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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE LINGUAGENS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM
RUTE ALMEIDA E SILVA
GESTAR II: DESAFIO DAS PRÁTICAS DE ESCRITA EM MATERIAL DE
FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA
CUIABÁ – MT
2011
RUTE ALMEIDA E SILVA
GESTAR II: DESAFIO DAS PRÁTICAS DE ESCRITA EM MATERIAL DE
FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade
Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem,
sob a orientação da Profª Drª Maria Rosa Petroni.
CUIABÁ – MT
Dedico este trabalho ao meu esposo Cristiano por ter sonhado junto comigo. Com certeza esta
dissertação não existiria sem o seu amor e sua compreensão.
AGRADEÇO
À Deus por mais esta conquista.
À professora Dra Maria Rosa Petroni, minha orientadora, por acreditar em meu potencial.
Agradeço pela sua sensibilidade, paciência e pelas preciosas contribuições durante todo o
trabalho. Suas orientações, sem dúvida, proporcionaram-me um novo olhar não só para a
minha pesquisa como também para a vida.
À Banca de Qualificação, aos professores doutores Wagner Rodrigues Silva e Simone de
Jesus Padilha pelo olhar exotópico e pelas relevantes sugestões na presente dissertação.
Aos professores do Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem da UFMT, pela
oportunidade de avançar no meu percurso teórico — Maria Rosa, Simone, Sérgio Flores,
Maria Inês, Cláudia, Elias, Solange, Danie e Ana Antonia.
Agradeço de modo especial à Professora Dra. Maria de Jesus das Dores Alves Carvalho
Patatas por ter enxugado minhas lágrimas e me incentivado no primeiro momento deste
projeto. Muito obrigada por ter me mostrado o caminho.
À Lezinete, minha grande inspiração, por seu apoio permanente e incondicional nesta jornada.
Obrigada por tudo!
Aos amigos da Pós-Graduação: Shirlei, Soeli, Sônia Renata, Daniela, Jucelina, Jefferson, Ely,
Elizangela, Eliana, Andréia, Gleice, Leila, Viviane, Iara, Sandra, Sebastiana, Anderson e
Margareth, pelo diálogo sempre enriquecedor e pela amizade construída e reforçada neste
processo.
Aos funcionários do MeEL, Douglas, Rose e Andréia pelo carinho e atenção.
Agradeço ao Cristiano pelo estímulo e trocas constantes. Seu excedente de visão tem me
completado a cada dia.
Ao Edilson, meu irmão, amigo, pai, camarada, pela alegria, admiração e pela força
transmitida em todos os momentos. Mano, você fez e faz toda a diferença na minha vida!
Serei eternamente grata.
À Lirian, minha cunhada querida, pela torcida e pelo incentivo de sempre. Valeu!
Agradeço a todos meus amigos — Marciléia, Julianne, Ardalla, Jô, Josane, Raimundo,
Lidiane, entre outros — por fazerem parte da minha vida e de alguma forma terem
contribuído com a realização deste trabalho.
RESUMO
O presente estudo, inserido na área de Linguística Aplicada, discute assuntos relacionados à
formação continuada de professores e ao material didático-pedagógico utilizado nesse
processo, mais especificamente, no curso de formação do GESTAR II de Língua Portuguesa,
projeto governamental, desenvolvido pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso.
O GESTAR II é um Programa destinado aos docentes atuantes no Ensino Fundamental,
mantendo seu foco na melhoria da aprendizagem dos alunos e no desenvolvimento de
competências dos professores. Para a realização desta pesquisa, selecionamos as propostas de
produção escrita da Unidade 22, no interior do Caderno TP6, com o objetivo de verificar se
essas propostas estão fundamentadas no atual paradigma de ensino e se possibilitam aos
professores o real desenvolvimento das capacidades de linguagem necessárias ao processo de
produção de textos. Constitui-se, portanto, em um trabalho documental, de natureza
qualitativa, em que assumimos o aporte teórico do Círculo de Bakhtin, da sociohistórica de
Vygotsky e das capacidades de linguagem da escola de Genebra para análise e discussão dos
dados. Os resultados obtidos evidenciaram que as orientações teórico-metodológicas do TP6,
mesmo adotando as concepções de linguagem e de escrita veiculadas nos PCNLP (BRASIL,
1998), não dão suporte para o professor no ensino de escrita de textos. Além do mais,
mostraram-se insuficientes para promover um ensino-aprendizagem baseado nos gêneros,
adotados como objeto de ensino por esses documentos oficiais, bem como para desenvolver
de fato as capacidades de linguagem implicadas no processo de escrita do professor-cursista.
Esses resultados nos levam a refletir acerca da necessidade de reformulação, através de
políticas públicas concretas, dos materiais didático-pedagógicos utilizados nesses cursos, com
o intuito de contemplar um trabalho orgânico em relação à teoria enunciativo-discursiva,
permitindo, em especial, o desenvolvimento das capacidades discursivas e contribuindo para a
formação de um professor produtor/responsivo de textos vários.
Palavras-chave: Formação docente, GESTAR II, ensino-aprendizagem da escrita.
ABSTRACT
This study, within the area of Applied Linguistics, discusses issues related to the teachers´
continuing education and teaching materials used in this process, more specifically, the
training course GESTAR II Portuguese government project, developed by the Education
Department of Mato Grosso State. GESTAR II is a Program designed for teachers working in
the Elementary School, which maintains its focus on improving the student´s learning and the
teachers´ skill development. To develop this research, we selected the proposals of the written
production of Unit 22 within the notebook TP6 in order to verify whether these proposals are
based on the current teaching paradigm and enables teachers to the actual development of
language skills needed in the texts´ production. It is, therefore, a documentary work, based on
a qualitative method that we assume the theoretical basis of the Bakhtin Circle, Vygotsky's
socio historical and language abilities of Geneva school to review and discuss the data. The
results showed that the theoretical and methodological approaches to TP6, even adopting the
concepts of language and writing released in the PCNLP (BRAZIL, 1998) do not support the
teacher in the teaching of written texts. Besides, were not sufficient to promote a teaching-
learning based on gender, adopted as a teaching object, by these official documents, as well as
to actually develop the language skills involved in the teacher-students written process. These
results lead us to reflect on the need for reform, through concrete public policy, didactic and
pedagogical materials for such courses, in order to include an organic work in relation to the
discursive theory of enunciation, allowing, in particular the development discursive capacities
and contributing to the formation of a teacher producer responsive to various texts.
Keywords: Teacher education, GESTAR II, teaching and learning of writing.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AAA – Atividades de Apoio à Aprendizagem
EAD – Educação à distância
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FUNDESCOLA – Fundo de Fortalecimento da Escola
GESTAR II – Gestão da Aprendizagem Escolar – Módulo II
LD – Livro didático
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
LP – Língua Portuguesa
MEC – Ministério da Educação
PCNLP – Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático
PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica
SEDUC – Secretaria de Estado de Educação
TP – Caderno de Teoria e Prática
UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso
ZPD – Zona Proximal de Desenvolvimento
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................... 11
CAPÍTULO I – FORMAÇÃO DOCENTE, PCNLP, MATERIAL DIDÁTICO
E GESTAR II............................................................................................................. 15
1.1 O professor de Língua Portuguesa e os PCNLP.............................................. 16
1.2 Em foco: a formação continuada do professor de Língua Portuguesa............ 18
1.3 PCNLP: um novo direcionamento para o ensino........................................... 28
1.3.1 A prática de produção textual nos PCNLP...................................................... 29
1.4 Materiais didático-pedagógicos no ensino de Língua Portuguesa................... 37
1.5 GESTAR II: Programa de formação continuada............................................. 40
CAPÍTULO II – OS NOVOS PARADIGMAS E O ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA......................................................................................................... 42
2.1 Bakhtin e os gêneros do discurso..................................................................... 43
2.2 Características do enunciado concreto e compreensão ativa 53
2.3 Gêneros discursivos e gêneros textuais........................................................... 55
2.4 Letramento no ensino de Língua Portuguesa.................................................. 60
2.5 Capacidades de linguagem.............................................................................. 66
2.6 Algumas contribuições da teoria sociohistórica de Vygotsky para o ensino
de Língua Portuguesa.................................................................................................
70
CAPÍTULO III – METODOLOGIA DA PESQUISA...........................................
76
3.1 Objetivos e perguntas de pesquisa................................................................... 76
3.2 A perspectiva enunciativo-discursiva de Bakhtin como fundamento teórico
para a investigação científica...................................................................................... 77
3.3 Metodologia de geração de dados................................................................... 79
3.4 Critérios para a seleção do Caderno TP6 e da modalidade escrita.................. 82
3.5 O Guia Geral.................................................................................................... 84
3.5.1 Unidade 1 – O GESTAR II: Programa de Formação Continuada em
Serviço......................................................................................................................... 86
3.5.2 Unidade 2 – A Proposta Pedagógica do GESTAR II...................................... 87
3.5.3 Unidade 3 – Implementação do GESTAR II................................................... 95
3.5.4 Unidade 4 – O GESTAR II, as expectativas de mudança e a especificidade
do Programa em cada escola....................................................................................... 99
3.5.5 Unidade 5 – Procedimentos para utilização dos Cadernos de Atividades de
Apoio à Aprendizagem do aluno................................................................................. 99
3.6 Categorias de análise....................................................................................... 101
CAPÍTULO IV – ANÁLISE DE DADOS...............................................................
104
4.1 Unidade 22 – Produção textual: planejamento e escrita.................................. 104
4.2 Seção I – O planejamento................................................................................ 112
4.2.1 Seção II – O planejamento: estratégias........................................................... 129
4.2.2 Seção III – A escrita........................................................................................ 135
4.3 Atividades direcionadas ao aluno.................................................................... 139
4.3.1 Seção I – O planejamento................................................................................ 140
4.3.2 Seção II – O planejamento: estratégias........................................................... 147
4.3.3 Seção III – A escrita........................................................................................ 161
4.4 Capacidades indicadas nas propostas de produção textual.............................. 170
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 174
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................... 179
11
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, temos vivenciado grandes transformações políticas, econômicas,
culturais e sociais. O século XX, com a evolução da mídia e das tecnologias da informação e
da comunicação, por exemplo, trouxe novos interesses e necessidades para a sociedade. Os
avanços nessas áreas do conhecimento, em boa medida, estão vinculados ao armazenamento e
à transmissão de informação, o que requer do cidadão novas capacidades, no sentido de
transformá-la em conhecimento. Sua participação efetiva, nesse processo de mudanças, é
dependente, sobretudo, do domínio da escrita e este, por sua vez, de responsabilidade da
escola. Entretanto esse domínio tem se mostrado insuficiente para os novos tempos.
Considerando a escola como umas das responsáveis pelo ensino-aprendizagem de uma
prática de produção de textos diversos, alguns órgãos competentes têm se mobilizado na
busca de alternativas concretas para tal ensino, revendo, especialmente, métodos pedagógicos
e conteúdos, definindo novas propostas curriculares para a educação escolar.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, doravante PCNLP,
(BRASIL, 1998) constituem-se em um bom exemplo do que dizemos, pois é uma proposta
governamental de grande abrangência que visa, dentre outros fatores, melhorar a qualidade do
ensino de Língua Portuguesa (doravante LP). Nos documentos oficiais, é admitido um ensino-
aprendizagem mais significativo e contextualizado, cujos pressupostos centram-se no
desenvolvimento de competências/capacidades linguístico-discursivas do aluno. Além disso,
visam à formação de produtores de textos competentes, capazes de elaborar escritas coerentes,
coesas, eficazes e adequadas a cada situação sociocomunicativa, pois esta é uma das
condições que pode tornar o aluno cidadão politizado, consciente e ativo na sua comunidade.
Nessas diretrizes, a escrita é concebida como prática discursiva, uma vez que não é
uma atividade em si, mecânica, sem objetivos e propósitos, mas um ato interlocutivo,
vinculado a seus usos e a suas funções sociais, um processo dialógico entre homem e mundo.
A escola, assim, torna-se responsável por ensinar ao aluno tal prática, garantindo-lhe o acesso
aos conhecimentos linguístico-discursivos que lhe permitam exercer de fato sua cidadania, já
que é por meio da escrita que o sujeito se comunica, tem acesso à informação, defende seus
direitos, seu ponto de vista, construindo, assim, saberes vários.
Em vista dessa responsabilidade, alguns órgãos oficiais vêm demonstrando também
preocupação com a formação docente. Por isso, têm buscado desenvolver alternativas
práticas, teóricas e metodológicas para a melhor atuação desse profissional. O governo
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Federal, juntamente com as Secretarias de Educação, tem proposto ao professor cursos e
programas de atualização e capacitação, visando à (re)construção de conhecimentos diversos,
coerentes com os parâmetros estabelecidos pelos referenciais de ensino. Dentre tais
programas, destaca-se o Programa Gestão da Aprendizagem Escolar (doravante GESTAR II),
cujo foco é a melhoria do aprendizado dos alunos e o desenvolvimento de competências dos
educadores.
O GESTAR II é um programa de formação continuada em serviço, destinado a
professores de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries), destacando-se tanto
pela sua abrangência e aceitação quanto pelo seu caráter inovador, a saber, a modalidade
semipresencial, o formador e os Cadernos de Teoria e Prática (TP).
Considerando seu propósito, é pertinente verificarmos se o modelo GESTAR II
apresenta orientações que realmente habilitam o professor para a prática efetiva do ensino-
aprendizagem e se sua proposta vai ao encontro da atual tendência de ensino, possibilitando
ao professor o desenvolvimento das capacidades de linguagem implicadas no processo de
produção de textos. Isso se faz necessário, pois se o domínio dessas práticas não for efetivado
pelos professores nos cursos de formação continuada, infelizmente, os alunos podem receber
direcionamentos insuficientes para compreender a linguagem como interação humana e social
na produção de conhecimentos.
Nosso olhar está voltado para esse contexto de busca, de esforços realizados,
especialmente, pelas Secretarias de Educação, no que se refere à formação de professor em
processo contínuo, no sentido de oferecer a esse profissional o acesso aos novos paradigmas
de ensino. Enquanto professora de Língua Portuguesa, somos motivadas a buscar, através da
pesquisa, respostas para nossas ansiedades e a adequação necessária às práticas pedagógicas
nesse momento de mudanças no ensino.
Para nós, é importante a realização de trabalhos de análise de materiais didático-
pedagógicos de formação, ainda mais se levarmos em conta não só a necessidade da
população atual, como também os objetivos de ensino de LP, no que se refere à formação de
um aluno crítico, capaz de viver ativamente neste novo tempo. Se o ensino-aprendizagem,
hoje, é caracterizado por uma configuração inovadora, é pertinente pensar que o material
didático, nos cursos, também acompanhe essa lógica, contribuindo de fato para a formação de
professores. Acreditamos que o presente estudo possui relevância social para o meio
educacional, no que diz respeito, principalmente, à contribuição com as discussões
relacionadas à formação docente e materiais didático-pedagógicos utilizados na educação
continuada de professores, de modo a provocar reflexões por parte dos órgãos responsáveis, a
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saber, o Ministério da Educação (MEC) quanto às políticas adotadas na elaboração desses
materiais.
A pesquisa em questão tem como objeto de análise parte do material de formação
continuada do Programa GESTAR II, a saber, o Caderno TP61 e o Guia Geral
2. Assim, o
objetivo geral desta dissertação é analisar as orientações teóricas, bem como as questões de
produção escrita da Unidade 22, no interior do TP6, a fim de verificar se essas propostas
possibilitam aos professores o real desenvolvimento das capacidades de linguagem
necessárias no processo de produção de textos. Para darmos conta desse objetivo, lançamos
mãos das seguintes perguntas de pesquisa:
1) Quais capacidades de linguagem são mobilizadas no tratamento didático
dispensado às atividades de produção escrita para aluno e professor, no material selecionado?
2) As capacidades de linguagem identificadas em (1) atendem aos objetivos propostos
no GESTAR II, mais precisamente no TP6, para a formação continuada do professor,
considerando o atual paradigma de ensino de Língua Portuguesa?
Com base nas questões de nossa pesquisa, elencamos os objetivos específicos:
1) Analisar como dialogam as orientações teóricas do Guia Geral e do TP6 na
proposta de produção escrita para professores e alunos.
2) Comparar as atividades de produção escrita para os alunos no TP6 aos pressupostos
teórico-metodológicos apresentados ao professor no TP6.
3) Identificar as capacidades de linguagem mobilizadas nas propostas de ensino-
aprendizagem da escrita.
Esta pesquisa está estruturada em quatro partes.
1 TP6 (BRASIL, 2008b) é um dos Cadernos de Teoria e Prática que compõem o material do GESTAR II. Sob o
tema Leitura e processos de escrita II, esse caderno é disponibilizado ao professor-cursista do Programa no
momento inicial do curso. 2 O Guia Geral (BRASIL, 2008a) é um dos cadernos que compõem o GESTAR II. Esse material oferece aos
professores-cursista informações relativas à metodologia de trabalho, pressupostos teóricos, organização do
curso para que todas suas propostas e objetivos sejam compreendidos pelos professores.
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No capítulo I, discutimos as questões relacionadas à formação continuada do professor
de LP, defendendo uma postura reflexiva e crítica nesse processo, com base em Nóvoa (1992,
2009), Schön (1992), Kleiman (2001), Magalhães (2004), Ferreira (2003), Brito (2006), entre
outros. Depois, abordamos os PCNLP (BRASIL, 1998), tratando de alguns dos seus
pressupostos teóricos, tais como a concepção de língua(gem) e o ensino-aprendizagem de
escrita sob a abordagem enunciativo-discursiva, embasados, sobretudo, nesses documentos
oficiais, em Dolz e Schneuwly (2004), Reinaldo (2005), Barros-Mendes (2005), entre outros.
Ainda, neste capítulo, tratamos das mudanças ocorridas no ensino-aprendizagem de LP, assim
como das adequações dos materiais didático-pedagógicos às novas proposições curriculares,
dentro desse contexto. Para finalizar, apresentamos sucintamente, o Programa GESTAR II de
Língua Portuguesa.
No capítulo II, abordamos algumas das questões teóricas mais relevantes para nosso
trabalho, iniciando por uma explanação acerca da teoria dos gêneros, a partir de Bakhtin e seu
Círculo (2004[1929], 2003[1952-1953]), Fiorin (2006), Brait (2000, 2008), Sobral (2008,
2009), entre outros. Discorremos também acerca do conceito de letramento, baseando-nos em
Soares (1998, 2000), Kleiman (1995, 1998, 2005), Barbosa (2001), Paes de Barros (2005),
Rojo (2009b), entre outros; das capacidades de linguagem, a partir dos estudiosos da
Universidade de Genebra, Dolz e Schneuwly (2004), e Barros-Mendes (2005). Na sequência,
tratamos das contribuições da teoria sóciointeracionista, baseadas em Vygotsky (2007[1984],
1996[1987]), Oliveira (1997), Paes de Barros (2005), Freitas (2006) e Rego (2008).
No capítulo III, exibimos a metodologia utilizada para a realização da pesquisa e no
capítulo IV apresentamos a análise dos dados da pesquisa, com base no referencial teórico
abordado nos capítulos I, II e III.
Nas Considerações Finais, realizamos uma síntese dos resultados obtidos, com intuito
de responder às questões de pesquisa, apresentando algumas reflexões sobre os resultados.
15
CAPÍTULO I
FORMAÇÃO DOCENTE, PCNLP, MATERIAL DIDÁTICO E GESTAR II
Desde o final da década de 1990, a implantação dos PCNLP3 (BRASIL, 1998) tem
causado variados reflexos na educação brasileira, sobretudo, no que se refere ao novo
direcionamento dado ao ensino de Língua Portuguesa4. Essa diretriz curricular, que traz em seu
bojo concepções e perspectivas teórico-metodológicas classificadas como inovadoras,
representa, atualmente, o ideal de ensino no país, já que apontam para mudanças efetivas no
sistema educacional.
Todavia, acreditamos que, para sua efetivação no ensino-aprendizagem de língua
materna, é preciso uma formação — inicial e continuada — eficiente e de qualidade, que
contribua tanto para a reflexão sobre as propostas desse material quanto para a discussão dos
problemas e das soluções, no que diz respeito à prática pedagógica do professor. Como
pondera o próprio documento,
a formação dos professores se coloca, portanto, como necessária para que a
efetiva transformação do ensino se realize. Isso implica revisão e atualização
dos currículos oferecidos na formação inicial do professor e a implementação
de programas de formação continuada que cumpram não apenas a função de
suprir as deficiências da formação inicial, mas que se constituam em espaços
privilegiados de investigação didática, orientada para a produção de novos
materiais, para a análise e reflexão sobre a prática docente, para a
transposição didática dos resultados de pesquisas realizadas na linguística e
na educação em geral (BRASIL, 1998, p. 67).
Neste capítulo, apresentamos o que se constitui em um elemento fundamental na
imensa discussão acerca do ensino de LP, prosseguindo em direção ao debate teórico sobre a
formação (continuada) do professor, ligado aos atuais paradigmas de ensino, tais como o
conceito de letramento, as concepções de língua(guem) e de escrita, veiculadas nos PCNLP
(BRASIL, 1998). Considerando que a formação docente é tratada por diferentes tendências,
no tocante à sua execução, pretendemos retomá-la, sem maiores aprofundamentos, sob o
enfoque crítico-reflexivo.
3 O leitor deverá levar em conta que estaremos, salvo citação explícita, sempre nos referindo aos Parâmetros
Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, de 3º e 4º Ciclos, do Ensino Fundamental (1998), haja vista que,
além desse, outros documentos prefigurativos existem, tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais de
Língua Portuguesa (1997); Parâmetros Curriculares do Ensino Médio de Língua Portuguesa (1999), PCN+
(2000), Orientações Curriculares do Ensino Médio (2006).
4 Neste trabalho, ao nos referirmos ao ensino de Língua Portuguesa, utilizaremos língua, língua materna, língua
portuguesa , ou, simplesmente, LP.
16
Na seção seguinte, são abordados aspectos dos PCNLP (BRASIL, 1998), relacionados
ao professor e sua prática.
1.1 O professor de Língua Portuguesa e os PCNLP
Os PCNLP (BRASIL, 1998) constituem-se em uma proposta do MEC que tem como
finalidade principal melhorar a qualidade da educação brasileira, garantindo às crianças e aos
jovens o acesso aos conhecimentos necessários para sua integração na sociedade moderna
como cidadãos ativos e responsáveis. A elaboração desse documento é resultado de um longo
trabalho que contou com a participação de muitos educadores brasileiros, estudiosos e
especialistas, e foi produzido no contexto das discussões pedagógicas daquele momento,
passando por várias críticas, sugestões e revisões até chegar à versão final. Os pressupostos de
tais diretrizes centram-se no desenvolvimento de competências/capacidades linguístico-
discursivas do aluno, no ensino contextualizado e significativo e, especialmente, na formação
de um indivíduo crítico, consciente e participativo, capaz de intervir seguramente no meio
social do qual participa.
Esse documento, destinado a um público diversificado de professores, das diferentes
regiões do país, se apresenta não só como um referencial, mas também como um conjunto de
reflexões que objetivam alimentar a prática pedagógica do educador. Além disso, traz visões
teórico-metodológicas recentes e diversas, visando ao ensino a partir do uso da linguagem
contextualizada, privilegiando, de tal modo, o trabalho com os gêneros do discurso. Isso
equivale a dizer que, na sala de aula, o ensino-aprendizagem da escrita, especificamente, deve
partir do uso possível aos alunos, permitindo-lhes conquistar novas
competências/capacidades.
Aliás, bem sabemos que o trabalho com os gêneros veio à tona5, ou ganhou maior
visibilidade, a partir da publicação desse material, pois os pesquisadores tomam-nos como
objeto de estudo. A opção por esse ensino mais significativo, ocorrida no final do século XX,
é resultado de um forte apelo, primeiro da Academia e depois de algumas ações
governamentais, em prol da leitura e, necessariamente, da escrita de textos que fazem parte do
universo extraescolar dos alunos, a fim de torná-los leitores e escritores proficientes e críticos,
conforme nos relembra Paes de Barros (2008). Segundo a autora, é justamente nesse contexto
5 É válido lembrar que o debate acerca da noção de gêneros já existia no Brasil antes mesmo da elaboração dos
PCNLP (BRASIL, 1998). Trata-se de uma discussão antiga travada, principalmente, no meio acadêmico, no
campo da Linguística Aplicada (GOMES-SANTOS, 2004).
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que gêneros pertencentes a diferentes esferas sociais (publicitária, artística, religiosa, entre
outras) ganham espaço no meio escolar, como instrumento de ensino-aprendizagem dessas
práticas. Por isso, é impossível não admitir que tal parâmetro representa um avanço nas
políticas educacionais brasileiras, principalmente, em relação ao ensino-aprendizagem de
escrita sob um enfoque enunciativo-discursivo. Mas também não se deve esquecer das
variadas críticas que ele tem recebido, dentre as quais se encontra aquela acerca da sua autoria
difusa e das concepções que são, por vezes, abordadas superficialmente, quando não,
contraditoriamente.
Na verdade, na opinião de Silva (2001, p. 102), essa diretriz oficial possui ―uma falha
textual, pois, ao tentar simplificar os conceitos, o documento transforma-se num aglomerado
de noções mal formuladas e incompreensíveis‖, o que só contribui para a perda da essência da
proposta, ou seja, ela acaba se transformando em uma mera ―lista‖ de itens indicados para a
prática pedagógica em sala.
Considerando essas questões, reiteramos que as duras críticas a tal documento não
podem ser desconsideradas, mas, antes de tudo, seu valor social deve ser reconhecido e
enfatizado, como bem destacam vários autores (ROJO, 2000; BARBOSA, 2001; SILVA,
ASSIS, MATENCIO, 2001; PETRONI, 2008). De qualquer modo, os Parâmetros têm sua
atuação ―nas políticas linguísticas contra o iletrismo e em favor da cidadania crítica e consciente‖
(ROJO, 2000, p.27). Além disso, traz contribuições valiosas para o campo do conhecimento
didático-pedagógico da atuação docente em sala de aula, bem como para o processo
interlocutivo entre professor e aluno, evidenciando-se, sem dúvida, como subsídios e
orientações que auxiliam o educador em seu cotidiano escolar.
Em virtude disso, compreendemos que a efetivação, assim como a adoção da proposta
veiculada nesse documento oficial, constitui-se em um desafio para o docente, sobretudo para
aquele formado há mais tempo6, que não teve contato com os conceitos trazidos por tal
diretriz. Aliás, para que um ensino por meio dos gêneros, por exemplo, conforme apontam os
PCNLP (BRASIL, 1998), se torne exequível, é preciso um real domínio de teorias e métodos,
algo que a maioria dos professores ainda não alcançou. Muitos (até) têm tentado realizar esse
trabalho com gêneros do discurso, mas, na prática, ainda realizam mesmo o trabalho com
tipologias textuais (BARBOSA, 2000).
6 As matrizes curriculares de muitos cursos de Letras, no Brasil, hoje, já incluíram esses conteúdos (gêneros) em
suas grades de ensino.
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Para um ensino de língua materna mais concreto, que forme sujeitos críticos e
conscientes do seu papel social, é preciso que se oportunize ao educador não leituras
simplificadas (às vezes, rasas), mas aprofundamentos teóricos, metodológicos, conhecimento
amplo a respeito de teorias várias que embasam as orientações oficiais, com a devida atenção
que um estudo como esse merece. Nas palavras de Pompílio, Mori-de-Angelis, Oliveira, Silva,
Barbosa e Nunes (2000), um aprofundamento das teorias que compõem os PCNLP (BRASIL,
1998) demanda práticas mediadoras que permitam uma discussão, de fato, sobre o que neles
se propõe. Isso compreende, sem dúvida, um trabalho de formação docente continuada, além
da elaboração de textos de apoio, nos quais se esclareçam algumas de suas ideias, e da
confecção de materiais didáticos que respondam às questões propostas por essa diretriz
curricular. Só assim haverá uma efetiva transformação do espaço escolar, pois concordamos
com Moita Lopes (2003, p. 31): ―não se pode transformar o que não se entende‖.
Nessa mesma direção, fazendo coro às vozes, compartilhamos com a opinião de
Barbosa (2000), que reconhece o valor de tal documento para a educação e destaca: ―para que
seus efeitos possam ser potencializados a médio e a longo prazos, fazem-se necessárias outras
modalidades de intervenção‖ (BARBOSA, 2000, p.149). Assim, afirmamos que é preciso
uma real formação continuada de professores e demais educadores; sem isso, não haverá
mudanças concretas na direção pretendida quanto ao ensino-aprendizagem de Língua
Portuguesa.
Na seção seguinte, então, tecemos algumas considerações sobre a formação do
professor.
1.2 Em foco: a formação continuada do professor de Língua Portuguesa
Diante das questões expostas, envolvendo os PCNLP (BRASIL, 1998),
compreendemos que, apesar das preocupações dos órgãos responsáveis em solucionar os
problemas do ensino de LP, para uma transformação efetiva não basta, somente, mudar
teorias e métodos ou, muito menos, definir propostas curriculares; é preciso investir
maciçamente na formação e na qualificação (eficiente) do professor. A formação desse
profissional é um assunto também frequente na pauta dos debates educacionais, não só na
Academia — em teses, dissertações, artigos — como também nos diversos outros contextos
sociopolíticos — escola, imprensa, instâncias governamentais etc. Em meio a essa discussão
sobre a formação, como não poderia deixar de ser, encontra-se o professor, tido, muitas vezes,
como mal preparado para a atuação docente.
19
Vivemos atualmente em uma nova era, na sociedade do conhecimento, da informação
e do avanço tecnológico, em que se exige cada vez mais o domínio de variadas
capacidades/competências de qualquer profissional. Nesse contexto, as severas críticas em
relação ao educador têm se tornado constantes, sobretudo, no que diz respeito ao fato de ele
não conseguir promover o desenvolvimento em seus aprendizes, através da leitura e da escrita,
de capacidades reais que lhes permitam participar efetivamente da vida social. Isso parece
estar comprovado nos resultados insatisfatórios de exames7 estudantis, que pretendem medir
as capacidades e competências leitoras e escriturais dos alunos. Dizemos isso, pois, para
muitos, os resultados desses testes, nos diversos níveis, têm servido (somente) para ―trazer a
público a situação do ensino e da aprendizagem nas escolas e a precariedade na formação dos
professores‖ (ANDRÉ, 2009, p. 247).
Esses resultados não só refletem a qualidade da educação, como também direcionam a
atenção para o educador e para sua formação — inicial e/ou continuada. O que se tem
observado, portanto, é que, na maioria das vezes, a culpa do insucesso nas avaliações, assim
como no ensino de língua, recai, especialmente, sobre o professor e sobre seu processo
formativo, considerados insuficientes por não atenderem às necessidades da sociedade atual.
Enfim, parece ser consenso, para grande parte da população, que a formação profissional de
que dispõe o professor brasileiro não contribui eficientemente para que os alunos tenham
sucesso na aprendizagem escolar e sejam transformados em cidadãos conscientes e reflexivos,
capazes de viverem dignamente nesse novo tempo.
Em relação à formação docente, Brito (2006) elucida que, antigamente, formar
professores consistia em dotá-los de competência e habilidade instrumentais, e o processo
formativo desse profissional apoiava-se em modelos tecnocratas (no predomínio de técnicas)
que os preparavam para executar com eficiência o saber-fazer. Entretanto, os tempos
mudaram, as necessidades da população são outras; por isso, nos dias atuais, há emergência de
novas reflexões sobre a formação e a prática docente. Para a autora, essas reflexões dizem
respeito ao delineamento de uma nova racionalidade formativa, cujo objetivo é formar um
professor que, além de dominar os saberes específicos da sua profissão, constitua-se como um
indivíduo capaz de responder às diversas situações que marcam a práxis docente.
Dessa forma, impera a necessidade de um profissional extremamente qualificado, que
exerça a docência de modo efetivo nessa sociedade tão complexa, o que demanda,
inevitavelmente, uma educação docente continuada eficiente, diferente daquela transmissiva,
7 SAEB, ENEM, PISA, Prova Brasil, entre outros.
20
ligada ao praticismo pedagógico e à racionalidade técnica; necessita-se, portanto, de uma
formação dotada de postura autônoma, crítica e reflexiva, capaz de trazer o professor para o
centro do processo, fazendo-o refletir sobre sua própria prática, transformando-a. Hoje, impõe-
se a necessidade de uma educação que valorize as ações pedagógicas do professor,
preparando-o efetivamente para enfrentar as mudanças educacionais da sua época.
Ressaltamos essa necessidade, apesar de reconhecermos que programas de capacitação
profissional existem; no entanto, tem-se observado que muitos dos cursos oferecidos por esses
programas nem sempre consideram o principal agente do processo de ensino: o professor.
Além disso, não tratam, com o devido aprofundamento, as abordagens teórico-metodológicas,
oferecendo, muitas vezes, materiais didáticos incoerentes com a proposta atual de ensino-
aprendizagem de LP, contribuindo pouco para a formação desse profissional.
Um exemplo dessa incoerência pôde ser observado por Magalhães (2004, p. 61), na
sua lida com a formação contínua de educadores, no que se refere ao modo como as
concepções de linguagem, de mundo, de ensino-aprendizagem, são enfocadas nesse contexto.
Segundo a autora, a maneira como são concebidas essas práticas nem sempre possibilita ao
cursista ―a desconstrução de representações tradicionais que têm uma sólida base em uma
pedagogia que entende ensino-aprendizagem como transmissão e devolução de conhecimento
e está apoiada em um conceito estruturalista de linguagem‖. Essa autora (2001) relembra
ainda que muitos desses cursos oferecem ao participante um ―pacote‖ de novidades, com
teorias inovadoras e receitas prontas que não alteram a práxis docente; parecem mesmo
acreditar que somente o conteúdo é suficiente para preparar esse profissional, ou seja, acabam
ignorando o fato de que o conhecimento é um processo, em que o educador, em curso,
engajado na prática, também o produz.
Em face dessas colocações — de teorias desatualizadas, de concepções incoerentes
com o ensino atual — compreendemos que uma formação inadequada pode levar, de fato, o
professor a reproduzir na sala de aula conteúdos teóricos antiquados e/ou descontextualizados.
Por essa razão, entendemos que a formação continuada é [deveria ser] o espaço ideal não só
para refletir sobre as práticas pedagógicas atuais e/ou antigas, a vida pessoal e profissional do
professor, como também para desconstruir saberes cristalizados e/ou construir outros saberes,
de preferência, partindo sempre do cotidiano escolar.
Essa ideia parece aproximar-se da que vem sendo assumida, desde os anos 1990, sobre
a formação de um professor reflexivo. Sabe-se que esse conceito de profissional reflexivo foi
revitalizado pelo norte-americano Donald Schön (1992), que defende uma formação docente
fora dos moldes normativos, isto é, aqueles que dão ênfase à transmissão do conhecimento e
21
em que se apresentam primeiro os princípios científicos e depois sua aplicação. Ao contrário,
esse autor propõe uma educação reflexiva, desde a formação inicial (até a continuada),
embasada no tripé conhecimento na ação (saber-fazer), reflexão na ação (pensar sobre o
fazer), reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação (analisar criticamente o saber fazer).
Sem dúvida, esse modelo possibilita um olhar diferenciado para a educação atual,
favorecendo uma formação docente mais concreta, adequada às novas exigências do mundo
globalizado.
Nessa perspectiva, o saber sobre o ensino não se antecipa ao fazer o ensino, não se
dando mais antes do fazer pedagógico, como estabelecia o modelo tradicional. Ao contrário
disso, parte-se da prática, do conhecimento na ação, refletindo sobre ela e questionando-a,
embasado, é claro, pelo saber teórico; depois, compreendem-se os problemas e conflitos
vivenciados na sala de aula, analisando-os criticamente, criando meios para solucioná-los.
Tal postura reflexiva permite, de fato, ao aluno/professor a discussão, a comparação, a
investigação, bem como a participação no seu processo de construção de conhecimento, visto
que, nessa concepção, cada situação problemática, na escola, por exemplo, é entendida na sua
peculiaridade, devendo ser tratada dentro do seu contexto imediato, sem, necessariamente, o
rigor das aplicações técnicas. A esse respeito Schön (1990 apud PORTO, 2000, p. 20) tece
algumas considerações:
As zonas indeterminadas da prática — incerteza, singularidade e conflito de
valores — escapam aos cânones da racionalidade técnica. Quando uma
situação problemática é incerta, a solução técnica do problema depende da
construção prévia de um modelo bem definido — o que em si mesmo não é
uma tarefa técnica. Quando um prático reconhece uma situação como única,
não pode tratá-la apenas através da aplicação de teorias e técnicas derivadas
do seu conhecimento profissional. E, em situações de conflito de valores,
não há metas claras e consistentes que guiem a seleção técnica dos meios.
A partir das ideias de Schön (1992), Porto (2000) entende que as práticas crítico-
reflexiva, criativo-inovadora, autônomo-transformadora passam a se impor como condição
construtiva da vida pessoal e profissional do educador, rompendo, evidentemente, com o
conhecimento produzido fora da profissão docente, descontextualizado. Como não poderia
deixar de ser, a formação continuada, que está associada ao processo qualitativo de práticas
formativas e pedagógicas do professor, passa a adotar como referências as dimensões
coletivas das práticas, contribuindo para a autonomia e para a consolidação da profissão
docente (PORTO, 2000, p. 14-15). Nessa perspectiva, o professor é capaz de construir o
22
conhecimento pedagógico a partir do cotidiano escolar, desenvolvendo, assim, uma prática
transformadora e um processo contínuo de reflexão na e sobre a ação.
Para Brito (2006), a formação desse profissional se dá em um processo dinâmico de
construção de significados, que deve ser de preferência articulado com a realidade
socioeducacional. Isso equivale a dizer que tal percurso deve tomar como referência a prática
concreta da escola, evitando-se, assim, o distanciamento entre o saber privilegiado da
instituição (acadêmica) e os saberes que emergem na sala de aula, haja vista que o exercício da
docência implica, necessariamente, a mobilização de diversos tipos de saberes. Tardif (1991
apud BRITO, 2006) elucida que os saberes pedagógicos — aqueles que possibilitam a
reflexão sobre a prática educativa mais ampla, assim como os disciplinares — que envolvem
variados campos do conhecimento, e os curriculares — que são selecionados no contexto da
cultura erudita — devem estar relacionados ao saberes da experiência, aqueles construídos na
prática escolar, porque é nesse espaço que não só afloram os problemas como também se
produzem alternativas para solucioná-los. É nesse contexto que se (re)constroem métodos de
ensino, plano, articulações etc. Sem dúvida, mobilizando esses diversos saberes o professor
terá embasamento para responder às exigências específicas das situações de ensino.
Advogando em nome da eficácia dos modelos de educação continuada que investem,
em boa medida, na formação do professor enquanto profissional reflexivo, Kleiman e
Signorini (2000 apud MAGALHÃES, 2001, p. 248) propõem uma (auto)formação via
letramento, por meio de um processo reflexivo. Esse tipo de formação compreende ―a
autonomia do professor através da transformação e do enriquecimento de suas práticas de
leitura e escrita‖. Nesse molde, tal processo ocorre primeiramente na instância pessoal, para
depois e/ou simultaneamente mostrar sinais na vida profissional, além de se considerar de fato
as necessidades reais de conhecimento do educador e as dificuldades enfrentadas por ele na
sala de aula.
As autoras concebem que a formação docente é constituída de práticas letradas,
voltadas não só para sua vida profissional como também individual. Partindo disso,
compreendemos que, nas discussões educacionais, em qualquer espaço social, inclusive no
escolar, não se pode (jamais) perder de vista o professor, suas particularidades e suas
verdades. Afinal, vale dizer mais uma vez, que ele é a ―peça‖ chave nesse imenso ―quebra-
cabeça‖ ou, melhor dizendo, não basta alterar métodos e teorias curriculares sem considerar,
de fato, o principal agente do processo de ensino-aprendizagem: o professor.
Somos a favor dessa postura, pois temos percebido que, nas várias discussões sobre
educação escolar, especialmente aquelas veiculadas na mídia, o professor de LP parece não
23
participar, efetivamente, ficando às vezes no meio de ―um fogo cruzado‖. Na verdade, ele
acaba sofrendo com tantas mudanças educacionais, com tantas críticas à sua prática docente,
com os inúmeros questionamentos sobre seu processo formativo, sua profissão, seu
letramento e sua vida. Aliás, ao longo da história, o educador vem enfrentando diversas
críticas sobre sua práxis pedagógica, além do desprestígio da sua profissão, da falta de
estrutura no espaço de trabalho, dos baixos salários, da sobrecarga de serviço, entre tantos
outros fatores. Em meio a tudo isso, muitas vezes, ele (enquanto cidadão) é esquecido e
ignorado, ou seja, reporta-se tanto à sua vida profissional, de forma crítica e severa, que se
esquece de olhar o outro lado da ―moeda‖.
Nesse sentido, entendemos que as inúmeras transformações na educação devem ser
compreendidas dentro de um contexto sócio-histórico, porque, é sabido, a democratização do
ensino, no início do século passado, trouxe um aumento significativo do número de alunos
para a escola, implicando, obviamente, o aumento de professores. Entretanto, para atender à
demanda, a formação desses profissionais ocorreu, muitas vezes, de modo indiscriminado e
com a oferta de cursos rápidos, nem sempre de qualidade, contribuindo, assim, para a
fragilidade do sistema, segundo Matencio (2000 apud STRIQUER, 2009).
Na defesa de que essas mudanças educacionais sejam acompanhadas de reflexões
concretas, tanto sobre a formação quanto sobre o perfil socioeconômico-cultural docente,
Silva, Assis e Matencio (2001) relembram o fato de que ultimamente tem chegado às diversas
universidades do país, por exemplo, um alunado de Letras com defasagem em leitura e
escrita. Isso ocorre, certamente, porque a maioria desses alunos não teve acesso a tais práticas
na sua infância ou ao longo de sua vida escolar e extraescolar. Infelizmente, o que se
encontra, geralmente, nos espaços acadêmicos são alunos com pouca familiaridade com as
novas tecnologias e, por trabalharem durante o dia e estudarem à noite, não têm condições de
se dedicar ao estudo fora do seu horário de aula. Além do mais, muito desses graduandos
provêm de famílias de baixa escolaridade, de grupos socialmente desfavorecidos, e sua
entrada numa universidade, especialmente na pública, representa uma grande conquista,
resultante do seu esforço e sacrifício em busca de ascensão social (SILVA; ASSIS;
MATENCIO, 2001). Portanto, todas essas questões não devem, de modo algum, ser
ignoradas, principalmente, nos espaços de formação continuada. Tendo em vista esses
profissionais como atores humanos, prenhes de histórias, de ações e práticas (LATOUR, 2004
apud SILVA, 2006), é preciso considerar as possibilidades das quais usufruíram ao longo da
sua vida,
24
as restrições pelas quais passaram, inventariar as situações vividas e as
formas como as enfrentam, bem como os comportamentos advindos de sua
ação no mundo social [...] é necessário debruçar-se sobre os fatores sociais,
considerando as diversas esferas da atividade humana determinadas por sua
inserção cultural, responsáveis pelo desenvolvimento psíquico dos sujeitos.
É preciso considerar as elaborações, os procedimentos e as demandas a que
os sujeitos devem responder em diferentes situações de seu cotidiano
(VÓVIO; SOUZA, 2005, p. 46).
Somente dessa maneira, conhecendo melhor os professores, trazendo suas múltiplas
histórias para o espaço de formação (não só este como as demais esferas sociais), estabelecer-
se-á uma aproximação entre o professor e a academia8, o professor e a sociedade, construindo
uma interlocução mais dialógica (GUEDES-PINTO; GOMES; SILVA, 2005, p. 66), capaz de
mudanças efetivas na práxis pedagógica. Somente desse modo, será possível um outro ―olhar‖
da sociedade para essa profissão, haja vista o constante interesse público pelos assuntos
educacionais.
Em relação a isso, Nóvoa (2009) nos faz relembrar que, paradoxalmente a esse
interesse público, tem-se notado, também, a ausência do professor em meio a essas
discussões, nos dias atuais. Segundo o autor (2009, p. 22), ―fala-se muito das escolas e dos
professores. Falam os jornalistas, os colunistas, os universitários, os especialistas. Não falam
os professores‖. Parece que vem ocorrendo, sistematicamente, uma espécie de silenciamento
da profissão, que, de certo modo, perdeu sua visibilidade nas relações sociais. Por isso, o
pesquisador também defende a necessidade de se construírem, urgentemente, políticas
públicas que reforcem o educador, seus saberes, seu campo de atuação, e que valorizem,
efetivamente, a sua cultura. Vale ressaltar que o lugar de formação constitui-se em um espaço
fundamental capaz de, efetivamente, reforçar essa presença pública do professor na sociedade.
Em relação à educação escolar, na nova realidade social em que vivemos, educar na
heterogeneidade das situações, sujeitos capazes de atuarem competentemente nas diferentes
esferas de atividade humana constitui-se em grande desafio para qualquer profissional da
educação (SOCORRO, 2009). Hoje, a sala de aula é concebida como um espaço complexo,
onde o professor encontra dificuldades de toda ordem, onde várias coisas acontecem ao
mesmo tempo, escapando, às vezes ao seu controle (SILVA, 2006).
Acreditamos que é exatamente nesse contexto que o docente precisa mobilizar os mais
variados saberes para solucionar problemas e para enfrentar determinadas situações que
8 Magalhães (2001, p. 249) destaca que a academia, na formação inicial, não tem conseguido realizar essa tarefa:
investir no letramento do professor. Isso ocorre, certamente, ―por não se ter convencido ainda de que a clientela
que hoje chega aos bancos universitários é consideravelmente diferente de três décadas atrás‖.
25
surgem no interior dessa instituição. Segundo Brito (2006), para resolver questões escolares, o
professor precisa mobilizar não só o conhecimento teórico como também o experiencial. Isso
equivale a dizer que sua ação não pode se limitar à mera aplicação e transmissão de
conhecimentos técnicos; ao contrário, ele precisa ser capaz de transformar esses saberes
diante da situação complexa que é a sala de aula. Essa questão nos remete, como não poderia
deixar de ser, a outro assunto bastante debatido no meio educacional. Trata-se da inter-relação
entre teoria educacional e prática docente, ou da desarticulação que muitas vezes existe entre
ambas.
Sabemos que a grande crítica existente hoje é que muitos cursos de formação docente,
tanto inicial como continuada, nem sempre conseguem relacionar essas duas ―modalidades‖.
