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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM LEILA FIGUEIREDO DE BARROS A AUTORIA NAS PRODUÇÕES DE CRÔNICAS DA OLIMPÍADA DA LÍNGUA PORTUGUESA: UM OLHAR ENUNCIATIVO-DISCURSIVO CUIABÁ-MT 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

LEILA FIGUEIREDO DE BARROS

A AUTORIA NAS PRODUÇÕES DE CRÔNICAS DA OLIMPÍADA DA LÍNGUA PORTUGUESA: UM OLHAR ENUNCIATIVO-DISCURSIVO

CUIABÁ-MT 2012

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LEILA FIGUEIREDO DE BARROS

A AUTORIA NAS PRODUÇÕES DE CRÔNICAS DA OLIMPÍADA DA LÍNGUA PORTUGUESA: UM OLHAR ENUNCIATIVO-DISCURSIVO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso como exigência parcial para a obtenção do título de mestre em Estudos da Linguagem, sob orientação da professora Dra. Simone de Jesus Padilha.

CUIABÁ-MT 2012

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Dados Internacionais de Catalogação na Fonte

B277a Barros, Leila Figueiredo de. A autoria nas produções de crônicas da Olimpíada da

Língua Portuguesa : um olhar enunciativo-discursivo / Leila Figueiredo de Barros. – 2012.

167 f. : il. color. ; 30 cm. Orientadora: Simone de Jesus Padilha. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato

Grosso, Instituto de Linguagens, Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, 2012.

Inclui bibliografia. 1. Crônicas – Autoria das produções. 2. Crônicas –

Olimpíada da Língua Portuguesa. 3. Produção de textos – Alunos. 4. Crônica – Produção escrita. 5. Dialogismo. I. Título.

CDU 808.1:[82-94:371.275]

Ficha Catalográfica elaborada pelo Bibliotecário Jordan Antonio de Souza - CRB1/2099

Permitida a reprodução parcial ou total desde que citada a fonte

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Dedico esta dissertação de Mestrado a memória de meu

querido pai, Antonio Nazareth de Barros.

“Neste momento, alguém gostaria de estar conosco e está

ausente, mas as lembranças e sua presença, o som de sua voz

sopra suave na memória, no murmúrio triste de lamento e

saudade”. Você se foi num adeus eterno; mas está aqui

lembrado, presente, eterno!

E a um brilhante professor que tive na graduação em Letras,

José Antonio Marques Pereira, pessoa maravilhosa que me

trouxe os primeiros contatos com os estudos linguísticos,

mostrou que linguística não se restringe apenas em abstrações

da linguagem, mas que todos somos sujeitos ativos e reflexivos

na sociedade. Era um bakhtiniano por natureza, mesmo sem

mencionar a teoria de Bakhtin, se constituía de um discurso

dialógico e interacional. Lembranças eternas! (In memorian)

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AGRADECIMENTOS

Primeiro agradeço a Deus, que desde o início de minha caminhada, esteve comigo. “Dia e noite passaram. Vitórias foram conquistadas. Derrotas foram superadas. Amizades foram criadas. Conhecimentos foram adquiridos. Diante desse diálogo constante, Vim te louvar, te agradecer e te oferecer, humildemente, a vida, o amor, a felicidade. Enfim, a vitória deste momento”.

À professora Dra. Simone de Jesus Padilha (UFMT), que me acompanhou durante este percurso e soube ser, ao mesmo tempo, rigorosa e terna, como convém a quem aposta no crescimento do outro. Pessoa maravilhosa que nasceu com o dom de ensinar e contagiar com a sua busca por novos conhecimentos, que contribuiu, significantemente, para os resultados desta pesquisa.

À professora Dra. Maria Inês Batista Campos (USP) pelas contribuições valiosas no exame de qualificação e pela credibilidade depositada em meu trabalho. Obrigada pelos diálogos que me deixou mais consciente, crítica e reflexiva.

À professora Dra. Icléia Rodrigues de Lima e Gomes (UFMT) pelas leituras e comentários relevantes no exame de qualificação, por me fazer ampliar o olhar nas questões científicas metodológicas e midiáticas. Obrigada por ter gentilmente aceito o convite para participar da minha banca. Aos professores do Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem, Ana Antonia, Sérgio Flores, Solange Papa, Simone Padilha, Maria Rosa, Maria Inês, Cláudia Graziano, Elias, Danie; os quais tive a honra de poder compartilhar de seus conhecimentos teóricos, seja durante as disciplinas cursadas, os seminários ou os colóquios a que assisti. Obrigada pelas interações! Aos colegas do Grupo de Estudo Rebak — Shirlei, Lezinete, Viviane, Anderson, Leni, Rute, Eliana, Diego, Angélica, Sebastiana (Tiana), Jefferson, Iara, Neiva, Dinaura, Thiago, por construirmos uma grande amizade no decorrer desta jornada e aprendermos juntos um pouco mais sobre Bakhtin. Aos amigos da Pós-Graduação: Anderson, Ana Regina, Ana Maria, Ana Raquel, Verônica, Everton, Fernando, Miriã, Perla, Graziane, Juliana, Angelita, Viviane, pelos diálogos que marcaram nossos encontros e pela amizade que permanece. Aos meus amigos da Secretaria de Estado de Educação (Seduc), em especial, a Coordenadoria de Educação Escolar Indígena - Antonina, Bernadete, Eronilda, Fátima Resende, Félix, Letícia, Sebastião, Portela, Suelen, (Nana da equipe de Eventos) pela torcida, compreensão e pelo incentivo.

Aos meus amigos da Escola Estadual Pascoal Ramos, lugar em que trabalhei grande período da minha vida - Angela Regina, Alfredo, Beatriz, Bárbara, Dilma, Izabel, João Paulo, Maria Pereira, Marilene, Nana, Neuza,Valdemar, Wilian, pela força, pelo incentivo e pelo carinho.

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Aos Irmãos que são amigos e aos amigos que são como irmãos:

“Agradecer é admitir que houve um momento em que se precisou de alguém: é reconhecer que um homem jamais poderá lavrar para si o dom de ser auto-suficiente. Ninguém cresce sozinho, sempre é preciso um olhar de apoio, uma palavra de incentivo, um gesto de compreensão, uma atitude de amor”. A vocês, Angela Regina, Antonina, Beatriz, Dilma, Euzilene, Fabiana, Francis, Henriques, Izabel, Janisse, Lezinete, Lesliê, Leni, Lourdes, Michella, Sebastiana (Tiana), Shirlei, Viviane, Wilian. À meu namorado Jivanildo Novais, pela paciência, compreensão e pelo carinho dedicado. Aos meus amigos Anderson e Viviane, mesmo depois de superarmos mais uma etapa de nossas vidas jamais perderemos o título de sermos eternamente “Simonetes”. Obrigada por aprendermos juntos. E como dizia Fernando Pessoa: “... tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Realmente tudo o que passamos valeu à pena. Obrigada! À minha grande amiga Lezinete, por rever meu trabalho, comentar, estudar comigo e apresentar críticas importantíssimas para que eu melhorasse e afinasse meu olhar como pesquisadora. Lezi, você foi mais que uma amiga, uma verdadeira irmã. Obrigada! À minha querida amiga Shirlei, por ouvir minhas angústias, por estudar comigo, por compartilhar seu conhecimento amplo e teórico, por me fazer compreender o que, muitas vezes, parecia incompreensível. Você me proporcionou grandes aprendizagens e me fez também afinar meu olhar como pesquisadora. Obrigada!

Angela Regina Lana Pinto gostaria de encerrar esses agradecimentos com você, pois sem o seu apoio e suas palavras de incentivo, nada disso existiria, foi você que acreditou em mim desde o início e me fez acreditar que seria capaz de fazer o mestrado e de ser pesquisadora. Obrigada!

Aos aqui não nomeados, mas que contribuíram, de alguma forma, com os construtos desta pesquisa, muito obrigada!

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RESUMO

O presente trabalho tem como propósito apresentar nossa pesquisa de Mestrado, que investigou a autoria nas crônicas produzidas por alunos do 9o ano do Ensino Fundamental e 1o ano do Ensino Médio participantes do projeto Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro (OLPEF). Para sua realização, selecionamos o Caderno do professor “A Ocasião faz o escritor”, da 2a edição do ano de 2010, a fim de analisarmos qualitativamente a base teórico-metodológica assumida como modelo didático do gênero crônica e como esse modelo discute e apresenta a discursividade, e um corpus de dez crônicas finalistas produzidas pelos alunos participantes do projeto. A Olimpíada originou-se do programa Escrevendo o Futuro, desenvolvido pela Fundação Itaú Social entre 2002 e 2006. Atualmente, é realizado em parceria do Ministério da Educação com a Fundação Itaú Social e o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). As atividades do projeto da Olimpíada ocorrem de maneira distinta, pois, nos anos ímpares, há formação de professores e, nos pares, realização de um concurso de produção de textos com alunos de escolas públicas de todo país, cujos gêneros selecionados são poemas, memórias literárias, crônicas e artigos de opinião. Nesse contexto, consideramos pertinente analisar como o material da Olimpíada de Língua Portuguesa encaminha o projeto de ensino para o gênero crônica, uma vez que estudar um gênero de natureza social híbrida e ver como ele permite versar sobre aspectos sociais altamente complexos a partir do olhar singular do cotidiano é relevante para as práticas escolares, além de representar um estudo de materiais didáticos alternativos que têm adentrado o espaço escolar ultimamente. Nossas reflexões e análises estão ancoradas na teoria enunciativo-discursiva de abordagem sócio-histórica do círculo de Bakhtin (1919,1924, 1929, 1952-1953) e na teoria de ensino-aprendizagem de Vigotski (1934). Além disso, fizemos um breve retrospecto sobre a produção textual para entendermos o processo de didatização do texto nas aulas de língua portuguesa e sobre alguns conceitos da escola de Genebra. À luz da teoria enunciativo-discursiva, buscamos compreender, de um lado, o tratamento didático do material para a crônica, pois o objetivo desse material é formar um aluno autor para esse gênero e, de outro lado, a discursividade nas crônicas para que pudéssemos observar de que forma os alunos constituíram-se como autores. Em nossa análise, constatamos que o Caderno da Olimpíada dialoga com o discurso oficial (PCNLP, OCEM, MEC) e as atividades não oportunizam ao aluno uma formação suficiente para que seja um sujeito-autor de crônica. Essa lacuna pôde ser observada nas produções, porque, ao analisarmos as produções, os alunos não conseguiram ser autores de crônica literária, mas de textos diversos, configurando gêneros outros. Concluímos, ainda, que o material enfoca o gênero crônica como gênero literário, contudo, acreditamos que a perspectiva discursiva pode possibilitar aos alunos uma visão mais ampla acerca da crônica, como um objeto do discurso, que é multifacetado, dada sua natureza híbrida e oportunizando uma formação mais cidadã ao alunado. Palavras-chave: Olimpíada, Crônica, Aluno, Autoria, Dialogismo.

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ABSTRACT This present paper aims to show our research Masters, as investigation about the authorship in the book produced by students in the elementary school in the third grade and freshman from High School project participants in the Olympics Portuguese Language Writing the Future (OLPEF). For this achievement, we selected the teacher's Notebook "The occasion is the writer, " the second edition of 2010 in order to analyze qualitatively the theoretical and methodological base taken as didactic model of gender and chronic discusses how this model and shows the discourse, and a corpus from ten finalists chronicles produced by students who participated in the project. The Olympic is originated from Writing the Future program, developed by Itaú a Social Foundation between 2002 and 2006. Currently, it is a partnership of the Ministry of Education with the Itaú Social Foundation and the Center for Studies and Research in Education, Culture and Community Action (Cenpec).The activities from the project of the Olympics occur in different ways because, in odd years, there are teacher training and, in even, is holding a competition to produce texts with students from public schools in entire country, whose poems are selected genres, memories literature, essays and opinion pieces. In this context, we consider as relevant to examine how the material of the Portuguese Language Olympic forwards the teaching project for the chronic gender, as a genre studying a hybrid of social nature and see how it allows the social aspects relate to highly complex from the natural look is relevant to everyday school practices, and represents a study of alternative learning the tools that have been received by the schools lately. Our thoughts and analyzes are grounded in the theory of enunciative-discursive socio-historical approach of the Bakhtin circle (1919.1924, 1929, 1952-1953) and teaching-learning theory of Vygotsky (1934). Besides this, we present a brief review on the production of texts for understand the process of didactization from the text in Portuguese language classes and some concepts of the Geneva school. Under the light of the enunciative-discursive theory, we search to understand, one side, the didactic material for the chronicle, for the purpose of this material is to form a student author for this genre and on the other side, the discourse in the book so in this way we could observe how students established themselves as real authors. In our analysis, we found that the Book of the Olympics dialogue with the official (PCNLP, OCEM, MEC) and the activities do not give the students enough training to be a subject-author of chronic. This gap could be observed in production, because, by analyzing the productions, students could not be authors of literary chronicle, but many texts, setting from other genres. We also conclude that the material has been focused on the genre as a literary chronicle, however, we believe that the discursive approach can provide students a broader view about the disease, as an object from discourse, that is multifaceted, because of its hybrid nature and giving more opportunities and training to students. Keywords: Olympiad, Story, Student, Author, Dialogism.

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RÉSUMÉ

Le présent travail a comme objectif présenter notre recherche en Master qui a enqueté l'écriture dans les chroniques produites par les élèves du 9ème année du Collège et le premier année du Lycée, participants du Projet Olympique de Langue Portugaise “En écrivant l’Avenir” (OLPEF).Pour la réalisation, nous avons sélectionné le Cahier du Professeur “ L’occasion fait l’ écrivant”, de la deuxième édition de l’année 2010, avec le but d’évaluer de façon qualitative la base théorique choisi comme modèle didactique du genre de la chronique et comment ce modèle se décrit et présent le discurs dans un corpus de dix meilleurs chroniques écrites par les élèves participants du projet.Ce concurs olympique est originaire du programme “En écrivant l’Avenir”, développé par la Fondation Itaú Social entre 2002 et 2006.Actuellement, est réalisé par le Ministère de l’Éducation en partenariat avec la Fundation Itaú Social et le Centre d’Études et Recherches en Éducation, Culture et Action Communitaire (Cenpec). Les activités du projet Olympique se réalisent de manière distinguée, dans les années impaires, il y a la préparation de professeurs et, dans les par, la réalisation d’un concours de production de textes avec les élèves des écoles publique de tout le pays, auquel les genres sélectionnées sont poèmes, mémoires littéraires, chroniques et articles d’opinion. Dans ce contexte, nous considéront important analyser comment le matériel Olympique de Langue Portugaise directionne le projet d’enseignement pour le genre chronique, une fois qu’étudier un genre de nature social hybride et voir comment il permet montrer sur les aspects social extremement complexe a partir du regard singulier du jour à jour est revelateur pour les pratiques scolaire, en plus, de répresenter de matériels didactiques alternatives que dernièrement, ont du espace scolaire. Nos reflexions et analyses sont lié à la théorie énoncé du discurs d’approche social-historique du cercle de Bakhtin (1919,1924, 1929, 1952-1953) et dans la théorie de l’enseignement et apprentissage de Vigotski (1934). A part cela, nous avons fait un bref retrospecto sur la production textuel pour comprendre le processus didactique du texte dans les cours de langue portugaise et sur quelques concepts de l’école de Genève. À la lumière de la théorie énoncé discursive, nous cherchons apprendre, d’une côté, le traitement didactique du matériel pour la cronique, pourtant, l’objectif de ce matériel est de donner aux élèves une formation d’auteur pour ce genre et, d’autre côté, le discurs dans le chroniques pour que nous puissions observer dequel forme les élèves deviennent des auteurs. Dans notre analyse, nous avons constaté que le Cahier Olympique a un dialogue avec le discurs oficiel (PCNLP, OCEM, MEC) et les activités ne donnent pas au élève une formation sufisante pour qu’il soit un sujet-auteur en chronique. Cette lacune peut être observé dans les productions, parce que, en analisant les productions, les élèves n’ont pas réussi a être des auteurs de chronique littéraire, mais de textes divers, en résultant ainsi genre “autres”. Nous avons conclu, bien que le matériel est du genre chronique comme du genre littéraire, nous croyons que la perpective du discurs peut possibiliter aux élèves une vision plus vaste par rapport les chroniques, comme un objet du dircurs, que présent de différentes facettes , donné à sa nature hybride et en donnant l’opportunité d’une formation plus citoyenne aux étudiants.

Mots Clef: Olympique, Chronique, Élève, Auteur, Dialoguiste

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12

CAPÍTULO I .............................................................................................................. 16

O Círculo de Bakhtin e a arte da palavra viva ........................................................... 16

1.1 Ética e estética: para pensar a criação dos discursos ..................................... 18

1.2 O dialogismo e as vozes bakhtinianas: princípios .............................................. 27

1.3 Gêneros discursivos e a autoria .......................................................................... 34

CAPÍTULO II ............................................................................................................. 41

O Ensino-Aprendizagem de Língua Portuguesa: Um olhar para a produção escrita 41

2.1 Escrita, diferentes perspectivas através do tempo, dentro dos estudos

linguísticos e da Linguística Aplicada ........................................................................ 43

2.2 A escrita nos PCNLP ........................................................................................... 48

2.3 Escrita e Autoria .................................................................................................. 53

2.4 Teoria Vigotskiana: Um enfoque sócio-histórico ................................................. 57

2.4.1 Vigotski e a escrita ........................................................................................... 60

2.4.2 Bakhtin e Vigotski na releitura da Escola de Didática de Genebra ................... 63

2.4.3.1 Os didáticos genebrinos e o gênero como megainstrumento ........................ 64

2.4.3.2 O gênero como megainstrumento e as capacidades .................................... 65

CAPÍTULO III ............................................................................................................ 68

Metodologia da pesquisa: compreendendo os dados ............................................... 68

3.2 A base metodológica para a coleta dos dados .................................................... 75

3.3 O primeiro corpus: o Caderno “A ocasião faz o escritor” ..................................... 77

3.4 O segundo corpus: as produções de crônicas dos alunos .................................. 79

3.5 A base metodológica para análise dos dados ..................................................... 81

CAPÍTULO IV ............................................................................................................ 83

A Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro: Um Olhar sobre o caderno

de crônicas “A ocasião faz o escritor” ....................................................................... 83

4.1 O Gênero Crônica ............................................................................................... 84

4.2 Da teoria à metodologia do Caderno “A ocasião faz o escritor” ...................... 96

4.3 Análise das Atividades do Caderno “A ocasião faz o escritor” .......................... 108

CAPÍTULO V ........................................................................................................... 130

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Um olhar sobre as vozes e a autoria na produção escrita de crônica da Olimpíada de

Língua Portuguesa .................................................................................................. 130

5.1 “O que nos dizem os textos dos alunos?”: apontamentos ................................. 132

5.2 Os textos dos alunos: entre o proposto e o realizado ....................................... 136 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 166

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 174

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INTRODUÇÃO

A Academia, as diversas instituições de ensino, as Secretarias de Educação,

a partir da década de 80, perceberam uma necessidade de estudar e agregar

conhecimento sobre as políticas públicas educacionais, que apresentam um olhar no

fazer da contemporaneidade. Nesse sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais

(PCN) propõem redimensionamento em torno dos objetos de ensino previstos para a

Língua Portuguesa. Tal documento orienta os professores a compreender que o

ensino de português, por exemplo, não está voltado apenas para o ensino de regras

gramaticais, de produção textual apoiada apenas na tipologia ou mesmo centrar os

estudos em apenas um determinado gênero discursivo, mas que ele está

direcionado para as práticas sociais, nas quais os alunos deverão saber mobilizar

todo conhecimento adquirido na esfera escolar, por considerar que cabe à escola

oportunizar ao aluno uma formação cidadã, autônoma.

É importante salientar que apesar dos esforços envidados pelas políticas

públicas de ensino em prol da melhoria do ensino-aprendizagem da leitura e da

escrita, a escola contemporânea ainda não conseguiu sequer fazer com que os

alunos superassem dificuldades básicas ligadas ao domínio de estruturas mínimas

da língua escrita como normalização, comunicação e textualização quanto mais

dificuldades complexas como a tomada de uma postura dialógica, ancorada na

interação, na compreensão e na resposta ativa, que lhes permitiriam alçarem-se

autores de seus próprios textos.

Acreditamos que a linguagem é a mediadora para as diferentes práticas de

interlocução que o indivíduo estiver inserido. Dessa forma, a escola é o lugar onde

será possível mostrar aos alunos a importância do contexto de produção, recepção e

circulação para a compreensão dos enunciados concretos.

O estudo da natureza dos enunciados e dos gêneros discursivos é, segundo parece, de importância fundamental para superar as concepções simplificadas da vida do discurso, do chamado “fluxo discursivo”, da comunicação, etc., daquelas concepções que ainda dominam a nossa linguística. Além do mais, o estudo do enunciado

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como unidade real da comunicação discursiva permitirá compreender de modo mais correto também a natureza das unidades da língua [...] o ouvinte ao perceber e compreender o significado do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou discorda dele ( total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-o para usá-lo[...] (BAKHTIN,2010, [1952-1953/1979] p. 269-271).

Assim, a comunicação passa por uma unidade real e não como algo

convencional ou abstrato. Em vista disso, dizemos que nosso estudo busca

ressignificar, por meio da linguagem, o encontro do eu com o outro, procurando

compreender as vozes sociais que se fazem presentes nas diferentes relações

dialógicas entre o “eu” e o “outro”, precisamente, nas produções escritas dos alunos

e no material da Olimpíada da Língua Portuguesa, que tomamos como objetos de

investigação.

Ao assumirmos a interação social como concepção de linguagem, buscamos,

nesta pesquisa, analisar o referido material didático destinado a formação de alunos

autores, o qual, em certa medida, atende aos pressupostos dos PCN de Língua

Portuguesa (BRASIL, 1998) e as produções desses alunos, resultados da aplicação

do referido material. Esse material é o Caderno da Olimpíada “A ocasião faz o

escritor” destinado ao professor, cujo propósito é tornar os alunos autores de crônica

literária.

A Olimpíada originou-se do programa Escrevendo o Futuro, desenvolvido pela

Fundação Itaú Social entre 2002 e 2006. Atualmente, é realizado em parceria do

Ministério da Educação com a Fundação Itaú Social e o Centro de Estudos e

Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), cujo investimento

está em torno de 16 milhões e, no ano de 2008, ocorreu a primeira edição dessa

parceria em que seis milhões de alunos participaram. O projeto da Olimpíada é

bianual, quer dizer, nos anos ímpares, há formação de professores e, nos pares,

realização de um concurso de produção de textos dos seguintes gêneros: poemas,

memórias literárias, crônicas e artigos de opinião. Todos elaborados por alunos de

escolas públicas de todo o país. Durante o ano de premiação, os professores

recebem material de apoio para a realização de oficinas com os alunos em sala de

aula. A Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro ( OLPEF) é um

programa que desenvolve formações de educadores presenciais e a distância,

promove um concurso de textos, no qual alunos, professores e escolas são

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premiados. Os alunos recebem prêmios como ( medalhas, livros e computadores)

por conta de suas produções. Os professores e suas respectivas escolas dos

autores dos textos vencedores também são premiados com os mesmos benefícios.

