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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO OS SABERES DOCENTES PARA O ENSINO DA ORALIDADE: O QUE SABEM OS PROFESSORES E COMO COMPREENDEM AS ATIVIDADES PROPOSTAS PELOS LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA? DÉBORA AMORIM GOMES DA COSTA MACIEL RECIFE, 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

OS SABERES DOCENTES PARA O ENSINO DA ORALIDADE: O QUE SABEM OS PROFESSORES E COMO COMPREENDEM AS ATIVIDADES PROPOSTAS PELOS

LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA?

DÉBORA AMORIM GOMES DA COSTA MACIEL

RECIFE, 2011

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DÉBORA AMORIM GOMES DA COSTA MACIEL OS SABERES DOCENTES PARA O ENSINO DA ORALIDADE: O QUE SABEM OS PROFESSORES E COMO COMPREENDEM AS ATIVIDADES PROPOSTAS PELOS

LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA?

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação a Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do grau de doutora em Educação.

ORIENTADORA: PROFª. DRª. MARIA LÚCIA F. DE FIGUEIREDO BARBOSA

RECIFE, 2011

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A minha bebê Margarida Amorim Maciel, pela companhia e profunda tolerância em ter sua mamãe horas e horas sentada, tendo a meta de concluir essa tese antes de sua

chegada. Filhinha, obrigada por me entreter com suas mexidinhas e brincadeirinhas...

Seja bem!

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AGRADECIMENTOS

Ao Deus todo poderoso, pelo fôlego da vida e pela graça de gerar uma vida...

À minha mãe Maria José de Amorim Gomes pelo exemplo de persistência. A ela esse momento especial de produção da tese e confecção da sua primeira netinha...

À minha filhotinha Margarida, pelo prazer de me fazer senti-la em cada momento dessa escrita...

Ao meu marido Marco Aurélio Freire Maciel, por persistir em me fazer companhia na solidão da escrita.

Ao meu irmão David Amorim, por me fazer crer que Deus está no controle de tudo.

Ao meu pai José Geraldo Gomes da Costa, que, do seu jeito, se orgulha de ter uma filha com formação em nível “superior”.

A toda a minha família, em especial a minha tia Carminha, pela confiança depositada, e por acreditar nos meus sonhos.

A Dila (Dilian da Rocha Cordeiro), pela forma desbravadora como encara a vida. Agradeço também a sua mãe, sr. ao seu esposo, Marquinhos (prof. Antonio Marco) pela atenção dispensada e a filha do casal, Sara, que nos encanta com o seu sorriso... Sem esquecer de agradecer a mãe da Dilian, Dona Joanita que muito me ajudou em oração.

A Jaqueline Correia, pela doçura como trata a vida e por nos transmitir paz...

A Lenira Silveira, pelo carinho e por não me deixar esquecer da “educação real”.

A Lana (Maria Lana Monteiro), pela parceria e por me fazer acreditar na possibilidade de ser mãe de perto e de longe...

A Karla Reis Gouveia, pela bravura e doçura com que vive o seu dia a dia. Minha gratidão pelo apoio.

A Cristina Leite por ser um exemplo de mulher guerreira.

A Maria Lúcia Barbosa, minha orientadora, que mais uma vez confiou em meu trabalho e renovou os votos de parceria. Sua postura produziu em mim uma disposição em arvorar sobre a vida e ter mais autonomia na escrita. Também agradeço ao seu marido, Sr. José Barbosa que dividiu a atenção da sua esposa comigo, especialmente neste final de gestação e revisão de escrita...

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As professoras, sujeitos dessa pesquisa, que de forma graciosa e voluntária nos cederam seu tempo e olhar preciosos, bem como a diretora da escola, pela doce acolhida.

A Universidade de Pernambuco (UPE), em nome do diretor prof. Pedro Falcao e do vice-diretor prof. Manoel Pereira Barros, pela sensibilidade no trato com os professores e professoras em doutoramento.

Aos meus pares da Universidade de Pernambuco, professoras Maria Lana Monteiro, Cristina Leite, Vera Chalegre, Rosa Tenório, Vitória Ribas e professores Maurício Goldberg, Elcy Luiz Cruz, Haroldo Amaral, Benedito Bezerra e sua esposa Helivete Bezerra, pela forma compreensiva como trataram meu processo de doutoramento...

Aos alunos e alunas dos cursos de Pedagogia e Licenciatura em informática da UPE Garanhuns, que partilharam comigo as dores e as delícias de estar dividida entre Recife e Garanhuns, a escrita de uma tese e a gestação da minha bebê.

A minha doce bolsista de monitoria, Fernanda Queiroz, pela forma compromissada com que investiu em sua qualificação e pelo exemplo de ser humano que é...

Ao Djário Dias, em busca de redimir-me pelo esquecimento de agradecê-lo de forma escrita, pela revisão do meu abstract à época da minha dissertação de mestrado.

Ao Benedito Bezerra, pela revisão do abstract dessa tese... pela sua prontidão e olhar agraciado.

A Clécio Buzen, pelas partilhas produtivas que ampliaram o meu olhar sobre o nosso objeto de pesquisa.

A Maria Estela Costa Holanda Campelo (UFRN), pelo exemplo de professora humanizada.

A Laís Rosal, pelo olhar cuidadoso com que revisou a escrita dessa tese e por juntar-se ao grupo dos(as) que acreditam na oralidade como objeto didático.

Aos colegas de graduação e pós-graduação pela convivência e aprendizado.

Aos professores do Centro de Educação da UFPE, por contribuirem para a minha formação inicial e continuada.

À equipe de funcionárias que atuam na secretaria do programa de Pós-Gradução, Morgana Marcelly Costa Marques, Karla Reis Gouveia; Shirley Cristiane Monteiro da Silva, bem como ao apoio administrativo, em nome de Rebecka Dulce Marinho de Lima, pela paciência que dispensam a cada um de nós.

À banca de qualificação do projeto de tese, professoras Lívia Suassuna, Telma Ferraz e professor Alexandro Silva pelas orientações e ricos ensinamentos.

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À banca titular de defesa da tese, professoras Valéria Severina Gomes (UFRPE); Ana Cláudia Pessoa Gonçalves Rodrigues (UFPE); Lívia Suassuna (UFPE); Márcia de Oliveira Melo (UFPE); que dispensaram seu olhar criterioso para com o meu trabalho, bem como aos suplentes, professora Telma Ferraz Leal (UFPE) e professor Alexsandro Silva (UFPE - CAA), pela atenção e contribuição com o desenvolvimento da pesquisa.

Ao Centro de Estudos em Educação e Linguagem (CEEL) pela oportunidade de me fazer aprender a ser docente. Agradeço a todos e todas que, de alguma forma, contribuíram com mais esse posso em minha vida, que cultivaram em mim o desejo pelo inusitado.

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Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos, porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos [...]

II Coríntios 4: 8 e 9

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RESUMO

Nesta pesquisa investigamos os saberes docentes para o ensino da oralidade, com vistas a compreender como três professoras do ensino fundamental (3º ao 5º ano), concebiam o oral enquanto objeto de ensino-aprendizagem e a ver quais saberes as docentes mobilizavam ao analisar atividades orais propostas por livros didáticos de língua portuguesa. O problema de pesquisa estruturou-se na compreensão de que embora o ensino da oralidade seja obrigatório nas escolas brasileiras, permanece incipiente nas pesquisas acadêmicas e pouco presente no que concerne às investigações a respeito dos saberes docentes para o seu ensino. Este cenário resulta na baixa visibilidade ofertada ao eixo da oralidade nas diferentes esferas de produção do saber e gera consequências para a formação docente, como o pouco conhecimento sobre a efetivação de um processo de didatização do oral. Em nossa hipótese, partimos da ideia de que os professores, embora conheçam a necessidade de se ensinar a oralidade, mobilizam para esse ensino saberes atrelados a outros eixos didáticos, possivelmente em virtude da pouca compreensão sobre o que deve ser ensinado-aprendido sobre o oral. Diante da configuração do nosso objeto de estudo, tomamos como referência a compreensão Bakhtiniana de língua, as propostas de didatização de Schneuwly e Dolz (2004) e Ferraz, Costa-Maciel e Barbosa (no prelo), assim como as teorizações de Marcuschi (2005); Dionísio (2005); Cavalcante e Melo (2006) e Elias et. al (2011). Entre as discussões a respeito dos saberes docentes, aportamo-nos em Freire (1996); Pimenta (2002); Therrien (2002); Gauthier et al. (1998); Tardif (2002); Charlot (2000), dentre outros. Com vistas a alcançarmos os objetivos da investigação, elegemos 11 (onze) categorias analíticas a partir de uma base metodológica qualitativa e com a utilização das técnicas da análise de conteúdo de Bardin (1995). Os pilares analíticos envolveram a entrevista com três sujeitos e a análise por eles de protocolos de atividades cujo foco da discussão envolvia o trato com aspectos da oralidade. Nossos resultados evidenciaram que, no âmbito dos sujeitos investigados, existem lacunas na definição do que é concebido como trabalho com a oralidade, visto que a compreensão transita entre saberes ligados a atividades de interação oral e proposições que consistem em servir de preâmbulo para atividades de natureza escrita. A mobilização desses saberes é fruto das experiências das professoras com o seu grupo sala (saber experiencial), fator determinante para a definição do que os alunos devem aprender sobre a oralidade. Vimos que esse pretenso ensino, por vezes, estaria sendo direcionado para campos de maior tradição no espaço escolar, a saber, a leitura, a produção etc., o que pode representar um maior domínio sobre esses eixos nas práticas das professoras investigadas. Essa postura também pode ser justificada pelas queixas apresentadas por elas em relação à sua formação nos níveis médio e superior; e, em sua maioria, à formação em serviço, que não lhes proporcionou suporte teórico-metodológico para esse ensino. Na análise das atividades, destacam-se alguns pontos que dizem respeito à variação dialetal, dimensão enxergada pelas professoras sempre do ponto de vista da normatividade; e à teoria dos gêneros, que aparece com certo domínio em suas falas. Em síntese, percebemos que a oralidade necessita ser melhor compreendida no âmbito do seu ensino e que, por conseguinte, há ainda necessidade de investimento em formações, em diferentes níveis, a fim de assegurar o acesso a propostas que efetivamente ajudem aos professores que atuam na área de língua portuguesa a compreenderem o processo de didatização do oral. Palavras-chave: saberes docentes; ensino de língua portuguesa; livro didático de língua portuguesa; oralidade.

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ABSTRACT This research investigated the teacher knowledge for teaching oral language, in order to understand how a group of elementary school teachers(3rd to 5th year) approached the oral language as an object of teaching and learning and see which knowledge teachers mobilized to analyze oral activities proposed by the Portuguese language textbooks. The research problem was structured on the understanding that despite the fact that teaching of oral language is mandatory in Brazilian schools, it remains on second place in academic research, specifically aboutteachers knowledges for oral teaching. This scenario results in the low visibility to oral knowledgeand, consequently, generates problems on teacher training, such as difficulties on understanding the way of theaching the orl language. . In this work, we hypothesized that although teachers know the importance of teaching oral language, this knowledge is always related to other axes of language, such as reading and writing, possibly due to the little understanding of what should be taught and learned about oral language.According to the configuration of our subject, we take as reference Bakhtin’s understanding of language; the didactization of oral language proposed by Dolz and Schneuwly (2004) and Ferraz, Maciel and Barbosa (forthcoming), as well as the theories of Marcuschi (2005); Dionísio (2005);, Cavalcante and Melo (2006) and Elias et. al (2011). Related to the discussions of the teacher knowledge, we based our job in Freire (1996), Pepper (2002), Therrien (2002), Gauthier et al. (1998), Tardif (2002), Charlot (2000), among others. In order to achieve the objectives of the investigation, we chose 11 categories of analysis, through a qualitative methodological basis, using the techniques of content analysis by Bardin (1995). The analytical pillars envolved interviews with three teachers and protocol activities, from some analysis made by them, which foccused on oral teaching. . Our results showed that, within the investigated teachers, there are gaps in the definition of what is designed as working with orality, once the understanding moves betweenrelated knowledge to oral interaction activities and propositions that serve as a preamble to writing activities. The mobilization of knowledge is the result of the experiences of teachers living with their group (experiential knowledge), which is a determinant factor in the definition of what students should learn about oral language. We have noticed that this alleged teaching, has usually beendirected to the most traditional subjects in schools, such as reading, and writing, probably due to a better grip on these axes in the practices of the surveyed teachers. This attitude can also be justified by complaints from the teachers about their training in secondary and universitary levels. Besides that, the training service did not provided them with technical and methodological support for this teaching. In the analysis of the activities we can highlight a few points concerning to the dialectal variation, which is always seen by the teachers through the point of view of normativity and rules; and to the theory of genres, which shows a certain mastery in the analysis made by the teachers. In summary, we find out that oral language needs to be better understood in the context of its teaching and that therefore there is still a need of investment in training teachers at different levels of education, to ensure access to proposals which effectively help teachers who working in the area of Portuguese language to understand the process of oral didactization. Keywords: teacher knowledge, teaching Portuguese language, textbooks Portuguese language; oral language

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RESUMEN Se investigó el conocimiento de tres maestros de la escuela primaria (3 º a 5 º grado), con el fin de entender cómo darse cuenta de la oralidad como el objeto del proceso de enseñanza-aprendizaje y comprender los conocimientos movilizados mediante el análisis de las actividades orales propuestas por los libros de texto de lengua portuguesa. El problema de investigación se estructuró en el entendimiento de que, si bien la enseñanza de la lengua oral es obligatoria en las escuelas brasileñas, sigue siendo frágil y poca investigación académica sobre esto con respecto a las investigaciones del conocimiento para la enseñanza. Este escenario da lugar a la baja visibilidad que ofrece con respecto al eje de la oralidad en las diferentes esferas de la producción de conocimiento y genera consecuencias para la formación del profesorado, tan poco conocimiento acerca de la aplicación de un proceso de didactization orales. En nuestra hipótesis, partimos de la idea de que los maestros, aunque consciente de la necesidad de enseñar la oralidad, a actuan para la enseñanza de estos conocimientos vinculados a la enseñanza de otras áreas de ensinanzã, posiblemente debido a la poca comprensión de lo que se debe enseñar-aprender acerca de la oralidad. Dada la configuración del objeto de nuestro estudio, nos referimos la comprensión del lenguaje de Backtin, de la propuesta didactization Dolz y Schneuwly (2004); Ferraz, Costa y Maciel y Barbosa (de próxima publicación), así como las teorías de Marcuschi (2005), Dionisio (2005); Cavalcante y Melo (2006) y Elias et. al (2011). Entre los debates de la enseñanza del conocimiento, hemos considerado Freire (1996), Pimienta (2002), Therrien (2002), Gauthier et al. (1998), Tardif (2002), Charlot (2000), entre otros. Con el fin de alcanzar los objetivos de la investigación, se optó por once (11) categorías de análisis a partir de una base metodológica y el uso de técnicas cualitativas de análisis de contenido de Bardin (1995). El análisis se realizaron entrevistas con tres sujetos y el análisis de los protocolos con un enfoque en las actividades orales. Nuestros resultados mostraron que, dentro de los sujetos investigados, hay lagunas en la definición de lo que compeendem como el trabajo con la oralidad, ya que el entendimiento pasa entre los conocimientos relacionados con las actividades de interacción orales y proposiciones que han de servir como preámbulo a la naturaleza de las actividades de escritura. La movilización de este conocimiento es el resultado de las experiencias de los docentes que viven con su grupo (conocimiento experimental), factor determinante en la definición de lo que los estudiantes deberían aprender acerca de la oralidad. Hemos visto que este tipo de educación llamada a veces se dirigen al eje más largo en la escuela, a saber, la lectura, producción, etc., que puede representar un mayor control sobre estos ejes en las prácticas de los profesores investigados. Esta actitud también puede estar justificada por las quejas de ellos acerca de su formación en la escuela secundaria y la universidad, y, sobre todo, la formación en servicio, que les dieron ningún apoyo para esta enseñanza teórica y metodológica. En el análisis de las actividades, se destacan algunos puntos relativos a la variación dialectal, dimensión observada por los maestros bajo la mirada de la normatividad y la teoría de los géneros, lo que demuestra un cierto dominio en su discurso. En resumen, creemos que la oralidad necesita ser mejor comprendida en el contexto de su enseñanza y que por lo tanto hay necesidad de invertir en la capacitación a distintos niveles con el fin de garantizar el acceso a las propuestas que contribuyan efectivamente a los profesores que trabajan en área de la lengua portuguesa para entender el proceso de didactization oral. Palabras clave: conocimiento de los maestros, la enseñanza de la lengua portuguesa, los libros de texto de lengua portuguesa, la oralidad.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS C1 –

Coleção 1

C2 –

Coleção 2

FC –

Formação Continuada

LD –

Livro Didático

MEC –

Ministério da Educação

P2 –

Professora do segundo ano

P3 –

Professora do terceiro ano

P4 –

Professora do quarto ano

PCN –

Parâmetros Curriculares Nacionais

PNLD –

Programa Nacional do Livro Didático

UFPE –

Universidade Federal de Pernambuco

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LISTA DE TABELAS Tabela 1. Quadro geral de identificação dos professores. Tabela 2. Apresentação do roteiro de entrevista e as categorias analíticas referentes a análise da entrevista. Tabela 3. Apresentação das categorias de nossa dissertação revisitadas para a seleção de protocolos de atividades, a fonte dos protocolos de atividades utilizadas por nossa tese e a categoria em que cada um foi organizado. Tabela 4. Apresentação da nova categoria, criada na ocasião da organização dos protocolos de atividades, que serviu de base para a análise pelos docentes. Tabela 5. Práticas docentes para o ensino do oral: atividades, demandas, objetivos e avaliação.

Tabela 6. Seleção de atividades por parte da professora do terceiro ano do ensino

fundamental.

Tabela 7. Seleção de atividades por parte da professora do quarto ano do ensino

fundamental.

Tabela 8. Seleção de atividades por parte da professora do quinto ano do ensino

fundamental.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO 16 CAPÍTULO 1 – ORALIDADE E GÊNEROS TEXTUAIS: CONCEPÇÕES

TEÓRICAS...................................................................................... 21

1.1 Oralidade e gêneros

textuais...................................................................... 22

1.2 A relação da fala com a

escrita.................................................................

23

12.1 Fala e escrita: variação

linguística.....................................................

28

1.3 Letramento e oralidade: práticas sociais e eventos comunicativos...................................................................................

33

1.4 Gêneros textuais orais: reflexões sobre o ensino.............................. 38 CAPÍTULO 2 – ESTADO DA ARTE: A ORALIDADE COMO OBJETO DE

ENSINO-APRENZAGEM...............................................................

CAPÍTULO 3 – SABERES DOCENTES: RELAÇÕES E CONSTRUÇÕES.............................................................................

45

3.1 A constituição do saber docente....................................................... 59 3.2 Teorização sobre o saber nas variadas instâncias de

produção.......................................................................................... 60

CAPÍTULO 4 – METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO: OS SABERES DOCENTES PARA O ENSINO DO ORAL...................................

85

Etapas da pesquisa....................................................................... 86 Estratégias de seleção do corpus de análise................................. 87 Opções de pesquisa: da tipologia para o tratamento dos

dados.............................................................................................86

Advertências da pesquisa............................................................. 94 CAPÍTULO 5 – ANÁLISE DOS DADOS: OS SABERES DOCENTES PARA O

ENSINO DA ORALIDADE............................................................ 97

Categoria 1 - Olhares docentes sobre os objetivos do ensino da língua materna na prática pedagógica e nos manuais didáticos.......

98

Categoria 2 - Olhares docentes sobre a oralidade como eixo de ensino no livro didático de língua portuguesa..................................

106

Categoria 3 - Práticas docentes para o ensino do oral: atividades, demandas, objetivos e avaliação.......................................................

111

Categoria 4 - Olhares docentes sobre a contribuição de sua formação para ensinar a oralidade....................................................

127

Categoria 5 - Proposições docentes para o ensino da oralidade 133

Categoria 6 – Compreensões docentes sobre as questões da variação linguística: em cena a variação dialetal.............................

140

Categoria 7 – Compreensões docentes sobre a relação fala-escrita................................................................................................

155

Categoria 8 - Compreensões docentes sobre a oralização do texto escrito..............................................................................................

161

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16

Categoria 9 - Compreensões docentes sobre os elementos multimodais na fala e na escrita...............................................................................................

167

Categoria 10 - Olhares docentes sobre a produção e a compreensão do gênero textual oral....................................................................................................

174

Categoria 11 - Olhares sobre as escolhas docentes.......................... 182

(In) Conclusões................................................................................. 192

REFERÊNCIAS........................................................................................................................ 208

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INTRODUÇÃO

Este trabalho é fruto de uma relação pesquisadora-objeto de pesquisa iniciada

durante o curso de mestrado. Na ocasião, tivemos como propósito compreender as

estratégias didáticas para o ensino da oralidade apresentadas por duas coleções de livros

didáticos de língua portuguesa destinadas aos anos iniciais do ensino fundamental, à

época 1ª a 4ª séries. Selecionamos atividades com o foco no ensino da oralidade e

procedemos a uma investigação tendo como objetivo específico investigar se tais

propostas favoreciam a compreensão do objeto em questão.

No processo de investigação, perguntas foram respondidas e muitas outras

emergiram, dentre elas: o que diria o professor ao analisar as atividades?

Como fruto da lacuna advinda de nossa dissertação, debruçamo-nos, neste

trabalho, sobre o professor, movidas pela compreensão de que há um saber em suas

ações e pelo desejo de compreender o seu olhar sobre o que lhe é proposto por livros

didáticos de língua portuguesa para o ensino da oralidade.

A oralidade é um tema para o qual se busca afirmação nas esferas do saber

acadêmico (CHEVELLARD, 1991) e no espaço escolar como objeto específico de

conhecimento (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004, MARCUSCHI, 2001), evidenciando a

importância e a relevância desse eixo a ser ensinado no currículo de língua portuguesa.

Essa afirmação é reforçada por diferentes autores, dentre eles Marcuschi (2008); Fávero

(2000) e pelos documentos oficiais, tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais

(BRASIL, 1996) e o Programa Nacional do Livro Didático (GUIA DE LIVROS

DIDÁTICOS/PNLD, 2010). Embora o ensino da oralidade seja obrigatório nas escolas

brasileiras, trata-se de um eixo didático que, por ser “recente no cenário dos conteúdos

curriculares” (PCN, 1996), se configura ainda incipiente nas pesquisas acadêmicas e

pouco presente no que diz respeito às investigações do saber docente para o seu ensino

(SCHNEUWLY E DOLZ, 2004; MARCUSCHI e DIONISIO, 2005; COSTA, 2006;

COSTA-MACIEL, 2006, 2008; COSTA-MACIEL e BARBOSA, M.L, 2009;

MAGALHÃES, 2007; MARCUSCHI, 2008).

Barros-Mendes(2006, p. 89), com base em Dolz (2004), chama-nos atenção para

o fato de a linguagem oral ser considerada, ao mesmo tempo, como prática a ser

desenvolvida em produção e compreensão pelos alunos e como ferramenta das

intervenções dos professores, o que gera uma grande problemática. A dificuldade reside

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“no fato da linguagem oral ser primariamente concebida como uma ferramenta de

mediação e de comunicação, fazendo com que raramente seja considerada como objeto

de ensino claramente identificado”.

O panorama situado acima, realça o contexto em que se insere o problema de

nossa pesquisa, bem como evidencia a baixa visibilidade do eixo da oralidade nas

diferentes esferas de produção do saber. Em virtude dessa baixa visibilidade, do eixo em

questão, observam-se tanto consequências na formação docente, como pouco

conhecimento sobre a efetivação de um processo de didatização do oral.

Como forma de buscar uma maior compreensão sobre nosso objeto de

investigação, partimos da hipótese de que embora os professores conhecessem a

necessidade de se ensinar a oralidade, eles apresentariam dificuldades em compreender

o que há no eixo para ser ensinado. Supomos que essa realidade possa ser compreendida

por nós como fruto de uma formação inicial e continuada que não os auxiliam em um

processo reflexivo, o que gera perspectivas superficiais de ensino e desfavorece a

superação de equívocos conceituais sobre o oral e suas múltiplas relações com o

letramento.

Com base no problema de pesquisa e na hipótese, levantamos os seguintes

objetivos de investigação:

Objetivo Geral

Analisar os saberes docentes para o ensino da oralidade.

Objetivos Específicos

Investigar o olhar docente sobre a oralidade enquanto objeto de ensino-

aprendizagem;

Refletir sobre como o docente compreende a oralidade a partir de um conjunto de

atividades presentes em livros didáticos de língua portuguesa.

Nesse trabalho, assumimos a oralidade como um eixo de ensino que, como tal,

deve ser pensado em sua estruturação didática. Ao assumirmos essa ideia, defendemos a

perspectiva de que o ensino da oralidade envolve situações de produção e compreensão

do texto oral para englobar competências ligadas à situação de produção, bem como

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organização dos turnos conversacionais e compreensão das regras de convívio social.

Essas competências não são exclusividades do ensino da oralidade. Entretanto, se

considerarmos que o gênero oral se efetiva, em sua maioria, de modo presencial na

interação face a face, é necessário que haja atenção para esses pontos no momento de

seu ensino.

Dar visibilidade à oralidade, entendida como prática social interativa com

finalidades comunicativas, não implica ignorar o papel que tem a escola de formar

sujeitos competentes no uso da leitura e da escrita (KLEIMAN, 1996; MARCUSCHI,

2001; SOARES, 2007), mas sim põe em relevo o lugar e o papel da oralidade nas

práticas docentes. Tal oralidade se ancora em pressupostos teóricos que podem

caminhar em direção a uma perspectiva dialógica, que percebe a língua em sua

modalidade oral ou escrita, implicada em processos interativos e dinâmicos, ou sob o

prisma da supremacia das práticas escritas sobre as práticas orais.

À medida que a análise da fala (manifestação das práticas orais) e da escrita

(manifestação do letramento) é centrada apenas na ótica das diferenças entre as duas

modalidades de uso da língua, o confronto dessas modalidades se volta para o “código e

permanece na imanência do fato linguístico” (MARCUSCHI, 2001, p.27). Nessa

perspectiva, o parâmetro analítico se estrutura na atribuição de um maior grau de

complexidade da escrita e a fala é tomada como o lugar do erro e do caos.

Reconhecemos a existência de diferenças entre a oralidade e a escrita, porém

centramos a discussão na relação de aproximação que há entre ambas. Essa posição é

norteada pelo contínuo tipológico, cuja orientação assume que a análise entre as duas

modalidades de uso da língua deve partir de gêneros textuais próximos em graus de

complexidade estilística, bem como em função de suas demandas sociais e propósitos

comunicativos (MARCUSCHI e DIONÍSIO 2005; MARCUSCHI, 2008).

Esse cenário reforça a relevância de nossa pesquisa no cenário acadêmico, pois

oportuniza compreender um pouco mais sobre o saber docente (TARDIF, 2005;

PIMENTA, 1999; GAUTHIER, 2006) em meio ao que se apresenta como demanda

oficial para o ensino da oralidade (BRASIL, 1996, MARCUSCHI e DIONÍSIO 2005,

MARCUSCHI, 2008). Ele reforça também as investigações que se debruçam sobre a

oralidade como eixo de ensino obrigatório nas escolas brasileiras. (COSTA, 2006;

COSTA-MACIEL, 2008; PNLD, 2010). Sob esse prisma, enxergamos que a construção

dos saberes docentes é repertoriada por uma variedade de fontes de saberes que

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dialogam entre polos que vão desde as instâncias oficiais de produção de saber aos

saberes da ação pedagógica, que também produzem um saber legítimo.

Diante da configuração do nosso objeto de estudo, tomamos como referência o

trabalho de alguns autores que têm exercido uma grande influência nas discussões da

temática sobre a oralidade. Nesse sentido, destacamos a proposta de didatização de

Schneuwly e Dolz (2004), assim como a compreensão de autores brasileiros sobre

oralidade, como Marcuschi e Dionísio (2005), Cavalcante e Melo (2006), Ferraz, Costa-

Maciel e Barbosa (no prelo) , dentre outros que aportam a base teórica de discussão.

Nos referenciamos também, para estabelecermos a discussão sobre os saberes

docentes, tanto em nível nacional quanto em nível internacional, em autores como

Freire (1999), Pimenta (1999) e Therrien (1995), no Brasil; Gauthier et al. (2006) e

Tardif (2005), este dois últimos da linha canadiana da Universidade do Laval, Quebec.

Ainda estabelecemos um diálogo com Bernard Charlot (2000), da escola francesa.

O trabalho está organizado em cinco capítulos.

No Capítulo 1, discutimos sobre a linguagem, a oralidade e os gêneros textuais,

ao conceituarmos e apresentarmos as concepções estruturantes. Trazemos alguns

olhares sobre a fala e a escrita em suas múltiplas relações, observando os gêneros

textuais no continuum tipológico, o que nos permite abrir diálogos com os graus de

formalismo e a variação dialetal na fala e na escrita, bem como na discussão sobre o

letramento e a oralidade.

No Capítulo 2, trazemos o estado da arte de algumas pesquisas realizadas no

âmbito brasileiro e internacional que discutem o ensino da oralidade. Essa imersão

favoreceu a construção de um panorama sobre as investigações mais atuais sobre o oral

como objeto didático.

No Capítulo 3, debatemos sobre os saberes docentes, sua constituição, suas

relações e construções e os relacionamos com as discussões sobre as táticas, as

estratégias, a transposição didática e a didatização. Esse diálogo nos proporcionou traçar

algumas discussões com o nosso objeto teórico, estruturado no campo da linguística.

No Capítulo 4, traçamos o cenário metodológico de nossa pesquisa com

evidência para os critérios de escolha e seleção dos sujeitos; as estratégias de

amostragem; a indicação das categorias de análise advindas da interação com os dados e

revelamos as adoções investigativas aportadas na análise de conteúdo.

No Capítulo 5, apresentamos o processo analítico organizado em onze categorias

que abarcam a discussão sobre os saberes docentes para o ensino da oralidade e sobre

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como os docentes compreendem as atividades orais propostas em livros didáticos de

língua portuguesa.

Convém ressaltar que a pesquisa em tela não se compromete a esgotar a

discussão sobre o tema investigado, tampouco a generalizar os dados coletados e

analisados com os sujeitos que participam da investigação. Não tem também entre as

suas finalidades dar conta da totalidade dos problemas, mas apontar caminhos que

indiquem possíveis causas dos problemas aqui levantados e trazer reflexões sobre

possíveis soluções, assim como abrir espaço para posteriores pesquisas e releituras

sobre o tema.

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CAPÍTULO 1

ORALIDADE E GÊNEROS TEXTUAIS: CONCEPÇÕES TEÓRICAS

“Ploculando” Desesperado, o chefe olha para o relógio, e, já não acreditando que um funcionário chegaria a tempo de fornecer uma informação importantíssima para uma reunião, liga para o cara: – Alô! – atende uma voz de criança, quase sussurrando. – Alô. Seu pai está? – Tá... – ainda sussurrando. – Posso falar com ele? – Não – disse a criança, bem baixinho. Meio sem graça, o chefe tenta falar com algum outro adulto: – E a sua mamãe? Está aí? – Tá. – Ela pode falar comigo? – Não. Ela tá ocupada. – Tem mais alguém aí? – Tem... – sussurra. – Quem? – O “puliça”. Um pouco surpreso, o chefe continua: – O que ele está fazendo aí? – Ele? Ele tá conversando com o papai, com a mamãe e com o “bombelo”... Ouvindo um grande barulho do outro lado da linha, o chefe pergunta assustado: – Que barulho é esse? – É o “licópito”. – Um helicóptero? – É. Ele “tlosse” uma equipe de busca. – Minha nossa! O que está acontecendo aí? – o chefe pergunta, já desesperado. E a voz sussurra, com um risinho safado: – Eles tão me “ploculando”. Tadeu, Paulo. Proibido para maiores: as melhores piadas para crianças. São Paulo: Matrix, 2007.

Fonte: www.piadasonline.com.br/MostraPiadas.

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1.1 Oralidade e gêneros textuais

Para investigar sobre a oralidade, partimos do pressuposto que estaríamos

tratando de uma “prática social interativa que se apresenta através de variados gêneros

textuais” materializados na forma sonora (MARCUSCHI, 2001a, p. 25, grifo nosso).

Os gêneros textuais1, por sua vez, são definidos como “mega-instrumentos”

(SCHNEUWLY, 2004a) ou “tipos relativamente estáveis de enunciado” (BAKHTIN,

1992, p. 299) heterogêneos e flexíveis, historicamente construídos em resposta às

demandas e atividades sócio-culturais. Eles surgem para dar ordem e estabilidade à

comunicação (MARCUSCHI, 2002), e sua ampliação e modificação resultam da

exigência da língua, conforme a complexidade das esferas de uso.

A capacidade adaptativa e a ausência de rigidez fazem com que os gêneros

textuais sejam um construto histórico que não se centra nem na substância nem na

forma do discurso, mas na ação social. Esse aspecto ajuda na identificação de muitos

gêneros2, cuja definição é realizada por sua função e intenção (MARCUSCHI, 2002).

Todavia, esse fato não implica na eliminação dos elementos que organizam as formas

composicionais dos gêneros, visto que esses são estruturados pelo seu “estilo”, sua

“construção composicional”, e seu “conteúdo temático”, componentes fundidos no todo

do enunciado, indissociáveis, portanto (BAKHTIN, 1992).

Quando o sujeito age discursivamente em determinada situação, realiza a seleção

dos gêneros em função da ação discursiva, como vemos no gênero textual introdutório

de nosso capítulo, cujo título é “Ploculando”, em que o garoto, através do telefonema,

gênero oral, mobiliza outro gênero oral, a piada. É no processo de “adoção-adaptação”

dos gêneros que o indivíduo realiza duas atividades complementares: a adequação do

gênero ao ambiente de uso e a efetivação da linguagem de acordo com o gênero. Para 1 Assumiremos as designações “gênero textual” e/ou “gênero do discurso” como equivalentes. Para tanto, apoiamo-nos em Marcuschi (2001). 2 De acordo com Marcuschi (2001), é necessário que façamos a distinção entre gênero textual e tipo textual. O autor afirma que “gênero textual é uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Já o tipo textual é uma espécie de sequência definida teoricamente pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Em geral os tipos textuais abrangem algumas categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. Se os tipos textuais são apresentados em pequena quantidade, os gêneros textuais são inúmeros. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial (...) carta eletrônica, bate-papo por computador, aulas virtuais”.

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Bronckart (1999, p.103), esse movimento simultâneo dá ao gênero a dinamicidade que o

caracteriza como fundamentalmente histórico e em constante processo de renovação.

A escolha do gênero atende a alguns requisitos essenciais, devendo ser

considerados: os objetivos pretendidos, o lugar em que está sendo produzido e quem

será o interlocutor (os papéis dos participantes), pois o modelo dos gêneros é adaptado

aos valores particulares dos sujeitos, que adotam um estilo próprio ou mesmo

favorecem a transformação do modelo (KOCH, 2002). Nesse processo adaptativo, há

um movimento de inserção do sujeito na língua, sendo esse sujeito situado

historicamente, produtor de enunciados de acordo com o propósito de suas ações e

finalidades.

1.2 A relação da fala com a escrita

Há gêneros textuais da oralidade que se assemelham aos gêneros textuais da

escrita e tantos outros da escrita que se assemelham aos da oralidade, assim como há

determinados gêneros textuais orais e escritos que se afastam dos seus respectivos

protótipos, tendo em comum apenas o fato de ser do gênero oral ou escrito. É no

continuum tipológico que conseguimos observar, através dos gêneros, o movimento de

aproximação e distanciamento cujas modalidades de uso oral e/ou escrita se efetivam

(MARCUSCHI, 2001).

As comparações dicotômicas da linguagem oral com a linguagem escrita

tendem a considerar gêneros diferenciados, representados em modalidades distintas. Se

compararmos textos de conversação espontânea (da fala) com textos em prosa

expositiva (da escrita), certamente encontraremos polarizações, isso porque ambos

pertencem a fenômenos discursivos “a priori” distintos, mas principalmente porque

pertencem a gêneros textuais diferentes, cujos processos de produção, condições de

produção e objetivos, entre outros elementos, se distinguem. Entretanto, se a

comparação ocorre entre textos da mesma esfera de produção, como, por exemplo, uma

conferência (representando a linguagem oral) e um artigo acadêmico, ou uma conversa

informal e um bilhete familiar, certamente encontraríamos semelhanças entre as

modalidades discursivas.

A comparação entre uma conversa informal entre amigos (protótipo da

linguagem oral) e um artigo acadêmico (protótipo da linguagem escrita) é um exemplo

de localização nos extremos dos polos. Para que contemplemos as aproximações no

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continuum poderemos comparar uma conferência científica (prosa expositiva, que

apresenta características da escrita e representa a linguagem escrita) e um artigo

acadêmico (texto de conversação formal). Dessa forma, tanto a linguagem oral quanto a

escrita não se situam em extremidades de uma linha retilínea; portanto, não são

dicotômicas. Assim, em sua analise devem ser observadas as duas práticas discursivas

cujas diferenças e semelhanças se dão ao longo de um continuum tipológico, em que

podemos encontrar o grau máximo de formalismo e o grau máximo de informalidade

(MARCUSCHI, 2001).

Reconhecendo as particularidades das modalidades orais e escritas da língua,

Tannen (1982) afirma que estratégias da oralidade podem ser encontradas em um texto

escrito em prosa, bem como podem ser encontradas estratégias da escrita em um texto

oral formal. Segundo a autora, as diferenças formais se dão em função do gênero e do

registro linguístico, e não em função da modalidade (oral e escrita). O envolvimento

interpessoal também se apresenta como um dos elementos importantes na comparação

entre as duas modalidades da língua, e as estratégias discursivas utilizadas são

originárias do grau de envolvimento e compreendem as modalidades oral e escrita num

contínuo.

O contínuo também é contemplado nos escritos de Koch (2002). Para ela,

existem textos escritos que se situam mais próximos da fala (bilhete, carta familiar,

textos de humor, por exemplo), ao mesmo tempo em que existem textos falados que se

aproximam da escrita formal (conferências, entrevistas profissionais para altos cargos

administrativos e outros), havendo, também, gêneros mistos, ou seja, que se realizam

em meio gráfico e oral, sonoro e escrito, além de muitos outros que estão na interface

entre o oral e o escrito.

Koch (2002) e Marcuschi (2001a) situam a relação fala escrita na perspectiva de

considerar aspectos como a variedade linguística e a relação entre os gêneros textuais,

evitando, assim, comparações polarizadas, cuja base se foca exclusivamente em textos

originário da oralidade e da escrita. O fator determinante das diferenças entre as

modalidades oral e escrita da língua são as condições de produção desiguais, que

sugerem uma maior ou menor dependência do contexto, um maior ou um menor grau de

planejamento e uma maior ou uma menor submissão às regras gramaticais.

Conforme Kato (1987, p. 39),

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a dependência contextual determina o grau de explicitação textual, isto é, o seu grau de autonomia. O grau de planejamento determina o nível de formalidade, que pode ir do menos tenso (casual ou informal) até o mais tenso (formal, gramaticalizado).

Marcuschi (2005), retomando a hipótese do continuum tipológico de Biber

(1988), e sem desprezar o esquema desenvolvido por Kato, observa que a impressão que

se tem da escrita é a de um fenômeno, se não homogêneo, pelo menos bastante estável e

com o mínimo de variação. No entanto, como afirma o referido autor, as diferenças

entre fala e escrita se dão dentro de um continuum tipológico das práticas sociais de

produção textual e não na relação polarizada (MARCUSCHI, 2001a).

Há duas teses centrais respaldadas pela noção de continuum. A primeira defende

a existência de mais semelhanças que diferenças entre as modalidades discursivas da

língua. Já a segunda, toma a dicotomia entre as modalidades discursivas como

inconsistente, pois a oralidade e a escrita, apesar de se efetivarem em processos de

produção e meios de produção distintos, compõem um mesmo sistema linguístico, não

estanque.

Segundo Marcuschi (2001a), podemos relacionar os gêneros a partir do seu meio

de produção, a saber, sonoro, para gêneros de concepção discursivas, orais e gráficos,

bem como para gêneros de concepções discursivas escritos.

Meios de Produção Concepção discursiva

Sonora Oral

Gráfica Escrita Adaptação do quadro distribuição dos gêneros textuais de acordo com o meio de produção de a concepção discursiva de Marcuschi (2001).

Marcuschi (2008) situa no domínio tipicamente oral o gênero textual cujo meio

de produção e concepção seja oral e, no domínio tipicamente escrito, a produção cujo

meio seja gráfico e a concepção escrita. Há um misto de domínio quando as produções

se mesclam, ou seja, estão no meio gráfico e oral, sonoro e escrito.

Para a classificação desses gêneros quanto ao seu domínio, é necessário

considerar o meio de produção e a concepção discursiva dos mesmos (MARCUSCHI,

2001a). Podemos exemplificar com alguns gêneros textuais, a saber: conversação

espontânea, artigo científico, notícia de TV e entrevista publicada em revistas. Se

observarmos a conversação espontânea, veremos que o seu meio de produção é sonoro e

a concepção discursiva é oral; logo, é um gênero tipicamente oral O artigo científico,

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cujo meio de produção é gráfico e a concepção discursiva é escrita, é um gênero

tipicamente escrito, pois está no domínio escrito. O gênero notícia de TV, que se realiza

no meio de produção sonoro, e é concebido discursivamente na escrita, assim como o

gênero entrevista publicado em revistas, que se realiza no meio de produção oral, e a

sua concepção discursiva está no meio gráfico, não são do domínio nem da oralidade

nem da escrita, são gêneros de domínios mistos, uma vez que são produzidos e

concebidos em ambos os meios.

Conforme Marcuschi (2001a), é o contínuo dos gêneros que distingue e

correlaciona os textos de cada modalidade de uso da língua, considerando aspectos tais

como as estratégias de formulação, a seleção lexical, o estilo, o grau de formalidade

etc., todos sendo analisados dentro do continuum de variações. Assim, seja o gênero

textual oral ou escrito, as semelhanças e as diferenças que existem entre eles irão

emergir.

A questão da formalidade ou informalidade na escrita e na oralidade varia de

acordo com as situações sociais. Essa noção mostra que tanto a fala quanto a escrita se

realizam estilisticamente de forma variada, produzindo graus de formalidade ou

informalidade no registro. Marcuschi (2005) questiona a afirmação de Stubbs (1986),

que considera provável que a língua falada apresente maior variação do que a língua

escrita, pois é possível que a distância entre formal e informal no caso da fala apresente

um espaço maior que no caso da escrita. Isso pode ser tido como plausível e

seguramente se dá com maior intensidade quanto maior for o nível de escolarização de

uma sociedade.

Para Marcuschi (op. cit), na vida diária, o uso da escrita informal tem uma

enorme presença, como no caso das cartas, bilhetes, listas, preenchimento de dados etc.

Assim, o uso informal da escrita é muito elevado e predomina sobre o uso formal,

embora a maioria dos escritos informais tenha uma durabilidade muito curta e logo

sejam destruídos. O que se costuma guardar são registros de uso formal da língua, tais

como os livros, as revistas e os documentos maiores como os códigos, as enciclopédias,

os compêndios, etc.

No processo interativo, o sujeito poderá variar a sua maneira de falar

dependendo da relação de proximidade com o interlocutor. Haverá diferença também

em relação à conversa entre sujeitos de um determinado grupo social com sujeitos de

grupos sociais distintos. Essa variação no registro é ocasionada pelo ajustamento na

estruturação do texto produzido pelo falante para o seu ouvinte, visto que o discurso

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(falado e escrito) é organizado em função das representações sociais existentes nas

relações entre o falante e o ouvinte (MELO & BARBOSA, 2005; TRAVAGLIA, 1995).

Segundo Bortoni-Ricardo (2004), as relações são mediadas por uma contínua

monitoração estilística que vai desde a interação totalmente espontânea até aquelas que

são previamente planejadas, exigindo muita atenção do falante. Quando a situação exige

formalidade, seja pela especificidade da audiência, seja pela cerimônia exigida, pelo

conteúdo a ser tratado, nos monitoramos com maior intensidade. Dependendo do nível

de intimidade que temos com o interlocutor, monitoramos o estilo com menor

intensidade, ou seja, monitoramos a fala em função do “ambiente, do interlocutor e do

tópico da conversa”.

A autora supracitada prossegue afirmando que podemos monitorar com maior ou

menor intensidade a fala em função de um mesmo interlocutor. Assim, para passar de

uma “conversa séria” a uma “brincadeira”, podemos mudar nosso estilo. Quando vamos

mudar de estilo, passamos a emitir pistas verbais ou não-verbais, que a autora define

como metamensagens, e que transmitem informações do tipo: “isso é uma brincadeira”,

“estou falando sério”, “estou ralhando com você”. A variação ao longo do continuum de

monitoração estilística tem, portanto, uma função muito importante de situar a interação

dentro de uma moldura ou enquadre. As molduras servem para orientar os integrantes

sobre a natureza da interação: se é uma “brincadeira”, “um xingamento” etc.

Conforme Travaglia (1995), a língua escrita e a oral apresentam cada uma um

conjunto próprio de variedades de grau de formalismo. As variedades de grau de

formalismo da língua escrita apresentam uma tendência para maior regularidade e

geralmente maior formalidade que as da língua falada, todavia importa lembrar que em

cada caso existe uma relação entre os níveis de grau de formalismo propostos para a

língua falada e para a escrita. Assim, encontramos textos informais na língua falada e na

língua escrita, não sendo a informalidade privilégio de textos orais. Essa perspectiva

garante uma análise da língua pautada mais em suas relações de semelhanças do que de

diferenças, evitando dicotomias no sentido estrito.

Travaglia (op.cit.) chama-nos a atenção para o caso da variação da língua escrita,

afirmando que essa também pode apresentar variedades dialetais, embora sejam em

número menor e se apresentem de forma menos explícita que na língua falada. Isso

ocorre porque as diferenças prosódicas, fonéticas, entre outras, desaparecem no escrito.

Assim, a compreensão equivocada de que a língua escrita é uma réplica exata da língua

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oral não se sustenta, pois “a escrita, vista como sistema de notação da língua oral,

adquire um caráter incompleto e inexato” (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p.163).

A discussão que estabelecemos neste trabalho apoia-se na compreensão de que a

variação é algo inerente ao funcionamento das línguas. Isso se deve ao fato de essas, em

sua própria essência, serem multifacetadas, multíplices, não monolíticas e heterogêneas.

Para se ter uma visão mais adequada de tal fenômeno, é necessário compreender que a

variação linguística (VL doravante) é resultante de diversos fatores, tais como espaço,

tempo, classe social, interlocutores, entre outros. É importante refletir sobre o fato de

que a variação é constitutiva da língua e não da fala. Portanto, não é a variação que

caracteriza a fala, mas sim as estratégias de organização desta (MARCUSCHI, 2001a).

1.2.1 Fala e escrita: variação linguística

Possenti (2000) classifica os fatores que condicionam a variação linguística em

dois tipos: externos e internos à língua. Os fatores externos à língua são os geográficos,

de classe, de idade, de sexo (doravante identificaremos como de gênero), de etnia, de

profissão etc. Por exemplo, pessoas de diferentes classes sociais caracterizam sua fala

por traços diferentes em relação a outra classe, assim como pessoas mais velhas se

caracterizam por uma fala diferenciada em relação à população mais jovem. Portanto, a

língua, apesar das variações, identifica os grupos sociais (SUASSUNA, 1995).

Os fatores internos têm sua existência dentro da língua não de forma casual, mas

são regrados por uma gramática interior. Assim, a língua não permite que alguns “erros”

ocorram, pois todos os falantes conhecem fatores internos relevantes que não os deixam

desviar; por exemplo, nas palavras peixe, caixa, feixe, a semivogal i é eliminada,

pronunciando-se caxa, pexe, fexe. Mas, as palavras jeito e peito, nunca são pronunciadas

jeto e peto, com a eliminação da semivogal. Na concepção de Travaglia (1995),

podemos ter basicamente dois tipos de variedades linguísticas: os dialetos e os registros.

Ambas as variedades apresentadas por Travaglia se enquadram dentro dos fatores

externos mencionados por Possenti.

Os dialetos são variedades que ocorrem em função dos usuários da língua,

identificadas na dimensão territorial, social, histórica, entre outros (variáveis de idade,

de sexo, e de função). Na dimensão territorial, geográfica ou regional, os dialetos

acontecem entre pessoas de diferentes regiões, normalmente pelas influências sofridas

na formação das regiões, pela polarização política e/ou econômica e/ou cultural dos

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falantes em comunidades linguísticas geograficamente limitadas, que desenvolvem um

comportamento linguístico identitário, por exemplo, como se observa nas diferenças

entre o português falado no Brasil, em Portugal e em países africanos de língua

portuguesa. Dentro do Brasil, encontramos diferentes falares, como o dos nordestinos e

o dos cariocas. Travaglia (1995) postula que: as diferenças entre línguas usadas em uma região e outra normalmente são, em sua grande maioria, diferenças no plano fonético (pronúncia, entonação, timbre, etc.) e no plano léxico (palavras diferentes para dizer a mesma coisa, as mesmas palavras com sentido diferentes em uma e outra região, uso mais frequente de um ou de outro morfema derivacional ou flexional, etc.). As diferenças sintáticas, quando existem, normalmente não são grandes (p.43).

