mensagens publicitárias de outdoor: um estudo da polifonia · comunication as an intent to verify...

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Josué Marcos de Oliveira Brazil Mensagens publicitárias de outdoor: um estudo da polifonia Dissertação apresentada para obtenção de Título de Mestre pelo Mestrado em Lingüística Aplicada do Departamento De Ciências Sociais e Letras da Universidade de Taubaté, Orientação: Profª. Eliana Vianna Brito Taubaté SP 2003

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Josué Marcos de Oliveira Brazil

Mensagens publicitárias de outdoor: um estudo da

polifonia

Dissertação apresentada para obtenção de Título de Mestre

pelo Mestrado em Lingüística Aplicada do Departamento

De Ciências Sociais e Letras da Universidade de Taubaté,

Orientação: Profª. Eliana Vianna Brito

Taubaté – SP

2003

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AUTOR: Josué Marcos de Oliveira Brazil

TÍTULO: Mensagens publicitárias de outdoor: um estudo da polifonia.

UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ, TAUBATÉ, SP

Data: _____________________________

Resultado: _________________________

COMISSÃO JULGADORA

Prof. Dr. _________________________________________________________________

Assinatura _______________________________________________________________

Prof.Dr. _________________________________________________________________

Assinatura_______________________________________________________________

Prof.Dr. _________________________________________________________________

Assinatura_______________________________________________________________

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Esse trabalho é dedicado, primeiramente, à minha família.

À minha esposa Ana Paula, incentivadora, companheira,

conselheira e exigente nos momentos certos. Amo você.

Aos meus pais, Adolpho e Letícia que, embora não tenham

tido a oportunidade de muito avançar em seus estudos,

sempre entenderam a importância da boa formação de seus

filhos, incentivando e apoiando de todas as maneiras que lhes

era possível. Amo vocês.

Também é dedicado a todos os meus professores,

desde o antigo grupo escolar, passando ao ginásio, depois ao colegial,

chegando à graduação na universidade, à pós-graduação e finalmente,

por enquanto, ao mestrado. Sendo hoje professor também, posso

finalmente compreender todo o valor que eles sempre tiveram.

Venero todos vocês.

E, finalmente, dedico esse trabalho a Deus, por ter

me dado tantas oportunidades maravilhosas

de crescimento pessoal e intelectual.

Não brigo nem discuto mais com Você por ter

me feito exatamente assim como sou. Obrigado!

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AGRADECIMENTOS

À Profª. Eliana Vianna Brito pela sabedoria, conhecimento e compreensão que

demonstrou ao longo do desenvolvimento desse trabalho.

À Universidade de Taubaté que me apoiou financeiramente ao conceder bolsa de

estudos.

À Secretária do Mestrado em Lingüística Aplicada. Márcia, muito obrigado pelo

apoio e generosidade.

A todos os professores do Mestrado de Lingüística Aplicada da Universidade de

Taubaté. Aprendi muito com todos vocês.

Ao chefe do Departamento de Comunicação Social da Universidade de Taubaté

por ter entendido algumas ausências e ter sempre apoiado com idéias e sugestões

importantes.

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SUMÁRIO

Resumo 6

Abstract 8

Introdução 9

1 - A evolução da propaganda e seus efeitos na formulação da mensagem 13

2 - A agência de propaganda 26

3 – O dialogismo e a polifonia 35

4 - Análise da polifonia nos textos de outdoor 53

5 – Considerações Finais 70

Referências Bibliográficas 72

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BRAZIL, J.M.O. Mensagens publicitárias de outdoor: um estudo da polifonia. 2003. 73 f.

Dissertação de Mestrado em Lingüística Aplicada. Departamento de Ciências Sociais e

Letras, Universidade de Taubaté, Taubaté.

RESUMO

O presente trabalho tem por tema a análise da presença da polifonia nos breves

enunciados publicitários produzidos para o veículo de comunicação conhecido como

outdoor e tem como fundamentação teórica as idéias de Bakhtin (1988) e Ducrot (1987).

Para tanto, buscamos analisar diferentes mensagens publicitárias produzidas para

esse citado meio de comunicação de massa, com o intuito de verificar a presença de

diferentes vozes como possível conseqüência, principalmente, do caráter eminentemente

persuasivo dos enunciados publicitários.

O trabalho cuida primeiro de apresentar conceitos importantes a respeito da

publicidade e propaganda, sua conceituação e evolução (mais especificamente na

formulação das mensagens publicitárias) ao longo do tempo. Em seguida, apresenta as

agências de propaganda como elementos de fundamental importância na produção de

enunciados publicitários (uma vez que significativa parte de todo o material publicitário

produzido no Brasil e no restante do mundo tem origem nas agências), bem como sua

estrutura de funcionamento e seus departamentos ou áreas mais específicas.

Para dar conta do tema proposto, essa dissertação apresenta teorias ligadas ao

dialogismo e à polifonia, conectando-as a teorias e conceitos extraídos do universo da

publicidade e propaganda, oriundos de autores ligados mais diretamente a essa atividade

profissional.

Em seguida, trabalha-se a seleção e análise do corpus, momento em que se

conceitua o veículo publicitário outdoor e se demonstram suas características principais

para na seqüência definir o corpus da pesquisa, uma amostra dos outdoors vencedores

em diferentes premiações da propaganda brasileira no período de 1991 a 2001. A

presente pesquisa optou por concentrar a análise em torno dos chamados índices ou

marcadores polifônicos.

Pode-se observar, após a análise, uma riqueza polifônica imensa nos curtos textos

publicitários produzidos para outddor ao se detectar diferentes marcadores polifônicos,

assim como uma forte presença da ligação entre a mensagem verbal e a não-verbal, fruto

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da necessidade que as mensagens veiculadas nesse meio têm de comunicar com rapidez

suas idéias.

Palavras-chave: publicidade, propaganda, agência de propaganda, outdoor, dialogismo,

polifonia, índices e marcadores polifônicos.

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ABSTRACT

Publicity outddor messages: the study of polyphony

The present project hás as issue the analysis of the presence of the poliphony on

the sight publication stratements, produced for a comunication vehicule, know as outdoor

has a theory foundation to Bakhtin (1998) and Ducrot (1987) ideas.

As for we analyse different message publications produced for this mean of mass

comunication as an intent to verify different voices as a possible consequence imainly the

eminent persuasive character of the publication statement.

The project first cares to present important conceits concerning publicity and

propaganda, its conception and evolution (specifly on the formation of publication

statement), along the times, following it presences propaganda agencies as elements of

fundamental importance in the production of publication statement (as once meaning as a

whole of the publication produced in Brazil and in the rest of the world has source at the

agencies) as well as it structure funtioning and it departments and specific areas.

To fulfill the proposed issue this dissertation presences theories linked to dialoque

and a polyphony, concentrates to the theories and concepts taken from the universal of

publicity and propaganda proceeding to authors linked directly to this profissional activity.

Following a selection of analysis of the corpus, moment in wich judging a publicity

vehicle outddor and showed its main characteristics or as in following define the corpus

research, as sample of winning outdoors in different prizing of the brazilian propaganda

durning 1991 to 2001. The present research choose to concretrates the analysis

concerning the indexes or polyphony marker.

After analysis an intense polyphony richness in short publicity texts produced for

ouydoors can be obsevered, and also different polyphony marker and also a strong

presence linked between verbal message and no verbal message, arose from the

necessity that the messages linked to this matter, must comunicate quickly their ideas.

Keywords: publicity, propaganda, propaganda agency, outdoor, dialoque, polyphony,

indexes and polyphony marker.

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INTRODUÇÃO

Dentre as diversas características peculiares a um bom publicitário (principalmente

os que lidam diretamente com a criação de anúncios) podemos destacar duas:

capacidade de expressão (incluindo-se aqui, obviamente, a lingüística, mas passando por

toda e qualquer forma de expressão ou linguagem); e um amplo “repertório”.

Chamamos de “repertório” toda e qualquer informação que possa ser acumulada,

e também todo conhecimento que a pessoa possa adquirir e desenvolver, não importando

sua origem: cultura acadêmica, cultura de massa, cultura popular. Ter “repertório” é ter

“assunto”, é ter um universo de conhecimentos tal que facilite, nas mais diversas

situações, associar coisas, fatos, referências, idéias que permitam encaminhar uma

solução criativa. Como afirma Carvalho (1996), “... consideramos cultura tanto o erudito

como o cotidiano, admitindo continuidade entre os dois”.

Maingueneau (2001) afirma que podemos considerar um determinado número de

“leis do discurso que regem a comunicação verbal”. Tais leis, que se aplicam a toda

atividade verbal, devem ser adequadas às especificidades de cada gênero de discurso. E

segundo o autor, o domínio das leis e dos gêneros de discurso (que ele chama de

competência genérica) são os componentes fundamentais de nossa competência

comunicativa, ou seja, a nossa capacidade para produzir e interpretar enunciados de

modo correto nas diversas situações de nossa vida.

O amplo domínio da competência comunicativa não é o bastante para a

participação em uma atividade verbal. Outros níveis devem ser ativados para se produzir

e interpretar um enunciado. É o caso da competência lingüística, o domínio da língua em

que se enuncia. Mais do que isso, é preciso possuir um grande número de conhecimentos

sobre o mundo, uma competência chamada de enciclopédica.

Maingueneau (2001) estabelece três instâncias principais que interferem na dupla

dimensão (produção e interpretação dos enunciados) da atividade verbal: domínio da

língua, conhecimento de mundo e aptidão para se inserir no mundo por intermédio da

língua. O mesmo autor afirma que essas diferentes competências interagem, se

completam e não são, em hipótese alguma, excludentes. Ao contrário, o somatório de

competências é essencial para que possamos nos adaptar aos diferentes gêneros de

discurso, seja para produzi-los ou interpretá-los, podendo uma dada competência

remediar as limitações de uma outra.

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O nosso conceito de “repertório”, portanto, encontra suporte nas idéias

apresentadas por Maingueneau. E é justamente esse “repertório” que vai povoar a

produção das mensagens publicitárias de inúmeras vozes diferentes. Ao construir um

texto publicitário, o redator, de maneira consciente, escolhe palavras, expressões e

construções, buscando persuadir seu interlocutor. Ele faz tais escolhas de acordo com o

seu “repertório” e do “repertório” que ele acredita possuir quem vai receber a mensagem.

Sob essa ótica, o ato de criar textos publicitários não é obra de um acaso criativo,

de um estalo momentâneo. É fruto das experiências sociais de quem produz, influenciado,

e muito, pelas experiências sociais de seu interlocutor. O texto publicitário deve ser

trabalhado, estruturado de modo intencional. Deve ser pensado e planejado. Isso vai se

refletir na produção de textos para a propaganda, fazendo com que eles, assim como todo

e qualquer enunciado, sejam polifônicos.

Levando, ainda, em consideração que todo enunciado é dirigido a um interlocutor,

e o fato de o texto publicitário ser mais fortemente, senão totalmente, orientado para o

interlocutor em função da intencionalidade com que o produtor efetivo do texto constrói

seu enunciado visando a persuasão, podemos afirmar que há (na maioria das vezes) um

total apagamento do autor original do texto, o produtor do texto, em prol de uma (ou mais)

voz(es) que seja(m) capaz(es) de dialogar melhor com o alvo da mensagem publicitária.

Tal linha de pensamento ajuda a colocar por terra a falsa crença de que o trabalho

de Redação Publicitária e de Criação Publicitária como um todo é realizado sem

planejamento, que está calcado apenas na “inspiração” momentânea. É o que se costuma

denominar de visão “romântica” do processo criativo. É necessário que se veja e entenda

a diversidade de vozes presentes nos enunciados publicitários para que se perceba a

importância de desenvolver a capacidade de expressão e de se montar um vasto

“repertório”.

O objetivo maior de nossa pesquisa é investigar o modo pelo qual diversas vozes

se instauram no texto de outdoors, ou seja, a maneira pela qual as vozes se manifestam

nas mensagens publicitárias produzidas e destinadas a esse meio.

Para dar subsídio teórico a esse objetivo, apoiamo-nos fundamentalmente nas

idéias de Bakhtin (1988) sobre dialogismo e polifonia, assim como na teoria polifônica de

Ducrot (1987).

Além disso, procuramos mostrar como isso pode ocorrer, inclusive, em enunciados

bastante curtos, sucintos. Verificamos que, para perceber a presença das diferentes

vozes componentes de um texto publicitário, este não precisa ser longo.

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A metodologia que utilizamos para esse trabalho foi a da análise textual de

mensagens publicitárias a fim de verificarmos a presença de diferentes vozes em textos

publicitários veiculados em outdoor, pois conforme veremos mais à frente, estes têm por

característica a brevidade de suas mensagens.

Também buscamos concentrar a análise em torno dos índices, ou marcadores

polifônicos, descritos por Ducrot (1987) e por Koch (1997), ao invés de nos atermos aos

locutores e enunciadores presentes no texto.

A presente dissertação está organizada em quatro capítulos. O primeiro trata da

evolução da propaganda ao longo de seu percurso histórico e os efeitos dessa evolução

na formulação das mensagens enviadas ao público, cuida de conceituar os termos

publicidade e propaganda para que se possa utilizá-los de maneira uniforme em toda a

pesquisa, além de apresentar o deslocamento do conteúdo da mensagem publicitária do

produto para o consumidor, ou, em outras palavras, do uso de aspectos racionais para

afetivos. No segundo capítulo, a dissertação aborda a agência de propaganda, a principal

entidade produtora de mensagens publicitárias. Mostra o processo de surgimento das

agências, demonstra e explica sua estrutura organizada em torno de departamentos que

cuidam de partes específicas do cada vez mais complexo trabalho publicitário e, procura,

assim, evidenciar o caráter coletivo, apurado e sofisticado do ofício de produzir

mensagens publicitárias.

Já no terceiro capítulo, a presente dissertação volta-se para o dialogismo e a

polifonia, buscando embasamento teórico em Bakthin (1988) e Ducrot (1987) para dar

conta do entendimento da existência de diversas vozes no texto ou discurso publicitário,

uma vez que essa presença de diferentes vozes, como demonstra a teoria apresentada

aqui, é inerente a qualquer enunciação ou enunciado. Ainda no terceiro capítulo,

apresenta-se o conceito de marcadores ou índices polifônicos e sua tipificação, pois

esses servirão como elementos fundamentais na análise do corpus dessa pesquisa.

Finalmente, o quarto capítulo apresenta a mídia outdoor, trata de suas

características como veículo publicitário, aponta os aspectos essenciais para a criação de

mensagens para esse meio, seleciona o corpus e o analisa sob a ótica da polifonia,

detectando a presença de marcadores polifônicos na constituição da mensagem

publicitária criada para outdoors que venceram diferentes prêmios publicitários num

período que se estende de 1991 até 2001.

Após percorrer essa trajetória, chegamos ao momento no qual apresentamos

algumas considerações resultantes da análise efetivada em torno dos textos publicitários

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veiculados em cartazes de outdoor e damos como encerrada a dissertação, embora essa

não se apresente como fechada e muito menos como definitiva, estando aberta a

correções, acréscimos e contribuições, e servindo, se possível, como norteadora de

novas possibilidades e rumos de pesquisa.

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CAPÍTULO I - A EVOLUÇÃO DA PROPAGANDA E SEUS EFEITOS NA FORMULAÇÃO

DA MENSAGEM

Este capítulo inicia-se pela conceituação dos termos publicidade e propaganda

para que possamos utilizá-los de maneira uniforme em toda a pesquisa. Em seguida,

indica como as mudanças ocorridas a partir do surgimento da chamada era industrial

modificaram profundamente a maneira de atuar da propaganda em todo o mundo,

deslocando-a do produto para o consumidor, ou dos aspectos racionais para os

subjetivos/afetivos/emocionais, sempre buscando a eficácia das mensagens. Por último, o

capítulo trata mais diretamente da evolução do texto publicitário ao longo do tempo, sua

passagem de um caráter informativo e formal para um mais subjetivo e informal,

altamente influenciado pela linguagem cotidiana.

1.1 Concepções sobre publicidade e propaganda

Segundo Sant‟Ana (1998), os termos publicidade e propaganda não significam

rigorosamente a mesma coisa quando buscamos suas origens.

Publicidade deriva de público (do latim publicus) e designa a qualidade do que é

público. Significa o ato de vulgarizar, de tornar público um fato, uma idéia.

Já o termo propaganda deriva do latim propagare, que significa reproduzir por

meio de mergulhia, ou seja, enterrar o rebento de uma planta no solo. Propagare, por sua

vez, deriva de pangere, que quer dizer enterrar, mergulhar, plantar. Seria então a

propagação de doutrinas religiosas ou princípios políticos. O termo foi utilizado nesse

sentido pela primeira vez pela Igreja Católica quando da criação da Congregação da

Propaganda, com a intenção de propagar a fé católica.

Podemos afirmar, então, que a palavra publicidade significa genericamente,

divulgar, tornar público, e propaganda compreende a idéia de incutir uma idéia, uma

crença na mente alheia.

Atualmente, apesar de alguns autores ainda manterem essa distinção, as palavras

publicidade e propaganda são usadas indistintamente. Na verdade são como sinônimos,

principalmente no dia-a-dia do mercado profissional.

Nesse sentido, podemos afirmar que a propaganda atua hoje não só vendendo

produtos e serviços, mas também idéias e ideais, podendo colaborar (e colaborando) com

questões sociais, culturais, educacionais e até mesmo éticas.

