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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL JOSIMEIRE DE OMENA LEITE AS MÚLTIPLAS DETERMINAÇÕES DO PROGRAMA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL PNAES NOS GOVERNOS LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA RECIFE 2015

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

    CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS

    PS-GRADUAO EM SERVIO SOCIAL

    DOUTORADO EM SERVIO SOCIAL

    JOSIMEIRE DE OMENA LEITE

    AS MLTIPLAS DETERMINAES DO PROGRAMA NACIONAL DE

    ASSISTNCIA ESTUDANTIL PNAES NOS GOVERNOS LUIZ INCIO LULA DA

    SILVA

    RECIFE

    2015

  • JOSIMEIRE DE OMENA LEITE

    AS MLTIPLAS DETERMINAES DO PROGRAMA NACIONAL DE

    ASSISTNCIA ESTUDANTIL PNAES NOS GOVERNOS LULA DA SILVA

    RECIFE

    2015

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em

    Servio Social da Universidade Federal de Pernambuco,

    como requisito obteno do ttulo de Doutora em Servio

    Social.

    rea de concentrao: Servio Social, movimentos sociais

    e direitos.

    Orientadora: Profa.Dra.Ana Cristina Brito Arcoverde.

  • Catalogao na Fonte

    Bibliotecria ngela de Ftima Correia Simes, CRB4-773

    L533m Leite, Josimeire de Omena As mltiplas determinaes do Programa Nacional de Assistncia

    Estudantil PNAES nos governos Luiz Incio Lula da Silva / Josimeire de

    Omena Leite. - Recife : O Autor, 2015.

    544 folhas : il. 30 cm.

    Orientadora: Prof. Dra. Ana Cristina Brito Arcoverde

    Tese (Doutorado em Servio Social) Universidade Federal de

    Pernambuco, CCSA, 2015.

    Inclui referncias, apndices e anexos.

    1. Estudantes universitrios Programas de desenvolvimento. 2.

    Estudantes Programas de Assistncia. 3. Estudantes auxlio financeiro. I.

    Arcoverde, Ana Cristina Brito (Orientadora). II. Ttulo.

    361.6 CDD (22.ed.) UFPE (CSA 2015 096)

  • A Laelson,

    esposo e amigo de todas as horas. Te amo!.

    A Larissa e Henrique, frutos desse amor e nosso tesouro.

    Aos meus familiares e amigas (os), pelo apoio e torcida.

    Aos estudantes, coautores e razo de ser deste estudo.

    Dedico

  • AGRADECIMENTOS

    A Nosso Senhor Jesus Cristo, a fora que me sustenta e alegria do meu corao.

    minha orientadora, Profa. Dra. Ana Arcoverde, pelas correes e apoio incondicional.

    Aos membros da banca examinadora: Prof. Dr. Daniel Alvares Rodrigues, Profa. Dra.

    Margarete Pereira Cavalcante, Profa. Dra. Maria Valria Costa Correia, Profa. Dra. Helena

    Lcia Augusto Chaves e Profa. Dra. Mnica Rodrigues Costa, pela disponibilidade de

    participarem e pelas valorosas contribuies pessoais.

    Aos professores doutores da Ps-Graduao em Servio Social da UFPE, que contriburam

    para a minha formao. De modo especial, s professoras Valdilene Viana, Elizabete Mota,

    ngela do Amaral, Julianne Peruzzo e ao professor Marco Mondaini.

    Ao prof. Dr. Rodrigo Castelo pelo incentivo e cujos escritos deram uma importante

    contribuio a este estudo.

    Ao Sidney Wanderley, pela preciosa reviso ortogrfica e gramatical.

    Agradeo de modo especial a Rose Mary Cota e Dijanah Cota pela acolhida em Recife.

    A sio e Rafael, pela generosidade em disponibilizar os documentos dos Congressos da UNE

    s amigas de caminhada Anglica, Silmara, Marins, Mrcia Iara e Martha Daniella , pelo

    carinho e a amizade.

    Agradeo de modo especial a todos os que fazem a Pr-Reitoria Estudantil PROEST/UFAL

    e a Pr-Reitoria para Assuntos Estudantis PROAES/UFPE, pelo grande apoio.

    Por fim, meus sinceros agradecimentos a todos os que fazem a Pr-Reitoria de Assuntos

    Estudantis PROAES/UFAC, o Departamento de Apoio ao Estudante DAEST-

    PROGESP/UFAM, a Pr-Reitoria de Assuntos Estudantis PRAE/UFPR, a Pr-Reitoria de

    Assuntos Estudantis PRAE/ UFRGS, a Superintendncia Geral de Polticas Estudantis-

    SUPEREST-UFRJ, a Pr-Reitoria de Assistncia Estudantil- PRAE/UFMT, a Diretoria de

    Desenvolvimento Social DDS/DAC/UnB e a Pr-Reitoria de Assuntos Estudantis

    PRAE/UNIFESP, que, de forma direta ou indireta, colaboraram para a realizao desta

    pesquisa.

  • Odeio os indiferentes [...] acredito que viver significa tomar partido [...] Sou militante, estou

    vivo, sinto nas conscincias viris que esto comigo a pulsar a atividade da cidadania futura,

    que estamos a construir.

    (Antnio Gramsci)

  • RESUMO

    A presente tese traz reflexo o tema Os determinantes do Programa Nacional de Assistncia

    Estudantil (PNAES) e sua materializao nas Instituies Federais de Ensino Superior

    brasileiras, no contexto do social-liberalismo. Objetiva analisar as mltiplas determinaes do

    PNAES nos governos Luiz Incio Lula da Silva e como esse programa responde a tais

    determinaes ao materializar-se nas IFES pesquisadas. O processo investigativo norteado

    pela seguinte questo: Quais so as determinaes do Programa Nacional de Assistncia ao

    Estudante PNAES no governo Luiz Incio Lula da Silva e como elas se materializam nas

    IFES? A que interesses o PNAES atende?. Com base no referencial terico gramsciano, a

    hiptese construda a de que o PNAES uma sntese de mltiplas determinaes, sendo

    determinado e determinante. Ele um conduto, uma via de mo dupla por onde circulam

    diferentes interesses, mas com a dominncia de um dos polos. O PNAES atende aos

    diferentes interesses de classes sob a ordem do capital: atende parte das reivindicaes das

    entidades estudantis e do FONAPRACE, e com isso prepara fora de trabalho qualificada e

    contribui para a coeso social e para a passivizao no interior das IFES, sob a ideologia da

    igualdade de oportunidades. Destacaram-se, nesta investigao, alguns conceitos como bloco

    histrico, a relao Estado x Sociedade Civil, hegemonia e revoluo passiva, formulados por

    Antnio Gramsci, bem como os conceitos de social-liberalismo, neodesenvolvimentismo,

    educao superior e assistncia ao estudante universitrio. No trajeto desta pesquisa buscou-

    se: identificar as reivindicaes da Unio Nacional de Estudantes, da Secretaria Nacional de

    Casas de Estudantes e do Frum Nacional dos Pr-Reitores de Assuntos Comunitrios e

    Estudantis, no campo da assistncia ao estudante universitrio, nos governos Luiz Incio Lula

    da Silva; descrever como o PNAES se materializa nas IFES brasileiras e a que interesses

    atende. Utilizou-se como procedimento metodolgico a pesquisa documental, cuja fonte o

    material emprico que constitui o corpus da pesquisa, especificamente os documentos

    produzidos pela UNE, SENCE e FONAPRACE no perodo 2003-2010, e os relatrios de

    gesto das IFES pesquisadas. Como estratgia terico-metodolgica do processo de

    investigao e anlise, esta pesquisa recorreu Anlise de Contedo, na perspectiva de

    Lawrence Bardin, elegendo a Anlise Temtica para desvelar os significados manifestos e

    latentes nos documentos produzidos pela UNE e SENCE. A trajetria analtica identifica os

    determinantes econmico, social e ideopoltico do PNAES e demonstra a tendncia de este

    materializar-se, na maioria das IFES pesquisadas, predominantemente sob a forma de auxlios

    diversos. Tal tendncia refora a figura do aluno-consumidor, impulsionando o PNAES a ir

    assumindo um perfil focalizador, compensatrio e assistencialista. Dentre as concluses,

    destacamos que o PNAES estratgico para o Estado estabelecer um consenso mnimo em

    torno da contrarreforma da educao superior, aprofundada pelo governo Lula sob o discurso

    da igualdade de oportunidade, e tambm para obter a passivizao do movimento estudantil

    no interior das IFES, o que contribui para a coeso social. A presente pesquisa ainda revela a

    contradio identificada na poltica de permanncia nas IFES: em tempos de contrarreforma

    (restaurao conservadora), com uma dosagem de transformismo, o governo de Luiz Incio

    Lula da Silva, ao instituir o PNAES, atende aos interesses do social e do capital ao mesmo

    tempo.

    Palavras-chave: Social-liberalismo. Neodesenvolvimentismo. Assistncia ao Estudante

    Universitrio. Programa Nacional de Assistncia Estudantil.

  • ABSTRACT

    The present thesis brings to the reflection the theme Determinants of the National Programme

    of Student Assistance (PNAES) and its materialization in the Brazilian Federal Institutions of

    Higher Education, in the social-liberal context. It aims to analyze the multiple determinations

    of PNAES in the of government Luiz Inacio Lula da Silva and how this program responds to

    such determinations when it materializes in the surveyed IFES. The investigative process is

    guided by the following question: What are the determinations of the National Programme of

    Assistance to Student - PNAES in the government of Luiz Inacio Lula da Silva and how they

    materialize in IFES? What interests the PNAES serves?. Based on Gramsci's theoretical

    reference, the hypothesis constructed is that the PNAES is a synthesis of multiple

    determinations, being determined and determinant. He is a conduit, a two-way street where

    circulates different interests, but with the dominance of one of the poles. The PNAES serves

    the different interests of classes in the order of capital: answer some of the claims of student

    organizations and FONAPRACE's, and it prepares skilled workforce and contributes to social

    cohesion and passivating within IFES, under the ideology of equal opportunities. Stood out in

    this research, some concepts like historical bloc, the relationship State x civil society,

    hegemony and passive revolution, formulated by Antonio Gramsci as well as the social-liberal

    concepts, neo-developmentism, higher education and assistance to college students. On the

    way of this research sought to: identify the claims of the National Student Union, the National

    Student Homes Secretariat and the National Forum of Pro-Rectors of Community and Student

    Issues in the field of assistance to college students, in the governments Luiz Inacio Lula da

    Silva; describe how the PNAES materializes in Brazilian IFES and to what interests it serves.