Quanto aos diferentes dialetos, não existe um limite preciso entre eles, apenas

área de concentração de um determinado conjunto de características. Os limites são

estabelecidos de acordo com determinada conveniência, pois, como nos afirma

Travaglia (op.cit), não há uma demarcação precisa de onde inicia ou termina um

determinado dialeto, mas podemos perceber a concentração de alguns elementos

característicos. Na dimensão social, os dialetos ocorrem de acordo com a classe social

do usuário da língua, existindo maiores semelhanças nos falares dos membros de um

mesmo grupo sócio-cultural, em geral com interesses comuns. A título de exemplo,

temos os jargões profissionais apresentados em classes sociais bem definidas como a

dos médicos, a dos artistas, etc. A gíria pode ser considerada também como uma forma

de dialeto social, pois é um modo próprio de utilização da língua por um grupo. As

inúmeras sobreposições e matizes tornam os dialetos sociais mais difíceis de serem

identificados que os dialetos regionais. Fatores como nível de escolaridade, quase

sempre, se inter-relacionam com classe econômica. Diferenças entre classes sociais

poderiam ser listadas, frequentemente, como grau de formalismo, principalmente no que

diz respeito ao grau de adesão às formas próprias da norma culta e padrão, mas as

diferenças não se limitam só a isso. Os grupos ganham identidade pela linguagem que

utilizam. Quando uma variedade social se diferencia muito em relação às demais, o

dialeto social pode permitir que os membros dos grupos se comuniquem livremente,

sem que haja qualquer atitude ou ação de outros segmentos sociais, ou seja, o dialeto

social pode servir como meio de ocultamento (TRAVAGLIA, 1995).

Na dimensão da idade, os dialetos provêm das variadas formas de uso da língua

por pessoas em diferentes idades e faixas etárias (crianças, jovens, adultos e velhos). Ao

longo da vida, as pessoas adquirem as formas de uso da língua de um grupo e

abandonam as do grupo a que pertenceram. A introdução de alterações no uso da língua

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não é vista com bons olhos pelas gerações mais velhas, que encaram as modificações

como deturpações e desvalorização da língua como, por exemplo, as gírias usadas entre

os jovens como afirmação de sua identidade pessoal e/ou grupal.

Na dimensão do gênero, os dialetos representam a variação de acordo com o

sexo de quem fala. Razões sociais determinam algumas diferenças. Assim, no que diz

respeito ao uso do léxico e de algumas construções, há diferenças, provavelmente

causadas por restrições sociais em relação a comportamentos verbais e à imagem

socialmente construída do gênero masculino e feminino.

Na dimensão da função, os dialetos representam as variações na língua em

consequência da função social que o falante desempenha. Nessa dimensão, o Português

parece não possuir variações significativas. Travaglia (1995) traz como exemplo o

chamado “plural majestático”, apresentado por governantes e altas autoridades ao

expressarem seus desejos ou intenções com o pronome “nós”, ao apresentar sua posição

de representante do povo.

Na dimensão histórica, os dialetos representam estágios no desenvolvimento da

língua. Os registros fazem com que as variantes históricas permaneçam no tempo, e

assim sejam mais percebidas na língua escrita que na língua oral. As variedades

históricas podem ser percebidas, por exemplo, em textos escritos em português

medieval, no qual encontramos termos e formas de dizer considerados arcaicos e outros

que sofreram evolução fonética. Mas é possível que no futuro se possam observar e

analisar diferenças históricas também na variação do oral, pois a cada dia evoluem os

meios de registro nessa modalidade.

É a convicção dessa mutabilidade da língua que leva Possenti (2000) a defender

que não há razão para exigir que os alunos ou outras pessoas conheçam formas arcaicas,

que nunca ouviram e que são pouco frequentes nos textos escritos. Os arcaísmos não

são apenas formas da língua em desuso, há algumas formas ensinadas pela escola que já

estão mortas ou a ponto de não se usar mais. Por exemplo, a regência do verbo ‘assistir’.

Dificilmente falantes reais empregam a regência de acordo com a gramática. Em geral,

diz-se ‘assisti o jogo’ e não ‘assisti ao jogo’. Logo, essa segunda forma já é considerada

como arcaísmo. De acordo com Possenti, há justificativas para que o ensino de formas

raras e arcaicas não deva ter tanta importância para a escola, mas isso não implica que

os que fazem uso de formas mais antigas estejam errados, mas sim que os usuários das

formas linguísticas mais recentes devem ser aceitos.

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[...] trata-se de aceitar que se utilizam nos textos escritos formas linguísticas mais informais (o que não quer dizer aceitar todas), que em geral consideramos aceitáveis apenas na fala. A razão é que estas formas, na verdade, são hoje as corretas, são elas que constituem a língua padrão, porque já são faladas e escritas pelas pessoas cultas do país – coisa de que elas, eventualmente, não se dão conta (POSSENTI, 2000, p.41).

O excerto acima traz para a escola uma proposta desafiadora, pois a convoca a se

abrir para a língua padrão vigente, reconhecendo-a como legítima no ambiente escolar.

Essa postura enfraquece as atitudes conservadoras que defendem a pureza da língua,

desprezando os diferentes fatores que influenciam a variação, pois não existem línguas

que permaneçam uniformes, tampouco línguas imutáveis (POSSENTI, 2000, p.38). A

certeza do movimento ininterrupto da língua conduz Travaglia (1995) a defender que

não há razões para a escola realizar atividades de ensino/aprendizagem da língua

materna direcionadas apenas à variedade culta da língua, em detrimento das outras

formas de uso da língua que podem ser mais adequadas a determinadas situações. O

argumento de que o aluno já domina as outras variedades não se sustenta, pois há

sempre novos elementos a serem dominados nas diversas variedades, incluindo a que

domina.

A confusão que se estabelece em relação à língua e à gramática normativa

favorece uma compreensão errônea de que a fala é o lugar do caos e a escrita (pautada

na norma padrão) a forma correta de uso da língua. A gramática normativa se tornou

referência por estudar a variedade culta da língua, apegando-se exclusivamente à norma

escrita, menosprezando a norma oral culta. Essa gramática tenta regular a língua em

toda a sua dimensão e considera erro todas as demais variedades da língua,

estabelecendo, dessa forma, uma ideologia que gera o preconceito linguístico.

Os fatores que influenciam a escolha de uma variedade linguística como “culta”

ou “padrão” são variados, entre eles destacam-se a associação dessa variedade à

modalidade escrita e à gramática tradicional; a dicionarização; e a compreensão dessa

variedade como representante de uma tradição cultural e de uma identidade nacional.

Segundo Bagno (1998), não há um fator especial em uma determinada variedade para

que ela seja eleita padrão, pois todas as variedades de uma língua desempenham sua

função sociocomunicativa, entretanto, em determinados momentos da história, a língua

falada pela classe econômica e ideologicamente dominante se tornou a variante padrão.

Nesse cenário conflitante, surge a seguinte questão: como pode a escola

apregoar a uniformidade linguística, se a variedade é fruto da variedade social? Em

relação a esse questionamento, Soares (1998) se posiciona mostrando a realidade de

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inúmeras salas de aula, dizendo que o uso da língua no ambiente escolar por alunos

provenientes das camadas populares, usuários de variantes linguísticas social e

escolarmente estigmatizadas provoca preconceitos linguísticos e leva a dificuldade de

aprendizagens, “já que a escola usa a variante padrão socialmente prestigiada”(P. ??).

Soares (op.cit.) sugere que a escola busque estratégias para que os alunos de

meio popular incorporem a norma-padrão devido à exigência social de seu domínio, a

fim de promover o desenvolvimento do bidialetalismo, no sentido de transformar as

condições de marginalidade em que se encontram. O não reconhecimento da

diversidade da língua prejudica a educação, pois a escola, cujo “objetivo é ensinar o

português padrão” (POSSENTI, 2000, p.??), busca impor uma língua homogênea,

fundamentada na gramática normativa, praticamente em desuso pela maioria da

população brasileira (inclusive as mais escolarizadas), ignorando a diversidade

linguística e disseminando o preconceito em relação aos variados dialetos. Esses já são

reconhecidos pelos documentos oficiais que estabelecem parâmetros para a educação

brasileira, os PCNs (1996, p.31):

A língua portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais. Identificam-se geográfica e socialmente as pessoas pela forma como falam. Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de se falar: é muito comum se considerar as variedades linguísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas (...) o problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito às diferenças.

O reconhecimento, por parte dos PCNs, assim como pelo PNLD, de que a língua

é variada, sinaliza que a escola tem a responsabilidade de enfrentar os preconceitos a

essas variedades, bem como de se livrar do mito da heterogeneidade da fala e de que a

escrita é o espelho daquela. Como afirma Bagno (1998), o preconceito está tão

enraizado em nossa cultura que qualquer fala/escrita que transgrida a “língua correta” é

depreciada, pois os que difundem a norma padrão acreditam em uma unidade que deve

ser seguida pelos usuários. O chamamento dos PCNs (1996) ao respeito às variedades

da língua alerta para que não se propaguem discriminações contra variedades

linguísticas não-padrão, seja variações dialetais ou de registros.

Em se tratando de variação dos registros, já aprofundamos essa questão em

tópicos anteriores, todavia, resgataremos de forma específica cada conceito. Como já

discutimos, a variação no âmbito dos registros diz respeito ao uso que o falante faz da

língua em função da situação em que estarão envolvidos os interlocutores. As variações

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de registro podem ser apresentadas em três tipos que se correlacionam: grau de

formalismo, modalidade e sintonia.

No tocante ao grau de formalismo, podemos defini-lo como a necessidade que

tem o usuário da língua de garantir, em diferentes situações sociais, maior eficácia na

interação. Desse modo, o mesmo atenta para o grau de formalismo empregado em sua

linguagem.

Quanto à modalidade, a língua pode se realizar tanto na modalidade escrita

quanto na modalidade oral. Em ambas as modalidades da língua podemos verificar

diferentes graus de formalidade.

No que diz respeito à sintonia, podemos entendê-la como o ajustamento que o

falante realiza na estruturação de seus textos, a partir de informações que tem sobre o

seu interlocutor. O grau de intimidade entre os interlocutores, o nível de conhecimento

entre eles, por exemplo, são determinantes na definição do ajustamento da interlocução.

Mas, de que forma a oralidade e a escrita, enquanto modalidades distintas, se

relacionam? Para investigar a oralidade é necessário esquecer do letramento? Marcuschi

(2001a, p.25) responde a essa questão afirmando que “investigar o letramento é

observar práticas linguísticas em situações em que tanto a escrita como a fala são

centrais para as atividades comunicativas em curso”, logo, investigar a oralidade não

dispensa refletir sobre letramento, tópico a ser discutido a seguir.

1.3 Letramento e oralidade: práticas sociais e eventos comunicativos

Os estudos do letramento surgem no cenário educacional como mola propulsora

para um novo olhar sobre a oralidade, bem como sobre a alfabetização, a leitura, a

escrita e a produção textual. A noção de letramento incorpora na reflexão sobre língua e

linguagem o modelo do contínuo entre oralidade e escrita, deslocando o foco da

perspectiva dicotômica da relação fala e escrita para uma perspectiva em que ambas as

modalidades de uso da língua se completam (KLEIMAN, 2002, MARCUSCHI, 2008),

sem, entretanto, desconsiderar que há especificidades em ambas as modalidades, o que

implica diferenças.

Historicamente, a visão dicotômica entre fala e escrita conduziu à separação

entre forma e conteúdo, língua e uso, o que promoveu o ensino da língua como

instruções de regras gramaticais, sem atentar para os aspectos dialógicos e discursivos.

Temos nessa perspectiva dois modelos teóricos, o modelo autônomo e o modelo

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ideológico, difundidos nas décadas de 1950 e 1980 respectivamente. O primeiro

desprezou as influências sociais sofridas pela língua e o segundo encarou a escrita como

recurso tecnológico autônomo que propiciava ao indivíduo a ampliação da capacidade

cognitiva (MARCUSCHI, 2001a, p.26).

Para Street (2003), o modelo autônomo assume a supremacia cognitiva da

escrita, enxergando-a em oposição à oralidade. O letramento, por sua vez, é tomado

como modelo homogêneo, associado ao progresso, a modernidade e a mobilidade

social. Enfim, o modelo autônomo concebe o letramento independente do contexto

social e cultural, admitindo o seu funcionamento independente da escrita

(MARCUSCHI, 2005).

Em oposição a esse modelo, o autor propõe o modelo ideológico3, cuja

concepção está firmada em uma pluralidade de letramentos, implicada nas

determinações sociais e culturais. Inserem-se nessa discussão as questões técnicas,

culturais, cognitivas e sociais dentro das relações de poder. A fala e a escrita, nessa

visão, são analisadas em suas interfaces, afastando-se da polarização que permeava o

modelo autônomo.

Na visão de Street (op. cit), o modelo ideológico de letramento superou alguns

mitos que reforçavam a visão dicotômica, a saber: o mito de que a escrita era uma

reprodução fiel da fala, enquanto que a fala usava como base os elementos

paralinguísticos; o mito de que a fala era fragmentada, caótica, enquanto que o texto

escrito era mais coesivo e coerente; e o mito de que a escrita era autônoma em sua

produção de sentido, limitando-se ao conteúdo, enquanto a fala conduzia o sentido se

apoiando no contexto e nas condições da relação presencial.

No trato com o “modelo ideológico do letramento”, temos que considerar dois

termos estruturais: os “eventos de letramento” e as “práticas de letramento”. Ambos

necessitam ser compreendidos de forma associada, de modo a não procedemos a análise

apenas no nível da descrição, como alerta Soares, fundamentando-se em Street:

O conceito de evento de letramento, dissociado do conceito de práticas de letramento, não ultrapassa, segundo Street (2001:11), o nível da descrição, embora tenha a vantagem de orientar o pesquisador ou estudioso para a observação de situações que envolvem a língua escrita e para identificação das características dessas situações; não revela, porém, como são construídos, em determinado evento, os sentidos e os significados, produtos

3 Street emprega o termo ideologia no sentido de tensão entre autoridade e poder, de um lado, e a resistência e criatividade, de outro lado (essa tensão manifesta-se no uso da língua, seja na sua forma oral ou escrita).

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não só da situação e de suas características específicas, mas também das convenções e concepções que as ultrapassam, de natureza social e cultural (SOARES, 2003, p. 105).

Para Heath (1982 apud MARCUSCHI, 2001a, p.37), o evento de letramento é

qualquer ocasião em que uma peça de escrita integra a natureza das interações dos

participantes e seus processos interpretativos. Para Barton (1991), são atividades

particulares em que o letramento exerce um papel: costumam ser atividades

regularmente repetidas. Para Street (2003), são eventos que envolvem a leitura e a

escrita, com características bem determinadas, como por exemplo, o evento acadêmico,

o evento escolar, em que a escrita e a leitura envolvem a prática dos sujeitos, a escrita e

a leitura de uma carta pessoal, por exemplo, podem ser citadas como um evento de

letramento, pois envolvem um texto escrito. Nas mais variadas esferas sociais, em que a

escrita e a leitura estruturam as diversas atividades, entre elas as que se destinam ao

trato com a oralidade.

Para Bortoni-Ricardo (2004), nos eventos de letramento o texto pode estar

presente no âmbito da interação ou pode ter sido estudado ou lido anteriormente. Em

um ofício religioso, por exemplo, os religiosos, ao ministrarem seu sermão, realizam um

evento de letramento, seja porque eles têm diante de si o roteiro escrito de sua fala, seja

porque eles prepararam previamente esse roteiro escrito, no qual introduziram

passagens bíblicas, por exemplo. Analisar os eventos de letramento na sala de aula

significa descrever as regras a eles subjacentes, considerando a situação de interação, os

sujeitos e seus objetivos, o referente ou objeto de interação e o material escrito (os

gêneros textuais e seus suportes), e os modos de relação com esse material.

As práticas de letramento, por sua vez, ampliam a noção de eventos de

letramento, visto que, de acordo com Street (2003, p. 7), trata-se dos eventos e dos

padrões ligados ao letramento, associadas a “algo mais amplo, de uma natureza cultura

e social”. Para o autor,

parte dessa amplificação tem a ver com a atenção dada ao fato de que trazemos para um evento de letramento conceitos, modelos sociais relacionados à natureza que o evento possa ter, que o fazem funcionar, e que lhe dão significado. É impossível para nós chegar a esses modelos simplesmente permanecendo sentados sobre um muro com uma câmera de vídeo, observando o que estiver acontecendo. Aqui, surge uma outra questão etnográfica: temos que começar a falar com as pessoas, a ouvi-las e a associar a sua experiência imediata a outras coisas que possam também estar fazendo.

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Por essa perspectiva, as práticas de letramento compreendem as formas de uma

sociedade produzir significado para determinado evento com base na leitura e na escrita

realizada no contexto dessa sociedade. Segundo Marinho (2006, p.7), configura-se

prática de letramento “uma concepção cultural mais ampla de forma particular de pensar

e ler e de escrever em contextos culturais”.

Podemos, na reflexão sobre o letramento, observar também a noção de “práticas

comunicativas”, conforme adverte Grillo (1982) e reforça Marcuschi (2001a). Os

autores afirmam que tal pratica inclui as atividades sociais através das quais a

linguagem ou comunicação é produzida”. Isto equivale à forma como essas atividades

são inseridas nas instituições, situações ou domínios, que por sua vez são implicados em

processos sociais, econômicos, políticos e culturais e em outros processos maiores.

Um outro ponto que pode ser trazido na discussão sobre o letramento, diz

respeito aos “eventos de oralidade” (BORTONI-RICARDO, 2004, p.62). Tais eventos

são identificados quando não há influência direta da língua escrita sobre as instâncias

comunicativas dos interagentes. Entretanto, devemos atentar para o fato de que as

fronteiras que demarcam os eventos de oralidade e letramento não se apresentam de

forma enrijecida, havendo muitas sobreposições entre eles.

Bortoni-Ricardo (2004), para exemplificar o que são eventos de oralidade,

menciona uma pesquisa realizada em escolas de Goiás e do Distrito Federal, cujos

professores agiam de forma monitorada em sua linguagem quando conduziam um

ditado, na aula de leitura (eventos mediados pela língua escrita), e agiam de modo

espontâneo quando chamavam atenção para a manutenção da disciplina ou brincavam

com os alunos de forma descontraída (evento de oralidade).

Sob essa perspectiva, uma conversa à mesa de um bar é um evento de oralidade,

mas se um dos participantes começa a declamar um poema que ele recolheu em suas

leituras, o evento passa a ter influências de letramento (BORTONI-RICARDO, 2004).

Para Street (2003), as práticas de letramento variam de acordo com os distintos

contextos, as diversas culturas, e estão sob efeito de diferentes letramentos em

diferentes condições, visto que estão agregadas aos inúmeros sentidos atribuídos pelos

sujeitos em suas comunidades de pertencimento.

Por essa via, Xavier (2005), citando Barton, declara que

antes de constituir um conjunto de habilidades intelectuais, o letramento é uma prática cultural, sócio e historicamente estabelecida, que permite ao individuo apoderar-se das suas vantagens e assim participar efetivamente e

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decidir, como cidadão do seu tempo, os destinos da comunidade à qual pertence e as tradições, hábitos e costumes com os quais se identifica. A capacidade de enxergar além dos limites do código, fazer relações com informações fora do texto falado ou escrito e vinculá-las à sua realidade histórica, social e política são características de um individuo plenamente letrado (p. 135).

Essa visão de letramento tem por discurso a vertente teórica os “Novos Estudos

do Letramento4” (STREET, 2003; KLEIMAN, 1996), a qual se sustenta na

compreensão da linguagem enquanto interação social, observando não apenas as

propriedades formais e qualidades intrínsecas da escrita, mas, sobretudo, a legitimação

de usos reais pelos indivíduos. Assim, uma nova relação é estabelecida, pois passa a ser

legitimada no letramento, em seu “modelo ideológico” de representação. Este modelo

implica não apenas aspectos de cultura, mas também das estruturas de poder de uma

sociedade.

Costa, Marinho e Ribeiro (2007, p.241) advertem sobre a necessidade de

investigarmos a concepção do significado social do letramento “fundamentado em um

trabalho de campo cuidadoso sobre as funções que as habilidades de leitura e escrita

exercem na vida social”. O chamamento das autoras também contempla a oralidade

mediada pela escrita, pois compreende que elas se entrelaçam e se realizam no contexto

das demandas sociais e vieses ideológicos dos sujeitos que delas fazem uso.

O “modelo ideológico de letramento” oferece maior atenção para o papel das

práticas de letramento e das relações de poder imperantes na sociedade. Marcuschi

(2005) afirma que a visão do contínuo complementa o modelo adotado por Street e

concebe as relações entre oralidade e letramento envoltas nas práticas sociais e

atividades comunicativas. Na perspectiva de Marcuschi (op. cit.), para se tratar

adequadamente os problemas do letramento é necessário ter a compreensão do “modelo

ideológico” agregado ao contínuo e à organização das formas linguísticas no contínuo

dos gêneros textuais, concebendo-se a oralidade e o letramento como complementares

no contexto das práticas socioculturais.

Nas práticas comunicativas, os gêneros textuais são importantes para tratar o

letramento. Muitas vezes os gêneros abarcam simultaneamente o letramento e a

oralidade. Vejamos o caso de uma conferência científica, em que há toda uma

preparação oral envolta pela escrita. As práticas comunicativas que envolvem esse

4 Após esclarecermos, neste trabalho, a adoção da linguagem como interação, é importante reforçarmos a concepção de letramento que o sustenta, devido à polissemia do termo. Essa explicitude visa a garantir a percepção mais nítida do que compreendemos como práticas e eventos de letramento.

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gênero textual são tanto de fala como de escrita. O gênero conferência científica se

configura enquanto evento de letramento, pois envolve um texto escrito que é usado

socialmente de forma situada, dentro das funções que a comunidade lhe atribuiu. No

caso, o gênero conferência científica é utilizado pelo meio acadêmico, que determina o

domínio discursivo5 ao qual pertence, sendo assim uma prática comunicativa.

1.4 Gêneros textuais orais: reflexões sobre o ensino

Na escola, o ensino da fala e da escrita, bem como de suas relações e variações

deve se dar através dos gêneros textuais. Eles são ferramentas que favorecem o aluno a

analisar as condições sociais de produção e recepção de textos, oferecendo um quadro

de análise dos conteúdos, da organização do conjunto do texto e das sequências que o

compõem, das unidades linguísticas e das características específicas da textualidade,

sem desprezar a sua funcionalidade social, cujo foco está em o que fazemos com os

gêneros em nosso dia a dia. (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004).

Como nos chamam a atenção Cavalcante e Melo (2006), o professor deve

compreender que não existe “o oral”, mas gêneros orais diversos. E o que isso

representa? Para início de conversa, representa que o ensino do oral deve ser mobilizado

através dos gêneros orais específicos, e o olhar didático deve também se voltar para os

elementos linguísticos característicos de cada gênero (estruturas sintáticas, seleção

lexical, estratégias interativas etc.).

Dessa forma, a escola fica com a incumbência de favorecer a reflexão sobre os

gêneros orais formais que ultrapassarem as formas orais de produção coloquial, visto

que as produções de gêneros orais frequentes no cotidiano do aluno já são dominadas

por ele. Para Dolz e Schneuwly (2004), tanto os gêneros orais públicos que servem a

aprendizagem escolar (entrevista, discussão em grupo, exposição, relato de

experiências, apresentação de seminário, etc.) quanto os gêneros orais públicos

tradicionais da vida pública (debate, entrevista, negociação, testemunho diante de uma

instância oficial, etc.) devem ser trabalhados na escola, pois, em algum momento, na

escola ou na vida pública, os alunos poderão sentir necessidade de utilizá-los.

5 Usamos a expressão domínio discursivo apoiando-nos na concepção de Marcuschi (2002), que a utiliza para identificar uma instância ou esfera da produção discursiva ou de atividade humana. Os domínios não são textos nem discursos, mas favorecem o aparecimento de discursos específicos, dentre os quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais, como, por exemplo, o discurso jurídico, discurso religioso, discurso jornalístico, entre outros.

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Para os mesmos autores, os gêneros formais públicos constituem as formas de

linguagem que apresentam restrições impostas do exterior e implicam um controle mais

consciente do próprio comportamento para dominá-las. Em grande parte são regidos por

convenções cujo propósito é regular e definir o seu sentido institucional. Mesmo sendo

produzidos, em geral, de forma presencial (face a face), inscrevendo-se em uma

situação de imediatez, tais gêneros exigem antecipação e necessitam, portanto, de uma

ação pedagógica planejada.

Dolz e Schneuwly (op.cit.) afirmam que o oral formal apresenta domínios de

linguagem que precisam ser estudados em um trabalho independente ou em um

“trabalho isolado”, sendo assim, exige uma ação pedagógica planejada, pois o fato de

deixar o aluno em contato com a fala cotidiana, ou deixá-lo ouvir o outro falar, não

garante que o mesmo adquira as competências necessárias de uso da fala para além de

seu convívio familiar.

Ressaltamos que não entendemos, com a fala dos autores, que a escola será o

único espaço de garantia de uma aprendizagem do oral formal público, visto que há

outras instâncias que também podem promover reflexões sistemáticas ou assistemáticas

sobre o uso de gêneros orais formais. Entretanto, enquanto espaço institucional de

ensino-aprendizagem, a escola se afirma como espaço de reflexão formal sobre a língua,

o que implica, também, o ensino da produção de gêneros que exigem maior

controle/monitoramento. Em outras palavras, os professores, assim como os Livros

Didáticos, devem investir nos gêneros formais, tomando-os como objeto de ensino

sistemático, a fim de habilitar o aluno a produzir discursivamente de forma eficiente.

Cavalcante e Melo (2006, p. 93), aportadas nos PCNs de Língua Portuguesa, em

Marcuschi (2002) e Schneuwly e Dolz (2004), também reforçam que o ensino da

oralidade deve ocorrer através de gêneros orais específicos, sobretudo gêneros da esfera

pública formal. As autoras pontuam critérios de análise e avaliação dos gêneros,

estruturados na natureza extralinguística, paralinguística, cinésica e linguística.

Os critérios de natureza extralinguísticas compreendem os seguintes aspectos: Aspectos extralingüísticos

Fenômeno Características Grau de publicidade Número de participantes (produtores e receptores)

ou tamanho do público envolvido na situação comunicativa;

Grau de intimidade dos participantes Conhecimento entre os participantes; conhecimentos partilhados, grau de institucionalização do evento.

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Grau de participação emocional Afetividade, relacionamento na situação, emocionalidade e expressividade;

Proximidade física dos parceiros de comunicação. Comunicação face a face, distanciada, no mesmo tempo ou em tempos diversos.

Grau de cooperação Possibilidade de atuação direta no evento, tal como no diálogo ou num texto monologado ou produzido à distancia.

Grau de espontaneidade Comunicação preparada previamente ou não. Fixação temática O tema é ou não fixado com antecedência; o tema

é espontâneo.

Os critérios de natureza paralinguística e cinésica compreendem os aspectos:

Aspectos paralinguísticos e cinésicos Fenômeno Características Aspectos paralinguísticos Qualidade da voz (aguda, rouca, grave, suave

infantilizada), elocução (maneira de produzir fala – lenta, atropelando as palavras, soletrando etc) e pausas (risos, suspiros, choro, irritação).

Aspectos cinésicos Atitude corporal (postura variada: ereta, inclinada etc). Gestos (mexer com as mãos, gestos ritualizados como - acenar, apontar, chamar, fazer sinal de ruim, de bom etc); Mímicas faciais.

Por fim, os critérios de natureza linguística compreendem

Aspectos linguísticos Fenômeno Características Marcadores conversacionais São marcadores típicos da interação oral, para

indicar que o interlocutor está prestando atenção; para marcar o turno etc. Podem vir no inicio, meio e final de turno. Exemplos: tá, hum, sim, aí, ahan.

Repetições e paráfrases Duplicação de algo que veio antes; assim como as repetições, também as paráfrases também fazem algo vindo antes.

Correções Há a substituição de algo que é retirado. Há correção de fenômenos lexicais, sintéticos e reparos de problemas interacionais.

Hesitações Demonstram tentativa de organizar o discurso oral ou podem caracterizar também insegurança do locutor. Vêm no início de um tópico ou antes de um item lexical. Exemplos: êêê:::, ááá::.

Digressões Suspensões temporárias de um tópico que retorna. Apontam para algo externo ao que se acha em andamento.

Expressões formulaicas, expressões prontas Exemplos: provérbios, lugares comuns, expressões feitas, rotinas. Não tem funcionamento orientado para frente ou para trás, mas para a contextualidade e para o conteúdo. Exemplo: bom-dia, até logo.

Atos de fala/estratégias de polidez positiva e negativa

Atos de fala positivos, tais como elogiar, agradecer, aceitar etc. Atos de fala negativos, tais como discordar, recusar, ofender, xingar etc.

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Os fenômenos que materializam os critérios extralinguísticos,

paralinguísticos/cinésicos e linguísticos devem ser observados tendo por base os

gêneros textuais. A proposta geral é que o estudo da oralidade envolva atividades que

ajudem o aluno a identificar o que se faz quando se produz o gênero oral

(MARCUSCHI, 1995). Nesse sentido, a reflexão também pode contemplar a análise e

avaliação dos critérios supracitados.

Mas, o que deve ser ensinado no trabalho com a oralidade? Conforme Marcuschi

(2005), alguns aspectos centrais podem ser explorados no estudo da oralidade, dentre

eles a dimensão da variação e mudança da língua, os níveis de uso da língua e suas

formas de realização e a relação da fala com a escrita. Não devemos esquecer da

necessidade de proporcionar, nesse trabalho, o “desenvolvimento das capacidades

envolvidas nos usos da linguagem oral próprias das situações formais e ou públicas”,

que envolve a produção/planejamento dos gêneros orais; a escuta atenta; a compreensão

e a apresentação, bem como as regras de convívio social (PCN, 1996).

Cientes das lacunas de como efetivar o ensino dos gêneros no currículo escolar,

Dolz e Schneuwly (2004) propõem uma distribuição dos gêneros por “agrupamentos”,

que deve ser levado em conta cinco ações, a saber: relatar, narrar, argumentar, expor e

descrever ações em função de algumas características estruturais e sociocomunicativas.

A proposta dos autores visa a auxiliar a reflexão sobre a seleção de gêneros textuais ao

longo da escolarização, sendo a complexidade o principal critério para a progressão

didática.

A progressão compreende que os gêneros pertencentes a uma mesma esfera

social de comunicação apresentam semelhanças em suas situações de produção e podem

compartilhar outras características em seus conteúdos composicionais e temáticos,

mesmo que possuam diferentes graus de complexidade (MENDES DA SILVA e

MORIS DE ANGELIS, 2003).

Os autores se preocupam com a elaboração de propostas didáticas flexíveis para

o ensino de alguns gêneros orais formais públicos, com vista à operacionalização das

propostas de ensino dos gêneros orais. Entre os gêneros por eles propostos estão a

exposição oral do aluno; o seminário; o debate regrado; a entrevista radiofônica; o relato

oral de experiências, dentre outros. A proposta implica em ensinar habilidades e

competências para operar com os gêneros orais, assim como as habilidades de recursos

e estratégias linguísticas desempenhadas em sua realização. Para tanto, é necessário

apresentar de forma progressiva a complexidade do tratamento com o gênero que está

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sendo explorado, assim como seus recursos e estratégias nos variados anos de

escolarização.

A proposta de Dolz e Schneuwly (2004, p.135) afirma-se nos fundamentos de

que não existe uma proposta didática “mítica” do oral que sustente a sua didatização,

“mas práticas de linguagem muito diferenciadas, que se dão, prioritariamente, pelo uso

da palavra (falada), mas também por meio da escrita”. Para os autores, são essas

práticas que podem se tornar objetos de um trabalho escolar.

Acreditamos que tal proposta sinaliza e ratifica o papel docente em relação às

demandas de seu grupo-sala, visto que a seleção dos gêneros textuais de acordo com a

sua complexidade requer compreensão efetiva do que se deseja desenvolver e

aprofundar na proposta didática, de modo a favorecer uma análise linguística cada vez

mais complexa dos gêneros textuais.

Com vista a auxiliar o professor no trato com a oralidade, alguns autores

brasileiros também buscam apresentar reflexão teórico-metodológica no sentido de

possibilitar a visualização do oral enquanto objeto a ser aprendido e ensinado. Vejamos

a variedade de propostas a seguir:

Elias, Andrade e Aquino (2011) destacam a aplicação de atividades de

formulação textual, com procedimentos que visam a possibilitar levar o aluno à

compreensão dos modos de organização do discurso, bem como a tratar a modalidade

oral e escrita da língua. As autoras trazem exemplos de textos retirados de jornais e

apresentam as formulações orais, com tendência à informalidade no registro, cujo

propósito comunicativo é envolver o leitor na leitura e na compreensão do conteúdo

textual.

Crescitelli e Reis (2011) propõem a didatização do oral evocando a atividade de

transcrição, em que devem ser observadas as estratégias de construção textual;

retextualização da fala para a escrita, observando as operações de transformação

empregadas na nessa mudança e atividades de variação linguística, em que recomenda

análise dos níveis das falas dos professores e de seus alunos, bem como a variação

existente entre os diferentes gêneros orais. O foco desse olhar é na natureza das

variações, sem prescrever a padrões de “certo” ou “errado”, mas atentando para as

condições de produção.

Negreiros (2011), em seu texto “Oralidade e poesia em sala de aula”, traz o

gênero textual poesia como uma das possibilidades de o professor tratar das “sutilezas”

orais presentes em obras de autores clássicos da poesia brasileira, entre eles: Manoel

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Bandeira, Ferreira Gullar e Carlos Drummond de Andrade. Negreiros (op. Cit, p. 67,

77) chama de “sutilize” as marcas lexicais, sintáticas e discursivas da oralidade presente

nos objetivos e sentidos empregados pelos autores em suas poesias. Nesse sentido,

propõe um conjunto de questões endereçadas pelo professor ao grupo sala, dentre elas:

• Os alunos e os professores usam essas marcas orais com freqüência? Em quais

situações?

• Qual a finalidade dessas marcas orais no texto poético? O que elas representam?

O que significam? Qual o sentido dessas marcas no poema?

• Quais os usos dessas marcas no texto poético e o uso dessas marcas na fala

cotidiana?

• Que tipo de “enunciador” (que pode também ser chamado de “eu lírico”) é

responsável por esse discurso?

• O texto poético, analisado a partir dessas marcas, é belo? O que o aluno sentiu

ao perceber essa linguagem do cotidiano presente no poema?

• Os assuntos abordados no texto são coerentes com os usos linguísticos orais

empregados?

O autor enfatiza que há outras possibilidades de investigar as marcas orais no

texto poético. O seu propósito com os questionamentos acima é “dar ao aluno a

possibilidade de se transformar em sujeito-leitor, consciente de sua linguagem, de seu

mundo, dos sentidos que permeiam a linguagem e o mundo dos outros sujeitos” (p.?).

Ramos (2011, p. 83), envolto em uma proposta de didatização, apresenta os

quadrinhos e as tiras como exemplos de gêneros textuais que permitem refletir sobre

alguns recursos da oralidade. Através de uma variedade de exemplos, o autor apresenta

os mecanismos de representação da fala utilizados pelos gêneros textuais supracitados,

do “ponto de vista externo” (formato de balões para representar elementos da

multimodalidade discursiva) e o “conteúdo textual” (uso de letras maiúsculas para

representar gritos, termos reproduzidos em negrito, por exemplo).

A caracterização da fala também é marcada na proposta de Ramos (op. cit). O

autor enfatiza o trato com os usos das variantes nos usos da fala, chamando a atenção

para o nível formal e informal, bem como para as variantes regionais. Os recursos

onomatopéicos também são evidenciados por ele como elementos usados no HQ ou nas

tiras para representar a fala dos personagens.

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Ferraz, Costa-Maciel e Barbosa (no prelo) trazem uma discussão sobre o oral a

partir de uma sequência didática com o gênero textual “notícia de rádio”. As autoras

propõem uma sistemática que envolva o grupo-sala em uma reflexão metadiscursiva e

passo a passo seja ampliada a prática da análise linguística, com vistas a promover no

aluno um pensar sobre o gênero e sua função social, a relação entre oralidade e escrita,

bem como as especificidades de cada uma das modalidades de uso da língua que

permeia toda a produção do gênero.

As propostas acima são apresentadas como indicações de atividades aos

docentes, não há exemplificações empíricas do que está sendo proposto, no sentido de

trazer e analisar como as posições se efetivam na prática docente, entretanto, há um

esforço dos pesquisadores e pesquisadoras em estabelecer reflexões teórico-

metodológicas, com vistas a aproximar a oralidade das práticas em sala de aula, pois a

compreendem como essencial na discussão sobre o ensino de língua. As proposições

põem em relevo as perspectivas de aproximações entre a oralidade e o letramento,

fazendo-as dialogarem na reflexão e produção de cada atividade proposta.

Nesse campo de debate sobre o ensino da oralidade, é importante que

observemos como a academia vem produzindo pesquisas e divulgando investigações

cujo foco seja a oralidade. É sobre esse tema que nos debruçaremos no capítulo

seguinte.

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CAPÍTULO 2

ESTADO DA ARTE: A ORALIDADE COMO OBJETO DE ENSINO-APRENZAGEM

Fonte: http://culturamidiaeducacao.blogspot.com.br/2010/11/os-jornais-existem.html

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Mergulhar no estado da arte é necessário para que possamos observar como as

investigações que vem se fazendo nos estudos da oralidade destacam o seu ensino. Com

tal eixo , muitas vezes, ao se sinalizar que está sendo trabalhado, é fornecido aos alunos

apenas o nome do gênero que é tomado para o trabalho em questão, mas o mesmo não é

tomado como objeto de estudo (MENDES DA SILVA E MORI-DE-ANGELIS, 2003).

Schneuwly (2004a), analisando um conjunto de respostas apresentadas por 50

professores-estudantes franceses do curso de Ciências da Educação, ao seguinte

questionamento: “Você é professor (a) (ou imagina ser). No programa está previsto o

ensino do oral (expressão e compreensão). O que é oral para você?”. Ao agrupar as

respostas recebidas em três categorias6: oral como materialidade, oral como

espontaneidade, trabalho sobre o oral como norma, o autor percebeu que:

1) Em se tratando da categoria Oral como materialidade, as respostas que mais

se destacaram apontavam que o oral efetua-se por meio da voz e é meio de

intercâmbio direto e efêmero (19 indicações).

2) Na categoria Oral como espontaneidade, as respostas se concentravam em

vontade, coragem de expressar-se; desvelamento de pensamentos,

sentimentos, alegrias e canalização do “desejo inato” de contato, de

expressão, com 25 indicações e ausências de restrições ortográficas que

bloqueiam a imaginação, apresentadas 16 vezes.

3) Na abordagem Trabalho sobre o oral como norma, encontraa-se a maior

concentração das respostas na definição de que oral é controlar atitudes

físicas, para não distrair por causa de tiques e risadas que nada têm a

ver com o conteúdo da mensagem, também modulações de tom, voz,

gestos. Resposta encontrada em 17 momentos. E, para 14 alunos, o oral é

declamar, ler coletivamente, ler em voz alta.

Schneuwly (2004a) conclui que, para esses professores-estudantes, o oral ainda é

percebido em uma perspectiva histórica do ensino do francês, imerso em traços da antiga

elocução e recitação. A língua, por sua vez, é contemplada como norma e o oral

enxergado como dependente da norma escrita ou como o lugar da espontaneidade e da

liberação. Nesse panorama, Schnewly (2004a) relembra os estudos de De Prieto e

Wirthner (1996) para afirmar que o que os professores dizem ser específico do oral não é

6 Foram analisadas as respostas apresentas em 25 questionários. Destacamos em nosso trabalho as respostas mais frequentes para cada categoria apresentada.

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ensinável e o que aparece em suas respostas como ensinável não é específico do oral ou

é fortemente depende do escrito.

Através da pesquisa resgatada por Schnewly, podemos perceber a fragilidade de

concepções sobre o ensino da oralidade. Considerando que essa é uma realidade

francesa, e ainda não encontramos pesquisas que apontem de forma aprofundada o que

os (as) professores (as) brasileiros (as) concebem sobre o oral a ser ensinado, supomos

que, se a mesma pergunta fosse encaminhada a professores do Brasil, as respostas

pudessem caminhar nessa mesma direção, visto que há uma carência de investigação e

espaços de reflexão sobre o ensino da oralidade.

Imerso nesse campo de questionamentos sobre o que consiste ensinar a oralidade,

Schneuwly (2004a) apresenta algumas abordagens de ensino que decorrem da concepção

usual do que é o oral. Fazendo uso das postulações de Ostiguy e Gagné (1998),

Schneuwly demonstra que as proposições descritas por esses autores enfatizam que o

ensino do oral visa melhorar a fala do aluno, levando-o a um falar elevado. Nessa

proposta, são evidenciadas as dimensões fonológicas, sintáticas, podendo ocorrer a

ênfase na dimensão lexical da expressão oral. Entretanto, as dimensões propriamente

discursivas são excluídas, como, por exemplo, as estratégias argumentativas, a

estruturação dos textos e o encadeamento das frases.

Schneuwly (2004a) ainda destaca os estudos de Mouchon e Fillon (1980) e

Brunner, Fabre e Kerloc’h (1985), os quais enfocam a expressão oral como “uma

oportunidade de expressão de si”. Para tais autores, a criança deve ter a oportunidade

de expressar-se, expor “suas angústias e fantasmas”. Schneuwly deixa claro que essa

abordagem, além de não ter clareza nos objetivos pedagógicos e didáticos, apresenta

problemas referentes à secundarização das condições de produção dos textos, assim

como a não consideração da interação entre os interlocutores, e o direcionamento da fala

ao contexto privado, restringindo-se a esse domínio.

Como podemos ver, são pesquisas que desprezam o discurso em suas diferentes

esferas de produção, pois, ou tomam como base a esfera de produção pública ou

concentram-se na espontaneidade do falar privado. Dessa forma, parecem esquecer as

implicações que favorecem esses momentos de uso da fala, tratando-os de forma

fragmentada, sendo desprezada a operação dos diferentes gêneros em reposta aos

variados contextos de uso da língua.

Em se observando os princípios propostos para o ensino de língua materna

francesa, para o domínio da produção de linguagem, encontramos finalidades tais como:

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a) levar o aluno a conhecer e a dominar a sua língua nas situações as mais diversas,

inclusive em situações escolares para chegar a cumprir esse objetivo; b) desenvolver, nos

alunos, uma relação consciente e voluntária com seu próprio comportamento linguístico,

fornecendo-lhes instrumentos eficazes para melhorar suas capacidades de escrever e de

falar; c) construir com os alunos uma representação das atividades de escrita e de fala,

em situações complexas, como produto de um trabalho, de uma lenta elaboração.

Na observância das finalidades do ensino da língua materna francesa, podemos

contemplar pontos que coadunam com a proposta de língua materna brasileira, prescritas

nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (1996), assim como no Programa

Nacional do Livro Didático (BRASIL, 2004), para quem o ensino de Língua Portuguesa

deverá se organizar de modo que os alunos sejam capazes de, entre outras competências

discursivas7,

a) Expandir o uso da linguagem em instâncias privadas e utilizá-la com eficácia

em instâncias públicas, sabendo assumir a palavra e produzir textos – tanto orais como

escritos – coerentes, coesos, adequados a seus destinatários, aos objetivos a que se

propõem e aos assuntos tratados;

b) utilizar diferentes registros, inclusive os usos mais formais da variedade

linguística valorizada socialmente, sabendo adequá-los às circunstâncias da situação

comunicativa de que participam;

c) conhecer e respeitar as diferentes variedades linguísticas do português falado;

d) compreender os textos orais com os quais se defrontam em diferentes

situações de participação social, interpretando-os corretamente e inferindo as intenções

de quem os produz.

Ambas as propostas educacionais (francesa e brasileira) têm como objetivo

central formar cidadãos que saibam usar a língua em diferentes esferas comunicativas, a

fim de que possam ter acesso aos bens culturais e alcancem a participação plena no

mundo letrado. As finalidades descritas resgatam o oral em sua relação dialética com a

escrita, concebendo as relações de interdependências entre a linguagem escrita e a

linguagem oral.

7 Para os PCNs (1996), “competência discursiva é a capacidade de se produzir discursos – orais ou escritos – adequados às situações enunciativas em questão, considerando todos os aspectos e decisões envolvidos nesse processo”.

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Outro foco de pesquisa sobre oralidade no livro didático foi desenvolvido em

2005 por Marcuschi8, com a investigação “Concepções de Língua falada no manual de

Português de 1º ao 2º graus”. O autor observou que o tratamento dado pelos manuais

didáticos a língua falada eram insipientes. Entre as críticas feitas pelo autor estão os

desvios teóricos, terminológicos e a ausência de observações empíricas sobre a fala em

uso. A grande questão trazida na investigação de Marcuschi (op. cit, p. 24) é a falta de

compreensão clara por parte da maioria dos manuais didáticos de “como e onde situar a

fala”.

Entre os resultados apontados pela pesquisa supracitada podemos destacar

alguns dados, dentre eles os de que a/o (s)

a) escrita é apresentada como modelo padrão enquanto que a fala é vista

como esfera do não-padrão;

b) exercícios que abordam a relação linguagem coloquial e linguagem

formal em sua maioria são direcionados à reescrita de expressões

descontextualizadas, ignorando a noção de continuum nas estratégias

de textualização, bem como ignorando a intencionalidade da produção

discursiva.

c) língua falada quase sempre aparece como uma questão do léxico,

restrita ao uso de expressões gírias.

De acordo com Marcuschi (op.cit), os livros didáticos analisados em sua pesquisa

não consideram de forma incisiva que a fala seja o lugar do erro, porém essa postura está

relacionada muito mais a um silêncio das obras sobre a fala que a uma avaliação da fala

em suas condições de uso. Esse panorama revela ao teórico que há “por parte dos autores

de livros didáticos, um descaso em relação à oralidade em geral” (MARCUSCHI, 1997,

p.24). Marcuschi mostrou que um livro didático de língua portuguesa com 200 páginas

raramente supera 2% de atividades dedicadas à língua falada, não atingindo uma

quantidade de 4 ou 5 páginas inteiras sobre a fala. Em se tratando de observações

teóricas e exercícios práticos de estruturas ou características da oralidade, o autor

denuncia a quase inexistência de propostas com esse foco.

8 A pesquisa abrangeu livros didáticos do ensino fundamental e médio. Nesse levantamento o autor não considerou os exercícios intitulados "linguagem oral" ou "produção oral", pois entendeu que quase sempre essas atividades são de oralização da escrita ou então de uma encenação ou teatralização de textos literários ou textos escritos.

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Em Biruel (2002), encontramos outro estudo sobre LDs que contemplou a

questão da variação linguística. Ao analisar livros didáticos recomendados pelo PNLD

em busca de observar se os manuais refletem, entre outras questões, sobre a variação

linguística, a autora percebeu que as variações de dialeto e de registro, apresentadas

pelas coleções, concentravam-se na exploração, sobretudo do léxico, e que o trabalho

com a variação linguística se voltou com mais ênfase para a apropriação da “norma

culta” ou “norma padrão”.

Ambos os estudos revelam considerar que a variação linguística (VL) é uma

característica da língua e não da oralidade em si, o trabalho dos manuais didáticos

analisados por esses autores enfatiza a fala como o lugar do erro e a escrita como

portadora do padrão a ser seguido, apresentando dicotomias entre a fala padrão e a não-

padrão. A tendência dos LDs foi restringir a questão da VL à exploração dos dialetos,

mesmo afirmando compreender os pressupostos de que a língua não é portadora de uma

uniformidade, mas que contempla uma gama de variedades característica de sua própria

essência.

No ano de 2003, Mendes da Silva e Mori-de-Angeles divulgam o artigo “livros

didáticos de língua portuguesa (5ª a 8ª séries): perspectivas sobre o ensino da linguagem

oral”, em que analisam livros didáticos classificados pelo PNLD – 2002 nas categorias

simplesmente recomendados (REC) e recomendados com ressalvas (RR).

Os resultados da pesquisa apontam que independente da categoria na qual a

coleção foi indicada, não há consenso quanto à natureza do trabalho a ser realizado no

quesito gêneros orais públicos e formais, salvo quando se trata de enfocar a relação

oralidade/escrita e a questão da variação linguística, dado já revelado por Marcuschi

(2005). Foi observado ainda nessa pesquisa que há dois perfis de trato com a oralidade

nos manuais recomendados com ressalva: o primeiro apresenta a oralidade do ponto de

vista interacional, ou seja, porque ela permite a condução das atividades e promove a

interação dos alunos em sala de aula. O segundo aborda o oral a partir das diferenças, ou

seja, as atividades alertavam o aluno para a presença de diferentes modos de falar e dos

variados graus de formalismo, embora não ultrapassassem a discussão no nível da

adequação do “modo de falar” em função do destinatário e/ou da situação. .

Essa pesquisa evidenciou que as coleções tomam a oralidade apenas como meio

para a realização das atividades, o que não garante espaço suficiente para refletir sobre a

produção e a compreensão de textos orais. No trato com a variação linguística, as

coleções não contribuíram para uma reflexão sobre como se estrutura o padrão culto da

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língua, tampouco tematizaram os aspectos característicos dessa situação, dessa forma,

não cumprem as indicações do PNLD (2004) de que a norma culta deveria ser

relacionada ao uso público ou formal da linguagem oral.

Costa (2006) também investigou livros didáticos, tomando como recorte as

resenhas dos livros didáticos indicados no PNLD (BRASIL, 2004), nas três

classificações: Recomendada, Recomendada com ressalva e Recomendada com

distinção. A pesquisa da autora confirma um dos pontos levantados por Mendes da Silva

e Mori-de-Angelis (2003), de que independente da categoria de indicação da coleção, o

maior investimento no trabalho com o oral parece estar voltado para uso informal da

fala, havendo um número reduzido de obras que assimilam as orientações do PNLD para

tratar a fala em seus diferentes usos.

Em outra pesquisa, Costa-Maciel (2007) investigou a didatizações do oral em

duas coleções de livros didáticos de 1º a 4ª série9 indicados como distinção pelo PNLD

2004. Seus dados revelaram que a oralidade se apresenta como eixo explícito de

investigação, havendo um investimento que contempla o gênero textual oral na

abordagem da variedade da língua, no seu aspecto multimoldal (paralinguístico,

extralinguístico e linguístico), bem como em suas múltiplas relações com a escrita.

Entretanto, a autora observa que uma das coleções investigadas persiste em

apresentar a oralidade fora do contínuo tipológico, tomando-a como oposta à escrita, em

pólos opostos. Induz também os educandos e educadores a erros conceituais quando, ao

tomar, em uma das atividades apresentadas, a fala de crianças para exemplificar as

marcas próprias da oralidade e da escrita, insere repetições forçosas para sinalizar a

presença de marcas, que diz serem “próprias da oralidade”. A atividade artificializa o

discurso, deixando-o com uma estrutura de texto cartilhado, fragmentado, apresentando

de modo forçado a repetição do pronome Eu e a contração do verbo Estar = Tô, na

tentativa de tornar essa versão próxima da fala real.