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Nessa pesquisa estaremos adotando a postura proposta por Sant‟Ana (1998) e

utilizaremos como sinônimas as palavras publicidade e propaganda.

1.2 A Era Industrial, a propaganda e a persuasão.

Ainda segundo Sant‟Ana (1998), embora a propaganda seja uma atividade

bastante antiga, ela é tida como um fenômeno resultante da era industrial. Mesmo em

tempos mais recentes, a propaganda não possuía a característica de motivação e

persuasão que hoje a identificam. Era basicamente informativa, descrevendo os atributos

e qualidades do produto de maneira objetiva e racional.

A produção em larga escala que se iniciou com a Revolução Industrial gerou um

tipo diferenciado de comunicação publicitária, que vai além da informação e chega até

uma área mais complexa e sofisticada: a motivação.

De acordo com Arruda (1976), dá-se o nome de Revolução Industrial para as

mudanças sociais ocorridas, inicialmente na Inglaterra no século XVIII, e que tem como

características básicas à evolução tecnológica e uma completa revolução social.

Para esse autor, a Revolução Industrial determinou a transformação de uma

sociedade rural para uma sociedade industrial, acarretando também a mudança do

trabalho artesanal para o assalariado, assim como a utilização da energia a vapor em

substituição ao dispêndio de energia humana.

Dentro do processo de Revolução Industrial podemos, de acordo com Arruda,

ressaltar a existência de três períodos distintos: o surgimento e a implementação na

Inglaterra, sua disseminação pelos continentes europeu, asiático e americano e o período

atual, com a industrialização alcançando os chamados países em desenvolvimento (caso

do Brasil).

A Revolução Industrial trouxe, além da concentração de população nos grandes

centros urbanos, uma concentração de indústrias em determinadas regiões e um forte

desenvolvimento dos transportes. Em decorrência disso, houve, como conseqüências

principais, um desenvolvimento ainda maior da industrialização, redução dos fretes e

aumento (por decorrência) do consumo e da produção, a dependência de um intercâmbio

econômico internacional e a especialização da produção que, por sua vez, levou a divisão

do mundo em países e blocos industrializados (desenvolvidos) e países e blocos

fornecedores de matéria-prima (subdesenvolvidos).

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Já Ricci (2002), trata de uma Segunda Revolução Industrial (que podemos

relacionar com o segundo período citado por Arruda), no final do século XIX. Como

características principais dessa nova fase de expansão da sociedade capitalista, cita o

surgimento de uma forte relação entre ciência e técnica; o uso de novas formas de

energia, tais como a energia elétrica e o petróleo; o aparecimento de novos ramos da

atividade industrial, como as indústrias química e elétrica e o setor siderúrgico; e o

acúmulo de capitais decorrente de uma associação entre o capital financeiro e os capitais

industriais e comerciais.

Ainda de acordo com Ricci, dentro desse cenário de final de século XIX, podemos

ver inovações científicas, tecnológicas e industriais que causam enorme mudança no

mundo produtivo, na estruturação social, na vida cotidiana e até no imaginário dos

cidadãos comuns, determinando, assim, uma nova formatação e funcionamento da

civilização do ocidente: a sociedade urbano-industrial.

De acordo com o autor: “Houve a partir de então uma maior participação nas

vendas de produtos manufaturados e de bens de capital, que contém maior valor

agregado que os produtos de consumo não duráveis...” (2002, p. 22, 23).

Para Sant‟Ana (1998), a propaganda ligada ao mundo dos negócios, a chamada

propaganda comercial, que hoje percebemos e da qual sentimos os efeitos, teve origem

em dois fatores que se interligam: o aperfeiçoamento dos meios físicos de comunicação e

o aumento da produção industrial através do aperfeiçoamento tecnológico.

Em relação ao primeiro fator, o autor afirma que o passo inicial foi a expansão do

jornal, que deixou de ser um órgão veiculador de notícias restrito a pequenas

comunidades e transformou-se numa indústria complexa, com grandes parques gráficos

que exigiam investimentos cada vez maiores. Era preciso transformar seu espaço editorial

em mercadoria, ou seja, o jornal começava a vender espaços para propaganda para

poder cobrir os altos custos operacionais e até obter lucro.

Podemos dizer que, a partir da evolução dos jornais, teve origem, realmente, a

propaganda moderna ligada ao mundo dos negócios.

Mas, ainda de acordo com Sant‟Ana (1998), a expansão dos jornais não ocorreu

isoladamente. Era também decorrência do desenvolvimento tecnológico que desde a

revolução industrial vinha alterando toda a sociedade capitalista que nela se iniciara.

Com a produção em larga escala, os industriais se sentem forçados a encontrar

maneiras igualmente rápidas de escoar os estoques. O meio mais eficaz encontrado foi a

propaganda.

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Aqui é que os dois fatores se interligam, pois o meio de comunicação mais

abrangente da época (o jornal, que já possuía capacidade de se comunicar com um

grande número de possíveis consumidores) queria e necessitava receber propaganda. Foi

o que passou a ocorrer.

A propaganda passou então a aprimorar suas técnicas de persuasão para poder

induzir grandes massas a aceitar e consumir produtos que não correspondessem apenas

à satisfação de suas necessidades básicas (Sant‟Ana, 1998).

Com a Revolução Industrial, temos o início da formação de uma sociedade

capitalista, ligada à produção e ao consumo de produtos industrializados, produzidos em

série e em grande escala.

Santa‟Anna (1998) afirma:

Antes do impetuoso avanço da tecnologia, as fábricas se

limitavam a produzir aquilo que o consumidor realmente necessitava e

estava em condições de adquirir.

Com o avanço da produção em massa para um mercado que já

principiava a superar a fase de consumir apenas o essencial, viram-se os

industriais forçados a encontrar meios rápidos de escoar o excesso de

produção de máquinas cada vez mais aperfeiçoadas e velozes.

E o meio encontrado foi a propaganda.

Esta deixou de ser um simples instrumento de venda para se transformar

num fator econômico e social dos mais relevantes. (p. 4.5)

A produção em série passou a colocar no mercado centenas e centenas de

produtos novos e padronizados. Com o tempo, esses produtos passaram a ser

extremamente semelhantes, o que fez com que fosse insuficiente apresentá-los de

maneira objetiva. Passou a ser necessário seduzir o consumidor, despertar desejos

latentes para levá-lo ao ato da compra.

Houve, portanto, um deslocamento da mensagem publicitária, que deixa de focar o

produto e passa a focar-se no consumidor e em suas vontades não expressas.

Segundo Ferrés (1998), já há algum tempo que a publicidade uniu-se à psicologia

para desenvolver mensagens que visam captar aspectos emotivos do público. Joga-se

com aspectos emotivos do consumidor (seus medos, culpas, ansiedades, desejos) para

obter-se respostas positivas para o produto anunciado.

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Nem sempre foi assim. No início (década de 50), a publicidade tentava convencer

através de aspectos racionais e baseando-se no produto. Rosser Reeves, em 1954,

formulou a estratégia da USP (Unique Selling Proposition), que nada mais era que

encontrar no produto um diferencial único que pudesse distingui-lo dos demais. Com o

tempo e a evolução das indústrias, ficou praticamente impossível detectar diferenças reais

entre os produtos. Daí surge a mudança de estratégia.

A propaganda passa não mais focar o produto e sim a representá-lo, a posicioná-

lo na mente do consumidor. Isso é muito mais complexo e sofisticado do que

simplesmente relatar uma série de pontos positivos do produto e suas vantagens reais

(Cabral, 1990). Trata-se de conferir uma personalidade ao produto ou a marca,

conferindo-lhe um lugar próprio no mercado.

Na publicidade, o consumidor depara-se com uma projeção dele mesmo. E os

próprios objetos anunciados são nossas projeções, já que se pretende que estes se

transformem em prolongamentos de nós mesmos.

Ferrés (1998) afirma que a maioria dos produtos são adquiridos não para a

satisfação de necessidades físicas, mas emotivas e psicológicas. Afirma ainda, que

geralmente isto é “criado artificialmente”. Neste ponto podemos contestar perguntando o

que hoje se configura como necessidade real ou artificial e até que ponto a publicidade

pode verdadeiramente gerar necessidades ou só aproveitar necessidades latentes das

pessoas e as despertar (Cabral, 1990).

Em apoio a essa idéia, podemos citar Carvalho (1996):

A função persuasiva da linguagem publicitária consiste em tentar

mudar a atitude do receptor. Para isso, ao elaborar o texto o publicitário

leva em conta o receptor ideal da mensagem, ou seja, o público para o

qual a mensagem está sendo criada. O vocabulário é escolhido no

registro referente a seus usos. Tomando por base o vazio interior de cada

ser humano, a mensagem faz ver que falta algo para completar a pessoa:

prestígio, amor, sucesso, lazer, vitória. Para completar esse vazio, utiliza

palavras adequadas, que despertam o desejo de ser feliz, natural de

cada ser. Por meio das palavras, o receptor ´descobre`o que lhe faltava...

(1996, p.19).

De todo modo, é claro e irrefutável que a publicidade é muito mais emotiva (para

ser mais persuasiva) do que objetiva ou racional. O “posicionamento” substitui totalmente

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a USP no cenário atual da propaganda. O posicionamento é a busca por um espaço, uma

colocação para o produto dentro da mente das pessoas ou do público-alvo do produto.

Cunhado por All Ries e Jack Trout (2001), o conceito de posicionamento (no

original “positioning”) emerge de três fatores: o aumento do número de produtos similares

que disputam os mesmos consumidores oferecendo basicamente os mesmos benefícios,

sem grandes e decisivos diferenciais tecnológicos e tangíveis; o imenso volume, a

verdadeira enxurrada de informações e de propaganda que recebe diariamente o

consumidor; e a incapacidade do ser humano de assimilar e processar tamanho número

de produtos/marcas; em síntese, o consumidor não consegue absorver toda a

quantidade de informação e de propaganda.

Faz-se necessário, então, posicionar o produto ou marca num lugar único na

mente das pessoas. O posicionamento, é importante notar, ocorre de “dentro para fora”,

ou seja, está dentro da mente do consumidor o fator de identificação única do produto. A

propaganda não consegue gerar tal efeito de “fora para dentro”. É como citam os autores:

Quando você quer comunicar as vantagens de um candidato, de

um produto ou as suas próprias vantagens, trate de pôr para fora as

coisas que estão dentro. Mas não procure a solução do seu problema

pondo para fora o que está dentro do produto ou dentro de sua própria

cabeça. Procure-a pondo para fora o que está dentro da mente do seu

“prospect”. (2001, p. 07)

Dentro dessa visão, os produtos são mais do que produtos. São imagens de seus

próprios consumidores. Trabalha-se com estratégias associativas, confere-se

personalidade aos produtos mediante a transferência de valores do contexto. É a emoção

a serviço da sedução. O posicionamento vincula necessidades do consumidor à

personalidade do produto através de contextos associativos.

Na verdade, hoje, consumimos símbolos e não produtos. Buscamos produtos pelo

que eles simbolizam. Dá-se personalidade ao produto para que o consumidor assuma

personalidade através dele (produto). Esse simbolismo não é artificial, pois está dentro

das pessoas.

Ribeiro (1989) ao considerar que cada pessoa tem uma matriz (que pode ser

status, poder, sabedoria etc.), afirma:

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Todos nós temos no interior uma matriz ideal de nós mesmos. Para

alguns é o poder (Hitler, por exemplo), para outros é o amor (Giacomo

Casanova), para outros é o dinheiro (Tio Patinhas). Várias são as

matrizes. Toda vez que o mundo externo apresenta uma situação que

corresponda à matriz interna da pessoa, ela experimenta grande prazer.

Atrás dessas situações e desse prazer, todos nós andamos. Como as

situações reais de correspondência vividas são um tanto raras, aceitamos

muitas vezes objetos-símbolos dessas situações. (p. 28)

Quando se posiciona um produto, vai-se ao encontro de algo que já existe dentro

das pessoas e a propaganda, ao representar o produto de uma maneira simbólica,

apenas desperta a matriz, transformando-a num objeto: o produto. Isso muitas vezes (ou

quase sempre) se dá de maneira irracional e inconsciente, mas não artificial. De maneira

subjetiva e não objetiva. Ou seja: persuasão e não convencimento.

Na propaganda, além do produto em si, temos hoje a crescente importância da

marca. E as marcas são emocionais, são afetivas. O maior patrimônio de uma empresa é

a sua marca. É ela que comunica, que serve de “guarda-chuva” para uma série de

produtos. O prestígio da marca e seu posicionamento na mente dos consumidores são

essenciais para o sucesso comercial de produtos e serviços.

A transferência do prestígio de personalidades famosas às marcas é também uma

estratégia largamente utilizada pela publicidade. Evidentemente que, cada vez mais, a

personalidade deve ter um perfil adequado à marca que vai comunicar. Isso é essencial,

pois o público pode detectar erradamente a proposta do produto.

Dentro desse panorama, Perelman (1996) afirma que todo discurso parte de

alguém, é dirigido para alguém e procura, mesmo que em níveis mais ou menos

elevados, convencer. Ou persuadir. E traça uma clara distinção entre convencer e

persuadir. O discurso que pretende convencer é dirigido à razão, ligando-se ao raciocínio

lógico e utilizando-se de provas objetivas. Já o discurso que almeja persuadir tem caráter

ideológico, subjetivo, liga-se às vontades, desejos e sentimentos do interlocutor. Essa

definição de persuasão é a que é objeto de estudo nessa pesquisa.

Carrascoza (1999) afirma:

Hoje, não há dúvida entre os estudiosos da comunicação de que a

publicidade é um exemplo notável de discurso persuasivo, com a

finalidade de chamar a atenção do público para as qualidades deste ou

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daquele produto/serviço, ou de uma marca em caso de campanhas

corporativas. Seu objetivo preclaro não é apenas informar, mas informar

e persuadir... (1999, p. 18).

Embora se afaste de nossa conceituação de persuasão, confundindo-a com o ato

de convencer, parece-nos útil recorrer a Citelli (1997). Para ele, falar em persuasão é

voltar à tradição do discurso clássico, uma vez que a preocupação com a capacidade de

dominar a expressão oral tem origem entre o povo grego, como conseqüência da prática

democrática. Os gregos levaram ao nível de detalhes o estudo da estrutura do discurso.

Não se tratava apenas de uma questão de falar, mas sim de fazê-lo bem, de modo a

convencer com elegância e estilo.

Ainda, segundo Citelli, tal nível de preocupação levou o grego Aristóteles a

escrever A Arte da Retórica, uma espécie de síntese das idéias que se acomodavam em

torno dos estudos de retórica sem, entretanto, associar diretamente (ou confundir) retórica

e persuasão.

Em A Arte da Retórica, Aristóteles (apud Citelli, 1997) enumera as etapas do

discurso, ou sua estrutura básica e fundamental. Tal estrutura pode ser perfeitamente

aplicada (e é, pois se observarmos bem quase todo o texto, seja qual for a sua aplicação,

se desenvolve em torno dessa estrutura) aos textos escritos e não somente ao discurso

oral. Essa estrutura proposta por Aristóteles compõe-se dos seguintes elementos:

1 – Exórdio – parte inicial do discurso, onde se pode ou não indicar o assunto a ser

tratado. Poder ser considerado como introdução;

2 – Narração – aqui se desenvolve o assunto, os fatos são colocados, os

acontecimentos e situações são demonstrados;

3 – Provas – se a intenção é persuadir faz-se necessário provar o que se diz,

colocando os elementos que darão sustentação à argumentação;

4 – Peroração – é o encerramento, última oportunidade de trazer o ouvinte para

conseguir a fidelidade do ouvinte (interlocutor), é a conclusão e a amarração das idéias

apresentadas.

Para Citelli fica claro na relação retórica-persuasão, que não interessa saber até

onde o ato de persuadir reveste-se de verdade. Persuadir está ligado a submeter, a levar

o outro a aceitar determinada idéia, o que caracteriza um certo viés autoritário. Ele afirma:

“É possível que o persuasor não esteja trabalhando com a verdade, mas somente com

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algo que se aproxime de uma certa verossimilhança ou simplesmente a esteja

manuseando”. (Citelli, 1997, p. 16).

Trazendo para nossa realidade de pesquisa, a propaganda manipula os elementos

de modo a tornar o produto o mais crível e confiável possível, mesmo que o consumidor

(ou consumidora, nesse caso) saiba, por exemplo, que ao usar determinado shampoo

seus cabelos talvez não fiquem não tão lindos, brilhantes e perfeitos quanto os do

modelo/atriz mostrada no comercial. Pode não ser totalmente verdade, mas é verossímil.

Ainda de acordo com Citelli, há atualmente uma retomada dos estudos da retórica,

que pode ser chamado de retórica moderna. Essa corrente afasta a idéia de retórica

ligada ao discurso embelezado, adornado, vazio e afastada da persuasão. Esta retomada

vê um novo papel para a retórica, conforme ressalta o referido autor:

Sem dúvida este novo papel está vinculado a dois pólos

importantes: o do estudo das figuras de linguagem e o das técnicas de

argumentação. Ou seja, reaparece aquele tópico que deseja estudar a

organização discursiva a fim de apreender os procedimentos que

permitem ligar a adesão de um ponto de vista àquelas idéias que lhes

são apresentadas. (p.17)

Para a propaganda, esses dois pólos são igualmente importantes e presentes. Há

larga utilização de figuras de linguagem nos textos publicitários, principalmente a

metonímia e a metáfora. Mas sem dúvida o que mais nos interessa nessa pesquisa é a

retomada da análise do caráter persuasivo.

