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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM RUTE ALMEIDA E SILVA GESTAR II: DESAFIO DAS PRÁTICAS DE ESCRITA EM MATERIAL DE FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA CUIABÁ MT 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

RUTE ALMEIDA E SILVA

GESTAR II: DESAFIO DAS PRÁTICAS DE ESCRITA EM MATERIAL DE

FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA

CUIABÁ – MT

2011

RUTE ALMEIDA E SILVA

GESTAR II: DESAFIO DAS PRÁTICAS DE ESCRITA EM MATERIAL DE

FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade

Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para

obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem,

sob a orientação da Profª Drª Maria Rosa Petroni.

CUIABÁ – MT

Dedico este trabalho ao meu esposo Cristiano por ter sonhado junto comigo. Com certeza esta

dissertação não existiria sem o seu amor e sua compreensão.

AGRADEÇO

À Deus por mais esta conquista.

À professora Dra Maria Rosa Petroni, minha orientadora, por acreditar em meu potencial.

Agradeço pela sua sensibilidade, paciência e pelas preciosas contribuições durante todo o

trabalho. Suas orientações, sem dúvida, proporcionaram-me um novo olhar não só para a

minha pesquisa como também para a vida.

À Banca de Qualificação, aos professores doutores Wagner Rodrigues Silva e Simone de

Jesus Padilha pelo olhar exotópico e pelas relevantes sugestões na presente dissertação.

Aos professores do Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem da UFMT, pela

oportunidade de avançar no meu percurso teórico — Maria Rosa, Simone, Sérgio Flores,

Maria Inês, Cláudia, Elias, Solange, Danie e Ana Antonia.

Agradeço de modo especial à Professora Dra. Maria de Jesus das Dores Alves Carvalho

Patatas por ter enxugado minhas lágrimas e me incentivado no primeiro momento deste

projeto. Muito obrigada por ter me mostrado o caminho.

À Lezinete, minha grande inspiração, por seu apoio permanente e incondicional nesta jornada.

Obrigada por tudo!

Aos amigos da Pós-Graduação: Shirlei, Soeli, Sônia Renata, Daniela, Jucelina, Jefferson, Ely,

Elizangela, Eliana, Andréia, Gleice, Leila, Viviane, Iara, Sandra, Sebastiana, Anderson e

Margareth, pelo diálogo sempre enriquecedor e pela amizade construída e reforçada neste

processo.

Aos funcionários do MeEL, Douglas, Rose e Andréia pelo carinho e atenção.

Agradeço ao Cristiano pelo estímulo e trocas constantes. Seu excedente de visão tem me

completado a cada dia.

Ao Edilson, meu irmão, amigo, pai, camarada, pela alegria, admiração e pela força

transmitida em todos os momentos. Mano, você fez e faz toda a diferença na minha vida!

Serei eternamente grata.

À Lirian, minha cunhada querida, pela torcida e pelo incentivo de sempre. Valeu!

Agradeço a todos meus amigos — Marciléia, Julianne, Ardalla, Jô, Josane, Raimundo,

Lidiane, entre outros — por fazerem parte da minha vida e de alguma forma terem

contribuído com a realização deste trabalho.

[...] em todas as coisas, ouço as vozes e sua relação dialógica

Bakhtin

RESUMO

O presente estudo, inserido na área de Linguística Aplicada, discute assuntos relacionados à

formação continuada de professores e ao material didático-pedagógico utilizado nesse

processo, mais especificamente, no curso de formação do GESTAR II de Língua Portuguesa,

projeto governamental, desenvolvido pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso.

O GESTAR II é um Programa destinado aos docentes atuantes no Ensino Fundamental,

mantendo seu foco na melhoria da aprendizagem dos alunos e no desenvolvimento de

competências dos professores. Para a realização desta pesquisa, selecionamos as propostas de

produção escrita da Unidade 22, no interior do Caderno TP6, com o objetivo de verificar se

essas propostas estão fundamentadas no atual paradigma de ensino e se possibilitam aos

professores o real desenvolvimento das capacidades de linguagem necessárias ao processo de

produção de textos. Constitui-se, portanto, em um trabalho documental, de natureza

qualitativa, em que assumimos o aporte teórico do Círculo de Bakhtin, da sociohistórica de

Vygotsky e das capacidades de linguagem da escola de Genebra para análise e discussão dos

dados. Os resultados obtidos evidenciaram que as orientações teórico-metodológicas do TP6,

mesmo adotando as concepções de linguagem e de escrita veiculadas nos PCNLP (BRASIL,

1998), não dão suporte para o professor no ensino de escrita de textos. Além do mais,

mostraram-se insuficientes para promover um ensino-aprendizagem baseado nos gêneros,

adotados como objeto de ensino por esses documentos oficiais, bem como para desenvolver

de fato as capacidades de linguagem implicadas no processo de escrita do professor-cursista.

Esses resultados nos levam a refletir acerca da necessidade de reformulação, através de

políticas públicas concretas, dos materiais didático-pedagógicos utilizados nesses cursos, com

o intuito de contemplar um trabalho orgânico em relação à teoria enunciativo-discursiva,

permitindo, em especial, o desenvolvimento das capacidades discursivas e contribuindo para a

formação de um professor produtor/responsivo de textos vários.

Palavras-chave: Formação docente, GESTAR II, ensino-aprendizagem da escrita.

ABSTRACT

This study, within the area of Applied Linguistics, discusses issues related to the teachers´

continuing education and teaching materials used in this process, more specifically, the

training course GESTAR II Portuguese government project, developed by the Education

Department of Mato Grosso State. GESTAR II is a Program designed for teachers working in

the Elementary School, which maintains its focus on improving the student´s learning and the

teachers´ skill development. To develop this research, we selected the proposals of the written

production of Unit 22 within the notebook TP6 in order to verify whether these proposals are

based on the current teaching paradigm and enables teachers to the actual development of

language skills needed in the texts´ production. It is, therefore, a documentary work, based on

a qualitative method that we assume the theoretical basis of the Bakhtin Circle, Vygotsky's

socio historical and language abilities of Geneva school to review and discuss the data. The

results showed that the theoretical and methodological approaches to TP6, even adopting the

concepts of language and writing released in the PCNLP (BRAZIL, 1998) do not support the

teacher in the teaching of written texts. Besides, were not sufficient to promote a teaching-

learning based on gender, adopted as a teaching object, by these official documents, as well as

to actually develop the language skills involved in the teacher-students written process. These

results lead us to reflect on the need for reform, through concrete public policy, didactic and

pedagogical materials for such courses, in order to include an organic work in relation to the

discursive theory of enunciation, allowing, in particular the development discursive capacities

and contributing to the formation of a teacher producer responsive to various texts.

Keywords: Teacher education, GESTAR II, teaching and learning of writing.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AAA – Atividades de Apoio à Aprendizagem

EAD – Educação à distância

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio

FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

FUNDESCOLA – Fundo de Fortalecimento da Escola

GESTAR II – Gestão da Aprendizagem Escolar – Módulo II

LD – Livro didático

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

LP – Língua Portuguesa

MEC – Ministério da Educação

PCNLP – Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa

PNLD – Programa Nacional do Livro Didático

PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes

SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica

SEDUC – Secretaria de Estado de Educação

TP – Caderno de Teoria e Prática

UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso

ZPD – Zona Proximal de Desenvolvimento

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................... 11

CAPÍTULO I – FORMAÇÃO DOCENTE, PCNLP, MATERIAL DIDÁTICO

E GESTAR II............................................................................................................. 15

1.1 O professor de Língua Portuguesa e os PCNLP.............................................. 16

1.2 Em foco: a formação continuada do professor de Língua Portuguesa............ 18

1.3 PCNLP: um novo direcionamento para o ensino........................................... 28

1.3.1 A prática de produção textual nos PCNLP...................................................... 29

1.4 Materiais didático-pedagógicos no ensino de Língua Portuguesa................... 37

1.5 GESTAR II: Programa de formação continuada............................................. 40

CAPÍTULO II – OS NOVOS PARADIGMAS E O ENSINO DE LÍNGUA

PORTUGUESA......................................................................................................... 42

2.1 Bakhtin e os gêneros do discurso..................................................................... 43

2.2 Características do enunciado concreto e compreensão ativa 53

2.3 Gêneros discursivos e gêneros textuais........................................................... 55

2.4 Letramento no ensino de Língua Portuguesa.................................................. 60

2.5 Capacidades de linguagem.............................................................................. 66

2.6 Algumas contribuições da teoria sociohistórica de Vygotsky para o ensino

de Língua Portuguesa.................................................................................................

70

CAPÍTULO III – METODOLOGIA DA PESQUISA...........................................

76

3.1 Objetivos e perguntas de pesquisa................................................................... 76

3.2 A perspectiva enunciativo-discursiva de Bakhtin como fundamento teórico

para a investigação científica...................................................................................... 77

3.3 Metodologia de geração de dados................................................................... 79

3.4 Critérios para a seleção do Caderno TP6 e da modalidade escrita.................. 82

3.5 O Guia Geral.................................................................................................... 84

3.5.1 Unidade 1 – O GESTAR II: Programa de Formação Continuada em

Serviço......................................................................................................................... 86

3.5.2 Unidade 2 – A Proposta Pedagógica do GESTAR II...................................... 87

3.5.3 Unidade 3 – Implementação do GESTAR II................................................... 95

3.5.4 Unidade 4 – O GESTAR II, as expectativas de mudança e a especificidade

do Programa em cada escola....................................................................................... 99

3.5.5 Unidade 5 – Procedimentos para utilização dos Cadernos de Atividades de

Apoio à Aprendizagem do aluno................................................................................. 99

3.6 Categorias de análise....................................................................................... 101

CAPÍTULO IV – ANÁLISE DE DADOS...............................................................

104

4.1 Unidade 22 – Produção textual: planejamento e escrita.................................. 104

4.2 Seção I – O planejamento................................................................................ 112

4.2.1 Seção II – O planejamento: estratégias........................................................... 129

4.2.2 Seção III – A escrita........................................................................................ 135

4.3 Atividades direcionadas ao aluno.................................................................... 139

4.3.1 Seção I – O planejamento................................................................................ 140

4.3.2 Seção II – O planejamento: estratégias........................................................... 147

4.3.3 Seção III – A escrita........................................................................................ 161

4.4 Capacidades indicadas nas propostas de produção textual.............................. 170

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 174

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................... 179

11

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, temos vivenciado grandes transformações políticas, econômicas,

culturais e sociais. O século XX, com a evolução da mídia e das tecnologias da informação e

da comunicação, por exemplo, trouxe novos interesses e necessidades para a sociedade. Os

avanços nessas áreas do conhecimento, em boa medida, estão vinculados ao armazenamento e

à transmissão de informação, o que requer do cidadão novas capacidades, no sentido de

transformá-la em conhecimento. Sua participação efetiva, nesse processo de mudanças, é

dependente, sobretudo, do domínio da escrita e este, por sua vez, de responsabilidade da

escola. Entretanto esse domínio tem se mostrado insuficiente para os novos tempos.

Considerando a escola como umas das responsáveis pelo ensino-aprendizagem de uma

prática de produção de textos diversos, alguns órgãos competentes têm se mobilizado na

busca de alternativas concretas para tal ensino, revendo, especialmente, métodos pedagógicos

e conteúdos, definindo novas propostas curriculares para a educação escolar.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, doravante PCNLP,

(BRASIL, 1998) constituem-se em um bom exemplo do que dizemos, pois é uma proposta

governamental de grande abrangência que visa, dentre outros fatores, melhorar a qualidade do

ensino de Língua Portuguesa (doravante LP). Nos documentos oficiais, é admitido um ensino-

aprendizagem mais significativo e contextualizado, cujos pressupostos centram-se no

desenvolvimento de competências/capacidades linguístico-discursivas do aluno. Além disso,

visam à formação de produtores de textos competentes, capazes de elaborar escritas coerentes,

coesas, eficazes e adequadas a cada situação sociocomunicativa, pois esta é uma das

condições que pode tornar o aluno cidadão politizado, consciente e ativo na sua comunidade.

Nessas diretrizes, a escrita é concebida como prática discursiva, uma vez que não é

uma atividade em si, mecânica, sem objetivos e propósitos, mas um ato interlocutivo,

vinculado a seus usos e a suas funções sociais, um processo dialógico entre homem e mundo.

A escola, assim, torna-se responsável por ensinar ao aluno tal prática, garantindo-lhe o acesso

aos conhecimentos linguístico-discursivos que lhe permitam exercer de fato sua cidadania, já

que é por meio da escrita que o sujeito se comunica, tem acesso à informação, defende seus

direitos, seu ponto de vista, construindo, assim, saberes vários.

Em vista dessa responsabilidade, alguns órgãos oficiais vêm demonstrando também

preocupação com a formação docente. Por isso, têm buscado desenvolver alternativas

práticas, teóricas e metodológicas para a melhor atuação desse profissional. O governo

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Federal, juntamente com as Secretarias de Educação, tem proposto ao professor cursos e

programas de atualização e capacitação, visando à (re)construção de conhecimentos diversos,

coerentes com os parâmetros estabelecidos pelos referenciais de ensino. Dentre tais

programas, destaca-se o Programa Gestão da Aprendizagem Escolar (doravante GESTAR II),

cujo foco é a melhoria do aprendizado dos alunos e o desenvolvimento de competências dos

educadores.

O GESTAR II é um programa de formação continuada em serviço, destinado a

professores de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries), destacando-se tanto

pela sua abrangência e aceitação quanto pelo seu caráter inovador, a saber, a modalidade

semipresencial, o formador e os Cadernos de Teoria e Prática (TP).

Considerando seu propósito, é pertinente verificarmos se o modelo GESTAR II

apresenta orientações que realmente habilitam o professor para a prática efetiva do ensino-

aprendizagem e se sua proposta vai ao encontro da atual tendência de ensino, possibilitando

ao professor o desenvolvimento das capacidades de linguagem implicadas no processo de

produção de textos. Isso se faz necessário, pois se o domínio dessas práticas não for efetivado

pelos professores nos cursos de formação continuada, infelizmente, os alunos podem receber

direcionamentos insuficientes para compreender a linguagem como interação humana e social

na produção de conhecimentos.

Nosso olhar está voltado para esse contexto de busca, de esforços realizados,

especialmente, pelas Secretarias de Educação, no que se refere à formação de professor em

processo contínuo, no sentido de oferecer a esse profissional o acesso aos novos paradigmas

de ensino. Enquanto professora de Língua Portuguesa, somos motivadas a buscar, através da

pesquisa, respostas para nossas ansiedades e a adequação necessária às práticas pedagógicas

nesse momento de mudanças no ensino.

Para nós, é importante a realização de trabalhos de análise de materiais didático-

pedagógicos de formação, ainda mais se levarmos em conta não só a necessidade da

população atual, como também os objetivos de ensino de LP, no que se refere à formação de

um aluno crítico, capaz de viver ativamente neste novo tempo. Se o ensino-aprendizagem,

hoje, é caracterizado por uma configuração inovadora, é pertinente pensar que o material

didático, nos cursos, também acompanhe essa lógica, contribuindo de fato para a formação de

professores. Acreditamos que o presente estudo possui relevância social para o meio

educacional, no que diz respeito, principalmente, à contribuição com as discussões

relacionadas à formação docente e materiais didático-pedagógicos utilizados na educação

continuada de professores, de modo a provocar reflexões por parte dos órgãos responsáveis, a

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saber, o Ministério da Educação (MEC) quanto às políticas adotadas na elaboração desses

materiais.

A pesquisa em questão tem como objeto de análise parte do material de formação

continuada do Programa GESTAR II, a saber, o Caderno TP61 e o Guia Geral

2. Assim, o

objetivo geral desta dissertação é analisar as orientações teóricas, bem como as questões de

produção escrita da Unidade 22, no interior do TP6, a fim de verificar se essas propostas

possibilitam aos professores o real desenvolvimento das capacidades de linguagem

necessárias no processo de produção de textos. Para darmos conta desse objetivo, lançamos

mãos das seguintes perguntas de pesquisa:

1) Quais capacidades de linguagem são mobilizadas no tratamento didático

dispensado às atividades de produção escrita para aluno e professor, no material selecionado?

2) As capacidades de linguagem identificadas em (1) atendem aos objetivos propostos

no GESTAR II, mais precisamente no TP6, para a formação continuada do professor,

considerando o atual paradigma de ensino de Língua Portuguesa?

Com base nas questões de nossa pesquisa, elencamos os objetivos específicos:

1) Analisar como dialogam as orientações teóricas do Guia Geral e do TP6 na

proposta de produção escrita para professores e alunos.

2) Comparar as atividades de produção escrita para os alunos no TP6 aos pressupostos

teórico-metodológicos apresentados ao professor no TP6.

3) Identificar as capacidades de linguagem mobilizadas nas propostas de ensino-

aprendizagem da escrita.

Esta pesquisa está estruturada em quatro partes.

1 TP6 (BRASIL, 2008b) é um dos Cadernos de Teoria e Prática que compõem o material do GESTAR II. Sob o

tema Leitura e processos de escrita II, esse caderno é disponibilizado ao professor-cursista do Programa no

momento inicial do curso. 2 O Guia Geral (BRASIL, 2008a) é um dos cadernos que compõem o GESTAR II. Esse material oferece aos

professores-cursista informações relativas à metodologia de trabalho, pressupostos teóricos, organização do

curso para que todas suas propostas e objetivos sejam compreendidos pelos professores.

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No capítulo I, discutimos as questões relacionadas à formação continuada do professor

de LP, defendendo uma postura reflexiva e crítica nesse processo, com base em Nóvoa (1992,

2009), Schön (1992), Kleiman (2001), Magalhães (2004), Ferreira (2003), Brito (2006), entre

outros. Depois, abordamos os PCNLP (BRASIL, 1998), tratando de alguns dos seus

pressupostos teóricos, tais como a concepção de língua(gem) e o ensino-aprendizagem de

escrita sob a abordagem enunciativo-discursiva, embasados, sobretudo, nesses documentos

oficiais, em Dolz e Schneuwly (2004), Reinaldo (2005), Barros-Mendes (2005), entre outros.

Ainda, neste capítulo, tratamos das mudanças ocorridas no ensino-aprendizagem de LP, assim

como das adequações dos materiais didático-pedagógicos às novas proposições curriculares,

dentro desse contexto. Para finalizar, apresentamos sucintamente, o Programa GESTAR II de

Língua Portuguesa.

No capítulo II, abordamos algumas das questões teóricas mais relevantes para nosso

trabalho, iniciando por uma explanação acerca da teoria dos gêneros, a partir de Bakhtin e seu

Círculo (2004[1929], 2003[1952-1953]), Fiorin (2006), Brait (2000, 2008), Sobral (2008,

2009), entre outros. Discorremos também acerca do conceito de letramento, baseando-nos em

Soares (1998, 2000), Kleiman (1995, 1998, 2005), Barbosa (2001), Paes de Barros (2005),

Rojo (2009b), entre outros; das capacidades de linguagem, a partir dos estudiosos da

Universidade de Genebra, Dolz e Schneuwly (2004), e Barros-Mendes (2005). Na sequência,

tratamos das contribuições da teoria sóciointeracionista, baseadas em Vygotsky (2007[1984],

1996[1987]), Oliveira (1997), Paes de Barros (2005), Freitas (2006) e Rego (2008).

No capítulo III, exibimos a metodologia utilizada para a realização da pesquisa e no

capítulo IV apresentamos a análise dos dados da pesquisa, com base no referencial teórico

abordado nos capítulos I, II e III.

Nas Considerações Finais, realizamos uma síntese dos resultados obtidos, com intuito

de responder às questões de pesquisa, apresentando algumas reflexões sobre os resultados.

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CAPÍTULO I

FORMAÇÃO DOCENTE, PCNLP, MATERIAL DIDÁTICO E GESTAR II

Desde o final da década de 1990, a implantação dos PCNLP3 (BRASIL, 1998) tem

causado variados reflexos na educação brasileira, sobretudo, no que se refere ao novo

direcionamento dado ao ensino de Língua Portuguesa4. Essa diretriz curricular, que traz em seu

bojo concepções e perspectivas teórico-metodológicas classificadas como inovadoras,

representa, atualmente, o ideal de ensino no país, já que apontam para mudanças efetivas no

sistema educacional.

Todavia, acreditamos que, para sua efetivação no ensino-aprendizagem de língua

materna, é preciso uma formação — inicial e continuada — eficiente e de qualidade, que

contribua tanto para a reflexão sobre as propostas desse material quanto para a discussão dos

problemas e das soluções, no que diz respeito à prática pedagógica do professor. Como

pondera o próprio documento,

a formação dos professores se coloca, portanto, como necessária para que a

efetiva transformação do ensino se realize. Isso implica revisão e atualização

dos currículos oferecidos na formação inicial do professor e a implementação

de programas de formação continuada que cumpram não apenas a função de

suprir as deficiências da formação inicial, mas que se constituam em espaços

privilegiados de investigação didática, orientada para a produção de novos

materiais, para a análise e reflexão sobre a prática docente, para a

transposição didática dos resultados de pesquisas realizadas na linguística e

na educação em geral (BRASIL, 1998, p. 67).

Neste capítulo, apresentamos o que se constitui em um elemento fundamental na

imensa discussão acerca do ensino de LP, prosseguindo em direção ao debate teórico sobre a

formação (continuada) do professor, ligado aos atuais paradigmas de ensino, tais como o

conceito de letramento, as concepções de língua(guem) e de escrita, veiculadas nos PCNLP

(BRASIL, 1998). Considerando que a formação docente é tratada por diferentes tendências,

no tocante à sua execução, pretendemos retomá-la, sem maiores aprofundamentos, sob o

enfoque crítico-reflexivo.

3 O leitor deverá levar em conta que estaremos, salvo citação explícita, sempre nos referindo aos Parâmetros

Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, de 3º e 4º Ciclos, do Ensino Fundamental (1998), haja vista que,

além desse, outros documentos prefigurativos existem, tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais de

Língua Portuguesa (1997); Parâmetros Curriculares do Ensino Médio de Língua Portuguesa (1999), PCN+

(2000), Orientações Curriculares do Ensino Médio (2006).

4 Neste trabalho, ao nos referirmos ao ensino de Língua Portuguesa, utilizaremos língua, língua materna, língua

portuguesa , ou, simplesmente, LP.

16

Na seção seguinte, são abordados aspectos dos PCNLP (BRASIL, 1998), relacionados

ao professor e sua prática.

1.1 O professor de Língua Portuguesa e os PCNLP

Os PCNLP (BRASIL, 1998) constituem-se em uma proposta do MEC que tem como

finalidade principal melhorar a qualidade da educação brasileira, garantindo às crianças e aos

jovens o acesso aos conhecimentos necessários para sua integração na sociedade moderna

como cidadãos ativos e responsáveis. A elaboração desse documento é resultado de um longo

trabalho que contou com a participação de muitos educadores brasileiros, estudiosos e

especialistas, e foi produzido no contexto das discussões pedagógicas daquele momento,

passando por várias críticas, sugestões e revisões até chegar à versão final. Os pressupostos de

tais diretrizes centram-se no desenvolvimento de competências/capacidades linguístico-

discursivas do aluno, no ensino contextualizado e significativo e, especialmente, na formação

de um indivíduo crítico, consciente e participativo, capaz de intervir seguramente no meio

social do qual participa.

Esse documento, destinado a um público diversificado de professores, das diferentes

regiões do país, se apresenta não só como um referencial, mas também como um conjunto de

reflexões que objetivam alimentar a prática pedagógica do educador. Além disso, traz visões

teórico-metodológicas recentes e diversas, visando ao ensino a partir do uso da linguagem

contextualizada, privilegiando, de tal modo, o trabalho com os gêneros do discurso. Isso

equivale a dizer que, na sala de aula, o ensino-aprendizagem da escrita, especificamente, deve

partir do uso possível aos alunos, permitindo-lhes conquistar novas

competências/capacidades.

Aliás, bem sabemos que o trabalho com os gêneros veio à tona5, ou ganhou maior

visibilidade, a partir da publicação desse material, pois os pesquisadores tomam-nos como

objeto de estudo. A opção por esse ensino mais significativo, ocorrida no final do século XX,

é resultado de um forte apelo, primeiro da Academia e depois de algumas ações

governamentais, em prol da leitura e, necessariamente, da escrita de textos que fazem parte do

universo extraescolar dos alunos, a fim de torná-los leitores e escritores proficientes e críticos,

conforme nos relembra Paes de Barros (2008). Segundo a autora, é justamente nesse contexto

5 É válido lembrar que o debate acerca da noção de gêneros já existia no Brasil antes mesmo da elaboração dos

PCNLP (BRASIL, 1998). Trata-se de uma discussão antiga travada, principalmente, no meio acadêmico, no

campo da Linguística Aplicada (GOMES-SANTOS, 2004).

17

que gêneros pertencentes a diferentes esferas sociais (publicitária, artística, religiosa, entre

outras) ganham espaço no meio escolar, como instrumento de ensino-aprendizagem dessas

práticas. Por isso, é impossível não admitir que tal parâmetro representa um avanço nas

políticas educacionais brasileiras, principalmente, em relação ao ensino-aprendizagem de

escrita sob um enfoque enunciativo-discursivo. Mas também não se deve esquecer das

variadas críticas que ele tem recebido, dentre as quais se encontra aquela acerca da sua autoria

difusa e das concepções que são, por vezes, abordadas superficialmente, quando não,

contraditoriamente.

Na verdade, na opinião de Silva (2001, p. 102), essa diretriz oficial possui ―uma falha

textual, pois, ao tentar simplificar os conceitos, o documento transforma-se num aglomerado

de noções mal formuladas e incompreensíveis‖, o que só contribui para a perda da essência da

proposta, ou seja, ela acaba se transformando em uma mera ―lista‖ de itens indicados para a

prática pedagógica em sala.

Considerando essas questões, reiteramos que as duras críticas a tal documento não

podem ser desconsideradas, mas, antes de tudo, seu valor social deve ser reconhecido e

enfatizado, como bem destacam vários autores (ROJO, 2000; BARBOSA, 2001; SILVA,

ASSIS, MATENCIO, 2001; PETRONI, 2008). De qualquer modo, os Parâmetros têm sua

atuação ―nas políticas linguísticas contra o iletrismo e em favor da cidadania crítica e consciente‖

(ROJO, 2000, p.27). Além disso, traz contribuições valiosas para o campo do conhecimento

didático-pedagógico da atuação docente em sala de aula, bem como para o processo

interlocutivo entre professor e aluno, evidenciando-se, sem dúvida, como subsídios e

orientações que auxiliam o educador em seu cotidiano escolar.

Em virtude disso, compreendemos que a efetivação, assim como a adoção da proposta

veiculada nesse documento oficial, constitui-se em um desafio para o docente, sobretudo para

aquele formado há mais tempo6, que não teve contato com os conceitos trazidos por tal

diretriz. Aliás, para que um ensino por meio dos gêneros, por exemplo, conforme apontam os

PCNLP (BRASIL, 1998), se torne exequível, é preciso um real domínio de teorias e métodos,

algo que a maioria dos professores ainda não alcançou. Muitos (até) têm tentado realizar esse

trabalho com gêneros do discurso, mas, na prática, ainda realizam mesmo o trabalho com

tipologias textuais (BARBOSA, 2000).

6 As matrizes curriculares de muitos cursos de Letras, no Brasil, hoje, já incluíram esses conteúdos (gêneros) em

suas grades de ensino.

18

Para um ensino de língua materna mais concreto, que forme sujeitos críticos e

conscientes do seu papel social, é preciso que se oportunize ao educador não leituras

simplificadas (às vezes, rasas), mas aprofundamentos teóricos, metodológicos, conhecimento

amplo a respeito de teorias várias que embasam as orientações oficiais, com a devida atenção

que um estudo como esse merece. Nas palavras de Pompílio, Mori-de-Angelis, Oliveira, Silva,

Barbosa e Nunes (2000), um aprofundamento das teorias que compõem os PCNLP (BRASIL,

1998) demanda práticas mediadoras que permitam uma discussão, de fato, sobre o que neles

se propõe. Isso compreende, sem dúvida, um trabalho de formação docente continuada, além

da elaboração de textos de apoio, nos quais se esclareçam algumas de suas ideias, e da

confecção de materiais didáticos que respondam às questões propostas por essa diretriz

curricular. Só assim haverá uma efetiva transformação do espaço escolar, pois concordamos

com Moita Lopes (2003, p. 31): ―não se pode transformar o que não se entende‖.

Nessa mesma direção, fazendo coro às vozes, compartilhamos com a opinião de

Barbosa (2000), que reconhece o valor de tal documento para a educação e destaca: ―para que

seus efeitos possam ser potencializados a médio e a longo prazos, fazem-se necessárias outras

modalidades de intervenção‖ (BARBOSA, 2000, p.149). Assim, afirmamos que é preciso

uma real formação continuada de professores e demais educadores; sem isso, não haverá

mudanças concretas na direção pretendida quanto ao ensino-aprendizagem de Língua

Portuguesa.

Na seção seguinte, então, tecemos algumas considerações sobre a formação do

professor.

1.2 Em foco: a formação continuada do professor de Língua Portuguesa

Diante das questões expostas, envolvendo os PCNLP (BRASIL, 1998),

compreendemos que, apesar das preocupações dos órgãos responsáveis em solucionar os

problemas do ensino de LP, para uma transformação efetiva não basta, somente, mudar

teorias e métodos ou, muito menos, definir propostas curriculares; é preciso investir

maciçamente na formação e na qualificação (eficiente) do professor. A formação desse

profissional é um assunto também frequente na pauta dos debates educacionais, não só na

Academia — em teses, dissertações, artigos — como também nos diversos outros contextos

sociopolíticos — escola, imprensa, instâncias governamentais etc. Em meio a essa discussão

sobre a formação, como não poderia deixar de ser, encontra-se o professor, tido, muitas vezes,

como mal preparado para a atuação docente.

19

Vivemos atualmente em uma nova era, na sociedade do conhecimento, da informação

e do avanço tecnológico, em que se exige cada vez mais o domínio de variadas

capacidades/competências de qualquer profissional. Nesse contexto, as severas críticas em

relação ao educador têm se tornado constantes, sobretudo, no que diz respeito ao fato de ele

não conseguir promover o desenvolvimento em seus aprendizes, através da leitura e da escrita,

de capacidades reais que lhes permitam participar efetivamente da vida social. Isso parece

estar comprovado nos resultados insatisfatórios de exames7 estudantis, que pretendem medir

as capacidades e competências leitoras e escriturais dos alunos. Dizemos isso, pois, para

muitos, os resultados desses testes, nos diversos níveis, têm servido (somente) para ―trazer a

público a situação do ensino e da aprendizagem nas escolas e a precariedade na formação dos

professores‖ (ANDRÉ, 2009, p. 247).

Esses resultados não só refletem a qualidade da educação, como também direcionam a

atenção para o educador e para sua formação — inicial e/ou continuada. O que se tem

observado, portanto, é que, na maioria das vezes, a culpa do insucesso nas avaliações, assim

como no ensino de língua, recai, especialmente, sobre o professor e sobre seu processo

formativo, considerados insuficientes por não atenderem às necessidades da sociedade atual.

Enfim, parece ser consenso, para grande parte da população, que a formação profissional de

que dispõe o professor brasileiro não contribui eficientemente para que os alunos tenham

sucesso na aprendizagem escolar e sejam transformados em cidadãos conscientes e reflexivos,

capazes de viverem dignamente nesse novo tempo.

Em relação à formação docente, Brito (2006) elucida que, antigamente, formar

professores consistia em dotá-los de competência e habilidade instrumentais, e o processo

formativo desse profissional apoiava-se em modelos tecnocratas (no predomínio de técnicas)

que os preparavam para executar com eficiência o saber-fazer. Entretanto, os tempos

mudaram, as necessidades da população são outras; por isso, nos dias atuais, há emergência de

novas reflexões sobre a formação e a prática docente. Para a autora, essas reflexões dizem

respeito ao delineamento de uma nova racionalidade formativa, cujo objetivo é formar um

professor que, além de dominar os saberes específicos da sua profissão, constitua-se como um

indivíduo capaz de responder às diversas situações que marcam a práxis docente.

Dessa forma, impera a necessidade de um profissional extremamente qualificado, que

exerça a docência de modo efetivo nessa sociedade tão complexa, o que demanda,

inevitavelmente, uma educação docente continuada eficiente, diferente daquela transmissiva,

7 SAEB, ENEM, PISA, Prova Brasil, entre outros.

20

ligada ao praticismo pedagógico e à racionalidade técnica; necessita-se, portanto, de uma

formação dotada de postura autônoma, crítica e reflexiva, capaz de trazer o professor para o

centro do processo, fazendo-o refletir sobre sua própria prática, transformando-a. Hoje, impõe-

se a necessidade de uma educação que valorize as ações pedagógicas do professor,

preparando-o efetivamente para enfrentar as mudanças educacionais da sua época.

Ressaltamos essa necessidade, apesar de reconhecermos que programas de capacitação

profissional existem; no entanto, tem-se observado que muitos dos cursos oferecidos por esses

programas nem sempre consideram o principal agente do processo de ensino: o professor.

Além disso, não tratam, com o devido aprofundamento, as abordagens teórico-metodológicas,

oferecendo, muitas vezes, materiais didáticos incoerentes com a proposta atual de ensino-

aprendizagem de LP, contribuindo pouco para a formação desse profissional.

Um exemplo dessa incoerência pôde ser observado por Magalhães (2004, p. 61), na

sua lida com a formação contínua de educadores, no que se refere ao modo como as

concepções de linguagem, de mundo, de ensino-aprendizagem, são enfocadas nesse contexto.

Segundo a autora, a maneira como são concebidas essas práticas nem sempre possibilita ao

cursista ―a desconstrução de representações tradicionais que têm uma sólida base em uma

pedagogia que entende ensino-aprendizagem como transmissão e devolução de conhecimento

e está apoiada em um conceito estruturalista de linguagem‖. Essa autora (2001) relembra

ainda que muitos desses cursos oferecem ao participante um ―pacote‖ de novidades, com

teorias inovadoras e receitas prontas que não alteram a práxis docente; parecem mesmo

acreditar que somente o conteúdo é suficiente para preparar esse profissional, ou seja, acabam

ignorando o fato de que o conhecimento é um processo, em que o educador, em curso,

engajado na prática, também o produz.

Em face dessas colocações — de teorias desatualizadas, de concepções incoerentes

com o ensino atual — compreendemos que uma formação inadequada pode levar, de fato, o

professor a reproduzir na sala de aula conteúdos teóricos antiquados e/ou descontextualizados.

Por essa razão, entendemos que a formação continuada é [deveria ser] o espaço ideal não só

para refletir sobre as práticas pedagógicas atuais e/ou antigas, a vida pessoal e profissional do

professor, como também para desconstruir saberes cristalizados e/ou construir outros saberes,

de preferência, partindo sempre do cotidiano escolar.

Essa ideia parece aproximar-se da que vem sendo assumida, desde os anos 1990, sobre

a formação de um professor reflexivo. Sabe-se que esse conceito de profissional reflexivo foi

revitalizado pelo norte-americano Donald Schön (1992), que defende uma formação docente

fora dos moldes normativos, isto é, aqueles que dão ênfase à transmissão do conhecimento e

21

em que se apresentam primeiro os princípios científicos e depois sua aplicação. Ao contrário,

esse autor propõe uma educação reflexiva, desde a formação inicial (até a continuada),

embasada no tripé conhecimento na ação (saber-fazer), reflexão na ação (pensar sobre o

fazer), reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação (analisar criticamente o saber fazer).

Sem dúvida, esse modelo possibilita um olhar diferenciado para a educação atual,

favorecendo uma formação docente mais concreta, adequada às novas exigências do mundo

globalizado.

Nessa perspectiva, o saber sobre o ensino não se antecipa ao fazer o ensino, não se

dando mais antes do fazer pedagógico, como estabelecia o modelo tradicional. Ao contrário

disso, parte-se da prática, do conhecimento na ação, refletindo sobre ela e questionando-a,

embasado, é claro, pelo saber teórico; depois, compreendem-se os problemas e conflitos

vivenciados na sala de aula, analisando-os criticamente, criando meios para solucioná-los.

Tal postura reflexiva permite, de fato, ao aluno/professor a discussão, a comparação, a

investigação, bem como a participação no seu processo de construção de conhecimento, visto

que, nessa concepção, cada situação problemática, na escola, por exemplo, é entendida na sua

peculiaridade, devendo ser tratada dentro do seu contexto imediato, sem, necessariamente, o

rigor das aplicações técnicas. A esse respeito Schön (1990 apud PORTO, 2000, p. 20) tece

algumas considerações:

As zonas indeterminadas da prática — incerteza, singularidade e conflito de

valores — escapam aos cânones da racionalidade técnica. Quando uma

situação problemática é incerta, a solução técnica do problema depende da

construção prévia de um modelo bem definido — o que em si mesmo não é

uma tarefa técnica. Quando um prático reconhece uma situação como única,

não pode tratá-la apenas através da aplicação de teorias e técnicas derivadas

do seu conhecimento profissional. E, em situações de conflito de valores,

não há metas claras e consistentes que guiem a seleção técnica dos meios.

A partir das ideias de Schön (1992), Porto (2000) entende que as práticas crítico-

reflexiva, criativo-inovadora, autônomo-transformadora passam a se impor como condição

construtiva da vida pessoal e profissional do educador, rompendo, evidentemente, com o

conhecimento produzido fora da profissão docente, descontextualizado. Como não poderia

deixar de ser, a formação continuada, que está associada ao processo qualitativo de práticas

formativas e pedagógicas do professor, passa a adotar como referências as dimensões

coletivas das práticas, contribuindo para a autonomia e para a consolidação da profissão

docente (PORTO, 2000, p. 14-15). Nessa perspectiva, o professor é capaz de construir o

22

conhecimento pedagógico a partir do cotidiano escolar, desenvolvendo, assim, uma prática

transformadora e um processo contínuo de reflexão na e sobre a ação.

Para Brito (2006), a formação desse profissional se dá em um processo dinâmico de

construção de significados, que deve ser de preferência articulado com a realidade

socioeducacional. Isso equivale a dizer que tal percurso deve tomar como referência a prática

concreta da escola, evitando-se, assim, o distanciamento entre o saber privilegiado da

instituição (acadêmica) e os saberes que emergem na sala de aula, haja vista que o exercício da

docência implica, necessariamente, a mobilização de diversos tipos de saberes. Tardif (1991

apud BRITO, 2006) elucida que os saberes pedagógicos — aqueles que possibilitam a

reflexão sobre a prática educativa mais ampla, assim como os disciplinares — que envolvem

variados campos do conhecimento, e os curriculares — que são selecionados no contexto da

cultura erudita — devem estar relacionados ao saberes da experiência, aqueles construídos na

prática escolar, porque é nesse espaço que não só afloram os problemas como também se

produzem alternativas para solucioná-los. É nesse contexto que se (re)constroem métodos de

ensino, plano, articulações etc. Sem dúvida, mobilizando esses diversos saberes o professor

terá embasamento para responder às exigências específicas das situações de ensino.

Advogando em nome da eficácia dos modelos de educação continuada que investem,

em boa medida, na formação do professor enquanto profissional reflexivo, Kleiman e

Signorini (2000 apud MAGALHÃES, 2001, p. 248) propõem uma (auto)formação via

letramento, por meio de um processo reflexivo. Esse tipo de formação compreende ―a

autonomia do professor através da transformação e do enriquecimento de suas práticas de

leitura e escrita‖. Nesse molde, tal processo ocorre primeiramente na instância pessoal, para

depois e/ou simultaneamente mostrar sinais na vida profissional, além de se considerar de fato

as necessidades reais de conhecimento do educador e as dificuldades enfrentadas por ele na

sala de aula.

As autoras concebem que a formação docente é constituída de práticas letradas,

voltadas não só para sua vida profissional como também individual. Partindo disso,

compreendemos que, nas discussões educacionais, em qualquer espaço social, inclusive no

escolar, não se pode (jamais) perder de vista o professor, suas particularidades e suas

verdades. Afinal, vale dizer mais uma vez, que ele é a ―peça‖ chave nesse imenso ―quebra-

cabeça‖ ou, melhor dizendo, não basta alterar métodos e teorias curriculares sem considerar,

de fato, o principal agente do processo de ensino-aprendizagem: o professor.

Somos a favor dessa postura, pois temos percebido que, nas várias discussões sobre

educação escolar, especialmente aquelas veiculadas na mídia, o professor de LP parece não

23

participar, efetivamente, ficando às vezes no meio de ―um fogo cruzado‖. Na verdade, ele

acaba sofrendo com tantas mudanças educacionais, com tantas críticas à sua prática docente,

com os inúmeros questionamentos sobre seu processo formativo, sua profissão, seu

letramento e sua vida. Aliás, ao longo da história, o educador vem enfrentando diversas

críticas sobre sua práxis pedagógica, além do desprestígio da sua profissão, da falta de

estrutura no espaço de trabalho, dos baixos salários, da sobrecarga de serviço, entre tantos

outros fatores. Em meio a tudo isso, muitas vezes, ele (enquanto cidadão) é esquecido e

ignorado, ou seja, reporta-se tanto à sua vida profissional, de forma crítica e severa, que se

esquece de olhar o outro lado da ―moeda‖.

Nesse sentido, entendemos que as inúmeras transformações na educação devem ser

compreendidas dentro de um contexto sócio-histórico, porque, é sabido, a democratização do

ensino, no início do século passado, trouxe um aumento significativo do número de alunos

para a escola, implicando, obviamente, o aumento de professores. Entretanto, para atender à

demanda, a formação desses profissionais ocorreu, muitas vezes, de modo indiscriminado e

com a oferta de cursos rápidos, nem sempre de qualidade, contribuindo, assim, para a

fragilidade do sistema, segundo Matencio (2000 apud STRIQUER, 2009).

Na defesa de que essas mudanças educacionais sejam acompanhadas de reflexões

concretas, tanto sobre a formação quanto sobre o perfil socioeconômico-cultural docente,

Silva, Assis e Matencio (2001) relembram o fato de que ultimamente tem chegado às diversas

universidades do país, por exemplo, um alunado de Letras com defasagem em leitura e

escrita. Isso ocorre, certamente, porque a maioria desses alunos não teve acesso a tais práticas

na sua infância ou ao longo de sua vida escolar e extraescolar. Infelizmente, o que se

encontra, geralmente, nos espaços acadêmicos são alunos com pouca familiaridade com as

novas tecnologias e, por trabalharem durante o dia e estudarem à noite, não têm condições de

se dedicar ao estudo fora do seu horário de aula. Além do mais, muito desses graduandos

provêm de famílias de baixa escolaridade, de grupos socialmente desfavorecidos, e sua

entrada numa universidade, especialmente na pública, representa uma grande conquista,

resultante do seu esforço e sacrifício em busca de ascensão social (SILVA; ASSIS;

MATENCIO, 2001). Portanto, todas essas questões não devem, de modo algum, ser

ignoradas, principalmente, nos espaços de formação continuada. Tendo em vista esses

profissionais como atores humanos, prenhes de histórias, de ações e práticas (LATOUR, 2004

apud SILVA, 2006), é preciso considerar as possibilidades das quais usufruíram ao longo da

sua vida,

24

as restrições pelas quais passaram, inventariar as situações vividas e as

formas como as enfrentam, bem como os comportamentos advindos de sua

ação no mundo social [...] é necessário debruçar-se sobre os fatores sociais,

considerando as diversas esferas da atividade humana determinadas por sua

inserção cultural, responsáveis pelo desenvolvimento psíquico dos sujeitos.

É preciso considerar as elaborações, os procedimentos e as demandas a que

os sujeitos devem responder em diferentes situações de seu cotidiano

(VÓVIO; SOUZA, 2005, p. 46).

Somente dessa maneira, conhecendo melhor os professores, trazendo suas múltiplas

histórias para o espaço de formação (não só este como as demais esferas sociais), estabelecer-

se-á uma aproximação entre o professor e a academia8, o professor e a sociedade, construindo

uma interlocução mais dialógica (GUEDES-PINTO; GOMES; SILVA, 2005, p. 66), capaz de

mudanças efetivas na práxis pedagógica. Somente desse modo, será possível um outro ―olhar‖

da sociedade para essa profissão, haja vista o constante interesse público pelos assuntos

educacionais.

Em relação a isso, Nóvoa (2009) nos faz relembrar que, paradoxalmente a esse

interesse público, tem-se notado, também, a ausência do professor em meio a essas

discussões, nos dias atuais. Segundo o autor (2009, p. 22), ―fala-se muito das escolas e dos

professores. Falam os jornalistas, os colunistas, os universitários, os especialistas. Não falam

os professores‖. Parece que vem ocorrendo, sistematicamente, uma espécie de silenciamento

da profissão, que, de certo modo, perdeu sua visibilidade nas relações sociais. Por isso, o

pesquisador também defende a necessidade de se construírem, urgentemente, políticas

públicas que reforcem o educador, seus saberes, seu campo de atuação, e que valorizem,

efetivamente, a sua cultura. Vale ressaltar que o lugar de formação constitui-se em um espaço

fundamental capaz de, efetivamente, reforçar essa presença pública do professor na sociedade.

Em relação à educação escolar, na nova realidade social em que vivemos, educar na

heterogeneidade das situações, sujeitos capazes de atuarem competentemente nas diferentes

esferas de atividade humana constitui-se em grande desafio para qualquer profissional da

educação (SOCORRO, 2009). Hoje, a sala de aula é concebida como um espaço complexo,

onde o professor encontra dificuldades de toda ordem, onde várias coisas acontecem ao

mesmo tempo, escapando, às vezes ao seu controle (SILVA, 2006).

Acreditamos que é exatamente nesse contexto que o docente precisa mobilizar os mais

variados saberes para solucionar problemas e para enfrentar determinadas situações que

8 Magalhães (2001, p. 249) destaca que a academia, na formação inicial, não tem conseguido realizar essa tarefa:

investir no letramento do professor. Isso ocorre, certamente, ―por não se ter convencido ainda de que a clientela

que hoje chega aos bancos universitários é consideravelmente diferente de três décadas atrás‖.

25

surgem no interior dessa instituição. Segundo Brito (2006), para resolver questões escolares, o

professor precisa mobilizar não só o conhecimento teórico como também o experiencial. Isso

equivale a dizer que sua ação não pode se limitar à mera aplicação e transmissão de

conhecimentos técnicos; ao contrário, ele precisa ser capaz de transformar esses saberes

diante da situação complexa que é a sala de aula. Essa questão nos remete, como não poderia

deixar de ser, a outro assunto bastante debatido no meio educacional. Trata-se da inter-relação

entre teoria educacional e prática docente, ou da desarticulação que muitas vezes existe entre

ambas.