A visão que se estabelece na referida atividade é a de que a língua falada é

possuidora de uma estrutura simples ou mesmo desestruturada, informal, concreta e

dependente do contexto, enquanto a escrita é apontada como tendo uma estrutura

complexa, formal e abstrata, estabelecendo assim polarizações entre fala e escrita, como

denuncia Fávero (2000).

Em relação a essa pesquisa, podemos compreender que já parece ser ponto

9 À época os livros didáticos não contemplavam o ensino fundamental de nove anos, estando assim distribuídos em quatro séries.

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comum entre os manuais didáticos a necessidade de ensinar o oral. Tal visão é reforçada

pelo Programa Nacional do Livro Didático. Assim, ensina-se o oral a partir dos gêneros.

Pelo investimento teórico apontado a partir da década de 1980, sobre o respeito à

variedade linguística, já vislumbramos, nas obras analisadas, um caminho mais

consistente de exploração. Entretanto, ainda há uma inconsistência no que diz respeito

ao trato da fala com a escrita, deixando transparecer a carência de um investimento

teórico-metodológico nesse tópico, de modo a se abordar essa discussão de forma cada

vez mais próxima das orientações mais recentes no cenário do ensino de língua

portuguesa.

No que tange às pesquisas que envolvem a análise de documentos oficiais e do

livro didático, Magalhães (2007) em sua pesquisa intitulada “Concepções de oralidade:

a teoria nos PCNs e PNLD e a prática nos Livros Didáticos” buscou compreender como

os referidos documentos destinados ao ensino fundamental segundo segmento

conceituam oralidade e se tais conceitos são compatíveis.

A pesquisa evidenciou que, no tocante ao trabalho com a modalidade oral, os

Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL/MEC, 1998) atribuem o foco do trabalho à

oralidade na fala pública, ou seja, à adequação às características próprias da fala a

diferentes gêneros do oral. Dessa forma, os PCNs demonstram que a escola deve

preparar o aluno para utilizar a linguagem oral no planejamento e realização de

apresentações públicas como entrevistas, debates, seminários e apresentações teatrais,

por exemplo, propondo situações em que essas atividades façam sentido, envolvendo,

além do mais, regras de comportamento social.

Tal pesquisa revelou também que, em se tratando de conteúdo, os parâmetros

curriculares propõem objetivos bem definidos para o trabalho com a oralidade. As

atividades são divididas em escuta e produção de textos orais.

Para a escuta, são privilegiadas atividades, a partir de gêneros textuais, que

proporcionem a ampliação do conjunto de conhecimentos discursivos, semânticos e

gramaticais envolvidos na construção dos sentidos. Além disso, são enfatizados os

elementos não-verbais como gestos, expressões faciais, postura corporal, etc, que fazem

parte da interação. A utilização da linguagem escrita, quando necessária, como suporte

para a oralidade, e a ampliação da capacidade de reconhecer as intenções dos

enunciadores também são apontadas como objetivo do trabalho oral. Enfim, para os

PCN, a escuta significa colocar os alunos em situações reais de interlocução.

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Para a produção, a autora destaca que os PCNs indicam atividades em que os

alunos são orientados tanto para a preparação prévia (cartazes, esquemas, encenação,

memorização de textos - elaboração de quaisquer suportes) quanto para o uso em

situações reais de interlocução (entrevistas, debates, exposições, teatros, leituras

expressivas).

Observamos que aparece na relação da pesquisadora a atividade de leitura

expressiva, que não se limita à oralização de um texto escrito, mas a mobilizar

elementos linguísticos, extralinguísticos e paralinguísticos necessários a reflexão sobre

o oral.

No que diz respeito ao Guia do PNLD (2005), Magalhães (2007) lista cinco

pontos que descrevem as propostas:

1. favorecer o uso da linguagem oral na interação em sala de aula, como

mecanismo de ensino-aprendizagem;

2. recorrer, portanto, à oralidade na abordagem da leitura e da produção de

textos;

3. explorar as diferenças e semelhanças que se estabelecem entre a linguagem

oral e a escrita;

4. valorizar e efetivamente trabalhar a variação e a heterogeneidade linguísticas,

introduzindo a norma culta relacionada ao uso público ou formal da linguagem oral,

sem, no entanto, silenciar ou menosprezar as outras variedades, quer regionais, quer

sociais, quer estilísticas;

5. propiciar o desenvolvimento das capacidades envolvidas nos usos da

linguagem oral próprios das situações formais e/ou públicas.

Para a pesquisadora, com essa proposta, o Guia confere aos manuais didáticos a

responsabilidade de apresentar atividades tanto de uso da língua oral, quanto de reflexão

sobre suas características. A recomendação atenta para dois elementos que merecem ser

melhor compreendidos e aprofundados nos manuais didáticos, conforme Rojo (2003).

Embora sejam recomendadas para os manuais a presença de atividades

importantes para o trato com o oral, a autora evidencia que nas orientações, a

modalidade na qual a atividade será realizada não é definida, como acontece nos PCNs,

em que são indicados, inclusive, recursos de gravação de voz para o procedimento das

atividades. Não se diferencia também escuta de produção – como vemos nos tópicos 1 e

2 – dando a entender que qualquer manifestação oral feita em sala de aula propiciará um

conhecimento e análise da modalidade falada.

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Em síntese, a autora conclui que as concepções de oralidade dos PCNs e do Guia

do PNLD são divergentes, configurando-se o primeiro mais específico, numa visão

completa do processo; e o segundo mais genérico, favorecendo uma visão mais

superficial. Ressaltamos que os documentos analisados têm funções específicas e essas

especificidades também podem colaborar para posições diferentes quanto a indicações e

orientações para o trato com o oral.

Passando a analisar as concepções de oralidade aplicadas nos livros didáticos

Cereja e Magalhães (2002) destinado a 8ª série, com base nas concepções de oralidade

dos PCNs e do PNLD (2005), Magalhães (2007) apresenta o seguinte cenário:

Livros didáticos embasados nos pressupostos do Guia PNLD (2005)

- Livro A: 79,1%;

- Livro B: 64,7%.

Como pode se observar, ambos os manuais apresentaram porcentagens altas de

atividades de oralidade.

Livros didáticos embasados nos pressupostos do PCNs (1998)

- Livro A: atividades de escuta: 17,6% ; atividades de produção: 18,6%

- Livro B: atividades de escuta: 2,3% ; atividades de produção: 17,6%

Os dados revelam que 79,1% de atividades baseadas no Guia PNLD (2005)

compreendem quaisquer exercícios, reflexões, considerações que envolvam a língua

falada, via modalidade oral ou não, dessa forma, não se aliam ao que os PCN

recomendam. A autora conclui a pesquisa sinalizando que, com esse cenário, fica a

cargo do professor desfazer possíveis confusões, elaborar e reelaborar atividades que

contemplem gêneros orais, dentre outros, que levem os alunos a uma maior

compreensão sobre a natureza da linguagem e seu uso nas diversas instâncias públicas e

privadas de comunicação.

Além de pesquisa em documentos oficias, Magalhães (2007) também se debruça

a investigar o discurso do professor sobre o ensino da oralidade. Em seu artigo

intitulado “oralidade na sala de aula: alguém ‘fala’ sobre isso”, a autora buscou

compreender a oralidade no ensino de língua portuguesa, para tanto entrevistou 25

professoras das redes públicas e particulares do município de Juiz de Fora (MG). Para a

entrevista foram elaboradas seis perguntas relativas, de modo geral, a concepção de

ensino, de linguagem, de gramática e as práticas de oralidade.

Focando-nos nas respostas das professoras para o quesito oralidade, pontuamos

como resultado dessa pesquisa:

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a) todos os professores entrevistados declararam trabalhar com oralidade;

b) os professores já têm consciência de que o trabalho com a linguagem na

escola não engloba somente a língua escrita;

c) as atividades orais mais recorrentes na fala das professoras são

seminários, leitura em voz alta, debates e gêneros que envolvem o tipo narrativo;

comentários sobre os textos lidos (fato recorrente em quase todas as entrevistas). Não

houve ocorrência de gêneros orais como piadas, entrevistas, palestras, depoimentos e

cordel, por exemplo, e apenas uma ocorrência de análise da língua falada;

d) foram encontradas várias “confusões” teóricas em relação à natureza da

língua falada. A primeira é que há ainda uma visão redutora de que os desvios em

relação à norma culta estão presentes somente na oralidade;

f) muitos professores pensam que trabalhar oralidade é somente falar,

vencer a timidez e dar recados, em atividades não controladas e sistematizadas;

Outro dado relevante da investigação veio após a fase de transcrição das

entrevistas. A pesquisadora adotou como estratégia metodológica devolver a transcrição

da entrevista ao sujeito entrevistado. Nessa etapa, alguns sujeitos desistiram de

participar da pesquisa, pois, entre outros aspectos, consideraram que suas falas estavam

com muitas repetições; muitos erros de ‘português’ e de concordância. A autora revela

que muitos professores ainda não compreendem a natureza da língua oral, pois pensam

que não haveria variedades linguísticas presentes nas entrevistas, já que são professoras

de português.

Albuquerque (2010) também investiga o professor em sua pesquisa intitulada

“Oralidade no ensino fundamental: o que dizem os docentes sobre a didatização desse

eixo de ensino?”. Nessa pesquisa, a autora analisou oito (08) professores de escolas

públicas do Recife, licenciados em Língua Portuguesa e Pedagogia, em busca de

investigar o que eles pensavam sobre o ensino do oral.

Do total de sujeitos questionados, dois (2) com formação em letras e seis (6) em

pedagogia reconheceram o oral como objeto que necessita ser ensinado e aprendido.Para

tanto, afirmam trabalhar com uma variedade de gêneros orais, entre eles: relato de

experiências, debate etc. Entretanto, ao serem investigados sobre as habilidades que

buscaram desenvolver nos alunos ao trabalhar a oralidade, todos sinalizam trabalhos

informais, tais como: “Socializar-se, desenvolvendo processos de interação; exposição

de opiniões”. Suas falas transpareciam uma falta de sistematização do ensino,

relacionando o ensino do oral ao falar cotidiano, sem um planejamento que contemple os

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diversos aspectos relevantes para o desenvolvimento da oralidade.

Outro ponto que chama a atenção nessa pesquisa diz respeito à compreensão por

parte de uma professora formada em pedagogia sinalizar que, apesar de a turma dela ser

de 2º ano, ela achava importante ensinar a oralidade. Essa afirmação nos faz pensar que,

possivelmente, a docente acredita que no ano escolar que leciona a discussão deva estar

voltada para outros eixos didáticos. Albuquerque (op. cit) ressalta que essa visão mostra-

se contrária ao que Dolz e Schneuwly (2004) afirmam sobre os gêneros orais que

precisam ser trabalhados em todos os anos de escolaridade, de modo a favorecer no

indivíduo o domínio dos jogos interativos e de estratégias de negociação em situações

interlocutivas públicas.

Esse cenário reforça a necessidade de se perceber o oral como um eixo

autônomo, mas também interdependente dos outros eixos didáticos, que, articulados,

movem-se para uma perspectiva de oralidade letrada. Portanto, independente do ano de

escolarização, as propostas didáticas devem estar estruturadas a partir dos gêneros

textuais, permitindo ao estudante a adequação às características próprias dos variados

gêneros do oral em diferentes contextos de uso da língua oral e escrita.

Em meio ao estado da arte, encontramos a pesquisa de Nascimento (2009) cujo

título é “A exposição oral na educação infantil: contribuições para o ensino dos gêneros

orais na escola”. Tal pesquisa foge do bojo das investigações que tratam da oralidade na

educação básica e disserta sobre o ensino do oral na educação infantil, com crianças de

5 a 6 anos de idade.

Como opção metodológica, a pesquisadora acompanhou duas professoras

atuantes no grupo V da Educação Infantil do sistema público Municipal de ensino de

Recife, em busca de compreender os efeitos do procedimento sequência didática sobre a

aprendizagem do gênero exposição oral, promovendo uma reflexão sobre as

implicações da utilização desse instrumento metodológico para o ensino do referido

gênero.

Nascimento (2009) submeteu um dos sujeitos a encontros de formação e

planejamento da sequência didática, estando esta sujeita à aplicação da sequência

didática em parceria com a pesquisadora para trabalhar o gênero exposição explicativa.

O segundo sujeito planejou a atividade sem orientação mais sistemática da

pesquisadora. A pesquisadora relata que com essa opção metodológica teve o propósito

de observar como os gêneros são abordados no cotidiano da sala de aula a partir da

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prática da própria professora sem a sugestão de um procedimento que porventura viesse

a modificar essa prática. Assim, ocorreu apenas a orientação para que a professora

elaborasse uma exposição oral para a feira de conhecimento realizada na unidade

escolar.

Seus resultados evidenciam que o sujeito (A), cuja prática foi planejada com a

pesquisadora, apresentou reflexões sistemáticas sobre a oralidade, não percebidas na

prática do segundo sujeito (B). O sujeito A apropriou-se de elementos tais como as

reflexões metadiscursivas (falar sobre algumas características do gênero textual); a

organização do gênero no espaço escolar (a exposição oral). De acordo com a

pesquisadora, os alunos da professora A também se apropriaram de elementos da

linguagem própria para a exposição oral, tais como aqueles referentes à coesão temática

do gênero, por exemplo, “agora vamos falar sobre”; inserir exemplos ilustrativos ou

explicativos, reformulando assim a fala, como por exemplo: “isso significa que...”;

observância para elementos multimodais no uso da fala, a saber, tom de voz, postura

corporal etc.

A pesquisa de Nascimento (op. cit, p. 143) traz em seus resultados a reflexão de

que a oralidade “ainda é vista ora como sendo o lugar da fala espontânea, ora como

sendo a representação da escrita e por isso suas especificidades não merecem destaque

nas propostas de ensino”. O quadro apresentado pela pesquisadora evidencia a

compreensão de que quanto maior o planejamento e a clareza do professor sobre o

gênero oral a ser ensinado, maior é a possibilidade de ele atuar com segurança no ensino

da oralidade, assim como nos conteúdos dos demais eixos de ensino e dos diferentes

campos do saber. O cenário contrário oportuniza a estada no lugar comum, já

denunciado por Marcuschi (2008), entre outros autores, de tratar o oral como oralização

e memorização de textos.

No foco de pesquisas que investigam o livro didático, Dionísio (2005) e Rojo

(2003), ao tratarem sobre as coleções de livros didáticos, afirmam que muitas coleções

sugerem atividades para responder oralmente questões propostas, contar um caso para a

classe, fazer leitura em voz alta, debater sobre um tema polêmico, o que Marcuschi

definiu como atividades de oralização da escrita, ou atividades que partem ou culminam

com textos escritos. A crítica das autoras vai de encontro a algumas propostas

insuficientes para que se possa pensar em um trabalho de produção e compreensão de

textos orais, como é o caso de situações mediadas pela linguagem.

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As autoras supracitadas também registram dois outros desvios nos livros

didáticos, o primeiro diz respeito à polarização promovida entre as modalidades escrita

e oral da língua, fato que proporciona uma maior valorização da escrita em relação à

fala; o segundo trata dos gêneros textuais utilizados, uma vez que o diálogo é

apresentado com uma das únicas fontes para a presença da fala. Não há propostas de

audição de falas produzidas fora do contexto da aula, ignorando-se a produção falada

real.

Do ponto de vista do estado da arte, podemos considerar que as investigações

sobre a oralidade parecem apontar problemas que persistem ao longo dos anos. No

panorama das pesquisas, vemos relatos das lacunas nas práticas pedagógicas e nas

propostas de manuais didáticos, que deixam de sinalizar caminhos adequados para que

se contemple a oralidade em suas múltiplas formas, o que parece estabelecer um ensino

descompromissado com esse eixo do ensino da língua, tratando o oral como um

apêndice no corpo da proposta a ser efetivada na sala de aula.

São realidades como essas que também nos preocupam e movem-nos em relação

à oralidade como objeto de investigação. Dessa forma, no capítulo que segue,

tentaremos compreender um pouco mais sobre as questões dos saberes docentes, em

busca de dialogar (na análise dos dados) com a discussão que envolve o ensino da

linguagem oral tomada como objeto a ser ensinado e aprendido.

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CAPÍTULO 3

SABERES DOCENTES: RELAÇÕES E CONSTRUÇÕES

MOTIVO PARA REUNIÃO Do Presidente para o Diretor: Na próxima sexta-feira, às 17 horas, o cometa Halley estará passando por esta área. Trata-se de um evento que ocorre a cada 78 anos. Assim, por favor, reúna os funcionários no pátio da fábrica, todos usando capacete de segurança, quando explicarei o fenômeno. Se chover, não veremos o raro espetáculo a olho nu. Do Diretor para o Gerente: A pedido do Presidente, na sexta-feira às 17 horas, o cometa Halley vai aparecer sob a fábrica. Se chover, por favor, reúna os funcionários, todos com capacete e os encaminhe ao refeitório, onde o raro fenômeno terá lugar, o que ocorre a cada 78 anos a olho nu. Do Gerente para o Supervisor: A convite do nosso querido Presidente, o cientista Halley de 78 anos vai aparecer nu na fábrica, usando apenas capacete quando irá explicar o fenômeno da chuva para os seguranças no pátio. Do Supervisor para o Chefe: Todo mundo nu, na próxima sexta às 17 horas, pois o manda-chuva do presidente, Sr. Halley, estará lá para mostrar o raro filme "Dançando na Chuva". Caso comece a chover, o que ocorre a cada 78 anos, por motivo de segurança, coloque o capacete. AVISO PARA TODOS: Nesta sexta-feira o Presidente fará 78 anos. A festa será às 17 horas no pátio da fábrica. Vão estar lá Bill Halley e seus cometas. Todo mundo deve estar nu e de capacete. O espetáculo vai rolar mesmo que chova, porque a banda é um fenômeno. Fonte: www.velhosamigos.com.br/Piadas/piadas80.html

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3.1 A constituição do saber docente

Enquanto elemento de construção humana, o saber só existe estruturado na

relação do homem com o mundo, dele consigo mesmo e com os outros (CHARLOT,

2008, p. 63). É na relação do sujeito que o saber10 é significado e ressignificado. Como

evidencia Charlot (op.cit.), o saber é construído em uma história coletiva e é esse

coletivo que o submete a processos de “validação, capitalização e transmissão”. Desse

modo, podemos entender que o aspecto relacional é um elemento fundante na

construção do saber11.

Mas, como se constitui o saber? E de onde vêm os saberes docentes? Teria o

saber sua base puramente na estrutura cognitiva (mentalismo) ou na estrutura social

(sociologismo)? Tardif (2008) problematiza esses dois enfoques advertindo-nos para o

perigo de isolarmos o saber em uma só dimensão, descaracterizando-o, assim, em sua

múltipla identidade. O autor põe como pauta central a discussão do saber enquanto

construção social ao observar cinco elementos constitutivos:

1) o coletivo das práticas de trabalho – regido por situações coletivas de

trabalho, que observam a formação em comum, a partilha de regras, as matérias de

ensino, os programas, dentre outros elementos. Embora venham a existir práticas

identificadas como sendo as mais originais, é somente no coletivo, portanto, que elas

ganham sentido;

2) o reconhecimento social do saber – o saber é legitimado por instâncias

superiores, que orientam a sua definição, utilização (Universidades, Grupos científicos)

e aprovação das competências (Ministério da Educação). Desse ponto de vista, o saber

profissional, ou seja, o que ele deve saber ensinar é orientado por uma questão social e

não, de forma exclusiva, por um problema cognitivo ou epistemológico.

3) o saber enquanto elemento sócio-histórico – isso porque a pedagogia, a

didática, a aprendizagem e o ensino estão intimamente dependentes da história de uma

sociedade, dos elementos culturais, dos seus poderes e contrapoderes, dos elementos

10 Tardif (2008) afirma que a noção de “saber” engloba conhecimentos, competências, habilidades, o saber fazer-fazer e o saber-ser, ou seja, as atitudes docentes. 11 Guimarães (2004, p.29) apresenta-nos a diferença entre conhecimento e saber. O primeiro está relacionado à produção sistematizada e reconhecida cientificamente pela sociedade, enquanto que o segundo é visto como produção ligada ao domínio de atividades, que depende da relação do sujeito com a sua realidade.

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hierárquicos, predominantes na educação formal e informal, que define, portanto,

conteúdos, formas e modalidades;

4) a construção do e no reconhecimento do outro – visto que é na relação

complexa entre os sujeitos, como por exemplo, professor e aluno(s) que o saber se

manifesta.

5) a aquisição do saber no contexto de uma socialização profissional – pois o

saber não é um conjunto de conteúdos cerrados em si mesmos, mas uma construção

permanente na qual se aprende a dominar seu espaço de ação, adquirindo a consciência

da prática na medida em que se internalizam as regras vigentes neste espaço.

Refletir sobre a natureza social do saber, nos adverte Tardif (2008, p.15), não

nos habilita a descartar o saber dos atores individuais, que, em seu campo, agem e

transformam a sua própria situação e ação. Para o autor,

é impossível compreender a natureza do saber dos professores sem transformá-lo em íntima relação com o que os professores, nos espaços de trabalho cotidiano, são, fazem, pensam e dizem. O saber dos professores é profundamente social e é, ao mesmo tempo, o saber dos atores individuais que o possuem e o incorporam à sua prática profissional para a ela adaptá-lo e para transformá-lo (negrito nosso).

Saber, fazer, pensar e dizer são elementos que se entrelaçam no processo

do ensinar, como um fio condutor, que define práticas, cria configurações identitárias,

tanto individuais quanto coletivas. Assim, gera uma interface entre o social e o

individual, observa os sujeitos de ação sem desprezar o sistema (ideologias

pedagógicas, lutas profissionais, dominação cultural, ordem simbólica), pois harmoniza

a natureza social e individual.

O saber docente se constrói em relação com o trabalho. É essa relação

que forja os enfrentamentos e a promoção de soluções para os problemas que se

apresentam em sala de aula. Assim, temos a compreensão de que o domínio que o

docente tem de determinado saber não é deslocado de um “ser” e de um “estar”

trabalhador docente, mas se apresenta contextualizado, sendo produzido no e para o

trabalho.

Conforme discutimos, a prática docente é uma atividade que mobiliza/incorpora

diferentes saberes. Gauthier et. al (2006) formaliza um repertório tipológico de saberes

caracterizado-os como: disciplinar; curricular; das ciências da educação; da tradição

pedagógica; das experiências e da ação pedagógica. Tardif (2008) também compreende

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essa categorização e reforça a discussão sobre as ciências da educação, a partir de

olhares sobre os saberes pedagógicos, implicados nessa tipologia.

O saber disciplinar (GAUTHIER et al, 2006, p.29) ou “saberes sociais”

(TARDIF, 2008, p.38) compreende a definição e seleção dos saberes operados por

grupos sociais produtores de saberes, como, por exemplo, os cientistas, as universidades

etc. Os saberes disciplinares permeiam o universo de incorporação na prática docente

(mas não são produzidos pelo docente, conforme veremos neste capítulo) através das

diferentes disciplinas oferecidas em sua formação inicial e continuada.

Faz parte também da formação do professor o saber curricular, pois, em sua

atuação profissional, o docente se apropria dos saberes previamente selecionados pela

instituição escolar, apresentados nos programas escolares, tendo a incumbência de

aprender a aplicá-los. Tardif (2008, p. 38) sinaliza que esses saberes “correspondem aos

discursos, objetivos, conteúdos e métodos” que são categorizados e apresentados pela

instituição escolar – na forma de programas escolares – como “modelos da cultura

erudita e da formação para a cultura erudita”. Portanto, o professor necessita conhecer o

programa, que, segundo Galthier et al. (2006, p.31), “constitui um outro saber de seu

reservatório de conhecimentos”, pois é “de fato, o programa que lhe serve de guia para

planejar, para avaliar”.

O saber docente não é um saber disciplinar, tampouco curricular, pois em

relação à prática docente, eles se situam na exterioridade, ou seja, os professores nem

definem nem selecionam os saberes a serem transmitidos. Embora os saberes científicos

e pedagógicos precedam e dominem a prática profissional docente, eles não são

provenientes dela.

Frente a essa realidade, Moreira (2001, p. 85) recupera Giroux (1983) para

discutir a participação efetiva dos professores na “definição das formas como o tempo, o

espaço, a atividade e o conhecimento organizam a vida cotidiana nas escolas”. Esse

movimento exige, segundo Giroux (1983, p.34, apud MOREIRA, 2001) a criação de

“condições ideológicas e estruturais necessárias para poderem escrever, pesquisar e

trabalhar uns com os outros elaborando currículos e compartilhado poder”.

Schön (1992) e Zeichner (1993) posicionam-se frente ao papel do professor

diante da sociedade e discutem o seu papel como um profissional reflexivo. De acordo

com os autores, esse movimento é consequência da crise de confiança vivenciada no

âmbito educacional, quanto ao conhecimento profissional dos professores. Movido por

essa realidade, Schön (1992) propõe uma formação profissional estruturada na

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epistemologia da prática, ou seja, que enxerga a prática profissional como oportunidade

de reconstrução do conhecimento, espaço de análise e problematização. Dessa forma,

“reconhece os saberes implícitos, interiorizados, subconscientes, que circundam a

prática docente, fazendo-os tomarem soluções para empreenderem suas ações” (M.F.

SOARES, 2006, p.??).

A relativa passividade assumida pelo professor frente às exigências que lhes são

impostas de fora da sala de aula também é questionada por Zeichner (1993). Para o

autor, a assunção da prática reflexiva implica no reconhecimento de que os professores

são profissionais que podem e devem desempenhar um papel ativo na formulação dos

propósitos, dos objetivos e dos meios para atingi-los. Essa visão emancipatória

reconhece o docente também como produtor dos saberes que utiliza e possui teorias que

podem contribuir para o processo de ensino-aprendizagem.

Em sua formação ou em seu trabalho, o professor adquire o saber das ciências da

educação. Saberes esses que, embora não auxiliem diretamente o professor a ensinar,

“informam-no a respeito das várias facetas do seu ofício ou da educação de um modo

geral” (GAUTHIER et al., 2006, p.31), como, por exemplo, conhecimentos sobre o

sistema escolar, o conselho escolar e a diversidade cultural etc. É um tipo de saber que

permeia a maneira de existir do professor. Portanto, trata-se de um conjunto de

conhecimento próprio da escola a que a maioria da população não tem acesso.

Tardif (2008) chama-nos a atenção para o fato de que a prática docente não é um

objeto de saber, exclusivo das ciências da educação. Ela mobiliza variados saberes,

identificados pelo autor como saberes pedagógicos. Os saberes pedagógicos12

compreendem um conjunto de “doutrinas ou concepções provenientes de reflexões

sobre a prática educativa no sentido amplo do termo, reflexões racionais e normativas

que conduzem a sistemas mais ou menos coerentes de representações”, as quais, por

sua vez, orientam as atividades educativas (TARDIF, 2008, p. 37). As doutrinas

centradas na “escola nova”, por exemplo, foram incorporadas à formação profissional

dos professores, ofertando-lhes suporte ideológico, algumas formas de saber-fazer e

algumas técnicas. Essa articulação com as ciências da educação busca, de modo

sistemático, a cientificidade das pesquisas, integrando os resultados às concepções que

propõem.

12 É na articulação entre os saberes pedagógicos e os saberes científicos que enxergamos a busca da legitimação da cientificidade da prática.

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Os saberes da tradição pedagógica estão ligados às diferentes práticas

pedagógicas que tivemos contato ao longo de nossa formação e que nos ofertaram

modelos/representações da profissão. Não podemos pensar nesses modelos como algo

pré-estabelecido a nossa prática, na verdade, ele sofrerá uma adaptação e uma

modificação promovidas pelos saberes experienciais e será validado ou refutado pelo

saber da ação pedagógica.

Os saberes da ação pedagógica são o saber experiencial derivado da pesquisa

(saber testado) em sala de aula. Esses saberes legitimados pelas pesquisas fazem parte

da identidade profissional do professor, e sua publicização serve de base para a prática

de outros professores, servindo-lhes como “regra de ação”. Esses saberes são

considerados a cultura docente em ação, portanto, é necessária sua explicitação, a fim de

que seja posto em reflexão em relação com os outros saberes. Como enfatiza Gauthier

(et al 2006, p.35), “não poderá haver profissionalização do ensino enquanto esse tipo de

saber não for mais explicitado, visto que os saberes da ação pedagógica constituem um

dos fundamentos da identidade profissional do professor”.

Os saberes da experiência brotam da prática e por ela também são validados. São

saberes mobilizados na prática, que não se encontram sistematizados em doutrinas ou

teorias, entretanto formam um conjunto de representações que orientam, interpretam e

fazem com que os professores compreendam a sua profissão, as várias dimensões do

cotidiano de sua prática e “concebam o modelo de excelência profissional dentro de sua

profissão” (idem??).

Para Campelo (2001, p.83), os saberes da experiência são legitimados na prática

singular do docente, e é nela que esses saberes “constituem jurisprudência”, pois são

saberes que decorrem das experiências do professor enquanto indivíduo e enquanto

integrante do coletivo docente. Therrien (1995) também reforça esse olhar ao afirmar

que os saberes da experiência são saberes que, ao passarem por um processo de

transformação, tornam-se integrante da identidade docente e, transformam-se, dessa

forma, em elemento fundamental nas práticas e decisões pedagógicas. Nessa

configuração, tornam-se um saber validado por sua experiência. Logo,

esses saberes da experiência que se caracterizam por serem originados na prática cotidiana da profissão, sendo validados pela mesma, podem refletir tanto a dimensão da razão instrumental que implica num saber fazer ou saber agir tais como habilidades e técnicas que orientam a postura do sujeito, como a dimensão da razão interativa que permite supor, julgar, decidir,

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modificar e adaptar de acordo com os condicionantes de situações complexas (THERRIEN, 1995, p.3).

O saber da experiência está enraizado em múltiplos condicionantes atrelados às

situações reais, que exigem do professor a capacidade de improvisar, de enfrentar as

situações relativamente transitórias e variáveis, bem como habilidades pessoais.

Perrenoud (1993) alerta que a competência do professor não nega nem invalida os

saberes, pois é a apropriação dos diferentes saberes que são mobilizados nas

competências. Para Tardif (2005), são os condicionantes e as situações que modelam o

docente, fazendo-o desenvolver hábitos que o ajudam no enfrentamento dos

condicionantes e improváveis da profissão.

Os hábitos podem transformar-se num estilo de ensino, em “macetes” da profissão e até mesmo em traços da “personalidade profissional”: eles se manifestam, então, através de um saber-ser e de um saber-fazer pessoais e profissionais validados pelo trabalho cotidiano (TARDIF, 2006, p.49).

Podemos dizer que os hábitos são dispositivos que auxiliam o docente no trato

com os elementos que já são comuns a sua prática e com os novos elementos que

ocorrem de forma inesperada (fatos improváveis), ajudando-o a operar sobre os fatos

em busca da superação. O professor se apropria desses dispositivos na prática e pela

prática, ao lidar com a multiplicidade de ocorrência de sua profissão. O hábito e a

experiência se relacionam intimamente. A particularidade de aprender com a

experiência, segundo Gauthier et. al (2006, p.33), é “diferente de tudo o que se encontra

habitualmente”. É essa experiência que se torna regra na prática e pode se tornar uma

atividade rotineira.

A identidade do saber experiencial é desenhada por três objetos que

compreendem as condições da profissão docente, são elas: a) o estabelecimento e

desenvolvimento de relações e interações do professor com os seus pares e demais

sujeitos que compõem a sua área de atuação; b) a submissão a regras e normas

específicas de seu trabalho; c) a instituição com suas características próprias, composta

por funções diversificadas. Esse tripé constitui a própria prática docente e através dela é

revelado.

Tardif (2008) oferta-nos três observações importantes a partir das condições da

profissão supracitadas. Inicialmente ele nos aponta que é em relação aos objetos-

condições que se estabelece uma decalagem entre as experiências e os saberes que

foram adquiridos na formação inicial. Essa realidade é vivenciada nos primeiros anos de

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docência, em que são descobertas as limitações dos saberes pedagógicos em relação à

realidade de sua prática. Para o autor, três reações podem ser geradas no professor a

partir desse cenário:

i. a primeira diz respeito a um sentimento de rejeição de sua formação e a

convicção de que o êxito de sua prática depende unicamente de seus esforços;

ii. o segundo é a reavaliação de sua formação, fazendo com que o docente reflita

sobre o que foi útil ou não para a sua prática;

iii. a terceira é uma posição mais moderada, em que o docente avalia

relativizando os efeitos da formação, de modo a não esperar que ela tenha que

dar conta da realidade enfrentada por ele, e de outro lado, que ela serve, de

alguma forma, para organizar a sua prática.

Como passo seguinte, Tardif (2008) nos afirma que os objetos-condições

inserem-se num processo de aprendizagem mais rápida quando o professor sente-se

seguro na prática de sua profissão. Imergido nessa prática, ele desenvolve seu

aprendizado na ação, em que deve provar, a si mesmo e aos seus pares, que é capaz de

ensinar. Os cinco primeiros anos de carreira13 é uma fase em que o docente acumula

experiência fundamental para administrar a sua profissão, essa que, em seguida é

transformada em artifícios/hábitos identitários do perfil do profissional.

O último passo diz respeito à hierarquização dos objetos-condições, pois eles

têm valores diferenciados na prática da profissão, a depender do papel que assume na

instituição. Se considerarmos que o sujeito está como docente é mais importante ele

saber reger a sala de aula que conhecer os mecanismos da secretaria de educação, por

exemplo, afirma o autor. Tardif (2008, p. 51) complementa que, no discurso do

professor, “as relações com os alunos constituem o espaço onde são validados, em

última instância, sua competência e seus saberes”.

De fato, a prática docente se realiza em uma rede de relações com outros

sujeitos, mediada por “discursos, comportamentos, maneiras de ser, etc”. Entretanto, as

interações exigem dos professores algo que transcende ao objeto de conhecimento e à

objetivação de uma prática, pois compreende a “capacidade de se comportarem como

sujeitos, como atores e de serem pessoas em interação com outras pessoas”. Essas

relações são situadas em um ambiente institucional - a escola, espaço constituído por 13 É importante salientar que Tardif (2008, p.51) modaliza essa afirmação e deixa esta marca temporal em aberto, com caráter flexível, pois não garante que apenas nos cinco primeiros anos o professor assegure essa experiência, mas afirma: “é no início da carreira (de 1 a 5 anos) que os professores acumulam, ao que parece, sua experiência fundamental (negrito nosso).

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relações sociais, hierarquias etc., regidas também por normas, obrigações, prescrições

que necessitam ser conhecidas e seguidas. (TARDIF, 2005, p.50).

A categoria “relação” é elemento essencial na discussão dos saberes, pois é ela

uma das características do saber docente. É na relação com os pares e no confronto entre

os saberes produzidos pela experiência coletiva dos professores que eles adquirem certa

objetividade dos saberes de sua prática. A objetivação dos saberes experienciais ocorre

em um processo de sistematização “das certezas subjetivas” em “discurso da

experiência capaz de informar ou de formar outros docentes e de fornecer uma resposta

aos seus problemas” (TARDIF, 2005, p.52). Conforme o autor,

o relacionamento dos jovens professores com os professores experientes, os colegas com os quais trabalhamos diariamente ou no contexto de projetos pedagógicos de duração mais longa, o treinamento e a formação de estagiários e de professores iniciantes, todas são situações que permitem objetivar os saberes da experiência. Em tais situações, os professores são levados a tomar consciência de seus próprios saberes experienciais, uma vez que devem transmiti-los e, portanto, objetivá-los em parte, seja para si mesmo, seja para seus colegas. Nesse sentido, o docente é não apenas um prático, mas também um formador (op. cit, p.52).

A “certa” objetividade dos saberes também ocorre no contato dos saberes

experienciais com os saberes disciplinares, curriculares e da formação profissional. O

professor, munido de suas certezas experienciais, estabelece uma relação crítica com os

outros saberes, o que lhe oportuniza uma incorporação ressignificada de novos saberes,

tomando-os sobre a categoria de seu próprio discurso. Tal entendimento permite-nos

compreender a prática implicada em um processo de re-tradução da formação docente e

adaptação à sua profissão, fazendo com que seja retirado do seu cenário, o que se

apresenta inútil ou sem relação com a realidade que se depara; por outro lado, ele

preserva também o que de alguma forma pode ser útil à sua prática.

A experiência provoca, assim, um efeito de retomada crítica (retroalimentação) dos saberes adquiridos antes ou fora da prática. Ela filtra e seleciona os outros saberes, permitindo assim aos professores reverem seus saberes, julgá-los e avaliá-los e, portanto, objetivar um saber formado de todos os saberes retraduzidos e submetidos ao processo de validação constituído pela prática cotidiana (TARDIF, 2006, p. 53).

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A discussão da experiência nos remete à categoria trabalho14, essa que, segundo

Tardif, com base em Marx, configura-se como um processo gerador de transformação

no trabalhador, ou seja, somos transformados no e pelo trabalho. Os saberes oriundos

do trabalho são temporais, pois são as situações de trabalho que exigirão

conhecimentos, competências, aptidões e atitudes específicas, cuja aquisição e domínio

se darão no processo de inserção do trabalhador em situação específica.

Os saberes que fundamentam o trabalho dos professores de profissão15 não se

estruturam em uma coerência teórica nem conceitual, mas pragmática e biográfica, pois,

para os professores de profissão, a experiência de trabalho parece ser a fonte

privilegiada de seu saber – ensinar. A certa coerência da prática docente não se dá por

uma única concepção, mas por um conjunto de concepções mobilizado em função de

sua realidade cotidiana, de sua história de vida e de suas necessidades, tanto aquelas

ligadas a recursos necessários à prática quanto a certas limitações existentes.

A confluência dos saberes de bases diferenciados, que compreendem, dentre

outros fatores, “a história de vida individual, da sociedade, das instituições escolares,

dos outros atores educativos, dos lugares de formação etc”, sinaliza para um sincretismo

caracterizador dos saberes que servem de referência para o ensino. A partir desse olhar é

que podemos compreender que o saber não se limita a conteúdos definidos, tampouco é

dependente de conhecimentos especializados, pois é a convergência das diferentes bases

de saberes que mobilizam a realização da intenção educativa, dependendo do contexto

de uso. Logo, a mobilização do repertório de saberes é temporal, portanto situada.

De fato, os professores utilizam constantemente seus conhecimentos pessoais e um saber-fazer personalizado, trabalham com os programas e livros didáticos, baseiam-se em saberes escolares relativos às matérias ensinadas, fiam-se em suas experiências e retêm certos elementos de sua formação profissional. (TARDIF, 2008, p. 64).

Não devemos conceber os saberes docentes como sendo precedentes à prática,

tampouco como um repertório a ser acionado na ação, embora acreditemos, conforme

Gauthier (2006), que o ensino mobiliza vários saberes, que estão em um “reservatório

14 O trabalho e o saber docente são práticas sociais distintas com características próprias. As suas diferenças não os polarizam, pelo contrário, eles se efetivam e ganham sentido na relação de um com o outro. 15 Tardif sinaliza que os professores de profissão são aqueles que efetivamente estão no cotidiano escolar, vivenciando a dinâmica da sala de aula e as suas diferentes demandas. O autor parece querer reforçar a compreensão da análise dos saberes a partir de docentes na docência, envolvendo o seu saber, o seu saber fazer e o seu saber ser.

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de saberes”, cuja função é abastecer as demandas reais e específicas do docente.

Entretanto, esse reservatório não se configura como a fórmula para a resolução do

problema, pois os saberes não se incluem na racionalidade técnica, nem são um modelo

pré-definido que fornece soluções às mais variadas situações, frequentemente únicas e

instáveis, que se apresentam cotidianamente. Esse perfil sincrético também distancia os

saberes, sobretudo, de uma origem da pesquisa e de modelos e técnicas padronizados, o

que sinaliza para a dinâmica do processo de construção dos saberes.

Outra dimensão do sincretismo16 está relacionada à mobilização de juízos

práticos que orientam e estruturam a atividade profissional. Para tomar decisões, o

professor se baseia, frequentemente, em valores morais ou normas sociais, como

enfatiza Tardif (op. cit) “grande parte das práticas disciplinares do professores baseia

em juízos normativos, relativos às diferenças entre o que é permitido e o que é

proibido”. Para atingir os fins pedagógicos escolares, eles fazem uso de juízos advindos

de tradições escolares, pedagógicas e profissionais previamente internalizadas. Assim,

os juízos profissionais são desenhados pelas experiências vividas pelo docente,

resultantes de valores, normas e tradições.

O Eu profissional do professor não é forjado apenas por fatores de origem social,

mas se compõe pela dimensão existencial (temporalidade) e pragmática, marcado pela

sua história de vida e pela construção de sua profissão ao longo de sua carreira, bem

como pela dimensão afetiva, a que Tardif (op. cit, p.67 e 68) chama de “marcadores

afetivos globais”. Há no indivíduo referências impressas no espaço (lugar–tempo), para

consolidar a sua memória, as experiências vivenciadas. Portanto, a temporalidade

referencia o que o professor toma como válido para alicerçar e legitimar “as certezas

experienciais que reivindica”.

Mas, quais saberes estão envolvidos no exercício da profissão docente? Temos,

segundo Gauthier et. al (2006), seis possibilidades, conceitualmente cegas, de

compreender a origem dos saberes, são elas: conhecer o conteúdo, ter talento, ter bom

senso, ser intuitivo, ter experiência, ter cultura. Todas elas são tentativas de formalizar

os saberes necessários às tarefas que são próprias do ofício docente.

16 os saberes dos professores são, a um só tempo, construídos e utilizados em função de diferentes tipos de raciocínio (indução, dedução, abdução, analogia, etc) que expressam a flexibilidade da atividade docente diante de fenômenos (normas, regras, afetos, comportamento, objetivos, papeis sociais) irredutíveis e uma racionalidade única, como por exemplo, a da ciência empírica ou da lógica binária clássica (TARDIF, 2008, p. 66).

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Se compreendermos que basta saber o conteúdo para ensinar, reduzimos o saber

unicamente ao conhecimento da disciplina. Ao atribuirmos a suficiência do ofício ao

talento, estamos esquecendo que esse é uma característica pontual frente à abundância

de necessidades da educação. Por outro lado, se atribuirmos ao bom senso a capacidade

de gerir a pluralidade das demandas do ensinar, estamos esquecendo que a educação é

um lugar de conflitos de valores e perspectivas, assim, há um conjunto de ‘bom senso’ a

ser considerado, não havendo unicidade de senso.

Entretanto, como registra Freire (1999, p. 68), o bom senso “serve para orientar

minha tática de luta”, e a sua importância é fundamental na nossa tomada de posição,

implicada na ética, frente ao que devemos fazer. A intuição, por sua vez, é a negação do

saber, o desprezo da razão, quando tomada isoladamente. Quanto ao saber da prática,

não podemos negar a sua relevância na totalidade do saber docente, mas não pode ser

considerada como a totalidade em si. Há um saber formal, especializado, que necessita

ser aprendido, pois caracteriza o reconhecimento profissional do professor. Por fim,

Gauthier et. al (2006) registra que possuir um vasto repertório cultural não é o arremate

para o ensino.

Freire (1999, p. 51) empresta o seu olhar sobre algumas das possibilidades acima

discutidas e afirma ser inegável à formação docente, além do exercício da curiosidade

epistêmica, o “reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade,

da intuição ou adivinhação”. Reforça que “conhecer não é de fato adivinhar, mas tem

algo que ver, de vez em quando, com adivinhar, com intuir”. Complementa a

argumentação sinalizando ser indubitável “não pararmos satisfeitos ao nível das

intuições, mas, submetê-las à análise metodicamente rigorosa de nossa curiosidade

epistemológica”.

Assim como Freire (op. cit.), Tardif (2008) acredita que as possibilidades

conceituais supracitadas são indispensáveis ao ofício de todo o docente, entretanto, a

restrição a uma só dessas dimensões conduz ao ensino conteudista/transmissivo,

promovendo a negação de um conjunto de conhecimentos e habilidades necessários ao

exercício do magistério. É no sentido de superar as ideias pré-concebidas pelo ensino

que Gauthier et al. (2006) clama um pensar sobre os saberes implicado no ato reflexivo,

pois desprezar a reflexão sobre a prática fragiliza o reconhecimento da profissão

docente, configurando um “ensino sem saber”.

Se, por um lado, vemos um conjunto de idéias que impedem o brotar de um

saber do ofício docente sobre si mesmo, temos também a vertente contrária, que

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formaliza o ensino de tal modo, reduzindo a sua complexidade, acarretando em um

afastamento deste de “sua correspondente na realidade”. Gauthier et al. (2006, p. 24)

desvela esse cenário afirmando: “se tínhamos, no primeiro caso, um ofício sem saberes

pedagógicos específicos, no segundo17, reduzimo-lo a saberes que provocam o

esvaziamento do contexto concreto de exercício do ensino”.

Não podemos, entretanto, desprezar os conhecimentos acadêmicos, tampouco

apontá-los como suficientes para conferir um caráter de profissionalização às atividades

docentes, pois, por vezes, ele se distancia da real complexidade do ensino. Gauthier et

al. (op.cit) identifica esse panorama como “saberes sem ofícios”. Assim, não podemos

apoiar a prática pedagógica nem nos saberes que constituem os “ofícios sem saberes”,

nem nos conhecimentos que geram, exclusivamente, um conjunto de “saberes sem

ofício”, porque

embora expressem uma certa realidade, esses enunciados vêm impedir de forma perversa a manifestação de saberes profissionais específicos, pois não relacionam a competência à posse de um saber próprio do ensino. Eles contribuem, antes, para deixar o pedagogo sapateando no mais estéril amadorismo (GAUTHIER et al., 2006, p.28).

Gauthier et al. (2006) lembram ainda que não se pode identificar no vazio os

saberes que são próprios do ensino. Essa tarefa implica considerar o “contexto

complexo e real”, no qual se dá a evolução do ensino.

As polarizações apenas reforçam nos professores a concepção de que as

pesquisas realizadas nas universidades em nada lhes são úteis. Assim, a viabilidade da

formalização da atividade docente e sua atuação em sala de aula são enviesadas por um

projeto que se nutre das experiências pessoais, da intuição, do bom senso, dentre outras

ideias já debatidas anteriormente. E, como já vimos, embora essas ideias expressem

superficialmente a realidade do ensino, impedem a manifestação de saberes

profissionais específicos, pois não relacionam a competência à apropriação de um saber

inerente ao ensino.

17 No segundo caso o autor se refere às experiências realizadas por Behavioristas, que não consideravam a realidade do professor em atuação com um grupo de alunos em sala de aula; a psicologia humanista, cuja real necessidade e interesse individual do aluno era desprezada, na base das propostas docentes. Assim, o contexto coletivo de ensino era confundido com o contexto individual da relação terapêutica; a concepção piagetiana em que o ensino desenvolvia-se em uma relação clínica de modo individual.

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Freire (1999) ao discutir os sabres necessários à pratica docente sinaliza para três

macro-categorias tomadas como base para a perspectiva educativo-crítica. Para o autor,

há três saberes/pilares necessários ao professor, são eles: “Não há docência sem

discência”; “Ensinar não é transferir conhecimento” e “Ensinar é uma especificidade

humana”. Atentemos para os dois primeiros pilares, pois desvelam um cenário que nos

dá suporte para a compreensão do terceiro pilar que compreende a educação como

característica do ser humano.

Alicerçado em uma visão crítica sobre a ação docente, Freire milita por uma

“prática educativa progressista”, no sentido de favorecer no aluno uma aprendizagem

significativa e, portanto, a sua ascensão cultural. O seu discurso sustenta que um dos

princípios basilares na experiência formadora é de que “ensinar não é transferir

conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção e a sua construção”, uma

vez que há um movimento circular no processo formativo, pois quem forma se forma e

se re-forma. Esse prisma reforça a compreensão do primeiro pilar dos saberes

necessários à formação docente, o de que não há “docência sem discência, as duas se

explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à

condição de objeto um do outro” (FREIRE, 1999, p. 25, 23).

O rigor metódico é estrutural e essa compreensão pressupõe que ensinar não é

um ato que se esgota no tratamento superficial do objeto ou do conteúdo, mas

compreende as condições em que se é possível aprender criticamente. Essa criticidade

só pode ser vivenciada se a prática docente se desprender do ato mecanicamente

memorizador e sistematicamente repetidor. É nesse sentido que Tardif (2008) e

Gauthier (2006) pregam os saberes não como algo mecanicamente produzido, mas um

permanente ressignificar do que está posto nas tipificações dos saberes. Freire reforça

esse pensar ao afirmar que o conhecimento é marcado historicamente, portanto há

sempre um processo de superação do conhecimento anterior por novos conhecimentos,

“daí que seja tão fundamental conhecer o conhecimento existente quanto saber que

estamos abertos e aptos à produção do conhecimento ainda não existente” (FREIRE,

1999, p. 31).

A construção de novos saberes está implicada na condição docente de

pesquisador. Pesquisar faz parte da natureza da prática docente, é inerente ao ato de

ensinar. Ensino e pesquisa são vias de uma mesma estrada, ambas se encontram porque

se retroalimentam.

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Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro, enquanto continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervindo, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (FREIRE, 1999, p. 29).

A pesquisa, movida pela curiosidade, à medida que se refina na rigorosidade

metódica, transita da ingenuidade para a “curiosidade epistemológica”, um dos saberes

fundamentais à prática educativo-crítica. É nesse percurso que o pesquisador é

convidado à díade estrutural da prática educativa: o reconhecimento e a superação.

Reconhecer no sentido de não apenas respeitar os saberes socialmente

construídos na prática comunitária, mas de “discutir com os alunos a razão de ser de

alguns desses saberes em relação ao ensino dos conteúdos” (FREIRE, op. cit. p 33).

Nesse movimento, caminha-se ruma à superação, pois parte-se do empírico para o

latente, da ingenuidade para a criticidade, do saber da experiência para o saber

metodicamente rigoroso. O autor nos alerta para a configuração desse processo. Para ele

a superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza. Ao criticizar-se, torna-se então, permito-me repetir, curiosidade epistemológica, metodicamente, “rigorizando-se” na sua aproximação ao objeto, conota seus achados de maior exatidão (FREIRE, op. cit. p 34).