O Centro de Estudo e Pesquisa em Educação, Cultura e Ação Comunitária

(Cenpec) é o responsável pela coordenação técnica do projeto, pela elaboração dos

materiais, pela política de formação dos professores, entre outros. Desse modo, o

Cenpec busca o desenvolvimento de habilidades e competências com foco no

professor e também acredita que, por meio da ampliação do conhecimento por parte

de professores, os quais estarão bem preparados, esses docentes poderão

contribuir para o aprimoramento do ensino da escrita.

Para a elaboração do material da referida Olimpíada, a equipe realizou várias

pesquisas abarcando o que melhor se adequasse à realidade brasileira. Nesse

contexto, escolheram o modelo didático da Escola de gêneros de Genebra que

apresenta várias propostas de sequências didáticas1 para o ensino de atividades

escritas.

Nosso interesse em investigar o referido material e as produções dos alunos

deve-se às práticas cristalizadoras em torno do processo da escrita. Sabemos que a

produção escolar, em boa medida, fica restrita à sala de aula, cujo objetivo é

escrever, exclusivamente, para o professor. Dessa forma, o texto fica marcado pelo

monologismo, uma vez que não há um contexto de produção definido, que possa

orientar o querer dizer do aluno.

Considerando que tal material busca uma prática diferenciada para a

produção de texto, uma vez que o projeto de ensino dos Cadernos da Olimpíada

está organizado com base na metodologia da sequência didática. Essa metodologia

está fundamentada nas ideias didáticas da Escola Didática de Genebra, cujos

principais representantes no Brasil são o genebrino Schneuwly e o espanhol Dolz

(1994, 1996, 1997, 1998, 2001).

Assim, para compreensão de nosso estudo, esta pesquisa está dividida em

cinco capítulos.

1 É um conjunto de atividades ligadas entre si, planejadas para ensinar um conteúdo etapa por etapa.

Esse trabalho almeja que os alunos cheguem gradualmente ao domínio de determinado conteúdo ou competência. (fonte material Pontos de vista).

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No capítulo 1, O Círculo de Bakhtin e a arte da palavra viva, são

apresentados conceitos relevantes ao nosso trabalho, dentre eles, ético e estético, o

dialogismo e as vozes bakhtinianas, gêneros discursivos e a autoria.

O capítulo 2, O Ensino-Aprendizagem de Língua Portuguesa: Um olhar para a

produção escrita, apresenta um panorama histórico acerca dos estudos da

Linguística e da Linguística Aplicada em relação à produção textual. Posteriormente,

discorremos sobre a teoria de Vigotski e finalizamos nosso estudo com a escola de

Genebra.

No capítulo 3, Metodologia da pesquisa: compreendendo os dados, é o

momento em que expomos o percurso de nossa pesquisa, os objetivos e as

questões de pesquisa, como também nossos corpora.

O capítulo 4, A Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro: Um

olhar sobre o caderno de crônicas “A ocasião faz o escritor”, analisará o material

destinado ao professor para trabalhar e orientar a produção de crônica para o aluno

do 9o ano do Ensino Fundamental e 1o ano do Ensino Médio.

No capítulo 5, Um olhar sobre as vozes e a autoria na produção escrita de

crônica da Olimpíada de Língua Portuguesa, apresentamos a análise das crônicas

dos alunos que participaram da Olimpíada de Língua Portuguesa. Neste capítulo,

buscamos desvelar se os alunos conseguiram alçarem-se autores de suas

produções. E, por fim, apresentamos nossas considerações finais.

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CAPÍTULO I

O Círculo de Bakhtin e a arte da palavra viva

O enunciado concreto (e não a abstração linguística) nasce, vive e morre no processo da interação social entre os participantes da enunciação. Sua forma e significado são determinados basicamente pela forma e significado e caráter desta interação (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1926).

Neste capítulo 1, nosso objetivo é discorrer e refletir sobre alguns conceitos

do círculo de Bakhtin, pertinentes para pensar nosso objeto de pesquisa — a autoria

em textos de crônicas de alunos do ensino fundamental e médio de escolas

públicas, as quais foram escritas para o concurso de produção textual da Olimpíada

de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro (2010). No bojo da concepção de

linguagem bakhtiniana, interessa-nos de perto os conceitos de ética e de estética e

de gêneros do discurso, com base nos quais retiramos nossas categorias de análise

como o dialogismo, as vozes e a autoria.

Para pensar a concepção de linguagem do círculo de Bakhtin, partimos de

uma asserção bastante clara presente nos escritos do grupo de que a realidade

fundamental da linguagem é a interação verbal. Por isso, a obra do círculo é

considerada um pensamento inovador e complexo, pois pensa a linguagem do ponto

de vista de seu uso real e não do ponto de vista ideal pensado por muitos

representantes da linguística formal e pelos gramáticos tradicionais.

A construção da concepção de linguagem como um fenômeno de natureza

concreta sustenta-se em contraposição, de certa forma, às proposições da

lingüística e da estilística tradicional, cujos pensamentos acerca da linguagem são

formulados de um ponto de vista abstrato e idealista respectivamente, denominados

pelo círculo de objetivismo abstrato e subjetivismo idealista.

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A oposição do círculo de Bakhtin a essas duas formas de pensamento

linguístico recai principalmente sobre o fato de, por um lado, os representantes do

objetivismo abstrato desprezarem o papel do falante ao supervalorizar as formas da

língua como um enunciado neutro relacionado a um sistema linguístico autônomo e,

por outro lado, os propositores do subjetivismo idealista subestimarem a natureza

social da interação verbal em prol da expressão individual.

Com base na recusa dos dois tipos de pensamento acima apresentados, de

forma bastante sintética, o círculo de Bakhtin propõe, em contrapartida, uma

abordagem dinâmica e concreta da linguagem, apresentada como um fenômeno

complexo, pois é constituída pela articulação de diferentes pontos de vista: histórico,

sociológico, ético, ideológico e dialógico. Isso porque, a verdade da linguagem é o

seu acontecimento social por meio da interação verbal concretizada em enunciados

reais que respondem valorativamente a outros enunciados passados, presentes e

futuros numa postura responsável. Por isso, em “Marxismo e Filosofia da

Linguagem” (1929), Bakhtin/Volochinov afirmam que a:

[...] a língua não se transmite; ela dura e perdura sob a forma de um processo evolutivo contínuo. Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal, ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929, p. 108).

A radicalidade e a complexidade do pensamento bakhtiniano faz com que o

filósofo seja considerado, hoje, um dos principais pensadores do século XX2. A

importância desse pensamento acerca da realidade da linguagem fez com que, a

partir do final do século XX, ele fosse considerado referência também para pensar

processos de ensino-aprendizagem em contextos de educação linguística escolar

aqui no Brasil, tanto em âmbito da academia quanto das políticas públicas de ensino

de língua materna. O interesse da academia pelo pensamento do círculo de Bakhtin

provocou as mudanças das políticas públicas de ensino de língua portuguesa,

resultando, inclusive, na elaboração dos documentos oficiais em fins da década de

2 Os escritos do círculo de Bakhtin não nos foram apresentado de forma cronológica, alguns artigos

só foram publicados por volta de vinte anos mais tarde. Existem materiais que alguns comentadores têm dúvidas sobre sua autoria, se realmente foram escritos por Bakhtin ou por alguns dos seus amigos do Círculo (Volochinov ou Medvedev).

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90 (PCN) e a presença dessa concepção de linguagem nos documentos

retroalimentou a pesquisa.

Tendo em vista as inúmeras obras escritas por Bakhtin, para facilitar

posteriormente nossa análise, apresentaremos, neste trabalho, apenas os conceitos

da teoria bakhtiniana pertinentes para pensar os fundamentos desta pesquisa.

1.1 Ética e estética: para pensar a criação dos discursos

As bases da concepção de linguagem bakhtiniana já podem ser encontradas

nas preocupações filosóficas do autor em “Para uma filosofia do ato responsável”

(2010[1919-1924]), em que, ainda muito jovem, ele pensa o agir humano do ponto

de vista da alteridade, da interação constitutiva em que todo sujeito forma sua

identidade. Por estar sempre em todo lugar em relação com outro, dizemos mesmo

que se trata de um processo identitário e não de identidade, que dá ideia de posto e

acabado. É essa noção de agir responsável na alteridade que fundamentará, mais

tarde, o estudo da linguagem dentro de um contexto participativo.

Falar de ética e de estética, na perspectiva bakhtiniana, é pensar o agir do

homem do ponto de vista da condição humana que é ser ao mesmo tempo de ordem

natural e de ordem sócio-histórica. Essa condição dá ao homem o direito a dois

nascimentos, um biológico e outro social. O nascimento biológico permite ao homem

a entrada no mundo natural, mas a entrada na história humana passa pelo

nascimento social.

A vida social do homem implica sua inserção em atividades de interação

organizada em determinados espaços sócio-históricos e ideológicos de atuação

humana a partir das quais o indivíduo desenvolve a capacidade de interação sígnica

(produzir, interpretar, compreender textos e semioses), a qual lhe permite, por sua

vez, sua sociabilidade. A relação é um ponto forte e fundamental no pensamento

bakhtiniano e pelo fato de o domínio do signo coincidir com o ideológico, essa

relação é sempre compreendida e interpretada num horizonte de valores

compartilhados.

Assim, a vida social se constitui na alteridade, pois o vir-a-ser do humano (a

consciência do mundo, do outro e de si mesmo) está fundado na diferença em que o

“eu-para-mim” se constrói a partir do “eu-para-os-outros”, cuja unidade de ligação é

a posição axiológica (valor) (BAKHTIN, 2010[1920-24). Trata-se de um sujeito

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relacional e a condição de apenas se constituir a partir da relação com os outros,

fundada na postura valorativa, é o que obriga o sujeito a ser responsável, isto é, a

agir deliberadamente. Esse agir-ato pode ser um pensamento, um enunciado, cujo

pronunciamento é uma exigência tendo em vista que, para o autor russo, somente a

natureza não necessita de responsabilidade, pois em seu âmbito não há atos

deliberados, mas acontecimentos imanentes (BAKHTIN, 2010[1919]).

O sujeito não apenas conhece ou desconhece as coisas do mundo, ele as

compreende, as interpreta, as valora, em outras palavras, ele pensa o mundo e o

pensa como necessidade de instauração de um lugar do qual ele responde ao outro.

Assim, o ato de pensar responde a uma necessidade ética, depreendida, aqui, como

o processo, o agir do sujeito no mundo dos acontecimentos da vida (nascer, viver...

morrer), fundamentada em obrigações e deveres concretos e ligada à realidade per

se. (em si).

Do ponto de vista acima explicitado, o ato humano não pode ser

compreendido como algo abstrato, pois se o sujeito se constitui na relação com os

outros e adquire sua capacidade de compreender, interpretar, produzir, valorar

textos a partir da interação organizada socialmente, o ato responsável só pode ser

entendido do ponto de vista concreto relacionado a outros atos de outros sujeitos

concretos, por isso, relacionar ao outro o vivenciado é condição obrigatória de uma

compenetração eficaz e do conhecimento tanto ético quanto estético (BAKHTIN,

2010[1924], p. 25).

Fundamentados em tal perspectiva, o agir humano não se sustenta num

dever abstrato e generalizado (moral) nem na ação individual autárquica, mas

ambas as dimensões se unem e se atualizam no ato singular do sujeito

sociossituado (que age responsavelmente valorando as coisas do mundo e

respondendo aos outros).

Não existem normas morais determinadas e válidas em si, mas existe o sujeito moral com uma determinada estrutura (não, obviamente, uma estrutura psicológica ou física), e é sobre ele que necessitamos nos apoiar: ele saberá em que consiste e quando deve cumprir o seu dever moral ou, mais precisamente, o dever (porque não existe um dever especificamente moral) (BAKHTIN, 2010 [1919], pp. 47-48).

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O sujeito do ponto de vista do pensamento bakhtiniano ocupa na vida singular

um lugar e um tempo únicos, irrepetíveis, irrevogáveis e insubstituíveis, de onde ele

vê o mundo e os outros, um lugar onde só ele pode pensar e dizer aquilo que pensa,

impensável por ninguém mais, nos termos de Bakhtin “impenetrável da parte de um

outro” (2010[1919-24], p.96). Por isso, o sujeito, cuja existência não tem álibi, livra-

se do individualismo indiferente e da determinação de um social abstraído pela sua

ação responsável e responsiva situada em um dado domínio da cultura. Assim, os

acontecimentos do mundo são mediados pelo agir situado e valorativo do sujeito que

os significa de uma posição concreta. Sobral, ao refletir sobre a concepção ética de

Bakhtin, observa que

O ponto alto da proposta de Bakhtin é alegar que a validade das decisões éticas depende não de abstrações, mas da articulação, junção, entre regras éticas (se assim se pode dizer) e as circunstâncias concretas da vida concreta, do processo situado de decisão, do agente: o sujeito, ao agir, deixa por assim dizer uma “assinatura” em seu ato e se responsabiliza por ele perante a coletividade de que faz parte (e, em última análise, perante a humanidade como um todo!) (SOBRAL, 2009, p. 30).

Portanto, não podemos restringir o conceito de ética, nos termos

bakhtinianos, a “agir corretamente” ou a “ter um bom comportamento” de acordo

com as regras sociais pré-estabelecidas, mas pensá-la enquanto uma postura

necessária, uma exigência de agir no mundo na responsabilidade e na diferença, da

qual não conseguimos fugir. Entretanto, no mundo dos acontecimentos da vida,

campo próprio do ato ético, o sujeito está sempre inacabado, pois a uniocorrência

nunca repetível e aberta da vida vivida não comporta solução e fixidez uma vez que

o sujeito está em constante vir-a-ser em um presente construído na memória do

passado naquilo que é pré-dado e na memória do futuro que define as escolhas no

horizonte de possibilidades.

Segundo Bakhtin (2010[1920-24]), o acabamento responde a uma

necessidade estética de totalidade, a qual só pode ser dada em outro plano — o

plano da realidade criada ou discursiva. Vale a pena assinalar que, apesar de

Bakhtin ter se dedicado a pensar a questão do acabamento estético (arte), todo

discurso envolve alguma espécie de transfiguração do mundo vivido, a qual vai

variar apenas em termos de grau e de tipo (SOBRAL, 2009). Essa compreensão é

importante uma vez que o nosso foco enquanto objeto de análise está voltado para a

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forma discursiva crônica, a qual tem seu lugar discursivo instaurado entre o literário

e o jornalístico.

No plano do discurso literário, Bakhtin (2010[1920-24]) assinala que o

acontecimento vivido no mundo ético (já em si impregnado por diferentes avaliações

sociais tendo em vista a complexa atmosfera valorativa envolvendo a vida) é

reconstituído em outro plano (o da obra) por meio da atividade estética que cria

objetos artísticos, por isso, o autor afirma que Quando o homem está na arte não

está na vida (BAKHTIN, 2010[1919-24]). É importante ressaltar que, para Bakhtin, a

força propulsora dos atos estéticos, situados no plano da criação discursiva, é a

postura valorativa em face de outras posturas valorativas, em outras palavras, o ato

estético/cultural move-se em um ambiente valorativo intenso de inter-relações

responsivas.

A atividade estética não opera a transfiguração direta da existência em si,

mas é um recorte valorativo dessa existência que é refratado no objeto estético.

Assim, aspectos da vida vivida são isolados e recortados de seu acontecimento

uniocorrente, organizados e reapresentados em um novo plano de sentidos e

valores sígnicos, de maneira refletida, pensada, elaborada, construindo um todo

autocontido e acabado (FARACO, 2005). A tarefa de organizar e reapresentar o

mundo da vida em outro plano discursivo mais elaborado implica outro aspecto

fundamental da concepção de estética bakhtiniana — o olhar de fora — definido por

Bakhtin (2010[1920-24]) como o excedente de visão de que precisamos para

enxergar o todo uma vez que a atividade estética pressupõe duas consciências não

coincidentes.

Quando contemplo no todo um homem situado e fora e diante de mim, nossos horizontes concretos efetivamente vivenciáveis não coincidem. Porque em qualquer situação ou proximidade que esse outro que contemplo possa estar em relação a mim, sempre verei e saberei algo que ele, da sua posição fora e diante de mim, não pode ver: as partes de seu corpo inacessíveis ao seu próprio olhar — a cabeça, o rosto, e sua expressão —, o mundo atrás dele, toda uma série de objetos e relações que, em função dessa ou daquela relação de reciprocidade entre nós, são acessíveis a mim e inacessíveis a ele. Quando nos olhamos, dois diferentes mundos se refletem na pupila dos nossos olhos (BAKHTIN, 2010[1920-24] p. 21).

Assim, o estar fora do vivido contemplado é condição imprescindível para o

ato de acabamento, uma vez que só podemos enxergar o todo no outro e nunca em

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nós mesmos. A atividade estética implica dois movimentos importantes, executados

em momentos diferentes e unidos no momento da criação: a empatia e a exotopia.

Para Bakhtin, a compenetração ou empatia é o primeiro momento da atividade

estética e consiste no vivenciamento, no posicionamento do lugar do outro. Ao

exemplificar a realização desse movimento tendo como pivô a contemplação de um

indivíduo que sofre, encontramos a seguinte orientação

Devo adotar o horizonte vital concreto desse indivíduo tal como ele o vivencia; faltará, nesse horizonte, toda uma série de elementos que me são acessíveis a partir do meu lugar... sua expressividade externa é o caminho através do qual eu penetro em seu interior e daí quase me fundo com ele (BAKHTIN, 2010[1920-24] p. 24).

Bakhtin pensa, então, se a compenetração é suficiente para dar o necessário

acabamento ao outro, o que conclui com uma negativa. A empatia nos leva ao

vivenciamento assimilado em termos de ato ético puro ou patológico (tomar para si

próprio o sofrimento alheio) da questão e sua exteriorização, desse ponto, tem

função apenas comunicativa. O acabamento requer o distanciamento, o afastamento

radical do objeto vivenciado, precisamente, um olhar exotópico.

O processo exotópico se realiza quando, repleto desse olhar do outro, retorno

a mim mesmo e firmemente coloco em ação o excedente de visão que o outro me

proporcionou, atualizando o que penso sobre o mundo e sobre mim. Sem esse

retorno, nós ficaríamos somente no chamado refletir, ou seja, somente

reproduziríamos o já dito, sem refratar (transformar, atualizar), e isso não contribui

para a constituição do outro. A posição exotópica é um lugar a partir do qual o

sujeito enxerga o mundo e seus acontecimentos, o discurso, e que lhe permite certo

deslocamento de sua própria condição neste mundo e a percepção de elementos

não acessíveis quando totalmente próximo dessa condição. Por isso, segundo o

filósofo russo

A atividade estética começa propriamente quando retornamos a nós mesmos e ao nosso lugar fora da pessoa que sofre, quando informamos e damos acabamento ao material da compenetração; [...] [pela via] do sofrimento de um dado indivíduo [...], que agora tem uma nova função, não mais comunicativa e sim de acabamento [...] (BAKHTIN, 2010, [1924] p. 25).

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Assim, a atividade estética começa quando, situados em contextos precisos e

singulares, contemplamos aspectos e parcelas do conteúdo do mundo vivido e o

transfiguramos a partir do olhar valorativo que lançamos sobre essa realidade

experienciada a qual é trabalhada e plasmada em um material específico, no nosso

caso, o linguístico, criando determinados objetos socioculturais numa dimensão

discursiva (enunciados/gêneros). Portanto, o todo acabado une de forma integrada

e indissolúvel atos éticos (vida, o processo) e estéticos (linguagem, conteúdo) por

meio da posição ativa de um centro valorativo.

Partindo de tal perspectiva, podemos observar que o centro valorativo ou

princípio criativo é fundamental para entender a criação estética (ou gênero

discursivo). Esse princípio é encontrado justamente na relação do autor com o

conteúdo do seu dizer e com o ouvinte, levada a termo em um lugar e tempo únicos,

o que Bakhtin denomina de autoria. Para entender melhor o processo de criação

estética ou discursiva, é interessante refletirmos um pouco sobre os elementos

constituintes dessa relação tripla.

Em relação ao autor, Bakhtin (2010[1920-24]) faz uma distinção entre autor-

pessoa e autor-criador, cujo entendimento é importante para a compreensão da

criação estética. O filósofo russo observa que não se pode confundir o autor-pessoa

— o escritor, o artista, a pessoa física (o elemento do acontecimento ético e social

da vida) — com o autor criador — uma posição axiológica ativa e estruturadora do

objeto discursivo (o princípio criador). Bakhtin afirma que o autor-pessoa pode ser,

às vezes, importante para entender o autor-criador, mas não é seu determinante.

Este segundo autor (autor-criador) é um elemento constituinte e imanente do todo

estético, uma instância de produção do discurso.

Segundo Faraco (2005), o autor-criador, na perspectiva bakhtiniana, exerce

uma função estético-formal criadora de objetos estéticos/discursivos e sua

característica principal está em materializar certa relação valorativa com o outro e

seu mundo (o conteúdo do objeto [o herói]) (BAKHTIN, 2010[1920-24]) e o ouvinte

(destinatário do objeto) (VOLOCHINOV, 1926), enquanto agente estruturador de

totalidades que une intrinsecamente no objeto estético/discursivo elementos do

contexto sócio-histórico e cultural (o conteúdo) com determinado material e forma (a

linguagem e as formas de concepção baseadas nas formas de interlocução).

Podemos dizer que a atividade criadora é um ir e vir incessante ao “mundo e

suas mazelas” (espaço ético) e um retorno a si mesmo constituindo formas próprias

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de dizer (espaço estético). Bakhtin em “O autor e a personagem” (2010[1920-24])

observa que não conseguimos compreender o objeto estético/discursivo com base

nas declarações do autor-pessoa acerca do processo de sua criação porque a

posição axiológica, que dá acabamento ao objeto, é ativa, mas não é determinada a

priori, sendo assim, ela não pode ser encontrada em partes do objeto, no conteúdo

ético e social, por exemplo. Dessa forma, onde podemos encontrar o princípio

criador do objeto estético/discursivo? Segundo Bakhtin, ele está no todo do objeto

enformado uma vez que

[...] o autor cria, mas vê sua criação apenas no objeto que ele enforma, isto é, vê dessa criação apenas o produto em formação e não o processo interno psicologicamente determinado. São igualmente assim todos os vivenciamentos ativos: estes vivenciam o seu objeto e a si mesmos no objeto e não no processo de seu vivenciamento; vivencia-se o trabalho criador, mas o vivenciamento não escuta nem vê a si mesmo, escuta e vê tão-somente o produto que está sendo criado ou o objeto a que ele visa (BAKHTIN, 2010[1920-24, p. 05).

Conforme demonstra a citação, o autor-criador não é o autor empírico e nem

o conteúdo do objeto estético/discursivo é mero reflexo do mundo vivido, pois, se

assim fosse, como observa Sobral (2009), a linguagem seria representação direta da

realidade vivida e o objeto expressão subjetiva do autor, na atividade estética, trata-

se de mundo e autor discursivo. O autor-pessoa contempla o conteúdo do mundo

social valorado numa posição de fronteira a partir da qual ele escolhe uma

orientação axiológica (autor-criador) à qual entrega a construção do objeto

estético/discursivo. Mais tarde, Bakhtin afirmará que o artista/autor tem o dom da

fala indireta, pois ele age como um dramaturgo que distribui todas as palavras a

vozes dos outros (outras posições sociais valorativas), inclusive a imagem do próprio

autor-criador.

