universidade federal de pernambuco centro de … · ao meu pai josé geraldo gomes da costa, que,...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
OS SABERES DOCENTES PARA O ENSINO DA ORALIDADE: O QUE SABEM OS PROFESSORES E COMO COMPREENDEM AS ATIVIDADES PROPOSTAS PELOS
LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA?
DÉBORA AMORIM GOMES DA COSTA MACIEL
RECIFE, 2011
2
DÉBORA AMORIM GOMES DA COSTA MACIEL OS SABERES DOCENTES PARA O ENSINO DA ORALIDADE: O QUE SABEM OS PROFESSORES E COMO COMPREENDEM AS ATIVIDADES PROPOSTAS PELOS
LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA?
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação a Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do grau de doutora em Educação.
ORIENTADORA: PROFª. DRª. MARIA LÚCIA F. DE FIGUEIREDO BARBOSA
RECIFE, 2011
3
4
5
A minha bebê Margarida Amorim Maciel, pela companhia e profunda tolerância em ter sua mamãe horas e horas sentada, tendo a meta de concluir essa tese antes de sua
chegada. Filhinha, obrigada por me entreter com suas mexidinhas e brincadeirinhas...
Seja bem!
6
AGRADECIMENTOS
Ao Deus todo poderoso, pelo fôlego da vida e pela graça de gerar uma vida...
À minha mãe Maria José de Amorim Gomes pelo exemplo de persistência. A ela esse momento especial de produção da tese e confecção da sua primeira netinha...
À minha filhotinha Margarida, pelo prazer de me fazer senti-la em cada momento dessa escrita...
Ao meu marido Marco Aurélio Freire Maciel, por persistir em me fazer companhia na solidão da escrita.
Ao meu irmão David Amorim, por me fazer crer que Deus está no controle de tudo.
Ao meu pai José Geraldo Gomes da Costa, que, do seu jeito, se orgulha de ter uma filha com formação em nível “superior”.
A toda a minha família, em especial a minha tia Carminha, pela confiança depositada, e por acreditar nos meus sonhos.
A Dila (Dilian da Rocha Cordeiro), pela forma desbravadora como encara a vida. Agradeço também a sua mãe, sr. ao seu esposo, Marquinhos (prof. Antonio Marco) pela atenção dispensada e a filha do casal, Sara, que nos encanta com o seu sorriso... Sem esquecer de agradecer a mãe da Dilian, Dona Joanita que muito me ajudou em oração.
A Jaqueline Correia, pela doçura como trata a vida e por nos transmitir paz...
A Lenira Silveira, pelo carinho e por não me deixar esquecer da “educação real”.
A Lana (Maria Lana Monteiro), pela parceria e por me fazer acreditar na possibilidade de ser mãe de perto e de longe...
A Karla Reis Gouveia, pela bravura e doçura com que vive o seu dia a dia. Minha gratidão pelo apoio.
A Cristina Leite por ser um exemplo de mulher guerreira.
A Maria Lúcia Barbosa, minha orientadora, que mais uma vez confiou em meu trabalho e renovou os votos de parceria. Sua postura produziu em mim uma disposição em arvorar sobre a vida e ter mais autonomia na escrita. Também agradeço ao seu marido, Sr. José Barbosa que dividiu a atenção da sua esposa comigo, especialmente neste final de gestação e revisão de escrita...
7
As professoras, sujeitos dessa pesquisa, que de forma graciosa e voluntária nos cederam seu tempo e olhar preciosos, bem como a diretora da escola, pela doce acolhida.
A Universidade de Pernambuco (UPE), em nome do diretor prof. Pedro Falcao e do vice-diretor prof. Manoel Pereira Barros, pela sensibilidade no trato com os professores e professoras em doutoramento.
Aos meus pares da Universidade de Pernambuco, professoras Maria Lana Monteiro, Cristina Leite, Vera Chalegre, Rosa Tenório, Vitória Ribas e professores Maurício Goldberg, Elcy Luiz Cruz, Haroldo Amaral, Benedito Bezerra e sua esposa Helivete Bezerra, pela forma compreensiva como trataram meu processo de doutoramento...
Aos alunos e alunas dos cursos de Pedagogia e Licenciatura em informática da UPE Garanhuns, que partilharam comigo as dores e as delícias de estar dividida entre Recife e Garanhuns, a escrita de uma tese e a gestação da minha bebê.
A minha doce bolsista de monitoria, Fernanda Queiroz, pela forma compromissada com que investiu em sua qualificação e pelo exemplo de ser humano que é...
Ao Djário Dias, em busca de redimir-me pelo esquecimento de agradecê-lo de forma escrita, pela revisão do meu abstract à época da minha dissertação de mestrado.
Ao Benedito Bezerra, pela revisão do abstract dessa tese... pela sua prontidão e olhar agraciado.
A Clécio Buzen, pelas partilhas produtivas que ampliaram o meu olhar sobre o nosso objeto de pesquisa.
A Maria Estela Costa Holanda Campelo (UFRN), pelo exemplo de professora humanizada.
A Laís Rosal, pelo olhar cuidadoso com que revisou a escrita dessa tese e por juntar-se ao grupo dos(as) que acreditam na oralidade como objeto didático.
Aos colegas de graduação e pós-graduação pela convivência e aprendizado.
Aos professores do Centro de Educação da UFPE, por contribuirem para a minha formação inicial e continuada.
À equipe de funcionárias que atuam na secretaria do programa de Pós-Gradução, Morgana Marcelly Costa Marques, Karla Reis Gouveia; Shirley Cristiane Monteiro da Silva, bem como ao apoio administrativo, em nome de Rebecka Dulce Marinho de Lima, pela paciência que dispensam a cada um de nós.
À banca de qualificação do projeto de tese, professoras Lívia Suassuna, Telma Ferraz e professor Alexandro Silva pelas orientações e ricos ensinamentos.
8
À banca titular de defesa da tese, professoras Valéria Severina Gomes (UFRPE); Ana Cláudia Pessoa Gonçalves Rodrigues (UFPE); Lívia Suassuna (UFPE); Márcia de Oliveira Melo (UFPE); que dispensaram seu olhar criterioso para com o meu trabalho, bem como aos suplentes, professora Telma Ferraz Leal (UFPE) e professor Alexsandro Silva (UFPE - CAA), pela atenção e contribuição com o desenvolvimento da pesquisa.
Ao Centro de Estudos em Educação e Linguagem (CEEL) pela oportunidade de me fazer aprender a ser docente. Agradeço a todos e todas que, de alguma forma, contribuíram com mais esse posso em minha vida, que cultivaram em mim o desejo pelo inusitado.
9
Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos, porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos [...]
II Coríntios 4: 8 e 9
10
RESUMO
Nesta pesquisa investigamos os saberes docentes para o ensino da oralidade, com vistas a compreender como três professoras do ensino fundamental (3º ao 5º ano), concebiam o oral enquanto objeto de ensino-aprendizagem e a ver quais saberes as docentes mobilizavam ao analisar atividades orais propostas por livros didáticos de língua portuguesa. O problema de pesquisa estruturou-se na compreensão de que embora o ensino da oralidade seja obrigatório nas escolas brasileiras, permanece incipiente nas pesquisas acadêmicas e pouco presente no que concerne às investigações a respeito dos saberes docentes para o seu ensino. Este cenário resulta na baixa visibilidade ofertada ao eixo da oralidade nas diferentes esferas de produção do saber e gera consequências para a formação docente, como o pouco conhecimento sobre a efetivação de um processo de didatização do oral. Em nossa hipótese, partimos da ideia de que os professores, embora conheçam a necessidade de se ensinar a oralidade, mobilizam para esse ensino saberes atrelados a outros eixos didáticos, possivelmente em virtude da pouca compreensão sobre o que deve ser ensinado-aprendido sobre o oral. Diante da configuração do nosso objeto de estudo, tomamos como referência a compreensão Bakhtiniana de língua, as propostas de didatização de Schneuwly e Dolz (2004) e Ferraz, Costa-Maciel e Barbosa (no prelo), assim como as teorizações de Marcuschi (2005); Dionísio (2005); Cavalcante e Melo (2006) e Elias et. al (2011). Entre as discussões a respeito dos saberes docentes, aportamo-nos em Freire (1996); Pimenta (2002); Therrien (2002); Gauthier et al. (1998); Tardif (2002); Charlot (2000), dentre outros. Com vistas a alcançarmos os objetivos da investigação, elegemos 11 (onze) categorias analíticas a partir de uma base metodológica qualitativa e com a utilização das técnicas da análise de conteúdo de Bardin (1995). Os pilares analíticos envolveram a entrevista com três sujeitos e a análise por eles de protocolos de atividades cujo foco da discussão envolvia o trato com aspectos da oralidade. Nossos resultados evidenciaram que, no âmbito dos sujeitos investigados, existem lacunas na definição do que é concebido como trabalho com a oralidade, visto que a compreensão transita entre saberes ligados a atividades de interação oral e proposições que consistem em servir de preâmbulo para atividades de natureza escrita. A mobilização desses saberes é fruto das experiências das professoras com o seu grupo sala (saber experiencial), fator determinante para a definição do que os alunos devem aprender sobre a oralidade. Vimos que esse pretenso ensino, por vezes, estaria sendo direcionado para campos de maior tradição no espaço escolar, a saber, a leitura, a produção etc., o que pode representar um maior domínio sobre esses eixos nas práticas das professoras investigadas. Essa postura também pode ser justificada pelas queixas apresentadas por elas em relação à sua formação nos níveis médio e superior; e, em sua maioria, à formação em serviço, que não lhes proporcionou suporte teórico-metodológico para esse ensino. Na análise das atividades, destacam-se alguns pontos que dizem respeito à variação dialetal, dimensão enxergada pelas professoras sempre do ponto de vista da normatividade; e à teoria dos gêneros, que aparece com certo domínio em suas falas. Em síntese, percebemos que a oralidade necessita ser melhor compreendida no âmbito do seu ensino e que, por conseguinte, há ainda necessidade de investimento em formações, em diferentes níveis, a fim de assegurar o acesso a propostas que efetivamente ajudem aos professores que atuam na área de língua portuguesa a compreenderem o processo de didatização do oral. Palavras-chave: saberes docentes; ensino de língua portuguesa; livro didático de língua portuguesa; oralidade.
11
ABSTRACT This research investigated the teacher knowledge for teaching oral language, in order to understand how a group of elementary school teachers(3rd to 5th year) approached the oral language as an object of teaching and learning and see which knowledge teachers mobilized to analyze oral activities proposed by the Portuguese language textbooks. The research problem was structured on the understanding that despite the fact that teaching of oral language is mandatory in Brazilian schools, it remains on second place in academic research, specifically aboutteachers knowledges for oral teaching. This scenario results in the low visibility to oral knowledgeand, consequently, generates problems on teacher training, such as difficulties on understanding the way of theaching the orl language. . In this work, we hypothesized that although teachers know the importance of teaching oral language, this knowledge is always related to other axes of language, such as reading and writing, possibly due to the little understanding of what should be taught and learned about oral language.According to the configuration of our subject, we take as reference Bakhtin’s understanding of language; the didactization of oral language proposed by Dolz and Schneuwly (2004) and Ferraz, Maciel and Barbosa (forthcoming), as well as the theories of Marcuschi (2005); Dionísio (2005);, Cavalcante and Melo (2006) and Elias et. al (2011). Related to the discussions of the teacher knowledge, we based our job in Freire (1996), Pepper (2002), Therrien (2002), Gauthier et al. (1998), Tardif (2002), Charlot (2000), among others. In order to achieve the objectives of the investigation, we chose 11 categories of analysis, through a qualitative methodological basis, using the techniques of content analysis by Bardin (1995). The analytical pillars envolved interviews with three teachers and protocol activities, from some analysis made by them, which foccused on oral teaching. . Our results showed that, within the investigated teachers, there are gaps in the definition of what is designed as working with orality, once the understanding moves betweenrelated knowledge to oral interaction activities and propositions that serve as a preamble to writing activities. The mobilization of knowledge is the result of the experiences of teachers living with their group (experiential knowledge), which is a determinant factor in the definition of what students should learn about oral language. We have noticed that this alleged teaching, has usually beendirected to the most traditional subjects in schools, such as reading, and writing, probably due to a better grip on these axes in the practices of the surveyed teachers. This attitude can also be justified by complaints from the teachers about their training in secondary and universitary levels. Besides that, the training service did not provided them with technical and methodological support for this teaching. In the analysis of the activities we can highlight a few points concerning to the dialectal variation, which is always seen by the teachers through the point of view of normativity and rules; and to the theory of genres, which shows a certain mastery in the analysis made by the teachers. In summary, we find out that oral language needs to be better understood in the context of its teaching and that therefore there is still a need of investment in training teachers at different levels of education, to ensure access to proposals which effectively help teachers who working in the area of Portuguese language to understand the process of oral didactization. Keywords: teacher knowledge, teaching Portuguese language, textbooks Portuguese language; oral language
12
RESUMEN Se investigó el conocimiento de tres maestros de la escuela primaria (3 º a 5 º grado), con el fin de entender cómo darse cuenta de la oralidad como el objeto del proceso de enseñanza-aprendizaje y comprender los conocimientos movilizados mediante el análisis de las actividades orales propuestas por los libros de texto de lengua portuguesa. El problema de investigación se estructuró en el entendimiento de que, si bien la enseñanza de la lengua oral es obligatoria en las escuelas brasileñas, sigue siendo frágil y poca investigación académica sobre esto con respecto a las investigaciones del conocimiento para la enseñanza. Este escenario da lugar a la baja visibilidad que ofrece con respecto al eje de la oralidad en las diferentes esferas de la producción de conocimiento y genera consecuencias para la formación del profesorado, tan poco conocimiento acerca de la aplicación de un proceso de didactization orales. En nuestra hipótesis, partimos de la idea de que los maestros, aunque consciente de la necesidad de enseñar la oralidad, a actuan para la enseñanza de estos conocimientos vinculados a la enseñanza de otras áreas de ensinanzã, posiblemente debido a la poca comprensión de lo que se debe enseñar-aprender acerca de la oralidad. Dada la configuración del objeto de nuestro estudio, nos referimos la comprensión del lenguaje de Backtin, de la propuesta didactization Dolz y Schneuwly (2004); Ferraz, Costa y Maciel y Barbosa (de próxima publicación), así como las teorías de Marcuschi (2005), Dionisio (2005); Cavalcante y Melo (2006) y Elias et. al (2011). Entre los debates de la enseñanza del conocimiento, hemos considerado Freire (1996), Pimienta (2002), Therrien (2002), Gauthier et al. (1998), Tardif (2002), Charlot (2000), entre otros. Con el fin de alcanzar los objetivos de la investigación, se optó por once (11) categorías de análisis a partir de una base metodológica y el uso de técnicas cualitativas de análisis de contenido de Bardin (1995). El análisis se realizaron entrevistas con tres sujetos y el análisis de los protocolos con un enfoque en las actividades orales. Nuestros resultados mostraron que, dentro de los sujetos investigados, hay lagunas en la definición de lo que compeendem como el trabajo con la oralidad, ya que el entendimiento pasa entre los conocimientos relacionados con las actividades de interacción orales y proposiciones que han de servir como preámbulo a la naturaleza de las actividades de escritura. La movilización de este conocimiento es el resultado de las experiencias de los docentes que viven con su grupo (conocimiento experimental), factor determinante en la definición de lo que los estudiantes deberían aprender acerca de la oralidad. Hemos visto que este tipo de educación llamada a veces se dirigen al eje más largo en la escuela, a saber, la lectura, producción, etc., que puede representar un mayor control sobre estos ejes en las prácticas de los profesores investigados. Esta actitud también puede estar justificada por las quejas de ellos acerca de su formación en la escuela secundaria y la universidad, y, sobre todo, la formación en servicio, que les dieron ningún apoyo para esta enseñanza teórica y metodológica. En el análisis de las actividades, se destacan algunos puntos relativos a la variación dialectal, dimensión observada por los maestros bajo la mirada de la normatividad y la teoría de los géneros, lo que demuestra un cierto dominio en su discurso. En resumen, creemos que la oralidad necesita ser mejor comprendida en el contexto de su enseñanza y que por lo tanto hay necesidad de invertir en la capacitación a distintos niveles con el fin de garantizar el acceso a las propuestas que contribuyan efectivamente a los profesores que trabajan en área de la lengua portuguesa para entender el proceso de didactization oral. Palabras clave: conocimiento de los maestros, la enseñanza de la lengua portuguesa, los libros de texto de lengua portuguesa, la oralidad.
13
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS C1 –
Coleção 1
C2 –
Coleção 2
FC –
Formação Continuada
LD –
Livro Didático
MEC –
Ministério da Educação
P2 –
Professora do segundo ano
P3 –
Professora do terceiro ano
P4 –
Professora do quarto ano
PCN –
Parâmetros Curriculares Nacionais
PNLD –
Programa Nacional do Livro Didático
UFPE –
Universidade Federal de Pernambuco
14
LISTA DE TABELAS Tabela 1. Quadro geral de identificação dos professores. Tabela 2. Apresentação do roteiro de entrevista e as categorias analíticas referentes a análise da entrevista. Tabela 3. Apresentação das categorias de nossa dissertação revisitadas para a seleção de protocolos de atividades, a fonte dos protocolos de atividades utilizadas por nossa tese e a categoria em que cada um foi organizado. Tabela 4. Apresentação da nova categoria, criada na ocasião da organização dos protocolos de atividades, que serviu de base para a análise pelos docentes. Tabela 5. Práticas docentes para o ensino do oral: atividades, demandas, objetivos e avaliação.
Tabela 6. Seleção de atividades por parte da professora do terceiro ano do ensino
fundamental.
Tabela 7. Seleção de atividades por parte da professora do quarto ano do ensino
fundamental.
Tabela 8. Seleção de atividades por parte da professora do quinto ano do ensino
fundamental.
15
SUMÁRIO INTRODUÇÃO 16 CAPÍTULO 1 – ORALIDADE E GÊNEROS TEXTUAIS: CONCEPÇÕES
TEÓRICAS...................................................................................... 21
1.1 Oralidade e gêneros
textuais...................................................................... 22
1.2 A relação da fala com a
escrita.................................................................
23
12.1 Fala e escrita: variação
linguística.....................................................
28
1.3 Letramento e oralidade: práticas sociais e eventos comunicativos...................................................................................
33
1.4 Gêneros textuais orais: reflexões sobre o ensino.............................. 38 CAPÍTULO 2 – ESTADO DA ARTE: A ORALIDADE COMO OBJETO DE
ENSINO-APRENZAGEM...............................................................
CAPÍTULO 3 – SABERES DOCENTES: RELAÇÕES E CONSTRUÇÕES.............................................................................
45
3.1 A constituição do saber docente....................................................... 59 3.2 Teorização sobre o saber nas variadas instâncias de
produção.......................................................................................... 60
CAPÍTULO 4 – METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO: OS SABERES DOCENTES PARA O ENSINO DO ORAL...................................
85
Etapas da pesquisa....................................................................... 86 Estratégias de seleção do corpus de análise................................. 87 Opções de pesquisa: da tipologia para o tratamento dos
dados.............................................................................................86
Advertências da pesquisa............................................................. 94 CAPÍTULO 5 – ANÁLISE DOS DADOS: OS SABERES DOCENTES PARA O
ENSINO DA ORALIDADE............................................................ 97
Categoria 1 - Olhares docentes sobre os objetivos do ensino da língua materna na prática pedagógica e nos manuais didáticos.......
98
Categoria 2 - Olhares docentes sobre a oralidade como eixo de ensino no livro didático de língua portuguesa..................................
106
Categoria 3 - Práticas docentes para o ensino do oral: atividades, demandas, objetivos e avaliação.......................................................
111
Categoria 4 - Olhares docentes sobre a contribuição de sua formação para ensinar a oralidade....................................................
127
Categoria 5 - Proposições docentes para o ensino da oralidade 133
Categoria 6 – Compreensões docentes sobre as questões da variação linguística: em cena a variação dialetal.............................
140
Categoria 7 – Compreensões docentes sobre a relação fala-escrita................................................................................................
155
Categoria 8 - Compreensões docentes sobre a oralização do texto escrito..............................................................................................
161
16
Categoria 9 - Compreensões docentes sobre os elementos multimodais na fala e na escrita...............................................................................................
167
Categoria 10 - Olhares docentes sobre a produção e a compreensão do gênero textual oral....................................................................................................
174
Categoria 11 - Olhares sobre as escolhas docentes.......................... 182
(In) Conclusões................................................................................. 192
REFERÊNCIAS........................................................................................................................ 208
17
INTRODUÇÃO
Este trabalho é fruto de uma relação pesquisadora-objeto de pesquisa iniciada
durante o curso de mestrado. Na ocasião, tivemos como propósito compreender as
estratégias didáticas para o ensino da oralidade apresentadas por duas coleções de livros
didáticos de língua portuguesa destinadas aos anos iniciais do ensino fundamental, à
época 1ª a 4ª séries. Selecionamos atividades com o foco no ensino da oralidade e
procedemos a uma investigação tendo como objetivo específico investigar se tais
propostas favoreciam a compreensão do objeto em questão.
No processo de investigação, perguntas foram respondidas e muitas outras
emergiram, dentre elas: o que diria o professor ao analisar as atividades?
Como fruto da lacuna advinda de nossa dissertação, debruçamo-nos, neste
trabalho, sobre o professor, movidas pela compreensão de que há um saber em suas
ações e pelo desejo de compreender o seu olhar sobre o que lhe é proposto por livros
didáticos de língua portuguesa para o ensino da oralidade.
A oralidade é um tema para o qual se busca afirmação nas esferas do saber
acadêmico (CHEVELLARD, 1991) e no espaço escolar como objeto específico de
conhecimento (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004, MARCUSCHI, 2001), evidenciando a
importância e a relevância desse eixo a ser ensinado no currículo de língua portuguesa.
Essa afirmação é reforçada por diferentes autores, dentre eles Marcuschi (2008); Fávero
(2000) e pelos documentos oficiais, tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais
(BRASIL, 1996) e o Programa Nacional do Livro Didático (GUIA DE LIVROS
DIDÁTICOS/PNLD, 2010). Embora o ensino da oralidade seja obrigatório nas escolas
brasileiras, trata-se de um eixo didático que, por ser “recente no cenário dos conteúdos
curriculares” (PCN, 1996), se configura ainda incipiente nas pesquisas acadêmicas e
pouco presente no que diz respeito às investigações do saber docente para o seu ensino
(SCHNEUWLY E DOLZ, 2004; MARCUSCHI e DIONISIO, 2005; COSTA, 2006;
COSTA-MACIEL, 2006, 2008; COSTA-MACIEL e BARBOSA, M.L, 2009;
MAGALHÃES, 2007; MARCUSCHI, 2008).
Barros-Mendes(2006, p. 89), com base em Dolz (2004), chama-nos atenção para
o fato de a linguagem oral ser considerada, ao mesmo tempo, como prática a ser
desenvolvida em produção e compreensão pelos alunos e como ferramenta das
intervenções dos professores, o que gera uma grande problemática. A dificuldade reside
18
“no fato da linguagem oral ser primariamente concebida como uma ferramenta de
mediação e de comunicação, fazendo com que raramente seja considerada como objeto
de ensino claramente identificado”.
O panorama situado acima, realça o contexto em que se insere o problema de
nossa pesquisa, bem como evidencia a baixa visibilidade do eixo da oralidade nas
diferentes esferas de produção do saber. Em virtude dessa baixa visibilidade, do eixo em
questão, observam-se tanto consequências na formação docente, como pouco
conhecimento sobre a efetivação de um processo de didatização do oral.
Como forma de buscar uma maior compreensão sobre nosso objeto de
investigação, partimos da hipótese de que embora os professores conhecessem a
necessidade de se ensinar a oralidade, eles apresentariam dificuldades em compreender
o que há no eixo para ser ensinado. Supomos que essa realidade possa ser compreendida
por nós como fruto de uma formação inicial e continuada que não os auxiliam em um
processo reflexivo, o que gera perspectivas superficiais de ensino e desfavorece a
superação de equívocos conceituais sobre o oral e suas múltiplas relações com o
letramento.
Com base no problema de pesquisa e na hipótese, levantamos os seguintes
objetivos de investigação:
Objetivo Geral
Analisar os saberes docentes para o ensino da oralidade.
Objetivos Específicos
Investigar o olhar docente sobre a oralidade enquanto objeto de ensino-
aprendizagem;
Refletir sobre como o docente compreende a oralidade a partir de um conjunto de
atividades presentes em livros didáticos de língua portuguesa.
Nesse trabalho, assumimos a oralidade como um eixo de ensino que, como tal,
deve ser pensado em sua estruturação didática. Ao assumirmos essa ideia, defendemos a
perspectiva de que o ensino da oralidade envolve situações de produção e compreensão
do texto oral para englobar competências ligadas à situação de produção, bem como
19
organização dos turnos conversacionais e compreensão das regras de convívio social.
Essas competências não são exclusividades do ensino da oralidade. Entretanto, se
considerarmos que o gênero oral se efetiva, em sua maioria, de modo presencial na
interação face a face, é necessário que haja atenção para esses pontos no momento de
seu ensino.
Dar visibilidade à oralidade, entendida como prática social interativa com
finalidades comunicativas, não implica ignorar o papel que tem a escola de formar
sujeitos competentes no uso da leitura e da escrita (KLEIMAN, 1996; MARCUSCHI,
2001; SOARES, 2007), mas sim põe em relevo o lugar e o papel da oralidade nas
práticas docentes. Tal oralidade se ancora em pressupostos teóricos que podem
caminhar em direção a uma perspectiva dialógica, que percebe a língua em sua
modalidade oral ou escrita, implicada em processos interativos e dinâmicos, ou sob o
prisma da supremacia das práticas escritas sobre as práticas orais.
À medida que a análise da fala (manifestação das práticas orais) e da escrita
(manifestação do letramento) é centrada apenas na ótica das diferenças entre as duas
modalidades de uso da língua, o confronto dessas modalidades se volta para o “código e
permanece na imanência do fato linguístico” (MARCUSCHI, 2001, p.27). Nessa
perspectiva, o parâmetro analítico se estrutura na atribuição de um maior grau de
complexidade da escrita e a fala é tomada como o lugar do erro e do caos.
Reconhecemos a existência de diferenças entre a oralidade e a escrita, porém
centramos a discussão na relação de aproximação que há entre ambas. Essa posição é
norteada pelo contínuo tipológico, cuja orientação assume que a análise entre as duas
modalidades de uso da língua deve partir de gêneros textuais próximos em graus de
complexidade estilística, bem como em função de suas demandas sociais e propósitos
comunicativos (MARCUSCHI e DIONÍSIO 2005; MARCUSCHI, 2008).
Esse cenário reforça a relevância de nossa pesquisa no cenário acadêmico, pois
oportuniza compreender um pouco mais sobre o saber docente (TARDIF, 2005;
PIMENTA, 1999; GAUTHIER, 2006) em meio ao que se apresenta como demanda
oficial para o ensino da oralidade (BRASIL, 1996, MARCUSCHI e DIONÍSIO 2005,
MARCUSCHI, 2008). Ele reforça também as investigações que se debruçam sobre a
oralidade como eixo de ensino obrigatório nas escolas brasileiras. (COSTA, 2006;
COSTA-MACIEL, 2008; PNLD, 2010). Sob esse prisma, enxergamos que a construção
dos saberes docentes é repertoriada por uma variedade de fontes de saberes que
20
dialogam entre polos que vão desde as instâncias oficiais de produção de saber aos
saberes da ação pedagógica, que também produzem um saber legítimo.
Diante da configuração do nosso objeto de estudo, tomamos como referência o
trabalho de alguns autores que têm exercido uma grande influência nas discussões da
temática sobre a oralidade. Nesse sentido, destacamos a proposta de didatização de
Schneuwly e Dolz (2004), assim como a compreensão de autores brasileiros sobre
oralidade, como Marcuschi e Dionísio (2005), Cavalcante e Melo (2006), Ferraz, Costa-
Maciel e Barbosa (no prelo) , dentre outros que aportam a base teórica de discussão.
Nos referenciamos também, para estabelecermos a discussão sobre os saberes
docentes, tanto em nível nacional quanto em nível internacional, em autores como
Freire (1999), Pimenta (1999) e Therrien (1995), no Brasil; Gauthier et al. (2006) e
Tardif (2005), este dois últimos da linha canadiana da Universidade do Laval, Quebec.
Ainda estabelecemos um diálogo com Bernard Charlot (2000), da escola francesa.
O trabalho está organizado em cinco capítulos.
No Capítulo 1, discutimos sobre a linguagem, a oralidade e os gêneros textuais,
ao conceituarmos e apresentarmos as concepções estruturantes. Trazemos alguns
olhares sobre a fala e a escrita em suas múltiplas relações, observando os gêneros
textuais no continuum tipológico, o que nos permite abrir diálogos com os graus de
formalismo e a variação dialetal na fala e na escrita, bem como na discussão sobre o
letramento e a oralidade.
No Capítulo 2, trazemos o estado da arte de algumas pesquisas realizadas no
âmbito brasileiro e internacional que discutem o ensino da oralidade. Essa imersão
favoreceu a construção de um panorama sobre as investigações mais atuais sobre o oral
como objeto didático.
No Capítulo 3, debatemos sobre os saberes docentes, sua constituição, suas
relações e construções e os relacionamos com as discussões sobre as táticas, as
estratégias, a transposição didática e a didatização. Esse diálogo nos proporcionou traçar
algumas discussões com o nosso objeto teórico, estruturado no campo da linguística.
No Capítulo 4, traçamos o cenário metodológico de nossa pesquisa com
evidência para os critérios de escolha e seleção dos sujeitos; as estratégias de
amostragem; a indicação das categorias de análise advindas da interação com os dados e
revelamos as adoções investigativas aportadas na análise de conteúdo.
No Capítulo 5, apresentamos o processo analítico organizado em onze categorias
que abarcam a discussão sobre os saberes docentes para o ensino da oralidade e sobre
21
como os docentes compreendem as atividades orais propostas em livros didáticos de
língua portuguesa.
Convém ressaltar que a pesquisa em tela não se compromete a esgotar a
discussão sobre o tema investigado, tampouco a generalizar os dados coletados e
analisados com os sujeitos que participam da investigação. Não tem também entre as
suas finalidades dar conta da totalidade dos problemas, mas apontar caminhos que
indiquem possíveis causas dos problemas aqui levantados e trazer reflexões sobre
possíveis soluções, assim como abrir espaço para posteriores pesquisas e releituras
sobre o tema.
22
CAPÍTULO 1
ORALIDADE E GÊNEROS TEXTUAIS: CONCEPÇÕES TEÓRICAS
“Ploculando” Desesperado, o chefe olha para o relógio, e, já não acreditando que um funcionário chegaria a tempo de fornecer uma informação importantíssima para uma reunião, liga para o cara: – Alô! – atende uma voz de criança, quase sussurrando. – Alô. Seu pai está? – Tá... – ainda sussurrando. – Posso falar com ele? – Não – disse a criança, bem baixinho. Meio sem graça, o chefe tenta falar com algum outro adulto: – E a sua mamãe? Está aí? – Tá. – Ela pode falar comigo? – Não. Ela tá ocupada. – Tem mais alguém aí? – Tem... – sussurra. – Quem? – O “puliça”. Um pouco surpreso, o chefe continua: – O que ele está fazendo aí? – Ele? Ele tá conversando com o papai, com a mamãe e com o “bombelo”... Ouvindo um grande barulho do outro lado da linha, o chefe pergunta assustado: – Que barulho é esse? – É o “licópito”. – Um helicóptero? – É. Ele “tlosse” uma equipe de busca. – Minha nossa! O que está acontecendo aí? – o chefe pergunta, já desesperado. E a voz sussurra, com um risinho safado: – Eles tão me “ploculando”. Tadeu, Paulo. Proibido para maiores: as melhores piadas para crianças. São Paulo: Matrix, 2007.
Fonte: www.piadasonline.com.br/MostraPiadas.
23
1.1 Oralidade e gêneros textuais
Para investigar sobre a oralidade, partimos do pressuposto que estaríamos
tratando de uma “prática social interativa que se apresenta através de variados gêneros
textuais” materializados na forma sonora (MARCUSCHI, 2001a, p. 25, grifo nosso).
Os gêneros textuais1, por sua vez, são definidos como “mega-instrumentos”
(SCHNEUWLY, 2004a) ou “tipos relativamente estáveis de enunciado” (BAKHTIN,
1992, p. 299) heterogêneos e flexíveis, historicamente construídos em resposta às
demandas e atividades sócio-culturais. Eles surgem para dar ordem e estabilidade à
comunicação (MARCUSCHI, 2002), e sua ampliação e modificação resultam da
exigência da língua, conforme a complexidade das esferas de uso.
A capacidade adaptativa e a ausência de rigidez fazem com que os gêneros
textuais sejam um construto histórico que não se centra nem na substância nem na
forma do discurso, mas na ação social. Esse aspecto ajuda na identificação de muitos
gêneros2, cuja definição é realizada por sua função e intenção (MARCUSCHI, 2002).
Todavia, esse fato não implica na eliminação dos elementos que organizam as formas
composicionais dos gêneros, visto que esses são estruturados pelo seu “estilo”, sua
“construção composicional”, e seu “conteúdo temático”, componentes fundidos no todo
do enunciado, indissociáveis, portanto (BAKHTIN, 1992).
Quando o sujeito age discursivamente em determinada situação, realiza a seleção
dos gêneros em função da ação discursiva, como vemos no gênero textual introdutório
de nosso capítulo, cujo título é “Ploculando”, em que o garoto, através do telefonema,
gênero oral, mobiliza outro gênero oral, a piada. É no processo de “adoção-adaptação”
dos gêneros que o indivíduo realiza duas atividades complementares: a adequação do
gênero ao ambiente de uso e a efetivação da linguagem de acordo com o gênero. Para 1 Assumiremos as designações “gênero textual” e/ou “gênero do discurso” como equivalentes. Para tanto, apoiamo-nos em Marcuschi (2001). 2 De acordo com Marcuschi (2001), é necessário que façamos a distinção entre gênero textual e tipo textual. O autor afirma que “gênero textual é uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Já o tipo textual é uma espécie de sequência definida teoricamente pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Em geral os tipos textuais abrangem algumas categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. Se os tipos textuais são apresentados em pequena quantidade, os gêneros textuais são inúmeros. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial (...) carta eletrônica, bate-papo por computador, aulas virtuais”.
24
Bronckart (1999, p.103), esse movimento simultâneo dá ao gênero a dinamicidade que o
caracteriza como fundamentalmente histórico e em constante processo de renovação.
A escolha do gênero atende a alguns requisitos essenciais, devendo ser
considerados: os objetivos pretendidos, o lugar em que está sendo produzido e quem
será o interlocutor (os papéis dos participantes), pois o modelo dos gêneros é adaptado
aos valores particulares dos sujeitos, que adotam um estilo próprio ou mesmo
favorecem a transformação do modelo (KOCH, 2002). Nesse processo adaptativo, há
um movimento de inserção do sujeito na língua, sendo esse sujeito situado
historicamente, produtor de enunciados de acordo com o propósito de suas ações e
finalidades.
1.2 A relação da fala com a escrita
Há gêneros textuais da oralidade que se assemelham aos gêneros textuais da
escrita e tantos outros da escrita que se assemelham aos da oralidade, assim como há
determinados gêneros textuais orais e escritos que se afastam dos seus respectivos
protótipos, tendo em comum apenas o fato de ser do gênero oral ou escrito. É no
continuum tipológico que conseguimos observar, através dos gêneros, o movimento de
aproximação e distanciamento cujas modalidades de uso oral e/ou escrita se efetivam
(MARCUSCHI, 2001).
As comparações dicotômicas da linguagem oral com a linguagem escrita
tendem a considerar gêneros diferenciados, representados em modalidades distintas. Se
compararmos textos de conversação espontânea (da fala) com textos em prosa
expositiva (da escrita), certamente encontraremos polarizações, isso porque ambos
pertencem a fenômenos discursivos “a priori” distintos, mas principalmente porque
pertencem a gêneros textuais diferentes, cujos processos de produção, condições de
produção e objetivos, entre outros elementos, se distinguem. Entretanto, se a
comparação ocorre entre textos da mesma esfera de produção, como, por exemplo, uma
conferência (representando a linguagem oral) e um artigo acadêmico, ou uma conversa
informal e um bilhete familiar, certamente encontraríamos semelhanças entre as
modalidades discursivas.
A comparação entre uma conversa informal entre amigos (protótipo da
linguagem oral) e um artigo acadêmico (protótipo da linguagem escrita) é um exemplo
de localização nos extremos dos polos. Para que contemplemos as aproximações no
25
continuum poderemos comparar uma conferência científica (prosa expositiva, que
apresenta características da escrita e representa a linguagem escrita) e um artigo
acadêmico (texto de conversação formal). Dessa forma, tanto a linguagem oral quanto a
escrita não se situam em extremidades de uma linha retilínea; portanto, não são
dicotômicas. Assim, em sua analise devem ser observadas as duas práticas discursivas
cujas diferenças e semelhanças se dão ao longo de um continuum tipológico, em que
podemos encontrar o grau máximo de formalismo e o grau máximo de informalidade
(MARCUSCHI, 2001).
Reconhecendo as particularidades das modalidades orais e escritas da língua,
Tannen (1982) afirma que estratégias da oralidade podem ser encontradas em um texto
escrito em prosa, bem como podem ser encontradas estratégias da escrita em um texto
oral formal. Segundo a autora, as diferenças formais se dão em função do gênero e do
registro linguístico, e não em função da modalidade (oral e escrita). O envolvimento
interpessoal também se apresenta como um dos elementos importantes na comparação
entre as duas modalidades da língua, e as estratégias discursivas utilizadas são
originárias do grau de envolvimento e compreendem as modalidades oral e escrita num
contínuo.
O contínuo também é contemplado nos escritos de Koch (2002). Para ela,
existem textos escritos que se situam mais próximos da fala (bilhete, carta familiar,
textos de humor, por exemplo), ao mesmo tempo em que existem textos falados que se
aproximam da escrita formal (conferências, entrevistas profissionais para altos cargos
administrativos e outros), havendo, também, gêneros mistos, ou seja, que se realizam
em meio gráfico e oral, sonoro e escrito, além de muitos outros que estão na interface
entre o oral e o escrito.
Koch (2002) e Marcuschi (2001a) situam a relação fala escrita na perspectiva de
considerar aspectos como a variedade linguística e a relação entre os gêneros textuais,
evitando, assim, comparações polarizadas, cuja base se foca exclusivamente em textos
originário da oralidade e da escrita. O fator determinante das diferenças entre as
modalidades oral e escrita da língua são as condições de produção desiguais, que
sugerem uma maior ou menor dependência do contexto, um maior ou um menor grau de
planejamento e uma maior ou uma menor submissão às regras gramaticais.
Conforme Kato (1987, p. 39),
26
a dependência contextual determina o grau de explicitação textual, isto é, o seu grau de autonomia. O grau de planejamento determina o nível de formalidade, que pode ir do menos tenso (casual ou informal) até o mais tenso (formal, gramaticalizado).
Marcuschi (2005), retomando a hipótese do continuum tipológico de Biber
(1988), e sem desprezar o esquema desenvolvido por Kato, observa que a impressão que
se tem da escrita é a de um fenômeno, se não homogêneo, pelo menos bastante estável e
com o mínimo de variação. No entanto, como afirma o referido autor, as diferenças
entre fala e escrita se dão dentro de um continuum tipológico das práticas sociais de
produção textual e não na relação polarizada (MARCUSCHI, 2001a).
Há duas teses centrais respaldadas pela noção de continuum. A primeira defende
a existência de mais semelhanças que diferenças entre as modalidades discursivas da
língua. Já a segunda, toma a dicotomia entre as modalidades discursivas como
inconsistente, pois a oralidade e a escrita, apesar de se efetivarem em processos de
produção e meios de produção distintos, compõem um mesmo sistema linguístico, não
estanque.
Segundo Marcuschi (2001a), podemos relacionar os gêneros a partir do seu meio
de produção, a saber, sonoro, para gêneros de concepção discursivas, orais e gráficos,
bem como para gêneros de concepções discursivas escritos.
Meios de Produção Concepção discursiva
Sonora Oral
Gráfica Escrita Adaptação do quadro distribuição dos gêneros textuais de acordo com o meio de produção de a concepção discursiva de Marcuschi (2001).
Marcuschi (2008) situa no domínio tipicamente oral o gênero textual cujo meio
de produção e concepção seja oral e, no domínio tipicamente escrito, a produção cujo
meio seja gráfico e a concepção escrita. Há um misto de domínio quando as produções
se mesclam, ou seja, estão no meio gráfico e oral, sonoro e escrito.
Para a classificação desses gêneros quanto ao seu domínio, é necessário
considerar o meio de produção e a concepção discursiva dos mesmos (MARCUSCHI,
2001a). Podemos exemplificar com alguns gêneros textuais, a saber: conversação
espontânea, artigo científico, notícia de TV e entrevista publicada em revistas. Se
observarmos a conversação espontânea, veremos que o seu meio de produção é sonoro e
a concepção discursiva é oral; logo, é um gênero tipicamente oral O artigo científico,
27
cujo meio de produção é gráfico e a concepção discursiva é escrita, é um gênero
tipicamente escrito, pois está no domínio escrito. O gênero notícia de TV, que se realiza
no meio de produção sonoro, e é concebido discursivamente na escrita, assim como o
gênero entrevista publicado em revistas, que se realiza no meio de produção oral, e a
sua concepção discursiva está no meio gráfico, não são do domínio nem da oralidade
nem da escrita, são gêneros de domínios mistos, uma vez que são produzidos e
concebidos em ambos os meios.
Conforme Marcuschi (2001a), é o contínuo dos gêneros que distingue e
correlaciona os textos de cada modalidade de uso da língua, considerando aspectos tais
como as estratégias de formulação, a seleção lexical, o estilo, o grau de formalidade
etc., todos sendo analisados dentro do continuum de variações. Assim, seja o gênero
textual oral ou escrito, as semelhanças e as diferenças que existem entre eles irão
emergir.
A questão da formalidade ou informalidade na escrita e na oralidade varia de
acordo com as situações sociais. Essa noção mostra que tanto a fala quanto a escrita se
realizam estilisticamente de forma variada, produzindo graus de formalidade ou
informalidade no registro. Marcuschi (2005) questiona a afirmação de Stubbs (1986),
que considera provável que a língua falada apresente maior variação do que a língua
escrita, pois é possível que a distância entre formal e informal no caso da fala apresente
um espaço maior que no caso da escrita. Isso pode ser tido como plausível e
seguramente se dá com maior intensidade quanto maior for o nível de escolarização de
uma sociedade.
Para Marcuschi (op. cit), na vida diária, o uso da escrita informal tem uma
enorme presença, como no caso das cartas, bilhetes, listas, preenchimento de dados etc.
Assim, o uso informal da escrita é muito elevado e predomina sobre o uso formal,
embora a maioria dos escritos informais tenha uma durabilidade muito curta e logo
sejam destruídos. O que se costuma guardar são registros de uso formal da língua, tais
como os livros, as revistas e os documentos maiores como os códigos, as enciclopédias,
os compêndios, etc.
No processo interativo, o sujeito poderá variar a sua maneira de falar
dependendo da relação de proximidade com o interlocutor. Haverá diferença também
em relação à conversa entre sujeitos de um determinado grupo social com sujeitos de
grupos sociais distintos. Essa variação no registro é ocasionada pelo ajustamento na
estruturação do texto produzido pelo falante para o seu ouvinte, visto que o discurso
28
(falado e escrito) é organizado em função das representações sociais existentes nas
relações entre o falante e o ouvinte (MELO & BARBOSA, 2005; TRAVAGLIA, 1995).
Segundo Bortoni-Ricardo (2004), as relações são mediadas por uma contínua
monitoração estilística que vai desde a interação totalmente espontânea até aquelas que
são previamente planejadas, exigindo muita atenção do falante. Quando a situação exige
formalidade, seja pela especificidade da audiência, seja pela cerimônia exigida, pelo
conteúdo a ser tratado, nos monitoramos com maior intensidade. Dependendo do nível
de intimidade que temos com o interlocutor, monitoramos o estilo com menor
intensidade, ou seja, monitoramos a fala em função do “ambiente, do interlocutor e do
tópico da conversa”.
A autora supracitada prossegue afirmando que podemos monitorar com maior ou
menor intensidade a fala em função de um mesmo interlocutor. Assim, para passar de
uma “conversa séria” a uma “brincadeira”, podemos mudar nosso estilo. Quando vamos
mudar de estilo, passamos a emitir pistas verbais ou não-verbais, que a autora define
como metamensagens, e que transmitem informações do tipo: “isso é uma brincadeira”,
“estou falando sério”, “estou ralhando com você”. A variação ao longo do continuum de
monitoração estilística tem, portanto, uma função muito importante de situar a interação
dentro de uma moldura ou enquadre. As molduras servem para orientar os integrantes
sobre a natureza da interação: se é uma “brincadeira”, “um xingamento” etc.
Conforme Travaglia (1995), a língua escrita e a oral apresentam cada uma um
conjunto próprio de variedades de grau de formalismo. As variedades de grau de
formalismo da língua escrita apresentam uma tendência para maior regularidade e
geralmente maior formalidade que as da língua falada, todavia importa lembrar que em
cada caso existe uma relação entre os níveis de grau de formalismo propostos para a
língua falada e para a escrita. Assim, encontramos textos informais na língua falada e na
língua escrita, não sendo a informalidade privilégio de textos orais. Essa perspectiva
garante uma análise da língua pautada mais em suas relações de semelhanças do que de
diferenças, evitando dicotomias no sentido estrito.
Travaglia (op.cit.) chama-nos a atenção para o caso da variação da língua escrita,
afirmando que essa também pode apresentar variedades dialetais, embora sejam em
número menor e se apresentem de forma menos explícita que na língua falada. Isso
ocorre porque as diferenças prosódicas, fonéticas, entre outras, desaparecem no escrito.
Assim, a compreensão equivocada de que a língua escrita é uma réplica exata da língua
29
oral não se sustenta, pois “a escrita, vista como sistema de notação da língua oral,
adquire um caráter incompleto e inexato” (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p.163).
A discussão que estabelecemos neste trabalho apoia-se na compreensão de que a
variação é algo inerente ao funcionamento das línguas. Isso se deve ao fato de essas, em
sua própria essência, serem multifacetadas, multíplices, não monolíticas e heterogêneas.
Para se ter uma visão mais adequada de tal fenômeno, é necessário compreender que a
variação linguística (VL doravante) é resultante de diversos fatores, tais como espaço,
tempo, classe social, interlocutores, entre outros. É importante refletir sobre o fato de
que a variação é constitutiva da língua e não da fala. Portanto, não é a variação que
caracteriza a fala, mas sim as estratégias de organização desta (MARCUSCHI, 2001a).
1.2.1 Fala e escrita: variação linguística
Possenti (2000) classifica os fatores que condicionam a variação linguística em
dois tipos: externos e internos à língua. Os fatores externos à língua são os geográficos,
de classe, de idade, de sexo (doravante identificaremos como de gênero), de etnia, de
profissão etc. Por exemplo, pessoas de diferentes classes sociais caracterizam sua fala
por traços diferentes em relação a outra classe, assim como pessoas mais velhas se
caracterizam por uma fala diferenciada em relação à população mais jovem. Portanto, a
língua, apesar das variações, identifica os grupos sociais (SUASSUNA, 1995).
Os fatores internos têm sua existência dentro da língua não de forma casual, mas
são regrados por uma gramática interior. Assim, a língua não permite que alguns “erros”
ocorram, pois todos os falantes conhecem fatores internos relevantes que não os deixam
desviar; por exemplo, nas palavras peixe, caixa, feixe, a semivogal i é eliminada,
pronunciando-se caxa, pexe, fexe. Mas, as palavras jeito e peito, nunca são pronunciadas
jeto e peto, com a eliminação da semivogal. Na concepção de Travaglia (1995),
podemos ter basicamente dois tipos de variedades linguísticas: os dialetos e os registros.
Ambas as variedades apresentadas por Travaglia se enquadram dentro dos fatores
externos mencionados por Possenti.
Os dialetos são variedades que ocorrem em função dos usuários da língua,
identificadas na dimensão territorial, social, histórica, entre outros (variáveis de idade,
de sexo, e de função). Na dimensão territorial, geográfica ou regional, os dialetos
acontecem entre pessoas de diferentes regiões, normalmente pelas influências sofridas
na formação das regiões, pela polarização política e/ou econômica e/ou cultural dos
30
falantes em comunidades linguísticas geograficamente limitadas, que desenvolvem um
comportamento linguístico identitário, por exemplo, como se observa nas diferenças
entre o português falado no Brasil, em Portugal e em países africanos de língua
portuguesa. Dentro do Brasil, encontramos diferentes falares, como o dos nordestinos e
o dos cariocas. Travaglia (1995) postula que: as diferenças entre línguas usadas em uma região e outra normalmente são, em sua grande maioria, diferenças no plano fonético (pronúncia, entonação, timbre, etc.) e no plano léxico (palavras diferentes para dizer a mesma coisa, as mesmas palavras com sentido diferentes em uma e outra região, uso mais frequente de um ou de outro morfema derivacional ou flexional, etc.). As diferenças sintáticas, quando existem, normalmente não são grandes (p.43).
Quanto aos diferentes dialetos, não existe um limite preciso entre eles, apenas
área de concentração de um determinado conjunto de características. Os limites são
estabelecidos de acordo com determinada conveniência, pois, como nos afirma
Travaglia (op.cit), não há uma demarcação precisa de onde inicia ou termina um
determinado dialeto, mas podemos perceber a concentração de alguns elementos
característicos. Na dimensão social, os dialetos ocorrem de acordo com a classe social
do usuário da língua, existindo maiores semelhanças nos falares dos membros de um
mesmo grupo sócio-cultural, em geral com interesses comuns. A título de exemplo,
temos os jargões profissionais apresentados em classes sociais bem definidas como a
dos médicos, a dos artistas, etc. A gíria pode ser considerada também como uma forma
de dialeto social, pois é um modo próprio de utilização da língua por um grupo. As
inúmeras sobreposições e matizes tornam os dialetos sociais mais difíceis de serem
identificados que os dialetos regionais. Fatores como nível de escolaridade, quase
sempre, se inter-relacionam com classe econômica. Diferenças entre classes sociais
poderiam ser listadas, frequentemente, como grau de formalismo, principalmente no que
diz respeito ao grau de adesão às formas próprias da norma culta e padrão, mas as
diferenças não se limitam só a isso. Os grupos ganham identidade pela linguagem que
utilizam. Quando uma variedade social se diferencia muito em relação às demais, o
dialeto social pode permitir que os membros dos grupos se comuniquem livremente,
sem que haja qualquer atitude ou ação de outros segmentos sociais, ou seja, o dialeto
social pode servir como meio de ocultamento (TRAVAGLIA, 1995).
Na dimensão da idade, os dialetos provêm das variadas formas de uso da língua
por pessoas em diferentes idades e faixas etárias (crianças, jovens, adultos e velhos). Ao
longo da vida, as pessoas adquirem as formas de uso da língua de um grupo e
abandonam as do grupo a que pertenceram. A introdução de alterações no uso da língua
31
não é vista com bons olhos pelas gerações mais velhas, que encaram as modificações
como deturpações e desvalorização da língua como, por exemplo, as gírias usadas entre
os jovens como afirmação de sua identidade pessoal e/ou grupal.
Na dimensão do gênero, os dialetos representam a variação de acordo com o
sexo de quem fala. Razões sociais determinam algumas diferenças. Assim, no que diz
respeito ao uso do léxico e de algumas construções, há diferenças, provavelmente
causadas por restrições sociais em relação a comportamentos verbais e à imagem
socialmente construída do gênero masculino e feminino.
Na dimensão da função, os dialetos representam as variações na língua em
consequência da função social que o falante desempenha. Nessa dimensão, o Português
parece não possuir variações significativas. Travaglia (1995) traz como exemplo o
chamado “plural majestático”, apresentado por governantes e altas autoridades ao
expressarem seus desejos ou intenções com o pronome “nós”, ao apresentar sua posição
de representante do povo.
Na dimensão histórica, os dialetos representam estágios no desenvolvimento da
língua. Os registros fazem com que as variantes históricas permaneçam no tempo, e
assim sejam mais percebidas na língua escrita que na língua oral. As variedades
históricas podem ser percebidas, por exemplo, em textos escritos em português
medieval, no qual encontramos termos e formas de dizer considerados arcaicos e outros
que sofreram evolução fonética. Mas é possível que no futuro se possam observar e
analisar diferenças históricas também na variação do oral, pois a cada dia evoluem os
meios de registro nessa modalidade.
