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0 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA Uma cruz para os Enforcados: práticas penitenciais em Nossa Senhora das Dores (SE) João Paulo Araújo de Carvalho Recife 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Uma cruz para os Enforcados: práticas penitenciais em Nossa Senhora das Dores (SE)

João Paulo Araújo de Carvalho

Recife

2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Uma cruz para os Enforcados: práticas penitenciais em Nossa Senhora das Dores (SE)

João Paulo Araújo de Carvalho

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) como requisito parcial à obten-ção do grau de Mestre em História sob orientação da Professora Doutora Sylvana Maria Brandão de Aguiar.

Recife

2009

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Carvalho, João Paulo Araújo de Uma cruz para os enforcados : práticas penitenciais em Nossa Senhora das Dores (SE) / João Paulo Araújo de Carvalho. -- Recife: O Autor, 2009. 296 folhas : il., fig., fotos, gráf., tab. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. História, 2009.

Inclui: bibliografia, anexos e apêndices.

1. História. 2. História cultural. 3. Catolicismo. 4. Religiosidade. 5. Nossa Senhora das Dores (SE) - Historiografia. I. Título.

981 981

CDU (2. ed.) CDD (22. ed.)

UFPE BCFCH2009/100

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Uma cruz para os Enforcados: práticas penitenciais em Nossa Senhora das Dores (SE)

João Paulo Araújo de Carvalho

BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª. Sylvana Maria Brandão de Aguiar

Departamento de História da UFPE

Orientadora

Prof. Dr. Carlos Alberto Cunha Miranda

Departamento de História da UFPE

Profª. Drª. Emanuela Sousa Ribeiro

Departamento de História da UNICAP

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À minha filha Alice Anita;

À minha esposa Idalice;

Aos meus pais Edivaldo (Vadinho) e

Marlete;

Aos meus avós Anita e Orestes;

Aos dorenses devotos da Paixão e Mor-

te de Cristo.

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AGRADECIMENTOS

Com este trabalho, dou mais um passo na trajetória acadêmica iniciada em

2003, quando comecei a graduação em História e as pesquisas em torno do tema

deste. A tarefa foi árdua, especialmente nestes 2 anos de mestrado. Tive que ven-

cer um obstáculo a cada dia: o medo do desconhecido, as ameaças constantes de

assalto no trajeto Aracaju-Recife, o excesso de atividades que às vezes meu corpo

não suportava etc. Porém, neste momento em que concluo a escrita deste trabalho,

fruto de inúmeras leituras, pesquisas e discussões empreendidas ao longo de quase

6 anos, sinto a sensação de mais uma missão cumprida, de mais uma vitória alcan-

çada, vitória que não seria possível sem a presença, direta ou indireta, das pessoas

e instituições abaixo, a quem faço meu sincero agradecimento.

Ao Criador, Guia e Protetor em todas as minhas ações, força sem a qual não

conseguiria romper as inúmeras barreiras que me foram impostas;

À minha família, em especial aos meus pais Edivaldo (Vadinho) e Marlete e aos

meus avós Orestes e Anita, que sempre enxergaram a importância da educação e

que foram meus maiores incentivadores desde que iniciei nas primeiras letras.

À namorada Idalice, que suportou o pesquisador e hoje é minha esposa.

À minha filha Alice Alice, luz da minha vida, cujo nascimento me deu ainda

mais força para perseverar e vencer os obstáculos.

À Professora Dra. Sylvana Maria Brandão de Aguiar que foi para mim nestes 2

anos mais que orientadora na pesquisa e na escrita desta dissertação, mas uma a-

miga e professora sempre disposta a ajudar e a ensinar.

À irmã-amiga Paula Faustino, com quem dividi principalmente as dificuldades e

angústias que me acompanharam neste período e cuja amizade foi imprescindível

para vencê-las.

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Aos amigos Antônio Bittencourt, Ari Pereira, Humberto Ferreira, Luís Carlos,

Manoel Cardoso, Manoel Moura, Roberto Figueiredo e Tatiane Cunha, pela amizade

e pelas palavras de incentivo.

Aos funcionários das instituições nas quais desenvolvi esta pesquisa, cuja dis-

posição em ajudar muitas vezes otimizou o pouco tempo disponível.

Aos devotos e devotas que me permitiram tomá-los como objeto de estudo, ce-

dendo-me entrevistas, fotos, livros de orações e outras fontes sem as quais este tra-

balho não poderia trilhar o caminho que trilhou.

Aos professores com os quais mantive contanto acadêmico e aos funcionários

da Secretaria do Programa de Pós-Graduação em História da UFPE.

Ao CNPQ, que no último ano me deu apoio financeiro sem o qual talvez este

momento não existisse.

Ao professor Derivaldo Alves dos Santos, por impedir este texto de ferir a lín-

gua portuguesa, e ao professor Wesley Oliveira Lima, pela tradução do resumo para

a língua inglesa.

A todos que de alguma forma contribuíram para que hoje eu possa tomar de

empréstimo a frase do general romano Júlio César e afirmar: “Vim, Vi e Venci”.

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Olha lá vai passando a Procissão

se arrastando que nem cobra pelo chão

As pessoas que nela vão passando

acreditam nas coisas lá do Céu

As mulheres cantando

tiram o verso

e os homens escutando tiram o chapéu

Eles vivem penando aqui na terra

esperando o que Jesus prometeu.

EMI MUSIC. “A procissão”. Composição de Gilberto Gil. IN: Luiz Gonzaga – BIS. s/d. disco 2, faixa 11

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RESUMO

Em Uma cruz para os Enforcados: práticas penitenciais em Nossa Senhora das

Dores (SE) buscamos compreender, do ponto de vista da História Cultural, como ao

longo dos séculos XIX, XX e XXI foram construídas, no imaginário católico de uma

cidade do interior sergipano, práticas e representações em torno da Paixão e Morte

de Cristo. Para isso, nos apropriamos de uma análise interdisciplinar, especialmente

no diálogo da história com a antropologia e a sociologia, e nos utilizamos de levan-

tamento historiográfico e consulta a documentos escritos, áudio-visuais, orais e ico-

nográficos. A partir de então, pudemos investigar procissões penitenciais, que ocor-

rem na “Sexta-feira Santa” - dia no qual para os católicos Cristo morreu na cruz para

perdoar os pecados da humanidade. Analisamos, pois, quatro manifestações peni-

tenciais que ocorrem nesse dia no município de Nossa Senhora das Dores (SE), al-

gumas delas já centenárias, tendo em vista a compreensão dos encontros e desen-

contros entre as mesmas.

A relação entre os participantes das procissões do “Cruzeiro do Século”, do “Madei-

ro”, do “Senhor Morto” e dos “Penitentes”, que acontecem na antiga “terra dos Enfor-

cados”, é marcada pela disputa no mercado de bens simbólicos que atuam na cons-

trução das práticas e representações que formam o habitus do homo religosus local.

Para um melhor entendimento desse campo religioso, o referido trabalho foi dividido

em cinco capítulos que esboçam as principais teorias utilizadas ao longo dessa dis-

sertação – oriundas das obras de Durkhiem, Eliade, Berger, Bourdieu, Burke etc - a

história do(s) catolicismo(s) no Brasil e no município em questão, o imaginário católi-

co ligado às práticas e representações da Quaresma e da “Sexta-feira Santa” e, por

fim, os encontros e desencontros entre os atos devocionais que são foco de nossa

argumentação.

Com isso, buscamos contribuir com o debate em torno da religiosidade católica em

Nossa Senhora das Dores, em Sergipe e no Brasil, em especial no que concerne ao

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estudo das práticas e representações construídas em torno da devoção à “Paixão e

Morte de Cristo” e que atuam na formação de um habitus católico no campo religioso

em foco.

Vimos, portanto, que na Quaresma, e especialmente na “Sexta-feira Santa”, os cató-

licos refletem sobre a Paixão e Morte de Cristo na cruz, tido como evento redentor

dos pecados e que, portanto, deve ser repetido/reproduzido pelos fiéis através de

práticas como a penitência e que objetivam, por exemplo, obter o perdão para si e

para as almas dos defuntos ou outros benefícios de ordem espiritual e material. Tais

representações, não sem conflitos, são transmitidas aos devotos pela Igreja Católica

e por eles apropriadas dos mais variados modos, demonstrando assim a dinamici-

dade da cultura e a circularidade entre seus diversos estratos.

PALAVRAS-CHAVE: práticas, representações, catolicismo, “Sexta-feira Santa”,

Nossa Senhora das Dores (SE).

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ABSTRACT

In A Cross for the Hung: penitential practices in Nossa Senhora das Dores (SE)

seek to comprehend, of the point of view of the Cultural History, as along the centu-

ries XIX, XX and XXI were built, in the Catholic imaginary of a city of the countryside

native of Sergipe, practices and representations around of the Passion and Christ's

Death. For that, we appropriate us of an analysis interdisciplinary, especially in the

history dialog with the anthropology and the sociology, and we use us of surveys his-

toriografic and consultation in written documents, audio-visual, oral and iconograph-

ics. Starting from then, we could investigate penitential processions that befall in the

'Friday Saint' day in which for the Catholic Christ died in the cross to forgive humani-

ty's sins. We analyze, because four penitential manifestations that occurs this day in

the municipal district Nossa Senhora das Dores (SE), some of them already centen-

nial, having in mind the comprehension from the encounters and disagreements

among the same.

The relationship among participants of the processions of the 'Cruise of the Century' ,

'log timber", 'Lord Dead' and 'Penitents', that happen in the antique 'land of the

hung', is marked by the dispute in the market of symbolic goods that act in the prac-

tices and representation construction that form habitus of homo religosus local.

For a better understanding of this religious field, the referred work was divided into

five chapters that sketch the main theories used to the long of this dissertation - aris-

ing of the works of Durkhiem, Eliade, Berger, Bourdieu, Burke etc. - the history of the

catholicism in Brazil and in municipal district at issue, the Catholic imaginary con-

nected to the practices and Lent's Representations and of the 'Friday Saint' and, fi-

nally the encounters and disagreements among acts prayer book that are focus of

our argumentation

With that, we seek to contribute with the debate around of the Catholic religiosity in

Nossa Senhora das Dores, in Sergipe and in Brazil, especially in the that concerns to

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the practices and representations study built around of the devotion to the 'Passion

and Christ's Death' and that act in the formation of a habitus Catholic in the religious

field in focus.

We saw, therefore, that in the Lent, and especially in the ' Saint' Friday', the Catholic

reflect about the Passion and Christ's Death in the cross, known as redeeming event

of the sins and that, therefore, should be repeated/capable of being reproduced by

the followers through practices like the penitence and that objectify, for example, ob-

tain the pardon for themselves and for corpses' souls or other benefits of spiritual and

material order. Such representations, no without conflicts, are transmitted to the de-

vote by the Catholic Church and by them appropriate of the varieder manners, de-

monstrating thus by dynamicity of the culture and by circularity between your several

stratums.

KEY-WORDS: Practices, Representation, Catholicism, Saint' Friday, Nossa Senhora

das Dores (SE)

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INSTITUIÇÕES PESQUISADAS

Arquivo da Cúria Arquidiocesana de Aracaju (SE)

Arquivo da Paróquia Nossa Senhora das Dores (SE)

Arquivo Público do Estado de Sergipe (APES)

Arquivo Municipal de Nossa Senhora das Dores (SE)

Associação de Incentivo à Pesquisa e à Cultura “Nossa Senhora das Dores dos En-

forcados” / Projeto Memórias de Nossa Senhora das Dores (SE)

Biblioteca da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

Biblioteca da Universidade Tiradentes (UNIT)

Biblioteca Pública Epifâneo Dórea (BPED)

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – Escritório de Nossa Senhora

das Dores (SE)

Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGS)

Laboratório Reitor Eugênio Veiga / Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador / U-

niversidade Católica de Salvador (UCSAL)

Memorial de Sergipe / Universidade Tiradentes (UNIT)

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

APES – ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE

BPED – BIBLIOTECA PÚBLICA EPIFÂNEO DOREA

CNBB – CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA

IHGS – INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE SERGIPE

IDH – ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

FGV – FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

PIB – PRODUTO INTERNO BRUTO

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LISTA DE FOTOGRAFIAS

1. Imagem do Sr. dos Passos ............................................................................ 99

2. Procissão do Senhor dos Passos .................................................................. 99

3. Obra “A Passagem pelos penitentes” – tela do Artista Plástico dorense Adau-

to Machado .................................................................................................. 102

4. Ex-votos depositados numa “santa-cruz” por onde passam as procissões do

Madeiro e dos Penitentes de Nossa Senhora das Dores ............................ 105

5. Pagadores de promessa............................................................................... 105

6. Devotos do Madeiro fazem orações pelos mortos no interior de um cemitério

...................................................................................................................... 113

7. Procissão de culto às almas dirigindo-se à “Cruz do Inocente” ................... 114

8. Ex-votos depositados numa “santa-cruz de beira de estrada”..................... 124

9. Cemitério de “anjos” .................................................................................... 125

10. Sepultura de “anjo” fora dos muros do cemitério do povoado Itaperoá .......125

11. Igreja Matriz N. Sra. das Dores em 1949 e 2006 ........................................ 137

12. Ex-votos depositados aos pés do cruzeiro ................................................. 199

13. Devotos do Madeiro fazem suas orações num cruzeiro .............................. 142

14. Manuel Pajaú ............................................................................................... 143

15. A transmissão da devoção ao Madeiro se dá de pai/mãe para filho(a) ....... 144

16. Além da vestimenta de “beata” (direita) muitas mulheres acompanham o “Ma-

deiro”, pagando promessa em sua maioria, trajando roupas brancas (esquer-

da), pretas ou roxas ..................................................................................... 146

17. Procissão do Madeiro em sua antiga formatação........................................ 147

18. Procissão do Madeiro em sua formatação atual ......................................... 147

19. Mulher carrega por alguns instantes o Madeiro, exceção concedida a promes-

seiras ........................................................................................................... 148

20. Beata ........................................................................................................... 148

21. Francisco Pedro do Nascimento .................................................................. 152

22. Procissão dos Penitentes............................................................................. 154

23. Penitentes flagelam-se no interior do cemitério municipal de N. Sra. das Dores

(SE) antes da saída da procissão ................................................................ 155

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24. Mulheres na Procissão dos Penitentes de Nossa Senhora das Dores........ 158

25. Em cemitério, se mantém a devoção à Cruz e às almas............................. 160

26. Altar com as imagens utilizadas nas procissões da Quaresma na Paróquia

Nossa Senhora das Dores ........................................................................... 164

27. Padre Miguel Monteiro Barbosa .................................................................. 166

28. Pia União das Filhas de Maria no interior da Igreja Matriz .......................... 174

29. Referência às obras da Matriz em panfleto de divulgação da festa da padroei-

ra de 1949 .................................................................................................... 176

30. Panfleto entregue aos paroquianos, no vigariato do Cônego Miguel Barbosa,

para auferir fundos para a restauração da Matriz ........................................ 176

31. Pintura no teto da Matriz .............................................................................. 177

32. Quadro da Via-Sacra ................................................................................... 177

33. Igreja Matriz Nossa Senhora das Dores ...................................................... 177

34. Sede da Ação Social da Paróquia Nossa Senhora das Dores .................... 180

35. Hospital São Francisco de Assis ................................................................. 181

36. Cemitério da Igreja Batista em Nossa Senhora das Dores ......................... 188

37. Verônica ....................................................................................................... 196

38. Procissão do Senhor dos Passos ................................................................ 196

39. Imagens de Nossa Senhora da Soledade e Senhor dos Passos ................ 197

40. Procissão do Senhor Morto ......................................................................... 199

41. Personagens e símbolos da Paixão presentes na Procissão do Enterro .... 199

42. Devotos tocam a imagem do Senhor Morto e de Nossa Senhora da Soledade

como uma forma de obter graças ................................................................ 200

43. Lagoa Grande em Nossa Senhora das Dores ............................................. 201

44. Máquinas trabalham na escavação da Lagoa Grande ................................ 202

45. Penitentes fazem suas orações na Igreja Matriz ......................................... 210

46. Devotos do Madeiro e Penitentes recebem a benção sacerdotal na Matriz 212

47. Cartaz de divulgação da Semana Santa de 2008 em N. Sra. das Dores .... 213

48. Serra do Cruzeiro do Século ....................................................................... 214

49. Ex-voto resultante do pagamento de promessa depositado no Cruzeiro do Sé-

culo .............................................................................................................. 215

50. Cruzeiro do Século ...................................................................................... 215

51. Devotos com galhos de alecrim recolhidos nos arredores do Cruzeiro do Sé-

culo .............................................................................................................. 216

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52. Multidão de fiéis aglomeram-se na procissão ao Cruzeiro do Século ......... 218

53. Fiéis em adoração ao Santíssimo Sacramento antes da procissão ao Cruzeiro

do Século ..................................................................................................... 221

54. Homens de roxo com suas cruzes aguardam nas estações e conduzem a

multidão de fiéis ao Cruzeiro do Século ...................................................... 222

55. Devotos em procissão sobem a serra do Cruzeiro do Século ..................... 224

56. No Cruzeiro do Século, reza-se a última estação da Via-Sacra .................. 224

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1: Nossa Senhora das Dores: localização geográfica .................................... 79

Mapa 2: Cruzeiros e capelas do centro de Nossa Senhora das Dores e seu entorno

................................................................................................................................... 85

Mapa 3: Capelas paroquiais e particulares existentes no município de Nossa Senho-

ra das Dores ............................................................................................................. 87

Mapa 4: Estações da Procissão do Madeiro .......................................................... 150

Mapa 5: Estações da Procissão dos Penitentes .................................................... 161

Mapa 6: Roteiro da Procissão do Cruzeiro do Século ............................................ 223

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LISTA DE TABELAS, QUADROS E GRÁFICOS

Tabela 1: Nossa Senhora das Dores: produção agrícola ......................................... 80

Tabela 2: Nossa Senhora das Dores: produção pecuária ........................................ 80

Tabela 3: Nossa Senhora das Dores: rebanho ........................................................ 81

Tabela 4: Nossa Senhora das Dores: filiação religiosa ............................................ 89

Quadro 1: Principais epidemias em Sergipe (1855-1918) ...................................... 120

Quadro 2: Secas na atual região Nordeste – final do século XIX ao início do século

XX ........................................................................................................................... 129

Quadro 3: Santas Missões na Paróquia Nossa Senhora das Dores no final do século

XIX e primeira metade do século XX ...................................................................... 135

Gráfico 1: Nossa Senhora das Dores: filiação religiosa (1980-2000) ..................... 204

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SUMÁRIO

À GUISA DE INTRODUÇÃO ................................................................................... 21

Fontes e Metodologia .............................................................................................. 24

1 CAPÍTULO 1 – ENCONTROS DE CLIO: APONTAMENTOS TEÓRICOS PARA O

ESTUDO DA DEVOÇÃO NA HISTÓRIA ................................................................. 33

1.1 O fenômeno religioso ....................................................................................... 40

1.2 O homo religiosus ............................................................................................ 45

1.3 O campo religioso ............................................................................................ 49

2 CAPÍTULO 2 – NOTAS SOBRE O CATOLICISMO NO BRASIL E SUAS MÚLTI-

PLAS FACES ........................................................................................................... 57

2.1 Catolicismo colonial ......................................................................................... 59

2.2 Catolicismo tridentino ...................................................................................... 64

2.3 Catolicismo e pluralismo .................................................................................. 73

3 CAPÍTULO 3 – O CAMPO RELIGIOSO: NOSSA SENHORA DAS DORES DOS

ENFORCADOS (SE) ................................................................................................ 79

4 CAPÍTULO 4 – O IMAGINÁRIO CATÓLICO E A “SEXTA-FEIRA SANTA” ....... 88

4.1 Quaresma ........................................................................................................ 89

4.2 Sexta-feira Santa ............................................................................................. 90

4.3 Via-Sacra ......................................................................................................... 97

4.4 Promessa, ex-voto e penitência .................................................................... 102

4.4.1 A penitência em prol das almas dos defuntos ................................... 110

5 CAPÍTULO 5 – UMA CRUZ PARA OS ENFORCADOS: A DEVOÇÃO À PAIXÃO E MORTE DE CRISTO EM NOSSA SENHORA DAS DORES (SE) ..................... 117

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5.1 Entre epidemias, secas e missões: a penitência como caminho para a salvação da alma ................................................................................................................ 118

5.1.1 A Procissão do Madeiro ...................................................................... 141

5.1.2 A Procissão dos Penitentes ................................................................ 151

5.2 “Quem é de Deus venha pra cá”: a penitência como objeto de disputa no cam-po religioso ............................................................................................................. 163

5.2.1 A Procissão do Senhor Morto ............................................................. 191

5.3 O “povo de Deus” em marcha: a penitência como instrumento de catequese num campo plural ................................................................................................... 201

5.3.1 A Procissão do Cruzeiro do Século .................................................... 213

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 226

FONTES CONSULTADAS .................................................................................... 229

APÊNDICES ........................................................................................................... 243

ANEXOS ................................................................................................................ 251

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À GUISA DE INTRODUÇÃO

Nossa Senhora das Dores, Estado de Sergipe. Sexta-feira, 21 de março de

2008, 4 horas da madrugada. Debaixo de chuva, uma multidão de homens, mulhe-

res e crianças de todas as idades se amontoam em frente à Igreja Matriz da cidade

de onde partem rumo ao local conhecido como Cruzeiro do Século, situado a cerca

de 5 km dali. Tem início a Procissão ou Via-Sacra do Cruzeiro do Século, assim

chamada numa referência ao lugar onde ela se finda. Conduzidos por homens vesti-

dos em camisas roxas e que aguardam com suas cruzes nos pontos de oração, as

estações1, os devotos seguem sua caminhada penitencial, refletindo sobre a Paixão

e Morte de Cristo, que naquele dia a Igreja Católica Apostólica Romana celebra. Em

penitência, muitos deles com velas acesas ou de pés descalços, os fiéis percorrem

aquele roteiro, entoando cantos de louvor a Jesus Cristo que, segundo a tradição

católica, teria sido morto por crucificação na sexta-feira anterior à Páscoa2. Ali, agra-

decem graças alcançadas ou pedem bênçãos, refletem sobre o tema da “Campanha

da Fraternidade”, organizada pela CNBB – ligada à Igreja Católica e que, neste ano,

teve como tema “Escolhe, pois, a Vida”3. Por volta das 8 horas daquele dia, os peni-

tentes já estavam aos pés do Cruzeiro, onde acendiam suas velas, faziam suas ora-

ções e rezavam a “Ladainha da Paixão”. Para alguns, encerrava-se aí a penitência

votiva à Paixão. Entretanto, para muitos, o dia de devoção estava apenas começan-

do.

Bairro Gentio, casa de Maria José Pereira Nascimento, 13 horas. Começa no

município de Nossa Senhora das Dores mais uma caminhada penitencial que ocorre

1 Pontos de parada para oração onde se rememoram os “Passos da Paixão de Cristo”, em número que, a de-pender do local, pode ser 7, 14 e 15. Ver capítulo 4. 2 Sobre essa festa judaica e cristã, ver o capítulo 4. 3 A Campanha da Fraternidade, criada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), é realizada anu-almente durante a Quaresma, quando a Igreja Católica discute um tema em evidência na atualidade e que vai permear seu discurso ao longo de o todo ano. Em 2008, discutiu-se a vida e a morte dando um enfoque no com-bate à morte não-natural causada por diversos motivos como a violência, o aborto, a falta de saúde pública para todos, etc. Nesse sentido, realizam-se as “Vias-Sacras da Fraternidade”, que misturam a Via-Sacra tradicional, que remete aos passos de Cristo rumo à morte na Cruz, ao tema da campanha. Sobre a Campanha de 2008 e os principais pontos da Via Sacra da Fraternidade, remeter a CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Campanha da Fraternidade: Escolhe, pois, a vida (Dt 30, 19). Curitiba (PR): CNBB – Regional Sul II, 2008.

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ali anualmente na “Sexta-feira Santa”, como os católicos referem-se à última sexta-

feira da Quaresma4. Trata-se da Procissão do Madeiro, ato devocional do qual parti-

cipam homens, mulheres e crianças a partir dos 7 anos de idade, sendo que os ho-

mens conduzem ao longo do percurso, de cerca de 10 km, o “Madeiro”- uma cruz de

madeira - e as mulheres/meninas percorrem o mesmo vestidas de preto e com o

rosto encoberto, pelo que ficaram conhecidas como “beatas”. Penitenciando-se num

roteiro composto de cruzeiros, santas-cruzes, cemitérios, capelas e residências –

onde muitas pessoas aguardam sua passagem para segui-la -, os participantes des-

sa procissão chegam à Igreja Matriz (situada na Praça Cônego Miguel Monteiro Bar-

bosa) por volta das 17 horas. Ali recebem a benção sacerdotal, após fazerem suas

orações e pedidos, e dali se dirigem às últimas estações onde param para rezar.

Aproximadamente às 19 horas esta manifestação devocional tem seu término na

residência da senhora Maria José Pereira de Moura, situada na Avenida Paulo Vas-

concelos.

Enquanto isso, pelas ruas da cidade está ocorrendo a Procissão do Senhor

Morto. Este ato, que relembra o enterro do Corpo do Cristo Crucificado, começa logo

após a passagem do “Madeiro” pela Igreja Matriz, templo no qual ocorre, desde às

15 horas, a celebração da Paixão e Morte de Cristo, cujo ponto alto é o beijo da i-

magem do Crucificado. Conduzidos pelo vigário da Paróquia, os devotos em procis-

são carregam as imagens de Nossa Senhora da Soledade e do Senhor Morto, este

ano colocadas num carro triunfal. Ao som das matracas e dos cantos de louvor e

pesar, homens, mulheres e crianças de todas as idades percorrem aproximadamen-

te 2 km no centro da cidade, chegando de volta à Matriz aproximadamente às 19

horas e 30 minutos, onde tem encerramento com o pesaroso canto da Verônica (u-

ma das personagens presentes na “Via-Crúcis”5).

No entanto, este dia voltado à penitência não pára por aí, pois, à noite ocorre a

Procissão dos Penitentes. No horário do encerramento das procissões do Madeiro e

do Senhor Morto, os penitentes – como ficaram conhecidos os membros deste ato

devocional – já estão chegando ao Cemitério Municipal, localizado na Travessa Pe-

tronilho Menezes Cotias a cerca de 500 metros da Igreja Matriz. É deste local que 4 No Catolicismo, a Quaresma é o período de 40 dias que vai da “Quarta-feira de Cinzas” (após a terça-feira do carnaval) até o “Domingo de Páscoa” (quando se rememora a Ressurreição de Jesus Cristo), em período móvel compreendido entre os meses de fevereiro e abril. 5 Como também é chamada a Via-Sacra ou Via-Dolorosa. Ver capítulo 4.

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partem, às 20 horas, os homens que compõem este movimento e percorrem um ro-

teiro formado por cemitérios, santas-cruzes, capelas, cruzeiros e residências. Na

madrugada de sábado, 15 km e 7 horas depois, os penitentes, vestidos de branco e

envoltos em capuzes que ocultam parcialmente sua identidade, estão na Matriz, on-

de rezam a última estação da “Via-Sacra” e, ao concluir sua caminhada penitencial,

recebem a benção sacerdotal.

Diante dessa rápida descrição dos atos penitenciais que ocorrem anualmente

na “Sexta-feira Santa” em Nossa Senhora das Dores, antiga Enforcados, pode-se

constatar a singularidade do campo religioso local dentro do universo devocional que

envolve os católicos neste dia em todo o Estado de Sergipe e no Brasil. Por enten-

der essa singularidade é que propomos a dissertação ora iniciada e intitulada Uma

cruz para os Enforcados: práticas penitenciais em Nossa Senhora das Dores

(SE). Ela tem como tema as quatro procissões penitenciais citadas anteriormente, ou

seja, as procissões do Cruzeiro do Século, do Madeiro, do Senhor Morto e dos Peni-

tentes, que são a expressão maior de como foram construídas ao longo de mais de

cem anos, entre os católicos da antiga Enforcados, práticas e representações em

torno da Paixão e Morte de Cristo.

Neste município do médio sertão sergipano, diversos atos ocorrem ao longo de

toda a Quaresma, a exemplo das “Vias-Sacras” que acontecem as quartas e sextas-

feiras desse período. Entretanto, a “Sexta-feira Santa” é o momento em que se con-

centra o maior número de fiéis e atos penitenciais votivos ao Cristo Crucificado, o-

correndo neste dia as procissões que são foco de nossa análise.

No contexto devocional em questão, a Igreja Católica Apostólica Romana

transmite aos fiéis uma mensagem em torno deste dia e que, de modo geral, traduz

a Paixão e Morte de Cristo como um evento redentor da humanidade e Jesus como

o Filho de Deus feito homem e enviado à terra com o fim de morrer crucificado para

perdoar os pecados da humanidade. Esta representação é apropriada pelos devotos

de várias maneiras e ganha significado para eles ao legitimar, por exemplo, práticas

como a promessa, o ex-voto e a penitência presentes nas procissões que relembram

os “passos” de Cristo em sua “Via-Sacra”.

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Pelo exposto, o objetivo da dissertação em questão é compreender, do ponto

de vista da História Cultural, como ao longo de mais de 100 anos foram construídas,

no imaginário dos católicos dorenses que participaram/participam de atos penitenci-

ais durante a “Sexta-feira Santa”, práticas e representações em torno da Paixão e

Morte de Cristo e que estão na origem dos embates e aproximações entre os agen-

tes envolvidos nessas manifestações.

FONTES E METODOLOGIA

Ao mergulharmos no universo simbólico dos movimentos devocionais da “Sex-

ta-feira Santa” em Nossa Senhora das Dores, vislumbramos os encontros e desen-

contros que marcaram a história das manifestações penitenciais em foco e que atua-

ram na construção de práticas e representações que compõem o imaginário de seus

participantes.

Nesse contexto, verificamos que dois dos atos analisados, as procissões do

Madeiro e dos Penitentes, são movimentos organizados por leigos sem influência

direta da hierarquia eclesiástica e que só recentemente foram “legitimados” pela I-

greja Católica. Por outro lado, um deles, a procissão do Senhor Morto, é um ato que

compõe a liturgia da Igreja naquele dia. Já a Via-Sacra do Cruzeiro do Século, é um

movimento nascido pelas mãos de leigos sob o controle do clero católico.

Para compreender tal universo, foi preciso recorrer, além de ampla bibliografia,

a fontes como os cantos e orações que compõem o devocionário das quatro procis-

sões, fotos e outras imagens, “Livro de Registro” de um dos grupos, “Livros Tombo”

da Paróquia, monografias e outros escritos que tratam dos movimentos em foco,

jornais, além de entrevistas com líderes e participantes das procissões, descenden-

tes dos mais antigos membros e fundadores das mesmas, vigário da Paróquia, etc.

Fazendo uma etnografia dessas quatro procissões, onde pudemos observar as

mais variadas manifestações de devoção e as “relações de força” que as envolvem,

gravamos os cantos e orações entoados ao longo delas e os utilizamos como fonte

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para nossa análise. Transmitidos oralmente ao longo de mais de um século, esses

cantos e orações nos permitem visualizar de que modo o imaginário católico local

está envolvido em representações referentes à Paixão e Morte de Cristo. Assim, ti-

vemos acesso a benditos6, ladainhas7, ofícios8, terços9 e outros cantos e orações

que fazem parte do “capital simbólico” das manifestações em questão.

Por outro lado, foi necessário recorrer a imagens, e mais especificamente ao

documento fotográfico. Para tanto, consultamos o acervo do Projeto “Memórias de

Nossa Senhora das Dores”, criado em 2003 por um grupo de pesquisadores da ci-

dade (dentre os quais o autor dessa dissertação) e que mantém uma rica coleção de

fotografias digitalizadas que retratam as procissões em foco desde a década de

1970 até os dias atuais e que são fundamentais ao tempo em que “informam sobre a

cultura material de um determinado período histórico e de uma determinada cultura e

também como uma forma simbólica que atribui significados às representações e ao

imaginário social”10.

6 Os benditos são, de acordo com o Abecê do folclore, de autoria do folclorista Rossini Tavares, orações canta-das cujos versos centrais fazem menção à palavra “bendito” ou à expressão “bendito, louvado seja”. Em sua pesquisa, realizada no interior de São Paulo na década de 1950, o referido autor coletou dois benditos que fa-zem referência à cruz como elemento devocional e redentor. No primeiro, intitulado “Levantei de madrugada”, um dos cinco versos diz: “Ofereço este bendito / ao Senhor daquela Cruz / que nos livre do inferno / para sempre, Amém, Jesus” (p. 171). Já o segundo, entoado na festa de Santa Cruz na Aldeia de Carapicuíba (hoje municí-pio), é ainda comumente ouvido na Quaresma pelo Brasil inteiro, especialmente em municípios interioranos co-mo N. Sra. das Dores (SE). Intitulado “Bendito, louvado seja”, o mesmo vai anexo a esta dissertação (nota ao canto “Bendita e louvada seja” do anexo 7) e, como o primeiro, situa a Cruz como instrumento de salvação e redenção do homem (p. 172). Conforme: LIMA, Rossini Tavares de. Abecê do folclore. 6. ed. Ricordi, 1985. 7 As ladainhas, que segundo Glossário da historiadora e museóloga Verônica Nunes são orações compostas por uma longa série de curtas invocações (NUNES, 2008, p. 89), também compõem o universo simbólico quaresmal. Dentre elas, destacamos a “Ladainha da Paixão”, por nós apreendida entre um grupo de penitentes de N. Sra. das Dores que participam da Via-Sacra ao Cruzeiro do Século na “Sexta-feira Santa”. Em tempos passados, a mesma era entoada na Igreja Matriz durante os atos da Semana Santa e hoje faz parte do ato penitencial citado. Vai transcrita no anexo 7. Além do mais, tivemos acesso à “Ladainha das almas”, a partir do acervo particular de uma devota, hoje não mais utilizada nas cerimônias da Igreja e que remete ao poder intercessor das “almas benditas”. Ver anexo 10. 8 No que se refere aos ofícios, classificados no Glossário de termos de religiosidade de Verônica Nunes como o “conjunto das orações e das cerimônias litúrgicas” (NUNES, 2008, p.107), ganham relevância em nossa pesqui-sa aqueles que destinam preces às almas dos defuntos, uma vez que na Quaresma elas são uma presença bastante comum, principalmente entre os grupos de devotos que vão aos cruzeiros, cemitérios, capelas e san-tas-cruzes para rezar, especialmente nas quartas e sextas-feiras. O “Ofício das Almas” é ainda hoje rezado na Igreja Matriz de N. Sra. das Dores, nas segundas-feiras, o dia das almas para os católicos, e foi transcrito no anexo 11. 9 Quanto aos terços, que representam a terça parte do rosário e são compostos por 50 Ave-Marias (NUNES, 2008, p. 147), o mais comum durante a Quaresma no campo religioso em foco era o “Terço do Senhor dos Pas-sos”, onde o fiel reza: “Meu Jesus Senhor dos Passos / meu Jesus Senhor dos homens, / valei por esta Vossa que vos tendes sobre os ombros”. O mesmo, hoje em desuso no município, chegou até nós através da memória de um dorense radicado em São Paulo (SP), o professor e escritor Manoel Cardoso, e que nos enviou esta ora-ção através de correio eletrônico. (“E-mail em forma de carta...” enviado por Manoel Cardoso a João Paulo Araú-jo de Carvalho em 17/02/2008 09:24) 10 BORGES, Maria Eliza Linhares. História & Fotografia. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. (Coleção Histó-ria & ... Reflexões) p. 73.

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Além das fotografias, valemo-nos de vídeo-documentário produzido pelo res-

pectivo projeto e que registra os atos penitenciais em foco nesta dissertação, trazen-

do ainda a fala de alguns de seus participantes sobre as respectivas manifesta-

ções.11 Na produção dessa obra áudio-visual, os roteiristas e editores preocuparam-

se em registrar rituais e compreendê-los a partir da análise das crenças que lhes dão

sustentação, método que também aplicamos aqui12.

Entretanto, as referidas fontes, assim como as demais utilizadas ao longo des-

te, são vistas como uma construção cultural, como uma “forma simbólica” que não

deve ser analisada enquanto coisa dada (natural) ou “retrato fiel da realidade”, mas

levando-se em conta a sua subjetividade, o contexto no qual foi produzida e o cru-

zamento com outros tipos de documentos.

Dentre as fontes escritas, dos quatro grupos de devotos aqui analisados ape-

nas dois possuem um registro dessa natureza redigido pelos próprios organizadores.

Um deles é o dos Penitentes cujo Livro de Registro13, escrito em 1980 com ba-

se na tradição oral, traz o texto “O que é ser Penitente?”, os cantos e orações da

procissão, as obrigações que o participante deve seguir, relação nominal dos mem-

bros (atualizada até 1985) e breve relato histórico sobre tal ato.

O outro movimento que possui um registro escrito produzido por seus membros

é a Procissão do Madeiro, que conta com texto produzido em 2006 pelo Professor

Nivaldo Alves de Moura Filho14, um dos descendentes dos fundadores da referida

procissão que, também através de relatos orais dos mais antigos membros daquele

ato ainda em atividade, fez uma etnografia do mesmo partindo de seu histórico, sím-

bolos, atos de devoção, orações e hinos.

Já os Livros Tombo (no 1 e 2) da Paróquia15, fundada em 1858, nos remetem

aos atos organizados pela Igreja ao longo da “Sexta-feira Santa” de 1907, data do

11 SEXTA-FEIRA Santa: Nossa Senhora das Dores – palco centenário de devoção e penitência. Produção do Projeto Memórias de Nossa Senhora das Dores. Roteiro e Edição João Paulo Araújo de Carvalho, Luís Carlos de Jesus e Antônio Bittencourt Junior. Nossa Senhora das Dores, 2007. 1 DVD. (48 min), color. 12 Conforme se verá no capítulo seguinte. 13 ASSOCIAÇÃO DOS PENITENTES DE N. SRA. DAS DORES. Livro de Registro dos Penitentes. Nossa Senhora das Dores, 1980 (manuscrito). 14 MOURA FILHO, Nivaldo Alves de. Procissão do Madeiro: Tradição e Fé. Nossa Senhora das Dores, 2006. 15 PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. ____. Livro Tombo no 2. Paróquia Nossa Senhora das Dores, 1985.

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mais antigo registro ali encontrado, até os dias atuais. A partir dessa fonte, é possí-

vel acompanharmos as atividades desenvolvidas pelo clero, como as Santas Mis-

sões, as festas, retiros etc, bem como os atos realizados pela Igreja na Quaresma

com o intuito de construir um habitus religioso. Do mesmo modo, através do “método

indiciário”, pudemos encontrar neles “pistas” que nos ajudaram a compreender a

relação do clero com os movimentos de religiosidade que são objetos desse estu-

do16.

Além do mais, três trabalhos monográficos de conclusão de cursos de História

já foram produzidos dentro da temática desta dissertação. Dois deles tratam, de for-

ma isolada, de duas das quatro manifestações ora em discussão: o de Magneide

Lima17, que enfoca o crescimento no número de adeptos da Procissão dos Peniten-

tes entre os anos 1990 e 2000, e o de Gisselma Almeida18, que aborda conflito inter-

no na Procissão do Madeiro entre 1992 e 1997.

Por outro lado, em minha monografia19, além de buscar compreender períodos

anteriores aos abordados nos trabalhos de Lima e Almeida, promovi uma análise

dos quatro movimentos religiosos que ocorrem em Nossa Senhora das Dores na

“Sexta-feira Santa” como um conjunto – atitude aqui seguida - e relacionei-as à de-

voção à Padroeira do município, Nossa Senhora das Dores, e à aspectos de sua

história.

Dentre os jornais por nós utilizados, destaca-se “A Cruzada”, órgão oficial da

Diocese e depois da Arquidiocese de Aracaju, da qual faz parte a Paróquia Nossa

Senhora das Dores. Este jornal foi criado em 1919, circulando até 1925 e retornando

suas atividades de 1935 até os anos 1970. A partir dele, pudemos observar as ativi-

dades promovidas pelo clero católico na Paróquia durante a “Semana Santa”, em

especial nos anos 1930 a 1960, bem como outras ações voltadas para a construção

de um habitus, tais quais reformas na Igreja Matriz, construção de obras como sis-

tema de auto-falantes e biblioteca, retiros espirituais, dentre outras.

16 GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. Tradução Frederico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 143-179. 17 LIMA, Magneide Santana dos S. Penitentes de Nossa Senhora das Dores: explosão de fé 1990 – 2000. Nossa Senhora da Glória: UFS, 2002. (Monografia, História, Universidade Federal de Sergipe) 18 ALMEIDA, Gisselma Silva de Jesus. Procissão do Madeiro: devoção e diversão em N. S. das Dores entre os anos de 1992 e 1997. UFS, 2002. (Monografia, História, Universidade Federal de Sergipe) 19 CARVALHO, João Paulo Araújo de. Nossa Senhora das Dores dos Enforcados: uma herança de martírio e devoção. Aracaju (SE): UNIT, 2006 (b). (Monografia, História, Universidade Tiradentes)

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Outra importante fonte para esta construção histórica são os relatos orais, aqui

analisadas através da metodologia da História Oral.

A fonte oral, aqui compreendida como o “registro de qualquer recurso que

guarda vestígios de manifestações da oralidade humana”20, vem sendo amplamente

utilizada pelos historiadores, sobretudo a partir da “revolução documental” promovida

nas últimas décadas pelos “Annales” e que ressignificou o conceito de fonte histórica

- denominação anteriormente dada (especialmente pela “Escola Positivista”21) ape-

nas aos relatos escritos.

A memória oral, apreendida através de entrevistas e suporte dos relatos a nós

fornecidos, é aqui enxergada como algo seletivo e em constante mutação, visto que

formada por lembranças, esquecimentos e silêncios voluntários e involuntários, im-

pregnada de passado e presente que se misturam e fazem com que ela esteja a to-

do momento sendo reelaborada. As várias memórias individuais, entretanto, vão

formar uma memória coletiva, resultado da (re)elaboração subjetiva das lembranças

e esquecimentos individuais do grupo que as possui.22

A respeito desse aspecto da memória, a historiadora Paula Faustino Sampaio,

com base em autores como Maurice Halbwachs, Ecléa Bosi, Pierre Nora, dentre ou-

tros, nos mostra a existência de duas formas de organização das lembranças: uma

centrada “na vida pessoal, interessando ao indivíduo apenas alguns aspectos refe-

rentes a si mesmo”; e outra fundada no interior da sociedade e que tem lugar “na

vida pessoal enquanto membro do grupo”. A esses dois modos de lembrar dá-se o

nome de memória individual e memória coletiva, respectivamente, sendo que uma

apóia-se na outra. A historiadora, interessada na memória enquanto instrumento de

compreensão das vivências de mulheres numa cidade do interior da Paraíba, ressal-

ta ainda que a continuidade da memória, pessoal e grupal, depende da manutenção

20 MEIHY, José Carlos Sebe Bom e HOLANDA, Fabíola. História Oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto, 2007. p. 13. 21 Sobre o método historiográfico positivista remeter a REIS, José Carlos. A Escola Metódica, dita “Positivista”. In: _____. A História, entre a filosofia e a ciência. 3. ed., 1. reimp. – Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p. 11-25. 22 MEIHY e HOLANDA. Op. Cit. 2007. MONTENEGRO, Antônio Torres. História Oral e Memória: a cultura popular revisitada. 3. Ed. São Paulo: Contexto, 1994. (Caminhos da História). PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 2. ed. 1. reimp. – Belo Horizonte: Autêntica, 2005. POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, RJ, v.2, n.3, p.3-15, 1989. ____. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 200-212.

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dos laços aos quais ela está ligada, especialmente ao sentimento de pertencimento

a uma coletividade, o que faz com que toda memória seja coletiva. 23

Desse modo, é preciso ao pesquisador que a utiliza como fonte levar em con-

sideração o entendimento da importância da memória enquanto construção imaginá-

ria (representação) centrada no vivido e produzida a partir do real. Para tal, a maioria

das entrevistas, utilizadas como método de coleta de dados, foram precedidas de

uma conversa informal com o entrevistado para esclarecer os objetivos das mesmas,

que tiveram como ponto de partida a história de vida do entrevistado, o que, para o

historiador Antônio Montenegro, “possibilita um extenso campo de estímulos involun-

tários e de associações” e aumenta a capacidade de compreensão da memória do

mesmo24.

Algumas delas, entretanto, foram apreendidas no momento da realização das

procissões que são abordadas neste trabalho, em que os entrevistados estavam de-

senvolvendo algum ato devocional, sendo em seguida interpelados sobre o mesmo.

Nesse caso, alguns devotos solicitaram que não fossem divulgados seus nomes

sendo, portanto, substituídos pelas denominações “promesseiro(a)”, “beata” etc.

Tratando do método da História Oral, os historiadores José Carlos Sebe Bom

Meihy e Fabíola Holanda definem o mesmo como uma “prática de apreensão de nar-

rativas feita através do uso de meios eletrônicos e destinada a: recolher testemu-

nhos, promover análise de processos sociais no presente, e facilitar o conhecimento

do meio imediato”25. Os respectivos autores tratam, ainda, a entrevista como o su-

porte material da documentação oral, como um procedimento que deve levar em

conta não somente o falado, mas também os gestos, as emoções e os silêncios que

estão integrados a ela. Nesse sentido, pensamos e praticamos as entrevistas como

atos de colaboração entre o entrevistado e o entrevistador, descartando o uso da

23 SAMPAIO, Paula Faustino. No “Fazer da História”: a utilização dos relatos orais de memória na produção de documentos sobre a história das mulheres. In: _____. Nos entremeios da memória: uma história da educação formal e informal de mulheres em Cabaceiras/PB entre os anos 1930 e 1949. Campina Grande, PB: UFCG, 2006.(Monografia, História, Universidade Federal de Campina Grande) 24 MONTENEGRO. Op. Cit. p. 151. 25 MEIHY e HOLANDA. Op. Cit. 2007. p. 18.

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denominação “depoimentos” para as mesmas pela conotação policial que o termo

traz.26

Utilizamos aqui, portanto, uma gama de fontes históricas que foram, pois, com-

preendidas como registros e sinais do passado, traços, indícios que se colocam no

lugar do acontecido, representações dos fatos ocorridos e que o historiador submete

às questões por ele formuladas. O uso delas nos possibilitou, desse modo, chegar

às representações historicamente construídas ao longo do tempo.27

Afinal, como mostrou o filósofo Gilles Deleuze28 a partir da análise da obra de

Proust, os documentos emitem “signos” que devem ser “decifrados”. Isso parte do

entendimento de que eles são uma construção temporal, histórica, ou seja, se cons-

troem na relação que se mantém com eles e a partir da qual lhes são atribuídos dife-

rentes significados. Para isso, buscamos compreender a(s) “rede(s)” na(s) qual (is) o

documento (emissor de signos) está envolto.

Neste trabalho de construção, montamos as peças do quebra-cabeças e ten-

tamos fazê-las produzir sentidos, revelando analogias e relações de significados,

expondo oposições e discrepâncias 29.

Seguimos, portanto, caminho semelhante ao sugerido pelo historiador italiano

Carlo Ginzburg30: buscamos decifrar os “sinais” do passado através do uso do que

ele chamou de “paradigma indiciário”. Seguindo o método de Ginzburg, procuramos

aproximar nosso trabalho investigativo de historiador com o que fazem os médicos,

os detetives e os críticos de arte, apurando o faro, o golpe de vista, a intuição e indo

em busca das pistas, dos sintomas, dos indícios e signos deixados pelos fatos histó-

ricos, dos “pormenores mais negligenciáveis”.

Tentamos, assim, juntar esses “indícios” deixados pelos personagens da trama

aqui em foco e montar, com estes fragmentos, o nosso mosaico. Nessa investigação

historiográfica, fomos em busca dos “rastros” deixados pelos personagens envolvi-

dos nos acontecimentos por nós analisados e, a partir desses fragmentos do real a 26 MEIHY e HOLANDA. Op. Cit. 2007. p. 20. 27 PESAVENTO. Op. Cit. 2005, p. 42. 28 DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. Tradução de Antonio Piquet e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Fo-rense Universitária, 2003. 29 PESAVENTO. Op. Cit. p. 64-65. 30 GINZBURG. Op. Cit. 143-179.

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nós legados por seus produtores com intenções explícitas e ocultas, voluntárias e

involuntárias, tentamos montar nossa versão dos fatos. Arriscamos-nos a decifrar

essas “pistas” e “sinais” através do entendimento de que as fontes por nós consulta-

das são uma construção histórico-cultural e que, portanto, só podem ser considera-

das enquanto documento histórico se analisadas dentro do contexto no qual foram

produzidas.

Tais fontes serão analisadas a partir de um olhar interdisciplinar que mostra os

encontros entre a História e outras Ciências Humanas como a Sociologia e a Antro-

pologia. Nesse sentido, foram de fundamental importância as discussões apreendi-

das a partir das obras dos sociólogos Émille Durkheim, Peter Ludwig Berger e Pierre

Bourdieu, do antropólogo Carlos Steil, do filósofo e historiador Michel Foucault e dos

historiadores Jacques Le Goff, Mircea Eliade, Peter Burke e Roger Chartier, dentre

outros.

Além do arcabouço teórico-metodológico oriundo das obras dos autores citados

acima, foi feito um levantamento historiográfico31 a partir das leituras de historiado-

res e outros pesquisadores que mergulharam no imaginário católico e na história

desse credo no Brasil, em Sergipe e em Nossa Senhora das Dores.

Assim sendo, esta dissertação foi dividida em cinco capítulos. Analisamos no

primeiro, intitulado Encontros de Clio: apontamentos teóricos para o estudo da

devoção na História, os principais conceitos que serviram de base teórica para este

trabalho. No segundo capítulo, Notas sobre o catolicismo no Brasil e suas múlti-

plas faces, sintetizamos a história do catolicismo no Brasil tendo em vista apontar

alguns elementos para a compreensão da presença do mesmo no Estado de Sergi-

pe e, em especial, no município de Nossa Senhora das Dores, bem como na cons-

trução de representações a cerca da Paixão e Morte de Cristo. Por sua vez, para

tentarmos entender as manifestações penitenciais que ocorrem na “Sexta-feira San-

ta” no município em questão, buscamos elementos na história católica do mesmo e

que são visualizados no capítulo O campo religioso: Nossa Senhora das Dores

dos Enforcados (SE). As principais representações construídas em torno do tema

deste trabalho, e as práticas que elas fomentaram, são analisadas no quarto capítu-

31 Essas obras serão discutidas no capítulo 2.

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lo, O imaginário católico e a “Sexta-feira Santa”. Por último, as devoções presen-

tes nesse dia no campo religioso em foco são abordadas em Uma Cruz para os En-

forcados: a devoção à Paixão e Morte de Cristo em Nossa Senhora das Dores

(SE), que trata das procissões do Cruzeiro do Século, do Madeiro, do Senhor Morto

e dos Penitentes, caracterizando-as e mostrando os encontros e desencontros ocor-

ridos ao longo de sua trajetória histórica, bem como as mudanças e permanências

nela presentes.

Com isso, buscamos dar nossa contribuição ao debate a respeito da religiosi-

dade católica em Nossa Senhora das Dores, no estado de Sergipe e no Brasil, em

especial no que concerne ao estudo das práticas e representações ligadas à “Paixão

e Morte de Cristo” e que atuam na formação de um habitus católico naquele campo

religioso. Aqui, não pretendemos esgotar o assunto, mas dar um passo a mais na

tentativa de compreender tão instigante temática.

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33

1 CAPÍTULO 1 - ENCONTROS DE CLIO: APONTAMENTOS TEÓRI-COS PARA O ESTUDO DA DEVOÇÃO NA HISTÓRIA

A interdisciplinaridade é um dos instrumentos metodológicos que nos apropri-

amos para compreensão do tema proposto neste trabalho. Afinal, conforme o histo-

riador Jacques Le Goff, nas últimas décadas as ciências e, em especial, as ciências

humanas e sociais, têm passado por uma renovação que inclui a intersecção entre

elas (que tem possibilitado o surgimento da história-sociológica, da demografia histó-

rica e da antropologia-histórica, por exemplo), bem como delas com as ciências da

natureza e biológicas (formando assim a matemática social, a psico-fisiologia, a et-

no-psiquiatria, a sociobiologia, etc).32

Essa circulação da história nos interstícios das ciências sociais, tomando-lhes

de empréstimo métodos, técnicas, objetos e conceitos que têm ampliado sua forma

de ver a presença do homem no espaço e no tempo, vem de longa data. No fim da

década de 1920, quando nascia na França o periódico Annales d'histoire

économique et sociale (Anais de História Econômica e Social), ocorria o que o histo-

riador José Carlos Reis chamou de “mudança substancial” no conhecimento históri-

co, que implicava um “programa” - comum às três gerações de pensadores que for-

mam a chamada “Escola dos Annales” – que ia de encontro à “História Tradicional

Positivista” então em voga.33

Nesse embate ao Positivismo, os historiadores vinculados a este “programa”,

ou “espírito dos Annales”, promoveram o uso de procedimentos outrora interditados

pela historiografia dominante, mudando ou ressignificando seus objetos de pesquisa

e a estrutura de explicação-compreensão da história, o conceito de fonte e tempo

histórico, bem como usando da interdisciplinaridade enquanto método para tal cam-

po da ciência34. Assim sendo, promoveu-se aquilo que o historiador Peter Burke

chamou de crítica ao “Antigo Regime na Historiografia” sobretudo combatendo o que

32 LE GOFF, Jacques; CHARTIER, Roger; REVEL, Jacques (sob a direção). A História Nova. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 32-33. 33 REIS. Op. Cit. 2006. p. 73-74. 34 Idem. p. 77-78.

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o economista e sociólogo François Simiand (que influenciou a primeira geração dos

Annales e seguiu o pensamento do sociólogo francês Émille Durkheim) intitulou de

“três ídolos”: o político, o individual e o cronológico, que faziam da história uma nar-

rativa de grandes acontecimentos inspirados pela ação de grandes heróis35.

Do nascimento dos Annales para cá, as três gerações de historiadores a eles

vinculados têm dado larga contribuição ao fazer historiográfico, dentre as quais se

destacam36:

a) a ampliação do conceito de documento histórico, em substituição ao modelo

de Langloiss e Seignobos que privilegiava o documento escrito, abrindo um le-

que de possibilidades ao historiador pela multiplicidade de documentos que ele

pode se utilizar (todo registro deixado pelo homem) e pela possibilidade de, a-

través deles, perceber melhor o tempo e a mudança;

b) a crítica à noção de fato, visto como algo que não é dado/natural, mas criado

pelo historiador com o auxílio de hipóteses e conjecturas;

c) a criação da história-problema, que permite entender o presente a partir do

passado e vice-versa, bem como entender a história como uma construção e

sem que se busque a “verdade” sobre a realidade passada, mas a constituição

de versões fundadas nas fontes;

d) uma nova concepção de tempo, visto anteriormente como linear e homogê-

neo, sendo que a partir dos Annales passou a ser enxergado como algo múlti-

plo, que vai além do evento e que permite visualizar as continuidades e mudan-

ças inclusive na “longa duração”;

e) e, enfim, os encontros de Clio com outros campos do saber, a partir da inter-

disciplinaridade, que permitiu aos historiadores ampliar sua visão do processo

histórico a todas as atividades desenvolvidas pelo homem.

35 BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a revolução francesa da historiografia. Tradução Nilo Odalia. São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1997. p. 21. 36 Com base em BURKE. Op. Cit. 1997. LE GOFF. Op. Cit. 2005. REIS. Op. Cit. 2006.

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Segundo os fundadores dos Annales, os historiadores franceses Marc Bloch e

Lucien Febvre, essa aproximação com as outras ciências sociais tinha como funda-

mento o fato de elas terem um “objeto comum” - o homem 37.

Esse instrumento permitiu aos historiadores embarcarem em novos problemas,

desenvolverem novas abordagens e pensarem novos objetos. Dentre eles encon-

tramos as mentalidades, em cujo estudo mergulharam como pioneiros, nas primeiras

décadas do século XX, historiadores, geógrafos e sociólogos que reconheciam à

História um domínio diverso daquele a qual ela estava limitada: os acontecimentos

voluntários, conscientes e orientados para a decisão política, a propagação das idéi-

as e a conduta dos homens e dos acontecimentos38. Buscando uma “história total”,

envolta na interdisciplinaridade, os historiadores embarcaram nas mentalidades. En-

tretanto, entendendo-as como uma faceta da história econômica e social. 39

Com os avanços econômicos ocorridos após a Segunda Guerra Mundial (1939-

1945), entretanto, a história econômica tornou-se o principal campo de abordagem

dos historiadores e as mentalidades passaram a ser enxergadas como “menores” no

campo da análise da realidade, salvo alguns pensadores que inseriram os “fenôme-

nos mentais” em suas análises demográficas. No entanto, o retorno às mentalidades

ocorreu nos anos 1960-1970 quando historiadores como Michel Vovelle40, Pierre

Chaunu41, George Duby42, Jacques Le Goff43, etc e, fora da História, pensadores

como o filósofo e professor de “história dos sistemas de pensamento” no Collége de

37 Segundo o historiador José Carlos Reis, a primeira geração dos Annales (1929-1946) promoveu um diálogo com a economia, a sociologia, a geografia e a demografia, desenvolvendo, sobretudo, a história econômica e social. Já a segunda geração (1946-1968), ampliou as alianças com essas ciências, especialmente a geografia, a sociologia e a economia, embarcando ainda nos caminhos da psicologia coletiva e da antropologia e ampliando seu olhar sobre as civilizações (vistas numa perspectiva não evolucionista de progresso). Por último, nos anos 1970-1980 (terceira fase dos Annales), a história lança um novo olhar sobre o político e passa a tentar entender a vida material (feita de gestos, palavras, produção e consumo, técnicas e culturas centenárias). Conforme: REIS. Op. Cit. 2006, p. 81-92. 38 Como exemplo desses “pioneiros” temos os historiadores Lucien Febvre, Marc Bloch, Henri Pirenne, Huizinga, etc, os sociólogos Lévy-Bruhl e Maurice Halbwachs e o geógrafo A. Demageon. Ver referências à suas obras em ARIÈS. IN: LE GOFF; CHARTIER; REVEL. Op. Cit. 2005. p. 205-236. 39 ARIÈS, Philippe. A História das mentalidades. In: LE GOFF; CHARTIER; REVEL. Op. Cit. 2005, p. 207-209. 40 VOVELLE, M. Ideologia e mentalidades. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1991. ____. Imagens e imaginário na história. São Paulo: Ática, 1997. ____. O homem no Iluminismo. São Paulo: Presença, 1997. ____. Com-bates pela Revolução Francesa. Porto Alegre: EDUSC, 2004. 41 CHAUNU, P. A civilização da Europa clássica. Volume I. São Paulo: Estampa, 1985. ____. A civilização da Europa clássica. Volume II. São Paulo: Estampa, 1987. ____. História da América Latina. 4. ed. São Paulo: Difel, 1979. 42 DUBY, G. Guerriers et paysans. Paris: Gallimard, 1973. ___. Le temps des cathedrals. L´art et la société, 980-1420. Paris: Gallimard, 1976. 43 LE GOFF, J. Pour um outre Moyen Age. Paris: Gallimard, 1978.

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France Michel Foucault44 vão dar atenção ao estudo do “inconsciente coletivo” como

elemento de entendimento da realidade social.45

O historiador Philippe Ariés, em sua análise da “história das mentalidades”, nos

mostra o “inconsciente coletivo” como algo comum a uma sociedade em determina-

do momento histórico. Entretanto, esse elemento é, por sua obviedade, mal percebi-

do ou totalmente despercebido por seus contemporâneos, afinal ele faz parte dos

dados imutáveis da natureza, dos lugares-comuns, dos códigos de conveniência e

de moral, dos conformismos ou proibições, das expressões admitidas, impostas ou

excluídas dos sentimentos e dos fantasmas. Assim, essa “estrutura mental” ou “vi-

são de mundo”46, naturaliza-se e torna-se traço coerente e rigoroso de uma totalida-

de psíquica que se impõe aos seus contemporâneos sem que eles saibam.47

Em A beira da falésia o historiador Roger Chartier tratou desse campo do fazer

historiográfico. Para ele, o mesmo surge no seio da história intelectual e tem como

ponto de partida dois conceitos: a) o de “hábitos mentais” (habitus) que, segundo

Erwn Panofsky, são um conjunto de esquemas inconscientes e princípios interioriza-

dos que dão unidade às maneiras de pensar de uma época, sendo inculcados por

“forças formadoras de hábitos”; b) e o de “aparelhagens mentais”, vistas por Febvre,

com base em Lévy-Bruhl, como composta por elementos forjados e mutáveis pre-

sentes numa determinada época que a utiliza e permeada por uma panóplia de ins-

trumentos intelectuais (palavras, símbolos, conceitos, etc) que, a depender de seus

usos, diferenciam as mentalidades dos grupos sociais. Desenvolve-se, então, em

oposição a uma história intelectual das inteligências sem limites e das idéias sem

suporte48, uma história das “representações coletivas”, das “aparelhagens” e das

44 FOUCAULT, M. História da loucura. São Paulo: Perspectiva: 1978. ____. Microfísica do poder. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979. ____. História da sexualidade. 4. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985. 45 ARIÈS. In: LE GOFF; CHARTIER; REVEL. Op. Cit. 2005, p. 217-235. 46 A idéia de “visão de mundo” se fez presente entre os historiadores a partir da obra de Lucien Goldman, que a extraiu de Lukács. Para ele, esse conceito articula pensamento e social e vincula este “conjunto de aspirações, de sentimentos e de idéias” a filiação do indivíduo a um grupo ou classe social. Cf: CHARTIER. Op. Cit.. 2002. p. 40-41. 47 ARIÈS. In: LE GOFF; CHARTIER; REVEL. Op. Cit. 2005, p. 235. 48 Conforme Chartier, as mentalidades foram constituídas como objeto histórico em oposição ao da história inte-lectual clássica, ou seja, “à idéia, construção consciente de uma mente individuada, opõe-se termo a termo a mentalidade sempre coletiva que regula, sem que eles o saibam, as representações e julgamentos dos atores sociais. [Para ele] A relação entre a consciência e o pensamento é, portanto, estabelecida de uma nova maneira, próxima daquela dos sociólogos da tradição durkheimiana, enfatizando os esquemas ou os conteúdos de pen-samento que, mesmo que sejam enunciados sobre o modo individual, dependem, na verdade, dos condiciona-mentos inconscientes e interiorizados que fazem com que um grupo ou sociedade compartilhe, sem que seja preciso explicitá-los, um sistema de representações e um sistema de valores.” CHARTIER, Roger. História inte-

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categorias intelectuais disponíveis e compartilhadas em determinado período, abrin-

do espaço assim para uma “história das mentalidades”, ou seja, “para uma história

dos sistemas de crenças, de valores e de representações próprias a uma época ou

grupo”.49

Roger Chartier aponta, portanto, que, a partir dos anos 1960, a noção de men-

talidade vai impor-se na historiografia francesa, sobretudo para determinar aquilo

que está presente no cotidiano coletivo dos homens de determinado período, o traço

comum a todos eles independentemente, a partir de então, de sua posição sócio-

econômica. Assim, bebendo na influência durkheimiana, essa idéia de mentalidade

vincula-se à existência de esquemas ou conteúdos de pensamento, dependentes

dos condicionamentos inconscientes e interiorizados, que fazem com que um grupo

ou sociedade compartilhe, conscientemente ou não, um sistema de representações

e valores.50

Dentro dessas mudanças epistemológicas ocorridas no seio da história nas úl-

timas décadas, e que tem feito os historiadores ressignificarem o seu entendimento

do passado, se enquadra o conceito de representação e, associado a ele, o de ima-

ginário. Nesse contexto, tem surgido a Nova História Cultural, fruto da crise dos pa-

radigmas explicativos da realidade e de uma renovação das vertentes neomarxista

inglesa e da história francesa dos Annales.

Refletindo sobre o pano de fundo dessa renovação, a historiadora Sandra Pe-

savento demonstra uma mudança no entendimento do conceito de cultura, que nos

faz compreender a anterior afirmação da inserção de conceitos como “imaginário” e

“representação” na renovação historiográfica das últimas décadas51. Segundo ela, a

partir de então foram sendo abandonadas as

concepções de viés marxista, que entendiam a cultura como inte-grante da superestrutura, como mero reflexo da infraestrutura, ou mesmo da cultura como manifestação superior do espírito humano e, portanto, como domínio das elites. Também deixadas para trás con-

lectual e história das mentalidades. In: À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude. Tradução Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Editora Universidade/UFRGS, 2002. p. 35. 49 CHARTIER. Op. Cit. 2002. p. 31-34. 50 Idem. p. 33-35 51 PESAVENTO. Op. Cit. 2005.

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cepções que opunham a cultura erudita à cultura popular, esta inge-nuamente concebida como reduto do autêntico. Longe vão também as assertivas herdeiras de uma concepção da belle époque, que en-tendia a literatura – e, por extensão, a cultura – como o sorriso da sociedade, como produção para o deleite e a pura fruição do espírito.

(...)

[A cultura passa a ser entendida, portanto,] como um conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo.

(...) uma forma de expressão e tradução da realidade que se faz de forma simbólica, ou seja, admite-se que os sentidos conferidos às palavras, às coisas, às ações e aos atores sociais se apresentam de forma cifrada, portando já um significado e uma apreciação valorati-va.52

No seio da Nova História Cultural, o imaginário emerge como um “conjunto de

representações que exorbitam do limite colocado pelas constatações da experiência

e pelos encadeamentos dedutivos que estas autorizam”53 ou ainda como “um siste-

ma de idéias e imagens de representação coletiva que os homens, em todas as é-

pocas, construíram para si, dando sentido ao mundo”54.

Segundo a historiadora Evelyne Patlagean, partindo desse conceito pode-se

afirmar que cada cultura, cada sociedade ou cada nível de uma sociedade em um

determinado contexto histórico possui seu próprio imaginário. Historiando sobre esse

campo da história no qual mergulharam nas últimas décadas pensadores de diver-

sas ciências sociais, Patlagean situa o mesmo no interior da história das mentalida-

des, sendo que sua emersão como objeto de estudo dos historiadores se deu no

período entre-guerras e em contato com a antropologia e a psicanálise, sobretudo

nas análises de história das religiões, da literatura e da arte. Segundo a referida au-

tora, a história do imaginário construiu-se na busca da relação entre a realidade so-

cial e o sistema de representações que a justifica, sendo a diversidade sua caracte-

rística fundamental, uma vez que as representações de uma sociedade e de uma

52 PESAVENTO. Op. Cit. 2005. p. 14-15 53 PATLAGEAN. IN: LE GOFF; CHARTIER; REVEL. Op. Cit. 2005. p. 391. 54 PESAVENTO. Op. Cit. 2005. p. 43.

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época formam um sistema que está articulado com outros como classificação social,

religião, modos de comunicação, etc.55

Finalmente, a idéia de representação, fundamental aos historiadores das men-

talidades e do imaginário e basilar para a Nova História Cultural, atuou de forma de-

cisiva na recuperação, sobretudo a partir dos anos 1980, das dimensões culturais

dos estudos históricos. Afinal, esse conceito contribuiu, conforme o historiador Roger

Chartier, na definição de uma “história das modalidades do fazer crer e das formas

da crença, que é antes de tudo uma história das relações simbólicas de força, uma

história da aceitação ou da rejeição pelos dominados dos princípios inculcados, das

identidades impostas que visam a assegurar e perpetuar seu assujeitamento”56. As-

sim, ao tentarem compreender o passado a partir das representações nele construí-

das, os historiadores buscavam as mesmas como formas discursivas e imagéticas,

portadoras do simbólico, e internalizadas no “inconsciente coletivo” de tal modo que

se apresentavam como naturais aos homens que são seus contemporâneos.57

Afinal, como demonstrou o historiador Roger Chartier em A História Cultural,

esta vertente da história tem como principal objeto de estudo a construção de deter-

minada realidade social em um determinado lugar. Para tal fim, afirmou Chartier,

deve o historiador tentar compreender as “classificações, divisões e delimitações

que organizam a apreensão do mundo social como categorias fundamentais de per-

cepção e de apreciação do real”, ou seja, as representações, construídas historica-

mente conforme os interesses de quem as forja e que fazem a realidade adquirir

sentido.58

Nesse sentido, aos que, como nós, tentam enxergar as representações como

objeto de estudo, é preciso vê-las como portadoras de sentidos ocultos construídos

social e historicamente, sentidos esses que produzem, a partir do real vivido, uma

imagem dele que faz os homens darem sentido ao mundo e a sua existência no

mesmo. Assim, tendo em vista nosso objetivo de compreender a construção de prá-

ticas e representações no imaginário católico de penitentes e promesseiros do muni-

55 PATLAGEAN. IN: LE GOFF; CHARTIER; REVEL. Op. Cit. 2005. p. 406. 56 CHARTIER. Op. Cit. 2002. p. 95. 57 PESAVENTO. Op. Cit. 2005. p. 39-42. 58 CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. 2. ed. Tradução de Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difel, 2002. (Memória e Sociedade) p. 16-17.