Toda voz autenticamente criadora sempre pode ser apenas uma segunda voz no discurso. Só a segunda voz — a relação pura — pode ser até o fim desprovida de objeto, sem abandonar a sombra substancial figurada. O escritor é aquele que sabe trabalhar a língua estando fora dela, aquele que tem o dom do falar indireto (BAKHTIN, 2010[1959-61], 315).

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O trabalhar a linguagem fora dela ou o estar fora, como podemos observar,

retoma a questão do excedente de visão fundamental para engendrar o todo

estético/discursivo a partir da posição ativa de uma instância criadora, que

materializa no objeto estético/discursivo a relação que mantém com o conteúdo do

mundo vivido e com o ouvinte/destinatário em termos do que este outro/destinatário

pensa acerca de sua relação com o conteúdo do objeto. É interessante frisar, assim,

que esse processo de tessitura e de endereçamento corresponde ao que

denominamos anteriormente de autoria, a qual só pode ser encontrada no centro de

organização e de interseção de planos “Os diferentes planos distam em diversos

graus deste centro do autor” (BAKHTIN, 2010[1930-35], p. 370).

Observamos que Bakhtin refere-se a planos (no plural), o que significa que há

outros planos além do conteúdo do objeto estético. Para Bakhtin, todo objeto

estético/discursivo implica um conteúdo, uma forma e um material com que o autor

trabalha. O conteúdo, como já dissemos, diz respeito aos atos éticos e sociais

humanos, a forma diz respeito à maneira de organizar e compor os discursos e o

material, no caso do discurso, é a linguagem.

O objeto discursivo, na concepção bakhtiniana, possui três momentos

articulados: o momento de construção do objeto estético, o momento da forma que

organiza o conteúdo num dado material, orientada pela relação axiológica do autor-

criador com o conteúdo e o destinatário e o momento de elaboração do material que

funda o artefato ou a obra exterior. Assim, o primeiro diz respeito às múltiplas teias

de relações valorativas socioculturais manifestas na atividade estética, o segundo é

a forma de composição do conteúdo servindo-se do material enquanto o terceiro diz

respeito ao aparato técnico de realização do objeto estético.

O produto resultante da articulação dos três momentos acima mencionados

constitui o que Bakhtin (2010[1930-35]) denomina de totalidade ou forma

arquitetônica. Em outras palavras, a arquitetônica é o conteúdo valorativamente

estruturado pelo autor-criador numa certa composição realizada num certo material

(FARACO, 2011). Bakhtin distingue, assim, forma arquitetônica de forma

composicional a fim de esclarecer a confusão estabelecida entre as duas por parte

da estética material. Para Bakhtin, as formas arquitetônicas são

[...] as formas dos valores morais e físicos do homem estético, as formas da natureza enquanto seu ambiente, as formas do

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acontecimento no seu aspecto de vida particular, social, histórica etc.; [...] são as formas da existência estética na sua singularidade (BAKHTIN, 2010[1920-24], p. 25).

Já as formas composicionais são apresentadas como as que

[...] organizam o material [e] têm um caráter teleológico, utilitário, como que inquieto, e estão sujeitas a uma avaliação puramente técnica, para determinar quão adequadamente elas realizam a tarefa arquitetônica (BAKHTIN, 2010[1920-24], p. 25).

Como podemos perceber pelas citações acima, as formas arquitetônicas

determinam a escolha das formas composicionais adequadas à perspectiva em que

o conteúdo do objeto estético está ordenado. O autor russo apresenta como

exemplo a forma da tragédia, forma arquitetônica do caráter trágico de um

acontecimento, que vai procurar a forma dramática (diálogo, desmembramento em

atos, etc.) como sua realização composicional mais adequada. Encontramos

também os exemplos das perspectivas líricas, cômicas, heroicizantes, do tipo e do

caráter como formas arquitetônicas que podem ser realizadas por formas

composicionais que se mostrarem mais adequadas como o poema, o conto, a

novela, romance etc.

O autor russo ressalta, entretanto, ser impossível a forma arquitetônica

realizar-se sem a forma composicional ainda que aquela possa se realizar

composicionalmente de diversas maneiras. Assim, a forma arquitetônica e a forma

composicional ligam-se constitutivamente, integrando a si, as particularidades do

material. Além do problema da enformação do objeto, há também o problema da

apropriação da linguagem e de sua superação no conjunto estético/discursivo.

Bakhtin (2010[1920-24]) diz que todo objeto estético/discursivo precisa sempre

superar o material como um escultor supera a resistência do mármore, por exemplo.

Assim, além de ser preciso se apropriar da linguagem em sua concreticidade,

isto é, em seu uso real, a forma material precisa transpor a língua situada para outro

plano valorativo em que está estruturando uma determinada forma arquitetônica e

composicional. O autor-criador, ao selecionar os elementos do material em termos

fônicos, sintáticos, referenciais, semânticos etc., não o faz do ponto de vista da

gramática, do dicionário, mas dos usos desses elementos nos contextos da vida

(FARACO, 2011). Isso porque a atividade estética implica um autor-criador envolvido

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com um plano ou projeto discursivo que seleciona, determina, constrói e dá

acabamento a um todo de sentido. Nesse sentido, o autor-criador não alinhava

palavras, frases, estrutura períodos ou até mesmo capítulos aleatoriamente, este

trabalho é orientado pelo projeto discursivo ou querer dizer do autor.

Acreditamos que as correlações entre conteúdo, material e forma e a

distinção e vinculação entre formas arquitetônicas e formas composicionais podem

nos auxiliar a entender a questão da concepção dos gêneros em sua relação com o

enunciado concreto e suas formas de textualização. Além do mais, ainda que

Bakhtin e seu círculo tenham pensado mais a relação ético-estética no discurso

artístico-literário, é interessante observar, conforme pontua Sobral (2009), que todo

discurso implica alguma espécie de transposição do mundo ético, variando apenas o

grau e o tipo.

Mais tarde, Bakhtin e seu círculo vão redimensionar também esse

pensamento acerca da linguagem para discutir sua concepção com a própria

Linguística (1929), para pensá-la como o lugar de encontro das múltiplas e

heterogêneas vozes sociais (1930-34) e para propor a noção de gêneros do discurso

e de enunciado concreto (1952-53). As noções de ética e estética e sua vinculação

constitutiva a partir da relação sociossituada entre um eu e outro nos fundamentarão

para pensar um princípio bastante elevado ao pensamento do círculo de Bakhtin: a

natureza dialógica da linguagem ou simplesmente o dialogismo e suas diferentes

facetas como o conceito de vozes.

1.2 O dialogismo e as vozes bakhtinianas: princípios

Na obra Marxismo e filosofia da linguagem (1929), Bakhtin/Volochinov

expõem de forma bastante sustentada a filosofia da linguagem na concepção do

círculo bakhtiniano, cuja pedra conceitual é o dialogismo. Segundo os autores, o

falante utiliza-se da língua sempre em contextos concretos onde o que importa não

são os formatos linguísticos padronizados, mas o signo sempre mutável, que

acompanha cada situação social em que é utilizado. Por isso, a linguagem não se

constitui apenas em um sistema abstrato, nem tão pouco é monológica e individual,

mas responde a diálogos anteriores e presentes e abre possibilidades para outros

dizeres no devir.

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Para se conseguir uma visão global da linguagem, Bakhtin vai definir como

porta de entrada para o estudo da linguagem não o conhecimento acerca das regras

sintáticas, léxicas ou normas gramaticais, mas o uso desses elementos em

contextos particulares. Clark e Holquist (1998) apontam que a estratégia adotada por

Bakhtin/Volochinov (1929) para explicar o funcionamento da linguagem do ponto de

vista do uso que dela faz o falante em situações específicas é por em foco o único

traço universal presente na variedade de contextos possíveis: o lugar constituído

pelo falante e seu destinatário. Para os linguistas americanos, essa estratégia

resolve:

[...] a velha e aparentemente intransponível dicotomia entre as feições obviamente sistemáticas da linguagem, como a sintaxe, a gramática ou os significados relativamente fixos das palavras, e seus contextos não sistematizáveis, que interagem com tais aspectos estáveis em qualquer conversação efetiva, reduzindo as diferenças entre eles a outro conjunto de diferenças, as quais ocorrem entre locutores específicos em situações particulares (CLARK; HOLQUIST, 1998, p. 235).

O apontamento dos linguistas americanos demonstra a importância do

contexto extraverbal na perspectiva linguística do círculo. Bakhtin (2010 [1952-53])

explica, por exemplo, que na comunicação cotidiana, as formas comunicativas são

mais diretamente dependentes dos contextos, já a comunicação institucionalizada

possui certa autonomia, em termos, do contexto extraverbal que pode ser

recuperado, por outro lado, por sua plasmação no próprio material verbal.

Para Bakhtin/Volochinov (1926), o contexto extraverbal se explica pela inter-

relação de três fatores: o espaço comum dos interlocutores (o lugar); o

conhecimento partilhado da situação (a temática); a avaliação comum desta situação

(valoração). Esses elementos não determinam de forma mecânica as formas

comunicativas, mas:

A situação se integra ao enunciado como uma parte constitutiva essencial da estrutura de sua significação. Consequentemente, um enunciado concreto [...] compreende duas partes: [1] a parte percebida ou realizada em palavras e (2) a parte presumida. É nesse sentido que o enunciado concreto pode ser comparado ao entimema. [...] Julgamentos de valor presumidos são [...] não emoções individuais, mas atos sociais regulares e essenciais. Emoções individuais podem surgir apenas como sobretons acompanhando o tom básico da avaliação social. O “eu” pode realizar-se verbalmente

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apenas sobre a base do nós (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1926, p. 9-10).

A citação acima além de nos dar uma ideia de como o contexto extraverbal se

faz presente nas formas comunicativas aponta também para a importância da

valoração social na constituição dos enunciados verbais, que nas interações

cotidianas vai se marcar pelo tom de voz e nas institucionalizadas pelas marcas

estilísticas. É interessante observar que o índice de valor está sempre orientado

para o “outro”, pois, por meio da entonação, as pessoas exprimem um juízo acerca

da temática objetificada no discurso.

Reafirmamos que o Círculo de Bakhtin tinha sempre em vista um pensamento

concreto acerca da linguagem assentada na relação entre um “eu” e um “outro”.

Poderíamos dizer que essa guinada visada pelo círculo dá vida à linguagem, torna-a

humana, pois coloca o homem social no centro da organização e do funcionamento

da linguagem. Esse entendimento baliza a construção do conceito de dialogismo

que, a nosso ver, constitui a arquitetônica do projeto discursivo de quaisquer dizeres,

isso porque nossos discursos estão sempre ligados a outros discursos numa relação

dialógica contínua.

Assim, o dialogismo não deve ser compreendido apenas como referente à

linguagem, mas também aos indivíduos. Ao dizermos isto, estamos considerando

que, ao enunciar, o indivíduo apóia-se em outros discursos para constituir-se, quer

dizer, esse “eu” está constituído por uma coletividade, os “outros”.

A partir dessas ideias, o pensador russo completa que a marca do enunciado

(unidade da comunicação verbal) é a “alternância dos sujeitos do discurso, que cria

limites precisos do enunciado nos diversos campos da atividade humana e da vida

[...]” (BAKHTIN, 2010[1952-53/1979], p. 275). Assim, a cada situação de interação,

ouvimos os discursos respondendo uns aos outros e nisso consiste o dialogismo da

linguagem — resposta aos discursos dos outros. O caráter relacional da linguagem

nos encaminha para outro conceito no que se refere aos diálogos com o outro tendo

em vista a afirmação do autor de que, na comunicação discursiva, “os ecos de

alternância dos sujeitos do discurso e das suas mútuas relações dialógicas se

ouvem nitidamente” (BAKHTIN, 2010[1952-53/1979], p. 299).

Bakhtin (2010[1934-35]) trabalha um conceito muito importante que incide

diretamente na natureza dialógica da linguagem: o de vozes do discurso. Nessa

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perspectiva, o dialogismo da linguagem é estruturado a partir da articulação de

diferentes vozes instauradas na produção discursiva. A respeito das vozes, o autor

vai defini-las como sentidos sociais, visões de mundo ou pontos de vista

objetificados nos discursos (BAKHTIN, 2010 [1959-61]. As relações dialógicas são

sentidos divididos entre vozes diferentes, isto é, implicam sempre a presença

inerente de outras posições ou sujeitos integrais socioculturalmente situados. Por

isso, para Bakhtin:

[...] não existem palavras sem voz, palavras de ninguém. Em cada palavra há vozes às vezes infinitamente distantes, anônimas, quase impessoais (as vozes dos matizes lexicais, dos estilos, etc.), quase imperceptíveis, e vozes próximas, que soam concomitantemente (BAKHTIN, 2010[1959-61], p. 330)

Com base na citação acima, podemos afirmar que a alteridade ou outridade

na concepção discursiva bakhtiniana se radicaliza, pois os lugares enunciativos se

desdobram em multiplicidades de vozes ouvidas em um mesmo lugar: o

texto/discurso. A esse respeito, Bakhtin (2010[1959-61]) afirma que pode haver um

número ilimitado de participantes do discurso, pois os sentidos estão divididos em no

mínimo duas vozes e uma terceira em potencial nas criações verbais. Em razão

disso, precisamos aprender a ouvir as vozes dos textos/discursos.

Assim, uma das vozes a se ouvir no texto é a do destinatário suposto, cuja

compreensão responsiva o autor do discurso procura e antecipa através da forma e

do conteúdo do que é dito.

Podemos também ouvir a voz do destinatário real que lê efetivamente o texto.

Ainda que este seja uma instância posterior à escrita, Amorim (2002) observa que

ele também participa da construção do sentido uma vez que o trabalho de

interpretação resulta em um segundo texto em relação ao qual o primeiro poderá

fazer sentido. Além disso, o fato de este destinatário se constituir em uma instância

posterior não o anula enquanto elemento interior do discurso uma vez que a vida de

um texto reside justamente em sua circulação.

Bakhtin também se refere à voz de um supradestinatário. Este se diferencia

do destinatário suposto no que diz respeito ao tempo e ao espaço do texto. O

destinatário suposto insere o texto em um tempo e espaço imediatos, enquanto o

supradestinatário projeta o texto na grande temporalidade imprevisível, futura, em

uma dimensão universalizante onde o texto poderá ser recepcionado e até mesmo

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reconstruído de outra forma. Bakhtin observa que este supradestinatário funciona

como uma “escapatória para a escuta” uma vez que, sendo a natureza da palavra de

querer sempre ser ouvido, esse supradestinatário funcionaria como um valor, uma

verdade estabelecida (a crença, a verdade da Ciência, etc.). Nisso reside a

importância dessa instância cuja compreensão idealmente verdadeira o autor espera

a fim de fugir da limitação da compreensão imediata.

Outra instância da qual se pode ouvir a voz é o lugar do objeto discursivo.

Isso porque, ele não se torna objeto do discurso pela primeira vez em um dado

enunciado nem um dado autor é o primeiro a falar sobre ele. Para Bakhtin

(2010[1952-53]), o objeto chega ao autor já ressalvado, contestado, valorado e

avaliado de diferentes modos, ou seja, encontra-se impregnado de apreciações

ideológicas de outros lugares discursivos. O objeto discursivo é um palco de

encontro de opiniões, visões de mundo, correntes, teorias etc., por isso, o autor diz

que o discurso é uma arena e o sentido não é um lugar confortável.

Outra voz que precisa ser ouvida, no texto, é da instância do autor-criador.

Bakhtin (2010[1934-35]) insiste que é preciso distinguir a voz do autor representado

no discurso da do autor-criador. Para o filósofo russo, o autor representado (aquele

que relata o acontecimento) faz parte da criação do autor-criador, já este não pode

ser encontrado no que relata o autor representado, mas na tangente do espaço-

tempo representados, no ponto crucial onde convergem forma e conteúdo do texto,

precisamente na sua própria atividade.

Amorim (2002) pontua que a voz da instância do autor-criador pode ser

encontrada quando se consegue identificar a relação entre o que é dito e a forma

como foi dito uma vez que, como um lugar enunciativo, a voz do autor traz em si

sempre um olhar, um ponto de vista que articula o texto do início ao fim. A autora

ainda acrescenta que essa distinção é condição para o trabalho de análise do texto,

pois, se diante de um discurso, pensa-se que todo o dito está presente no

enunciado, resulta-se em nada para analisar.

Ainda ligadas à configuração do conceito de vozes, deparamo-nos com duas

questões centrais na obra do círculo de Bakhtin: a questão do discurso monológico e

a questão do discurso dialógico. O primeiro pressupõe uma orientação univocal e o

segundo plurivocal. Para se pensar essas questões que poderiam apontar para uma

contradição no pensamento bakhtiniano tendo em vista a condição de possibilidade

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de todo discurso, Amorim (2002) observa que é preciso visualizar dois níveis de

análise na obra bakhtiniana: um histórico-orgânico e outro composicional.

O primeiro diz respeito à condição de possibilidade de todo discurso que é de

ser constitutivamente dialógico (e aqui o termo monológico não faz sentido), o

segundo refere-se a formas de escrita e composição dos textos, processo pelo qual

as vozes podem se deixar mais ou menos ouvir. Neste nível, a forma como o texto é

escrito e composto pode deixar aflorar mais vozes ou apagar a dimensão de

alteridade do discurso para deixar emergir uma única voz: a do autor. Naquele, a

configuração do discurso é feita de forma que se deixe ouvir mais plenamente a

orquestração de vozes que o estruturam.

Brait (1994, p. 14-15), ao perseguir o conceito de vozes na obra de Bakhtin,

afirma que a bivocalização é um fenômeno comum ao discurso e descarta qualquer

possibilidade de univocalização, por isso, as palavras vindas de outrem “tecem o

discurso individual de forma que as vozes – elaboradas, citadas, assimiladas ou

simplesmente mascaradas – interpenetram-se de maneira a fazer-se ouvir ou a ficar

nas sombras autoritárias de um discurso monologizado”.

Do ponto de vista acima explicitado, as formas de discurso monológico são

importantes no trabalho de análise para auxiliar a entender os discursos dogmáticos,

por exemplo. Amorim (2002, p. 12), ao pensar a questão das vozes e do silêncio no

texto, observa que, sendo os textos sempre híbridos, na análise, “o interessante é

poder identificar em que lugar ele é monológico e em que outro ele é dialógico, e

quais são os efeitos de sentido que essa disposição de vozes produz”.

Dimensionado dessa maneira, evitaríamos reduzir o conceito de vozes à condição

de citatividade como muitas vezes é feito, conforme pontua Brait (1994). A

intensidade do conceito de vozes, em Bakhtin, reside na tensão interior à palavra do

indivíduo e, conforme sugere Amorim (2002), para ouvi-las, é preciso silenciar todo

diálogo exterior, aspecto que o diferencia de uma abordagem interacionista.

Podemos reafirmar que a realidade da linguagem são os acontecimentos

concretos ligados entre si por relações dialógicas de sentido subjacentes às quais

ouvimos sempre ressonâncias de múltiplas vozes. As relações dialógicas possuem

diferentes graus que devem ser considerados em sua especificidade. Elas podem

ser intencionais quando, por exemplo, confrontamos autores que não se leram, mas

cujos discursos possuem pontos de contatos. Podem ser também não intencionais

na forma de múltiplas vozes que habitam o discurso interno do sujeito, determinando

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um dialogismo incessante uma vez que os elementos históricos, sociais, culturais e

linguísticos atuam na formação da subjetividade do sujeito e afloram dialogicamente

em suas manifestações discursivas.

Chegamos a um ponto da dimensão de vozes, depreendidas aqui como

percepções de mundo realizadas através do discurso, bastante importante para

pensarmos sobre as formas de transmissão ou assimilação da palavra do outro.

Bakhtin (2010[1934-35], pp. 142-144) define duas posturas ideológicas de

apropriação da palavra alheia: a palavra autoritária e a palavra internamente

persuasiva.

O autor menciona a palavra do pai, da política, da religião, da moral, dos

adultos, dos professores como autoritária, cuja característica é a exigência de

reconhecimento incondicional em detrimento da compreensão e assimilação livre em

nossas próprias palavras. Além disso, essa postura não permite nenhum jogo com o

contexto que a enquadra, adentrando a consciência verbal como uma massa

compacta que exige confirmação ou recusa total.

Já a palavra persuasiva é definida como carente de e avessa à autoridade, às

vezes, desconhecida da opinião pública, da ciência, da crítica. Ela aparece com o

surgimento do trabalho independente e seletivo do pensamento, momento em que

se separa da palavra autoritária imposta e das indiferentes que não nos tocam. A

importância da palavra interiormente persuasiva consiste em despertar o

pensamento para a autonomia e por funcionar num inter-relacionamento tenso e

conflituoso entre o sujeito e as outras palavras persuasivas bem como por não ser

conhecida, está permanentemente aberta a novas revelações semânticas em cada

novo contexto dialógico (BAKHTIN, 2010[1934-35], 145-6). Assim, assumir uma

perspectiva dialógica é poder ensinar e aprender com esse outro, ser dialógico é

apreender o mundo em constantes mudanças, pois vivemos no pensar, agir e fazer

em que nada se conclui por completo, sempre há possibilidade de modificar,

melhorar, relacionar e criar novos sentidos.

Anteriormente, referindo-se à educação linguística, Bakhtin vai afirmar que

O ensino de disciplinas verbais conhece duas modalidades básicas escolares de transmissão que assimila o discurso de outrem (do texto, das regras, dos exemplos): “de cor” e “com suas próprias palavras” [...] Esta segunda modalidade de transmissão escolar da palavra de outrem “com nossas próprias palavras” inclui toda uma série de variantes da transmissão que assimila a palavra de outrem

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em relação ao caráter do texto assimilado e dos objetivos pedagógicos de sua compreensão e apreciação (BAKHTIN, 2010[1934-5] p. 142).

Gostaríamos de, com base na citação acima, fechar essa seção

questionando-nos sobre como e qual tem sido a forma de recepção da palavra/texto

na escola: “de cor” ou “com suas próprias palavras”?

Se nos basearmos na tradição do discurso pedagógico cuja função

institucional tradicional tem sido transmitir o conhecimento acumulado pela

humanidade às gerações futuras, é bem provável que a primeira forma tenha sido

privilegiada, mas, se pensarmos nas demandas socioculturais para a educação

linguística no contexto atual, que exige flexibilidade e criatividade no trato ético e

crítico com os discursos, concluiremos que um aprendizado “de cor”, modelar,

prescritivo e até mesmo instrumentalizado não dá conta de educar para o nosso

tempo, conforme pontua Rojo (2008, p. 96-97).

A assimilação da palavra do outro “com suas próprias palavras” requer

autores e leitores de textos/discursos com capacidade crítica e responsável para a

resposta ativa, para a compreensão criadora dos discursos dos outros em sua

historicidade e dialogismo constitutivo, para o que a concepção de gêneros

discursivos do círculo de Bakhtin traz importantes contribuições.

1.3 Gêneros discursivos e a autoria

Para pensarmos o conceito de gêneros discursivos na perspectiva de Bakhtin

e seu círculo é importante nunca perdermos de vista o princípio do dialogismo que

traz em sua essência noções de alteridade, responsabilidade, réplicas e apreciações

de valores sociossituadas, bastante exploradas nas seções anteriores. Um ponto de

partida para refletir sobre o conceito de gêneros discursivos é pensar sobre o lugar

de produção destes, apresentado no pensamento bakhtiniano como esferas

específicas de atividade humana.