    It was used as a methodological procedure a documentary research, whose source is the

    empirical material that constitutes the corpus of research, specifically the documents produced

    by UNE, SENSE and FONAPRACE in the period 2003-2010, and surveyed IFES

    management reports. As a theoretical and methodological strategy of the research and

    analysis process, this research resorted to Analysis of Content, from the perspective of

    Lawrence Bardin, electing the Thematic Analysis to unveil the manifest and latent meanings

    in the documents produced by UNE and SENCE. The analytical trajectory identifies the

    economic, social and ideopoltico determinants in PNAES and demonstrates the tendency of

    this to materialize, in most surveyed IFES, predominantly in the form of several aid. This

    trend reinforces the image of "student-consumer," impelling the PNAES to assume a focalizer

    profile, compensatory and assistentialist. Among the conclusions, we emphasize that PNAES

    is strategic for the State to establish a minimum consensus about the contrary reform in higher

    education, depth by the Lula government, under the discourse of equality of opportunity, and

    also for the passivating of the student movement within the IFES , which contributes to social

    cohesion. This research also reveals the contradiction identified in the permanence policy in

    IFES: in times of contrary reform (conservative restoration), with a transformism dosage, the

    government of Luiz Inacio Lula da Silva, when instituted PNAES, serves the interests of

    social and capital at same time.

    Keywords: Social liberalism. Neo-developmentism. College Student assistance. National

    Program for Student Assistance.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Expanso da Rede Federal de educao superior no perodo (2003 a 2010)........ 229

    Figura 2. Recursos liberados para a assistncia estudantil a alunos das instituies federais de

    educao superior (2008 a 2011)............................................................................................382

    Figura 3: Distribuio geogrfica das Instituies Federais de ensino superior - IFES

    pesquisadas .............................................................................................................................383

    Figura 4 Participao percentual das reas de assistncia ao estudante, pesquisadas por

    regio e fonte(S) de Origem dos Recursos..............................................................................388

    Figura 5 Participao das reas de assistncia ao estudante, pesquisadas, por universidade e

    fonte de origem dos recursos..................................................................................................389

    Figura 6 Participao percentual das reas de assistncia ao estudante, pesquisadas, por

    universidade e fonte de origem dos recursos..........................................................................390

    Figura 7 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por universidade e fonte

    de origem dos recursos............................................................................................................402

    Figura 8 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por universidade e fonte

    de origem dos recursos............................................................................................................403

    Figura 9 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por universidade e fonte

    de origem dos recursos............................................................................................................405

    Figura 10 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por universidade e fonte

    de origem dos recursos............................................................................................................405

    Figura 11 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por universidade e fonte

    de origem dos recursos............................................................................................................406

    Figura 12 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por universidade e fonte

    de origem dos recursos............................................................................................................407

    Figura 13 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por universidade e fonte

    de origem dos recursos ............................................................................................... ........... 408

    Figura 14 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por universidade e fonte

    de origem dos recursos............................................................................................................409

    Figura 15 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por universidade e fonte

    de origem dos recursos............................................................................................................410

  • Figura 16 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por Universidade e fonte

    de origem dos recursos............................................................................................................411

    Figura 17- rea moradia estudantil: campi localizados em capitais ........................... .......... 420

    Figura 18 rea moradia estudantil: campi localizados em municpios ................... ........... 421

    Figura 19 rea moradia: novos campi inaugurados a partir de 2003 com a poltica de

    expanso e interiorizao das universidades federais.............................................................422

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 01 Documentos da UNE para identificar reivindicaes no campo da educao

    superior (2003 a 2006)............................................................................................................193

    Quadro 02 Documentos da UNE para Identificar Reivindicaes no Campo da Educao

    Superior (2007 a 2010)...........................................................................................................195

    Quadro 03 Documentos da UNE para Identificar Reivindicaes no Campo da Assistncia

    ao Estudante Universitrio (2003-2006)................................................................................ 197

    Quadro 04 Documentos da UNE para Identificar Reivindicaes no Campo da Assistncia

    ao Estudante (2007- 2010)......................................................................................................198

    Quadro 05 Documentos da SENCE para identificar reivindicaes no campo da assistncia

    ao estudante universitrio (2003 a 2010)...............................................................................200

    Quadro 06- Documentos do FONAPRACE (Reivindicaes)...............................................202

    Quadro 07 Documentos analisados (Mapeamento das aes de assistncia aos estudantes de

    graduao nas Ifes)..................................................................................................................217

    Quadro 08- Dos servios oferecidos, pelas IFES pesquisadas, por reas estratgicas do

    programa nacional de assistncia estudantil PNAES...........................................................468

    Quadro 09 - Aes/Programas do governo federal aps implementao do PDE no governo

    Lula da Silva...........................................................................................................................252

    Quadro 10 Adeso da UNE (gesto 2007-2009) s medidas de reforma universitria

    implementadas/encaminhadas pelo governo federal...............................................................253

    Quadro 11. Reivindicaes apresentadas pelos coletivos estudantis juventude rebelio (UJR),

    juventude revoluo e contraponto, no 51 congresso da UNE

    CONUNE................................................................................................................................256

    Quadro 12: Cartilha Projeto de Reforma Universitria dos Estudantes Brasileiros: propostas

    e crticas..................................................................................................................................259

    Quadro 13: Manifestaes de apoio ao governo Lula da Silva no 48 congresso da

    UNE........................................................................................................................................266

    Quadro 14: Crticas ao Governo Lula da Silva e UNE no 48

    Conune....................................................................................................................................273

    Quadro 15 - Reivindicaes da Une no campo da assistncia ao estudante no 51 congresso

    da UNE ano 2009.................................................................................................................352

  • Quadro 16 - Bandeiras de Luta/ Reivindicaes no XXXIV da ENCE, em

    2010.........................................................................................................................................358

    Quadro 17- Principais Reivindicaes do Fonaprace no Campo da Assistncia ao estudante

    universitrio, em 2010.............................................................................................................364

    Quadro 18 . Dados da III pesquisa do perfil socioeconmico e cultural dos estudantes de

    graduao das IFES (Fonaprace,

    2011).......................................................................................................................................367

    Quadro 19. reas estratgicas do Plano Nacional de Assistncia

    Estudantil................................................................................................................................375

    Quadro 20 - Aes de Assistncia Estudantil por Campus Universitrio e respectiva

    universidade ...........................................................................................................................496

    Quadro 21 Fontes de recursos das aes de assistncia ao estudante universitrio nas Ifes

    pesquisadas e por rea de utilizao........................................................................................385

    Quadro 22 Sntese dos resultados: Fonte de recursos utilizada nas reas do PNAES pelas

    IFES pesquisadas, que mais se destacaram nas tabelas de 7 a 19...........................................416

    Quadro 23 Sntese dos resultados: modalidade de aes de assistncia ao estudante, nas

    universidades pesquisadas, que mais se destacaram nas figuras de 7 a 14.............................525

    Quadro 24- rea moradia estudantil: campi localizados em capitais.....................................420

    Quadro 25 rea moradia estudantil: campi localizados em municpios..............................421

    Quadro 26- rea moradia: novos campi inaugurados a partir de 2003 com a poltica de

    expanso e interiorizao das universidades federais.............................................................422

  • LISTA TABELA

    Tabela 1 - Unidades de anlise/frequncia sobre a categoria reivindicaes da UNE No

    Campo da Educao Superior (2003-2006)........................................................................... 469

    Tabela 2 - Reivindicaes da Une no campo da assistncia ao estudante universitrio no

    perodo (2003-2006)...............................................................................................................484

    Tabela 3 - Reivindicaes da SENCE no campo da assistncia ao estudante universitrio no

    perodo (2003-2006)...............................................................................................................487

    Tabela 4 - Unidades de anlise/frequncia sobre a categoria reivindicaes da UNE no campo

    da educao superior (2007-2010)..........................................................................................476

    Tabela 4.1 Unidades de Anlise/Frequncia sobre as categorias Poltica Econmica e

    Transformismo da UNE (2007-2010).....................................................................................521

    Tabela 5 - Reivindicaes da UNE no campo da assistncia ao estudante universitrio no

    perodo (2007-2010)...............................................................................................................490

    Tabela 6 - Reivindicaes da SENCE no campo da assistncia ao estudante universitrio no

    perodo (2007-2010)...............................................................................................................494

    Tabela 7 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com moradia

    estudantil.................................................................................................................................391

    Tabela 8 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com

    alimentao.............................................................................................................................391

    Tabela 9 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com transporte

    estudantil.................................................................................................................................392

    Tabela 10 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com apoio

    pedaggico ao estudante ........................................................................................................393

    Tabela 11 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com incluso

    digital......................................................................................................................................393

    Tabela 12 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com

    cultura......................................................................................................................................394

    Tabela 13 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com

    creche......................................................................................................................................395

    Tabela 14 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com esporte

    .................................................................................................................................................395

  • Tabela 15 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com ateno

    sade .......................................................................................................................................396

    Tabela 16 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com acesso,

    participao e aprendizagem de estudantes com deficincia e transtornos.............................397

    Tabela 17 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com

    desempenho acadmico/permanncia.....................................................................................398

    Tabela 18 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com programa

    de ao afirmativa...................................................................................................................399

    Tabela 19 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com programa

    de ensino-pesquisa e extenso.................................................................................................400