Essa superação é movida pelo desenvolvimento da curiosidade crítica,

insatisfeita, indócil, carregada do desejo de defender-nos dos atos irracionais ou do

excesso de racionalismo. A promoção dessa superação está prenhe de práticas

formativas que se distanciem puramente do treinamento técnico e compreenda que a

ética é identitária do processo formador, por isso o ensino não pode negligenciar a

formação moral dos educandos.

A criticidade na formação e na prática docente é implicada no movimento

dialético entre “o fazer e o pensar sobre o fazer” o saber da prática não refletida produz

um saber ingênuo, sem rigorosidade metódica. Por isso, a necessidade de a formação

docente ser carregada de sentido da superação da ingenuidade e da abertura para a

melhoria das próximas práticas. O pesar certo faz parte da tarefa docente e estrutura-se

na necessidade de formar e formar-se para intervir no mundo, responsabiliza assim os

formadores à tomada de atitude coerente, estruturada em uma reflexão crítica sobre a

prática. Por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a

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prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática (FREIRE, 1999, p.39).

Freire (1999), Tardif (2008) e Gauthier (2006) comungam da compreensão de

que o discurso teórico, “necessário à reflexão crítica”, deve ser munido de uma

concretude “que quase se confunda com a prática” (FREIRE, op. cit. p. 44). O

distanciamento teórico do objeto de sua análise (a prática) deve ser cada vez mais

reduzido, gerando uma maior comunicabilidade entre o saber teórico e a prática, o que

leva à superação da ingenuidade pela rigorosidade.

Tardif (2008) denuncia que há muito o saber profissional foi ignorado e

distanciado do “saber culto”, desmerecendo um “saber da ação”, fruto da prática,

estabelecendo uma divisão entre produtores de saberes e executores técnicos. O que

Tardif (2008, p.15) chama de “desconhecimento da natureza do trabalho dos professores

e da epistemologia da prática profissional por parte da universidade”, pode nos levar a

pensar que o pesquisador é o “não-professor”, discurso que parecia consolidado nas

esferas dos saberes.

Outro elemento também problematizado pelo autor é a dificuldade de

propagação das pesquisas científicas, em virtude da inacessibilidade da construção

linguística do texto. Para Tardif (op cit.), as pesquisas necessitam chegar aos

professores, iniciando pela acessibilidade da linguagem/discurso, ou seja, o “discurso

científico” deve ser submetido a um processo prévio de tradução, preservando, contudo,

o essencial do caráter científico do saber acadêmico em foco. O autor chama de uma

“tradução do saber acadêmico”, preservando, contudo, “o essencial do caráter

científico”, apregoando uma linguagem menos hermética para o discurso da pesquisa.

Essa postura colabora para a superação da ingenuidade.

Precisamente porque a promoção da ingenuidade para a criticidade não se dá automaticamente, uma das tarefas precípuas da prática educativo-progressista é exatamente o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil (FREIRE, 1999, p. 32).

A consciência da não linearidade do movimento de passagem da ingenuidade

para a consciência crítica, sustenta o segundo pilar dos saberes freireanos, o de que

ensinar não é transferir conhecimento. A transferência de saber equivale a, sob o prisma

da visão ingênua, possivelmente, um mecanismo que promoveria, de forma automática,

as transformações no sujeito, de modo a que esse se adaptasse com submissão à

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realidade posta. Entretanto, a educação como um processo permanente nos faz querer

mais, a consciência do inacabado, saber fundante à prática educativa, iça-nos à condição

de sujeitos e não de objetos. É a consciência do inacabamento que nos faz seres éticos.

Dentre os muitos saberes necessários à experiência educativa está a clareza do

papel social e da prática docente. É necessário ter o conhecimento das diferentes

dimensões caracterizadoras da essência da prática, bem como conhecer o que favorece o

mau desempenho, tornando-o mais seguro. A prática docente exige “uma competência

geral, um saber de sua natureza e saberes especiais, ligados à minha atividade docente”

(FREIRE, 1999, p.78). O papel social docente não deve ser o de telespectador frente ao

mundo, mas de indignar-se e estimular o aluno a questionar as injustiças sociais, porém,

esperançar-se com a certeza de que a história é possibilidade e não determinação. Nesse

ensinar-aprender, portanto, na “dodiscência”, o professor deve promover a capacidade

crítica, a curiosidade dos educandos, permitindo que, com a sua mediação, os educandos

construam seus conhecimentos.

A opção pedagógica coerente reconhece a especificidade da prática e reconhece-

se enquanto contribuinte para a formação positiva do educando. A postura do professor

deve ser clara, entretanto não deve ser tida como única e aceitável pelo aluno. Como nos

adverte Freire (idem, p. 97), o respeito que o professor deve ter com os alunos não deve

motivá-lo a uma postura omissa, tampouco neutra frente aos seus ideais políticos, “a

omissão do professor em nome do respeito ao aluno, talvez seja a melhor maneira de

desrespeitá-lo”. O autor prossegue seu discurso argumentando que o papel docente é o

de testemunhar o “direito de comparar, escolher, de romper, de decidir e estimular a

assunção deste direito por parte dos educandos”. Portanto, faz parte do saber docente

assumir as convicções, bem como as suas limitações, visando superá-las, e não ocultar o

que limita firmando um aparente respeito ao aluno.

Os saberes que Freire relacionou são exigências indispensáveis à prática docente

pensada como uma ação educativo-crítica. Como nos afirma o autor, são saberes

demandados pela prática educativa em si mesma, qualquer que seja a opção política do

educador ou educadora (FREIRE, 1999, p.21). Pensar e atuar, fazendo da prática

pedagógica uma ação crítica implica compreender que “ensinar não é transferir

conhecimentos, mas criar possibilidades para a sua produção; é entender que, quem

ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 1999).

Envoltos nessa compreensão humanizadora do saber, passemos agora o discutir

sobre as instâncias de efetivação desses saberes .

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3.2 Teorização sobre o saber nas variadas instâncias de produção

Iniciemos esse tópico com a seguinte questão: todo saber goza de uma

autonomia que o faz cristalizar-se em si? Chevellard (1991) nos responde esse

questionamento afirmando que todo o saber é estruturalmente mutável. A essa

“mutação” ele nomeia de transposição didática. A transposição didática compreende a

ciclicidade envolta nas diferentes camadas de um saber acadêmico, transposto para um

saber efetivamente ensinado. É um conjunto de transformações adaptativas sofridas pelo

saber a ensinar, de modo a torná-lo objeto de ensino.

Transformar um conhecimento científico em conteúdo a ser ensinado efetiva um

conjunto de transformações que tornam o saber sábio original, produzido nas

universidades pelos cientistas, por exemplo, em um objeto didático, em saber ensinável,

em conteúdo escolar, em programas de ensino. Há, dessa forma, a criação de um novo

saber, gerido em uma nova instância de ensino, fora do contexto acadêmico, revestido

de suas próprias regras, implicados em práticas sociais de referência/discursos

construídos socialmente, que afloram e legitimam esse saber.

Como evidencia Ferreira (2005),

a teoria da transposição didática vem mostrar que o saber científico (relacionado com a produção acadêmica) difere do saber a ser ensinado (presentes nas propostas curriculares, programas e livros didáticos), como, também, do saber que é efetivamente ensinado (presente nos planos de aula e registros dos professores). Portanto, de acordo com essa teoria, o saber que chega à escola e à sala de aula não é o mesmo que foi pensado nas pesquisas acadêmicas e reconhecido pela comunidade científica (p.57).

A escolha dos saberes a serem ensinados é marcada por diferentes influências,

envolvendo uma variedade de segmentos do sistema educacional, o que contribui para

uma redefinição de aspectos conceituais e dos modos de apresentação. São dois os

momentos de transposição, aquele que passa pelo plano do currículo formal, pelos

livros didáticos e o segundo momento, aquele que ocorre quando o professor, em sala

de aula, produz o seu texto do saber, assim, ele está atuando sobre o domínio da

transposição e realizando-a. O currículo em ação determina as transformações a serem

feitas pelo professor ao buscar didatizar o conteúdo, deixando-o em condições de ser

aprendido pelo aluno.

A transposição didática ocorre na prática pedagógica quando, por exemplo, o

professor seleciona e recorta os conteúdos visando a desenvolver as competências

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prescritas na proposta pedagógica; oferta prioridade ou não a determinados aspectos do

que foi selecionado; estrategicamente divide o conteúdo para facilitar a compreensão do

aluno, em seguida relaciona as suas partes; estabelece o tempo de modo a apresentar o

conteúdo através da organização de uma sequência, uma ordenação que favoreça a

compreensão, e sua forma de apresentação. Está envolto nesse saber a ser ensinado o

pressuposto de como o aluno aprende e como o professor ensina, configurando o seu

processo de didatização, ocorrendo a transposição didática interna.

Estão presentes no âmbito das mudanças didáticas os pedagogos, professores,

técnicos das secretarias de educação, dentre outros sujeitos. São eles quem

intermedeiam a relação entre o sistema educativo e a sociedade. Chevellard (1991)

identifica essa esfera relacional de “noosfera”. É na noosfera que os “textos do saber”,

cuja função é orientar o professor quanto ao saber a ser ensinado, passa por

transformações, decorrentes das diferentes demandas existentes entre o sistema de

ensino e a sociedade. O objetivo central dessa instância é investir contra as dificuldades

de aprendizagem geradas no cerne do sistema de ensino.

Ferreira (2005) ressalta que no processo de definição do que deve ser ensinado

há um desequilíbrio entre o sistema de ensino e a sociedade,

decorrente, de um lado, do desenvolvimento da produção científica que ressalta, em determinado período, uma distância significativa entre o saber científico e o saber a ensinar; e do outro lado, de uma mudança ocorrida na própria sociedade, como por exemplo, a existência do processo de democratização do ensino que resulta em um novo perfil de alunado. (p.58).

O distanciamento entre o saber científico e o saber a ser ensinado, bem como a

configuração escolar atual, impetrou redefinições na seleção do saber a ser ensinado,

assim como um repensar sobre a prática de ensino. A incompatibilidade entre os

conteúdos prescritos/selecionados para o ensino e a realidade da clientela educacional

favorecia uma crise no ensino e a consequente necessidade de mudança no saber a ser

ensinado. Essas mudanças, no entanto, necessitam da vigilância epistemológica para

que, ao se agregarem os conteúdos aos programas e aos manuais didáticos, não ocorra o

desvio da finalidade do conteúdo que é a garantia da especificidade do saber.

A transformação do saber sábio em saber a ser ensinado configura a

diferença/distância entre os dois saberes, trazendo para o debate uma reflexão

epistemológica que leva em conta a pluralidade de saberes, obrigando, segundo Gabriel

(2001), uma reflexão epistemológica no campo da didática e no plano metodológico. No

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primeiro caso, levando em conta a diversidade dos saberes e no segundo, permitindo o

distanciamento, a interrogação das evidências, a desfamiliarização da “proximidade

enganadora entre os saberes, oferecendo assim, a possibilidade ao pesquisador, de

exercer uma constante vigilância epistemológica, indispensável a esse tipo de reflexão”

(GABRIEL, 2001, p.4).

Gabriel (idem, p.5) ressalta que o conceito de transposição didática obriga-nos a

pensar sobre a natureza do saber histórico escolar. “Trata de pensar o saber escolar

como sendo historicamente construído, abrindo a reflexão sobre as modalidades de

relação que o mesmo estabelece com outros saberes, entre eles o saber acadêmico”.

Esse pressuposto uniu-se à discussão feita por Tardif (2008) e Gauthier (2006), dentre

outros teóricos da epistemologia escolar, sobre os diferentes saberes que agem na

construção do saber, sendo o campo do saber um diálogo social, histórico e

ideologicamente demarcado, desmistificando a sua neutralidade e desnaturalizando-o.

A relação entre o saber acadêmico e o saber escolar não é hierárquica, mas

específica, ou seja, ambos comportam diferentes saberes e têm sua característica

própria. É no plano do confronto entre esses saberes que buscamos melhor compreender

o “tratamento didático no plano cognitivo” (GABRIEL, 2001, p.5). Para Chevellard

(1991), as tensões que ocorrem entre o saber a ser ensinado e os diferentes grupos de

interesse da sociedade suscitam a transposição didática, cuja função é apaziguar as

incompatibilidades. Porém, não podemos compreender a noosfera como um espaço

pacífico, pois se configura um campo de conflito e disputa entre os agentes sociais e os

representantes do sistema de ensino.

A teoria da transposição didática também põe em foco a questão da esfera do

ensino ser impulsionada pela contradição antigo/novo18. Os novos objetos de ensino

necessitam ser relacionados com aquilo já conhecido/dominado pelo aluno, de modo a

garantir um novo aprendizado, configurando os objetos de ensino como um objeto

transacional. O saber estará, dessa forma, assujeitado ao tempo didático, porém, a

ausência de sincronia no tempo de aprendizagem de cada aluno descarta a possibilidade

de se pensar em padronização do tempo didático.

O professor é visto, por Chevallard, como aquele que tem o controle do saber,

pois o conhece antes que o aluno. A questão temporal, que compreende professor e

18 Conforme Charlot (2008, p. 63), um saber só continua válido enquanto a comunidade científica o reconhecer como tal, enquanto uma sociedade continuar considerando que se trata de um saber que tem valor e merece ser transmitido.

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aluno em posições diferentes em relação ao saber, permite ao professor configurar o

saber a ensinar e criar novas estratégias para o ensino, construir o texto do saber a partir

da posição assumida.

Chevallard sinaliza caminhos para se pensar o campo da didática, embora não se

envolva no processo de didatização das práticas cotidianas do professor. Entretanto,

ajuda-nos a avançar o olhar a partir de sua teoria e leva-nos a pensar o cotidiano escolar,

ambiente educativo e formativo com uma cultura própria e cheia de significados, espaço

de construção de saberes e fabricação de táticas (CERTEAU, 1999), discussão que

estabeleceremos a seguir.

Antes de abrimos as discussões sobre fabricação e táticas, justificamos a breve

imersão sobre a “transposição didática”, pela capacidade que tem tal teoria em enxergar

as várias esferas de modificação do saber, dentre elas, o livro didático, texto do saber

que suporta a prática docente. O livro didático é, conforme Choppin (1980), um objeto

múltiplo e complexo, síntese da sociedade que o produz. Por esse viés não se reduz a

refletir mais ou menos os programas oficiais de ensino, pois toca diversos domínios da

sociedade. Nesse sentido, configura-se de forma paradoxal em: “objeto, suporte, refletor

da sociedade, instrumento pedagógico e um veículo” (CHOPPIN, 1980, p. 1-3).

É relevante tomar as propostas dos livros didáticos, a partir do olhar do

professor, quando se constata que tal suporte se constitui, muitas vezes, o único material

de acesso ao conhecimento, tanto por parte dos professores que buscam a legitimação de

seu trabalho e apoio para suas aulas, quanto por parte dos alunos que se deparam com

diferentes estratégias de aprendizagem. A escola, principal responsável pelo ensino,

concebe o livro (didático ou não) como um instrumento fundamental, um material

essencial na realização das funções pedagógicas exercidas pelo professor (Cf. SILVA,

1996; LAJOLO, 1996).

Batista (1999) afirma que os livros didáticos são a principal fonte de informação

impressa utilizada por parte significativa de alunos e professores e servem também

como instrumento de estudo dos saberes escolares e extra-escolares. Os manuais

didáticos ainda são uma referência para a organização e sistematização do ensino nas

salas de aulas e, no que se refere ao ensino da língua portuguesa, são suportes que

auxiliam no letramento escolar.

Lajolo (1996) comenta que, na sociedade brasileira, os livros didáticos, e

também os não didáticos, são considerados centrais na produção, circulação e

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apropriação de conhecimentos, sobretudo dos conhecimentos por cuja difusão a escola é

responsável. Para Silva (1996, p. 11):

Aprender, dentro das fronteiras do contexto escolar, significa atender às liturgias do livro didático: comprar na livraria ou recebê-lo através de programas governamentais no início de cada ano letivo, usar ao ritmo do professor, fazer as lições, chegar à metade, ou aos três quartos dos conteúdos ali inscritos e dizer amém, pois é assim mesmo (e somente assim) que se aprende.

Assim, o livro didático é transformado em objeto com um fim em si mesmo, e

mais especialmente no que se refere ao trabalho com a língua portuguesa, em destaque,

nas práticas de leitura correntes. Neste cenário, os LDs19 passam a estruturar as práticas

pedagógicas, delimitando, de certa forma, o que vai ser ensinado e o que deve ser

aprendido.

A ação dos atores escolares, no interior da escola (em sala de aula), sobre o que

lhes é estrategicamente apresentado (projetos, currículos, etc) pelos especialistas que

constroem o saber-sábio (CHEVELLARD, 1991), desestrutura a tradição de se pensar o

cotidiano escolar com um espaço reprodução dos saberes. Como nos adverte Ferreira

(2005), baseada nas reflexões de Certeau (1984), na efetivação das orientações

prescritas, há um processo de apropriação, reconstrução e “fabricação” dos saberes, que

atenta para as diferentes realidades escolares. Esse cenário, por ser um processo situado

historicamente, está implicado na trajetória de vida, da política e dos saberes dos atores

envolvidos no processo.

A existência da margem de manobra que permite o desvio entre o pensado e o

vivido, o prescrito e o realizado, favorece o processo criativo da ação singular dos atores

em sala de aula. É no cotidiano20 que os sujeitos operacionalizam “estratégias” e

“táticas” em suas práticas. Para Ferreira (2005, p. 66, 67) a estratégia

é o calculo ou a manipulação de relações de força que se tornam possíveis, a partir do momento em que um sujeito de vontade ou poder é isolável ou tem lugar de poder ou saber (próprio). Desse modo, as pessoas que se propõem a racionalizar sobre determinado espaço, elaborando normas, leis ou conceitos, estão construindo estratégias de operacionalização de

19 Nessa investigação, não nos debruçamos sobre o processo avaliativo estabelecido pelo MEC na década de 1990, que passou a desenvolver e a executar um conjunto de medidas para avaliar sistemática e continuamente o livro didático brasileiro e para debater, com os diferentes setores envolvidos em sua produção e consumo, as características, funções e qualidade dos manuais utilizados nos espaços escolares. Para maior reflexão, ver autores como Batista (2001); Barros-Mendes (2006) e Costa (2006). 20 Certeau entende cotidiano como um ambiente que formaliza práticas sociais e, por sua vez, sofre influências externas.

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determinado espaço que serão “fabricadas” nas práticas cotidianas por meio das táticas de operacionalização.

A tática, por sua vez, diz Ferreira (op.cit)

é a ação calculada ou manipulada de relação de força quando não se tem um lugar “próprio”, ou melhor, quando estamos dentro do campo do outro. Assim, as táticas são muito mais sutis porque são dependentes do tempo, do momento, da oportunidade.

As duas macrocategorias se distinguem, pois enquanto no campo das estratégias

são construídas normalizações a serem vivenciadas nos espaços das práticas cotidianas,

na esfera das táticas fazemos uso das circunstâncias para realizar as manobras.

Resgatando esses conceitos a partir de nossa pesquisa, podemos dizer que, ao tomarmos

o livro didático como objeto de investigação estamos frente às estratégias didáticas para

o ensino dos diferentes eixos de ensino, mas quando nos debruçamos sobre o fazer

docente a partir do que é proposto pelo manual, estamos em busca de compreender as

táticas por eles fabricadas no cotidiano escolar.

Nossa pesquisa não mergulha em uma observação de práticas, mas nas posições

docentes sobre as suas práticas e sobre o que lhe é proposto pelos manuais didáticos,

instrumento repertoriado de estratégias. Com o olhar nessa direção, não investigamos

transposição didática, mas visamos enxergar, nos meados das falas docentes, as

didatizações ou as táticas. Assim, separamos a transposição da didatização, pois são de

naturezas diferentes, visto que enquanto a primeira se ocupa da transformação dos

saberes de referência em saberes a serem ensinados, a didatização seria a maneira de

organizar esses saberes para a compreensão do aluno.

Na operacionalização das práticas cotidianas, devem ser considerados três

elementos composicionais: o estético; o ético e o polêmico. O primeiro diz respeito à

questão estilística, a maneira como se realiza algo, a arte de fazer; o segundo diz

respeito as manobras que o sujeito faz a partir do que lhe é imposto, é a

criação/fabricação/transformação; o terceiro corresponde às práticas que representam a

defesa da vida, configurando-se como “intervenções de conflitos permanentes em uma

relação de força” (FERREIRA, 2005, p.67). Nesse cenário, as práticas cotidianas não se

dão em um campo neutro, nelas estão envolvidas relações de força dentro de

determinadas situações, movidas em direção à construção de táticas com características

específicas de cada sujeito, singularizando os discursos, anulando o princípio da

neutralidade.

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Em meio à discussão sobre saberes e mergulhados nas ações táticas mobilizadas

pelos docentes, podemos pontuar de forma breve uma investigação realizada por

Ferreira (op. cit) que nos apresenta fragmentos de relatos de professores de

alfabetização (1º ciclo do ensino fundamental), ao usar o livro didático adotado pela

Rede Municipal de ensino de Recife-PE. Nos recortes trazidos, diversas professoras

explicitam que, embora haja uma adoção oficial que apregoe o uso do manual didático,

elas criam campos da manobra, de modo a responderem às demandas de seu grupo

escolar.

Algumas ações são presenciadas no discurso dos professores, entre elas, o uso de

apenas alguns capítulos do livro; o uso de outros livros e ou revistas, associados ao

suporte oficial; a utilização de um conteúdo do livro como suporte para a

contextualização de um tema explorado em sala de aula; a criação/adaptação/ampliação

de atividades a partir do que o livro propõe. Vemos assim, a fabricação de táticas a

partir das práticas escolares docentes. Conforme Ferreira (2005) os espaços de manobra

dos professores, embora não oficiais, são legitimados em função de suas demandas. Eles

demonstram/constroem o seu próprio estilo, fabricam/transformam a partir do que lhes é

apresentado como modelo planejado na “noosfera” (CHEVELLARD, 1991).

Guimarães (2004), em sua pesquisa intitulada “Saberes docentes mobilizados na

dinâmica do trabalho docente: um olhar a partir do ensino” estabeleceu como propósito

investigar os saberes mobilizados na organização do trabalho docente.Para tanto, tomou

como sujeitos de investigação seis professores dos anos inicias de escolarização da Rede

Púbica da Prefeitura de Ensino de Recife.

O acompanhamento da prática e a dimensão qualitativa da investigação, tomados

pela pesquisadora como essenciais para compreender o fenômeno em questão,

oportunizaram a análise dos saberes da experiência docente a partir de três categorias:

os “saberes organizativos”, os “saberes cognitivos” e os “saberes afetivos”. Para

Guimarães (2004, p.134), a articulação entre si desses saberes favorece a interação das

funções de ordem “pedagógicas para a gestão da classe, a gestão da matéria e a

interação professor-aluno”, promovendo o desenvolvimento do processo de ensino-

aprendizagem. A autora compreende que os saberes docentes são mobilizados e

utilizados com o objetivo de: i. atender às atividades escolares de modo geral; ii.

efetivar o ensino, envolvendo de modo interativo os professores, os alunos, o

conhecimento e o contexto.

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A pesquisa observou também a predominância de saberes organizativos na

prática docente, revelando, segundo a autora, a necessidade docente de organizar um

ambiente de trabalho específico para realizar o ensino-aprendizagem. Guimarães (op.

cit) destaca na dimensão organizativa a busca constante do silêncio e da disciplina dos

discentes, figurando como o grande desafio na relação entre professor e aluno.

No que se refere aos saberes cognitivos, o professor age em função de três eixos:

i) a formação do cidadão; ii) a construção de conhecimentos sistematizados

socialmente; iii) o reconhecimento do sujeito como ser protagonista na sociedade.

Na ação dos saberes cognitivos, nosso olhar coaduna com o da autora, para

quem o sujeito, ao compreender o aluno como protagonista da ação, rompe com a visão

do sujeito passivo e com a estrutura de um paradigma educativo depositário, havendo a

apropriação de uma nova perspectiva de educação. Esse saber está em processo de

construção e apropriação pelos professores “o que representa tanto a característica

histórica do saber docente, como um elemento de estudo em ambientes de formação”

(GUIMARÃES, 2004, p.135).

Na terceira e última categoria investigada, que diz respeito aos saberes afetivos,

a autora revela que esses saberes agem de forma transversal nos demais saberes,

possibilitando a aproximação ou o distanciamento entre professor e aluno, estampando a

humanização na atividade docente. São impressos nesses saberes a preocupação com o

bem-estar discente, com a recepção e com o estímulo à sua aprendizagem. Para

Guimarães, essas preocupações são envoltas no reconhecimento do aluno como sujeito

social, envolvendo também a dimensão do ensino, no desejo de despertá-lo a querer

aprender, tornando-se um grande desafio para o docente.

Guimarães (2004) conclui sua pesquisa evidenciando que os saberes docentes

são gerados a partir de interações, considerando as exigências de cada realidade,

atendendo às demandas do processo de ensino-aprendizagem, sobretudo, no que diz

respeito ao lidar com o aluno e com a construção do conhecimento. Assim, vemos a

mobilização e utilização de modo articulado dos saberes organizativos, cognitivos e

afetivos, em função das demandas do trabalho do professor.

São as demandas do trabalho docente que legitimam as modificações,

arrumações e até mesmo o controle do que foi estabelecido cientificamente, de modo a

construir de forma progressiva um repertório de gestos profissionais oriundos de

múltiplas influências, com vistas a atender a complexidade do indivíduo e grupo-sala.

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Assim, o autor reforça o discurso de Weisse (1998) ao afirmar que nenhum tratamento

sozinho dá conta da complexidade da realidade em seu conjunto.

No cotidiano, as escolhas docentes se dão em tempo real, as suas escolhas não

são determinadas por uma lógica determinista de causas monofatoriais. É na ação que o

sujeito mobiliza os saberes, seleciona, modifica, arruma, controla e age. No campo da

ação, permeada por inúmeras variáveis não controladas, o docente tem um vasto espaço

de liberdade assegurado pelo seu campo de responsabilidade profissional. É nesse

contexto que nos perguntamos: quais demandas movem os docentes em suas escolhas

para o trato com a oralidade? Quais fatores são determinantes para que o oral seja

tomado como objeto didático? Em busca de achar pistas para responder alguns desses

questionamentos, imergimos na análise dos dados no capítulo 5, após endereçarmos os

caminhos trilhados rumo ao objeto de investigação no capítulo 4.

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CAPÍTULO 4

METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO: OS SABERES DOCENTES PARA O ENSINO DO

ORAL

Fonte: http://www.google.com.br/imgres

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Este capítulo descreve as ações tomadas frente aos objetivos dessa pesquisa, os

quais foram definidos, de modo mais amplo, no sentido de analisar o saber docente no

trato da oralidade e, de modo mais específico, no sentido de compreender o olhar

docente sobre o oral enquanto objeto de ensino-aprendizagem e como os professores

analisam o ensino do oral a partir de um conjunto de atividades presentes em livros

didáticos de língua portuguesa.

Das etapas da pesquisa

Com vistas a alcançarmos esses objetivos, estruturamos a investigação nas

etapas abaixo indicadas:

(i) Questionário de identificação, cujo propósito foi melhor conhecer a

trajetória de formação e atuação profissional dos participantes, pois

acreditamos, conforme Tardif (2008), que a construção dos saberes é plural e

agrega saberes oriundos da formação profissional, dos saberes curriculares,

disciplinares e experienciais. Essa multifatorialidade nos conduz a melhor

conhecer o perfil dos sujeitos e dialogar com a sua formação no processo

analítico da pesquisa.

(ii) Entrevista semi-estruturada, cuja finalidade se constituiu em sondar a

compreensão e a construção dos sabres docentes para o ensino da oralidade.

Neste propósito, as questões levantadas abarcaram dimensões relativas aos

objetivos para o ensino de língua portuguesa; ao olhar docente sobre as

proposições de livros didáticos para atingir os objetivos desse ensino, bem

como o trato com a oralidade; as demandas de fazer pedagógico docente para

o ensino do oral; a sua trajetória de formação inicial e em serviço; bem como

as suas proposições para a efetivação do trabalho com a oralidade. As falas

dos sujeitos foram devidamente gravadas (áudio-gravação) com a

autorização dos participantes.

(iii) Protocolo de atividade do livro didático, cuja função é trazer

exemplificações de propostas de ensino da oralidade indicadas por diferentes

manuais, tendo em vista refletir como o docente compreende a oralidade a

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partir de um conjunto de atividades presentes em livros didáticos de língua

portuguesa que se propõem a tratar do referido eixo didático. Nesse sentido,

selecionamos seis exemplos de atividades coletadas em duas coleções de

livros didáticos destinados aos anos iniciais do ensino fundamental (1ª a 4ª

séries – à época), cujos manuais foram analisados por nós na ocasião do

mestrado.

Das estratégias de seleção do corpus de análise

A eleição dos sujeitos envolvidos na pesquisa se deu pela “seleção de

casos recomendados”, em que os mesmos foram indicados pelo assessor pedagógico da

Rede de Ensino (GOETZ e LECOMPTE, 1984, citados por MOREIRA e CALEFFE,

2006, p. 206), bem como pela aceitação voluntária dos sujeitos em participarem da

investigação.

A definição do quantitativo de sujeitos envolvidos nessa pesquisa também se deu

por um novo movimento exploratório da dissertação de mestrado, cujo objetivo foi

verificar para quais níveis de ensino havia maior ocorrência de atividades orais. Logo,

observamos uma maior concentração de atividades voltadas para o ano de consolidação

do sistema de escrita alfabético, 3º ano, e demais propostas com foco nos anos

posteriores, 4º e 5º anos.

Os resultados da exploração nos conduziram a focar a investigação em três

sujeitos de pesquisa, atuantes de 3º ao 5º ano, respectivamente. Os sujeitos foram

identificados por uma única letra seguida de numeração que identifica o nível de ensino

em que atuavam. Assim, temos para P3, por exemplo, a identificação de professora que

lecionava no terceiro ano do ensino fundamental (anos iniciais).

No quadro geral, vejamos a caracterização dos sujeitos participantes da pesquisa.

REDE DE ENSINO

PROFESSORAS PARTICIPANTES

ANO CICLO DE ATUAÇÃO

TEMPO DE DOCÊNCIA

TEMPO DE DOCÊNCIA NA REDE

FORMAÇÃO

Escola municipal localizada na região metropolitana de Recife.

P3 3º ano (2ª série) 13 anos 13 anos Pedagogia (Pós-graduação)

P4 4º ano (3ª série) 09 anos 06 anos Pedagogia (Pós-graduação)

P5 5º ano (4ª série) 15 anos 05 anos Pedagogia (Pós-graduação)

Tabela 1. Quadro geral de identificação dos professores.

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A seleção das docentes obedeceu aos seguintes pré-requisitos:

a) serem professores efetivos da Rede municipal de ensino com experiência mínima

de cinco anos;

b) terem formação mínima em curso normal médio;

c) atuarem em salas de aula de 3º ao 5º ano;

d) fazerem uso do livro didático em suas práticas (seja ele o manual adotado na

Rede ou da escolha pessoal do professor);

d) terem frequentado ou estar frequentando cursos de formação continuada;

e) aceitarem participar da pesquisa, contribuindo para um bom andamento da

mesma.

Os critérios estabelecidos visavam:

a) trazer para o campo de investigação professores integrados na cultura da rede

de ensino e no seu campo de atuação;

b) que os professores possuíssem uma formação com habilitação para o

magistério, o que pressupõe sujeitos competentes para a atuação no campo;

c) que os mesmos se enquadrassem no nível de ensino compatível com o critério

de seleção estabelecido por nossa pesquisa (3º ao 5º anos);

d) que eles utilizassem livros didáticos em sua prática pedagógica o que,

possivelmente, os habilita a terem ferramentas/critérios de análise para avaliar as demais

propostas que lhes fossem apresentadas;

e) a predisposição dos docentes a, de forma voluntária, participar como sujeito

da investigação tendo a sua fala gravada, transcrita e posteriormente divulgada por

nossa pesquisa.

Fez parte desse processo de coleta de dados o nosso compromisso ético com as

docentes, no sentido de preservar as suas imagens, bem como de entregarmos uma cópia

da transcrição de suas falas para que pudessem ler e revisar. Com esse acordo as

professoras ficaram livres para ocultarem ou acrescentarem as informações que

desejassem. Atrelamos a divulgação de suas falas somente após a sua leitura/revisão dos

textos. Comprometemo-nos também a guardar de forma sigilosa as cópias das

gravações após a finalização da pesquisa.

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Não houve por parte dos professores indicações de mudanças nos seus textos.

Apenas P5 nos informou que havia subtraído do texto algumas marcas orais de

repetição, pois segundo ela, por vezes a sua fala era tautológica. Explicamos à docente

que no processo de recorte dos fragmentos das falas para análise e o tipo de pesquisa a

que nos filiamos – análise de conteúdo - as repetições não eram tomadas como objeto

de discussão. Feitas as elucidações, não houve mais pronunciamento da docente.

A opção pela seleção de professores pertencentes a uma única escola pública

municipal21, localizada na região metropolitana do Recife, levou em consideração

diferentes elementos, dentre eles:

a) o investimento sistemático da Rede com a formação continuada (FC) de seus

professores, o que evidencia uma preocupação com a qualidade na formação em serviço

dos seus docentes;

b) o nosso trabalho, no ano de 2009, como assessora pedagógica e formadora de

professores do município em uma das escolas da Rede, critério esse que favoreceu

também a nossa escolha por investigar professores de uma escola em particular.

Avaliamos que os requisitos elencados por nós contribuíram para a seleção de

sujeitos comprometidos com a formação qualificada dos educandos e abertos a pensar

sobre a sua prática em um movimento contínuo de ação-reflexão-ação (SHÖN, 2000),

tríade que estrutura práticas e possibilita a explicitação e construção de saberes.

A preparação para a coleta dos dados envolveu visitas regulares à escola para

maior aproximação com as professoras e negociação com a coordenação dos dias e

horários que iríamos nos encontrar individualmente com cada sujeito para procedermos

às etapas de preenchimento do questionário de identificação, das respostas às questões

da entrevista e análise de protocolo de atividade.

Os dados foram coletados no período de março a junho de 2011. O horário de

coleta correspondeu ao turno no qual atuavam as professoras, P3 e P4 – manhã; e P5 -

tarde. O dia da visita foi agendado de acordo com a data dos encontros pedagógicos

realizado pela Rede, em que a coordenação, junto às professoras, planejava suas

atividades mensais. Em virtude desse evento, as aulas dos alunos somente aconteciam

no primeiro momento do turno, que se estendia até a hora do intervalo, ficando o

horário posterior para o referido encontro.

21 Esclarecemos que por questões de acordos entre os sujeitos da pesquisa, o nome da escola não será divulgado, tampouco a Rede que serviu de base para a investigação.

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Nessa configuração, a coordenação nos autorizou a fazermos nossa coleta de

dados no primeiro momento das aulas, no próprio espaço escolar. As professoras se

programaram com atividades para os seus alunos, algumas contavam com apoio de

estagiárias que assumiam o comando das atividades.

A coleta de dados seguiu os passos já anunciados: questionário de identificação;

entrevista semi-estruturada e protocolo de atividade do livro didático. Detalharemos a

seguir os dois últimos instrumentos:

A entrevista obedeceu ao roteiro composto por dez (10) questões investigativas,

que, ao serem tratadas por nossa análise, foram alocadas em 5 (cinco) categorias.

ENTREVISTA CATEGORIAS 1. Para você, qual o objetivo de se

ensinar à língua portuguesa nos anos iniciais do ensino fundamental? (na série em que você atua)?

1.

Olhares docentes sobre os objetivos do ensino da língua materna na prática pedagógica e nos manuais didáticos. 2. Você considera que as atividades

propostas pelo livro didático de língua portuguesa dão conta desse objetivo que você citou?

3. No que diz respeito aos eixos de ensino de língua portuguesa: leitura, produção de texto e oralidade, por exemplo, quando é que você considera que o livro didático trabalha a oralidade?

2.

Olhares docentes sobre a oralidade como eixo de ensino no livro didático de língua portuguesa.

4. Em sua prática, você já realizou alguma atividade que teve como foco a oralidade? O que você ensinou? Como eram essas atividades? Poderia descrever?

3.

Práticas docentes para o ensino do oral: atividades, demandas, objetivos e avaliação .

5. Houve alguma demanda específica por parte de seus alunos para você executar as atividades?

6. Você estabeleceu algum critério para selecionar essas atividades? Quais?

7. A realização da atividade deu conta dos objetivos que você traçou para ensinar? De que forma você percebeu esse bom resultado?

8. Você destacaria alguns pontos que poderiam ser melhorados no seu trabalho com oralidade? Quais? Poderia detalhar?

9. A sua trajetória de formação docente e a sua atuação em sala de aula

Olhares docentes sobre a contribuição de sua

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influenciaram a construção e realização dessa atividade com oralidade? De que forma?

4. formação para ensinar a oralidade.

10. Se algum professor/a lhe pedisse orientação de alguma atividade para trabalhar com a oralidade junto a uma turma do mesmo ano que você leciona, qual sugestão daria? Poderia detalhar?

5.

Proposições docentes para o ensino da oralidade.

Tabela 2. Apresentação do roteiro de entrevista e as categorias analíticas referentes a análise da entrevista.

No que diz respeito ao protocolo de atividade do livro didático, revisitamos o

corpus de atividades analisadas por nós na ocasião do mestrado22, em que investigamos

as coleções Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, São Paulo:

Moderna, 1999 da autora Magda Soares (doravante C1) e Vitória Regia – Língua

Portuguesa, Campina Grande do Sul/PR. Ed. Lago, 2001, da autora Solange Gomes

(doravante C2).

As atividades analisadas na dissertação compunham propostas de coleções

avaliadas pelo PNLD 2004, antes da vigência do ensino fundamental de nove anos,

portanto organizadas em séries (1ª a 4ª séries do ensino fundamental). No trabalho que

ora apresentamos, ajustamos a série de ensino ao ano de escolarização, à medida que

observamos as especificidades de cada etapa. Assim, o livro de 2ª série passou a

corresponder ao 3º ano do ensino fundamental – anos inicias.

Selecionamos cinco exemplos de atividades com base em quatro categorias de

análise empreendidas na investigação acima aludida, entretanto, trouxemos um exemplo

de atividade não contemplada nas categorias de discussão de nossa dissertação, a saber,

a atividade que trata da “oralização da escrita”, em virtude da recorrência, em uma das

coleções analisados (C2), que tomava exemplos de tal natureza como atividade oral, o

que não se afina com a concepção de oralidade que nossa pesquisa se filia. Os

protocolos de atividades foram organizadas em 6 (seis) categorias:

22 A dissertação de mestrado defendida por nós no ano de 2006, no Programa de Pós-Graduação em Educação, UFPE teve por título: Livros didáticos de língua portuguesa: propostas didáticas para o ensino da linguagem oral.

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CATEGORIAS DA DISSERTAÇÃO

FONTE DO PROTOCOLO CATEGORIAS DA TESE

Produção e compreensão oral de gêneros textuais

Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 3ª série. São Paulo: Moderna, 1999. Autora: Magda Soares. Localização da atividade: páginas 67 a 71 – 2ª unidade.

CATEGORIA 10

OLHARES DOCENTES SOBRE A PRODUÇÃO E A COMPREENSÃO DO GÊNERO TEXTUAL ORAL

Multimodalidade discursiva

Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 2ª série. São Paulo: Moderna, 1999. Autora: Magda Soares. Localização da atividade: página 91-94 – 2ª unidade.

CATEGORIA 9

COMPREENSÕES DOCENTES SOBRE A REPRESENTAÇÃO DOS ELEMENTOS MULTIMODAIS DA FALA NA ESCRITA

Reflexão sobre as modalidades de uso da língua

Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 4ª série. São Paulo: Moderna, 1999. Autora: Magda Soares. Localização da atividade: páginas 82 a 88 – 2ª unidade.

CATEGORIA 7

COMPREENSÕES DOCENTES SOBRE A RELAÇÃO FALA-ESCRITA.

Variantes linguísticas Variação Dialetal e de

Vitória Regia – Língua Portuguesa, 2ª série. Campina Grande do Sul/PR. Ed. Lago, 2001. Autora: Solange Gomes. Localização da atividade: páginas 102, 109 a 110 – 5ª unidade.

CATEGORIA 6

COMPREENSÕES DOCENTES SOBRE AS QUESTÕES DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM CENA A VARIAÇÃO DIALETAL.

Registro Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 2ª série. São Paulo: Moderna, 1999. Autora: Magda Soares. Localização da atividade: páginas 20 e 21– 1ª unidade.

EM CENA A VARIAÇÃO DE REGISTRO.

Tabela 3. Apresentação das categorias de nossa dissertação revisitadas para a seleção de protocolos de atividades, a fonte dos protocolos de atividades utilizadas por nossa tese e a categoria em que cada um foi organizado.

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Foi criada uma nova categoria para contemplar a discussão sobre a oralização de

texto escrito, em virtude da recorrência de atividades com esse perfil, identificadas pela

C2 como atividade oral.

NOVA CATEGORIA/ TESE

FONTE DO PROTOCOLO

CATEGORIA 8

COMPREENSÕES DOCENTES SOBRE A ORALIZAÇÃO DO TEXTO ESCRITO.

Vitória Regia – Língua Portuguesa, 4ª série. Campina Grande do Sul/PR. Ed. Lago, 2001. Autora: Solange Gomes. Localização da atividade: páginas 10 – 1ª unidade.

Tabela 4. Apresentação da nova categoria, criada na ocasião da organização dos protocolos de atividades, que serviu de base para a análise pelos docentes.

A entrega do protocolo de atividade as professoras foi seguida da pergunta:

a) em sua opinião, qual o objetivo dessa atividade?

Ao sentirmos necessidade de que as professoras explicitassem melhor a sua fala,

perguntávamos:

b) o que essa atividade deseja que os alunos/as aprendam?

Após a etapa de analise das atividades, endereçamos mais três perguntas as

professoras, a saber:

c) você escolheria algumas dessas atividades para aplicar com os seus alunos

em sala de aula? Quais?

d) A atividade que você selecionou vai ajudar seus alunos em quê?

e) Para aplicar a(s) atividade(s) escolhidas, você faria alguns ajustes? Poderia

nos dizer quais?

Na ocasião da coleta dos dados, as atividades foram entregues às professoras em

ordem aleatória, uma de cada vez, seguindo o fluxo das falas dos sujeitos, portanto, não

obedeceu à mesma sequência de organização das categorias referentes à nossa análise.

Para a construção das categorias de investigação, assumimos a abordagem

“indutivo-construtiva”, visto que nela as categorias são resultantes de um processo de

construção ao longo do trabalho, através da sistematização e analogia (MORAES, 1999,

p.29). Segundo Lincoln e Guba (apud MORAES, 1999), são necessários para a

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realização dessa abordagem o método de indução analítico e o método de comparação

constante. Tanto um (método de indução analítico) como outro (método de comparação

constante) se fundamentam na indução, processo em que as regras de categorização são

elaboradas ao longo da análise e fazem intensa utilização do conhecimento tácito do

pesquisador como fundamento para a constituição de categorias. Tanto as categorias

como as regras de categorização são permanentemente revistas e aperfeiçoadas ao longo

de toda a análise.

As categorias surgiram a partir de nossa imersão nos dados frutos da entrevista e da

análise das respostas das professoras aos protocolos de atividades. Essas categorias

compreendem fenômenos locais situados e perseguem o rigor e a objetividade científica

à luz da interpretação qualitativa.

Opções de pesquisa: da tipologia para o tratamento dos dados

Esta pesquisa filiou-se à perspectiva predominantemente qualitativa para

investigar os saberes docentes para o ensino da oralidade, bem como para refletir como

o docente compreende a oralidade a partir de um conjunto de atividades que se propõem

a tratar o referido eixo didático.

Para Chizotti (2003, p.2)

o termo qualitativo implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetivos de pesquisa, para extrair deste convívio os significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível e, após este tirocínio, o autor interpreta e traduz em um texto, zelosamente escrito, com perspicácia e competência científica, os significados patentes e ocultos do seu objeto de pesquisa.

Consideramos essa abordagem satisfatória para tratar os dados coletados, pois,

de acordo com Dias (2000), o paradigma qualitativo é apropriado quando o fenômeno,

em estudo complexo, de natureza social, não atende à quantificação e visa atender às

especificidades contidas nos objetos de pesquisa pertinentes às Ciências Sociais

Humanas.

Ressaltamos, todavia, que, assim como Minayo (1994), não nos coadunamos

com a polarização entre pesquisa qualitativa e pesquisa quantitativa, visto que podemos

com isso desprezar dados estatísticos que constituem um panorama da realidade

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estruturada. Porém, filiamo-nos à compreensão de que a pesquisa de cunho social não

pode se restringir à referência apenas quantitativa.

Em Minayo (1994, p 21-22; 1994, p.21-22) a pesquisa qualitativa compreende

“o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes” e avança

no sentido de buscar contemplar de forma aprofundada o mundo dos significados das

ações e relações humanas. Acreditamos que os elementos citados pela autora se

encontram nas falas, nas práticas pedagógicas, nos documentos, em qualquer texto

produzido por seres humanos, por isso nos debruçamos com esse olhar sobre os dados.

Submetemos as nossas “unidades de registros” (MINAYO, 1994, p. 75),

compreendidas em dois protocolos: Entrevista e Análise de Atividades do Livro

Didático (ação realizada pelo professor) aos encaminhamentos da análise de conteúdo

(BARDIN, 1997), por acreditarmos que o conjunto de técnicas dessa abordagem

corroboraria para a explicação e sistematização dos conteúdos das mensagens,

ajudando-nos a enxergar os significados neles contidos.

A abordagem de análise de conteúdo, segundo Bardin (1979, p. 42), é um

agrupamento de técnicas que visa

obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição dos conteúdos das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a interferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

Sob o prisma dessa perspectiva, procedemos uma classificação em categorias de

análise, abaixo descritas, tomando o conteúdo como norteador dessa construção, tendo

em vista ordenar e analisar todas as informações descritas nos conteúdos das

mensagens. Esse movimento reforça o que afirmam Oliveira, Andrade, Ens e Mussis

(1996, p. 3 e 4) sobre a Análise de Conteúdo, pois, para os autores, essa tipologia

tem por finalidade, a partir de um conjunto de técnicas parciais, mas complementares, explicar e sistematizar o conteúdo da mensagem e o significado desse conteúdo, por meio de deduções lógicas e justificadas, tendo como referência sua origem (quem emitiu) e o contexto da mensagem ou os efeitos dessa mensagem. Nesse processo, faz-se necessário consolidar a totalidade de um “texto”, passando-o pelo crivo da classificação ou do recenseamento, procurando identificar as frequências ou ausências de itens, ou seja, categorizar para introduzir uma ordem, segundo certos critérios, na desordem apresentada.

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O diálogo da análise do conteúdo com as condições de produção e recepção do

discurso faz-nos analisar os dados com olhares questionadores: o quê? Quem? Como?

Quando? Por quê? Onde? De que lugar foi dita determinada informação? O que move o

sujeito a dizer o que disse? Dentre outras indagações. Assim, inserimos os objetivos

traçados para esse estudo nesse desenho investigativo.

Advertências da pesquisa

Com esta pesquisa não nos comprometemos a esgotar a discussão, tampouco a

generalizar dados coletados. Apuramos a análise sob o alerta de Chartier (1995), para

quem

os pesquisadores que produzem textos “teóricos”, [...] esquecem que suas construções acadêmicas, sejam elas de “pesquisa pura”, “aplicada” ou de “pesquisa-ação”, são o resultado de práticas profissionais específicas; como praticantes da pesquisa eles mesmos estão presos em redes de trocas institucionais, redes sociais de trabalho, de poder e de conflitos que lhes permitem articular seus saberes e seu saber fazer, seus discursos e seus gestos profissionais. Eles encontram as mesmas dificuldades para se fazer compreender por pessoas de outros meios que os professores quando falam de suas práticas para não especialistas. (p. 200, 201).

Essa compreensão evidencia que as reflexões advindas dos dados coletados e

analisados nessa pesquisa, sob o prisma qualitativo, não representam o pensar de todos

os professores da rede pública investigada, tampouco da realidade pernambucana e, em

âmbito geral, do Brasil. Todavia, pode nos ofertar um panorama da realidade de

algumas dificuldades enfrentadas pelos professores no quesito ensino da oralidade, nos

anos/séries iniciais do Ensino Fundamental.

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CAPÍTULO 5

ANÁLISE DOS DADOS: OS SABERES DOCENTES PARA O ENSINO DA ORALIDADE

O certo é que hoje se torna cada vez mais aceita a ideia de que a preocupação

com a oralidade deve ser também partilhada pelos responsáveis pelo ensino de língua.

Luiz Antônio Marcuschi

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Este capítulo analisa os saberes docentes para o ensino da oralidade com vistas a

compreender como três professoras pesquisadas concebem o oral enquanto objeto de

ensino-aprendizagem e como analisam o ensino do oral a partir de um conjunto de

atividades presentes em livros didáticos de língua portuguesa.

Com vistas a alcançarmos tais objetivos, apresentamos as categorias do nosso

estudo, concomitantemente às análises e discussões dos resultados alcançados.

CATEGORIA 1

OLHARES DOCENTES SOBRE OS OBJETIVOS DO ENSINO DA LÍNGUA MATERNA NA

PRÁTICA PEDAGÓGICA E NOS MANUAIS DIDÁTICOS

A compreensão de que os objetivos do ensino de língua materna e as propostas

dos livros didáticos disponíveis para o trabalho em sala de aula estruturam as decisões a

serem tomadas pelo professor no ensino dos eixos didáticos, dentre eles, o eixo da

oralidade, nos fez questionar sobre o que cada docente concebia como objetivos para o

ensino da língua portuguesa, no ano em que lecionavam; bem como nos fez investigar

se para as professoras pesquisadas tais objetivos eram contemplados pelos manuais

didáticos utilizados em suas práticas pedagógicas. Essas duas questões são

estruturadoras da categoria em tela e introduzem a discussão sobre o objeto de nossa

investigação: o saber docente sobre o ensino da oralidade.