É a convicção dessa mutabilidade da língua que leva Possenti (2000) a defender
que não há razão para exigir que os alunos ou outras pessoas conheçam formas arcaicas,
que nunca ouviram e que são pouco frequentes nos textos escritos. Os arcaísmos não
são apenas formas da língua em desuso, há algumas formas ensinadas pela escola que já
estão mortas ou a ponto de não se usar mais. Por exemplo, a regência do verbo ‘assistir’.
Dificilmente falantes reais empregam a regência de acordo com a gramática. Em geral,
diz-se ‘assisti o jogo’ e não ‘assisti ao jogo’. Logo, essa segunda forma já é considerada
como arcaísmo. De acordo com Possenti, há justificativas para que o ensino de formas
raras e arcaicas não deva ter tanta importância para a escola, mas isso não implica que
os que fazem uso de formas mais antigas estejam errados, mas sim que os usuários das
formas linguísticas mais recentes devem ser aceitos.
32
[...] trata-se de aceitar que se utilizam nos textos escritos formas linguísticas mais informais (o que não quer dizer aceitar todas), que em geral consideramos aceitáveis apenas na fala. A razão é que estas formas, na verdade, são hoje as corretas, são elas que constituem a língua padrão, porque já são faladas e escritas pelas pessoas cultas do país – coisa de que elas, eventualmente, não se dão conta (POSSENTI, 2000, p.41).
O excerto acima traz para a escola uma proposta desafiadora, pois a convoca a se
abrir para a língua padrão vigente, reconhecendo-a como legítima no ambiente escolar.
Essa postura enfraquece as atitudes conservadoras que defendem a pureza da língua,
desprezando os diferentes fatores que influenciam a variação, pois não existem línguas
que permaneçam uniformes, tampouco línguas imutáveis (POSSENTI, 2000, p.38). A
certeza do movimento ininterrupto da língua conduz Travaglia (1995) a defender que
não há razões para a escola realizar atividades de ensino/aprendizagem da língua
materna direcionadas apenas à variedade culta da língua, em detrimento das outras
formas de uso da língua que podem ser mais adequadas a determinadas situações. O
argumento de que o aluno já domina as outras variedades não se sustenta, pois há
sempre novos elementos a serem dominados nas diversas variedades, incluindo a que
domina.
A confusão que se estabelece em relação à língua e à gramática normativa
favorece uma compreensão errônea de que a fala é o lugar do caos e a escrita (pautada
na norma padrão) a forma correta de uso da língua. A gramática normativa se tornou
referência por estudar a variedade culta da língua, apegando-se exclusivamente à norma
escrita, menosprezando a norma oral culta. Essa gramática tenta regular a língua em
toda a sua dimensão e considera erro todas as demais variedades da língua,
estabelecendo, dessa forma, uma ideologia que gera o preconceito linguístico.
Os fatores que influenciam a escolha de uma variedade linguística como “culta”
ou “padrão” são variados, entre eles destacam-se a associação dessa variedade à
modalidade escrita e à gramática tradicional; a dicionarização; e a compreensão dessa
variedade como representante de uma tradição cultural e de uma identidade nacional.
Segundo Bagno (1998), não há um fator especial em uma determinada variedade para
que ela seja eleita padrão, pois todas as variedades de uma língua desempenham sua
função sociocomunicativa, entretanto, em determinados momentos da história, a língua
falada pela classe econômica e ideologicamente dominante se tornou a variante padrão.
Nesse cenário conflitante, surge a seguinte questão: como pode a escola
apregoar a uniformidade linguística, se a variedade é fruto da variedade social? Em
relação a esse questionamento, Soares (1998) se posiciona mostrando a realidade de
33
inúmeras salas de aula, dizendo que o uso da língua no ambiente escolar por alunos
provenientes das camadas populares, usuários de variantes linguísticas social e
escolarmente estigmatizadas provoca preconceitos linguísticos e leva a dificuldade de
aprendizagens, “já que a escola usa a variante padrão socialmente prestigiada”(P. ??).
Soares (op.cit.) sugere que a escola busque estratégias para que os alunos de
meio popular incorporem a norma-padrão devido à exigência social de seu domínio, a
fim de promover o desenvolvimento do bidialetalismo, no sentido de transformar as
condições de marginalidade em que se encontram. O não reconhecimento da
diversidade da língua prejudica a educação, pois a escola, cujo “objetivo é ensinar o
português padrão” (POSSENTI, 2000, p.??), busca impor uma língua homogênea,
fundamentada na gramática normativa, praticamente em desuso pela maioria da
população brasileira (inclusive as mais escolarizadas), ignorando a diversidade
linguística e disseminando o preconceito em relação aos variados dialetos. Esses já são
reconhecidos pelos documentos oficiais que estabelecem parâmetros para a educação
brasileira, os PCNs (1996, p.31):
A língua portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais. Identificam-se geográfica e socialmente as pessoas pela forma como falam. Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de se falar: é muito comum se considerar as variedades linguísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas (...) o problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito às diferenças.
O reconhecimento, por parte dos PCNs, assim como pelo PNLD, de que a língua
é variada, sinaliza que a escola tem a responsabilidade de enfrentar os preconceitos a
essas variedades, bem como de se livrar do mito da heterogeneidade da fala e de que a
escrita é o espelho daquela. Como afirma Bagno (1998), o preconceito está tão
enraizado em nossa cultura que qualquer fala/escrita que transgrida a “língua correta” é
depreciada, pois os que difundem a norma padrão acreditam em uma unidade que deve
ser seguida pelos usuários. O chamamento dos PCNs (1996) ao respeito às variedades
da língua alerta para que não se propaguem discriminações contra variedades
linguísticas não-padrão, seja variações dialetais ou de registros.
Em se tratando de variação dos registros, já aprofundamos essa questão em
tópicos anteriores, todavia, resgataremos de forma específica cada conceito. Como já
discutimos, a variação no âmbito dos registros diz respeito ao uso que o falante faz da
língua em função da situação em que estarão envolvidos os interlocutores. As variações
34
de registro podem ser apresentadas em três tipos que se correlacionam: grau de
formalismo, modalidade e sintonia.
No tocante ao grau de formalismo, podemos defini-lo como a necessidade que
tem o usuário da língua de garantir, em diferentes situações sociais, maior eficácia na
interação. Desse modo, o mesmo atenta para o grau de formalismo empregado em sua
linguagem.
Quanto à modalidade, a língua pode se realizar tanto na modalidade escrita
quanto na modalidade oral. Em ambas as modalidades da língua podemos verificar
diferentes graus de formalidade.
No que diz respeito à sintonia, podemos entendê-la como o ajustamento que o
falante realiza na estruturação de seus textos, a partir de informações que tem sobre o
seu interlocutor. O grau de intimidade entre os interlocutores, o nível de conhecimento
entre eles, por exemplo, são determinantes na definição do ajustamento da interlocução.
Mas, de que forma a oralidade e a escrita, enquanto modalidades distintas, se
relacionam? Para investigar a oralidade é necessário esquecer do letramento? Marcuschi
(2001a, p.25) responde a essa questão afirmando que “investigar o letramento é
observar práticas linguísticas em situações em que tanto a escrita como a fala são
centrais para as atividades comunicativas em curso”, logo, investigar a oralidade não
dispensa refletir sobre letramento, tópico a ser discutido a seguir.
1.3 Letramento e oralidade: práticas sociais e eventos comunicativos
Os estudos do letramento surgem no cenário educacional como mola propulsora
para um novo olhar sobre a oralidade, bem como sobre a alfabetização, a leitura, a
escrita e a produção textual. A noção de letramento incorpora na reflexão sobre língua e
linguagem o modelo do contínuo entre oralidade e escrita, deslocando o foco da
perspectiva dicotômica da relação fala e escrita para uma perspectiva em que ambas as
modalidades de uso da língua se completam (KLEIMAN, 2002, MARCUSCHI, 2008),
sem, entretanto, desconsiderar que há especificidades em ambas as modalidades, o que
implica diferenças.
Historicamente, a visão dicotômica entre fala e escrita conduziu à separação
entre forma e conteúdo, língua e uso, o que promoveu o ensino da língua como
instruções de regras gramaticais, sem atentar para os aspectos dialógicos e discursivos.
Temos nessa perspectiva dois modelos teóricos, o modelo autônomo e o modelo
35
ideológico, difundidos nas décadas de 1950 e 1980 respectivamente. O primeiro
desprezou as influências sociais sofridas pela língua e o segundo encarou a escrita como
recurso tecnológico autônomo que propiciava ao indivíduo a ampliação da capacidade
cognitiva (MARCUSCHI, 2001a, p.26).
Para Street (2003), o modelo autônomo assume a supremacia cognitiva da
escrita, enxergando-a em oposição à oralidade. O letramento, por sua vez, é tomado
como modelo homogêneo, associado ao progresso, a modernidade e a mobilidade
social. Enfim, o modelo autônomo concebe o letramento independente do contexto
social e cultural, admitindo o seu funcionamento independente da escrita
(MARCUSCHI, 2005).
Em oposição a esse modelo, o autor propõe o modelo ideológico3, cuja
concepção está firmada em uma pluralidade de letramentos, implicada nas
determinações sociais e culturais. Inserem-se nessa discussão as questões técnicas,
culturais, cognitivas e sociais dentro das relações de poder. A fala e a escrita, nessa
visão, são analisadas em suas interfaces, afastando-se da polarização que permeava o
modelo autônomo.
Na visão de Street (op. cit), o modelo ideológico de letramento superou alguns
mitos que reforçavam a visão dicotômica, a saber: o mito de que a escrita era uma
reprodução fiel da fala, enquanto que a fala usava como base os elementos
paralinguísticos; o mito de que a fala era fragmentada, caótica, enquanto que o texto
escrito era mais coesivo e coerente; e o mito de que a escrita era autônoma em sua
produção de sentido, limitando-se ao conteúdo, enquanto a fala conduzia o sentido se
apoiando no contexto e nas condições da relação presencial.
No trato com o “modelo ideológico do letramento”, temos que considerar dois
termos estruturais: os “eventos de letramento” e as “práticas de letramento”. Ambos
necessitam ser compreendidos de forma associada, de modo a não procedemos a análise
apenas no nível da descrição, como alerta Soares, fundamentando-se em Street:
O conceito de evento de letramento, dissociado do conceito de práticas de letramento, não ultrapassa, segundo Street (2001:11), o nível da descrição, embora tenha a vantagem de orientar o pesquisador ou estudioso para a observação de situações que envolvem a língua escrita e para identificação das características dessas situações; não revela, porém, como são construídos, em determinado evento, os sentidos e os significados, produtos
3 Street emprega o termo ideologia no sentido de tensão entre autoridade e poder, de um lado, e a resistência e criatividade, de outro lado (essa tensão manifesta-se no uso da língua, seja na sua forma oral ou escrita).
36
não só da situação e de suas características específicas, mas também das convenções e concepções que as ultrapassam, de natureza social e cultural (SOARES, 2003, p. 105).
Para Heath (1982 apud MARCUSCHI, 2001a, p.37), o evento de letramento é
qualquer ocasião em que uma peça de escrita integra a natureza das interações dos
participantes e seus processos interpretativos. Para Barton (1991), são atividades
particulares em que o letramento exerce um papel: costumam ser atividades
regularmente repetidas. Para Street (2003), são eventos que envolvem a leitura e a
escrita, com características bem determinadas, como por exemplo, o evento acadêmico,
o evento escolar, em que a escrita e a leitura envolvem a prática dos sujeitos, a escrita e
a leitura de uma carta pessoal, por exemplo, podem ser citadas como um evento de
letramento, pois envolvem um texto escrito. Nas mais variadas esferas sociais, em que a
escrita e a leitura estruturam as diversas atividades, entre elas as que se destinam ao
trato com a oralidade.
Para Bortoni-Ricardo (2004), nos eventos de letramento o texto pode estar
presente no âmbito da interação ou pode ter sido estudado ou lido anteriormente. Em
um ofício religioso, por exemplo, os religiosos, ao ministrarem seu sermão, realizam um
evento de letramento, seja porque eles têm diante de si o roteiro escrito de sua fala, seja
porque eles prepararam previamente esse roteiro escrito, no qual introduziram
passagens bíblicas, por exemplo. Analisar os eventos de letramento na sala de aula
significa descrever as regras a eles subjacentes, considerando a situação de interação, os
sujeitos e seus objetivos, o referente ou objeto de interação e o material escrito (os
gêneros textuais e seus suportes), e os modos de relação com esse material.
As práticas de letramento, por sua vez, ampliam a noção de eventos de
letramento, visto que, de acordo com Street (2003, p. 7), trata-se dos eventos e dos
padrões ligados ao letramento, associadas a “algo mais amplo, de uma natureza cultura
e social”. Para o autor,
parte dessa amplificação tem a ver com a atenção dada ao fato de que trazemos para um evento de letramento conceitos, modelos sociais relacionados à natureza que o evento possa ter, que o fazem funcionar, e que lhe dão significado. É impossível para nós chegar a esses modelos simplesmente permanecendo sentados sobre um muro com uma câmera de vídeo, observando o que estiver acontecendo. Aqui, surge uma outra questão etnográfica: temos que começar a falar com as pessoas, a ouvi-las e a associar a sua experiência imediata a outras coisas que possam também estar fazendo.
37
Por essa perspectiva, as práticas de letramento compreendem as formas de uma
sociedade produzir significado para determinado evento com base na leitura e na escrita
realizada no contexto dessa sociedade. Segundo Marinho (2006, p.7), configura-se
prática de letramento “uma concepção cultural mais ampla de forma particular de pensar
e ler e de escrever em contextos culturais”.
Podemos, na reflexão sobre o letramento, observar também a noção de “práticas
comunicativas”, conforme adverte Grillo (1982) e reforça Marcuschi (2001a). Os
autores afirmam que tal pratica inclui as atividades sociais através das quais a
linguagem ou comunicação é produzida”. Isto equivale à forma como essas atividades
são inseridas nas instituições, situações ou domínios, que por sua vez são implicados em
processos sociais, econômicos, políticos e culturais e em outros processos maiores.
Um outro ponto que pode ser trazido na discussão sobre o letramento, diz
respeito aos “eventos de oralidade” (BORTONI-RICARDO, 2004, p.62). Tais eventos
são identificados quando não há influência direta da língua escrita sobre as instâncias
comunicativas dos interagentes. Entretanto, devemos atentar para o fato de que as
fronteiras que demarcam os eventos de oralidade e letramento não se apresentam de
forma enrijecida, havendo muitas sobreposições entre eles.
Bortoni-Ricardo (2004), para exemplificar o que são eventos de oralidade,
menciona uma pesquisa realizada em escolas de Goiás e do Distrito Federal, cujos
professores agiam de forma monitorada em sua linguagem quando conduziam um
ditado, na aula de leitura (eventos mediados pela língua escrita), e agiam de modo
espontâneo quando chamavam atenção para a manutenção da disciplina ou brincavam
com os alunos de forma descontraída (evento de oralidade).
Sob essa perspectiva, uma conversa à mesa de um bar é um evento de oralidade,
mas se um dos participantes começa a declamar um poema que ele recolheu em suas
leituras, o evento passa a ter influências de letramento (BORTONI-RICARDO, 2004).
Para Street (2003), as práticas de letramento variam de acordo com os distintos
contextos, as diversas culturas, e estão sob efeito de diferentes letramentos em
diferentes condições, visto que estão agregadas aos inúmeros sentidos atribuídos pelos
sujeitos em suas comunidades de pertencimento.
Por essa via, Xavier (2005), citando Barton, declara que
antes de constituir um conjunto de habilidades intelectuais, o letramento é uma prática cultural, sócio e historicamente estabelecida, que permite ao individuo apoderar-se das suas vantagens e assim participar efetivamente e
38
decidir, como cidadão do seu tempo, os destinos da comunidade à qual pertence e as tradições, hábitos e costumes com os quais se identifica. A capacidade de enxergar além dos limites do código, fazer relações com informações fora do texto falado ou escrito e vinculá-las à sua realidade histórica, social e política são características de um individuo plenamente letrado (p. 135).
Essa visão de letramento tem por discurso a vertente teórica os “Novos Estudos
do Letramento4” (STREET, 2003; KLEIMAN, 1996), a qual se sustenta na
compreensão da linguagem enquanto interação social, observando não apenas as
propriedades formais e qualidades intrínsecas da escrita, mas, sobretudo, a legitimação
de usos reais pelos indivíduos. Assim, uma nova relação é estabelecida, pois passa a ser
legitimada no letramento, em seu “modelo ideológico” de representação. Este modelo
implica não apenas aspectos de cultura, mas também das estruturas de poder de uma
sociedade.
Costa, Marinho e Ribeiro (2007, p.241) advertem sobre a necessidade de
investigarmos a concepção do significado social do letramento “fundamentado em um
trabalho de campo cuidadoso sobre as funções que as habilidades de leitura e escrita
exercem na vida social”. O chamamento das autoras também contempla a oralidade
mediada pela escrita, pois compreende que elas se entrelaçam e se realizam no contexto
das demandas sociais e vieses ideológicos dos sujeitos que delas fazem uso.
O “modelo ideológico de letramento” oferece maior atenção para o papel das
práticas de letramento e das relações de poder imperantes na sociedade. Marcuschi
(2005) afirma que a visão do contínuo complementa o modelo adotado por Street e
concebe as relações entre oralidade e letramento envoltas nas práticas sociais e
atividades comunicativas. Na perspectiva de Marcuschi (op. cit.), para se tratar
adequadamente os problemas do letramento é necessário ter a compreensão do “modelo
ideológico” agregado ao contínuo e à organização das formas linguísticas no contínuo
dos gêneros textuais, concebendo-se a oralidade e o letramento como complementares
no contexto das práticas socioculturais.
Nas práticas comunicativas, os gêneros textuais são importantes para tratar o
letramento. Muitas vezes os gêneros abarcam simultaneamente o letramento e a
oralidade. Vejamos o caso de uma conferência científica, em que há toda uma
preparação oral envolta pela escrita. As práticas comunicativas que envolvem esse
4 Após esclarecermos, neste trabalho, a adoção da linguagem como interação, é importante reforçarmos a concepção de letramento que o sustenta, devido à polissemia do termo. Essa explicitude visa a garantir a percepção mais nítida do que compreendemos como práticas e eventos de letramento.
39
gênero textual são tanto de fala como de escrita. O gênero conferência científica se
configura enquanto evento de letramento, pois envolve um texto escrito que é usado
socialmente de forma situada, dentro das funções que a comunidade lhe atribuiu. No
caso, o gênero conferência científica é utilizado pelo meio acadêmico, que determina o
domínio discursivo5 ao qual pertence, sendo assim uma prática comunicativa.
1.4 Gêneros textuais orais: reflexões sobre o ensino
Na escola, o ensino da fala e da escrita, bem como de suas relações e variações
deve se dar através dos gêneros textuais. Eles são ferramentas que favorecem o aluno a
analisar as condições sociais de produção e recepção de textos, oferecendo um quadro
de análise dos conteúdos, da organização do conjunto do texto e das sequências que o
compõem, das unidades linguísticas e das características específicas da textualidade,
sem desprezar a sua funcionalidade social, cujo foco está em o que fazemos com os
gêneros em nosso dia a dia. (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004).
Como nos chamam a atenção Cavalcante e Melo (2006), o professor deve
compreender que não existe “o oral”, mas gêneros orais diversos. E o que isso
representa? Para início de conversa, representa que o ensino do oral deve ser mobilizado
através dos gêneros orais específicos, e o olhar didático deve também se voltar para os
elementos linguísticos característicos de cada gênero (estruturas sintáticas, seleção
lexical, estratégias interativas etc.).
Dessa forma, a escola fica com a incumbência de favorecer a reflexão sobre os
gêneros orais formais que ultrapassarem as formas orais de produção coloquial, visto
que as produções de gêneros orais frequentes no cotidiano do aluno já são dominadas
por ele. Para Dolz e Schneuwly (2004), tanto os gêneros orais públicos que servem a
aprendizagem escolar (entrevista, discussão em grupo, exposição, relato de
experiências, apresentação de seminário, etc.) quanto os gêneros orais públicos
tradicionais da vida pública (debate, entrevista, negociação, testemunho diante de uma
instância oficial, etc.) devem ser trabalhados na escola, pois, em algum momento, na
escola ou na vida pública, os alunos poderão sentir necessidade de utilizá-los.
5 Usamos a expressão domínio discursivo apoiando-nos na concepção de Marcuschi (2002), que a utiliza para identificar uma instância ou esfera da produção discursiva ou de atividade humana. Os domínios não são textos nem discursos, mas favorecem o aparecimento de discursos específicos, dentre os quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais, como, por exemplo, o discurso jurídico, discurso religioso, discurso jornalístico, entre outros.
40
Para os mesmos autores, os gêneros formais públicos constituem as formas de
linguagem que apresentam restrições impostas do exterior e implicam um controle mais
consciente do próprio comportamento para dominá-las. Em grande parte são regidos por
convenções cujo propósito é regular e definir o seu sentido institucional. Mesmo sendo
produzidos, em geral, de forma presencial (face a face), inscrevendo-se em uma
situação de imediatez, tais gêneros exigem antecipação e necessitam, portanto, de uma
ação pedagógica planejada.
Dolz e Schneuwly (op.cit.) afirmam que o oral formal apresenta domínios de
linguagem que precisam ser estudados em um trabalho independente ou em um
“trabalho isolado”, sendo assim, exige uma ação pedagógica planejada, pois o fato de
deixar o aluno em contato com a fala cotidiana, ou deixá-lo ouvir o outro falar, não
garante que o mesmo adquira as competências necessárias de uso da fala para além de
seu convívio familiar.
Ressaltamos que não entendemos, com a fala dos autores, que a escola será o
único espaço de garantia de uma aprendizagem do oral formal público, visto que há
outras instâncias que também podem promover reflexões sistemáticas ou assistemáticas
sobre o uso de gêneros orais formais. Entretanto, enquanto espaço institucional de
ensino-aprendizagem, a escola se afirma como espaço de reflexão formal sobre a língua,
o que implica, também, o ensino da produção de gêneros que exigem maior
controle/monitoramento. Em outras palavras, os professores, assim como os Livros
Didáticos, devem investir nos gêneros formais, tomando-os como objeto de ensino
sistemático, a fim de habilitar o aluno a produzir discursivamente de forma eficiente.
Cavalcante e Melo (2006, p. 93), aportadas nos PCNs de Língua Portuguesa, em
Marcuschi (2002) e Schneuwly e Dolz (2004), também reforçam que o ensino da
oralidade deve ocorrer através de gêneros orais específicos, sobretudo gêneros da esfera
pública formal. As autoras pontuam critérios de análise e avaliação dos gêneros,
estruturados na natureza extralinguística, paralinguística, cinésica e linguística.
Os critérios de natureza extralinguísticas compreendem os seguintes aspectos: Aspectos extralingüísticos
Fenômeno Características Grau de publicidade Número de participantes (produtores e receptores)
ou tamanho do público envolvido na situação comunicativa;
Grau de intimidade dos participantes Conhecimento entre os participantes; conhecimentos partilhados, grau de institucionalização do evento.
41
Grau de participação emocional Afetividade, relacionamento na situação, emocionalidade e expressividade;
Proximidade física dos parceiros de comunicação. Comunicação face a face, distanciada, no mesmo tempo ou em tempos diversos.
Grau de cooperação Possibilidade de atuação direta no evento, tal como no diálogo ou num texto monologado ou produzido à distancia.
Grau de espontaneidade Comunicação preparada previamente ou não. Fixação temática O tema é ou não fixado com antecedência; o tema
é espontâneo.
Os critérios de natureza paralinguística e cinésica compreendem os aspectos:
Aspectos paralinguísticos e cinésicos Fenômeno Características Aspectos paralinguísticos Qualidade da voz (aguda, rouca, grave, suave
infantilizada), elocução (maneira de produzir fala – lenta, atropelando as palavras, soletrando etc) e pausas (risos, suspiros, choro, irritação).
Aspectos cinésicos Atitude corporal (postura variada: ereta, inclinada etc). Gestos (mexer com as mãos, gestos ritualizados como - acenar, apontar, chamar, fazer sinal de ruim, de bom etc); Mímicas faciais.
Por fim, os critérios de natureza linguística compreendem
Aspectos linguísticos Fenômeno Características Marcadores conversacionais São marcadores típicos da interação oral, para
indicar que o interlocutor está prestando atenção; para marcar o turno etc. Podem vir no inicio, meio e final de turno. Exemplos: tá, hum, sim, aí, ahan.
Repetições e paráfrases Duplicação de algo que veio antes; assim como as repetições, também as paráfrases também fazem algo vindo antes.
Correções Há a substituição de algo que é retirado. Há correção de fenômenos lexicais, sintéticos e reparos de problemas interacionais.
Hesitações Demonstram tentativa de organizar o discurso oral ou podem caracterizar também insegurança do locutor. Vêm no início de um tópico ou antes de um item lexical. Exemplos: êêê:::, ááá::.
Digressões Suspensões temporárias de um tópico que retorna. Apontam para algo externo ao que se acha em andamento.
Expressões formulaicas, expressões prontas Exemplos: provérbios, lugares comuns, expressões feitas, rotinas. Não tem funcionamento orientado para frente ou para trás, mas para a contextualidade e para o conteúdo. Exemplo: bom-dia, até logo.
Atos de fala/estratégias de polidez positiva e negativa
Atos de fala positivos, tais como elogiar, agradecer, aceitar etc. Atos de fala negativos, tais como discordar, recusar, ofender, xingar etc.
42
Os fenômenos que materializam os critérios extralinguísticos,
paralinguísticos/cinésicos e linguísticos devem ser observados tendo por base os
gêneros textuais. A proposta geral é que o estudo da oralidade envolva atividades que
ajudem o aluno a identificar o que se faz quando se produz o gênero oral
(MARCUSCHI, 1995). Nesse sentido, a reflexão também pode contemplar a análise e
avaliação dos critérios supracitados.
Mas, o que deve ser ensinado no trabalho com a oralidade? Conforme Marcuschi
(2005), alguns aspectos centrais podem ser explorados no estudo da oralidade, dentre
eles a dimensão da variação e mudança da língua, os níveis de uso da língua e suas
formas de realização e a relação da fala com a escrita. Não devemos esquecer da
necessidade de proporcionar, nesse trabalho, o “desenvolvimento das capacidades
envolvidas nos usos da linguagem oral próprias das situações formais e ou públicas”,
que envolve a produção/planejamento dos gêneros orais; a escuta atenta; a compreensão
e a apresentação, bem como as regras de convívio social (PCN, 1996).
Cientes das lacunas de como efetivar o ensino dos gêneros no currículo escolar,
Dolz e Schneuwly (2004) propõem uma distribuição dos gêneros por “agrupamentos”,
que deve ser levado em conta cinco ações, a saber: relatar, narrar, argumentar, expor e
descrever ações em função de algumas características estruturais e sociocomunicativas.
A proposta dos autores visa a auxiliar a reflexão sobre a seleção de gêneros textuais ao
longo da escolarização, sendo a complexidade o principal critério para a progressão
didática.
A progressão compreende que os gêneros pertencentes a uma mesma esfera
social de comunicação apresentam semelhanças em suas situações de produção e podem
compartilhar outras características em seus conteúdos composicionais e temáticos,
mesmo que possuam diferentes graus de complexidade (MENDES DA SILVA e
MORIS DE ANGELIS, 2003).
Os autores se preocupam com a elaboração de propostas didáticas flexíveis para
o ensino de alguns gêneros orais formais públicos, com vista à operacionalização das
propostas de ensino dos gêneros orais. Entre os gêneros por eles propostos estão a
exposição oral do aluno; o seminário; o debate regrado; a entrevista radiofônica; o relato
oral de experiências, dentre outros. A proposta implica em ensinar habilidades e
competências para operar com os gêneros orais, assim como as habilidades de recursos
e estratégias linguísticas desempenhadas em sua realização. Para tanto, é necessário
apresentar de forma progressiva a complexidade do tratamento com o gênero que está
43
sendo explorado, assim como seus recursos e estratégias nos variados anos de
escolarização.
A proposta de Dolz e Schneuwly (2004, p.135) afirma-se nos fundamentos de
que não existe uma proposta didática “mítica” do oral que sustente a sua didatização,
“mas práticas de linguagem muito diferenciadas, que se dão, prioritariamente, pelo uso
da palavra (falada), mas também por meio da escrita”. Para os autores, são essas
práticas que podem se tornar objetos de um trabalho escolar.
Acreditamos que tal proposta sinaliza e ratifica o papel docente em relação às
demandas de seu grupo-sala, visto que a seleção dos gêneros textuais de acordo com a
sua complexidade requer compreensão efetiva do que se deseja desenvolver e
aprofundar na proposta didática, de modo a favorecer uma análise linguística cada vez
mais complexa dos gêneros textuais.
Com vista a auxiliar o professor no trato com a oralidade, alguns autores
brasileiros também buscam apresentar reflexão teórico-metodológica no sentido de
possibilitar a visualização do oral enquanto objeto a ser aprendido e ensinado. Vejamos
a variedade de propostas a seguir:
Elias, Andrade e Aquino (2011) destacam a aplicação de atividades de
formulação textual, com procedimentos que visam a possibilitar levar o aluno à
compreensão dos modos de organização do discurso, bem como a tratar a modalidade
oral e escrita da língua. As autoras trazem exemplos de textos retirados de jornais e
apresentam as formulações orais, com tendência à informalidade no registro, cujo
propósito comunicativo é envolver o leitor na leitura e na compreensão do conteúdo
textual.
Crescitelli e Reis (2011) propõem a didatização do oral evocando a atividade de
transcrição, em que devem ser observadas as estratégias de construção textual;
retextualização da fala para a escrita, observando as operações de transformação
empregadas na nessa mudança e atividades de variação linguística, em que recomenda
análise dos níveis das falas dos professores e de seus alunos, bem como a variação
existente entre os diferentes gêneros orais. O foco desse olhar é na natureza das
variações, sem prescrever a padrões de “certo” ou “errado”, mas atentando para as
condições de produção.
Negreiros (2011), em seu texto “Oralidade e poesia em sala de aula”, traz o
gênero textual poesia como uma das possibilidades de o professor tratar das “sutilezas”
orais presentes em obras de autores clássicos da poesia brasileira, entre eles: Manoel
44
Bandeira, Ferreira Gullar e Carlos Drummond de Andrade. Negreiros (op. Cit, p. 67,
77) chama de “sutilize” as marcas lexicais, sintáticas e discursivas da oralidade presente
nos objetivos e sentidos empregados pelos autores em suas poesias. Nesse sentido,
propõe um conjunto de questões endereçadas pelo professor ao grupo sala, dentre elas:
• Os alunos e os professores usam essas marcas orais com freqüência? Em quais
situações?
• Qual a finalidade dessas marcas orais no texto poético? O que elas representam?
O que significam? Qual o sentido dessas marcas no poema?
• Quais os usos dessas marcas no texto poético e o uso dessas marcas na fala
cotidiana?
• Que tipo de “enunciador” (que pode também ser chamado de “eu lírico”) é
responsável por esse discurso?
• O texto poético, analisado a partir dessas marcas, é belo? O que o aluno sentiu
ao perceber essa linguagem do cotidiano presente no poema?
• Os assuntos abordados no texto são coerentes com os usos linguísticos orais
empregados?
O autor enfatiza que há outras possibilidades de investigar as marcas orais no
texto poético. O seu propósito com os questionamentos acima é “dar ao aluno a
possibilidade de se transformar em sujeito-leitor, consciente de sua linguagem, de seu
mundo, dos sentidos que permeiam a linguagem e o mundo dos outros sujeitos” (p.?).
Ramos (2011, p. 83), envolto em uma proposta de didatização, apresenta os
quadrinhos e as tiras como exemplos de gêneros textuais que permitem refletir sobre
alguns recursos da oralidade. Através de uma variedade de exemplos, o autor apresenta
os mecanismos de representação da fala utilizados pelos gêneros textuais supracitados,
do “ponto de vista externo” (formato de balões para representar elementos da
multimodalidade discursiva) e o “conteúdo textual” (uso de letras maiúsculas para
representar gritos, termos reproduzidos em negrito, por exemplo).
A caracterização da fala também é marcada na proposta de Ramos (op. cit). O
autor enfatiza o trato com os usos das variantes nos usos da fala, chamando a atenção
para o nível formal e informal, bem como para as variantes regionais. Os recursos
onomatopéicos também são evidenciados por ele como elementos usados no HQ ou nas
tiras para representar a fala dos personagens.
45
Ferraz, Costa-Maciel e Barbosa (no prelo) trazem uma discussão sobre o oral a
partir de uma sequência didática com o gênero textual “notícia de rádio”. As autoras
propõem uma sistemática que envolva o grupo-sala em uma reflexão metadiscursiva e
passo a passo seja ampliada a prática da análise linguística, com vistas a promover no
aluno um pensar sobre o gênero e sua função social, a relação entre oralidade e escrita,
bem como as especificidades de cada uma das modalidades de uso da língua que
permeia toda a produção do gênero.
As propostas acima são apresentadas como indicações de atividades aos
docentes, não há exemplificações empíricas do que está sendo proposto, no sentido de
trazer e analisar como as posições se efetivam na prática docente, entretanto, há um
esforço dos pesquisadores e pesquisadoras em estabelecer reflexões teórico-
metodológicas, com vistas a aproximar a oralidade das práticas em sala de aula, pois a
compreendem como essencial na discussão sobre o ensino de língua. As proposições
põem em relevo as perspectivas de aproximações entre a oralidade e o letramento,
fazendo-as dialogarem na reflexão e produção de cada atividade proposta.
Nesse campo de debate sobre o ensino da oralidade, é importante que
observemos como a academia vem produzindo pesquisas e divulgando investigações
cujo foco seja a oralidade. É sobre esse tema que nos debruçaremos no capítulo
seguinte.
46
CAPÍTULO 2
ESTADO DA ARTE: A ORALIDADE COMO OBJETO DE ENSINO-APRENZAGEM
Fonte: http://culturamidiaeducacao.blogspot.com.br/2010/11/os-jornais-existem.html
47
Mergulhar no estado da arte é necessário para que possamos observar como as
investigações que vem se fazendo nos estudos da oralidade destacam o seu ensino. Com
tal eixo , muitas vezes, ao se sinalizar que está sendo trabalhado, é fornecido aos alunos
apenas o nome do gênero que é tomado para o trabalho em questão, mas o mesmo não é
tomado como objeto de estudo (MENDES DA SILVA E MORI-DE-ANGELIS, 2003).
Schneuwly (2004a), analisando um conjunto de respostas apresentadas por 50
professores-estudantes franceses do curso de Ciências da Educação, ao seguinte
questionamento: “Você é professor (a) (ou imagina ser). No programa está previsto o
ensino do oral (expressão e compreensão). O que é oral para você?”. Ao agrupar as
respostas recebidas em três categorias6: oral como materialidade, oral como
espontaneidade, trabalho sobre o oral como norma, o autor percebeu que:
1) Em se tratando da categoria Oral como materialidade, as respostas que mais
se destacaram apontavam que o oral efetua-se por meio da voz e é meio de
intercâmbio direto e efêmero (19 indicações).
2) Na categoria Oral como espontaneidade, as respostas se concentravam em
vontade, coragem de expressar-se; desvelamento de pensamentos,
sentimentos, alegrias e canalização do “desejo inato” de contato, de
expressão, com 25 indicações e ausências de restrições ortográficas que
bloqueiam a imaginação, apresentadas 16 vezes.
3) Na abordagem Trabalho sobre o oral como norma, encontraa-se a maior
concentração das respostas na definição de que oral é controlar atitudes
físicas, para não distrair por causa de tiques e risadas que nada têm a
ver com o conteúdo da mensagem, também modulações de tom, voz,
gestos. Resposta encontrada em 17 momentos. E, para 14 alunos, o oral é
declamar, ler coletivamente, ler em voz alta.
Schneuwly (2004a) conclui que, para esses professores-estudantes, o oral ainda é
percebido em uma perspectiva histórica do ensino do francês, imerso em traços da antiga
elocução e recitação. A língua, por sua vez, é contemplada como norma e o oral
enxergado como dependente da norma escrita ou como o lugar da espontaneidade e da
liberação. Nesse panorama, Schnewly (2004a) relembra os estudos de De Prieto e
Wirthner (1996) para afirmar que o que os professores dizem ser específico do oral não é
6 Foram analisadas as respostas apresentas em 25 questionários. Destacamos em nosso trabalho as respostas mais frequentes para cada categoria apresentada.
48
ensinável e o que aparece em suas respostas como ensinável não é específico do oral ou
é fortemente depende do escrito.
Através da pesquisa resgatada por Schnewly, podemos perceber a fragilidade de
concepções sobre o ensino da oralidade. Considerando que essa é uma realidade
francesa, e ainda não encontramos pesquisas que apontem de forma aprofundada o que
os (as) professores (as) brasileiros (as) concebem sobre o oral a ser ensinado, supomos
que, se a mesma pergunta fosse encaminhada a professores do Brasil, as respostas
pudessem caminhar nessa mesma direção, visto que há uma carência de investigação e
espaços de reflexão sobre o ensino da oralidade.
Imerso nesse campo de questionamentos sobre o que consiste ensinar a oralidade,
Schneuwly (2004a) apresenta algumas abordagens de ensino que decorrem da concepção
usual do que é o oral. Fazendo uso das postulações de Ostiguy e Gagné (1998),
Schneuwly demonstra que as proposições descritas por esses autores enfatizam que o
ensino do oral visa melhorar a fala do aluno, levando-o a um falar elevado. Nessa
proposta, são evidenciadas as dimensões fonológicas, sintáticas, podendo ocorrer a
ênfase na dimensão lexical da expressão oral. Entretanto, as dimensões propriamente
discursivas são excluídas, como, por exemplo, as estratégias argumentativas, a
estruturação dos textos e o encadeamento das frases.
Schneuwly (2004a) ainda destaca os estudos de Mouchon e Fillon (1980) e
Brunner, Fabre e Kerloc’h (1985), os quais enfocam a expressão oral como “uma
oportunidade de expressão de si”. Para tais autores, a criança deve ter a oportunidade
de expressar-se, expor “suas angústias e fantasmas”. Schneuwly deixa claro que essa
abordagem, além de não ter clareza nos objetivos pedagógicos e didáticos, apresenta
problemas referentes à secundarização das condições de produção dos textos, assim
como a não consideração da interação entre os interlocutores, e o direcionamento da fala
ao contexto privado, restringindo-se a esse domínio.
Como podemos ver, são pesquisas que desprezam o discurso em suas diferentes
esferas de produção, pois, ou tomam como base a esfera de produção pública ou
concentram-se na espontaneidade do falar privado. Dessa forma, parecem esquecer as
implicações que favorecem esses momentos de uso da fala, tratando-os de forma
fragmentada, sendo desprezada a operação dos diferentes gêneros em reposta aos
variados contextos de uso da língua.
Em se observando os princípios propostos para o ensino de língua materna
francesa, para o domínio da produção de linguagem, encontramos finalidades tais como:
49
a) levar o aluno a conhecer e a dominar a sua língua nas situações as mais diversas,
inclusive em situações escolares para chegar a cumprir esse objetivo; b) desenvolver, nos
alunos, uma relação consciente e voluntária com seu próprio comportamento linguístico,
fornecendo-lhes instrumentos eficazes para melhorar suas capacidades de escrever e de
falar; c) construir com os alunos uma representação das atividades de escrita e de fala,
em situações complexas, como produto de um trabalho, de uma lenta elaboração.
Na observância das finalidades do ensino da língua materna francesa, podemos
contemplar pontos que coadunam com a proposta de língua materna brasileira, prescritas
nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (1996), assim como no Programa
Nacional do Livro Didático (BRASIL, 2004), para quem o ensino de Língua Portuguesa
deverá se organizar de modo que os alunos sejam capazes de, entre outras competências
discursivas7,
a) Expandir o uso da linguagem em instâncias privadas e utilizá-la com eficácia
em instâncias públicas, sabendo assumir a palavra e produzir textos – tanto orais como
escritos – coerentes, coesos, adequados a seus destinatários, aos objetivos a que se
propõem e aos assuntos tratados;
b) utilizar diferentes registros, inclusive os usos mais formais da variedade
linguística valorizada socialmente, sabendo adequá-los às circunstâncias da situação
comunicativa de que participam;
c) conhecer e respeitar as diferentes variedades linguísticas do português falado;
d) compreender os textos orais com os quais se defrontam em diferentes
situações de participação social, interpretando-os corretamente e inferindo as intenções
de quem os produz.
Ambas as propostas educacionais (francesa e brasileira) têm como objetivo
central formar cidadãos que saibam usar a língua em diferentes esferas comunicativas, a
fim de que possam ter acesso aos bens culturais e alcancem a participação plena no
mundo letrado. As finalidades descritas resgatam o oral em sua relação dialética com a
escrita, concebendo as relações de interdependências entre a linguagem escrita e a
linguagem oral.
7 Para os PCNs (1996), “competência discursiva é a capacidade de se produzir discursos – orais ou escritos – adequados às situações enunciativas em questão, considerando todos os aspectos e decisões envolvidos nesse processo”.
50
Outro foco de pesquisa sobre oralidade no livro didático foi desenvolvido em
2005 por Marcuschi8, com a investigação “Concepções de Língua falada no manual de
Português de 1º ao 2º graus”. O autor observou que o tratamento dado pelos manuais
didáticos a língua falada eram insipientes. Entre as críticas feitas pelo autor estão os
desvios teóricos, terminológicos e a ausência de observações empíricas sobre a fala em
uso. A grande questão trazida na investigação de Marcuschi (op. cit, p. 24) é a falta de
compreensão clara por parte da maioria dos manuais didáticos de “como e onde situar a
fala”.
Entre os resultados apontados pela pesquisa supracitada podemos destacar
alguns dados, dentre eles os de que a/o (s)
a) escrita é apresentada como modelo padrão enquanto que a fala é vista
como esfera do não-padrão;
b) exercícios que abordam a relação linguagem coloquial e linguagem
formal em sua maioria são direcionados à reescrita de expressões
descontextualizadas, ignorando a noção de continuum nas estratégias
de textualização, bem como ignorando a intencionalidade da produção
discursiva.
c) língua falada quase sempre aparece como uma questão do léxico,
restrita ao uso de expressões gírias.
De acordo com Marcuschi (op.cit), os livros didáticos analisados em sua pesquisa
não consideram de forma incisiva que a fala seja o lugar do erro, porém essa postura está
relacionada muito mais a um silêncio das obras sobre a fala que a uma avaliação da fala
em suas condições de uso. Esse panorama revela ao teórico que há “por parte dos autores
de livros didáticos, um descaso em relação à oralidade em geral” (MARCUSCHI, 1997,
p.24). Marcuschi mostrou que um livro didático de língua portuguesa com 200 páginas
raramente supera 2% de atividades dedicadas à língua falada, não atingindo uma
quantidade de 4 ou 5 páginas inteiras sobre a fala. Em se tratando de observações
teóricas e exercícios práticos de estruturas ou características da oralidade, o autor
denuncia a quase inexistência de propostas com esse foco.
8 A pesquisa abrangeu livros didáticos do ensino fundamental e médio. Nesse levantamento o autor não considerou os exercícios intitulados "linguagem oral" ou "produção oral", pois entendeu que quase sempre essas atividades são de oralização da escrita ou então de uma encenação ou teatralização de textos literários ou textos escritos.
51
Em Biruel (2002), encontramos outro estudo sobre LDs que contemplou a
questão da variação linguística. Ao analisar livros didáticos recomendados pelo PNLD
em busca de observar se os manuais refletem, entre outras questões, sobre a variação
linguística, a autora percebeu que as variações de dialeto e de registro, apresentadas
pelas coleções, concentravam-se na exploração, sobretudo do léxico, e que o trabalho
com a variação linguística se voltou com mais ênfase para a apropriação da “norma
culta” ou “norma padrão”.
Ambos os estudos revelam considerar que a variação linguística (VL) é uma
característica da língua e não da oralidade em si, o trabalho dos manuais didáticos
analisados por esses autores enfatiza a fala como o lugar do erro e a escrita como
portadora do padrão a ser seguido, apresentando dicotomias entre a fala padrão e a não-
padrão. A tendência dos LDs foi restringir a questão da VL à exploração dos dialetos,
mesmo afirmando compreender os pressupostos de que a língua não é portadora de uma
uniformidade, mas que contempla uma gama de variedades característica de sua própria
essência.
No ano de 2003, Mendes da Silva e Mori-de-Angeles divulgam o artigo “livros
didáticos de língua portuguesa (5ª a 8ª séries): perspectivas sobre o ensino da linguagem
oral”, em que analisam livros didáticos classificados pelo PNLD – 2002 nas categorias
simplesmente recomendados (REC) e recomendados com ressalvas (RR).
Os resultados da pesquisa apontam que independente da categoria na qual a
coleção foi indicada, não há consenso quanto à natureza do trabalho a ser realizado no
quesito gêneros orais públicos e formais, salvo quando se trata de enfocar a relação
oralidade/escrita e a questão da variação linguística, dado já revelado por Marcuschi
(2005). Foi observado ainda nessa pesquisa que há dois perfis de trato com a oralidade
nos manuais recomendados com ressalva: o primeiro apresenta a oralidade do ponto de
vista interacional, ou seja, porque ela permite a condução das atividades e promove a
interação dos alunos em sala de aula. O segundo aborda o oral a partir das diferenças, ou
seja, as atividades alertavam o aluno para a presença de diferentes modos de falar e dos
variados graus de formalismo, embora não ultrapassassem a discussão no nível da
adequação do “modo de falar” em função do destinatário e/ou da situação. .
Essa pesquisa evidenciou que as coleções tomam a oralidade apenas como meio
para a realização das atividades, o que não garante espaço suficiente para refletir sobre a
produção e a compreensão de textos orais. No trato com a variação linguística, as
coleções não contribuíram para uma reflexão sobre como se estrutura o padrão culto da
52
língua, tampouco tematizaram os aspectos característicos dessa situação, dessa forma,
não cumprem as indicações do PNLD (2004) de que a norma culta deveria ser
relacionada ao uso público ou formal da linguagem oral.
Costa (2006) também investigou livros didáticos, tomando como recorte as
resenhas dos livros didáticos indicados no PNLD (BRASIL, 2004), nas três
classificações: Recomendada, Recomendada com ressalva e Recomendada com
distinção. A pesquisa da autora confirma um dos pontos levantados por Mendes da Silva
e Mori-de-Angelis (2003), de que independente da categoria de indicação da coleção, o
maior investimento no trabalho com o oral parece estar voltado para uso informal da
fala, havendo um número reduzido de obras que assimilam as orientações do PNLD para
tratar a fala em seus diferentes usos.
Em outra pesquisa, Costa-Maciel (2007) investigou a didatizações do oral em
duas coleções de livros didáticos de 1º a 4ª série9 indicados como distinção pelo PNLD
2004. Seus dados revelaram que a oralidade se apresenta como eixo explícito de
investigação, havendo um investimento que contempla o gênero textual oral na
abordagem da variedade da língua, no seu aspecto multimoldal (paralinguístico,
extralinguístico e linguístico), bem como em suas múltiplas relações com a escrita.
Entretanto, a autora observa que uma das coleções investigadas persiste em
apresentar a oralidade fora do contínuo tipológico, tomando-a como oposta à escrita, em
pólos opostos. Induz também os educandos e educadores a erros conceituais quando, ao
tomar, em uma das atividades apresentadas, a fala de crianças para exemplificar as
marcas próprias da oralidade e da escrita, insere repetições forçosas para sinalizar a
presença de marcas, que diz serem “próprias da oralidade”. A atividade artificializa o
discurso, deixando-o com uma estrutura de texto cartilhado, fragmentado, apresentando
de modo forçado a repetição do pronome Eu e a contração do verbo Estar = Tô, na
tentativa de tornar essa versão próxima da fala real.
A visão que se estabelece na referida atividade é a de que a língua falada é
possuidora de uma estrutura simples ou mesmo desestruturada, informal, concreta e
dependente do contexto, enquanto a escrita é apontada como tendo uma estrutura
complexa, formal e abstrata, estabelecendo assim polarizações entre fala e escrita, como
denuncia Fávero (2000).
Em relação a essa pesquisa, podemos compreender que já parece ser ponto
9 À época os livros didáticos não contemplavam o ensino fundamental de nove anos, estando assim distribuídos em quatro séries.
53
comum entre os manuais didáticos a necessidade de ensinar o oral. Tal visão é reforçada
pelo Programa Nacional do Livro Didático. Assim, ensina-se o oral a partir dos gêneros.
Pelo investimento teórico apontado a partir da década de 1980, sobre o respeito à
variedade linguística, já vislumbramos, nas obras analisadas, um caminho mais
consistente de exploração. Entretanto, ainda há uma inconsistência no que diz respeito
ao trato da fala com a escrita, deixando transparecer a carência de um investimento
teórico-metodológico nesse tópico, de modo a se abordar essa discussão de forma cada
vez mais próxima das orientações mais recentes no cenário do ensino de língua
portuguesa.
No que tange às pesquisas que envolvem a análise de documentos oficiais e do
livro didático, Magalhães (2007) em sua pesquisa intitulada “Concepções de oralidade:
a teoria nos PCNs e PNLD e a prática nos Livros Didáticos” buscou compreender como
os referidos documentos destinados ao ensino fundamental segundo segmento
conceituam oralidade e se tais conceitos são compatíveis.
A pesquisa evidenciou que, no tocante ao trabalho com a modalidade oral, os
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL/MEC, 1998) atribuem o foco do trabalho à
oralidade na fala pública, ou seja, à adequação às características próprias da fala a
diferentes gêneros do oral. Dessa forma, os PCNs demonstram que a escola deve
preparar o aluno para utilizar a linguagem oral no planejamento e realização de
apresentações públicas como entrevistas, debates, seminários e apresentações teatrais,
por exemplo, propondo situações em que essas atividades façam sentido, envolvendo,
além do mais, regras de comportamento social.
Tal pesquisa revelou também que, em se tratando de conteúdo, os parâmetros
curriculares propõem objetivos bem definidos para o trabalho com a oralidade. As
atividades são divididas em escuta e produção de textos orais.
Para a escuta, são privilegiadas atividades, a partir de gêneros textuais, que
proporcionem a ampliação do conjunto de conhecimentos discursivos, semânticos e
gramaticais envolvidos na construção dos sentidos. Além disso, são enfatizados os
elementos não-verbais como gestos, expressões faciais, postura corporal, etc, que fazem
parte da interação. A utilização da linguagem escrita, quando necessária, como suporte
para a oralidade, e a ampliação da capacidade de reconhecer as intenções dos
enunciadores também são apontadas como objetivo do trabalho oral. Enfim, para os
PCN, a escuta significa colocar os alunos em situações reais de interlocução.
54
Para a produção, a autora destaca que os PCNs indicam atividades em que os
alunos são orientados tanto para a preparação prévia (cartazes, esquemas, encenação,
memorização de textos - elaboração de quaisquer suportes) quanto para o uso em
situações reais de interlocução (entrevistas, debates, exposições, teatros, leituras
expressivas).
Observamos que aparece na relação da pesquisadora a atividade de leitura
expressiva, que não se limita à oralização de um texto escrito, mas a mobilizar
elementos linguísticos, extralinguísticos e paralinguísticos necessários a reflexão sobre
o oral.
No que diz respeito ao Guia do PNLD (2005), Magalhães (2007) lista cinco
pontos que descrevem as propostas:
1. favorecer o uso da linguagem oral na interação em sala de aula, como
mecanismo de ensino-aprendizagem;
2. recorrer, portanto, à oralidade na abordagem da leitura e da produção de
textos;
3. explorar as diferenças e semelhanças que se estabelecem entre a linguagem
oral e a escrita;
4. valorizar e efetivamente trabalhar a variação e a heterogeneidade linguísticas,
introduzindo a norma culta relacionada ao uso público ou formal da linguagem oral,
sem, no entanto, silenciar ou menosprezar as outras variedades, quer regionais, quer
sociais, quer estilísticas;
5. propiciar o desenvolvimento das capacidades envolvidas nos usos da
linguagem oral próprios das situações formais e/ou públicas.
Para a pesquisadora, com essa proposta, o Guia confere aos manuais didáticos a
responsabilidade de apresentar atividades tanto de uso da língua oral, quanto de reflexão
sobre suas características. A recomendação atenta para dois elementos que merecem ser
melhor compreendidos e aprofundados nos manuais didáticos, conforme Rojo (2003).
Embora sejam recomendadas para os manuais a presença de atividades
importantes para o trato com o oral, a autora evidencia que nas orientações, a
modalidade na qual a atividade será realizada não é definida, como acontece nos PCNs,
em que são indicados, inclusive, recursos de gravação de voz para o procedimento das
atividades. Não se diferencia também escuta de produção – como vemos nos tópicos 1 e
2 – dando a entender que qualquer manifestação oral feita em sala de aula propiciará um
conhecimento e análise da modalidade falada.