  • LISTA DE SIGLAS

    AMI Acordo Multilateral de Investimentos

    ANDES Sindicato Nacional dos Docentes das Instituies de Ensino Superior

    BIRD Banco Internacional para a Reconstruo e o Desenvolvimento

    BM Banco Mundial

    CFESS Conselho Federal de Servio Social

    CEPAL Comisso Econmica para a Amrica Latina das Naes Unidas

    CF Constituio Federal

    CONEB Conselho Nacional de Entidades de Base

    CONEG Conselho Nacional de Entidades Gerais

    CONUNE Congressos nacionais da UNE

    CRESS Conselho Regional de Servio Social

    ENCE Encontro Nacional de Casas de Estudantes

    ENNECE Encontro Norte e Nordeste de Casas de Estudantes

    ERECE Encontro Regional Sul de Casas de Estudantes

    ERECE's Encontros Regionais de Casas de Estudantes

    EZLN Exrcito Zapatista de Libertao Nacional

    FAAP Fundao Armando Alvares Penteado

    FIES O Programa de Financiamento Estudantil

    FIESP Federao das Indstrias do Estado de So Paulo

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    FONAPRACE Frum Nacional de Pr-reitores de Assunto Comunitrios e Estudantis

    IED Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial

    IETS Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade

    IFES Instituies Federais de Ensino Superior

    INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

    LOAS Lei Orgnica da Assistncia Social

    MCE Movimento de Casas de estudantes

    MEC Ministrio da Educao

    MRS Movimento Rumo ao Socialismo

    OMC Organizao Mundial do Comrcio

    PCR Partido Comunista Revolucionrio

    PDE Plano de Desenvolvimento da Educao

    PNADs Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios

    PNE Plano Nacional da Educao

    PNAES Programa Nacional de Assistncia Estudantil

    PROUNI Programa Universidade para Todos

    PSOL Partido Socialismo e Liberdade

    PSTU Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados

    SENCE Secretaria Nacional de Casas de Estudantes

    SINAES Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior

    SUAS Sistema nico de Assistncia Social

    UNE Unio Nacional dos Estudantes

    https://www.google.com.br/search?rlz=1C1KMZB_enBR601BR601&espv=2&biw=1093&bih=534&site=webhp&q=banco+internacional+para+a+reconstru%C3%A7%C3%A3o+e+o+desenvolvimento&revid=574891258&sa=X&ved=0CHAQ1QIoAGoVChMI_6jK0pKRxgIVwtGACh0rHQByhttps://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0CB0QFjAAahUKEwinubTPlpHGAhXF4oAKHYBjAFs&url=http%3A%2F%2Fwww.cfess.org.br%2F&ei=xn5-Vae-EcXFgwSAx4HYBQ&usg=AFQjCNE7VF11-g3LBUdYs41vGWRDZGv23w&bvm=bv.95515949,d.eXYhttps://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=3&cad=rja&uact=8&sqi=2&ved=0CC4QFjACahUKEwj04KX_lpHGAhUBgw0KHS1nClw&url=http%3A%2F%2Fwww.econ.puc-rio.br%2Fdatazoom%2Fportugues%2Fpnad.html&ei=Kn9-VfSjK4GGNq3OqeAF&usg=AFQjCNEK2y_C1tAxXDHOJtoHYCNkH6ALBw&bvm=bv.95515949,d.eXY

  • SUMRIO

    INTRODUO ....................................................................................................... .............. 20

    1 ASCENSO E CRISE DA PROPOSTA NACIONAL-DESENVOLVIMENTISTA

    E A PERSPECTIVA NEOLIBERAL DE DESENVOLVIMENTO ................... .............. 32

    1.1 Bloco Histrico, a Relao Estado x Sociedade Civil, Hegemonia e Revoluo

    Passiva: contribuies do Pensamento Gramsciano............................................. .............. 32

    1.1.1 Sobre o conceito de bloco histrico ................................................................ ................ 32

    1.1.2 A relao Estado x sociedade civil no pensamento de Antnio Gramsci ....... ................ 34

    1.1.3 A centralidade do conceito de hegemonia nos escritos de Gramsci ............... ................ 39

    1.1.3.1 A relao hegemonia e intelectual orgnico................................................................ 44

    1.1.3.2 Hegemonia e a filosofia da prxis ........................ ................................................48

    1.1.4 Hegemonia e revoluo passiva: a dialtica da passivizao no pensamento

    Gramsciano ............................................................................................................... ................ 51

    1.2 Ascenso e Crise da Proposta Nacional-Desenvolvimentista e a Perspectiva

    Neoliberal de Desenvolvimento: uma Nova Forma Histrica de Dependncia ............... 63

    1.2.1 A atualizao da dominao capitalista no mundo contemporneo: a face reformista de

    restaurao/conservao e os padres de dominao externa na Amrica Latina ... ............... 63

    1.2.2 A revoluo passiva: um recurso interpretativo no caso retardatrio de desenvolvimento

    capitalista brasileiro .................................................................................................. ............... 69

    1.2.3 A Amrica Latina: ascenso e crise do desenvolvimentismo e a reformulao do

    pensamento cepalino a partir dos anos 1990 ............................................................ ............... 74

    1.2.4 A poca neoliberal: revoluo-restaurao ou restaurao? ......................... .............. 84

    1.2.5 As novas exigncias do capitalismo em nvel mundial a partir da crise dos anos 1970 e a

    hegemonia da ortodoxia neoliberal............................................................................ .............. 88

    1.2.6 Asceno e crise do nacional-desenvolvimentismo e a hegemonia do modelo neoliberal

    de desenvolvimento no Brasil contemporneo .......................................................... .............. 98

  • 2 O SOCIAL-LIBERALISMO INTERNACIONAL, EDUCAO E A

    ASSISTNCIA AO ESTUDANTE UNIVERSITRIO NO CONTEXTO DO

    NEODESENVOLVIMENTISMO E DO SOCIAL LIBERALISMO BRASILEIRO..109

    2.1 O Social-Liberalismo Internacional: uma Nova Estratgia de Legitimao do

    Consenso em Torno da Atual Sociabilidade Burguesa ........................................ .............109

    2.1.1 Crise e recomposio do bloco histrico neoliberal: a incorporao de uma agenda

    social ........................................................................................................................... ............ 109

    2.1.2 A Terceira Via: estratgia ideopoltica de reorganizao da hegemonia burguesa em

    tempos neoliberais ..................................................................................................... .............123

    2.1.3 Princpios e estratgias do programa poltico da Terceira Via ........................ .............134

    2.1.4 A crtica ao social-liberalismo ......................................................................... .............140

    2.2 Equidade, Educao e a Assistncia ao Estudante Universitrio no Contexto do

    Neodesenvolvimentismo e do Social Liberalismo Brasileiro ............................. ............ 145

    2.2.1 Equidade social e educao no contexto do social-liberalismo brasileiro ........ ............ 145

    2.2.2 O pacto social-liberal brasileiro na perspectiva de Bresser Pereira .................. ............ 155

    2.2.3 O novo desenvolvimentismo como um terceiro discurso e como estratgia nacional de

    desenvolvimento no pensamento Bresseriano ............................................................ ............ 162

    2.2.4 Sobre as bases do novo desenvolvimentismo no Brasil: a poltica educacional e a

    democratizao das oportunidades ............................................................................. ............ 170

    2.2.5 O Programa Nacional de Assistncia Estudantil PNAES .............................. ............ 173

    3 O MOVIMENTO DE APROXIMAO AO REAL: EM BUSCA DAS

    DETERMINAES DO PNAES ........................................................................... ............ 180

    3.1 Sobre o Arcabouo Terico-Metodolgico da Pesquisa .............................. ............ 180

    3.2 O Instrumento Metodolgico para o Tratamento de Dados da Pesquisa .. ............ 191

    3.3 Definio da Amostragem, Coleta de Dados, Organizao e Anlise dos Dados.. 213

    4 OS DETERMINANTES DO PROGRAMA NACIONAL DE ASSISTNCIA

    ESTUDANTIL PNAES, NO CAMPO DA EDUCAO SUPERIOR, NOS

    GOVERNOS LUIZ INCIO LULA DA SILVA .................................................. ............ 219

    4.1 As Reivindicaes da UNE no Campo da Educao Superior na Primeira Gesto

    do Governo Luiz Incio Lula da Silva ..................................................................... .......... 219

    4.2 As Reivindicaes da UNE no Campo da Educao Superior na Segunda Gesto

    do Governo Luiz Incio Lula da Silva ..................................................................... .......... 240

    4.3 Determinantes Ideopolticos do PNAES no Contexto da Contrarreforma da

    Educao Superior nos Governos Luiz Incio Lula da Silva (2003-2010) .......... ............ 263

  • 5 OS DETERMINANTES DO PNAES NAS REIVINDICAES DO

    MOVIMENTO ESTUDANTIL E DO FONAPRACE, NOS GOVERNOS LUIZ INCIO

    LULA DA SILVA ...................................................................................................... .......... 298

    5.1 As Reivindicaes da UNE, SENCE e FONAPRACE no Campo da Assistncia ao

    Estudante Universitrio, na Primeira Gesto do Governo Lula da Silva ............ .......... 298

    5.1.1 As reivindicaes da UNE no campo da assistncia ao estudante universitrio, na

    primeira gesto do governo Luiz Incio Lula da Silva ............................................... ........... 298

    5.1.2 As reivindicaes da SENCE no campo da assistncia ao estudante, na primeira gesto

    do governo Luiz Incio Lula da Silva ........................................................................ ............ 306

    5.1.3 As reivindicaes do Frum Nacional de Pr-reitores de Assuntos Comunitrios e

    Estudantis FONAPRACE, na primeira gesto do governo Luiz Incio Lula da Silva.........320

    5.2 As Reivindicaes da UNE, SENCE e FONAPRACE no Campo da Assistncia ao

    Estudante Universitrio, na Segunda Gesto do Governo Lula da Silva ............. .......... 340

