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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO VILSON PEDRO NERY FRONTEIRAS MERCOSULINAS: EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NA LEGISLAÇÃO DOS PAÍSES DO MERCOSUL CUIABÁ-MT 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

VILSON PEDRO NERY

FRONTEIRAS MERCOSULINAS: EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NA

LEGISLAÇÃO DOS PAÍSES DO MERCOSUL

CUIABÁ-MT

2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

VILSON PEDRO NERY

FRONTEIRAS MERCOSULINAS: EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NA

LEGISLAÇÃO DOS PAÍSES DO MERCOSUL

CUIABÁ-MT

2017

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VILSON PEDRO NERY

FRONTEIRAS MERCOSULINAS: EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NA

LEGISLAÇÃO DOS PAÍSES DO MERCOSUL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade

Federal de Mato Grosso como requisito para a

obtenção do título de Mestre em Educação na

Área de Concentração Educação, Linha de

Pesquisa Movimentos Sociais, Política e

Educação Popular.

Orientador: Professor Doutor Darci Secchi

CUIABÁ-MT

2017

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RESUMO

A presente pesquisa tem por objeto estudar a educação escolar indígena em 7

países da América do Sul que se ligam por meio do Tratado do Mercosul,

verificar quais as normas escritas sobre esta política pública e desvendar o seu

alcance. A escolha dos países investigados teve por filtro a prévia existência de

laços culturais entre naçõesmercosulinas de modo a facilitar o estudo sobre os

textos das constituições e das leis gerais de educação. Foram buscadas as

expressões educação, indígena, bilíngue e educação indígena nos textos

normativos e interpretadas com base em regras de hermenêutica. Por medida de

adequação, primeiramente a pesquisa mostra o processo histórico de formação

das fronteiras geográficas e jurídicas entre as nações do subcontinente sul-

americano. Em seguida a própria elaboração e vigência do Tratado é objeto de

estudo, inclusive a sua importância do ponto de vista econômico e político. Para

limitar as investigações ao objeto “educação escolar indígena”, foram

selecionadas as palavras-chave referenciadas e suas localizações nos textos da

Constituição Federal e na respectiva Lei Geral de Educação da Argentina, Brasil,

Bolívia, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. O caminho da investigação

começa pela escolha das fontes de informação, e em obediência à forma foram

realizadas as pesquisas documental e bibliográfica. A fonte primária consiste na

análise da documentação oficial disponibilizada pelos órgãos dos governos e do

Mercosul sobre este Tratado, e também sobre as normas legais e constitucionais

pertinentes. Entre as fontes utilizadas estão os portais oficiais dos países

mercosulinos, dos parlamentos inclusive, e o “site” oficial do Mercosul

disponibilizados na rede mundial de computadores. Como fonte secundária, a

investigação bibliográfica se baseou em autores da etnografia, educação e

história. Foram colhidas as informações mais recentes disponíveis na academia

sobre a temática indígena. Nas três partes da pesquisa se busca apreender os

múltiplos conceitos de fronteiras, para entender os limites territoriais entre os

países e o processo de criação do Mercosul. Por fim conclui-se a existência de

base legal que permite a inserção dos povos indígenas na discussão sobre o

Mercosul, o que representa impacto na consolidação desta união de nações,

passando de um conjunto de interesses predominantemente econômicos para a

ressignificação das fronteiras territoriais.

Palavras chave: Mercosul. Indígena. Educação escolar.

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ABSTRACT

The present study aims to study indigenous school education in 7 South

American countries that are linked through the Mercosur Treaty, to verify the

written norms about this public policy and to unveil its scope. The choice of the

countries investigated had the effect of filtering the prior existence of cultural ties

between Mercosuran nations in order to facilitate the study of the texts of

constitutions and general laws of education. The expressions education,

indigenous, bilingual and indigenous education were sought in normative texts

and interpreted based on rules of hermeneutics. As a measure of adequacy, the

research first shows the historical process of formation of the geographical and

juridical borders between the nations of the South American subcontinent.

Afterwards the very elaboration and validity of the Treaty is object of study,

including its importance from the economic and political point of view. In order

to limit research on the subject of "indigenous school education", the keywords

referenced and their locations in the texts of the Federal Constitution and in the

respective General Education Law of Argentina, Brazil, Bolivia, Paraguay, Peru,

Uruguay and Venezuela were selected. The way of the investigation begins with

the choice of sources of information, and in obedience to the form the

documentary and bibliographic researches were carried out. The primary source

is the analysis of the official documentation made available by the governments

and Mercosur bodies on this Treaty, as well as on the relevant legal and

constitutional rules. Among the sources used are the official portals of Mercosur

countries, including parliaments, and the official Mercosur website available on

the World Wide Web. As a secondary source, bibliographical research was based

on authors of ethnography, education, and history. The most recent information

available at the academy on indigenous issues was collected. In the three parts of

the research it is sought to understand the multiple concepts of borders, to

understand the territorial boundaries between the countries and the process of

creation of Mercosur. Finally, it is concluded that there is a legal basis that

allows the insertion of indigenous peoples in the discussion about Mercosur,

which has an impact on the consolidation of this union of nations, moving from a

set of predominantly economic interests to the re-signification of territorial

borders.

Keywords: Mercosur. Indigenous. Schooling.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I ....................................................................................................................................... 18

A CONFIGURAÇÃO DA FRONTEIRA OESTE BRASILEIRA E A COLONIALIDADE....... 18

Fronteiras: diversidade de significações.............................................................................. 28

A formação das fronteiras nos países do Mercosul ............................................................ 33

O TRATADO DO MERCOSUL ........................................................................................................ 53

Principais blocos econômicos em atividade......................................................................... 58

Os avanços do Mercosul ....................................................................................................... 64

NORMAS SOBRE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NOS PAÍSES

MERCOSULINOS .............................................................................................................................. 70

O indígena no Direito brasileiro .......................................................................................... 92

Estatuto do Índio ............................................................................................................... 99

Movimento Indígena ........................................................................................................... 100

A educação escolar indígena como estratégia de integração do Mercosul ..................... 102

A luta educacional dos Chiquitano, Terena e Kaiowa nos espaços fronteiriços ........ 103

Educação escolar indígena em Mato Grosso .................................................................... 109

CONCLUSÃO ................................................................................................................................... 114

BILBIOGRAFIA ............................................................................................................................... 121

FONTES LEGISLATIVAS .............................................................................................................. 125

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INTRODUÇÃO

Aceitar o desafio de desenvolver uma pesquisa que possui um objeto desta

magnitude é a submissão ao enfrentamento de um longo e tortuoso caminho, uma

vez que a temática exige percorrer roteiros com mudanças diárias, afetadas por

uma série de movimentos e jogos de poder do processo político e do embate

entre forças que se opõem de modo permanente. Buscamos aqui pesquisar sobre

as normas do sistema educacional destinadas aos povos indígenas pelos sistemas

jurídicos adotados por alguns dos países da América do Sul, subcontinente sob

constante tensão política. Como reflexo natural, as mudanças nos rumos das

gestões são efeitos das lutas partidárias e isso repercute na ordem jurídica. Tais

mudanças provocam alterações das opções sobre políticas públicas, inclusive

aquelas aplicadas à educação escolar indígena, objeto de nossa investigação.

O passo inicial foi compreender a configuração das fronteiras entre os

países do subcontinente sul americano, fenômeno que se desenrola ao longo do

tempo e que parece não ter sido pacífico. As fronteiras resultam de invasões,

ocupações, acordos, aquisições onerosas, entre tantas outras formas e causas, e

neste trabalho queremos demonstrar que também ocorre um roteiro inverso: a

aglutinação de países em blocos, resultante de interesses capitalistas comuns e

que levam à formação de tratados multilaterais.

Utilizaremos o termo “mercosulino”1 ao longo da pesquisa quando nos

referirmos aos sete países partícipes ao Tratado do Mercosul que selecionamos

para a nossa investigação por razões de proximidade fronteiriça: Argentina,

Bolívia, Brasil, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.

Por fronteira mercosulina compreendemos os limites territoriais existentes

entre os países do subcontinente sul americano, juridicamente consolidadas ao

longo da linha do tempo, seja pelo processo de colonização intitulado

1 A palavra mercosulino foi utilizada pelo pesquisador Augusto Assad Luppi Ballalai em dissertação de Mestrado em Cooperação Judiciária Internacional pela UNISINOS/RS em 2012 (Concretizando direitos: a cooperação judicial internacional no cumprimento das cartas rogatórias no Mercosul). Aqui o termo possui o mesmo sentido.

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“descobrimento”, seja pelas conquistas bélicas ou mesmo de acordo bilateral

celebrado entre as nações. De acordo com informações disponibilizadas no portal

do Mercado Comum do Sul, ou Mercosul, o acordo inicial envolvia apenas

quatro países: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, que subscrevem o Tratado

de Assunção, em 26 de março de 1991, visando criar o Mercado Comum do Sul

(Mercosul)2.

Metodologicamente delimitamos a nossa pesquisa com a busca objetiva de

expressões existentes nas leis gerais da Educação e na Constituição dos sete

países signatários do acordo, e a presença - ou não -, de palavras-chave que

permitiriam deduzir as intenções dos legisladores acerca da educação escolar

indígena.

Uma breve avaliação sobre os documentos que embasam a criação do

Mercosul, conforme demonstrado nas publicações oficiais, não dão margem à

interpretação diversa. O objetivo primordial do Tratado de Assunção3 é a

integração dos Estados Partes por meio da livre circulação de bens, serviços e

fatores produtivos, do estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC), da

adoção de uma política comercial comum, da coordenação de políticas

macroeconômicas e setoriais, e da harmonização de legislações nas áreas

pertinentes.

Sendo assim, é possível crer que os objetivos dos países mercosulinos ao

configurar o tratado teriam como pano de fundo apenas atender aos interesses

capitalistas? Estaria, atualmente, ocorrendo um processo similar ao adotado por

Portugal e Espanha quando da ocupação do continente pelo modelo colonial?

Legalmente existem duas categorias jurídicas de países no Tratado do

Mercosul: os Estados Parte4, caso da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai,

nações que instituíram o tratado desde 26 de março de 1991; e Estados

Associados, aí compreendidas as nações que ingressaram no Mercosul após

aquela data, como a Venezuela (em 12 de agosto de 2012) e a Bolívia (desde 7 de

2 Disponível em: < http://www.mercosul.gov.br/saiba-mais-sobre-o-mercosul>. Acesso em: 01 de out. de 2017. 3 Outra designação do Tratado do Mercosul. 4 Estados Parte são os países que pioneiramente assinaram o Tratado do Mercosul. As nações aderentes são tratadas como Estados Associados.

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dezembro de 2012). Além dos países mencionados, também possuem o status de

Estado Associado o Chile (desde 1996), Peru (desde 2003), Colômbia e Equador

(desde 2004), Guiana e Suriname (desde 2013).

Uma pesquisa sobre como a educação escolar indígena se insere no

ordenamento jurídico de diversos países é uma tarefa que exige perseverança,

uma vez que a sucessão de governos provoca alterações constantes nas

legislações, exigindo atualização permanente das informações sobre os rumos do

acordo multilateral do Mercosul.

Em regra, os valores morais e as crenças espirituais dos povos indígenas

são bem diferentes daqueles defendidos pelos colonizadores. Isso pode explicar,

em muitos casos, o mal disfarçado desprezo destes últimos em relação aos povos

que habitavam primitivamente o continente. As diversas sociedades autóctones

que habitavam a América do Sul raramente foram sujeitos de direito durante o

processo de colonização. Ao contrário, se tornaram objeto do direito, cujo

principal interesse foi o de usurpar suas terras e riquezas minerais. Talvez resida

aí o motivo de terem desconsiderado totalmente a composição dos povos

indígenas quando da definição das fronteiras nacionais. Os países mercosulinos

se constituíram como unidades independentes por critérios de ordem econômica,

política e até topográfica, mas deixaram de considerar a sociodiversidade nativa

existente. Atualmente, só na fronteira Oeste-Norte brasileira existe quase uma

dezena de povos indígenas segmentados (unidos ou separados?) que habitam a

faixa de fronteira de dois ou mais países.

Outro fator limitador da sustentação do Mercosul é o de natureza política.

Quando os países decidiram pela formação de blocos para a defesa coletiva de

interesses que lhes são comuns, ocorreu um fenômeno que representou a perda

parcial de autonomia política e administrativa. As regras, as decisões e as

eventuais punições por violação a regulamentos que constam do Acordo

celebrado, sofrem os efeitos das mudanças dos governantes, que devem ser

eleitos de forma direta e secreta e com duração de mandatos pré-estabelecidos.

Num passado recente, o Paraguai foi suspenso do Mercosul por ter

cassado sumariamente o mandato de um presidente eleito de forma legítima, o

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que teria violado a cláusula democrática5. Porém, um processo similar de quebra

de regras ocorreu no Brasil em 2016 e não se tem notícia de que o nosso país

tenha sido objeto de alguma sanção. Diante disso, podemos deduzir que nem

todos os interesses envolvidos nas tomadas das decisões são conhecidos, ou que

os aspectos políticos e ideológicos estejam marcadamente presentes nas decisões

adotadas.

O processo histórico de ocupação europeia do território da América do Sul

não deixou registros indicando que os povos indígenas tenham merecido

destaque nas decisões sobre a organização política dos países. Mas ao definir as

políticas de ocupação do chamado “Novo Mundo” as potências coloniais

optaram por buscar o apoio religioso para fomentar a escolarização,

evangelização e pacificação dos povos indígenas. Mas essa educação teria como

enfoque o respeito às culturas, tradições, religiosidade e interesses dos povos

colonizados? Ao formular a política escolar indígena, os religiosos mantiveram o

respeito à língua e às crenças espirituais dos povos? A história mostra que em

ambos os casos os ideários educacionais desconsideravam as culturas locais e

impunham um ementário assimilacionista.

Como nosso objeto da pesquisa é a educação escolar indígena no

Mercosul, a pergunta que advém, inevitavelmente, é: haveria base jurídica

permitindo a execução de políticas conjuntas de educação escolar indígena?

Como a resposta é negativa, dela deriva outra questão: pode o Mercosul se

consolidar como acordo multilateral sem a participação do contingente

populacional indígena no processo decisório?

Para responder a essa questão, vamos investigar quais são as propostas dos

países sul americanos para os programas de educação destinadas aos povos

indígenas, e por meio de fontes documentais, identificar a preocupação com os

povos indígenas que vivem nos respectivos países mercosulinos.

5O presidente do Paraguai, Fernando Lugo, foi destituído do cargo em 22 de junho de 2012, no contexto de uma crise político-institucional que resultou no impeachment do presidente e no isolamento político do Paraguai no relacionamento com a maioria das nações latino-americanas.

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Uma linha de investigação para tal desafio seria o de identificar a presença

e o protagonismo indígenas neste processo, bem como na consolidação das leis

nacionais e no tratado mercosulino.

Para iniciar a abordagem, citaremos Ângelo (2009) para categorizar o que

se entende por protagonismo indígena. Para a autora,

Entende-se por protagonismo indígena a capacidade crescente

dessas sociedades estabelecerem relações dialógicas com a

sociedade nacional e de exercerem o controle do seu projeto de

vida no presente e no futuro. (ÂNGELO, 2009, p.15).

Como se percebe, o protagonismo remete a uma capacidade crescente de

estabelecer relações e de exercer o controle dos projetos de seu interesse.

Trazidos esses parâmetros para o interior do Mercosul, verifica-se que tal

capacidade é ainda muito incipiente (para não dizer inexistente), quer pela

ausência de representantes indígenas com assento nas decisões, quer pelos temas

prioritários lá discutidos (mormente relacionados ao mercado).

Os estudos de Geertz (2008) nos permitem observar a existência das teias

de relações entre os indivíduos e povos, e nesta última categoria estariam os

países juridicamente constituídos enquanto nações independentes e autônomas,

bem como os povos indígenas, que possuem traços e interesses próprios. No

estabelecimento histórico das fronteiras nacionais os povos indígenas não foram

consultados. A mesma sistemática ocorreu na definição dos marcos do Mercosul,

que desconsiderou os pleitos dos povos indígenas e ignorou sua presença como

um segmento social, econômico e cultural legítimo e qualificado. Mais uma vez,

o protagonista não foi verificado nem, tampouco, requerido.

Como já foi mencionado inicialmente, o nosso objeto de investigação é a

educação escolar indígena, e como os países mercosulinos abordam a questão

dentro de suas normas positivadas. Para tanto, abordaremos as noções de

educação indígena ou escola indígena a partir de experiências identificadas nos

processos educacionais tratados pela bibliografia disponível, especialmente de

natureza acadêmica.

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As refletir sobre a temática indígena, Secchi (2009) dialoga com o

professor Antônio Brand para propor um perfil tipológico das escolas indígenas

bastante complexo, ancorado em três eixos. O primeiro é o que trata de escola

dirigida para a emergência do outro, que percebe os indígenas como povos de

tradições culturais e projetos societários próprios. Outro aspecto se refere à

autonomia, e cita a possibilidade da organização escolar própria. Por fim,

descreve a escola indígena como um centro de irradiação e de quebra do silêncio

histórico, mais presente nas escolas do “indigenismo alternativo”6.

Foi necessário conhecer a cultura dos povos indígenas e seus processos

educacionais, a partir de seus próprios standards, da sua compreensão de mundo

e da terra, para entender o embate destes conhecimentos tradicionais com a

imposição das políticas educacionais que não respeitam a interculturalidade. Ao

avançar sobre as terras indígenas e depois impor uma educação escolar feita sem

a oitiva do interessado não foram geradas boas experiências.

O choque seria inevitável em face da espécie de processo jurídico e

histórico de formação das fronteiras das nações, o colonizador exteriorizava o

interesse capitalista de acumulação e encontrou uma imensidão de terras

ricamente composta de florestas e minérios em abundância. Entender o objeto da

pesquisa, a educação escolar indígena e como os países a regulamentam em suas

normas domésticas impõem investigação das normas jurídicas sobre o tema,

existentes nos sistemas normativos de 7 países mercosulinos: Argentina, Bolívia,

Brasil, Peru, Paraguai, Venezuela e Uruguai.

Todas essas nações têm em comum a preocupação com a educação e a

interculturalidade, em maior ou menor extensão, de modo que previram em suas

constituições e nas regras da política educacional o sistema de proteção aos

povos indígenas, zelando pelo respeito de suas terras, cultura, tradições.

Almejando dar efetividade às normas, instituíram a educação bilíngue como uma

das modalidades de ensino destinado aos povos indígenas. São países com

ligações fronteiriças e que sofreram igualmente o processo histórico de avanço

6 A noção é devidamente tratada por Solange Pereira da Silva (2009) ao discutir as diversas iniciativas

indigenistas desenvolvidas no Brasil nas últimas décadas.

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sobre as suas fronteiras, quando os “civilizados” se apoderaram de terras

indígenas, e tais territórios foram “divididos” entre os conquistadores. Como já

dissemos, o processo denominado “descobrimento” segmentou as populações

desses territórios, que agora integram mais de um país mercosulino. É o que

ocorre, por exemplo, na atualidade com os Chiquitano no Brasil a Bolívia e com

os Guarani no Brasil, Bolívia e Paraguai, com todas as implicações políticas,

culturais e sociais.

O povo Chiquitano habita a Bolívia e possui parentes no Brasil; os

Guarani estão presentes na Argentina, Brasil e Paraguai. Os diferentes países

instituíram seus instrumentos educacionais contendo diversas previsões comuns,

com fundamentos legais similares que asseguram a interculturalidade e a

organização primitiva dos povos indígenas. Mas a educação escolar indígena

posta em prática nos países mercosulinos estaria respeitando a interculturalidade?

As normas escritas são efetivas? A educação formal é educação indígena ou

educação para indígenas?

Sobre a educação indígena eis a lição de Melià (1979)

A educação, como processo, deve ser pensada como a maneira

pela qual os membros de uma dada sociedade socializam as

novas gerações, objetivando a continuidade dos valores e

instituições consideradas fundamentais. As sociedades tribais

possuem maneiras específicas para socializar seus membros

jovens, dentro dos padrões da cultura tradicional. A

diferenciação básica entre os procedimentos utilizados pelas

sociedades tribais e uma sociedade nacional qualquer, em

tempos do presente, está na não formação dos sistemas de

socialização tribais. Não há, assim, escolarização formal entre os

indígenas, em termos das culturas tradicionais. (MELIÀ, 1979,

p. 11).

Segundo esse mesmo autor, a educação pode dar-se sem alfabetização, e

esta nem sempre garante uma boa educação. Durante séculos diversas sociedades

se educaram sem recorrer à alfabetização, conseguindo transmitir conhecimentos

orais, mantendo uma rica herança cultural. Todavia, para algumas sociedades

indígenas, imediatamente após o contato com a chamada sociedade nacional

emergiu a “necessidade” da alfabetização.

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A nossa investigação vincula-se mais à educação escolar indígena por

alguns motivos, dentre os quais pelo fato que o processo de integração do

Mercosul vem sendo tratado como uma forma de facilitar as relações capitalistas

de acumulação, sem levar em contas as culturas presentes nos territórios. Com

relação aos povos indígenas, a Organização Internacional do Trabalho (OIT)

através da Convenção nº 169, internalizada no sistema jurídico de nosso país

(BRASIL, Decreto nº 5051, de 19 de abr. de 2004), definiu que essa parcela da

população deve ser ouvida nas políticas que afetem seus interesses. Há um

dispositivo específico, previsto no art. 327, dizendo que as populações indígenas

fronteiriças merecem a facilitação de contatos com os seus parentes através das

fronteiras.

O próprio instrumento de criação do Mercosul prevê que uma das formas

de facilitar a congregação entre os países mercosulinos seria a produção de leis

de conteúdo comum. A pesquisa revelou os 7 países investigados respeitam a

Convenção OIT nº 169 em grande parte, e reproduzem internamente algumas

dessas normas, o que, em tese facilitaria a integração do Mercosul com os povos

indígenas. Estariam demonstradas nos sistema normativo doméstico dos países

investigados as evidências de que a educação dos povos indígenas teriaatributos

de preocupação institucional?

Ao decidir pesquisar o processo de criação do Mercosul para entender a

educação escolar indígena e o protagonismo dos povos autóctones na produção

das diversas políticas a eles destinadas, iniciamos as investigações com o uso das

fontes primárias. Os documentos elaborados pelo Mercosul respeitariam as

opções feitas por esses países quanto à questão da educação escolar destinada aos

povos indígenas, observando suas culturas, religiosidade, mitos e línguas?

As informações acerca do Mercosul podem ser acessadas por um portal na

internet, em três idiomas: português, espanhol e guarani, e ali são

disponibilizados todos os seus documentos oficiais, a partir das atas de reuniões,

locus onde publica suas decisões internas e as normas dos países participantes do

7Os governos deverão adotar medidas apropriadas, inclusive mediante acordos internacionais, para facilitar os contatos e a cooperação entre povos indígenas e tribais através das fronteiras, inclusive as atividades nas áreas econômica, social, cultural, espiritual e do meio ambiente.

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Tratado. Com relação às regras educacionais, pesquisamos os portais dos

ministérios da educação e dos parlamentos dos países mercosulinos, tendo o

cuidado para utilizar sempre a versão mais recente das leis, para dar atualidade

aos dados.

Além do uso da fonte documental, a pesquisa bibliográfica também foi

utilizada nos trabalhos, uma vez que a produção da academia oferece algumas

investigações já realizadas, e que colaboram com a conclusão buscada neste

arrazoado escrito. Neste particular há a contribuição da tese de doutoramento em

Antropologia de Pacini (2012) em que são investigados os povos da Chiquitania,

e a dissertação de mestrado de autoria de Soares (2003) que revelou a tentativa

de anexação do território Chiquitano ao Governo Provisório de Mato Grosso.

No primeiro capítulo fazemos uma interpretação histórica do processo de

criação de fronteiras na América do Sul a partir do Tratado de Tordesilhas, o

acordo bilateral celebrado entre Portugal e Espanha com mediação da Igreja

Católica, e a evolução desse processo acumulativo até os dias atuais.

Consultamos os documentos oficiais disponibilizados nos portais públicos da

rede mundial de computadores, realizamos a pesquisa bibliografia sobre a

temática e consultamos as produções já existentes na academia, visando entender

o grau de colonialidade no processo de definição dessas fronteiras.

No segundo capítulo apresentamos o processo de idealização e

concretização do Mercosul, fato jurídico ocorrido em 1991, e que tinha

inicialmente como objetivo principal a livre circulação de mercadorias e a

autonomia dos mercados, o que demonstra a necessidade de dirigir parte de nosso

estudo com visão marxista, ainda que as teias de relacionamentos se

sobreponham aos interesses meramente econômicos. As teias de países que se

formam em torno de determinados interesses é uma tendência de auto

preservação e tolerância, e as regras do Mercosul seguiram esse movimento

global.

Por fim, apresentamos no terceiro capítulo as normas sobre o processo

educacional destinado às populações indígenas existentes nas legislações de sete

países do Mercosul: Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai, Peru, Venezuela e

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Uruguai. Buscamos algumas palavras chave, como educação, bilíngue e

indígena, e com elas construímos um processo de busca, combinando os termos.

Deste modo foi possível interpretar quantitativamente e qualitativamente o

interesse dos governos mercosulinos pelo tema da educação escolar indígena,

uma vez que as leis não possuem palavras inúteis, todas elas possuem algum

significado e isso vai refletir de algum modo na vida dos destinatários dessas

normas.

Investigamos cada Constituição mercosulina visando identificar os

objetivos políticos dessas sete nações para o tema da educação, com o recorte da

política pública para os povos indígenas, sempre considerando os reflexos das

relações entre o Mercosul e o protagonismo indígena. A pesquisa é quantitativa8

porque são selecionadas palavras-chave nos textos das normas positivadas, e com

o uso de regras de hermenêutica queremos entender este conteúdo, e identificar a

intencionalidade quanto à educação escolar indígena.

Utilizamos uma abordagem qualitativa quando nos propomos a interpretar

os textos normativos que veiculam as palavras educação, indígena, bilíngue, e a

locução educação indígena. Conforme já mencionado, para essa tarefa,

utilizamos fontes oficiais que são os portais dos governos que veiculam os textos

das constituições e das leis educacionais, além do portal do Mercosul em língua

portuguesa disponível na internet9.

Todos os países pesquisados mantêm portais oficiais de seus respectivos

ministérios da educação, além dos portais legislativos dos parlamentos. De

acordo com as normas, os portais são considerados fontes primárias para a

pesquisa sobre normas legais.

A conclusão do trabalho pretende oferecer uma resposta satisfatória à

pergunta que move a pesquisa: é possível alcançar a integração plena dos países

por meio dos instrumentos pensados pelo Mercosul sem a presença e participação

indígena neste processo?

8 Utilizamos as teclas de atalho (Control + L) disponível no ambiente Office 2016 do sistema Operacional Windows 10 para selecionar as palavras-chave da pesquisa nos arquivos aberto no editor de texto. Para a busca nos arquivos em formato PDF as teclas de atalho são Ctrl+F. 9http://www.mercosul.gov.br/ na versão em língua portuguesa.

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Estas são, em linhas gerais, as temáticas que nos propusemos a abordar no

presente estudo, retratando dentro das possibilidades do objeto, o espaço político

ocupado pela população ameríndia.

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CAPÍTULO I

A CONFIGURAÇÃO DA FRONTEIRA OESTE BRASILEIRA E A

COLONIALIDADE.

É de notório conhecimento que a formação das fronteiras do continente

americano nasceu da disputa entre os reinos de Portugal e Espanha. O documento

mais contundente que procurou equacionar essa querela foi o Tratado de

Tordesilhas10 que veio a pacificar um litígio que remontava a décadas.

Neste capítulo inicial vamos discorrer sobre aspectos da geografia e da

política e sua ressignificação no processo de configuração das fronteiras

mercosulinas. Iniciaremos selecionando uma decisão tomada ainda no século

XIV, como acordo bilateral mediado pelo Papa Alexandre VI, que versava sobre

as terras ultramarinas e que parametrizava a fronteira oeste brasileira.11

Ainda que a maior parte do capítulo seja dedicada a tratar do processo de

formação as fronteiras entre os países mercosulinos, em alguns momentos são

necessárias imersões sobre as organizações indígenas e as ameaças à integridade

10 Considerado ajuste bilateral, o Tratado de Tordesilhas foi assinado na povoação castelhana de Tordesilhas em 7/06/1494, e foi um acordo celebrado entre os monarcas de Portugal e Espanha visando dividir as terras "descobertas e por descobrir" por ambas as Coroas fora da Europa, no chamado “Novo Mundo”. Em 1493, após ouvir os relatos de Cristóvão Colombo, os monarcas espanhóis Fernando e Isabel procuraram o apoio papal para garantir suas posses territoriais no Novo Mundo. Eles pretendiam inibir os portugueses e outros possíveis rivais. Em 1493, o papa Alexandre VI (que era espanhol) determinou a demarcação de uma linha que se localizaria 100 léguas (cerca de 885 quilômetros) a oeste de Cabo Verde. As expedições portuguesas deveriam manter-se a leste dessa linha. [...]O rei dom João II de Portugal também ficou insatisfeito com a decisão do papa Alexandre VI, não só porque os direitos de Portugal no Novo Mundo não haviam sido suficientemente afirmados, mas porque os navegantes portugueses não teriam espaço suficiente no mar para suas viagens à África. Para resolver esse conflito, embaixadores espanhóis e portugueses se encontraram na vila de Tordesilhas, na Espanha, em 1494. Um novo acordo foi assinado e a linha foi movida, passando a localizar-se 370 léguas (1.900 quilômetros) a oeste de Cabo Verde. Disponível em: < https://escola.britannica.com.br/levels/fundamental/article/Tratado-de-Tordesilhas/574522>. Acesso em 13 de out. 2017 11 Sobre a fronteira oeste do Brasil buscamos as pesquisas pioneiras de Pacini (2012) e Januário (2004),

que tratam, respectivamente do povo Chiquitano e da borda fronteiriça que vai de Cáceres a San

Mathias, ao longo da linha divisória entre Brasil e Bolívia. O primeiro autor pesquisou os Chiquitano que

habitam o território boliviano e, o segundo, enfocou as escolas chiquitanas do município de Cáceres,

Mato Grosso.

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de seus territórios. A pesquisa é “departamentalizada”, mas o seu objetivo é

único, logo, a redação dos capítulos se interliga.