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cípio sergipano de Nossa Senhora das Dores (SE), tomando como base as procis-

sões penitenciais que lá ocorrem anualmente na “Sexta-feira Santa”, analisamos a

seguir conceitos basilares para cumprirmos essa finalidade.

1.1 O FENÔMENO RELIGIOSO

Para uma melhor compreensão do fenômeno religioso, foi necessário recor-

rermos às discussões presentes nas obras dos sociólogos Émille Durkheim e Peter

Berger e do historiador Peter Burke. O primeiro deles, que se tornou um dos 3 pila-

res da sociologia, junto a Karl Marx e Max Weber, teve como uma de suas preocu-

pações dar à sociologia o status de ciência, buscando para isso construir um método

e um procedimento próprio de pesquisa desvinculado daquele utilizado pelas ciên-

cias naturais. A obra durkheimiana foi incorporada pelos historiadores, a partir das

primeiras décadas do século XX, mas sobretudo nos últimos decênios desse século.

Durkheim, assim como seu contemporâneo Marcel Mauss, estudou entre o final

do século XIX e o início do século XX os chamados “povos primitivos atuais”, através

das formas integradoras da vida social por eles construídas para manter a coesão

grupal e que foram, por estes autores, intituladas como “representação do mundo”.

Para eles, essas representações podem ser apreendidas a partir das normas, das

instituições, dos discursos, das imagens e dos ritos que atuam na construção do re-

al. Elas agem, portanto, na formação de uma realidade imaginada e paralela à exis-

tência dos homens, fazendo com que, a partir da construção dessas imagens do re-

al, os mesmos vivam por elas e nelas, dando, assim, sentido ao mundo.59

Conceito-chave no âmbito das ciências humanas nas últimas décadas, a idéia

de representação alargou, como se mostrou na introdução deste capítulo, o olhar

lançado pelos historiadores ao passado, uma vez que desenvolveu neles uma preo-

cupação com o “processo de construção mental da realidade, produtor de coesão

59 Cf: PESAVENTO. Op. Cit. 2005. p. 39.

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social e de legitimidade a uma ordem instituída, por meio de idéias, imagens e práti-

cas dotadas de significados que os homens elaboravam para si”60.

Além do mais, o sociólogo francês Émile Durkheim discorreu sobre a “Definição

do fenômeno religioso e da religião” em obra intitulada As formas elementares da

vida religiosa61, na qual estudou o totemismo australiano com o intuito de compreen-

der a mais simples e primitiva expressão religiosa. Neste capítulo, ele analisou as

mais correntes versões então em voga no início do século XX (quando escreveu es-

te livro) sobre o que vem a ser religião. Afinal, afirmou, para se estudar a religião

mais elementar é preciso antes demonstrar qual entendimento o pesquisador tem

acerca desse fenômeno. 62

São duas as idéias de religião mais aceitas à época de As formas elementares

da vida religiosa, que veio a público em 1912. A primeira relaciona-a a tudo aquilo

que foge ao alcance humano, ao sobrenatural, ao misterioso, ao extraordinário. Por

sua vez, outra versão associa a religião à existência de seres espirituais, de divinda-

des, pois, seria ela um instrumento regulatório da relação mantida entre o homem e

esses seres. Durkheim tentou, portanto, afastar-se dessas idéias pré-concebidas a

cerca do que vem a ser religião, pois, para ele, a mesma está mais preocupada em

explicar a realidade natural que a sobrenatural, sendo o mistério uma criação huma-

na presente em algumas poucas “religiões avançadas”. Por outro lado, afirma haver

religiões em que está ausente a idéia de deuses (como é o caso do budismo), assim

como ritos sem divindades e outros que dão origem a elas.63

O autor imprime, então, o seu entendimento de religião, o qual nos apropria-

mos para tentar compreender nosso objeto de estudo. Para ele, a religião é um sis-

tema mais ou menos complexo de mitos, dogmas, ritos e cerimônias que só têm

sentido se absorvido por uma coletividade. Assim sendo, ela é um “fato social”, ou

seja, um ato coletivo gerador de laços de identidade que giram em torno de um con-

junto de crenças e ritos correspondentes que fazem com que um certo número de

60 PESAVENTO. Op. Cit. 2005. p. 24. 61 DURKHEIM, Émille. Definição do fenômeno religioso e da religião. In: As formas elementares de vida religi-osa: o sistema totêmico na Austrália. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1996. (Coleção Tópi-cos). p. 3-32. 62 Idem. 63 Ibid. p. 4-12.

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coisas sagradas possua relações de coordenação e subordinação.64 Há, aí, portan-

to, uma igreja, conceito que não é empregado no sentido de templo ou instituição

religiosa, mas como uma comunidade de fiéis unidos pelo laço da crença numa

mesma fé.65

Analisando o fenômeno religioso no século XX e a secularização do mundo tra-

zida pela modernidade, o sociólogo austríaco Peter Berger traz importante argumen-

to para compreensão deste fenômeno enquanto objeto de estudo. Segundo ele, para

se entender a concepção de mundo de uma sociedade, se faz necessário visualizar

sua “estrutura de plausibilidade”, isto é, as circunstâncias sociais que dão sustenta-

ção à visão de mundo ali presente.66

Tais circunstâncias, por sua vez, podem ser apreendidas nas relações que no

seu dia-a-dia o indivíduo mantém com outras pessoas, seja no trabalho, na escola,

na família, etc onde explícita e implicitamente, por tão “evidentes” e “naturais” que

parecem ser, os elementos que compõem seu modo de ver o mundo são reafirma-

dos. Além do mais, no que concerne ao objeto de estudo de Berger e ao nosso, a

construção de representações do real, a “igreja institucional” atua fortemente na ma-

nutenção dessa realidade, através de suas práticas, rituais e legitimações específi-

cas que “mantêm a fé acima e além de sua sustentação básica por um meio social

católico”.67

Assim, toda concepção de mundo, qualquer que seja seu caráter ou conteúdo, pode ser analisada em termos de sua estrutura de plausi-bilidade, porque é só quando o indivíduo permanece nesta estrutura que a concepção de mundo em questão permanece plausível para ele. A força desta plausibilidade, indo de certezas inquestionáveis a-través de firmes probabilidades a meras opiniões, dependerá direta-mente da força da estrutura que a sustenta.

(…) por exemplo, a manutenção da fé católica na consciência do in-divíduo exige que ele mantenha relações com a estrutura de plausibi-lidade do catolicismo.68

64 DURKHEIM. Op. Cit. 1996. p. 24-28. 65 Idem. p. 28-30. 66 BERGER, Peter L. Rumor de Anjos: a sociedade moderna e a redescoberta do sobrenatural. Tradução Wal-demar Boff, Jaime Clasen. Ed ampl. com nova introdução pelo autor. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. p. 65. et seq. 67 Idem. p. 65-70. 68 BERGUER. Op. Cit. 1996. p. 68

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Na ótica durkheimiana, portanto, o fenômeno religioso possui duas categorias

fundamentais que se encontram inter-relacionadas: as crenças e os ritos. Chamando

atenção para o fato de que ambos são atos coletivos, Durkheim define as primeiras

como “estados de opinião”, representações das coisas sagradas e das relações en-

tre elas e as profanas e os segundos como modos de ação determinados, práticas,

regras de conduta que normatizam a relação do homem com o sagrado. Para ele,

portanto, a crença exprime a natureza especial do rito, que só pode ser compreendi-

do/definido após compreendida/definida a crença que lhe dá legitimidade, ou seja,

que cria, como mostrou Berguer, sua “estrutura de plausibilidade”.69

Outro elemento importante na análise do fenômeno religioso é, como atentou

Èmille Durkheim, levar em conta que as crenças (desde aquelas ligadas às religiões

mais simples até as mais complexas) supõem uma classificação das coisas, reais ou

ideais, em dois gêneros: sagrado e profano. Assim, as coisas sagradas, elementos

fundamentais da existência de qualquer religião, podem ser seres pessoais (como

deuses ou espíritos) ou sua representação imagética, objetos (como a cruz), pala-

vras, frases ou fórmulas só pronunciáveis por pessoas consagradas, ritos, gestos ou

movimentos. Já as coisas profanas são aquelas que devem manter-se distantes das

sagradas, sendo proibidas ao homem religioso e somente praticadas se sacraliza-

das.70

Partindo das assertivas acima, argumentamos sobre o tema dessa dissertação

a partir da idéia de que as crenças (representações) e os ritos (práticas) nutrem en-

tre si uma relação de interdependência e que ambos só se justificam se presentes

numa coletividade. Afinal, as práticas religiosas só se tornam plausíveis se envoltas

em representações que lhe dêem sustentação.

Como exemplo disso, vemos a realização de práticas como a penitência duran-

te a “Sexta-feira Santa”, que tem como fundamento a crença de que naquele dia es-

se ato pode redimir o homem de seus pecados uma vez que, no imaginário cristão

católico, aquele dia representa o momento no qual Cristo foi Crucificado em prol do

perdão dos pecados da humanidade.

69 DURKHEIM. Op. Cit. 1996. p. 18-24. 70 Idem. p. 19-24.

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No entanto, faz-se necessário lembrar que, apesar de amparadas em represen-

tações coletivas, as práticas religiosas são expressadas de formas diferenciadas por

aqueles que fazem parte de uma visão de mundo sustentada numa mesma estrutura

de plausibilidade. Recordemos, pois, que tais representações são apropriadas de

modos diferentes pelos membros de cada sociedade.

Partindo dessa assertiva, podemos visualizar mais facilmente o processo de

hibridização presente em boa parte das crenças e ritos religiosos por nós estudados.

Afinal, como mostrou o historiador Peter Burke, para quem a cultura deve ser enten-

dida num “sentido razoavelmente amplo de forma a incluir atitudes, mentalidades e

valores e suas expressões, concretizações ou simbolizações em artefatos, práticas e

representações”71, exemplos de hibridismo cultural podem ser encontrados em toda

parte, em todo o globo e na maioria dos domínios da cultura. Ele lista alguns: religi-

ões sincréticas, filosofias ecléticas, línguas e culinárias mistas e estilos híbridos na

arquitetura, na literatura ou na música.72

Entretanto, Burke aponta que em todos esses casos o termo “hibridismo” não

tem o mesmo significado, sendo preciso, portanto, distinguir os processos de hibridi-

zação em três tipos: povos, artefatos e práticas. Sobre este último, que interessa

diretamente a nossa análise, o historiador inglês afirma que as formas híbridas são o

“resultado de encontros múltiplos e não como resultado de um único encontro, quer

encontros sucessivos adicionem novos elementos à mistura quer reforcem os anti-

gos elementos”73.

Esse processo de interação, fruto da circularidade cultural, gera a mistura, o si-

cretismo, enfim, a hibridização, termos empregados por Peter Burke como sinôni-

mos, apesar de impregnados de metáforas que implicam cuidado no seu uso74. Nes-

71 BURKE, Peter. Hibridismo cultural. Tradução Leila Souza Mendes. 2. reimp. São Leopoldo, RS: Editora UNISINOS, 2008. 72 Idem. p. 23. 73 Ibid. p. 31 74 Referindo-se a esses conceitos, e aos problemas no seu uso, Burke afirma: “Supõe-se que os conceitos nos ajudem a resolver problemas intelectuais, mas freqüentemente criam problemas próprios. No caso da ‘apropria-ção’, por exemplo, o grande problema é descobrir a lógica da escolha, o fundamento lógico, consciente ou in-consciente, para a seleção de alguns itens e a rejeição de outros. No caso sincretismo, além da lógica da esco-lha, o que precisa ser investigado em especial é até que ponto os diferentes elementos são fundidos (como quem já usou um mixer de cozinha sabe, há graus de fusão). Quanto ao hibridismo, é um termo escorregadio, ambíguo, ao mesmo tempo literal e metafórico, descritivo e explicativo. Os conceitos de sincretismo, mistura e hibridismo têm também a desvantagem de parecerem excluir o agente individual. ‘Mistura’ soa mecânico. ‘Hibridismo’ evoca o observador externo que estuda a cultura como se ela fosse a natureza e os produtos de indivíduos e grupos como se fossem espécimes botânicos. Conceitos como

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se sentido, o autor historia que a interação cultural tem sido vista pelos estudiosos

sob várias óticas, seja como resultado da imitação ou da apropriação, da acomoda-

ção ou da negociação, da mistura, do sincretismo ou da hibridização e, por fim, da

tradução ou da crioulização75.

Assim sendo, para compreender o fenômeno religioso em sua totalidade, faz-

se necessário analisar o campo religioso sob a ótica da circularidade aí existente e ir

além do estudo das relações terrenas entre fiéis, agentes e agências religiosas, mas

também enveredarmos no plano das relações entre homem e divindade. Desse mo-

do, é mister mergulharmos no imaginário católico e, em especial, tentarmos compre-

ender de que modo o homem entende o mundo, sua existência nele e como o trans-

cendente atua no mesmo. Para essa finalidade, é fundamental recorrermos à obra

do filósofo e historiador Mircea Eliade.

1.2 O HOMO RELIGIOSUS

Na década de 1950, a religião foi também objeto de análise do filósofo e histo-

riador romeno Mircea Eliade que, em O Sagrado e o Profano76, tentou compreender

o sagrado em sua totalidade e partindo da primeira definição do mesmo, que o opõe,

como foi visto anteriormente na análise da obra do sociólogo Èmille Durkheim, ao

profano. Assim, Eliade analisou de que modo o homem religioso se esforça por man-

ter-se o máximo de tempo possível num universo sagrado bem como de que forma

se apresenta a experiência do homem a-religioso, ou seja, daquele que vive num

universo dessacralizado.

Partindo do pressuposto de que essas são duas modalidades de ser no mundo,

duas situações existenciais assumidas pelo homem ao longo de sua história, esse

historiador das religiões propõe seu principal conceito, o de homo religiosus. Segun-

‘apropriação’ e ‘acomodação’ dão maior ênfase ao agente humano e à criatividade, assim como a idéia cada vez mais popular de ‘tradução cultural’, usada para descrever o mecanismo por meio do qual encontros culturais produzem formas novas e hibridas.” BURKE. Op. Cit. 2008, p. 54-55. 75 Para maiores detalhes sobre esses processos, ver BURKE. Op. Cit. 2008. p. 29-63. 76 ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a essência das religiões. Tradução Rogério Fernandes. São Paulo: Martins Fontes: 1992. (Tópicos)

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do Eliade, para esse homem, o sagrado é o “ser no mundo”, ou seja, toda a existên-

cia humana na terra deve estar pautada em torno de valores religiosos. Entretanto, o

homem a-religioso, em oposição a este, dessacraliza o mundo e a si próprio, ao

tempo em que compreende a realidade como relativa, não transcendente, e vê o

sagrado como um obstáculo a sua liberdade e o ser humano como único sujeito e

agente da história.77

Na visão de Mircea Eliade, no entanto, mesmo nas sociedades mais seculari-

zadas, como a sociedade estadunidense na qual o autor vivia naquele meados do

século XX, raramente se encontra uma experiência completamente desprovida de

valores espirituais em estado puro. Pois, para este historiador, nesse mundo profa-

no, subsistem vagas recordações e nostalgias dos comportamentos religiosos que o

homem busca distanciar-se. Afinal, afirmou, o homem a-religioso descende do ho-

mem religioso e é, também, obra deste, conservando, quer queira ou não, vestígios

da conduta dele, mas esvaziados dos significados sagrados.78

Voltando sua análise para a compreensão do comportamento e da visão de

mundo do homo religiosus, o historiador romeno naturalizado estadunidense nos

mostra que para este homem existem dois mundos, o do caos (o do “outro”) e o do

cosmos (o “nosso”). Nesse sentido, aquele no qual o homo religiosus habita é fun-

dado a partir da presença do sagrado nele. Essa cosmização faz com que o caos

(desordem) seja abolido do mundo, o que equivale a sua consagração, isto é, a sua

77 ELIADE. Op. Cit. 1992. p. 165. 78 Idem. p. 151-166. Eliade traz exemplos de resquícios do sagrado presentes no modo de vida do homem a-religioso: “Bastará, para dar um só exemplo, relembramos a estrutura mitológica do comunismo e seu sentido escatológico. Marx retoma e prolonga um dos grandes mitos escatológicos do mundo asiático-mediterrânico, a saber, o papel redentor do Justo (o ‘eleito’, o ‘ungido’, o ‘inocente’, o ‘mensageiro’; nos nossos dias, o proletariado), sujos sofrimentos são chamados a mudar o estatuto ontológico do mundo. Com efeito, a sociedade sem classes de Marx e a conse-qüente desaparição das tensões históricas encontram seu precedente mais exato no mito da Idade do Ouro, que, segundo múltiplas tradições, caracteriza o começo e o fim da História. Marx enriqueceu este mito venerável de toda uma ideologia messiânica judaico-cristã: por um lado,o papel profético e a função soterológica que ele atri-bui ao proletariado; por outro, a luta final entre o Bem e o Mal, que pode aproximar-se facilmente do conflito apo-calíptico entre o Cristo e o Anticristo, seguido da vitória decisiva do primeiro. É até significativo que Marx resgate, por sua conta, a esperança escatólica judaico-cristã de um fim absoluto da História; distingue-se nisso dos outros filósofos historicistas (por exemplo Croce e Ortega y Gasset), para quem as tensões da história são consubstan-ciais à condição humana e, portanto, jamais poderão ser completamente abolidas. Mas não é apenas nas ‘pequenas religiões’ ou nos misticismos políticos que se reencontram comportamentos religiosos camuflados ou degenerados: pode-se reconhecê-los em movimentos que se proclamam francamente laicos, até mesmo anti-religiosos. Citamos, por exemplo, o nudismo ou os movimentos a favor da liberdade se-xual absoluta, ideologias nas quais é possível decifrar os vestígios da ‘nostalgia do Paraíso’, o desejo de restabe-lecer o estado edênico anterior à queda, quando o pecado não existia e não havia rotura entre as beatitudes da carne e da consciência.” ELIADE. Op. Cit. 1992. p. 168-169.

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organização79. Assim sendo, para o mesmo, ao sacralizar o mundo em que vive, o

homem participa de sua “fundação”, imita a obra exemplar da divindade, pratica, as-

sim, o que o autor chamou de cosmogonia. Aliás, lembrou Eliade, para o homo reli-

giosus habitar um espaço é reiterar a cosmogonia, pois, “situar-se” nele é acima de

tudo uma decisão religiosa uma vez que

(...) a existência do sagrado torna possível a ‘fundação do mundo’: lá onde o sagrado se manifesta no espaço, o real se revela, o mundo vem à existência. Mas a irrupção do sagrado não somente projeta um ponto fixo no meio da fluidez amorfa do espaço profano, um ‘cen-tro’ no ‘caos’; produz também uma rotura de nível, quer dizer, abre a comunicação entre os níveis cósmicos (entre a terra e o céu) e pos-sibilita a passagem, de ordem ontológica, de um ser a outro. (...) To-da hierofania espacial ou toda consagração de um espaço equivalem a uma cosmogonia. (...) [É a partir dela, que] o mundo deixa-se per-ceber como mundo, como cosmo, à medida que se revela como mundo sagrado.

(...) [Pois,] o homem religioso só pode viver num mundo sagrado porque somente um tal mundo participa do ser, existe realmente.80

A partir dessa constatação, adentramos no entendimento do autor, fundamental

à compreensão das práticas e representações do homo religiosus, dos conceitos de

hierofania e roturas de nível. Para ele, é através das hierofanias, isto é, das manifes-

tações do sagrado “nesse mundo”, que o homem religioso toma conhecimento da

presença dele, uma vez que é através de roturas, ou seja, de aberturas de canais de

comunicação entre o mundo dos homens e o dos deuses, que o sagrado revela-se,

possibilitando a transcendência.81

Nesse sentido, em momentos excepcionais, como as procissões, o homo reli-

giosus imita os deuses (penitenciando-se como o Cristo na Via-Dolorosa, por exem-

plo), o que possibilita a abertura desses canais de comunicação que, pela presença

dos seres espirituais “nesse mundo”, atua na sua santificação. Há, portanto, uma

sacralização dos espaços nos quais ocorrem esses eventos, que passam pelos tem-

79 ELIADE. Op. Cit. 1992. p. 32-35. 80 Idem. p. 59-60. (grifos do autor) 81 Ibidem. p. 17.

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plos, cruzeiros e outros locais82. Do mesmo modo, esse momento festivo de cosmi-

zação só pode ocorrer num tempo extraordinário e igualmente santificado.

Assim, Eliade mostra que as festas religiosas, como as procissões por exem-

plo, ao reatualizarem um evento sagrado, tal qual a “Paixão e Morte de Cristo”, fa-

zem com que o homem se torne contemporâneo dos acontecimentos míticos, contri-

buindo para que a sacralidade dos modelos não seja desfigurada ou esquecida.83

Nesses eventos imitativos e reatulizadores dos atos sagrados praticados pelos deu-

ses, o homo religiosus busca “passar” de um tempo (o profano) a outro (o sagrado)

por meio de ritos que possibilitam aos mesmos transcenderem a partir de roturas e

hierofanias que santificam o mundo, fundando-o, bem como o tempo e os homens

que nele atuam. Afinal, no tempo profano, ordinário, não há roturas nem “misté-

rios”.84

Ao mostrar-nos, pois, que ao homem que busca viver num mundo envolto em

valores sagrados só é possível viver nele pela possibilidade de comunicação com os

deuses, Eliade deu larga contribuição em nossa tentativa de compreensão das práti-

cas e representações do homo religiosus dorense que, na “Sexta-feira Santa”, busca

a abertura de roturas que, através das hierofanias e das cosmogonias, possibilitem

aos mesmos conseguir junto a Deus alguma graça espiritual ou material.

Do mesmo modo, ao fazer-nos entender que o homem religioso só vive no

mundo devido a sua santidade, isto é, pela presença divina nele, Mircea Eliade nos

remete à compreensão do imaginário no qual está presente, por exemplo, o enten-

dimento de que a doença e a saúde são resultado da relação que se mantém com

os seres espirituais, nos ajudando, assim, a compreender práticas como a promes-

sa, o ex-voto e a penitência.

82 ELIADE. Op. Cit. 1992. p. 32-61. 83 Idem. p. 78-79. 84 Ibidem. p. 64-86.

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1.3 O CAMPO RELIGIOSO

É preciso, no entanto, levarmos em conta as ponderações que tem lugar na o-

bra do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) acerca do campo religioso e

do comportamento do homem no mesmo. Afinal, entendemos as representações,

neste trabalho visualizadas a partir das crenças religiosas, como uma construção

histórica que têm lugar num determinado período e que fomentam práticas como a

penitência, a promessa e o ex-voto.

Mergulhamos, portanto, na mentalidade do homo religiosus dorense que, ao

longo de mais de 100 anos, vem participando de atos devocionais na “Sexta-feira

Santa” que reatualizam a “Paixão e Morte de Cristo”. Nessa história centenária, es-

tamos preocupados em entender os movimentos que ali nasceram, desapareceram

ou continuam em ação, e em cuja trajetória ocorreram mudanças e permanências

que serão foco de nossa argumentação. Assim sendo, demonstrando a dinamicida-

de e a circularidade da cultura, representações e práticas outrora existentes vão

sendo ressignificadas ou até mesmo combatidas por quem atuou na construção das

mesmas.

Partindo daí, ou seja, da constatação de que as práticas e as representações

não são dados “naturais”, mas sim construídos historicamente, faz-se necessário

apreendermos algumas ponderações tomadas de empréstimo ao pensamento bour-

dieusiano. Afinal, esse autor definiu o real como um campo de forças no qual aquele

que detém o poder simbólico de dizer ou fazer crer sobre o mundo, controla a vida

social através do domínio da constituição da realidade, isto é, do domínio da cons-

trução de representações desse real.85

Bourdieu, sociólogo que também foi filósofo e antropólogo, contribuiu, conforme

o historiador Peter Burke86, com conceitos e teorias de “grande relevância” para a

abordagem histórica. Aliás, foi através de Bourdieu, Mikhail Bakhtin87, Norbert Elias88

85 PESAVENTO. Op. Cit. 2005, p. 41. 86 BURKE, Peter. O que é História Cultural? Tradução Sérgio Góes de Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. p.76-77. 87 Citemos BAKTHIN, Mikhail. L´Oeuvre de François Rabelais et la culture popularie au Moyen Age et sous La Renaissance. Paris: Gallimard, 1970.

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e Michel Foucault89 que, nos últimos anos, a história, e especialmente a Nova Histó-

ria Cultural, tem dado destaque às práticas e às representações enquanto elementos

para compreensão da realidade.

Sua obra, que no campo intelectual francês emergiu em oposição ao princípio

de ideologia impresso por Althusser, trouxe à sociologia três dimensões: sociológica

em suas técnicas e conceitualizações, antropológica por suas descrições e histórica

devido a suas perspectivas. Segundo o historiador Roger Chartier, em recente deba-

te sobre “Bourdieu e a História”, este sociólogo ganha importância especialmente

pela contribuição de seu trabalho para a prática da sociologia cultural, da antropolo-

gia cultural e, o que mais interessa ao autor, da história cultural. Além do mais, para

Chartier, as obras desse sociólogo têm contribuído para a definição de uma dimen-

são histórica a todas as ciências sociais.90

A partir de uma metáfora militar, Bourdieu passou a entender a sociologia como

uma ciência “libertadora” que permita o desvelamento das estratégias que legitimam

a dominação. Nesse sentido, é forte a influência em sua obra dos três mais impor-

tantes pensadores das ciências sociais: Durkheim, Weber e Marx.

Conforme análise da obra bourdieusiana feita pelo professor de ciências soci-

ais e econômicas Patrice Bonnewitz91, Pierre Bourdieu recuperou de Durkheim a

preocupação com a cientificidade da sociologia, que gerou a necessidade de dar a

ela um método e um procedimento específicos, do mesmo modo o entendimento de

que esta se define como uma ciência que estuda os “fatos sociais”, ou seja, toda

maneira de fazer – fixada ou não – que sobre o indivíduo exerce uma coação exter-

na passível de análise.

Já Max Weber, segundo Bonnewitz92, legou a Bourdieu o princípio pelo qual se

deve conhecer as práticas (ação social) por meio da compreensão das representa-

ções (sentido que o indivíduo lhe confere), pois, para Weber a atividade humana ori-

88 Citemos ELIAS, Norbert. The civilizing process. Sociogenetic and Psychoenetic investigations, vol. I, The history of manners, e vol. II, State formation and civilization. Oxford: Basis Blackwell, 1978 e 1982. 89 Citemos FOUCAULT, Michel. L´ordre du discours. Paris: Gallimard, 1971. 90 CHARTIER, Roger. Pierre Bourdieu e a História: Debate com José Sérgio Leite Lopes. In: Topoi. Rio de Janei-ro: UFRJ, mar. 2002, p. 139-148. 91 BONNEWITZ, Patrice. Primeiras lições sobre a sociologia de P. Bourdieu. Tradução de Lucy Magalhães. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. p. 25. 92 Idem. p. 23-24.

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enta-se por um sentido que a torna inteligível e que o cientista deve considerar. Tal

consideração aproxima-se, portanto, da análise anteriormente citada da relação en-

tre crença e rito proposta por Durkheim. Outra propositura fundamental da obra we-

beriana assimilada por Pierre Bourdieu é a idéia de legitimidade, vista como algo

aceito e reconhecido pelos membros de determinada sociedade e que ampara seus

atos, sendo interesse bourdieusiano compreender o processo de legitimação, isto é,

o modo pelo qual os atores sociais produzem legitimidade através da luta simbólica

no interior do campo.

A influência dos escritos Karl Marx também é latente para a sociologia de

Bourdieu, que, a partir deles, passa a pensar a ordem social por meio do paradigma

da dominação. Entretanto, avançando em áreas tidas como menores pelo marxismo,

como a cultura, ao propor sua teoria da dominação simbólica. Nesse sentido, mos-

tra-nos Bonnewitz93, rompe com Marx ao entender a complexidade do espaço social,

ressaltando o papel das “lutas simbólicas” que atuam na representação e hierarqui-

zação do mundo e fugindo ao exclusivismo econômico.

Em sua Economia das trocas simbólicas94, Bourdieu demonstra ser a religião

um instrumento de comunicação e conhecimento, um veículo simbólico estruturado e

estruturante que atua na conservação da ordem social através da legitimação do

poder dos “dominantes” e da “domesticação dos dominados”. Neste sentido, para o

referido pensador, a religião impõe aos homens um sistema de práticas e represen-

tações (habitus) fundado numa estrutura natural-sobrenatural do cosmo, atuando,

assim, na imposição dos princípios de estruturação da percepção e do pensamento

do mundo social95.

Bourdieu pensou, portanto, o espaço social como algo dividido em campos nos

quais os indivíduos tentam exercer sua dominação sobre outrem através de instru-

mentos como o acúmulo de capital e a violência simbólica, por exemplo. Segundo

ele, no interior do campo, os agentes sociais comportam-se como jogadores, sendo

o mesmo um espaço conflituoso. Afinal, o campo religioso é um mercado com produ-

tores e consumidores de determinados bens e serviços, onde os primeiros são dota-

93 BONNEWITZ. Op. Cit. 2003. p. 20-21. 94 BOURDEIU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Introdução, organização e seleção Sergio Miceli. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 1998. (Coleção estudos). p. 28-32. 95 Idem. p. 33-34.

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dos de capitais específicos e enfrentam-se na imposição da dominação, que gira em

torno do acúmulo de capital e da necessidade que os consumidores sentem dos

bens e serviços ofertados a eles.96

Vê-se, aí, que a idéia de capital é fundamental no entendimento dos conflitos

dentro do campo, uma vez que, para Bourdieu, quanto mais se acumula capital mais

se fortalece a dominação sobre outros indivíduos. Assim sendo, este conceito se

construiu por analogia com o plano econômico, pois, o capital pode ser acumulado,

transmitido por herança, além de gerar lucro. Conforme Patrice Bonnewitz, em suas

Lições sobre a sociologia de P. Bourdieu97, o entendimento desse conceito na obra

bourdieuiana não se limita ao campo econômico, sendo que para este sociólogo

francês há quatro tipos de capital: a) o econômico - associado a fatores de produção

e bens econômicos; b) o cultural - ligado às qualificações intelectuais adquiridas ou

institucionalizadas; c) o social – absorvido ao longo do processo de socialização a-

través das relações sociais de que dispõe um indivíduo ou grupo; d) o simbólico –

conjunto de ritos que dão reconhecimento e posse das três outras formas de capital.

O último desses tipos de capital foi tratado por Bourdieu em O Poder Simbólico,

obra na qual o mesmo analisa os sistemas simbólicos sob a visão de que estes são

estruturas estruturadas e estruturantes que atuam na legitimação da ordem estabe-

lecida. Assim, tendo em vista a idéia do autor de tornar a sociologia uma “ciência

libertadora”, Pierre Bourdieu afirma que “se vê o poder por toda a parte (...) é neces-

sário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamen-

te ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico”98.

O poder simbólico, enquanto instrumento de dominação e legitimação da reali-

dade social (devido a sua atuação na construção do habitus), possui especialistas

que produzem os bens simbólicos e praticam, na luta para impor sua definição do

mundo social, aquilo que o autor chamou de violência simbólica:

É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunica-ção e de conhecimento que os ‘sistemas simbólicos’ cumprem a sua

96 BOURDIEU. Op. Cit. 1998. p. 59. 97 BONNEWITZ. Op. Cit. 2003. p. 52-54. 98 BOURDIEU, Pierre.O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 2000. p. 7.

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função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica) dando o reforço de força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de Weber, para a “domesticação dos dominados”.99

Partindo das idéias expostas a cima, observa-se que o campo é um espaço so-

cial conflituoso, no qual os dominadores tentam, por meio das lutas simbólicas, im-

por aos dominados aquilo que Bourdieu chamou, a partir da obra de Erwin Panofsky,

de habitus. Para ele, o mesmo é um sistema de disposição duradouro e transponí-

vel, estrutura estruturada e estruturante que funciona como princípio gerador e orga-

nizador de práticas e representações voluntárias e involuntárias, ou seja, “de todos

os pensamentos, percepções e ações seguindo as normas de uma representação

religiosa do mundo natural e sobrenatural”100.

Essa “grade de leitura” pela qual se percebe e se julga a realidade, produzindo

práticas a ela associadas, é adquirida pelo indivíduo ao longo do processo de socia-

lização e possui forte relação com o campo no qual ela se insere. Afinal, o campo

estrutura o habitus ao mesmo tempo em que este último atua na construção do pri-

meiro como um “mundo significante, dotado de sentido e de valor, no qual vale a

pena investir energia” no jogo pela dominação101.

O habitus, esse sistema de práticas e representações, é duradouro, mas não

imutável, torna possível “um conjunto de comportamentos e atitudes de acordo com

os condicionamentos e, com isso, de acordo com as regularidades objetivas”102. Por

meio dessa observação, pode-se verificar que o homem é um ser social, produto de

múltiplas aquisições de capital. Permite-nos, por sua vez, entender a lógica das prá-

ticas individuais e coletivas, o sentido do jogo social que nos faz atuar em diversos

campos.

Pelo exposto, a análise bourdieusiana do campo, bem como suas idéias de ca-

pital e habitus, são fundamentais para compreendermos o campo religioso de Nossa

Senhora das Dores (SE), em especial no que se refere à luta pela criação/imposição

de um habitus católico em torno das práticas e representações a cerca da Paixão e 99 BOURDIEU. Op. Cit. 2000. p. 11. 100 BOURDIEU. Apud: BONNEWITZ. Op. Cit. 2005, p. 77. e BOURDEIU. Op. Cit.1998. p. 57. 101 BOURDIEU. Apud: BONNEWITZ. Op. Cit. 2005, p. 85. 102 BOURDEIU. Op. Cit.1998. p. 33. e BONNEWITZ. Op. Cit. 2005, p. 88.

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Morte de Cristo, expressas nas manifestações penitenciais da “Sexta-feira Santa”

naquele município.

Tal trabalho de legitimação, que inclui a tentativa de exercer o monopólio da

nomeação legítima, remete à compreensão do campo religioso como um mercado

de bens simbólicos, no qual existe um corpo de especialistas na produção de discur-

sos e ritos (clero) e não especialistas (leigos), que os primeiros buscam desapossar

dos instrumentos de produção dos bens religiosos que consomem. Afinal, como

mostrou-nos Bourdieu, o exercício de tal monopólio implica a possibilidade de con-

trole da construção do habitus e, por sua vez, da visão legítima do mundo social.103

Tomando por base o pensamento bourdieusiano exposto acima, é possível en-

tender, por exemplo, a difusão entre o clero católico que esteve à frente da Paróquia

Nossa Senhora das Dores dos ideais da romanização, durante boa parte do século

XX. Este movimento nasceu no século XIX no interior da Igreja Católica com a pre-

tensão de fazer frente às idéias liberais modernas e implantar um novo modo de ser

católico. Para os seus defensores, a Igreja deveria ter como alicerce os sacramentos

e o respeito à hierarquia eclesiástica (centrada nas figuras do papa, do bispo e do

vigário)104.

Assim, no período de difusão do catolicismo ultramontano ou romanizado, ten-

tou-se criar um clero detentor, o campo religioso em foco, do monopólio da produção

dos bens de salvação, isto é, de bens e serviços (como batismo, casamento, tem-

plos, perdão, santidades, etc.) que venham satisfazer as necessidades religiosas de

seus adeptos.

Nesse sentido, foi preciso retirar do laicato o poder de produzi-los e/ou repro-

duzi-los. Com o fim de formar um novo habitus católico, baseado nos sacramentos e

na hierarquia, e com o intuito de dominar o campo religioso, novas devoções foram

criadas e/ou fortalecidas com o objetivo de reforçar o caráter sacramental do catoli-

cismo e os dogmas da Igreja, bem como corroborar o poder dos sacerdotes diante

do leigo. A partir desses novos elementos buscava-se formar um novo sistema de

práticas e representações, que deveria eliminar os demais ou ressignificá-los com o

103 BOURDIEU. Op. Cit. 2000. p. 146. 104 A inserção dos ideais da Romanização no Brasil, em Sergipe e em N. Sra. das Dores será discutida nos capí-tulos 4 e 5.

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objetivo de exercer naquele campo religioso o monopólio da gestão dos bens de sal-

vação. Afinal,

Enquanto resultado da monopolização da gestão dos bens de salva-ção por um corpo de especialistas religiosos, socialmente reconheci-dos como os detentores exclusivos da competência específica ne-cessária à produção ou à reprodução de um corpus deliberadamente organizado de conhecimentos secretos (e portanto raros), a constitu-ição de um campo religioso acompanha a desapropriação objetiva daqueles que dele são excluídos e que se transformam por esta ra-zão em leigos (ou profanos, no duplo sentido do termo) destituídos do capital religioso (enquanto trabalho simbólico acumulado) e reco-nhecendo a legitimidade desta desapropriação pelo simples fato de que a desconhecem enquanto tal.105

Fazia-se necessário, para o exercício desse monopólio, promover o que Bour-

dieu chamou de divisão do trabalho religioso, onde houvesse concentração do capi-

tal simbólico nas mãos de especialistas na sua produção, os sacerdotes no caso em

estudo. Para a monopolização da gestão dos bens de salvação, o especialista lança

sobre o leigo a violência simbólica, deteriorando o capital tradicional e separando o

saber religioso por ele “legitimamente” manipulado da ignorância profana e profana-

dora do não especialista.106

Nesse sentido, como se verá especialmente no capítulo 5, algumas práticas

devocionais aqui analisadas, e as representações que lhe dão sustentação, vão ser,

com vias ao exercício do monopólio da gestão de bens e serviços religiosos, comba-

tidas pelo clero. Afinal, elas vão ter o leigo como produtor e consumidor, na termino-

logia bourdieusiana, sem que estes se submetam à autoridade religiosa do clero,

que no campo em estudo busca exercer a função de especialista na sua gestão

(produtor).

Tentando disciplinar tais práticas, e os agentes nelas envolvidas, o clero lança

mão da violência simbólica e o campo religioso estudado torna-se palco de embates

na constituição de um habitus católico. Em tal disputa simbólica, analisada sob a

ótica bourdieusiana, o clero buscava vencer com o intuito de monopolizar a gestão

105 BOURDEIU. Op. Cit. 1998. p. 39. 106 Idem. p. 39-43.

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dos bens de salvação, utilizando, para isso, da violência simbólica, ou seja, da impo-

sição de um habitus que fazia crer que somente por meio dele era possível, usando

o termo eliadiano107, “ser no mundo”. Assim, o “verdadeiro católico” era o “católico

romano”.

Nos capítulos seguintes, tentaremos argumentar como se deu a construção, ao

longo de mais de um século, desse habitus, que tem como ponto central o tema da

“Paixão e Morte de Cristo”. Para isso, faz-se necessário levarmos em conta a análise

que fizemos aqui, bem como da obras de diversos historiadores e outros pesquisa-

dores que pensaram o imaginário católico e o catolicismo no Brasil e que serão a-

bordados no capítulo seguinte.

107 Remeter à discussão anterior baseada em ELIADE. Op. Cit. 1992.

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2 CAPÍTULO 2 – NOTAS SOBRE O CATOLICISMO NO BRASIL E SUAS MÚLTIPLAS FACES

Ao longo de sua história, a Igreja Católica tem tentado construir, como o signifi-

cado do próprio nome “católico” quer dizer, um discurso “universal”. Para isso, foi

necessário criar um conjunto de práticas e representações que, institucionalmente,

fizessem desse credo algo homogêneo. Entretanto, o que temos visualizado ao mer-

gulharmos nessa mesma história é que tal homogeneidade tem emergido a partir da

incorporação de diversas práticas e representações muitas das vezes antagônicas.

Essa elasticidade pode ser evidenciada quando se parte para a análise da his-

tória católica do Brasil, tido como o maior país católico do mundo uma vez que, se-

gundo o último panorama do campo religioso nacional108, dois terços de sua popula-

ção (cerca de 125 milhões de pessoas) declaram-se pertencentes ao catolicismo. No

entanto, esse dado quantitativo esconde as múltiplas faces do credo romano no pa-

ís, pois, não evidencia os muitos “estilos culturais de ‘ser católico’” que marcam a

prática cotidiana daqueles que se assumem enquanto filiados a esta Igreja. Afinal,

no entender de estudioso do catolicismo brasileiro contemporâneo, a religiosidade

ligada às mensagens transmitidas por essa instituição “universal” e “homogênea”

são apropriadas dos mais variados modos e formam uma “identidade plástica, per-

meável ao influxo de outras tradições e sistemas religiosos, ou, pelo menos, de seus

fragmentos”109.

Seguindo caminho semelhante, o antropólogo Carlos Alberto Steil define o ca-

tolicismo como um complexo sistema formado por um emaranhado de práticas, sig-

nificados, rituais e personagens que vão além das fronteiras institucionais da Igreja

Católica Apostólica Romana e de sua ortodoxia110. Tal plasticidade, por sua vez, tem

por base a tentativa de ampliação, no interior das práticas religiosas, das possibili-

108 FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Retratos das Religiões no Brasil. CPS/FGV através do processamento dos microdados do Censo Demográfico 2000/IBGE. Disponível em www.fgv.br acessado em 28 de fevereiro de 2008. 109 TEIXEIRA, Faustino. Faces do catolicismo brasileiro contemporâneo. In: Revista USP. N. 67(setembro / ou-tubro / novembro 2005). São Paulo, 2005. p. 22. 110 STEIL, Carlos Alberto. Catolicismo e Cultura. In: VALLA, Victor Vincent (org.). Religião e cultura popular. Rio de Janeiro: DR&A, 2001. (o sentido da escola, 17). p. 10.

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dades de comunicação com o sagrado ou com o “outro mundo” que fazem com que

o homo religiosus se deixe envolver por uma abertura a outras expressões de religi-

osidade que lhe permitam sacralizar o mundo e sua existência nele.

Partindo desse pressuposto e tendo em vista que nosso tema envolve práticas

e representações formuladas no interior do catolicismo, propomos aqui historiar so-

bre algumas das várias facetas que atuam diretamente na compreensão do campo

religioso em foco, o município de Nossa Senhora das Dores (SE), e das manifesta-

ções penitenciais que ali ocorrem, há mais de cem anos, durante a “Sexta-feira San-

ta”.

Dentre eles, começamos pelas manifestações daquilo que achamos por bem

denominar catolicismo colonial, cujas práticas medievais trazidas pelo colonizador

português tiveram grande impacto principalmente entre os séculos XVI e XIX e que

mantiveram contato com outras visões de mundo, como as dos povos africanos e

indígenas. Para tal discussão, tomamos por base a leitura de historiadores como

Felisbelo Freire, Maria Lúcia Bastos e Humberto Machado, Maria Thétis Nunes, Ro-

naldo Vainfas e Juliana Souza, dos sociólogos Maria Isaura Pereira de Queiroz e

Gilberto Freyre, dos antropólogos Maristela Andrade e Luiz Mott e de religiosos que

pesquisaram a história da Igreja, como é o caso de Eduardo Hoornaert, Maurílio Cé-

sar de Lima e Riolando Azzi.

Em seguida, mostraremos como, a partir do século XIX, o catolicismo reagiu à

secularização da sociedade e ao pluralismo religioso trazidos pela modernidade. As-

sim, em catolicismo tridentino e catolicismo e pluralismo, buscamos um diálogo

com sociólogos como Peter Berger, Péricles Andrade e Pierre Bourdieu e com histo-

riadores como Antônio Lindvaldo Souza, Emanuela Ribeiro, Jean Delumeau, Maria

Lúcia Montes e Raylane Barreto, além de pesquisadores como Maurílio César de

Lima, Riolando Azzi, dentre outros.

Essas múltiplas faces do catolicismo brasileiro serão, pois, analisadas a partir

do fluxo contínuo de trocas simbólicas que se mantêm entre elas. Afinal, há uma cir-

cularidade entre as mesmas, o que faz com que uma se alimente das outras e vice-

versa. Existe, desse modo, uma constante reinvenção marcada pela incorporação de

novas práticas e representações que fazem o homo religiosus ressignificar aquilo

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que anteriormente via como tradição111. Para isso, dividimos nossa explanação de

cada uma dessas três faces do catolicismo em duas etapas: uma que mergulha no

universo institucional e outra que enfoca o cotidiano religioso dos fiéis e os atos de

religiosidade aí presentes.

Tentamos, pois, compreender o campo religioso de forma ampla, com vias a

favorecer o entendimento do modo pelo qual nele processam-se as “relações terre-

nas” entre os fiéis, entre eles e os agentes e agências religiosas, bem como entre os

homens e o transcendente.

2.1 CATOLICISMO COLONIAL

O catolicismo adentrou no Brasil através do Portugal medieval que aqui aportou

em 1500. Religião oficial do Império Português e, por conseqüência, de suas colô-

nias - como o Brasil -, tal credo atuou fortemente no projeto colonizador, uma vez

que a expansão marítimo-comercial se deu sob a bandeira da Ordem de Cristo, cujo

símbolo veio estampado nas caravelas, e com a justificativa de “alargar os territórios

de fiéis de Cristo”. Esse “espírito de cruzada”, importado da península ibérica recém

conquistada aos mouros112, chega ao “novo mundo” e tem sua maior expressão na

tentativa de catequese dos povos “pagãos” (não-cristãos) com os quais o português

manteve contato na América.113

Em terras sergipanas, a colonização se iniciou sob o símbolo do evangelho,

com a vinda dos padres Gaspar Lourenso e João Solônio em 1575. Com o intuito de

conquistar os domínios indígenas inicialmente pela fé, os respectivos sacerdotes

fundaram capelas e escola nas aldeias dos nativos e passaram a catequizá-los. Tal

111 Segundo o dicionário Caldas Aulete, Tradição é: “ 1. transmissão oral de cultura, costumes, história etc de geração em geração; 2. Costume araigado”. AULETE, Caldas. Minidicionário contemporâneo da língua por-tuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteria, 2004. P. 779. 112 Árabes-muçulmanos que ocuparam a Península Ibérica entre os séculos VIII e XV. 113 AZZI, Riolando. O catolicismo popular no Brasil: aspectos históricos. Petrópolis: Vozes, 1978. HOORNA-ERT, Eduardo. Formação do catolicismo brasileiro (1550-1800). 3. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1991. _____. A Igreja no Brasil-colônia (1550-1800). 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (tudo é história). VAINFAS, Ronaldo; SOUZA, Juliana Beatriz de. Brasil de todos os santos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000. (Descobrindo o Brasil)

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intuito, entretanto, foi frustrado pela presença de soldados entre os religiosos e a

colonização tardou um pouco mais a se concretizar, o que teve início, agora pelas

armas, após a vitória portuguesa sobre os nativos na “Guerra de Conquista”114 finali-

zada em 1590. Na nova capitania, fundada então por Cristóvão de Barros, várias

ordens religiosas passaram a atuar, destacando-se as dos jesuítas, carmelitas, fran-

ciscanos, beneditinos e capuchinhos. Estas ordens fundaram diversos aldeamentos

ou missões a partir de onde se deveria converter os índios e que acabaram dando

origem a alguns municípios sergipanos.115

Entretanto, para se compreender a inserção no Brasil dessa “religiosidade anti-

ga”, como chamaram os historiadores Maria Lúcia Bastos e Humberto Machado116,

ou deste “catolicismo rústico”, conforme quis a socióloga Maria Isaura Pereira de

Queiroz117, é preciso visualizar o que foi o padroado e quais as suas implicações

para a antiga “terra de Santa Cruz”.

Por este instrumento, que chegou com os portugueses em 1500 e que foi man-

tido após a independência por meio da Constituição de 1824, a Igreja passou a ser

submetida ao poder civil, que deveria criar bispados, paróquias, seminários e demais

unidades a serviço da fé, além de nomear os membros da hierarquia eclesiástica,

bem como pagar os proventos dos mesmos, então tornados funcionários do Estado.

Em contrapartida, o Estado receberia os dízimos e demais benefícios concedidos à

Igreja. Era ao Estado, também, que cabiam os custos de manutenção do culto.

Segundo a análise do Monsenhor Maurílio César de Lima, em sua Breve Histó-

ria da Igreja no Brasil118, o lus patronatus (direito de padroado) importa para o Brasil

o cesaropapismo que se constitui na constante intromissão do Estado em assuntos

estritamente eclesiásticos. Assim o religioso definiu este instrumento:

114 Conflito entre índios e portugueses motivado pelo interesse do europeu em controlar as terras do atual Estado de Sergipe, podendo assim explorá-las economicamente através da criação de gado, do plantio de cana-de-açucar e da busca de minérios, bem como vencer a hostilidade dos nativos e transformá-los em escravos, expul-sar os franceses que desde muito comerciavam com o indígena e facilitar a comunicação entre Bahia e Pernam-buco. 115 FREIRE, Felisbello Firmo de Oliveira. História de Sergipe (1575-1855). Rio de Janeiro: Typographia Perser-verança, 1891. e NUNES, Maria Thetis. Sergipe Colonial II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. (a) 116 NEVES, Maria Lúcia B. P. das; MACHADO, Humberto F. O Império do Brasil. São Paulo: Nova Fronteira, 1999. 117 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O campesinato brasileiro: ensaios sobre civilização e grupos rústicos no Brasil. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1973. (Estudos Brasileiros, 3). 118 LIMA, Monsenhor Maurilio César de. Breve História da Igreja no Brasil. Rio de Janeiro: Restauro, 2001.

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O lus patronatus (Direito de Padroado) é uma praxe canônica oriunda do Direito Germânico, segundo a qual, por concessão pontifícia, os fundadores de igrejas dispunham da prerrogativa especial de apre-sentarem os ministros das igrejas à autoridade religiosa para a devi-da confirmação, e de receberem os dízimos das respectivas igrejas. Originalmente era uma concessão ou privilégio que, no entanto, os juristas e os reis lusitanos passaram a considerar de direito próprio. Daí, a razão pela qual, na qualidade de patronos, os monarcas por-tugueses (e, depois, os imperadores brasileiros) terem exercido o privilégio do Padroado com demasiada amplitude, sem suficiente ba-se jurídica.119

Assim, sobretudo, graças à negligência do Estado português e depois do brasi-

leiro, que resistiam em arcar com o custeio do culto, formou-se no Brasil, especial-

mente entre as populações nas quais era rara ou inexistia a figura do padre, modos

de ser católico distantes dos dogmas da Igreja e abertos à influência das religiosida-

des africanas e indígenas.

Este “catolicismo desregrado”, como chamaram os historiadores Ronaldo Vain-

fas e Juliana Beatriz120, gestado na colônia e no início do império, resultou, como

afirmaram os historiadores Lúcia Bastos e Humberto Machado121 em estudo sobre o

oitocentos, sobretudo, “dessa ingerência da coroa nos assuntos religiosos, somada

às dificuldades oferecidas pelo território imenso e a outros fatores, como a presença

do numeroso contingente de escravos, o processo de cristianização do Brasil reali-

zou-se de maneira muito peculiar. Se o país oficial proclamava-se católico, o país

real, quase sempre, movia-se à margem das práticas e dos dogmas da igreja”. 122

A inexistência de seminários em boa parte do Brasil e o pequeno número de

instâncias eclesiásticas123, associados à falta de sacerdotes e conhecimentos religi-

osos por parte da maioria deles, geraram um culto heterodoxo e centrado na figura

dos leigos, que se constituíam nos “promotores da fé católica”, já que a maior parte

das ermidas, capelas e igrejas foram por eles fundadas como forma de difundir as

devoções particulares. Do mesmo modo, era o laicato que organizava e patrocinava

119 LIMA. Op. Cit. 2001. p. 23. 120 VAINFAS; SOUZA. Op. Cit. 2000. p. 35. 121 NEVES; MACHADO. Op. Cit. 1999. 122 Idem. p. 206. 123 Paróquias, prelazias, bispados, etc.

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a maioria das atividades religiosas, em especial as festas, procissões e romarias

geralmente em honra de algum santo.

Aliás, segundo a antropóloga Maria Lúcia Montes, no catolicismo colonial a reli-

gião atua como elemento de mediação entre o público e o privado. Isso pode ser

observado nas festas, instrumentos capazes de “soldar” as elites e a massa do povo,

de “unir numa mesma totalidade de sentido de pertencimento” o colonizador e o co-

lonizado, europeus, indígenas e africanos, senhores e escravos, com todas as ambi-

valências e ressiginificações que comporta esse processo. Afinal, as festas sempre

se recusaram a separar sagrado e profano, erudito e de massa, local e universal,

público e privado.124

Frisemos, ainda, que, apesar de haver festas organizadas pelo poder público, a

maioria delas estava ao encargo dos leigos. Lembremos, pois, que o Estado entre-

gou a evangelização da colônia às ordens religiosas125, que estiveram muito mais

preocupadas em catequizar o indígena do que em normatizar a fé dos católicos, “ve-

lhos” e “novos”, uma fé que deveria ser pautada nos dogmas romanos.126

Assim, surgiu no Brasil uma religiosidade marcada pelos hibridismos127, ou se-

ja, que mescla práticas e representações de cultos dos diversos povos, como os in-

dígenas, os africanos e os europeus, que mantiveram contato ao longo de séculos

de colonização. Emergiram nesse contexto, ainda na colônia, por exemplo, as “san-

tidades indígenas” e os “calundus africanos”, que misturavam elementos das religi-

ões ancestrais desses povos ao catolicismo, ou a parte dele que então se difundi-

a.128

Neste período, fortemente marcado por uma concepção de mundo emanada do

medievo, a “vida terrena” do homem era vista sob a ótica da constante luta entre o

124 MONTES, Maria Lúcia. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: NOVAIS, Fernando A. (coorde-nador) e SCHWARCZ, Lilia Moritz (organizadora). História da vida privada no Brasil: contrates da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. (História da Vida Privada no Brasil; 4). p. 110-111. 125 As ordens religiosas são aqui compreendidas como: “Companhia de pessoas que fazem voto de viver sob a autoridade de certas regras”. Ver: NUNES, Verônica Maria Meneses. Glossário de termos sobre religiosidade. Aracaju: Tribunal de Justiça; Arquivo Judiciário do Estado de Sergipe, 2008. p. 109. 126 HOORNAERT. Op. Cit. 1994. p. 30 127 Ver: BURKE. Op. Cit. 2008. 128 ANDRADE, Maristela Oliveira de. 500 anos de catolicismos e sincretismos no Brasil. João Pessoa: Edito-ra Universitária UFPB, 2002. MOTT, Luiz. Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e o calundu. In: NOVAIS, Fernando A. (coordenação geral) e SOUZA, Laura de Mello e (organização). História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. (História da vida pri-vada no Brasil, 1). p. 155-220. VAINFAS e SOUZA. Op. Cit. 2000.

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bem e o mal, na qual todo instrumento era válido no estabelecimento de uma rela-

ção harmônica entre o homo religiosus e os seres celestes, desde práticas piedosas

como a penitência, o autoflagelo, a promessa e o ex-voto, até recorrer aos “feiticei-

ros” dos “calundus” e das “santidades”.

Nos primeiros séculos da história do Brasil, o papel da família foi de extrema

importância para a perpetuação de práticas e representações católicas já que, devi-

do à formação precária e distante dos dogmas, a tradição religiosa trazida pelos lu-

sos, e suas devoções e festas, eram transmitidas no seio da família e de forma oral.

O catolicismo era, pois, parte da tradição familiar que se transmitia de geração a ge-

ração.

Esse catolicismo colonial, era, pois, centrado na devoção aos santos, expressa

principalmente nas festas, procissões e romarias, bem como nas capelas e igrejas

erigidas para a propagação destas devoções. Aí, tem-se uma relação íntima entre o

fiel e os seres celestes, em que estes eram tratados não como entidades impessoais

e distantes, mas como alguém próximo, presente no cotidiano e, portanto, sujeito às

relações de interesse. Afinal, se o santo não concedesse a graça almejada pelo fiel

era por este “castigado”, ao mesmo tempo em que o devoto deveria praticar atos

que não gerassem a ira da divindade.129

A citação abaixo, do clássico Casa Grande & Senzala, expressa bem esta pro-

ximidade entre devoto e divindade. Para seu autor, o sociólogo pernambucano Gil-

berto Freyre, aqui se formou “um doce cristianismo lírico”, cuja principal expressão

era justamente essa relação íntima entre fiel e santo. Tal religiosidade, no entender

no autor citado, representou o “cimento da nossa unidade”. Vejamos:

Nas cantigas de acalanto portuguesas e brasileiras as mães não he-sitaram nunca em fazer dos seus filhinhos uns irmãos mais moços de Jesus, com os mesmos direitos aos cuidados de Maria, às vigílias de São José, às petitices de vovó de Sant’Ana. A São José encarrega-va-se com a maior sem-cerimônia de embalar o berço ou a rede da criança. (...) E a Sant’Ana de ninar os meninozinhos no colo. (...) E ti-nha-se tanta liberdade com os santos que era a eles que se confiava a guarda das terrinas de doce e de melado contra as formigas. (...) Quando se perdia dedal, uma tesoura, uma moedinha, Santo Antônio

129 QUEIROZ. Op. Cit. 1973. p. 85.

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que desse conta do objeto perdido. Nunca deixou de haver no patri-arcalismo brasileiro, ainda mais que no português, perfeita intimidade com os santos. O Menino Jesus só faltava engatinhar com os meni-nos da casa; lambuzar-se na geléia de araçá ou goiaba; brincar com os moleques.130

A Igreja enquanto instituição tinha, neste contexto, papel secundário no interior

do culto, pois, a maioria das famílias possuía um pequeno oratório em sua residên-

cia, um “quarto dos santos” ou até mesmo uma suntuosa capela particular, onde ali-

mentavam suas devoções, que eram passadas de geração a geração. Ia-se à missa

ou recebia-se os sacramentos raramente: ou em dia de festa, como o natal ou a se-

mana santa, ou no caso de batismo, casamento ou falecimento de algum parente.

Esse catolicismo colonial, vivenciado de forma distante da ortodoxia e, portanto,

sem o disciplinamento da mesma, foi, a partir de meados do século XIX, intensa-

mente combatido por um movimento surgido no interior da Igreja Católica e conheci-

do como Romanização. Os romanizadores tentaram, pois, imprimir um catolicismo

tridentino em substituição à religiosidade colonial, leiga e centrada na devoção aos

santos. É o que será abordado a seguir.

2.2 CATOLICISMO TRIDENTINO

Com a chegada do século XIX, a Igreja começou a sofrer as conseqüências do

mundo liberal-moderno, mundo este que estava embevecido dos ideais franceses de

“liberté, igualité e fraternité” e que, portanto, pautava-se na liberdade de culto, no

ensino laico e na construção de um Estado também laico, onde Igreja e poder civil

deveriam estar separados. Assim, para esta instituição, “o oitocentos sintetizava to-

130 FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patri-arcal. Apresentação Fernando Henrique Cardoso. 49. ed. Ver. São Paulo: Global, 2004. (Introdução à História da Sociedade Patriarcal no Brasil; 1).

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dos os erros e desvarios do entendimento humano; atenta contra o sobrenatural, o

dogma e a moral; eleva a razão acima da fé”. 131

Como uma reação a estes ideais, surgiu no interior da Igreja Católica um grupo

que ficou conhecido como Romanizador, inspirado no ultramontanismo nascido na

França como movimento de defesa da centralidade do poder religioso na figura do

papa132. Este movimento tentou buscar uma saída para a nova concepção de mundo

que estava em voga àquela época, saída esta que colocasse a Igreja na liderança

do contexto sócio-político, tal qual ocorreu outrora no medievo, quando esta exercia

pleno domínio político-doutrinário.133

Nesse viés, “foram considerados pelo poder eclesiástico os principais erros da

civilização moderna: o desenvolvimento da ciência, o progresso da humanidade, a

igualdade, a fraternidade, e outras palavras pomposas e capciosas com que os de-

magogos arrastam insensivelmente à perdição os incautos e presunçosos ignoran-

tes.”134

A ação romanizadora católica teve, pois, como marco o pontificado de Pio IX

(1846-1878), quando Roma passou a ser o centro de referência do catolicismo, ga-

nhando novamente o status de centro do mundo de outrora. Foi durante o seu go-

verno espiritual, por exemplo, que se proclamou o dogma da Imaculada Conceição

(1854), como uma forma de reafirmar o culto mariano; condenou-se o liberalismo e

proclamou-se a Igreja enquanto autoridade suprema (1864); censurou-se a maçona-

ria, que foi associada ao liberalismo e ao protestantismo como membros de um

complô contra o Catolicismo; proclamou-se o dogma da infalibilidade papal, refor-

çando o poder romano (Concílio do Vaticano I, 1869); etc.

Tais ideais começaram a chegar ao Brasil já no início do século XIX, o que po-

de ser demonstrado a partir do estudo da atuação de Dom Romualdo Antônio de

131 ANDRADE JUNIOR, Péricles Morais de. Sob o olhar diligente do pastor: a Igreja Católica em Sergipe (1831-1926). São Cristóvão: UFS, 2000. (Dissertação, Ciências Sociais, Universidade Federal de Sergipe). p. 134. 132 RIBEIRO, Emanuela Souza. Igreja Católica e Modernidade no Maranhão, 1889-1922. Recife: UFPE, 2002. (Dissertação, História, Universidade Federal de Pernambuco). p. 44. 133 PRIMOLAN, Emílio Donizete. O triunfo do catolicismo romanizado: resistências e conflitos no caso de Bauru (1897-1941). SIMPÓSIO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES (ABHR), 6., 2004. Anais ... Unesp-Franca, 2004. 1 CD-ROM. 134 LEITE, Marjone. Práticas religiosas: permanências e mudanças no catolicismo brasileiro (1889-1922). SIM-PÓSIO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES (ABHR), 6., 2004. Anais ... Unesp-Franca, 2004. 1 CD-ROM. (grifo da autora)

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Seixas na Bahia (1828-1860)135. No entanto, vai ser a partir da segunda metade do

oitocentos, com a vinda de missionários estrangeiros e a formação de religiosos bra-

sileiros na Europa, que o modelo ultramontano se difundiu mais rapidamente no pa-

ís.

Segundo os ditames do grupo renovado, como ficaram conhecidos os romani-

zadores, era necessário iniciar a reforma pelo interior da própria Igreja, dando uma

formação sólida aos sacerdotes, através dos seminários, e criando paróquias e bis-

pados para aproximar estes sacerdotes dos fiéis, como apregoava o Concílio de

Trento (1545-1563). A partir de então, com uma presença marcante nas mais lon-

gínquas comunidades, o clero renovado ou tridentino deveria iniciar a reforma exter-

na, uma reforma doutrinária do catolicismo aqui implantado em 1500 e com as ca-

racterísticas que foi visto anteriormente.136

Realizado no contexto da Contra-Reforma do século XVI, o Concílio de Trento,

conforme o historiador Jean Delumeau137, foi o responsável por uma “grande reno-

vação na Igreja” uma vez que ele respondeu a muitas das necessidades religiosas

da época. Dentre suas determinações, destaca-se um catecismo pautado numa dou-

trina que incluía a Sagrada Escritura e a Tradição da Igreja como fontes de fé, os

sacramentos138 como meios de se conseguir a graça divina, a crença na missa en-

quanto momento de renovação do sacrifício de Cristo na Cruz, a presença do Res-

suscitado no pão e no vinho da eucaristia, a existência de um purgatório139, a crença

no poder intermediador dos santos e na veneração das relíquias, a proibição do co-

mércio de indulgências, a salvação pela fé e pelas “boas obras”, etc.140

No que se refere ao cotidiano da Igreja e à ação pastoral, o respectivo Concílio,

só aplicado efetivamente em terras brasileiras com a romanização a partir do século

135 COUTO, Edilece Souza. Entre a cruz e o confete: romanização e festas religiosas em Salvador (1850-1930). SIMPÓSIO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES (ABHR), 6., 2004. Anais ... Unesp-Franca, 2004. 1 CD-ROM. 136 SOUSA, Antônio Lindvaldo. O eclipse de um farol: contribuição aos estudos sobre a romanização da Igreja Católica no Brasil (1911-1917). São Cristovão: Editora UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2008. 137 DELUMEAU, Jean e MELCHIOR-BONNET, Sabine. De religiões e de homens. Tradução Nadyr de Salles Penteado. São Paulo: Edições Loyola, 1997. 138 Batismo, eucaristia, confirmação ou crisma, penitência, extrema-unção, ordem e matrimônio. 139 Lugar no qual as almas salvas mas ainda não purificadas do pecado concluíam sai purgação, que pode ser auxiliada pelas orações dos vivos. Ver capítulo 4. 140 DELUMEAU; MELCHIOR-BONNET. Op. Cit. 1997. p. 241-246.

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XIX, foi enfático ao ressaltar o respeito à hierarquia e à formação moral dos clérigos,

como se pode ver no trecho abaixo:

Os bispos serão obrigados a residir em suas dioceses e fazer-lhes regularmente uma visita. Não poderão mais conservar vários bispa-dos ao mesmo tempo. Em suas dioceses, eles serão os únicos juízes na admissão do sacerdócio. Serão criados seminários nas dioceses para serem “viveiros perpétuos de ministros para o culto de Deus”.

Os párocos também deverão ser residentes. Não se ausentarão de suas paróquias sem a permissão episcopal; essa ausência, salvo ex-ceção, não deve ultrapassar dois meses. Os padres usarão o vestuá-rio clerical e evitarão “mesmos as menores faltas, que neles seriam consideráveis, para que suas ações imprimam em todos um senti-mento de veneração”.

Os religiosos e as religiosas deverão ser conformes à regra de sua ordem e nada possuir de próprio. Não se afastarão dos conventos sem permissão do superior. Os bispos deverão velar pela clausura dos conventos das monjas. Os superiores gerais e abadessas serão eleitos “sem nenhuma fraude”, isto é, por escrutínio secreto. Serão realizadas visitas regulares em todos os mosteiros, por visitadores da ordem ou pelo bispo141.

No que concerne à importância da formação sacerdotal, fundamental no projeto

de romanização do catolicismo para “reformar” o clero e o laicato, o historiador Antô-

nio Lindvaldo Sousa destaca a difusão nesse período da imagem do “bom pároco”,

“soldado de Cristo” provedor de “bons católicos”, freqüentes aos sacramentos, em

especial à confissão e à comunhão.142 Para esse fim, fomentou-se a criação e a “re-

forma” de seminários, formadores de “bons sacerdotes” que, por sua vez, com o

aumento no número de paróquias e bispados, atuariam na formação de “bons fiéis”.

A necessidade de romanizar o clero pode ser observada na “Carta Pastoral Co-

letiva” elaborada durante a Primeira Assembléia dos Bispos da Província Setentrio-

nal do Brasil143, em 1901, e que foi fruto do Concílio Plenário da América Latina, o-

corrido em 1899 . O referido documento, concede ao sacramento da “ordem”, minis-

trado exclusivamente aos sacerdotes, um destaque, pois é através do mesmo que 141 DELUMEAU; MELCHIOR-BONNET. Op. Cit. 1997. p. 246. 142 SOUSA. Op. Cit. 2008. p. 133. 143 Participaram desta Assembléia o Arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil Dom. Jerônimo Thomé e os bispos Dom Joaquim (Ceará), Dom Adauto Miranda (Paraíba), Dom Antônio (Alagoas), Dom Luiz (Olinda) e Dom Antô-nio Xisto (Maranhão).