Ao contrário, reduzem-nas a uma dicotomia estanque, desarticulada, expondo o aluno (futuro
professor) à disciplina teórica, mas não o levando a realizar a transposição dos saberes
aprendidos para a situação prática na sala de aula. Muitos cursos ainda desenvolvem um
currículo composto de conteúdos teórico-metodológicos, em que não há confrontos, reflexões
e nem análises de seus elementos constitutivos; disso advém a grande dificuldade encontrada
pelos alunos/professores em colocá-los em prática.
Rafael (2001) assevera que esses cursos de formação, tantos os iniciais quanto os
continuados, precisam dar conta dessa relação teoria/prática, o que não significa simplesmente
expor aluno/professor às informações teóricas. Trata-se de articular as duas ―modalidades‖
permanentemente durante todo o ensino-aprendizagem, uma vez que uma depende da outra
para terem real significado, pois, distanciadas, acabam gerando equívocos na ação docente.
Nesse sentido, Pimenta (2005) igualmente esclarece que a atividade teórica por si só não leva
à transformação da realidade, não se objetiva, assim como a própria prática também não
responde por si mesma, não se concretiza.
Embora muitos professores tenham como referência na sua formação inicial este tipo
de ensino, às vezes, mediado por estruturas fragmentadas, a situação que se apresenta hoje
requer desses profissionais um novo olhar e um novo pensar sobre a educação, isto é,
educadores que reflitam diariamente sobre e durante as suas práticas pedagógicas. Nesse
aspecto, a formação por meio dos moldes reflexivos representa um caminho promissor para
mudanças efetivas na educação. O apoderamento efetivo dessa perspectiva possibilita ao
educador compreender, entre vários fatores, os problemas constantes da falta de articulação
entre teorias e práticas pedagógicas, visto que esse tipo de profissional se caracteriza,
justamente, como um indivíduo criativo, capaz de significar e ressignificar o ensino,
analisando e criticando a sua própria prática, a fim de agir sobre ela, modificando-a. Na
26
perspectiva crítico-reflexivo, o professor deixa de ser considerado um simples ―aplicador de
teorias‖ e assume o papel de quem também produz e constrói conhecimentos, a partir dos seus
saberes e experiências.
Em relação a esse pensamento contemporâneo, que faz emergir as esferas do cotidiano
e os letramentos dos professores, Oliveira (2006, p. 102) alerta para o risco de serem criados
outros ―mitos para além daqueles que se pretende combater, como por exemplo, a ilusão de
que a observação e a reflexão sobre a sala de aula, por si só trariam contribuições para a
compreensão da prática docente‖. Compreendemos, sem dúvida, a preocupação da autora,
mas recorremos às palavras de Nóvoa (2009, p. 33) para refletir que
não se trata de adoptar uma qualquer deriva praticista e, muito menos, de
acolher as tendências anti-intelectuais na formação de professores. Trata-se,
sim, de abandonar a ideia de que a profissão docente se define,
primordialmente, pela capacidade de transmitir um determinado saber.
Tendo em vista o foco das discussões deslocar-se para a prática dos professores,
compreendemos que, de modo algum, deve-se descartar o debate sobre o papel da teoria, dos
conhecimentos científicos, em sala de aula, nos cursos de formação inicial ou continuada, ou
seja, a reflexão sobre a prática, sobre a ação, não dispensa a reflexão sobre a teoria, as quais
devem ser tratadas como uma unidade, indissociavelmente.
Para um bom desempenho na práxis docente, faz-se necessário que o professor
domine os conteúdos específicos de sua disciplina, tendo clareza de como esses se
transformam em objetos de ensino, por meio da transposição didática. Para o aluno/professor
conciliar melhor essas tarefas, é preciso haver mais reflexão sobre esses temas, não só nos
cursos de licenciatura, como também nos continuados. Afinal, a falta de reflexão e de ensino
da transposição didática não só prejudica o letramento do professor, como também ocasiona
equívocos na sua ação pedagógica na sala de aula, acarretando sérias consequências ao ensino
de LP, que não terá significado social para aluno; logo, não transformará sua realidade.
Isso tudo se coloca como um grande desafio não só para os programas de formação
continuada como também para o profissional da educação, pois, ao nosso ver, é preciso que
ele, enquanto pessoa compromissada com os interesses educacionais, desafie-se, no sentido de
acompanhar as mudanças atuais; como agente mediador, esteja engajado no ensino, tendo
postura e atitude críticas e transformadoras diante da atual situação, mesmo que isso seja uma
tarefa árdua.
27
Vale a pena lembrar ainda que, neste século, a realidade dos avanços tecnológicos e
das mudanças socioculturais sublinha e exige cada vez mais da docência escolar constante
(re)significação de papéis. Para discutir tais questões, a educação continuada se torna um
espaço ideal de produção de saberes. Ferreira (2003), advogando em favor dessa formação,
pontua que vivemos numa época de exigência de muita qualificação para todo tipo de
profissional, de todas as áreas do conhecimento, o que torna as necessidades educacionais da
população cada vez maiores. A autora ressalta também a necessidade de o profissional
acompanhar as mudanças atuais, senão estará, de certa forma, inabilitado para o trabalho e
para a vida social.
Acreditamos, portanto, que juntamente às necessidades surgidas nessa nova era,
exigindo diversas capacidades/competências de qualquer profissional, encontra-se a
necessidade de um ensino de qualidade, que vá além do cumprimento de metas e de planos
governamentais; um ensino contínuo que promova de fato a reflexão, o aperfeiçoamento das
ações docentes, o letramento profissional, considerando o pessoal; um ensino que possibilite o
diálogo crítico e reflexivo entre teoria e prática, além de estudos concretos, aprofundados e
coerentes com as tendências atuais de ensino. Enunciando de outro modo, impera atualmente,
na educação brasileira, a necessidade urgente da implantação de medidas públicas que
possibilitem ao professor um estudo contínuo, efetivo, que vá além de um programa de
educação inicial e continuada. É necessário atentarmos para a qualidade dos cursos de
formação que, às vezes, trabalham com métodos desarticulados da prática docente, "vagos" e
nem sempre aplicáveis.
Resumindo, então, é preciso que se invista — maciçamente — na formação
continuada, criando condições e capacitando os profissionais, formadores de professores, para
que cumpram, realmente, sua função de mediador, colaborador, orientador e de agente, para
que, no fim, contribuam, de fato, para o aperfeiçoamento da autonomia do professor de LP na
sua prática pedagógica, permitindo-lhe o desenvolvimento de um trabalho baseado em
competências/capacidades enunciativo-discursivas.
Na seção seguinte, discutimos questões referentes aos PCNLP (BRASIL, 1998) e sua
inserção no meio educacional. Essas questões dizem respeito não apenas ao
redimensionamento do ensino-aprendizagem de LP, a partir da publicação das diretrizes
oficiais, bem como à nova organização curricular no tocante às concepções de ensino. Sendo
assim, fazemos uma breve menção a algumas dessas concepções (de língua e de escrita) que
contribuíram para redirecionar o ensino de escrita, enfatizando também as competências
propostas por tal diretriz.
28
1.3 PCNLP: Um novo direcionamento para o ensino
Nas últimas décadas, temos assistido, no Brasil, a várias transformações no ensino de
LP, conforme discutimos ao longo do texto. Grande parte dessas mudanças deve-se à
elaboração e à publicação dos PCN de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998), os quais
representam um avanço nas políticas educacionais, pois apresentam propostas com o objetivo
de ampliar e aprofundar um debate educacional, envolvendo escolas, pais, governos e
sociedade. Além disso, pretendem se constituir como referência para as discussões
curriculares no ensino, contribuindo com técnicos e professores no processo de revisão e
elaboração de propostas didáticas, na formulação de projetos pedagógicos adequados às
necessidades de cada região, materializando-se, assim, numa proposta aberta e flexível, capaz
de incentivar os envolvidos à discussão, à reflexão e à elaboração contínua de currículos.
As ideias básicas contidas nos PCNLP (BRASIL, 1998) refletem, muito mais do que
uma mera mudança de conteúdos, uma mudança de filosofia de ensino-aprendizagem, como
não poderia deixar de ser; por isso, propõem a organização dos conteúdos de língua materna
em dois eixos: as práticas do uso e as práticas de reflexão sobre a língua e a linguagem. A
primeira envolve aspectos que caracterizam o processo de interlocução, isto é, a historicidade
da linguagem e da língua, a constituição do contexto de produção, o lugar e o momento de
produção, o sujeito enunciador, a finalidade da interação, entre outros elementos. Essa
orientação deve pautar tanto a prática de escuta e de leitura quanto a prática de produção de
textos orais e escritos. Já a segunda — a prática de reflexão sobre a língua(gem) — abrange
aspectos ligados à análise linguística, tais como a variação linguística, a organização
estrutural dos enunciados, os processos de construção de significação, entre outros. Segundo
os PCNLP (BRASIL, 1998, p. 36),
[...] os conteúdos do eixo REFLEXÃO, desenvolvidos sobre os do eixo USO,
referem-se à construção de instrumentos para análise do funcionamento da
linguagem em situações de interlocução, na escuta, leitura e produção,
privilegiando alguns aspectos linguísticos que possam ampliar a
competência discursiva do sujeito.
Nesse modo de organização do ensino, em que se articulam os conteúdos nos
respectivos eixos, o ponto de partida, bem como o de chegada, do ensino de LP é a produção e
recepção de discursos. Por isso, no processo de produção de textos, devem-se considerar os
aspectos enunciativos, tais como: a historicidade da linguagem e da língua; a constituição do
contexto de produção, representações de mundo e interações sociais; as implicações do
29
contexto de produção na organização dos discursos: restrições de conteúdo e forma
decorrentes da escolha dos gêneros e suportes; as implicações do contexto de produção no
processo de significação (BRASIL, 1998, p.35).
Haja vista que o ensino de LP deve considerar a linguagem no seu funcionamento
discursivo, os PCNLP (BRASIL, 1998) assinalam, aqui, a importância do seu domínio para a
efetiva participação social:
o domínio da linguagem, como atividade discursiva e cognitiva, e o domínio
da língua, como sistema simbólico utilizado por uma comunidade
linguística, são condições de possibilidade de plena participação social. Pela
linguagem os homens e as mulheres se comunicam, têm acesso à
informação, expressam e defendem pontos de vista, partilham ou constroem
visões de mundo, produzem cultura (BRASIL, 1998, p. 19).
Outrora, certamente, o que existia era um ensino prescritivo, que privilegiava a
gramática normativa, descontextualizada, com frases soltas, e o trabalho restrito à variedade
escrita culta da língua. Hoje, nota-se uma proposta, ou ao menos uma tentativa, de
distanciamento dessa tradição gramatical, pois o ensino de língua materna visa a ultrapassar o
nível da palavra e da frase, além de trazer novas orientações para o ensino de leitura e
produção de textos.
Atualmente, o que se vê nos PCNLP (BRASIL, 1998) é uma nova concepção de
língua(gem), de base sociointeracionista, que a concebe como forma de interação, atividade
discursiva, orientada por uma finalidade específica, como um processo de interlocução que se
realiza nas práticas sociais, existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos
momentos de sua história.
Na próxima seção, abordamos a prática de produção de escrita nesse material.
1.3.1 A prática de produção textual nos PCNLP
Juntamente a concepção de linguagem como interação, as diretrizes oficiais trazem
uma nova concepção de escrita, a qual vem sofrendo variações ao longo dos anos. Tais
variações provocaram, sem dúvida, mudanças nas propostas de ensino-aprendizagem de
produção de textos e influenciaram a elaboração desses documentos.
Reinaldo (2005) explica que tais variações do conceito de escrita resultam dos
diversos pontos de vistas dos estudiosos, no tratamento da produção de textos, dentre os quais
se destacam dois: um que trata o texto como produto e outro como processo. Segundo a
30
linguista aplicada, antigamente, o texto era tomado como unidade de análise, como produto,
em que eram enfatizados somente sua estrutura e os fatores de textualidade (formal,
semântico-conceitual e pragmático). Na década de 1990, os estudos textuais passaram a
explorar também o tópico da tipologia textual (narração, dissertação e descrição).
Já a perspectiva que trata o texto como processo reúne contribuições das teorias
textuais, cognitivas e, mais recentemente, sociocognitivas, com o objetivo de explicar o que
acontece durante o processo de produção. Nesse sentido, no ato de escrever, a ordem de
fatores sociais (representados pelas práticas reais do sujeito) e a ordem de fatores cognitivos
(representados pelo conhecimento de mundo, linguístico e textual) ocorrem simultaneamente
(REINALDO, 2005, p. 95). Além disso, nessa concepção, compreende-se o ato de escrever
como um processo formado por dois estágios: o inicial, que antecede o próprio ato de
escrever, em que há preocupação em favorecer as condições de realização da tarefa do aluno,
como leitura e orientações, e o estágio seguinte, que é o momento da produção de texto
propriamente dita. Aqui, a produção textual é concebida como uma atividade recursiva, isto é,
aquela em que se volta constantemente ao estágio inicial, avança-se, revisa-se o texto várias
vezes, para, então, encerrar a escrita.
Dentre as perspectivas que influenciaram os documentos oficiais, destaca-se também
a orientação teórica sociointeracionista, cujos pressupostos sócio-históricos partem da ideia de
homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e social, participante de um processo
cultural e histórico. Essa teoria, que teve em Vygotsky seu maior expoente, se instala com
uma redefinição da noção de linguagem centrada na interlocução. Tal redefinição consolidou
o ensino-aprendizagem de escrita, o qual ―passou a ser orientado pela idéia de que a
apropriação da linguagem e das práticas sociais se dá a partir de um percurso do social para o
individual, sempre mediado pelo signo e pelo outro‖ (REINALDO, 2005, p. 95).
Como podemos ver nos PCNLP (BRASIL, 1998), a concepção de escrita está
amparada na concepção de linguagem, ou seja, está atrelada ao seu aspecto
sociocomunicativo. Isso equivale a dizer que a escrita pode ser compreendida como prática
discursiva, como um processo enunciativo-discursivo, uma vez que não é uma atividade em si
mesma, sem objetivos e propósitos. Essa atividade é considerada uma ação interindividual,
orientada por uma finalidade específica, vinculada a seus usos e funções sociais, um processo
dialógico entre homem e mundo, entre Eu e Outro. Vale enfatizar mais uma vez que esses
documentos oficiais orientam para a produção de textos numa perspectiva discursiva, em que
―a razão de ser das propostas de uso da fala e da escrita é a interlocução efetiva, e não a
produção de textos para serem objetos de correção‖ (BRASIL, 1998, p. 19).
31
Nesse sentido, assumindo essa concepção interacionista no processo de escrita de
texto, jamais se pode desconsiderar o papel do outro como participante do diálogo, pois é
pensando nele, a fim de responder à voz alheia, que cada pessoa formula seu dizer, seu
discurso, sua escrita.
Conforme podemos notar, a forma de trabalhar o texto, aqui, contrapõe-se ao modo
tradicional de estudá-lo em sala de aula, em que se ignorava o processo de interlocução. Ao
contrário disso, hoje, os PCNLP (BRASIL, 1998) apontam o texto como unidade de ensino e
os gêneros como objeto de ensino, defendendo que, ao se pronunciar, o homem sempre utiliza
a língua — oral ou escrita — concreta em uma situação de interação, com condições e
finalidades específicas. Dito de outro modo:
Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das
intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos
discursos, as quais geram usos sociais que os determinam. Os gêneros são,
portanto, determinados historicamente, constituindo formas relativamente
estáveis de enunciados, disponíveis na cultura (BRASIL, 1998, p. 21)
[ênfase adicionada].
Os PCNLP (BRASIL, 1998, p. 23, grifo nosso) complementam ainda que:
Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza
temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes
a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do
texto, precisa ser tomada como objeto de ensino.
Essas diretrizes curriculares destacam que, no ensino-aprendizagem da escrita, além da
definição desses elementos sociocomunicativos, estabeleçam-se também situações didáticas,
tomando como objeto de reflexão os procedimentos de planejamento, de elaboração e de
refacção de variados textos, haja vista que uma educação realmente comprometida com o
exercício da cidadania precisa criar condições para que o aluno desenvolva sua capacidade
discursiva.
Vimos, então, que as concepções de escrita e de linguagem se inscrevem numa
modalidade dialógica, que compreende a língua como enunciação e discurso e preocupa-se
com o contexto sócio-histórico das relações humanas. Nesse sentido, podemos observar que
tal modalidade faz referência tanto à perspectiva enunciativa como à teoria de gêneros
discursivos de vezo bakhtiniana, ou melhor, dizendo, é visível que a ideia contida nos
excertos supracitados se aproxima daquelas defendidas pelo círculo bakhtiniano, como
veremos mais adiante.
32
Embora não haja citação explícita de Bakhtin e seu Círculo nos PCNLP (BRASIL,
1998), apresentando-os claramente apenas nas referências bibliográficas, são inegáveis as
suas contribuições para os estudos linguísticos atuais, já que seus trabalhos permitiram uma
nova abordagem, que faltava ao tratamento do texto na sala de aula. Mesmo não sendo
pensada, especificamente, para esse fim, a teoria sociodiscursiva proposta pelo teórico russo
possibilitou que se contemplasse o caráter dialógico nas unidades comunicativas dos textos.
Além dessas influências, os PCNLP (BRASIL, 1998) possuem uma direta
contribuição dos estudos da Escola de Genebra, a qual desenvolve atividades inserida na linha
bakhtiniana de gênero, com foco no desenvolvimento de capacidades, em especial a noção de
estudo dos gêneros orais e escritos no ensino de língua, através de sequência didática,
proposta metodológica de Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly (2004). Tal sequência é
pensada como um conjunto de atividades escolares organizadas em torno de um gênero oral
ou escrito. Sua finalidade principal é a de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero,
possibilitando-lhe falar e escrever de forma mais apropriada nas mais diversas situações
comunicativas (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004).
Esses autores consideram a escola como um espaço ideal para o desenvolvimento das
capacidades de linguagem, das funções psíquicas do sujeito, por isso apresentam a sequência
didática como proposta metodológica privilegiada para esse desenvolvimento. Tal sequência é
composta por quatro etapas: a) A apresentação da situação é o momento em que se
descrevem, de forma detalhada e clara, a tarefa, o projeto de comunicação a ser realizado (o
gênero abordado; o interlocutor do texto; a forma da produção; o(s) participante(s) da
produção). Nessa fase, prepara-se o conteúdo do texto; os alunos podem realizar leituras
variadas, discussões, pesquisas, conhecendo as características do gênero a ser produzido; b) A
produção inicial tem o objetivo de permitir ao professor avaliar as capacidades e
desenvolvimento dos alunos acerca da tarefa, identificando os problemas. Tal etapa possibilita
também ao próprio aprendiz (re)conhecer suas dificuldades; c) Os módulos são constituídos
por variadas atividades, no intuito de fornecer ferramentas necessárias para o aluno dominar
melhor o gênero; d) A produção final é o momento em que o aluno poderá pôr em prática os
conhecimentos adquiridos. Além disso, essa etapa permite ao professor bem como ao aluno,
medir os progressos alcançados (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004).
Portanto, dentre os vários aspectos dessa proposta, busca-se confrontar o aluno com
um gênero existente na sociedade para possibilitar a sua reconstrução e a sua apropriação por
parte do aprendiz. Tal reconstrução ocorre graças à interação das especificidades das práticas
de linguagem, objeto de aprendizagem, das capacidades de linguagem dos alunos e das
33
estratégias de ensino propostas pela sequência. Logo, essas sequências de módulos de ensino
constituem-se em instrumentos que podem conduzir o professor na sala de aula, propiciando-
lhe intervenções reais necessárias para a organização da aprendizagem dos alunos; além disso,
podem permitir a transformação gradual de suas capacidades, pois o docente tem a
oportunidade de avaliar as capacidades já adquiridas, ajustando as atividades às possibilidades
concretas dos alunos nos diferentes níveis.
Dolz e Bernard Schneuwly têm se destacado, sobretudo, por sua preocupação com a
transposição desse conhecimento, o gênero discursivo na sala de aula. Esses autores
genebrinos têm realizado muitas pesquisas no campo de ensino de língua materna,
envolvendo o gênero, a partir dos estudos bakhtinianos.
Schneuwly (2004), no sentido vygotskiano, define os gêneros discursivos como
instrumento semiótico, socialmente construído, fruto da experiência de várias gerações,
necessários para agir com eficácia numa dada situação comunicativa. Metaforicamente, os
concebe como um megainstrumento, uma ferramenta complexa, composta de vários outros
instrumentos, ou seja, composto por conteúdos internos específicos a serem ensinados, e
apropriados pelos sujeitos. O autor ainda os considera como um organizador global que,
naturalmente, estabelece os conteúdos a serem ditos, a saber, o conteúdo temático (o que se
torna dizível através do gênero), a forma composicional (a estrutura particular do texto) e o
estilo (as configurações específicas das unidades linguísticas). Sendo assim, o gênero é visto
como mediador da ação discursiva do sujeito, no processo de interação verbal, dando forma e
materializando a atividade de linguagem. Na voz de Dolz e Schneuwly (2004, p. 63, grifo dos
autores) é ―através dos gêneros que as práticas de linguagem materializam-se”. Aliás, esse
elemento funciona bem como um modelo comum para os membros de uma sociedade,
possibilitando, naturalmente, a comunicação entre os falantes, pois
Trata-se de formas relativamente estáveis tomadas pelos enunciados em
situações habituais, entidades culturais intermediárias que permitem
estabilizar os elementos formais e rituais das práticas de linguagem (DOLZ;
SCHNEWULY, 2004, p. 64).
Logo, por estarem em constante circulação no meio social, mediando as atividades de
linguagem, os gêneros discursivos são concebidos pelos pesquisadores como importante
instrumento de ensino-aprendizagem de língua materna, a ser utilizado nas escolas para
desenvolver no aluno as capacidades necessárias que lhe permitam a participação social, nas
variadas esferas, isto é, para desenvolver sua capacidade comunicativa, haja vista que
―aprender uma língua é aprender a se comunicar‖ (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 42). Em
34
relação a essa afirmação, inspirados na concepção interacionista, os estudiosos elucidam que
priorizar o funcionamento comunicativo dos alunos significa
prepará-los para dominar a língua em situações variadas, fornecendo-lhes
instrumentos eficazes; desenvolver nos alunos uma relação com o
comportamento discursivo consciente e voluntária, favorecendo estratégias
de auto-regulação; ajudá-los a construir uma representação das atividades de
escrita e de fala em situações complexas, como produto de um trabalho e de
uma lenta elaboração (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 42).
Para os autores, as situações de ensino são concebidas para permitir que os aprendizes
ultrapassem, efetivamente, seus próprios limites, na direção definida por essas finalidades
(supramencionadas). Diante desses objetivos, compreendemos que a adoção do gênero como
objeto no ensino de língua constitui-se em um desafio para a escola brasileira, pois implica
uma mudança não só de conteúdo, como também de perspectiva teórica, de objetivos e de
metodologia de ensino.
A didatização e a transposição didática podem ser consideradas alguns desses desafios,
visto que ―os saberes teóricos precisam ser transformados para entrar na sala de aula e não
simplesmente ‗resumidos‘ ou ‗simplificados‘, devendo estar sustentados por fundamentos
epistemológicos claros e bem definidos‖, conforme salienta Barros-Mendes (2005, p. 19).
Essa autora, baseada em Chevallard (1985), elucida que o conceito de transposição didática se
define por um processo de transformação, de passagem de um conteúdo preciso a uma versão
mais didática, passível de ser ensinado. Semelhantemente, para Schneuwly (2004), a
transposição didática é entendida como processo criativo de transformação dos objetos sociais
— os gêneros — em objetos ―ensináveis‖. Tal transposição ocorre justamente quando se
desloca um gênero do seu contexto social de origem, recortando-o e/ou modificando-o, para o
contexto escolar, como objeto de ensino-aprendizagem.
Nesse processo, opera-se um desdobramento, visto que o gênero não é mais só
instrumento de comunicação, tendo sido transformado em objeto de ensino-aprendizagem.
Em linhas gerais, pensemos, por exemplo, no gênero reportagem, que compõe um jornal. Em
tal contexto, esse gênero tem uma finalidade específica (comunicar um fato), é direcionado
para um público-alvo, circula numa dada esfera (jornalística), possui uma linguagem
específica (formal e objetiva). Porém, no instante em que tal gênero adentra o espaço escolar
para ser ensinado e apre(e)ndido, ele se transforma em um gênero escolar ou escolarizado,
pois ―ele não tem mais o mesmo sentido; ele é, principalmente, (...) gênero a aprender,
embora permaneça gênero para comunicar‖ (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 69). É nessa
35
passagem, de uma esfera para a outra, nessa variação do gênero original, de referência, que
ocorre o tal desdobramento, considerado o fator de complexificação principal, dos gêneros na
escola e de sua relação individual com as práticas de linguagem. Diante disso, esses
estudiosos ressaltam a necessidade de se compreender que o objeto trabalhado na escola é
sempre uma variação do objeto — do gênero, do saber de referência — construída numa
dinâmica de ensino-aprendizagem cujo objetivo principal é o ensino.
Em relação à didatização, embora tal conceito esteja fortemente relacionado ao de
transposição, não devem ser concebidos como sinônimos, conforme nos alerta Barros Mendes
(2005), para quem a didatização se define como o modo de organizar o conteúdo curricular, o
saber de referência, para a compreensão do aluno, na sala de aula. Para tentarmos
exemplificar isso, pensemos no gênero poema.
Tal gênero, que foi, de certo modo, escolarizado, é selecionado por um dado material
didático-pedagógico — LD, apostila, ou até mesmo aquele usado na formação continuada de
professores — utilizado no ensino de LP, de acordo com um objetivo a ser alcançado:
produzir um poema acerca do amor materno, expressando-se sobre o mundo, sobre si, para
apresentar aos pais, na festinha da escola. Para tanto, o material propõe a organização de um
passeio no bosque, com o intuito de que os alunos percebam o encantamento da natureza; a
realização de uma pesquisa sobre o amor no ambiente familiar, para que os aprendizes se
inspirem, bem como de uma discussão coletiva sobre o assunto, para que troquem
informações; o levantamento de uma coletânea de poemas, para que os alunos realizem
intensas leituras e reconheçam as características desse gênero, em termos linguístico-
discursivos, entre outras possibilidades. Depois dessas atividades, o material solicita várias
produções do gênero em questão, propondo ao professor algumas técnicas de correção, como
socializar a leitura das produções em sala entre os alunos, corrigir os textos com a
participação de todos etc., de modo a visar um aprendizado efetivo, semelhantemente ao que
ocorre na proposta de sequência didática, a ser vista adiante.
Essa exemplificação nos mostra que o conceito de didatização está relacionado à
sistematização de um objeto de ensino, a fim de que ele possa ser compreendido em suas
partes mínimas. Nesse sentido, os conceitos de transposição didática e didatização são
fundamentais para que haja inserções adequadas dos objetos de ensino nos materiais
didáticos. Entretanto, isso não pode ser feito de modo simplificado, direto, quer dizer, os
gêneros não podem ser simples adaptações das teorias, mas devem ser pensados nas suas
dimensões ensináveis, no intuito de uma apropriação consciente e reflexiva por parte dos
alunos. Cabe ao sistema educacional também formar profissionais, preparando-os para
36
trabalhar tais objetos na sala de aula de modo efetivo, isto é, o professor precisa realmente
saber ―o que‖ ensina para seus alunos, tendo clareza do objetivo que deseja atingir, além de
consciência reflexiva do significado de ―ensinar‖. Se esses aspectos não forem considerados,
no sistema de ensino-aprendizagem de LP, ―não existirá ensino, mas imitação ou iniciação no
nível puramente prático”, conforme pontua Schneuwly (1995b apud BARROS-MENDES,
2005, p. 159) [grifo do autor].
Desse modo, compreendemos que os gêneros discursivos fornecem base para as
atividades de linguagem em sala de aula, sendo uma referência para os alunos, ajudando-os a
desenvolver suas capacidades de linguagem. Além do mais, constituem-se em elemento ideal
para a elaboração de sequências de atividades contínuas e progressivas, para propostas de
didatização, fornecendo, a partir de uma concepção enunciativo-discursiva, subsídios
didático-pedagógicos que contribuem para a aprendizagem reflexiva e consciente dos
aspectos linguístico-discursivos que compõem cada gênero estudado. Entendemos que, ao
ampliar essa noção de gênero, esses estudiosos de Genebra a compreendem como uma
proposta teórico-metodológica adequada para o ensino de leitura e produção de textos, sempre
partindo das formas concretas do diálogo. Isso, certamente, já ultrapassa o caráter funcional
da classificação de elementos linguísticos, situado na perspectiva formalista.
Em relação aos PCNLP (BRASIL, 1998), as sugestões metodológicas que os
perpassam se inspiram em teorias (cognitivas, discursivas, enunciativas, textuais, sociais),
cujos enfoques dirigem o ensino de língua(gem) para seu uso e realização dialógica, pautados
em práticas sociais reais, levando em consideração as verdades dos alunos, os quais ocupam
uma posição na sociedade e estão situados em certo tempo e lugar. Além disso, tais sugestões
visam a desenvolver nos alunos as capacidades necessárias ao exercício pleno da cidadania,
pois, em uma sociedade como a atual, que vive constantes mudanças — econômicas,
políticas, culturais, religiosas, entre outras — o domínio da linguagem é, realmente,
indispensável. Tal domínio é considerado fundamental, pois dá condições ao sujeito para se
impor, criticar, argumentar, defender seus ideais, contribuindo para a transformação de seu
espaço social, visto que toda relação humana é mediada pela linguagem. De acordo com esse
documento, é na interação, através da linguagem, que se constroem conhecimentos
científicos, orientações ideológicas, teorias populares, mitos, entre tantos outros.
Portanto, a partir dessas concepções, espera-se que no ensino de LP seja privilegiado o
desenvolvimento de competências linguísticas e discursivas que visem à formação de um
usuário proficiente na sua língua, capaz de ler, compreender e interpretar diferentes textos.
Afinal, um ensino que possibilite ao aluno assumir uma posição social, apropriando-se da
37
palavra conscientemente e produzindo textos adequados às várias situações, especialmente
aqueles que circulam na esfera pública, contribuirá para a formação de cidadãos críticos.
Tendo em vista essa pretensão dos PCNLP (BRASIL, 1998) de formar cidadãos críticos e
conscientes para a vida, compreendemos que o ensino, nessa direção, constitui um caminho
promissor, capaz de oportunizar, realmente, uma aprendizagem mais significativa para o
aluno, e de ultrapassar os limites da sala de aula.
Na seção seguinte deste capítulo, apresentamos uma breve discussão concernente a
outros documentos oficiais que, em boa medida, seguem as orientações dos PCNLP
(BRASIL, 1998), porque acreditamos que nesse propósito de (trans)formar alunos em
cidadãos ativos e participantes, os materiais pedagógicos — tais como o livro didático e
outros cadernos de apoio ao aluno e ao professor — constituem-se em ferramentas
importantes bem como em objetos de conhecimento cultural capazes de contribuir para a
formação do ser humano.
1.4 Materiais didático-pedagógicos no ensino de Língua Portuguesa
Conforme já mencionado, os PCNLP (BRASIL, 1988) apresentam uma multiplicidade
teórica que embasa o ensino de Língua Portuguesa e, certamente, por conta disso, tem
mantido um espaço bastante expressivo nas discussões no meio educacional. Isso pode ser
percebido nas inúmeras pesquisas acadêmicas que retratam o assunto, nas temáticas em
programas de formação (inicial e continuada) de professores, nos seus materiais de apoio9, e
até mesmo nas editoras (nos livros didáticos, doravante LD).
As editoras, muitas vezes, influenciadas pelo discurso dos PCNLP (BRASIL, 1998),
buscam se adequar às propostas dessa diretriz, especialmente, no que diz respeito ao ―como‖
levar os conteúdos de ensino, trazidos por tais documentos, para a sala de aula, e ao ―como‖
realizar os encaminhamentos/procedimentos necessários para ensino-aprendizagem de língua.
Conforme nos lembra Bezerra (2005, p. 35), ―nesse contexto, por pressão ou por zelo, os
autores vão alterando os LDP a cada versão, tentando, de acordo com suas afirmações, uma
proposta eficaz de ensino‖.
Diante disso, entendemos que esses materiais, tanto os de apoio para a formação
continuada quanto os livros LD de Língua Portuguesa — compreendidos como elementos
9 Nesta dissertação, consideramos como material de apoio os Cadernos de Teoria e de Prática que subsidiam o
trabalho docente na formação continuada do Programa GESTAR II.
38
fixos, como atores não-humanos — possuem grande influência sobre a práxis docente, já que,
em boa medida, ―impõem‖ comportamentos e atitudes aos atores humanos, professor e aluno.
Além disso, esses materiais trazem incorporados em si histórias de práticas escolares,
geralmente tradicionais, exercendo forte domínio sobre o trabalho docente, ou seja, o
educador, muitas vezes, é ―levado a organizar suas aulas de acordo com a rotina apresentada
ou sugerida pelo material, como a explicitação de conteúdos programados seguida pela
exercitação dos mesmos‖ (LATOUR, 2004 apud SILVA, 2006, p.10). Esses objetos (os
materiais didáticos, por exemplo), tomados de modo isolado, possuem, obviamente, um valor
concreto, como matéria, elucida Silva (2006). No entanto, na prática, na interação da sala de
aula, assumem existência relacional, desempenhando ações (ativas) sobre o comportamento
do professor e do aluno.
Em outros termos, compreendemos que tanto o LD quanto o material oficial usado na
formação do professor possui um papel relevante no trabalho docente, já que, muitas vezes,
dão base para a prática pedagógica, facilitando o planejamento diário do professor. Bezerra
(2005, p. 35) afirma que o LD é, ―se não o único material de ensino/aprendizagem, o mais
importante, em grande parte das escolas brasileira‖, pois, de certo modo, constitui-se em ―um
livro composto por unidades (lições ou módulos) com conteúdos e atividades preparados a
serem seguidos por professores e alunos‖ (idem, ibidem).
Desse mesmo modo, acreditamos que os Cadernos de Teoria e os de Atividades do
GESTAR II10
, utilizados nos cursos de formação continuada, também servem de apoio para o
trabalho do professor na sala de aula. Aliás, ao observar esses Cadernos de estudo, mais
especificamente o TP6, nosso objeto de pesquisa, percebemos, claramente, que se assemelha
com os materiais didáticos convencionais utilizados na escola, a saber, o livro didático. Esse
material, geralmente avaliado pelo Programa Nacional do Livro Didático11
(doravante,
PNLD), tem buscado se adequar às novas proposições curriculares de ensino (BARROS-
MENDES 2005; REINALDO 2005; CONSTANTINO 2007). Semelhante a isso, temos
10
Esses cadernos teórico-práticos, a saber: os de teoria, denominados TP, os de Atividades de Apoio à
Aprendizagem, denominados AAA, na versão do professor, e os de Atividades de Apoio à Aprendizagem
(AAA) na versão aluno, dizem respeito ao material didático-pedagógico de apoio ao ensino-aprendizagem de
LP, fornecido para os professores no curso de formação continuada do Programa Gestão da Aprendizagem
Escolar (GESTAR II).
11 O Programa Nacional do Livro Didático, iniciativa do Ministério da Educação, é responsável por avaliar,
adquirir e distribuir gratuitamente obras didáticas aos alunos do Ensino Fundamental das escolas públicas
brasileiras, conforme informações contidas no site:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=668&id=12391&option=com_content&view=article > Acesso em
05 jun. 2010.
39
percebido que alguns materiais didáticos utilizados nos cursos de formação continuada
também buscam tais adequações (SILVA, 2011, no prelo).
Assim, é importante ressaltar, mais uma vez, que esse movimento de adequação de
teorias e métodos, sobretudo, no ensino de língua(gem) se insere em um processo dialógico
existente ―entre saberes e demandas de inovação que têm se estabelecido no cenário nacional
de reformas educacionais, desde a década de 70‖ (BUNZEN, 2010, p. 06, grifo do autor), o
que é totalmente aceitável, se feito de modo reflexivo, consciente e orientado. Esses ―ajustes‖
no ensino se fazem, de fato, necessários, ainda mais se se pretende acompanhar as mudanças
sociais ocorridas no mundo todo. Aliás, nessa lógica, não se pode esquecer, portanto, de que a
maioria dos professores de Língua Portuguesa, em exercício atualmente, teve uma formação
inicial que não contemplou parte significativa das novas propostas e concepções sobre a
abordagem pedagógica presentes nos PCNLP (BRASIL, 1998), por exemplo.
Além disso, não devemos esquecer que a execução dessas novas propostas está
diretamente atrelada ao processo de formação continuada, que se constitui em um dos meios
capazes de fornecer a esses profissionais subsídios para o prosseguimento eficiente do seu
trabalho pedagógico, ou melhor, para a inovação, constante e necessária, da sua práxis
docente. Dito de outro modo, a formação docente constitui-se em um espaço ideal para
discussão e adaptação das várias mudanças educacionais, haja vista que, sem uma formação
continuada adequada do professor, as transformações se tornam, por vezes, ―vazias‖.
É fato que, nesse contexto de adequação, alguns materiais oficiais, utilizados na
formação continuada de professores, têm apresentado, por vezes, orientações e
encaminhamentos metodológicos nem sempre claros e nem sempre afinados às novas
perspectivas de ensino, colaborando insuficientemente para o processo de ensino-
aprendizagem, especificamente, de escrita de textos diversos do professor e,
consequentemente, do seu aluno. Assim como existe, atualmente, o PNLD, que avalia e
distribui os LDs, ressaltamos a necessidade de políticas públicas de avaliação de materiais
didático-pedagógicos destinados à formação continuada do professor de LP, como a criação
de um programa (oficial) que acompanhe seu desenvolvimento e promova avaliações
sistemáticas para analisar a proposta e o material utilizado. Conforme afirma Rojo, o MEC
―deveria supervisionar e levar em conta tudo aquilo que entra na escola: professor, aluno,
livro, material etc.‖ (ROJO, 2009a, p. 05).
Em relação à análise de material didático utilizado na formação continuada de
professores, é válido lembrar que o Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem,
da Universidade Federal de Mato Grosso (doravante UFMT), tem desenvolvido um
40
importante estudo nessa direção, a saber, os trabalhos de Socorro (2009), Nunes (2009) e
Santos (2011). As conclusões, a respeito desses materiais, não têm sido tão animadoras; mas,
apesar disso, esses estudos têm colaborado com as discussões relacionadas ao assunto.
Para a realização deste trabalho de análise de uma parte do material de formação
GESTAR II, em que focalizaremos o direcionamento das práticas de ensino de produção
escrita, buscando identificar as capacidades a serem desenvolvidas no processo de ensino-
aprendizagem dessa prática, apresentamos, na seção seguinte, sucintamente, o Programa
GESTAR II de Língua Portuguesa, a fim de retomá-lo no capítulo metodológico, com ênfase
nos pressupostos teóricos que o embasam.
1.5 GESTAR II: Programa de formação continuada
Como temos percebido, então, o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa e a
formação docente têm sido assunto frequente nas várias esferas sociais, alimentando
discussões entre pesquisadores, professores e outros intelectuais; além disso, têm mantido um
lugar privilegiado nos debates dos órgãos competentes, a saber, no MEC e na Secretaria de
Estado de Educação do Estado de Mato Grosso (doravante, SEDUC/MT).
Essa última instituição tem procurado, através de vários projetos, investir em modelos
de formação que tentam suprir a grande demanda de professores no estado mato-grossense,
uma vez que procura a melhoria do sistema público estadual de ensino e tem como objetivo
principal o fortalecimento da escola e a valorização dos profissionais da educação. Sua função
também é tentar garantir a qualidade da educação pública básica e o acesso de todos a ela,
trabalhando sempre em parceria com a comunidade escolar e contribuindo para a construção
da cidadania.
Em vista disso, a SEDUC/MT vem desenvolvendo um trabalho de formação
continuada de professores, através do GESTAR II, em parceria com o projeto Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação (FUNDESCOLA), e MEC. É importante destacar que aqui
no Estado esse Programa12
, criado pelo MEC/FUNDESCOLA, já funciona desde o ano 2000,
atingindo um grande número de professores da rede pública.
12
Em Mato Grosso, o Programa Gestão da Aprendizagem Escolar foi marcado por duas fases: O GESTAR I,
conjunto de ações articuladas desenvolvidas junto a professores habilitados para atuar da 1ª à 4ª série (2º ao 5º
ano) do Ensino Fundamental, e o GESTAR II, destinado aos professores que lecionam da 5ª à 8ª série (6º ao 9º
ano) do Ensino fundamental. Neste Estado, o GESTAR I funcionou de 2000 até meados de 2005 e, a partir do
segundo semestre desse mesmo ano, iniciou-se o GESTAR II. Ambos os Programas foram criados para
beneficiar os professores de Português e de Matemática da rede pública, segundo informações contidas no site da
41
O GESTAR II é um programa de formação continuada, destinado a docentes que
atuam no ensino Fundamental e que estão em atividades nas escolas públicas brasileiras. Tal
Programa se apresenta como um conjunto de ações articuladas a serem desenvolvidas junto
aos professores de Matemática e de Língua Portuguesa. Seu principal objetivo é a melhoria do
processo de ensino-aprendizagem, visto que mantém seu foco na atualização dos
conhecimentos dos educadores; além do mais, tem a intenção de elevar a competência desses
profissionais e de seus alunos, a fim de permitir a todos uma real compreensão e intervenção
sobre a realidade sociocultural que os cercam.
No capítulo seguinte, apresentamos a base teórica que sustenta esta pesquisa, a saber, a
teoria de gênero discursivo do Círculo de Bakhtin. Tratamos também da concepção de
letramento, veiculada nos documentos oficiais, das capacidades de linguagem necessárias no
processo de escrita, além das contribuições da teoria sociointeracionista para o ensino de LP.
SEDUC/MT <http://www.seduc.mt.gov.br/conteudo.php?sid=20&cid=3402&parent=0> Acesso em 07 maio
2009.
42
CAPÍTULO II
OS NOVOS PARADIGMAS E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
Os documentos oficiais — PCNLP (BRASIL, 1998) — assumem como referencial
teórico, sobretudo, uma perspectiva social da linguagem no ensino-aprendizagem de LP.
Tendo isso em vista, é pertinente pensar que, para uma incorporação real das teorias
embasadoras desse ensino, faz-se necessário conhecê-las um pouco melhor.
Sabemos que as diretrizes oficiais adotam o gênero como objeto de ensino-
aprendizagem de língua materna, por isso, é importante apreender, de fato, o conceito de
gênero e suas implicações teóricas e práticas, relacionando-o a outros conceitos, com o intuito
de refiná-los cada vez mais, para evitar, assim, uma compreensão passiva ou uma aplicação
mecânica da teoria, como bem salienta Fiorin (2006).
Nesse sentido, ao se pensar em quaisquer conceitos bakhtinianos, é preciso
compreender que eles são sempre regidos pelo princípio do dialogismo, que se destaca como
um conceito central da teoria enunciativo-discursiva, constituindo-se na base do processo de
produção dos discursos, dos sujeitos e da vida. Além disso, é considerado o modo de
funcionamento real da linguagem, através do qual são formuladas as relações sociais. De
acordo com Sobral (2009), esse conceito está intimamente ligado ao de interação verbal.
Dessa forma, tais conceitos estão sempre articulados à concepção de linguagem como
interação humana. Tais perspectivas são defendidas por Mikhail Bakhtin (2004[1929],
2003[1952-1953]), autor que, juntamente com outros intelectuais — como Medvedev e
Volochinov — formavam o ―Círculo de Bakhtin‖, na primeira parte do século XX, na antiga
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), e se dedicavam às variadas áreas das
Ciências Humanas.
Atualmente, as ideias e as reflexões desses estudiosos têm merecido grande atenção no
campo educacional, principalmente pelo modo como concebem a língua(gem) e a vida
humana. Isso pode ser constatado, como pontua Brait (2008), nas diversas traduções e na
grande circulação de suas obras, nas quais são definidos noções, conceitos e categorias do
pensamento bakhtiniano. Tal circulação se deve, em certa medida, à inserção dos conceitos
bakhtinianos na esfera escolar, especialmente, nos projetos nacionais de educação.
Neste capítulo, apresentamos a base teórica que sustenta esta pesquisa. Nosso olhar
está sendo guiado pela concepção de língua e linguagem do Círculo de Mikhail Bakhtin
(2004[1929], 2003[1952-1953]), perspectiva sob a qual articulamos as análises e discussões
desta dissertação.
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De início, apresentamos alguns dos aspectos teóricos mais relevantes para nosso
trabalho, iniciando por uma explanação acerca da teoria de gêneros. Depois, fazemos uma
breve menção a duas das concepções que contribuíram para redirecionar o ensino de escrita e
que são veiculadas nas diretrizes curriculares, a saber, o conceito de letramento e e o de
capacidades de linguagem, da escola de Genebra. Para finalizar, abordamos as contribuições
da teoria sociointeracionista de Vygotsky para o ensino de LP.
2.1 Bakhtin e os gêneros do discurso
Sob a perspectiva bakhtiniana, uma abordagem acerca do conceito de gêneros no
ensino de língua materna implica, de certa forma, situar tal conceito no emaranhado de obras
de Bakhtin e do seu Círculo. Segundo Souza (1999), compreender os conceitos da teoria do
Círculo é enxergar a extensão do todo, quer dizer, é possível observar que há entre eles uma
inter-relação complexa e orgânica, refletindo e refratando a realidade social, constantemente.
Em vista disso, pretendemos articular o conceito de gêneros do discurso com outras
categorias, a fim de entendermos a constituição teórica acerca dos gêneros.
Na obra Estética da Criação Verbal, no capítulo intitulado ―Os gêneros do discurso‖,
Bakhtin (2003[1952-1953]) destaca a importância do estudo da natureza do enunciado e dos
gêneros, mantendo sempre uma relação intrínseca entre esses dois conceitos. Para uma melhor
compreensão da noção de gênero, é preciso que se perceba o uso da língua como um processo
variado e heterogêneo, realizado de diferentes maneiras e em diversas situações. Nessa
perspectiva, a utilização da língua sempre ocorrerá em forma de enunciados, produzidos nas
diversas esferas enunciativas.
É importante salientar que as considerações sobre os gêneros serão levadas a termo em
sua relação direta com a concepção de linguagem que orienta o pensamento do Círculo. Tal
concepção, baseada na interação verbal e caracterizada pelo seu caráter dialógico, é
construída pelo Círculo bakhtiniano, principalmente, a partir das críticas ao objetivismo
abstrato, já que tal corrente não levava em conta o aspecto sócio-histórico-ideológico da
linguagem, fixando-se, apenas, no nível da estrutura formal da língua. Em virtude disso,
Bakhtin/Volochinov (2004[1929]) consideram a necessidade de inserir a linguagem no uso
prático, na enunciação efetiva, como atividade viva, em um movimento pleno e constante.