Quando se fala em colonialidade é natural descrever a forma como se deu

o contato entre os colonizadores e os povos indígenas, descritos como selvagens

incultos, arredios e com tendências à violência. Um traço bastante realista e que

mostra a crueldade evidenciada no processo de ocupação dos territórios

mercosulinos, bem demonstrando a colonialidade eurocêntrica e o desprezo pelas

culturas dos povos indígenas, vem das letras do autor Gilberto Freyre, em “Casa-

grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia

patriarcal”:

De modo que não é o encontro de uma cultura exuberante de

maturidade com outra já adolescente, que aqui se verifica; a

colonização europeia vem surpreender nesta parte da América

quase que bandos de crianças grandes; uma cultura verde e

incipiente; ainda na primeira dentição; sem os ossos nem o

desenvolvimento nem a resistência das grandes semicivilizações

americanas. (FREYRE, 2003, p. 158).

Ainda que se questione a autenticidade das informações trazidas pela obra,

principalmente a ideia preconcebida que as mulheres “gentias” eram dadas às

libertinagens e que se entregavam aos europeus em troca de um pente ou caco de

espelho, é possível deduzir que ocorreu uma imposição colonialista com o uso da

força e da dominação. O fato de a colonização ter-se iniciado com o auxílio das

armas e o apoio da Igreja Católica, principalmente pela mediação papal no

Tratado de Tordesilhas, dá uma ideia do grau da submissão dos povos indígenas

aos invasores portugueses e espanhóis, e o uso das instituições como

superestrutura para os ideais capitalistas. Essas informações já oferecem alguma

pista de como se comportaram os colonizadores e os indígenas por ocasião dos

primeiros contatos, estes arredios e temerosos; e aqueles violentos e portadores

de armas letais.

A designação dos espaços territoriais e geográficos como “continentes” ou

um bloco que reúne determinados países, torna mais fácil a compreensão do

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conceito abstrato de fronteira, pois se trata de linhas imaginárias a separar e a

unir locais e pessoas.

A palavra fronteira apresenta diversas significações e é bastante presente

na vida dos países. Ela engloba tanto as fronteiras materiais quanto as

metafóricas. Pode ser empregada em vários sentidos, desde os limites

geográficos entre países, quanto uma miríade de acepções: fronteira social,

fronteira de classe,fronteira política, fronteira moral, fronteira epistemológica,

fronteira militar, fronteira entre consciente e inconsciente, fronteira linguística,

fronteira ética etc. (Esta última em pleno processo revisacional no Brasil

atual!!!).

A fronteira geográfica é elemento que integra o processo de construção

sócio espacial humano. A história da geografia das fronteiras mostra que a partir

da pacificação do uso deste termo, as noções de fronteira adquiriram significados

diversos e passaram a responder às necessidades temporais e espaciais dos

diversos grupos. Ao longo do tempo o estudo das fronteiras sofreu modificações,

movimentos típicos da ciência, cujo avanço busca permanentes respostas aos

desafios, e que pode resultar em novas ressignificações.

Fronteiras são espaços não plenamente estruturados e, em face disso,

geradores de realidades novas, o que permite admiti-las como sendo

componentes especiais dentro de um determinado território, passíveis de

múltiplas transformações, sofrendo influências econômicas, sociais e culturais.

Há que se considerar também as dimensões ambientais que implicam diretamente

na caça, pesca e exploração de outros recursos naturais, e as alterações antrópicas

decorrentes de processos históricos de uso não planejado desses recursos

naturais, da ocupação espacial e da utilização dos ativos ambientais.

A formação das fronteiras territoriais do Brasil começa no século XV e

decorre das atividades de navegações e descobertas realizadas pelos aventureiros

espanhóis e portugueses. A República Federativa do Brasil, denominação oficial

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atual de nosso país12, é a maior nação da América do Sul e da região da América

Latina, a quinta maior do mundo em área territorial (equivalente a 47% do

território sul americano) e possui uma população estimada em 206 milhões de

habitantes, segundo informações que consta do banco de dados do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)13.

Diferente de seus vizinhos, colonizados majoritariamente pela Espanha, o

Brasil é o único país na América onde se fala a língua portuguesa o que o torna o

maior país lusófono do planeta.

No caso da fronteira oeste brasileira, os movimentos humanos que mudam

as fronteiras são reconhecidos por Januário (2004) como instáveis, uma vez que

As fronteiras entre os domínios da coroa portuguesa e espanhola

estabelecidas nos Tratados nunca foram obedecidas na prática –

eram delimitadas, em sua maioria, por linhas imprecisas – os

conquistadores portugueses e espanhóis avançavam esses limites

à revelia dos Tratados, gerando conflitos, desentendimentos

diplomáticos, mortes, conquistas. (JANUÁRIO, 2004, p. 99).

Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), organismo da ONU

que lida com as relações de trabalho, a utilização do termo “terras” deve incluir a

noção de territórios e isso abrange a totalidade do habitat das regiões que os

povos ocupam ou utilizam de algum modo.

Para Mazzuoli (2014), a palavra território possui vínculo com o povo:

São povos indígenas os vários grupos étnicos que habitam um

determinado território desde tempos imemoriais, ali se

encontrando milênios antes das invasões ou colonizações, e que

continuaram a se desenvolver de maneira tradicionalmente por

eles conhecida, com suas manifestações culturais e hábitos,

mantendo-se distinto dos outros setores da sociedade que

atualmente vive em tal território. (MAZZUOLI, 2014, p. 242).

Ao tratar da cultura, o autor também é enfático:

No que diz respeito à cultura e ao trato das questões indígenas

em plano internacional, merecem destaque as convenções

12Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos ... (Constituição Federal de 1.988). 13 Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/>. Acesso em: 14 de jun. 2017.

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internacionais do trabalho celebradas sob os auspícios da OIT,

fruto das reivindicações dos movimentos sindicais e operários

no final do século XIX e começo do século XX. Destaque-se

que desde 1919 (primeiro pós-guerra e antes da criação a ONU,

ocorrida em 1945) a OIT já tutelava questões concernentes ao

trabalho e sua proteção. (MAZZUOLI, 2014, p. 244).

Portanto,já temos um elemento político importante para a definição de

fronteira, e corrobora com tal assertiva o fato de que os limites convencionados

entre os países do Mercosul foram objeto de sucessivas disputas, a ponto de

terem sido celebrados tratados internacionais entre o Brasil e as nações vizinhas

para solucionar algumas controvérsias sobre a titularidade do domínio de

determinados territórios. Entre Portugal e Espanha sempre ocorreram conflitos

quanto à posse de terras no subcontinente sul americano, o que veio a ser

solucionado por concessões mútuas em acordos celebrados, e o mais abrangente

daquele assinado no povoado castelhano de Tordesilhas.

De acordo com FERRARI (2011), são muitos os fatores que influenciam

na definição das fronteiras. Dentre eles destacamos: a) existência de áreas

passíveis de ocupação, com recursos naturais ou humanos indispensáveis à

sustentação de atividades econômicas; b) possibilidade de ocupação espacial e

uso dos recursos necessários à produção ou captação de matéria-prima; c) grupos

populacionais humanos sujeitos a viverem, mesmo que por pouco tempo, em

condições insalubres, ante a carência de estruturas e serviços básicos; d)

incentivos políticos para a ocupação “pioneira” ou colonizadora, seja por ação

estatal (incentivos) ou por omissão (“vazios” de ações governamentais que geram

conflitos de uso e ocupação); e) momento histórico e econômico que concorre

para formatação de uma zona de produção em função de um mercado

consumidor.

Esses fatores, por vezes somados, geram as “zonas pioneiras” e também

um conjunto de processos sociais que criam territorialidades em cujos ambientes

as atividades econômicas podem ser as mais diversas, porém podem desencadear

posturas socioculturais muitas vezes degradantes, em que os direitos básicos do

cidadão são tolhidos ou colocados à prova.

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É certo que as fronteiras do Brasil começam a ser desenhadas bem antes

do ingresso dos europeus aos territórios descobertos. O vínculo de submissão do

Brasil a Portugal foi de 1500 a 1822, e neste período a área de influência

portuguesa espalhou-se por todos os continentes, durando cerca de 6 séculos.

Começou com a conquista de Ceuta, no extremo norte da África, em 1415,

terminando apenas com a devolução de Macau à China, em dezembro de 1999. O

Império detinha supremacia no setor marítimo e grande influência comercial e

constituiu-se rapidamente, em 1517 os portugueses já estavam em Cantão, do

outro lado do mundo, mas também se desfigurou rapidamente. É que durante o

século XVII grande parte das possessões lusitanas passou para o domínio

holandês ou inglês, depois de viver sob controle espanhol durante 60 anos (1580-

1640).

Assim é possível admitir que diversos fatores políticos, jurídicos e sociais

colaboraram para a definição das fronteiras brasileiras, entre eles o Tratado de

Tordesilhas como já dito, a influência da Igreja Católica Apostólica Romana por

meio dos missionários salesianos e jesuítas, os acordos políticos entre as

monarquias portuguesa e espanhola, condições determinantes para a

configuração do território brasileiro, cujas dimensões sofreram poucas

modificações desde o período do “descobrimento”.

Para ser justo com a história, o Brasil agregou para si porções territoriais

pertencentes a países vizinhos e o fez de diversas formas, inclusive por aquisição

onerosa. É o caso por exemplo da “compra” do território do atual estado do Acre.

Mas em nenhum desses processos se verificou a consulta aos povos indígenas,

população que foi diretamente afetada pela delimitação e ressignificação de

fronteiras.

Em trabalho de pesquisa histórica sobre as relações sócio-políticas em

Mato Grosso após a independência brasileira em relação à Colônia, e a rivalidade

política local entre Cuiabá e Vila Bela da Santíssima Trindade, Soares (2003)

trata do episódio da tentativa de anexação territorial proposta pelo governador da

Província de Chiquitos, que poderia ter sido território de Mato Grosso:

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A tentativa do governador da província boliviana de Chiquitos,

em anexar esta Província ao Império brasileiro, é tomada por

alguns autores (Castilhos Goycochêa e Sérgio Buarque de

Holanda) como algo pitoresco e até anedótico. Contudo, há que

se considerar que mesmo a historiografia mostrando o fato

apenas como “curiosidade”, é possível perceber que mesmo a

“transação” tendo ocorrido entre o Governo Provisório de Mato

Grosso e D. Sebastião Ramos, não deixou de comprometer o

Império brasileiro, uma vez que provocou os ânimos dos

libertadores das colônias espanholas, que viram no fato uma

intenção monárquica ao estilo europeu. (SOARES, 2003, p.

101).

Esse não é o único documento que encontramos se referindo a Chiquitania

como uma Província, um conceito jurídico que revela uma parcela de autonomia

política e administrativa que possui relação com o espaço territorial dentro de um

Estado. Essa autonomia foi verificada, por exemplo, com os Incas, que se

transformaram em um império (1438/1533) com uma população estimada de 10

milhões de habitantes em próspero período (FAUSTO, 2005). Também os

Guarani permaneceram durante muito tempo organizados politicamente sob uma

república que compreende todo o território tradicional. A identificação de terras

chiquitanas no Brasil, e seu reconhecimento jurídico pelo Estado são importantes

para a afirmação ou negação da identidade.

Conforme registra a historiografia, nos idos de 1500 a Colônia considerou

todo o território brasileiro como sendo parte integrante do seu domínio, e sob

esse fundamento, durante praticamente os dois primeiros séculos da história do

Brasil não se registra considerações sobre a necessidade de assegurar aos povos

indígenas os seus direitos territoriais. É forçoso concluir que naquele tempo de

arrojadas e arrogantes “conquistas” simplesmente não se cogitava dar aos

“conquistados” nenhuma espécie de direito.

Araújo (2006) constata que somente com o Alvará Régio de 1º de abril de

1680, Portugal reconheceu a posse dos índios sobre suas terras, por serem eles os

seus primeiros ocupantes e os donos naturais. Todavia esse Alvará foi pouco

observado, uma vez que as terras indígenas se tornaram objeto de um continuado

e sistemático processo de esbulho por parte dos colonos que, via de regra,

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contavam com o apoio e o estímulo das autoridades da época ou com sua

omissão.

Um exemplo foi a edição da Carta Régia de 02/12/1808, que declarava

como devolutas as terras que fossem “conquistadas” dos índios nas chamadas

“Guerras Justas”14, incursões violentas do governo português contra os povos

indígenas que resistiam à submissão.

A condição jurídica de “terra devoluta” permitia que os espaços indígenas

fossem concedidos a quem os portugueses discricionariamente entendessem ser

“merecedor”, visito que conceitualmente terra devoluta era aquele quadrante de

domínio público sem nenhuma destinação específica. A natureza jurídica do que

a norma compreende como sendo terra devoluta permanece com o mesmo

sentido até os dias atuais e isso é uma das fontes de conflitos agrários. Essa

definição ainda consta da Lei de Terras, a Lei nº 601/185015, instrumento jurídico

ainda em vigor no Brasil, e que prevê a possibilidade de que as terras devolutas

possam ser utilizadas para a colonização dos indígenas.

A norma contraditória, permitia que as terras dos povos indígenas fossem

arrecadadas com base na Lei de Terras e adicionadas ao acervo estatal.

Desconhecia que esses espaços possuíam um sentido de ancestralidade, ligados

aos indígenas por elementos místicos e culturais que a consideram como mãe e

não como propriedade. Por força da lei, essas terras poderiam ser utilizadas para

aldeamentos, para segregar indígenas em partes de territórios que eram seus por

posse antiga, pacífica e sem oposição, conceitos jurídicos civilistas propagados

pelo Direito Romano.

As decisões políticas do governo imperial não eram compreendidas pelos

povos indígenas, mas de acordo com a Lei de Terras, se houvesse reação do povo

14 A legislação sobre guerras justas, originária do direito de guerra medieval, foi instrumentalizada no séc. XIV em Portugal. Era uma doutrina que autorizava a Coroa e a Igreja a declararem guerra aos pagãos. Este direito foi limitado à autoridade real no séc. XVI. Nessa época, a existência de costumes bárbaros e o impedimento à propagação da fé já não bastavam para a declaração de uma guerra justa, decretada quando havia impedimentos ao comércio e à expansão do projeto territorial colonial. Os índios que se tornariam aliados (chamados de “mansos” ou “cristãos”) eram aqueles trazidos de suas aldeias através de descimentos, deslocamentos “forçados”, “compulsórios”, e novamente aldeados próximos a povoações coloniais. Aí eram catequizados e civilizados, tornando-se “vassalos d’El Rei”. 15 Dispõe sobre as terras devolutas do Império.

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indígena com a subtração de suas terras, se fazia a “concessão” ou devolução de

parte do território espoliado, em forma de aldeamento16.

Portanto desde o período da colonização o estado considera os territórios

tomados dos povos indígenas como sendo terra devoluta e essa conceituação

prevalece até os dias atuais, e pode inclusive explicar alguns conflitos fundiários.

O Brasil não conseguiu sair do regime de sesmarias e migrar para um sistema

mais justo. Incrivelmente a Lei de Terras (BRASIL, 1850) é um dos poucos atos

normativos que tratam do tema e é parte integrante do arcabouço de normas que

regulamentam os processos de reforma agrária.

Pode-se dizer que todas as tentativas portuguesas de organizar a ocupação

territorial indígena serviram muito mais como uma forma de segregar os índios

em espaços territoriais ínfimos. Ao desonerar grandes extensões dessas terras de

ocupação tradicional, liberou-as ao processo de colonização, o que se contrapõe

frontalmente com a percepção dos povos indígenas. Foi o que ocorreu com os

chamados “aldeamentos”, a destinação de pequenas áreas onde eram reunidas

comunidades indígenas sob a administração de ordens religiosas, e seus

regimentos visavam especialmente facilitar a catequese, inclusive para debelar

costumes que eram “bárbaros” ao olhar eurocêntrico. Aos aldeamentos sucedeu o

chamado “Diretório dos Índios”, criados pelo Marquês de Pombal em 1757 e

extinto em 1798. Marcaram o processo de secularização dos aldeamentos com o

início da sua administração por laicos. Naquele primeiro momento já era possível

perceber a colonialidade no processo de educação formal, uma vez que a lei

proibia que o letramento se desse na língua dos povos indígenas. A

interculturalidade não era cogitada e os indígenas eram submetidos à modelação

colonial.

Iniciava naquela época uma prática que iria perdurar durante todo o

período imperial e por parte do período republicano: a política de confinar os

16 Uma curiosidade instigante é a semelhança da numeração das leis: a Lei de Terras do Império é a 601

e o Estatuto do Índio é a Lei 6001/1973. No Estatuto do Índio, (Lei nº 6.001/1973), havia inclusive a

previsão de que o indígena poderia ser contratado para trabalho, quando estivesse em processo de

integração, preferencialmente empregando suas forças em atividades agrícolas como mão de obra a

serviço de terceiros, laborando em terras que antes haviam sido suas.

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indígenas em pequenas extensões de terras, não raro limitadas ao entorno de suas

aldeias, com pouca preocupação com a manutenção das condições necessárias à

sua reprodução sociocultural.

A despreocupação com a cultura indígena e seu desconhecimento, em

acontecido mais recente, foi assim revelado por Rezende (2009):

Um dos fatos que talvez mais esteja marcado na memória do

povo Xavante pode ser o ocorrido por volta da metade do século

XVIII, quando Tristão da Cunha era então o governador da

província de Goiás e submeteu os Xavante à governança da

coroa de Portugal. Ocorreu, então que os Xavante foram

convidados para celebrar o Tratado na capital da província,

numa tentativa de amenizar os conflitos no Planalto Central.

Para tal, Tristão da Cunha esperava algumas centenas de

indígenas, mas eles chegaram aos milhares. Sentindo-se

convidados, se alimentavam e tomavam para si o que tinha de

melhor, como era de sua cultura. Tristão da Cunha e os seus

ficaram apavorados e percebeu o acontecimento como sendo um

dos maiores saques ocorridos na província. [...] Depois disso,

Tristão da Cunha ordenou repelir os ataques constantes dos

Xavante e que levantasse uma única aldeia para aqueles que

fossem subjugados. (REZENDE, 2009, p. 25 e 26).

Superada esta fase, em que as fronteiras políticas do Brasil e seus vizinhos

foram definidas sem considerar a existência dos povos originários, os efeitos são

como aquele choque cultural havido entre Tristão da Cunha e os Xavante. Ainda

assim, os colonizadores raramente admitiram ou mitigaram seus erros, cujos atos

resultaram em passivos para com os povos indígenas.

Os aldeamentos indígenas e a subtração de hábitos culturais provocaram

danos que se prolongam através dos tempos, e uma das provas dessa afirmação é

a situação dos índios Terena, cuja numerosa população representa a segunda

maior do estado de Mato Grosso do Sul, todavia sobrevivendo em espaços

urbanos como população favelada. A decisão de aldear os Terena foi do antigo

Serviço de Proteção ao Índio (SPI) nas primeiras décadas do século XX, e os

indígenas foram distribuídos nos municípios pantaneiros. Um grande número de

famílias Terena reside na capital do estado, Campo Grande, onde surgiram duas

aldeias urbanas: Marçal de Souza e Água Bonita. Além dessas aldeias, há Terena

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vivendo isolados de grupos, e outros que preferem residir nos bairros periféricos

dos núcleos urbanos.

Todas essas decisões, de configurar a fronteira entre os países e instituir os

aldeamentos dos povos, incluída a alteração da estrutura do Serviço de Proteção

ao Índio (SPI), que foi substituída pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI),

foram tomadas por gestores não-índios. Não houve a participação dos povos

indígenas no processo de planejamento e execução dessas políticas, mesmo

sendo eles os destinatários finais das medidas administrativas.

A partir da publicação da Constituição Federal de 1988 o estado brasileiro

reconheceu a importância dos tratados internacionais que tratam dos Direitos

Humanos - a OIT nº 169 é um exemplo desta espécie normativa-, e o incorporou

no seu ordenamento jurídico constitucional. Esse novo tratamento legal da

República Federativa do Brasil permitiu maior liberdade de atuação em defesa da

política indígena. Porém, na prática, o governo brasileiro pouco tem feito para

dialogar com os povos indígenas, o que vem maculando o texto e o espírito da lei

maior. A responsabilidade estatal ainda permanece, uma vez que os indígenas

ainda são considerados tutelados pelo estado. Existe pouquíssima efetividade nas

políticas públicas e os conflitos entre índios e não-índios pela posse de terra

persistem e vêm se agravando ao longo dos últimos anos.

Fronteiras: diversidade de significações

A noção de fronteira, na percepção de Ferrari (2015), é todo e qualquer

limite entre duas ou mais nações, tendo como localização geopolítica as zonas de

potenciais conflitos de poder. Fronteira pode ser uma estratégia de ocupação,

investigação, monitoramento e controle de atividades; uma espécie de imposição

de “freios” aos países vizinhos, o que poderia estabelecer os limites da soberania

nacional.

Para Ferrari (2015) a palavra fronteira, como os seus correspondentes na

língua espanhola (frontera), na francesa (frontière) e na inglesa frontier derivam

do antigo latim para indicar a parte do território situada em frente. Na antiga

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Germânia esse termo apresentava um significado bastante semelhante, indicando

ser referente à região periférica.

Os limites territoriais permitem a determinado país exercer plenamente a

sua soberania perante a comunidade internacional de nações, sendo este um

elemento formal de Estado. De acordo com Pinho (2012), a definição do limite

fronteiriço apresenta a possibilidade de compreensão de um elemento formal de

estado que se intitula soberania, ainda que a temática traga correntes de opinião

divergentes sobre o mesmo objeto:

Soberania. É o elemento formal do Estado. Alguns autores,

como Sahid Maluf, identificam esse terceiro elemento com o

governo, com o conjunto de órgãos públicos que presidem a

vida política do Estado. Outros, como Ataliba Nogueira,

denominam-no poder de império do Estado, caracterizando-o

como o poder jurídico de que são investidas as autoridades.

Entendemos que se pode caracterizá-lo como soberania, pois,

para a existência de um Estado, não basta a simples presença de

um governo. É indispensável que as autoridades constituídas

exerçam sobre as pessoas que residam em determinado território

um poder de natureza absoluta. Ensina Dalmo Dallari que a

palavra “soberania” possui dois sentidos. No sentido político, é

o “poder incontrastável de querer coercitivamente e fixar

competências”. No sentido jurídico, soberania seria “o poder de

decidir em última instância”. A soberania possui essa dupla face

de supremacia na ordem interna e independência na ordem

externa. (PINHO, 2012, p. 26/27).

Diferente de fronteira, o termo limite pode ser entendido como uma

menção a todo traço físico ou imaginário que divide duas ou mais áreas e que é

mais usual quando se busca definir divisas dentro de um mesmo país, de uma

mesma nação. De modo ilustrativo temos o limite que divide os estados de Mato

Grosso e Rondônia e os limites dos municípios de Cuiabá e Santo Antônio do

Leverger, em Mato Grosso.

Já o conceito econômico de fronteira passou a ser mais bem discutido e

empregado na Geografia a partir da aceitação do termo “Zona Pioneira”, o que

apresentara uma diferença de olhares para o mesmo objeto. Os europeus

concebiam fronteira apenas como o limite entre as nações, já em países como os

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Estados Unidos a palavra fronteira passou a ter a significação econômica,

configurando os limites das áreas de povoamento. Assim, enquanto a fronteira

como limite político representa uma linha nitidamente demarcada, a fronteira no

sentido econômico é uma zona que se intercala entre a mata virgem e a região

civilizada, que se denomina zona pioneira.

Desta compreensão é que deriva a decisão dos países de se reunir em

blocos econômicos, a exemplo do Mercosul, pois há grande interesse comum a

todos porque viabiliza a troca de mercadorias, melhor ambiente legal para a livre

composição societária entre empresas (que independem de nacionalidade ou

domicílio, principalmente quanto os negócios de compra e venda de ações

ocorrem nas bolsas de valores), de modo que o a linha demarcada como sendo

fronteiriça tem menor importância.

Fronteira, território e territorialidade

As fronteiras dividem povos e culturas, separam nações e delimitam os

territórios. São barreiras imaginárias e, para a sua configuração, muitas vezes os

povos se submeteram a batalhas sangrentas para a sua manutenção ou na busca

de ampliar o domínio geográfico de nações. Desse simbolismo, surge a ideia de

fronteira como uma “linha vermelha”, o ingresso não autorizado em seu

quadrante pode se caracterizar como afronta e violação à soberania do território,

o que permite o revide com violência à intrusão17.

As noções de território e territorialidade, no sentido de espaço ou área

definida em que se estabelecem relações de poder, estão interligadas. A noção de

poder, domínio ou influência de vários agentes (políticos, econômicos e sociais)

no espaço geográfico expressa a territorialidade, daí a afirmação que "entrar em

território alheio" pode ser considerada uma afronta. O território é o espaço que

sofre o domínio desses agentes, e a forma como eles moldaram a organização

desse território chamamos territorialidade18.

17 Disponível em: <http://geopoliticatocolando.blogspot.com.br/2010/04/fronteira-territorio-e-territorialidade.html>. Acesso em: 5 de ago. 2017. 18Disponível em: <http://geopoliticatocolando.blogspot.com.br/2010/04/fronteira-territorio-e-territorialidade.html>. Acesso em: 5 de ago. 2017.

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Território é um produto do trabalho de uma sociedade, com toda a sua

complexidade econômica e cultural, vinculado a uma determinada área, em

qualquer ponto do espaço geográfico, podendo ser definido por seu tipo de

governo, sua cultura, seu sistema econômico e outros agentes que influenciam a

sua organização e que a individualizam neste espaço.

Sob o aspecto jurídico, segundo Pinho (2012), território

É o elemento material do Estado, o espaço sobre o qual o Estado

exerce a sua supremacia sobre pessoas e bens. O conceito de

território é jurídico e não meramente geográfico. Abrange, além

do espaço delimitado entre as fronteiras do Estado, o mar

territorial, a plataforma continental, o espaço aéreo, navios e

aeronaves civis em alto-mar ou sobrevoando espaço aéreo

internacional e navios e aeronaves militares onde quer que

estejam. (PINHO, 2012, p. 26).

As fronteiras delimitam os lugares, os territórios e as paisagens e podem

ter um significado mais amplo do que umas simples linhas de separação entre

países.

As fronteiras político-administrativas são espaços em que os estados

nacionais exercem a sua soberania, lugar também chamado de “território”. Os

limites fronteiriços de origem política podem ser apenas uma rua ou “estrada

cabriteira”, conforme informação trazida por Januário (2004) ao tratar da extensa

divisa territorial de mais de 700 quilômetros de “fronteira seca” existente entre o

Brasil e a Bolívia, cuja linha imaginária atravessa o antigo território Chiquitano.

De todo modo, são divisas construídas e tais limites jurídicos foram estabelecidos

pelo costume, por negociação e tratados ou por imposição, após disputas ou

conquistas bélicas.

Se de um lado as fronteiras são elementos de separação de povos e

culturas, também podem significar um fator de aproximação entre nações

vizinhas, quando esta separação territorial não implicar em disputas e rivalidades.

Não é o caso das fronteiras jurídicas entre países que foram impostas sobre

territórios de povos indígenas, aí destacando a mencionada Província da

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Chiquitania, fracionada pela configuração da fronteira entre Brasil e Bolívia, e a

fronteira brasileira com o Paraguai, que dividiu o território do povo Guarani.

Ao tratar das relações dos povos indígenas com o modelo colonial nas

Américas, Ribeiro (1978) destaca que:

As fazendas e as minas escravocratas, pondo em presença os

europeus, como senhores, e os africanos e índios, como

escravos, criaram condições para o advento maciço de mestiços

gerados por europeus e índias, e de mulatos, gerados por

europeus e negras, fazendo surgir, simultaneamente, um estrato

sócio-racial intermédio, igualmente distanciado das matrizes

originais. Esta operaria como um novo agente de caldeamento

racial e de entrecruzamento cultural para produzir novos

mestiços e a todos incorporar na etnia nascente. (RIBEIRO,

1979, p. 71).

E isso tem implicação direta na formação a identidade nacional brasileira,

e de acordo com os conceitos amplamente aceitos, o Estado constitui-se de

elementos essenciais: Povo que é o titular do poder; Território como base; Poder

como energia capaz de coordenar e impor decisões buscando os fins comuns e

finalidade. Deve se entender Estado como uma sociedade organizada

politicamente dentro de um determinado espaço geográfico. O Povo, Território e

Poder são elementos abstratos que se materializam na forma de Poder.

A forma de governo indica a maneira pela qual se dá a instituição do

poder na sociedade e a relação entre o povo e seus governantes. As mais comuns

são, de um lado a Monarquia cuja característica mais marcante é a ascensão

hereditária e vitalícia ao trono, de outro lado, a República, cujo poder é exercido

por dirigentes eleitos periodicamente para um mandato temporário conforme

previsto nos respectivos textos constitucionais.

As fronteiras naturais são elementos da natureza que delimitam marcos

nacionais e podem ser caracterizados por ecossistemas ou outros marcos

geográficos como rios, montanhas, vales, mares etc. No caso específico da

fronteira oeste brasileira, os limites territoriais nacionais foram definidos por

diferentes critérios, sendo que os de natureza econômica e política foram os mais

utilizados.

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A formação das fronteiras nos países do Mercosul

Segundo Faoro (2012) a formação da Península Ibérica traz consigo o

peso de ter-se constituído em sociedade sob o império da guerra, a começar pelo

despertar de enfrentamento contra o domínio romano. A península foi teatro das

investidas dos exércitos de Aníbal, viveu a ocupação germânica, contestada

vitoriosamente pelos árabes, que eram tratados pelos lusitanos pelo adjetivo

“mouros”.

A narrativa do autor cita a existência dessas civilizações, que se

digladiaram dentro de suas fronteiras pela hegemonia da Europa e de das ruínas

do império visigótico, disciplinado e enriquecido pela cultura dos vencidos,

nasceu um mundo novo que transmitiu sua fisionomia aos tempos modernos.O

reino de Portugal foi um dos primeiros estados nacionais. Tinha uma

territorialidade escassa e voltada para as praias do Atlântico.

Ao discorrer sobre a formação do patronato político brasileiro Faoro

(2012),revela que a “descoberta” do Brasil decorreu da ultramarina expansão

comercial portuguesa, e que dela não somente emergiu um mundo novo, mas

também um mundo diferente, que deveria, além da descoberta, suscitar a

invenção de modelos de pensamento e de ações.