No tocante ao questionamento sobre quais são os objetivos para o ensino de

língua para o ano de escolarização, cujas docentes atuam, vejamos como cada uma delas

se comportou:

Em P3 observamos o seguinte olhar:

[...] então meu objetivo principal é esse, que eles saiam daqui lendo com compreensão e escrevendo com uma sequência lógica. Para mim esse é um dos objetivos principais, a leitura e a escrita. (P3).

Para P3, dentre as preocupações enfatizadas em relação aos objetivos do ensino

de língua está a formação de leitores e produtores textuais. Conforme podemos

perceber, essa compreensão surge da necessidade de o ensino de Língua Portuguesa

assumir uma perspectiva de formação para a leitura e de a escrita de textos ganhar maior

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destaque nas últimas três décadas. Trata-se de uma perspectiva que transcende àquela

vivenciada, de modo quase que inquestionável, na década de 80 do século XX

(BRANDÃO e LEAL, 2005), quando os sujeitos eram formados, em seu processo de

alfabetização, a partir de treinamento de habilidades perceptuais e de coordenação

motora; e da memorização das associações entre grafemas e fonemas.

Exposta a modelos dessa natureza, a criança aprendia que ler era muito mais a capacidade de transformar sinais gráficos em sequências sonoras e recitar oralmente frases sem nexo do que uma tentativa de busca e produção de sentidos. Dessa forma, como seria de se esperar, ao final da alfabetização, eram comuns casos de crianças capazes de copiar e ler palavras e frases isoladas com eficiência, mas incapazes de escrever um bilhete simples, ou entender o que estava escrito num cartaz na parede da escola (op. cit, p.27).

Com base no excerto de P3, acima ilustrado, vemos que a preocupação da

docente volta-se para a formação de sujeitos, competentes no uso da língua, para além

dos limites do código. Abarca, nesse sentido, uma perspectiva de ensino que parece

favorecer o desenvolvimento da competência textual, no que diz respeito, em particular,

à capacidade de compreender e produzir variados textos (TRAVAGLIA, 1995). Esse

olhar foi reiterado na continuidade de sua entrevista.

/.../ Ainda essa semana eu tava mostrando a D23 algumas produções que a gente fez. Eu trabalhei o gênero tirinha com eles, ai eles produziram um dialogo na tirinha, depois eles fizeram ao contrário, dei o diálogo e eles criaram os desenhos. Então eu tenho achado que eles estão muito melhores. Mas assim, fora essa questão de entender o que tá lendo, a questão do letramento mesmo, é isso.(P3)

Assim, temos que, para P3, formar sujeitos leitores e produtores de texto é

oportunizar experiências de letramento, evidenciando indícios da compreensão de que

(o letramento) implica habilidades várias, tais como: capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos – para informar ou informar-se, para interagir com outros, para imegir no imaginário, no estático, para ampliar conhecimento, para seduzir ou induzir, para divertir-se, para orientar-se, para apoio à memória, para catarse...; habilidade de interpretar e produzir diferentes tipo de gêneros de texto, habilidade de orientar-se pelos protocolos de leitura que marcam o texto ou de lançar mão desses protocolos ao escrever, atitudes de inserção efetiva no mundo da escrita, tendo interesse e prazer em ler e escrever, sabendo utilizar a escrita para encontrar ou fornecer informações e conhecimentos, escrevendo ou lendo de forma diferenciada, segundo as circunstâncias, os objetivos, o interlocutor [...] (SOARES, 2008, p.16).

23 Por uma questão de preservação de imagem, retiramos o nome da diretora da escola e substituímos pela letra D.

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O movimento propiciado por P3 em relação à prática de produção de texto

envolveu os alunos em uma reflexão sobre o gênero textual, no caso específico, a

tirinha. A atividade abrangeu momentos de escrita (fala dos personagens) e de produção

de texto imagético, que, como sabemos, oportuniza uma inserção dos sujeitos na língua,

fazendo-os pensar sobre o texto a ser empregado em cada situação proposta.

Entendemos que o letramento se efetiva no desenho das propostas reais que

fazem parte do cotidiano escolar do grupo-sala, despertando os sujeitos educativos para

a função da escrita em seu dia a dia.

No que se refere à outra docente pesquisada, P4, ao sinalizar para os objetivos

do ensino da língua materna, ela os relaciona à preparação para vida, de modo que a

língua seja utilizada de forma competente nas esferas mais restritas (o seio familiar) e

nas mais amplas (em outros espaços de convivência). Para P4, estão imbricadas,

portanto, a preparação e a formação do leitor e produtor de gêneros textuais, sejam esses

textos escritos ou imagéticos.

Ensinar língua portuguesa na escola é ajudar o aluno se preparar para vida, pra, pra ele conviver dentro da sociedade. Porque se ele for num supermercado, ele vai ter que ler um cartaz, ele vai ter que ler uma propaganda, vai ter que ler um anúncio. Se ele for para um ponto de ônibus, ele vai que... vai ter toda uma leitura de imagem, semáforo, disso, daquilo outro [...] eles estão fazendo uma leitura. Então assim, realmente eu acho que que a língua portuguesa prepara esses meninos para conviver aí em sociedade mesmo. Conviver aí, dentro da sociedade, é é não somente do lado de fora, não somente na questão...fora de casa, da casa deles, mas também dentro de casa [...] é trabalhar sempre dando prioridade à realidade dele. (P4)

Tal propósito implica o acesso à diversidade de usos da língua, em especial aos

diferentes gêneros textuais, necessária ao aprendizado permanente e à inserção social

(PCN, 1998). Tais condições parecem ser claras para P4. Seu reconhecimento da

necessidade de formar sujeitos competentes no uso da língua recupera a questão do

ensino sistemático dos gêneros textuais públicos formais, realizados em condições de

produção diferenciadas daqueles produzidos em situações mais espontâneas, o que

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implica em um controle mais consciente do próprio comportamento para dominá-los

(DOLZ e SCHNEUWLY, 2004).

A visão de P4 coaduna-se com as práticas sociais de leitura e de escrita

representativas do letramento social (KLEIMAN, 1996). Os eventos indiciados em seu

discurso estão relacionados diretamente à necessidade de os sujeitos usarem a língua de

forma adequada às diferentes linguagens que permeiam o seu meio social, bem como ao

desenvolvimento da competência comunicativa (TRAVAGLIA, 1995). O movimento

de P4 assume uma perspectiva de ensino que aproxima o aluno da instituição

linguística, pois demonstra como a língua está constituída e como se apresenta

socialmente; porém, não se reduz a essa dimensão, mas se liga com o mundo e favorece

o aluno a distinguir as diversas situações sociais e a assumir o comportamento

linguístico demandado por cada uma delas.

Assim como P4, P5 compreende os objetivos para o ensino de língua portuguesa

atrelados à formação e ao aperfeiçoamento dos conhecimentos pelos sujeitos, bem como

à sua relação direta com o uso da escrita no dia a dia

[...] eu acho que a função da língua portuguesa é de aperfeiçoar os seus conhecimentos [...] então eu tenho uma preocupação muito grande, tanto é que em meu horário eu dou mais ênfase a língua portuguesa [...] não só pela leitura, mas para você compreender a visão de mundo, para você saber como agir em determinadas situações, que tem também, então você pode muito bem passar por uma rua que tem uma placa, você olhou não identificou nada e lá na frente tem um perigo. Isso também é uma leitura, só que você não esta acostumada a fazer uma interpretação, então até no seu dia você pode correr riscos se você não souber interpretar determinadas coisas. Então é por isso que eu acho que é de extrema importância (P5).

Em consonância com as demais professoras, a fala de P5 evidencia que o

aperfeiçoamento do sujeito está ligado diretamente à competência leitora dos diferentes

gêneros textuais que fazem parte da sua vivência. A capacidade de ler o mundo, assim

como a de ler o texto, tem como princípio o desenvolvimento de competências que

transcendem ao ambiente escolar de formação e visa a favorecer o uso adequado da

língua nas diferentes situações da vida cotidiana.

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Sob esse olhar vemos, a priori, que, em P4 e P5, o ensino de língua se desloca de

uma formação que visa a formar sujeitos estritamente para agir de forma eficiente na

resolução de problemas escolares, para lançá-los a desafios que transcendem os muros

das escolas, habilitando-os para a vida. Em P3, parece haver uma preocupação mais

voltada à resolução de tarefas escolares, ou seja, para o letramento escolar com

finalidades didáticas. Supomos que essa postura também pode ser influenciada pelo ano

de escolarização em que a docente atua, 3º ano de escolarização, período de

consolidação do sistema alfabético de escrita.

Um elemento que merece ser registrado na fala das professoras é a constante

menção ao uso dos gêneros textuais em suas práticas, entre eles, por exemplo, as tiras

(P3), os anúncios (P4), as placas (P5). Essa postura pode ser demarcada pela inserção

desses sujeitos em um constante processo de formação continuada promovido pela Rede

em que atuam, cuja proposta pedagógica se estrutura no letramento, em uma perspectiva

que toma os gêneros textuais para o ensino dos diferentes eixos didáticos. O cenário

também reforça o entendimento de que os gêneros textuais, enquanto instrumentos de

ensino-aprendizagem, favorecem a compreensão do sujeito sobre o funcionamento da

língua em suas diferentes esferas de uso. Essa concepção é ancorada nas discussões

trazidas por Bronckart (1999), Dolz e Schneuwly (2004), Marcuschi (2001b, 2005,

2008), dentre outros, para quem os gêneros textuais são fenômenos históricos

profundamente vinculados à vida cultural e social.

No bojo das discussões sobre os objetivos para o ensino de língua, as docentes

também responderam a respeito de suas impressões sobre os livros didáticos usados em

sua sala de aula. Perguntamos, para as professoras, se os livros didáticos, fossem os

escolhidos ou não pela Rede de ensino a qual pertenciam, contemplavam todos os

objetivos mencionados por elas para o ensino de língua portuguesa.

Em unanimidade, todos os sujeitos reconheceram a incompletude dos manuais

no tocante aos objetivos do ensino de língua e afirmaram que as propostas dos manuais

são insuficientes para explorar as competências desejadas. Esse cenário as mobiliza a

fazerem uma compilação de atividades propostas em vários manuais didáticos, dentre

outros suportes, e não apenas naquele suporte indicado pela Rede.

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Vejamos o que afirma P3:

Não. (contempla os objetivos) tem que misturar um pouquinho de cada um e dar o toque do professor mesmo, tem jeito não. Um que atenda, alguns atentem naquele ponto, outros em outro. É a mistura mesmo, tem que ser uma misturada, é o dom do professor de ter aquela visão. Não esse tá legal, este não tá. Esse atende. Eles vão conseguir [...]. (P3)

Notamos que o seu papel de docente é evidenciado como central no processo de

decisão sobre o que selecionar em cada manual consultado, com vistas a atender aos

objetivos. O que a professora chama de “dom” pode ser refletido na perspectiva de

Tardif (2008) e Gauthier (2006) como saberes. Tardif evidencia que essa compreensão

docente está intimamente relacionada com o que os professores “são, fazem, pensam e

dizem” (p.15). É o cotidiano de suas práticas que configuram e incorporam com perícia

elementos que se adaptam e se transformam na operação da prática.

A compreensão de P4 sobre os livros didáticos e os objetivos para o ensino de

língua vai na mesma direção de P3.

Às vezes ele dá um subsídio legal, mas, geralmente, 99% das vezes eu tenho que pesquisar em outros livro, eu recorro muito a internet, muito a internet, tenho lá meus sites, meus favoritos, porque quando eu preciso de um socorro eu vou lá e clico e vejo se tem alguma atividade interessante, porque pra mim não é suficiente, por que se eu vejo que o aluno está com dificuldade naquela área, na escrita, na leitura, eu já fico agoniada, porque assim às vezes a gente dá uma aula e não supre as necessidades. Nunca vai suprir as necessidades de todos né? A gente sabe que aquele aluno está com dificuldade naquela área né? eu sei que eu vou dá aula e não sei supri o objetivo, o alvo mesmo, aquela necessidade que o aluno precisa. Ai eu tenho que buscar alguma atividade ou fazer de uma forma que aquela aula também alcance aquele objetivo daquele aluno, aquele necessidade (P4).

São as demandas de seus alunos e as lacunas nos manuais que impulsionam a

docente a pesquisar, na quase totalidade das necessidades, em outros livros, bem como

em sites especializados, em busca de dar conta dos seus objetivos de ensino-

aprendizagem. Seus saberes são mobilizados nessa relação com o seu trabalho docente,

que forja e configura sua função em meio à solução de problemas que se apresentam em

sala de aula. A pesquisa compõe o seu fazer implicada na promoção de novos saberes,

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conforme sinaliza Freire (1999), para quem o ensino e a pesquisa são vias de uma

mesma estrada, que se encontram e se retroalimentam. Nesse sentido, a condição de

pesquisador está implicada na construção de novos saberes da docência.

Vemos que as demandas de nossos sujeitos de pesquisa aparecem, nessa

categoria, como mobilizadoras de saberes da “ação pedagógica”, ou seja, do “saber

experiencial”. São esses saberes, constitutivos da identidade profissional do professor,

que brotam da prática e por ela são validadas. Embora sejam saberes que não se

encontram sistematizados em doutrinas ou teorias, formam um conjunto de

representações que orientam, interpretam e fazem com que os professores compreendam

a sua profissão, as várias dimensões do cotidiano de sua prática e “concebam o modelo

de excelência profissional dentro de sua profissão” (GAUTHIER, 2006, p.83). Sob esse

ponto de vista, Campelo (2001) afirma que esses saberes “constituem jurisprudência”,

pois são saberes que decorrem das experiências do professor enquanto indivíduo e

enquanto integrante do coletivo docente.

Na avaliação de P5, as propostas dos livros didáticos que se voltam para os

objetivos do ensino de língua, em especial os manuais escolhidos pela rede de ensino a

qual pertence a docente (Linhas & Entrelinhas24), oscilam entre a inexistência de

propostas e a restrição dessas propostas na abordagem de alguns eixos de ensino.

Os livros didáticos, se a gente for fazer assim, trabalhe só esse livro didático, vamos pegar o desse ano, tome ele pra trabalhar, eles deixam muito a desejar, porque ele só vai trabalhar a leitura, a interpretação, a interpretação mesmo, com um pouquinho só de compreensão, mas e o restante das coisas? E a sua grafia, o seu significado fica aonde? Não tem. Até produzir texto ele não tem. E é de leitura, mas não tem essa parte. Até hoje eu não vi nenhum livro que fosse completo. Um pouco da produção, um pouco da leitura, um pouco da ortografia, um pouco da gramática [...]. (P5).

P5 menciona a carência no investimento sistemático para o trato com os eixos de

ensino voltados para a leitura (interpretação e compreensão) e a produção de texto e

revela a ausência de propostas voltadas para o trabalho com a “grafia” das palavras que, 24 A obra adotada pela Rede Municipal em que os sujeitos dessa pesquisa atuam é Linhas & Entrelinhas. 1º ao 5º anos, das autoras Lucia Helena Ribeiro Cipriano e Maria Otília Leite Wandresen. Editora: Positivo, 2010.

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a priori, entendemos como sendo ortografia. Embora ela também mencione ortografia,

assim como gramática, como elementos de baixa frequência dentro da proposta dos

livros, seu registro não menciona a oralidade como eixo presente ou ausente nos

manuais. Sua atenção está voltada para outras necessidades.

Parecem ser as demandas da sala de aula de P5 o fio condutor das observações

por ela feitas sobre os livros didáticos. Ela o enxerga como um instrumento que não

supre as demandas do seu grupo-sala, pois no conjunto de suas propostas apresenta uma

abordagem mínima de determinados eixos, revelando-se insuficiente para a

consolidação de competências desejadas na formação dos alunos. Nesse sentido, a

docente assume uma postura crítica em relação aos manuais, entretanto, não verbaliza

sobre se consulta e ou pesquisa em outros suportes ou mesmo se confecciona atividades

cujo propósito seja a complementação e/ou a superação das lacunas apresentadas pelo

livro.

Essa compreensão reforça o que sinaliza Tardif (2008):

embora os professores utilizem diferentes saberes, essa utilização se dá em função de seu trabalho e das situações, condicionamentos e recursos ligados a esse trabalho. Isto significa que as relações com os saberes nunca são relações estritamente cognitivas: são mediadas pelo trabalho que lhes fornece princípios para enfrentar e solucionar as situações cotidianas (p. 17).

De modo geral, a oralidade não aparece de forma evidente nas falas das

professoras ao tratarem sobre os objetivos do ensino de língua, tampouco sobre o

cumprimento desses objetivos nos livros didáticos, tendo em vista que a preocupação

dos sujeitos investigados se encaminha para os eixos de maior tradição no cenário

educacional (PNLD, 2010): a leitura, a escrita (P3, P4 e P5), os conteúdos da ortografia

da língua portuguesa e a gramática (P5). Ressaltamos que, na categoria em tela, não

dirigimos perguntas aos sujeitos que remetessem diretamente ao termo “oralidade”, pois

as questões investigativas sobre o referido eixo seriam explicitadas na categoria a

seguir.

Em síntese, como fruto desta primeira categoria, podemos afirmar que, embora

os sujeitos não tenham explicitado o trato com as competências orais como objetivo do

ensino de língua materna, possivelmente pela não explicitação sobre o referido eixo, nas

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perguntas que mediaram a nossa primeira categoria, acreditamos que um trabalho

voltado para desenvolver a competência comunicativa, agregada à dimensão do

“letramento”, termo esse empregado por P3, envolve um repertório de gêneros textuais,

tanto orais quanto escritos, de modo a favorecer o desenvolvimento da oralidade.

(CAVALCANTE e MELO, 2006; MARCUSCHI, 2008). Contudo, não podemos

garantir que as práticas das docentes venham realmente se coadunar com os discursos

apregoados por elas, em nossa pesquisa. Todavia, podemos vislumbrar uma assunção

teórica repertoriada de compreensões sobre o letramento.

Sem perder de vista o olhar das docentes sobre o ensino, voltamos nosso foco

para a categoria a seguir, que é centrada exclusivamente no livro didático (LD), para

investigarmos como as professoras pesquisadas compreendiam o tratamento dado pelos

manuais ao ensino da oralidade.

CATEGORIA 2

OLHARES DOCENTES SOBRE A ORALIDADE COMO EIXO DE ENSINO NO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Nesta categoria, o cenário se apresentou com a configuração descrita a seguir.

Apenas P3 e P5 responderem à questão que serviu de base à estruturação dessa

categoria, cujo olhar investigava se as docentes enxergavam a oralidade nas propostas

dos livros didáticos por elas utilizados. Não houve resposta efetiva da questão por parte

de P4, visto que, ao buscar responder a pergunta, a docente desviou o seu olhar do livro

didático e passou a apontar demandas vivenciadas por ela no trato com o oral. Nesse

sentido, sua resposta foi enquadrada na Categoria 3, na sub-categoria “Demandas”.

Para P3, o livro didático utilizado em sua sala não abordava atividades de

oralidade, exceto aquelas que conduziam os alunos a lerem.

Bem, numa questão de livro, eu não me lembro agora de nenhuma atividade assim que fosse pra despertar a oralidade fora a questão de eles incentivarem pra ler, leia, leia leia. Tem algumas perguntas, eu nem me lembro se esse livro tem, mas alguns assim estimulam as perguntas orais né, é. Eu acho que nesse tem, é que eu saio misturando todos eles, mas assim de responda agora oralmente. Então de qualquer forma tá incentivando né, e eu sempre faço com eles, a maioria das

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atividades em classe é “comente”. Então, eu vou conduzindo vou pegando o que é que eles já sabem o que eles não entenderam, assim da e ao mesmo tempo que a gente vai fazendo vai aprendendo. Então que eu me lembre é só isso, essa questão de leia o texto, que para alguns é acessível e pra outros se torna difícil. E essa questão de estimular resposta oral. Que eu me lembro o livro só tem trazido isso ai. (P3)

Consonante ao que enxerga no livro didático, P3 traz a oralidade a partir de

atividades ligadas à dimensão interacional (MENDES da SILVA e MORI-DE-

ANGELES, 2003), ou seja, no que se refere a atividades que promovem a interação dos

alunos em sala de aula, como por exemplo, a leitura, a discussão em sala de aula, a

participação dos alunos na atividade, respondendo e comentando oralmente perguntas

que partem dos textos. Essa postura vai de encontro ao que propõe Soares (1999), para

quem colocar o aluno para interagir oralmente com o professor e os colegas não é

suficiente para que se efetive o ensino do oral. Para a autora, as atividades orais

precisam ser planejadas para o desenvolvimento de habilidades de produção e recepção de textos orais frequentes em situações mais formais, que exigem preparação e estruturação adequada da fala, textos de diferentes gêneros, com diferentes objetivos e diferentes interlocutores, falados ou ouvidos em função de determinadas condições de produção e determinadas situações de interação (p. 22).

Garantir espaços sistematizados de reflexão sobre os usos da língua oral,

estruturada em uma proposta planejada e executada de forma intencional com objetivos

claros, reforça e legitima o ensino da oralidade na escola, assumida, dessa forma, como

eixo que necessita ser ensinado-aprendido, conforme salientam os encaminhamentos

propostos por Soares (op. cit).

Vemos que, para P5, o livro didático não evidencia o trato com a

oralidade, pois não apresenta nada específico do oral.

Não, porque nos livros eu não vi ainda especificamente assim como você esta falando, eles às vezes assim vem com temas, não sei se é isso que você esta querendo, não sei se é isso que tu ta entendendo. É vem assim, gírias, vem pessoas que falam do modo, como é que chama, da cultura de cada estado. Vem nessa parte. Não vem especifico da oralidade, não sei se é isso, se eu

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estou entendendo. No livro não tem desse jeito agora na sala de aula já é outra realidade, a oralidade ali já é outra (P5).

Embora afirme inicialmente a ausência no tratamento do oral pelos LDs, P5

menciona que encontra neles questões que exploram as gírias, os regionalismos, por

exemplo. Parece haver, de sua parte, uma separação entre os elementos da variação da

língua e a oralidade, como se a docente não concebesse o oral sendo tratado no suporte

escrito, o livro didático, ao afirmar que “no livro não tem desse jeito, agora na sala de

aula já é outra realidade, a oralidade ali já é outra”.

Essa fala parece deixar mais evidente o desconhecimento da identificação, pela

docente, de propostas que se destinem ao oral nos LDs, mas também nos conduz a

pensar em compreensões de oralidades diferentes: uma em sala de aula e outra na

proposta do livro, conforme vemos no fragmento a seguir, em que P5 afirma ter em sala

uma “outra realidade do oral”:

Tem o choque, tudo que eles trazem de casa, do que eles fazem na rua. O falar da rua é diferente do que a escola quer que eles tenham. Quer um exemplo, eles chamam muitos palavrões, mas os palavrões eles não chamam na forma de agressão não. Porque eu estava até analisando essa semana, já virou rotina de falar, então pra eles é natural. E isso aqui é, você vê ele, susto, ai a ia você fica assim, você olha, ele continua repetindo, é o modo dele de falar que já faz parte os palavrões dele. Não estou dizendo que é certo, não::: não é isso. Pra eles é natural. Eu fico olhando e não é um nem dois não é a maioria a grande parte é assim isso mata de vergonha, cada um que eles falam, poxa, mas há o dia a dia. Ai você fica se perguntando, será que é em casa? Alguém chamou ele aprendeu? Algum coleguinha na rua? Enfim, independente da causa eles tem isso e bota no papel [...] (P5)

Essa outra realidade apontada pela docente está relacionada ao modo informal

como os alunos interagem entre si em sala de aula. Eles empregam ‘palavrões’que,

segundo ela, entram em choque com o que se espera na escola, visto que os educandos

trazem para o espaço formal costumes do meio em que vivem. A grande preocupação da

professora é quando os alunos trazem o registro informal para a escrita na hora da

produção textual, como se desconhecesse que na escrita também há um registro

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informal a depender no nível de relação entre os interlocutores e da situação de

interação que os envolve (MARCUSCHI, 2001a).

Do ponto de vista do tratamento didático, a ocasião relatada pela docente se

configura em um momento oportuno para estabelecer uma reflexão sobre os usos da

língua e seus registros (TRAVAGLIA, 1995, BORTONI-RICARDO, 2004;

MARCUSCHI, 2001a, 2008), assim como para explorar com o grupo-sala as

aproximações e os distanciamentos entre os gêneros textuais, o que conduziria a uma

reflexão sobre o continuo tipológico, fato não sinalizado por P5. Verticalizar a

discussão para a não aceitação do registro informal na produção do texto escrito pode

reforçar a visão da oralidade sob o prisma das dicotomias estritas, conforme sinaliza

Marcuschi na tabela abaixo.

Dicotomias Estritas

FALA ESCRITA

Contextualizada Descontextualizada

Dependente Autônoma

Implícita Explícita

Redundante Condensada

Não Planejada Planejada

Imprecisa Precisa

Não-normatizada Normatizada

Fragmentária Completa Fonte: Marcuschi (2001, p.27).

Essa perspectiva ancora-se no paradigma teórico da análise imanente do código.

Sob esse enfoque, a escrita é compreendida como uma representação da linguagem de

formato elaborado, complexo, formal e abstrato; e a fala, por sua vez como o inverso da

escrita, concreta, contextual e simples. Assim, a escrita firma-se como um fenômeno

"naturalmente claro e definido", já a fala se apresenta como variada, nunca vista como

protótipo da "fala padrão". Marcuschi analisa esse fenômeno da seguinte forma:

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É o caso de dizer que fala e escrita são intuitivamente construídas como tipos ideais concebidos com princípios opostos e que não correspondem a realidade alguma, a menos que identifiquemos um fenômeno que as realize (MARCUSCHI, 2001b, p.37).

Ao recuperar a pergunta inicial da categoria sobre o livro didático e a exploração

da oralidade, P5 afirma:

[...] a oralidade no livro fica subtendida, ele não dá tanta ênfase, eu creio que deva ser por conta disso, da regionalidade, porque esses livros não ficam só numa região, eles né, vão passando de uma região, talvez seja isso eu não sei (P5).

Para P5, o LD é limitado ao tratar a fala real, como, por exemplo, a de seus

alunos, por não contemplar a dimensão regional. Nessa fala, a docente faz uma confusão

teórica entre registro e regionalidade. Se observarmos os conceitos de variação em

Travaglia (1995, p.43), vemos que a variação na dimensão regional ou geográfica é

marcada, normalmente, pelas influências sofridas na formação das regiões, pela

polarização política e/ou econômica e/ou cultural dos falantes em comunidades

linguísticas geograficamente limitadas. Esses fatores influenciam o desenvolvimento de

um comportamento linguístico identitário, como, por exemplo, os diferentes falares dos

nordestinos e dos cariocas. Já a variação de registro diz respeito a mudanças que

ocorrem tanto na fala como na escrita, ocasionadas por outros fatores, tais como a

situação de interação e os papeis sociais assumidos pelos sujeitos na sociedade

(MARCUSCHI, 2008).

Do ponto de vista da regionalidade, Travaglia (op. cit) afirma que, em sua

grande maioria, as diferenças entre as línguas usadas em uma região e em outra

normalmente são diferenças no plano fonético (pronúncia, entonação, timbre, etc.) e no

plano do léxico (palavras diferentes para dizer a mesma coisa, as mesmas palavras com

sentido diferentes em uma e outra região, uso mais frequente de um ou de outro

morfema derivacional ou flexional, etc.), quase inexistindo diferenças no plano

sintático. Sob essa perspectiva de análise, não enxergamos a variação regional no

exemplo dado por P5.

Outro elemento a ser destacado em P5 é a oscilação entre afirmar e negar a

presença do oral no LD. Inicialmente parece que em sua compreensão os LDs não

trazem a oralidade porque o conteúdo apresentado não se aproxima do uso da língua

oral encontrada em sua sala. Posteriormente, P5 parece entender que os LDs não

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explicitam o oral devido às inúmeras realidades regionais. Esse cenário ainda revela a

necessidade de compreender melhor o que vem a ser o oral, em suas diversas

possibilidades de trabalho em sala de aula.

Marcuschi25 (2005) apresenta-nos um repertório de possibilidades de se ensinar

a oralidade, dentre as quais podemos destacar:

• A existência de níveis de uso da língua desde seu aspecto coloquial até o formal, tanto na fala quanto na escrita;

• As características que influem na produção da fala, tais como idade, gênero, atividade profissional, posição social;

• A contribuição da fala na formação cultural e na preservação de tradições não escritas que persistem mesmo em culturas em que a escrita já entrou de forma decisiva;

• A relação que fala mantém com a escrita; • Os aspectos relativos ao preconceito e à discriminação linguística, bem como

suas formas de disseminação.

Nesse movimento, Marcuschi atenta para um trabalho sistemático nos livros

didáticos, em sala de aula, com vistas a formar nos alunos a consciência de que “a

língua não é homogênea nem monolítica” (MARCUSCHI, 2005, p.24).

Ao capturarmos a compreensão docente sobre o trabalho com o oral no livro

didático, buscamos investigar se havia em sua prática atividades que se voltassem para o

ensino da oralidade e como essas atividades se desenhavam em termos de conteúdos e

metodologias em suas práticas pedagógicas. Vejamos os resultados a seguir.

CATEGORIA 3

PRÁTICAS DOCENTES PARA O ENSINO DO ORAL: ATIVIDADES, DEMANDAS, OBJETIVOS E AVALIAÇÃO

No esforço de compreender como o oral se apresenta para as docentes,

questionamos os sujeitos sobre se havia em sua prática momentos reservados para o

trabalho com a oralidade (subcategoria 1 - Atividades); quais seriam as demandas para

esse eixo de ensino (subcategoria 2 - Demandas); se os objetivos teriam sido cumpridos

(subcategoria 3 – Objetivos) e como as docentes teriam avaliado a execução das

atividades (subcategoria 4 - Avaliações).

25 Para maior aprofundamento sobre a questão, consultar o autor em seu artigo Oralidade e ensino de língua: uma questão pouco “falada”.

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A tabela abaixo sintetiza o cenário de respostas dos sujeitos de nossa pesquisa. .

SUBCATEGORIAS P3 P4 P5

ATIVIDADES Leitura individual Hora da novidade Conversa sobre o conteúdo textual

Leitura coletiva Questionamento

Oralização de respostas

DEMANDAS Timidez Timidez Uso da fala polida

OBJETIVOS Sistema de escrita alfabético e ortográfico

Participação dos alunos nas atividades

Ajustar a fala à norma padrão

AVALIAÇÃO Não propõe alterações;

Pouco conhecimento sobre o objeto.

Reforçar o ensino das regras de convívio social.

Metodológica - organizar o quantitativo de alunos por grupo.

Tabela 5. Práticas docentes para o ensino do oral: atividades, demandas, objetivos e avaliação

Dessa forma, com base nos quatro subtópicos mencionados acima, configuramos

a categoria em tela, para entendermos como as docentes pesquisadas se reportaram

acerca das atividades orais em suas práticas.

Vejamos, a seguir, a análise dos dados revelados na tabela acima.

1. ATIVIDADES

P3 nega, inicialmente, o investimento na oralidade

Não. Também só nessa área, só nessa questão da leitura, leitura individual, na leitura coletiva de um texto. Essa questão de ta conversando com eles, questionando (P3).

Observamos, no excerto da fala de P3, que a docente ressalta a atividade de

leitura em voz alta, tanto no modo de ler coletivamente como no modo de ler

individualmente, quando o aluno lê para a professora. Ambos os modos de ler são

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compreendidos como trabalho com a oralidade, pelo fato de a fala ter sido usada como

instrumento de oralização de algo produzido na escrita.

É importante observar que as atividades as quais a professora afirma realizar

com os alunos para tratar a oralidade são as mesmas que ela afirmou serem trazidas

pelos livros didáticos, na Categoria 2. Esse cenário nos faz questionar se o LD está

influenciando a compreensão da docente acerca do que vem a ser atividade oral ou se é

a compreensão da docente que se centra na percepção de atividades orais no LD, mesmo

que essas atividades sejam propostas direcionadas a outros eixos como o da leitura, por

exemplo.

Ao discutir a questão norteadora da categoria em tela, P4 afirma:

Então assim, toda segunda feira, eu tô trabalhando muito a questão de, a questão de de... de de, como é, hora novidade mesmo né, hora da novidade que é toda segunda que eles trazem a novidade do final de semana e a questão também de de estimular mesmo que eles falem no momento das aulas. Eu não chego com o conteúdo pronto, eu sempre estimulo para que eles falem. “Vamos observar isso gente. Eu não sei de nada hoje, quem vai me ensinar são vocês. Eu to aqui, eu coloquei isso aqui no quadro, mas eu não to sabendo de nada, e ai o que é que vocês estão observando”. Estimular e ai eu vou estimulando pra que eles falem. Então eu trabalho dessa forma a oralidade (P4).

A “hora da novidade” é indicada por P4 como uma das atividades realizadas por

ela, cujo objetivo é trabalhar a oralidade. A indicação de uso da fala na proposta sugere

uma modalidade organizativa em atividade permanente, visto que é uma proposta

constante na prática docente, em um dia específico da semana.

Conforme Nery (2007), a atividade permanente é um trabalho regular que

objetiva familiarizar os alunos com uma diversidade de proposta, seja ela no trato com

os gêneros textuais, seja no trato com determinados assuntos, das mais variadas áreas

curriculares, de modo que eles tenham a oportunidade de “conhecer diferentes maneiras

de ler, de brincar, de produzir textos, de fazer arte, etc.” (p. 112).

Como atividade, produzida e realizada oralmente, a “hora da novidade” coloca a

fala dos alunos em evidência; oportuniza a socialização das experiências; estimula o uso

da fala para um público específico - os colegas de sala; favorece o exercício do relato

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oral das crianças, que por sua vez oportuniza aprender a expressar-se. Toda a fala da

docente indicia essa abertura para tais objetivos. Notamos que a essência da proposta

permite a partilha pelos alunos de temas que tiveram significado para um determinado

dia, sem se restringir àquilo que a docente elege como tema a ser abordado.

Embora P3 e P4 apresentem o questionamento oral como estratégia constante em

suas práticas, não observamos, nos episódios de suas falas, estratégias mais específicas

para o trato com a argumentação. O que vemos são episódios de perguntas que parecem

conduzir o aluno a se centrar no nível da opinião sobre o texto. Porém, não são

evidenciadas questões estratégicas voltadas para desenvolver práticas argumentativas.

Supomos que atividades que envolvem conversas e questionamentos entre os alunos,

sem comprometimento com objetivos claros em relação ao que se deseja ensinar-

aprender, tendem a cair em práticas já cristalizadas de conversação espontânea e

questionamentos que não favorecem a percepção dos educandos sobre o ponto de vista

do autor, sobre as reflexões acerca das estratégias argumentativas desenvolvidas por

eles próprios e sobre o desenvolvimento de argumentos e contra-argumentos, por

exemplo (LEAL et. al, 2010).

Na perspectiva de Rubio & Arias (2002, p.35), a argumentação é configurada

quando “um sujeito tenta persuadir um destinatário acerca de um ponto de vista

determinado”. Para essas autoras, o ensino da argumentação implica colocar em prática

uma diversidade de estratégias com a finalidade de chegar ao objetivo pretendido. Nesse

sentido, afirmam ser necessária a promoção de tarefas que partam de situações reais em

que os alunos possam compreender argumentos dos discursos sociais nas duas

modalidades de uso da língua, assim como colocar em práticas diferentes estratégias

argumentativas. No caso das docentes supracitadas, vemos que os conteúdos abordados

parecem estar atrelados ao dia a dia do grupo-sala. Entretanto, não podemos afirmar, a

partir dos fragmentos de fala, que há um planejamento com objetivo de abarcar as

dimensões argumentativas propostas, conforme sinaliza Rubio & Arias (op. cit).

Quanto a P5, ao ser questionada sobre a presença de atividades orais em sua

prática, a docente traz para o debate a questão da variação linguística. Ela recupera uma

fala apresentada na Categoria 2, em que revela o uso, pelos alunos, de termos

inapropriados para o ambiente escolar (os palavrões).

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Já (trabalhei a oralidade). É pronto, foi ai que eu identifiquei as benditas palavras belas (palavrões), que eles iam para apresentação, que eu faço mais a parte de apresentação, que é bem mais fácil...Não, é tipo assim (seminários), hoje a gente trabalha determinado assunto, em grupo, então o grupo quer explicar para a turma o que foi que entendeu sobre esse assunto, ai é livre, ai aparece geralmente algum grupo que vai a frente, ela explica (P5).

A exposição oral aparece na fala da docente para exemplificar o seu trabalho

com a oralidade. Com a atividade, os alunos são conduzidos a partilharem as suas

impressões sobre assuntos trazidos por eles próprios ou selecionados pela professora, de

forma livre. Vemos que P5 enfatiza que a atividade não é um seminário, mas sim um

momento em que os grupos expressam livremente suas opiniões sobre o tema em pauta.

Podemos inferir que essa negação da professora, em relação ao gênero textual

seminário, pode se dever a dois elementos: o primeiro diz respeito à própria organização

do gênero textual seminário, que demandaria um planejamento explícito por parte dos

alunos, para efetivá-los; o segundo diz respeito à dinâmica estabelecida pela docente

para a realização de uma atividade que envolva o grupo-sala, em uma proposta menos

estruturada do ponto de vista didático, o que oportuniza os alunos ficarem livres para

participarem ou não do debate.

Ressaltamos a liberdade sinalizada por P5 no desenrolar da proposta, visto que

elementos significativos no trato com o oral poderiam não ter envolvido a reflexão

sobre o gênero, ainda que este seja oral por excelência. Sabemos que são necessárias

tarefas estruturadas do ponto de vista metodológico e didático para que se possa

afetivamente ensinar a oralidade. Não basta, portanto, se apoiar apenas em um gênero

oral como veículo de uso da fala em voz alta.

O segundo foco da Categoria 3 diz respeito às demandas docentes no sentido de

promover as atividades orais ou atividades tomadas como sendo de oralidade. Nessa

investigação vemos que duas razões desenham a pratica das professoras: a primeira está

relacionada à dificuldade dos alunos de se expressarem, por conta da timidez (P3 e P4),

a segunda está ligada à necessidade de ensinar o uso da fala polida aos alunos (P5).

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2. DEMANDAS

Vejamos o que afirma P3:

Tem assim, a oralidade envolve tudo, tem a questão do simples ato de falar, então tem alguns muito tímidos que são muito difíceis de se expor, quando fala é aquela coisa bem baixinho que pra fazer uma leitura, pra qualquer coisa desse tipo,ninguém escuta, até eles mesmo dizem; tia eu num to ouvindo nada, não estou ouvindo nada. Então essa questão até de perder o medo, perder a vergonha, alguns precisam ser trabalhados, que envolve a oralidade também. A demanda é se expressar né, que alguns falam até demais, que é até interessante alguns na hora da brincadeira da conversa, se expressam muito bem, mas na hora de se mostrar, de se apresentar lá na frente, as vezes eu coloco uma cadeira la no palco, é uma timidez uma vergonha impressionante. (P3)

Observamos, no excerto de fala acima, que P3 percebe a dificuldade de seus

alunos se expressarem oralmente quando essas dificuldades estão ligadas às situações

mais controladas de uso da fala. Falar diante dos colegas, em sala de aula, por exemplo,

exige a mobilização de competências que necessitam ser ensinadas. Destacamos, dentre

essas competências, o ato de manejar, em nível paralinguístico, o volume da voz para

ajustá-lo com vistas a se fazer ouvir pela audiência (CAVALCANTE e MELO, 2006).

Conforme sugere Marcuschi (1995, p. 202), enfocar a oralidade no ensino de

língua não significa ensinar a falar. Para o autor, “o enfoque não deveria ser no ensino

da fala e sim no tratamento da oralidade”. Para esse tratamento seria necessário

“sensibilizar o aluno para os fenômenos da oralidade, ou seja, mostrar que a fala tem

suas formas específicas de realização linguística”. Nesse sentido, os encaminhamentos

didáticos devem se dirigir à reflexão sobre o que se faz quando se fala.

Na esteira dessa reflexão, Marcuschi (1995) é enfático ao afirmar que:

A suposição básica é a de que a fala é aprendida informalmente nas atividades diárias (como parte de nosso processo de socialização) e só receberá um aprendizado especial quando se tiver em mente objetivos especiais. Esse ensino será conveniente, por exemplo, para saber como melhor colocar a voz quando se fala ao microfone, quando se opera no palco de um teatro, quando se tem de dar um recital; também podem ser

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ensinadas as técnicas mais adequadas para o desempenho oral em situações formais específicas que devem ser aprendidas, pois elas não são naturais. Portanto, a fala só deve ser ensinada para todos aqueles contextos de uso que não são comuns do dia a dia e para os quais exige-se um conhecimento que não figura no saber cotidiano (p. 202).

O autor enfatiza que esse treinamento deve ocorrer com naturalidade e, se

possível, com um estímulo especial apenas para “finalidades que exorbitem a

aprendizagem social natural”. Devemos observar que o termo “naturalidade” empregado

por ele não deve ser entendido como algo sem planejamento, pelo contrário, deve-se

garantir no espaço escolar tal treinamento de forma clara e planejada, caso se perceba a

necessidade de ajudar o aluno em dificuldade.

Se observarmos no caso de P3, por exemplo, não vemos indícios de

encaminhamento didático ajustado para a superação das dificuldades dos alunos,

embora a docente tenha mencionado a criação de um palco para os alunos tímidos

falarem. Todavia, a docente não apresentou em sua fala a preparação para esses

momentos. Não observamos também elementos ligados às condições de produção do

gênero a ser produzido, que envolveria uma reflexão com os alunos para eles saberem a

quem se destinaria o texto a ser produzido; o que seria produzido naquela circunstância;

quando, onde, como e por que seria produzido o texto, no sentido de fortalecer a

preparação dos alunos na hora de se apresentarem para o seu público.

Ao abordar sua demanda para o ensino do oral, P4 evidencia algumas das

necessidades sinalizadas por P3, vejamos:

Ah, eu acho a oralidade muito importantíssima, meu Deus! Assim, atualmente estou sentindo uma dificuldade muito grande de trabalhar com esse eixo, né [...] atualmente na... essa turma aqui ela tem essa, essa dificuldade, ela não oraliza, ela conversa muito, né. Mas assim, quando é pra participar, quando é pra questionar, quando é pra problematizar alguma coisa, ela é, muitas vezes eu tenho que incentivar mesmo, né. Eu tenho que questionar e porque isso, e porque aquilo, ai um ou outro vai respondendo, sabe. Já tive turmas mais participativas, sabe, turmas boas em oralidade, e eu pude comprovar que na produção de texto eram dez (P4).

Inicialmente a docente enfatiza que compreende a importância da oralidade e

confessa ter dificuldades de efetivar o ensino para o referido eixo, em virtude de seus

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alunos terem dificuldade de participar de atividades que exijam questionamento,

problematização; enfim, atividades mais elaboradas, que demandem um nível maior de

sistematização. Já nas instâncias que demandam menor monitoramento, os alunos

sabem fazer com precisão, conforme relata a docente. Com vistas a superar essa

dificuldade, P4 apresenta algumas atividades que visam a suprir as lacunas que são

enfatizadas no excerto a seguir.

se eu vejo que a turma, que essa turma, como te falei, ela tem dificuldade em oralidade, eu tento trabalhar, não somente na questão da roda de conversa, na hora da novidade, mas também, até mesmo na hora da expli... quando estiver explicando algum assunto, seja de matemática, seja ciências, eu procuro não trazer a coisa pronta. Eu procuro fazer de uma forma que eles respondam, que eles falem, que eles conversem, que oralizem, porque pra mim essa é a dificuldade, essa é a dificuldade deles falarem. Realmente o que eu estou sentido muita dificuldade nessa turma é a questão da oralidade (P4).

As atividades indicadas acima são estruturadas do ponto de vista dos

encaminhamentos didáticos no sentido de tratar as questões da oralidade. Há indícios de

uma rotina planejada com momentos como “rodas de conversa”, “hora da novidade”,

por exemplo, que favorecem o uso da fala em sala de aula. Até o momento, não se

observa, na fala da docente, elementos metodológicos ligados à condução das questões

que norteiam a realização das atividades supracitadas, no sentido de favorecerem

competências orais, tais como aquelas ligadas à dimensão argumentativa, por exemplo.

Gostaríamos de registrar na fala de P4 as suas explicações sobre a dificuldade de

os alunos se expressarem em sala de aula. Para a docente, os seus alunos não são “bons

em oralidade”, embora gostem muito de conversar entre si, eles não “oralizam”. O

termo “oralização” é empregado como sinônimo de oralidade, o que, segundo

Marcuschi (2005), é inapropriado, visto que a oralização se configura como atividade

cujo foco é a leitura em voz alta de um texto escrito, por exemplo, sendo a oralidade, na

perspectiva de P4, apenas veículo de exposição e não objeto de reflexão.

Outro ponto que ressaltamos na fala de P4 diz respeito a sua associação entre o

domínio da oralidade ser consequência do êxito na produção escrita: “Já tive turmas

mais participativas, sabe, turmas boas em oralidade, e eu pude comprovar que na

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produção de texto eram dez (P4)”. Inferimos que possivelmente os alunos bons na

oralidade e bons na escrita, os quais a professora se refere, tenham sido envolvidos em

um ambiente sistematizado de preparação para a produção escrita, em que a leitura de

variados textos, seguida de questionamentos orais sobre o conteúdo textual, envolvia a

turma e resultava em um bom desempenho escrito.

Não podemos garantir que o domínio de uma modalidade resulte,

consequentemente, em domínio da outra, pois há formas especificas em cada uma delas,

cujo domínio garante a compreensão por parte do interlocutor. Escrever é diferente de

falar, não basta saber falar para escrever um bom texto, é preciso, além de dominar os

recursos específicos da modalidade escrita, dominar as condições de produção e

recepção do texto. O mesmo acontece com o texto oral, em que, além da preocupação

com o uso das palavras, temos que harmonizar o texto com os gestos, as expressões, a

entonação, etc.

Nas discussões sobre a demanda docente para o trato com o oral, P5 retoma a

questão da polidez no uso da fala:

É como eles se tratam entre eles. Como eles falam de outras pessoas que, de casa. “A seu filho daquilo, daquela”. Menino precisa não... “Ah, desculpa professora”. Vem cá fulano [...] Ai foi quando eu parei, gente olha; se a gente fala é de um jeito, mas quando a gente vai falar com o público é de outra forma, se você no futuro for fazer uma conferencia, alguma coisa assim, um produto, eu até disse bem assim, se você trabalha numa empresa de grande porte, você tem que apresentar esse produto e vai ser assim? Eles falaram que; ahhh num éee. Ai eles começaram a ver que não, ai eu disse que tem a postura, que tem a roupa, as meninas tem a maquiagem, esses batons vermelhos, as roupas curtas ai, ai agora...Foi, porque tava demais. Ai hoje eles já acostumam mais, quando ele diz, “eita!, desculpa professora ... eita!, desculpa professora”, quer dizer, por isso que eu percebi que eles falavam por falar, agora que a ficha caiu [...] (P5).

A demanda de P5 se diferencia um pouco da realidade enfrentada pelas demais

professoras. Sua fala sugere intervenção no registro dos sujeitos, no sentido de atingira

dimensão da polidez e do respeito dos alunos entre si. O foco central da sua estratégia

didática se relaciona a aspectos linguísticos aportando-se nos “atos de fala positivos”.

(CAVALCANTE e MELO, 2006, p. 93)

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Como estratégia didática para intervenção na demanda discente, P5 trata com os

alunos sobre a forma como a fala pode ser empregada para atingir determinados

objetivos, bem como sobre a importância da multimodalidade discursiva nesse

momento de produção (DIONÍSIO, 2005). Nesse sentido, busca ajudar o grupo-sala a

visualizar possíveis situações reais de uso oral da língua a partir de uma situação

hipotética de uma “venda” e de uma “entrevista de emprego”. Com esse movimento, P5

alerta o grupo para a necessidade de adequar o registro de acordo com as situações de

produção da fala, bem como de atentar para a harmonização entre as palavras, a postura

corporal e as vestimentas, com vistas à adequação ao contexto.

No tocante à multimodalidade discursiva, acreditamos, conforme Marcuschi

(2002; 2005; 2008) e Dionísio (2005), na necessidade de ajudar o aluno a perceber os

recursos verbais e visuais utilizados pela fala na produção de texto, no sentido de

favorecer o desenvolvimento de competências sócio-discursivas, visto que parte do

significado do discurso interacional é construída com base em elementos

paralinguísticos como gesto, entonação, olhar, dentre outros, e não apenas com base na

estrutura linguística dos enunciados. Nessa perspectiva, o trato com a multimodalidade

presente na ação docente contribui para o processo de argumentação, tendo em vista que

acompanha a estratégia de convencimento dos sujeitos envolvidos no processo.

Em se tratando de adequação do registro, devemos observar, conforme Bakhtin

(1992) e Melo e Barbosa (2005), dentre outros autores, que alguns elementos de

ajustamento da fala na estruturação do texto produzido pelo falante para o seu ouvinte é

organizado em função das representações sociais existentes nas relações entre o que se

fala e o que se ouve. Outro fator de ajustamento diz respeito à conversa entre sujeitos de

grupos sociais distintos, conforme mostra Bortoni-Ricardo (2004), pois dependendo do

nível de intimidade existente entre os interlocutores há um monitoramento no estilo com

maior ou menor intensidade.

Com vistas a melhor compreender se as atividades propostas pelas docentes

atingiriam os objetivos traçados por elas para o tratamento da oralidade, observamos o

panorama a seguir.