    5.2.1 As reivindicaes da Unio Nacional dos Estudantes UNE no campo da assistncia ao

    estudante na segunda gesto do governo Luiz Incio Lula da Silva ........................... .......... 340

    5.2.2 As reivindicaes da Secretaria Nacional de Casas dos Estudantes SENCE, no campo

    da assistncia ao estudante universitrio, na segunda gesto do governo Luiz Incio Lula da

    Silva ............................................................................................................................ .......... 354

    5.2.3 As reivindicaes do Frum Nacional de Pr-Reitores de Assuntos Comunitrios e

    Estudantis FONAPRACE, no campo da assistncia ao estudante universitrio, na segunda

    gesto do governo Luiz Incio Lula da Silva .............................................................. .......... 360

    6 A MATERIALIZAO DO PROGRAMA NACIONAL DE ASSITNCIA AO

    ESTUDANTE - PNAES NAS INSTITUIES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR

    BRASILEIRAS .......................................................................................................... .......... 373

    6.1 O Programa Nacional de Assistncia Estudantil PNAES: Base Legal, Objetivos e

    reas Estratgicas ..................................................................................................... .......... 373

    6.2 A Materializao do Programa Nacional de Assistncia ao Estudante nas IFES

    Brasileiras ................................................................................................................... .......... 382

    6.3 O Programa Nacional de Assistncia ao Estudante PNAES enquanto um

    determinante .............................................................................................................. .......... 412

    7 A SNTESE DAS MLTIPLAS DETERMINAES DO PNAES NOS

    GOVERNOS DE LUIZ INCIO LULA DA SILVA ............................................. .......... 426

    REFERNCIAS ................................................................................................. .......... 449

    APNDICE ADos servios oferecidos, pelas IFES pesquisadas, por reas

    estratgicas do Programa Nacional de Assistncia Estudantil PNAES ............ ............ 468

    APNDICE BUnidades de Anlise/Frequncia sobre a categoria Reivindicaes

    da Une no campo da educao superior (2003-2006) .......................................... .......... 469

  • APNDICE CUnidades de Anlise/Frequncia sobre a categoria Reivindicaes

    da Une no campo da educao superior (2007-2010) ......................................... .......... 476

    APNDICE DReivindicaes da UNE no campo da assistncia ao estudante

    universitrio no perodo 2003-2006 .............................................................. .................484

    APNDICE EReivindicaes da SENCE no campo da assistncia ao estudante

    universitrio no perodo 2003-2006 .................................................................... .......... 487

    APNDICE FReivindicaes da UNE no campo da assistncia ao estudante

    universitrio no perodo 2007-2010 ..................................................................... .......... 490

    APNDICE GReivindicaes da SENCE no campo da assistncia ao estudante

    universitrio no perodo 2007-2010 ..................................................................... .......... 494

    APNDICE HAes de Assistncia Estudantil por Campus Universitrio e

    Respectiva Universidade ..................................................................................... ............ 496

    APNDICE IUnidades de anlise/frequncia sobre as categorias Poltica Econmica e

    Transformismo da UNE (2007-2010) .................................................................. .......... 521

    APNDICE JSntese dos resultados: modalidade de aes de assistncia ao estudante,

    nas universidades pesquisadas, que se destacaram nas figuras de 7 a 14 ............ ............ 525

    APNDICE LAes de assistncia estudantil e respectivas fontes de recursos, por

    universidade pesquisada ....................................................................................... .......... 526

    ANEXO APortaria normativa n 39, 12 de dezembro de 2007 ......................... .......... 542

    ANEXO BDecreto 7.234, de 19 de julho de 2010 ............................................. .......... 543

  • 20

    INTRODUO

    A presente tese traz reflexo o tema Os determinantes do Programa Nacional de

    Assistncia Estudantil (PNAES) e sua materializao nas Instituies Federais de Ensino

    Superior brasileiras - IFES, no contexto do social-liberalismo. O objeto de anlise a relao

    entre os determinantes do PNAES e a resposta deste programa a tais determinaes ao

    materializar-se nas Instituies Federais de Ensino Superior brasileiras.

    O processo de aproximao ao referido objeto efetiva-se na perspectiva de existncia

    da totalidade social. Desse modo, admite-se que, historicamente, ganha forma e expresso no

    mbito da educao superior pblica federal brasileira a assistncia ao estudante universitrio

    e que esta no apenas transversal, mas orgnica poltica de educao superior.

    Nos anos 1990, em uma conjuntura neoliberal, a assistncia ao estudante universitrio

    estava merc da sensibilidade e da vontade poltica dos gestores das Instituies Federais de

    Ensino Superior. Nessa conjuntura scio-histrica, difundia-se a ideia de que nas

    universidades federais a elite era maioria, viso esta predominante at mesmo no interior do

    prprio MEC. No limiar dos anos 2000, os social-liberais brasileiros defendiam esta

    concepo ao afirmarem que o Estado brasileiro mantinha privilgios, com um gasto

    considervel na rea social, beneficiando, sobretudo, os no-pobres (IETS, 2001). A viso

    de que a elite era maioria nas IFES era, tambm, divulgada pela Secretaria de Poltica

    Econmica do Ministrio da Fazenda que, em 2003, defendia a democratizao do acesso ao

    ensino superior pela via privatista.

    consensual que nos anos 1990 iniciou-se no Brasil, e de forma mais acentuada no

    governo de FHC, um processo de ajustamento do projeto poltico nacional nova ordem

    mundial. Esse ajuste perpassava todas as esferas de ao do Estado, inclusive a educao

    superior, que passou a constituir-se em alvo de incisiva poltica oficial norteada pela tica e

    racionalidade econmicas neoliberais.

    Em meados dos anos 1990, em um contexto de ajuste estrutural, o Banco Mundial,

    atravs do documento La Enseanza Superior Las lecciones derivadas de la experiencia

    (1995), j traava algumas linhas prioritrias para a reforma do ensino superior, propondo a

    diferenciao institucional e a diversificao das fontes de recursos para a educao superior

    pblica. Neste documento, a assistncia ao estudante era tida como custos no educacionais

    e geradora de gastos pblicos. A partir desse pressuposto, o banco incentivava o governo

    brasileiro a extinguir alojamentos e restaurantes no interior das IFES e a investir na

  • 21

    assistncia ao estudante pobre nas instituies privadas de ensino atravs de bolsas,

    especificamente para aqueles estudantes academicamente qualificados.

    Assim, em toda a dcada de 90 do sculo XX, tornou-se visvel e preocupante para o

    Frum Nacional dos Pr-Reitores de Assuntos Comunitrios e Estudantis FONAPRACE e

    para o movimento estudantil universitrio a inexistncia de recursos em nvel nacional para a

    manuteno da assistncia estudantil no espao universitrio. A desestruturao da assistncia

    ao estudante em algumas IFES brasileiras, j precarizadas pelos cortes nos gastos pblicos

    efetivados pelo governo federal, levou falta de manuteno/extino de programas

    essenciais, como os de moradia estudantil e de restaurantes universitrios, dificultando a

    permanncia do estudante de baixa renda no ensino superior pblico.

    Em face do descaso dos sucessivos governos com a educao superior pblica,

    principalmente no que diz respeito assistncia ao estudante, tanto o Frum Nacional dos

    Pr-Reitores de Assuntos Comunitrios e Estudantis - FONAPRACE como o movimento

    estudantil, atravs da Unio Nacional dos Estudantes - UNE e da Secretaria Nacional de

    Casas de Estudantes - SENCE, realizaram vrios encontros regionais e nacionais e elaboraram

    documentos, cuja preocupao girava em torno do fato da no existncia de um oramento

    especfico destinado implementao de uma poltica de assistncia ao estudante. Assim,

    durante mais de uma dcada, a luta desses sujeitos coletivos, em um contexto ideopoltico

    adverso, era pelo retorno da rubrica especfica para a assistncia ao estudante universitrio e

    pela implementao de uma poltica nacional de assistncia estudantil por parte do governo

    federal.

    No incio dos anos 2000, o contato direto, como assistente social da Pr-Reitoria de

    Assistncia Estudantil-PROEST /UFAL, com os problemas decorrentes da inexistncia de

    recursos, em nvel nacional, para a manuteno da assistncia estudantil no espao

    universitrio motivou o estudo, no mestrado da UFPE, da assistncia ao estudante

    universitrio. Esse estudo tambm proporcionou o entendimento do processo de

    desestruturao da assistncia ao estudante nas IFES brasileiras, acima explicitado, decorrente

    da poltica neoliberal adotada pelo governo Fernando Henrique Cardoso.

    Apenas no segundo mandato do governo Lula ocorreu a criao do Programa Nacional

    de Assistncia Estudantil PNAES, institudo inicialmente pela Portaria Normativa n 39, de

    12 de dezembro de 2007, do ento ministro da educao Fernando Haddad. Nela constava que

    tal programa seria implementado a partir de 2008, como de fato ocorreu a partir do ms de

    janeiro deste ano. Finalmente, em 19 de julho de 2010 o Programa Nacional de Assistncia

    Estudantil - PNAES, que era uma portaria do MEC, foi sancionado no decreto presidencial de

  • 22

    n 7.234, consolidando-se como programa de governo. Esse acontecimento foi muito

    propalado e comemorado pelos Pr-Reitores que lidavam diretamente com a assistncia ao

    estudante e pelo movimento estudantil universitrio. Finalmente a assistncia ao estudante

    universitrio, que durante todo o governo neoliberal de FHC encontrava-se sob a lgica de

    conteno dos gastos pblicos, passa, na segunda gesto do governo Lula, a ser centralizada

    pelo Estado.