Para os autores, a linguagem é um elemento real de aspecto ideológico; certamente por isso,
possui o papel fundamental na construção do conhecimento e na formação dos indivíduos.
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Ainda sobre a linguagem, Souza (1999, p. 75) acrescenta que ela ―vive apenas na
comunicação dialógica daqueles que a usam. É precisamente essa comunicação dialógica que
constitui o verdadeiro campo da vida da linguagem‖. Como vemos, não se pode pensar a
linguagem destituída dessa relação que o sujeito/falante mantém com outros em diferentes
circunstâncias e espaços sociais.
Nessa direção, vale destacar, rapidamente, a noção de sujeito na perspectiva
bakhtiniana, já que tal noção está necessariamente ligada à própria natureza dialógica da
linguagem. Assim, nessa concepção, o sujeito está sempre numa relação entre o eu e o outro e
é, justamente, nessa interação, que ele se torna um sujeito responsivo. Na lógica do Círculo, a
―proposta é a de conceber um sujeito que, sendo um eu para-si, condição de formação da
identidade subjetiva, é também um eu para-o-outro, condição de inserção dessa identidade no
plano relacional responsável/responsivo, que lhe dá sentido‖, conforme Sobral (2008, p. 22).
Na perspectiva do Círculo, o sujeito não é só um ser biológico, mas também social e
empírico, o que implica considerar sempre a situação social e histórica concreta do sujeito,
tanto em termos de atos não discursivos quanto em sua construção em texto, complementa
Sobral (2008). Assim, por estar devidamente contextualizado no mundo, o sujeito dialoga,
respondendo com as variadas vozes sociais nele existentes, numa contínua interação social.
Nessa relação, a linguagem, produto social, organiza o pensamento e a fala do sujeito, que se
constitui pelo discurso do outro, na coletividade.
Desse modo, para compreendermos o conceito de gênero, faz-se necessário falarmos
de outros conceitos que estão relacionados diretamente a essa concepção de linguagem e aos
gêneros do discurso.
No livro Marxismo e Filosofia da Linguagem (doravante MFL), Bakhtin/Volochinov
(2004[1929]) antecipam alguns conceitos, como enunciação, diálogo e interação, que
favorecem a apreensão do conceito de gêneros do discurso.
O primeiro conceito a ser considerado é o de enunciação. Essa noção, segundo os
estudiosos russos, resulta da interação entre indivíduos socialmente organizados e é
constituída de enunciados produzidos em contextos reais, isto é, nos diálogos. É a unidade
concreta da cadeia verbal, a qual está sempre em evolução. Isso evidencia, portanto, que sua
natureza é social, pois as relações humanas também estão em constante mudança. Para
Bakhtin/Volochinov (2004[1929]), a enunciação é o puro produto da interação de dois ou
mais sujeitos, numa determinada situação comunicativa, e o diálogo, por sua vez, uma das
formas mais importantes dessa interação social. Aqui temos o segundo conceito, que se
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encontra imbricado com esse primeiro, bem como com o terceiro. Não podemos pensar numa
relação entre o eu e outro destituída de interação.
É nessa dimensão que temos, conforme mencionado, o segundo conceito a ser
considerado, um dos fundamentos do pensamento bakhtiniano, a noção de diálogo, através da
qual são pensadas as relações humanas. Esse diálogo ininterrupto realiza-se diretamente na e
pela linguagem, entre interlocutores, permitindo, assim, a evolução histórica da língua.
Para essa concepção, o diálogo ocorre entre dois interlocutores, face a face ou não, em
um momento único e constitui-se como toda forma de comunicação verbal, a qual envolve,
além de signos e símbolos, posições sociais dos falantes, convicções, valores, emoções do
momento e intenções dos participantes. Nessa comunicação, todos os enunciados são
dialógicos, pois neles existe uma dialogização interna da palavra, isto é, uma palavra responde
sempre a outras, dialogando entre si, conforme explica Fiorin (2006). Essas palavras são
atravessadas por diversas vozes sociais, as quais debatem entre si, gerando questões e
suscitando respostas. Como bem destaca Bakhtin (2003[1974/1979], p. 410),
Não existe a primeira nem a última palavra, e não há limites para o contexto
dialógico (este se estende ao passado sem limites e ao futuro sem limites).
Nem os sentidos do passado, isto é, nascidos do diálogo dos séculos
passados, podem jamais ser estáveis (concluídos, acabados de uma vez por
todas): eles sempre irão mudar (renovando-se) no processo de
desenvolvimento subseqüente, futuro, do diálogo. Em qualquer momento do
desenvolvimento do diálogo, existem massas imensas e ilimitadas de
sentidos esquecidos, mas em determinado momento do sucessivo
desenvolvimento do diálogo, em seu curso, tais sentidos serão relembrados e
reviverão em forma renovada (em novo contexto). Não existe nada
absolutamente morto: cada sentido terá sua festa de renovação.
Sendo assim, compreendemos que o diálogo, como forma clássica da comunicação
verbal, supõe a interação entre pelo menos dois enunciados plenos e acabados, envolvendo o
eu e o outro. Parafraseando Fiorin (2006), o locutor, na constituição de um discurso, sempre
leva em consideração a voz de outrem, já que todo discurso é ocupado e perpassado pela voz
alheia. Para esse autor, o dialogismo é justamente essa relação de sentidos estabelecida entre
os enunciados. Desse modo, destacamos, mais uma vez que, nessa concepção dialógica, ao
interagirmos com alguém, estamos sempre replicando outras falas, refutando-as ou aceitando-
as, reelaborando-as conforme a nossa ―apreciação valorativa‖. Por isso, concordamos com
Sobral (2009, p. 40) ao afirmar que, na comunicação social, ―ainda ‗respondemos‘ aos gregos,
e nossos discursos já estão ‗interrogando‘ gerações futuras que não vamos ver‖.
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Vimos que, juntamente a essa noção de diálogo, podemos encontrar a de interação, o
terceiro conceito, intrinsecamente vinculados, compreendida por Bakhtin como a realidade
fundamental da língua. Tal noção é defendida em contraposição à enunciação monológica,
que desconsidera, entre outros aspectos, os interlocutores e suas verdades. Conforme Sobral
(2009), o conceito de interação, para o Círculo de Bakhtin, refere-se à base, ao fundamento do
sentido, que é a relação entre sujeitos.
O pesquisador brasileiro assevera que, para compreender tal concepção, é preciso
considerar pelo menos quatro níveis: o nível do intercâmbio verbal, ou seja, as marcas que a
enunciação deixa no enunciado sobre a situação concreta da interação; o nível do contexto
imediato do intercâmbio social, a saber, os papéis sociais dos envolvidos no diálogo, a
representação que cada um tem da situação, de si mesmo e do(s) outro(s); o nível do contexto
social mediato, que envolve as esferas de atividades humanas e suas características; o nível do
horizonte social e histórico mais amplo, isto é, o momento histórico e cultural dos envolvidos
na comunicação. Pode-se pensar que, no momento exato da interação, esses níveis estão
articulados entre si, propiciando a construção dos sentidos entre os falantes.
Portanto, quando Bakhtin/Volochinov (2004[1929], p. 125, grifo nosso) dizem que ―a
enunciação só se realiza no curso da comunicação verbal”, no discurso como atividade
ininterrupta, podemos perceber que as noções de enunciação, de diálogo e de interação são
indissociáveis e estão intimamente relacionadas à vida real, já que são entendidas como a
própria execução do discurso entre dois falantes, por meio de enunciados plenos, numa
situação concreta de linguagem, atendendo aos objetivos sociais de comunicação.
Desse modo, entendemos que os conceitos aqui expostos não podem ser
desconsiderados, pois estão vinculados uns aos outros por relações dialógicas concretas. Além
disso, influenciam, dinamicamente, na construção do arcabouço teórico que apresentamos
neste capítulo, a saber, sobre os gêneros do discurso.
Tais gêneros, produzidos nas variadas esferas da atividade humana, são denominados
pelo Círculo como tipos relativamente estáveis de enunciados (BAKHTIN, 2003[1952-1953],
p. 262). Os gêneros discursivos se definem como tipos relativamente estáveis de enunciados
em consequência do momento histórico em que estão inseridos, já que vão sofrendo
modificação, expansão ou aprimoramento ao longo dos tempos; podem, assim, evoluir ou, até
mesmo, desaparecer, absorvidos por outro gênero. Essas alterações são inerentes ao gênero e
podem ocorrer em função de desenvolvimento social, das necessidades de uma comunidade,
de influências de outras culturas ou de fatores relacionados à própria língua. No entanto, por
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mais ―mutáveis‖ que sejam, os gêneros possuem determinada estabilidade para que sejam
reconhecidos e compartilhados socialmente pelos sujeitos falantes (locutor e interlocutor).
Ao discutir a relação intrínseca entre gênero e enunciado, o pensador russo defende
que todo enunciado é concreto e único, irrepetível — exclusivo do momento de interação — e
pode materializar-se na forma oral ou escrita.
Originando-se dos integrantes de uma determinada esfera, cada enunciado produzido é
reflexo das condições específicas e das finalidades de cada área da vida social. É nas esferas
da comunicação, tais como a escolar, a religiosa, a jurídica e a familiar, que se determinam as
características de cada gênero. Isso dependerá da função, do contexto e da especificidade do
campo em que é produzido.
Nesse aspecto constitutivo do gênero, é pertinente salientar uma afirmação de Brait
(2006, p. 20): ―não se pode falar de gêneros sem pensar na esfera de atividades em que eles se
constituem e atuam, aí implicadas as condições de produção, de circulação e de recepção‖.
Dito de outra maneira, por existirem inúmeras esferas (públicas ou privadas) e cada uma com
enunciados diferentes, há uma variedade infinita de enunciados que se estruturam através dos
gêneros discursivos.
Tratando dessa infinidade, o pensador russo alarga ainda mais o conceito de gênero
quando aborda sua tamanha heterogeneidade, a qual engloba desde uma simples conversa
cotidiana até uma ordem militar padronizada, além de crônica, despedida, artigo de opinião,
carta, editorial, fábula, notícia ou um romance, por exemplo. Por conta dessa extrema
diversidade dos gêneros, o filósofo da linguagem classificou-os em dois tipos: gênero
primário e gênero secundário.
O primeiro é definido por tipos de enunciado espontâneos, simples e naturais, que
ocorrem, geralmente, na imediatez da fala; já o segundo é definido por tipos de enunciados
complexos, frutos de uma comunicação cultural mais evoluída, que ocorrem geralmente por
meio da escrita. No entanto, os gêneros secundários, durante seu processo de formação,
podem absorver e alterar os gêneros primários, que, ao se tornarem secundários, distanciam-
se, no tempo e no espaço, da realidade imediata, e transformam-se, adquirindo novas
características e novas finalidades.
Para ilustrar melhor esse assunto, destacamos, mais uma vez, uma das características
fundamentais do gênero discursivo bakhtiniano: ser fixo e mutável ao mesmo tempo,
conforme explica Sobral (2009, p. 115): ―é estável porque conserva traços que o identificam
como tal e é mutável porque está em constante transformação, se altera cada vez que é
empregado, havendo casos em que um gênero se transforma em outro‖.
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Diante disso, podemos refletir sobre o exemplo dado por Bakhtin (2003[1952-1953])
quanto à réplica do diálogo cotidiano (gênero primário) inserida no romance (gênero
secundário). O próprio autor explica que essa réplica, apesar de ser um gênero simples, fruto
da comunicação espontânea, pertencente à esfera do cotidiano, ao ser absorvida e
transformada em gênero complexo, adquire outras características, já que agora pertence a
outra esfera, com outras finalidades, direcionada a outros interlocutores.
Ainda a respeito dos gêneros discursivos, o filósofo da linguagem defende que eles são
configurados através de três elementos básicos, indissociáveis e inter-relacionados na
constituição do enunciado: o conteúdo temático, o estilo e a forma composicional.
No tocante ao conteúdo temático, concordamos com Barbosa (2001), ao dizer que
Bakhtin não fornece definições precisas e claras, o que nos obriga a certo trabalho
interpretativo, obviamente, baseado nos indicativos deixados pelo autor em diferentes
passagens em sua obra. Sobre esse conceito, por exemplo, a autora reconhece que, para
defini-lo, é necessário diferenciá-lo de três elementos que, não raro, são confundidos com ele,
a saber: assunto, tema e significação. Esses, juntamente com o conteúdo temático, fazem
parte de um mesmo campo semântico, mas cada qual possui seu próprio sentido.
Concernente ao tema, Barbosa (2001) assevera que, na primeira vez em que
Bakhtin/Volochinov usaram tal termo, no MFL (1986[1929], p.128), eles inseriram uma nota
de rodapé, buscando precisar o sentido que lhe conferiam, advertindo que o uso que fazem
não deve ser confundido com o que eles chamam de ―tema de uma obra de arte‖, por
exemplo. Portanto, como não há muito esclarecimento sobre o sentido dessa palavra nesse
contexto, a autora infere que Bakhtin/Volochinov estivessem reportando-se à dimensão da
referencialidade, o que comumente recebe o nome de assunto, o qual faz abstração da
situação de uso, do enunciado concreto e do gênero.
Para elucidar o uso do termo assunto — pensemos numa situação em que alguém, ao
sair de uma longa reunião com seus superiores, é abordado por um colega de trabalho que lhe
indaga sobre o assunto tratado na reunião. Para responder-lhe, o amigo não se preocupará em
detalhar o contexto da enunciação (quem eram os participantes, suas crenças, suas vontades
enunciativas, qual a relação entre eles, suas posições sociais e institucionais, o grau de
familiaridade entre eles); simplesmente, responderá que o assunto principal tratado na
reunião foi a redução do quadro de funcionários, por exemplo.
Sobre tema e significação, em MFL (2004[1929]), Bakhtin/Volochinov discutem a
diferença entre esses dois conceitos. O primeiro, considerado o sentido único da enunciação
completa ligada a uma situação real, é determinado não só pelos fatores verbais (palavras,
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estrutura sintática, entonação, ―a parte percebida13
‖), mas também por fatores extraverbais (o
locutor, o interlocutor, a situação no tempo-espaço, ―a parte presumida‖), exclusivos de um
instante histórico; já o segundo, considerado o elemento da enunciação, é a própria forma
linguística, o elemento abstrato, repetível e idêntico, a forma gramatical.
A significação é absorvida pelo tema. Ela é apenas uma possibilidade de significar no
interior de um contexto, no interior de um tema. Em seus escritos, Bakhtin/Volochinov
(2004[1929], p. 45) asseveram que ―cada manifestação verbal tem seu tema‖ e que a distinção
entre esses dois elementos — tema e significação — é algo abstrato, teórico no nível da
análise, pois, na realidade linguística, ambos são inseparáveis, visto que o primeiro apóia-se
na estabilidade do segundo para adquirir sentido. O autor pontua que ―é impossível traçar uma
fronteira mecânica absoluta entre a significação e o tema. Não há tema sem significação e
vice-versa‖ (idem, p. 129).
Retornando ao conteúdo temático, podemos pensar, então, que ele pressupõe os dois
últimos elementos (tema/significação); entretanto, refere-se a outro sentido. Tal conceito diz
respeito àquilo que pode ser dizível em um determinado gênero, sendo que, numa enunciação,
esse conteúdo, necessariamente, está vinculado a certa construção composicional e se realiza
linguisticamente de acordo com o estilo próprio a tal construção. Para facilitar a compreensão,
pensemos numa procuração: aquilo sobre o que se fala nesse gênero, a finalidade discursiva, o
que pode ser dizível nela é bem diferente daquilo sobre o que se fala no gênero notícia, por
exemplo.
Outro elemento que recebeu muita atenção nos estudos bakhtinianos, na composição
do gênero, intimamente ligado à forma composicional e ao tema, é o estilo, o qual diz respeito
à escolha dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua. O estilo depende, entre
outros elementos, da posição enunciativa do locutor e está relacionado à sua forma individual
de escrever, ou seja, o gênero pode refletir a marca, o estilo do locutor. No entanto, vale
lembrar que o uso das categorias gramaticais selecionadas pelo falante não estão
desvinculadas de definições ideológicas, ou seja, o estilo pode ser definido a partir da reação
que o locutor espera do seu interlocutor bem como das apreciações valorativas que ele tem a
respeito do seu destinatário, como explica Bakhtin (2003[1952-1953], p. 301-306): ―cada
13
Em ―Discurso na vida e discurso na arte‖, Bakhtin/Volochinov (1926) discutem sobre a ―parte percebida‖ e a
―parte presumida‖. De acordo com os autores, o enunciado concreto, como um todo significativo, compreende
essas duas partes. A primeira é aquela realizada em palavras, a materialidade linguística, está diretamente ligada
ao texto. A segunda corresponde aos valores, às questões históricas, culturais e ideológicas, constituídas no
social, sobre a base do ―nós‖.
50
gênero do discurso em cada campo da comunicação discursiva tem a sua concepção típica de
destinatário...‖; assim ―a escolha de todos os recursos linguísticos é feita pelo falante sob
maior ou menor influência do destinatário e da resposta antecipada‖.
Entretanto, é importante salientar que, conforme o filósofo russo, nem todo gênero é
aberto ao estilo individual do falante; portanto, nem todo gênero lhe permite expressar sua
criatividade, uma vez que existem os padronizados — aqueles da esfera jurídica, por exemplo,
os quais possuem um ―acabamento‖ específico, normatizado. Para Bakhtin (2003[1952-1953],
p. 265), ―as condições menos propícias para o reflexo da individualidade na linguagem estão
presentes naqueles gêneros do discurso que requerem uma forma padronizada‖. Assim,
dizemos que isso configura o estilo do gênero, por não permitir ao falante expressar sua
individualidade.
Passemos, então, ao último elemento constitutivo do gênero: a construção
composicional, compreendida como a estrutura formal do texto, sua organização. Essa
estrutura deve considerar, entre outros fatores, os modelos das esferas de comunicação e a
situação de produção.
Por exemplo, no campo jornalístico, as características composicionais predominantes
no gênero discursivo reportagem tendem a seguir o modelo informativo dessa esfera. No
dizer de Lopes-Rossi (2009), o gênero reportagem
é a cobertura detalhada e aprofundada de fatos recentes e de grande
repercussão ou de temas atuais e de interesse do público-alvo. Baseia-se em
fontes de informação e de pesquisa do repórter, o que lhe confere
credibilidade. Tanto em jornais quanto em revistas, apresenta texto, fotos,
ilustrações, informações em boxes e infográficos (LOPES-ROSSI, 2009, p.
04).
Na escrita desse gênero, portanto, é necessário considerar, além das possibilidades de
comunicação, a situação de produção, uma vez que o autor do texto, no processo de escrita, ao
fazer as escolhas linguísticas e organizar seus conteúdos, dentro de uma estrutura formal,
possui um intuito comunicativo. No gênero em questão, segundo essa autora, tal propósito
constitui-se em
trazer informações atualizadas e detalhadas sobre fatos (acontecimentos) ou
temas de interesse do público-alvo da revista ou do jornal, podendo ser sobre
saúde, comportamento, moda, educação, cultura, lazer, segurança,
tecnologia, turismo, ecologia, entre muitas outras possibilidades (LOPES-
ROSSI, 2009, p. 04).
51
Lopes-Rossi (2009) complementa ainda que
a reportagem pode ter caráter investigativo e resultar em denúncias. No
entanto, muitas vezes tem o propósito implícito de formar a opinião de seu
público a respeito de determinado assunto, de causar indignação, de ironizar
uma situação, de beneficiar ou desqualificar a imagem de uma figura
pública, de fazer propaganda de um produto, entre outros possíveis (LOPES-
ROSSI, 2009, p. 04).
Nesse sentido, é pertinente pensar que a estrutura composicional permite tanto o
reconhecimento do gênero como a assimilação das condições específicas e da finalidade de
cada esfera da atividade humana (BAKHTIN, 2003[1952-1953]). Portanto, como dito, esses
três elementos — conteúdo, estilo e forma — são indissociáveis, determinados em função do
momento imediato, da finalidade discursiva, dos interlocutores, do meio social mais amplo e
da esfera comunicativa.
De acordo com essa concepção, temos um repertório de gêneros, construídos
sociohistoricamente, e nós, enquanto sujeitos, não os criamos pela primeira vez, mas os
repetimos, já que nos são dados, assim como nos é dada a nossa língua materna. Os gêneros
discursivos estão disponíveis na memória linguístico-discursiva de um povo; logo, eles são
inseparáveis dessa comunidade e só existem se relacionados a ela, que os utiliza. Sendo assim,
falamos e escrevemos através deles, isto é, temos nosso discurso modelado pelos gêneros em
uso, como bem destaca Bakhtin (2003[1952-1953], p. 283):
Os gêneros do discurso organizam nosso discurso quase da mesma forma
que o organizam as formas gramaticais (sintáticas). Nós aprendemos a
moldar o nosso discurso em formas de gênero e, quando ouvimos o discurso
alheio, já adivinhamos o seu gênero pelas primeiras palavras, adivinhamos
um determinado volume (isto é, uma extensão aproximada do conjunto do
discurso), uma determinada construção composicional, prevemos o fim, isto
é, desde o início temos a sensação do conjunto do discurso que em seguida
apenas se diferencia no processo da fala. Se os gêneros do discurso não
existissem e nós não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela
primeira vez no processo do discurso, de construir livremente e pela primeira
vez cada enunciado, a comunicação discursiva seria quase impossível.
Não são raros os casos de pessoas que, mesmo conhecendo a língua sobremaneira, não
se desempenham satisfatoriamente quando precisam participar de alguma atividade que
demande um gênero específico, como no caso de variadas atividades orais. Bom exemplo
dessa situação é o seminário da esfera escolar, que exige, além de capacidade de oratória, o
monitoramento dos tons da voz, dos gestos corporais, da respiração, das pausas,
conhecimento do assunto a ser tratado, preparação do conteúdo, planejamento da escrita, entre
52
outros aspectos relevantes do gênero, conforme elucida Ferreira (2009). Nessa situação —
apresentação de um seminário, na esfera escolar — muitas pessoas ficam totalmente inseguras
por não dominarem tal prática social, por não estarem familiarizadas com o gênero em
questão.
Consequentemente, quanto maior número de diferentes formas de dizer forem
dominadas por nós, maior facilidade teremos em empregá-las adequadamente nas diversas
situações comunicativas e melhores condições teremos para interferir nos problemas da nossa
comunidade, lutando por nossos direitos e cumprindo nossos deveres, participando
efetivamente na vida social. Dessa forma, a apropriação de inúmeros gêneros, não só os orais
como também os escritos, permitir-nos-á dominar o uso variado da linguagem em situações
públicas. Em síntese, o próprio pensador russo (2003[1952-1953], p. 285) explica:
Muitas pessoas que dominam magnificamente uma língua sentem amiúde
total impotência em alguns campos da comunicação precisamente porque
não dominam na prática as formas de gênero de dadas esferas.
Frequentemente, a pessoa que domina magnificamente o discurso em
diferentes esferas da comunicação cultural, sabe ler o relatório, desenvolver
uma discussão científica, fala magnificamente sobre questões sociais, cala ou
intervém de forma muito desajeitada em uma conversa mundana. Aqui não
se trata de pobreza vocabular nem de estilo tomado de maneira abstrata; tudo
se resume a uma inabilidade para dominar o repertório dos gêneros da
conversa mundana, a uma falta de acervo suficiente de noções sobre todo um
enunciado que ajudem a moldar de forma rápida e descontraída o seu
discurso nas formas estilístico-composicionais definidas, a uma inabilidade
de tomar a palavra a tempo, de começar corretamente e terminar
corretamente.
Complementa ainda:
Quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os
empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa
individualidade (onde isso é possível e necessário), refletimos de modo mais
flexível e sutil a situação singular da comunicação; em suma, realizamos de
modo mais acabado o nosso livre projeto de discurso (BAKHTIN,
2003[1952-1953], p. 285) [grifo nosso].
Sendo assim, o domínio do repertório de gêneros discursivos se faz necessário, uma
vez que em todas as esferas da atividade humana, nas enunciações, a utilização da língua se
realiza sempre em formas de enunciado típicos orais ou escritos, concretos e plenos.
Na seção seguinte, abordamos as características do enunciado, unidade básica para a
construção de um discurso, relacionadas com o conceito de compreensão responsiva e ativa,
53
visto que tais conceitos possuem grande relevância nos estudos de Bakhtin, pois possibilitam
o tratamento da linguagem como um movimento de interlocução real e único.
2.2 Características do enunciado concreto e compreensão ativa
Como vimos, no desenvolvimento teórico do Círculo de Bakhtin, é atribuída extrema
importância não só ao estudo da natureza dos gêneros do discurso como também ao estudo da
natureza do enunciado. Tais estudos visam a superar as noções simplificadas acerca da vida
verbal, existentes na ciência da linguagem. Por outro lado, ―o estudo do enunciado como
unidade da comunicação discursiva permitirá compreender de modo mais correto também a
natureza das unidades da língua (enquanto sistema) — as palavras e orações‖, como bem
destaca Bakhtin (2003[1952-1953], p. 269, grifo do autor).
O enunciado é a unidade concreta da comunicação verbal, pois está em contato direto
com a realidade humana e ocorre na relação entre os diferentes falantes. Para a concepção
bakhtiniana, o enunciado concreto possui determinadas particularidades constitutivas —
indissociáveis — que devem ser, adequadamente, consideradas numa interação orgânica.
Constituem tais particularidades:
a alternância dos sujeitos falantes; o acabamento específico do enunciado, o
tratamento exaustivo do objeto de sentido, o intuito, o querer dizer do
locutor, as formas típicas de estruturação do gênero do acabamento; a
relação do enunciado com o próprio locutor (com o autor do enunciado), e
com os outros parceiros da comunicação verbal (SOUZA, 1999, p. 94) [grifo
do autor].
Dito de outro modo, o processo de interação é marcado pela alternância dos indivíduos
no discurso, cuja troca ocorre ―porque o falante disse (ou escreveu) tudo o que quis dizer em
dado momento ou sob dadas condições‖ (BAKHTIN, 2003[1952-1953], p. 280, grifo do
autor).
Tal interação é marcada ainda pela conclusibilidade específica, a qual depende, entre
outros fatores, do querer dizer do falante. Seu intuito discursivo é realizado a partir da seleção
de um gênero. Essa escolha é determinada não só pela especificidade de uma dada esfera
como também pela necessidade de uma temática, pela situação real da comunicação
discursiva e pelo conjunto de participantes, dentre outros. Como vimos, a relação do
enunciado com os parceiros/interlocutores da comunicação social constitui-se em outra
54
particularidade constitutiva do enunciado, já que sem essa parceria não poderia haver
enunciados (BAKHTIN, 2003[1952-1953], p. 305).
Na comunicação discursiva, cada interlocutor assume uma posição valorativa em
relação a algum discurso de algum participante de determinada esfera, o que equivale a dizer
que todo enunciado é sempre heterogêneo, pois revela duas posições sociais e históricas.
Nessa direção, Marchezan (2008) explica que o enunciado de um locutor apresenta-se de
modo acabado e provoca, obviamente, como resposta, o enunciado do outro. Todavia, essa
réplica ―é apenas relativamente acabada, parte que é de uma temporalidade mais extensa, de
um diálogo social amplo e dinâmico‖ (idem, p. 117). Ainda nesse sentido, Bakhtin
(2003[1952-1953], p. 271) elucida que, numa enunciação, ao receber e compreender a
significação (linguística) de um enunciado, o interlocutor, simultaneamente, adotará em
relação a esse discurso uma atitude responsiva, posicionando-se. Dessa forma, é importante
percebermos a introdução de outro conceito presente na teoria bakhtiniana, o de
compreensão ativa e responsiva.
Para o autor, toda compreensão de um discurso, falado ou escrito, implica uma
responsividade, uma compreensão ativa e responsiva e, consequentemente, um juízo de valor,
pois ―toda compreensão é prenhe de resposta‖ (BAKHTIN, 2003[1952-1953], p. 271) e, de
uma forma ou de outra a produz. Nesse cenário, o locutor se torna interlocutor,
obrigatoriamente. É o que acontece, por exemplo, numa conversa qualquer, em que o
interlocutor, ao apreender o tema do discurso do seu locutor, além de conseguir perceber a
conclusão, a finalização da fala do seu companheiro, assume uma atitude. Nesse instante,
ocorre, então, a troca do turno, em que as posições de locutor e interlocutor se invertem.
Isto posto, podemos constatar que o enunciado concreto pressupõe sempre uma
alternância dos sujeitos envolvidos na comunicação verbal; é essa transferência da palavra ao
outro que delimita tal enunciado. Conforme Bakhtin (2003[1952-1953], p. 275), é no diálogo
real que ―se alternam as enunciações dos interlocutores (parceiros do diálogo)‖.
O filósofo diz ainda que todo enunciado se constitui a partir de outros e é sempre uma
réplica a eles, uma vez que não existe um enunciado adâmico, primeiro, que tenha se
produzido sozinho. Segundo Bakhtin (2003[1952-1953], p.272), ―cada enunciado é um elo na
corrente complexamente organizada de outros enunciados‖, os quais estão sempre carregados
de ideologia, de intenções e de valores, repletos de vozes sociais, determinadas e constituídas
sócio-historicamente.
Por isso, o autor defende que o enunciado não pode ser reduzido à mera abstração, já
que está diretamente relacionado aos acontecimentos concretos entre pessoas, que utilizam a
55
palavra como uma ―ponte‖, num contexto preciso. Nessa relação dialógica, essa ponte une os
sujeitos, cada qual ―povoado‖ de vozes sociais, construídas ao longo da história. Essas vozes
promovem embates, polemizam, debatem, refutam, debocham, apoiam, questionam,
concordam entre si.
Nas duas seções precedentes, abordamos alguns conceitos que julgamos relevantes não
apenas para nossa pesquisa como também para a compreensão do conceito de gênero do
discurso. Ressaltamos que não basta ter o domínio da língua; é preciso, para além disso,
dominar as formas discursivas dos diferentes gêneros.
É partindo desse pressuposto — de que é preciso dominar os diversos gêneros para
exercer efetivamente a cidadania — que defendemos o ensino de LP baseado nessa
perspectiva enunciativo-discursiva. Mas, antes, devemos entender a diferença entre duas
classificações comumente usadas na esfera acadêmica com ressonâncias para a esfera
educacional, a saber, gênero textual e gênero discursivo.
2.3 Gêneros discursivos e gêneros textuais
O conceito de gênero discursivo e/ou textual, no Brasil, tem tido grande destaque nas
discussões atuais sobre o ensino de LP. Tais discussões têm se ampliado na Academia, em
função das incontáveis pesquisas sobre o assunto, levantando aspectos relevantes que,
certamente, contribuem para o avanço nos debates sobre ensino-aprendizagem de leitura e
escrita a partir de gêneros.
A adoção do conceito de gênero nas aulas de língua materna se insere no cruzamento
de percursos históricos resultantes da crescente preocupação com questões relacionadas aos
direitos humanos e à cidadania e advindos da necessidade de renovação do ensino, que tem
por obrigação acompanhar as mudanças sociais, históricas e científicas, como bem explica
Figueiredo (2005). Essa autora faz uma breve retrospectiva das transformações ocorridas no
ensino de LP desde sua introdução no currículo escolar brasileiro, no século XIX, a fim de
melhor situar a inserção dos gêneros no ensino.
A pesquisadora brasileira esclarece que, nesse período, a única preocupação do ensino
era alfabetizar, através da norma culta, alunos, filhos de fazendeiros, provindos da classe
nobre. Só mais tarde, o ensino de LP foi estendido ―a toda série escolar‖, utilizando-se como
modelo o mesmo utilizado na disciplina de latim, ou seja, um estudo baseado exclusivamente
nos manuais de gramática normativa e nas ontologias literárias, permanecendo assim até os
anos 1950, período de grande expansão industrial. Nos anos 1960 e 1970 houve outras
56
mudanças. As novas perspectivas de ensino, apesar de manterem o foco no estudo da
gramática normativa, buscaram valorizar a criatividade dos alunos, com o intuito de
desenvolver neles a eficiência da comunicação e da expressão.
Nessa época, com a democratização do ensino, vários alunos, oriundos das mais
diversas camadas sociais e culturais, tiveram acesso à escola. Isso implicou, certamente, no
aumento de professores, que, para atender à demanda, tiveram uma formação rápida, nem
sempre de qualidade. Independentemente disso, o ensino permanecia ―direcionado‖ àqueles
de classe média e alta, uma vez que se priorizava a norma culta da língua. Isso fez com que o
índice de evasão e repetência aumentasse, evidenciando, assim, a fragilidade dos métodos e
dos conteúdos de ensino.
A partir disso, no fim dos anos 1970 a 1990, embora apoiadas no ensino gramatical, as
aulas de LP começaram a enfatizar a leitura e a produção textual, incorporando as teorias da
linguística textual. Entretanto, por estarem presos aos antigos métodos, os professores
passaram a se basear numa espécie de gramaticalização do texto, o que não propiciou à
maioria dos alunos a performance esperada. Nesse momento, novas demandas sociais
emergiram quanto ao uso da leitura e da escrita, passando a exigir do ensino de LP uma nova
postura.
Podemos perceber que é, exatamente, a partir da busca por um norte, por um
redirecionamento do ensino de língua materna, que se chegou, através dos documentos
oficiais, influenciados pela Constituição (1988), pelo Plano Decenal (1993), pela Lei de
Diretrizes e Bases, doravante LDB, (1996), entre outros, à proposta dos gêneros como objetos
de ensino-aprendizagem de LP, a fim de atender às múltiplas demandas sociais, respondendo,
assim, a diferentes propósitos comunicativos.
Diante do exposto, podemos pensar que a adoção do gênero surge como respostas às
necessidades de novas compreensões sobre língua e linguagem, presentes numa sociedade
moderna, competitiva, em constante mutação. Esse conteúdo emerge como uma nova
proposta de trabalho pedagógico, totalmente dialógica, que assume a linguagem como
interação social, orientada por uma finalidade específica, como um processo de interlocução
que se realiza nas práticas sociais, existentes nos diferentes grupos de uma sociedade.
Como consequência da adoção desse paradigma pelos documentos oficiais, hoje, nos
estudos de língua e linguagem, temos encontrado diferentes abordagens sobre os gêneros.
Comumente, deparamo-nos com duas expressões para se referirem a esse conceito, a saber,
―gêneros discursivos ou do discurso‖ e ―gêneros textuais ou de texto‖. Ambas as vertentes são
tratadas, muitas vezes, como se fossem sinônimas, como se tivessem o mesmo objeto de
57
estudo, o mesmo referencial teórico, enquanto que, na verdade, o conceito de gênero é
retomado por diversos autores, os quais o reelaboram dentro de suas próprias percepções,
como bem ressaltam Barbosa (2001), Rojo (2005) e Figueiredo (2005).
Sobral (2007, p. 2107) também discute tais objetos, argumentando em favor de uma
definição mais precisa, pois a seu ver ―a expressão ‗gênero textual‘ tem permitido ou
autorizado em alguns casos uma compreensão errônea do conceito de discurso e mesmo de
gênero, o que prejudica a riqueza e virulência desses dois conceitos‖.
Rojo, ao estudar tal questão, faz um apanhado sobre as distinções entre essas duas
correntes, discutindo perspectivas teóricas relevantes que as embasam. A autora assevera que
ambas as vertentes encontram-se enraizadas em diferentes releituras da
herança bakhtiniana, sendo que a primeira — teoria dos gêneros do discurso
— centrava-se sobretudo no estudo das situações de produção dos
enunciados ou textos e em seus aspectos sócio-históricos e a segunda —
teoria dos gêneros de texto —, na descrição da materialidade textual (ROJO,
2005, p.185) [grifo da autora].
De acordo com a linguista aplicada, Bakhtin e seu Círculo são referência para os
gêneros discursivos, enquanto que para os gêneros textuais o são Bronckart e Adam. No
Brasil, existem vários estudiosos que discutem, comentam e adotam a terminologia ―gêneros
discursivos‖, entre eles, Brait, Castro e Faraco; já Marcuschi e Nascimento adotam ―gêneros
textuais‖.
Segundo Rojo (2005), os conceitos de gênero textual e de gênero discursivo não
podem ser tomados como sinônimos, pois existe entre eles uma diferença fundamental: o
primeiro privilegia o textual, os aspectos linguísticos, e o segundo considera o texto, sua
estrutura, o projeto enunciativo e a esfera social em que surgem e circulam os gêneros.
No processo de ensino-aprendizagem, na perspectiva teórica bakhtiniana, um estudo
sobre determinado gênero não pode ser visto simplesmente como elaboração de uma
―descrição‖ desse gênero, pois essa postura implica um apagamento do caráter dialógico da
linguagem e anula a dimensão social constitutiva do gênero. Além disso, dissipa sua rica
contribuição como aspecto fundamental ao desenvolvimento da cidadania crítica e
democrática. Portanto, é pertinente pensar que a compreensão das diferenças teóricas
existentes entre essas duas correntes, bem como das consequências para o processo de ensino-
aprendizagem de língua materna, é de grande importância, já que a escolha de uma em
detrimento da outra pode refletir aspectos fundamentais na educação.
58
O ensino dos gêneros, certamente, só terá sentido garantido se for compreendido e
trabalhado de forma clara, no que tange à perspectiva adotada, tanto para os professores
quanto para os alunos. Essas questões precisam ser consideradas, uma vez que os PCNLP
(BRASIL, 1998) adotam o gênero como objeto de ensino de LP para o trabalho docente.
É visível nesses documentos a presença das mais variadas perspectivas teóricas,
inclusive no que se refere a esse objeto, já que podemos observar, ao longo do texto, tal
conceito, do pensamento bakhtiniano, mesclado a outro, proveniente de outra fonte teórica.
Isso quer dizer que, nessas diretrizes curriculares, por vezes, as diversas teorias foram
abordadas, indiscriminadamente, não sendo explicitadas e nem separadas, devidamente. No
entanto, de acordo com Brait (2000), não haveria problema nisso caso não se estabelecessem
confusões entre a concepção bakhtiniana de gênero discursivo e outras teorias sobre tipologias
textuais, ―como se pode perceber no conjunto das sugestões do documento em contraste com
um percurso, grosso modo, dos escritos bakhtinianos que constroem a concepção de gênero‖
(BRAIT, 2000, p. 18).
Mesmo diante dessa constatação, é inegável que os documentos oficiais, resultantes de
inúmeros estudos, impulsionaram as pesquisas sobre gêneros (textuais ou discursivos), assim
como é inegável que tais tipologias estão presentes no ensino de Língua Portuguesa. Contudo,
é preciso atentar para as distinções existentes entre os dois conceitos.
Brait (2000) advoga em favor dos gêneros discursivos, de base bakhtiniana, já que
esses, diferentemente das tipologias textuais, são pensados sempre a partir da esfera de
atividade, implicadas aí as condições de produção, circulação e recepção. Sem dúvida, isso
tudo
[...] é muito mais importante e constitutivo do gênero discursivo, segundo
Bakhtin, que as sequências de um texto, das quais as várias tipologias
textuais dão conta, não tocando, entretanto, em esfera de atividades ou
modos de circulação, o que descaracteriza a perspectiva sócio-histórica de
gênero discursivo (BRAIT, 2000, p. 20) [grifo da autora].
Barbosa (2000) também defende a eleição dos gêneros discursivos no ensino de
língua, conforme percepção bakhtiniana, já que essa noção
[...] permite incorporar elementos da ordem do social e do histórico [...];
permite considerar a situação de produção de um dado discurso (quem fala,
para quem, lugares sociais dos interlocutores, posicionamentos ideológicos,
em que situação, em que momento histórico, em que veículo, com que
objetivo, finalidade ou intenção, em que registro, etc.); abrange o conteúdo
temático [...], a construção composicional [...] e seu estilo verbal
(BARBOSA, 2000, p. 1542) [grifo da autora].
59
Essa autora acrescenta ainda várias outras razões de ordem pedagógica para o trabalho
com os gêneros do discurso — bakhtiniano — como objeto de ensino-aprendizagem de LP,
como seguem:
A consideração dos gêneros do discurso possibilita uma maior
especificação da qual o termo letramento ou práticas letradas parece
carecer;
Através do trabalho com diferentes gêneros do discurso e da
consideração dos gêneros primários e secundários e de suas inter-
relações é possível pensar numa solução de continuidade entre o
desenvolvimento da oralidade e da escrita;
A consideração dos gêneros do discurso permite um melhor tratamento
da oralidade, que nessa perspectiva, passa a ser focada sempre em
relação aos gêneros orais;
Os gêneros seriam mega-instrumentos, que incluiriam outros
instrumentos, consideração essa que fornece pistas a propósito do que
ensinar e do como ensinar de forma contextualizada;
O trabalho baseado em gêneros permite a integração contextualizada de
atividades de compreensão, produção de textos e análise linguística;
A escolha de gêneros do discurso fornece parâmetros e princípios que
impediriam a construção de propostas curriculares demasiadamente
abertas, desarticuladas, garantindo uma maior eficácia das mesmas;
O trabalho com os gêneros do discurso, ao mesmo tempo em que supõe
o uso de competências, favorecem seu desenvolvimento, na medida em
que pressupõe relações de diferentes naturezas (linguísticas, textuais,
discursivas etc.) (BARBOSA, 2001, p. 107).
Estamos de acordo com o posicionamento da pesquisadora, por acreditarmos que, no
trabalho escolar, o ensino-aprendizagem de escrita através dos gêneros contribui, de fato, para
desenvolver no aluno as capacidades (linguísticas e discursivas) necessárias para a
comunicação, para ajudá-lo a adaptar suas atividades linguísticas, com sucesso, aos eventos
sociais, de letramento. Além do mais, esse trabalho lhe permite expandir as inúmeras
possibilidades do uso da língua em qualquer forma de realização, nas mais variadas situações,
uma vez que em todos os campos de atividades humanas são produzidos diversos gêneros.
Aliás, sabemos que, no mundo atual, a plena cidadania exige o domínio do maior número
deles, dos variados letramentos, e o sucesso do aluno tanto na escola como na vida social
passa, sem dúvida, pelo domínio dos diferentes gêneros discursivos.
Na seção seguinte, abordamos o conceito de letramento, advogando a favor da
articulação de tal noção ao conceito de gênero discursivo, no processo de produção textual.
60
2.4 Letramento no ensino de Língua Portuguesa
Sem a intenção de fazer aqui uma retrospectiva histórica, tecemos algumas
considerações sobre o conceito de letramento14
, por considerarmos sua inserção como um
marco que redimensionou, ou ao menos influenciou, o ensino de LP e por concordamos,
juntamente com vários pesquisadores, que essa acepção associada ao conceito de gênero
discursivo pode contribuir para o desenvolvimento de capacidades e competências dos alunos,
levando-os ao exercício pleno da cidadania.
Tal conceito, também contido nos PCNLP (BRASIL, 1998), tornou-se ―moeda
corrente‖ no debate pedagógico. Noutras palavras, esse conceito tem sido discurso frequente
no meio educacional brasileiro e, apesar das várias óticas sob as quais é compreendido, o que
parece comum, hoje, é a ideia de letramento a partir das situações cotidianas que envolvem a
escrita.
Esse termo está ligado às mudanças ocorridas ao longo dos anos, ou seja, à crescente
complexidade existente em nossa sociedade, que a cada dia faz surgir novas exigências de
práticas de leitura e escrita. Assim, percebemos os fortes apelos que o mundo letrado tem
exercido sobre as pessoas, uma vez que já não basta saber desenhar letras ou decifrar códigos;
hoje é preciso bem mais do que isso: entender os significados e usos das palavras nos diversos
contextos, ser um indivíduo crítico, atuante e envolver-se nas diferentes atividades sociais.
No intuito de situar melhor essa questão, isto é, o aparecimento15
desse conceito —
letramento — em alguns países, Paes de Barros (2005), baseada nos estudos de Lahire (1999),
explica que o termo illettrisme surgiu na França, em virtude da observação de que a maioria
das pessoas, mesmo alfabetizadas, não dominavam suficientemente bem a escrita nas
situações que a exigiam, seja no trabalho ou na vida pessoal. O mesmo problema ocorreu nos
Estados Unidos, onde avaliações com alunos de escolas de Ensino Médio indicaram que esses
jovens tinham grande dificuldade de leitura. Faltava-lhes, pois, o domínio das capacidades de
uso de leitura e escrita nas práticas requeridas socialmente.
Situação semelhante também ocorreu no Brasil, a partir dos anos 1980, em que essa
falta de domínio das competências de leitura e escrita dos alunos intensificou a preocupação
dos estudiosos, gerando inúmeros questionamentos sobre o assunto. A noção de letramento,
14
Kleiman (1995) e Soares (1998) sugerem que o termo ―letramento‖ teria sido usado, no Brasil, pela primeira
vez, por Mary Kato, na obra ―No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística‖, em 1986. 15
Soares (2000) elucida, porém, que não se trata exatamente do aparecimento de um novo conceito, mas,
sim, do reconhecimento de um fenômeno, o qual permaneceu imerso, até então, já que não tinha, ainda, uma
significação social, como agora.
61
no país, está associada à erradicação do analfabetismo, como explica Soares (1998, p. 45),
uma das principais pesquisadoras do tema no país:
à medida que o analfabetismo vai sendo superado, um número cada vez
maior de pessoas aprende a ler e a escrever, e à medida que,
concomitantemente, a sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na
escrita (cada vez mais grafocêntrica), um novo fenômeno se evidencia: não
basta apenas aprender a ler e a escrever (SOARES, 1998, p. 45).
De acordo com a pesquisadora, a partir daquela década, no contexto escolar, vários
estudiosos chegaram à conclusão de que somente a alfabetização não era suficiente para que
os alunos entendessem as situações de interação social envolvendo o texto escrito. A falta
dessa compreensão favorecia a exclusão social.
Kleiman (1995, p. 19), outra estudiosa do assunto, esclarece, em linhas gerais, que,
naquele período, o letramento poderia ser conceituado ―como um conjunto de práticas sociais
que usa a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos
específicos, para objetivos específicos‖, salientando ainda que essa concepção não se limitava
aos eventos mediados pelo texto escrito, mas abrangia também a oralidade. A pesquisadora
(1998, p. 181-182) considera que ―uma atividade que envolve apenas a modalidade oral,
como escutar uma notícia de rádio, é um evento de letramento, pois o texto ouvido tem as
marcas de planejamento de lexicalização típicas da modalidade escrita‖.
Para essa autora, os estudos sobre letramento analisam o desenvolvimento social que
acompanhou a expansão dos usos da escrita desde o século XVI e, aos poucos, vêm se
alargando, até os dias atuais, para descrever, sobretudo, as condições de uso dessa prática.