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Segundo Bakhtin (2010 [1951-1953/1979], p. 279), cada esfera de atividade

humana produz seus discursos específicos, nos quais mostram as condições e as

finalidades para as quais eles foram constituídos.

Podemos dizer que todo discurso apresenta marcas da esfera de

comunicação à que pertence. Essas esferas podem ser identificadas como espaços

de relações específicas como a escola, a igreja, o trabalho em um jornal, a política, a

família etc., enfim, as organizações socioideológicas e culturais dos grupos

humanos. Dessa maneira, pode-se dizer que só se age na interação e o agir motiva

em determinadas condições o surgimento de certas formas de interação que, com o

tempo, vão se estabilizando relativamente, se modificando de acordo com o fluxo de

atividade desses espaços. A essas formas de interação discursiva,

momentaneamente estabilizadas, Bakhtin vai denominar de gêneros discursivos

(2010[1952-53]).

A noção de gênero discursivo é tão importante que Bakhtin e Medvedev

(1928) vão afirmar que a realidade a nós acessível é aquela permitida pelo gênero

discursivo. Os gêneros discursivos funcionam como um filtro através do qual

visualizamos a realidade da vida social. Então, nós apreendemos a linguagem por

meio dos gêneros discursivos, os quais são tão diversos que, às vezes, os

utilizamos sem mesmo pensar em sua existência.

Até mesmo no bate-papo mais descontraído e livre nós moldamos o nosso discurso por determinadas formas de gênero, às vezes padronizadas e estereotipadas, às vezes mais flexíveis, plásticas e criativas (a comunicação cotidiana também dispõe de gêneros criativos). Esses gêneros nos são dados quase da mesma forma que nos é dada a língua materna, a qual dominamos livremente até começarmos o estudo teórico da gramática. A língua materna – sua composição vocabular e sua estrutura gramatical não chegam ao nosso conhecimento a partir de dicionários e gramáticas, mas de enunciações concretas que nós mesmos ouvimos e nós mesmos reproduzimos na comunicação discursiva viva com as pessoas que nos rodeiam (BAKHTIN, 2010[1952-53/79], p. 282-283).

Para Bakhtin, essa diversidade não é um problema em si, mas é própria da

natureza da linguagem. Ele, na verdade, não estava preocupado com classificação,

dividindo os gêneros discursivos por dois grandes domínios socioculturais —

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primários e secundários — apenas para uma amostra das duas grandes diferenças

de organização da vida discursiva.

Os gêneros primários seriam os acontecimentos sociais ligados a situações

do cotidiano, estão imersos numa atmosfera socioideológica dispersa e sem

acabamento aparente. São as situações de comunicação discursiva imediata e

flexível, por isso tendem a refletir de forma mais rápida e direta as mudanças sociais.

Já os gêneros secundários estão inseridos em espaços de interação

socioideológicos organizados, ocorrem situações de comunicação cultural “mais

complexa” e ancorada, em sua maioria, na palavra escrita. Essa última constatação,

porém, não pode ser generalizada uma vez que um bilhete para uma diarista

solicitando eficácia nas atividades domésticas do dia não é considerado um gênero

secundário, pois não requer nenhum trabalho de elaboração complexa.

Sobral (2009) faz referência às esferas e aos gêneros discursivos, afirmando,

em seu texto, que as esferas são espaços construídos por meio da vivência sócio-

histórica, ideológica, cultural de um povo, enfim, de acordo com o mundo relacional

dos sujeitos. Portanto, os lugares de atuação humana nos remetem ao contexto ou

condições de produção, circulação e recepção dos discursos, pois todas as esferas

da atividade humana, mesmo repletas de diversificações, variações e possibilidades,

estabelecem regras próprias de utilização da língua em seu âmbito.

Conforme pontuamos anteriormente, o autor tem um projeto discursivo a

realizar, mas, por outro lado, esse desígnio vai se concretizar tomando como

referência uma forma de interação pré-dada de acordo com o lugar que ele assume

para enunciar. Sobre isso, Bakhtin (2010 [1952-1953/1979], p. 282) diz que

A vontade discursiva do falante se realiza antes de tudo na escolha de certo gênero de discurso. Essa escolha é determinada pela especificidade de um dado campo da comunicação discursiva, por considerações semântico-objetais (temáticas), pela situação concreta da comunicação discursiva, pela composição pessoal dos seus participantes. (BAKHTIN, 2010, p. 282)

Podemos retomar aqui, com base na última citação, a questão da autoria em

Bakhtin, que implica uma posição axiológica detentora de um projeto discursivo

endereçado a outros (outros presentes na temática/conteúdo e nos destinatários

presumidos nas respostas futuras). Para Bakhtin “as escolhas dos meios linguísticos

e dos gêneros de discurso é determinada, antes de tudo, pelas tarefas (pela ideia do

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sujeito do discurso [ou autor]) centradas no objeto e no sentido” (2010[1952-

53/1979], p. 289). Desse modo, entendemos que o eu nunca enuncia de forma

isolada, sua vontade discursiva tem um interlocutor, o qual será projetado em seu

enunciado, seja no esquema de um gênero, seja no projeto individual de discurso

(BAKHTIN, 2010[1952-53/1979]).

Portanto, o querer dizer do autor está orientado à temática e ao destinatário,

os quais influenciarão a escolha do gênero no qual o objeto do discurso e seu

sentido serão materializados. Trata-se de uma relação bilateral, cujas partes estão

intrinsecamente vinculadas, o desígnio autoral precisa de um gênero para se

concretizar, o gênero necessita dessa sua retomada em contextos específicos e

singulares para se atualizar. O gênero funciona como uma ponte entre o conteúdo

da vida vivida e a linguagem constantemente renovada sempre que é utilizada em

discursos concretos.

No ensaio “Os gêneros do discurso” (1952-53), Bakhtin refere-se ao evento

de atualização situada da linguagem como enunciado concreto, definido como a

unidade real da comunicação discursiva. Anteriormente, no ensaio “Discurso na vida

e discurso na arte” (1926), Bakhtin e Volochinov vão afirmar que neste evento já se

encontram implicados o ato de enunciação (o processo) e o enunciado (o produto, o

objeto discursivo resultante). Como o processo de produção e compreensão dos

discursos implica sempre condições sócio-históricas precisas de interação dialógica,

na perspectiva bakhtiniana não se faz distinção entre enunciação e enunciado.

No ensaio de 1952-53, Bakhtin assinala que dois elementos precisamente

determinam o texto como enunciado: a sua intenção discursiva e a realização dessa

intenção, o que remete à presença inerente de um autor, portanto, todo

texto/discurso tem um sujeito, possui um autor.

Dois aspectos importantes para entender essa relação no âmbito dos gêneros

discursivos são a conclusibilidade e a expressividade. O primeiro determina o tom a

ser dado no discurso pelo falante, isso porque o eu, ao enunciar, deverá escolher,

por exemplo, quais recursos lexicais, gramaticais, temáticos e composicionais serão

usados para caracterizar seu enunciado numa dada situação comunicativa. O

segundo diz respeito à, “relação subjetiva emocionalmente valorativa do falante com

o conteúdo do objeto e do sentido do seu enunciado” (BAKHTIN, 2010[1952-

53/1979], p. 289).

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A conclusibilidade é o processo interno da alternância dos sujeitos do

discurso, quer dizer, é a resposta ativa do “outro” para o “eu”. Esse conceito reafirma

que a natureza dos discursos está relacionada às relações dialógicas, pois todo e

qualquer falante tem um objetivo ao proferir ou ao escrever um texto/enunciado em

uma situação comunicativa. Mas, para que essa resposta seja dada pelo outro, é

necessário que o todo do enunciado tenha alguma conclusibilidade ou acabamento.

Bakhtin (2010[1952-53]) aponta que o acabamento do enunciado, que

favorece a possibilidade de resposta (ou de compreensão responsiva), compreende

três elementos: 1) exauribilidade do objeto e do sentido; 2) projeto de discurso ou

vontade discursiva do autor; 3) formas típicas composicionais e de gênero do

acabamento. Esses elementos revelam que a conclusibilidade é específica e

determinada por características particulares. Para efeito de compreensão desses

três elementos, falaremos brevemente sobre eles.

O primeiro elemento ─ a exauribilidade ─ está relacionado ao tratamento da

temática pelo autor e pelos participantes em uma situação comunicativa. É

interessante pontuar que a exauribilidade está restrita àquilo que o autor projetou

dizer uma vez que as possibilidades da temática são inesgotáveis tendo em vista

estar inserida no fluxo constante da corrente da comunicação discursiva.

O autor imprime ao seu querer dizer sua expressividade, sua orientação

valorativa, e o tratamento exaustivo do objeto e do sentido depende das

possibilidades de acabamento para a temática. Entretanto, em determinados

contextos, certos gêneros da esfera oficial (pedidos, ordens, ofícios) têm uma

natureza padronizada, favorecendo a exauribilidade plena. Já em outras esferas, por

exemplo, a acadêmica (como em uma tese), há um acabamento mínimo suficiente

para suscitar respostas, mas “o objeto é objetivamente inexaurível” (BAKHTIN,

2010[1952-53/1979], p. 281).

Dessa maneira, afirmamos que o tratamento exaustivo semântico-objetal da

temática apenas evidencia que o autor expressou sua apreciação valorativa dentro

dos limites estabelecidos pelo contexto no qual está inserido como também pelo seu

projeto discursivo. Este é o segundo elemento importante para a conclusibilidade.

O projeto discursivo de um autor organiza-se a partir da relação que ele

mantém com a temática e com o que os destinatários pensam acerca dessa relação

em um contexto específico. Nesse sentido, quando nós nos questionamos em saber

o que o autor quis dizer estamos medindo a conclusibilidade do enunciado. A

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vontade discursiva do autor determina a amplitude e as fronteiras da temática e as

formas estáveis do gênero, no qual seu discurso será construído. Desse modo, os

participantes da comunicação, que são orientados pela situação e pelos discursos

anteriores, “abrangem fácil e rapidamente a intenção discursiva, a vontade

discursiva do falante, e desde o início do discurso percebem o todo do enunciado

em desdobramento” (BAKHTIN, 2010[1952-53/1979], p. 282).

O último elemento ─ formas estáveis do gênero ─ determina a forma como o

autor projetará seu querer dizer em um dado gênero. A escolha do gênero de

discurso acontece em virtude das especificidades da situação concreta da qual o

autor e seus interlocutores participam. Assim, é necessário selecionar o gênero

levando em consideração a esfera da atividade humana, as temáticas que podem

ser ditas para esse contexto como também o perfil dos participantes envolvidos

nessa situação concreta da comunicação discursiva. Essa particularidade do

processo comunicativo reafirma que nossos enunciados possuem formas

relativamente estáveis e típicas, as quais caracterizam determinados gêneros do

discurso. Segundo Bakhtin (1952-53), essa estabilidade relativa dos gêneros

discursivos é mais facilmente percebida do ponto de vista temático, composicional e

estilístico.

O conteúdo temático, muitas vezes, é confundido com o assunto específico

de um texto, mas, na verdade não é isso, o ponto de vista temático é um domínio de

sentido de que se ocupa o gênero. O autor caracteriza como sendo o conteúdo

presente no enunciado concreto, que reporta sempre à produção de sentidos

referentes a um determinado contexto.

A construção composicional é expressa na obra de Bakhtin como o modo de

organizar, compor, estruturar o conteúdo de um texto/discurso no material

linguístico. A respeito desse elemento do gênero, remetemos às nossas

considerações sobre a questão em seções anteriores.

Não podemos nos esquecer de que a apreciação valorativa do autor sobre a

temática do que pode ser dizível, sobre seus interlocutores podem e vão determinar

a forma composicional e os estilos dos enunciados.

O estilo é apresentado como as escolhas efetuadas nos elementos da língua

de forma adequada ao nosso “querer dizer discursivo”. Bakhtin (1952-53) fala em

estilo de gênero e estilo de autor. O estilo de gênero diz respeito aos elementos

linguísticos — elementos lexicais, estruturas sintáticas, semânticas — que, devido às

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características da temática do gênero, são costumeiramente mobilizados em sua

produção. Tomamos, por exemplo, a questão da temática e do tempo/espaço nos

gêneros da narrativa que, geralmente, exigem verbos no passado imperfeito para

relatar os acontecimentos anteriores ao tempo da narrativa e no passado perfeito

para os acontecimentos do tempo da narrativa em si.

O estilo não é assim um mero momento técnico ou atualização da gramática,

mas é a unidade de materialização da temática, tendo por base, tal a forma

composicional, a orientação valorativa do autor para os participantes do discurso.

Em outras palavras, o estilo está vinculado ao conteúdo de um discurso e a sua

maneira de organização, não são apenas desvios de normas, conforme pontuam

Bakhtin/Volochinov

“O estilo é o homem”, dizem; mas poderíamos dizer: o estilo é pelo menos duas pessoas ou, mais precisamente, uma pessoa mais seu grupo social na forma do seu representante autorizado, o ouvinte o participante constante na fala interior e exterior de uma pessoa. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1926, p. 17).

Como podemos observar, o estilo é engendrado a partir da posição axiológica

do autor do ponto de vista de um grupo social de que participa e ele implica também

o envolvimento da imagem social de um ouvinte/destinatário. O estilo, portanto,

ultrapassa os meros limites gramaticais e frasais, pois ele vence a resistência desse

material linguístico pela ciência do autor de estar envolvido de forma integrada em

uma atividade de selecionar, determinar, construir e dar acabamento a um todo

discursivo/enunciado concreto. Em suma, o estilo é determinado pelas avaliações

valorativas do autor e do interlocutor (leitor), em função do objeto do discurso.

Podemos dizer que o estilo aponta para um tipo de aliança entre a forma

composicional e a do conteúdo temático. É claro que tudo vai se juntar à inteireza da

experiência de cada sujeito, que aponta para a atitude que deve ser coletivamente

construída e desenvolvida a partir do contato com os dizeres do “outro”. É bem

verdade que nem todos os gêneros retratam o estilo do autor, como é o caso

daqueles gêneros padronizados, que não aceitam modificações em sua forma, a

exemplo da petição e da ata que circulam na esfera jurídica.

Em suma, pensar a linguagem do ponto de vista da linguística enunciativo-

discursiva é ver esse fenômeno em sua dinamicidade socioideológica e cultural em

seus contextos de uso para os quais os códigos e as estruturas linguísticas precisam

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ser flexíveis e adequadas aos desígnios da criação autoral. A nosso ver, a criação

autoral no âmbito dos gêneros discursivos é um elemento importante para pensar a

produção discursiva. Esse, por exemplo, é o nosso interesse neste trabalho por meio

do qual objetivamos analisar a linguagem em uso em processo de ensino-

aprendizagem escolar, tendo como foco principal as relações de alunos com a

produção de texto a partir das quais buscaremos entender em que medida os

materiais didáticos da Olimpíada de Língua Portuguesa interferem ou contribuem

para a formação do aluno-autor.

CAPÍTULO II

O Ensino-Aprendizagem de Língua Portuguesa: Um olhar para a produção escrita

[...] não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente [...].

(SOARES, 1998 p. 20)

No capítulo 2, faremos uma breve apresentação das concepções de ensino-

aprendizagem de língua materna, tomando como base as proposições teóricas

cognitivas, textuais, socioculturais e discursivas que surgem a partir das viradas

pragmáticas e discursivas nos estudos linguísticos. Nosso objetivo principal é

mostrar as diversas perspectivas da escrita assumidas nessas proposições e suas

refrações nos documentos oficiais, como os PCNLP, e nos materiais didáticos como

os cadernos de sequências didáticas da Olimpíada de Língua Portuguesa

Escrevendo o Futuro.

O ensino de Língua Portuguesa é dividido em: leitura, produção de texto,

gramática, oralidade. Estes conteúdos ora são trabalhados de forma interligada, ora

são tomados como objetos de ensino independentes. Isso pode ser observado nas

aulas e em materiais didáticos, que assumem determinadas perspectivas teóricas

para o ensino da língua materna. Por essa razão, afirmamos que a concepção de

linguagem ─ a interação social ─ levou a mudanças significativas nesses conteúdos

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da Língua Portuguesa como também os métodos de ensino também foram

repensados e discutidos a partir de outras teorias de ensino-aprendizagem.

No que se refere ao ensino da escrita e leitura, os anos 80 e 90 foram

marcados por grandes transformações na educação, em que vários projetos foram

criados para dar suporte ao professor e avaliar o ensino existente nesse período.

Uma das preocupações, nesse sentido, foi que grande parte dos alunos não

dominava certas capacidades de leitura e escrita fundamentais para participarem

ativamente na sua realidade social. Essa preocupação fez com que esses objetos de

ensino recebessem atenção da Academia, pois os pesquisadores entendiam que

apenas saber ler e escrever não era suficiente para formação do ser cidadão, mas

era preciso saber fazer uso eficaz da leitura e da escrita de forma que respondesse

às expectativas sociais, considerando que a escola objetivava uma formação mais

autônoma, mais cidadã.

Em vista disso, um dos principais objetivos da escola, naquele momento, era

permitir que os objetos de ensino previstos para cada etapa escolar tivessem

relação com a realidade social dos alunos a fim de que eles, em quaisquer práticas

sociais, soubessem fazer usos das práticas de linguagem.

Segundo Rojo (2002, p. 2), as práticas de linguagem são uma

noção de ordem social, que implica a inserção dos interlocutores em determinados contextos ou situações de produção, a partir dos quais, tendo a linguagem como mediadora, os agentes sociais estabelecem diferentes tipos de interação e de interlocução comunicativa, visando diferentes finalidades comunicativas e a partir de diversificados lugares enunciativos.

Para a participação plena, os alunos precisarão ter experiências,

conhecimento a respeito dessas práticas e, para isso, Geraldi (2006[1984], p. 44)

nos faz uma importante reflexão acerca das nossas práticas:

[...] que tipo de aluno queremos desenvolver: aquele que tem domínio da língua através do uso diário, concreto fortalecido pelas interações do cotidiano que domina a língua falada em situações práticas e concretas ou aquele aluno que sabe analisar e dominar conceitos a partir dos quais se falam sobre a língua de forma estrutural.

Nesse sentido, dizemos que o ensino da Língua Portuguesa deve ser

compreendido como um processo contínuo da apropriação de práticas sociais, cuja

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materialização dá-se por meio de textos orais e escritos que circulam em espaços

públicos e formais.

Ao assumirmos tal posicionamento, objetivamos, neste capítulo, discorrer

sobre o ensino da Língua Portuguesa, sobretudo, a produção textual. Para isso,

discutiremos as influências dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Além disso,

buscaremos relacionar a escrita à noção de autoria como também a escola de

gêneros de Genebra (BUNZEN, 2004) à teoria vigotskiana.

2.1 Escrita, diferentes perspectivas através do tempo, dentro dos estudos linguísticos e da Linguística Aplicada

Rojo e Cordeiro (2004) e Rojo (2005) afirmam que os processos investigativos

da produção textual e de seu desenvolvimento e aprendizado têm como base teórica

as perspectivas cognitiva e textual.

A abordagem cognitivista de memórias de longo prazo a qual armazena os

esquemas de conhecimento para o processo de produção de texto privilegiou os

processos mentais internos do sujeito, desconsiderando a natureza sociointerativa

da linguagem. Já a abordagem textual buscou, inicialmente, compreender o

processo interacional envolvido na produção textual, em que há sujeitos envolvidos

na sua elaboração. Essas perspectivas teóricas estavam buscando dar outro

tratamento didático para os conteúdos previstos para as aulas de Língua

Portuguesa, pois houve um deslocamento de análise: da frase para o texto, e,

posteriormente, para o texto em seu contexto de uso. Essa mudança de perspectiva

constituiu a virada pragmática nas décadas de 70 e 80. Em outras palavras, a virada

do estudo da linguagem em uso e contextualizada.

A teoria cognitivista, segundo Guimarães (2009, p. 63), centrou seus estudos

nos “mecanismos mentais do sujeito, buscando estabelecer padrões abstratos e

universais para a produção de textos”.

Essa abordagem favoreceu a elaboração de atividades que privilegiavam as

etapas da escrita: contexto, planejamento, edição e revisão de uma produção. Em

vista disso, a etapa do planejamento, da elaboração e da revisão do texto passaram

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a ter espaço nos estudos e nas atividades em sala de aula (GUIMARÃES, 2009).

São representantes dessa vertente teórica Flower e Hayes (1979; 1980).

A teoria textual está relacionada à Linguística Textual, cujo surgimento deu-se

a partir da década de 60, na Europa e nos Estados Unidos. Os estudiosos dessa

corrente teórica tomaram o texto como objeto de investigação e deram outro

tratamento para a língua, pois passou a ser estudada no texto e não apenas como

estrutura. Os precursores da Linguística de Texto são Weireich (1964; 1976),

Harweg (1968), Isenberg (1970), Lang (1971; 1972), Dressler (1972; 1977), Dijk

(1972;1973), Halliday e Hasan (1973), Petöfi (1972; 1973) entre outros.

Na Linguística Textual, os pesquisadores estavam mais preocupados em

investigar “a constituição, o funcionamento, a produção e a compreensão dos textos

em uso” (BENTES, 2011[2000], p. 251), já que diversos fatores, como linguísticos,

cognitivos, socioculturais, interacionais eram preponderantes para o estabelecimento

de sentido de qualquer texto. Seus principais representantes são Charolles (1987),

Dijk (1992), Beaugrande (1984), Beaugrande & Dressler (1981) e no Brasil temos

Koch (1987; 1988), Fávero e Koch (1983; 1988), Guimarães (1987), Costa Val

(1991), Bastos & Mattos (1986), Bastos (1994), Geraldi (1984; 1991), Ramos (1997).

Acreditamos que os pesquisadores brasileiros contribuíram para que o texto

fizesse parte das aulas de Língua Portuguesa, embora, inicialmente, foi tomado

apenas como suporte para o desenvolvimento de habilidades para a produção

textual (ROJO; CORDEIRO, 2004).

De forma ilustrativa, remete-nos às práticas de produção de texto em que

havia preocupação em estabelecer modelos prototípicos – padronizados - para os

alunos, pois cabia ao professor e aos autores de materiais didáticos fornecerem

modelos de estruturas (introdução, desenvolvimento, conclusão) para um

determinado tipo de texto, por exemplo, o dissertativo.

Apesar dessa virada pragmática – pelo uso da linguagem -, observamos que

os textos ainda são tomados numa abordagem estrutural (introdução,

desenvolvimento, conclusão). Esse modo de ensinar textos na sala de aula com

enfoque nas suas propriedades oferecia:

conceitos e instrumentos que generalizavam as propriedades de grandes conjuntos de textos (tipos), abstraindo suas especificidades e propriedades intrínsecas em favor de uma classificação geral (tipologias), que acabava por preconizar formas globais nem sempre

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compartilhadas pelos textos classificados (ROJO; CORDEIRO, 2004, p. 9).

Essa visão para o ensino da escrita é tradicional, pois está fundamentada na

estrutura dos textos e enfatiza-se o domínio da tipologia textual (dissertação,

narração e descrição) para todo e qualquer texto, desconsiderando as diferentes

linguagens que podem ser observadas, por exemplo, em HQs, charges, anúncios e

tirinhas, nos textos orais etc. Além disso, esse enfoque nas propriedades do texto

originou “a gramaticalização dos eixos do uso, passando o texto a ser ‘pretexto’ não

somente para um ensino da gramática normativa, mas também da gramática textual,

na crença de que ‘quem sabe as regras sabe proceder’” (ROJO; CORDEIRO, 2004,

p. 9).