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3. OBJETIVOS

Nas discussões sobre o cumprimento dos objetivos, P3 afirma que:

Pra alguns sim. Alguns que pegam com mais facilidade, alguns que tem uma compreensão mais clara, sim. Mas assim, eu tenho um planejamento diário, que muitas vezes eu consigo atingir outros não, hoje, ontem mesmo eu tive que desmontar todinha a paisagem no quadro. Muitas vezes não consegue atingir tudo que a gente tinha... Eu tenho um planejamento toda segunda eu trabalho com as disciplinas, ditado, na semana a gente tem uma série de atividades pra fazer. (P3)

Observamos, no trecho ilustrado acima, que P3 faz uma avaliação geral de seu

trabalho com o grupo sala, mas não menciona o cumprimento de objetivos relativos ao

ensino da oralidade. As atividades por ela destacadas se relacionam à consolidação do

sistema de escrita alfabético ou ortográfico, visto que o foco é no ditado, embora a

mesma tenha apontado demandas ligadas à exposição oral e à oralização da escrita. Esse

cenário pode ser fruto da ausência de encaminhamentos didáticos definidos com

objetivos específicos do oral, talvez pela necessidade de maior compreensão sobre o

objeto de ensino, realidade que aponta no tópico a seguir - “Da avaliação da pratica”.

Em P4, vemos que o cumprimento dos objetivos referentes à oralidade se

relaciona à participação efetiva dos alunos nas atividades, à conversa entre eles e a

professora sobre o assunto em pauta (P4), a postura crítica do grupo-sala frente a

determinado tema abordado, bem como a coerências em suas posições.

[...] cumprir os objetivos seria eles é é, na minha opinião, seria eles participarem. Eles assim é é observarem, é é atingir aquele objetivo realmente pra... o que eu quero, o que eu quero e e, qual o objetivo que eu quero que eles alcancem com essa conversa né, para que eles pensem, para que eles sejam críticos mesmo, na hora de ser. Para que eles é é consigam ver detalhes, porque tem teve momentos aqui em sala de aula né, no decorrer de meu tempo aqui que assim, teve momentos que eles viam coisas que eu não via, eles falavam coisas que eu dizia, mas rapaz, como é que eu não to vendo isso, vocês são fogo mesmo, vocês estão vendo uma coisa que eu não vi! Que interessante! Então é assim, todos esses detalhes pra mim supre a

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necessidade por que é assim, são crianças, mas eles, eu tenho que aguçar a curiosidade deles pra que eles falem mesmo. Então pra mim, teria que ser... eles falarem, discut...eles serem críticos, sabe, ser detalhista, é é expor detalhes na na fala, ser coerente [...] (P4)

Segundo esta fala, a efetivação dos objetivos por parte da professora diz respeito

à compreensão de que o trabalho com a oralidade é mais do que por os alunos para

falarem sobre determinado conteúdo. É posicionar-se criticamente, argumentar, fazer-

se compreendido e expressar-se de forma coerente, o que revela compreensões, por

parte da docente, até o momento não reveladas, conforme indicamos, acima, no tópico

“Dos objetivos”. Parece ser nesse sentido que ela discursa sobre o seu papel de

mediadora, com vistas a instigar os alunos a verbalizarem suas opiniões, a discutirem os

temas etc.

Quanto ao cumprimento dos objetivos ligados à oralidade, P5 os atrela a sua

compreensão de um oral ajustado à norma ortográfica

Eu tinha o objetivo de fazer o quê? A se comunicar melhor. A falar melhor, que as palavras que eles falavam eram erradas, e eu não achava bom colocar no caderno faça com z faça com ch se você não sabia pronunciar corretamente. E utilizar elas no seu dia a dia, que isso ele não fazia, escrevia ruim e falava pior ainda, então eu imaginei que eles ficando a vontade na frente, tentando explicar, tentando convencer os colegas de determinada coisa eles iam ficar bem livres, e eu ia poder sondar realmente até que ponto chegar, e eles iam se policiar, tentando falar melhor. (risos) (P5)

Parece haver o desconhecimento por parte de P5 de que a ortografia da língua

padroniza a forma de escrever das palavras (MORAIS, 2003), entretanto, a pronúncia

destas pode sofrer variações condicionadas por diferentes fatores, como demonstra

Possenti (2000). A postura assumida por P5 pode gerar e reforçar o preconceito

linguístico em relação ao uso da língua em sala de aula e fora dela, uma vez que se

exige uma padronização da pronúncia das palavras, ao se assumir que as variantes

usadas pelo aluno eram ruins, tanto as escritas quanto as faladas (TRAVAGLIA, 1995;

BAGNO, 2004).

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Como nos adverte Leite (2008, p. 13-14), o “preconceito e a intolerância

linguísticos revelam o comportamento de um falante diante da linguagem de outro e é

um fato de atitude linguística”. Essa autora reforça que a atitude linguística não pode

apenas ser interpretada como um assunto puramente pertinente ao domínio da língua,

visto que “a linguagem é social, plena de valores, é axiológica e, por meio dela,

consciente ou inconscientemente, o falante mostra a sua ideologia”.

A atitude linguística da docente em questão coaduna-se com a fala de Leite (op.

cit), pois, com vistas a ajustar a língua falada no cotidiano do aluno, a professora faz

uma intervenção normatizada, enquanto despreza o registro válido dos sujeitos.

Evidenciamos, entretanto, que não discordamos da postura docente de ensinar a forma

padrão da língua, afinal essa é a função da escola. Porém, questionamos a necessidade

de a fala ser corrigida a partir de uma escrita dita “padrão”, sem atenção para os

registros.

Para finalizar a Categoria em debate, endereçamos uma questão às docentes cujo

propósito foi fazer com que avaliassem a sua prática quanto à realização das propostas

ligadas ao ensino do oral. Nesse sentido, buscamos perceber se as professoras fariam

alguma alteração em sua prática ao considerarem o trabalho que desenvolveram (ou

não) com o seu grupo-sala.

4. AVALIAÇÃO

Ao refletir sobre possíveis mudanças em sua prática, P3 não indica alterações e

faz a justificativa de tal postura:

É eu acho que eu preciso até estudar mais nessa área, você agora me despertando falando muito de oralidade, ta assim, eu tenho poucas idéias nisso. Não sei se até por conta das capacitações não terem nada nessa área específica, eu assim tenho poucas idéias de como trabalhar isso, então pode ser que tenha coisas que eu poderia puxar mais e realmente eu não tenho nem a visão disso. Nem de como problemática, nem de como necessidade de que eles tenham, realmente eu não...eu preciso estudar mais (P3).

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A lacuna na formação de P3 é indicada como fator determinante para a ausência

de propostas executadas pela docente com vista a tratar a oralidade. A necessidade de se

apropriar de um saber curricular aparece na fala dessa docente, pondo em relevo lacunas

na formação inicial e continuada, bem como nas estratégias didáticas. O cenário reforça

a compreensão de que se o professor não compreende o que deve ser ensinado no eixo

do oral, assim como nos demais eixos, ele não terá competência para propor ampliação

ou estratégias didáticas para o ensino.

Em P4, a “hora da novidade” é tomada como atividade que precisaria se

estabelecer com maior sistematicidade em sua prática, sendo assim, passível de

alteração.

A hora da novidade, certo. Eu comecei assim, quando... no início do ano eu expus é é a agenda, a agenda, desde o primeiro dia de aula que eu expu... que eu eu tenho exposto a agenda na sala de aula, ai a hora da novidade, como eu disse seria um momento de conversa que toda a segunda-feira quando eles voltarem, quando eles voltassem do final de semana, eles contariam a novidade do final de semana a gente iria conversar sobre as coisas, as novidades do final de semana, sabe. Pra mim funcionou, pras outras turmas. Teve turmas que era cada novidade que eu dizia assim, meu Deus do céu, só que eles gostavam. Só que nessa turma eu senti muita dificuldade, porque é assim, na hora da novidade não é somente a questão da oralidade em si, mas existem as regras de quando um fala, outro tem que parar para ouvir, tem a questão de levantar a mão, o ouvir, que eles têm muita dificuldade de ouvir, né. Eles falam mais do que escutam, aí pronto. (P4).

P4 justifica a necessidade de retomar a atividade a partir da identificação de

problemas ligados ao comportamento de sua turma na realização da proposta. No caso

específico, a dificuldade dos seus alunos de não compreenderem que para a efetivação

da atividade (hora da novidade) é necessário respeitar as regras de convívio social.

Como reforçam os PCN (1996), as regras de convívio social precisam ser

compreendidas pelos alunos na produção dos gêneros orais (assim como na realização

oral dos demais gêneros textuais), portanto, os sujeitos envolvidos na produção do

gênero necessitarão desenvolver a sensibilidade de saber ouvir, tanto quanto falar, de

modo a favorecer a convivência social entre eles.

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Outro ponto que necessita ser destacado na fala da docente diz respeito a sua

queixa em relação à falta de compreensão por parte de seus alunos de que as atividades

orais também visam ensinar e aprender determinadas competências. Segundo P4, seus

alunos não compreendem esse propósito.Logo, assumem uma postura de resistência às

atividades orais, o que resulta em desmotivação docente, por perceber que a proposta

não consegue atingir a produtividade por ela desejada.

[...] Então é é essa atividade né, que o objetivo é a oralidade mesmo, e eu tentei fazer e nesse ponto de vista eu achei que falhou não pela atividade em si, eu acho que pela, por ser uma turma muito copista. É uma turma copista, é uma turma que veio com aquela idéia que atividade é só escrever. Então, tem que escrever, tem que fazer tarefa, tem que anotar é, então assim, é uma coisa que eu to tentando quebrar mas, então essa atividade “hora da novidade” é uma coisa que eu tentei fazer e agor..parei, e tô tentando é retomá-la novamente, mas eu trabalho oralidade, sempre tô trabalhando, é um eixo que pra mim é uma das prioridades. E tendo em vista que é uma turma muito dificultosa em falar (P4).

Dois cenários realçam a fala acima: o primeiro cenário evidencia a organização

do grupo e o trato com competências que transcendem ao trabalho com o oral em sala

de aula, pois se relaciona à percepção, pelos alunos, de que o momento de exposição

demanda uma organização no sentido de garantir a participação ordenada das falas. O

segundo cenário está atrelado ao fruto de uma rotina escolar prenhe da consciência de

que o ensinar e o aprender, na escola, dizem respeito a escrever/copiar (seja atividades

colocadas no quadro, pelo professor, seja cópia de textos retirados de livros) ainda que

esta escrita represente uma atividade mecânica e sem reflexão.

No que diz respeito à avaliação da prática, a fala de P5 está atrelada a aspectos

metodológicos da condução da atividade, bem como a objetivos ligados ao ajustamento

da modalidade de produção da atividade.

Ah, eu melhoraria o seguinte, eu diminuiria os grupos que foram feitos em cinco, eu acho que eles melhorariam, seria bom, e colocaria assim algumas atividades que não precisassem deles escreverem, por que::: ... acho que só a linguagem, reforçar mais na linguagem deles sabe, a partir, e fazer como se fosse um:::, os grupos, uma competição entre eles, eu acho que seria mais interessante. Agora as atividades eu ainda estou vendo, que tipo de atividade poderia ser feita nesse sentido (P5).

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A modificação de ordem organizativa (GUIMARÃES, 2004) – redefinição do

quantitativo do grupo – aparece em um primeiro momento na fala da docente como

passo de reestruturação da estratégia para o ensino do oral. Em um segundo momento,

há uma indicação no foco da culminância da proposta – em que a alteração poderia ser

feita a partir do estabelecimento de uma competição entre os alunos – pois os seus

esforços se voltariam para desenvolver a linguagem oral e não a escrita. Se este

momento representou para P5 uma organização na proposta, pode sinalizar que a

atividade oral servia estruturalmente como preparação ou pretexto para a produção

escrita, ainda que questões de variação de registro e de multimodalidade surgissem em

meio à proposta. Esse panorama é indiciado na fala da docente ao longo da entrevista,

quando ela anuncia a preocupação tanto na oralidade como na escrita voltada para

questões ortográficas, como vemos no sub-tópico “Dos objetivos docentes”.

Ao tratar sobre o oral, Dolz e Schneuwly (2004) reforçam a necessidade de

percebê-lo como um eixo autônomo, mas também interdependente dos outros eixos

didáticos, que, articulados, movem-se para uma perspectiva de oralidade letrada. Ambos

os autores reforçam a necessidade de se planejar um trabalho sistemático com o oral, de

modo a favorecer no indivíduo o domínio dos jogos interativos e de estratégias de

negociação em situações interlocutivas públicas.

Em síntese, vemos que a maior parte das sugestões de alteração das atividades

feitas pelas docentes não tem como abordagem a ampliação e ou aprofundamento dos

conteúdos da oralidade, realidade esta permeada por algumas variáveis, dentre elas, o

desconhecimento do objeto em discussão (P3); a falta de compreensão dos discentes

sobre as atividades voltadas para desenvolver a oralidade (P4); o olhar ajustado

prevalentemente às dimensões metodológicas (P5). As mudanças vão em direção a

ajustes metodológicos, o que pode representar, possivelmente, necessidade de conhecer

melhor o objeto em questão.

A seguir, enfatizamos o olhar docente sobre os saberes adquiridos em seu

percurso formativo e sobre se tal formação favoreceu a “construção de sua proposta”

para o ensino do oral. Sob a óptica dos saberes, a ação docente se estrutura na

consciência de que é na relação com o trabalho que o saber se constrói, pois é no

trabalho que forjamos os enfrentamentos e a promoção de soluções para as demandas de

nosso grupo-sala. Assim, temos a compreensão de que o domínio que o docente tem de

determinado saber não é deslocado de um “ser” e de um “estar” trabalhador docente,

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mas se apresenta contextualizado, sendo produzido no e para o trabalho (CAMPELO,

2001; TARDIF, 2008; THERRIEN, 1995).

As docentes que participaram de nossa pesquisa possuem aproximadamente uma

década de experiência em sala de aula, atuantes, em sua maior parte, como professoras

da Rede a qual pertenciam no período da nossa investigação. Essa vivência já as

oportunizou agir no enfrentamento e na promoção de soluções de variados problemas,

como vemos em suas entrevistas, bem como na análise das atividades (localizadas no

segundo bloco de análise desta pesquisa), com vistas a ensinar os diferentes conteúdos

de ensino, entre eles, a oralidade. Os saberes por elas mobilizados podem ser

observados sob a perspectiva de Gauthier et. al (2006), para quem os saberes se

formalizam num repertório tipológico disciplinar; curricular; das ciências da educação

ou saberes pedagógicos (TARDIF, 2008); da tradição pedagógica; das experiências e da

ação pedagógica.

Com vistas a compreender a partir dos dizeres das docentes quais saberes

estruturaram a sua prática no ensino do oral, construímos a categoria a seguir.

CATEGORIA 4

OLHARES DOCENTES SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DE SUA FORMAÇÃO PARA ENSINAR A ORALIDADE

Em suas respostas, tanto P3 quanto P4 sinalizam que sua trajetória de formação

continuada as ajudou de forma mais incisiva no processo de construção da “proposta de

oralidade” que a formação inicial, o magistério (na atualidade normal médio) e a

graduação em pedagogia.

Eu diria que muito mais a trajetória de capacitação do que de formação, até porque, as capacitações que a gente tem aqui... porque enquanto Recife eu acho muuuito falho, muito vago ainda. Mas assim, éee, o que eu aprendi no magistério hoje esta superado, porque eu vi muita coisa na faculdade, muita teoria, pouca prática né, então eu diria que muito mais essas orientações que a gente tem éee, as capacitações com outros estudiosos na área, eu acho que me fizeram acrescentar muito mais do que a formação teórica de faculdade e magistério. Fora a questão da prática né, porque vou aprendendo com eles, com os colegas, com os anos passando. A grande parte das formações continuadas é com a escrita e a leitura (P3).

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Diferentes dimensões da construção dos saberes para o ensino da oralidade são

apontadas nessas falas, dentre elas, a formação docente (ensino médio, graduação e

formação em serviço); os anos de prática em sala de aula; a relação com o grupo-sala e

o trato com os pares. Temos um repertório de saberes estruturados na dimensão social,

constituído por pilares, como afirma Tardif (2008), dentre eles, o coletivo das práticas

de trabalho; o reconhecimento social do saber; a construção do e no reconhecimento do

outro e a aquisição do saber no contexto de uma socialização profissional.

As fontes de produção dos conhecimentos indicados por P3 envolvem

dimensões dos saberes da ação pedagógica ou saber experiencial (GAUTHIER et AL,

2006), que brotam da prática e por ela também são validados. São saberes mobilizados

na prática, que não se encontram sistematizados em doutrinas ou teorias, entretanto

formam um conjunto de representações que orientam, interpretam e fazem com que os

professores compreendam a sua profissão, as várias dimensões do cotidiano de sua

prática e constituam jurisprudência em sua profissão (CAMPELO, 2001).

A construção de saberes em P3 também pode ser compreendida em Tardif

(2008), que relaciona o objeto composicional dos saberes, dentre outras dimensões, a

interações do professor com os seus pares e demais sujeitos que compõem a sua área de

atuação. A docente em questão explicita essa dimensão ressaltando a contribuição desta

relação para a execução das propostas de ensino por ela ofertadas.

O saber disciplinar (GAUTHIER et al, 2006, p.29), ou “saberes sociais”

(TARDIF, 2008, p.38), compõe os discursos de P3, pois permeia o seu universo de

incorporação em sua prática docente, assim como o saber curricular, cujas orientações

prescrevem elementos para a atuação profissional. Para esta díade (saber social e saber

curricular), temos a realidade mencionada pela docente da decalagem entre as suas

experiências na docência e os saberes que foram adquiridos na formação inicial (ver

Categoria 3, item “a avaliação ”). Conforme o discurso acima, os saberes aprendidos em

sua formação inicial, tanto nas esferas do ensino médio quanto na do superior, não são

compatíveis com a sua realidade. O primeiro pela defasagem do saber, o segundo pela

ausência de ponto de contato com a sua demanda imediata.

Neste cenário, com base em Tardif (2008, p. 53), assumimos que não podemos

compreender a natureza do saber de P3 sem tomá-lo intimamente em relação ao que ela

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é, faz, pensa e diz. O encaminhamento em si conduz a docente à postura crítica, no

sentido de avaliar e julgar seu processo de formação e validação pela sua prática.

As declarações de P4 também são abarcadas nas discussões teóricas que

sustentam o discurso de P3. A docente (P4) realça o seu processo de formação em

serviço e valida os ensinamentos adquiridos nesse processo formativo como sendo

primordiais para a construção dos saberes mobilizados em sua prática pedagógica

Com certeza, assim. Na época em que eu trabalhei o magistério, a visão era totalmente diferente, né, a gente...faz um tempo, faz o que, mais de dez anos? Mas de dez anos! nada. Faz o que uns quinze anos que eu terminei o magistério. Então assim, quando eu entrei na Rede, aqui, primeiro eu trabalhei na escola privada, sócio-interacionista, o método, né e assim eu não senti muita dificuldade quando eu entrei aqui na Rede porque é o mesmo método, né. Agora assim, o choque foi na questão, na questão assim de exigência, porque a gente sabe que escola privada exige mais do professor, é exigido mais do professor, não que a Rede não exija, mais assim, o que eu aprendi pra, hoje pra minha prática se dá hoje principalmente pelas formações, as formações continuadas daqui da Rede. Porque na escola privada que eu trabalhei, a gente não tinha acesso às formações, era só trabalho, era trabalho, era reunião, era isso aquilo outro, mas quando eu entrei aqui na Rede, esses seis ano que eu estou aqui em (cita nome do município26), toda formação que eu participo, eu sempre aprendo alguma coisa. São formações muito boas, há quem critique, porque cada um tem uma opinião, mas assim, são muito boas, são, a gente aprende. E o que me influenciou assim nessa visão de trabalhar dessa forma foi as formações (P4).

A fala acima evidencia outro saber mobilizado por P4, que diz respeito

ao reconhecimento do desequilíbrio existente entre os conhecimentos adquiridos

durante a sua formação inicial em magistério (normal médio) e a realidade demandada

pela escola na atualidade. Os saberes prescritos à época de sua formação em nível

médio não respondem mais às demandas apresentadas, na atualidade, pelo seu grupo

sala (comunidade escolar), o que a mobiliza a proceder redefinições na seleção do saber

a ser ensinado, bem como repensar a sua prática de ensino, com vistas a atender às

mudanças. Ferreira (2005, p. 58) atribui esse fenômeno a dois fatores: 1) o

26 Subtraímos a identificação do nome do município por razões apontadas na metodologia da pesquisa.

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desenvolvimento da produção científica que ressalta, em determinado período, uma

distância significativa entre o saber científico e o saber a ensinar; 2) uma mudança

ocorrida na própria sociedade.

Em cena, encontra-se em disputa o “sistema de ensino e a sociedade”

(FERREIRA, 2005, p. 58), que gera acirramento pela incompatibilidade entre os

conteúdos selecionados para o ensino e a realidade da clientela educacional. Nesse

sentido, promove uma crise no ensino e, por conseguinte, a necessidade de mudança no

saber a ser ensinado. Segundo Gabriel (2001, p.4), a disputa em tela promove uma

reflexão epistemológica no campo da didática e no plano metodológico, pondo em

relevo a diversidade dos saberes e estabelecendo interrogação a partir das evidências.

Outra evidência de construção de saberes pode ver vista na continuidade da fala

de P4, quando a docente ressalta a construção de saberes a partir das experiências

vivenciadas com os seus pares, dimensão também destacada por P3:

também o que me ajudou foram as experiências trocadas com outras professoras, não é porque eu sou professora que não vou é é é aderir a sugestão de uma colega. Não. Muito pelo contrário. Se vem como uma sugestão legal eu digo, eu quero, vou tentar aplicar em minha turma. Então foram as experiências também trocadas, foi muito bom, muito bom mesmo (P4).

Dessa forma, a docente reforça a perspectiva da construção dos saberes em sua

dimensão coletiva, em que as experiências compartilhadas são validadas pelo saber da

ação e reforçadas pelo discurso da jurisprudência da prática. É importante observar,

conforme Gauthier et al (2006), que a profissionalização do ensino só existirá quando

esse saber da ação pedagógica for mais explicitado, visto que ele constitui um dos

fundamentos da identidade profissional do professor.

Ao tratar sobre a contribuição de sua formação para o ensino da proposta de

oralidade, P5 responde:

Eu creio que sim, eu acho que contribuiu sim porque ao longo dos anos você vai adquirindo experiência, e essa experiência você vai utilizando e chega um momento que você planeja sem ter tanto trabalho como era antigamente, porque logo quando você sai da faculdade para planejar uma aula, ai era uma dor de cabeça, e tem a pauta...Não, hoje não, hoje já da pra planejar uma aula e se ela não sair como eu quero, pegar a realidade deles e transformar já em um novo planejamento coisa que logo

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no inicio da carreira, quando se forma logo a gente não tem essa concepção. É aquilo e aquilo, se a coisa saiu do, fugiu, pronto. Ai o negócio desanda, ai é quando eles dizem; “não, mais, fulano não tem domínio de sala”. Ai, sim, ai quando a gente sai a gente não tem esse jogo de cintura, coisa que agora tenho, eu posso até chegar hoje e “oh, vai dar uma aula sobre biografia.” Mesmo sem ter escrito no papel, automaticamente sua mente já vem, fazer isso fazer aquilo. Coisa que no início a gente não tem (P5).

A docente enfatiza as experiências adquiridas ao longo dos seus anos de prática,

pondo em evidência os saberes da ação como essenciais para a habilidade que apresenta

hoje no planejamento de sua prática. A compreensão da sua realidade e de como a sua

prática foi modificada pelos anos de experiência fazem com que a docente crie táticas

frente às estratégias que lhes são dispensadas pelos saberes pedagógicos que definem o

que do oral deve ser ensinado-aprendido (FERREIRA, 2005).

No decorrer da discussão, P5 recupera suas angústias de início de carreira

docente, em que atuou em turmas de alfabetização e, assim como P4, reconhece a

decalagem entre os saberes. Em seu caso, aqueles adquiridos em sua formação superior

e aqueles demandados pela realidade de sua sala de aula, configurando uma disputa

entre os saberes (FERREIRA, 2005). Em meio a essa realidade, P5 evidencia a demanda

pelo saber da prática para aportar as suas ações pedagógicas, no início de sua formação.

Segundo a docente, a sua formação em nível superior não lhe deu suporte necessário

para administrar, por exemplo, o planejamento das aulas. O que garantiu a segurança

nessas ações foi seu tempo de serviço e o contato com outros sujeitos mais experientes.

E outra coisa, e no início quando eu terminei a graduação pra mim foi difícil, como eu não tinha feito a... eu achava que o magistério, ia ensinar um método de alfabetização. “Você vai chegar para os alunos assim oh.” A graduação não ensina, não da nenhum método pra você especifico pra você [...] Ai pronto, ai com o passar do tempo ai vem uma pessoa aqui, vem uma amiga aqui, vem outra que já tem mais experiência, ai você vai moldando ai você vai fazendo seu método encima de um pouquinho de cada um, aí depois que você fica experiente ai você pega a turma, ai pronto, “ah eu tenho que fazer assim.” Ai se torna mais fácil, mas no início foi muito ruim. Quase que eu desistia (P5).

Assim como as demais professoras, P5 reafirma o fortalecimento da sua prática

através do contato com outros sujeitos mais experientes, o que lhe propiciou

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instrumentos para operacionalização da prática, pois permitiu a troca de saberes e

favoreceu a construção e adaptação de sua realidade. Nessa interação, as experiências

adquiridas fizeram-na agir com maior perícia com os seus alunos.

Diferente dos demais sujeitos, P5 não traz boas impressões de sua formação em

serviço:

Não, porque as formações continuadas são de palestras, e você fica lá sentado, e quem ta dando lá a palestra não tem muita idéia do que é uma sala de aula. As vezes na própria fala deles a gente vê que a realidade é outra, eles falam muito a quem, é como se a sala fosse tudo muito certinho, tudo bem mecanicozinho, que eles já soubessem daquilo, não é. Tem certas coisas que os palestrantes falam que você não utiliza na sua sala, não tem como utilizar porque as vezes foge muito, você tem... Você escuta, ai você leva pra sala, ... são.... não convêm, ta entendendo, eu acho que eles poderiam ... é o seguinte você esta dando uma palestra, você parece que esquece que foi professor ou nunca foi professor. Não sabe da realidade porque uma coisa é você ir pra uma sala de aula, dar aula, e outra coisa é você chegar prum grupo professor e dizer o que ele tem que fazer, como? Se você não conhece a realidade. Ah mais é porque eu vou dar uma palestra no Recife, então eles tiram a grosso modo, então por isso que eu digo, o que eles falam, não da pra fazer nas salas [...] (P5).

As suas críticas em relação à formação em serviço voltam-se para a metodologia

dos eventos e a desarticulação entre a fala dos palestrantes e a realidade vivenciada no

chão da sala de aula. P5 parece resistente ao modelo de formação em serviço que lhe é

ofertada e sua inquietação é direcionada para o mesmo aspecto registrado em fala

anterior, ao lembrar de sua formação inicial (magistério e graduação) - a ausência de

“métodos” que se enquadrem com perfeição em sua realidade escolar.

É válido registrar que ao tratar sobre a sua relação com os pares, P5 afirma que

constrói sua prática fazendo uma compilação de experiências diferenciadas, entretanto,

parece ser “mais rigorosa” nas exigências relativas à formação continuada, sendo

taxativa ao dizer que esta não lhe serve, ao menos considerando a possibilidade de criar

táticas, com vistas a adequar as proposições apresentadas.

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Em meio à discussão sobre a construção de saberes, lançada acima, dirigimo-nos

em um movimento de entender se o docente compreende a si como um produtor de

saberes. Nesse sentido, pedimos a todos que fizessem sugestões a um professor (sujeito

fictício) que gostaria de trabalhar a oralidade com os seus alunos, mas que estivesse sem

saber como efetivar esse ensino. Foi nessa perspectiva que construímos a categoria a

seguir.

CATEGORIA 5

DAS PROPOSIÇÕES DOCENTES PARA O ENSINO DA ORALIDADE

Três posturas foram visíveis nos sujeitos entrevistados. A seguir, vejamos cada

uma delas.

Em P3, vemos certa insegurança em fazer as recomendações, pois afirmou sentir

a necessidade de conhecer melhor o tema, como já indicara em momentos anteriores

(ver Categorias 2 e 3), visto que sua formação inicial e em serviço não a oportunizaram

discutir o eixo da oralidade.

Eu teria que pesquisar, eu teria que ir atrás também, poderia dizer como eu disse a você trabalhe essa questão de incentivar que eles falem, que eles se exponham, que eles dêem opinião. Que eles leiam individualmente ou coletivamente que ai às vezes a gente percebe né, alguns se calam, se aproveitam, eu digo muitas vezes “vocês pensam que me enganam né” Porque ficam mounmounmoun (risos) murmurando. Vocês nem tão lendo vocês estão me enrolando, ai boto no fim para eles lerem sozinhos. Mas assim, além disso eu teria que pesquisar, eu realmente não:::. Agora pode ser até que depois surjam idéias, mas agora não vem a cabeça nada de diferente não (P3).

O reconhecimento do não domínio de um saber move P3 a, inicialmente,

sinalizar sobre a necessidade de pesquisar para melhor conhecer o que poderia ofertar

como proposta a outro docente. Em seguida, ela recupera sua experiência de trabalho e

oferta sugestões no nível interacional, argumentativo e no plano da oralização de texto.

Como vemos, a primazia das sugestões não contempla as dimensões de um trabalho

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com a oralidade, mas reforça a concepção de uma oralidade atrelada ao uso de

estratégias em cuja modalidade de realização é oral.

Esse cenário aproxima-se da realidade presenciada por Magalhães (2007), cuja

pesquisa indicou em seus resultados a compreensão de muitos professores de que

trabalhar oralidade é envolver o aluno em atividades não controladas e assistemáticas. O

mesmo aproxima-se também da pesquisa de Albuquerque (2010), em que os docentes

deixavam transparecer em suas falas a falta de sistematização do ensino, relacionando o

ensino do oral ao falar cotidiano, sem um planejamento que contemplasse os diversos

aspectos relevantes para o desenvolvimento da oralidade.

P4 é objetiva ao sugerir atividades para a prática docente. Ao fazê-lo menciona

a Proposta Curricular da Rede (doravante PCR), indicando-a como instrumento que

ajudará o professor na efetivação do eixo da oralidade em sua sala de aula. É válido

observar que apenas P4 sugere encaminhamentos a partir da referida proposta, tomando-

a como norte para a indicação de atividades e fazendo um paralelo com a sua prática.

É, primeiro eu ia sugerir, eu digo olha, dá uma olhadinha no eixo da Proposta Curricular daqui de C27 tá, no eixo oralidade, Língua Portuguesa, eixo oralidade, que tem umas sugestões muito boas lá (P4).

Notamos neste excerto a compreensão de que a Proposta Curricular, enquanto

“modelos da cultura erudita, e da formação para a cultura erudita” (TARDIF, 2008, p.

38), visa a nortear a prática do professor e faz parte de um saber curricular. Para

Galthier et al. (2006, p.31), o programa apresentado pela Proposta constitui para o

professor “um outro saber de seu reservatório de conhecimentos”, pois trata-se do“

programa que lhe serve de guia para planejar, para avaliar”. P4 sinaliza essa

compreensão em seu falar incisivo, ao tomar como referência os elementos prescritos

pelo referido documento, o que reforça a sua clareza quanto à função deste para a

construção das estratégias didáticas a serem efetivadas por um professor.

Como sugestão de atividade, P4 recupera a Proposta Curricular da Rede a que

atua e faz menção a diferentes atividades orais pertinentes para tal ensino, que afirma

conter no referido documento.

27 Ocultamos o nome do município a qual a professora se referia, por termos estabelecido um acordo com os sujeitos de pesquisa de não mencionar o nome da Rede municipal.

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(na proposta curricular) tem roda de conversa, tem é::: momentos que os meninos conversam mesmo, tem a questão das::: discussões dos problemas da:::, das conversas que a professora propõe, de conversas dirigidas, né, tem a hora da novidade. Eu iria falar justamente, olha, na minha sala eu faço isso, né, até na questão dos momentos de aula mesmo, a questão, não é somente naquele momento, a hora da novidade, roda roda de conversa, não, o eixo primordial é a oralidade, mas também tem::: os momentos das aulas também, que a gente tem que incentivar com que eles falem. Não é somente a gente falar, mas eles tem que falar também, entendeu! Ai eu eu eu iria pro...eu iria sugerir, ia sugerir isso, pra que desse, pra que ela desse uma olhadinha na proposta curricular da Rede e ia contar um pouco da minha experiência, o que é que eu faço em sala de aula, né, porque é assim, o que eu consigo alcançar. Na minha sala de aula eu consigo alcançar, não ei se na sua, né, mas assim, eu eu faria dessa forma, eu faria dessa forma (P4).

Além das atividades orais, reconhecidas do ponto de vista teórico, a partilha dos

saberes adquiridos na prática compõe também o pacote de sugestões dadas por P4. Essa

postura revela a compreensão docente de que seu fazer também pode servir de aporte

para a prática de outros sujeitos. Sob essa perspectiva, P4 se comporta como

protagonista de suas ações (ZEICHNER, 1993), desempenhando, portanto, um papel

ativo na formulação dos propósitos, dos objetivos e dos meios para atingi-los.

De fato os professores utilizam constantemente seus conhecimentos pessoais e um saber-fazer personalizado, trabalham com os programas e livros didáticos, baseiam-se em saberes escolares relativos às matérias ensinadas, fiam-se em suas experiências e retêm certos elementos de sua formação profissional. (TARDIF, 2008, p. 64).

Implicada nessa visão, P4 afina-se com a perspectiva de Tardif (2005), para

quem a atitude autônoma em relação à construção de saberes a torna um sujeito

formador e não uma executora de tarefas. A construção desses saberes é formada

através do

relacionamento dos jovens professores com os professores experientes, os colegas com os quais trabalhamos diariamente ou no contexto de projetos pedagógicos de duração mais longa, o treinamento e a formação de estagiários e de professores iniciantes, todas são situações que permitem objetivar os saberes da experiência. Em tais situações, os professores são levados a tomar consciência de seus próprios saberes experiências, uma vez que devem transmiti-los e, portanto, objetiva-los em parte, seja para si mesmo, seja para seus colegas (TARDIF, op. cit. p.52).

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Vemos que o professor, munido de suas certezas experienciais, estabelece uma

relação crítica com os outros saberes, o que lhe oportuniza uma incorporação

ressignificada de novos saberes, em ação na categoria de seu discurso.

Tal entendimento permite-nos compreender a prática implicada em um processo

de re-tradução da formação docente e adaptação à sua profissão, fazendo com que seja

retirado do seu cenário o que se apresenta inútil ou sem relação com a realidade com

que se depara; por outro lado, o professor preserva também o que de alguma forma pode

ser útil à sua prática.

No bojo da oferta de proposta a outro docente, P5 demonstra inicialmente muita

resistência:

Eu vou dizer a mesma coisa que me disseram uma vez observe a turma em cima das suas observações você traça um planejamento, da pra eles, como é que você vai trabalhar, que o importante é você deixar claro na turma os passos que vão ser seguidos, mas você só pode fazer isso tendo a realidade da turma. Não adianta eu chegar, terminar, pessoal trabalhe assim, assim, assado, porque eu não conheço a realidade da turma, então tem que partir do início de fazer a diagnose da realidade. Porque foi assim que me falaram e foi assim e eu fiz dessa forma e realmente... e depois eu percebi que realmente é, não adianta uma pessoa chegar pra min e dizer “oi, a oralidade é::: a gente vai fazer assim, assim, não. Eu tenho que observar primeiro, ver quais são os pontos que eu quero que seja melhorado pra encima disso ai sim, eu chegar “oh fulano eu vou trabalhar esses pontos, me ajuda” porque eu acho que você chegar sem nada não tem como. E você tem que dominar, uma coisa que você tem que dominar realmente é a realidade da turma, pra você saber, “como é sua turma?”, “é assim, assim, assim, domina isso, não domina aquilo, que cê num souber isso, num tem nem como você melhorar a si mesmo, porque a gente esta sempre se melhorando, mas encima da realidade deles, porque se eles avançam, ai a gente vai avançar também, mas se eles tão pouco... você vai ter que arrumar oportunidade para eles melhorarem, e você só arruma essas oportunidades se você conhecer a sua turma como a palma da sua mão (P5).

Vemos como elemento central da não oferta inicial de propostas, por parte de

P5, a falta de conhecimento da realidade da sala do professor, seu interlocutor, o que a

impossibilita de oferecer ajuda no quesito oralidade. Com essa posição, a docente lança

a sugestão de uma avaliação diagnóstica, instrumento que ajudará o professor a planejar

suas estratégias a partir da sondagem do que o grupo-sala domina e o que precisa

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dominar. O diálogo entre o professor e o aluno também é apontado como proposta de

ação ofertada por P5. Assim, o professor deve deixar claras, para os alunos, as proposta

a serem efetivadas, ou seja, deve explicitar os procedimentos metodológicos.

No prosseguimento das sugestões, P5 afirma

[...] então é assim, eu deixo eles bem à vontade para falar, então principalmente nas aulas de história, geografia, a gente trabalha apresentando trabalho, não em forma de seminário, porque é uma palavra muito pesada para eles, seminário tem sempre aquela coisa certinha, e lá na sala não é muito certo não, é mais na liberdade. Chegou, você quer falar? “Não, hoje eu tô” Não tem importância nenhuma. “Tem alguém que queira apresentar esse trabalho?” Então assim, deixar a turma bem a vontade na apresentação deles. Você pode pegar os textos, começa a trabalhar ai em determinado momento você vê que eles já estão seguros. “Pronto, agora vamos fazer os grupos e cada um vai dar suas opiniões. Tipo no mural de noticias, o que é que eu faço; separo as noticias e peço para eles trazerem de casa também porque eu separo porque as vezes tem menino que não traz; “Esqueci!”Então separo algumas, então ai eles trazem, cada um fica com a notícia, em grupo. “Olhe, nessa do grupo a gente vai tirar cada grupo uma notícia, daí vocês escolham uma, leiam todas as noticias que estão no grupo e escolham uma” daí eles vão escolhendo uma, daquela cada grupo tem um, a gente vai tirar quatro, ai depois que tem as quatro notícias, os grupos vão se dividir novamente, cada um uma noticia e vai apresentar sua noticia na sala. Sabe, é uma forma que eles gostam muito, geralmente a gente faz isso ou na segunda ou na terça feira porque é a noticia do jornal do sábado e do domingo. Porque é uma atividade que eles gostam... [...] Então eu acho, ai pronto, a partir disso que eles vão dando a noticia ai você já percebe a oralidade, o que é que você tem que fazer mais, o que é que você tem que puxar menos. Pelo menos comigo foi assim, deixar os alunos a vontade pra falar, agora falar assim, dentro dos assuntos não é, história, geografia, a parte das noticias que é o que eles mais gostam. Agora se você chegar e disser assim: “Hoje a gente vai fazer::: fazer a leitura desse texto, depois vocês vai apresentar aqui, pronto, fica travado. “Não quero, não vou fazer.” “Deus me livre!” “É esse assunto que vou falar, vô nada, quero não.” A partir do momento que você deixa livre, ai o negócio vai fluindo, eles falam que nem percebem, falando huhuhuh, falando com os colegas. (P5).

A docente sistematiza a atividade de apresentação das notícias e constrói esse

momento como um espaço livre para apresentação. A atividade parece perseguir um

objetivo, mas qual seria? A professora afirma que é deixando os alunos falarem à

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vontade - “agora falar assim, dentro dos assuntos” - é o momento em que ela observa o

que precisa ser feito - “a partir disso que eles vão dando a notícia ai você já percebe a

oralidade, o que é que você tem que fazer mais, o que é que você tem que puxar

menos”. Mas, o que ela observa para intervir? Seria a variação dialetal? Seriam

elementos argumentativos?

Do ponto de vista do que se deseja ensinar e do que precisa ser aprendido no que

diz respeito à oralidade, não parece haver muita clareza. Os PCNs nos advertem quanto

a essa postura. Para tal documento,

Acreditando-se que a aprendizagem da língua oral, por se dar no espaço doméstico, não é tarefa da escola, as situações de ensino vêm utilizando a modalidade oral da linguagem unicamente como instrumento para permitir o tratamento dos diversos conteúdos. Uma rica interação dialogal na sala de aula, dos alunos entre si e entre o professor e os alunos, é uma excelente estratégia de construção do conhecimento [...]. Mas se o que se busca é que o aluno seja um usuário competente da linguagem no exercício da cidadania, crer que essa interação dialogal que ocorre durante as aulas dê conta das múltiplas exigências que os gêneros do oral colocam, principalmente em instâncias públicas, é um engano [...]. Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral no planejamento e realização de apresentações públicas [...]. (BRASIL/MEC, 1998, p. 24-25)

Será que os momentos em que os alunos expressam seu ponto de vista “dentro

dos assuntos” devem ser espaço apenas de reflexão sobre registro ou ajustes do oral a

uma escrita padrão como vemos nos indícios em categorias anteriores? Não podemos

nos esquecer de observar que o gênero utilizado pela docente para “ensinar a oralidade”

é um gênero escrito, advindo do suporte escrito – o jornal. Não vemos em nenhum

momento de sua fala menção a gêneros orais públicos/formais como recomendam os

documentos oficiais (PCN/PNLD) para o trabalho com o oral.

Um olhar mais geral sobre o evento acima diz respeito à promoção da atividade

oral se processando em diversas áreas do conhecimento “história, geografia”. P5 não

restringe a prática de colocar o aluno para se expressar sobre determinado tema apenas

às aulas de língua portuguesa, embora oferte maior parte de suas aulas a essa disciplina,

conforme menciona durante a entrevista (Categoria 1). Sua proposta favorece o uso da

língua oral, a partir de um gênero textual familiar aos alunos como a notícia, gênero este

que se efetiva como instrumento de ensino-aprendizagem nas mais variadas disciplinas,

entretanto, o ensino da oralidade não aparece como central.

Vemos um conjunto de saberes mobilizados na prática de P5, pois para

confeccionar a atividade como um todo ela organiza um espaço que favoreça a

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realização da atividade, a formação de grupos. Ainda que avalie posteriormente a

necessidade de rever o quantitativo de alunos (Categoria 3), ela traz material para os

educandos (ou solicita que eles tragam os jornais), ações essas que configuram um saber

organizativo (GUIMARÃES, 2004).

Vemos os saberes cognitivos empregados no planejamento dos objetivos

pretendidos, ainda que do ponto de vista teórico-metodológico precise ser ajustado para

que os alunos percebam o que está no “jogo do aprender”. Há também a dimensão

afetiva perpassando as subjetividades dos sujeitos envolvidos, uma vez que, ao

compreender a dinâmica de seu grupo-sala, a docente age no sentido de envolvê-los na

ação, de modo a afastar a desmotivação dos alunos por conta de estratégias

metodológicas com as quais sua sala não demonstra afinidade. Nesse sentido, P5 os

envolve em uma proposta que considera a dimensão subjetiva e desenha uma construção

impregnada por seu olhar individual.

A seguir, apresentamos a segunda parte da análise, em que nos debruçamos

sobre o olhar docente sobre o oral a partir de um conjunto de atividades apresentadas

em Livros Didáticos de Língua Portuguesa.

Guiados pelo segundo objetivo específico de nossa investigação, com vistas a

refletir como o docente compreende a oralidade a partir de atividades que lhe são

propostas nos livros didáticos de língua portuguesa, distribuímos um conjunto de

atividades, sob as quais nos debruçaremos a seguir:

CATEGORIA 6

A COMPREENSÃO DOCENTE SOBRE AS QUESTÕES DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

EM CENA, A VARIAÇÃO DIALETAL

A atividade direcionada a explorar a variação dialetal foi selecionada da obra

C2, cujo recorte da proposta é estruturado a partir do gênero textual história em

quadrinhos. Vejamos a atividade e, em seguida, a análise de cada sujeito, tomando

como foco os objetivos das propostas e o que cada uma tem como objetivo de

aprendizagem para o aluno.

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Atividade 1

Obra: Vitória Regia – Língua Portuguesa, 2ª série. Campina Grande do Sul/PR. Ed. Lago, 2001. Autora: Solange Gomes. Localização da atividade: páginas 102, 109 a 110 – 5ª unidade.

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Vitória Regia – Língua Portuguesa, 2ª série, p. 102– 5ª unidade.

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Continuação

Vitória Regia – Língua Portuguesa, 2ª série, p. 110– 5ª unidade.

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Eis o texto “Continho” indicado na atividade acima.

Vitória Regia – Língua Portuguesa, 2ª série, p. 102– 5ª unidade.

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No que diz respeito ao objetivo da proposta, a análise feita pelas professoras

evidenciou um olhar muito próximo quanto à compreensão e abordagem deste foco da

oralidade. Vejamos o que afirmou P3 em sua análise:

Essa aqui é uma história em quadrinhos...umm...o objetivo dessa atividade é principalmente a questão da linguagem que ele utiliza, né. É uma linguagem bem restrita né, bem comum da roça, né. Não é uma linguagem que os meninos daqui, da da realidade deles utilizam né. É uma linguagem que eles mesmos vão se questionar, alguns, eu conhecendo aqui a minha turma, vão::: vão dizer: “professora, “ocê” “ocê”, não é “ocê”, ta faltando o “V”. Entendeu! Eles vão se questionar isso”. E a questão também do da daqui, dos questionamentos que são levantados. Muito bom! E aqui faz essa comparação com o “Continho”, o “Continho”. Ele não usa a mesma linguagem, é uma linguagem diferente né, dessa linguagem da roça, para eles fazerem a comparação. Então assim, eu gostei, eu gostei.

Dois pontos podem ser destacados na fala de P3. O primeiro diz respeito à

ênfase dessa professora à variação dialetal ao mencionar a “linguagem comum da

roça” e o segundo, diz respeito à variação histórica do pronome você - “ocê, ocê”, não

é ocê, tá faltando o V. Entendeu!”. Nesse movimento, a docente volta sua atenção

para o que, a seu ver, seriam as impressões dos seus alunos, que, segundo ela, reagiriam

com estranhamento em relação ao dialeto empregado. O olhar da professora está atento

para o pronome “você” guiado pela norma culta atualmente aceita. Vemos que as

formas “ocê” e “cê” são usadas na atualidade, embora não sejam aceitas pela norma

padrão, enquanto “vossa mecê – vossemecê – vosmecê – mecê” já caíram em desuso.

Entretanto, todo essa discussão não é trazida por P3, que ignora, dessa forma, todo o

processo evolutivo na história.

A propósito da variação histórica, Soares (2001, p. 172) afirma que o pronome

“você” passou por variações tais como “vossa mecê – vossemecê – vosmecê – mecê –

você – ocê - cê”. Para Travaglia (1995), na dimensão histórica os dialetos representam

estágios no desenvolvimento da língua. As variedades históricas podem ser percebidas,

por exemplo, em textos escritos em português medieval, nos quais encontramos termos

e formas de dizer considerados arcaicos, bem como que sofreram evolução fonética.

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A posição de P3 frente a essa variação parece reforçar o que alertávamos em

nosso trabalho dissertativo:

cremos que a omissão em desenvolver, de forma clara, a questão da evolução das palavras no decorrer do tempo, pode levar o aluno a considerar como erradas expressões ou pronúncias desconhecidas, visto que essas palavras já caíram em desuso. Neste caso, temos que considerar a presença do professor preenchendo as lacunas apresentadas nas propostas dos exercícios (COSTA, 2006, p. 83).

No excerto da fala de P3, vemos de forma clara a necessidade de a docente

reconhecer a variação histórica como constitutiva da língua, a fim de que possa intervir

de forma ativa na dimensão desse tipo de variação, com vistas a promover uma reflexão

e a ajudar os alunos a compreenderem as transformações de sua língua, para que eles

consigam deslocar a visão de erro para a possibilidade de variação.

Os encaminhamentos da análise pela docente aparecem, por vezes,

desarticulados de uma visão de ensino da variação linguística como um fenômeno

estrutural da língua. Um indício dessa desarticulação é quando a docente é questionada

sobre o que o conjunto de questões visa a que seu aluno aprenda.

A questão da interpretação, fazer uma comparação entre gêneros, ver que gêneros têm uma característica diferente e essa questão de perceber o regional, a linguagem regional ou a até pra eles uma linguagem errada uma escrita errada que alguns deles vai perceber que ta errada. Eu acho que não vão nem conseguir ler, algumas palavras aqui. Eu tive que voltar pra ver se entendia. Agora assim, nada disso eles vão perceber sozinhos, eu acho que algumas coisas a gente vai ter que voltar pra eles, algumas palavras vão se tornar até é::: a escrita correta. Se não for trabalhado, deixar do jeito que tá, eles podem achar que o que é escrito assim, o “você” (ocê) é assim e até passar a usar na escrita deles, tem que ser explorado (P3).

Como ponto inicial, vemos que P3 sinaliza para alguns elementos da proposta

que encadeiam a atividade como, por exemplo, a interpretação textual e a comparação

entre os gêneros textuais conto e HQ. Porém, gostaríamos de chamar atenção para o que

a docente chama de “regionalismo” ao se reportar a fala do personagem “Chico Bento”.

Ela trata o dialeto desse personagem como um fenômeno do erro no emprego da língua,

colocando-se na posição de promotora da reflexão sob essa perspectiva.

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Vemos assim indícios de uma abordagem em sala de aula que promove

encaminhamentos contrários ao que anunciam os PCN (1996) na citação a seguir:

Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de se falar: é muito comum se considerar as variedades linguísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas (...) o problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito às diferenças (p.31).

A posição dos PCNs reforça o nosso chamamento para o fato de que o

desconhecimento de uma reflexão sobre a variação dialetal acarreta em um tratamento

sob a óptica do “erro”, que justifica a necessidade de corrigir a fala dos personagens e

ajustá-la à norma padrão. Essa postura de P3 pode evidenciar também uma certa

insegurança no trato com a oralidade, visto que os alunos são sempre postos como

sujeitos que irão estranhar as falas não habituais em seu meio familiar.

Ao se posicionar sobre a discussão da categoria, P4 destaca os mesmos

elementos indicados por P3, a saber: interpretação textual, comparação entre os gêneros

textuais e o regionalismo.

Eu vejo assim, diferentes possibilidades com ela, primeiro uma comparação entre textos de gêneros diferentes, né o gibi com o conto, ai a questão da própria interpretação, de pegar um pouquinho o que o texto passa de ideia, e também a questão da linguagem regional que pra eles (P4).