Compreendendo tal conceito como prática e evento social relacionados com uso, função e
impacto social da escrita, a estudiosa ainda reitera que o conceito de letramento foi
inicialmente usado nos meios acadêmicos, justamente para fazer a separação entre
alfabetização e impactos da escrita. Por isso, chama a atenção para os estudos sobre
alfabetização, os quais tinham como destaque as competências individuais dos alunos,
deixando de lado o desenvolvimento de um pensamento crítico e reflexivo.
Sobre isso, Kleiman (2005) reforça mais uma vez que letramento não significa
alfabetização, mas a inclui. Ambos os conceitos estão intimamente associados, pois se o
letramento é o conjunto de atividades que envolvem a língua escrita, para alcançar certo
objetivo em uma dada situação prática, tais como escrever carta, enviar um email e assistir a
uma palestra, a alfabetização é uma prática de letramento! Afinal, em certa medida, ela faz
62
parte do conjunto de práticas sociais do uso da escrita da escola, denotando, um conjunto de
conhecimento sobre o código escrito.
Por conta disso, o domínio do sistema alfabético e ortográfico pode ser destacado
como um dos fatores que tornam uma pessoa plenamente letrada (o que é quase impossível,
naturalmente), ou seja, a autora advoga a favor da alfabetização como uma prática escolar
essencial a todos, pois lhes permite a participação de forma autônoma nas variadas práticas de
letramento. Antes disso, defende tal ensino como prática contextualizada, vinculada às
situações sociais concretas. Isso equivale a dizer que, no ensino de língua escrita, mais do que
ensinar as normas ortográficas, é preciso que se tenha uma especificidade, um ensino
sistemático e sequencial, que considere a apropriação das práticas sociais de uso da
linguagem.
Para Rojo (2009b), é através das diferentes práticas sociais de letramento exercidas
nos variados contextos que se constituem os níveis de alfabetismo de cada pessoa. A
pesquisadora entende o alfabetismo como algo complexo, pois envolve um conjunto de
competências e habilidades de leitura e escrita, ligeiramente diferentes, mas ligadas entre si.
Conforme vimos, o termo letramento surgiu para nomear fenômenos mais abrangentes
que a alfabetização, e a necessidade de se compreender tal concepção fez situar a
alfabetização como um processo demarcado por duas vertentes, a saber, a aquisição da escrita
e a possibilidade do seu uso nas situações sociais. Soares (1998) diferencia os termos: o
primeiro refere-se ao fato de alguém saber ler e escrever, e o segundo se refere não só ao fato
de saber ler e escrever, como também de usar tais recursos nas práticas sociais diárias.
No processo de compreensão do termo letramento, Street (1984), citado por Kleiman
(1995, 2005, 2007), Soares (1998), Paes de Barros (2005), Rojo (2009b), dentre outros,
descreve dois modelos opostos de letramentos: o modelo autônomo — que entende a escrita
como um produto acabado, desconsiderando o contexto sociohistórico — e o modelo
ideológico — que considera o letramento como uma prática social e não como uma habilidade
técnica e neutra. Como é uma prática social, está vinculada ao contexto histórico em que é
construída, é influenciada pelas relações de poder, pelas condições socioeconômicas, culturais
e políticas. Nessa perspectiva, o letramento acontece além do contexto escolar,
proporcionando ao aluno a interação nas práticas sociais em busca de mudanças.
É inevitável reconhecer que o letramento possui grande importância no ensino atual, já
que enfatiza o conhecimento do aluno constituído no social, envolvendo as práticas de escritas
valorizadas e as não valorizadas. Ao reconhecer a importância do letramento do aluno, a
63
escola deve considerar os aspectos sociodiscursivos, abandonando métodos de aprendizado
descontextualizados, focados somente no individual.
Sobre a importância dessa concepção, Barbosa (2001) não só ressalta sua relevância
no âmbito educacional, como também pontua, sobretudo, um problema que se coloca para a
área de ensino de LP, no que se refere à generalização e à indeterminação que o termo
letramento encerra. Para tratar de tal generalização e indeterminação, essa estudiosa parte da
seguinte suposição: será que uma pessoa mais letrada tem a oportunidade de se sobressair
melhor em uma determinada situação comunicativa? Segundo a autora, isso dependerá do
modo como se concebe pessoa letrada, pois, para o modelo ideológico, diferentemente do
autônomo, se os eventos (sociais) comunicativos de que um sujeito participa forem variados e
lhe permitirem a apropriação de diversos gêneros, ele — certamente — se sairá bem numa
situação real. Deve-se atentar, porém, para o fato de que talvez não exista uma pessoa 100%
letrada (que domine todos os gêneros e se destaque em todos os campos de atividades
humanas). Poderá chegar um momento em que esse sujeito letrado precisará utilizar um
gênero do qual ainda não se apropriou e terá uma performance insatisfatória, conforme vimos
anteriormente.
Desse modo, percebemos que Barbosa (2001) advoga a favor da relação direta entre os
gêneros do discurso e os variados letramentos existentes na sociedade, pois afirma que tal
conceito envolve, naturalmente, as diferentes formas de dizer. Por isso, assegura que o nível
de letramento de um sujeito é determinado pela variedade de gêneros que ele reconhece e
domina.
Portanto, aceitando essa posição e concordando com ela, relacionamos aqui alguns
exemplos de práticas de letramentos, trazidas por Rojo (2009b) — acesso à conta bancária
pelo computador, realização de troco, escrita de bilhete, realização de depósito, exposição de
aula, apreciação de novela e de telejornal — com outros exemplos de gêneros, propostos por
Dolz e Schneuwly (2004, p. 142, grifo dos autores), quando dizem que
cada um de nós, um dia ou outro, conta uma fábula a uma criança, assiste à
exposição de um professor, a uma conferência pública, apresenta as regras
de um jogo a um grupo de amigos, estabelece um diálogo para pedir
informações num guichê, apresenta-se para uma entrevista profissional para
obter um emprego, escuta conversas, entrevistas ou debates no rádio ou na
televisão.
Todos esses eventos concernem não apenas a práticas de letramentos bem como a
práticas cotidianas envolvendo gêneros discursivos realizadas em diferentes esferas de
64
comunicação social. Ou, como nos lembra Silva (2009), as diferentes agências de letramento,
tais como a família, a igreja, a escola e a rua, são organizadas por diferentes gêneros, cada
qual responsável pelas singularidades dos funcionamentos das práticas de letramento que lhes
são características: ―os gêneros conversa espontânea, telefonema, carta e bilhete, por exemplo,
organizam o funcionamento da interação no espaço social da família‖ (SILVA, 2009, p. 145).
Em relação aos estudos sobre letramentos associados aos gêneros discursivos,
pensemos, então, que isso tudo traz para a escola uma maior responsabilidade de ―significar‖
o ensino de língua materna, a fim de possibilitar ao aluno a apropriação e o domínio dos
diversos gêneros que transitam na sociedade, sobressaindo-se em todos os setores da vida
social.
Compreendemos, de tal modo, o domínio dessas práticas (o domínio de diferentes
gêneros) como verdadeira condição para a inclusão e a inserção sociais e, especialmente, para
o exercício real da cidadania, pois é preciso responder aos inevitáveis apelos de uma
sociedade grafocêntrica altamente competitiva. É aqui que se coloca o papel essencial da
escola.
Nesse sentido, Barbosa (2001) prossegue defendendo que a noção de letramento, para
ser mais proveitosa, também, seja acompanhada de certa especificação, já que existem vários
letramentos, no plural, estritamente vinculados a seus diferentes contextos de ocorrência.
Rojo (2009b) explica que tal conceito, agora, passa a ser plural, dividindo-se em
letramentos institucionalizados/dominantes e letramentos locais/vernaculares, vinculados
entre si. Esses últimos estão associados a organizações informais, não valorizadas, originadas
nas culturas locais e no cotidiano; notadamente, tal ―modelo‖ de letramento é excluído pela
cultura oficial. A gíria de internet, o ―internetês‖, e a língua tradicional e cotidiana do caipira,
o ―caipirês‖, ilustram alguns exemplos desse letramento. Aqueles outros (letramentos
institucionalizados/dominantes) estão associados às organizações formais e valorizadas, tais
como igreja e escola. Essas, como as demais, pressupõem agentes culturalmente
reconhecidos: pastores e professores (ROJO, 2009b).
Reiterando, então essa proposta, Rojo (2009b) teoriza que as abordagens mais
recentes, ou seja, os novos estudos do letramento têm apontado para outro rumo: para a
heterogeneidade dos eventos sociais de leitura, escrita e uso de linguagem, para as
características socioculturais dessas práticas nas diversas situações comunicativas. Por conta
disso afirma que é preciso reconhecer na sociedade os múltiplos letramentos, os quais variam
no tempo e no espaço e são, por vezes, contestados nas relações de poder (STREET, 2003
apud ROJO, 2009b, p. 102). Ao considerar os letramentos múltiplos, compreendemos que a
65
escola, como instituição ética e democrática, deve preservar os letramentos informais dos
envolvidos, proporcionando-lhes o contato com novos letramentos institucionalizados e o
acesso a espaços valorizados, tais como museu, teatro e bibliotecas.
Portanto, sobre o letramento, vale destacar, ainda uma vez, o fato de, atualmente,
vivermos numa época de profundas transformações sociais, alavancadas pelo processo de
globalização, em que o domínio da escrita — dos letramentos — materializados em gêneros
— é fundamental para a conquista da cidadania, a real participação crítica, reflexiva e
consciente numa comunidade ultramoderna.
Em linhas gerais, Kleiman (2005) compreende que o letramento envolve não só a
imersão do aluno no mundo da escrita, sua participação em práticas sociais que usam tal
modalidade, mas também a compreensão dos sentidos de um texto escrito, numa dada
situação. Além disso, engloba ainda um conjunto de habilidade (rotina de como fazer) e de
competência (capacidade concreta para fazer algo), que precisa ser desenvolvido em cada
pessoa.
Todas essas questões acerca do letramento trazem para a instituição escolar, principal
agência de letramentos, a responsabilidade de ensinar ao aluno, portanto,
as habilidades necessárias para participar de eventos de letramentos relevantes para
a inserção e participação social; ensinar como se age nos eventos de instituições
cujas práticas de letramento vale a pensa conhecer; criar e recriar situações que
permitam aos alunos participar efetivamente de práticas letradas (KLEIMAN,
2005, p. 18).
É valido reiterar que, no cenário atual, a escola precisa voltar sua atenção, de modo
especial, para promoção e para o desenvolvimento das capacidades dos alunos, a fim de torná-
los indivíduos aptos não só para a disputa de vagas num mercado de trabalho cada vez mais
competitivo, mas, prontos, para o enfrentamento de outras situações impostas pela sociedade.
Esse mundo moderno tem exigido cada vez mais sujeitos proficientes, usuários
eficazes de sua própria língua. As mídias tecnológicas têm disponibilizados diversos tipos de
informações em segundos a todos que as acessam; no entanto, diante disso, o que podemos
perceber é que, ultimamente, ―as pessoas estão obesas de informação e anoréxicas de
reflexão, de conhecimentos16
‖, pois, certamente, o conhecimento não consiste, somente, em
16
Citação feita por Geraldi (2009), durante o evento Círculo Rodas de Conversa Bakhtiniana, sobre o tema ―O
humano e as subjetividades na contemporaneidade‖, em 08/11/2009, no prédio AT2, área Sul, da Universidade
Federal de São Carlos.
66
guardar e acumular informações, mas em absorvê-las, filtrá-las e aplicá-las à prática, à vida
cotidiana. Para tanto, é preciso, obviamente, transformar informações em conhecimento.
Barbosa (2001), ao se referir à informação disponível nos ambientes comunicacionais,
defende que é preciso não só saber buscar a informação, mas também saber descobrir se ela
procede ou não. É necessário ter sensibilidade aguçada e ser crítico para selecioná-la e usá-la
apropriadamente para um determinado fim.
Enfim, para que o sujeito possa agir em uma situação real, na resolução de problemas,
ele precisa ser competente em sua língua, dominando-a, mobilizando e relacionando os vários
saberes, cujo domínio já tem, além dos recursos disponíveis. Afinada a esse discurso, Rojo
(2009b) destaca que atualmente no ensino não se trata mais de acumular conhecimento, ao
contrário: ―a formação do aluno deve ter como alvo principal a aquisição de conhecimentos
básicos (...), a preparação científica e a capacidade para utilizar as diferentes tecnologias
relativas às áreas de atuação‖ (idem, p. 89, grifo nosso).
Em virtude disso, acreditamos que para trazer, de fato, a linguagem para o centro de
atenção na vida escolar, é preciso focalizar no desenvolvimento das capacidades de
linguagem dos alunos, sobretudo, no que tange ao processo de escrita, porque tal prática,
naturalmente, envolve um conjunto de habilidades que vão além do simples codificar e grafar
de acordo com a norma padrão culto da língua. É preciso mais que isso: ―textualizar,
estabelecer relações e progressão de temas e ideias, providenciar coerência e coesão, articular
o texto a partir de um ponto de vista levando em conta a situação e o leitor etc.‖ (ROJO,
2009b, p. 44-45).
Nessa mesma direção, na seção seguinte, tratamos das capacidades de linguagem
implicadas no ensino-aprendizagem de escrita, propostas por Dolz e Schneuwly (2004).
2.5 Capacidades de linguagem
Nosso objetivo é fazer um breve esboço sobre as capacidades de linguagem envolvidas
no processo de produção de textos, tomando como referência principal os escritos dos
pesquisadores da Universidade de Genebra, os quais influenciaram a produção dos
documentos oficiais de educação no Brasil.
Conforme uma tendência mundial, temos percebido nos discursos dos PCNLP
(BRASIL, 1998) a necessidade de centrar o ensino-aprendizagem de LP no desenvolvimento
de competências/capacidades em lugar de centrá-lo no conteúdo conceitual, valorizando,
desse modo, a linguagem, ou melhor, os gêneros discursivos, no seu uso social. Atualmente,
67
os gêneros são compreendidos não só como entidades culturais que possibilitam a
comunicação humana, mas também como instrumentos de ensino escolar, porquanto
possibilitam a comunicação humana, além de possuir características próprias, permitindo a
um só tempo, a produção e a compreensão de textos. Sob tal lógica, para o domínio dessas
práticas, faz-se necessário que o aluno mobilize as capacidades de linguagem, haja vista que
elas evocam aptidões exigidas no momento de produção e/ou compreensão de um gênero,
numa dada situação de interação social (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004).
Isso significa dizer que toda ação de linguagem implica diferentes capacidades por
parte do indivíduo. Segundo Dolz e Schneuwly (2004), essas capacidades dizem respeito à
capacidade de ação, que se refere à adaptação das características do contexto de produção de
um texto; a capacidade discursiva, que corresponde à mobilização de modelos discursivos, da
forma composicional de cada gênero, e a capacidade linguístico-discursiva, que se volta para
o domínio das operações psicolinguísticas e das unidades linguísticas que tornam o texto
coerente.
Para esses estudiosos, as capacidades de linguagem se ligam a aspectos cognitivos, ao
intelecto. Além do mais, são construídas, sobretudo, pela apropriação de instrumentos
semióticos, no contexto social. Assim, a criança, desde cedo, em contato com sua cultura, nas
conversas e brincadeiras, já constrói suas capacidades comunicativas. Nesse sentido, o
indivíduo que age sobre o mundo por meio de instrumentos complexos disponíveis na
sociedade (no caso, os gêneros) edifica novas funções psicológicas, novas capacidades,
transformando seu próprio funcionamento psíquico. Por isso mesmo, tais funções não devem
ser vistas como um dom inato, mas determinadas pelas condições sócio-históricas de cada
sujeito.
Em relação ao trabalho com a língua(gem) escrita, especialmente, Dolz e Schneuwly
(2004) propõem que os gêneros devem ser explorados de maneira que essas capacidades
possam se desenvolver no ambiente escolar. Nesse processo, em que o domínio do gênero,
instrumento historicamente constituído, pressupõe funções psicológicas, a interferência
educativa possui papel fundamental, uma vez que dá forma especial ao desenvolvimento,
colocando à disposição do aluno ferramentas de comunicação socialmente elaboradas, que lhe
permitem construir essas funções. Noutros termos, a intervenção escolar é condição
indispensável para o aparecimento de certas formas cognitivas complexas, a saber, as
capacidades de linguagem. Para Schneuwly (2004, p. 120), ―a aprendizagem em meio
escolar participa grandemente da apropriação de uma cultura de comunicação‖, convencional
(ou não), necessária para a participação cidadã.
68
Compreendendo a importância do trabalho escolar para o desenvolvimento das
capacidades de linguagem, Barros-Mendes (2005), partindo dos estudos genebrinos,
complementa que a capacidade de ação está diretamente relacionada ao projeto de
comunicação a ser realizado. Por isso, no ensino-aprendizagem de escrita de um gênero, por
exemplo, é necessário focalizar as seguintes dimensões: planejamento — em que se deverá
propor ao aluno um plano da atividade de linguagem a ser realizada; conteúdo — em que se
demonstrará a importância do conteúdo, do assunto geral a ser tratado no projeto de escrita; e
objetivos da atividade — em que se delimitará um objetivo claro e significativo para a escrita
do aluno. A transparência na definição dessas dimensões contribui para fixar não só os
parâmetros necessários para o preparo do contexto de escrita, como também o objeto de
ensino-aprendizagem, em outros termos, o gênero a ser estudado (BARROS-MENDES,
2005).
Em relação às capacidades discursivas, que estão diretamente ligadas à estrutura
formal do texto, a autora alerta para o fato de que o gênero é, ao mesmo tempo, composto de
sequências textuais (narrativas, descritivas, argumentativas, explicativas, dialogais), não se
reduzindo, no entanto, a esses aspectos estruturais.
Conforme vimos, as capacidades linguístico–discursivas se referem precisamente às
operações (estilísticas) implicadas na produção do texto. Essas operações dizem respeito a:
operações de conexão e segmentação (aquelas que articulam, por exemplo, os enunciados e
os períodos); operações de coesão nominal e verbal (trata-se, sobretudo, da gestão dos tempos
verbais); tomada de posição enunciativa (é aquela que contribui para o estabelecimento da
coerência do texto); operações de construção de enunciados (pode ser uma cláusula, ou melhor,
―uma unidade de comportamento que introduz uma mudança no estado corrente da memória
discursiva dos interlocutores‖ (DOLZ; SCHNEUWLY, 1998 apud BARROS-MENDES, 2005,
p. 99); e escolha dos itens lexicais (é o conjunto de operações que possuem uma estreita
interação com os outros níveis supracitados)
A partir dessas informações, para uma maior visibilidade, Barros-Mendes (2005)
elabora o seguinte quadro17
sinóptico das capacidades apontadas por Dolz e Schneuwly
(1998).
17
É válido dizer que Barros-Mendes (2005, p. 121) elaborou esse quadro baseada nas capacidades de linguagem
de Dolz e Schneuwly (1998), para verificar quais capacidades (orais) estavam presentes na didatização de alguns
gêneros orais de uso público em livros didáticos de LP. Diante disso, esclarecemos que adaptamos esse quadro
para nossa análise sob um outro olhar, tendo em vista nosso objeto de estudo: propostas de escrita, dentro de um
material didático destinado à formação continuada de professores.
69
Quadro 1 - Síntese das capacidades de linguagem
1. CAPACIDADES DE AÇÃO (definição clara sobre o objeto, ou seja, sobre o gênero) a) Gênero: O LDP informa o gênero a ser trabalhado?
b) Participantes: O LDP orienta, em relação a cada gênero, sobre os possíveis
locutores/interlocutores?
c) Contexto de produção textual: o LDP permite entrever o contexto onde o gênero será construído
ocorrerá?
d) Finalidade: O aluno sabe por que desenvolve a atividade num determinado gênero? É orientado
no sentido de estar consciente de um trabalho que vise ao domínio de algumas capacidades de
linguagem como aprender a explicar, refutar, se posicionar etc.?
e) Conteúdo: Informa o conteúdo a ser trabalhado?
2. CAPACIDADES DISCURSIVAS (o que pode ser dito através desse objeto e a organização desse
dizer no objeto, auxiliando tanto para o tema quanto à forma de composição do gênero) Elaboração dos conteúdos do gênero: O LDP fornece informações para a construção/elaboração dos
conteúdos do gênero?
a) Plano do texto/organização textual: a organização sequencial é indicada de acordo com o
gênero?
3. CAPACIDADES LINGÜÍSTICO-DISCURSIVAS (como pode ser dito, auxiliando no estilo do
gênero) a) Operações de textualização: orientação sobre a conexão/coesão de acordo com gênero. Por
exemplo, o debate requereria o uso de conectivos de justificação/explicação (pois, porque) e
contraposição (no entanto, mas, porém).
b) Escolha lexical: O LDP orienta sobre o vocabulário apropriado ao gênero e conforme a situação
de comunicação? c) Tomada de posição enunciativa ou ponto de vista enunciativo:o LDP trata das relações entre as
diferentes vozes que podem aparecer dentro de um texto? Orienta as modalizações, apreciações
valorativas etc.?
(BARROS-MENDES, 2005, p. 121).
Desse modo, acreditamos que a escola precisa desenvolver nos alunos essas
capacidades, no intuito de que eles alcancem de fato uma mestria tanto dos gêneros como das
situações de comunicação a que estes pertencem, para que possam participar plenamente da
vida social, comunicativa, enfim, das atividades de linguagens.
70
Vale lembrar, mais uma vez, que essas ideias se aproximam do propósito de ensino
atual, haja vista que os PCNLP (BRASIL, 1998) sugerem que os conteúdos de LP sejam
vistos a partir dos diversos gêneros, visando ao desenvolvimento de
competências/capacidades, pois, assim,
Os sujeitos se apropriam dos conteúdos, transformando-os em conhecimento
próprio, por meio da ação sobre eles, mediada pela interação com o outro.
Não é diferente no processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem.
É nas práticas sociais, em situações linguisticamente significativas, que se dá
a expansão da capacidade de uso da linguagem e a construção ativa de novas
capacidades que possibilitam o domínio cada vez maior de diferentes
padrões de fala e de escrita (BRASIL, 1998, p. 33-34) [ênfase adicionada].
Essas questões sobre interação, aprendizagem, desenvolvimento humano, apropriação
de conhecimentos, entre outros elementos, mediados pela linguagem, serão brevemente
abordadas na seção posterior, nas considerações feitas pelo psicólogo bielo-russo Lev
Semynovich Vygotsky, cujas ideias também influenciaram grandemente a educação
brasileira, redimensionando o ensino-aprendizagem.
2.6 Algumas contribuições da teoria sociohistórica de Vygotsky para o ensino-
aprendizagem de Língua Portuguesa
Ao longo dos anos, temos percebido que as ideias de Vygotsky (2007[1984], 1996
[1987]) têm contribuindo, de modo significativo e decisivo, para a reflexão sobre o papel da
escola. Seus estudos, baseados numa abordagem sociointeracionista, sem dúvida, têm ajudado
na compreensão da relação existente entre indivíduos e sociedade, de modo amplo. A teoria
desse autor ―se identifica com uma tendência educacional de caráter mais social, mais
dialético‖, que vê o homem não só como um indivíduo influenciado pelo meio, mas também
com capacidade de se voltar sobre ele para transformá-lo (FREITAS, 2006, p. 15-16).
Vygotsky (2007[1984], 1996[1987]) tem suas pesquisas voltadas para a demonstração
do caráter histórico, cultural e social da mente humana e seus processos de desenvolvimento,
o que amplia, ainda mais, o modo de compreender e interpretar o comportamento humano.
Sua abordagem sociointeracionista tem como objetivo central:
[...] caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e
elaborar hipóteses de como essas características se formaram ao longo da
história humana e de como se desenvolvem durante a vida de um indivíduo
(VYGOTSKY, 2007[1984], p. 03).
71
De acordo com Cole e Scribner (2007[1984]), em seus estudos, Vygotsky
(2007[1984]) procurou uma abordagem que possibilitasse a descrição e a explicação das
funções psicológicas superiores em termos científicos, tomando como objeto de investigação
a consciência e o comportamento, como já dito, uma vez que, para o pesquisador, esses dois
fatores só podem ser entendidos em uma totalidade. Suas obras versam sobre diversos
aspectos, dentre os quais se destacam a gênese social das funções superiores, as relações entre
pensamento e linguagem, as relações entre desenvolvimento e aprendizagem e os processos
de aprendizagem que ocorrem dentro e fora da escola.
Em suas pesquisas, esse teórico tratou do desenvolvimento das funções psicológicas
superiores, partindo do princípio de que a interação com o meio social vai proporcionar o
desenvolvimento e a aprendizagem do sujeito, pois as relações homem-mundo não ocorrem
diretamente, mas são mediadas por instrumentos ou por signos fornecidos pela cultura. É,
portanto, nessa relação (eu e outro), no contexto sociocultural real, que se originam as funções
psicológicas e a consciência humana. É aí que ocorre o processo de internalização, entendida
como a reconstrução interna de uma operação externa ou como um processo interpessoal
transformado em processo intrapessoal; afinal, ―todas as funções no desenvolvimento da
criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual;
primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança
(intrapsicológica)‖ (VYGOTSKY, 2007[1984], p. 57-58, grifo do autor).
Sendo assim, a cultura na qual o indivíduo nasce molda o psicológico, determinando o
seu modo de pensar, pois ela fornece ao sujeito ferramentas, signos, historicamente
construídos, símbolos, portadores de mensagens (a linguagem, por exemplo), que lhe
permitem não só interpretar o mundo como também se constituir enquanto pessoa.
Nessa teoria, a cultura é concebida não como algo pronto a que o sujeito se submete,
mas como uma espécie de ―palco de negociações‖ em que seus participantes estão em
constante recriação e ressignificação de informações, valores, conceitos etc. (OLIVEIRA,
1993 apud REGO, 2008, p. 55). Por isso, ela é considerada uma das principais influências no
desenvolvimento mental humano. Ademais, tal desenvolvimento ―não é dado a priori, não é
imutável e universal, não é passivo, nem tampouco independente do desenvolvimento
histórico e das formas sociais da vida humana‖, conforme elucida Rego (2008, p. 42). Essa
autora assevera ainda que
72
A cultura é, portanto, parte constitutiva da natureza humana, já que sua
característica psicológica se dá através da internalização dos modos
historicamente determinados e culturalmente organizados de operar com
informações (REGO, 2008, p. 42).
Como já vimos, nessa abordagem sociointeracionista, a cultura tem grande
importância no desenvolvimento humano, visto que o grupo social fornece ao sujeito um
espaço onde os elementos são/estão carregados de significado cultural e, na incorporação
dessa cultura, por meio da linguagem, o indivíduo se comunica com os demais, construindo
saberes, conceitos, autonomia, valores, regulando suas ações. Nesse processo, reiterando, os
sistemas de comunicação e as funções mentais superiores neles envolvidas se efetivam
primeiramente na atividade externa (no nível social, na relação entre pessoas) e, em seguida,
são internalizados e apropriados pela atividade interna (individual), voltada para si, relação
em que a pessoa se compreende, reconhece e controla suas próprias emoções, reguladas pela
consciência. Para Vygotsky (2007[1984], p. 58), ―a internalização das atividades socialmente
enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia
humana‖.
Em seus estudos, esse autor tratou não só do desenvolvimento das funções
psicológicas como também da mediação e da função social e psicológica da linguagem, que
possui papel de destaque na teoria vygotskiana tanto pela sua função comunicativa como pela
sua relevância no processo de apropriação de cultura. Nessa perspectiva, a linguagem é
compreendida como uma forma representacional indispensável a todas as pessoas, uma vez
que, sem ela, principalmente, ―não seria possível a internalização e a construções das funções
superiores‖ (FREITAS, 2006, p. 91).
De acordo com Oliveira (1997, p. 34), ―a linguagem é o sistema simbólico básico de
todos os grupos humanos‖, pois é através dela que se nomeiam objetos e signos, elementos da
cultura, fornecem-se os conceitos e as normas sociais, permitindo, assim, a comunicação entre
os indivíduos. Além disso, ela se destaca pela sua função de mediadora, haja vista que na vida
real a relação homem-mundo não acontece diretamente, mas mediada pela linguagem, por
instrumentos ou por signos que auxiliam na atividade humana. Desse modo, mantendo uma
relação direta com o desenvolvimento psicológico do ser humano, a linguagem é responsável
pela sua interação social.
Dentre os diversos temas tratados por Vygotsky (2007[1984], 1996[1987]), destacam-
se ainda os processos de ensino-aprendizagem escolar. Suas considerações sobre o
desenvolvimento humano e sua relação com a aprendizagem e sobre a importância das
73
interações na construção do conhecimento são temas centrais de sua teoria. São fundamentos
que, conforme já dissemos, representam uma mudança no paradigma educacional, por
distanciarem-se de um ensino tradicional, favorecendo o diálogo e as relações sociais. Para o
psicólogo, a aprendizagem, vista como um processo de apropriação de conhecimentos,
conduz ao desenvolvimento social, ambos se relacionando de maneira complexa e dinâmica.
Isso se dá de tal forma, que a primeira, como processo constante, converte-se no segundo, no
decorrer da vida social da criança, podendo ocorrer através da brincadeira, do jogo, do
trabalho, por exemplo. Nesse contexto, para explicar a aprendizagem, Vygotsky (2007[1984],
p. 97) apresenta o conceito de Zona Proximal de Desenvolvimento18
(doravante ZPD) que
designa, apropriadamente, como
A distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma
determinar através da solução independente de problemas, e o nível
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas
sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais
capazes.
Em outras palavras, a ZPD é a distância entre aquilo que o sujeito já sabe, que já foi
assimilado, que ele consegue fazer sozinho, e aquilo que o indivíduo pode vir a aprender ou a
fazer com a ajuda de outras pessoas mais experientes, denominado desenvolvimento
potencial:
A ZPD define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão
em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão
presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas
de ―brotos‖ ou ―flores‖ do desenvolvimento, em vez de ―frutos‖ do
desenvolvimento (VYGOTSKY, 2007[1984], p. 98).
Dito de outro modo, a ZPD pode ser considerada o caminho que uma pessoa vai
percorrer a fim de desenvolver funções que estão em processos de ―aperfeiçoamento‖. Essas
funções só se serão alcançadas depois da intervenção de um par mais avançado. Logo, ela
delimita o que falta ser amadurecido para se poder avançar. Esse é um conceito, portanto, que
18
Neste trabalho, adotamos a terminologia Zona Proximal de Desenvolvimento (ZPD) em vez de Zona de
Desenvolvimento Proximal (ZDP), de acordo com a relação semântica envolvida, pois, como pondera Rojo
(2001a apud PAES DE BARROS, 2005, p. 41, grifo da autora), ―a força de adjetivação não recai sobre o
desenvolvimento, mas sobre a zona de intercessão criada pelo ensino-aprendizagem‖; ou, como explica Barricelli
(2007), não se trata da compreensão sobre o desenvolvimento proximal, e sim, sobre uma zona que trabalha com
desenvolvimento, de acordo com a concepção dialética de Vygotsky.
74
obtém grande aplicação no campo educacional, pois é nessa zona que deve acontecer a
intervenção pedagógica docente.
Nesse sentido, um aspecto essencial do aprendizado é trabalhar com a ZPD do aluno, o
qual pode, mediante a ajuda do outro, desenvolver capacidades, consideradas, às vezes,
impossíveis, sem a colaboração externa. Sob tal lógica, o professor constitui-se como uma
pessoa responsável por interferir nessa zona de desenvolvimento do aprendiz, no intuito de
lhe propiciar avanços significativos na aprendizagem. Propostas de atividades grupais em que
os alunos com maior domínio sobre um determinado conteúdo colaboram com os demais,
podem ser um meio de fazer tal intervenção. Com isso, se estimulará, certamente, a interação
contínua em sala de aula, possibilitando a todos o desenvolvimento cognitivo, pois, para
Oliveira (1997, p. 61), ―é na zona de desenvolvimento proximal que a interferência de outros
indivíduos é mais transformadora‖. Além disso, com a abertura da ZPD, o aprendiz terá um
suporte a mais que o ajudará a construir, a modificar e a interpretar os sentidos de um texto,
por exemplo.
Nessa teoria, segundo Paes de Barros (2005), o aluno é considerado ator de seu
próprio desenvolvimento, transformando a si mesmo, ou seja, é um sujeito ativo no processo
de construção do saber. Não nos esqueçamos, portanto, de que o docente, também, assume
uma função importante: como uma pessoa mais experiente e como um par mais avançado, é
capaz de interagir com o aluno, ambos construindo juntos os conhecimentos.
Nesse aspecto, tal concepção, sob o enfoque psicológico histórico-cultural,
proporciona, sem dúvida, mudanças valiosas na organização do ensino, pois contribui para
romper com práticas cristalizadas, como, por exemplo, aquela proposta de ensino centralizada
na figura do professor, como se ele fosse o ―detentor absoluto do saber‖, encarregado de
transmitir o conhecimento aos alunos, meros receptores e passivos. Nessa perspectiva, o
professor é concebido como um mediador, aquele que colabora na (re)construção do
conhecimento do aluno, favorecendo-lhe uma postura reflexiva e crítica.
As ideias de Vygotsky (2007[1984], 1996[1987]) vêm ao encontro de uma proposta
centrada no processo de ensino-aprendizagem de cada aluno, isto é, centrada na forma como
esse indivíduo aprende. Notadamente, aqui, o aluno e seus saberes são o ponto de partida para
o ensino.
Tendo em vista tudo isso, no ensino-aprendizagem, é preciso considerar o que os
alunos já sabem, os conhecimentos que eles trazem de casa, pois, na perspectiva vigotskiana,
professor e alunos formam um grupo, trocam experiências, medeiam e (re)elaboram os
conceitos e os conhecimentos entre si. Haja vista que o conhecimento é acessado pelo
75
indivíduo por meio da linguagem e da interação, no contexto das situações imediatas, faz-se
necessário reiterar que é exatamente nesse ambiente (escolar, especificamente) que o aluno se
apropria das práticas acumuladas pela sociedade ao longo da história, construindo suas
representações sociais, signos, mitos e transformando-os por meio da imitação e do
pensamento reflexivo. Isso equivale a dizer que o conhecimento tem sua gênese nas relações
sociais, na ação coletiva, sendo produzido na intersubjetividade e marcado por condições
sócio-históricas. Portanto, essa tese sobre a ZPD esclarece a grande importância das relações
interpessoais para a construção dos comportamentos superiores (processos voluntários, ações
conscientes, capazes de serem aprendidas), já que o desenvolvimento da criança ocorre
primeiro no nível social e depois no nível individual.
Conforme vimos, a teoria social e histórica de Vygotsky (2007[1984], 1996[1987])
muito pode contribuir com o ensino de LP, porquanto ressalta, entre outras questões, não
apenas a relevância das trocas interpessoais na formação e na apropriação do conhecimento,
dos conceitos e da cultura, mas também a importância da mediação do outro no processo de
ensino-aprendizagem. Além disso, fornece ao professor ferramentas de análise do pensamento
humano e permite-lhe, portanto, conhecer os processos psicológicos de seus alunos. Isso, sem
dúvida, possibilita ao educador intervenções significativas no aprendizado da criança e do
adolescente. Já vimos, também, que essas ideias ajudaram na composição dos PCNLP
(BRASIL, 1998), os quais propõem que o docente assuma a função de mediador do
conhecimento, mostrando ao aluno o papel do ―outro‖ numa relação dialógica. Logo, cabe ao
professor dinamizar a interação e planejar situações enunciativas entre os estudantes, para que
possa haver trocas de experiências e crescimento intelectual.
Tendo em vistas essas questões, é válido pensar que o ensino de língua materna exige
do professor, pelo menos, dois domínios no nível da teoria: um que diz respeito à teoria
enunciativa de vezo bakhtiniano e outro que se refere à perspectiva sócio-histórica de ensino-
aprendizagem, a saber, os estudos de Vygotsky sobre o desenvolvimento da mente, o
aprendizado, a interação, entre tantos outros.
No capítulo seguinte, tratamos da metodologia de pesquisa.
76
CAPÍTULO III
METODOLOGIA DA PESQUISA
Na investigação científica, a metodologia constitui-se em uma preocupação
instrumental que trata das formas de se fazer ciência, isto é, cuida dos procedimentos, das
ferramentas e dos caminhos para se chegar a um possível resultado (DEMO, 2001). Além do
mais, ela é a base fundamental para qualquer tipo de pesquisa, pois norteia o desenvolvimento
do estudo científico. Assim, a finalidade deste capítulo é apresentar a metodologia de pesquisa
do nosso trabalho. Para a melhor compreensão do caminho percorrido, inicialmente, exibimos
nossos objetivos e nossas questões de pesquisa. Em seguida, apresentamos a metodologia de
coleta de dados (tipo de pesquisa, critérios de escolha, descrição do material) e, por fim, as
categorias de análise.
3.1 Objetivos e perguntas de pesquisa
A presente pesquisa tem como objeto de análise parte do material de formação
continuada do Programa GESTAR II, a saber, o Caderno TP6 e o Guia Geral. Assim, o
objetivo geral desta dissertação é analisar as orientações teóricas bem como as questões de
produção escrita da Unidade 22, no interior do TP6, a fim de verificar se essas propostas
possibilitam aos professores o real desenvolvimento das capacidades de linguagem no
processo de produção de textos.
Para darmos conta desse objetivo, lançamos mãos das seguintes perguntas de pesquisa:
1- Quais capacidades de linguagem são mobilizadas no tratamento didático dispensado
às atividades de produção escrita para aluno e professor, no material selecionado?
2 - As capacidades de linguagem identificadas em (1) atendem aos objetivos propostos
no GESTAR II, mais precisamente no TP6, para a formação continuada do professor,
considerando o atual paradigma de ensino de Língua Portuguesa?
Com base nas questões de nossa pesquisa, elencamos, abaixo, os objetivos específicos
que nos possibilitam não só levantar dados a respeito das propostas de escrita, como também
identificar como tais questões estão apresentadas no respectivo Caderno:
77
1) Analisar como dialogam as orientações teóricas do Guia Geral e do TP6 na proposta
de produção escrita para professores e alunos.
2) Comparar as atividades de produção escrita para os alunos no TP6 aos pressupostos
teórico-metodológicos apresentados ao professor no TP6.
3) Identificar as capacidades de linguagem mobilizadas nas propostas de ensino-
aprendizagem da escrita.
3.2 A perspectiva enunciativo-discursiva de Bakhtin como fundamento teórico para a
investigação científica
Segundo Pinto (1979), a pesquisa científica constitui-se em um tema ao qual o
investigador, em particular, precisa se dedicar constantemente, conhecendo a natureza teórica
do seu trabalho e refletindo sobre ela, pois isso é constitutivo da sua própria realidade
individual. Aliás, esse estudioso afirma que a ciência, quando compreendida por uma teoria
filosófica, pode auxiliar a construção dos processos de autonomia do sujeito. No estudo
científico, segundo esse autor, a reflexão teórica bem como a busca de princípios lógicos e de
bases epistemológicas para a construção da teoria da pesquisa são fatores fundamentais.
Compreendendo isso, ressaltamos, mais uma vez, a base teórica que sustenta nossa pesquisa, a
saber, a teoria enunciativo-discursiva de Bakhtin e seu Círculo, cujo princípio norteador, ao
nosso ver, é o dialogismo.
No livro Estética da Criação Verbal, no texto sobre a ―Metodologia das Ciências
Humanas‖19
, Bakhtin (2003[1974/1979]) trata da distinção entre a ciência da humanidade e as
ciências exatas. Segundo o autor, esta última representa uma forma monológica do
conhecimento, porquanto seu objeto não fala sobre si; já a outra se caracteriza como uma
forma de saber dialógico, pois seu sujeito (objeto de estudo) fala e expressa sobre si. Desse
modo, é pertinente considerar que a característica dessa derradeira ciência pressupõe, então, a
existência de pelo menos dois indivíduos envolvidos numa interação verbal, ambos
produzindo enunciados concretos — orais e/ou escritos.
De acordo com o princípio amplo do dialogismo de vezo bakhtiniano, já tratado nesta
dissertação, cada enunciado é um elo na grande e ininterrupta cadeia de comunicação verbal.
19
Esse texto foi escrito por Bakhtin entre os fins dos anos 1930 e início dos anos 1940 do século XX, com o
título Os fundamentos filosóficos das ciências humanas. Em 1974, esse texto foi publicado, como artigo, pela
revista Kontekst, sob um novo título: Para uma metodologia dos estudos literários. No ano de 1979, recebeu o
título Para uma metodologia das ciências humanas, e foi publicado na 1ª edição do livro Estética da Criação
Verbal (1979), segundo o tradutor Paulo Bezerra (2003).
78
Além disso, se constitui como o produto da enunciação, a réplica do diálogo, tendo um
acabamento específico que permite uma resposta do interlocutor. Nessa concepção, o
enunciado é sempre heterogêneo, porque revela duas posições sociais e históricas em que
existem, de fato, ao menos, duas instâncias enunciadoras que, embora não se manifestem no
fio do discurso, nele se fazem presentes. Dessa maneira, compreendemos que o enunciador,
ao se pronunciar, leva sempre em conta o discurso de outrem, que está presente no seu. Nesse
pronunciamento, ―cada vez que se produz um enunciado o que se está fazendo é participar de
um diálogo com outros discursos‖ (FIORIN, 2006, p. 21). Assim, o dialogismo constitui,
justamente, as relações de sentido que se estabelecem entre dois enunciados.
É partindo desses pressupostos que pretendemos olhar nosso objeto de estudo, a saber,
as atividades de produção escrita da Unidade 22 do Caderno TP6, já que são compostas por
enunciados dialógicos, os quais respondem a outros enunciados, inevitavelmente,
atravessados por diversas vozes sociais. Essas vozes, no entanto, nem sempre se afinam entre
si, discordando, gerando questões e suscitando outras respostas. Certamente, isso é o que
ocorre no processo comunicativo da nossa investigação científica, pois, de fato, se estabelece
aí uma relação dialógica plena entre o discurso que compõe o objeto de pesquisa, isto é, as
orientações para as propostas/atividades de produção e o discurso do investigador — um
discurso não neutro, atravessado de vozes, ideologias, expectativas, entre outros aspectos.
Sob tal lógica, o pesquisador, ao compreender o enunciado do seu interlocutor — nos
materiais de formação continuada — simultaneamente, adota, em relação a ele, uma atitude
responsiva. Conforme pontua Bakhtin (2003[1952-1953], p. 272), o próprio locutor, no caso a
autora da Unidade 22 do Caderno de Formação20
, ―não espera uma compreensão passiva, por
assim dizer, que apenas duble o seu pensamento em voz alheia, mas uma resposta, uma
concordância, uma participação, uma objeção, uma execução‖. Aliás, toda compreensão de
um discurso, falado ou escrito, implica uma compreensão ativa e responsiva, uma resposta por
parte do interlocutor, neste caso, o investigador. Dessa forma, de acordo com
Bakhtin/Volochinov (2004[1929], p. 405), para que haja compreensão ativa de um texto —
impresso, manuscrito ou oral — é preciso remetê-lo a outros textos, a outros discursos, pois
―o texto só vive em contato com outro texto (contexto). Somente em seu ponto de contato é
20
É importante ressaltar que o TP6, bem como os demais Cadernos do GESTAR II, é resultado de um trabalho
coletivo, desenvolvido por diferentes estudiosos e especialistas, de modo que cada Unidade é escrita por um
autor. Considerando, então essa autoria coletiva, ao nos referirmos ao discurso da autora da Unidade 22, do TP6,
adotaremos os seguintes nomes: TP6, TP, material e/ou Caderno.
79
que surge a luz que aclara para trás e para frente, fazendo que o texto participe de um
diálogo‖. Além do mais, os autores (2004[1929], p. 343) salientam que ―o sentido se distribui
entre as diversas vozes‖, quer dizer, o discurso de um texto só tem seu sentido revelado em
relação com outros textos, com outras vozes, nas variadas situações dialógicas.
Adotamos tal teoria, inclusive, para a análise do paradigma que informa as atividades
didáticas ou das vozes/dialógicas nas orientações/enunciados apresentados, no material
selecionado. Nesse sentido, acreditamos que, no amplo diálogo, à medida que tomamos a
palavra como um produto que procede de alguém e dirige-se para alguém
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004[1929]), buscamos compreender o discurso atravessado, as
vozes presentes, no respectivo Caderno do GESTAR II, no que tange ao ensino de escrita.
Nosso objetivo aqui é investigar se as questões de produção escrita da Unidade 22
possibilitam aos professores o real desenvolvimento das capacidades de linguagem no
processo de produção de textos. Isso permitirá testar nossa hipótese sobre a consonância entre
as propostas de escrita de textos diversos, trazidas nas orientações teórico-metodológicas do
GESTAR II (TP6) — publicadas pelo MEC, portanto assumidas e apoiadas pelo órgão
máximo da educação brasileira — e a tendência atual de ensino, no que se refere aos
pressupostos dos PCNLP (BRASIL, 1998). Dito de outra forma, e concordando integralmente
com o pensamento bakhtiniano de que ―em todas as coisas, ouço as vozes e sua relação
dialógica‖ (BAKHTIN, 2003[1974/1979], p. 409-410), nosso intuito é verificar se a voz do
outro — perspectiva atual de ensino — se faz presente nos enunciados do TP6 — nas
orientações teóricas fornecidas pela Unidade 22.
Com base nos conceitos aqui apresentados, consideramos que ―toda palavra (todo
signo) de um texto conduz para fora dos limites desse texto‖ e que ―[...] a compreensão é o
cotejo [confronto] de um texto com os outros textos‖ (BAKHTIN/VOLOCHINOV,
2004[1929], p. 405), ou seja, a palavra daquele que se busca pesquisar (objeto de estudo) é
essencial na constituição da própria investigação científica.
Na seção seguinte, apresentamos a metodologia de coleta de dados utilizada por nós
para seleção do nosso objeto de estudo.
3.3 Metodologia de geração de dados
Nosso trabalho constitui-se em uma pesquisa qualitativa. Esse tipo de pesquisa possui,
segundo Bogdan e Biklen (1994), cinco características básicas que a configuram como tal, a
saber: ambiente natural como sua fonte direta de dados e pesquisador como seu principal
80
instrumento; dados predominantemente descritivos; mais preocupação com o processo do que
com o produto/resultado; análise dos dados por meio de processo indutivo; e, por último,
importância dos significados dados pelas pessoas às coisas e à sua vida. Tais características,
indubitavelmente, servem de base para a nossa pesquisa, pois apontam para um estudo que se
preocupa com o aprofundamento da compreensão do processo formativo docente, sem perder
de vista seu contexto, no intuito de construir conhecimentos vários.