Outro conceito que nos é bastante útil e que também tem origem no mundo

clássico é o de raciocínios discursivos codificados pela retórica e que detém diferentes

níveis ou “gradações persuasivas” (Citelli, 1997, p. 18). Vejamos alguns deles:

a) raciocínio apodítico – detinha o tom de verdade totalmente inquestionável, a

argumentação é construída de maneira tão fechada que não sobra ao

interlocutor nenhuma dúvida quanto à verdade do que foi enunciado;

b) raciocínio implícito – algo em torno do exemplo: “Se você pretende enriquecer,

invista em nossos fundos de ações”. O uso do verbo no imperativo faz o

enunciado ser indiscutível. O interlocutor não tem chance de esboçar

questionamento, pois se trata de um raciocínio fechado que conduz a uma

conclusão não abre margem à discussão;

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c) raciocínio dialético – quebra a rigidez do raciocínio apodítico, apontando mais

na direção de uma conclusão possível, mas que, ao formular as hipóteses,

acaba indicando uma conclusão mais aceitável. Caracteriza-se pelo uso do

verbo no condicional, o que dá a idéia de que se pode optar por diferentes

possibilidades, muito embora uma das opções seja destacada pelo enunciador

na conclusão;

d) raciocínio retórico – há semelhança entre esse raciocínio e o dialético,

entretanto, o retórico está mais ligado a aspectos emotivos, enquanto o

dialético liga-se a elementos racionais. Como cita o autor: “O raciocínio retórico

é capaz de atuar junto a mentes e corações, num eficiente mecanismo de

envolvimento do receptor”.

Somente na explicitação do raciocínio retórico, há proximidade da idéia

apresentada por Citelli sobre persuasão e a que adotamos para a nossa pesquisa. Ou,

dizendo de outra maneira, do ponto de vista apresentado por Citelli, o discurso publicitário

estaria, atualmente, mais apoiado num raciocínio retórico do que nos outros tipos de

raciocínio por ele descritos.

Ao se debruçar sobre os signos, Citelli aproxima-se das idéias de Bakhtin, sobre

quem trataremos adiante, ligando signo à ideologia no sentido de que o entendimento do

signo é ideológico e social, afastando-se, desse modo, ainda mais da retórica como mero

artifício embelezador do texto. Citteli afirma: “... só é possível o estudo dos valores e

idéias contidas nos discursos atentando para a natureza dos signos que a constroem”

(1997 p.26).

Um conceito trabalhado pelo autor e bastante útil para nosso entendimento do

discurso publicitário, como discurso persuasivo, é aquele que trata do discurso dominante.

O discurso dominante se vale de signos caracterizados pela superposição, ou seja, são

signos que, uma vez colocados como forma de expressão de uma verdade, pretendem se

fazer passar pela verdade total. Nesse sentido, pode-se dizer que o discurso persuasivo

utiliza-se de recursos teóricos visando convencer ou modificar comportamentos, hábitos e

atitudes já firmados.

Quando trata mais diretamente do texto publicitário, Citelli afirma que há duas

tendências básicas: a busca de algo original e que instigue o interlocutor ou a repetição

de modelos estereotipados, confeccionados com menor grau de originalidade. Isso,

segundo o autor, acaba acarretando na presença simultânea de anúncios (peças

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publicitárias) ousados e inovadores e de outros que usam e abusam de lugares-comuns,

fórmulas consagradas e repetidas ao longo do tempo. Em ambas as situações, entretanto,

há força persuasiva.

Citelli segue afirmando que o texto publicitário surge da união de diferentes

fatores, como os sociais, os psicológicos, os econômicos e os efeitos retóricos (incluindo-

se aqui as figuras de linguagem, as técnicas argumentativas e os raciocínios).

Retomando as idéias de Brown (1971), Citelli explana sobre alguns esquemas

básicos que a propaganda utiliza para obter a persuasão (convencimento, no texto

original) dos interlocutores.

O primeiro destes esquemas é o uso de estereótipos, ou seja, o uso de fórmulas

consagradas, já totalmente aceitas socialmente e que impedem qualquer dúvida a

respeito do que está se enunciando.

O segundo destes esquemas é a substituição de nomes. Aqui, alteram-se termos

com a clara intenção de influenciar de maneira positiva ou negativa determinadas

situações. Como grande exemplo para esse esquema podemos citar os eufemismos, a

suavização da verdade.

O terceiro esquema é a criação de inimigos. É necessário criar inimigos para então

combatê-los, não importando que sejam reais ou fictícios. Podemos exemplificar, através

da propaganda de remédios para melhorar a memória, que elegem o esquecimento como

o inimigo que pode prejudicar o desempenho pessoal e profissional do interlocutor da

mensagem.

Por último, temos o esquema de apelo à autoridade, que se vale de alguém que

possa validar o enunciado. O prestígio e/ou o comprovado conhecimento técnico ou

científico de uma pessoa será utilizado para conferir veracidade para a mensagem

publicitária.

Verificamos que apesar de guardar alguma distância inicial com as idéias mais

atuais, como a de posicionamento, por exemplo, o referencial teórico apresentado por

Citelli (1997) também traz aproximações, como no caso – por exemplo - do uso de

personagens e pessoas que possam conferir prestígio à marca ou ao produto. Esse

conceito está presente tanto nas idéias apresentadas por Ries e Trout como nas

apresentadas por Citelli.

De todo modo, pudemos averiguar aqui a necessidade de aspectos persuasivos

no enunciado publicitário, de maneira que ele possa atingir seu objetivo primordial:

motivar as pessoas ao consumo de produtos, marcas, bens e serviços.

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1.3 A evolução do texto publicitário

Nenhum produtor deseja ver sua mensagem perdida, e toda peça publicitária quer

obter um elevado grau de persuasão, já que pretende ter como conseqüência uma ação,

o ato de consumo, mesmo que num prazo de tempo indeterminado (Carrascoza, 1999).

Dentro desse quadro, ao tratar da evolução do texto publicitário na propaganda

brasileira, especificamente, observa o autor que na procura de um maior poder de

sedução, a redação publicitária, que de início trabalha com textos meramente

informativos, ao longo dos anos vai abandonando essa característica e passa a abrigar

elementos mais emotivos e menos racionais. É a busca pela persuasão como ferramenta

fundamental para a promoção de produtos extremamente semelhantes, existentes em

quantidades crescentes em mercados cada vez mais competitivos.

A partir da década de 60, o texto publicitário associa-se definitivamente à imagem

e torna-se mais informal, passando uma atmosfera de diálogo com o consumidor para

disfarçar sua condição de comunicação de massa. Dirigindo-se ao consumidor de

maneira mais informal, intimista, ele fica mais sedutor, pois aparenta ter sido feito

somente para um consumidor e não para uma massa anônima.

Ainda segundo Carrascoza, o padrão criado nos anos 60 tem seu uso intensificado

nos 70 e 80, com os criativos das agências de propaganda aperfeiçoando sobremaneira a

interação imagem-texto. Os anos 90 podem ser considerados o apogeu criativo da

propaganda brasileira, com a conquista de inúmeros prêmios internacionais e um

direcionamento dos textos publicitários ainda maior para a informalidade, para “a

conversa com o consumidor”.

Para reforçar ainda mais essa idéia podemos nos apoiar em Carvalho (1996) que

afirma - muito embora não faça uma clara distinção entre convencer e persuadir - que

quando tratamos de analisar a linguagem publicitária quase sempre tratamos de

manipulação e que devemos atentar para o fato da publicidade usar recursos estilísticos e

argumentativos da linguagem cotidiana, pois essa também está voltada para manipular e

informar. A autora segue afirmando que no jornalismo, no discurso político, na linguagem

dos tribunais e até no discurso que pretende a conquista amorosa há uma base de

informação que será manipulada para servir aos propósitos do enunciador e que a

diferença básica da linguagem publicitária reside na utilização racional de recursos

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voltados para o convencimento (persuasão), para mudar ou até manter a opinião do

público-alvo.

Em propaganda, o produtor do texto irá usar e dispor de forma racional e

intencional os elementos necessários à persuasão do interlocutor, mas o efeito que se

pretende obter é emotivo, subjetivo. Em outras palavras, a informação é manipulada

tecnicamente, mas o produto textual (o texto) visa à sedução.

A autora analisa esses aspectos do ponto de vista da cultura, que ela define como

uma continuidade entre as culturas erudita e cotidiana (o que se aproxima sobremaneira

do nosso conceito de “repertório”), entendendo as palavras a partir de seu valor cultural.

Trabalha então com a idéia da escolha do léxico (vocabulário num sentido mais

extralingüístico e semântico) feita intencionalmente com o objetivo de seduzir, mostrando

que as escolhas lexicais estão ligadas à cultura (“repertório”) do enunciador e do

interlocutor.

Carvalho afirma:

A língua, convém reiterar, é carregada de cultura em todos os níveis

(fonológico, morfológico, sintático e lexical e até mesmo nos gestos e na

mímica que reforçam a mensagem). Mas é o vocabulário (as palavras)

que carrega consigo a maior carga cultural, a cultura comportamental

comum. (p. 97)

Vale reiterar que, conforme postura adotada desde o início do trabalho, o conceito

de “repertório” não se resume ao léxico e a língua, mas ao discurso. O conceito de

repertório compreende não apenas a linguagem verbal, mas toda enunciação.

A esta altura, podemos afirmar que não há comunicação publicitária sem efeitos

persuasivos; isso é feito intencionalmente e de maneira estruturada e planejada, o que

acarreta, então, o caráter eminentemente dialógico da mensagem publicitária.

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CAPÍTULO 2 - A AGÊNCIA DE PROPAGANDA

Este capítulo é dedicado à caracterização das agências de propaganda. Essas

empresas são, reconhecidamente no mundo todo, as maiores e principais responsáveis

pela confecção das mensagens publicitárias para clientes/anunciantes. Mostramos sua

origem, sua estrutura e como funcionam e o que fazem cada um de seus departamentos

ou áreas para a confecção do produto publicitário. Deste modo, evidenciamos que a

mensagem publicitária é resultado de um longo e apurado processo e não simplesmente

uma idéia que surge solta, como resultado do trabalho de um publicitário criativo que atua

isolado do contexto do mercado, do cliente e da própria agência de propaganda.

Verificamos também, como as agências se envolvem na formulação de mensagens

publicitárias orientadas para as necessidades latentes do consumidor alvo, deslocando-as

do produto para o consumidor, usando, para tanto, diferentes técnicas e elementos

multidisciplinares.

2.1 A origem

De acordo com Cabral (1991), pode-se considerar a propaganda como fato

recente, ligada ao surgimento da produção industrial, a agência de propaganda, como

organização específica para conceber mensagens de motivação e persuasão para o ato

da compra, é mais recente ainda.

A agência teve origem na corretagem, no agenciamento de anúncios que deve ter

existido desde que os jornais começaram a vender espaços. Alguém tinha que vendê-los.

Eram os agentes ou corretores de anúncios (Cabral, 1991).

Em seguida, estes agentes sentiram a necessidade (em função da concorrência

cada vez mais dura) de passar a redigir e até mesmo ilustrá-los. Mas nem todo agente ou

corretor tinha talento para estas funções e passaram, então, a contratar poetas,

jornalistas, escritores, pintores, ilustradores etc, para compor a mensagem publicitária

para seus clientes/anunciantes. Daí até a formação de empresas com a finalidade de criar

mensagens publicitárias foi um passo. Surgiam as agências de propaganda. A primeira

que se tem notícia é a J. Walter Thompson (EUA), já com características de uma empresa

comercial publicitária tal como conhecemos hoje (Cabral, 1991).

A agência de propaganda é um negócio como outro qualquer. A princípio,

qualquer pessoa pode ter uma agência. É possível até mesmo comprar uma que já exista.

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Entretanto, uma agência é, fundamentalmente, os clientes que ela conquista e mantém. A

característica que torna uma agência diferente de outras empresas prestadoras de serviço

está relacionada a sua origem: ela é uma reunião, uma soma de talentos. De resto, são

móveis, equipamentos, arquivos e instalações comuns a qualquer escritório (Cabral,

1991).

A primeira agência fundada no Brasil data de 1914 e chamava-se Eclética

Publicidade. A atividade publicitária, entretanto, foi regulamentada no Brasil muitos anos

depois através da Lei Federal nº 4.680 de 18/06/65 e do Decreto nº 57.690 de 01/02/66.

Em relação ao esquema interno de uma agência, Cabral (1991) afirma que ele

sofre variações de uma agência para a outra e de um país para o outro. Há um certo

padrão, entretanto, comum à maioria das agências, pois os serviços são idênticos.

Ainda, de acordo com o citado autor, o modelo operacional das agências

brasileiras sempre foi mais próximo ao das norte-americanas, pois foi e é marcante a

presença das multinacionais de propaganda deste país no Brasil.

Outra importante observação de Cabral (1991) é a respeito do problema que

ocorria e ainda ocorre em certa medida no Brasil, embora tenha melhorado bastante nos

últimos anos: a fragilidade administrativa de nossas agências. Isto se deu e se dá em

função de muitas de nossas agências nascerem da associação de profissionais ligados a

criação e ao atendimento, que não tinham visão administrativa e controle operacional

moderno. Isso acarretou em seguidas e imensas dificuldades para o setor, especialmente

nos momentos de crise econômica. Muitas agências abrem e fecham facilmente.

Em linhas gerais, uma agência possui os seguintes departamentos ou áreas, além

de sua diretoria geral, conselho administrativo ou gerência, dependendo da estrutura:

atendimento, planejamento, criação, produção e mídia (Cabral, 1991).

2.2 Campanha Publicitária e os departamentos de uma agência

Analisamos agora o que cada área ou departamento de uma agência faz para o

desenvolvimento e implementação de uma campanha publicitária. As chamadas

campanhas publicitárias ou, mais modernamente, campanhas de comunicação, são a

principal atividade em que as agências estão envolvidas.

Sampaio (1995) define assim campanha publicitária:

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Uma campanha de propaganda pode ser definida como a soma de

diversos esforços publicitários integrados e coordenados entre si e

realizados para cumprir determinados objetivos de comunicação.

A campanha de propaganda diferencia-se do anúncio isolado pela maior

quantidade e integração das peças de comunicação utilizadas, pela

coordenação de esforços e pela existência de um tema de

campanha.(p.181)

Ainda, segundo esse autor, o tema de campanha pode ser um “slogan”, uma frase,

conceito visual, gráfico ou sonoro que procura resumir a essência do posicionamento de

um produto/marca/empresa. Em relação ao tema, há maior detalhamento na seqüência

deste trabalho.

O primeiro departamento que analisamos é o atendimento. Um setor que evoluiu

muito a partir dos anos 90 no Brasil, quando a necessidade de um maior envolvimento

com os clientes elevou a função ao status de um verdadeiro consultor de marketing e

comunicação (Cabral, 1991, p.23).

Os profissionais que trabalham nesta área são conhecidos como “profissionais de

atendimento” ou “contatos”, embora essa segunda denominação venha sendo

abandonada.

Para Cabral (1991), os homens de atendimento são aqueles que fazem a ligação

cliente-agência. São responsáveis por recolher informações junto ao cliente e retransmiti-

las para o restante da agência. Mais do que isso devem acompanhar todo o processo de

desenvolvimento da campanha, sua implementação e seus resultados (o antes, o durante

e o depois).

Para tanto devem conhecer a fundo o produto e o mercado de seus clientes, deve

ter um profundo conhecimento de todas as etapas de uma campanha e forte

fundamentação em marketing.

O profissional de atendimento trabalha basicamente com os seguintes

documentos:

a) “briefing” - um roteiro para a coleta de informações junto ao cliente;

b) “relatório de visitas” - documento que vai formalizar todo o relacionamento entre cliente

e agência, todas as solicitações, mudanças, acordos e negociações (pode incluir o

briefing);

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c) “pedido de job” ou “ordem de serviço” - documento que faz solicitações aos demais

departamentos da agência para determinado trabalho interno ou até externo (Cabral,

1991, p.22-23).

Após analisar o trabalho do atendimento, passaremos ao planejamento de

campanha. Nas grandes empresas nada é feito ao acaso. Para estar no mercado é

necessário conhecê-lo intensamente, ter capacidade de antever cenários, riscos e

oportunidades (Cabral, 1991, p. 34).

A importância do marketing ampliou-se sobremaneira nas duas últimas décadas

em função de as empresas/anunciantes sentirem uma crescente necessidade de mover-

se no mercado a partir de planos pré-estabelecidos, nos quais houvesse uma análise dos

componentes mercadológicos (preço, produto, praça e promoção) que interferem na vida

do produto no mercado. Além disso, foi fator decisivo o enorme incremento da

concorrência em todo mundo, com a queda de barreiras de comércio internacionais,

expansão das empresas multinacionais e o advento da chamada globalização.

Um bom planejamento de marketing leva em conta uma série de fatores

fundamentais para o sucesso do produto/serviço/marca, dentre eles a propaganda. Nos

últimos anos, em função de uma acirradíssima concorrência e de uma acentuada

similaridade entre os produtos e serviços, a importância dada à propaganda no cenário

mercadológico é cada vez maior. É necessário diferenciar os iguais.

Cabral (1991) afirma que o planejamento é basicamente uma série de

“Recomendações Básicas”, uma plataforma de comunicação que vai se desdobrar em

anúncios. O planejamento deve ser extremamente discutido e revisto, tanto dentro da

agência quanto com o cliente.