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os “ordenados” passam a deter a função de disciplinar a ação religiosa. Negligentes

até então na administração dos sacramentos, afirmam os bispos na Pastoral, os sa-

cerdotes atraíram para si, resguardadas as exceções, a rejeição da população. Co-

mo consequência disso, e da falta de conhecimento da população, a maioria dos

católicos também rejeitava os sacramentos.144

A “santificação” dos padres, diferenciando-se, assim, dos fiéis, era urgente e só

viria através da seleção rigorosa de seminaristas “idôneos” que tivessem sólida for-

mação doutrinal e moral nos seminários. Afinal, conforme afirmaram os bispos brasi-

leiros na Pastoral de 1901, os padres, “ordenados”,

São os olhos e os braços do bispo, por eles ensinam a doutrina cristã, por eles administram os sacramentos, por eles fazem executar as leis da Igreja. (...) Portanto, devem eles exceder os fiéis em perfeição, quanto os excedem em dignidade e graça. (...) Importa que todos estejam a alturas de tão elevada missão, e nem poderão desempenhar dignamente um mistério tão san-to sem se santificarem.145

Outrossim, como afirmou o bispo de Sergipe Dom Fernando Gomes, em artigo

dos anos 1950 que incorpora esta visão146, a missão divina desempenhada pelo sa-

cerdote e sua participação no sacerdócio de Cristo, acima dos seus dotes, das suas

qualidades adquiridas, da sua ciência, da sua ciência e das suas virtudes pessoais,

são reforçadas com o testemunho do valor desses “ministros do Altíssimo”, “guias

espirituais”, “guardas da ciência, de quem se há de apreender a lei”.

Nota-se, pois, conforme vimos na análise da obra bourdieusiana no capítulo 1,

a tentativa de distinguir os sacerdotes, enquanto especialistas na produção de bens

e serviços religiosos, dos leigos, consumidores de tais bens, implicando, pois, numa

divisão do trabalho religioso. Esta divisão, que situa o local que deve ser ocupado no

campo por estes agentes, implica, ainda, a separação entre o saber sagrado, restrito

144 SOUSA. Op. Cit. 2008. p. 138 – 139. 145 Citado em SOUSA. Op. Cit. 2008. p. 138. 146 GOMES, Dom Fernando. O valor do sacerdote. A Cruzada. Aracaju (SE), 23 de abril de 1950.

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aos sacerdotes e apreendido nos seminários onde este capital lhe é conferido, e a

ignorância profana do leigo.147

Outra prática para romanização do clero foi a utilização de retiros espirituais,

nos quais jovens e velhos sacerdotes se reuniam com seus bispos para discutir

questões de ordem doutrinal, de organização da igreja e sua relação com o mundo,

e em especial a disciplina e alguns problemas do (arce)bispado.

Num dos registros do jornal da Diocese de Aracaju (SE), a qual está subordina-

da a Paróquia que estudamos neste trabalho, sobre um dos vários retiros do clero,

prática difundida desde Dom José Thomaz (primeiro bispo da Diocese, entre 1910 e

1948), ali realizados anualmente pelo seu segundo bispo, Dom Fernando Gomes

dos Santos (1949-1957), situa este evento como um momento de reflexão para os

sacerdotes, de

revisão de suas próprias vidas para se entregarem à consideração das eternas verdades, para realizarem em si mesmos aquela impor-tantíssima atividade ascética que S. Paulo recomendou (...) medita-ção das suas responsabilidades espirituais em face do mundo, uma vez que, (...) as ascensões e depressões da história e do mundo a-companharam, sempre as depressões e ascensões por que passa o nível do Clero.

Neste ano, foi D. Carlos Coelho, (...) que dirigiu os Exercícios Espiri-tuais do Clero de Sergipe. E a sua palavra ungida de piedade, pala-vra de profundo conhecedor da Teologia, ficará por muito tempo gra-vada na lembrança de todos que o escutaram, na exposição dos de-veres sacerdotais, na perfeição com traçou deante dos olhos de to-dos os lineamentos espirituais do verdadeiro sacerdote de Jesus Cristo, colocado para ser, como o Mestre, um ponto de contradição no meio do mundo que ele é chamado a santificar, devendo, para tanto, santificar-se.

Durante os dias do retiro, o Sr. Bispo D. Fernando Gomes teve tam-bém várias ocasiões de contato com o seu Clero, com quem tratou de vários assuntos concernentes à vida cristã e à disciplina eclesiás-tica da Diocese.148

147 BOURDIEU. Op. Cit. p. 39. 148 A CRUZADA. Aracaju (SE), 13 de julho de 1958. Grifos nossos.

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Além do mais, através das visitas pastorais, bispos e arcebispos se faziam pre-

sentes nas paróquias, doutrinando os fiéis e disciplinando a ação dos párocos. No

mais, visando disciplinar os seus fregueses, os próprios sacerdotes valiam-se da

organização de retiros espirituais em suas freguesias, sejam eles fechados a deter-

minadas associações religiosas ou abertos a todos os paroquianos.

No Brasil, o catolicismo tridentino aplicou-se, conforme a historiografia tradicio-

nal, em oposição ao catolicismo colonial, caracterizado por esta historiografia como

luso-brasileiro, leigo, medieval, social e familiar e por ela chamado de popular149.

Entretanto, a implementação do catolicismo tridentino, chamado por Riolando Azzi150

de renovado e por ele classificado como romano, clerical, tridentino, individual e sa-

cramental, deve ser entendida levando-se em conta que esses modos de ser católi-

co aparentemente antagônicos, influenciavam-se mutuamente.

É partindo desse princípio de circularidade entre as culturas que a historiadora

Emanuela Souza Ribeiro151 analisa o processo de romanização no estado do Mara-

nhão nas três primeiras décadas da República. Nesse sentido, a autora buscou en-

tender as confluências entre a modernidade e o catolicismo romanizado, especial-

mente enfocando como o ultramontanismo aproximou-se do estado através do prin-

cípio do disciplinamento social das massas e combatendo os “maus efeitos” da

mesma modernidade que ambos aspiravam.

Lembremos, pois, que àquela época instalava-se no Brasil o regime republica-

no que em seus primeiros momentos (por meio do decreto 119-A de 1890) havia

promulgado a laicidade do Estado, proibido a diferenciação dos seus cidadãos por

motivo de credo, extinguido o Padroado, bem como impresso a liberdade de culto e

a personalidade jurídica das Igrejas. Do mesmo modo, deu-se a instituição do casa-

mento civil, a municipalização dos cemitérios e a implantação do ensino leigo nas

escolas.152

Entretanto, teologicamente hostil à modernidade, a Igreja Católica no Brasil uti-

lizou-se desta mesma modernidade para legitimar-se enquanto única instituição ca-

149 AZZI. Op. Cit. 1978. p. 9. 150 Idem. 151 RIBEIRO. Op. Cit. 2002. 152 LIMA. Op. Cit. 2001. p. 143-144.

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paz de manter a ordem, a moral e disciplinar a sociedade. Afinal, ela era, senão a

única, uma das poucas entidades que detinha influência nos quatro cantos do país e

possuía acesso a todas as classes sociais, especialmente aos mais pobres.153

Filtrando e reelaborando as diretrizes emanadas de Roma, a Igreja no Brasil

soube aproveitar-se de um discurso teoricamente oposto a seu papel hegemônico

na sociedade, uma vez que modernidade era sinônimo de secularização e crença no

progresso material através da razão.

Partindo da justificativa de que “ser brasileiro era ser católico” e de que o catoli-

cismo era o caráter fundamental da nacionalidade e único elemento capaz de edifi-

car a nação ideal, o clero romanizado aproximou-se do Estado republicano e da mo-

dernidade, vivenciada pela sociedade laica, tendo em vista manter-se enquanto insti-

tuição privilegiada no campo religioso.

Nesse sentido, conforme análise da historiadora Emanuela Ribeiro, o

disciplinamento social foi o cerne da convergência entre o catolicismo romanizado e a modernidade, pois, aproximando-se dos aspectos da modernidade que podiam lhe ser úteis, a Igreja romanizadora não somente foi capaz de conviver, como utilizou a modernidade para aumentar sua inserção na sociedade civil e para promover a sua a-proximação com o Estado, originando união não institucional, tácita, entre os dois poderes.

(...) relevante para essa aproximação o processo de romanização da Igreja e a conseqüente elitização do clero que, em concordância com os grupos que detêm o poder, assumem a função moralizante de transmitir os valores que asseguram a ordem na sociedade.

(...) a questão da ordem, da moralização e do disciplinamento da so-ciedade no período que estamos estudando está inserida no contexto das aspirações de parte [elitizada] da sociedade brasileira.154

Nesse processo de disciplinamento das classes menos favorecidas da socie-

dade, a romanização, pautada na clerizalização e na centralidade do poder em Ro-

ma, insere-se, pois, num contexto no qual se buscava fazer do país uma nação à

153 RIBEIRO. Op. Cit. 2002. 154 Idem. p. 17-24.

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européia. Fomentada, inicialmente por clérigos estrangeiros, a ação da Igreja no

campo religioso nacional pautou-se, portanto, na formação de um novo habitus cató-

lico no qual não havia lugar para o capital simbólico presente nas práticas do catoli-

cismo tradicional.

Combatido pelo clero romanizado, que almejava o monopólio da gestão dos

bens de salvação, o catolicismo colonial, taxado por esses sacerdotes de “supersti-

cioso”, “místico” e “pagão”, logo foi sendo interditado pelo discurso ultramontano

que, no mercado de bens religiosos, relegava a ele o status de “baixa religião”.

Nesse sentido, para combater as antigas práticas e disciplinar as massas, a I-

greja valeu-se da criação de novas associações religiosas, agora não mais domina-

das pelos leigos e sim pelos vigários, encarregadas de promover devoções que re-

forçassem o habitus que se difundia. Além do mais, com o apoio das elites que con-

trolavam o Estado, do controle das manifestações populares através da obrigatorie-

dade de autorização dos órgãos de segurança para a realização de festas tradicio-

nais ou de cultos das religiões afro-brasileiras, por exemplo.155

Nessa “reeuropeização” ou “regeneração”, como se dizia à época, do catoli-

cismo, a Igreja Católica Romana aproximou-se das elites laicas e passou a excluir e

“domesticar” as práticas religiosas não condizentes com os ideais de progresso des-

sa elite, avessos ao “misticismo” e à “superstição” que se dizia presentes no catoli-

cismo colonial.156

Assim sendo, o clero buscou substituir as práticas devocionais tradicionais por

novas devoções que ressaltassem o caráter sacramental e os dogmas da Igreja. A-

lém do mais, estas deveriam ser controladas pelos padres, intercessores e detento-

res do monopólio da gestão dos bens de salvação, e deixariam de lado o aspecto

piedoso e cotidiano das devoções antigas. Para esta finalidade, tiveram fundamental

importância a Pia União das Filhas de Maria, difundindo o culto à Virgem Maria e o

155 RIBEIRO. Op. Cit. 2002. ANDRADE JUNIOR. Op. Cit. 2000. 156 RIBEIRO. Op. Cit. 2002.

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dogma da Imaculada Concepção157, e o Apostolado da Oração, promovendo o Sa-

grado Coração de Jesus158.

Entretanto, a partir dos anos 1960, novos ventos soprariam sobre a Igreja de

Pedro no Brasil.

2.3 CATOLICISMO E PLURALISMO

Na década de 1960, o sociólogo Peter Berger chamava atenção para a perda

de plausibilidade por parte das crenças religiosas tradicionais, para o declínio da “re-

ligiosidade de igreja”, dentre elas incluindo-se a Igreja Católica. Entretanto, contrari-

ando os prognósticos que previam a “morte do sobrenatural” enquanto fonte de ex-

plicação da realidade no mundo moderno, o misterioso continuava sobrevivendo en-

tre os homens.159 Indo por esse caminho, Berger mostrou-nos que

Números consideráveis do espécime do “homem moderno” não per-deram a propensão para o admirável, o misterioso, para todas aque-las possibilidades contra as quais legislam os cânones da racionali-dade secularizada. Estes rumores subterrâneos de sobrenaturalismo poder, ao que parece, coexistir com toda sorte de racionalismo.

157 O dogma da Imaculada Concepção de Maria, Mãe de Jesus, foi definido em 1854 pelo Papa Pio IX através da bula "Ineffabilis Deus". Entretanto, a devoção popular à Imaculada Concepção ou Conceição de Maria já era extensa, sendo que a festa já existia no oriente e na Itália meridional desde o século VII. No final do século XIII o frade franciscano escocês e doutor em teologia, Beato João Duns Scoto, indo na linha de pensamento de São Francisco de Assis, defendeu a Conceição Imaculada de Maria como ínicio do projeto central de Deus: o nasci-mento do seu Filho feito homem para a redenção da humanidade.Sua festa foi incluída no calendário romano em 1476. Em 1570 foi confirmada e formalizada pelo Papa Pio V e no século XVIII tornada obrigatória pelo Papa Clemente XI a toda a cristandade. Desse dogma, originou-se a invocação a Nossa Senhora da Conceição, pri-meira Padroeira do Brasil (entre o século XVI e o início do século XX), em Sergipe Nossa Senhora da Conceição é Patrona do Estado e de nove municípios: Aracaju, Arauá, Brejo Grande, Canindé, Itabaianinha, Itabi, Poço Redondo, Porto da Folha e Riachuelo. Ver: www.catolicanet.com acesso em 15/12/2008; CINFORM MUNICÍ-PIOS. Santas & Santos padroeiros do povo sergipano: Nossa Senhora da Conceição. Aracaju (SE). Especial, fascículo I. Cinform, ano XXVI, edição 1286, 03 de dezembro de 2007. 158 A devoção ao Sagrado Coração de Jesus remete, no catolicismo, ao maior símbolo do amor de Cristo pela humanidade: o seu Coração. Começou a ser difundida no século XVII por Santa Margarida Alacoque. Entretanto, foi no final do século XIX e início do século XX que foi amplamente disseminada, principalmente pela Irmandade do Apostolado da Oração, como uma forma de reforçar dentro do culto católico a importância dos sacramentos. Em Sergipe, é padroeiro das cidades de Carira, Laranjeiras, Monte Alegre e Ribeirópolis. Ver: www.catolicanet.com acesso em 15/12/2008; CINFORM MUNICÍPIOS. Santas & Santos padroeiros do povo sergipano: Sagrado Coração de Jesus. Aracaju (SE) Especial, fascículo VII. Cinform, ano XXVI, edição 1298, 25 de fevereiro de 2008. 159 BERGER. Op. Cit. 1996.

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(...)

[Afinal de contas,] a condição humana, cheia de sofrimento, como é, e com o desenlace da morte pela frente, exige interpretações que não só satisfaçam teoreticamente, mas que dêem sustentação interi-or para enfrentar a crise do sofrimento e da morte. No sentido do termo de Max Weber há uma necessidade, social mais que psicoló-gica, de teodicéia. A teodicéia (literalmente “justificação de Deus”), (...) explicação teórica do sentido do sofrimento ou do mal”.160

Àquela época, aprofundava-se a secularização da sociedade, fruto da moderni-

dade que cada vez mais fazia o homem abrir-se às “coisas mundanas”, ao tempo em

que o pluralismo de visões de mundo ia se solidificando.

Vendo ambos os fenômenos, secularização e pluralismo, como frutos de uma

mesma gestação, Peter Berger faz-nos ver o mundo moderno, especialmente o sé-

culo XX, como um contexto no qual o homem convive com “estruturas de plausibili-

dade” rivais, ou seja, numa “pluralidade de mundos” na qual existem várias fontes de

explicação da realidade concorrendo muitas vezes em pé de igualdade.161

Nesse campo religioso plural, as religiões tradicionais, como o catolicismo, viam

a plausibilidade de seus sistemas simbólicos decrescer e outras formas de ver o

mundo ganhar espaço. É o que passou a ocorrer no Brasil, conforme nos mostrou a

antropóloga Maria Lúcia Montes, a partir dos anos 1940162. Naquele contexto, o pro-

testantismo, em sua versão pentecostal, ganhava força através das ondas do rádio,

dos grandes eventos, das sessões de cura pelo Espírito Santo e da propagação da

salvação individual pela fé. O pentecostalismo tornava-se, pois, aquilo que as outras

religiões protestantes que migraram para o Brasil, desde o século XIX, não conse-

guiram ser: uma concorrente em potencial ao catolicismo no campo religioso nacio-

nal. Havia, ainda, um agravante: era entre as camadas sociais mais pobres, relega-

das a segundo plano pelo catolicismo romanizado, que o protestantismo pentecostal

crescia.163

160 BERGER. Op. Cit. 1996.p. 52-54. (grifos nossos) 161 Idem. p. 76-78. 162 MONTES. In: NOVAIS; SCHWARZ.Op. Cit. 1998. 163 Idem. Ibid.

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Daí por diante, a queda no número de adeptos do catolicismo passaria a ser

constatada a cada novo levantamento populacional realizado pelos institutos de es-

tatística. Tal situação irá agravar-se principalmente após os anos 1970, quando as

igrejas neopentecostais, como a Universal do Reino de Deus, trazem à tona uma

teologia pautada na obtenção de graças pela presença do Espírito Santo, como nas

pentecostais, porém, aberta às “coisas do mundo” e à ideia da prosperidade econô-

mica enquanto sinal da graça divina.164

Como uma reação a essa perda de espaço no campo religioso, a Igreja Católi-

ca acelera seu processo de abertura ao mundo moderno, o que vinha ocorrendo, na

prática, desde os tempos da romanização, como foi demonstrado anteriormente na

sessão 2.2, e que vai ser ratificado pelo Concílio Vaticano II (1962-1965).

Objetivando adaptar (aggiornamento) a Igreja ao mundo moderno e abrir cami-

nho para um diálogo com outras religiões, o referido Concílio, não sem conflitos, re-

pensou o papel do leigo na Igreja e, em sua interpretação na América Latina, a ado-

ção de uma “opção preferencial pelos pobres”.165

Considerado um “Concílio pastoral” que pretendeu aproximar o Evangelho do

mundo166, o Vaticano II trazia como desafios maiores da Igreja naquele meados do

século XX, conforme analisou o padre Manuel Godoy, a emergência da seculariza-

ção, com uma constante “invasão do espaço religioso pelos chamados valores ‘pro-

fanos’”, e a convivência com um mundo crescentemente plural e que vinha encurra-

lando a Igreja num espaço cada vez mais reduzido na sociedade167.

Na América Latina, envolta em sucessivos processos de golpes militares e cer-

ceamento das liberdades, o Concílio foi recebido como a possibilidade de diálogo

164 Analisando os censos 1940, 1950 e 1960, Cândido Procópio Camargo chamava atenção para uma “tendência geral para um declínio moderado, mas constante, de adeptos da Igreja Católica”. Segundo os levantamentos feitos em 1980, 1991 e 2000 o percentual de católicos no Brasil era 90%, 83,3% e 73,8%, respectivamente. Pa-ralelo a isso, entre 1991 e 2000, a porcentagem de evangélicos subiu de 8,99% para 15,41% (sendo 10,4% pen-tecostais). Cf. TEIXEIRA, Faustino. Faces do catolicismo brasileiro contemporâneo. Revista USP. n. 67 (setem-bro / outubro / novembro 2005). São Paulo, 2005. 165 DELUMEAU; MELCHIOR-BONNET. Op. Cit. 2000. p. 273. BEOZZO, José Oscar. História da Igreja Católica no Brasil. In: INSTITUTO DE PASTORAL DA JUVENTUDADE. História da Igreja. Porto Alegre, 1984. p. 74-75. 166 MAGISTER, Sandro – www.chiesa. Bento XVI reinterpreta o Concílio Vaticano II. MONFORT Associação Cultural. Disponível em www.monfort.org.br/index.php?secao=imprensa&subsecao=ultimas&artigo=20051205&lang=bra acesso em 30 mai. 2006 às 20:39. 167 GODOY, Pe. Manuel. Concílio Vaticano II: balanço e perspectivas à luz dos seus 40 anos. Revista Eclesiás-tica Brasileira: Religião e Pós-Modernidade. nº 259, vol. 65, julho de 2005.

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com o mundo moderno e, por sua vez, a emersão de “pastorais sociais” nas quais “o

pobre aparece como lugar teológico privilegiado da manifestação de Deus na Histó-

ria” e “as lutas pelos direitos civis e humanos se tornam campo próprio do cristão

testemunhar sua fé”.168

Desse “novo compromisso com as causas do povo”, nasceu a “Teologia da Li-

bertação” que, nos anos 1970 e 1980, fez da fé e da política termos indissociáveis e

intercambiáveis marcados pela luta pela redemocratização169. Combatida por seto-

res da Igreja Católica, como o “Tradição, Família e Propriedade”, que temia sua gui-

nada à esquerda e ao marxismo, essa teologia chegou a ser tida pela própria hierar-

quia eclesiástica como uma mostra de que a Igreja estava “com este povo, especi-

almente os pobres e sofredores, com os pequenos e os desassistidos, a quem ela

consagra um amor, não exclusivo nem excludente, mas preferencial”170.

Sobre o papel do leigo na Igreja, a Constituição Dogmática Lúmen gentium171,

do papa Paulo VI (1964), indica que ele deve pautar suas atividades temporais se-

gundo as mensagens de Cristo e pela glória de Deus. Define, ainda, a Igreja en-

quanto “povo de Deus”, devido à união entre clérigos e leigos em favor da edificação

da Igreja como “corpo místico de Cristo”. Entretanto, o respeito à hierarquia e o pa-

pel central dos pastores são ressaltados, pois, afirma o referido documento, há uma

distinção entre eles que contribui para sua união. É o que se pode ver no trecho a

seguir:

A distinção que o Senhor estabeleceu entre os ministros sagrados e o restante do Povo de Deus, contribui para a união, já que os pasto-res e os demais fiéis estão ligados uns aos outros por uma vincula-ção comum: os pastores da Igreja, imitando o exemplo do Senhor, prestem serviço uns aos outros e aos fiéis: e estes dêem alegremen-te a sua colaboração aos pastores e doutores.

(...)

168 GODOY, Pe. Manuel. Concílio Vaticano II: balanço e perspectivas à luz dos seus 40 anos. Revista Eclesiás-tica Brasileira: Religião e Pós-Modernidade. nº 259, vol. 65, julho de 2005. 169 MONTES. In: NOVAIS; SCHWARZ. Op. Cit. 1998, p. 78-79. 170 LESBAUPIN, Ivo. O Vaticano e a Igreja no Brasil. In: ISER. Estação de seca na Igreja: comunicações do ISER. Rio de Janeiro, ano 9, no 39, 1990. p. 23. 171 PAULO VI (Papa). Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja. Roma, 21 de novembro de 1964. Disponível em <www.vatican.va> acesso em 30 mai 2006.

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Como todos os cristãos, devem os leigos abraçar prontamente, como obediência cristã, todas as coisas que os sagrados pastores, repre-sentantes de Cristo, determinarem na sua qualidade de mestres e guias na Igreja, a exemplo de Cristo, o qual com sua obediência, le-vada até a morte, abriu para todos o feliz caminho da liberdade dos filhos de Deus. Nem deixem de encomendar ao Senhor nas suas o-rações os seus prelados, já que eles olham pelas nossas almas, co-mo devendo dar contas delas, a fim de que o façam com alegria e não gemendo.172

Entretanto, não conseguindo reverter o quadro de perda constante de fiéis para

o pentecostalismo, o neopentecostalismo e, mais recentemente, para o grupo dos

“sem religião” (7,3% da população brasileira conforme o último censo173), a Igreja

Católica tem buscado cada vez mais o “aggiornamento” proposto pelo Papa João

XXIII no contexto do Vaticano II, ou seja, uma atualização do seu discurso pautada

no diálogo com as “coisas do mundo”. Exemplo disso, é o recente uso das lingua-

gens contemporâneas da fé, desde muito dominadas por seus mais fortes concor-

rentes no mercado de bens religiosos. 174

Nesse sentido, além de uma maior abertura para com as manifestações religio-

sas do povo pobre, desde que sujeitas ao seu disciplinamento, a Igreja tem buscado

controlar parte dos meios de comunicação e recuperar uma dimensão espiritual da

fé, marcada pela experiência do milagre e que tem como exemplo maior a “Renova-

ção Carismática”, um dos símbolos da recente “protestantização”, nos moldes pen-

tecostais, do catolicismo.175

Do mesmo modo, o clero tem alargado seu raio de atuação num processo de

multiplicação de instâncias eclesiásticas, bem como de comunidades religiosas, co-

mo a Canção Nova, e inserções entre as celebridades midiáticas a exemplo do fe-

nômeno discográfico e filmográfico chamado Padre Marcelo Rossi e, mais recente-

mente, o Padre Fábio de Melo.

172 PAULO VI (Papa). Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja. Roma, 21 de novembro de 1964. Disponível em <www.vatican.va> acesso em 30 mai 2006. 173 FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Retratos das Religiões no Brasil. CPS/FGV através do processamento dos microdados do Censo Demográfico 2000/IBGE. Disponível em <www.fgv.br> acesso em 28 fev 2008. 174 MONTES. In: NOVAIS; SCHWARZ. Op. Cit. 1998. p. 80. 175 Idem. Idem.

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Como exemplo dessa ampliação da hierarquia católica no campo sergipano, ti-

vemos, através da Bula Eclesianm Ominium do papa João XXIII, a elevação da Dio-

cese de Aracaju ao status de Sede Metropolitana e Arquidiocese e a criação de mais

duas instâncias eclesiásticas em solo sergipano, as Dioceses de Estância e Propriá

(30 de abril de 1960). Só para termos uma idéia dessa ampliação, em 1910, quando

foi criada a Diocese de Aracaju, esta possuía 34 paróquias espalhadas por todo o

território sergipano. Hoje, somente na parte jurisdicionada à Sé Metropolitana, situa-

da na capital do estado e que engloba 33 dos seus 75 municípios, possui 68 paró-

quias e 3 quase-paróquias divididas entre os bairros de Aracaju e as cidades do inte-

rior de Sergipe.176

176 LESSA, José Palmeira (Dom) e MATOS, Dulcênio Fontes de (Dom). Plano de Pastoral 2004-2007. Arquidio-cese de Aracaju: Aracaju, 2004. p. 08.

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3 CAPÍTULO 3 – O CAMPO RELIGIOSO: NOSSA SENHORA DAS DORES DOS ENFORCADOS (SE)

O campo religioso no qual mergulhamos neste trabalho é o município de Nossa

Senhora das Dores. Como se pode ver no mapa abaixo, ele está situado a 72 km da

capital do Estado de Sergipe, Aracaju, e encravado no agreste sergipano. Tem sua

economia baseada na agropecuária e no comércio e sua geografia caracterizada

como uma área transitória entre o litoral e o sertão - fato que o fez conhecido como o

“Portal do Sertão”.

MAPA 1: Nossa Senhora das Dores – Localização Geográfica

Adaptação: João Paulo Araújo de Carvalho a partir de GOVERNO DE SERGIPE. Mapa do Estado de Sergipe. Sergipe, 2003.

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Dores tem um IDH, índice que vai de 0 a 1 e mede o nível educacional, a lon-

gevidade e a renda per capita de seus habitantes, considerado baixo: 0,637. Entre-

tanto, situa-se como o 28º maior índice entre os 75 municípios sergipanos177. Já a

renda per capita de seus habitantes é avaliada em R$ 3.561,00, para um PIB de R$

85.845.000,00178.

Suas terras férteis fazem de N. Sra. das Dores produtora de grande variedade

de gêneros agrícolas, a maioria comercializados na própria região e na feira livre179

local, destacando-se a cana-de-açúcar (beneficiada principalmente em Usina de

produção de álcool instalada no município), a mandioca, o milho, o feijão e a bana-

na. Além do mais, suas pastagens servem de alimento para um dos maiores reba-

nhos bovinos do Estado, abatendo-se semanalmente cerca de 200 reses que são

vendidas principalmente na circunvizinhança, sendo o município conhecido no Esta-

do pela produção de carne-de-sol.

Produto Produção Área Plantada (hectares) Valor (R$) Cana-de-açúcar 96.000 toneladas 1.600 3.360.000 Mandioca 10.400 toneladas 800 1.248.000 Milho 2.400 toneladas 1.600 1.032.000 Feijão 178 toneladas 430 445.000 Banana 675 toneladas 75 405.000 Abacaxi 750.000 frutos 30 375.000

TABELA 1: Nossa Senhora das Dores – Produção Agrícola

Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção Agrícola Municipal. 2006. Disponível em www.ibge.gov.br (acessado em 07/05/2009)

Produto Quantidade Leite 6.006.000 litros Ovos de galinha 52.000 dúzias

TABELA 2: Nossa Senhora das Dores – Produção Pecuária

Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção da Pecuária Municipal. 2007. Disponível em www.ibge.gov.br (acessado em 07/05/2009)

177 JORNAL DA CIDADE. Aracaju (SE), 12 a 13 de outubro de 2003. Caderno Cidades. p. B-2. 178 SECRETARIA DE ESTADO DO PLANEJAMENTO / GOVERNO DE SERGIPE. Produto Interno Bruto dos municípios sergipanos 2002-2006. SEPLANTEC/ GEPEA: Aracaju, 2008. p. 59. 179 Os principais produtos comercializados na feira semanal da cidade, que ocorre às segundas-feiras, são: 1) carne – 28%; 2) verduras – 21%; 3) confecções – 17%; 4) cereais – 11%; 5) farinha de mandioca – 6%; 6) peixe – 5%; 7) calçados – 4%; 8) outros – 8%. Cf: CARVALHO, Edivaldo Barreto de. A feira livre de Nossa Senhora das Dores. Aracaju (SE): FA: 2006. p. 37. (Monografia, Pós-Graduação em Ensino e Identidade Cultural em Sergipe, Faculdade Atlântico).

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Rebanho Quantidade (cabeças) Galináceos 132.200 Bovinos 37.200 Vacas ordenhadas 5.700 Suínos 1.820 Ovinos 1.500 Eqüinos 1.450

TABELA 3: Nossa Senhora das Dores - Rebanho

Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção da Pecuária Municipal. 2007. Disponível em www.ibge.gov.br (acessado em 07/05/2009)

Seu relevo, típico das regiões transitórias entre a floresta atlântica de planície e

encosta e a caatinga, é marcado por áreas planas (os tabuleiros) e altitudes modes-

tas que aumentam na direção sul (onde aparecem as serras do Besouro, do Boquei-

rão, de Borda da Mata, de Itapicuru, etc).

As terras dorenses, situadas no agreste sergipano, são banhadas por dezenas

de minadouros, ficando assim conhecidas como “Oásis” às portas do sertão, e pelas

bacias dos rios Sergipe e Japaratuba. São lembradas, ainda, pelas temperaturas

amenas e pelo clima convidativo.

O município foi criado em 11 de junho de 1859 quando, por força da Resolução

Provincial no 555, fundou-se a Vila de Nossa Senhora das Dores, cujo território foi

desmembrado de Capela e Divina Pastora. A respectiva Vila teve sua elevação ao

status de cidade graças à Lei no 797 de 23 de outubro de 1920180.

Sua história, entretanto, remonta ao início da colonização sergipana, entre os

fins do século XVI e o começo do XVII. Naquele contexto, registra-se a existência de

um lugar chamado Enforcados e que veio originar Nossa Senhora das Dores.

Enforcados recebeu esta denominação pelo fato de ali terem sido mortos, por

meio de enforcamento, indígenas que resistiram à ocupação de seu território pelo

invasor europeu181. A mais remota notícia que se tem sobre esta localidade é uma

180 Cf. CARVALHO, João Paulo Araújo de. 23 de outubro de 1920. Memórias Dorenses: Informativo Cultural do Projeto Memórias de Nossa Senhora das Dores. N. Sra. das Dores, ano 1, nº 1, outubro de 2005. p. 4-6. 181 SILVA LISBOA, L. C. Chorografia do Estado de Sergipe. Aracaju: Imprensa Official, 1897.

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carta de sesmaria doada a Pero Novais de Sampaio pelo Capitão-mor Nicolau Fallei-

ro de Vasconcelos em 04 de outubro de 1606, através da qual o mesmo recebia du-

as léguas de “terras devallutas que nuqua foram povoadas de branquos”182. E assim

continuou durante muito tempo, uma vez que outras sesmarias foram ali concedidas

nos anos seguintes para o mesmo fim, a criação de gado, mas a povoação de bran-

cos só aparece por volta do século XVIII183. As referidas doações, de 1606 a 1623,

se deram no contexto da partilha das terras tomadas dos nativos durante a “Guerra

de Conquista de Sergipe” (1590) e do início do povoamento e colonização daquele

território pelos portugueses.

Ocupado pelo gado e depois pelo algodão, Enforcados ganhou uma capela de

invocação a Nossa Senhora das Dores, provavelmente no início do século XIX184, ao

redor da qual o povoado foi crescendo. Chamado então de Nossa Senhora das Do-

res dos Enforcados, os habitantes daquele lugar passaram a almejar sua elevação

ao status de Freguesia, o que representaria sua separação da jurisdição da Fregue-

sia de Jesus Maria José do Pé do Banco (atual Siriri). A chegada oficial do catolicis-

mo àquelas terras, através de sua ereção em Freguesia, deu-se, então, a 28 de abril

de 1858 quando através da Resolução Provincial no 491 criou-se ali Paróquia e Dis-

trito Administrativo.

Naquele contexto, sua população crescia numericamente, o povoado já possu-

ía uma cadeira de “primeiras letras” para o sexo masculino (fundada em 1835), além

de o mesmo prosperar economicamente graças à produção algodoeira e à criação

de gado, bem como à sua posição geográfica que o tornava passagem obrigatória

entre o litoral e o sertão.185

CARVALHO, João Paulo Araújo de. Enforcados e a violência contra o indígena de Cirigype: uma análise da ex-pansão européia no além-mar”. Cadernos de Graduação: Ciências Humanas e Sociais / Universidade Tira-dentes. V. 1, n. 1 (jan./jun. 2005) Aracaju (SE): Gutemberg, 2005. p. 123-137. 182 FREIRE. Op. Cit. 1891. p. 412-3 183 CARVALHO. Op. Cit. 2006. p. 30. É mister lembrarmos que até meados do século XIX ainda registra-se ali a presença de indígenas, como se pode ver no registro do batismo da índia Maria, feito em 03/05/1854, com autorização do Padre Francisco José dos Santos da Freguesia de Jesus Maria José do Pé do Banco, pelo Padre José Joaquim de Moraes. FREGUESIA DE SIRIRI. Livro de Assentamentos de Batisados. Siriri, 1854 – 1875. número da página corrompido. 184 Na década de 1830 seus moradores já dão conta de sua existência. Conforme: CARVALHO, João Paulo Araújo de. Freguesia de Nossa Senhora das Dores (1858-2008): 150 anos de história e devoção. Nossa Se-nhora das Dores: Associação de Incentivo à Pesquisa e à Cultura Nossa Senhora das Dores dos Enforcados, 2008. p. 49. 185 CARVALHO, João Paulo Araújo de. A Igreja Católica em Sergipe na Província de Sergipe e a criação da Freguesia de Nossa Senhora das Dores. Impresso. Inédito.

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No mais, há décadas seus habitantes reclamavam a falta de um sacerdote que

lhes provessem o “pasto espiritual”. Somou-se a isso, a difusão do projeto de reno-

vação do catolicismo, conhecido como “romanização”. A romanização, como foi

mostrado anteriormente, tinha como um de seus instrumentos o aumento na quanti-

dade de paróquias, mesmo que em estado precário como a que é foco desta análise

(cuja capela era ainda erigida de madeira).186

Durante muitas décadas, porém, o catolicismo - até 1890 o credo oficial do Es-

tado Brasileiro – deteve o monopólio espiritual naquelas paragens. Esse monopólio

só foi rompido em 1933, quando ali se instalou a Igreja Batista, que passou a reunir

seus adeptos (inicialmente cerca de 15 pessoas) em local móvel até a fundação de

seu templo no fim dos anos 1940.187

Ano Católicos Roma-nos

Evangélicos Outras denomina-ções

Sem religião

2000 85,01 % 4,73 % 1,73 % 8,52% 1991 88,63 % 4,16 % 0,51 % 6,66 %

TABELA 4: Nossa Senhora das Dores – Filiação Religiosa188

Fonte: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Retratos das Religiões no Brasil. CPS/FGV através do processamento dos microdados do Censo Demográfico 2000/IBGE.

A supremacia do catolicismo na terra dos Enforcados, porém, manteve-se. Me-

nos de 20 anos após a instalação da primeira Igreja não-católica naquele local, se-

gundo estatística do IBGE, 96% de seus 26.152 habitantes declararam professar o

credo romano189. Atualmente, o “mercado de bens religiosos” é composto por várias

denominações religiosas cristãs (como Assembléia de Deus, Testemunha de Jeová,

Congregação Cristã, Adventistas, Presbiterianos, Universal do Reino de Deus, etc) e

não-cristãs (a exemplo do Templo Inabor “Vale do Amanhecer”), incluindo pessoas

que declaram não ter filiação religiosa. Entretanto, como se observa na tabela acima, 186 CARVALHO. Op. Cit. 2008. p. 31-36 CARVALHO, João Paulo Araújo de. A Igreja Católica na Província de Sergipe e a criação da Freguesia de Nossa Senhora das Dores. Impresso. Inédito. 187 SANTOS, Otacílio Oliveira dos. Resumo Histórico da Igreja Evangélica Batista desta cidade de Dores – Sergipe. Manuscrito. sem data. Sobre os conflitos entre a Igreja Católica e os Batistas nos primeiros anos da instalação desta última Igreja em N. Sra. das Dores, ver também: SANTOS, Valmor Ferreira. A reação católica a presença Batista em Nossa Se-nhora das Dores (1933-1940). Aracaju: UFS, 2004 (Monografia, História, Universidade Federal de Sergipe). 188 À época da pesquisa o Censo 2000 apurou em 22.195 habitantes para o município de Nossa Senhora das Dores. Em 2007, esse número saltou para 23.800 pessoas. Fontes: IBGE, 2000. e IBGE, 2007. 189 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Enciclopédia dos municípios brasileiros. XIX Volume (Alagoas e Sergipe). IBGE: Rio de Janeiro, 1959. p. 390.

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entre aqueles que estão vinculados a uma instituição religiosa, os católicos ainda

são maioria, mesmo tendo este credo perdido adeptos na última década.

O catolicismo exerce(u) grande influência na história e na cultura local, a co-

meçar pelo próprio nome do município, que remete à devoção de seus habitantes a

Nossa Senhora das Dores bem como à antiga toponímia (as Dores são aquelas sen-

tidas pelos enforcados). Aliás, segundo o escritor sergipano Laudelino Freire a de-

nominação do povoado teria sido modificada, de Enforcados para Nossa Senhora

das Dores, por um missionário que ali celebrou Santa Missão190. Tal ocorrência, ain-

da não confirmada por outras fontes191, não evitou, entretanto, que durante muitas

décadas aquele lugarejo fosse chamado pelo nome de Nossa Senhora das Dores

dos Enforcados, mesmo sob o risco de excomunhão que corriam aqueles que não

seguissem a orientação do religioso de abandonar a antiga nomenclatura192.

No entanto, não é somente no nome do município que se observa a presença

marcante do credo romano naquelas terras. Se analisarmos a composição espacial

da cidade, que, assim como a maioria dos núcleos populacionais mais antigos do

Brasil, cresceu ao redor de um templo católico, vamos constatar o mesmo. Como se

vê no mapa da página seguinte, o centro histórico – que tem como marco a Igreja

Matriz – é cercado por capelas e cruzeiros que no imaginário católico dão à cidade

proteção espiritual e transformam-na num espaço sagrado (ver mapa da página se-

guinte).

No que se refere à cultura local, atuam na formação da dorensenidade, ou seja,

da identidade cultural dorense, manifestações devocionais como o Setenário e Festa

em homenagem à Padroeira Nossa Senhora das Dores193, bem como as manifesta-

ções votivas à Paixão e Morte de Cristo, que tem lugar no período quaresmal e são

abordadas no capítulo 5 desta dissertação.

Além do mais, a formação de um habitus católico na “terra dos enforcados”

passa pela ação dos diversos vigários, missionários e leigos que ali atauram ao lon-

go dos 150 anos de presença oficial do catolicismo, fundando ou participando de

190 FREIRE, Laudelino. Quadro Chorográfico de Sergipe. Rio de Janeiro: H. Garnier, Livreiro-Editor, 1902. 191 CARVALHO. IN:. Op. Cit. 2005. p. 123-137. 192 Cf: FIGUEIREDO, Ariosvaldo. Enforcados: o índio em Sergipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. (Coleção Estudos Brasileiros, v. 52) p. 9. e CARVALHO. Op. Cit. 2008, p. 18-19. 193 Sobre as homenagens à Padroeira ver: CARVALHO. Op. Cit. 2008, p. 62-73.

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instituições religiosas (como os grupos de oração e outros), culturais (biblioteca pa-

roquial, cinema, escolas, sistema de autofalantes, etc) e assistenciais (como o hospi-

tal “São Francisco de Assis”, por exemplo), engajando-se na política – partidária ou

não –, erigindo templos ou despertando vocações sacerdotais como as dos padres

dorenses Fenelon Costa Vieira, José Curvelo Soares (1911-1989), Antônio Resende

de Souza (1933-2004), Gildo Alves de Menezes (1965-) e Lenito de Jesus Santos

(1965-).194

MAPA 2 – Cruzeiros e Capelas do centro de Nossa Senhora das Dores e seu entorno

Fonte: Pesquisa de campo.

A construção de um habitus católico passa, ainda, pela atuação dos grupos de

oração195, liderados por leigos e sacerdotes, dos quais os que tiveram maior impacto

194 Sobre a ação dos diversos sacerdotes que passaram pela paróquia, bem como a biografia dos sacerdotes dorenses ver: CARVALHO. Op. Cit. 2008, p. 21-27. 195 Dentre os grupos que não mais existem podemos citar: “Confraria das Almas” (décadas de 1910-1960), “Pias Uniões do Trânsito de São José e do Culto de São José” (1939-década de 1960), “Liga do Menino Jesus e San-tos Anjos” (registrado no vigariato do Cônego Basilício Raposo, 1933-1935), “Juventude Unida na Fé” – JUF (1976-década de 1990), “Cursilhistas da Cristandade” (fim dos anos 1970 e início dos anos 1980) e Instituto Claretiano de Leigos Missionários – ICLEM (paroquiato do Padre José Manuel Araújo, 1994-1998). Muitas irmandades atuais, porém, tem a mesma razão de ser daqueles que não mais funcionam, como é o caso do “Grupo do Terço Senhor dos Passos”, nascido com o mesmo intuito do “São José” de reunir os homens, e o “Força Jovem” que, como a JUF, reúne a juventude local. Ambos foram criados no paroquiato do Padre Renato

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foram a “Pia União das Filhas de Maria” e o “Apostolado da Oração”. O primeiro sur-

giu em 1921 e existiu pelo menos até o fim do paroquiato do Cônego Miguel Montei-

ro Barbosa (que foi de 1935 a 1967), sendo substituído em seu intuito de propagar a

devoção mariana pela “Legião de Maria” e pelo grupo “Mãe Rainha” (fundados nos

anos 1990 pelo Padre José Manuel Araújo). Já o “Apostolado”, que tem como objeti-

vo incentivar e manter o culto ao “Sagrado Coração de Jesus”, nasceu na década de

1910 sendo a mais antiga irmandade ainda em atuação na Paróquia.196

Faz-se necessário lembrar, por sua vez, que em quase todos os povoados do

município e em algumas comunidades do entorno da cidade existem capelas197 (a

maioria erigidas após os anos 1980) onde mensalmente um sacerdote celebra mis-

sas e anualmente a comunidade realiza a festa em homenagem a (o) respectivo (a)

padroeiro (a), momentos nos quais os padres evangelizam e formam/reforçam o ha-

bitus católico naqueles locais. No mapa da página seguinte, é possível visualizar a

localização das capelas paroquiais e particulares do município.

Nas Dores dos Enforcados, porém, a cruz terá papel central na construção de

práticas e representações e, por sua vez, na formação de um imaginário entre os

católicos. Símbolo da Paixão e Morte de Cristo, mas também da salvação da huma-

nidade atingida por meio desse ato, ela é o marco da devoção dos habitantes da-

quela terra a sua padroeira, a “mulher forte aos pés da cruz” como cantam os fiéis na

festa realizada nos mês de setembro. Entretanto, é nos atos piedosos da Quaresma

que ela está mais fortemente presente entre os dorenses. Ali, as dores do Crucifica-

Gomes de Lima (1998-2004). Além dos já citados anteriormente (“Apostolado”, “Legião”, “Mãe Rainha”, “Força Jovem” e “Senhor dos Passos”) estão em atuação na atualidade a “Renovação Carismática Católica” – RCC e o “Ministério da Eucaristia” (existentes desde os anos 1980), o “Encontro de Casais com Cristo” – ECC (criado entre 1994 e 1998), o “Jesus Vivo” (nascido no início dos anos 1980), o “Divina Misericórdia”, “Perseverança” e “Coroinhas”. Existem, ainda, as Pastorais da Catequese, Primeira Eucaristia e Crisma. Conforme: CARVALHO. Op. Cit. 2008. 196 CARVALHO. Op. Cit. 2008. p. 29. 197 Dentre os santos de devoção dessas comunidades onde há capelas filiais à Matriz de N. Sra. das Dores, encontramos: São José (povoados Cachoeirinha e Varginha e bairro Volta), N. Sra. da Conceição (povoados Floresta, Gado Bravo Norte e Massaranduba), N. Sra. Aparecida (povoados Cruzes e Itapicuru), Senhor do Bom-fim (em capela no centro da cidade), N. Sra. de Fátima (povoado Sapé), Santa Rita (povoado Cajueiro), Santo Antônio (povoado Gentio), Sagrado Coração de Jesus (povoado Borda da Mata), São João Batista (povoado Taborda), N. Sra. do Perpétuo Socorro (povoado Bravo Urubu), São Pedro (povoado Carro Quebrado), São Cristóvão (bairro Campo Velho), N. Sra. da Boa Hora (povoado Gado Bravo Sul), Santa Beatriz (bairro Cruzeiro Velho), Santa Terezinha (povoado Sucupira), São Francisco (povoado Taboca), Santa Luzia (povoado Campo Grande). Sobre a fundação das respectivas capelas, remeter a CARVALHO. Op. Cit. 2008. p. 74-100. Além desses santos, instalados em capelas que fazem parte da Paróquia local, e, portanto, contam com a pre-sença mensal do vigário, há na cidade duas capelas particulares, uma de invocação a Santo Antônio (na Av. Francisco Pedro Nascimento) e outra a N. Sra. de Fátima (na Rua Floro Silveira Andrade), além do Santuário da Mãe Rainha (às margens da rodovia SE-208, no entroncamento que dá acesso à cidade na direção do litoral e do agreste central). No povoado Ascenso, há capela não-paroquial de invocação a São José.

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do e das almas dos índios mortos no início da história do município continuam a e-

coar. É o que será tratado nos capítulos seguintes.

MAPA 3 –Capelas paroquiais e particulares existentes no município de Nossa Senhora das Dores

Fonte: Pesquisa de campo.

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4 CAPÍTULO 4 – O IMAGINÁRIO CATÓLICO E A “SEXTA-FEIRA SANTA”

A “Sexta-feira Santa” é, para os católicos, o dia no qual se relembra o ato re-

dentor de Cristo. No imaginário cristão, aquele é o momento que representa a entre-

ga de Cristo em holocausto na cruz, pelo perdão dos pecados e a salvação da hu-

manidade. Este dia inclui-se num contexto maior, a Quaresma, quarenta dias de

preparação para a Páscoa, celebrada no domingo seguinte àquela sexta-feira. Esta

festa, a mais importante do calendário cristão, tem sua origem no judaísmo, que ce-

lebra no dia da lua cheia da primavera no hemisfério norte (outono no hemisfério sul)

a saída (“passagem”) dos hebreus do Egito. A “Pessah” – Páscoa judaica – foi res-

significada pelo cristianismo (cuja doutrina tem inspiração na religião hebraica) que

nesse dia, situado no primeiro domingo após a primavera na Palestina (outono no

Brasil)198, rememora a ressurreição de Jesus Cristo que, segundo a crença cristã,

seria o Messias enviado por Deus, esperado pelos judeus, crucificado e ressuscita-

do dos mortos ao 3º dia.199

As procissões penitenciais que são foco deste trabalho ocorrem durante a

“Sexta-feira Santa”, sendo que seus participantes buscam, através da prática da pe-

nitência, da oração e do jejum, imitar o sacrifício redentor do Crucificado. Assim, pa-

ra se compreender tais práticas, faz-se necessário mergulhar no imaginário católico

ligado a esse período e tentar fazer uma etnografia do mesmo, baseada, sobretudo,

em escritos católicos, nas orações e cantos que compõem o devocionário desse dia

e estão presentes nas procissões que nele ocorrem, bem como no registro fotográfi-

co de tais atos, em entrevistas e na gravação de homilias proferidas por sacerdotes

e mensagens transmitidas por leigos ao longo destas procissões, bem como na aná-

lise de historiadores como Antônio Bittencourt Junior, Jacques Le Goff, Jean Delu-

meau, João José Reis, etc.

198 Conforme fixado pelo Concílio de Nicéia em 325. 199 DELUMEAU, Jean; MELCHIOR-BONNET, Sabine. De religiões e de homens. Tradução Nadyr de Salles Penteado. São Paulo: edições Loyola, 2000. p. 120 e 135.

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Tomando como objeto de estudo penitentes e promesseiros que partici-

pam/participaram de atos religiosos centrados na devoção à Paixão e Morte de Cris-

to e realizados na “Sexta-feira Santa”, bem como as ponderações do filósofo e histo-

riador das religiões Mircea Eliade200 sobre o homo religiosus, segundo as quais este

só entende o mundo santificando-o e imitando os deuses, buscamos compreender a

estrutura de plausibilidade que atua na formação de um habitus católico em Nossa

Senhora das Dores dos Enforcados. Para isso, esboçaremos a seguir as crenças

(representações) que permeiam esse dia. Tais crenças, levam o fiel a refletir sobre a

Paixão e Morte de Cristo e seu significado na vida diária do próprio devoto, dando

sustentação a rituais (práticas), como a penitência, e vice-versa.

Como a “Sexta-feira Santa”, dia no qual ocorrem os atos penitenciais que são

foco de nossa análise, compõe um contexto maior, a Quaresma, iniciaremos discu-

tindo o significado do tempo quaresmal no seio do catolicismo.

4.1 QUARESMA

De modo geral, a Igreja Católica transmite a seus membros que a Quaresma é

um tempo de oração, jejum, esmola e conversão; é um momento para o pecador,

inspirado pelo sofrimento do Cristo Crucificado, refletir sobre seus pecados e arre-

pender-se. Segundo a análise do pesquisador católico João de Deus Gois201 a res-

peito deste contexto, o arrependimento, seguido da penitência e da repulsa ao pe-

cado seria, dentre os fiéis desta Igreja, o meio de obtenção do perdão e o início de

uma “nova vida”, inspirada na mensagem de Jesus Cristo. Afinal, para este autor,

“reconhecendo que somos pó e ao pó voltaremos, consigamos pela observância da

quaresma, obter o perdão dos pecados e viver uma vida nova, à semelhança do

Cristo Ressuscitado”202.

200 ELIADE. Op. Cit. 1992. 201 GOIS, João de Deus. Religiosidade popular: pesquisas. São Paulo: Edições Loyola, 2004. 202 Idem.

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Esse período de quarenta dias busca, de acordo com Gois, preparar o cristão

para a Páscoa, iniciando-se na “Quarta-feira de Cinzas”, dia que sucede o Carnaval.

As “Cinzas”, colocadas em forma de cruz pelo sacerdote na testa do devoto durante

a celebração litúrgica deste dia, representam, pois, o pecado e a fragilidade humana,

o reconhecimento de sua condição mortal, mas também um sinal de penitência e

conversão203.

Durante esses quarenta dias, e especialmente nos dias de quarta e sexta-feira,

os católicos voltam-se à prática da oração, do jejum (com a abstinência de carne

vermelha) e da penitência, que tem sua maior expressividade durante as Via-Sacras,

discutidas no item 4.3, mas também nas rezas feitas nos cruzeiros, santas-cruzes,

capelas e cemitérios onde se pede em favor das almas dos vivos e dos mortos, prin-

cipalmente por meio de benditos, ladainhas, ofícios e terços.

4.2 SEXTA-FEIRA SANTA

A “Sexta-feira Santa” é o dia mais importante desse momento preparatório que

é a Quaresma. Ela está incluída na última semana anterior à Páscoa e ao fim da

Quaresma, e por isso é chamada “Semana Santa”. Dentre os dias dessa semana

mais carregados de simbolismos estão o domingo, a quarta, a quinta, a sexta e o

sábado.

O domingo, chamado “de Ramos”, relembra a “entrada triunfal” de Cristo em

Jerusalém uma semana antes da Páscoa. Nesse dia, os católicos participam da

“procissão de Ramos”, onde portando galhos de palmeira, oliveira ou outras árvores,

“prestam a Cristo Rei testemunho público de amor e de gratidão” e preparam-se pa-

ra as penitências da “Semana Santa”204. Ao final da procissão realiza-se a celebra-

ção litúrgica, onde esses galhos são bentos pelo sacerdote. Os mesmos são usados

pela Igreja para fazer as cinzas a serem distribuídas na missa da “quarta-feira de

203 GOIS. Op. Cit. 2004. p. 38. 204 LITURGIA da Semana Santa restaurada conforme a edição Vaticana. Tradução D. Hidelbrando P. Martins e D. Marcos Barbosa. 2. ed. Edições “Lumen Christi”: Mosteiro de São Bento; RJ / Livraria SAL; SP, 1956. p. XV e XVIII.

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cinzas” do ano seguinte, bem como levados pelos devotos para suas casas como

amuletos a abençoar seus lares.

Já a “Quarta-feira Santa” é o dia, em boa parte do Brasil e de Sergipe, da “pro-

cissão do Encontro”205, que representa um dos momentos da Via-Crucis: o encontro

do Crucificado com sua Mãe.

Na quinta-feira, é a vez de ressaltar a instituição da eucaristia, ou seja, a última

ceia de Jesus com seus apóstolos, onde ele teria consagrado o pão e o vinho como

seu próprio corpo e sangue entregues pelo perdão e salvação da humanidade. Em

Liturgia da Semana Santa, datada de 1956, pode-se observar que este é um dia es-

pecial de instrução dos fiéis no “respeito do amor com que Cristo Nosso Senhor, ‘na

véspera de Sua Paixão’, instituiu a Sagrada Eucaristia, sacrifício e sacramento, me-

morial perpétuo de Sua Paixão, a ser celebrado solenemente pelas mãos dos sacer-

dotes”206.

A celebração litúrgica deve, pois, ser finalizada com o “Lava-pés”, cerimônia

que remete, conforme a referida Liturgia que o orienta os sacerdotes nas atividades

da Semana Santa, ao exemplo de amor fraterno de Cristo e de caridade cristã ex-

pressos no momento em que o Messias, na “Santa Ceia”, lavou os pés dos apósto-

los. Após a missa, realiza-se a “desnudação” dos altares, que permanecem até o

“domingo da ressurreição” (Páscoa) sem ornamentação e tradicionalmente com as

imagens dos santos encobertas principalmente com panos roxos e os sacrários a-

bertos, bem como a adoração ao “augustíssimo sacramento”207.

Por fim, após a “Sexta-feira Santa”, cuja celebração lembra a Paixão e Morte

de Cristo, vem o “Sábado Santo”, no qual tem início a Vigília Pascoal, encerrada

com o “romper da Aleluia”, à meia noite, quando se remete à ressurreição do Crucifi-

cado. Este sábado é, portanto, “um dia do mais intenso luto no qual a Igreja perma-

nece junto ao sepulcro do Senhor meditando a Sua Paixão e a Sua Morte e se abs-

tém do sacrifício da Missa, desnudada que está a Sagrada Mesa, até que, depois da

205 Em São Cristóvão (SE), por exemplo, esta procissão ocorre no segundo domingo da Quaresma, sendo que no sábado anterior acontece a centenária procissão do “Senhor dos Passos”. ver: CARVALHO, João Paulo Araú-jo de; BITTENCOURT JUNIOR, Antonio. Nossa Senhora das Dores e São Cristóvão: Cidades Sagradas na Qua-resma em Sergipe. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL EM CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES, 1, 2007, João Pessoa (PB). Anais ... João Pessoa (PB): Universidade Federal da Paraíba, 2007 (a). 1 CD-ROM. 206 LITURGIA .... 2. ed. Edições “Lumen Christi”: Mosteiro de São Bento; RJ / Livraria SAL; SP, 1956. p. XV. 207 LITURGIA .... 2. ed. Edições “Lumen Christi”: Mosteiro de São Bento; RJ / Livraria SAL; SP, 1956. p. XV-XVI.

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solene vigília ou noturna expectativa da Ressurreição, ceda-se o lugar para as ale-

grias pascais, cuja abundância transborda nos dias seguintes”208.

Na “Sexta-feira Santa”, foco desta seção, os devotos relembram a Paixão e

Morte de Cristo e tentam obter dele, através de práticas como o jejum, a penitência,

a promessa, o ex-voto, a confissão e a oração, o perdão de seus pecados. Afinal, o

imaginário católico no qual se inserem a Quaresma e a “Sexta-feira Santa” é povoa-

do pelo temor do “inferno” e do “purgatório” e pelo desejo de alcançar o paraíso ce-

leste após a morte.

Esse imaginário, composto de resquícios do medievo e formado ainda nos

tempos coloniais, é marcado pelo princípio de que a existência humana “neste mun-

do” é permeada pelo bem e pelo mal. Assim, àqueles que “aqui” praticarem o bem e

seguirem os ensinamentos de Cristo está reservado o “paraíso” no “outro mundo”, já

aos que praticarem o mal cabe, como punição, o “inferno”, onde serão “por toda a

eternidade” submetidos aos castigos do demônio.209

Nesta mentalidade, há lugar ainda para o “purgatório”, “espaço” intermediário

da geografia do além surgido entre os cristãos no século XII, ao qual são “entregues”

as almas dos pecadores para “purgarem” seus pecados antes do “juízo final”, onde

se decidirá se às mesmas caberão as benesses do paraíso ou as tormentas do in-

ferno.210

Essa visão do além, emanada do Portugal medieval para o Brasil colônia e ain-

da hoje presente em diversos estratos sociais do país, foi fruto de análise do histori-

ador medievalista Jacques Le Goff. Para ele, na Idade Média Ocidental criou-se um

“cristianismo do medo”, pois, os fiéis eram incitados a viver em virtude de sua salva-

ção, sendo mais forte o temor do “inferno” que o desejo do “paraíso”.211

Neste contexto, o inferno seria, pois, um mundo de trevas, gritos, ruídos apavo-

rantes, fedor, fogo que queima ininterruptamente os condenados, que são castiga-

208 LITURGIA .... 2. ed. Edições “Lumen Christi”: Mosteiro de São Bento; RJ / Livraria SAL; SP, 1956. p. XVI. 209 LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (coord). Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Coorde-nação da tradução Hilário Franco Junior. Bauru, SP: Edusc, 2006. p. 28-30. 210 Idem. Idem. 211 Idem. Idem.

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dos, por conta de seus pecados, pelo demônio. Já o paraíso, seria um lugar de paz

e alegria cujo modelo é a Jerusalém Celeste.212

Tal divisão binária do além foi alterada, porém, no século XII, quando a geogra-

fia do pós-morte viu nascer o “purgatório”, destino, que até então era incerto, das

almas dos homens “não totalmente bons” e “não totalmente maus” que cometeram

“pecados leves” “neste mundo”. No imaginário medieval, presente especialmente no

catolicismo colonial cujas manifestações existem até nossos dias, o tempo de cum-

primento de “penas purgatórias” dependia, de acordo com Le Goff, da quantidade de

pecados cometidos pelo indivíduo e que eram subdivididos em “veniais” (remissí-

veis) e “mortais” (irremissíveis). Outrossim, o abrandamento de tais penas poderia

ser obtido por meio de sufrágios feitos pelos vivos em prol dos finados (preces, es-

molas, missas etc) ou de indulgências concedidas pela Igreja.213

Para os que crêem nesta representação do além, porém, “no fim dos tempos”,

com o “Juízo final”, onde se dará o julgamento definitivo dos pecadores, o purgatório

deixará de existir e seus ocupantes serão conduzidos definitivamente ao “céu” (para-

íso) ou ao inferno.

É na “Sexta-feira Santa”, e também no “Dia de finados” (02 de novembro), que

se concentra o maior número de ações em sufrágio das almas, destacando-se as

orações e penitências feitas nos cemitérios, cruzeiros e santas-cruzes.

Tal relação entre penitência e a vida pós-morte pode ser vista em um dos can-

tos entoados durante a procissão dos Penitentes de Nossa Senhora das Dores e

que chama o pecador a viver uma vida de contrição para ter como recompensa uma

eternidade de prazer. Nele, podemos visualizar várias reminiscências da visão medi-

eval de além anteriormente citada o que faz necessária, apesar de longa, sua trans-

crição abaixo.

Não confie na vida / que é transitória / da morte a lembrança trazes na memória

212 LE GOOF; SCHMITT. Op. Cit. 2006. p. 28-31. 213 Idem. p. 31.

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Refrão: Piedade Senhor / Piedade / Piedade / É de nós pecador

Que o morrer é certo / ninguém não ignora / não se sabe quando / nem quando é a hora

Refrão ...

Se hoje te vês / são, robusto e forte / talvez que hoje mesmo / te conclua a morte

Refrão ...

Se morreres em culpa / assim obstinado / não terás desculpa / serás condenado

Refrão ...

O Bom Jesus que agora / te busca amoroso / teu juiz será / o mais rigoroso

Refrão ...

Nas chamas eternas / oh! que aflição / cheio de tormentos / viverás então

Refrão ...

Os sentidos todos / de dor penetrados / te farão brotar / em ais ma-goados

Refrão ...

Uma eternidade / te está esperando / ou de prazer cheia / ou sempre penando

Refrão ...

De braços abertos / Jesus te espera / olha pra tanta dor / que nele se encerra

Refrão ...214

Como na “Sexta-feira Santa”, de acordo com a liturgia da Igreja Católica, Cristo

foi entregue em sacrifício na cruz pelo perdão dos homens, penitentes e promessei-

ros católicos dedicam especialmente esse dia a práticas que, para eles, vão auxiliar

em seu intento de salvar suas almas do “fogo do inferno” ou do “purgatório”.

214 ASSOCIAÇÃO DOS PENITENTES DE N. SRA. DAS DORES. Op. Cit. 1980. p. 24-26.

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Esse dia é, pois, permeado pelo silêncio e repleto de proibições: tocar sino, re-

zar missa, ouvir música, pegar ou consumir qualquer coisa que tenha sangue, ven-

der algo, trabalhar, se alimentar de carne (apenas peixe), etc215. Em algumas igrejas,

está presente ainda o antigo costume de cobrir as imagens dos santos com panos

roxos (cor litúrgica utilizada nos paramentos durante a Quaresma).

A “Sexta-feira Santa” é um dia de tristeza e de luto pela morte do Salvador,

como se pode ver nas palavras de uma penitente-promesseira que há quase 40 a-

nos dedica esse dia à oração e à penitência e que participa de procissão de peniten-

tes que ocorre no povoado Gado Bravo Norte, em N. Sra. das Dores, entre a noite

da quinta e a madrugada da sexta-feira da “Semana Santa”: “Quinta e Sexta vamos

gente respeitar a Quaresma. Quando um pai mais uma mãe morre a gente tem gos-

to na vida? Bem assim é Jesus (...) É semana de penitência a Semana Santa”216.

É, igualmente, um dia para se praticar o jejum e a caridade, como se observa

nas lembranças da infância do dorense Manoel Cardoso (hoje escritor radicado em

São Paulo-SP), que na primeira metade do século XX residira no povoado Taborda,

onde havia um grupo de penitentes, e esteve em contato com práticas e representa-

ções ligadas ao contexto devocional da Quaresma e da “Sexta-feira Santa”:

Outrora, no Taborda, sexta-feira santa era um dia tão sagrado que

não se varria a casa, não se falava alto e era dia de jejum e absti-

nência de carne. Era nesse dia que as pessoas muito pobres compa-

reciam às nossas casas, a fim de “pedirem jejum”, isto é, algum ele-

mento de que não dispunham nunca, como peixe ou bacalhau para

sua magra refeição. Naquele tempo, bacalhau custava baratíssimo e

era considerado comida de gente pobre.217

215 PEREIRA, José Carlos. O encantamento da Sexta-feira Santa: manifestações do catolicismo no folclore brasileiro. São Paulo: Annablume, 2005. 216 PROMESSEIRA. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Povoado Gado Bravo Norte / Nossa Senhora das Dores (SE), 13 de abril de 2006. 217 CARDOSO, Manuel. Notícias de sábado. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por <[email protected]> em 07 mar. 2009, 17:36.

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Durante a celebração da Paixão, em igrejas de todo o mundo, o fiel católico

contempla a face sofredora do Cristo martirizado e de sua Mãe dolorosa (represen-

tada pela imagem de Nossa Senhora das Dores ou de Nossa Senhora da Soleda-

de), que, no imaginário católico, acompanhou a Via-Crúcis e participou, ativamente,

do ato redentor do filho. É o que fica evidente em homilia proferida pelo Padre José

Dácio dos Santos, administrador da Paróquia que é foco desta dissertação, durante

procissão da “Semana Santa” que representa o momento da Via-Crúcis no qual se

dá o encontro entre Cristo e Maria:

Neste momento que a Mãe se encontra com Seu Filho, nós contem-plamos também não somente a Paixão de Jesus, mas agora a Pai-xão de Maria. Duas Paixões, dois sofrimentos, duas dores. Não é o somente Jesus que está sofrendo, não é somente Jesus que está passando pela dor, é também a Sua Mãe que também sofre a Pai-xão. Ela sofre porque ao ver o Seu Filho carregando a Cruz ela não esperava isso para Ele. Maria sofre a Paixão porque ela acredita no amor que Deus tem por nós. (...) Maria é a Virgem Desolada. Maria é a Virgem das Dores. Maria é a Virgem que acompanha agora, a par-tir desse momento, os últimos sofrimentos, as últimas agonias do Seu Filho Jesus. 218

Aliás, a presença de Maria na Via-Dolorosa e seu papel de intercessora são

ressaltados em vários cantos e orações entoados ao longo da Quaresma. É o caso

do canto de entrada da Procissão do Madeiro: “Ó Virgem Senhora / Mãe da Piedade

/ Livrai-nos das penas / da eternidade. Por este Senhor / que tendes nos braços /

pelas vossas dores / dirigi meus passos” (ver anexo 4).

Portanto, é através de procissões penitencias, que lembram a Via-Sacra, que

muitos fiéis buscam participar ativamente da Paixão e obter do Crucificado graças

espirituais e temporais.

218 HOMILIA do Padre José Dácio dos Santos durante a Procissão do Encontro. N. Sra. das Dores, 12 de abril de 2006.

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4.3 VIA-SACRA

A Via-Sacra consiste na realização de procissão penitencial que percorre luga-

res sagrados, como cruzeiros, capelas, cemitérios etc. e procura repetir os “passos”

de Cristo rumo ao Calvário, onde foi crucificado. Esta prática vincula-se, pois, à de-

voção à Paixão e Morte de Cristo e leva o fiel a integrar o sagrado ao seu cotidiano.

Afinal, ao fazer penitência o fiel busca repetir a obra redentora da divindade.

A procissão, cortejo solene de cunho religioso acompanhado de cantos e re-

zas219, é a mais expressiva forma de devoção presente nas festas religiosas, bem

como um instrumento de evangelização e legitimação de um discurso que atua na

formação de um habitus.

As Constituições primeiras do Arcebispado da Bahia, escritas em 1707 por

Dom Sebastião Monteiro da Vide (arcebispo da Bahia entre 1702 e 1722) e em voga

no Brasil até o início da República, trataram de inúmeros temas como fé, sacramen-

tos, celebrações litúrgicas, obrigações do clero, benefícios eclesiásticos, etc. e assim

referiram-se às procissões:

Procissão é uma oração pública feita a Deus por um comum ajunta-

mento de fiéis dispostos com certa ordem, que vai de um lugar sa-

grado a outro lugar sagrado, e é tão antigo o uso delas na Igreja Ca-

tólica, que alguns autores atribuem sua origem ao tempo dos apósto-

los.

São atos de verdadeira religião e divino culto com os quais reconhe-

cemos a Deus como o Supremo Senhor de tudo e piíssimo distribui-

dor de todos os bens, e por isso nos sujeitamos a Ele, esperando de

sua divina clemência as graças e favores que lhe pedimos para sal-

219 NUNES. Op. Cit. 2008. p. 117.

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vação de nossas almas, remédio dos corpos, e de nossas necessi-

dades.220

Ao longo do percurso das procissões de Via-Sacra ocorrem as “estações”, pon-

tos de parada para oração que relembram momentos daquela Via-Dolorosa na qual

Cristo carregou a cruz em que foi morto. O número dessas “estações” é variante,

sendo mais comum sete (referência às sete horas canônicas) ou catorze (Via-Sacra

completa instituída no século XVII pelo Papa Inocêncio XI). No entanto, mais recen-

temente, surge a Via-Dolorosa com quinze paradas221, incluindo-se a última como

representação da ressurreição222.