    Assim, sob o slogan Brasil sem misria e com o discurso de igualdade de

    oportunidade, o governo instituiu o Programa Nacional de Assistncia Estudantil PNAES,

    em um contexto ideopoltico no qual ganhavam fora e expresso as vozes do estudantes

    universitrios, cujas reivindicaes, no perodo de 2003 a 2010, giravam em torno do tema da

    democratizao da educao superior com equidade; isso, implicava a garantia de acesso e

    permanncia dos estudantes nas IFES. Vale ressaltar que a institucionalizao da assistncia

    ao estudante nas IFES brasileiras, atravs do decreto 7.234 de julho de 2010, deu-se em um

    contexto no qual o bloco ideolgico novo desenvolvimentista afirma que o Brasil vivia uma

    etapa do desenvolvimento capitalista que conjugava crescimento econmico e justia social.

    A inteno de investigar o conjunto dos aspectos subjacentes a este fenmeno

    contemporneo, tendo por fim entender o que determinou a instituio de um PNAES na

    segunda gesto do governo Lula, aliada certeza de que h uma oculta verdade da coisa

    distinta dos fenmenos que se manifestam imediatamente (KOSIC, 1976), levou

    formulao da seguinte questo investigativa: Quais so as determinaes do Programa

    Nacional de Assistncia ao Estudante PNAES no governo Luiz Incio Lula da Silva e como

    elas se materializam nas IFES? A que interesses o PNAES atende?.

    Para responder a este problema, com o desenvolvimento da pesquisa, partiu-se da

    hiptese de que o PNAES uma sntese de mltiplas determinaes, sendo determinado e

    determinante. Ele um conduto, uma via de mo dupla por onde circulam diferentes

    interesses, mas com a dominncia de um dos polos. O PNAES atende aos diferentes interesses

    de classes sob a ordem do capital: atende parte das reivindicaes das entidades estudantis e

    do FONAPRACE, e com isso prepara fora de trabalho qualificada e contribui para a coeso

    social e para a passivizao no interior das IFES, sob a ideologia da igualdade de

    oportunidades.

    Portanto, o objetivo geral desta investigao analisar as mltiplas determinaes do

    Programa Nacional de Assistncia Estudantil nos governos Luiz Incio Lula da Silva e como

    esse programa responde a tais determinaes ao materializar-se nas IFES. Para se atingir o

    objetivo proposto, foram consideradas trs dimenses analticas principais, expressas nas

  • 23

    seguintes questes norteadoras: A quais reivindicaes o PNAES atende? Como e para qu

    atende?. Os objetivos especficos da presente tese so balizados pelos seguintes tpicos de

    investigao: identificar as reivindicaes da UNE, SENCE e FONAPRACE, no campo da

    assistncia ao estudante universitrio, nos governos Luiz Incio Lula da Silva; descrever

    como o PNAES se materializa nas Instituies Federais de Ensino Superior brasileiras e

    demonstrar a que interesses a produo de um Programa Nacional de Assistncia Estudantil

    atende.

    O caminhar do pensamento no sentido de aproximaes sucessivas ao fenmeno

    investigado, em sua singularidade, teve o propsito de descobrir as mediaes que levam

    deste particularidade e generalidade. No intuito de passar do concreto inicialmente

    representado s abstraes progressivamente mais sutis, at se alcanar as determinaes mais

    simples (MARX, 1989), destacaram-se, nesta investigao, alguns conceitos como bloco

    histrico, a relao Estado x Sociedade Civil, hegemonia, revoluo passiva, social-

    liberalismo, neodesenvolvimentismo, educao superior e assistncia ao estudante

    universitrio. Tais conceitos formataram o discurso terico que organizou a pesquisa, nela

    constando as definies necessrias para fazer surgir, do caos inicial, o objeto especfico

    com seus contornos gerais (MINAYO, 1998, p. 98).

    Antnio Gramsci define bloco histrico como sendo o nexo real e indissolvel entre

    estrutura (conjunto das relaes materiais) e superestrutura (conjunto das relaes ideolgica

    e culturais) e aduz que, para o seu completo funcionamento, devem ser institudos vnculos

    orgnicos entre esses dois nveis imprescindveis do real. Demonstra que a edificao e a

    manuteno desses vnculos funo dos intelectuais (orgnicos e tradicionais) que criam e

    difundem ideologias, cimentando tais vnculos, organizando e gerindo o consenso, a

    hegemonia e utilizando uma dosagem de coero.

    Sobre a relao Estado x Sociedade Civil v-se que, para Gramsci, as superestruturas

    do bloco histrico formam um conjunto bastante complexo, distinguindo em seu interior duas

    importantes esferas: a sociedade poltica e a sociedade civil, estreitamente imbricadas no seio

    da superestrutura. Gramsci ainda destaca que, no mbito da sociedade civil, as classes

    procuram exercer sua hegemonia buscando aliados para os seus projetos atravs da direo

    poltica e do consenso, e por meio da sociedade poltica (Estado no sentido estrito ou

    Estado-coero), exerce-se sempre uma ditadura, uma dominao fundada na coero. Este

    filsofo tambm afirma a no separao entre sociedade civil e Estado e assevera que o

    Estado a expresso, no terreno das superestruturas, de uma determinada forma de

    organizao social da produo.

  • 24

    O conceito de hegemonia entendido por Gramsci como direo moral e poltica de

    uma classe, que detm o poder sobre os grupos afins ou aliados, ou seja, sobre todo o

    conjunto da sociedade. Para ele, a hegemonia implica, alm da ao poltica, a construo de

    uma determinada moral, de uma concepo de mundo. Tal conceito refere-se capacidade de

    uma classe social unificar, em torno de seu programa poltico e de seu projeto de sociedade,

    um bloco de foras no homogneas, abalizado por contradies no interior da prpria classe.

    A trajetria analtica faz, tambm, uma discusso sobre revoluo passiva,

    recuperando-se a raiz do conceito na anlise feita por Gramsci dos dois ciclos de revoluo

    passiva: do Risorgimento e do americanismo-fordismo. Tal conceito, elaborado por Vincenzo

    Cuoco, foi tomado por Gramsci como critrio interpretativo da histria da construo do

    Estado nacional italiano, sendo utilizado na compreenso de outros processos de transio

    tardia ao capitalismo, mais especificamente, as formas que este assumiu no processo de

    modernizao capitalista brasileira. A inteno foi compreender a dialtica da passivizao

    que se processou em pases que modernizaram o Estado, atravs de projetos reformistas, sem

    recorrer a uma ruptura revolucionria.

    Nesse campo de anlise, discute-se o transformismo um conceito que surge nos

    escritos de Antnio Gramsci e que aparece quase sempre ligado noo de revoluo passiva

    entendido como uma das formas histricas do que foi observado sobre a revoluo-

    restaurao ou revoluo passiva, no processo de formao do Estado moderno na Itlia.

    Indubitavelmente, este conceito indica um dos elementos constitutivos do mecanismo geral

    de hegemonia, podendo-se, atravs dele, estabelecer certas analogias histricas, tornando-se

    til seu emprego como critrio de interpretao da histria contempornea dos grupos de

    esquerda, sobremodo diante de um fenmeno, no Brasil, de deslocamento da esquerda para

    o terreno da concepo burguesa de mundo. Os idelogos do social-liberalismo e do

    neodesenvolvimentismo, passam a atuar, na prtica, como intelectuais, ou elementos ativos da

    classe dominante e cogestores dos interesses do capital.

    Quanto ao social-liberalismo internacional, este se constitui como uma nova estratgia

    de legitimao do consenso em torno da atual sociabilidade burguesa. A partir de meados dos

    anos 1990, as crises financeiras em vrios pases, as resistncias antisistmicas e a

    preocupao de que tais mobilizaes colocassem em risco as bases de governabilidade,

    levaram forosamente o neoliberalismo a fazer uma reviso de suas posies polticas e

    ideolgicas devido ao recrudescimento da pobreza e da desigualdade social a nvel mundial.

    Segundo Castelo (2011), a resultante desse processo foi a criao do social-liberalismo

  • 25

    identificado, por ele, como a segunda variante ideolgica do neoliberalismo que surgiu para

    restaurar o bloco histrico neoliberal dos abalos sofridos nos anos 1990.

    Com o fim de demonstrar que o social-liberalismo uma nova estratgia de

    legitimao do consenso em torno da atual sociabilidade burguesa, o estudo versa sobre o

    papel daquele na manuteno do projeto reformista restaurador da burguesia no sculo XXI,

    demonstrando que a chamada Terceira Via constitui-se em um projeto poltico e ideolgico

    que apresenta uma clara inteno de colocar-se alm da direita liberal e da esquerda socialista.

    Aborda ainda que, ao buscar uma base diferente de ordem social onde haja um equilbrio

    entre o governo, o mercado e a sociedade civil, a poltica da Terceira Via configura-se como

    um vigoroso programa poltico voltado a orientar a chamada poltica radical de centro, que

    cada vez mais vem obtendo apoio de partidos, de governos de vrios pases e de organizaes

    da sociedade civil vinculadas ao campo empresarial.

    Em uma aproximao ao objeto de estudo, tambm tratada a questo da equidade, da

    educao e da assistncia ao estudante universitrio no contexto do neodesenvolvimentismo e

    do social liberalismo brasileiro.

    Recorrendo-se a autores da tradio marxista, o estudo faz uma pertinente crtica

    perspectiva revisionista da Cepal. Demonstra que esta props a equidade social como forma

    de garantir condies de integrao e incluso sociais compatveis com a acumulao do

    capital. Tambm revela que nesta perspectiva, no se tem em vista a busca da justia social

    igualitria, mas o ajuste da desigualdade social, para que ela se justifique e torne-se

    compatvel com as novas condies de expanso do capital.

    O presente estudo tambm se debrua sobre o pensamento social-liberal, que ganhou

    forma e expresso a partir de meados dos anos 1990 no Brasil, explicitando a defesa por parte

    dos social-liberais nacionais de que o Estado estruture e implemente polticas sociais de perfil

    focalista, filantrpico e assistencialista para o combate s principais expresses da questo

    social, embasadas teoricamente no conceito de equidade. Ainda explicita que os pressupostos

    defendidos pelos principais expoentes do social-liberalismo brasileiro, no limiar do sculo

    XXI, convergiam para a proposta cepalina do incio dos anos 90 do sculo XX, em que a

    educao era entendida como um ativo do portflio de investimento de um determinado

    indivduo.