Ainda, segundo esse autor, o planejamento deve ser redigido em forma de

documento que conterá:

1 - Análise do produto - uma análise nua e crua do produto que será anunciado;

2 - Análise do mercado - informações a respeito do consumidor, o diagnóstico da

realidade;

3 - Análise do esforço de vendas - saber da situação dos vendedores, dos canais de

distribuição;

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4 - Análise da concorrência - conhecer os concorrentes (“players”), sua atuação no

mercado, sua força publicitária, sua estratégia de comunicação e seu posicionamento na

mente dos consumidores.

Após a realização dessas análises, Cabral (1991) enfatiza a necessidade de se

apresentar uma estratégia integrada de comunicação que inclui: o núcleo central da

mensagem: o posicionamento, o conceito, a maneira de expor o produto ao consumidor

motivando-o; a duração da campanha, sua vinculação com promoções e outras

ferramentas de comunicação mercadológica; como dimensionar e distribuir a verba de

propaganda para atingir os objetivos propostos.

Algumas agências preferem apresentar o planejamento juntamente com lay-outs,

roteiros e/ou storyboards. Outras não. De qualquer modo, o planejamento deve ser escrito

de maneira: simples, sintética, objetiva, direta, clara, sem dubiedades, modulado,

estabelecendo etapas a serem cumpridas (Cabral, 1991, p.36).

Tratemos agora do departamento de criação. A criação é a ponta do iceberg. A

parte visível da propaganda, normalmente a única etapa do processo que fica exposta ao

público consumidor. Todas as tarefas anteriores, que demandam enorme esforço, não

são percebidas. Como no iceberg, a maior parte está submersa.

Também não é justo afirmar que não se trabalhe arduamente na etapa de criação,

embora seja essa a visão (romântica) que ainda se tem deste momento do processo

publicitário: o gênio criativo que tem uma saraivada de idéias fantásticas em poucas horas

e depois vai usufruir seu tempo livre.

A etapa criativa, embora a mais percebida e cultuada do processo publicitário,

também requer extrema dedicação (transpiração) e grande conhecimento técnico e de

mundo.

Cabral destaca que: “A criatividade em propaganda não é um lampejo ocasional,

uma inspiração momentânea. Ao contrário: é fruto de meticuloso estudo e pesquisa da

realidade”.(1991, p. 63).

A criação é, na verdade, a essência do processo publicitário. É o momento de

encantar e persuadir o consumidor. É o momento de transformar o conceito extraído no

planejamento em tema de campanha: uma abordagem criativa para o posicionamento

escolhido.

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Podemos afirmar que o planejamento determina “o que dizer” (o posicionamento),

enquanto a criação busca “como dizer”. Faz isso encontrando não somente o tema (que

irá traduzir criativamente o tema), mas também o apelo (também chamado de abordagem

ou “approach”, ou a maneira como exporemos o tema para o público-alvo).

Cabral (1991) considera importante analisar dois aspectos relacionados ao

trabalho criativo: o conteúdo e a forma. Segundo o autor, em toda e qualquer peça

publicitária encontram-se esses dois elementos, coexistindo em equilíbrio ou não,

contribuindo para o sucesso da abordagem ao consumidor.

O conteúdo do anúncio é a maneira encontrada pelo criativo (através de textos,

sons, gestos, músicas etc) para “traduzir” o tema da campanha. O conteúdo é o conceito

que pretendemos transmitir e tem relação com todo o contexto da campanha: mercado,

público, objetivo, momento histórico-social e até a programação ou linha editorial dos

veículos utilizados (Cabral, 1991, p.62).

Já a forma, é a “aparência” da peça, são seus aspectos externos. Está ligada a

estética. Traduzindo, em uma peça é necessário escolher cores, cenários, figurinos,

atores, modelos, tipo de letra, iluminação, tipo de papel etc. A forma ajuda a expressar o

conteúdo, da mesma maneira que o conteúdo interfere na forma.

Para o referido autor, os dois conceitos estão constantemente entrelaçados e,

preferencialmente, em equilíbrio. Muito embora em algumas situações um possa se

sobrepor ao outro, o desejável é que a peça publicitária possa ser percebida e entendida

no seu todo, sendo assim, eficaz e pertinente.

Na criação, há a necessidade de esmero tanto na elaboração do conteúdo, a

busca do código adequado e sua contextualização, como também no refinamento da

forma, trabalhar aspectos estéticos mínimos que contribuem fortemente para a eficácia do

anúncio. Por isso que podemos dizer que a criação não vive somente de “estalos de

criatividade”. É preciso trabalhar, lapidar a mensagem, testar sua flexibilidade, sua

adaptabilidade, pois mesmo que variem as peças e os veículos utilizados (o que influi

tanto na forma quanto no conteúdo) deve manter-se uma unidade.

Sabemos que a publicidade manipula diferentes códigos para atingir os objetivos

propostos: som, cor, movimento, a palavra, o texto, recursos tecnológicos diversos etc. E

que o bom anúncio é uma conseqüência quase natural de um bom “briefing”, de um bom

planejamento e de muitas discussões na agência.

Com relação à mídia, pode-se afirmar que ela é, atualmente, uma das áreas ou

departamentos mais importantes na implementação de uma campanha.

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Benetti (apud Ribeiro et al, 1989), vê assim o papel da mídia:

Sua função básica em face dos objetivos/estratégias de mercado

e comunicação, é propor caminhos (estratégias e táticas) para que a

mensagem chegue ao público-alvo. Nesta tarefa, o profissional de mídia

procura, através de pesquisas existentes, identificar meios e veículos de

comunicação que atinjam o consumidor na qualidade e quantidade (perfil)

exigidos pelos objetivos de marketing (p. 186-187).

Para Cabral (1991), os profissionais de mídia têm que lidar com aspectos

psicológicos e sociais, pois devem conhecer e entender o público que deverá receber a

campanha: além disso, têm que se ater a aspectos de negociação, compra antecipada de

espaços nos veículos e planejamento estratégico.

É importante ressaltar que, em geral, a maior parte das verbas de publicidade é

investida em mídia, na busca de espaços que forneçam alta visibilidade e resultados aos

anunciantes.

No setor ou departamento de produção, as agências embora ainda mantenham

em suas estruturas profissionais responsáveis pela produção (produtores gráficos e de

RTV), direcionam todo o trabalho de execução e finalização das peças publicitárias para

ser realizado fora da agência. Neste cenário destacam-se os fornecedores especializados

e as produtoras, empresas ou pessoas físicas que são terceirizados pela agência e, sob

sua coordenação, executam as peças de uma campanha ou “jobs” (Sampaio, 1995).

Os fornecedores e produtoras ganharam vida quando as agências passaram a

enxugar suas estruturas e focaram-se em sua atividade principal: desenvolver a estratégia

de comunicação de seus clientes e, conseqüentemente, criar as peças. A execução, que

em alguns casos exigia altos investimentos em equipamentos muito específicos, foi

terceirizada.

Destacamos agora alguns dos principais fornecedores e produtores que atuam no

processo publicitário (Sampaio, 1995). Para iniciar, tratemos das Produtoras de Áudio.

Elas são empresas que contam com recursos tecnológicos e humanos específicos para a

criação e produção de som para peças publicitárias. As peças mais comumente

desenvolvidas são: o “spot” - texto que pode ser interpretado por um ou mais

locutores/autores e que normalmente é acompanhado de música de fundo ou efeitos

sonoros. É uma peça específica para rádio ou sistemas de som; o “jingle” - música que

canta as qualidades do produto. Pode ser totalmente original (letra e música) ou parodiar

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uma música conhecida alterando a letra para destacar determinada

empresa/marca/produto. Pode ser utilizado em rádio, sistemas de som e na TV; a trilha

sonora - música que serve de pano de fundo em comerciais de rádio e/ou TV. Pode

ajudar na descrição da ação ou simplesmente “criar um clima” adequado ao conteúdo da

peça.

Depois podemos destacar as Produtoras de comerciais para TV, que são

empresas que reúnem pessoas e equipamentos necessários à execução dos comerciais

que assistimos nas TVs e nos cinemas (Sampaio, 1995).

Podemos evidenciar também, segundo o autor, os Fotógrafos e Ilustradores, que

dão conta das imagens concebidas pelos chamados diretores de arte. Partindo de um

layout que pode conter apenas uma imagem indicativa, estes profissionais vão cuidar da

produção e execução da imagem necessária à peça publicitária.

Sampaio (1995) mostra também a importância dos Institutos de pesquisa, pois

ninguém no mercado publicitário e em marketing gosta de dar “tiros no escuro”. Os

investimentos são altos e a comunicação deve primar pela eficácia. Daí a importância da

pesquisa dentro do universo publicitário.

As pesquisas mais compradas pelas agências são: as de mercado - busca

informações sobre o produto e o seu mercado; as de mídia - levanta informações capazes

de aferir o potencial de penetração de cada veículo e de traçar o perfil do consumidor dos

diferentes meios; e as de comunicação - como o consumidor reage à propaganda, quais

os efeitos que a comunicação vem gerando sobre seu comportamento e que caminhos ou

soluções seriam mais adequadas a determinado público-alvo.

Em relação à Produção Gráfica, o mesmo autor afirma que depois que a

informática chegou ao mundo da propaganda, houve profundas modificações no trabalho

deste setor da produção, tornando-o mais ágil e econômico. Basicamente, a grande

alteração foi a eliminação de uma parte da pré-produção gráfica, relativa a preparação de

originais (artes-finais) e de textos e títulos.

Atualmente, podemos dividir o trabalho de produção gráfica da seguinte maneira:

elaboração das peças em computadores e programas específicos, que já permitem reunir

e distribuir no layout a um só tempo, fotos, ilustrações, títulos e textos; elaboração, em

empresas especializadas, de fotolitos a partir dos arquivos gerados nas agências, direto

de disquetes, CD‟s ou mesmo via internet; a impressão propriamente dita, realizada em

gráficas.

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Estes são os principais fornecedores e produtores. Há muitos outros que podem

participar do processo publicitário em qualquer um de seus momentos. Há aquilo que

podemos chamar de “fornecedores dos fornecedores”, o caso, por exemplo, das

empresas de “casting” (elenco) e das que locam equipamentos para produtoras de áudio,

de VT‟s e para fotógrafos.

Após detalharmos as áreas e/ou funções de uma agência, podemos observar que

o processo de formulação de mensagens publicitárias é um trabalho coletivo. Convém

aqui acrescentar, contudo, a presença de mais um elemento participante desta obra

coletiva que é o trabalho publicitário: o cliente/anunciante. É como afirma Bertomeu

(2002): “É um trabalho que envolve a parceria dos publicitários entre si e dos clientes para

juntos buscarem resultados, ...” (p. 50). O mesmo autor continua, afirmando:

“... o cliente é parte integrante do trabalho coletivo, é visto e

reconhecido como um parceiro que também busca a agilidade do

desenvolvimento do trabalho, reconhece que o tempo é fator importante

no desenvolvimento da propaganda e está sempre pronto a acrescentar

informações ou aprimorá-las para o texto de um melhor briefing”.(p.51)

Vimos então, que a formulação das mensagens publicitárias pelas agências de

propaganda não é fruto do trabalho isolado dos chamados profissionais de criação ou

criativos (como se convencionou chamar no meio publicitário), mas sim de um amplo e

cada vez mais sofisticado processo que envolve distintas etapas de trabalho e diferentes

especificidades profissionais da propaganda.

No capítulo seguinte, mostramos como a mensagem publicitária, assim como todo

e qualquer enunciado, é dialógico e/ou polifônico. Para tanto, veremos o que são esses

conceitos e as teorias relativas a eles desenvolvidas por Bakhtin (1988) e Ducrot (1997).

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CAPÍTULO 3 – O DIALOGISMO E A POLIFONIA

Neste capítulo procuramos demonstrar os conceitos de dialogismo e de polifonia,

partindo basicamente das idéias de Bakthin e de Ducrot. A partir desses pressupostos

teóricos, entenderemos que o texto publicitário, assim como qualquer outro enunciado, é

constituído por diferentes “vozes”. E que isso se dá fundamentalmente em função de seu

aspecto persuasivo, de sua forte orientação para o interlocutor.

Também importantes neste capítulo são os conceitos de enunciado, enunciação e

a diferenciação entre locutor e enunciador, além dos marcadores polifônicos que servirão

de base para o restante de nosso trabalho e para a análise de nosso “corpus”.

3.1 O dialogismo

Foi Bakhtin (1988) que, partindo de uma crítica ao objetivismo abstrato que via a

língua como um sistema monológico, lançou primeiramente a idéia de polifonia. Para o

autor, a palavra não é monológica e sim plurivalente; e o dialogismo é uma condição

constitutiva do sujeito. Para ele o ser humano não pode ser concebido fora das relações

que o ligam ao outro. Assim sendo, toda palavra é dialógica, pois a linguagem é social.

Segundo Wertsch e Smolka (1994)

A idéia de dialogia é fundamental no estudo de Bakhtin sobre os

processos mentais e sociais humanos. Para ele, qualquer enunciação

produzida por seres humanos só pode ser compreendida se entendermos

sua relação com outras enunciações. (p. 127)

Nesse sentido, Bakhtin (1988) critica o subjetivismo individual, no qual a

enunciação é monológica e se apresenta como um ato puramente individual. O autor

rompe essa idéia ao analisar os dois aspectos da expressão ou o seu dualismo - o

conteúdo (interior) e sua objetivação exterior para outrem – e propõe, então, a eliminação

da distinção entre o conteúdo interior e o exterior. Qualquer aspecto da enunciação será

definido pelas reais condições de enunciação, ou seja, a situação social presente.

De acordo com Wertsch e Smolka, Bakhtin deixa claro em seus trabalhos que a

polifonia é parte integrante e essencial de qualquer enunciação, e o ponto no qual ela

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desponta com mais nitidez está ligado aos aspectos de “linguagem social” e “gêneros de

fala”.

Linguagem social é, para Bakhtin (2000), o discurso próprio e característico de

uma determinada parcela ou estrato da sociedade, dentro de um sistema social específico

e num dado espaço de tempo. Ela está inserida no idioma nacional e com ele se conecta,

embora possam ser vistos de modo independente um do outro.

Ainda segundo Wertsch e Smolka

Na perspectiva de Bakhtin, o falante sempre invoca uma linguagem

social ao produzir uma enunciação, e essa linguagem social configura o

que a voz individual do falante quer dizer. Esse processo de produzir

enunciações únicas, falando linguagens sociais, envolve um tipo

específico de dialogia ou polifonia..., ou o processo no qual uma voz fala

por meio de uma outra voz ou tipo de voz encontrado em uma linguagem

social. (p. 129)

Já os gêneros discursivos são entendidos como uma forma característica de

enunciação em que a palavra acaba por assumir uma expressão única, específica. Estão

ligados a situações características de comunicação verbal, nos quais há profunda relação

entre o significado das palavras e a realidade, o momento em que são empregadas.

Esse conceito é importante, pois a produção de toda e qualquer enunciação

implicará, sempre, a apropriação de um gênero discursivo.

Meurer e Motta-Roth (2002), em apoio a essas idéias, destacam três aspectos

básicos – sobre o que se fala, quem fala e como se fala – como determinantes e ao

mesmo tempo dependentes do contexto em uma dada atividade do homem ocorra

através da mediação da linguagem. Os autores seguem afirmando

A consciência desses três aspectos nos possibilita ser mais ou

menos articulados no uso da linguagem para alcançar determinados

objetivos e nos apropriarmos e expandirmos o repertório de gêneros

discursivos disponíveis em nossa cultura.

Ao servir de materialidade textual a uma determinada interação

humana recorrente em um dado tempo e espaço, a linguagem se

constitui como gênero. (p. 11)

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Traçando um paralelo com a enunciação publicitária, podemos entender que ao

produzir textos para comerciais e/ou anúncios, estamos sempre nos apoderando de um

determinado gênero discursivo, pertencente a um grupo social, profissional, étnico (ou

qualquer outra classificação ou divisão) com o qual desejamos nos comunicar. É

importante também ressaltar que, ao mesmo tempo, estamos fazendo uso de uma

linguagem social, pois formulamos o texto segundo um tipo de voz pertencente a um dado

segmento social.

Há ainda dois outros aspectos importantes em nossa pesquisa sobre a polifonia no

texto publicitário que podemos destacar já neste início. O primeiro é justamente

relacionado ao momento da enunciação. Fundamental para a análise do texto em

propaganda é entender o momento sócio-histórico de sua produção, pois conforme

Bakhtin (1988): “Qualquer que seja o aspecto da expressão-enunciação considerado, ele

será determinado pelas condições reais da enunciação em questão, isto é, antes de tudo

pela situação social mais imediata”. Em outras palavras, a propaganda é sempre produto

do meio social em que está inserida e, também, sempre contemporânea. Está ligada aos

acontecimentos de seu tempo, explorando fatos e coisas que ocorrem no dia-a-dia das

pessoas.

O segundo aspecto é, como considera Bakhtin (1988), a orientação da palavra em

função do interlocutor. Toda palavra tem dois lados: é definida pelo fato de que procede

de alguém e pelo fato de que se dirige a alguém. Podemos afirmar, então, que ela é

resultado da interação entre locutor e ouvinte.

A concepção de polifonia do autor, trabalhada sobre textos literários que ele julga

como "carnavalescos", analisa o fato de que ocorrem em um mesmo texto diferentes

vozes que se expressam sem que haja predominância de uma delas. Para ele o discurso

é dialógico e não monológico.