55
Em síntese, a autora conclui que as concepções de oralidade dos PCNs e do Guia
do PNLD são divergentes, configurando-se o primeiro mais específico, numa visão
completa do processo; e o segundo mais genérico, favorecendo uma visão mais
superficial. Ressaltamos que os documentos analisados têm funções específicas e essas
especificidades também podem colaborar para posições diferentes quanto a indicações e
orientações para o trato com o oral.
Passando a analisar as concepções de oralidade aplicadas nos livros didáticos
Cereja e Magalhães (2002) destinado a 8ª série, com base nas concepções de oralidade
dos PCNs e do PNLD (2005), Magalhães (2007) apresenta o seguinte cenário:
Livros didáticos embasados nos pressupostos do Guia PNLD (2005)
- Livro A: 79,1%;
- Livro B: 64,7%.
Como pode se observar, ambos os manuais apresentaram porcentagens altas de
atividades de oralidade.
Livros didáticos embasados nos pressupostos do PCNs (1998)
- Livro A: atividades de escuta: 17,6% ; atividades de produção: 18,6%
- Livro B: atividades de escuta: 2,3% ; atividades de produção: 17,6%
Os dados revelam que 79,1% de atividades baseadas no Guia PNLD (2005)
compreendem quaisquer exercícios, reflexões, considerações que envolvam a língua
falada, via modalidade oral ou não, dessa forma, não se aliam ao que os PCN
recomendam. A autora conclui a pesquisa sinalizando que, com esse cenário, fica a
cargo do professor desfazer possíveis confusões, elaborar e reelaborar atividades que
contemplem gêneros orais, dentre outros, que levem os alunos a uma maior
compreensão sobre a natureza da linguagem e seu uso nas diversas instâncias públicas e
privadas de comunicação.
Além de pesquisa em documentos oficias, Magalhães (2007) também se debruça
a investigar o discurso do professor sobre o ensino da oralidade. Em seu artigo
intitulado “oralidade na sala de aula: alguém ‘fala’ sobre isso”, a autora buscou
compreender a oralidade no ensino de língua portuguesa, para tanto entrevistou 25
professoras das redes públicas e particulares do município de Juiz de Fora (MG). Para a
entrevista foram elaboradas seis perguntas relativas, de modo geral, a concepção de
ensino, de linguagem, de gramática e as práticas de oralidade.
Focando-nos nas respostas das professoras para o quesito oralidade, pontuamos
como resultado dessa pesquisa:
56
a) todos os professores entrevistados declararam trabalhar com oralidade;
b) os professores já têm consciência de que o trabalho com a linguagem na
escola não engloba somente a língua escrita;
c) as atividades orais mais recorrentes na fala das professoras são
seminários, leitura em voz alta, debates e gêneros que envolvem o tipo narrativo;
comentários sobre os textos lidos (fato recorrente em quase todas as entrevistas). Não
houve ocorrência de gêneros orais como piadas, entrevistas, palestras, depoimentos e
cordel, por exemplo, e apenas uma ocorrência de análise da língua falada;
d) foram encontradas várias “confusões” teóricas em relação à natureza da
língua falada. A primeira é que há ainda uma visão redutora de que os desvios em
relação à norma culta estão presentes somente na oralidade;
f) muitos professores pensam que trabalhar oralidade é somente falar,
vencer a timidez e dar recados, em atividades não controladas e sistematizadas;
Outro dado relevante da investigação veio após a fase de transcrição das
entrevistas. A pesquisadora adotou como estratégia metodológica devolver a transcrição
da entrevista ao sujeito entrevistado. Nessa etapa, alguns sujeitos desistiram de
participar da pesquisa, pois, entre outros aspectos, consideraram que suas falas estavam
com muitas repetições; muitos erros de ‘português’ e de concordância. A autora revela
que muitos professores ainda não compreendem a natureza da língua oral, pois pensam
que não haveria variedades linguísticas presentes nas entrevistas, já que são professoras
de português.
Albuquerque (2010) também investiga o professor em sua pesquisa intitulada
“Oralidade no ensino fundamental: o que dizem os docentes sobre a didatização desse
eixo de ensino?”. Nessa pesquisa, a autora analisou oito (08) professores de escolas
públicas do Recife, licenciados em Língua Portuguesa e Pedagogia, em busca de
investigar o que eles pensavam sobre o ensino do oral.
Do total de sujeitos questionados, dois (2) com formação em letras e seis (6) em
pedagogia reconheceram o oral como objeto que necessita ser ensinado e aprendido.Para
tanto, afirmam trabalhar com uma variedade de gêneros orais, entre eles: relato de
experiências, debate etc. Entretanto, ao serem investigados sobre as habilidades que
buscaram desenvolver nos alunos ao trabalhar a oralidade, todos sinalizam trabalhos
informais, tais como: “Socializar-se, desenvolvendo processos de interação; exposição
de opiniões”. Suas falas transpareciam uma falta de sistematização do ensino,
relacionando o ensino do oral ao falar cotidiano, sem um planejamento que contemple os
57
diversos aspectos relevantes para o desenvolvimento da oralidade.
Outro ponto que chama a atenção nessa pesquisa diz respeito à compreensão por
parte de uma professora formada em pedagogia sinalizar que, apesar de a turma dela ser
de 2º ano, ela achava importante ensinar a oralidade. Essa afirmação nos faz pensar que,
possivelmente, a docente acredita que no ano escolar que leciona a discussão deva estar
voltada para outros eixos didáticos. Albuquerque (op. cit) ressalta que essa visão mostra-
se contrária ao que Dolz e Schneuwly (2004) afirmam sobre os gêneros orais que
precisam ser trabalhados em todos os anos de escolaridade, de modo a favorecer no
indivíduo o domínio dos jogos interativos e de estratégias de negociação em situações
interlocutivas públicas.
Esse cenário reforça a necessidade de se perceber o oral como um eixo
autônomo, mas também interdependente dos outros eixos didáticos, que, articulados,
movem-se para uma perspectiva de oralidade letrada. Portanto, independente do ano de
escolarização, as propostas didáticas devem estar estruturadas a partir dos gêneros
textuais, permitindo ao estudante a adequação às características próprias dos variados
gêneros do oral em diferentes contextos de uso da língua oral e escrita.
Em meio ao estado da arte, encontramos a pesquisa de Nascimento (2009) cujo
título é “A exposição oral na educação infantil: contribuições para o ensino dos gêneros
orais na escola”. Tal pesquisa foge do bojo das investigações que tratam da oralidade na
educação básica e disserta sobre o ensino do oral na educação infantil, com crianças de
5 a 6 anos de idade.
Como opção metodológica, a pesquisadora acompanhou duas professoras
atuantes no grupo V da Educação Infantil do sistema público Municipal de ensino de
Recife, em busca de compreender os efeitos do procedimento sequência didática sobre a
aprendizagem do gênero exposição oral, promovendo uma reflexão sobre as
implicações da utilização desse instrumento metodológico para o ensino do referido
gênero.
Nascimento (2009) submeteu um dos sujeitos a encontros de formação e
planejamento da sequência didática, estando esta sujeita à aplicação da sequência
didática em parceria com a pesquisadora para trabalhar o gênero exposição explicativa.
O segundo sujeito planejou a atividade sem orientação mais sistemática da
pesquisadora. A pesquisadora relata que com essa opção metodológica teve o propósito
de observar como os gêneros são abordados no cotidiano da sala de aula a partir da
58
prática da própria professora sem a sugestão de um procedimento que porventura viesse
a modificar essa prática. Assim, ocorreu apenas a orientação para que a professora
elaborasse uma exposição oral para a feira de conhecimento realizada na unidade
escolar.
Seus resultados evidenciam que o sujeito (A), cuja prática foi planejada com a
pesquisadora, apresentou reflexões sistemáticas sobre a oralidade, não percebidas na
prática do segundo sujeito (B). O sujeito A apropriou-se de elementos tais como as
reflexões metadiscursivas (falar sobre algumas características do gênero textual); a
organização do gênero no espaço escolar (a exposição oral). De acordo com a
pesquisadora, os alunos da professora A também se apropriaram de elementos da
linguagem própria para a exposição oral, tais como aqueles referentes à coesão temática
do gênero, por exemplo, “agora vamos falar sobre”; inserir exemplos ilustrativos ou
explicativos, reformulando assim a fala, como por exemplo: “isso significa que...”;
observância para elementos multimodais no uso da fala, a saber, tom de voz, postura
corporal etc.
A pesquisa de Nascimento (op. cit, p. 143) traz em seus resultados a reflexão de
que a oralidade “ainda é vista ora como sendo o lugar da fala espontânea, ora como
sendo a representação da escrita e por isso suas especificidades não merecem destaque
nas propostas de ensino”. O quadro apresentado pela pesquisadora evidencia a
compreensão de que quanto maior o planejamento e a clareza do professor sobre o
gênero oral a ser ensinado, maior é a possibilidade de ele atuar com segurança no ensino
da oralidade, assim como nos conteúdos dos demais eixos de ensino e dos diferentes
campos do saber. O cenário contrário oportuniza a estada no lugar comum, já
denunciado por Marcuschi (2008), entre outros autores, de tratar o oral como oralização
e memorização de textos.
No foco de pesquisas que investigam o livro didático, Dionísio (2005) e Rojo
(2003), ao tratarem sobre as coleções de livros didáticos, afirmam que muitas coleções
sugerem atividades para responder oralmente questões propostas, contar um caso para a
classe, fazer leitura em voz alta, debater sobre um tema polêmico, o que Marcuschi
definiu como atividades de oralização da escrita, ou atividades que partem ou culminam
com textos escritos. A crítica das autoras vai de encontro a algumas propostas
insuficientes para que se possa pensar em um trabalho de produção e compreensão de
textos orais, como é o caso de situações mediadas pela linguagem.
59
As autoras supracitadas também registram dois outros desvios nos livros
didáticos, o primeiro diz respeito à polarização promovida entre as modalidades escrita
e oral da língua, fato que proporciona uma maior valorização da escrita em relação à
fala; o segundo trata dos gêneros textuais utilizados, uma vez que o diálogo é
apresentado com uma das únicas fontes para a presença da fala. Não há propostas de
audição de falas produzidas fora do contexto da aula, ignorando-se a produção falada
real.
Do ponto de vista do estado da arte, podemos considerar que as investigações
sobre a oralidade parecem apontar problemas que persistem ao longo dos anos. No
panorama das pesquisas, vemos relatos das lacunas nas práticas pedagógicas e nas
propostas de manuais didáticos, que deixam de sinalizar caminhos adequados para que
se contemple a oralidade em suas múltiplas formas, o que parece estabelecer um ensino
descompromissado com esse eixo do ensino da língua, tratando o oral como um
apêndice no corpo da proposta a ser efetivada na sala de aula.
São realidades como essas que também nos preocupam e movem-nos em relação
à oralidade como objeto de investigação. Dessa forma, no capítulo que segue,
tentaremos compreender um pouco mais sobre as questões dos saberes docentes, em
busca de dialogar (na análise dos dados) com a discussão que envolve o ensino da
linguagem oral tomada como objeto a ser ensinado e aprendido.
60
CAPÍTULO 3
SABERES DOCENTES: RELAÇÕES E CONSTRUÇÕES
MOTIVO PARA REUNIÃO Do Presidente para o Diretor: Na próxima sexta-feira, às 17 horas, o cometa Halley estará passando por esta área. Trata-se de um evento que ocorre a cada 78 anos. Assim, por favor, reúna os funcionários no pátio da fábrica, todos usando capacete de segurança, quando explicarei o fenômeno. Se chover, não veremos o raro espetáculo a olho nu. Do Diretor para o Gerente: A pedido do Presidente, na sexta-feira às 17 horas, o cometa Halley vai aparecer sob a fábrica. Se chover, por favor, reúna os funcionários, todos com capacete e os encaminhe ao refeitório, onde o raro fenômeno terá lugar, o que ocorre a cada 78 anos a olho nu. Do Gerente para o Supervisor: A convite do nosso querido Presidente, o cientista Halley de 78 anos vai aparecer nu na fábrica, usando apenas capacete quando irá explicar o fenômeno da chuva para os seguranças no pátio. Do Supervisor para o Chefe: Todo mundo nu, na próxima sexta às 17 horas, pois o manda-chuva do presidente, Sr. Halley, estará lá para mostrar o raro filme "Dançando na Chuva". Caso comece a chover, o que ocorre a cada 78 anos, por motivo de segurança, coloque o capacete. AVISO PARA TODOS: Nesta sexta-feira o Presidente fará 78 anos. A festa será às 17 horas no pátio da fábrica. Vão estar lá Bill Halley e seus cometas. Todo mundo deve estar nu e de capacete. O espetáculo vai rolar mesmo que chova, porque a banda é um fenômeno. Fonte: www.velhosamigos.com.br/Piadas/piadas80.html
61
3.1 A constituição do saber docente
Enquanto elemento de construção humana, o saber só existe estruturado na
relação do homem com o mundo, dele consigo mesmo e com os outros (CHARLOT,
2008, p. 63). É na relação do sujeito que o saber10 é significado e ressignificado. Como
evidencia Charlot (op.cit.), o saber é construído em uma história coletiva e é esse
coletivo que o submete a processos de “validação, capitalização e transmissão”. Desse
modo, podemos entender que o aspecto relacional é um elemento fundante na
construção do saber11.
Mas, como se constitui o saber? E de onde vêm os saberes docentes? Teria o
saber sua base puramente na estrutura cognitiva (mentalismo) ou na estrutura social
(sociologismo)? Tardif (2008) problematiza esses dois enfoques advertindo-nos para o
perigo de isolarmos o saber em uma só dimensão, descaracterizando-o, assim, em sua
múltipla identidade. O autor põe como pauta central a discussão do saber enquanto
construção social ao observar cinco elementos constitutivos:
1) o coletivo das práticas de trabalho – regido por situações coletivas de
trabalho, que observam a formação em comum, a partilha de regras, as matérias de
ensino, os programas, dentre outros elementos. Embora venham a existir práticas
identificadas como sendo as mais originais, é somente no coletivo, portanto, que elas
ganham sentido;
2) o reconhecimento social do saber – o saber é legitimado por instâncias
superiores, que orientam a sua definição, utilização (Universidades, Grupos científicos)
e aprovação das competências (Ministério da Educação). Desse ponto de vista, o saber
profissional, ou seja, o que ele deve saber ensinar é orientado por uma questão social e
não, de forma exclusiva, por um problema cognitivo ou epistemológico.
3) o saber enquanto elemento sócio-histórico – isso porque a pedagogia, a
didática, a aprendizagem e o ensino estão intimamente dependentes da história de uma
sociedade, dos elementos culturais, dos seus poderes e contrapoderes, dos elementos
10 Tardif (2008) afirma que a noção de “saber” engloba conhecimentos, competências, habilidades, o saber fazer-fazer e o saber-ser, ou seja, as atitudes docentes. 11 Guimarães (2004, p.29) apresenta-nos a diferença entre conhecimento e saber. O primeiro está relacionado à produção sistematizada e reconhecida cientificamente pela sociedade, enquanto que o segundo é visto como produção ligada ao domínio de atividades, que depende da relação do sujeito com a sua realidade.
62
hierárquicos, predominantes na educação formal e informal, que define, portanto,
conteúdos, formas e modalidades;
4) a construção do e no reconhecimento do outro – visto que é na relação
complexa entre os sujeitos, como por exemplo, professor e aluno(s) que o saber se
manifesta.
5) a aquisição do saber no contexto de uma socialização profissional – pois o
saber não é um conjunto de conteúdos cerrados em si mesmos, mas uma construção
permanente na qual se aprende a dominar seu espaço de ação, adquirindo a consciência
da prática na medida em que se internalizam as regras vigentes neste espaço.
Refletir sobre a natureza social do saber, nos adverte Tardif (2008, p.15), não
nos habilita a descartar o saber dos atores individuais, que, em seu campo, agem e
transformam a sua própria situação e ação. Para o autor,
é impossível compreender a natureza do saber dos professores sem transformá-lo em íntima relação com o que os professores, nos espaços de trabalho cotidiano, são, fazem, pensam e dizem. O saber dos professores é profundamente social e é, ao mesmo tempo, o saber dos atores individuais que o possuem e o incorporam à sua prática profissional para a ela adaptá-lo e para transformá-lo (negrito nosso).
Saber, fazer, pensar e dizer são elementos que se entrelaçam no processo
do ensinar, como um fio condutor, que define práticas, cria configurações identitárias,
tanto individuais quanto coletivas. Assim, gera uma interface entre o social e o
individual, observa os sujeitos de ação sem desprezar o sistema (ideologias
pedagógicas, lutas profissionais, dominação cultural, ordem simbólica), pois harmoniza
a natureza social e individual.
O saber docente se constrói em relação com o trabalho. É essa relação
que forja os enfrentamentos e a promoção de soluções para os problemas que se
apresentam em sala de aula. Assim, temos a compreensão de que o domínio que o
docente tem de determinado saber não é deslocado de um “ser” e de um “estar”
trabalhador docente, mas se apresenta contextualizado, sendo produzido no e para o
trabalho.
Conforme discutimos, a prática docente é uma atividade que mobiliza/incorpora
diferentes saberes. Gauthier et. al (2006) formaliza um repertório tipológico de saberes
caracterizado-os como: disciplinar; curricular; das ciências da educação; da tradição
pedagógica; das experiências e da ação pedagógica. Tardif (2008) também compreende
63
essa categorização e reforça a discussão sobre as ciências da educação, a partir de
olhares sobre os saberes pedagógicos, implicados nessa tipologia.
O saber disciplinar (GAUTHIER et al, 2006, p.29) ou “saberes sociais”
(TARDIF, 2008, p.38) compreende a definição e seleção dos saberes operados por
grupos sociais produtores de saberes, como, por exemplo, os cientistas, as universidades
etc. Os saberes disciplinares permeiam o universo de incorporação na prática docente
(mas não são produzidos pelo docente, conforme veremos neste capítulo) através das
diferentes disciplinas oferecidas em sua formação inicial e continuada.
Faz parte também da formação do professor o saber curricular, pois, em sua
atuação profissional, o docente se apropria dos saberes previamente selecionados pela
instituição escolar, apresentados nos programas escolares, tendo a incumbência de
aprender a aplicá-los. Tardif (2008, p. 38) sinaliza que esses saberes “correspondem aos
discursos, objetivos, conteúdos e métodos” que são categorizados e apresentados pela
instituição escolar – na forma de programas escolares – como “modelos da cultura
erudita e da formação para a cultura erudita”. Portanto, o professor necessita conhecer o
programa, que, segundo Galthier et al. (2006, p.31), “constitui um outro saber de seu
reservatório de conhecimentos”, pois é “de fato, o programa que lhe serve de guia para
planejar, para avaliar”.
O saber docente não é um saber disciplinar, tampouco curricular, pois em
relação à prática docente, eles se situam na exterioridade, ou seja, os professores nem
definem nem selecionam os saberes a serem transmitidos. Embora os saberes científicos
e pedagógicos precedam e dominem a prática profissional docente, eles não são
provenientes dela.
Frente a essa realidade, Moreira (2001, p. 85) recupera Giroux (1983) para
discutir a participação efetiva dos professores na “definição das formas como o tempo, o
espaço, a atividade e o conhecimento organizam a vida cotidiana nas escolas”. Esse
movimento exige, segundo Giroux (1983, p.34, apud MOREIRA, 2001) a criação de
“condições ideológicas e estruturais necessárias para poderem escrever, pesquisar e
trabalhar uns com os outros elaborando currículos e compartilhado poder”.
Schön (1992) e Zeichner (1993) posicionam-se frente ao papel do professor
diante da sociedade e discutem o seu papel como um profissional reflexivo. De acordo
com os autores, esse movimento é consequência da crise de confiança vivenciada no
âmbito educacional, quanto ao conhecimento profissional dos professores. Movido por
essa realidade, Schön (1992) propõe uma formação profissional estruturada na
64
epistemologia da prática, ou seja, que enxerga a prática profissional como oportunidade
de reconstrução do conhecimento, espaço de análise e problematização. Dessa forma,
“reconhece os saberes implícitos, interiorizados, subconscientes, que circundam a
prática docente, fazendo-os tomarem soluções para empreenderem suas ações” (M.F.
SOARES, 2006, p.??).
A relativa passividade assumida pelo professor frente às exigências que lhes são
impostas de fora da sala de aula também é questionada por Zeichner (1993). Para o
autor, a assunção da prática reflexiva implica no reconhecimento de que os professores
são profissionais que podem e devem desempenhar um papel ativo na formulação dos
propósitos, dos objetivos e dos meios para atingi-los. Essa visão emancipatória
reconhece o docente também como produtor dos saberes que utiliza e possui teorias que
podem contribuir para o processo de ensino-aprendizagem.
Em sua formação ou em seu trabalho, o professor adquire o saber das ciências da
educação. Saberes esses que, embora não auxiliem diretamente o professor a ensinar,
“informam-no a respeito das várias facetas do seu ofício ou da educação de um modo
geral” (GAUTHIER et al., 2006, p.31), como, por exemplo, conhecimentos sobre o
sistema escolar, o conselho escolar e a diversidade cultural etc. É um tipo de saber que
permeia a maneira de existir do professor. Portanto, trata-se de um conjunto de
conhecimento próprio da escola a que a maioria da população não tem acesso.
Tardif (2008) chama-nos a atenção para o fato de que a prática docente não é um
objeto de saber, exclusivo das ciências da educação. Ela mobiliza variados saberes,
identificados pelo autor como saberes pedagógicos. Os saberes pedagógicos12
compreendem um conjunto de “doutrinas ou concepções provenientes de reflexões
sobre a prática educativa no sentido amplo do termo, reflexões racionais e normativas
que conduzem a sistemas mais ou menos coerentes de representações”, as quais, por
sua vez, orientam as atividades educativas (TARDIF, 2008, p. 37). As doutrinas
centradas na “escola nova”, por exemplo, foram incorporadas à formação profissional
dos professores, ofertando-lhes suporte ideológico, algumas formas de saber-fazer e
algumas técnicas. Essa articulação com as ciências da educação busca, de modo
sistemático, a cientificidade das pesquisas, integrando os resultados às concepções que
propõem.
12 É na articulação entre os saberes pedagógicos e os saberes científicos que enxergamos a busca da legitimação da cientificidade da prática.
65
Os saberes da tradição pedagógica estão ligados às diferentes práticas
pedagógicas que tivemos contato ao longo de nossa formação e que nos ofertaram
modelos/representações da profissão. Não podemos pensar nesses modelos como algo
pré-estabelecido a nossa prática, na verdade, ele sofrerá uma adaptação e uma
modificação promovidas pelos saberes experienciais e será validado ou refutado pelo
saber da ação pedagógica.
Os saberes da ação pedagógica são o saber experiencial derivado da pesquisa
(saber testado) em sala de aula. Esses saberes legitimados pelas pesquisas fazem parte
da identidade profissional do professor, e sua publicização serve de base para a prática
de outros professores, servindo-lhes como “regra de ação”. Esses saberes são
considerados a cultura docente em ação, portanto, é necessária sua explicitação, a fim de
que seja posto em reflexão em relação com os outros saberes. Como enfatiza Gauthier
(et al 2006, p.35), “não poderá haver profissionalização do ensino enquanto esse tipo de
saber não for mais explicitado, visto que os saberes da ação pedagógica constituem um
dos fundamentos da identidade profissional do professor”.
Os saberes da experiência brotam da prática e por ela também são validados. São
saberes mobilizados na prática, que não se encontram sistematizados em doutrinas ou
teorias, entretanto formam um conjunto de representações que orientam, interpretam e
fazem com que os professores compreendam a sua profissão, as várias dimensões do
cotidiano de sua prática e “concebam o modelo de excelência profissional dentro de sua
profissão” (idem??).
Para Campelo (2001, p.83), os saberes da experiência são legitimados na prática
singular do docente, e é nela que esses saberes “constituem jurisprudência”, pois são
saberes que decorrem das experiências do professor enquanto indivíduo e enquanto
integrante do coletivo docente. Therrien (1995) também reforça esse olhar ao afirmar
que os saberes da experiência são saberes que, ao passarem por um processo de
transformação, tornam-se integrante da identidade docente e, transformam-se, dessa
forma, em elemento fundamental nas práticas e decisões pedagógicas. Nessa
configuração, tornam-se um saber validado por sua experiência. Logo,
esses saberes da experiência que se caracterizam por serem originados na prática cotidiana da profissão, sendo validados pela mesma, podem refletir tanto a dimensão da razão instrumental que implica num saber fazer ou saber agir tais como habilidades e técnicas que orientam a postura do sujeito, como a dimensão da razão interativa que permite supor, julgar, decidir,
66
modificar e adaptar de acordo com os condicionantes de situações complexas (THERRIEN, 1995, p.3).
O saber da experiência está enraizado em múltiplos condicionantes atrelados às
situações reais, que exigem do professor a capacidade de improvisar, de enfrentar as
situações relativamente transitórias e variáveis, bem como habilidades pessoais.
Perrenoud (1993) alerta que a competência do professor não nega nem invalida os
saberes, pois é a apropriação dos diferentes saberes que são mobilizados nas
competências. Para Tardif (2005), são os condicionantes e as situações que modelam o
docente, fazendo-o desenvolver hábitos que o ajudam no enfrentamento dos
condicionantes e improváveis da profissão.
Os hábitos podem transformar-se num estilo de ensino, em “macetes” da profissão e até mesmo em traços da “personalidade profissional”: eles se manifestam, então, através de um saber-ser e de um saber-fazer pessoais e profissionais validados pelo trabalho cotidiano (TARDIF, 2006, p.49).
Podemos dizer que os hábitos são dispositivos que auxiliam o docente no trato
com os elementos que já são comuns a sua prática e com os novos elementos que
ocorrem de forma inesperada (fatos improváveis), ajudando-o a operar sobre os fatos
em busca da superação. O professor se apropria desses dispositivos na prática e pela
prática, ao lidar com a multiplicidade de ocorrência de sua profissão. O hábito e a
experiência se relacionam intimamente. A particularidade de aprender com a
experiência, segundo Gauthier et. al (2006, p.33), é “diferente de tudo o que se encontra
habitualmente”. É essa experiência que se torna regra na prática e pode se tornar uma
atividade rotineira.
A identidade do saber experiencial é desenhada por três objetos que
compreendem as condições da profissão docente, são elas: a) o estabelecimento e
desenvolvimento de relações e interações do professor com os seus pares e demais
sujeitos que compõem a sua área de atuação; b) a submissão a regras e normas
específicas de seu trabalho; c) a instituição com suas características próprias, composta
por funções diversificadas. Esse tripé constitui a própria prática docente e através dela é
revelado.
Tardif (2008) oferta-nos três observações importantes a partir das condições da
profissão supracitadas. Inicialmente ele nos aponta que é em relação aos objetos-
condições que se estabelece uma decalagem entre as experiências e os saberes que
foram adquiridos na formação inicial. Essa realidade é vivenciada nos primeiros anos de
67
docência, em que são descobertas as limitações dos saberes pedagógicos em relação à
realidade de sua prática. Para o autor, três reações podem ser geradas no professor a
partir desse cenário:
i. a primeira diz respeito a um sentimento de rejeição de sua formação e a
convicção de que o êxito de sua prática depende unicamente de seus esforços;
ii. o segundo é a reavaliação de sua formação, fazendo com que o docente reflita
sobre o que foi útil ou não para a sua prática;
iii. a terceira é uma posição mais moderada, em que o docente avalia
relativizando os efeitos da formação, de modo a não esperar que ela tenha que
dar conta da realidade enfrentada por ele, e de outro lado, que ela serve, de
alguma forma, para organizar a sua prática.
Como passo seguinte, Tardif (2008) nos afirma que os objetos-condições
inserem-se num processo de aprendizagem mais rápida quando o professor sente-se
seguro na prática de sua profissão. Imergido nessa prática, ele desenvolve seu
aprendizado na ação, em que deve provar, a si mesmo e aos seus pares, que é capaz de
ensinar. Os cinco primeiros anos de carreira13 é uma fase em que o docente acumula
experiência fundamental para administrar a sua profissão, essa que, em seguida é
transformada em artifícios/hábitos identitários do perfil do profissional.
O último passo diz respeito à hierarquização dos objetos-condições, pois eles
têm valores diferenciados na prática da profissão, a depender do papel que assume na
instituição. Se considerarmos que o sujeito está como docente é mais importante ele
saber reger a sala de aula que conhecer os mecanismos da secretaria de educação, por
exemplo, afirma o autor. Tardif (2008, p. 51) complementa que, no discurso do
professor, “as relações com os alunos constituem o espaço onde são validados, em
última instância, sua competência e seus saberes”.
De fato, a prática docente se realiza em uma rede de relações com outros
sujeitos, mediada por “discursos, comportamentos, maneiras de ser, etc”. Entretanto, as
interações exigem dos professores algo que transcende ao objeto de conhecimento e à
objetivação de uma prática, pois compreende a “capacidade de se comportarem como
sujeitos, como atores e de serem pessoas em interação com outras pessoas”. Essas
relações são situadas em um ambiente institucional - a escola, espaço constituído por 13 É importante salientar que Tardif (2008, p.51) modaliza essa afirmação e deixa esta marca temporal em aberto, com caráter flexível, pois não garante que apenas nos cinco primeiros anos o professor assegure essa experiência, mas afirma: “é no início da carreira (de 1 a 5 anos) que os professores acumulam, ao que parece, sua experiência fundamental (negrito nosso).
68
relações sociais, hierarquias etc., regidas também por normas, obrigações, prescrições
que necessitam ser conhecidas e seguidas. (TARDIF, 2005, p.50).
A categoria “relação” é elemento essencial na discussão dos saberes, pois é ela
uma das características do saber docente. É na relação com os pares e no confronto entre
os saberes produzidos pela experiência coletiva dos professores que eles adquirem certa
objetividade dos saberes de sua prática. A objetivação dos saberes experienciais ocorre
em um processo de sistematização “das certezas subjetivas” em “discurso da
experiência capaz de informar ou de formar outros docentes e de fornecer uma resposta
aos seus problemas” (TARDIF, 2005, p.52). Conforme o autor,
o relacionamento dos jovens professores com os professores experientes, os colegas com os quais trabalhamos diariamente ou no contexto de projetos pedagógicos de duração mais longa, o treinamento e a formação de estagiários e de professores iniciantes, todas são situações que permitem objetivar os saberes da experiência. Em tais situações, os professores são levados a tomar consciência de seus próprios saberes experienciais, uma vez que devem transmiti-los e, portanto, objetivá-los em parte, seja para si mesmo, seja para seus colegas. Nesse sentido, o docente é não apenas um prático, mas também um formador (op. cit, p.52).
A “certa” objetividade dos saberes também ocorre no contato dos saberes
experienciais com os saberes disciplinares, curriculares e da formação profissional. O
professor, munido de suas certezas experienciais, estabelece uma relação crítica com os
outros saberes, o que lhe oportuniza uma incorporação ressignificada de novos saberes,
tomando-os sobre a categoria de seu próprio discurso. Tal entendimento permite-nos
compreender a prática implicada em um processo de re-tradução da formação docente e
adaptação à sua profissão, fazendo com que seja retirado do seu cenário, o que se
apresenta inútil ou sem relação com a realidade que se depara; por outro lado, ele
preserva também o que de alguma forma pode ser útil à sua prática.
A experiência provoca, assim, um efeito de retomada crítica (retroalimentação) dos saberes adquiridos antes ou fora da prática. Ela filtra e seleciona os outros saberes, permitindo assim aos professores reverem seus saberes, julgá-los e avaliá-los e, portanto, objetivar um saber formado de todos os saberes retraduzidos e submetidos ao processo de validação constituído pela prática cotidiana (TARDIF, 2006, p. 53).
69
A discussão da experiência nos remete à categoria trabalho14, essa que, segundo
Tardif, com base em Marx, configura-se como um processo gerador de transformação
no trabalhador, ou seja, somos transformados no e pelo trabalho. Os saberes oriundos
do trabalho são temporais, pois são as situações de trabalho que exigirão
conhecimentos, competências, aptidões e atitudes específicas, cuja aquisição e domínio
se darão no processo de inserção do trabalhador em situação específica.
Os saberes que fundamentam o trabalho dos professores de profissão15 não se
estruturam em uma coerência teórica nem conceitual, mas pragmática e biográfica, pois,
para os professores de profissão, a experiência de trabalho parece ser a fonte
privilegiada de seu saber – ensinar. A certa coerência da prática docente não se dá por
uma única concepção, mas por um conjunto de concepções mobilizado em função de
sua realidade cotidiana, de sua história de vida e de suas necessidades, tanto aquelas
ligadas a recursos necessários à prática quanto a certas limitações existentes.
A confluência dos saberes de bases diferenciados, que compreendem, dentre
outros fatores, “a história de vida individual, da sociedade, das instituições escolares,
dos outros atores educativos, dos lugares de formação etc”, sinaliza para um sincretismo
caracterizador dos saberes que servem de referência para o ensino. A partir desse olhar é
que podemos compreender que o saber não se limita a conteúdos definidos, tampouco é
dependente de conhecimentos especializados, pois é a convergência das diferentes bases
de saberes que mobilizam a realização da intenção educativa, dependendo do contexto
de uso. Logo, a mobilização do repertório de saberes é temporal, portanto situada.
De fato, os professores utilizam constantemente seus conhecimentos pessoais e um saber-fazer personalizado, trabalham com os programas e livros didáticos, baseiam-se em saberes escolares relativos às matérias ensinadas, fiam-se em suas experiências e retêm certos elementos de sua formação profissional. (TARDIF, 2008, p. 64).
Não devemos conceber os saberes docentes como sendo precedentes à prática,
tampouco como um repertório a ser acionado na ação, embora acreditemos, conforme
Gauthier (2006), que o ensino mobiliza vários saberes, que estão em um “reservatório
14 O trabalho e o saber docente são práticas sociais distintas com características próprias. As suas diferenças não os polarizam, pelo contrário, eles se efetivam e ganham sentido na relação de um com o outro. 15 Tardif sinaliza que os professores de profissão são aqueles que efetivamente estão no cotidiano escolar, vivenciando a dinâmica da sala de aula e as suas diferentes demandas. O autor parece querer reforçar a compreensão da análise dos saberes a partir de docentes na docência, envolvendo o seu saber, o seu saber fazer e o seu saber ser.
70
de saberes”, cuja função é abastecer as demandas reais e específicas do docente.
Entretanto, esse reservatório não se configura como a fórmula para a resolução do
problema, pois os saberes não se incluem na racionalidade técnica, nem são um modelo
pré-definido que fornece soluções às mais variadas situações, frequentemente únicas e
instáveis, que se apresentam cotidianamente. Esse perfil sincrético também distancia os
saberes, sobretudo, de uma origem da pesquisa e de modelos e técnicas padronizados, o
que sinaliza para a dinâmica do processo de construção dos saberes.
Outra dimensão do sincretismo16 está relacionada à mobilização de juízos
práticos que orientam e estruturam a atividade profissional. Para tomar decisões, o
professor se baseia, frequentemente, em valores morais ou normas sociais, como
enfatiza Tardif (op. cit) “grande parte das práticas disciplinares do professores baseia
em juízos normativos, relativos às diferenças entre o que é permitido e o que é
proibido”. Para atingir os fins pedagógicos escolares, eles fazem uso de juízos advindos
de tradições escolares, pedagógicas e profissionais previamente internalizadas. Assim,
os juízos profissionais são desenhados pelas experiências vividas pelo docente,
resultantes de valores, normas e tradições.
O Eu profissional do professor não é forjado apenas por fatores de origem social,
mas se compõe pela dimensão existencial (temporalidade) e pragmática, marcado pela
sua história de vida e pela construção de sua profissão ao longo de sua carreira, bem
como pela dimensão afetiva, a que Tardif (op. cit, p.67 e 68) chama de “marcadores
afetivos globais”. Há no indivíduo referências impressas no espaço (lugar–tempo), para
consolidar a sua memória, as experiências vivenciadas. Portanto, a temporalidade
referencia o que o professor toma como válido para alicerçar e legitimar “as certezas
experienciais que reivindica”.
Mas, quais saberes estão envolvidos no exercício da profissão docente? Temos,
segundo Gauthier et. al (2006), seis possibilidades, conceitualmente cegas, de
compreender a origem dos saberes, são elas: conhecer o conteúdo, ter talento, ter bom
senso, ser intuitivo, ter experiência, ter cultura. Todas elas são tentativas de formalizar
os saberes necessários às tarefas que são próprias do ofício docente.
16 os saberes dos professores são, a um só tempo, construídos e utilizados em função de diferentes tipos de raciocínio (indução, dedução, abdução, analogia, etc) que expressam a flexibilidade da atividade docente diante de fenômenos (normas, regras, afetos, comportamento, objetivos, papeis sociais) irredutíveis e uma racionalidade única, como por exemplo, a da ciência empírica ou da lógica binária clássica (TARDIF, 2008, p. 66).
71
Se compreendermos que basta saber o conteúdo para ensinar, reduzimos o saber
unicamente ao conhecimento da disciplina. Ao atribuirmos a suficiência do ofício ao
talento, estamos esquecendo que esse é uma característica pontual frente à abundância
de necessidades da educação. Por outro lado, se atribuirmos ao bom senso a capacidade
de gerir a pluralidade das demandas do ensinar, estamos esquecendo que a educação é
um lugar de conflitos de valores e perspectivas, assim, há um conjunto de ‘bom senso’ a
ser considerado, não havendo unicidade de senso.
Entretanto, como registra Freire (1999, p. 68), o bom senso “serve para orientar
minha tática de luta”, e a sua importância é fundamental na nossa tomada de posição,
implicada na ética, frente ao que devemos fazer. A intuição, por sua vez, é a negação do
saber, o desprezo da razão, quando tomada isoladamente. Quanto ao saber da prática,
não podemos negar a sua relevância na totalidade do saber docente, mas não pode ser
considerada como a totalidade em si. Há um saber formal, especializado, que necessita
ser aprendido, pois caracteriza o reconhecimento profissional do professor. Por fim,
Gauthier et. al (2006) registra que possuir um vasto repertório cultural não é o arremate
para o ensino.
Freire (1999, p. 51) empresta o seu olhar sobre algumas das possibilidades acima
discutidas e afirma ser inegável à formação docente, além do exercício da curiosidade
epistêmica, o “reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade,
da intuição ou adivinhação”. Reforça que “conhecer não é de fato adivinhar, mas tem
algo que ver, de vez em quando, com adivinhar, com intuir”. Complementa a
argumentação sinalizando ser indubitável “não pararmos satisfeitos ao nível das
intuições, mas, submetê-las à análise metodicamente rigorosa de nossa curiosidade
epistemológica”.
Assim como Freire (op. cit.), Tardif (2008) acredita que as possibilidades
conceituais supracitadas são indispensáveis ao ofício de todo o docente, entretanto, a
restrição a uma só dessas dimensões conduz ao ensino conteudista/transmissivo,
promovendo a negação de um conjunto de conhecimentos e habilidades necessários ao
exercício do magistério. É no sentido de superar as ideias pré-concebidas pelo ensino
que Gauthier et al. (2006) clama um pensar sobre os saberes implicado no ato reflexivo,
pois desprezar a reflexão sobre a prática fragiliza o reconhecimento da profissão
docente, configurando um “ensino sem saber”.
Se, por um lado, vemos um conjunto de idéias que impedem o brotar de um
saber do ofício docente sobre si mesmo, temos também a vertente contrária, que
72
formaliza o ensino de tal modo, reduzindo a sua complexidade, acarretando em um
afastamento deste de “sua correspondente na realidade”. Gauthier et al. (2006, p. 24)
desvela esse cenário afirmando: “se tínhamos, no primeiro caso, um ofício sem saberes
pedagógicos específicos, no segundo17, reduzimo-lo a saberes que provocam o
esvaziamento do contexto concreto de exercício do ensino”.
Não podemos, entretanto, desprezar os conhecimentos acadêmicos, tampouco
apontá-los como suficientes para conferir um caráter de profissionalização às atividades
docentes, pois, por vezes, ele se distancia da real complexidade do ensino. Gauthier et
al. (op.cit) identifica esse panorama como “saberes sem ofícios”. Assim, não podemos
apoiar a prática pedagógica nem nos saberes que constituem os “ofícios sem saberes”,
nem nos conhecimentos que geram, exclusivamente, um conjunto de “saberes sem
ofício”, porque
embora expressem uma certa realidade, esses enunciados vêm impedir de forma perversa a manifestação de saberes profissionais específicos, pois não relacionam a competência à posse de um saber próprio do ensino. Eles contribuem, antes, para deixar o pedagogo sapateando no mais estéril amadorismo (GAUTHIER et al., 2006, p.28).
Gauthier et al. (2006) lembram ainda que não se pode identificar no vazio os
saberes que são próprios do ensino. Essa tarefa implica considerar o “contexto
complexo e real”, no qual se dá a evolução do ensino.
As polarizações apenas reforçam nos professores a concepção de que as
pesquisas realizadas nas universidades em nada lhes são úteis. Assim, a viabilidade da
formalização da atividade docente e sua atuação em sala de aula são enviesadas por um
projeto que se nutre das experiências pessoais, da intuição, do bom senso, dentre outras
ideias já debatidas anteriormente. E, como já vimos, embora essas ideias expressem
superficialmente a realidade do ensino, impedem a manifestação de saberes
profissionais específicos, pois não relacionam a competência à apropriação de um saber
inerente ao ensino.
17 No segundo caso o autor se refere às experiências realizadas por Behavioristas, que não consideravam a realidade do professor em atuação com um grupo de alunos em sala de aula; a psicologia humanista, cuja real necessidade e interesse individual do aluno era desprezada, na base das propostas docentes. Assim, o contexto coletivo de ensino era confundido com o contexto individual da relação terapêutica; a concepção piagetiana em que o ensino desenvolvia-se em uma relação clínica de modo individual.
73
Freire (1999) ao discutir os sabres necessários à pratica docente sinaliza para três
macro-categorias tomadas como base para a perspectiva educativo-crítica. Para o autor,
há três saberes/pilares necessários ao professor, são eles: “Não há docência sem
discência”; “Ensinar não é transferir conhecimento” e “Ensinar é uma especificidade
humana”. Atentemos para os dois primeiros pilares, pois desvelam um cenário que nos
dá suporte para a compreensão do terceiro pilar que compreende a educação como
característica do ser humano.
Alicerçado em uma visão crítica sobre a ação docente, Freire milita por uma
“prática educativa progressista”, no sentido de favorecer no aluno uma aprendizagem
significativa e, portanto, a sua ascensão cultural. O seu discurso sustenta que um dos
princípios basilares na experiência formadora é de que “ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção e a sua construção”, uma
vez que há um movimento circular no processo formativo, pois quem forma se forma e
se re-forma. Esse prisma reforça a compreensão do primeiro pilar dos saberes
necessários à formação docente, o de que não há “docência sem discência, as duas se
explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à
condição de objeto um do outro” (FREIRE, 1999, p. 25, 23).
O rigor metódico é estrutural e essa compreensão pressupõe que ensinar não é
um ato que se esgota no tratamento superficial do objeto ou do conteúdo, mas
compreende as condições em que se é possível aprender criticamente. Essa criticidade
só pode ser vivenciada se a prática docente se desprender do ato mecanicamente
memorizador e sistematicamente repetidor. É nesse sentido que Tardif (2008) e
Gauthier (2006) pregam os saberes não como algo mecanicamente produzido, mas um
permanente ressignificar do que está posto nas tipificações dos saberes. Freire reforça
esse pensar ao afirmar que o conhecimento é marcado historicamente, portanto há
sempre um processo de superação do conhecimento anterior por novos conhecimentos,
“daí que seja tão fundamental conhecer o conhecimento existente quanto saber que
estamos abertos e aptos à produção do conhecimento ainda não existente” (FREIRE,
1999, p. 31).
A construção de novos saberes está implicada na condição docente de
pesquisador. Pesquisar faz parte da natureza da prática docente, é inerente ao ato de
ensinar. Ensino e pesquisa são vias de uma mesma estrada, ambas se encontram porque
se retroalimentam.
74
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro, enquanto continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervindo, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (FREIRE, 1999, p. 29).
A pesquisa, movida pela curiosidade, à medida que se refina na rigorosidade
metódica, transita da ingenuidade para a “curiosidade epistemológica”, um dos saberes
fundamentais à prática educativo-crítica. É nesse percurso que o pesquisador é
convidado à díade estrutural da prática educativa: o reconhecimento e a superação.
Reconhecer no sentido de não apenas respeitar os saberes socialmente
construídos na prática comunitária, mas de “discutir com os alunos a razão de ser de
alguns desses saberes em relação ao ensino dos conteúdos” (FREIRE, op. cit. p 33).
Nesse movimento, caminha-se ruma à superação, pois parte-se do empírico para o
latente, da ingenuidade para a criticidade, do saber da experiência para o saber
metodicamente rigoroso. O autor nos alerta para a configuração desse processo. Para ele
a superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza. Ao criticizar-se, torna-se então, permito-me repetir, curiosidade epistemológica, metodicamente, “rigorizando-se” na sua aproximação ao objeto, conota seus achados de maior exatidão (FREIRE, op. cit. p 34).
Essa superação é movida pelo desenvolvimento da curiosidade crítica,
insatisfeita, indócil, carregada do desejo de defender-nos dos atos irracionais ou do
excesso de racionalismo. A promoção dessa superação está prenhe de práticas
formativas que se distanciem puramente do treinamento técnico e compreenda que a
ética é identitária do processo formador, por isso o ensino não pode negligenciar a
formação moral dos educandos.
A criticidade na formação e na prática docente é implicada no movimento
dialético entre “o fazer e o pensar sobre o fazer” o saber da prática não refletida produz
um saber ingênuo, sem rigorosidade metódica. Por isso, a necessidade de a formação
docente ser carregada de sentido da superação da ingenuidade e da abertura para a
melhoria das próximas práticas. O pesar certo faz parte da tarefa docente e estrutura-se
na necessidade de formar e formar-se para intervir no mundo, responsabiliza assim os
formadores à tomada de atitude coerente, estruturada em uma reflexão crítica sobre a
prática. Por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a
75
prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática (FREIRE, 1999, p.39).
Freire (1999), Tardif (2008) e Gauthier (2006) comungam da compreensão de
que o discurso teórico, “necessário à reflexão crítica”, deve ser munido de uma
concretude “que quase se confunda com a prática” (FREIRE, op. cit. p. 44). O
distanciamento teórico do objeto de sua análise (a prática) deve ser cada vez mais
reduzido, gerando uma maior comunicabilidade entre o saber teórico e a prática, o que
leva à superação da ingenuidade pela rigorosidade.
Tardif (2008) denuncia que há muito o saber profissional foi ignorado e
distanciado do “saber culto”, desmerecendo um “saber da ação”, fruto da prática,
estabelecendo uma divisão entre produtores de saberes e executores técnicos. O que
Tardif (2008, p.15) chama de “desconhecimento da natureza do trabalho dos professores
e da epistemologia da prática profissional por parte da universidade”, pode nos levar a
pensar que o pesquisador é o “não-professor”, discurso que parecia consolidado nas
esferas dos saberes.
Outro elemento também problematizado pelo autor é a dificuldade de
propagação das pesquisas científicas, em virtude da inacessibilidade da construção
linguística do texto. Para Tardif (op cit.), as pesquisas necessitam chegar aos
professores, iniciando pela acessibilidade da linguagem/discurso, ou seja, o “discurso
científico” deve ser submetido a um processo prévio de tradução, preservando, contudo,
o essencial do caráter científico do saber acadêmico em foco. O autor chama de uma
“tradução do saber acadêmico”, preservando, contudo, “o essencial do caráter
científico”, apregoando uma linguagem menos hermética para o discurso da pesquisa.
Essa postura colabora para a superação da ingenuidade.
Precisamente porque a promoção da ingenuidade para a criticidade não se dá automaticamente, uma das tarefas precípuas da prática educativo-progressista é exatamente o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil (FREIRE, 1999, p. 32).
A consciência da não linearidade do movimento de passagem da ingenuidade
para a consciência crítica, sustenta o segundo pilar dos saberes freireanos, o de que
ensinar não é transferir conhecimento. A transferência de saber equivale a, sob o prisma
da visão ingênua, possivelmente, um mecanismo que promoveria, de forma automática,
as transformações no sujeito, de modo a que esse se adaptasse com submissão à
76
realidade posta. Entretanto, a educação como um processo permanente nos faz querer
mais, a consciência do inacabado, saber fundante à prática educativa, iça-nos à condição
de sujeitos e não de objetos. É a consciência do inacabamento que nos faz seres éticos.
Dentre os muitos saberes necessários à experiência educativa está a clareza do
papel social e da prática docente. É necessário ter o conhecimento das diferentes
dimensões caracterizadoras da essência da prática, bem como conhecer o que favorece o
mau desempenho, tornando-o mais seguro. A prática docente exige “uma competência
geral, um saber de sua natureza e saberes especiais, ligados à minha atividade docente”
(FREIRE, 1999, p.78). O papel social docente não deve ser o de telespectador frente ao
mundo, mas de indignar-se e estimular o aluno a questionar as injustiças sociais, porém,
esperançar-se com a certeza de que a história é possibilidade e não determinação. Nesse
ensinar-aprender, portanto, na “dodiscência”, o professor deve promover a capacidade
crítica, a curiosidade dos educandos, permitindo que, com a sua mediação, os educandos
construam seus conhecimentos.
A opção pedagógica coerente reconhece a especificidade da prática e reconhece-
se enquanto contribuinte para a formação positiva do educando. A postura do professor
deve ser clara, entretanto não deve ser tida como única e aceitável pelo aluno. Como nos
adverte Freire (idem, p. 97), o respeito que o professor deve ter com os alunos não deve
motivá-lo a uma postura omissa, tampouco neutra frente aos seus ideais políticos, “a
omissão do professor em nome do respeito ao aluno, talvez seja a melhor maneira de
desrespeitá-lo”. O autor prossegue seu discurso argumentando que o papel docente é o
de testemunhar o “direito de comparar, escolher, de romper, de decidir e estimular a
assunção deste direito por parte dos educandos”. Portanto, faz parte do saber docente
assumir as convicções, bem como as suas limitações, visando superá-las, e não ocultar o
que limita firmando um aparente respeito ao aluno.
Os saberes que Freire relacionou são exigências indispensáveis à prática docente
pensada como uma ação educativo-crítica. Como nos afirma o autor, são saberes
demandados pela prática educativa em si mesma, qualquer que seja a opção política do
educador ou educadora (FREIRE, 1999, p.21). Pensar e atuar, fazendo da prática
pedagógica uma ação crítica implica compreender que “ensinar não é transferir
conhecimentos, mas criar possibilidades para a sua produção; é entender que, quem
ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 1999).
Envoltos nessa compreensão humanizadora do saber, passemos agora o discutir
sobre as instâncias de efetivação desses saberes .
77
3.2 Teorização sobre o saber nas variadas instâncias de produção
Iniciemos esse tópico com a seguinte questão: todo saber goza de uma
autonomia que o faz cristalizar-se em si? Chevellard (1991) nos responde esse
questionamento afirmando que todo o saber é estruturalmente mutável. A essa
“mutação” ele nomeia de transposição didática. A transposição didática compreende a
ciclicidade envolta nas diferentes camadas de um saber acadêmico, transposto para um
saber efetivamente ensinado. É um conjunto de transformações adaptativas sofridas pelo
saber a ensinar, de modo a torná-lo objeto de ensino.
Transformar um conhecimento científico em conteúdo a ser ensinado efetiva um
conjunto de transformações que tornam o saber sábio original, produzido nas
universidades pelos cientistas, por exemplo, em um objeto didático, em saber ensinável,
em conteúdo escolar, em programas de ensino. Há, dessa forma, a criação de um novo
saber, gerido em uma nova instância de ensino, fora do contexto acadêmico, revestido
de suas próprias regras, implicados em práticas sociais de referência/discursos
construídos socialmente, que afloram e legitimam esse saber.
Como evidencia Ferreira (2005),
a teoria da transposição didática vem mostrar que o saber científico (relacionado com a produção acadêmica) difere do saber a ser ensinado (presentes nas propostas curriculares, programas e livros didáticos), como, também, do saber que é efetivamente ensinado (presente nos planos de aula e registros dos professores). Portanto, de acordo com essa teoria, o saber que chega à escola e à sala de aula não é o mesmo que foi pensado nas pesquisas acadêmicas e reconhecido pela comunidade científica (p.57).
A escolha dos saberes a serem ensinados é marcada por diferentes influências,
envolvendo uma variedade de segmentos do sistema educacional, o que contribui para
uma redefinição de aspectos conceituais e dos modos de apresentação. São dois os
momentos de transposição, aquele que passa pelo plano do currículo formal, pelos
livros didáticos e o segundo momento, aquele que ocorre quando o professor, em sala
de aula, produz o seu texto do saber, assim, ele está atuando sobre o domínio da
transposição e realizando-a. O currículo em ação determina as transformações a serem
feitas pelo professor ao buscar didatizar o conteúdo, deixando-o em condições de ser
aprendido pelo aluno.