Dessa forma, a prática de produção de texto era simulada, pois havia mais

preocupação com a forma e concordamos com Geraldi (2002[1984], p. 128) que “na

escola não se produzem textos em que o sujeito diz sua palavra, mas simula-se o

uso da modalidade escrita, para que o aluno se exercite no uso da escrita,

preparando-se para de fato usá-la no futuro.” Isso reafirma a questão de que o texto

era visto como objeto de uso, mas não como material de língua viva de ensino. Com

isso, a interlocução no processo de construção de práticas discursivas ficou durante

muito tempo em segundo plano.

Por essa razão, Rojo e Cordeiro (2004, p. 10) tecem crítica à abordagem

textual no que se referem às práticas ligadas ao uso, à produção e à circulação dos

textos por desconsiderar o contexto de produção e de leitura, pois, para o ensino de

leitura objetiva-se a “extração de informações (explícitas e implícitas) mais do que

uma leitura interpretativa, reflexiva e crítica”, já no ensino da produção, os alunos

são guiados “pelas formas e pelos conteúdos mais que pelo contexto e pelas

finalidades dos textos.” Tais práticas receberam críticas, porque condicionaram o

aluno ao levantamento de informações e a repetir estruturas de textos.

Assim, inúmeras discussões na década de 80 e 90 foram realizadas em torno

do enfoque dos textos e de seus usos em sala de aula, pois os pesquisadores

chegaram à conclusão de que era preciso, por conta desse fracasso escolar, outra

perspectiva teórica que possibilitasse aos objetos de ensino da Língua Portuguesa ─

redação, leitura e gramática ─ uma prática direcionada à questão discursiva,

oportunizando aos alunos uma abordagem mais interativa, a fim de que eles, por

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exemplo, ao produzirem um texto, pudessem se assumir como autores, o que

implica: “ter o que dizer; ter razões para dizer o que tem a dizer, ter para quem dizer;

assumir-se como sujeito que diz para quem diz e escolher estratégias para dizer”

(GERALDI, 1997[1991], p.160-161). Esse posicionamento revela que a produção

textual deve ser uma prática sociossituada, levando os alunos a compreenderem a

importância da situação de produção para uma participação mais autônoma nas

diferentes situações de interlocução.

Essas considerações em torno dos objetos de ensino da Língua Portuguesa

nos revelam que outras correntes teóricas foram incorporadas pela Academia em

suas pesquisas e ações voltadas para a formação do professor, aliando outra

concepção de ensino-aprendizagem (sócio-histórica, de Vigotski, 1930-1934-1935) à

de língua(gem) (como interação social, de Bakhtin/Volochinov,1929), buscando uma

prática sociossituada. Essa prática foi denominada “virada discursiva ou enunciativa”

(ROJO; CORDEIRO, 2004, p. 10).

No bojo dessa virada paradigmática, Rojo (2005) afirma que os

pesquisadores, ao perceberem a incompatibilidade entre as perspectivas teóricas

(sócio-histórica e cognitivista) passaram a realinhar suas pesquisas a fim de evitar

as incongruências entre os pressupostos básicos das duas vertentes teóricas. Isso

porque os conceitos vigotskianos atestam que a aprendizagem do indivíduo dá-se

em espaços sociais a partir da interação entre os participantes em um dado

momento histórico.

Dessa forma, os neo-vigotskianos da escola americana optaram em fazer

releituras do pensamento de Vigotski em prol da ótica sócio-construtivista e dos

construtos cognitivistas. Seus estudos privilegiaram as construções mentais dos

indivíduos, procurando explicar (do ponto de vista sócio-histórico), “a partir da

interação e da linguagem o processo social de construção e gênese dos esquemas

[mentais]” (ROJO, 2005, p. 189). Esse enfoque, segundo Rojo, estuda a “relação

entre aprendizagem/desenvolvimento, relação pensamento/linguagem,

internalização e ZPD (zona proximal de desenvolvimento)” (idem, ibidem).

Já os neo-vigotskianos da escola europeia, por exemplo, a escola de

Genebra, cujos pesquisadores principais são Bronckart, Schneuwly, Dolz, faz

redefinições e releituras do funcionamento da linguagem e suas relações com o

pensamento articuladas com alguns conceitos teóricos do Círculo de Bakhtin, dentre

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eles citamos a linguagem e suas imbricações ou sua inter-relação com os gêneros

discursivos, interação.

Para Rojo (2005, p. 189), a adoção da perspectiva enunciativo-discursiva de

Bakhtin e sua articulação com os construtos psicológicos de Vigotski fazem com que

essa escola redefina e revise sua definição de linguagem ─ “tomada, então como

discurso ou enunciação, de interação e de discurso interno”.

Essas escolas americana e europeia encontraram espaço no contexto

acadêmico brasileiro, pois os programas e propostas curriculares sofreram várias

mudanças em virtude dessa virada paradigmática.

No Brasil, temos, inicialmente, Geraldi como um dos primeiros pesquisadores

a assumir a concepção de linguagem enquanto interação, a qual sustentou as

redefinições dos objetos de ensino de Língua Portuguesa: leitura, produção textual,

gramática, oralidade. Sua proposta foi apresentada no livro O texto na sala de aula,

publicado em 1984, cuja contribuição pôde ser observada na década de 90, em

relação às mudanças sofridas no currículo escolar de Língua Portuguesa, em que

houve um deslocamento dos eixos do ensino-aprendizagem de língua materna: “de

um ensino normativo [análise da língua e gramática], para um ensino procedimental

[usos da língua escrita, leitura e redação são valorizados] [e] também, uma análise

gramatical ligada a esses usos textuais: as atividades epilinguísticas” (ROJO;

CORDEIRO, 2004, p. 8). Esses eixos foram elaborados com base nas ideias de

Geraldi (1984), que propôs três eixos para as aulas de Língua Portuguesa: a prática

de leitura, a prática de produção de texto e a prática de análise linguística.

Essas reapropriações teóricas de diferentes pesquisadores brasileiros

contribuíram para o redimensionamento do ensino de Língua Portuguesa, pois

pensar a linguagem do ponto de vista de seu uso real permitiu que o ensino fosse

direcionado para uma prática social, reflexiva que vê a sala de aula, assim como as

esferas da comunicação humana, como um lugar de interação verbal. Desse modo,

segundo Rojo e Cordeiro (2004, p. 11), “convoca-se a noção de gêneros (discursivos

ou textuais) como instrumento melhor que o conceito de tipo para favorecer o ensino

de leitura e de produção de textos escritos e, também, orais”.

Por essa razão, os gêneros são tomados como objetos de ensino, o texto é a

unidade de ensino e a concepção de linguagem que baliza essa prática é a

interação. Tal direcionamento está posto nos documentos oficiais, precisamente, nos

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Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCNLP, BRASIL, 1997,

1998).

Portanto, a virada enunciativo-discursiva favoreceu mudanças na concepção

de língua(gem), pois houve redefinições nos objetos de ensino da Língua

Portuguesa, permitindo, em certa medida, reformulação nas práticas em sala de aula

como também possibilitou que a concepção de ensino-aprendizagem passasse para

a sócio-histórica, assim, o ensino-aprendizado da língua materna vem passando por

reformulações teórico-metodológicas ao longo do século XX.

Na próxima seção, apresentaremos a perspectiva assumida pelos PCNLP em

relação ao ensino da escrita.

2.2 A escrita nos PCNLP3

A publicação do documento oficial Parâmetros Curriculares Nacionais de

Língua Portuguesa representou, na década de 90, um avanço no debate instaurado

por diferentes pesquisadores via publicações científicas (artigos, teses,

dissertações) e programas de formação continuada de professores no que se refere

ao ensino-aprendizagem de língua materna, por propor mudanças no currículo

escolar desta disciplina. Essa reformulação deveu-se também à virada discursiva,

vivenciada pela Academia durante sua publicação.

Nesse documento, é possível observamos a presença de diferentes

perspectivas teóricas em prol do redimensionamento do ensino de Língua

Portuguesa, tais como: a teoria enunciativo-discursiva do círculo de Bakhtin, a

Análise do Discurso, a Linguística Textual, a Análise da Conversação, a

Sociolinguística (ROJO; CORDEIRO, 2004; ROJO, 2005), que buscam compreender

a linguagem em uso. Além disso, temos a influência do pensamento de Vigotski no

ensino-aprendizagem. Outra questão posta pelos estudiosos da linguagem quanto a

essa diversidade teórica nos documentos é a ausência de um fio coerente, já que se

3 Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa foram publicados em 1997 para o 1º e

2º ciclos do Ensino Fundamental I e, em 1998, publicaram-se para o 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental II. Em nosso trabalho, faremos uso desta última publicação, em virtude do objeto de estudo está voltado para o 9º ano do Ensino Fundamental II.

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pode observar algumas imprecisões teóricas, por exemplo, a questão flutuante do

conceito gêneros discursivos e textuais4, entre outras.

Apesar dessas incongruências, os PCNLP representam um “avanço

considerável nas políticas educacionais brasileiras em geral, em particular, nas

políticas linguísticas contra o iletrismo e em favor da cidadania crítica e consciente”

(ROJO, 2000, p. 27). Assim, as orientações apresentadas no documento oficial

encaminham o professor a assumir uma outra concepção de ensino de língua(gem)

a fim de favorecer uma formação mais autônoma e cidadã para os alunos do Ensino

Fundamental, rompendo com o excesso de escolarização das atividades de leitura e

escrita, com o ensino tradicional de língua, centrado em atividades estruturais e

descontextualizadas.

Por isso, a concepção a ser assumida é a da interação verbal, favorecendo

um ensino de língua mais contextualizado, permitindo que as práticas de leitura,

produção e análise linguística sejam orientadas pelas condições de uso e de

reflexão. Para atingir tal intento, os PCNLP fazem algumas ponderações acerca da

linguagem e seu lugar social em nosso cotidiano. Segundo esse documento oficial,

O domínio da linguagem, como atividade discursiva e cognitiva, e o domínio da língua, como sistema simbólico utilizado por uma comunidade lingüística, são condições de possibilidade de plena participação social. Pela linguagem os homens e as mulheres se comunicam, têm acesso à informação, expressam e defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de mundo, produzem cultura. Assim, um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de contribuir para garantir a todos os alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania (BRASIL, 1998, p. 19).

De acordo com esse excerto, a linguagem, nos PCNLP, é entendida como um

trabalho de construção, que passa pelo fazer coletivo e participativo, o qual

evidencia um processo histórico social e cultural. Nessa concepção, o aluno é

constituído por um processo ativo, que produz discursos e dizeres proficientes e

significativos de acordo com suas práticas diárias. Assim, as produções não devem

existir somente por meio de palavras soltas ou frases isoladas, pelo contrário, deve-

4 Para maiores considerações, ver Figueiredo (2005) sobre a concepção de gêneros textuais e

gêneros discursivos e seus usos nos PCNL e nas aulas de língua portuguesa.

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se buscar uma prática discursiva que perpasse a contextualização vivida pelo

educando.

Em vista disso, no tocante à prática de produção oral e escrita, os PCNLP

afirmam que, ao longo do Ensino Fundamental, o aluno deve ser capaz de planejar

“sua fala [e escrita] pública usando a linguagem escrita em função das exigências da

situação e dos objetivos estabelecidos” (BRASIL, 1998, p. 5). Para isso, o professor

de Língua Portuguesa deverá levar para sala diferentes textos para que possa

ampliar o conhecimento do aluno e para que ele seja “capaz de interpretar diferentes

textos que circulam socialmente, de assumir a palavra e, como cidadão de produzir

textos eficazes nas mais variadas situações” (BRASIL, 1998, p. 19).

Para atingir esse objetivo, conforme havíamos apontado anteriormente, são

apresentados dois eixos básicos para o tratamento didático dos conteúdos de

Língua Portuguesa no Ensino Fundamental, conforme o esquema abaixo.

(BRASIL, 1998, p. 35)

De acordo com os PCNLP, esses eixos permitirão que os alunos

compreendam o contexto de produção, recepção, circulação dos enunciados orais e

escritos em um dado momento sócio-histórico. Esse enfoque dos PCNLP visa

desconstruir a prática tradicional quanto ao ensino de textos escritos que, até aquele

momento da publicação do documento, estava, ainda, calcada em propostas de

produção descontextualizadas, em que objetivo maior era observar se o aluno sabia

estruturar seu texto, usar corretamente a língua padrão, usar os mecanismos

coesivos, os operadores argumentativos. Tratava-se de um exercício de redação,

para treino e preparação para exames de vestibulares ou uma atividade profissional.

Além disso, o texto era produzido para ser lido e corrigido apenas pelo professor.

Os conteúdos previstos no eixo uso são a prática de escuta e leitura e a

prática de produção de textos orais e escritos e no eixo reflexão, a prática de

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análise linguística. Esses eixos possibilitarão aos alunos conhecimento das

especificidades das variadas práticas de linguagem em função da articulação que

estabelecem entre si (BRASIL, 1998). De acordo com as orientações dos PCNLP, a

prática do professor deverá levar em consideração estes objetivos para o ensino

Língua Portuguesa.

No trabalho com os conteúdos previstos nas diferentes práticas, a escola deverá organizar um conjunto de atividades que possibilitem ao aluno desenvolver o domínio da expressão oral e escrita em situações de uso público da linguagem, levando em conta a situação de produção social e material do texto (lugar social do locutor em relação ao(s) destinatário(s); destinatário(s) e seu lugar social; finalidade ou intenção do autor; tempo e lugar material da produção e do suporte) e selecionar, a partir disso, os gêneros adequados para a produção do texto [...] (BRASIL, 1998, p. 49) [grifo nosso).

Nesses objetivos, a prática de produção de textos está alicerçada nos

gêneros, os quais possibilitam aos alunos uma escrita mais real, pois há uma

situação de produção definida, não permitindo que a produção seja um fim em si

mesmo, sem autoria, sem leitores. Aqui, o produtor deverá assumir seu querer dizer,

pois há um projeto discursivo em funcionamento, como já pontuamos, o autor orienta

seu querer dizer em função da temática, dos destinatários, os quais determinam a

escolha do gênero no qual serão materializados seu objeto do discurso e seus

sentidos. Isso reafirma a proposição do Círculo de Bakhtin de que todo e qualquer

falante tem um objetivo ao proferir ou ao escrever um texto/enunciado em uma

situação comunicativa.

Para os PCNLP, nas atividades de produção escrita, o ato de escrever é

complexo, porque o sujeito-autor precisa ser capaz de articular dois planos: o do

conteúdo (o que dizer) e o da expressão (como dizer). Esses dois conceitos são

essenciais para configurar a autoria em uma dada produção. Nessa busca pelo

aluno-autor, há orientações para que, durante as atividades, os alunos sejam

levados a construírem seu conhecimento acerca de um determinado gênero de

forma sistematizada e apropriando-se da forma composicional, do conteúdo

temático, do estilo do gênero e o estilo individual do autor, para que esse futuro

autor possa ter seu próprio estilo, assumindo sua voz em seus discursos

(BRASIL,1998).

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Essa orientação do documento oficial nos revela que há preocupação com

que o aluno compreenda o funcionamento de um determinado gênero, para que

possa apropriar-se dele e, futuramente, saiba produzir seus enunciados, levando em

consideração a situação de produção a que estiver exposto. Outra preocupação é

que o aluno seja autor de seus discursos, num processo contínuo, pois o professor

precisará mobilizar ações didáticas para ajudar ao aluno a ter consciência de seu

papel social em quanto produtor de textos.

Ao se pensar nas atividades, o professor deverá observar nos textos escritos

as reais necessidades de seus alunos, a fim de que possa ajudá-los nessa atividade

complexa que é a escrita. Dessa forma, o “olhar do educador para o texto do aluno

precisa deslocar-se da correção para a interpretação; do levantamento das faltas

cometidas para a apreciação dos recursos que o aluno já consegue manobrar”

(BRASIL, 1998, p. 77).

Com base nessas orientações dadas pelos PCNLP, podemos afirmar que

esse documento não propõe diretamente a escrita como objeto de ensino, mas

desloca essa proposta para o âmbito dos gêneros na prática de produção de textos

orais e escritos. Essa escolha, a nosso ver, permite um trabalho mais amplo, já que

não se fixa nos processos cognitivos ou textuais, mas nos usos da linguagem nas

situações interlocutivas, em que o contexto sócio-histórico, cultural e ideológico tem

valor significativo para a compreensão dos enunciados orais e escritos. Desse

modo, criam-se melhores condições para que o aluno seja autor de seus discursos

como também compreenda os discursos alheios.

Entendemos que os PCLNP (1998), ao assumirem a existência de um tripé

envolvido na produção textual ─ autor-objeto do discurso-interlocutor, assentam sua

proposição nas relações dialógicas, por acreditar que nelas ocorre uma atitude ativa

e crítica por parte de quem escreveu e também pelos interlocutores, pois nesse

processo ininterrupto entre os sujeitos do discurso, podem-se ultrapassar os limites

de um texto, pois se colocam em evidência o momento de quem escreve e o de

quem interpreta. Dessa forma, já que existem autores e co-autores na construção

dos sentidos, é necessário criar situações autênticas de produção.

Entendemos que os PCLNP (1998) assumem esse discurso por asseverar

que, nas relações dialógicas, ocorre uma atitude ativa e crítica por parte dos

interlocutores, tendo em vista que se podem ultrapassar os limites de um texto, pois

se colocam em evidência o momento de quem escreve e o de quem interpreta.

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Dessa forma, já que existem autores e co-autores na construção dos sentidos, é

necessário criar situações autênticas de produção.

Na próxima seção, falaremos da escrita e da autoria, procurando

compreender o papel da escola no processo de construção do texto, em que se

busca o aluno-autor.

2.3 Escrita e Autoria

Geraldi (2008[1984]) tem feitos inúmeras críticas, desde os anos 80, quanto

ao ensino da escrita nas escolas, pois, segundo ele, existe apenas simulação, por

isso o pesquisador estabeleceu a dicotomia produção de texto e ensino de redação.

Este último está voltado apenas para o ambiente escolar, quer dizer, o aluno

produz para a escola, já que o leitor é apenas o professor, o detentor do

conhecimento, preparado para corrigir e dizer se o aluno estava preparado ou não

em relação à escrita. Além disso, há cobrança para o domínio da norma culta, como

se isso fosse suficiente para garantir a autonomia na escrita.

A adoção da expressão produção de texto está ligada a dois aspectos

envolvidos no processo de escrever. O primeiro diz respeito às condições de

instrumentos e agentes de produção, além de focalizar o modo como se produz um

texto na escola (GERALDI, 2010[2008]). Nessa perspectiva, há um sujeito do

discurso, que é agente de seu dizer, que possui um projeto discursivo, direcionado

para um determinado interlocutor de uma dada esfera da atividade humana. Isso

assegura que há um sujeito responsável pelo seu querer dizer, pois possui uma

visão de mundo única, particular, que o diferencia de outros sujeitos. Essa questão

nos faz retomar o conceito de que Bakhtin nos apresentou na década de 20, o

sujeito não tem álibi na sua existência, uma vez que ele deve assumir a

responsividade dos enunciados proferidos e escritos por ele perante outros

enunciados. É o ato ético do qual Bakhtin nos fala, da nossa unicidade e

singularidade no mundo, pois somos responsáveis pelos significados que damos aos

nossos enunciados para uma dada situação concreta da qual fazemos parte.

O segundo aspecto remete à noção de texto, assumida para a produção

textual. Segundo Geraldi (2010 [2008], o ensino da escrita a partir de um conjunto de

regras para ser aplicado ou mesmo de suas regularidades composicionais,

temáticas ou estilísticas não são suficientes para dizer que tal texto ocorrerá sempre

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assim em um contexto sócio-histórico. Para ele, a produção textual envolve as

condições discursivas, pois são as responsáveis pela orientação do querer dizer do

sujeito escritor e são elas que determinam as regularidades do enunciado. Isso

porque o enunciado jamais será resultado de aplicação de regras, de fórmulas pré-

estabelecidas para sua composição (idem).

Nisso reside a escolha dos PCNLP pela expressão produção de texto, a qual

está ligada ao objeto de ensino gêneros, uma vez que não é possível tratar o

gênero como se fosse algo totalmente estável, pois no processo de didatização será

necessário levar em consideração estes aspectos:

Há que se associarem o querer dizer do locutor, que sempre remete à relação com seus interlocutores e o estilo próprio do sujeito que fala, isto é, suas escolhas dentre as estratégias de dizer disponíveis ou suas elaborações de estratégias novas resultantes da articulação que realiza entre o disponível e o novo (GERALDI, 2010[2008], p. 168).

Ao assumir essa perspectiva teórica, o professor precisa considerar o projeto

discursivo, a fim de oportunizar uma prática de produção de texto que permita que

seus alunos sejam autores de seus textos e produtores de sentidos e discursos.

Segundo Kleiman (2002, p. 19), ensinar a compreender um texto escrito “é

papel do educador, significa lidar com a complexidade do ato de compreender e a

multiplicidade de processos cognitivos que constituem a atividade em que o leitor se

engaja para construir o sentido de um texto escrito”. Mas, em meios a tantos dizeres,

tantas propostas e opiniões, é sempre necessário reforçar que a constituição de

sujeitos aptos para ler e escrever não depende unicamente do professor, mas

também de como esse aluno é inserido nas relações sociais que se estabelecem

pela interação entre autor e leitor.

Desse modo, para se ensinar a escrever ou a ler um texto de forma que o

aluno consiga interpretar e compreender, faz-se necessário lidar com o

conhecimento que cada sujeito/aluno traz consigo. Quando se permite ao aluno

contato com sua história, com o que aprendeu ao longo de sua existência, ele

poderá compreender a palavra dele e do outro, uma vez que, nas relações sociais

mediadas pela linguagem, todos participantes da comunicação verbal são

importantes na interação. Tal prática é um fator relevante para a elaboração de

textos com autoria.

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Para Bakhtin, “todo texto tem um sujeito, um autor (que fala, escreve)”.

Todo texto apresenta dois fatores importantíssimos para determinar e tornar um

enunciado: “seu projeto (a intenção) e a execução desse projeto” (2010[1979], p.

330). A inter-relação dinâmica entre esses fatores permite que se compreenda a

discursividade de uma produção, a qual dialoga com outros enunciados, outros

contextos sócio-históricos, outras esferas sociais. Assim, dizemos que o autor se

constrói por meio de um olhar arquitetônico, ou seja, a construção se dá a partir da

ressignificação que o eu faz de seus enunciados concretos e dos “outros” e constitui-

se a partir dessa relação com o outro.