    Para esses idelogos, o Estado brasileiro deveria, a todo custo, investir na formao

    do chamado capital humano, pois os retornos sociais seriam altos se comparados com outras

    polticas sociais. Para esses idelogos do social-liberalismo brasileiro, a diminuio dos nveis

  • 26

    de pobreza reagiria de forma mais rpida s polticas compensatrias (transferncia direta de

    renda aos mais necessitados) e estruturais (democratizao dos ativos educao).

    O pensamento social-liberal, tanto nos pases centrais como nos perifricos, defendia

    que as lutas de classe gradativamente dessem lugar a uma concertao social,

    institucionalizao de conflitos. Os estudos de Castelo (2011) vem demostrar que os

    idelogos nacionais do social-liberalismo apostavam no consenso poltico entre classes e

    grupos sociais como soluo para os problemas do pas, conclamando os partidos polticos a

    abandonar a competio de projetos polticos dissemelhantes e adotar a cooperao como

    prtica usual, unindo os esforos no combate pobreza e s desigualdades sociais.

    Bresser-Pereira, o principal expoente de uma das correntes do chamado novo-

    desenvolvimentismo, a macroeconomia estruturalista do desenvolvimentismo, versa sobre o

    Pacto Social-Liberal Brasileiro. Como um exmio estrategista liberal e nacionalista, traa um

    escopo poltico-ideolgico que se caracteriza como uma estratgia para a recomposio

    capitalista nacional, ao colocar a concepo de nao no centro de sua proposta e propor um

    grande acordo nacional que permitiria a formao de uma sociedade dotada de um Estado

    com capacidade para formular uma estratgia nacional de desenvolvimento.

    O supracitado idelogo trata do Novo-Desenvolvimentismo como um Terceiro

    Discurso e como estratgia nacional de desenvolvimento. Demonstra que esse terceiro

    discurso alinha-se, indubitavelmente, a um dos princpios e estratgias do programa poltico

    da Terceira Via, voltado consolidao da hegemonia burguesa: a sociedade civil ativa.

    Esta, considerada pelos idelogos como um espao de coeso e de ao social, situada entre o

    aparelho de Estado e o mercado, viria a ser o lcus da ajuda mtua, da colaborao, da

    solidariedade e da harmonizao das classes sociais. Bresser defende que um elemento

    essencial da nova estratgia nacional de desenvolvimento seria a edificao de uma sociedade

    de consumo de massa; assinala que as empresas produtoras ou distribuidoras de bens de

    consumo j teriam notado esse fato e que, nos ltimos anos, um dos grandes desafios

    enfrentados por elas era o de alcanar as categorias C e D.

    Nesse contexto ideopoltico ganham destaque o pensamento de Alozio Mercadante,

    como sendo o principal expoente de uma das correntes do novo-desenvolvimentismo: a social

    desenvolvimentista. Para este idelogo, a dinamizao do mercado interno foi edificada por

    uma slida poltica social e que a particularidade do governo Lula residia no fato de que o

    crescimento econmico foi acompanhado por um bem-sucedido esforo de distribuio de

    renda, pela incorporao dos excludos ao mercado de consumo e pela ampliao das

    oportunidades para os segmentos mais pobres da sociedade. O estudo identificou em seus

  • 27

    escritos a defesa de que a ampliao das oportunidades englobava a ampliao de

    oportunidades educacionais, decorrente da inflexo realizada pelo governo Lula nas

    polticas sociais.

    Mercadante, ao tratar sobre a poltica educacional e a democratizao das

    oportunidades, enfatiza que, a partir de 2003, a poltica educacional voltou-se prioritariamente

    para a democratizao do acesso educao, com a garantia de permanncia e sucesso

    escolar. Este economista ilustrou como um dos grandes feitos do governo Lula a criao, na

    sua segunda gesto, do Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das

    Universidades Federais (Reuni) e do Programa Nacional de Assistncia Estudantil (PNAES).

    Quanto Poltica de Assistncia ao Estudante Universitrio, a trajetria analtica

    revela que esta no rea de poltica de Estado, mas sim uma poltica de governo. O

    Programa Nacional de Assistncia Estudantil PNAES formado por um conjunto de aes

    de corte assistencial, que se formata no interior de uma poltica pblica: a poltica de

    educao superior.

    Apenas no segundo mandato do governo Lula que ocorreu a criao do Programa

    Nacional de Assistncia Estudantil PNAES, institudo inicialmente pela Portaria Normativa

    n 39, de 12 de dezembro de 2007, do ento ministro da educao Fernando Haddad. Nela

    constava que tal programa seria implementado a partir de 2008. Finalmente, em 19 de julho

    de 2010 o Programa Nacional de Assistncia Estudantil - PNAES, que era uma portaria do

    MEC, foi sancionado no decreto presidencial de n 7.234, consolidando-se como programa de

    governo.

    O PNAES foi aprovado sombra do Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e

    Expanso das Universidades Federais (REUNI). Segundo o artigo 4 pargrafo nico, do

    supracitado Decreto, tais aes devem considerar a necessidade de viabilizar a igualdade de

    oportunidades, contribuir para a melhoria do desempenho acadmico e agir, preventivamente,

    nas situaes de reteno e evaso decorrentes da insuficincia de condies financeiras

    (PNAES, 2010).

    Indubitavelmente todos os conceitos, acima mencionados, estabelecem as mediaes

    necessrias para o entendimento das mltiplas determinaes do PNAES e a que interesses

    esse programa de governo atende.

    A estratgia metodolgica utilizada foi a pesquisa documental baseada em fontes

    primrias e secundrias. Procurando-se identificar as reivindicaes da UNE, SENCE e do

    FONAPRACE, no campo da educao superior e da assistncia ao estudante, bem como

    demonstrar a que interesses atende a produo de um PNAES na segunda gesto do governo

  • 28

    Lula, foi feita uma pesquisa documental recorrendo-se a fontes primrias, (documentos

    produzidos pela UNE e SENCE para os encontros nacionais e/ou regionais) como tambm se

    recorreu a fontes secundrias, a saber, os documentos produzidos pelo FONAPRACE que j

    eram de domnio pblico. Sintetizando, a fonte da pesquisa realizada e sistematizada neste

    estudo foi o material emprico que constituiu o corpus da pesquisa, precisamente os

    documentos produzidos pela UNE, SENCE e FONAPRACE e apresentados nos encontros

    nacionais e regionais no perodo 2003-2010.

    Vale ressaltar que os documentos que foram analisados so fontes primrias, pois

    neles esto contidos dados originais que permitem que se tenha uma relao direta com os

    fatos a serem analisados. Quanto procedncia, classificam-se como pblicos (emitidos por

    uma autoridade pblica, a exemplo, o governo Federal, Entidades Estudantis e Frum de Pr-

    Reitores; portanto, o teor de domnio pblico).

    Na armadura metodolgica para a anlise dos documentos, visando alcanar os

    objetivos propostos, recorreu-se neste estudo pesquisa qualitativa e quantitativa e anlise

    de contedo como estratgia terico-metodolgica do processo de investigao e anlise. Para

    organizao, anlise e interpretao das informaes contidas nestes documentos, fez-se uso

    neste estudo - como ferramenta metodolgica - da anlise de contedo apresentada por

    Laurence Bardin (2004). Essa escolha se justificou pelo fato de este instrumento de

    investigao possibilitar descobrir os ncleos de sentido que compem a comunicao,

    permitindo uma compreenso para alm dos seus significados imediatos.

    Tambm se elegeu, nesta pesquisa, a Anlise Temtica por ser a que melhor d conta

    da questo investigativa e da anlise qualitativa do material (documentao) produzido pela

    UNE e pela SENCE, apresentado nos encontros nacionais e regionais no perodo de 2003-

    2010.

    A anlise das reivindicaes do movimento estudantil e do Fonaprace nas duas gestes

    do governo Lula deu-se, especificamente, por duas razes:

    1-Na primeira gesto do governo Luiz Incio Lula da Silva (2003-2006), a crtica ao

    aprofundamento das reformas neoliberais e ao processo de sucateamento das IFES, e a crtica

    em torno da inexistncia de uma rubrica especfica para a assistncia ao estudante

    universitrio (extinta por FHC) que levou precarizao/extino de programas assistenciais

    nas IFES, deram a tnica nos debates e reivindicaes da UNE, SENCE, e FONAPRACE,

    nos encontros nacionais e regionais, pela democratizao do acesso e permanncia dos jovens

    na educao superior pblica.

  • 29

    2-O perodo 2007-2010, segunda gesto do governo Lula, considerando um divisor de

    guas, devido institucionalizao da assistncia ao estudante universitrio nas IFES

    brasileiras, cujas aes assistenciais na educao superior passaram a ser gradativamente

    includas na agenda governamental com a aprovao do Plano Nacional de Assistncia ao

    Estudante de Graduao das IFES , pela ANDIFES, e a instituio do Programa Nacional de

    Assistncia Estudantil PNAES atravs da Portaria Normativa n 39, em 2007, consolidando-

    se como programa de governo ao ser sancionado no Decreto presidencial de n 7.234 em

    2010, assinado pelo presidente Luiz Incio Lula da Silva.

    Para demonstrar como o PNAES materializa-se nas IFES visto que uma coisa a

    sua aprovao e regulamentao, e outra a sua efetivao , o foco foi o mapeamento dos

    programas, projetos e servios existentes, direcionados ao estudante de graduao,

    identificados nos relatrios de gesto das IFES pesquisadas (ano 2012-2013, 2013 e 2014) e

    disponibilizados nos sites oficiais. A escolha desse perodo deu-se pelo fato de este

    proporcionar uma maior visibilidade de como o PNAES, enquanto um programa de governo

    dotado de uma rubrica especfica, materializa-se nas Instituies Federais de Ensino Superior

    brasileiras. Considerando-se que o PNAES foi sancionado pelo Decreto 7.234 somente em

    julho do ano de 2010 entende-se que, s a partir deste ano, que se torna possvel se ter um

    olhar o mais prximo possvel da realidade atual, dando visibilidade a sua

    materializao/formatao nas IFES brasileiras tendo como referncia as dez reas

    estratgicas indicadas no referido decreto.