As sete “estações” são utilizadas, por exemplo, na procissão do Senhor dos

Passos, que ocorre durante a quaresma em cidades como São Cristóvão/SE (anexo

1). Já no Cântico da Via-Sacra, que acompanha a leitura das “estações”, o fiel peni-

tente que participa das procissões da “Sexta-feira Santa” em Nossa Senhora das

Dores remete aos 14 “passos” dessa Via-Crúcis e ao papel redentor da mesma, res-

saltando a morte de Cristo como um ato salvador e piedoso (anexo 4). Por outro la-

do, as quinze paradas têm lugar atualmente na maioria das procissões penitenciais

da Quaresma, como as do Cruzeiro do Século e dos Penitentes que ocorrem em

Nossa Senhora das Dores, que nas estações fazem a leitura da “Via-Sacra da Fra-

ternidade” (anexo 2).

A Via-Sacra tem, pois, um papel pedagógico na catequese do fiel, uma vez que

em cada uma das “estações”, sejam em número de 7, 14 ou 15, se transmite ao pe-

nitente parte da doutrina que se quer ensinar e que o mesmo apropria-se de acordo

com interesses espirituais e materiais os mais diversos. Para isso, atuam alguns

personagens. São eles:

• Cristo: filho de Deus feito homem para sofrer, morrer na cruz e redimir a

humanidade. Entretanto, o mesmo, que ressuscitou dos mortos ao ter-

ceiro dia, deixou uma mensagem (presente sobretudo no Novo Testa-

220 DA VIDE, Dom Sebastião Monteiro. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo, 1853, título XVIII, nº 488. Apud: AZZI. Op. Cit. 1978. p. 135. 221 A inserção da 15ª estação será analisada no capítulo 5. 222 GOIS. Op. Cit. p. 45.

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mento da Bíblia) que os cristãos devem seguir para obter a maior dentre

todas as graças, o “paraíso celeste”.

• Maria: a mãe do Salvador que acompanhou seu sofrimento, participou

de sua Paixão e, portanto, da remissão dos pecadores. Adotada pelos

cristãos católicos como mãe e protetora, como intercessora junto a Cris-

to em prol dos pecadores.

• As mulheres judias que ao longo da Via-Dolorosa choravam por Cristo

que as consolou, deixando o exemplo de que sua morte não foi em vão,

mas para trazer misericórdia aos pecadores e consolo aos sofredores.

• Simão, o Cirineu, que ajudou Cristo a carregar sua cruz assim como os

cristãos devem ajudar seus semelhantes.

• Verônica: mulher que enxuga o rosto ensangüentado de Jesus e é tida

como exemplo de coragem e de generosidade.

• Os dois ladrões crucificados junto a Cristo. Um, chamado de o “mal la-

drão”, é aquele que não se arrepende de seus pecados. O outro, o “bom

ladrão”, é o homem pecador que reconhece a Jesus como filho de Deus

e redentor, arrependendo-se de suas faltas e conseguindo com isso um

“lugar no paraíso”.

À esquerda, imagem do Sr. dos Passos, personagem da Via-Sacra, retrata Cristo carregan-do a Cruz. Foto: João Paulo Araújo de Carvalho, 2007. Acervo do Projeto Memórias.

À direita, procissão do Senhor dos Passos em N. Sra. das Dores no período quaresmal. Fo-to: Paulo Figueiredo, sem data. Acervo do Projeto Memórias.

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O símbolo maior dessas procissões, e de todas que ocorrem na “Sexta-feira

Santa” no campo religioso em análise, à exceção da do Senhor Morto, é a Cruz223,

que aparece à frente de tais atos, conduzindo os fiéis ao longo de sua jornada peni-

tencial, e é a representação mais expressiva da remissão dos pecadores através da

Paixão e Morte de Cristo.

A devoção à Cruz chegou ao Brasil no século XVI juntamente com os portu-

gueses, que tão logo aqui aportaram, trataram de batizar o território de Ilha de Vera

Cruz e, logo após, Terra de Santa Cruz. Assim, “descoberto” o Brasil, erigiu-se uma

grande Cruz de madeira e rezou-se a primeira missa naquelas paragens, fincando-

se assim o marco da conquista e o local onde seria efetuado o culto litúrgico.

Sobre o batismo da “terra dos papagaios” e sua relação com o culto a este

símbolo do cristianismo, falou o cronista Pero de Magalhães Gândavo: “Pedro Álva-

res (...) antes de partir, (...) mandou alçar uma cruz no mais alto lugar de uma árvore,

onde foi arvorada com grande solenidade e bênçãos de sacerdotes que levava em

sua companhia, dando à terra este nome de Santa Cruz: cuja festa celebrava naque-

le mesmo dia a Santa Madre Igreja (que era aos 3 de maio)”.224

Entretanto, logo o nome do lugar seria mudado para Brasil, o que o autor da

História da Província de Santa Cruz vai condenar “para que nesta terra magoemos

ao demônio, que tanto trabalhou por extinguir a memória da Santa Cruz, e desterrá-

la dos corações do homem (mediante a qual fomos redimidos e livrados do poder de

sua tirania)” 225, propagando assim a restituição de seu nome anterior. Aliás, idéia

essa também defendida por cronistas, antes e depois de Gândavo, como João de

Barros e Frei Vicente do Salvador.

Ainda nos primeiros momentos em que os portugueses estiveram na Terra de

Santa Cruz, trataram logo de iniciar a conversão dos moradores que ali residiam à fé

cristã, distribuindo-lhes crucifixos, como se pode perceber na nossa Carta de Acha-

223 “Instrumento de suplício, formado geralmente de duas peças de madeira atravessadas uma sobre a outra e ao qual se prendiam os criminosos. Insígnia de Ordens religiosas-militares: a Cruz de Cristo, a de São Tiago, a Cruz de Avis. Existem diversos tipos entre as quais cita-se a egípcia, grega, latina, em T, de Santo André, de Lorena, de Malta, trifoliada, de âncora, papa”. Conforme: NUNES. Op. Cit. 2008. p. 43-44. 224 GÂNDAVO, Pero de Magalhães. História da província de Santa Cruz. In: OLIVIERI, Antonio Carlos e VILLA, Marco Antonio (org). Cronistas do Descobrimento. 3. ed., 5. imp. São Paulo: Ática, 2004. p.116. 225 Idem. p. 117.

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mento, cujo trecho é transcrito abaixo. Afinal, o avanço português no além-mar ga-

nhou um caráter de cruzada, luta pela conversão dos nativos “infiéis”. 226

E, acabada a pregação, como Nicolau Coelho trouxesse muitas cru-zes de estanho com crucifixos, que lhe foram ainda da outra vinda, houveram por bem que se lançasse uma ao pescoço de cada um. Pelo que o padre frei Henrique se assentou ao pé da Cruz e ali, a um por um, lançava a sua atada a um fio ao pescoço, fazendo-lha pri-meiro beijar e alevantar as mãos. Vinham a isso muitos; e lançaram-nas todas, que seriam, obra de quarenta ou cinqüenta. 227

Desta forma, a Cruz da Paixão chega ao novo território português como ex-

pressão primeira da religião do invasor, a qual os nativos, chamados pelo coloniza-

dor de “pagãos”, deveriam converter-se. Porém, com o caldeamento cultural formado

a partir do contato entre europeus, nativos e africanos, esta não tardaria a tornar-se

símbolo da religiosidade de brasileiros de todas as cores e camadas sociais, expres-

são da fé manifestada através da indicação dos locais de sepulturas e da devoção

às almas e à Paixão, principalmente no período quaresmal quando se realizam as

Vias-Sacras e procissões de penitentes e “encomendadores de almas”.

Utilizada como forma de evangelização, seja através da afixação de quadros

nas Igrejas que a representam ou por meio da realização de procissões que seguem

seu roteiro e relembram a Paixão e Morte de Cristo, a Via-Sacra é, portanto, uma

das mais fortes expressões de religiosidade que ocorrem durante a Quaresma. Ao

participar delas, o devoto busca repetir os “passos” da Paixão e, portanto, participar

da obra redentora de Cristo. Do mesmo modo, busca comunicar-se com o sagrado a

partir de roturas que possibilitem conseguir benefícios de ordem espiritual e material.

Nessa relação entre o plano terrestre e o plano celeste, entre o fiel e Deus ou um de

seus intermediários, ganham destaque práticas como a promessa, o ex-voto e a pe-

nitência.

226 Cf. SOUZA, Laura de Melo e. Inferno Atlântico: demonologia e colonização (séculos XVI-XVIII). São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 30. e WEHLING, Arno e WEHLING, Maria José C. M. Formação do Brasil Colonial. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 38. 227 CAMINHA, Pero Vaz de. Carta de Achamento do Brasil. In: OLIVIERI e VILLA (org). Op. Cit. p. 24.

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Obra “A Passagem pelos penitentes” – tela do Artista Plástico dorense Adauto Machado (acrílico sobre tela, 40x30cm). Nela se vê a Cruz como centro da penitência que é realizada.

Foto: João Paulo Araújo de Carvalho, 2006. Acervo do Projeto Memórias.

4.4 PROMESSA, EX-VOTO E PENITÊNCIA

Bendita e louvada seja / A Paixão do Redentor / Que por nós sofreu martírio/ Morreu por nosso amor.

O trecho de um dos cantos entoados pelos penitentes ao longo das procissões

da quaresma e que é trazido acima, nos leva a refletir sobre o entendimento que o

fiel tem da Paixão e Morte de Cristo e de seus significados para a vida do homem

“nesse” e no “outro mundo”. Para os devotos que participam de manifestações religi-

osas na Quaresma, Cristo morreu para salvar a humanidade e para trazer benefícios

como a salvação das almas dos pecadores. Isso faz com que eles vejam a “Sexta-

feira Santa” como um tempo de graça no qual, ao praticar alguma ação piedosa, po-

dem ser-lhes concedidos benefícios de ordem espiritual e material.

No imaginário de penitentes e promesseiros por nós estudado, no que se refere

à existência “nesse mundo”, a promessa é uma das formas encontradas pelos devo-

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tos para conseguir saúde, emprego, bens materiais etc, o que depende exclusiva-

mente da fé de quem pede. Deste modo, ao alcançar a graça almejada, pela inter-

cessão do plano sagrado, cabe ao fiel fazer o pagamento do prometido a Deus ou a

um de seus intermediários. O devoto pratica, portanto, alguma ação votiva: partici-

pando de determinada procissão (muitas vezes com pés descalços), depositando no

local sagrado ou aos pés da imagem do santo de devoção um elemento que simbo-

lize aquela graça conseguida (ex-voto), usando determinado tipo e cor de roupa (ro-

xa, preta ou branca) durante a quaresma e/ou nas quartas e sextas-feiras, dentre

outras práticas.

Percebe-se, portanto, que o homo religiosus busca na religião resolver uma sé-

rie de questões ligadas a sua vida diária. Exemplo disto é a relação entre doen-

ça/saúde e intervenção divina, que pode ser encontrado em levantamento realizado

pelo historiador Antonio Bittencourt Junior com 180 participantes da Procissão do

Senhor dos Passos de São Cristóvão (SE). A pesquisa concluiu que 78% dos entre-

vistados ali estavam cumprindo ação votiva em agradecimento ao restabelecimento

da saúde, visto que a vida humana é tida por eles como resultado da ação divina,

esta determinada pelos laços que o fiel mantém com o cosmos. O mesmo autor foi

ao Museu dos Ex-votos, localizado na Igreja do Carmo daquela cidade, e constatou

na presença de objetos que simbolizam alguma graça alcançada os males que mais

afligem aquelas pessoas, com o domínio de problemas na cabeça, pernas, pés e

joelhos, seguido por coração, câncer, problemas em partos, êxito em cirurgias, den-

tre outras.228

No caso das promessas, estas podem ser cumpridas durante 3 (numa referên-

cia à Santíssima Trindade), 7 (lembrando os “Passos” de Cristo ou as “Dores” de

Nossa Senhora) ou 14 anos (alusão às estações da Via-Sacra tradicional). Entretan-

to, como se pode observar no estudo de Bittencourt Junior sobre a comunicação na

Procissão do Senhor dos Passos em São Cristóvão (SE), este ato não se limita ape-

nas ao diálogo feito entre fiel-promesseiro e divindade, pois, para o devoto o arre-

pendimento dos pecados ou a existência de fé podem ser notados pelos seres ce-

lestes num gesto, numa ação, no “coração do fiel”. Assim, há na procissão a tentati-

va de diálogo, também, com os de “fora” da procissão, com os não participantes do

228 BITTENCOURT JUNIOR. Op. Cit. 2003. p. 74-81.

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ato penitencial, mas que igualmente a ele possuem necessidades temporais e mate-

riais.229

O pagamento da promessa torna-se, portanto, um ato educativo no qual o de-

voto transmite aos “outros” uma mensagem. Isso pode ser visto, por exemplo, na

procissão dos Penitentes que ocorre na noite da Sexta-feira da Semana Santa em

Nossa Senhora das Dores. Ali, os participantes ao chegarem às “estações” chamam

os pecadores, que participam e que assistem ao ato, a arrependerem-se. É o que

podemos ver no trecho abaixo, de um dos cantos da procissão referida, fortemente

influenciado pela visão medieval de além anteriormente discutida:

Pecador, pecador, ouve a voz do Eterno / Que te manda oferecer / Penitência ou Inferno ...

Refrão: Piedade, Senhor, Piedade, Senhor, Piedade, Piedade, de nós pecadores.

Das duas coisas escolhe / Assim diz o Deus Eterno / Para tua Salva-ção Penitência ou Inferno

Refrão:....230

Nesse imaginário, faz-se necessário, também, repetir-renovar anualmente a

penitência, participar novamente da procissão e “sofrer como Cristo sofreu”, para

que assim o devoto alcance a salvação. Pois, a promessa estabelece um vínculo

entre o fiel e o sobrenatural e a não correspondência por parte do penitente pode

representar a perda do bem material conseguido, o retorno da doença etc. É o que

podemos ver na fala de José Soares dos Santos (63 anos, funcionário público co-

nhecido como Zé Teiú), participante da procissão do Madeiro de Nossa Senhora das

Dores: “Eu fiz uma promessa. Eu achei que Deus me ajudou que eu fiquei são. Eu

tenho vontade de continuar a sair com essa procissão até quando eu guentar”231.

229 BITTENCOURT JUNIOR. Op. Cit. 2003. 230 ASSOCIAÇÃO DOS PENITENTES DE N. SRA. DAS DORES. Op. Cit. 1980. 231 SEXTA-FEIRA Santa: Nossa Senhora das Dores – palco centenário de devoção e penitência. Produção do Projeto Memórias de Nossa Senhora das Dores. Roteiro e Edição João Paulo Araújo de Carvalho, Luís Carlos de Jesus e Antônio Bittencourt Junior. Nossa Senhora das Dores, 2007. 1 DVD. (48 min), color..

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Ex-votos depositados numa “santa-cruz” por onde passam as procissões do Madeiro e dos Penitentes de Nossa Senhora das Dores.

Pagadores de promessa.

Fotos: João Paulo Araújo de Carvalho, 2006. Acervo do Projeto Memórias.

O pagamento da promessa constitui, portanto, uma ação votiva dedicada a

Deus ou a um de seus intermediários, que pode ser visualizada na participação em

algum ato religioso (como as procissões, por exemplo) ou na colocação, em locais

sagrados (igrejas, cemitérios, cruzeiros etc) ou aos pés de imagens sacras, de sím-

bolos (como quadros, imagens, fotos, etc) que representem o prometido (ver foto da

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página anterior). Esse símbolo, chamado de “ex-voto” é, portanto, a materialização

da graça concedida ao promesseiro e o exemplo, mostrado pelo devoto aos “outros”,

de que o sobrenatural atua na vida humana.

Entretanto, além do ex-voto e da promessa, outra importante manifestação

(muitas vezes associada a elas) está presente nesse dia de devoção: é a penitência.

Ao praticar este ato, o penitente busca purificar-se, livrar-se do pecado e, portanto,

alcançar a salvação de sua alma e a de seus entes já falecidos. Esse desejo de mi-

sericórdia pode ser visto na Oração ao Senhor Deus, entoada pelos fiéis ao longo

das procissões da Sexta-feira Santa em Nossa Senhora das Dores:

Senhor Deus, Misericórdia (BIS)

Senhor Deus, pequei Senhor, Misericórdia (BIS)

Senhor Deus, pequei Senhor, mas pelas Dores de Vossa Mãe Maria

Santíssima, Misericórdia (BIS)

Senhor Deus, pequei Senhor, mas pela Vossa Sagrada Paixão e

Morte, Misericórdia (BIS)

Vê-se, a partir desta oração e de várias outras, que no período quaresmal o

Cristo Crucificado e Sua Mãe Maria, representada na invocação a Nossa Senhora

das Dores ou da Soledade, transformam-se nos maiores intermediários entre os

céus e a terra, nos principais intercessores junto a Deus pelo Perdão dos pecados e

a salvação da alma do fiel, pela concessão de alguma graça, graça esta que o devo-

to busca alcançar fazendo penitência.

Além de Cristo e Maria, os fiéis em penitência buscam inspiração em outros

personagens da Paixão, como Simão Cirineu - aquele que ajudou o Crucificado a

carregar o pesado “madeiro” e sentiu com ele o peso dos pecados dos homens – e o

“bom ladrão” – que foi crucificado junto a Jesus e ao arrepender-se de seus pecados

conseguiu a salvação de sua alma. Tal relação entre arrependimento e perdão, cuja

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representação está presente na cena do Calvário (Cristo crucificado entre dois la-

drões), pode ser vista num trecho de um dos cantos tradicionalmente entoados na

Semana Santa e conhecido como “Bendito da Semana Santa”:

Então Jesus foi crucificado

Junto dele tinha dois ladrões

Um deles arrependido dos pecados

Pediu a Jesus que lhe desse a salvação

A prática da penitência entre os cristãos, segundo o teólogo e monge benediti-

no Dom Philippe Rouillard, tem lugar nas primeiras comunidades formadas em torno

das mensagens de Cristo ainda no século I. Por aquela época, ela já era vista como

uma forma de remissão dos pecados, de reconciliação com Deus e retorno à comu-

nhão em comunidade, sacramento que equivalia a um “segundo batismo”232. O pri-

meiro batismo, no imaginário católico, purifica o homem do “pecado original” sob o

qual foi concebido e torna-o membro da comunidade cristã, sendo que o segundo

livra-o do pecado cometido após sua saída da situação de “paganismo”.

Desde o século XIII, porém, a prática da penitência passou a ser mais forte-

mente associada à Paixão e Morte de Cristo e à purificação dos pecados, especial-

mente por inspiração dos franciscanos, pois, havia

uma devoção à humanidade de Cristo, à sua Paixão e os sofrimentos que ele suportou para resgatar os homens e pagar o preço de seus pecados. Os cristãos fervorosos tinham, pois, um grande senso do pecado, da culpa e da necessidade de serem purificados pelo san-gue redentor de Cristo. (...) a penitência se tornou o sacramento da ablução do sangue de Cristo233.

232 ROUILLARD, Philippe. História da penitência: das origens aos dias atuais. Tradução Benôni Lemos. São Paulo: Paulus, 1999. (Teologia sistemática). p. 23-24 233 Idem. p. 60.

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Assim, ao penitenciar-se durante os 40 dias da quaresma, e especialmente na

“Sexta-feira Santa”, o penitente lembra e tenta repetir o sacrifício de Cristo em seu

Calvário rumo à morte na Cruz, o seu flagelo e as suas dores, suas e de sua mãe.

Tal sentimento pode ser observado no Pranto de Nossa Senhora, oração entoada na

quinta-feira da “Semana Santa” numa capela de um povoado de Nossa Senhora das

Dores (SE) no qual ocorre naquela noite procissão de penitentes:

Estava a Mãe Dolorosa / junto ao pé da Cruz chorosa / em quanto Fi-lho pendia / sua alma cruel espada / que lhe foi profetizada / dirada-mente ferida.

(...)

Dai-me Mãe fonte de amor / parte desta vossa dor / fazei que meu coração / sentindo desta Paixão / com dor se veja estalar.

O meu duro peito abriu / dentro as chagas lhe imprimiu / de Jesus vossa doçura / fazei que eu morra de amor / por Jesus as suas dores / sinto com grande amargura.

Fazei que nestes tormentos / de Jesus meus pensamentos / se em-pregue enquanto viver / junto a Cruz eu quero estar / para vos acom-panhar / neste pranto até morrer.

Chorar convosco quisera / oh! Virgem quem me dera / morrer tam-bém com Jesus / fazei que eu sinta a morte / de Jesus eu tenho a sorte / que me alcançou nesta Cruz.

(...)

Pela morte pela Cruz / que padeceu meu Jesus / do inferno dai-me a vitória / dai-me graças felizmente / e vos ver na eterna glória / e vos ver na eterna glória.

Amém.

No catolicismo, a prática da penitência tem como marco o Concílio de Trento

(1545-1563), que no contexto da Contra-Reforma codificou e justificou teologicamen-

te a disciplina desse sacramento da Igreja Católica instaurado pelo IV Concílio de

Latrão (1215)234. Como se pode ver abaixo, Trento, para quem “toda vida de Jesus

foi cruz e longo martírio” e “toda a vida de um cristão deve ser uma contínua peni-

234 ROUILLARD. Op. Cit. 1999. p. 54-64.

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tência”235, atrelou esse sacramento ao arrependimento, à confissão dos pecados

(vinculada à autoridade sacerdotal ora contestada pela Reforma Protestante) e ao

desejo de viver uma “vida nova” onde não mais se peque:

A contrição que tem o primeiro lugar entre os mencionados atos de

penitência, é uma dor na alma e detestação do pecado cometido,

com o propósito de não tornar a pecar. [...] Declara, pois o santo

Concílio que esta contrição encerra não só o deixar de pecar e o

propósito , bem como o começo de uma vida nova, mas também o

ódio da vida passada, conforme as palavras: Lançai de vós todas as

vossas maldades, em que prevaricastes, e fazei em vós um coração

novo e um espírito novo.

[...] a igreja sempre entendeu que a confissão integra dos pecados

fora também instituída pelo Senhor. Esta confissão é necessária por

direito divino a todos que caem depois do batismo, porque Nosso

Senhor Jesus Cristo antes de sua ascensão aos céus, deixou os sa-

cerdotes como vigários seus, como presidentes e juízes a quem de-

vem ser confiado todos os pecados mortais, em que os fiéis houve-

rem caídos. E devem em virtude do poder das chaves de perdoar ou

de reter os pecados, pronunciar a sentença. ...Daí segue que os pe-

nitentes devem declarar na confissão todos os pecados mortais que

se sentirem culpados, depois de feito um diligente exame da consci-

ência. [...] o santo Concílio declara como falsa e inteiramente alheias

à verdade do Evangelho todas as doutrinas que perniciosamente es-

tendem o ministério das chaves a todos os outros homens, além dos

bispos e sacerdote.

Assim não tem o homem de que se gloriar, mas toda a nossa glória

está em Cristo, em quem vivemos e em quem nos movemos, em

quem satisfazemos, produzindo dignos frutos da Penitencia, que dele

tiram a sua virtude, por ele são oferecidos ao Pai e por ele aceitos

pelo Pai.236

235 SANT´ANA (Mons). Dignos frutos da penitência. In: A CRUZADA. Aracaju (SE), 25 de fevereiro de 1951. 236 CONCÍLIO DE TRENTO (1545-1563). Apud: BITTENCOURT JUNIOR. Op. Cit. p. 52.

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Por meio do sacramento da penitência, o fiel demonstra-se, pois, arrependido

de suas falhas e comprometido a não mais pecar, buscando deste modo reabilitar-se

perante Deus. Assim, o perdão e a salvação da alma tornam-se, na ótica do fiel,

mais prováveis.

Entretanto, a penitência é uma prática que traz benefícios não só para os que

delas participam, mas também àqueles a quem ela é dedicada. Assim, tal ato asso-

cia-se ao culto às almas dos antepassados e em especial às que estão “no mau ca-

minho”, “nas ondas do mar” e “no purgatório” para as quais se dirigem parte das ora-

ções efetuadas ao longo das procissões penitencias da Quaresma e da “Sexta-feira

Santa”.

4.4.1 A PENITÊNCIA EM PROL DAS ALMAS DOS DEFUNTOS

Como foi mostrado anteriormente, está presente no imaginário católico a cren-

ça de que os vivos podem contribuir para diminuir as penas dos mortos na “outra

vida” por meio de “sufrágios”, como preces e missas. Daí emanam as celebrações

de missas “de corpo presente”, “de sétimo dia”, “de trigésimo dia” etc, bem como as

orações em prol das “almas” que podem ser feitas nos cemitérios (locais onde são

sepultados os “fiéis defuntos”), nas santas-cruzes (pequena cruz ou capela construí-

da em lugar onde alguém veio a óbito, geralmente de modo trágico), nos cruzeiros

(grandes cruzes que remetem à Paixão e Morte de Cristo e que geralmente são eri-

gidos em locais altos que lembram o Calvário, na frente das igrejas, como marco de

atividades religiosas tais quais as santas missões etc) e nas encruzilhadas (intersec-

ção de duas estradas ou caminhos que dão a forma de cruz).

Nestes locais considerados pelos devotos como sagrados, onde se ora pelos

mortos, costuma-se depositar velas acesas que, no imaginário católico, representam

a luz para aqueles que na “outra vida” estão na escuridão. Afinal, como afirmou o

historiador João José Reis em estudo sobre as representações da morte no Brasil

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oitocentista, “do ponto de vista ritual, a cera ajudava a abrir o caminho do morto nas

trevas da morte, simbolizando o esvair da matéria”237.

Para esse fim, nasceram em diversas partes do Brasil, em especial do nordes-

te, as procissões de “encomendadores”, “alimentadores” ou “recomendadores de

almas”, pessoas que na Quaresma, principalmente na “Sexta-feira Santa”, ou no “dia

de finados” dedicavam orações e penitências em sufrágio das almas.

De acordo com o folclorista Luís da Câmara Cascudo, estas eram procissões

noturnas, presentes na Europa desde o século X e trazidas para o Brasil pelos por-

tugueses, que ocorriam nas sextas-feiras da Quaresma ou durante o “mês das al-

mas” (novembro). Nelas, comuns no Brasil pelo menos até meados do século XIX,

estavam costumeiramente presentes “homens vestindo cogulas brancas, que lhes

encobriam inteiramente as feições, levando lanternas, iniciavam o desfile, que era

guiado por uma grande cruz. Cantavam rogatórias, ladainhas, rezando rosários, e

detinham-se ao pé dos cruzeiros, para maiores orações em voz alta”.238

Uma delas foi foco de registro da artista plástica sergipana Rosa Faria que, na

década de 1970, em busca de inspiração na cultura sergipana, encontrou-a no po-

voado Itapicuru em Nossa Senhora das Dores (SE), onde não mais existe, e regis-

trou-a em uma de suas obras de arte.

“Recomenda das Almas” é a forma popular da encomenda dos de-funtos. É um trabalho que o povo faz em lugar de um agente oficial da religião, o Padre. É um ato religioso que dá grande conforto espiri-tual aos que vivem na roça. Os seus executores são ‘os encomenda-dores’. Um bando de homens sai, por ocasião da quaresma até a Semana Santa, todas as quartas e sextas-feiras, à noite para a ‘re-comenda das almas’. Os recomendadores das almas – usam roupas comuns e alguns colocam cobertores na cabeça. Um deles carrega um cacete para evitar os cães-vigia e também para bater na porta das casas, pedindo silêncio. Em alguns lugares os “recomendadores” levam berra-boi, sacarraia, ou mesmo matraca. Quando se aproxi-mam de uma casa, cantam sem acompanhamento de instrumentos musicais.

237 REIS, João José. O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In: NOVAIS, Fernando A. (coordenador-geral da coleção); ALENCASTRO, Luiz Felipe de (organizador do volume). História da vida privada no Brasil. São Pau-lo: Companhia das Letras, 1997. [História da vida privada no Brasil, 2]. p. 118 238 CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 6. ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1988. (Coleção reconquista do Brasil. 2 série, v. 151). p. 307.

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Quando nesta casa eu chego toda imagem se alegra. Deus te salve casa santa e toda gente que está nela.

Rezam um Pai Nosso e uma Ave Maria.

Percorrem várias casas, fazem questão que o número de casa seja ímpar. O fogo dentro das casas deve estar sempre apagado. Em muitas das janelas são colocados café e comidas para os “recomen-dadores”.

Rezemos outro Padre Nosso

Rezemos alegres e contentes

Padre Nosso, Ave Maria

Pelas almas dos Penitentes.239

Ali próximo ao Itapicuru, no povoado Taborda, igualmente município de N. Sra.

das Dores, também existiu procissão de “alimentadores de almas”, cujo registro de

memória, da primeira metade do século XX, chegou até nós em mensagem eletrôni-

ca enviada pelo tabordense Manoel Cardoso, hoje residente em São Paulo (SP), e

que transcrevemos a seguir:

Os alimentadores eram grupos que se reuniam durante as quartas e

sextas-feiras da quaresma no Taborda. Saíam à noite em cortejo e

rezavam em frente às casas residenciais. Trajavam-se de branco e

“pediam orações pelas almas dos fiéis difuntos que estavam no pur-

gatório, já que foram como nós e seremos como elas”. Tanto o pedi-

do como a oração eram cantados. (...) Não havia auto-flagelo e o

costume era restrito à época da quaresma. Eles também visitavam

santa-cruz ou pequenos oratórios, que encontrassem. As pessoas do

interior da casa visitada acompanhavam tudo do interior da própria

casa, mas não abriam a porta nem se juntavam a eles. Lembro-me

239 FARIA, Rosa. Rito “Recomenda das Almas”. Pintura em prato de porcelana. Acervo do Memorial de Sergi-pe/UNIT. Aracaju (SE), década de 1970.

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de que minha mãe, ao final da visita, explicitava: Muito obrigado pela

visita!240

Tal devoção para com as almas continua, portanto, presente durante as procis-

sões penitencias que enfocamos nesta dissertação (especialmente no capítulo 5).

Três delas (Madeiro, Penitentes e Cruzeiro do Século) têm como “estações” os cemi-

térios, cruzeiros e santas-cruzes onde se param a rezar pelas almas que estão em

penas “no mau caminho”, “nas ondas do mar” ou “no purgatório”. Muitos dos fiéis

que ali estão relatam que fazem penitência por seus parentes já falecidos, como um

lenitivo para amenizar seus sofrimentos.

Devotos do “Madeiro” fazem orações pelos mortos no interior de um cemitério.

Foto: João Paulo Araújo de Carvalho, 2007. Acervo do Projeto Memórias.

Em uma dessas procissões, conhecida como Procissão dos Penitentes, os or-

ganizadores chamam seus participantes a orar pelos mortos:

240 CARDOSO, Manuel. É tempo de mangas, cajus e jacas. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por <[email protected]> em 08 mar. 2009, 11:16.

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Penitentes, seu esforço sua penitência, tem uma finalidade!... Procu-

rem fazê-lo com respeito, com devoção, com amor próprio pelos ir-

mãos falecidos que necessitam de nossas preces, a fim de que, no

fim de cada jornada tenhamos conseguido alcançar as indulgências

pedidas ao Nosso Pai Eterno, por intermédio de Vosso Divino Filho

Nossa Senhor Jesus Cristo que por nós padeceu e foi crucificado.241

Procissão de culto às almas dirigindo-se à “Cruz do Inocente”, santa-cruz que marca o local onde teria morrido tragicamente uma criança e que se tornou local de devoção em Nossa Senhora das Dores. Observe-se ao centro garoto com um ex-voto e mulher conduzindo o

cortejo com uma cruz em mãos.

Foto: Fotógrafo desconhecido, sem data. Digitalizada para o Acervo do Projeto Memórias a partir de original pertencente ao acervo de Maria Auxiliadora de Oliveira.

Entretanto, além dos pedidos de “Pai-Nosso” e “Ave-Maria” em benefício das

almas, como se faz nessas procissões, é comum encontrar durante a Quaresma,

principalmente nas quartas e sextas-feiras mas, sobretudo, na “Sexta-feira Santa”,

pessoas nos cruzeiros, capelas, cemitérios e santas-cruzes a rezar pelos mortos.

241 ASSOCIAÇÃO DOS PENITENTES DE N. SRA. DAS DORES. Op. Cit. 1980. p. 1.

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Do mesmo modo, nestes espaços242 os fiéis que tiveram alguma graça alcan-

çada também depositam ex-votos, numa demonstração de que para uma parcela

dos católicos as almas dos “fiéis defuntos” continuam presentes no cotidiano dos

vivos, que através delas podem conseguir benefícios espirituais ou materiais ao lon-

go da Quaresma.

Num desses momentos, tivemos acesso à Salve Rainha das Almas, rezada na

capela do povoado Gado Bravo Norte, em N. Sra. das Dores (SE), durante o tempo

quaresmal e que, pela sua representatividade para o entendimento do que ora é dis-

cutido, em especial a ligação entre mortos e vivos, vai transcrita abaixo:

Deus vos salve alma / lá do purgatório / pela qual firmamos / devoto ofertório.

Sois fiéis das almas / do rei de concórdia / amoroso Pai / de miseri-córdia.

A vossa presença / na bondade pura / vós para alcançar / da vida doçura.

Salves os degredados / por Deus só brandamos / os tristes filhos de Eva / gemedo e chorando.

Mizeras de nós / em grande perigo / de sermos vencidos / dos maus inimigos.

Logo que chegar / lá no alto céu / rogai nós todos / miseráveis seus.

Salve vossos olhos / almas poderosas / salve vossas almas / inda perigosas.

242 Sobre as manifestações de culto nas santas-cruzes, tivemos acesso a vários relatos de pagamento de pro-messas nestes espaços, como o registrado na fotografia da página anterior. Do mesmo modo, o escritor Manoel Cardoso, em mensagens enviadas pela rede mundial de computadores, nos trouxe, a partir de suas lembranças da infância, o registro de alguns desses locais de devoção, a “Cruz dos Inocentes”, próximo à Serra do Jenipapo - hoje município de São Miguel do Aleixo (SE) -, e a “Cruz de Carira”, no entorno do açude público municipal – perto do centro da cidade de N. Sra. das Dores (SE). A primeira, lugar onde crianças foram mortas, afirma, “consistia de pequeno cômodo, em cujo centro havia uma cruz cercada de pequenos ex-votos, produtos de promessas que pagavam. Certa vez, eu devia ter oito ou nove anos, fui com minha mãe e uma prima pagar uma promessa que eu fizera, para cura de um lobinho no pé, e a promessa consistia da reza do terço e de soltar meia-dúzia de foguetes”. Conforme: CARDOSO, Manuel. Gene-rosidade. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por <[email protected]> em 27 jan. 2009, 03:52. _____. Sequência. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por <[email protected]> em 28 jan. 2009 17:29. Já a “Cruz de Carira”, marcava o túmulo de uma mulher desconhecida e “era lugar de devoção, de promessas, ao qual ocorria as pessoas para pedir e agradecer. Alguns pagavam suas promessas com ex-votos, fitas e quei-ma de velas, que acompanhavam suas orações”. De acordo com: CARDOSO, Manuel. Notícias de sábado. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por <[email protected]> em 07 mar. 2009 17:36.

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Lembrai-vos que estamos / ainda no meio / destas tristes almas / de lágrimas cheios.

Para que convosco / gozemos também / de Cristo as promessas / para sempre. Amém.

Em Nossa Senhora das Dores, portanto, onde ocorrem na “Sexta-feira Santa” 4

(quatro) procissões penitenciais com percursos que vão de 2 a 15 km, muitos fiéis

estão presentes (fazendo sua penitência ou pagando sua promessa) em 2 (dois) e

até mesmo 3 (três) dos referidos atos. Há, ainda, alguns que moram em outras cida-

des sergipanas ou em outros estados e anualmente voltam à terra natal para cumprir

seu ato votivo.

Ali, na pequena Capela, na Matriz, no Cemitério, no Cruzeiro ou na Santa-Cruz,

nas casas onde se pára a rezar, no ajoelhar-se, no acender uma vela, nas ruas da

cidade, num Pai-Nosso, numa Ave-Maria, num beijo ou num simples tocar na ima-

gem de Nossa Senhora da Soledade ou do Senhor Morto, num gesto de arrependi-

mento... em todos estes lugares e em todas estas ações o fiel procura a presença do

divino, do misterioso, busca comunicar-se com os seres celestiais na tentativa de

conseguir a solução de algum problema de ordem temporal ou espiritual, como do-

ença, emprego, bens materiais, etc.

Sendo assim, nos dias em que ocorrem as manifestações devocionais realiza-

das pelos promesseiros e penitentes e aqui analisadas, Nossa Senhora das Dores

transforma-se, para estes homo religiosus, numa “cidade sagrada”, espaço no qual

ocorrem, como visto anteriormente na análise da obra eliadiana, roturas e hierofani-

as que fazem com que o divino se revele ao homem, possibilitando-lhes assim a

transcendência e tornando provável receber alguma graça.243

Após mostrarmos como a “Quaresma” e a “Sexta-feira Santa” povoam o imagi-

nário católico e justificam práticas como a promessa, o ex-voto e a penitência, pas-

samos a analisar as procissões do Madeiro, dos Penitentes, do Senhor Morto e do

Cruzeiro do Século, elementos centrais desta dissertação.

243 ELIADE. Op. Cit. 1992.

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5 CAPÍTULO 5 – UMA CRUZ PARA OS ENFORCADOS: A DEVOÇÃO À PAIXÃO E MORTE DE CRISTO EM NOSSA SENHORA DAS DO-RES (SE)

Como se viu anteriormente, durante a Quaresma, e em especial na Sexta-feira

da “Semana Santa”, os fiéis católicos relembram o sofrimento de Cristo em sua Via-

Dolorosa ao mesmo tempo em que, ao pedir a ele o perdão para os pecados, seus e

dos seus entes já falecidos, buscam no jejum e na penitência sentir as dores que

Jesus sentiu em sua Via-Crúcis.

Desse modo, através das procissões penitenciais, trazidas para o além-mar pe-

lo colonizador português e introduzidas nas culturas africana e indígena como uma

forma de catequese, os devotos colocam-se no lugar da divindade, imitando a obra

redentora do Messias e, portanto, experimentando as dores pelas quais ele passou

a caminho do Calvário e buscando conseguir dele algum benefício espiritual e/ou

material.

No período quaresmal, em Nossa Senhora das Dores, e em outras cidades do

interior de Sergipe244, é possível observar, ainda hoje diversas manifestações de fé

que tem como expressão maior as procissões penitenciais. Dessa forma, no municí-

pio que é foco desta dissertação, todas as quartas e sextas-feiras são realizadas as

“Vias-Sacras” para diversos pontos da cidade, onde os católicos refazem as 15

(quinze) “estações” que lembram o caminho percorrido por Cristo desde a sua con-

denação, passando por sua morte na Cruz, até a ressurreição.

Ao chegar a “Semana Santa”, esses atos se intensificam. Assim, no domingo

temos a Procissão de Ramos que relembra a entrada triunfal de Cristo em Jerusa-

lém antes da Páscoa. Na segunda e terça as imagens de N. Sra. da Soledade e do

Senhor dos Passos, respectivamente, são conduzidas – separadamente – até duas

escolas de onde na “Quarta-feira Santa” partem para o Encontro. Na “Quinta-feira

Santa”, no povoado Gado Bravo Norte, ao mesmo tempo em que na Igreja Matriz 244 A exemplo de Laranjeiras, São Cristóvão, Japaratuba, Tomar do Geru, Ilha das Flores, Capela, Feira Nova, N. Sra. da Glória, N. Sra. Aparecida etc.

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celebra-se a “Missa do Lava-Pés”, ocorre há cerca de 70 anos a Procissão dos Peni-

tentes.

No entanto, é na “Sexta-feira Santa” que as práticas devocionais dos dorenses

centradas na crença no Crucificado, e em seu papel redentor, são mais intensas e

expressivas. Aí, tem lugar as procissões do Cruzeiro do Século, do Madeiro, do Se-

nhor Morto e dos Penitentes, que serão analisadas a seguir. Por fim, com a celebra-

ção da Ressurreição (Páscoa) – na madrugada de sábado para domingo – em que

se realiza missa e procissão, chega ao final os 40 (quarenta) dias que no catolicismo

são voltados ao jejum e à contrição.

Passaremos, a seguir, à análise das quatro procissões penitenciais que têm lu-

gar na “Sexta-feira Santa” em N. Sra. das Dores (SE), ordenadas aqui de acordo

com o período no qual nasceram e o modo pelo qual é representada a Paixão e Mor-

te de Cristo no imaginário local.

5.1 ENTRE EPIDEMIAS, SECAS E MISSÕES: A PENITÊNCIA COMO CAMINHO

PARA A SALVAÇÃO

Na então Vila de Nossa Senhora das Dores, província de Sergipe, tiveram iní-

cio nos fins do século XIX dois movimentos de cunho penitencial, cujo objetivo era

fazer orações com o intuito de obter de Deus o perdão dos pecados, tanto para os

fiéis em penitência como para seus entes falecidos. Estamos falando das Procissões

do Madeiro e dos Penitentes, atos religiosos que continuam ocorrendo anualmente,

sempre na “Sexta-feira Santa”.

Na segunda metade do oitocentos, quando teve lugar o nascimento dessas du-

as procissões, as calamidades públicas, como as epidemias e as secas, foram uma

constante na vida dos habitantes daquela pequena vila do interior sergipano.

Neste contexto, além das doenças comuns que vitimavam anualmente muitas

pessoas, como as febres que aconteciam na mudança de estações, ocorreram ainda

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doenças epidêmicas como a varíola (bexiga), a febre amarela (febre biliosa), a malá-

ria (febre palustre) e o cólera-morbo, por exemplo. Só este último flagelo, para se ter

idéia do impacto de tais calamidades na sociedade da época, em sua primeira apari-

ção (1855-56), quando N. Sra. das Dores era ainda um povoado chamado “Enforca-

dos”, vitimou entre 15 e 30 mil sergipanos (numa população de cerca de 200 mil ha-

bitantes).245

O cólera voltou a atacar na década seguinte (1862-1863), levando a óbito em

torno de 5.500 sergipanos.246 Naquele contexto, o Presidente da Província Joaquim

Jacintho Mendonça, em Relatório dirigido à Assembléia Legislativa, descreveu desse

modo a situação em Nossa Senhora das Dores nessa segunda “visita” do morbus: “o

povoado da Senhora das Dores, como sabeis, é pouco extenso, e sua população

limitada247: assim mesmo forão acommetidas para mais de 510 pessoas, e falecerão

cincoenta e duas”. 248 Diante da gravidade da situação, o presidente logo enviou o

médico João Paulo Vieira da Silva, com ambulância e remédios. O mal se estendeu

pelos meses de janeiro a maio de 1862, sendo sua causa até então desconhecida.

Nesse decênio, aquela Vila seria vítima de outros flagelos, como a febre palu-

dosa (malária) nas margens do rio Sergipe (1865) e uma “epidemia das câmaras de

sangue” (desinteria) que levou à sepultura muitas crianças (1869 – 1870). Em 1873,

chegou a varíola que até março de 74 havia consumido de 25 a 30 vidas. Cinco a-

nos depois, em fevereiro de 1878, era a vez das “febres”, contra as quais o governo

provincial enviou o Dr. Pedro José da Silva Ramalho com uma ambulância. 249

245 Dados oficiais do Relatório do Vice-Presidente da Província contabilizaram 15.122 mortos. Cf: BARÃO DE MAROIM. Relatório com que foi entregue a administração da Província de Sergipe no dia 27 de fevereiro de 1856 ao Ilmo. e Exmo. Snr. Dr. Salvador Correia de Sá Benevides pelo 1º Vice-Presidente da mesma Província o Exmo. Snr. Barão de Maroim. Typ. Provincial de Sergipe, 1856. Levando-se em conta as dificuldades de registro da época, especialmente os enterramentos fora do centro das Freguesias, feitos “nos matos” e, portanto, sem assistências dos religiosos, estima-se o número de mortos em 30.000. Cf: SANTANA, Antonio Samarone de. As febres do Aracaju (dos miasmas aos micróbios). Aracaju: UFS, 1997. (Dissertação, Ciências Sociais, Universidade Federal de Sergipe). p. 32. 246 MENDONÇA, Joaquim Jacintho de. Relatório com que foi aberta a 2ª sessão da 14ª legislatura da As-sembléa Provincial de Sergipe pelo Presidente Dr. Joaquim Jacintho de Mendonça no dia 04 de março de 1863. Typ. Provincial, 1863. 247 Algumas décadas depois, em 1890, sua população era estimada em menos de 9 mil habitantes. Cf: SILVA LISBOA, L. C. Chorografia do Estado de Sergipe. Aracaju: Imprensa Official, 1897. 248 MENDONÇA. Op. Cit. 1863. p. 15 249 SILVA, Cincinato Pinto da. Relatorio com que S. Ex. o Sr. Presidente da Província Dr. Cincinato Pinto da Silva passou a administração ao 3º Vice-Presidente Commendador Dr. Ângelo Francisco Ramos no dia 05 de novembro de 1865. Aracaju: Typ. Provincial, 1865. VEIGA, Evaristo Ferreira da. Relatorio com que o Ilmo. e Exmo. Snr. Dr. Evaristo Ferreira da Veiga passou a administração da Província de Sergipe ao Illm. e Exmo. Snr. Barão de Própria no dia 17 de junho de 1869. Aracaju: Typographia do Conservador, 1869. _____. Relatorio apresentado à Assembléa Legislativa Provincial de Sergipe no dia 1º de março de 1869

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A seguir, pode-se observar quadro com as principais epidemias que assolaram

Sergipe entre meados do século XIX e início do século XX. O referido tem por base

a obra do médico Antônio Samarone de Santana, para quem “as epidemias se su-

cediam quase anualmente, diante de uma medicina perplexa e de um poder público

despreparado para enfrentá-las”250.

PERÍODO DOENÇA OBSERVAÇÕES

1855 – 1856 Cólera Em 3 meses, entre 15 e 30 mil

sergipanos foram a óbito

1858-1859 Varíola “quase uma epidemia perma-

nente”, mesmo havendo vacina

no Brasil desde o início do sé-

culo XIX

1862-1863 Cólera

1872-1874 Varíola

1882-1883 Varíola

1887-1888 Varíola 2 mil mortos só na capital

1895-1896 Varíola

1896 Malária

1899 malária (febre palustre)

1903 peste bubônica

1911-1912 Varíola

1918 gripe espanhola oficialmente 25.910 casos, com

997 mortes

QUADRO 1 – PRINCIPAIS EPIDEMIAS EM SERGIPE (1855-1918)

Fonte: SANTANA, Antônio Samarone de. As febres do Aracaju: dos miasmas aos micróbios. Araca-ju, SE: o autor, 2001.

pelo Exmo. Snr. Presidente Dr. Evaristo Ferreira da Veiga. Aracaju: Typ. do Jornal de Sergipe, 1869. CAR-DOSO JUNIOR, Francisco José. Relatorio com que o Exmo. Snr. Tenente-Coronel Francisco José Cardoso Junior abrio a 1ª sessão da 19ª legislatura da Assembléa Provincial de Sergipe no dia 04 de março de 1870. Typ. do Jornal do Aracaju, 1870. _____. Relatorio com que o Exmo. Snr. Tenente-Coronel Francisco José Cardoso Junior abrio a 2ª sessão da 20ª legislatura da Assembléa Provincial de Sergipe no dia 03 de março de 1871. Typ. do Jornal do Aracaju, 1871. SEBRÃO, Cypriano d’Almeida. Relatorio com que o Exmo. Snr. 1º Vice-Presidente Dr. Cypriano D´Almeida Sebrão passou no dia 15 de janeiro de 1874 a administra-ção da Província de Sergipe ao Exmo Snr. Presidente Dr. Antonio dos Passos Miranda. Typ. do Jornal do Aracaju, 1874. MIRANDA, Antonio dos Passos. Relatorio com que o Exm. Snr. Dr. Antonio dos Passos Mi-randa abrio a Assembléa Legislativa Provincial de Sergipe no dia 02 de março de 1874. Typ. do Jornal do Aracaju, 1874. _____. Relatorio com que o Exm. Snr. Dr. Antonio dos Passos Miranda abriu a Assembléa Legislativa Provincial de Sergipe no dia 1º de março de 1875. Typ. do Jornal do Aracaju, 1875. FONTES, José Martins. Relatorio com que o Exmo. Snr. Dr. José Martins Fontes 1º Vice-Presidente abriu a 1ª sessão da 22ª legislatura da Assembléa Provincial de Sergipe no dia 1º de março de 1878. Typ. do Jornal do Araca-ju, 1878. 250 SANTANA, Antônio Samarone de. As febres do Aracaju: dos miasmas aos micróbios. Aracaju, SE: o autor, 2001. p. 23.

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Consternados com as calamidades que assolaram aquelas paragens, os mora-

dores da outrora Enforcados passaram a reivindicar ao governo provincial, como um

ato de “compaixão para com os mortos”, a criação ali de um Cemitério, uma vez que

o erigido na época do primeiro cólera havia caído em ruínas e os dorenses estavam

a ver “os restos mortais de seos semelhantes, pays, mays, filhos (...) à merce dos

animais carnívoros, que ávidos os foção, cavão e dilacerão”251. A mesma reivindica-

ção continuou a ser feita pela Câmara da Vila aos Presidentes da Província em

1863, 1867, 1869 e 1870252.

Lembremos que a partir do primeiro cólera, o antigo costume de se efetuar os

enterramentos nas Igrejas passou a ser condenado em nome da salubridade públi-

ca, sendo proibido pelo Barão de Maruim (Vice-Presidente que assumiu o mandato

com a morte do titular) em 1855. Passaram, desse modo, a ser efetuados nos cemi-

térios, mesmo com a oposição de alguns padres, já que o sepultamento nas igrejas

era entendido como uma forma de aproximar o morto de Deus e, portanto, da salva-

ção de sua alma.253 Sobre essa questão, no contexto sergipano, historia o Presiden-

te da Província Dr. João Dabney D´Avellar Brotero:

Era costume, nesta Província, como em quasi todo Império, fazerem-se os enterramentos dentro das Igrejas, ou nas suas circunvizinhan-ças. Por occasião da terrível epidemia do cholera em 1855 fez-se ef-fectiva a proibição desse costume, e estabeleceram-se cemiterios provisorios. Estes não podiam ter a decência necessaria, e nem cor-responder á idéa solemne e triste que se liga á taes jazigos.

(...)

O povo vai-se habituando á perder o respeito aos mortos. Habituado á ver fazer os enterramentos no interior das Igrejas, não comprehen-

251 Carta dos moradores do povoado de Nossa Senhora das Dores à Assembléa Provincial de Sergipe. Sem data (provavelmente posterior a 1855 e anterior a 1858. Acervo do Arquivo Público do Estado de Sergipe, coleção Sebrão Sobrinho (SS), volume 28, documento 01. 252 CHAVES, Alexandre Rodrigues da Silva. Relatorio com que no dia 24 de fevereiro de 1864 o Ex Presi-dente desta Província Dr. Alexandre Rodrigues da Silva Chaves entregou a administração da mesma Província ao 2º Vice-Presidente Commendador Antonio Dias Coelho e Mello. Sergipe: Typ. Provincial, 1864. BULCÃO, Antonio de Araújo d’Aragão. Relatorio apresentado à Assembléa Legislativa Provincial de Sergipe no dia 2 de março de 1868 pelo Exmo. Snr. Presidente Dr. Antonio de Araújo d´Aragão Bulcão. Typogra-phia do Jornal de Sergipe, 1868. CARDOSO JUNIOR. Op. Cit. 1870. ____. Op. Cit. 1871. Em 1870 o Padre Leandro Ribeiro relata ter principiado a construção de um Cemitério, bem adiantado mas ca-rente de recursos para sua conclusão. Conforme: Carta do Padre Leandro Ribeiro dos Santos ao Presidente da Província de Sergipe. Nossa Senhora das Dores, 07 de janeiro de 1870. Acervo do APES, coleção Ag4 – Clero, volume 18, documento 27. 253 BARÃO DE MAROIM. Op. Cit. 1856. p. 39.

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de qual a santidade dos actuaes cemiterios que são campos fecha-dos com cercas de madeira, de alguns dos quaes os parochos fazem a mais desgraçada pintura, dizendo que antes se assimilhão á curra-es para fechar o gado, do que á jasigo dos christãos254.

Consultando o Livro de Óbitos255 da Paróquia referente ao período de calami-

dades que começamos a analisar foi possível verificar grande número de mortes

causadas principalmente por febre amarela. Nele, verificamos, ainda, enterramentos

na Igreja Matriz (proibidos desde 1855), como os das crianças Hermógenes256 e Ro-

zendo257 em 21 de maio e 30 de junho de 1859, respectivamente. Entretanto, a partir

de 18 de fevereiro de 1862 os sepultamentos passam a ser registrados como feitos

no “Cemitério Público da Villa”, pois, até aí os registros citam apenas o enterramento

“nesta Freguesia” sem que se diga onde. Lembremos que eram comuns os sepulta-

mentos “nos matos” e “santas-cruzes” sem que fosse comunicado à autoridade

competente, ou seja, ao pároco.

Analisando o “cotidiano da morte no Brasil oitocentista”, o historiador João José

Reis258 mostra que ela era uma “representação social” e se fazia integrar no cotidia-

no das pessoas. Nesse sentido, quando de sua proximidade, o moribundo a espera-

va em casa, na cama em que dormia e cercado de familiares, sacerdotes, rezadei-

ras, conhecidos e até mesmo desconhecidos. Esta era, pois, a “boa morte”, entendi-

da com um momento de “passagem”/“viagem” ao “outro mundo”. Encarada com jú-

blio, essa passagem deveria ser precedida e sucedida de ritos que atuavam direta-

mente no “destino da alma”.

O “destino” da alma do defunto poderia ser, no imaginário da época, o “paraí-

so”, o “purgatório” ou o “inferno”. Nessa geografia do além, oriunda do medievo e

fundada na crença na imortalidade da alma, mantinha fortemente enraizada a liga-

254 BROTERO, João Dabney d’Avellar. Relatorio com que foi aberta a 1ª sessão da duodecima legislatura da Assembléa Legislativa de Sergipe pelo Excellentissimo Presidente Dr. João Dabney d´Avellar Brotero. Bahia: Typographia de A. Olavo da França Guerra, 1858. p. 28-29. 255 PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro de Registro de Óbitos. 1858 a 1893. p. 1-18v. 256 Pardo, 1 mês e meio, legítimo de Antonio Serra Nêga e Euphrazia Maria. 257 3 meses e meio, legítimo de Antonio Pereira D`Azevedo Sobrinho e Senhorinha Jenuina de Vasconcelos. 258 REIS, João José. O cotidiano da morte no Brasil oitocentista. In: NOVAIS, Fernando A. (coordenador-geral da coleção); ALENCASTRO, Luiz Felipe de (organizador do volume). História da vida privada no Brasil. São Pau-lo: Companhia das Letras, 1997. [História da vida privada no Brasil, 2]. p. 96-104.

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ção entre vivos e mortos, especialmente por conta da existência do purgatório, local

intermediário entre as benesses do paraíso e as tormentas no inferno.

Para dele escaparem mais rapidamente, portanto, as almas em penas purgató-

rias necessitavam do auxílio dos vivos, seja através de indulgências, missas, ora-

ções ou promessas. Àqueles que não conseguissem a graça da “boa morte”, seja

por causa de uma trágica “passagem” ao “outro mundo” ou devido a problemas na

execução dos rituais fúnebres, deviam os vivos dedicarem suas preces e seu sacrifí-

cio físico através das penitências e da autoflagelação.

Buscando compreender o imaginário ligado à representação da vida e da morte

no século XIX, período no qual emergiram as procissões do Madeiro e dos Peniten-

tes, o historiador João Reis259 aponta alguns elementos que nos ajudam a entender

a relação nelas existentes entre a ação dos vivos em prol dos mortos e sua “vida” no

além.

Referindo-se à presença da crença nas “almas penadas”, cuja inserção no Bra-

sil, segundo o historiador citado, remete à tradição africana, Reis260 mostra que nes-

se imaginário, por conta de um tipo de morte indesejada, seja ela prematura, sem

sepultura adequada, com ausência de rituais fúnebres e/ou sepultura, a alma dos

defuntos continuava rondando os vivos a pedir-lhes orações e indulgências que lhes

proporcionassem concluir a “passagem” ao “outro plano” ou amenizar suas penas

purgativas.

A morte sem sepultura, aliás, era das mais temidas. Exemplo disso, era o te-

mor de falecer no mar, sem os rituais fúnebres e sepultamento cristãos, o que fez

emergirem as orações e penitências “pelas almas que estão nas ondas do mar”,

presentes nas procissões objeto deste.261

Emergem, nesse contexto, as santas-cruzes, marcos que lembram a morte trá-

gica de alguém naquele lugar e remetem os vivos a orarem pelo falecido. Nestes

espaços, transformados em locais de devoção, costumava-se orar em prol das al-

259 REIS, João José. O cotidiano da morte no Brasil oitocentista. In: NOVAIS, Fernando A. (coordenador-geral da coleção); ALENCASTRO, Luiz Felipe de (organizador do volume). História da vida privada no Brasil. São Pau-lo: Companhia das Letras, 1997. [História da vida privada no Brasil, 2]. 260 Idem. Idem. p. 98-99. 261 Idem. Idem. p. 124.

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mas, inclusive depositando-se ali pedras que contabilizavam as preces ditas em su-

frágio dos mortos ali representados, o que para os que o faziam ajudava-os na inte-

gração ao “outro mundo”262. Outra prática comumente realizada ainda hoje nas san-

tas-cruzes é depositar ali imagens quebradas de santos ou ainda ex-votos que sim-

bolizam alguma graça alcançada, associada à interferência das “almas benditas”.

Ex-votos depositados numa “santa-cruz de beira de estrada” próxima ao povoado Gado Bravo Sul em N. Sra. das Dores.

Foto: João Paulo Araújo de Carvalho, 2008.

Porém, as santas-cruzes eram locais profanos onde se dava muitas vezes se-

pultura a outras pessoas. Muitos “cemitérios de anjos”, locais onde se enterravam

crianças mortas antes de serem batizadas, nasciam da ereção desse símbolo da

morte trágica. Assim, ao seu redor iam sendo sepultados os “anjos”, cujas almas, na

geografia da morte discutida anteriormente, iam para o “limbo”, local no qual repou-

savam sem penas purgativas, mas também sem a visão beatífica de Deus, somente

possível no paraíso.

262 REIS, João José. O cotidiano da morte no Brasil oitocentista. In: NOVAIS, Fernando A. (coordenador-geral da coleção); ALENCASTRO, Luiz Felipe de (organizador do volume). História da vida privada no Brasil. São Pau-lo: Companhia das Letras, 1997. [História da vida privada no Brasil, 2]. p. 98.

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Cemitério de “anjos” próximo ao lugar chamado “Barreiros”, em N. Sra. das Dores (SE) e nascido ao redor de uma santa-cruz (ao fundo)

No detalhe, sepultura de “anjo” fora dos muros do cemitério do povoado Itaperoá, em N. Sra. das Dores (SE). Pagãos e cristãos ocupam lugares diferentes na geografia do além e dos cemitérios.

Fotos: João Paulo Araújo de Carvalho, 2008.

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Afinal, como pudemos apreender na obra do historiador Jacques Le Goff263 e

ver na foto da página anterior, nessa concepção medieval da vida e da morte, trans-

posta para o Brasil e ainda hoje presente onde o catolicismo colonial atua na forma-

ção de um habitus, o corpo dos anjos deveria ser enterrado separado do corpo dos

pecadores (fora das igrejas e mais tarde dos cemitérios), pois, essa separação tam-

bém existia no além.

Esse imaginário, ligado, pois, a uma religiosidade antiga presente no Brasil oi-

tocentista desde a colônia, era contestado pelas idéias higienistas que emanavam

da medicina em voga desde o século XVIII e que foram adotadas por médicos brasi-

leiros que se acreditavam representantes do iluminismo e da promoção da elevação

do Brasil ao grau de civilização do “velho mundo”.264

Presente na medicina oitocentista, no Brasil, a “teoria dos miasmas” fazia crer

que a decomposição dos cadáveres produzia gazes ou “efúvios pestilenciais” que

causavam doenças aos vivos. Esse entendimento, conforme analisado pelo historia-

dor João Reis265 e pelo médico Antônio Samarone266, fez com que se combatessem

antigos costumes, como o enterramento nas igrejas. Afinal, era necessário transferir

os mortos para cemitérios localizados fora do perímetro urbano, em locais arejados e

elevados, cercados de árvores que “limpassem o ar” e distantes das fontes de água

potável e das rotas dos ventos que sopravam sobre a localidade.

A referida teoria enfrentava, pois, a resistência da tradição, enraizada no catoli-

cismo colonial e que fomentava o sepultamento nas igrejas, pois,

Para os luso-brasileiros, até pelo menos a metade do oitocentos, es-

se lugar [onde sepultar os mortos] ainda era a igreja. Da mesma for-

ma que os cortejos fúnebres imitavam a procissão do Senhor Morto,

ter sepultura na igreja era tornar-se inquilino na casa de Deus. A pro-

ximidade física entre cadáver e imagens de santos e anjos represen- 263 LE GOFF, Jacques e SCHMITT, Jean-Claude (coordenação). Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Coordenação da tradução Hilário Franco Junior. Bauru, SP: Edusc, 2006. p. 32. 264 REIS, João José. O cotidiano da morte no Brasil oitocentista. In: NOVAIS, Fernando A. (coordenador-geral da coleção); ALENCASTRO, Luiz Felipe de (organizador do volume). História da vida privada no Brasil. São Pau-lo: Companhia das Letras, 1997. [História da vida privada no Brasil, 2]. p. 133-134. 265 Idem. 266 SANTANA. Op. Cit. 2001.

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tava arranjo premonitório e propiciador da proximidade espiritual en-

tre a alma e os seres divinos no reino celestial. A igreja representava

uma espécie de portal do paraíso. Ao mesmo tempo era o lugar per-

feito e desejável para se aguardar a ressurreição no dia do Juizo Fi-

nal, uma concepção medieval amplamente difundida no mundo cató-

lico desde a Idade Média.267

Além do mais, ter cova na igreja era manter contato mais amiúde com os vivos,

lembrando-lhes de rezar pelos mortos, e permanecer na memória de vizinhos e pa-

rentes, que residiam ali próximo. Já para as autoridades eclesiásticas, era uma for-

ma de os vivos não esquecerem da finitude da vida, reprimindo dessa maneira o pe-

cado e animando-os na obediência à Igreja e na piedade cristã. Nessa representa-

ção da vida e da morte, havia, portanto, uma geografia que refletia, entre as igrejas e

dentro delas, hierarquias sociais e outras formas de segmentação.268

No que se refere à origem das epidemias que permearam o imaginário oitocen-

tista, esta pode ser encontrada, sobretudo, nas más condições sanitárias da maioria

das residências e logradouros públicos, bem como nas anormalidades climáticas ou,

conforme se observa na fala do presidente da Província Evaristo Ferreira da Veiga,

fortemente influenciada pela “teoria dos miasmas”:

tiram a sua origem das próprias condicções locaes, a má qualidade das aguas potáveis, as emanações miasmáticas de poços, charcos e alagadiços, os effuvios deletérios de corpos em putrefação que infe-lizmente se encontram mesmo em logares povoados. A falta de cal-çamentos das ruas dando logar a que o ar respirável se vicie com o pó subtil levantado pela viração, concorre também para as ophtal-mas, bronchites e outras moléstias dos órgãos respiratorios.

Á estas causas de insalubridade accrescentarei a má qualidade da alimentação commum.269

267 REIS, João José. O cotidiano da morte no Brasil oitocentista. In: NOVAIS, Fernando A. (coordenador-geral da coleção); ALENCASTRO, Luiz Felipe de (organizador do volume). História da vida privada no Brasil. São Pau-lo: Companhia das Letras, 1997. [História da vida privada no Brasil, 2]. p. 124-125. 268 Idem. p. 126-127. 269 VEIGA. Op. Cit. 1869. p. 13-4.

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O trecho citado acima traz uma importante questão: a dos “corpos em putrefa-

ção”. O primeiro ponto a considerar a partir de então, é que as estatísticas de mor-

tandade estão longe de representarem a realidade270, pois, devido ao grande núme-

ro de mortos muitos eram enterrados “nos matos” ou simplesmente abandonados

nas ruas ou nas estradas, sem que houvesse a devida contagem.

Além do mais, por esta época a população se via diante da necessidade de

ressignificar a morte e desritualizar os funerais, tendo em vista que a partir das gran-

des epidemias os sepultamentos, por uma questão de salubridade pública, passam

a ser efetuados em cemitérios e não mais no interior dos templos religiosos. Afinal, o

morto deveria ser distanciado dos vivos para evitar contaminação.

No entanto, não foram somente as doenças epidêmicas que, na segunda me-

tade do século 19, tiraram do convívio social e familiar muitos habitantes daquelas

paragens. Temos aí, o flagelo da seca, tão comum na região e registrada desde o

início da colonização portuguesa até os nossos dias. As principais delas, no oitocen-

tos, foram as de 1870 e a de 1877-1879, tida como a maior do século, que levaram o

Governo Provincial de Sergipe a recorrer aos particulares no intuito de angariar re-

cursos para reduzir a fome dos flagelados.

Conforme citação da obra do engenheiro Jorge de Oliveira Netto, que analisa o

“problema da seca” sobretudo no aspecto econômico e é base para o quadro se-

guinte, “a sêca de 1877, que no dizer de Naylor Vilas-Boas, marcou ‘uma hégira em

nossa história’ (...) sucumbiram, segundo ainda Eloy Souza, cerca de 500.000 pes-

soas; creio que mais e muito do que em todas as guerras, revoltas e motins que já

houve no Brasil”271.

Na “seca de 70”, que durou cerca de cinco anos, o município de Dores, e seu

“povo desvalido” carente de “pão para saciar a fome, que o consome”272, recebeu,

através do Comissário da distribuição de gêneros alimentícios aos indigentes, o vigá-

rio Leandro Ribeiro dos Santos, donativos da “Bolsa de Caridade” criada pelo Go-

270 Como vimos anteriormente, no calculo do número de mortos da primeira epidemia de cólera houve divergên-cia entre o dado oficial (15.122) e a estatística levantada por estudioso do tema (30.000). 271 OLIVEIRA NETTO, Jorge de. Sergipe e o problema da Seca. Aracaju: Edições da Cotef, 1955. p. 38. 272 Carta do Padre Leandro Ribeiro dos Santos ao Presidente da Província de Sergipe Francisco Cardoso Junior. Sem data (respondido em março de 1870). Acervo do APES, coleção Ag4 – Clero, volume 18, documen-to 76.

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verno Provincial, principalmente em carne, farinha, feijão, milho e bolacha, além de

sementes para o plantio quando das primeiras chuvas no ano de 1871.273 Nesse

contexto, a Câmara do município relata que a agricultura era “de um futuro lisongei-

ro, sendo actualmente o seu estado pouco satisfactorio em vista da secca que á an-

nos lavra na Provincia”274. Naquele 1870, inclusive, o Arcebispo Dom Manoel Joa-

quim da Silveira publicou Pastoral na qual dispensava a abstinência de carne em

alguns dias da Quaresma devido à escassez de peixe275.

PERÍODO CARACTERÍSTICA

1870

1877-1879 grande seca geral

1888-1889 grande seca

1891

1898

1900

1902-1903 pequena seca

1904 pequena seca

1907

1915-1916 grande seca

1919-920 grande seca

1931-1932 grande seca geral

QUADRO 2 – SECAS NA ATUAL REGIÃO NORDESTE - FINAL DO SÉCULO XIX AO INÍCIO DO SÉCULO XX

Fontes:

OLIVEIRA NETTO, Jorge de. Sergipe e o problema da Seca. Aracaju: Edições da Cotef, 1955. p. 38.

VILLA, Marco Antônio. Vida e Morte no Sertão: história das secas no Nordeste nos século XIX e XX. Paulo: Editora Ática, 2001.

A situação de miséria que assolou a Província nesses anos foi assim sintetiza-

da por autoridade local: “O estado deplorável a que se acha uma parte da população

desta província – em conseqüência da fome que cada vez mais se estende; - as

273 CARDOSO JUNIOR. Op. Cit. 1871. 274 Idem. Op. Cit. 1870. 275 SILVEIRA, Manuel Joaquim da (Conde de Salvador – Arcebispo). Pastoral. Cidade de São Salvador da Bahi-a, 5 de janeiro de 1870.