Dessa forma, em concordância com Bakhtin (2003[1979]), acreditamos que a

produção acontece a partir do momento que o autor se coloca fora de si mesmo,

vive um plano diferente daquele que vivemos, para que possa completar-se através

de uma arquitetônica (construção), até formar um todo. O escritor (autor-criador),

inicialmente, ao produzir qualquer texto, deve tornar-se outro em relação a si

mesmo, deve se olhar pelos olhos de outro. Bakhtin (2010[1979], p. 37) aprofunda

a questão:

Não posso vivenciar-me convincentemente por inteiro encerrado em um objeto externamente limitado, todo visível e tátil, coincidindo completamente com ele em todos os sentidos, mas não posso representar o outro de modo diferente: tudo o que conheço do interior dele e em parte vivencio empaticamente eu lhe insiro na imagem externa como num recipiente que contem o seu eu, sua vontade, seu conhecimento; para mim, o outro está reunido e contido por inteiro em sua imagem externa. Enquanto isso, eu vivencio minha própria consciência como se ela estivesse a abarcar o mundo, a abrangê-lo e não alojada nele. A imagem externa pode ser vivenciada como uma imagem que conclui e esgota o outro, mas eu não a vivencio como algo que me esgota e me conclui.

Tomando a afirmação de Bakhtin, postulamos que, se na vida só o outro pode

me completar, a exotopia é um conceito crucial para o indivíduo compreender sua

realidade e, assim, poder externá-la de forma a ressignificar o olhar do outro para

essa mesma realidade.

Nesse sentido, cabe à escola oportunizar trabalhos em que os alunos sejam

levados a distanciar-se da palavra alheia e compreender esse discurso para que

possam produzir seus enunciados. Tal prática fará com que eles sejam

considerados autores, uma vez que conseguirão não apenas refletir (ler o texto,

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extrair dele informações), mas reacentuarão esse querer dizer, ou seja, tomarão a

palavra do outro e, de acordo com seu projeto discursivo, reelaborarão essa palavra

com outros acentos, tornando-a, paulatinamente, palavra própria.

Essa questão nos faz pensar que, na perspectiva bakhtiniana, a linguagem

escrita permite a comunicação além do tempo, uma vez que funciona como

mediadora da cultura e é constituída, historicamente, em função da mediação das

produções humanas as quais vão muito além do tempo presente, no sentido do

“tempo grande”, de que fala Bakhtin. Em vista disso, dizemos que a produção de um

texto será o resultado da enunciação, em que o escritor (aluno-criador) produz seu

texto levando em consideração a situação de produção, para que possa orientar seu

querer dizer aos interlocutores de seu texto.

Nosso posicionamento é corroborado em Bakhtin, pois, segundo ele, a autoria

emerge a partir do momento que alguém se coloca e se posiciona em seu texto,

deixando claro o seu “querer dizer”, dito de outra forma, sua intenção no enunciado

que produz, no qual revela seu estilo em consonância a um gênero escolhido.

Assim, evidencia-se a inter-relação entre o que se falou e o que se produziu

(enunciado produzido e a situação de produção). E nesse vai e vem para escolher

as melhores formas de expressões do que deseja dizer e adaptar ao momento, ou a

situação, faz com que surjam marcas de autoria e o estilo do sujeito que produz. É

claro que tudo está permanentemente ligado ao estilo do gênero.

Já Possenti5 (2002) diz que os indícios de autoria são revelados quando

diversos recursos da língua são estabelecidos de forma pessoal, de acordo com o

gosto de cada pessoa. Para o autor, esses fatos devem produzir, também, efeitos de

autoria. Contudo, é preciso esclarecer que só será autor mediante um contexto

histórico, pois os sentidos só acontecem quando passam por um processo de

historicidade. A noção de autoria para o referido autor retoma a questão de estilo, as

quais se completam e se complementam, pela observação e postura dentro de um

texto, pois só assim a presença do sujeito-autor começa se mostrar por meio das

diferentes marcas e recursos estilísticos.

Observamos que o ensino de produção de texto orientado pela perspectiva

bakhtiniana rompe com o discurso monológico que havia nas produções textuais. O

5 Este pesquisador é estudioso da Análise do Discurso (AD), cujo foco está nos campos do humor e da mídia. Além disso,

também direcionou trabalhos para o ensino da Língua Materna, como exemplo, Por que (não) ensinar gramática na escola (1996) entre outros.

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interlocutor do aluno era o professor, não havia outros, uma vez que as propostas de

produção eram vazias, destituídas de sentido. Conforme já observamos, o aluno

escrevia para que seu texto fosse aceito pelo professor e, assim, tirar uma boa nota.

Nesse processo de ensino, ressaltamos também a presença de técnicas de

produção, as quais ainda se fazem presentes em alguns materiais e até mesmo há

professores que ainda acreditam nessas fórmulas para o texto nota 10. Isso faz com

que os alunos sejam conduzidos à reprodução de discursos, seguindo os passos

dos materiais, do professor. É uma prática escolar que elimina a atitude responsiva

ativa deles, pois, em boa medida, esses alunos sabem que não haverá um processo

de troca (diálogo) entre eles e seu interlocutor imediato (professor) (LEAL, 2005).

Em virtude dessa prática pouco produtiva, afirmamos que o processo

dialógico da linguagem é o caminho a ser traçado pela escola para a constituição do

aluno-autor. Assim, ao pensarmos na existência de um sujeito do discurso, o qual

será visto como um sujeito crítico, consciente, que compreende seu papel social na

realidade em que vive e sabe que pode agir sobre ela, em que a linguagem é uma

atividade constitutiva desse agir, teremos um aluno-autor ressignificando seu mundo

social.

Para melhor mostrar a importância da construção de sentidos, por meio da

escrita, vemos a necessidade de dirigirmos algumas palavras sobre um dos

estudiosos que mais discutiu sobre ensino-aprendizagem, considerando a linguagem

como constitutiva da interação. Direcionemos nosso olhar para a teoria de Vigotski

na próxima seção.

2.4 Teoria Vigotskiana: Um enfoque sócio-histórico

As ideias teóricas de Vigotski expressam sua preocupação em agregar

características biológicas e sociais do homem, de forma a elucidar o papel da

linguagem no desenvolvimento social do ser humano e na aprendizagem de seus

processos mentais superiores, o que permitirá ao indivíduo sua inserção no mundo

social e, consequentemente, dominar tudo aquilo que é produzido por esse mundo a

fim de transmitir a outras pessoas, num processo ininterrupto.

Dessa forma, no enfoque sócio-histórico vigotskiano, é necessário levar em

conta “a linguagem como um meio de interação social” (VIGOTSKI, 1998 [1930], p.

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71). Assim, salienta-se que a linguagem tem como uma das funções primordiais

servir como interação entre o aprendiz e os pares mais avançados nas relações de

aprendizagem e desenvolvimento dos processos mentais superiores.

A linguagem interativa perpassa todos os espaços sociais e seu enfoque deve

possibilitar aos aprendizes compreender seu espaço social, agir sobre ele e

entender que nossas relações sociais são mediadas pelo outro. Tendo em vista que

considera a linguagem como o condutor principal do desenvolvimento-

aprendizagem, Vigotski interessava-se por esse binômio.

Em vista disso, o estudioso coloca que há dois tipos de desenvolvimento: o

natural e o social. Para ele, o desenvolvimento natural está vinculado aos processos

elementares do sujeito ─ o desenvolvimento dos orgãos (visão, olfato etc.); mas ele

enfatiza o desenvolvimento social e mental, cujo processo é marcado pelas

questões históricas e culturais e, preferencialmente, pelas evoluções dos processos

de aprendizados. Além disso, Vigotski (1998 [1935], p. 103) coloca que “a relação

entre aprendizado e desenvolvimento permanece [...] obscura” e, por isso, procura

defender um enfoque sócio-histórico nessa inter-relação. Segundo ele, “aprendizado

e desenvolvimento estão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da criança”

(VIGOTSKI, 1998 [1935], p. 110).

Também afirma que essa relação continua durante toda a vida pré- escolar

do aprendiz e, por causa dessa última etapa, ele busca investigar e “ver os

elementos especificamente novos que o aprendizado escolar introduz [no caso], o

aprendizado sistematizado” (VIGOTSKI, 1998 [1935], p. 110). Seu objetivo é

descobrir e entender as relações reais “entre o processo de desenvolvimento e a

capacidade de aprendizado” (idem, p. 111) através da consideração de dois níveis

de desenvolvimento socializado.

Conforme Vigotski, o primeiro nível é designado de nível de desenvolvimento

real. É “o nível de desenvolvimento das funções mentais da criança [e do aprendiz]

que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de desenvolvimento já

completados” (idem, ibidem). Reforçamos que a zona de desenvolvimento real

(abreviada por ZDR) é apresentada por Vigotski como resultado de capacidades e

conhecimento apropriados pela criança. Geralmente, esse aprendizado é aquele que

o aprendiz já internalizou no seu desenvolvimento mental.

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O segundo nível é a Zona Proximal de Desenvolvimento (ZPD)6:

a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VIGOTSKI, 1998 [1935], p. 112)

A ZPD refere-se ao caminho mental que o sujeito vai percorrer para o

desenvolvimento das funções, antes dessas passarem pelo processo de

amadurecimento real. Entendemos esse conceito afirmando que é aquilo que um

aprendiz é capaz de fazer com a ajuda de uma pessoa. A ZPD pode ser identificada

entre a necessidade de ensino e potencialidade de aprendizagem mediada entre o

sujeito mais experiente para com o menos experiente.

Conforme Vigotski, tanto a criança quanto o adulto possuem uma imensa

capacidade de aprendizagem, mas, para que isso se torne evidente, é de suma

importância que o professor forneça possibilidades de apoio ao educando,

colocando-se como o par mais avançado no processo. Além do docente, podem

existir outros: os próprios colegas, pesquisadores, tutores, professores articuladores,

coordenadores, formadores, pois um pode assessorar o outro de forma significativa

na vida escolar.

Portanto, o desenvolvimento humano se instaura nas relações sociais

interativas e mediadas pela aprendizagem.

Para Vigotski, a aprendizagem é culturalmente construída e passa pelo uso

da linguagem. Com isso, pode-se afirmar que a aprendizagem só pode acontecer

por meio da interação social e pelos usos da linguagem. No que se refere à

aprendizagem, Vigotski afirma que:

[...] a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, [...]. Conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia produzir-se sem aprendizagem. [...] Por isso, a aprendizagem é um momento intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas características humanas não naturais, mas formadas historicamente (VIGOTSKI, 2005 [1935], p. 115).

6 Nesta pesquisa utilizaremos o termo Zona Proximal de Desenvolvimento (ZPD) em vez de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), uma vez que concordamos com Rojo (2001) ao afirmar que a força da adjetivação não está centrada no desenvolvimento, mas na zona de intercessão criada pelo ensino-aprendizagem (ROJO, 2001, p.170).

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O pensador russo coloca em pauta que a aprendizagem vai à frente do

desenvolvimento mental, pois ela tem a característica de potencializar o

desenvolvimento mental do indivíduo. A aprendizagem é efetivamente um produto e

um processo de criação e evolução dinâmica que não estanca os saberes, pois ela

interpenetra o tempo todo em nossas vidas sócio-culturais e institucionalizadas

(familiar, escolar, religiosa, acadêmica, artística etc.).

Desse modo, vale reforçar que os fundamentos da teoria de Vigotski auxiliam

na compreensão do processo de ensino-aprendizagem, pois, quando se tem como

propósito enxergar o aluno em seu âmbito social, em seu contato com o “outro” e

seu grupo social, o papel da interação na construção do conhecimento é primordial

para execução das atividades, por isso, a linguagem é concebida como uma das

funções superiores mentais.

Em vista disso, o pensador russo passa a colocar a linguagem nos seus

estudos, e mais particularmente, a linguagem oral e escrita.

Na próxima seção, falaremos sobre a concepção de Vigotski para a

linguagem escrita.

2.4.1 Vigotski e a escrita

Vigotski aponta que a apropriação da linguagem oral e escrita contribui

consideravelmente para o desenvolvimento social do ser humano, pois a escrita,

assim como a fala, representam novos instrumentos de capacitação do pensamento

do sujeito.

Para o pensador russo, a escrita é um poderoso instrumento para o

aprimoramento dos processos mentais superiores ─ a atenção, a imaginação, o

raciocínio, a percepção, a verbalização etc.

Para desenvolver melhor essa ideia de instrumentos, Vigotski escreveu, em

1930, o texto “O método instrumental em psicologia”. Nesse artigo, Vigotski coloca

como premissa básica de instrumento:

No comportamento do homem que encontramos um grande número de dispositivos artificiais para dominar seus próprios processos mentais. Por analogia com dispositivos técnicos estes dispositivos podem justificadamente e convencionalmente ser chamados de

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ferramentas psicológicas ou instrumentos (VIGOTSKI, 2004[1930], p.93).

Conforme o autor, não há distinção entre os termos instrumentos e

ferramentas. Porém, ele diferencia os tipos de ferramentas [instrumentos]:

Ferramentas psicológicas são formações artificiais. Por sua natureza elas são sociais e não dispositivos orgânicos ou individuais. Eles são direcionados para o domínio dos processos [mentais] ─ o próprio ou de outra pessoa ─ assim como os dispositivos técnicos são voltados para o domínio dos processos da natureza (VIGOTSKI, 2004[1930], p.93).

Vigotski salienta que o instrumento se desdobra em dois: técnicos e

psicológicos (mentais). Ele compreende que as ferramentas técnicas são aquelas

que possibilitam a modificação do processo de adaptação natural. As mesmas

podem servir para as atividades de interferências no ambiente natural.

Já os instrumentos mentais são as criações artificiais elaboradas nos

coletivos dos seres humanos, cujas funções são para controlar os próprios

processos mentais superiores de um indivíduo ─ descrição, relato, narração ─ ou

para controlar os dos outros ─ a comunicação.

Assim, Vigotski apresenta o conceito de ferramentas psicológicas com a

função de orientar e aprimorar os domínios dos processos mentais, como também

alterar as capacidades dos próprios sujeitos como dos outros envolvidos nos

processos interacionais de uso da linguagem.

Vigotski coloca como exemplo de ferramentas psicológicas:

a linguagem, as diferentes formas de numeração e contagem, técnicas mnemotécnicas, o simbolismo algébrico, obras de arte, escrita, esquemas, diagramas, mapas, todos os tipos de signos convencionais etc. (VIGOTSKI, 2004[1930], p. 94) [grifo nosso].

Pela citação acima, pode-se notar que o psicólogo russo aponta o estudo da

linguagem instrumentalizada nas suas formas matemáticas, gestuais, algébricas,

pictóricas, como também nas verbais faladas e escritas. No que diz respeito à

finalidade de nosso trabalho – a escrita, Vigotski também aponta outros

instrumentos psicológicos da escrita.

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Na obra “Pensamento e linguagem”, Vigotski disserta sobre as relações entre

pensamento e linguagem, e traça considerações sobre a linguagem oral e escrita e

alguns outros instrumentos imbricados a essa ferramenta psicológica.

Inicialmente, o autor russo aponta que “a natureza multifuncional da

linguagem [...] vem atraindo uma atenção cada vez maior” (VIGOTSKI, 2005, [1934],

p. 177) dos pesquisadores. No caso dele, há um interesse pela linguagem oral e

“outras distinções funcionais importantes na fala. Uma delas é a distinção entre o

diálogo e o monólogo” (idem, ibidem).

Vigotski diz que o instrumento “a fala oral, na maioria dos casos, representa o

diálogo” (idem, ibidem). Ainda, afirma que “o diálogo implica o enunciado imediato,

não-premeditado. Consiste em todos os tipos de respostas e réplicas; é uma cadeia

de reações” (VIGOTSKI, 2005 [1934], p. 179). Assim, ele relaciona o diálogo ao

sentido estrito do termo e também à fala oralizada permeada também pelas

expressões faciais, gestuais, corporais etc.

Em contrapartida ao diálogo, o estudioso russo implica que “a escrita e a fala

interior representam o monólogo” (VIGOTSKI, 2005 [1934], p. 177). Assim, a

linguagem escrita e o discurso (fala) interior são monólogos.

No caso da linguagem escrita, ele aponta que o locutor (quem escreve) é

obrigado a usar uma “forma de fala mais elaborada”, mais precisa e complexa do

que a fala dialogada. Essa forma de fala elaborada é o monólogo, “na verdade, a

forma mais elevada e complexa do desenvolvimento histórico posterior” (VIGOTSKI,

2005[1934], p. 179). Trata-se de uma forma mais organizada, mais sistematizada,

criada ulteriormente nas relações sociais humanas devido às demandas humanas

nas produções socioeconômicas e das instituições.

Essa forma de fala mais sistematizada é explicada pelo uso de dois outros

instrumentos psicológicos importantes:

A escrita [...] e a comunicação só pode ser obtida por meio das palavras e suas combinações, exigindo que a atividade da fala assuma formas complexas ─ daí a necessidade de rascunhos. A evolução do rascunho para a cópia final reflete nosso processo mental. O planejamento tem um papel importante na escrita, mesmo quando não fazemos um verdadeiro rascunho. Em geral, dizemos a nós mesmos o que vamos escrever, o que já constitui um rascunho, embora apenas em pensamento. Esse rascunho mental é uma fala interior (VIGOTSKI, 2005[1934], p. 179) [grifo nosso].

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Portanto, Vigotski esboça outros dois instrumentos psicológicos: o rascunho e

o planejamento. Em outras palavras, outros modos de escrever.

É importante ressaltar que, na obra “Pensamento e linguagem”, observamos

que seus textos finais começam a aparecer outros conceitos como interlocutores,

enunciado, discurso. Estes conceitos, com vimos, foram apresentados de forma

profunda pelo Círculo de Bakhtin e ressignificados pelos pesquisadores da

Universidade de Genebra7.

2.4.2 Bakhtin e Vigotski na releitura da Escola de Didática de Genebra

A fonte documental da nossa pesquisa abrange o material das Olimpíadas de

Língua Portuguesa, cujo subsídio teórico para a prática de produção textual está

baseado em alguns princípios desenvolvidos por pesquisadores de didática de

línguas da Universidade de Genebra. Em vista disso, acreditamos que seja

necessário realizar uma breve contextualização cronológica nos trabalhos dos

pesquisadores genebrinos.

Segundo Rojo e Cordeiro (2004, p. 13), esses pesquisadores, da “equipe de

Didática de Línguas da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da

Universidade de Genebra”, são, especialmente, Bernard Schneuwly, Joaquim Dolz,

Jean Paul Bronckart, Glaís Sales Cordeiro etc.

Entre os vários focos de pesquisas desses estudiosos, a produção textual

escrita e oral destaca-se. No caso, a concepção de produção escrita está ligada ao

pensamento teórico de Vigotski (década de 1980) e nas releituras desse autor russo

com um outro: Mikhail Bakhtin (década de 1990).

Os pesquisadores tomam essa releitura para a elaboração de sua teoria

didática de produção, em que os avanços científicos na área buscam mostrar os

gêneros textuais escritos como mediadores no processo de ensino e aprendizagem

da linguagem escrita.

7 É importante frisar que não se tem nenhuma informação acerca de uma provável troca de conhecimento entre o círculo de

Bakhtin e Vigotski. Entretanto, os pontos de aproximação entre os dois podem se dar, a nosso ver, devido ao fato de se servirem, em boa medida, do mesmo método histórico-sociológico para tratar seus objetos de estudo em seus campos específicos.

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2.4.3.1 Os didáticos genebrinos e o gênero como megainstrumento

Schneuwly e sua equipe buscam expandir suas pesquisas na didática da

escrita com objetivo de integrar a teoria sócio-histórica de Vigotski com a teoria

enunciativo-discursiva de Bakhtin e seu círculo. Essa relação entre as teorias está

posta no texto “Gêneros e tipos de discurso: considerações psicológicas e

ontogenéticas”, publicado em 1994. Nesse texto, aparecem algumas releituras feitas

por Schneuwly sobre o conceito de instrumentos ou ferramentas de Vigotski, junto

aos conceitos de gêneros discursivos primários e secundários de Bakhtin.

Schneuwly elabora, no referido texto, uma premissa básica de que “o gênero

pode ser considerado um instrumento psicológico no sentido vigotskiano do termo”

(SCHNEUWLY, 2004[1994], p. 22). Nesse mesmo texto, ele faz outra releitura de

forma metafórica chamando os gêneros de “mega-instrumentos”:

poderíamos aqui construir uma metáfora: considerar o gênero como “megainstrumento”, como uma configuração estabilizada de vários subsistemas semióticos [...] permitindo agir eficazmente numa classe bem definida de situações de comunicação (SCHNEUWLY, 2004[1994], p. 28).

Schneuwly (2004) compreende o gênero textual como um poderoso

instrumento que possibilita desempenhar uma atividade discursiva sobre a realidade

concreta, como também vê o gênero “mega-instrumento” ser utilizado nas situações

de ensino e aprendizado de língua materna. Ele, também, afirma que o gênero dá

forma às práticas discursivas de produção e compreensão de texto, pois serve de

base para a produção textual escrita.

Diante desse fato, o gênero crônica, o relato oral, a crônica esportiva, o

memorial, dentre outros, são sugeridos como objetos de ensino escolares. Além

disso, Dolz e Schneuwly observam que a categoria de gêneros secundários (de

Bakhtin), gêneros complexos em sua constituição e funcionamento, pode ser usada

no ensino-aprendizagem da linguagem escrita formal (DOLZ, SCHNEUWLY,

2004[1996]).

Por essa razão, os didatas acreditam que os gêneros são objetos de ensino

que podem ajudar no desenvolvimento da escrita como também favorecerem o

ensino da linguagem e de suas capacidades em situação escolar. Isso porque

também são ferramentas de aprendizagem para o aluno na escola.

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2.4.3.2 O gênero como megainstrumento e as capacidades

Dolz e Schneuwly sustentam, em sua proposta didática, o ensino da oralidade

e da escrita sistematizada por meio do emprego das práticas de linguagem ─ os

gêneros como megainstrumento.

Para os didáticos, as práticas de linguagem são as apropriações interativas

acumuladas nas relações entre os grupos sociais no curso de suas histórias. Ainda,

nos dizeres deles: “É devido a essas mediações comunicativas, que se cristalizam

na forma de gêneros, que as significações sociais são progressivamente

reconstruídas” (DOLZ, SCHNEUWLY, 2004, [1996], p. 51) [grifo nosso]. Gêneros e

práticas de linguagem são também empregados para o desenvolvimento das

capacidades de linguagem e das capacidades de linguagem dominantes.

Dolz e Schneuwly salientam que “a noção de capacidades de linguagem

evoca as aptidões requeridas do aprendiz para a produção de um gênero numa

situação de interação determinada” (DOLZ, SCHNEUWLY, 2004[1996], p. 52).

Essa noção considera as capacidades requeridas para a produção escrita [e

oral] de gêneros secundários de uso público da linguagem e também aquelas que

poderão ser trabalhadas no ensino da ferramenta psicológica escrita.

Já as capacidades de linguagem dominantes são tomadas pelos didatas

suíços para a organização de um currículo aberto ─ aberto, porque podem ser

incluídos mais gêneros de acordo com a realidade educacional de uma escola e,

mais particularmente, as necessidades dos alunos ─ e estão integradas aos

aspectos tipológicos e domínios sociais de comunicação.

As capacidades dominantes são em número de cinco (05) como também os

domínios e os aspectos tipológicos.

No caso dos aspectos tipológicos, Dolz e Schneuwly colocam cinco: “narrar,

relatar, argumentar, expor e descrever ações” ( 2004[1996], p. 60-61) [grifo nosso].

As duas primeiras tratam dos gêneros de nossa pesquisa. A ordem do narrar

considera o gênero crônica literária. Em contrapartida, a ordem do relatar aponta a

crônica esportiva e social, conforme quadro a seguir.