Sabemos que a grande crítica existente hoje é que muitos cursos de formação docente,

tanto inicial como continuada, nem sempre conseguem relacionar essas duas ―modalidades‖.

Ao contrário, reduzem-nas a uma dicotomia estanque, desarticulada, expondo o aluno (futuro

professor) à disciplina teórica, mas não o levando a realizar a transposição dos saberes

aprendidos para a situação prática na sala de aula. Muitos cursos ainda desenvolvem um

currículo composto de conteúdos teórico-metodológicos, em que não há confrontos, reflexões

e nem análises de seus elementos constitutivos; disso advém a grande dificuldade encontrada

pelos alunos/professores em colocá-los em prática.

Rafael (2001) assevera que esses cursos de formação, tantos os iniciais quanto os

continuados, precisam dar conta dessa relação teoria/prática, o que não significa simplesmente

expor aluno/professor às informações teóricas. Trata-se de articular as duas ―modalidades‖

permanentemente durante todo o ensino-aprendizagem, uma vez que uma depende da outra

para terem real significado, pois, distanciadas, acabam gerando equívocos na ação docente.

Nesse sentido, Pimenta (2005) igualmente esclarece que a atividade teórica por si só não leva

à transformação da realidade, não se objetiva, assim como a própria prática também não

responde por si mesma, não se concretiza.

Embora muitos professores tenham como referência na sua formação inicial este tipo

de ensino, às vezes, mediado por estruturas fragmentadas, a situação que se apresenta hoje

requer desses profissionais um novo olhar e um novo pensar sobre a educação, isto é,

educadores que reflitam diariamente sobre e durante as suas práticas pedagógicas. Nesse

aspecto, a formação por meio dos moldes reflexivos representa um caminho promissor para

mudanças efetivas na educação. O apoderamento efetivo dessa perspectiva possibilita ao

educador compreender, entre vários fatores, os problemas constantes da falta de articulação

entre teorias e práticas pedagógicas, visto que esse tipo de profissional se caracteriza,

justamente, como um indivíduo criativo, capaz de significar e ressignificar o ensino,

analisando e criticando a sua própria prática, a fim de agir sobre ela, modificando-a. Na

26

perspectiva crítico-reflexivo, o professor deixa de ser considerado um simples ―aplicador de

teorias‖ e assume o papel de quem também produz e constrói conhecimentos, a partir dos seus

saberes e experiências.

Em relação a esse pensamento contemporâneo, que faz emergir as esferas do cotidiano

e os letramentos dos professores, Oliveira (2006, p. 102) alerta para o risco de serem criados

outros ―mitos para além daqueles que se pretende combater, como por exemplo, a ilusão de

que a observação e a reflexão sobre a sala de aula, por si só trariam contribuições para a

compreensão da prática docente‖. Compreendemos, sem dúvida, a preocupação da autora,

mas recorremos às palavras de Nóvoa (2009, p. 33) para refletir que

não se trata de adoptar uma qualquer deriva praticista e, muito menos, de

acolher as tendências anti-intelectuais na formação de professores. Trata-se,

sim, de abandonar a ideia de que a profissão docente se define,

primordialmente, pela capacidade de transmitir um determinado saber.

Tendo em vista o foco das discussões deslocar-se para a prática dos professores,

compreendemos que, de modo algum, deve-se descartar o debate sobre o papel da teoria, dos

conhecimentos científicos, em sala de aula, nos cursos de formação inicial ou continuada, ou

seja, a reflexão sobre a prática, sobre a ação, não dispensa a reflexão sobre a teoria, as quais

devem ser tratadas como uma unidade, indissociavelmente.

Para um bom desempenho na práxis docente, faz-se necessário que o professor

domine os conteúdos específicos de sua disciplina, tendo clareza de como esses se

transformam em objetos de ensino, por meio da transposição didática. Para o aluno/professor

conciliar melhor essas tarefas, é preciso haver mais reflexão sobre esses temas, não só nos

cursos de licenciatura, como também nos continuados. Afinal, a falta de reflexão e de ensino

da transposição didática não só prejudica o letramento do professor, como também ocasiona

equívocos na sua ação pedagógica na sala de aula, acarretando sérias consequências ao ensino

de LP, que não terá significado social para aluno; logo, não transformará sua realidade.

Isso tudo se coloca como um grande desafio não só para os programas de formação

continuada como também para o profissional da educação, pois, ao nosso ver, é preciso que

ele, enquanto pessoa compromissada com os interesses educacionais, desafie-se, no sentido de

acompanhar as mudanças atuais; como agente mediador, esteja engajado no ensino, tendo

postura e atitude críticas e transformadoras diante da atual situação, mesmo que isso seja uma

tarefa árdua.

27

Vale a pena lembrar ainda que, neste século, a realidade dos avanços tecnológicos e

das mudanças socioculturais sublinha e exige cada vez mais da docência escolar constante

(re)significação de papéis. Para discutir tais questões, a educação continuada se torna um

espaço ideal de produção de saberes. Ferreira (2003), advogando em favor dessa formação,

pontua que vivemos numa época de exigência de muita qualificação para todo tipo de

profissional, de todas as áreas do conhecimento, o que torna as necessidades educacionais da

população cada vez maiores. A autora ressalta também a necessidade de o profissional

acompanhar as mudanças atuais, senão estará, de certa forma, inabilitado para o trabalho e

para a vida social.

Acreditamos, portanto, que juntamente às necessidades surgidas nessa nova era,

exigindo diversas capacidades/competências de qualquer profissional, encontra-se a

necessidade de um ensino de qualidade, que vá além do cumprimento de metas e de planos

governamentais; um ensino contínuo que promova de fato a reflexão, o aperfeiçoamento das

ações docentes, o letramento profissional, considerando o pessoal; um ensino que possibilite o

diálogo crítico e reflexivo entre teoria e prática, além de estudos concretos, aprofundados e

coerentes com as tendências atuais de ensino. Enunciando de outro modo, impera atualmente,

na educação brasileira, a necessidade urgente da implantação de medidas públicas que

possibilitem ao professor um estudo contínuo, efetivo, que vá além de um programa de

educação inicial e continuada. É necessário atentarmos para a qualidade dos cursos de

formação que, às vezes, trabalham com métodos desarticulados da prática docente, "vagos" e

nem sempre aplicáveis.

Resumindo, então, é preciso que se invista — maciçamente — na formação

continuada, criando condições e capacitando os profissionais, formadores de professores, para

que cumpram, realmente, sua função de mediador, colaborador, orientador e de agente, para

que, no fim, contribuam, de fato, para o aperfeiçoamento da autonomia do professor de LP na

sua prática pedagógica, permitindo-lhe o desenvolvimento de um trabalho baseado em

competências/capacidades enunciativo-discursivas.

Na seção seguinte, discutimos questões referentes aos PCNLP (BRASIL, 1998) e sua

inserção no meio educacional. Essas questões dizem respeito não apenas ao

redimensionamento do ensino-aprendizagem de LP, a partir da publicação das diretrizes

oficiais, bem como à nova organização curricular no tocante às concepções de ensino. Sendo

assim, fazemos uma breve menção a algumas dessas concepções (de língua e de escrita) que

contribuíram para redirecionar o ensino de escrita, enfatizando também as competências

propostas por tal diretriz.

28

1.3 PCNLP: Um novo direcionamento para o ensino

Nas últimas décadas, temos assistido, no Brasil, a várias transformações no ensino de

LP, conforme discutimos ao longo do texto. Grande parte dessas mudanças deve-se à

elaboração e à publicação dos PCN de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998), os quais

representam um avanço nas políticas educacionais, pois apresentam propostas com o objetivo

de ampliar e aprofundar um debate educacional, envolvendo escolas, pais, governos e

sociedade. Além disso, pretendem se constituir como referência para as discussões

curriculares no ensino, contribuindo com técnicos e professores no processo de revisão e

elaboração de propostas didáticas, na formulação de projetos pedagógicos adequados às

necessidades de cada região, materializando-se, assim, numa proposta aberta e flexível, capaz

de incentivar os envolvidos à discussão, à reflexão e à elaboração contínua de currículos.

As ideias básicas contidas nos PCNLP (BRASIL, 1998) refletem, muito mais do que

uma mera mudança de conteúdos, uma mudança de filosofia de ensino-aprendizagem, como

não poderia deixar de ser; por isso, propõem a organização dos conteúdos de língua materna

em dois eixos: as práticas do uso e as práticas de reflexão sobre a língua e a linguagem. A

primeira envolve aspectos que caracterizam o processo de interlocução, isto é, a historicidade

da linguagem e da língua, a constituição do contexto de produção, o lugar e o momento de

produção, o sujeito enunciador, a finalidade da interação, entre outros elementos. Essa

orientação deve pautar tanto a prática de escuta e de leitura quanto a prática de produção de

textos orais e escritos. Já a segunda — a prática de reflexão sobre a língua(gem) — abrange

aspectos ligados à análise linguística, tais como a variação linguística, a organização

estrutural dos enunciados, os processos de construção de significação, entre outros. Segundo

os PCNLP (BRASIL, 1998, p. 36),

[...] os conteúdos do eixo REFLEXÃO, desenvolvidos sobre os do eixo USO,

referem-se à construção de instrumentos para análise do funcionamento da

linguagem em situações de interlocução, na escuta, leitura e produção,

privilegiando alguns aspectos linguísticos que possam ampliar a

competência discursiva do sujeito.

Nesse modo de organização do ensino, em que se articulam os conteúdos nos

respectivos eixos, o ponto de partida, bem como o de chegada, do ensino de LP é a produção e

recepção de discursos. Por isso, no processo de produção de textos, devem-se considerar os

aspectos enunciativos, tais como: a historicidade da linguagem e da língua; a constituição do

contexto de produção, representações de mundo e interações sociais; as implicações do

29

contexto de produção na organização dos discursos: restrições de conteúdo e forma

decorrentes da escolha dos gêneros e suportes; as implicações do contexto de produção no

processo de significação (BRASIL, 1998, p.35).

Haja vista que o ensino de LP deve considerar a linguagem no seu funcionamento

discursivo, os PCNLP (BRASIL, 1998) assinalam, aqui, a importância do seu domínio para a

efetiva participação social:

o domínio da linguagem, como atividade discursiva e cognitiva, e o domínio

da língua, como sistema simbólico utilizado por uma comunidade

linguística, são condições de possibilidade de plena participação social. Pela

linguagem os homens e as mulheres se comunicam, têm acesso à

informação, expressam e defendem pontos de vista, partilham ou constroem

visões de mundo, produzem cultura (BRASIL, 1998, p. 19).

Outrora, certamente, o que existia era um ensino prescritivo, que privilegiava a

gramática normativa, descontextualizada, com frases soltas, e o trabalho restrito à variedade

escrita culta da língua. Hoje, nota-se uma proposta, ou ao menos uma tentativa, de

distanciamento dessa tradição gramatical, pois o ensino de língua materna visa a ultrapassar o

nível da palavra e da frase, além de trazer novas orientações para o ensino de leitura e

produção de textos.

Atualmente, o que se vê nos PCNLP (BRASIL, 1998) é uma nova concepção de

língua(gem), de base sociointeracionista, que a concebe como forma de interação, atividade

discursiva, orientada por uma finalidade específica, como um processo de interlocução que se

realiza nas práticas sociais, existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos

momentos de sua história.

Na próxima seção, abordamos a prática de produção de escrita nesse material.

1.3.1 A prática de produção textual nos PCNLP

Juntamente a concepção de linguagem como interação, as diretrizes oficiais trazem

uma nova concepção de escrita, a qual vem sofrendo variações ao longo dos anos. Tais

variações provocaram, sem dúvida, mudanças nas propostas de ensino-aprendizagem de

produção de textos e influenciaram a elaboração desses documentos.

Reinaldo (2005) explica que tais variações do conceito de escrita resultam dos

diversos pontos de vistas dos estudiosos, no tratamento da produção de textos, dentre os quais

se destacam dois: um que trata o texto como produto e outro como processo. Segundo a

30

linguista aplicada, antigamente, o texto era tomado como unidade de análise, como produto,

em que eram enfatizados somente sua estrutura e os fatores de textualidade (formal,

semântico-conceitual e pragmático). Na década de 1990, os estudos textuais passaram a

explorar também o tópico da tipologia textual (narração, dissertação e descrição).

Já a perspectiva que trata o texto como processo reúne contribuições das teorias

textuais, cognitivas e, mais recentemente, sociocognitivas, com o objetivo de explicar o que

acontece durante o processo de produção. Nesse sentido, no ato de escrever, a ordem de

fatores sociais (representados pelas práticas reais do sujeito) e a ordem de fatores cognitivos

(representados pelo conhecimento de mundo, linguístico e textual) ocorrem simultaneamente

(REINALDO, 2005, p. 95). Além disso, nessa concepção, compreende-se o ato de escrever

como um processo formado por dois estágios: o inicial, que antecede o próprio ato de

escrever, em que há preocupação em favorecer as condições de realização da tarefa do aluno,

como leitura e orientações, e o estágio seguinte, que é o momento da produção de texto

propriamente dita. Aqui, a produção textual é concebida como uma atividade recursiva, isto é,

aquela em que se volta constantemente ao estágio inicial, avança-se, revisa-se o texto várias

vezes, para, então, encerrar a escrita.

Dentre as perspectivas que influenciaram os documentos oficiais, destaca-se também

a orientação teórica sociointeracionista, cujos pressupostos sócio-históricos partem da ideia de

homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e social, participante de um processo

cultural e histórico. Essa teoria, que teve em Vygotsky seu maior expoente, se instala com

uma redefinição da noção de linguagem centrada na interlocução. Tal redefinição consolidou

o ensino-aprendizagem de escrita, o qual ―passou a ser orientado pela idéia de que a

apropriação da linguagem e das práticas sociais se dá a partir de um percurso do social para o

individual, sempre mediado pelo signo e pelo outro‖ (REINALDO, 2005, p. 95).

Como podemos ver nos PCNLP (BRASIL, 1998), a concepção de escrita está

amparada na concepção de linguagem, ou seja, está atrelada ao seu aspecto

sociocomunicativo. Isso equivale a dizer que a escrita pode ser compreendida como prática

discursiva, como um processo enunciativo-discursivo, uma vez que não é uma atividade em si

mesma, sem objetivos e propósitos. Essa atividade é considerada uma ação interindividual,

orientada por uma finalidade específica, vinculada a seus usos e funções sociais, um processo

dialógico entre homem e mundo, entre Eu e Outro. Vale enfatizar mais uma vez que esses

documentos oficiais orientam para a produção de textos numa perspectiva discursiva, em que

―a razão de ser das propostas de uso da fala e da escrita é a interlocução efetiva, e não a

produção de textos para serem objetos de correção‖ (BRASIL, 1998, p. 19).

31

Nesse sentido, assumindo essa concepção interacionista no processo de escrita de

texto, jamais se pode desconsiderar o papel do outro como participante do diálogo, pois é

pensando nele, a fim de responder à voz alheia, que cada pessoa formula seu dizer, seu

discurso, sua escrita.

Conforme podemos notar, a forma de trabalhar o texto, aqui, contrapõe-se ao modo

tradicional de estudá-lo em sala de aula, em que se ignorava o processo de interlocução. Ao

contrário disso, hoje, os PCNLP (BRASIL, 1998) apontam o texto como unidade de ensino e

os gêneros como objeto de ensino, defendendo que, ao se pronunciar, o homem sempre utiliza

a língua — oral ou escrita — concreta em uma situação de interação, com condições e

finalidades específicas. Dito de outro modo:

Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das

intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos

discursos, as quais geram usos sociais que os determinam. Os gêneros são,

portanto, determinados historicamente, constituindo formas relativamente

estáveis de enunciados, disponíveis na cultura (BRASIL, 1998, p. 21)

[ênfase adicionada].

Os PCNLP (BRASIL, 1998, p. 23, grifo nosso) complementam ainda que:

Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza

temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes

a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do

texto, precisa ser tomada como objeto de ensino.

Essas diretrizes curriculares destacam que, no ensino-aprendizagem da escrita, além da

definição desses elementos sociocomunicativos, estabeleçam-se também situações didáticas,

tomando como objeto de reflexão os procedimentos de planejamento, de elaboração e de

refacção de variados textos, haja vista que uma educação realmente comprometida com o

exercício da cidadania precisa criar condições para que o aluno desenvolva sua capacidade

discursiva.

Vimos, então, que as concepções de escrita e de linguagem se inscrevem numa

modalidade dialógica, que compreende a língua como enunciação e discurso e preocupa-se

com o contexto sócio-histórico das relações humanas. Nesse sentido, podemos observar que

tal modalidade faz referência tanto à perspectiva enunciativa como à teoria de gêneros

discursivos de vezo bakhtiniana, ou melhor, dizendo, é visível que a ideia contida nos

excertos supracitados se aproxima daquelas defendidas pelo círculo bakhtiniano, como

veremos mais adiante.

32

Embora não haja citação explícita de Bakhtin e seu Círculo nos PCNLP (BRASIL,

1998), apresentando-os claramente apenas nas referências bibliográficas, são inegáveis as

suas contribuições para os estudos linguísticos atuais, já que seus trabalhos permitiram uma

nova abordagem, que faltava ao tratamento do texto na sala de aula. Mesmo não sendo

pensada, especificamente, para esse fim, a teoria sociodiscursiva proposta pelo teórico russo

possibilitou que se contemplasse o caráter dialógico nas unidades comunicativas dos textos.

Além dessas influências, os PCNLP (BRASIL, 1998) possuem uma direta

contribuição dos estudos da Escola de Genebra, a qual desenvolve atividades inserida na linha

bakhtiniana de gênero, com foco no desenvolvimento de capacidades, em especial a noção de

estudo dos gêneros orais e escritos no ensino de língua, através de sequência didática,

proposta metodológica de Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly (2004). Tal sequência é

pensada como um conjunto de atividades escolares organizadas em torno de um gênero oral

ou escrito. Sua finalidade principal é a de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero,

possibilitando-lhe falar e escrever de forma mais apropriada nas mais diversas situações

comunicativas (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004).

Esses autores consideram a escola como um espaço ideal para o desenvolvimento das

capacidades de linguagem, das funções psíquicas do sujeito, por isso apresentam a sequência

didática como proposta metodológica privilegiada para esse desenvolvimento. Tal sequência é

composta por quatro etapas: a) A apresentação da situação é o momento em que se

descrevem, de forma detalhada e clara, a tarefa, o projeto de comunicação a ser realizado (o

gênero abordado; o interlocutor do texto; a forma da produção; o(s) participante(s) da

produção). Nessa fase, prepara-se o conteúdo do texto; os alunos podem realizar leituras

variadas, discussões, pesquisas, conhecendo as características do gênero a ser produzido; b) A

produção inicial tem o objetivo de permitir ao professor avaliar as capacidades e

desenvolvimento dos alunos acerca da tarefa, identificando os problemas. Tal etapa possibilita

também ao próprio aprendiz (re)conhecer suas dificuldades; c) Os módulos são constituídos

por variadas atividades, no intuito de fornecer ferramentas necessárias para o aluno dominar

melhor o gênero; d) A produção final é o momento em que o aluno poderá pôr em prática os

conhecimentos adquiridos. Além disso, essa etapa permite ao professor bem como ao aluno,

medir os progressos alcançados (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004).

Portanto, dentre os vários aspectos dessa proposta, busca-se confrontar o aluno com

um gênero existente na sociedade para possibilitar a sua reconstrução e a sua apropriação por

parte do aprendiz. Tal reconstrução ocorre graças à interação das especificidades das práticas

de linguagem, objeto de aprendizagem, das capacidades de linguagem dos alunos e das

33

estratégias de ensino propostas pela sequência. Logo, essas sequências de módulos de ensino

constituem-se em instrumentos que podem conduzir o professor na sala de aula, propiciando-

lhe intervenções reais necessárias para a organização da aprendizagem dos alunos; além disso,

podem permitir a transformação gradual de suas capacidades, pois o docente tem a

oportunidade de avaliar as capacidades já adquiridas, ajustando as atividades às possibilidades

concretas dos alunos nos diferentes níveis.

Dolz e Bernard Schneuwly têm se destacado, sobretudo, por sua preocupação com a

transposição desse conhecimento, o gênero discursivo na sala de aula. Esses autores

genebrinos têm realizado muitas pesquisas no campo de ensino de língua materna,

envolvendo o gênero, a partir dos estudos bakhtinianos.

Schneuwly (2004), no sentido vygotskiano, define os gêneros discursivos como

instrumento semiótico, socialmente construído, fruto da experiência de várias gerações,

necessários para agir com eficácia numa dada situação comunicativa. Metaforicamente, os

concebe como um megainstrumento, uma ferramenta complexa, composta de vários outros

instrumentos, ou seja, composto por conteúdos internos específicos a serem ensinados, e

apropriados pelos sujeitos. O autor ainda os considera como um organizador global que,

naturalmente, estabelece os conteúdos a serem ditos, a saber, o conteúdo temático (o que se

torna dizível através do gênero), a forma composicional (a estrutura particular do texto) e o

estilo (as configurações específicas das unidades linguísticas). Sendo assim, o gênero é visto

como mediador da ação discursiva do sujeito, no processo de interação verbal, dando forma e

materializando a atividade de linguagem. Na voz de Dolz e Schneuwly (2004, p. 63, grifo dos

autores) é ―através dos gêneros que as práticas de linguagem materializam-se”. Aliás, esse

elemento funciona bem como um modelo comum para os membros de uma sociedade,

possibilitando, naturalmente, a comunicação entre os falantes, pois

Trata-se de formas relativamente estáveis tomadas pelos enunciados em

situações habituais, entidades culturais intermediárias que permitem

estabilizar os elementos formais e rituais das práticas de linguagem (DOLZ;

SCHNEWULY, 2004, p. 64).

Logo, por estarem em constante circulação no meio social, mediando as atividades de

linguagem, os gêneros discursivos são concebidos pelos pesquisadores como importante

instrumento de ensino-aprendizagem de língua materna, a ser utilizado nas escolas para

desenvolver no aluno as capacidades necessárias que lhe permitam a participação social, nas

variadas esferas, isto é, para desenvolver sua capacidade comunicativa, haja vista que

―aprender uma língua é aprender a se comunicar‖ (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 42). Em

34

relação a essa afirmação, inspirados na concepção interacionista, os estudiosos elucidam que

priorizar o funcionamento comunicativo dos alunos significa

prepará-los para dominar a língua em situações variadas, fornecendo-lhes

instrumentos eficazes; desenvolver nos alunos uma relação com o

comportamento discursivo consciente e voluntária, favorecendo estratégias

de auto-regulação; ajudá-los a construir uma representação das atividades de

escrita e de fala em situações complexas, como produto de um trabalho e de

uma lenta elaboração (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 42).

Para os autores, as situações de ensino são concebidas para permitir que os aprendizes

ultrapassem, efetivamente, seus próprios limites, na direção definida por essas finalidades

(supramencionadas). Diante desses objetivos, compreendemos que a adoção do gênero como

objeto no ensino de língua constitui-se em um desafio para a escola brasileira, pois implica

uma mudança não só de conteúdo, como também de perspectiva teórica, de objetivos e de

metodologia de ensino.

A didatização e a transposição didática podem ser consideradas alguns desses desafios,

visto que ―os saberes teóricos precisam ser transformados para entrar na sala de aula e não

simplesmente ‗resumidos‘ ou ‗simplificados‘, devendo estar sustentados por fundamentos

epistemológicos claros e bem definidos‖, conforme salienta Barros-Mendes (2005, p. 19).

Essa autora, baseada em Chevallard (1985), elucida que o conceito de transposição didática se

define por um processo de transformação, de passagem de um conteúdo preciso a uma versão

mais didática, passível de ser ensinado. Semelhantemente, para Schneuwly (2004), a

transposição didática é entendida como processo criativo de transformação dos objetos sociais

— os gêneros — em objetos ―ensináveis‖. Tal transposição ocorre justamente quando se

desloca um gênero do seu contexto social de origem, recortando-o e/ou modificando-o, para o

contexto escolar, como objeto de ensino-aprendizagem.

Nesse processo, opera-se um desdobramento, visto que o gênero não é mais só

instrumento de comunicação, tendo sido transformado em objeto de ensino-aprendizagem.

Em linhas gerais, pensemos, por exemplo, no gênero reportagem, que compõe um jornal. Em

tal contexto, esse gênero tem uma finalidade específica (comunicar um fato), é direcionado

para um público-alvo, circula numa dada esfera (jornalística), possui uma linguagem

específica (formal e objetiva). Porém, no instante em que tal gênero adentra o espaço escolar

para ser ensinado e apre(e)ndido, ele se transforma em um gênero escolar ou escolarizado,

pois ―ele não tem mais o mesmo sentido; ele é, principalmente, (...) gênero a aprender,

embora permaneça gênero para comunicar‖ (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 69). É nessa

35

passagem, de uma esfera para a outra, nessa variação do gênero original, de referência, que

ocorre o tal desdobramento, considerado o fator de complexificação principal, dos gêneros na

escola e de sua relação individual com as práticas de linguagem. Diante disso, esses

estudiosos ressaltam a necessidade de se compreender que o objeto trabalhado na escola é

sempre uma variação do objeto — do gênero, do saber de referência — construída numa

dinâmica de ensino-aprendizagem cujo objetivo principal é o ensino.

Em relação à didatização, embora tal conceito esteja fortemente relacionado ao de

transposição, não devem ser concebidos como sinônimos, conforme nos alerta Barros Mendes

(2005), para quem a didatização se define como o modo de organizar o conteúdo curricular, o

saber de referência, para a compreensão do aluno, na sala de aula. Para tentarmos

exemplificar isso, pensemos no gênero poema.

Tal gênero, que foi, de certo modo, escolarizado, é selecionado por um dado material

didático-pedagógico — LD, apostila, ou até mesmo aquele usado na formação continuada de

professores — utilizado no ensino de LP, de acordo com um objetivo a ser alcançado:

produzir um poema acerca do amor materno, expressando-se sobre o mundo, sobre si, para

apresentar aos pais, na festinha da escola. Para tanto, o material propõe a organização de um

passeio no bosque, com o intuito de que os alunos percebam o encantamento da natureza; a

realização de uma pesquisa sobre o amor no ambiente familiar, para que os aprendizes se

inspirem, bem como de uma discussão coletiva sobre o assunto, para que troquem

informações; o levantamento de uma coletânea de poemas, para que os alunos realizem

intensas leituras e reconheçam as características desse gênero, em termos linguístico-

discursivos, entre outras possibilidades. Depois dessas atividades, o material solicita várias

produções do gênero em questão, propondo ao professor algumas técnicas de correção, como

socializar a leitura das produções em sala entre os alunos, corrigir os textos com a

participação de todos etc., de modo a visar um aprendizado efetivo, semelhantemente ao que

ocorre na proposta de sequência didática, a ser vista adiante.

Essa exemplificação nos mostra que o conceito de didatização está relacionado à

sistematização de um objeto de ensino, a fim de que ele possa ser compreendido em suas

partes mínimas. Nesse sentido, os conceitos de transposição didática e didatização são

fundamentais para que haja inserções adequadas dos objetos de ensino nos materiais

didáticos. Entretanto, isso não pode ser feito de modo simplificado, direto, quer dizer, os

gêneros não podem ser simples adaptações das teorias, mas devem ser pensados nas suas

dimensões ensináveis, no intuito de uma apropriação consciente e reflexiva por parte dos

alunos. Cabe ao sistema educacional também formar profissionais, preparando-os para

36

trabalhar tais objetos na sala de aula de modo efetivo, isto é, o professor precisa realmente

saber ―o que‖ ensina para seus alunos, tendo clareza do objetivo que deseja atingir, além de

consciência reflexiva do significado de ―ensinar‖. Se esses aspectos não forem considerados,

no sistema de ensino-aprendizagem de LP, ―não existirá ensino, mas imitação ou iniciação no

nível puramente prático”, conforme pontua Schneuwly (1995b apud BARROS-MENDES,

2005, p. 159) [grifo do autor].

Desse modo, compreendemos que os gêneros discursivos fornecem base para as

atividades de linguagem em sala de aula, sendo uma referência para os alunos, ajudando-os a

desenvolver suas capacidades de linguagem. Além do mais, constituem-se em elemento ideal

para a elaboração de sequências de atividades contínuas e progressivas, para propostas de

didatização, fornecendo, a partir de uma concepção enunciativo-discursiva, subsídios

didático-pedagógicos que contribuem para a aprendizagem reflexiva e consciente dos

aspectos linguístico-discursivos que compõem cada gênero estudado. Entendemos que, ao

ampliar essa noção de gênero, esses estudiosos de Genebra a compreendem como uma

proposta teórico-metodológica adequada para o ensino de leitura e produção de textos, sempre

partindo das formas concretas do diálogo. Isso, certamente, já ultrapassa o caráter funcional

da classificação de elementos linguísticos, situado na perspectiva formalista.

Em relação aos PCNLP (BRASIL, 1998), as sugestões metodológicas que os

perpassam se inspiram em teorias (cognitivas, discursivas, enunciativas, textuais, sociais),

cujos enfoques dirigem o ensino de língua(gem) para seu uso e realização dialógica, pautados

em práticas sociais reais, levando em consideração as verdades dos alunos, os quais ocupam

uma posição na sociedade e estão situados em certo tempo e lugar. Além disso, tais sugestões

visam a desenvolver nos alunos as capacidades necessárias ao exercício pleno da cidadania,

pois, em uma sociedade como a atual, que vive constantes mudanças — econômicas,

políticas, culturais, religiosas, entre outras — o domínio da linguagem é, realmente,

indispensável. Tal domínio é considerado fundamental, pois dá condições ao sujeito para se

impor, criticar, argumentar, defender seus ideais, contribuindo para a transformação de seu

espaço social, visto que toda relação humana é mediada pela linguagem. De acordo com esse

documento, é na interação, através da linguagem, que se constroem conhecimentos

científicos, orientações ideológicas, teorias populares, mitos, entre tantos outros.

Portanto, a partir dessas concepções, espera-se que no ensino de LP seja privilegiado o

desenvolvimento de competências linguísticas e discursivas que visem à formação de um

usuário proficiente na sua língua, capaz de ler, compreender e interpretar diferentes textos.

Afinal, um ensino que possibilite ao aluno assumir uma posição social, apropriando-se da

37

palavra conscientemente e produzindo textos adequados às várias situações, especialmente

aqueles que circulam na esfera pública, contribuirá para a formação de cidadãos críticos.

Tendo em vista essa pretensão dos PCNLP (BRASIL, 1998) de formar cidadãos críticos e

conscientes para a vida, compreendemos que o ensino, nessa direção, constitui um caminho

promissor, capaz de oportunizar, realmente, uma aprendizagem mais significativa para o

aluno, e de ultrapassar os limites da sala de aula.

Na seção seguinte deste capítulo, apresentamos uma breve discussão concernente a

outros documentos oficiais que, em boa medida, seguem as orientações dos PCNLP

(BRASIL, 1998), porque acreditamos que nesse propósito de (trans)formar alunos em

cidadãos ativos e participantes, os materiais pedagógicos — tais como o livro didático e

outros cadernos de apoio ao aluno e ao professor — constituem-se em ferramentas

importantes bem como em objetos de conhecimento cultural capazes de contribuir para a

formação do ser humano.

1.4 Materiais didático-pedagógicos no ensino de Língua Portuguesa

Conforme já mencionado, os PCNLP (BRASIL, 1988) apresentam uma multiplicidade

teórica que embasa o ensino de Língua Portuguesa e, certamente, por conta disso, tem

mantido um espaço bastante expressivo nas discussões no meio educacional. Isso pode ser

percebido nas inúmeras pesquisas acadêmicas que retratam o assunto, nas temáticas em

programas de formação (inicial e continuada) de professores, nos seus materiais de apoio9, e

até mesmo nas editoras (nos livros didáticos, doravante LD).

As editoras, muitas vezes, influenciadas pelo discurso dos PCNLP (BRASIL, 1998),

buscam se adequar às propostas dessa diretriz, especialmente, no que diz respeito ao ―como‖

levar os conteúdos de ensino, trazidos por tais documentos, para a sala de aula, e ao ―como‖

realizar os encaminhamentos/procedimentos necessários para ensino-aprendizagem de língua.

Conforme nos lembra Bezerra (2005, p. 35), ―nesse contexto, por pressão ou por zelo, os

autores vão alterando os LDP a cada versão, tentando, de acordo com suas afirmações, uma

proposta eficaz de ensino‖.

Diante disso, entendemos que esses materiais, tanto os de apoio para a formação

continuada quanto os livros LD de Língua Portuguesa — compreendidos como elementos

9 Nesta dissertação, consideramos como material de apoio os Cadernos de Teoria e de Prática que subsidiam o

trabalho docente na formação continuada do Programa GESTAR II.

38

fixos, como atores não-humanos — possuem grande influência sobre a práxis docente, já que,

em boa medida, ―impõem‖ comportamentos e atitudes aos atores humanos, professor e aluno.

Além disso, esses materiais trazem incorporados em si histórias de práticas escolares,

geralmente tradicionais, exercendo forte domínio sobre o trabalho docente, ou seja, o

educador, muitas vezes, é ―levado a organizar suas aulas de acordo com a rotina apresentada

ou sugerida pelo material, como a explicitação de conteúdos programados seguida pela

exercitação dos mesmos‖ (LATOUR, 2004 apud SILVA, 2006, p.10). Esses objetos (os

materiais didáticos, por exemplo), tomados de modo isolado, possuem, obviamente, um valor

concreto, como matéria, elucida Silva (2006). No entanto, na prática, na interação da sala de

aula, assumem existência relacional, desempenhando ações (ativas) sobre o comportamento

do professor e do aluno.

Em outros termos, compreendemos que tanto o LD quanto o material oficial usado na

formação do professor possui um papel relevante no trabalho docente, já que, muitas vezes,

dão base para a prática pedagógica, facilitando o planejamento diário do professor. Bezerra

(2005, p. 35) afirma que o LD é, ―se não o único material de ensino/aprendizagem, o mais

importante, em grande parte das escolas brasileira‖, pois, de certo modo, constitui-se em ―um

livro composto por unidades (lições ou módulos) com conteúdos e atividades preparados a

serem seguidos por professores e alunos‖ (idem, ibidem).

Desse mesmo modo, acreditamos que os Cadernos de Teoria e os de Atividades do

GESTAR II10

, utilizados nos cursos de formação continuada, também servem de apoio para o

trabalho do professor na sala de aula. Aliás, ao observar esses Cadernos de estudo, mais

especificamente o TP6, nosso objeto de pesquisa, percebemos, claramente, que se assemelha

com os materiais didáticos convencionais utilizados na escola, a saber, o livro didático. Esse

material, geralmente avaliado pelo Programa Nacional do Livro Didático11

(doravante,

PNLD), tem buscado se adequar às novas proposições curriculares de ensino (BARROS-

MENDES 2005; REINALDO 2005; CONSTANTINO 2007). Semelhante a isso, temos

10

Esses cadernos teórico-práticos, a saber: os de teoria, denominados TP, os de Atividades de Apoio à

Aprendizagem, denominados AAA, na versão do professor, e os de Atividades de Apoio à Aprendizagem

(AAA) na versão aluno, dizem respeito ao material didático-pedagógico de apoio ao ensino-aprendizagem de

LP, fornecido para os professores no curso de formação continuada do Programa Gestão da Aprendizagem

Escolar (GESTAR II).

11 O Programa Nacional do Livro Didático, iniciativa do Ministério da Educação, é responsável por avaliar,

adquirir e distribuir gratuitamente obras didáticas aos alunos do Ensino Fundamental das escolas públicas

brasileiras, conforme informações contidas no site:

<http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=668&id=12391&option=com_content&view=article > Acesso em

05 jun. 2010.

39

percebido que alguns materiais didáticos utilizados nos cursos de formação continuada

também buscam tais adequações (SILVA, 2011, no prelo).

Assim, é importante ressaltar, mais uma vez, que esse movimento de adequação de

teorias e métodos, sobretudo, no ensino de língua(gem) se insere em um processo dialógico

existente ―entre saberes e demandas de inovação que têm se estabelecido no cenário nacional

de reformas educacionais, desde a década de 70‖ (BUNZEN, 2010, p. 06, grifo do autor), o

que é totalmente aceitável, se feito de modo reflexivo, consciente e orientado. Esses ―ajustes‖

no ensino se fazem, de fato, necessários, ainda mais se se pretende acompanhar as mudanças

sociais ocorridas no mundo todo. Aliás, nessa lógica, não se pode esquecer, portanto, de que a

maioria dos professores de Língua Portuguesa, em exercício atualmente, teve uma formação

inicial que não contemplou parte significativa das novas propostas e concepções sobre a

abordagem pedagógica presentes nos PCNLP (BRASIL, 1998), por exemplo.

Além disso, não devemos esquecer que a execução dessas novas propostas está

diretamente atrelada ao processo de formação continuada, que se constitui em um dos meios

capazes de fornecer a esses profissionais subsídios para o prosseguimento eficiente do seu

trabalho pedagógico, ou melhor, para a inovação, constante e necessária, da sua práxis

docente. Dito de outro modo, a formação docente constitui-se em um espaço ideal para

discussão e adaptação das várias mudanças educacionais, haja vista que, sem uma formação

continuada adequada do professor, as transformações se tornam, por vezes, ―vazias‖.

É fato que, nesse contexto de adequação, alguns materiais oficiais, utilizados na

formação continuada de professores, têm apresentado, por vezes, orientações e

encaminhamentos metodológicos nem sempre claros e nem sempre afinados às novas

perspectivas de ensino, colaborando insuficientemente para o processo de ensino-

aprendizagem, especificamente, de escrita de textos diversos do professor e,

consequentemente, do seu aluno. Assim como existe, atualmente, o PNLD, que avalia e

distribui os LDs, ressaltamos a necessidade de políticas públicas de avaliação de materiais

didático-pedagógicos destinados à formação continuada do professor de LP, como a criação

de um programa (oficial) que acompanhe seu desenvolvimento e promova avaliações

sistemáticas para analisar a proposta e o material utilizado. Conforme afirma Rojo, o MEC

―deveria supervisionar e levar em conta tudo aquilo que entra na escola: professor, aluno,

livro, material etc.‖ (ROJO, 2009a, p. 05).

Em relação à análise de material didático utilizado na formação continuada de

professores, é válido lembrar que o Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem,

da Universidade Federal de Mato Grosso (doravante UFMT), tem desenvolvido um

40

importante estudo nessa direção, a saber, os trabalhos de Socorro (2009), Nunes (2009) e

Santos (2011). As conclusões, a respeito desses materiais, não têm sido tão animadoras; mas,

apesar disso, esses estudos têm colaborado com as discussões relacionadas ao assunto.

Para a realização deste trabalho de análise de uma parte do material de formação

GESTAR II, em que focalizaremos o direcionamento das práticas de ensino de produção

escrita, buscando identificar as capacidades a serem desenvolvidas no processo de ensino-

aprendizagem dessa prática, apresentamos, na seção seguinte, sucintamente, o Programa

GESTAR II de Língua Portuguesa, a fim de retomá-lo no capítulo metodológico, com ênfase

nos pressupostos teóricos que o embasam.

1.5 GESTAR II: Programa de formação continuada

Como temos percebido, então, o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa e a

formação docente têm sido assunto frequente nas várias esferas sociais, alimentando

discussões entre pesquisadores, professores e outros intelectuais; além disso, têm mantido um

lugar privilegiado nos debates dos órgãos competentes, a saber, no MEC e na Secretaria de

Estado de Educação do Estado de Mato Grosso (doravante, SEDUC/MT).

Essa última instituição tem procurado, através de vários projetos, investir em modelos

de formação que tentam suprir a grande demanda de professores no estado mato-grossense,

uma vez que procura a melhoria do sistema público estadual de ensino e tem como objetivo

principal o fortalecimento da escola e a valorização dos profissionais da educação. Sua função

também é tentar garantir a qualidade da educação pública básica e o acesso de todos a ela,

trabalhando sempre em parceria com a comunidade escolar e contribuindo para a construção

da cidadania.

Em vista disso, a SEDUC/MT vem desenvolvendo um trabalho de formação

continuada de professores, através do GESTAR II, em parceria com o projeto Fundo Nacional

de Desenvolvimento da Educação (FUNDESCOLA), e MEC. É importante destacar que aqui

no Estado esse Programa12

, criado pelo MEC/FUNDESCOLA, já funciona desde o ano 2000,

atingindo um grande número de professores da rede pública.

12

Em Mato Grosso, o Programa Gestão da Aprendizagem Escolar foi marcado por duas fases: O GESTAR I,

conjunto de ações articuladas desenvolvidas junto a professores habilitados para atuar da 1ª à 4ª série (2º ao 5º

ano) do Ensino Fundamental, e o GESTAR II, destinado aos professores que lecionam da 5ª à 8ª série (6º ao 9º

ano) do Ensino fundamental. Neste Estado, o GESTAR I funcionou de 2000 até meados de 2005 e, a partir do

segundo semestre desse mesmo ano, iniciou-se o GESTAR II. Ambos os Programas foram criados para

beneficiar os professores de Português e de Matemática da rede pública, segundo informações contidas no site da

41

O GESTAR II é um programa de formação continuada, destinado a docentes que

atuam no ensino Fundamental e que estão em atividades nas escolas públicas brasileiras. Tal

Programa se apresenta como um conjunto de ações articuladas a serem desenvolvidas junto

aos professores de Matemática e de Língua Portuguesa. Seu principal objetivo é a melhoria do

processo de ensino-aprendizagem, visto que mantém seu foco na atualização dos

conhecimentos dos educadores; além do mais, tem a intenção de elevar a competência desses

profissionais e de seus alunos, a fim de permitir a todos uma real compreensão e intervenção

sobre a realidade sociocultural que os cercam.

No capítulo seguinte, apresentamos a base teórica que sustenta esta pesquisa, a saber, a

teoria de gênero discursivo do Círculo de Bakhtin. Tratamos também da concepção de

letramento, veiculada nos documentos oficiais, das capacidades de linguagem necessárias no

processo de escrita, além das contribuições da teoria sociointeracionista para o ensino de LP.

SEDUC/MT <http://www.seduc.mt.gov.br/conteudo.php?sid=20&cid=3402&parent=0> Acesso em 07 maio

2009.

42

CAPÍTULO II

OS NOVOS PARADIGMAS E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Os documentos oficiais — PCNLP (BRASIL, 1998) — assumem como referencial

teórico, sobretudo, uma perspectiva social da linguagem no ensino-aprendizagem de LP.

Tendo isso em vista, é pertinente pensar que, para uma incorporação real das teorias

embasadoras desse ensino, faz-se necessário conhecê-las um pouco melhor.

Sabemos que as diretrizes oficiais adotam o gênero como objeto de ensino-

aprendizagem de língua materna, por isso, é importante apreender, de fato, o conceito de

gênero e suas implicações teóricas e práticas, relacionando-o a outros conceitos, com o intuito

de refiná-los cada vez mais, para evitar, assim, uma compreensão passiva ou uma aplicação

mecânica da teoria, como bem salienta Fiorin (2006).

Nesse sentido, ao se pensar em quaisquer conceitos bakhtinianos, é preciso

compreender que eles são sempre regidos pelo princípio do dialogismo, que se destaca como

um conceito central da teoria enunciativo-discursiva, constituindo-se na base do processo de

produção dos discursos, dos sujeitos e da vida. Além disso, é considerado o modo de

funcionamento real da linguagem, através do qual são formuladas as relações sociais. De

acordo com Sobral (2009), esse conceito está intimamente ligado ao de interação verbal.

Dessa forma, tais conceitos estão sempre articulados à concepção de linguagem como

interação humana. Tais perspectivas são defendidas por Mikhail Bakhtin (2004[1929],

2003[1952-1953]), autor que, juntamente com outros intelectuais — como Medvedev e

Volochinov — formavam o ―Círculo de Bakhtin‖, na primeira parte do século XX, na antiga

União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), e se dedicavam às variadas áreas das

Ciências Humanas.

Atualmente, as ideias e as reflexões desses estudiosos têm merecido grande atenção no

campo educacional, principalmente pelo modo como concebem a língua(gem) e a vida

humana. Isso pode ser constatado, como pontua Brait (2008), nas diversas traduções e na

grande circulação de suas obras, nas quais são definidos noções, conceitos e categorias do

pensamento bakhtiniano. Tal circulação se deve, em certa medida, à inserção dos conceitos

bakhtinianos na esfera escolar, especialmente, nos projetos nacionais de educação.

Neste capítulo, apresentamos a base teórica que sustenta esta pesquisa. Nosso olhar

está sendo guiado pela concepção de língua e linguagem do Círculo de Mikhail Bakhtin

(2004[1929], 2003[1952-1953]), perspectiva sob a qual articulamos as análises e discussões

desta dissertação.

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De início, apresentamos alguns dos aspectos teóricos mais relevantes para nosso

trabalho, iniciando por uma explanação acerca da teoria de gêneros. Depois, fazemos uma

breve menção a duas das concepções que contribuíram para redirecionar o ensino de escrita e

que são veiculadas nas diretrizes curriculares, a saber, o conceito de letramento e e o de

capacidades de linguagem, da escola de Genebra. Para finalizar, abordamos as contribuições

da teoria sociointeracionista de Vygotsky para o ensino de LP.

2.1 Bakhtin e os gêneros do discurso

Sob a perspectiva bakhtiniana, uma abordagem acerca do conceito de gêneros no

ensino de língua materna implica, de certa forma, situar tal conceito no emaranhado de obras

de Bakhtin e do seu Círculo. Segundo Souza (1999), compreender os conceitos da teoria do

Círculo é enxergar a extensão do todo, quer dizer, é possível observar que há entre eles uma

inter-relação complexa e orgânica, refletindo e refratando a realidade social, constantemente.

Em vista disso, pretendemos articular o conceito de gêneros do discurso com outras

categorias, a fim de entendermos a constituição teórica acerca dos gêneros.

Na obra Estética da Criação Verbal, no capítulo intitulado ―Os gêneros do discurso‖,

Bakhtin (2003[1952-1953]) destaca a importância do estudo da natureza do enunciado e dos

gêneros, mantendo sempre uma relação intrínseca entre esses dois conceitos. Para uma melhor

compreensão da noção de gênero, é preciso que se perceba o uso da língua como um processo

variado e heterogêneo, realizado de diferentes maneiras e em diversas situações. Nessa

perspectiva, a utilização da língua sempre ocorrerá em forma de enunciados, produzidos nas

diversas esferas enunciativas.

É importante salientar que as considerações sobre os gêneros serão levadas a termo em

sua relação direta com a concepção de linguagem que orienta o pensamento do Círculo. Tal

concepção, baseada na interação verbal e caracterizada pelo seu caráter dialógico, é

construída pelo Círculo bakhtiniano, principalmente, a partir das críticas ao objetivismo

abstrato, já que tal corrente não levava em conta o aspecto sócio-histórico-ideológico da

linguagem, fixando-se, apenas, no nível da estrutura formal da língua. Em virtude disso,

Bakhtin/Volochinov (2004[1929]) consideram a necessidade de inserir a linguagem no uso

prático, na enunciação efetiva, como atividade viva, em um movimento pleno e constante.