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scenas por certo contristadoras que offerecem algumas localidades para onde afflue

a população do interior à procura do pão e até mesmo d’água que lhe falta.”276

A mortandade, tanto pela fome quanto pela doença, era logo atribuída, tanto

por autoridades civis e religiosas como pela população fortemente influenciada pelo

catolicismo colonial, a castigo de Deus pelos pecados da humanidade. Fazia-se ne-

cessário, então, dirigir orações para acalmar o “cólera divino”. A prática da penitên-

cia era, então, um modo de demonstrar arrependimento diante de uma situação de

pecado, de transgressão, além de um meio de pedir a misericórdia divina para vivos

e mortos. Afinal, acompanhado do medo da morte sem sepultura e sem rituais fúne-

bres cristãos, estava o temor de, por conta das falhas cometidas “nesse mundo”, ser

condenado a cumprir penas no “purgatório”.

Essa associação entre calamidades e castigo divino, pôde ser visualizada na

Europa medieval do século XIV, quando a “peste negra” vitimou cerca de 1/3 do

mundo conhecido: “Uma calamidade universal como esta, impiedosa e sem motivo

visível, só poderia ser punição celeste pelos pecados do gênero humano” 277. No

imaginário da época, as grandes manifestações públicas de penitência serão utiliza-

das neste contexto, assim como no Brasil do final do Século XIX, como uma maneira

de amenizar a fúria divina.

Nesse universo mental, onde o homem busca viver num mundo sagrado, sa-

cralizando, assim, sua existência nele, as doenças não eram entendidas como efeito

da contaminação por agentes, como os vírus ou as bactérias - contraídos pela falta

de saneamento básico, por exemplo - ou as secas como fruto de fatores climáticos.

Esse homo religiosus, que compreende sua vida terrena como resultado da ação

divina, vê esses fenômenos como “castigo dos céus”.

Nesse sentido, no roteiro sagrado em que ocorrem as procissões do Madeiro e

dos Penitentes de N. Sra. das Dores (SE), nascidas nesse contexto de calamidades

e nas quais os devotos percorrem cruzeiros, cemitérios e santas-cruzes, o fiel busca

276 CARDOSO JUNIOR. Op. Cit. 1870. 277 TUCHMAN, Bárbara. A peste devasta a Europa. Tradução Alexandre Massella. In: Revista História Viva. Ano 1, nº 8, junho de 2004. p. 53.

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as roturas a partir das quais o divino se revela tornando possível a ele transcender e

obter o perdão, a cura, etc.278

Era comum, ainda, nesses tempos de epidemias, a confecção de amuletos,

como bandeiras brancas com uma cruz ao centro ou os “bentinhos” – orações que

eram escritas em um papel e amarradas ao pescoço como forma de “fechar o corpo”

contra as doenças.

Historiando sobre as secas no nordeste, o historiador Marco Antônio Villa, traz

importante relato do bispo do Ceará Dom Luís Antônio dos Santos, em fala proferida

em 22 de abril de 1877, que resume o sentimento do homem daquele período quan-

to à causa de tantas calamidades, como as estiagens prolongadas e as doenças

epidêmicas que muitas vezes as seguiam, ligando-as à intercessão divina na vida

humana:

Poderíamos classificar entre os castigos enviados pela Divina Justi-ça, os males que já vamos sofrendo e assignar como causa deles, esse espantoso esquecimento de Deus e de Suas leis, essas blas-fêmeas tão diretas e atrevidas, essas profanizações dos templos, es-sas tão ofensivas calunias, essa desbragada impiedade, que moteja do que há de mais sagrado, essa ostentosa incredulidade, filha da li-bertinagem do coração.279

Do mesmo modo, analisando as profundas marcas deixadas no imaginário ser-

gipano pelo cólera morbus, o historiador Amâncio Cardoso transcreve relato do mé-

dico Helvécio de Andrade que cita ter ouvido, ainda em 1920, “espantosas” histórias

sobre o tempo dessa epidemia, tais quais: “(...) rezas públicas, nas ruas, nos tem-

plos e nos lares, a impressionarem por altas horas da noite a imaginação popular, já

bastante excitada pelo espetáculo de tantas dores; grupos a percorrerem as povoa-

278 ELIADE. Op. Cit. 1992. 279 Apud: VILLA, Marco Antônio. Vida e Morte no Sertão: história das secas no Nordeste nos século XIX e XX. Paulo: Editora Ática, 2001. p. 46.

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ções e estradas desertas cantando ladainhas às almas do purgatório, cujos ecos

iam, de quebrada em quebrada, ferir os ouvidos dos campônios aterrorizados”.280

Tais atos de religiosidade, que muitas vezes aglomeravam multidões, contrari-

ando as determinações médicas que, para evitar a proliferação das doenças reco-

mendavam não houvesse grandes amontoados de pessoas, sobretudo, em lugares

fechados como as igrejas.

Analisando atos de religiosidade utilizados pelos sergipanos no combate à pes-

te, em sua dissertação intitulada “Sob o signo da peste: Sergipe no tempo do cholera

(1855-1856)”281, o historiador Amâncio Cardoso observou no imaginário local o que o

mesmo chamou de “origem moral” das epidemias, tidas como punição divina aos

homens pecadores. Assim, somente nova “intervenção celeste poderia extinguir a

punição dos pecados em forma de peste”282.

Nesse clima de medo e morte, presente nos tempos de epidemias e secas, cir-

culou em Sergipe um pequeno livro de orações para orientar as pessoas sobre a

melhor forma de implorar a misericórdia de Deus. Intitulado “Oraçoes extrahidas dos

melhores livros de piedade e próprias para implorar a Misericordia de Deos no Tem-

po da Peste, approvadas por sua Exellencia Reverendissima, o Sr. Arcebispo da

Bahia”, ele advertia o fiel para a contrição sincera no momento da reza com o fim de

livrar-se da punição divina283.

O “mortífero flagelo mandado por Deos às nossas plagas para castigo nosso e

pouco a pouco aniquilar-nos”284, só poderia ser extirpado, no imaginário da época,

com ladainhas, penitências (onde se estalavam as “disciplinas”285), promessas, ve-

las, rezas, procissões etc.

Estas manifestações públicas de devoção, por outro lado, acabavam pondo em

lados opostos as autoridades, o que pode ser observado em ofício do Vigário Geral

de Sergipe, Antônio da Costa Lobo, ao Vice-Presidente da Província, em 01 de de- 280 Apud CARDOSO, Amâncio. Uma geografia da peste: epidemia de cólera em Sergipe, 1855-1856. In: Cader-nos UFS: História / UFS – v. 5 nº 6 (1997-2004), jan/dez. São Cristóvão: Editora UFS, 2004. p. 102. 281 SANTOS NETO, Amâncio Cardoso dos. Sob o signo da peste: Sergipe no tempo do cholera (1855-1856). Campinas, SP: [s.n], 2001. (Dissertação, UNICAMP/IFCH) 282 Idem. p. 195. 283 Apud SANTOS NETO. Op. Cit. 2001. p. 192. 284 BARÃO DE MAROIM. Op. Cit. 1856. p. 01. 285 Autoflagelo, sobretudo, com o uso de navalhas que cortavam as costas do penitente flagelante.

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zembro de 1855286. O religioso informa que, mesmo tendo recebido ordens do Pre-

lado Diocesano para mandar “fazer precces publicas e procissões de penitência em

todas as parochias e capellas da província, como o meio mais forte de alcançarmos

da divina providência a extinção do mal que ora nos afflige”, atendeu a orientação da

autoridade temporal que, “por assim convir as conveniencias da salubridade”, man-

dou os vigários não abrirem suas matrizes para que “n’ellas hajão grandes reunio-

ens, para rezas, penitencias”287.

A orientação do Arcebispo, não levada a cabo por seu representante na Pro-

víncia, entretanto, estava de acordo com a mentalidade coletiva da época, especial-

mente nos mais distantes torrões do interior. A penitência, ressaltemos ainda, era

um dos principais sacramentos da Igreja desde o Concílio de Trento (1543-1565)288,

que estava sendo posto em prática no Brasil oitocentista pelos sacerdotes e bispos

romanizadores, além de estar fortemente arraigada no catolicismo colonial, impreg-

nada do medo do inferno e do purgatório.

A prática da penitência como caminho para a expiação dos pecados e, conse-

quentemente, a salvação da alma, foi fortemente difundida no Brasil através da ação

de missionários católicos, sobretudo, capuchinhos, aqui presentes desde o século

XVII.

Como mostrou a historiadora Tatiane Oliveira da Cunha em estudo sobre a

presença destes religiosos em Sergipe289, as missões capuchinhas faziam parte de

um conjunto de estratégias da Igreja para o povo expiar seus pecados e abrir o co-

ração para as mensagens divinas transmitidas pelo clero secular após as mesmas.

Para o folclorista Mello Moraes Filho, as missões reuniam multidões que vi-

nham de todos os cantos das freguesias e realizavam-se quase sempre no período

da quaresma, geralmente às sextas-feiras e aos domingos. Tinham por finalidade

286 Carta do Vigário Geral da Província de Sergipe Ignácio Antonio da Costa Lobo ao Presidente da Pro-víncia Barão de Maroim. Aracaju, 1º de dezembro de 1855. Acervo do APES, coleção Ag4 – Clero, volume 10, documento 99. 287 Carta do Vigário Geral da Província de Sergipe Ignácio Antonio da Costa Lobo ao Presidente da Pro-víncia Barão de Maroim. Aracaju, 1º de dezembro de 1855. Acervo do APES, coleção Ag4 – Clero, volume 10, documento 99. 288 Ver capítulo 4. 289 CUNHA, Tatiane Oliveira da. “Espaços e culturas em transformações em nome de Cristo...”: Frei Caeta-no de San Leo em missões populares em Sergipe (1901-1911). Aracaju, 2008. (Monografia, Pós-graduação em Ciências das Religiões, Universidade Federal de Sergipe). p. 12.

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“preparar o povo pela penitência, instruí-lo no catecismo, encaminhá-lo pelo batismo,

pela prática da virtude e do bem ao reino de Deus”.290

Utilizando uma “pedagogia do medo”, tais missionários apropriavam-se de re-

presentações do céu, do inferno e do purgatório, discutidas nos capítulos anteriores

e fortemente enraizadas no catolicismo colonial e emanadas do medievo.

Em suas homilias, descreve Moraes Filho, fortemente teatralizadas, emprega-

vam a “disciplina”, no que eram seguidos pelos fiéis a penitenciar-se e a pedir mise-

ricórdia. “Vida breve... / Morte certa... / Do morrer a hora incerta...”, assim começa-

vam suas pregações. Exaltavam as virtudes. Condenavam à morte eterna os que

viviam em pecado. Conclamavam o devoto perplexo à prática da penitência. 291

Assim, mostravam a prática da penitência como meio para obtenção da salva-

ção, atuando ainda na promoção de obras comunitárias como a construção ou re-

forma de tanques, cemitérios, templos, a ereção de cruzeiros - quase sempre às 15h

(horário no qual a liturgia da Igreja situa a morte de Cristo na Cruz) etc.292

Durante toda a missão os capuchinhos falavam da salvação da alma. E através dos sermões e benditos mostravam que para purgar os pecados era necessário praticar a penitência. Enquanto parte da mul-tidão carregava pedras, também cantava implorando o perdão: “pie-dade, Senhor / Tende piedade, / É de nóis, pecador(...)”

(...) um dos momentos mais solene era a procissão de penitência, onde todos os presentes participavam.

(...) Seu maior símbolo era a cruz. Além da cruz usavam-se velas, os benditos e, principalmente, o discurso utilizado nos sermões.

Durante a procissão de penitência as pessoas seguiam ao local pre-estabelecido que serviria para o “levantamento do Cruzeiro de ma-deira”.293

290 MORAES FILHO, Mello. Festas e tradições populares do Brasil. Com um prefácio de Silvio Romero; dese-nhos de Flumen Junius. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002. p. 168-169. 291 Idem. Ibidem. 292 CUNHA. Op. Cit. 2008. p. 20-38. 293 Idem. p. 37-38.

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Tais cruzeiros, carregados nos ombros dos devotos penitentes até o local de

sua instituição, eram erigidos como marco da realização da Santa Missão e acaba-

vam dando origem a capelas, tornando-se espaços de devoção onde se pagavam

promessas, faziam-se orações e penitências, depositavam-se ex-votos etc.

Entre o final do século XIX e o início do século XX, a sede e os povoados que

compõem a Paróquia Nossa Senhora das Dores (SE), campo religioso no qual ocor-

rem as manifestações aqui analisadas, foram alvo da ação missionária, sobretudo de

capuchinhos e franciscanos que ali realizaram santas missões, retiros espirituais,

acompanharam visitas pastorais de bispos etc. Enfim, difundiam a prática da peni-

tência e as representações que lhe davam plausibilidade, promoviam obras comuni-

tárias de caráter material e espiritual, como se pode ver no quadro abaixo e nos a-

pêndices 3,4 e 5, que mostram as missões capuchinhas registradas na Paróquia que

é foco de nossa atenção e, quando possível, alguns de seus resultados.

ANO MISSIONÁRIO (s) ORDEM RE-LIGIOSA

OBSERVAÇÕES

1886 Frei João Evangelista Capuchinho Além de batizados, casamentos, crismas, confis-sões e comunhões, abriu-se um tanque.

1895 Frei João Evangelista Capuchinho Além de batizados, casamentos, crismas, confis-sões e comunhões, arrecadou-se 905$000 para a continuação da obra da nova Matriz

1911 Frei Caetano de San Leo e Frei Camilo Crispiero

Capuchinhos Houve consagração da Paróquia ao Sagrado Cora-ção de Jesus Além de batizados, casamentos, crismas, confis-sões e comunhões, construiu-se a calçada da Igreja e cruzeiro Os Missionários foram auxiliados pelos Padres José da Mota Cabral e José Gonçalves Nabuco

1913 Frei Elias Essfeld Franciscano Santa Missão no povoado Cumbe com instalação de Secção do Apostolado da Oração

1913 Frei Camilo Crispiero Frei Elias Essfeld e Frei Camilo Brochtrap

Capuchinho Franciscano

?

Durante a 1ª Visita Pastoral do Bispo Dom José Thomaz à Vila e ao povoado Cumbe, onde se insta-lou a Confraria das Almas

1914 Frei Gabriel de Cagli e Frei Camilo Crispie-ro

Capuchinhos Santa Missão na Vila com o auxílio dos Padres Vicente Francisco de Jesus, José da Mota Cabral, José Bernardino Nabuco, Serapião Machado de Aguiar Menezes e Vigário Padre Elpídio Teixeira Lobo

1914 1915*

Frei Gabriel de Cagli e Frei Camilo Crispie-ro

Capuchinhos Santa Missão no povoado Borda da Mata com o auxílio do Padre Vicente Francisco de Jesus

1920 Frei Caetano de San Leo e Frei Agostinho Loro

Capuchinhos Santa Missão no povoado Cumbe

1921 ? ? Durante a 2ª Visita Pastoral do Bispo Dom José Thomaz, instalando-se a “Pia União das Filhas de Maria”

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1925 Frei José Polhmmam Franciscano Durante a 3ª Visita Pastoral do Bispo Dom José Thomaz e com assessoria dos padres Affonso Tor-jal, José Antônio Leal Madeira, Elpídio Teixeira e Jugurta Franco Houve batimento da pedra fundamental na Nova Matriz Realizou-se Santa Missão no povoado Cumbe

1930 Frei Francisco de Urbania e Frei Agostinho de Loro Piceno

Capuchinhos Benção da Nova Matriz

1934 Frei Pacífico e Frei Anselmo

Franciscanos Santa Missão onde foi fundado o Cruzeiro da Mis-são Os missionários foram acompanhados pelo Padre José Machado e pelo Cônego Fernando da Graça Leite

1935 ? ? Santa Missão no povoado Cumbe, onde foi inaugu-rado Cruzeiro como marco da mesma

1943 Frei Alfredo e Frei Jorge Frei Pedro

Franciscanos Capuchinho

Santa Missão no povoado Gado Bravo

1943 Frei Celestino e Frei Paulo

Capuchinhos Santa Missão na Matriz e nos povoados Cajueiro e Borda da Mata Os missionários foram auxiliados pelo Vigário Cô-nego Miguel Barbosa e pelo Padre Dácio de Almei-da Nunes

1948 Frei Celestino, Frei Carlos e Frei José

Capuchinhos Santa Missão no povoado Gado Bravo

QUADRO 3 – SANTAS MISSÕES NA PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES NO FINAL DO SÉCULO XIX E PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX

* Há divergência quanto à data da Missão dos respectivos missionários capuchinhos: a historiadora Tatiane Oli-veira da Cunha, com base em pesquisa no Arquivo dos Capuchinhos na Bahia, registra a mesma no ano de 1915, enquanto que o Livro Tombo da Paróquia situa-a em 1914.

Fontes:

Caderno de Memórias de Frei João Evangelista de Montemarciano. p. 27, 60 e 61. Transcrição feita pela historiadora Tatiane Oliveira da Cunha do acervo do Arquivo Histórico de Nossa Senhora da Piedade - Frades Menores Capuchinhos da BA/SE situado em Salvador (BA) e gentilmente a nós fornecida.

CUNHA, Tatiane Oliveira da. “Espaços e culturas em transformações em nome de Cristo...” : Frei Caetano de San Leo em missões populares em Sergipe (1901 – 1911). Aracaju: UFS, 2008. (Mono-grafia, Especialização em Ciências da Religião, Universidade Federal de Sergipe).

FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913.

Em Nossa Senhora das Dores, existem ainda hoje, no entorno da cidade, cinco

cruzeiros (ver mapa 2 no capítulo 3 ou mapa 3 no item 5.1.1 a seguir), a maioria dos

quais não se tem notícia de sua origem. Eles tornaram-se espaços de devoção, es-

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pecialmente na quaresma, sendo pontos obrigatórios de parada (“estações”) para

orações no percurso de procissões penitenciais como as do Madeiro e dos Peniten-

tes.

Igreja Matriz N. Sra. das Dores em 1949 e 2006, em frente a qual se vê o antigo cruzeiro de madeira (esquerda) e o atual (direita) de cimento branco com imagem do Cristo Crucificado.

Fotos: Acervo de Maria Garcia Vieira, 1949 e João Paulo Araújo de Carvalho, 2006.

Destes cruzeiros, a tradição oral consagrou a origem do chamado “Cruzeiro do

Século”, erigido na virada do século XIX para o século XX, à ação de missionários

católicos294. Já o “Cruzeiro das Missões”, foi construído em 26 de outubro de 1934

após Santa Missão realizada pelos franciscanos Frei Anselmo e Frei Pacífico e pelos

sacerdotes Cônego Graça Leite, Padre José Machado e o vigário Cônego Basilício

Raposo de Oliveira295. Os outros três, o “do Saco” 296, o “das Moças” e o “Velho”, têm

294 ANDRADE, Maria Iolanda Araújo de. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Se-nhora das Dores, 11 de janeiro de 2006. FIGUEIREDO, Roberto Pereira de. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 15 de junho de 2004. 295 Conforme: PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. p. 26 v – 27. 296 Segundo informações de Dona Valderina Pereira de Moura (72 anos), residente no povoado Gentio, o Cemi-tério desse logradouro – também conhecido por Cruz do Saco – servia inicialmente para enterramento de crian-ças (“anjos”) e depois adultos. De acordo com a mesma, o cemitério localizava-se numa encruzilhada, sendo

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seu nascimento perdido na memória e, como era comum, acabaram originando ce-

mitérios que, à exceção do “Cruzeiro Velho” (hoje Capela de devoção a Santa Bea-

triz), ainda conservam essa função.

No centro da cidade, em frente à Igreja Matriz, os capuchinhos Frei Caetano de

San Leo e Frei Camilo Crispiero297 construíram, em 1911, além da calçada do tem-

plo, um cruzeiro que provavelmente vem a ser o anterior ao atual, inaugurado pelo

Cônego Miguel Monteiro Barbosa em 1954298 (ver fotos da página anterior).

O sentimento de arrependimento e o desejo de perdão, presentes nas indica-

ções do Concílio de Trento para o exercício do sacramento da penitência, prática

das missões populares, torna-se público por meio de diversas orações rezadas pelos

fiéis nas manifestações penitenciais da Quaresma em Nossa Senhora das Dores.

Destas, duas foram coletas pela historiadora Tatiane Cunha299 como presentes

nas missões capuchinhas e que ainda hoje compõem os rituais das procissões do

Madeiro e dos Penitentes. Umas delas, também transcrita pelo folclorista Mello Mo-

raes Filho300 e cuja variação está presente nestas procissões (ver anexos 4, 5 e 6)

diz “Piedade Senhô, / Piedade / de nós pecadô”, conclamando o devoto a rogar a

misericórdia divina. A outra, “Vinde pais e vinde mães”, transcrita abaixo, é entoada

atualmente pelos participantes do Madeiro (anexo 4) e lembra o penitente de que ele

tem uma alma, de que Cristo morreu para “lavá-la” de toda culpa e que a “Santa

Missão” é instrumento para se alcançar a salvação.

Vinde pais e vinde mães, / Vinde todos à missão, / Para cuidar como cristãos / De alcançar a salvação. Por lavar as nossas culpas, / Morreu Cristo numa cruz; / Vinde pais e vinde mães; / Quem vos chama é o Bom Jesus. Ouvi pais os nossos rogos! / Ouvi mães, nosso bradar! /

aumentado e cercado por seu pai, Manuel Pereira dos Santos (conhecido como Manuel Pajaú). Ponto no qual muitas pessoas faziam/fazem promessas, hoje é uma das estações das Procissões do Madeiro e dos Penitentes. Conforme: MOURA, Valderina Pereira de. Informações prestadas a João Paulo Araújo de Carvalho. Povoado Gentio/Nossa Senhora das Dores (SE), 01 de março de 2008. 297 CUNHA. Op. Cit. 2008. p. 55. 298 A CRUZADA, Aracaju (SE). 28 de agosto de 1954. 299 CUNHA. Op. Cit. 2008. 300 MORAES FILHO. Op. Cit. 2002. p. 171-172.

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Pois um’alma temos todos / E o que importa é se salvar.301

Foi, portanto, com o intuito de rogar a misericórdia divina, pedindo perdão pelos

pecados, que surgiram nas últimas décadas do século XIX na outrora “terra dos En-

forcados”, fortemente influenciada pelas mazelas das epidemias e das secas e pelo

habitus missionário-penitencial, as procissões do Madeiro e dos Penitentes.

Estes atos penitenciais têm como símbolo principal a Cruz, sendo que os fiéis

percorrem cruzeiros, santas-cruzes, capelas e cemitérios da cidade e do seu entorno

rezando tanto pelos mortos quanto pelos vivos. Pede-se aí, pelas almas que “estão

no purgatório”, “no mau caminho” e “nas ondas do mar”, mas também pelas dos fiéis

em penitência.

Tal sentimento, que relaciona a prática penitencial à obtenção do perdão para

quem reza e para seus mortos, está presente ainda hoje entre as manifestações a-

cima citadas. Isso pode ser observado em canto entoado pelos participantes dessas

duas procissões e conhecido como “Dai-me meu Jesus”:

Dai-me meu Jesus / um doce de coração

Pelas vossas chagas / e pela vossa Paixão

Dai-me meu Jesus / vê a flor de quem nasceu

E a Hóstia Consagrada / e a Cruz em que morreu

Dai-me tento meu Jesus / Soberano Rei da Glória

Para quem pedimos todos / Senhor Deus, Misericórdia

Senhor Deus Misericórdia / Misericórdia Senhor

Misericórdia vos peço / Por nós todos pecadores

301 Transcrito em CUNHA. Op. Cit. 2008. p. 34. a partir de SILVA, Cândido da Costa e. Roteiro da Vida e da Morte: um estudo do catolicismo no sertão da Bahia. São Paulo: Ática, 1982.p.33.

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Do mesmo modo, o ato de penitenciar-se como forma de curar os males espiri-

tuais e do corpo ainda está em evidência nos dias atuais, como se pode verificar nas

palavras de uma “beata”302 de 54 anos que, perguntada sobre o motivo de sua pre-

sença na procissão do Madeiro, nos deu a seguinte resposta:

Uma dor de cabeça que me deu. E até hoje graças a Deus eu não sei o que é uma dor de cabeça, graças a Deus, porque a gente só faz as coisa com fé, né? Sem fé a gente não faz nada. E depois, eu fiz minha promessa para sair de beata não sei para onde a dor de cabeça foi. Todo ano eu saio. Enquanto eu for viva eu não deixo de sair.303

Ex-votos e velas depositados aos pés do cruzeiro.

Foto: João Paulo Araújo de Carvalho, 2006. Acervo do Projeto Memórias.

Nesses movimentos, a penitência está associada a outros atos como a pro-

messa e o ex-voto, uma vez que para obter dos seres celestes algum benefício de

ordem espiritual, como a salvação da alma, ou temporal, tal qual a cura de alguma

doença ou se conseguir um emprego, o devoto propõe uma “troca” com o divino.

302 Como ficaram conhecidas as mulheres que participam da procissão do Madeiro, conforme se verá a seguir. 303 BEATA. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores (SE), 14 de abril de 2006.

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Assim, ao conseguir a graça o fiel pratica ações votivas como penitenciar-se, acom-

panhando a procissão de pés descalços ou vestido com roupa preta, branca ou roxa,

depositar um símbolo daquele milagre (o ex-voto) em locais sagrados ou aos pés de

uma imagem do santo de devoção etc.

É possível, portanto, encontrarmos nas estações por onde passam essas pro-

cissões diversas pernas, braços, cabeças e outras partes do corpo esculpidas ge-

ralmente em madeira ou barro e que simbolizam a cura de um desses membros do

fiel penitente-promesseiro.

Assim, vê-se que nessas manifestações penitenciais, nascidas no município de

Nossa Senhora das Dores em meio a secas, epidemias e missões, o homo religio-

sus que delas participam continua entendendo que ali é possível transcender atra-

vés de roturas que possibilitem alcançar algum benefício de ordem espiritual ou ma-

terial. Na “Sexta-feira Santa” a antiga “terra dos enforcados” torna-se, pois, uma ci-

dade sagrada na qual, a partir de um ato de devoção como ajoelhar-se, ascender

uma vela ou fazer um pedido ao “Senhor Deus”, as dores do fiel contrito podem ser

amenizadas.

A seguir, serão discutidos alguns aspectos das procissões do Madeiro e dos

Penitentes.

5.1.1 A PROCISSÃO DO MADEIRO

A Procissão do Madeiro surgiu no final do século XIX no município de Nossa

Senhora das Dores (SE). Ela nasceu num local chamado Gentio, pelas mãos da fa-

mília Pajaú, e, segundo dona Maria José Pereira Nascimento – bisneta dos fundado-

res e atual guardiã da cruz (“madeiro”) conduzida na procissão, provavelmente foi

resultado do pagamento de promessas.304

304 NASCIMENTO, Maria José Pereira. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Se-nhora das Dores, 27 de fevereiro de 2005.

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Aliás, foi graças às promessas feitas por várias famílias que viam o “madeiro”

como objeto sagrado, que este ato penitencial foi crescendo e até hoje, mais de 100

anos depois de sua criação, mantêm-se vivo.

Os participantes da referida procissão percorrem, carregando pesada cruz de

madeira, os cemitérios, cruzeiros, capelas e santas-cruzes da cidade, onde os fiéis

rezam pelo perdão de seus pecados. O objetivo dessas orações, destinadas também

às almas dos falecidos, de acordo com a historiadora Gisselma Almeida, é aliviar

suas penas e alcançar a salvação.305

Devotos do Madeiro fazem suas orações num cruzeiro.

Foto: Paulo Figueiredo, sem data. Acervo do Projeto Memórias.

O movimento vem sendo passado de geração a geração ao longo desse século

de história. De acordo com Nivaldo Alves 306, membro da família fundadora e devoto

do Madeiro que pesquisou a referida procissão, o criador da mesma foi o senhor Jo-

sé Vicente Pajaú, sucedido pelo filho João Pajaú e sua esposa dona Minervina, dona

Julhinha e depois Manoel Pajaú307 (filhos do casal João e Minelvina), Paulo Figuei-

305 ALMEIDA. Op. Cit. 2002. p. 39. 306 MOURA FILHO. Op. Cit. 2006. p.02-3. 307 Manoel Pereira dos Santos, conhecido como Manoel Pajaú, nasceu em 1909 e faleceu em 1992, sendo filho de João José de Souza e Minervina de Jesus. Agricultor, fogueteiro, etc de família pobre, no povoado Gentio, onde nasceu e viveu, é considerado filho ilustre e dá nome ao estádio de futebol do clube local.

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redo (o único que não pertenceu à família Pajaú)308 e, atualmente, dona Maria José

Pereira Nascimento (da prole de Manuel).

Manoel “Pajaú”, considerado referência de devoção pelos participantes do “Madeiro”, ao lado da cruz que dá nome ao movimento.

Foto: fotógrafo desconhecido, sem data. Acervo de Maria José Pereira Nascimento.

Há nesse grupo uma forte coesão ligada sobretudo à forma com que esta de-

voção vem sendo transmitida de pai/mãe para filho(a). Esta “família unida”, como

certa vez nos definiu o senhor José Sobral dos Santos309, 67 anos (desde os nove

participante ativo do “Madeiro”), é constituída por pessoas residentes, em sua maio-

ria, em bairros suburbanos como Gentio, Saco do Caçulo, Saco Jatobá, Cruzeiro

MEMÓRIAS DORENSES: informativo cultural da Associação de Incentivo à Pesquisa e à Cultura “Nossa Senho-ra das Dores dos Enforcados”. Nossa Senhora das Dores (SE), ano 3, no 3, outubro de 2007. CARTÓRIO DO 2º OFÍCIO DA COMARCA DE NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro de Óbitos nº 12. p. 121. 308 No ano de 1992, com o falecimento de Manoel Pajaú, a organização do movimento e a guarda do “Madeiro” ficaram sob a responsabilidade de Paulo Figueiredo, que logo promoveu algumas mudanças, como a inserção de cenas da Paixão de Cristo. Tais mudanças alteraram o capital simbólico da procissão e fizeram com que os fiéis mais antigos se distanciassem da procissão. Nasceu, então, um novo “Madeiro”, sob a direção de Figueire-do, e que só resistiu até a sua morte, em 2003. Ver mais detalhes nos estudos da professora Gisselma: ALMEI-DA, Gisselma Silva de Jesus. Procissão do Madeiro: a penitência na busca da salvação da alma. In: MEMÓRIAS DORENSES: informativo cultural da Associação de Incentivo à Pesquisa e à Cultura “Nossa Senhora das Dores dos Enforcados”. Nossa Senhora das Dores (SE), ano 1, nº 1, Outubro de 2005. e ALMEIDA. Op. Cit. 2002. 309 SANTOS, José Sobral dos. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 14 de abril de 2006.

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Velho, Matadouro Velho, Campo Velho, João Ventura, Cruzeiro das Moças, povoado

Ascenso, dentre outros.

Ao longo do roteiro sagrado, é possível observar pessoas trajando preto, bran-

co ou roxo e de pés descalços. Além do mais, muitas mães/pais acompanham a

procissão com seus filhos, alguns inclusive de colo, o que contribui para que a devo-

ção seja transferida às gerações futuras.

A transmissão da devoção ao Madeiro se dá de pai/mãe para filho(a), como vemos na foto acima de acompanhantes da respectiva procissão.

Foto: João Paulo Araújo de Carvalho, 2006. Acervo do Projeto Memórias.

Isto pode ser observado na fala do senhor Sobral, um dos líderes do movimen-

to na atualidade, que reforça o peso da tradição: “A Procissão do Madeiro não se

acaba, sabe? Porque quando eu e esse [referia-se a seu Chico, outro antigo mem-

bro que estava ao lado] não pudé ir, e outro não pudé aquela geração nova vai to-

mar conta, não se acaba”. 310 Tal assertiva é ratificada por Francisco dos Santos (S.

Chico):

310 SANTOS, José Sobral dos. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 14 de abril de 2006.

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Pra mim essa procissão é de grande importância. Não é só pra mim como para todos. Porque tem muita gente que faz suas promessas pra no dia da Sexta-feira da Paixão sair de beata e até hoje graças a Deus estamos juntos. (...) Eu só vou me afastar quando eu não puder mesmo sair. Essa procissão é para sempre pra nós, assim como a-conteceu com os avôs de Manuel Pajaú, com Manuel Pajaú, bem as-sim vai acontecer com nós também. Quando chegar nossa época que nós não puder outro vai dirigir essa procissão.311

As manifestações de fé aí observadas passam pelo jejum, pela promessa e pe-

la penitência. Muitas vezes, as promessas estão associadas a questões como a sa-

úde, o que se podes visualizar em entrevista concedida por uma promesseira de 49

anos que na “Sexta-feira Santa” de 2008 aguardava o Madeiro no cemitério do Cru-

zeiro das Moças enquanto acendia velas votivas à Paixão de Cristo e às almas, que

segundo ela foram os responsáveis por evitar sua morte, num acidente que a deixou

22 dias na UTI de um hospital, graças à promessa feita pela tia. A fala da devota,

transcrita abaixo, demonstra bem a relação que o homo religiosus mantém com o

sobrenatural e os benefícios que isso pode trazer, bastando para tanto ter fé para se

obter graças para si ou para os outros:

Não foi eu que fiz, foi minha tia. Minha tia fez foi aqui no cruzeiro e no outro cemitério. Se eu não morresse ela mandava acender uma vela de sete dias e um pacote de vela para as almas. É uma penitência que a gente tem toda Sexta-feira da Paixão, a Quaresma toda, sete semanas, tem a obrigação de rezar pras almas, pra gente mesmo, né. Foi uma graça que eu alcancei, a gente pedindo com fé, né, a gente alcança. Deus é um bom Pai, ele tarda mas não falha. Ainda vou fazer outra cirurgia, tem a cirurgia do joelho e outra da mama, mas eu to confiando muito em Deus.312

Deste movimento participam homens e mulheres maiores de sete anos, sendo

que os primeiros trajam branco e carregam a Cruz, o “Madeiro”, e estas, chamadas

de “beatas”, acompanham todo o trajeto com o rosto encoberto por um véu preto, cor

idêntica à roupa utilizada.

311 SEXTA-FEIRA Santa: Nossa Senhora das Dores – palco centenário de devoção e penitência. Produção do Projeto Memórias de Nossa Senhora das Dores. Roteiro e Edição João Paulo Araújo de Carvalho, Luís Carlos de Jesus e Antônio Bittencourt Junior. Nossa Senhora das Dores, 2007. 1 DVD. (48 min), color. 312 PROMESSEIRA 4. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 21 de março de 2008.

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As “beatas”, de acordo com pesquisa do professor Nivaldo Alves Filho, são

Mulheres de Preto, com o rosto coberto, lembrando as mulheres de Jerusa-lém que acompanharam o funeral de Cristo e não podiam ser reconhecidas durante o trajeto. Estas mulheres que saem de beatas, na maioria das ve-zes, são promessas feitas por uma graça alcançada. Qualquer mulher pode sair de beata, desde que atenda os requisitos da organização: ser piedosa, demonstrar religiosidade e participar das reuniões e encontros promovidos pela equipe organizadora. 313

Além da vestimenta de “beata” (direita) muitas mulheres acompanham o “Madeiro”, pagando promessa em sua maioria, trajando roupas brancas (esquerda), pretas ou roxas.

Fotos: João Paulo Araújo de Carvalho, 2006. Acervo do Projeto Memórias.

Esta personagem da procissão, segundo dona Maria José Pereira Nascimento

– atual guardiã do Madeiro -, surgiu há algumas décadas como uma forma de uni-

formizar as mulheres que participavam deste ato piedoso como meio de pagamento

313 Cf. MOURA FILHO. Op. Cit. 2006. p. 03-04. É necessário recordar que essas mulheres presentes na cena Paixão, Morte e Enterro de Cristo, por serem seguidoras Dele, não podiam ser identificadas já que os judeus, incluindo os que acompanhavam Jesus, estavam sendo acossados pelos romanos, que ocupavam a região da Palestina.

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de promessa. Nesse mesmo período, criou-se o uniforme branco para os homens,

pois, anteriormente não havia indumentária padrão. 314

Entretanto, apesar dessa tentativa de homogeneizar as vestes, muitos(as) são

os(as) promesseiros(as) e penitentes que aguardam nas “estações” para seguir o

Madeiro, geralmente vestidos de roxo (cor litúrgica da Quaresma na Igreja Católica),

preto (sinal de luto) ou branco (símbolo de pureza da alma).

O ato penitencial do Madeiro é repleto de simbolismos. O principal componen-

te de seu capital simbólico é a grande cruz de madeira carregada pelos fiéis na pro-

cissão envolta num pano branco. De acordo com Nivaldo Alves, o “madeiro”, que é

levado somente por homens315, apesar de representar a morte, lembra também a

figura de um Deus Vivo, pois, “a Cruz está vazia” só restando ali as vestes do crucifi-

cado316.

Procissão do Madeiro em sua antiga formatação.

Foto: Paulo Figueiredo, sem data. Acervo do Projeto Memórias.

314 NASCIMENTO, Maria José Pereira. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Se-nhora das Dores, 27 de fevereiro de 2005. 315 Em caso de promessas outras pessoas, inclusive mulheres, podem carregá-lo. 316 MOURA FILHO. Op. Cit. 2006. p. 05.

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Procissão do Madeiro em sua formatação atual.

Foto: Betinho, 2004. Acervo do Projeto Memórias.

À esquerda: mulher carrega por alguns instantes o “madeiro’, exceção concedida a promes-seiras. À direita: “beata”.

Fotos: João Paulo Araújo de Carvalho, 2006.

A “beata” é também um componente do capital simbólico desta manifestação,

lembrando, como já dissemos, as mulheres presentes na Via - Dolorosa. O cordão

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de São Francisco, cujos nós devem ser dados no momento de sua fabricação317 com

o acompanhamento de orações, vai demonstrar a simplicidade de um povo pobre e

humilde como foi Cristo, assim como o terço evidencia a sua devoção a Nossa Se-

nhora das Dores.318

O sofrimento e a dor da penitência podem ser visualizados no hino Simão Ci-

rineu, que rememora o personagem da Via-Crúcis Simão, o Cirineu, aquele que, as-

sim como os devotos estão a reproduzir, ajudou Jesus a carregar Sua Cruz:

Coro: Encontrei São Simão, o Cirineu

Ajudai-me aqui Simão

Este Madeiro pesado

Que já me faz trespassar o coração.

1. São Simão ajudai a levar a Cruz,

Já dei um passo, meu Jesus não posso mais

Só quem pode levar é meu Jesus

Por Ele ser poderoso e Grande Pai

(Conta-se os passos até 7)

O hino acima se tornou igualmente um dos símbolos da penitência que os

participantes dessa procissão repetem a cada ano. Afinal, os fiéis buscam repetir

anualmente o sacrifício redentor de Cristo, continuar sentindo suas dores, partici-

pando de sua Paixão. A respeito dessa relação entre o sofrimento de Jesus Cristo e

a penitência do fiel, assim referiu-se uma devota de 39 anos que desde os 10 parti-

317 Manoel Pajaú fabricava os cordões usados por muitos participantes das procissões do Madeiro e dos Peniten-tes. 318 MOURA FILHO. Op. Cit. 2006.

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cipa do Madeiro vestida de “beata”: “Diante do sofrimento de Jesus é nada o que a

gente ta fazendo”319.

A mesma ocorre na tarde da “Sexta-feira Santa” e tem início por volta das

14h, na casa de dona Maria José Pereira Nascimento, filha e herdeira espiritual de

Manoel Pereira dos Santos (Pajaú) que, junto com sua família e devotos mais anti-

gos como Sobral (José Sobral dos Santos), Chico (Francisco dos Santos) e Zé Teiú

(José Soares dos Santos), organizam o referido ato.

Na citada residência, localizada no subúrbio Gentio, sai o cortejo, que termi-

na, após aproximadamente 10 km de caminhada, às 19h 30min numa residência na

Av. Paulo Vasconcelos320. Antes da “Sexta-feira Santa”, porém, os devotos reúnem-

se todos os domingos da quaresma (num total de 7) onde rezam, ensaiam os cantos

e discutem a organização da procissão.

Um percurso composto, em sua maioria, de estações definidas de acordo

com a tradição transmitida oralmente ao longo de mais de 100 anos é seguido pelos

fiéis. Esse roteiro sagrado, como se vê no mapa seguinte, é formado, sobretudo, por

cruzeiros, cemitérios, capelas e santas-cruzes, onde se reza pelas almas. Estes lo-

cais sagrados para os devotos, têm origem, em sua maioria, no final do século XIX

ou no início do século XX.

Ali, segue-se uma sequência de orações que se inicia com o sinal da Cruz e

pedidos de “Pai-Nossos” e “Ave-Marias” pelas almas do “purgatório”, do “mau cami-

nho” e das “ondas do mar”. Depois se reza a “Salve Rainha”, o “Pedido ao Senhor

Deus” e conclui-se, de joelhos, com o “Senhor Deus” (ver anexo 3). No itinerário,

entre uma estação e outra, os fiéis cantam hinos de louvor a Nossa Senhora, ao

Crucificado, além de pedidos de perdão (ver anexo 4).

319 BEATA 2. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 14 de abril de 2006. 320 Após sair do Cemitério, a procissão segue até uma casa na Av. Paulo Vasconcelos onde o “Madeiro” fica guardado até que no dia seguinte volta para a residência de dona Maria José, onde fica até o ano posterior. Entretanto, muitos devotos, que participam da Procissão dos Penitentes que começa às 20 horas ficam no cemi-tério quando da passagem do Madeiro por lá.

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MAPA 4 – Estações da Procissão do Madeiro.

Elaboração: João Paulo Araújo de Carvalho com base em pesquisa de campo.

No último ano, as estações desta procissão foram as seguintes:

1. Casa de Maria José Pereira Nascimento (onde o Madeiro é “guardado”);

2. Cemitério do Gentio, também conhecido como Santa-Cruz do Saco;

3. Santa-Cruz de Bralho Alves dos Santos (falecido em 05/02/1950);

4. Residência de dona Aparecida dos Santos;

5. Cruzeiro Velho (local onde se construiu a Capela de Santa Beatriz);

6. Capela de Santo Antônio;

7. Igreja São Cristóvão;

8. Cemitério do Cruzeiro das Moças;

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9. Residência de Marita de Oliveira;

10. Igreja Matriz;

11. Cemitério Público Municipal;

12. Mercado Municipal;

13. Residência de Maria José Pereira de Moura (onde o Madeiro “descansa” para no

dia seguinte voltar à casa de sua guardiã).

5.1.2 A PROCISSÃO DOS PENITENTES

O movimento dos Penitentes de Nossa Senhora das Dores nasceu, assim co-

mo o Madeiro, no final do século XIX. Esse ato foi levado para a então Vila das Do-

res pela família do senhor Domingos Dias dos Santos (conhecido como Domingui-

nhos), originário da região do Crato (CE) e que migrou para Dores fugindo da seca

que assolava sua terra natal.

Francisco Pedro do Nascimento, um dos maiores expoentes da procissão dos Penitentes.

Foto:Fotógrafo desconhecido, sem data. Acervo do Projeto Memórias.

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De acordo com o neto de Dominguinhos, o senhor Aroaldo Nascimento da Sil-

va (vulgo “Lu de Ioiô”)321, naquele período o algodão foi o atrativo do referido muni-

cípio. Segundo ele, alguns anos após a chegada de a Dores, S. Dominguinhos, que

também organizava festa em honra do Divino Espírito Santo322, veio a falecer. A par-

tir de então, o jovem Francisco Pedro do Nascimento – o Ioiô de Dominguinhos -,

seu filho, assumiu a condução da penitência, direção esta que exerceu até a década

de 1970 quando da sua morte.323

O crescimento desta prática piedosa em suas primeiras décadas deveu-se às

promessas que eram feitas pelos seus participantes. Nos primeiros tempos, era co-

mum ainda a autoflagelação, ou a prática da “disciplina”, como podemos ver em rela-

to de dona Domitila de Figueiredo (nascida em 1882) que apreendemos através da

memória de seu neto, Roberto Pereira de Figueiredo:

No tempo da minha avó os penitentes saiam, mas só saiam os ho-mens, os pais de família, era de uma casa que tinha na malhada do coqueiro, nesse tempo a malhada do coqueiro era separada da cida-de. Ai minha avó dizia que eles se flagelavam numa casa onde eles se vestiam, não era nem no cemitério, e de lá dessa casa era que

321 SILVA, Aroaldo Nascimento da. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 10 de junho de 2004. _____. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Se-nhora das Dores, 30 de janeiro de 2005. 322 FIGUEIREDO, Roberto Pereira de. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senho-ra das Dores, 15 de junho de 2004. 323 Francisco Pedro do Nascimento, filho de Domingos Dias dos Santos e Maria Josefa da Conceição, nasceu em 1889 e faleceu em 1975 (informação da lápide presente em seu túmulo) ou 1976 (data constante no registro de óbito). INSCRIÇÕES presentes na lápide do túmulo onde foi sepultado Francisco Pedro do Nascimento. Cemitério Municipal de Nossa Senhora das Dores, 1975. CARTÓRIO DO 2º OFÍCIO DA COMARCA DE NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro de Registro de Óbitos nº 9. p. 166-v. De família de retirantes cearenses, que inicialmente tornaram-se plantadores de algodão, Ioiô de Dominguinhos, como era conhecido, ascendeu economicamente, tendo tornado-se proprietário rural, dono de descaroçador de algodão, pecuarista e um dos mais abastados dorenses de sua época. Um de seus filhos, Joel Nascimento, que chegou a liderar a procissão dos Penitentes após a morte de Ioiô, tornou-se um dos mais influentes políticos dorenses do século XX, tendo sido prefeito 3 vezes (1963-1967, 1971-1973 e 1977-1982), candidato a deputado estadual (sem sucesso) e eleito dois sucessores na prefeitura (Antônio Cardoso de Oliveira, de 1967 a 1971, e Paulo Garcia Vieira, de 1973 a 1977). É corrente no município a versão de que esta procissão foi fundada pelo Sr. Francisco Pedro do Nascimento (Ioiô), o que se justifica pelo fato de ele ser o mais antigo dirigente que a memória dos mais velhos alcança. Entretanto, o Livro de Registro do grupo, escrito há quase 30 anos com base na oralidade, situa-o, junto a Mano-el de Dantas, como o “maior expoente” do movimento. ASSOCIAÇÃO DOS PENITENTES DE N. SRA. DAS DORES. Op. Cit. 1980. p. 3. Porém, de acordo com o filho de S. Ioiô (Aroaldo) e outro antigo penitente, esta procissão foi trazida pelo pai do mesmo, S. Domingos, um retirante cearense. Aliás, no Ceará, especialmente na região do Cariri, de onde vieram os “Nascimento”, ainda hoje existem vários grupos de penitentes na quaresma com características muito próxi-mas à que é foco desta análise. Conforme: SILVA, Aroaldo Nascimento da. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 10 de junho de 2004. _____. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 30 de janeiro de 2005. FIGUEIREDO, Roberto Pereira de. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 15 de junho de 2004.

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saiam. Muitos homens, 20, 30, 40, que ninguém via. No outro dia o povo ia olhar, os tijolos estavam cheio de trio de sangue e que eles se tratavam das feridas nas costas e as mulheres não viam porque eles não mostravam.324

Por essa época, e pelo menos até os anos 1970, não era permitido que se a-

companhasse a procissão, as pessoas apenas ouviam aqueles homens passarem

ou ficavam “espiando” pelas frestas das portas e janelas. Afinal, havia a crença de

que, como nas procissões de “encomendadores de almas” e “penitentes” se rezava

e fazia penitência em prol dos defuntos, as almas destes também se faziam presen-

tes ao longo da peregrinação.

Isso impedia, por exemplo, a presença de pessoas que não estavam a peniten-

ciar-se naqueles eventos, os chamados “acompanhantes”, uma vez que, como mos-

trou a socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz, acreditava-se que “o encontro

[com os penitentes] era agoureiro, a pessoa pode adoecer, não se sabe ao certo o

que acontecerá. E isto não se deve aos penitentes propriamente, e sim porque além

dos vivos, andavam também os mortos na penitência, e ninguém pode se arriscar a

ver uma alma penada” 325.

Tal representação era reforçada, ainda, por relatos que povoavam o imaginário

das pessoas de que aqueles que se atreviam a espiar os “penitentes” às escondi-

das, viam nas portas ou janelas de suas casas ossos humanos deixados pelas al-

mas. Muitas vezes, estes eram depositados pelos próprios participantes da penitên-

cia para evitar os curiosos. Outrossim, como registrou o folclorista Luís da Câmara

Cascudo326, acreditava-se que o curioso que conseguisse ver a procissão dos peni-

tentes “encomendadores de almas”, enxergaria “apenas um rebanho de ovelhas

brancas, conduzidas por um frade sem cabeça”.

Hoje, porém, no campo religioso que estudamos, a presença dos “acompa-

nhantes” não só é permitida como é recomendada como elemento de atração turísti-

ca.

324 FIGUEIREDO, Roberto Pereira de. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senho-ra das Dores, 10 de agosto de 2008. 325 QUEIROZ. Op. Cit. 1973. p. 173 326 CASCUDO. Op. Cit. 1988. p. 307.

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Procissão dos Penitentes.

Foto: Fotógrafo desconhecido, sem data. Digitalizada para o Acervo do Projeto Memórias a partir de original que compõe o Acervo de Maria Auxiliadora de Oliveira.

De início, marcada pelo autoflagelo, a forma de penitenciar-se e pagar o pro-

metido à divindade foi se alterando ao longo do seu processo histórico. Hoje, o mais

comum é encarar a “caminhada de fé” como meio de consumar o sacrifício. No en-

tanto, ainda é possível observarmos alguns devotos que, antes do início da procis-

são, no interior do Cemitério Municipal, flagelam-se ao fazer, de joelhos, o trajeto

compreendido entre a entrada daquela “Morada da Esperança”, como é chamado, e

a antiga capela que fica no final do mesmo, ou vice-versa – ou até a ida e volta.

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Penitentes flagelam-se no interior do cemitério municipal de N. Sra. das Dores (SE) antes da saída da procissão.

Foto: João Paulo Araújo de Carvalho, 2006.

Um desses promesseiros, de 33 anos e há 19 participante dessa procissão, foi

por nós entrevistado e relatou que há 14 anos faz aquele percurso de joelho como

um ato de gratidão. O mesmo, dorense que reside em Aracaju (SE), volta todo ano à

cidade natal, pois,

Todo ano a gente procura rezar pelos mortos, pelas almas que vivem em penitência e cada ano Deus mostra novas realizações em minha vida. (...) muitas graças alcançadas como proporcionar o equilíbrio na minha família, uma vez que eu perdi uma irmã, uma avó, em tão pouco tempo. E coisas ruins vinham acontecendo e graças a Deus a partir do momento que eu comecei, assim, a visualizar a Deus dife-rente, e me comprometer, graças a Deus a gente vem encontrando, assim, coisas boas na sua vida, na nossa família.327

Exemplo de devoção, sacrifício físico e penitência é a figura de Gilberto de

Souza Leite, 62 anos. Encarando esta penitência como “um chamado de Deus”, S.

Gilberto participa do mesmo desde os 14 anos. Naquela época, o “menino”, como os

companheiros “penitentes” se referiam a ele, havia passado por duas cirurgias, ten-

do ficado sete meses internado. “A partir daí foi que eu comecei a descobri que Je-

sus vivia comigo”, diz. Vencendo as limitações físicas, o que aliás até hoje o faz de-

vido a problemas de visão e audição que ainda o incomodam, Gilberto Leite decidiu

participar da procissão: “Eu doente, operado, mas eu queira sair de penitente (...) a

partir daí eu fui descobrindo que a gente precisa de ter uma missão, e essa missão

pra mim é sair de penitente”. 328

Atualmente liderando o movimento, ele supera a cada ano as dificuldades cuja

vida sofrida lhe impôs “apenas” com a fé e o compromisso com Jesus. Para S. Gil-

327 PROMESSEIRO. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 21 de março de 2008. 328 LEITE, Gilberto de Souza. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 16 de junho de 2004.

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berto, como é conhecido, seu ato de fé é um meio de conseguir benefícios espiritu-

ais para os mortos e para os vivos, como podemos em sua fala a seguir:

Penitência é isso que nós estamos fazendo. Pedindo pelos nossos irmãos

falecidos, por todos aqueles que já se foram, que já partiram dessa vida pa-

ra o outro lado, que estão no paraíso com Cristo. Tenho 47 anos que parti-

cipo não como promessa, mas como uma obrigação. No momento que eu

estou no cemitério, eu estou buscando Jesus para mim e para todos os

meus familiares. 329

Em 1980 foi realizado por um grupo de pessoas, dentre elas o músico e memo-

rialista Edilberto Andrade e o pesquisador e advogado José Lima Santana, um le-

vantamento oral buscando escrever a História dos “Penitentes”. Desse levantamen-

to, resultou um Livro de Registro que traz as “exigências que a tradição recomenda”.

São elas:

1º) A Penitência será feita única e exclusivamente por homens adul-tos e será obrigatória durante sete anos seguidos.

2º) Vestes brancas como símbolo de pureza.

3º) Rosto encoberto como exemplo de recolhimento espiritual ao re-zar.

4º) Rezar pela intenção das almas que sofrem no purgatório.

5º) Todo Penitente deverá levar para ser usada uma ou mais velas.

6º) A saída da Procissão será do cemitério Paroquial local.

7º) A chegada da mesma dar-se-á, após percorrer os pontos (esta-ções) marcados, na Igreja Matriz (onde pode-se rezar o ofício).

8º) Foi acrescentado como penitência a reza da via-sacra com a tra-dicional leitura nas quatorze estações.

329 In: SEXTA-FEIRA Santa: Nossa Senhora das Dores – palco centenário de devoção e penitência. Produ-ção do Projeto Memórias de Nossa Senhora das Dores. Roteiro e Edição João Paulo Araújo de Carvalho, Luís Carlos de Jesus e Antônio Bittencourt Junior. Nossa Senhora das Dores, 2007. 1 DVD. (48 min), color.

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9º) Não se conduz imagem além da cruz envolta no sudário branco.

10º) Além das quatorze estações obrigatórias, pode-se rezar, caso haja necessidade, em casa de alguém que venha a falecer naquela noite e seja pedida a presença dos Penitentes para orar. 330

Como forma de sobrevivência do próprio movimento, entretanto, foram efetua-

das mudanças nessas regras, como é o caso da permissão para que menores de 18

anos adentrassem no mesmo.331 A atração dos jovens se tornou um ponto funda-

mental na perpetuação do mesmo, à semelhança do que ocorreu com o Madeiro,

como mostramos anteriormente. Entretanto, essa abertura vem gerando conflito en-

tre alguns membros mais antigos, que vêem os mesmos como elementos que ali

estão apenas por uma “festa” e sem o intuito de penitenciar-se, e a “nova geração”,

que se defende inclusive com o apoio de parte da “velha geração”.

Apesar da proibição da presença de mulheres neste movimento, o que segun-

do penitente entrevistado recentemente por um jornal de circulação local se dá por-

que “a celebração exige um segredo que não pode ser revelado. ‘Dificilmente as mu-

lheres guardariam o segredo’”332, houve a entrada Terezinha dos Santos. Tetê, como

era conhecida e que faleceu no final de 2007 com cerca de 70 anos de idade e era

chamada pelos membros da procissão de “Madrinha dos Penitentes”, foi a única mu-

lher penitente que se tem registro, concessão que não foi feita com outras pessoas

do sexo feminino, cabendo ainda estudo sobre essa questão de gênero na referida

procissão.

330 ASSOCIAÇÃO DOS PENITENTES DE N. SRA. DAS DORES. Op. Cit. 1980. p. 4. 331 O referido assunto foi objeto de estudo da historiadora Magneide Santana Lima. Cf.: LIMA. Op. Cit. 2002. 332 DORES é palco de penitências. JORNAL DA CIDADE. Aracaju (SE), 13 e 14 de abril de 2001. p. B-4.

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Mulheres na Procissão dos Penitentes de Nossa Senhora das Dores: Tetê (à esquerda), “madrinha” do grupo; e Sili – Maria Auxiliadora de Oliveira – (à direita), “penitente” que

mesmo não utilizando a indumentária e não estando incluída “oficialmente” no grupo, faz-se presente na estações e nas orações.

Foto: João Paulo Araújo de Carvalho, 2006. Acervo do Projeto Memórias.

Sobre a participação de Tête, que na “Sexta-feira Santa” alimentava-se apenas

de frutas e verduras333, nesse grupo de homens, quebrando a primeira das regras do

grupo, ela explica abaixo.

O motivo do meu caso, que eu acompanhei com o velho Ioiô, foi caso de motivo de doença. E assim, esse caso, uma parte eu sai de roupa preta mode ninguém não me conhecer. Outra parte foi de homem, de chapeuzinho, cobertinho, só via o nariz. E mais, daqui eu saio calça-da, mas quando ali na porta do cemitério eu saiu com os pés no chão como Jesus sofreu.334

O Livro de Registro do grupo traz, ainda, um importante texto que traduz o sen-

tido do movimento. Intitulado “O que é ser Penitente?”, ele é utilizado pelos líderes

333 SANTOS, Maria Terezinha dos (Tetê). Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 15 de maio de 2004. 334 IN: SEXTA-FEIRA Santa: Nossa Senhora das Dores – palco centenário de devoção e penitência. Produ-ção do Projeto Memórias de Nossa Senhora das Dores. Roteiro e Edição João Paulo Araújo de Carvalho, Luís Carlos de Jesus e Antônio Bittencourt Junior. Nossa Senhora das Dores, 2007. 1 DVD. (48 min), color.

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nas reuniões que antecedem a procissão e antes da saída da mesma do cemitério

(1ª estação) como forma de despertar nos seus participantes o significado daquele

ato centenário. Na definição do texto, portanto, ser penitente

É dar algo de si em benefício de alguém que já não vive entre nós, de alguém que vive na eternidade segundo nossas crenças; Nossos parentes, nossos amigos, enfim nossos entes queridos que dormem o sono eterno até que sejam despertadas para verdadeira vida, a vi-da eterna.

Nossas preces são para eles em lenitivo, um bálsamo a amenizar-lhes os sofrimentos.

Portanto, procuremos fazer nossa penitência que a cada ano se re-nova, sempre com o coração cheio de fé, de esperança, de caridade e acima de tudo, confiança em Nosso Pai eterno que nos ouve, e sem dúvida dará a cada, a recompensa merecida segundo suas a-ções.

Penitente; seu ato de penitenciar-se não é em vão, procure fazê-lo corretamente, participe não apenas com sua pessoa, lembre-se que tôda palavra que sai pela bôca nasce do coração, e sua fé pode sal-var, participe com o coração.335

Ao longo do percurso, é entoado o “Cântico do Itinerário”, que chama os peca-

dores ao arrependimento (ver anexo 6). Nas estações, assim como na procissão do

Madeiro, são feitos pedidos para as almas que estão “no purgatório”, “nas ondas do

mar”, no “mau caminho” (anexo 5). É dada ao fiel a opção: “penitência ou inferno”.

Assim, estes homens, dorenses e moradores de outras localidades que para lá vão

na “Sexta-feira Santa”, buscam sentir as dores que Cristo sentiu rumo ao Calvário

crentes na salvação da sua alma e da alma daqueles que já se foram.

335 ASSOCIAÇÃO DOS PENITENTES DE N. SRA. DAS DORES. Op. Cit. 1980. p. 2.

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Em cemitério, se mantém a devoção à Cruz e às almas.

Foto: João Paulo Araújo de Carvalho, 2006. Acervo do Projeto Memórias.

A Cruz, sinal da devoção à Paixão e Morte de Cristo, as vestes brancas, repre-

sentando a pureza e o recolhimento espiritual, e as orações pela Misericórdia Divina

compõem o capital simbólico deste ato. Ela é conduzida pelo mesmo homem ao lon-

go de todo o percurso, que vai à frente guiando os demais.

A Procissão dos Penitentes de Nossa Senhora das Dores tem início no Cemité-

rio Municipal, por volta das 20h da “Sexta-feira Santa”, de onde saem percorrendo os

cruzeiros, santas-cruzes, cemitérios, capelas e outros pontos onde rezam as esta-

ções da Via-Sacra, num total de 15 (quinze). Ali, pedem perdão pelos seus pecados,

e pelos de outrem, e clamam aos pecadores pelo arrependimento. O ato termina,

após percorrer cerca de 12 km, por volta das 3h do dia seguinte, na Igreja Matriz,

onde eles lembram que a morte não é o fim, pois, acreditam, Cristo ressuscitou dos

mortos e está no meio dos vivos para trazer-lhes a vida eterna. Antes da “Sexta-feira

Santa”, porém, os penitentes reúnem-se em alguns sábados e segundas-feiras da

quaresma para rezar o terço nas estações e em outros pontos.

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MAPA 5 – Estações da Procissão dos Penitentes.

Elaboração: João Paulo Araújo de Carvalho com base em pesquisa de campo.

Muitas são as aproximações entre este movimento e o Madeiro, resultado de

décadas de contato entre os líderes de ambos os movimentos, especialmente Ioiô

de Dominguinhos (Penitentes) e Manuel Pajaú (Madeiro). Dentre elas podemos in-

cluir algumas estações, como os cemitérios do Gentio, do Cruzeiro das Moças e

municipal, a Santa-cruz do finado Bralho etc, além das orações feitas nelas e vários

dos hinos entoados ao longo das mesmas. Além do mais, muitos dos homens parti-

cipam de ambos os movimentos, sendo corrente a versão entre seus membros de

que o horário deles (um a tarde e outro a noite) foi situado com vistas a facilitar es-

sas “trocas simbólicas”.

Nas “estações” da Procissão dos Penitentes rezam-se as mesmas orações da

Procissão do Madeiro, acrescentando-se na primeira, porém, a leitura de uma das

15 estações da Via-Sacra correspondente, conforme se viu no capítulo 4. Na procis-

são dos Penitentes, a “reza da estação” começa com um convite ao arrependimento

transcrito abaixo, seguido da leitura do “passo” da Via-Crúcis. A seguir, assim como

na Madeiro, vem os pedidos de “Pai-Nossos” e “Ave-Marias” pelas almas “do purga-

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tório”, do “mau caminho” e das “ondas do mar”; e por fim a “Salve Rainha”, o “Pedido

ao Senhor Deus” e, de joelhos, o “Senhor Deus” (ver anexo 2 e 5).

Pecador, Pecador / Ouve a voz do eterno / que te manda oferecer / Penitência ou Inferno

Refrão: Piedade, Senhor / Piedade, Senhor / Piedade, Piedade / De nós Pecador

Das duas coisas escolhe / assim diz o Deus Eterno / para sua salva-ção / Penitência ou Inferno

Refrão: ...

É breve a vida e a morte / te reduz ao tempo eterno / teme a conta o juízo / Penitência ou Inferno

Refrão: ...

Estes conselhos te dou / em nome do Deus Eterno / de tudo te de-senganas / Penitência ou Inferno.336

Além das estações, porém, existem paradas, onde não se reza o “passo” da

Via-Sacra, em locais como as encruzilhadas e casas de pessoas doentes ou que

tenham falecido recentemente mediante prévia solicitação aos organizadores. Nes-

tes locais, reza-se um Pai-Nosso e uma Ave-Maria.

As estações da procissão dos Penitentes, em 2008, foram as seguintes:

1. Cemitério Municipal;

2. Mercado Municipal;

3. Antiga residência de Francisco Pedro Nascimento (Ioiô de Dominguinhos);

4. Antiga residência de Anízio Ângelo de Souza;

5. Residência de dona Aparecida dos Santos;

6. Santa-Cruz do finado Bralho Alves dos Santos;

7. Cemitério do Gentio, também conhecido como Santa-Cruz do Saco;

336 ASSOCIAÇÃO DOS PENITENTES DE N. SRA. DAS DORES. Op. Cit. 1980. p. 21.

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8. Residência de dona Francisca dos Santos;

9. Capela de Santo Antônio (Chácara de Lealdo Costa);

10. Cruzeiro Velho, onde foi construída a Igreja de Santa Beatriz;

- Capela de Santo Antônio na Av. Francisco Pedro Nascimento (parada para oração onde não se reza a estação da Via-Sacra);

- Igreja São Cristóvão (parada para oração onde não se reza a estação da Via-Sacra);

11. Cemitério do Cruzeiro das Moças;

12. Calçadão da Rua Getúlio Vargas (local onde ficava o antigo Mercado Municipal);

- Imagem de Nossa Senhora das Dores na entrada da cidade (parada para oração onde não se reza a estação da Via-Sacra);

- Santuário da Mãe Rainha (parada para oração onde não se reza a estação da Via-Sacra);

13. Cruzeiro das Missões;

14. Capela de N. Sra. de Fátima;

15. Igreja Matriz.

5.2 “QUEM É DE DEUS VENHA PRA CÁ”: A PENITÊNCIA COMO OBJETO DE

DISPUTA NO CAMPO RELIGIOSO

No meados do século XX, tem início na cidade de Nossa Senhora das Dores a

Procissão do Senhor Morto. Ligada à liturgia da Igreja Católica para o período da

Quaresma, a mesma ocorre na tarde e início da noite da “Sexta-feira Santa”, após a

celebração da Paixão e Morte de Cristo na Matriz.

Também chamada de Procissão do Enterro, consiste num cortejo fúnebre no

qual se carrega a imagem do Cristo Morto. Sua prática é muito antiga no catolicismo,

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registrando-se este ato no Brasil desde pelo menos o século XVII337. Apesar disto, e

da Paróquia em foco existir desde 1858, as fontes consultadas só permitem situar

sua existência efetiva em Nossa Senhora das Dores (SE) a partir dos anos 1940. Até

então, nenhum registro deste ato.

A mais remota referência ao “Senhor Morto” naquele campo religioso remete

ao Livro Tombo da Paróquia, que em 28 de outubro de 1939 traz a benção da sua

imagem, “que foi adequirida por subscrição popular por iniciativa da Professora Ma-

ria da Glória Santos, alma mater da piedosa ideia de dotar a Matriz da referida ima-

gem”338. Antes disso, porém, nenhum “sinal” da existência de outra imagem que re-

presentasse o “Senhor Morto”, nem da procissão do Enterro.

Altar com as imagens utilizadas nas procissões da Quaresma na Paróquia N. Sra. das Do-res. Sr. dos Passos (à esquerda), N. Sra. da Soledade (à direita) e Senhor Morto (abaixo).

Foto: João Paulo Araújo de Carvalho, 2008.

Naquele período, era vigário da Paróquia o Cônego Miguel Monteiro Barbosa

(1902-1980), cujo vigariato transcorreu entre os anos de 1935 e 1967. A fundação

da procissão aqui analisada pelo referido pároco, é citada pela professora Maria Au-

xiliadora de Oliveira (conhecida como Sili), que neste período atuou no papel de “Ve-

337 AZZI. Op. Cit. 1978. p. 144. 338 PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. p. 37.

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rônica” nas Vias-Sacras da Quaresma, nos anos 1960 - 1980, e cuja mãe participava

de movimentos religiosos da Igreja como a Pia União e a Procissão do Senhor Mor-

to. Demos a ela a palavra:

Segundo o que eu ouvia de meus avós, de meus tios, de minha mãe,

o Madeiro e os Penitentes é bem mais antigo do que mesmo a Pro-

cissão da Paixão, do Senhor Morto, porque ela saía de Beata339 e, a

partir do momento que a Igreja começou com movimento na Semana

Santa, ela deixou de sair de beata e passou a participar dos movi-

mentos da Igreja.340

Na fala acima, há “sinais” que nos fazem perceber que a Procissão do Enterro

nasceu na Paróquia como um instrumento em meio à disputa no campo religioso

local pela gestão dos bens de salvação, utilizando-nos dos conceitos bourdieusiano

outrora discutidos. Afinal, naquele período a Igreja no Brasil passava por uma refor-

ma, cuja base era a substituição das práticas do catolicismo colonial por novas práti-

cas ligadas ao catolicismo tridentino. Era o processo de romanização da Igreja discu-

tido no capítulo 2.

Para compreender tal processo, entretanto, faz-se necessário abrir um parên-

tese e analisar as redes às quais o vigário estava ligado e situar este agente da his-

tória no seu tempo. É o que passamos a fazê-lo.