Inserido na área de Linguística Aplicada, nosso estudo discute, especialmente,
assuntos relacionados à formação continuada de professores e ao material didático-
pedagógico utilizado nesse campo, caracterizando-se como qualitativo de cunho descritivo e
interpretativo. Tais aspectos são fundamentais nesse tipo de investigação, porque a descrição
funciona bem, por um lado, como método de recolha de dados, ainda mais quando se pretende
que nenhum detalhe escape ao estudo e, por outro, como um meio através do qual se
compreende o objeto de pesquisa.
Na realização do presente estudo, recorremos à pesquisa documental. Para tanto,
utilizamos documentos escritos como fonte de informações, em nosso caso, o Caderno TP6 do
GESTAR II. Desse modo, é importante destacar que o uso de documentos na pesquisa
científica favorece a observação e a compreensão do processo evolutivo da sociedade. Por
isso, devem ser apreciados e valorizados. Além disso, eles têm uma riqueza de informações
―passível‖ de resgate e extração, como afirma Cellard (2008 apud SÁ-SILVA; ALMEIDA;
GUINDANI, 2009, p. 02):
[...] o documento escrito constitui uma fonte extremamente preciosa para
todo pesquisador nas ciências sociais. Ele é, evidentemente, insubstituível
em qualquer reconstituição referente a um passado relativamente distante,
pois não é raro que ele represente a quase totalidade dos vestígios da
atividade humana em determinadas épocas. Além disso, muito
frequentemente, ele permanece como o único testemunho de atividades
particulares ocorridas num passado recente.
Em relação aos dados, Bogdan e Biklen (1994) registram que esse termo se refere ao
material recolhido pelo pesquisador, constituindo-se como elementos que formam não só a
base da análise, como também as pistas e as provas que permitem ao investigador chegar a um
possível resultado. Além do mais, eles carregam em si o peso de qualquer interpretação,
permitindo uma descrição detalhada dos acontecimentos. Logo, é nessa etapa de coleta [ou, de
geração] que examinamos os respectivos documentos e registramos as informações e os dados
encontrados, cuidadosamente. É válido lembrar que, em nossa pesquisa, constituem-se como
dados as propostas/atividades de produção de textos presentes na Unidade 22 do Caderno TP6
81
do Programa de formação continuada GESTAR II, selecionados para nosso processo
investigativo.
Nessa direção, vale a pena salientar, mais uma vez, que os dados não falam por si, mas
são interpretados, ou seja, é através da investigação desses elementos que captamos a
realidade (DEMO, 2001). Diante disso, o investigador, sobretudo, aquele que faz pesquisa
qualitativa, deve ―analisar os dados em toda a sua riqueza, respeitando, tanto quanto o
possível, a forma em que estes foram registrados ou transcritos‖ (BOGDAN; BIKLEN, 1994,
p. 48), além de procurar sempre estratégias e procedimentos que lhes permitam levar em
conta as experiências e o contexto do outro,do objeto pesquisado.
O pesquisador qualitativo em linguística aplicada ao ensino, ao recolher os dados
descritivos para sua pesquisa, precisa, naturalmente, abordar o mundo de forma minuciosa,
isto é, deve considerar que nesse mundo nada é trivial e comum, mas que tudo tem potencial
para construir uma pista capaz de estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do objeto
de estudo (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Haja vista isso, nós, enquanto pesquisadores,
possuímos um papel fundamental no trabalho científico, pois temos, como objetivo principal,
a construção de saberes, compreendendo e respeitando a experiência e o comportamento
humano.
Sem dúvida, nesse tipo de investigação é possível, de fato, alcançar um nível desejável
de compreensão das coisas no mundo, como defendem Bogdan e Biklen (1994). No entanto,
para isso, entendemos que a interpretação e a imaginação do investigador científico precisam
estar embasadas numa teoria científica, o que significa dizer que, para o pesquisador
qualitativo, não bastam somente os dados, a informação, é preciso mais que isso: um estudo
teórico concreto que dê base para o seu trabalho. Nas palavras desses autores,
os bons investigadores estão conscientes dos seus fundamentos teóricos,
servindo-se deles para recolher e analisar os dados. A teoria ajuda na
coerência dos dados e permite ao investigador ir para além de um amontoado
pouco sistemático e arbitrário de acontecimentos (BOGDAN; BIKLEN,
1994, p. 52).
Para esses estudiosos, o processo de condução de investigação qualitativa reflete uma
espécie de diálogo, realizado, não de modo neutro, entre o investigador e o respectivo sujeito
de pesquisa, em nosso caso, os Cadernos do GESTAR II. Nessa direção, é pertinente revozear
Fiorin (2006, p. 27), a fim de destacar que todos os fenômenos presentes na comunicação real,
de modo escrito ou falado, podem ser analisados à luz das relações dialógicas que os
constituem. Assim, em nosso processo investigativo, na educação escolar, a adoção da teoria
82
enunciativo-discursiva bakhtiniana se justifica, pois trata, com grande propriedade, de tais
relações.
Na seção seguinte, abordamos os critérios usados para a seleção do material.
3.4 Critérios para a seleção do Caderno TP6 e para a modalidade escrita
Com o objetivo de obtermos informações que melhor descrevessem as propostas de
produção de textos no material de apoio à formação docente continuada, buscamos, como
fonte documental para a investigação, o Caderno TP6 do GESTAR II e, consequentemente, o
Guia Geral, Caderno em que se encontram informações relativas aos pressupostos teórico-
metodológicos do Programa GESTAR II. Esses materiais, publicados no ano de 2008, estão
em evidência em grande parte do país, sendo usados na capacitação dos profissionais da
educação. Além disso, suas orientações teóricas buscam seguir os pressupostos dos PCNLP
(BRASIL, 1998), o que confere, de fato, atualidade aos dados aqui estudados.
A escolha do Caderno TP6 se deve não só à sua abrangência e aceitação como também
ao caráter inovador (auto-)atribuído ao Programa: a modalidade semipresencial, que forma
professores em serviço; o formador, que é um intermediário entre as Secretarias de Educação
e as escolas, além de ser um mediador nos grupos de trabalhos com os professores, e os
Cadernos de Teoria e Prática, material didático-pedagógico que serve para subsidiar a prática
docente. Assim, tomaremos o TP6, uma vez que trata, sobretudo, do processo de produção de
textos. Esse caderno, intitulado Leitura e processos de escrita II, dá continuidade à elaboração
dos conceitos e práticas para o trabalho pedagógico do professor e ao trabalho com gêneros,
com o estudo da argumentação. Nele se retoma a produção textual, tratando das fases de
planejamento, escrita, revisão e edição; além de percorrer essas etapas de produção, reflete
sobre as estratégias utilizadas nessas fases.
Esse material, embora seja um caderno direcionado ao professor-cursista, contém
sugestões de atividades práticas a serem aplicadas em sala de aula com o aluno. Em seu
interior, analisaremos a Unidade 22, selecionada porque trata especificamente dos processos
de produção, isto é, da prática de escrita de textos.
No TP6, nosso olhar estará focado nas orientações de escrita direcionadas não só para
o professor como também para o aluno, a fim de compará-las em termos da mobilização das
capacidades de linguagem exigidas no processo de produção textual, conforme exposto no
capítulo anterior.
83
Sabemos que o professor também precisa desenvolver suas capacidades de linguagem
para poder ensinar seu aluno, posteriormente. Logo, o curso de formação continuada se
constitui em um espaço ideal para isso. A escolha da modalidade escrita — visto que
enfatizamos nesse material as propostas de produção textual — deve-se a um fato recorrente
no ensino-aprendizagem de LP em várias partes do Brasil, a saber, o nível de desempenho dos
alunos das redes públicas em relação a essa prática, que, apesar de ter-se tornado objeto de
discussão e de pesquisa, desde a década de 1970, seu insucesso ainda continua na ordem do
dia, conforme nos lembra Petroni (2006).
A discussão sobre esse assunto tem ocupado um lugar significativo na educação e na
mídia brasileiras. Já há alguns anos, o ensino de LP tem sido marcado pelos índices
insatisfatórios de desempenho escolar, apresentados, sobretudo, em exames de rendimento
estudantil, tanto os nacionais — tais como o ENEM e o SAEB — quanto os internacionais,
como o PISA. Esses exames pretendem medir os resultados do ensino básico, em termos de
construção de capacidades e competências, sobretudo, escriturais, dos alunos (ROJO;
BATISTA, 2003). Como já dito, a culpa do insucesso nas avaliações recai, quase sempre,
sobre o professor, sobre sua formação inicial e/ou continuada.
Por conta disso, e das exigências impostas pelo mundo globalizado que prescrevem
cada vez mais profissionais qualificados e preparados para atender aos requisitos
contemporâneos, os órgãos responsáveis pela educação vêm demonstrando uma grande
preocupação em torno da formação de professores. As propostas de programas de capacitação
e de atualização, coerentes com os parâmetros estabelecidos pelos referenciais de ensino, é
um exemplo do que dizemos.
Conforme foi mencionado no primeiro capítulo, a respeito do movimento de
adequação, sobretudo, das editoras às propostas dos PCNLP (BRASIL, 1998), entendemos
que os autores de alguns materiais de apoio à formação continuada, bem como os do LD, têm
buscado se adequar às novas proposições curriculares de ensino e aos critérios estabelecidos
no edital do PNLD. Dizemos isso, pois percebemos, nitidamente, essa preocupação no
material didático do GESTAR II, que é fornecido aos professores durante o curso. É
exatamente no contexto dessas discussões que se insere nossa pesquisa, tendo como objeto
central o trabalho com os gêneros discursivos proposto, em linhas gerais, por esse material de
formação continuada do professor de LP.
Nossa preocupação reside no fato de que alguns materiais de formação utilizados na
educação continuada de professores têm apresentado, por vezes, orientações e
encaminhamentos metodológicos nem sempre claros, nem sempre afinados com as
84
perspectivas atuais de ensino, colaborando insuficientemente para o processo de ensino-
aprendizagem, especificamente, de escrita de textos diversos do professor e,
consequentemente, do seu aluno.
A partir dessas ideias, na seção subsequente, tencionamos pôr em foco esse Programa
e parte do material que o compõe, o Caderno TP6, a fim de analisar as questões de produção
escrita da Unidade 22.
Pretendemos verificar também se as propostas contidas nesse documento são
orientadas pela e para a tendência atual de ensino de escrita, possibilitando aos professores o
concreto desenvolvimento das capacidades de linguagem requeridas no processo de produção
de textos diversos. Em seguida, buscaremos comparar as orientações dirigidas ao docente no
processo de escrita com o encaminhamento didático das atividades de produção feito ao
aluno, com o intuito de identificar se as mesmas capacidades mobilizadas no ensino-
aprendizagem do professor são contempladas nas propostas de produção textual do aluno.
Isso se faz necessário, pois se o domínio dessas práticas não é efetivado pelos
professores nos cursos de formação continuada, infelizmente, os alunos podem receber
direcionamentos insuficientes para compreender a linguagem como interação na produção de
conhecimentos.
Na seção seguinte focalizamos o Guia Geral21
(BRASIL, 2008a), um dos materiais que
compõem o GESTAR II.
3.5 O Guia Geral
O Guia Geral (BRASIL, 2008a) constitui-se como o ―carro chefe‖, a ―base‖ do
Programa GESTAR II, pois, através dele, os professores- cursistas têm o primeiro contato
com o Projeto e, desde então, travam reflexões e discussões sobre questões de ensino. Nesse
Guia, estão descritos os pressupostos teórico-metodológicos que embasam o trabalho docente
assim como as propostas e objetivos que ajudarão o educador a compreender melhor o
Programa. Por conta disso, achamos necessário fazer uma breve apresentação desse material,
destacando alguns pontos que considerarmos pertinentes para nossa pesquisa.
O principal objetivo do Guia Geral (BRASIL, 2008a) é construir uma proposta de
trabalho participativa e interativa, capaz de conduzir o professor à inteira compreensão do
Programa, ajudando-o a pensar coletivamente a proposta pedagógica desse Projeto, além de
21
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/gestar/guia_geral_g2.pdf
85
orientar o docente na implementação do GESTAR II e na definição dos papéis dos seus
participantes.
O GESTAR II é um programa de gestão pedagógica da escola que contém discussões
sobre questões prático-teóricas e que busca contribuir para o aperfeiçoamento da autonomia
do professor em sala de aula, conforme define o Guia Geral (BRASIL, 2008a). Ademais, tem
se orientado para a criação de uma nova escola que contemple as exigências do mundo
moderno. O trabalho desse Projeto está voltado para ―uma escola mais democrática e
amorosa, que visa à autonomia e à auto-realização do aluno, tendo como horizonte a justiça
social, a felicidade e a emancipação da sociedade‖ (BRASIL, 2008a, p. 07).
O Guia Geral (BRASIL, 2008a, p. 07-08) está dividido em cinco unidades, com suas
respectivas seções, conforme o quadro a seguir:
Quadro 2 – A estrutura do Guia Geral
Unidade I O Gestar II como Programa de Formação Continuada em Serviço
Seção
1 Caracterização do Gestar II
2 Modalidade do Programa
3 Ações Integrantes do Gestar
Unidade II A Proposta Pedagógica do Gestar II
Seção
1 Fundamentos da Proposta Pedagógica do Gestar II
2 Currículo do Gestar II – Matemática
3 Currículo do Gestar II – Língua Portuguesa
Unidade III A Implementação do Gestar II
Seção
1 Sistema Instrucional de Aprendizagem
2 Sistema de Avaliação do Professor Cursista
Unidade IV O GESTAR II, as expectativas de mudança e a especificidade do
Programa em cada escola.
Seção
1 As Expectativas de Mudanças a partir do Gestar II
2 Um Gestar II para cada Escola
Unidade V Procedimentos para a utilização dos Cadernos de Atividades de Apoio
à Aprendizagem do Aluno
Seção
1 Apresentação
2 Objetivos
3 Organização
4 Pressupostos
86
5 Utilização
6 Etapas de implementação
Nas seções seguintes, fazemos um breve esboço de cada uma dessas unidades para
melhor compreensão do Programa.
3.5.1 Unidade 1 – O GESTAR II como Programa de Formação Continuada em Serviço
A Unidade 1, intitulada ―O GESTAR II como Programa de Formação Continuada em
Serviço‖, tem como objetivo identificar os fundamentos do GESTAR II e sua articulação
como política de formação continuada em serviço para professores. Essa unidade está dividida
em três seções.
A seção I caracteriza o GESTAR II como um Programa de formação contínua
semipresencial, destinado, sobretudo, à formação de professores de Língua Portuguesa. Seu
foco é a atualização dos saberes desse profissional por meio de subsídios e do
acompanhamento da sua ação em serviço. Além disso, encontra-se embasado nos Parâmetros
Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa do 3º e 4º ciclos (BRASIL, 1998), tendo como
propósito principal ―elevar a competência dos professores e de seus alunos e,
conseqüentemente, melhorar a capacidade de compreensão e intervenção sobre a realidade
sócio-cultural‖ (BRASIL, 2008a, 14).
A seção II expõe a modalidade do Programa, que está fundamentado na teoria e nos
pressupostos da educação à distância (EAD). Segundo o Guia, esse tipo de formação deve ser
entendido como um instrumento de profissionalização capaz de proporcionar aos educadores
espaços sistemáticos de reflexão coletiva e de investigação, no contexto escolar. Esta
formação apóia-se nos cadernos teórico-práticos (TPs) para o estudo autônomo e
independente, oportunizando também os encontros presenciais para realização de atividades.
Esses encontros servem para ―troca de experiência e reflexão individual e em grupos;
esclarecimentos de dúvidas e questionamentos; planejamento e elaboração de situações
didáticas; análise crítica da prática em sala de aula e de atividades dos alunos‖ (BRASIL,
2008a, p. 15).
A seção III trata das ações integrantes do GESTAR II, buscando garantir a qualidade
do processo de ensino-aprendizagem por meio de ações estratégicas de estudos presenciais e
individuais. A proposta é que, a partir dos encontros coletivos, o professor tenha a
oportunidade de reformular conteúdos e descobrir e/ou propor formas diversas de trabalhá-los
em sala de aula.
87
O Programa pretende que essa formação continuada seja desenvolvida ao longo de um
ano, por meio de oficinas coletivas, do acompanhamento pedagógico e de estudo dos
Cadernos de Teoria e Prática. Tal acompanhamento será feito por um formador, representante
do GESTAR II, devidamente qualificado, que coordenará as atividades e avaliará o
desenvolvimento do professor-cursista, discutindo formas de implementação dos trabalhos.
A unidade seguinte trata da proposta pedagógica do Programa GESTAR II.
3.5.2 Unidade 2 – A Proposta Pedagógica do GESTAR II
A Unidade 2, intitulada ―A Proposta Pedagógica do GESTAR II‖, discute os
elementos fundamentais que compõem a proposta pedagógica do Programa e divide-se em
três seções.
A seção I expõe os vários aspectos que dão base à proposta pedagógica do Programa,
apresentando as concepções que o fundamentam, tais como: a) ensino-aprendizagem; b)
relação professor-aluno; c) papel do professor; d) sala de aula; e) avaliação; f) competência;
g) relação entre comunidade e escola.
a) O processo de ensino-aprendizagem
O trabalho do GESTAR II se baseia na concepção socioconstrutivista do processo de
ensino-aprendizagem, em que a aprendizagem é vista como um processo ativo pelo qual o
indivíduo se apropria dos diversos saberes produzidos pela sociedade, transformando-se.
Nesse sentido, na sala de aula, o professor, visto como mediador, constrói juntamente com os
alunos o conhecimento por meio da interação, baseada necessariamente na participação ativa
dos aprendizes.
b) A relação professor-aluno
A proposta do GESTAR II considera que, na relação professor e aluno ambos
constroem juntos o conhecimento em sala de aula, num trabalho colaborativo, além de
manterem sempre laços afetivos de lealdade e de compromisso ao longo do trabalho escolar.
c) O papel do professor
A proposta pedagógica do GESTAR II concebe o professor como um mediador do
conhecimento do aluno na sala de aula. Assim, o papel do professor é colocar o aprendiz em
contato com os saberes construídos historicamente na sociedade. Nessa proposta, o educador
88
não é tido mais como o detentor do saber nem o aluno como um mero expectador, mas os dois
como co-construtores do conhecimento. Desse modo, a função do professor se caracteriza
pela sua dupla face, isto é, ele é aquele que não só ensina como também aprende
constantemente na interação com o outro.
d) Sala de aula: espaço educativo
Essa proposta pedagógica vê a sala de aula como um espaço educativo, constituindo-se
como o ponto de referência do Programa, uma vez que todo o trabalho de formação alicerça-
se nela.
e) Avaliação
O quinto aspecto dessa proposta pedagógica trata da avaliação, cujo sistema, no
GESTAR II, é processual e formativo. Nessa direção, o professor é estimulado a fazer uma
primeira investigação, a fim de conhecer seus alunos e, a partir disso, buscar orientação para o
planejamento de seu trabalho subsequente.
f) Concepção de competência
Em relação à concepção de competência, o Programa admite a complexidade que esse
conceito encerra, adotando a definição defendida por Perrenoud (2000), que a entende como a
capacidade que os indivíduos têm de atuar em situação complexa, mobilizando
conhecimentos para resolver problemas.
g) Relação entre comunidade e escola no papel educacional
O sétimo e último aspecto dessa seção trata da relação entre comunidade e escola no
papel educacional. Sob tal lógica, o GESTAR II está convencido de que a educação precisa
ser feita, efetivamente, pela escola e pela família. Assim, ambas as instituições são
responsáveis pela inserção de uma pessoa na sociedade, de modo consciente e político. Tal
relação é considerada fundamental no ensino-aprendizagem, visto que a participação dos pais
na comunidade escolar ―melhora o ambiente da escola, diminui o índice de ausência dos
alunos e potencializa o seu desempenho‖ (BRASIL, 2008a, p. 24).
A seção II trata do currículo do GESTAR II de Matemática, que não descreveremos
por não fazer parte deste trabalho.
A seção III trata do currículo geral do GESTAR II de Língua Portuguesa, em que se
expõem: a) o objetivo do programa; b) a especificidade do GESTAR II; c) as competências
89
esperadas do professor no final do curso; d) a organização do currículo de Língua Portuguesa;
e) a organização da proposta pedagógica do GESTAR II de Língua Portuguesa; f) a ementa do
programa.
a) Objetivo do programa
O objetivo geral do GESTAR II de Língua Portuguesa é possibilitar ao professor ―um
trabalho que propicie aos alunos o desenvolvimento de habilidades de compreensão,
interpretação e produção dos mais diferentes textos‖ (BRASIL, 2008a, p. 34), além de primar
pela inserção desses alunos na vida social, como cidadãos críticos e participativos.
No que diz respeito ao desenvolvimento do professor, o GESTAR II aponta para sua
valorização tanto pessoal como profissional, realçando sua particularidade, sua história de
vida, enfim, sua relação sociocultural.
b) A especificidade do programa
Esse Programa se destaca ―pela busca de um caminho de mão dupla entre teoria e
prática e pelo enfoque da linguagem como fenômeno cultural, no qual a língua é elemento
constituinte, mas não único e isolado, na organização de nossas experiências‖ (BRASIL,
2008a, p. 34). Além do mais, a proposta do GESTAR II orienta para que toda discussão sobre
a língua tenha o texto como ponto de partida, estudando-o na sua profundidade histórica e
social.
O GESTAR II busca também inserir o professor na apreciação da cultura letrada,
mantendo sempre o diálogo desta com as várias outras linguagens. Isso equivale a dizer que,
no trabalho com textos clássicos, é interessante que o professor consiga mesclá-los não só
com textos de autores regionais, com a cultura popular, mas também com assuntos
importantes no plano internacional. Enfim, a pretensão desse Projeto é de que a formação
continuada docente consiga atingir um trabalho coletivo e interdisciplinar, envolvendo alunos,
pais e profissionais da escola, a fim de que haja transformações positivas no processo de
ensino-aprendizagem. Logo, por essas especificidades é que o Guia Geral (BRASIL, 2008a)
apresenta o GESTAR II como revolucionário e inovador em relação aos outros programas de
formação existentes.
c) As competências esperadas do professor ao final do programa
O Guia Geral (BRASIL, 2008a) remete ainda às competências esperadas do professor
ao término do curso. Esse é um assunto de grande importância para nossa pesquisa, pois é
90
pertinente pensar que um educador competente contribuirá para que seu aluno incorpore
novos saberes, desenvolvendo, assim, suas capacidades, sobretudo, de escrita. O GESTAR II
pretende que, ao final do curso de formação, como usuário da língua, esse profissional seja
capaz de
Apresentar-se como locutor e interlocutor, com amplo domínio da
linguagem, das suas várias modalidades e formas e nos seus diversos
contextos; refletir sobre a linguagem e sobre a Língua Portuguesa;
reconhecer os usos sociais da Língua, em todas as modalidades, até mesmo
como participação política e cidadã; posicionar-se criticamente com relação
aos diversos tipos de textos, até mesmo obras didáticas; interessar-se pelos
diversos tipos de textos artísticos especialmente de literatura (BRASIL,
2008a, p. 35).
Como profissional da educação, o professor deverá ser capaz de
Atuar de forma consciente, produtiva e adequada à sua comunidade,
valorizando as práticas democráticas; desenvolver projetos de
aperfeiçoamento (formação profissional ampliação de novos horizontes);
atuar coletivamente, partilhando experiências e projetos; refletir sobre a sua
prática docente e sobre a sua atuação da escola e suas elações com a
sociedade (BRASIL, 2008a, p. 35).
E, por fim, como professor de LP, ao final do Programa, o cursista do GESTAR II
deverá ser capaz de
Orientar a sua prática como professor de Língua Portuguesa, observando,
registrando, organizando e sistematizando os fatos da gramática interna, da
gramática descritiva e da gramática normativa; selecionando e organizando
os conteúdos e as matérias de ensino-aprendizagem em função das
características dos seus alunos de 6º ao 9º anos; pesquisando, avaliando e
adotando métodos e estratégias e materiais mais adequados e inovadores
para sua atuação (BRASIL, 2008a, p. 35).
d) A organização do currículo de Língua Portuguesa
O Guia apresenta a organização do currículo de Língua Portuguesa do GESTAR II,
cujo desenvolvimento é feito de forma espiral aberta, em torno de questões que fundamentam
há algum tempo o ensino-aprendizagem de LP: ―Pelo seu alcance, tais questões têm uma
função irradiadora, capacitando o professor para a abordagem autônoma de outros pontos do
currículo‖ (BRASIL, 2008a, p. 35). Aqui, essas questões são recuperadas e ampliadas,
permitindo novas relações com outras abordagens.
91
e) Organização da proposta pedagógica do GESTAR II de Língua Portuguesa
A proposta do GESTAR II organiza-se para o desenvolvimento do letramento do
professor, consequentemente do seu aluno; para isso, parte sempre de discussões e análises
das situações sociocomunicativas, tendo o texto como base da resolução de problemas.
Esse currículo busca também oferecer ao professor em formação continuada subsídios
para que seus alunos apreendam habilidades relacionadas à compreensão e produção de
diferentes textos, ou seja, visa a levar o aluno a assumir uma posição de cidadão consciente,
capaz de analisar as mais variadas situações vividas em sociedade, manifestando-se
criticamente perante elas.
As concepções de linguagem e de texto que embasam o ensino de LP podem ser
evidenciadas nas seguintes informações trazidas pelo Guia Geral (BRASIL, 2008a, p. 36):
Nos TPs, o trabalho com a linguagem busca privilegiar a língua como
atividade social e comunicativa, considerando sempre os interlocutores
localizados em um espaço social e histórico. Essa postura aponta para uma
perspectiva que vê o texto como a concretização das situações de interação e
um produto de condições sócio-históricas, em que a significação é o ponto
central.
Os TPs, de acordo com o Guia, são construídos com base nos diversos temas
transversais, propostos nos PCNLP (BRASIL, 1998), sendo que a escolha ―do tema de cada
TP comanda, primeiramente, a seleção de textos nos mais diversos gêneros discursivos‖
(BRASIL, 2008a, p. 36).
Partindo do pressuposto de que a significação se produz na cultura, a proposta
pedagógica do GESTAR II pretende que o professor, no desenvolvimento das ações de
ensino-aprendizagem, privilegie o processo de significação, levando em conta o texto e as
relações intertextuais definidas sócio-historicamente, visto que o desenvolvimento da
linguagem só pode ocorrer por meio de atividades significativas. Esse é o componente
fundamental desse Projeto, pois sua pretensão é de que as atividades de aprendizagem
ofereçam inúmeras possibilidades aos alunos, tornando-os progressivamente autônomos; além
disso, espera-se que, mediante essas atividades, os aprendizes possam obter novas
informações, exercitando diferentes estratégias e aprendendo diversas formas de produção de
significação (BRASIL, 2008a, p. 37).
92
f) A ementa do programa de Língua Portuguesa
A fim de possibilitar uma visão mais ampliada da proposta pedagógica do GESTAR
II, achamos pertinente apresentar o quadro onde é descrita a ementa geral do Programa de
Língua Portuguesa. Antes disso, ressaltamos, porém, que, nessa pesquisa, nosso olhar estará
direcionado somente para o TP6, pelas razões expostas. Sendo assim, segue a ementa:
Quadro 3 – Ementa dos Cadernos de Teoria e Prática
95
(BRASIL, 2008a, p. 37-40).
A próxima seção trata da implementação do Programa GESTAR II.
3.5.3 Unidade 3 – Implementação do GESTAR II
A Unidade 3, intitulada ―A implementação do GESTAR II‖, tem como objetivo
mostrar como o GESTAR II funciona na prática. Para isso, são apresentados, na seção I, os
sistemas instrucionais do Programa, a saber, a estrutura dos Cadernos de estudos (TP) e sua
operacionalização. Na seção II, é discutida a avaliação do professor-cursista e sua
certificação, a estrutura organizacional desse Projeto e os seus atores, conforme segue.
a) Caderno de Teoria e Prática
Conforme vimos, a área de Língua Portuguesa possui seis cadernos de Teoria e
Prática, divididos nos seguintes temas: TP1 — Linguagem e cultura; TP2 — Análise
linguística e análise literária; TP3 — Gêneros e tipos textuais; TP4 — Leitura e processos de
escrita I; TP5 — Estilo, coerência e coesão e TP6 — Leitura e processos de escrita II. Todos
esses Cadernos estão organizados em um volume que proporciona o desenvolvimento de
determinadas competências em cada Módulo do GESTAR II. De acordo com o Guia Geral
96
(BRASIL, 2008a), as informações conteudísticas dos TPs são mais abrangentes e complexas
do que aquelas do material que será utilizado para as atividades em sala de aula, a saber, os
AAAs.
Esse material de formação continuada se divide em dois módulos, cada qual formado
por três TPs, concebidos não só como planos de aula do Programa, mas também como
documentos autoinstrucionais, criados especialmente para subsidiar o processo de formação
do professor. No Módulo I, serão abordados assuntos referentes à construção da base
comunicativa do aluno: TP1, TP2 E TP3; no Módulo II, assuntos relativos à leitura e à
produção de textos: TP4, TP5 E TP6.
A seguir é apresentada a estrutura do Caderno de estudo (TP), com a ressalva de que
todos os outros TPs respeitam a mesma organização.
b) Apresentando a Estrutura do Caderno de Teoria e Prática
O Caderno de Teoria e Prática possui quatro unidades, cada qual contendo três Seções,
e se divide em três partes: Parte I: unidades; Parte II: Lição de Casa ou Socializando, e Parte
III: Oficinas ou Sessão Coletiva.
Vejamos, agora, como se organiza cada Unidade de um TP.
Na parte I, encontra-se o Título da Unidade e o nome do autor; o Iniciando Nossa
Conversa, em que se introduz a unidade ao professor; o Definindo Nosso Ponto de Chegada,
em que se descrevem os objetivos de aprendizagem; e as Seções.
Conforme já vimos, cada Unidade contém três Seções, apresentando título, objetivos
de aprendizagem e o desenvolvimento do conteúdo. Para desenvolver o conteúdo da seção,
são utilizados vários recursos de aprendizagem, tais como:
Atividades: inseridas em momentos estratégicos do texto, possibilitam que o
cursista mobilize os seus conhecimentos prévios e, a partir dos exercícios,
construa o seu próprio conhecimento. Cada Seção conta com no mínimo
duas e no máximo seis atividades de estudo, totalizando de seis a dezoito
atividades por Unidade; Indo à sala de aula: sugere atividades que se
referem à aplicação do conteúdo estudado em sala de aula ou lembra
posturas importantes para o professor; Avançando na Prática: momento em
que o professor é convidado a aplicar em sala o que estudou, por mais de um
passo a passo; Importante: definições de conceitos e sínteses do tópico em
estudo; Recordando: notas sobre conteúdos tratados anteriormente ou que o
professor deveria saber; Resumindo: sintetiza o conteúdo da Seção
(BRASIL, 2008a, p. 45).
97
No término de cada Unidade, existem: Bibliografia, na qual é apresentada toda a base
teórica da Unidade; Leituras Sugeridas, em que são feitas propostas de leituras (de três a
cinco por Unidade). Cada uma dessas sugestões possui, além de resenhas, referências
bibliográficas. Dentro da Unidade, há ainda os itens: Ampliando nossas Referências, no qual
se apresenta um Texto de Referência, relacionado a conteúdos vistos na Unidade, a fim de
enriquecer a reflexão do professor cursista sobre sua prática; Correção das Atividades, em
que o professor tem a oportunidade de conferir as respostas das questões distribuídas ao longo
da Unidade.
O quadro abaixo sintetiza o modo como é estruturada a unidade do Caderno de Teoria
e Prática (TP).
Quadro 4 – Estrutura da Unidade no Caderno de Teoria e Prática (TP)
Unidade
Título da Unidade e nome do autor
Iniciando nossa Conversa
Definindo nosso Ponto de Chegada
Seção
Atividades
Indo à sala de aula
Avançando na Prática
Importante
Recordando
Resumindo
Bibliografia
Leituras Sugeridas
Ampliando nossas Referências
A parte II do Caderno de Teoria e Prática apresenta duas Lições de Casa. Essa etapa
consiste no relato de um Avançando na Prática, produzido pelo professor-cursista, que deverá
entregar ao formador uma Lição de Casa, a cada duas unidades estudadas. Já na parte III,
encontram-se as Oficinas, que são os encontros presenciais, os quais podem ocorrem a cada
três semanas ou quinzenalmente, com duração de 4h.
Na sequência, ainda na Unidade 3 do Guia Geral (BRASIL, 2008a), é apresentado o
modo de avaliação do professor em curso e os atores desse Projeto.
98
c) Avaliação do professor cursista, a estrutura organizacional do GESTAR II e seus
atores
No Guia Geral (BRASIL, 2008a), são evidenciados os direitos e deveres do professor
em formação continuada, a fim de que assuma com responsabilidade suas ações nesse
processo. Dentre os direitos que o docente possui, destacam-se: receber o material completo,
participar das oficinas e seminários de formação, ter um formador que o oriente no decorrer
do curso, receber certificado de conclusão do curso, entre outros; já como dever destacam-se:
frequência obrigatória às atividades, realização e entrega de Lições de Casa e de Projeto no
fim do curso, leitura dos TPs para respectivas discussões nos encontros, realização de
autoavaliação, compromisso de fazer o planejamento das aulas com base nas orientações do
GESTAR II etc.
Nessa etapa, são apresentados também os atores desse Projeto de formação
continuada, enfatizando-se as atribuições e as responsabilidades da equipe gestora, que é
composta por formador e tutor, diretor e coordenador pedagógico.
Dentre as obrigações do formador destacam-se: o planejamento dos encontros
presenciais, dos planos de aulas e das avaliações, a apresentação e a divulgação do Programa,
a execução de sessões presenciais, a orientação e o acompanhamento individual do professor-
cursista e também da ação do coordenador da escola ao acompanhar a prática cotidiana do
professor, entre outras. Ao diretor e coordenador pedagógico cabe organizar os horários de
estudos dos professores, apresentar local adequado para a realização das reuniões,
acompanhar a prática pedagógica do professor-cursista, entre outras atribuições.
Tendo em vista que o GESTAR II foi pensado sob a lógica de uma formação
continuada em que o trabalho do professor deve se realizar através de estudos diários, de
revisão e de reflexão, espera-se que cada escola envolvida nesse Projeto participe ativamente,
a fim de que as propostas advindas dessa formação continuada possam ser efetivamente
implantadas.
Na seção seguinte serão abordadas questões de mudanças no trabalho escolar a partir
do GESTAR II.
99
3.5.4 Unidade 4 – O GESTAR II, as expectativas de mudança e a especificidade do
Programa em cada escola
A Unidade 4, intitulada ―O GESTAR II, as expectativas de mudança e a especificidade
do Programa em cada escola‖, tem como objetivo explorar as expectativas de mudança a
partir do GESTAR II, traçando um prognóstico do programa e uma síntese de questões já
enfatizadas, uma vez que trata da possibilidade de alcançar resultados positivos nas escolas
participantes do projeto.
Nesse momento, o Guia Geral (BRASIL, 2008a), mais uma vez, apresenta o GESTAR
II como um Programa inovador de formação de professores em serviço, ao promover
discussões que culminem sempre na ação, reflexão e ação do professor-cursista.
Como vimos, o Guia confere ao GESTAR II um discurso revolucionário, de uma
Proposta abrangente de formação continuada que sugere uma nova escola e aponta para
intensas mudanças em toda a estrutura da comunidade escolar. Enfim, o discurso apresentado
pelo Guia remete ainda a um convite a todas as pessoas (alunos, professores, coordenadores,
diretores, pais, toda a comunidade) para a implementação desse Programa, com
responsabilidade e comprometimento, introduzindo, assim, uma visão de escola como uma
comunidade (BRASIL, 2008a, p. 62).
Na última Unidade do documento, são abordados procedimentos que pretendem ajudar
o professor cursista no uso dos Cadernos de Atividades de Apoio à Aprendizagem (AAA) dos
Alunos, para melhor viabilização do trabalho pedagógico docente.
3.5.5 Unidade 5 – Procedimentos para utilização dos Cadernos de Atividades de Apoio à
Aprendizagem do aluno
A Unidade 5, intitulada ―Procedimentos para utilização dos Cadernos de Atividades de
Apoio à Aprendizagem do aluno‖, tem como objetivo o tratamento dos Cadernos de atividade.
Tais Cadernos de Atividades de Apoio à Aprendizagem (AAA) dos alunos seguem os
pressupostos do ensino de Língua Portuguesa, apontados pelos PCNLP (BRASIL, 1998), os
quais reconhecem como objetivo principal desse ensino o desenvolvimento da competência
discursiva e textual dos alunos no processo de recepção, leitura e produção. Nesse sentido, a
escola deve formar alunos reflexivos e críticos, além de desenvolver atividades e exercícios
100
que realmente os ensinem a adaptarem-se, tanto de modo oral como de modo escrito, às várias
situações discursivas.
Para o Guia, a linguagem não se realiza em palavras isoladas, mas se efetua em
processos reais de comunicação, e a competência discursiva ―é adquirida pelo aluno na e pela
atividade de linguagem, em atividades de leitura e de produção de textos inseridas em
situações linguisticamente significativas‖ (BRASIL, 2008a, p. 69). Por isso, defende que a
apropriação dos conhecimentos linguísticos ocorre no processo de reflexão sobre a
linguagem, em práticas contextualizadas de leitura e escrita.
Esse material de Apoio, elaborado a partir desses pressupostos de ensino, conforme o
Guia Geral (BRASIL, 2008a), oferece situações didáticas que podem ser aplicadas em sala,
pois é composto por aulas que sugerem a mobilização de conhecimentos prévios, esquemas
cognitivos já construídos pelo aprendiz. Além disso, suas sequências didáticas propõem
sempre um desafio a ser vencido, requerendo do aluno uma postura reflexiva e ativa. Nesse
material, todas as atividades de uma aula estão interligadas, a fim de conduzir o aluno a um
processo de finalização. Tudo isso lhe permite a apropriação de novos conhecimentos,
conforme o Guia.
De acordo com esse documento, os Cadernos de Apoio têm o objetivo de subsidiar as
aulas com atividades individualizadas, quanto ao ritmo de cada estudante, além de promover
exercícios para o ensino de conteúdos que ainda não aprendeu, sanando as deficiências
detectadas na primeira avaliação. Para tanto, o professor precisará ficar atento às dificuldades
apresentadas, a fim de identificar as deficiências de aprendizagem dos alunos e, quando
necessário, refazer seu plano de aula, considerando as competências que ainda não foram
alcançadas pelos aprendizes.
Os AAAs contêm propostas de situações significativas de aprendizagem, com
orientações metodológicas para o professor, e são ―complementares aos Cadernos de Teoria e
Prática. Em outras palavras, os temas abordados nos Cadernos de Atividades de Apoio à
Aprendizagem do Aluno correspondem aos que são tratados nos Cadernos de Teoria e
Prática‖ (BRASIL, 2008a, p. 67).
Essas orientações visam a fornecer ao professor informações teórico-conceituais sobre
os temas, a fim de ampliar sua compreensão, desenvolver sua autonomia e indicar
procedimentos didáticos, para que possa engajar-se no trabalho (BRASIL, 2008a, p. 68).
Aquele destinado ao aluno apresenta várias atividades cuja explicação (teórica) pode ser
encontrada no caderno do professor. Como bem elucida o Guia (BRASIL, 2008a, p. 72),
―todas as aulas são devidamente explicadas nos Cadernos na versão do professor‖.
101
O Guia Geral (BRASIL, 2008a) traz ainda as etapas de implementação da proposta,
mediante os Cadernos de Apoio, orientando o professor na elaboração do plano de aula, que
deve ser pensado por meio de várias reflexões, tais como:
A situação didática é coerente com as intenções educativas? A seleção dos
conteúdos é adequada tendo em vista essas intenções educativas, presumidas
em termos de habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos? Como serão
mobilizados os conhecimentos prévios dos alunos? As situações foram
funcionais e significativas? Estão sendo propostos desafios acessíveis aos
alunos? As respostas dos alunos são ouvidas e consideradas? Há uma
preocupação com o estabelecimento de sínteses sistematizadas de
aprendizagens que estão ocorrendo? (BRASIL, 2008a, p. 70-71).
A partir da investigação desses aspectos, o educador deve, então, buscar alternativas
para solucioná-los. Esse próximo excerto elucida o que dizemos:
A seleção e a aplicação das aulas/atividades dos Cadernos de Atividades de
Apoio à Aprendizagem pressupõem, portanto, que o professor acompanhe e
avalie o processo de aprendizagem na sua totalidade, tomando como
referência as metas e as expectativas quanto a esse processo, assim como
considere e avalie o trabalho que ele próprio vem desenvolvendo com sua
classe (BRASIL, 2008a, p. 71-72).
Sem dúvida, uma análise adequada e fundamentada com procedimentos reais para
resolução dos problemas encontrados exige um professor competente e treinado para tal. Por
isso, nesta pesquisa, propomos verificar se esse material fornece orientações efetivas que dão
suporte para a prática pedagógica do professor em sala de aula, no que diz respeito ao ensino
de escrita.
Na seção seguinte, apresentamos as categorias de análise que embasarão nossa análise.
3.6 Categorias de análise
Com a finalidade de responder às nossas questões de pesquisa, analisamos parte do
material de formação continuada do GESTAR II, a saber, as orientações teóricas no
tratamento das propostas de produção de textos no Caderno TP6 e o Guia Geral. Para isso,
definimos os conceitos teórico-metodológicos relevantes à construção dos argumentos do
nosso estudo, isto é, as categorias de análise que balizarão nossa pesquisa.
102
Ao assumirmos a perspectiva discursivo-enunciativa do Círculo de Mikhail Bakhtin
(2004[1929], 2003[1952-1953]), faremos usos de alguns conceitos durante nossas análises, a
saber: gêneros do discurso, diálogo, interação e compreensão ativa e responsiva.
A perspectiva dialógica da linguagem e o conceito de gênero discursivo, tal como
postulados pelo Círculo de Bakhtin (2004[1929], 2003[1952-1953]), constituem os pilares da
nossa pesquisa, pois norteiam não só a coleta de dados como sua análise. Sob tal perspectiva,
o ensino da produção de textos procede (noutros moldes, diferentes daqueles tradicionais),
sobretudo, pela adoção de um gênero do discurso, adequado à situação comunicativa em foco.
Logo, numa atividade de escrita, a definição da esfera de atividade, bem como do interlocutor,
do propósito comunicativo, das condições de produção, circulação e recepção, entre outros,
precisam ser levados em conta, pois se constituem em aspectos fundamentais capazes de
garantir, de fato, ao aluno, um entendimento profundo das situações sociais concretas em que
a linguagem se realiza.
Nesse sentido, a análise de propostas de produção textual, através da concepção
enunciativo-discursiva, permite perceber a presença desses elementos que não podem, jamais,
ser deixados em segundo plano, no processo de escrita. Aliás, um trabalho que se propõe a
seguir os novos paradigmas teóricos de ensino de LP deve trazer claras essas características,
considerando o processo de escrita como uma interlocução real, já que o ―discurso só pode
existir de fato na forma de enunciações concretas de determinados falantes, sujeitos do
discurso‖ (BAKHTIN, 2003[1952-1953], p. 274).
Além dessa perspectiva bakhtiniana, buscaremos, também, para análise dos dados
encontrados, apoio nas concepções de linguagem, de escrita e de letramento, veiculadas nos
PCNLP (BRASIL, 1998), tendo em vista que essas concepções contribuíram para o
redimensionamento do ensino-aprendizagem de produção de textos.
Desse mesmo modo, ao inscrevermos nosso estudo nos referenciais teóricos de tais
guias, é impossível não levarmos em conta a teoria sócio-histórica de Vygotsky (2007[1984],
1996[1987]), cuja teoria embasa a composição desses documentos oficias bem como o
redirecionamento do ensino de LP. Dizemos isso, pois, segundo Freitas (2006), o princípio
vygotskyano, além de possibilitar o conhecimento da evolução do desenvolvimento humano e
do processo de apropriação do saber pelo indivíduo, apontou um caminho mais eficaz e
comprometido para a prática pedagógica docente.
Aliás, a teoria desse autor se identifica, claramente, com a atual tendência educacional,
que tem um caráter mais social, mais dialético e que vê o homem não só como um indivíduo
influenciado pelo meio, mas também com capacidade de se voltar sobre ele para transformá-
103
lo (FREITAS, 2006, p.15-16). Por isso, suas concepções acerca do desenvolvimento humano
e da interação social também servirão de categorias de análises dos dados coletados.
Outra categoria de análise de que faremos uso serão as capacidades de linguagem.
Estas serão empregadas em virtude da nossa pré-análise dos materiais (TP6 e Guia Geral).
Neles, observamos que os autores se propõem, no tratamento didático para a produção escrita,
a levar em conta a situação sociocomunicativa, a saber, elementos da situação de produção,
circulação e recepção.
Dessa forma, na Unidade 22, do TP6, analisaremos as orientações dadas ao professor e
ao aluno para a produção textual, buscando identificar as capacidades de linguagem
mobilizadas nessas propostas de ensino-aprendizagem, pois acreditamos que, antes de
desenvolver as capacidades do aluno, o professor precisa, naturalmente, ter desenvolvido as
suas. Para tanto, aplicaremos as categorias de análise das capacidades de linguagem proposta
por Dolz e Schneuwly (2004), a partir do quadro22
síntese elaborado por Barros-Mendes
(2005).
No capítulo seguinte, apresentamos a análise dos dados e seus resultados.
22
O quadro sinóptico, elaborado por Barros-Mendes (2005) e adaptado por nós a propósito do nosso objetivo de
pesquisa, foi apresentado no capítulo II desta dissertação.
104
CAPÍTULO IV
ANÁLISE DE DADOS
Com o intuito de observar de que forma as atividades trazidas pelo GESTAR II
favorecem a formação em serviço, este capítulo tem como foco a análise dos dados contidos
no Caderno de Teoria e Prática (TP6), componente do Programa. Primeiramente,
apresentamos a análise da Unidade 22 do TP6, referente aos pressupostos teórico-
metodológicos, que embasam a prática pedagógica do professor de Língua Portuguesa para o
ensino de escrita, e ao diálogo existente entre as suas orientações teóricas e as do Guia Geral
para tal ensino. Nessa análise, buscamos identificar as capacidades de linguagem presentes
nas propostas de ensino-aprendizagem da escrita direcionadas ao professor-cursista.
Posteriormente, exibimos a análise das propostas de produção textual direcionadas ao
aluno, no intuito de comparar tais atividades aos pressupostos metodológicos apresentados no
TP6, buscando também reconhecer as capacidades mobilizadas para o exercício da escrita do
aluno. Por fim, fazemos um levantamento dessas capacidades, procurando confirmar se
aquelas apresentadas nas propostas de produção do professor foram também mobilizadas nas
atividades do aluno.