Todavia, segundo o autor, o descobridor português antes mesmo de ver a

qualidade da terra, de estudar as gentes que por aqui habitavam e quais os seus

hábitos de vida e a sua religião, quis saber sobre a existência de ouro e prata. E a

exploração e a espoliação teriam sido identificadas durante os 200 anos que o

Brasil permaneceu sob o jugo de Portugal. Para o autor, parte dessa “tática” de

atuação a classe dominante assimilou e a utilizou nas relações entre o estado e

setores marginalizados e hipossuficientes da contemporaneidade, inclusive os

povos indígenas.

Alguns estudiosos do processo histórico da constituição das fronteiras nas

Américas ressaltam a importância do papel desenvolvido pelos agentes externos

tais como os governos de Portugal e Espanha, a Igreja Católica e as famílias

envolvidas no processo de povoamento. No curso da pesquisa,mesmo tendo

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como objeto a educação escolar indígena, é possível identificar outros agentes

no processo de colonização, questionar suas ações, principalmente investigando

sobre os fundamentos de seus atos. É possível investigar quais os fatores que

impulsionaram as conquistas territoriais, quais os povos que habitavam o

subcontinente sul americano, como foi por eles percebida a divisão imaginária

determinada pelo Tratado de Tordesilhas e finalmente o que os estados

contemporâneos pensam nos seus textos legais sobre a educação escolar dos

povos indígenas.

Em 4 de maio de 1493 a Bula Papal Inter Coetera estabeleceu um acordo

bilateral em que as regiões de exploração de cada uma das nações ibéricas

estariam definidas, e pelo documento foi estabelecida uma linha imaginária a 100

léguas (aproximadamente 660 quilômetros) do Arquipélago de Cabo Verde, na

África, que dividiria o mundo, de modo que todas as terras a oeste desta linha

seriam de posse da Espanha, e nas terras a leste seriam fixados os territórios

portugueses. Todavia o rei português Dom João II divergiu e propôs mediação a

fim de que o acordo fosse revisto.

Em face disso, no ano de 1494 (7 de julho) foi celebrado o Tratado de

Tordesilhas e por meio dele as terras localizadas a 370 léguas (2500 quilômetros)

a oeste de Cabo Verde seriam possessão portuguesa, e as demais pertenceriam a

Espanha. Desse modo o reino português manteve sob seu domínio as terras

brasileiras, cuja “descoberta” seria anunciada logo em seguida, mesmo que

alguns navegadores, entre eles o marinheiro Diogo Cão, já tivessem navegado até

o litoral brasileiro bem antes de Pedro Álvares Cabral.

O espaço territorial do Brasil, e a transformação deste em nação, nasce

com o território delimitado e resulta de uma composição entre a burguesia

mercantil e a nobreza europeias, que ratearam os custos das navegações, para

logo depois pleitearem a divisão das riquezas, inclusive as terras “descobertas”,

ignorando por completo os interesses dos povos que já habitavam estes espaços,

com hábitos, cultura e modos próprios de vida. É possível identificar uma

confusão entre o que era interesse público estatal e o que era privado, no caso o

interesse mercantil da burguesia que financiava as navegações.

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A fronteira oeste do Brasil

A multiplicidade de configurações das fronteiras existentes no Brasil é

bem representada pelo que se registra na Amazônia de um modo geral, e no

estado do Acre, em particular, tido como um exemplo do que se chama “fronteira

em movimento”. Essa área se caracteriza por constantes mudanças e

transformações, seja no que se refere às divisões político-administrativas, ou

ainda no tocante ao contingente populacional.

O espaço territorial daquilo que conhecemos como o estado do Acre já

pertenceu à Bolívia, e foi incorporado ao território brasileiro por meio da

celebração do Tratado de Petrópolis19.

Ainda no século XIX, com a chegada de seringueiros que vieram do

estado do Ceará, o Acre percebe transformações territoriais importantes, que

resultam no deslocamento forçado das populações indígenas e uma mutação da

própria fronteira, com o surgimento de um novo sistema econômico, social e

político sustentado na cultura da seringa. Os assentamentos foram condicionados

pelo interesse econômico que emergia dos seringais, que era a base da existência

da maior parte das cidades da área (Ibéria, Xapurí, Iñapari, Brasiléia, Assis

Brasil, Rio Branco etc.).

A expansão da produção da borracha ultrapassou os limites brasileiros e

deflagrou um período de fortes lutas e enfrentamentos entre a Bolívia e o Brasil,

sendo que a partir do Tratado de Petrópolis (1903) foi reconhecido politicamente

o que já era fato consumado do ponto de vista sócio econômico: o Acre se incluía

em território culturalmente vinculado aos limites brasileiros.

19O território do atual estado brasileiro do Acre era, no início do século XX, uma região pertencente à Bolívia, mas que vinha sendo ocupada por seringueiros brasileiros em plena época de expansão da economia de extração da borracha. A fim de evitar conflitos o governo brasileiro confiou ao Barão do Rio Branco as negociações que resultaram no Tratado de Petrópolis, firmado em 17 de novembro de 1903 na cidade brasileira Petrópolis, que formalizou a incorporação do Acre ao território brasileiro. Com esse acordo, o Brasil pagou à Bolívia a quantia de 2 milhões de libras esterlinas e indenizou o Bolivian Syndicate em 110 mil libras esterlinas pela rescisão do contrato de arrendamento, firmado em 1901 com o governo boliviano. Em contrapartida, cedia algumas terras no Amazonas e comprometia-se a construir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré para escoar a produção boliviana pelo rio Amazonas.

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O povo Chiquitano na fronteira Brasil e Bolívia

Entre os povos que ainda buscam definir a sua identidade fortemente

atacada pela incursão colonialista estão os Chiquitano, naturais de um território

que vai da região oeste do estado de Mato Grosso até o centro do território da

vizinha Bolívia. De acordo com informações de Santana (2009) uma equipe da

FUNAI realizava um estudo ambiental na área de influência do Gasoduto

Bolívia/Mato Grosso, quando se deparou com este povo “esquecido” como

indígena mato-grossense. Conforme foi verificado, ao longo do tempo os

Chiquitano foram vítimas da própria ação do estado, por meio do Exército

Brasileiro, que os expulsou da área a pretexto de manter a integridade do

Destacamento Fortuna, e de que a presença de um povo não identificado como

brasileiro seria ameaça à segurança nacional.

A região da Chiquitania era habitada por mais de quarenta povos

indígenas, de culturas distintas, variando de grandes grupos sedentários de

agricultores seminômades, a pequenos grupos caçadores e coletores, pertencentes

a diversos grupos linguísticos. A primeira investida contra os Chiquitano teve

início com as Missões Jesuítas, sendo que em 1690 o governador de Santa Cruz,

Augustin de Arce, solicitou ao Colégio de Tarija a evangelização dos Chiquitos.

Ficou bem claro que a intenção era “pacificar” os indígenas e incorporar a

Província de Chiquitos ao governo de Santa Cruz.

A exemplo do que ocorreu com os Guarani, os Jesuítas foram bem-

sucedidos em reunir nas reduções os diversos povos indígenas que seriam

“unificados” como Chiquitano. Foram muitos os aldeamentos que compuseram

as missões chiquitanas e resultaram em cidades com o nome de santos da Igreja

Católica: San Xavier, San Rafael, San José, San Inácio de Zamucos, Santa Ana,

Santo Coración de Jesús, Santiago de Chiquitos, San Juán Bautista e Concepción

de Chiquitos. Estima-se um a população de 87.885 Chiquitano no lado boliviano

em 2012, segundo o governo local, e 473 Chiquitano no lado brasileiro no

mesmo período, segundo a Fundação Nacional de Saúde (Funasa)20.

20 Disponível em: <https://pib.socioambiental.org/pt/povo/chiquitano/413>. Acesso em 5 de ago. 2017.

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Estudioso do povo Chiquitano, o antropólogo Aloir Pacini discorre sobre

as ameaças sofridas por este povo em ambos os lados da fronteira, e relata a

aproximação deles com os missionários Jesuítas, tudo demonstrado em trabalho

escrito apresentado na 26ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os

dias 1º e04 de junho de 2008 na cidade de Porto Seguro (BA):

As histórias da conjugação de cerca de 40 etnias na Missão de

Chiquitos estão presentes nas pesquisas antropológicas. A

pressão externa dos bandeirantes e dos encomendeiros que

apareciam como inimigos fazia com que os povos autóctones

buscassem alguma segurança nas Missões. A ação missionária

jesuítica de 1691 a 1767 os sedentarizou nas cidades santuários

e em seus “ranchos” adjacentes. (PACINI, 2008, p. 3).

No espaço onde imperava o domínio lusitano e que viria a ser o território

do Brasil, a presença dos padres jesuítas também foi marcante e tinha como

objetivo “incorporar” os povos indígenas ao modelo eurocentrista de viver,

negando a história daqueles povos autônomos. Pesovento (2012) afirma que a

Capitania de Mato Grosso fora fundada no ano de 1748, tendo à frente da gestão

o fidalgo Dom Antonio Rolim de Moura e a influência dos Jesuítas não era tão

grande. Mas quando se aproximava o fim do modelo de regime missioneiro o

governo local despertou para o problema e resolveu buscar os religiosos para

fomentar a implantação do sistema de ensino com aspectos catequizantes dos

povos indígenas.

A Capitania de Mato Grosso era recém-criada em 1751 e havia somente

dois padres jesuítas, mas a estes dois missionários foi confiada a tarefa de

catequizar os indígenas que habitavam no imenso território. Em correspondência

enviada por Rolim de Moura a Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do

Marques de Pombal, então governante do Grão-Pará Maranhão, é indicada com

clareza a modalidade de educação que se desejava implantar:

Uma das constatações é que deveriam ser os “silvícolas”

retirados dos convívios de seus pares, pois, assim, seria mais

fácil “educá-los” de acordo com os modelos de civilidade, que

para os lusitanos estava associado ao desejo de ambição e

aquisição de bens próprios da cultura ocidental e mesmo de sua

mentalidade eurocentrada. É importante destacar a percepção de

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Rolim de Moura a respeito da capacidade intelectual dos

indígenas, marcada pela falta de raciocínio e brutalidade,

“qualidades” próprias dos povos indígenas imputadas por ele e

que deveriam ser suprimidas. Uma das medidas profiláticas

indicada era enviar indígenas à Europa a fim de se tornarem

“mestres naturais” do modelo ocidentalcêntrico de educação.

(PESOVENTO, 2012, p. 26/27).

Certo é que a configuração deste território na fronteira oeste exerceu

bastante influência no processo de educação escolar indígena pensado pelos

Jesuítas e estes também se adequaram às realidades locais, uma delas foi a

formação da missão com indígenas oriundos de diversos povos. No século XX os

programas oficias de educação escolar indígena também passariam por

reformulação com a mudança do enfoque, segundo Secchi (2009):

A partir de 1985, a própria FUNAI reformulou os seus cursos de

formação de indigenistas, substituindo o antigo enfoque

integracionista, por um debate aberto e ‘atualizado sobre o papel

dos agentes públicos como facilitadores do processo de

afirmação étnica e cultural dos povos indígenas’. Tal abordagem

predominou especialmente no Curso de Indigenismo, realizado

em Brasília em maio de 1985, destinado ao quadro de

funcionários que então ingressavam no órgão. (SECCHI, 2009,

p. 63).

A República Guarani recebera a influência dos padres Jesuítas no processo

de planejamento de sua arquitetura, como as construções de casas e escolas, e os

espaços predominantemente públicos, a exemplo das praças e igrejas. Secchi

(2009) diz que a educação salesiana como espaço territorial de afirmação de

identidades dos povos indígenas também se preocupava com este aspecto:

Um primeiro ‘agrupamento tipológico’ existente em Mato

Grosso foi o formado pelas chamadas “escolas das missões”

representadas predominantemente pelas escolas salesianas.

Encontravam-se instaladas em grandes aldeamentos xavantes e

bororos e compunham um conjunto arquitetônico característico

das missões tradicionais: as áreas centrais ocupadas pela igreja,

escola, farmácias, residências seletivas; as áreas circundantes

por galpões-oficina, residências não seletivas, depósitos e outro

serviços e, um pouco mais distantes, as demais instalações,

pomares, currais, roçados e aldeamentos. (Idem, p. 78).

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Em relação ao trabalho realizado na Chiquitania, os missionários tinham

consciência da responsabilidade que estava em suas mãos e, movidos pelo desejo

de salvar índios pela fé, acreditavam que estavam diante de um trabalho inédito,

em que tudo estaria por fazer em nome de Deus e para a sua glória. Nos anos

seguintes ao início da “catequização” dos Chiquitano, os jesuítas fundaram 11

reduções na Chiquitania, e 10 consideradas Missões de Chiquitos, entre elas a

Missão San Francisco Xavier, San Rafael, San José, San Ignácio de Zamucos,

Santa Ana e Santo Corazón.

No lado brasileiro há registros da presença do povo Chiquitano desde a

decisão da Coroa Portuguesa em marcar presença no lado oriental dos rios

Paraguai e Guaporé, o que foi apressado pela notícia da existência das missões

San Rafael de Chiquitos e de San Miguel, em Moxos.

Fronteira com o Peru

Os conflitos fronteiriços surgiram em meados do século XIX e perduraram

até o momento em que foi celebrado o Tratado do Rio de Janeiro21 (1909)

quando se reconheceu que os conflitos entre Brasil e Peru eram rotineiros nos

territórios lindeiros. De um lado extração do látex definiu uma área de interesse

que ultrapassava os limites nacionais dos três países, mas a progressiva

decadência desta forma de exploração promoveu a desarticulação desse sistema

sócio-político.

O desenvolvimento da agropecuária no Brasil e a extração do ouro no

Peru possibilitaram a chegada de uma nova população no espaço fronteiriço. No

lado brasileiro os nordestinos são substituídos pelos paulistas, paranaenses, mato-

grossenses e trabalhadores de outras regiões. Os novos atores iniciam um

processo de desmatamento dos seringais nativos, em favor da atividade pecuária,

21 O Tratado do Rio de Janeiro, assinado em 8 de setembro de 1909, estabeleceu as fronteiras atuais do estado do Acre, ajustado entre a República dos Estados Unidos do Brasil e a República do Peru. Pelo Tratado foi reduzido em 40 000 km² o território do Acre estabelecido no Tratado de Petrópolis, que se estendia até as cabeceiras do rio Purus. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_do_Rio_de_Janeiro_(1909)>. Acesso em 13 de jun. 2017.

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que resultaria em expulsão dos seringueiros de suas terras, os antigos

“colonizadores” agora se tornam “colonizados”.

Já no lado peruano da fronteira o desenvolvimento da atividade aurífera

modificou substancialmente a paisagem socioambiental tendo em vista que

milhares de migrantes andinos começam a se deslocar para o local em busca de

ouro. Esse movimento de pessoas implica em modificações que os governos

deveriam reconhecer e ajustar juridicamente como forma inclusive de inibir e

acabar com os conflitos então existentes.

De acordo com a narrativa de Fausto (2005), aquela região sofreu a

influência política do Império Inca, que conheceu seu apogeu durante um século,

e cujo declínio teve início com a chegada dos invasores espanhóis. Um dos

motivos da extinção do povo Inca, segundo o pesquisador, seria a decadência

econômica, provocada pelo sistema incaico que resultava na divisão das riquezas

que estavam sob o domínio do imperador sempre que ocorria a sucessão:

A razão estrutural atende pelo nome de herança dividida, um

sistema der transmissão de bens e direitos implantado pelo

imperador Pachakuti (1438-1471), que fora o motor das

conquistas. Segundo essa regra, quem herdava o poder não tinha

o legado material. Quando da morte do Inca, um de seus filhos

assumir a chefia do estado. Recebia o direito de governar, fazer

guerras, fazer a paz, cobrar impostos, mas não recebia qualquer

propriedade material. Tudo o que pertencera ao Inca morto

passava para seus outros descendentes em linha masculina, que

formavam um grupo social corporado denominado panaca. Eles

eram responsáveis pela preservação da Múmia do Inca e pela

manutenção de seu culto. [...] A regra da herança dividida

significava que tudo o que resultara na administração anterior –

em obras e conquistas – saíam da esfera do estado. A cada

sucessão era preciso começar tudo de novo: o rei recém-chegado

não tinha alternativa senão ampliar os limites do império,

conquistando novos povos e novas terras. (FAUSTO, 2005, p.

20).

Os territórios e os povos incaicos apresentavam uma característica

interessante: não possuía língua escrita, mas sua comunicação oral era na língua

quíchua, então falada na região central dos Andes bem antes do Império Inca, o

qual a adotou como língua oficial da administração imperial. A área de influência

Inca se estendia por cerca de 4.300 quilômetros, entre os atuais territórios da

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Colômbia e do Chile. O quíchua é falado hoje por cerca de 10 milhões de

pessoas, sendo o idioma nativo mais falado na América do Sul, é língua

regularmente aceita no Peru, centro e sudoeste da Bolívia, sul da Colômbia e do

Equador, noroeste da Argentina e norte do Chile.

O império Inca conquistava e colonizava territórios, subjugando os

vencidos, e aqueles indivíduos que não ofereciam resistência eram escolhidos

para gestão do território conquistado, desde que demonstrassem lealdade ao

conquistador. Os filhos do novo “funcionário” eram levados a Cusco para

receber educação formal. O governador do novo território pertencia a nobreza, e

era nomeado pelo imperador Inca.

É importante evocar que a mesma motivação econômica que movia o

império incaico e que influenciou a configuração de suas fronteiras territoriais,

ora expandindo e ora se contraindo, é a mesma que fez se movimentar o

seringueiro que trabalha no processo exploratório na divisa entre Brasil, Peru e

Bolívia.

Não há registros de conflitos ou escravização de povos originários nessa

parte da fronteira (tríplice), mas até mesmo algumas ordens religiosas foram

utilizadas para “pacificação” dos indígenas no passado, afastando-os de sua

condição de “gentio” e o inserindo ao sistema de capitalista, tarefa na qual nem

sempre foram bem-sucedidos22. Nos locais onde se definiu e se ajustou a

configuração da fronteira o componente capitalista é que preponderou nas

escolhas feitas pelos estados.

Fronteira do Paraguai com Mato Grosso do Sul

Conforme consta dos anais da Associação Nacional e História e segundo o

professor Antonio Brand23, a luta dos povos Kaiowá e Guarani no Mato Grosso

do Sul pelo reconhecimento de suas terras tem sido empreendido por meio de

22 Diversas ordens missionárias instalaram-se no Brasil, principalmente em regiões de fronteira onde havia disputa territorial e o governo brasileiro lutava pela posse efetiva dessas regiões. As migrações nordestinas para a Amazônia agravavam a exploração de povos indígenas na extração da borracha. O Imperador D. Pedro II estabeleceu então um acordo com a ordem franciscana para que esta instalasse missões pela Amazônia, controladas por uma sede em Manaus. Entretanto, conflitos regionais, a carência de recursos e a falta de quadros fizeram os missionários retornarem a Manaus em 1888 e, em seguida, abandonarem o trabalho franciscano na Amazônia. 23 Disponível em: <http://anais.anpuh.org/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S22.077.pdf>. Acesso em: 13 de jun. 2017.

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diversas frentes, entre elas a judicial, com a definição dos limites por meio de

processos em curso na Justiça Federal de Mato Grosso do Sul (que é competente

para julgar ações que envolvem interesses de povos indígenas)24.

Pesquisamos dois laudos periciais que se referem a demandas de interesse

dos povos Kaiowá e Terena, os quais foram publicados e transformados em livro

pelos peritos nomeados judicialmente. As obras citadas, “Ñande Ru Marangatu:

Laudo antropológico e histórico sobre uma terra kaiowá na fronteira do Brasil

com o Paraguai, município de Antonio João, Mato Grosso do Sul”, escrita por

Jorge Eremites de Oliveira e Levi Marques Pereira, e “Os Terena de Buriti:

formas organizacionais, territorialização e representação da identidade étnica”, de

Levi Marques Pereira, têm como origem laudos periciais produzidos para instruir

ações judiciais em que um fazendeiro (autor da ação) busca adentrar nas terras

indígenas, alegando hipótese de serem territórios sem vínculos com os povos

indígenas.

Os povos Kaiowá, da terra Ñande Ru Marangatu, próxima ao município

de Antonio João, no estado de Mato Grosso do Sul, tiveram seus direitos

confirmados ante a conclusão do laudo antropológico produzido. Os peritos

levaram em consideração os aspectos históricos que remontam à Guerra da

Tríplice Aliança e comprovaram a temporalidade da posse Kaiowá.

Do mesmo modo, a obra citada sobre os Terena resulta de uma perícia

judicial vitoriosa porque seus argumentos foram aceitos pelo julgador, e naquele

caso o autor do laudo buscou as trilhas de Marcel Mauss para convencer o juiz de

que a área em questão era habitada há muito tempo pelo povo Terena. Retratou

elementos da cultura, forma de organização e as linhas de parentesco para atestar

o uso regular e antigo do território objeto da controvérsia.

O pesquisador Antonio Brand argumenta que os povos indígenas lutam

pela reocupação de territórios dos quais foram expulsos em épocas recentes ou

remotas, e enquanto aguardam o desfecho de suas demandas habitam reservas

criadas pela União através de suas autarquias. São pequenas extensões de terras

demarcadas pelo antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) entre os anos de 1915

24 Art. 109, inciso XI da Constituição Federal de 1988.

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e 1928, para usufruto desta população, que somadas resultam em um total de

18.124 hectares.

Sobre o tamanho da população indígena no Brasil, diz Araújo (2006) que

O Brasil não tem ainda uma estimativa precisa sobre a

população indígena em seu território. Como até hoje nunca se

fez um censo indígena, as contagens variam e oscilam na

medida em que se baseiam em informações de diferentes e

heterogêneas fontes. Em todas as hipóteses, entretanto, trata-se

de uma população proporcionalmente pequena, se comparada à

totalidade da população nacional. Para efeitos desta publicação,

estaremos considerando os números utilizados pela FUNAI, que

informa existirem hoje no Brasil 215 povos indígenas, com uma

população de aproximadamente 345 mil índios, o que representa

cerca de 0,2% da população nacional. De acordo com a FUNAI,

estes números referem-se somente aos índios que vivem em

aldeias, estimando-se a existência de cerca de 100 a 190 mil

outros vivendo fora de terras indígenas, inclusive em cidades,

enquanto há ainda indícios de mais ou menos 53 grupos sem

qualquer contato com a sociedade (isolados), fora aqueles que

começam a reivindicar a condição de indígenas (denominados

“emergentes” ou “resistentes”). (ARAÚJO, 2006, p. 23).

Todavia o Censo Demográfico do IBGE em 2010 já apresenta uma

população em torno de 817 mil pessoas que se autodeclaram indígena, o que

alcança 0,4% do total dos habitantes brasileiros25.

No século XV a estimativa era de que existiriam 1.400 povos indígenas no

território colonizando, com uma população de 5 milhões de pessoas. Desse

mosaico dos povos indígenas no Brasil de 2012, com 896 mil indígenas segundo

o governo federal26, número diferente do Censo 2010 do IBGE, distribuídos em

215 povos falantes de 274 idiomas, o estado de Mato Grosso do Sul se apresenta

como região de grande diversidade demográfica, e com múltiplos aspectos

culturais.

Além de possuir a segunda maior população indígena do país, com

aproximadamente 70 mil índios, sendo superado pelo estado do Amazonas,e

deste total trinta mil indígenas seriam crianças na faixa etária de 0 a 14 anos, o

25 Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/indigenas/indigena_censo2010.pdf>. Acesso em: 5 de ago. 2017. 26 Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/governo/2012/08/brasil-tem-quase-900-mil-indios-de-305-etnias-e-274-idiomas>. Acessado em: 14 de jun. 2017.

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espaço sul mato-grossense está encravado no coração da América do Sul,

recebendo fortes influências culturais de outras regiões brasileiras e dos países

fronteiriços.

Ao pesquisar sobre a percepção de alunos e professores visando o

desenvolvimento local na Aldeia Lagoinha, localizada no Distrito de Taunay, em

Aquidauana, em Mato Grosso do Sul, Antonio Bento Pereira Paredes27, sob a

orientação do professor Antonio Brand, apresenta dados importantes sobre povos

indígenas identificados em Mato Grosso do Sul.

Destacam-se neste horizonte multicultural: os Guarani-Kaiowá e Guarani-

Ñandeva (habitantes da região sul do Mato Grosso do Sul), os Terena (subgrupo

Guanáque vivem na região centro-oeste do Estado); os Kadiwéu (identificados

no extremo oeste, na maior área indígena fora da Amazônia Legal, suas terras

estendem entre os municípios de Bodoquena e Porto Murtinho); os Guató

(antigos povos pescadores das margens do rio Paraguai, vivem no extremo norte

do Mato Grosso do Sul, fronteira Brasil/Bolívia); os Ofaie (localizados na região

sudeste do Estado) e os Kinikinau (subgrupo Guaná e que vivem atualmente na

Reserva Indígena Kadiwéu)28. Nesse cenário indígena estão presentes os Kamba

(encontrados em Corumbá, na fronteira com a Bolívia) e os Atikum, grupo étnico

oriundo de Pernambuco29.

27 Disponível em: <http://livros01.livrosgratis.com.br/cp124577.pdf>. Acesso em: 14 de jun. 2017. 28 Disponível em: <http://jornalprincipia.blogspot.com.br/2012/09/povos-indigenas-em-situacao-de-fronteira.html>. Acesso em 01 de ago. 2017. 29Comunidade Atikum. Etnia indígena originária do sertão pernambucano, os atikum chegaram a MS na década de 1980, após serem expulsos de sua terra. Reconhecidos apenas em 1949 como etnia indígena, eles lutam agora pelo reconhecimento do direito à terra. Os indígenas Atikum são originários da Serra de Umã, município de Floresta, no sertão de Pernambuco. São 5.183 pessoas (Funasa/2010), a maioria concentrada na Área Indígena Atikum, demarcada em 1996 pelo governo federal. As primeiras menções aos índios Atikum datam da década de 1940, quando procuraram o Serviço de Proteção ao Índio em busca do reconhecimento oficial de sua etnia e suas terras. O reconhecimento como etnia deu-se em 1949. Suas terras foram demarcadas em 16.290 hectares em 1996. Os primeiros indígenas Atikum chegaram a MS no início da década de 1980. Atualmente, são 118 indivíduos, que habitam a aldeia Cabeceira, na Reserva Indígena Terena de Nioaque, no sudoeste do estado. Estão ali por generosidade dos índios terena, que os acolheram e permitiram que vivessem e produzissem em uma área desabitada da Reserva. Sem língua nem religião próprias, os Atikum mantêm apenas um traço cultural original, a dança ritual Toré, em que os dançarinos vestem-se com roupas de palha e executam canto e dança em roda, com versos em forma de exaltação. Fonte: http://www.prms.mpf.mp.br/servicos/sala-de-imprensa/noticias/2013/11/mpf-ms-acordo-inedito-no-pais-destina-area-para-indigenas-da-etnia-atikum, acesso em 24 nov. 2017.

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Cada sociedade indígena possui suas características culturais próprias,

histórias de contato, resistências, negociações e alianças, constituindo grupos

com populações que variam de 50 indivíduos a 30.000 pessoas. Nesse contexto

os Guarani (Kaiowá, Mbyae Ñandeva) e os Terena possuem o maior contingente

populacional, somando 65 mil pessoas.

Para tratar da temática dos indígenas em situação de fronteira é de ter-se

como paradigma o exemplo do povo Guarani, atualmente presente em vários

estados das regiões sul, sudeste e centro oeste do Brasil, e que também são

encontrados em diversos outros países, como Argentina, Paraguai e Bolívia. Com

mais de 50 mil pessoas é a etnia mais numerosa no Brasil, cujo maior contingente

vive exatamente no estado de Mato Grosso do Sul. São descendentes de um povo

que já teve a sua república própria, com normas, cultura, arquitetura, território e

saberes típicos. Poucos desses valores restaram após o contato com os europeus,

principalmente porque o colonizador exterminou e escravizou o Guarani, e dele

espoliou a riqueza e os territórios.

Os estudos antropológicos distinguem no Brasil três grupos Guarani:

Kaiowá, Ñandeva e Mbya; em Mato Grosso do Sul, grande parte dos Guarani é

do grupo Kaiowá, povo que se submete a péssima condição de vida, mas

curiosamente os dados oficiais demonstram que a população Kaiowá vem

crescendo, o que indica um processo de resistência cultural30.

O povo Guarani vive nesta região de fronteira muito antes da chegada dos

europeus no século XV. No mesmo período da fundação de Assunção, a capital

do Paraguai, tiveram início as reduções jesuíticas no coração da nação Guarani.

30Apesar da ausência de recenseamentos ou pesquisas demográficas mais acuradas, há indícios, por amostragem de áreas onde foi possível censo bem aplicado, de que os Guarani apresentem, de um modo geral, altas taxas de fecundidade e crescimento populacional. No Brasil, tomando-se por base, sempre, cálculos aproximados, haveria, segundo os dados da Funasa e Funai em 2008, aproximadamente 51.000 indivíduos, sendo 31.000 Kaiowa, entre 13.000 Ñandeva e 7.000 Mbya, localizados principalmente no Mato Grosso do Sul. Na Argentina a população guarani é quase exclusivamente Mbya e concentra-se na província de Misiones em torno de 5.500 pessoas. A população Ñandeva na Argentina é estimada em cerca de 1000 pessoas. (CTI/G. Grünberg, 2008). A população Mbya atual estaria, segundo essas projeções, em torno de 27.380 pessoas. Cada subgrupo e cada região dentro dos territórios guarani apresentarão, no entanto, especificidades quanto a sua situação demográfica ou na relação entre espaço disponível a uma determinada comunidade e a extensão de terra existente. Disponível em: <https://pib.socioambiental.org/pt/povo/guarani-kaiowa/554>. Acesso em: 03 de mai. 2017.

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Foram abrangidos pela área de influência dos religiosos o atual território de Mato

Grosso do Sul, o oeste do Paraná, e os estados de Santa Catarina, Rio Grande do

Sul e São Paulo. Lugon (2010) revela o nascer de uma república, a partir do

contato dos Guarani com os Jesuítas, que receberam destes a educação formal

que permitiu a criação de cidades politicamente organizadas e com regras

próprias, um sistema de educação cultural, liberdade para negócios e foram

pioneiros na ideia de estado de bem estar social.