A transposição didática ocorre na prática pedagógica quando, por exemplo, o
professor seleciona e recorta os conteúdos visando a desenvolver as competências
78
prescritas na proposta pedagógica; oferta prioridade ou não a determinados aspectos do
que foi selecionado; estrategicamente divide o conteúdo para facilitar a compreensão do
aluno, em seguida relaciona as suas partes; estabelece o tempo de modo a apresentar o
conteúdo através da organização de uma sequência, uma ordenação que favoreça a
compreensão, e sua forma de apresentação. Está envolto nesse saber a ser ensinado o
pressuposto de como o aluno aprende e como o professor ensina, configurando o seu
processo de didatização, ocorrendo a transposição didática interna.
Estão presentes no âmbito das mudanças didáticas os pedagogos, professores,
técnicos das secretarias de educação, dentre outros sujeitos. São eles quem
intermedeiam a relação entre o sistema educativo e a sociedade. Chevellard (1991)
identifica essa esfera relacional de “noosfera”. É na noosfera que os “textos do saber”,
cuja função é orientar o professor quanto ao saber a ser ensinado, passa por
transformações, decorrentes das diferentes demandas existentes entre o sistema de
ensino e a sociedade. O objetivo central dessa instância é investir contra as dificuldades
de aprendizagem geradas no cerne do sistema de ensino.
Ferreira (2005) ressalta que no processo de definição do que deve ser ensinado
há um desequilíbrio entre o sistema de ensino e a sociedade,
decorrente, de um lado, do desenvolvimento da produção científica que ressalta, em determinado período, uma distância significativa entre o saber científico e o saber a ensinar; e do outro lado, de uma mudança ocorrida na própria sociedade, como por exemplo, a existência do processo de democratização do ensino que resulta em um novo perfil de alunado. (p.58).
O distanciamento entre o saber científico e o saber a ser ensinado, bem como a
configuração escolar atual, impetrou redefinições na seleção do saber a ser ensinado,
assim como um repensar sobre a prática de ensino. A incompatibilidade entre os
conteúdos prescritos/selecionados para o ensino e a realidade da clientela educacional
favorecia uma crise no ensino e a consequente necessidade de mudança no saber a ser
ensinado. Essas mudanças, no entanto, necessitam da vigilância epistemológica para
que, ao se agregarem os conteúdos aos programas e aos manuais didáticos, não ocorra o
desvio da finalidade do conteúdo que é a garantia da especificidade do saber.
A transformação do saber sábio em saber a ser ensinado configura a
diferença/distância entre os dois saberes, trazendo para o debate uma reflexão
epistemológica que leva em conta a pluralidade de saberes, obrigando, segundo Gabriel
(2001), uma reflexão epistemológica no campo da didática e no plano metodológico. No
79
primeiro caso, levando em conta a diversidade dos saberes e no segundo, permitindo o
distanciamento, a interrogação das evidências, a desfamiliarização da “proximidade
enganadora entre os saberes, oferecendo assim, a possibilidade ao pesquisador, de
exercer uma constante vigilância epistemológica, indispensável a esse tipo de reflexão”
(GABRIEL, 2001, p.4).
Gabriel (idem, p.5) ressalta que o conceito de transposição didática obriga-nos a
pensar sobre a natureza do saber histórico escolar. “Trata de pensar o saber escolar
como sendo historicamente construído, abrindo a reflexão sobre as modalidades de
relação que o mesmo estabelece com outros saberes, entre eles o saber acadêmico”.
Esse pressuposto uniu-se à discussão feita por Tardif (2008) e Gauthier (2006), dentre
outros teóricos da epistemologia escolar, sobre os diferentes saberes que agem na
construção do saber, sendo o campo do saber um diálogo social, histórico e
ideologicamente demarcado, desmistificando a sua neutralidade e desnaturalizando-o.
A relação entre o saber acadêmico e o saber escolar não é hierárquica, mas
específica, ou seja, ambos comportam diferentes saberes e têm sua característica
própria. É no plano do confronto entre esses saberes que buscamos melhor compreender
o “tratamento didático no plano cognitivo” (GABRIEL, 2001, p.5). Para Chevellard
(1991), as tensões que ocorrem entre o saber a ser ensinado e os diferentes grupos de
interesse da sociedade suscitam a transposição didática, cuja função é apaziguar as
incompatibilidades. Porém, não podemos compreender a noosfera como um espaço
pacífico, pois se configura um campo de conflito e disputa entre os agentes sociais e os
representantes do sistema de ensino.
A teoria da transposição didática também põe em foco a questão da esfera do
ensino ser impulsionada pela contradição antigo/novo18. Os novos objetos de ensino
necessitam ser relacionados com aquilo já conhecido/dominado pelo aluno, de modo a
garantir um novo aprendizado, configurando os objetos de ensino como um objeto
transacional. O saber estará, dessa forma, assujeitado ao tempo didático, porém, a
ausência de sincronia no tempo de aprendizagem de cada aluno descarta a possibilidade
de se pensar em padronização do tempo didático.
O professor é visto, por Chevallard, como aquele que tem o controle do saber,
pois o conhece antes que o aluno. A questão temporal, que compreende professor e
18 Conforme Charlot (2008, p. 63), um saber só continua válido enquanto a comunidade científica o reconhecer como tal, enquanto uma sociedade continuar considerando que se trata de um saber que tem valor e merece ser transmitido.
80
aluno em posições diferentes em relação ao saber, permite ao professor configurar o
saber a ensinar e criar novas estratégias para o ensino, construir o texto do saber a partir
da posição assumida.
Chevallard sinaliza caminhos para se pensar o campo da didática, embora não se
envolva no processo de didatização das práticas cotidianas do professor. Entretanto,
ajuda-nos a avançar o olhar a partir de sua teoria e leva-nos a pensar o cotidiano escolar,
ambiente educativo e formativo com uma cultura própria e cheia de significados, espaço
de construção de saberes e fabricação de táticas (CERTEAU, 1999), discussão que
estabeleceremos a seguir.
Antes de abrimos as discussões sobre fabricação e táticas, justificamos a breve
imersão sobre a “transposição didática”, pela capacidade que tem tal teoria em enxergar
as várias esferas de modificação do saber, dentre elas, o livro didático, texto do saber
que suporta a prática docente. O livro didático é, conforme Choppin (1980), um objeto
múltiplo e complexo, síntese da sociedade que o produz. Por esse viés não se reduz a
refletir mais ou menos os programas oficiais de ensino, pois toca diversos domínios da
sociedade. Nesse sentido, configura-se de forma paradoxal em: “objeto, suporte, refletor
da sociedade, instrumento pedagógico e um veículo” (CHOPPIN, 1980, p. 1-3).
É relevante tomar as propostas dos livros didáticos, a partir do olhar do
professor, quando se constata que tal suporte se constitui, muitas vezes, o único material
de acesso ao conhecimento, tanto por parte dos professores que buscam a legitimação de
seu trabalho e apoio para suas aulas, quanto por parte dos alunos que se deparam com
diferentes estratégias de aprendizagem. A escola, principal responsável pelo ensino,
concebe o livro (didático ou não) como um instrumento fundamental, um material
essencial na realização das funções pedagógicas exercidas pelo professor (Cf. SILVA,
1996; LAJOLO, 1996).
Batista (1999) afirma que os livros didáticos são a principal fonte de informação
impressa utilizada por parte significativa de alunos e professores e servem também
como instrumento de estudo dos saberes escolares e extra-escolares. Os manuais
didáticos ainda são uma referência para a organização e sistematização do ensino nas
salas de aulas e, no que se refere ao ensino da língua portuguesa, são suportes que
auxiliam no letramento escolar.
Lajolo (1996) comenta que, na sociedade brasileira, os livros didáticos, e
também os não didáticos, são considerados centrais na produção, circulação e
81
apropriação de conhecimentos, sobretudo dos conhecimentos por cuja difusão a escola é
responsável. Para Silva (1996, p. 11):
Aprender, dentro das fronteiras do contexto escolar, significa atender às liturgias do livro didático: comprar na livraria ou recebê-lo através de programas governamentais no início de cada ano letivo, usar ao ritmo do professor, fazer as lições, chegar à metade, ou aos três quartos dos conteúdos ali inscritos e dizer amém, pois é assim mesmo (e somente assim) que se aprende.
Assim, o livro didático é transformado em objeto com um fim em si mesmo, e
mais especialmente no que se refere ao trabalho com a língua portuguesa, em destaque,
nas práticas de leitura correntes. Neste cenário, os LDs19 passam a estruturar as práticas
pedagógicas, delimitando, de certa forma, o que vai ser ensinado e o que deve ser
aprendido.
A ação dos atores escolares, no interior da escola (em sala de aula), sobre o que
lhes é estrategicamente apresentado (projetos, currículos, etc) pelos especialistas que
constroem o saber-sábio (CHEVELLARD, 1991), desestrutura a tradição de se pensar o
cotidiano escolar com um espaço reprodução dos saberes. Como nos adverte Ferreira
(2005), baseada nas reflexões de Certeau (1984), na efetivação das orientações
prescritas, há um processo de apropriação, reconstrução e “fabricação” dos saberes, que
atenta para as diferentes realidades escolares. Esse cenário, por ser um processo situado
historicamente, está implicado na trajetória de vida, da política e dos saberes dos atores
envolvidos no processo.
A existência da margem de manobra que permite o desvio entre o pensado e o
vivido, o prescrito e o realizado, favorece o processo criativo da ação singular dos atores
em sala de aula. É no cotidiano20 que os sujeitos operacionalizam “estratégias” e
“táticas” em suas práticas. Para Ferreira (2005, p. 66, 67) a estratégia
é o calculo ou a manipulação de relações de força que se tornam possíveis, a partir do momento em que um sujeito de vontade ou poder é isolável ou tem lugar de poder ou saber (próprio). Desse modo, as pessoas que se propõem a racionalizar sobre determinado espaço, elaborando normas, leis ou conceitos, estão construindo estratégias de operacionalização de
19 Nessa investigação, não nos debruçamos sobre o processo avaliativo estabelecido pelo MEC na década de 1990, que passou a desenvolver e a executar um conjunto de medidas para avaliar sistemática e continuamente o livro didático brasileiro e para debater, com os diferentes setores envolvidos em sua produção e consumo, as características, funções e qualidade dos manuais utilizados nos espaços escolares. Para maior reflexão, ver autores como Batista (2001); Barros-Mendes (2006) e Costa (2006). 20 Certeau entende cotidiano como um ambiente que formaliza práticas sociais e, por sua vez, sofre influências externas.
82
determinado espaço que serão “fabricadas” nas práticas cotidianas por meio das táticas de operacionalização.
A tática, por sua vez, diz Ferreira (op.cit)
é a ação calculada ou manipulada de relação de força quando não se tem um lugar “próprio”, ou melhor, quando estamos dentro do campo do outro. Assim, as táticas são muito mais sutis porque são dependentes do tempo, do momento, da oportunidade.
As duas macrocategorias se distinguem, pois enquanto no campo das estratégias
são construídas normalizações a serem vivenciadas nos espaços das práticas cotidianas,
na esfera das táticas fazemos uso das circunstâncias para realizar as manobras.
Resgatando esses conceitos a partir de nossa pesquisa, podemos dizer que, ao tomarmos
o livro didático como objeto de investigação estamos frente às estratégias didáticas para
o ensino dos diferentes eixos de ensino, mas quando nos debruçamos sobre o fazer
docente a partir do que é proposto pelo manual, estamos em busca de compreender as
táticas por eles fabricadas no cotidiano escolar.
Nossa pesquisa não mergulha em uma observação de práticas, mas nas posições
docentes sobre as suas práticas e sobre o que lhe é proposto pelos manuais didáticos,
instrumento repertoriado de estratégias. Com o olhar nessa direção, não investigamos
transposição didática, mas visamos enxergar, nos meados das falas docentes, as
didatizações ou as táticas. Assim, separamos a transposição da didatização, pois são de
naturezas diferentes, visto que enquanto a primeira se ocupa da transformação dos
saberes de referência em saberes a serem ensinados, a didatização seria a maneira de
organizar esses saberes para a compreensão do aluno.
Na operacionalização das práticas cotidianas, devem ser considerados três
elementos composicionais: o estético; o ético e o polêmico. O primeiro diz respeito à
questão estilística, a maneira como se realiza algo, a arte de fazer; o segundo diz
respeito as manobras que o sujeito faz a partir do que lhe é imposto, é a
criação/fabricação/transformação; o terceiro corresponde às práticas que representam a
defesa da vida, configurando-se como “intervenções de conflitos permanentes em uma
relação de força” (FERREIRA, 2005, p.67). Nesse cenário, as práticas cotidianas não se
dão em um campo neutro, nelas estão envolvidas relações de força dentro de
determinadas situações, movidas em direção à construção de táticas com características
específicas de cada sujeito, singularizando os discursos, anulando o princípio da
neutralidade.
83
Em meio à discussão sobre saberes e mergulhados nas ações táticas mobilizadas
pelos docentes, podemos pontuar de forma breve uma investigação realizada por
Ferreira (op. cit) que nos apresenta fragmentos de relatos de professores de
alfabetização (1º ciclo do ensino fundamental), ao usar o livro didático adotado pela
Rede Municipal de ensino de Recife-PE. Nos recortes trazidos, diversas professoras
explicitam que, embora haja uma adoção oficial que apregoe o uso do manual didático,
elas criam campos da manobra, de modo a responderem às demandas de seu grupo
escolar.
Algumas ações são presenciadas no discurso dos professores, entre elas, o uso de
apenas alguns capítulos do livro; o uso de outros livros e ou revistas, associados ao
suporte oficial; a utilização de um conteúdo do livro como suporte para a
contextualização de um tema explorado em sala de aula; a criação/adaptação/ampliação
de atividades a partir do que o livro propõe. Vemos assim, a fabricação de táticas a
partir das práticas escolares docentes. Conforme Ferreira (2005) os espaços de manobra
dos professores, embora não oficiais, são legitimados em função de suas demandas. Eles
demonstram/constroem o seu próprio estilo, fabricam/transformam a partir do que lhes é
apresentado como modelo planejado na “noosfera” (CHEVELLARD, 1991).
Guimarães (2004), em sua pesquisa intitulada “Saberes docentes mobilizados na
dinâmica do trabalho docente: um olhar a partir do ensino” estabeleceu como propósito
investigar os saberes mobilizados na organização do trabalho docente.Para tanto, tomou
como sujeitos de investigação seis professores dos anos inicias de escolarização da Rede
Púbica da Prefeitura de Ensino de Recife.
O acompanhamento da prática e a dimensão qualitativa da investigação, tomados
pela pesquisadora como essenciais para compreender o fenômeno em questão,
oportunizaram a análise dos saberes da experiência docente a partir de três categorias:
os “saberes organizativos”, os “saberes cognitivos” e os “saberes afetivos”. Para
Guimarães (2004, p.134), a articulação entre si desses saberes favorece a interação das
funções de ordem “pedagógicas para a gestão da classe, a gestão da matéria e a
interação professor-aluno”, promovendo o desenvolvimento do processo de ensino-
aprendizagem. A autora compreende que os saberes docentes são mobilizados e
utilizados com o objetivo de: i. atender às atividades escolares de modo geral; ii.
efetivar o ensino, envolvendo de modo interativo os professores, os alunos, o
conhecimento e o contexto.
84
A pesquisa observou também a predominância de saberes organizativos na
prática docente, revelando, segundo a autora, a necessidade docente de organizar um
ambiente de trabalho específico para realizar o ensino-aprendizagem. Guimarães (op.
cit) destaca na dimensão organizativa a busca constante do silêncio e da disciplina dos
discentes, figurando como o grande desafio na relação entre professor e aluno.
No que se refere aos saberes cognitivos, o professor age em função de três eixos:
i) a formação do cidadão; ii) a construção de conhecimentos sistematizados
socialmente; iii) o reconhecimento do sujeito como ser protagonista na sociedade.
Na ação dos saberes cognitivos, nosso olhar coaduna com o da autora, para
quem o sujeito, ao compreender o aluno como protagonista da ação, rompe com a visão
do sujeito passivo e com a estrutura de um paradigma educativo depositário, havendo a
apropriação de uma nova perspectiva de educação. Esse saber está em processo de
construção e apropriação pelos professores “o que representa tanto a característica
histórica do saber docente, como um elemento de estudo em ambientes de formação”
(GUIMARÃES, 2004, p.135).
Na terceira e última categoria investigada, que diz respeito aos saberes afetivos,
a autora revela que esses saberes agem de forma transversal nos demais saberes,
possibilitando a aproximação ou o distanciamento entre professor e aluno, estampando a
humanização na atividade docente. São impressos nesses saberes a preocupação com o
bem-estar discente, com a recepção e com o estímulo à sua aprendizagem. Para
Guimarães, essas preocupações são envoltas no reconhecimento do aluno como sujeito
social, envolvendo também a dimensão do ensino, no desejo de despertá-lo a querer
aprender, tornando-se um grande desafio para o docente.
Guimarães (2004) conclui sua pesquisa evidenciando que os saberes docentes
são gerados a partir de interações, considerando as exigências de cada realidade,
atendendo às demandas do processo de ensino-aprendizagem, sobretudo, no que diz
respeito ao lidar com o aluno e com a construção do conhecimento. Assim, vemos a
mobilização e utilização de modo articulado dos saberes organizativos, cognitivos e
afetivos, em função das demandas do trabalho do professor.
São as demandas do trabalho docente que legitimam as modificações,
arrumações e até mesmo o controle do que foi estabelecido cientificamente, de modo a
construir de forma progressiva um repertório de gestos profissionais oriundos de
múltiplas influências, com vistas a atender a complexidade do indivíduo e grupo-sala.
85
Assim, o autor reforça o discurso de Weisse (1998) ao afirmar que nenhum tratamento
sozinho dá conta da complexidade da realidade em seu conjunto.
No cotidiano, as escolhas docentes se dão em tempo real, as suas escolhas não
são determinadas por uma lógica determinista de causas monofatoriais. É na ação que o
sujeito mobiliza os saberes, seleciona, modifica, arruma, controla e age. No campo da
ação, permeada por inúmeras variáveis não controladas, o docente tem um vasto espaço
de liberdade assegurado pelo seu campo de responsabilidade profissional. É nesse
contexto que nos perguntamos: quais demandas movem os docentes em suas escolhas
para o trato com a oralidade? Quais fatores são determinantes para que o oral seja
tomado como objeto didático? Em busca de achar pistas para responder alguns desses
questionamentos, imergimos na análise dos dados no capítulo 5, após endereçarmos os
caminhos trilhados rumo ao objeto de investigação no capítulo 4.
86
CAPÍTULO 4
METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO: OS SABERES DOCENTES PARA O ENSINO DO
ORAL
Fonte: http://www.google.com.br/imgres
87
Este capítulo descreve as ações tomadas frente aos objetivos dessa pesquisa, os
quais foram definidos, de modo mais amplo, no sentido de analisar o saber docente no
trato da oralidade e, de modo mais específico, no sentido de compreender o olhar
docente sobre o oral enquanto objeto de ensino-aprendizagem e como os professores
analisam o ensino do oral a partir de um conjunto de atividades presentes em livros
didáticos de língua portuguesa.
Das etapas da pesquisa
Com vistas a alcançarmos esses objetivos, estruturamos a investigação nas
etapas abaixo indicadas:
(i) Questionário de identificação, cujo propósito foi melhor conhecer a
trajetória de formação e atuação profissional dos participantes, pois
acreditamos, conforme Tardif (2008), que a construção dos saberes é plural e
agrega saberes oriundos da formação profissional, dos saberes curriculares,
disciplinares e experienciais. Essa multifatorialidade nos conduz a melhor
conhecer o perfil dos sujeitos e dialogar com a sua formação no processo
analítico da pesquisa.
(ii) Entrevista semi-estruturada, cuja finalidade se constituiu em sondar a
compreensão e a construção dos sabres docentes para o ensino da oralidade.
Neste propósito, as questões levantadas abarcaram dimensões relativas aos
objetivos para o ensino de língua portuguesa; ao olhar docente sobre as
proposições de livros didáticos para atingir os objetivos desse ensino, bem
como o trato com a oralidade; as demandas de fazer pedagógico docente para
o ensino do oral; a sua trajetória de formação inicial e em serviço; bem como
as suas proposições para a efetivação do trabalho com a oralidade. As falas
dos sujeitos foram devidamente gravadas (áudio-gravação) com a
autorização dos participantes.
(iii) Protocolo de atividade do livro didático, cuja função é trazer
exemplificações de propostas de ensino da oralidade indicadas por diferentes
manuais, tendo em vista refletir como o docente compreende a oralidade a
88
partir de um conjunto de atividades presentes em livros didáticos de língua
portuguesa que se propõem a tratar do referido eixo didático. Nesse sentido,
selecionamos seis exemplos de atividades coletadas em duas coleções de
livros didáticos destinados aos anos iniciais do ensino fundamental (1ª a 4ª
séries – à época), cujos manuais foram analisados por nós na ocasião do
mestrado.
Das estratégias de seleção do corpus de análise
A eleição dos sujeitos envolvidos na pesquisa se deu pela “seleção de
casos recomendados”, em que os mesmos foram indicados pelo assessor pedagógico da
Rede de Ensino (GOETZ e LECOMPTE, 1984, citados por MOREIRA e CALEFFE,
2006, p. 206), bem como pela aceitação voluntária dos sujeitos em participarem da
investigação.
A definição do quantitativo de sujeitos envolvidos nessa pesquisa também se deu
por um novo movimento exploratório da dissertação de mestrado, cujo objetivo foi
verificar para quais níveis de ensino havia maior ocorrência de atividades orais. Logo,
observamos uma maior concentração de atividades voltadas para o ano de consolidação
do sistema de escrita alfabético, 3º ano, e demais propostas com foco nos anos
posteriores, 4º e 5º anos.
Os resultados da exploração nos conduziram a focar a investigação em três
sujeitos de pesquisa, atuantes de 3º ao 5º ano, respectivamente. Os sujeitos foram
identificados por uma única letra seguida de numeração que identifica o nível de ensino
em que atuavam. Assim, temos para P3, por exemplo, a identificação de professora que
lecionava no terceiro ano do ensino fundamental (anos iniciais).
No quadro geral, vejamos a caracterização dos sujeitos participantes da pesquisa.
REDE DE ENSINO
PROFESSORAS PARTICIPANTES
ANO CICLO DE ATUAÇÃO
TEMPO DE DOCÊNCIA
TEMPO DE DOCÊNCIA NA REDE
FORMAÇÃO
Escola municipal localizada na região metropolitana de Recife.
P3 3º ano (2ª série) 13 anos 13 anos Pedagogia (Pós-graduação)
P4 4º ano (3ª série) 09 anos 06 anos Pedagogia (Pós-graduação)
P5 5º ano (4ª série) 15 anos 05 anos Pedagogia (Pós-graduação)
Tabela 1. Quadro geral de identificação dos professores.
89
A seleção das docentes obedeceu aos seguintes pré-requisitos:
a) serem professores efetivos da Rede municipal de ensino com experiência mínima
de cinco anos;
b) terem formação mínima em curso normal médio;
c) atuarem em salas de aula de 3º ao 5º ano;
d) fazerem uso do livro didático em suas práticas (seja ele o manual adotado na
Rede ou da escolha pessoal do professor);
d) terem frequentado ou estar frequentando cursos de formação continuada;
e) aceitarem participar da pesquisa, contribuindo para um bom andamento da
mesma.
Os critérios estabelecidos visavam:
a) trazer para o campo de investigação professores integrados na cultura da rede
de ensino e no seu campo de atuação;
b) que os professores possuíssem uma formação com habilitação para o
magistério, o que pressupõe sujeitos competentes para a atuação no campo;
c) que os mesmos se enquadrassem no nível de ensino compatível com o critério
de seleção estabelecido por nossa pesquisa (3º ao 5º anos);
d) que eles utilizassem livros didáticos em sua prática pedagógica o que,
possivelmente, os habilita a terem ferramentas/critérios de análise para avaliar as demais
propostas que lhes fossem apresentadas;
e) a predisposição dos docentes a, de forma voluntária, participar como sujeito
da investigação tendo a sua fala gravada, transcrita e posteriormente divulgada por
nossa pesquisa.
Fez parte desse processo de coleta de dados o nosso compromisso ético com as
docentes, no sentido de preservar as suas imagens, bem como de entregarmos uma cópia
da transcrição de suas falas para que pudessem ler e revisar. Com esse acordo as
professoras ficaram livres para ocultarem ou acrescentarem as informações que
desejassem. Atrelamos a divulgação de suas falas somente após a sua leitura/revisão dos
textos. Comprometemo-nos também a guardar de forma sigilosa as cópias das
gravações após a finalização da pesquisa.
90
Não houve por parte dos professores indicações de mudanças nos seus textos.
Apenas P5 nos informou que havia subtraído do texto algumas marcas orais de
repetição, pois segundo ela, por vezes a sua fala era tautológica. Explicamos à docente
que no processo de recorte dos fragmentos das falas para análise e o tipo de pesquisa a
que nos filiamos – análise de conteúdo - as repetições não eram tomadas como objeto
de discussão. Feitas as elucidações, não houve mais pronunciamento da docente.
A opção pela seleção de professores pertencentes a uma única escola pública
municipal21, localizada na região metropolitana do Recife, levou em consideração
diferentes elementos, dentre eles:
a) o investimento sistemático da Rede com a formação continuada (FC) de seus
professores, o que evidencia uma preocupação com a qualidade na formação em serviço
dos seus docentes;
b) o nosso trabalho, no ano de 2009, como assessora pedagógica e formadora de
professores do município em uma das escolas da Rede, critério esse que favoreceu
também a nossa escolha por investigar professores de uma escola em particular.
Avaliamos que os requisitos elencados por nós contribuíram para a seleção de
sujeitos comprometidos com a formação qualificada dos educandos e abertos a pensar
sobre a sua prática em um movimento contínuo de ação-reflexão-ação (SHÖN, 2000),
tríade que estrutura práticas e possibilita a explicitação e construção de saberes.
A preparação para a coleta dos dados envolveu visitas regulares à escola para
maior aproximação com as professoras e negociação com a coordenação dos dias e
horários que iríamos nos encontrar individualmente com cada sujeito para procedermos
às etapas de preenchimento do questionário de identificação, das respostas às questões
da entrevista e análise de protocolo de atividade.
Os dados foram coletados no período de março a junho de 2011. O horário de
coleta correspondeu ao turno no qual atuavam as professoras, P3 e P4 – manhã; e P5 -
tarde. O dia da visita foi agendado de acordo com a data dos encontros pedagógicos
realizado pela Rede, em que a coordenação, junto às professoras, planejava suas
atividades mensais. Em virtude desse evento, as aulas dos alunos somente aconteciam
no primeiro momento do turno, que se estendia até a hora do intervalo, ficando o
horário posterior para o referido encontro.
21 Esclarecemos que por questões de acordos entre os sujeitos da pesquisa, o nome da escola não será divulgado, tampouco a Rede que serviu de base para a investigação.
91
Nessa configuração, a coordenação nos autorizou a fazermos nossa coleta de
dados no primeiro momento das aulas, no próprio espaço escolar. As professoras se
programaram com atividades para os seus alunos, algumas contavam com apoio de
estagiárias que assumiam o comando das atividades.
A coleta de dados seguiu os passos já anunciados: questionário de identificação;
entrevista semi-estruturada e protocolo de atividade do livro didático. Detalharemos a
seguir os dois últimos instrumentos:
A entrevista obedeceu ao roteiro composto por dez (10) questões investigativas,
que, ao serem tratadas por nossa análise, foram alocadas em 5 (cinco) categorias.
ENTREVISTA CATEGORIAS 1. Para você, qual o objetivo de se
ensinar à língua portuguesa nos anos iniciais do ensino fundamental? (na série em que você atua)?
1.
Olhares docentes sobre os objetivos do ensino da língua materna na prática pedagógica e nos manuais didáticos. 2. Você considera que as atividades
propostas pelo livro didático de língua portuguesa dão conta desse objetivo que você citou?
3. No que diz respeito aos eixos de ensino de língua portuguesa: leitura, produção de texto e oralidade, por exemplo, quando é que você considera que o livro didático trabalha a oralidade?
2.
Olhares docentes sobre a oralidade como eixo de ensino no livro didático de língua portuguesa.
4. Em sua prática, você já realizou alguma atividade que teve como foco a oralidade? O que você ensinou? Como eram essas atividades? Poderia descrever?
3.
Práticas docentes para o ensino do oral: atividades, demandas, objetivos e avaliação .
5. Houve alguma demanda específica por parte de seus alunos para você executar as atividades?
6. Você estabeleceu algum critério para selecionar essas atividades? Quais?
7. A realização da atividade deu conta dos objetivos que você traçou para ensinar? De que forma você percebeu esse bom resultado?
8. Você destacaria alguns pontos que poderiam ser melhorados no seu trabalho com oralidade? Quais? Poderia detalhar?
9. A sua trajetória de formação docente e a sua atuação em sala de aula
Olhares docentes sobre a contribuição de sua
92
influenciaram a construção e realização dessa atividade com oralidade? De que forma?
4. formação para ensinar a oralidade.
10. Se algum professor/a lhe pedisse orientação de alguma atividade para trabalhar com a oralidade junto a uma turma do mesmo ano que você leciona, qual sugestão daria? Poderia detalhar?
5.
Proposições docentes para o ensino da oralidade.
Tabela 2. Apresentação do roteiro de entrevista e as categorias analíticas referentes a análise da entrevista.
No que diz respeito ao protocolo de atividade do livro didático, revisitamos o
corpus de atividades analisadas por nós na ocasião do mestrado22, em que investigamos
as coleções Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, São Paulo:
Moderna, 1999 da autora Magda Soares (doravante C1) e Vitória Regia – Língua
Portuguesa, Campina Grande do Sul/PR. Ed. Lago, 2001, da autora Solange Gomes
(doravante C2).
As atividades analisadas na dissertação compunham propostas de coleções
avaliadas pelo PNLD 2004, antes da vigência do ensino fundamental de nove anos,
portanto organizadas em séries (1ª a 4ª séries do ensino fundamental). No trabalho que
ora apresentamos, ajustamos a série de ensino ao ano de escolarização, à medida que
observamos as especificidades de cada etapa. Assim, o livro de 2ª série passou a
corresponder ao 3º ano do ensino fundamental – anos inicias.
Selecionamos cinco exemplos de atividades com base em quatro categorias de
análise empreendidas na investigação acima aludida, entretanto, trouxemos um exemplo
de atividade não contemplada nas categorias de discussão de nossa dissertação, a saber,
a atividade que trata da “oralização da escrita”, em virtude da recorrência, em uma das
coleções analisados (C2), que tomava exemplos de tal natureza como atividade oral, o
que não se afina com a concepção de oralidade que nossa pesquisa se filia. Os
protocolos de atividades foram organizadas em 6 (seis) categorias:
22 A dissertação de mestrado defendida por nós no ano de 2006, no Programa de Pós-Graduação em Educação, UFPE teve por título: Livros didáticos de língua portuguesa: propostas didáticas para o ensino da linguagem oral.
93
CATEGORIAS DA DISSERTAÇÃO
FONTE DO PROTOCOLO CATEGORIAS DA TESE
Produção e compreensão oral de gêneros textuais
Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 3ª série. São Paulo: Moderna, 1999. Autora: Magda Soares. Localização da atividade: páginas 67 a 71 – 2ª unidade.
CATEGORIA 10
OLHARES DOCENTES SOBRE A PRODUÇÃO E A COMPREENSÃO DO GÊNERO TEXTUAL ORAL
Multimodalidade discursiva
Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 2ª série. São Paulo: Moderna, 1999. Autora: Magda Soares. Localização da atividade: página 91-94 – 2ª unidade.
CATEGORIA 9
COMPREENSÕES DOCENTES SOBRE A REPRESENTAÇÃO DOS ELEMENTOS MULTIMODAIS DA FALA NA ESCRITA
Reflexão sobre as modalidades de uso da língua
Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 4ª série. São Paulo: Moderna, 1999. Autora: Magda Soares. Localização da atividade: páginas 82 a 88 – 2ª unidade.
CATEGORIA 7
COMPREENSÕES DOCENTES SOBRE A RELAÇÃO FALA-ESCRITA.
Variantes linguísticas Variação Dialetal e de
Vitória Regia – Língua Portuguesa, 2ª série. Campina Grande do Sul/PR. Ed. Lago, 2001. Autora: Solange Gomes. Localização da atividade: páginas 102, 109 a 110 – 5ª unidade.
CATEGORIA 6
COMPREENSÕES DOCENTES SOBRE AS QUESTÕES DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM CENA A VARIAÇÃO DIALETAL.
Registro Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 2ª série. São Paulo: Moderna, 1999. Autora: Magda Soares. Localização da atividade: páginas 20 e 21– 1ª unidade.
EM CENA A VARIAÇÃO DE REGISTRO.
Tabela 3. Apresentação das categorias de nossa dissertação revisitadas para a seleção de protocolos de atividades, a fonte dos protocolos de atividades utilizadas por nossa tese e a categoria em que cada um foi organizado.
94
Foi criada uma nova categoria para contemplar a discussão sobre a oralização de
texto escrito, em virtude da recorrência de atividades com esse perfil, identificadas pela
C2 como atividade oral.
NOVA CATEGORIA/ TESE
FONTE DO PROTOCOLO
CATEGORIA 8
COMPREENSÕES DOCENTES SOBRE A ORALIZAÇÃO DO TEXTO ESCRITO.
Vitória Regia – Língua Portuguesa, 4ª série. Campina Grande do Sul/PR. Ed. Lago, 2001. Autora: Solange Gomes. Localização da atividade: páginas 10 – 1ª unidade.
Tabela 4. Apresentação da nova categoria, criada na ocasião da organização dos protocolos de atividades, que serviu de base para a análise pelos docentes.
A entrega do protocolo de atividade as professoras foi seguida da pergunta:
a) em sua opinião, qual o objetivo dessa atividade?
Ao sentirmos necessidade de que as professoras explicitassem melhor a sua fala,
perguntávamos:
b) o que essa atividade deseja que os alunos/as aprendam?
Após a etapa de analise das atividades, endereçamos mais três perguntas as
professoras, a saber:
c) você escolheria algumas dessas atividades para aplicar com os seus alunos
em sala de aula? Quais?
d) A atividade que você selecionou vai ajudar seus alunos em quê?
e) Para aplicar a(s) atividade(s) escolhidas, você faria alguns ajustes? Poderia
nos dizer quais?
Na ocasião da coleta dos dados, as atividades foram entregues às professoras em
ordem aleatória, uma de cada vez, seguindo o fluxo das falas dos sujeitos, portanto, não
obedeceu à mesma sequência de organização das categorias referentes à nossa análise.
Para a construção das categorias de investigação, assumimos a abordagem
“indutivo-construtiva”, visto que nela as categorias são resultantes de um processo de
construção ao longo do trabalho, através da sistematização e analogia (MORAES, 1999,
p.29). Segundo Lincoln e Guba (apud MORAES, 1999), são necessários para a
95
realização dessa abordagem o método de indução analítico e o método de comparação
constante. Tanto um (método de indução analítico) como outro (método de comparação
constante) se fundamentam na indução, processo em que as regras de categorização são
elaboradas ao longo da análise e fazem intensa utilização do conhecimento tácito do
pesquisador como fundamento para a constituição de categorias. Tanto as categorias
como as regras de categorização são permanentemente revistas e aperfeiçoadas ao longo
de toda a análise.
As categorias surgiram a partir de nossa imersão nos dados frutos da entrevista e da
análise das respostas das professoras aos protocolos de atividades. Essas categorias
compreendem fenômenos locais situados e perseguem o rigor e a objetividade científica
à luz da interpretação qualitativa.
Opções de pesquisa: da tipologia para o tratamento dos dados
Esta pesquisa filiou-se à perspectiva predominantemente qualitativa para
investigar os saberes docentes para o ensino da oralidade, bem como para refletir como
o docente compreende a oralidade a partir de um conjunto de atividades que se propõem
a tratar o referido eixo didático.
Para Chizotti (2003, p.2)
o termo qualitativo implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetivos de pesquisa, para extrair deste convívio os significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível e, após este tirocínio, o autor interpreta e traduz em um texto, zelosamente escrito, com perspicácia e competência científica, os significados patentes e ocultos do seu objeto de pesquisa.
Consideramos essa abordagem satisfatória para tratar os dados coletados, pois,
de acordo com Dias (2000), o paradigma qualitativo é apropriado quando o fenômeno,
em estudo complexo, de natureza social, não atende à quantificação e visa atender às
especificidades contidas nos objetos de pesquisa pertinentes às Ciências Sociais
Humanas.
Ressaltamos, todavia, que, assim como Minayo (1994), não nos coadunamos
com a polarização entre pesquisa qualitativa e pesquisa quantitativa, visto que podemos
com isso desprezar dados estatísticos que constituem um panorama da realidade
96
estruturada. Porém, filiamo-nos à compreensão de que a pesquisa de cunho social não
pode se restringir à referência apenas quantitativa.
Em Minayo (1994, p 21-22; 1994, p.21-22) a pesquisa qualitativa compreende
“o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes” e avança
no sentido de buscar contemplar de forma aprofundada o mundo dos significados das
ações e relações humanas. Acreditamos que os elementos citados pela autora se
encontram nas falas, nas práticas pedagógicas, nos documentos, em qualquer texto
produzido por seres humanos, por isso nos debruçamos com esse olhar sobre os dados.
Submetemos as nossas “unidades de registros” (MINAYO, 1994, p. 75),
compreendidas em dois protocolos: Entrevista e Análise de Atividades do Livro
Didático (ação realizada pelo professor) aos encaminhamentos da análise de conteúdo
(BARDIN, 1997), por acreditarmos que o conjunto de técnicas dessa abordagem
corroboraria para a explicação e sistematização dos conteúdos das mensagens,
ajudando-nos a enxergar os significados neles contidos.
A abordagem de análise de conteúdo, segundo Bardin (1979, p. 42), é um
agrupamento de técnicas que visa
obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição dos conteúdos das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a interferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.
Sob o prisma dessa perspectiva, procedemos uma classificação em categorias de
análise, abaixo descritas, tomando o conteúdo como norteador dessa construção, tendo
em vista ordenar e analisar todas as informações descritas nos conteúdos das
mensagens. Esse movimento reforça o que afirmam Oliveira, Andrade, Ens e Mussis
(1996, p. 3 e 4) sobre a Análise de Conteúdo, pois, para os autores, essa tipologia
tem por finalidade, a partir de um conjunto de técnicas parciais, mas complementares, explicar e sistematizar o conteúdo da mensagem e o significado desse conteúdo, por meio de deduções lógicas e justificadas, tendo como referência sua origem (quem emitiu) e o contexto da mensagem ou os efeitos dessa mensagem. Nesse processo, faz-se necessário consolidar a totalidade de um “texto”, passando-o pelo crivo da classificação ou do recenseamento, procurando identificar as frequências ou ausências de itens, ou seja, categorizar para introduzir uma ordem, segundo certos critérios, na desordem apresentada.
97
O diálogo da análise do conteúdo com as condições de produção e recepção do
discurso faz-nos analisar os dados com olhares questionadores: o quê? Quem? Como?
Quando? Por quê? Onde? De que lugar foi dita determinada informação? O que move o
sujeito a dizer o que disse? Dentre outras indagações. Assim, inserimos os objetivos
traçados para esse estudo nesse desenho investigativo.
Advertências da pesquisa
Com esta pesquisa não nos comprometemos a esgotar a discussão, tampouco a
generalizar dados coletados. Apuramos a análise sob o alerta de Chartier (1995), para
quem
os pesquisadores que produzem textos “teóricos”, [...] esquecem que suas construções acadêmicas, sejam elas de “pesquisa pura”, “aplicada” ou de “pesquisa-ação”, são o resultado de práticas profissionais específicas; como praticantes da pesquisa eles mesmos estão presos em redes de trocas institucionais, redes sociais de trabalho, de poder e de conflitos que lhes permitem articular seus saberes e seu saber fazer, seus discursos e seus gestos profissionais. Eles encontram as mesmas dificuldades para se fazer compreender por pessoas de outros meios que os professores quando falam de suas práticas para não especialistas. (p. 200, 201).
Essa compreensão evidencia que as reflexões advindas dos dados coletados e
analisados nessa pesquisa, sob o prisma qualitativo, não representam o pensar de todos
os professores da rede pública investigada, tampouco da realidade pernambucana e, em
âmbito geral, do Brasil. Todavia, pode nos ofertar um panorama da realidade de
algumas dificuldades enfrentadas pelos professores no quesito ensino da oralidade, nos
anos/séries iniciais do Ensino Fundamental.
98
CAPÍTULO 5
ANÁLISE DOS DADOS: OS SABERES DOCENTES PARA O ENSINO DA ORALIDADE
O certo é que hoje se torna cada vez mais aceita a ideia de que a preocupação
com a oralidade deve ser também partilhada pelos responsáveis pelo ensino de língua.
Luiz Antônio Marcuschi
99
Este capítulo analisa os saberes docentes para o ensino da oralidade com vistas a
compreender como três professoras pesquisadas concebem o oral enquanto objeto de
ensino-aprendizagem e como analisam o ensino do oral a partir de um conjunto de
atividades presentes em livros didáticos de língua portuguesa.
Com vistas a alcançarmos tais objetivos, apresentamos as categorias do nosso
estudo, concomitantemente às análises e discussões dos resultados alcançados.
CATEGORIA 1
OLHARES DOCENTES SOBRE OS OBJETIVOS DO ENSINO DA LÍNGUA MATERNA NA
PRÁTICA PEDAGÓGICA E NOS MANUAIS DIDÁTICOS
A compreensão de que os objetivos do ensino de língua materna e as propostas
dos livros didáticos disponíveis para o trabalho em sala de aula estruturam as decisões a
serem tomadas pelo professor no ensino dos eixos didáticos, dentre eles, o eixo da
oralidade, nos fez questionar sobre o que cada docente concebia como objetivos para o
ensino da língua portuguesa, no ano em que lecionavam; bem como nos fez investigar
se para as professoras pesquisadas tais objetivos eram contemplados pelos manuais
didáticos utilizados em suas práticas pedagógicas. Essas duas questões são
estruturadoras da categoria em tela e introduzem a discussão sobre o objeto de nossa
investigação: o saber docente sobre o ensino da oralidade.
No tocante ao questionamento sobre quais são os objetivos para o ensino de
língua para o ano de escolarização, cujas docentes atuam, vejamos como cada uma delas
se comportou:
Em P3 observamos o seguinte olhar:
[...] então meu objetivo principal é esse, que eles saiam daqui lendo com compreensão e escrevendo com uma sequência lógica. Para mim esse é um dos objetivos principais, a leitura e a escrita. (P3).
Para P3, dentre as preocupações enfatizadas em relação aos objetivos do ensino
de língua está a formação de leitores e produtores textuais. Conforme podemos
perceber, essa compreensão surge da necessidade de o ensino de Língua Portuguesa
assumir uma perspectiva de formação para a leitura e de a escrita de textos ganhar maior
100
destaque nas últimas três décadas. Trata-se de uma perspectiva que transcende àquela
vivenciada, de modo quase que inquestionável, na década de 80 do século XX
(BRANDÃO e LEAL, 2005), quando os sujeitos eram formados, em seu processo de
alfabetização, a partir de treinamento de habilidades perceptuais e de coordenação
motora; e da memorização das associações entre grafemas e fonemas.
Exposta a modelos dessa natureza, a criança aprendia que ler era muito mais a capacidade de transformar sinais gráficos em sequências sonoras e recitar oralmente frases sem nexo do que uma tentativa de busca e produção de sentidos. Dessa forma, como seria de se esperar, ao final da alfabetização, eram comuns casos de crianças capazes de copiar e ler palavras e frases isoladas com eficiência, mas incapazes de escrever um bilhete simples, ou entender o que estava escrito num cartaz na parede da escola (op. cit, p.27).
Com base no excerto de P3, acima ilustrado, vemos que a preocupação da
docente volta-se para a formação de sujeitos, competentes no uso da língua, para além
dos limites do código. Abarca, nesse sentido, uma perspectiva de ensino que parece
favorecer o desenvolvimento da competência textual, no que diz respeito, em particular,
à capacidade de compreender e produzir variados textos (TRAVAGLIA, 1995). Esse
olhar foi reiterado na continuidade de sua entrevista.
/.../ Ainda essa semana eu tava mostrando a D23 algumas produções que a gente fez. Eu trabalhei o gênero tirinha com eles, ai eles produziram um dialogo na tirinha, depois eles fizeram ao contrário, dei o diálogo e eles criaram os desenhos. Então eu tenho achado que eles estão muito melhores. Mas assim, fora essa questão de entender o que tá lendo, a questão do letramento mesmo, é isso.(P3)
Assim, temos que, para P3, formar sujeitos leitores e produtores de texto é
oportunizar experiências de letramento, evidenciando indícios da compreensão de que
(o letramento) implica habilidades várias, tais como: capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos – para informar ou informar-se, para interagir com outros, para imegir no imaginário, no estático, para ampliar conhecimento, para seduzir ou induzir, para divertir-se, para orientar-se, para apoio à memória, para catarse...; habilidade de interpretar e produzir diferentes tipo de gêneros de texto, habilidade de orientar-se pelos protocolos de leitura que marcam o texto ou de lançar mão desses protocolos ao escrever, atitudes de inserção efetiva no mundo da escrita, tendo interesse e prazer em ler e escrever, sabendo utilizar a escrita para encontrar ou fornecer informações e conhecimentos, escrevendo ou lendo de forma diferenciada, segundo as circunstâncias, os objetivos, o interlocutor [...] (SOARES, 2008, p.16).
23 Por uma questão de preservação de imagem, retiramos o nome da diretora da escola e substituímos pela letra D.
101
O movimento propiciado por P3 em relação à prática de produção de texto
envolveu os alunos em uma reflexão sobre o gênero textual, no caso específico, a
tirinha. A atividade abrangeu momentos de escrita (fala dos personagens) e de produção
de texto imagético, que, como sabemos, oportuniza uma inserção dos sujeitos na língua,
fazendo-os pensar sobre o texto a ser empregado em cada situação proposta.
Entendemos que o letramento se efetiva no desenho das propostas reais que
fazem parte do cotidiano escolar do grupo-sala, despertando os sujeitos educativos para
a função da escrita em seu dia a dia.
No que se refere à outra docente pesquisada, P4, ao sinalizar para os objetivos
do ensino da língua materna, ela os relaciona à preparação para vida, de modo que a
língua seja utilizada de forma competente nas esferas mais restritas (o seio familiar) e
nas mais amplas (em outros espaços de convivência). Para P4, estão imbricadas,
portanto, a preparação e a formação do leitor e produtor de gêneros textuais, sejam esses
textos escritos ou imagéticos.
Ensinar língua portuguesa na escola é ajudar o aluno se preparar para vida, pra, pra ele conviver dentro da sociedade. Porque se ele for num supermercado, ele vai ter que ler um cartaz, ele vai ter que ler uma propaganda, vai ter que ler um anúncio. Se ele for para um ponto de ônibus, ele vai que... vai ter toda uma leitura de imagem, semáforo, disso, daquilo outro [...] eles estão fazendo uma leitura. Então assim, realmente eu acho que que a língua portuguesa prepara esses meninos para conviver aí em sociedade mesmo. Conviver aí, dentro da sociedade, é é não somente do lado de fora, não somente na questão...fora de casa, da casa deles, mas também dentro de casa [...] é trabalhar sempre dando prioridade à realidade dele. (P4)
Tal propósito implica o acesso à diversidade de usos da língua, em especial aos
diferentes gêneros textuais, necessária ao aprendizado permanente e à inserção social
(PCN, 1998). Tais condições parecem ser claras para P4. Seu reconhecimento da
necessidade de formar sujeitos competentes no uso da língua recupera a questão do
ensino sistemático dos gêneros textuais públicos formais, realizados em condições de
produção diferenciadas daqueles produzidos em situações mais espontâneas, o que
102
implica em um controle mais consciente do próprio comportamento para dominá-los
(DOLZ e SCHNEUWLY, 2004).
A visão de P4 coaduna-se com as práticas sociais de leitura e de escrita
representativas do letramento social (KLEIMAN, 1996). Os eventos indiciados em seu
discurso estão relacionados diretamente à necessidade de os sujeitos usarem a língua de
forma adequada às diferentes linguagens que permeiam o seu meio social, bem como ao
desenvolvimento da competência comunicativa (TRAVAGLIA, 1995). O movimento
de P4 assume uma perspectiva de ensino que aproxima o aluno da instituição
linguística, pois demonstra como a língua está constituída e como se apresenta
socialmente; porém, não se reduz a essa dimensão, mas se liga com o mundo e favorece
o aluno a distinguir as diversas situações sociais e a assumir o comportamento
linguístico demandado por cada uma delas.
Assim como P4, P5 compreende os objetivos para o ensino de língua portuguesa
atrelados à formação e ao aperfeiçoamento dos conhecimentos pelos sujeitos, bem como
à sua relação direta com o uso da escrita no dia a dia
[...] eu acho que a função da língua portuguesa é de aperfeiçoar os seus conhecimentos [...] então eu tenho uma preocupação muito grande, tanto é que em meu horário eu dou mais ênfase a língua portuguesa [...] não só pela leitura, mas para você compreender a visão de mundo, para você saber como agir em determinadas situações, que tem também, então você pode muito bem passar por uma rua que tem uma placa, você olhou não identificou nada e lá na frente tem um perigo. Isso também é uma leitura, só que você não esta acostumada a fazer uma interpretação, então até no seu dia você pode correr riscos se você não souber interpretar determinadas coisas. Então é por isso que eu acho que é de extrema importância (P5).
Em consonância com as demais professoras, a fala de P5 evidencia que o
aperfeiçoamento do sujeito está ligado diretamente à competência leitora dos diferentes
gêneros textuais que fazem parte da sua vivência. A capacidade de ler o mundo, assim
como a de ler o texto, tem como princípio o desenvolvimento de competências que
transcendem ao ambiente escolar de formação e visa a favorecer o uso adequado da
língua nas diferentes situações da vida cotidiana.
103
Sob esse olhar vemos, a priori, que, em P4 e P5, o ensino de língua se desloca de
uma formação que visa a formar sujeitos estritamente para agir de forma eficiente na
resolução de problemas escolares, para lançá-los a desafios que transcendem os muros
das escolas, habilitando-os para a vida. Em P3, parece haver uma preocupação mais
voltada à resolução de tarefas escolares, ou seja, para o letramento escolar com
finalidades didáticas. Supomos que essa postura também pode ser influenciada pelo ano
de escolarização em que a docente atua, 3º ano de escolarização, período de
consolidação do sistema alfabético de escrita.
Um elemento que merece ser registrado na fala das professoras é a constante
menção ao uso dos gêneros textuais em suas práticas, entre eles, por exemplo, as tiras
(P3), os anúncios (P4), as placas (P5). Essa postura pode ser demarcada pela inserção
desses sujeitos em um constante processo de formação continuada promovido pela Rede
em que atuam, cuja proposta pedagógica se estrutura no letramento, em uma perspectiva
que toma os gêneros textuais para o ensino dos diferentes eixos didáticos. O cenário
também reforça o entendimento de que os gêneros textuais, enquanto instrumentos de
ensino-aprendizagem, favorecem a compreensão do sujeito sobre o funcionamento da
língua em suas diferentes esferas de uso. Essa concepção é ancorada nas discussões
trazidas por Bronckart (1999), Dolz e Schneuwly (2004), Marcuschi (2001b, 2005,
2008), dentre outros, para quem os gêneros textuais são fenômenos históricos
profundamente vinculados à vida cultural e social.
No bojo das discussões sobre os objetivos para o ensino de língua, as docentes
também responderam a respeito de suas impressões sobre os livros didáticos usados em
sua sala de aula. Perguntamos, para as professoras, se os livros didáticos, fossem os
escolhidos ou não pela Rede de ensino a qual pertenciam, contemplavam todos os
objetivos mencionados por elas para o ensino de língua portuguesa.
Em unanimidade, todos os sujeitos reconheceram a incompletude dos manuais
no tocante aos objetivos do ensino de língua e afirmaram que as propostas dos manuais
são insuficientes para explorar as competências desejadas. Esse cenário as mobiliza a
fazerem uma compilação de atividades propostas em vários manuais didáticos, dentre
outros suportes, e não apenas naquele suporte indicado pela Rede.
104
Vejamos o que afirma P3:
Não. (contempla os objetivos) tem que misturar um pouquinho de cada um e dar o toque do professor mesmo, tem jeito não. Um que atenda, alguns atentem naquele ponto, outros em outro. É a mistura mesmo, tem que ser uma misturada, é o dom do professor de ter aquela visão. Não esse tá legal, este não tá. Esse atende. Eles vão conseguir [...]. (P3)
Notamos que o seu papel de docente é evidenciado como central no processo de
decisão sobre o que selecionar em cada manual consultado, com vistas a atender aos
objetivos. O que a professora chama de “dom” pode ser refletido na perspectiva de
Tardif (2008) e Gauthier (2006) como saberes. Tardif evidencia que essa compreensão
docente está intimamente relacionada com o que os professores “são, fazem, pensam e
dizem” (p.15). É o cotidiano de suas práticas que configuram e incorporam com perícia
elementos que se adaptam e se transformam na operação da prática.