4.1 Unidade 22 – Produção textual: planejamento e escrita
A Unidade 22 do TP6, intitulada ―Produção textual: planejamento e escrita‖, está
organizada de acordo com a estrutura do Caderno já apresentada no capítulo anterior.Durante
a análise, conforme já dito, ao referirmos ao discurso da autora da Unidade 22, do TP6,
adotaremos os seguintes nomes: TP6, TP, material e/ou Caderno. Assumiremos também a
palavra ícone junto ao nome de cada etapa presente na Unidade 22, e a palavra seção será
empregada quando fizermos a análise das seções 1, 2 e 3.
Assim, nosso olhar lança-se para o ícone Iniciando Nossa Conversa, inserido nas
primeiras páginas. Tal ícone é um material disponibilizado ao professor, em que se retoma o
conteúdo estudado nas seções anteriores e se introduz o tema a ser enfocado na Unidade.
Além disso, apresentam-se os pressupostos teórico-metodológicos que embasarão o trabalho
docente, informações não presentes no Caderno do aluno, o conteúdo de cada seção e o
objetivo principal da Unidade, conforme segue:
106
(BRASIL, 2008b, p. 73-74).
Nesse primeiro momento, na introdução da Unidade 22 do TP6, embora não faça
nenhuma referência aos PCNLP (BRASIL, 1998), podemos ver que a o Caderno busca marcar
seu posicionamento sobre sua adequação a tal documento, pois notamos um discurso
aproximado daquele abordado na diretriz curricular, como o ensino a partir do
desenvolvimento da competência comunicativa do aluno; a definição dos elementos da
107
situação sociocomunicativa como ponto inicial da produção textual; as denominações uso,
reflexão, competência, habilidade e gênero, entre outros.
No primeiro capítulo desta dissertação, falamos da influência e do reflexo que os
PCNLP (BRASIL, 1998) têm tido no ensino atual, em virtude de havermos percebido que
alguns materiais pedagógicos — tais como os livros didáticos e os materiais de formação
continuada de professores — têm buscado se adequar às propostas desse documento. Em
outros termos, esses materiais, considerados elementos fixos, atores não-humanos (SILVA,
2006), em boa medida, vêm se esforçando no sentido de contextualizar as propostas de
produção textual com base na teoria de gênero discursivo que hoje fundamenta o ensino de
Língua Portuguesa. Na verdade, o Programa GESTAR II caracteriza-se, justamente, como
uma tentativa oficial de efetiva operacionalização das orientações curriculares vigentes nas
escolas brasileiras, como pontua Silva (2011, no prelo).
Segundo o Guia Geral (BRASIL, 2008a), o objetivo do GESTAR II é o de possibilitar
ao professor um trabalho que propicie ao aluno o desenvolvimento de habilidades de
produção de diferentes textos, de modo consciente e crítico. Provavelmente, no intuito de
seguir tal pressuposto, na Unidade 22, o ensino de escrita é tratado a partir de uma perspectiva
do desenvolvimento da competência comunicativa do aluno. Segundo o TP6, o trabalho de
produção de textos está fundamentado
[...] na reflexão sobre os usos comunicativos da escrita e sua relação com o
conhecimento linguístico e o desenvolvimento de habilidades de reflexão
sobre as etapas do processo de produção textual [ênfase adicionada]
(BRASIL, 2008b, p. 73).
A partir desse discurso, podemos pensar que as propostas de produção textual
buscarão ser feitas numa perspectiva inovadora, pois serão articuladas no eixo uso e no eixo
reflexão, com o intuito de desenvolver a competência discursiva do aluno, como apontam os
PCN de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998). É pertinente notar que essas denominações uso,
reflexão, competência, habilidade são influências das discussões ocorridas ultimamente sobre
o ensino de LP, especialmente no que diz respeito à leitura e escrita, conforme vimos nos
capítulos I e II.
Sabemos que esse documento centra suas propostas no desenvolvimento de
capacidades/competências e habilidades, partindo do pressuposto de que a língua se realiza
no uso das práticas sociais e na reflexão sobre esse uso; por isso, devem-se oportunizar na sala
de aula, a articulação dos conteúdos nesses dois eixos básicos, além de eventos significativos
108
de interação social, a fim de que o aluno possa exercitar, sobretudo, a escrita em situações de
usos reais, tornando-se um usuário competente de sua língua. Para a aprendizagem real dessa
prática, então, é preciso não só definir os elementos da situação sociocomunicativa (gêneros,
interlocutores, intenção, suporte etc.) como também estabelecer situações didáticas, tomando
como objeto de reflexão os procedimentos de planejamento, de elaboração e de refacção dos
variados textos, uma vez que ―toda educação comprometida com o exercício da cidadania
precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver sua competência discursiva‖
(BRASIL, 1998, p. 23) [ênfase adicionada].
Com base nessas diretrizes curriculares, o TP6 mostra-se favorável a uma renovação
do ensino de produção de texto, segundo o excerto a seguir.
[...]continuamos a expandir a noção do trabalho de ensino-aprendizado da
[...] escrita, fundamentando nossos argumentos na reflexão [...] o
desenvolvimento de habilidades de reflexão sobre as etapas do processo de
produção textual: planejamento, escrita, revisão e edição (BRASIL, 2008b,
p. 73) [ênfase adicionada].
Logo, partindo do pressuposto bakhtiniano de que todo enunciado é dialógico, posto
ser sempre uma réplica e se constituir a partir de outros enunciados, podemos constatar a
dialogização nesse excerto introdutório, porque se percebe, mesmo implicitamente, o embate
entre duas vozes, ou seja, o discurso atual sobressaindo-se ao discurso obsoleto, do ensino
formal. Nas palavras de Bakhtin/Volochinov (2004[1929], p. 98): ―toda a enunciação [...] é
uma resposta a alguma coisa e é construída como tal [...] Toda inscrição prolonga aquelas que
a precederam, trava uma polêmica com elas, conta com as reações ativas da compreensão,
antecipa-as‖.
Podemos pensar, então, que tal posicionamento de ―adequação‖ aos PCNLP
(BRASIL, 1998) se insere nesse movimento dialógico que soa como uma resposta ativa aos
inúmeros questionamentos pelos quais vêm passando o ensino de LP, nas últimas décadas.
Sabemos que tais críticas são representadas, geralmente, pelo discurso do fracasso escolar,
referente ao desempenho insatisfatório dos alunos em relação à leitura e escrita,
especificamente. Em outras palavras, essas críticas recaem sobre um ensino ―tradicional‖ que,
sempre, se preocupou com a aquisição de códigos e com sua decodificação, práticas
necessárias para o sucesso na escola, deixando-se de lado os variados letramentos e as práticas
sociais, que nada mais são do que lugar de manifestação tanto do individual como do social na
linguagem, como nos lembram Schneuwly e Dolz (2004).
109
Nessa introdução, sob a mesma lógica dos PCNLP (BRASIL, 1998), o TP6 destaca,
superficialmente, seu embasamento teórico na perspectiva de produção textual que considera
os elementos da situação sociocomunicativa, incorporando as noções de planejamento,
revisão e rescrita de textos. Implicitamente, ao anunciar essa adesão à ―nova‖ abordagem,
parece que o Caderno, escrito por um sujeito, necessariamente dialógico e responsivo, busca
um caminho adequado para aplicação do ―novo‖ conteúdo de ensino de LP (por exemplo, os
gêneros). Pretende, assim, criar no seu interlocutor um sentimento nobre de superação das
práticas antiquadas de ensino, ou seja, tem o intuito de causar uma boa impressão sobre o
curso, que também se apresenta como revolucionário e inovador em relação aos outros
programas de formação existentes. Em toda enunciação, a escolha de cada enunciado não é
feita de maneira aleatória, mas balizada por parâmetros sociais, valores, crenças, ideologias,
conforme o pensamento bakhtiniano.
Dito isso, podemos pensar, então, que esse texto introdutório tem o objetivo de
despertar a credibilidade dos professores acerca dos conteúdos e atividades subsequentes da
Unidade, já que mostra uma interação com as atuais discussões em relação ao ensino da
língua materna; consequentemente, cria-se uma expectativa positiva na abordagem, que será
feita de forma diferenciada dos conteúdos previstos.
Essa Unidade divide-se em três Seções: na primeira, o professor-cursista refletirá
sobre o planejamento pessoal relacionando-o com o processo de criação e o trabalho do aluno;
na segunda, serão apresentadas estratégias ao cursista para o planejamento e outras atividades
de produção; na última seção, serão organizadas atividades de produção, considerando as
etapas estudadas anteriormente. Para tanto, conforme o TP6, quanto mais claras forem as
orientações referentes ao aspecto sociocomunicativo de uso e função, mais o aluno conseguirá
construir um texto significativo e também aprender sobre os elementos da escrita.
Ao final da Unidade 22, espera-se que o professor-cursista seja capaz de
Planejar atividade de escrita baseada na perspectiva da produção textual: no
tocante às etapas de planejamento e escrita, relacionado-a às diversas
situações sócio-comunicativas, incluindo os gêneros de textos requisitados,
também, em outras disciplinas da escola (BRASIL, 2008b, p. 74) [ênfase
adicionada].
A respeito da produção de gêneros textuais requisitados em outras disciplinas, nos
questionamos: A que gêneros o TP6 se refere? Seriam aqueles essencialmente escolares,
como o resumo, a resenha e o relatório? Sobre esse assunto, sabemos que as diretrizes oficiais
110
indicam para as atividades de escrita alguns gêneros, cujo critério de seleção baseia-se na sua
circulação social, isto é, aqueles que, além de transitarem nas instâncias públicas, são
considerados de domínio fundamental para a efetiva participação do aluno na sociedade.
Segundo os Parâmetros os textos a serem selecionados para o ensino de produção de texto
[...] são aqueles que, por suas características e usos, podem favorecer a
reflexão crítica, o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e
abstratas, bem como a fruição estética dos usos artísticos da linguagem, ou
seja, os mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada
(BRASIL, 1998, p.24).
De qualquer modo, o excerto supracitado do TP6 acerca dos gêneros de textos
requisitados em outras disciplinas da escola, por um instante, nos fez crer que não se incluía,
aqui, o ensino dos gêneros visando, de fato, ao bom desempenho do aluno nas práticas sociais
(extraescola) e sim o ―desfrute‖ da própria instituição, certamente, para a promoção escolar;
ensinam-se os gêneros textuais cogitando — somente — o seu uso interno, a fim de que o
aluno se ―saia bem‖ nas demais disciplinas? Se for, tal postura, além de estar em desacordo
com os discursos oficiais, parece remeter a um ensino reducionista, isto é, àquele que constrói
―nas atividades de produção escrita, modelos de gêneros que não encontram referência nas
práticas de linguagem escrita fora da sala de aula‖, não visando, portanto, ao letramento do
aluno (RODRIGUES, 2000, p. 207).
Tendo em vista que a diversidade de letramentos corresponde às várias formas de se
relacionar com os textos e está intimamente ligada às diversas situações de uso da linguagem
escrita, compreendemos que um projeto de produção textual deve ser orientado para aqueles
gêneros cujo domínio é necessário, de fato, para o bom desempenho escolar (resumo,
esquema, fichamento). Porém, não se deve se esquecer de outros, também essenciais para a
plena participação na vida social pública, extrassala, pertencentes a outras esferas da
comunicação verbal (curriculum vitae, carta aberta, carta de leitor, preenchimento de
formulários diversos), pois o nível de letramento de um sujeito é determinado pelo conjunto
de gêneros que ele reconhece e domina. Sem dúvida, um ensino de escrita intermediado pelos
eventos de letramento reais, inclui atividades com características heterogêneas de outras
atividades da vida social, envolvendo, assim, mais de um participante. Esses indivíduos
possuem diversos conhecimentos, que são mobilizados na medida adequada, no momento
necessário, em prol de interesses, intenções e objetivos particulares bem como de metas
comuns, como destaca Kleiman (2005).
111
Inegavelmente, uma pessoa precisa dominar as variadas formas de dizer para que
possa empregá-las mais livremente nas diversas esferas enunciativas, de forma consciente e
autônoma. Por isso, qualquer projeto pedagógico que tome o gênero como objeto de ensino,
precisa ter, antes de tudo, clareza do tipo de indivíduos que se pretende prioritariamente
formar e dos objetivos que se pretendem alcançar, pois, como defendem Schneuwly e Dolz
(2004, p.69),
Toda introdução de um gênero na escola é o resultado de uma decisão
didática que visa a objetivos precisos de aprendizagem que são sempre de
dois tipos: trata-se de aprender a dominar o gênero, primeiramente, para
melhor conhecê-lo ou apreciá-lo, para melhor saber compreendê-lo, para
melhor produzi-lo na escola e fora dela; e, em segundo lugar, para
desenvolver capacidades que ultrapassam o gênero e que são transferíveis
para outros gêneros [ênfase adicionada].
Ainda sobre a produção de gêneros requisitados em outras disciplinas escolares,
podemos depreender talvez um discurso velado23
existente no meio educacional, acerca do
ensino de leitura e escrita. Afinal, não raras vezes nos deparamos com questionamentos sobre
a obrigação do professor de língua de ensinar tais práticas. Muitas vezes, parece recair sobre
esse profissional uma responsabilidade maior em relação aos docentes de outras disciplinas no
tocante à produção textual, especificamente.
Todavia, essa pode ser uma ideia equivocada, pois de acordo com os documentos
oficiais, a tarefa de formar leitores e usuários competentes na escrita não se restringe à
disciplina Língua Portuguesa, visto que os professores de outras disciplinas também
dependem da linguagem para desenvolver os aspectos conceituais de sua matéria:
Não é possível esperar que os textos que subsidiam o trabalho das diversas
disciplinas sejam auto-explicativos. Sua compreensão depende
necessariamente do conhecimento prévio que o leitor tiver sobre o tema e da
familiaridade que tiver construído com a leitura de textos do gênero [...] É
tarefa de todo professor, portanto, independentemente da área, ensinar,
também, os procedimentos de que o aluno precisa dispor para acessar os
conteúdos da disciplina que estuda [...] Produzir esquemas, resumos que
orientem o processo de compreensão dos textos, bem como apresentar
23
Sobre discurso velado, ler Fiorin (2006). Esse autor afirma que, na construção discursiva, a polêmica velada
pode ser percebida na oposição de duas vozes.
112
roteiros que indiquem os objetivos e expectativas que cercam o texto que se
espera ver analisado ou produzido não pode ser tarefa delegada a outro
professor que não o da própria área (BRASIL, 1998, p. 32) [ênfase
adicionada].
Assim, conforme pontuado pelos documentos oficiais, os professores,
independentemente da área de atuação, não devem ficar omissos quanto ao ensino da escrita
de gêneros diversos; portanto, devem contribuir para a ampliação do conhecimento do aluno,
a fim que ele alcance, de fato, sua condição cidadã, tendo em vista que muito do fracasso dos
objetivos relacionados à formação de usuários competentes da escrita é atribuído à omissão da
escola e da sociedade diante de questão tão sensível à cidadania.
Nas próximas seções, exploraremos a organização dos conteúdos e das atividades nas
respectivas seções destinadas ao professor: Seção 1 – O planejamento; Seção 2 – O
planejamento: estratégias; Seção 3 – A escrita.
4.2 Seção I – O planejamento
A seção I, intitulada “O planejamento”, pretende que o professor reflita sobre seu
planejamento pessoal, relacionando-o com o processo de criação e o trabalho do aluno. Para
isso, são utilizados vários recursos de aprendizagem, como as atividades preparatórias que
visam a possibilitar a construção do conhecimento do cursista para o trabalho em sala de aula.
A Unidade 22 apresenta oito dessas propostas.
A primeira atividade parte de três textos: Poesia, de Carlos Drummond de Andrade,
retirado do livro ―Alguma poesia‖, Ah, sim, a velha poesia..., de Mário Quintana, retirado do
livro ―Nova Antologia‖, e uma poesia sem título de Arnaldo Antunes, retirado do livro ―As
coisas‖. Os dois últimos textos são seguidos da biografia do autor, composta por duas linhas,
conforme segue:
115
( BRASIL, 2008b, p. 76-78).
Essa atividade propõe ao professor responder sobre:
a) Quais os prováveis leitores desses textos? A partir das informações
oferecidas, onde foram publicados?
b) Qual a função do texto poético?
c) Qual o objetivo possível de poemas como esses? Justifique sua resposta,
considerando a função do poema.
d) Vamos refletir sobre a sua experiência pessoal como poeta? Você escreve
poesia? Quando escreve? Já teve que escrever poesia, mesmo não
acreditando-se poeta? Em que ocasião?
116
e) Na sua opinião, como se planeja um texto poético? Quais as
possibilidades planejamento? Quais os passos que consideraria ou mesmo
estratégias que utiliza(ria)?
f) Escreva um poema, mesmo que curto, seguindo os elementos da etapa de
planejamento descritos na resposta ao item anterior. Anote novos elementos
que não havia considerado na resposta anterior e que surgem quando tenta
escrever um texto.
g) Anote novos elementos que não havia considerado nas respostas
anteriores à escrita do poema e que surgiram quando tentou escrever nesse
gênero.
h) Você notou alguma diferença quanto às duas respostas? Se sim, a que
atribui a diferença?
i) Você desenvolve atividade de produção de poemas com seus alunos?
Como os ensina a produzir utilizando esse gênero? A seguir, descreva,
brevemente, que atividades de leitura e escrita desenvolve com eles nessas
ocasiões.
(BRASIL, 2008b, p.78-80).
Em relação às questões e, f, g e h, que abordam o planejamento textual,
compreendemos ser essa visão inspirada numa perspectiva que entende o texto como
processo, conforme vimos no primeiro capítulo. Nessa perspectiva, tal planejamento pode ser
considerado o estágio inicial, ou seja, aquele que antecede o próprio ato de escrever,
envolvendo processos cognitivos profundamente influenciados pela vivência do escritor, isto
é, pela experiência do professor (REINALDO, 2005). Consideramos esse aspecto do
planejamento positivo, nessa atividade, haja vista que o educador é levado a refletir sobre seu
processo de escrita, sistematizando-a, com base no levantamento de ideias, na organização e
na retomada de outras ideias pensadas anteriormente etc.
Nessa atividade preliminar destinada ao professor-cursista, vimos ainda que existe
uma solicitação de escrita, na letra f, embora não haja nenhuma instrução para isso. Em tal
proposta, há indicação — apenas — do gênero poema a ser produzido, porém não se vê
reflexão que contribua para a elaboração temática, nem para a construção da forma
composicional. O encaminhamento do material da formação continuada do professor não traz
informações sobre as dimensões ensináveis desse gênero. Em relação a isso, Schneuwly e
Dolz (2004, p. 76) alertam:
quanto mais precisa a definição das dimensões ensináveis de um gênero,
mais ela facilitará a apropriação deste como instrumento e possibilitará o
desenvolvimento de capacidades de linguagem diversas que a ele estão
associadas. O objeto de trabalho sendo, pelo menos em parte, descrito e
explicitado, torna-se acessível a todos nas práticas de aprendizagem de
linguagem.
117
A escrita desse poema, conforme propõe o TP6, parece estar mais associada ao
desafio, à aventura, de modo que se tem a expectativa de que num passe mágica o redator, no
caso o professor, terá o germe da escrita do texto literário (REINALDO, 2005).
Padilha (2005), em seu estudo sobre o tratamento dado aos gêneros poéticos nos livros
didáticos de LP, constatou a existência de diferentes abordagens nesse tratamento, como
aquela subjetivista, que prioriza o imaginário do sujeito. Semelhantemente ao que ocorre
nesse exercício, em que o aluno/professor-cursista é colocado em contato com três textos em
gêneros poéticos, numa imersão, como se, de repente, sem quaisquer ações de ensino, ele
aprendesse fazer fazendo, “por osmose” (idem, 2005).
Esse tipo de atividade, fornecida pelo Caderno, destinada ao docente, nos leva a pensar
que não há a necessidade de se explorar, no ensino-aprendizagem, os parâmetros da situação
de ação de linguagem que estão envolvidos no uso desse gênero. Sabemos que uma atividade
de produção de gênero requer um trabalho sistemático e aprofundado de reflexão, de
reconhecimento do gênero, de comparação com outros gêneros, de leitura, entre outros, para
que seja realmente compreendido pelo professor, posteriormente, pelo seu aluno, o que não
ocorre em tal proposta. Observa-se que o TP6 se preocupa com a inclusão do gênero no
material de formação continuada, de acordo com o Guia Geral (BRASIL, 2008a) e conforme
os pressupostos dos PCNLP (BRASIL, 1998), mas a condição de apropriação desse modelo,
oferecida ao professor-cursista é bastante limitada, dado o caráter superficial da instrução, isto
é, não são fornecidos parâmetros para a produção do poema. Infere-se que o Caderno
pressupõe um saber a priori por parte do educador, não considerando, muitas vezes, que o
professor não está familiarizado, de fato, com esse novo saber/conteúdo.
Nesse momento, é importante ressaltar que, embora em algum TP já se tenha abordado
algo sobre tal gênero, cabe ao Caderno explicitar os aspectos constitutivos desse gênero ou, ao
menos, (re)lembrá-los ao professor, colocando uma nota para retomada.
Em todo caso, vale lembrar a afirmação do Guia Geral (BRASIL, 2008a) de que nos
TPs o trabalho com a linguagem privilegiará o uso da língua como atividade social. Nesse
trabalho, os interlocutores atuam em um espaço cultural e histórico. Isso quer dizer que o
texto será ―visto como a concretização das situações de interação e um produto de condições
sócio-históricas, em que a significação é o ponto central‖ (idem, p. 36). Essa proposição
parece condizer com o TP6 quanto à afirmação de que todas as atividades de produção textual
desenvolvidas nas Unidades buscam evidenciar tal escrita como um ato social e comunicativo
e, sendo um ato comunicativo,
118
insere-se numa determinada situação que tem uma função, interlocutor(es),
objetivo, versa sobre um tema, de acordo com uma intenção, é expressa em
relação com um gênero, utiliza um determinado nível de linguagem, e como
material de leitura é escrito em um determinado suporte (BRASIL, 2008b, p.
83) [ênfase adicionada].
Nesse excerto, os pressupostos teóricos do Caderno, que dialogam com os do Guia,
geram a expectativa de que suas orientações favorecerão a construção das diversas
capacidades de linguagem, que o professor precisa adquirir para o ensino-aprendizagem da
escrita. Entretanto, apesar de enfatizar tais questões, não é isso o que ocorre na proposta
anterior, a qual se resume em uma sugestão de produção de texto de caráter indefinido, com
comando vago, dependente mais da imaginação e da inspiração do professor do que de um
trabalho, de fato, deliberado, consciente e orientado.
Em relação às capacidades de linguagem, elaboradas por Dolz e Schneuwly (2004),
implicadas, necessariamente, na apropriação do gênero discursivo, percebemos que esse tipo
de exercício proposto pelo TP6 não parece ter o objetivo primeiro de provocar sua
aprendizagem, já que apenas uma das capacidades é mobilizada, superficialmente, a
capacidade de ação, em que se indica o gênero (poema), sem explorá-lo, nem conceituá-lo.
Compreendemos o espaço de formação continuada como um lugar propício para a
―atualização‖ dos saberes do professor, que precisa, de fato, desenvolver suas capacidades de
escrita para, posteriormente, ensinar seu aluno. Sendo assim, nessa primeira proposta de
produção, destacamos, mais uma vez, a etapa de planejamento como uma operação
extremamente importante no processo de escrita, pois contribui para um texto bem
organizado. Nesse sentido, o TP6 parece considerar os processos sociocognitivos envolvidos
em tal prática. Mas numa elaboração escrita, há outros elementos a serem enfatizados.
Definitivamente, consideramos que, no contexto escolar, o encaminhamento para a
produção textual (tanto do professor quanto do aluno) deve inserir-se em um processo de
interlocução ativa, a fim de possibilitar mais significado e de exercitar a escrita como prática
cidadã.
Depois dessas questões, o ícone Importante traz informações sobre as funções básicas
da linguagem (expressiva, apelativa, metalinguística, poética, referencial), descritas por
Roman Jakobson, certamente, no intuito de lembrar ao cursista a função predominante nos
poemas. Parece que essa breve explicação corresponde ao ensino da linguagem, ou é a parte
mais importante, pois se destaca apenas a função predominante do texto, a função mais
imediata.
119
(BRASIL, 2008b, p. 81)
Esse posicionamento do Caderno TP6, certamente, não auxilia o professor-cursista
quanto à compreensão das funções da linguagem, pois nos demais exercícios dessa Unidade
nem sempre fica clara a concepção de linguagem adotada. Não se sabe, muitas vezes, se há
alguma preocupação com a função social da linguagem ou se são considerados somente os
recursos de ênfase dos diferentes elementos da comunicação: a função da linguagem.
O quadro das funções destacado pelo TP nos remete à Teoria da Comunicação, a
saber, uma abordagem teórica que concebe a língua(gem) como código (verbal e não verbal),
como um instrumento de comunicação, capaz de transmitir ao recebedor uma dada
mensagem. Foi inspirado nessa concepção que o russo Roman Jakobson caracterizou as seis
funções da linguagem, cada uma delas estreitamente ligada a um dos seis elementos —
emissor, receptor, código, referente, canal, mensagem — que compõem o ato comunicativo
(MAGNANTI, 2001). Em relação a essa teoria, Barros-Mendes (2005) salienta que ela
realmente influenciou o ensino de LP, na década de 1970 e 1980, porém, tem perdido espaço
no meio educacional, nos dias atuais, sendo vista hoje com ressalvas, por reduzir a
comunicação humana a uma forma vazia e ritualizada. Essa concepção corresponde
120
a um arcabouço pobre, considerando a complexidade das relações humanas.
Com efeito, os termos ‗falante-emissor‘, ‗ouvinte receptor‘ pressupõem um
papel ativo para o primeiro e passivo para segundo
(recepção/compreensão). Embora tal esquema corresponda a um aspecto
real, é falho quando se pretende que represente o todo da comunicação
(FURLANETTO, 1995 apud MAGNANTI, 2001, p. 02) [ênfase
adicionada].
Essa teoria centra-se na informatividade da mensagem, na funcionalidade e não no ato
de linguagem, acrescenta Magnanti (2001). Parece mesmo que a preocupação é mostrar como
funciona a comunicação e não estabelecer interações, ouvir o outro e dar-lhe voz, no processo
enunciativo. A nosso ver, esse posicionamento teórico vai contra ao paradigma atual de
ensino, pois representa uma visão estreita e reducionista do emprego efetivo da linguagem.
Acreditando que o sujeito apenas produz e repassa a mensagem. Ademais, não considera o
outro no processo comunicativo real, na enunciação. Afirmamos isso, porque a concepção de
linguagem oficialmente assumida no ensino de LP hoje é a de interação social, levando em
conta o sujeito, no seu processo interlocutivo, no seu contexto sócio-histórico, conforme as
diretrizes curriculares de LP. Diante disso, podemos inferir que, ao enfatizar pressupostos da
Teoria da Comunicação, o TP6 se distancia da concepção de linguagem veiculada no Guia
Geral (BRASIL, 2008a, p. 36-37): ―a concepção central no Gestar II da linguagem como
interação já esclarece a importância do trabalho com Língua Portuguesa‖[ênfase adicionada].
Nesse momento, parece haver uma contradição, um diálogo incoerente, entre o Guia e o TP6.
Nas páginas que seguintes, ainda na seção I, o Caderno apresenta algumas orientações
teóricas sobre o tratamento didático dos procedimentos metacognitivos (as etapas de
planejamento, revisão e reescrita de textos).
O TP6 apresenta mais uma vez um discurso a respeito do planejamento, orientando o
professor sobre como pensar o planejamento do texto poético, por exemplo. Aliás, recorda-lhe
que este texto também requer um planejamento, variando muito de poeta para poeta, uns
esperam um certo impulso..., focam interpretações..., tecem esboços...; outros planejam na
própria cabeça e colocam a primeira versão imediatamente sobre o papel etc. No trecho a
seguir, observamos essas considerações:
121
(BRASIL, 2008b, p. 81).
O enunciado do Caderno esclarece que o processo de revisão pode ser acompanhado
pelo professor ou pelos colegas, dependendo da situação:
(BRASIL, 2008b, p. 82).
Além disso, destaca que, nesse processo, os próprios objetivos e etapas podem ser
modificados, pois elementos considerados importantes acabam sendo retirados, ou trocados,
outros acrescentados e, assim sucessivamente. Para o TP, tais técnicas precisam chegar até a
sala de aula para serem desenvolvidas com os alunos:
(BRASIL, 2008b, p. 83).
Essas orientações teórico-metodológicas sobre os procedimentos de planejamento,
revisão e reescrita de texto se aproximam dos pressupostos veiculados nos PCNLP (BRASIL,
1998), de forma indireta, haja vista defender que um texto será sempre produto de diversas
versões. Acreditamos, porém, que esse seria um espaço oportuno para se enfatizar, por
exemplo, a importância da presença do outro, no processo de revisão e reescrita, destacando a
dinâmica positiva que se processa nessa relação, em que o leitor trabalha em parceria com o
autor do texto, exercendo seu papel de co-enunciador, co-produtor do texto lido. Tal relação é
122
a condição sob a qual se articula no texto a interação constitutiva do processo de interlocução,
ou seja, é nesse processo que autor e leitor se fazem enunciadores do discurso, emitindo
pontos de vistas, apreciação valorativa, representado e re-apresentando uma visão de mundo,
com bem ressalta Jesus (1995).
O momento dessa orientação constitui-se numa boa ocasião para o TP6 destacar ainda
mais o significado do ―outro‖, porque, nessa situação (de escrita, revisão e reescrita)
compreendemos que tanto o professor como o colega de sala, trabalhando juntos, constituem-
se como verdadeiros mediadores do processo. Esses parceiros podem ser considerados, na
visão vygotskiana, o par mais avançado que emite um ―outro olhar‖ para a escrita do aluno.
Nesse ―olhar‖, não precisam ser levantados, somente, os problemas gráficos, lexicais, de
concordância e pontuação, mas devem receber especial atenção os elementos de ordem
enunciativo-discursiva, que dizem respeito à construção e/ou à enunciação do texto, seu
caráter sócio-histórico. Na verdade, os critérios de ―avaliação‖ e de revisão dependem do
objetivo da escrita, do parâmetro disponibilizado pelo professor para a correção do texto.
É pertinente pensar que tal situação de revisão e reescrita propicia um momento ideal
para se trabalhar o desenvolvimento da ZPD do aluno, conforme discutido no segundo
capítulo, promovendo, mediante a ajuda do companheiro, o desenvolvimento ou
aperfeiçoamento de suas capacidades de escrita. Sob tal lógica, o professor constitui-se em
uma pessoa responsável por interferir nessa zona de desenvolvimento do aprendiz, com o
intuito de lhe propiciar avanços significativos no ensino-aprendizagem de escrita, pois é na
ZPD que a interferência de outros indivíduos é mais transformadora e significativa. Logo,
haja vista a pertinência desse assunto, compreendemos que esse seria o momento ideal para
elucidá-lo ao professor, direcionando mais a orientação sobre a importância do outro no
processo e apresentando, até mesmo uma indicação, em nota, uma referência bibliográfica
sobre o assunto para consultas futuras.
Na sequência, o Caderno analisado apresenta uma atividade com o texto Cavalos e
Crianças, retirado de um jornal, com questões que giram em torno de planejamento e da
importância de se promover nos aprendizes a releitura de seus textos.
123
Leia a seguir as respostas que um aluno construiu na atividade planejada por
sua professora:
Vamos ao texto:
1) Relacione o texto ―Cavalos e Crianças‖ com a Campanha da Fraternidade
de 2005 ―Solidariedade e Paz‖.
124
R: Que temos que ter solidariedade com as crianças que não tem o que
comer e nem moradia, isso tem a ver com a ―Campanha da Fraternidade‖
porque eles pedem a colaboração de todos para que esas famìlhas
nessesitados tenham moradia e comida.
2) Descreva a moral da história.
R: Moral – Todos temos que ter fé que um dia vamos ter um mundo melhor
a todos.
Na situação que originou o texto que você acabou de ler, de acordo com o
relato do aluno, a professora estava trabalhando com sua turma de quinta
série relacionando uma história sobre os tratamentos dispensados a cavalos e
a crianças com a Campanha da Fraternidade de 2005.
a) Compare o texto do jornal e o resultado da construção do conhecimento
pelo aluno. Comente primeiramente as respostas aos dois comandos iniciais.
Como o aluno redige as suas respostas? Ele compreendeu o sentido do texto?
Na situação anterior, você notou que analisamos o texto inicial e o produto
do processo de construção do conhecimento por meio de atividades de
leitura e escrita de textos, nos baseando na contextualização por meio do
relato de um aluno.
b) Se você fosse utilizar o texto em sala para a leitura de seus alunos, como
poderia desenvolver a atividade de compreensão do texto incluindo a
discussão das respostas para a construção de uma visão crítica? Planeje
brevemente a seqüência didática.
c) Imagine que você tenha planejado em seguida à leitura e discussão do
texto uma atividade como a elaborada pela professora da 5ª série e um dos
seus alunos tivesse respondido às perguntas como o menino fez. Planeje uma
atividade de escrita que inclua a produção de um texto sobre a moral da
história e uma atividade que motive seus alunos a relerem seus textos.
(BRASIL, 2008b, p. 84-86).
A atividade seguinte, destinada ao docente, traz um trecho do texto A primeira
cartilha, de Moacyr Scliar, que conta como se deu a introdução do personagem do texto às
letras. As atividades que decorrem desse último texto sugerem duas produções escritas para o
professor: uma, sobre uma experiência engraçada da sua vida estudantil; outra, sobre sua
história como educador.
No entanto, antes de escrever essa derradeira, o TP sugere que o cursista planeje seu
texto. Seguem as propostas elaboradas pelo material:
Agora é a sua vez de escrever sobre uma experiência pessoal.
1) Escreva sobre uma experiência engraçada da sua vida de estudante;
2) Escreva um texto sobre a sua história como educador(a), como surgiu a
motivação, como se sentiu e argumentou, justificando as suas escolhas.
Vamos, porém, antes de escrever o texto em si, planejá-lo.
125
a) Leia atentamente o que está sendo pedido. Quais os itens que estão sendo
requisitados pelo comando?
b) Considere a função e o objetivo do texto.
c) Liste dois ou três eventos e tópicos que poderiam ser parte desse texto.
d) Defina alguns elementos essenciais (época, ou idade que tinha, onde
aconteceu, quem estava envolvido, como começou, etc.) para narrar cada um
dos eventos e tópicos listados.
e) Adicione idéias que possam justificar os eventos e tópicos que escolheu.
f) Revise o que escreveu até agora e veja se há novas informações.
Adicione-as.
g) Escolha os eventos e tópicos que vai utilizar e numere as informações,
construindo uma primeira versão da seqüência do texto.
h) Faça os esboços do texto em folhas à parte. Depois da revisão final,
transcreva o texto no espaço abaixo. Grampeie as folhas com os diversos
rascunhos ou imprima a versão original, nesta folha do seu livro.
(BRASIL, 2008b, p. 87-90).
Na atividade de número um, acerca da escrita de uma experiência engraçada da vida
estudantil do professor, podemos notar, mais uma vez, apesar de ser uma atividade de escrita,
a ausência da perspectiva comunicativa, conforme propõe o material, que parece não
considerar a dimensão enunciativo-discursiva da linguagem, configurada nos processos
interativos. O TP não explica os parâmetros de produção (escrever para quem, para quê, com
qual objetivo, para circular em qual esfera, em qual suporte), além de não considerar as
práticas comunicativas da sociedade, as quais ocorrem, sempre, mediadas por um gênero
discursivo. Nessa direção, compreendemos que a ausência do gênero na proposta (para o
professor) prejudica o foco enunciativo-discursivo envolvido no processo de ensino-
aprendizagem de escrita (do/para o aluno).
Em relação às capacidades de linguagem, nesse exercício, há preocupação — apenas
— com o assunto/conteúdo do texto (experiência engraçada da vida estudantil), que diz
respeito à capacidade de ação. De resto, não parece favorecer a construção das outras
capacidades de linguagem requeridas no ensino-aprendizagem dos gêneros, circunscrevendo-
se à proposta de uma escrita mecânica, vazia, com um fim em si mesma. Logo, por não ter um
objetivo claro nem privilegiar o processo interlocutivo, tal proposta, em boa medida, sinaliza
uma contradição com os pressupostos veiculados tanto no Guia Geral (BRASIL, 2008a)
quanto no próprio TP6.
Na atividade de número dois, enfatiza-se o planejamento da escrita, como não poderia
deixar de ser, haja vista o objetivo principal da Unidade. Sem dúvida, tal procedimento —
levantamento, organização, adição e retirada de ideias, revisão e reescrita do texto — possui
grande relevância em qualquer realização de escrita, ou seja, o desenvolvimento de
procedimentos metacognitivos (etapas de revisão e reescrita) se faz extremamente necessário.
126
No processo de produção textual, é importante que o escritor desenvolva estratégias
metacognitivas, que dizem respeito ao conhecimento, à consciência, ou seja, à monitoração
consciente das ações intelectuais e o controle dos processos cognitivos. Esses aspectos
(procedimentais), de certo modo, são pontuados também pelos documentos oficiais, que
sugerem: ―durante a elaboração de um texto, se relêem trechos para prosseguir a redação, se
reformulam passagens. Um texto pronto será quase sempre produto de sucessivas versões‖
(BRASIL, 1998, p. 77).
É claro que pensar antes de escrever, fazer um esboço, um rascunho, reler o texto são
práticas necessárias envolvidas no processo de escrita. Mas acreditamos que uma produção
textual somente é possível, ou só se efetiva, se o escritor tiver em mente o perfil do seu
interlocutor, o que não ocorre nessa proposta de escrita.
Na letra b, o Caderno orienta o professor para que considere a função e o objetivo do
texto a ser produzido. Mas, a nosso ver, essa questão não contribui para a formação do
professor, pois não há pistas suficientes e claras que levem o cursista a tais considerações.
Será que ele precisa construir o objetivo e a função do texto? Será que se trata da função da
linguagem, conforme se discutiu há pouco? Não se sabe.
Entendemos, com certeza, que escrever um texto é um processo complexo, porque
exige a mobilização de várias capacidades; por isso mesmo se requer clareza nos parâmetros
da situação de produção, recepção e circulação do texto. Isso equivale a dizer que toda escrita
pressupõe um para quê, para quem, por que, com qual objetivo, como e onde. A falta dessa
orientação complexifica ainda mais o processo, podendo acarretar a não efetivação do ensino-
aprendizagem de escrita.
Em relação às capacidades de linguagem implicadas no processo de escrita, podemos
depreender a mobilização superficial de algumas delas nessa proposta. Na questão de número
dois, por exemplo, inferimos que é contemplado um elemento relativo à dimensão da
capacidade de ação, no que tange ao conteúdo a ser trabalhado, ao assunto do texto (história
individual sobre a vida como professor). Dois elementos da capacidade linguístico-
discursiva, apesar de não serem claramente indicados, são tangenciados pelo TP. O primeiro
diz respeito à tomada de posição enunciativa, já que é sugerida ao professor participante a
justificativa da sua escolha pela profissão, o que requer apreciação valorativa (julgamento,
opiniões, sentimentos). O segundo refere-e à operação de textualização, visto que é sugerida
ao cursista a definição de época, lugar onde aconteceu etc., o que certamente exige o uso de
elementos de coesão (advérbios, por exemplo). Observa-se a indicação implícita de apenas
127
um elemento da capacidade discursiva, que auxilia na organização sequencial, pois o
professor é orientado a narrar os eventos listados.
Na capacidade de ação, os outros elementos próprios para desenvolvê-la, tais como a
sugestão do gênero discursivo, a orientação sobre locutores/participantes, o contexto de
produção, a finalidade da escrita, não são apresentados.
Na capacidade linguístico-discursiva, contemplada apenas parcialmente, não se
mobilizam claramente as dimensões que se referem à seleção lexical.
Na capacidade discursiva, que não foi apresentada de modo efetivo, podemos
depreender ainda que o material fez alguma referência acerca do plano do texto, além da
narração, tal como segue: ―pode-se iniciar um texto argumentativo [...] você pode introduzir
na justificativa de suas escolhas: [...] uma introdução breve...‖ (BRASIL, 2008b, p. 90).
Todavia, o subtópico que contempla de modo indireto tal questão veio após a orientação
principal para a produção de texto. Nota-se que essa ―dica‖, desvinculada da sugestão de
escrita, está localizada no item Importante, quase duas páginas à frente da proposta. Lá o TP6
recorda:
Importante: [...] pode-se iniciar um texto argumentativo apresentando
sentenças que capturem a atenção do leitor. Assim, você pode introduzir na
justificativa de suas escolhas: a) um objetivo; b) uma série de questões
relacionadas ao objetivo e ao evento; c) uma introdução breve, mas
engraçada, anedótica; d) uma enunciação controversa; e) um trecho com uma
opinião contrária à que quer defender (BRASIL, 2008b, p. 90).
Diante disso, inferimos que o discurso do material não sinaliza objetivamente para a
organização sequencial do texto, o que pode ocasionar certa dúvida na execução dessa
atividade de escrita. Vale dizer ainda que esse ícone Importante também apresenta elementos
que contemplam a capacidade linguístico-discursiva, a saber, as operações de textualização
que orientam sobre a coerência do texto. Por exemplo, o uso de um trecho com uma opinião
contrária à que quer defender remete a aspectos da informatividade, fator que interfere, em
boa medida, na construção da coerência, conforme Koch e Travaglia (2006, p. 86). Isso
porque o leitor desse texto vai necessitar de um conhecimento anterior da temática para que
consiga fazer as devidas relações e, assim, o texto torne-se coerente para ele.
Em face das questões levantadas, podemos notar, mais uma vez, que essa, apesar de
ser uma atividade de escrita, não se realiza, totalmente, dentro da perspectiva comunicativa,
considerando o aspecto dialógico da linguagem, que se configura nos processos interativos,
conforme propõe o TP6. Como já dissemos, o Caderno não explica os parâmetros de
128
produção, além de não considerar as práticas de letramento da sociedade as quais ocorrem
sempre mediadas por um gênero discursivo. Aliás, não devemos nos esquecer de que produzir
um texto, escrito ou oral, implica, necessariamente, a escolha de um gênero, e tal escolha se
faz em função de um para que e para quem se escreve, para que suporte e para que contexto
de circulação, em que esfera e em que variedade o texto será escrito, como bem afirma Costa
Val (2003). Não devemos nos esquecer também de que a escola, como agência de letramento,
desempenha um papel essencial na formação para a cidadania; por isso, o acesso às práticas
de letramento, que envolvem a escrita de gêneros, deve estar em foco no trabalho em sala de
aula.
A consideração desses aspectos na proposta de escrita, sem dúvida, seria interessante e
significativa para a formação efetiva do professor, porque possibilita o fornecimento de
ferramentas para desenvolver as variadas capacidades de linguagem requeridas nesse
processo. Consequentemente, ao desenvolver tais capacidades, o professor-cursista poderá
estender esses saberes não só para a sala de aula, na lida com seus alunos, mas também para
sua própria vida social, como cidadão que é/deve ser.
Defendemos o trabalho na perspectiva do gênero, intimamente articulado com o
conceito de letramento, pois acreditamos que, ao apropriarem-se devidamente de um
repertório de gêneros discursivos, socialmente utilizados, o aprendiz e também o professor
poderão adentrar as variadas esferas de interação, nas práticas de letramentos, percebendo o
exercício da linguagem como lugar de constituição humana, participando efetivamente como
cidadãos na sua comunidade. Esse trabalho com gêneros, dentre outros fatores, torna possível
estimular a postura crítica do aluno, ao desvelar as relações de força presente em diferentes
esferas enunciativas, condicionantes do processo interlocutivo real, como bem salienta Petroni
(2008).
Ainda nessa Seção I, logo à frente, existe outro ícone Importante lembrando o
participante de que um bom planejamento possibilita o desenvolvimento e o aprendizado do
aluno.
129
(BRASIL, 2008b, p. 91).
Assim, quando o professor lhe fornece exemplo a partir de sua experiência pessoal,
espera-se que isso alavanque ainda mais a criatividade do aprendiz, em direção à sua
autonomia. Sobre isso, questionamos: Essa experiência de escrita do professor, tal como foi
sugerida pelo TP6, é suficiente para desenvolver, efetivamente, sua autonomia e
posteriormente a autonomia do seu aluno, no que diz respeito à concepção de escrita que hoje
fundamenta o ensino de LP? Pensamos que não, visto que, mesmo sendo uma atividade para o
professor, o Caderno parece considerar somente o procedimento (planejamento, revisão e
rescrita), não levando em conta todos os outros elementos enunciativo-discursivos, por ele
mesmo elencados, ao longo da Unidade. Isso se constitui, a nosso ver, em uma falha, pois há
contradição entre o que é proposto na teoria e o que é materializado na prática para o
professor-cursista.
Na seção seguinte, analisamos a segunda seção do caderno TP6.
4.2.1 Seção II – O planejamento: estratégias
A Seção II, intitulada ―O planejamento: estratégias”, tem como objetivo identificar
estratégias que podem ser utilizadas para o planejamento e a escrita de textos diversos. Segue
parte do texto que compõe a primeira página da Seção:
Por muito tempo, a pesquisa relacionada à produção textual ficou restrita
aos processos psicológicos [...]. Nessa perspectiva, tratava-se de diferenciar
os planos que estão relacionados ao conteúdo do texto a ser produzido dos
planos relacionados aos procedimentos que devemos utilizar para produzir o
texto. Mais recentemente, com o desenvolvimento da escrita na perspectiva
social, passou a se considerar de forma mais ampla o contexto e as
condições de produção de um texto (BRASIL, 2008b, p.93) [ênfase
adicionada].
130
Assim como notamos na introdução dessa Unidade 22, aqui também podemos
perceber uma dialogização neste discurso, ou seja, a existência de duas vozes — discurso
atual versus discurso obsoleto — em que uma busca aproximar-se da ―nova‖ perspectiva de
ensino; para isso, se apoia no discurso antigo (por muito tempo...), penetrando, então, em um
enunciado já disseminado no meio educacional (desenvolvimento de estudos na perspectiva
social), a fim de mostrar aos participantes do curso a superação das antigas práticas de escrita.