Um conceito bastante útil em nossa análise é aquele que vê uma dupla orientação

na dialogização do discurso. Uma voltada para os outros discursos como sendo

constitutivos do discurso e outra voltada para o outro da interlocução, ou seja, o

destinatário do discurso (Bakhtin, 1988). No discurso publicitário há forte influência da

segunda orientação, pois o interlocutor parece ser a razão de ser da produção dos

enunciados publicitários. Conforme afirma-nos Brandão (1991) ao analisar o pensamento

de Pêcheux (1991) sobre as condições de produção do discurso, em todo processo

discursivo o locutor antecipa as representações feitas pelo interlocutor e, através dessa

antevisão do “imaginário” do outro, estabelece suas estratégias de formulação da

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mensagem. Essa idéia está relacionada diretamente a apropriação de uma linguagem

social e de um dado gênero de fala por parte do produtor do texto publicitário, conforme

citamos anteriormente.

A partir dessas considerações, podemos dizer que a publicidade é sempre

socialmente determinada, e a situação social tanto dos locutores quanto dos

interlocutores do processo publicitário é que dá forma para a enunciação, no nosso caso a

mensagem publicitária. Há na publicidade o velho jargão de “usar a linguagem do

receptor” ou “falar a língua do consumidor”. Isto acaba por determinar como será a forma

final da mensagem, especificamente em nossa pesquisa, o texto.

O que vimos acima nos permite dizer que, já na concepção da mensagem

publicitária, podemos detectar a presença de diversas vozes, pois o pensamento inicial já

está condicionado socialmente.

Em uma relação com um “ouvinte-potencial”, podemos distinguir dois pólos nos

quais se realizam as tomadas de consciência e a elaboração ideológica. Mentalmente

oscilamos de um a outro. Convencionalmente, chamamos estes dois pólos de “atividade

mental do eu e atividade mental do nós”. A primeira tende para a auto-eliminação e a

segunda permite, quanto mais sofisticada e consolidada seja, diferentes modelagens

ideológicas (Bakhtin, 1988). A produção da mensagem publicitária parece estar mais

ligada a “atividade mental do nós”, pois percebemos que a mensagem publicitária só pode

efetivar-se em um determinado agrupamento social se estabelecer uma ligação com a

ideologia do cotidiano. Ela é reconhecida e decodificada apenas dentro dos limites de um

contexto comum.

Outro aspecto interessante para nossa pesquisa é entender que o centro de toda

enunciação está colocado no exterior, que toda enunciação é produto da interação social.

Ora, em publicidade dizemos que sem entender o mercado, o consumidor e o produto não

há possibilidade de efetuar comunicação persuasiva. Todos esses aspectos são externos

à mensagem publicitária e produto de interação social.

Aqui é necessário e útil apresentar o conceito de enunciação de Benveniste (1974)

que gira em torno do ato de produzir o enunciado, não dando importância maior ao texto

do enunciado, ou seja, preocupando-se mais com o processo de produção do que com o

produto final. Para esse autor, a enunciação é um processo de apropriação da língua para

poder expressar ou comunicar algo, passando por um aspecto ligado à materialidade da

língua enquanto uso e expressão de determinado relacionamento com o mundo, ou seja,

ela é apenas uma possibilidade que pode se tornar concreta no ato da enunciação. Em

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outro aspecto relacionado à subjetividade, o referido autor introduz a idéia do locutor ou

“daquele que fala na sua fala”. Nesse sentido, toda e qualquer enunciação é uma

alocução, seja de maneira explícita ou implícita. Ela sempre instaura o outro, seja qual for

o nível de presença que o locutor atribui ao outro. Mais uma vez percebemos a presença

constante, a importância e a influência daquele para quem a mensagem é dirigida.

Bakthin nos apresenta o seguinte conceito de enunciação:

Com efeito, a enunciação é o produto da interação de dois

indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um

interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do

grupo social ao qual pertence o locutor. (1988, p. 112).

Uma enunciação é formada tanto por formas lingüísticas como por elementos não-

verbais que tomam parte de uma dada situação, os chamados elementos

extralingüísticos. A compreensão da enunciação é possível a partir do entendimento de

seus elementos constituintes. Bakthin (1988) considera que a palavra opera como um

elemento fundamental que está ligada a toda e qualquer criação ideológica. Ela compõe

todos os atos tanto de compreensão quanto de interpretação. Nesse sentido, embora

vários signos ideológicos não sejam passíveis de substituição por palavras, cada um

deles, simultaneamente, busca apoio nas palavras e é cercado por elas. Segundo o autor,

A palavra acompanha e comenta todo ato ideológico. Os

processos de compreensão de todos os fenômenos ideológicos (um

quadro, uma peça musical, um ritual ou um comportamento humano) não

podem operar sem a participação do discurso interior. Todas as

manifestações da criação ideológica – todos os signos não verbais –

banham-se no discurso e não podem ser nem totalmente isoladas nem

totalmente separadas dele. (1988, p. 37 e 38).

Em relação à nossa pesquisa essa concepção é extremamente útil, pois na

formulação das mensagens publicitárias há farta utilização de elementos não-verbais.

Tais elementos constituem a mensagem e auxiliam na sua compreensão. Essa idéia

corrobora o que Carrascoza (1999) afirma quando trata da evolução do texto publicitário,

ou seja, a extrema aproximação, a partir da década de 60 do século passado, entre o

texto e a imagem (ou imagens) colocada(s) no anúncio.

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Bakhtin (1998) propõe também que a língua só evolui em função da evolução das

relações sociais (as chamadas infra-estruturas), ou seja, a evolução da comunicação e

das interações verbais a partir do quadro das relações sociais resultará na mudança das

formas da língua. Podemos afirmar que a produção da mensagem publicitária

constantemente adapta-se às mudanças da língua como forma de garantir-lhe eficácia e

também por estar inserida nas relações sociais, assim como toda forma de comunicação.

Outro aspecto importante em Bakhtin é a consideração de que a atividade de

linguagem não tem começo nem fim, é ininterrupta. Segundo ele

A enunciação realizada é como uma ilha emergindo

de um oceano sem limites, o discurso interior. As dimensões e as formas

dessa ilha são determinadas pela situação de enunciação e seu

„auditório‟. A situação e o auditório obrigam o discurso interior a realizar-

se em uma expressão exterior definida, que se insere diretamente no

contexto não verbalizado da vida corrente, e nele se amplia pela ação,

pelo gesto ou pela resposta verbal dos outros participantes da situação

de enunciação. (1988, p.125).

Para Bakhtin, é necessário considerar a enunciação individual como um fenômeno

puramente sociológico. Nesse sentido, o texto publicitário não é o resultado da atividade

criativa de um único indivíduo, pois toda enunciação se fundamenta no aspecto dialógico

e, portanto, social da linguagem.

Conforme citado anteriormente, a linguagem jamais é um ato realmente individual

ou monológico. Ela será sempre um ato sociológico, que parte de um individuo, mas já

vem, desde se sua formulação interior, carregada de aspectos sociais e ideológicos

relacionados e influenciada pelo outro e pelo contexto.

A publicidade, como uma forma de enunciação, portanto, nunca é despojada de

outras vozes, principalmente porque talvez seja um dos tipos de enunciado mais

orientados para seu “auditório”, assim como é fortemente influenciada pelo momento

sócio-histórico em que pretende se inserir. Colocando de outra maneira, na produção da

mensagem publicitária há uma profunda orientação para o outro, para o interlocutor.

Partindo desse raciocínio, é possível dizer que há uma maior preocupação com a imagem

que o produtor da mensagem forma (ou possui) do interlocutor, fazendo com que o

processo de produção de textos publicitários não parta apenas da criatividade, mas sim

de fatores objetivos e subjetivos relativos ao público-alvo.

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Ao tratar do discurso publicitário, Bigal (1999) afirma que a publicidade trabalha

com um processo de seleção e associação dos elementos que formarão a mensagem.

A autora afirma que o emissor (no nosso caso o locutor) seleciona alguns dados

referentes ao público-alvo (interlocutor) tais como a origem, faixa etária, localização

geográfica, formação cultural, profissão, hábitos, costumes, tendências e também o poder

aquisitivo. Ou seja, ele faz um “recorte” do consumidor que será alvo das mensagens

publicitárias.

Feito o “recorte” do público-alvo, o publicitário seleciona os sinais que irão compor

a mensagem, ou seja, o texto, a sonoridade, imagens, cores, motivos, contexto. Essa

segunda seleção deve, obrigatoriamente, estar adequada a primeira.

Já o processo de associação obedecerá ao de seleção. É quase uma

conseqüência lógica do processo de seleção. O publicitário irá associar sinais, partindo de

um universo finito que seja aquele dominado, conhecido e reconhecido pelo interlocutor.

Irá optar por signos facilmente reconhecíveis e de fácil associação. Essas associações

ocorrerão dentro de um universo finito, no qual as idéias, signos e fatos são

imediatamente associados e facilmente traduzíveis como decorrência de um continuo e

exagerado uso dos mesmos.

Podemos novamente recorrer a Carvalho (1996) para dar sustentação a essa

idéia:

O jogo é sempre o mesmo: no momento da comunicação, entender um

signo é construir uma linha de demarcação entre os que compartilham o

sentido evocado e os que ficam excluídos. O implícito (cultural)

desempenha um papel decisivo, impondo uma fronteira eficaz e discreta

entre os que compreendem e os que não compreendem o sentido total

da mensagem. (1996, p. 98).

Como pudemos ver, vários fatores são analisados, detalhados e discutidos para

que se possa, intencionalmente, escolher os elementos adequados para cada situação de

comunicação com o possível consumidor do objeto anunciado.

3.2 A teoria polifônica de Ducrot

Ducrot (1987) propõe sua teoria polifônica, assim como Bakhtin, a partir de um

antagonismo ao pressuposto da unicidade do sujeito falante. Ele parte das idéias de

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Bakhtin, mas faz uma ressalva, ao colocar que o mesmo centrou suas análises sobre

textos e não sobre os enunciados que constituem esses textos. Desse modo, Ducrot crê

que Bakhtin não colocou totalmente em xeque o postulado que diz que um enunciado

isolado exprime uma única voz.

A idéia de trabalhar os enunciados isoladamente, defendida por Ducrot, guarda

extrema relação com nossa pesquisa, pois os textos grafados nos oudoors, objetos de

nossa pesquisa, podem ser considerados como enunciados isolados, uma vez que são

curtos e sintéticos e têm que exprimir o conceito ou idéia presente na peça publicitária de

maneira solitária. O texto do outdoor deve se bastar. Deve conseguir, isoladamente,

exprimir toda uma temática publicitária. Ele não constitui um texto publicitário completo

em sua estrutura, mas sim o que podemos chamar de um título-texto. É o que Carrascoza

(1999) classifica como um anúncio em que “muitas vezes a mensagem verbal se resume

ao título”.

Ducrot afirma que: “O problema fundamental, nessa ordem de estudos, é saber

porque é possível servir-se de palavras para exercer uma influência, porque certas

palavras, em certas circunstâncias, são dotadas de eficácia” (1987, p. 163). Para ele,

“Não se trata mais do que se faz quando se fala, mas do que se considera que a fala,

segundo o próprio enunciado, faz” (1987, p. 163). Ou seja, o autor parece mais focado

nos efeitos da enunciação, na influência que ela pode gerar. Em outras palavras, e

relacionando com nossa pesquisa, no poder de persuasão da escolha intencional de

palavras.

O autor estabelece então, como forma de sustentação às suas idéias, uma

distinção entre “frase”, “enunciado”, e “enunciação”.

A frase é, para Ducrot (1987) um objeto teórico, uma invenção da gramática. Uma

seqüência definida com uma estrutura lexical e sintática. Podemos afirmar que se trata

apenas do materialmente observável, de uma seqüência ordenada e lógica de palavras,

normatizada pela gramática.

Já o enunciado pode ser entendido como a manifestação sempre particular da

frase. O autor nos oferece o exemplo de duas pessoas distintas dizendo “faz bom tempo”,

ou da mesma pessoa dizendo a mesma frase em momentos diferentes, o que caracteriza

dois enunciados diferentes. Podemos nos arriscar a dizer que o enunciado é a frase em

ação, em movimento, em uso. O que combina com a idéia de pragmática semântica: a

ação humana realizada através da linguagem.

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Finalmente, a enunciação é “o acontecimento constituído pelo aparecimento de um

enunciado” (p.168). A realização de um enunciado é um acontecimento único, dá-se

existência a algo que não existia antes e que deixará de existir depois. É uma aparição

momentânea. É importante ressaltar que Ducrot não vê a necessidade de um autor do

enunciado para que se dê a enunciação. É simplesmente o aparecimento de um

enunciado.

Segundo Brandão (1991),

Ducrot parte “do pressuposto de que o sentido do enunciado é uma

descrição de sua enunciação e para essa descrição o enunciado fornece

indicações. Dentre as indicações fundamentais que o enunciado traz

inscritas em seu sentido, estão aquelas sobre o(s) autor(es) eventual(is)

da enunciação. (p.57,58).

A autora afirma então que a tese de Ducrot contempla duas idéias básicas. A

primeira é a que atribui para a enunciação um ou mais sujeitos que seriam sua origem. A

segunda é aquela que vê a necessidade de diferenciar entre os diversos sujeitos ao

menos duas modalidades de personagens: os locutores e os enunciadores.

Os locutores são aqueles que são apresentados no enunciado como seus

responsáveis. Diferem do chamado ser empírico ou ator empírico do enunciado, que é

aquele que efetivamente produz o enunciado. No nosso caso seria o produtor do texto

publicitário. Como afirma Ducrot:

Há de fato casos em que, de uma maneira quase evidente, o

autor tem pouca relação com o locutor, ou seja, com o ser, apresentado

no enunciado, como aquele a quem se deve atribuir a responsabilidade

da ocorrência do enunciado. (1987, p. 182).

É o caso do texto publicitário. Em boa parte das situações de produção de um

anúncio, o produtor do texto (o publicitário) tem pouca ou nenhuma relação direta com o

que está apresentando. Ou seja, ele não necessariamente precisa ser um consumidor do

produto ou usuário do serviço, nem mesmo pertencer àquele determinado estrato da

sociedade que compõe o público-alvo da mensagem. Ele, na verdade, detém de algum

modo, conhecimentos que lhe permitem organizar as idéias e produzir o texto. Ele,

através da pesquisa, da observação, da análise e de seu conhecimento de mundo (o

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repertório) irá conhecer o interlocutor e para ele formulará a mensagem utilizando-se de

um locutor (distante e diferente dele, produtor do texto), ocorrendo assim, na maior parte

dos casos, um total apagamento do ser empírico no texto publicitário.

Já os enunciadores são os seres cujas vozes estão presentes na enunciação, mas

que não são responsáveis pela ocorrência de palavras, ou seja, não é atribuída ao

enunciador (ou enunciadores) nenhuma palavra, usando aqui o sentido material do termo.

Ducrot (1987, p.193) afirma então que “o locutor, responsável pelo enunciado, dá

existência, através deste, a enunciadores de quem ele organiza os pontos de vista e as

atitudes”.

A diferenciação entre locutor e ser empírico de imediato nos remete à polifonia.

Em propaganda normalmente temos o apagamento total do ser empírico, do autor ou

produtor efetivo do texto publicitário, em prol do locutor que conversará com o interlocutor

dentro de um repertório adequado a esse. Esse apagamento é útil na obtenção do efeito

de “conversa direta” com o consumidor de que nos fala Carrascoza. Raramente então, em

textos publicitários, há uma coincidência entre a voz do locutor e a do ser empírico ou

produtor efetivo do texto.

Ao introduzir o conceito de enunciador, evidencia-se a existência de diversas

vozes. É muito comum, em propaganda, a presença de diferentes personagens

(enunciadores) ao longo do texto para que se alcance resultado persuasivo.

Exemplificando, em um texto podemos ter a presença da voz da empresa, da voz de um

ou mais enunciadores (que podem ser personagens do texto) e do locutor, aquele que

organiza e distribui todas essas vozes.

Para desmistificar o conceito de que as idéias de Ducrot são densas e, por vezes

abstratas, tomemos como material de análise para dar concretude aos conceitos e

exemplificarmos a presença de locutor e enunciadores no texto publicitário, o seguinte

anúncio do Shopping Iguatemi publicado na Revista Veja em 1993 e incluído no livro A

evolução do texto publicitário, de João Anzanello Carrascoza (1999, p.163).

Relógio do Shopping Iguatemi. Ele se pergunta por que nunca tinha

tempo para ficar com o filho. Pai, como funciona este relógio? Ta vendo a

água lá em cima daquela bola...Ele ia explicando e o garoto maravilhado

com o relógio. Mas para que serve o tempo, pai? Como é que as crianças

conseguem fazer este tipo de pergunta? Tempo serve para medir as

coisas que a gente faz. A hora que você tem que ir pra escola. A hora de

acordar, de dormir. Daqui a pouco, por exemplo, eu tenho que deixar

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você na casa da sua mãe. Ele esperava o tradicional por quê? Mas o

garoto não fez a pergunta. Devia estar se acostumando. Devia estar

crescendo. Engraçado como as crianças crescem rápido. Do telefone

celular, ligou primeiro para a ex-mulher, depois para a empresa. Comprou

dois sorvetes e ficaram horas sentados, sem pressa, olhando o relógio de

água do Shopping Iguatemi.

Shopping Iguatemi. Onde a vida acontece.