QUADRO 1: PROPOSTA PROVISÓRIA DE AGRUPAMENTO DE GÊNEROS

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Domínios de comunicação Aspectos tipológicos

Capacidades de linguagem dominantes

Exemplos de gêneros orais e escritos

Cultura literária ficcional

Narrar Mimeses da ação através da criação da

intriga no domínio do verossímil

Conto maravilhoso Como de fadas Fábula Lenda Narrativa de aventura Narrativa de ficção científica Narrativa de enigma Narrativa mítica Sketch ou história engraçada Biografia romanceada Romance Romance histórico Novela fantástica Conto Crônica literária Adivinha Piada

Documentação e memorização das ações

históricas

Relatar Representação pelo discurso de

experiências vividas, situadas no tempo

Relato de experiência vivida Relato de viagem Diário íntimo Testemunho Anedota ou caso Autobiografia Curriculum vitae ... Notícia Reportagem Crônica social Crônica esportiva ... Histórico Relato histórico Ensaio ou perfil biográfico Biografia ...

Recorte do quadro 1 (DOLZ, SCHNEUWLY, 2004 [1996], p. 60) [grifos nossos].

Conforme o referido quadro, Dolz e Schneuwly indicam cinco domínios

sociais, no caso, “cultura literária funcional; discussão de problemas sociais

controversos; transmissão e construção de saberes; instruções e prescrições e

documentação e memorização das ações históricas” (idem, ibidem) [ênfase

adicionada].

As autoras oscilam entre os dois domínios negritados, com ênfase na ordem

do narrar. Em vista das ordens e dos gêneros, são apresentados cinco capacidades

de linguagem dominantes para a organização curricular de agrupamentos:

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mimeses de ação através da criação da intriga no domínio do verossímil; sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição; apresentação textual de diferentes formas dos saberes; regulação mútua de comportamentos; e representação pelo discurso de experiências vividas, situadas no tempo (DOLZ, SCHNEUWLY, 2004 [1996], p. 60-61) [grifo nosso].

Desse modo, a crônica e suas multiformes oscilam entre as capacidades de

narrar e relatar.

No caso do nosso objeto de pesquisa, os materiais didáticos da Olimpíada de

Língua Portuguesa tomam o gênero crônica literária para o desenvolvimento de

atividades de escrita. Além disso, apresentam o gênero crônica esportiva na oficina

4 do referido material didático.

Ainda sobre as capacidades de linguagem, Dolz e Schneuwly distinguem três

delas e fazem este comentário acerca da mobilização do trio de capacidades numa

situação de interação escrita:

adaptar-se às características do contexto e do referente (capacidades de ação); mobilizar modelos discursivos (capacidades discursivas); dominar as operações psicolinguísticas e as unidades linguísticas (capacidades linguístico-discursivas) (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004[1996], p. 52).

Podem-se comparar as capacidades aos gêneros e suas situações concretas.

As capacidades de ação estão ligadas à orientação discursiva dada pelo locutor

(falante, escrevente) ao seu interlocutor, pois envolvem os parâmetros de finalidade

da comunicação, os participantes (locutor e interlocutor), o conteúdo (assunto), o

espaço social e institucional (o contexto). As capacidades discursivas tratam do

conteúdo temático e da forma composicional do gênero trabalhado. Já as

capacidades linguístico-discursivas consideram o estilo do gênero (a escolha do

léxico, do léxico técnico do gênero, dos elementos morfológicos).

Com base nesses conceitos explorados pelos genebrinos, Dolz e Schneuwly

dizem que, no processo discursivo, o gênero passa por uma escolha orientada e

definida como: conteúdo, destinatário e a finalidade, e se desenvolve como um

instrumento de mediação que envolve seus aspectos composicionais e linguísticos.

Dessa forma, os pesquisadores querem mostrar a ação discursiva em situação

concreta na utilização da linguagem.

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Apresentado o percurso histórico do ensino da Língua Portuguesa,

especificamente da produção escrita, em que dialogamos com diferentes

perspectivas teóricas que influenciaram o redimensionamento dos objetos de ensino

da língua materna nas décadas de 80 e 90 e nos anos 2000, apresentaremos, no

próximo capítulo, nossa metodologia de pesquisa.

CAPÍTULO III

Metodologia da pesquisa: compreendendo os dados

O texto só tem vida contatando com o outro texto (contexto). Só no ponto desse contato de textos eclode a luz que ilumina retrospectiva e prospectivamente, iniciando dado texto no diálogo. Salientemos que este contato é um contato dialógico entre textos (enunciados) e não um contato mecânico de “oposição”, só possível no âmbito de um texto (mas não do texto e dos contextos) entre os elementos abstratos (os signos no interior do texto) e necessário apenas na primeira etapa da interpretação (da interpretação do significado e não do sentido). Por trás desse contato está o contato entre indivíduos e não entre coisas.

(BAKHTIN, 2010 [1974], p. 401)

Nosso objetivo principal, neste trabalho, é analisar como propostas de ensino

presentes em materiais didáticos alternativos8 do tipo cadernos contribuem para a

formação do aluno-autor. Ao nos referirmos a esses tipos de materiais como

alternativos estamos pensando em sua forma de constituição didática e

funcionamento no âmbito escolar. Trata-se de materiais organizados didática e

pedagogicamente de maneira diferente dos livros didáticos.

Os cadernos trazem, geralmente, uma única proposta de ensino-

aprendizagem com foco em um único gênero textual/discursivo, baseada,

principalmente, na ideia de sequência didática da Escola Didática de Genebra. Além

disso, esses cadernos, como no caso dos da Olimpíada de Língua Portuguesa, não

8 Esse termo foi utilizado por Santos (2011) para se referir aos materiais didáticos que não são submetidos à avaliação do

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), mas que adentram a escola através de programas subsidiados por investimentos e parcerias público-privados.

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são elaborados para constar como material didático regular a ser seguido

anualmente no programa de ensino escolar, mas como uma ferramenta de apoio

pontual.

Essa ideia pode ser confirmada pelo fato de os professores não terem, assim

como o têm com o livro didático, liberdade de escolha do material. Esse material é

enviado bianualmente para cada unidade escolar independente de ter sido solicitado

e em número insuficiente para os professores, e quando o mesmo é utilizado, esse

uso, em sua maioria, restringe-se ao período do concurso de produção textual. Outro

fator que nos levou a tomar esses cadernos como tais é que, apesar de haver uma

orientação político-educacional para que nenhum material didático adentre a escola

sem ser analisado pelo MEC, os mesmos têm acesso irrestrito ao espaço escolar até

mesmo, conforme dissemos anteriormente, sem o consentimento e escolha do

próprio professor.

O caderno enfocado, nesta pesquisa, é “A ocasião faz o escritor”, que objetiva

o ensino-aprendizagem do gênero crônica elaborado pelo Centro de Estudos e

Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (doravante Cenpec) no âmbito

do Programa Olimpíada da Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro (OLPEF).

Considerando este objetivo principal, vamos nos deter sobre esse material didático e

as produções dos alunos da aplicação dele decorrente.

Com vistas a atingir este objetivo, mobilizaremos a teoria Enunciativo-

discursiva do círculo de Bakhtin e, como teoria auxiliar, a perspectiva de Vigotski

acerca do ensino-aprendizagem no espaço escolar.

Desse modo, este capítulo objetiva descrever os caminhos trilhados e as

perspectivas assumidas no processo de realização de nossa pesquisa, para melhor

esclarecer os procedimentos adotados na coleta e análise dos dados. O capítulo

está dividido em fundamentação teórica em que apresentamos os conceitos-chave

de nosso trabalho, nossos objetivos específicos e questões orientadoras e a

ancoragem metodológica balizadora deste processo.

3.1 Ancoragem teórico-metodológica para a investigação científica em

Ciências Humanas

Nossa pesquisa insere-se no campo das Ciências Humanas em que toma a

abordagem sócio-histórica para a investigação qualitativa. A adoção dessa

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abordagem está alinhada aos pressupostos teóricos por nós assumidos ao longo

desta pesquisa uma vez que permite entender os fenômenos a partir de seu

acontecimento histórico como um todo envolvendo ao mesmo tempo o particular e o

social. Essa inter-relação (todo) entre o particular e o social explica-se aqui como

sendo o agir de um sujeito sociossituado.

Tais pressupostos coadunam com o posicionamento de Bakhtin que, em seu

texto Metodologia das Ciências Humanas (2003[1974-79]), traz subsídios

interessantes para pensar novas posturas em relação à pesquisa. Bakhtin diz que o

estudo do homem, nas ciências humanas, reside em sua especificidade humana de

estar em constante processo de expressão e criação, o que impediria de estudá-lo

fora dos textos que produz sob o risco de não se estar fazendo ciências humanas.

Anteriormente, Bakhtin (2010[1959-61]) já dizia que o texto é o dado primário

de qualquer disciplina em ciências humanas. O autor questiona a possibilidade de

compreender a vida do homem sem considerar os textos de signos criados por ele

ou por criar e essa é uma das razões pela qual o homem não pode ser estudado

como fenômeno ou coisa, mas como o homem social que fala (cria discursos).

Sendo assim, sua ação física deve ser estudada como atitude e inserida em sua

expressão sígnica (motivos, objetivos, estímulos, graus de assimilação)

constantemente recriada pelo outro. Assim:

Por toda parte há o texto real ou eventual e a sua compreensão. A investigação se torna interrogação, conversa, isto é, diálogo. Nós não perguntamos à natureza e ela não nos responde. Colocamos as perguntas para nós mesmos e de certo modo organizamos a observação ou a experiência para obtermos a resposta (BAKHTIN, 2010[1959-61], p. 319).

Bakhtin demonstra com isso a diferença entre o objeto das ciências humanas

do das exatas. O objeto daquela é um sujeito que tem voz, por isso o pesquisador

precisa estabelecer um diálogo com ele e não apenas contemplá-lo e dele falar. O

homem não pode ser objeto de uma explicação de uma só consciência, mas ser

compreendido, o que pressupõe duas consciências, dois sujeitos, portanto, uma

orientação dialógica, em que o pesquisador faz parte da própria situação de

pesquisa. A perspectiva dialógica em ciências humanas implica integrar pesquisador

e pesquisado em partes do mesmo processo investigativo. Já nas ciências exatas, o

fazer científico é compreendido como uma forma monológica do saber:

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[...] o intelecto contempla uma coisa e emite enunciado sobre ela. Aí só há um sujeito: o cognoscente (contemplador) e falante (enunciador). A ele só se contrapõe a coisa muda. Qualquer objeto do saber (incluindo o homem) pode ser percebido e estudado como coisa. Mas o sujeito como tal não pode ser percebido e estudado como coisa porque, como sujeito e permanecendo sujeito, não pode tornar-se mudo; conseqüentemente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico (BAKHTIN, 2010[1974-79], p. 400).

A perspectiva dialógica muda tudo em relação à pesquisa, pois coloca em

jogo, em ciências humanas, não a precisão do conhecimento, mas necessariamente

a profundidade da penetração e a participação do pesquisador e do pesquisado.

Nessa perspectiva, ambos, durante o processo de pesquisa, passam por constantes

transformações, ressignificações, aprendizagem e desenvolvimento por meio da

interação pela linguagem (os textos sígnicos), cujo estudo começa obrigatoriamente

pela compreensão.

A forma dialógica de fazer pesquisa pressupõe dois movimentos principais: a

aproximação e o distanciamento.

A aproximação consiste em compreender o sujeito, o objeto da pesquisa, em

seus próprios termos, ou como diz Bakhtin entrar em empatia com o outro “[...] ver

axiologicamente o mundo de dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele”

(BAKHTIN, 2010 [1920-1924], p. 23). A aproximação faz parte de uma etapa

imprescindível do trabalho para que o pesquisador consiga situar o lugar do seu

sujeito-objeto pesquisado bem como compreender seu próprio lugar no contexto da

pesquisa. Entretanto, não se espera desse movimento a repetição do outro e sim

ponto de partida para a sua complementação.

Nisso está implicado outro movimento: o de distanciamento, que pressupõe o

retorno do pesquisador ao seu próprio lugar (base teórica, seus valores, suas

concepções de mundo etc.). Essa movimentação entre lugares (contextos)

diferentes fundamenta um conceito importante para a atividade de pesquisa —

exotopia (BAKHTIN, 1920-1924), que consiste em

depois de ter retornado ao meu lugar [do pesquisador] contemplar o horizonte dele [do pesquisado] com o excedente de visão que desse meu lugar se descortina fora dele, convertê-lo, criar para ele um ambiente concludente a partir desse excedente da minha visão, do

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meu conhecimento, da minha vontade e do meu sentimento (BAKHTIN, 2010 [1922-1924], p. 23).

Assim, essa dupla movimentação de lugares sempre envolve uma postura

alteritária entre duas consciências (eu e um outro), no mínimo. A análise do

pesquisador deve completar o horizonte do sujeito-objeto investigado, dando-lhe

novo sentido, construído apenas do lugar singular que ocupa o pesquisador com

seus valores e pontos de vista. Sendo assim, a diferença de lugares constitui

condição para a compreensão do sujeito/contexto pesquisado.

Vale ressaltar que o eu e o outro é fundamental para o desenvolvimento da

nossa pesquisa, já que os outros são os alunos participantes da OLPEF e os autores

do projeto de ensino, sujeitos da pesquisa, presentes nos discursos materializados

nos textos por nós tomados como unidades de análise — o Caderno “A ocasião faz

o escritor” e as crônicas produzidas pelos alunos.

Sobral (2005), ao comentar o texto de Bakhtin sobre o fazer pesquisa em

ciências humanas, diz que

toda pesquisa implica, em princípio, um conhecimento e um desconhecimento; conhecimento no sentido de impressões advindas do fenômeno, condição da pesquisa, pois se não tem idéia do que procura ao construir seu objeto, o pesquisador não o pode procurar, e desconhecimento, no sentido de que o pesquisador não percebe, nesse momento, aspectos do objeto que não se dão imediatamente ao olhar, porque, se já sabe tudo do objeto, o pesquisador não tem uma pesquisa a fazer. (SOBRAL, 2005. p. 115).

No processo de fazer pesquisa dialógica, os sentidos nascem do confronto

das diferentes vozes sociais que emergem da relação do pesquisador com seu outro

ou outros. E esses sentidos só são dados ao pesquisador na forma de textos-

discursos, construídos nas fronteiras de duas (ou mais) consciências replicantes (no

sentido de respostas). Para permitir essas diversas vozes falarem, os outros são

inscritos no contexto da pesquisa, mas sem sua anulação. Pois, assim como diz

Sobral (2005), nos termos bakhtinianos:

o agir do sujeito é um conhecer em vários planos que une processo (o agir no mundo), produto (a teorização) e valoração (o estético) nos termos de sua responsabilidade inalienável de sujeito humano, de sua falta de escapatória, de sua inevitável condição de ser lançado no mundo e ter ainda assim de dar contas de como nele agiu (SOBRAL, 2005, p.118).

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Conforme se pode depreender, o agir do pesquisador é um ato ético e

responsável, assinado do lugar singular que este assume no contexto sócio-histórico

preciso da pesquisa. Nisso consiste um dos pontos importantes dos movimentos de

aproximação e de distanciamento no processo de fazer ciências humanas.

É necessário pensarmos que qualquer texto precisa estar articulado no

processo autoral, em que o autor criador mantém uma inter-relação com o objeto

discursivo e seu interlocutor, integrados no elemento discursivo. Dessa assertiva

pode-se depreender que estamos no âmbito das relações discursivas que não se

restringem às formas de diálogo face a face, mas estão inseridas nas correntes

discursivas. Tomamos, nesta pesquisa, as relações dialógicas e seus

desdobramentos nas formas de vozes sociais e criação autoral como fundamentos

para nos debruçar sobre as produções de crônicas dos alunos investigados na

OLPEF (2010).

Em conformidade com a orientação teórico-metodológica assumida,

entendemos que não basta em uma pesquisa dialógica apenas coletar os dados,

descrevê-los, falar deles, mas colocar nosso excedente de visão em prática, isto é,

dialogizar com os dados e ouvir as vozes que se sobressaem, pois o pesquisador,

em ciências humanas, precisa além de observar de fora, saber também ouvir os

dizeres e transformá-los em palavras próprias. Assim, a relação entre pesquisador e

pesquisado estabelece-se sempre no discurso. Fora dessa relação dialógica não há

sentido, uma vez que estamos sempre mergulhados em contextos discursivos sócio-

historicamente constituídos.

Além disso, a construção do sentido por meio das relações dialógicas é

sempre um contínuo, constantemente reformulado pela compreensão criadora do

outro. Amorim (2001) pensa essa reflexão do ponto de vista do labor do pesquisador

que, a cada etapa, implica sempre um novo olhar, um reconstruir, porque:

Compreender não deve excluir a possibilidade de uma modificação de seu próprio ponto de vista. O ato de compreensão supõe um combate onde o que está em jogo reside numa modificação e num enriquecimento recíprocos (AMORIM, 2001, p. 192).

No movimento próprio do fazer científico, pensamos que a construção de

sentido da pesquisa está em um plano discurso ininterrupto e é preciso vê-la na

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alteridade, uma vez que, para produzirmos um texto, precisamos, além do

conhecimento das formas relativamente estáveis dos gêneros do discurso, do

contato direto com o outro, de modo participativo, e este contato sempre nos

modifica. É por isso que Amorim (2001) afirma que o texto de pesquisa em ciências

humanas se tece entre o lógico e o dialógico, entre a diferença e a alteridade. A

compreensão dessa forma de relação passa pelo entendimento da criação autoral

uma vez que:

Buscar os destinatários é buscar as instâncias criadoras. Aqueles que, por oposição ou por acordo, compõem com o autor um diálogo permanente que atravessa o texto e constitui sua tensão de base. É também buscar as escolhas do autor: aqueles a quem ele escolheu responder e aqueles a quem ele escolheu não responder [...] (AMORIM, 2001, p. 16).

Desse modo, entendemos que a linguagem são relações dialógicas e fora

disso não existe possibilidade de sentido porque essas relações implicam sempre

um ato de compreensão ativa em um processo de interação em que estão

envolvidos no mínimo um autor, um objeto discursivo e um destinatário. Assim, o

discurso é sempre direcionado e espera uma compreensão na forma de resposta

ativa.

Tais elementos são bastante pertinentes para refletirmos sobre como o

material didático por nós analisado propõe o ensino-aprendizagem da prática

discursiva do gênero crônica e de que forma os alunos apropriam-se da palavra do

outro (do material didático) para construir seu próprio texto-discurso.

Tendo em vista nossa fundamentação teórica e nosso objetivo principal,

estabelecemos como categorias de análise os conceitos de dialogismo, vozes e

autoria na perspectiva bakhtiniana. Tomamos por objeto de pesquisa a criação

autoral dos alunos finalistas do concurso da OLPEF (2010), na categoria crônica,

construída na interação com a proposta didática para o referido gênero.

Para orientar melhor nossos procedimentos de pesquisa, elaboramos os

seguintes objetivos de pesquisa:

1) Analisar o encaminhamento didático do Caderno “A ocasião faz o escritor” e os

efeitos de sentidos provocados no espaço escolar.

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2) Observar se as vozes9 que perpassam os discursos dos alunos demonstram

autonomia no diálogo com o outro.

3) Analisar se os alunos conseguem alçar-se autores de suas crônicas para a

OLPEF.

Tais objetivos servem-nos de guia para alcançarmos as seguintes questões

de pesquisa:

1) De que forma o Caderno “A ocasião faz o escritor”, da OLPEF, encaminha a

proposta de formação de autores de crônica no espaço escolar?

2) Quais vozes os alunos mobilizam nas produções discursivas das crônicas?

3) Como a autoria se constituiu nas crônicas produzidas pelos alunos participantes

da OLPEF?

Na próxima etapa, apresentaremos os procedimentos metodológicos

utilizados em nossa pesquisa para a coleta e análise de dados.

3.2 A base metodológica para a coleta dos dados

Em consonância com a abordagem em um contexto sócio-histórico assumida,

para o tratamento dos dados optamos pela investigação de natureza qualitativa

numa perspectiva dialógica para a coleta, seleção e análise dos dados. Demo (2004)

observa que uma das características encontradas pelo pesquisador dessa

metodologia é a imprecisão dos conceitos, começando pelo de qualidade, para o

qual o autor sugere pensá-lo como “intensidade” e não como extensão. Assim, na

pesquisa qualitativa, é importante perceber o fenômeno, observar sequências,

contextos, validar, interpretar, realçar valores, opiniões e atitudes.

9 O termo vozes é utilizado no sentido metafórico, pois na “teoria enunciativo-discursiva de Bakhtin, o conceito de vozes diz

respeito à presença do outro como princípio constitutivo da produção e funcionamento discursivo. Compreende o processo real de representação da fala social de outrem no discurso e também diz respeito a um processo constitutivo da produção discursiva”. (SANTOS, S. N. A discursividade no caderno ―Ponto de Vista, da olimpíada da língua portuguesa escrevendo o futuro, 2011 p. 30-31)

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A metodologia de investigação qualitativa tem sido bastante utilizada de forma

articulada com a abordagem sócio-histórica no campo de pesquisa em ciências

humanas. Isso porque ao tomar como sujeito-objeto o homem social que fala, as

ciências humanas elegem o texto como o dado primário para a investigação.

Entretanto, o objetivo não é o texto em si, mas a compreensão do comportamento a

partir da perspectiva dos sujeitos envolvidos e, por meio deles, o contexto de

interação.

Pelas razões acima descritas, uma investigação qualitativa com enfoque

sócio-histórico recusa a criação artificial de situação de pesquisa, mas busca a

situação no seu processo de desenvolvimento porque objetiva compreender os

fenômenos em toda sua complexidade e em acontecimento histórico.

É nesse sentido que se diz que os estudos qualitativos adotam uma

perspectiva de totalidade em que todos os componentes da situação e suas inter-

relações e influências recíprocas são considerados (FREITAS, 2002). Essa

orientação é fundamentada anteriormente por Bodgan e Biklen (1994) para os quais,

em investigação qualitativa, o pesquisador vai a campo com uma preocupação

inicial, um objetivo central e questões orientadoras. A compreensão desses

elementos implica uma aproximação no contexto da pesquisa a fim de se familiarizar

com a situação e os sujeitos a serem estudados.

Para tal compreensão, o pesquisador vai ao local em que acontecem os fatos

de interesse na pesquisa, observa-os, recolhe material produzido no local

relacionado a eles. Isso é o que os autores definem como trabalhar com dados

qualitativos, os quais são:

[...] ricos em pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais, conversas, e de complexo tratamento estatístico. As questões a investigar não se estabelecem mediante a operacionalização de variáveis, sendo, outrossim, formuladas com o objetivo de investigar fenômenos em toda sua complexidade e em contexto natural [...] Privilegiam, essencialmente, a compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação (BODGAN; BIKLEN, 1994, p. 16)

Assim, articulada à descrição minuciosa de textos ou imagens construídos no

contexto de pesquisa estabelecem-se uma explicação, interpretação e análise dos

dados em toda sua riqueza, respeitando a forma como eles foram registrados

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porque, neste tipo de investigação, nada pode ser trivial e tudo tem potencial para se

tornar elemento importante para compreender melhor o objeto pesquisado.