Nesse instante, lembramos a teoria bakhtiniana, pois temos aqui um enunciado
concreto, constituído no discurso do TP6, que, por sua vez, veicula concepções internalizadas,
resultantes da apropriação de variados discursos alheios, difundidos na sociedade. De acordo
com essa teoria, o enunciado nasce exatamente na inter-relação discursiva, não podendo ser o
primeiro nem o último, porque representa, necessariamente, uma réplica a outros enunciados,
a outros discursos, estando, portanto, orientado para um dado interlocutor, do qual espera uma
compreensão ativa e responsiva. Sendo assim, o discurso do TP6 é, fundamentalmente,
constituído de outros enunciados, ao mesmo tempo. Numa relação dialógica, suas palavras se
instauram através das diferentes vozes.
Em relação ao excerto supramencionado, sobre a produção textual restrita aos
processos psicológicos, é sabido que na década de 1980, através das teorias de procedimentos
cognitivos de produção de textos, os programas curriculares de língua se caracterizavam por
centrar o ensino de LP nos procedimentos (eixo procedimental) ao invés de centrar em
conteúdos (gramaticais). A ênfase dos currículos era dada às estratégias de produção
(planejamento, organização das ideias, revisão, editoração, narração, descrição, dissertação),
com o objetivo de desenvolver capacidades relativas à escrita (BARBOSA, 2001; BONINI,
2002; FIGUEIREDO, 2005; ROJO, 2009b).
Sabemos que, há mais de uma década, o ensino de produção textual vem passando
por mudanças de perspectivas, de objetivos, de conteúdos e de metodologia, consequências da
adoção de conceito como o de letramento, por exemplo, e da eleição dos gêneros como objeto
de ensino-aprendizagem, e o Caderno TP6 mostra-se ciente das transformações ocorridas
acerca do ensino de produção textual.
Embasado na noção de letramento, o ensino se amplia, passando a ser pensado em prol
do uso da linguagem escrita, especificamente, nas práticas sociais, nas práticas de letramento,
ou seja, ―passa-se a valorizar o ‗saber sobre’ as situações de produção de linguagem e os
gêneros que nelas circulam, além do ‗como‘ ler e produzir textos (‗saber fazer’)‖
(FIGUEIREDO, 2005, p. 126, ênfase da autora). Não se trata mais de trabalhar no ensino de
LP — apenas — conteúdos procedimentais, mas também conteúdos conceituais, isto é,
131
Ao invés do estabelecimento de práticas e de objetivos gerais que visem a
construção de capacidades, competências ou o uso de estratégias, como de
costume nos programas curriculares de Língua Portuguesa, tem-se, agora,
conteúdos propriamente ditos a ensinar — os gêneros do discurso, em torno
dos quais se organizariam as práticas de compreensão e produção de textos
(BARBOSA, 2001, p.91).
Como vimos no início desta seção, o TP afirma que, na recente perspectiva social de
produção textual, é preciso considerar o contexto e as condições de produção de cada texto;
por isso, os professores devem promover situações de atividades que trabalhem tais questões,
com o intuito de desenvolver a autonomia do aluno. Reitera ainda a necessidade do
planejamento, lembrando ao professor participante que não há regras nesse processo, há sim
―um desenvolvimento de alternativas que podem ajudar as pessoas a criarem, planejarem,
escreverem revisarem seus textos‖ (BRASIL, 2008b, p. 93). Além disso, afirma existirem
várias formas de atividade de planejamento, que variam de acordo com o objetivo da
atividade escolar e da própria escrita, ou seja, toda atividade de escrita requer objetivo claro,
capaz de possibilitar um determinado planejamento.
Depois desse discurso, deparamo-nos com a primeira atividade dessa seção destinada
ao professor (Atividade 4), composta por um trecho do livro ―O tesouro de Olinda‖, chamado
Na terra do frevo, de Rogério Andrade Barbosa, em que é apresentado um encaminhamento
das respectivas questões destinadas ao educador:
133
O texto traz, além das informações sobre o Carnaval em Pernambuco,
informações sobre as diferenças culturais entre o rapaz e a moça que o
atende na pousada. Liste algumas delas abaixo.
Esta é uma parte de um capítulo do livro. É uma narrativa ficcional em que o
narrador é personagem que acabou de ganhar uma passagem para Olinda de
seu pai como presente por ter passado no vestibular. Vamos planejar a
escrita de uma continuidade desse texto?
b1) Imagine que você tem que escrever um texto, dando continuidade ao
trecho lido. Para o planejamento, utilize a estratégia do brainstorming, isto é,
aquela em que as idéias sobre o tema são escritas na medida que ―vêm à
cabeça.‖
b2) Compare as idéias que surgiram com o texto ao qual deverá dar
continuidade, relembre o objetivo, se necessário corte algumas idéias e
adicione outras. Abaixo, ordene numa possível seqüência as idéias que serão
desenvolvidas no capítulo seguinte. Você pode optar por escrever palavras-
chave ou frases isoladas.
b3) Como o texto pode ficar mais longo, inicie escrevendo-o abaixo ou
termine em folha à parte que você pode grampear ao livro para não perdê-la
(BRASIL, 2008b, p. 93-95).
Nessa atividade, acerca da continuação da história lida, encontramos pontos positivos,
porque o TP6 sugere que o professor faça uma leitura do texto ―Na terra do frevo‖, com uma
compreensão ativa responsiva, pois, em seguida, ele deverá se colocar como autor de sua
escrita, imprimindo sua voz. Isso implica, necessariamente, a mobilização de conhecimentos
vários adquiridos no dia-a-dia, na interação social. Aqui, podemos notar também um trabalho
sobre planejamento e estratégia de escrita, tendo em vista as diversas maneiras de se planejar
um texto: resumo das ideias principais; anotações de frases isoladas, soltas; brainstorming;
escrita em bloco de anotação; escrita de palavras-chave, ordenação, comparação, corte e
adição de ideias etc. Nessa tarefa, o TP indica claramente a estratégia a ser utilizada
(brainstorming) e fornece vários caminhos ao professor para um melhor planejamento, para
uma monitoração do processo de produção de texto.
Apesar de tudo, observamos que as orientações fornecidas para a produção são
trazidas superficialmente, de modo que um escritor pouco experiente poderá ter dificuldade
em entender a proposta, no que se refere aos parâmetros da situação comunicativa e ao
objetivo real da escrita. Nesse caso, seria importante a transparência na solicitação.
Haja vista que a história de ficção exige muita criatividade e imaginação do produtor,
acreditamos que, nessa tarefa, além de indicar o contexto de produção e de circulação, o
material de formação poderia ter enfatizado mais o processo de interlocução discursiva, bem
134
como ter chamado a atenção do professor no tocante à conservação do sentido do texto. Para
defender esse ponto de vista, recorremos às palavras de Costa Val (2003), ao salientar que a
realização adequada de uma produção textual envolvendo a continuação de história lida
―requer atenção deliberada da construção da coerência semântica, composicional e estilística
com o texto original, tomando como pressuposto a manutenção do mesmo público leitor, do
mesmo suporte e do mesmo contexto de circulação‖ (idem, p. 143).
Em relação às capacidades de linguagem necessárias à produção textual, buscamos
depreender os saberes explorados nesse ensino-aprendizagem de escrita, tendo em vista que,
segundo Dolz e Schneuwly (2004), num trabalho de escrita, o aluno/professor-cursista tem a
oportunidade de desenvolvê-las. Nessa proposta, percebemos o favorecimento de algumas
delas, porém, de modo não muito claro. Percebemos que alguns dos elementos próprios para o
desenvolvimento das capacidades de ação são apresentados, como a orientação sobre locutor
(narrador é o personagem) do texto e sobre o gênero (narrativa ficcional); embora não
explore suas características, ao menos as indica. Na capacidade de ação, observamos, ainda, a
indicação, superficial, do contexto de produção, que permite prever o lugar onde o texto do
aluno será construído (Esta é uma parte de um capítulo do livro), e o conteúdo a ser
trabalhado (o personagem ganha, de seu pai, uma passagem para Olinda, por ter passado no
vestibular).
A partir das informações apresentadas pelo Caderno TP6, depreendemos a
mobilização da capacidade discursiva, a saber, o plano do texto. No momento em que é
apresentado o gênero (narrativa ficcional24
), fica subentendido em qual sequência tipológica
se organizará o texto (sequência narrativa).
Desse modo, nesse trabalho de escrita, é apontado não só o gênero a ser trabalhado
como também se define o possível escritor/locutor do texto, o que, de fato, é muito importante
e necessário. Mas e o interlocutor? Este não é contemplado de modo claro. Na verdade,
podemos até deduzir que o interlocutor seja o leitor de tal livro. Entretanto, o TP não traz esse
aspecto claro para o produtor de texto, o que certamente limita as possibilidades para a
realização efetiva da proposta. O material não indica o outro elemento, não menos importante
no processo, da capacidade discursiva (elaboração do conteúdo), nem os da capacidade
24
A ―narrativa ficcional‖ pode ser considerada como um gênero, se levarmos em conta as ideias de Dolz e
Schneuwly (2004, p. 51), quando propõem o agrupamento dos gêneros, no que se refere ao domínio social de
comunicação (cultura literária ficcional), ao aspecto tipológico (narrar), às capacidades de linguagem dominantes
(mimesis da ação através da criação da intriga no domínio do verossímil), tendo como exemplos de gêneros orais
e escritos: narrativa de aventura, narrativa de ficção científica etc.
135
linguístico-discursiva (operação de textualização, escolha lexical e tomada de posição
enunciativa), realizando, assim, um trabalho restrito.
Esse trabalho de escrita proposto pelo TP6, na Unidade 22, parece estar embasado
numa perspectiva transmissiva, isto é, aquela em que se transmitem alguns elementos
envolvidos na construção de um determinado gênero, mas nem todas as capacidades de
linguagem necessárias para sua apropriação são mostradas (BARROS-MENDES, 2005).
Partindo do pressuposto de que ―escrever é se apropriar de um conjunto de
capacidades linguísticas e psicológicas com o objetivo de transmitir significado a um leitor,
de forma adequada‖ (COSTA, 2000, p. 68), compreendemos que, independentemente de ser
para o professor participante, um projeto de escrita precisar ter um significado real, um
contexto de produção, circulação e recepção claro, um objetivo, que o motive a escrever. São
esses elementos que lhe permitirão se apropriar dos instrumentos essenciais ao
desenvolvimento de suas capacidades de escrita. Sem isso, certamente, qualquer atividade
acaba caindo no vazio, transformando-se num mero objeto de ensino.
Com certeza, tal proposta poderia ser bem mais proveitosa se o TP6 atentasse para a
mobilização real e clara de todas as capacidades de linguagem requeridas nesse gênero, pois,
à medida que os professores as desenvolvem, estão consequentemente se armando de saberes
vários, tanto para ensinar seu aluno na sala de aula como para uma prática mais participativa
na sociedade em que vive.
A respeito do trabalho enunciativo com a linguagem, as lacunas recorrentes na
proposta evidenciam que o conceito de gênero discursivo, embora tenha sido, em algum
momento, assumido pelo material, não se configura nas atividades, de modo efetivo, pois,
percebemos que em cada exercício é priorizado um aspecto, uma parte do gênero,
desconsiderando-o, na maioria das vezes, como um conjunto indissociável — conteúdo
temático, estilo forma composicional. Isso nos faz pensar que o conceito de gênero textual
que perpassa o material seja uma abordagem mais voltada para os aspectos tipológicos em
detrimento das condições de produção.
Na seção seguinte, analisamos a terceira e última seção do Caderno TP6.
4.2.2 Seção III – A escrita
A seção III, intitulada ―A escrita”, apresenta como objetivo principal o
desenvolvimento de ―atividades de planejamento e escrita, considerando a construção e a
revisão textual‖ (BRASIL, 2008b, p. 102).
136
Na sequência, a atividade de número cinco dedica-se às questões sobre a prática
pedagógica do professor e seu processo de escrita. Tais questões são acompanhadas de textos
que abordam o processo de planejamento e revisão e a importância de se refletir sobre o
processo de escrita do professor e do aluno.
a) Faça um exercício para lembrar o que ocorreu durante a escrita do texto
da atividade 4. Houve planejamento durante a escrita? Houve revisão,
durante a escrita? Descreva lembranças sobre o que ocorreu.
b) Observe seus alunos durante a escrita de um texto. O que seus
movimentos, olhares, silêncios, sussurros e perguntas lhe dizem sobre seus
processos de escrita?
(BRASIL, 2008b, p. 102).
(BRASIL, 2008b, p. 102-103).
Em relação ao planejamento, o TP reitera o que vem dizendo nas seções anteriores:
que podemos trabalhá-lo de várias maneiras, utilizando diversas estratégias, que durante a
escrita esse processo é diferente, pois requer objetivos claros etc. Em relação à revisão, o
material elucida que tal processo ocorre de forma superficial, sobretudo, quando voltamos
137
para corrigir uma ideia ou um problema de coesão. Lembra ainda o professor da importância
de chamar a atenção do aluno para essas possibilidades e de criar oportunidade para o
estabelecimento de diálogos dos autores com seu próprio texto e com o texto do colega.
Após essas orientações teóricas, o TP6 fornece a atividade de número seis, com o
seguinte encaminhamento:
a) Considere a sua experiência pessoal com a escrita de diferentes textos.
Como você escreve e que estratégias usa para iniciar, desenvolver e finalizar
os seguintes textos:
a1) Uma carta:
a2) Um relatório para a escola:
a3) Uma prova de português
(BRASIL, 2008b, p. 103).
Perguntamo-nos: Qual o objetivo desse exercício? Que capacidades se pretendem
mobilizar? Não ficam claros. Os dados dessa questão nos levam a pensar que, talvez a
proposta seja apenas uma forma de fazer referência às atuais orientações para o ensino, sem
maiores consequências.
Essa atividade acaba gerando certa expectativa, porque podemos imaginar que, depois
de realizar tal tarefa, certamente, o professor receberá alguma orientação mais concreta sobre
o modo de esquematizar e de escrever tais gêneros. Mas não é o que ocorre. Ou, talvez, em
algum outro TP o professor-cursista já tenha sido orientado para tais construções; nesse caso,
o material deveria, no mínimo, lembrá-lo disso, trazendo alguma referência. Sabemos que tal
escrita se configura com um desafio para o produtor, porque ele deve dialogar com outros
discursos, replicando-os. Isso requer obviamente a mobilização das capacidades de linguagem
envolvidas no processo. Embasados na visão bakhtiniana, entendemos que toda produção
textual, como um ato interlocutivo, implica sempre uma compreensão responsiva ativa e
criadora para a construção dos sentidos de um texto.
Em seguida, o TP6 fornece mais um pequeno texto tratando da necessidade de o
educador refletir sobre seu processo de escrita, para mais tarde discutir também o processo do
aprendiz. Destaca a possibilidade de se ensinar ao aluno algumas estratégias durante a escrita,
como, por exemplo, a de deixar espaços em branco para depois ir ao dicionário consultar o
termo mais adequando.
138
(BRASIL, 2008b, p. 104).
Em seguida, após essas orientações, o Caderno TP6 apresenta as seguintes questões:
a) Como foi (e é) o desenvolvimento de sua competência escrita? Como
você faz para escrever melhor?
b) Como você acha que os seus alunos desenvolvem e desenvolverão a
escrita? O que pode fazer para melhorar esse desempenho?
(BRASIL, 2008b, p, 104).
Embaixo de tal encaminhamento, o material traz mais orientação para o professor-
cursista, lembrando-o de que, a cada nova situação comunicativa, a escrita se torna um
desafio; por isso, é desenvolvida a partir de avanços e retrocessos. No intuito de norteá-lo
ainda, no processo, o Caderno lhe fornece algumas sugestões, elaboradas por Calkins (2003).
• O que eu disse até agora? O que estou tentando dizer?
• Será que eu gosto do que escrevi? O que é tão bom aqui, que eu possa
entender? O que não é bom que eu possa arrumar?
• Como meu texto soa? Como parece?
• O que meu leitor ou leitora pensará, quando ler isto? Que indagações
poderão fazer? O que observarão? Sentirão? Pensarão?
• E o que farei a seguir?
(CALKINS, 2003 apud BRASIL, 2008b, p. 104-105)
A nosso ver, as orientações teórico-metodológicas supracitadas revelam,
primordialmente, uma preocupação por parte do TP em capacitar o professor, e
posteriormente seu aluno, para que produza textos coesos e coerentes, porque podemos
observar aqui algumas ―dicas‖ mais concretas, que contribuem, de fato, no direcionamento,
tanto do professor como do aluno, acerca do processo de planejamento, releitura e reescrita de
textos vários. Nessas dicas, percebe-se um tom voltado para a discursividade. Entretanto, na
139
prática, isto é, nas propostas, o material não apresenta suporte necessário para tal. Isso com
certeza ajudaria em muito no processo de escritura de um texto. Assim, os professores, bem
como os alunos, poderiam tornar-se autores ativos de suas produções.
Em relação às dicas acima oferecidas pelo TP, sem dúvida, tais procedimentos e
estratégias utilizados pelo produtor de texto de maneira consciente lhe permitem controlar e
assumir a sua própria aprendizagem. Mas ressaltamos que tudo isso só terá significado
concreto se acompanhado de um projeto definido de escrita, ou melhor, se o escritor tiver
clareza quanto ao seu papel de locutor, do interlocutor, enfim, das condições de produção do
texto. Como bem destaca Morles (2000 apud MENEGASSI, 2005, p. 02) [ênfase adicionada],
rascunhar uma frase, ou um parágrafo, para melhorar o texto é uma
experiência suficientemente conhecida por todos; no entanto, é possível que
a muitos não tenha ocorrido pensar que não poderiam realizar a operação de
escrever/revisar/reescrever se não tiverem desenvolvida, de alguma maneira,
a operacionalização da metaescrita25
; isto é, se o aluno não tiver
desenvolvida a capacidade consciente de que seu texto não está adequado às
condições de produção.
Na seção seguinte, analisamos as sugestões de propostas de produção textual desta
Unidade 22 direcionadas ao aluno.
4.3 Atividades direcionadas ao aluno
No primeiro momento, apresentamos a análise da Unidade 22 do TP6, referente aos
pressupostos teórico-metodológicos que embasam a prática pedagógica do professor de
Língua Portuguesa para o ensino de escrita e referente ao diálogo existente entre orientações
teóricas do Guia Geral e as do TP6 para tal ensino. Buscamos identificar as capacidades de
linguagem que são mobilizadas nas propostas de ensino-aprendizagem da escrita direcionadas
ao professor-cursista.
Nesse segundo momento, apresentamos a análise das respectivas propostas de
produção textual direcionadas ao aluno, no intuito de comparar tais atividades aos
pressupostos metodológicos apresentados no TP6 para o professor. Verificando como foi
conduzido o encaminhamento didático para o aluno, buscamos reconhecer as capacidades
mobilizadas para a prática da escrita. Posteriormente, faremos um levantamento procurando
25
Metaescrita é a utilização consciente de estratégias de produção textual (MENEGASSI, 2005, p. 02).
140
confirmar se as mesmas capacidades apresentadas nas propostas de produção do professor
foram também mobilizadas nas atividades do aluno.
4.3.1 Seção I – O planejamento
Na Unidade 22 do TP626
, após apresentar algumas orientações teórico-metodológicas
para o professor-cursista e propor-lhe algumas atividades preparatórias (de reflexão, de
planejamento e de escrita), o material, certamente supondo que o participante já esteja pronto
para o ensino-aprendizagem, apresenta, então, algumas sugestões de exercícios para serem
aplicados com seus alunos na prática de sala de aula. Sendo assim, a primeira proposta de
atividade destinada ao aprendiz é apresentada no ícone Avançando na prática, localizado na
Seção I ―O planejamento‖. Conforme dissemos, esse ícone corresponde ao momento em que o
professor é convidado a aplicar em sala o que estudou anteriormente, na Unidade. Aqui, é
sugerida aos alunos uma atividade de escrita antecedida por uma atividade de planejamento,
conforme segue:
26
É preciso relembrar que cada uma das Seções que compõe a Unidade 22 possui a mesma estrutura, no que diz
respeito à organização dos ícones: atividades, indo à sala de aula, avançando na prática, importante,
recordando e resumindo.
141
(BRASIL, 2008b, p. 91-92).
Depois de trazer essas instruções, o TP6 sugere ao educador que, ao avaliar o texto do
aluno, focalize a construção da coerência e da coesão textual. Em termos bem gerais, o
Caderno orienta o professor também para a questão da revisão:
Ao avaliar os textos, focalize na construção da coerência e coesão textuais,
de acordo com o que foi trabalhado em sala. No retorno dos textos aos
alunos, explique como revisar e dê sugestões concretas para a revisão.
Deixe-os tomar as decisões quanto à reformulação; o texto é deles, portanto,
espere que eles respondam antes de intervir novamente. Lembre-se: eles
estão construindo o conhecimento e cabe a você lidar com os diferentes
textos produzidos. Os alunos estarão experimentando escrever de formas
diferentes daquelas a que estavam acostumados. A introdução de novas
práticas de ensinar gera novas formas de aprender e de avaliar.
(BRASIL, 2008b, p. 92) [ênfase adicionada].
Na proposta de produção textual, podemos destacar, mais uma vez, aspectos
significativos acerca do planejamento, da organização das ideias no texto. Além de ressaltar,
como ponto positivo, a possibilidade de se incluir no texto mais de uma sequência
composicional (narrativa e dissertativa), já que isso é característica comum das nossas
interações sociais reais, que são intermediadas pelos gêneros discursivos.
Essa possibilidade de justapor duas, ou mais, sequências pode contribuir efetivamente
para a autonomia do aluno no processo de escrita, fornecendo-lhe maior liberdade criativa
para a produção de textos em gêneros, conforme nos lembra Silva (2009). Isso equivale a
dizer que, nesse tipo de produção escrita, ―diferentes tipologias ou sequências textuais se
mesclarão, aproximando mais a produção escolar dos inúmeros gêneros que circulam fora
desse espaço de formação, contribuindo, portanto, para um letramento mais amplo‖ (idem, p.
152).
142
No entanto, apesar dos fatores positivos da sugestão de escrita, parece que o material
fornecido pelo GESTAR II não está (tão) preocupado em trazer uma proposta fundamentada
de fato na perspectiva atual de ensino, já que não menciona, por exemplo, os parâmetros da
situação comunicativa, desconsiderando que toda a escrita se constitui no interior de um
gênero discursivo, conforme sugerem os PCNLP: ―ao produzir um texto, o autor precisa
coordenar uma série de aspectos: o que dizer, a quem dizer, como dizer‖ (BRASIL, 1998, 75),
pois são esses elementos que lhe permitirão construir um texto dotado de significado. Ora, a
ausência da indicação do gênero tem um reflexo concreto na percepção do interlocutor
presumido, consequentemente, nas estratégias discursivas a serem adotadas (MARCUSCHI;
CAVALCANTE, 2005).
Em relação ao tratamento dispensado ao trabalho com os gêneros, percebemos, nas
orientações do TP, uma mistura de abordagem, ora um olhar discursivo (pensando no outro,
no interlocutor, conforme as dicas supramencionadas), ora textual (focado na tipologia), em
virtude do formato das atividades. Nesta última atividade, parece que a proposta está presa a
uma concepção mais textual, tendo em vista que as orientações levam os alunos a seguir
determinadas estruturas, conforme as orientações 3 e 4 acima. Parece que tal escrita não é
pensada a partir das esferas de atividade humana, das condições de produção, circulação e
recepção, aspectos constitutivos do gênero discursivo.
No que diz respeito ao processo de planejamento enfatizado pelo TP, vale trazer, mais
uma vez, a voz de Menegassi (2005), que elucida a necessidade da produção textual estar
envolvida em tal procedimento. Nesse processo, o aluno tem a possibilidade de executar a
releitura, a revisão e a reescrita do texto, o que, de fato, é muito importante. A prática de
revisão e reescrita, por exemplo, tende a despertar no escritor a consciência de que as
mudanças na escrita não se dão apenas no aspecto superficial, linguístico, mas também na sua
estrutura interna e discursiva. Para tanto, as condições de produção do texto precisam estar
claramente descritas e delineadas.
Diante disso, inferimos que a orientação do TP6, para a proposta de escrita
supracitada, segue o enfoque da tipologia clássica da narração, que dentro do contexto das
discussões atuais, representa simples característica estrutural de sequência de texto. Esse
formato de tarefa leva o aluno a elaborar ―redação escolar‖, a qual se configura como um
simples exercício de escrita, mecânica e vazia de significação, como já têm apontado diversos
autores (COSTA VAL, 2003; MARCUSCHI, CAVALCANTE, 2005; REINALDO, 2005,
SILVA, 2009).
143
Também não encontramos nessa atividade nenhum propósito interacional, que
pudesse, efetivamente, ter algum significado para o aluno, como propõe o Caderno, ao longo
da Unidade, e como também veicula no Guia Geral (BRASIL, 2008a). Este último enfatiza
que a escrita, como atividade de linguagem, não se realiza no vazio, de modo isolado, mas em
processos reais de comunicação, e que a competência discursiva é adquirida pelo aluno,
sobretudo, nas ―atividades de produção de textos inseridas em situações lingüisticamente
significativas, nas quais é considerada a dimensão discursivo-pragmática da linguagem‖
(idem, p. 69).
A ausência desse propósito, nessa atividade de produção textual sugerida pelo TP, não
condiz com o enfoque enunciativo-discursivo das diretrizes oficiais, que sugerem que a
produção textual seja concebida como uma atividade que requer, de fato, a participação do
outro, de modo significativo, como um processo interlocutivo, realizado nas práticas sociais,
já que interagir pela linguagem significa dizer alguma coisa a alguém, de uma determinada
forma, num contexto histórico e em determinadas circunstâncias de interlocução, segundo as
diretrizes curriculares. Sendo assim, nesse aspecto (interlocutivo), mesmo havendo um
diálogo entre os pressupostos teóricos do Guia Geral (BRASIL, 2008a) e as orientações do
material, os mesmos parecem não atender às sugestões dos documentos oficiais.
Em relação às capacidades de linguagem necessárias para o domínio da escrita de
textos em gêneros discursivos, constatamos que essa proposta de produção textual apresenta,
de modo indireto e generalizado, algumas delas. Observa-se que, para desenvolver as
capacidades de ação, é apresentado apenas um elemento: o conteúdo (experiência
inesquecível), deixando-se de lado outros, não menos importantes: definição clara sobre o
gênero, orientação sobre os possíveis locutores, contexto de produção em que o gênero será
construído e finalidade da escrita.
A capacidade discursiva pode ser depreendida a partir da dimensão acerca do plano do
texto, em que se orienta o aluno a narrar, defendendo um ponto de vista. Sob tal lógica,
podemos inferir que o texto será feito a partir de duas sequência (narração e dissertação-
argumentativa).
Nessa atividade, a orientação para as capacidades linguístico-discursivas não é
claramente abordada, apenas tangenciada. Por exemplo, quando o TP6 orienta o aluno para a
defesa de um ponto de vista, infere-se aí a tomada de posição enunciativa (ponto de vista
enunciativo), que pode ser depreendida pelo encaminhamento do aluno para apreciações
valorativas (como você se sentiu e por que o evento é inesquecível).
144
Entendemos tal proposta de escrita como um bom momento para se desenvolver no
aprendiz as capacidades de linguagem. Na capacidade linguístico-discursiva, que auxilia a
construção do estilo do gênero, por exemplo, ao fazer o encaminhamento para o aluno sobre a
defesa de um ponto de vista, o Caderno TP6 poderia ressaltar a operação de textualização
(coesão), uma vez que, para o escritor defender seu ponto de vista, obviamente, recorrerá ao
uso de conectivos de justificação, de explicação, tais como pois e porque. Esses aspectos
poderiam ser enfatizados com mais clareza. A capacidade linguístico-discursiva poderia ser
ainda mobilizada, mais efetivamente, no momento em que se orienta o aluno para a utilização
de recursos na introdução do texto (Para defender a importância do evento, explique que
precisam iniciar a parte tentando chamar a atenção do leitor...); aqui caberia lembrar-lhe que
esse é um aspecto necessariamente ligado à textualidade.
Nesta atividade, constatamos que não houve, por parte do material, preocupação em
apresentar de modo claro as dimensões das variadas capacidades de escrita, visto que
nenhuma delas foi abordada completamente. Sua orientação certamente não fornece subsídios
efetivos para que o aluno se aproprie dessas capacidades, deixando transparecer que esse não
é um dos seus objetivos, o que, sem dúvida, traz sérias consequências para o ensino-
aprendizagem de texto.
Destacamos, novamente, na proposta de escrita do Avançando na prática, como ponto
importante, a orientação trazida pelo Caderno, na Unidade 22, no tocante aos recursos que
poderão ser utilizados pelos alunos para chamar a atenção do leitor. Porém, mais do que isso,
esse poderia ser um momento oportuno para se destacar, de modo esclarecedor, tanto para o
professor quanto para o aluno, os aspectos relevantes que fazem parte da coerência textual.
Poderia abordar essa questão, dizendo que a coerência se dá — também — pela combinação
de elementos inesperados, os quais podem criar humor, suspense e ironia, explorando mais
essa construção do texto. Ou, tratar da questão linguística, do estilo que pode ser individual ou
do gênero.
Nesse sentido, ao trazer uma pequena observação ao professor para focalizar a
coerência somente no momento avaliativo do texto do aluno, o TP6 deixa de dar um cuidado
especial ao assunto, não o trabalhando de modo sistemático, sendo que uma orientação mais
reflexiva poderia contribuir para a construção da textualidade como também para
compreensão dos sentidos pretendidos ao usar determinado recurso linguístico em um dado
gênero. Além disso, tal proposta deixa de orientar o aprendiz no sentido da informatividade, a
qual diz respeito ao grau de expectabilidade da informação contida no texto, concebida como
um fator que interfere na construção da coerência, conforme ressaltam Koch e Travaglia
145
(2006, p. 86). Aliás, toda informação, inesperada ou imprevisível (conforme a proposta:
trecho engraçado, declaração inquietante, contrária a que será defendida), tem seu grau
máximo de informatividade. É certo que à primeira vista tal informação pareça até incoerente,
pois exige do interlocutor um grande esforço de interpretação. Mas, reiterando, essa
informação está relacionada a um dos aspectos relevantes na construção de um texto,
sobretudo, com seu propósito comunicativo-discursivo.
Portanto, aqui vale retomar algumas questões acerca do ensino de LP, pois sabemos
que seu enfoque atual, representado nos PCNLP (BRASIL, 1998), mostra a importância da
produção escrita na escola. Tal enfoque, diga-se de passagem promissor, permite que se
coloque em prática importantes conhecimentos advindos de perspectivas outras, inclusive, da
Linguística Textual, a qual desenvolve o estudo de coesão e coerência. Todavia,
compreendemos, junto com Lopes-Rossi (2003), que esse estudo precisa ser contextualizado,
em um trabalho de base enunciativo-discursiva, considerando, obviamente, os aspectos
sociohistóricos e culturais das produções de linguagem, o que não se vê, também, nessa
última proposta de escrita.
Ainda sobre esse momento em que o TP6 orienta o aluno a chamar a atenção do leitor
(com uma declaração engraçada etc.), compreendemos que esse se configura como uma boa
oportunidade de esclarecimento sobre a definição do tom (irônico, cômico, ilógico) do texto,
pois tal definição se dá em função das características do seu interlocutor. Sem dúvida, nessa
atividade, a escrita do aluno teria mais significado se incluísse alguma reflexão sobre o leitor
do seu texto, porque uma demarcação clara desse interlocutor lhe permitiria a construção de
uma imagem adequada de leitor para sua escrita, em um processo dialógico, além de
oportunizar sua compreensão acerca dos recursos linguístico-discursivos a serem usados na
produção. Para fundamentar essas ideias, trazemos novamente a voz de Bakhtin (2003[1952-
1953]), quando defende que as escolhas de todos os recursos linguísticos, textuais, não são
feitas de maneira aleatória, mas sob influência do destinatário.
Vale destacar, mais uma vez, que a abordagem de ensino das diretrizes curriculares
visa à contemplação da linguagem revestida de sua função social e sugere que a produção
escrita se dê num processo de planejamento, de reelaboração e, sobretudo, de circulação do
texto (CARVALHO, 2008). Dessa maneira, essa proposta de escrita do Avançando na prática
pode ser considerada ―vazia‖, desprovida de interlocutores, sem funcionalidade social, sem
uma finalidade específica e desvinculada de um contexto de circulação real. Compreendemos
que, mesmo enfatizando o planejamento e a organização das ideias, esses outros aspectos
146
enunciativo-discursivos de modo algum podem ser relegados a segundo plano, sob o risco de
se negar ao aluno o seu desenvolvimento enquanto cidadão, objetivo principal de ensino hoje.
É valido ressaltar também que essa atividade destinada ao aluno se assemelha bastante
àquelas últimas destinadas ao professor; parece apresentar as mesmas falhas: não é
mencionada a produção a partir de um gênero discursivo, sequer se especifica qual o objetivo
da atividade de escrita, muito menos se enfatiza o desenvolvimento das capacidades de
linguagem do professor ou do aluno, tratando-as eventualmente. Sendo assim, essa atividade
de ensino-aprendizagem de escrita, proposta pelo TP6, parece embasada numa abordagem
puramente representacional, balizada por sequências estereotipadas, produtos culturais da
escola que não têm função comunicativa real, servindo apenas para a reprodução de modelos,
conforme enfatizam os estudiosos de Genebra, Dolz e Schneuwly (2004).
Acreditamos que um material didático-pedagógico que se propõe a ―seguir‖
determinadas orientações e pressupostos, deve atentar para não incorrer em generalizações,
pois, segundo Reinaldo (2005), a representação da sequência como se fossem gêneros é
responsável pelo surgimento de um gênero específico, de existência restrita ao âmbito da
escola — a redação escolar — desvinculada das práticas sociais de linguagem.
A nosso ver, o ensino de escrita por meio do aspecto discursivo — abordando o
gênero, a esfera, as condições de produção, circulação e recepção — parece ser a forma mais
adequada para ensinar o aluno a compreender a função social da linguagem na sua dimensão
comunicativa. Sem dúvida, essa questão enunciativa
[...] é muito mais importante e constitutivo do gênero discursivo, segundo
Bakhtin, que as sequências de um texto, das quais as várias tipologias
textuais dão conta, não tocando, entretanto, em esfera de atividades ou
modos de circulação, o que descaracteriza a perspectiva sócio-histórica de
gênero discursivo (BRAIT, 2000, p. 20) [grifo da autora].
Defendemos que essa atividade poderia ser mais rica se incluísse a indicação do
gênero a ser trabalhado, vinculado a uma situação próxima da realidade, dotada de significado
para o aluno, com o intuito de melhor dominá-las como realmente são, pois, à medida que o
TP6 não propicia a esse aprendiz momentos reais de interlocução, de uso público da
linguagem, deixa de promover seu letramento, sua condição como ser humano ativo e
consciente com capacidade de intervenção na sua própria realidade.
Retomando a proposta de escrita apresentada pelo material, quanto ao
encaminhamento para a revisão do texto do aluno, o TP orienta o professor a explicar ao
aprendiz como revisar a escrita, dando-lhe sugestões concretas para isso. Podemos ver que,
147
embora remeta ao assunto, o Caderno não apresenta um parâmetro concreto para esse
procedimento. Não indica nenhum instrumento, nem critério que ajude o aluno a revisar seu
próprio texto, e que direcione o professor para tal atividade, limitando a orientação. Essa
limitação está no fato de que, em virtude de a tradição escolar centrar-se na frase, no ensino
puramente gramatical, na correção, a revisão tende a restringir-se apenas à higienização da
escrita.
Com certeza, o trabalho de revisão e reescrita de texto constitui-se em aspecto
fundamental, porque o aprendiz tem a oportunidade de compreender o ato de escrever como
um processo de monitoração que envolve várias revisões e versões do seu texto. Entretanto,
tais revisões só serão produtivas para o aluno/escritor se esse tiver orientação precisa e
parâmetros claros. Nessa tarefa de revisão, imaginamos ainda outra dificuldade do aluno, pois
em tal processo um dos primeiros aspectos a ser considerado é o leitor do texto. De fato, sua
escrita precisa ser ajustada de acordo com seu interlocutor presumido. O escritor, diante do
texto criado, deve se colocar na posição dos leitor, avaliando se o que foi escrito está
compreensivo, ou seja, ―é nessa hora que o aluno se coloca no lugar de leitor, distanciando-se
do texto e tendo mais condições de enxergar fragilidades no que foi produzido‖ (COÊLHO,
2009, p. 14).
Enfim, essa etapa de revisão e rescrita pressupõe que os alunos tenham critérios de
avaliação bem definidos e saibam o que querem dizer, para quem dizem e como dizem. Sem
esses elementos é difícil revisar e reescrever um texto, efetivamente.
A seguir, analisamos a segunda seção do caderno TP6, no que se refere às sugestões de
atividades de produção escrita direcionadas ao aluno.
4.3.2 Seção II – O planejamento: estratégias
Na Seção II, intitulada ―O planejamento: estratégias”, analisamos as sugestões de
propostas de produção textual destinadas ao aluno.
Indo à sala de aula é um ícone que também traz proposta de exercícios para o aluno.
Nesse ícone, são sugeridas atividades que se referem à aplicação do conteúdo estudado em
sala, além de lembrar posturas importantes para o educador. Nesse momento, o material
sugere uma atividade de escrita coletiva, em que o professor escreverá o início do texto,
deixando apenas alguns conectivos, e depois os alunos o preencherão coerentemente. Segue a
proposta:
148
(BRASIL, 2008b, p. 96-97).
Esse tipo de trabalho está de acordo com os pressupostos dos PCNLP (BRASIL, 1998)
que destacam a importância da interação social. Por essa razão, consideramos que tal
exercício é relevante, ainda mais se acompanhado de verdadeiras reflexões, não só sobre a
149
linguagem como também sobre as questões da vida social, como saúde, meio ambiente,
política etc. Além disso, tal atividade oportuniza, de fato, a participação de todos os alunos,
promove o trabalho em equipe, tornando-o mais motivante do que um trabalho individual e
competitivo.
Uma tarefa tal como esta acaba descentralizando, inclusive, as ações no momento de
aprendizagem, pois o professor não ―entrega‖ ao aluno o conhecimento pronto, mas provoca
nele o desejo de busca. Nesse exercício, todos têm a oportunidade de construir juntos os
efeitos de sentido do texto a ser produzido. Sem dúvida, uma rica interação em sala, entre
docentes e discentes, ―é uma excelente estratégia de construção do conhecimento, pois
permite a troca de informações, o confronto de opiniões, a negociação dos sentidos, a
avaliação dos processos pedagógicos em que estão envolvidos‖ (BRASIL, 1998, p. 24).
Dessa maneira, encontramos aqui um importante diálogo entre os pressupostos
teóricos do Guia Geral e a proposta do TP6, no que se refere ao papel do educador na sala de
aula. Para esse Guia, a função do professor consiste, sobretudo, em ―mediar a criação de
situações mais diversas de interação de seus alunos e de estimular os processos de elaboração
e reflexão sobre os diversos usos da linguagem nas diferentes situações sócio-comunicativas‖
(BRASIL, 2008a, p. 34).
Acreditamos que o espaço interacional é um lugar ideal de construção de
conhecimento bem como de formação do sujeito, visto que ―a verdadeira substância da língua
não é constituída [...] pela enunciação monológica isolada [...], mas pelo fenômeno social da
interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações‖
(BAKHTIN/VOLOCHINOV (2004[1929], p. 123). Nesse sentido, é possível dizer que essa
atividade de escrita coletiva, proposta pelo material, permitirá a alternância efetiva dos
indivíduos no diálogo, oportunizando-lhes a palavra. Além do mais, possibilitará a
constituição mútua dos participantes da comunicação, visto que é aqui que o discurso do eu
penetra e/ou transforma o discurso do outro, através dos variados enunciados.
Pela natureza dialógica da tarefa, exigir-se-á dos alunos — que não são fantoches, mas
sujeitos pensantes, responsáveis — uma atitude responsiva ativa, porque a compreensão de
um discurso falado ou escrito, de um diálogo vivo, implica uma responsividade. Haja vista
que toda compreensão é prenhe de resposta, conforme o pensamento bakhtiniano,
compreendemos, então, que é na interação que o aluno se torna um sujeito responsivo.
Em relação a essa escrita coletiva, Geraldi (2010, p. 182) ainda enfatiza:
150
O professor se faz, na mediação pedagógica, co-autor dos textos dos alunos.
Escrever não é uma tarefa fácil e certamente o fazer juntos é um caminho
que permite construir autonomia de ambos: do aluno e do professor, que
também ele é chamado a escrever seus próprios textos, deixando de ser
somente um agente de conservação de herança cultural, deixando nestas as
marcas de seu tempo e de sua história.
Todavia, defendemos que uma atividade tal como esta necessita, indubitavelmente, ter
um objetivo de escrita bem delimitado, o que não foi percebido nessa proposta. Dizemos isso,
pois a produção textual requer, além de estudo, dedicação, leitura e pesquisa, adesão dos
alunos, os quais exercem papel indispensável e precisam, a todo momento, saber quais são os
objetivos que devem atingir, o que deles está sendo esperado, pois assim podem construir sua
aprendizagem (JESUS; PETRONI, 2008, p. 89). Ou, como diz Geraldi (2010, p. 173, grifo
nosso), ―se efetivamente levarmos em conta a teoria de gênero discursivo que hoje
fundamenta o ensino de língua materna, precisaremos ter clareza sobre os objetivos — os
propósitos — que estarão por traz da proposta de produção textual.‖
Afinal,
é através dessas atividades [de produção escrita] que o aluno construirá o
conhecimento para distinguir as características relativamente estáveis
(Bakhtin,1952-53/1979) de um, dentre os diversos gêneros que circulam na
vida social; que tomará para si a compreensão de que alguns gêneros têm
características muito semelhantes e se interpenetram nos usos refletidos nas
práticas de textos orais e escritos que a vida exige (BARROS-MENDES,
2005, p. 159).
Além de um objetivo claro, compreendemos que tal atividade necessita também de
reflexões sobre o processo dialógico do texto (gênero, interlocutores, esfera, finalidade etc.),
pois o conhecimento desses aspectos discursivos lhe permitirá entender melhor a forma de
organização característica do gênero em estudo, a saber, a escolha vocabular, os recursos
linguísticos, entre outros, esperados ou exigidos social e culturalmente naquele gênero.
Retomando o material de nossa análise, mais à frente, direcionada ao professor-
cursista, deparamo-nos com uma declaração, que, certamente, explica por que tais questões
envolvidas no processo dialógico não são levadas em conta nessa atividade de produção
escrita, considerada uma escrita despreocupada, conforme segue:
Lembre-se de que é importante alternar atividades relacionadas ao percurso
da produção textual, isto é, com o trabalho mais extenso com o texto, com a
escrita despreocupada de texto em sala, como essas que apresentamos nesta
seção (BRASIL, 2008b, p. 97) [ênfase adicionada].
151
Essa ―despreocupação‖ do TP6 parece não condizer com alguns pressupostos vistos ao
longo da Unidade sobre a produção textual:
A produção de um texto tem como ponto de partida, e de monitoração da
escrita, a definição dos elementos da situação sócio-comunicativa,
estabelecendo-se um objetivo de escrita e considerando-se leitores possíveis
[...] a função, o tema, o gênero, o nível de linguagem, o suporte (ou
portador) do texto (BRASIL, 2008b, p. 73) [ênfase adicionada].
Na sequência, ainda na Seção II, ―O planejamento: estratégias‖, encontramos o ícone
Avançando na prática, no qual se formula uma proposta de planejamento de escrita para o
aluno, provavelmente, tida como um trabalho mais extenso com o texto, conforme se
mencionou anteriormente. Segue a proposta de atividade:
152
(BRASIL, 2008b, p. 98).
Em relação às instruções que introduzem a proposta de produção de texto, podemos
depreender que o TP, ao caracterizar tal atividade com adjetivos negativos — cansativa,
longa, extensa — acaba construindo um efeito de sentido nada animador para a prática
docente. Além disso, é possível pensar que a própria introdução da proposta acaba
desmotivando o trabalho de produção escrita e, por mais que o material tente ―incentivar‖ tal
153
prática — mas pode ser muito interessante — parece haver pouca preocupação em estimular
de fato o professor.
Acreditamos que o TP6 poderia evidenciar, mais enfaticamente, os aspectos positivos
dessa atividade, a fim de levar o professor-cursista a pensar, realmente, numa nova prática,
criativa e diferenciada, embasada na atual perspectiva de ensino, que encara a produção de
textos como uma verdadeira interlocução, capaz de desenvolver no aluno sua capacidade
discursiva. Se não faz isso, acaba desvalorizando o tratamento enunciativo da linguagem na
aprendizagem, prezando, talvez, um ensino insignificante fixo e imutável, arraigado em
práticas repetitivas, que, geralmente, não demandam tanto tempo nem tanto trabalho, pois
dependem — mais — de ―decorebas‖ do que de um processo concreto, demorado, de
reflexão.
Dizemos isso, pois acreditamos que um trabalho como este foge da prática
descontextualizada das redações escolares e favorece o compromisso do aluno com sua
própria aprendizagem, contribuindo para seu engajamento nas tarefas, fato que pode ser
comprovado em diversas pesquisas realizadas27
. Além do mais, embora tenha um período
alongado, possui o tempo necessário para conquistar o objetivo, como se pode ler nos PCNLP
(BRASIL, 1998, p. 87):
Quando são de longa duração, [os projetos] têm a vantagem adicional de
permitir que os alunos se envolvam no planejamento das atividades,
aprendendo a controlar o tempo, dividir e redimensionar as tarefas, avaliar os
resultados em função do plano inicial [ênfase adicionada].
Por isso, é extremamente importante o professor compreender que um trabalho com os
gêneros discursivos requer tempo de pesquisa, já que envolve vários aspectos linguísticos,
enunciativo-discursivos. Segundo Paes de Barros (2008), esse tipo de atividade demanda
tempo para planejamento, escolha criteriosa dos textos, estudo sobre os gêneros, além de
requerer muitas aulas, dedicação, pois cada gênero traz em si muitas possibilidades de ensino.
Após as informações apresentadas no início, o material traz outras orientações
referentes à produção textual, composta por oito momentos. Apresentamos o primeiro
momento:
27
Sobre o resultado de pesquisas linguísticas acerca do ensino de escrita na sala de aula, consultar Petroni
(2008).
154
1-Você pode definir seu planejamento a partir das habilidades: Produzir um
texto informativo. Relacionar informações sobre o carnaval a partir da
utilização de diferentes textos verbais e não-verbais de reportagens.
Tema: carnaval, fantasias e máscaras Leitores: professor e alunos da sala;
Objetivo: escrever texto informativo sobre o uso de fantasias e máscaras no
carnaval
Função: referencial
Gênero: reportagem
Nível de linguagem: formal
Suporte: escrever como se fosse uma reportagem em revista semanal ou
jornal
Materiais: reportagens, imagens, textos sobre fantasias e máscaras retirados
da internet, por exemplo (acrescente outras)
(BRASIL, 2008b, p. 99, grifo da autora).