No início, do trecho que vai de “Relógio do Shopping...”.até “tempo para ficar

com o filho”, temos a presença do locutor (daqui para frente L). Em seguida entra a voz

do filho (daqui para frente E1), um dos enunciadores, no trecho “Pai como funciona

esse relógio?” Logo em seguida vem a voz do pai (daqui para frente E2), o outro

enunciador, respondendo: “Tá vendo a água lá em cima daquela bola...”. Em seguida

temos novamente a presença de L em “Ele ia explicando e o garoto maravilhado com

o relógio”. Novamente o E1 perguntando: Mas para que serve o tempo pai?”. Retorna

L no trecho” Como é que as crianças conseguem fazer esse tipo de pergunta?”. Na

seqüência temos E2, no trecho que vai de” Tempo serve para medir...”até tenho que te

deixar na casa da sua mãe”. No trecho seguinte temos o retorno de L: desde “Ele

esperava o tradicional por quê? Mas...” até o final do texto.

Pudemos notar, neste exemplo, a presença de três vozes distintas: L (o locutor,

que narra o texto em terceira pessoa), E1 (o filho) e E2 (o pai). Todas estas vozes são

organizadas, ganham vida, pelas mãos do ser empírico ou produtor efetivo do texto. Esse,

entretanto, não se manifesta no texto. Ele se apaga totalmente. Nota-se claramente,

então, a polifonia.

Além disso, o anúncio trata de uma situação comum numa grande metrópole como

São Paulo (localização do produto anunciado, o Shopping Iguatemi): pais separados. Mas

isso não significa necessariamente que o produtor do texto seja separado de sua esposa.

Nem mesmo que ele seja casado ou que tenha filho ou filhos. Em outras palavras, sua

realidade não necessariamente precisa coincidir com a do narrador. Nem suas idéias ou

modo de vida. Ele não guarda, como afirmou Ducrot em citação anterior, relação direta

com o locutor que é o responsável pelo enunciado.

3.3 Índices ou marcadores polifônicos

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46

Segundo Koch (1997a), podemos encontrar no texto determinadas formas

lingüísticas que funcionam como marcadores, como indicativos da presença de outras

vozes compondo o discurso. Esse construto teórico nos é fundamental, pois embora os

conceitos de locutor e enunciador já nos definam a condição polifônica dos enunciados, a

idéia e a relação de índices ou marcadores polifônicos apresentada a seguir, servirá de

base para a análise detalhada de nosso corpus.

Ainda de acordo com Koch, podemos destacar as seguintes formas lingüísticas

que atuam como marcadores polifônicos: operadores argumentativos, marcadores de

pressuposição, uso do futuro do pretérito como metáfora temporal, a ironia, a

intertextualidade e a negação.

Sobre os operadores argumentativos, Ducrot (1987) dentro de sua Semântica

Argumentativa, utilizou-se desse termo para classificar ou reunir determinados

componentes da gramática de uma dada língua que tem por função mostrar a força

argumentativa de certos enunciados, sendo também indicativos da direção para qual

apontam. Dentre os operadores argumentativos explicitados por Ducrot, Koch (1997a)

destaca os seguintes:

a) ao contrário, pelo contrário;

Exemplo: Ronaldo não atuou mal. Pelo contrário, até fez o gol da vitória.

O enunciado introduzido por pelo contrário não se contrapõe a Ronaldo não

atuou mal. A presença da forma pelo contrário é explicada pela presença

de uma outra voz que diz implicitamente que Ronaldo atuou mal e é para

essa afirmação que se coloca o operador pelo contrário.

b) mas e embora;

Exemplo: A Bélgica jogou muito bem, mas o Brasil esteve melhor e venceu.

Koch afirma que os operadores pertencentes ao grupo do mas e embora

tem um modo de funcionamento semelhante, opondo argumentos

enunciados de pontos de vista diferentes que acabam levando, como

conseqüência, a conclusões contrárias.

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47

c) operadores conclusivos

Exemplo: Arnaldo trata mal seus funcionários. Assim vai acabar levando o

troco.

(“Quem com ferro fere, com ferro será ferido”).

São casos em que não se enuncia um dos argumentos (a premissa maior),

por se tratar de uma máxima, algo plenamente aceito na cultura em que se

vive. Uma verdade. Essa voz acaba estando presente no discurso. Os

operadores conclusivos estão muito ligados às máximas ou aos provérbios

e compreendem a idéia de que o locutor acaba aderindo a uma premissa

polifonicamente introduzida, acabando por argumentar no mesmo sentido.

Quanto aos marcadores de pressuposição, o conteúdo pressuposto por esses

tipos de marcadores é enunciado pelo locutor, mas é partilhado com outras vozes e até

mesmo com toda a comunidade em que se insere (Ducrot, 1987). Para o autor, o conceito

de pressuposto implica idéias não expressas de maneira explícita e que são

conseqüência do sentido de certas palavras ou expressões contidas na frase. Outro

conceito próximo trabalhado por Ducrot é o subentendido, que pode ser definido como

insinuações presentes numa frase ou num conjunto de frases e que não são marcadas

lingüisticamente.

Exemplo: O Brasil continua sendo o melhor do mundo no futebol.

Existe o pressuposto de que o Brasil já era o melhor do mundo, compartilhado,

pelo menos, com o interlocutor.

Em relação ao uso do futuro do pretérito como metáfora temporal, ocorre que o

locutor não assume diretamente o que diz, preferindo atribuir o conteúdo a outros.

Exemplo: O técnico que levou o Brasil ao pentacampeonato estaria deixando o

cargo.

O locutor não assume o que diz. Alguém teria dito que o técnico abandonaria o

cargo, mas não o locutor. O enunciado é atribuído a “alguma outra voz”.

Já a ironia, de acordo com Brait (1996), pode ser entendida e percebida como a

conjunção de vários discursos e de uma maneira mais fechada como uma forma

diferenciada de interdiscurso.

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Analisando a ironia dentro da perspectiva do humor e focalizando-a como

“confluência de discursos” ou “cruzamento de vozes”, a autora a entende como.

...um procedimento intertextual, interdiscursivo, sendo

considerada portanto, como um processo de meta-referencialização, de

estruturação do fragmentário e que, como organização de recursos

significantes, pode provocar efeitos de sentido como a dessacralização

do discurso oficial ou o desmascaramento de uma pretensa objetividade

em discursos tidos como neutros. Em outras palavras, a ironia será

considerada como estratégia de linguagem que, participando da

constituição do discurso como fato histórico e social, mobiliza diferentes

vozes, instaura a polifonia, ainda que essa polifonia não signifique,

necessariamente, a democratização dos valores veiculados ou

criados.(Brait, 1996, p.15).

Já Maingueneau (2001) considera que a ironia ocorre quando o enunciador

subverte sua própria enunciação, podendo ocorrer tal subversão sem que exista

contestação de um determinado gênero ou mesmo de um texto anteriormente existente.

Ele afirma:

A enunciação irônica apresenta a particularidade de

desclassificar a si mesma, de se subverter no instante mesmo em que é

proferida. Classifica-se tal fenômeno como um caso de polifonia, uma vez

que esse tipo de enunciação pode ser analisado como uma espécie de

encenação em que o enunciador expressa com suas palavras a voz de

um personagem ridícula que falasse seriamente e do qual ele se

distancia, pela entonação e pela mímica, no instante mesmo em que lhe

dá a palavra.(p. 175)

Maingueneau (2001) usa o exemplo do enunciado “Que homem amável!...”,

proferido por um locutor que se refere a um homem extremamente grosseiro e

deseducado. Ao fazer isso, o locutor transfere a responsabilidade desse enunciado não

muito adequado para uma outra voz, colocando-a dentro da cena em sua enunciação.

Ainda segundo o referido autor, há semelhanças e diferenças entre o provérbio e a

ironia, pois ambos implicam um enunciador que permite perceber na sua própria voz a

voz de outrem, ao qual fica então atribuída a responsabilidade pelo enunciado. No

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provérbio, entretanto, o enunciador valoriza e reivindica a instância do outro, enquanto

que na ironia o outro é desqualificado. Outra diferença reside no fato dos provérbios

serem uma fonte finita, um estoque de um dado patrimônio cultural, enquanto que

qualquer enunciação pode ser irônica.

Maingueneau afirma ainda que “o provérbio se apresenta pelo que é, sem

equívocos, ao passo que a ironia é por essência ambígua, pois se mantém na fronteira

entre o que é assumido e o que é rejeitado”. (2001, p. 175). O mesmo autor cunha a

expressão “enunciação proverbial irônica” e diz que nela podemos distinguir três vozes:

uma voz anônima representada pelo “nós”; uma voz de um personagem ridículo que diz

seriamente um certo provérbio; e a voz do enunciador que faz encenar em sua fala, uma

voz que a precede e da qual ele se distancia.

A propaganda vem utilizando com freqüência a ironia como fator persuasivo, tanto

para atrair a atenção do interlocutor quanto para conquistar sua simpatia e interesse.

Vale-se para isso, muito da ironia como forma de humor. Não necessariamente aquele

humor que possa levar a uma gargalhada, mas aquele que faça o interlocutor sentir-se

bem, concordando com o aspecto irônico. É uma forma de trazer o possível consumidor

para seu lado, facilitando sua adesão ao produto/marca/serviço.

Brait afirma que o “ironista” busca encontrar maneiras de chamar a atenção do

interlocutor para o discurso e através de tal procedimento, conquistar sua adesão. A

autora deixa claro que sem essa adesão do interlocutor, a ironia não se concretiza. Para

tanto, segue afirmando Brait, o conteúdo do discurso estará marcado de maneira

subjetiva por valores que são atribuídos pelo enunciador, mas que são colocados de

forma que a participação do interlocutor seja exigida. É essa participação que acaba por

pressupor o compartilhamento de conhecimentos, pontos de vista, valores

pessoais/culturais/sociais e que são constitutivos de um imaginário coletivo.

Em outras palavras, ao utilizarmos a ironia no texto publicitário, estamos contando

com a participação total do público-alvo (interlocutor), estamos confiando que ele

compartilhe os mesmos conhecimentos embutidos por nós (produtores do texto) na

produção textual. Para tanto, voltamos ao fato da necessidade de o produtor do texto

publicitário conhecer bastante bem o interlocutor, ser capaz de organizar o enunciado

para ele e de possuir repertório para tanto.

Segundo Brait (1996, p. 105) “É a organização do discursivo-textual que vai

permitir chamar a atenção sobre o enunciado e, especialmente, sobre o sujeito da

enunciação”.

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Tal conceito guarda larga relação com os aspectos persuasivos do texto

publicitário, que sempre busca trazer a atenção primeiro para o próprio enunciado (ou

para a própria peça publicitária) e depois para a coisa anunciada. A ironia se insere aqui,

então, como mais uma forma de sedução, de encantamento do interlocutor.

A Negação é um outro marcador de polifonia. Entende-se que qualquer negação

pressupõe uma afirmação, ou seja, todo enunciado negativo implica a existência de um

enunciado afirmativo anterior e que a ele já está incorporado ( Koch, 1987).

Vejamos um exemplo:

Antonio não é má pessoa, muito pelo contrário, é bastante prestativo e educado.

O enunciado que pelo contrário introduz não é oposto a não é má pessoa, mas sim

a uma outra voz, a um outro enunciado incorporado a este que afirma que Antonio é má

pessoa. Ou seja, polifonicamente, há a presença de outra voz que afirma que Antonio não

é uma boa pessoa.

Outro indicador polifônico é a Intertextualidade.

Podemos dizer que a Intertextualidade são os enunciados presentes dentro de

outros enunciados. Sempre que falamos ou escrevemos, trazemos junto ao nosso

enunciado outros enunciados que já conhecemos. Eles passam a compor, a constituir

nossa enunciação.

De acordo com Ducrot (1988): “O discurso citado é o discurso no discurso, a

enunciação na enunciação, mas é, ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma

enunciação sobre a enunciação”. (p. 144)

Já Koch (1997b) afirma que

... todo texto é um objeto heterogêneo, que revela uma relação

radical de seu interior com seu exterior; e, desse exterior, evidentemente,

fazem parte outros textos que lhe dão origem, que o predeterminam, com

os quais dialoga, que retoma, a que alude, ou a que se opõe. (p. 46)

Observa a autora dois tipos ou duas categorias de intertextualidade: a

intertextualidade em sentido amplo e a intertextualidade em sentido restrito.

Em relação à intertextualidade em sentido amplo, Koch (1997b) afirma que ela é a

condição de existência da própria enunciação, ou seja, não há enunciação ou texto

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totalmente original, que não remeta a outro ou a outros textos que o precede ou que com

ele convivem. Podemos dizer que todo texto está sempre “contaminado” de outros textos,

que lhe servem de influência e/ou referência. Todo texto tem início em um ou mais textos

pré-existentes não necessariamente produzidos, concretizados.

Já em relação à intertextualidade em sentido restrito, a autora observa que se trata

da relação de um texto com outros textos anteriormente existentes, ou seja, que foram

efetivamente produzidos. E destaca entre as diversas possibilidades de intertextualidade

restrita os seguintes tipos:

1 – De conteúdo X forma/conteúdo

A intertextualidade de conteúdo se dá entre textos que se valem de conceitos e até

expressões comuns a uma dada área ou corrente de conhecimento e que já ficaram

estabelecidos em textos anteriores. É o caso dos textos científicos de uma mesma área,

ou de textos jornalísticos que lidam com o mesmo assunto (esportes, por exemplo) e de

textos literários que pertençam a uma mesma escola.

Já intertextualidade de forma/conteúdo ocorre quando um dado autor parodia ou

imita, com claras intenções, estilos, registros ou variedades de língua, como o caso de

textos que buscam reproduzir o estilo de determinado autor ou de um segmento

específico da sociedade.

2 – Explícita X implícita

Podemos tipificar a intertextualidade explícita quando ocorre citação da fonte do

intertexto. Casos do discurso relatado, das citações e referências, das resenhas e/ou

resumos, das traduções e das retomadas de parte do texto de alguém para lhe dar

encadeamento ou contradizê-lo numa conversação.

Já a intertextualidade implícita ocorre sem que haja identificação clara da fonte,

ficando ao encargo do interlocutor reavê-la na memória para assim construir o sentido do

texto. Aqui podemos nos referir às paródias, alusões, paráfrases (alguns tipos) e a ironia.

3 – Das semelhanças e diferenças

No caso da intertextualidade de semelhanças, o texto segue a orientação

argumentativa do intertexto, incorporando-o. Normalmente se utiliza disso para apoiar no

intertexto sua argumentação. É o que Maingueneau (2001) cunhou de valor de captação.

No que se refere à intertextualidade das diferenças, também ocorre à incorporação do

intertexto por parte do texto, mas com a intenção de colocar em dúvida sua validade,

ridicularizar ou demonstrar sua improcedência. A isso Maingueneau chamou de valor de

subversão.

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4 – Com intertexto alheio, com intertexto próprio ou com intertexto atribuído a

enunciador genérico.

Aqui Koch observa que alguns autores denominam intertextualidade apenas

quando se utiliza o intertexto alheio e, quando da utilização de intertexto próprio, utilizam

a denominação de intra-ou auto-textualidade. Já a intertextualidade atribuída a um

enunciador genérico, refere-se a enunciações que têm como fonte um enunciador

indeterminado e que fazem parte do repertório de determinada comunidade. É o caso dos

provérbios e ditos populares. Como afirma a autora:

Ao usar-se um provérbio, produz-se uma “enunciação-eco” de um

número ilimitado de enunciações anteriores do mesmo provérbio, cuja

verdade é garantida pelo enunciador genérico, representante da opinião

geral, da “vox populi”, do saber comum da coletividade. (p. 50)

Não é raro encontrarmos em propaganda o aproveitamento de ditos populares,

trechos de músicas populares de sucesso, provérbios, manchetes de jornal e frases

famosas de personalidades famosas. E ela pode fazer - e faz - isso tanto de forma

explícita como de forma implícita e também para confirmar ou ridicularizar um outro

enunciado. Parece-nos evidente, que para a propaganda esse é mais um importante

recurso persuasivo.

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CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DA POLIFONIA NOS TEXTOS DE OUTDOOR

Neste capítulo delimitamos os conceitos de outdoor e de publicidade ao ar-livre

(que abrange diversos outros veículos) de maneira ampla, assim como detalhamos as

características naturais dos veículos enquadrados dentro da classificação de publicidade

ao ar-livre.

Em seguida, apresentamos uma breve explanação sobre os aspectos ligados à

criação das mensagens de outdoor e dos chamados “prêmios publicitários”, delimitamos o

corpus de nossa pesquisa e procedemos a sua análise propriamente dita.

4.1 O Outdoor

A tradução literal da expressão de origem inglesa outdoor é “do lado de fora da

porta”. Do ponto de vista publicitário, entretanto, a palavra outdoor no Brasil tem um

significado mais específico. O termo começou a ser utilizado como abreviatura para a

expressão outdoor advertising, que podemos traduzir, de maneira livre, como publicidade

ao ar-livre. Em vários países, outdoor designa toda e qualquer forma de publicidade ao ar-

livre.

Em nosso país, contudo, faz-se uma diferenciação entre o outdoor e as demais

peças publicitárias inseridas na classificação de publicidade ao ar-livre ou, como vem

sendo chamada mais recentemente, mídia exterior.