P4 prossegue a indicação dos objetivos da atividade assumindo a mesma posição

de P3 em relação ao dialeto empregado no HQ:

Eles podem trabalhar como uma escrita errada, com uma forma de escrever como se fala, porque muitos deles fazem isso, e ai a gente trabalhar essa questão ortográfica [...] Dá pra trabalhar ortografia pegando essas falas, pegando essas falas, pegando essas falas aqui [...] vamos fazer uma correção aqui, como é que seria “o que cê ta fazendo aí sentado?” Qual é a palavra que pra você está escrito errada? Pra transcrever de forma correta. Você acha, você acha que esse forma é a forma está certa, é a forma como a gente fala? Qual seria a modificação na escrita, vejam, aqui está escrito assim “pru que está aí parado?” Qual é, qual é ai o termo que você acha que está escrito errado? Ah, professora, a gente não fala “pruque” a

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gente fala “porque”. Então como é que, que a gente escreve “porquê?”. Aí já entra “porque”, isso e aquilo outro. Ah, dá pra trabalhar muita coisa (P4).

A docente assume a compreensão de que a variação linguística é um fenômeno

exclusivo da fala, caracterizando-a como modalidade que se desvia da norma e que, por

conseguinte, seria exemplo do “erro”. Segundo essa posição, a escrita seria a

representante da norma padrão e a fala deveria ser ajustada de acordo com as

prescrições da gramática normativa. Mesmo sem ter mencionado tal modelo de

gramática, P4 sinaliza a necessidade de fazer intervenções no sentido de ajustar a fala

dos alunos às regras da escrita. Nesse sentido, evoca o trabalho com a ortografia, de

modo a corrigir os desvios (TRAVAGLIA, 1995).

Ao ser questionada sobre qual objetivo a atividade poderia alcançar em se

tratando de seus alunos, P4 respondeu:

Bem, dá pra trabalhar com ele a oralidade. O professor poder seguir isso aqui, e essas perguntas e pode fazer outras mais, né. E a questão também do, do contexto da história, do local, do lugar, né. Tem a questão, ai entra a questão do do do lugar onde o personagem está. A questão rural a questão urbana, né. Como é a linguagem, a linguagem rural, a língua... a linguagem rural é totalmente diferente da urbana. Da questão dos termos coloquiais, a questão de sotaque. Aqui em Pernambuco nós temos um sotaque, no Rio de Janeiro já tem outra forma de expressão. É, palavras que nós falamos, que nós falamos aqui em Pernambuco, né, que quando eles vem pra cá, eles não entendem né, expressões coloquiais. É ótimo trabalhar isso, né. E a questão das comparações dos textos, né, de um texto para com o outro. Ah, tem muita coisa aqui pra trabalhar, deixa eu ver se eu acho mais. O lugar da história, autor, o autor, biografia, a biografia do autor. Já é um autor conhecido, não é um autor desconhecido e a questão, o eixo mesmo aí é a oralidade e a ortografia.

Neste momento, P4 lança como objetivo da proposta ensinar a oralidade e

prossegue sua fala com indicações para um investimento na variação linguística. Ela

pontua a possibilidade de se explorar na atividade, o contexto histórico, o local, a

dimensão regional (questão rural e questão urbana). Esta última dimensão é vista sob a

perspectiva exclusivamente das diferenças: “linguagem rural é totalmente diferente da

urbana” (P4). Os regionalismos e os níveis de uso da língua aparecem também quando

P4 afirma poder tratar da “questão dos termos coloquiais, a questão de sotaque”. Neste

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caso, temos uma confusão conceitual entre sotaque e registro, ambos tomados como

fenômenos semelhantes. Este tipo de cenário também foi observado por Marcuschi

(2005), em seu texto “Oralidade e ensino de língua: uma questão pouco falada”, artigo

em que chama a atenção para o tratamento semelhante dado à questão da variação por

alguns livros didáticos de língua portuguesa, à época, do 1º e 2º graus.

É importante que mostremos, de acordo com Travaglia (1995), como que se

configura o dialeto. O autor afirma que os dialetos são variedades que ocorrem em

função dos usuários da língua, sendo as variedades identificadas na dimensão territorial,

social, histórica, entre outros (variáveis de idade, de sexo, e de função). No tocante aos

diferentes dialetos, não existe um limite preciso entre eles, apenas área de concentração

de um determinado conjunto de características, visto que os limites são estabelecidos de

acordo com determinada conveniência, pois não podemos demarcar onde inicia ou

termina um determinado dialeto.

P4 parece desconhecer princípios teóricos que norteiam as discussões ancoradas

em uma perspectiva sócio-histórica de língua, visto que todo o seu esforço em

identificar os diferentes fenômenos da língua parece não garantir que ela faça um

movimento para além da adequação da questão do ensino da ortografia, do ajustamento

à gramática normativa, da visão da imanência do código, semelhantemente ao que é

denunciado por Marcuschi (2005).

No foco das discussões sobre o objetivo da atividade 1, P5, assim como P4,

identifica como objetivo da proposta a comparação entre os gêneros e a interpretação

textual e dá indicação explícita sobre a possibilidade de ensinar a oralidade:

Olha, no meu caso teriam vários, daqui dava pra tirar a oralidade, que a gente teria como comparar os textos e os modos de falar de ambos. A compreensão e a interpretação, também da, e principalmente história em quadrinhos que é uma coisa assim que prende muito a atenção deles e eles gostam. Então a gente poderia fazer a compreensão e a interpretação [...] (P5).

A exploração da oralidade ocorreria com enfoque nos “modos de falar” dos

sujeitos. Seu foco, a priori, não evidencia o tratamento dessa variação sob o prisma do

“erro”, ou desvio normativo. Nesse momento, o seu olhar parece ir em direção à

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comparação entre os gêneros textuais, de modo que a discussão sobre a variação não

ganha destaque. Ao prosseguir com a sua análise, P5 parece revelar a compreensão de

que a variação é um fenômeno legítimo apenas na fala.

a grosso modo (a atividade objetiva), como se expressar melhor, aí depois disso, aí vem, como vai se expressar melhor, através da compreensão e da interpretação, da sua produção de texto, da escrita da suas palavras porque às vezes você escreve uma palavra, mas quando você lê... eita eu escrevi errado a palavra certa é assim (P5).

Neste momento da investigação P5 aproxima-se dos demais sujeitos de pesquisa

(P3 e P4), pois toma a atividade com o foco na adequação à norma padrão. A docente se

encaminha discursivamente para a promoção de um conjunto de atividades que

envolvem, entre outras propostas, a produção textual (escrita) e a escrita de palavras

com foco na reflexão sobre os “erros” ortográficos cometidos. Se considerarmos que a

discussão em tela é sobre a variação linguística, e que a docente assume a posição de

que na escrita a transgressão é facilmente visível, podemos compreender que, assim

como as demais professoras, P5 também se reporta apenas à escrita padrão, guiada pela

gramática normativa.

A posição assumida por P5 enviesa a discussão para as modalidades oral e

escrita da língua, sem, contudo, considerar a situação de produção de ambas, visto que

tanto a escrita quanto a fala variam em função de inúmeros fatores, dentre eles, o

propósito comunicativo. Ancorar-se nessa compreensão é focar a análise sob a óptica de

um novo contínuo (MARCUSCHI, 2001a; 2005; 2008), que considera os gêneros

textuais a partir das suas intercessões, ainda que apresentados em modalidades distintas.

Vemos que a proposta de atividade do LD que envolve a discussão sobre a

variação linguística suscita dois olhares no bojo da análise dos sujeitos. O primeiro

olhar silencia maiores reflexões sobre a língua; já o segundo visa à correção das

palavras e adequação às regras. Essa compreensão esbarra no que Marcuschi (2005, p.

25) chamou de “discurso oficial”, como aquele apresentado pelos PCNs, por exemplo.

Tal documento apregoa a necessidade de a escola não abraçar os mitos da unidade da

língua, tampouco o desvio conceitual de que existe a forma “certa” de falar, “aquela que

se parece com a escrita em seu modelo padrão”.

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Na continuidade da reflexão sobre a variação linguística, voltamos o nosso olhar

sobre a variação de registro. Para tanto, apresentamos aos sujeitos um recorte de

atividade da C1, cuja proposta envolve o gênero textual tira.

EM CENA, A VARIAÇÃO DE REGISTRO...

Para entendermos a compreensão que as professoras tiveram sobre atividades

que focavam a variação de registro, de início, observamos tais atividades para, a seguir,

focarmos na análise a partir das considerações dos sujeitos.

Atividade 2

Obra: Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 2ª série. São Paulo: Moderna, 1999. Autora: Magda Soares Localização da atividade: páginas 20 e 21– 1ª unidade.

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Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 4ª série, p. 20 e 21– 1ª unidade.

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Continuação

Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 4ª série, p. 20 e 21– 1ª unidade.

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Ao explicitarem os objetivos das atividades, vemos que P3 e P4 compartilham a

mesma compreensão sobre a proposta:

Ele quer trabalhar a questão do, da linguagem convencional e da linguagem não convencional né, e como a gente se expressa dependendo de com quem a gente esta conversando, se a gente tem intimidade ou não. Interessante, gostei, mas basicamente ela quer mostrar essa questão da linguagem convencional, para quando a gente não tem intimidade com alguém, e da linguagem de quem quando a gente tem intimidade, a gente usa realmente diferente. Embora que pra eles... muitas vezes eles não tem esse cuidado, criança né, a maioria fala de todo jeito com qualquer pessoa (P3).

Então ai os alunos aprendem a questão das expressões mesmo, que a gente não pode falar de qualquer jeito com qualquer tipo de pessoa. Por exemplo: com o seu coleguinha, você poderia da “obrigadão” [...] poderia, mas, por exemplo, se chegasse o prefeito aqui na escola, e entrasse aqui em nossa sala, vocês poderiam falar da mesma forma? Iam dar “obrigadão” ou obrigado? (P4).

Ambas as professoras observam a questão dos usos da língua em seu registro

formal e informal. P3, por exemplo, identificou esses registros como sendo linguagem

“convencional” e “não convencional”. Notamos que as duas docentes atentam para a

dimensão das relações inter-pessoais e põem em relevo as questões dos papeis sociais

assumidos pelos sujeitos, bem como do grau de intimidade partilhado por eles.

A atenção para esses aspectos é fundamental no trato com a oralidade. Nessa

discussão está implicada a compreensão de que a língua em suas modalidades de uso

(escrita e oral) varia a depender de inúmeros fatores (MARCUSCHI, 2008). O caso da

variação no registro, por exemplo, é ocasionado, entre outras dimensões, pelo

ajustamento na estruturação do texto produzido pelo falante para o seu ouvinte, visto

que o discurso (falado e escrito) é organizado em função das representações sociais

existentes nas relações entre os interlocutores (BAKHTIN, 1992; MELO & BARBOSA,

2005; TRAVAGLIA, 1995). De acordo com Bakhtin (1992), as palavras são

determinadas tanto pelo fato procederem de alguém, como pelo fato de que se dirigem

para alguém, ou seja, elas são o produto da interação entre falante e ouvinte.

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De acordo com Bortoni-Ricardo (2004), podemos monitorar com maior ou menor

intensidade a fala em função de um mesmo interlocutor.Assim, para passar de uma

“conversa séria” a uma “brincadeira”, podemos mudar nosso estilo. Quando vamos

mudar de estilo, passamos a emitir pistas verbais ou não-verbais, cuja autora define

como “metamensagens”, as quais transmitem informações do tipo: “isso é uma

brincadeira”, “estou falando sério”, “estou ralhando com você”. A variação ao longo do

continuum de monitoração estilística tem, portanto, uma função muito importante de

situar a interação dentro de um determinado contexto.

Para Bortoni-Ricardo (2004), as relações são mediadas por uma contínua

monitoração estilística que vai desde a interação totalmente espontânea até aquelas que

são previamente planejadas, as quais exigem muita atenção do falante. Quando a

situação exige formalidade, seja pela especificidade da audiência, seja pela cerimônia

exigida ou pelo conteúdo a ser tratado, nos monitoramos com maior intensidade.

Dependendo do nível de intimidade que temos com o interlocutor, monitoramos o estilo

com menor intensidade, ou seja, monitoramos a fala em função do “ambiente, do

interlocutor e do tópico da conversa”.

Gostaríamos de registrar na fala de P5 a postura da exemplificação da forma como

abordaria a variação de registro com seus alunos. Ela aproxima o conteúdo da realidade

dos sujeitos, ajudando-os a compreenderem as adequações do uso da fala em função dos

papeis sociais assumidos na interação e das relações de proximidade e distanciamento

existentes entre eles. “Por exemplo: com o seu coleguinha, você poderia da “obrigadão”

[...] poderia, mas, por exemplo, se chegasse o prefeito aqui na escola, e entrasse aqui em

nossa sala, vocês poderiam falar da mesma forma? Iam dar “obrigadão” ou obrigado?

(P4).

Essa ponte com a sala de aula envolve a docente em uma atmosfera de ensino-

aprendizagem favorecida pela relação entre saberes de referência e os saberes da

experiência (GUIMARÃES, 2004). A adequação da linguagem e a aproximação através

de exemplos cujo propósito é significar o conteúdo para os sujeitos reforçam a

importância do saber da prática, que favorece um olhar ajustado ao nível de

conhecimento que se tem sobre o grupo-sala e sobre o que se quer ensinar.

Ao analisar a atividade com vistas a explicitar o objetivo da mesma, P5 volta a

mencionar o ensino da oralidade, neste momento com o foco na variação de registro:

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Acho que o objetivo é da oralidade. É mostrar os vários tipos de comunicação que você pode utilizar. Não que esteja errado, mas tem a convencional e tem a::: vamos supor, a popular, a certa que você usa no seu dia a dia (P5).

Ao analisar a proposta, P5 menciona o eixo de ensino oralidade para, em

seguida, explicitar os conteúdos que podem ser explorados na dimensão do oral. A sua

fala mostra a compreensão da legitimidade da linguagem coloquial, por ela identificada

como “popular”, sem tomá-la sob o ponto de vista do erro. Entretanto a docente parece

compreender a dimensão do registro como dois pólos bem demarcados. O primeiro diz

respeito ao uso da fala popular, que podemos identificar como sendo informal e o

segundo da fala convencional, que remete ao uso padrão da fala dita “padrão”. Ao

explicitar como objetivo da proposta a “exploração dos diferentes níveis de linguagem”,

P5 parece conduzir a análise dos registros para níveis estanques e sem gradação, sem

observar a interação entre os sujeitos e os diferentes papeis sociais exercidos por eles,

por exemplo, fatores esses que também determinam os graus de formalidade e

informalidade (BORTONI-RICARDO, 2004; MARCUSCHI, 2008).

Outro elemento que observamos na fala de P5 diz respeito à tomada do termo

“obrigadão”, apresentado na proposta de atividade 2, para atribuir esse tipo de uso a

fatores da regionalidade. Para a docente, a atividade deve mostrar ao aluno

a questão regional, porque tem pessoas aqui::: descolei um adesivo maneiro, ai você pode ver que isso daqui é em determinados locais se a gente levar em consideração a regionalidade (P5).

Não podemos afirmar se, ao analisar o emprego da palavra “obrigadão”, P5 a

observa sob o plano fonético, semântico ou sintático, conforme teoriza Travaglia

(1995). Entretanto, vemos que tal palavra não se enquadra como o exemplo adequado

para tratar de questões regionais, visto que é mais um exemplo de variação de registro.

Este mesmo desvio também foi presenciado na Categoria 2, “Olhares docentes

sobre a oralidade como eixo de ensino no livro didático de língua portuguesa”, em que

P5 discute o emprego, pelos seus alunos, de “palavrões” em sala de aula. Tanto naquela

categoria como nesta a fala de P5 apresenta uma divagação em busca de explicar a

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ausência do ensino da oralidade no livro didático, visto que, segundo a docente, os

livros não dão conta da regionalidade dos alunos.

Em meio às análises, também podemos observar questões que partiram do olhar

singular do professor sobre a atividade. Em P3, por exemplo, aparece o foco na

estrutura do gênero textual tira e na questão do emprego da palavra “obrigado”, bem

como nas relações entre gênero masculino e feminino.

Pode até explorar a questões dos balões, ampliar, né, o formato dos balões que varia de acordo com o que você esta falando. A questão do obrigadO para masculino e obrigadA para feminino, tu devias ampliar, mas basicamente ela quer mostrar essa questão da linguagem convencional [...] (P3).

Os elementos observados pela professora podem ou não estar em

transversalidade na discussão da atividade. Seu olhar sobre o que lhe é posto conduz a

certas dimensões de abordagens que podem se distanciar do objetivo mais explícito da

proposta. Contudo, trata-se de um olhar que pode revelar seus saberes aguçados para as

possibilidades de uso da atividade, a partir do que ela propõe. Nesse sentido, a docente

sugere (ou não) alterações didáticas sobre a proposta e promove outros enfoques a partir

de uma mesma proposta inicial.

Ao prosseguirmos as investigações sobre a oralidade, apresentamos aos sujeitos

um recorte de atividade disponível na C1, cuja finalidade é discutir a relação fala–

escrita.

CATEGORIA 7

A COMPREENSÃO DOCENTE SOBRE A RELAÇÃO FALA-ESCRITA

A atividade selecionada por nós para tratar da relação da fala com a escrita é

estruturada em torno do gênero textual carta. Observemos as proposta para, em seguida,

procedermos a discussão sobre a análise realizada pelos sujeitos.

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Atividade 3

Obra: Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 4ª série. São Paulo: Moderna, 1999. Autora: Magda Soares Localização da atividade: páginas 82 a 88 – 2ª unidade.

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Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 4ª série, p. 82 e 85 – 2ª unidade.

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Continuação

Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 4ª série, p. 82 e 85 – 2ª unidade.

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Ao demarcar posição sobre o objetivo da atividade, P3 afirma

Eu acho que é identificar uma linguagem mais rebuscada na hora da escrita. Eles escreveriam assim (professora aponta o segundo modelo de carta) como estão falando, como se tivessem realmente de frente pra alguém na hora da conversa. Mas, mostrá-los que não existe só essa forma de escrever (primeiro modelo), existe uma forma mais rebuscada... (P3).

P3 sinaliza como sendo objetivo da atividade a reflexão sobre a linguagem

empregada na fala e na escrita. Sua posição evidencia a compreensão do emprego de

registros com maior ou menor grau de formalidade, em ambas as modalidades. Esse

olhar afina-se com a discussão da língua em sintonia com o contínuo dos gêneros

textuais, pois dialoga com as diferentes possibilidades de uso da língua implicadas nas

distintas situações de produção discursiva.

Com o foco no questionamento sobre o objetivo da atividade, P4 faz uma análise

a partir da relação entre a produtora da carta, a personagem Marisa, e a sua

interlocutora, Ângela. Assim como P3, o olhar de P4 não está voltado para as

polarizações, mas para a proximidade entre as modalidades. Um dos elementos que

marcam essa compreensão é a consideração, por parte da docente, sobre a dimensão

afetiva que perpassa os personagens, de forma a modelar e conduzir toda a produção

escrita.

O objetivo é justamente a comparação, porque aqui a Ângela ela ta escrevendo uma carta né, e é uma carta como se ela estivesse realmente falando. Como se ela tivesse realmente falando né é, ela transcreveu o que veio na mente dela em palavras simples que ela utiliza no dia a dia, né. Uma coisa simples mesmo que ela expressou sentimentos que tava com raiva, né é é dava vontade de gritar com... gritar com raiva né, que ela mordeu o picolé com tanta raiva que acabou mastigando o pauzinho. Então aqui ela ta, é como se ela tivesse realmente falando da angústia dela de não ter que, ter que esperar as próximas férias para ter que brincar com a coleguinha. Então isso é, realmente é uma carta, mas é uma forma de ela... de ela escrever o que ela... da forma como ela fala. Ela colocou todo o sentimento dela aqui, já aqui é a mesma, é a mesma carta né, mas aqui ela já se tornou uma carta mais rebuscada, né, com aquele estilo, com termos mais difíceis, é o mesmo sentido, é a mesma coisa, mas com palavras mais diferentes, mais dificultosas né (P5).

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P4 percebe que a mudança no registro também se deu em função do efeito de

sentido pretendido pela proposta, para exemplificar a capacidade de alteração do

registro na produção do mesmo gênero textual. Sua análise conduz ao que Tannen

(1985) explicita sobre o gênero carta. Para a autora, na carta a mensagem figura como

elemento secundário, se comparada ao envolvimento entre os sujeitos. Nesse

movimento de análise, a professora evidencia compreender que a leitura de uma carta

depende, em parte, do reconhecimento das estratégias de proximidade, as quais dão aos

leitores a impressão de estarem juntos um do outro.

Parece ser também na direção do contínuo que P5 procede a sua análise:

[...] mostrar os vários tipos de oralidade, e que às vezes você não escreve como você fala ou vice e versa, você não fala como você escreve. Porque quando ele fala aqui, como se a gente tivesse começado essa carta assim, já de outra forma, mas de uma forma mais tradicional. Até pergunta e se elas estivessem falando com a amiga seria daquele jeito? É agora aqui já é diferente, então eu acho que é isso (P5).

É importante registrar em P5 que, para abordar a relação da fala com a escrita, a

professora refere-se ao eixo de ensino da oralidade: “Mostrar os vários tipos de

oralidade”. Ao mencionar “tipos de oralidade”, P5 parece conduzir sua análise para os

diferentes tipos de registros na linguagem oral e ao mesmo tempo cruza a fala com a

escrita em sua intercessão no contínuo do gênero em modalidades de produção

diferenciadas.

P4 e P5 têm um ponto em comum em suas análises, pois enxergam na proposta o

objetivo de ensinar o aluno a modificação no registro, fruto da intimidade que há entre a

produtora e sua interlocutora da carta. Entretanto, ambas as docentes não focam seu

olhar sobre expressões utilizadas na atividade, cuja proposta é marcar a relação de

proximidade entre os personagens, como por exemplo, “tempão andando” e “barata

tonta”, expressões usadas na primeira versão da carta, que no segundo momento é

substituída por “Depois que você partiu tudo aqui se tornou muito tedioso. Sinto-me

muito entediada por ter de esperar as próximas férias para que possamos nos encontrar

de novo [...]”

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Nesta investigação também observamos a partilha das docentes sobre a possível

reação de seus alunos frente ao primeiro modelo de carta (formal). Para P4, os alunos

teriam maior afinidade com o segundo modelo da carta, marcada em registro informal:

Eu creio assim, que se eles... [faz referência aos seus alunos] se fosse pra eles escolher, escreva uma carta, eles iriam es..., eles iriam utilizar essa linguagem aqui (professora aponta para o segundo modelo de carta - informal). Tenho certeza! Eu tenho certeza! (P4).

Para P3, os seus alunos teriam dificuldade de compreender o primeiro registro

do gênero, produzido em uma linguagem formal. A docente traz também como possível

fonte de dificuldade a estrutura do gênero carta e modelos desse gênero apresentados na

atividade.

[...] de explorar o gênero, ela não dá, porque eles não têm intimidade com a questão do formato, do que a gente trabalha enquanto formação daquele gênero. Do gênero, não daria pra explorar nesse sentido [...] acho que eles num despertaria muita atenção não. E acho que eles não conseguiriam transcrever dessa forma”(P3).

P5 também compartilha o mesmo olhar das demais professoras. Em sua

compreensão,

eles [os alunos], se fosse pra eles escolher, escreva uma carta, eles iriam es..., eles iriam utilizar essa linguagem aqui. Tenho certeza! [...] agora é como eu disse, eu eu se eu fosse trabalhar na minha turma, eles iriam fazer dessa forma aqui [aponta para o segundo modelo de carta]. Essa carta seria muito formal. Eles iriam dizer, ah professora, essa carta é muito formal, muito chata, eu não falo dessa forma, eu falo assim. Eles, eles fa... fariam a carta dessa forma, deveria ser dessa forma (P5).

As colocações dos sujeitos parecem desconsiderar, nesse evento, que a

linguagem formal também faz parte do cotidiano dos alunos. Todos eles são rodeados

pelo registro formal na maioria das programações dos meios de comunicação - o

telejornal, o jornal impresso, por exemplo. As posições tomadas pelas professoras,

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frente à proposta, podem indicar a ausência, em sala de aula, de discussões e atividades

que promovam tal reflexão.

No caso de P3, por exemplo, parece haver uma resistência em apresentar o

“novo” modelo de carta aos seus alunos, visto que os educandos parecem ter maior

intimidade apenas com o modelo clássico de carta pessoal, com a indicação de data, de

local, de ano, de despedida etc. Parece não haver a compreensão de que há uma

plasticidade nos gêneros textuais (MARCUSCHI, 2008) que os possibilita adequar-se às

demandas sociais. Apresentar um novo modelo à turma e/ou solicitar que ela produza

uma carta, com base em seus conhecimentos, é uma possibilidade para a realização

dessa atividade, sem que haja prejuízo para os alunos em relação à exploração de

conteúdos.

No caso de P5, sua fala apresenta indícios de que a docente determinaria qual

modelo seus alunos iriam produzir, embora tenha deixado claro que essa posição seria

fruto da reação deles frente ao que lhes é proposto. Em síntese, todos os sujeitos

revelam seguir não apenas a direção do que os aprendizes têm familiaridade, mas

também a sua própria afinidade com o gênero textual. Observemos que se a atividade

for tomada apenas com o foco no registro informal, não haverá a oportunidade do

confronto pretendido pela proposta do livro. Isso pode resultar em uma atividade de

produção do gênero carta, sem, contudo, favorecer uma reflexão sobre a relação da fala

com a escrita, tendo como variável, para o ajustamento do grau de formalidade, a

relação de afetividade entre os sujeitos.

Ao prosseguirmos com a análise de protocolos de atividades, apresentamos às

professoras um fragmento de atividades cuja discussão centrou-se na oralização da

escrita. Com o foco nesse debate, apresentamos a categoria a seguir.

CATEGORIA 8

A COMPREENSÃO DOCENTE SOBRE A ORALIZAÇÃO DO TEXTO ESCRITO

Para tratar sobre a oralização do texto escrito, proposta muitas vezes indicada, de

modo equivocado, por livros didáticos e professores (MAGALHÃES, 2007) como

sendo do âmbito da oralidade (MARCUSCHI, 2005, COSTA, 2006), apresentamos o

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bloco de atividades a seguir, selecionadas na C2, cuja proposta envolve o gênero textual

fábula.

Observemos as atividades e, em seguida, a análise feita a partir das

considerações dos sujeitos investigados.

Atividade 4

Obra: Vitória Regia – Língua Portuguesa, 4ª série. Campina Grande do Sul/PR. Ed. Lago, 2001. Autora: Solange Gomes. Localização da atividade: páginas 10 – 1ª unidade.

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Vitória Regia – Língua Portuguesa, 4ª série, página 10 – 1ª unidade.

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Ao tratar sobre o objetivo da atividade, P3 faz a seguinte análise:

Nitidamente, já que ele não fala assim: fábula, nem diz nada, é a questão da leitura mesmo. Uma leitura com fundo moral que a fabula traz isso. E a questão do aprendizado que a fabula sempre tem uma intersecção por traz, mas basicamente é leitura (P3).

P4 introduz sua análise na mesma perspectiva de P3

Isso é uma fábula, não é? Um hum... aqui ela ta propondo que ele leia em voz alta, né! Trabalha a questão da leitura, né (P4).

De acordo com os excertos ilustrados acima, P3 e P4 não se detêm em suas

análises sobre o foco da oralidade ao analisarem a proposta de atividade em tela. Ambas

as docentes compreendem os comandos da atividade “Agora, lembre-se da forma pela

qual a história foi lida para você, leia-a em voz alta, como se a estivesse contando para

um colega” (atividade 4) -, como sendo direcionados de forma clara para a leitura em

voz alta. É possível percebermos que a proposta se estrutura com base na leitura de um

texto escrito, cujo papel não seria mediar uma apresentação oral, à semelhança do que

acontece em seminários, por exemplo, em que o texto escrito serve de suporte para o

discurso oral; mas de servir como material a ser efetivamente lido. Esse cenário nos

remete ao que evidenciou Marcuschi (2005) sobre a abordagem conceitualmente

equivocada de muitas coleções de livros didáticos em relação à oralização da escrita, ao

considerá-la como uma atividade oral.

P5, por sua vez, parece não se ater ao comando da proposta, mas à dimensão

interpessoal da fábula, visto que, ao se referir à moral da fábula, a docente põe em jogo

o sentido global do texto, o que pode ser ensinado-aprendido a partir da sua leitura, que

serve à construção de regras de boa convivência.

Eu acho que::: não sei se ta certo... é mostrar como se deve agir em determinadas situações, porque na sala de aula e em nosso dia a dia tem muito disso de um querer ajudar o outro. E essas fábulas ajudam bastante nesse sentido, porque eles vão ver a situação que eles se encontram e tentar modificar, os meninos né (P5).

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Os três sujeitos investigados centraram sua atenção na moral da história, que se

configura como um aspecto característico da macroestrutura do texto, importante para a

construção do sentido global deste. Em P3 temos que é “Uma leitura com fundo moral

que a fabula traz isso”; em P4 o foco está na “questão moral da fábula, que fábula é

ótima. Gosto de trabalhar com fábula”; P5 observa a construção social do sentido do

gênero “Então quando é fabula, vejo muito com esse sentido, de ajudar de modificar o

seu modo de ser”. Na dimensão de um texto literário, a função da fábula é a leitura

prazerosa, para fruir o texto, antes de se prestar a interpretações de ordem

moral/comportamental. A relação que se faz da fábula com padrões de conduta moral é

uma questão de construção histórica e social do sentido do texto.

Para Santos, Mendonça e Cavalcante (2006, p. 30) “abordar efetivamente os

gêneros textuais naquilo que têm de específico supõe conhecer o que diferencia e

aproxima uns dos outros, isso é, as suas características”. Notamos que a fábula se

apresenta como um gênero bastante familiar à prática dos sujeitos dessa investigação,

que além de demonstrarem intimidade com a sua composição, partilham da mesma

posição de trato com o gênero.

No decorrer da investigação, vemos outros encaminhamentos dos sujeitos para a

atividade. De modo geral, esses encaminhamentos desviam seu foco do gênero em si- e

sinalizam objetivos a partir do que é demanda para os seus alunos. Dentre essas

demandas, observamos aquelas relacionadas à fluência leitora e à consolidação do

sistema de escrita alfabético, como vemos em P3, por exemplo.

Que assim, pra eles por sinal a grande maioria começaria a ler e não terminaria por acharem grande. Tem alguns que tem é uma dificuldade, eu já percebi, em algumas letras eles confundem na hora de ler. A letra de imprensa, eles confundem, eles dizem; “tia que letra é essa?” Ai eu digo, olhe! Muita questão também da letra maiúscula; “tia o que danado é isso” eu digo; “ta ali, procure!”[professora aponta para o alfabeto móvel]. Mas eles confundem, eu acho que não foi trabalhado anteriormente não [...] (P3).

São apresentadas também demandas relacionadas ao ensino da estruturação

textual, da norma ortográfica e da pontuação, como veremos na fala de P4.

Dá pra trabalhar sequência de de de texto, início, meio e final, né. Vamo vê: “como é que o texto começou, como foi o

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desenrolar da história, o meio, como foi que terminou”. Eu trabalho mesmo essa questão de início, meio e final do texto. A estrutura do texto, parágrafo, título né, o título, o parágrafo. Fora outras coisas, a ortografia é, né, palavras que podem ser retiradas “DESEJAVAM”, S com som de Z, SS, de acordo com a necessidade do aluno, a gente pode::: pode planejar algo que realmente supra essa necessidade. Pra mim ah, dá pra trabalhar muita coisa (P4).

Notamos também indicações de trabalho direcionados ao ensino da gramática28:

Então quando é fabula, vejo muito com esse sentido, de ajuda de modificar o seu modo de ser. Lógico, tem a parte da linguagem e tem a parte da gramática que a gente sempre trabalha, mas eu acho que o principal é mostrar como você deve lidar com determinadas situações [...] (P5).

Vemos na fala de P5, por exemplo, que o foco principal da discussão é a moral

da história. Assim como para P3 e P4, para P5 o gênero passa a ser tomado com função

estritamente escolar, usado como pretexto para a realização de atividades ligadas ao

ensino de outros conteúdos e, consequentemente, relacionado à leitura em voz alta, à

margem do objetivo inicial da proposta

Outro aspecto que nos chama a atenção, especificamente por se tratar da análise

de uma atividade de oralização da escrita, pode ser visto de forma mais explícita em P4,

quando a docente afirma que

toda vez que, toda vez que um aluno lê em voz alta, até a gente mesmo, tem a questão da ênfase na pontuação, tem a questão da ênfase da pontuação, vígula, né, tem que dá uma uma pausa, ponto final, o sinal, sinal de que a frase terminou. Tem essa questão né! E eu sempre falo assim, que quando quando a gente, quando eu, tô lendo algum texto, quando eu coloco um texto no quadro, vamos ler. Aí eu dô muita ênfase na questão da pontuação. A importância da pontuação no texto. A gente não vai lê um texto “uma vez nana...”Não! A gente vai ter que ler qual é a... veja o ponto que tem aqui. Esse “pontuação” - tem que parar para respirar; “vírgula” – uma pausa breve. Final de frase, ponto final, travessão significa que alguém está

28 Estamos diferenciando neste texto análise linguística de gramática, pois atribuímos conforme Mendonça (2006) o ensino da gramática a exercícios de análises gramaticais convencionais, sem que há uma reflexão mais global do texto, conforme compreende a análise linguística.

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falando: “quem é que está falando aí?”. Então assim, ele, fazendo a leitura em voz alta, ele vai perceber essas pontuações que dá sentido ao texto, né. (P4).

Mendonça (2005, p.115) chamam atenção sobre concepções de ensino, como a

que permeia a fala do sujeito acima. Para as autoras, a compreensão de que o sinal de

pontuação é responsável pela aproximação do movimento da elocução oral se relaciona

a uma compreensão normativa da língua, que “não vai além do contexto do período e da

abordagem semântica”. A visão tradicional de ensino de pontuação, evidenciada na fala

de P4, mostra oscilação entre uma visão normativa sobre pontuação e uma compreensão

da pontuação como instrumento de construção semântica. Entretanto, tal percepção é

exaltada com maior ênfase à dimensão prosódica gerada pelo “correto” emprego dos

sinais. Discutiremos essa questão também na explicitação da próxima categoria, em que

o tópico gramática e pontuação aparece nos discursos docentes como objetivo da

atividade, cuja abordagem se centra na representação de elementos da fala na escrita.

Vemos, na categoria em tela, que todas as análises apresentadas pelas

professoras, a priori, não indicam a atividade como sendo de oralidade, conforme a

própria atividade do livro didático explicita. A atenção delas pareceu voltada para os

eixos da leitura, de análise linguística e de gramática. Porém, ao insistirmos em

perguntas às docentes sobre o que elas esperavam que o aluno aprendesse com a

atividade, P5 reponde:

a oralidade, a gramática e a forma de modificar o seu modo de lidar com outras pessoas. [...] É a ser uma pessoa melhor, e pra você ser uma pessoa melhor, você tem que respeitar o outro e tudo isso vai ajudar o quê? Na oralidade, porque à medida que você fica mais aberto para o mundo isso fica mais fácil (P5).

Observamos que P5 retoma objetivos já mencionados anteriormente, porém

introduz no seu discurso um novo elemento, a aprendizagem da oralidade. Essa

oralidade mencionada pela docente parece mais atrelada à necessidade de usar uma fala

respeitosa com outro sujeito, o que remeteria a necessidades pontuais de sua sala já

reveladas na Categoria 2, por exemplo.

Devemos atentar para a atividade que a docente está analisando, cujo propósito é

a leitura em voz alta. Se a professora sinaliza aproveitar a proposta para discutir

conteúdos relacionados ao registro, verdadeiramente ela pode estar direcionando a

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171

proposta para o ensino do oral. Contudo, parece haver apenas a compreensão de que ler

e discutir sobre o conteúdo moral abordado pela fábula garantirá um trabalho com a

oralidade, o que não corresponde, como já o dissemos, ao ensino do oral

(MARCUSCHI, 2005).

Nos meandros das discussões sobre oralidade, apresentamos às professoras um

recorte de atividade direcionada a explorar os recursos multimodais, elementos cuja

função é favorecer a construção de sentido do texto, seja ele oral ou escrito. Vejamos a

discussão na categoria a seguir:

CATEGORIA 9

A COMPREENSÃO DOCENTE SOBRE A REPRESENTAÇÃO DOS ELEMENTOS MULTIMODAIS DA FALA NA ESCRITA

Para tratar da compreensão docente sobre os elementos multimodais, trouxemos

a atividade 5, retirada da C1, cuja proposta envolve o gênero história em quadrinhos.

Após a apresentação da atividade, observemos como cada sujeito se comporta em sua

análise.

Obra: Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 2ª série. São Paulo: Moderna, 1999. Autora: Magda Soares Localização da atividade: página 91-94 – 2ª unidade. Atividade 5

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Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 2ª série, p. 20 e 21– 1ª unidade.

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173

Continuação

Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 2ª série, p. 20 e 21– 1ª unidade.

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174

Ao posicionar-se frente ao que poderia ser o objetivo da atividade, P3 sinaliza

que o texto tem como foco tratar

a questão da onomatopéia e a questão de escritas diferentes para dar um destaque em alguma coisa. Eu vi basicamente isso né, a questão dos sons e onomatopéias e a questão pra dar destaque em palavras e formas que são utilizadas na escrita né, a letra maiúscula, a exclamação. Basicamente é isso (P3).

Assim como P3, P4 também sinaliza como objetivo da atividade o trato com a onomatopéia.

risos...ummm, aqui trabalha, ta trabalhando muito onomatopéias, né, a questão dos barulhos, dos ruídos, isso em histórias em quadrinhos tem muito isso, né. Na verdade aqui ta falando da expressão “mãe”. Como é que o cartunista ele desenhou a forma que a menina tava gritando, né. Isso pronto (P4).

A multimodalidade é sinalizada nas falas de P3 e P4 através dos diferentes

recursos onomatopéicos observados por elas na atividade. Dentre os elementos moldais

indicados encontramos, por exemplo, o uso da letra maiúscula, a exclamação.

Dionísio (2005, p.176) afirma que a multimodalidade é um traço característico

dos gêneros textuais orais e escritos, visto que ao empregarmos a língua nessas

modalidades utilizamo-nos de, no mínimo, dois modos de representação, dentre os quais

a autora cita: palavras e gestos, palavras e entonação, palavras e imagens, palavras e

tipografia, palavras e sorrisos, palavras e animações, etc. Assim, orquestramos, em

todas as situações comunicativas, os nossos sistemas de conhecimentos para harmonizar

todos os recursos verbais (escritos ou orais) e os recursos visuais (estáticos ou

dinâmicos) disponíveis nas interações comunicativas em que estamos inseridos.

Para indicar a presença da multimodalidade, P5 chama a atenção para a forma

como o HQ representa a fala através de elementos da escrita:

O objetivo dessa atividade eu acho que deve ser [...] como é que, você não vai só falar, se você encontrar as palavras, como é que você irá interpretá-las, tipo aqui, Carol. Ai bota MÃE bem grande, como é que você sabe que ela tava gritando? Entendeu é uma coisa que Carol gritou: MÃE! Não precisa ler, é uma coisa que você não... serve então para mostrar que no texto tanto tem a parte de você observar os sinais como muda

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seu nome. Pra interpretar, como você também pode utilizar palavra. Então a grosso modo a gente pode tirar o seguinte, que o modo como a gente fala as vezes não é o mesmo modo como a gente escreve, ou que a parte escrita pode ser bem chamativa e você também pode falar de uma forma que o interlocutor ouça melhor, entenda melhor, tudo é uma forma de você se fazer entender (P5).

Em sua análise, P5 evidencia a importância dos elementos multimodais para

alcançar os efeitos de sentido pretendidos pelos personagens. Segundo a docente, tanto

na fala quanto na escrita podemos usar diferentes recursos para atingirmos os objetivos

visados.

Com vistas a melhor investigar como as docentes compreendem como sendo o

objetivo de ensino do conjunto de atividades apresentada nessa categoria, perguntamos

o que, na compreensão delas, a atividade deseja ensinar ao aluno. Vejamos as suas

respostas:

Para os sujeitos, a atividade em tela, visa ensinar o aluno a:

usar artifícios diferentes escrevendo pra dizer o que ela gostaria de falar falando (risos). Como eles passariam para a escrita para mostrar que ela ta gritando, que ela quer chamar a atenção de alguma forma, e como passar isso para o papel. Iria ser bem interessante, cada um faria de um jeito bem diferente (P3).

P3 sinaliza para as especificidades dos recursos utilizados em cada modalidade

da língua e atenta para o efeito desses elementos, indicados por ela como “artifícios”, no

propósito da comunicação. O seu olhar também caminha no sentido de indicar como a

proposta seria apresentada aos seus alunos e para o que eles deveriam ficar atentos na

hora da efetivação da tarefa. Embora a docente se volte para os recursos modais, seu

olhar não encaminha a reflexão para a especificidade do o gênero textual HQ, como

vemos em P4:

ensinar pro aluno que nas história em quadrinhos já é uma historia onde trabalha-se muito a questão do personagens falando e aqui é o destaque mais com gritos, com ruídos, porque aqui ta falando sobre “como você representaria um ruído que uma pessoa faz, essa questão do grito, dos ruídos, rir alto, essa questão das expressões, dos ruídos, então trabalharia isso. Além da questão da fala das pessoas né, eles iriam

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observar “ah professora, mais ta diferente o balãozinho da fala dos outros personagens, a gente ta sabendo que ela gritou porque o balãozinho ta todo espichado, ta todo cheio de espinho”, aí com certeza as representações, com certeza os meninos iriam perceber como se representaria ruídos, essas questões dos ruídos dentro da historia em quadrinhos. Que os balões seriam diferentes, que ai dava pra ele saber quando uma pessoa tava falando baixinho, quando uma pessoa tava assobiando, tava gritando. Então tudo isso dava pra trabalhar, e eu acredito que eles iriam aprender (P4).

Vemos que P4 volta-se para discussão das características do gênero HQ,

mencionando os recursos específicos presentes nesse gênero, cujo objetivo é representar

de forma gráfica as ações dos personagens realizadas na modalidade oral (RAMOS,

2011, p. 83). Na perspectiva de Ramos, a docente observa o gênero do “ponto de vista

externo”, pois reflete sobre as características e formato dos balões “o balãozinho ta todo

espi...espichado, ta todo cheio de espinho”. Ela recupera também os recursos

onomatopéicos utilizados na representação da fala dos personagens. Sob seu

encaminhamento, o foco da atenção dos alunos estaria sobre o gênero textual, em sua

dimensão estrutural e também do conteúdo, visto que é em função do conteúdo textual

do gênero HQ que se desenha a configuração dos variados recursos gráficos.

oralidade, tanto da parte da pausa, você pode falar de uma forma, e também pode escrever da mesma forma que você fala. Que aqui ta assim ela falou, é do mesmo jeito, mas quando você vai escrever a gente tem o maior cuidado para que as pessoas possam entender aquilo que você escre... escreveu, que as vezes as pessoas escrevem mais não entendem, porque talvez o tal do escrever é uma coisa que... a escrita eu acho que é uma coisa mais difícil porque você tem que ter todo cuidado pra... você não vai está lendo pra aquela pessoa, então você vai ter que escrever da forma de que quem esteja lendo entenda o que você quis dizer quando escreveu aquilo. Já você lendo não, você vai vendo os sinais, você vai interpretando, porque já está prontinho, a partir do momento que eu vou pegar e eu vou ler um texto, eu vou ter cuidado desses sinais também aparecerem no meu texto, pra poder se fazer entender (P5).

A fala de P5 faz menção ao eixo oralidade relacionado ao objetivo da proposta.

Nesse olhar, elementos como as pausas usadas na fala e representadas na escrita e

elementos que dizem respeito ao aspecto paralinguístico são tomados como ponto de

focalização ( CAVALCANTE e MELO, 2006). Para P5, podemos representar

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177

elementos na escrita da mesma forma que produzimos na oralidade “A oralidade, tanto

da parte da pausa, você pode falar de uma forma, e também pode escrever da mesma

forma que você fala”. Nesse sentido, a docente parece não atentar para o fato de que

usamos recursos diferentes nessa representação.

De acordo com Marcuschi (2001a), a oralidade e a escrita possuem

características próprias. Assim, a escrita não consegue reproduzir fenômenos orais tais

como os gestos, as prosódias, os movimentos corporais e faciais; por outro lado, a fala

não consegue representar elementos significativos da escrita como, por exemplo, o

tamanho das letras, cores e formatos. Entretanto, a escrita resgata elementos da

oralidade através de marcas gráficas como, por exemplo, o ponto de exclamação, o

ponto de interrogação, etc.

Ao se referir ao ato de representar os recursos orais na escrita, P5 atribui à

escrita um maior grau de complexidade. “A escrita eu acho que é uma coisa mais difícil,

porque você tem que ter todo cuidado pra... você não vai estar lendo pra aquela pessoa,

então você vai ter que escrever da forma de que quem esteja lendo entenda o que você

quis dizer quando escreveu aquilo” (P5). Para esse sujeito, a escrita requer maior

cuidado que a fala, o que nos remete à falta de compreensão de que tanto a fala quanto a

escrita exigem diferentes graus de complexidade em sua produção. Os registros formais

na fala e na escrita, por exemplo, requerem maior grau de planejamento, já os informais

nas duas modalidades, por serem menos tensos, deixam-nos mais à vontade

(BORTONI-RICARDO, 2004).

No decorrer da fala de P5, podemos compreender que em sua visão o maior

esforço na escrita é gerado pela ausência, em geral, do produtor do texto em tempo real,

o que dificulta a compreensão do leitor caso o texto esteja com o emprego inadequado

de sinais. Nesse caso, os sinais de pontuação servem para nortear a leitura de modo a

ofertar ao leitor a compreensão “desejada” pelo escritor. P5 parece entender que a

pontuação dá ao leitor/ouvinte instruções de sentido, implicadas nas relações prosódicas

trazidas pela pontuação, bem como pela dimensão enunciativa da relação que, de acordo

com Vilela e Nascimento (1998), é assumida como

elemento necessário para a produção de sentido para o texto escrito, por parte do leitor, mostrando-lhes quais são os enunciados e quais são os elementos do enunciado e, ainda, quais são as relações entre os enunciados constituintes do enunciado a serem necessariamente levados em conta na produção de sentido para o texto (p. 33)

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Não vemos em P5 a explicitação da mesma compreensão de ensino de

pontuação que P4 evidencia em sua fala indicada na atividade 4 (ver Categoria VIII).

Entretanto, quando a mesma menciona uma visão estruturada em uma gramática

normativa, parece atribuir à pontuação uma “capacidade soberana” que reside no texto

pontuado, ao afirmar que ao ver os sinais o sujeito “vai interpretando, porque já está

prontinho” (P5). Essa visão se distancia de uma compreensão de texto que compreende

a linguagem como comunicação apenas, mas que a enxerga estruturada na interação

entre os sujeitos. Logo, o sentido não está no texto, nem na pontuação, mas nessa

interface texto-leitor-produtor (KOCH e ELIAS, 2006).

No prosseguimento da análise das atividades, trouxemos como foco de

investigação uma proposta da C1, cujo objetivo é refletir sobre a produção e a

compreensão do gênero textual oral. É sobre essa questão que trataremos na categoria a

seguir.

CATEGORIA 10

OLHARES DOCENTES SOBRE A PRODUÇÃO E A COMPREENSÃO DO GÊNERO TEXTUAL ORAL

Para tratar da produção e compreensão docente sobre o gênero textual oral,

selecionamos a atividade 6, ilustrada abaixo, cuja proposta envolve uma entrevista oral.

Após a ilustração da atividade em questão, apresentamos algumas análises à luz

das considerações dos sujeitos investigados.

Atividade 6 Obra: Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 3ª série. São Paulo: Moderna, 1999. Autora: Magda Soares Localização da atividade: páginas 67 a 71 – 2ª unidade.

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Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 3ª série, p. 67 a 71 – 2ª unidade.

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Continuação

Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 3ª série, p. 67 a 71 – 2ª unidade.

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Continuação

Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 3ª série, p. 67 a 71 – 2ª unidade.

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Na abordagem sobre os objetivos da atividade, relativas ao trato com a

oralidade, P3 afirma que a questão visa a:

Trabalhar essa questão da expressão oral, que alguns alunos eu acho que nem todos participariam, né? Até porque ele questiona quem tem irmão menor, os outros vão ser repórteres é? Mas assim, de toda forma vão ter sempre aqueles que vão ficar calados sem se expor se o professor não orientar ou até dizer: “Oh fulaninho faz uma pergunta agora o que que você quer perguntar?” Alguns vão ficar paralisados. É mais essa questão da expressão oral e da leitura, eles terão de ler os textos pra depois desenvolver a questão das perguntas (P3).

Destacamos na fala de P3 a atenção para a expressão oral e para a leitura como

objetivos da atividade em tela. Para a docente, o momento da expressão oral pode ser

compreendido como espaço em que o aluno deve falar sobre o assunto em pauta.

Percebemos que a ação de desenvolver a expressão oral e promover a discussão e a

conversação em sala de aula envolve atividades que fazem parte também de um trabalho

voltado para desenvolver a oralidade. Entretanto, sem objetivos claros no sentido de

desenvolver competências ligadas ao desenvolvimento da argumentação, por exemplo,

incorre-se em atividades que, embora sejam realizadas oralmente, não apresentam

elementos que visem a garantir os objetivos pretendidos.

No que se refere a P4, vemos que a professora, ao analisar a proposta, faz

algumas considerações sobre os comandos dispostos para sua realização. Dentre essas

considerações, enfatizamos as atividades de leitura silenciosa, resgate dos

conhecimentos prévios dos sujeitos para a execução da atividade e discussão sobre o

tema, conforme podemos notar no trecho de sua fala, a seguir.