    O universo desta pesquisa constitudo pelas Instituies de Ensino Superior IFES

    brasileiras. No Brasil, existe um total de 57 Instituies Federais de Ensino Superior IFES,

    distribudas nos 26 Estados Brasileiros e no Distrito Federal (FONAPRACE, 2011). A

    amostra foi constituda por 10 (dez) Instituies Federais de Ensino Superior - IFES,

    selecionadas por cada regio do Brasil: duas na regio Norte, duas no Nordeste, duas no Sul,

    duas no Sudeste e duas Centro-Oeste, totalizando 44 campi.

    Vale, ainda, ressaltar a estrutura geral desta tese, a saber: Introduo, Seo 1, Seo

    2, Seo 3, Seo 4, Seo 5, Seo 6, Sntese das Mltiplas Determinaes do PNAES e

    Referncias.

    A primeira parte da primeira seo trata inicialmente de importantes conceitos

    formulados por Antnio Gramsci, especificamente, bloco histrico, a relao Estado x

    sociedade civil, hegemonia e revoluo passiva, que subsidiaram a anlise da atual etapa do

    capitalismo brasileiro.

  • 30

    Na segunda parte desta seo, analisado o processo de ascenso e crise da proposta

    nacional-desenvolvimentista, sendo a perspectiva neoliberal de desenvolvimento considerada

    como uma nova forma histrica de dependncia. Para tal, discorre-se, entre outros, sobre a

    Revoluo Passiva como um recurso interpretativo no caso retardatrio de desenvolvimento

    capitalista brasileiro, sobre a ascenso e crise do desenvolvimentismo na Amrica Latina e a

    reformulao do pensamento cepalino a partir dos anos 1990, voltando-se o olhar para a

    hegemonia do modelo neoliberal de desenvolvimento no Brasil contemporneo.

    A segunda seo, dividida em duas partes, trata do social-liberalismo internacional

    como uma nova estratgia de legitimao do consenso em torno da atual sociabilidade

    burguesa. Recorrendo aos estudos de autores contemporneos da tradio marxista, discorre

    sobre a crise conjuntural de meados dos anos 1990 e trata sobre o processo de recomposio

    do bloco histrico neoliberal com a incorporao, por parte das classes dominantes, de uma

    agenda social ao projeto neoliberal. Tambm versa sobre a Terceira Via, demonstrando ser

    esta uma estratgia ideopoltica de reorganizao da hegemonia burguesa em tempos

    neoliberais. Em seguida, d visibilidade aos seus princpios e estratgias, bem como crtica

    existente ao social-liberalismo.

    Na segunda parte desta seo, numa aproximao ao objeto de estudo, tratada a

    questo da equidade, da educao e da assistncia ao estudante universitrio no contexto do

    social-liberalismo brasileiro e do chamado novo desenvolvimentismo. Discorre-se sobre o

    pacto social-liberal brasileiro na perspectiva de Bresser-Pereira, sobre o novo-

    desenvolvimentismo como um terceiro discurso e como estratgia nacional de

    desenvolvimento, e tambm sobre as bases do novo-desenvolvimentismo no Brasil, que trata

    sobre a poltica educacional e a democratizao das oportunidades. Por fim, apresenta o

    Programa Nacional de Assistncia Estudantil PNAES.

    O segundo momento da tese estruturado em mais trs sees:

    A quarta seo d visibilidade s reivindicaes da UNE no campo da educao

    superior, no perodo de 2003 a 2010. Esta contm uma pesquisa documental com base nas

    fontes primrias (documentos elaborados pela UNE e apresentados nos congressos nacionais -

    CONUNE), contemplando os objetivos propostos, especificamente o primeiro objetivo

    especfico deste trabalho.

    A quinta seo tambm contempla o primeiro objetivo especifico da tese e divide-se

    em duas partes. Na primeira, demonstra as reivindicaes da UNE, da SENCE e do

    FONAPRACE no campo da assistncia ao estudante universitrio, na primeira gesto do

    governo Lula e, na segunda parte, identifica as reivindicaes desses trs sujeitos coletivos na

  • 31

    segunda gesto do governo Luiz Incio Lula da Silva. Neste momento da pesquisa, recorreu-

    se a fontes primrias (documentos da UNE e da SENCE) e a fontes secundrias (documentos

    do FONAPRACE).

    Finalmente, a sexta seo divide-se em trs subsees: A primeira subseo apresenta

    a base legal, objetivos e as reas estratgicas do Programa Nacional de Assistncia Estudantil

    PNAES. A segunda d visibilidade a como se efetiva a materializao do Programa

    Nacional de Assistncia ao Estudante nas IFES brasileiras pesquisadas. Os dados analisados,

    referentes aos servios/programas assistenciais oferecidos nas Pr-Reitorias Estudantis, bem

    como as fontes de recursos, foram obtidos atravs dos relatrios de gesto das IFES que esto

    disponveis no site oficial e junto s prprias universidades, respectivamente. O ltimo item

    analisa o Programa Nacional de Assistncia Ao Estudante PNAES como um determinante,

    contendo uma interpretao dos dados apresentados na segunda parte da tese, realizada luz

    dos referenciais tericos da pesquisa. A presente pesquisa finda com uma sntese das

    mltiplas determinaes do PNAES e a descrio das referncias.

    Por fim, vale ressaltar que se tornou fulcral neste estudo o entendimento de que o

    PNAES um programa que absorve o projeto hegemnico de educao brasileira, as

    diretrizes externas e as determinaes socioeconmicas e ideopolticas que se formataram em

    um contexto neodesenvolvimentista.

    Acredita-se que a direo analtica utilizada neste processo investigativo que implicou,

    dentre outros, a contextualizao da conjuntura socioeconmica e ideopoltica nos governos

    Luiz Incio Lula da Silva, a anlise das diretrizes dos organismos internacionais e da

    burguesia nacional sob o aporte ideopoltico do social-liberalismo, a identificao dos

    interesses em jogo tanto da classe hegemnica quanto dos segmentos que pertencem

    classe subalterna, no campo da educao superior e da assistncia ao estudante , permitiu

    uma apreenso dos determinantes do Programa Nacional Assistncia ao Estudante PNAES.

    A presente pesquisa, ao identificar como e a que interesses atende a produo de um

    PNAES na segunda gesto do governo Lula, possibilitou uma apreenso das suas mltiplas

    determinaes em um contexto de aprofundamento da contrarreforma da educao superior

    pblica brasileira.

    A expectativa que o pensar e o agir, no campo da assistncia ao estudante

    universitrio, ultrapasse a tendncia de se considerar a Poltica de Permanncia nas IFES

    brasileiras como um fim em si mesmo. Esta tese d um passo nessa direo.

  • 32

    1 ASCENSO E CRISE DA PROPOSTA NACIONAL-DESENVOLVIMENTISTA E

    A PERSPECTIVA NEOLIBERAL DE DESENVOLVIMENTO

    1.1 Bloco Histrico, a Relao Estado x Sociedade Civil, Hegemonia e Revoluo

    Passiva: Contribuies do Pensamento Gramsciano

    1.1.1 Sobre o Conceito de Bloco Histrico

    consensual entre vrios estudiosos que os aspectos principais do pensamento de

    Antnio Gramsci esto articulados em torno de um conceito-chave, o de Bloco Histrico. Em

    seus escritos, Gramsci afirma que a estrutura e a superestrutura formam um bloco histrico, e

    o define como sendo [...] a unio entre a natureza e o esprito (estrutura e superestrutura),

    unidade dos contrrios e dos distintos (GRAMSCI, 2002a, p. 26). Percebe-se, assim, que

    para esse filsofo a sociedade se revela como uma totalidade, devendo ser abordada em todos

    os seus nveis.

    Vale pontuar que Gramsci se utiliza da formulao original de Georges Sorel, um

    terico francs do sindicalismo revolucionrio no final do sculo XIX, para destacar a

    conexo entre estrutura e superestrutura. Como detalha Simionatto (1995, p. 40):

    [...] Gramsci parte dele, mas amplia esta viso, utilizando-a em sentido

    conjuntural, isto , bloco histrico tem para ele a noo de articulao entre

    infra-estrutura e superestrutura, ou de formao social no sentido marxiano.

    Nas notas sobre a questo meridional, Gramsci emprega esta categoria para

    indicar as alianas de classe e se refere especialmente ao bloco industrial-

    agrrio. Nos Cadernos [...] ele inclui no conceito de bloco histrico os

    componentes que Sorel excluiu, ou seja, os intelectuais, o partido, o Estado,

    bem como o nexo filosfico-histrico entre estrutura e superestrutura.

    Gramsci integra, na investigao cientfico-materialista da sociedade, o conceito de

    bloco histrico. Percebe-se que a anlise das relaes entre estrutura e superestrutura o

    aspecto fulcral da noo de bloco histrico na seguinte passagem: a estrutura e as

    superestruturas formam um bloco histrico, isto , o conjunto complexo e contraditrio das

    superestruturas o reflexo do conjunto das relaes sociais de produo (GRAMSCI, 2006,

    p. 250).