A partir do surgimento da Central de Outdoor, associação que congrega as

principais empresas exibidoras de outdoor (empresas que montam as tabuletas em

diversos locais e as comercializam para clientes/anunciantes), em 31 de agosto de1977,

passou-se, por convenção, a considerar como outdoor apenas as tabuletas de três (03)

metros de altura por nove (09) metros de cumprimento, onde são coladas ou afixadas

trinta e duas (32) folhas de papel que formarão a mensagem publicitária.

A Central de Outdoor criou também um padrão de comercialização, inicialmente

baseado em quinzenas fixas de veiculação das mensagens (sempre de 01 a 15 e de 16 a

30 de cada mês) e que posteriormente (fato bastante recente) foi trocado pelo sistema de

bi-semanas (com as veiculações iniciando sempre num sábado, a partir de um calendário

anual pré-estabelecido e fixo de bi-semanas).

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Como veículo inserido dentro da classificação de publicidade ao ar-livre, o outdoor

segue algumas características desse conjunto de meios, tendo, como todos, algumas

vantagens e limitações do ponto de vista publicitário.

Segundo Santa‟Ana, a característica que torna a publicidade ao ar-livre diferente

de todos os outros veículos que conduzem mensagens publicitárias é a involuntariedade,

ou seja, em meios como o rádio e a TV é o consumidor que decide quando e que

emissoras quer ouvir/assistir; assim como se decide pela assinatura ou compra em banca

de determinado jornal ou revista. Trata-se de vontade própria, ato voluntário. Já a

publicidade ao ar livre é percebida quase casualmente, sem que haja um ato voluntário

das pessoas. As pessoas saem às ruas e se deparam com ela.

Santa‟Ana ainda lista outras características dessa categoria de mídia:

a) maleabilidade – pode ser utilizada para cobrir extensas regiões ou apenas uma

cidade ou bairro;

b) ação rápida e continua – ninguém desliga a publicidade ao ar livre, daí sua

constância, além disso, ela está disponível ao mar de pessoas que se deslocam pelas

ruas diariamente;

c) impacto – pelas dimensões e uso de cor, fotos e ilustrações, causa forte

impressão;

d) memorização – normalmente passamos todos os dias por vários exemplares da

mesma peça, o que facilita a fixação da mensagem;

f) simplicidade – por tratar-se de uma mensagem bastante breve e concisa, é de

entendimento rápido e fácil.

A última característica citada é importantíssima em nossa pesquisa. As

mensagens em publicidade ao ar livre devem ser extremamente curtas, uma vez que as

pessoas apenas passam por elas. Mesmo em enunciados breves, entretanto, é possível

notar o dialogismo e a polifonia. Isso também tem eco, como já dissemos anteriormente,

nas idéias de Ducrot a respeito da análise dos enunciados curtos.

Para explicar o processo criativo da produção de mensagens em outdoor,

podemos aproveitar alguns conceitos utilizados por Sant‟Anna na criação de cartazes,

visto que ambos pertencem à mesma classificação de mídia. Segundo esse autor, para

ser eficiente, o cartaz (ou melhor, sua mensagem) deve possuir algumas virtudes. A

primeira delas seria a capacidade de atrair a atenção; depois é necessária a unidade de

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idéia (tema, assunto a ser abordado na mensagem) e forma (aspectos mais ligados à

estética, a exterioridade da peça publicitária); em seguida faz-se útil clareza e força de

sugestão (argumentação, força persuasiva); temos depois a questão da legibilidade, o

cartaz deve ser facilmente compreendido em seu todo; por último temos a questão

estética, relacionada mais diretamente à aparência artística e qualidade e rigor de

acabamento.

O mesmo autor segue afirmando

O texto de um cartaz deve ser essencialmente de afirmação,

enunciado por meio de uma frase exclamativa ou imperativa. Quanto

mais o raciocínio imposto aos transeuntes se revestir de uma forma

indiscutível, quanto mais ele for expresso por palavras que constituam

uma imagem ou por palavras ligadas à imagem, sugerida pela ilustração,

tanto melhor será o cartaz.

O texto de um cartaz deve atingir sua finalidade em poucas

palavras: aqui não há título, nem corpo de texto, nem conclusão, mas

uma única frase de extrema densidade. (1998, p. 239)

Ainda tratando de criação de mensagem para outdoor, Pereira & Sabadin (1997)

afirmam que criar para esse meio solicita cuidados e habilidades específicas que todo e

qualquer criador de propaganda tem que considerar antes de começar a transferir suas

idéias para o papel. Um dos mais importantes fatores a se considerar é que quem vê um

cartaz publicitário, via de regra, está se deslocando. Pode ser num automóvel, num

ônibus ou até mesmo a pé, a realidade é que o outdoor eficaz é aquele que consegue

comunicar a mensagem de maneira bastante rápida, pois dificilmente alguém ficará

parado alguns segundos ou minutos em frente a um outdoor, somente para visualizá-lo e

entendê-lo.

Como conseqüência do que foi explicitado no parágrafo anterior, Pereira &

Sabadin (1997) reafirmam os aspectos de clareza e simplicidade da mensagem veiculada

em outdoor, afirmando que a mensagem será “mais eficiente na medida em que ela for

concisa, enxuta, facilmente memorizável e – claro – contiver a dose necessária de

criatividade e emoção indispensáveis a todo e qualquer tipo de peça publicitária” (p. 48).

Quanto ao número máximo de palavras que um outdoor deve comportar, Pereira &

Sabadin citam alguns publicitários e autores (David Ogilvy, William Bernbach e

Washington Olivetto) para concluir que, na verdade, não há nenhum limite numérico

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claramente estabelecido, embora existam especulações que tratem de cinco ou oito

palavras máximas no texto do outdoor. Estipulam, entretanto, outros três cuidados

básicos:

a) sintetizar ao máximo a idéia e o conceito do produto/serviço, evitar contar

histórias;

b) não fazer uso demasiado de informações visuais.

c) criar especificamente para o outdoor, evitando adaptações simples de outras

peças criadas para a mesma campanha publicitária, pois se corre o sério risco

de comprometer a eficiência da mensagem.

4.2 Seleção do corpus

Para determinarmos um corpus para a nossa pesquisa, optamos por trabalhar com

os outdoors premiados em diversas premiações nacionais de propaganda.

As premiações em propaganda servem para reconhecer e valorizar o trabalho

criativo dos publicitários envolvidos no processo de criação de peças publicitárias. As

mensagens escolhidas são normalmente aquelas consideradas as mais criativas e que

conseguem ter alto grau de eficácia na comunicação dos produtos, marcas ou serviços

anunciados.

Existem critérios de avaliação e formas de julgamento diferenciadas e que variam

de uma premiação para a outra. Existem também alguns prêmios específicos (somente

comerciais para TV, por exemplo) e outros que contemplam diversos veículos e diferentes

categorias (o mesmo prêmio vai escolher as melhores peças para rádio, TV, outdoor etc).

No caso do nosso corpus, são peças publicitárias vencedoras das seguintes

premiações: Anuário do Clube de Criação de São Paulo, do Prêmio Colunistas, Prêmio

Central de Outdoor (Categoria Profissional e Estudante) e Prêmio Toulouse Lautrec.

Todos esses prêmios têm prestígio e reconhecimento e são extremamente disputados

pelos profissionais de criação publicitária em todo o território nacional.

A amostra por nós escolhida reúne dez outdoors vencedores nas premiações

acima citadas nos últimos dez anos, de 1991 a 2001. Vamos passar agora à análise do

corpus propriamente dita.

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4.3 Análise do corpus escolhido

Vamos iniciar nossa análise por um cartaz vencedor, em 1991, do I Grande Prêmio

Central de Outdoor (figura um). Nele encontramos um marcador de pressuposição. No

texto "Mais um buraco na cidade", o produtor do texto, ao fazer uma analogia com o

produto que está anunciando, partilha com seu interlocutor ou até com terceiros a idéia de

que a cidade de São Paulo já possui diversos buracos em suas ruas e avenidas. Ele (o

autor) não assume total responsabilidade pelo conteúdo expresso no texto, dividindo-o

com a população.

Aqui há a importância e a influência do momento histórico-social a que se refere

Bakhtin (1988). A situação de momento era compartilhada por grande parte da população

a quem era dirigida a mensagem, portanto há a inclusão de suas vozes num enunciado

aparentemente unívoco. Na verdade a voz presente nesse enunciado não é só a do

produtor do texto, mas também a de diversos setores da comunidade da cidade de São

Paulo.

Além disso, é de se notar também a presença da ironia, pretendendo através de

uma afirmação em um sentido, obter do interlocutor (através de sua participação via seu

conhecimento dos problemas pela qual a cidade passava) um sentido diferente e que

rompe com o primeiro, estabelecendo um tom de humor à mensagem.

Na figura dois temos o outdoor vencedor do II Grande Prêmio Central de Outdoor,

em 1992. Podemos perceber nesse cartaz a profunda relação entre a linguagem verbal e

não verbal, da qual trataram tanto Bakhtin (1988) quanto Carrascoza (1999). O texto está

diretamente ligado à imagem e essa se apóia e se complementa no texto.

Figura 1

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Podemos detectar no enunciado dessa peça publicitária a polifonia manifestando-

se através de um subentendido, visto que não há no texto – “Ai, ui! Ou Sundow” -

nenhum indício concreto que busque remeter a uma determinada idéia.

A presença da imagem de um pimentão de óculos de sol num ambiente de praia

interage com o texto na busca do efeito de sentido desejado. Nessa conjunção entre

imagem e texto, entre o verbal e o não-verbal, há relação com o conceito de gênero

discursivo exposto por Bakhtin (1998), no qual se estabelece uma forma característica de

enunciação em que uma palavra ou expressão assume um sentido único, ligado a

situações de comunicação verbal em que se estabelece uma profunda relação entre o

significado da palavra e a realidade, o momento em que é utilizada. Explicando de outro

modo, a palavra pimentão passou a assumir, para uma parcela bastante significativa da

população brasileira, já há algum tempo, o sentido de bronzeamento exagerado ou

exposição demasiada ao sol, que causa a vermelhidão da pele. É bastante comum que se

chamem às pessoas que estão vermelhas por se queimarem demais ao sol de

“pimentão”. O curioso nesse cartaz é que isso não está dito no texto e sim na imagem.

A apropriação desse gênero discursivo numa associação texto-imagem leva ao

subentendido de que se você não utilizar o produto anunciado (um protetor solar) no

verão, ficará vermelho como um pimentão.

Fato interessante nesse cartaz também é a estratégia de abordagem ao

consumidor (apelo) escolhida pelo produtor da mensagem. Ao invés de se concentrar em

aspectos racionais como, por exemplo, a proteção da pele aos efeitos nocivos da alta

exposição à luz solar, prefere-se trabalhar um posicionamento que vá de encontro a

aspectos subjetivos/emotivos do consumidor. Explica-se: faz parte da cultura brasileira o

culto aos corpos morenos, bronzeados pelo sol. Principalmente no verão. As pessoas que

ficam vermelhas são vistas como se freqüentassem pouco as praias e/ou não soubessem

Figura 2

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conseguir um “bronzeado perfeito”. Dizendo de outro modo, ser visto e entendido como

um “pimentão” é desconfortável, é degradante. A palavra “pimentão”, nesse sentido, é

pejorativa. Desse modo, o produto desperta nas pessoas um outro significado ou desejo:

o de conseguir se expor ao sol sem passar o ridículo de “virar um pimentão”.

No cartaz vencedor do III Grande Prêmio Central de Outdoor, em 1993, podemos

detectar a presença de um pressuposto. Como podemos observar na figura 3, o texto

“Triquini” associado à foto de uma modelo tomando banho de mar e trajando um biquíni

(maiô de duas peças) faz pressupor que ela esteja utilizando uma terceira peça de

vestuário. O pressuposto é também trabalhado com a presença da foto do produto, o

absorvente higiênico de uso interno o.b., que seria a terceira peça do vestuário, essencial

para que a mulher possa freqüentar praia usando biquíni em seus períodos de

menstruação.

Figura 3

Não há possibilidade de se confundir com o uso do subentendido, pois há a

indicação do efeito de sentido pretendido pelo produtor da mensagem no texto da

mensagem publicitária deste outdoor. Como já visto anteriormente nessa pesquisa, no

caso do subentendido, não há marca lingüística do efeito de sentido que se pretende

obter.

A mensagem transmite de maneira delicada e bem-humorada a solução para um

problema de certo modo considerado tabu em nossa sociedade (a menstruação e os

impedimentos sociais que ela pode causar à mulher), principalmente se levarmos em

consideração o período de sua veiculação, o início dos anos 90, quando, apesar de o

tema já ser tratado com mais liberdade pela sociedade brasileira, ainda havia a

necessidade de uma comunicação mais suave, menos direta. Além disso, com a

utilização do pressuposto, o produtor da mensagem publicitária amplia o poder

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persuasivo da enunciação, pois pede, assim, a participação e o envolvimento do

consumidor alvo na elucidação do efeito de sentido.

Em 1994, o cartaz vencedor do Prêmio Nacional da Central de Outdoor,

apresentado na figura 4, trabalha com o subentendido para obter efeito persuasivo na

comunicação do lançamento de uma nova linha de picolés da Kibon.

O produtor do texto conta com o conhecimento de mundo do interlocutor para

obter o efeito de sentido desejado: comunicar que os novos picolés Kibon têm sabor de

frutas naturais. E essa participação indica o compartilhamento de conhecimentos e

valores pessoais/culturais/sociais que são constitutivos de um imaginário coletivo. Daí a

presença da polifonia.

Figura 4

É necessária, nesse caso, a contribuição do interlocutor para que se dê a

compreensão dessa mensagem publicitária. Não há traços lingüísticos que apontem

diretamente para o fato de que os picolés são realmente feitos de fruta. O interlocutor é

convidado, é levado a essa leitura, pela confluência entre os elementos verbais e não

verbais que constituem a mensagem. Aliás, a junção entre o verbal e o não verbal é

fundamental nessa peça publicitária.

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Esse aspecto – a junção entre verbal e não verbal - tem relação com a abordagem

criativa adotada pelo produtor da mensagem. Caso tivesse optado por uma linguagem

mais informativa, provavelmente ele teria dito algo do tipo: “Picolés feitos de fruta natural.”

Isso, entretanto, seria bem menos encantador e, portanto, menos impactante. Ao

substituir, no primeiro cartaz, a imagem da fruta pela do próprio picolé e, no segundo, a

imagem do palito do picolé pela imagem do caroço da fruta, ele obtém a mesma leitura,

mas de maneira bem mais sutil, leve e sedutora. Muito mais persuasiva, até por contar

com a contribuição do interlocutor para sua total compreensão.

No cartaz que apresentamos na Figura 5 - premiado com o bronze (terceiro lugar)

do vigésimo Anuário do Clube de Criação de São Paulo, em 1995 - o texto “Fale agora ou

cale-se de vez em quando”, criado a partir do provérbio “fale agora ou cale-se para

sempre”, é um caso que pode ser entendido tanto como intertextualidade de

semelhança - sob a ótica de Koch, (1997b) - quanto como “enunciação proverbial” -

sob o ponto de vista de Maingueneau (2001) - com o sentido de captação, ou seja, de

aproveitamento do sentido real do provérbio utilizado como forma ou recurso persuasivo.

Figura 5

Ao utilizar um provérbio de amplo conhecimento por parte de diversos setores da

população brasileira, o autor empírico do texto consegue – como já dito – não só

aproveitar o sentido original do provérbio, mas, ao mesmo tempo, tornar sua enunciação

extremamente íntima do interlocutor, aproveitando-se da linguagem cotidiana. Além disso,

podemos retomar o que afirma Maingueneau (2001) a respeito da “enunciação

proverbial”:

“A enunciação proverbial é fundamentalmente polifônica; o

enunciador apresenta uma enunciação como uma retomada de

inumeráveis enunciações anteriores, as de todos os locutores que já

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proferiram aquele provérbio. Não se trata, porém, de uma citação no

sentido habitual do termo, como ocorre, por exemplo, no discurso direto.

Proferir um provérbio (“Quem tudo quer, tudo perde”, “Tal pai, tal filho”

etc) significa fazer com que seja ouvida, por intermédio de sua própria

voz, uma outra voz, a da “sabedoria popular”, à qual se atribui a

responsabilidade pelo enunciado” (2001, p.169, 170).

Por outro lado, o provérbio não é utilizado no seu todo, é feita, pelo autor do texto,

uma alteração na parte final do provérbio para melhor introduzir o conceito do produto,

expresso pelo slogan presente no cartaz: “Connecting people” (conectando pessoas).

Mesmo assim, essa alteração não visa causar diferença (como nomeia Koch) ou mesmo

subversão (como intitula Maingueneau), mas sim semelhança e/ou captação. O produtor

do texto, intencionalmente, faz a alteração do “texto original” do provérbio para conseguir

captar para seu enunciado toda força enunciativa do provérbio.

No caso desse cartaz, não há uma importância maior para o momento sócio-

histórico. É lógico que ele se faz presente, pois é parte inseparável da enunciação, mas, o

que pretendemos afirmar, é que não se trata de uma mensagem publicitária tão datada,

tão dependente, para sua compreensão e efeito persuasivo, do contexto histórico e social.

Em outras palavras, essa peça obteria o mesmo efeito de sentido se veiculada (exibida)

hoje.

Na figura seis podemos detectar no outdoor vencedor do VI Prêmio Central de

Outdoor-Categoria Estudante em 1996, a presença da intertextualidade. Mais

especificamente da intertextualidade do tipo implícita, uma vez que não há clara

referência ou citação do produtor do texto ao fato do texto ser um fragmento, um trecho

do Hino Nacional Brasileiro (“Deitado eternamente em berço esplêndido").