Um dos exemplos: as reduções possuíam uma casa destinada a mulheres

viúvas, e os órfãos também mereciam tratamento diferenciado. Mas em

contrapartida as habilidades de guerreiro foram reprimidas, o que facilitou sua

destruição, provocada pela não oposição de resistência contra os belicosos

invasores espanhóis e bandeirantes paulistas.

O padre jesuíta Clovis Lugon considera ter existido uma República

Guarani, que ela seria comunista e seu povo inovou nas artes, nos sistemas de

defesa, na cultura, na arquitetura e teria resistido às invasões ocorridas entre os

anos de 1640 a 1750. Segundo narra o pesquisador, a chegada dos jesuítas teria

sido decisiva para que os Guarani se reunissem em reduções e ali recebessem a

educação que transformaria um povo rústico numa próspera nação, cujos

domínios se estenderiam por territórios futuramente tomados à força pelos

portugueses e espanhóis.

Para Lugon (2010) a inovação Guarani começava com a arquitetura:

Além das casas, outras belas avenidas atravessavam os campos

até findarem diante de capelas que podiam ser vistas,

minúsculas, no centro da praça. Essas capelas marcavam os

limites das procissões. Na própria redução, a partir das avenidas,

as ruas formavam um traçado regular, todas retas, largas como

nas cidades europeias, servindo o conjunto urbano. Ruas mais

estreitas, transversais, completavam a paisagem. Graças à

simplicidade do conjunto arquitetônico, o crescimento da cidade

acontecia de forma natural. Ao longo de uma das artérias

principais, em direção à periferia, abria-se simplesmente uma

nova rua ou se construía casas dos dois lados, segundo a

necessidade. O padre salienta que não existem becos, nem ruelas

sujas, escuras e mal-cheirosas. (LUGON, 2010, p. 53).

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Voltando à localização dos territórios Guarani na atualidade, Antonio

Brand diz que as aldeias estão distribuídas em todo o Mato Grosso do Sul, numa

área que se estende até os rios Apa, Dourados e Ivinhema, ao norte, indo, em

sentido sul, até a serra de Maracaju e os afluentes do rio Jejui, já em território do

Paraguai, alcançando aproximadamente 100 Km em sua extensão Leste-Oeste31.

Os Kaiowá habitam cerca de 100 Km de ambos os lados da cordilheira do

Amambaí, espaço que compõe a linha fronteiriça Paraguai-Brasil, inclusive todos

os afluentes dos rios Apa, Dourados, Ivinhema, Amambai e a margem esquerda

do Rio Iguatemi, que limita o sul do território Kaiowá e o norte do território

Ñandeva, além dos rios Aquidabán (Mberyvo), Ypane, Arroyo, Guasu, Aguaray

e Itanarã do lado paraguaio, alcançando perto de 40 mil quilômetros quadrados.

Esse território é do tamanho do “excesso” de área que o Brasil havia

somado ao Acre quando negociou a aquisição com a Bolívia, e que depois foi

obrigado a restituir ao Peru.

O atual território Guarani (Mbiá, Kaiowá e Ñandeva) adentra em parte dos

estados de Mato Grosso do Sul e Paraná, se estende inclusive no lado oriental

paraguaio, tendo sido registradas migrações Ñandeva do início do século XX

oriundas do Paraguai e que se estabeleceram como assentamentos no estado de

São Paulo, regiões do interior e litoral, assim como em Santa Catarina, no

interior dos estados do Paraná e também no Rio Grande do Sul. No Paraguai, o

território atual dos Ñandeva compreende os rios Jejui Guasu, Corrientes e

Acaray32.

Após a Guerra da Tríplice Aliança, também conhecida como Guerra do

Paraguai, iniciou-se no sul do então estado de Mato Grosso a exploração da erva

mate nativa, produto de grande valor econômico, e cujo titular do negócio era a

Companhia Matte Laranjeira33. A era mate era abundante na região e foi

produzida em grande parte com a utilização da mão de obra dos índios Guarani.

31 Disponível em: <https://pib.socioambiental.org/pt/povo/guarani-kaiowa/552>. Acesso em: 5 de ago. 2017. 32 Disponível em: <http://jornalprincipia.blogspot.com.br/2012/09/povos-indigenas-em-situacao-de-fronteira.html>. Acesso em 01 de ago. 2017. 33 COMPANHIA MATTE LARANJEIRA - Chegou a ser um Estado dentro do país, com concessão de terras de 5.000.000 de hectares para explorar erva mate nativa. Teve origem numa recompensa que o

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A Companhia Mate Laranjeira recebera alguns “favores” do governo,

justamente por ter colaborado com as despesas da guerra, e um dos benefícios

recebidos em contrapartida foi a autorização para exploração dos territórios

Kaiowá. Quando venceu o prazo da permissão administrativa a área passou a ser

alvo de fazendeiros que se interessaram pela fertilidade e qualidade do

solo,começando então um pesadelo para os povos indígenas, fenômeno este que

perdura até os dias atuais e gera tantas dores aos povos indígenas.

Nos dias atuais, grande parte do povo Guarani vive confinada em áreas de

pequenas extensões de terras que são insuficientes para a sua sobrevivência, fato

que impede sua reprodução física e obsta a manutenção do modelo cultural que

mantém desde tempos imemoriais. Ao longo do tempo ocorreu um

confinamento, ou transferência sistemática e forçada da população indígena das

diversas aldeias Guarani para dentro das oito reservas demarcadas pelo Governo

Federal por meio do SPI entre 1915 e 1928.

Ao obrigar os povos indígenas a habitar em pequenas porções de terra

(reservas) o Estado acaba provocando alguns dos complexos problemas

identificados na atualidade: migração para as periferias das cidades, explosiva

densidade demográfica, acirramento das disputas territoriais, aumento das

práticas de violência, assalariamento compulsório dos homens com sua

Governo Imperial deu a Thomas Laranjeira por seu auxílio na Guerra do Paraguai. Teve sua primeira base em Concepción, no Paraguai e em 1882 um Decreto Imperial consolidou a concessão. A Companhia operava no Mato Grosso e Paraguai onde criou um porto especial para suas exportações de mate que iam também para a Argentina. Esse porto passa a ser a sede da empresa, conhecido como Porto Murtinho em homenagem a Joaquim Murtinho, que, já na República, era Ministro da Fazenda da Presidência Campos Salles. Os principais acionistas da Companhia eram o Banco Rio Branco, da família Correa da Costa, a família Murtinho e a família Mendes Gonçalves. A Companhia tinha ferrovia própria e a erva mate era puxada até a linha de trem por 800 carretas para cuja tração a empresa tinha 20.000 bois. Grande parte da mão de obra era indígena, especialmente Guaranis e Kaiowás. De 1926 a 1929 a Companhia era tão rica que emprestou dinheiro ao Estado de Mato Grosso, as exportações para a Argentina cresceram muito, passou a ter também acionistas argentinos. Em 1943, já no Estado Novo, Getúio Vargas cancelou as concessões da Mate Laranjeira criando os Territórios do Iguaçu e de Ponta Porã e o Serviço de Navegação da Bacia do Prata para concorrer com os navios da Companhia. A Companhia Matte Laranjeira foi uma típica empresa colonial de exploração de território, teve grande poder político no Mato Grosso e faz parte de todo o desenvolvimento daquela região, constituiu duas cidades que foram suas bases, Porto Murtinho e Guaíra, deixou sua marca na fase histórica do desbravamento do Oeste brasileiro. Disponível em: <http://jornalggn.com.br/noticia/a-historia-da-companhia-matte-laranjeira>. Acesso em: 30 de abr. 2017. Obs.: a grafia do nome da empresa pode variar conforme a fonte pesquisada: Matte Laranjeira, Mate Laranjeira, Matte Laranjeira.

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consequente ausência da família, assim como o aumento da dependência de

investimentos e gastos oriundos do governo.

Os problemas de violência contra indígenas, a migração destes para as

cidades e o envolvimento com bebidas alcoólicas ou subempregos é uma

realidade presente em outras áreas habitadas pelos indígenas. Em pesquisa

realizada no município de Campinápolis, na Terra Indígena Parabubure, criada

em 1974 e que possui uma área de 324.447,3367 hectares habitada pelos índios

Xavante, Rezende (2009) constatou a dificuldade de aceitação do outro:

Verifica-se que preconceitos e estereótipos dirigidos ao indígena

brasileiro são atitudes seculares que vêm passando e se

afirmando com o tempo e com o apoio de pessoas e instituições

que divulgam e toma atitudes etnocêntricas e preconceituosas.

(...). Houve nas últimas décadas, neste município, conflitos entre

esses dois povos, como demarcação de terras, a morte de um

vereador não–indígena, presumindo devendo ser devido a

negócios entre eles, a morte de dois pescadores não-indígenas

em área Xavante, a morte recentemente de um indígena Xavante

próximo ao Banco do Brasil, acidentes de trânsito e

corriqueiramente conflitos gerados, devido ao consumo de

bebida alcoólica pelos Xavantes, inclusive adolescentes.

(REZENDE, 2009, p. 29 e 36).

Conflito em Antonio João (MS) vitima os Kaiowá

Segundo informação que consta do banco de dados do Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatísticas (IBGE) e se referem aos números consolidados ano de

201534, o município de Antonio João está localizado na região sudoeste do Mato

Grosso do Sul, e conta com uma população estimada em 8.679 habitantes,

distribuídos em uma área de 1.145,175 Km² resultando em densidade

demográfica de 7,17 hab/km².

De acordo com dados do ISA (socioambiental.org/pt/povo/guarani), na

região fronteiriça entre Paraguai e Brasil, o povo indígena mais numeroso é o

povo Guarani. Como já referenciado, os Guarani se dividem em alguns grupos,

34 Disponível em <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ms/antonio-joao/panorama>. Acesso em: 30 de abr. 2017.

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dos quais, em território brasileiro, predominam os Mbya, os Kaiowá (conhecidos

no Paraguai como Pãi-Tavyterã) e os Ñandeva (conhecidos como Ava Guarani).

A utilização do território Guarani de tempos imemoriais, começou a ser

objeto de cobiça capitalista após o fim da guerra da Tríplice Aliança (1864-

1870).

Segundo Oliveira e Pereira (2009), a ocupação daquelas terras teve início

com a guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança, tendo à frente criadores de

gado.

O avanço contra os territórios dos Guarani e seus subgrupos é antiga

conforme relata Lugon (2010), e a ganância colonialista se defrontou com um

povo organizado, com estrutura e governos próprios, arquitetura avançada e

sistema de organização administrativa que superava a outras regiões que haviam

se submetido à força do colonizador, adotando modelos imposto por este:

Em 1750, a República Guarani parecia ter atingido seu máximo

de esplendor. Depois de dez anos, a população voltara a

aumentar regularmente, superando as perdas causadas pelas

epidemias. Começavam a desaparecer as angustias causadas

pela guerra contra o governador Antequera. Artes e ofícios

desenvolviam-se cada vez mais. A vida social estava em sua

plenitude. (LUGON, 2010, p. 193).

Sucessivas e belicosas investidas espanhola e portuguesa arrasaram os

Guarani, todavia o avanço sobre as fronteiras se valeu de outras táticas de poder,

em que até mesmo a burocracia foi utilizada para a dominação:

Por atos aparentemente legais, as melhores terras foram tomadas

dos índios, as lavouras saqueadas, as estâncias e armazéns de

viveres entregues à rapina de parentes de administradores. Para

explicar como essa pilhagem foi feita diante dos olhos de um

povo que sempre fora capaz de se defender, deve-se informar

que todas as armas tinham sido confiscadas pelos soldados

espanhóis. Até os sabres foram proibidos. Além disso, o novo

regime tinha instituído a pena de morte e a mutilação,

desconhecidas no tempo dos jesuítas. (LUGON, 2010, p. 213).

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Retomando a história de ocupação, Oliveira e Pereira (2009) lembra que a

partir de 1870, ocorreu uma nova tentativa de expulsão dos Guarani, desta feita

pela Companhia Matte Laranjeiras35.

Seja em regime de arrendamento, com ônus, ou concessão sem encargos,

esse grupo econômico Matte Laranjeiras fora agraciado com terras indígenas em

razão dos “bons serviços” prestados na guerra do Paraguai.

Com o advento da modernidade e do fortalecimento da expulsão do capital

sobre áreas tidas como “desocupadas”, o estado brasileiro, passou a interceder na

defesa dos interesses dos grandes proprietários de terra. Tal conduta foi

intensificada com a criação do estado de Mato Grosso do Sul no ano de 197736,

resultando de na redução territorial e no confinamento de indígenas em pequenas

reservas insustentáveis ou em áreas periféricas das cidades.

Ocorreram diversas iniciativas tidas como absurdas para a escolha das

áreas reservadas para indígenas, cujo intuito era eram “legitimar” desocupação de

outras áreas e reunir no mesmo espaço povos indígenas de áreas dispersas, ainda

que houvesse diferenças culturais (e até inimizades capitais) entre eles.

35Inicialmente denominada Empresa Matte Laranjeira, a Companhia Matte Laranjeira foi uma empresa que surgiu de uma concessão imperial ao comerciante Thomaz Laranjeira, por serviços prestados na Guerra do Paraguai. O Decreto Imperial nº 8799, de 9 de dezembro de 1882, autorizava a Laranjeira a exploração da erva-mate nativa, por um período inicial de 10 anos. Atuou na exploração de erva-mate no Sul do então estado de Mato Grosso. Sua primeira sede foi em Concepción, no Paraguai, onde, em 1877, inicia a exploração de erva-mate. (Fonte: Wikipedia). 36 Art. 2º - A área desmembrada do Estado de Mato Grosso para constituir o território do Estado de Mato Grosso do Sul, situa-se ao sul da seguinte linha demarcatória: das nascentes mais altas do rio Araguaia, na divisa entre os Estados de Goiás e Mato Grosso, segue, em linha reta, limitando os Municípios de Alto Araguaia, ao norte, e Coxim, ao sul, até às nascentes do córrego das Furnas; continua pelo córrego das Furnas abaixo, limitando, ainda, os Municípios de Alto Araguaia, ao norte, e Coxim, ao sul, até sua foz no rio Taquari; sobe o rio Taquari até a barra do rio do Peixe, seu afluente da margem esquerda, continuando por este até sua nascente mais alta, tendo os Municípios de Alto Araguaia, ao leste, e Pedro Gomes, ao oeste; segue daí, em linha reta, às nascentes do rio Correntes, coincidindo com a linha divisória dos Municípios de Alto Araguaia e Pedro Gomes; desce o rio Correntes até a sua confluência com o rio Piquiri, coincidindo com os limites dos Municípios de Itiquira, ao norte, e Pedro Gomes, ao sul, continua pelo rio Correntes, coincidindo com os limites dos Municípios de Itiquira, ao norte, e Corumbá, ao sul, até sua junção com o rio Itiquira; da junção do rio Correntes com o rio Itiquira, segue coincidente com a divisa dos Municípios de Barão de Melgaço, ao norte, e Corumbá, ao sul, até a foz do rio Itiquira no rio Cuiabá; da foz do rio Itiquira no rio Cuiabá segue por este até a sua foz no rio Paraguai, coincidindo com a divisa entre os Municípios de Poconé, ao norte, e Corumbá, ao sul; da confluência dos rios Cuiabá e Paraguai sobe pelo rio Paraguai até o sangradouro da Lagoa Uberaba, coincidindo com os limites dos Municípios de Poconé, ao leste, e Corumbá, ao oeste; da boca do sangradouro da lagoa Uberaba segue sangradouro acima até a lagoa Uberaba, continuando, por sua margem sul, até o marco Sul Uberaba, na divisa do Brasil com Bolívia, coincidindo com os limites dos Municípios de Cáceres, ao norte, e Corumbá, ao sul.

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Um exemplo desta política foi a criação da Reserva Indígena de Dourados,

na década de 1910, como Posto Indígena Francisco Horta Barbosa.A advogada e

historiadora Rosely Aparecida Stefanes Pacheco, docente do Curso de Direito da

Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UFMS), em sua pesquisa de

Mestrado reuniu evidências que uma das origens dos conflitos fundiários naquela

região pode ser o viciado processo de regularização das terras indígenas, que

atrai a cobiça de setores do agronegócio.

Segundo a pesquisadora, a forma e o conteúdo das políticas formuladas e

aplicadas pelo SPI e mais recentemente pela FUNAI, acabaram por provocar o

aldeamento dos Kaiowá Guarani, gerando uma série de problemas que antes não

existiam37. De acordo com as conclusões de sua pesquisa o aldeamento indígena

em áreas próximas a núcleos de povoamentos emergentes atendeu aos interesses

de proprietários de terras, que avançaram sobre as áreas que ficaram fora dos

limites dos aldeamentos.

Entre os anos de 1915 e 1928 o Governo Federal demarcou oito pequenas

áreas para usufruto dos Guarani, perfazendo um total de 18.124 hectares

objetivando confinar os diversos núcleos populacionais dispersos em amplo

território ao sul do estado de Mato Grosso do Sul. A desocupação forçada das

antigas áreas demarcadas pelo SPI se constituíram em importante estratégia

governamental de liberação de terras para a colonização e para a atividade

pecuária. Os indígenas, por seu turno, passaram a viver em situação de extrema

carência de recursos naturais, o que os obrigou a perambular pelas cidades ou

engajar-se em atividades agropecuárias em fazendas da região.

Por esses breves relatos é possível perceber a relação assimétrica existente

entre as populações indígenas e o estado brasileiro. Ainda que com pequenos

ajustes, essa tem sido também a relação dos demais estados nacionais, do

Mercosul, à exceção do atual Estado Plurinacional da Bolívia, cuja Constituição

e governos vêm mitigando os danos causados por cinco séculos de colonialidade.

37Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:VWNVKwamjBgJ:www.neppi.org/gera_anexo.php%3Fid%3D500%2520target%3D+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 5 de ago. 2017.

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CAPÍTULO II

O TRATADO DO MERCOSUL

Mesmo dando muita importância à independência, autonomia e soberania

nas relações internacionais, na atualidade, muitos países estão se organizando em

blocos homogêneos e com objetivos comuns, a maioria deles de natureza

econômica e capitalista, visando reforçar a competição comercial, principalmente

no embate contra os ditos países desenvolvidos.

Neste capítulo buscamos descrever o histórico de criação do Mercosul.

Entre as fontes utilizadas estão as informações oficiais dos documentos

disponibilizado no portal eletrônico do Mercosul, alguns deles apresentados nos

idiomas português, castelhano e guarani, conforme já mencionado em outra parte

neste trabalho. Algumas informações importantes para a pesquisa são buscadas

na bibliografia, principalmente na área do Direito Internacional, e na medida em

que fazemos o uso de fontes primárias para melhor compreender o tema, a

legislação será fartamente utilizada, o que confere coesão e confiabilidade aos

resultados da investigação.

A primeira referência contemporânea de bloco de países agindo pelo

interesse comum de seus membros foi a União Europeia (UE), criada pelo

Tratado de Mastrich no ano de 1992, por decisão multilateral que transformou a

Comunidade Econômica Europeia38 (CEE) em uma organização política que

representa a vontade coletiva. Seu principal objetivo inicial era a implantação da

moeda única, o Euro, e a integração dos mercados nacionais.

Da mesma forma que ocorre com o Mercosul, a UE sofreu influências no

decorrer do tempo, tendo em vista a diversidade de interesses existentes, O

primeiro ajuste significativo na organização da União Europeia ocorreu em 13 de

dezembro de 2007 por meio do Tratado de Lisboa, que aprovou a participação de

28 países como membros da UE. Mais recentemente, a tendência de redução do

número de adeptos foi protagonizada pela Grã-Bretanha, que declarou seu desejo

38A Comunidade Econômica Europeia (CEE) ou Mercado Comum Europeu foi o embrião da União Europeia. Formada em 1957, com o Tratado de Roma, a organização pretendia permitir a livre circulação de pessoas, mercadorias e serviços entre os países-membros.

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de abandonar a União Europeia, após uma consulta popular formal, que ficou

conhecido como Brexit39.

Em 1975 cerca de dois terços da população do Reino Unido optara pelo

ingresso do país na UE e, no movimento contrário ocorrido em 2016, 51,9% dos

eleitores optaram por sair. De acordo com as normas que regem o Tratado da UE,

há uma regra de transição que deve ser observada em tais situações, de modo que

uma notificação premonitória foi entregue ao Conselho Europeu, iniciando o

prazo de dois anos para a retirada britânica definitiva da União Europeia, medida

esta que veio prevista no art. 50 do Tratado de Lisboa40.

Só para lembrar, o acordo multilateral que gerou o Mercosul foi

denominado Tratado de Assunção.

Segundo Reis (2008)

[...] tem como membros a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai,

e foi criado com as seguintes pretensões: a) a livre circulação de

bens, serviços e fatores de produção entre os países, por meio,

entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários, restrições

não-tarifárias à circulação de mercadorias de qualquer outra

medida de efeito equivalente; b) o estabelecimento de uma tarifa

externa e a adoção de uma política comercial comum em relação

a terceiros Estados ou agrupamento de estados e a coordenação

de posições em foros econômico-comerciais regionais e

internacionais (Martins, 2006). O Mercosul (em português:

Mercado Comum do Sul, em espanhol Mercado Común Del Sur,

o Mercosur) é o programa de integração econômica de quatro

países da América do Sul: Argentina, Brasil, Paraguai e

39 Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/internacional-36555376>. Acesso em 1 de ago. 2017. 40ARTIGO 50.º 1. Qualquer Estado-Membro pode decidir, em conformidade com as respectivas normas constitucionais, retirar-se da União. 2. Qualquer Estado-Membro que decida retirar-se da União notifica a sua intenção ao Conselho Europeu. Em função das orientações do Conselho Europeu, a União negocia e celebra com esse Estado um acordo que estabeleça as condições da sua saída, tendo em conta o quadro das suas futuras relações com a União. Esse acordo é negociado nos termos do n.º 3 do artigo 218.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. O acordo é celebrado em nome da União pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada, após aprovação do Parlamento Europeu. 3. Os Tratados deixam de ser aplicáveis ao Estado em causa a partir da data de entrada em vigor do acordo de saída ou, na falta deste, dois anos após a notificação referida no n.º 2, a menos que o Conselho Europeu, com o acordo do Estado-Membro em causa, decida, por unanimidade, prorrogar esse prazo. 4. Para efeitos dos nº 2 e 3, o membro do Conselho Europeu e do Conselho que representa o Estado-Membro que pretende retirar-se da União não participa nas deliberações nem nas decisões do Conselho Europeu e do Conselho que lhe digam respeito. A maioria qualificada é definida nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 238.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. 5. Se um Estado que se tenha retirado da União voltar a pedir a adesão, é aplicável a esse pedido o processo referido no artigo 49.º.

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Uruguai. A Venezuela está em processo de adesão desde

dezembro de 2005. O bloco também é chamado de Cone Sul,

porque sua formação original abrangia as nações do sul do

continente, formando um cone. (REIS, 2008, p. 90).

Os vizinhos Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram o Tratado de

Assunção no dia 26 de março de 1991 e deram início ao processo de criação do

Mercado Comum do Sul (Mercosul ou Mercosur)41. O evento ocorreu após um

longo caminho diplomático e político que teve como marco inaugural a criação

da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) no ano de 1980. O

principal objetivo do Tratado de Assunção celebrado pelas nações mercosulinas

em 1991 foi a integração dos Estados Partes através da livre circulação de bens,

serviços e fatores produtivos, com o estabelecimento de uma Tarifa Externa

Comum (TEC). Propunha também a adoção de uma política comercial que fosse

interessante a todos os membros, que facilitasse a coordenação de políticas

macroeconômicas e setoriais e a harmonização das normas nas áreas de interesse

do bloco, principalmente aquelas pertinentes a livre circulação de bens e que

permitam a unificação tributária sem distinção dos mercados domésticos42.

Tratativas iniciais do acordo multilateral

Os planos iniciais do acordo comercial que deu origem ao Mercosul foram

registrados ainda na década dos anos 1980 do século passado quando a Argentina

e o Brasil assinaram diversos acordos de integração comercial. Mas eram

documentos bilaterais e seus efeitos e obrigações não se estendiam aos países

vizinhos. O bloco com diversos integrantes somente seria criado na década

seguinte por meio da celebração do Tratado de Assunção, no Paraguai, agora

envolvendo os governos dos quatro países sul americanos: Argentina, Brasil,

Paraguai e Uruguai.

Outros países sul americanos como Chile, Equador, Bolívia, Peru e

Colômbia tornaram-se membros do Mercosul e já assinaram vários acordos

41 A Venezuela ingressou no Mercosul em 31 de julho de 2012 após a Reunião de Cúpula de Mendoza, ocorrida em 29 de junho de 2012. 42Revista de Direito Público, Londrina, v. 2, n. 3, p. 137-148, set./dez. 2007.

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comerciais e organizam atualmente as suas economias para que a integração total

seja possível. Contudo até então participam das reuniões como países associados

ao bloco. São Estados Associados do Mercosul a Bolívia (em processo de

adesão), o Chile (desde 1996), o Peru (desde 2003), a Colômbia e o Equador

(desde 2004), e Guiana e Suriname já estão nessa condição desde 2013.

No ano de 1995 foi instalada a zona de livre comércio entre os países

membros do Mercosul, e deste modo quase todas as mercadorias produzidas

pelos mesmos (com exceção de alguns produtos que aguardam regulamentação

própria ou não são exportados por serem considerados estratégia comercial dos

países) podem ser comercializadas entre os associados sem que sejam cobradas

as tarifas comerciais, facilitando assim a relação econômica, com a circulação e

exportação de produtos diversos.

Seguindo o processo de evolução do bloco já foi pensada a uniformização

das taxas de juros, modos de cálculo de inflação e índices de déficit público, e

além disso o Mercosul pretende aderir a uma moeda única na expectativa de

simplificar ainda mais as transações monetárias entre os países, como ocorreu na

União Europeia com a adoção do Euro.

O Mercosul prevê em seu regimento a possibilidade de ampliação do

número de estados associados, mas o aderente necessita de aceitação unânime

dos membros signatários, bem como a manifestação dos parlamentos dos países

envolvidos43. Com o objetivo de mediar esse processo, foi criado o Parlamento

do Mercosul, passo importante no sentido de consolidação do bloco. Assim como

se viu na União Europeia, também no ambiente mercosulino a diferença

ideológica e política entre os diversos dirigentes dos países afeta o avanço das

negociações, como pode ser notado no processo de adesão da Bolívia e da

Venezuela. Atualmente o Mercosul vem sofrendo um refluxo provocado pelas

diferenças políticas e ideológicas dos diversos governantes das nações, o que tem

se mostrado como um entrave para o avanço das relações multilaterais.

43Disponível em: <http://www.mercosul.gov.br/saiba-mais-sobre-o-mercosul>. Acesso em: 01 de ago. 2017.

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Temáticas importantes como os direitos humanos, a questão indígena e as

populações de fronteira não estavam presentes na fase inicial das tratativas do

Mercosul, e somente após a manifestação dos setores alijados do debate é que se

passou a discutir esses interesses até então invisibilizados. Em relação aos povos

indígenas a discussão se resume a poucas reuniões temáticas ocorridas no ano de

2015, assunto que trataremos mais adiante.

Segundo Mazzuoli (2014) a muito custo o tema dos Direitos Humanos se

converteu em pauta do Mercosul:

Sobre a proteção dos direitos humanos no Mercosul merecem

destaque três principais instrumentos, quais sejam: o protocolo

de Ushuaia sobre o compromisso democrático no Mercosul,

Bolívia e Chile (1998), o Protocolo de Assunção sobre

Compromisso com a Proteção e Promoção dos Direitos

Humanos no Mercosul (2005) e o Protocolo de Montevidéu

sobre compromisso com a Democracia no Mercosul, também

chamado de Ushuaia II (2011) [...] Pelo protocolo de Ushuaia de

1998, também conhecido como “Carta Democrática do

Mercosul”, reconheceu-se que a plena vigência das instituições

democráticas é condição essencial para o desenvolvimento dos

processos de integração entre os seus Estados-partes.

(MAZZUOLI, 2014, p.144/145).

Além de se caracterizar como um bloco econômico, o Mercosul estabelece

que algumas “regras de ouro” devem ser respeitadas por seus membros. A

manutenção da democracia é uma delas.

Pelas normas do Tratado, o Paraguai deveria ser parcialmente suspenso do

Mercosul em 2012 durante a realização da 43ª Cúpula do Mercosul por causa da

deposição sumária do presidente da república Fernando Lugo, fato político que

violaria cláusula do Protocolo de Ushuaia (compromisso democrático), conforme

justificaram os dirigentes. A sanção perduraria até o momento em que o país

restabelecesse a democracia com a realização de nova eleição presidencial ou

restituísse o regime democrático. A Venezuela seria incorporada ao bloco na

mesma data e a medida gerou protestos de alguns membros do bloco, pela

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mesma razão avocada acima (compromisso democrático)44. A destituição pelo

parlamento brasileiro da presidente Dilma Rousseff também foi considerada por

alguns países um afronto à democracia. Nos três casos citados nenhum dos países

acusados foi expulso ou suspenso, o que indica uma certa tolerância com a

quebra das normas estabelecidas.

Principais blocos econômicos em atividade

MERCOSUL

A decisão dos países sul-americanos em instituir o Mercosul responde a

um movimento que se identifica em diversas partes do mundo, e que decorre da

necessidade das nações de se organizar em blocos econômicos. Efeito da

chamada “Nova Ordem Mundial”, conceito surgido em 1980 com o fim do bloco

soviético, e que objetiva primordialmente defender e potencializar os interesses

do poder financeiro e a livre circulação de moedas45.

À semelhança de outros blocos de nações já existentes, também o

Mercosul é o tipo de organização que serve para a disputa do mercado

internacional e almeja potencializar o poder de barganha dos países membros,

que assim negociariam em melhores condições.

Entre os objetivos do Mercosul é destacada a meta de formação de um

mercado comum entre seus Estados membros, uma vez que o artigo 1º do

Tratado de Assunção entende que a criação de um mercado comum implica na

livre circulação de bens, serviços e fatores de produção entre os países do bloco.

Atua também no estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de

uma política comercial conjunta em relação a terceiros Estados ou agrupamentos

de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais

regionais e internacionais; na coordenação de políticas macroeconômicas e

setoriais entre os Estados Partes. Prevê o compromisso dos Estados Parte em

44 Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2016-12/venezuela-nega-ter-sido-suspensa-do-mercosul>. Acesso em: 14 de jun. 2017. 45 Disponível em:<https://www.estudopratico.com.br/mercosul-caracteristicas-e-objetivos/>. Acesso em: 1 de ago. 2017.