A compreensão de P4 sobre os livros didáticos e os objetivos para o ensino de
língua vai na mesma direção de P3.
Às vezes ele dá um subsídio legal, mas, geralmente, 99% das vezes eu tenho que pesquisar em outros livro, eu recorro muito a internet, muito a internet, tenho lá meus sites, meus favoritos, porque quando eu preciso de um socorro eu vou lá e clico e vejo se tem alguma atividade interessante, porque pra mim não é suficiente, por que se eu vejo que o aluno está com dificuldade naquela área, na escrita, na leitura, eu já fico agoniada, porque assim às vezes a gente dá uma aula e não supre as necessidades. Nunca vai suprir as necessidades de todos né? A gente sabe que aquele aluno está com dificuldade naquela área né? eu sei que eu vou dá aula e não sei supri o objetivo, o alvo mesmo, aquela necessidade que o aluno precisa. Ai eu tenho que buscar alguma atividade ou fazer de uma forma que aquela aula também alcance aquele objetivo daquele aluno, aquele necessidade (P4).
São as demandas de seus alunos e as lacunas nos manuais que impulsionam a
docente a pesquisar, na quase totalidade das necessidades, em outros livros, bem como
em sites especializados, em busca de dar conta dos seus objetivos de ensino-
aprendizagem. Seus saberes são mobilizados nessa relação com o seu trabalho docente,
que forja e configura sua função em meio à solução de problemas que se apresentam em
sala de aula. A pesquisa compõe o seu fazer implicada na promoção de novos saberes,
105
conforme sinaliza Freire (1999), para quem o ensino e a pesquisa são vias de uma
mesma estrada, que se encontram e se retroalimentam. Nesse sentido, a condição de
pesquisador está implicada na construção de novos saberes da docência.
Vemos que as demandas de nossos sujeitos de pesquisa aparecem, nessa
categoria, como mobilizadoras de saberes da “ação pedagógica”, ou seja, do “saber
experiencial”. São esses saberes, constitutivos da identidade profissional do professor,
que brotam da prática e por ela são validadas. Embora sejam saberes que não se
encontram sistematizados em doutrinas ou teorias, formam um conjunto de
representações que orientam, interpretam e fazem com que os professores compreendam
a sua profissão, as várias dimensões do cotidiano de sua prática e “concebam o modelo
de excelência profissional dentro de sua profissão” (GAUTHIER, 2006, p.83). Sob esse
ponto de vista, Campelo (2001) afirma que esses saberes “constituem jurisprudência”,
pois são saberes que decorrem das experiências do professor enquanto indivíduo e
enquanto integrante do coletivo docente.
Na avaliação de P5, as propostas dos livros didáticos que se voltam para os
objetivos do ensino de língua, em especial os manuais escolhidos pela rede de ensino a
qual pertence a docente (Linhas & Entrelinhas24), oscilam entre a inexistência de
propostas e a restrição dessas propostas na abordagem de alguns eixos de ensino.
Os livros didáticos, se a gente for fazer assim, trabalhe só esse livro didático, vamos pegar o desse ano, tome ele pra trabalhar, eles deixam muito a desejar, porque ele só vai trabalhar a leitura, a interpretação, a interpretação mesmo, com um pouquinho só de compreensão, mas e o restante das coisas? E a sua grafia, o seu significado fica aonde? Não tem. Até produzir texto ele não tem. E é de leitura, mas não tem essa parte. Até hoje eu não vi nenhum livro que fosse completo. Um pouco da produção, um pouco da leitura, um pouco da ortografia, um pouco da gramática [...]. (P5).
P5 menciona a carência no investimento sistemático para o trato com os eixos de
ensino voltados para a leitura (interpretação e compreensão) e a produção de texto e
revela a ausência de propostas voltadas para o trabalho com a “grafia” das palavras que, 24 A obra adotada pela Rede Municipal em que os sujeitos dessa pesquisa atuam é Linhas & Entrelinhas. 1º ao 5º anos, das autoras Lucia Helena Ribeiro Cipriano e Maria Otília Leite Wandresen. Editora: Positivo, 2010.
106
a priori, entendemos como sendo ortografia. Embora ela também mencione ortografia,
assim como gramática, como elementos de baixa frequência dentro da proposta dos
livros, seu registro não menciona a oralidade como eixo presente ou ausente nos
manuais. Sua atenção está voltada para outras necessidades.
Parecem ser as demandas da sala de aula de P5 o fio condutor das observações
por ela feitas sobre os livros didáticos. Ela o enxerga como um instrumento que não
supre as demandas do seu grupo-sala, pois no conjunto de suas propostas apresenta uma
abordagem mínima de determinados eixos, revelando-se insuficiente para a
consolidação de competências desejadas na formação dos alunos. Nesse sentido, a
docente assume uma postura crítica em relação aos manuais, entretanto, não verbaliza
sobre se consulta e ou pesquisa em outros suportes ou mesmo se confecciona atividades
cujo propósito seja a complementação e/ou a superação das lacunas apresentadas pelo
livro.
Essa compreensão reforça o que sinaliza Tardif (2008):
embora os professores utilizem diferentes saberes, essa utilização se dá em função de seu trabalho e das situações, condicionamentos e recursos ligados a esse trabalho. Isto significa que as relações com os saberes nunca são relações estritamente cognitivas: são mediadas pelo trabalho que lhes fornece princípios para enfrentar e solucionar as situações cotidianas (p. 17).
De modo geral, a oralidade não aparece de forma evidente nas falas das
professoras ao tratarem sobre os objetivos do ensino de língua, tampouco sobre o
cumprimento desses objetivos nos livros didáticos, tendo em vista que a preocupação
dos sujeitos investigados se encaminha para os eixos de maior tradição no cenário
educacional (PNLD, 2010): a leitura, a escrita (P3, P4 e P5), os conteúdos da ortografia
da língua portuguesa e a gramática (P5). Ressaltamos que, na categoria em tela, não
dirigimos perguntas aos sujeitos que remetessem diretamente ao termo “oralidade”, pois
as questões investigativas sobre o referido eixo seriam explicitadas na categoria a
seguir.
Em síntese, como fruto desta primeira categoria, podemos afirmar que, embora
os sujeitos não tenham explicitado o trato com as competências orais como objetivo do
ensino de língua materna, possivelmente pela não explicitação sobre o referido eixo, nas
107
perguntas que mediaram a nossa primeira categoria, acreditamos que um trabalho
voltado para desenvolver a competência comunicativa, agregada à dimensão do
“letramento”, termo esse empregado por P3, envolve um repertório de gêneros textuais,
tanto orais quanto escritos, de modo a favorecer o desenvolvimento da oralidade.
(CAVALCANTE e MELO, 2006; MARCUSCHI, 2008). Contudo, não podemos
garantir que as práticas das docentes venham realmente se coadunar com os discursos
apregoados por elas, em nossa pesquisa. Todavia, podemos vislumbrar uma assunção
teórica repertoriada de compreensões sobre o letramento.
Sem perder de vista o olhar das docentes sobre o ensino, voltamos nosso foco
para a categoria a seguir, que é centrada exclusivamente no livro didático (LD), para
investigarmos como as professoras pesquisadas compreendiam o tratamento dado pelos
manuais ao ensino da oralidade.
CATEGORIA 2
OLHARES DOCENTES SOBRE A ORALIDADE COMO EIXO DE ENSINO NO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA
Nesta categoria, o cenário se apresentou com a configuração descrita a seguir.
Apenas P3 e P5 responderem à questão que serviu de base à estruturação dessa
categoria, cujo olhar investigava se as docentes enxergavam a oralidade nas propostas
dos livros didáticos por elas utilizados. Não houve resposta efetiva da questão por parte
de P4, visto que, ao buscar responder a pergunta, a docente desviou o seu olhar do livro
didático e passou a apontar demandas vivenciadas por ela no trato com o oral. Nesse
sentido, sua resposta foi enquadrada na Categoria 3, na sub-categoria “Demandas”.
Para P3, o livro didático utilizado em sua sala não abordava atividades de
oralidade, exceto aquelas que conduziam os alunos a lerem.
Bem, numa questão de livro, eu não me lembro agora de nenhuma atividade assim que fosse pra despertar a oralidade fora a questão de eles incentivarem pra ler, leia, leia leia. Tem algumas perguntas, eu nem me lembro se esse livro tem, mas alguns assim estimulam as perguntas orais né, é. Eu acho que nesse tem, é que eu saio misturando todos eles, mas assim de responda agora oralmente. Então de qualquer forma tá incentivando né, e eu sempre faço com eles, a maioria das
108
atividades em classe é “comente”. Então, eu vou conduzindo vou pegando o que é que eles já sabem o que eles não entenderam, assim da e ao mesmo tempo que a gente vai fazendo vai aprendendo. Então que eu me lembre é só isso, essa questão de leia o texto, que para alguns é acessível e pra outros se torna difícil. E essa questão de estimular resposta oral. Que eu me lembro o livro só tem trazido isso ai. (P3)
Consonante ao que enxerga no livro didático, P3 traz a oralidade a partir de
atividades ligadas à dimensão interacional (MENDES da SILVA e MORI-DE-
ANGELES, 2003), ou seja, no que se refere a atividades que promovem a interação dos
alunos em sala de aula, como por exemplo, a leitura, a discussão em sala de aula, a
participação dos alunos na atividade, respondendo e comentando oralmente perguntas
que partem dos textos. Essa postura vai de encontro ao que propõe Soares (1999), para
quem colocar o aluno para interagir oralmente com o professor e os colegas não é
suficiente para que se efetive o ensino do oral. Para a autora, as atividades orais
precisam ser planejadas para o desenvolvimento de habilidades de produção e recepção de textos orais frequentes em situações mais formais, que exigem preparação e estruturação adequada da fala, textos de diferentes gêneros, com diferentes objetivos e diferentes interlocutores, falados ou ouvidos em função de determinadas condições de produção e determinadas situações de interação (p. 22).
Garantir espaços sistematizados de reflexão sobre os usos da língua oral,
estruturada em uma proposta planejada e executada de forma intencional com objetivos
claros, reforça e legitima o ensino da oralidade na escola, assumida, dessa forma, como
eixo que necessita ser ensinado-aprendido, conforme salientam os encaminhamentos
propostos por Soares (op. cit).
Vemos que, para P5, o livro didático não evidencia o trato com a
oralidade, pois não apresenta nada específico do oral.
Não, porque nos livros eu não vi ainda especificamente assim como você esta falando, eles às vezes assim vem com temas, não sei se é isso que você esta querendo, não sei se é isso que tu ta entendendo. É vem assim, gírias, vem pessoas que falam do modo, como é que chama, da cultura de cada estado. Vem nessa parte. Não vem especifico da oralidade, não sei se é isso, se eu
109
estou entendendo. No livro não tem desse jeito agora na sala de aula já é outra realidade, a oralidade ali já é outra (P5).
Embora afirme inicialmente a ausência no tratamento do oral pelos LDs, P5
menciona que encontra neles questões que exploram as gírias, os regionalismos, por
exemplo. Parece haver, de sua parte, uma separação entre os elementos da variação da
língua e a oralidade, como se a docente não concebesse o oral sendo tratado no suporte
escrito, o livro didático, ao afirmar que “no livro não tem desse jeito, agora na sala de
aula já é outra realidade, a oralidade ali já é outra”.
Essa fala parece deixar mais evidente o desconhecimento da identificação, pela
docente, de propostas que se destinem ao oral nos LDs, mas também nos conduz a
pensar em compreensões de oralidades diferentes: uma em sala de aula e outra na
proposta do livro, conforme vemos no fragmento a seguir, em que P5 afirma ter em sala
uma “outra realidade do oral”:
Tem o choque, tudo que eles trazem de casa, do que eles fazem na rua. O falar da rua é diferente do que a escola quer que eles tenham. Quer um exemplo, eles chamam muitos palavrões, mas os palavrões eles não chamam na forma de agressão não. Porque eu estava até analisando essa semana, já virou rotina de falar, então pra eles é natural. E isso aqui é, você vê ele, susto, ai a ia você fica assim, você olha, ele continua repetindo, é o modo dele de falar que já faz parte os palavrões dele. Não estou dizendo que é certo, não::: não é isso. Pra eles é natural. Eu fico olhando e não é um nem dois não é a maioria a grande parte é assim isso mata de vergonha, cada um que eles falam, poxa, mas há o dia a dia. Ai você fica se perguntando, será que é em casa? Alguém chamou ele aprendeu? Algum coleguinha na rua? Enfim, independente da causa eles tem isso e bota no papel [...] (P5)
Essa outra realidade apontada pela docente está relacionada ao modo informal
como os alunos interagem entre si em sala de aula. Eles empregam ‘palavrões’que,
segundo ela, entram em choque com o que se espera na escola, visto que os educandos
trazem para o espaço formal costumes do meio em que vivem. A grande preocupação da
professora é quando os alunos trazem o registro informal para a escrita na hora da
produção textual, como se desconhecesse que na escrita também há um registro
110
informal a depender no nível de relação entre os interlocutores e da situação de
interação que os envolve (MARCUSCHI, 2001a).
Do ponto de vista do tratamento didático, a ocasião relatada pela docente se
configura em um momento oportuno para estabelecer uma reflexão sobre os usos da
língua e seus registros (TRAVAGLIA, 1995, BORTONI-RICARDO, 2004;
MARCUSCHI, 2001a, 2008), assim como para explorar com o grupo-sala as
aproximações e os distanciamentos entre os gêneros textuais, o que conduziria a uma
reflexão sobre o continuo tipológico, fato não sinalizado por P5. Verticalizar a
discussão para a não aceitação do registro informal na produção do texto escrito pode
reforçar a visão da oralidade sob o prisma das dicotomias estritas, conforme sinaliza
Marcuschi na tabela abaixo.
Dicotomias Estritas
FALA ESCRITA
Contextualizada Descontextualizada
Dependente Autônoma
Implícita Explícita
Redundante Condensada
Não Planejada Planejada
Imprecisa Precisa
Não-normatizada Normatizada
Fragmentária Completa Fonte: Marcuschi (2001, p.27).
Essa perspectiva ancora-se no paradigma teórico da análise imanente do código.
Sob esse enfoque, a escrita é compreendida como uma representação da linguagem de
formato elaborado, complexo, formal e abstrato; e a fala, por sua vez como o inverso da
escrita, concreta, contextual e simples. Assim, a escrita firma-se como um fenômeno
"naturalmente claro e definido", já a fala se apresenta como variada, nunca vista como
protótipo da "fala padrão". Marcuschi analisa esse fenômeno da seguinte forma:
111
É o caso de dizer que fala e escrita são intuitivamente construídas como tipos ideais concebidos com princípios opostos e que não correspondem a realidade alguma, a menos que identifiquemos um fenômeno que as realize (MARCUSCHI, 2001b, p.37).
Ao recuperar a pergunta inicial da categoria sobre o livro didático e a exploração
da oralidade, P5 afirma:
[...] a oralidade no livro fica subtendida, ele não dá tanta ênfase, eu creio que deva ser por conta disso, da regionalidade, porque esses livros não ficam só numa região, eles né, vão passando de uma região, talvez seja isso eu não sei (P5).
Para P5, o LD é limitado ao tratar a fala real, como, por exemplo, a de seus
alunos, por não contemplar a dimensão regional. Nessa fala, a docente faz uma confusão
teórica entre registro e regionalidade. Se observarmos os conceitos de variação em
Travaglia (1995, p.43), vemos que a variação na dimensão regional ou geográfica é
marcada, normalmente, pelas influências sofridas na formação das regiões, pela
polarização política e/ou econômica e/ou cultural dos falantes em comunidades
linguísticas geograficamente limitadas. Esses fatores influenciam o desenvolvimento de
um comportamento linguístico identitário, como, por exemplo, os diferentes falares dos
nordestinos e dos cariocas. Já a variação de registro diz respeito a mudanças que
ocorrem tanto na fala como na escrita, ocasionadas por outros fatores, tais como a
situação de interação e os papeis sociais assumidos pelos sujeitos na sociedade
(MARCUSCHI, 2008).
Do ponto de vista da regionalidade, Travaglia (op. cit) afirma que, em sua
grande maioria, as diferenças entre as línguas usadas em uma região e em outra
normalmente são diferenças no plano fonético (pronúncia, entonação, timbre, etc.) e no
plano do léxico (palavras diferentes para dizer a mesma coisa, as mesmas palavras com
sentido diferentes em uma e outra região, uso mais frequente de um ou de outro
morfema derivacional ou flexional, etc.), quase inexistindo diferenças no plano
sintático. Sob essa perspectiva de análise, não enxergamos a variação regional no
exemplo dado por P5.
Outro elemento a ser destacado em P5 é a oscilação entre afirmar e negar a
presença do oral no LD. Inicialmente parece que em sua compreensão os LDs não
trazem a oralidade porque o conteúdo apresentado não se aproxima do uso da língua
oral encontrada em sua sala. Posteriormente, P5 parece entender que os LDs não
112
explicitam o oral devido às inúmeras realidades regionais. Esse cenário ainda revela a
necessidade de compreender melhor o que vem a ser o oral, em suas diversas
possibilidades de trabalho em sala de aula.
Marcuschi25 (2005) apresenta-nos um repertório de possibilidades de se ensinar
a oralidade, dentre as quais podemos destacar:
• A existência de níveis de uso da língua desde seu aspecto coloquial até o formal, tanto na fala quanto na escrita;
• As características que influem na produção da fala, tais como idade, gênero, atividade profissional, posição social;
• A contribuição da fala na formação cultural e na preservação de tradições não escritas que persistem mesmo em culturas em que a escrita já entrou de forma decisiva;
• A relação que fala mantém com a escrita; • Os aspectos relativos ao preconceito e à discriminação linguística, bem como
suas formas de disseminação.
Nesse movimento, Marcuschi atenta para um trabalho sistemático nos livros
didáticos, em sala de aula, com vistas a formar nos alunos a consciência de que “a
língua não é homogênea nem monolítica” (MARCUSCHI, 2005, p.24).
Ao capturarmos a compreensão docente sobre o trabalho com o oral no livro
didático, buscamos investigar se havia em sua prática atividades que se voltassem para o
ensino da oralidade e como essas atividades se desenhavam em termos de conteúdos e
metodologias em suas práticas pedagógicas. Vejamos os resultados a seguir.
CATEGORIA 3
PRÁTICAS DOCENTES PARA O ENSINO DO ORAL: ATIVIDADES, DEMANDAS, OBJETIVOS E AVALIAÇÃO
No esforço de compreender como o oral se apresenta para as docentes,
questionamos os sujeitos sobre se havia em sua prática momentos reservados para o
trabalho com a oralidade (subcategoria 1 - Atividades); quais seriam as demandas para
esse eixo de ensino (subcategoria 2 - Demandas); se os objetivos teriam sido cumpridos
(subcategoria 3 – Objetivos) e como as docentes teriam avaliado a execução das
atividades (subcategoria 4 - Avaliações).
25 Para maior aprofundamento sobre a questão, consultar o autor em seu artigo Oralidade e ensino de língua: uma questão pouco “falada”.
113
A tabela abaixo sintetiza o cenário de respostas dos sujeitos de nossa pesquisa. .
SUBCATEGORIAS P3 P4 P5
ATIVIDADES Leitura individual Hora da novidade Conversa sobre o conteúdo textual
Leitura coletiva Questionamento
Oralização de respostas
DEMANDAS Timidez Timidez Uso da fala polida
OBJETIVOS Sistema de escrita alfabético e ortográfico
Participação dos alunos nas atividades
Ajustar a fala à norma padrão
AVALIAÇÃO Não propõe alterações;
Pouco conhecimento sobre o objeto.
Reforçar o ensino das regras de convívio social.
Metodológica - organizar o quantitativo de alunos por grupo.
Tabela 5. Práticas docentes para o ensino do oral: atividades, demandas, objetivos e avaliação
Dessa forma, com base nos quatro subtópicos mencionados acima, configuramos
a categoria em tela, para entendermos como as docentes pesquisadas se reportaram
acerca das atividades orais em suas práticas.
Vejamos, a seguir, a análise dos dados revelados na tabela acima.
1. ATIVIDADES
P3 nega, inicialmente, o investimento na oralidade
Não. Também só nessa área, só nessa questão da leitura, leitura individual, na leitura coletiva de um texto. Essa questão de ta conversando com eles, questionando (P3).
Observamos, no excerto da fala de P3, que a docente ressalta a atividade de
leitura em voz alta, tanto no modo de ler coletivamente como no modo de ler
individualmente, quando o aluno lê para a professora. Ambos os modos de ler são
114
compreendidos como trabalho com a oralidade, pelo fato de a fala ter sido usada como
instrumento de oralização de algo produzido na escrita.
É importante observar que as atividades as quais a professora afirma realizar
com os alunos para tratar a oralidade são as mesmas que ela afirmou serem trazidas
pelos livros didáticos, na Categoria 2. Esse cenário nos faz questionar se o LD está
influenciando a compreensão da docente acerca do que vem a ser atividade oral ou se é
a compreensão da docente que se centra na percepção de atividades orais no LD, mesmo
que essas atividades sejam propostas direcionadas a outros eixos como o da leitura, por
exemplo.
Ao discutir a questão norteadora da categoria em tela, P4 afirma:
Então assim, toda segunda feira, eu tô trabalhando muito a questão de, a questão de de... de de, como é, hora novidade mesmo né, hora da novidade que é toda segunda que eles trazem a novidade do final de semana e a questão também de de estimular mesmo que eles falem no momento das aulas. Eu não chego com o conteúdo pronto, eu sempre estimulo para que eles falem. “Vamos observar isso gente. Eu não sei de nada hoje, quem vai me ensinar são vocês. Eu to aqui, eu coloquei isso aqui no quadro, mas eu não to sabendo de nada, e ai o que é que vocês estão observando”. Estimular e ai eu vou estimulando pra que eles falem. Então eu trabalho dessa forma a oralidade (P4).
A “hora da novidade” é indicada por P4 como uma das atividades realizadas por
ela, cujo objetivo é trabalhar a oralidade. A indicação de uso da fala na proposta sugere
uma modalidade organizativa em atividade permanente, visto que é uma proposta
constante na prática docente, em um dia específico da semana.
Conforme Nery (2007), a atividade permanente é um trabalho regular que
objetiva familiarizar os alunos com uma diversidade de proposta, seja ela no trato com
os gêneros textuais, seja no trato com determinados assuntos, das mais variadas áreas
curriculares, de modo que eles tenham a oportunidade de “conhecer diferentes maneiras
de ler, de brincar, de produzir textos, de fazer arte, etc.” (p. 112).
Como atividade, produzida e realizada oralmente, a “hora da novidade” coloca a
fala dos alunos em evidência; oportuniza a socialização das experiências; estimula o uso
da fala para um público específico - os colegas de sala; favorece o exercício do relato
115
oral das crianças, que por sua vez oportuniza aprender a expressar-se. Toda a fala da
docente indicia essa abertura para tais objetivos. Notamos que a essência da proposta
permite a partilha pelos alunos de temas que tiveram significado para um determinado
dia, sem se restringir àquilo que a docente elege como tema a ser abordado.
Embora P3 e P4 apresentem o questionamento oral como estratégia constante em
suas práticas, não observamos, nos episódios de suas falas, estratégias mais específicas
para o trato com a argumentação. O que vemos são episódios de perguntas que parecem
conduzir o aluno a se centrar no nível da opinião sobre o texto. Porém, não são
evidenciadas questões estratégicas voltadas para desenvolver práticas argumentativas.
Supomos que atividades que envolvem conversas e questionamentos entre os alunos,
sem comprometimento com objetivos claros em relação ao que se deseja ensinar-
aprender, tendem a cair em práticas já cristalizadas de conversação espontânea e
questionamentos que não favorecem a percepção dos educandos sobre o ponto de vista
do autor, sobre as reflexões acerca das estratégias argumentativas desenvolvidas por
eles próprios e sobre o desenvolvimento de argumentos e contra-argumentos, por
exemplo (LEAL et. al, 2010).
Na perspectiva de Rubio & Arias (2002, p.35), a argumentação é configurada
quando “um sujeito tenta persuadir um destinatário acerca de um ponto de vista
determinado”. Para essas autoras, o ensino da argumentação implica colocar em prática
uma diversidade de estratégias com a finalidade de chegar ao objetivo pretendido. Nesse
sentido, afirmam ser necessária a promoção de tarefas que partam de situações reais em
que os alunos possam compreender argumentos dos discursos sociais nas duas
modalidades de uso da língua, assim como colocar em práticas diferentes estratégias
argumentativas. No caso das docentes supracitadas, vemos que os conteúdos abordados
parecem estar atrelados ao dia a dia do grupo-sala. Entretanto, não podemos afirmar, a
partir dos fragmentos de fala, que há um planejamento com objetivo de abarcar as
dimensões argumentativas propostas, conforme sinaliza Rubio & Arias (op. cit).
Quanto a P5, ao ser questionada sobre a presença de atividades orais em sua
prática, a docente traz para o debate a questão da variação linguística. Ela recupera uma
fala apresentada na Categoria 2, em que revela o uso, pelos alunos, de termos
inapropriados para o ambiente escolar (os palavrões).
116
Já (trabalhei a oralidade). É pronto, foi ai que eu identifiquei as benditas palavras belas (palavrões), que eles iam para apresentação, que eu faço mais a parte de apresentação, que é bem mais fácil...Não, é tipo assim (seminários), hoje a gente trabalha determinado assunto, em grupo, então o grupo quer explicar para a turma o que foi que entendeu sobre esse assunto, ai é livre, ai aparece geralmente algum grupo que vai a frente, ela explica (P5).
A exposição oral aparece na fala da docente para exemplificar o seu trabalho
com a oralidade. Com a atividade, os alunos são conduzidos a partilharem as suas
impressões sobre assuntos trazidos por eles próprios ou selecionados pela professora, de
forma livre. Vemos que P5 enfatiza que a atividade não é um seminário, mas sim um
momento em que os grupos expressam livremente suas opiniões sobre o tema em pauta.
Podemos inferir que essa negação da professora, em relação ao gênero textual
seminário, pode se dever a dois elementos: o primeiro diz respeito à própria organização
do gênero textual seminário, que demandaria um planejamento explícito por parte dos
alunos, para efetivá-los; o segundo diz respeito à dinâmica estabelecida pela docente
para a realização de uma atividade que envolva o grupo-sala, em uma proposta menos
estruturada do ponto de vista didático, o que oportuniza os alunos ficarem livres para
participarem ou não do debate.
Ressaltamos a liberdade sinalizada por P5 no desenrolar da proposta, visto que
elementos significativos no trato com o oral poderiam não ter envolvido a reflexão
sobre o gênero, ainda que este seja oral por excelência. Sabemos que são necessárias
tarefas estruturadas do ponto de vista metodológico e didático para que se possa
afetivamente ensinar a oralidade. Não basta, portanto, se apoiar apenas em um gênero
oral como veículo de uso da fala em voz alta.
O segundo foco da Categoria 3 diz respeito às demandas docentes no sentido de
promover as atividades orais ou atividades tomadas como sendo de oralidade. Nessa
investigação vemos que duas razões desenham a pratica das professoras: a primeira está
relacionada à dificuldade dos alunos de se expressarem, por conta da timidez (P3 e P4),
a segunda está ligada à necessidade de ensinar o uso da fala polida aos alunos (P5).
117
2. DEMANDAS
Vejamos o que afirma P3:
Tem assim, a oralidade envolve tudo, tem a questão do simples ato de falar, então tem alguns muito tímidos que são muito difíceis de se expor, quando fala é aquela coisa bem baixinho que pra fazer uma leitura, pra qualquer coisa desse tipo,ninguém escuta, até eles mesmo dizem; tia eu num to ouvindo nada, não estou ouvindo nada. Então essa questão até de perder o medo, perder a vergonha, alguns precisam ser trabalhados, que envolve a oralidade também. A demanda é se expressar né, que alguns falam até demais, que é até interessante alguns na hora da brincadeira da conversa, se expressam muito bem, mas na hora de se mostrar, de se apresentar lá na frente, as vezes eu coloco uma cadeira la no palco, é uma timidez uma vergonha impressionante. (P3)
Observamos, no excerto de fala acima, que P3 percebe a dificuldade de seus
alunos se expressarem oralmente quando essas dificuldades estão ligadas às situações
mais controladas de uso da fala. Falar diante dos colegas, em sala de aula, por exemplo,
exige a mobilização de competências que necessitam ser ensinadas. Destacamos, dentre
essas competências, o ato de manejar, em nível paralinguístico, o volume da voz para
ajustá-lo com vistas a se fazer ouvir pela audiência (CAVALCANTE e MELO, 2006).
Conforme sugere Marcuschi (1995, p. 202), enfocar a oralidade no ensino de
língua não significa ensinar a falar. Para o autor, “o enfoque não deveria ser no ensino
da fala e sim no tratamento da oralidade”. Para esse tratamento seria necessário
“sensibilizar o aluno para os fenômenos da oralidade, ou seja, mostrar que a fala tem
suas formas específicas de realização linguística”. Nesse sentido, os encaminhamentos
didáticos devem se dirigir à reflexão sobre o que se faz quando se fala.
Na esteira dessa reflexão, Marcuschi (1995) é enfático ao afirmar que:
A suposição básica é a de que a fala é aprendida informalmente nas atividades diárias (como parte de nosso processo de socialização) e só receberá um aprendizado especial quando se tiver em mente objetivos especiais. Esse ensino será conveniente, por exemplo, para saber como melhor colocar a voz quando se fala ao microfone, quando se opera no palco de um teatro, quando se tem de dar um recital; também podem ser
118
ensinadas as técnicas mais adequadas para o desempenho oral em situações formais específicas que devem ser aprendidas, pois elas não são naturais. Portanto, a fala só deve ser ensinada para todos aqueles contextos de uso que não são comuns do dia a dia e para os quais exige-se um conhecimento que não figura no saber cotidiano (p. 202).
O autor enfatiza que esse treinamento deve ocorrer com naturalidade e, se
possível, com um estímulo especial apenas para “finalidades que exorbitem a
aprendizagem social natural”. Devemos observar que o termo “naturalidade” empregado
por ele não deve ser entendido como algo sem planejamento, pelo contrário, deve-se
garantir no espaço escolar tal treinamento de forma clara e planejada, caso se perceba a
necessidade de ajudar o aluno em dificuldade.
Se observarmos no caso de P3, por exemplo, não vemos indícios de
encaminhamento didático ajustado para a superação das dificuldades dos alunos,
embora a docente tenha mencionado a criação de um palco para os alunos tímidos
falarem. Todavia, a docente não apresentou em sua fala a preparação para esses
momentos. Não observamos também elementos ligados às condições de produção do
gênero a ser produzido, que envolveria uma reflexão com os alunos para eles saberem a
quem se destinaria o texto a ser produzido; o que seria produzido naquela circunstância;
quando, onde, como e por que seria produzido o texto, no sentido de fortalecer a
preparação dos alunos na hora de se apresentarem para o seu público.
Ao abordar sua demanda para o ensino do oral, P4 evidencia algumas das
necessidades sinalizadas por P3, vejamos:
Ah, eu acho a oralidade muito importantíssima, meu Deus! Assim, atualmente estou sentindo uma dificuldade muito grande de trabalhar com esse eixo, né [...] atualmente na... essa turma aqui ela tem essa, essa dificuldade, ela não oraliza, ela conversa muito, né. Mas assim, quando é pra participar, quando é pra questionar, quando é pra problematizar alguma coisa, ela é, muitas vezes eu tenho que incentivar mesmo, né. Eu tenho que questionar e porque isso, e porque aquilo, ai um ou outro vai respondendo, sabe. Já tive turmas mais participativas, sabe, turmas boas em oralidade, e eu pude comprovar que na produção de texto eram dez (P4).
Inicialmente a docente enfatiza que compreende a importância da oralidade e
confessa ter dificuldades de efetivar o ensino para o referido eixo, em virtude de seus
119
alunos terem dificuldade de participar de atividades que exijam questionamento,
problematização; enfim, atividades mais elaboradas, que demandem um nível maior de
sistematização. Já nas instâncias que demandam menor monitoramento, os alunos
sabem fazer com precisão, conforme relata a docente. Com vistas a superar essa
dificuldade, P4 apresenta algumas atividades que visam a suprir as lacunas que são
enfatizadas no excerto a seguir.
se eu vejo que a turma, que essa turma, como te falei, ela tem dificuldade em oralidade, eu tento trabalhar, não somente na questão da roda de conversa, na hora da novidade, mas também, até mesmo na hora da expli... quando estiver explicando algum assunto, seja de matemática, seja ciências, eu procuro não trazer a coisa pronta. Eu procuro fazer de uma forma que eles respondam, que eles falem, que eles conversem, que oralizem, porque pra mim essa é a dificuldade, essa é a dificuldade deles falarem. Realmente o que eu estou sentido muita dificuldade nessa turma é a questão da oralidade (P4).
As atividades indicadas acima são estruturadas do ponto de vista dos
encaminhamentos didáticos no sentido de tratar as questões da oralidade. Há indícios de
uma rotina planejada com momentos como “rodas de conversa”, “hora da novidade”,
por exemplo, que favorecem o uso da fala em sala de aula. Até o momento, não se
observa, na fala da docente, elementos metodológicos ligados à condução das questões
que norteiam a realização das atividades supracitadas, no sentido de favorecerem
competências orais, tais como aquelas ligadas à dimensão argumentativa, por exemplo.
Gostaríamos de registrar na fala de P4 as suas explicações sobre a dificuldade de
os alunos se expressarem em sala de aula. Para a docente, os seus alunos não são “bons
em oralidade”, embora gostem muito de conversar entre si, eles não “oralizam”. O
termo “oralização” é empregado como sinônimo de oralidade, o que, segundo
Marcuschi (2005), é inapropriado, visto que a oralização se configura como atividade
cujo foco é a leitura em voz alta de um texto escrito, por exemplo, sendo a oralidade, na
perspectiva de P4, apenas veículo de exposição e não objeto de reflexão.
Outro ponto que ressaltamos na fala de P4 diz respeito a sua associação entre o
domínio da oralidade ser consequência do êxito na produção escrita: “Já tive turmas
mais participativas, sabe, turmas boas em oralidade, e eu pude comprovar que na
120
produção de texto eram dez (P4)”. Inferimos que possivelmente os alunos bons na
oralidade e bons na escrita, os quais a professora se refere, tenham sido envolvidos em
um ambiente sistematizado de preparação para a produção escrita, em que a leitura de
variados textos, seguida de questionamentos orais sobre o conteúdo textual, envolvia a
turma e resultava em um bom desempenho escrito.
Não podemos garantir que o domínio de uma modalidade resulte,
consequentemente, em domínio da outra, pois há formas especificas em cada uma delas,
cujo domínio garante a compreensão por parte do interlocutor. Escrever é diferente de
falar, não basta saber falar para escrever um bom texto, é preciso, além de dominar os
recursos específicos da modalidade escrita, dominar as condições de produção e
recepção do texto. O mesmo acontece com o texto oral, em que, além da preocupação
com o uso das palavras, temos que harmonizar o texto com os gestos, as expressões, a
entonação, etc.
Nas discussões sobre a demanda docente para o trato com o oral, P5 retoma a
questão da polidez no uso da fala:
É como eles se tratam entre eles. Como eles falam de outras pessoas que, de casa. “A seu filho daquilo, daquela”. Menino precisa não... “Ah, desculpa professora”. Vem cá fulano [...] Ai foi quando eu parei, gente olha; se a gente fala é de um jeito, mas quando a gente vai falar com o público é de outra forma, se você no futuro for fazer uma conferencia, alguma coisa assim, um produto, eu até disse bem assim, se você trabalha numa empresa de grande porte, você tem que apresentar esse produto e vai ser assim? Eles falaram que; ahhh num éee. Ai eles começaram a ver que não, ai eu disse que tem a postura, que tem a roupa, as meninas tem a maquiagem, esses batons vermelhos, as roupas curtas ai, ai agora...Foi, porque tava demais. Ai hoje eles já acostumam mais, quando ele diz, “eita!, desculpa professora ... eita!, desculpa professora”, quer dizer, por isso que eu percebi que eles falavam por falar, agora que a ficha caiu [...] (P5).
A demanda de P5 se diferencia um pouco da realidade enfrentada pelas demais
professoras. Sua fala sugere intervenção no registro dos sujeitos, no sentido de atingira
dimensão da polidez e do respeito dos alunos entre si. O foco central da sua estratégia
didática se relaciona a aspectos linguísticos aportando-se nos “atos de fala positivos”.
(CAVALCANTE e MELO, 2006, p. 93)
121
Como estratégia didática para intervenção na demanda discente, P5 trata com os
alunos sobre a forma como a fala pode ser empregada para atingir determinados
objetivos, bem como sobre a importância da multimodalidade discursiva nesse
momento de produção (DIONÍSIO, 2005). Nesse sentido, busca ajudar o grupo-sala a
visualizar possíveis situações reais de uso oral da língua a partir de uma situação
hipotética de uma “venda” e de uma “entrevista de emprego”. Com esse movimento, P5
alerta o grupo para a necessidade de adequar o registro de acordo com as situações de
produção da fala, bem como de atentar para a harmonização entre as palavras, a postura
corporal e as vestimentas, com vistas à adequação ao contexto.
No tocante à multimodalidade discursiva, acreditamos, conforme Marcuschi
(2002; 2005; 2008) e Dionísio (2005), na necessidade de ajudar o aluno a perceber os
recursos verbais e visuais utilizados pela fala na produção de texto, no sentido de
favorecer o desenvolvimento de competências sócio-discursivas, visto que parte do
significado do discurso interacional é construída com base em elementos
paralinguísticos como gesto, entonação, olhar, dentre outros, e não apenas com base na
estrutura linguística dos enunciados. Nessa perspectiva, o trato com a multimodalidade
presente na ação docente contribui para o processo de argumentação, tendo em vista que
acompanha a estratégia de convencimento dos sujeitos envolvidos no processo.
Em se tratando de adequação do registro, devemos observar, conforme Bakhtin
(1992) e Melo e Barbosa (2005), dentre outros autores, que alguns elementos de
ajustamento da fala na estruturação do texto produzido pelo falante para o seu ouvinte é
organizado em função das representações sociais existentes nas relações entre o que se
fala e o que se ouve. Outro fator de ajustamento diz respeito à conversa entre sujeitos de
grupos sociais distintos, conforme mostra Bortoni-Ricardo (2004), pois dependendo do
nível de intimidade existente entre os interlocutores há um monitoramento no estilo com
maior ou menor intensidade.
Com vistas a melhor compreender se as atividades propostas pelas docentes
atingiriam os objetivos traçados por elas para o tratamento da oralidade, observamos o
panorama a seguir.
122
3. OBJETIVOS
Nas discussões sobre o cumprimento dos objetivos, P3 afirma que:
Pra alguns sim. Alguns que pegam com mais facilidade, alguns que tem uma compreensão mais clara, sim. Mas assim, eu tenho um planejamento diário, que muitas vezes eu consigo atingir outros não, hoje, ontem mesmo eu tive que desmontar todinha a paisagem no quadro. Muitas vezes não consegue atingir tudo que a gente tinha... Eu tenho um planejamento toda segunda eu trabalho com as disciplinas, ditado, na semana a gente tem uma série de atividades pra fazer. (P3)
Observamos, no trecho ilustrado acima, que P3 faz uma avaliação geral de seu
trabalho com o grupo sala, mas não menciona o cumprimento de objetivos relativos ao
ensino da oralidade. As atividades por ela destacadas se relacionam à consolidação do
sistema de escrita alfabético ou ortográfico, visto que o foco é no ditado, embora a
mesma tenha apontado demandas ligadas à exposição oral e à oralização da escrita. Esse
cenário pode ser fruto da ausência de encaminhamentos didáticos definidos com
objetivos específicos do oral, talvez pela necessidade de maior compreensão sobre o
objeto de ensino, realidade que aponta no tópico a seguir - “Da avaliação da pratica”.
Em P4, vemos que o cumprimento dos objetivos referentes à oralidade se
relaciona à participação efetiva dos alunos nas atividades, à conversa entre eles e a
professora sobre o assunto em pauta (P4), a postura crítica do grupo-sala frente a
determinado tema abordado, bem como a coerências em suas posições.
[...] cumprir os objetivos seria eles é é, na minha opinião, seria eles participarem. Eles assim é é observarem, é é atingir aquele objetivo realmente pra... o que eu quero, o que eu quero e e, qual o objetivo que eu quero que eles alcancem com essa conversa né, para que eles pensem, para que eles sejam críticos mesmo, na hora de ser. Para que eles é é consigam ver detalhes, porque tem teve momentos aqui em sala de aula né, no decorrer de meu tempo aqui que assim, teve momentos que eles viam coisas que eu não via, eles falavam coisas que eu dizia, mas rapaz, como é que eu não to vendo isso, vocês são fogo mesmo, vocês estão vendo uma coisa que eu não vi! Que interessante! Então é assim, todos esses detalhes pra mim supre a
123
necessidade por que é assim, são crianças, mas eles, eu tenho que aguçar a curiosidade deles pra que eles falem mesmo. Então pra mim, teria que ser... eles falarem, discut...eles serem críticos, sabe, ser detalhista, é é expor detalhes na na fala, ser coerente [...] (P4)
Segundo esta fala, a efetivação dos objetivos por parte da professora diz respeito
à compreensão de que o trabalho com a oralidade é mais do que por os alunos para
falarem sobre determinado conteúdo. É posicionar-se criticamente, argumentar, fazer-
se compreendido e expressar-se de forma coerente, o que revela compreensões, por
parte da docente, até o momento não reveladas, conforme indicamos, acima, no tópico
“Dos objetivos”. Parece ser nesse sentido que ela discursa sobre o seu papel de
mediadora, com vistas a instigar os alunos a verbalizarem suas opiniões, a discutirem os
temas etc.
Quanto ao cumprimento dos objetivos ligados à oralidade, P5 os atrela a sua
compreensão de um oral ajustado à norma ortográfica
Eu tinha o objetivo de fazer o quê? A se comunicar melhor. A falar melhor, que as palavras que eles falavam eram erradas, e eu não achava bom colocar no caderno faça com z faça com ch se você não sabia pronunciar corretamente. E utilizar elas no seu dia a dia, que isso ele não fazia, escrevia ruim e falava pior ainda, então eu imaginei que eles ficando a vontade na frente, tentando explicar, tentando convencer os colegas de determinada coisa eles iam ficar bem livres, e eu ia poder sondar realmente até que ponto chegar, e eles iam se policiar, tentando falar melhor. (risos) (P5)
Parece haver o desconhecimento por parte de P5 de que a ortografia da língua
padroniza a forma de escrever das palavras (MORAIS, 2003), entretanto, a pronúncia
destas pode sofrer variações condicionadas por diferentes fatores, como demonstra
Possenti (2000). A postura assumida por P5 pode gerar e reforçar o preconceito
linguístico em relação ao uso da língua em sala de aula e fora dela, uma vez que se
exige uma padronização da pronúncia das palavras, ao se assumir que as variantes
usadas pelo aluno eram ruins, tanto as escritas quanto as faladas (TRAVAGLIA, 1995;
BAGNO, 2004).
124
Como nos adverte Leite (2008, p. 13-14), o “preconceito e a intolerância
linguísticos revelam o comportamento de um falante diante da linguagem de outro e é
um fato de atitude linguística”. Essa autora reforça que a atitude linguística não pode
apenas ser interpretada como um assunto puramente pertinente ao domínio da língua,
visto que “a linguagem é social, plena de valores, é axiológica e, por meio dela,
consciente ou inconscientemente, o falante mostra a sua ideologia”.
A atitude linguística da docente em questão coaduna-se com a fala de Leite (op.
cit), pois, com vistas a ajustar a língua falada no cotidiano do aluno, a professora faz
uma intervenção normatizada, enquanto despreza o registro válido dos sujeitos.
Evidenciamos, entretanto, que não discordamos da postura docente de ensinar a forma
padrão da língua, afinal essa é a função da escola. Porém, questionamos a necessidade
de a fala ser corrigida a partir de uma escrita dita “padrão”, sem atenção para os
registros.
Para finalizar a Categoria em debate, endereçamos uma questão às docentes cujo
propósito foi fazer com que avaliassem a sua prática quanto à realização das propostas
ligadas ao ensino do oral. Nesse sentido, buscamos perceber se as professoras fariam
alguma alteração em sua prática ao considerarem o trabalho que desenvolveram (ou
não) com o seu grupo-sala.
4. AVALIAÇÃO
Ao refletir sobre possíveis mudanças em sua prática, P3 não indica alterações e
faz a justificativa de tal postura:
É eu acho que eu preciso até estudar mais nessa área, você agora me despertando falando muito de oralidade, ta assim, eu tenho poucas idéias nisso. Não sei se até por conta das capacitações não terem nada nessa área específica, eu assim tenho poucas idéias de como trabalhar isso, então pode ser que tenha coisas que eu poderia puxar mais e realmente eu não tenho nem a visão disso. Nem de como problemática, nem de como necessidade de que eles tenham, realmente eu não...eu preciso estudar mais (P3).
125
A lacuna na formação de P3 é indicada como fator determinante para a ausência
de propostas executadas pela docente com vista a tratar a oralidade. A necessidade de se
apropriar de um saber curricular aparece na fala dessa docente, pondo em relevo lacunas
na formação inicial e continuada, bem como nas estratégias didáticas. O cenário reforça
a compreensão de que se o professor não compreende o que deve ser ensinado no eixo
do oral, assim como nos demais eixos, ele não terá competência para propor ampliação
ou estratégias didáticas para o ensino.
Em P4, a “hora da novidade” é tomada como atividade que precisaria se
estabelecer com maior sistematicidade em sua prática, sendo assim, passível de
alteração.
A hora da novidade, certo. Eu comecei assim, quando... no início do ano eu expus é é a agenda, a agenda, desde o primeiro dia de aula que eu expu... que eu eu tenho exposto a agenda na sala de aula, ai a hora da novidade, como eu disse seria um momento de conversa que toda a segunda-feira quando eles voltarem, quando eles voltassem do final de semana, eles contariam a novidade do final de semana a gente iria conversar sobre as coisas, as novidades do final de semana, sabe. Pra mim funcionou, pras outras turmas. Teve turmas que era cada novidade que eu dizia assim, meu Deus do céu, só que eles gostavam. Só que nessa turma eu senti muita dificuldade, porque é assim, na hora da novidade não é somente a questão da oralidade em si, mas existem as regras de quando um fala, outro tem que parar para ouvir, tem a questão de levantar a mão, o ouvir, que eles têm muita dificuldade de ouvir, né. Eles falam mais do que escutam, aí pronto. (P4).
P4 justifica a necessidade de retomar a atividade a partir da identificação de
problemas ligados ao comportamento de sua turma na realização da proposta. No caso
específico, a dificuldade dos seus alunos de não compreenderem que para a efetivação
da atividade (hora da novidade) é necessário respeitar as regras de convívio social.
Como reforçam os PCN (1996), as regras de convívio social precisam ser
compreendidas pelos alunos na produção dos gêneros orais (assim como na realização
oral dos demais gêneros textuais), portanto, os sujeitos envolvidos na produção do
gênero necessitarão desenvolver a sensibilidade de saber ouvir, tanto quanto falar, de
modo a favorecer a convivência social entre eles.
126
Outro ponto que necessita ser destacado na fala da docente diz respeito a sua
queixa em relação à falta de compreensão por parte de seus alunos de que as atividades
orais também visam ensinar e aprender determinadas competências. Segundo P4, seus
alunos não compreendem esse propósito.Logo, assumem uma postura de resistência às
atividades orais, o que resulta em desmotivação docente, por perceber que a proposta
não consegue atingir a produtividade por ela desejada.
[...] Então é é essa atividade né, que o objetivo é a oralidade mesmo, e eu tentei fazer e nesse ponto de vista eu achei que falhou não pela atividade em si, eu acho que pela, por ser uma turma muito copista. É uma turma copista, é uma turma que veio com aquela idéia que atividade é só escrever. Então, tem que escrever, tem que fazer tarefa, tem que anotar é, então assim, é uma coisa que eu to tentando quebrar mas, então essa atividade “hora da novidade” é uma coisa que eu tentei fazer e agor..parei, e tô tentando é retomá-la novamente, mas eu trabalho oralidade, sempre tô trabalhando, é um eixo que pra mim é uma das prioridades. E tendo em vista que é uma turma muito dificultosa em falar (P4).
Dois cenários realçam a fala acima: o primeiro cenário evidencia a organização
do grupo e o trato com competências que transcendem ao trabalho com o oral em sala
de aula, pois se relaciona à percepção, pelos alunos, de que o momento de exposição
demanda uma organização no sentido de garantir a participação ordenada das falas. O
segundo cenário está atrelado ao fruto de uma rotina escolar prenhe da consciência de
que o ensinar e o aprender, na escola, dizem respeito a escrever/copiar (seja atividades
colocadas no quadro, pelo professor, seja cópia de textos retirados de livros) ainda que
esta escrita represente uma atividade mecânica e sem reflexão.
No que diz respeito à avaliação da prática, a fala de P5 está atrelada a aspectos
metodológicos da condução da atividade, bem como a objetivos ligados ao ajustamento
da modalidade de produção da atividade.
Ah, eu melhoraria o seguinte, eu diminuiria os grupos que foram feitos em cinco, eu acho que eles melhorariam, seria bom, e colocaria assim algumas atividades que não precisassem deles escreverem, por que::: ... acho que só a linguagem, reforçar mais na linguagem deles sabe, a partir, e fazer como se fosse um:::, os grupos, uma competição entre eles, eu acho que seria mais interessante. Agora as atividades eu ainda estou vendo, que tipo de atividade poderia ser feita nesse sentido (P5).
127
A modificação de ordem organizativa (GUIMARÃES, 2004) – redefinição do
quantitativo do grupo – aparece em um primeiro momento na fala da docente como
passo de reestruturação da estratégia para o ensino do oral. Em um segundo momento,
há uma indicação no foco da culminância da proposta – em que a alteração poderia ser
feita a partir do estabelecimento de uma competição entre os alunos – pois os seus
esforços se voltariam para desenvolver a linguagem oral e não a escrita. Se este
momento representou para P5 uma organização na proposta, pode sinalizar que a
atividade oral servia estruturalmente como preparação ou pretexto para a produção
escrita, ainda que questões de variação de registro e de multimodalidade surgissem em
meio à proposta. Esse panorama é indiciado na fala da docente ao longo da entrevista,
quando ela anuncia a preocupação tanto na oralidade como na escrita voltada para
questões ortográficas, como vemos no sub-tópico “Dos objetivos docentes”.
Ao tratar sobre o oral, Dolz e Schneuwly (2004) reforçam a necessidade de
percebê-lo como um eixo autônomo, mas também interdependente dos outros eixos
didáticos, que, articulados, movem-se para uma perspectiva de oralidade letrada. Ambos
os autores reforçam a necessidade de se planejar um trabalho sistemático com o oral, de
modo a favorecer no indivíduo o domínio dos jogos interativos e de estratégias de
negociação em situações interlocutivas públicas.
Em síntese, vemos que a maior parte das sugestões de alteração das atividades
feitas pelas docentes não tem como abordagem a ampliação e ou aprofundamento dos
conteúdos da oralidade, realidade esta permeada por algumas variáveis, dentre elas, o
desconhecimento do objeto em discussão (P3); a falta de compreensão dos discentes
sobre as atividades voltadas para desenvolver a oralidade (P4); o olhar ajustado
prevalentemente às dimensões metodológicas (P5). As mudanças vão em direção a
ajustes metodológicos, o que pode representar, possivelmente, necessidade de conhecer
melhor o objeto em questão.
A seguir, enfatizamos o olhar docente sobre os saberes adquiridos em seu
percurso formativo e sobre se tal formação favoreceu a “construção de sua proposta”
para o ensino do oral. Sob a óptica dos saberes, a ação docente se estrutura na
consciência de que é na relação com o trabalho que o saber se constrói, pois é no
trabalho que forjamos os enfrentamentos e a promoção de soluções para as demandas de
nosso grupo-sala. Assim, temos a compreensão de que o domínio que o docente tem de
determinado saber não é deslocado de um “ser” e de um “estar” trabalhador docente,
128
mas se apresenta contextualizado, sendo produzido no e para o trabalho (CAMPELO,
2001; TARDIF, 2008; THERRIEN, 1995).