Figura 6

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O cartaz refere-se ao incidente ocorrido na Candelária, Rio de Janeiro, onde

diversos menores de rua, que dormiam ao relento, foram assassinados. Ao usar o trecho

do Hino Nacional, a busca do efeito irônico é clara, pois conforme nos propõe Brait (1996)

“... ao interlocutor cabe o papel ativo de participar da dimensão significativa na medida em

que é o ponto visado pelas estratégias elaboradas pelo produtor/enunciador” (p. 14 e 15).

Assim, podemos também detectar a presença da ironia no sentido de contrariar ou

procurar derrubar o “discurso oficial”, como nos coloca Brait (1996).

A ironia ou os procedimentos irônicos são formas de contestação

da autoridade, de subversão de valores estabelecidos que pela

interdiscursividade instauram e qualificam o sujeito da enunciação, ao

mesmo tempo em que desqualificam determinados elementos. (p. 107)

Podemos aqui também fazer uma relação com o conceito de valor de subversão

proposto por Maingueneau (2001). É claro que ao se aproveitar de um trecho do Hino

Nacional a idéia não é utilizá-lo como um apoio à argumentação e sim subvertê-lo,

desmenti-lo, contestá-lo. Isso, por fim, também reforça a condição irônica e, portanto,

polifônica do enunciado em questão.

Aqui também há a conjunção texto-imagem que reforça o aspecto irônico da

mensagem, pois a foto utilizada na mensagem é de um menor abandonado dormindo ao

relento e não em um “berço esplêndido”. Além disso, mais uma vez podemos chamar a

atenção para a importância do contexto histórico e social em que foi produzida a peça. A

peça não teria a mesma força persuasiva hoje, quando, possivelmente, a maior parte das

pessoas esqueceu ou até mesmo desconhece o incidente ocorrido na Candelária.

Na figura sete temos mais um cartaz, esse vencedor do Prêmio Toulose Lautrec

da Central de Outdoor também em 1996. Podemos notar, nesse caso, o uso da ironia

possibilitando a inserção de outras vozes no enunciado. O produtor do texto ao afirmar

"eles blá, blá, blá..." faz menção ao discurso dos governantes, normalmente percebido

pela população como falso, vazio. Ao afirmar "e nos glub, glub, glub" dá voz a toda

população da cidade insatisfeita com os problemas causados, à época, pelas seguidas

enchentes provocadas por chuvas na cidade de São Paulo.

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Como em toda ironia, mais uma vez colocamos aqui a importância da participação

do interlocutor na percepção do real efeito de sentido pretendido pelo produtor do texto. A

expressão “blá, blá, blá” deve constituir o universo de referência do interlocutor como

discurso vão, desprovido de conteúdo e de veracidade. Só assim a mensagem obterá o

efeito que se propõe a atingir. Do mesmo modo que a expressão “glub, glub, glub...” deve

levar o interlocutor à idéia de afogamento ou de submersão em água. Nota-se a

importância então, da apropriação de um dado gênero discursivo por parte do produtor

empírico do texto.

Podemos falar aqui também em subentendido, visto que não há traço textual, não

há marca lingüística e sim insinuações presentes numa frase ou num conjunto de frases

que remetem a uma dada idéia, como já visto anteriormente no Capítulo III.

Além disso, podemos perceber a intenção de obter, via ironia, um efeito de humor

que seja capaz de angariar a simpatia do interlocutor para o enunciado produzido. E,

também mais uma vez, podemos notar a importância do contexto sócio-histórico na

produção do enunciado e na compreensão do mesmo por parte do interlocutor, visto que

esse enunciado só teria sentido para as pessoas que passavam naquele período por esse

problema de enchentes na cidade de São Paulo. Esse mesmo cartaz, se retirado deste

contexto, perde não só a força argumentativa como também o sentido.

Na figura 8, podemos visualizar o cartaz vencedor, em 1997, da categoria Ação

Social do Prêmio Nacional da Central de Outdoor. Nele, notamos a presença de um

operador argumentativo, no texto “Gripes e resfriados são comuns no inverno. Mas se

está demorando para passar pode ser rinite. Consulte seu médico”.

Figura 7

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Figura 08

Retomando Koch (1997a) podemos afirmar que os operadores pertencentes ao

grupo do mas e embora opõem argumentos enunciados de pontos de vista diferentes que

conduzem a conclusões contrárias. É o caso desta mensagem. Inicialmente o enunciado

afirma que resfriados no inverno são comuns. Em seguida, introduz um ponto de vista

contrário, ao afirmar que quando os sintomas permanecem por muito tempo, pode se

tratar de outra doença. É como se um primeira voz desse conta da primeira parte do

enunciado e, uma segunda, o complementasse, mas argumentando em outro sentido.

Um detalhe curioso e importante de ser notado neste caso é o fato da mensagem

publicitária ter sido colocada em dois cartazes, dentro de uma estratégia de veiculação de

outddor conhecida como tabuleta dupla (também podem ocorrer as tabuletas triplas).

Nestes casos, a mensagem tem início em um outdoor e é completado em outro, afixado

sempre ao seu lado direito em razão do sentido ocidental de leitura.

Aqui também é notável a importância do momento histórico e social. É evidente

que se trata de uma peça publicitária datada, pois o texto faz referência direta ao inverno.

Além disso, o anunciante, decidiu, naquele dado momento e por razões de mercado (o

produto poderia estar sendo lançado ou relançado, ou, ainda, estar buscando uma

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reaproximação com o mercado consumidor em função da renite estar atingindo grande

número de pessoas naquele mercado) investir especificamente na divulgação do produto.

No cartaz vencedor do Prêmio Regional da Central de Outdoor em 1998, de Santa

Catarina, podemos detectar a presença do mesmo índice de polifonia, ou seja, um

operador argumentativo. Em seu texto – “Aceitam-se usados... mas com amor” –

verifica-se novamente a presença do mas introduzindo um argumento definitivo e que faz

uma espécie de ressalva a primeira parte do enunciado.

Figura 09

Esse cartaz, que podemos ver na figura 09, foi criado para obter doações de

córneas, ou, como se diz popularmente, doação de olhos. Aproveita um enunciado

bastante comum em anúncios de classificados e, portanto, apropria-se de um gênero

discursivo – Aceitam-se usados – e em seguida coloca o argumento contrário, que opera

no aspecto emocional do público alvo - ... mas com amor – para obter efeito persuasivo.

Mais uma vez, é como se pudéssemos enxergar dois enunciadores: um responsável pela

primeira parte do enunciado; e um segundo, responsável pela segunda parte, que

contraria a primeira.

A associação entre o elemento não verbal e o verbal é decisiva aqui. A fotografia

de um olho, ocupando boa parte do espaço disponível no cartaz, é constitutiva da

mensagem e complementa o efeito de sentido dessa peça publicitária. A pessoa lê o

cartaz como um todo, como se o enunciado verbal dissesse: “Aceitamos a doação de

seus olhos quando você falecer, desde que você doe com amor”. Nesse sentido, o

elemento não verbal está totalmente associado ao verbal para obtenção do efeito de

sentido pretendido pelo produtor do texto.

Vencedor da Categoria Estudantil do Prêmio Central de Outdoor em 1999, o cartaz

apresentado na figura dez traz o seguinte texto: “Tem 500 anos e as curvas continuam

perfeitas”.

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Figura 10

Antes de se iniciar a análise dessa mensagem publicitária, vale lembrar que a

Categoria Estudantil do Prêmio Central de Outdoor propõe um tema único para todos os

estudantes do país e que, nesse caso e nesse ano, o tema escolhido foi a comemoração

dos 500 anos do descobrimento do Brasil.

Passando à análise da mensagem publicitária, podemos notar a presença de um

marcador de pressuposição. O uso do verbo continuar pressupõe que a maioria da

população brasileira (interlocutores) concorda com o locutor e vê como atributo de seu

país as suas belezas naturais, aqui expressadas através da metáfora “as curvas”. Aliás,

essa expressão tem ampla utilização. É bastante usual, ao se referir a uma mulher de

corpo bonito e atraente, dizer que ela possui “belas curvas”, ou “curvas perfeitas”.

Compara-se aqui, então, o país a uma mulher que, embora já possua certa idade, ainda é

muito bela. Ou que continua sendo bela. Trabalha-se assim, portanto, com a

pressuposição de que nosso país foi e continua sendo muito belo.

Ao utilizar uma expressão de uso comum em grande parcela da população, a

publicidade, conforme vimos anteriormente em Carrascoza (1999) e Carvalho (1996),

busca trabalhar elementos estilísticos e argumentativos da linguagem do cotidiano,

aproximando-se ainda mais do interlocutor como se falasse direta e unicamente com ele.

É a busca da informalidade como elemento persuasivo. O que acarreta na apropriação,

por parte do produtor do texto, de um determinado gênero discursivo.

Podemos também aqui mais uma vez destacar a força do momento histórico-social

na elaboração do texto publicitário. Esse cartaz só tem validade (como idéia criativa) para

aqueles que vivenciaram esse importante momento histórico e suas grandes implicações

sociais e até mesmo políticas. Nesse caso, foi totalmente determinante, pois toda a

temática da mensagem gira em torno de uma data comemorativa nacional.

Na figura 11, podemos visualizar o outddor vencedor do 25° Anuário do Clube de

Criação de São Paulo em 2000, criado para o lançamento, no Brasil, do novo carro da

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Wolksvagen - o New Beatle – temos novamente a presença de um operador

argumentativo do grupo do mas e embora, como podemos perceber em seu texto: “Não

tenho tudo que amo mas já entrei na fila”.

Figura 11

Esse enunciado, além da presença de um operador argumentativo, apresenta

outras possibilidades de análise da polifonia. Primeiro podemos destacar o uso, mesmo

que parcial, de um dito ou provérbio popular, ou seja, um outro gênero discursivo

(Bakthin, 1988): “Não tenho tudo que amo, mas amo tudo que tenho”. O provérbio teve

parte de sua construção original alterada para se obter um efeito de subversão (Ducrot,

1987), ou seja, contrapor-se ao sentido original do provérbio. De fato isso ocorre, pois a

pessoa que pertence ao grupo potencialmente comprador deste automóvel (ele custava à

época do seu lançamento algo em torno de sessenta mil reais, pois é importado),

pertence às classes sociais mais abastadas, e que, geralmente, não necessita se

conformar apenas com aquilo que já possui. Nesse sentido, esse enunciado é irônico.

Mas a ironia é usada, aqui, para angariar a simpatia de seu leitor, obter identificação com

seu público alvo, mesmo que para isso tenha abandonado o efeito de captação (Ducrot,

1987) do sentido original do provérbio.

Depois, podemos perceber também, a partir do exposto no parágrafo anterior, a

existência de um pressuposto. O enunciado sugere, no interlocutor, a crença de que o

carro seja tão desejável (em função do design incomum, do fato de ser importado e do

status que transfere), que o público consumidor vai querer tê-lo, mesmo que tenha que

enfrentar uma fila de espera para adquiri-lo.

Em outro outddor vencedor da Categoria Estudantil do Prêmio Central de Outdoor,

desta feita no ano de 2001, podemos identificar a presença de um operador conclusivo.

Recordando o que nos coloca Koch (1997) a respeito deste marcador de polifonia: são

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aquelas situações em que não se enuncia um dos argumentos - o principal - por se tratar

de uma verdade totalmente aceita na cultura em que se vive.

Figura 12

Desse modo, como podemos verificar na figura 12, a mensagem contida neste

cartaz de outdoor – “Se talento tivesse idade, Ghandi não teria participado da

independência da Índia aos 78 anos” – oculta a máxima, bastante comum na sociedade

brasileira, de que os idosos deixam de ser pessoas capazes para exercer uma série de

atividades. Como o tema da peça foi a luta contra o preconceito aos idosos, o texto faz

uma afirmação – “Se talento tivesse idade” - que na verdade acaba incluindo essa voz (do

preconceito) no discurso. Devemos recordar que os operadores conclusivos

compreendem a idéia de que o locutor adere a uma premissa (anterior e maior)

polifonicamente colocada, terminando por argumentar no mesmo sentido. Neste caso

específico, entretanto, inclui-se a voz comum que traz o preconceito, mas a lógica

conclusiva do texto conduz a conclusão contrária: a de que a idade não limita a

capacidade produtiva das pessoas. Em outras palavras, ele acaba argumentando em

sentido contrário, mas há o uso intencional de um operador conclusivo.

É importante também aqui, em relação a essa mensagem publicitária, trazer de

volta as idéias de Citelli (1997) a respeito do raciocínio dialético, cuja característica é

apontar na direção de uma possível conclusão, mas que, ao elaborar as hipóteses,

termina por indicar a conclusão desejada pelo locutor. Esse raciocínio também se

caracteriza pelo uso do verbo no condicional (“...não teria participado...”), o que passa a

idéia de que se tem diferentes opções, embora a opção desejada seja destacada pelo

enunciador na conclusão do enunciado.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de efetivada a análise dos elementos componentes do corpus desse

trabalho, podemos chegar a algumas considerações que, de modo algum, são definitivas,

mas que podem apontar para novos caminhos e idéias em torno da polifonia nos textos

publicitários, notadamente naqueles em que há pouca materialidade textual, como é o

caso das mensagens publicitárias veiculadas em outdoor aqui analisadas.

É claro e definitivo que todo texto é polifônico. A polifonia constitui toda e qualquer

enunciação, conforme vimos no desenvolvimento teórico que elaboramos no capítulo três.

Vimos que a própria palavra é dialógica, pois pode assumir e assume diferentes

significados em diferentes momentos, em diferentes enunciações.

O que nos chamou atenção após a análise das peças publicitárias feitas em torno

dos índices polifônicos, é a riqueza que detectamos. Algo que podemos correr o risco de

chamar de riqueza polifônica, visto que na maior parte das peças analisadas pudemos

detectar mais de um índice de polifonia presente no mesmo texto, na mesma enunciação.

Assim, por exemplo, foi possível detectar a intertextualidade presente junto à ironia, ou

um subentendido ligado também à ironia. Isso se reforça pelo fato de trabalharmos com

textos bastante curtos e corrobora o conceito de Ducrot (1987) - colocado como crítica às

idéias de Bakhtin, pois o mesmo trabalhava com textos longos de romances - em torno da

polifonia detectada em enunciados curtos, isolados, nos quais não há a presença de

grande materialidade textual, como é o caso dos textos de outdoor em contraposição aos

anúncios para revista, jornal e até mesmo rádio e televisão.

Ficou clara também a importância de dois fatores sempre presentes: a importância

do contexto histórico-social e a apropriação de gêneros discursivos por parte do produtor

do texto como forma de conseguir efeito persuasivo.

A importância do momento sócio-histórico tanto na produção quanto na

compreensão dos enunciados é trabalhado por Bakhtin (1988) e decorre do fato de toda

linguagem ser social e historicamente determinada. Isso se acentua na propaganda, pois

nela há a necessidade de contemporaneidade. A propaganda necessita falar a linguagem

de seu tempo, de seu momento. Em boa parte das peças analisadas (caso das peças

presentes nas figuras um, dois, seis, sete, oito e dez) percebemos que, se deslocadas de

seu contexto histórico-social, ocorrerá perda de sentido e de força comunicativa.

Já no caso de apropriação de gêneros discursivos, casos que pudemos verificar

nos exemplos retratados nas figuras dois, cinco, sete, nove, dez e onze, notamos a busca

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da propaganda para soar mais informal e, por conseqüência, mais persuasiva. A

publicidade procura selecionar palavras e expressões que façam parte do léxico do

interlocutor para melhor “conversar” com ele. Assim, o produtor de texto publicitário deve

conseguir trabalhar com diferentes gêneros discursivos para obter sucesso.

Esses dois elementos detectados em nossas análises corroboram nossa idéia

inicial que trata da necessidade de todo publicitário possuir repertório e capacidade de

expressão. O profissional de propaganda, mais especificamente aquele que trabalha com

a criação publicitária, deve estar ligado às coisas que ocorrem em seu tempo, ser bem

informado; ao mesmo tempo deve se empenhar para dominar diferentes linguagens,

saber se comunicar com diferentes públicos transitando em diferentes gêneros

discursivos.

Um outro fator pinçado de nossas análises e que vai ao encontro do exposto

acima é a forte ligação entre a linguagem verbal e a não-verbal. Pudemos perceber nas

peças analisadas a importância das imagens somadas ao texto na busca do efeito de

sentido pretendido e também na busca da persuasão. É o caso de várias peças aqui

analisadas.

A ligação entre o verbal e o não-verbal trabalhada inicialmente por Bakhtin (1988)

e posteriormente também colocada por Carrascoza (1999) é bastante significativa nas

mensagens publicitárias desenvolvidas para outdoor. Isso provavelmente se deva a duas

características intrínsecas desse meio: o fato de ser percebida pelo interlocutor

casualmente e de este estar quase sempre em movimento quando a percebe. Desse

modo, a imagem consegue apoiar e complementar o texto, pois é percebida mais

rapidamente, ao mesmo tempo em que amplia a possibilidade de obter-se o efeito de

sentido desejado e a persuasão.

Podemos considerar que alcançamos o objetivo proposto para essa pesquisa, ou

seja, verificar como se manifesta a polifonia nos breves enunciados desenvolvidos para

outdoors; embora a mesma absolutamente não possua caráter definitivo, mas sim o de

uma contribuição que possa servir de convite a outras investigações científicas que

queiram percorrer semelhante caminho.

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