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harmonizar a legislação nas áreas pertinentes, a fim de fortalecer o processo de

integração.

ALCA (Área de Livre Comércio das Américas)

Sob o argumento de que a iniciativa favorece a integração comercial do

continente, o governo dos Estados Unidos propôs a criação de uma Área de Livre

Comércio das Américas (ALCA), um grande bloco econômico que seria

integrado por 34 nações, excluindo apenas Cuba. A única razão conhecida para o

veto à ilha caribenha seria a posição ideológica do governo cubano, o que para os

Estados Unidos seria um entrave, mas está em curso um processo de

aproximação entre os dois países, e até já existem voos comerciais regulares

legalmente permitidos, partindo de Havana em direção aos EUA, em serviço

prestado por companhias aéreas estadunidenses46.

A maioria dos países da América Latina interpreta a criação da Alca como

uma manobra dos Estados Unidos para a expansão de suas empresas

transnacionais pelo continente, e que ela seria a grande beneficiária, já que possui

enorme competitividade. Todavia há opositores inclusive dentro dos EUA,

alegando que o bloco econômico diminuiria o número de empresas no país,

46 A empresa Jet Blue realizou nesta quarta-feira (31) o primeiro voo comercial entre Estados Unidos e Cuba, operação que não acontecia desde 1961. O voo comercial decolou de Fort Lauderdale, na Flórida num ambiente festivo. Diante da porta de embarque da JetBlue, uma banda de salsa ao vivo cantava clássicos como “Guantamera” e “Me voypa’Mayari”, encorajando os jornalistas e demais passageiros a dançar. O embaixador cubano nos EUA, José Ramón Cabañas, e o diretor-executivo da JetBlue, Robin Hayes, acompanharam o primeiro voo comercial. Com um batismo com um jato d’água e seus 150 assentos vendidos, o voo 387 da JetBlue partiu às 09h45 (10h45 de Brasília) e chegou ao aeroporto Abel Santamaría, na cidade de Santa Clara, a 280 km a leste de Havana, pouco mais de uma hora depois. Este é o primeiro voo regular entre os dois países desde 1961, quando o tráfego aéreo foi suspenso, vítima da Guerra Fria. A decolagem, que teve um atraso de 20 minutos, foi televisionada ao vivo tanto pelos principais canais americanos em inglês como em espanhol. Washington e Havana acordaram em fevereiro deste ano restabelecer os vôos comerciais, em um ponto de viragem no progressivo restabelecimento dos laços diplomáticos que começou em julho de 2015. Já existem inúmeros vôos regulares programados pelas companhias autorizadas a operar vôos para Cuba: American Airlines, Delta Air Lines, United Airlines, Southwest Airlines, a Alaska Airlines, Frontier Airlines, JetBlue Airways e Spirit Airlines. Dos 60 pedidos realizados para novas operações, apenas 20 serão atendidos. Esta investida só é possível após o restabelecimento diplomático das relações entre EUA e Cuba, que aconteceu em julho de 2015. Disponível em:<http://www.mercadoeeventos.com.br/noticias/aviacao/jet-blue-realiza-primeiro-voo-entre-cuba-e-eua-desde-1961/>. Acesso em 24 de nov. 2017.

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porque haveria motivos para que algumas delas migrem para outras nações em

busca de mão de obra mais barata.

O 45º presidente estadunidense que tomou posse em janeiro de 2017 foi

eleito com um discurso antiglobalização que convenceu seus eleitores,

criticamente classificados como uma maioria branca e sem formação superior47.

Donald Trump demonstrou não apoiar a ALCA e mesmo o NAFTA, relação

econômica com vizinhos de fronteira que fornecem mão de obra para as

empresas capitalistas dos Estados Unidos.

NAFTA (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio)

O Nafta foi criado em 1993 e começou com um acordo comercial

estabelecido entre três países do subcontinente da América do Norte: Estados

Unidos, México e Canadá. Em decorrência desse acordo foi implantado o livre

comércio entre as nações integrantes, e a meta inicial era fazer frente à União

Europeia, nascida um ano antes, e que era uma iniciativa bem-sucedida no

cenário mundial. Os críticos afirmaram que o México foi inserido no bloco

somente porque possui um enorme mercado consumidor e também por deter

grande potencial de riqueza em jazida de petróleo, recurso indispensável e cada

vez mais raro nos Estados Unidos e Canadá, além de ser fornecedor de mão de

obra barata aos “parceiros”.

APEC (Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico)

Bem antes do nascimento do Mercosul, da Alca e da conversão da

Comunidade Econômica Europeia (CEE) na União Europeia (UE) foi registrada

a criação da Apec, no ano de 1989, na Austrália. Os idealizadores pensaram na

criação de uma área de livre comércio entre os seus membros e Hong Kong, e no

início o bloco agregou os seguintes países: Austrália, Brunei, Canadá, Chile,

China, Indonésia, Japão, Coréia do Sul, Malásia, México, Nova Zelândia, Papua

47 Disponível em: <http://dicasdevestibular.blogosfera.uol.com.br/2017/06/05/a-era-trump-o-polemico-novo-presidente-dos-estados-unidos/> Acesso em: 27 de jul. 2017.

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Nova Guiné, Peru, Filipinas, Rússia, Cingapura, Tailândia Vietnã e Estados

Unidos, além de Taiwan (Formosa) e Hong Kong.

Atualmente a Apec é o principal fórum de debates sobre o crescimento

econômico, a cooperação, o comércio e o investimento na região Ásia-Pacífico,

as decisões nesse bloco são tomadas por consenso, e mesmo que a Apec não

apresente nenhum tratado escrito de obrigações mútuas entre seus integrantes há

uma relação de respeito.

UE (União Europeia)

As informações adiante são veiculadas pela Comissão Parlamentar

conjunta do Mercosul e foram transportadas para este trabalho com mais

detalhamentos. A União Europeia (UE) é um bloco econômico, político e social

integrado por 27 países europeus interessados em um projeto de integração

política e econômica. São nações politicamente democráticas e em todos eles

vigora um Estado de direito em pleno vigor48. A UE é o bloco mais antigo em

atividade, surgiu após a segunda grande guerra com o nome de Comunidade

Europeia do Carvão e do Aço, depois mudou para Mercado Comum Europeu.

Os acordos multilaterais que deram a origem e o formato para a União

Europeia são o Tratado da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA); o

Tratado da Comunidade Econômica Europeia (CEE); o Tratado da Comunidade

Europeia da Energia Atômica (EURATOM) e o Tratado da União Europeia

(UE).

Desde os primeiros acordos veiculados pelo Tratado de Maastricht foram

estabelecidos fundamentos da futura integração política, os acordos de segurança

e os ajustes de política exterior, confirmando uma Constituição Política para a

União Europeia e a integração monetária através da moeda única, o Euro49.

O grande solavanco sofrido pela UE foi a saída do Reino Unido, associado

que recusou o Euro como moeda, e a decisão plebiscitária dos países do Reino

Unido optando pelo desembarque do seleto grupo de membros de países ficou

48 Disponível em:<http://www.camara.leg.br/mercosul/blocos/introd.htm>. Acesso em: 1 ago. 2017. 49 Disponível em:<http://www.suapesquisa.com/uniaoeuropeia>. Acesso em: 1 ago. 2017.

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conhecido como Brexit, como já mostrado na pesquisa. A saída dos britânicos foi

impactante para os interesses dos parceiros, mas os maiores efeitos da decisão se

registrarão em médio prazo50. Isso se deve a uma regra de transição, que obriga a

manutenção do vínculo por dois anos após o protocolo da decisão de

desligamento do bloco, sendo que a comunicação oficial da decisão plebiscitária

foi feita em 2017. Nesse período o Reino Unido permanece formalmente

vinculada à UE.

PACTO ANDINO (Comunidade Andina de Nações)

Um outro bloco econômico formado na América do Sul é constituído pela

Bolívia, Colômbia, Equador e Peru e é bem mais antigo que o Mercosul, tendo

sido criado em 1969 para integrar economicamente os países membros. As

relações comerciais entre os associados representam valores importantes, e

embora não integre formalmente o bloco, os Estados Unidos se caracterizam

como o principal parceiro econômico da Comunidade Andina de Nações.

Do mesmo modo que a eleição e posse de Donald Trump em 2017

impacta na manutenção dos blocos criados por iniciativa estadunidense, também

o Pacto Andino deve sofrer a influência da nova orientação.

ALADI (Associação Latino Americana de Integração)

A Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) é um organismo

intergovernamental formado por 14 países latino-americanos, com sede

permanente em Montevidéu (capital do Uruguai). Ainda que seus principais

objetivos sejam econômicos, por isso é tratada por muitos como bloco

econômico, esta associação também busca favorecer a integração social e

tecnológica na região, logo sua meta é o fomento da igualdade entre os países

membros.

50 Disponível em:<http://meexplica.com/2016/06/entenda-a-saida-do-reino-unido-da-uniao-europeia/>. Acesso em: 1 de mai. 2017

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A ALADI foi criada em 12 de agosto de 1980 por meio do Tratado de

Montevidéu, e desde então são Países membros: Brasil, Argentina, Paraguai,

Uruguai e Chile.

UNASUL (União de Nações Sul Americanas)

Após a criação do Mercosul, e enfrentando entraves para a ampliação do

número de participantes, as nações resolvem instituir a União de Nações Sul

Americanas (Unasul), coletivo formado pela totalidade das nações sul

americanas, em número de 12 países. O tratado constitutivo da organização foi

aprovado durante a Reunião Extraordinária de Chefes de Estado e de Governo

que ocorreu em Brasília, no dia 23 de maio de 200851. Cerca de 10 países já

depositaram seus instrumentos de ratificação (Argentina, Brasil, Bolívia, Chile,

Equador, Guiana, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela), completando o número

mínimo de ratificações necessárias para a entrada do Tratado em vigor, ocorrida

no dia 11 de março de 2011.

A ratificação, segundo Reis (2008):

É o ato pelo qual um Estado informa aos demais a sua

aprovação ao projeto de tratado concluído por seus

plenipotenciários, o que torna a sua observância por aquele

estado obrigatória perante a comunidade internacional. O poder

competente para a ratificação é fixado pelo Direito

Constitucional de cada Estado, sendo um ato do Poder

Executivo, ainda que este não possa prescindir da aprovação do

Legislativo. (REIS, 2008, p. 145).

A Unasul tem como objetivo construir coletivamente e em consenso, um

espaço de articulação no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus

povos. De acordo com seus atos constitutivos, a Unasul prioriza o diálogo

político, as políticas sociais, a educação, a energia, a infraestrutura, o

financiamento e o meio ambiente, entre outros objetivos, de modo a criar a paz e

a segurança entre as populações dos países membros, e fomentar políticas que

eliminem a desigualdade socioeconômica, buscar a inclusão social e a

51 Disponível em: http:<//sucupira-geo.blogspot.com.br/2014/>. Acesso em: 27 de jul. 2017.

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participação cidadã, fortalecendo os processos democráticos e reduzir as

diferenças no marco do fortalecimento da soberania e independência dos estados

que a integram.

Os avanços do Mercosul

Conforme já consignado neste trabalho, o formato jurídico atual do

Mercosul encontra seu marco institucional no Protocolo de Ouro Preto,

idealizado em dezembro de 1994 com o sendo complemento do Tratado do

Mercosul, com as modificações que se sucederam, inclusive para a ampliação

temática e adesão de nações52. O Protocolo de Ouro Preto reconhece a

personalidade jurídica de direito internacional do bloco, atribuindo-lhe a

competência para negociar, em nome próprio, acordos com terceiros países,

grupos de países e organismos internacionais53.

O Mercosul se caracteriza pelo regionalismo aberto, o que significa uma

flexibilização que permite não só o aumento do comércio no interior do bloco,

mas o estímulo ao intercâmbio com outros parceiros comerciais54. Estão na

categoria de Estados Associados do Mercosul a Bolívia, o Chile (desde 1996), o

Peru (desde 2003), a Colômbia e o Equador (desde 2004). Guiana e Suriname

tornaram-se Estados Associados em 2013. O ingresso de novos membros no

bloco, independente da categoria, precisa ser ratificado pelo parlamento de todos

os integrantes conforme ajustado como princípio do acordo.

Na atualidade todos os países da América do Sul fazem parte do Mercosul,

seja como Estados Parte ou como Países Associados.

O aperfeiçoamento da união aduaneira é um dos objetivos basilares do

Mercosul, mostrando que a maioria dos tratados que organizam países em blocos

preferem ajustar os temas econômicos que interessam a todos, e nesse sentido os

52Disponível em: http://www.mercosul.gov.br/saiba-mais-sobre-o-mercosul>. Acesso em: 1 de ago. 2017 53 Disponível em: http://www.mercosul.gov.br/saiba-mais-sobre-o-mercosul>. Acesso em: 27 de jul. 2017. 54Disponível em: http://www.mercosul.gov.br/saiba-mais-sobre-o-mercosul>. Acesso em: 27 de jul. 2017.

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65

países membros do Mercosul concluíram no ano de 2010, as negociações para a

edição do Código Aduaneiro do Mercosul.

Outros avanços já identificados: criação do Tribunal Permanente de

Revisão (2002), o Parlamento do Mercosul (2005), o Instituto Social do

Mercosul(2007), o Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos (2009), a

aprovação do Plano Estratégico de Ação Social do Mercosul (2010) e o

estabelecimento do cargo de Alto Representante-Geral do Mercosul (2010).

Outra medida que demonstra a busca dos objetivos do bloco foi a criação,

em 2005, do Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul, instrumento por

meio do qual são financiados projetos de convergência estrutural e coesão social,

contribuindo para a mitigação das assimetrias entre os Estados membros. O

FOCEM começou a operar em 2007 e conta com uma carteira de projetos de

mais de US$ 1,5 bilhão, com particular benefício para as economias menores do

bloco (Paraguai e Uruguai), conforme consta do portal mercosulino na internet.

O Fundo colabora com a melhoria em setores como habitação, transportes,

incentivos à microempresa, biossegurança, capacitação tecnológica e aspectos

sanitários. Por meio dessa política o Mercosul pretende diminuir as diferenças

econômicas entre os seus membros e permitir o acesso das populações aos bens

de consumo.

Em sua origem o Tratado de Assunção permite a adesão dos demais Países

Membros da ALADI ao Mercosul e no ano de 2012 o bloco passou pela primeira

ampliação desde sua criação, com o ingresso definitivo da Venezuela como

Estado Parte. Também foi assinado o Protocolo de Adesão da Bolívia ao

Mercosul, que após a ratificação dos parlamentos dos Estados Partes, fará do país

andino o sexto membro pleno do bloco55.

A adesão da Venezuela

Com a incorporação da Venezuela ao Mercosul, o bloco passou a contar

com uma população de 270 milhões de habitantes (70% da população da

55Disponível em: http://www.mercosul.gov.br/saiba-mais-sobre-o-mercosul>. Acesso em: 27 de jul. 2017.

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66

América do Sul), chegando a um PIB de US$ 3,2 trilhões (80% do PIB sul-

americano), alcançando um território de 12,7 milhões de km² (72% da área da

América do Sul) o que bem demonstra a sua grandeza56.

Em razão das particularidades de seus países membros, o Mercosul se

apresenta como um ator importante no tratamento de duas questões centrais para

o futuro da sociedade global: segurança energética e segurança alimentar.

Somada à importante produção agrícola (commodities) dos países

membros, que tem na Argentina e no Brasil grandes produtores de alimentos, o

Mercosul passa a ser o quarto produtor mundial de petróleo bruto, superado

apelas pela Arábia Saudita, Rússia e Estados Unidos. Contribuem nessa área o

petróleo venezuelano e o pré-sal brasileiro.

No mês de julho de 2013 a Venezuela recebeu do Uruguai a Presidência

pro tempore do bloco, e este fato possui um significado histórico: é que pela

primeira a presidência do Mercosul é desempenhada por Estado Parte não

fundador57. Na Cúpula de Caracas, ocorrida em julho de 2014, destacou-se a

criação da Reunião de Autoridades sobre Privacidade e Segurança da Informação

e Infraestrutura Tecnológica do Mercosul e da Reunião de Autoridades de Povos

Indígenas.

Uma das prioridades da presidência temporária venezuelana, o Foro

Indígena foi responsável por coordenar o início de discussões políticas e

iniciativas em benefício desses povos. Também foram adotadas as Diretrizes da

Política de Igualdade de Gênero do Mercosul, e o Plano de Funcionamento do

Sistema Integrado de Mobilidade do Mercosul (SIMERCOSUL). Instituído em

2012, durante a Presidência temporária brasileira, o SIMERCOSUL tem como

objetivo aperfeiçoar e ampliar as iniciativas de mobilidade acadêmica no âmbito

dos países do bloco58.

56Disponível em: http://www.mercosul.gov.br/saiba-mais-sobre-o-mercosul>. Acesso em: 27 de jul. 2017. 57 Disponível em: <http://www.classificadosmercosul.com.br/site/sobre_mercosul.php>. Acesso em: 1 de ago. 2017. 58 Disponível em: <http://www.mercosul.gov.br/o-mercosul-na-vida-do-cidadao/sistema-integrado-de-mobilidade-do-mercosul>. Acesso em: 27 de jul. 2017.

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67

No ano de 2014 a Argentina assumiu a Presidência pro tempore do

Mercosul e entre os principais resultados alcançados pela Cúpula de Paraná

merecem destaque a assinatura de Memorando de Entendimento de Comércio e

Cooperação Econômica entre o Mercosul e o Líbano, a assinatura de acordo de

Comércio e Cooperação Econômica entre o Mercosul e a Tunísia, e a aprovação

do regulamento do Mecanismo de Fortalecimento Produtivo do bloco59.

No dia 17 de dezembro de 2014 o Brasil recebeu formalmente da

Argentina a Presidência pro tempore do Mercosul e o mandato se estendeu até o

primeiro semestre de 2015.

Antes, em 2013 houve uma “brecha política” para que a temática indígena

viesse a se tornar pauta do Mercosul, e isso só foi possível graças a um

desentendimento entre os países sobre uma manifestação de apoio à Gaza. Diante

da recusa do Paraguai em subscrever o libelo e acompanhar os demais países, o

apoio a Gaza foi descartado, mas com a condição de que a temática indígena

tivesse espaço no debate interno do bloco. Com isso, pelo menos um evento de

porte já foi realizado no ambiente institucional mercosulino, tendo como objeto a

debate sobre povos indígenas no Mercosul.

Saldo econômico e social do Tratado do Mercosul

De acordo com informações do governo brasileiro60, o Mercosul responde

por 71,8% (12.789.558 km²) do território da América do Sul, ou cerca de 3 vezes

a área da União Europeia. A população do Mercosul supera a marca de 275

milhões de habitantes e registra-se grande diversidade de etnias e origens

populacionais.

O Mercosul possui um PIB nominal de US$ 3,2 trilhões e ocuparia a

posição de quinta economia mundial se fosse considerado como um único país,

de acordo com parâmetros do World Economic Outlook Database (FMI)61.

59 Disponível em: http://portal.antaq.gov.br/index.php/internacional/mercosul-2/. Acesso em: 5 de ago. 2017. 60 Disponível em:<http://www.ibge.gov.br/paisesat/main.php>. Acesso em 01 de maio. 2017 61 Disponível em: <http://salesianodombosco.com.br/system/ckeditor_assets/attachments/14422/Aula_Mercosul_-_Eug_nio_-_Geografia_-_9__ano.pdf>. Acesso em: 27 de jul. 2017.

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68

O comércio dentro do Mercosul multiplicou-se por mais de 12 vezes em

duas décadas, saltando de US$ 4,5 bilhões em 199162, para US$ 59,4 bilhões em

2013. Cerca de 87% das exportações brasileiras para o bloco é composta de

produtos industrializados63.

Já quanto à produção agrícola o Mercosul é uma potência mundial, graças

a capacidade de produção das cinco principais culturas alimentares globais: trigo,

milho, soja, açúcar e arroz. O Mercosul é o maior exportador líquido mundial de

açúcar, o maior produtor e exportador mundial de soja, 1º produtor e 2º maior

exportador mundial de carne bovina, o 4º produtor mundial de vinho, o 9º

produtor mundial de arroz, além de ser grande produtor e importador de trigo e

milho64.

Graças a união de seus membros, o Mercosul é uma das principais

potências energéticas do mundo, detendo 19,6% das reservas já provadas de

petróleo do planeta, possuindo 3,1% das reservas de gás natural e 16% das

reservas de gás recuperáveis de xisto. O Mercosul titulariza a maior reserva

mundial de petróleo, com mais de 310 bilhões de barris de petróleo em reservas

certificadas pela OPEP e deste montante a Venezuela concorre com uma reserva

de 296 milhões de barris.

Sozinha, a Venezuela domina 92,7% das reservas de petróleo do

Mercosul, mas o Brasil tenderá a ampliar sua participação nas reservas de

petróleo do bloco à medida que os trabalhos de certificação das reservas do pré-

sal brasileiro progridam, com estimativas de algo em torno de 50 bilhões de

barris65.

Assim podemos dizer que não existe discordância quanto aos aspectos

favoráveis em torno da união dos países mercosulinos, sob o prisma econômico

62 Disponível em:<http://www.mercosul.gov.br/saiba-mais-sobre-o-mercosul>. Aceso em 1 de ago. 2017. 63Disponível em: http://www.mercosul.gov.br/saiba-mais-sobre-o-mercosul>. Acesso em: 27 de jul. 2017. 64Disponível em: <http://salesianodombosco.com.br/system/ckeditor_assets/attachments/14422/Aula_Mercosul_-_Eug_nio_-_Geografia_-_9__ano.pdf>. Acesso em: 27 de jul. 2017. 65 Disponível em: http://geofisicabrasil.com/noticias/clippings/4591-mercosul-ja-tem-a-maior-reserva-de-petroleo-do-mundo.html. Acesso em 27 de jul. 2017.

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69

todos os números são positivos e a consolidação da união reforça o protagonismo

desta região dentro da macro política mundial.

Ancorados nessa breve retrospectiva histórica, jurídica e econômica, no

próximo capítulo trataremos dos aspectos sócio educacionais, considerando que a

integração efetiva das nações sul americanas, deve pautar-se também nas

questões educacionais, étnicas e sociais das populações envolvidas.

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70

CAPÍTULO III

NORMAS SOBRE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NOS PAÍSES

MERCOSULINOS

Nesta fase da pesquisa trataremos dos sistemas normativos dos 7 países

investigados buscando palavras e terminologias que possam demonstrar, nas

respectivas legislações, as seguintes temáticas: educação, indígena, bilíngue. Para

isso vamos utilizar os atalhos do aplicativo Microsoft Word que está presente no

Office 2016, representados pelo acionamento simultâneo das teclas Control mais

a letra L. Quanto o texto estiver escrito e salvo em formato de arquivo PDF, a

busca se faz com as teclas de atalho Control mais o acionamento da letra F. Em

resumo, para localizar determinada palavra dentro de um texto escrito com o uso

do aplicativo Microsoft Word basta que sejam acionadas as teclas Control e L ao

mesmo. Além de ser encontrada, a quantidade de vezes em que ela aparece no

texto também é mostrada de plano.

Como se trata de uma análise jurídica que reclama um pouco mais de

profundidade sobre os sentidos e significados, nesta parte são utilizadas as

informações de Mazzuoli (2014) que estuda as questões de Direitos Humanos

com incursões dentro das normas do Mercosul. Também usamos a abordagem do

tema com o filtro doutrinário do Direito Internacional e Comunitário como é

tratado por Reis (2008). O estudo sobre os povos Guarani e sua formidável

República conforme narrativa de Lugon (2010) são bastante úteis e buscamos

interpretar as normas sob as regras de Hermenêutica Jurídica descritas por

Limongi França (2011).

Quanto aos textos normativos oficiais, as informações foram buscadas nos

bancos de dados consolidados e disponibilizados pelos portais do Mercosul,

veiculados em três línguas distintas (português, castelhano e guarani)66 e nos sites

dos governos dos 7 países pesquisados. O artigo 46 do Protocolo de Ouro Preto

indica que os idiomas oficiais do Mercosul são o espanhol e o português, e a

66 Disponível em: < http://www.mercosur.int/innovaportal/v/7989/12/innova.front/pagina-principal>. Acesso em 17 de out. 2017.

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71

versão oficial dos documentos de trabalho será na língua oficial do país sede de

cada reunião. O parlamento do Mercosul inovou acolhendo o Guarani como mais

uma língua opcional para produção dos documentos do bloco.

Sobre a interpretação de normas escritas, segundo França (2011),

A interpretação da lei, conforme o ensinamento de Fiore, é a

operação que tem por fim “fixar uma determinada relação

jurídica, mediante a percepção clara e exata da norma

estabelecida pelo legislador”. Assim, como bem assinala Carlos

Maximiliano, ela não se confunde com a hermenêutica, parte da

ciência jurídica que tem por objeto o estudo e a sistematização

dos processos, que devem ser utilizados para que a

interpretação se realize, de modo que seu escopo seja alcançado

da melhor maneira. (FRANÇA, 2011, p. 19).

Assim, de acordo com classificação defendida por França (2011), os

critérios para a classificação das espécies de interpretação das leis seria: (i)

quanto ao agente; (ii) quanto à natureza; (iii) quanto à extensão. Interessa-nos

saber que os critérios quanto à natureza da interpretação das normas seriam: 1)

gramatical; 2) lógica; 3) histórica; 4) sistemática. Gramatical toma como ponto

de partida o exame do significado e alcance das normas. Interpretação lógica

busca o sentido das locuções, historicamente quer significar um modo de

interpretação vinculado ao desenvolvimento e evolução da norma jurídica. E o

critério sistemático seria a descoberta onde a mens legis deve ser pesquisada em

conexão com as demais normas do estatuto onde se encontra.

Relembramos que uma decisão coletiva tomada em reunião realizada em

Brasília no dia 15 de dezembro de 2006 aceita a língua Guarani como um dos

idiomas do Mercosul, uma vez que reúne dez milhões de falantes, e desde o ano

de 2014 se tornou língua oficial de trabalho do Parlamento do Mercosul67. Outra

fonte primária usada nesta parte da pesquisa é o sitio dos parlamentos dos países

mercosulinos e os portais legislativos mantidos pelos respectivos governos.

Já narramos aqui o fato político ocorrido no ano de 2014,quando se

discutia a proposta de uma declaração conjunta do Mercosul, cujos debates

67 Disponível em: <https://www.parlamentomercosur.org/innovaportal/v/8222/2/parlasur/lingua-guarani-se-torna-idioma-oficial-de-trabalho-do-parlamento-do-mercosul.html>. Acesso em: 26 de jul. 2017.

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72

tiveram alto impacto na temática indígena, e foi causado pela recusa do Paraguai

em subscrever um documento produzido em comum, o que violou a unidade do

grupo68. Como reflexo inusitado, ao final da reunião foi divulgada a decisão de

instituir o Mercosul Indígena. E a proposta brasileira de antecipar para aquele

ano a formação de uma área de livre comércio com a Colômbia e o Peru, prevista

para vigorar em 2019, foi rechaçada e nem chegou a ser examinada quanto ao

mérito.

Na mesma oportunidade foi rejeitada a celebração de um acordo com a

União Europeia (UE) e teve início a negociação de tratado para a criação de zona

econômica complementar com a Aliança Bolivariana (Alba) e a Petrocaribe. Isso

bem demonstra o embate de forças ideológicas dentro do ambiente decisório

mercosulino.

Assim, sob a presidência pro tempore da Venezuela em reunião que

ocorreu em Ciudad Bolívar nos dias 11 e 12 de outubro de 2013, aconteceu um

encontro de governos e povos indígenas para lançamento do Mercosul Indígena,

um espaço pensado para o debate das principais questões ligadas à promoção de

direitos e a defesa dos povos indígenas que habitam as diversas nações do

bloco69.

O encontro contou com a participação de lideranças indígenas de todos os

países do Mercosul e mais as delegações oficiais da Argentina, Bolívia, Uruguai

e Brasil. Além dos diplomatas brasileiros, a nossa delegação era formada por

representantes da FUNAI. A qualificação dos debatedores presentes contribuiu

68 Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, declarou que os demais presidentes do Mercado Comum do Sul (Mercosul) propuseram na reunião da terça-feira, dia 29, em reunião da cúpula do bloco, divulgação de um comunicado se posicionando contra os ataques de Israel à população palestina e exigindo imediato cessar-fogo na Faixa de Gaza. Segundo Maduro há um profundo sentimento de solidariedade com o povo palestino e consenso quanto à necessidade do cessar-fogo e reinício das conversações de paz. Maduro fez as declarações baseadas na reunião privada antes que tivessem início as deliberações públicas da Cúpula do Mercosul, que está sendo realizada na Casa Amarela, sede da Chancelaria venezuelana. Participam do encontro de Caracas, além de Maduro, os presidentes da Argentina, Cristina Kirchner; do Brasil, Dilma Rousseff; do Uruguai, José Mujica; do Paraguai, Horacio Cartes; e da Bolívia, Evo Morales. Disponível em: <http://jornalggn.com.br/noticia/mercosul-posiciona-se-contra-situacao-na-faixa-de-gaza>. Acesso em 14 de jun. 2017. 69 Disponível em: <http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/530-funai-participa-de-lancamento-do-mercosul-indigena-na-venezuela?limitstart=0>. Acesso em: 14 de jun. 2017.

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para que a presidência temporária da Venezuela encaminhasse o resultado das

discussões às instâncias oficiais do Mercosul.

A legislação doméstica dos países do Mercosul sobre Educação Indígena

Como preliminar para o ingresso na análise do objeto que move esta

pesquisa é necessário dizer que a Constituição Federal é o documento jurídico

mais relevante de uma nação. Por meio dele o país é criado, é definido o sistema

de governo, como se dá a divisão de poderes, o regime de eleições, os direitos e

garantias dos cidadãos nacionais e o sistema tributário, entre outros aspectos.

Ora, se a Constituição é o documento máximo que orienta a formação dos

países, se é o instrumento jurídico por meio do qual ele define a forma de acesso

e exercício dos poderes, a divisão de atribuições legislativas, jurisdicionais e

executivas, é certo que nenhuma palavra ali contida seja desnecessária. Como

norma jurídica que seleciona os direitos elevados à categoria máxima, os

chamados direitos constitucionais, o texto evidencia quais os interesses jurídicos

que terão tratamento prioritário naquele Estado. Ao obter o status de norma

constitucional, o bem jurídico adquire tutela diferenciada e é protegido inclusive

contra o legislador, que não pode criar qualquer espécie de lei ou regulamento

que venha a diminuir ou ofender direito ou interesse constitucionalmente

protegido.