As docentes que participaram de nossa pesquisa possuem aproximadamente uma
década de experiência em sala de aula, atuantes, em sua maior parte, como professoras
da Rede a qual pertenciam no período da nossa investigação. Essa vivência já as
oportunizou agir no enfrentamento e na promoção de soluções de variados problemas,
como vemos em suas entrevistas, bem como na análise das atividades (localizadas no
segundo bloco de análise desta pesquisa), com vistas a ensinar os diferentes conteúdos
de ensino, entre eles, a oralidade. Os saberes por elas mobilizados podem ser
observados sob a perspectiva de Gauthier et. al (2006), para quem os saberes se
formalizam num repertório tipológico disciplinar; curricular; das ciências da educação
ou saberes pedagógicos (TARDIF, 2008); da tradição pedagógica; das experiências e da
ação pedagógica.
Com vistas a compreender a partir dos dizeres das docentes quais saberes
estruturaram a sua prática no ensino do oral, construímos a categoria a seguir.
CATEGORIA 4
OLHARES DOCENTES SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DE SUA FORMAÇÃO PARA ENSINAR A ORALIDADE
Em suas respostas, tanto P3 quanto P4 sinalizam que sua trajetória de formação
continuada as ajudou de forma mais incisiva no processo de construção da “proposta de
oralidade” que a formação inicial, o magistério (na atualidade normal médio) e a
graduação em pedagogia.
Eu diria que muito mais a trajetória de capacitação do que de formação, até porque, as capacitações que a gente tem aqui... porque enquanto Recife eu acho muuuito falho, muito vago ainda. Mas assim, éee, o que eu aprendi no magistério hoje esta superado, porque eu vi muita coisa na faculdade, muita teoria, pouca prática né, então eu diria que muito mais essas orientações que a gente tem éee, as capacitações com outros estudiosos na área, eu acho que me fizeram acrescentar muito mais do que a formação teórica de faculdade e magistério. Fora a questão da prática né, porque vou aprendendo com eles, com os colegas, com os anos passando. A grande parte das formações continuadas é com a escrita e a leitura (P3).
129
Diferentes dimensões da construção dos saberes para o ensino da oralidade são
apontadas nessas falas, dentre elas, a formação docente (ensino médio, graduação e
formação em serviço); os anos de prática em sala de aula; a relação com o grupo-sala e
o trato com os pares. Temos um repertório de saberes estruturados na dimensão social,
constituído por pilares, como afirma Tardif (2008), dentre eles, o coletivo das práticas
de trabalho; o reconhecimento social do saber; a construção do e no reconhecimento do
outro e a aquisição do saber no contexto de uma socialização profissional.
As fontes de produção dos conhecimentos indicados por P3 envolvem
dimensões dos saberes da ação pedagógica ou saber experiencial (GAUTHIER et AL,
2006), que brotam da prática e por ela também são validados. São saberes mobilizados
na prática, que não se encontram sistematizados em doutrinas ou teorias, entretanto
formam um conjunto de representações que orientam, interpretam e fazem com que os
professores compreendam a sua profissão, as várias dimensões do cotidiano de sua
prática e constituam jurisprudência em sua profissão (CAMPELO, 2001).
A construção de saberes em P3 também pode ser compreendida em Tardif
(2008), que relaciona o objeto composicional dos saberes, dentre outras dimensões, a
interações do professor com os seus pares e demais sujeitos que compõem a sua área de
atuação. A docente em questão explicita essa dimensão ressaltando a contribuição desta
relação para a execução das propostas de ensino por ela ofertadas.
O saber disciplinar (GAUTHIER et al, 2006, p.29), ou “saberes sociais”
(TARDIF, 2008, p.38), compõe os discursos de P3, pois permeia o seu universo de
incorporação em sua prática docente, assim como o saber curricular, cujas orientações
prescrevem elementos para a atuação profissional. Para esta díade (saber social e saber
curricular), temos a realidade mencionada pela docente da decalagem entre as suas
experiências na docência e os saberes que foram adquiridos na formação inicial (ver
Categoria 3, item “a avaliação ”). Conforme o discurso acima, os saberes aprendidos em
sua formação inicial, tanto nas esferas do ensino médio quanto na do superior, não são
compatíveis com a sua realidade. O primeiro pela defasagem do saber, o segundo pela
ausência de ponto de contato com a sua demanda imediata.
Neste cenário, com base em Tardif (2008, p. 53), assumimos que não podemos
compreender a natureza do saber de P3 sem tomá-lo intimamente em relação ao que ela
130
é, faz, pensa e diz. O encaminhamento em si conduz a docente à postura crítica, no
sentido de avaliar e julgar seu processo de formação e validação pela sua prática.
As declarações de P4 também são abarcadas nas discussões teóricas que
sustentam o discurso de P3. A docente (P4) realça o seu processo de formação em
serviço e valida os ensinamentos adquiridos nesse processo formativo como sendo
primordiais para a construção dos saberes mobilizados em sua prática pedagógica
Com certeza, assim. Na época em que eu trabalhei o magistério, a visão era totalmente diferente, né, a gente...faz um tempo, faz o que, mais de dez anos? Mas de dez anos! nada. Faz o que uns quinze anos que eu terminei o magistério. Então assim, quando eu entrei na Rede, aqui, primeiro eu trabalhei na escola privada, sócio-interacionista, o método, né e assim eu não senti muita dificuldade quando eu entrei aqui na Rede porque é o mesmo método, né. Agora assim, o choque foi na questão, na questão assim de exigência, porque a gente sabe que escola privada exige mais do professor, é exigido mais do professor, não que a Rede não exija, mais assim, o que eu aprendi pra, hoje pra minha prática se dá hoje principalmente pelas formações, as formações continuadas daqui da Rede. Porque na escola privada que eu trabalhei, a gente não tinha acesso às formações, era só trabalho, era trabalho, era reunião, era isso aquilo outro, mas quando eu entrei aqui na Rede, esses seis ano que eu estou aqui em (cita nome do município26), toda formação que eu participo, eu sempre aprendo alguma coisa. São formações muito boas, há quem critique, porque cada um tem uma opinião, mas assim, são muito boas, são, a gente aprende. E o que me influenciou assim nessa visão de trabalhar dessa forma foi as formações (P4).
A fala acima evidencia outro saber mobilizado por P4, que diz respeito
ao reconhecimento do desequilíbrio existente entre os conhecimentos adquiridos
durante a sua formação inicial em magistério (normal médio) e a realidade demandada
pela escola na atualidade. Os saberes prescritos à época de sua formação em nível
médio não respondem mais às demandas apresentadas, na atualidade, pelo seu grupo
sala (comunidade escolar), o que a mobiliza a proceder redefinições na seleção do saber
a ser ensinado, bem como repensar a sua prática de ensino, com vistas a atender às
mudanças. Ferreira (2005, p. 58) atribui esse fenômeno a dois fatores: 1) o
26 Subtraímos a identificação do nome do município por razões apontadas na metodologia da pesquisa.
131
desenvolvimento da produção científica que ressalta, em determinado período, uma
distância significativa entre o saber científico e o saber a ensinar; 2) uma mudança
ocorrida na própria sociedade.
Em cena, encontra-se em disputa o “sistema de ensino e a sociedade”
(FERREIRA, 2005, p. 58), que gera acirramento pela incompatibilidade entre os
conteúdos selecionados para o ensino e a realidade da clientela educacional. Nesse
sentido, promove uma crise no ensino e, por conseguinte, a necessidade de mudança no
saber a ser ensinado. Segundo Gabriel (2001, p.4), a disputa em tela promove uma
reflexão epistemológica no campo da didática e no plano metodológico, pondo em
relevo a diversidade dos saberes e estabelecendo interrogação a partir das evidências.
Outra evidência de construção de saberes pode ver vista na continuidade da fala
de P4, quando a docente ressalta a construção de saberes a partir das experiências
vivenciadas com os seus pares, dimensão também destacada por P3:
também o que me ajudou foram as experiências trocadas com outras professoras, não é porque eu sou professora que não vou é é é aderir a sugestão de uma colega. Não. Muito pelo contrário. Se vem como uma sugestão legal eu digo, eu quero, vou tentar aplicar em minha turma. Então foram as experiências também trocadas, foi muito bom, muito bom mesmo (P4).
Dessa forma, a docente reforça a perspectiva da construção dos saberes em sua
dimensão coletiva, em que as experiências compartilhadas são validadas pelo saber da
ação e reforçadas pelo discurso da jurisprudência da prática. É importante observar,
conforme Gauthier et al (2006), que a profissionalização do ensino só existirá quando
esse saber da ação pedagógica for mais explicitado, visto que ele constitui um dos
fundamentos da identidade profissional do professor.
Ao tratar sobre a contribuição de sua formação para o ensino da proposta de
oralidade, P5 responde:
Eu creio que sim, eu acho que contribuiu sim porque ao longo dos anos você vai adquirindo experiência, e essa experiência você vai utilizando e chega um momento que você planeja sem ter tanto trabalho como era antigamente, porque logo quando você sai da faculdade para planejar uma aula, ai era uma dor de cabeça, e tem a pauta...Não, hoje não, hoje já da pra planejar uma aula e se ela não sair como eu quero, pegar a realidade deles e transformar já em um novo planejamento coisa que logo
132
no inicio da carreira, quando se forma logo a gente não tem essa concepção. É aquilo e aquilo, se a coisa saiu do, fugiu, pronto. Ai o negócio desanda, ai é quando eles dizem; “não, mais, fulano não tem domínio de sala”. Ai, sim, ai quando a gente sai a gente não tem esse jogo de cintura, coisa que agora tenho, eu posso até chegar hoje e “oh, vai dar uma aula sobre biografia.” Mesmo sem ter escrito no papel, automaticamente sua mente já vem, fazer isso fazer aquilo. Coisa que no início a gente não tem (P5).
A docente enfatiza as experiências adquiridas ao longo dos seus anos de prática,
pondo em evidência os saberes da ação como essenciais para a habilidade que apresenta
hoje no planejamento de sua prática. A compreensão da sua realidade e de como a sua
prática foi modificada pelos anos de experiência fazem com que a docente crie táticas
frente às estratégias que lhes são dispensadas pelos saberes pedagógicos que definem o
que do oral deve ser ensinado-aprendido (FERREIRA, 2005).
No decorrer da discussão, P5 recupera suas angústias de início de carreira
docente, em que atuou em turmas de alfabetização e, assim como P4, reconhece a
decalagem entre os saberes. Em seu caso, aqueles adquiridos em sua formação superior
e aqueles demandados pela realidade de sua sala de aula, configurando uma disputa
entre os saberes (FERREIRA, 2005). Em meio a essa realidade, P5 evidencia a demanda
pelo saber da prática para aportar as suas ações pedagógicas, no início de sua formação.
Segundo a docente, a sua formação em nível superior não lhe deu suporte necessário
para administrar, por exemplo, o planejamento das aulas. O que garantiu a segurança
nessas ações foi seu tempo de serviço e o contato com outros sujeitos mais experientes.
E outra coisa, e no início quando eu terminei a graduação pra mim foi difícil, como eu não tinha feito a... eu achava que o magistério, ia ensinar um método de alfabetização. “Você vai chegar para os alunos assim oh.” A graduação não ensina, não da nenhum método pra você especifico pra você [...] Ai pronto, ai com o passar do tempo ai vem uma pessoa aqui, vem uma amiga aqui, vem outra que já tem mais experiência, ai você vai moldando ai você vai fazendo seu método encima de um pouquinho de cada um, aí depois que você fica experiente ai você pega a turma, ai pronto, “ah eu tenho que fazer assim.” Ai se torna mais fácil, mas no início foi muito ruim. Quase que eu desistia (P5).
Assim como as demais professoras, P5 reafirma o fortalecimento da sua prática
através do contato com outros sujeitos mais experientes, o que lhe propiciou
133
instrumentos para operacionalização da prática, pois permitiu a troca de saberes e
favoreceu a construção e adaptação de sua realidade. Nessa interação, as experiências
adquiridas fizeram-na agir com maior perícia com os seus alunos.
Diferente dos demais sujeitos, P5 não traz boas impressões de sua formação em
serviço:
Não, porque as formações continuadas são de palestras, e você fica lá sentado, e quem ta dando lá a palestra não tem muita idéia do que é uma sala de aula. As vezes na própria fala deles a gente vê que a realidade é outra, eles falam muito a quem, é como se a sala fosse tudo muito certinho, tudo bem mecanicozinho, que eles já soubessem daquilo, não é. Tem certas coisas que os palestrantes falam que você não utiliza na sua sala, não tem como utilizar porque as vezes foge muito, você tem... Você escuta, ai você leva pra sala, ... são.... não convêm, ta entendendo, eu acho que eles poderiam ... é o seguinte você esta dando uma palestra, você parece que esquece que foi professor ou nunca foi professor. Não sabe da realidade porque uma coisa é você ir pra uma sala de aula, dar aula, e outra coisa é você chegar prum grupo professor e dizer o que ele tem que fazer, como? Se você não conhece a realidade. Ah mais é porque eu vou dar uma palestra no Recife, então eles tiram a grosso modo, então por isso que eu digo, o que eles falam, não da pra fazer nas salas [...] (P5).
As suas críticas em relação à formação em serviço voltam-se para a metodologia
dos eventos e a desarticulação entre a fala dos palestrantes e a realidade vivenciada no
chão da sala de aula. P5 parece resistente ao modelo de formação em serviço que lhe é
ofertada e sua inquietação é direcionada para o mesmo aspecto registrado em fala
anterior, ao lembrar de sua formação inicial (magistério e graduação) - a ausência de
“métodos” que se enquadrem com perfeição em sua realidade escolar.
É válido registrar que ao tratar sobre a sua relação com os pares, P5 afirma que
constrói sua prática fazendo uma compilação de experiências diferenciadas, entretanto,
parece ser “mais rigorosa” nas exigências relativas à formação continuada, sendo
taxativa ao dizer que esta não lhe serve, ao menos considerando a possibilidade de criar
táticas, com vistas a adequar as proposições apresentadas.
134
Em meio à discussão sobre a construção de saberes, lançada acima, dirigimo-nos
em um movimento de entender se o docente compreende a si como um produtor de
saberes. Nesse sentido, pedimos a todos que fizessem sugestões a um professor (sujeito
fictício) que gostaria de trabalhar a oralidade com os seus alunos, mas que estivesse sem
saber como efetivar esse ensino. Foi nessa perspectiva que construímos a categoria a
seguir.
CATEGORIA 5
DAS PROPOSIÇÕES DOCENTES PARA O ENSINO DA ORALIDADE
Três posturas foram visíveis nos sujeitos entrevistados. A seguir, vejamos cada
uma delas.
Em P3, vemos certa insegurança em fazer as recomendações, pois afirmou sentir
a necessidade de conhecer melhor o tema, como já indicara em momentos anteriores
(ver Categorias 2 e 3), visto que sua formação inicial e em serviço não a oportunizaram
discutir o eixo da oralidade.
Eu teria que pesquisar, eu teria que ir atrás também, poderia dizer como eu disse a você trabalhe essa questão de incentivar que eles falem, que eles se exponham, que eles dêem opinião. Que eles leiam individualmente ou coletivamente que ai às vezes a gente percebe né, alguns se calam, se aproveitam, eu digo muitas vezes “vocês pensam que me enganam né” Porque ficam mounmounmoun (risos) murmurando. Vocês nem tão lendo vocês estão me enrolando, ai boto no fim para eles lerem sozinhos. Mas assim, além disso eu teria que pesquisar, eu realmente não:::. Agora pode ser até que depois surjam idéias, mas agora não vem a cabeça nada de diferente não (P3).
O reconhecimento do não domínio de um saber move P3 a, inicialmente,
sinalizar sobre a necessidade de pesquisar para melhor conhecer o que poderia ofertar
como proposta a outro docente. Em seguida, ela recupera sua experiência de trabalho e
oferta sugestões no nível interacional, argumentativo e no plano da oralização de texto.
Como vemos, a primazia das sugestões não contempla as dimensões de um trabalho
135
com a oralidade, mas reforça a concepção de uma oralidade atrelada ao uso de
estratégias em cuja modalidade de realização é oral.
Esse cenário aproxima-se da realidade presenciada por Magalhães (2007), cuja
pesquisa indicou em seus resultados a compreensão de muitos professores de que
trabalhar oralidade é envolver o aluno em atividades não controladas e assistemáticas. O
mesmo aproxima-se também da pesquisa de Albuquerque (2010), em que os docentes
deixavam transparecer em suas falas a falta de sistematização do ensino, relacionando o
ensino do oral ao falar cotidiano, sem um planejamento que contemplasse os diversos
aspectos relevantes para o desenvolvimento da oralidade.
P4 é objetiva ao sugerir atividades para a prática docente. Ao fazê-lo menciona
a Proposta Curricular da Rede (doravante PCR), indicando-a como instrumento que
ajudará o professor na efetivação do eixo da oralidade em sua sala de aula. É válido
observar que apenas P4 sugere encaminhamentos a partir da referida proposta, tomando-
a como norte para a indicação de atividades e fazendo um paralelo com a sua prática.
É, primeiro eu ia sugerir, eu digo olha, dá uma olhadinha no eixo da Proposta Curricular daqui de C27 tá, no eixo oralidade, Língua Portuguesa, eixo oralidade, que tem umas sugestões muito boas lá (P4).
Notamos neste excerto a compreensão de que a Proposta Curricular, enquanto
“modelos da cultura erudita, e da formação para a cultura erudita” (TARDIF, 2008, p.
38), visa a nortear a prática do professor e faz parte de um saber curricular. Para
Galthier et al. (2006, p.31), o programa apresentado pela Proposta constitui para o
professor “um outro saber de seu reservatório de conhecimentos”, pois trata-se do“
programa que lhe serve de guia para planejar, para avaliar”. P4 sinaliza essa
compreensão em seu falar incisivo, ao tomar como referência os elementos prescritos
pelo referido documento, o que reforça a sua clareza quanto à função deste para a
construção das estratégias didáticas a serem efetivadas por um professor.
Como sugestão de atividade, P4 recupera a Proposta Curricular da Rede a que
atua e faz menção a diferentes atividades orais pertinentes para tal ensino, que afirma
conter no referido documento.
27 Ocultamos o nome do município a qual a professora se referia, por termos estabelecido um acordo com os sujeitos de pesquisa de não mencionar o nome da Rede municipal.
136
(na proposta curricular) tem roda de conversa, tem é::: momentos que os meninos conversam mesmo, tem a questão das::: discussões dos problemas da:::, das conversas que a professora propõe, de conversas dirigidas, né, tem a hora da novidade. Eu iria falar justamente, olha, na minha sala eu faço isso, né, até na questão dos momentos de aula mesmo, a questão, não é somente naquele momento, a hora da novidade, roda roda de conversa, não, o eixo primordial é a oralidade, mas também tem::: os momentos das aulas também, que a gente tem que incentivar com que eles falem. Não é somente a gente falar, mas eles tem que falar também, entendeu! Ai eu eu eu iria pro...eu iria sugerir, ia sugerir isso, pra que desse, pra que ela desse uma olhadinha na proposta curricular da Rede e ia contar um pouco da minha experiência, o que é que eu faço em sala de aula, né, porque é assim, o que eu consigo alcançar. Na minha sala de aula eu consigo alcançar, não ei se na sua, né, mas assim, eu eu faria dessa forma, eu faria dessa forma (P4).
Além das atividades orais, reconhecidas do ponto de vista teórico, a partilha dos
saberes adquiridos na prática compõe também o pacote de sugestões dadas por P4. Essa
postura revela a compreensão docente de que seu fazer também pode servir de aporte
para a prática de outros sujeitos. Sob essa perspectiva, P4 se comporta como
protagonista de suas ações (ZEICHNER, 1993), desempenhando, portanto, um papel
ativo na formulação dos propósitos, dos objetivos e dos meios para atingi-los.
De fato os professores utilizam constantemente seus conhecimentos pessoais e um saber-fazer personalizado, trabalham com os programas e livros didáticos, baseiam-se em saberes escolares relativos às matérias ensinadas, fiam-se em suas experiências e retêm certos elementos de sua formação profissional. (TARDIF, 2008, p. 64).
Implicada nessa visão, P4 afina-se com a perspectiva de Tardif (2005), para
quem a atitude autônoma em relação à construção de saberes a torna um sujeito
formador e não uma executora de tarefas. A construção desses saberes é formada
através do
relacionamento dos jovens professores com os professores experientes, os colegas com os quais trabalhamos diariamente ou no contexto de projetos pedagógicos de duração mais longa, o treinamento e a formação de estagiários e de professores iniciantes, todas são situações que permitem objetivar os saberes da experiência. Em tais situações, os professores são levados a tomar consciência de seus próprios saberes experiências, uma vez que devem transmiti-los e, portanto, objetiva-los em parte, seja para si mesmo, seja para seus colegas (TARDIF, op. cit. p.52).
137
Vemos que o professor, munido de suas certezas experienciais, estabelece uma
relação crítica com os outros saberes, o que lhe oportuniza uma incorporação
ressignificada de novos saberes, em ação na categoria de seu discurso.
Tal entendimento permite-nos compreender a prática implicada em um processo
de re-tradução da formação docente e adaptação à sua profissão, fazendo com que seja
retirado do seu cenário o que se apresenta inútil ou sem relação com a realidade com
que se depara; por outro lado, o professor preserva também o que de alguma forma pode
ser útil à sua prática.
No bojo da oferta de proposta a outro docente, P5 demonstra inicialmente muita
resistência:
Eu vou dizer a mesma coisa que me disseram uma vez observe a turma em cima das suas observações você traça um planejamento, da pra eles, como é que você vai trabalhar, que o importante é você deixar claro na turma os passos que vão ser seguidos, mas você só pode fazer isso tendo a realidade da turma. Não adianta eu chegar, terminar, pessoal trabalhe assim, assim, assado, porque eu não conheço a realidade da turma, então tem que partir do início de fazer a diagnose da realidade. Porque foi assim que me falaram e foi assim e eu fiz dessa forma e realmente... e depois eu percebi que realmente é, não adianta uma pessoa chegar pra min e dizer “oi, a oralidade é::: a gente vai fazer assim, assim, não. Eu tenho que observar primeiro, ver quais são os pontos que eu quero que seja melhorado pra encima disso ai sim, eu chegar “oh fulano eu vou trabalhar esses pontos, me ajuda” porque eu acho que você chegar sem nada não tem como. E você tem que dominar, uma coisa que você tem que dominar realmente é a realidade da turma, pra você saber, “como é sua turma?”, “é assim, assim, assim, domina isso, não domina aquilo, que cê num souber isso, num tem nem como você melhorar a si mesmo, porque a gente esta sempre se melhorando, mas encima da realidade deles, porque se eles avançam, ai a gente vai avançar também, mas se eles tão pouco... você vai ter que arrumar oportunidade para eles melhorarem, e você só arruma essas oportunidades se você conhecer a sua turma como a palma da sua mão (P5).
Vemos como elemento central da não oferta inicial de propostas, por parte de
P5, a falta de conhecimento da realidade da sala do professor, seu interlocutor, o que a
impossibilita de oferecer ajuda no quesito oralidade. Com essa posição, a docente lança
a sugestão de uma avaliação diagnóstica, instrumento que ajudará o professor a planejar
suas estratégias a partir da sondagem do que o grupo-sala domina e o que precisa
138
dominar. O diálogo entre o professor e o aluno também é apontado como proposta de
ação ofertada por P5. Assim, o professor deve deixar claras, para os alunos, as proposta
a serem efetivadas, ou seja, deve explicitar os procedimentos metodológicos.
No prosseguimento das sugestões, P5 afirma
[...] então é assim, eu deixo eles bem à vontade para falar, então principalmente nas aulas de história, geografia, a gente trabalha apresentando trabalho, não em forma de seminário, porque é uma palavra muito pesada para eles, seminário tem sempre aquela coisa certinha, e lá na sala não é muito certo não, é mais na liberdade. Chegou, você quer falar? “Não, hoje eu tô” Não tem importância nenhuma. “Tem alguém que queira apresentar esse trabalho?” Então assim, deixar a turma bem a vontade na apresentação deles. Você pode pegar os textos, começa a trabalhar ai em determinado momento você vê que eles já estão seguros. “Pronto, agora vamos fazer os grupos e cada um vai dar suas opiniões. Tipo no mural de noticias, o que é que eu faço; separo as noticias e peço para eles trazerem de casa também porque eu separo porque as vezes tem menino que não traz; “Esqueci!”Então separo algumas, então ai eles trazem, cada um fica com a notícia, em grupo. “Olhe, nessa do grupo a gente vai tirar cada grupo uma notícia, daí vocês escolham uma, leiam todas as noticias que estão no grupo e escolham uma” daí eles vão escolhendo uma, daquela cada grupo tem um, a gente vai tirar quatro, ai depois que tem as quatro notícias, os grupos vão se dividir novamente, cada um uma noticia e vai apresentar sua noticia na sala. Sabe, é uma forma que eles gostam muito, geralmente a gente faz isso ou na segunda ou na terça feira porque é a noticia do jornal do sábado e do domingo. Porque é uma atividade que eles gostam... [...] Então eu acho, ai pronto, a partir disso que eles vão dando a noticia ai você já percebe a oralidade, o que é que você tem que fazer mais, o que é que você tem que puxar menos. Pelo menos comigo foi assim, deixar os alunos a vontade pra falar, agora falar assim, dentro dos assuntos não é, história, geografia, a parte das noticias que é o que eles mais gostam. Agora se você chegar e disser assim: “Hoje a gente vai fazer::: fazer a leitura desse texto, depois vocês vai apresentar aqui, pronto, fica travado. “Não quero, não vou fazer.” “Deus me livre!” “É esse assunto que vou falar, vô nada, quero não.” A partir do momento que você deixa livre, ai o negócio vai fluindo, eles falam que nem percebem, falando huhuhuh, falando com os colegas. (P5).
A docente sistematiza a atividade de apresentação das notícias e constrói esse
momento como um espaço livre para apresentação. A atividade parece perseguir um
objetivo, mas qual seria? A professora afirma que é deixando os alunos falarem à
139
vontade - “agora falar assim, dentro dos assuntos” - é o momento em que ela observa o
que precisa ser feito - “a partir disso que eles vão dando a notícia ai você já percebe a
oralidade, o que é que você tem que fazer mais, o que é que você tem que puxar
menos”. Mas, o que ela observa para intervir? Seria a variação dialetal? Seriam
elementos argumentativos?
Do ponto de vista do que se deseja ensinar e do que precisa ser aprendido no que
diz respeito à oralidade, não parece haver muita clareza. Os PCNs nos advertem quanto
a essa postura. Para tal documento,
Acreditando-se que a aprendizagem da língua oral, por se dar no espaço doméstico, não é tarefa da escola, as situações de ensino vêm utilizando a modalidade oral da linguagem unicamente como instrumento para permitir o tratamento dos diversos conteúdos. Uma rica interação dialogal na sala de aula, dos alunos entre si e entre o professor e os alunos, é uma excelente estratégia de construção do conhecimento [...]. Mas se o que se busca é que o aluno seja um usuário competente da linguagem no exercício da cidadania, crer que essa interação dialogal que ocorre durante as aulas dê conta das múltiplas exigências que os gêneros do oral colocam, principalmente em instâncias públicas, é um engano [...]. Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral no planejamento e realização de apresentações públicas [...]. (BRASIL/MEC, 1998, p. 24-25)
Será que os momentos em que os alunos expressam seu ponto de vista “dentro
dos assuntos” devem ser espaço apenas de reflexão sobre registro ou ajustes do oral a
uma escrita padrão como vemos nos indícios em categorias anteriores? Não podemos
nos esquecer de observar que o gênero utilizado pela docente para “ensinar a oralidade”
é um gênero escrito, advindo do suporte escrito – o jornal. Não vemos em nenhum
momento de sua fala menção a gêneros orais públicos/formais como recomendam os
documentos oficiais (PCN/PNLD) para o trabalho com o oral.
Um olhar mais geral sobre o evento acima diz respeito à promoção da atividade
oral se processando em diversas áreas do conhecimento “história, geografia”. P5 não
restringe a prática de colocar o aluno para se expressar sobre determinado tema apenas
às aulas de língua portuguesa, embora oferte maior parte de suas aulas a essa disciplina,
conforme menciona durante a entrevista (Categoria 1). Sua proposta favorece o uso da
língua oral, a partir de um gênero textual familiar aos alunos como a notícia, gênero este
que se efetiva como instrumento de ensino-aprendizagem nas mais variadas disciplinas,
entretanto, o ensino da oralidade não aparece como central.
Vemos um conjunto de saberes mobilizados na prática de P5, pois para
confeccionar a atividade como um todo ela organiza um espaço que favoreça a
140
realização da atividade, a formação de grupos. Ainda que avalie posteriormente a
necessidade de rever o quantitativo de alunos (Categoria 3), ela traz material para os
educandos (ou solicita que eles tragam os jornais), ações essas que configuram um saber
organizativo (GUIMARÃES, 2004).
Vemos os saberes cognitivos empregados no planejamento dos objetivos
pretendidos, ainda que do ponto de vista teórico-metodológico precise ser ajustado para
que os alunos percebam o que está no “jogo do aprender”. Há também a dimensão
afetiva perpassando as subjetividades dos sujeitos envolvidos, uma vez que, ao
compreender a dinâmica de seu grupo-sala, a docente age no sentido de envolvê-los na
ação, de modo a afastar a desmotivação dos alunos por conta de estratégias
metodológicas com as quais sua sala não demonstra afinidade. Nesse sentido, P5 os
envolve em uma proposta que considera a dimensão subjetiva e desenha uma construção
impregnada por seu olhar individual.
A seguir, apresentamos a segunda parte da análise, em que nos debruçamos
sobre o olhar docente sobre o oral a partir de um conjunto de atividades apresentadas
em Livros Didáticos de Língua Portuguesa.
Guiados pelo segundo objetivo específico de nossa investigação, com vistas a
refletir como o docente compreende a oralidade a partir de atividades que lhe são
propostas nos livros didáticos de língua portuguesa, distribuímos um conjunto de
atividades, sob as quais nos debruçaremos a seguir:
CATEGORIA 6
A COMPREENSÃO DOCENTE SOBRE AS QUESTÕES DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
EM CENA, A VARIAÇÃO DIALETAL
A atividade direcionada a explorar a variação dialetal foi selecionada da obra
C2, cujo recorte da proposta é estruturado a partir do gênero textual história em
quadrinhos. Vejamos a atividade e, em seguida, a análise de cada sujeito, tomando
como foco os objetivos das propostas e o que cada uma tem como objetivo de
aprendizagem para o aluno.
141
Atividade 1
Obra: Vitória Regia – Língua Portuguesa, 2ª série. Campina Grande do Sul/PR. Ed. Lago, 2001. Autora: Solange Gomes. Localização da atividade: páginas 102, 109 a 110 – 5ª unidade.
142
Vitória Regia – Língua Portuguesa, 2ª série, p. 102– 5ª unidade.
143
Continuação
Vitória Regia – Língua Portuguesa, 2ª série, p. 110– 5ª unidade.
144
Eis o texto “Continho” indicado na atividade acima.
Vitória Regia – Língua Portuguesa, 2ª série, p. 102– 5ª unidade.
145
No que diz respeito ao objetivo da proposta, a análise feita pelas professoras
evidenciou um olhar muito próximo quanto à compreensão e abordagem deste foco da
oralidade. Vejamos o que afirmou P3 em sua análise:
Essa aqui é uma história em quadrinhos...umm...o objetivo dessa atividade é principalmente a questão da linguagem que ele utiliza, né. É uma linguagem bem restrita né, bem comum da roça, né. Não é uma linguagem que os meninos daqui, da da realidade deles utilizam né. É uma linguagem que eles mesmos vão se questionar, alguns, eu conhecendo aqui a minha turma, vão::: vão dizer: “professora, “ocê” “ocê”, não é “ocê”, ta faltando o “V”. Entendeu! Eles vão se questionar isso”. E a questão também do da daqui, dos questionamentos que são levantados. Muito bom! E aqui faz essa comparação com o “Continho”, o “Continho”. Ele não usa a mesma linguagem, é uma linguagem diferente né, dessa linguagem da roça, para eles fazerem a comparação. Então assim, eu gostei, eu gostei.
Dois pontos podem ser destacados na fala de P3. O primeiro diz respeito à
ênfase dessa professora à variação dialetal ao mencionar a “linguagem comum da
roça” e o segundo, diz respeito à variação histórica do pronome você - “ocê, ocê”, não
é ocê, tá faltando o V. Entendeu!”. Nesse movimento, a docente volta sua atenção
para o que, a seu ver, seriam as impressões dos seus alunos, que, segundo ela, reagiriam
com estranhamento em relação ao dialeto empregado. O olhar da professora está atento
para o pronome “você” guiado pela norma culta atualmente aceita. Vemos que as
formas “ocê” e “cê” são usadas na atualidade, embora não sejam aceitas pela norma
padrão, enquanto “vossa mecê – vossemecê – vosmecê – mecê” já caíram em desuso.
Entretanto, todo essa discussão não é trazida por P3, que ignora, dessa forma, todo o
processo evolutivo na história.
A propósito da variação histórica, Soares (2001, p. 172) afirma que o pronome
“você” passou por variações tais como “vossa mecê – vossemecê – vosmecê – mecê –
você – ocê - cê”. Para Travaglia (1995), na dimensão histórica os dialetos representam
estágios no desenvolvimento da língua. As variedades históricas podem ser percebidas,
por exemplo, em textos escritos em português medieval, nos quais encontramos termos
e formas de dizer considerados arcaicos, bem como que sofreram evolução fonética.
146
A posição de P3 frente a essa variação parece reforçar o que alertávamos em
nosso trabalho dissertativo:
cremos que a omissão em desenvolver, de forma clara, a questão da evolução das palavras no decorrer do tempo, pode levar o aluno a considerar como erradas expressões ou pronúncias desconhecidas, visto que essas palavras já caíram em desuso. Neste caso, temos que considerar a presença do professor preenchendo as lacunas apresentadas nas propostas dos exercícios (COSTA, 2006, p. 83).
No excerto da fala de P3, vemos de forma clara a necessidade de a docente
reconhecer a variação histórica como constitutiva da língua, a fim de que possa intervir
de forma ativa na dimensão desse tipo de variação, com vistas a promover uma reflexão
e a ajudar os alunos a compreenderem as transformações de sua língua, para que eles
consigam deslocar a visão de erro para a possibilidade de variação.
Os encaminhamentos da análise pela docente aparecem, por vezes,
desarticulados de uma visão de ensino da variação linguística como um fenômeno
estrutural da língua. Um indício dessa desarticulação é quando a docente é questionada
sobre o que o conjunto de questões visa a que seu aluno aprenda.
A questão da interpretação, fazer uma comparação entre gêneros, ver que gêneros têm uma característica diferente e essa questão de perceber o regional, a linguagem regional ou a até pra eles uma linguagem errada uma escrita errada que alguns deles vai perceber que ta errada. Eu acho que não vão nem conseguir ler, algumas palavras aqui. Eu tive que voltar pra ver se entendia. Agora assim, nada disso eles vão perceber sozinhos, eu acho que algumas coisas a gente vai ter que voltar pra eles, algumas palavras vão se tornar até é::: a escrita correta. Se não for trabalhado, deixar do jeito que tá, eles podem achar que o que é escrito assim, o “você” (ocê) é assim e até passar a usar na escrita deles, tem que ser explorado (P3).
Como ponto inicial, vemos que P3 sinaliza para alguns elementos da proposta
que encadeiam a atividade como, por exemplo, a interpretação textual e a comparação
entre os gêneros textuais conto e HQ. Porém, gostaríamos de chamar atenção para o que
a docente chama de “regionalismo” ao se reportar a fala do personagem “Chico Bento”.
Ela trata o dialeto desse personagem como um fenômeno do erro no emprego da língua,
colocando-se na posição de promotora da reflexão sob essa perspectiva.
147
Vemos assim indícios de uma abordagem em sala de aula que promove
encaminhamentos contrários ao que anunciam os PCN (1996) na citação a seguir:
Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de se falar: é muito comum se considerar as variedades linguísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas (...) o problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito às diferenças (p.31).
A posição dos PCNs reforça o nosso chamamento para o fato de que o
desconhecimento de uma reflexão sobre a variação dialetal acarreta em um tratamento
sob a óptica do “erro”, que justifica a necessidade de corrigir a fala dos personagens e
ajustá-la à norma padrão. Essa postura de P3 pode evidenciar também uma certa
insegurança no trato com a oralidade, visto que os alunos são sempre postos como
sujeitos que irão estranhar as falas não habituais em seu meio familiar.
Ao se posicionar sobre a discussão da categoria, P4 destaca os mesmos
elementos indicados por P3, a saber: interpretação textual, comparação entre os gêneros
textuais e o regionalismo.
Eu vejo assim, diferentes possibilidades com ela, primeiro uma comparação entre textos de gêneros diferentes, né o gibi com o conto, ai a questão da própria interpretação, de pegar um pouquinho o que o texto passa de ideia, e também a questão da linguagem regional que pra eles (P4).
P4 prossegue a indicação dos objetivos da atividade assumindo a mesma posição
de P3 em relação ao dialeto empregado no HQ:
Eles podem trabalhar como uma escrita errada, com uma forma de escrever como se fala, porque muitos deles fazem isso, e ai a gente trabalhar essa questão ortográfica [...] Dá pra trabalhar ortografia pegando essas falas, pegando essas falas, pegando essas falas aqui [...] vamos fazer uma correção aqui, como é que seria “o que cê ta fazendo aí sentado?” Qual é a palavra que pra você está escrito errada? Pra transcrever de forma correta. Você acha, você acha que esse forma é a forma está certa, é a forma como a gente fala? Qual seria a modificação na escrita, vejam, aqui está escrito assim “pru que está aí parado?” Qual é, qual é ai o termo que você acha que está escrito errado? Ah, professora, a gente não fala “pruque” a
148
gente fala “porque”. Então como é que, que a gente escreve “porquê?”. Aí já entra “porque”, isso e aquilo outro. Ah, dá pra trabalhar muita coisa (P4).
A docente assume a compreensão de que a variação linguística é um fenômeno
exclusivo da fala, caracterizando-a como modalidade que se desvia da norma e que, por
conseguinte, seria exemplo do “erro”. Segundo essa posição, a escrita seria a
representante da norma padrão e a fala deveria ser ajustada de acordo com as
prescrições da gramática normativa. Mesmo sem ter mencionado tal modelo de
gramática, P4 sinaliza a necessidade de fazer intervenções no sentido de ajustar a fala
dos alunos às regras da escrita. Nesse sentido, evoca o trabalho com a ortografia, de
modo a corrigir os desvios (TRAVAGLIA, 1995).
Ao ser questionada sobre qual objetivo a atividade poderia alcançar em se
tratando de seus alunos, P4 respondeu:
Bem, dá pra trabalhar com ele a oralidade. O professor poder seguir isso aqui, e essas perguntas e pode fazer outras mais, né. E a questão também do, do contexto da história, do local, do lugar, né. Tem a questão, ai entra a questão do do do lugar onde o personagem está. A questão rural a questão urbana, né. Como é a linguagem, a linguagem rural, a língua... a linguagem rural é totalmente diferente da urbana. Da questão dos termos coloquiais, a questão de sotaque. Aqui em Pernambuco nós temos um sotaque, no Rio de Janeiro já tem outra forma de expressão. É, palavras que nós falamos, que nós falamos aqui em Pernambuco, né, que quando eles vem pra cá, eles não entendem né, expressões coloquiais. É ótimo trabalhar isso, né. E a questão das comparações dos textos, né, de um texto para com o outro. Ah, tem muita coisa aqui pra trabalhar, deixa eu ver se eu acho mais. O lugar da história, autor, o autor, biografia, a biografia do autor. Já é um autor conhecido, não é um autor desconhecido e a questão, o eixo mesmo aí é a oralidade e a ortografia.
Neste momento, P4 lança como objetivo da proposta ensinar a oralidade e
prossegue sua fala com indicações para um investimento na variação linguística. Ela
pontua a possibilidade de se explorar na atividade, o contexto histórico, o local, a
dimensão regional (questão rural e questão urbana). Esta última dimensão é vista sob a
perspectiva exclusivamente das diferenças: “linguagem rural é totalmente diferente da
urbana” (P4). Os regionalismos e os níveis de uso da língua aparecem também quando
P4 afirma poder tratar da “questão dos termos coloquiais, a questão de sotaque”. Neste
149
caso, temos uma confusão conceitual entre sotaque e registro, ambos tomados como
fenômenos semelhantes. Este tipo de cenário também foi observado por Marcuschi
(2005), em seu texto “Oralidade e ensino de língua: uma questão pouco falada”, artigo
em que chama a atenção para o tratamento semelhante dado à questão da variação por
alguns livros didáticos de língua portuguesa, à época, do 1º e 2º graus.
É importante que mostremos, de acordo com Travaglia (1995), como que se
configura o dialeto. O autor afirma que os dialetos são variedades que ocorrem em
função dos usuários da língua, sendo as variedades identificadas na dimensão territorial,
social, histórica, entre outros (variáveis de idade, de sexo, e de função). No tocante aos
diferentes dialetos, não existe um limite preciso entre eles, apenas área de concentração
de um determinado conjunto de características, visto que os limites são estabelecidos de
acordo com determinada conveniência, pois não podemos demarcar onde inicia ou
termina um determinado dialeto.
P4 parece desconhecer princípios teóricos que norteiam as discussões ancoradas
em uma perspectiva sócio-histórica de língua, visto que todo o seu esforço em
identificar os diferentes fenômenos da língua parece não garantir que ela faça um
movimento para além da adequação da questão do ensino da ortografia, do ajustamento
à gramática normativa, da visão da imanência do código, semelhantemente ao que é
denunciado por Marcuschi (2005).
No foco das discussões sobre o objetivo da atividade 1, P5, assim como P4,
identifica como objetivo da proposta a comparação entre os gêneros e a interpretação
textual e dá indicação explícita sobre a possibilidade de ensinar a oralidade:
Olha, no meu caso teriam vários, daqui dava pra tirar a oralidade, que a gente teria como comparar os textos e os modos de falar de ambos. A compreensão e a interpretação, também da, e principalmente história em quadrinhos que é uma coisa assim que prende muito a atenção deles e eles gostam. Então a gente poderia fazer a compreensão e a interpretação [...] (P5).
A exploração da oralidade ocorreria com enfoque nos “modos de falar” dos
sujeitos. Seu foco, a priori, não evidencia o tratamento dessa variação sob o prisma do
“erro”, ou desvio normativo. Nesse momento, o seu olhar parece ir em direção à
150
comparação entre os gêneros textuais, de modo que a discussão sobre a variação não
ganha destaque. Ao prosseguir com a sua análise, P5 parece revelar a compreensão de
que a variação é um fenômeno legítimo apenas na fala.
a grosso modo (a atividade objetiva), como se expressar melhor, aí depois disso, aí vem, como vai se expressar melhor, através da compreensão e da interpretação, da sua produção de texto, da escrita da suas palavras porque às vezes você escreve uma palavra, mas quando você lê... eita eu escrevi errado a palavra certa é assim (P5).
Neste momento da investigação P5 aproxima-se dos demais sujeitos de pesquisa
(P3 e P4), pois toma a atividade com o foco na adequação à norma padrão. A docente se
encaminha discursivamente para a promoção de um conjunto de atividades que
envolvem, entre outras propostas, a produção textual (escrita) e a escrita de palavras
com foco na reflexão sobre os “erros” ortográficos cometidos. Se considerarmos que a
discussão em tela é sobre a variação linguística, e que a docente assume a posição de
que na escrita a transgressão é facilmente visível, podemos compreender que, assim
como as demais professoras, P5 também se reporta apenas à escrita padrão, guiada pela
gramática normativa.
A posição assumida por P5 enviesa a discussão para as modalidades oral e
escrita da língua, sem, contudo, considerar a situação de produção de ambas, visto que
tanto a escrita quanto a fala variam em função de inúmeros fatores, dentre eles, o
propósito comunicativo. Ancorar-se nessa compreensão é focar a análise sob a óptica de
um novo contínuo (MARCUSCHI, 2001a; 2005; 2008), que considera os gêneros
textuais a partir das suas intercessões, ainda que apresentados em modalidades distintas.
Vemos que a proposta de atividade do LD que envolve a discussão sobre a
variação linguística suscita dois olhares no bojo da análise dos sujeitos. O primeiro
olhar silencia maiores reflexões sobre a língua; já o segundo visa à correção das
palavras e adequação às regras. Essa compreensão esbarra no que Marcuschi (2005, p.
25) chamou de “discurso oficial”, como aquele apresentado pelos PCNs, por exemplo.
Tal documento apregoa a necessidade de a escola não abraçar os mitos da unidade da
língua, tampouco o desvio conceitual de que existe a forma “certa” de falar, “aquela que
se parece com a escrita em seu modelo padrão”.
151
Na continuidade da reflexão sobre a variação linguística, voltamos o nosso olhar
sobre a variação de registro. Para tanto, apresentamos aos sujeitos um recorte de
atividade da C1, cuja proposta envolve o gênero textual tira.
EM CENA, A VARIAÇÃO DE REGISTRO...
Para entendermos a compreensão que as professoras tiveram sobre atividades
que focavam a variação de registro, de início, observamos tais atividades para, a seguir,
focarmos na análise a partir das considerações dos sujeitos.
Atividade 2
Obra: Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 2ª série. São Paulo: Moderna, 1999. Autora: Magda Soares Localização da atividade: páginas 20 e 21– 1ª unidade.
152
Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 4ª série, p. 20 e 21– 1ª unidade.
153
Continuação
Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 4ª série, p. 20 e 21– 1ª unidade.
154
Ao explicitarem os objetivos das atividades, vemos que P3 e P4 compartilham a
mesma compreensão sobre a proposta:
Ele quer trabalhar a questão do, da linguagem convencional e da linguagem não convencional né, e como a gente se expressa dependendo de com quem a gente esta conversando, se a gente tem intimidade ou não. Interessante, gostei, mas basicamente ela quer mostrar essa questão da linguagem convencional, para quando a gente não tem intimidade com alguém, e da linguagem de quem quando a gente tem intimidade, a gente usa realmente diferente. Embora que pra eles... muitas vezes eles não tem esse cuidado, criança né, a maioria fala de todo jeito com qualquer pessoa (P3).
Então ai os alunos aprendem a questão das expressões mesmo, que a gente não pode falar de qualquer jeito com qualquer tipo de pessoa. Por exemplo: com o seu coleguinha, você poderia da “obrigadão” [...] poderia, mas, por exemplo, se chegasse o prefeito aqui na escola, e entrasse aqui em nossa sala, vocês poderiam falar da mesma forma? Iam dar “obrigadão” ou obrigado? (P4).
Ambas as professoras observam a questão dos usos da língua em seu registro
formal e informal. P3, por exemplo, identificou esses registros como sendo linguagem
“convencional” e “não convencional”. Notamos que as duas docentes atentam para a
dimensão das relações inter-pessoais e põem em relevo as questões dos papeis sociais
assumidos pelos sujeitos, bem como do grau de intimidade partilhado por eles.
A atenção para esses aspectos é fundamental no trato com a oralidade. Nessa
discussão está implicada a compreensão de que a língua em suas modalidades de uso
(escrita e oral) varia a depender de inúmeros fatores (MARCUSCHI, 2008). O caso da
variação no registro, por exemplo, é ocasionado, entre outras dimensões, pelo
ajustamento na estruturação do texto produzido pelo falante para o seu ouvinte, visto
que o discurso (falado e escrito) é organizado em função das representações sociais
existentes nas relações entre os interlocutores (BAKHTIN, 1992; MELO & BARBOSA,
2005; TRAVAGLIA, 1995). De acordo com Bakhtin (1992), as palavras são
determinadas tanto pelo fato procederem de alguém, como pelo fato de que se dirigem
para alguém, ou seja, elas são o produto da interação entre falante e ouvinte.
155
De acordo com Bortoni-Ricardo (2004), podemos monitorar com maior ou menor
intensidade a fala em função de um mesmo interlocutor.Assim, para passar de uma
“conversa séria” a uma “brincadeira”, podemos mudar nosso estilo. Quando vamos
mudar de estilo, passamos a emitir pistas verbais ou não-verbais, cuja autora define
como “metamensagens”, as quais transmitem informações do tipo: “isso é uma
brincadeira”, “estou falando sério”, “estou ralhando com você”. A variação ao longo do
continuum de monitoração estilística tem, portanto, uma função muito importante de
situar a interação dentro de um determinado contexto.
Para Bortoni-Ricardo (2004), as relações são mediadas por uma contínua
monitoração estilística que vai desde a interação totalmente espontânea até aquelas que
são previamente planejadas, as quais exigem muita atenção do falante. Quando a
situação exige formalidade, seja pela especificidade da audiência, seja pela cerimônia
exigida ou pelo conteúdo a ser tratado, nos monitoramos com maior intensidade.
Dependendo do nível de intimidade que temos com o interlocutor, monitoramos o estilo
com menor intensidade, ou seja, monitoramos a fala em função do “ambiente, do
interlocutor e do tópico da conversa”.
Gostaríamos de registrar na fala de P5 a postura da exemplificação da forma como
abordaria a variação de registro com seus alunos. Ela aproxima o conteúdo da realidade
dos sujeitos, ajudando-os a compreenderem as adequações do uso da fala em função dos
papeis sociais assumidos na interação e das relações de proximidade e distanciamento
existentes entre eles. “Por exemplo: com o seu coleguinha, você poderia da “obrigadão”
[...] poderia, mas, por exemplo, se chegasse o prefeito aqui na escola, e entrasse aqui em
nossa sala, vocês poderiam falar da mesma forma? Iam dar “obrigadão” ou obrigado?
(P4).
Essa ponte com a sala de aula envolve a docente em uma atmosfera de ensino-
aprendizagem favorecida pela relação entre saberes de referência e os saberes da
experiência (GUIMARÃES, 2004). A adequação da linguagem e a aproximação através
de exemplos cujo propósito é significar o conteúdo para os sujeitos reforçam a
importância do saber da prática, que favorece um olhar ajustado ao nível de
conhecimento que se tem sobre o grupo-sala e sobre o que se quer ensinar.
Ao analisar a atividade com vistas a explicitar o objetivo da mesma, P5 volta a
mencionar o ensino da oralidade, neste momento com o foco na variação de registro:
156
Acho que o objetivo é da oralidade. É mostrar os vários tipos de comunicação que você pode utilizar. Não que esteja errado, mas tem a convencional e tem a::: vamos supor, a popular, a certa que você usa no seu dia a dia (P5).
Ao analisar a proposta, P5 menciona o eixo de ensino oralidade para, em
seguida, explicitar os conteúdos que podem ser explorados na dimensão do oral. A sua
fala mostra a compreensão da legitimidade da linguagem coloquial, por ela identificada
como “popular”, sem tomá-la sob o ponto de vista do erro. Entretanto a docente parece
compreender a dimensão do registro como dois pólos bem demarcados. O primeiro diz
respeito ao uso da fala popular, que podemos identificar como sendo informal e o
segundo da fala convencional, que remete ao uso padrão da fala dita “padrão”. Ao
explicitar como objetivo da proposta a “exploração dos diferentes níveis de linguagem”,
P5 parece conduzir a análise dos registros para níveis estanques e sem gradação, sem
observar a interação entre os sujeitos e os diferentes papeis sociais exercidos por eles,
por exemplo, fatores esses que também determinam os graus de formalidade e
informalidade (BORTONI-RICARDO, 2004; MARCUSCHI, 2008).
Outro elemento que observamos na fala de P5 diz respeito à tomada do termo
“obrigadão”, apresentado na proposta de atividade 2, para atribuir esse tipo de uso a
fatores da regionalidade. Para a docente, a atividade deve mostrar ao aluno
a questão regional, porque tem pessoas aqui::: descolei um adesivo maneiro, ai você pode ver que isso daqui é em determinados locais se a gente levar em consideração a regionalidade (P5).
Não podemos afirmar se, ao analisar o emprego da palavra “obrigadão”, P5 a
observa sob o plano fonético, semântico ou sintático, conforme teoriza Travaglia
(1995). Entretanto, vemos que tal palavra não se enquadra como o exemplo adequado
para tratar de questões regionais, visto que é mais um exemplo de variação de registro.
Este mesmo desvio também foi presenciado na Categoria 2, “Olhares docentes
sobre a oralidade como eixo de ensino no livro didático de língua portuguesa”, em que
P5 discute o emprego, pelos seus alunos, de “palavrões” em sala de aula. Tanto naquela
categoria como nesta a fala de P5 apresenta uma divagação em busca de explicar a
157
ausência do ensino da oralidade no livro didático, visto que, segundo a docente, os
livros não dão conta da regionalidade dos alunos.
Em meio às análises, também podemos observar questões que partiram do olhar
singular do professor sobre a atividade. Em P3, por exemplo, aparece o foco na
estrutura do gênero textual tira e na questão do emprego da palavra “obrigado”, bem
como nas relações entre gênero masculino e feminino.
Pode até explorar a questões dos balões, ampliar, né, o formato dos balões que varia de acordo com o que você esta falando. A questão do obrigadO para masculino e obrigadA para feminino, tu devias ampliar, mas basicamente ela quer mostrar essa questão da linguagem convencional [...] (P3).