O Cônego Miguel Monteiro Barbosa341 foi o sacerdote que mais tempo esteve à

frente da Paróquia Nossa Senhora das Dores, indo seu vigariato de 1935 a 1967.

339 Como vimos anteriormente, as beatas são mulheres que participam da Procissão do Madeiro vestidas de preto como as mulheres o fizeram ao longo da Via-Crúcis e do Enterro de Cristo. Ver sessão 5.1.1 deste. 340 SEXTA-FEIRA Santa: Nossa Senhora das Dores – palco centenário de devoção e penitência. Produção do Projeto Memórias de Nossa Senhora das Dores. Roteiro e Edição João Paulo Araújo de Carvalho, Luís Carlos de Jesus e Antônio Bittencourt Junior. Nossa Senhora das Dores, 2007. 1 DVD. (48 min), color. 341 Cônego Miguel Monteiro Barbosa é natural do município sergipano de Maruim, onde nasceu a 03 de maio de 1902. Filho de Cândido José Barbosa e Maria de Deos Pinto Barbosa, a trajetória eclesiástica de Miguel Montei-ro Barbosa inclui a entrada no “Seminário Sagrado Coração de Jesus”, em Aracaju, em 1915, tornando-se sa-cerdote em 1924 e tendo sido Secretário geral do Bispado (1931 a 1935), Professor (1932) e Reitor do seminário no qual se ordenou (1931 a 1935). Em 1925, na sua cidade natal, dirigiu o Colégio Diocesano São José. No mesmo ano, assumiu sua primeira paróquia, a de Santo Antônio de Vila Nova (atual Neópolis), onde foi vigário até 1930. Foi ainda, escrivão da Mesa de Rendas (1927) e diretor do grupo Escolar (1929) daquela localidade. Deputado estadual à Assembléia Constituinte de 1935, foi ainda Interventor Municipal (Prefeito) de Nossa Se-

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Tido como um dos “padres de Dom José”, como ficaram conhecidos os sacerdotes

formados no Seminário Sagrado Coração de Jesus, em Aracaju (SE), fundado em

1913 pelo primeiro bispo de Sergipe, Dom José Thomaz Gomes da Silva342, o Cône-

go Miguel pautou sua ação enquanto vigário na implantação do catolicismo tridenti-

no, um catolicismo, como foi demonstrado no capítulo 2, sacramental no qual a hie-

rarquia fosse respeitada e o clero ocupasse papel dominante no campo religioso.

Padre Miguel Monteiro Barbosa.

Foto: fotógrafo desconhecido, sem data. Acervo do Projeto Memórias, digitalizado a partir de original do acervo particular de Maria Garcia Vieira.

Afinal, a formação sacerdotal deste vigário foi centrada nos ideais romanizado-

res, pois, o Seminário criado por Dom José, como mostrou-nos estudo da historiado-

ra Raylane Barreto343, era um instrumento a serviço da renovação da Igreja e do seu

trabalho pastoral, uma instituição educacional (a primeira de nível superior em Ser-

gipe) cujo papel era formar padres, mas também uma elite intelectual católica que

nhora das Dores de 1938 a 1941, tendo sido vigário da Paróquia desta cidade de 1935 a 1967. Conforme: BIO-GRAFIA do Cônego Miguel Monteiro Barbosa. Fornecida por Maria Garcia Vieira. Sem data. INSCRIÇÕES presentes na lápide do túmulo onde foi sepultado o Cônego Miguel Monteiro Barbosa. Cemitério Municipal de Nossa Senhora das Dores, 1980. 342 BARRETO. Op. Cit. 2004. 343 Idem.

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atuaria nos mais variados setores da sociedade como agentes na recuperação da

influência ideológica que a Igreja vinha perdendo344.

Os “Padres de Dom José” ganhavam ali um arcabouço teórico que permearia

sua ação pastoral quando da administração de suas paróquias, atuando assim na

reforma do laicato. A ação do primeiro Bispo de Sergipe pautou-se, dessa maneira,

na romanização do clero, através de sua instrução no Seminário por ele criado, e

dos fiéis, por meio da atuação dos sacerdotes, instruídos nos ideais reformistas, em

suas paróquias e das inúmeras instituições que foram surgindo345.

É mister enfocar aqui alguns aspectos referentes à formação sacerdotal que o

Padre Miguel Barbosa recebeu no “Sagrado Coração de Jesus”, onde iniciou os es-

tudos em 1915 e concluiu em 1924. Para adentrar ali, era preciso seguir determina-

das normas: entregar atestados de saúde, vacinação e sanidade mental, certidão de

casamento religioso dos pais, carta de recomendação do pároco da freguesia na

qual o candidato residia mostrando sua idoneidade moral e provável vocação para o

sacerdócio346.

O candidato ao Seminário deveria apresentar uma carta do seu pá-roco a qual deveria traçar um perfil do candidato, além de dar ao Rei-tor do estabelecimento dados biográficos e atestar sua vontade no exercício do sacerdócio. Esse pároco também ficaria encarregado de, em todas as férias, fazer um relatório [já que o futuro sacerdote deveria prestar serviços na paróquia de sua origem quando em gozo de férias]

344 Alguns fatores contribuíram para este declínio ideológico do catolicismo: a laicização / secularização da soci-edade, o avanço de outras correntes religiosas tendo em vista a formação de um “campo religioso” plural, a per-da de credibilidade da própria Igreja, o avanço do liberalismo e da liberdade de culto, etc. 345 Destaquemos que a Igreja Católica, agora separada do Estado (desde 1890), tinha que angariar fundos para seu funcionamento. Criaram-se assim, diversos instrumentos com este fim: 1) No campo educacional: -Seminário Sagrado Coração de Jesus (1913), recuperação dos Colégios N. Sra. de Lourdes e Salesiano N. Sra. Auxiliadora em Aracaju e do Ginásio N. Sra. das Graças de Propriá (1915), funda-ção dos Colégios Imaculada Conceição em Capela (1929) e Sagrado Coração de Jesus em Estância (1936) e do Ginásio Patrocínio São Jose na Capital (1940) 2) No campo assistencial: O Orfanato Imaculada Conceição em São Cristóvão (1911), o Oratório Festivo São João Bosco (1914), a Casa dos Pobres Bom Pastor (1942) e a Associação Dona Zita (1942) em Aracaju, e o Orfanato N. Sra. das Graças em Boquim (1947). 3) Na Imprensa: “A Diocese de Aracaju – Orgam Official” (1912) jornal mensal destinado às ações do bispado e artigos para instrução do povo e do clero; buscando um raio de ação maior surgiu o semanário “A Cruzada” (1918).; a partir da década de 1920, com a criação do Centro Dom Vital, sob a influência de Jackson de Figuei-redo, nasce a Revista “A Ordem”. Ver: ANDRADE JUNIOR. Op. Cit. 2000. 346 Somente na década de 1920 surge a exigência de exame de habilitação para matrícula no Seminário. Con-forme BARRETO. Op. Cit. 2004. p. 47.

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(...)

Os aspectos relacionados ao comportamento social também eram levados em conta. Tais como: qual a impressão que o seminarista causava aos seus paroquianos; pela sua índole, piedade e procedi-mento, qual o juízo sobre a sua vocação; se o pároco conhecia a fa-mília do seminarista para dar informações sobre suas qualidades mo-rais e se acaso existia nela alguém que sofria de doenças nervo-sas.347

Depois de demonstrada sua idoneidade e aceitação social, expressas pelo ca-

pital acumulado pelo postulante ao sacerdócio ao longo de sua vivência na comuni-

dade paroquial de origem, o seminarista seguia normas rígidas, pois, era necessário

criar um novo modelo de sacerdote disciplinado(r), moralizado(r) e respeitador da

hierarquia. Afinal, como especialista na produção/gestão de bens de salvação, o pa-

dre deveria, em tese, diferenciar-se do laicato, convencê-lo de sua “qualificação es-

pecial”348.

No referido seminário, construía-se um novo habitus católico composto por um

clero intelectual e portador de amplo capital cultural. Atuava, portanto, na aquisição

deste capital, não só o conhecimento curricular - que incluía 1 a 2 anos de curso

preparatório (base complementar para aqueles que concluíram de modo insuficiente

o ginásio), 2 anos de Filosofia e 4 anos de Teologia -, mas também as discussões

formuladas na Academia Literária “São Tomás de Aquino” 349.

Fundada em 1919350 por um grupo de seminaristas, a Academia atuaria como

espaço de projeção intelectual dos futuros padres, uma vez que pautou suas ativi-

dades na promoção do hábito da leitura e da escrita tendo por fim o desenvolvimen-

to da oratória, “condição sinequanon para o exercício sacerdotal”. Além do mais,

promovia recitais de poesias, leitura de jornais como “A Cruzada”, “O Pharol” e “A

Palestra”, críticas literárias, etc. Os membros desta Academia produziam, ainda, um

“Jornal” de circulação interna e em 1933 elaboraram a revista “Scientia et Virtus” que

347 BARRETO. Op. Cit. 2004. p. 47-48. 348 BOURDIEU. Op. Cit. 1998. p. 69. 349 BARRETO. Op. Cit. 2004. p. 56 – 76. 350 Funcionou entre os anos de 1919 e 1925 e de 1931 a 1933.

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contou com artigos dos próprios acadêmicos351. Lembre-se que, como mostrou-nos

o historiador e filósofo Michel Foucault,

Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de

modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes

que eles trazem consigo.

(...) O que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da

palavra; senão uma qualificação e uma fixação dos papéis para os

sujeitos que falam; senão a constituição de um grupo doutrinário ao

menos difuso; senão uma distribuição e uma apropriação do discurso

com seus poderes e seus saberes?352

Formava-se, portanto, um “discurso verdadeiro” que permitiria a formação de

um habitus no qual o sacerdote exerçeria o poder, se tornando, assim, especialista

na produção e reprodução dos bens de salvação. Nesse sentido, aqueles que não

se “enquadrassem” nesse discurso seriam “interditados”, pois, como mostrou-nos

Foucault m seu estudo do discurso enquanto instrumento de poder, é necessário

estar “no verdadeiro” para ser reconhecido enquanto portador de verdade.353

Afinal, a cada instante a sociedade está produzindo “efeitos de verdade” que

não podem ser dissociados do poder nem de seus mecanismos. O poder é, na con-

cepção foucaulteana, um lugar estratégico onde se encontram todas as relações de

força, que estão intimamente ligadas ao saber e à verdade. Essas relações de po-

der/força existem entre um homem e uma mulher, entre aquele que sabe e aquele

351 O “Jornal” manuscrito surgiu em 1921, por iniciativa de Carlos Camélio Costa e Miguel Monteiro e teve curta circulação. Já a revista “Scientia et Virtus” foi publicada durante a gestão do Reitor Pe. Miguel Monteiro Barbosa. Conforme BARRETO. Op. Cit. 2004. p. 82-87. 352 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collége de France, pronunciada em 2 de de-zembro de 1970. Tradução Laura Fraga de Almeida Sampaio. 12ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005. p. 44-45. 353 Idem. p. 34-35.

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que não sabe, entre os pais e as crianças na família, entre o sacerdote e os fiéis na

Igreja354.

Assim sendo, no Seminário, e através da Academia “São Tomás de Aquino”, os

“Padres de Dom José” eram instruídos dentro do discurso romanizador, o “verdadei-

ro discurso” respaldado pela instituição e que deveria servir de base na formação de

um novo habitus católico e, portanto, ser seguido pelos fiéis.

Para fazer parte da Academia, era necessário, portanto, ser aluno do Seminá-

rio Maior (cursos de Filosofia ou Teologia), ter sido eleito e pagar mensalidade utili-

zada para manutenção da mesma e aquisição de periódicos e outras despesas.355

O então seminarista Miguel Monteiro Barbosa, foi um dos fundadores desta Acade-

mia, tendo sido ainda membro de sua Diretoria356. Dentro do Seminário “Sagrado

Coração de Jesus”, já como padre e onde foi professor (1932), exerceu também a

função de Reitor entre os anos de 1931 e 1935, período no qual foi ainda Secretário

Geral do Bispado.

Desse modo, ao assumir a paróquia Nossa Senhora das Dores, Miguel Barbo-

sa logo tratou de pôr em prática a romanização do catolicismo local, iniciando a im-

plantação de um novo habitus, ou seja, de uma nova forma de ser católico. Lem-

bremos que o referido sacerdote assumiu a Paróquia em 1935 na condição de de-

putado estadual constituinte. Ele fora eleito pela aliança oposicionista entre o PSDS

(Partido Social Democrático de Sergipe), liderado por Leandro Maciel e o chamado

“partido dos usineiros”, a URS (União Republicana de Sergipe), aliança partidária

que elegeu, em 1934, o Capitão-médico Eronides Ferreira de Carvalho para o go-

verno do Estado357.

Neste período, a LEC (Liga Eleitoral Católica) fazia ampla campanha para que

os eleitores católicos votassem somente em candidatos que se comprometessem a

respeitar os pontos de vista da Igreja, exigindo dos mesmos que “respeitem nas leis

354 FOUCAULT, Michel. Poder e saber. In: Estratégia, poder-saber. Organização e seleção de textos, Manoel Barros da Motta; tradução, Vera Lúcia Avellar Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 223-240. (Ditos e Escritos – IV) 355 BARRETO. Op. Cit.. 2004. p 77-81. 356 Tesoureiro em 1921, 2º Secretário em 1922, Bibliotecário em 1923 e Vice-Presidente em 1924 quando foi ordenado Sacerdote. 357 Ver: Jornal O Estado de Sergipe. Aracaju (SE). 07/10/1934. DANTAS, Ibarê José da Costa. A Revolução de 30 em Sergipe: dos tenentes aos coronéis. São Paulo: Cortez; Aracaju: Universidade Federal de Sergipe, 1983. p. 74 – 80.

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e na sociedade o patrimônio moral e religioso que faz a grandeza do Brasil”358. Ali-

ás, a LEC, a quem o candidato Miguel Barbosa recorreu em prol de sua candidatu-

ra, lançou documento no qual apoiava a coligação encabeçada pela URS, tendo em

vista os compromissos assumidos por este partido frente aos “sentimentos e as as-

pirações católicas”, dentre os quais a manutenção das bases sociais, pedagógicas

e familiares da constituição de 16 de julho de 1934 que estavam de acordo com os

princípios do catolicismo romanizado359.

Em 18 de dezembro de 1938, prestigiado politicamente, o pároco Miguel Mon-

teiro Barbosa ascendeu à prefeitura da cidade, que passava por um momento políti-

co conturbado após o rompimento entre o PSD e a URS durante as eleições de

1935360. Tal fato ocorreu dentro da política de interventorias do Estado Novo e sendo

indicado pelo Interventor Federal (governador de Sergipe) Eronides Ferreira de Car-

valho.361

Desta administração (1938-1941), o Interventor Municipal, e pároco, deixou Re-

latório no qual faz um balanço de sua administração: reforma do prédio da Prefeitura;

melhoria de estradas como a Dores – Capela; reconstrução do açude público, com a

construção do sangradouro, da ponte sobre o mesmo e do trampolim, além da am-

pliação da capacidade hídrica de 100.000.000 l3 para 500.000.000 l3; afixação de

nomes em logradouros públicos362, como as Ruas Getúlio Vargas e Floriano Peixoto

(antiga Rua de Capela e atual Desembargador Humberto Diniz Sobral) e as Pçs. De-

odoro da Fonseca e da Bandeira (atual Joel Nascimento). Nesta última, plantou pal-

meiras imperiais e “flamboians”, fez, ainda, o empiçarramento das Pçs. da Matriz e

Deodoro e da Rua de Siriri (hoje Francisco Porto); instalação do 4º Distrito Sanitário

em 18/07/1940, sob a direção do Dr. Milton Calumby Tourinho, contando com labora-

tórios para exames, consultórios e realização de pequenas cirurgias. Como medida

de saúde pública, decretou o impopular fim da criação de porcos na cidade. Tentou,

sem sucesso, o prolongamento do ramal ferroviário da Leste Brasileiro até Dores,

358 Jornal O Estado de Sergipe. Aracaju (SE). 17/07/1934. 359 Conforme telegrama publicado no Jornal O Estado de Sergipe. Aracaju (SE), 07/10/1934. 360 Ver: FIGUEIREDO, Ariosvaldo. História Política de Sergipe. 2º volume. Aracaju: Sociedade Editorial de Sergipe, 1989. p. 371 – 463. DANTAS. Op. Cit. 1983. p. 120-129. 361 ESTADO DE SERGIPE / PREFEITURA MUNICIPAL DE N. S. DAS DÔRES. Relatórios dos exercícios de 1939 e 1940, apresentados ao exmo Sr. Interventor Federal Dr. Eronides Ferreira de Carvalho, pelo prefei-to municipal de N. S. das Dores, Cônego Miguel Monteiro Barbosa. Aracajú: Imprensa Oficial, 1941. 362 Este ato foi incentivado pelo Estado Novo como uma forma de fomentar o nacionalismo e ressaltar os perso-nagens e os fatos históricos do próprio regime.

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além da implantação de um grupo escolar que os dorenses reivindicavam desde a

década de 1920363.

No período em que deteve a autoridade civil no município, as funções religiosas

se confundiam com as de administrador da Prefeitura local. Exemplo disso foi a san-

ção de dois decretos-lei, um que isentava a Igreja Matriz do pagamento de taxa de

iluminação pública e o outro que autorizava o prefeito a abrir crédito para custear das

obras de restauração do referido templo364. Tais leis justificavam-se, porém, segundo

a redação de uma delas, “considerando que a quase unanimidade do povo do muni-

cípio de N. S. das Dôres considera a Igreja Matriz de sua terra como a grande casa

comum, a que afluem, satisfeitos, em seus dias de alegria, e, meditativos em seus

momentos de tristeza, e que na mesma Igreja têm realizado certames não só religio-

sos como de carater patriótico e educativo, o que bem constitue numa escola de ci-

vismo”365.

Desde a segunda metade do século XIX foco de ação de outros vigários366, a

implantação do catolicismo tridentino em Nossa Senhora das Dores ganharia uma

posição central no vigariato do Cônego Miguel Barbosa. Outrossim, como se pode

ver em fala do bispo Dom José Thomaz durante sua 1ª Visita Pastoral àquela Paró-

363 ESTADO DE SERGIPE / PREFEITURA MUNICIPAL DE N. S. DAS DÔRES. Relatórios dos exercícios ... Aracajú: Imprensa Oficial, 1941. 364 As respectivas leis (nº 8 de 30 de setembro de 1940 e nº5 de 28 de junho de 1941) estão transcritas no Livro Tombo da Paróquia. PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. p. 38-B a 39-B e 41-B. 365 Decreto-Lei nº 8 de 30 de setembro de 1940. IN: PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. p.38-B a 39-B. 366 Um deles foi o vigário José Leandro de Oliveira (1870-1875), que em 1873 entrou em choque com o Escrivão interino da Coletoria e Exatoria, Antônio Miguel da Silva Porto, por conta da tentativa do sacerdote de disciplinar as festas em honra aos santos. Em carta ao Presidente da Província, o referido vigário pede providências, refor-çadas pelo Cônego José Suterio (delegado do Arcebispo na Vigaria de Sergipe). Afinal, afirma o sacerdote que teria sido interrompido com “injúrias” no momento em que celebrava a missa por conta de suas determinações em relação à “prohibição conferida pela Aucthoridade Eclesiástica sobre o abuzo praticado em muitas cazas particulares, onde continuão solennizar com grande estrepito novenas em honra de algum santo”. O mesmo lembra, que estavam presentes autoridades locais que nada fizeram em respeito ao mesmo. Ver: Ofício do Vigário José Leandro de Oliveira ao Presidente da Província. Nossa Senhora das Dores, 14 de junho de 1873. Acervo do APES, fundo AG4 – Clero, caixa 24, documento 088. Ofício do Arcypreste José Suterio de ? ao Presidente da Província Manoel do Nascimento Galvão. Campos Verdes, 14 de junho de 1873. Acervo do APES, fundo AG4 – Clero, caixa 24, documento 089. Tal tentativa de disciplinamento das atividades desenvolvidas naquele campo religioso, também pode ser perce-bida em lei de 1866, que proibia feira e qualquer comércio ao lado da Igreja Matriz e transferia o local da respec-tiva feira para terreno doado a Nossa Senhora acima da Rua do Comércio (hoje Rua Getúlio Vargas), provavel-mente onde se situa atualmente a Praça Marechal Deodoro da Fonseca (antiga Praça da Feira). Posturas da Câmara Municipal da Villa de Nossa Senhora das Dores. Lei nº 761 de 09/03/1866. In: Collecção de Leis e Resoluções da Assembléa Provincial de Sergipe 1866. Aracaju: Typographia Provincial, 1870. p. 32. Acervo da Biblioteca Pública Epifâneo Dorea – Seção “Documentação Sergipana”. Aracaju (SE)

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quia em 1913, quando era vigário o padre Elpídio Teixeira Lobo367, reformar o habi-

tus religioso do povo católico daquela freguesia era urgente:

Esta Freguesia distingue-se notavelmente pelos testemunhos de fi-

dalga polidez no tratamento de todos os seus filhos; aqui fomos rece-

bidos com a demonstração mais captivante de uma bondade inexce-

dível e confessamos nossa gratidão a mais profunda e sincera; no en-

tanto o nosso espírito se submette os ensinamentos [ilegível] de San-

to Agostinho (Amae aos homens e combatei seus erros). Com magoa

[ilegível] de nosso coração diocesano esta Freguesia talvez se distin-

gua pela cruel indifferença nas praticas da fé.

Não desanimamos da efficacia de seu remedio .368

Com o intuito de romanizar o catolicismo local, reformando para isso o habitus

religioso de seus adeptos, o Cônego Miguel Monteiro reforçou a devoção mariana,

promovendo com pompa a principal festa religiosa da paróquia, a da Padroeira Nos-

sa Senhora das Dores, cuja lembrança ainda hoje está presente entre os paroquia-

nos mais idosos369. Amplamente divulgada na imprensa em seu paroquiato, em es-

pecial no semanário da Diocese, “A Cruzada”, na sua programação incluía-se Sete-

nário (sete dias) e Festa, com missas e procissões acompanhadas, a partir do final

dos anos 1940, de sonorização e transmissão por sistema de alto-falantes, e com a

presença de bandas filarmônicas e autoridades municipais e estaduais370.

367 No paroquiato do Padre Elpidio Teixeira Lobo em Nossa Senhora das Dores (1907-1924) algumas ações romanizadoras foram empreendidas, como a consagração da Paróquia ao Sagrado Coração de Jesus (03 de março de 1912), já existindo ali o Apostolado da Oração, cuja secção foi implantada na capela do povoado Cum-be em 1913, e a instalação da Pia União das Filhas de Maria em 1921. PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. p. 1. 368 PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. p. 2-B. Grifo nosso. 369 SANTOS, Celuta. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 23 de dezembro de 2006. VIEIRA, Marizete da Costa. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 10 de janeiro de 2006. 370 Ver A CRUZADA. Aracaju (SE), 1935 a 1967. A festa da padroeira também foi divulgada também em “O Jornal”, órgão de imprensa do Rio de Janeiro (RJ), cuja transcrição, de notícia datada de 25 de outubro de 1936, aparece no Livro Tombo da Paróquia. PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. p. 32-B e 33)

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Prestigiou e ampliou a Irmandade Pia União das Filhas de Maria, fundada em

1921 durante a 2ª Visita Pastoral de Dom José Thomaz à Paróquia, à época dirigida

pelo padre Elpídio Teixeira, e cuja função era promover o culto a Maria. Ficava a

cargo da Pia União, a ornamentação e a parte coral ao longo do mês mariano (mai-

o), cuja celebração foi fomentada pelo pároco Miguel Barbosa.371

Pia União das Filhas de Maria da Paróquia Nossa Senhora das Dores no interior da Igreja Matriz. Ao centro, o vigário Cônego Miguel Monteiro (de branco) e um frade franciscano.

Foto: fotógrafo desconhecido, sem data. Acervo do Projeto Memórias digitalizado a partir de original do acervo particular de Maria Auxiliadora de Oliveira.

Juntamente à Pia União, o Apostolado da Oração, existente em Nossa Senhora

das Dores desde pelo menos 1912372, foi o grupo religioso mais prestigiado e incen-

tivado pelo Cônego Barbosa na Paróquia. Afinal, essa irmandade atendia a um dos

princípios da romanização do catolicismo, uma vez que difundia a devoção ao Sa-

grado Coração de Jesus e, por sua vez, ao sacramento da eucaristia. Aliás, nas fes-

tas religiosas promovidas na freguesia enquanto esta foi comanda pelo citado vigá-

371 A CRUZADA. Aracaju (SE), 10 de maio de 1936. 372 A Paróquia foi consagrada ao Sagrado Coração de Jesus em 1912, sendo instalada secção do Apostolado no povoado Cumbe em 1913, o que nos leva a crer que já existia na Matriz da Freguesia a referida irmandade ante-riormente. PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. p. 1.

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rio, e que nós tivemos acesso à programação, ao final das procissões se promovia a

benção e adoração do “Santíssimo Sacramento” (eucaristia)373.

Anualmente, as referidas irmandades promoviam seus retiros espirituais (ver

apêndice 5), geralmente conduzidos por missionários franciscanos, momento no

qual se tentava homogeneizar as práticas religiosas e reforçar o papel dos sacra-

mentos no culto e o monopólio, por parte do vigário, da gestão dos bens de salva-

ção. Afinal, apesar da Pia União (cujo retiro ocorria geralmente no início de dezem-

bro em preparação à Festa da Imaculada Conceição) e do Apostolado (que realizava

quase sempre seu retiro em junho, mês do Coração de Jesus) serem irmandades

compostas por leigos, eram diretamente controladas e disciplinadas pelo vigário.

Ainda dentro do seu projeto de romanização do catolicismo local e de manu-

tenção do mesmo como hegemônico no campo religioso em foco, o Cônego Miguel

empenhou-se em remodelar a Igreja Matriz, inaugurada em 1930 pelo padre João de

Souza Marinho374, transformada pelo vigário Monteiro Barbosa numa “magnificante

Matriz, que se tornou um dos mais belos templos do Estado”375. Arrecadando fundos

para tal obra desde os primeiros anos de seu governo espiritual, com início após Vi-

sita Pastoral do bispo Dom Fernando Gomes, em 1949, e solene inauguração pelo

mesmo bispo durante a Festa da Padroeira de 1954, o pároco soube congregar os

paroquianos em eventos em prol da mesma: leilões, festivais de arte, bazares,

quermesses, “tardes chiques” etc376.

Na remodelação da Igreja Matriz, construiu-se um Santuário externo para uso

nas santas-missões e outros eventos nos quais o templo não comportasse o público.

Além do mais, foram incluídas obras de arte que atuam na construção de represen-

tações do sagrado. Exemplo disso, é a pintura do teto da mesma, que retrata a cruci-

ficação de Cristo e foi feita pelo artista plástico Rodolfo Tavares e os quadros com as

14 estações da Via-Sacra (ver fotos das páginas seguintes), bem como a imagem do

Crucificado situada em frente ao templo, cujas representações do Calvário e da Via-

373 PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. p. 30-45. A CRUZADA. Aracaju (SE), 06 de outubro de 1935 e 10 de maio de 1936. 374 Ver: CARVALHO. Op. Cit. 2008. p. 48-54. 375 A CRUZADA. Aracaju (SE), 28 de agosto de 1954. 376 A CRUZADA. Aracaju (SE), 23 de janeiro de 1938, 12 de janeiro de 1946, 20 de setembro de 1947, 28 de agosto de 1954 e 11 de setembro de 1954. PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. p. 34-50.

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Crúcis vão se somar às práticas presentes nas celebrações da Quaresma e atuar na

formação do habitus católico ligado à Paixão e Morte de Cristo e que o referido sa-

cerdote queria constituir ou reformar.

Referência às obras da Matriz em panfleto de divulgação da Festa da Padroeira de 1949.

Fonte: Acervo do Arquivo da Cúria Metropolitana de Aracaju. Foto: João Paulo Araújo de Carvalho, 2008.

Panfleto (à esquerda) entregue aos paroquianos, no vigariato do Cônego Miguel Barbosa, para auferir fundos para a restauração da Matriz (cuja planta vai impressa no verso).

Fonte: Acervo particular de Cristiano Almeida digitalizado para o Acervo digital do Projeto Memórias, sem data.

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Pintura do teto da Matriz (à esquerda) e Quadro da Via-Sacra (à direita)

Fotos: Fotógrafo desconhecido, final dos anos 1970. e João Paulo Araújo de Carvalho, 2006. Acervo do Projeto Memórias.

Igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores, à frente da qual se observa imagem do Cristo Crucificado. No destaque, santuário externo.

Foto: Fotógrafo desconhecido, anos 1950. Acervo do Projeto Memórias.

Outrossim, o vigário utilizou-se de sua influência religiosa e política para con-

seguir recursos financeiros para as obras paroquiais, dentre as quais as da Matriz,

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através de leis estaduais377 e municipais378 e doações de dorenses residentes em

outros estados, como o banqueiro Coronel João Ceciliano de Andrade, o industrial

Comendador Ariston Azevedo e seu irmão Alonso Azevedo, dentre outros379.

Como uma forma de dar aos dorenses leituras condizentes com os valores

“morais” e religiosos do catolicismo, o Cônego Miguel Barbosa permitia aos paroqui-

anos o acesso ao acervo de sua biblioteca particular e depois criou a Biblioteca Pa-

roquial “Ceciliano de Andrade” (1946), que inicialmente tinha 350 volumes380, núme-

ro que pouco mais de 10 anos após sua criação já passava dos 2000381. Na referida

biblioteca, inicialmente situada na residência paroquial à Rua Getúlio Vargas, os fiéis

mantinham contato com leituras que atuavam na construção do habitus católico tri-

dentino que o vigário buscava implantar.

A citada biblioteca, que levou o nome de um dos maiores colaboradores das

obras do Cônego Miguel na paróquia, foi inaugurada em meio a grandes festas pro-

movidas junto à celebração da Padroeira no ano de 1946, como os 25 anos de fun-

dação da Pia União local, associação religiosa “que vem sendo um centro de viva

piedade e agrupando um bom número de jovens pertencentes às famílias da locali-

dade”382.

Notícia destas comemorações impressa em “A Cruzada”, traz a visão de seu

correspondente sobre as mesmas, em especial o disciplinamento das irmandades da

paróquia, disciplina que o pároco buscava, com a instalação da Biblioteca Paroquial,

dar a todos os seus fregueses, instruídos que seriam com as leituras voltadas ao

habitus romanizado: “voltamos muito bem impressionados contudo que nos foi dado

verificar. Edificados com a disciplina e comportamento da Pia União e associações

religiosas”383.

377 A CRUZADA. Aracaju (SE), 28 de agosto de 1954. PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. p. 46. 378 A CRUZADA. Aracaju (SE), 28 de agosto de 1954. PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. p. 38-B a 39-B e 41-B. CARTAS do Cônego Mi-guel Monteiro Barbosa ao Prefeito Municipal de Nossa Senhora das Dores. 06/10/1951 e 15/10/1952 (não catalogados). Acervo do Arquivo Municipal de Nossa Senhora das Dores. 379 A CRUZADA. Aracaju (SE), 01 de outubro de 1944, 12 de janeiro de 1946 e 25 de dezembro de 1954. 380 A CRUZADA. Aracaju (SE), 07 de setembro de 1946. 381 ENCICLOPÉDIA dos municípios brasileiros. XIX Volume (Alagoas e Sergipe). IBGE: Rio de Janeiro, 1959. 382 A CRUZADA. Aracaju (SE), 07 de setembro de 1946. 383 Idem.

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“Instituição cultural que visa o alevantamento intelectual, moral e cívico dos ha-

bitantes de Nossa Senhora das Dôres”, a Biblioteca “Ceciliano de Andrade” tinha,

conforme seu Estatuto384, o pároco como diretor, cujas funções não eram gratifica-

das e a quem competia “cuidar moral e materialmente dos interesses da instituição”,

inclusive promovendo a censura aos livros, “não acolhendo os que contrariem os

princípios da boa moral e religião católica”. No mesmo Estatuto, consta que a Biblio-

teca poderia manter um serviço de alto-falantes, seu “orgão de cultura e divulgação”,

um jornal ou boletim de propaganda, além de promover atividades culturais como

sessões, conferências e exposições.385

Temos, pois, aí, importantes instrumentos a serviço da implantação, pelo vigá-

rio, do catolicismo tridentino. Não conseguimos, porém, ter acesso ao jornal ou bole-

tim citado no estatuto acima, nem mesmo a qualquer “sinal” que nos permita afirmar

se ele chegou a existir. Por outro lado, o Sistema de Alto-falantes referido, e que re-

cebeu o nome de “Vera Cruz”, foi inaugurado no domingo da Ressurreição, 28 de

março de 1948386. Este “instrumento de divulgação cultural, de instrução cívica e

religiosa e sadia diversão popular”, tinha como sede o Salão “Dom José”, no andar

superior da Matriz, a partir de onde os programas de cunho religioso (como a “Hora

Católica”, a “Ave Maria” etc) e de divulgação dos poderes públicos local e nacional

(com “A Voz do Brasil”) eram irradiados para as principais artérias da cidade, com

projeção de ampliação, já em fins de 1951, para os subúrbios, fazendo com que

seus habitantes possam também “usufruir as alegrias da boa música e cousas ou-

tras de interesse moral e social”387. A partir dos microfones do “Vera Cruz”, que

transmitiam ainda as missas solenes e outras celebrações, romanizava-se o catoli-

cismo local.388

Frisemos, ainda, que em 30 de outubro de 1949 o vigário Cônego Miguel fun-

dou o Centro de Ação Social Católica da Paróquia Nossa Senhora das Dores

(CASCNSD), órgão de coordenação, direção e ligação das obras de ação social da

freguesia, dirigido pelo pároco e cujos outros membros da diretoria eram por ele in-

dicados e nomeados pelo bispo, reforçando-se, assim, a hierarquia e o controle do 384 ESTATUTOS da Biblioteca Paroquial Ceciliano de Andrade. In: DIÁRIO OFICIAL. Aracaju (SE), 29 de no-vembro de 1947. 385 Idem. 386 A CRUZADA. Aracaju (SE), 11 de abril de 1948 e 02 de dezembro de 1951. 387 A CRUZADA. Aracaju (SE), 02 de dezembro de 1951. 388 A CRUZADA. Aracaju (SE), 25 de setembro de 1949, 11 de dezembro de 1954 e 04 de setembro de 1962.

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vigário sobre as entidades paroquiais389. Em seus Estatutos, devidamente aprova-

dos pelo bispo Dom Fernando Gomes, como mandava o respeito à hierarquia, e pu-

blicados no jornal semanal da Diocese, o diretor aparece com a função de zelar pela

instrução nas escolas mantidas pela entidade, fiscalizar os livros utilizados nas

mesmas, censurar os livros da biblioteca paroquial (que assim como o Sistema “Vera

Cruz” foi incorporada ao Centro Social), “não acolhendo os que contrariem os princí-

pios da boa moral e da religião católica”.390

Sede da Ação Social Católica da Paróquia Nossa Senhora das Dores. Cinema (centro) e biblioteca paroquial (direita)

Foto: fotógrafo desconhecido, 1975. In: BANCO DO NORDESTE DO BRASIL S.A. Agência Nsa. Sra. das Dores. BNB, 1975. p. 12.

O CASCNSD, iniciou em fins de 1954 a construção de sua sede em terreno si-

tuado em frente à Igreja Matriz, no qual projetava-se ofertar serviços como curso de

ação católica e religião, escolas primárias e supletivas para adultos em turno diurno

e noturno, biblioteca, livraria, escola de formação familiar e educação doméstica,

cinema e teatro educativo, departamento de esportes e parque infantil, seção de tra-

balhos manuais e obras dos tabernáculos, serviço hospitalar e ambulatório com con-

389 ESTATUTOS do Centro de Ação Social Católica da Paróquia Nossa Senhora das Dores. In: A CRUZADA. Aracaju (SE), 06 de abril de 1952. 390 Idem. Idem.

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sultório médico, farmácia e gabinete dentário, assistência aos pobres com amparo à

maternidade, infância e indigentes391.

Hospital São Francisco de Assis.

Foto: fotógrafo desconhecido, 1975. IN: BANCO DO NORDESTE DO BRASIL S.A. Agência Nsa. Sra. das Dores. BNB, 1975. p. 14.

Ressaltemos que, para manter o hospital citado, foi fundada em 03 de maio de

1949 a Associação de Caridade Nossa Senhora das Dores, que teve como primeiro

presidente o próprio vigário e em cuja diretoria estavam presentes proprietários ru-

rais, comerciantes, um deputado estadual, o prefeito e um ex-prefeito. 392 Para as

obras do referido hospital, que recebeu o nome de São Francisco e só veio funcionar

a partir de 1975, assim como as da sede do Centro de Ação Social da Paróquia, so-

mou-se, por intermédio do Cônego Miguel, o dorense Ariston Azevedo (1896-

1962)393, industrial residente em São Paulo e que contribuiu também com a Diocese,

doando, por exemplo, chácara no bairro Industrial (Aracaju) para a organização do

391 A CRUZADA. Aracaju (SE), 06 de abril de 1952 e 25 de dezembro de 1954. 392 A respectiva diretoria era composta pelo Cônego Miguel Monteiro Barbosa (Presidente), deputado estadual Coronel Flávio de Menezes Prado (Vice-Presidente), José Cardoso de Oliveira (1º Secretário), Manoel Soares de Araújo (2º Secretário), José Azevedo (1º Tesoureiro), ex-prefeito José Barreto de Souza (2º Tesoureiro), prefeito Antônio dos Reis Lima (Relator da Comissão Fiscal), Rubens Figueiredo (Comissão Fiscal), Joviano Vieira Gar-cia (Comissão Fiscal), Abílio da Costa Vieira (Suplente) e Petronilho de Menezes Cotias (Suplente). Cf: A CRU-ZADA. Aracaju (SE), 30 de outubro de 1949. 393 Ver: CARVALHO. Op. Cit. 2008. p. 21-23. Ver também: O BENEMÉRITO Ariston Azevedo. In: Informativo Cultural Memórias Dorenses. N. Sra. das Dores, ano 2, nº 2, outubro de 2006. p. 12.

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novo Seminário Diocesano394. Ariston emprestou seu nome ao edifício sede do

CASCNSD e, por sua ação social em São Paulo e em Sergipe, foi condecorado com

o título de Comendador da Santa Sé da Ordem de São Silvestre Papa395.

Vê-se, então, nesses exemplos, a centralização das atividades paroquiais, se-

jam elas religiosas, sociais ou intelectuais, na figura do vigário. Assim, o mesmo po-

deria mais facilmente disciplinar seu rebanho.

Num dos poucos textos publicados assinado pelo Cônego Miguel e por nós en-

contrado, podemos perceber sua preocupação em disciplinar seus paroquianos, em

inculcar neles práticas e representações condizentes com o habitus católico tridenti-

no que o mesmo estava implantando. O texto citado, intitulado “Explicação necessá-

ria” e lido no programa “Hora Católica” do Sistema “Vera Cruz”, bem como publicado

nos jornais “Gazeta Socialista” (18/12/1948) e “A Cruzada” (25/12/1948), foi uma

resposta do pároco a protesto do auxiliar da Agência dos Correios e Telégrafos local

contra atitude do Cônego Monteiro Barbosa em relação ao sepultamento do seu ge-

nitor. Tal protesto foi tornado público na “Gazeta” em 13 de novembro de 1948.396

No texto citado, cujo título fora “Negou assistência religiosa aos restos mortais

de um cristão”, a “Gazeta Socialista” publicava carta do Sr. Reginaldo Almeida

Noia397 de 30 de setembro de 1948, que se valeu daquele órgão de imprensa para

protestar contra atitude do vigário de Nossa Senhora das Dores em se negar a

prestar aos restos mortais do meu saudoso pai as cerimonias fúne-bres de costume, como sejam “toque de sinal” e o “ato de encomen-dação”, pelo fato de ser ele somente casado no civil. Tal cena cau-sou estranhesa em todos os setores da opinião pública dorense, teve lugar no dia 27 de setembro, data em que se realizou o enterramento do meu inesquecível pai Getúlio Alves do Nascimento398.

Para tal ato não se acha a menor justificação pois não se pode com-preender como a igreja nega a um cristão a sua assistência nos seus últimos momentos. Onde o perdão da Igreja? – eis o motivo da indig-

394 A CRUZADA. Aracaju (SE), 16 de maio de 1959, 31 de outubro de 1959 e 27 de fevereiro de 1960. 395 A CRUZADA. Aracaju (SE), 13 de setembro de 1958. 396 GAZETA SOCIALISTA. Aracaju (SE), 13 de novembro de 1948 e 18 de dezembro de 1948. A CRUZADA. Aracaju (SE), 25 de dezembro de 1948. 397 Por erro da redação do jornal seu nome aparece como Reginaldo Alves de Almeida Nunes. 398 Getúlio de Almeida Noia, tendo em vista erro da redação do jornal na escrita do nome do mesmo.

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nação geral que apoderou-se dos corações de quanto acompanha-ram meu pranteado Pai a ultima morada.399

Em resposta ao mesmo, o sacerdote se defendeu e acusou o Sr. Reginaldo de

ter agido de má como todos os “inimigos do clero”, pois, segundo o Cônego Miguel,

não queria ele com tal ato salvaguardar princípios religiosos, mas fazer escândalo.

Inicia, portanto, sua explicação do fato, mostrando-se perseguido por defender os

ensinamentos de Cristo e as normas da Igreja. Para isso, traz citações do Evangelho

e do Código de Direito Canônico que corroboram sua atitude. Numa tentativa de re-

verter a situação perante a opinião pública, recorreu, como estratégia discursiva, por

exemplo, ao evangelista Mateus: “Bem aventurados sois, quando vos injuriarem e

vos perseguirem, e mentindo disserem todo o mal contra vós, por minha causa. Ale-

grai-vos e exaltai, porque é grande a vossa recompensa no Céu. (Mateus V, 11 e

12)”.400

Na argumentação do Cônego Monteiro Barbosa, ele responde porque não

permitiu o “toque de sinal” e não fez a “encomendação da alma” do Sr. Getúlio, afir-

mando, pois, que o mesmo não era cristão, por “ter ele abandonado a sua legitima

esposa”, com quem era casado na Igreja, e ter contraído matrimônio com outra no

civil, vivendo assim na “reprovação da Sagrada Escritura e na sanção penal canôni-

ca da Igreja, que não permite sepultura eclesiástica e officios fúnebres em tais casos

a não ser que, antes da morte dêem ‘sinais de arrependimento’”. Tal arrependimen-

to, afirma o vigário, não recaiu sobre o falecido, pelo contrário, ele era, segundo o

Cônego Miguel, reincidente, uma vez que havia “contratado no civil” uma filha sua

com um homem já casado com outra na Igreja.401

Continuando sua dissertação, o clérigo descaracteriza o argumento de seu a-

cusador quanto ao alcance do fato entre seus paroquianos, dizendo não ter havido

repercussão local, e que ganhou realce, segundo o vigário, por ter sido por ele, em

atenção ao público, analisado.402

399 GAZETA SOCIALISTA. Aracaju (SE), 13 de novembro de 1948. 400 GAZETA SOCIALISTA. Aracaju (SE), 18 de dezembro de 1948. A CRUZADA. Aracaju (SE), 25 de dezembro de 1948. 401 Idem. Idem. 402 Ibidem. Ibidem.

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Outrossim, informa ter ficado sabendo, “confidencialmente”, da nota antes dela

ser enviada ao jornal. Porém, afirma nada ter feito para obstá-la, por não temer a

crítica a seus atos, pois, quando corretos, sabe defendê-los. Por fim, agradeceu a

seu acusador pela oportunidade que lhe deu de melhor instruir seus paroquianos

sobre a doutrina da Igreja, especialmente no que diz respeito à indissolubilidade do

casamento e aos direitos de sepultura. Lamenta, porém, ter tido, pois obrigado pela

publicação da nota, que “desonrar” a memória do defunto, bem como não ter seu

acusador aceitado com ele debater nos meios locais, “onde o povo bem conhece a

tudo e a todos, que o fato pode ser melhor apreciado”, através do Sistema “Vera

Cruz”, mas ter preferido acusá-lo num “jornal distante!... e não querer ouvir a minha

explicação, serena, ante o povo, que saberá julgar entre as duas atitudes. Fico com

a conciencia tranquila; cumpri com o meu dever”, finaliza.403

A defesa feita pelo Cônego Miguel Monteiro do casamento, um dos sacramen-

tos da Igreja Católica, e de sua indissolubilidade, fato que gerou o conflito citado a-

cima, estava em consonância com o pensamento dominante entre o clero sergipano

de sua época. Isso pode ser observado em Mensagem do clero diocesano, reunido

em seu retiro anual a 26 de julho de 1951, destinada à Câmara Federal por ocasião

da votação de projeto de lei sobre o divórcio404.

Partindo “do intimo de nossas almas apreensivas de pastores e guias do povo”

que vêem seu rebanho ameaçado pela “ruína da família”, a referida mensagem é

assinada pelo bispo Dom Fernando Gomes e endossada pelos sacerdotes presen-

tes ao retiro, dentre eles o Cônego Miguel Barbosa, “virtuoso e apostólico pároco” de

N. Sra. das Dores, “operoso vigário”, “sacerdote zeloso e modelar”, como a este pa-

dre, então um dos mais experientes da Diocese, referia-se o jornal católico “A Cru-

zada”405.

Na Mensagem citada, o clero reafirma a indissolubilidade do matrimônio, se-

gundo os mesmos, amparada na lei cristã e na lei natural da geração e da educação

da prole. Por outro lado, chama o divórcio de atentado a estas duas leis e à moral,

uma vez que solapa todos os fins do matrimônio, a saber: a procriação (pelo receio

403 GAZETA SOCIALISTA. Aracaju (SE), 18 de dezembro de 1948. A CRUZADA. Aracaju (SE), 25 de dezembro de 1948. 404 A CRUZADA. Aracaju (SE), 29 de julho de 1951. 405 A CRUZADA. Aracaju (SE), 01 de abril de 1952, 30 de abril de 1950 e 29 de abril de 1951, respectivamente.

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de embaraços futuros), a educação (“o lar desfeito é o mais doloroso fator de dese-

ducação”), o mútuo auxílio e remédio à concupiscência (pois, o divórcio abre cami-

nho à libertinagem).406

Para o clero sergipano que endossou a mensagem encabeçada pelo seu bispo,

por sua vez, o divórcio representa a “destruição da família nas bases estáveis de sua

indissolubilidade”, ela que é a célula da sociedade e deve ser protegida por lei, afir-

mam. Ao contrário, defendem, o Parlamento deve legislar em prol do bem comum e,

se aprovado o projeto em pauta (o que não ocorreu), se abriria “uma criminosa ferida

no que este bem comum tem de mais sagrado”. Por fim, afirma a mensagem, a lei

do divórcio vai de encontro ao pensamento da maioria dos brasileiros, o que um ple-

biscito, defendido pelos mesmos, facilmente mostraria, não sendo lícito, pois, que o

legislativo, que deve ser a ressonância das aspirações e necessidades do povo, o

aprove. 407

Inserindo-se, pois, nos meios sociais, culturais e políticos dorenses, o Cônego

Miguel Barbosa atuou como agente da romanização do catolicismo dorense, bus-

cando ali manter a hegemonia no campo religioso, buscando não somente instruir

seus paroquianos, mas também combatendo, por exemplo, a instalação de outras

empresas de salvação e tentando ocupar o espaço de especialista e detentor do

monopólio da produção de bens de salvação. Almejava, pois, enquanto representan-

te da Igreja Católica, evitar a concorrência de outros produtores de bens e serviços

religiosos, bem como a busca individual pela salvação. 408

No que se refere ao combate a outras igrejas, observamos a tentativa de evitar

a instalação da Igreja Batista naquele campo religioso, uma vez que ela, apesar da

quase totalidade dos dorenses declararem-se católicos, como afirmou o próprio vigá-

rio posteriormente409, se tornaria concorrente na produção e na oferta de bens e ser-

viços religiosos no espaço em foco.

406 A CRUZADA. Aracaju (SE), 29 de julho de 1951. 407 Idem. 408 BOURDIEU. Op. Cit. 1998. p. 58. Remeter à discussão da obra bourdieusiana no capítulo 1. 409 Redação do Decreto-lei nº 8 de 30 de setembro de 1940, transcrita em PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. p. 38-B.

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Com relação a este embate, observa-se nas fontes produzidas pela Igreja Ca-

tólica, especialmente o Livro Tombo e o jornal da Diocese, um silêncio total. Do

mesmo modo, em conversas informais cujo objetivo seria realizar posteriormente

entrevistas, as pessoas consultadas não relatam a existência desse conflito, sendo

que a fala de um deles nos dá “sinais” de que, pela posição que o referido sacerdote

chegou a ocupar naquele campo, as pessoas preferem não comentar os fatos, pois,

como disse o mesmo “Eu não vou falar mal do padre”. Afinal, como foi mostrado no

início deste trabalho, a memória é formada por lembranças, mas também por esque-

cimentos e silêncios, voluntários e involuntários, que atendem a determinados inte-

resses, uma vez que atua na constituição do próprio passado e da imagem que se

tem das pessoas que nele atuaram410.

Por outro lado, dentre os Batistas, tais embates com o clero católico e com os

adeptos desse credo, aparecem como elemento fundante da história da “Primeira

Igreja Batista de N. Sra. das Dores”, pela luta empreendida pelos “primeiros crentes”

em prol da semeadura da palavra de Cristo. Isso pode ser observado no manuscrito

Resumo histórico, produzido em 2001 por um membro daquela denominação, o Sr.

Otacílio Oliveira dos Santos, à época com 71 anos de idade411.

A referida obra, escrita com o intuito de mostrar aos batistas e aos não-batistas

exemplos de vidas consagradas a Cristo, ainda manuscrito e não tornado público,

teve como fontes os Livros de Atas da citada Igreja e entrevistas com membros mais

antigos da mesma, dentre os quais um de seus fundadores e, portanto, personagem

dos embates com a Igreja Católica.412

Segundo o respectivo Resumo, as primeiras reuniões dos Batistas em Nossa

Senhora das Dores ocorreram a partir de 26 de março de 1933, com pregadores

vindos de outras cidades, sob a direção do Pastor Tiago Lima e nas casas dos pró-

prios “crentes”, como o autor refere-se aos membros daquela Igreja, inicialmente

410 Ver: PESAVENTO. Op. Cit. 2005. POLLAK, Michael. “Memória, esquecimento, silêncio”. Estudos Históri-cos, RJ, v.2, n.3, p.3-15, 1989. __________. “Memória e Identidade Social”. Estudos Históricos, Rio de Janei-ro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 200-212. 411 SANTOS, Otacílio Oliveira dos. Resumo histórico da Igreja Evangélica Batista nesta cidade de Dores – SE. Manuscrito, s/d. (não publicado). 412 SANTOS. Op. Cit. Manuscrito, s/d. (não publicado). Além da obra citada, existe um estudo feito pelo historiador Valmor Ferreira Santos, que teve como fontes entre-vistas, livros de atas e o próprio resumo de Otacílio Santos. Ver: SANTOS, Valmor Ferreira. A reação católica a presença Batista em Nossa Senhora das Dores (1933-1940). Aracaju: UFS, 2004.

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vindos de Maceió em Alagoas, além das cidades sergipanas de Aracaju, Propriá e

Maruim.413

No tópico “Perseguição à Igreja”, o autor do Resumo situa os embates entre

católicos e batistas por posições no campo religioso local, situando os primeiros a-

nos (1933-1940) como o momento de maior exacerbação dos conflitos, sendo que

os anos 1935-1938 são por ele chamados de “período sombrio”, pela inexistência de

registro de atividades nos livros de atas. Analisando esse contexto, Otacílio Santos

intitula de “inimigos de Cristo”, de “diabos”, os “inimigos da Igreja” e situa como seu

“primeiro perseguidor” um “padreco” que usou “um chefe político que predominava

aqui, como cavalo de batalha”414. Outrossim, afirma que “os outros perseguidores,

eram aliadas, ou mandados desse tal chefe político, de nome ‘Flávio da Fortuna’”415.

Pelo período no qual o autor situa os fatos, e pelas informações fornecidas por

ele na sequência de sua dissertação, o personagem a quem ele se refere como “pa-

dreco” é o Cônego Miguel Monteiro Barbosa, que, como foi demonstrado anterior-

mente, à época foi vigário da Igreja Católica, além de deputado estadual e prefeito

(Interventor) de Nossa Senhora das Dores. Já “Flávio da Fortuna”, é o proprietário

de terras Coronel Flávio de Menezes Prado, dono das fazendas Fortuna416 e Tingui -

entre os municípios de Dores, Divina Pastora e Siriri -, prefeito de Nossa Senhora

das Dores entre 1935 e 1937 e deputado estadual na gestão iniciada após as elei-

ções de 1947417.

Dentre as violências físicas e simbólicas cometidas contra os “crentes” nesse

período e relatadas por Otacílio Santos em sua obra, pode-se citar o uso de “capan-

gas” para espancá-los; a proibição de enterramentos de não-católicos no interior do

Cemitério Paroquial, hoje Municipal; atentados como o uso de um “boneco juda" que

se planejava jogar (com uma bomba dentro) no salão de culto, mas que acabou ex-

plodindo nas mãos dos “perseguidores”, que nada sofreram; bem como o fato de

413 SANTOS. Op. Cit. Manuscrito, s/d. (não publicado). 414 Idem. p. 12. 415 Ibidem. p. 13 416 À época a Usina Fortuna era avaliada como uma das mais caras do Estado, 450:000$000. 417 FIGUEIREDO. Op. Cit. 1989. p. 358-361. SERGIPE / TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. 100 anos de eleições em Sergipe. Aracaju: TER?SE, 2002. p. 102. Informações fornecidas por Manoel Messias Moura, cujo pai trabalhou na Fazenda Tingui de propriedade do Coronel Flávio e que lá residiu com a família nos anos 1960/1980, ao autor em 05 de julho de 2009.

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dizerem “que os crentes eram bodes, porque casavam-se irmão com irmã e vice-

versa”418.

Nesse último caso, nota-se a tentativa de depreciação do capital componente

do habitus batista, no qual existe o costume de se chamar os adeptos da mesma fé

de “irmãos”. Por sua vez, no que se refere à proibição de se enterrar defuntos batis-

tas, portanto, não-católicos, no cemitério que pertencia à Igreja Romana, o mesmo

padre que não permitiu tal sepultamento (o Cônego Miguel) era prefeito e, como tal,

concedeu licença para que estes enterramentos fossem feitos em terreno adquirido

pela Igreja Batista no subúrbio João Ventura, separando-se, assim, na vida e na

morte, católicos de não-católicos, situados, respectivamente, no centro e na periferia

do campo religioso e do espaço geográfico no qual seus mortos são sepultados419.

Cemitério da Igreja Batista em Nossa Senhora das Dores.

Foto: João Paulo Araújo de Carvalho, 2006.

Temos, nesse caso, um conflito entre empresas de salvação, entre aquela que

detêm a hegemonia no campo religioso e a que chega, mesmo em condições inici-

almente desfavoráveis, para com ela concorrer.

418 SANTOS. Op. Cit. Manuscrito, s/d. (não publicado). p. 12-15. 419 Idem. p. 12-13.

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Nesse mercado de bens simbólicos, outro embate vai se processar, desta vez,

entre o clero e os leigos que participavam de movimentos religiosos não submetidos

ao disciplinamento que o sacerdote buscava impor aos paroquianos. No caso aqui

estudado, existiam na Paróquia no dia da “Sexta-feira Santa” as procissões dos Pe-

nitentes e do Madeiro. Nascidos no final do século XIX, sobre forte influência das

mortes causadas pelas secas e pelas epidemias e de missões populares onde os

missionários católicos centravam sua prática na penitência como caminho para a

salvação da alma, estes atos foram fundados/organizados por leigos, que se decla-

ravam católicos, mas não se submetiam à hierarquia, ou seja, ao controle do sacer-

dote.

Como mostrou Bourdieu, o exercício da autoridade no campo religioso depen-

de da eficácia simbólica dos bens e serviços ofertados no mercado, ou seja, da sua

capacidade de satisfazer os interesses religiosos dos consumidores. Dessa eficácia,

porém, depende a posição que determinado agente ocupa no campo, no caso do

Cônego Miguel, como foi discutido, a posição de líder eclesiástico da maioria dos

dorenses e que sabia articular-se com as elites sócio-econômicas e políticas.

Entendendo a necessidade, para seu projeto romanizador, de disciplinar os

participantes de tais atos, inculcar-lhes um habitus tridentino, o referido sacerdote

utilizou-se da violência simbólica e, tentando deteriorar o capital tradicional presente

em tais atos e destituí-los deste capital religioso, chamava-os de “pagãos”. Isto pode

ser observado em trecho do Livro de registro dos Penitentes, um dos grupos leigos

combatidos pelo Cônego Miguel:

Apesar da oposição feita pelo nosso ex-vigário o Cº Miguel, no senti-

do de acabar como nosso movimento penitencial, jamais conseguiu

faze-lo, isso porque , segundo o mesmo alegava, era um movimento

talvez pagão, pois não fazia parte da liturgia da Igreja Católica e não

havia o respeito necessário por parte de alguns elementos participan-

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tes do movimento, que recomendava mal de certa forma o caráter de

penitência.420

Além do grupo dos Penitentes, os participantes da Procissão do Madeiro, por

não se submeterem ao disciplinamento imposto pelo clero, também tiveram seu ato

combatido. Assim, o vigário Monteiro Barbosa, buscando deteriorar o capital simbóli-

co do Madeiro com vias à monopolização da gestão dos bens de salvação, tentava

mostrar este movimento como algo que não era “de Deus”. Nestes dois casos, con-

forme se mostrou anteriormente a partir da obra bourdieusiana, se tentava evitar a

busca individual pela salvação, submetendo-a à intersecção do clero enquanto pro-

dutor exclusivo no campo religioso de bens e serviços que permitam aos seus con-

sumidores obterem a “passagem” para o céu421.

Outrossim, o pároco criou a Procissão do Senhor Morto, como parte da pro-

gramação da “Sexta-feira Santa”, dia no qual também ocorriam as duas manifesta-

ções citadas e que se almejava disciplinar. O vigário, portanto, produzia e ofertava

naquele mercado um bem de salvação que os paroquianos deveriam consumir. Para

isso, por sua vez, fazia-se necessário abandonar os outros atos devocionais existen-

tes, e ora combatidos pelo clero, uma vez que os mesmos aconteciam praticamente

no mesmo horário, final da tarde e início da noite da “Sexta-feira da Paixão”.

Essa constatação pode ser observada na fala de Maria Auxiliadora de Olivei-

ra422, transcrita no início desta seção, segundo a qual sua genitora, dona Osvaldina

de Oliveira, participava do Madeiro e deixou de fazê-lo para seguir o Senhor Morto,

já que não era possível estar nos dois atos, que ocorriam no mesmo espaço de tem-

po.

Do mesmo modo, o senhor Ari Pereira de Souza423, hoje com pouco mais de

50 anos de idade, relata embate ocorrido entre os adeptos do Madeiro e o Cônego

Miguel Monteiro num momento de encontro casual pelas ruas da cidade entre esta

420 ASSOCIAÇÃO DOS PENITENTES DE N. SRA. DAS DORES. Livro de Registro dos Penitentes. Nossa Senhora das Dores, 1980 (manuscrito). p. 4-5. 421 BOURDIEU. Op. Cit. 1998. p. 58. 422 OLIVEIRA, Maria Auxiliadora de. In: SEXTA-FEIRA Santa: Nossa Senhora das Dores – palco centenário de devoção e penitência. Produção do Projeto Memórias de Nossa Senhora das Dores. Roteiro e Edição João Paulo Araújo de Carvalho, Luís Carlos de Jesus e Antônio Bittencourt Junior. Nossa Senhora das Dores, 2007. 1 DVD. (48 min), color. 423 SOUZA, Ari Pereira de. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Do-res, 11 de agosto de 2008.

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procissão e a do Enterro. Tal fato foi comentado com irritação por seu pai, Anízio

Ângelo de Souza (1917-1983), devoto participante das duas manifestações que o

vigário queria disciplinar e cuja residência é hoje uma das estações da procissão do

Madeiro. Ari tinha aproximadamente 10 anos de idade.

Ele com aquele estilo dele, meio arrogante, um dia chegou em casa. Cônego Miguel era linha dura, né! Na hora que cruzou ali as duas procissões, segundo ele Cônego Miguel dizia “Quem é de Deus ve-nha pra cá!” Dava a entender que a outra procissão era do demônio. Ai ele ficou irritado, ficou um pouco afastado da Igreja com relação a esse episódio. O padre foi muito severo, meu pai não gostou não. Ele chegou em casa, comentou, “Que nada, ele ta pensando o quê, que o pessoal da procissão é de Deus e o outro não”. Por causa disso ele ficou um pouco afastado. Enquanto o Cônego Miguel comandava o rebanho católico ele tinha essa restrição.424

Durante o paroquiato do Cônego Miguel, e em vários que o seguiram, portanto,

as portas da Igreja mantiveram-se fechadas para os promesseiros e penitentes que

participavam dessas duas manifestações devocionais, e, por sua vez, não se sub-

metiam à autoridade eclesiástica do pároco e ao disciplinamento que ele buscava

dar aos movimentos e associações religiosas que ocorriam na Paróquia. Não so-

mente porque a Igreja Matriz manteve-se de portas fechadas enquanto os fiéis des-

ses atos faziam suas orações no cruzeiro em frente à mesma, mas também porque

a Igreja instituição, representada pelo vigário, não reconhecia sua manifestação co-

mo cristã. Afinal, tais práticas penitenciais estavam mais próximas do habitus católi-

co colonial que se combatia do que do tridentino que se queria implantar.

5.2.1 A PROCISSÃO DO SENHOR MORTO

A procissão do Senhor Morto, ou do Enterro, surgiu na cidade sergipana de

Nossa Senhora das Dores em meados do século XX, como parte da liturgia da Igreja

424 SOUZA, Ari Pereira de. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Do-res, 11 de agosto de 2008.

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Católica durante a “Sexta-feira Santa”, dia no qual se relembra a Paixão e Morte de

Cristo na Cruz.

Registrada no Brasil desde pelo menos o século XVII, a mesma foi descrita ao

longo dos séculos por vários memorialistas, dentre os quais Vivaldo Coaracy, cujo

relato, oriundo do Rio de Janeiro setecentista, é impresso na obra do historiador ca-

tólico Riolando Azzi425 e foi transcrito a seguir. Tal descrição, apesar de longa, nos

permite observar, além dos personagens presentes e da organização da mesma, as

“relações de força” nela visualizadas pelo autor do relato e que nos faz perceber a

procissão como uma representação das estratificações sociais existentes em deter-

minado campo.

Sob o luxuoso pálio, cercado de curiais com tochas de cera roxa, vi-nha o esquife de prata, transportando a imagem do Senhor Morto, semicoberto por um manto violeta com franjas de ouro. Os varais do sarcófago assentavam sobre os ombros de clérigos tonsurados, para este fim especialmente convidados mediante compensadora propina.

As famílias mais notáveis disputavam a honra de tomar parte no préstito entre os “figurantes” que acompanhavam o esquife represen-tando personagens evangélicos. Eram a Madalena, carregando o va-so de óleo para a unção do Santo Corpo; São João, o discípulo ama-do, distinguido pelo livro e a pena com que escrevia o Quarto Evan-gelho; a Verônica, exibindo o lenço, trazendo impresso o rosto do Senhor; as Três Marias que, de espaço em espaço, clamavam fune-reamente, em voz agudíssima, os Heus! A interjeição de luto a anun-ciar o funesto sucesso. Seguiam-se “vestidos à trágica”, conforme determinavam as instruções, as figuras que o povo chamava de “os dois profetas”. Na realidade representavam José de Arimatéia e Ni-codemos e carregavam as escadas que haviam servido, suposta-mente, à descida da Cruz.

Aparecia então o Anjo Cantor (que passou a ser Verônica em épocas posteriores). De tempos em tempos a procissão parava. O pesado esquife era apoiado sobre as forquilhas, para descanso dos seus car-regadores. Serventes pressurosos traziam uma escada pela qual su-bia a um pequeno estrado o Anjo Cantor. E sobre o silêncio respeito-so da multidão desdobravam-se as notas solenes do O Vos Omnes... entoado pelo Anjo que, concluído o hino, desdobrava aos olhos do povo o sudário. O Anjo descia do estrado e a procissão retomava a marcha até a próxima parada.

Ao “Anjo” seguia-se a Guarda Romana. Meia centena ou mais de la-tagões de grandes barbas postiças, elmo emplumado à cabeça, cou-raça ao peito, espada curta à cinta, as pernas nuas envoltas na tran-ça das tiras das botinas, representavam os legionários de Roma.

425 AZZI. Op. Cit. 1978.

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Tendo à frente o centurião portador da lança, marchando deitando olhares ferozes à multidão que os apupava. Mas as chufas cessa-vam, em respeitosa atitude, ao aparecer a seguir o rico andor de pra-ta sobre o qual se erguia a imagem da Senhora das Dores, com o manto de veludo bordado a ouro, valiosas jóias ao colo e o resplen-dor de ouro sobre a coroa. Dando a guarda de honra, vinha um dos regimentos da Guarnição, armas em funeral, a banda executando em surdina marchas fúnebres, com longos laços de crepe pendentes dos instrumentos. Depois, a multidão de devotos que acompanhava a procissão.

Concluído o itinerário, o cortejo se recolhia ao templo, e a multidão se precipitava a fim de ouvir o Sermão de Lágrimas, sempre a cargo de um orador sacro de fama.426

Inserida na cidade de Dores (SE) no meados do novecentos, a referida mani-

festação, como vimos, foi utilizada pelo vigário, Cônego Miguel Barbosa, como ins-

trumento em favor da romanização do catolicismo local, em meio aos embates com

os movimentos religiosos leigos que ali ocorriam, a exemplo das procissões do Ma-

deiro e dos Penitentes.

Nas celebrações católicas para o dia da Paixão, conforme pudemos apreender

na Liturgia da Semana Santa restaurada427 - obra publicada em 1955 e que deveria

atualizar e substituir, a partir do ano seguinte, as anteriores -, devem os sacerdotes

instruir os fiéis para que na “Sexta-feira da Paixão” “conservem um piedoso recolhi-

mento espiritual e não esqueçam da lei do jejum e da abstinência”428, práticas que

ajudam, segundo esse Novo Ordo, a aproximar os cristãos do sacramento da peni-

tência429.

Lembremos, pois, que, enquanto sacramento, a penitência requer a mediação

do sacerdote, uma vez que a mesma deve ser precedida do exame de consciência,

do arrependimento e da confissão dos pecados perante um ministro da Igreja.

Naquele meados do século XX, afirma o Monsenhor Sant´Anna430, pecados

como o álcool, o meretrício, a profanação do matrimônio etc eram uma constante na

426 AZZI. Op. Cit. 1978. p. 146-147. 427 LITURGIA .... 2. ed. Edições “Lumen Christi”: Mosteiro de São Bento; RJ / Livraria SAL; SP, 1956. 428 Idem. p. XVI. 429 Idem. p. XV. 430 SANT´ANNA (Monsenhor). Dignos frutos de penitencias. In: A CRUZADA. Aracaju (SE), 25 de fevereiro de 1951.