Para os autores, a linguagem é um elemento real de aspecto ideológico; certamente por isso,

possui o papel fundamental na construção do conhecimento e na formação dos indivíduos.

44

Ainda sobre a linguagem, Souza (1999, p. 75) acrescenta que ela ―vive apenas na

comunicação dialógica daqueles que a usam. É precisamente essa comunicação dialógica que

constitui o verdadeiro campo da vida da linguagem‖. Como vemos, não se pode pensar a

linguagem destituída dessa relação que o sujeito/falante mantém com outros em diferentes

circunstâncias e espaços sociais.

Nessa direção, vale destacar, rapidamente, a noção de sujeito na perspectiva

bakhtiniana, já que tal noção está necessariamente ligada à própria natureza dialógica da

linguagem. Assim, nessa concepção, o sujeito está sempre numa relação entre o eu e o outro e

é, justamente, nessa interação, que ele se torna um sujeito responsivo. Na lógica do Círculo, a

―proposta é a de conceber um sujeito que, sendo um eu para-si, condição de formação da

identidade subjetiva, é também um eu para-o-outro, condição de inserção dessa identidade no

plano relacional responsável/responsivo, que lhe dá sentido‖, conforme Sobral (2008, p. 22).

Na perspectiva do Círculo, o sujeito não é só um ser biológico, mas também social e

empírico, o que implica considerar sempre a situação social e histórica concreta do sujeito,

tanto em termos de atos não discursivos quanto em sua construção em texto, complementa

Sobral (2008). Assim, por estar devidamente contextualizado no mundo, o sujeito dialoga,

respondendo com as variadas vozes sociais nele existentes, numa contínua interação social.

Nessa relação, a linguagem, produto social, organiza o pensamento e a fala do sujeito, que se

constitui pelo discurso do outro, na coletividade.

Desse modo, para compreendermos o conceito de gênero, faz-se necessário falarmos

de outros conceitos que estão relacionados diretamente a essa concepção de linguagem e aos

gêneros do discurso.

No livro Marxismo e Filosofia da Linguagem (doravante MFL), Bakhtin/Volochinov

(2004[1929]) antecipam alguns conceitos, como enunciação, diálogo e interação, que

favorecem a apreensão do conceito de gêneros do discurso.

O primeiro conceito a ser considerado é o de enunciação. Essa noção, segundo os

estudiosos russos, resulta da interação entre indivíduos socialmente organizados e é

constituída de enunciados produzidos em contextos reais, isto é, nos diálogos. É a unidade

concreta da cadeia verbal, a qual está sempre em evolução. Isso evidencia, portanto, que sua

natureza é social, pois as relações humanas também estão em constante mudança. Para

Bakhtin/Volochinov (2004[1929]), a enunciação é o puro produto da interação de dois ou

mais sujeitos, numa determinada situação comunicativa, e o diálogo, por sua vez, uma das

formas mais importantes dessa interação social. Aqui temos o segundo conceito, que se

45

encontra imbricado com esse primeiro, bem como com o terceiro. Não podemos pensar numa

relação entre o eu e outro destituída de interação.

É nessa dimensão que temos, conforme mencionado, o segundo conceito a ser

considerado, um dos fundamentos do pensamento bakhtiniano, a noção de diálogo, através da

qual são pensadas as relações humanas. Esse diálogo ininterrupto realiza-se diretamente na e

pela linguagem, entre interlocutores, permitindo, assim, a evolução histórica da língua.

Para essa concepção, o diálogo ocorre entre dois interlocutores, face a face ou não, em

um momento único e constitui-se como toda forma de comunicação verbal, a qual envolve,

além de signos e símbolos, posições sociais dos falantes, convicções, valores, emoções do

momento e intenções dos participantes. Nessa comunicação, todos os enunciados são

dialógicos, pois neles existe uma dialogização interna da palavra, isto é, uma palavra responde

sempre a outras, dialogando entre si, conforme explica Fiorin (2006). Essas palavras são

atravessadas por diversas vozes sociais, as quais debatem entre si, gerando questões e

suscitando respostas. Como bem destaca Bakhtin (2003[1974/1979], p. 410),

Não existe a primeira nem a última palavra, e não há limites para o contexto

dialógico (este se estende ao passado sem limites e ao futuro sem limites).

Nem os sentidos do passado, isto é, nascidos do diálogo dos séculos

passados, podem jamais ser estáveis (concluídos, acabados de uma vez por

todas): eles sempre irão mudar (renovando-se) no processo de

desenvolvimento subseqüente, futuro, do diálogo. Em qualquer momento do

desenvolvimento do diálogo, existem massas imensas e ilimitadas de

sentidos esquecidos, mas em determinado momento do sucessivo

desenvolvimento do diálogo, em seu curso, tais sentidos serão relembrados e

reviverão em forma renovada (em novo contexto). Não existe nada

absolutamente morto: cada sentido terá sua festa de renovação.

Sendo assim, compreendemos que o diálogo, como forma clássica da comunicação

verbal, supõe a interação entre pelo menos dois enunciados plenos e acabados, envolvendo o

eu e o outro. Parafraseando Fiorin (2006), o locutor, na constituição de um discurso, sempre

leva em consideração a voz de outrem, já que todo discurso é ocupado e perpassado pela voz

alheia. Para esse autor, o dialogismo é justamente essa relação de sentidos estabelecida entre

os enunciados. Desse modo, destacamos, mais uma vez que, nessa concepção dialógica, ao

interagirmos com alguém, estamos sempre replicando outras falas, refutando-as ou aceitando-

as, reelaborando-as conforme a nossa ―apreciação valorativa‖. Por isso, concordamos com

Sobral (2009, p. 40) ao afirmar que, na comunicação social, ―ainda ‗respondemos‘ aos gregos,

e nossos discursos já estão ‗interrogando‘ gerações futuras que não vamos ver‖.

46

Vimos que, juntamente a essa noção de diálogo, podemos encontrar a de interação, o

terceiro conceito, intrinsecamente vinculados, compreendida por Bakhtin como a realidade

fundamental da língua. Tal noção é defendida em contraposição à enunciação monológica,

que desconsidera, entre outros aspectos, os interlocutores e suas verdades. Conforme Sobral

(2009), o conceito de interação, para o Círculo de Bakhtin, refere-se à base, ao fundamento do

sentido, que é a relação entre sujeitos.

O pesquisador brasileiro assevera que, para compreender tal concepção, é preciso

considerar pelo menos quatro níveis: o nível do intercâmbio verbal, ou seja, as marcas que a

enunciação deixa no enunciado sobre a situação concreta da interação; o nível do contexto

imediato do intercâmbio social, a saber, os papéis sociais dos envolvidos no diálogo, a

representação que cada um tem da situação, de si mesmo e do(s) outro(s); o nível do contexto

social mediato, que envolve as esferas de atividades humanas e suas características; o nível do

horizonte social e histórico mais amplo, isto é, o momento histórico e cultural dos envolvidos

na comunicação. Pode-se pensar que, no momento exato da interação, esses níveis estão

articulados entre si, propiciando a construção dos sentidos entre os falantes.

Portanto, quando Bakhtin/Volochinov (2004[1929], p. 125, grifo nosso) dizem que ―a

enunciação só se realiza no curso da comunicação verbal”, no discurso como atividade

ininterrupta, podemos perceber que as noções de enunciação, de diálogo e de interação são

indissociáveis e estão intimamente relacionadas à vida real, já que são entendidas como a

própria execução do discurso entre dois falantes, por meio de enunciados plenos, numa

situação concreta de linguagem, atendendo aos objetivos sociais de comunicação.

Desse modo, entendemos que os conceitos aqui expostos não podem ser

desconsiderados, pois estão vinculados uns aos outros por relações dialógicas concretas. Além

disso, influenciam, dinamicamente, na construção do arcabouço teórico que apresentamos

neste capítulo, a saber, sobre os gêneros do discurso.

Tais gêneros, produzidos nas variadas esferas da atividade humana, são denominados

pelo Círculo como tipos relativamente estáveis de enunciados (BAKHTIN, 2003[1952-1953],

p. 262). Os gêneros discursivos se definem como tipos relativamente estáveis de enunciados

em consequência do momento histórico em que estão inseridos, já que vão sofrendo

modificação, expansão ou aprimoramento ao longo dos tempos; podem, assim, evoluir ou, até

mesmo, desaparecer, absorvidos por outro gênero. Essas alterações são inerentes ao gênero e

podem ocorrer em função de desenvolvimento social, das necessidades de uma comunidade,

de influências de outras culturas ou de fatores relacionados à própria língua. No entanto, por

47

mais ―mutáveis‖ que sejam, os gêneros possuem determinada estabilidade para que sejam

reconhecidos e compartilhados socialmente pelos sujeitos falantes (locutor e interlocutor).

Ao discutir a relação intrínseca entre gênero e enunciado, o pensador russo defende

que todo enunciado é concreto e único, irrepetível — exclusivo do momento de interação — e

pode materializar-se na forma oral ou escrita.

Originando-se dos integrantes de uma determinada esfera, cada enunciado produzido é

reflexo das condições específicas e das finalidades de cada área da vida social. É nas esferas

da comunicação, tais como a escolar, a religiosa, a jurídica e a familiar, que se determinam as

características de cada gênero. Isso dependerá da função, do contexto e da especificidade do

campo em que é produzido.

Nesse aspecto constitutivo do gênero, é pertinente salientar uma afirmação de Brait

(2006, p. 20): ―não se pode falar de gêneros sem pensar na esfera de atividades em que eles se

constituem e atuam, aí implicadas as condições de produção, de circulação e de recepção‖.

Dito de outra maneira, por existirem inúmeras esferas (públicas ou privadas) e cada uma com

enunciados diferentes, há uma variedade infinita de enunciados que se estruturam através dos

gêneros discursivos.

Tratando dessa infinidade, o pensador russo alarga ainda mais o conceito de gênero

quando aborda sua tamanha heterogeneidade, a qual engloba desde uma simples conversa

cotidiana até uma ordem militar padronizada, além de crônica, despedida, artigo de opinião,

carta, editorial, fábula, notícia ou um romance, por exemplo. Por conta dessa extrema

diversidade dos gêneros, o filósofo da linguagem classificou-os em dois tipos: gênero

primário e gênero secundário.

O primeiro é definido por tipos de enunciado espontâneos, simples e naturais, que

ocorrem, geralmente, na imediatez da fala; já o segundo é definido por tipos de enunciados

complexos, frutos de uma comunicação cultural mais evoluída, que ocorrem geralmente por

meio da escrita. No entanto, os gêneros secundários, durante seu processo de formação,

podem absorver e alterar os gêneros primários, que, ao se tornarem secundários, distanciam-

se, no tempo e no espaço, da realidade imediata, e transformam-se, adquirindo novas

características e novas finalidades.

Para ilustrar melhor esse assunto, destacamos, mais uma vez, uma das características

fundamentais do gênero discursivo bakhtiniano: ser fixo e mutável ao mesmo tempo,

conforme explica Sobral (2009, p. 115): ―é estável porque conserva traços que o identificam

como tal e é mutável porque está em constante transformação, se altera cada vez que é

empregado, havendo casos em que um gênero se transforma em outro‖.

48

Diante disso, podemos refletir sobre o exemplo dado por Bakhtin (2003[1952-1953])

quanto à réplica do diálogo cotidiano (gênero primário) inserida no romance (gênero

secundário). O próprio autor explica que essa réplica, apesar de ser um gênero simples, fruto

da comunicação espontânea, pertencente à esfera do cotidiano, ao ser absorvida e

transformada em gênero complexo, adquire outras características, já que agora pertence a

outra esfera, com outras finalidades, direcionada a outros interlocutores.

Ainda a respeito dos gêneros discursivos, o filósofo da linguagem defende que eles são

configurados através de três elementos básicos, indissociáveis e inter-relacionados na

constituição do enunciado: o conteúdo temático, o estilo e a forma composicional.

No tocante ao conteúdo temático, concordamos com Barbosa (2001), ao dizer que

Bakhtin não fornece definições precisas e claras, o que nos obriga a certo trabalho

interpretativo, obviamente, baseado nos indicativos deixados pelo autor em diferentes

passagens em sua obra. Sobre esse conceito, por exemplo, a autora reconhece que, para

defini-lo, é necessário diferenciá-lo de três elementos que, não raro, são confundidos com ele,

a saber: assunto, tema e significação. Esses, juntamente com o conteúdo temático, fazem

parte de um mesmo campo semântico, mas cada qual possui seu próprio sentido.

Concernente ao tema, Barbosa (2001) assevera que, na primeira vez em que

Bakhtin/Volochinov usaram tal termo, no MFL (1986[1929], p.128), eles inseriram uma nota

de rodapé, buscando precisar o sentido que lhe conferiam, advertindo que o uso que fazem

não deve ser confundido com o que eles chamam de ―tema de uma obra de arte‖, por

exemplo. Portanto, como não há muito esclarecimento sobre o sentido dessa palavra nesse

contexto, a autora infere que Bakhtin/Volochinov estivessem reportando-se à dimensão da

referencialidade, o que comumente recebe o nome de assunto, o qual faz abstração da

situação de uso, do enunciado concreto e do gênero.

Para elucidar o uso do termo assunto — pensemos numa situação em que alguém, ao

sair de uma longa reunião com seus superiores, é abordado por um colega de trabalho que lhe

indaga sobre o assunto tratado na reunião. Para responder-lhe, o amigo não se preocupará em

detalhar o contexto da enunciação (quem eram os participantes, suas crenças, suas vontades

enunciativas, qual a relação entre eles, suas posições sociais e institucionais, o grau de

familiaridade entre eles); simplesmente, responderá que o assunto principal tratado na

reunião foi a redução do quadro de funcionários, por exemplo.

Sobre tema e significação, em MFL (2004[1929]), Bakhtin/Volochinov discutem a

diferença entre esses dois conceitos. O primeiro, considerado o sentido único da enunciação

completa ligada a uma situação real, é determinado não só pelos fatores verbais (palavras,

49

estrutura sintática, entonação, ―a parte percebida13

‖), mas também por fatores extraverbais (o

locutor, o interlocutor, a situação no tempo-espaço, ―a parte presumida‖), exclusivos de um

instante histórico; já o segundo, considerado o elemento da enunciação, é a própria forma

linguística, o elemento abstrato, repetível e idêntico, a forma gramatical.

A significação é absorvida pelo tema. Ela é apenas uma possibilidade de significar no

interior de um contexto, no interior de um tema. Em seus escritos, Bakhtin/Volochinov

(2004[1929], p. 45) asseveram que ―cada manifestação verbal tem seu tema‖ e que a distinção

entre esses dois elementos — tema e significação — é algo abstrato, teórico no nível da

análise, pois, na realidade linguística, ambos são inseparáveis, visto que o primeiro apóia-se

na estabilidade do segundo para adquirir sentido. O autor pontua que ―é impossível traçar uma

fronteira mecânica absoluta entre a significação e o tema. Não há tema sem significação e

vice-versa‖ (idem, p. 129).

Retornando ao conteúdo temático, podemos pensar, então, que ele pressupõe os dois

últimos elementos (tema/significação); entretanto, refere-se a outro sentido. Tal conceito diz

respeito àquilo que pode ser dizível em um determinado gênero, sendo que, numa enunciação,

esse conteúdo, necessariamente, está vinculado a certa construção composicional e se realiza

linguisticamente de acordo com o estilo próprio a tal construção. Para facilitar a compreensão,

pensemos numa procuração: aquilo sobre o que se fala nesse gênero, a finalidade discursiva, o

que pode ser dizível nela é bem diferente daquilo sobre o que se fala no gênero notícia, por

exemplo.

Outro elemento que recebeu muita atenção nos estudos bakhtinianos, na composição

do gênero, intimamente ligado à forma composicional e ao tema, é o estilo, o qual diz respeito

à escolha dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua. O estilo depende, entre

outros elementos, da posição enunciativa do locutor e está relacionado à sua forma individual

de escrever, ou seja, o gênero pode refletir a marca, o estilo do locutor. No entanto, vale

lembrar que o uso das categorias gramaticais selecionadas pelo falante não estão

desvinculadas de definições ideológicas, ou seja, o estilo pode ser definido a partir da reação

que o locutor espera do seu interlocutor bem como das apreciações valorativas que ele tem a

respeito do seu destinatário, como explica Bakhtin (2003[1952-1953], p. 301-306): ―cada

13

Em ―Discurso na vida e discurso na arte‖, Bakhtin/Volochinov (1926) discutem sobre a ―parte percebida‖ e a

―parte presumida‖. De acordo com os autores, o enunciado concreto, como um todo significativo, compreende

essas duas partes. A primeira é aquela realizada em palavras, a materialidade linguística, está diretamente ligada

ao texto. A segunda corresponde aos valores, às questões históricas, culturais e ideológicas, constituídas no

social, sobre a base do ―nós‖.

50

gênero do discurso em cada campo da comunicação discursiva tem a sua concepção típica de

destinatário...‖; assim ―a escolha de todos os recursos linguísticos é feita pelo falante sob

maior ou menor influência do destinatário e da resposta antecipada‖.

Entretanto, é importante salientar que, conforme o filósofo russo, nem todo gênero é

aberto ao estilo individual do falante; portanto, nem todo gênero lhe permite expressar sua

criatividade, uma vez que existem os padronizados — aqueles da esfera jurídica, por exemplo,

os quais possuem um ―acabamento‖ específico, normatizado. Para Bakhtin (2003[1952-1953],

p. 265), ―as condições menos propícias para o reflexo da individualidade na linguagem estão

presentes naqueles gêneros do discurso que requerem uma forma padronizada‖. Assim,

dizemos que isso configura o estilo do gênero, por não permitir ao falante expressar sua

individualidade.

Passemos, então, ao último elemento constitutivo do gênero: a construção

composicional, compreendida como a estrutura formal do texto, sua organização. Essa

estrutura deve considerar, entre outros fatores, os modelos das esferas de comunicação e a

situação de produção.

Por exemplo, no campo jornalístico, as características composicionais predominantes

no gênero discursivo reportagem tendem a seguir o modelo informativo dessa esfera. No

dizer de Lopes-Rossi (2009), o gênero reportagem

é a cobertura detalhada e aprofundada de fatos recentes e de grande

repercussão ou de temas atuais e de interesse do público-alvo. Baseia-se em

fontes de informação e de pesquisa do repórter, o que lhe confere

credibilidade. Tanto em jornais quanto em revistas, apresenta texto, fotos,

ilustrações, informações em boxes e infográficos (LOPES-ROSSI, 2009, p.

04).

Na escrita desse gênero, portanto, é necessário considerar, além das possibilidades de

comunicação, a situação de produção, uma vez que o autor do texto, no processo de escrita, ao

fazer as escolhas linguísticas e organizar seus conteúdos, dentro de uma estrutura formal,

possui um intuito comunicativo. No gênero em questão, segundo essa autora, tal propósito

constitui-se em

trazer informações atualizadas e detalhadas sobre fatos (acontecimentos) ou

temas de interesse do público-alvo da revista ou do jornal, podendo ser sobre

saúde, comportamento, moda, educação, cultura, lazer, segurança,

tecnologia, turismo, ecologia, entre muitas outras possibilidades (LOPES-

ROSSI, 2009, p. 04).

51

Lopes-Rossi (2009) complementa ainda que

a reportagem pode ter caráter investigativo e resultar em denúncias. No

entanto, muitas vezes tem o propósito implícito de formar a opinião de seu

público a respeito de determinado assunto, de causar indignação, de ironizar

uma situação, de beneficiar ou desqualificar a imagem de uma figura

pública, de fazer propaganda de um produto, entre outros possíveis (LOPES-

ROSSI, 2009, p. 04).

Nesse sentido, é pertinente pensar que a estrutura composicional permite tanto o

reconhecimento do gênero como a assimilação das condições específicas e da finalidade de

cada esfera da atividade humana (BAKHTIN, 2003[1952-1953]). Portanto, como dito, esses

três elementos — conteúdo, estilo e forma — são indissociáveis, determinados em função do

momento imediato, da finalidade discursiva, dos interlocutores, do meio social mais amplo e

da esfera comunicativa.

De acordo com essa concepção, temos um repertório de gêneros, construídos

sociohistoricamente, e nós, enquanto sujeitos, não os criamos pela primeira vez, mas os

repetimos, já que nos são dados, assim como nos é dada a nossa língua materna. Os gêneros

discursivos estão disponíveis na memória linguístico-discursiva de um povo; logo, eles são

inseparáveis dessa comunidade e só existem se relacionados a ela, que os utiliza. Sendo assim,

falamos e escrevemos através deles, isto é, temos nosso discurso modelado pelos gêneros em

uso, como bem destaca Bakhtin (2003[1952-1953], p. 283):

Os gêneros do discurso organizam nosso discurso quase da mesma forma

que o organizam as formas gramaticais (sintáticas). Nós aprendemos a

moldar o nosso discurso em formas de gênero e, quando ouvimos o discurso

alheio, já adivinhamos o seu gênero pelas primeiras palavras, adivinhamos

um determinado volume (isto é, uma extensão aproximada do conjunto do

discurso), uma determinada construção composicional, prevemos o fim, isto

é, desde o início temos a sensação do conjunto do discurso que em seguida

apenas se diferencia no processo da fala. Se os gêneros do discurso não

existissem e nós não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela

primeira vez no processo do discurso, de construir livremente e pela primeira

vez cada enunciado, a comunicação discursiva seria quase impossível.

Não são raros os casos de pessoas que, mesmo conhecendo a língua sobremaneira, não

se desempenham satisfatoriamente quando precisam participar de alguma atividade que

demande um gênero específico, como no caso de variadas atividades orais. Bom exemplo

dessa situação é o seminário da esfera escolar, que exige, além de capacidade de oratória, o

monitoramento dos tons da voz, dos gestos corporais, da respiração, das pausas,

conhecimento do assunto a ser tratado, preparação do conteúdo, planejamento da escrita, entre

52

outros aspectos relevantes do gênero, conforme elucida Ferreira (2009). Nessa situação —

apresentação de um seminário, na esfera escolar — muitas pessoas ficam totalmente inseguras

por não dominarem tal prática social, por não estarem familiarizadas com o gênero em

questão.

Consequentemente, quanto maior número de diferentes formas de dizer forem

dominadas por nós, maior facilidade teremos em empregá-las adequadamente nas diversas

situações comunicativas e melhores condições teremos para interferir nos problemas da nossa

comunidade, lutando por nossos direitos e cumprindo nossos deveres, participando

efetivamente na vida social. Dessa forma, a apropriação de inúmeros gêneros, não só os orais

como também os escritos, permitir-nos-á dominar o uso variado da linguagem em situações

públicas. Em síntese, o próprio pensador russo (2003[1952-1953], p. 285) explica:

Muitas pessoas que dominam magnificamente uma língua sentem amiúde

total impotência em alguns campos da comunicação precisamente porque

não dominam na prática as formas de gênero de dadas esferas.

Frequentemente, a pessoa que domina magnificamente o discurso em

diferentes esferas da comunicação cultural, sabe ler o relatório, desenvolver

uma discussão científica, fala magnificamente sobre questões sociais, cala ou

intervém de forma muito desajeitada em uma conversa mundana. Aqui não

se trata de pobreza vocabular nem de estilo tomado de maneira abstrata; tudo

se resume a uma inabilidade para dominar o repertório dos gêneros da

conversa mundana, a uma falta de acervo suficiente de noções sobre todo um

enunciado que ajudem a moldar de forma rápida e descontraída o seu

discurso nas formas estilístico-composicionais definidas, a uma inabilidade

de tomar a palavra a tempo, de começar corretamente e terminar

corretamente.

Complementa ainda:

Quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os

empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa

individualidade (onde isso é possível e necessário), refletimos de modo mais

flexível e sutil a situação singular da comunicação; em suma, realizamos de

modo mais acabado o nosso livre projeto de discurso (BAKHTIN,

2003[1952-1953], p. 285) [grifo nosso].

Sendo assim, o domínio do repertório de gêneros discursivos se faz necessário, uma

vez que em todas as esferas da atividade humana, nas enunciações, a utilização da língua se

realiza sempre em formas de enunciado típicos orais ou escritos, concretos e plenos.

Na seção seguinte, abordamos as características do enunciado, unidade básica para a

construção de um discurso, relacionadas com o conceito de compreensão responsiva e ativa,

53

visto que tais conceitos possuem grande relevância nos estudos de Bakhtin, pois possibilitam

o tratamento da linguagem como um movimento de interlocução real e único.

2.2 Características do enunciado concreto e compreensão ativa

Como vimos, no desenvolvimento teórico do Círculo de Bakhtin, é atribuída extrema

importância não só ao estudo da natureza dos gêneros do discurso como também ao estudo da

natureza do enunciado. Tais estudos visam a superar as noções simplificadas acerca da vida

verbal, existentes na ciência da linguagem. Por outro lado, ―o estudo do enunciado como

unidade da comunicação discursiva permitirá compreender de modo mais correto também a

natureza das unidades da língua (enquanto sistema) — as palavras e orações‖, como bem

destaca Bakhtin (2003[1952-1953], p. 269, grifo do autor).

O enunciado é a unidade concreta da comunicação verbal, pois está em contato direto

com a realidade humana e ocorre na relação entre os diferentes falantes. Para a concepção

bakhtiniana, o enunciado concreto possui determinadas particularidades constitutivas —

indissociáveis — que devem ser, adequadamente, consideradas numa interação orgânica.

Constituem tais particularidades:

a alternância dos sujeitos falantes; o acabamento específico do enunciado, o

tratamento exaustivo do objeto de sentido, o intuito, o querer dizer do

locutor, as formas típicas de estruturação do gênero do acabamento; a

relação do enunciado com o próprio locutor (com o autor do enunciado), e

com os outros parceiros da comunicação verbal (SOUZA, 1999, p. 94) [grifo

do autor].

Dito de outro modo, o processo de interação é marcado pela alternância dos indivíduos

no discurso, cuja troca ocorre ―porque o falante disse (ou escreveu) tudo o que quis dizer em

dado momento ou sob dadas condições‖ (BAKHTIN, 2003[1952-1953], p. 280, grifo do

autor).

Tal interação é marcada ainda pela conclusibilidade específica, a qual depende, entre

outros fatores, do querer dizer do falante. Seu intuito discursivo é realizado a partir da seleção

de um gênero. Essa escolha é determinada não só pela especificidade de uma dada esfera

como também pela necessidade de uma temática, pela situação real da comunicação

discursiva e pelo conjunto de participantes, dentre outros. Como vimos, a relação do

enunciado com os parceiros/interlocutores da comunicação social constitui-se em outra

54

particularidade constitutiva do enunciado, já que sem essa parceria não poderia haver

enunciados (BAKHTIN, 2003[1952-1953], p. 305).

Na comunicação discursiva, cada interlocutor assume uma posição valorativa em

relação a algum discurso de algum participante de determinada esfera, o que equivale a dizer

que todo enunciado é sempre heterogêneo, pois revela duas posições sociais e históricas.

Nessa direção, Marchezan (2008) explica que o enunciado de um locutor apresenta-se de

modo acabado e provoca, obviamente, como resposta, o enunciado do outro. Todavia, essa

réplica ―é apenas relativamente acabada, parte que é de uma temporalidade mais extensa, de

um diálogo social amplo e dinâmico‖ (idem, p. 117). Ainda nesse sentido, Bakhtin

(2003[1952-1953], p. 271) elucida que, numa enunciação, ao receber e compreender a

significação (linguística) de um enunciado, o interlocutor, simultaneamente, adotará em

relação a esse discurso uma atitude responsiva, posicionando-se. Dessa forma, é importante

percebermos a introdução de outro conceito presente na teoria bakhtiniana, o de

compreensão ativa e responsiva.

Para o autor, toda compreensão de um discurso, falado ou escrito, implica uma

responsividade, uma compreensão ativa e responsiva e, consequentemente, um juízo de valor,

pois ―toda compreensão é prenhe de resposta‖ (BAKHTIN, 2003[1952-1953], p. 271) e, de

uma forma ou de outra a produz. Nesse cenário, o locutor se torna interlocutor,

obrigatoriamente. É o que acontece, por exemplo, numa conversa qualquer, em que o

interlocutor, ao apreender o tema do discurso do seu locutor, além de conseguir perceber a

conclusão, a finalização da fala do seu companheiro, assume uma atitude. Nesse instante,

ocorre, então, a troca do turno, em que as posições de locutor e interlocutor se invertem.

Isto posto, podemos constatar que o enunciado concreto pressupõe sempre uma

alternância dos sujeitos envolvidos na comunicação verbal; é essa transferência da palavra ao

outro que delimita tal enunciado. Conforme Bakhtin (2003[1952-1953], p. 275), é no diálogo

real que ―se alternam as enunciações dos interlocutores (parceiros do diálogo)‖.

O filósofo diz ainda que todo enunciado se constitui a partir de outros e é sempre uma

réplica a eles, uma vez que não existe um enunciado adâmico, primeiro, que tenha se

produzido sozinho. Segundo Bakhtin (2003[1952-1953], p.272), ―cada enunciado é um elo na

corrente complexamente organizada de outros enunciados‖, os quais estão sempre carregados

de ideologia, de intenções e de valores, repletos de vozes sociais, determinadas e constituídas

sócio-historicamente.

Por isso, o autor defende que o enunciado não pode ser reduzido à mera abstração, já

que está diretamente relacionado aos acontecimentos concretos entre pessoas, que utilizam a

55

palavra como uma ―ponte‖, num contexto preciso. Nessa relação dialógica, essa ponte une os

sujeitos, cada qual ―povoado‖ de vozes sociais, construídas ao longo da história. Essas vozes

promovem embates, polemizam, debatem, refutam, debocham, apoiam, questionam,

concordam entre si.

Nas duas seções precedentes, abordamos alguns conceitos que julgamos relevantes não

apenas para nossa pesquisa como também para a compreensão do conceito de gênero do

discurso. Ressaltamos que não basta ter o domínio da língua; é preciso, para além disso,

dominar as formas discursivas dos diferentes gêneros.

É partindo desse pressuposto — de que é preciso dominar os diversos gêneros para

exercer efetivamente a cidadania — que defendemos o ensino de LP baseado nessa

perspectiva enunciativo-discursiva. Mas, antes, devemos entender a diferença entre duas

classificações comumente usadas na esfera acadêmica com ressonâncias para a esfera

educacional, a saber, gênero textual e gênero discursivo.

2.3 Gêneros discursivos e gêneros textuais

O conceito de gênero discursivo e/ou textual, no Brasil, tem tido grande destaque nas

discussões atuais sobre o ensino de LP. Tais discussões têm se ampliado na Academia, em

função das incontáveis pesquisas sobre o assunto, levantando aspectos relevantes que,

certamente, contribuem para o avanço nos debates sobre ensino-aprendizagem de leitura e

escrita a partir de gêneros.

A adoção do conceito de gênero nas aulas de língua materna se insere no cruzamento

de percursos históricos resultantes da crescente preocupação com questões relacionadas aos

direitos humanos e à cidadania e advindos da necessidade de renovação do ensino, que tem

por obrigação acompanhar as mudanças sociais, históricas e científicas, como bem explica

Figueiredo (2005). Essa autora faz uma breve retrospectiva das transformações ocorridas no

ensino de LP desde sua introdução no currículo escolar brasileiro, no século XIX, a fim de

melhor situar a inserção dos gêneros no ensino.

A pesquisadora brasileira esclarece que, nesse período, a única preocupação do ensino

era alfabetizar, através da norma culta, alunos, filhos de fazendeiros, provindos da classe

nobre. Só mais tarde, o ensino de LP foi estendido ―a toda série escolar‖, utilizando-se como

modelo o mesmo utilizado na disciplina de latim, ou seja, um estudo baseado exclusivamente

nos manuais de gramática normativa e nas ontologias literárias, permanecendo assim até os

anos 1950, período de grande expansão industrial. Nos anos 1960 e 1970 houve outras

56

mudanças. As novas perspectivas de ensino, apesar de manterem o foco no estudo da

gramática normativa, buscaram valorizar a criatividade dos alunos, com o intuito de

desenvolver neles a eficiência da comunicação e da expressão.

Nessa época, com a democratização do ensino, vários alunos, oriundos das mais

diversas camadas sociais e culturais, tiveram acesso à escola. Isso implicou, certamente, no

aumento de professores, que, para atender à demanda, tiveram uma formação rápida, nem

sempre de qualidade. Independentemente disso, o ensino permanecia ―direcionado‖ àqueles

de classe média e alta, uma vez que se priorizava a norma culta da língua. Isso fez com que o

índice de evasão e repetência aumentasse, evidenciando, assim, a fragilidade dos métodos e

dos conteúdos de ensino.

A partir disso, no fim dos anos 1970 a 1990, embora apoiadas no ensino gramatical, as

aulas de LP começaram a enfatizar a leitura e a produção textual, incorporando as teorias da

linguística textual. Entretanto, por estarem presos aos antigos métodos, os professores

passaram a se basear numa espécie de gramaticalização do texto, o que não propiciou à

maioria dos alunos a performance esperada. Nesse momento, novas demandas sociais

emergiram quanto ao uso da leitura e da escrita, passando a exigir do ensino de LP uma nova

postura.

Podemos perceber que é, exatamente, a partir da busca por um norte, por um

redirecionamento do ensino de língua materna, que se chegou, através dos documentos

oficiais, influenciados pela Constituição (1988), pelo Plano Decenal (1993), pela Lei de

Diretrizes e Bases, doravante LDB, (1996), entre outros, à proposta dos gêneros como objetos

de ensino-aprendizagem de LP, a fim de atender às múltiplas demandas sociais, respondendo,

assim, a diferentes propósitos comunicativos.

Diante do exposto, podemos pensar que a adoção do gênero surge como respostas às

necessidades de novas compreensões sobre língua e linguagem, presentes numa sociedade

moderna, competitiva, em constante mutação. Esse conteúdo emerge como uma nova

proposta de trabalho pedagógico, totalmente dialógica, que assume a linguagem como

interação social, orientada por uma finalidade específica, como um processo de interlocução

que se realiza nas práticas sociais, existentes nos diferentes grupos de uma sociedade.

Como consequência da adoção desse paradigma pelos documentos oficiais, hoje, nos

estudos de língua e linguagem, temos encontrado diferentes abordagens sobre os gêneros.

Comumente, deparamo-nos com duas expressões para se referirem a esse conceito, a saber,

―gêneros discursivos ou do discurso‖ e ―gêneros textuais ou de texto‖. Ambas as vertentes são

tratadas, muitas vezes, como se fossem sinônimas, como se tivessem o mesmo objeto de

57

estudo, o mesmo referencial teórico, enquanto que, na verdade, o conceito de gênero é

retomado por diversos autores, os quais o reelaboram dentro de suas próprias percepções,

como bem ressaltam Barbosa (2001), Rojo (2005) e Figueiredo (2005).

Sobral (2007, p. 2107) também discute tais objetos, argumentando em favor de uma

definição mais precisa, pois a seu ver ―a expressão ‗gênero textual‘ tem permitido ou

autorizado em alguns casos uma compreensão errônea do conceito de discurso e mesmo de

gênero, o que prejudica a riqueza e virulência desses dois conceitos‖.

Rojo, ao estudar tal questão, faz um apanhado sobre as distinções entre essas duas

correntes, discutindo perspectivas teóricas relevantes que as embasam. A autora assevera que

ambas as vertentes encontram-se enraizadas em diferentes releituras da

herança bakhtiniana, sendo que a primeira — teoria dos gêneros do discurso

— centrava-se sobretudo no estudo das situações de produção dos

enunciados ou textos e em seus aspectos sócio-históricos e a segunda —

teoria dos gêneros de texto —, na descrição da materialidade textual (ROJO,

2005, p.185) [grifo da autora].

De acordo com a linguista aplicada, Bakhtin e seu Círculo são referência para os

gêneros discursivos, enquanto que para os gêneros textuais o são Bronckart e Adam. No

Brasil, existem vários estudiosos que discutem, comentam e adotam a terminologia ―gêneros

discursivos‖, entre eles, Brait, Castro e Faraco; já Marcuschi e Nascimento adotam ―gêneros

textuais‖.

Segundo Rojo (2005), os conceitos de gênero textual e de gênero discursivo não

podem ser tomados como sinônimos, pois existe entre eles uma diferença fundamental: o

primeiro privilegia o textual, os aspectos linguísticos, e o segundo considera o texto, sua

estrutura, o projeto enunciativo e a esfera social em que surgem e circulam os gêneros.

No processo de ensino-aprendizagem, na perspectiva teórica bakhtiniana, um estudo

sobre determinado gênero não pode ser visto simplesmente como elaboração de uma

―descrição‖ desse gênero, pois essa postura implica um apagamento do caráter dialógico da

linguagem e anula a dimensão social constitutiva do gênero. Além disso, dissipa sua rica

contribuição como aspecto fundamental ao desenvolvimento da cidadania crítica e

democrática. Portanto, é pertinente pensar que a compreensão das diferenças teóricas

existentes entre essas duas correntes, bem como das consequências para o processo de ensino-

aprendizagem de língua materna, é de grande importância, já que a escolha de uma em

detrimento da outra pode refletir aspectos fundamentais na educação.

58

O ensino dos gêneros, certamente, só terá sentido garantido se for compreendido e

trabalhado de forma clara, no que tange à perspectiva adotada, tanto para os professores

quanto para os alunos. Essas questões precisam ser consideradas, uma vez que os PCNLP

(BRASIL, 1998) adotam o gênero como objeto de ensino de LP para o trabalho docente.

É visível nesses documentos a presença das mais variadas perspectivas teóricas,

inclusive no que se refere a esse objeto, já que podemos observar, ao longo do texto, tal

conceito, do pensamento bakhtiniano, mesclado a outro, proveniente de outra fonte teórica.

Isso quer dizer que, nessas diretrizes curriculares, por vezes, as diversas teorias foram

abordadas, indiscriminadamente, não sendo explicitadas e nem separadas, devidamente. No

entanto, de acordo com Brait (2000), não haveria problema nisso caso não se estabelecessem

confusões entre a concepção bakhtiniana de gênero discursivo e outras teorias sobre tipologias

textuais, ―como se pode perceber no conjunto das sugestões do documento em contraste com

um percurso, grosso modo, dos escritos bakhtinianos que constroem a concepção de gênero‖

(BRAIT, 2000, p. 18).

Mesmo diante dessa constatação, é inegável que os documentos oficiais, resultantes de

inúmeros estudos, impulsionaram as pesquisas sobre gêneros (textuais ou discursivos), assim

como é inegável que tais tipologias estão presentes no ensino de Língua Portuguesa. Contudo,

é preciso atentar para as distinções existentes entre os dois conceitos.

Brait (2000) advoga em favor dos gêneros discursivos, de base bakhtiniana, já que

esses, diferentemente das tipologias textuais, são pensados sempre a partir da esfera de

atividade, implicadas aí as condições de produção, circulação e recepção. Sem dúvida, isso

tudo

[...] é muito mais importante e constitutivo do gênero discursivo, segundo

Bakhtin, que as sequências de um texto, das quais as várias tipologias

textuais dão conta, não tocando, entretanto, em esfera de atividades ou

modos de circulação, o que descaracteriza a perspectiva sócio-histórica de

gênero discursivo (BRAIT, 2000, p. 20) [grifo da autora].

Barbosa (2000) também defende a eleição dos gêneros discursivos no ensino de

língua, conforme percepção bakhtiniana, já que essa noção

[...] permite incorporar elementos da ordem do social e do histórico [...];

permite considerar a situação de produção de um dado discurso (quem fala,

para quem, lugares sociais dos interlocutores, posicionamentos ideológicos,

em que situação, em que momento histórico, em que veículo, com que

objetivo, finalidade ou intenção, em que registro, etc.); abrange o conteúdo

temático [...], a construção composicional [...] e seu estilo verbal

(BARBOSA, 2000, p. 1542) [grifo da autora].

59

Essa autora acrescenta ainda várias outras razões de ordem pedagógica para o trabalho

com os gêneros do discurso — bakhtiniano — como objeto de ensino-aprendizagem de LP,

como seguem:

A consideração dos gêneros do discurso possibilita uma maior

especificação da qual o termo letramento ou práticas letradas parece

carecer;

Através do trabalho com diferentes gêneros do discurso e da

consideração dos gêneros primários e secundários e de suas inter-

relações é possível pensar numa solução de continuidade entre o

desenvolvimento da oralidade e da escrita;

A consideração dos gêneros do discurso permite um melhor tratamento

da oralidade, que nessa perspectiva, passa a ser focada sempre em

relação aos gêneros orais;

Os gêneros seriam mega-instrumentos, que incluiriam outros

instrumentos, consideração essa que fornece pistas a propósito do que

ensinar e do como ensinar de forma contextualizada;

O trabalho baseado em gêneros permite a integração contextualizada de

atividades de compreensão, produção de textos e análise linguística;

A escolha de gêneros do discurso fornece parâmetros e princípios que

impediriam a construção de propostas curriculares demasiadamente

abertas, desarticuladas, garantindo uma maior eficácia das mesmas;

O trabalho com os gêneros do discurso, ao mesmo tempo em que supõe

o uso de competências, favorecem seu desenvolvimento, na medida em

que pressupõe relações de diferentes naturezas (linguísticas, textuais,

discursivas etc.) (BARBOSA, 2001, p. 107).

Estamos de acordo com o posicionamento da pesquisadora, por acreditarmos que, no

trabalho escolar, o ensino-aprendizagem de escrita através dos gêneros contribui, de fato, para

desenvolver no aluno as capacidades (linguísticas e discursivas) necessárias para a

comunicação, para ajudá-lo a adaptar suas atividades linguísticas, com sucesso, aos eventos

sociais, de letramento. Além do mais, esse trabalho lhe permite expandir as inúmeras

possibilidades do uso da língua em qualquer forma de realização, nas mais variadas situações,

uma vez que em todos os campos de atividades humanas são produzidos diversos gêneros.

Aliás, sabemos que, no mundo atual, a plena cidadania exige o domínio do maior número

deles, dos variados letramentos, e o sucesso do aluno tanto na escola como na vida social

passa, sem dúvida, pelo domínio dos diferentes gêneros discursivos.

Na seção seguinte, abordamos o conceito de letramento, advogando a favor da

articulação de tal noção ao conceito de gênero discursivo, no processo de produção textual.

60

2.4 Letramento no ensino de Língua Portuguesa

Sem a intenção de fazer aqui uma retrospectiva histórica, tecemos algumas

considerações sobre o conceito de letramento14

, por considerarmos sua inserção como um

marco que redimensionou, ou ao menos influenciou, o ensino de LP e por concordamos,

juntamente com vários pesquisadores, que essa acepção associada ao conceito de gênero

discursivo pode contribuir para o desenvolvimento de capacidades e competências dos alunos,

levando-os ao exercício pleno da cidadania.

Tal conceito, também contido nos PCNLP (BRASIL, 1998), tornou-se ―moeda

corrente‖ no debate pedagógico. Noutras palavras, esse conceito tem sido discurso frequente

no meio educacional brasileiro e, apesar das várias óticas sob as quais é compreendido, o que

parece comum, hoje, é a ideia de letramento a partir das situações cotidianas que envolvem a

escrita.

Esse termo está ligado às mudanças ocorridas ao longo dos anos, ou seja, à crescente

complexidade existente em nossa sociedade, que a cada dia faz surgir novas exigências de

práticas de leitura e escrita. Assim, percebemos os fortes apelos que o mundo letrado tem

exercido sobre as pessoas, uma vez que já não basta saber desenhar letras ou decifrar códigos;

hoje é preciso bem mais do que isso: entender os significados e usos das palavras nos diversos

contextos, ser um indivíduo crítico, atuante e envolver-se nas diferentes atividades sociais.

No intuito de situar melhor essa questão, isto é, o aparecimento15

desse conceito —

letramento — em alguns países, Paes de Barros (2005), baseada nos estudos de Lahire (1999),

explica que o termo illettrisme surgiu na França, em virtude da observação de que a maioria

das pessoas, mesmo alfabetizadas, não dominavam suficientemente bem a escrita nas

situações que a exigiam, seja no trabalho ou na vida pessoal. O mesmo problema ocorreu nos

Estados Unidos, onde avaliações com alunos de escolas de Ensino Médio indicaram que esses

jovens tinham grande dificuldade de leitura. Faltava-lhes, pois, o domínio das capacidades de

uso de leitura e escrita nas práticas requeridas socialmente.

Situação semelhante também ocorreu no Brasil, a partir dos anos 1980, em que essa

falta de domínio das competências de leitura e escrita dos alunos intensificou a preocupação

dos estudiosos, gerando inúmeros questionamentos sobre o assunto. A noção de letramento,

14

Kleiman (1995) e Soares (1998) sugerem que o termo ―letramento‖ teria sido usado, no Brasil, pela primeira

vez, por Mary Kato, na obra ―No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística‖, em 1986. 15

Soares (2000) elucida, porém, que não se trata exatamente do aparecimento de um novo conceito, mas,

sim, do reconhecimento de um fenômeno, o qual permaneceu imerso, até então, já que não tinha, ainda, uma

significação social, como agora.

61

no país, está associada à erradicação do analfabetismo, como explica Soares (1998, p. 45),

uma das principais pesquisadoras do tema no país:

à medida que o analfabetismo vai sendo superado, um número cada vez

maior de pessoas aprende a ler e a escrever, e à medida que,

concomitantemente, a sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na

escrita (cada vez mais grafocêntrica), um novo fenômeno se evidencia: não

basta apenas aprender a ler e a escrever (SOARES, 1998, p. 45).

De acordo com a pesquisadora, a partir daquela década, no contexto escolar, vários

estudiosos chegaram à conclusão de que somente a alfabetização não era suficiente para que

os alunos entendessem as situações de interação social envolvendo o texto escrito. A falta

dessa compreensão favorecia a exclusão social.

Kleiman (1995, p. 19), outra estudiosa do assunto, esclarece, em linhas gerais, que,

naquele período, o letramento poderia ser conceituado ―como um conjunto de práticas sociais

que usa a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos

específicos, para objetivos específicos‖, salientando ainda que essa concepção não se limitava

aos eventos mediados pelo texto escrito, mas abrangia também a oralidade. A pesquisadora

(1998, p. 181-182) considera que ―uma atividade que envolve apenas a modalidade oral,

como escutar uma notícia de rádio, é um evento de letramento, pois o texto ouvido tem as

marcas de planejamento de lexicalização típicas da modalidade escrita‖.