    Para esse pensador sardo, entre essas duas esferas do real ocorre uma vinculao

    dialtica e orgnica. Assim, o bloco histrico [...] corresponde a uma situao social

    concreta, formada de uma estrutura econmica, vinculada dialtica e organicamente s

  • 33

    superestruturas jurdico-poltica e ideolgica (STACCONE, 1982, p. 8). Pode-se visualizar

    tal reciprocidade nas palavras do prprio Gramsci:

    A estrutura e as superestruturas formam um bloco histrico, isto , o

    conjunto complexo e contraditrio das superestruturas o reflexo das

    relaes sociais de produo. Disto decorre: s um sistema totalitrio de

    ideologias reflete racionalmente a contradio da estrutura e representa a

    existncia das condies objetivas para a subverso da prxis. Se se forma

    um grupo social 100% homogneo ideologicamente, isto significa que

    existem em 100% as premissas para esta subverso da prxis, Isto , que o

    racional real ativa e efetivamente. O racional se baseia sobre a necessria

    reciprocidade entre estrutura e superestruturas (reciprocidade que

    precisamente o processo dialtico real). (GRAMSCI, 2006, pp. 250-1).

    consensual entre os estudiosos de Gramsci que todo o seu esforo intelectual ao

    desvelar que existe uma relao recproca das esferas de atividade tica, ideolgica e poltica

    com a prpria esfera econmica visa impedir o reducionismo, evitando que a explicao do

    real seja reduzida tanto economia quanto s ideias. Gramsci, em nenhum momento,

    concebeu tal estudo sob a primazia de um ou outro elemento desse bloco.

    Assim, pois, todo o esforo crtico de Gramsci supera o simplismo economicista de

    muitos intelectuais marxistas, bem como dos ativistas de partido, que almejavam explicar toda

    a complexidade social como produto da estrutura econmica (STACONNE, 1982)1. Em seus

    estudos, Correia sintetiza:

    O pensamento de Gramsci tem como eixo de anlise da realidade o princpio

    da totalidade em que subverte os princpios do determinismo econmico, do

    politicismo, do individualismo e do ideologismo, e estabelece uma

    articulao dialtica entre estrutura e superestrutura economia, poltica e

    cultura , concebendo a realidade como sntese de mltiplas determinaes.

    (2010, p. 3).

    Percebe-se, portanto, que na abordagem gramsciana, para uma compreenso do

    movimento do real em sua amplitude e complexidade, as dimenses ideopolticas, sociais e

    culturais no devem ser desgarradas da economia.

    1 Coutinho, em nota introdutria no livro O leitor de Gramsci, observa que o autor dos Cadernos trazia em sua

    bagagem terica uma clara oposio ao determinismo economicista que, confundido com o marxismo, mostrava-

    se como sendo a ideologia oficial do Partido Socialista Italiano (PSI). (GRAMSCI, 2011).

  • 34

    1.1.2 A Relao Estado x Sociedade Civil no Pensamento de Antnio Gramsci

    Nos Cadernos do Crcere, Gramsci no s ampliou como aprofundou a anlise das

    superestruturas. Para ele, as superestruturas do bloco histrico formam um conjunto bastante

    complexo, distinguindo em seu interior duas importantes esferas: a sociedade poltica e a

    sociedade civil. Pode-se identificar tal distino na seguinte passagem dos Cadernos:

    Por enquanto, podem-se fixar dois grandes planos superestruturais: o que

    pode ser chamado de sociedade civil (isto , o conjunto de organismos

    designados vulgarmente como privados) e o da sociedade poltica ou

    Estado, planos que correspondem, respectivamente, funo de

    hegemonia que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e quela de

    domnio direto ou de comando, que se expressa no Estado e no governo

    jurdico. (GRAMSCI, 2004, p. 20).

    O supramencionado filsofo faz uma distino funcional entre as duas esferas, pois,

    para ele, elas se encontram estreitamente imbricadas no seio da superestrutura. Para Gramsci,

    a separao sociedade civil/sociedade poltica metodolgica e no orgnica2. Tal percepo

    fica explcita em sua crtica ao liberismo, visto por ele como uma das formas do

    economicismo:

    A formulao do movimento do livre-cmbio baseia-se num erro terico

    cuja origem prtica no difcil identificar, ou seja, baseia-se na distino

    entre sociedade poltica e sociedade civil, que de distino metodolgica

    transformada e apresentada como distino orgnica. Assim, afirma-se que a

    atividade econmica prpria da sociedade civil e que o Estado no deve

    intervir em sua regulamentao. Mas, dado que a sociedade civil e o Estado

    se identificam na realidade dos fatos, deve-se estabelecer que tambm o

    liberismo uma regulamentao de carter estatal, introduzida e mantida

    por via legislativa e coercitiva: um fato de vontade consciente dos prprios

    fins, e no a expresso espontnea, automtica do fato econmico. Portanto

    o liberismo um programa poltico, destinado a modificar, quando triunfa,

    os dirigentes de um Estado e o programa econmico do prprio Estado [...].

    (GRAMSCI, 2002a, p. 47).

    Assim, Gramsci destaca que, no mbito da sociedade civil, as classes procuram

    exercer sua hegemonia buscando aliados para os seus projetos atravs da direo poltica e do

    consenso e, por meio da sociedade poltica (Estado no sentido estrito ou Estado-coero)3,

    2 Segundo Dias (1996), tambm isso foi perdido pelas leituras que fizeram da sua tese.

    3 Ao tratar sobre a sociedade poltica, Gramsci ir se servir, vrias vezes, do termo Estado, porm se trata da

    concepo clssica. Para este filsofo, essa concepo, superada, aquela do Estado guardio da poca liberal,

    na qual este no exercia nenhuma funo econmica e ideolgica diretamente, mas restringia-se garantia da

    ordem pblica e do respeito das leis.

  • 35

    exerce-se sempre uma ditadura, uma dominao fundada na coero. Vale ressaltar que,

    para Gramsci, tais esferas mantm entre si uma relao de identidade-distino, e ambas, em

    conjunto, formam o Estado integral. Em suas palavras:

    Estamos sempre no terreno da identificao de Estado e governo,

    identificao que , precisamente, uma reapresentao da forma corporativa

    e econmica, isto , da confuso entre sociedade civil e sociedade poltica,

    uma vez que se deve notar que na noo geral de Estado entram elementos

    que devem ser remetidos noo de sociedade civil (no sentido, seria

    possvel dizer que Estado = sociedade poltica + sociedade civil), isto ,

    hegemonia couraada de coero. (GRAMSCI, 2002a, p. 244).

    Para Gramsci, h uma relao dialtica e orgnica entre a sociedade civil e sociedade

    poltica, da qual resulta a unidade histrica das classes dirigentes:

    A unidade histrica das classes dirigentes acontece no Estado e a histria

    delas , essencialmente, a histria dos Estados e dos grupos de Estados. Mas

    no se deve acreditar que tal unidade seja puramente jurdica e poltica,

    ainda que tambm esta forma de unidade tenha sua importncia, e no

    somente formal: a unidade histrica fundamental, por seu carter concreto,

    o resultado das relaes orgnicas entre Estado ou sociedade poltica e

    sociedade civil. (GRAMSCI, 2002b, p. 140).

    Para Coutinho, o que vai diferenciar a sociedade poltica da sociedade civil a funo

    que exercem na organizao da vida social, tanto na articulao como na reproduo das

    relaes de poder, visto que [...] ambas as esferas servem para conservar ou promover

    determinada base econmica, de acordo com os interesses de uma classe social fundamental

    (2011, pp. 25-26).

    A defesa de Gramsci dessa relao dialtica entre a sociedade civil e sociedade

    poltica que so diferentes e relativamente autnomas, mas no separadas na prtica tem

    como intencionalidade evitar os perigos do economicismo e do estatismo:

    De fato, a primeira, composta de organismos privados e voluntrios, indica a

    direo, enquanto a segunda, estruturada sobre aparelhos pblicos, se

    caracteriza mais pelo exerccio do domnio. O Estado moderno no pode

    mais ser entendido como um sistema burocrtico-coercitivo. As suas

    dimenses no podem se limitar aos instrumentos exteriores de governo, mas

    abarcam tambm a multiplicidade dos organismos da sociedade civil onde se

    manifesta a livre iniciativa dos cidados, seus interesses, suas organizaes,

    sua cultura e valores, e onde, praticamente, se estabelecem as bases do

    consenso e da hegemonia. (SEMERARO, 1997, s.p).

  • 36

    V-se em seus escritos que, ao fazer uma distino complexa e sutil entre sociedade

    poltica e sociedade civil, Gramsci afirma que o Estado (no sentido estrito) equivale

    sociedade poltica e representa o momento da fora. Assim, a funo de domnio exercida na

    sociedade poltica e abarca a coero em seus aspectos legais e policial-militar; nela, exerce-

    se sempre uma ditadura, uma dominao mediante a coero. Segundo Bianchi (2008, pp.

    177-8), trata-se do Estado no sentido estrito, ou seja, o aparelho governamental encarregado

    da administrao direta e do exerccio legal da coero sobre aqueles que no consentem nem

    ativa nem passivamente, tambm chamado nos Cadernos de Estado-poltico ou Estado-

    governo. Nas palavras do prprio Gramsci:

    Governo poltico, isto , [...] o aparelho de coero estatal que assegura

    legalmente a disciplina dos grupos que no consentem, nem ativa nem

    passivamente, mas que constitudo para toda a sociedade na previso dos

    momentos de crise no comando e na direo, nos quais desaparece o

    consenso espontneo. (GRAMSCI, 2004, p. 21).

    Percebe-se nesta definio que, para Gramsci, a sociedade poltica tem um papel

    secundrio no bloco histrico burgus. Esta, ao congregar um conjunto de atividades da

    superestrutura que se refere funo de coero, da manuteno, pelo uso da fora, da ordem

    estabelecida, um prolongamento da sociedade civil; assim, pois, ela no se limita ao simples

    domnio militar, mas se estende ao governo jurdico, fora legal. Nessa mesma direo,

    Coutinho afirma que a coero no implica apenas a violncia em sua forma mais pura, mas

    todos os atos governamentais que exigem um cumprimento, independentemente de que se

    concorde ou no com eles (2011).

    Quanto sociedade civil, como Antnio Gramsci a define? A resposta a tal indagao

    exige um estudo da relao entre Estado e sociedade civil.

    Inicialmente, vale ressaltar que consensual para alguns estudiosos, entre eles,

    Linguori (2007) e Bianchi (2002), que ainda existem no mbito acadmico algumas

    interpretaes equivocadas do conceito de sociedade civil em Gramsci. A origem de tais