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vida de muitas pessoas. Para ele, portanto, só havia dois caminhos a serem segui-

dos para se alcançar a “glória dos céus”: a inocência ou a penitência como meio de

recuperá-la. Assim, em artigo intitulado “Dignos frutos de penitências”, publicado no

semanário “A Cruzada”, o referido religioso cita vários exemplos de apóstolos e san-

tos penitentes e convida, como faz a Igreja, os católicos a fazerem, em especial na

Quaresma, o que em Fátima recomendou Nossa Senhora: “Emendar a vida, deixar

de ofender a Deus, rezar o Terço e fazer penitência”.431

Como práticas penitenciais presentes neste contexto, podemos citar o jejum e

a penitência. Em Circular432 de 1951, em conformidade com o Decreto da Sagrada

Congregação do Concílio de 28 de janeiro de 1949, o bispo de Aracaju, Dom Fer-

nando Gomes, esclarecia os seus diocesanos sobre tais práticas. Para a Igreja, por-

tanto, a abstinência é definida como a proibição da carne ou de seu caldo nas refei-

ções para as pessoas maiores de 7 anos de idade. Já o jejum, é caracterizado como

o uso de única refeição plena no dia, com no máximo duas outras menores. Outros-

sim, define como dias de jejum com abstinência a “Quarta-feira de Cinzas”, a “Sexta-

feira da Paixão” e as Vigílias da Assunção (14/08) e do Natal (24/12) e como dias de

abstinência sem jejum as demais sextas-feiras do ano.433

Dos anos 1950, encontramos algumas notícias sobre as celebrações da Se-

mana Santa na Paróquia Nossa Senhora das Dores, então sob o vigariato do Cône-

go Miguel Monteiro Barbosa434. Dentre as atividades da Igreja nesta Semana, pode-

se destacar:

a) Domingo de Ramos: benção e procissão de Ramos, seguida de missa pela

manhã; à tarde, procissão do Senhor dos Passos e “encontro” na 6ª das 7

estações;

431SANT´ANNA (Monsenhor). Dignos frutos de penitencias. In: A CRUZADA. Aracaju (SE), 25 de fevereiro de 1951. 432 GOMES, Fernando (Dom). Circular 1-1951. In: A CRUZADA. Aracaju (SE), 04 de fevereiro de 1951. 433 Idem. Idem. 434 A CRUZADA. Aracaju (SE), 28 de abril de 1956, 13 de abril de 1957 e 18 de abril de 1959. À exceção das notícias citadas, dos anos de 1956, 1957 e 1959, extraídas do Jornal A Cruzada, encontramos apenas um registro no Livro Tombo da Paróquia, datado de 1940 e que descreve as atividades daquela Semana Santa: “No dia 17 de março de 1940, domingo de Ramos, houve inicio a celebração dos Atos da Semana Santa, que foram celebrados segundo o cerimonial de Bento XIII. O Sermão de Encontro e o de Lava-pés foram prega-dos pelo Cônego Serapião Machado, que auxiliou ainda em todos os Atos, e o da Sexta-feira Santa foi proferido pelo Vigário Cônego Miguel Monteiro Barbosa”. Cf: PARÓQUIA NOSAS SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913.

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b) segunda, terça e quarta-feira: Tríduo em preparação para a “Quinta-feira

Santa” com confissões, Via-Sacras, benção do Santíssimo Sacramento e,

na quarta-feira, procissão Eucarística para comunhão dos enfermos;

c) Quinta-feira Santa: Missa da Ceia do Senhor (instituição da eucaristia), La-

va-pés, procissão de transladação do Santíssimo Sacramento para altar

onde fica em adoração, desnudação dos altares;

d) Sexta-feira da Paixão: leituras, canto da Paixão, sermão, orações solenes,

adoração da Cruz, descimento da Cruz, comunhão, procissão do Senhor

Morto, beijamento das imagens e da Cruz.

e) Sábado Santo: Vigília Pascoal.

Observemos, nesta descrição, o reforço dado ao sacramento da comunhão, um

dos marcos do catolicismo tridentino que se estava implantando, não somente pela

presença de procissões eucarísticas e da adoração do “Santíssimo Sacramento”,

mas também pelo destaque que numa das programações consultadas é dado ao ato

de benção do “Santíssimo” ao final de todas as cerimônias435.

Outrossim, o Novo Ordo, que normatiza as celebrações litúrgicas da Semana

Santa após 1956, destaca a importância de se celebrar na “Quinta-feira Santa” a

“instituição da Santíssima Eucaristia”, que deve ocorrer ao cair da noite (entre 17 e

20 h) com a missa “In cena Domini”, como uma forma de instruir

os fiéis no respeito ao amor com que Cristo Nosso Senhor, “na vés-pera de Sua Paixão”, instruiu a Sagrada Eucaristia, sacrifício e sa-cramento, memorial perpétuo de Sua Paixão, a ser celebrado sole-nemente pelas mãos dos sacerdotes.

Convidem-se também os fiéis para que, após a missa “In cena Domi-ni”, prestem a devida adoração ao Augustíssimo Sacramento.436

No que diz respeito à celebração da Paixão e Morte de Cristo no vigariato do

Cônego Miguel Barbosa, esta ainda e lembrada pelos paroquianos, especialmente

pelos atos teatrais, com a encenação da mesma seguida do descimento da imagem

435 A CRUZADA. Aracaju (SE), 18 de abril de 1959. 436 LITURGIA .... 2. ed. Edições “Lumen Christi”: Mosteiro de São Bento; RJ / Livraria SAL; SP, 1956. p. X-XV.

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do Cristo Morto da Cruz, sua colocação no esquife e, na sequência, a pesarosa pro-

cissão do Enterro437. Para tal fim, a imagem do Senhor Morto adquirida pela Paró-

quia em 1939 tem mobilidade nos ombros e joelhos que lhe permite os movimentos

necessários a sua colocação na Cruz, retirada e condução na procissão.

Durante a referida celebração, bem como na procissão dos Passos (onde en-

cenava o encontro de Cristo com Maria), nas Vias-Sacras e no final da Procissão do

Senhor Morto, se ouvia o pesaroso canto da Verônica, personagem da Via-Crúcis

que teria enxugado o rosto ensangüentado do Messias, cuja face ficou impressa no

pano que é apresentado aos fiéis durante a execução do canto.

Verônica (à esquerda), personagem da Via-Sacra presente nas procissões da Qua-resma, como a do Senhor dos Passos (à direita, conduzida pelo Cônego Miguel).

Fotos: fotógrafo desconhecido, sem data. Acervo particular de Maria Auxiliadora de O-liveira.

A seguir, transcrevemos o referido canto, que nos foi fornecido, em sua tradu-

ção do latim, pela professora Maria Auxiliadora de Oliveira. Ela aprendeu esse canto

com o músico e compositor Edilberto Andrade (1925-1993) e cantava-o, inicialmente

somente em latim, durante os atos da Semana Santa promovidos pela Igreja entre o

437 FIGUEIREDO, Roberto Pereira de. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senho-ra das Dores, 10 de agosto de 2008. OLIVEIRA, Maria Auxiliadora de (Profª Sili). Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 16 de maio de 2006.

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final da década de 1960 e o início dos anos 1980. Aliás, Sili, como é conhecida, re-

corda-se dos atos religiosos promovidos à época do Cônego Miguel Barbosa, “que

montava o Calvário no altar-mor da Igreja e fazia o descimento de Jesus Cristo da

Cruz na Sexta-feira da Paixão e o encerramento era feito com o canto da Verônica.

O ato era tão bonito que fazia o povo chorar. Vinha gente de tudo quanto era lu-

gar.”438

Ó! Vós todos que passais pelo caminho.

Parai!... Parai!...

E vede se minha dor é semelhante a Tua dor.

Imagens de Nossa Senhora da Soledade e Senhor dos Passos, ao redor das quais se con-centram atos de devoção durante a Quaresma e especialmente no “beijamento” na “Sexta-

feira da Paixão”.

Fotos: João Paulo Araújo de Carvalho, 2007.

Dentre os atos penitenciais mais frequentes na celebração da Paixão e Morte

de Cristo na Igreja Matriz, podemos destacar o beijamento das imagens do Senhor

438 OLIVEIRA, Maria Auxiliadora de. Informações fornecidas a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senho-ra das Dores, 01 de julho de 2009.

BIS

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dos Passos, Nossa Senhora da Soledade e Senhor Morto, mas especialmente o bei-

jamento da Cruz, em que os fiéis, ao som da Ladainha da Paixão (anexo 7) e de ou-

tros cantos que chamam o pecador ao arrependimento e situam a crucificação de

Jesus como ato redentor dos pecados, dirigem-se ao presbitério da Matriz a con-

templar a face ensangüentada do Cristo e as dores de sua Mãe. Destes cânticos,

transcrevemos abaixo o “Vem, vem pecador”, que clama aos pecadores que chorem

por suas faltas e confessem-nas para, assim, merecerem o perdão.

Refrão: Vem, vem pecador / onde é que te escondes?

Teu Senhor te chama / e tu não lhe respondes.

Chega pecador / chega arrependido / aos pés de teu Deus / que tens ofendido.

Geme pecador / aos pés de Jesus / que por ti morreu / lá no alto da cruz.

Chora pecador / chora teu pecado / para que de Deus / sejas perdo-ado.

Muitos que na cama / ledos se deitaram / deixando este mundo / no inferno acordar.

Chega pecador / chega à confissão, / para que de Deus / mereças o perdão.

Chega pecador / chega com amor / aquele que é / o Teu redentor.

Muitos pecadores / deitam-se a dormir / sem cuidar do inferno / onde hão de cair.

O pecado traz / consigo o inferno / e o desagrado / dos teus sempre eterno.

Invoca a Maria / pobre pecador / Ela é Mãe da vida / Mãe do Reden-tor.

A procissão do Enterro, que ocorre após a celebração da Paixão e Morte de

Cristo na Matriz, no final da tarde da “Sexta-feira Santa”, é organizada de modo que

à sua frente venha a Cruz, ladeada por candelabros com velas. Em seguida, apare-

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ce o clero, as associações religiosas e personagens da Via-Sacra, como a Verônica,

o Anjo Cantor e Maria Madalena, os símbolos da Paixão (pregos que encravaram

Cristo na Cruz e a coroa de espinhos por ele usada no trajeto), o esquife com a ima-

gem do Senhor Morto, a imagem de Nossa Senhora da Soledade e o povo em geral.

O referido ato, tem início, por volta das 17h, na Igreja Matriz, onde termina após per-

correr as principais artérias do centro da cidade.

Procissão do Senhor Morto.

Foto: Betinho, 2007.

Personagens (esquerda) e símbolos (direita) da Paixão presentes na Procissão do Enterro.

Fotos: João Paulo Araújo de Carvalho, 2007.

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Ao longo de seu percurso, é possível observar vários atos de penitência e de-

voção, como o pagamento de promessas, pessoas vestidas de preto ou branco, com

os pés descalços, passando por debaixo do esquife ou buscando tocar as imagens

do Cristo Morto e de N. Sra. da Soledade, especialmente na roupa ou nos cabelos, o

mesmo ocorrendo na Matriz após a procissão. Dentre as pessoas que se revezam a

carregar os andores com as respectivas imagens, muitas são promesseiros que o

fazem como pagamento por alguma graça alcançada.

Devotos tocam a imagem do Senhor Morto e de Nossa Senhora da Soledade como uma forma de obter graças.

Fotos: João Paulo Araújo de Carvalho, 2009. Betinho, 2007.

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5.3 O “POVO DE DEUS” EM MARCHA: A PENITÊNCIA COMO INSTRUMENTO

DE CATEQUESE NUM CAMPO PLURAL

No início da década de 1980, o município de Nossa Senhora das Dores, assim

como 85% do Estado de Sergipe, era atingido pela maior seca do século XX, que se

seguiu pelos anos de 1979 a 1983, trazendo à região nordeste fome, miséria e mor-

te.439 Nesta grande calamidade, Dores sofreu os impactos econômicos, vez que a

agropecuária era sua principal fonte de rendas, e sociais, como falta d´água para a

comunidade, mortandade de animais, fome e miséria.

Lagoa Grande em Nossa Senhora das Dores: secou durante a estiagem de 1979-1983.

Foto: Diogo Araújo / Bill Digital, 2005.

A reação do poder público à seca de 1979 veio na realização de frentes de tra-

balho, conhecidas como “magnum”, que empregavam os desvalidos na limpeza de

estradas, fontes d´água que estavam vazias etc. A força da seca foi tamanha que,

439 Neste contexto, um sertanejo que labutava nas frentes de trabalho do Piauí, ganhando por dia um salário que só dava para comprar um quilo de feijão, assim referia-se à sua situação de miséria, semelhante a de muitos nordestinos: “a fome aperta mais ao meio-dia e a gente acha que não vai agüentar. De repente esquece um pouco e vai até o fim do dia sem muito incomodo. Daí, se conseguir dormir, a fome não volta senão no outro dia, e agente só se lembra dela quando começa a desmaiar”. VILLA. Op. Cit. 2001. p. 242.

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em 1983, a Lagoa Grande, o maior reservatória de água do município e um dos mai-

ores da região, com cerca de 1500 m2 de área, secou.440

Máquinas trabalham na escavação da Lagoa Grande, que secou em 1983. A idéia era trans-formá-la numa área de lazer com cerca de 1.500 m² de água.

Foto: Gazeta de Sergipe. Aracaju (SE), 16 de março de 1983.

A referida seca, porém, teve impacto também no campo religioso, especialmen-

te entre os católicos que, em sua maioria, como ocorreu nas grandes calamidades

do século XIX e início do século XX, viam aquela seca como castigo divino. Afinal,

como nos mostrou Eliade no capítulo 1, para o homo religiosus o mundo só existe se

envolto em valores religiosos, se sacralizado, se nele houver a presença dos seres

celestes através das roturas e hierofanias441.

Entendendo, pois, a seca como castigo de Deus gerado pelos pecados do pró-

prio homem, o homo religiosus dorense volta-se à prática da oração e da penitência

440 ANDRADE, Maria Iolanda Araújo de. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Se-nhora das Dores, 11 de janeiro de 2006. OLIVEIRA, Maria Auxiliadora de (Profª Sili). Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 16 de maio de 2006. GAZETA DE SERGIPE. Aracaju (SE), 16 de março de 1983. 441 ELIADE. Op. Cit. 1992.

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como meios de restabelecer a harmonia com o sagrado, dele obtendo misericórdia,

ou seja, o fim da seca e o início do período chuvoso.

Nesse sentido, o então vigário Padre Raimundo Cruz realizou durante este pe-

ríodo missa no interior da seca Lagoa Grande para rogar aos céus pela chuva.442

Por outro lado, em 1983, o último ano daquela estiagem, por iniciativa de um grupo

de leigos liderados por dona Maria Iolanda Araújo, nasceu a Via-Sacra ao Cruzeiro

do Século. O objetivo dessa procissão penitencial, era percorrer um roteiro situado

entre o cruzeiro em frente à Igreja Matriz e o “cruzeiro do século” para pedir miseri-

córdia, ou seja, chuva. Caso a mesma viesse antes da “Sexta-feira da Paixão”, dia

marcado para ocorrer a Via-Sacra citada, os devotos a fariam como forma de agra-

decimento.443

A procissão do Cruzeiro do Século, como ficou conhecida, remetia, pois, ao

habitus que situa a Paixão e Morte de Cristo como um fato redentor da humanidade

e à prática da penitência como instrumento de obtenção de graças, como o perdão

dos pecados. Esta manifestação nasceu pelas mãos de leigos, porém, como ressal-

tou sua fundadora, com o consentimento do clero. De acordo com dona Iolanda, na-

quele ano a Paróquia estava sendo regida pelo padre Carlos Alberto dos Santos,

que junto ao Padre Gilson Garcia e com o auxílio dos padres José Barbosa e José

Emanuel Araújo, substituía o vigário padre Raimundo Cruz, que estava fazendo cur-

sos em Roma. Assim, o padre substituto autorizou, depois de consultado por dona

Maria Iolanda, que se realizasse aquela Via Sacra444.

Neste período, sob influência da perda do monopólio no campo religioso, mas

também do avanço da secularização da sociedade e do pluralismo de visões de

mundo445, a Igreja passou a adotar o posicionamento impresso na Lúmem Gentium

com relação ao papel do leigo no seu interior. Como vimos no item 2.3 do capítulo 2,

o referido documento, impresso no contexto do II Concílio do Vaticano (1962-1965),

442 ANDRADE, Maria Iolanda Araújo de. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Se-nhora das Dores, 11 de janeiro de 2006. OLIVEIRA, Maria Auxiliadora de (Profª Sili). Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 16 de maio de 2006. 443 ANDRADE, Maria Iolanda Araújo de. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Se-nhora das Dores, 11 de janeiro de 2006. 444 Idem. PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. 445 BERGUER. Op. Cit. 1996.

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definiu a Igreja como “povo de Deus”, ou seja, como a união entre clérigos e leigos

que, cada qual com sua função hierárquica, formaria a Igreja, “corpo místico de Cris-

to”446.

Outrossim, na América Latina, o período pós-Vaticano II foi marcado, na Igreja

Católica, pela “opção preferencial pelos pobres” e, por sua vez, por uma atitude me-

nos conflituosa em relação às manifestações religiosas emanadas do catolicismo

colonial e presentes, sobretudo, entre as camadas sociais menos favorecidas.

No campo religioso que estamos estudando, diferentemente do período conhe-

cido como romanização, marcado, como vimos no item anterior, pelo embate entre o

clero e movimentos leigos não submetidos à hierarquia, no pós-Vaticano II a Igreja

aproxima-se destes movimentos. O objetivo desta aproximação era o mesmo que

gerou anteriormente os desencontros entre os agentes envolvidos em tais “lutas de

representações”447, o disciplinamento das manifestações do laicato pelo clero, po-

rém, o método para atingir esse fim passou a ser outro.

Afinal, se observarmos o gráfico abaixo, vamos perceber a queda constante no

percentual de dorenses que têm se declarado católicos nas últimas décadas. No

caminho oposto, um aumento considerável no grupo dos cristãos não-católicos, so-

bretudo entre os anos 1980 e 1990, bem como o crescimento constante, de 1980 até

o último panorama religioso, no percentual dos sem religião.

GRÁFICO 1 – NOSSA SENHORA DAS DORES – FILIAÇÃO RELIGIOSA (1980-2000)

Fonte: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA / SECRETARIA DE PLANEJAMENTO DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Coleção de Monografias Municipais – 446 PAULO VI (Papa). Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja. Roma, 21 de novembro de 1964. Disponível em www.vatican.va acesso em 30/05/2006. 447 CHARTIER. Op. Cit. 2002. p. 17.

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Nossa Senhora das Dores – Sergipe. Nova Série nº 184. Rio de Janeiro: IBGE, 1985. p. 13. CPS/FGV através do processamento dos microdados do Censo Demográfico 2000/IBGE. Disponível em www.fgv.br acessado em 28 de fevereiro de 2008.

Diante desse pluralismo religioso e também de visões de mundo, sob influência

da secularização, a Igreja, no campo local, passa a atuar diante da pluralidade de

habitus existentes entre os que se declaram católicos de forma a não mais rechaçá-

la de modo conflituoso, mas tentando atrair para si aqueles que não se enquadram

no habitus dominante, evitando que as outras empresas de salvação e os modos

secularizados de ver o mundo o façam.

Analisando os Livros Tombo da Paróquia, onde está impressa muitas vezes a

visão do clero sobre a Freguesia e seus fregueses, bem como as atividades por ele

desenvolvidas, podemos perceber algumas estratégias com vias a uma “evangeliza-

ção mais ativa” que atuasse como antídoto contra o “vírus das seitas”, bem como se

deu a aproximação com movimentos leigos, tais quais o Madeiro e os Penitentes.

No fim dos anos 1960, com a saída do Cônego Miguel Monteiro da direção da

Paróquia (1967), a mesma passou a ser curada por uma equipe paroquial, que tinha

jurisdição sobre os municípios de Dores, Siriri, Cumbe, Feira Nova e São Miguel do

Aleixo e era formada pelos padres Antonino Rufollo, Edgar Alves Santos e José Ara-

újo dos Santos, este último como pároco. Em sua posse, o pároco deixa-nos como

“pista” seu objetivo de “dirigir de forma nova a Paróquia (...) segundo as determina-

ções do Concílio Vaticano II”.448 Porém, não nos foi possível verificar as ações em-

preendidas por esta equipe na Freguesia, além da atuação do vigário na direção do

Colégio Cenecista Francisco Porto e da reforma da Igreja Matriz, pela inexistência

de registros no Tombo, à exceção da posse em 1967 e da saída da equipe em 1973.

Em 1974, porém, o Monsenhor Afonso de Medeiros Chaves assumiu o vigaria-

to, apontando a necessidade de se promover uma “evangelização mais ativa”, tendo

em vista o “estado de abandono” ao qual o povo do interior, especialmente pelo ta-

448 PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. p. 50-B.

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manho da Freguesia não permitir assistência religiosa mais frequente, com o agra-

vante de ter o vigário que curar outras cidades.449

No intuito de elaborar um plano para início de trabalho notei, com a-centuado espanto, como foi fecunda e larga a semeadura do joio no coração deste povo dócil e rico de sentimentos religiosos. Conheci esta Paróquia em tempos passados em movimentos religiosos (mis-sões, visitas pastoraes e festas da padroeira) e vi como o povo corria presuroso a fonte divina da graça. Mas, como as coisas mudam! Como a semente do mal germina com tanto vigor mesmo no coração dos bons! É possível esmorecimento? Não! Nos caminhos de Deus, parar é perder terreno. Que precisa é acender a lus ardente da fé e marchar para o campo, arrancar o joio e deitá-lo ao fogo e contem-plar com alegria santa a vitoria de Cristo. Deus sabe a profundeza do mal e sabe quando e como envia o remédio. O fecundo serviço dos bons pastores que por aqui passaram não se apagará jamais. Confio no rico apostolado que santos sacerdotes semearam por estas para-gens. A vitória é certa. Para tão grande luta é necessário também grande remédio e talvez o mais propício seja a evangelização.450

Outrossim, em Visita Pastoral realizada em 1979, no paroquiato do padre Rai-

mundo Cruz (1978-1985), o bispo auxiliar Dom Edvaldo Amaral reitera essa neces-

sidade. Apesar de ressaltar que “o povo de N. Sra. das Dores apresenta-se sobre-

modo acolhedor, generoso, com fortes raízes de tradição cristã e vinculação à hie-

rarquia no respeito e adesão aos seus pastores”, Dom Edvaldo demonstra o incon-

veniente que representa o fato de o vigário ter que se dividir entre os municípios de

Dores, Cumbe, Feira Nova, Divina Pastora, Santa Rosa de Lima e Siriri e ressalta a

necessidade de se promover a catequese nos povoados e ampliá-la na cidade. No

mais, tenta incentivar a realização de trabalho vocacional, especialmente junto ao

grupo de jovens, com vias ao nascimento de novos sacerdotes.451

No campo social, nesse período, a Igreja se insere, na figura do vigário Monse-

nhor Afonso de Medeiros (1974-1978), na inauguração do Hospital “São Francisco

de Assis”, em fins de 1975. Esta casa de saúde, cujas obras haviam começado nos

anos 1950 com o Cônego Miguel Barbosa, foi inaugurada sob a direção do Monse-

nhor Afonso, que trouxe para a Paróquia as Irmãs Claretianas, que ali permanece- 449 PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores,

1913. p. 58-B. 450 Idem. Idem. 451 Idem. p. 63-63-B.

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ram até meados dos anos 1980, com o intuito de auxiliar na condução do hospital e

das obras sociais da Igreja.452 Na ação social católica, houve, ainda, a realização de

campanhas para arrecadação de alimentos e sua doação às famílias pobres, espe-

cialmente nos vigariatos dos padres José Manoel Araújo (1994-1998) e Renato Go-

mes de Lima (1998-2004).453

Quanto à evangelização, a Paróquia viu, a partir dos anos 1980, uma prolifera-

ção no número de capelas católicas situadas nos povoados e regiões periféricas454.

No mais, fomentou-se a realização das festas de Nossa Senhora das Graças (em

Feira Nova), que, segundo o vigário, há muito não se realizava por “inúmeros fatores

de evangelização”, e de São João Evangelista (Cumbe), que, de acordo com o

mesmo, não existia motivação.455

Além do mais, aumentou-se o número de grupos de oração e pastorais, com

vias a uma maior atuação dos leigos na Igreja, sob a supervisão do vigário, atuando

como uma “igreja missionária que sai ao encontro do povo”, pois, como reiterou em

Visita Pastoral no ano de 1998 o atual Arcebispo Dom José Palmeira Lessa, “o povo

sem a devida formação está exposto ao vírus das seitas”456.

É por orientação do referido Arcebispo, por sua vez, que os povoados e suas

capelas filiais passam a ter assistência espiritual mais regular, incentivando-se neles

a catequese, o crisma e a missa dominical, realizando-se a festa do (a) padroeiro (a)

e missa mensal pelo vigário457.

Foi no fim dos anos 1990, por exemplo, que algumas das maiores comunida-

des do subúrbio da cidade ganharam suas capelas: Cruzeiro Velho, com a capela de

Santa Beatriz (1999), e Campo Velho, XV de Novembro, Matadouro, Cruzeiro das

Moças e adjacências, com a capela de São Cristóvão (2001). Esta última, cuja obra

ainda está em fase de conclusão, foi iniciada com o intuito de abrigar o Centro Social

452 PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 2. Paróquia Nossa Senhora das Dores, 1985. p. 004-B – 005-B. 453 Idem. p. 036. 454 Sobre a fundação de capelas filiais à Matriz nos povoados e subúrbios da cidade, ver a CARVALHO. Op. Cit. 2008. p. 74-100. Ver ainda Mapa 3 situado à página 87 desta dissertação. 455 PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. p. 74-B. 456 PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 2. Paróquia Nossa Senhora das Dores, 1985. p. 047-047-B. 457 Idem. Idem.

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e Comunitário da Capela de São Cristóvão, com salas de aula e quadra esportiva

que dêem também instrução e lazer a uma das regiões mais pobres e violentas da

cidade.458 É corrente na cidade, ainda, sua futura elevação ao status de Paróquia.

A maior presença dos vigários nas comunidades católicas que compõem o

campo religioso local, foi possível, por sua vez, pela redução da jurisdição da Paró-

quia, que em 1983 deixou de recair sobre Siriri, Divina Pastora e Santa Rosa de Li-

ma e em 2003 sobre Feira Nova e Cumbe459.

Em relação aos movimentos religiosos que ocorrem na “Sexta-feira Santa”, e

são foco deste trabalho, nos fins dos anos 1960 existiam três deles: Madeiro, Peni-

tentes e Senhor Morto, sendo que o último faz parte da liturgia oficial da Igreja e os

dois primeiros, organizados por leigos, eram considerados “pagãos”. O não reconhe-

cimento destes movimentos como cristãos, portanto, ao invés de discipliná-los, como

era o objetivo, acabou por afastar da Igreja uma boa parte de seus adeptos.

A sociedade se secularizava, o campo religioso ficava cada vez mais plural e a

Igreja perdia fiéis. Assim, esta instituição passou a tentar disciplinar as práticas peni-

tenciais presentes nestas manifestações leigas acolhendo seus praticantes e aben-

çoando sua devoção, envolta numa “mística própria”, concedendo-lhe um capital

simbólico que dá legitimidade à mesma perante Deus e perante a sociedade. Veja-

mos a citação abaixo, longa, porém, necessária pela possibilidade de observar como

o atual vigário vê a aproximação da Igreja de tais movimentos e o papel do leigo no

interior desta instituição.

A presença do leigo na Igreja Católica é um dom de Deus, pois não se entende a Igreja sem a presença dos fiéis, dos leigos. Com o Concílio Vaticano II, o papel do leigo na Igreja ficou mais claro, ou seja, o Concílio procura aproximar o leigo para o seio da Igreja, dan-do-lhe responsabilidades próprias a sua realidade. O leigo é convi-dado a construir o Reino de Deus na sociedade onde habita em co-munhão com os seus pastores que são os padres. Portanto, o leigo na Igreja significa apoio, doação, comunhão e fraternidade.

458 PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 2. Paróquia Nossa Senhora das Dores, 1985. p. 054. 459 Idem. p. 059.

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A Igreja na sua dinâmica de atuação, procura estar na sociedade va-lorizando o que de bom nela existe e procurando através da sua prá-tica, do seu trabalho, ajudar a melhorar o que não é tão bom nela. E claro que é com bons olhos que nós Igreja vemos a presença de tan-tas devoções, pois essas com uma mística própria procuram expres-sar a fé do devoto em Deus. A acolhida que damos as devoções po-pulares em Nossa Senhora das Dores, nasce de um conhecimento profundo de tais manifestações e principalmente da responsabilidade que a liderança e muitos membros dessas manifestações assumem ao estar praticando a sua devoção.

O grupo do Madeiro e dos Penitentes tem a sua maneira própria de expressar a sua prática penitencial e a sua crença em Deus. Como já disse acima, a Igreja acolhe tais manifestações. O ato de receber a benção sacerdotal na Igreja durante a peregrinação tem um signifi-cado muito especial. Para a Igreja é a confirmação de que ela acolhe com carinho aqueles que fazem parte desses grupos e para os adep-tos é a certeza de que a sua penitência será aceita por Deus, pois muitos só se realizam quando recebem a benção do sacerdote.

Neste contexto, a Igreja fomentou a realização de Vias-Sacras às quartas e

sextas-feiras da Quaresma, desde pelo menos os anos 1970, mas, sobretudo, na

década de 1990 e nos anos 2000. Numa delas, de 1973, o Monsenhor Eraldo Bar-

bosa, vigário de Capela e vigário ecônomo de N. Sra. das Dores, registrou no seu

percurso a presença de um fiel penitente que carregava “uma grande cruz de madei-

ra ao ombro”, a exemplo dos tradicionais grupos que existiam na Paróquia e outrora

eram combatidos pelo clero, que os considerava “pagãos”:

Durante a Quaresma, às quartas e sextas-feiras, os fiéis se congre-gavam na Igreja Matriz, para rezar a Via-Sacra, meditando sobre a Paixão do Senhor. Em consonância com o pensamento da Campa-nha da Fraternidade deste ano de 1973, rezamos a Via-Sacra da Li-bertação. Na última sexta-feira, anterior ao Domingo de Ramos, sa-indo a multidão do povo de Deus da rua João Ventura, com os pés descalços num gesto de penitência e despojamento, levando cada um sua vela acesa, após terem-se apagado todas as luzes da cida-de. A frente da multidão, sedenta das coisas que são de Deus, um homem conhecido por Sr. Dadá, carregado de fé e piedade, carrega-va uma grande Cruz de madeira ao ombro para relembrar o sofri-mento de Jesus até o Calvário.

(...)

Todo o dia da Sexta-feira Santa foi envolto no silêncio da Paixão e Morte do Senhor. As 19h 30 min começavam as solenidades litúrgi-cas prescritas pela Igreja para aquele dia, seguindo-se a Procissão

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do Senhor Morto pelas artérias principais de Dôres. (...) Tudo estava terminando com o beijo das imagens quando um grupo de penitentes passou em frente a Igreja e fêz as suas orações perto da meia noi-te.460

O fato de os Penitentes fazerem suas orações em frente à Matriz permaneceu

até 1979, quando o vigário padre Raimundo Cruz passou a permitir sua entrada no

templo, onde os dois últimos vigários, padre Renato Gomes e padre José Dácio San-

tos, passaram a se fazer presentes ou a enviar um auxiliar (seminarista ou diácono)

e, ao final da oração dos mesmos, dar-lhes a bênção.461

Penitentes fazem suas orações no interior da Igreja Matriz.

Foto: fotógrafo desconhecido, início dos anos 1980. Digitalizado a partir do Acervo de Maria Auxiliadora de Oliveira para o Acervo Digital do Projeto Memórias.

No Livro de Registro dos Penitentes, escrito em 1980, portanto, na sequência à

abertura da Igreja para suas orações, está impresso esse momento:

460 PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 2. Paróquia Nossa Senhora das Dores, 1985. p. 053. 461 ASSOCIAÇÃO DOS PENITENTES DE N. SRA. DAS DORES. Livro de Registro dos Penitentes. Nossa Senhora das Dores, 1980, manuscrito. p. 5. PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 2. Paróquia Nossa Senhora das Dores, 1985. p. 055 e seguintes.

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Hoje não há mais oposição ao nosso movimento penitencial, nosso vigário atual, o Pe. Raimundo Cruz, foi mais sensível ao movimento, dando inclusive o apoio que a Igreja outrora negara por intermédio do Co Miguel.

Queremos aqui registrar nosso agradecimento ao Pe. Raimundo Cruz (nosso irmão penitente participante) que após uma pesquisa pessoal, verificou que de fato nosso movimento não é em vão, e a partir de então, abriu-nos as portas da nossa Igreja Matriz onde re-zamos como penitência nossa última estação de cada caminhada. Registre-se que anteriormente ao ano de 1979, a última estação era rezada em frente a Igreja Matriz, a partir de então, graças ao apoio do nosso Pe. Raimundo Cruz, a igreja fica de portas abertas a espe-ra de seus filhos penitentes após mais uma longa jornada; espera-mos que assim continue.462

Quanto ao Madeiro, sua entrada no templo passa a ocorrer somente nos anos

1990, sendo que o mesmo também recebe a bênção sacerdotal. No que se refere a

esta procissão, e sua recente relação com a Igreja, há uma particularidade: seus

adeptos entram na Igreja Matriz, atualmente, enquanto se celebra a Paixão e Morte

de Cristo. A celebração litúrgica é, então, interrompida para que os devotos do Ma-

deiro rezem sua estação no interior do templo e, após, sejam abençoados pelo vigá-

rio. Após a saída do Madeiro da Matriz é que começa a Procissão do Senhor Morto,

anteriormente utilizada no campo religioso local como um bem de salvação concor-

rente ao Madeiro.

Ao abençoar a penitência feita pelos participantes das procissões do Madeiro e

dos Penitentes, a Igreja dá legitimidade a tais atos, reconhecendo-os enquanto cris-

tãos e, assim, conferindo-lhes um capital simbólico importante nas relações que a

mesma mantém no campo religioso. Por outro lado, a instituição também ganha a

possibilidade de disciplinar algumas práticas realizadas pelos mesmos durante sua

peregrinação e, principalmente, enquanto estiverem no espaço da Matriz.

Exemplo desse disciplinamento, é a inserção, a partir dos anos 1980, da leitura

dos “passos” da Via-Crúcis nas estações dos Penitentes, cujo número de paradas

teve que ser acrescido para se chegar às 15463, aumentando, assim, o tempo de rea-

lização da procissão, que até então não passava da meia noite da “Sexta-feira San-

462 ASSOCIAÇÃO DOS PENITENTES DE N. SRA. DAS DORES. Livro de Registro dos Penitentes. Nossa Senhora das Dores, 1980, manuscrito. p. 5. 463 Idem. p. 4.

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ta” e hoje chega às 3 horas da manhã do sábado. Outro exemplo, que será discutido

mais adiante, é a introdução da adoração ao “Santíssimo Sacramento” como mo-

mento de preparação para a Via-Sacra ao Cruzeiro do Século.

Devotos do Madeiro (acima) e Penitentes (abaixo) recebem a benção sacerdotal na Matriz.

Fotos: João Paulo Araújo de Carvalho, 2006.

Foi no paroquiato do padre que deu início à integração dos movimentos peni-

tenciais da “Sexta-feira Santa” que nasceu a Via-Sacra ao Cruzeiro do Século, que a

partir da administração espiritual dos dois últimos vigários tem se tornado uma das

maiores expressões de devoção da Freguesia.

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Outrossim, neste período, tais movimentos passaram a ser divulgados na mídia

escrita e falada, tornando-se também elementos de atração de turistas que se diri-

gem a Nossa Senhora das Dores para conhecê-los ou acompanhá-los, o que tem

contribuído, dentre outros fatores, para o aumento na quantidade de participantes

destes movimentos. Nesse sentido, desde 2007, se imprime cartaz de divulgação da

“Semana Santa em N. Sra. das Dores”, que traz a programação religiosa da Paró-

quia para o período e inclui as procissões organizadas pelos leigos.

Cartaz de divulgação da Semana Santa de 2008 em N. Sra. das Dores.

Fonte: Acervo do Projeto Memórias.

A seguir, analisamos a procissão do Cruzeiro do Século.

5.3.1 A PROCISSÃO DO CRUZEIRO DO SÉCULO

A Procissão ou Via-Sacra ao Cruzeiro do Século nasceu na cidade de Nossa

Senhora das Dores (SE), como foi visto, num contexto de calamidade, marcado pela

grande seca que, entre os anos 1979 e 1983, assolou a região. Este movimento, que

ocorre na manhã da “Sexta-feira Santa”, lembra os “passos” de Cristo rumo ao Cal-

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vário, remetendo à prática da penitência como meio de obtenção de graças. Naquele

momento, rezava-se e penitenciava-se como forma de rogar a Deus pela vinda de

chuvas e, por sua vez, pelo fim da fome e da miséria que vitimava a região.

Assim, durante a Quaresma daquele que seria o último ano da grande seca,

uma das maiores do século XX, um grupo de senhoras católicas, por sugestão de

dona Maria Iolanda Araújo de Andrade, decidiu realizar uma Via-Sacra na “Sexta-

feira da Paixão”, como penitência, para pedir chuva ou, caso a mesma viesse antes,

agradecê-la. A procissão teria, pois, início no cruzeiro em frente à Igreja Matriz e

término no cruzeiro que se tornou símbolo da mesma e lhe dá nome.

Serra do Cruzeiro do Século.

Foto: João Paulo Araújo de Carvalho, 2006.

A devoção de dona Iolanda, e de muitos dorenses, ao cruzeiro do século, po-

rém, é bem mais antiga. Como mostramos anteriormente neste capítulo, segundo a

tradição oral464, o referido cruzeiro foi erigido por missionários católicos na virada do

século XIX para o XX, daí vindo o nome do mesmo, construído no alto de uma serra,

464 ANDRADE, Maria Iolanda Araújo de. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Se-nhora das Dores, 11 de janeiro de 2006. FIGUEIREDO, Roberto Pereira de. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 15 de junho de 2004. VIEIRA, José Garcia. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 02 de abril de 2006.

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à semelhança do Calvário onde Cristo foi crucificado. No imaginário da época, este

cruzeiro atuaria como um amuleto, a proteger os dorenses, no novo século, dos ma-

les que afligiram a região no período anterior.

Espaço de devoção freqüentado pela família de “Seu” José Garcia Vieira465, 86

anos, desde que o mesmo tinha 12 anos de idade, o Cruzeiro do Século logo tornou-

se local de pagamento de promessas, bem antes do nascimento da procissão ora

analisada.

À esquerda, ex-voto resultante de pagamento de promessa depositado aos pés do Cruzeiro do Século (à direita).

Foto: Diogo Araújo / Bill Digital, 2005. João Paulo Araújo de Carvalho, 2009.

Relembrando uma graça pedida pelo seu pai e paga com orações e foguetório

no cruzeiro citado, dona Iolanda Araújo mostrou-nos em entrevista que no período

da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), um de seus irmãos, Armando Araújo, as-

sim como muitos conterrâneos, foi convocado a compor as tropas brasileiras que

iriam ao front. Diante disso, seu pai fez a referida promessa, resultando, segunda

ela, na dispensa do mesmo.466

465 VIEIRA, José Garcia. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 02 de abril de 2006. 466 ANDRADE, Maria Iolanda Araújo de. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Se-nhora das Dores, 11 de janeiro de 2006.

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Com a criação da procissão, porém, aquele local se tornou cada vez mais pon-

to de atração de devotos e pagamento de promessas. É o caso de uma jovem, de

aproximadamente 30 anos, que encontramos ao longo do percurso desta via-sacra

num dos anos que a acompanhamos para esta pesquisa. Com os pés descalços e

vestindo preto, ela nos disse que estava cumprindo um dos 8 anos de penitência,

conforme havia prometido ao santo de devoção, por conta do êxito que obteve numa

cirurgia.467

No que se refere à relação existente, no imaginário local, entre aquele espaço

e a obtenção, ali, de benefícios espirituais e materiais, como a cura de determinada

doença, é muito comum encontrar, na chegada da procissão ao “cruzeiro do século”,

pessoas procurando galhos de alecrim. A referida planta, costumeiramente utilizada

na medicina popular, ganha, no imaginário do devoto, uma eficácia curativa ainda

maior pela sacralidade do local onde é encontrada. Afinal, como nos mostrou Eliade

a cerca da sacralização dos espaços, “Todo espaço sagrado implica uma hierofania,

uma irrupção do sagrado que tem como resultado destacar um território do meio

cósmico que o envolve e o torna qualitativamente diferente”.468

Devotos com galhos de alecrim recolhidos nos arredores do Cruzeiro do Século

Fotos: João Paulo Araújo de Carvalho, 2007.

467 PROMESSEIRA 3. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 14 de abril de 2006. 468 EILADE. Op. Cit. 1992. p. 30.

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Local de orações para cristãos católicos e não-católicos, o “Cruzeiro do Século”

simboliza o sacrifício de Cristo, para os fiéis visto como o filho de Deus que foi marti-

rizado e crucificado para perdoar os pecados do homem. No percurso rumo a este

local sagrado, portanto, os penitentes e promesseiros buscam repetir a Via-Crúcis de

Jesus, sentir suas dores e alcançar, com isso, benefícios como o perdão dos peca-

dos e a salvação da alma, como pode ser visto no refrão e num dos versos de um

dos cantos entoados pelos devotos no itinerário desta procissão:

Perdão meu Jesus / perdão Deus de amor

Perdão Deus clemente / perdoai Senhor!

Eis-me aos vossos pés / grande pecador

meus enormes crimes / perdoai Senhor!

Destaquemos, ainda, que a Via-Sacra ao Cruzeiro do Século nasceu pelas

mãos de leigos, porém, inicialmente com o consentimento, mas sem a participação

direta do clero na organização e realização da mesma. Nos últimos anos, e especi-

almente nos vigariatos dos padres Renato Gomes de Lima (1998-2004) e José Dá-

cio dos Santos (2004 - ), os párocos têm atuado ao lado do laicato na condução des-

te movimento. Nesse sentido, aproximam-se das expressões mais tradicionais de

devoção dos fiéis, como a prática da promessa, da penitência etc e, desse modo,

disciplinando-as através da inserção de reflexões feitas ao longo do percurso e que

partem da própria história do movimento, do tema da Campanha da Fraternidade, da

Paixão e Morte de Cristo, dentre outras.

Afinal, dentre os atos religiosos que ocorrem na Paróquia, a procissão do Cru-

zeiro do Século é o que mais tem crescido, em termos de número de pessoas, nos

últimos cinco anos. Inserindo-se na mesma, a Igreja tem, pois, a oportunidade de

evangelizar e trazer para as atividades paroquiais que ocorrem ao longo do ano, so-

bretudo, os “católicos não-praticantes”, ou seja, parcela considerável dos 85,01%

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dos dorenses que se declaram católicos469, mas que raramente frequentam os cultos

e outras atividades realizadas pela Igreja. Exemplo do uso desta procissão como

momento de evangelização e atração dos fiéis pode ser observado na fala de dona

Maria Aparecida Mota Bomfim, professora que há 5 anos participa da Via-Sacra ao

Cruzeiro do Século: “antigamente eu participava, assim, da Igreja, mais por uma tra-

dição de família. E hoje não. Hoje é de convicção, que Deus é muito importante na

nossa vida”470.

Uma multidão de fiéis aglomera-se na procissão ao “Cruzeiro do Século”, uma das maiores manifestações de devoção entre os católicos dorenses.

Foto: João Paulo Araújo de Carvalho, 2008.

Assim, a presença da Igreja nesta manifestação religiosa é destacada pelo a-

tual vigário, para quem a mesma não deve ser entendida fora das atividades do ca-

lendário da Paróquia para a “Semana Santa”, como um dos fatores que motivaram o

crescimento no número de participantes nos últimos anos.

469 FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Retratos das Religiões no Brasil. CPS/FGV através do processamento dos microdados do Censo Demográfico 2000/IBGE. Disponível em www.fgv.br acessado em 28 de fevereiro de 2008. 470 BOMFIM, Maria Aparecida Mota. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 14 de abril de 2006.

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A Via-Sacra ao Cruzeiro do Século a cada ano que passa vem atra-indo a atenção e a presença de muitos fiéis. Alguns fatores nos aju-dam a compreender tal fato, diria que: a presença da Igreja Católica na figura do sacerdote, ou seja, o padre está com o povo, e por isso se tem uma confiança maior na oração que é rezada. Depois, o horá-rio é muito agradável, saímos as 4 horas e chegamos por volta das 7 e meia na última estação. O dia que é rezada a Via-Sacra, a Sexta-feira Santa, um dia muito significativo, próprio para a oração; a pró-pria história do nascimento desta Via-Sacra; a organização da Via-Sacra, os homens que carregam as 15 cruzes, as pessoas que auxi-liam o sacerdote na meditação das estações, as pessoas que auxili-am nos cânticos, e por fim, creio que é essa confiança de que com essa penitência, Deus haverá de perdoar todos os pecados.471

Ao relacionar a presença da Igreja, na figura do sacerdote, a uma maior confi-

ança na oração por parte do povo, o vigário aproxima-se daquilo que Bourdieu mos-

trou-nos ao analisar o exercício da autoridade no campo religioso, pois, para ele,

este exercício “depende da eficácia simbólica dos ‘bens’ e serviços ofertados no

‘mercado’, ou seja, da sua capacidade em satisfazer os interesses religiosos dos

consumidores. Dessa eficácia, depende a posição que determinado agente ocupa

no campo”472. A presença da Igreja ali, portanto, confere, na opinião do sacerdote,

uma eficácia maior à penitência realizada.

Outrossim, o vigário relaciona a existência de tantas expressões de devoção na

Paróquia por ele curada, durante a Quaresma e especialmente na “Sexta-feira da

Paixão”, à vivência diária do fiel, aos seus sofrimentos cotidianos que o fazem identi-

ficar-se com o Cristo sofredor da Via-Crúcis. Afinal, como afirmou,

O nosso povo católico é um povo que se identifica muito com o Cristo Crucificado. Este fenômeno pode ser entendido quando olhamos pa-ra o sofrimento de Cristo no ato da Via-Crúcis e na crucificação, e ao mesmo tempo, lançamos o olhar para a Via-Crúcis diária do devoto: falta de assistência médica, desemprego, falta de moradia, falta de dignidade de vida... Como na Quaresma e na Sexta-feira Santa a li-turgia católica convida o fiel a reverenciar de uma forma mais próxi-ma e maior a Via-Dolorosa de Jesus Cristo, eis uma explicação con-

471 SANTOS, Padre José Dácio dos. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 23 de janeiro de 2009. 472 BOURDIEU. Op. Cit. 1998. p. 58.

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vincente para as tantas manifestações de devoções que assistimos em Nossa Senhora das Dores.473

Por outro lado, além de reforçar o aspecto redentor da Paixão e Morte de Cris-

to, a Igreja tem buscado também, nos últimos anos, reavivar na mentalidade dos

devotos a representação do Cristo Vivo, ressuscitado dos mortos, “mostrando que o

Cristo Crucificado é o Cristo que venceu todas as dores, venceu a morte, e que, por-

tanto, os males da vida também serão vencidos”474. Reforçando esta preocupação

da Igreja, o Cardeal-Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro, Dom Eu-

gênio Sales, afirma ter sido a morte de Cristo uma derrota passageira cujo sentido

foi a remissão do pecado475 e que

o tempo quaresmal uma oportunidade para fortalecer a catequese e evangelização. Os dias da Quaresma e a Semana Santa que inclui o Tíduo Pascal são de extraordinária riqueza espiritual e nos preparam, individual e comunitariamente, para alcançar os frutos da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor Jesus. (....) A Quaresma nos convi-da a um aperfeiçoamento espiritual para receber com maior abun-dância a graça que brota de Cristo Ressuscitado.476

Assim, a procissão ao Cruzeiro do Século, momento de aglomeração de fiéis

em busca de hierofanias, de roturas que possibilitem o contato com os seres celesti-

ais, e, portanto, em sua maioria, predispostos a ouvir a mensagem do sacerdote, é

utilizada como um momento ímpar de evangelização, de catequese.

Além de mostrar aos fiéis que acima do Deus Morto da “Sexta-feira da Paixão”

existe o Deus Vivo do “Sábado de Aleluia”, ressuscitado, o clero busca, ainda, na-

quele momento, reforçar o culto ao “Santíssimo Sacramento”. Nesse sentido, como

uma preparação para a Via-Sacra da “Sexta-feira Santa”, ocorre, no salão paroquial

em frente à Igreja Matriz, a adoração ao “Santíssimo”, que é conduzido ao mesmo

473 SANTOS, Padre José Dácio dos. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores, 23 de janeiro de 2009. 474 Idem. 475 SALES, Eugenio (Dom). A vitória sobre o túmulo. In: O Globo. Rio de Janeiro (RJ), 15 de abril de 2006. Opi-nião, p. 7. 476 SALES, Eugenio (Dom). A graça da Quaresma e da Páscoa. In: Jornal do Brasil. Rio de Janeiro (RJ), 12 de fevereiro de 2005.. Outras opiniões. p. 11.

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em procissão ainda na noite da “Quinta-feira Santa”, após a celebração da institui-

ção da Eucaristia e do Lava-Pés, ficando durante a madrugada da sexta em exposi-

ção, visitação e adoração.

Durante a adoração, que remete ao sacramento da comunhão e à necessidade

de frequência às missas, onde este sacramento pode ser consumado, os grupos de

oração da Paróquia se revezam a cada hora. Das 3 às 4 horas da “Sexta-feira San-

ta”, as orações são conduzidas pelo grupo “Jesus Vivo”, liderado por dona Iolanda e

que organiza, a partir das 4 horas, a procissão ao Cruzeiro do Século. Esta Via-

Sacra, se encerra entre as 7 horas e 30 minutos e as 8 horas daquela sexta-feira.

Fiéis em adoração ao “Santíssimo Sacramento” antes da Procissão ao “Cruzeiro do Século”.

Foto: João Paulo Araújo de Carvalho, 2007.

Da Via-Sacra ao Cruzeiro do Século, participam homens e mulheres de todas

as idades, não existindo indumentária padrão nem qualquer outra exigência, à exce-

ção de alguns homens que, vestidos de roxo, aguardam nas “estações” com cruzes

que seguem à frente da multidão de fiéis. Ao longo do roteiro sagrado, que vai do

cruzeiro em frente à Igreja Matriz ao cruzeiro que dá nome à procissão, muitas pes-

soas carregam velas acesas ou as ascendem nas “estações”, em número de 15 e

que remetem aos “passos” de Cristo em sua Via-Dolorosa (ver anexo 2).

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O local destas paradas para oração é móvel, variando de um ano para o outro,

exceto a primeira e a última estação. A escolha das mesmas é feita pela organizado-

ra do movimento, dona Iolanda, e é motivada, segundo ela, pela necessidade de

oração identificada pela mesma em determinado ponto, geralmente residência.477

Há, também, santas-cruzes neste roteiro sagrado.

Homens de roxo com suas cruzes aguardam nas estações (acima) e conduzem a multidão de fiéis em procissão (abaixo).

Fotos: João Paulo Araújo de Carvalho, 2006 e 2008.

477 ANDRADE, Maria Iolanda Araújo de. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Se-nhora das Dores, 11 de janeiro de 2006.

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Nas “estações”, reza-se o “passo” correspondente, de acordo com livro da

Campanha da Fraternidade daquele ano, o qual parte da fase da Via-Sacra consa-

grada pela tradição para uma reflexão sobre tema atual que foi escolhido pela CNBB

para aquele ano. Logo após, vem a oração ao “Senhor Deus” e o pedido de um Pai-

Nosso e uma Ave-Maria em prol das “almas dos fiéis defuntos”.

MAPA 6 – Roteiro da Procissão do Cruzeiro do Século.

Elaboração: João Paulo Araújo de Carvalho com base em pesquisa de campo.

Na última estação, o “cruzeiro do século”, local onde se vê o maior número de

atos de devoção, como o depósito de velas aos pés deste cruzeiro e a subida, ín-

greme e cheia de pedras, que muitos fazem com os pés descalços, além de ser re-

zado o 15º passo, ocorre a leitura do Evangelho do dia, homilia do sacerdote, oração

proferida por dona Maria Iolanda e o canto da piedosa “Ladainha da Paixão”.

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Devotos em procissão sobem a serra do Cruzeiro do Século.

Foto: João Paulo Araújo de Carvalho, 2006.

No Cruzeiro do Século, reza-se a última estação da Via-Sacra.

Foto: João Paulo Araújo de Carvalho, 2006.

Através da referida ladainha (anexo 7), cujo trecho vem a seguir, o devoto exal-

ta a Paixão e Morte de Cristo como um ato redentor, pedindo-lhe um “coração contri-

to” e piedade de seus pecados.

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Ó Deus Pai e Criador / tende compaixão de nós

Ó Deus Filho, Redentor / tende compaixão de nós

Espírito Santo Deus de Amor / tende compaixão de nós

Oh! Jesus, Oh! Jesus

Tantas Dores padecestes / por amor de nós sofrestes

Piedade Senhor / Piedade Senhor

Dai-nos Jesus Aflito / um coração contrito

Oh! Jesus, Oh! Jesus

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em Uma Cruz para os Enforcados, analisamos práticas e representações que

emergiram no campo religioso de Nossa Senhora das Dores (SE) a partir do século

XIX. Estes ritos e crenças católicos, foram apreendidos por meio do estudo de pro-

cissões penitenciais que nasceram ali e ocorrem, anualmente, na “Sexta-feira San-

ta”, reatualizando a Via-Crúcis de Cristo que, nesse imaginário, foi morto na cruz

naquele dia para o perdão dos pecados dos homens e a salvação de suas almas.

Estudamos, pois, dentre outras manifestações inseridas neste contexto, as

procissões do Madeiro, dos Penitentes, do Senhor Morto e do Cruzeiro do Século.

Mostramos a pluralidade de práticas devocionais nelas presentes, fruto da diversida-

de de modos pelos quais os fiéis se apropriaram das representações transmitidas ao

longo dos séculos, principalmente, pela Igreja Católica, seja através do clero regular

ou do secular. Outrossim, estas práticas e representações atuaram nas lutas simbó-

licas pela construção de um habitus religioso local, que incluiu encontros e desen-

contros entre o capital cultural presente no campo e, portanto, uma circularidade en-

tre eles.

Vimos, então, emergirem, entre epidemias, secas e missões que tiveram lugar

no final do século XIX e início do século XX, as procissões dos Penitentes e do Ma-

deiro, centradas na prática da penitência como meio de obtenção da salvação da

alma e fruto de experiências individuais tornadas plausíveis num universo coletivo

marcado pela presença da morte trágica, bem como do sentimento de solidariedade

com os mortos e continuidade entre “essa vida” e a “vida pós-morte”.

As referidas procissões, vinculam-se, pois, ao que chamamos de catolicismo

colonial, impregnado de representações que fazem o homem santificar o mundo e

sua existência nele e entender que os seres celestiais são o princípio, o meio e o fim

de todas as coisas, ou seja, que a vida humana é fruto da relação que se mantém

com eles. As procissões penitenciais são, nesse universo mental, por exemplo, um

instrumento em prol de benefícios de ordem espiritual e material concedidos por

Deus aos homens.

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Por outro lado, a penitência também foi objeto de disputa no campo religioso

dorense, uma vez que, por volta de meados do século XX, tentando disciplinar as

práticas tradicionais e exercer o monopólio da produção e da gestão dos bens e ser-

viços religiosos naquele espaço, o clero lançou mão da violência simbólica contra

tais atos, utilizando-se do discurso de que se tratavam de movimentos “pagãos”,

bem como da criação da procissão do Senhor Morto como um produto a ser ofertado

no mercado de bens simbólicos, em concorrência com o Madeiro e os Penitentes.

Com o intuito de romanizar o catolicismo, o clero buscou substituir o habitus co-

lonial pelo tridentino, fundado no respeito à hierarquia e nos sacramentos, criando

para tal novas associações religiosas e incentivando devoções, como a do “Santís-

simo Sacramento”.

Nas últimas décadas do século XX e neste início do século XXI, porém, a Igreja

Católica viu-se imersa num campo marcado pelo pluralismo e pela constante secula-

rização, o que tem gerado um contexto permeado por múltiplas formas de ver o

mundo, amparadas na religião ou não, e pela coexistência nele de inúmeras empre-

sas de salvação a ofertar seus produtos. Nesse campo religioso plural, esta institui-

ção, com o mesmo intuito de disciplinar, mas temendo a perda de fiéis, aproxima-se

das práticas tradicionais do catolicismo colonial e, utilizando-se de sua inserção em

meio a elementos como o Madeiro, os Penitentes e o Cruzeiro do Século (procissão

criada no início dos anos 1980 em meio a um imaginário impregnado de práticas

coloniais), para difundir a doutrina da Igreja e, assim, catequisar/reformar o habitus

de seus participantes, ressaltando, por exemplo, a importância da Ressurreição em

detrimento da Paixão e Morte de Cristo.

Fundada no princípio de que a Igreja é o “povo de Deus”, ou seja, é formada

pela união entre leigos e pastores, mediada por estes, temos observado nos últimos

anos uma tentativa de unificar as procissões que foram objeto deste estudo numa só

programação, sob os auspícios do clero. Porém, pelo que mostramos aqui, apesar

da circularidade existente entre tais atos, é possível observar neles e entre eles uma

pluralidade de práticas e representações que nos permitem perceber temporalidades

múltiplas num mesmo espaço, isto é, podemos observar devotos rezando, como há

100 anos atrás, nos cruzeiros, cemitérios e santas-cruzes em sufrágio dos mortos ou

pedindo-lhes que intercedam junto aos seres celestes. Do mesmo modo, ritos e

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crenças centrados no poder redentor do Cristo Morto da “sexta-feira da Paixão” ou

as que vêem a “derrota” do Crucificado como algo momentâneo, uma vez que está

no Cristo Vivo, ressuscitado na Páscoa, a “veracidade de toda doutrina”.

Assim, a partir da discussão empreendida aqui, buscamos dar nossa contribui-

ção ao entendimento de tão instigante tema, não só pela singularidade do nosso ob-

jeto mas, sobretudo, pela possibilidade de apontarmos alguns elementos para a

compreensão do habitus do homo religiosus da outrora Enforcados, e das lutas em-

preendidas na sua constituição, bem como da dinamicidade da cultura, visualizada

através da circularidade entre seus diversos estratos e das mudanças e permanên-

cias percebidas no seu processo histórico.

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GOMES, Fernando (Dom). O valor do sacerdote. A Cruzada. Aracaju (SE), 23 de abril de 1950.

HISTÓRIA VIVA. Grandes temas: entre o céu e o inferno. Edição especial temática nº 25. São Paulo: Duetto Editorial, sem data.

JORNAL DA CIDADE. Aracaju (SE), 13 e 14 de abril de 2001.

JORNAL DA CIDADE. Aracaju (SE), 12 e 13 de outubro de 2003. Caderno Cidades. p. B-2.

MEMÓRIAS DORENSES: informativo cultural do Projeto Memórias de Nossa Senhora das Dores. Nossa Senhora das Dores (SE), ano 1, no 1, outubro de 2005.

MEMÓRIAS DORENSES: informativo cultural do Projeto Memórias de Nossa Senhora das Dores. Nossa Senhora das Dores (SE), ano 2, no 2, outubro de 2006.

MEMÓRIAS DORENSES: informativo cultural da Associação de Incentivo à Pesquisa e à Cultura “Nossa Senhora das Dores dos Enforcados”. Nossa Senhora das Dores (SE), ano 3, no 3, outubro de 2007.

MEMÓRIAS DORENSES: informativo cultural da Associação de Incentivo à Pesquisa e à Cultura “Nossa Senhora das Dores dos Enforcados”. Nossa Senhora das Dores (SE), ano 4, no 4, outubro de 2008.

O ESTADO DE SERGIPE. Aracaju (SE), 17 de julho de 1934.

O ESTADO DE SERGIPE. Aracaju (SE), 07 de outubro de 1934.

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, RJ, v.2, n.3, p.3-15, 1989.

_____. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 200-212.

SALES, Eugenio (Dom). A graça da Quaresma e da Páscoa. Jornal do Brasil. Rio de Ja-neiro (RJ), 12 de fevereiro de 2005. Outras opiniões. p. 11.

_____. A vitória sobre o túmulo. O Globo. Rio de Janeiro (RJ), 15 de abril de 2006. Opinião, p. 7.

SANT´ANA (Mons.). Dignos frutos da penitência. A Cruzada. Aracaju (SE), 25 de fevereiro de 1951.

TEIXEIRA, Faustino. Faces do catolicismo brasileiro contemporâneo. Revista USP. n. 67 (setembro / outubro / novembro 2005). São Paulo, 2005. p. 14-23.

TUCHMAN, Bárbara. A peste devasta a Europa. Tradução Alexandre Massella. Revista História Viva. Ano 1, nº 8, junho de 2004.

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5. MANUSCRITOS

ARQUIVO DA CÚRIA METROPOLITANA DE SALVADOR / LABORATÓRIO REITOR EU-GÊNIO VEIGA (LEV) / UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SALVADOR (UCSAL). Livro de Concursos no 2 (1851 a 1861) e Cartas entre Párocos e Arcebispos (décadas de 1870 a 1890).

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE (APES). Coleção “Sebrão Sobrinho”, vo-lumes 25, 26, 27, 28 e 29; Fundo Ag4 – Clero, volumes 10 a 13, 15 a 30, 33 e 36. Coleção Câmara Municipal, volume CM3-69.

ASSOCIAÇÃO DOS PENITENTES DE N. SRA. DAS DORES. Livro de Registro dos Peni-tentes. Nossa Senhora das Dores, 1980, manuscrito.

BIOGRAFIA do Cônego Miguel Monteiro Barbosa. Fornecida por Maria Garcia Vieira. Manuscrito, inédito, sem data.

CARTAS do Cônego Miguel Miguel Monteiro Barbosa ao Prefeito Municipal de Nossa Senhora das Dores. 06/10/1951 e 15/10/1952 (não catalogados). Acervo do Arquivo Muni-cipal de Nossa Senhora das Dores.

CARTÓRIO DO 2º OFÍCIO DA COMARCA DE NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro de Registro de Óbitos nº 9.

CARTÓRIO DO 2º OFÍCIO DA COMARCA DE NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro de Óbitos nº 12.

DIOCESE DE ARACAJU/CÚRIA DIOCESANA. Livro Tombo no 1. Aracaju, 3 de junho de 1949.

_____. Livro Tombo no 2. Aracaju, 10 de junho de 1953.

FREGUESIA DE SIRIRI. Livro de Assentamentos de Batisados. Siriri, 1854 – 1875.

OFÍCIO do Arcypreste José Suterio de ? ao Presidente da Província Manoel do Nasci-mento Galvão. Campos Verdes, 14 de junho de 1873. Acervo do APES, fundo AG4 – Clero, caixa 24, documento 089.

OFÍCIO do Vigário José Leandro de Oliveira ao Presidente da Província. Nossa Senho-ra das Dores, 14 de junho de 1873. Acervo do APES, fundo AG4 – Clero, caixa 24, docu-mento 088.

PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro de Registros de Batismo no 2. Fre-guesia de Nossa Senhora das Dores, 1864 a 1878.

_____. Livro de Registros de Casamentos no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1858 a 1891.

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_____. Livro de Registros de Óbitos no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1858 a 1893.

_____. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913.

_____. Livro Tombo no 2. Paróquia Nossa Senhora das Dores, 1985.

6. DOCUMENTOS E MENSAGENS ELETRÔNICOS

CARDOSO, Manuel. E-mail em forma de carta... [mensagem pessoal]. Mensagem recebi-da por <[email protected]> em 17 fev. 2008, 09:24.

_____. É tempo de mangas, cajus e jacas. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por <[email protected]> em 08 mar. 2009, 11:16.

_____. Generosidade. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por <[email protected]> em 27 jan. 2009, 03:52.

_____. Sequência. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por <[email protected]> em 28 jan. 2009 17:29.

_____. Notícias de sábado. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por <[email protected]> em 07 mar. 2009, 17:36.

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Retratos das Religiões no Brasil. CPS/FGV através do processamento dos microdados do Censo Demográfico 2000/IBGE. Disponível em www.fgv.br acessado em 28 de fevereiro de 2008.

MAGISTER, Sandro – www.chiesa. Bento XVI reinterpreta o Concílio Vaticano II. MON-FORT Associação Cultural. Disponível em <www.monfort.org.br/index.php?secao=imprensa&subsecao=ultimas&artigo=20051205&lang=bra> Acesso em: 30 mai. 2006, 20:39.

PAULO VI (Papa). Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja. Roma, 21 de novembro de 1964. Disponível em < www.vatican.va> Acesso em: 30 mai. 2006.

7. OBRAS DE REFERÊNCIA

AULETE, Caldas. Minidicionário contemporâneo da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteria, 2004.

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 6. Ed. Belo Horizonte: Itati-aia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. (Coleção reconquista do Bra-sil, 2 série, vol 151).

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GUARANÁ, Manuel Armindo Cordeiro. Dicionário Biobibliográphico Sergipano. Rio de Janeiro: Pongetti & Cia, 1925.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Enciclopédia dos municí-pios brasileiros. XIX volume (Alagoas e Sergipe). Rio de Janeiro: IBGE, 1959.

LE GOFF, Jacques; SCHMIDT, Jean-Claude (coord.). Dicionário temático do Ocidente Medieval. Coordenação da tradução Hilário Franco Junior. Bauru, SP: EDUSC, 2006.

NUNES, Verônica Maria Meneses. Glossário de termos sobre religiosidade. Aracaju: Tri-bunal de Justiça; Arquivo Judiciário do Estado de Sergipe, 2008.

8. ORAIS

ANDRADE, Maria Iolanda Araújo de. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Car-valho. Nossa Senhora das Dores (SE), 11 de janeiro de 2006.

BEATA. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores (SE), 14 de abril de 2006.

BEATA 2. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores (SE), 14 de abril de 2006.

BOMFIM, Maria Aparecida Mota. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores (SE), 14 de abril de 2006.

FIGUEIREDO, Roberto Pereira de. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carva-lho. Nossa Senhora das Dores (SE), 15 de junho de 2004.

_____. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Do-res (SE), 14 de maio de 2006.

_____. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Do-res (SE), 10 de agosto de 2008.

HOMILIA do Padre José Dácio dos Santos durante a procissão do Encontro. Nossa Senhora das Dores (SE), 12 de abril de 2006.

LEITE, Gilberto de Souza. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nos-sa Senhora das Dores (SE), 16 de junho de 2004.

_____. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Do-res (SE), 17 de dezembro de 2004.

MOURA, Valderina Pereira de. Informações prestadas a João Paulo Araújo de Carvalho. Povoado Gentio/Nossa Senhora das Dores (SE), 01 de março de 2008.

NASCIMENTO, Maria José Pereira. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carva-lho. Nossa Senhora das Dores (SE), 27 de fevereiro de 2005.

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OLIVEIRA, Maria Auxiliadora de (Profª Sili). Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores (SE), 16 de maio de 2006.

_____. Informações fornecidas a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores (SE), 01 de julho de 2009.

PROMESSEIRA. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Povoado Gado Bravo Norte / Nossa Senhora das Dores (SE), 13 de abril de 2006.

PROMESSEIRA 2. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Se-nhora das Dores (SE), 14 de abril de 2006.

PROMESSEIRA 3. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Se-nhora das Dores (SE), 14 de abril de 2006.

PROMESSEIRA 4. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Se-nhora das Dores (SE), 21 de março de 2008.

PROMESSEIRO. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senho-ra das Dores (SE), 21 de março de 2008.

SANTOS, Celuta. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senho-ra das Dores (SE), 23 de dezembro de 2006.

SANTOS, José Dácio dos (Padre). Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carva-lho. Nossa Senhora das Dores (SE), 23 de janeiro de 2009.

SANTOS, José Sobral dos. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nos-sa Senhora das Dores (SE),14 de abril de 2006.

SANTOS, Maria Terezinha dos (Tetê). Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Car-valho. Nossa Senhora das Dores (SE), 15 de maio de 2004.

SILVA, Aroaldo Nascimento da (Lu). Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carva-lho. Nossa Senhora das Dores (SE), 10 de junho de 2004.

_____. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Do-res (SE), 30 de janeiro de 2005.

SOUZA, Ari Pereira de. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores (SE), 11 de agosto de 2008.

VIEIRA, José Garcia. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores (SE), 02 de abril de 2006.

VIEIRA, Marizete da Costa. Entrevista concedida a João Paulo Araújo de Carvalho. Nossa Senhora das Dores (SE), 10 de janeiro de 2006.

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9. OUTRAS FONTES

INSCRIÇÕES presentes na lápide do túmulo onde foi sepultado o Cônego Miguel Mon-teiro Barbosa. Cemitério Municipal de Nossa Senhora das Dores, 1980.

INSCRIÇÕES presentes na lápide do túmulo onde foi sepultado Francisco Pedro do Nascimento. Cemitério Municipal de Nossa Senhora das Dores, 1975.

10. RELATÓRIOS

BARÃO DE MAROIM. Relatorio com que foi entregue a administração da Província de Sergipe no dia 27 de fevereiro de 1856 ao Ilmo. e Exmo. Snr. Dr. Salvador Correia de Sá Benevides pelo 1º Vice-Presidente da mesma Província o Exmo. Snr. Barão de Ma-roim. Typ. Provincial de Sergipe, 1856.