Para essa autora, os estudos sobre letramento analisam o desenvolvimento social que

acompanhou a expansão dos usos da escrita desde o século XVI e, aos poucos, vêm se

alargando, até os dias atuais, para descrever, sobretudo, as condições de uso dessa prática.

Compreendendo tal conceito como prática e evento social relacionados com uso, função e

impacto social da escrita, a estudiosa ainda reitera que o conceito de letramento foi

inicialmente usado nos meios acadêmicos, justamente para fazer a separação entre

alfabetização e impactos da escrita. Por isso, chama a atenção para os estudos sobre

alfabetização, os quais tinham como destaque as competências individuais dos alunos,

deixando de lado o desenvolvimento de um pensamento crítico e reflexivo.

Sobre isso, Kleiman (2005) reforça mais uma vez que letramento não significa

alfabetização, mas a inclui. Ambos os conceitos estão intimamente associados, pois se o

letramento é o conjunto de atividades que envolvem a língua escrita, para alcançar certo

objetivo em uma dada situação prática, tais como escrever carta, enviar um email e assistir a

uma palestra, a alfabetização é uma prática de letramento! Afinal, em certa medida, ela faz

62

parte do conjunto de práticas sociais do uso da escrita da escola, denotando, um conjunto de

conhecimento sobre o código escrito.

Por conta disso, o domínio do sistema alfabético e ortográfico pode ser destacado

como um dos fatores que tornam uma pessoa plenamente letrada (o que é quase impossível,

naturalmente), ou seja, a autora advoga a favor da alfabetização como uma prática escolar

essencial a todos, pois lhes permite a participação de forma autônoma nas variadas práticas de

letramento. Antes disso, defende tal ensino como prática contextualizada, vinculada às

situações sociais concretas. Isso equivale a dizer que, no ensino de língua escrita, mais do que

ensinar as normas ortográficas, é preciso que se tenha uma especificidade, um ensino

sistemático e sequencial, que considere a apropriação das práticas sociais de uso da

linguagem.

Para Rojo (2009b), é através das diferentes práticas sociais de letramento exercidas

nos variados contextos que se constituem os níveis de alfabetismo de cada pessoa. A

pesquisadora entende o alfabetismo como algo complexo, pois envolve um conjunto de

competências e habilidades de leitura e escrita, ligeiramente diferentes, mas ligadas entre si.

Conforme vimos, o termo letramento surgiu para nomear fenômenos mais abrangentes

que a alfabetização, e a necessidade de se compreender tal concepção fez situar a

alfabetização como um processo demarcado por duas vertentes, a saber, a aquisição da escrita

e a possibilidade do seu uso nas situações sociais. Soares (1998) diferencia os termos: o

primeiro refere-se ao fato de alguém saber ler e escrever, e o segundo se refere não só ao fato

de saber ler e escrever, como também de usar tais recursos nas práticas sociais diárias.

No processo de compreensão do termo letramento, Street (1984), citado por Kleiman

(1995, 2005, 2007), Soares (1998), Paes de Barros (2005), Rojo (2009b), dentre outros,

descreve dois modelos opostos de letramentos: o modelo autônomo — que entende a escrita

como um produto acabado, desconsiderando o contexto sociohistórico — e o modelo

ideológico — que considera o letramento como uma prática social e não como uma habilidade

técnica e neutra. Como é uma prática social, está vinculada ao contexto histórico em que é

construída, é influenciada pelas relações de poder, pelas condições socioeconômicas, culturais

e políticas. Nessa perspectiva, o letramento acontece além do contexto escolar,

proporcionando ao aluno a interação nas práticas sociais em busca de mudanças.

É inevitável reconhecer que o letramento possui grande importância no ensino atual, já

que enfatiza o conhecimento do aluno constituído no social, envolvendo as práticas de escritas

valorizadas e as não valorizadas. Ao reconhecer a importância do letramento do aluno, a

63

escola deve considerar os aspectos sociodiscursivos, abandonando métodos de aprendizado

descontextualizados, focados somente no individual.

Sobre a importância dessa concepção, Barbosa (2001) não só ressalta sua relevância

no âmbito educacional, como também pontua, sobretudo, um problema que se coloca para a

área de ensino de LP, no que se refere à generalização e à indeterminação que o termo

letramento encerra. Para tratar de tal generalização e indeterminação, essa estudiosa parte da

seguinte suposição: será que uma pessoa mais letrada tem a oportunidade de se sobressair

melhor em uma determinada situação comunicativa? Segundo a autora, isso dependerá do

modo como se concebe pessoa letrada, pois, para o modelo ideológico, diferentemente do

autônomo, se os eventos (sociais) comunicativos de que um sujeito participa forem variados e

lhe permitirem a apropriação de diversos gêneros, ele — certamente — se sairá bem numa

situação real. Deve-se atentar, porém, para o fato de que talvez não exista uma pessoa 100%

letrada (que domine todos os gêneros e se destaque em todos os campos de atividades

humanas). Poderá chegar um momento em que esse sujeito letrado precisará utilizar um

gênero do qual ainda não se apropriou e terá uma performance insatisfatória, conforme vimos

anteriormente.

Desse modo, percebemos que Barbosa (2001) advoga a favor da relação direta entre os

gêneros do discurso e os variados letramentos existentes na sociedade, pois afirma que tal

conceito envolve, naturalmente, as diferentes formas de dizer. Por isso, assegura que o nível

de letramento de um sujeito é determinado pela variedade de gêneros que ele reconhece e

domina.

Portanto, aceitando essa posição e concordando com ela, relacionamos aqui alguns

exemplos de práticas de letramentos, trazidas por Rojo (2009b) — acesso à conta bancária

pelo computador, realização de troco, escrita de bilhete, realização de depósito, exposição de

aula, apreciação de novela e de telejornal — com outros exemplos de gêneros, propostos por

Dolz e Schneuwly (2004, p. 142, grifo dos autores), quando dizem que

cada um de nós, um dia ou outro, conta uma fábula a uma criança, assiste à

exposição de um professor, a uma conferência pública, apresenta as regras

de um jogo a um grupo de amigos, estabelece um diálogo para pedir

informações num guichê, apresenta-se para uma entrevista profissional para

obter um emprego, escuta conversas, entrevistas ou debates no rádio ou na

televisão.

Todos esses eventos concernem não apenas a práticas de letramentos bem como a

práticas cotidianas envolvendo gêneros discursivos realizadas em diferentes esferas de

64

comunicação social. Ou, como nos lembra Silva (2009), as diferentes agências de letramento,

tais como a família, a igreja, a escola e a rua, são organizadas por diferentes gêneros, cada

qual responsável pelas singularidades dos funcionamentos das práticas de letramento que lhes

são características: ―os gêneros conversa espontânea, telefonema, carta e bilhete, por exemplo,

organizam o funcionamento da interação no espaço social da família‖ (SILVA, 2009, p. 145).

Em relação aos estudos sobre letramentos associados aos gêneros discursivos,

pensemos, então, que isso tudo traz para a escola uma maior responsabilidade de ―significar‖

o ensino de língua materna, a fim de possibilitar ao aluno a apropriação e o domínio dos

diversos gêneros que transitam na sociedade, sobressaindo-se em todos os setores da vida

social.

Compreendemos, de tal modo, o domínio dessas práticas (o domínio de diferentes

gêneros) como verdadeira condição para a inclusão e a inserção sociais e, especialmente, para

o exercício real da cidadania, pois é preciso responder aos inevitáveis apelos de uma

sociedade grafocêntrica altamente competitiva. É aqui que se coloca o papel essencial da

escola.

Nesse sentido, Barbosa (2001) prossegue defendendo que a noção de letramento, para

ser mais proveitosa, também, seja acompanhada de certa especificação, já que existem vários

letramentos, no plural, estritamente vinculados a seus diferentes contextos de ocorrência.

Rojo (2009b) explica que tal conceito, agora, passa a ser plural, dividindo-se em

letramentos institucionalizados/dominantes e letramentos locais/vernaculares, vinculados

entre si. Esses últimos estão associados a organizações informais, não valorizadas, originadas

nas culturas locais e no cotidiano; notadamente, tal ―modelo‖ de letramento é excluído pela

cultura oficial. A gíria de internet, o ―internetês‖, e a língua tradicional e cotidiana do caipira,

o ―caipirês‖, ilustram alguns exemplos desse letramento. Aqueles outros (letramentos

institucionalizados/dominantes) estão associados às organizações formais e valorizadas, tais

como igreja e escola. Essas, como as demais, pressupõem agentes culturalmente

reconhecidos: pastores e professores (ROJO, 2009b).

Reiterando, então essa proposta, Rojo (2009b) teoriza que as abordagens mais

recentes, ou seja, os novos estudos do letramento têm apontado para outro rumo: para a

heterogeneidade dos eventos sociais de leitura, escrita e uso de linguagem, para as

características socioculturais dessas práticas nas diversas situações comunicativas. Por conta

disso afirma que é preciso reconhecer na sociedade os múltiplos letramentos, os quais variam

no tempo e no espaço e são, por vezes, contestados nas relações de poder (STREET, 2003

apud ROJO, 2009b, p. 102). Ao considerar os letramentos múltiplos, compreendemos que a

65

escola, como instituição ética e democrática, deve preservar os letramentos informais dos

envolvidos, proporcionando-lhes o contato com novos letramentos institucionalizados e o

acesso a espaços valorizados, tais como museu, teatro e bibliotecas.

Portanto, sobre o letramento, vale destacar, ainda uma vez, o fato de, atualmente,

vivermos numa época de profundas transformações sociais, alavancadas pelo processo de

globalização, em que o domínio da escrita — dos letramentos — materializados em gêneros

— é fundamental para a conquista da cidadania, a real participação crítica, reflexiva e

consciente numa comunidade ultramoderna.

Em linhas gerais, Kleiman (2005) compreende que o letramento envolve não só a

imersão do aluno no mundo da escrita, sua participação em práticas sociais que usam tal

modalidade, mas também a compreensão dos sentidos de um texto escrito, numa dada

situação. Além disso, engloba ainda um conjunto de habilidade (rotina de como fazer) e de

competência (capacidade concreta para fazer algo), que precisa ser desenvolvido em cada

pessoa.

Todas essas questões acerca do letramento trazem para a instituição escolar, principal

agência de letramentos, a responsabilidade de ensinar ao aluno, portanto,

as habilidades necessárias para participar de eventos de letramentos relevantes para

a inserção e participação social; ensinar como se age nos eventos de instituições

cujas práticas de letramento vale a pensa conhecer; criar e recriar situações que

permitam aos alunos participar efetivamente de práticas letradas (KLEIMAN,

2005, p. 18).

É valido reiterar que, no cenário atual, a escola precisa voltar sua atenção, de modo

especial, para promoção e para o desenvolvimento das capacidades dos alunos, a fim de torná-

los indivíduos aptos não só para a disputa de vagas num mercado de trabalho cada vez mais

competitivo, mas, prontos, para o enfrentamento de outras situações impostas pela sociedade.

Esse mundo moderno tem exigido cada vez mais sujeitos proficientes, usuários

eficazes de sua própria língua. As mídias tecnológicas têm disponibilizados diversos tipos de

informações em segundos a todos que as acessam; no entanto, diante disso, o que podemos

perceber é que, ultimamente, ―as pessoas estão obesas de informação e anoréxicas de

reflexão, de conhecimentos16

‖, pois, certamente, o conhecimento não consiste, somente, em

16

Citação feita por Geraldi (2009), durante o evento Círculo Rodas de Conversa Bakhtiniana, sobre o tema ―O

humano e as subjetividades na contemporaneidade‖, em 08/11/2009, no prédio AT2, área Sul, da Universidade

Federal de São Carlos.

66

guardar e acumular informações, mas em absorvê-las, filtrá-las e aplicá-las à prática, à vida

cotidiana. Para tanto, é preciso, obviamente, transformar informações em conhecimento.

Barbosa (2001), ao se referir à informação disponível nos ambientes comunicacionais,

defende que é preciso não só saber buscar a informação, mas também saber descobrir se ela

procede ou não. É necessário ter sensibilidade aguçada e ser crítico para selecioná-la e usá-la

apropriadamente para um determinado fim.

Enfim, para que o sujeito possa agir em uma situação real, na resolução de problemas,

ele precisa ser competente em sua língua, dominando-a, mobilizando e relacionando os vários

saberes, cujo domínio já tem, além dos recursos disponíveis. Afinada a esse discurso, Rojo

(2009b) destaca que atualmente no ensino não se trata mais de acumular conhecimento, ao

contrário: ―a formação do aluno deve ter como alvo principal a aquisição de conhecimentos

básicos (...), a preparação científica e a capacidade para utilizar as diferentes tecnologias

relativas às áreas de atuação‖ (idem, p. 89, grifo nosso).

Em virtude disso, acreditamos que para trazer, de fato, a linguagem para o centro de

atenção na vida escolar, é preciso focalizar no desenvolvimento das capacidades de

linguagem dos alunos, sobretudo, no que tange ao processo de escrita, porque tal prática,

naturalmente, envolve um conjunto de habilidades que vão além do simples codificar e grafar

de acordo com a norma padrão culto da língua. É preciso mais que isso: ―textualizar,

estabelecer relações e progressão de temas e ideias, providenciar coerência e coesão, articular

o texto a partir de um ponto de vista levando em conta a situação e o leitor etc.‖ (ROJO,

2009b, p. 44-45).

Nessa mesma direção, na seção seguinte, tratamos das capacidades de linguagem

implicadas no ensino-aprendizagem de escrita, propostas por Dolz e Schneuwly (2004).

2.5 Capacidades de linguagem

Nosso objetivo é fazer um breve esboço sobre as capacidades de linguagem envolvidas

no processo de produção de textos, tomando como referência principal os escritos dos

pesquisadores da Universidade de Genebra, os quais influenciaram a produção dos

documentos oficiais de educação no Brasil.

Conforme uma tendência mundial, temos percebido nos discursos dos PCNLP

(BRASIL, 1998) a necessidade de centrar o ensino-aprendizagem de LP no desenvolvimento

de competências/capacidades em lugar de centrá-lo no conteúdo conceitual, valorizando,

desse modo, a linguagem, ou melhor, os gêneros discursivos, no seu uso social. Atualmente,

67

os gêneros são compreendidos não só como entidades culturais que possibilitam a

comunicação humana, mas também como instrumentos de ensino escolar, porquanto

possibilitam a comunicação humana, além de possuir características próprias, permitindo a

um só tempo, a produção e a compreensão de textos. Sob tal lógica, para o domínio dessas

práticas, faz-se necessário que o aluno mobilize as capacidades de linguagem, haja vista que

elas evocam aptidões exigidas no momento de produção e/ou compreensão de um gênero,

numa dada situação de interação social (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004).

Isso significa dizer que toda ação de linguagem implica diferentes capacidades por

parte do indivíduo. Segundo Dolz e Schneuwly (2004), essas capacidades dizem respeito à

capacidade de ação, que se refere à adaptação das características do contexto de produção de

um texto; a capacidade discursiva, que corresponde à mobilização de modelos discursivos, da

forma composicional de cada gênero, e a capacidade linguístico-discursiva, que se volta para

o domínio das operações psicolinguísticas e das unidades linguísticas que tornam o texto

coerente.

Para esses estudiosos, as capacidades de linguagem se ligam a aspectos cognitivos, ao

intelecto. Além do mais, são construídas, sobretudo, pela apropriação de instrumentos

semióticos, no contexto social. Assim, a criança, desde cedo, em contato com sua cultura, nas

conversas e brincadeiras, já constrói suas capacidades comunicativas. Nesse sentido, o

indivíduo que age sobre o mundo por meio de instrumentos complexos disponíveis na

sociedade (no caso, os gêneros) edifica novas funções psicológicas, novas capacidades,

transformando seu próprio funcionamento psíquico. Por isso mesmo, tais funções não devem

ser vistas como um dom inato, mas determinadas pelas condições sócio-históricas de cada

sujeito.

Em relação ao trabalho com a língua(gem) escrita, especialmente, Dolz e Schneuwly

(2004) propõem que os gêneros devem ser explorados de maneira que essas capacidades

possam se desenvolver no ambiente escolar. Nesse processo, em que o domínio do gênero,

instrumento historicamente constituído, pressupõe funções psicológicas, a interferência

educativa possui papel fundamental, uma vez que dá forma especial ao desenvolvimento,

colocando à disposição do aluno ferramentas de comunicação socialmente elaboradas, que lhe

permitem construir essas funções. Noutros termos, a intervenção escolar é condição

indispensável para o aparecimento de certas formas cognitivas complexas, a saber, as

capacidades de linguagem. Para Schneuwly (2004, p. 120), ―a aprendizagem em meio

escolar participa grandemente da apropriação de uma cultura de comunicação‖, convencional

(ou não), necessária para a participação cidadã.

68

Compreendendo a importância do trabalho escolar para o desenvolvimento das

capacidades de linguagem, Barros-Mendes (2005), partindo dos estudos genebrinos,

complementa que a capacidade de ação está diretamente relacionada ao projeto de

comunicação a ser realizado. Por isso, no ensino-aprendizagem de escrita de um gênero, por

exemplo, é necessário focalizar as seguintes dimensões: planejamento — em que se deverá

propor ao aluno um plano da atividade de linguagem a ser realizada; conteúdo — em que se

demonstrará a importância do conteúdo, do assunto geral a ser tratado no projeto de escrita; e

objetivos da atividade — em que se delimitará um objetivo claro e significativo para a escrita

do aluno. A transparência na definição dessas dimensões contribui para fixar não só os

parâmetros necessários para o preparo do contexto de escrita, como também o objeto de

ensino-aprendizagem, em outros termos, o gênero a ser estudado (BARROS-MENDES,

2005).

Em relação às capacidades discursivas, que estão diretamente ligadas à estrutura

formal do texto, a autora alerta para o fato de que o gênero é, ao mesmo tempo, composto de

sequências textuais (narrativas, descritivas, argumentativas, explicativas, dialogais), não se

reduzindo, no entanto, a esses aspectos estruturais.

Conforme vimos, as capacidades linguístico–discursivas se referem precisamente às

operações (estilísticas) implicadas na produção do texto. Essas operações dizem respeito a:

operações de conexão e segmentação (aquelas que articulam, por exemplo, os enunciados e

os períodos); operações de coesão nominal e verbal (trata-se, sobretudo, da gestão dos tempos

verbais); tomada de posição enunciativa (é aquela que contribui para o estabelecimento da

coerência do texto); operações de construção de enunciados (pode ser uma cláusula, ou melhor,

―uma unidade de comportamento que introduz uma mudança no estado corrente da memória

discursiva dos interlocutores‖ (DOLZ; SCHNEUWLY, 1998 apud BARROS-MENDES, 2005,

p. 99); e escolha dos itens lexicais (é o conjunto de operações que possuem uma estreita

interação com os outros níveis supracitados)

A partir dessas informações, para uma maior visibilidade, Barros-Mendes (2005)

elabora o seguinte quadro17

sinóptico das capacidades apontadas por Dolz e Schneuwly

(1998).

17

É válido dizer que Barros-Mendes (2005, p. 121) elaborou esse quadro baseada nas capacidades de linguagem

de Dolz e Schneuwly (1998), para verificar quais capacidades (orais) estavam presentes na didatização de alguns

gêneros orais de uso público em livros didáticos de LP. Diante disso, esclarecemos que adaptamos esse quadro

para nossa análise sob um outro olhar, tendo em vista nosso objeto de estudo: propostas de escrita, dentro de um

material didático destinado à formação continuada de professores.

69

Quadro 1 - Síntese das capacidades de linguagem

1. CAPACIDADES DE AÇÃO (definição clara sobre o objeto, ou seja, sobre o gênero) a) Gênero: O LDP informa o gênero a ser trabalhado?

b) Participantes: O LDP orienta, em relação a cada gênero, sobre os possíveis

locutores/interlocutores?

c) Contexto de produção textual: o LDP permite entrever o contexto onde o gênero será construído

ocorrerá?

d) Finalidade: O aluno sabe por que desenvolve a atividade num determinado gênero? É orientado

no sentido de estar consciente de um trabalho que vise ao domínio de algumas capacidades de

linguagem como aprender a explicar, refutar, se posicionar etc.?

e) Conteúdo: Informa o conteúdo a ser trabalhado?

2. CAPACIDADES DISCURSIVAS (o que pode ser dito através desse objeto e a organização desse

dizer no objeto, auxiliando tanto para o tema quanto à forma de composição do gênero) Elaboração dos conteúdos do gênero: O LDP fornece informações para a construção/elaboração dos

conteúdos do gênero?

a) Plano do texto/organização textual: a organização sequencial é indicada de acordo com o

gênero?

3. CAPACIDADES LINGÜÍSTICO-DISCURSIVAS (como pode ser dito, auxiliando no estilo do

gênero) a) Operações de textualização: orientação sobre a conexão/coesão de acordo com gênero. Por

exemplo, o debate requereria o uso de conectivos de justificação/explicação (pois, porque) e

contraposição (no entanto, mas, porém).

b) Escolha lexical: O LDP orienta sobre o vocabulário apropriado ao gênero e conforme a situação

de comunicação? c) Tomada de posição enunciativa ou ponto de vista enunciativo:o LDP trata das relações entre as

diferentes vozes que podem aparecer dentro de um texto? Orienta as modalizações, apreciações

valorativas etc.?

(BARROS-MENDES, 2005, p. 121).

Desse modo, acreditamos que a escola precisa desenvolver nos alunos essas

capacidades, no intuito de que eles alcancem de fato uma mestria tanto dos gêneros como das

situações de comunicação a que estes pertencem, para que possam participar plenamente da

vida social, comunicativa, enfim, das atividades de linguagens.

70

Vale lembrar, mais uma vez, que essas ideias se aproximam do propósito de ensino

atual, haja vista que os PCNLP (BRASIL, 1998) sugerem que os conteúdos de LP sejam

vistos a partir dos diversos gêneros, visando ao desenvolvimento de

competências/capacidades, pois, assim,

Os sujeitos se apropriam dos conteúdos, transformando-os em conhecimento

próprio, por meio da ação sobre eles, mediada pela interação com o outro.

Não é diferente no processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem.

É nas práticas sociais, em situações linguisticamente significativas, que se dá

a expansão da capacidade de uso da linguagem e a construção ativa de novas

capacidades que possibilitam o domínio cada vez maior de diferentes

padrões de fala e de escrita (BRASIL, 1998, p. 33-34) [ênfase adicionada].

Essas questões sobre interação, aprendizagem, desenvolvimento humano, apropriação

de conhecimentos, entre outros elementos, mediados pela linguagem, serão brevemente

abordadas na seção posterior, nas considerações feitas pelo psicólogo bielo-russo Lev

Semynovich Vygotsky, cujas ideias também influenciaram grandemente a educação

brasileira, redimensionando o ensino-aprendizagem.

2.6 Algumas contribuições da teoria sociohistórica de Vygotsky para o ensino-

aprendizagem de Língua Portuguesa

Ao longo dos anos, temos percebido que as ideias de Vygotsky (2007[1984], 1996

[1987]) têm contribuindo, de modo significativo e decisivo, para a reflexão sobre o papel da

escola. Seus estudos, baseados numa abordagem sociointeracionista, sem dúvida, têm ajudado

na compreensão da relação existente entre indivíduos e sociedade, de modo amplo. A teoria

desse autor ―se identifica com uma tendência educacional de caráter mais social, mais

dialético‖, que vê o homem não só como um indivíduo influenciado pelo meio, mas também

com capacidade de se voltar sobre ele para transformá-lo (FREITAS, 2006, p. 15-16).

Vygotsky (2007[1984], 1996[1987]) tem suas pesquisas voltadas para a demonstração

do caráter histórico, cultural e social da mente humana e seus processos de desenvolvimento,

o que amplia, ainda mais, o modo de compreender e interpretar o comportamento humano.

Sua abordagem sociointeracionista tem como objetivo central:

[...] caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e

elaborar hipóteses de como essas características se formaram ao longo da

história humana e de como se desenvolvem durante a vida de um indivíduo

(VYGOTSKY, 2007[1984], p. 03).

71

De acordo com Cole e Scribner (2007[1984]), em seus estudos, Vygotsky

(2007[1984]) procurou uma abordagem que possibilitasse a descrição e a explicação das

funções psicológicas superiores em termos científicos, tomando como objeto de investigação

a consciência e o comportamento, como já dito, uma vez que, para o pesquisador, esses dois

fatores só podem ser entendidos em uma totalidade. Suas obras versam sobre diversos

aspectos, dentre os quais se destacam a gênese social das funções superiores, as relações entre

pensamento e linguagem, as relações entre desenvolvimento e aprendizagem e os processos

de aprendizagem que ocorrem dentro e fora da escola.

Em suas pesquisas, esse teórico tratou do desenvolvimento das funções psicológicas

superiores, partindo do princípio de que a interação com o meio social vai proporcionar o

desenvolvimento e a aprendizagem do sujeito, pois as relações homem-mundo não ocorrem

diretamente, mas são mediadas por instrumentos ou por signos fornecidos pela cultura. É,

portanto, nessa relação (eu e outro), no contexto sociocultural real, que se originam as funções

psicológicas e a consciência humana. É aí que ocorre o processo de internalização, entendida

como a reconstrução interna de uma operação externa ou como um processo interpessoal

transformado em processo intrapessoal; afinal, ―todas as funções no desenvolvimento da

criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual;

primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança

(intrapsicológica)‖ (VYGOTSKY, 2007[1984], p. 57-58, grifo do autor).

Sendo assim, a cultura na qual o indivíduo nasce molda o psicológico, determinando o

seu modo de pensar, pois ela fornece ao sujeito ferramentas, signos, historicamente

construídos, símbolos, portadores de mensagens (a linguagem, por exemplo), que lhe

permitem não só interpretar o mundo como também se constituir enquanto pessoa.

Nessa teoria, a cultura é concebida não como algo pronto a que o sujeito se submete,

mas como uma espécie de ―palco de negociações‖ em que seus participantes estão em

constante recriação e ressignificação de informações, valores, conceitos etc. (OLIVEIRA,

1993 apud REGO, 2008, p. 55). Por isso, ela é considerada uma das principais influências no

desenvolvimento mental humano. Ademais, tal desenvolvimento ―não é dado a priori, não é

imutável e universal, não é passivo, nem tampouco independente do desenvolvimento

histórico e das formas sociais da vida humana‖, conforme elucida Rego (2008, p. 42). Essa

autora assevera ainda que

72

A cultura é, portanto, parte constitutiva da natureza humana, já que sua

característica psicológica se dá através da internalização dos modos

historicamente determinados e culturalmente organizados de operar com

informações (REGO, 2008, p. 42).

Como já vimos, nessa abordagem sociointeracionista, a cultura tem grande

importância no desenvolvimento humano, visto que o grupo social fornece ao sujeito um

espaço onde os elementos são/estão carregados de significado cultural e, na incorporação

dessa cultura, por meio da linguagem, o indivíduo se comunica com os demais, construindo

saberes, conceitos, autonomia, valores, regulando suas ações. Nesse processo, reiterando, os

sistemas de comunicação e as funções mentais superiores neles envolvidas se efetivam

primeiramente na atividade externa (no nível social, na relação entre pessoas) e, em seguida,

são internalizados e apropriados pela atividade interna (individual), voltada para si, relação

em que a pessoa se compreende, reconhece e controla suas próprias emoções, reguladas pela

consciência. Para Vygotsky (2007[1984], p. 58), ―a internalização das atividades socialmente

enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia

humana‖.

Em seus estudos, esse autor tratou não só do desenvolvimento das funções

psicológicas como também da mediação e da função social e psicológica da linguagem, que

possui papel de destaque na teoria vygotskiana tanto pela sua função comunicativa como pela

sua relevância no processo de apropriação de cultura. Nessa perspectiva, a linguagem é

compreendida como uma forma representacional indispensável a todas as pessoas, uma vez

que, sem ela, principalmente, ―não seria possível a internalização e a construções das funções

superiores‖ (FREITAS, 2006, p. 91).

De acordo com Oliveira (1997, p. 34), ―a linguagem é o sistema simbólico básico de

todos os grupos humanos‖, pois é através dela que se nomeiam objetos e signos, elementos da

cultura, fornecem-se os conceitos e as normas sociais, permitindo, assim, a comunicação entre

os indivíduos. Além disso, ela se destaca pela sua função de mediadora, haja vista que na vida

real a relação homem-mundo não acontece diretamente, mas mediada pela linguagem, por

instrumentos ou por signos que auxiliam na atividade humana. Desse modo, mantendo uma

relação direta com o desenvolvimento psicológico do ser humano, a linguagem é responsável

pela sua interação social.

Dentre os diversos temas tratados por Vygotsky (2007[1984], 1996[1987]), destacam-

se ainda os processos de ensino-aprendizagem escolar. Suas considerações sobre o

desenvolvimento humano e sua relação com a aprendizagem e sobre a importância das

73

interações na construção do conhecimento são temas centrais de sua teoria. São fundamentos

que, conforme já dissemos, representam uma mudança no paradigma educacional, por

distanciarem-se de um ensino tradicional, favorecendo o diálogo e as relações sociais. Para o

psicólogo, a aprendizagem, vista como um processo de apropriação de conhecimentos,

conduz ao desenvolvimento social, ambos se relacionando de maneira complexa e dinâmica.

Isso se dá de tal forma, que a primeira, como processo constante, converte-se no segundo, no

decorrer da vida social da criança, podendo ocorrer através da brincadeira, do jogo, do

trabalho, por exemplo. Nesse contexto, para explicar a aprendizagem, Vygotsky (2007[1984],

p. 97) apresenta o conceito de Zona Proximal de Desenvolvimento18

(doravante ZPD) que

designa, apropriadamente, como

A distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma

determinar através da solução independente de problemas, e o nível

desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas

sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais

capazes.

Em outras palavras, a ZPD é a distância entre aquilo que o sujeito já sabe, que já foi

assimilado, que ele consegue fazer sozinho, e aquilo que o indivíduo pode vir a aprender ou a

fazer com a ajuda de outras pessoas mais experientes, denominado desenvolvimento

potencial:

A ZPD define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão

em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão

presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas

de ―brotos‖ ou ―flores‖ do desenvolvimento, em vez de ―frutos‖ do

desenvolvimento (VYGOTSKY, 2007[1984], p. 98).

Dito de outro modo, a ZPD pode ser considerada o caminho que uma pessoa vai

percorrer a fim de desenvolver funções que estão em processos de ―aperfeiçoamento‖. Essas

funções só se serão alcançadas depois da intervenção de um par mais avançado. Logo, ela

delimita o que falta ser amadurecido para se poder avançar. Esse é um conceito, portanto, que

18

Neste trabalho, adotamos a terminologia Zona Proximal de Desenvolvimento (ZPD) em vez de Zona de

Desenvolvimento Proximal (ZDP), de acordo com a relação semântica envolvida, pois, como pondera Rojo

(2001a apud PAES DE BARROS, 2005, p. 41, grifo da autora), ―a força de adjetivação não recai sobre o

desenvolvimento, mas sobre a zona de intercessão criada pelo ensino-aprendizagem‖; ou, como explica Barricelli

(2007), não se trata da compreensão sobre o desenvolvimento proximal, e sim, sobre uma zona que trabalha com

desenvolvimento, de acordo com a concepção dialética de Vygotsky.

74

obtém grande aplicação no campo educacional, pois é nessa zona que deve acontecer a

intervenção pedagógica docente.

Nesse sentido, um aspecto essencial do aprendizado é trabalhar com a ZPD do aluno, o

qual pode, mediante a ajuda do outro, desenvolver capacidades, consideradas, às vezes,

impossíveis, sem a colaboração externa. Sob tal lógica, o professor constitui-se como uma

pessoa responsável por interferir nessa zona de desenvolvimento do aprendiz, no intuito de

lhe propiciar avanços significativos na aprendizagem. Propostas de atividades grupais em que

os alunos com maior domínio sobre um determinado conteúdo colaboram com os demais,

podem ser um meio de fazer tal intervenção. Com isso, se estimulará, certamente, a interação

contínua em sala de aula, possibilitando a todos o desenvolvimento cognitivo, pois, para

Oliveira (1997, p. 61), ―é na zona de desenvolvimento proximal que a interferência de outros

indivíduos é mais transformadora‖. Além disso, com a abertura da ZPD, o aprendiz terá um

suporte a mais que o ajudará a construir, a modificar e a interpretar os sentidos de um texto,

por exemplo.

Nessa teoria, segundo Paes de Barros (2005), o aluno é considerado ator de seu

próprio desenvolvimento, transformando a si mesmo, ou seja, é um sujeito ativo no processo

de construção do saber. Não nos esqueçamos, portanto, de que o docente, também, assume

uma função importante: como uma pessoa mais experiente e como um par mais avançado, é

capaz de interagir com o aluno, ambos construindo juntos os conhecimentos.

Nesse aspecto, tal concepção, sob o enfoque psicológico histórico-cultural,

proporciona, sem dúvida, mudanças valiosas na organização do ensino, pois contribui para

romper com práticas cristalizadas, como, por exemplo, aquela proposta de ensino centralizada

na figura do professor, como se ele fosse o ―detentor absoluto do saber‖, encarregado de

transmitir o conhecimento aos alunos, meros receptores e passivos. Nessa perspectiva, o

professor é concebido como um mediador, aquele que colabora na (re)construção do

conhecimento do aluno, favorecendo-lhe uma postura reflexiva e crítica.

As ideias de Vygotsky (2007[1984], 1996[1987]) vêm ao encontro de uma proposta

centrada no processo de ensino-aprendizagem de cada aluno, isto é, centrada na forma como

esse indivíduo aprende. Notadamente, aqui, o aluno e seus saberes são o ponto de partida para

o ensino.

Tendo em vista tudo isso, no ensino-aprendizagem, é preciso considerar o que os

alunos já sabem, os conhecimentos que eles trazem de casa, pois, na perspectiva vigotskiana,

professor e alunos formam um grupo, trocam experiências, medeiam e (re)elaboram os

conceitos e os conhecimentos entre si. Haja vista que o conhecimento é acessado pelo

75

indivíduo por meio da linguagem e da interação, no contexto das situações imediatas, faz-se

necessário reiterar que é exatamente nesse ambiente (escolar, especificamente) que o aluno se

apropria das práticas acumuladas pela sociedade ao longo da história, construindo suas

representações sociais, signos, mitos e transformando-os por meio da imitação e do

pensamento reflexivo. Isso equivale a dizer que o conhecimento tem sua gênese nas relações

sociais, na ação coletiva, sendo produzido na intersubjetividade e marcado por condições

sócio-históricas. Portanto, essa tese sobre a ZPD esclarece a grande importância das relações

interpessoais para a construção dos comportamentos superiores (processos voluntários, ações

conscientes, capazes de serem aprendidas), já que o desenvolvimento da criança ocorre

primeiro no nível social e depois no nível individual.

Conforme vimos, a teoria social e histórica de Vygotsky (2007[1984], 1996[1987])

muito pode contribuir com o ensino de LP, porquanto ressalta, entre outras questões, não

apenas a relevância das trocas interpessoais na formação e na apropriação do conhecimento,

dos conceitos e da cultura, mas também a importância da mediação do outro no processo de

ensino-aprendizagem. Além disso, fornece ao professor ferramentas de análise do pensamento

humano e permite-lhe, portanto, conhecer os processos psicológicos de seus alunos. Isso, sem

dúvida, possibilita ao educador intervenções significativas no aprendizado da criança e do

adolescente. Já vimos, também, que essas ideias ajudaram na composição dos PCNLP

(BRASIL, 1998), os quais propõem que o docente assuma a função de mediador do

conhecimento, mostrando ao aluno o papel do ―outro‖ numa relação dialógica. Logo, cabe ao

professor dinamizar a interação e planejar situações enunciativas entre os estudantes, para que

possa haver trocas de experiências e crescimento intelectual.

Tendo em vistas essas questões, é válido pensar que o ensino de língua materna exige

do professor, pelo menos, dois domínios no nível da teoria: um que diz respeito à teoria

enunciativa de vezo bakhtiniano e outro que se refere à perspectiva sócio-histórica de ensino-

aprendizagem, a saber, os estudos de Vygotsky sobre o desenvolvimento da mente, o

aprendizado, a interação, entre tantos outros.

No capítulo seguinte, tratamos da metodologia de pesquisa.

76

CAPÍTULO III

METODOLOGIA DA PESQUISA

Na investigação científica, a metodologia constitui-se em uma preocupação

instrumental que trata das formas de se fazer ciência, isto é, cuida dos procedimentos, das

ferramentas e dos caminhos para se chegar a um possível resultado (DEMO, 2001). Além do

mais, ela é a base fundamental para qualquer tipo de pesquisa, pois norteia o desenvolvimento

do estudo científico. Assim, a finalidade deste capítulo é apresentar a metodologia de pesquisa

do nosso trabalho. Para a melhor compreensão do caminho percorrido, inicialmente, exibimos

nossos objetivos e nossas questões de pesquisa. Em seguida, apresentamos a metodologia de

coleta de dados (tipo de pesquisa, critérios de escolha, descrição do material) e, por fim, as

categorias de análise.

3.1 Objetivos e perguntas de pesquisa

A presente pesquisa tem como objeto de análise parte do material de formação

continuada do Programa GESTAR II, a saber, o Caderno TP6 e o Guia Geral. Assim, o

objetivo geral desta dissertação é analisar as orientações teóricas bem como as questões de

produção escrita da Unidade 22, no interior do TP6, a fim de verificar se essas propostas

possibilitam aos professores o real desenvolvimento das capacidades de linguagem no

processo de produção de textos.

Para darmos conta desse objetivo, lançamos mãos das seguintes perguntas de pesquisa:

1- Quais capacidades de linguagem são mobilizadas no tratamento didático dispensado

às atividades de produção escrita para aluno e professor, no material selecionado?

2 - As capacidades de linguagem identificadas em (1) atendem aos objetivos propostos

no GESTAR II, mais precisamente no TP6, para a formação continuada do professor,

considerando o atual paradigma de ensino de Língua Portuguesa?

Com base nas questões de nossa pesquisa, elencamos, abaixo, os objetivos específicos

que nos possibilitam não só levantar dados a respeito das propostas de escrita, como também

identificar como tais questões estão apresentadas no respectivo Caderno:

77

1) Analisar como dialogam as orientações teóricas do Guia Geral e do TP6 na proposta

de produção escrita para professores e alunos.

2) Comparar as atividades de produção escrita para os alunos no TP6 aos pressupostos

teórico-metodológicos apresentados ao professor no TP6.

3) Identificar as capacidades de linguagem mobilizadas nas propostas de ensino-

aprendizagem da escrita.

3.2 A perspectiva enunciativo-discursiva de Bakhtin como fundamento teórico para a

investigação científica

Segundo Pinto (1979), a pesquisa científica constitui-se em um tema ao qual o

investigador, em particular, precisa se dedicar constantemente, conhecendo a natureza teórica

do seu trabalho e refletindo sobre ela, pois isso é constitutivo da sua própria realidade

individual. Aliás, esse estudioso afirma que a ciência, quando compreendida por uma teoria

filosófica, pode auxiliar a construção dos processos de autonomia do sujeito. No estudo

científico, segundo esse autor, a reflexão teórica bem como a busca de princípios lógicos e de

bases epistemológicas para a construção da teoria da pesquisa são fatores fundamentais.

Compreendendo isso, ressaltamos, mais uma vez, a base teórica que sustenta nossa pesquisa, a

saber, a teoria enunciativo-discursiva de Bakhtin e seu Círculo, cujo princípio norteador, ao

nosso ver, é o dialogismo.

No livro Estética da Criação Verbal, no texto sobre a ―Metodologia das Ciências

Humanas‖19

, Bakhtin (2003[1974/1979]) trata da distinção entre a ciência da humanidade e as

ciências exatas. Segundo o autor, esta última representa uma forma monológica do

conhecimento, porquanto seu objeto não fala sobre si; já a outra se caracteriza como uma

forma de saber dialógico, pois seu sujeito (objeto de estudo) fala e expressa sobre si. Desse

modo, é pertinente considerar que a característica dessa derradeira ciência pressupõe, então, a

existência de pelo menos dois indivíduos envolvidos numa interação verbal, ambos

produzindo enunciados concretos — orais e/ou escritos.

De acordo com o princípio amplo do dialogismo de vezo bakhtiniano, já tratado nesta

dissertação, cada enunciado é um elo na grande e ininterrupta cadeia de comunicação verbal.

19

Esse texto foi escrito por Bakhtin entre os fins dos anos 1930 e início dos anos 1940 do século XX, com o

título Os fundamentos filosóficos das ciências humanas. Em 1974, esse texto foi publicado, como artigo, pela

revista Kontekst, sob um novo título: Para uma metodologia dos estudos literários. No ano de 1979, recebeu o

título Para uma metodologia das ciências humanas, e foi publicado na 1ª edição do livro Estética da Criação

Verbal (1979), segundo o tradutor Paulo Bezerra (2003).

78

Além disso, se constitui como o produto da enunciação, a réplica do diálogo, tendo um

acabamento específico que permite uma resposta do interlocutor. Nessa concepção, o

enunciado é sempre heterogêneo, porque revela duas posições sociais e históricas em que

existem, de fato, ao menos, duas instâncias enunciadoras que, embora não se manifestem no

fio do discurso, nele se fazem presentes. Dessa maneira, compreendemos que o enunciador,

ao se pronunciar, leva sempre em conta o discurso de outrem, que está presente no seu. Nesse

pronunciamento, ―cada vez que se produz um enunciado o que se está fazendo é participar de

um diálogo com outros discursos‖ (FIORIN, 2006, p. 21). Assim, o dialogismo constitui,

justamente, as relações de sentido que se estabelecem entre dois enunciados.

É partindo desses pressupostos que pretendemos olhar nosso objeto de estudo, a saber,

as atividades de produção escrita da Unidade 22 do Caderno TP6, já que são compostas por

enunciados dialógicos, os quais respondem a outros enunciados, inevitavelmente,

atravessados por diversas vozes sociais. Essas vozes, no entanto, nem sempre se afinam entre

si, discordando, gerando questões e suscitando outras respostas. Certamente, isso é o que

ocorre no processo comunicativo da nossa investigação científica, pois, de fato, se estabelece

aí uma relação dialógica plena entre o discurso que compõe o objeto de pesquisa, isto é, as

orientações para as propostas/atividades de produção e o discurso do investigador — um

discurso não neutro, atravessado de vozes, ideologias, expectativas, entre outros aspectos.

Sob tal lógica, o pesquisador, ao compreender o enunciado do seu interlocutor — nos

materiais de formação continuada — simultaneamente, adota, em relação a ele, uma atitude

responsiva. Conforme pontua Bakhtin (2003[1952-1953], p. 272), o próprio locutor, no caso a

autora da Unidade 22 do Caderno de Formação20

, ―não espera uma compreensão passiva, por

assim dizer, que apenas duble o seu pensamento em voz alheia, mas uma resposta, uma

concordância, uma participação, uma objeção, uma execução‖. Aliás, toda compreensão de

um discurso, falado ou escrito, implica uma compreensão ativa e responsiva, uma resposta por

parte do interlocutor, neste caso, o investigador. Dessa forma, de acordo com

Bakhtin/Volochinov (2004[1929], p. 405), para que haja compreensão ativa de um texto —

impresso, manuscrito ou oral — é preciso remetê-lo a outros textos, a outros discursos, pois

―o texto só vive em contato com outro texto (contexto). Somente em seu ponto de contato é

20

É importante ressaltar que o TP6, bem como os demais Cadernos do GESTAR II, é resultado de um trabalho

coletivo, desenvolvido por diferentes estudiosos e especialistas, de modo que cada Unidade é escrita por um

autor. Considerando, então essa autoria coletiva, ao nos referirmos ao discurso da autora da Unidade 22, do TP6,

adotaremos os seguintes nomes: TP6, TP, material e/ou Caderno.

79

que surge a luz que aclara para trás e para frente, fazendo que o texto participe de um

diálogo‖. Além do mais, os autores (2004[1929], p. 343) salientam que ―o sentido se distribui

entre as diversas vozes‖, quer dizer, o discurso de um texto só tem seu sentido revelado em

relação com outros textos, com outras vozes, nas variadas situações dialógicas.

Adotamos tal teoria, inclusive, para a análise do paradigma que informa as atividades

didáticas ou das vozes/dialógicas nas orientações/enunciados apresentados, no material

selecionado. Nesse sentido, acreditamos que, no amplo diálogo, à medida que tomamos a

palavra como um produto que procede de alguém e dirige-se para alguém

(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004[1929]), buscamos compreender o discurso atravessado, as

vozes presentes, no respectivo Caderno do GESTAR II, no que tange ao ensino de escrita.

Nosso objetivo aqui é investigar se as questões de produção escrita da Unidade 22

possibilitam aos professores o real desenvolvimento das capacidades de linguagem no

processo de produção de textos. Isso permitirá testar nossa hipótese sobre a consonância entre

as propostas de escrita de textos diversos, trazidas nas orientações teórico-metodológicas do

GESTAR II (TP6) — publicadas pelo MEC, portanto assumidas e apoiadas pelo órgão

máximo da educação brasileira — e a tendência atual de ensino, no que se refere aos

pressupostos dos PCNLP (BRASIL, 1998). Dito de outra forma, e concordando integralmente

com o pensamento bakhtiniano de que ―em todas as coisas, ouço as vozes e sua relação

dialógica‖ (BAKHTIN, 2003[1974/1979], p. 409-410), nosso intuito é verificar se a voz do

outro — perspectiva atual de ensino — se faz presente nos enunciados do TP6 — nas

orientações teóricas fornecidas pela Unidade 22.

Com base nos conceitos aqui apresentados, consideramos que ―toda palavra (todo

signo) de um texto conduz para fora dos limites desse texto‖ e que ―[...] a compreensão é o

cotejo [confronto] de um texto com os outros textos‖ (BAKHTIN/VOLOCHINOV,

2004[1929], p. 405), ou seja, a palavra daquele que se busca pesquisar (objeto de estudo) é

essencial na constituição da própria investigação científica.

Na seção seguinte, apresentamos a metodologia de coleta de dados utilizada por nós

para seleção do nosso objeto de estudo.

3.3 Metodologia de geração de dados

Nosso trabalho constitui-se em uma pesquisa qualitativa. Esse tipo de pesquisa possui,

segundo Bogdan e Biklen (1994), cinco características básicas que a configuram como tal, a

saber: ambiente natural como sua fonte direta de dados e pesquisador como seu principal

80

instrumento; dados predominantemente descritivos; mais preocupação com o processo do que

com o produto/resultado; análise dos dados por meio de processo indutivo; e, por último,

importância dos significados dados pelas pessoas às coisas e à sua vida. Tais características,

indubitavelmente, servem de base para a nossa pesquisa, pois apontam para um estudo que se

preocupa com o aprofundamento da compreensão do processo formativo docente, sem perder

de vista seu contexto, no intuito de construir conhecimentos vários.