Os documentos de países do Mercosul que foram analisados nesta

pesquisa guardam um todo orgânico e sistematizado, as normas constitucionais

estão agrupadas em títulos, capítulos e seções, com conteúdo, origem e finalidade

diversos. Todavia notamos uma semelhança interessante nos diversos textos

constitucionais dos 7 países, alguns bens jurídicos e direitos são protegidos

igualmente em todas as nações mercosulinas pesquisadas.

Lenza (2012) classifica os elementos da Constituição Federal do Brasil

vigente e assim os descreve:

■ elementos orgânicos: normas que regulam a estrutura do

Estado e do Poder. Exemplos: a ) Título III (Da organização do

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Estado); b ) Título IV (Da organização dos Poderes e do Sistema

de Governo); c ) Capítulos II e III do Título V (Das Forças

Armadas e da segurança pública); d ) Título VI (Da Tributação e

do Orçamento);

■ elementos limitativos: manifestam-se nas normas que

compõem o elenco dos direitos e garantias fundamentais

(direitos individuais e suas garantias, direitos de nacionalidade e

direitos políticos e democráticos), limitando a atuação dos

poderes estatais. Exemplo: Título II (Dos Direitos e Garantias

Fundamentais), excetuando o Capítulo II do referido Título II

(Dos Direitos Sociais), estes últimos definidos como elementos

socioideológicos;

■ elementos socioideológicos: revelam o compromisso da

Constituição entre o Estado individualista e o Estado social,

intervencionista. Exemplos: a) Capítulo II do Título II (Dos

Direitos Sociais); b ) Título VII (Da Ordem Econômica e

Financeira); c ) Título VIII (Da Ordem Social);

■ elementos de estabilização constitucional: consubstanciados

nas normas constitucionais destinadas a assegurar a solução de

conflitos constitucionais, a defesa da Constituição, do Estado e

das instituições democráticas. Constituem instrumentos de

defesa do Estado e buscam garantir a paz social. (LENZA, 2012,

p. 238/241).

Para buscar os dados que interessam a este ponto da pesquisa foi

necessário eleger como alvo o sistema normativo de 7 países, no caso os textos

das constituições em vigor e as leis que tratam sobre as políticas de educação.

Pode-se classificar esta parte como pesquisa quantitativa, porque se busca nos

textos das normas a quantidade em que são apresentadas as seguintes palavras-

chave: educação, indígena, bilíngue e a locução educação indígena. Conforme já

referenciado, foram investigados os textos constitucionais e legais da Argentina,

Brasil, Bolívia, Paraguai, Peru, Venezuela e Uruguai.

Como demonstrado em nossa pesquisa, a América Latina é um espaço em

permanente ebulição política e social cujos movimentos são gerados em parte

pelos interesses capitalistas que cobiçam as riquezas naturais do território. A área

é rica em agricultura, produção agropecuária, produção mineral, petróleo

incluído, além do potencial de consumo.

Essa informação foi recuperada como forma de entender as modificações

legislativas que se sucedem com muita frequência nesses países, impondo ao

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75

pesquisador um compromisso com a atualização constante sob pena de adicionar

informação que não possua mais validade.

A base de dados pesquisada consta dos sistemas de publicação de leis de

cada um dos países mantidos nos portais da internet e foi buscada a versão mais

recente da norma, incluídas as Constituições de cada um dos membros do

Mercosul. Essas Constituições sofreram modificações importantes nos anos 90

do século XX como reflexo das mudanças políticas havidas na região. Foram

investigados os textos da Lei Geral de Educação ou o texto equivalente

atualmente em vigor na Argentina, Brasil, Bolívia, Peru, Paraguai, Venezuela e

Uruguai. A primeira fonte de busca dos textos constitucionais foi o portal

brasileiro do Mercosul70 e mesmo neste espaço oficial existem documentos

públicos desatualizadas e contraditórios.

A importância do texto da constituição, segundo Pinho (2012):

A Constituição é a lei fundamental de organização do Estado, ao

estruturar e delimitar os seus poderes políticos. Dispõe sobre os

principais aspectos da sua estrutura. Trata das formas de Estado

e de governo, do sistema de governo, do modo de aquisição,

exercício e perda do poder político e dos principais postulados

da ordem econômica e social. Estabelece os limites da atuação

do Estado, ao assegurar respeito aos direitos individuais. O

Estado, assim como seus agentes, não possui poderes ilimitados.

Devem exercê-los na medida em que lhes foram conferidos

pelas normas jurídicas, respondendo por eventuais abusos a

direitos individuais. (PINHO, 2012, p. 47).

Nas Constituições dos 7 países filtramos as palavras-chave para saber a

“intenção” do país com a educação escolar indígena, identificando a data da

mais recente atualização dos textos no momento em que elaboramos a Tabela 1,

e a quantidade que são repetidos os termos que nos interessam:

70http://www.mercosul.gov.br/

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76

Tabela 1 – Constituição em vigor nos países pesquisados

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

O mesmo processo nós utilizamos para compreender as leis gerais de

educação de cada um dos países pesquisados, tendo o mesmo cuidado de buscar

o texto mais atualizado e eventualmente o contexto em que foram elaboradas as

modificações, porque o critério da temporalidade guarda seus significados:

Tabela 2: Leis gerais de educação dos sete países

Fonte: Dados coletados pelo pesquisador

Após esta abordagem é possível interpretar a presença da educação

escolar indígena no planejamento e execução de políticas nos países

pesquisados, a localização topográfica da norma dentro de um sistema de

princípios e regras, e a sua relação com a política pública institucionalmente

prevista. Identificar a repetição das palavras é importante porque bem demonstra

Bilingue

Argentina 1

Bolívia 0

Brasil 0

Paraguai 1

Peru 1

Uruguai 0

Venezuela 1

PAÍSPromulgação

Quantas vezes se repetem os termos

Indígena

17 022/08/1994

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Educação Educação Indígena

040

01/03/1967 5 00

24/03/2000 24

0

29/12/1993 28 0

07/02/2009 46 0

15/10/1988 58 0

256

11

11

1

17/01/2002 22

Bilingue

Argentina 1

Bolívia 0

Brasil 0

Paraguai 1

Peru 2

Uruguai 0

Venezuela 6Ley 5929E, de 15/08/2009, Ley Organica de Educacion 174 12 0

Ley 28044, de 17/07/2003, Ley General de Educacion 233 5 0

Ley 18437, de 12/12/2008, Ley General de Educacion 429 1 0

Lei nº 9.394, de 20/12/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação 243 15 0

Ley 1264, de 26/05/1998,Ley General de Educacion 303 1 0

Ley nº 26206, de 14/12/2006, Ley de Educacion Nacional 291 8 0

Ley nº 70, de 20/12/2010, Ley Avelino Sinani e Elizardo Peres 331 36 0

PAÍS

LEI DE DIRETRIZES DA EDUCAÇÃO

A lei de educação, seu numero e a data da publicação Quantas vezes se repetem os termos

Educação Indígena Educação Indígena

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77

a intencionalidade dos governos para determinada política pública, sempre

considerando que a lei não traz palavras inúteis.

Educação escolar indígena na Argentina

A quantidade em que uma palavra tratando sobre uma determinada

política pública é repetida no texto da norma, guarda relação com o compromisso

estatal com aquele direito ou interesse jurídico. Diferente dos outros países

investigados, na Argentina a Constituição é antiga e é alterada com alguma

regularidade, todavia mantém o texto originalmente aprovado em 1853. A Ley nº

24.430 ordena a publicação da Constituição da Nação Argentina e informa na

ementa que o texto original é de 1853, com modificações aprovadas em 1860,

1866, 1957 e 1994. É um formato diferente daquele em vigor nos demais países,

que não adotam uma lei ordinária para publicar a Constituição federal, mas a

diferença se restringe à forma, mas não ao conteúdo.

No texto argentino a palavra educação aparece escrita 7 vezes e no

principal dispositivo ela tem relação com a competência do Congresso argentino

que pode sancionar leis de base educacional (competência que geralmente é do

executivo), mas respeitando as diferenças locais, e que a norma aprovada deva

promover os valores democráticos:

Art. 75[...] 19 [...]

Sancionar leyes de organización y de base de la educación que

consoliden la unidad nacional respetando las particularidades

provinciales y locales; que aseguren la responsabilidad

indelegable del Estado, la participación de la familia y la

sociedad, la promoción de los valores democráticos y la

igualdad de oportunidades y posibilidades sin discriminación

alguna; y que garanticen los principios de gratuidad y equidad

de la educación pública estatal y la autonomía y autarquía de las

universidades nacionales.

Destacamos o fundamento de educação para estabelecer a unidade

nacional, a vedação à discriminação e a garantia da gratuidade da educação e a

autonomia universitária.

No texto constitucional não existe a locução educação indígena, mas

quando discorre sobre a competência congressual para legislar sobre a política de

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educação, a Constituição argentina exige que o ensino seja bilíngue,

reconhecendo a pré-existência étnica e cultural dos povos indígenas, inclusive

declarando serem legítimas as suas instituições de representações coletivas:

Art. 75(...)

17. Reconocer la preexistencia étnica y cultural de los pueblos

indígenas argentinos.

Garantizar El respeto a su identidad y El derecho a una

educación bilingüe e intercultural; reconocer la personería

Jurídica de sus comunidades, y la posesión y propiedad

comunitarias de lãs tierras que tradicionalmente ocupan; y

regular la entrega de otras aptas y suficientes para El desarrollo

humano; ninguna de ellas será enajenable, transmisible ni

susceptible de gravámenes o embargos. Asegurar su

participación en la gestión referida a sus recursos naturales y a

los demás intereses que los afecten. Las províncias pueden

ejercer concurrentemente estas atribuciones.

A regulamentação da política educacional da Argentina veio por meio da

Ley nº 26.206, de 14/12/2006, a Ley de Educación Nacional, que baliza essa

política governamental internamente e repete a palavra educação 291 vezes, o

que é natural. Já a palavra indígena é mencionada uma única vez e não há

registros da locução educação indígena, ainda que o termo bilíngue seja

apresentado em uma oportunidade.

A previsão expressa da educação intercultural e bilíngue é veiculada no

dispositivo do artigo 17 da lei, na parte em que são descritos funcionamento e

estrutura do sistema educativo nacional argentino:

ARTÍCULO 17.- La estructura del Sistema Educativo Nacional

comprende cuatro (4) niveles –la Educación Inicial, la

Educación Primaria, la Educación Secundaria y la Educación

Superior-, y ocho (8) modalidades.

A los efectos de la presente ley, constituyen modalidades del

Sistema Educativo Nacional aquellas opciones organizativas y/o

curriculares de la educación común,dentro de uno o más niveles

educativos, que procuran dar respuesta a requerimientos

específicos de formación y atender particularidades de carácter

permanente o temporal, personales y/o contextuales, com el

propósito de garantizar la igualdade nel derecho a la educación y

cumplir com lãs exigências legales, técnicas y pedagógicas de

los diferentes niveles educativos. Son modalidades: la

Educación Técnico Profesional, la Educación Artística, la

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Educación Especial, la Educación Permanente de Jóvenes y

Adultos, la Educación Rural, la Educación Intercultural

Bilingüe, la Educación en Contextos de Privación de Libertad y

la Educación Domiciliaria y Hospitalaria.

Las jurisdicciones podrán definir, con carácter excepcional,

otras modalidades dela educación común, cuando

requerimientos específicos de carácter permanente y contextual

así lo justifiquen.

Educação escolar indígena na Bolívia

O Estado Plurinacional da Bolívia apresenta algumas características que o

difere dos vizinhos de território, entre elas o fato de ser o país com o maior

contingente indígena do Mercosul. Cerca de 70% da população boliviana se

autodeclara pertencer a um dos povos indígenas existentes no território, o que

bem demonstra ser a Bolívia um país onde impera a cultura de respeito aos

diferentes e às múltiplas heranças.

A Constitucion Política Del Estado Plurinacional de Bolívia foi votada

pelos congressistas em 2007 e submetida à confirmação popular por meio de

referendo que ocorreu no ano de 2009, revelando outra diferença institucional

com os seus vizinhos mercosulinos.

Consta no preâmbulo da Constituição boliviana que

“Dejamos en el pasado el Estado colonial, republicano y

neoliberal. Asumimos el reto histórico de construir

colectivamente el Estado Unitario Social de Derecho

Plurinacional Comunitario, que integra y articula los propósitos

de avanzar hacia una Bolivia democrática, productiva, portadora

e inspiradora de la paz, comprometida con el desarrollo integral

y con la libre determinación de los pueblos.”.

Tradicionalmente o texto constitucional é um documento jurídico, mas

também possui natureza política, a votação da Constituição é o momento no qual

o legislador permite ver revelada a influência ideológica daquele continente de

eleitores que tenha lhe proporcionado a assunção do mandato no parlamento. No

documento boliviano a política adotada pelo país é de reação contra a

colonialidade, uma vez que historicamente os povos indígenas estiveram fora das

decisões políticas, ainda que representassem a esmagadora maioria da população.

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O Estado Plurinacional da Bolívia é formado por 9 Departamentos, o que

se equipara às unidades federadas “estados”, no Brasil. E os departamentos se

subdividem em Províncias, com a respectiva capital. No que interessa à pesquisa,

a Província de Chiquitos, cuja capital é San Jose, se localiza no Departamento de

Santa Cruz, onde se encontra a maior parte da população Chiquitana.

No texto constitucional da Estado Plurinacional da Bolívia a palavra

educação é mencionada 46 vezes e o termo indígena é escrito 256 vezes, não

existindo a locução educação indígena e nem foi identificado o termo bilíngue.

Diferente das demais constituições dos países mercosulinos, o Estado

Plurinacional da Bolívia possui dois preâmbulos, um deles apenas para veicular a

mensagem do presidente Juan Evo Morales Ayma, o indígena Aymara que

liderou o processo de elaboração da nova configuração constitucional.

Interessante dizer que a política de educação que consta da Constitucion

Política Del Estado Plurinacional de Bolívia revela que ela é um fim e uma

função essencial do Estado:

Artículo 9. Son fines y funciones esenciales del Estado, además

de los que establece la Constitución y la ley: (..)

5. Garantizar el acceso de las personas a la educación, a la salud

yal trabajo.

Ainda que não trate de educação indígena e bilíngue de modo estanque, a

Constitucion Política Del Estado Plurinacional de Bolívia dispõe sobre a

autonomia dos diversos povos inclusive para manter seu próprio sistema

judicial71 (artigo 179), e dispõe que sua organização administrativa se divide em

departamentos, províncias, municípios e territórios indígenas originários

campesinos.

Já a Ley 70, Ley de la educacion boliviana, homenageia dois professores

indígenas que são pioneiros no processo educacional dos povos originários:

Avelino Siñani e Elizardo Pérez. Os dois estudaram clandestinamente na infância

uma vez que esse direito era vedado aos indígenas, ambos foram alfabetizados

num momento em que o espaço escolar era negado indígena, a quem o ingresso

71jurisdicción indígena originaria campesina

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nas salas de aula se constituía em infração. Indignados com tal proibição

discriminatória e como forma de auxiliar a população indígena, Avelino Siñani e

Elizardo Pérez se dedicaram à causa educacional, e sua luta permitiu aos

indígenas o direito de frequentar livremente escolas e obter a educação formal.

No artigo 7 dispõe a Ley 70 que a língua originária será utilizada desde a

alfabetização:

Artículo 7. (Uso de Idiomas oficiales y lengua extranjera). La

educación debe iniciarse en la lengua materna, y su uso es una

necesidad pedagógica en todos los aspectos de su formación.

Por la diversidad lingüística existente en el Estado Plurinacional,

se adoptan los siguientes principios obligatorios de uso de las

lenguas por constituirse en instrumentos de comunicación,

desarrollo y producción de saberes y conocimientos en el

Sistema Educativo Plurinacional.

1. En poblaciones o comunidades monolingües y de predominio

de la lengua originaria, la lengua originaria como primera

lengua y el castellano como segunda lengua. 2. En poblaciones o

comunidades monolingües y de predominio del castellano, el

castellano como primera lengua y la originaria como segunda.

O governo boliviano destinou recursos a programas educacionais para a

erradicação do analfabetismo, e por meio de estudos ficou demonstrado que o

programa “Yo Sí Puedo”, importado de Cuba, conseguiu reduzir a taxa nacional

de analfabetismo de 13,28% em 2011 para 3,8% em julho de 2014 o que

aproxima a Bolívia da erradicação do analfabetismo72.

Educação escolar indígena no Brasil

A Constituição Federal foi promulgada em 05/10/1988, é tratada como

Constituição Cidadã porque teria elevado à categoria de norma constitucional

uma série de direitos civis e sociais. Sobre o tema indígena a chamada Carta

Magna possui dois dispositivos importantes e que estão balizando a elaboração

de leis para essas populações. Para indicar o valor dado à questão indígena o

texto constitucional criou um capítulo específico onde apresenta o desejo do

72 Disponível em: < http://www.revistaeducacao.com.br/programa-de-alfabetizacao-boliviano-ensinou-mais-de-um-milhao-de-adultos-a-ler-e-escrever/>. Acesso em 17 de out. 2017.

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estado brasileiro de proteger os seus povos indígenas, distribuindo direitos em

dois artigos com diversos incisos:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social,

costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários

sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à

União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por

eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas

atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos

recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias

a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e

tradições.

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-

se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo

das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os

potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas

minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com

autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades

afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da

lavra, na forma da lei.

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e

indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras,

salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de

catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no

interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso

Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato

logo que cesse o risco.

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os

atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das

terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas

naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado

relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei

complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a

indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei,

quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º

e § 4º.

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes

legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e

interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do

processo.

Ainda que não seja tema de nossa pesquisa, mas tratando aqui como

registro de um fenômeno que ocorre no Brasil no final do ano de 2017, no

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momento de fechamento desta pesquisa estava em discussão na Câmara dos

Deputados a Proposta de Emenda à Constituição nº 215, que praticamente revoga

o artigo 231 da Constituição Federal. Em artigo de nossa lavra, publicado em

alguns jornais regionais73, argumentamos que a proposta legislativa contém

vícios de constitucionalidade e fere a Convenção nº 169 da OIT, além de atentar

contra dispositivos do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

Ao retomar o raciocínio da pesquisa e a análise da Constituição da

República Federativa do Brasil constamos que o texto normativo veicula a

palavra educação em 58 passagens, o termo indígena é citado 11 vezes, a palavra

bilíngue é ignorada e a locução educação indígena não aparece neste documento.

Isso bem demonstra o tamanho dos compromissos aceitos pelo estado brasileiro

em benefício desta parcela da população, e diferentemente de outros países

pesquisados, no Brasil a Constituição não veicula dispositivos que se refiram à

educação escolar indígena de forma especial, isso não seria objetivo estatal.

Os artigos 231 e 232 traduzem o interesse do estado brasileiro pela

questão da terra, dizendo que a posse territorial é do povo indígena e que está

vedada a exploração econômica deste bem sem a devida autorização estatal. O

texto constitucional trata sobre os recursos hídricos existentes em territórios

indígenas e sobre a exploração dos recursos minerais, ressalvando que a União

Federal por meio de lei pode tratar da exploração do subsolo se isso for de seu

interesse. Como se vê o legislador constituinte fez uma opção em privilegiar as

questões materiais e capitalistas, pouco se referindo quanto aos direitos imateriais

e culturais dos povos indígenas.

Na qualidade de norma geral que trata da educação escolar brasileira, a

Lei nº 9.394, de 20/12/1996, também conhecida como LDB (Lei de Diretrizes e

Base da Educação) se refere à educação em 253 passagens e trata de indígena em

15 momentos, mencionando o termo bilíngue em uma única oportunidade e

ignorando a locução educação indígena.

Sobre educação destinada aos povos indígenas:

73Artigo “A PEC 2015 e os povos indígenas” - Vilson Pedro Nery. Disponível em: <http://www.folhamax.com.br/opiniao/a-inconstitucional-pec-215-ameaca-de-extincao-os-povos-indigenas/133987>> Acesso em: 5 de ago. 2017.

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Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das

agências federais de fomento à cultura e de assistência aos

índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa,

para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos

povos indígenas, com os seguintes objetivos:

I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a

recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas

identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;

II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às

informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade

nacional e demais sociedades indígenas e não-índias.

Art. 79. A União apoiará técnica e financeiramente os sistemas

de ensino no provimento da educação intercultural às

comunidades indígenas, desenvolvendo programas integrados de

ensino e pesquisa.

§ 1º Os programas serão planejados com audiência das

comunidades indígenas.

§ 2º Os programas a que se refere este artigo, incluídos nos

Planos Nacionais de Educação, terão os seguintes objetivos:

I - fortalecer as práticas sócio-culturais e a língua materna de

cada comunidade indígena;

II - manter programas de formação de pessoal especializado,

destinado à educação escolar nas comunidades indígenas;

III - desenvolver currículos e programas específicos, neles

incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas

comunidades;

IV - elaborar e publicar sistematicamente material didático

específico e diferenciado.

A LDB sofreu modificação recente para a incluir nos currículos do ensino

fundamental e ensino médio a obrigatoriedade do estudo da história e cultura

afro-brasileira e indígena.Avaliando o mérito da legislação sobre a matéria o

pesquisador Darci Secchi74 entende que a legislação deixou de contemplar duas

premissas para a superação do modelo integracionista: iniciativa e controle das

sociedades indígenas sobre o processo de produção dos programas educacionais.

O indígena continua como ouvinte e não de debatedor das políticas que lhe

afetam.

74 Anais do Simpósio sobre “Legislação escolar indígena, “Apontamentos acerca da regularização das escolas indígenas”, página 137.

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Educação escolar indígena no Paraguai

Seguindo a mesma metodologia válida para buscar palavras nos textos

legais de outros países sobre o tema da pesquisa, ampliamos o nosso acervo com

dados coletados em normas positivadas pelo estado paraguaio. A palavra

educação é mencionada no texto da Constitución de la República de Paraguay

por 22 vezes e o termo indígena é citado 11 vezes, enquanto que bilíngue aparece

uma única vez.

A informação que aqui merece destaque é que o artigo 66 da Constituição

do Paraguai dispõe que o Estado respeitará as peculiaridades culturais dos povos

indígenas no processo de educação formal, e protegerá essa população contra a

regressão demográfica e a alienação cultural:

No que interessa:

Artículo 66 - DE LA EDUCACIÓN Y LA ASISTENCIA

El Estado respetará las peculiaridades culturales de los pueblos

indígenas especialmente em lo relativo a la educación formal. Se

atenderá, además, a su defensa contra la regresión demográfica,

la depredación de su hábitat, la contaminación ambiental, la

explotación económica y la alienación cultural.

No entanto a mesma opinião veiculada no texto mais importante para a

formação do sistema jurídico não encontra a adequada repercussão na lei

educacional, que tem por objeto a regulamentação das políticas oficiais de

educação, mas não encarta muitas inovações. A Ley 1.264, de 26/05/1998,

conhecida como Ley General de Educacion, grafa o termo educação em 303

passagens e as palavras indígena e bilíngue uma única vez cada uma, e um dos

exemplos de dispositivo protetivo aos interesses dos povos indígenas remete

exatamente ao texto constitucional:

Artículo 2º. - El sistema educativo nacional esta formulado para

beneficiar a todos los habitantes de la República. Los pueblos

indígenas gozan al respecto de los derechos que les son

reconocidos por la Constitución Nacional y esta ley.

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Com muita precariedade há outra menção da lei de educação sobre a

educação escolar de grupos étnicos, e a integração destes à sociedade paraguaia

com respeito aos valores culturais seria uma de suas finalidades:

Artículo 78.- La educación em los grupos étnicos tendrá como

finalidad afianzar los procesos de identidad, e integración em la

sociedad paraguaya, respetando sus valores culturales.

Educação escolar indígena no Peru

Segundo informa o portal do parlamento peruano a Constituição foi

“Aprobada por El Congreso Constituyente Democrático, bajo la presidencia de

Jaime Yoshiyama Tanaka. Ratificada em El referendum del 31 de octubre de

1993. Promulgada por Alberto Fujimori Fujimori, Presidente Constitucional de la

República. Contiene: 206 artículos, 16 disposiciones finales y transitorias y 2

disposiciones transitórias especiales. Vigencia: 29-12-1993 a la actualidad”75.

A exemplo da maioria das constituições investigadas neste trabalho, a

Constitucion Politica Del Peru também tem pouca idade, tendo sido promulgada

em 1993, logo seus dispositivos guardam harmonia com a orientação da

Convenção nº 169 da OIT. Por força desse dispositivo de Direito Internacional e

sob a influência dos documentos legais dos vizinhos mercosulinos, também no

Peru há uma tendência governamental de harmonizar as políticas destinadas a

minorias e com esse viés o texto reproduz a palavra educação 28 vezes, ainda

que a palavra indígena apareça em uma única oportunidade.

Eis o dispositivo:

Artículo 1.- Defensa de la persona humana

La defensa de la persona humana y el respeto de su dignidad son

el fin supremo de la sociedad y del Estado.

CONCORDANCIAS: Ley Nº 28736 (Ley para la protección de

pueblos indígenas u organismos en situación de aislamiento y en

situación de contacto inicial)

75 Disponível em: < http://www.leyes.congreso.gob.pe/constituciones.aspx>. Acesso em: 23 de nov. 2017.

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Todo peruano tiene derecho a usar su propio idioma ante

cualquier autoridad mediante un intérprete. Los extranjeros

tienen este mismo derecho cuando son citados por cualquier

autoridad.

Analisando o teor do artigo 1º, que trata dos direitos fundamentais, pode-

se ver que ele se refere ao direito que o indígena peruano possui de usar

livremente o seu idioma perante as autoridades estatais. É a face visível do

declínio e da sucumbência, visto que antes da invasão ibérica o Império Inca

ocupava o território do atual Peru, tendo ali a sua sede administrativa e exercia

poderes que se estendiam a parcela dos atuais domínios da Argentina, Chile,

Equador e Bolívia. O Inca conquistou e exerceu os atributos da colonialidade

sobre muitos dos povos conquistados, mas na atualidade os descendentes teriam

apenas o “direito” de se expressar na língua mãe diante da autoridade estatal.

E é exatamente por essa razão que uma doutoranda fazer a defesa de seu

trabalho na língua quéchua, que era falada por seus antepassados e na atualidade

por dez milhões de pessoas, parece uma notícia com bastante relevância sob o

ponto de vista da resistência cultural76.

Quanto à oferta de educação bilíngue a previsão está no artigo 17 da

Constituição Peruana e ali consta expressamente que a obrigatoriedade da oferta

da educação e a gratuidade aos necessitados existe, desde que o aluno possua

bom rendimento escolar. A erradicação do analfabetismo é uma política de

estado e uma das formas é o fomento à educação bilíngue e multicultural:

Articulo 17 - Obligatoriedad de la educación inicial,

primaria y secundaria.

La educación inicial, primaria y secundaria son obligatorias. En

las instituciones del Estado, la educación es gratuita. En las

universidades públicas el Estado garantiza el derecho a educarse

gratuitamente a los alumnos que mantengan un rendimiento

satisfactorio y no cuenten con los recursos económicos

necesarios para cubrir los costos de educación.

El Estado garantiza la erradicación del analfabetismo. Asimismo

fomenta la educación bilingüe e intercultural, según las

76 Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/08/03/cultura/1501793917_804712.html. Acesso em: 6 de ago. 2017.

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características de cada zona. Preserva las diversas

manifestaciones culturales y lingüísticas del país.

Promueve la integración nacional.

A Ley General de Educación, Ley nº 28044, foi publicada em 17/07/2003

e só não é mais antiga que a similar do Brasil, que foi aprovada e sancionada no

ano de 1996, e a Ley General de Educación do Paraguay. A palavra educação

foi grafada 233 vezes, o termo indígena foi escrito cinco vezes e a palavra

bilíngue é mencionada duas vezes.

O que interessa à pesquisa:

Artículo 20°.- Educación Bilingüe Intercultural

La Educación Bilingüe intercultural se ofrece en todo el sistema

educativo:a) Promueve la valoración y enriquecimiento de la

propia cultura, el respeto a la diversidad cultural, el diálogo

intercultural y la toma de conciencia de los derechos de los

pueblos indígenas, y de otras comunidades nacionales y

extranjeras. Incorpora la historia de los pueblos, sus

conocimientos y tecnologías, sistemas de valores y aspiraciones

sociales y económicas.

Portanto o estado peruano reconhece a educação escolar como um direito

universal de seus cidadãos e é disponibilizada a todos indistintamente, todavia a

gratuidade depende do rendimento individual do aluno. A oferta de educação

bilíngue em todos os níveis também é legalmente prevista e esta medida tem por

objetivo conscientizar o aluno sobre “los derechos de los pueblos indígenas, y de

otras comunidades nacionales y extranjeras”.

Educação escolar indígena na Venezuela

Do ponto de vista econômico a República Bolivariana de Venezuela

possui uma importância incomum ao Mercosul graças às suas imensas reservas

de petróleo que atraem os interesses das empresas petroleiras internacionais.

Numa das oportunidades que exercia a presidência pro tempore do bloco

mercosulino, os venezuelanos fizeram a inserção da questão indígena como uma

de suas pautas.

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A Constitución de la República Bolivariana de Venezuela é recente, foi

promulgada em 24/03/2003 e seu texto prevê aspectos da política de educação

em 24 artigos, traz a palavra indígena escrita 40 vezes, e cita o termo bilíngue em

uma passagem.

Tratando as línguas indígenas como um patrimônio da nação bolivariana e

da humanidade, o texto exige que elas sejam respeitadas em todo o território do

país, e enquadra as línguas dos povos indígenas na categoria de idioma oficial do

estado venezuelano:

Artículo 9. El idioma oficial es el castellano. Los idiomas

indígenas también son de uso oficial para los pueblos indígenas

y deben ser respetados en todo el territorio de la República, por

constituir patrimonio cultural de la Nación y de la humanidad.