Os elementos observados pela professora podem ou não estar em
transversalidade na discussão da atividade. Seu olhar sobre o que lhe é posto conduz a
certas dimensões de abordagens que podem se distanciar do objetivo mais explícito da
proposta. Contudo, trata-se de um olhar que pode revelar seus saberes aguçados para as
possibilidades de uso da atividade, a partir do que ela propõe. Nesse sentido, a docente
sugere (ou não) alterações didáticas sobre a proposta e promove outros enfoques a partir
de uma mesma proposta inicial.
Ao prosseguirmos as investigações sobre a oralidade, apresentamos aos sujeitos
um recorte de atividade disponível na C1, cuja finalidade é discutir a relação fala–
escrita.
CATEGORIA 7
A COMPREENSÃO DOCENTE SOBRE A RELAÇÃO FALA-ESCRITA
A atividade selecionada por nós para tratar da relação da fala com a escrita é
estruturada em torno do gênero textual carta. Observemos as proposta para, em seguida,
procedermos a discussão sobre a análise realizada pelos sujeitos.
158
Atividade 3
Obra: Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 4ª série. São Paulo: Moderna, 1999. Autora: Magda Soares Localização da atividade: páginas 82 a 88 – 2ª unidade.
159
Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 4ª série, p. 82 e 85 – 2ª unidade.
160
Continuação
Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 4ª série, p. 82 e 85 – 2ª unidade.
161
Ao demarcar posição sobre o objetivo da atividade, P3 afirma
Eu acho que é identificar uma linguagem mais rebuscada na hora da escrita. Eles escreveriam assim (professora aponta o segundo modelo de carta) como estão falando, como se tivessem realmente de frente pra alguém na hora da conversa. Mas, mostrá-los que não existe só essa forma de escrever (primeiro modelo), existe uma forma mais rebuscada... (P3).
P3 sinaliza como sendo objetivo da atividade a reflexão sobre a linguagem
empregada na fala e na escrita. Sua posição evidencia a compreensão do emprego de
registros com maior ou menor grau de formalidade, em ambas as modalidades. Esse
olhar afina-se com a discussão da língua em sintonia com o contínuo dos gêneros
textuais, pois dialoga com as diferentes possibilidades de uso da língua implicadas nas
distintas situações de produção discursiva.
Com o foco no questionamento sobre o objetivo da atividade, P4 faz uma análise
a partir da relação entre a produtora da carta, a personagem Marisa, e a sua
interlocutora, Ângela. Assim como P3, o olhar de P4 não está voltado para as
polarizações, mas para a proximidade entre as modalidades. Um dos elementos que
marcam essa compreensão é a consideração, por parte da docente, sobre a dimensão
afetiva que perpassa os personagens, de forma a modelar e conduzir toda a produção
escrita.
O objetivo é justamente a comparação, porque aqui a Ângela ela ta escrevendo uma carta né, e é uma carta como se ela estivesse realmente falando. Como se ela tivesse realmente falando né é, ela transcreveu o que veio na mente dela em palavras simples que ela utiliza no dia a dia, né. Uma coisa simples mesmo que ela expressou sentimentos que tava com raiva, né é é dava vontade de gritar com... gritar com raiva né, que ela mordeu o picolé com tanta raiva que acabou mastigando o pauzinho. Então aqui ela ta, é como se ela tivesse realmente falando da angústia dela de não ter que, ter que esperar as próximas férias para ter que brincar com a coleguinha. Então isso é, realmente é uma carta, mas é uma forma de ela... de ela escrever o que ela... da forma como ela fala. Ela colocou todo o sentimento dela aqui, já aqui é a mesma, é a mesma carta né, mas aqui ela já se tornou uma carta mais rebuscada, né, com aquele estilo, com termos mais difíceis, é o mesmo sentido, é a mesma coisa, mas com palavras mais diferentes, mais dificultosas né (P5).
162
P4 percebe que a mudança no registro também se deu em função do efeito de
sentido pretendido pela proposta, para exemplificar a capacidade de alteração do
registro na produção do mesmo gênero textual. Sua análise conduz ao que Tannen
(1985) explicita sobre o gênero carta. Para a autora, na carta a mensagem figura como
elemento secundário, se comparada ao envolvimento entre os sujeitos. Nesse
movimento de análise, a professora evidencia compreender que a leitura de uma carta
depende, em parte, do reconhecimento das estratégias de proximidade, as quais dão aos
leitores a impressão de estarem juntos um do outro.
Parece ser também na direção do contínuo que P5 procede a sua análise:
[...] mostrar os vários tipos de oralidade, e que às vezes você não escreve como você fala ou vice e versa, você não fala como você escreve. Porque quando ele fala aqui, como se a gente tivesse começado essa carta assim, já de outra forma, mas de uma forma mais tradicional. Até pergunta e se elas estivessem falando com a amiga seria daquele jeito? É agora aqui já é diferente, então eu acho que é isso (P5).
É importante registrar em P5 que, para abordar a relação da fala com a escrita, a
professora refere-se ao eixo de ensino da oralidade: “Mostrar os vários tipos de
oralidade”. Ao mencionar “tipos de oralidade”, P5 parece conduzir sua análise para os
diferentes tipos de registros na linguagem oral e ao mesmo tempo cruza a fala com a
escrita em sua intercessão no contínuo do gênero em modalidades de produção
diferenciadas.
P4 e P5 têm um ponto em comum em suas análises, pois enxergam na proposta o
objetivo de ensinar o aluno a modificação no registro, fruto da intimidade que há entre a
produtora e sua interlocutora da carta. Entretanto, ambas as docentes não focam seu
olhar sobre expressões utilizadas na atividade, cuja proposta é marcar a relação de
proximidade entre os personagens, como por exemplo, “tempão andando” e “barata
tonta”, expressões usadas na primeira versão da carta, que no segundo momento é
substituída por “Depois que você partiu tudo aqui se tornou muito tedioso. Sinto-me
muito entediada por ter de esperar as próximas férias para que possamos nos encontrar
de novo [...]”
163
Nesta investigação também observamos a partilha das docentes sobre a possível
reação de seus alunos frente ao primeiro modelo de carta (formal). Para P4, os alunos
teriam maior afinidade com o segundo modelo da carta, marcada em registro informal:
Eu creio assim, que se eles... [faz referência aos seus alunos] se fosse pra eles escolher, escreva uma carta, eles iriam es..., eles iriam utilizar essa linguagem aqui (professora aponta para o segundo modelo de carta - informal). Tenho certeza! Eu tenho certeza! (P4).
Para P3, os seus alunos teriam dificuldade de compreender o primeiro registro
do gênero, produzido em uma linguagem formal. A docente traz também como possível
fonte de dificuldade a estrutura do gênero carta e modelos desse gênero apresentados na
atividade.
[...] de explorar o gênero, ela não dá, porque eles não têm intimidade com a questão do formato, do que a gente trabalha enquanto formação daquele gênero. Do gênero, não daria pra explorar nesse sentido [...] acho que eles num despertaria muita atenção não. E acho que eles não conseguiriam transcrever dessa forma”(P3).
P5 também compartilha o mesmo olhar das demais professoras. Em sua
compreensão,
eles [os alunos], se fosse pra eles escolher, escreva uma carta, eles iriam es..., eles iriam utilizar essa linguagem aqui. Tenho certeza! [...] agora é como eu disse, eu eu se eu fosse trabalhar na minha turma, eles iriam fazer dessa forma aqui [aponta para o segundo modelo de carta]. Essa carta seria muito formal. Eles iriam dizer, ah professora, essa carta é muito formal, muito chata, eu não falo dessa forma, eu falo assim. Eles, eles fa... fariam a carta dessa forma, deveria ser dessa forma (P5).
As colocações dos sujeitos parecem desconsiderar, nesse evento, que a
linguagem formal também faz parte do cotidiano dos alunos. Todos eles são rodeados
pelo registro formal na maioria das programações dos meios de comunicação - o
telejornal, o jornal impresso, por exemplo. As posições tomadas pelas professoras,
164
frente à proposta, podem indicar a ausência, em sala de aula, de discussões e atividades
que promovam tal reflexão.
No caso de P3, por exemplo, parece haver uma resistência em apresentar o
“novo” modelo de carta aos seus alunos, visto que os educandos parecem ter maior
intimidade apenas com o modelo clássico de carta pessoal, com a indicação de data, de
local, de ano, de despedida etc. Parece não haver a compreensão de que há uma
plasticidade nos gêneros textuais (MARCUSCHI, 2008) que os possibilita adequar-se às
demandas sociais. Apresentar um novo modelo à turma e/ou solicitar que ela produza
uma carta, com base em seus conhecimentos, é uma possibilidade para a realização
dessa atividade, sem que haja prejuízo para os alunos em relação à exploração de
conteúdos.
No caso de P5, sua fala apresenta indícios de que a docente determinaria qual
modelo seus alunos iriam produzir, embora tenha deixado claro que essa posição seria
fruto da reação deles frente ao que lhes é proposto. Em síntese, todos os sujeitos
revelam seguir não apenas a direção do que os aprendizes têm familiaridade, mas
também a sua própria afinidade com o gênero textual. Observemos que se a atividade
for tomada apenas com o foco no registro informal, não haverá a oportunidade do
confronto pretendido pela proposta do livro. Isso pode resultar em uma atividade de
produção do gênero carta, sem, contudo, favorecer uma reflexão sobre a relação da fala
com a escrita, tendo como variável, para o ajustamento do grau de formalidade, a
relação de afetividade entre os sujeitos.
Ao prosseguirmos com a análise de protocolos de atividades, apresentamos às
professoras um fragmento de atividades cuja discussão centrou-se na oralização da
escrita. Com o foco nesse debate, apresentamos a categoria a seguir.
CATEGORIA 8
A COMPREENSÃO DOCENTE SOBRE A ORALIZAÇÃO DO TEXTO ESCRITO
Para tratar sobre a oralização do texto escrito, proposta muitas vezes indicada, de
modo equivocado, por livros didáticos e professores (MAGALHÃES, 2007) como
sendo do âmbito da oralidade (MARCUSCHI, 2005, COSTA, 2006), apresentamos o
165
bloco de atividades a seguir, selecionadas na C2, cuja proposta envolve o gênero textual
fábula.
Observemos as atividades e, em seguida, a análise feita a partir das
considerações dos sujeitos investigados.
Atividade 4
Obra: Vitória Regia – Língua Portuguesa, 4ª série. Campina Grande do Sul/PR. Ed. Lago, 2001. Autora: Solange Gomes. Localização da atividade: páginas 10 – 1ª unidade.
166
Vitória Regia – Língua Portuguesa, 4ª série, página 10 – 1ª unidade.
167
Ao tratar sobre o objetivo da atividade, P3 faz a seguinte análise:
Nitidamente, já que ele não fala assim: fábula, nem diz nada, é a questão da leitura mesmo. Uma leitura com fundo moral que a fabula traz isso. E a questão do aprendizado que a fabula sempre tem uma intersecção por traz, mas basicamente é leitura (P3).
P4 introduz sua análise na mesma perspectiva de P3
Isso é uma fábula, não é? Um hum... aqui ela ta propondo que ele leia em voz alta, né! Trabalha a questão da leitura, né (P4).
De acordo com os excertos ilustrados acima, P3 e P4 não se detêm em suas
análises sobre o foco da oralidade ao analisarem a proposta de atividade em tela. Ambas
as docentes compreendem os comandos da atividade “Agora, lembre-se da forma pela
qual a história foi lida para você, leia-a em voz alta, como se a estivesse contando para
um colega” (atividade 4) -, como sendo direcionados de forma clara para a leitura em
voz alta. É possível percebermos que a proposta se estrutura com base na leitura de um
texto escrito, cujo papel não seria mediar uma apresentação oral, à semelhança do que
acontece em seminários, por exemplo, em que o texto escrito serve de suporte para o
discurso oral; mas de servir como material a ser efetivamente lido. Esse cenário nos
remete ao que evidenciou Marcuschi (2005) sobre a abordagem conceitualmente
equivocada de muitas coleções de livros didáticos em relação à oralização da escrita, ao
considerá-la como uma atividade oral.
P5, por sua vez, parece não se ater ao comando da proposta, mas à dimensão
interpessoal da fábula, visto que, ao se referir à moral da fábula, a docente põe em jogo
o sentido global do texto, o que pode ser ensinado-aprendido a partir da sua leitura, que
serve à construção de regras de boa convivência.
Eu acho que::: não sei se ta certo... é mostrar como se deve agir em determinadas situações, porque na sala de aula e em nosso dia a dia tem muito disso de um querer ajudar o outro. E essas fábulas ajudam bastante nesse sentido, porque eles vão ver a situação que eles se encontram e tentar modificar, os meninos né (P5).
168
Os três sujeitos investigados centraram sua atenção na moral da história, que se
configura como um aspecto característico da macroestrutura do texto, importante para a
construção do sentido global deste. Em P3 temos que é “Uma leitura com fundo moral
que a fabula traz isso”; em P4 o foco está na “questão moral da fábula, que fábula é
ótima. Gosto de trabalhar com fábula”; P5 observa a construção social do sentido do
gênero “Então quando é fabula, vejo muito com esse sentido, de ajudar de modificar o
seu modo de ser”. Na dimensão de um texto literário, a função da fábula é a leitura
prazerosa, para fruir o texto, antes de se prestar a interpretações de ordem
moral/comportamental. A relação que se faz da fábula com padrões de conduta moral é
uma questão de construção histórica e social do sentido do texto.
Para Santos, Mendonça e Cavalcante (2006, p. 30) “abordar efetivamente os
gêneros textuais naquilo que têm de específico supõe conhecer o que diferencia e
aproxima uns dos outros, isso é, as suas características”. Notamos que a fábula se
apresenta como um gênero bastante familiar à prática dos sujeitos dessa investigação,
que além de demonstrarem intimidade com a sua composição, partilham da mesma
posição de trato com o gênero.
No decorrer da investigação, vemos outros encaminhamentos dos sujeitos para a
atividade. De modo geral, esses encaminhamentos desviam seu foco do gênero em si- e
sinalizam objetivos a partir do que é demanda para os seus alunos. Dentre essas
demandas, observamos aquelas relacionadas à fluência leitora e à consolidação do
sistema de escrita alfabético, como vemos em P3, por exemplo.
Que assim, pra eles por sinal a grande maioria começaria a ler e não terminaria por acharem grande. Tem alguns que tem é uma dificuldade, eu já percebi, em algumas letras eles confundem na hora de ler. A letra de imprensa, eles confundem, eles dizem; “tia que letra é essa?” Ai eu digo, olhe! Muita questão também da letra maiúscula; “tia o que danado é isso” eu digo; “ta ali, procure!”[professora aponta para o alfabeto móvel]. Mas eles confundem, eu acho que não foi trabalhado anteriormente não [...] (P3).
São apresentadas também demandas relacionadas ao ensino da estruturação
textual, da norma ortográfica e da pontuação, como veremos na fala de P4.
Dá pra trabalhar sequência de de de texto, início, meio e final, né. Vamo vê: “como é que o texto começou, como foi o
169
desenrolar da história, o meio, como foi que terminou”. Eu trabalho mesmo essa questão de início, meio e final do texto. A estrutura do texto, parágrafo, título né, o título, o parágrafo. Fora outras coisas, a ortografia é, né, palavras que podem ser retiradas “DESEJAVAM”, S com som de Z, SS, de acordo com a necessidade do aluno, a gente pode::: pode planejar algo que realmente supra essa necessidade. Pra mim ah, dá pra trabalhar muita coisa (P4).
Notamos também indicações de trabalho direcionados ao ensino da gramática28:
Então quando é fabula, vejo muito com esse sentido, de ajuda de modificar o seu modo de ser. Lógico, tem a parte da linguagem e tem a parte da gramática que a gente sempre trabalha, mas eu acho que o principal é mostrar como você deve lidar com determinadas situações [...] (P5).
Vemos na fala de P5, por exemplo, que o foco principal da discussão é a moral
da história. Assim como para P3 e P4, para P5 o gênero passa a ser tomado com função
estritamente escolar, usado como pretexto para a realização de atividades ligadas ao
ensino de outros conteúdos e, consequentemente, relacionado à leitura em voz alta, à
margem do objetivo inicial da proposta
Outro aspecto que nos chama a atenção, especificamente por se tratar da análise
de uma atividade de oralização da escrita, pode ser visto de forma mais explícita em P4,
quando a docente afirma que
toda vez que, toda vez que um aluno lê em voz alta, até a gente mesmo, tem a questão da ênfase na pontuação, tem a questão da ênfase da pontuação, vígula, né, tem que dá uma uma pausa, ponto final, o sinal, sinal de que a frase terminou. Tem essa questão né! E eu sempre falo assim, que quando quando a gente, quando eu, tô lendo algum texto, quando eu coloco um texto no quadro, vamos ler. Aí eu dô muita ênfase na questão da pontuação. A importância da pontuação no texto. A gente não vai lê um texto “uma vez nana...”Não! A gente vai ter que ler qual é a... veja o ponto que tem aqui. Esse “pontuação” - tem que parar para respirar; “vírgula” – uma pausa breve. Final de frase, ponto final, travessão significa que alguém está
28 Estamos diferenciando neste texto análise linguística de gramática, pois atribuímos conforme Mendonça (2006) o ensino da gramática a exercícios de análises gramaticais convencionais, sem que há uma reflexão mais global do texto, conforme compreende a análise linguística.
170
falando: “quem é que está falando aí?”. Então assim, ele, fazendo a leitura em voz alta, ele vai perceber essas pontuações que dá sentido ao texto, né. (P4).
Mendonça (2005, p.115) chamam atenção sobre concepções de ensino, como a
que permeia a fala do sujeito acima. Para as autoras, a compreensão de que o sinal de
pontuação é responsável pela aproximação do movimento da elocução oral se relaciona
a uma compreensão normativa da língua, que “não vai além do contexto do período e da
abordagem semântica”. A visão tradicional de ensino de pontuação, evidenciada na fala
de P4, mostra oscilação entre uma visão normativa sobre pontuação e uma compreensão
da pontuação como instrumento de construção semântica. Entretanto, tal percepção é
exaltada com maior ênfase à dimensão prosódica gerada pelo “correto” emprego dos
sinais. Discutiremos essa questão também na explicitação da próxima categoria, em que
o tópico gramática e pontuação aparece nos discursos docentes como objetivo da
atividade, cuja abordagem se centra na representação de elementos da fala na escrita.
Vemos, na categoria em tela, que todas as análises apresentadas pelas
professoras, a priori, não indicam a atividade como sendo de oralidade, conforme a
própria atividade do livro didático explicita. A atenção delas pareceu voltada para os
eixos da leitura, de análise linguística e de gramática. Porém, ao insistirmos em
perguntas às docentes sobre o que elas esperavam que o aluno aprendesse com a
atividade, P5 reponde:
a oralidade, a gramática e a forma de modificar o seu modo de lidar com outras pessoas. [...] É a ser uma pessoa melhor, e pra você ser uma pessoa melhor, você tem que respeitar o outro e tudo isso vai ajudar o quê? Na oralidade, porque à medida que você fica mais aberto para o mundo isso fica mais fácil (P5).
Observamos que P5 retoma objetivos já mencionados anteriormente, porém
introduz no seu discurso um novo elemento, a aprendizagem da oralidade. Essa
oralidade mencionada pela docente parece mais atrelada à necessidade de usar uma fala
respeitosa com outro sujeito, o que remeteria a necessidades pontuais de sua sala já
reveladas na Categoria 2, por exemplo.
Devemos atentar para a atividade que a docente está analisando, cujo propósito é
a leitura em voz alta. Se a professora sinaliza aproveitar a proposta para discutir
conteúdos relacionados ao registro, verdadeiramente ela pode estar direcionando a
171
proposta para o ensino do oral. Contudo, parece haver apenas a compreensão de que ler
e discutir sobre o conteúdo moral abordado pela fábula garantirá um trabalho com a
oralidade, o que não corresponde, como já o dissemos, ao ensino do oral
(MARCUSCHI, 2005).
Nos meandros das discussões sobre oralidade, apresentamos às professoras um
recorte de atividade direcionada a explorar os recursos multimodais, elementos cuja
função é favorecer a construção de sentido do texto, seja ele oral ou escrito. Vejamos a
discussão na categoria a seguir:
CATEGORIA 9
A COMPREENSÃO DOCENTE SOBRE A REPRESENTAÇÃO DOS ELEMENTOS MULTIMODAIS DA FALA NA ESCRITA
Para tratar da compreensão docente sobre os elementos multimodais, trouxemos
a atividade 5, retirada da C1, cuja proposta envolve o gênero história em quadrinhos.
Após a apresentação da atividade, observemos como cada sujeito se comporta em sua
análise.
Obra: Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 2ª série. São Paulo: Moderna, 1999. Autora: Magda Soares Localização da atividade: página 91-94 – 2ª unidade. Atividade 5
172
Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 2ª série, p. 20 e 21– 1ª unidade.
173
Continuação
Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 2ª série, p. 20 e 21– 1ª unidade.
174
Ao posicionar-se frente ao que poderia ser o objetivo da atividade, P3 sinaliza
que o texto tem como foco tratar
a questão da onomatopéia e a questão de escritas diferentes para dar um destaque em alguma coisa. Eu vi basicamente isso né, a questão dos sons e onomatopéias e a questão pra dar destaque em palavras e formas que são utilizadas na escrita né, a letra maiúscula, a exclamação. Basicamente é isso (P3).
Assim como P3, P4 também sinaliza como objetivo da atividade o trato com a onomatopéia.
risos...ummm, aqui trabalha, ta trabalhando muito onomatopéias, né, a questão dos barulhos, dos ruídos, isso em histórias em quadrinhos tem muito isso, né. Na verdade aqui ta falando da expressão “mãe”. Como é que o cartunista ele desenhou a forma que a menina tava gritando, né. Isso pronto (P4).
A multimodalidade é sinalizada nas falas de P3 e P4 através dos diferentes
recursos onomatopéicos observados por elas na atividade. Dentre os elementos moldais
indicados encontramos, por exemplo, o uso da letra maiúscula, a exclamação.
Dionísio (2005, p.176) afirma que a multimodalidade é um traço característico
dos gêneros textuais orais e escritos, visto que ao empregarmos a língua nessas
modalidades utilizamo-nos de, no mínimo, dois modos de representação, dentre os quais
a autora cita: palavras e gestos, palavras e entonação, palavras e imagens, palavras e
tipografia, palavras e sorrisos, palavras e animações, etc. Assim, orquestramos, em
todas as situações comunicativas, os nossos sistemas de conhecimentos para harmonizar
todos os recursos verbais (escritos ou orais) e os recursos visuais (estáticos ou
dinâmicos) disponíveis nas interações comunicativas em que estamos inseridos.
Para indicar a presença da multimodalidade, P5 chama a atenção para a forma
como o HQ representa a fala através de elementos da escrita:
O objetivo dessa atividade eu acho que deve ser [...] como é que, você não vai só falar, se você encontrar as palavras, como é que você irá interpretá-las, tipo aqui, Carol. Ai bota MÃE bem grande, como é que você sabe que ela tava gritando? Entendeu é uma coisa que Carol gritou: MÃE! Não precisa ler, é uma coisa que você não... serve então para mostrar que no texto tanto tem a parte de você observar os sinais como muda
175
seu nome. Pra interpretar, como você também pode utilizar palavra. Então a grosso modo a gente pode tirar o seguinte, que o modo como a gente fala as vezes não é o mesmo modo como a gente escreve, ou que a parte escrita pode ser bem chamativa e você também pode falar de uma forma que o interlocutor ouça melhor, entenda melhor, tudo é uma forma de você se fazer entender (P5).
Em sua análise, P5 evidencia a importância dos elementos multimodais para
alcançar os efeitos de sentido pretendidos pelos personagens. Segundo a docente, tanto
na fala quanto na escrita podemos usar diferentes recursos para atingirmos os objetivos
visados.
Com vistas a melhor investigar como as docentes compreendem como sendo o
objetivo de ensino do conjunto de atividades apresentada nessa categoria, perguntamos
o que, na compreensão delas, a atividade deseja ensinar ao aluno. Vejamos as suas
respostas:
Para os sujeitos, a atividade em tela, visa ensinar o aluno a:
usar artifícios diferentes escrevendo pra dizer o que ela gostaria de falar falando (risos). Como eles passariam para a escrita para mostrar que ela ta gritando, que ela quer chamar a atenção de alguma forma, e como passar isso para o papel. Iria ser bem interessante, cada um faria de um jeito bem diferente (P3).
P3 sinaliza para as especificidades dos recursos utilizados em cada modalidade
da língua e atenta para o efeito desses elementos, indicados por ela como “artifícios”, no
propósito da comunicação. O seu olhar também caminha no sentido de indicar como a
proposta seria apresentada aos seus alunos e para o que eles deveriam ficar atentos na
hora da efetivação da tarefa. Embora a docente se volte para os recursos modais, seu
olhar não encaminha a reflexão para a especificidade do o gênero textual HQ, como
vemos em P4:
ensinar pro aluno que nas história em quadrinhos já é uma historia onde trabalha-se muito a questão do personagens falando e aqui é o destaque mais com gritos, com ruídos, porque aqui ta falando sobre “como você representaria um ruído que uma pessoa faz, essa questão do grito, dos ruídos, rir alto, essa questão das expressões, dos ruídos, então trabalharia isso. Além da questão da fala das pessoas né, eles iriam
176
observar “ah professora, mais ta diferente o balãozinho da fala dos outros personagens, a gente ta sabendo que ela gritou porque o balãozinho ta todo espichado, ta todo cheio de espinho”, aí com certeza as representações, com certeza os meninos iriam perceber como se representaria ruídos, essas questões dos ruídos dentro da historia em quadrinhos. Que os balões seriam diferentes, que ai dava pra ele saber quando uma pessoa tava falando baixinho, quando uma pessoa tava assobiando, tava gritando. Então tudo isso dava pra trabalhar, e eu acredito que eles iriam aprender (P4).
Vemos que P4 volta-se para discussão das características do gênero HQ,
mencionando os recursos específicos presentes nesse gênero, cujo objetivo é representar
de forma gráfica as ações dos personagens realizadas na modalidade oral (RAMOS,
2011, p. 83). Na perspectiva de Ramos, a docente observa o gênero do “ponto de vista
externo”, pois reflete sobre as características e formato dos balões “o balãozinho ta todo
espi...espichado, ta todo cheio de espinho”. Ela recupera também os recursos
onomatopéicos utilizados na representação da fala dos personagens. Sob seu
encaminhamento, o foco da atenção dos alunos estaria sobre o gênero textual, em sua
dimensão estrutural e também do conteúdo, visto que é em função do conteúdo textual
do gênero HQ que se desenha a configuração dos variados recursos gráficos.
oralidade, tanto da parte da pausa, você pode falar de uma forma, e também pode escrever da mesma forma que você fala. Que aqui ta assim ela falou, é do mesmo jeito, mas quando você vai escrever a gente tem o maior cuidado para que as pessoas possam entender aquilo que você escre... escreveu, que as vezes as pessoas escrevem mais não entendem, porque talvez o tal do escrever é uma coisa que... a escrita eu acho que é uma coisa mais difícil porque você tem que ter todo cuidado pra... você não vai está lendo pra aquela pessoa, então você vai ter que escrever da forma de que quem esteja lendo entenda o que você quis dizer quando escreveu aquilo. Já você lendo não, você vai vendo os sinais, você vai interpretando, porque já está prontinho, a partir do momento que eu vou pegar e eu vou ler um texto, eu vou ter cuidado desses sinais também aparecerem no meu texto, pra poder se fazer entender (P5).
A fala de P5 faz menção ao eixo oralidade relacionado ao objetivo da proposta.
Nesse olhar, elementos como as pausas usadas na fala e representadas na escrita e
elementos que dizem respeito ao aspecto paralinguístico são tomados como ponto de
focalização ( CAVALCANTE e MELO, 2006). Para P5, podemos representar
177
elementos na escrita da mesma forma que produzimos na oralidade “A oralidade, tanto
da parte da pausa, você pode falar de uma forma, e também pode escrever da mesma
forma que você fala”. Nesse sentido, a docente parece não atentar para o fato de que
usamos recursos diferentes nessa representação.
De acordo com Marcuschi (2001a), a oralidade e a escrita possuem
características próprias. Assim, a escrita não consegue reproduzir fenômenos orais tais
como os gestos, as prosódias, os movimentos corporais e faciais; por outro lado, a fala
não consegue representar elementos significativos da escrita como, por exemplo, o
tamanho das letras, cores e formatos. Entretanto, a escrita resgata elementos da
oralidade através de marcas gráficas como, por exemplo, o ponto de exclamação, o
ponto de interrogação, etc.
Ao se referir ao ato de representar os recursos orais na escrita, P5 atribui à
escrita um maior grau de complexidade. “A escrita eu acho que é uma coisa mais difícil,
porque você tem que ter todo cuidado pra... você não vai estar lendo pra aquela pessoa,
então você vai ter que escrever da forma de que quem esteja lendo entenda o que você
quis dizer quando escreveu aquilo” (P5). Para esse sujeito, a escrita requer maior
cuidado que a fala, o que nos remete à falta de compreensão de que tanto a fala quanto a
escrita exigem diferentes graus de complexidade em sua produção. Os registros formais
na fala e na escrita, por exemplo, requerem maior grau de planejamento, já os informais
nas duas modalidades, por serem menos tensos, deixam-nos mais à vontade
(BORTONI-RICARDO, 2004).
No decorrer da fala de P5, podemos compreender que em sua visão o maior
esforço na escrita é gerado pela ausência, em geral, do produtor do texto em tempo real,
o que dificulta a compreensão do leitor caso o texto esteja com o emprego inadequado
de sinais. Nesse caso, os sinais de pontuação servem para nortear a leitura de modo a
ofertar ao leitor a compreensão “desejada” pelo escritor. P5 parece entender que a
pontuação dá ao leitor/ouvinte instruções de sentido, implicadas nas relações prosódicas
trazidas pela pontuação, bem como pela dimensão enunciativa da relação que, de acordo
com Vilela e Nascimento (1998), é assumida como
elemento necessário para a produção de sentido para o texto escrito, por parte do leitor, mostrando-lhes quais são os enunciados e quais são os elementos do enunciado e, ainda, quais são as relações entre os enunciados constituintes do enunciado a serem necessariamente levados em conta na produção de sentido para o texto (p. 33)
178
Não vemos em P5 a explicitação da mesma compreensão de ensino de
pontuação que P4 evidencia em sua fala indicada na atividade 4 (ver Categoria VIII).
Entretanto, quando a mesma menciona uma visão estruturada em uma gramática
normativa, parece atribuir à pontuação uma “capacidade soberana” que reside no texto
pontuado, ao afirmar que ao ver os sinais o sujeito “vai interpretando, porque já está
prontinho” (P5). Essa visão se distancia de uma compreensão de texto que compreende
a linguagem como comunicação apenas, mas que a enxerga estruturada na interação
entre os sujeitos. Logo, o sentido não está no texto, nem na pontuação, mas nessa
interface texto-leitor-produtor (KOCH e ELIAS, 2006).
No prosseguimento da análise das atividades, trouxemos como foco de
investigação uma proposta da C1, cujo objetivo é refletir sobre a produção e a
compreensão do gênero textual oral. É sobre essa questão que trataremos na categoria a
seguir.
CATEGORIA 10
OLHARES DOCENTES SOBRE A PRODUÇÃO E A COMPREENSÃO DO GÊNERO TEXTUAL ORAL
Para tratar da produção e compreensão docente sobre o gênero textual oral,
selecionamos a atividade 6, ilustrada abaixo, cuja proposta envolve uma entrevista oral.
Após a ilustração da atividade em questão, apresentamos algumas análises à luz
das considerações dos sujeitos investigados.
Atividade 6 Obra: Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 3ª série. São Paulo: Moderna, 1999. Autora: Magda Soares Localização da atividade: páginas 67 a 71 – 2ª unidade.
179
Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 3ª série, p. 67 a 71 – 2ª unidade.
180
Continuação
Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 3ª série, p. 67 a 71 – 2ª unidade.
181
Continuação
Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 3ª série, p. 67 a 71 – 2ª unidade.
182
Na abordagem sobre os objetivos da atividade, relativas ao trato com a
oralidade, P3 afirma que a questão visa a:
Trabalhar essa questão da expressão oral, que alguns alunos eu acho que nem todos participariam, né? Até porque ele questiona quem tem irmão menor, os outros vão ser repórteres é? Mas assim, de toda forma vão ter sempre aqueles que vão ficar calados sem se expor se o professor não orientar ou até dizer: “Oh fulaninho faz uma pergunta agora o que que você quer perguntar?” Alguns vão ficar paralisados. É mais essa questão da expressão oral e da leitura, eles terão de ler os textos pra depois desenvolver a questão das perguntas (P3).
Destacamos na fala de P3 a atenção para a expressão oral e para a leitura como
objetivos da atividade em tela. Para a docente, o momento da expressão oral pode ser
compreendido como espaço em que o aluno deve falar sobre o assunto em pauta.
Percebemos que a ação de desenvolver a expressão oral e promover a discussão e a
conversação em sala de aula envolve atividades que fazem parte também de um trabalho
voltado para desenvolver a oralidade. Entretanto, sem objetivos claros no sentido de
desenvolver competências ligadas ao desenvolvimento da argumentação, por exemplo,
incorre-se em atividades que, embora sejam realizadas oralmente, não apresentam
elementos que visem a garantir os objetivos pretendidos.
No que se refere a P4, vemos que a professora, ao analisar a proposta, faz
algumas considerações sobre os comandos dispostos para sua realização. Dentre essas
considerações, enfatizamos as atividades de leitura silenciosa, resgate dos
conhecimentos prévios dos sujeitos para a execução da atividade e discussão sobre o
tema, conforme podemos notar no trecho de sua fala, a seguir.
Ai que interessante! Essa atividade aqui né, como aqui no enunciado ta falando assim que antes, antes da leitura né. Porque se propõe uma leitura silenciosa e antes tem que ter uma atividade oral, né. Eu...eu tô entendendo que deve ser alguma discussão, alguma conversação, né, sobre... sobre o assunto. Aí assim, o que me chamou atenção é porque são dois textos com o mesmo título, só que um fala que o irmão menor é ruim ter, é é uma coisa ruim e o outro fala que é bom, né. Isso ai realmente vai gerar uma polêmica, com os meninos, né. Aí depois da oralidade tem a leitura silenciosa que eles vão ler e depois é a interpretação escrita né, que é uma interpretação de texto do irmão menor, aí depois dessa interpretação aí que
183
eles vão fazer a leitura silenciosa desse outro texto, aí que eles vão realmente se se chocar com as ideias, oxente! um dizendo que é ruim, outro ta dizendo que é bom! Então aqui dá pra trabalhar a leitura, a leitura silenciosa que é uma coisa que eles precisam ter um momento de leitura silenciosa pra eles se concentrarem, né, pra eles entenderem (P4).
Dentre as considerações feitas pela professora destacam-se a menção a
atividades de leitura silenciosa, o resgate dos conhecimentos prévios dos sujeitos para a
execução da atividade e a discussão sobre o tema, conforme podemos notar no trecho de
sua fala, ilustrado acima.
Em meio às citações de alguns eixos de ensino, P4 menciona o eixo da oralidade e da escrita, como notamos em seguida:
Aí dá pra trabalhar a questão da oralidade, isso sem
dúvida nenhuma, bem antes, e a questão do da escrita, da
interpretação e do entendimento do texto e textos antagônicos
que são totalmente, ah professora é o mesmo título, porém ah:::,
o sentido é diferente. Tem o mesmo personagem que é o irmão
menor, porém tem sentidos diferentes, totalmente coerências
diferentes. Ai isso já dá mais pano pra manga, pra trabalhar
(P4).
É possível perceber que oralidade aparece na fala de P4 como espaço de
discussão sobre o conteúdo textual. Parece haver um interesse de sua parte quanto a
seus alunos debaterem sobre o tema e perceberem que estão sendo abordadas duas
questões, sob pontos de vista diferentes. Entretanto, não temos em sua fala elementos
que sinalizem encaminhamentos mais diretivos no sentido de promover tal debate.
Ao voltar seu olhar para o gênero textual a ser produzido, entrevista, P4 sinaliza
para a modalidade de produção a ser realizada, bem como para o eixo de ensino que está
em evidência: o da oralidade.
Aí aqui eu vi a questão da entrevista que é um gênero textual, né, que é um gênero textual, vai ser uma entrevista, não vai ser uma entrevista escrita, entrevista falada que um aluno, alguns
184
alunos vão, um voluntário né, um aluno vai se propor a ser um entrevistado e a turma vai entrevistar, ah pra trabalhar a oralidade isso é maravilhoso. (P4).
Vemos que, no evento comunicativo “entrevista em sala de aula”, o gênero
textual em tela, por se tratar de um evento realizado oralmente não dispensa um
planejamento apoiado na escrita, uma vez que estão em jogo práticas e eventos de
letramento (KLEIMAN. et.al, 1996). Decorrem desse fato duas exigências para a
realização da entrevista: a leitura de textos escritos e a produção de questões para
nortearem o desenvolvimento do evento, ou seja, do planejamento.
O planejamento para a realização da atividade é percebido também por ambas as
docentes. No planejamento está envolvida a prática de leitura, eixo explicitado na fala
de P3 e P4. Assim, o aluno deve ler para preparar as perguntas (P3) e ler para
compreender o texto e realizar a entrevista (P4). Já no quesito preparação para a
construção de perguntas para o desenvolvimento da entrevista, apenas P3 explicita em
sua fala que “eles terão de ler os textos pra depois desenvolver a questão das perguntas”.
Para P5, a atividade tem como foco
[...] comparação de textos, onde você vai tirar os pontos negativos e os pontos positivos. Porque às vezes o que é negativo para um não é negativo pro outro, às vezes o que é positivo para uma pessoa não é positivo para outra. Então a gente trabalhava muito isso neste sentido. Ta, na entrevista... é a entrevista eu acho uma coisa, ta é uma coisa que eu gosto de bastante, porque ela te da uma liberdade muito grande de trabalhar nela. Você tanto pode pegar, colher as informações, como também pode é em cima dessa entrevista formular um texto coletivo com eles mesmos. Então é algo que dá assim um leque de opções, só tendo uma simples entrevista já da pra você ter subsídios a vontade. [...] é você fazer a entrevista e em cima dela fazer alguns textos coletivos, mostrando também esse lado do que, como é que uma pessoa vê determinado assunto e como é que a outra, o mesmo assunto tem uma visão diferente. Às vezes duas pessoas, quatro cinco, tem duas pessoas com a mesma opinião, então eu acho que isso é legal (P5).
A fala de P5 revela objetivos ligados a um confronto entre os textos e a produção
do gênero. O comando para a produção escrita também é recuperado em sua fala, assim
como na fala de P4. Para aquela docente, a escrita vem como uma culminância de um
trabalho, fruto de uma coleta de informações sobre o tema. A entrevista assim serviria
como suporte para uma produção textual escrita de modo coletivo. Para esta, a escrita
185
surge como mais uma possibilidade de trabalho entre os alunos no
desenvolvimento/preparação para a entrevista, embora P4 não explicite maiores detalhes
do que faria com a escrita no desenvolvimento desse processo. Vemos que as práticas
de escrita sempre surgem em meio às atividades voltadas para desenvolver a oralidade,
são práticas orais mediadas pela escrita e/ou conjuntas a esta.
Como objetivos de ensino dessa atividade, destacamos a fala de P4, para quem a
proposta
quer que o aluno [...] trabalhe gênero, aprenda o gênero textual entrevista, perguntas e respostas, a questão da ordem também, questão organização né, de como formular uma pergunta, também tem a questão do sentido da pergunta. Tem que ser uma pergunta dentro daquele tema, não pode ser diferente (P4).
Em sua análise, P4 evidencia passos estruturais na realização da atividade.
Notamos que ela pontua o trabalho de reflexões sobre o gênero textual entrevista,
observa a composição deste, “perguntas e respostas”, bem como o seu conteúdo textual:
“Tem que ser uma pergunta dentro daquele tema” e atenta para a construção das
perguntas e o seu ordenamento na efetivação do gênero.
A caracterização da entrevista por P4 afina-se com uma perspectiva bakthiniana,
para quem o tripé composição, conteúdo e estilo são elementos caracterizadores daquela
ferramenta de linguagem (KOCH e ELIAS, 2006). A forma como a professora observa
a produção da entrevista é um indício de um trabalho que utiliza o gênero textual como
ferramenta (SCHNEUWLY e DOLZ, 2004) que norteia o olhar sobre a língua em suas
modalidades escrita e oral.
Prosseguimos a investigação com os sujeitos, dessa vez, solicitando a cada
professora que indicasse, dentre as atividades por nós trazidas, aquela(s) que mais
chamassem a sua atenção e que teria(m) a possibilidade de ser(em) aplicada(s) com a
sua turma. Pedimos também às docentes que explicitassem com quais objetivos
aplicariam a(s) atividade(s) escolhida(as) e se desejariam realizar alguma alteração na
proposta didática, com vistas a adequá-la(s) às demandas de seu grupo-sala.
186
CATEGORIA 11
OLHARES SOBRE AS ESCOLHAS DOCENTES
Vejamos como se comportam as professoras pesquisadas diante das nossas
solicitações.
PROFESSOR DO 3º ANO (P3)
Tabela 6. Seleção de atividades por parte da professora do terceiro ano do ensino fundamental.
ATIVIDADE SELECIONADA
PELO DOCENTE
IMPRESSÕES SOBRE A
PROPOSTA
POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO COM O
GRUPO-SALA
OBJETIVO DOCENTE COM A
ATIVIDADE
FORMA DE INTERVENÇÃO
Tirinha (Menino Maluquinho)
Acessível Sim Adequação de registro.
Entrevista (Irmão Menor)
Acessível Sim Oralidade. Questionamento.
- Explorar o poema; -Tratar da apropriação do sistema de escrita alfabético (rimas e aliterações, criação de novas rimas). -Trabalhar matemática (usar gráficos para ilustrar a ocorrência de alunos com irmão menor).
História em quadrinho (Carol)
Acessível Sim Oralidade. Questionamento.
- Tratar dos balões usados na HQ.
187
OLHARES SOBRE AS ESCOLHAS DOCENTES
PROFESSOR DO 4º ANO (P4)
Tabela 7. Seleção de atividades por parte da professora do quarto ano do ensino fundamental.
ATIVIDADE SELECIONADA
PELO DOCENTE
IMPRESSÕES SOBRE A
PROPOSTA
POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO COM O GRUPO-
SALA
OBJETIVO DOCENTE COM A
ATIVIDADE
FORMA DE INTERVENÇÃO
Entrevista (Irmão Menor)
Acessível Sim Oralidade. Trabalhar a entrevista escrita; Formular perguntas na escrita; Ampliar a proposta com a vizinhança;
Fábula (O leão e o ratinho)
Acessível
Sim Oralidade
Carta (Ângela) Complexa
Não
História em quadrinho (Carol)
Acessível Sim Oralidade
188
OLHARES SOBRE AS ESCOLHAS DOCENTES
PROFESSOR DO 5º ANO (P5)
Tabela 8. Seleção de atividades por parte da professora do quinto ano do ensino fundamental.
ATIVIDADE SELECIONADA
PELO DOCENTE
IMPRESSÕES SOBRE A
PROPOSTA
POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO COM O
GRUPO-SALA
OBJETIVO DOCENTE COM A
ATIVIDADE
FORMA DE INTERVENÇÃO
História em quadrinho (Carol)
Acessível Sim Ensinar as várias formas de falar.
Tirinha (Menino Maluquinho)
Acessível Sim Tratar das gírias. Produzir texto escrito;
Carta (Ângela) Acessível Sim Atentar para o interlocutor na hora da produção da escrita.
Entrevista (Irmão Menor)
Acessível Sim Comparar textos; Aprender a se comunicar.
Produzir texto escrito de forma coletiva;Sugerir novo tema para a entrevista.
Fábula (O leão e o ratinho)
Desmotivadora (gênero muito familiar ao aluno).
Sim
189
SELEÇÃO
De acordo com a observação das categorias acima ilustradas, do bloco de cinco
atividades investigadas em cada uma delas, P3 selecionou três (Entrevista, Fábula,
História em Quadrinhos); P4 escolheu quatro atividades (Entrevista; Fábula; Carta;
História em quadrinhos) e P5 selecionou todas as atividades apresentadas por nós na
ocasião da análise (Entrevista; História em quadrinhos; Tirinha; Carta; Fábula).
Percebemos que o gênero textual “entrevista”, cuja proposta didática visa à
produção de texto oral e a “história em quadrinhos”, que explora a representação na
escrita dos recursos utilizados na fala, foram selecionadas por todos os sujeitos. O que a
escolha unânime desses dois gêneros pode representar se considerarmos todas as falas já
empregadas pelos sujeitos ao longo dessa pesquisa? Podemos inferir que a atividade que
envolve cada gênero textual gerou no docente uma afinidade com a proposta. A
aproximação discursiva dos sujeitos com a teoria dos gêneros também pode contribuir
nessa escolha, em que afinidade e possível demanda do grupo sala dialogam com a
seleção.
O gênero textual carta, que aborda a relação da fala com a escrita foi selecionado
apenas pelo sujeito P5. O que pode representar essa escolha solitária do gênero textual
carta, tendo em vista que, em categoria anterior, a docente apresentou afinidade apenas
com parte da proposta (produção apenas da primeira versão da escrita)? Dentre as
possíveis compreensões, destacamos o objetivo destacado pela professora (discutiremos
sobre os “objetivos” da escolha em momento posterior). A demanda docente em relação
ao gênero não parece focada no trato da fala com a escrita, mas em relação à
possibilidade de se observar um registro mais formal na escrita conforme os dados
sinalizam (essa discussão será ampliada em momento posterior).
Vemos que P5 é o único sujeito que sinaliza para a escolha de todas as
atividades com possibilidade de aplicação com o seu grupo-sala, ainda que nem todas as
atividades sejam indicadas por ela como interessante para os aluno e alunas, como é o
caso do gênero fábula (discutiremos essa de forma mais sistemática essa posição em
etapa seguinte da Categoria 11). Este cenário motiva em nós o seguinte questionamento:
será que a escolha de P5 foi motivada pela situação vivenciada no momento da
entrevista ou pela contingência da prática?
Em meio às discussões sobre as escolhas, gostaríamos de focar nesse momento a
“não escolha”. Perguntamos-nos: o que levaria as professoras a escolherem uma (s)
190
atividade e desprezar (em) outra(s)? Estaria em jogo a importância e a demanda da
proposta? Mas, de que ponto de vista dimensionamos a importância e demanda: seria do
ângulo discente ou do sob o prisma docente? Ficam as inquietações.
IMPRESSÕES SOBRE A PROPOSTA E AS POSSIBILIDADES DE USO COM O
GRUPO SALA
Das respostas relativas às impressões dos sujeitos sobre as atividades por eles
selecionadas, P3 afirma que as três atividades escolhidas são acessíveis aos seus alunos,
por isso aplicaria com o seu grupo-sala; enquanto P4 indica que a atividade com o
gênero textual carta é muito complexa, por esse motivo não a aplicaria com seus alunos;
e P5 afirma que a proposta com o gênero textual fábula é desmotivadora, entretanto
aplicaria com os seus alunos.
Queremos problematizar nessa análise as falas de P4 e P5 em relação às
propostas por elas selecionadas.
Observemos em P4 que a complexidade do gênero carta, em sua versão formal, é
apontada como fator que impede a docente de, “possivelmente”, desenvolver a proposta
com seus alunos. Essa fala também é presenciada na categoria “7 – A compreensão
docente sobre a relação fala-escrita” -, em que a mesma professora sinaliza ter maior
interesse em tratar o gênero com os alunos sob uma perspectiva de carta informal, visto
que a versão mais formal não seria acessível a eles.
A ausência de promoção de oportunidades de reflexão sobre o uso da língua
oral, assim como o da escrita, em seu registro mais formal, pode representar a falta de
clareza da docente sobre o objetivo da proposta. É válido registrar que P5 parece não
ver a aproximação entre a proposta de utilização da carta e do gênero textual tirinha,
analisada por ela na Categoria V, em que o personagem agradece ao amigo usando o
superlativo “obrigadão”. O grau de intimidade presente na relação entre os amigos
representados no HQ (menino Maluquinho) é o mesmo dos interlocutores da carta
(Carta a Ângela). O diferencial entre as propostas é que o foco da atividade com a carta
é a aproximação de um texto escrito formal com um outro informal, pondo em relevo a
aproximação dessa informalidade escrita com a informalidade no uso da fala, o que
culmina na exploração das relações entre fala e escrita.
191
A negação do trabalho com a proposta de escrita da carta em sua versão formal,
sob a alegação de que o tipo de linguagem não é familiar ao aluno, pode indicar, dentre
outras perspectivas, a não observância do professor para o próprio ensino da oralidade,
se considerarmos que:
Ensinar língua oral deve significar para a escola possibilitar acesso a usos da linguagem mais formalizados e convencionais, que exijam controle mais consciente e voluntário da enunciação, tendo em vista a importância que o domínio da palavra pública tem no exercício da cidadania. Ensinar língua oral não significa trabalhar a capacidade de falar em geral. Significa desenvolver o domínio dos gêneros que apóiam a aprendizagem escolar de Língua Portuguesa e de outras áreas e, também, os gêneros da vida pública no sentido mais amplo do termo. (PCN, 1998, p. 67).
Vemos também, na fala de P5, que embora a docente alegue que o trabalho com
a fábula é desmotivador para os seus alunos, os quais já têm muita familiaridade com
esse gênero textual, não há hesitação em declarar que levaria a proposta para a sala de
aula. A nosso ver, os saberes da prática fazem com que a professora tome uma posição
aparentemente antagônica. Por um lado, ela nega a relevância e, por outro lado, ela
assume que é importante na medida em que seleciona a atividade e a toma como
proposta possível de ser aplicada com o grupo-sala.
Parece-nos que em um primeiro momento P5 se coloca no lugar dos alunos,
reconhecendo suas demandas e potencialidades; em outro momento, se centra na
importância de não privá-los de um gênero textual, cuja importância é vista por ela à
medida que o considera essencial para discutir a dimensão moral na vida dos sujeitos,
como vimos na “Categoria 8 - A Compreensão Docente sobre a Oralização do Texto
Escrito”.
OBJETIVOS
No que diz respeito aos objetivos das docentes para a possível aplicação das
atividades selecionadas com os seus alunos, P3 afirma que, ao selecionar a entrevista e a
HQ (Carol), seu objetivo seria desenvolver a oralidade e o questionamento. Vemos que
a professora faz a separação entre o eixo de ensino, a oralidade, e uma habilidade, que
seria o questionamento. Se considerarmos que uma das habilidades necessárias para ser
competente oralmente é a capacidade de questionar, de argumentar, etc., o que
justificaria a separação de ambas? Será que P3 atribui a capacidade de questionar
192
apenas à escrita? Não teria ela a compreensão de que tal habilidade pode ser
desenvolvida na oralidade?
Ao selecionar o gênero textual tira, P3 afirma que seu objetivo seria tratar da
adequação do registro. Ela reafirma a sua análise da proposta, ao focar-se no conteúdo
tratado de forma explicita pela atividade: a dimensão do registro.
Em P4, vemos que todas as atividades selecionadas são indicadas com objetivo
de desenvolver a oralidade. Notamos que a docente assume uma postura que parece
guiada pelo desdobramento das atividades por ela analisadas nas categorias anteriores. É
importante lembrar que P4 não assume, no momento em que analisa a atividade com o
gênero textual fábula, o fato de que a proposta não visa a desenvolver a oralidade e sim
a leitura em voz alta (ver categoria 7). Entretanto, no momento da investigação desta
categoria, percebemos que a docente atribui à atividade objetivos voltados para o oral.
Dentre as possíveis possibilidades de compreensão dessa proposta, podemos
inferir que P4 toma a fábula no conjunto das demais propostas, sem fazer distinção.
Outro ponto de inferência também pode ser a possível compreensão por parte da
professora de que a fábula é um gênero oral. Assim, o foco estaria no gênero e não na
proposta. Entretanto, temos que considerar que a questão por nós levantada diz respeito
ao objetivo que a docente teria ao desenvolver as atividades selecionadas. Sob esse
prisma, P4 concebe a oralização como atividade oral, perspectiva esta conceitualmente
equivocada (MARCUSCHI, 2001a).
Em P5, não há menção ao termo oralidade para nenhuma das atividades por ela
selecionadas, diferente de como ocorreu no momento em que a docente analisava de
forma pontual atividade por atividade. A sua análise remete a objetivos tais como
“ensinar as várias formas de falar”, para a atividade com o gênero HQ (Carol); “abordar
a questão das gírias”, para a atividade do HQ (Menino Maluquinho); “considerar o
outro na hora da escrita”, para o gênero carta; “comparar textos”, para o gênero
entrevista e “aprender a se comunicar” para o gênero fábula.