Inserido na área de Linguística Aplicada, nosso estudo discute, especialmente,

assuntos relacionados à formação continuada de professores e ao material didático-

pedagógico utilizado nesse campo, caracterizando-se como qualitativo de cunho descritivo e

interpretativo. Tais aspectos são fundamentais nesse tipo de investigação, porque a descrição

funciona bem, por um lado, como método de recolha de dados, ainda mais quando se pretende

que nenhum detalhe escape ao estudo e, por outro, como um meio através do qual se

compreende o objeto de pesquisa.

Na realização do presente estudo, recorremos à pesquisa documental. Para tanto,

utilizamos documentos escritos como fonte de informações, em nosso caso, o Caderno TP6 do

GESTAR II. Desse modo, é importante destacar que o uso de documentos na pesquisa

científica favorece a observação e a compreensão do processo evolutivo da sociedade. Por

isso, devem ser apreciados e valorizados. Além disso, eles têm uma riqueza de informações

―passível‖ de resgate e extração, como afirma Cellard (2008 apud SÁ-SILVA; ALMEIDA;

GUINDANI, 2009, p. 02):

[...] o documento escrito constitui uma fonte extremamente preciosa para

todo pesquisador nas ciências sociais. Ele é, evidentemente, insubstituível

em qualquer reconstituição referente a um passado relativamente distante,

pois não é raro que ele represente a quase totalidade dos vestígios da

atividade humana em determinadas épocas. Além disso, muito

frequentemente, ele permanece como o único testemunho de atividades

particulares ocorridas num passado recente.

Em relação aos dados, Bogdan e Biklen (1994) registram que esse termo se refere ao

material recolhido pelo pesquisador, constituindo-se como elementos que formam não só a

base da análise, como também as pistas e as provas que permitem ao investigador chegar a um

possível resultado. Além do mais, eles carregam em si o peso de qualquer interpretação,

permitindo uma descrição detalhada dos acontecimentos. Logo, é nessa etapa de coleta [ou, de

geração] que examinamos os respectivos documentos e registramos as informações e os dados

encontrados, cuidadosamente. É válido lembrar que, em nossa pesquisa, constituem-se como

dados as propostas/atividades de produção de textos presentes na Unidade 22 do Caderno TP6

81

do Programa de formação continuada GESTAR II, selecionados para nosso processo

investigativo.

Nessa direção, vale a pena salientar, mais uma vez, que os dados não falam por si, mas

são interpretados, ou seja, é através da investigação desses elementos que captamos a

realidade (DEMO, 2001). Diante disso, o investigador, sobretudo, aquele que faz pesquisa

qualitativa, deve ―analisar os dados em toda a sua riqueza, respeitando, tanto quanto o

possível, a forma em que estes foram registrados ou transcritos‖ (BOGDAN; BIKLEN, 1994,

p. 48), além de procurar sempre estratégias e procedimentos que lhes permitam levar em

conta as experiências e o contexto do outro,do objeto pesquisado.

O pesquisador qualitativo em linguística aplicada ao ensino, ao recolher os dados

descritivos para sua pesquisa, precisa, naturalmente, abordar o mundo de forma minuciosa,

isto é, deve considerar que nesse mundo nada é trivial e comum, mas que tudo tem potencial

para construir uma pista capaz de estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do objeto

de estudo (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Haja vista isso, nós, enquanto pesquisadores,

possuímos um papel fundamental no trabalho científico, pois temos, como objetivo principal,

a construção de saberes, compreendendo e respeitando a experiência e o comportamento

humano.

Sem dúvida, nesse tipo de investigação é possível, de fato, alcançar um nível desejável

de compreensão das coisas no mundo, como defendem Bogdan e Biklen (1994). No entanto,

para isso, entendemos que a interpretação e a imaginação do investigador científico precisam

estar embasadas numa teoria científica, o que significa dizer que, para o pesquisador

qualitativo, não bastam somente os dados, a informação, é preciso mais que isso: um estudo

teórico concreto que dê base para o seu trabalho. Nas palavras desses autores,

os bons investigadores estão conscientes dos seus fundamentos teóricos,

servindo-se deles para recolher e analisar os dados. A teoria ajuda na

coerência dos dados e permite ao investigador ir para além de um amontoado

pouco sistemático e arbitrário de acontecimentos (BOGDAN; BIKLEN,

1994, p. 52).

Para esses estudiosos, o processo de condução de investigação qualitativa reflete uma

espécie de diálogo, realizado, não de modo neutro, entre o investigador e o respectivo sujeito

de pesquisa, em nosso caso, os Cadernos do GESTAR II. Nessa direção, é pertinente revozear

Fiorin (2006, p. 27), a fim de destacar que todos os fenômenos presentes na comunicação real,

de modo escrito ou falado, podem ser analisados à luz das relações dialógicas que os

constituem. Assim, em nosso processo investigativo, na educação escolar, a adoção da teoria

82

enunciativo-discursiva bakhtiniana se justifica, pois trata, com grande propriedade, de tais

relações.

Na seção seguinte, abordamos os critérios usados para a seleção do material.

3.4 Critérios para a seleção do Caderno TP6 e para a modalidade escrita

Com o objetivo de obtermos informações que melhor descrevessem as propostas de

produção de textos no material de apoio à formação docente continuada, buscamos, como

fonte documental para a investigação, o Caderno TP6 do GESTAR II e, consequentemente, o

Guia Geral, Caderno em que se encontram informações relativas aos pressupostos teórico-

metodológicos do Programa GESTAR II. Esses materiais, publicados no ano de 2008, estão

em evidência em grande parte do país, sendo usados na capacitação dos profissionais da

educação. Além disso, suas orientações teóricas buscam seguir os pressupostos dos PCNLP

(BRASIL, 1998), o que confere, de fato, atualidade aos dados aqui estudados.

A escolha do Caderno TP6 se deve não só à sua abrangência e aceitação como também

ao caráter inovador (auto-)atribuído ao Programa: a modalidade semipresencial, que forma

professores em serviço; o formador, que é um intermediário entre as Secretarias de Educação

e as escolas, além de ser um mediador nos grupos de trabalhos com os professores, e os

Cadernos de Teoria e Prática, material didático-pedagógico que serve para subsidiar a prática

docente. Assim, tomaremos o TP6, uma vez que trata, sobretudo, do processo de produção de

textos. Esse caderno, intitulado Leitura e processos de escrita II, dá continuidade à elaboração

dos conceitos e práticas para o trabalho pedagógico do professor e ao trabalho com gêneros,

com o estudo da argumentação. Nele se retoma a produção textual, tratando das fases de

planejamento, escrita, revisão e edição; além de percorrer essas etapas de produção, reflete

sobre as estratégias utilizadas nessas fases.

Esse material, embora seja um caderno direcionado ao professor-cursista, contém

sugestões de atividades práticas a serem aplicadas em sala de aula com o aluno. Em seu

interior, analisaremos a Unidade 22, selecionada porque trata especificamente dos processos

de produção, isto é, da prática de escrita de textos.

No TP6, nosso olhar estará focado nas orientações de escrita direcionadas não só para

o professor como também para o aluno, a fim de compará-las em termos da mobilização das

capacidades de linguagem exigidas no processo de produção textual, conforme exposto no

capítulo anterior.

83

Sabemos que o professor também precisa desenvolver suas capacidades de linguagem

para poder ensinar seu aluno, posteriormente. Logo, o curso de formação continuada se

constitui em um espaço ideal para isso. A escolha da modalidade escrita — visto que

enfatizamos nesse material as propostas de produção textual — deve-se a um fato recorrente

no ensino-aprendizagem de LP em várias partes do Brasil, a saber, o nível de desempenho dos

alunos das redes públicas em relação a essa prática, que, apesar de ter-se tornado objeto de

discussão e de pesquisa, desde a década de 1970, seu insucesso ainda continua na ordem do

dia, conforme nos lembra Petroni (2006).

A discussão sobre esse assunto tem ocupado um lugar significativo na educação e na

mídia brasileiras. Já há alguns anos, o ensino de LP tem sido marcado pelos índices

insatisfatórios de desempenho escolar, apresentados, sobretudo, em exames de rendimento

estudantil, tanto os nacionais — tais como o ENEM e o SAEB — quanto os internacionais,

como o PISA. Esses exames pretendem medir os resultados do ensino básico, em termos de

construção de capacidades e competências, sobretudo, escriturais, dos alunos (ROJO;

BATISTA, 2003). Como já dito, a culpa do insucesso nas avaliações recai, quase sempre,

sobre o professor, sobre sua formação inicial e/ou continuada.

Por conta disso, e das exigências impostas pelo mundo globalizado que prescrevem

cada vez mais profissionais qualificados e preparados para atender aos requisitos

contemporâneos, os órgãos responsáveis pela educação vêm demonstrando uma grande

preocupação em torno da formação de professores. As propostas de programas de capacitação

e de atualização, coerentes com os parâmetros estabelecidos pelos referenciais de ensino, é

um exemplo do que dizemos.

Conforme foi mencionado no primeiro capítulo, a respeito do movimento de

adequação, sobretudo, das editoras às propostas dos PCNLP (BRASIL, 1998), entendemos

que os autores de alguns materiais de apoio à formação continuada, bem como os do LD, têm

buscado se adequar às novas proposições curriculares de ensino e aos critérios estabelecidos

no edital do PNLD. Dizemos isso, pois percebemos, nitidamente, essa preocupação no

material didático do GESTAR II, que é fornecido aos professores durante o curso. É

exatamente no contexto dessas discussões que se insere nossa pesquisa, tendo como objeto

central o trabalho com os gêneros discursivos proposto, em linhas gerais, por esse material de

formação continuada do professor de LP.

Nossa preocupação reside no fato de que alguns materiais de formação utilizados na

educação continuada de professores têm apresentado, por vezes, orientações e

encaminhamentos metodológicos nem sempre claros, nem sempre afinados com as

84

perspectivas atuais de ensino, colaborando insuficientemente para o processo de ensino-

aprendizagem, especificamente, de escrita de textos diversos do professor e,

consequentemente, do seu aluno.

A partir dessas ideias, na seção subsequente, tencionamos pôr em foco esse Programa

e parte do material que o compõe, o Caderno TP6, a fim de analisar as questões de produção

escrita da Unidade 22.

Pretendemos verificar também se as propostas contidas nesse documento são

orientadas pela e para a tendência atual de ensino de escrita, possibilitando aos professores o

concreto desenvolvimento das capacidades de linguagem requeridas no processo de produção

de textos diversos. Em seguida, buscaremos comparar as orientações dirigidas ao docente no

processo de escrita com o encaminhamento didático das atividades de produção feito ao

aluno, com o intuito de identificar se as mesmas capacidades mobilizadas no ensino-

aprendizagem do professor são contempladas nas propostas de produção textual do aluno.

Isso se faz necessário, pois se o domínio dessas práticas não é efetivado pelos

professores nos cursos de formação continuada, infelizmente, os alunos podem receber

direcionamentos insuficientes para compreender a linguagem como interação na produção de

conhecimentos.

Na seção seguinte focalizamos o Guia Geral21

(BRASIL, 2008a), um dos materiais que

compõem o GESTAR II.

3.5 O Guia Geral

O Guia Geral (BRASIL, 2008a) constitui-se como o ―carro chefe‖, a ―base‖ do

Programa GESTAR II, pois, através dele, os professores- cursistas têm o primeiro contato

com o Projeto e, desde então, travam reflexões e discussões sobre questões de ensino. Nesse

Guia, estão descritos os pressupostos teórico-metodológicos que embasam o trabalho docente

assim como as propostas e objetivos que ajudarão o educador a compreender melhor o

Programa. Por conta disso, achamos necessário fazer uma breve apresentação desse material,

destacando alguns pontos que considerarmos pertinentes para nossa pesquisa.

O principal objetivo do Guia Geral (BRASIL, 2008a) é construir uma proposta de

trabalho participativa e interativa, capaz de conduzir o professor à inteira compreensão do

Programa, ajudando-o a pensar coletivamente a proposta pedagógica desse Projeto, além de

21

Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/gestar/guia_geral_g2.pdf

85

orientar o docente na implementação do GESTAR II e na definição dos papéis dos seus

participantes.

O GESTAR II é um programa de gestão pedagógica da escola que contém discussões

sobre questões prático-teóricas e que busca contribuir para o aperfeiçoamento da autonomia

do professor em sala de aula, conforme define o Guia Geral (BRASIL, 2008a). Ademais, tem

se orientado para a criação de uma nova escola que contemple as exigências do mundo

moderno. O trabalho desse Projeto está voltado para ―uma escola mais democrática e

amorosa, que visa à autonomia e à auto-realização do aluno, tendo como horizonte a justiça

social, a felicidade e a emancipação da sociedade‖ (BRASIL, 2008a, p. 07).

O Guia Geral (BRASIL, 2008a, p. 07-08) está dividido em cinco unidades, com suas

respectivas seções, conforme o quadro a seguir:

Quadro 2 – A estrutura do Guia Geral

Unidade I O Gestar II como Programa de Formação Continuada em Serviço

Seção

1 Caracterização do Gestar II

2 Modalidade do Programa

3 Ações Integrantes do Gestar

Unidade II A Proposta Pedagógica do Gestar II

Seção

1 Fundamentos da Proposta Pedagógica do Gestar II

2 Currículo do Gestar II – Matemática

3 Currículo do Gestar II – Língua Portuguesa

Unidade III A Implementação do Gestar II

Seção

1 Sistema Instrucional de Aprendizagem

2 Sistema de Avaliação do Professor Cursista

Unidade IV O GESTAR II, as expectativas de mudança e a especificidade do

Programa em cada escola.

Seção

1 As Expectativas de Mudanças a partir do Gestar II

2 Um Gestar II para cada Escola

Unidade V Procedimentos para a utilização dos Cadernos de Atividades de Apoio

à Aprendizagem do Aluno

Seção

1 Apresentação

2 Objetivos

3 Organização

4 Pressupostos

86

5 Utilização

6 Etapas de implementação

Nas seções seguintes, fazemos um breve esboço de cada uma dessas unidades para

melhor compreensão do Programa.

3.5.1 Unidade 1 – O GESTAR II como Programa de Formação Continuada em Serviço

A Unidade 1, intitulada ―O GESTAR II como Programa de Formação Continuada em

Serviço‖, tem como objetivo identificar os fundamentos do GESTAR II e sua articulação

como política de formação continuada em serviço para professores. Essa unidade está dividida

em três seções.

A seção I caracteriza o GESTAR II como um Programa de formação contínua

semipresencial, destinado, sobretudo, à formação de professores de Língua Portuguesa. Seu

foco é a atualização dos saberes desse profissional por meio de subsídios e do

acompanhamento da sua ação em serviço. Além disso, encontra-se embasado nos Parâmetros

Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa do 3º e 4º ciclos (BRASIL, 1998), tendo como

propósito principal ―elevar a competência dos professores e de seus alunos e,

conseqüentemente, melhorar a capacidade de compreensão e intervenção sobre a realidade

sócio-cultural‖ (BRASIL, 2008a, 14).

A seção II expõe a modalidade do Programa, que está fundamentado na teoria e nos

pressupostos da educação à distância (EAD). Segundo o Guia, esse tipo de formação deve ser

entendido como um instrumento de profissionalização capaz de proporcionar aos educadores

espaços sistemáticos de reflexão coletiva e de investigação, no contexto escolar. Esta

formação apóia-se nos cadernos teórico-práticos (TPs) para o estudo autônomo e

independente, oportunizando também os encontros presenciais para realização de atividades.

Esses encontros servem para ―troca de experiência e reflexão individual e em grupos;

esclarecimentos de dúvidas e questionamentos; planejamento e elaboração de situações

didáticas; análise crítica da prática em sala de aula e de atividades dos alunos‖ (BRASIL,

2008a, p. 15).

A seção III trata das ações integrantes do GESTAR II, buscando garantir a qualidade

do processo de ensino-aprendizagem por meio de ações estratégicas de estudos presenciais e

individuais. A proposta é que, a partir dos encontros coletivos, o professor tenha a

oportunidade de reformular conteúdos e descobrir e/ou propor formas diversas de trabalhá-los

em sala de aula.

87

O Programa pretende que essa formação continuada seja desenvolvida ao longo de um

ano, por meio de oficinas coletivas, do acompanhamento pedagógico e de estudo dos

Cadernos de Teoria e Prática. Tal acompanhamento será feito por um formador, representante

do GESTAR II, devidamente qualificado, que coordenará as atividades e avaliará o

desenvolvimento do professor-cursista, discutindo formas de implementação dos trabalhos.

A unidade seguinte trata da proposta pedagógica do Programa GESTAR II.

3.5.2 Unidade 2 – A Proposta Pedagógica do GESTAR II

A Unidade 2, intitulada ―A Proposta Pedagógica do GESTAR II‖, discute os

elementos fundamentais que compõem a proposta pedagógica do Programa e divide-se em

três seções.

A seção I expõe os vários aspectos que dão base à proposta pedagógica do Programa,

apresentando as concepções que o fundamentam, tais como: a) ensino-aprendizagem; b)

relação professor-aluno; c) papel do professor; d) sala de aula; e) avaliação; f) competência;

g) relação entre comunidade e escola.

a) O processo de ensino-aprendizagem

O trabalho do GESTAR II se baseia na concepção socioconstrutivista do processo de

ensino-aprendizagem, em que a aprendizagem é vista como um processo ativo pelo qual o

indivíduo se apropria dos diversos saberes produzidos pela sociedade, transformando-se.

Nesse sentido, na sala de aula, o professor, visto como mediador, constrói juntamente com os

alunos o conhecimento por meio da interação, baseada necessariamente na participação ativa

dos aprendizes.

b) A relação professor-aluno

A proposta do GESTAR II considera que, na relação professor e aluno ambos

constroem juntos o conhecimento em sala de aula, num trabalho colaborativo, além de

manterem sempre laços afetivos de lealdade e de compromisso ao longo do trabalho escolar.

c) O papel do professor

A proposta pedagógica do GESTAR II concebe o professor como um mediador do

conhecimento do aluno na sala de aula. Assim, o papel do professor é colocar o aprendiz em

contato com os saberes construídos historicamente na sociedade. Nessa proposta, o educador

88

não é tido mais como o detentor do saber nem o aluno como um mero expectador, mas os dois

como co-construtores do conhecimento. Desse modo, a função do professor se caracteriza

pela sua dupla face, isto é, ele é aquele que não só ensina como também aprende

constantemente na interação com o outro.

d) Sala de aula: espaço educativo

Essa proposta pedagógica vê a sala de aula como um espaço educativo, constituindo-se

como o ponto de referência do Programa, uma vez que todo o trabalho de formação alicerça-

se nela.

e) Avaliação

O quinto aspecto dessa proposta pedagógica trata da avaliação, cujo sistema, no

GESTAR II, é processual e formativo. Nessa direção, o professor é estimulado a fazer uma

primeira investigação, a fim de conhecer seus alunos e, a partir disso, buscar orientação para o

planejamento de seu trabalho subsequente.

f) Concepção de competência

Em relação à concepção de competência, o Programa admite a complexidade que esse

conceito encerra, adotando a definição defendida por Perrenoud (2000), que a entende como a

capacidade que os indivíduos têm de atuar em situação complexa, mobilizando

conhecimentos para resolver problemas.

g) Relação entre comunidade e escola no papel educacional

O sétimo e último aspecto dessa seção trata da relação entre comunidade e escola no

papel educacional. Sob tal lógica, o GESTAR II está convencido de que a educação precisa

ser feita, efetivamente, pela escola e pela família. Assim, ambas as instituições são

responsáveis pela inserção de uma pessoa na sociedade, de modo consciente e político. Tal

relação é considerada fundamental no ensino-aprendizagem, visto que a participação dos pais

na comunidade escolar ―melhora o ambiente da escola, diminui o índice de ausência dos

alunos e potencializa o seu desempenho‖ (BRASIL, 2008a, p. 24).

A seção II trata do currículo do GESTAR II de Matemática, que não descreveremos

por não fazer parte deste trabalho.

A seção III trata do currículo geral do GESTAR II de Língua Portuguesa, em que se

expõem: a) o objetivo do programa; b) a especificidade do GESTAR II; c) as competências

89

esperadas do professor no final do curso; d) a organização do currículo de Língua Portuguesa;

e) a organização da proposta pedagógica do GESTAR II de Língua Portuguesa; f) a ementa do

programa.

a) Objetivo do programa

O objetivo geral do GESTAR II de Língua Portuguesa é possibilitar ao professor ―um

trabalho que propicie aos alunos o desenvolvimento de habilidades de compreensão,

interpretação e produção dos mais diferentes textos‖ (BRASIL, 2008a, p. 34), além de primar

pela inserção desses alunos na vida social, como cidadãos críticos e participativos.

No que diz respeito ao desenvolvimento do professor, o GESTAR II aponta para sua

valorização tanto pessoal como profissional, realçando sua particularidade, sua história de

vida, enfim, sua relação sociocultural.

b) A especificidade do programa

Esse Programa se destaca ―pela busca de um caminho de mão dupla entre teoria e

prática e pelo enfoque da linguagem como fenômeno cultural, no qual a língua é elemento

constituinte, mas não único e isolado, na organização de nossas experiências‖ (BRASIL,

2008a, p. 34). Além do mais, a proposta do GESTAR II orienta para que toda discussão sobre

a língua tenha o texto como ponto de partida, estudando-o na sua profundidade histórica e

social.

O GESTAR II busca também inserir o professor na apreciação da cultura letrada,

mantendo sempre o diálogo desta com as várias outras linguagens. Isso equivale a dizer que,

no trabalho com textos clássicos, é interessante que o professor consiga mesclá-los não só

com textos de autores regionais, com a cultura popular, mas também com assuntos

importantes no plano internacional. Enfim, a pretensão desse Projeto é de que a formação

continuada docente consiga atingir um trabalho coletivo e interdisciplinar, envolvendo alunos,

pais e profissionais da escola, a fim de que haja transformações positivas no processo de

ensino-aprendizagem. Logo, por essas especificidades é que o Guia Geral (BRASIL, 2008a)

apresenta o GESTAR II como revolucionário e inovador em relação aos outros programas de

formação existentes.

c) As competências esperadas do professor ao final do programa

O Guia Geral (BRASIL, 2008a) remete ainda às competências esperadas do professor

ao término do curso. Esse é um assunto de grande importância para nossa pesquisa, pois é

90

pertinente pensar que um educador competente contribuirá para que seu aluno incorpore

novos saberes, desenvolvendo, assim, suas capacidades, sobretudo, de escrita. O GESTAR II

pretende que, ao final do curso de formação, como usuário da língua, esse profissional seja

capaz de

Apresentar-se como locutor e interlocutor, com amplo domínio da

linguagem, das suas várias modalidades e formas e nos seus diversos

contextos; refletir sobre a linguagem e sobre a Língua Portuguesa;

reconhecer os usos sociais da Língua, em todas as modalidades, até mesmo

como participação política e cidadã; posicionar-se criticamente com relação

aos diversos tipos de textos, até mesmo obras didáticas; interessar-se pelos

diversos tipos de textos artísticos especialmente de literatura (BRASIL,

2008a, p. 35).

Como profissional da educação, o professor deverá ser capaz de

Atuar de forma consciente, produtiva e adequada à sua comunidade,

valorizando as práticas democráticas; desenvolver projetos de

aperfeiçoamento (formação profissional ampliação de novos horizontes);

atuar coletivamente, partilhando experiências e projetos; refletir sobre a sua

prática docente e sobre a sua atuação da escola e suas elações com a

sociedade (BRASIL, 2008a, p. 35).

E, por fim, como professor de LP, ao final do Programa, o cursista do GESTAR II

deverá ser capaz de

Orientar a sua prática como professor de Língua Portuguesa, observando,

registrando, organizando e sistematizando os fatos da gramática interna, da

gramática descritiva e da gramática normativa; selecionando e organizando

os conteúdos e as matérias de ensino-aprendizagem em função das

características dos seus alunos de 6º ao 9º anos; pesquisando, avaliando e

adotando métodos e estratégias e materiais mais adequados e inovadores

para sua atuação (BRASIL, 2008a, p. 35).

d) A organização do currículo de Língua Portuguesa

O Guia apresenta a organização do currículo de Língua Portuguesa do GESTAR II,

cujo desenvolvimento é feito de forma espiral aberta, em torno de questões que fundamentam

há algum tempo o ensino-aprendizagem de LP: ―Pelo seu alcance, tais questões têm uma

função irradiadora, capacitando o professor para a abordagem autônoma de outros pontos do

currículo‖ (BRASIL, 2008a, p. 35). Aqui, essas questões são recuperadas e ampliadas,

permitindo novas relações com outras abordagens.

91

e) Organização da proposta pedagógica do GESTAR II de Língua Portuguesa

A proposta do GESTAR II organiza-se para o desenvolvimento do letramento do

professor, consequentemente do seu aluno; para isso, parte sempre de discussões e análises

das situações sociocomunicativas, tendo o texto como base da resolução de problemas.

Esse currículo busca também oferecer ao professor em formação continuada subsídios

para que seus alunos apreendam habilidades relacionadas à compreensão e produção de

diferentes textos, ou seja, visa a levar o aluno a assumir uma posição de cidadão consciente,

capaz de analisar as mais variadas situações vividas em sociedade, manifestando-se

criticamente perante elas.

As concepções de linguagem e de texto que embasam o ensino de LP podem ser

evidenciadas nas seguintes informações trazidas pelo Guia Geral (BRASIL, 2008a, p. 36):

Nos TPs, o trabalho com a linguagem busca privilegiar a língua como

atividade social e comunicativa, considerando sempre os interlocutores

localizados em um espaço social e histórico. Essa postura aponta para uma

perspectiva que vê o texto como a concretização das situações de interação e

um produto de condições sócio-históricas, em que a significação é o ponto

central.

Os TPs, de acordo com o Guia, são construídos com base nos diversos temas

transversais, propostos nos PCNLP (BRASIL, 1998), sendo que a escolha ―do tema de cada

TP comanda, primeiramente, a seleção de textos nos mais diversos gêneros discursivos‖

(BRASIL, 2008a, p. 36).

Partindo do pressuposto de que a significação se produz na cultura, a proposta

pedagógica do GESTAR II pretende que o professor, no desenvolvimento das ações de

ensino-aprendizagem, privilegie o processo de significação, levando em conta o texto e as

relações intertextuais definidas sócio-historicamente, visto que o desenvolvimento da

linguagem só pode ocorrer por meio de atividades significativas. Esse é o componente

fundamental desse Projeto, pois sua pretensão é de que as atividades de aprendizagem

ofereçam inúmeras possibilidades aos alunos, tornando-os progressivamente autônomos; além

disso, espera-se que, mediante essas atividades, os aprendizes possam obter novas

informações, exercitando diferentes estratégias e aprendendo diversas formas de produção de

significação (BRASIL, 2008a, p. 37).

92

f) A ementa do programa de Língua Portuguesa

A fim de possibilitar uma visão mais ampliada da proposta pedagógica do GESTAR

II, achamos pertinente apresentar o quadro onde é descrita a ementa geral do Programa de

Língua Portuguesa. Antes disso, ressaltamos, porém, que, nessa pesquisa, nosso olhar estará

direcionado somente para o TP6, pelas razões expostas. Sendo assim, segue a ementa:

Quadro 3 – Ementa dos Cadernos de Teoria e Prática

93

94

95

(BRASIL, 2008a, p. 37-40).

A próxima seção trata da implementação do Programa GESTAR II.

3.5.3 Unidade 3 – Implementação do GESTAR II

A Unidade 3, intitulada ―A implementação do GESTAR II‖, tem como objetivo

mostrar como o GESTAR II funciona na prática. Para isso, são apresentados, na seção I, os

sistemas instrucionais do Programa, a saber, a estrutura dos Cadernos de estudos (TP) e sua

operacionalização. Na seção II, é discutida a avaliação do professor-cursista e sua

certificação, a estrutura organizacional desse Projeto e os seus atores, conforme segue.

a) Caderno de Teoria e Prática

Conforme vimos, a área de Língua Portuguesa possui seis cadernos de Teoria e

Prática, divididos nos seguintes temas: TP1 — Linguagem e cultura; TP2 — Análise

linguística e análise literária; TP3 — Gêneros e tipos textuais; TP4 — Leitura e processos de

escrita I; TP5 — Estilo, coerência e coesão e TP6 — Leitura e processos de escrita II. Todos

esses Cadernos estão organizados em um volume que proporciona o desenvolvimento de

determinadas competências em cada Módulo do GESTAR II. De acordo com o Guia Geral

96

(BRASIL, 2008a), as informações conteudísticas dos TPs são mais abrangentes e complexas

do que aquelas do material que será utilizado para as atividades em sala de aula, a saber, os

AAAs.

Esse material de formação continuada se divide em dois módulos, cada qual formado

por três TPs, concebidos não só como planos de aula do Programa, mas também como

documentos autoinstrucionais, criados especialmente para subsidiar o processo de formação

do professor. No Módulo I, serão abordados assuntos referentes à construção da base

comunicativa do aluno: TP1, TP2 E TP3; no Módulo II, assuntos relativos à leitura e à

produção de textos: TP4, TP5 E TP6.

A seguir é apresentada a estrutura do Caderno de estudo (TP), com a ressalva de que

todos os outros TPs respeitam a mesma organização.

b) Apresentando a Estrutura do Caderno de Teoria e Prática

O Caderno de Teoria e Prática possui quatro unidades, cada qual contendo três Seções,

e se divide em três partes: Parte I: unidades; Parte II: Lição de Casa ou Socializando, e Parte

III: Oficinas ou Sessão Coletiva.

Vejamos, agora, como se organiza cada Unidade de um TP.

Na parte I, encontra-se o Título da Unidade e o nome do autor; o Iniciando Nossa

Conversa, em que se introduz a unidade ao professor; o Definindo Nosso Ponto de Chegada,

em que se descrevem os objetivos de aprendizagem; e as Seções.

Conforme já vimos, cada Unidade contém três Seções, apresentando título, objetivos

de aprendizagem e o desenvolvimento do conteúdo. Para desenvolver o conteúdo da seção,

são utilizados vários recursos de aprendizagem, tais como:

Atividades: inseridas em momentos estratégicos do texto, possibilitam que o

cursista mobilize os seus conhecimentos prévios e, a partir dos exercícios,

construa o seu próprio conhecimento. Cada Seção conta com no mínimo

duas e no máximo seis atividades de estudo, totalizando de seis a dezoito

atividades por Unidade; Indo à sala de aula: sugere atividades que se

referem à aplicação do conteúdo estudado em sala de aula ou lembra

posturas importantes para o professor; Avançando na Prática: momento em

que o professor é convidado a aplicar em sala o que estudou, por mais de um

passo a passo; Importante: definições de conceitos e sínteses do tópico em

estudo; Recordando: notas sobre conteúdos tratados anteriormente ou que o

professor deveria saber; Resumindo: sintetiza o conteúdo da Seção

(BRASIL, 2008a, p. 45).

97

No término de cada Unidade, existem: Bibliografia, na qual é apresentada toda a base

teórica da Unidade; Leituras Sugeridas, em que são feitas propostas de leituras (de três a

cinco por Unidade). Cada uma dessas sugestões possui, além de resenhas, referências

bibliográficas. Dentro da Unidade, há ainda os itens: Ampliando nossas Referências, no qual

se apresenta um Texto de Referência, relacionado a conteúdos vistos na Unidade, a fim de

enriquecer a reflexão do professor cursista sobre sua prática; Correção das Atividades, em

que o professor tem a oportunidade de conferir as respostas das questões distribuídas ao longo

da Unidade.

O quadro abaixo sintetiza o modo como é estruturada a unidade do Caderno de Teoria

e Prática (TP).

Quadro 4 – Estrutura da Unidade no Caderno de Teoria e Prática (TP)

Unidade

Título da Unidade e nome do autor

Iniciando nossa Conversa

Definindo nosso Ponto de Chegada

Seção

Atividades

Indo à sala de aula

Avançando na Prática

Importante

Recordando

Resumindo

Bibliografia

Leituras Sugeridas

Ampliando nossas Referências

A parte II do Caderno de Teoria e Prática apresenta duas Lições de Casa. Essa etapa

consiste no relato de um Avançando na Prática, produzido pelo professor-cursista, que deverá

entregar ao formador uma Lição de Casa, a cada duas unidades estudadas. Já na parte III,

encontram-se as Oficinas, que são os encontros presenciais, os quais podem ocorrem a cada

três semanas ou quinzenalmente, com duração de 4h.

Na sequência, ainda na Unidade 3 do Guia Geral (BRASIL, 2008a), é apresentado o

modo de avaliação do professor em curso e os atores desse Projeto.

98

c) Avaliação do professor cursista, a estrutura organizacional do GESTAR II e seus

atores

No Guia Geral (BRASIL, 2008a), são evidenciados os direitos e deveres do professor

em formação continuada, a fim de que assuma com responsabilidade suas ações nesse

processo. Dentre os direitos que o docente possui, destacam-se: receber o material completo,

participar das oficinas e seminários de formação, ter um formador que o oriente no decorrer

do curso, receber certificado de conclusão do curso, entre outros; já como dever destacam-se:

frequência obrigatória às atividades, realização e entrega de Lições de Casa e de Projeto no

fim do curso, leitura dos TPs para respectivas discussões nos encontros, realização de

autoavaliação, compromisso de fazer o planejamento das aulas com base nas orientações do

GESTAR II etc.

Nessa etapa, são apresentados também os atores desse Projeto de formação

continuada, enfatizando-se as atribuições e as responsabilidades da equipe gestora, que é

composta por formador e tutor, diretor e coordenador pedagógico.

Dentre as obrigações do formador destacam-se: o planejamento dos encontros

presenciais, dos planos de aulas e das avaliações, a apresentação e a divulgação do Programa,

a execução de sessões presenciais, a orientação e o acompanhamento individual do professor-

cursista e também da ação do coordenador da escola ao acompanhar a prática cotidiana do

professor, entre outras. Ao diretor e coordenador pedagógico cabe organizar os horários de

estudos dos professores, apresentar local adequado para a realização das reuniões,

acompanhar a prática pedagógica do professor-cursista, entre outras atribuições.

Tendo em vista que o GESTAR II foi pensado sob a lógica de uma formação

continuada em que o trabalho do professor deve se realizar através de estudos diários, de

revisão e de reflexão, espera-se que cada escola envolvida nesse Projeto participe ativamente,

a fim de que as propostas advindas dessa formação continuada possam ser efetivamente

implantadas.

Na seção seguinte serão abordadas questões de mudanças no trabalho escolar a partir

do GESTAR II.

99

3.5.4 Unidade 4 – O GESTAR II, as expectativas de mudança e a especificidade do

Programa em cada escola

A Unidade 4, intitulada ―O GESTAR II, as expectativas de mudança e a especificidade

do Programa em cada escola‖, tem como objetivo explorar as expectativas de mudança a

partir do GESTAR II, traçando um prognóstico do programa e uma síntese de questões já

enfatizadas, uma vez que trata da possibilidade de alcançar resultados positivos nas escolas

participantes do projeto.

Nesse momento, o Guia Geral (BRASIL, 2008a), mais uma vez, apresenta o GESTAR

II como um Programa inovador de formação de professores em serviço, ao promover

discussões que culminem sempre na ação, reflexão e ação do professor-cursista.

Como vimos, o Guia confere ao GESTAR II um discurso revolucionário, de uma

Proposta abrangente de formação continuada que sugere uma nova escola e aponta para

intensas mudanças em toda a estrutura da comunidade escolar. Enfim, o discurso apresentado

pelo Guia remete ainda a um convite a todas as pessoas (alunos, professores, coordenadores,

diretores, pais, toda a comunidade) para a implementação desse Programa, com

responsabilidade e comprometimento, introduzindo, assim, uma visão de escola como uma

comunidade (BRASIL, 2008a, p. 62).

Na última Unidade do documento, são abordados procedimentos que pretendem ajudar

o professor cursista no uso dos Cadernos de Atividades de Apoio à Aprendizagem (AAA) dos

Alunos, para melhor viabilização do trabalho pedagógico docente.

3.5.5 Unidade 5 – Procedimentos para utilização dos Cadernos de Atividades de Apoio à

Aprendizagem do aluno

A Unidade 5, intitulada ―Procedimentos para utilização dos Cadernos de Atividades de

Apoio à Aprendizagem do aluno‖, tem como objetivo o tratamento dos Cadernos de atividade.

Tais Cadernos de Atividades de Apoio à Aprendizagem (AAA) dos alunos seguem os

pressupostos do ensino de Língua Portuguesa, apontados pelos PCNLP (BRASIL, 1998), os

quais reconhecem como objetivo principal desse ensino o desenvolvimento da competência

discursiva e textual dos alunos no processo de recepção, leitura e produção. Nesse sentido, a

escola deve formar alunos reflexivos e críticos, além de desenvolver atividades e exercícios

100

que realmente os ensinem a adaptarem-se, tanto de modo oral como de modo escrito, às várias

situações discursivas.

Para o Guia, a linguagem não se realiza em palavras isoladas, mas se efetua em

processos reais de comunicação, e a competência discursiva ―é adquirida pelo aluno na e pela

atividade de linguagem, em atividades de leitura e de produção de textos inseridas em

situações linguisticamente significativas‖ (BRASIL, 2008a, p. 69). Por isso, defende que a

apropriação dos conhecimentos linguísticos ocorre no processo de reflexão sobre a

linguagem, em práticas contextualizadas de leitura e escrita.

Esse material de Apoio, elaborado a partir desses pressupostos de ensino, conforme o

Guia Geral (BRASIL, 2008a), oferece situações didáticas que podem ser aplicadas em sala,

pois é composto por aulas que sugerem a mobilização de conhecimentos prévios, esquemas

cognitivos já construídos pelo aprendiz. Além disso, suas sequências didáticas propõem

sempre um desafio a ser vencido, requerendo do aluno uma postura reflexiva e ativa. Nesse

material, todas as atividades de uma aula estão interligadas, a fim de conduzir o aluno a um

processo de finalização. Tudo isso lhe permite a apropriação de novos conhecimentos,

conforme o Guia.

De acordo com esse documento, os Cadernos de Apoio têm o objetivo de subsidiar as

aulas com atividades individualizadas, quanto ao ritmo de cada estudante, além de promover

exercícios para o ensino de conteúdos que ainda não aprendeu, sanando as deficiências

detectadas na primeira avaliação. Para tanto, o professor precisará ficar atento às dificuldades

apresentadas, a fim de identificar as deficiências de aprendizagem dos alunos e, quando

necessário, refazer seu plano de aula, considerando as competências que ainda não foram

alcançadas pelos aprendizes.

Os AAAs contêm propostas de situações significativas de aprendizagem, com

orientações metodológicas para o professor, e são ―complementares aos Cadernos de Teoria e

Prática. Em outras palavras, os temas abordados nos Cadernos de Atividades de Apoio à

Aprendizagem do Aluno correspondem aos que são tratados nos Cadernos de Teoria e

Prática‖ (BRASIL, 2008a, p. 67).

Essas orientações visam a fornecer ao professor informações teórico-conceituais sobre

os temas, a fim de ampliar sua compreensão, desenvolver sua autonomia e indicar

procedimentos didáticos, para que possa engajar-se no trabalho (BRASIL, 2008a, p. 68).

Aquele destinado ao aluno apresenta várias atividades cuja explicação (teórica) pode ser

encontrada no caderno do professor. Como bem elucida o Guia (BRASIL, 2008a, p. 72),

―todas as aulas são devidamente explicadas nos Cadernos na versão do professor‖.

101

O Guia Geral (BRASIL, 2008a) traz ainda as etapas de implementação da proposta,

mediante os Cadernos de Apoio, orientando o professor na elaboração do plano de aula, que

deve ser pensado por meio de várias reflexões, tais como:

A situação didática é coerente com as intenções educativas? A seleção dos

conteúdos é adequada tendo em vista essas intenções educativas, presumidas

em termos de habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos? Como serão

mobilizados os conhecimentos prévios dos alunos? As situações foram

funcionais e significativas? Estão sendo propostos desafios acessíveis aos

alunos? As respostas dos alunos são ouvidas e consideradas? Há uma

preocupação com o estabelecimento de sínteses sistematizadas de

aprendizagens que estão ocorrendo? (BRASIL, 2008a, p. 70-71).

A partir da investigação desses aspectos, o educador deve, então, buscar alternativas

para solucioná-los. Esse próximo excerto elucida o que dizemos:

A seleção e a aplicação das aulas/atividades dos Cadernos de Atividades de

Apoio à Aprendizagem pressupõem, portanto, que o professor acompanhe e

avalie o processo de aprendizagem na sua totalidade, tomando como

referência as metas e as expectativas quanto a esse processo, assim como

considere e avalie o trabalho que ele próprio vem desenvolvendo com sua

classe (BRASIL, 2008a, p. 71-72).

Sem dúvida, uma análise adequada e fundamentada com procedimentos reais para

resolução dos problemas encontrados exige um professor competente e treinado para tal. Por

isso, nesta pesquisa, propomos verificar se esse material fornece orientações efetivas que dão

suporte para a prática pedagógica do professor em sala de aula, no que diz respeito ao ensino

de escrita.

Na seção seguinte, apresentamos as categorias de análise que embasarão nossa análise.

3.6 Categorias de análise

Com a finalidade de responder às nossas questões de pesquisa, analisamos parte do

material de formação continuada do GESTAR II, a saber, as orientações teóricas no

tratamento das propostas de produção de textos no Caderno TP6 e o Guia Geral. Para isso,

definimos os conceitos teórico-metodológicos relevantes à construção dos argumentos do

nosso estudo, isto é, as categorias de análise que balizarão nossa pesquisa.

102

Ao assumirmos a perspectiva discursivo-enunciativa do Círculo de Mikhail Bakhtin

(2004[1929], 2003[1952-1953]), faremos usos de alguns conceitos durante nossas análises, a

saber: gêneros do discurso, diálogo, interação e compreensão ativa e responsiva.

A perspectiva dialógica da linguagem e o conceito de gênero discursivo, tal como

postulados pelo Círculo de Bakhtin (2004[1929], 2003[1952-1953]), constituem os pilares da

nossa pesquisa, pois norteiam não só a coleta de dados como sua análise. Sob tal perspectiva,

o ensino da produção de textos procede (noutros moldes, diferentes daqueles tradicionais),

sobretudo, pela adoção de um gênero do discurso, adequado à situação comunicativa em foco.

Logo, numa atividade de escrita, a definição da esfera de atividade, bem como do interlocutor,

do propósito comunicativo, das condições de produção, circulação e recepção, entre outros,

precisam ser levados em conta, pois se constituem em aspectos fundamentais capazes de

garantir, de fato, ao aluno, um entendimento profundo das situações sociais concretas em que

a linguagem se realiza.

Nesse sentido, a análise de propostas de produção textual, através da concepção

enunciativo-discursiva, permite perceber a presença desses elementos que não podem, jamais,

ser deixados em segundo plano, no processo de escrita. Aliás, um trabalho que se propõe a

seguir os novos paradigmas teóricos de ensino de LP deve trazer claras essas características,

considerando o processo de escrita como uma interlocução real, já que o ―discurso só pode

existir de fato na forma de enunciações concretas de determinados falantes, sujeitos do

discurso‖ (BAKHTIN, 2003[1952-1953], p. 274).

Além dessa perspectiva bakhtiniana, buscaremos, também, para análise dos dados

encontrados, apoio nas concepções de linguagem, de escrita e de letramento, veiculadas nos

PCNLP (BRASIL, 1998), tendo em vista que essas concepções contribuíram para o

redimensionamento do ensino-aprendizagem de produção de textos.

Desse mesmo modo, ao inscrevermos nosso estudo nos referenciais teóricos de tais

guias, é impossível não levarmos em conta a teoria sócio-histórica de Vygotsky (2007[1984],

1996[1987]), cuja teoria embasa a composição desses documentos oficias bem como o

redirecionamento do ensino de LP. Dizemos isso, pois, segundo Freitas (2006), o princípio

vygotskyano, além de possibilitar o conhecimento da evolução do desenvolvimento humano e

do processo de apropriação do saber pelo indivíduo, apontou um caminho mais eficaz e

comprometido para a prática pedagógica docente.

Aliás, a teoria desse autor se identifica, claramente, com a atual tendência educacional,

que tem um caráter mais social, mais dialético e que vê o homem não só como um indivíduo

influenciado pelo meio, mas também com capacidade de se voltar sobre ele para transformá-

103

lo (FREITAS, 2006, p.15-16). Por isso, suas concepções acerca do desenvolvimento humano

e da interação social também servirão de categorias de análises dos dados coletados.

Outra categoria de análise de que faremos uso serão as capacidades de linguagem.

Estas serão empregadas em virtude da nossa pré-análise dos materiais (TP6 e Guia Geral).

Neles, observamos que os autores se propõem, no tratamento didático para a produção escrita,

a levar em conta a situação sociocomunicativa, a saber, elementos da situação de produção,

circulação e recepção.

Dessa forma, na Unidade 22, do TP6, analisaremos as orientações dadas ao professor e

ao aluno para a produção textual, buscando identificar as capacidades de linguagem

mobilizadas nessas propostas de ensino-aprendizagem, pois acreditamos que, antes de

desenvolver as capacidades do aluno, o professor precisa, naturalmente, ter desenvolvido as

suas. Para tanto, aplicaremos as categorias de análise das capacidades de linguagem proposta

por Dolz e Schneuwly (2004), a partir do quadro22

síntese elaborado por Barros-Mendes

(2005).

No capítulo seguinte, apresentamos a análise dos dados e seus resultados.

22

O quadro sinóptico, elaborado por Barros-Mendes (2005) e adaptado por nós a propósito do nosso objetivo de

pesquisa, foi apresentado no capítulo II desta dissertação.

104

CAPÍTULO IV

ANÁLISE DE DADOS

Com o intuito de observar de que forma as atividades trazidas pelo GESTAR II

favorecem a formação em serviço, este capítulo tem como foco a análise dos dados contidos

no Caderno de Teoria e Prática (TP6), componente do Programa. Primeiramente,

apresentamos a análise da Unidade 22 do TP6, referente aos pressupostos teórico-

metodológicos, que embasam a prática pedagógica do professor de Língua Portuguesa para o

ensino de escrita, e ao diálogo existente entre as suas orientações teóricas e as do Guia Geral

para tal ensino. Nessa análise, buscamos identificar as capacidades de linguagem presentes

nas propostas de ensino-aprendizagem da escrita direcionadas ao professor-cursista.

