionais e internacionais,
fazendo do estado do Rio Grande do Norte um dos maiores exportadores nacionais de
melão e de banana e inserindo com muito mais intensidade os referidos Municípios na
lógica globalizante das verticalidades, causando com isto ainda mais dependência
desses Municípios às decisões que vêm de fora e que são impostas ao lugar.
Na terceira e última série temporal, que vai focar os anos recentes - a década de
2000 -, dá-se um enfoque à chegada de políticas públicas com viés para a agricultura
familiar no campo e a possível modificação que essas políticas trouxeram para os
municípios analisados.
Tais políticas recentes foram inicialmente implantadas pelo Governo de
Fernando Henrique Cardoso, mas ganharam fôlego com a gestão do Presidente Luís
Inácio Lula da Silva, a partir de 2003, quando começa a nossa última série temporal.
As políticas que se destacaram mais e que afetaram a muitos no campo foram as
de crédito, o PRONAF e a Política de Crédito Fundiário e as desapropriações do
INCRA (além das políticas sociais do Bolsa-Família).
Neste trabalho, observa-se diretamente nos documentos de cartório a inserção da
Política de Crédito Fundiário, além das desapropriações do INCRA para a reforma
agrária.
Nos dois Municípios, essas políticas foram sentidas a partir da análise dos
documentos cartoriais da época (2003-2008). Trata-se das políticas de Crédito Fundiário
e de assentamentos do INCRA, as quais acarretaram mudanças significativas no
movimento de terras do Cartório de Ipanguaçu, que estava quase parado, em função do
monopólio de terras da Multinacional. Nota-se no cenário uma clara movimentação de
compra e venda, resultante da política de Crédito Fundiário em Ipanguaçu e uma
desapropriação recorde de quase 20.000 ha de terras, que gerou um movimento inédito
de assentados no Município.
Já em Baraúna, o movimento cartorial não refletiu com intensidade as políticas
de Crédito Fundiário nem as desapropriações do INCRA, que passaram despercebidas
na série histórica cartorial, pelo grande movimento no mesmo período de negócios
vinculados à compra e venda de terras por empresas de fruticultura e, em um segundo
momento, por empresas de cimento.
Já com relação às estatísticas do trabalho no referido período, tem-se uma
continuação do movimento notado na década de 1990, com um alto índice de
assalariamento com carteira assinada derivado das empresas de frutas, tanto em
Ipanguaçu quanto em Baraúna, com a repetição das mesmas relações de trabalho já
observadas na década anterior, com os seus referidos problemas. Só que se observou um
elemento a mais na equação das relações de trabalho nessas duas áreas, com o grande
número de assentados nos dois Municípios: a inserção de um contingente significativo
de assentados, tanto em Baraúna quanto em Ipanguaçu, no trabalho assalariado das
empresas de frutas, pela falta de infraestrutura e de oportunidades dos assentamentos do
INCRA.
Com relação ao eixo produtivo na década de 2000, mantém-se neste a mesma
tendência da década de 1990: a manutenção da hegemonia dos produtos de mercado
voltados para exportação nos dois Municípios, com a queda de produção dos produtos
tradicionais e voltados para a subsistência, mesmo com as novas políticas direcionadas
para a agricultura familiar. Com isto, reforçam-se as verticalidades, o meio técnico-
científico-informacional e a vinculação do lugar com o processo contemporâneo de
globalização da Agricultura.
Por fim, chegou-se à conclusão, com o referido trabalho, de que os dois
Municípios em questão se inseriram na lógica das verticalidades e do Mundo
Globalizado. Só que tal inserção ocorreu de maneira diferente: com particularidades em
cada um dos municípios. Foram observadas, por exemplo, níveis distintos de
intensidade em cada um deles, fruto de uma ação diferenciada na regulação e
intervenção do Governo, junto com a ação direta uma empresa multinacional – Del
Monte Fresh Produce – que fez a diferença na hora de qualificar a intensidade da
vinculação do local com o global.
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