A proteção da Constituição vai além da educação formal e exige a

preservação da cultura, cosmovisão, espiritualidade e locais sagrados, a medicina

tradicional e terapias complementares, um regime educacional de caráter

intercultural e bilíngue atendendo suas particularidades e os valores consagrados

pelos diversos povos indígenas:

Artículo 121. Los pueblos indígenas tienen derecho a mantener

y desarrollar su identidad étnica y cultural, cosmovisión,

valores, espiritualidad y sus lugares sagrados y de culto. El

Estado fomentará la valoración y difusión de las

manifestaciones culturales de los pueblos indígenas, los cuales

tienen derecho a una educación propia y a un régimen educativo

de carácter intercultural y bilingüe, atendiendo a sus

particularidades socioculturales, valores y tradiciones.

Artículo 122. Los pueblos indígenas tienen derecho a una salud

integral que considere sus prácticas y culturas. El Estado

reconocerá su medicina tradicional y las terapias

complementarias, con sujeción a principios bioéticos.

Fiel ao nosso método de busca de palavras para identificar a intenção do

legislador constamos que a Ley Organica de Educación, publicada em

15/08/2009, veicula a palavra educação por 174 vezes, o termo indígena é

mencionado 12 vezes e bilíngue se repete 6 vezes no texto legal.

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90

O artigo 26 da Ley Organiza de Educación torna a educação bilíngue

multicultural como uma das modalidades de educação oficial oferecidas pelo

estado venezuelano:

Artículo 26. Las modalidades del Sistema Educativo son

variantes educativas para la atención de las personas que por sus

características y condiciones específicas de su desarrollo

integral, cultural, étnico, lingüístico y otras, requieren

adaptaciones curriculares de forma permanente o temporal con

el fin de responder a las exigencias de los diferentes niveles

educativos.

Son modalidades: La educación especial, la educación de

jóvenes, adultos y adultas, la educación en fronteras, la

educación rural, la educación para las artes, la educación militar,

la educación intercultural, la educación intercultural bilingüe, y

otras que sean determinadas por reglamento o por ley. La

duración, requisitos, certificados y títulos de las modalidades del

Sistema Educativo estarán definidas en la ley especial de

educación básica y de educación universitaria.

Essa norma geral transfere para outras, de natureza especial, os poderes

para tratar especificamente da duração de cada etapa do ensino, dos requisitos,

emissão de certificados e titulação das diversas modalidades do sistema

educativo. Desse modo a educação básica teria uma lei específica para definir a

forma de emissão de certificados e a educação universitária também exige lei

especial.

Educação escolar indígena no Uruguai

A República Oriental Del Uruguay é uma associação política de todos os

habitantes compreendidos dentro de seu território conforme a dicção do artigo 1º

daquele documento fundamental.

Aqui se observa uma semelhança com a lei peruana com a inclusão de

populações carentes como destinatárias de políticas compensatórias que

permitam a famílias numerosas a manutenção da prole na instituição escolar. A

norma prevê a educação em todos os níveis como um dever dos pais em relação

aos filhos e um direito dos pais em relação ao estado.

Isso amplia o compromisso coletivo com a educação:

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Artículo 41. El cuidado y educación de los hijos para que éstos

alcancen su plena capacidad corporal, intelectual y social, es un

deber y un derecho de los padres. Quienes tengan a su cargo

numerosa prole tienen derecho a auxilios compensatorios,

siempre que los necesiten.

A falta de tratamento sobre educação escolar indígena na Constituição do

Uruguai se repete na Lei Geral de Educação, que também se omite em estender a

discussão sobre esta política. A Ley nº 18437, de 12/12/2008, conhecida como

Ley General de Educacion, menciona o seu objeto principal, a educação em 429

oportunidades e cita o termo indígena uma única vez, exatamente quando

argumenta que o sistema deve oferecer educação multicultural:

Artículo 13. (Fines).- La política educativa nacional tendrá en

cuenta los siguientes fines: (...)

D) Propender al desarrollo de la identidad nacional desde una

perspectiva democrática, sobre la base del reconocimiento de la

diversidad de aportes que han contribuido a su desarrollo, a

partir de la presencia indígena y criolla, la inmigración europea

y afrodescendiente, así como la pluralidad de expresiones

culturales que enriquecen su permanente evolución.

Todavia o Uruguai apresenta uma novidade e insere em seu texto um

dispositivo que trata de regras de hermenêutica, visando oferecer parâmetros para

interpretação da norma, tendo-a como parte integrante de um sistema e não uma

lei estanque. A lei geral de educação se difere das similares dos países

mercosulinos porque traz este dispositivo no artigo 120, com a função de

interpretação e integração das normas educacionais com outras regras escritas. E

por isso é firme ao dizer que educação é um direito da pessoa humana:

Artículo 120. (Principio específico de interpretación e

integración).- Para la interpretación e integración de la presente

ley se deberá tener en cuenta el interés superior del educando,

que consiste en el reconocimiento y respeto de los derechos

inherentes a su calidad de persona humana. En consecuencia,

este principio no se podrá invocar para menoscabo de tales

derechos.

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Concluindo esse sobrevôo pelas normas constitucionais e legais sobre

educação escolar indígena em vigor nos países mercosulinos pode-se perceber

que as 7 nações investigadas possuem igual preocupação com essa temática,

ainda que em graus variados. Os textos das constituições e das leis gerais de

educação veiculam a necessidade da educação multicultural, ainda que a

colonialidade esteja evidenciada em grande parte desses documentos. A

influência positiva do texto da OIT é visível e isso revela uma garantia

importante, porque se a norma doméstica se harmoniza com regras aceitas por

todos países, o legislador não as pode suprimir.

A importância de se analisar e interpretar os textos das normas, a partir da

Constituição que se situa no topo do ordenamento jurídico segundo a teoria

kelseniana77, é que se tem a verdadeira intenção de determinado estado para com

uma temática em especial. Ora, quando não existe a previsão de política de

educação escolar indígena no texto está claramente demonstrado que não existe

uma modalidade de ensino com essas características e com as especificidades

reclamadas pela camada populacional.

E por outro lado existem diversos dispositivos que em combinação

indicam que nos diversos países mercosulinos a proteção da cultura e dos

interesses dos povos indígenas possuem salvaguarda.

O indígena no Direito brasileiro

Um trabalho que pesquisa os povos indígenas deve apresentar as normas

que regulam o sistema de proteção desta população, mesmo que em diversas

passagens tenham sido feitas críticas à escassez de regras a proteger os interesse

e direitos desta parcela populacional. Já foi relatado sobre o conjunto das regras

jurídicas que tratam dos sistemas de educação, mas é importante dedicar um

tempo para mencionar o sistema de Direito indígena em vigor no Brasil no ano

de 2017.

77 Segundo Hans Kelsen o sistema normativo é uma pirâmide e a Constituição Federal está situada no topo.

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Por obviedade a grande fonte do Direito Indígena no Brasil é a

Constituição Federal no capítulo que trata dos direitos desses povos, ainda que

haja outros institutos jurídicos de menor hierarquia, como as próprias normas que

criaram a Funai, o antigo SPI acima mencionado, e as normas inseridas na LDB

sobre educação escolar indígena. Além da Convenção nº169, da OIT, existe a

Lei de Terras, de 1850, que atingiu frontalmente os direitos dos povos indígenas,

pois regula a posse e propriedade de terras que os indígenas ocuparam desde

antes do advento da “descoberta” atribuída a navegadores portugueses.

Começamos com a Convenção nº 169 da OIT que estaria no topo do

sistema protetivo, e na condição de tratado é um acordo entre países e cujo teor

seria impositivo aos governos que subscreveram o Tratado, ou Acordo

multilateral. Segundo Reis (2008) entende-se por Tratado como sendo o gênero

em que espécies são o próprio Tratado, stricto sensu, Pactos, Acordos,

Protocolos, e tal instrumento se basta como um acordo entre sujeitos do Direito

Internacional, destinado a produzir efeitos jurídicos na órbita internacional. A

OIT nº169, ratificada pelo estado brasileiro no ano de 2003, prevê

especificamente a espécie de tratamento que deve ser dispensada aos povos

indígenas em situação de fronteira:

PARTE VII - CONTATOS E COOPERAÇÃO ATRAVÉS DAS

FRONTEIRAS

Artigo 32

Os governos deverão adotar medidas apropriadas, inclusive

mediante acordos internacionais, para facilitar os contatos e a

cooperação entre povos indígenas e tribais através das fronteiras,

inclusive as atividades nas áreas econômica, social, cultural,

espiritual e do meio ambiente.

A Convenção nº 169 da OIT veio para substituir a Convenção nº 107, de

05 de junho de 1957, cujo texto nem chegou a ser ratificado pelo Brasil. O

Decreto nº 5.051, de 19/04/2004, promulgou a Convenção nº 169 da Organização

Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais e com isso a

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norma passou a ser exigível no âmbito externo e de obrigação imposta no âmbito

das relações internacionais78.

A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho foi

convocada em Genebra pelo Conselho Administrativo da Repartição

Internacional do Trabalho, e ocorreu em 7 de junho de 1989. O texto observou as

normas internacionais enunciadas na Convenção e na Recomendação sobre

populações indígenas e tribais de 1957, e buscou inspiração na Declaração

Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais, no Pacto Internacional dos Direitos Civis e

Políticos e em numerosos instrumentos internacionais sobre a prevenção da

discriminação contra minorias.

A Convenção nº 169 reconhece as aspirações dos povos indígenas em

assumir o controle de suas próprias instituições, definir suas formas de vida e seu

desenvolvimento econômico, de modo a manter e fortalecer suas identidades,

línguas e religiões, inclusive uma educação libertadora e multilinguística, dentro

do âmbito dos países onde moram.

Conforme o documento, em diversas partes do mundo os povos indígenas

não podem gozar dos direitos humanos fundamentais no mesmo grau que o

restante da população e as suas leis, valores, costumes e perspectivas têm sofrido

erosão frequentemente.

A OIT reconhece também a contribuição dos povos indígenas e tribais à

diversidade cultural, à harmonia social e ecológica da humanidade e a

cooperação e compreensão internacionais. A Convenção nº 169 foi proposta para

dar concretude à revisão parcial da Convenção sobre populações Indígenas e

Tribais (Convenção 107, de 1957).

A Parte VI da Convenção trata do tema da educação indígena e traz

algumas obrigações aos países membros, visando manter a integridade da cultura

dos povos indígenas, com a criação e manutenção de instituições que visam o

ensino preferencialmente na língua de origem.

78 Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.htm>. Acesso em: 1 de ago. 2017.

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Uma das inovações é a necessidade de adoção de medidas para garantir

aos membros dos povos interessados a possibilidade de obtenção de políticas de

educação em todos os níveis, em condições de igualdade com o restante da

comunidade nacional, e que o ensino seja preferencialmente bilíngue.

Parte disso já foi incorporado pelo estado brasileiro por meio da

Resolução CNE/CEB nº 3/199979. Os programas e os serviços de educação

destinados aos povos indígenas devem ser desenvolvidos e aplicados em

cooperação com estes, visando responder às suas expectativas e necessidades

particulares, abrangendo no currículo a sua história, os conhecimentos

tradicionais e técnicas, os sistemas de valores e todas as demais aspirações

sociais, econômicas e culturais.

Quanto à preparação dos professores indígenas, de acordo com a

Convenção nº 169, a autoridade do país membro deverá assegurar a formação e

capacitação de profissionais e a sua participação na formulação e execução de

programas de educação, visando transferir progressivamente aos povos indígenas

a responsabilidade de realização desses programas, quando for adequado. Esse

dispositivo vincula a educação a uma emancipação do povo indígena.

Os governos deverão reconhecer o direito dos povos indígenas à criação

de suas próprias instituições e meios de educação, satisfazendo as normas

mínimas estabelecidas pela autoridade competente, e os orçamentos públicos

deverão dispor dos recursos apropriados para tal finalidade.

Com relação ao letramento e alfabetização, as crianças devem aprender a

ler e escrever na própria língua indígena ou na língua mais comumente falada no

grupo a que pertençam. Quando inviável, deverão ser feitas consultas a esses

povos visando a adoção de medidas que permitam o atingimento deste objetivo.

Outra imposição convencional é a adoção de medidas que assegurem a esses

povos a oportunidade de dominar a língua nacional ou uma das línguas oficiais

do país, faladas pelos não-índios.

79Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/1999/pceb014_99.pdf>. Acesso em: 06 de ago. 2017.

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Do mesmo modo, deverão ser preservadas as línguas das populações

indígenas e prestigiada a promoção e desenvolvimento de práticas para a

preservação das raízes linguísticas.

No que tange aos preconceitos, torna-se obrigação dos países a formatação

de programas de caráter educativo destinado a todos os setores da comunidade

nacional, especialmente naqueles espaços que estejam em contato mais direto

com os povos indígenas, objetivando a eliminação de preconceitos em relação a

esta população. Como parte do esforço, os livros de história e demais materiais

didáticos devem oferecer uma descrição equitativa, exata e instrutiva das

sociedades e culturas dos povos indígenas.

Um passo importante dado pelo Brasil foi a edição da Lei nº 11.645, de

10/03/2008, que trata da inclusão da história e cultura indígena no currículo

escolar da rede de ensino, alterando assim da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação, Lei nº 9.394, de 20/12/199680.

Por fim, o artigo 32 do da OIT nº 169 dispõe que os povos indígenas que

habitam nas fronteiras dos países, tendo sido inclusive atingidos pela criação

desses “limites”, possam obter a sua unidade independente das fronteiras

políticas entre os países que subscreveram o tratado internacional.

Segundo o texto convencional, os governos deverão adotar medidas

apropriadas, inclusive por acordos internacionais, para facilitar os contatos e a

cooperação entre os povos indígenas e tribais através das fronteiras, envolvendo

também as atividades nas áreas econômica, social, cultural, espiritual e do meio

ambiente.

Mas uma verificação despretensiosa no sistema normativo brasileiro já é

suficiente para se deduzir que o estado nacional não prioriza a elaboração de

políticas públicas destinadas a atender aos povos indígenas, o que não é novo,

pois o costume omissivo vem deste o período colonial e passou pelos Brasil

imperial. É possível identificar que as poucas leis a tratar dos povos indígenas

80 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm>. Acesso em: 6 de ago. 2017.

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são limitadoras de direitos, e os decretos e normas regulamentares pesquisados

não apresentam evolução protetiva.

Também incidem sobre os direitos dos povos indígenas as mudanças na

Constituição Federal decorrentes da Emenda Constitucional nº 95/2016, que

manteve para o exercício de 2017 o montante de despesa primária paga no

exercício de 2016 a setores como saúde e educação, acrescido de 7,2%, e estende

a restrição pelo período de 20 (vinte) anos, com um orçamento público de valores

idênticos, apenas com a correção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor

Amplo (IPCA), números consolidados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE). Essa emenda ficou conhecida como o “Teto de Gastos” do

Governo Federal.

E tem a ameaça advinda da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215

que quer modificar os artigos 49 e 231 da Constituição Federal, criando uma

nova competência exclusiva do Congresso Nacional: a demarcação das terras

tradicionalmente ocupadas pelos indígenas. Esta proposta havia sido arquivada

por ser inconstitucional segundo o então relator, deputado federal Luiz Couto,

mas foi reapresentada em 2012, e na condição de Emenda à Constituição a PEC

depende apenas da vontade de deputados e senadores para sua aprovação.

A primeira norma jurídica formal nacional a tratar dos interesses indígenas

é a Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, que dispunha sobre as terras

reconhecidas como devolutas pelo Governo Imperial, e que ficou conhecida

como a Lei de Terras, em vigor até a atualidade. O artigo 12 prevê que as terras

abandonadas ou desocupadas seriam tratadas como “devolutas”, aí incluídas as

porções de territórios de nações indígenas, que passariam deste modo ao domínio

imperial.

Em poder das terras, o governo imperial as destinava para três finalidades

distintas: a) colonização dos indígenas; b) fundação de povoações, abertura de

estradas, e quaisquer outras servidões, e assento de estabelecimentos públicos; c)

para a construção naval.

Logo em seguida e sob o regime republicano, o presidente da república

Nilo Peçanha instituiria o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e o fez por meio do

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Decreto nº 8.072, de 20 de junho de 1910. Consta da ementa, a finalidade: “Crêa

o Serviço de Protecção aos Indios e Localização de Trabalhadores Nacionaes e

approva o respectivo regulamento”.

Sob a ótica da proteção da integridade cultural dos povos indígenas, a obra

de maior relevância foi a criação do Parque Indígena do Xingu (PIX), no estado

de Mato Grosso. No bojo do texto do Decreto nº 50.455, de 14 de abril de 1961,

as justificativas para a criação do PIX mencionavam a ideia de que o Vale do Rio

Xingu se constitui de terras que devem ser resguardadas de exploração e era

urgente a necessidade de preservação da área como reserva florestal e laboratório

natural. Ainda destaca que uma grande parte do quadrante se refere a terras

pertencentes aos índios, portanto insuscetíveis de alienação.

O Parque Indígena do Xingu é subordinado diretamente à Presidência da

República e é formado por um polígono irregular, com a área aproximada de

22.000 quilômetros quadrados. Inicialmente a área prevista era maior, e além das

reservas destinadas aos povos indígenas, outro objetivo então buscado seria a

criação de um parque que recebesse tratamento de área de preservação ambiental.

A convivência de povos historicamente diferentes, dentro dos mesmos

limites, participando eventualmente dos mesmos cerimoniais e tradições dão a

ideia de que esse exemplo poderia ser referenciado para fomentar o

desenvolvimento do Mercosul.

E nesse mesmo sentido é bom lembrar que a língua quéchua, falada pelo

povo Inca é viva, e possui dez milhões de falantes, em diversos países do

Mercosul, e os índios Guarani, que integraram no passado uma nação chamada

República Guarani, estão presentes também em diversas nações mercosulinas.

Logo, ainda que sem formalização, há uma espécie de organização regional

indígena no interior do subcontinente sul americano e o PIX é um bom exemplo.

A promulgação da Lei de Terras no ano de 1850 (Lei nº 601, de

18/9/1850) e sua regulamentação no ano de 1854 (Decreto 1.318, de 30/1/1854)

tinha por objetivos declarados a regularização das posses de terras utilizadas por

particulares e o estabelecimento de uma política pública para as terras tidas como

devolutas. De acordo com o texto, a lei surgiu para reger os conflitos de interesse

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entre o Estado brasileiro e os proprietários de terras, defensores do sistema

colonial, que agiam para impedir medidas modernizadoras (antiescravagistas).

No entanto esta norma iria apressar a espoliação das terras dos povos

indígenas, uma vez que o artigo 12 da Lei nº 601 reservava as terras devolutas

para a colonização dos indígenas, o que permite deduzir que o estado já se

apropriara de todas as terras e as “devolveria” (uma parte, apenas) aos povos

indígenas, se houvesse concordância destes com o aldeamento81.

Estatuto do Índio

A Lei federal nº 6.001, de 19/12/1973 instituiu o Estatuto do Índio82.Ao

contrário do que percebe o senso comum, com a edição do estatuto a questão

relativa à política indígena passa a ser uma responsabilidade de todos os entes

federados, municípios, estados e Distrito federal, e não somente da União83.

Assim, as obrigações assumidas pelo Brasil no plano internacional, inclusive a

eliminação das fronteiras que dividem os povos indígenas que habitam o país,

são também estendidas aos demais entes republicanos.

O Estatuto do Índio impõe no artigo 2° a responsabilidade da União,

Estados e Municípios, e ainda que não conste neste rol o Distrito Federal (DF),

isso se deve ao fato de que a norma foi editada antes da Constituição Federal de

1988, a obrigação se alcança o DF, bem como aos órgãos das respectivas

administrações indiretas, de oferecer proteção às comunidades indígenas e

preservar seus direitos.

É desejo estatal estender aos índios os benefícios da legislação comum,

sempre que possível a sua aplicação, prestar assistência aos indígenas e às

81Art. 12. O Governo reservará das terras devolutas as que julgar necessárias: 1º, para a colonização dos indígenas; 2º, para a fundação de povoações, abertura de estradas, e quaesquer outras servidões, e assento de estabelecimentos públicos: 3º, para a construção naval (Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, que dispõe sobre as terras devolutas do Império). 82 Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6001.htm>. Acesso em: 1 de ago. 2017. 83 Durante o período imperial a Lei nº 3.348, de 20/10/1887, passou para os municípios os foros dos terrenos das extintas aldeias de índios. Estes perderam o pleno direito a essas terras, garantindo apenas o reconhecimento de alguns lotes. As terras dessas aldeias extintas, assim como as terras devolutas nas Províncias passaram, com a Constituição republicana de 1891, à alçada dos estados, de cujos governos os índios dependeram a partir de então para garantir sua sobrevivência nos territórios ancestrais.

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comunidades indígenas ainda não integradas à comunhão nacional, respeitar as

peculiaridades inerentes à sua condição, assegurar aos índios a possibilidade de

livre escolha dos seus meios de vida e subsistência, garantir a permanência

voluntária no seu habitat, proporcionando-lhes ali recursos para seu

desenvolvimento e progresso.

E ainda respeitar a coesão das comunidades indígenas, os seus valores

culturais, tradições, usos e costumes, executar, sempre que possível com a

colaboração dos índios, os programas e projetos tendentes a beneficiar as

comunidades indígenas, utilizar a cooperação, o espírito de iniciativa e as

qualidades pessoais do índio, tendo em vista a melhoria de suas condições de

vida e a sua integração no processo de desenvolvimento.

E vai além, garantindo aos povos indígenas a posse permanente das terras

que habitam, reconhecendo-lhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas

naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes, e permitir aos índios o

pleno exercício dos direitos civis e políticos que lhes couberem.

Movimento Indígena

Em outro tópico neste capítulo foi apresentado um conjunto de normas

constitucionais que atendem ao indígena na questão da educação escolar, e agora

apresentamos os fundamentos de fato dos direitos dos povos indígenas que

funcionam como uma espécie de roteiro para a implementação de um catálogo de

direitos.

Certamente contribuiu para o processo de dominação e de quase

extermínio dos povos indígenas do Brasil a habilidade com que os colonizadores

ou invasores portugueses usaram a seu favor os desentendimentos ocorridos entre

os diferentes grupos étnicos, e o fazia de dois modos: fomentando querelas entre

grupos sabidamente rivais, ou os utilizando em seus exércitos de não-índios para

atacarem grupos rivais dos povos originários.

Diante de tão trágica experiência, os povos indígenas resolveram superar

as rivalidades e passaram a se unir para lutar em conjunto por seus direitos, em

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período bem recente. No sentido de consolidar essa nova estratégia, a partir da

década de 70 do século XX diversos povos indígenas começaram a criar suas

organizações representativas para fazer frente às articulações com outros povos e

com os não-índios, e essa tendência se estendeu à busca de contatos

internacionais.

A conjunção e a articulação entre tais organizações se constituíram em um

movimento indígena tal como hoje se conhece, e de fato é um movimento

indígena organizado.

O apoio de entidades coletivamente organizadas fora do universo indígena

é tratado por Silva (2009) como movimento indigenista alternativo:

Esta nova perspectiva de ação indigenista passaria a ser

conhecida como indigenismo alternativo. Para Schroeder (1995,

p. 136) “[...] aqui se entende como alternativo aquele

indigenismo praticado desvinculado da e, muitas vezes, em

oposição à política indigenista oficial e da Missão Tradicional”.

A situação dos indígenas no Brasil, entre as décadas de 1960 e

1980, era de crescentes casos de violência física e perdas de

território, o que resultava em decréscimo populacional, inclusive

pela fome. (SILVA, 2009, p. 84).

Esse movimento tem como diretriz fazer frente aos mecanismos de

dominação impostos aos povos indígenas pelos colonizadores, e despertar os

sinais da urgente necessidade de organização do movimento entre os indígenas, e

de articulações com as entidades apoiadoras.

Os povos indígenas sempre resistiram ao processo de dominação,

massacre e colonização europeia por meio de diferentes estratégias, e isso se

deve ao fato de que a própria tática dominadora teve diversas faces. Houve a

tentativa de dominação pela força e pela escravatura num primeiro contato entre

os povos e os invasores europeus, e depois o uso da religião e da escola, com a

educação dos povos indígenas sendo entregues aos Jesuítas.

Na atualidade a tática de luta do movimento indígena contra as forças

dominantes usa instrumentos jurídicos que permitem a união de esforços gerados

pela criação de entidades coletivas como federações e confederações de diversos

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povos indígenas para dar eficácia à defesa de seus direitos. Uma prática remota,

mas ainda não extinta, são os suicídios coletivos como forma de insurreição.

Foi bastante eficaz a estratégia do fortalecimento e consolidação do

movimento indígena organizado quando os diversos povos buscaram amainar as

diferenças históricas entre os rivais, os sentimentos de repulsa foram afastados e

deram lugar ao diálogo entre iguais. No passado a rivalidade colaborou para que

os povos indígenas fossem dominados e a população reduzida a menos de 10%

daquela existente quando da chegada das caravelas no litoral brasileiro, há pouco

mais de 500 anos.

Ao apreender o acúmulo histórico das lutas vividas pelos indígenas é fácil

deduzir que as táticas de resistência antes adotadas não permitiram avanços e

com isso diversos povos foram dizimados. Isso significa que a mudança da tática

de atuação, agora bem mais coletivizada e agregadora pode ser bem mais

eficiente, e o indício desta bem-sucedida reviravolta é o aumento da população

indígena no Brasil, o ressurgimento do movimento indígena no Uruguai, onde

5% da população já se autodeclara indígena, e a ascensão de um representante

Aimará na presidência da Bolívia.

A educação escolar indígena como estratégia de integração do

Mercosul

Da comparação entre os diversos textos normativos dos países

mercosulinos que interessam à educação escolar indígena pode-se notar que não

existe uma padronização quanto ao catálogo de direitos, mas é possível conferir

que a inspiração da Convenção nº 169 da OIT influenciou todo o sistema. A

grande evidência dessa conclusão é a repetição de dispositivos de proteção à

interculturalidade que existem nas leis educacionais e nas constituições dos 7

países que aqui pesquisamos. As poucas experiências existentes mostram que a

política educacional dos povos indígenas pode ser um fator de incremento do

Mercosul.

Os números que resultam da unidade mercosulina em torno do Tratado é

uma demonstração de que o esforço para reconhecer os povos indígenas,

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devolver-lhes o status e identidades que foram retirados após séculos de

dominação, reconhecer a educação intercultural e o direito ao ensino bilíngue, é

uma das formas de dar concretude à união das nações sul americanas e evidencia

que a inclusão do indígena no Tratado seria estrategicamente interessante.

A partir dos anos 70 do século XX a luta dos povos indígenas ganhou

novas dimensões, e o grau de desenvolvimento demonstra que o índio tem

vínculo com o solo que habita e não o rejeita, e não dá à terra o sentido de

propriedade que se verifica no seio da sociedade não-índia. E não abre mão de

cobrar respeito por sua história e a de seus ancestrais, atitude que se choca com

as fronteiras políticas criadas pelos não-índios após séculos de exploração e

dominação, o que gera uma fonte de embates e dissensos sem fim.

O Mercosul precisa reconhecer o passivo dos países membros para com os

povos indígenas, e garantir-lhes as adequadas condições sócio-jurídicas e de

cidadania, permitindo o avanço em espaços na sociedade contemporânea, sem

necessidade de dispor do que lhe é próprio: as culturas, as tradições, os

conhecimentos e os valores. Quando o mínimo, as nações devem aplicar

integralmente o artigo 32 da Convenção nº 169 da OIT.

Algumas experiências educacionais demonstram que mesmo em espaços

separados e sem nenhuma estratégia de rede os diversos atores que atuam na

educação escolar indígena apresentam sugestões inovadoras. São escolas

indígenas feitas pelos próprios interessados, escolas para indígenas preparados

pelos setores burocráticos, mas que os diversos estudos apontam para soluções

que poderiam ser replicadas nos diversos países do Mercosul.

A luta educacional dos Chiquitano, Terena e Kaiowa nos espaços

fronteiriços

Há exemplos de como a ausência de diálogo com as populações indígenas

implicou na proliferação de demandas e na criação de dificuldades para as

populações fronteiriças, que ao longo do tempo foram “objeto” do Direito e não

“sujeitos de direito”.

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De acordo com Secchi (2009), o primeiro contato havido entre indígenas

de Mato Grosso com os exploradores escravagistas e mineradores se deu ainda

no século XVIII, mas foi somente em 1890 que se instalaram as primeiras

escolas destinadas exclusivamente aos índios. Primeiramente as missões

salesianas atenderam aos Bororo, e em seguida os militares de Rondon tiveram

acesso ao povo Paresi. Foi o próprio Marechal Rondon que criou um internato

para atender os Paresi, que funcionou primeiro na ponte telegráfica da Ponte de

Pedra, e depois seria transferida para a estação telegráfica de Utiariti.

Para o pesquisador

Outras agencias chegaram a Mato Grosso com o propósito de

atuar direta ou indiretamente coma educação indígena. Os

salesianos ampliaram o atendimento aos índios Xavante, e os

jesuítas instalaram-se na região Médio-Norte do estado, onde

fizeram renascer o internato de Utiariti (abandonado pelos

militares), onde fundaram o que viria a ser a última missão

jesuítica junto aos índios, no Brasil. (SECCHI, 2009, p. 56).

Quando Mato Grosso se tornou capitania independente e com Vila Bela da

Santíssima Trindade, a sua capital, fixada à margem do rio Guaporé, foi

necessário utilizar-se de grande contingente indígena para as funções de colono,

de modo a ocupar aquelas terras. É que o Tratado de Madri84, de 1750, previa a

posse uti possidetis, ou seja, era a ocupação humana de território para garantir

terras a Portugal, no embate contra a Espanha.

Na pesquisa realizada por Januário (2004) entre os estudantes Chiquitano

foi constatado que

O Tratado de Madri foi o mais importante tratado firmado entre

Portugal e Espanha que, durante quase três séculos, dirimiu as

contendas entre ambas as cortes, celebrado em Madri, em 13 de

maio de 1750 (Cf. Leite, p. 34). Através do Tratado de Madri,

algumas concessões foram feitas entre as duas coroas no que

tange às povoações ocupadas e regiões de navegação. Através

deste tratado a Colônia do Sacramento ficou pertencendo à

Espanha. Portugal receberia em troca o território dos Sete Povos

84O Tratado de Madrid foi um tratado firmado na capital espanhola entre os reis João V de Portugal e Fernando VI de Espanha, em 13 de janeiro de 1750, para definir os limites entre as respectivas colônias sul americanas, pondo fim assim às disputas.