Posteriormente, exibimos a análise das propostas de produção textual direcionadas ao

aluno, no intuito de comparar tais atividades aos pressupostos metodológicos apresentados no

TP6, buscando também reconhecer as capacidades mobilizadas para o exercício da escrita do

aluno. Por fim, fazemos um levantamento dessas capacidades, procurando confirmar se

aquelas apresentadas nas propostas de produção do professor foram também mobilizadas nas

atividades do aluno.

4.1 Unidade 22 – Produção textual: planejamento e escrita

A Unidade 22 do TP6, intitulada ―Produção textual: planejamento e escrita‖, está

organizada de acordo com a estrutura do Caderno já apresentada no capítulo anterior.Durante

a análise, conforme já dito, ao referirmos ao discurso da autora da Unidade 22, do TP6,

adotaremos os seguintes nomes: TP6, TP, material e/ou Caderno. Assumiremos também a

palavra ícone junto ao nome de cada etapa presente na Unidade 22, e a palavra seção será

empregada quando fizermos a análise das seções 1, 2 e 3.

Assim, nosso olhar lança-se para o ícone Iniciando Nossa Conversa, inserido nas

primeiras páginas. Tal ícone é um material disponibilizado ao professor, em que se retoma o

conteúdo estudado nas seções anteriores e se introduz o tema a ser enfocado na Unidade.

Além disso, apresentam-se os pressupostos teórico-metodológicos que embasarão o trabalho

docente, informações não presentes no Caderno do aluno, o conteúdo de cada seção e o

objetivo principal da Unidade, conforme segue:

105

106

(BRASIL, 2008b, p. 73-74).

Nesse primeiro momento, na introdução da Unidade 22 do TP6, embora não faça

nenhuma referência aos PCNLP (BRASIL, 1998), podemos ver que a o Caderno busca marcar

seu posicionamento sobre sua adequação a tal documento, pois notamos um discurso

aproximado daquele abordado na diretriz curricular, como o ensino a partir do

desenvolvimento da competência comunicativa do aluno; a definição dos elementos da

107

situação sociocomunicativa como ponto inicial da produção textual; as denominações uso,

reflexão, competência, habilidade e gênero, entre outros.

No primeiro capítulo desta dissertação, falamos da influência e do reflexo que os

PCNLP (BRASIL, 1998) têm tido no ensino atual, em virtude de havermos percebido que

alguns materiais pedagógicos — tais como os livros didáticos e os materiais de formação

continuada de professores — têm buscado se adequar às propostas desse documento. Em

outros termos, esses materiais, considerados elementos fixos, atores não-humanos (SILVA,

2006), em boa medida, vêm se esforçando no sentido de contextualizar as propostas de

produção textual com base na teoria de gênero discursivo que hoje fundamenta o ensino de

Língua Portuguesa. Na verdade, o Programa GESTAR II caracteriza-se, justamente, como

uma tentativa oficial de efetiva operacionalização das orientações curriculares vigentes nas

escolas brasileiras, como pontua Silva (2011, no prelo).

Segundo o Guia Geral (BRASIL, 2008a), o objetivo do GESTAR II é o de possibilitar

ao professor um trabalho que propicie ao aluno o desenvolvimento de habilidades de

produção de diferentes textos, de modo consciente e crítico. Provavelmente, no intuito de

seguir tal pressuposto, na Unidade 22, o ensino de escrita é tratado a partir de uma perspectiva

do desenvolvimento da competência comunicativa do aluno. Segundo o TP6, o trabalho de

produção de textos está fundamentado

[...] na reflexão sobre os usos comunicativos da escrita e sua relação com o

conhecimento linguístico e o desenvolvimento de habilidades de reflexão

sobre as etapas do processo de produção textual [ênfase adicionada]

(BRASIL, 2008b, p. 73).

A partir desse discurso, podemos pensar que as propostas de produção textual

buscarão ser feitas numa perspectiva inovadora, pois serão articuladas no eixo uso e no eixo

reflexão, com o intuito de desenvolver a competência discursiva do aluno, como apontam os

PCN de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998). É pertinente notar que essas denominações uso,

reflexão, competência, habilidade são influências das discussões ocorridas ultimamente sobre

o ensino de LP, especialmente no que diz respeito à leitura e escrita, conforme vimos nos

capítulos I e II.

Sabemos que esse documento centra suas propostas no desenvolvimento de

capacidades/competências e habilidades, partindo do pressuposto de que a língua se realiza

no uso das práticas sociais e na reflexão sobre esse uso; por isso, devem-se oportunizar na sala

de aula, a articulação dos conteúdos nesses dois eixos básicos, além de eventos significativos

108

de interação social, a fim de que o aluno possa exercitar, sobretudo, a escrita em situações de

usos reais, tornando-se um usuário competente de sua língua. Para a aprendizagem real dessa

prática, então, é preciso não só definir os elementos da situação sociocomunicativa (gêneros,

interlocutores, intenção, suporte etc.) como também estabelecer situações didáticas, tomando

como objeto de reflexão os procedimentos de planejamento, de elaboração e de refacção dos

variados textos, uma vez que ―toda educação comprometida com o exercício da cidadania

precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver sua competência discursiva‖

(BRASIL, 1998, p. 23) [ênfase adicionada].

Com base nessas diretrizes curriculares, o TP6 mostra-se favorável a uma renovação

do ensino de produção de texto, segundo o excerto a seguir.

[...]continuamos a expandir a noção do trabalho de ensino-aprendizado da

[...] escrita, fundamentando nossos argumentos na reflexão [...] o

desenvolvimento de habilidades de reflexão sobre as etapas do processo de

produção textual: planejamento, escrita, revisão e edição (BRASIL, 2008b,

p. 73) [ênfase adicionada].

Logo, partindo do pressuposto bakhtiniano de que todo enunciado é dialógico, posto

ser sempre uma réplica e se constituir a partir de outros enunciados, podemos constatar a

dialogização nesse excerto introdutório, porque se percebe, mesmo implicitamente, o embate

entre duas vozes, ou seja, o discurso atual sobressaindo-se ao discurso obsoleto, do ensino

formal. Nas palavras de Bakhtin/Volochinov (2004[1929], p. 98): ―toda a enunciação [...] é

uma resposta a alguma coisa e é construída como tal [...] Toda inscrição prolonga aquelas que

a precederam, trava uma polêmica com elas, conta com as reações ativas da compreensão,

antecipa-as‖.

Podemos pensar, então, que tal posicionamento de ―adequação‖ aos PCNLP

(BRASIL, 1998) se insere nesse movimento dialógico que soa como uma resposta ativa aos

inúmeros questionamentos pelos quais vêm passando o ensino de LP, nas últimas décadas.

Sabemos que tais críticas são representadas, geralmente, pelo discurso do fracasso escolar,

referente ao desempenho insatisfatório dos alunos em relação à leitura e escrita,

especificamente. Em outras palavras, essas críticas recaem sobre um ensino ―tradicional‖ que,

sempre, se preocupou com a aquisição de códigos e com sua decodificação, práticas

necessárias para o sucesso na escola, deixando-se de lado os variados letramentos e as práticas

sociais, que nada mais são do que lugar de manifestação tanto do individual como do social na

linguagem, como nos lembram Schneuwly e Dolz (2004).

109

Nessa introdução, sob a mesma lógica dos PCNLP (BRASIL, 1998), o TP6 destaca,

superficialmente, seu embasamento teórico na perspectiva de produção textual que considera

os elementos da situação sociocomunicativa, incorporando as noções de planejamento,

revisão e rescrita de textos. Implicitamente, ao anunciar essa adesão à ―nova‖ abordagem,

parece que o Caderno, escrito por um sujeito, necessariamente dialógico e responsivo, busca

um caminho adequado para aplicação do ―novo‖ conteúdo de ensino de LP (por exemplo, os

gêneros). Pretende, assim, criar no seu interlocutor um sentimento nobre de superação das

práticas antiquadas de ensino, ou seja, tem o intuito de causar uma boa impressão sobre o

curso, que também se apresenta como revolucionário e inovador em relação aos outros

programas de formação existentes. Em toda enunciação, a escolha de cada enunciado não é

feita de maneira aleatória, mas balizada por parâmetros sociais, valores, crenças, ideologias,

conforme o pensamento bakhtiniano.

Dito isso, podemos pensar, então, que esse texto introdutório tem o objetivo de

despertar a credibilidade dos professores acerca dos conteúdos e atividades subsequentes da

Unidade, já que mostra uma interação com as atuais discussões em relação ao ensino da

língua materna; consequentemente, cria-se uma expectativa positiva na abordagem, que será

feita de forma diferenciada dos conteúdos previstos.

Essa Unidade divide-se em três Seções: na primeira, o professor-cursista refletirá

sobre o planejamento pessoal relacionando-o com o processo de criação e o trabalho do aluno;

na segunda, serão apresentadas estratégias ao cursista para o planejamento e outras atividades

de produção; na última seção, serão organizadas atividades de produção, considerando as

etapas estudadas anteriormente. Para tanto, conforme o TP6, quanto mais claras forem as

orientações referentes ao aspecto sociocomunicativo de uso e função, mais o aluno conseguirá

construir um texto significativo e também aprender sobre os elementos da escrita.

Ao final da Unidade 22, espera-se que o professor-cursista seja capaz de

Planejar atividade de escrita baseada na perspectiva da produção textual: no

tocante às etapas de planejamento e escrita, relacionado-a às diversas

situações sócio-comunicativas, incluindo os gêneros de textos requisitados,

também, em outras disciplinas da escola (BRASIL, 2008b, p. 74) [ênfase

adicionada].

A respeito da produção de gêneros textuais requisitados em outras disciplinas, nos

questionamos: A que gêneros o TP6 se refere? Seriam aqueles essencialmente escolares,

como o resumo, a resenha e o relatório? Sobre esse assunto, sabemos que as diretrizes oficiais

110

indicam para as atividades de escrita alguns gêneros, cujo critério de seleção baseia-se na sua

circulação social, isto é, aqueles que, além de transitarem nas instâncias públicas, são

considerados de domínio fundamental para a efetiva participação do aluno na sociedade.

Segundo os Parâmetros os textos a serem selecionados para o ensino de produção de texto

[...] são aqueles que, por suas características e usos, podem favorecer a

reflexão crítica, o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e

abstratas, bem como a fruição estética dos usos artísticos da linguagem, ou

seja, os mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada

(BRASIL, 1998, p.24).

De qualquer modo, o excerto supracitado do TP6 acerca dos gêneros de textos

requisitados em outras disciplinas da escola, por um instante, nos fez crer que não se incluía,

aqui, o ensino dos gêneros visando, de fato, ao bom desempenho do aluno nas práticas sociais

(extraescola) e sim o ―desfrute‖ da própria instituição, certamente, para a promoção escolar;

ensinam-se os gêneros textuais cogitando — somente — o seu uso interno, a fim de que o

aluno se ―saia bem‖ nas demais disciplinas? Se for, tal postura, além de estar em desacordo

com os discursos oficiais, parece remeter a um ensino reducionista, isto é, àquele que constrói

―nas atividades de produção escrita, modelos de gêneros que não encontram referência nas

práticas de linguagem escrita fora da sala de aula‖, não visando, portanto, ao letramento do

aluno (RODRIGUES, 2000, p. 207).

Tendo em vista que a diversidade de letramentos corresponde às várias formas de se

relacionar com os textos e está intimamente ligada às diversas situações de uso da linguagem

escrita, compreendemos que um projeto de produção textual deve ser orientado para aqueles

gêneros cujo domínio é necessário, de fato, para o bom desempenho escolar (resumo,

esquema, fichamento). Porém, não se deve se esquecer de outros, também essenciais para a

plena participação na vida social pública, extrassala, pertencentes a outras esferas da

comunicação verbal (curriculum vitae, carta aberta, carta de leitor, preenchimento de

formulários diversos), pois o nível de letramento de um sujeito é determinado pelo conjunto

de gêneros que ele reconhece e domina. Sem dúvida, um ensino de escrita intermediado pelos

eventos de letramento reais, inclui atividades com características heterogêneas de outras

atividades da vida social, envolvendo, assim, mais de um participante. Esses indivíduos

possuem diversos conhecimentos, que são mobilizados na medida adequada, no momento

necessário, em prol de interesses, intenções e objetivos particulares bem como de metas

comuns, como destaca Kleiman (2005).

111

Inegavelmente, uma pessoa precisa dominar as variadas formas de dizer para que

possa empregá-las mais livremente nas diversas esferas enunciativas, de forma consciente e

autônoma. Por isso, qualquer projeto pedagógico que tome o gênero como objeto de ensino,

precisa ter, antes de tudo, clareza do tipo de indivíduos que se pretende prioritariamente

formar e dos objetivos que se pretendem alcançar, pois, como defendem Schneuwly e Dolz

(2004, p.69),

Toda introdução de um gênero na escola é o resultado de uma decisão

didática que visa a objetivos precisos de aprendizagem que são sempre de

dois tipos: trata-se de aprender a dominar o gênero, primeiramente, para

melhor conhecê-lo ou apreciá-lo, para melhor saber compreendê-lo, para

melhor produzi-lo na escola e fora dela; e, em segundo lugar, para

desenvolver capacidades que ultrapassam o gênero e que são transferíveis

para outros gêneros [ênfase adicionada].

Ainda sobre a produção de gêneros requisitados em outras disciplinas escolares,

podemos depreender talvez um discurso velado23

existente no meio educacional, acerca do

ensino de leitura e escrita. Afinal, não raras vezes nos deparamos com questionamentos sobre

a obrigação do professor de língua de ensinar tais práticas. Muitas vezes, parece recair sobre

esse profissional uma responsabilidade maior em relação aos docentes de outras disciplinas no

tocante à produção textual, especificamente.

Todavia, essa pode ser uma ideia equivocada, pois de acordo com os documentos

oficiais, a tarefa de formar leitores e usuários competentes na escrita não se restringe à

disciplina Língua Portuguesa, visto que os professores de outras disciplinas também

dependem da linguagem para desenvolver os aspectos conceituais de sua matéria:

Não é possível esperar que os textos que subsidiam o trabalho das diversas

disciplinas sejam auto-explicativos. Sua compreensão depende

necessariamente do conhecimento prévio que o leitor tiver sobre o tema e da

familiaridade que tiver construído com a leitura de textos do gênero [...] É

tarefa de todo professor, portanto, independentemente da área, ensinar,

também, os procedimentos de que o aluno precisa dispor para acessar os

conteúdos da disciplina que estuda [...] Produzir esquemas, resumos que

orientem o processo de compreensão dos textos, bem como apresentar

23

Sobre discurso velado, ler Fiorin (2006). Esse autor afirma que, na construção discursiva, a polêmica velada

pode ser percebida na oposição de duas vozes.

112

roteiros que indiquem os objetivos e expectativas que cercam o texto que se

espera ver analisado ou produzido não pode ser tarefa delegada a outro

professor que não o da própria área (BRASIL, 1998, p. 32) [ênfase

adicionada].

Assim, conforme pontuado pelos documentos oficiais, os professores,

independentemente da área de atuação, não devem ficar omissos quanto ao ensino da escrita

de gêneros diversos; portanto, devem contribuir para a ampliação do conhecimento do aluno,

a fim que ele alcance, de fato, sua condição cidadã, tendo em vista que muito do fracasso dos

objetivos relacionados à formação de usuários competentes da escrita é atribuído à omissão da

escola e da sociedade diante de questão tão sensível à cidadania.

Nas próximas seções, exploraremos a organização dos conteúdos e das atividades nas

respectivas seções destinadas ao professor: Seção 1 – O planejamento; Seção 2 – O

planejamento: estratégias; Seção 3 – A escrita.

4.2 Seção I – O planejamento

A seção I, intitulada “O planejamento”, pretende que o professor reflita sobre seu

planejamento pessoal, relacionando-o com o processo de criação e o trabalho do aluno. Para

isso, são utilizados vários recursos de aprendizagem, como as atividades preparatórias que

visam a possibilitar a construção do conhecimento do cursista para o trabalho em sala de aula.

A Unidade 22 apresenta oito dessas propostas.

A primeira atividade parte de três textos: Poesia, de Carlos Drummond de Andrade,

retirado do livro ―Alguma poesia‖, Ah, sim, a velha poesia..., de Mário Quintana, retirado do

livro ―Nova Antologia‖, e uma poesia sem título de Arnaldo Antunes, retirado do livro ―As

coisas‖. Os dois últimos textos são seguidos da biografia do autor, composta por duas linhas,

conforme segue:

113

114

115

( BRASIL, 2008b, p. 76-78).

Essa atividade propõe ao professor responder sobre:

a) Quais os prováveis leitores desses textos? A partir das informações

oferecidas, onde foram publicados?

b) Qual a função do texto poético?

c) Qual o objetivo possível de poemas como esses? Justifique sua resposta,

considerando a função do poema.

d) Vamos refletir sobre a sua experiência pessoal como poeta? Você escreve

poesia? Quando escreve? Já teve que escrever poesia, mesmo não

acreditando-se poeta? Em que ocasião?

116

e) Na sua opinião, como se planeja um texto poético? Quais as

possibilidades planejamento? Quais os passos que consideraria ou mesmo

estratégias que utiliza(ria)?

f) Escreva um poema, mesmo que curto, seguindo os elementos da etapa de

planejamento descritos na resposta ao item anterior. Anote novos elementos

que não havia considerado na resposta anterior e que surgem quando tenta

escrever um texto.

g) Anote novos elementos que não havia considerado nas respostas

anteriores à escrita do poema e que surgiram quando tentou escrever nesse

gênero.

h) Você notou alguma diferença quanto às duas respostas? Se sim, a que

atribui a diferença?

i) Você desenvolve atividade de produção de poemas com seus alunos?

Como os ensina a produzir utilizando esse gênero? A seguir, descreva,

brevemente, que atividades de leitura e escrita desenvolve com eles nessas

ocasiões.

(BRASIL, 2008b, p.78-80).

Em relação às questões e, f, g e h, que abordam o planejamento textual,

compreendemos ser essa visão inspirada numa perspectiva que entende o texto como

processo, conforme vimos no primeiro capítulo. Nessa perspectiva, tal planejamento pode ser

considerado o estágio inicial, ou seja, aquele que antecede o próprio ato de escrever,

envolvendo processos cognitivos profundamente influenciados pela vivência do escritor, isto

é, pela experiência do professor (REINALDO, 2005). Consideramos esse aspecto do

planejamento positivo, nessa atividade, haja vista que o educador é levado a refletir sobre seu

processo de escrita, sistematizando-a, com base no levantamento de ideias, na organização e

na retomada de outras ideias pensadas anteriormente etc.

Nessa atividade preliminar destinada ao professor-cursista, vimos ainda que existe

uma solicitação de escrita, na letra f, embora não haja nenhuma instrução para isso. Em tal

proposta, há indicação — apenas — do gênero poema a ser produzido, porém não se vê

reflexão que contribua para a elaboração temática, nem para a construção da forma

composicional. O encaminhamento do material da formação continuada do professor não traz

informações sobre as dimensões ensináveis desse gênero. Em relação a isso, Schneuwly e

Dolz (2004, p. 76) alertam:

quanto mais precisa a definição das dimensões ensináveis de um gênero,

mais ela facilitará a apropriação deste como instrumento e possibilitará o

desenvolvimento de capacidades de linguagem diversas que a ele estão

associadas. O objeto de trabalho sendo, pelo menos em parte, descrito e

explicitado, torna-se acessível a todos nas práticas de aprendizagem de

linguagem.

117

A escrita desse poema, conforme propõe o TP6, parece estar mais associada ao

desafio, à aventura, de modo que se tem a expectativa de que num passe mágica o redator, no

caso o professor, terá o germe da escrita do texto literário (REINALDO, 2005).

Padilha (2005), em seu estudo sobre o tratamento dado aos gêneros poéticos nos livros

didáticos de LP, constatou a existência de diferentes abordagens nesse tratamento, como

aquela subjetivista, que prioriza o imaginário do sujeito. Semelhantemente ao que ocorre

nesse exercício, em que o aluno/professor-cursista é colocado em contato com três textos em

gêneros poéticos, numa imersão, como se, de repente, sem quaisquer ações de ensino, ele

aprendesse fazer fazendo, “por osmose” (idem, 2005).

Esse tipo de atividade, fornecida pelo Caderno, destinada ao docente, nos leva a pensar

que não há a necessidade de se explorar, no ensino-aprendizagem, os parâmetros da situação

de ação de linguagem que estão envolvidos no uso desse gênero. Sabemos que uma atividade

de produção de gênero requer um trabalho sistemático e aprofundado de reflexão, de

reconhecimento do gênero, de comparação com outros gêneros, de leitura, entre outros, para

que seja realmente compreendido pelo professor, posteriormente, pelo seu aluno, o que não

ocorre em tal proposta. Observa-se que o TP6 se preocupa com a inclusão do gênero no

material de formação continuada, de acordo com o Guia Geral (BRASIL, 2008a) e conforme

os pressupostos dos PCNLP (BRASIL, 1998), mas a condição de apropriação desse modelo,

oferecida ao professor-cursista é bastante limitada, dado o caráter superficial da instrução, isto

é, não são fornecidos parâmetros para a produção do poema. Infere-se que o Caderno

pressupõe um saber a priori por parte do educador, não considerando, muitas vezes, que o

professor não está familiarizado, de fato, com esse novo saber/conteúdo.

Nesse momento, é importante ressaltar que, embora em algum TP já se tenha abordado

algo sobre tal gênero, cabe ao Caderno explicitar os aspectos constitutivos desse gênero ou, ao

menos, (re)lembrá-los ao professor, colocando uma nota para retomada.

Em todo caso, vale lembrar a afirmação do Guia Geral (BRASIL, 2008a) de que nos

TPs o trabalho com a linguagem privilegiará o uso da língua como atividade social. Nesse

trabalho, os interlocutores atuam em um espaço cultural e histórico. Isso quer dizer que o

texto será ―visto como a concretização das situações de interação e um produto de condições

sócio-históricas, em que a significação é o ponto central‖ (idem, p. 36). Essa proposição

parece condizer com o TP6 quanto à afirmação de que todas as atividades de produção textual

desenvolvidas nas Unidades buscam evidenciar tal escrita como um ato social e comunicativo

e, sendo um ato comunicativo,

118

insere-se numa determinada situação que tem uma função, interlocutor(es),

objetivo, versa sobre um tema, de acordo com uma intenção, é expressa em

relação com um gênero, utiliza um determinado nível de linguagem, e como

material de leitura é escrito em um determinado suporte (BRASIL, 2008b, p.

83) [ênfase adicionada].

Nesse excerto, os pressupostos teóricos do Caderno, que dialogam com os do Guia,

geram a expectativa de que suas orientações favorecerão a construção das diversas

capacidades de linguagem, que o professor precisa adquirir para o ensino-aprendizagem da

escrita. Entretanto, apesar de enfatizar tais questões, não é isso o que ocorre na proposta

anterior, a qual se resume em uma sugestão de produção de texto de caráter indefinido, com

comando vago, dependente mais da imaginação e da inspiração do professor do que de um

trabalho, de fato, deliberado, consciente e orientado.

Em relação às capacidades de linguagem, elaboradas por Dolz e Schneuwly (2004),

implicadas, necessariamente, na apropriação do gênero discursivo, percebemos que esse tipo

de exercício proposto pelo TP6 não parece ter o objetivo primeiro de provocar sua

aprendizagem, já que apenas uma das capacidades é mobilizada, superficialmente, a

capacidade de ação, em que se indica o gênero (poema), sem explorá-lo, nem conceituá-lo.

Compreendemos o espaço de formação continuada como um lugar propício para a

―atualização‖ dos saberes do professor, que precisa, de fato, desenvolver suas capacidades de

escrita para, posteriormente, ensinar seu aluno. Sendo assim, nessa primeira proposta de

produção, destacamos, mais uma vez, a etapa de planejamento como uma operação

extremamente importante no processo de escrita, pois contribui para um texto bem

organizado. Nesse sentido, o TP6 parece considerar os processos sociocognitivos envolvidos

em tal prática. Mas numa elaboração escrita, há outros elementos a serem enfatizados.

Definitivamente, consideramos que, no contexto escolar, o encaminhamento para a

produção textual (tanto do professor quanto do aluno) deve inserir-se em um processo de

interlocução ativa, a fim de possibilitar mais significado e de exercitar a escrita como prática

cidadã.

Depois dessas questões, o ícone Importante traz informações sobre as funções básicas

da linguagem (expressiva, apelativa, metalinguística, poética, referencial), descritas por

Roman Jakobson, certamente, no intuito de lembrar ao cursista a função predominante nos

poemas. Parece que essa breve explicação corresponde ao ensino da linguagem, ou é a parte

mais importante, pois se destaca apenas a função predominante do texto, a função mais

imediata.

119

(BRASIL, 2008b, p. 81)

Esse posicionamento do Caderno TP6, certamente, não auxilia o professor-cursista

quanto à compreensão das funções da linguagem, pois nos demais exercícios dessa Unidade

nem sempre fica clara a concepção de linguagem adotada. Não se sabe, muitas vezes, se há

alguma preocupação com a função social da linguagem ou se são considerados somente os

recursos de ênfase dos diferentes elementos da comunicação: a função da linguagem.

O quadro das funções destacado pelo TP nos remete à Teoria da Comunicação, a

saber, uma abordagem teórica que concebe a língua(gem) como código (verbal e não verbal),

como um instrumento de comunicação, capaz de transmitir ao recebedor uma dada

mensagem. Foi inspirado nessa concepção que o russo Roman Jakobson caracterizou as seis

funções da linguagem, cada uma delas estreitamente ligada a um dos seis elementos —

emissor, receptor, código, referente, canal, mensagem — que compõem o ato comunicativo

(MAGNANTI, 2001). Em relação a essa teoria, Barros-Mendes (2005) salienta que ela

realmente influenciou o ensino de LP, na década de 1970 e 1980, porém, tem perdido espaço

no meio educacional, nos dias atuais, sendo vista hoje com ressalvas, por reduzir a

comunicação humana a uma forma vazia e ritualizada. Essa concepção corresponde

120

a um arcabouço pobre, considerando a complexidade das relações humanas.

Com efeito, os termos ‗falante-emissor‘, ‗ouvinte receptor‘ pressupõem um

papel ativo para o primeiro e passivo para segundo

(recepção/compreensão). Embora tal esquema corresponda a um aspecto

real, é falho quando se pretende que represente o todo da comunicação

(FURLANETTO, 1995 apud MAGNANTI, 2001, p. 02) [ênfase

adicionada].

Essa teoria centra-se na informatividade da mensagem, na funcionalidade e não no ato

de linguagem, acrescenta Magnanti (2001). Parece mesmo que a preocupação é mostrar como

funciona a comunicação e não estabelecer interações, ouvir o outro e dar-lhe voz, no processo

enunciativo. A nosso ver, esse posicionamento teórico vai contra ao paradigma atual de

ensino, pois representa uma visão estreita e reducionista do emprego efetivo da linguagem.

Acreditando que o sujeito apenas produz e repassa a mensagem. Ademais, não considera o

outro no processo comunicativo real, na enunciação. Afirmamos isso, porque a concepção de

linguagem oficialmente assumida no ensino de LP hoje é a de interação social, levando em

conta o sujeito, no seu processo interlocutivo, no seu contexto sócio-histórico, conforme as

diretrizes curriculares de LP. Diante disso, podemos inferir que, ao enfatizar pressupostos da

Teoria da Comunicação, o TP6 se distancia da concepção de linguagem veiculada no Guia

Geral (BRASIL, 2008a, p. 36-37): ―a concepção central no Gestar II da linguagem como

interação já esclarece a importância do trabalho com Língua Portuguesa‖[ênfase adicionada].

Nesse momento, parece haver uma contradição, um diálogo incoerente, entre o Guia e o TP6.

Nas páginas que seguintes, ainda na seção I, o Caderno apresenta algumas orientações

teóricas sobre o tratamento didático dos procedimentos metacognitivos (as etapas de

planejamento, revisão e reescrita de textos).

O TP6 apresenta mais uma vez um discurso a respeito do planejamento, orientando o

professor sobre como pensar o planejamento do texto poético, por exemplo. Aliás, recorda-lhe

que este texto também requer um planejamento, variando muito de poeta para poeta, uns

esperam um certo impulso..., focam interpretações..., tecem esboços...; outros planejam na

própria cabeça e colocam a primeira versão imediatamente sobre o papel etc. No trecho a

seguir, observamos essas considerações:

121

(BRASIL, 2008b, p. 81).

O enunciado do Caderno esclarece que o processo de revisão pode ser acompanhado

pelo professor ou pelos colegas, dependendo da situação:

(BRASIL, 2008b, p. 82).

Além disso, destaca que, nesse processo, os próprios objetivos e etapas podem ser

modificados, pois elementos considerados importantes acabam sendo retirados, ou trocados,

outros acrescentados e, assim sucessivamente. Para o TP, tais técnicas precisam chegar até a

sala de aula para serem desenvolvidas com os alunos:

(BRASIL, 2008b, p. 83).

Essas orientações teórico-metodológicas sobre os procedimentos de planejamento,

revisão e reescrita de texto se aproximam dos pressupostos veiculados nos PCNLP (BRASIL,

1998), de forma indireta, haja vista defender que um texto será sempre produto de diversas

versões. Acreditamos, porém, que esse seria um espaço oportuno para se enfatizar, por

exemplo, a importância da presença do outro, no processo de revisão e reescrita, destacando a

dinâmica positiva que se processa nessa relação, em que o leitor trabalha em parceria com o

autor do texto, exercendo seu papel de co-enunciador, co-produtor do texto lido. Tal relação é

122

a condição sob a qual se articula no texto a interação constitutiva do processo de interlocução,

ou seja, é nesse processo que autor e leitor se fazem enunciadores do discurso, emitindo

pontos de vistas, apreciação valorativa, representado e re-apresentando uma visão de mundo,

com bem ressalta Jesus (1995).

O momento dessa orientação constitui-se numa boa ocasião para o TP6 destacar ainda

mais o significado do ―outro‖, porque, nessa situação (de escrita, revisão e reescrita)

compreendemos que tanto o professor como o colega de sala, trabalhando juntos, constituem-

se como verdadeiros mediadores do processo. Esses parceiros podem ser considerados, na

visão vygotskiana, o par mais avançado que emite um ―outro olhar‖ para a escrita do aluno.

Nesse ―olhar‖, não precisam ser levantados, somente, os problemas gráficos, lexicais, de

concordância e pontuação, mas devem receber especial atenção os elementos de ordem

enunciativo-discursiva, que dizem respeito à construção e/ou à enunciação do texto, seu

caráter sócio-histórico. Na verdade, os critérios de ―avaliação‖ e de revisão dependem do

objetivo da escrita, do parâmetro disponibilizado pelo professor para a correção do texto.

É pertinente pensar que tal situação de revisão e reescrita propicia um momento ideal

para se trabalhar o desenvolvimento da ZPD do aluno, conforme discutido no segundo

capítulo, promovendo, mediante a ajuda do companheiro, o desenvolvimento ou

aperfeiçoamento de suas capacidades de escrita. Sob tal lógica, o professor constitui-se em

uma pessoa responsável por interferir nessa zona de desenvolvimento do aprendiz, com o

intuito de lhe propiciar avanços significativos no ensino-aprendizagem de escrita, pois é na

ZPD que a interferência de outros indivíduos é mais transformadora e significativa. Logo,

haja vista a pertinência desse assunto, compreendemos que esse seria o momento ideal para

elucidá-lo ao professor, direcionando mais a orientação sobre a importância do outro no

processo e apresentando, até mesmo uma indicação, em nota, uma referência bibliográfica

sobre o assunto para consultas futuras.

Na sequência, o Caderno analisado apresenta uma atividade com o texto Cavalos e

Crianças, retirado de um jornal, com questões que giram em torno de planejamento e da

importância de se promover nos aprendizes a releitura de seus textos.

123

Leia a seguir as respostas que um aluno construiu na atividade planejada por

sua professora:

Vamos ao texto:

1) Relacione o texto ―Cavalos e Crianças‖ com a Campanha da Fraternidade

de 2005 ―Solidariedade e Paz‖.

124

R: Que temos que ter solidariedade com as crianças que não tem o que

comer e nem moradia, isso tem a ver com a ―Campanha da Fraternidade‖

porque eles pedem a colaboração de todos para que esas famìlhas

nessesitados tenham moradia e comida.

2) Descreva a moral da história.

R: Moral – Todos temos que ter fé que um dia vamos ter um mundo melhor

a todos.

Na situação que originou o texto que você acabou de ler, de acordo com o

relato do aluno, a professora estava trabalhando com sua turma de quinta

série relacionando uma história sobre os tratamentos dispensados a cavalos e

a crianças com a Campanha da Fraternidade de 2005.

a) Compare o texto do jornal e o resultado da construção do conhecimento

pelo aluno. Comente primeiramente as respostas aos dois comandos iniciais.

Como o aluno redige as suas respostas? Ele compreendeu o sentido do texto?

Na situação anterior, você notou que analisamos o texto inicial e o produto

do processo de construção do conhecimento por meio de atividades de

leitura e escrita de textos, nos baseando na contextualização por meio do

relato de um aluno.

b) Se você fosse utilizar o texto em sala para a leitura de seus alunos, como

poderia desenvolver a atividade de compreensão do texto incluindo a

discussão das respostas para a construção de uma visão crítica? Planeje

brevemente a seqüência didática.

c) Imagine que você tenha planejado em seguida à leitura e discussão do

texto uma atividade como a elaborada pela professora da 5ª série e um dos

seus alunos tivesse respondido às perguntas como o menino fez. Planeje uma

atividade de escrita que inclua a produção de um texto sobre a moral da

história e uma atividade que motive seus alunos a relerem seus textos.

(BRASIL, 2008b, p. 84-86).

A atividade seguinte, destinada ao docente, traz um trecho do texto A primeira

cartilha, de Moacyr Scliar, que conta como se deu a introdução do personagem do texto às

letras. As atividades que decorrem desse último texto sugerem duas produções escritas para o

professor: uma, sobre uma experiência engraçada da sua vida estudantil; outra, sobre sua

história como educador.

No entanto, antes de escrever essa derradeira, o TP sugere que o cursista planeje seu

texto. Seguem as propostas elaboradas pelo material:

Agora é a sua vez de escrever sobre uma experiência pessoal.

1) Escreva sobre uma experiência engraçada da sua vida de estudante;

2) Escreva um texto sobre a sua história como educador(a), como surgiu a

motivação, como se sentiu e argumentou, justificando as suas escolhas.

Vamos, porém, antes de escrever o texto em si, planejá-lo.

125

a) Leia atentamente o que está sendo pedido. Quais os itens que estão sendo

requisitados pelo comando?

b) Considere a função e o objetivo do texto.

c) Liste dois ou três eventos e tópicos que poderiam ser parte desse texto.

d) Defina alguns elementos essenciais (época, ou idade que tinha, onde

aconteceu, quem estava envolvido, como começou, etc.) para narrar cada um

dos eventos e tópicos listados.

e) Adicione idéias que possam justificar os eventos e tópicos que escolheu.

f) Revise o que escreveu até agora e veja se há novas informações.

Adicione-as.

g) Escolha os eventos e tópicos que vai utilizar e numere as informações,

construindo uma primeira versão da seqüência do texto.

h) Faça os esboços do texto em folhas à parte. Depois da revisão final,

transcreva o texto no espaço abaixo. Grampeie as folhas com os diversos

rascunhos ou imprima a versão original, nesta folha do seu livro.

(BRASIL, 2008b, p. 87-90).

Na atividade de número um, acerca da escrita de uma experiência engraçada da vida

estudantil do professor, podemos notar, mais uma vez, apesar de ser uma atividade de escrita,

a ausência da perspectiva comunicativa, conforme propõe o material, que parece não

considerar a dimensão enunciativo-discursiva da linguagem, configurada nos processos

interativos. O TP não explica os parâmetros de produção (escrever para quem, para quê, com

qual objetivo, para circular em qual esfera, em qual suporte), além de não considerar as

práticas comunicativas da sociedade, as quais ocorrem, sempre, mediadas por um gênero

discursivo. Nessa direção, compreendemos que a ausência do gênero na proposta (para o

professor) prejudica o foco enunciativo-discursivo envolvido no processo de ensino-

aprendizagem de escrita (do/para o aluno).

Em relação às capacidades de linguagem, nesse exercício, há preocupação — apenas

— com o assunto/conteúdo do texto (experiência engraçada da vida estudantil), que diz

respeito à capacidade de ação. De resto, não parece favorecer a construção das outras

capacidades de linguagem requeridas no ensino-aprendizagem dos gêneros, circunscrevendo-

se à proposta de uma escrita mecânica, vazia, com um fim em si mesma. Logo, por não ter um

objetivo claro nem privilegiar o processo interlocutivo, tal proposta, em boa medida, sinaliza

uma contradição com os pressupostos veiculados tanto no Guia Geral (BRASIL, 2008a)

quanto no próprio TP6.

Na atividade de número dois, enfatiza-se o planejamento da escrita, como não poderia

deixar de ser, haja vista o objetivo principal da Unidade. Sem dúvida, tal procedimento —

levantamento, organização, adição e retirada de ideias, revisão e reescrita do texto — possui

grande relevância em qualquer realização de escrita, ou seja, o desenvolvimento de

procedimentos metacognitivos (etapas de revisão e reescrita) se faz extremamente necessário.

126

No processo de produção textual, é importante que o escritor desenvolva estratégias

metacognitivas, que dizem respeito ao conhecimento, à consciência, ou seja, à monitoração

consciente das ações intelectuais e o controle dos processos cognitivos. Esses aspectos

(procedimentais), de certo modo, são pontuados também pelos documentos oficiais, que

sugerem: ―durante a elaboração de um texto, se relêem trechos para prosseguir a redação, se

reformulam passagens. Um texto pronto será quase sempre produto de sucessivas versões‖

(BRASIL, 1998, p. 77).

É claro que pensar antes de escrever, fazer um esboço, um rascunho, reler o texto são

práticas necessárias envolvidas no processo de escrita. Mas acreditamos que uma produção

textual somente é possível, ou só se efetiva, se o escritor tiver em mente o perfil do seu

interlocutor, o que não ocorre nessa proposta de escrita.

Na letra b, o Caderno orienta o professor para que considere a função e o objetivo do

texto a ser produzido. Mas, a nosso ver, essa questão não contribui para a formação do

professor, pois não há pistas suficientes e claras que levem o cursista a tais considerações.

Será que ele precisa construir o objetivo e a função do texto? Será que se trata da função da

linguagem, conforme se discutiu há pouco? Não se sabe.

Entendemos, com certeza, que escrever um texto é um processo complexo, porque

exige a mobilização de várias capacidades; por isso mesmo se requer clareza nos parâmetros

da situação de produção, recepção e circulação do texto. Isso equivale a dizer que toda escrita

pressupõe um para quê, para quem, por que, com qual objetivo, como e onde. A falta dessa

orientação complexifica ainda mais o processo, podendo acarretar a não efetivação do ensino-

aprendizagem de escrita.

Em relação às capacidades de linguagem implicadas no processo de escrita, podemos

depreender a mobilização superficial de algumas delas nessa proposta. Na questão de número

dois, por exemplo, inferimos que é contemplado um elemento relativo à dimensão da

capacidade de ação, no que tange ao conteúdo a ser trabalhado, ao assunto do texto (história

individual sobre a vida como professor). Dois elementos da capacidade linguístico-

discursiva, apesar de não serem claramente indicados, são tangenciados pelo TP. O primeiro

diz respeito à tomada de posição enunciativa, já que é sugerida ao professor participante a

justificativa da sua escolha pela profissão, o que requer apreciação valorativa (julgamento,

opiniões, sentimentos). O segundo refere-e à operação de textualização, visto que é sugerida

ao cursista a definição de época, lugar onde aconteceu etc., o que certamente exige o uso de

elementos de coesão (advérbios, por exemplo). Observa-se a indicação implícita de apenas

127

um elemento da capacidade discursiva, que auxilia na organização sequencial, pois o

professor é orientado a narrar os eventos listados.

Na capacidade de ação, os outros elementos próprios para desenvolvê-la, tais como a

sugestão do gênero discursivo, a orientação sobre locutores/participantes, o contexto de

produção, a finalidade da escrita, não são apresentados.

Na capacidade linguístico-discursiva, contemplada apenas parcialmente, não se

mobilizam claramente as dimensões que se referem à seleção lexical.

Na capacidade discursiva, que não foi apresentada de modo efetivo, podemos

depreender ainda que o material fez alguma referência acerca do plano do texto, além da

narração, tal como segue: ―pode-se iniciar um texto argumentativo [...] você pode introduzir

na justificativa de suas escolhas: [...] uma introdução breve...‖ (BRASIL, 2008b, p. 90).

Todavia, o subtópico que contempla de modo indireto tal questão veio após a orientação

principal para a produção de texto. Nota-se que essa ―dica‖, desvinculada da sugestão de

escrita, está localizada no item Importante, quase duas páginas à frente da proposta. Lá o TP6

recorda:

Importante: [...] pode-se iniciar um texto argumentativo apresentando

sentenças que capturem a atenção do leitor. Assim, você pode introduzir na

justificativa de suas escolhas: a) um objetivo; b) uma série de questões

relacionadas ao objetivo e ao evento; c) uma introdução breve, mas

engraçada, anedótica; d) uma enunciação controversa; e) um trecho com uma

opinião contrária à que quer defender (BRASIL, 2008b, p. 90).

Diante disso, inferimos que o discurso do material não sinaliza objetivamente para a

organização sequencial do texto, o que pode ocasionar certa dúvida na execução dessa

atividade de escrita. Vale dizer ainda que esse ícone Importante também apresenta elementos

que contemplam a capacidade linguístico-discursiva, a saber, as operações de textualização

que orientam sobre a coerência do texto. Por exemplo, o uso de um trecho com uma opinião

contrária à que quer defender remete a aspectos da informatividade, fator que interfere, em

boa medida, na construção da coerência, conforme Koch e Travaglia (2006, p. 86). Isso

porque o leitor desse texto vai necessitar de um conhecimento anterior da temática para que

consiga fazer as devidas relações e, assim, o texto torne-se coerente para ele.

Em face das questões levantadas, podemos notar, mais uma vez, que essa, apesar de

ser uma atividade de escrita, não se realiza, totalmente, dentro da perspectiva comunicativa,

considerando o aspecto dialógico da linguagem, que se configura nos processos interativos,

conforme propõe o TP6. Como já dissemos, o Caderno não explica os parâmetros de

128

produção, além de não considerar as práticas de letramento da sociedade as quais ocorrem

sempre mediadas por um gênero discursivo. Aliás, não devemos nos esquecer de que produzir

um texto, escrito ou oral, implica, necessariamente, a escolha de um gênero, e tal escolha se

faz em função de um para que e para quem se escreve, para que suporte e para que contexto

de circulação, em que esfera e em que variedade o texto será escrito, como bem afirma Costa

Val (2003). Não devemos nos esquecer também de que a escola, como agência de letramento,

desempenha um papel essencial na formação para a cidadania; por isso, o acesso às práticas

de letramento, que envolvem a escrita de gêneros, deve estar em foco no trabalho em sala de

aula.

A consideração desses aspectos na proposta de escrita, sem dúvida, seria interessante e

significativa para a formação efetiva do professor, porque possibilita o fornecimento de

ferramentas para desenvolver as variadas capacidades de linguagem requeridas nesse

processo. Consequentemente, ao desenvolver tais capacidades, o professor-cursista poderá

estender esses saberes não só para a sala de aula, na lida com seus alunos, mas também para

sua própria vida social, como cidadão que é/deve ser.

Defendemos o trabalho na perspectiva do gênero, intimamente articulado com o

conceito de letramento, pois acreditamos que, ao apropriarem-se devidamente de um

repertório de gêneros discursivos, socialmente utilizados, o aprendiz e também o professor

poderão adentrar as variadas esferas de interação, nas práticas de letramentos, percebendo o

exercício da linguagem como lugar de constituição humana, participando efetivamente como

cidadãos na sua comunidade. Esse trabalho com gêneros, dentre outros fatores, torna possível

estimular a postura crítica do aluno, ao desvelar as relações de força presente em diferentes

esferas enunciativas, condicionantes do processo interlocutivo real, como bem salienta Petroni

(2008).

Ainda nessa Seção I, logo à frente, existe outro ícone Importante lembrando o

participante de que um bom planejamento possibilita o desenvolvimento e o aprendizado do

aluno.

129

(BRASIL, 2008b, p. 91).

Assim, quando o professor lhe fornece exemplo a partir de sua experiência pessoal,

espera-se que isso alavanque ainda mais a criatividade do aprendiz, em direção à sua

autonomia. Sobre isso, questionamos: Essa experiência de escrita do professor, tal como foi

sugerida pelo TP6, é suficiente para desenvolver, efetivamente, sua autonomia e

posteriormente a autonomia do seu aluno, no que diz respeito à concepção de escrita que hoje

fundamenta o ensino de LP? Pensamos que não, visto que, mesmo sendo uma atividade para o

professor, o Caderno parece considerar somente o procedimento (planejamento, revisão e

rescrita), não levando em conta todos os outros elementos enunciativo-discursivos, por ele

mesmo elencados, ao longo da Unidade. Isso se constitui, a nosso ver, em uma falha, pois há

contradição entre o que é proposto na teoria e o que é materializado na prática para o

professor-cursista.

Na seção seguinte, analisamos a segunda seção do caderno TP6.

4.2.1 Seção II – O planejamento: estratégias

A Seção II, intitulada ―O planejamento: estratégias”, tem como objetivo identificar

estratégias que podem ser utilizadas para o planejamento e a escrita de textos diversos. Segue

parte do texto que compõe a primeira página da Seção:

Por muito tempo, a pesquisa relacionada à produção textual ficou restrita

aos processos psicológicos [...]. Nessa perspectiva, tratava-se de diferenciar

os planos que estão relacionados ao conteúdo do texto a ser produzido dos

planos relacionados aos procedimentos que devemos utilizar para produzir o

texto. Mais recentemente, com o desenvolvimento da escrita na perspectiva

social, passou a se considerar de forma mais ampla o contexto e as

condições de produção de um texto (BRASIL, 2008b, p.93) [ênfase

adicionada].

130

Assim como notamos na introdução dessa Unidade 22, aqui também podemos

perceber uma dialogização neste discurso, ou seja, a existência de duas vozes — discurso

atual versus discurso obsoleto — em que uma busca aproximar-se da ―nova‖ perspectiva de

ensino; para isso, se apoia no discurso antigo (por muito tempo...), penetrando, então, em um

enunciado já disseminado no meio educacional (desenvolvimento de estudos na perspectiva

social), a fim de mostrar aos participantes do curso a superação das antigas práticas de escrita.