BROTERO, João Dabney d’Avellar. Relatorio com que foi aberta a 1ª sessão da duode-cima legislatura da Assembléa Legislativa de Sergipe pelo Excellentissimo Presidente Dr. João Dabney d´Avellar Brotero. Bahia: Typographia de A. Olavo da França Guerra, 1858.

BULCÃO, Antonio de Araújo d’Aragão. Relatorio apresentado à Assembléa Legislativa Provincial de Sergipe no dia 2 de março de 1868 pelo Exmo. Snr. Presidente Dr. Anto-nio de Araújo d´Aragão Bulcão. Typographia do Jornal de Sergipe, 1868.

CARDOSO JUNIOR, Francisco José. Relatorio com que o Exmo. Snr. Tenente-Coronel Francisco José Cardoso Junior abrio a 1ª sessão da 19ª legislatura da Assembléa Provincial de Sergipe no dia 04 de março de 1870. Typ. do Jornal do Aracaju, 1870.

_____. Relatorio com que o Exmo. Snr. Tenente-Coronel Francisco José Cardoso Ju-nior abrio a 2ª sessão da 20ª legislatura da Assembléa Provincial de Sergipe no dia 03 de março de 1871. Typ. do Jornal do Aracaju, 1871.

CHAVES, Alexandre Rodrigues da Silva. Relatorio com que no dia 24 de fevereiro de 1864 o Ex Presidente desta Província Dr. Alexandre Rodrigues da Silva Chaves entre-gou a administração da mesma Província ao 2º Vice-Presidente Commendador Anto-nio Dias Coelho e Mello. Sergipe: Typ. Provincial, 1864.

FONTES, José Martins. Relatorio com que o Exmo. Snr. Dr. José Martins Fontes 1º Vi-ce-Presidente abriu a 1ª sessão da 22ª legislatura da Assembléa Provincial de Sergipe no dia 1º de março de 1878. Typ. do Jornal do Aracaju, 1878.

MENDONÇA, Joaquim Jacintho de. Relatorio com que foi aberta a 2ª sessão da 14ª le-gislatura da Assembléa Provincial de Sergipe pelo Presidente Dr. Joaquim Jacintho de Mendonça no dia 04 de março de 1863. Typ. Provincial, 1863.

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MIRANDA, Antonio dos Passos. Relatorio com que o Exm. Snr. Dr. Antonio dos Passos Miranda abrio a Assembléa Legislativa Provincial de Sergipe no dia 02 de março de 1874. Typ. do Jornal do Aracaju, 1874.

_____. Relatorio com que o Exm. Snr. Dr. Antonio dos Passos Miranda abriu a Assem-bléa Legislativa Provincial de Sergipe no dia 1º de março de 1875. Typ. do Jornal do Aracaju, 1875.

SEBRÃO, Cypriano d’Almeida. Relatorio com que o Exmo. Snr. 1º Vice-Presidente Dr. Cypriano D´Almeida Sebrão passou no dia 15 de janeiro de 1874 a administração da Província de Sergipe ao Exmo Snr. Presidente Dr. Antonio dos Passos Miranda. Typ. do Jornal do Aracaju, 1874.

SILVA, Cincinato Pinto da. Relatorio com que S. Ex. o Sr. Presidente da Província Dr. Cincinato Pinto da Silva passou a administração ao 3º Vice-Presidente Commendador Dr. Ângelo Francisco Ramos no dia 05 de novembro de 1865. Aracaju: Typ. Provincial, 1865.

VEIGA, Evaristo Ferreira da. Relatorio com que o Ilmo. e Exmo. Snr. Dr. Evaristo Ferrei-ra da Veiga passou a administração da Província de Sergipe ao Illm. e Exmo. Snr. Ba-rão de Própria no dia 17 de junho de 1869. Aracaju: Typographia do Conservador, 1869.

_____. Relatorio apresentado à Assembléa Legislativa Provincial de Sergipe no dia 1º de março de 1869 pelo Exmo. Snr. Presidente Dr. Evaristo Ferreira da Veiga. Aracaju: Typ. do Jornal de Sergipe, 1869.

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APÊNDICES

APÊNDICE 1 – PADRES QUE ESTIVERAM À FRENTE DA PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES

NOME DO PADRE PERÍODO

01 Padre Leandro Ribeiro dos Santos (1858 – 1870)

02 Padre José Leandro de Oliveira (1870-1875)478

03 Padre José da Rosa Passos (1875 – 1881)

04 Padre João de Maria (1881 – 1892)

05 Padre Eusébio Pires de Almeida (1892 – 1893)

06 Padre Justianiano dos Santos Costa (1893 - 1907)

07 Padre Elpídio Teixeira Lobo (1907 – 1924)

08 Monsenhor Floduardo de Brito Jardim Fontes (1924 – 1927)

09 Cônego José da Mota Cabral (1927 – 1928)

10 Padre João de Souza Marinho (1928 – 1933)

11 Cônego Basilício Raposo de Oliveira (1933 – 1935)

12 Cônego Miguel Monteiro Barbosa (1935 – 1967)

13 Padre José Araújo Santos (1967 – 1973)479

14 Monsenhor Eraldo Barbosa de Almeida (1973 – 1974)480

15 Monsenhor Afonso de Medeiros Chaves (1974 – 1978)

16 Padre Raimundo Cruz (1978 – 1985)481

17 Padre Inaldo Cesár Menezes (1985 – 1988)

18 Padre Ozéas dos Santos (1988 – 1994)

19 Padre José Manuel Araújo (1994 – 1998)

20 Padre Renato Gomes de Lima (1998 – 2004)

21 Padre José Dácio dos Santos (2004 - )

Fonte: Autoria própria, publicado em CARVALHO. Op. Cit. 2008. p. 45, com base em PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro de Registros de Óbitos no 1. Freguesia de Nossa Senhora

478 Em 1871 a Freguesia foi curada provisoriamente pelo Padre Sebastião d´Andrade Vieira e entre 1873 e 1875 pelo Padre Elpídio Teixeira Lobo. Conforme: PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro de Registros de Óbitos no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1858 a 1893. ____. Livro de Registros de Casamen-tos no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1858 a 1891. ____. Livro de Registros de Batismo no 2. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1864 a 1878. 479 O Padre José Araújo Santos foi o Pároco da equipe paroquial que contava ainda com o Padre Antonino Ruffo-lo e o Padre Edgar Alves Santos e que tinha jurisdição sobre Dores, Siriri, Cumbe, Feira Nova e São Miguel do Aleixo. Conforme: PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Se-nhora das Dores, 1913. p. 50. 480 O Padre Eraldo Barbosa, então vigário de Capela, assumiu a Paróquia de Nossa Senhora das Dores como Vigário Ecônomo e tendo como Vigário Cooperador o Padre Raimundo Guimarães Peretti e como Secretário para assuntos da Paróquia o Seminarista Rubens da Silva Andrade. PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DO-RES. Op. Cit. 1913. p. 51 481 Entre 1983 e 1985, enquanto o Padre Raimundo Cruz participava de cursos em Roma, a Paróquia ficou sob a responsabilidade do Padre Gilson Garcia (à época vigário de Riachuelo e hoje Cônego e Professor do Seminário Maior “N. Sra. da Conceição” e do Seminário Menor “Sagrado Coração de Jesus”, ambos em Aracaju) e do Pa-dre Carlos Alberto dos Santos (à época vigário de Santo Amaro e atualmente Bispo de Teixeira de Freitas-Caravelas/BA), tendo como auxiliares os Padres José Barbosa e José Emanuel Araújo. De acordo com: PARÓ-QUIA NOSSA SENHORA DAS DORES. Op. Cit. 1913.

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das Dores, 1858 a 1893. ____. Livro de Registros de Casamentos no 1. Freguesia de Nossa Se-nhora das Dores, 1858 a 1891. ____. Livro de Registros de Batismo no 2. Freguesia de Nossa Se-nhora das Dores, 1864 a 1878. ____. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. ____. Livro Tombo no 2. Paróquia Nossa Senhora das Dores, 1985.

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APÊNDICE 2 - PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES – BISPOS E ARCE-BISPOS AOS QUAIS ESTEVE SUBORDINADA De 1858 a 1910 a Paróquia Nossa Senhora das Dores fez parte da Arquidiocese de São Salvador da Bahia, que teve como Arcebispos:

1. Dom Romualdo Antonio de Seixas (1827 – 1860) 2. Dom Manoel Joaquim da Silveira (1861 – 1874) 3. Dom Joaquim Gonçalves de Azevedo (1876 – 1879) 4. Dom Luís Antônio dos Santos (1879 – 1890) 5. Dom Antônio de Macedo Costa (1890 – 1891) 6. Dom Jerônimo Tomé da Silva (1893 – 1924)

Entre 1910 e 1960 Nossa Senhora das Dores compôs a Diocese de Aracaju482, sendo que seus párocos estiveram sob a direção dos Bispos:

1. Dom José Thomaz Gomes da Silva (1910 – 1948) 2. Dom Fernando Gomes dos Santos (1949 – 1957) 3. Dom José Vicente Távora (1958 – 1960)

Já de 1960 até os dias atuais a Paróquia é sufragânea da Arquidiocese de Aracaju e dos Arcebispos:

1. Dom José Vicente Távora (1960 – 1970) 2. Dom Luciano José Cabral Duarte (1970 – 1998) 3. Dom José Palmeira Lessa (1998 - )

Fontes: LESSA, Dom José Palmeira. e MATOS, Dom Dulcênio Fontes de. Arquidiocese de Aracaju: Plano de Pastoral, 2004-2007. Arquidiocese de Aracaju: Aracaju, março de 2004. www.arquidiocesesalvador.org.br acesso em 15/12/2008.

482 A Diocese de Aracaju foi sufragânea da Arquidiocese de Maceió de 1910 a 1960, que nesse período teve como Arcebispos Dom Manuel de Castilho Brandão (1901-1910), Dom Manuel Antônio de O. Lopes (1911-1922), Dom Santino Maria da S. Coutinho (1923-1939) e Dom Ranulfo da Silva Farias (1939-1963). Cf: www.arquidiocesedemaceio.org.br acesso em 19/06/09 às 10:20.

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APÊNDICE 3 – SANTAS MISSÕES REALIZADAS NA PARÓQUIA NOSSA SE-NHORA DAS DORES (1886 – 2004) ANO MISSIONÁRIO (s) ORDEM RELIGIOSA

1886 Frei João Evangelista Capuchinho 1895 Frei João Evangelista Capuchinho 1911 Frei Caetano de San Leo e Frei Camilo Crispiero Capuchinhos 1913 Frei Elias Essfeld Franciscano 1914

Frei Gabriel de Cagli e Frei Camilo Crispiero Capuchinhos

1914 1915*

Freis Gabriel de Cagli, Frei Camilo Crispiero Capuchinhos

1920 Frei Caetano de San Leo e Frei Agostinho Loro Capuchinhos 1921 - - 1925 - - 1925 Frei José Polhmmam Franciscano 1930 Frei Francisco de Urbania e Frei Agostinho de Loro Piceno Capuchinhos 1934 Frei Pacífico e Frei Anselmo Franciscanos 1935 ? ? 1943 Frei Alfredo e Frei Jorge

Frei Pedro Franciscanos Capuchinho

1943 Frei Celestino e Frei Paulo Capuchinhos 1948 Frei Celestino, Frei Carlos e Frei José Capuchinhos 1953 *** Frei Eugênio Goseling e Seminarista Gil Alberto Azevedo Capuchinho 1973 Jornada Missionária realizada pelo Padre Dácio de Almeida Nunes 1975 Santa Missão feita pelo Vigário Mons. Afonso de Medeiros Chaves e pelo Padre Raimun-

do Peretti 1981 ? ? 1983 ? Capuchinhos 2004 Frei Rogério, Frei Ricardo, Frei Erivan e Frei Nilson Carmelitas

* Há divergência quanto à data da Missão dos respectivos Missionários Capuchinhos: a historiadora Tatiane Oliveira da Cunha, com base em pesquisa no Arquivo dos Capuchinhos na Bahia, registra a mesma no ano de 1915, enquanto que o Livro Tombo da Paróquia situa-a entre 28 de abril e 07 de maio de 1914, como uma conti-nuação à realizada entre 18 e 27 de abril no povoado Borda Matta (hoje Borda da Mata). ** No município de Nossa Senhora das Dores existem 2 povoados com o nome de Gado Bravo. Acreditamos que as missões citadas ocorreram no povoado Gado Bravo Sul, e não no Gado Bravo Norte, tendo em vista que o primeiro já contava por essa época com Capela (inaugurada nos anos 1930) e era um dos mais importantes do município, tendo inclusive feira semanal. O povoado Gado Bravo Norte é situado como pertencente ao município de Capela em livro do escritor dorense Fernando Porto, datado de 1940 (PORTO, Fernando. Cidades, Vilas e Povoados. Aracaju: Imprensa Oficial, 1940). Além do mais, o mesmo só aparece como pertencente à Paróquia N. Sra. das Dores em 1978. *** Entre os anos 1950 e 1967 não dispomos de fontes que possibilitem identificar Santas Missões realizadas no município, além dessa de 1953 (registrada no jornal “A Cruzada”). Nesse período não há registro no Livro Tombo de atividades desenvolvidas pelo Vigário na Paróquia e as outras fontes não contribuem para preencher essa lacuna. Fontes: A CRUZADA. 15 de fevereiro de 1953. CUNHA, Tatiane Oliveira da. “Espaços e culturas em transformações em nome de Cristo...” : Frei Caetano de San Leo em missões populares em Sergipe (1901 – 1911). Aracaju: UFS, 2008. (Monografia, Especialização em Ciências da Religião). FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. _______. Livro Tombo no 2. Paróquia Nossa Senhora das Dores, 1985.

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APÊNDICE 4 – VISITAS PASTORAIS REALIZADAS NA PARÓQUIA NOSSA SE-NHORA DAS DORES (1913 – 2007) ANO BISPO / ARCEBIS-

PO MISSIONÁRIO(s) PRESENTE

(s) OBSERVAÇÕES

1913 Bispo - Dom José Thomaz Gomes da Silva

Frei Camilo Crispiero (Capu-chinho); Frei Elias Essfeld (Franciscano) e Frei Camilo Brochtrap

Visita Pastoral assessorada pelos missionários e pelo Padre José da Mota Cabral Realizou-se na Vila e no povoado Cumbe, sendo que nesse último instalou-se a Confraria das Almas

1921 Bispo - Dom José Thomaz Gomes da Silva

? Visita Pastoral acompanha-da de Santa Missão onde houve a instalação da “Pia União das Filhas de Maria”

1925 Bispo - Dom José Thomaz Gomes da Silva

Frei José Polhmamm (Fran-ciscano)

Visita Pastoral e Santa Mis-são assessoradas ainda pelos padres Affonso Torjal, José Antônio Leal Madeira, Elpídio Teixeira e Jugurta Franco Houve batimento da pedra fundamental na Nova Matriz

1930 Bispo - Dom José Thomaz Gomes da Silva

Frei Francisco de Urbania e Frei Agostinho de Loro Piceno (Capuchinos)

Benção da Nova Matriz

1940 Bispo - Dom José Thomaz Gomes da Silva

- O Bispo Diocesano foi auxi-liado pelo Vigário Cônego Miguel Barbosa, pelo Padre Gileno de Jesus e pelo Se-minarista José Leonidas Cotias

1946 Bispo - Dom José Thomaz Gomes da Silva

- Visita Pastoral auxiliada pelo Cônego Manuel Soares e pelo Padre Dácio de Almei-da Nunes Inauguração da Biblioteca Paroquial, celebração dos 25 anos da Pia União e do Episcopado de Dom José, Festa da Padroeira

1949 Bispo – Dom Fernan-do Gomes dos San-tos

Frei José (Capuchinho) Visita Pastoral durante a Festa da Padroeira e acom-panhada, ainda, da presen-ça dos Cônegos Antídio Menezes, José da Mota Cabral, José Soares e Edgar Brito e dos Padres José Santiago, Roland Gayard, Pedro Oliveira, Dácio Nunes e José Bruno

1953* Bispo – Dom Fernan-do Gomes dos San-tos

- Visita Pastoral ocorrida entre os dias 11 e 13 de setembro de 1953

1979 Bispo Auxiliar – Dom Edvaldo Gonçalves Amaral

Frei Miguel Angelo Serafim Visita Pastoral na sede da Paróquia e nos povoados Ascenso, Floresta, Gado

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Bravo Norte, Cruzes, Sucu-pira, Bravo Urubu, Campo Grande, Saco Grande**, Borda da Mata, Itapicuru e Gado Bravo Sul.

1985 Bispo Auxiliar – Dom Hildebrando Mendes Costa

- -

1998 Arcebispo – Dom José Palmeira Lessa

- Visita Pastoral na sede da Freguesia e nos povoados Campo Grande, Volta, Borda da Mata, Itapicuru, Bravo Urubu, Sapé, Cajueiro, Ser-ra, Cachoeirinha, Massaran-duba, Gentio, Varginha e Gado Bravo

2001 Bispo Auxiliar – Dom Dulcênio Fontes de Matos

- -

* Entre os anos 1950 e 1967 não dispomos de fontes que possibilitem identificar outras Visitas Pastorais realiza-das na Paróquia, além desta de 1953 (registrada no Jornal “A Cruzada”). Nesse período não há registro no Livro Tombo de atividades desenvolvidas pelo Vigário e as outras fontes não contribuem para preencher essa lacuna. ** O povoado Saco Grande pertence ao município de Cumbe, que atualmente é Paróquia cujo orago é São João Evangelista.

Fontes: A CRUZADA. 20 de setembro de 1953. FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913. ____. Livro Tombo no 2. Paróquia Nossa Senhora das Dores, 1985.

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APÊNDICE 5 – RETIROS ESPIRITUAIS REALIZADAS NA PARÓQUIA NOSSA SENHORA DAS DORES DURANTE O VIGARIATO DO CÔNEGO MIGUEL MON-TEIRO BARBOSA (1935 – 1967) ANO IRMANDADE PAR-

TICIPANTE MISSIONÁRIO(s) PRESENTE (s)

OBSERVAÇÕES

1936 Pia União das Filhas de Maria

Frei Elias Essfeld (franciscano) Dois retiros: de 20 a 24 de janeiro; de 04 a 08 de de-zembro de 1936

1936 Apostolado da Ora-ção

Frei Norberto Holl (francisca-no)

15 a 19 de junho de 1936

1937 Apostolado da Ora-ção

? 31 de maio a 04 de junho de 1937

1937 Pia União das Filhas de Maria

? 04 a 08 de dezembro de 1937

1938 Apostolado da Ora-ção

? 12 a 16 de junho de 1938

1938 Pia União das Filhas de Maria

? 04 a 08 de dezembro de 1938

1939 Apostolado da Ora-ção

? 12 a 16 de junho de 1939

1939 Pia União das Filhas de Maria

Frei Elias Essfeld (franciscano) 04 a 08 de dezembro de 1939

1940 Apostolado da Ora-ção

Frei Serafim (franciscano) 27 a 31 de maio de 1940

1940 - Frei Serafim e Frei Cristóvão (franciscanos)

Retiro realizado na Capela do povoado Cumbe entre 21 e 24 de novembro de 1940

1940 Pia União das Filhas de Maria

Frei Elias Essfeld (franciscano) 04 a 08 de dezembro de 1940

1941 Apostolado da Ora-ção

Frei Odorico (franciscano) 16 a 20 de junho de 1941

1941 Pia União das Filhas de Maria

Frei Odorico (franciscano) 04 a 08 de dezembro de 1941

1942 Apostolado da Ora-ção

Frei Alfredo (franciscano) 08 a 12 de junho de 1942

1942 Pia União das Filhas de Maria

Frei Alfredo (franciscano) 04 a 08 de dezembro de 1942

1943 Apostolado da Ora-ção

Frei Pedro (capuchinho) junho de 1943

* Apostolado da Ora-ção

- Retiro sob a responsabilida-de do Salesiano Padre Car-los Figueiredo

1946 Pia União das Filhas de Maria

- Retiro em preparação pelos 25 anos da Pia União e par-te da Visita Pastoral do Bis-po Dom José Thomaz à Paróquia O retiro foi feito pelo Cônego Manuel Soares (Secretário Geral do Bispado)

1947 Apostolado da Ora-ção

- Retiro realizado, entre 23 e 27 de maio de 1947, pelo Salesiano Padre Carlos Fi-gueiredo

1949 Pia União das Filhas de Maria

Frei Celestino (capuchinho) 02 a 06 de março de 1949

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1949 Apostolado da Ora-ção

Frei Evaristo (franciscano) 12 a 16 de junho de 1949

** 1955 Apostolado da Ora-

ção Frei Armindo (franciscano) 05 a 09 de junho de 1953

1956 Apostolado da Ora-ção

Frei Domingos (franciscano) 25 a 29 de junho de 1956

1956 Pia União das Filhas de Maria

- Retiro espiritual realizado entre 11 a 15 de agosto de 1956 e conduzido pelo Bispo Dom Fernando Gomes

1957 Pia União das Filhas de Maria

Frei Armindo (franciscano) 11 a 14 de agosto de 1957

* Retiro Espiritual realizado entre os anos 1943 e 1946. ** Não dispomos de dados referentes aos anos 1950 a 1967, além dos Retiros de 1955, 1956 e 1957, cujos re-gistros se devem ao Jornal “A Cruzada”. Nesse período não há anotações no Livro Tombo de atividades desen-volvidas pelo Vigário e as outras fontes não contribuem para preencher completamente a lacuna.

Fontes: A CRUZADA. 10 de maio de 1936. A CRUZADA. 25 de dezembro de 1936. A CRUZADA. 24 de agosto de 1946. A CRUZADA. 22 de julho de 1955. A CRUZADA. 04 de agosto de 1956. A CRUZADA. 08 de setembro de 1956. A CRUZADA. 10 de agosto de 1957. FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro Tombo no 1. Freguesia de Nossa Senhora das Dores, 1913.

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ANEXOS

ANEXO 1 - ESTAÇÕES DA PROCISSÃO DO SENHOR DOS PASSOS DE SÃO CRISTÓVÃO(SE)

Primeiro Passo: Jesus ora no Horto, com o rosto prostrado na terra.

E Pedro recordou-se do que Jesus lhe dissera. “Antes que o galo cante três vezes me negarás” . E, saindo, chorou amargamente.

Segundo Passo: Jesus, amarrado, sobe a Jerusalém.

Maria, tomando uma libra de ungüento de nardo precioso num vaso, ungiu os pés de Jesus e com seus cabelos enxugou os pés de Jesus, ficando a casa de perfume do ungüento.

Terceiro Passo: Jesus foi, de tribunal em tribunal, instruindo o povo, seus acusadores e seus juizes.

Quando o povo ouviu que Jesus vinha de Jerusalém, tomou ramos de palmeira e foram-lhe ao encontro e os meninos exclamavam dizendo “este é o que há de vir para salvação do povo”.

Quarto Passo: Jesus Cristo, assim que sentenciado e despojado de suas roupas, oferece seu corpo à flagelação, prelúdio da sua execução e morte.

Oh! Vós todos que passais pelo caminho, prestai atenção e vedes se existe dor igual a minha dor.

Quinto Passo: Jesus é pregado na cruz.

Tende piedade de mim, oh Deus, tende piedade segundo a vossa grande misericórdia.

Sexto Passo: Jesus é suspenso na Cruz, entre o céu e a terra.

Lava-me totalmente a minha falta, purifica-me do meu pecado.

Sétimo Passo: Jesus expira na cruz

Só contra ti eu pequei. O que é mal fiz diante de ti. Tua sentença assim, se manifesta justa e reto seu julgamento.

Fonte: BITTENCOURT JUNIOR, Antônio. A procissão dos penitentes do Senhor dos Passos: um estudo de comunicação na religiosidade popular na cidade de São Cristóvão no Estado de Sergipe. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil, 2003. (Dissertação, Mestrado em Comunicação e Cultura). p. 65-66.

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ANEXO 2 - ESTAÇÕES DA VIA-SACRA DA FRATERNIDADE

Primeira Estação: Jesus é condenado à morte.

Jesus sofre uma das agressões que mais machuca, a traição. Ju-das o vende por um punhado de moedas. É preso, humilhado e condenado.

Segunda Estação: Jesus carrega a sua cruz

Os soldados colocam sobre os ombros de Jesus, o instrumento de seu martírio, a cruz. Jesus segue rumo ao Calvário.

Terceira Estação: Jesus cai pela primeira vez

A primeira queda de Jesus é fruto do peso da cruz e da crueldade dos soldados e colaboradores.

Quarta Estação: Jesus se encontra com sua Mãe.

Maria, a mãe de Jesus e nossa, acompanha passo a passo o so-frimento de Jesus. Não há dor maior para uma mãe do perder o seu filho amado.

Quinta Estação: Simão Cirineu ajuda a carregar a Cruz.

Jesus já não agüenta mais o peso da cruz.

Sexta Estação : Verônica enxuga o rosto de Jesus.

Verônica estende as mãos a Jesus. Afaga seu rosto e enxuga seu suor, lágrimas e sangue. O retrato de dor e sofrimento de Jesus fi-ca estampado no gesto de ternura e compaixão da mulher.

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Sétima Estação: Jesus cai pela segunda vez.

O peso da cruz aumenta cada vez mais e Jesus cai.

Oitava Estação: Jesus consola as mulheres de Jerusalém.

Jesus não se entrega. Apesar da dor e sofrimento consegue per-ceber, pelo seu coração misericordioso, a dor das mulheres que o acompanham.

Nona Estação: Jesus cai pela terceira vez.

Jesus cai mais uma vez. A queda é inevitável diante de tanto sofri-mento e do longo caminho até o lugar da crucificação.

Décima Estação: Jesus é despojado de suas vestes.

O Rei do Universo é deixado nu. Não há maior humilhação do que deixar a sua intimidade exposta à gozação.

Décima primeira Estação: Jesus é pregado na Cruz.

Os pregos nas mãos e pés de Jesus são as chagas que destroem a sua dignidade. O herdeiro universal não tem onde repousar sua cabeça. É suspenso numa cruz.

Décima segunda Estação: Jesus morre na Cruz.

Jesus morre na cruz. Participamos do mistério da agonia, morte e ressurreição de Jesus. Jesus morre para nos dar a vida eterna.

Décima terceira Estação: Jesus é descido da Cruz.

O corpo de Cristo, Salvador da humanidade repousa morto nos braços de Maria, sua mãe. Jesus morre, mas não fica morto ele ressuscita.

Décima quarta Estação: Jesus é colocado no sepulcro.

Após ser tirado da cruz Jesus foi colocado num sepulcro cavado na rocha. Não era dele e nem de sua família. Conta com a generosi-dade dos outros.

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Décima quinta Estação: A ressurreição de Jesus.

A morte não é o ponto final. Jesus ressuscitou, venceu a morte e deu sentido a nossa vida.

Fonte: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Campanha da Fraternidade: Esco-lhe, pois, a vida (Dt 30, 19). Curitiba (PR): CNBB – Regional Sul II, 2008. p. 25-32.

Imagens: Quadros da Via-Sacra. Igreja Matriz Nossa Senhora das Dores, N. Sra. das Dores (SE), década de 1950. Fotos: João Paulo Araújo de Carvalho, 2008.

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ANEXO 3 – ORAÇÕES ENTOADAS NAS ESTAÇÕES DA PROCISSÃO DO MA-DEIRO

Sinal da Cruz

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.

Oração pelas Almas (cantada)

Um Pai-Nosso com Ave Maria

Para as almas que estão no Purgatório

No Purgatório

Peço a todos pelo Amor de Deus,

Pelo Amor de Deus

(Reza-se um Pai-Nosso e uma Ave-Maria)

Um Pai-Nosso com Ave-Maria

Para as almas que estão no mau caminho,

No mau caminho,

Peço a todos pelo Amor de Deus,

(Reza-se um Pai-Nosso e uma Ave-Maria)

Um Pai-Nosso com Ave-Maria

Para as almas que estão nas ondas do mar

Nas ondas do Mar

Peço a todos pelo amor de Deus

Pelo Amor de Deus

(Reza-se um Pai-Nosso e uma Ave-Maria)

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Salve Rainha (Cantada)

Salve Rainha / Mãe da Misericórdia

Vida doçura / esperança nossa

Salve a nós / e a vós bradamos

Os degredados / e os filhos de Eva

A vós suspiramos / gemendo e chorando

Neste vale / vale é de lagrimas

E pois Senhora / advogada nossa

Esses vossos olhos / misericordiosos

A nós volvei / e depois

Deste desterro / Mostrai-nos a Jesus

Bendito é o fruto / do vosso ventre

Ventre Oh! clemente / Oh! piedosa

Doce era o doce / da sempre Virgem

Santa Maria / rogai a Deus por nós

Santa Mãe de Deus / rogai a Deus

Sejamos dignos / das promessas de Cristo

Para sempre, Amém Jesus.

Pedido ao Senhor Deus

Dai-me meu Jesus / um doce de coração

Pelas vossas chagas / e pela vossa paixão (BIS)

Dai-me meu Jesus / vê a flor de quem nasceu

E a Hóstia Consagrada / e a Cruz em que morreu (BIS)

Dai-me tento meu Jesus / Soberano Rei da Glória

Para quem pedimos todos / Senhor Deus, Misericórdia

Senhor Deus Misericórdia / Misericórdia Senhor.

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Misericórdia a vós peço / por nós todos pecador.

Senhor Deus

Senhor Deus, Misericórdia (BIS)

Senhor Deus, pequei Senhor, Misericórdia (BIS)

Senhor Deus, pequei Senhor, mas pelas dores de Vossa Mãe Maria Santíssima, Misericórdia (BIS)

Senhor Deus, pequei Senhor, mas pela Vossa Sagrada Paixão e Morte, Misericórdia (BIS)

Ao final diz-se: Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo

Resposta: Para sempre seja louvado e a Vossa Mãe Maria Santíssima.

Fontes:

Gravados durante a realização da manifestação religiosa.

MOURA FILHO, Nivaldo Alves de. Procissão do Madeiro: Tradição e Fé. Nossa Senhora das Do-res, 2006. p. 8 – 10.

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ANEXO 4 - CANTOS ENTOADOS NO ITINERÁRIO ENTRE AS ESTAÇÕES DA PROCISSÃO DO MADEIRO

Oh! Virgem Senhora

Coro: Oh! Virgem Senhora / Mãe da Piedade

Livrai-nos das penas / da Eternidade.

Por Senhor / que tendes nos braços

Pelas nossas dores / dirigi meus passos

Dirigi meus passos / e meus pensamentos

Devoção eterna / dai-me sentimentos

Dai-me sentimentos / dai-me contrição

Abrasai de amor / este coração

Este coração / ingrato traidor

É tão desleal / A meu redentor

A meu redentor / que pra nos salvar

No lenho da Cruz / deixou-se cravar

Deixou-se cravar / entre dois ladrões

Pra satisfazer / as nossas paixões

As nossas paixões / Oh! Virgem Maria

Desterrai Senhora / por vossa valia

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Por vossa valia / e por vosso amor

Alcançai-nos a Paz / com Nosso Senhor

Com Nosso Senhor / convosco também

Levai-nos a Glória / Para sempre, Amem.

Vinde Pais e Vinde Mães

Coro: Vinde Pais e Vinde Mães

Vinde todos à missão

Para cuidar como Cristãos

E alcançar a salvação.

Pecador arrependido / pobrezinho pecador

Vem abraça-me contrito / sou teu pai, teu criador

Ouvir pais nossos rogos / ouvir mães nosso bradar

Pois uma alma temos todos / o que importa é se salvar

Com as lágrimas nos olhos / por amor à santa Cruz

Pais e mães nós vos pedimos / ouve a voz do bom Jesus

Misericórdia vos pedimos / Misericórdia Deus de Amor

Pela Virgem Mãe das Dores / perdoai-nos Deus de amor

Vais de pecado em pecado / vais de horror em horror

De um dia para o outro / assim o pecador

BIS

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Perdão meu Jesus

Coro: Perdão meu Jesus / perdão Deus de amor

Perdão Deus clemente / perdoai Senhor!

Já os meus pecados / lamento com dor

estou arrependido / perdoai Senhor!

Eis-me aos vossos pés / grande pecador

meus enormes crimes / perdoai Senhor!

Por esta perfídia / com que o traidor

beijo a vossa face / perdoai Senhor!

Pelas duras cordas / com que sem amor

cruéis vos ligaram / perdoai Senhor!

Por serdes traído / como um sedutor

ao tribunal dos homens / perdoai Senhor!

Pela coroa de espinhos / que vos mandam pôr

na vossa santa face / perdoai Senhor!

Pela Santa Virgem / que com grande dor

foi ao vosso encontro / perdoai Senhor!

Pela Cruz pesada / que vos pás sem dor

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pelas vossas quedas / perdoai Senhor!

Pelos duros cravos / que com crua dor

Mãos e pés rasgaram / perdoai Senhor!

Pelos impropérios / de Judas traidor

Pela vossa morte / perdoai Senhor

Bendita e louvada seja

Coro: Bendita e louvada seja / a Paixão do Redentor

que por nós sofreu martírios / morreu por nosso amor.

Os céus cantam a vitória / de nosso Senhor Jesus

cantemos também na terra / louvores à Santa Cruz

Humildes e confiantes / louvemos a nossa Cruz

Seguindo sublime exemplo / de Nosso Senhor Jesus

Sustenta gloriosamente / nos braços oh! Bom Jesus

sinal de esperança e vida / o lenho da Santa Cruz

Cordeiro Imaculado / por todos morreu Jesus

remindo as nossas almas / o rei pela Santa Cruz

Ao povo aqui reunido / dai graças, perdão e luz

salvai-nos oh! Deus clemente / em nome da Santa Cruz

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Com minha Mãe estarei

Com minha Mãe estarei / na santa glória um dia

louvando a Virgem Maria / no céu triunfarei

Coro: No céu, no céu / com minha Mãe estarei (BIS)

Com minha Mãe estarei / mas já que hei ofendido

a seu Jesus querido / a culpa chorarei

Com minha Mãe estarei / e a fé viva e ardente

Com que firme e valente, / o mal evitarei

Com minha Mãe estarei / Mãe de toda a pureza

nesta vida inteireza, / fiel lhe guardarei

Com minha Mãe estarei / com seu coração eterno

no seu colo materno, / sem fim descansarei

Com minha Mãe estarei / e sempre neste exílio

do seu piedoso auxílio / com fé me valerei.

Louvando a Maria

Louvando a Maria / o povo fiel

a vós repetia / de São Gabriel

Coro: Ave, Ave, Ave, Maria (BIS)

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O anjo descendo / num raio de luz

feliz Bernardete / a fonte conduz

A brisa que passa / avisa lhe deu

Que uma hora de graça / soara no céu

Vestida de branco / ela apareceu

trazendo na cinta / as cores do céu

É um rosto suave / brilhante de luz

que cerca uma nuvem / de belo esplendor

Tem Ele nos olhos / divino fulgor

e o belo sorriso / dissipa o terror

Feliz Bernadete / empevo de amor

a Virgem repete / o seu canto de amor

Mostrando o rosário / na cândida mão

ensina o caminho / da santa oração

Estrela brilhante / celeste visão

guia-nos um dia / eterna mansão

A Treze de Maio

A treze de maio / na cova da Iria

no céu aparece / a Virgem Maria

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Coro: Ave, Ave, Ave Maria Ave, Ave, Ave Maria

Aos três pastorinhos, cercados de luz

visita Maria, a Mãe de Jesus

A luz lhes parece, sinal de trovão

e junto ao rebanho, à casa se vão

Da agreste azinheira, a virgem falou

E aos três a senhora, serenos tornou

Então perguntaram, que nome era o seu

a virgem lhes disse, a Mãe ser do céu

Nossa Senhora pediu

Coro: Nossa Senhora pediu / Rogou a Nosso Senhor

Que não acabe seu mundo / e nem dê fim ao pecador.

Jesus Cristo respondeu / estou agravado

e falei para São Jose / pro mundo não ser acabado

Nossa Senhora pediu, que tivesse paciência

mais dores padeceu, quando estava em seu ventre

Jesus Cristo respondeu, que esta dor mesmo sentia

se o mundo se acabasse, pois seus filhos merecia

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Nossa Senhora pediu, com seu tecido na mão

pediu a seu bento Filho, pro mundo não acabar não

Jesus Cristo respondeu, o leite que tinha mamado

falou para sua Mãe, pro mundo não ser acabado

Oh! Meus filhos se ajoelhem / que eu quero abençoar

Corria sangue nas veias, e gemia pra não chorar

Ofereço este bendito, a Santa do Paraíso

Que nos dê consolação, e rezar pros nossos filhos.

Madeiro Pesado

Coro: Madeiro Pesado / Madeiro Pesado

Madeiro Pesado / quem leva é Jesus

Tendo marchado, / em busca de uma luz

morreu pra nos salvar / o nosso Bom Jesus

Cristo apresentou / um quadro de Bom Pastor

ficou desiludido, / com seu delator

Com o cálice ele estava, / mas disse assim

se veres que eu não bebo, / afasta-se de mim

Todo lavado de sangue, / meu Bom Jesus prosseguia

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sentindo tantas dores, / o filho da Virgem Maria

Com a coroa de espinhos, / nosso Jesus Salvador

derrubado e arrastado / por seus filhos pecador

Cravado na Cruz, / pediu para seu Pai

perdoai esses filhos, / que não sabem o que faz

Tendo morrido, / o nosso Salvador

Ao terceiro dia, / ressuscitou.

Simão Cirineu

Coro: Encontrei São Simão, o Cirineu / Ajudai-me aqui Simão

Este Madeiro pesado / que já me faz trespassar o coração.

São Simão, ajuda a levar a Cruz

Já dei um passo, meu Jesus não posso mais

Só quem pode levar é meu Jesus

por Ele ser poderoso e Grande Pai

(Conta-se os passos até 7)

Pinguinho de Sangue

Coro: Um pingo de sangue caiu

Caiu na terra, estremeceu

Oh! que povo tão ingrato

que ainda não se arrependeu.

(Conta-se os pingos até 7)

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A Lavandeira

Coro: Uma lavandeira

E um beija-flor

Lavando os paninhos de Nosso Senhor

Quanto mais lavava, o sangue corria

Nossa Mãe chorava, o judeu sorria

(Conta-se a lavandeira 7)

Santa Teresa

Coro: Santa Teresa foi freira

Menina de 12 anos

Escreveu a São Francisco

Que este mundo é um engano

São Francisco respondeu

Numa folhinha de limão:

“Tenha paciência Tereza"

Senão nós não ganha a salvação.

(Conta-se a folhinha até 7)

Um Padre de boa vida

Coro: Um padre de boa vida

Perdeu a Santa Missão

Morreu de jejum quebrado

Sexta-Feira da Paixão

(Conta-se o padre até 7)

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Sonho de Mãe Amorosa

Coro: Eu sonhei um sonho, sonho de Mãe amorosa

Eu sonhei um sonho, sonho de Mãe amorosa

Piedade Senhor

Coro: Piedade Senhor, piedade

piedade de nós pecador.

(Ver Procissão dos Penitentes)

Cântico da Via Sacra

Refrão: Pela Virgem Dolorosa

Vossa Mãe tão piedosa

Perdoai-me meu Jesus (Bis)

A morrer crucificado, / teu Jesus é condenado

por teus crimes pecador, / por teus crimes pecador

Com a cruz é carregado / e do peso acabrunhado

vai morrer por teu amor, / vai morrer por teu amor

Pela cruz tão oprimido, / cai Jesus desfalecido

pela tua salvação, / pela tua salvação

De Maria lagrimosa, / no encontro lastimosa

vê a viva compaixão, / vê a viva compaixão

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Em extremo desmaiado / de Simão obrigado

aceitar consolação, / aceitar consolação

O seu rosto ensangüentado, / por Verônica enxugado

contemplamos com amor, / contemplamos com amor

Outra vez desfalecido, / pelas dores abatido

cai por terra o Salvador, / cai por terra o Salvador

Das mulheres piedosa, / de Sião filhas chorosas

é Jesus consolador, / é Jesus consolador

Cai terceira vez prostrado, / pelo peso redobrado

dos pecados e da Cruz, / dos pecados e da Cruz

Dos vestidos despojado, / todo chagado e pisado

eu vos vejo meu Jesus, / eu vos vejo meu Jesus

Sois por mim na Cruz pregado, / insultado, blasfemado

com cegueira e com furor, / com cegueira e com furor

Meu Jesus por mim morrestes, / por meus crimes padecestes

Oh! que grande é minha dor, / Oh! que grande é minha dor

Do Madeiro vos tiraram, / e a Mãe vos entregaram

com que dor e compaixão, / com que dor e compaixão

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No sepulcro vos deixaram, / sepultado vos choraram

magoado o coração, / magoado o coração.

O meu coração é só de Jesus

Refrão: O meu coração é só de Jesus

A minha alegria é a Santa Cruz

Eu só peço a Deus, / na minha oração

Que viva Jesus, / no meu coração. (BIS)

Nada mais desejo, / nem quero senão

Que viva Jesus, / no meu coração. (BIS)

Nas ruas e praças, / todos ouvirão

Que viva Jesus, / no meu coração. (BIS)

Os ecos dos montes, / me responderão

E viva Jesus, / no meu coração. (BIS)

Abre-se teu peito, / celeste mansão

E mora Jesus, / no meu coração. (BIS)

Fontes:

Gravados durante a realização da manifestação religiosa.

MOURA FILHO, Nivaldo Alves de. Procissão do Madeiro: Tradição e Fé. Nossa Senhora das Do-res, 2006. p. 10 – 18.

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ANEXO 5 – ORAÇÕES ENTOADAS NAS ESTAÇÕES DA PROCISSÃO DOS PE-NITENTES

1º - Pecador pecador, / ouve a voz do Eterno

Que te manda Oferecer / Penitência ou Inferno.

Refrão: Piedade Senhor, / Piedade

Piedade / é de nós pecador

2º- Das duas coisas escolhe / assim diz o Deus Eterno

Para tua Salvação, penitência ou Inferno.

3º- É Breve a vida e a morte / te reduz ao tempo eterno

Teme a conta o juízo, / Penitência ou inferno.

4º- Estes conselhos te dou / em nome do Deus Eterno

De tudo te desengana, / Penitência ou inferno.

Oração pelas almas (cantada)

Um Pai-Nosso com Ave Maria

Para as almas que estão no Purgatório

No Purgatório

Peço a todos pelo Amor de Deus,

Pelo Amor de Deus

(Reza-se um Pai-Nosso e uma Ave-Maria)

Um Pai-Nosso com Ave-Maria

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Para as almas que estão no mau caminho,

No mau caminho,

Peço a todos pelo Amor de Deus,

(Reza-se um Pai-Nosso e uma Ave-Maria)

Um Pai-Nosso com Ave-Maria

Para as almas que estão nas ondas do mar

Nas ondas do Mar

Peço a todos pelo amor de Deus

Pelo Amor de Deus

(Reza-se um Pai-Nosso e uma Ave-Maria)

Salve Rainha (cantada)

Salve Rainha / Mãe da Misericórdia

Vida doçura / esperança nossa

Salve a nós / e a vós bradamos

Os degredados / e os filhos de Eva

A vós suspiramos / gemendo e chorando

Neste vale / vale é de lagrimas

E pois Senhora / advogada nossa

Esses vossos olhos / misericordiosos

A nós volvei / e depois

Deste desterro / Mostrai-nos a Jesus

Bendito é o fruto / do vosso ventre

Ventre Oh! clemente / Oh! piedosa

Doce era o doce / da sempre Virgem

Santa Maria / rogai a Deus por nós

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Santa Mãe de Deus / rogai a Deus

Sejamos dignos / das promessas de Cristo

Para sempre, Amém Jesus.

Pedido ao Senhor Deus

Dai-me meu Jesus / um doce de coração

Pelas vossas chagas / e pela vossa paixão (BIS)

Dai-me meu Jesus / vê a flor de quem nasceu

E a Hóstia Consagrada / e a Cruz em que morreu (BIS)

Dai-me tento meu Jesus / Soberano Rei da Glória

Para quem pedimos todos / Senhor Deus, Misericórdia

Senhor Deus Misericórdia / Misericórdia Senhor.

Misericórdia a vós peço / por nós todos pecador.

Senhor Deus

Senhor Deus, Misericórdia (BIS)

Senhor Deus, pequei Senhor, Misericórdia (BIS)

Senhor Deus, pequei Senhor, mas pelas dores de Vossa Mãe Maria Santíssima, Misericórdia (BIS)

Senhor Deus, pequei Senhor, mas pela Vossa Sagrada Paixão e Morte, Misericórdia (BIS)

Ao final diz-se: Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo

Resposta: Para sempre seja louvado e a Sua Mãe Maria Santíssima.

Fontes: Gravados durante a realização da manifestação religiosa.

ASSOCIAÇÃO DOS PENITENTES DE N. SRA. DAS DORES. Livro de Registro dos Penitentes. Nossa Senhora das Dores, 1980, manuscrito. p. 21; 28-29.

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ANEXO 6 – CANTO DO ITINERÁRIO DA PROCISSÃO DOS PENITENTES 1- Onde estás pecador / aonde te esconde Quem te chama é teu Senhor / e tu não Lhe responde

Refrão: Piedade Senhor, Piedade

Piedade, é de nós pecador

2- Responde a Jesus / que já é tempo

E te chama desta cruz / sem perda de tempo

3- A tua conversão / Jesus a procura

Para que resistes / a tantas venturas

4- O tempo de Sião / está determinado

Se morreres infeliz / serás condenado

5- Deixa pois Pecador / de ser renitente

Vês que hoje tens / um Deus indulgente

6- Um terno lagrimar / com intensa dor

Lá de Deus abrandar / que é um Deus de Amor

7- Não confie na vida / que é transitória

Da morte a lembrança / trazes na memória

8- Que o morrer é certo / ninguém não ignora

Não se sabe quando / nem quando é a hora

9- Se hoje te vês / são, robusto e forte

Talvez que hoje mesmo / te conclua a morte

10- Se morreres em culpa / assim obstinado

Não terás desculpa / serás condenado

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11- O Bom Jesus que agora / te busca amoroso

Teu juiz será / o mais rigoroso

12- Nas chamas eternas / Oh! que aflição

Cheio de tormentos / viverás então

13- Os sentidos todos / de dor penetrados

Te farão brotar / em ais magoados

14- Uma eternidade / te está esperando

Ou de prazer cheia / ou sempre penando

15- De braços abertos / Jesus te espera

Olha para tanta dor / que nele se encerra

16- Pela morte e paixão / que para ti padeceu

Só quer um coração / que Ele mesmo deu

Fontes: Gravado durante a realização da manifestação religiosa.

ASSOCIAÇÃO DOS PENITENTES DE N. SRA. DAS DORES. Livro de Registro dos Penitentes. Nossa Senhora das Dores, 1980, manuscrito. p. 22-27.

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ANEXO 7 – CANTOS ENTOADOS NO ITINERÁRIO DAS PROCISSÕES DO CRU-ZEIRO DO SÉCULO E DO SENHOR MORTO

Bendita e louvada seja (1)

(Idem Anexo 4)

Bendita e louvada seja (2)483

Refrão: Bendita e louvada seja

No céu a Divina luz,

E nós também na terra

Louvemos a Santa Cruz.

Humildemente prostrado / de joelhos aos pés da Cruz,

deu o último suspiro / nos braços da Santa Cruz.

No alto monte Calvário / viu-se brilhar uma luz,

dos anjos raios caíram / nos braços da Santa Cruz.

Meu Jesus quando morreu, / deixou o mundo sem luz,

para remir os pecadores / no santo lenho da Cruz.

Esta firme redenção / foi feita na Santa Cruz

é a quem devemos louvar, / para sempre, Amém, Jesus.

483 Uma variação deste bendito foi coletada em 1954 pelo folclorista Rossini Tavares de Lima (LIMA, 1985, p. 172), que o recolheu do violeiro Belizário de Camargo Junior em Carapicuíba (SP). Segue abaixo: Bendito louvado seja / do céu a Divina luz, / nós também na terra damos / louvores à Santa Cruz. 1 - Humildemente prostado / de joelhos ao pé da cruz, / deu o último suspiro / nos braços da Santa Cruz. 2 – No alto monte Calvário / viu-se brilhar uma luz, / dos anjos raios caíram / nos braços da Santa Cruz. 3 – Meu Jesus quando morreu, / deixou o mundo sem luz, / para remir os pecadores / no santo lenho da Cruz. 4 – Esta firme redenção / foi feita na Santa Cruz / é a quem devemos louvar, / para sempre, Amém, Jesus.

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Bendita e louvada seja (3)

Refrão: Bendita e louvada seja

No céu a Divina luz,

E nós também cá na terra

Louvemos a Santa Cruz.

Os céus cantam a vitória / de Nosso Senhor Jesus

Cantemos também na terra / louvores à Santa Cruz.

Sustento gloriosamente / nos braços o Bom Jesus

Sinal de esperança e vida, / o lenho da Santa Cruz.

Humildes e confiantes / levemos a nossa Cruz

Seguindo sublime exemplo / de Nosso Senhor Jesus.

Cordeiro Imaculado, / por todos nós morreu Jesus;

Remindo as nossas almas, / é Rei pela Santa Cruz.

É arma em qualquer perigo, / é raio de eterna luz;

Bandeira vitoriosa, / o Santo Sinal da Cruz.

Ao povo aqui reunido, / daí graça, perdão e luz;

Salvai-nos, Oh! Deus Clemente / em nome da Santa Cruz.

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Ladainha da Paixão

Ó Deus Pai e Criador / tende compaixão de nós

Ó Deus Filho, Redentor / tende compaixão de nós

Espírito Santo Deus de Amor / tende compaixão de nós

Oh! Jesus, Oh! Jesus

Tantas Dores padecestes / por amor de nós sofrestes

Piedade Senhor / Piedade Senhor

Dai-nos Jesus Aflito / um coração contrito

Oh! Jesus, Oh! Jesus

No horto tão entristecido / por um anjo fortalecido

Piedade Senhor / Piedade Senhor

Dai-nos Jesus Aflito / um coração contrito

Oh! Jesus, Oh! Jesus

Por Judas atraiçoado / preso logo encarcerado

Piedade Senhor / Piedade Senhor

Dai-nos Jesus Aflito / um coração contrito

Oh! Jesus, Oh! Jesus

Falsamente acusado / inocente condenado

Piedade Senhor / Piedade Senhor

Dai-nos Jesus Aflito / um coração contrito

Oh! Jesus, Oh! Jesus

Cruelmente flagelado / e de espinhos coroado

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Piedade Senhor / Piedade Senhor

Dai-nos Jesus Aflito / um coração contrito

Oh! Jesus, Oh! Jesus

Escarnecido mal tratado / brutalmente torturado

Piedade Senhor / Piedade Senhor

Dai-nos Jesus Aflito / um coração contrito

Oh! Jesus, Oh! Jesus

Arrastando Cruz pesada / dos meus crimes carregada

Piedade Senhor / Piedade Senhor

Dai-nos Jesus Aflito / um coração contrito

Oh! Jesus, Oh! Jesus

Como estás na Cruz pregado / por meus crimes imolado

Piedade Senhor / Piedade Senhor

Dai-nos Jesus Aflito / um coração contrito

Oh! Jesus, Oh! Jesus

Vosso sangue tem lavado / este mundo condenado

Piedade Senhor / Piedade Senhor

Dai-nos Jesus Aflito / um coração contrito

Oh! Jesus, Oh! Jesus

Que jamais seja perdido / quanto havia por nós sofrido

Piedade Senhor / Piedade Senhor

Dai-nos Jesus Aflito / um coração contrito

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Oh! Jesus, Oh! Jesus

O meu coração é só de Jesus

(Idem Anexo 4)

Cântico da Via-Sacra

(Idem Anexo 4)

Perdão meu Jesus

(Idem anexo 4)

O Senhor ressurgiu Aleluia

Refrão: O Senhor ressurgiu, aleluia, aleluia!

É o Cordeiro pascal, aleluia, aleluia!

Imolado por nós, aleluia, aleluia!

É o Cristo, Senhor, ele vive e venceu, aleluia!

O Cristo, Senhor, ressuscitou, / A nossa esperança realizou: / Vencida a morte para sempre,/ Triunfa a vida eternamente!

O Cristo remiu a seus irmãos, / Ao Pai os conduziu por sua mão: / No Espírito Santo unida esteja / A família de Deus que é a Igreja!

Vitória, tu reinarás

Refrão: Vitória! Tu reinarás! Ó Cruz! Tu nos salvarás! (BIS)

Brilhando sobre o mundo, / que vive sem tua luz.

Tu és um sol fecundo, / de amor e de paz ó cruz.

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Aumenta a confiança / do pobre e do pecador.

Confirma nossa esperança, / na marcha para o Senhor.

À sombra dos teus braços, / a Igreja viverá

por ti no eterno abraço / o Pai nos acolherá.

Eu vim para que todos tenham vida

Refrão: Eu vim para que todos tenham vida, / que todos tenham vida plenamente.

Reconstrói a tua vida em comunhão com teu Senhor, reconstrói a tua vida em comunhão com teu irmão. Onde está o teu irmão, eu estou presente nele!

Quem comer o pão da vida viverá eternamente. Tenho pena deste povo que não tem o que co-mer... Onde está um irmão com fome eu estou com fome nele.

Prova de amor

Refrão: Prova de amor maior não há, / que doar a vida pelo irmão. (BIS)

Eis que eu vos dou / o meu novo mandamento, / amai-vos uns aos outros / como eu vos tenho amado.

Vós sereis os meus amigos / se seguirdes meus preceitos, / amai-vos uns aos outros / como eu vos tenho amado.

Como o Pai sempre me ama / assim também eu vos amei, / amai-vos uns aos outros / como eu vos tenho amado.

Permanecei no Meu amor / e segui Meu mandamento / amai-vos uns aos outros / como eu vos tenho amado.

E chegando a minha Páscoa / vos amei até o fim / amai-vos uns aos outros / como eu vos tenho amado.

Nisto todos saberão / que vós sois os Meus discípulos / amai-vos uns aos outros / como eu vos tenho amado.

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O povo de Deus, no deserto andava

Refrão: Também sou Teu povo, Senhor, e estou nesta estrada

Somente a Tua Graça me basta e mais nada.

1. O povo de Deus, no deserto andava. Mas, à sua frente, alguém caminhava.

Só tinha esperança e o pó da estrada.

2. O povo de Deus, também vacilava e às vezes custava a crer no amor.

O povo de Deus, chorando, rezava, pedia perdão e recomeçava.

3. O povo de Deus, também teve fome, e Tu lhe mandaste o pão lá céu.

O povo de Deus, cantando deu graças, provou teu amor, teu amor que não passava.

4. O povo de Deus ao longe avistou a terra querida que o amor preparou.

O povo de Deus corria e cantava e aos seus louvores, seu poder proclamava.

Mãe das Dores abençoa

Refrão: Mãe das Dores abençoa / Vossos filhos peregrinos

O Nordeste é a terra / prometida ao Nordestino.

1. Nosso Pai nos deu a terra / pra vivermos como irmão

Mas, depois veio o pecado e / trouxe tanta divisão.

2. O irmão mata o irmão / por um pedaço de chão

Mas, depois veio o pecado e / trouxe a divisão.

3. Somos uma só família, / filhos de Nossa Senhora

Vamos conquistar a terra / prometida que é nossa.

4. Vamos conquistar a terra / na justiça e no amor

Viveremos mais unidos / pra que cesse tanta dor.

5. Ofereço esse bendito / a Nossa Senhora das Dores

Vendo o Seu Filho na Cruz / quantas dores padeceste.

BIS

BIS

BIS

BIS

BIS

BIS

BIS

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Fontes: Gravados durante a realização das manifestações religiosas.

Alguns cantos foram concedidos por dona Janete, uma das senhoras que compõem o coro que con-duz as procissões.

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Campanha da Fraternidade: Escolhe, pois, a vida (Dt 30, 19). Curitiba (PR): CNBB – Regional Sul II, 2008. p. 33-34.

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ANEXO 8 – CANTO DA CERIMÔNIA DO BEIJO DO CRUCIFICADO

Vem, vem pecador

Refrão: Vem, vem pecador / onde é que te escondes?

Teu Senhor te chama / e tu não lhe respondes.

Chega pecador / chega arrependido / aos pés de teu Deus / que tens ofendido.

Geme pecador / aos pés de Jesus / que por ti morreu / lá no alto da cruz.

Chora pecador / chora teu pecado / para que de Deus / sejas perdoado.

Muitos que na cama / ledos se deitaram / deixando este mundo / no inferno acordar.

Chega pecador / chega à confissão, / para que de Deus / mereças o perdão.

Chega pecador / chega com amor / aquele que é / o Teu redentor.

Muitos pecadores / deitam-se a dormir / sem cuidar do inferno / onde hão de cair.

O pecado traz / consigo o inferno / e o desagrado / dos teus sempre eterno.

Invoca a Maria / pobre pecador / Ela é Mãe da vida / Mãe do Redentor.

Fonte: Música gravada durante a realização da manifestação religiosa e letra fornecida por dona Janete, uma das senhoras que compõe o coral que canta durante a Celebração da Paixão na Igreja Matriz.

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ANEXO 9 – BENDITO DA SEMANA SANTA

Na quinta-feira Jesus com seus discípulos

Foi de oliveira para Jerusalém

Fazendo a Páscoa Jesus com seus discípulos

E padeceu a favor de nosso bem

Antes da Ceia Jesus com seus discípulos

Lavou os pés com grande contentamento

Depois da Ceia Jesus instituiu

Com grande gosto o Divino Sacramento

Depois disto Jesus subiu ao Horto

Foi fazer três horas de oração

Chegando Judas na frente de uma tropa

Trazendo alvorada e capitão

Beijando Jesus em Seu lado direito

Com falsidade com Seu Divino Mestre

Jesus disse “Eu reconheço a falsidade”

Por este beijo que agora nos me deste

Os judeus se dirigiam a Jesus

Para prender com tão grande maltrato

Para levar Jesus conduzido

À presença de Erodes e Pilatos

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Depois de Meu Jesus Crucificado

Os Judas lhe botaram numa Cruz

Os sofrimentos de Jesus já foram tantos

Que os Seus olhos ficaram sem luz

Levaram meu Jesus à rua estreita

Foram passando pela rua da amargura

Encontrou-se com a Virgem Maria

Sua Santa Mãe que chorava com ternura

Depois de meu Jesus Crucificado

Os Judas lhe botaram num troninho

A coroa que lhe botaram a cabeça

Foi uma trança com 72 espinhos

Quando Jesus ia ser Crucificado

Encontrou-se com Maria Madalena

Eu pensava que ela me dava um socorro

Cada vez redobrava a minha pena

Então Jesus foi Crucificado

Junto Dele tinha dois ladrões

Um deles arrependido dos pecados

Pediu a Jesus que lhe desse a salvação

Antes de Jesus morrer na Cruz

Pediu à Sua Mãe Nossa Senhora

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Que cuidasse dos Seus filhos queridos

Depois suspirou e morreu naquela hora.

Fonte: Letra fornecida por dona Janete, uma das senhoras que compõe o coral que canta durante a Cele-bração da Paixão na Igreja Matriz e os corais que puxam as orações nas procissões da Quaresma.

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290

ANEXO 10 – LADAINHA DAS ALMAS

Kyrie Eleison

Chiristie Eleison

Byrie Eleison

Deus Pai Celeste, tende misericórdia de nós.

Deus Filho Redentor do Mundo, tende misericórdia de nós.

Espírito Santo que sois Deus, tende misericórdia de nós.

Santíssima Trindade que sois Deus, tende misericórdia de nós.

Almas do Purgatório, orai por nós.

Igreja padecente

Almas penitentes

Filho do Batismo

Almas Santas

Esposas de Cristo

Almas Bentas, orai nós

Salvas do Senhor, orai por nós

Almas cristãs

Amadas de Deus,

Almas desterradas

Almas fiéis

Almas afligidas,

Irmãs das nossas almas

Almas caridosas,

Amantes do próximo

Herdeiras da glória

Almas abrasadas

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291

Salças entre o fogo

Almas prisioneiras

Ouro de crisol

Almas lagrimosas

Almas suplicantes

Firmes advogadas

Almas benfeitoras

Firmes protetoras

Almas compassivas

Irmãs espirituais

Almas milagrosas

Amadas de todos os santos, rogai por nós

Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo, perdoai-nos Senhor

Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo, ouvi-nos Senhor

Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo, tende misericórdia de nós.

FIM

Fonte:

Cópia gentilmente cedida por Maria Auxiliadora de Oliveira (Sili).

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292

ANEXO 11 – OFÍCIO DAS ALMAS

Abrirei meus lábios/Em tristes assuntos,/Para sufragar/os fiéis defuntos.

Sêde em meu favor,/Salvador do mundo,/E das almas santas/Do lago profundo.

Nós Vos pedimos/Pronta salvação,/Preferindo aquelas/Da nossa tenção.

Para que por Vós,/Jesus, sumo Bem,/Elas já descansem/Para sempre, Amém.

HINO

Deus Vos salve,Cristo/Em vossa Paixão,/Redentor das almas/Dos filhos de Adão.

Por tal benefício/Público notório,/Socorrei as almas/Lá no purgatório.

Não entrei com elas,/Senhor, em juízo, / Para que não tenham/Total prejuízo.

Porque na presença/ Do Crucificado,/Nenhum dos viventes/ é justificado.

Pelo sacrifício/Da sagrada Missa,/Não useis com elas/Da vossa justiça.

Com as tristes almas./Meu Senhor, usai/Das misericórdias/De Deus, vosso Pai.

Vós sois o Cordeiro /Todo ensanguentado,/Para o bem das almas/Tão sacrificado.

Supra o vosso Sangue,/Precioso e santo,/O dever das almas./ Que padecem tanto.

Peçamos a Deus/ A eterna luz,/Para os que já dormem/Em Cristo Jesus.

Ouvi meu bom Deus,/ O deprecatório. Em favor das almas/ Lá no purgatório.

Pai Nosso e Ave Maria.

ORAÇÃO

Onipotente e misericordioso Deus e Senhor nosso, supremo dominador dos vivos e dos mortos. pelos merecimentos infinitos do vosso unigênito Filho, e também pelos grandes mereci-mentos da sempre Virgem Maria, sua Mãe e por todos os merecimentos dos bem-aventurados, concedei propício o perdão das penas que merecem as almas dos fiéis defuntos, pelas quais fazemos estas preces para que, livres do Purgatório, vão gozar da eterna glória, por todos os séculos do séculos. Amém.

PRIMA

Sêde em meu favor etc…

HINO

Deus vos salve, Excelso/Senhor compassivo,/Das almas que penam/Entre o fogo vivo.

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Segundo Batismo/Lhes daí, meu Senhor,/Batismo de fogo/Purificador.

Como em Babilônia/Os três inocentes/Só de Vós se lembram/Nas chamas ardentes.

Só a vossa clemenência/As pode remir/ Do fogo que arde/Sem as consumir;

Fogo que formastes/Com tais predicados,/Para expiação/Dos nossos pecados.

Muito mais ativo/Que o calor do sol,/Pior que uma frágoa,/Que um vivo crisol.

Supra o vosso sangue,/Que é tão meritório,/O dever das almas/Lá no purgatório.

Aplacai das chamas/Também o calor,/Daquele tremendo/Fogo expiador.

Peçamos a Deus, etc.

ORAÇÃO

Onipotente e misericordioso Deus, etc.

TERÇA

Sêde em meu favor, etc.

HINO

Deus Vos salve, Pai/De misericórdia,/Onde replandece/A paz e a concórdia.

Por tal excelência/Que em Vós adoramos,/Socorrei as almas,/Por quem suplicamos.

Tão aferrolhadas,/Como Manassés,/Mover não podem/Suas mãos nem pés.

Privadas de verem/ Ao grande Adonái./seu eterno Rei,/Seu divino Pai.

Mais penalizadas/Do que Absaião,/Por já não gozarem/De Deus a visão.

Como o santo Jó/ Tão amargamente/Lágrimas derramam/Para Deus somente.

Qual o Rei Profeta,/Seus olhos aflitos/Estão já enfermos/Por falta de espírito.

Médico divino/Só vossa virtude/Pode dar às almas /Eterna saúde.

Peçamos a deus, etc.

ORAÇÃO

Onipotente e misericordioso Deus, etc.

SEXTA

Sêde em meu favor, etc.

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HINO

Deus vos salve, Cristo,/Divino Mecenas,/Protetor das almas/Que estão entre penas.

Vós sois nosso irmão/Pela humanidade,/nosso advogado/Com a divindade.

Derramai mil graças/Dessas vossas mãos/Sobre aquelas almas/Dos nossos irmãos.

Obrai, pois com elas,/Já com brevidade,/um rasgo estupendo/Da vossa bondade.

Apressai as horas/Chegai os momentos/De finalizarem/Seus grandes tormentos.

Não vos recordais/Dos tempos passados,/Quando cometeram/Seus grandes pecados.

Supra o vosso sangue,/Tão satisfatório/O dever das almas/Lá do Purgatório.

Acabai as vossas/Correções fraternas,/Para que já gozem/Delícias eternas.

Peçamos a Deus, etc.

ORAÇÃO

Onipotente e misericordioso Deus, etc.

NÔA

Sêde em meu favor, etc.

HINO

Deus vos salve, Cristo,/Pastor piedoso/Das almas benditas/Do lago Penoso.

Libertai as almas,/Pastor sempiterno,/Daquele lugar/Junto do inferno.

Qualquer dessas almas,/Que pena terá!/Porque no inferno/Que vos louvará?

Nestas tristes almas,/Senhor, acabai/Os justos castigos/De Deus, vosso Pai.

Supra vosso Sangue,/Poderoso e forte,/ Aquelas prisões/Dos laços da morte.

Seja o vosso braço/O libertador/Das almas que penam/Em tanto rigor.

Por Vós finalize,/Jesus soberano,/Nessas tristes almas/A pena do dano.

Peçamos a Deus, etc.

ORAÇÃO

Onipotente e misericordioso Deus, etc.

VÉSPERAS

Sêde em meu favor, etc.

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HINO

Deus vos salve, Filho/Do Onipotente,/Com as tristes almas,/Sempre tão clemente.

Tende compaixão/Dessas tristes almas,/Que estão padecendo/Rigorosas chamas.

Bem como as securas/do rico avarento,/Padecem as almas/Outro igual tormento.

Assim como os cervos/Dos vales e montes,/Quando sequiosos/Procuram as fontes.

Assim mesmo as almas /Querem excessivas/Só a vós, meu Deus,/Fontes d’águas vivas.

Mandai-lhes propício/As águas da graça,/Para melhorarem/Daquela desgraça.

O perdão das almas,/Senhor, alcançai,/Das misericórdias/De Deus vosso Pai.

Vosso Sangue seja,/Propiciatório,/De Deus para as almas/Lá do Purgatório.

Peçamos a Deus, etc.

ORAÇÃO

Onipotente e misericordioso Deus, etc.

COMPLETA

Converta-nos Deus,/A nós todos juntos/Para sufragarmos/Os fiéis defuntos.

Sêde em meu favor, etc.

HINO

Deus vos salve, Esposo/Das almas fiéis/Que estão padecendo/Tormentos cruéis.

Mesmo assim vos amam/Em tal padecer,/Sem aqueles toques /Do doce prazer.

Como as virgens loucas/Foram imprudentes,/Perdoai as suas/Ações negligentes.

Celebrai depressa/ As núpcias eternas,/Com aquelas almas/Humildes e ternas

Olhai compassivo/Para as fadigas/Dessas que não são/Vossas inimigas

Conduzi-as logo/À feliz herança/Da vossa Suprema/Bem-aventurança.

Transportai-as já,/Sem mais dilação/Para os tabernáculos/Da santa Sião.

Por vós gozem elas/Sem maior detença/Os doces efeitos/Da vossa presença.

Peçamos a deus, etc.

ORAÇÃO

Onipotente e misericordioso Deus, etc.

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OFERECIMENTO

Nós vos oferecemos,/Ó bom Deus propício,/Pelas tristes almas,/ Este breve ofício.

Vós que sabeis tudo/Quanto nós pensamos,/Bem sabeis que almas/Hoje sufragamos.

Participem todas/Por vossa bondade,/Conforme a justiça/E a caridade.

Para que por Vós,/Jesus, Sumo Bem, /Em paz já descansem/Para sempre. Amém.

FONTE:

ANCORA da salvação. Salvador: Convento da Piedade, sem data. p. 59-66. Acervo particular de Maria Auxiliadora de Oliveira (Sili)

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