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das Missões, situado no atual estado do Rio Grande do Sul.

(JANUÁRIO, 2004, p. 77).

E também foi nesse contexto que seria criada a colônia Thereza Cristina,

cuja conformação variou de colônia militar a colônia indígena, e foi uma

tentativa de implantar a educação indígena naquela região, com uma visão

eurocêntrica. A colônia foi criada em 1887, e primeiramente a missão de

educação foi entregue aos militares, e depois aos Salesianos. Houve um fracasso

fragoroso nessa tentativa de evangelização, os povos indígenas não aceitaram os

signos e valores que lhe eram apresentados, rejeitando qualquer espécie de

evangelização.

Superada essa tentativa, reconhece-se que a educação escolar indígena

imposta na perspectiva da colonialidade encontrou resistências e lutas, pois havia

o desejo candente na manutenção de valores e saberes reproduzidos por gerações

no interior daqueles povos indígenas, atingidos e divididos em seu território por

uma razão que lhe era desconhecida: a luta por ampliação de conquistas travada

por dois impérios, o português e o espanhol.

Pesquisando o tema, Pesovento (2012) conclui que

A educação destinada aos povos indígenas naquele contexto,

obviamente, difere da praticada na atualidade, ao menos em

tese. Nem mesmo essa expressão aparecia nos registros

históricos composto de relatórios de presidentes de província,

cartas, memórias, correspondência avulsa, dentre outros.

Todavia, o modelo que se colocava, não estava livre do modo de

produzir conhecimentos criados pelo padrão mundial de poder:

colonial/moderno, capitalista e eurocentrado. (PESOVENTO,

2012, p. 78).

A iniciativa dos aldeamentos que se seguiria depois tinha como

justificativa que os “silvícolas” deveriam ser retirados do convício de seus pares,

pois desse modo seria mais fácil o processo educacional e inserção dos valores de

“civilidade” de acordo com a visão eurocêntrica. Isso significava que deveria ser

desenvolvido o desejo de ambição e de aquisição de bens, tais quais os valores

defendidos pela mentalidade dos invasores.

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Para os “descobridores” os povos originários tinham escassa capacidade

intelectual, falta de raciocínio e excesso de brutalidades, o que seria próprio do

índio e que deveria ser combatido por meio do processo educacional.

Ainda no período colonial, logo após a expulsão dos Jesuítas, o regime de

Missões seria substituído pelo Diretório dos Índios, em 1757, e havia neste

instrumento jurídico a preocupação de conservar os domínios sobre as terras

brasileiras, especialmente na região de fronteira, como era o caso de Mato

Grosso, que no século XX viria a ser desmembrado, com a criação do estado de

Mato Grosso do Sul.

Na pesquisa acima citada narra Pesovento (2012) que

Depois de “pacificados”, os índios eram levados até a Colônia e,

em alguns casos, encaminhados a outras aldeias da província. O

período em que permaneciam na Colônia era até alcançarem os

hábitos dos “civilizados”, apreendendo os exemplos e os modos

de vida para o trabalho. Inculcar-lhes o desejo e a vontade de

participar de uma realidade que não lhes era familiar

culturalmente, era uma das funções do diretor do

estabelecimento. (PESOVENTO, 2009, p. 49).

Semelhantes forças incidiram sobre os povos da Chiquitania, inclusive a

denominação a eles dada foi criada pelo colonizador/invasor. O povo Chiquito ou

Chiquitano surgiu das muitas etnias submetidas ao sistema de reduções

missionárias. A criação das Missões atendia a diversos interesses, entre eles a

necessidade do governador de manter os indígenas sob controle, e de outro

servindo de fortaleza contra incursão dos bandeirantes a partir do território

brasileiro.

Os Chiquitano teriam recebido esse nome dos espanhóis, no século XVI,

quando eram tratados por “los chiquitos” por habitarem casas pequenas e de

portas tão baixas que era necessário se agachar para adentrar em seu interior.

Outra versão a explicar o nome é que o termo “chiquito” seria derivado de

taipiomiri ou tapuymiri, que quer dizer “escravos de coisas pequenas”.

Na pesquisa levada a cabo por Santana (2009) é evidenciado que no atual

território boliviano onde habitava o povo Chiquitano foram fundadas 11 reduções

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e a Missão San Inácio de Zamucos (1717/1723), e 10 iniciativas consideradas

missões de Chiquitos: San Inacio Javier (1692), San Rafael (1696), San José

(1698), San Juan Bautista (1699), Concepción (1699), San Miguel (1721), San

Ignácio (1748), Santiago (1454), Santa Ana (1755) e Santo Corazón (1760).

Com isso,

Os missionários estavam conscientes da enorme

responsabilidade que tinham nas mãos. Imbuídos pelo desejo de

salvação e pela fé, acreditavam ter pela frente trabalho inédito,

em que tudo estaria por se fazer em nome e para a glória de

Deus. (SANTANA, 2009, p. 17).

No lado brasileiro o governo também desejava o auxílio dos Jesuítas,

ainda que houvesse contradição em seus propósitos, conforme revela a carta do

governador Rolim de Moura85 pedindo a vinda dos missioneiros, segundo

reprodução de Pesovento (2012):

[..] Companhia de Jesus ao Brazil vos mande missionários para

lhes administrarem a doutrinação e sacramentos. Igualmente

lhes [...] para administração e qualquer aldeam ou nação que

novamente os descubra, não consentindo que os dissipam os

índios [...] não lhe façam donos ou violência alguma antes se

apliquem todos os meios de suavidade e indústria para a

civilização, doutrinação e tratem em tudo como pede a caridade

christã. (PESOVENTO, 2012, p. 28).

No entanto ao final de 1767 os trabalhos dos Jesuítas foram encerrados,

uma vez que a Companhia de Jesus foi proibida de atuar em Portugal, pois Carlos

III, então Rei da Espanha ordenou a expulsão dos Jesuítas da América. Mesmo

com a saída dos religiosos as missões continuaram funcionando, passando a ser

administradas por outros sacerdotes, formalmente subordinados a um

governador. Não tinham o espírito missionário, por isso lhe foi impossível dar

prosseguimento aos trabalhos.

Atualmente o povo Chiquitano se agrupa em torno das antigas missões e

seringais bolivianos, e com a nova divisão administrativa da Bolívia, em

85Dom Antônio Rolim de Moura Tavares (12 de março de 1709 - 8 de dezembro de 1782) foi governador de Mato Grosso, de 17 de janeiro de 1751 a 1º de dezembro de 1765. Conseguiu nomeação para governador de Mato Grosso em 1749, mas só tomou posse em 1751, após tormentosa a viagem. Expulsou os missionários espanhóis e celebrou alianças com os indígenas.

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Departamentos, Províncias, Municípios e Território Indígena Originário

Campesino, a maior parcela da população pode ser encontrada no Departamento

de Santa Cruz, sendo que a Província de Chiquitos tem como capital o município

de San Jose. Os Chiquitano possuem uma tradição de luta e resistência, pela

capacidade de sobreviver e recriar a sua própria história, ainda que no Brasil não

se registre essa mesma resiliência entre os povos Chiquitano. A divisão e

demarcação desse território remonta à disputa de terras entre Portugal e Espanha,

resolvida pelo Tratado de Madri. Assim, em ambos os lados da fronteira, os

povos indígenas foram utilizados para a garantia e expansão de posses de terras,

e nesse contexto os índios só tiveram importância enquanto havia o risco de

perda de territórios.

O espaço de disputa entre dois impérios colocava os indígenas contidos e

prensados de oeste para leste pelos espanhóis e de leste para oeste pelos

bandeirantes paulistas.

Superado esse momento em que foram instrumentalizados, os Chiquitano

passaram a sofrer perseguição, lhes foram suprimidos territórios e garantias, a

invasão e chegada de colonos com interesses pastoris encurralaram os índios e

diminuíram seus territórios, além da ameaça que passou a lhes representar a

presença das forças do exército.

Em um primeiro momento os Chiquitano foram cooptados e podiam

inclusive frequentar o interior do Destacamento Fortuna, do Exército Brasileiro,

alguns dos jovens eram recrutados porque havia o interesse na proteção e

preservação das fronteiras com o auxílio desta população e de seus

conhecimentos tradicionais. Para assumir as posições dentro do exército os

jovens Chiquitano tiveram que efetuar o registro civil e para alguns deles este é o

único registro de vínculo Chiquitano que restou, uma vez que o sobrenome

tradicional foi inserido na certidão de nascimento.

Ao longo do tempo os Chiquitano foram se tornando invisíveis, tratados

como apátridas em seu próprio solo, sendo tratado como “bugre”, porque não era

completamente índio e nem 100% não-índio.

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Internamente a própria estrutura governamental entrou em contradição,

quanto o Estado de Mato Grosso tinha uma pretensão contrária à União Federal,

que desejava reconhecer o direito dos Chiquitano ao seu território fomentando a

criação da Terra Indígena (TI) Portal do Encantado. Descreve Grando (2012) que

no processo de audiências públicas levados a efeito por autoridades estaduais que

tinham interesse econômico na região e eram contrários à demarcação e criação

da TI, os deputados estaduais promoveram audiência pública visando convencer

a população da região que a FUNAI desejava criar reserva em território brasileiro

para descendentes de indígenas bolivianos.

De acordo com a autora, foi expedida comunicação oficial do governo

estadual de Mato Grosso contrária à criação da Terra Indígena, e segundo de

acordo com as informações existentes os moradores da fronteira e as autoridades

deveriam extravasar “o descontentamento com a proposta da criação a reserva

[...]”. Na citada audiência pública não se fizeram presentes os representantes da

FUNAI, e nem foram convidados indigenistas defensores das propostas.

Educação escolar indígena em Mato Grosso

Não é objeto desta pesquisa recuperar essas importantes informações, mas

não se pode esquecer que o Estado de Mato Grosso teve uma preocupação em

criar uma política de educação escolar para os povos indígenas, e nesse sentido

diversas experiências de formação de professores foram pioneiras e

fundamentais, culminando com a criação de curso superior para formação de

professores indígenas. Esse período de discussão e planejamento foi riquíssimo

porque permitiu ampliação de enfoques do conceito de educação indígena e a

ressignificação desse objeto de política pública.

Buscamos em Secchi (2009) algumas informações compiladas na tese de

doutoramento “Professor Indígena: a formação docente como estratégia de

controle da educação escolar em Mato Grosso”, e que indicam com bastante

precisão o momento em que se deu essa ressignificação do objeto.

De acordo com o pesquisador, o processo resultou na construção de um

novo ator social, o professor indígena, e a oficialização das escolas indígenas,

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com novas relações econômicas, sociais e culturais advindas com o processo de

regularização da instituição escolar no interior das comunidades tradicionais.

Como já mencionado nesta pesquisa, a primeira experiência de educação

indígena em Mato Grosso se deu com as escolas das missões, dirigidas pelos

Jesuítas e depois os Salesianos. Foram instituídas a partir do início do século XX

como política de governo, em parte sustentada pelos orçamentos públicos, e

mantidas com o apoio dos religiosos. Nesse modelo de escola, os professores

eram selecionados a partir de critérios como a competência individual, a

dedicação, a assiduidade e os princípios éticos cristãos.

Na atualidade já se fala na existência de um novo ator social, o professor

indígena, e Secchi (2009) explica argumentando que, no convívio diário nas

aldeias, os professores indígenas acumulavam a condição de membros da

comunidade e de auxiliares educacionais. E em outro momento discorre, em

outra pesquisa, sobre a existência de “educação escolar sem escola”:

Por fim, uma realidade escolar ainda não estruturada

formalmente como escola. Trata-se do processo de aquisição da

leitura e da escrita entre os Enawene-Nawe da região Médio-

Norte de Mato Grosso. Representa, na verdade, um modelo

escolar bastante específico por duas razões peculiares.

Primeiramente, porque a sociedade Enawene-Nawe é uma das

poucas sociedades no mundo, senão a única, que conheceu e

utilizou a produção de filmes e vídeos antes da técnica de leitura

escrita. Em segundo lugar porque é um dos poucos povos do

Brasil que (ainda) não associou a leitura e a escrita à escola,

isso é, aprendeu o código escrito por sua magia, exotismo,

utilidade, ou qualquer outro motivo, mas sempre dissociado da

instituição escolar existente no mundo contemporâneo. [...] o

professor-daraitare não está vinculado oficialmente a nenhuma

instituição externa e, mesmo nas relações internas, o seu

trabalho terá algum significado na medida em que seus saberes

forem coletivamente reconhecidos. (SECCHI, 2009, p. 80).

De acordo com o pesquisador, a segunda modalidade de escola indígena

foi instituída a partir de 1910 junto aos postos indígenas do SPI e depois sob a

entidade sucessora, a FUNAI, se popularizou como “escolas dos postos”. Mesmo

com instalações assemelhadas com aquelas escolas das missões, as condições de

funcionamento eram bastante distintas.

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Naquele período ocorrera decisão da Coroa portuguesa de romper com as

ordens religiosas, de modo que os primeiros professores eram funcionários do

próprio órgão tutor, seus cônjuges ou algum pesquisador que transitava na região

por algum tempo. Essa rotatividade docente limitou a regularidade das atividades

escolares e acarretou frequentes interrupções no processo de ensino-

aprendizagem. Alguns professores indígenas assumiram as escolas e passaram a

cobrar do poder público a oferta de cursos de formação específicos.

A terceira modalidade se refere às escolas das aldeias, agrupamento

composto pelas escolas de pequeno porte, multisseriadas e unidocentes,

localizadas em aldeias com pequeno contingente populacional. Possuem

instalações simples, restringindo-se a uma ou duas salas de aula. Geralmente são

atendidas por professores indígenas locais ou professores de outras etnias e

aldeias vizinhas. São docentes formados ou em formação nas missões, ou em

cursos como o Projeto Tucum, o Projeto Pedra Brilhante-Urucum e as

Licenciaturas Indígenas.

São profissionais contratados a título precário (contrato temporário),

enquanto concluem o ensino médio ou o Curso superior indígena, sendo que na

atualidade alguns já se efetivaram no quadro funcional por meio de aprovação

em concurso público. Esta realidade escolar predominou, especialmente, junto ao

povo Nambikwara. São escolas cuja localização real coincide com os diferentes

locais de residência ou paradeiro do seu professor, tratando-se de modalidade de

ensino adequada ao estilo de dezenas de grupos familiares que se movimentam

no interior de um território, obedecendo a um calendário sazonal ou a situações

emergenciais decorrentes do convívio com o entorno regional.

Há também as “escolas sem escolas”, se tratando do mencionado processo

de aquisição da leitura e da escrita entre o povo Enawene-Nawe, um modelo

escolar bastante específico, pela sua excentricidade, se apreciada com o olhar

eurocêntrico. A formação de professores indígenas para a diversidade,

estabelecida pelo próprio interesse de quem assim queira ser reconhecido,

recebendo o nome de “daraitare”. O interessado informa que pretende se dedicar

ao trabalho docente e é aceito pela comunidade com um rotineiro “awê” (sim,

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está bem) e a partir de então passa a se envolver informalmente com o ensino de

leitura e escrita em aulas informais em residências, acampamentos, ou no centro

da aldeia.

É fácil perceber, apreciadas as modalidades de escolas indígenas em Mato

Grosso, que a pluralidade do perfil de seus professores, o conteúdo dos currículos

e as especificidades de cada um dos povos indígenas reclamam a necessidade de

rever a noção de escola indígena. O professor Darci Secchi entende ser impróprio

referir-se a eles (professores) e a ela (escola) no singular, ante tamanha

diversidade.

Para ele, falar das atuais escolas indígenas sem este cuidado é

desconsiderar os processos instituintes específicos de uma escola salesiana, de

uma escola jesuítica, de uma escola positivista do SPI e da FUNAI, de uma

escola pública do estado e dos municípios, de escolas bíblicas evangélicas, de

escolas autônomas, de escolas alternativas, e assim por diante. Omitir a

diversidade escolar e dos seus professores, tratando-os de modo genérico é

reprisar um passado que suprimiu a identidade de centenas de povos e lhes

impingiu o carimbo de índios, aborígines, silvícolas, bugres, caboclos etc.

A luta pela educação diferenciada representa uma resistência articulada e

inteligente aos modelos até então impostos aos povos indígenas e tem como

marco inicial o movimento indígena dos anos 70 e as inserções havidas no

processo constituinte de 1988, fato que se repete também nos países lindeiros ao

Brasil. As nações mercosulinas passaram por modificações em seus textos

constitucionais em passado recente, no fim do século XX, decorrentes dos

resultados de confrontos políticos e ideológicos, com exceção do Uruguai, cujo

texto constitucional é mais longevo. Todas essas alterações evidenciam um

reconhecimento da necessidade de implantação de um sistema educacional

indígena que prestigie as culturas, tradições e religiosidade desses povos. E que

respeite as diferenças existentes, inclusive no que diga às relações com a terra, à

vida no seio de seus iguais, e à liberdade de expressar livremente a sua

existência. Isso poderia ser sistematizado por meio de um processo educacional

diferenciado, tal como demonstrado por algumas experiências relatadas,

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respeitando a interculturalidade e o processo cultural de educação dos diversos

povos.

Para finalizar, trago a percepção da líder paresi e professora Francisca

Novantino Pinto de Ângelo acerca da educação escolar indígena. Ela pode

sinalizar os caminhos a serem imprimidos nas relações entre países e entre povos

sul americanos que procuram na escola mais um instrumento de luta e de

conquista dos seus projetos de futuro.

A nova educação indígena específica e diferenciada está no

processo de construção cotidiana. A escola que ajuda a conhecer

‘o jeito dos brancos’; a ‘transitar pelas culturas’; a defender o

território’; a ‘pleitear novos espaços’ e a ‘reconstruir o futuro’ é

vista por muitos professores, lideranças e comunidades

indígenas de Mato Grosso como um espaço de liberdade, de

autonomia e de afirmação de seus projetos societários”.

(ÂNGELO, 2009, p. 97).

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CONCLUSÃO

No desenrolar do nosso plano de estudos a pesquisa foi se adequando às

novas informações apreendidas nas disciplinas regulares do Curso de Mestrado,

nas orientações e nos seminários temáticos desenvolvidos pelo Programa de Pós

Graduação. Após a produção de uma versão preliminar do estudo tivemos uma

importante contribuição dos membros da banca de qualificação, que

proporcionaram a generosa oportunidade de fazer a correção dos equívocos que

foram detectados.

A investigação científica se parece com uma paciente análise de material

produzido na pesquisa, a começar pelos resultados das consultas aos trabalhos

publicados pela academia, pois prestigiamos também os saberes já postos ao

crivo de orientações e debates entre os estudiosos da temática indígena.

Passamos pelos textos acerca da educação intercultural e das normas vigentes no

âmbito do Mercosul e, finalmente, nos foi possível apresentar uma versão do

trabalho a ser avaliado pela banca de defesa. Esta ofereceu parecer de aprovação

e finalmente logramos a aprovação.

Superada a imersão para a compreensão dos conceitos antropológicos, de

filosofia e geografia humana, aplicados aos processos de educação escolar

indígena, após a consulta à produção bibliográfica, documental, das

investigações acadêmicas e da produção legislativa, cremos que é possível chegar

a algumas conclusões acerca da pergunta que moveu esta pesquisa: “é possível a

integração do Mercosul sem que haja a participação e o protagonismo dos povos

indígenas?”.

Tudo indica que os impérios coloniais, via de regra, foram movidos pelo

desejo de conquista de terras e outros bens tangíveis, pois ali imperavam os

interesses mercantis e capitalistas, os conquistadores buscavam territórios

desconhecidos e desabitados, onde pudessem explorar as riquezas florestais e

minerais, e avançavam contra as forças que resistiam às suas pretensões

capitalistas. Primeiramente a sedução do uso da força das armas para a conquista

dos incautos indígenas, e em decorrência do fracasso, a dominação usou táticas

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de escravização, seja por meio da força ou com o uso da dominação ideológica

pela fé ou pela educação assimilacionista.

Não foram somente os navegadores europeus que adotaram a tática da

conquista de coisas, de homens e de almas com o uso da força, eliminando os

resistentes ou reduzindo-as à escravização. Aqui demonstramos que o império

Inca também atuava com semelhante modus operandi, subjugando seus

conquistados e lhes impondo seus modos de vida e organização política, além do

sistema legal, protegendo a integridade apenas daqueles que lhe deviam

obediência nos primeiros momentos da tomada de poder. A atuação dos Jesuítas

e Salesianos foi importante na defesa da integridade dos povos indígenas e suas

marcas existem até os dias atuais, as Missões e Reduções foram fundamentais

para a proteção contra as investidas espanhola e portuguesa, como no caso

Chiquitano. E a resistência Guarani, sob a orientação jesuíta, permitiu a

existência longeva de um povo que viveu em sistema político republicano, com

estrutura de gestão, de educação, e uma arquitetura que lhe eram próprias.

De outra parte, as “reduções” e aldeamentos dirigidos pelos religiosos,

bem como a “domesticação” linguística e religiosa tornaram os Guarani em

presas fáceis. Muitos sucumbiram ante a ganância e o interesse de portugueses e

espanhóis, que utilizaram da força das armas para subtrair-lhes o território, as

terras e os metais preciosos.

As fontes bibliográficas confrontadas apontam que a celebração do

Tratado de Tordesilhas em 1494 teria um momento difícil para os povos Guarani

e Chiquitano, cujos territórios se localizavam exatamente na linha imaginária que

dividia a partilha feita pelo tratado entre Espanha e Portugal. Sua segmentação

perdura até os dias atuais.

Com relação à formação dos territórios dos países mercosulinos podemos

concluir que a divisão das fronteiras foi um ajuste de interesses políticos entre as

classes dominantes, se trata de um plano colonial de acumulação de bens e

territórios, em que os governos protegiam o enriquecimento dos coronéis e da

burguesia. Ainda que atualmente se procura construir uma teia de relações

(GEERTZ, 1989) entre países baseados em interesses comuns e unidades de

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objetivos, uma análise mais apurada identifica ávidos interesses capitalistas

nessas iniciativas de integração de mercados que não prevêem a integração das

pessoas e povos que compõem os tais mercados.

O processo de aceitação e tolerância de povos que foram historicamente

rivais demonstra que preexistem experiências indígenas exitosas em táticas de

negociação e mediação que devem ser considerados no Mercosul. A própria

Convenção nº 169 da OIT determina e incentiva o contato e a cooperação dos

povos através das fronteiras, dizendo que os governos locais devem adotar as

medidas apropriadas, os acordos internacionais incluídos, para facilitar essa

cooperação entre povos indígenas e tribais através das fronteiras, inclusive para

as atividades nos setores econômico, social, cultural, espiritual e do meio

ambiente.

As experiências dos povos Guarani, que já viveram sob uma república

“comunista-cristã” e hoje se espalham por diversos países, demonstra que

informalmente já existem contatos entre nacionais de diversas nações

mercosulinas. A Chiquitania, amplo território que foi grande no seu tempo e

cujos remanescentes estão distribuídos em pelo menos dois países, oferece uma

opção e uma estratégia para fomentar o Mercosul, ainda que esses povos

indígenas nunca tenham sido consultados quando a nenhum tratado histórico, e

nem, tampouco, quanto ao Mercosul. Ignorou-se os mais de 817 mil indígenas

brasileiros, ou os 7 milhões de falantes Guarani espalhados pela Argentina,

Bolívia, Paraguai e Brasil. Não foram ouvidos os 10 milhões de falantes

Quéchua, que ocupam territórios da Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia,

Equador e Peru. Se percebe que o interesse desses povos não foi objeto relevante

no processo de criação do Tratado de Ouro Preto em 1994, que instituiu o

Mercosul.

Utilizando a interpretação do Direito comparado, percebemos que há

semelhanças na forma de organização administrativa e política dos 7 países

investigados na pesquisa: Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai, Peru, Venezuela e

Uruguai. Em todos os países as Leis gerais de educação fazem menção às

populações indígenas como sujeitos de direitos, merecedores de uma educação

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diferenciada. É certo que em alguns deles, Bolívia e Venezuela, por exemplo, é

demonstrada maior aderência aos ditames da OIT nº 169. O Brasil também

possui algumas garantias revolucionárias na Constituição Federal para a defesa

dos povos indígenas, previstas nos artigos 231 e 232, mas que estão seriamente

ameaçadas pela Proposta de Emenda Constitucional 215 (PEC 215)86.

É certo que no plano constitucional algumas nações possuem sistemas de

proteção bastante avançados, zelando pela proteção dos costumes e educação dos

povos indígenas, como, por exemplo, a Constitución Política Del Estado

Plurinacional de Bolívia e a Constitución de la República Bolivariana de

Venezuela que elevaram a língua indígena à categoria de idioma oficial em seus

territórios. Além da OIT nº 169 pesa a densidade populacional de povos

indígenas nestes países, os quais alcançaram representação política nas esferas de

decisão do governo.

Em direção oposta estão países como o Uruguai, cujo texto normativo é

escasso no que se refere à atenção para com os povos indígenas, ainda que

naquele país tenha sido identificado o fenômeno dos “índios ressurgidos” em

tempos recentes, materializado em pesquisa demográfica onde cerca de 5% da

população já se auto identifica como indígena. Isso dá razão a Ribeiro (1978)

quando classifica o Uruguai como uma nação de Povos Transplantados, assim

como o é a Argentina, em decorrência de serem esses países formados por grande

contingente migratório europeu, cuja massa humana manteve os hábitos e

costumes originais no território mercosulino aonde se acomodariam. Curioso

constatar que no Peru a educação é gratuita para os alunos desafortunados, mas

se exige bom rendimento escolar para fazer jus à gratuidade, e quanto à

interculturalidade a norma interna prevê o “direito” dos povos indígenas de se

expressarem em seu próprio idioma.

Os pontos de convergência nas normas que tratam sobre educação

indígena são infinitamente mais numerosos e relevantes do que as divergências

que impedem os avanços dos acordos do Mercosul, eis que estes se basearam

massivamente em interesses capitalistas, tratando da livre circulação de coisas,

86Disponível em: <http://www.cimi.org.br/pec2015/cartilha.pdf>. Acesso em: 01 de jun. 2017.

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primeiramente, e de pessoas com interesses negociais em seguida, como pilares

do bloco mercosulino. No entanto entre as ações previstas pelo Tratado do

Mercosul está a unificação de legislação para proteger o que se entende por

segurança jurídica, e no tange à educação escolar indígena inadvertidamente

isso já foi feito.

As experiências exitosas nos programas de educação escolar de povos

indígenas em todo o Brasil, bem como as dificuldades apresentadas no dia-a-dia

do ensino bilíngue, demonstram ser possível a aproximação entre os países

mercosulinos com a ampliação dos debates sobre os interesses indígenas, a partir

da educação escolar intercultural. Ficou evidente que o Estado de Mato Grosso,

no Brasil, e a Província de Chiquitos no Departamento de Santa Cruz, na Bolívia,

possuem interesses comuns, dadas às características da população Chiquitana. Já

os Guarani estão espalhados pelos territórios de diversos países mercosulinos e

uma integração entre essas nações passaria por atender aos desejos desta parcela

societária.

Ainda quanto ao povo Chiquitano que vive no Brasil e seus parentes

domiciliados na Bolívia, resta claro que são atores da mesma história, possuem

identidade de raízes, culturas e interesses, e esta conclusão pode ser aplicada aos

demais países e povos indígenas pesquisados. Os povos indígenas não foram

ouvidos no processo de criação do Mercosul, mas o protagonismo indígena é

identificado no debate de processos de criação dos sistemas de educação, ainda

que timidamente. Nesse sentido, as estratégias adotadas pelos povos xinguanos

para organizarem seu sistema de educação escolar pode servir de exemplo de

como o protagonismo indígena e a tolerância na convivência entre povos

diferentes, podem trazer resultados promissores também para o Mercosul.

O fato de haver indício de preocupação governamental com educação

indígena, demonstrado no espaço mercosulino em alguns momentos, permite um

protagonismo indígena tendo por eixo as Relações Interculturais do Cone Sul, a

Educação Libertadora do Cone Sul ou a instituição de uma Câmara Temática

Indígena do Cone Sul. O lançamento do debate sobre um Mercosul Indígena já

demonstrou que isso é possível, e seria um “rito de passagem” para objetivos

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maiores e mais ousados, onde os povos indígenas influenciariam nas decisões

sobre o seu futuro, e contribuiriam com Mercosul com suas tradições e

conhecimentos.

Por fim, cremos que é imprescindível o protagonismo indígena no

processo de discussão do Mercosul, sob risco de se tornar apenas um Tratado

sobre mercados e mercadorias, não levando em consideração os valores humanos

presentes nesses países. Ao não incorporar ao debate os povos indígenas, que são

titulares de conhecimentos sobre território, florestas, medicina e nas relações

entre os diferentes, o Mercosul perde em informações e conteúdos que poderiam

ser socializados entre os países parceiros.

Considerando que nos 7 países pesquisados há muita semelhança nos

textos das normas internas que tratam de educação e de educação para o

indígena, o marco inicial para a agregação de mais interesses e assuntos ao

Mercosul já existe, e a consagração do espaço mercosulino como um locus de

tolerância e respeito à multiculturalidade pode se tornar algo tangível, havendo

vontade política dos gestores públicos e dos governos mercosulinos.

Portanto é forçoso concluir que a consolidação do Mercosul poderá

ocorrer com muito mais legitimidade quando as nações e seus governantes

aceitarem o indígena mercosulino como um ator a mais no processo de

consolidação do Tratado, e internamente as normas domésticas sobre educação

escolar indígena sejam efetivamente implantadas, e implementadas as políticas

de valorização dos saberes, cultura e da visão cosmológica dos povos indígenas.

É possível a consolidação do Mercosul sem o protagonismo indígena? A

resposta é negativa. Cremos que a consolidação do espaço mercosulino se

viabiliza a partir do momento em que os estados nacionais decidirem reconhecer

os povos indígenas como sujeitos de direitos. Isso inclusive pode compensar em

parte o longo processo de invisibilização, marginalização e violência que vitimou

a população indígena. Na medida em que as leis de educação dos 7 países

pesquisados já veiculam regras que lhes são comuns, deduz-se que o

protagonismo indígena facilita a consolidação do Tratado do Mercosul. A

coincidência da legislação sobre educação escolar indígena é o primeiro passo.

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Quiçá, novos atores surgirão nesse caminhar e apontarão sendeiros com

integração econômica e política, mas também cultural, étnica humanitária entre

os povos ameríndios.

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