Nesse instante, lembramos a teoria bakhtiniana, pois temos aqui um enunciado

concreto, constituído no discurso do TP6, que, por sua vez, veicula concepções internalizadas,

resultantes da apropriação de variados discursos alheios, difundidos na sociedade. De acordo

com essa teoria, o enunciado nasce exatamente na inter-relação discursiva, não podendo ser o

primeiro nem o último, porque representa, necessariamente, uma réplica a outros enunciados,

a outros discursos, estando, portanto, orientado para um dado interlocutor, do qual espera uma

compreensão ativa e responsiva. Sendo assim, o discurso do TP6 é, fundamentalmente,

constituído de outros enunciados, ao mesmo tempo. Numa relação dialógica, suas palavras se

instauram através das diferentes vozes.

Em relação ao excerto supramencionado, sobre a produção textual restrita aos

processos psicológicos, é sabido que na década de 1980, através das teorias de procedimentos

cognitivos de produção de textos, os programas curriculares de língua se caracterizavam por

centrar o ensino de LP nos procedimentos (eixo procedimental) ao invés de centrar em

conteúdos (gramaticais). A ênfase dos currículos era dada às estratégias de produção

(planejamento, organização das ideias, revisão, editoração, narração, descrição, dissertação),

com o objetivo de desenvolver capacidades relativas à escrita (BARBOSA, 2001; BONINI,

2002; FIGUEIREDO, 2005; ROJO, 2009b).

Sabemos que, há mais de uma década, o ensino de produção textual vem passando

por mudanças de perspectivas, de objetivos, de conteúdos e de metodologia, consequências da

adoção de conceito como o de letramento, por exemplo, e da eleição dos gêneros como objeto

de ensino-aprendizagem, e o Caderno TP6 mostra-se ciente das transformações ocorridas

acerca do ensino de produção textual.

Embasado na noção de letramento, o ensino se amplia, passando a ser pensado em prol

do uso da linguagem escrita, especificamente, nas práticas sociais, nas práticas de letramento,

ou seja, ―passa-se a valorizar o ‗saber sobre’ as situações de produção de linguagem e os

gêneros que nelas circulam, além do ‗como‘ ler e produzir textos (‗saber fazer’)‖

(FIGUEIREDO, 2005, p. 126, ênfase da autora). Não se trata mais de trabalhar no ensino de

LP — apenas — conteúdos procedimentais, mas também conteúdos conceituais, isto é,

131

Ao invés do estabelecimento de práticas e de objetivos gerais que visem a

construção de capacidades, competências ou o uso de estratégias, como de

costume nos programas curriculares de Língua Portuguesa, tem-se, agora,

conteúdos propriamente ditos a ensinar — os gêneros do discurso, em torno

dos quais se organizariam as práticas de compreensão e produção de textos

(BARBOSA, 2001, p.91).

Como vimos no início desta seção, o TP afirma que, na recente perspectiva social de

produção textual, é preciso considerar o contexto e as condições de produção de cada texto;

por isso, os professores devem promover situações de atividades que trabalhem tais questões,

com o intuito de desenvolver a autonomia do aluno. Reitera ainda a necessidade do

planejamento, lembrando ao professor participante que não há regras nesse processo, há sim

―um desenvolvimento de alternativas que podem ajudar as pessoas a criarem, planejarem,

escreverem revisarem seus textos‖ (BRASIL, 2008b, p. 93). Além disso, afirma existirem

várias formas de atividade de planejamento, que variam de acordo com o objetivo da

atividade escolar e da própria escrita, ou seja, toda atividade de escrita requer objetivo claro,

capaz de possibilitar um determinado planejamento.

Depois desse discurso, deparamo-nos com a primeira atividade dessa seção destinada

ao professor (Atividade 4), composta por um trecho do livro ―O tesouro de Olinda‖, chamado

Na terra do frevo, de Rogério Andrade Barbosa, em que é apresentado um encaminhamento

das respectivas questões destinadas ao educador:

132

133

O texto traz, além das informações sobre o Carnaval em Pernambuco,

informações sobre as diferenças culturais entre o rapaz e a moça que o

atende na pousada. Liste algumas delas abaixo.

Esta é uma parte de um capítulo do livro. É uma narrativa ficcional em que o

narrador é personagem que acabou de ganhar uma passagem para Olinda de

seu pai como presente por ter passado no vestibular. Vamos planejar a

escrita de uma continuidade desse texto?

b1) Imagine que você tem que escrever um texto, dando continuidade ao

trecho lido. Para o planejamento, utilize a estratégia do brainstorming, isto é,

aquela em que as idéias sobre o tema são escritas na medida que ―vêm à

cabeça.‖

b2) Compare as idéias que surgiram com o texto ao qual deverá dar

continuidade, relembre o objetivo, se necessário corte algumas idéias e

adicione outras. Abaixo, ordene numa possível seqüência as idéias que serão

desenvolvidas no capítulo seguinte. Você pode optar por escrever palavras-

chave ou frases isoladas.

b3) Como o texto pode ficar mais longo, inicie escrevendo-o abaixo ou

termine em folha à parte que você pode grampear ao livro para não perdê-la

(BRASIL, 2008b, p. 93-95).

Nessa atividade, acerca da continuação da história lida, encontramos pontos positivos,

porque o TP6 sugere que o professor faça uma leitura do texto ―Na terra do frevo‖, com uma

compreensão ativa responsiva, pois, em seguida, ele deverá se colocar como autor de sua

escrita, imprimindo sua voz. Isso implica, necessariamente, a mobilização de conhecimentos

vários adquiridos no dia-a-dia, na interação social. Aqui, podemos notar também um trabalho

sobre planejamento e estratégia de escrita, tendo em vista as diversas maneiras de se planejar

um texto: resumo das ideias principais; anotações de frases isoladas, soltas; brainstorming;

escrita em bloco de anotação; escrita de palavras-chave, ordenação, comparação, corte e

adição de ideias etc. Nessa tarefa, o TP indica claramente a estratégia a ser utilizada

(brainstorming) e fornece vários caminhos ao professor para um melhor planejamento, para

uma monitoração do processo de produção de texto.

Apesar de tudo, observamos que as orientações fornecidas para a produção são

trazidas superficialmente, de modo que um escritor pouco experiente poderá ter dificuldade

em entender a proposta, no que se refere aos parâmetros da situação comunicativa e ao

objetivo real da escrita. Nesse caso, seria importante a transparência na solicitação.

Haja vista que a história de ficção exige muita criatividade e imaginação do produtor,

acreditamos que, nessa tarefa, além de indicar o contexto de produção e de circulação, o

material de formação poderia ter enfatizado mais o processo de interlocução discursiva, bem

134

como ter chamado a atenção do professor no tocante à conservação do sentido do texto. Para

defender esse ponto de vista, recorremos às palavras de Costa Val (2003), ao salientar que a

realização adequada de uma produção textual envolvendo a continuação de história lida

―requer atenção deliberada da construção da coerência semântica, composicional e estilística

com o texto original, tomando como pressuposto a manutenção do mesmo público leitor, do

mesmo suporte e do mesmo contexto de circulação‖ (idem, p. 143).

Em relação às capacidades de linguagem necessárias à produção textual, buscamos

depreender os saberes explorados nesse ensino-aprendizagem de escrita, tendo em vista que,

segundo Dolz e Schneuwly (2004), num trabalho de escrita, o aluno/professor-cursista tem a

oportunidade de desenvolvê-las. Nessa proposta, percebemos o favorecimento de algumas

delas, porém, de modo não muito claro. Percebemos que alguns dos elementos próprios para o

desenvolvimento das capacidades de ação são apresentados, como a orientação sobre locutor

(narrador é o personagem) do texto e sobre o gênero (narrativa ficcional); embora não

explore suas características, ao menos as indica. Na capacidade de ação, observamos, ainda, a

indicação, superficial, do contexto de produção, que permite prever o lugar onde o texto do

aluno será construído (Esta é uma parte de um capítulo do livro), e o conteúdo a ser

trabalhado (o personagem ganha, de seu pai, uma passagem para Olinda, por ter passado no

vestibular).

A partir das informações apresentadas pelo Caderno TP6, depreendemos a

mobilização da capacidade discursiva, a saber, o plano do texto. No momento em que é

apresentado o gênero (narrativa ficcional24

), fica subentendido em qual sequência tipológica

se organizará o texto (sequência narrativa).

Desse modo, nesse trabalho de escrita, é apontado não só o gênero a ser trabalhado

como também se define o possível escritor/locutor do texto, o que, de fato, é muito importante

e necessário. Mas e o interlocutor? Este não é contemplado de modo claro. Na verdade,

podemos até deduzir que o interlocutor seja o leitor de tal livro. Entretanto, o TP não traz esse

aspecto claro para o produtor de texto, o que certamente limita as possibilidades para a

realização efetiva da proposta. O material não indica o outro elemento, não menos importante

no processo, da capacidade discursiva (elaboração do conteúdo), nem os da capacidade

24

A ―narrativa ficcional‖ pode ser considerada como um gênero, se levarmos em conta as ideias de Dolz e

Schneuwly (2004, p. 51), quando propõem o agrupamento dos gêneros, no que se refere ao domínio social de

comunicação (cultura literária ficcional), ao aspecto tipológico (narrar), às capacidades de linguagem dominantes

(mimesis da ação através da criação da intriga no domínio do verossímil), tendo como exemplos de gêneros orais

e escritos: narrativa de aventura, narrativa de ficção científica etc.

135

linguístico-discursiva (operação de textualização, escolha lexical e tomada de posição

enunciativa), realizando, assim, um trabalho restrito.

Esse trabalho de escrita proposto pelo TP6, na Unidade 22, parece estar embasado

numa perspectiva transmissiva, isto é, aquela em que se transmitem alguns elementos

envolvidos na construção de um determinado gênero, mas nem todas as capacidades de

linguagem necessárias para sua apropriação são mostradas (BARROS-MENDES, 2005).

Partindo do pressuposto de que ―escrever é se apropriar de um conjunto de

capacidades linguísticas e psicológicas com o objetivo de transmitir significado a um leitor,

de forma adequada‖ (COSTA, 2000, p. 68), compreendemos que, independentemente de ser

para o professor participante, um projeto de escrita precisar ter um significado real, um

contexto de produção, circulação e recepção claro, um objetivo, que o motive a escrever. São

esses elementos que lhe permitirão se apropriar dos instrumentos essenciais ao

desenvolvimento de suas capacidades de escrita. Sem isso, certamente, qualquer atividade

acaba caindo no vazio, transformando-se num mero objeto de ensino.

Com certeza, tal proposta poderia ser bem mais proveitosa se o TP6 atentasse para a

mobilização real e clara de todas as capacidades de linguagem requeridas nesse gênero, pois,

à medida que os professores as desenvolvem, estão consequentemente se armando de saberes

vários, tanto para ensinar seu aluno na sala de aula como para uma prática mais participativa

na sociedade em que vive.

A respeito do trabalho enunciativo com a linguagem, as lacunas recorrentes na

proposta evidenciam que o conceito de gênero discursivo, embora tenha sido, em algum

momento, assumido pelo material, não se configura nas atividades, de modo efetivo, pois,

percebemos que em cada exercício é priorizado um aspecto, uma parte do gênero,

desconsiderando-o, na maioria das vezes, como um conjunto indissociável — conteúdo

temático, estilo forma composicional. Isso nos faz pensar que o conceito de gênero textual

que perpassa o material seja uma abordagem mais voltada para os aspectos tipológicos em

detrimento das condições de produção.

Na seção seguinte, analisamos a terceira e última seção do Caderno TP6.

4.2.2 Seção III – A escrita

A seção III, intitulada ―A escrita”, apresenta como objetivo principal o

desenvolvimento de ―atividades de planejamento e escrita, considerando a construção e a

revisão textual‖ (BRASIL, 2008b, p. 102).

136

Na sequência, a atividade de número cinco dedica-se às questões sobre a prática

pedagógica do professor e seu processo de escrita. Tais questões são acompanhadas de textos

que abordam o processo de planejamento e revisão e a importância de se refletir sobre o

processo de escrita do professor e do aluno.

a) Faça um exercício para lembrar o que ocorreu durante a escrita do texto

da atividade 4. Houve planejamento durante a escrita? Houve revisão,

durante a escrita? Descreva lembranças sobre o que ocorreu.

b) Observe seus alunos durante a escrita de um texto. O que seus

movimentos, olhares, silêncios, sussurros e perguntas lhe dizem sobre seus

processos de escrita?

(BRASIL, 2008b, p. 102).

(BRASIL, 2008b, p. 102-103).

Em relação ao planejamento, o TP reitera o que vem dizendo nas seções anteriores:

que podemos trabalhá-lo de várias maneiras, utilizando diversas estratégias, que durante a

escrita esse processo é diferente, pois requer objetivos claros etc. Em relação à revisão, o

material elucida que tal processo ocorre de forma superficial, sobretudo, quando voltamos

137

para corrigir uma ideia ou um problema de coesão. Lembra ainda o professor da importância

de chamar a atenção do aluno para essas possibilidades e de criar oportunidade para o

estabelecimento de diálogos dos autores com seu próprio texto e com o texto do colega.

Após essas orientações teóricas, o TP6 fornece a atividade de número seis, com o

seguinte encaminhamento:

a) Considere a sua experiência pessoal com a escrita de diferentes textos.

Como você escreve e que estratégias usa para iniciar, desenvolver e finalizar

os seguintes textos:

a1) Uma carta:

a2) Um relatório para a escola:

a3) Uma prova de português

(BRASIL, 2008b, p. 103).

Perguntamo-nos: Qual o objetivo desse exercício? Que capacidades se pretendem

mobilizar? Não ficam claros. Os dados dessa questão nos levam a pensar que, talvez a

proposta seja apenas uma forma de fazer referência às atuais orientações para o ensino, sem

maiores consequências.

Essa atividade acaba gerando certa expectativa, porque podemos imaginar que, depois

de realizar tal tarefa, certamente, o professor receberá alguma orientação mais concreta sobre

o modo de esquematizar e de escrever tais gêneros. Mas não é o que ocorre. Ou, talvez, em

algum outro TP o professor-cursista já tenha sido orientado para tais construções; nesse caso,

o material deveria, no mínimo, lembrá-lo disso, trazendo alguma referência. Sabemos que tal

escrita se configura com um desafio para o produtor, porque ele deve dialogar com outros

discursos, replicando-os. Isso requer obviamente a mobilização das capacidades de linguagem

envolvidas no processo. Embasados na visão bakhtiniana, entendemos que toda produção

textual, como um ato interlocutivo, implica sempre uma compreensão responsiva ativa e

criadora para a construção dos sentidos de um texto.

Em seguida, o TP6 fornece mais um pequeno texto tratando da necessidade de o

educador refletir sobre seu processo de escrita, para mais tarde discutir também o processo do

aprendiz. Destaca a possibilidade de se ensinar ao aluno algumas estratégias durante a escrita,

como, por exemplo, a de deixar espaços em branco para depois ir ao dicionário consultar o

termo mais adequando.

138

(BRASIL, 2008b, p. 104).

Em seguida, após essas orientações, o Caderno TP6 apresenta as seguintes questões:

a) Como foi (e é) o desenvolvimento de sua competência escrita? Como

você faz para escrever melhor?

b) Como você acha que os seus alunos desenvolvem e desenvolverão a

escrita? O que pode fazer para melhorar esse desempenho?

(BRASIL, 2008b, p, 104).

Embaixo de tal encaminhamento, o material traz mais orientação para o professor-

cursista, lembrando-o de que, a cada nova situação comunicativa, a escrita se torna um

desafio; por isso, é desenvolvida a partir de avanços e retrocessos. No intuito de norteá-lo

ainda, no processo, o Caderno lhe fornece algumas sugestões, elaboradas por Calkins (2003).

• O que eu disse até agora? O que estou tentando dizer?

• Será que eu gosto do que escrevi? O que é tão bom aqui, que eu possa

entender? O que não é bom que eu possa arrumar?

• Como meu texto soa? Como parece?

• O que meu leitor ou leitora pensará, quando ler isto? Que indagações

poderão fazer? O que observarão? Sentirão? Pensarão?

• E o que farei a seguir?

(CALKINS, 2003 apud BRASIL, 2008b, p. 104-105)

A nosso ver, as orientações teórico-metodológicas supracitadas revelam,

primordialmente, uma preocupação por parte do TP em capacitar o professor, e

posteriormente seu aluno, para que produza textos coesos e coerentes, porque podemos

observar aqui algumas ―dicas‖ mais concretas, que contribuem, de fato, no direcionamento,

tanto do professor como do aluno, acerca do processo de planejamento, releitura e reescrita de

textos vários. Nessas dicas, percebe-se um tom voltado para a discursividade. Entretanto, na

139

prática, isto é, nas propostas, o material não apresenta suporte necessário para tal. Isso com

certeza ajudaria em muito no processo de escritura de um texto. Assim, os professores, bem

como os alunos, poderiam tornar-se autores ativos de suas produções.

Em relação às dicas acima oferecidas pelo TP, sem dúvida, tais procedimentos e

estratégias utilizados pelo produtor de texto de maneira consciente lhe permitem controlar e

assumir a sua própria aprendizagem. Mas ressaltamos que tudo isso só terá significado

concreto se acompanhado de um projeto definido de escrita, ou melhor, se o escritor tiver

clareza quanto ao seu papel de locutor, do interlocutor, enfim, das condições de produção do

texto. Como bem destaca Morles (2000 apud MENEGASSI, 2005, p. 02) [ênfase adicionada],

rascunhar uma frase, ou um parágrafo, para melhorar o texto é uma

experiência suficientemente conhecida por todos; no entanto, é possível que

a muitos não tenha ocorrido pensar que não poderiam realizar a operação de

escrever/revisar/reescrever se não tiverem desenvolvida, de alguma maneira,

a operacionalização da metaescrita25

; isto é, se o aluno não tiver

desenvolvida a capacidade consciente de que seu texto não está adequado às

condições de produção.

Na seção seguinte, analisamos as sugestões de propostas de produção textual desta

Unidade 22 direcionadas ao aluno.

4.3 Atividades direcionadas ao aluno

No primeiro momento, apresentamos a análise da Unidade 22 do TP6, referente aos

pressupostos teórico-metodológicos que embasam a prática pedagógica do professor de

Língua Portuguesa para o ensino de escrita e referente ao diálogo existente entre orientações

teóricas do Guia Geral e as do TP6 para tal ensino. Buscamos identificar as capacidades de

linguagem que são mobilizadas nas propostas de ensino-aprendizagem da escrita direcionadas

ao professor-cursista.

Nesse segundo momento, apresentamos a análise das respectivas propostas de

produção textual direcionadas ao aluno, no intuito de comparar tais atividades aos

pressupostos metodológicos apresentados no TP6 para o professor. Verificando como foi

conduzido o encaminhamento didático para o aluno, buscamos reconhecer as capacidades

mobilizadas para a prática da escrita. Posteriormente, faremos um levantamento procurando

25

Metaescrita é a utilização consciente de estratégias de produção textual (MENEGASSI, 2005, p. 02).

140

confirmar se as mesmas capacidades apresentadas nas propostas de produção do professor

foram também mobilizadas nas atividades do aluno.

4.3.1 Seção I – O planejamento

Na Unidade 22 do TP626

, após apresentar algumas orientações teórico-metodológicas

para o professor-cursista e propor-lhe algumas atividades preparatórias (de reflexão, de

planejamento e de escrita), o material, certamente supondo que o participante já esteja pronto

para o ensino-aprendizagem, apresenta, então, algumas sugestões de exercícios para serem

aplicados com seus alunos na prática de sala de aula. Sendo assim, a primeira proposta de

atividade destinada ao aprendiz é apresentada no ícone Avançando na prática, localizado na

Seção I ―O planejamento‖. Conforme dissemos, esse ícone corresponde ao momento em que o

professor é convidado a aplicar em sala o que estudou anteriormente, na Unidade. Aqui, é

sugerida aos alunos uma atividade de escrita antecedida por uma atividade de planejamento,

conforme segue:

26

É preciso relembrar que cada uma das Seções que compõe a Unidade 22 possui a mesma estrutura, no que diz

respeito à organização dos ícones: atividades, indo à sala de aula, avançando na prática, importante,

recordando e resumindo.

141

(BRASIL, 2008b, p. 91-92).

Depois de trazer essas instruções, o TP6 sugere ao educador que, ao avaliar o texto do

aluno, focalize a construção da coerência e da coesão textual. Em termos bem gerais, o

Caderno orienta o professor também para a questão da revisão:

Ao avaliar os textos, focalize na construção da coerência e coesão textuais,

de acordo com o que foi trabalhado em sala. No retorno dos textos aos

alunos, explique como revisar e dê sugestões concretas para a revisão.

Deixe-os tomar as decisões quanto à reformulação; o texto é deles, portanto,

espere que eles respondam antes de intervir novamente. Lembre-se: eles

estão construindo o conhecimento e cabe a você lidar com os diferentes

textos produzidos. Os alunos estarão experimentando escrever de formas

diferentes daquelas a que estavam acostumados. A introdução de novas

práticas de ensinar gera novas formas de aprender e de avaliar.

(BRASIL, 2008b, p. 92) [ênfase adicionada].

Na proposta de produção textual, podemos destacar, mais uma vez, aspectos

significativos acerca do planejamento, da organização das ideias no texto. Além de ressaltar,

como ponto positivo, a possibilidade de se incluir no texto mais de uma sequência

composicional (narrativa e dissertativa), já que isso é característica comum das nossas

interações sociais reais, que são intermediadas pelos gêneros discursivos.

Essa possibilidade de justapor duas, ou mais, sequências pode contribuir efetivamente

para a autonomia do aluno no processo de escrita, fornecendo-lhe maior liberdade criativa

para a produção de textos em gêneros, conforme nos lembra Silva (2009). Isso equivale a

dizer que, nesse tipo de produção escrita, ―diferentes tipologias ou sequências textuais se

mesclarão, aproximando mais a produção escolar dos inúmeros gêneros que circulam fora

desse espaço de formação, contribuindo, portanto, para um letramento mais amplo‖ (idem, p.

152).

142

No entanto, apesar dos fatores positivos da sugestão de escrita, parece que o material

fornecido pelo GESTAR II não está (tão) preocupado em trazer uma proposta fundamentada

de fato na perspectiva atual de ensino, já que não menciona, por exemplo, os parâmetros da

situação comunicativa, desconsiderando que toda a escrita se constitui no interior de um

gênero discursivo, conforme sugerem os PCNLP: ―ao produzir um texto, o autor precisa

coordenar uma série de aspectos: o que dizer, a quem dizer, como dizer‖ (BRASIL, 1998, 75),

pois são esses elementos que lhe permitirão construir um texto dotado de significado. Ora, a

ausência da indicação do gênero tem um reflexo concreto na percepção do interlocutor

presumido, consequentemente, nas estratégias discursivas a serem adotadas (MARCUSCHI;

CAVALCANTE, 2005).

Em relação ao tratamento dispensado ao trabalho com os gêneros, percebemos, nas

orientações do TP, uma mistura de abordagem, ora um olhar discursivo (pensando no outro,

no interlocutor, conforme as dicas supramencionadas), ora textual (focado na tipologia), em

virtude do formato das atividades. Nesta última atividade, parece que a proposta está presa a

uma concepção mais textual, tendo em vista que as orientações levam os alunos a seguir

determinadas estruturas, conforme as orientações 3 e 4 acima. Parece que tal escrita não é

pensada a partir das esferas de atividade humana, das condições de produção, circulação e

recepção, aspectos constitutivos do gênero discursivo.

No que diz respeito ao processo de planejamento enfatizado pelo TP, vale trazer, mais

uma vez, a voz de Menegassi (2005), que elucida a necessidade da produção textual estar

envolvida em tal procedimento. Nesse processo, o aluno tem a possibilidade de executar a

releitura, a revisão e a reescrita do texto, o que, de fato, é muito importante. A prática de

revisão e reescrita, por exemplo, tende a despertar no escritor a consciência de que as

mudanças na escrita não se dão apenas no aspecto superficial, linguístico, mas também na sua

estrutura interna e discursiva. Para tanto, as condições de produção do texto precisam estar

claramente descritas e delineadas.

Diante disso, inferimos que a orientação do TP6, para a proposta de escrita

supracitada, segue o enfoque da tipologia clássica da narração, que dentro do contexto das

discussões atuais, representa simples característica estrutural de sequência de texto. Esse

formato de tarefa leva o aluno a elaborar ―redação escolar‖, a qual se configura como um

simples exercício de escrita, mecânica e vazia de significação, como já têm apontado diversos

autores (COSTA VAL, 2003; MARCUSCHI, CAVALCANTE, 2005; REINALDO, 2005,

SILVA, 2009).

143

Também não encontramos nessa atividade nenhum propósito interacional, que

pudesse, efetivamente, ter algum significado para o aluno, como propõe o Caderno, ao longo

da Unidade, e como também veicula no Guia Geral (BRASIL, 2008a). Este último enfatiza

que a escrita, como atividade de linguagem, não se realiza no vazio, de modo isolado, mas em

processos reais de comunicação, e que a competência discursiva é adquirida pelo aluno,

sobretudo, nas ―atividades de produção de textos inseridas em situações lingüisticamente

significativas, nas quais é considerada a dimensão discursivo-pragmática da linguagem‖

(idem, p. 69).

A ausência desse propósito, nessa atividade de produção textual sugerida pelo TP, não

condiz com o enfoque enunciativo-discursivo das diretrizes oficiais, que sugerem que a

produção textual seja concebida como uma atividade que requer, de fato, a participação do

outro, de modo significativo, como um processo interlocutivo, realizado nas práticas sociais,

já que interagir pela linguagem significa dizer alguma coisa a alguém, de uma determinada

forma, num contexto histórico e em determinadas circunstâncias de interlocução, segundo as

diretrizes curriculares. Sendo assim, nesse aspecto (interlocutivo), mesmo havendo um

diálogo entre os pressupostos teóricos do Guia Geral (BRASIL, 2008a) e as orientações do

material, os mesmos parecem não atender às sugestões dos documentos oficiais.

Em relação às capacidades de linguagem necessárias para o domínio da escrita de

textos em gêneros discursivos, constatamos que essa proposta de produção textual apresenta,

de modo indireto e generalizado, algumas delas. Observa-se que, para desenvolver as

capacidades de ação, é apresentado apenas um elemento: o conteúdo (experiência

inesquecível), deixando-se de lado outros, não menos importantes: definição clara sobre o

gênero, orientação sobre os possíveis locutores, contexto de produção em que o gênero será

construído e finalidade da escrita.

A capacidade discursiva pode ser depreendida a partir da dimensão acerca do plano do

texto, em que se orienta o aluno a narrar, defendendo um ponto de vista. Sob tal lógica,

podemos inferir que o texto será feito a partir de duas sequência (narração e dissertação-

argumentativa).

Nessa atividade, a orientação para as capacidades linguístico-discursivas não é

claramente abordada, apenas tangenciada. Por exemplo, quando o TP6 orienta o aluno para a

defesa de um ponto de vista, infere-se aí a tomada de posição enunciativa (ponto de vista

enunciativo), que pode ser depreendida pelo encaminhamento do aluno para apreciações

valorativas (como você se sentiu e por que o evento é inesquecível).

144

Entendemos tal proposta de escrita como um bom momento para se desenvolver no

aprendiz as capacidades de linguagem. Na capacidade linguístico-discursiva, que auxilia a

construção do estilo do gênero, por exemplo, ao fazer o encaminhamento para o aluno sobre a

defesa de um ponto de vista, o Caderno TP6 poderia ressaltar a operação de textualização

(coesão), uma vez que, para o escritor defender seu ponto de vista, obviamente, recorrerá ao

uso de conectivos de justificação, de explicação, tais como pois e porque. Esses aspectos

poderiam ser enfatizados com mais clareza. A capacidade linguístico-discursiva poderia ser

ainda mobilizada, mais efetivamente, no momento em que se orienta o aluno para a utilização

de recursos na introdução do texto (Para defender a importância do evento, explique que

precisam iniciar a parte tentando chamar a atenção do leitor...); aqui caberia lembrar-lhe que

esse é um aspecto necessariamente ligado à textualidade.

Nesta atividade, constatamos que não houve, por parte do material, preocupação em

apresentar de modo claro as dimensões das variadas capacidades de escrita, visto que

nenhuma delas foi abordada completamente. Sua orientação certamente não fornece subsídios

efetivos para que o aluno se aproprie dessas capacidades, deixando transparecer que esse não

é um dos seus objetivos, o que, sem dúvida, traz sérias consequências para o ensino-

aprendizagem de texto.

Destacamos, novamente, na proposta de escrita do Avançando na prática, como ponto

importante, a orientação trazida pelo Caderno, na Unidade 22, no tocante aos recursos que

poderão ser utilizados pelos alunos para chamar a atenção do leitor. Porém, mais do que isso,

esse poderia ser um momento oportuno para se destacar, de modo esclarecedor, tanto para o

professor quanto para o aluno, os aspectos relevantes que fazem parte da coerência textual.

Poderia abordar essa questão, dizendo que a coerência se dá — também — pela combinação

de elementos inesperados, os quais podem criar humor, suspense e ironia, explorando mais

essa construção do texto. Ou, tratar da questão linguística, do estilo que pode ser individual ou

do gênero.

Nesse sentido, ao trazer uma pequena observação ao professor para focalizar a

coerência somente no momento avaliativo do texto do aluno, o TP6 deixa de dar um cuidado

especial ao assunto, não o trabalhando de modo sistemático, sendo que uma orientação mais

reflexiva poderia contribuir para a construção da textualidade como também para

compreensão dos sentidos pretendidos ao usar determinado recurso linguístico em um dado

gênero. Além disso, tal proposta deixa de orientar o aprendiz no sentido da informatividade, a

qual diz respeito ao grau de expectabilidade da informação contida no texto, concebida como

um fator que interfere na construção da coerência, conforme ressaltam Koch e Travaglia

145

(2006, p. 86). Aliás, toda informação, inesperada ou imprevisível (conforme a proposta:

trecho engraçado, declaração inquietante, contrária a que será defendida), tem seu grau

máximo de informatividade. É certo que à primeira vista tal informação pareça até incoerente,

pois exige do interlocutor um grande esforço de interpretação. Mas, reiterando, essa

informação está relacionada a um dos aspectos relevantes na construção de um texto,

sobretudo, com seu propósito comunicativo-discursivo.

Portanto, aqui vale retomar algumas questões acerca do ensino de LP, pois sabemos

que seu enfoque atual, representado nos PCNLP (BRASIL, 1998), mostra a importância da

produção escrita na escola. Tal enfoque, diga-se de passagem promissor, permite que se

coloque em prática importantes conhecimentos advindos de perspectivas outras, inclusive, da

Linguística Textual, a qual desenvolve o estudo de coesão e coerência. Todavia,

compreendemos, junto com Lopes-Rossi (2003), que esse estudo precisa ser contextualizado,

em um trabalho de base enunciativo-discursiva, considerando, obviamente, os aspectos

sociohistóricos e culturais das produções de linguagem, o que não se vê, também, nessa

última proposta de escrita.

Ainda sobre esse momento em que o TP6 orienta o aluno a chamar a atenção do leitor

(com uma declaração engraçada etc.), compreendemos que esse se configura como uma boa

oportunidade de esclarecimento sobre a definição do tom (irônico, cômico, ilógico) do texto,

pois tal definição se dá em função das características do seu interlocutor. Sem dúvida, nessa

atividade, a escrita do aluno teria mais significado se incluísse alguma reflexão sobre o leitor

do seu texto, porque uma demarcação clara desse interlocutor lhe permitiria a construção de

uma imagem adequada de leitor para sua escrita, em um processo dialógico, além de

oportunizar sua compreensão acerca dos recursos linguístico-discursivos a serem usados na

produção. Para fundamentar essas ideias, trazemos novamente a voz de Bakhtin (2003[1952-

1953]), quando defende que as escolhas de todos os recursos linguísticos, textuais, não são

feitas de maneira aleatória, mas sob influência do destinatário.

Vale destacar, mais uma vez, que a abordagem de ensino das diretrizes curriculares

visa à contemplação da linguagem revestida de sua função social e sugere que a produção

escrita se dê num processo de planejamento, de reelaboração e, sobretudo, de circulação do

texto (CARVALHO, 2008). Dessa maneira, essa proposta de escrita do Avançando na prática

pode ser considerada ―vazia‖, desprovida de interlocutores, sem funcionalidade social, sem

uma finalidade específica e desvinculada de um contexto de circulação real. Compreendemos

que, mesmo enfatizando o planejamento e a organização das ideias, esses outros aspectos

146

enunciativo-discursivos de modo algum podem ser relegados a segundo plano, sob o risco de

se negar ao aluno o seu desenvolvimento enquanto cidadão, objetivo principal de ensino hoje.

É valido ressaltar também que essa atividade destinada ao aluno se assemelha bastante

àquelas últimas destinadas ao professor; parece apresentar as mesmas falhas: não é

mencionada a produção a partir de um gênero discursivo, sequer se especifica qual o objetivo

da atividade de escrita, muito menos se enfatiza o desenvolvimento das capacidades de

linguagem do professor ou do aluno, tratando-as eventualmente. Sendo assim, essa atividade

de ensino-aprendizagem de escrita, proposta pelo TP6, parece embasada numa abordagem

puramente representacional, balizada por sequências estereotipadas, produtos culturais da

escola que não têm função comunicativa real, servindo apenas para a reprodução de modelos,

conforme enfatizam os estudiosos de Genebra, Dolz e Schneuwly (2004).

Acreditamos que um material didático-pedagógico que se propõe a ―seguir‖

determinadas orientações e pressupostos, deve atentar para não incorrer em generalizações,

pois, segundo Reinaldo (2005), a representação da sequência como se fossem gêneros é

responsável pelo surgimento de um gênero específico, de existência restrita ao âmbito da

escola — a redação escolar — desvinculada das práticas sociais de linguagem.

A nosso ver, o ensino de escrita por meio do aspecto discursivo — abordando o

gênero, a esfera, as condições de produção, circulação e recepção — parece ser a forma mais

adequada para ensinar o aluno a compreender a função social da linguagem na sua dimensão

comunicativa. Sem dúvida, essa questão enunciativa

[...] é muito mais importante e constitutivo do gênero discursivo, segundo

Bakhtin, que as sequências de um texto, das quais as várias tipologias

textuais dão conta, não tocando, entretanto, em esfera de atividades ou

modos de circulação, o que descaracteriza a perspectiva sócio-histórica de

gênero discursivo (BRAIT, 2000, p. 20) [grifo da autora].

Defendemos que essa atividade poderia ser mais rica se incluísse a indicação do

gênero a ser trabalhado, vinculado a uma situação próxima da realidade, dotada de significado

para o aluno, com o intuito de melhor dominá-las como realmente são, pois, à medida que o

TP6 não propicia a esse aprendiz momentos reais de interlocução, de uso público da

linguagem, deixa de promover seu letramento, sua condição como ser humano ativo e

consciente com capacidade de intervenção na sua própria realidade.

Retomando a proposta de escrita apresentada pelo material, quanto ao

encaminhamento para a revisão do texto do aluno, o TP orienta o professor a explicar ao

aprendiz como revisar a escrita, dando-lhe sugestões concretas para isso. Podemos ver que,

147

embora remeta ao assunto, o Caderno não apresenta um parâmetro concreto para esse

procedimento. Não indica nenhum instrumento, nem critério que ajude o aluno a revisar seu

próprio texto, e que direcione o professor para tal atividade, limitando a orientação. Essa

limitação está no fato de que, em virtude de a tradição escolar centrar-se na frase, no ensino

puramente gramatical, na correção, a revisão tende a restringir-se apenas à higienização da

escrita.

Com certeza, o trabalho de revisão e reescrita de texto constitui-se em aspecto

fundamental, porque o aprendiz tem a oportunidade de compreender o ato de escrever como

um processo de monitoração que envolve várias revisões e versões do seu texto. Entretanto,

tais revisões só serão produtivas para o aluno/escritor se esse tiver orientação precisa e

parâmetros claros. Nessa tarefa de revisão, imaginamos ainda outra dificuldade do aluno, pois

em tal processo um dos primeiros aspectos a ser considerado é o leitor do texto. De fato, sua

escrita precisa ser ajustada de acordo com seu interlocutor presumido. O escritor, diante do

texto criado, deve se colocar na posição dos leitor, avaliando se o que foi escrito está

compreensivo, ou seja, ―é nessa hora que o aluno se coloca no lugar de leitor, distanciando-se

do texto e tendo mais condições de enxergar fragilidades no que foi produzido‖ (COÊLHO,

2009, p. 14).

Enfim, essa etapa de revisão e rescrita pressupõe que os alunos tenham critérios de

avaliação bem definidos e saibam o que querem dizer, para quem dizem e como dizem. Sem

esses elementos é difícil revisar e reescrever um texto, efetivamente.

A seguir, analisamos a segunda seção do caderno TP6, no que se refere às sugestões de

atividades de produção escrita direcionadas ao aluno.

4.3.2 Seção II – O planejamento: estratégias

Na Seção II, intitulada ―O planejamento: estratégias”, analisamos as sugestões de

propostas de produção textual destinadas ao aluno.

Indo à sala de aula é um ícone que também traz proposta de exercícios para o aluno.

Nesse ícone, são sugeridas atividades que se referem à aplicação do conteúdo estudado em

sala, além de lembrar posturas importantes para o educador. Nesse momento, o material

sugere uma atividade de escrita coletiva, em que o professor escreverá o início do texto,

deixando apenas alguns conectivos, e depois os alunos o preencherão coerentemente. Segue a

proposta:

148

(BRASIL, 2008b, p. 96-97).

Esse tipo de trabalho está de acordo com os pressupostos dos PCNLP (BRASIL, 1998)

que destacam a importância da interação social. Por essa razão, consideramos que tal

exercício é relevante, ainda mais se acompanhado de verdadeiras reflexões, não só sobre a

149

linguagem como também sobre as questões da vida social, como saúde, meio ambiente,

política etc. Além disso, tal atividade oportuniza, de fato, a participação de todos os alunos,

promove o trabalho em equipe, tornando-o mais motivante do que um trabalho individual e

competitivo.

Uma tarefa tal como esta acaba descentralizando, inclusive, as ações no momento de

aprendizagem, pois o professor não ―entrega‖ ao aluno o conhecimento pronto, mas provoca

nele o desejo de busca. Nesse exercício, todos têm a oportunidade de construir juntos os

efeitos de sentido do texto a ser produzido. Sem dúvida, uma rica interação em sala, entre

docentes e discentes, ―é uma excelente estratégia de construção do conhecimento, pois

permite a troca de informações, o confronto de opiniões, a negociação dos sentidos, a

avaliação dos processos pedagógicos em que estão envolvidos‖ (BRASIL, 1998, p. 24).

Dessa maneira, encontramos aqui um importante diálogo entre os pressupostos

teóricos do Guia Geral e a proposta do TP6, no que se refere ao papel do educador na sala de

aula. Para esse Guia, a função do professor consiste, sobretudo, em ―mediar a criação de

situações mais diversas de interação de seus alunos e de estimular os processos de elaboração

e reflexão sobre os diversos usos da linguagem nas diferentes situações sócio-comunicativas‖

(BRASIL, 2008a, p. 34).

Acreditamos que o espaço interacional é um lugar ideal de construção de

conhecimento bem como de formação do sujeito, visto que ―a verdadeira substância da língua

não é constituída [...] pela enunciação monológica isolada [...], mas pelo fenômeno social da

interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações‖

(BAKHTIN/VOLOCHINOV (2004[1929], p. 123). Nesse sentido, é possível dizer que essa

atividade de escrita coletiva, proposta pelo material, permitirá a alternância efetiva dos

indivíduos no diálogo, oportunizando-lhes a palavra. Além do mais, possibilitará a

constituição mútua dos participantes da comunicação, visto que é aqui que o discurso do eu

penetra e/ou transforma o discurso do outro, através dos variados enunciados.

Pela natureza dialógica da tarefa, exigir-se-á dos alunos — que não são fantoches, mas

sujeitos pensantes, responsáveis — uma atitude responsiva ativa, porque a compreensão de

um discurso falado ou escrito, de um diálogo vivo, implica uma responsividade. Haja vista

que toda compreensão é prenhe de resposta, conforme o pensamento bakhtiniano,

compreendemos, então, que é na interação que o aluno se torna um sujeito responsivo.

Em relação a essa escrita coletiva, Geraldi (2010, p. 182) ainda enfatiza:

150

O professor se faz, na mediação pedagógica, co-autor dos textos dos alunos.

Escrever não é uma tarefa fácil e certamente o fazer juntos é um caminho

que permite construir autonomia de ambos: do aluno e do professor, que

também ele é chamado a escrever seus próprios textos, deixando de ser

somente um agente de conservação de herança cultural, deixando nestas as

marcas de seu tempo e de sua história.

Todavia, defendemos que uma atividade tal como esta necessita, indubitavelmente, ter

um objetivo de escrita bem delimitado, o que não foi percebido nessa proposta. Dizemos isso,

pois a produção textual requer, além de estudo, dedicação, leitura e pesquisa, adesão dos

alunos, os quais exercem papel indispensável e precisam, a todo momento, saber quais são os

objetivos que devem atingir, o que deles está sendo esperado, pois assim podem construir sua

aprendizagem (JESUS; PETRONI, 2008, p. 89). Ou, como diz Geraldi (2010, p. 173, grifo

nosso), ―se efetivamente levarmos em conta a teoria de gênero discursivo que hoje

fundamenta o ensino de língua materna, precisaremos ter clareza sobre os objetivos — os

propósitos — que estarão por traz da proposta de produção textual.‖

Afinal,

é através dessas atividades [de produção escrita] que o aluno construirá o

conhecimento para distinguir as características relativamente estáveis

(Bakhtin,1952-53/1979) de um, dentre os diversos gêneros que circulam na

vida social; que tomará para si a compreensão de que alguns gêneros têm

características muito semelhantes e se interpenetram nos usos refletidos nas

práticas de textos orais e escritos que a vida exige (BARROS-MENDES,

2005, p. 159).

Além de um objetivo claro, compreendemos que tal atividade necessita também de

reflexões sobre o processo dialógico do texto (gênero, interlocutores, esfera, finalidade etc.),

pois o conhecimento desses aspectos discursivos lhe permitirá entender melhor a forma de

organização característica do gênero em estudo, a saber, a escolha vocabular, os recursos

linguísticos, entre outros, esperados ou exigidos social e culturalmente naquele gênero.

Retomando o material de nossa análise, mais à frente, direcionada ao professor-

cursista, deparamo-nos com uma declaração, que, certamente, explica por que tais questões

envolvidas no processo dialógico não são levadas em conta nessa atividade de produção

escrita, considerada uma escrita despreocupada, conforme segue:

Lembre-se de que é importante alternar atividades relacionadas ao percurso

da produção textual, isto é, com o trabalho mais extenso com o texto, com a

escrita despreocupada de texto em sala, como essas que apresentamos nesta

seção (BRASIL, 2008b, p. 97) [ênfase adicionada].

151

Essa ―despreocupação‖ do TP6 parece não condizer com alguns pressupostos vistos ao

longo da Unidade sobre a produção textual:

A produção de um texto tem como ponto de partida, e de monitoração da

escrita, a definição dos elementos da situação sócio-comunicativa,

estabelecendo-se um objetivo de escrita e considerando-se leitores possíveis

[...] a função, o tema, o gênero, o nível de linguagem, o suporte (ou

portador) do texto (BRASIL, 2008b, p. 73) [ênfase adicionada].

Na sequência, ainda na Seção II, ―O planejamento: estratégias‖, encontramos o ícone

Avançando na prática, no qual se formula uma proposta de planejamento de escrita para o

aluno, provavelmente, tida como um trabalho mais extenso com o texto, conforme se

mencionou anteriormente. Segue a proposta de atividade:

152

(BRASIL, 2008b, p. 98).

Em relação às instruções que introduzem a proposta de produção de texto, podemos

depreender que o TP, ao caracterizar tal atividade com adjetivos negativos — cansativa,

longa, extensa — acaba construindo um efeito de sentido nada animador para a prática

docente. Além disso, é possível pensar que a própria introdução da proposta acaba

desmotivando o trabalho de produção escrita e, por mais que o material tente ―incentivar‖ tal

153

prática — mas pode ser muito interessante — parece haver pouca preocupação em estimular

de fato o professor.

Acreditamos que o TP6 poderia evidenciar, mais enfaticamente, os aspectos positivos

dessa atividade, a fim de levar o professor-cursista a pensar, realmente, numa nova prática,

criativa e diferenciada, embasada na atual perspectiva de ensino, que encara a produção de

textos como uma verdadeira interlocução, capaz de desenvolver no aluno sua capacidade

discursiva. Se não faz isso, acaba desvalorizando o tratamento enunciativo da linguagem na

aprendizagem, prezando, talvez, um ensino insignificante fixo e imutável, arraigado em

práticas repetitivas, que, geralmente, não demandam tanto tempo nem tanto trabalho, pois

dependem — mais — de ―decorebas‖ do que de um processo concreto, demorado, de

reflexão.

Dizemos isso, pois acreditamos que um trabalho como este foge da prática

descontextualizada das redações escolares e favorece o compromisso do aluno com sua

própria aprendizagem, contribuindo para seu engajamento nas tarefas, fato que pode ser

comprovado em diversas pesquisas realizadas27

. Além do mais, embora tenha um período

alongado, possui o tempo necessário para conquistar o objetivo, como se pode ler nos PCNLP

(BRASIL, 1998, p. 87):

Quando são de longa duração, [os projetos] têm a vantagem adicional de

permitir que os alunos se envolvam no planejamento das atividades,

aprendendo a controlar o tempo, dividir e redimensionar as tarefas, avaliar os

resultados em função do plano inicial [ênfase adicionada].

Por isso, é extremamente importante o professor compreender que um trabalho com os

gêneros discursivos requer tempo de pesquisa, já que envolve vários aspectos linguísticos,

enunciativo-discursivos. Segundo Paes de Barros (2008), esse tipo de atividade demanda

tempo para planejamento, escolha criteriosa dos textos, estudo sobre os gêneros, além de

requerer muitas aulas, dedicação, pois cada gênero traz em si muitas possibilidades de ensino.

Após as informações apresentadas no início, o material traz outras orientações

referentes à produção textual, composta por oito momentos. Apresentamos o primeiro

momento:

27

Sobre o resultado de pesquisas linguísticas acerca do ensino de escrita na sala de aula, consultar Petroni

(2008).

154

1-Você pode definir seu planejamento a partir das habilidades: Produzir um

texto informativo. Relacionar informações sobre o carnaval a partir da

utilização de diferentes textos verbais e não-verbais de reportagens.

Tema: carnaval, fantasias e máscaras Leitores: professor e alunos da sala;

Objetivo: escrever texto informativo sobre o uso de fantasias e máscaras no

carnaval

Função: referencial

Gênero: reportagem

Nível de linguagem: formal

Suporte: escrever como se fosse uma reportagem em revista semanal ou

jornal

Materiais: reportagens, imagens, textos sobre fantasias e máscaras retirados

da internet, por exemplo (acrescente outras)

(BRASIL, 2008b, p. 99, grifo da autora).