Dentre os objetivos pretendidos por P5 para a aplicação das atividades,
gostaríamos de destacar aquele atribuído ao gênero entrevista: “comparar textos e
aprender a se comunicar”. Se levarmos em consideração os vários objetivos da
atividade, que aborda o processo de construção e execução do gênero entrevista, vemos
que para P5 a comparação entre textos é o único objetivo da proposta e a única
competência ou capacidade visada é a de se comunicar, como se outros gêneros também
não promovessem essa capacidade. O direcionamento do objetivo da atividade,
193
conforme indica P5, não oportuniza um olhar mais específico sobre o gênero, mas
garante apenas o cumprimento de uma das etapas da proposta: leitura e confronto entre
o conteúdo textual.
FORMAS DE INTERVENÇÃO
No que diz respeito às formas de intervenção na proposta didática das atividades
escolhidas pelas docentes, vemos que P3 sinaliza para o trato do gênero história em
quadrinho e entrevista. Em relação ao primeiro gênero, a docente afirma que faria
modificações no sentido de pedir que os alunos passassem a produzir outro texto
escrito; para o segundo gênero (a entrevista), a sua intervenção se daria sob dois focos:
o primeiro diz respeito a atividades de apropriação do sistema de escrita alfabético, no
sentido de explorar as rimas, as aliterações e produção de novas rimas, a partir dos
poemas, textos que servem como base para a atividade de entrevista (Ver atividade na
Categoria 10). O segundo foco se estabelece a partir dos poemas, sendo esses o foco da
intervenção na atividade, a exploração de conteúdos da matemática, tais como o uso de
gráficos para ilustrar a ocorrência de alunos que tenham irmão menor.
Vemos que o olhar de P3 traz para a proposta dimensões não pretendidas na
superfície da atividade. A realidade de sua sala de aula, cujos alunos se encontram em
fase de consolidação da escrita, bem como as possibilidades de uso das informações
contidas no texto para o trato de outra área do saber, desenham focos de investimento e
intervenções que se desviam do investimento com a oralidade e aproximam-se de
dimensões que parecem ser de maior domínio em sua prática.
P4 também seleciona o gênero textual entrevista e elege como alteração didática
uma nova produção com o mesmo gênero. Entretanto, a atividade não seria a oral, como
sugere a proposta inicial, mas passaria a ser produzida na modalidade escrita.
Eu poderia colocar o seguinte, já que a gente ta trabalhando a entrevista, uma entrevista coletiva né, que todos iriam fazer a pergunta, eu poderia trabalhar também a questão do gênero entrevista também da forma escrita, né. Agora você vai entrevistar né, você vai criar perguntas é é vai formular as perguntas que vocês fizeram, vocês fizeram como? Falando, agora vocês vão formular perguntas escrevendo. Vai escolher ou você não têm irmão menor, ai vocês vão entrevistar uma pessoa que tem irmão menor, ou um vizinho ou um colega. Vocês vão fazer essas mesmas perguntas e vão entrevistar ele.
194
Entendeu? Eu acrescentaria isso, que ai já trabalharia a questão do texto escrito. Eu faria isso (P4).
Percebemos que P5 caminha também na mesma direção do caminhar de P4.
Vejamos, a seguir, como isso acontece:
[...] como já tem dois (refere-se a dois textos que servem de apóia a discussão) eu ampliaria para o seguinte, em cima disso a gente tem a fazer um texto escrito coletivo a sua visão do que é ser irmão menor e irmão maior, ou ser filho único que é interessante também não só ele porque aqui parece a entrevista. Aqui eu acho que melhor que a entrevista esse aqui, então eu acho melhor do que a entrevista seria na hora ler os dois textos ver as opiniões; e ai como é o texto irmão menor, mais velho, filho único. Então faria um texto coletivo, neste daqui (P5).
Vemos que a intervenção de P4 e P5 dá-se na dimensão da modalidade escrita
do texto, tendo em vista que não há sugestões de mudanças que alterem de forma
profunda a proposta didática do livro.
Como vimos ao longo das nossas análises, promover a escrita é a tônica nas
sugestões de ampliação das atividades orais. A atividade oral parece ser sempre o
primeiro passo de uma proposta que resultará como culminância em uma produção
escrita. Esse cenário nos remete ao que Marcuschi acenava em 2005, em seu artigo -
Oralidade e ensino de língua: uma questão pouco “falada”:
A fala é uma atividade muito mais central do que a escrita no dia-a-dia da maioria das pessoas. Contudo, as instituições escolares lhe dão atenção quase inversa à sua centralidade na relação com a escrita. Crucial nesse caso é que não se trata de uma contradição, mas de uma postura. Seríamos demasiadamente ingênuos se atribuíssemos essa atitude ao argumento de que a fala é tão praticada no dia-a-dia a ponto de já ser bem dominada e não precisar ser transformada em objeto de estudo em sala de aula. O fato é que hoje se torna cada vez mais aceita a ideia de que a preocupação com a oralidade deve ser também partilhada pelos responsáveis pelo ensino de língua. Mas nem tudo é como parece que deveria ser. (MARCUSCHI, 2005, p. 21, grifo do autor).
O que o autor afirma pode ser remetido à postura de nossos sujeitos, na medida
em que eles sinalizam para a aceitação de atividades que se voltem para a oralidade em
sala de aula, embora deem mais importância à escrita. Os encaminhamentos que as
docentes vislumbram para ampliar uma proposta oral são voltados exclusivamente para
esta modalidade da língua. Seríamos ingênuos se não compreendêssemos que essa
195
postura é fruto de uma tradição escolar, bem como das reais demandas dos sujeitos em
sua prática pedagógica.
As realidades das demandas dos sujeitos são vistas em todos os pontos
analisados em nossa investigação, assim vimos P3, quase sempre sinalizando como
demanda a necessidade de consolidar o SEA com os seus alunos; P4, embora reconheça
a necessidade de desenvolver a oralidade, traz a escrita como proposta para reforçar o
ensino dos gêneros textuais; P5, por sua vez, recorre às atividades de escrita na maior
parte das alterações didáticas por ela proposta. O que esse cenário indicia? Ele nos dá
pistas de que, além das demandas vivenciadas pelas professoras em sala de aula, todas
parecem ter maior segurança no desenvolvimento de atividades escritas, visto que a
oralidade ainda é um eixo que busca se afirmar em suas práticas.
Na ordem da investigação dos saberes, observamos que todos os sujeitos
mobilizaram saberes de ordem “cognitiva” na escolha e na intervenção das propostas
por eles escolhidas (GUIMARÃES, 2004, p. 134). Em Guimarães, podemos
compreender que um dos tripés dos saberes cognitivos está relacionado à ação do
docente em função da “construção de conhecimentos sistematizados socialmente”. Essa
compreensão aporta a análise das três docentes em foco, cujos dizeres evidenciam ações
de ampliação da proposta do livro didático, estruturados nos eixos de análise linguística
e na área de conhecimento matemático (proposta interdisciplinar) (P3), bem como para
a produção de texto - (P3, P4, P5).
Nesse movimento também enxergamos, nas ações de intervenção docente, a
fabricação de táticas. A transformação feita pelos sujeitos a partir das proposições
ofertadas pelos livros didáticos é legitimada em função de suas demandas, o que lhes
move a fabricarem/transformarem a partir do que lhes é apresentado como modelo
oficialmente planejado (CHEVELLARD, 1998; FERREIRA, 2005).
Guimarães (2004), em suas investigações, afirma que no cotidiano as escolhas
não são determinadas por uma lógica determinista, mas por diferentes fatores. Assim, é
o campo da ação que irá mover o sujeito a mobilizar saberes, selecionar, modificar,
arrumar, controlar e agir. Nesse contexto, vimos as professoras agindo em sua margem
de manobra, operando a partir de uma variável explícita em seus discursos - a demanda
dos seus alunos.
196
(IN) CONCLUSÕES
Com base nos dispositivos teóricos estruturados na perspectiva sócio-
interacionista da língua, e em busca de um diálogo com a teoria dos saberes docentes,
investigamos, nessa pesquisa, como um grupo de professoras do ensino fundamental (3º
ao 5º ano) concebiam o oral enquanto objeto de ensino-aprendizagem e quais saberes as
docentes mobilizavam ao analisar atividades orais propostas por livros didáticos de
língua portuguesa. Com este propósito, direcionamos nosso olhar para onze (11)
categorias, cujas discussões proporcionaram algumas compreensões sobre os objetivos
supracitados.
Na configuração do cenário de análise, observamos alguns elementos que nos
ajudam a compreender como os sujeitos concebem o oral enquanto objeto de ensino-
aprendizagem. Para início de conversa, a maioria das professoras participantes dessa
investigação demonstrou preocupação com o uso da língua adequado às diferentes
instâncias de produção, o que para elas significa “preparar para a vida”. Se
considerarmos que o desenvolvimento desta competência evoca o ensino do oral,
podemos inferir que a oralidade é enxergada como objeto que precisa ser ensinado-
aprendido.
A assunção discursiva dos gêneros textuais como objeto de ensino-
aprendizagem, permeada pela visão do letramento, pode ser indício da apropriação
pelos sujeitos do gênero textual como ferramenta de ensino-aprendizagem, enquanto
objeto teórico que permeia as orientações oficiais para o ensino de língua (PCNs, 1996;
PNLD, 2010). Outra compreensão possível desse movimento sinalizado pelas docentes
está diretamente relacionada à inserção dos sujeitos em um constante processo de
formação continuada desenvolvido pela Rede Municipal em que as docentes atuam,
conforme evidencia o nosso “questionário de identificação” (anexo 1). Contudo, o
panorama não nos permite assegurar que em sala de aula existam práticas efetivas rumo
à consolidação do ensino dos gêneros textuais, sejam eles orais ou escritos.
No tocante às discussões feitas pelos sujeitos sobre o livro didático, enquanto
instrumento que poderia contribuir para o desenvolvimento dos objetivos ligados ao
ensino de língua, vemos que as docentes julgam o referido suporte como instrumento
insuficiente nesse cumprimento. A avaliação é animadora, visto que sinaliza uma
possível não aceitação passiva do livro didático como modelo de planejamento fechado
197
em si. As falas podem corroborar com uma perspectiva de autonomia em relação ao uso
do livro, bem como sinalizam para a prática da pesquisa em outros suportes didáticos,
sendo a demanda dos alunos o principal fomentador dessa busca. A autonomia e os
encaminhamentos dos sujeitos configuram um cenário estruturador na construção de
novos saberes docentes, conforme ressalta Freire (1999).
Nas discussões estabelecidas em torno da compreensão docente sobre o
tratamento dado pelos livros didáticos (LD) ao ensino da oralidade, vimos se firmarem
duas posições: 1) ausência de ensino e 2) ensino deslocado da realidade.
A primeira postura parece atrelada à falta de compreensão sobre o que vem a ser
o ensino da oralidade, visto que ao oral são atribuídas as atividades de leitura em voz
alta e conversa informal, por exemplo. A segunda compreensão toma o LD como
suporte que não consegue atender às especificidades do uso dos registros utilizados
pelos alunos em sala de aula, pois, enquanto suporte escrito, não contempla o oral
vivenciado em uma situação presencial.
Residem nessas visões princípios de natureza diferenciada. A primeira visão
toma a oralidade enquanto ferramenta de mediação e comunicação (DOLZ e
NOVERAZ, 2004); a segunda visão parece não compreender o LD como ferramenta de
apoio para um processo de didatização dos conteúdos de ensino, que não se compromete
com o atendimento de todas as demandas específicas de um grupo-sala, por isso o seu
uso consciente exige tomá-lo apenas como apoio à prática. O que dizer dessas posturas?
Dentre outras compreensões possíveis, podemos reconhecer a carência de uma
formação inicial e continuada que oportunize um pensar sobre o oral como objeto
didático.
A abordagem do oral enquanto categoria de ensino nas práticas docentes foi
compreendida, em nossa pesquisa, a partir de quatro vieses, a saber: 1) os tipos de
atividades propostas com foco na oralidade (indicações de atividades); 2) as demandas
do grupo-sala reveladas pelos sujeitos investigados; 3) o cumprimento dos objetivos
propostos com a efetivação das atividades; e 4) o repensar sobre novas estratégias de
ação com vistas a intervir nas atividades realizadas.
198
Vimos a leitura e a conversa sobre determinado tema tomadas como atividades
orais. A oralidade aparece como oralização e conversa “informal”, dimensões já
observadas pelas docentes ao se posicionarem sobre o LD. Dentre as falas, percebemos
que as atividades “hora da novidade” e “questionamento sobre o texto” aparecem como
propostas que oportunizam o ensino do oral, desde que seja observado o que pode ser
ensinado de oral para o grupo sala, de modo que não se perca a dimensão informal das
propostas, tampouco se tome o fato de serem atividades em que a fala é o principal
instrumento de socialização, como sendo ensino.
No cenário das demandas, vimos que um dos pontos de intercessão entre dois
sujeitos diz respeito à superação da timidez dos alunos no uso da fala, bem como à
necessidade de fazer os alunos observarem o tipo de linguagem empregada no
tratamento entre eles (uso da fala polida). As demandas explicitadas caminham sob duas
perspectivas: a primeira parece assegurar-se na compreensão de que o trato com a
oralidade parece mais voltado para o treino de técnicas de uso da fala em público; a
segunda volta-se para uma das dimensões específicas da oralidade, que envolve a
questão da adequação do registro à esfera de produção e realização, no caso específico,
à sala de aula. Sobre essas demandas, podemos estabelecer dois olhares, o primeiro que
compreende um oral sem ensino e o segundo, um oral a ser ensinado, contudo as
estratégias de intervenção no segundo sentido parecem frágeis na arrumação do fazer
docente.
Vimos que um dos sujeitos, que aponta a “timidez” como demanda dos alunos,
na hora de traçar objetivos para superar a deficiência, investe em atividades de
apropriação do sistema de escrita alfabética (3º ano). Aquele sujeito (P5) que sinaliza
demandas ligadas ao uso da fala polida, aponta como estratégia de ensino o ajuste da
fala do aluno à norma padrão. A questão do registro é tomada como desvio da norma,
fenômeno que não aparece quando a referida docente trata especificamente sobre
variação de registro. Não vemos objetivos que sejam diretamente ligados ao que as
professoras sinalizam como “demandas”, o que evidencia a ausência de encadeamento
entre atividades propostas e objetivos traçados para a realização das tarefas.
O que dizer então da avaliação docente sobre as possíveis modificações que
fariam se, porventura, fossem realizar novamente as atividades por elas propostas com
os seus alunos? Nesse ponto, temos três cenários. O primeiro revela o sentimento de
impotência docente em virtude de não saber o que alterar, pois não se tem clareza de
199
como didatizar o oral; o segundo cenário está diretamente ligado à condição de
produção e realização da atividade, pois se relaciona com a organização dos turnos das
falas; o terceiro cenário tem o viés ligado aos saberes organizativos, de modo que a
dimensão metodológica ganha espaço privilegiado em relação à construção de uma
demanda que é sinalizada, a priori, como necessária aos alunos, ou seja, a questão da
polidez no uso da fala. Mais uma vez as posições dos sujeitos denunciam a necessidade
de saber o que deve ser ensinado e aprendido quando se toma o oral como objeto
didático.
No campo das discussões sobre a contribuição da formação docente para o
pensar sobre o oral, a formação inicial em nível médio e superior são tratadas como
momentos que não favoreceram o pensar docente sobre o referido eixo. O que podemos
pensar sobre essa realidade? Uma das possibilidades de interpretação é a de que os
centros de formação de professores, em diferentes instâncias, precisam avançar e ou
assumir o oral como objeto didático, conforme apregoam os documentos oficias (PCNs,
PNLD, “Propostas Curriculares”). Essa ausência ou incipiência do ensino pode ser
visualizada na maior parte das falas docentes, com relevo para a dimensão das
“demandas e objetivos” discutidos no parágrafo acima, que mostra um desencontro
entre estratégias de intervenção para o ensino e a superação das lacunas relativas ao
oral.
A realidade do baixo ou nenhum investimento na formação para o ensino do oral
pode revelar a pouca compreensão sobre o que deve ser ensinado sobre o oral?
Possivelmente! Mas o que faz alguns sujeitos terem a clareza de que o oral deve ser
ensinado e trazerem para as suas práticas indícios desse ensino? De que forma esses
sujeitos constroem esses saberes? Algumas pistas nos são dadas em relação a algumas
dessas respostas, como a formação em serviço, a partilha de experiências entre os
sujeitos e a sua prática em sala de aula, mesmo que este último ponto não seja uma
unanimidade entre os sujeitos. Temos assim a construção de saberes ancorados na
socialização das práticas (GUIMARÃES, 2004).
Chamamos a atenção nessa etapa “conclusiva” da pesquisa para convocação dos
docentes a serem sujeitos protagonistas na construção de saberes, conforme salientam
Schön (1992) e Zeichner (1993), no sentido de se posicionarem como sinalizadores de
encaminhamentos de sugestões de atividades, com vistas ao ensino da oralidade. Na
200
ação de protagonismo, são mobilizadas pelas docentes três posturas: 1) o
reconhecimento de um “não saber”, reforçado pelo conhecimento de que há algo a
“saber” sobre o ensino do oral; 2) um voltar-se para documentos de referência pelo
reconhecimento de que nele há um “saber" norteador da prática; e 3) uma resistência à
partilha de um “saber”, motivada por elementos explícitos, tais como a insegurança de
não saber o que o será adequado a uma turma que não é sua.
No conjunto, a postura assumida pelas professoras referente às possíveis
orientações a outros pares se estrutura em uma partilha ajustada sob dois enfoques: a)
oral como objeto de mediação e b) oral como objeto de ensino. Há uma mescla dessas
perspectivas, e, por vezes, a superação da primeira sobre a segunda, o que resulta em
perda da especificidade do objetivo didático, na dimensão mais efetiva do ensino para o
grupo-sala.
No que tange à discussão de como as docentes compreendem as atividades orais
apresentadas em livros didáticos destinados aos anos iniciais, o panorama revelou que,
de modo geral, a análise das atividades voltadas à variação linguística é feita a partir da
discussão da normatividade, ou seja, as professoras tratam a variação dialetal como
desvio que não deve ser explorado pelos alunos, pois eles podem tomar o “erro” como
forma “correta”. As professoras assumem uma postura de “assepsia” da atividade, no
que se refere à variação, de modo que os alunos não reflitam sobre “erros”.
Vimos que as perspectivas de análise da variação de registro são conduzidas a
partir de dois olhares. O primeiro remete às diferenças entre o espaço rural e o urbano,
reforçando a polarização entre as falas dos sujeitos pertencentes a essas áreas; o
segundo considera a variável “grau de intimidade” como promotora de mudanças no
registro. Diferentemente da variação dialetal, a análise da atividade com foco na
variação de registro não foi enxergada pelas docentes sob o prisma do erro, o que pode
ser motivado pela configuração da proposta, que não apresenta desvios ortográficos ou
gramaticais, apenas manifestações como gírias. O silenciar docente em relação à gíria
pode nos conduzir à compreensão de que, para as docentes, esse uso informal da língua
não é tomado como elemento desviante da norma padrão, mas sim como um fenômeno
legítimo? Eis um ponto de reflexão para novas pesquisas.
201
No trato com a relação da fala com a escrita, as docentes, em geral, encaminham
suas análises para a perspectiva de que ambas as modalidades da língua, a fala e a
escrita, podem ser registradas com maior ou menor grau de formalidade. A relação entre
os sujeitos e as dimensões da afetividade também são reconhecidas como elementos que
interferem na produção dos registros. O que nos chama a atenção nessa discussão é a
posição que as docentes assumem frente ao modelo de registro formal, como por
exemplo, a atividade da carta. Há um movimento de recuo no trato com o referido
modelo, por motivos que vão desde a falta de familiaridade dos alunos com a dimensão
estrutural daquele gênero textual à previsão da não aceitação por parte dos alunos do
registro formal na carta. O que promoveria essa postura? Falta de intimidade com o
conteúdo a ser tratado? Negação da importância de seu ensino? Lembremos que esse
mesmo cenário é ratificado pelas docentes ao serem orientadas a escolherem, dentre as
atividades por nós apresentadas, aquelas que poderiam ser aplicadas com o seu grupo-
sala (retomaremos essa discussão mais a frente).
No que concerne à discussão sobre a oralização do texto escrito, vimos que as
análises focalizam alguns elementos da atividade, a saber: olhar direcionado para o
gênero textual (fábula), sem a observância para o título da atividade, identificado como
sendo de “Oralidade”; observância para o comando da proposta, que sinaliza para a
“leitura em voz alta”; direcionamento do olhar para o ensino de valores sociais, com
atenção voltada para a “moral da história”; ajustamento da proposta às demandas do
grupo-sala. A partir desses enfoques, a atividade de oralização passa a ser enxergada
como pretexto para tratar de questões ligadas à consolidação do sistema de escrita
alfabético (P3); ao ajustamento do texto às normas ortográficas, à pontuação (P4); e ao
ensino de gramática e da oralidade (P5).
O gênero fábula apóia propostas de ensino de natureza variada, sendo
mencionado apenas em um momento como trabalho com a ”oralidade” (P5), conforme
anuncia o LD. Ao assumir a proposta de oralização do texto escrito como atividade oral,
algumas compreensões podem emergir em relação à postura da professora. Em primeiro
lugar, ela pode ter sido influenciada pela identificação dada pelo LD, uma vez que o
livro indica a proposta como atividade oral. Em segundo lugar, a fala docente pode ser
fruto de uma compreensão de que a leitura em voz alta de um texto escrito representa
uma atividade oral. Mas, será que essa segunda postura docente é influenciada pelo
202
desvio conceitual cometido pelo LD ou o desvio conceitual cometido por ela é fruto de
uma tradição da escola em assumir todas as práticas orais, ocorridas nos ambiente
escola, como trabalho com a oralidade? Eis mais uma possibilidade de investigação
futura.
Outro questionamento também é possível frente à fala da referida professora,
uma vez que ela poderia compreender que a leitura do gênero fábula, ao ser realizada
com atenção para os elementos prosódicos, sinalização que está implícita na atividade,
teria o propósito de ensinar o oral, ao invés de ater-se a exclusivamente à oralização da
escrita. Todavia, não vemos esses indícios em sua fala durante a pesquisa.
Ressaltamos aqui que não queremos minimizar práticas da oralização da escrita
dentro da escola, pois cremos que ela faz parte de um processo de didatização da leitura
e pode favorecer a fluência leitora. Contudo, não podemos compreender oralização
como ensino de oralidade, apenas por se fazer uso da fala como veículo de comunicação
oral.
Nas discussões sobre o oral, especificamente sobre o enfoque dado a
multimodalidade discursiva, gostaríamos de destacar não especificamente os resultados
dessa categoria, mas trazer à tona as posturas docente frente à história em quadrinhos
explorada nessa categoria e ao mesmo gênero abordado na “Categoria 1”, em que traz a
fala de Chico Bento como objeto de discussão. No primeiro caso, as docentes
reconhecem os elementos específicos da multimodalidade e direcionam também a
atividade para explorar elementos composicionais do gênero, como por exemplo, os
balões e seus diferentes formatos. Porém, ao tratar sobre o segundo caso, as professoras
atentam prioritariamente para o fenômeno da variação dialetal, secundarizando as outras
possibilidades de ensino presentes também na HQ. O que pode representar essa postura?
Possivelmente, a temática da variação dialetal ainda é fator inquietante para as docentes,
de modo que, ao aparecer tal fenômeno, haja um esforço concentrado no sentido de
fazer os alunos se desviarem do que elas consideram como “erro”.
Ao tratarem da relação da fala com a escrita, enxergamos, dentre as análises, a
escrita sendo observada como maior grau de complexidade em relação à oralidade, pela
compreensão de que apenas na escrita desenvolvemos um maior esforço para nos
fazermos entendidos. A dimensão do contínuo, à qual nos aportamos nessa pesquisa,
opõe-se a essa compreensão, visto que os gêneros textuais, sejam eles realizados em
203
quaisquer modalidades, se relacionam ou se distanciam a depender da intencionalidade
dos interlocutores, dentre outras dimensões.
Quanto à produção e à compreensão do gênero oral, vemos olhares voltados
para o uso da fala sob dois vieses, um ligado à dimensão interacional, em que o aluno é
estimulado a interagir oralmente com o grupo-sala, e outro ligado à dimensão do ensino
de uma “ordem” discursiva, como por exemplo, a argumentação, sobre a qual os alunos
vão expor seu ponto de vista a respeito de alguma temática em discussão. O que essas
duas compreensões nos apontam? Inicialmente, que as análises docentes se sustentam
em saberes estruturados tanto na teoria dos gêneros quanto na dimensão interativa do
uso da fala informal, o que representa inicialmente uma aproximação do oral enquanto
objeto de ensino-aprendizagem e, por outro lado, um desvio desse processo de ensino.
No que concerne às escolhas docentes quanto às atividades possíveis de
aplicação em sua sala de aula, focaremos nessas conclusões as justificativas dessas
escolhas. Vimos indícios da não aplicação de determinada atividade pelo alto ou baixo
grau de complexidade da proposta. Dois fatores parecem reforçar a não aplicação de
atividades não escolhidas: 1) A falta de afinidade docente com a proposta; 2) A
transferência dessa falta de intimidade e/ou alto grau de familiaridade dos alunos com a
proposta. Não enxergamos nos argumentos elementos que justifiquem a ausência de
ensino, por exemplo, de uma escrita formal do gênero carta, pelo fato de os alunos não
terem intimidade com a linguagem mais rebuscada empregada no gênero (postura essa
já discutida acima).
A postura dos sujeitos nos fez questionar sobre o papel do ensino de língua. Se
para as docentes uma das funções desse ensino é “preparar para a vida”, em que medida
assegurar o ensino de gêneros textuais mais formais, ou apresentados em um registro
mais formal, faz parte dessa preparação? Para que servirá a escola se não se
comprometer com a superação, no sentido de fazer uso dos conhecimentos já
dominados pelos sujeitos e ampliá-los? Não seria a proposta um excelente momento
para se introduzir um novo conteúdo? Por que ocultar algo que também precisa ser
trabalhado na escola?
As alterações da proposta didática sugeridas pelas docentes a partir das
atividades por elas escolhidas são endereçadas a uma ampliação da atividade oral sob o
ponto de vista da atividade escrita. Entre elas vemos o foco na alfabetização e na
produção de texto escrito, cenário já revelado pelas professoras em momento anterior. O
204
que nos parecem esses encaminhamentos? Algumas interpretações são possíveis a partir
deste cenário; dentre elas, a de que o domínio docente sobre campos de natureza
diferenciada as faz enviesar a proposta, prevalecendo dessa forma os elementos que dão
sustentação a sua prática, do que seguir as estratégias didáticas propostas pelos LDs, ou
seja, os sujeitos preferem “ousar” a partir do que dominam, a prosseguir sem a
segurança que lhes parece ser necessária.
Há um repertório de saberes mobilizados pelas professoras nesse processo de
alteração didática, que envolve desde a dimensão procedimental aos saberes de ordem
cognitiva, no sentido de evidenciar os conteúdos que desejam ensinar a partir do que é
proposto. É um movimento de fabricação de táticas que dá uma configuração singular às
proposições das docentes, fazendo-as alçarem voos em direção ao que, possivelmente,
lhes confere maior estabilidade no ensino, porquanto há maior segurança.
Os saberes organizativos também são mobilizados nesse processo de ajustes da
proposta à realidade dos alunos. O foco do olhar docente concentra-se na organização
do quantitativo de sujeitos envolvidos nos grupos de trabalho.Nesse sentido, agarram-se
a dimensões metodológicas e perdem ou não direcionam o foco para o ensino do oral.
Os saberes cognitivos também são empregados no planejamento dos objetivos
pretendidos, ainda que do ponto de vista teórico-metodológico precise ser ajustado para
que os alunos percebam o que está no “jogo do aprender”.
A dimensão afetiva do saber também perpassa as subjetividades dos sujeitos
envolvidos, uma vez que, ao compreenderem a dinâmica de seu grupo-sala, as docentes
agem no sentido de envolvê-lo na ação, de modo a afastar a desmotivação dos alunos
por conta de estratégias metodológicas com as quais sua sala não demonstra afinidade.
Nas configurações, não conclusivas, arroladas aqui, pudemos responder, ainda
que de forma parcial, a algumas perguntas feitas por nós ao longo do trabalho sobre
quais demandas movem os docentes em suas escolhas para o trato com a oralidade e
quais fatores são determinantes para que o oral seja tomado como objeto didático.
Assim, temos a realidade dessa pesquisa, em particular, que sinaliza para o processo de
ensino se efetivando em torno das intencionalidades dos sujeitos sobre os saberes em
jogo. Estão em jogo a Importância e a Demanda. O primeiro elemento parece mais
atrelado ao saber consolidado pelas construções e prescrições teóricas que fundamentam
os conteúdos curriculares, já o segundo está diretamente relacionado ao saber da prática,
cujas revelações são definidas pelo movimento das docentes em contato com a sua
realidade escolar. Temos, assim, fatores que mobilizam o ensino, conforme Guimarães
205
(2004), para quem, na margem de manobra, os sujeitos selecionam, modificam,
arrumam, controlam e agem na e sobre a sua prática.
Como o eixo da oralidade se fortalece nessa configuração? Cremos que o
primeiro passo nesse desafio está sendo dado pelos sujeitos de nossa pesquisa, que já
passam a reconhecer a demanda, ensaiam tentativas de ensino da oralidade, embora, por
vezes, não demonstrem clareza sobre o que do oral deve ser ensinado e aprendido.
Como procedermos frente a essa realidade? Prosseguiremos no investimento de
investigações e propostas teórico-metodológicas que possam auxiliar esses docentes em
suas práticas, bem como no favorecimento de mobilização dos centros de formação
docentes e das Redes de ensino para oportunizarem formações iniciais e em serviço,
com vistas a ajudar o professor nesse desafio de tomar o oral como objeto de ensino-
aprendizagem. Essa postura nos engana na luta em favor de uma política de formação
para os professores que dialogue não apenas com o eixo da oralidade, objeto do campo
da linguagem, mas com as diferentes áreas do conhecimento. Fica a certeza de que nossa investigação não encerra a discussão sobre oralidade,
tampouco fecha um ciclo de investigações iniciado por nós na ocasião do mestrado,
quando analisamos estratégias didáticas para o ensino do oral em coleções de livros
didáticos destinadas aos anos iniciais do ensino fundamental e estendido no doutorado
com a investigação sobre os saberes docentes para esse ensino. Deixamos em aberto
alguns novos leques de pesquisa apontados ao longo das nossas (in)conclusões e novas
possibilidades indicadas por nós a seguir, dentre elas: o confronto entre as análises das
atividades dos livros didáticos feitas pelas professoras e os objetivos das atividades
propostas nos manuais de ensino, como também a compreensão e o acompanhamento
das práticas docentes na didatização das atividades por elas analisadas, seguida, da
análise do que foi proposto e executado com o grupo-sala.
A abertura para novas possibilidades de investigação reforça a prática de fazer
ciência, estruturada no pressuposto de que o saber não se encerra em si, antes, porém
abre-se para o diálogo com outros saberes e se revisita a cada novo desequilíbrio
paradigmático. Essa consciência estrutura a nossa compreensão de incompletude e
arvora-nos a prosseguir na investigação do objeto oralidade, na suposição de que muito
há para ser dito e compreendido sobre esse eixo de ensino, que busca se firmar nos
saberes docentes e nas discussões teórico-metodológicas.
206
REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Maria José de Moura Silva. Oralidade no ensino fundamental: o que dizem os docentes sobre a didatização desse eixo de ensino? Monografia apresentada no âmbito do curso de especialização em Educação e Linguagem – Centro de Estudos em Educação e Linguagem (UFPE) SEDUC, 2010. ALBUQUERQUE, Eliana B. Mudanças didáticas e pedagógicas no ensino de língua portuguesa: apropriação de professores. Belo Horizonte: Autentica 2006. AZZI, Sandra. Trabalho docente: autonomia didática e construção do saber pedagógico. In: PIMENTA, Selma Garrido (org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 2008. BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolinguística. São Paulo: Editora contexto, 1998. BAKHTIN, Michael. Língua, Fala e Enunciação. In BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. Trad: Maria Ermantina Gomes Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdos. Lisboa: Edições 70, 1997. BARROS, Diana Luz Pessoa. Entre a fala e a escrita: algumas reflexões sobre as posições intermediárias. In: PRETI, Dino (org). Fala e Escrita em Questão. São Paulo: Humanitas / FFLCH/USP, 2001. BARROS-MENDES. Os gêneros orais formais públicos nos livros didáticos de língua Portuguesa: Algumas reflexões. Tese de Doutorado - PUC/São Paulo- UNIGE/Genebra-Suíça (2006). BARTON, David. The social nature of writing. In: David Barton & Roz Ivanic (Eds.). Writing in the community. London: Sage, 1991. BATISTA, Augusto, e COSTA VAL, Maria. Livros didáticos, controle do currículo, professores: uma introdução. In: BATISTA, Augusto, e COSTA VAL (orgs), Livros de alfabetização e de português: os professores e suas escolhas. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2004. BATISTA, Augusto. Recomendações para uma política pública de Livros Didáticos. Brasília: MEC/SEF. 2001. BATISTA, Augusto. Um Objeto Variável e Instável: Textos, Impressos e Livros Didáticos. In: ABREU, Maria (org). Leitura, História, História da Leitura. Campinas, SP: mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil; São Paulo, Fapesp, 1999. p. 529-575. BIBER, D. Variation across speech and writing. Cambridge: Cambridge University Press, 1988.
207
BIRUEL, Aparecida. Análise linguística nos livros didáticos recomendados pelo PNLD 2000-2001: o tratamento dado aos aspectos de normatividade. Dissertação (mestrado em educação) - Programa de Pós-graduação em educação. Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2002. BORTONI-RICARDO, S. Educação em língua materna – A sociolingüística em sala de aula. São Paulo: Parábola editorial, 2004. BRANDÃO, Ana Carolina Perrusi, LEAL, Telma Ferraz. Em busca da construção de sentidos: o trabalho de leitura e produção de textos na alfabetização. Em: Leitura e produção de textos no processo de alfabetização. Belo Horizonte, Autêntica, 2005. BRASIL, SEF-MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa (1a a 4a série). Brasil; MEC-SEF, 1996. ______. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. Secretaria de Educação Fundamental. - Brasília: MEC/SEF, 1998. ______. Guia do livro didático: 1a a 4a séries (PNLD 2004). Brasília: MEC/SEF, 2004. BRONCKART, Jean Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo; trad. Anna Rachel Machado, Péricles Cunha. São Paulo SP, EDUC, 1999. CAMPELO, Maria Estela Costa Holanda. Alfabetizar crianças: um ofício, múltiplos saberes. Tese (Doutorado em Educação) Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2001, 257 p.
CAVALCANTE, Mariane C. B e MELO, Cristina T.V. de. Oralidade no ensino médio: em busca de uma prática. In: BUZEN, Clécio e MENDONÇA, Márcia (org). Português no ensino médio e a formação do professor. São Paulo: Parábola Editoria, 2006. p. 181-198 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Artes de Fazer. Petrópolis: Vozes, 1999. CHARTIER, Anne-Marie; HEBRARD, Jean. Discursos sobre a leitura (1880-1980). São Paulo: Ática, 1995. CHEVELLARD, Yves. Del saber sabio al saber enseñado. Buenos Aires: AIQUE, 1998, 1ª ed. 1991. CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez, 2003. CHOPPIN, A. (1980) L’ Histoire des manuels scolaires: une approche globale. Histoire de L’ Éducation, n° 9, Décembre de 1980, pp.1-25. Publié par le Service d Histoire de l’Education de L’ I.N.R.P. Paris.
208
COSTA- MACIEL, Débora Amorim Gomes. Fala e Escrita: propostas didáticas para os anos iniciais do ensino fundamental. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/31ra/1trabalhos/GT10.doc >. Acesso em 03 out. 2008. COSTA VAL, M. da G. Atividade de produção de textos escritos em livros didáticos de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental. In: ROJO, R. BATISTA, A. A (orgs). Livro didático de língua portuguesa, letramento e cultura escrita. São Paulo: Mercado das letras, 2003. COSTA, Débora A. Oralidade nos livros didáticos de língua portuguesa: uma visão a partir da análise do programa nacional do livro didático. Anais do XVII Encontro Nacional da Pesquisa do Norte Nordeste – EPENN. Belém, CD-rom, 2005. COSTA, Débora Amorim Gomes da. Livros didáticos de língua portuguesa: propostas didáticas para o ensino da linguagem oral. 2006. 107. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco/Centro de Educação, Recife. COSTA, Vânia Aparecida; MARINHO, Marildes E RIBEIRO, Marlene. Letramento em escolas do campo. In: GRACINDO, R. LOUREIRO, Carlos, SILVA JÚNIOR, João et. al. Educação como exercício da dicersidade: estudo em campos de desigualdades sócio-educacionais. Brasília: Líber livro Ed. 2007. 237-258 CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000. CRESCITELLI, Mercede C. e REIS, Amália S. O ingresso do texto oral em sala de aula. In: ELIAS, Vanda Maria (Org.). Ensino de Língua Portuguesa: oralidade, escrita, leitura. São Paulo: Editora Contexto, 2011. p.29-39 DE PRIETO, J & WIRTHNER, M. Oral et écrit lês représentations dês enseignants et dans lês pratique quotidiennes de la classe de français. Tranel, 1996. DIAS, C. Pesquisa qualitativa: características gerais e referências. 2000. Disponível em: <http://www.geocities.com/claudiaad/qualitativa.pdf>. Acesso em 16 nov. 2004. DIONISIO, A. A multimodalidade discursiva na atividade oral e escrita. In: MARCUSCHI, L, e DIONISIO, A (Org). Fala e Escrita. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. DOLZ, J.; B. SCHNEUWLY L’. interview radiofhonique. IN: DOLZ, J. & B. SCHNEUWLY. Pour un enseignement de l’oral: Iniciation aux genres formels à école, pp.117-139. Paris: ESF Editeur (1998). DOLZ, J.; NOVERAZ, Michele. Seqüência didática para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, B, e DOLZ, J. Gêneros Orais e Escritos na Escola. Campinas SP. Ed. Merca de letras, 2004.
209
FÁVERO, Leonor L. Oralidade e Escrita: perspectiva para o ensino da língua materna. São Paulo: Cortez, 2000. FÁVERO, Leonor L; ANDRADE, Maria Lúcia; AQUINO, Zilda A. Reflexões sobre oralidade e escrita no ensino de língua portuguesa. In: ELIAS, Vanda Maria (Org.). Ensino de Língua Portuguesa: oralidade, escrita, leitura. São Paulo: Editora Contexto, 2011. p.13 a 27 FERRAZ, Carmi; COSTA-MACIEL, Débora Amorim G.; BARBOSA, Maria Lúcia, F. de F. Atenção, ouvintes: as notícias nas ondas do rádio. (no prelo). FERREIRA, Andréia Teresa Brito. O cotidiano da escola como ambiente de “fabricação” de táticas. In: FERREIRA, A.T.B, ALBUQUERQUE, Eliana; LEAL, Telma. Formação Continuada de Professores: questões para refletir. Belo Horizonte: Autentica, 2005. FRANCHI, C. Linguagem – atividade constitutiva. Almanaque – cadernos de literatura e ensaio. São Paulo: Brasiliense, 1977. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 13.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. 165 p. (Coleção Leitura). FREITAG, Bárbara (org). O Livro Didático em Questão. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1988. GABRIEL, Carmen Teresa. Usos e Abusos do conceito de transposição didática - considerações a partir do campo disciplinar de História. In: IV Seminário Perspectivas do Ensino de História, 2001, Ouro Preto. Anais do IV Seminário Perspectivas do Ensino de História, 2001. GAUTHIER, C. et al. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2006. GERALDI, João W. In: XAVIER, Antonio (org). Conversas com lingüistas: virtudes e controvérsias da lingüística. São Paulo: Parábola, 2003. GERALDI, João W. Portos de Passagem. São Paulo: Martins fontes, 1997. GOMES, Romeu. A análise de dados em pesquisa qualitativa. In: MINAYO, Maria C. Souza (org). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. GRILLO, R. Dominant language. Cambridge: Cambridge University press, 1982. Guia de livros didáticos: PNLD 2010 : Letramento e Alfabetização/Língua Portuguesa. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2009. 352 p. GUIMARÃES, Maria F. O conto popular. In: BRANDÃO, Helena N. (org). Gêneros do discurso na escola: mito, conto, discurso político, divulgação científica. Cortez, 2001.
210
GUIMARÃES, Orquídea. M. Saberes docentes mobilizados na dinâmica do trabalho docente: um olhar a partir do ensino fundamental. UPPE. Dissertação de mestrado, 2004. GUMPERZ, J.J. Discourse Strategies. London: Cambridge University Press, 1982. HEATH, S. B. Ways whith words. Language, life and work in communities and classrooms. Cambridge, Cambridge University Press, 1983. JESUS, Luciana M, e Brandão Helena N. Mito e tradição indígena. In: BRANDÃO, Helena N (org). Gêneros do discurso na escola: mito, conto, discurso político, divulgação científica. Cortez, 2001. KATO, M. A. No Mundo da Escrita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ática, 2ª ed. 1987. KLEIMAN, Angela B. Modelos de Letramento e as práticas de alfabetização na escola. KLEIMAN, Angela B. (Org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1996, p. 15-61.. ______. Alfabetização e letramento: implicações para o ensino. Revista FACED, nº 06, 2002. ______. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas: Pontes, 1995. KOCH, Ingedore V. O Texto e a Construção dos Sentidos. São Paulo: Contexto, 2002. KOCH, I V e ELIAS, V M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo; Contexto, 2006. LAJOLO, M. Livro didático e qualidade de ensino. In: Em Aberto. Ministério da Educação e Desporto SEDIAE/ INEP. Ano 16: nº 69, 1996. LEAL, Telma; BRANDÃO, Ana C; CORREIA, Édla; GUERRA, Érika S. Entrevistando professores: o que eles falam sobre o ensino da argumentação. Educação Unisinos. Setembro de 2010. LEITE, Marli Quadros. Preconceito e intolerância na linguagem. São Paulo: Contexto, 2008. LEITE, Miriam Soares. Contribuições de Basil Bernstein e Yves Chevallard para a discussão do conhecimento escolar. Tese de Doutorado Departamento de Educação – PUC. Rio de Janeiro, 2004. LÉON, P. R. Précis de phonostylisque: parole et expressivite. Paris, Nathan, 1993.
211
MAGALHÃES, T. G. Concepção de oralidade: a teoria nos PCN e no PNLD e a prática nos livros didáticos. 2007. 211f. Tese (Doutorado em Letras) Universidade Federal Fluminense. MENDONÇA, Márcia R. Pontuação e Sentido: em busca da parceria. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva & BEZERRA, Maria Auxiliadora (orgs.). O livro didático de Português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001. MARCUSCHI, Luiz A. Análise da conversação. São Paulo: Editora Ática, 1999. ______. Da Fala para a Escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001. ______. Gêneros Textuais: o que são e como se constituem. Recife: UFPE, 2002. ______. Oralidade e Escrita. Comunicação apresentada na conferência de abertura no II ENCONTRO FRANCO BRASILEIRO DE ENSINO DE LÍNGUA. Natal, 1995. MARCUSCHI, L.A. & DIONÍSIO A.P. (Orgs.) Fala e Escrita . Belo Horizonte: Autêntica, 2005. ______. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola editorial, 2008. MARINHO, Marildes. A formação de professores para o ensino da leitura e escrita. Cadernos de Pesquisa em Educação. PPGE. UFES, v. 12(24), p. 117-135, 2006. MEDINA, C. de A. Entrevista: o diálogo possível. São Paulo: Editora Ática, 1986. MELO, Cristina; BARBOSA, Maria Lúcia. As relações interpessoais na produção do texto oral e escrito. In: MARCUSCHI, L, e DIONISIO, A (Org). Fala e Escrita. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. MENDES DA SILVA, Paulo, e MORI-DE-ANGELIS, Cristiane. Livros Didáticos de Língua Portuguesa (5ª a 8ª séries): perspectivas sobre o ensino da linguagem oral. In: ROJO, R. BATISTA, A. A (orgs). Livro didático de língua portuguesa, letramento e cultura escrita. São Paulo: Mercado das letras, 2003. SANTOS, Carmi; MENDONÇA, Márcia; CAVALCANTE, Marianne (orgs). Diversidade Textual - os gêneros na sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2006b. MINAYO, Maria C. Souza (org). Ciência Tecnologia e Arte: o desafio da pesquisa social. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. MOLLICA, Maria C. In: XAVIER, Antonio (org). Conversas com lingüistas: virtudes e controvérsias da lingüística. São Paulo: Parábola, 2003. Morais, A. G. Ortografia: ensinar e aprender. São Paulo: Ática, 2003.
212
MORAES, R. Análise de conteúdo. In: Educação. Porto Alegre. Ano XXI nº 37, março: 1999, p.7, 31. MORAIS, Artur Gomes de. Ortografia: ensinar e aprender. São Paulo: Ática, 2000. MORAIS, Artur Gomes e ALBUQUERQUE, Eliana Borges C. (org). Alfabetização: apropriação do sistema de escrita alfabético. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. ______. Alfabetização e letramento: O que são? Como se relacionam? Como “alfabetizar letrando?”. In: ALBUQUERQUE, A e LEAL, T. Alfabetização de jovens e adultos em uma perspectiva de letramento. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p.59-76. MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa. Para quem e como se escreve no campo do currículo? Notas para discussão. Revista Portuguesa de Educação, 2001. MOREIRA,H.; CALEFFE L.G. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. RJ:DP&A, 2006. NASCIMENTO, Maria Tereza F. G. A exposição oral na Educação Infantil: contribuições para o ensino e aprendizagem dos gêneros orais na escola. Dissertação de Mestrado; Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco. Recife: UFPE, 2009. NEGREIROS, Gil. Oralidade e poesia em sala de aula. In: ELIAS, Vanda Maria (Org.). Ensino de Língua Portuguesa: oralidade, escrita, leitura. São Paulo: Editora Contexto, 2011. p. 67-78. NERY, Alfredina. Modalidades organizativas do trabalho pedagógico: uma possibilidade. In: BEAUCHAMP, Janete; PAGEL, Sandra Denise; NASCIMENTO, Aricélia do (orgs.) Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. p.109-134. OLIVEIRA, E.; ENS, R.T.; ANDRADE, D.B.S.F.; MUSSIS, C.R. Análise de conteúdo e pesquisa na área de educação. Revista Diálogo Educacional, Curitiba: São Paulo, 1996. OSTIGUY, L, e GAGNÉ, G. Le développement du français oral soutenu par l’analyse du langage. Montreal, Universidade de Montreal, 1998. PAREDES, P. SILVA. Variações tipológicas no gênero textual carta. In: KOCH, Ingedore e BARROS, Kazue (orgs). Tópicos em linguística textual e análise da conversação. Natal: EDUFRN, 1997. 109-134.
PERRENOUD, P. Prática Pedagógicas, Profissão Docente e Formação: perspectivas sociológias. Portugal, Publicações Dom Quixote, 1993.
213
PIMENTA, S.G. Formação de professores: Identidade e saberes da docência. In: PIMENTA, S.G. (Org.) Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 1999. p.15-34 POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: ALB, Mercado de Letras, 1997. RAMOS, Paulo. Recursos de oralidade nos quadrinhos. In: ELIAS, Vanda Maria (Org.) Ensino de Língua Portuguesa: oralidade, escrita, leitura. São Paulo: Editora Contexto, 2011. p.79-101. RANGEL, Egon. Livro Didático de Língua Portuguesa: o retorno do recalcado. In: DIONÍSIO, Ângela e BEZERRA, Maria A. O livro didático de Português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. p.13-20 ROJO, R. O perfil do livro didático de língua portuguesa para o ensino fundamental (5ª a 8ª séries) In: ROJO, R. BATISTA, A. A (orgs). Livro didático de língua portuguesa, letramento e cultura escrita. São Paulo: Mercado das letras, 2003. p. 69-100. RUBIO, Mariela, e ARIAS, Valeria. Una secuencia didáctica para la ensenanza de la argumentación escrita en el tercer ciclo. Leictura y vida. 34-43. 2002. SCHNEUWLY, B, e DOLZ, J. O oral como texto: como construir um objeto de ensino. In: SCHNEUWLY, B, e DOLZ, J. Gêneros Orais e Escritos na Escola. Campinas SP. Ed. Merca de letras, 2004. p.149-188. SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros e tipos de discurso: considerações psicológicas e ontológicas. In: SCHNEUWLY, B, e DOLZ, J. Gêneros Orais e Escritos na Escola. Campinas SP. Ed. Merca de letras, 2004a. p.21-40 ______. Palavra e ficcionalização: um caminho para o ensino da língua oral. In: SCHNEUWLY, B, e DOLZ, J. Gêneros Orais e Escritos na Escola. Campinas SP. Ed. Merca de letras, 2004b. p.129-148. SCHÖN, D. Formar professores como profissionais reflexivos. In A. Nóvoa (Ed). Os Professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. p. 77-91 SILVA, E. T. Livro Didático: do ritual de passagem à ultrapassagem. In: Em Aberto. Ministério da Educação e Desporto SEDIAE/ INEP. Ano 16. nº 69, 1996. SOARES, M. Alfabetização e letramento. 5ª ed. São Paulo: Contexto, 2007. ______. A Escolarização da Literatura Infantil e Juvenil. In: BRANDÃO, Heliana M. B. et al.(org.). A Escolarização da Literatura Literária- O jogo do livro Infantil e Juvenil. Belo Horizonte: Autentica, 1999. p. 18. ______. Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera Masagão. (Org.) Letramento no Brasil: reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo: Global, 2003. p. 89 – 113.
214
______. Letramento e Escolarização. Revista Construir Notícias 2007. Disponível em: http://www.construirnoticias.com.br/asp/materia.asp.doc> Acesso em: 10.set. 2008. ______. Linguagem e Escola: uma perspectiva social. São Paulo, SP: Editora Ática, 1998. SOARES, Margarida Maria Santana Furtado. Professores de formação profissional: como constroem os saberes e utilizam na prática pedagógica. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CE, 2006. STREET, B. Socail literacies. Critical approaches to literacy. Norwood, N.J. Ablex, 1995. ______. Abordagens Alternativas ao Letramento e Desenvolvimento. Apresentado durante a Teleconferência Unesco Brasil sobre ‘Letramento e Diversidade’, outubro de 2003. Disponível em: http://www.telecongresso.sesi.org.br> Acesso em: 19 jan. 2005. ______. What's "new" in New Literacy Studies? Critical approaches to literacy in theory and practice. Kings College, London. Disponível em: http://www.tc.edu/cice/Issues/05.02/52street.pdf. Acesso em: 01.10.2010. SUASSUNA, Lívia. Ensino de língua portuguesa: uma abordagem pragmática. Campinas: Papirus, 1995. TANNEN, D. The oral/literate continuum in discourse. In: Deborah Tannen (Ed.). Spoken and written language: exploring orality and literacy. Norwood, NJ: Ablex, 1982. TARDIF, Maurice ; ZOURHLAL, Ahmed. Difusão da pesquisa educacional entre profissionais do ensino e círculos acadêmicos. Cadernos de Pesquisa, v.35, n.125, maio/ago, 2005. TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. Editora Petrópolis: Vozes, 2008. THERRIEN, J. Uma abordagem para o estudo do saber da experiência das práticas educativas. In: Anais da 18ª Anped, 1995. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 3.ed. São Paulo. Cortez, 1995. VOTRE, S.J. Discurso e sintaxe nos textos de iniciação à leitura: Lingüística aplicada ao ensino de português. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. WOJCIECHOWSKI, Thaís. Ensino de língua portuguesa: objetivos e concepções de linguagem guiando a prática docente. Universidade Federal do Mato Grosso Disponível em : http://www.ie.ufmt.br/semiedu2009/gts/gt16/ComunicacaoOral/THAIS%20WOJCIECHOWSKI2.pdf. Acesso em 04.08.2011.
215
VILLELA, Ana M. Nápoles; NASCIMENTO, Milton de. Pontuação e interação. 1998. Dissertação (mestrado) - Pontificia Universidade Catolica de Minas Gerais. XAVIER, Antônio C. S. Letramento digital e ensino. In: SANTOS, C. F.; MENDONÇA, M. (Org.). Alfabetização e letramento: conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica, 2005, p. 133-148. ZEICHNER, K. A formação reflexiva do professor: idéias e práticas. Lisboa: Educar, 1993. LIVROS DIDÁTICOS UTILIZADOS
GOMES, Solange. Coleção Vitória-Régia. Campina Grande do Sul / PR. Lago. 2ª Edição, 2000. (Coleção de livros didáticos para 1ª a 4ª séries) SOARES, Magda Becker. Português: uma proposta para o letramento. São Paulo: Moderna, 2001. (Coleção de livros didáticos para 1ª a 4ª séries).