Esse primeiro momento, o TP traz sugestões importantes para a produção textual do
aluno, ou melhor, indica alguns parâmetros da situação comunicativa, tais como tema
(carnaval, fantasias e máscaras); leitores (professores e alunos da sala); objetivo (escrever
texto informativo sobre uso de fantasias e máscaras no carnaval); função (referencial);
gênero (reportagem); nível de linguagem (formal); suporte (como se fosse uma revista
semanal ou jornal).
Fazemos tal afirmação acerca do importante encaminhamento de escrita feito pelo
Caderno, considerando os documentos oficiais, ao defenderem que o escritor precisa ter claros
os parâmetros da situação comunicativa — o espaço, o tempo, os interlocutores e seu lugar
social, os objetivos, o gênero — e, concomitantemente, levando-se em conta as reações do
interlocutor, ajustando sua escrita no próprio momento de produção escrita.
Outro aspecto positivo dessa atividade é o gênero discursivo a ser trabalhado, a saber,
a reportagem, pertencente à esfera jornalística, pois esse é um gênero
[...] bastante apropriado a práticas de leitura em sala de aula se o professor
selecionar textos de publicações e temáticas adequadas à faixa etária e aos
interesses dos alunos. A iniciação do aluno à discussão sobre o discurso
jornalístico e sua forma de ação social, sem contar as informações que cada
texto apresenta, certamente contribui para a formação de cidadãos críticos
(LOPES-ROSSI, 2008, p. 60) [ênfase adicionada].
Defendemos também que um trabalho como esse, sugerido pelo TP6, deve ser
acompanhado de uma intervenção pedagógica consciente e orientada. Para tanto, cabe ao
docente explorar juntamente com seus alunos alguns aspectos relativos ao funcionamento do
gênero a ser trabalhado na sala de aula. Como bem afirma Paes de Barros (2008), é preciso
155
que o professor tenha um banco de textos do gênero a ser ensinado, observando atentamente
vários aspectos, tais como os interlocutores dos textos, seu lugar de produção e de circulação,
tendo em vista que muitos gêneros discursivos trazem consigo diferentes aspectos de estilo e
construção composicional em função dos diversos participantes.
Parece que, nesta proposta de exercício, o TP busca uma inter-relação entre todas as
atividades, divididas em oito momentos; certamente, numa tentativa de se aproximar da
perspectiva atual de ensino de LP em relação aos gêneros, o que consideramos importante,
haja vista que um trabalho com gêneros requer variados momentos não só de leituras como de
reflexões, de comparação, entre tantos outros.
Em relação às capacidades de linguagem implicadas na produção textual, essa
proposta é a que melhor as contempla, de modo mais claro, mobilizando alguns dos
mecanismos necessários para a escrita do gênero reportagem.
Nessa proposta, o TP6 não conceitua nem explora o gênero a ser produzido, mas
parece incumbir o educador de tal responsabilidade, certamente, no intuito de que professor e
aluno construam juntos o conhecimento das respectivas características, através de pesquisas e
leituras de textos. Aqui, é indicado somente em que gênero o texto deve ser produzido —
reportagem — explorando, parcialmente, as dimensões da capacidade de ação.
Ainda nessa capacidade de ação, apesar de informar sobre os interlocutores/leitores
(professor e alunos da sala), o material não caracteriza, de fato, o locutor. Além disso,
apresenta, em linhas gerais, a operação que diz respeito ao objetivo da escrita de tal gênero
(escrever texto informativo sobre o uso de fantasias e máscaras no carnaval), ou seja, fica
subentendido que o objetivo desse texto é de informar sobre tais questões. São também
fornecidos elementos que definem o conteúdo (tema: carnaval, fantasias e máscaras) e o
contexto de produção (o aluno deve escrever como se fosse uma reportagem em revista
semanal ou jornal).
A capacidade linguístico-discursiva pode ser depreendida quando o TP indica o nível
de linguagem (formal). Nesse momento, se contempla a dimensão da elaboração da escolha
lexical. Todavia, alguns elementos de ordem enunciativo-discursivos que auxiliam na
construção do estilo do gênero não foram indicados nesse trabalho, a saber, as operações de
textualização (coesão/coerência) e a tomada de posição enunciativa (ponto de vista
enunciativo).
Podemos afirmar que, nessa atividade, no primeiro momento, o Caderno TP6 remete,
mais uma vez, certamente, de modo mais claro, à função de linguagem, isto é, indica para o
aluno qual delas deve ser privilegiada no seu texto — função referencial. No entanto, vale
156
lembrar que essa instrução se enquadra, sobretudo, no enfoque da Teoria da Comunicação,
que dentro do panorama das discussões atuais de ensino representa uma forma esvaziada e
reduzida da linguagem, conforme vimos. Dessa forma, percebemos uma ―mistura teórica‖ de
abordagens que tratam de um aspecto importante da produção textual, o que, provavelmente,
não contribui de modo positivo para a compreensão do aluno, nem do professor.
Depois, no segundo momento da tarefa, é sugerida a seguinte atividade:
2-Atividade de pré-escrita: Leitura de textos do gênero reportagem em grupo
de quatro ou seis alunos. Depois, discuta no grupo e no coletivo da sala a
respeito do tema. Faça perguntas sobre o assunto, questionamentos sobre o
processo, dê exemplos. Discuta sobre fantasias e máscaras. Você pode
combinar com a professora de artes para que trabalhe o tema também.
(BRASIL, 2008b, p. 99) [ênfase adicionada].
Destacamos como ponto relevante nessa tarefa a sugestão de trabalho integrado com
outra disciplina da Área de Linguagens. É claro que um trabalho tal como o proposto não
deve se restringir a tal disciplina, mas envolver todas as outras, dentro de um projeto maior,
promovendo a interdisciplinaridade. Esse pode ser um excelente momento de troca de
experiências entre todos os envolvidos. Os documentos oficiais estimulam essa ideia de um
trabalho integrado de várias áreas, organizado em torno de um projeto28
.
Em tal projeto, é preciso que professores/escola assumam, de fato, a tarefa de formar
produtores de textos proficientes e críticos, mesmo que isso seja uma tarefa árdua, porque a
sala de aula hoje é considerada um espaço complexo, onde diversas coisas acontecem ao
mesmo tempo, muitas vezes, escapando ao controle do professor (TARRDIF; LESSARD,
2005 apud SILVA, 2006). Atualmente, a sala de aula é composta por uma diversidade de
alunos de todas as raças, gêneros, credos e opção sexual, de níveis de conhecimento e de
domínio da leitura e escrita, o que traz para a escola, sem dúvida, uma grande
responsabilidade. Nesse cenário, o desafio do professor constitui-se em educar, na
heterogeneidade, sujeitos capazes de atuarem competentemente nas diferentes esferas sociais,
como recorda Socorro (2009).
Em relação à elaboração de projeto escolar, vale reportar as palavras de Kleiman
(2007) que defende essa questão. Para a autora, um projeto integrado
28
O Estado de Mato Grosso lançou, em 2010, as Orientações Curriculares do Estado de Mato Grosso,
preceituando o trabalho por área de conhecimento.
157
[...] pode proporcionar a alunos heterogêneos quanto ao domínio da escrita,
com trajetórias de leitura e de produção textual diferentes, pelas diferentes
experiências com que chegam à escola, uma oportunidade de participação
diferenciada e, por isso, é (...) uma prática didática ideal para organizar o
trabalho escolar que leva a sério a heterogeneidade dos alunos e que abre
mão de pré-requisitos e progressões rígidas em relação à apresentação de
conteúdos curriculares (KLEIMAN, 2007, p. 16).
Ainda nesse segundo momento da atividade, podemos inferir que a capacidade
discursiva foi contemplada. A dimensão que se refere à elaboração do conteúdo do gênero
pode ser inferida na orientação para a atividade de pré-escrita, em que o aluno deverá ler
textos do gênero reportagem em grupo, discutir no coletivo sobre o tema e questionar sobre o
assunto.
Nesse trabalho, o TP6 sugere ainda a discussão coletiva na sala de aula, possibilitando
ao aprendiz não só trocar e obter (novas) informações com seus colegas como também
construir conhecimentos, necessários para a elaboração do texto. Esse se constitui em mais
um aspecto positivo desse exercício, além do fato de propor o contato dos alunos com uma
variedade de textos do mesmo gênero, no caso a reportagem. Afirmamos isso, pois o trabalho
de leitura de uma coletânea de textos, se bem orientado, pode contribuir para que o aluno
consiga transcender os limites da estrutura formal do texto, passando a compreendê-lo como
um ato discursivo e social. Além do mais, esse tipo de leitura, certamente, favorece o
reconhecimento das particularidades do gênero a ser trabalhado, permitindo ao aluno a
familiarizar-se com ele, já que ―a apropriação das características do gênero não se dá de
imediato, com um único exemplo‖ (LOPES-ROSSI, 2008, p. 56).
Em termos bakhtiniano, pensamos que a leitura reflexiva dos textos pode de fato levar
o aluno a uma compreensão ativa e responsiva, pois, na articulação dos discursos, ele
construirá paulatinamente o sentido, compreendendo o significado do texto. Nesse processo
de compreensão, o aprendiz, enquanto leitor, se posiciona, produzindo, assim, novos
enunciados, constituindo-se em mais um elo na imensa cadeia da comunicação verbal.
No terceiro e quarto momentos, o Caderno TP6 sugere que se utilize o tema como se
fosse uma manchete e o olho da reportagem e que o professor faça uma explanação aos
alunos sobre esse assunto e sobre como produzir uma reportagem mais curta, mostrando-lhes
exemplos de reportagens sobre o carnaval.
3- Utilize o tema como se fosse uma manchete e o olho da reportagem:
É tempo de brincar Cada cidade tem seu carnaval. Saiba mais sobre o uso de fantasias e
máscaras no carnaval desta cidade.
158
4- Mostre para eles exemplos de reportagens sobre o carnaval, explique
sobre a manchete e o olho e sobre como produzir uma reportagem mais
curta, como um informativo.
(BRASIL, 2008b, p. 99)
Na sequência, temos o quinto momento:
5- Leia novamente a manchete. Defina que é uma matéria de um jornal local
e que devem decidir sobre qual cidade vão escrever. Comente sobre o
formato de uma folha de jornal, com informações como o nome da cidade,
data, nome do caderno e página no canto à direita. Peça que façam uma
margem como se fosse uma matéria no jornal. Sempre mostrando exemplos
concretos em jornais e deixando um exemplar para que cada grupo possa
comparar com sua produção. Se tiver possibilidade, utilize folhas A3 para o
trabalho.
(BRASIL, 2008b, p. 99)
Podemos dizer que a capacidade discursiva também foi contemplada, não de modo
direto, na orientação que diz respeito aos três últimos momentos supracitados (3, 4 e 5). Os
elementos que auxiliam na construção da forma composicional podem ser depreendidos
quando o TP orienta o professor a mostrar para o aluno exemplos concretos de reportagens,
explicando sobre a manchete e o olho e a comentar sobre o formato de uma folha de jornal,
com informações como o nome da cidade, data, nome do caderno e página no canto à direita.
No sexto momento, segue a atividade de planejamento, que deve ser feita depois das
discussões. O planejamento é constituído de reunião em grupo para decidir elementos e
assuntos a serem tratados por meio da manchete; escolha da imagem para ilustrar a matéria;
releitura dos textos sobre carnaval, se necessário; definição do espaço para a matéria; nova
reunião para que cada grupo mostre seu plano. Para esse último, pede ao professor que
incentive seus alunos a participar do planejamento dos seus colegas.
6- Atividade de planejamento
6.1- Após a discussão, peça para que os alunos voltem a se reunir em grupo e
que decidam sobre elementos e assuntos que podem ser tratados a partir
desta manchete. Peça para que escolham imagens que possam ilustrar a
matéria. Se necessário, ajude-os a fazer uma releitura de um dos textos que
forneceu sobre o carnaval da cidade e as imagens que poderiam utilizar ou
mesmo alargar suas pesquisas sobre outros carnavais. Pode ser mesmo o
carnaval da sua cidade ou de uma cidade da região. Defina quanto espaço
terão para a matéria (de 20 a 30 linhas para os de 7ª e 8ª séries, de 15 a 20
linhas para os de 5ª e 6ª séries).
159
6.2- Reúna então todos novamente para que cada grupo mostre seu plano.
Incentive a participação de todos no planejamento de seus colegas, com
perguntas e sugestões. Incentive-os dizendo: ―– Vocês têm alguma sugestão
em relação ao planejamento do grupo? Alguma questão não ficou clara e
gostariam de perguntar como vão fazer?‖
(BRASIL, 2008b, p. 99-100)
Em relação à escrita em si, não temos dúvida de que em uma atividade de produção
textual, o planejamento, a organização das ideias, o contato com uma coletânea de texto, as
discussões sobre o assunto, sobre os aspectos constitutivos do gênero, concretizam-se em
etapas fundamentais, já que oportunizam ao aluno pensar bastante antes de escrever, formular
ideias, construir novos conhecimentos etc. E isso é um fator louvável nessa proposta.
No sétimo momento, solicita-se a escrita da reportagem em grupo.
7- Finalmente, peça para que redijam, em duplas ou trios, o texto da
reportagem. A redação em grupo é uma boa experiência, pois os meninos e
as meninas trocam informações, sugestões e fazem releituras que são muito
produtivas.
(BRASIL, 2008b, p. 100, grifo nosso)
Os PCNLP (BRASIL, 1998, p. 88) sugerem que a produção textual se dê também em
―duplas ou em pequenos grupos, para permitir que a troca entre os alunos facilite a
apropriação dos conteúdos‖. Esse é mais um aspecto louvável dessa proposta do TP6. Apesar
disso, é importante lembrar que a escrita de um texto não ocorre, assim, de imediato, numa
primeira e única versão, mas depois de sucessivas versões, o que parece não ocorrer nesse
trabalho. Nota-se que, após, todo o planejamento, o TP6 já solicita o texto, sem mencionar
uma possível revisão e refacção; parece mesmo acreditar que uma única produção seja
suficiente para que o aluno apreenda as características do gênero e desenvolva, de fato, suas
capacidades de linguagem.
O planejamento da atividade não desemboca necessariamente numa produção inicial
completa e única, ao contrário, é preciso diversas produções. Para Dolz e Schneuwly (2004), a
primeira produção tem um papel importante, pois permite circunscrever quais as capacidades
reais de que o aluno já dispõe e quais as suas potencialidades. Na primeira escrita, quando se
trabalha por meio da sequência didática29
, o professor tem a oportunidade de analisar o que
seu aluno sabe sobre tal gênero e o que ele ainda pode aprender, quais os aspectos do gênero
29
Assunto já tratado por nós no primeiro capítulo.
160
em questão precisam ser aperfeiçoados e, mais, permite ao próprio aluno medir suas
capacidades.
Sobre esse assunto, os documentos oficiais destacam que, nessas situações de
aprendizagem, o aprendiz deve pôr em jogo tudo o que sabe para descobrir o que não sabe.
Mas isso só poderá ocorrer com a intervenção concreta do professor, que deverá colocar-se na
situação de principal parceiro, favorecendo a circulação de informações bem como a
construção de conhecimentos.
Esse ainda pode ser um bom momento de intervenção na ZPD do aluno, pois indica a
atividade que ele consegue realizar sozinho e a que ele poderá realizar a partir da mediação,
da ajuda do outro, um colega mais experiente ou o próprio professor. Nota-se que esse
conceito vygotskyano permite pensar em um ensino que atua não só sobre o que o aluno sabe
como também nas potencialidades de seu aprendizado, como bem nos lembra Paes de Barros
(2005).
Depois, no momento da avaliação, oitavo e último momento, o material propõe que o
professor dê prioridade ao desenvolvimento da coerência, da relação entre a reportagem e a
imagem não-verbal das informações escolhidas. Nos textos lidos, pede que o educador tente
avaliar os próximos pontos a serem enfocados no processo de ensino da escrita.
8- Na sua leitura para avaliação, dê prioridade ao desenvolvimento da
coerência, da relação entre reportagem e imagem não-verbal das
informações escolhidas. Leia cada texto também tentando avaliar os
próximos pontos a serem enfatizados no processo de ensino-aprendizado da
leitura e da escrita.
(BRASIL, 2008b, p. 100)
Nesse sentido, embora não oriente para a realização de variadas produções antes da
versão final, o TP traz uma orientação ao professor, considerada importante: ―leia cada texto
tentando avaliar os próximos pontos a serem enfatizados no processo de ensino aprendizagem
de (...) escrita‖. O ideal é que isso ocorra durante todo o processo de escrita, que é complexo e
exige um trabalho de idas e vindas, identificando problemas e retornando para resolvê-los.
Acreditarmos que, para um ensino-aprendizagem mais significativo, outras escritas e
reescritas do texto, acompanhadas, obviamente, de reflexões e de orientações pedagógicas do
professor seriam bem vindas.
Na seção seguinte, analisamos a terceira seção do caderno TP6, em relação às
sugestões de atividades de produção escrita direcionadas ao aluno.
161
4.3.3 Seção III – A escrita
Na seção III, ―A escrita‖, analisamos as sugestões de propostas de produção de textos
destinadas ao aluno.
O TP6 apresenta um texto, ―Dançar para não dançar, a história do Brasil negro‖,
retirado de uma revista, e uma foto com objetos de percussão, acompanhados de uma questão
para o professor, conforme segue:
163
a) Faça um planejamento para uma seqüência de aulas de produção textual
sobre uma tradição cultural de sua região e/ou cidade. Considere a situação
sócio-comunicativa e as atividades que auxiliarão seus alunos na atividade
de pré-escrita, no planejamento e escrita de um texto informativo. Se o
espaço abaixo for curto, utilize uma folha de seu caderno de apoio.
(BRASIL, 2008b, p.106-107).
A respeito desse exercício, podemos inferir que o Caderno TP6 subentende que o
participante, a essa altura do curso, já esteja capacitado para preparar uma produção de texto
que seja significativa para o aluno e que contribua, efetivamente, para desenvolver seu
aprendizado e suas capacidades de escrita. Por isso, solicita-lhe o planejamento de uma
sequência de aulas de produção textual, destacando a necessidade de considerar as atividades
de pré-escrita (certamente, leitura de vários textos em gêneros, discussão em grupo etc.), de
planejamento (talvez, organização das ideias, rascunhos, esboços) e de escrita
(provavelmente, revisão, releitura, reescrita). Com certeza, essas etapas são fundamentais para
qualquer processo de produção de textos, pois permitem ao escritor a construção de
conhecimentos bem como a monitoração do processo de produção de texto.
Nesse planejamento, o cursista deve levar em conta a situação sociocomunicativa, isto
é, o gênero, o locutor, o interlocutor, o espaço, a intenção etc. Mas é difícil imaginar que o
professor irá considerar tais aspectos se, nessa Unidade 22, a maioria das atividades propostas
pelo TP6 não os contemplou efetivamente. A nosso ver, o participante não foi instigado e nem
treinado para desenvolver e aplicar tal conteúdo.
Para a atividade, o TP fornece apenas o assunto a ser abordado (tradição cultural da
região) e a característica do texto (informativo), mas não apresenta uma finalidade específica
de tal escrita. É necessário considerar, porém, que uma atividade como essa, precisa ter, além
de um objetivo bem delimitado, um motivo claro que faça algum sentido para o
164
aluno/escritor, que o envolva em um contexto próximo de sua realidade, despertando nele a
motivação para escrever.
O TP deixa de indicar também o gênero no qual a escrita se realizará, o que, a nosso
ver, é uma falha, já que toda a escrita se constitui no interior de um gênero do discurso. Diante
disso, o material parece, mais uma vez, ignorar que todo texto se organiza dentro de
determinado gênero em função das intenções comunicativas do locutor, como parte das
condições de produção dos discursos, assim como propõem as diretrizes oficiais, nos quais o
Guia Geral (BRASIL, 2008a) se diz balizar.
Em relação às capacidades de linguagem a serem mobilizadas para a construção
textual, notamos que, na solicitação de tal planejamento, não há preocupação em apresentá-
las, o que, certamente, contribui negativamente para o ensino-aprendizagem do aluno.
No Avançando na prática dessa Seção III é apresentado um texto sobre a origem do
carnaval, cujo título é ―Origem do carnaval‖, de Cláudia M. A. R. Lima, retirado de um site
da internet, acompanhado de duas figuras as quais remetem a foliões fantasiados:
167
Esses dados permitem inferir a tentativa de uma proposta direcionada para o
planejamento da escrita, confirmando o objetivo principal da Unidade, tendo em vista que
enfatiza aqui o procedimento de pré-escrita.
A sugestão para esse trabalho de pré-escrita pode ser vista ao longo da proposta
supracitada quando o TP6, por exemplo, sugere que o professor pesquise com seus alunos
sobre variadas histórias de carnaval; conte-lhes alguma dessas histórias; converse sobre elas;
leia-as para eles; traga uma pessoa idosa para contar histórias para a turma; oportunize a
consulta de variados materiais; visite a biblioteca ou o arquivo público com os alunos;
trabalhe com vários textos verbais e não verbais. Esses são atributos relevantes, ou melhor,
fundamentais para o processo de produção textual, pois se mobilizam aí as capacidades
discursivas que ajudam na construção do conteúdo do gênero.
A proposta fornecida pelo Caderno apresenta ricas situações de aprendizagem (visitar
a biblioteca, ir ao arquivo público), visto que contribuem tanto para despertar a atenção e o
interesse do aprendiz como para tornar a aula diferente, menos monótona, por vezes,
repetitiva e cansativa. Ademais, o contato com a diversidade de textos, acompanhado de uma
orientação adequada ao objetivo de ensino, também pode ser uma atividade produtiva, pois o
aluno acaba aprendendo a buscar, nos aspectos verbais e não verbais do texto, os índices que
lhe possibilitem o uso de seu conhecimento prévio e de seu conhecimento linguístico, também
necessários para a compreensão textual. Reiteramos, porém, que, para isso, é preciso ter metas
bem definidas, que deem condições para o aluno decidir quais os conhecimentos necessários
para a construção do significado do texto que lê (KATO, 1985 apud PAES DE BARROS,
2005, p. 22).
As atividades grupais mais uma vez merecem destaque nesse exercício, pois
favorecem a interação entre o eu e o outro. É, justamente, nessa relação, que o aluno, um ser
social e empírico, torna-se um sujeito responsivo, pois a enunciação possibilita ao aprendiz
dialogar com os outros discursos, tomando-os para si, imprimindo sua voz, numa
compreensão ativa responsiva, permitindo também um posicionamento, uma apreciação
valorativa sobre tal discurso.
De resto, o trabalho de pré-escrita pode fornecer informações que auxiliam, de fato, na
elaboração temática, ajudando o aluno a determinar o tema, o assunto do gênero a ser
produzido, conforme Barros-Mendes (2005). Mas deve-se lembrar que, para isso ocorrer de
modo efetivo, o aprendiz precisa ter claro o objetivo desse trabalho, o que não parece ocorrer
nessa proposta. Como podemos ver na orientação, é somente no quarto momento — em que
168
certamente já tenham se passado algumas aulas — que o TP anuncia a produção: a narração
de uma história contada em festas de carnaval.
A partir desses dados, podemos depreender uma tentativa, por parte do Caderno, de
propor uma sequência de atividades que culminasse na produção de alguns gêneros
jornalísticos (um quadro informativo em um jornal; uma chamada para a matéria na
primeira folha, ou uma breve reportagem no caderno de cultura do jornal, acompanhada por
uma imagem e pelo quadro). Nota-se que o TP6 se refere a alguns gêneros de modo
impreciso. Isso nos permite inferir que age dessa maneira no intuito de cumprir com os
pressupostos teóricos veiculados no Guia Geral (BRASIL, 2008a, p. 37):
as atividades devem também oferecer muitas possibilidades para que os
alunos tornem-se progressivamente autônomos e possam obter novas
informações, exercitar estratégias diversificadas e com graus de
complexidade crescente de interação e aprender diferentes formas de
produção de significação.
Como se observa, esses pressupostos do Guia parecem não se materializar na proposta
do material. Portanto, falta um diálogo entre o TP6 e o Guia Geral. Dizemos isso, porque, a
nosso ver, não houve aqui uma real preocupação em explorar os elementos constitutivos de
cada um dos gêneros do discurso, haja vista que cada um deles possui uma característica
específica, que precisa ser ensinada, por meio de um trabalho didático sistematizado.
É pertinente dizer que o TP não demonstra, nessa proposta de ensino-aprendizagem de
escrita, a necessidade de se definir o gênero, explorando as estratégias implicadas no seu uso.
Parece mesmo apostar na mera visitação ou na imersão do aluno no gênero, o que nos remete,
novamente, à perspectiva da imersão cuja ideia principal é a de que se aprende a fazer
fazendo. Nessa abordagem imersiva, embora se proponha um trabalho com os gêneros,
acredita-se que, para o aprendiz dominá-los, basta inserir o aluno num processo de imersão
nos gêneros, ou seja, somente o contato com uma diversidade de gêneros já é suficiente para
que ele obtenha seu domínio, pela simples circunstância do fazer (BARROS-MENDES, 2005;
PADILHA, 2005).
Agindo de acordo com essa perspectiva, compreendemos que seja impossível
desenvolver a autonomia dos alunos, conforme propõe o Guia Geral (BRASIL, 2008a).
Afinal, a autonomia — palavra de ordem dos documentos oficiais — é dependente da
apropriação consciente e reflexiva não só de informações como também de estratégias
diversas que permitem a construção e o domínio das diferentes formas de dizer, nas mais
diversas situações de comunicação humana.
169
No ensino-aprendizagem de escrita, concordamos com Dolz, Schneuwly e Noverraz
(2004) que advogam em favor da criação de um contexto de produção preciso, com objetivo
claro, e da realização de atividades múltiplas e variadas. São essas ações que permitirão ao
aluno se apropriar dos instrumentos e das técnicas necessárias ao desenvolvimento de suas
capacidades de escrita. Tendo isso em vista, acreditamos que a proposta sugerida pelo TP
seria mais significativa, com resultados mais promissores, se fosse pensada semelhantemente
à sequência didática, elaborada por esses três pesquisadores.
Em relação, às capacidades de linguagem requeridas no processo de escrita, nessa
proposta são mobilizados — tangenciadamente — alguns elementos da capacidade de ação, a
saber, os gêneros (quadro informativo; chamada para a matéria; reportagem), indicados, mas
não definidos nem explorados; os interlocutores (alunos da sala); o suporte (jornal); e a
finalidade (leitura na sala e exposição no varal de texto da sala).
Fornecem-se também informações que dizem respeito às capacidades discursivas,
sobretudo, acerca da construção do conteúdo/assunto a ser tratado. O momento de pré-escrita
constitui-se em um bom exemplo de mobilização desse aspecto, já que possibilita ao aluno
não só a leitura de vários gêneros como também o debate sobre o assunto. Nessa capacidade,
contempla-se ainda a dimensão da organização textual, que ocorre quando se informa a
sequência (narrativa) na qual se realizará um dos gêneros (quadro informativo).
Na capacidade linguístico-discursiva, as dimensões como operação de textualização,
tomada de posição enunciativa e seleção lexical não se apresentam, isto é, a proposta não
oferece elementos que contribuem para a construção do estilo do gênero ou dos gêneros.
Consequentemente, a falta de assimilação dessas capacidades de escrita limita a participação
do professor e do aluno não só nas atividades escolares, como também nos variados contextos
sociais.
No último momento da atividade, depois da produção textual, é proposta ao aluno a
leitura do seu texto para os colegas de classe e, em seguida, a exposição no varal de textos da
sala. Notemos que, assim como na última atividade direcionada ao aluno (no Avançando na
prática da seção anterior), os leitores dos textos produzidos são exclusivamente o professor e
os próprios os alunos. Nesse sentido, acreditamos que, mesmo definindo o público alvo, essa
proposta, assim como a precedente, poderia ser mais significativa, quando não atrativa, para
os alunos, se extrapolasse os ―muros da escola‖, algo que lhes possibilitasse uma experiência
real com o uso social da escrita.
Parece que a maioria dos encaminhamentos de produção feitos pelo TP não teve um
propósito mais concreto, social, pois acabaram ―morrendo‖ dentro da própria escola; em
170
algum caso, o mural da sala de aula foi o suporte mais lembrado. A ausência de um propósito
comunicativo real, sem dúvida, limita o uso da escrita e o aprendizado de sua dimensão
pública, interativa e dialogada. Costa Val (2003, p.36) alerta que, ―quando a única
possibilidade de socialização da escrita se limita, invariavelmente, à sala de aula, esse
procedimento pode perder o caráter de promoção de interlocução para assumir o de ritual
obrigatório e sem sentido‖.
Apesar de tudo, reconhecemos juntamente com essa autora que já houve grande
avanço nesse aspecto no ensino-aprendizagem de LP, pois os textos dos alunos, hoje, têm um
destino bem mais interessante do que somente ser corrigido pelo professor, como era
antigamente.
Conforme vimos, um trabalho — sistematizado — de revisão e de reescrita, que
envolve várias avaliações, correções e versões do texto, constitui-se como etapas inerentes ao
processo de escrita. Tendo isso em vista, notamos que nessa proposta elaborada pelo TP6
houve a falta de uma orientação teórica mais focada nesse aspecto. O papel do professor e do
aluno como principais colaboradores da escrita poderia ter sido mais ressaltado, além de
parâmetros e critérios reais de correção/revisão.
Na seção seguinte, faremos um levantamento das capacidades de linguagem indicadas
nas propostas de produção textual do professor e do aluno, da Unidade 22 do TP6.
4.4 Capacidades indicadas nas propostas de produção textual
Neste terceiro momento, fizemos um levantamento, através de um quadro resumitivo,
das capacidades de linguagem, a fim de comparar que capacidades foram mobilizadas nos
exercícios de produção textual para o professor e para o aluno.
171
Quadro 5 – Síntese das capacidades indicadas nas propostas de escrita para o professor
Capacidades de linguagem
indicadas
Proposta de escrita
Seção I (p. 79)
Proposta de escrita
Seção II (p. 87)
Proposta de escrita
Seção II (p. 88)
Proposta de escrita
Seção II (p.95)
Capacidades de ação
Gênero Poema Não há indicação Texto Narrativa ficcional
Participantes Não há indicação de
locutor/interlocutor
Locutor: o professor
Não há indicação de interlocutor
Locutor: o professor
Não há indicação de
interlocutor
Há indicação implícita do
locutor/interlocutor
Contexto de produção textual Não há indicação Não há indicação Não há indicação Parte de um capítulo de um livro.
Finalidade Não há indicação Não há indicação Não há indicação Não há indicação
Conteúdo Não há indicação Experiência engraça da vida de
estudante
História como educador Personagem passa no vestibular e
ganha passagem para Olinda
Capacidades discursivas
Elaboração do conteúdo do
gênero
Não há indicação Não há indicação Não há indicação Não há indicação
Plano do texto Não há indicação Não há indicação Há indicação implícita Há indicação implícita
Capacidades linguístico-discursivas
Operação de textualização Não há indicação Não há indicação Há indicação implícita Não há indicação
Escolha lexical Não há indicação Não há indicação Não há indicação Não há indicação
Tomada de posição enunciativa Não há indicação Não há indicação Há indicação Não há indicação
172
Quadro 6 – Síntese das capacidades indicadas nas propostas de escrita para o aluno
Capacidades
de linguagem
indicadas
Proposta de
escrita Seção I
(p.91-92)
Proposta de
escrita Seção II
(p.96-97)
Proposta de escrita
Seção II (p. 98-99-100)
Proposta de
escrita
Seção III
(p.107)
Proposta de escrita
Seção III (p.108-109)
Capacidades de ação
Gênero Texto Texto Reportagem Texto informativo Quadro informativo
Participantes Locutor: o aluno
Não há indicação
de interlocutor
Não há indicação Não há indicação de locutor. Há
indicação dos interlocutores:
professor e alunos da sala
Não há indicação Não há indicação do locutor. Há
indicação implícita dos
interlocutores: Alunos da sala
Contexto de produção
textual
Não há indicação Não há indicação Escrever como se fosse uma revista
semanal ou jornal
Não há indicação Há indicação implícita (jornal)
Finalidade Não há indicação Não há indicação Escrever texto informativo sobre
uso de fantasias e máscaras no
carnaval
Não há indicação Há indicação implícita (leitura na
sala e exposição no varal de texto da
sala)
Conteúdo Experiência
inesquecível
Não há indicação Carnaval, fantasias e máscaras
Sobre tradição cultural
da região e/ou cidade
Histórias contadas em festas de
carnaval
Capacidades discursivas
Elaboração do conteúdo
do gênero
Não há indicação Não há indicação Atividade de pré-escrita: leituras de
textos do gênero reportagem e
discussão em sala sobre o tema
Não há indicação Atividade de pré-escrita: leituras
variadas e discussão sobre o assunto
Plano do texto Há indicação Não há indicação Há indicação implícita Não há indicação Há indicação implícita
Capacidades linguístico-discursivas
Operação de
textualização
Não há indicação Não há indicação Não há indicação Não há indicação Não há indicação
Escolha lexical Não há indicação Não há indicação Linguagem formal Não há indicação Não há indicação
Tomada de posição
enunciativa
Há indicação
implícita
Não há indicação Não há indicação Não há indicação Não há indicação
173
Nas propostas de escrita, destinadas ao professor e ao aluno, há destaque maior para as
capacidades de ação, no que diz respeito à indicação do gênero, dos participantes e do
conteúdo sugerido. Observa-se que a capacidade discursiva é parcialmente contemplada, já
que se indica, superficialmente, o plano do texto, em algumas das atividades. Dessa maneira,
percebemos que, de certo modo, as mesmas capacidades indicadas para a prática da escrita
nas atividades do professor também são indicadas nas sugestões de propostas de produção
textual para o aluno. Percebemos que essas capacidades de linguagem, em boa medida,
indicam que o trabalho com o gênero é limitado. Isso deixa transparecer que o material segue
mais uma perspectiva textual do que discursiva. O quadro supracitado evidencia que a
unidade de ensino são os textos, tomados para operacionalização de algumas categorias
voltadas para a textualização, e os gêneros, enquanto objetos de ensino, não se configuram
como tais em virtude do tratamento recebido no Caderno.
A análise dos dados nos permite dizer que a orientação teórico-metodológica do
Caderno TP6 está parcialmente afinada com o Guia Geral (BRASIL, 2008a), parecendo
haver, na teoria, alguma preocupação em se propor atividades de produção textual no plano
dialógico, atrelado ao aspecto sociocomunicativo da linguagem, de acordo com a atual
perspectiva de ensino. Mas no encaminhamento das propostas de produção textual, para a
prática, elaboradas pelo TP, notamos um comportamento ainda distante da promoção da
escrita como uma prática enunciativo-discursiva, como uma prática social concreta, conforme
pressupõem os documentos oficiais.
174
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho de pesquisa, realizado à luz da abordagem enunciativo-discursiva do
Círculo de Bakhtin, analisamos as orientações teóricas, bem como as questões de produção
escrita da Unidade 22 do Caderno TP6, pertencente ao Programa Gestar II, com o objetivo de
verificar se essas propostas possibilitam aos professores o real desenvolvimento das
capacidades de linguagem implicadas no processo de produção de textos.
Para darmos conta desse objetivo, lançamos mão de duas perguntas de pesquisa que
dizem respeito às capacidades de linguagem. Retomamos aqui tais questões, indiretamente, no
intuito de respondê-las, bem como de tecer algumas considerações sobre o resultado obtido ao
longo da análise.
Nosso intento foi de verificar quais das capacidades eram mobilizadas no tratamento
didático dispensado às atividades de produção escrita para aluno e professor e se elas
atendiam aos objetivos propostos na Unidade 22, do TP6, para a formação docente
continuada, considerando, é claro, o paradigma atual de ensino de LP. Para tanto, analisamos
o diálogo entre as orientações teóricas do Guia Geral e do TP6, em relação à proposta de
ensino-aprendizagem de escrita para professores e alunos. Além disso, identificamos as
capacidades de linguagem recorrentes mobilizadas nessas propostas, comparando-as em
termos teórico-práticos aos pressupostos apresentados ao professor no TP6, do GESTAR II.
Em nossa análise, no que se refere às operações de planejamento, revisão e rescrita de
textos, constatamos a presença desses procedimentos, ao longo da Unidade 22, na forma de
encaminhamento didático e de orientação, em que o TP6 instrui ora professor, ora aluno, a
organizar, enumerar e adicionar ideias, a rascunhar, reler e rever seu texto.
Diante disso, podemos dizer que, na maioria das tarefas, o Caderno cumpriu
satisfatoriamente seu objetivo principal, o planejamento. Entretanto, no que tange à revisão,
embora tenha enfatizado bastante tal questão, a nosso ver, faltou uma orientação teórica mais
precisa que culminasse no estabelecimento de parâmetros reais para execução dessa prática.
Enunciando de outra forma, observamos que, mesmo ressaltando a revisão textual, o
tratamento dado a ela é lacunar, pois não fornece, em momento algum, critérios de correção
tanto para as propostas de produção textual do professor como para a do aluno, o que dificulta
a realização efetiva dessa prática.
Em relação ao diálogo estabelecido entre as orientações teóricas do Guia Geral
(BRASIL, 2008a) e as do TP6, verificamos que isso ocorreu em grande parte da Unidade;
mas, em alguns momentos, constatamos incoerências entre os dois Cadernos, no que diz
175
respeito à orientação teórica do Guia e sua materialização no TP6, sobretudo, no
encaminhamento didático das atividades de produção textual destinadas ao professor e aluno.
Além do mais, percebemos, às vezes, uma certa distância entre as sugestões de ensino-
aprendizagem de escrita, especialmente, do aluno, e alguns dos pressupostos veiculados no
PCNLP (BRASIL, 1998).
Quanto ao encaminhamento das atividades de escrita para o aluno, comparado aos
pressupostos teóricos apresentados ao professor, principalmente, percebemos que, mesmo
buscando um trabalho diferenciado na Unidade, no que diz respeito ao processo de escrita,
destacando os procedimentos de pré-escrita, planejamento, revisão e rescrita, o TP6 deixa a
desejar nas propostas de elaboração textual, porque, em muitos momentos, parece esvaziar a
atividade de escrita do seu significado dialógico, de seus aspectos discursivos.
Embora o Caderno TP6 tenha afirmado nas orientações teóricas fornecidas ao
professor que nas atividades de escrita consideraria os aspectos da situação sociocomunicativa
(gênero, interlocutores, objetivo, suporte etc.), a análise dos dados permitiu observar que não
foi dispensado um tratamento efetivo nessa direção. Isso equivale a dizer que, apesar de o
Guia Geral (BRASIL, 2008a) e o TP6, na Unidade 22, assegurarem trabalhar o texto na
perspectiva do gênero, conforme indicação dos PCNLP (BRASIL, 1998), percebemos uma
confusão no encaminhamento teórico das propostas de produção, haja vista que ora o TP6 se
refere aos gêneros (reportagem, poema), ora se refere a texto, ou à sequência textual, narração
e dissertação, por exemplo. Portanto, o modo como é sugerido o trabalho de produção escrita
não se assemelha, verdadeiramente, nem com a perspectiva dos gêneros discursivos nem com
a de gênero textual.
A ausência de encaminhamento didático de produção textual que contemple
efetivamente o objeto (gênero) discursivo, bem como as condições de produção, recepção e
circulação de textos, acaba reduzindo significativamente a experiência do aluno e do professor
como escritores, transformando a atividade em um mero exercício mecânico, o que não
afastando-se da atual proposta de ensino. Sabemos que hoje o ensino-aprendizagem de LP
está fundamentado na perspectiva enunciativo-discursiva, e o TP6 juntamente com o Guia
Geral (BRASIL, 2008a) parecem admitir isso, já que se embasam nos PCNLP (BRASIL,
1998) que veiculam tais pressupostos, sem entretanto, assumi-la integralmente.
Em relação às mudanças no ensino, o próprio TP, no início da Seção II, destaca que o
currículo antigo, enfatizando somente os processos psicológicos, cognitivos, os
procedimentos (certamente o planejamento, organização das ideias, revisão, editoração,
176
narração, descrição e dissertação) e as estratégias de produção, já foi superado30
ou ampliado,
e que atualmente estabelecem-se novos conteúdos e métodos. Nesse sentido, o material do
GESTAR II parece reconhecer que o ensino atual passa a ser pensado em prol do uso da
linguagem escrita como processo sociocomunicativo, em que se consideram os contextos e
das condições de produção. No entanto, na Unidade 22, ao fixar seu objetivo nas atividades de
planejamento, o TP6 não leva em consideração tais pontuações, buscando ―solucionar‖, de
certa forma, apenas um problema, também inerente ao processo de produção: as operações
cognitivas de planejamento, revisão e reelaboração textual.
Afirmamos isso, pois a análise das propostas de escrita, principalmente, aquelas
direcionadas ao aluno, demonstrou que os outros elementos envolvidos no processo de
produção de textos, tais como as dimensões das capacidades de linguagem, a escrita como
processo dialógico, realizada dentro de um gênero discursivo, não são enfatizados, fato que
materializa um encaminhamento lacunar. Ou, as orientações teóricas dadas ao professor ao
longo da Unidade não foram concretizadas, de fato, nas sugestões e propostas de produção
textual destinadas ao aluno. Isso é grave, pois a função do material/Programa é atualizar o
docente sobre os conceitos atuais necessários ao ensino de língua materna, prescritos pelas
diretrizes oficiais.
Em relação às capacidades de linguagem necessárias para o desenvolvimento da
escrita, identificamos algumas delas, por vezes, diluídas, nas propostas de ensino-
aprendizagem de produção textual, como a capacidade de ação (gênero, participantes e o
conteúdo) e a capacidade discursiva (plano do texto). Constatamos que a maioria das
orientações, direcionadas tanto ao professor como ao aluno, para a escrita de textos não as
apresentava claramente, apenas as tangenciava. O tratamento dado não foi efetivo, já que a
indicação dessas capacidades de escrita foi feita de maneira esporádica, imprecisa e implícita,
favorecendo pouco sua construção real.
Essas constatações feitas na análise, certamente, nos ajudam a responder nossas
questões da pesquisa, no que tange às capacidades mobilizadas no tratamento didático
dispensado às atividades de produção escrita para aluno e professor e em que medidas elas
atendem aos propósitos do GESTAR II, no TP6, para a formação docente continuada. É
indiscutível que, nesse espaço de formação, há necessidade de o professor de LP desenvolver
30
Outros autores também enfatizam a superação de um ensino de escrita centrado, sobretudo, nos processos
cognitivos (ROJO, 2009b; REINALDO, 2005; FIGUEIREDO, 2005; BONINI, 2002; BARBOSA, 2001).
177
a consciência de uma nova perspectiva de ensino, conhecer novos conteúdos e novas
metodologias, assumir o texto/gênero como instrumento de trabalho, aprender a ensinar,
desenvolvendo suas capacidades de escrita, apropriando-se de ferramentas que lhe
possibilitem a produção textual concreta, para posteriormente ensinar seu aluno na sala de
aula.
A nosso ver, isso só ocorrerá de fato se o ensino dessa prática, no curso de formação
continuada, levar em conta, especificamente, a dimensão sociodiscursiva e enunciativa da
linguagem; do contrário, tal procedimento poderá se limitar a um ritual obrigatório de sala de
aula — ou a uma mera atualização profissional — perdendo seu caráter interlocutivo real,
capaz de permitir não só a prática escolar como também a prática cidadã.
Os resultados obtidos revelam que as orientações teórico-metodológicas do TP6,
embora afirmem adotar as concepções de linguagem e de escrita veiculadas nos documentos
oficiais, não dão suporte para o professor no ensino de escrita de textos. Além disso,
mostraram-se insuficientes para promover um ensino-aprendizagem baseado nos gêneros,
adotados como objeto de ensino por esses documentos oficiais, bem como para desenvolver
de fato as capacidades de linguagem implicadas no processo de escrita do professor-cursista.
Além dos aspectos analisados até aqui, a leitura do material revelou alguma falta de
cuidado no tratamento da norma padrão culta da língua, problema considerado sério em uma
coleção produzida sob a responsabilidade do MEC.
A respeito de material didático destinado à formação em serviço, conforme já
dizemos, o Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, da UFMT, tem
desenvolvido um trabalho de análise e os resultados têm mostrado limitações importantes na
concepção teórico-prática veiculada nesses guias, sejam eles oficiais ou não. Assim, nossa
análise confirma o que foi comprovado em estudos anteriores, nos trabalhos de Socorro
(2009), Nunes (2009) e Santos (2011). Por essa razão, acreditamos que a nossa pesquisa tem
grande relevância social para o meio educacional, já que pode contribuir com as discussões
relacionadas à formação docente e à adequação de materiais didático-pedagógicos utilizados
na educação continuada de professores. Ao destacarmos os aspectos positivos do material
analisado, também somos levadas a alertar para as inadequações identificadas, visando a
provocar reflexões, por parte dos órgãos responsáveis pelas políticas de formação continuada,
quanto à seriedade desse processo formativo e à necessidade de adoção de critérios coerentes
com a própria legislação na elaboração desses materiais. Ademais, cabe aqui reiterar a
significativa exigência, sobre o professor da educação básica e sobre seu processo formativo,
178
realizada por diferentes instâncias sociais quando, muitas vezes, a qualidade dos materiais
oferecidos nos cursos formação é desconsiderada.
Para além desse aspecto, é preciso ressaltar que todo o processo envolvido na
produção, impressão e divulgação desse material demanda um investimento de alto custo aos
cofres públicos. Nada mais justo, portanto, que esse material formativo seja de qualidade
inquestionável e cumpra suas finalidades formativas.
Esses resultados, e essas últimas observações, nos levam a refletir acerca da
necessidade de reformulação dos materiais didático-pedagógicos utilizados nos cursos de
formação continuada, com o intuito de contemplar um trabalho orgânico em relação à teoria
enunciativo-discursiva, levando em conta, efetivamente, o caráter interlocutivo da
língua(gem), aspecto fundamental no ensino-aprendizagem de produção de textos, além do
respeito às normas vigentes, bem como aos paradigmas atuais de ensino. Tal conclusão
demonstra a necessidade de mais pesquisas sobre esse assunto, na área de Linguística
Aplicada, e de políticas públicas sérias de avaliação desses materiais. Trata-se da criação de
um programa oficial que não só elabore o material, como também o supervisione,
acompanhando seu desenvolvimento, promovendo avaliações sistemáticas para analisar a
proposta e os pressupostos utilizados.
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