Esse primeiro momento, o TP traz sugestões importantes para a produção textual do

aluno, ou melhor, indica alguns parâmetros da situação comunicativa, tais como tema

(carnaval, fantasias e máscaras); leitores (professores e alunos da sala); objetivo (escrever

texto informativo sobre uso de fantasias e máscaras no carnaval); função (referencial);

gênero (reportagem); nível de linguagem (formal); suporte (como se fosse uma revista

semanal ou jornal).

Fazemos tal afirmação acerca do importante encaminhamento de escrita feito pelo

Caderno, considerando os documentos oficiais, ao defenderem que o escritor precisa ter claros

os parâmetros da situação comunicativa — o espaço, o tempo, os interlocutores e seu lugar

social, os objetivos, o gênero — e, concomitantemente, levando-se em conta as reações do

interlocutor, ajustando sua escrita no próprio momento de produção escrita.

Outro aspecto positivo dessa atividade é o gênero discursivo a ser trabalhado, a saber,

a reportagem, pertencente à esfera jornalística, pois esse é um gênero

[...] bastante apropriado a práticas de leitura em sala de aula se o professor

selecionar textos de publicações e temáticas adequadas à faixa etária e aos

interesses dos alunos. A iniciação do aluno à discussão sobre o discurso

jornalístico e sua forma de ação social, sem contar as informações que cada

texto apresenta, certamente contribui para a formação de cidadãos críticos

(LOPES-ROSSI, 2008, p. 60) [ênfase adicionada].

Defendemos também que um trabalho como esse, sugerido pelo TP6, deve ser

acompanhado de uma intervenção pedagógica consciente e orientada. Para tanto, cabe ao

docente explorar juntamente com seus alunos alguns aspectos relativos ao funcionamento do

gênero a ser trabalhado na sala de aula. Como bem afirma Paes de Barros (2008), é preciso

155

que o professor tenha um banco de textos do gênero a ser ensinado, observando atentamente

vários aspectos, tais como os interlocutores dos textos, seu lugar de produção e de circulação,

tendo em vista que muitos gêneros discursivos trazem consigo diferentes aspectos de estilo e

construção composicional em função dos diversos participantes.

Parece que, nesta proposta de exercício, o TP busca uma inter-relação entre todas as

atividades, divididas em oito momentos; certamente, numa tentativa de se aproximar da

perspectiva atual de ensino de LP em relação aos gêneros, o que consideramos importante,

haja vista que um trabalho com gêneros requer variados momentos não só de leituras como de

reflexões, de comparação, entre tantos outros.

Em relação às capacidades de linguagem implicadas na produção textual, essa

proposta é a que melhor as contempla, de modo mais claro, mobilizando alguns dos

mecanismos necessários para a escrita do gênero reportagem.

Nessa proposta, o TP6 não conceitua nem explora o gênero a ser produzido, mas

parece incumbir o educador de tal responsabilidade, certamente, no intuito de que professor e

aluno construam juntos o conhecimento das respectivas características, através de pesquisas e

leituras de textos. Aqui, é indicado somente em que gênero o texto deve ser produzido —

reportagem — explorando, parcialmente, as dimensões da capacidade de ação.

Ainda nessa capacidade de ação, apesar de informar sobre os interlocutores/leitores

(professor e alunos da sala), o material não caracteriza, de fato, o locutor. Além disso,

apresenta, em linhas gerais, a operação que diz respeito ao objetivo da escrita de tal gênero

(escrever texto informativo sobre o uso de fantasias e máscaras no carnaval), ou seja, fica

subentendido que o objetivo desse texto é de informar sobre tais questões. São também

fornecidos elementos que definem o conteúdo (tema: carnaval, fantasias e máscaras) e o

contexto de produção (o aluno deve escrever como se fosse uma reportagem em revista

semanal ou jornal).

A capacidade linguístico-discursiva pode ser depreendida quando o TP indica o nível

de linguagem (formal). Nesse momento, se contempla a dimensão da elaboração da escolha

lexical. Todavia, alguns elementos de ordem enunciativo-discursivos que auxiliam na

construção do estilo do gênero não foram indicados nesse trabalho, a saber, as operações de

textualização (coesão/coerência) e a tomada de posição enunciativa (ponto de vista

enunciativo).

Podemos afirmar que, nessa atividade, no primeiro momento, o Caderno TP6 remete,

mais uma vez, certamente, de modo mais claro, à função de linguagem, isto é, indica para o

aluno qual delas deve ser privilegiada no seu texto — função referencial. No entanto, vale

156

lembrar que essa instrução se enquadra, sobretudo, no enfoque da Teoria da Comunicação,

que dentro do panorama das discussões atuais de ensino representa uma forma esvaziada e

reduzida da linguagem, conforme vimos. Dessa forma, percebemos uma ―mistura teórica‖ de

abordagens que tratam de um aspecto importante da produção textual, o que, provavelmente,

não contribui de modo positivo para a compreensão do aluno, nem do professor.

Depois, no segundo momento da tarefa, é sugerida a seguinte atividade:

2-Atividade de pré-escrita: Leitura de textos do gênero reportagem em grupo

de quatro ou seis alunos. Depois, discuta no grupo e no coletivo da sala a

respeito do tema. Faça perguntas sobre o assunto, questionamentos sobre o

processo, dê exemplos. Discuta sobre fantasias e máscaras. Você pode

combinar com a professora de artes para que trabalhe o tema também.

(BRASIL, 2008b, p. 99) [ênfase adicionada].

Destacamos como ponto relevante nessa tarefa a sugestão de trabalho integrado com

outra disciplina da Área de Linguagens. É claro que um trabalho tal como o proposto não

deve se restringir a tal disciplina, mas envolver todas as outras, dentro de um projeto maior,

promovendo a interdisciplinaridade. Esse pode ser um excelente momento de troca de

experiências entre todos os envolvidos. Os documentos oficiais estimulam essa ideia de um

trabalho integrado de várias áreas, organizado em torno de um projeto28

.

Em tal projeto, é preciso que professores/escola assumam, de fato, a tarefa de formar

produtores de textos proficientes e críticos, mesmo que isso seja uma tarefa árdua, porque a

sala de aula hoje é considerada um espaço complexo, onde diversas coisas acontecem ao

mesmo tempo, muitas vezes, escapando ao controle do professor (TARRDIF; LESSARD,

2005 apud SILVA, 2006). Atualmente, a sala de aula é composta por uma diversidade de

alunos de todas as raças, gêneros, credos e opção sexual, de níveis de conhecimento e de

domínio da leitura e escrita, o que traz para a escola, sem dúvida, uma grande

responsabilidade. Nesse cenário, o desafio do professor constitui-se em educar, na

heterogeneidade, sujeitos capazes de atuarem competentemente nas diferentes esferas sociais,

como recorda Socorro (2009).

Em relação à elaboração de projeto escolar, vale reportar as palavras de Kleiman

(2007) que defende essa questão. Para a autora, um projeto integrado

28

O Estado de Mato Grosso lançou, em 2010, as Orientações Curriculares do Estado de Mato Grosso,

preceituando o trabalho por área de conhecimento.

157

[...] pode proporcionar a alunos heterogêneos quanto ao domínio da escrita,

com trajetórias de leitura e de produção textual diferentes, pelas diferentes

experiências com que chegam à escola, uma oportunidade de participação

diferenciada e, por isso, é (...) uma prática didática ideal para organizar o

trabalho escolar que leva a sério a heterogeneidade dos alunos e que abre

mão de pré-requisitos e progressões rígidas em relação à apresentação de

conteúdos curriculares (KLEIMAN, 2007, p. 16).

Ainda nesse segundo momento da atividade, podemos inferir que a capacidade

discursiva foi contemplada. A dimensão que se refere à elaboração do conteúdo do gênero

pode ser inferida na orientação para a atividade de pré-escrita, em que o aluno deverá ler

textos do gênero reportagem em grupo, discutir no coletivo sobre o tema e questionar sobre o

assunto.

Nesse trabalho, o TP6 sugere ainda a discussão coletiva na sala de aula, possibilitando

ao aprendiz não só trocar e obter (novas) informações com seus colegas como também

construir conhecimentos, necessários para a elaboração do texto. Esse se constitui em mais

um aspecto positivo desse exercício, além do fato de propor o contato dos alunos com uma

variedade de textos do mesmo gênero, no caso a reportagem. Afirmamos isso, pois o trabalho

de leitura de uma coletânea de textos, se bem orientado, pode contribuir para que o aluno

consiga transcender os limites da estrutura formal do texto, passando a compreendê-lo como

um ato discursivo e social. Além do mais, esse tipo de leitura, certamente, favorece o

reconhecimento das particularidades do gênero a ser trabalhado, permitindo ao aluno a

familiarizar-se com ele, já que ―a apropriação das características do gênero não se dá de

imediato, com um único exemplo‖ (LOPES-ROSSI, 2008, p. 56).

Em termos bakhtiniano, pensamos que a leitura reflexiva dos textos pode de fato levar

o aluno a uma compreensão ativa e responsiva, pois, na articulação dos discursos, ele

construirá paulatinamente o sentido, compreendendo o significado do texto. Nesse processo

de compreensão, o aprendiz, enquanto leitor, se posiciona, produzindo, assim, novos

enunciados, constituindo-se em mais um elo na imensa cadeia da comunicação verbal.

No terceiro e quarto momentos, o Caderno TP6 sugere que se utilize o tema como se

fosse uma manchete e o olho da reportagem e que o professor faça uma explanação aos

alunos sobre esse assunto e sobre como produzir uma reportagem mais curta, mostrando-lhes

exemplos de reportagens sobre o carnaval.

3- Utilize o tema como se fosse uma manchete e o olho da reportagem:

É tempo de brincar Cada cidade tem seu carnaval. Saiba mais sobre o uso de fantasias e

máscaras no carnaval desta cidade.

158

4- Mostre para eles exemplos de reportagens sobre o carnaval, explique

sobre a manchete e o olho e sobre como produzir uma reportagem mais

curta, como um informativo.

(BRASIL, 2008b, p. 99)

Na sequência, temos o quinto momento:

5- Leia novamente a manchete. Defina que é uma matéria de um jornal local

e que devem decidir sobre qual cidade vão escrever. Comente sobre o

formato de uma folha de jornal, com informações como o nome da cidade,

data, nome do caderno e página no canto à direita. Peça que façam uma

margem como se fosse uma matéria no jornal. Sempre mostrando exemplos

concretos em jornais e deixando um exemplar para que cada grupo possa

comparar com sua produção. Se tiver possibilidade, utilize folhas A3 para o

trabalho.

(BRASIL, 2008b, p. 99)

Podemos dizer que a capacidade discursiva também foi contemplada, não de modo

direto, na orientação que diz respeito aos três últimos momentos supracitados (3, 4 e 5). Os

elementos que auxiliam na construção da forma composicional podem ser depreendidos

quando o TP orienta o professor a mostrar para o aluno exemplos concretos de reportagens,

explicando sobre a manchete e o olho e a comentar sobre o formato de uma folha de jornal,

com informações como o nome da cidade, data, nome do caderno e página no canto à direita.

No sexto momento, segue a atividade de planejamento, que deve ser feita depois das

discussões. O planejamento é constituído de reunião em grupo para decidir elementos e

assuntos a serem tratados por meio da manchete; escolha da imagem para ilustrar a matéria;

releitura dos textos sobre carnaval, se necessário; definição do espaço para a matéria; nova

reunião para que cada grupo mostre seu plano. Para esse último, pede ao professor que

incentive seus alunos a participar do planejamento dos seus colegas.

6- Atividade de planejamento

6.1- Após a discussão, peça para que os alunos voltem a se reunir em grupo e

que decidam sobre elementos e assuntos que podem ser tratados a partir

desta manchete. Peça para que escolham imagens que possam ilustrar a

matéria. Se necessário, ajude-os a fazer uma releitura de um dos textos que

forneceu sobre o carnaval da cidade e as imagens que poderiam utilizar ou

mesmo alargar suas pesquisas sobre outros carnavais. Pode ser mesmo o

carnaval da sua cidade ou de uma cidade da região. Defina quanto espaço

terão para a matéria (de 20 a 30 linhas para os de 7ª e 8ª séries, de 15 a 20

linhas para os de 5ª e 6ª séries).

159

6.2- Reúna então todos novamente para que cada grupo mostre seu plano.

Incentive a participação de todos no planejamento de seus colegas, com

perguntas e sugestões. Incentive-os dizendo: ―– Vocês têm alguma sugestão

em relação ao planejamento do grupo? Alguma questão não ficou clara e

gostariam de perguntar como vão fazer?‖

(BRASIL, 2008b, p. 99-100)

Em relação à escrita em si, não temos dúvida de que em uma atividade de produção

textual, o planejamento, a organização das ideias, o contato com uma coletânea de texto, as

discussões sobre o assunto, sobre os aspectos constitutivos do gênero, concretizam-se em

etapas fundamentais, já que oportunizam ao aluno pensar bastante antes de escrever, formular

ideias, construir novos conhecimentos etc. E isso é um fator louvável nessa proposta.

No sétimo momento, solicita-se a escrita da reportagem em grupo.

7- Finalmente, peça para que redijam, em duplas ou trios, o texto da

reportagem. A redação em grupo é uma boa experiência, pois os meninos e

as meninas trocam informações, sugestões e fazem releituras que são muito

produtivas.

(BRASIL, 2008b, p. 100, grifo nosso)

Os PCNLP (BRASIL, 1998, p. 88) sugerem que a produção textual se dê também em

―duplas ou em pequenos grupos, para permitir que a troca entre os alunos facilite a

apropriação dos conteúdos‖. Esse é mais um aspecto louvável dessa proposta do TP6. Apesar

disso, é importante lembrar que a escrita de um texto não ocorre, assim, de imediato, numa

primeira e única versão, mas depois de sucessivas versões, o que parece não ocorrer nesse

trabalho. Nota-se que, após, todo o planejamento, o TP6 já solicita o texto, sem mencionar

uma possível revisão e refacção; parece mesmo acreditar que uma única produção seja

suficiente para que o aluno apreenda as características do gênero e desenvolva, de fato, suas

capacidades de linguagem.

O planejamento da atividade não desemboca necessariamente numa produção inicial

completa e única, ao contrário, é preciso diversas produções. Para Dolz e Schneuwly (2004), a

primeira produção tem um papel importante, pois permite circunscrever quais as capacidades

reais de que o aluno já dispõe e quais as suas potencialidades. Na primeira escrita, quando se

trabalha por meio da sequência didática29

, o professor tem a oportunidade de analisar o que

seu aluno sabe sobre tal gênero e o que ele ainda pode aprender, quais os aspectos do gênero

29

Assunto já tratado por nós no primeiro capítulo.

160

em questão precisam ser aperfeiçoados e, mais, permite ao próprio aluno medir suas

capacidades.

Sobre esse assunto, os documentos oficiais destacam que, nessas situações de

aprendizagem, o aprendiz deve pôr em jogo tudo o que sabe para descobrir o que não sabe.

Mas isso só poderá ocorrer com a intervenção concreta do professor, que deverá colocar-se na

situação de principal parceiro, favorecendo a circulação de informações bem como a

construção de conhecimentos.

Esse ainda pode ser um bom momento de intervenção na ZPD do aluno, pois indica a

atividade que ele consegue realizar sozinho e a que ele poderá realizar a partir da mediação,

da ajuda do outro, um colega mais experiente ou o próprio professor. Nota-se que esse

conceito vygotskyano permite pensar em um ensino que atua não só sobre o que o aluno sabe

como também nas potencialidades de seu aprendizado, como bem nos lembra Paes de Barros

(2005).

Depois, no momento da avaliação, oitavo e último momento, o material propõe que o

professor dê prioridade ao desenvolvimento da coerência, da relação entre a reportagem e a

imagem não-verbal das informações escolhidas. Nos textos lidos, pede que o educador tente

avaliar os próximos pontos a serem enfocados no processo de ensino da escrita.

8- Na sua leitura para avaliação, dê prioridade ao desenvolvimento da

coerência, da relação entre reportagem e imagem não-verbal das

informações escolhidas. Leia cada texto também tentando avaliar os

próximos pontos a serem enfatizados no processo de ensino-aprendizado da

leitura e da escrita.

(BRASIL, 2008b, p. 100)

Nesse sentido, embora não oriente para a realização de variadas produções antes da

versão final, o TP traz uma orientação ao professor, considerada importante: ―leia cada texto

tentando avaliar os próximos pontos a serem enfatizados no processo de ensino aprendizagem

de (...) escrita‖. O ideal é que isso ocorra durante todo o processo de escrita, que é complexo e

exige um trabalho de idas e vindas, identificando problemas e retornando para resolvê-los.

Acreditarmos que, para um ensino-aprendizagem mais significativo, outras escritas e

reescritas do texto, acompanhadas, obviamente, de reflexões e de orientações pedagógicas do

professor seriam bem vindas.

Na seção seguinte, analisamos a terceira seção do caderno TP6, em relação às

sugestões de atividades de produção escrita direcionadas ao aluno.

161

4.3.3 Seção III – A escrita

Na seção III, ―A escrita‖, analisamos as sugestões de propostas de produção de textos

destinadas ao aluno.

O TP6 apresenta um texto, ―Dançar para não dançar, a história do Brasil negro‖,

retirado de uma revista, e uma foto com objetos de percussão, acompanhados de uma questão

para o professor, conforme segue:

162

163

a) Faça um planejamento para uma seqüência de aulas de produção textual

sobre uma tradição cultural de sua região e/ou cidade. Considere a situação

sócio-comunicativa e as atividades que auxiliarão seus alunos na atividade

de pré-escrita, no planejamento e escrita de um texto informativo. Se o

espaço abaixo for curto, utilize uma folha de seu caderno de apoio.

(BRASIL, 2008b, p.106-107).

A respeito desse exercício, podemos inferir que o Caderno TP6 subentende que o

participante, a essa altura do curso, já esteja capacitado para preparar uma produção de texto

que seja significativa para o aluno e que contribua, efetivamente, para desenvolver seu

aprendizado e suas capacidades de escrita. Por isso, solicita-lhe o planejamento de uma

sequência de aulas de produção textual, destacando a necessidade de considerar as atividades

de pré-escrita (certamente, leitura de vários textos em gêneros, discussão em grupo etc.), de

planejamento (talvez, organização das ideias, rascunhos, esboços) e de escrita

(provavelmente, revisão, releitura, reescrita). Com certeza, essas etapas são fundamentais para

qualquer processo de produção de textos, pois permitem ao escritor a construção de

conhecimentos bem como a monitoração do processo de produção de texto.

Nesse planejamento, o cursista deve levar em conta a situação sociocomunicativa, isto

é, o gênero, o locutor, o interlocutor, o espaço, a intenção etc. Mas é difícil imaginar que o

professor irá considerar tais aspectos se, nessa Unidade 22, a maioria das atividades propostas

pelo TP6 não os contemplou efetivamente. A nosso ver, o participante não foi instigado e nem

treinado para desenvolver e aplicar tal conteúdo.

Para a atividade, o TP fornece apenas o assunto a ser abordado (tradição cultural da

região) e a característica do texto (informativo), mas não apresenta uma finalidade específica

de tal escrita. É necessário considerar, porém, que uma atividade como essa, precisa ter, além

de um objetivo bem delimitado, um motivo claro que faça algum sentido para o

164

aluno/escritor, que o envolva em um contexto próximo de sua realidade, despertando nele a

motivação para escrever.

O TP deixa de indicar também o gênero no qual a escrita se realizará, o que, a nosso

ver, é uma falha, já que toda a escrita se constitui no interior de um gênero do discurso. Diante

disso, o material parece, mais uma vez, ignorar que todo texto se organiza dentro de

determinado gênero em função das intenções comunicativas do locutor, como parte das

condições de produção dos discursos, assim como propõem as diretrizes oficiais, nos quais o

Guia Geral (BRASIL, 2008a) se diz balizar.

Em relação às capacidades de linguagem a serem mobilizadas para a construção

textual, notamos que, na solicitação de tal planejamento, não há preocupação em apresentá-

las, o que, certamente, contribui negativamente para o ensino-aprendizagem do aluno.

No Avançando na prática dessa Seção III é apresentado um texto sobre a origem do

carnaval, cujo título é ―Origem do carnaval‖, de Cláudia M. A. R. Lima, retirado de um site

da internet, acompanhado de duas figuras as quais remetem a foliões fantasiados:

165

166

(BRASIL, 2008b, p. 109).

167

Esses dados permitem inferir a tentativa de uma proposta direcionada para o

planejamento da escrita, confirmando o objetivo principal da Unidade, tendo em vista que

enfatiza aqui o procedimento de pré-escrita.

A sugestão para esse trabalho de pré-escrita pode ser vista ao longo da proposta

supracitada quando o TP6, por exemplo, sugere que o professor pesquise com seus alunos

sobre variadas histórias de carnaval; conte-lhes alguma dessas histórias; converse sobre elas;

leia-as para eles; traga uma pessoa idosa para contar histórias para a turma; oportunize a

consulta de variados materiais; visite a biblioteca ou o arquivo público com os alunos;

trabalhe com vários textos verbais e não verbais. Esses são atributos relevantes, ou melhor,

fundamentais para o processo de produção textual, pois se mobilizam aí as capacidades

discursivas que ajudam na construção do conteúdo do gênero.

A proposta fornecida pelo Caderno apresenta ricas situações de aprendizagem (visitar

a biblioteca, ir ao arquivo público), visto que contribuem tanto para despertar a atenção e o

interesse do aprendiz como para tornar a aula diferente, menos monótona, por vezes,

repetitiva e cansativa. Ademais, o contato com a diversidade de textos, acompanhado de uma

orientação adequada ao objetivo de ensino, também pode ser uma atividade produtiva, pois o

aluno acaba aprendendo a buscar, nos aspectos verbais e não verbais do texto, os índices que

lhe possibilitem o uso de seu conhecimento prévio e de seu conhecimento linguístico, também

necessários para a compreensão textual. Reiteramos, porém, que, para isso, é preciso ter metas

bem definidas, que deem condições para o aluno decidir quais os conhecimentos necessários

para a construção do significado do texto que lê (KATO, 1985 apud PAES DE BARROS,

2005, p. 22).

As atividades grupais mais uma vez merecem destaque nesse exercício, pois

favorecem a interação entre o eu e o outro. É, justamente, nessa relação, que o aluno, um ser

social e empírico, torna-se um sujeito responsivo, pois a enunciação possibilita ao aprendiz

dialogar com os outros discursos, tomando-os para si, imprimindo sua voz, numa

compreensão ativa responsiva, permitindo também um posicionamento, uma apreciação

valorativa sobre tal discurso.

De resto, o trabalho de pré-escrita pode fornecer informações que auxiliam, de fato, na

elaboração temática, ajudando o aluno a determinar o tema, o assunto do gênero a ser

produzido, conforme Barros-Mendes (2005). Mas deve-se lembrar que, para isso ocorrer de

modo efetivo, o aprendiz precisa ter claro o objetivo desse trabalho, o que não parece ocorrer

nessa proposta. Como podemos ver na orientação, é somente no quarto momento — em que

168

certamente já tenham se passado algumas aulas — que o TP anuncia a produção: a narração

de uma história contada em festas de carnaval.

A partir desses dados, podemos depreender uma tentativa, por parte do Caderno, de

propor uma sequência de atividades que culminasse na produção de alguns gêneros

jornalísticos (um quadro informativo em um jornal; uma chamada para a matéria na

primeira folha, ou uma breve reportagem no caderno de cultura do jornal, acompanhada por

uma imagem e pelo quadro). Nota-se que o TP6 se refere a alguns gêneros de modo

impreciso. Isso nos permite inferir que age dessa maneira no intuito de cumprir com os

pressupostos teóricos veiculados no Guia Geral (BRASIL, 2008a, p. 37):

as atividades devem também oferecer muitas possibilidades para que os

alunos tornem-se progressivamente autônomos e possam obter novas

informações, exercitar estratégias diversificadas e com graus de

complexidade crescente de interação e aprender diferentes formas de

produção de significação.

Como se observa, esses pressupostos do Guia parecem não se materializar na proposta

do material. Portanto, falta um diálogo entre o TP6 e o Guia Geral. Dizemos isso, porque, a

nosso ver, não houve aqui uma real preocupação em explorar os elementos constitutivos de

cada um dos gêneros do discurso, haja vista que cada um deles possui uma característica

específica, que precisa ser ensinada, por meio de um trabalho didático sistematizado.

É pertinente dizer que o TP não demonstra, nessa proposta de ensino-aprendizagem de

escrita, a necessidade de se definir o gênero, explorando as estratégias implicadas no seu uso.

Parece mesmo apostar na mera visitação ou na imersão do aluno no gênero, o que nos remete,

novamente, à perspectiva da imersão cuja ideia principal é a de que se aprende a fazer

fazendo. Nessa abordagem imersiva, embora se proponha um trabalho com os gêneros,

acredita-se que, para o aprendiz dominá-los, basta inserir o aluno num processo de imersão

nos gêneros, ou seja, somente o contato com uma diversidade de gêneros já é suficiente para

que ele obtenha seu domínio, pela simples circunstância do fazer (BARROS-MENDES, 2005;

PADILHA, 2005).

Agindo de acordo com essa perspectiva, compreendemos que seja impossível

desenvolver a autonomia dos alunos, conforme propõe o Guia Geral (BRASIL, 2008a).

Afinal, a autonomia — palavra de ordem dos documentos oficiais — é dependente da

apropriação consciente e reflexiva não só de informações como também de estratégias

diversas que permitem a construção e o domínio das diferentes formas de dizer, nas mais

diversas situações de comunicação humana.

169

No ensino-aprendizagem de escrita, concordamos com Dolz, Schneuwly e Noverraz

(2004) que advogam em favor da criação de um contexto de produção preciso, com objetivo

claro, e da realização de atividades múltiplas e variadas. São essas ações que permitirão ao

aluno se apropriar dos instrumentos e das técnicas necessárias ao desenvolvimento de suas

capacidades de escrita. Tendo isso em vista, acreditamos que a proposta sugerida pelo TP

seria mais significativa, com resultados mais promissores, se fosse pensada semelhantemente

à sequência didática, elaborada por esses três pesquisadores.

Em relação, às capacidades de linguagem requeridas no processo de escrita, nessa

proposta são mobilizados — tangenciadamente — alguns elementos da capacidade de ação, a

saber, os gêneros (quadro informativo; chamada para a matéria; reportagem), indicados, mas

não definidos nem explorados; os interlocutores (alunos da sala); o suporte (jornal); e a

finalidade (leitura na sala e exposição no varal de texto da sala).

Fornecem-se também informações que dizem respeito às capacidades discursivas,

sobretudo, acerca da construção do conteúdo/assunto a ser tratado. O momento de pré-escrita

constitui-se em um bom exemplo de mobilização desse aspecto, já que possibilita ao aluno

não só a leitura de vários gêneros como também o debate sobre o assunto. Nessa capacidade,

contempla-se ainda a dimensão da organização textual, que ocorre quando se informa a

sequência (narrativa) na qual se realizará um dos gêneros (quadro informativo).

Na capacidade linguístico-discursiva, as dimensões como operação de textualização,

tomada de posição enunciativa e seleção lexical não se apresentam, isto é, a proposta não

oferece elementos que contribuem para a construção do estilo do gênero ou dos gêneros.

Consequentemente, a falta de assimilação dessas capacidades de escrita limita a participação

do professor e do aluno não só nas atividades escolares, como também nos variados contextos

sociais.

No último momento da atividade, depois da produção textual, é proposta ao aluno a

leitura do seu texto para os colegas de classe e, em seguida, a exposição no varal de textos da

sala. Notemos que, assim como na última atividade direcionada ao aluno (no Avançando na

prática da seção anterior), os leitores dos textos produzidos são exclusivamente o professor e

os próprios os alunos. Nesse sentido, acreditamos que, mesmo definindo o público alvo, essa

proposta, assim como a precedente, poderia ser mais significativa, quando não atrativa, para

os alunos, se extrapolasse os ―muros da escola‖, algo que lhes possibilitasse uma experiência

real com o uso social da escrita.

Parece que a maioria dos encaminhamentos de produção feitos pelo TP não teve um

propósito mais concreto, social, pois acabaram ―morrendo‖ dentro da própria escola; em

170

algum caso, o mural da sala de aula foi o suporte mais lembrado. A ausência de um propósito

comunicativo real, sem dúvida, limita o uso da escrita e o aprendizado de sua dimensão

pública, interativa e dialogada. Costa Val (2003, p.36) alerta que, ―quando a única

possibilidade de socialização da escrita se limita, invariavelmente, à sala de aula, esse

procedimento pode perder o caráter de promoção de interlocução para assumir o de ritual

obrigatório e sem sentido‖.

Apesar de tudo, reconhecemos juntamente com essa autora que já houve grande

avanço nesse aspecto no ensino-aprendizagem de LP, pois os textos dos alunos, hoje, têm um

destino bem mais interessante do que somente ser corrigido pelo professor, como era

antigamente.

Conforme vimos, um trabalho — sistematizado — de revisão e de reescrita, que

envolve várias avaliações, correções e versões do texto, constitui-se como etapas inerentes ao

processo de escrita. Tendo isso em vista, notamos que nessa proposta elaborada pelo TP6

houve a falta de uma orientação teórica mais focada nesse aspecto. O papel do professor e do

aluno como principais colaboradores da escrita poderia ter sido mais ressaltado, além de

parâmetros e critérios reais de correção/revisão.

Na seção seguinte, faremos um levantamento das capacidades de linguagem indicadas

nas propostas de produção textual do professor e do aluno, da Unidade 22 do TP6.

4.4 Capacidades indicadas nas propostas de produção textual

Neste terceiro momento, fizemos um levantamento, através de um quadro resumitivo,

das capacidades de linguagem, a fim de comparar que capacidades foram mobilizadas nos

exercícios de produção textual para o professor e para o aluno.

171

Quadro 5 – Síntese das capacidades indicadas nas propostas de escrita para o professor

Capacidades de linguagem

indicadas

Proposta de escrita

Seção I (p. 79)

Proposta de escrita

Seção II (p. 87)

Proposta de escrita

Seção II (p. 88)

Proposta de escrita

Seção II (p.95)

Capacidades de ação

Gênero Poema Não há indicação Texto Narrativa ficcional

Participantes Não há indicação de

locutor/interlocutor

Locutor: o professor

Não há indicação de interlocutor

Locutor: o professor

Não há indicação de

interlocutor

Há indicação implícita do

locutor/interlocutor

Contexto de produção textual Não há indicação Não há indicação Não há indicação Parte de um capítulo de um livro.

Finalidade Não há indicação Não há indicação Não há indicação Não há indicação

Conteúdo Não há indicação Experiência engraça da vida de

estudante

História como educador Personagem passa no vestibular e

ganha passagem para Olinda

Capacidades discursivas

Elaboração do conteúdo do

gênero

Não há indicação Não há indicação Não há indicação Não há indicação

Plano do texto Não há indicação Não há indicação Há indicação implícita Há indicação implícita

Capacidades linguístico-discursivas

Operação de textualização Não há indicação Não há indicação Há indicação implícita Não há indicação

Escolha lexical Não há indicação Não há indicação Não há indicação Não há indicação

Tomada de posição enunciativa Não há indicação Não há indicação Há indicação Não há indicação

172

Quadro 6 – Síntese das capacidades indicadas nas propostas de escrita para o aluno

Capacidades

de linguagem

indicadas

Proposta de

escrita Seção I

(p.91-92)

Proposta de

escrita Seção II

(p.96-97)

Proposta de escrita

Seção II (p. 98-99-100)

Proposta de

escrita

Seção III

(p.107)

Proposta de escrita

Seção III (p.108-109)

Capacidades de ação

Gênero Texto Texto Reportagem Texto informativo Quadro informativo

Participantes Locutor: o aluno

Não há indicação

de interlocutor

Não há indicação Não há indicação de locutor. Há

indicação dos interlocutores:

professor e alunos da sala

Não há indicação Não há indicação do locutor. Há

indicação implícita dos

interlocutores: Alunos da sala

Contexto de produção

textual

Não há indicação Não há indicação Escrever como se fosse uma revista

semanal ou jornal

Não há indicação Há indicação implícita (jornal)

Finalidade Não há indicação Não há indicação Escrever texto informativo sobre

uso de fantasias e máscaras no

carnaval

Não há indicação Há indicação implícita (leitura na

sala e exposição no varal de texto da

sala)

Conteúdo Experiência

inesquecível

Não há indicação Carnaval, fantasias e máscaras

Sobre tradição cultural

da região e/ou cidade

Histórias contadas em festas de

carnaval

Capacidades discursivas

Elaboração do conteúdo

do gênero

Não há indicação Não há indicação Atividade de pré-escrita: leituras de

textos do gênero reportagem e

discussão em sala sobre o tema

Não há indicação Atividade de pré-escrita: leituras

variadas e discussão sobre o assunto

Plano do texto Há indicação Não há indicação Há indicação implícita Não há indicação Há indicação implícita

Capacidades linguístico-discursivas

Operação de

textualização

Não há indicação Não há indicação Não há indicação Não há indicação Não há indicação

Escolha lexical Não há indicação Não há indicação Linguagem formal Não há indicação Não há indicação

Tomada de posição

enunciativa

Há indicação

implícita

Não há indicação Não há indicação Não há indicação Não há indicação

173

Nas propostas de escrita, destinadas ao professor e ao aluno, há destaque maior para as

capacidades de ação, no que diz respeito à indicação do gênero, dos participantes e do

conteúdo sugerido. Observa-se que a capacidade discursiva é parcialmente contemplada, já

que se indica, superficialmente, o plano do texto, em algumas das atividades. Dessa maneira,

percebemos que, de certo modo, as mesmas capacidades indicadas para a prática da escrita

nas atividades do professor também são indicadas nas sugestões de propostas de produção

textual para o aluno. Percebemos que essas capacidades de linguagem, em boa medida,

indicam que o trabalho com o gênero é limitado. Isso deixa transparecer que o material segue

mais uma perspectiva textual do que discursiva. O quadro supracitado evidencia que a

unidade de ensino são os textos, tomados para operacionalização de algumas categorias

voltadas para a textualização, e os gêneros, enquanto objetos de ensino, não se configuram

como tais em virtude do tratamento recebido no Caderno.

A análise dos dados nos permite dizer que a orientação teórico-metodológica do

Caderno TP6 está parcialmente afinada com o Guia Geral (BRASIL, 2008a), parecendo

haver, na teoria, alguma preocupação em se propor atividades de produção textual no plano

dialógico, atrelado ao aspecto sociocomunicativo da linguagem, de acordo com a atual

perspectiva de ensino. Mas no encaminhamento das propostas de produção textual, para a

prática, elaboradas pelo TP, notamos um comportamento ainda distante da promoção da

escrita como uma prática enunciativo-discursiva, como uma prática social concreta, conforme

pressupõem os documentos oficiais.

174

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho de pesquisa, realizado à luz da abordagem enunciativo-discursiva do

Círculo de Bakhtin, analisamos as orientações teóricas, bem como as questões de produção

escrita da Unidade 22 do Caderno TP6, pertencente ao Programa Gestar II, com o objetivo de

verificar se essas propostas possibilitam aos professores o real desenvolvimento das

capacidades de linguagem implicadas no processo de produção de textos.

Para darmos conta desse objetivo, lançamos mão de duas perguntas de pesquisa que

dizem respeito às capacidades de linguagem. Retomamos aqui tais questões, indiretamente, no

intuito de respondê-las, bem como de tecer algumas considerações sobre o resultado obtido ao

longo da análise.

Nosso intento foi de verificar quais das capacidades eram mobilizadas no tratamento

didático dispensado às atividades de produção escrita para aluno e professor e se elas

atendiam aos objetivos propostos na Unidade 22, do TP6, para a formação docente

continuada, considerando, é claro, o paradigma atual de ensino de LP. Para tanto, analisamos

o diálogo entre as orientações teóricas do Guia Geral e do TP6, em relação à proposta de

ensino-aprendizagem de escrita para professores e alunos. Além disso, identificamos as

capacidades de linguagem recorrentes mobilizadas nessas propostas, comparando-as em

termos teórico-práticos aos pressupostos apresentados ao professor no TP6, do GESTAR II.

Em nossa análise, no que se refere às operações de planejamento, revisão e rescrita de

textos, constatamos a presença desses procedimentos, ao longo da Unidade 22, na forma de

encaminhamento didático e de orientação, em que o TP6 instrui ora professor, ora aluno, a

organizar, enumerar e adicionar ideias, a rascunhar, reler e rever seu texto.

Diante disso, podemos dizer que, na maioria das tarefas, o Caderno cumpriu

satisfatoriamente seu objetivo principal, o planejamento. Entretanto, no que tange à revisão,

embora tenha enfatizado bastante tal questão, a nosso ver, faltou uma orientação teórica mais

precisa que culminasse no estabelecimento de parâmetros reais para execução dessa prática.

Enunciando de outra forma, observamos que, mesmo ressaltando a revisão textual, o

tratamento dado a ela é lacunar, pois não fornece, em momento algum, critérios de correção

tanto para as propostas de produção textual do professor como para a do aluno, o que dificulta

a realização efetiva dessa prática.

Em relação ao diálogo estabelecido entre as orientações teóricas do Guia Geral

(BRASIL, 2008a) e as do TP6, verificamos que isso ocorreu em grande parte da Unidade;

mas, em alguns momentos, constatamos incoerências entre os dois Cadernos, no que diz

175

respeito à orientação teórica do Guia e sua materialização no TP6, sobretudo, no

encaminhamento didático das atividades de produção textual destinadas ao professor e aluno.

Além do mais, percebemos, às vezes, uma certa distância entre as sugestões de ensino-

aprendizagem de escrita, especialmente, do aluno, e alguns dos pressupostos veiculados no

PCNLP (BRASIL, 1998).

Quanto ao encaminhamento das atividades de escrita para o aluno, comparado aos

pressupostos teóricos apresentados ao professor, principalmente, percebemos que, mesmo

buscando um trabalho diferenciado na Unidade, no que diz respeito ao processo de escrita,

destacando os procedimentos de pré-escrita, planejamento, revisão e rescrita, o TP6 deixa a

desejar nas propostas de elaboração textual, porque, em muitos momentos, parece esvaziar a

atividade de escrita do seu significado dialógico, de seus aspectos discursivos.

Embora o Caderno TP6 tenha afirmado nas orientações teóricas fornecidas ao

professor que nas atividades de escrita consideraria os aspectos da situação sociocomunicativa

(gênero, interlocutores, objetivo, suporte etc.), a análise dos dados permitiu observar que não

foi dispensado um tratamento efetivo nessa direção. Isso equivale a dizer que, apesar de o

Guia Geral (BRASIL, 2008a) e o TP6, na Unidade 22, assegurarem trabalhar o texto na

perspectiva do gênero, conforme indicação dos PCNLP (BRASIL, 1998), percebemos uma

confusão no encaminhamento teórico das propostas de produção, haja vista que ora o TP6 se

refere aos gêneros (reportagem, poema), ora se refere a texto, ou à sequência textual, narração

e dissertação, por exemplo. Portanto, o modo como é sugerido o trabalho de produção escrita

não se assemelha, verdadeiramente, nem com a perspectiva dos gêneros discursivos nem com

a de gênero textual.

A ausência de encaminhamento didático de produção textual que contemple

efetivamente o objeto (gênero) discursivo, bem como as condições de produção, recepção e

circulação de textos, acaba reduzindo significativamente a experiência do aluno e do professor

como escritores, transformando a atividade em um mero exercício mecânico, o que não

afastando-se da atual proposta de ensino. Sabemos que hoje o ensino-aprendizagem de LP

está fundamentado na perspectiva enunciativo-discursiva, e o TP6 juntamente com o Guia

Geral (BRASIL, 2008a) parecem admitir isso, já que se embasam nos PCNLP (BRASIL,

1998) que veiculam tais pressupostos, sem entretanto, assumi-la integralmente.

Em relação às mudanças no ensino, o próprio TP, no início da Seção II, destaca que o

currículo antigo, enfatizando somente os processos psicológicos, cognitivos, os

procedimentos (certamente o planejamento, organização das ideias, revisão, editoração,

176

narração, descrição e dissertação) e as estratégias de produção, já foi superado30

ou ampliado,

e que atualmente estabelecem-se novos conteúdos e métodos. Nesse sentido, o material do

GESTAR II parece reconhecer que o ensino atual passa a ser pensado em prol do uso da

linguagem escrita como processo sociocomunicativo, em que se consideram os contextos e

das condições de produção. No entanto, na Unidade 22, ao fixar seu objetivo nas atividades de

planejamento, o TP6 não leva em consideração tais pontuações, buscando ―solucionar‖, de

certa forma, apenas um problema, também inerente ao processo de produção: as operações

cognitivas de planejamento, revisão e reelaboração textual.

Afirmamos isso, pois a análise das propostas de escrita, principalmente, aquelas

direcionadas ao aluno, demonstrou que os outros elementos envolvidos no processo de

produção de textos, tais como as dimensões das capacidades de linguagem, a escrita como

processo dialógico, realizada dentro de um gênero discursivo, não são enfatizados, fato que

materializa um encaminhamento lacunar. Ou, as orientações teóricas dadas ao professor ao

longo da Unidade não foram concretizadas, de fato, nas sugestões e propostas de produção

textual destinadas ao aluno. Isso é grave, pois a função do material/Programa é atualizar o

docente sobre os conceitos atuais necessários ao ensino de língua materna, prescritos pelas

diretrizes oficiais.

Em relação às capacidades de linguagem necessárias para o desenvolvimento da

escrita, identificamos algumas delas, por vezes, diluídas, nas propostas de ensino-

aprendizagem de produção textual, como a capacidade de ação (gênero, participantes e o

conteúdo) e a capacidade discursiva (plano do texto). Constatamos que a maioria das

orientações, direcionadas tanto ao professor como ao aluno, para a escrita de textos não as

apresentava claramente, apenas as tangenciava. O tratamento dado não foi efetivo, já que a

indicação dessas capacidades de escrita foi feita de maneira esporádica, imprecisa e implícita,

favorecendo pouco sua construção real.

Essas constatações feitas na análise, certamente, nos ajudam a responder nossas

questões da pesquisa, no que tange às capacidades mobilizadas no tratamento didático

dispensado às atividades de produção escrita para aluno e professor e em que medidas elas

atendem aos propósitos do GESTAR II, no TP6, para a formação docente continuada. É

indiscutível que, nesse espaço de formação, há necessidade de o professor de LP desenvolver

30

Outros autores também enfatizam a superação de um ensino de escrita centrado, sobretudo, nos processos

cognitivos (ROJO, 2009b; REINALDO, 2005; FIGUEIREDO, 2005; BONINI, 2002; BARBOSA, 2001).

177

a consciência de uma nova perspectiva de ensino, conhecer novos conteúdos e novas

metodologias, assumir o texto/gênero como instrumento de trabalho, aprender a ensinar,

desenvolvendo suas capacidades de escrita, apropriando-se de ferramentas que lhe

possibilitem a produção textual concreta, para posteriormente ensinar seu aluno na sala de

aula.

A nosso ver, isso só ocorrerá de fato se o ensino dessa prática, no curso de formação

continuada, levar em conta, especificamente, a dimensão sociodiscursiva e enunciativa da

linguagem; do contrário, tal procedimento poderá se limitar a um ritual obrigatório de sala de

aula — ou a uma mera atualização profissional — perdendo seu caráter interlocutivo real,

capaz de permitir não só a prática escolar como também a prática cidadã.

Os resultados obtidos revelam que as orientações teórico-metodológicas do TP6,

embora afirmem adotar as concepções de linguagem e de escrita veiculadas nos documentos

oficiais, não dão suporte para o professor no ensino de escrita de textos. Além disso,

mostraram-se insuficientes para promover um ensino-aprendizagem baseado nos gêneros,

adotados como objeto de ensino por esses documentos oficiais, bem como para desenvolver

de fato as capacidades de linguagem implicadas no processo de escrita do professor-cursista.

Além dos aspectos analisados até aqui, a leitura do material revelou alguma falta de

cuidado no tratamento da norma padrão culta da língua, problema considerado sério em uma

coleção produzida sob a responsabilidade do MEC.

A respeito de material didático destinado à formação em serviço, conforme já

dizemos, o Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, da UFMT, tem

desenvolvido um trabalho de análise e os resultados têm mostrado limitações importantes na

concepção teórico-prática veiculada nesses guias, sejam eles oficiais ou não. Assim, nossa

análise confirma o que foi comprovado em estudos anteriores, nos trabalhos de Socorro

(2009), Nunes (2009) e Santos (2011). Por essa razão, acreditamos que a nossa pesquisa tem

grande relevância social para o meio educacional, já que pode contribuir com as discussões

relacionadas à formação docente e à adequação de materiais didático-pedagógicos utilizados

na educação continuada de professores. Ao destacarmos os aspectos positivos do material

analisado, também somos levadas a alertar para as inadequações identificadas, visando a

provocar reflexões, por parte dos órgãos responsáveis pelas políticas de formação continuada,

quanto à seriedade desse processo formativo e à necessidade de adoção de critérios coerentes

com a própria legislação na elaboração desses materiais. Ademais, cabe aqui reiterar a

significativa exigência, sobre o professor da educação básica e sobre seu processo formativo,

178

realizada por diferentes instâncias sociais quando, muitas vezes, a qualidade dos materiais

oferecidos nos cursos formação é desconsiderada.

Para além desse aspecto, é preciso ressaltar que todo o processo envolvido na

produção, impressão e divulgação desse material demanda um investimento de alto custo aos

cofres públicos. Nada mais justo, portanto, que esse material formativo seja de qualidade

inquestionável e cumpra suas finalidades formativas.

Esses resultados, e essas últimas observações, nos levam a refletir acerca da

necessidade de reformulação dos materiais didático-pedagógicos utilizados nos cursos de

formação continuada, com o intuito de contemplar um trabalho orgânico em relação à teoria

enunciativo-discursiva, levando em conta, efetivamente, o caráter interlocutivo da

língua(gem), aspecto fundamental no ensino-aprendizagem de produção de textos, além do

respeito às normas vigentes, bem como aos paradigmas atuais de ensino. Tal conclusão

demonstra a necessidade de mais pesquisas sobre esse assunto, na área de Linguística

Aplicada, e de políticas públicas sérias de avaliação desses materiais. Trata-se da criação de

um programa oficial que não só elabore o material, como também o supervisione,

acompanhando seu desenvolvimento, promovendo avaliações sistemáticas para analisar a

proposta e os pressupostos utilizados.

179

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