Ai que interessante! Essa atividade aqui né, como aqui no enunciado ta falando assim que antes, antes da leitura né. Porque se propõe uma leitura silenciosa e antes tem que ter uma atividade oral, né. Eu...eu tô entendendo que deve ser alguma discussão, alguma conversação, né, sobre... sobre o assunto. Aí assim, o que me chamou atenção é porque são dois textos com o mesmo título, só que um fala que o irmão menor é ruim ter, é é uma coisa ruim e o outro fala que é bom, né. Isso ai realmente vai gerar uma polêmica, com os meninos, né. Aí depois da oralidade tem a leitura silenciosa que eles vão ler e depois é a interpretação escrita né, que é uma interpretação de texto do irmão menor, aí depois dessa interpretação aí que

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eles vão fazer a leitura silenciosa desse outro texto, aí que eles vão realmente se se chocar com as ideias, oxente! um dizendo que é ruim, outro ta dizendo que é bom! Então aqui dá pra trabalhar a leitura, a leitura silenciosa que é uma coisa que eles precisam ter um momento de leitura silenciosa pra eles se concentrarem, né, pra eles entenderem (P4).

Dentre as considerações feitas pela professora destacam-se a menção a

atividades de leitura silenciosa, o resgate dos conhecimentos prévios dos sujeitos para a

execução da atividade e a discussão sobre o tema, conforme podemos notar no trecho de

sua fala, ilustrado acima.

Em meio às citações de alguns eixos de ensino, P4 menciona o eixo da oralidade e da escrita, como notamos em seguida:

Aí dá pra trabalhar a questão da oralidade, isso sem

dúvida nenhuma, bem antes, e a questão do da escrita, da

interpretação e do entendimento do texto e textos antagônicos

que são totalmente, ah professora é o mesmo título, porém ah:::,

o sentido é diferente. Tem o mesmo personagem que é o irmão

menor, porém tem sentidos diferentes, totalmente coerências

diferentes. Ai isso já dá mais pano pra manga, pra trabalhar

(P4).

É possível perceber que oralidade aparece na fala de P4 como espaço de

discussão sobre o conteúdo textual. Parece haver um interesse de sua parte quanto a

seus alunos debaterem sobre o tema e perceberem que estão sendo abordadas duas

questões, sob pontos de vista diferentes. Entretanto, não temos em sua fala elementos

que sinalizem encaminhamentos mais diretivos no sentido de promover tal debate.

Ao voltar seu olhar para o gênero textual a ser produzido, entrevista, P4 sinaliza

para a modalidade de produção a ser realizada, bem como para o eixo de ensino que está

em evidência: o da oralidade.

Aí aqui eu vi a questão da entrevista que é um gênero textual, né, que é um gênero textual, vai ser uma entrevista, não vai ser uma entrevista escrita, entrevista falada que um aluno, alguns

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alunos vão, um voluntário né, um aluno vai se propor a ser um entrevistado e a turma vai entrevistar, ah pra trabalhar a oralidade isso é maravilhoso. (P4).

Vemos que, no evento comunicativo “entrevista em sala de aula”, o gênero

textual em tela, por se tratar de um evento realizado oralmente não dispensa um

planejamento apoiado na escrita, uma vez que estão em jogo práticas e eventos de

letramento (KLEIMAN. et.al, 1996). Decorrem desse fato duas exigências para a

realização da entrevista: a leitura de textos escritos e a produção de questões para

nortearem o desenvolvimento do evento, ou seja, do planejamento.

O planejamento para a realização da atividade é percebido também por ambas as

docentes. No planejamento está envolvida a prática de leitura, eixo explicitado na fala

de P3 e P4. Assim, o aluno deve ler para preparar as perguntas (P3) e ler para

compreender o texto e realizar a entrevista (P4). Já no quesito preparação para a

construção de perguntas para o desenvolvimento da entrevista, apenas P3 explicita em

sua fala que “eles terão de ler os textos pra depois desenvolver a questão das perguntas”.

Para P5, a atividade tem como foco

[...] comparação de textos, onde você vai tirar os pontos negativos e os pontos positivos. Porque às vezes o que é negativo para um não é negativo pro outro, às vezes o que é positivo para uma pessoa não é positivo para outra. Então a gente trabalhava muito isso neste sentido. Ta, na entrevista... é a entrevista eu acho uma coisa, ta é uma coisa que eu gosto de bastante, porque ela te da uma liberdade muito grande de trabalhar nela. Você tanto pode pegar, colher as informações, como também pode é em cima dessa entrevista formular um texto coletivo com eles mesmos. Então é algo que dá assim um leque de opções, só tendo uma simples entrevista já da pra você ter subsídios a vontade. [...] é você fazer a entrevista e em cima dela fazer alguns textos coletivos, mostrando também esse lado do que, como é que uma pessoa vê determinado assunto e como é que a outra, o mesmo assunto tem uma visão diferente. Às vezes duas pessoas, quatro cinco, tem duas pessoas com a mesma opinião, então eu acho que isso é legal (P5).

A fala de P5 revela objetivos ligados a um confronto entre os textos e a produção

do gênero. O comando para a produção escrita também é recuperado em sua fala, assim

como na fala de P4. Para aquela docente, a escrita vem como uma culminância de um

trabalho, fruto de uma coleta de informações sobre o tema. A entrevista assim serviria

como suporte para uma produção textual escrita de modo coletivo. Para esta, a escrita

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185

surge como mais uma possibilidade de trabalho entre os alunos no

desenvolvimento/preparação para a entrevista, embora P4 não explicite maiores detalhes

do que faria com a escrita no desenvolvimento desse processo. Vemos que as práticas

de escrita sempre surgem em meio às atividades voltadas para desenvolver a oralidade,

são práticas orais mediadas pela escrita e/ou conjuntas a esta.

Como objetivos de ensino dessa atividade, destacamos a fala de P4, para quem a

proposta

quer que o aluno [...] trabalhe gênero, aprenda o gênero textual entrevista, perguntas e respostas, a questão da ordem também, questão organização né, de como formular uma pergunta, também tem a questão do sentido da pergunta. Tem que ser uma pergunta dentro daquele tema, não pode ser diferente (P4).

Em sua análise, P4 evidencia passos estruturais na realização da atividade.

Notamos que ela pontua o trabalho de reflexões sobre o gênero textual entrevista,

observa a composição deste, “perguntas e respostas”, bem como o seu conteúdo textual:

“Tem que ser uma pergunta dentro daquele tema” e atenta para a construção das

perguntas e o seu ordenamento na efetivação do gênero.

A caracterização da entrevista por P4 afina-se com uma perspectiva bakthiniana,

para quem o tripé composição, conteúdo e estilo são elementos caracterizadores daquela

ferramenta de linguagem (KOCH e ELIAS, 2006). A forma como a professora observa

a produção da entrevista é um indício de um trabalho que utiliza o gênero textual como

ferramenta (SCHNEUWLY e DOLZ, 2004) que norteia o olhar sobre a língua em suas

modalidades escrita e oral.

Prosseguimos a investigação com os sujeitos, dessa vez, solicitando a cada

professora que indicasse, dentre as atividades por nós trazidas, aquela(s) que mais

chamassem a sua atenção e que teria(m) a possibilidade de ser(em) aplicada(s) com a

sua turma. Pedimos também às docentes que explicitassem com quais objetivos

aplicariam a(s) atividade(s) escolhida(as) e se desejariam realizar alguma alteração na

proposta didática, com vistas a adequá-la(s) às demandas de seu grupo-sala.

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CATEGORIA 11

OLHARES SOBRE AS ESCOLHAS DOCENTES

Vejamos como se comportam as professoras pesquisadas diante das nossas

solicitações.

PROFESSOR DO 3º ANO (P3)

Tabela 6. Seleção de atividades por parte da professora do terceiro ano do ensino fundamental.

ATIVIDADE SELECIONADA

PELO DOCENTE

IMPRESSÕES SOBRE A

PROPOSTA

POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO COM O

GRUPO-SALA

OBJETIVO DOCENTE COM A

ATIVIDADE

FORMA DE INTERVENÇÃO

Tirinha (Menino Maluquinho)

Acessível Sim Adequação de registro.

Entrevista (Irmão Menor)

Acessível Sim Oralidade. Questionamento.

- Explorar o poema; -Tratar da apropriação do sistema de escrita alfabético (rimas e aliterações, criação de novas rimas). -Trabalhar matemática (usar gráficos para ilustrar a ocorrência de alunos com irmão menor).

História em quadrinho (Carol)

Acessível Sim Oralidade. Questionamento.

- Tratar dos balões usados na HQ.

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OLHARES SOBRE AS ESCOLHAS DOCENTES

PROFESSOR DO 4º ANO (P4)

Tabela 7. Seleção de atividades por parte da professora do quarto ano do ensino fundamental.

ATIVIDADE SELECIONADA

PELO DOCENTE

IMPRESSÕES SOBRE A

PROPOSTA

POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO COM O GRUPO-

SALA

OBJETIVO DOCENTE COM A

ATIVIDADE

FORMA DE INTERVENÇÃO

Entrevista (Irmão Menor)

Acessível Sim Oralidade. Trabalhar a entrevista escrita; Formular perguntas na escrita; Ampliar a proposta com a vizinhança;

Fábula (O leão e o ratinho)

Acessível

Sim Oralidade

Carta (Ângela) Complexa

Não

História em quadrinho (Carol)

Acessível Sim Oralidade

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OLHARES SOBRE AS ESCOLHAS DOCENTES

PROFESSOR DO 5º ANO (P5)

Tabela 8. Seleção de atividades por parte da professora do quinto ano do ensino fundamental.

ATIVIDADE SELECIONADA

PELO DOCENTE

IMPRESSÕES SOBRE A

PROPOSTA

POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO COM O

GRUPO-SALA

OBJETIVO DOCENTE COM A

ATIVIDADE

FORMA DE INTERVENÇÃO

História em quadrinho (Carol)

Acessível Sim Ensinar as várias formas de falar.

Tirinha (Menino Maluquinho)

Acessível Sim Tratar das gírias. Produzir texto escrito;

Carta (Ângela) Acessível Sim Atentar para o interlocutor na hora da produção da escrita.

Entrevista (Irmão Menor)

Acessível Sim Comparar textos; Aprender a se comunicar.

Produzir texto escrito de forma coletiva;Sugerir novo tema para a entrevista.

Fábula (O leão e o ratinho)

Desmotivadora (gênero muito familiar ao aluno).

Sim

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SELEÇÃO

De acordo com a observação das categorias acima ilustradas, do bloco de cinco

atividades investigadas em cada uma delas, P3 selecionou três (Entrevista, Fábula,

História em Quadrinhos); P4 escolheu quatro atividades (Entrevista; Fábula; Carta;

História em quadrinhos) e P5 selecionou todas as atividades apresentadas por nós na

ocasião da análise (Entrevista; História em quadrinhos; Tirinha; Carta; Fábula).

Percebemos que o gênero textual “entrevista”, cuja proposta didática visa à

produção de texto oral e a “história em quadrinhos”, que explora a representação na

escrita dos recursos utilizados na fala, foram selecionadas por todos os sujeitos. O que a

escolha unânime desses dois gêneros pode representar se considerarmos todas as falas já

empregadas pelos sujeitos ao longo dessa pesquisa? Podemos inferir que a atividade que

envolve cada gênero textual gerou no docente uma afinidade com a proposta. A

aproximação discursiva dos sujeitos com a teoria dos gêneros também pode contribuir

nessa escolha, em que afinidade e possível demanda do grupo sala dialogam com a

seleção.

O gênero textual carta, que aborda a relação da fala com a escrita foi selecionado

apenas pelo sujeito P5. O que pode representar essa escolha solitária do gênero textual

carta, tendo em vista que, em categoria anterior, a docente apresentou afinidade apenas

com parte da proposta (produção apenas da primeira versão da escrita)? Dentre as

possíveis compreensões, destacamos o objetivo destacado pela professora (discutiremos

sobre os “objetivos” da escolha em momento posterior). A demanda docente em relação

ao gênero não parece focada no trato da fala com a escrita, mas em relação à

possibilidade de se observar um registro mais formal na escrita conforme os dados

sinalizam (essa discussão será ampliada em momento posterior).

Vemos que P5 é o único sujeito que sinaliza para a escolha de todas as

atividades com possibilidade de aplicação com o seu grupo-sala, ainda que nem todas as

atividades sejam indicadas por ela como interessante para os aluno e alunas, como é o

caso do gênero fábula (discutiremos essa de forma mais sistemática essa posição em

etapa seguinte da Categoria 11). Este cenário motiva em nós o seguinte questionamento:

será que a escolha de P5 foi motivada pela situação vivenciada no momento da

entrevista ou pela contingência da prática?

Em meio às discussões sobre as escolhas, gostaríamos de focar nesse momento a

“não escolha”. Perguntamos-nos: o que levaria as professoras a escolherem uma (s)

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atividade e desprezar (em) outra(s)? Estaria em jogo a importância e a demanda da

proposta? Mas, de que ponto de vista dimensionamos a importância e demanda: seria do

ângulo discente ou do sob o prisma docente? Ficam as inquietações.

IMPRESSÕES SOBRE A PROPOSTA E AS POSSIBILIDADES DE USO COM O

GRUPO SALA

Das respostas relativas às impressões dos sujeitos sobre as atividades por eles

selecionadas, P3 afirma que as três atividades escolhidas são acessíveis aos seus alunos,

por isso aplicaria com o seu grupo-sala; enquanto P4 indica que a atividade com o

gênero textual carta é muito complexa, por esse motivo não a aplicaria com seus alunos;

e P5 afirma que a proposta com o gênero textual fábula é desmotivadora, entretanto

aplicaria com os seus alunos.

Queremos problematizar nessa análise as falas de P4 e P5 em relação às

propostas por elas selecionadas.

Observemos em P4 que a complexidade do gênero carta, em sua versão formal, é

apontada como fator que impede a docente de, “possivelmente”, desenvolver a proposta

com seus alunos. Essa fala também é presenciada na categoria “7 – A compreensão

docente sobre a relação fala-escrita” -, em que a mesma professora sinaliza ter maior

interesse em tratar o gênero com os alunos sob uma perspectiva de carta informal, visto

que a versão mais formal não seria acessível a eles.

A ausência de promoção de oportunidades de reflexão sobre o uso da língua

oral, assim como o da escrita, em seu registro mais formal, pode representar a falta de

clareza da docente sobre o objetivo da proposta. É válido registrar que P5 parece não

ver a aproximação entre a proposta de utilização da carta e do gênero textual tirinha,

analisada por ela na Categoria V, em que o personagem agradece ao amigo usando o

superlativo “obrigadão”. O grau de intimidade presente na relação entre os amigos

representados no HQ (menino Maluquinho) é o mesmo dos interlocutores da carta

(Carta a Ângela). O diferencial entre as propostas é que o foco da atividade com a carta

é a aproximação de um texto escrito formal com um outro informal, pondo em relevo a

aproximação dessa informalidade escrita com a informalidade no uso da fala, o que

culmina na exploração das relações entre fala e escrita.

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A negação do trabalho com a proposta de escrita da carta em sua versão formal,

sob a alegação de que o tipo de linguagem não é familiar ao aluno, pode indicar, dentre

outras perspectivas, a não observância do professor para o próprio ensino da oralidade,

se considerarmos que:

Ensinar língua oral deve significar para a escola possibilitar acesso a usos da linguagem mais formalizados e convencionais, que exijam controle mais consciente e voluntário da enunciação, tendo em vista a importância que o domínio da palavra pública tem no exercício da cidadania. Ensinar língua oral não significa trabalhar a capacidade de falar em geral. Significa desenvolver o domínio dos gêneros que apóiam a aprendizagem escolar de Língua Portuguesa e de outras áreas e, também, os gêneros da vida pública no sentido mais amplo do termo. (PCN, 1998, p. 67).

Vemos também, na fala de P5, que embora a docente alegue que o trabalho com

a fábula é desmotivador para os seus alunos, os quais já têm muita familiaridade com

esse gênero textual, não há hesitação em declarar que levaria a proposta para a sala de

aula. A nosso ver, os saberes da prática fazem com que a professora tome uma posição

aparentemente antagônica. Por um lado, ela nega a relevância e, por outro lado, ela

assume que é importante na medida em que seleciona a atividade e a toma como

proposta possível de ser aplicada com o grupo-sala.

Parece-nos que em um primeiro momento P5 se coloca no lugar dos alunos,

reconhecendo suas demandas e potencialidades; em outro momento, se centra na

importância de não privá-los de um gênero textual, cuja importância é vista por ela à

medida que o considera essencial para discutir a dimensão moral na vida dos sujeitos,

como vimos na “Categoria 8 - A Compreensão Docente sobre a Oralização do Texto

Escrito”.

OBJETIVOS

No que diz respeito aos objetivos das docentes para a possível aplicação das

atividades selecionadas com os seus alunos, P3 afirma que, ao selecionar a entrevista e a

HQ (Carol), seu objetivo seria desenvolver a oralidade e o questionamento. Vemos que

a professora faz a separação entre o eixo de ensino, a oralidade, e uma habilidade, que

seria o questionamento. Se considerarmos que uma das habilidades necessárias para ser

competente oralmente é a capacidade de questionar, de argumentar, etc., o que

justificaria a separação de ambas? Será que P3 atribui a capacidade de questionar

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apenas à escrita? Não teria ela a compreensão de que tal habilidade pode ser

desenvolvida na oralidade?

Ao selecionar o gênero textual tira, P3 afirma que seu objetivo seria tratar da

adequação do registro. Ela reafirma a sua análise da proposta, ao focar-se no conteúdo

tratado de forma explicita pela atividade: a dimensão do registro.

Em P4, vemos que todas as atividades selecionadas são indicadas com objetivo

de desenvolver a oralidade. Notamos que a docente assume uma postura que parece

guiada pelo desdobramento das atividades por ela analisadas nas categorias anteriores. É

importante lembrar que P4 não assume, no momento em que analisa a atividade com o

gênero textual fábula, o fato de que a proposta não visa a desenvolver a oralidade e sim

a leitura em voz alta (ver categoria 7). Entretanto, no momento da investigação desta

categoria, percebemos que a docente atribui à atividade objetivos voltados para o oral.

Dentre as possíveis possibilidades de compreensão dessa proposta, podemos

inferir que P4 toma a fábula no conjunto das demais propostas, sem fazer distinção.

Outro ponto de inferência também pode ser a possível compreensão por parte da

professora de que a fábula é um gênero oral. Assim, o foco estaria no gênero e não na

proposta. Entretanto, temos que considerar que a questão por nós levantada diz respeito

ao objetivo que a docente teria ao desenvolver as atividades selecionadas. Sob esse

prisma, P4 concebe a oralização como atividade oral, perspectiva esta conceitualmente

equivocada (MARCUSCHI, 2001a).

Em P5, não há menção ao termo oralidade para nenhuma das atividades por ela

selecionadas, diferente de como ocorreu no momento em que a docente analisava de

forma pontual atividade por atividade. A sua análise remete a objetivos tais como

“ensinar as várias formas de falar”, para a atividade com o gênero HQ (Carol); “abordar

a questão das gírias”, para a atividade do HQ (Menino Maluquinho); “considerar o

outro na hora da escrita”, para o gênero carta; “comparar textos”, para o gênero

entrevista e “aprender a se comunicar” para o gênero fábula.

Dentre os objetivos pretendidos por P5 para a aplicação das atividades,

gostaríamos de destacar aquele atribuído ao gênero entrevista: “comparar textos e

aprender a se comunicar”. Se levarmos em consideração os vários objetivos da

atividade, que aborda o processo de construção e execução do gênero entrevista, vemos

que para P5 a comparação entre textos é o único objetivo da proposta e a única

competência ou capacidade visada é a de se comunicar, como se outros gêneros também

não promovessem essa capacidade. O direcionamento do objetivo da atividade,

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conforme indica P5, não oportuniza um olhar mais específico sobre o gênero, mas

garante apenas o cumprimento de uma das etapas da proposta: leitura e confronto entre

o conteúdo textual.

FORMAS DE INTERVENÇÃO

No que diz respeito às formas de intervenção na proposta didática das atividades

escolhidas pelas docentes, vemos que P3 sinaliza para o trato do gênero história em

quadrinho e entrevista. Em relação ao primeiro gênero, a docente afirma que faria

modificações no sentido de pedir que os alunos passassem a produzir outro texto

escrito; para o segundo gênero (a entrevista), a sua intervenção se daria sob dois focos:

o primeiro diz respeito a atividades de apropriação do sistema de escrita alfabético, no

sentido de explorar as rimas, as aliterações e produção de novas rimas, a partir dos

poemas, textos que servem como base para a atividade de entrevista (Ver atividade na

Categoria 10). O segundo foco se estabelece a partir dos poemas, sendo esses o foco da

intervenção na atividade, a exploração de conteúdos da matemática, tais como o uso de

gráficos para ilustrar a ocorrência de alunos que tenham irmão menor.

Vemos que o olhar de P3 traz para a proposta dimensões não pretendidas na

superfície da atividade. A realidade de sua sala de aula, cujos alunos se encontram em

fase de consolidação da escrita, bem como as possibilidades de uso das informações

contidas no texto para o trato de outra área do saber, desenham focos de investimento e

intervenções que se desviam do investimento com a oralidade e aproximam-se de

dimensões que parecem ser de maior domínio em sua prática.

P4 também seleciona o gênero textual entrevista e elege como alteração didática

uma nova produção com o mesmo gênero. Entretanto, a atividade não seria a oral, como

sugere a proposta inicial, mas passaria a ser produzida na modalidade escrita.

Eu poderia colocar o seguinte, já que a gente ta trabalhando a entrevista, uma entrevista coletiva né, que todos iriam fazer a pergunta, eu poderia trabalhar também a questão do gênero entrevista também da forma escrita, né. Agora você vai entrevistar né, você vai criar perguntas é é vai formular as perguntas que vocês fizeram, vocês fizeram como? Falando, agora vocês vão formular perguntas escrevendo. Vai escolher ou você não têm irmão menor, ai vocês vão entrevistar uma pessoa que tem irmão menor, ou um vizinho ou um colega. Vocês vão fazer essas mesmas perguntas e vão entrevistar ele.

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Entendeu? Eu acrescentaria isso, que ai já trabalharia a questão do texto escrito. Eu faria isso (P4).

Percebemos que P5 caminha também na mesma direção do caminhar de P4.

Vejamos, a seguir, como isso acontece:

[...] como já tem dois (refere-se a dois textos que servem de apóia a discussão) eu ampliaria para o seguinte, em cima disso a gente tem a fazer um texto escrito coletivo a sua visão do que é ser irmão menor e irmão maior, ou ser filho único que é interessante também não só ele porque aqui parece a entrevista. Aqui eu acho que melhor que a entrevista esse aqui, então eu acho melhor do que a entrevista seria na hora ler os dois textos ver as opiniões; e ai como é o texto irmão menor, mais velho, filho único. Então faria um texto coletivo, neste daqui (P5).

Vemos que a intervenção de P4 e P5 dá-se na dimensão da modalidade escrita

do texto, tendo em vista que não há sugestões de mudanças que alterem de forma

profunda a proposta didática do livro.

Como vimos ao longo das nossas análises, promover a escrita é a tônica nas

sugestões de ampliação das atividades orais. A atividade oral parece ser sempre o

primeiro passo de uma proposta que resultará como culminância em uma produção

escrita. Esse cenário nos remete ao que Marcuschi acenava em 2005, em seu artigo -

Oralidade e ensino de língua: uma questão pouco “falada”:

A fala é uma atividade muito mais central do que a escrita no dia-a-dia da maioria das pessoas. Contudo, as instituições escolares lhe dão atenção quase inversa à sua centralidade na relação com a escrita. Crucial nesse caso é que não se trata de uma contradição, mas de uma postura. Seríamos demasiadamente ingênuos se atribuíssemos essa atitude ao argumento de que a fala é tão praticada no dia-a-dia a ponto de já ser bem dominada e não precisar ser transformada em objeto de estudo em sala de aula. O fato é que hoje se torna cada vez mais aceita a ideia de que a preocupação com a oralidade deve ser também partilhada pelos responsáveis pelo ensino de língua. Mas nem tudo é como parece que deveria ser. (MARCUSCHI, 2005, p. 21, grifo do autor).

O que o autor afirma pode ser remetido à postura de nossos sujeitos, na medida

em que eles sinalizam para a aceitação de atividades que se voltem para a oralidade em

sala de aula, embora deem mais importância à escrita. Os encaminhamentos que as

docentes vislumbram para ampliar uma proposta oral são voltados exclusivamente para

esta modalidade da língua. Seríamos ingênuos se não compreendêssemos que essa

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postura é fruto de uma tradição escolar, bem como das reais demandas dos sujeitos em

sua prática pedagógica.

As realidades das demandas dos sujeitos são vistas em todos os pontos

analisados em nossa investigação, assim vimos P3, quase sempre sinalizando como

demanda a necessidade de consolidar o SEA com os seus alunos; P4, embora reconheça

a necessidade de desenvolver a oralidade, traz a escrita como proposta para reforçar o

ensino dos gêneros textuais; P5, por sua vez, recorre às atividades de escrita na maior

parte das alterações didáticas por ela proposta. O que esse cenário indicia? Ele nos dá

pistas de que, além das demandas vivenciadas pelas professoras em sala de aula, todas

parecem ter maior segurança no desenvolvimento de atividades escritas, visto que a

oralidade ainda é um eixo que busca se afirmar em suas práticas.

Na ordem da investigação dos saberes, observamos que todos os sujeitos

mobilizaram saberes de ordem “cognitiva” na escolha e na intervenção das propostas

por eles escolhidas (GUIMARÃES, 2004, p. 134). Em Guimarães, podemos

compreender que um dos tripés dos saberes cognitivos está relacionado à ação do

docente em função da “construção de conhecimentos sistematizados socialmente”. Essa

compreensão aporta a análise das três docentes em foco, cujos dizeres evidenciam ações

de ampliação da proposta do livro didático, estruturados nos eixos de análise linguística

e na área de conhecimento matemático (proposta interdisciplinar) (P3), bem como para

a produção de texto - (P3, P4, P5).

Nesse movimento também enxergamos, nas ações de intervenção docente, a

fabricação de táticas. A transformação feita pelos sujeitos a partir das proposições

ofertadas pelos livros didáticos é legitimada em função de suas demandas, o que lhes

move a fabricarem/transformarem a partir do que lhes é apresentado como modelo

oficialmente planejado (CHEVELLARD, 1998; FERREIRA, 2005).

Guimarães (2004), em suas investigações, afirma que no cotidiano as escolhas

não são determinadas por uma lógica determinista, mas por diferentes fatores. Assim, é

o campo da ação que irá mover o sujeito a mobilizar saberes, selecionar, modificar,

arrumar, controlar e agir. Nesse contexto, vimos as professoras agindo em sua margem

de manobra, operando a partir de uma variável explícita em seus discursos - a demanda

dos seus alunos.

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(IN) CONCLUSÕES

Com base nos dispositivos teóricos estruturados na perspectiva sócio-

interacionista da língua, e em busca de um diálogo com a teoria dos saberes docentes,

investigamos, nessa pesquisa, como um grupo de professoras do ensino fundamental (3º

ao 5º ano) concebiam o oral enquanto objeto de ensino-aprendizagem e quais saberes as

docentes mobilizavam ao analisar atividades orais propostas por livros didáticos de

língua portuguesa. Com este propósito, direcionamos nosso olhar para onze (11)

categorias, cujas discussões proporcionaram algumas compreensões sobre os objetivos

supracitados.

Na configuração do cenário de análise, observamos alguns elementos que nos

ajudam a compreender como os sujeitos concebem o oral enquanto objeto de ensino-

aprendizagem. Para início de conversa, a maioria das professoras participantes dessa

investigação demonstrou preocupação com o uso da língua adequado às diferentes

instâncias de produção, o que para elas significa “preparar para a vida”. Se

considerarmos que o desenvolvimento desta competência evoca o ensino do oral,

podemos inferir que a oralidade é enxergada como objeto que precisa ser ensinado-

aprendido.

A assunção discursiva dos gêneros textuais como objeto de ensino-

aprendizagem, permeada pela visão do letramento, pode ser indício da apropriação

pelos sujeitos do gênero textual como ferramenta de ensino-aprendizagem, enquanto

objeto teórico que permeia as orientações oficiais para o ensino de língua (PCNs, 1996;

PNLD, 2010). Outra compreensão possível desse movimento sinalizado pelas docentes

está diretamente relacionada à inserção dos sujeitos em um constante processo de

formação continuada desenvolvido pela Rede Municipal em que as docentes atuam,

conforme evidencia o nosso “questionário de identificação” (anexo 1). Contudo, o

panorama não nos permite assegurar que em sala de aula existam práticas efetivas rumo

à consolidação do ensino dos gêneros textuais, sejam eles orais ou escritos.

No tocante às discussões feitas pelos sujeitos sobre o livro didático, enquanto

instrumento que poderia contribuir para o desenvolvimento dos objetivos ligados ao

ensino de língua, vemos que as docentes julgam o referido suporte como instrumento

insuficiente nesse cumprimento. A avaliação é animadora, visto que sinaliza uma

possível não aceitação passiva do livro didático como modelo de planejamento fechado

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em si. As falas podem corroborar com uma perspectiva de autonomia em relação ao uso

do livro, bem como sinalizam para a prática da pesquisa em outros suportes didáticos,

sendo a demanda dos alunos o principal fomentador dessa busca. A autonomia e os

encaminhamentos dos sujeitos configuram um cenário estruturador na construção de

novos saberes docentes, conforme ressalta Freire (1999).

Nas discussões estabelecidas em torno da compreensão docente sobre o

tratamento dado pelos livros didáticos (LD) ao ensino da oralidade, vimos se firmarem

duas posições: 1) ausência de ensino e 2) ensino deslocado da realidade.

A primeira postura parece atrelada à falta de compreensão sobre o que vem a ser

o ensino da oralidade, visto que ao oral são atribuídas as atividades de leitura em voz

alta e conversa informal, por exemplo. A segunda compreensão toma o LD como

suporte que não consegue atender às especificidades do uso dos registros utilizados

pelos alunos em sala de aula, pois, enquanto suporte escrito, não contempla o oral

vivenciado em uma situação presencial.

Residem nessas visões princípios de natureza diferenciada. A primeira visão

toma a oralidade enquanto ferramenta de mediação e comunicação (DOLZ e

NOVERAZ, 2004); a segunda visão parece não compreender o LD como ferramenta de

apoio para um processo de didatização dos conteúdos de ensino, que não se compromete

com o atendimento de todas as demandas específicas de um grupo-sala, por isso o seu

uso consciente exige tomá-lo apenas como apoio à prática. O que dizer dessas posturas?

Dentre outras compreensões possíveis, podemos reconhecer a carência de uma

formação inicial e continuada que oportunize um pensar sobre o oral como objeto

didático.

A abordagem do oral enquanto categoria de ensino nas práticas docentes foi

compreendida, em nossa pesquisa, a partir de quatro vieses, a saber: 1) os tipos de

atividades propostas com foco na oralidade (indicações de atividades); 2) as demandas

do grupo-sala reveladas pelos sujeitos investigados; 3) o cumprimento dos objetivos

propostos com a efetivação das atividades; e 4) o repensar sobre novas estratégias de

ação com vistas a intervir nas atividades realizadas.

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Vimos a leitura e a conversa sobre determinado tema tomadas como atividades

orais. A oralidade aparece como oralização e conversa “informal”, dimensões já

observadas pelas docentes ao se posicionarem sobre o LD. Dentre as falas, percebemos

que as atividades “hora da novidade” e “questionamento sobre o texto” aparecem como

propostas que oportunizam o ensino do oral, desde que seja observado o que pode ser

ensinado de oral para o grupo sala, de modo que não se perca a dimensão informal das

propostas, tampouco se tome o fato de serem atividades em que a fala é o principal

instrumento de socialização, como sendo ensino.

No cenário das demandas, vimos que um dos pontos de intercessão entre dois

sujeitos diz respeito à superação da timidez dos alunos no uso da fala, bem como à

necessidade de fazer os alunos observarem o tipo de linguagem empregada no

tratamento entre eles (uso da fala polida). As demandas explicitadas caminham sob duas

perspectivas: a primeira parece assegurar-se na compreensão de que o trato com a

oralidade parece mais voltado para o treino de técnicas de uso da fala em público; a

segunda volta-se para uma das dimensões específicas da oralidade, que envolve a

questão da adequação do registro à esfera de produção e realização, no caso específico,

à sala de aula. Sobre essas demandas, podemos estabelecer dois olhares, o primeiro que

compreende um oral sem ensino e o segundo, um oral a ser ensinado, contudo as

estratégias de intervenção no segundo sentido parecem frágeis na arrumação do fazer

docente.

Vimos que um dos sujeitos, que aponta a “timidez” como demanda dos alunos,

na hora de traçar objetivos para superar a deficiência, investe em atividades de

apropriação do sistema de escrita alfabética (3º ano). Aquele sujeito (P5) que sinaliza

demandas ligadas ao uso da fala polida, aponta como estratégia de ensino o ajuste da

fala do aluno à norma padrão. A questão do registro é tomada como desvio da norma,

fenômeno que não aparece quando a referida docente trata especificamente sobre

variação de registro. Não vemos objetivos que sejam diretamente ligados ao que as

professoras sinalizam como “demandas”, o que evidencia a ausência de encadeamento

entre atividades propostas e objetivos traçados para a realização das tarefas.

O que dizer então da avaliação docente sobre as possíveis modificações que

fariam se, porventura, fossem realizar novamente as atividades por elas propostas com

os seus alunos? Nesse ponto, temos três cenários. O primeiro revela o sentimento de

impotência docente em virtude de não saber o que alterar, pois não se tem clareza de

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como didatizar o oral; o segundo cenário está diretamente ligado à condição de

produção e realização da atividade, pois se relaciona com a organização dos turnos das

falas; o terceiro cenário tem o viés ligado aos saberes organizativos, de modo que a

dimensão metodológica ganha espaço privilegiado em relação à construção de uma

demanda que é sinalizada, a priori, como necessária aos alunos, ou seja, a questão da

polidez no uso da fala. Mais uma vez as posições dos sujeitos denunciam a necessidade

de saber o que deve ser ensinado e aprendido quando se toma o oral como objeto

didático.

No campo das discussões sobre a contribuição da formação docente para o

pensar sobre o oral, a formação inicial em nível médio e superior são tratadas como

momentos que não favoreceram o pensar docente sobre o referido eixo. O que podemos

pensar sobre essa realidade? Uma das possibilidades de interpretação é a de que os

centros de formação de professores, em diferentes instâncias, precisam avançar e ou

assumir o oral como objeto didático, conforme apregoam os documentos oficias (PCNs,

PNLD, “Propostas Curriculares”). Essa ausência ou incipiência do ensino pode ser

visualizada na maior parte das falas docentes, com relevo para a dimensão das

“demandas e objetivos” discutidos no parágrafo acima, que mostra um desencontro

entre estratégias de intervenção para o ensino e a superação das lacunas relativas ao

oral.

A realidade do baixo ou nenhum investimento na formação para o ensino do oral

pode revelar a pouca compreensão sobre o que deve ser ensinado sobre o oral?

Possivelmente! Mas o que faz alguns sujeitos terem a clareza de que o oral deve ser

ensinado e trazerem para as suas práticas indícios desse ensino? De que forma esses

sujeitos constroem esses saberes? Algumas pistas nos são dadas em relação a algumas

dessas respostas, como a formação em serviço, a partilha de experiências entre os

sujeitos e a sua prática em sala de aula, mesmo que este último ponto não seja uma

unanimidade entre os sujeitos. Temos assim a construção de saberes ancorados na

socialização das práticas (GUIMARÃES, 2004).

Chamamos a atenção nessa etapa “conclusiva” da pesquisa para convocação dos

docentes a serem sujeitos protagonistas na construção de saberes, conforme salientam

Schön (1992) e Zeichner (1993), no sentido de se posicionarem como sinalizadores de

encaminhamentos de sugestões de atividades, com vistas ao ensino da oralidade. Na

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ação de protagonismo, são mobilizadas pelas docentes três posturas: 1) o

reconhecimento de um “não saber”, reforçado pelo conhecimento de que há algo a

“saber” sobre o ensino do oral; 2) um voltar-se para documentos de referência pelo

reconhecimento de que nele há um “saber" norteador da prática; e 3) uma resistência à

partilha de um “saber”, motivada por elementos explícitos, tais como a insegurança de

não saber o que o será adequado a uma turma que não é sua.

No conjunto, a postura assumida pelas professoras referente às possíveis

orientações a outros pares se estrutura em uma partilha ajustada sob dois enfoques: a)

oral como objeto de mediação e b) oral como objeto de ensino. Há uma mescla dessas

perspectivas, e, por vezes, a superação da primeira sobre a segunda, o que resulta em

perda da especificidade do objetivo didático, na dimensão mais efetiva do ensino para o

grupo-sala.

No que tange à discussão de como as docentes compreendem as atividades orais

apresentadas em livros didáticos destinados aos anos iniciais, o panorama revelou que,

de modo geral, a análise das atividades voltadas à variação linguística é feita a partir da

discussão da normatividade, ou seja, as professoras tratam a variação dialetal como

desvio que não deve ser explorado pelos alunos, pois eles podem tomar o “erro” como

forma “correta”. As professoras assumem uma postura de “assepsia” da atividade, no

que se refere à variação, de modo que os alunos não reflitam sobre “erros”.

Vimos que as perspectivas de análise da variação de registro são conduzidas a

partir de dois olhares. O primeiro remete às diferenças entre o espaço rural e o urbano,

reforçando a polarização entre as falas dos sujeitos pertencentes a essas áreas; o

segundo considera a variável “grau de intimidade” como promotora de mudanças no

registro. Diferentemente da variação dialetal, a análise da atividade com foco na

variação de registro não foi enxergada pelas docentes sob o prisma do erro, o que pode

ser motivado pela configuração da proposta, que não apresenta desvios ortográficos ou

gramaticais, apenas manifestações como gírias. O silenciar docente em relação à gíria

pode nos conduzir à compreensão de que, para as docentes, esse uso informal da língua

não é tomado como elemento desviante da norma padrão, mas sim como um fenômeno

legítimo? Eis um ponto de reflexão para novas pesquisas.

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No trato com a relação da fala com a escrita, as docentes, em geral, encaminham

suas análises para a perspectiva de que ambas as modalidades da língua, a fala e a

escrita, podem ser registradas com maior ou menor grau de formalidade. A relação entre

os sujeitos e as dimensões da afetividade também são reconhecidas como elementos que

interferem na produção dos registros. O que nos chama a atenção nessa discussão é a

posição que as docentes assumem frente ao modelo de registro formal, como por

exemplo, a atividade da carta. Há um movimento de recuo no trato com o referido

modelo, por motivos que vão desde a falta de familiaridade dos alunos com a dimensão

estrutural daquele gênero textual à previsão da não aceitação por parte dos alunos do

registro formal na carta. O que promoveria essa postura? Falta de intimidade com o

conteúdo a ser tratado? Negação da importância de seu ensino? Lembremos que esse

mesmo cenário é ratificado pelas docentes ao serem orientadas a escolherem, dentre as

atividades por nós apresentadas, aquelas que poderiam ser aplicadas com o seu grupo-

sala (retomaremos essa discussão mais a frente).

No que concerne à discussão sobre a oralização do texto escrito, vimos que as

análises focalizam alguns elementos da atividade, a saber: olhar direcionado para o

gênero textual (fábula), sem a observância para o título da atividade, identificado como

sendo de “Oralidade”; observância para o comando da proposta, que sinaliza para a

“leitura em voz alta”; direcionamento do olhar para o ensino de valores sociais, com

atenção voltada para a “moral da história”; ajustamento da proposta às demandas do

grupo-sala. A partir desses enfoques, a atividade de oralização passa a ser enxergada

como pretexto para tratar de questões ligadas à consolidação do sistema de escrita

alfabético (P3); ao ajustamento do texto às normas ortográficas, à pontuação (P4); e ao

ensino de gramática e da oralidade (P5).

O gênero fábula apóia propostas de ensino de natureza variada, sendo

mencionado apenas em um momento como trabalho com a ”oralidade” (P5), conforme

anuncia o LD. Ao assumir a proposta de oralização do texto escrito como atividade oral,

algumas compreensões podem emergir em relação à postura da professora. Em primeiro

lugar, ela pode ter sido influenciada pela identificação dada pelo LD, uma vez que o

livro indica a proposta como atividade oral. Em segundo lugar, a fala docente pode ser

fruto de uma compreensão de que a leitura em voz alta de um texto escrito representa

uma atividade oral. Mas, será que essa segunda postura docente é influenciada pelo

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desvio conceitual cometido pelo LD ou o desvio conceitual cometido por ela é fruto de

uma tradição da escola em assumir todas as práticas orais, ocorridas nos ambiente

escola, como trabalho com a oralidade? Eis mais uma possibilidade de investigação

futura.

Outro questionamento também é possível frente à fala da referida professora,

uma vez que ela poderia compreender que a leitura do gênero fábula, ao ser realizada

com atenção para os elementos prosódicos, sinalização que está implícita na atividade,

teria o propósito de ensinar o oral, ao invés de ater-se a exclusivamente à oralização da

escrita. Todavia, não vemos esses indícios em sua fala durante a pesquisa.

Ressaltamos aqui que não queremos minimizar práticas da oralização da escrita

dentro da escola, pois cremos que ela faz parte de um processo de didatização da leitura

e pode favorecer a fluência leitora. Contudo, não podemos compreender oralização

como ensino de oralidade, apenas por se fazer uso da fala como veículo de comunicação

oral.

Nas discussões sobre o oral, especificamente sobre o enfoque dado a

multimodalidade discursiva, gostaríamos de destacar não especificamente os resultados

dessa categoria, mas trazer à tona as posturas docente frente à história em quadrinhos

explorada nessa categoria e ao mesmo gênero abordado na “Categoria 1”, em que traz a

fala de Chico Bento como objeto de discussão. No primeiro caso, as docentes

reconhecem os elementos específicos da multimodalidade e direcionam também a

atividade para explorar elementos composicionais do gênero, como por exemplo, os

balões e seus diferentes formatos. Porém, ao tratar sobre o segundo caso, as professoras

atentam prioritariamente para o fenômeno da variação dialetal, secundarizando as outras

possibilidades de ensino presentes também na HQ. O que pode representar essa postura?

Possivelmente, a temática da variação dialetal ainda é fator inquietante para as docentes,

de modo que, ao aparecer tal fenômeno, haja um esforço concentrado no sentido de

fazer os alunos se desviarem do que elas consideram como “erro”.

Ao tratarem da relação da fala com a escrita, enxergamos, dentre as análises, a

escrita sendo observada como maior grau de complexidade em relação à oralidade, pela

compreensão de que apenas na escrita desenvolvemos um maior esforço para nos

fazermos entendidos. A dimensão do contínuo, à qual nos aportamos nessa pesquisa,

opõe-se a essa compreensão, visto que os gêneros textuais, sejam eles realizados em

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quaisquer modalidades, se relacionam ou se distanciam a depender da intencionalidade

dos interlocutores, dentre outras dimensões.

Quanto à produção e à compreensão do gênero oral, vemos olhares voltados

para o uso da fala sob dois vieses, um ligado à dimensão interacional, em que o aluno é

estimulado a interagir oralmente com o grupo-sala, e outro ligado à dimensão do ensino

de uma “ordem” discursiva, como por exemplo, a argumentação, sobre a qual os alunos

vão expor seu ponto de vista a respeito de alguma temática em discussão. O que essas

duas compreensões nos apontam? Inicialmente, que as análises docentes se sustentam

em saberes estruturados tanto na teoria dos gêneros quanto na dimensão interativa do

uso da fala informal, o que representa inicialmente uma aproximação do oral enquanto

objeto de ensino-aprendizagem e, por outro lado, um desvio desse processo de ensino.

No que concerne às escolhas docentes quanto às atividades possíveis de

aplicação em sua sala de aula, focaremos nessas conclusões as justificativas dessas

escolhas. Vimos indícios da não aplicação de determinada atividade pelo alto ou baixo

grau de complexidade da proposta. Dois fatores parecem reforçar a não aplicação de

atividades não escolhidas: 1) A falta de afinidade docente com a proposta; 2) A

transferência dessa falta de intimidade e/ou alto grau de familiaridade dos alunos com a

proposta. Não enxergamos nos argumentos elementos que justifiquem a ausência de

ensino, por exemplo, de uma escrita formal do gênero carta, pelo fato de os alunos não

terem intimidade com a linguagem mais rebuscada empregada no gênero (postura essa

já discutida acima).

A postura dos sujeitos nos fez questionar sobre o papel do ensino de língua. Se

para as docentes uma das funções desse ensino é “preparar para a vida”, em que medida

assegurar o ensino de gêneros textuais mais formais, ou apresentados em um registro

mais formal, faz parte dessa preparação? Para que servirá a escola se não se

comprometer com a superação, no sentido de fazer uso dos conhecimentos já

dominados pelos sujeitos e ampliá-los? Não seria a proposta um excelente momento

para se introduzir um novo conteúdo? Por que ocultar algo que também precisa ser

trabalhado na escola?

As alterações da proposta didática sugeridas pelas docentes a partir das

atividades por elas escolhidas são endereçadas a uma ampliação da atividade oral sob o

ponto de vista da atividade escrita. Entre elas vemos o foco na alfabetização e na

produção de texto escrito, cenário já revelado pelas professoras em momento anterior. O

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que nos parecem esses encaminhamentos? Algumas interpretações são possíveis a partir

deste cenário; dentre elas, a de que o domínio docente sobre campos de natureza

diferenciada as faz enviesar a proposta, prevalecendo dessa forma os elementos que dão

sustentação a sua prática, do que seguir as estratégias didáticas propostas pelos LDs, ou

seja, os sujeitos preferem “ousar” a partir do que dominam, a prosseguir sem a

segurança que lhes parece ser necessária.

Há um repertório de saberes mobilizados pelas professoras nesse processo de

alteração didática, que envolve desde a dimensão procedimental aos saberes de ordem

cognitiva, no sentido de evidenciar os conteúdos que desejam ensinar a partir do que é

proposto. É um movimento de fabricação de táticas que dá uma configuração singular às

proposições das docentes, fazendo-as alçarem voos em direção ao que, possivelmente,

lhes confere maior estabilidade no ensino, porquanto há maior segurança.

Os saberes organizativos também são mobilizados nesse processo de ajustes da

proposta à realidade dos alunos. O foco do olhar docente concentra-se na organização

do quantitativo de sujeitos envolvidos nos grupos de trabalho.Nesse sentido, agarram-se

a dimensões metodológicas e perdem ou não direcionam o foco para o ensino do oral.

Os saberes cognitivos também são empregados no planejamento dos objetivos

pretendidos, ainda que do ponto de vista teórico-metodológico precise ser ajustado para

que os alunos percebam o que está no “jogo do aprender”.

A dimensão afetiva do saber também perpassa as subjetividades dos sujeitos

envolvidos, uma vez que, ao compreenderem a dinâmica de seu grupo-sala, as docentes

agem no sentido de envolvê-lo na ação, de modo a afastar a desmotivação dos alunos

por conta de estratégias metodológicas com as quais sua sala não demonstra afinidade.

Nas configurações, não conclusivas, arroladas aqui, pudemos responder, ainda

que de forma parcial, a algumas perguntas feitas por nós ao longo do trabalho sobre

quais demandas movem os docentes em suas escolhas para o trato com a oralidade e

quais fatores são determinantes para que o oral seja tomado como objeto didático.

Assim, temos a realidade dessa pesquisa, em particular, que sinaliza para o processo de

ensino se efetivando em torno das intencionalidades dos sujeitos sobre os saberes em

jogo. Estão em jogo a Importância e a Demanda. O primeiro elemento parece mais

atrelado ao saber consolidado pelas construções e prescrições teóricas que fundamentam

os conteúdos curriculares, já o segundo está diretamente relacionado ao saber da prática,

cujas revelações são definidas pelo movimento das docentes em contato com a sua

realidade escolar. Temos, assim, fatores que mobilizam o ensino, conforme Guimarães

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(2004), para quem, na margem de manobra, os sujeitos selecionam, modificam,

arrumam, controlam e agem na e sobre a sua prática.

Como o eixo da oralidade se fortalece nessa configuração? Cremos que o

primeiro passo nesse desafio está sendo dado pelos sujeitos de nossa pesquisa, que já

passam a reconhecer a demanda, ensaiam tentativas de ensino da oralidade, embora, por

vezes, não demonstrem clareza sobre o que do oral deve ser ensinado e aprendido.

Como procedermos frente a essa realidade? Prosseguiremos no investimento de

investigações e propostas teórico-metodológicas que possam auxiliar esses docentes em

suas práticas, bem como no favorecimento de mobilização dos centros de formação

docentes e das Redes de ensino para oportunizarem formações iniciais e em serviço,

com vistas a ajudar o professor nesse desafio de tomar o oral como objeto de ensino-

aprendizagem. Essa postura nos engana na luta em favor de uma política de formação

para os professores que dialogue não apenas com o eixo da oralidade, objeto do campo

da linguagem, mas com as diferentes áreas do conhecimento. Fica a certeza de que nossa investigação não encerra a discussão sobre oralidade,

tampouco fecha um ciclo de investigações iniciado por nós na ocasião do mestrado,

quando analisamos estratégias didáticas para o ensino do oral em coleções de livros

didáticos destinadas aos anos iniciais do ensino fundamental e estendido no doutorado

com a investigação sobre os saberes docentes para esse ensino. Deixamos em aberto

alguns novos leques de pesquisa apontados ao longo das nossas (in)conclusões e novas

possibilidades indicadas por nós a seguir, dentre elas: o confronto entre as análises das

atividades dos livros didáticos feitas pelas professoras e os objetivos das atividades

propostas nos manuais de ensino, como também a compreensão e o acompanhamento

das práticas docentes na didatização das atividades por elas analisadas, seguida, da

análise do que foi proposto e executado com o grupo-sala.

A abertura para novas possibilidades de investigação reforça a prática de fazer

ciência, estruturada no pressuposto de que o saber não se encerra em si, antes, porém

abre-se para o diálogo com outros saberes e se revisita a cada novo desequilíbrio

paradigmático. Essa consciência estrutura a nossa compreensão de incompletude e

arvora-nos a prosseguir na investigação do objeto oralidade, na suposição de que muito

há para ser dito e compreendido sobre esse eixo de ensino, que busca se firmar nos

saberes docentes e nas discussões teórico-metodológicas.

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