A nosso ver, a investigação qualitativa de abordagem sócio-histórica é a

metodologia mais adequada para pensarmos nossos dados e o objeto de pesquisa

tendo em vista nossos objetivos, questões e preocupações subjacentes, por isso a

inserção de nosso trabalho nesse campo de pesquisa. Essa metodologia também é

coerente com a estratégia de investigação adotada que é a pesquisa documental,

com base na qual tomamos duas fontes para a seleção dos corpora: o Caderno “A

ocasião faz o escritor” e as produções de crônicas dos alunos finalistas da OLPEF.

Na próxima etapa, vamos apresentar os dois corpora por nós constituídos e

os procedimentos adotados em tratamento — a coleta e a seleção.

3. 3 O primeiro corpus: o Caderno “A ocasião faz o escritor”

A fim de situar o leitor, o Caderno “A ocasião faz o escritor” faz parte da

coletânea de materiais didáticos produzidos pela OLPEF com o objetivo de fomentar

e subsidiar o trabalho de língua portuguesa tendo os gêneros textuais10 como objeto

de ensino-aprendizagem. Além do Caderno com foco no gênero crônica, por nós

aqui analisado, o Programa elaborou também o Caderno poesias, de memórias e de

artigo de opinião. Da forma como foram divididos os materiais, todas as séries

escolares são contempladas pelo Programa, que adota a estratégia do concurso de

produção textual, aplicado sempre nos anos pares, cujo fito é atrair alunos para o

mundo da escrita e professores para a formação na perspectiva dos gêneros

textuais11.

Em termos gerais, a sequência didática constitui-se em um procedimento

metodológico que envolve atividades variadas, organizadas de forma sistemática em

torno de um objeto de ensino. Essa sistematização é subdividida em etapas que os

autores denominam de apresentação da situação, produção inicial, módulos e 10

A perspectiva dos gêneros textuais é assumida pelo material analisado por nós. Entretanto, a perspectiva por nós

assumida é a discursiva, conforme os referenciais teóricos por nós assumidos. Nesse trabalho, não vamos nos deter sobre essa questão uma vez que se trata de uma discussão sobre a qual, muitas vezes, não há nenhum consenso na academia, haja visto os trabalhos apresentados em diferentes encontros e seminários, como o SIGET (Simpósio Internacional de Gêneros Textuais). 11 O Caderno “A ocasião faz o escritor” (crônica) volta-se para alunos do 9º Ensino Fundamental e 1ª série do Ensino Médio; o Caderno “Poetas da Escola” (poesias) para os 5º e 6º anos do Ensino Fundamental e o Caderno “Se bem me lembro...” (memórias literárias) para 7º e 8º anos do Ensino Fundamental e o Caderno “Pontos de Vista” (artigo de opinião) para as 2ª e 3ª séries do Ensino Médio.

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produção final. Segundo Barbosa (2001), a sequência didática supõe um caminho

indutivo no percurso do qual o aluno é levado à manipulação, ao uso, à reflexão e à

apropriação dos elementos que constitui um gênero. A intenção é levar o aluno do

complexo (produção inicial) para o simples (discretização dos elementos do gênero)

e de volta para o complexo (produção final). Nosso interesse por esse Programa

insere-se no contexto maior do projeto de pesquisa (Programa de Pesquisa do Perfil

circulação e uso do livro didático de Língua Portuguesa (LDP-Properfil), cujas ações

no âmbito do Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem são

orientadas por Padilha (2004).

A partir do ano de 2008, com a institucionalização da OLPEF, o grupo de

pesquisa passa a se interessar pelos materiais do tipo Cadernos elaborados por

esse Programa a fim de responder à ausência de avaliação institucional desses

materiais presentes em todas as escolas públicas do país, além de pensar se o

montante de investimento público-privado feito no Programa e a amplitude de suas

ações alcançam os seus fins principais. Como parte das ações desse grupo de

pesquisa com esse enfoque já foi desenvolvido um trabalho de mestrado e três

encontram-se em andamento.

Em relação à nossa escolha pelo Caderno “A ocasião faz o escritor”,

percebemos que a crônica é, muitas vezes, tratada no espaço escolar de forma

simplificada e fragmentada, com o objetivo de formar o leitor. Considerando o baixo

número de materiais didáticos voltados para o ensino-aprendizagem da produção

escrita do gênero crônica, e levando em conta o fato de se tratar de um gênero

híbrido que carrega estilos e formas variadas com um potencial imenso de reflexões,

achamos altamente pertinente analisar como o material encaminha o projeto de

ensino e, se dessa forma, favorece a formação do aluno-autor.

Para coleta e seleção de dados do Caderno, servimo-nos de duas versões

desse documento: uma impressa e outra digital. O acesso ao documento impresso

desta pesquisa foi nos dado por nossa orientadora, que também é a docente

formadora do Programa no Estado de Mato Grosso. A versão digital do documento

foi acessada no site da comunidade virtual do Programa12.

Na próxima seção, apresentamos o processo de escolha, coleta e seleção do

segundo corpus.

12

Comunidade Virtual Escrevendo o Futuro: www.escrevendoofuturo.org.br; www.escrevendo.cenpec.org.br

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3.4 O segundo corpus: as produções de crônicas dos alunos

Nosso segundo corpus é constituído pelas produções de crônicas de alunos

finalistas da OLPEF (2010). O enfoque em produções de crônicas de alunos em

contexto escolar pode nos permitir entender a interferência das práticas pedagógicas

na formação do aluno-autor. Além disso, é interessante estudar um gênero de

natureza social híbrida como o é a crônica e ver como ele permite versar sobre

aspectos sociais altamente complexos a partir do olhar singular do cotidiano. Este

gênero nos mostra a importância do olhar coletivo, da presença da voz do outro em

nossos discursos.

Vale ressaltar ainda que falar em crônica nos permite aproximar de um

gênero que, muitas vezes, tem sido tomado de forma inapropriada no espaço

escolar. Assim, muitas vezes o estudo da crônica fica restrito a leituras focadas na

temática e nas questões gramaticais, não sendo o mesmo tomado como gênero

discursivo. Diante disso e da presença ainda insuficiente de estudos brasileiros

voltados para a crônica como objeto de ensino-aprendizagem escolar, a nossa

escolha pretende ampliar a compreensão desse objeto ainda pouco estudado pelos

alunos em dinâmicas escolares.

Os dados referentes às produções de crônicas dos alunos foram coletados no

site da comunidade virtual do Programa que as disponibiliza em arquivo pdf. O

Programa também publica esses textos finalistas em um livro ao qual não tivemos

acesso. Para a coleta e escolha de dados, selecionamos um corpus com 150 textos

de crônicas.

Após uma leitura cuidadosa do corpus, selecionamos dele dez textos que

mais se aproximaram da prática discursiva do gênero crônica, já aqueles textos, cuja

autoria estava colada (revozeada) nos textos exemplares em crônica fornecidos pelo

projeto de ensino, foram descartados.

É interessante observar que as crônicas finalistas por nós coletadas já

passaram por pelo menos quatro seleções: a melhor da sala, da escola, do

município e do estado. Era de pressupor, então, que os alunos, nessa etapa,

tivessem mais familiaridade com a prática discursiva do gênero, o mesmo podendo

ser estendido aos professores. A presença maciça de textos com autoria colada nos

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textos exemplares no gênero fornecidos pelo projeto de ensino nos serve para

refletir sobre a dimensão que adquire o material didático em seu processo de

produção.

Para não restringirmos os dados da pesquisa a uma determinada localidade,

a escolha dos dez textos também foi feita de acordo com as cinco regiões

participantes, contemplando cada região com dois textos, o que em percentual

equivale a 20% por região. Ao organizar a composição do corpus das produções da

forma como está apresentada no gráfico abaixo pretendíamos nos servir de uma

amostra, cujos dados fossem representativos das cinco regiões do Brasil: Centro

Oeste, Sul, Norte, Sudeste e Nordeste.

Gráfico 1: Percentual de participantes por região do corpus selecionado.

Assim, nosso corpus de pesquisa foi constituído das melhores crônicas

finalistas do concurso de produção textual da OLPEF. Para fazermos essa seleção

observamos, principalmente, como os alunos mobilizavam conhecimento de mundo

e da cultura e os integravam aos seus discursos, sem nos ater tanto à adequação

gramatical por não acreditarmos ser esse o critério definidor de um bom texto.

Na seção a seguir, apresentamos os corpora constituídos a partir da coleta e

seleção dos dados.

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3.5 A base metodológica para análise dos dados

Para proceder à análise dos dados de forma a responder nossas questões de

pesquisa e atingir nossos objetivos propostos realizamos os procedimentos a seguir.

Em relação aos dados do Caderno “A ocasião faz o escritor” havíamos

definido como preocupação subjacente analisar como o encaminhamento didático

do projeto de ensino favorecia a formação do aluno-autor, isto é, a assunção da

autoria do aprendiz do gênero crônica. Para isso, fizemos uma leitura cuidadosa de

todo o projeto de ensino e levantamos a quantidade de oficinas e de atividades. A

sequência didática do gênero crônica no Caderno “A ocasião faz o escritor” está

organizada em 11 oficinas, que compreende 39 atividades.

De posse dessas informações e sem perder de vista nosso objetivo principal

de investigar as contribuições do projeto de ensino em prol da formação do aluno-

autor, tomamos para análise atividades que tematizam de alguma forma elementos

propícios para pensar a construção de sentidos no gênero crônica e, subjacente a

isso, a autoria do aluno. Partindo do pressuposto de que os aspectos linguístico-

discursivos constituem pistas altamente importantes para conhecer aqueles

elementos, decidimos tomar como amostra para análise algumas atividades de

didatização dos aspectos linguístico-discursivos do gênero crônica.

Em relação às produções, durante o processo e análise dos dados,

observamos a adequação discursiva dos textos e não a adequação linguística.13

Nesse procedimento, olhávamos os textos dos alunos tentando encontrar as marcas

de autoria, para isso, o estilo mostrou-se bastante pertinente. Observávamos

também até que ponto os alunos atendiam aos elementos presentes nos critérios de

avaliação do próprio Caderno.

No que diz respeito à preocupação com a autoria, consideramos textos com

autoria aqueles em que podíamos sentir uma orientação discursiva bastante clara e

reflexiva, que buscaram, além das normas gramaticais, trazer as vozes que fazem

pensar a realidade do cotidiano; vozes que não só reproduziam dizeres alheios, mas

13

Entendemos que a adequação linguística está interligada com a adequação discursiva. A divisão

aqui assumida deve-se ao nosso foco neste trabalho de investigar se os alunos conseguem ser

autores de crônicas. Para atingir esse objetivo, nosso olhar está direcionado para a situação de

produção e para o estilo do gênero. Estes elementos caracterizam adequação discursiva.

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que conseguiam mostrar o teor da crônica com originalidade e representatividade

estilística, sem abandonar as questões críticas e criativas do gênero. Ancorados no

método qualitativo de perspectiva dialógica, buscamos um olhar mais reflexivo, para

que pudéssemos entender como a discursividade foi construída pelos alunos. Por

isso, levantamos elementos que nos permitissem entender a orquestração das

vozes que compunham os textos dos alunos finalistas da OLPEF.

Aqui, trata-se apenas de uma amostra dos elementos que foram privilegiados

na escrita da crônica e seus desdobramentos. Esses elementos nos serviram para

pensar se o aluno alçou-se autor do seu próprio discurso.

No próximo capítulo, procederemos à análise do Caderno “A Ocasião faz o

escritor”, material selecionado para orientação de produção de textos, e

posteriormente, analisaremos de forma detalhada as crônicas dos alunos finalistas

participantes do segundo concurso da OLPEF (2010).

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CAPÍTULO IV

A Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro: Um Olhar sobre o caderno de crônicas “A ocasião faz o escritor”

[...] (a crônica) para muitos pode servir de caminho não apenas para a vida, que ela serve de perto, mas para a literatura. Por meio dos assuntos, da composição solta, do ar de coisa sem necessidade que costuma assumir, ela se ajusta à sensibilidade de todo o dia. Principalmente porque elabora uma linguagem que fala de perto ao nosso modo de ser mais natural.

(Antonio Candido)

No capítulo 4, pretendemos apresentar como está constituído o projeto de

ensino do gênero crônica no Caderno “A ocasião faz o escritor”. Para isso, antes,

pensaremos um pouco sobre a constituição do gênero crônica tomada do ponto de

vista historiográfico, literário e, por fim, discursivo. Para entender a proposta de

ensino da crônica presente no Caderno, apresentamos a base teórica e

metodológica que lhe dá fundamento, a Escola Didática de Genebra, para, nas

próximas seções, fazermos uma análise mais detalhada de como a sequência

didática está organizada internamente e quais são os elementos do gênero

privilegiados em seu processo de didatização.

O Caderno destinado ao ensino do gênero crônica do Programa Olimpíada de

Língua Portuguesa: Escrevendo o Futuro, A ocasião faz o escritor, traz um título que

nos remete para a observação de situações cotidianas, nas quais a interação é o

ponto norteador para a formação dialógica, na constituição do sujeito-autor. Esse

movimento dialógico é importante para nosso trabalho, pois perfaz um dos nossos

focos, constituindo parte de nosso objetivo nesta pesquisa: o de analisar o projeto

didático do referido Caderno e seus efeitos de sentidos suscitados na esfera escolar,

onde circula o Caderno.

Dessa forma, para analisarmos o Caderno A ocasião faz o escritor, das

orientações aos professores às atividades dirigidas aos alunos, apresentaremos

algumas definições propostas por críticos literários e linguistas aplicados acerca

desse gênero. Nosso intuito é entender as aproximações e os distanciamentos entre

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alguns conceitos em relação à crônica, a fim de entendermos qual perspectiva o

material assume para orientar a prática do professor e dos alunos.

Nesse diálogo com os conceitos advindos da Literatura e da Linguística

Aplicada, detalharemos alguns deles, por considerarmos que se trata de um gênero

multifacetado, o qual, conforme pontua Candido, na epígrafe, permite uma

construção solta, livre, o que já impede, de certa forma, uma classificação rígida em

determinado tipo. Do ponto de vista bakhtiniano, sob uma perspectiva sócio-

histórica, é difícil estabelecermos um modelo de gênero prévio, o que podemos, na

verdade, é levantar alguns aspectos que estiveram/estão presentes em suas

manifestações concretas e, desse apanhado, fazermos alguns apontamentos.

Feita a historicidade do gênero (origem, conceito), descreveremos, nas

seções seguintes, o Caderno de crônicas, a fim de observar e analisar as

orientações apresentadas teoricamente no material de apoio ao professor e de que

forma auxiliam na construção de uma prática ativa do desenvolvimento dos alunos-

autores, participantes do concurso. Além disso, analisaremos as atividades do

Caderno para compreendermos como as atividades colaboram para a formação dos

alunos-autores.

4.1 O Gênero Crônica

A crônica pode ser considerada um gênero híbrido, presente na literatura e no

jornalismo. Ela foge da característica comum aos outros gêneros do discurso

jornalístico, por conta da sua linguagem que oscila passando entre língua formal e a

informal. Dessa forma, não podemos restringir nosso estudo apenas para o

conteúdo temático, mas devemos observar também o estilo do cronista, dada a

flutuação que ocorre no uso da língua nas crônicas.

A crônica surge como um relato de acontecimentos históricos, registrados por

ordem cronológica nos moldes da historiografia medieval. Apresentava uma visão

mais geral (acontecimentos de uma nação de um povo) ou mais particular (fatos

ligados à vida de um rei), assim como podia destacar fatos mais relevantes ou

secundários, geralmente, ligados à nobreza. A partir de Fernão Lopes, no século

XVI, é que a crônica começou a tomar uma perspectiva individual ou interpretativo-

artística. Podemos visualizar mesmo esse aspecto até em crônicas do século XV

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como no trecho da Crônica da Guiné, abaixo transcrito, do cronista medieval

português, Gomes Eanes de Zurara, o qual incide sobre o momento da distribuição

dos africanos capturados pelos portugueses:

Mas, para seu dó ser mais acrescentado, sobrevieram aqueles que tinham cárrego da partilha e começaram de os apartarem uns dos outros. A amigos nem a parentes não se guardava nenhuma lei, somente cada um caía onde o a sorte levava. Ó poderosa Fortuna, que andas a desandar com tuas rodas, compassando as cousas do mundo como te praz! E sequer põem ante os olhos daquesta gente miserável algum conhecimento das cousas postumeiras, por que possam receber alguma consolação em meio de sua grande tristeza! E vós outros, que vos trabalhais desta partilha, esguardai com piedade sobre tanta miséria e vede como se apertam uns com os outros, que apenas os podeis deslegar! ¿Quem poderia acabar aquela partição sem mui grande trabalho? — ca, tanto que os tinham postos em uma parte, os filhos, que viam os padres na outra, alevantavam-se rijamente e iam-se para eles; as madres apertavam os outros filhos nos braços e lançavam com eles de bruços, recebendo feridas com pouca piedade de suas carnes, por lhe não serem tirados (Eanes de Zurara. Crônica da Guiné apud R. LAPA, 1940, pp. 50-54).

Neste pequeno excerto da Crônica da Guiné, podemos perceber que Zurara,

apesar de não criticar o expansionismo conquistador português, deixa transparecer

uma nota de humanismo diante da cena de distribuição da leva de africanos que,

capturados nas expedições, foram levados a Portugal e distribuídos como “mercês”

entre nobres portugueses. Notamos no relato de distribuição uma interpretação

artística da cena mostrada como dolorosa ao retratar os africanos sendo

organizados em lotes e separados de seus filhos e amigos com brutalidade.

A crítica costuma apontar que o pensamento crítico na crônica surgiu com a

imprensa periódica (folhetins e jornais), no século XIX. Entretanto, a esse respeito é

preciso cautela, pois as crônicas de Fernão Lopes, escritas no século XVI, já trazem

em si notas não apenas interpretativas, mas também críticas, acerca dos

acontecimentos relatados, como bem demonstra um trecho por nós selecionado da

Crônica de D. Pedro I, em que o cronista retrata o momento do castigo dos

assassinos de Inês de Castro:

A maneira de sua morte, sendo dita pelo miúdo, seria mui estranha e crua de contar, ca mandou tirar o coração pelos peitos a Pero Coelho, e a Àlvaro Gonçalves pelas espáduas; e quais palavras ouve, e aquele que lho tirava, que tal ofício havia pouco em costume, seria bem dorida cousa d’ouvir, enfim mandou-os queimar; e tudo feito ante os paços onde ele pousava, de guisa que comendo olhava quanto mandava fazer.

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Muito perdeu el-Rei de sua boa fama por tal escambo como este, o qual foi havido em Portugal e em Castela por mui grande mal, dizendo todolos bons que o ouviam, que os Reis erravam mui muito indo contra suas verdades, pois que estes cavaleiros estavam sobre segurança acoutados em seus reinos (Fernão Lopes. Crônica de D. Pedro I, apud CAMPOS, 1921, pp. 57-59).

Podemos notar que Fernão Lopes deixa transparecer, ainda que

indiretamente “dizendo todolos bons que o ouviam”, certa apreciação negativa

acerca da atitude de D. Pedro I, o que denota, portanto, uma crítica ao

comportamento do rei. Voltando à idade moderna, a presença da crônica nos jornais

iniciou com um pequeno texto de abertura que falava de maneira geral dos

acontecimentos do dia. Em seguida, passou a assumir um espaço nos folhetins

(coluna da primeira página do periódico) e, por fim, adentrou de vez o Jornalismo e a

Literatura.

De acordo com Sá (1987), a crônica, assim como o jornal, nasce, cresce,

envelhece e morre em vinte e quatro horas. Pelo fato dessa veia jornalística imprimir

fugacidade e um traço popular que se opõem ao caráter dos gêneros literários,

talvez a crítica a considere como um gênero menor. Coutinho (1995), ao contrário,

aponta que o fato de a crônica estar ligada ao jornalismo não a desmerece

literariamente. Isso porque, segundo ele, o jornalismo tem no fato o seu objetivo

primeiro, enquanto a crônica só toma o fato como pretexto para o autor imprimir sua

imaginação criadora, visando somente o prazer estético e não a informação, o

ensinamento, a orientação. O autor pontua ainda que o prazer estético, muitas

vezes, decorre da leitura da crônica em livros e não necessariamente em jornais, a

exemplo da obra de Fernando Sabino, Rubem Braga, entre outros.

Segundo Sá (idem), no Brasil, a crônica surgiu com Pero Vaz de Caminha, no

retrato que fez ao Rei de Portugal da terra descoberta, mobilizando uma forma

subjetiva para apresentação dos índios, dos costumes, do momento de confronto

entre cultura europeia e primitiva. Caminha relata a terra descoberta de maneira que

se assemelha mais a um cronista do que a um historiador.

A crônica se refere a um gênero literário, que, num primeiro momento, era um

"relato cronológico dos fatos sucedidos em qualquer lugar” 14, buscando enfatizar

uma narração de episódios históricos. Era a chamada "crônica histórica" (como a

medieval), que apresenta uma relação mútua com o tempo e a memória,

14

Trecho escrito por Afrânio Coutinho, “A literatura no Brasil” – Volume III – RJ. São José 1964.

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evidenciada pela própria origem grega da palavra, Chronos, que significa tempo.

Então, a crônica, desde sua origem, é um "relato em permanente relação com o

tempo, de onde tira como memória escrita, sua matéria principal, o que fica do

vivido".15

Com o passar do tempo, a crônica tomou novos rumos, pois não existia

somente para a história, mas com o surgimento da imprensa, do jornal, da TV, enfim,

a partir dos variados avanços dos meios de comunicação, a crônica começou a ser

vislumbrada como “folhetim”. Sobre isso, vejamos os dizeres de João R. Faria, no

prefácio de crônicas escolhidas de José de Alencar, que diz o seguinte:

Naqueles tempos, a crônica chamava-se folhetim e não tinha as características que tem hoje. Era um texto mais longo, publicado geralmente aos domingos no rodapé da primeira página do jornal, e seu primeiro objetivo era comentar e passar em revista os principais fatos da semana, fossem eles alegres ou tristes, sérios ou banais, econômicos ou políticos, sociais ou culturais. O resultado, para dar um exemplo, é que num único folhetim podiam estar, lado a lado, notícias sobre a guerra da Criméia, uma apreciação do espetáculo lírico que acabara de estrear, críticas às especulações na Bolsa e a descrição de um baile no Cassino.16

Dessa maneira, a crônica perpassava por vários tons da escrita, de forma a

organizar composicionalmente o que queria dizer, tendo em vista que os temas

propostos, até hoje, não necessariamente precisam seguir um único olhar ou forma

exata. Os títulos podem ressaltar uma variedade de fatos, tanto para expor, narrar,

descrever ou argumentar.

O autor de crônicas, necessariamente, apresenta-se como sintético, tem

rapidez nas ideias e possui habilidades para construir e reconstruir sentidos. Tudo

passa pelo real e ficcional. De forma que seu texto diz muito, falando pouco sobre o

mesmo assunto. O gênero crônica apresenta um diálogo constante entre locutor e

interlocutor, que expõe características peculiares marcadas por momentos formais e

informais, entre níveis cultos e coloquiais. Com isso, podem-se quebrar os

estereótipos que separam os dizeres da vida real e das aventuras ficcionais,

discursos de cunho jornalístico e literário e, a partir desse contexto, evidenciam-se

15

Texto de Davi Arrigucci Jr, “Fragmentos sobre a crônica”, Folha de S.Paulo, 1987. 16 João Roberto Faria, no prefácio (Alencar conversa com os seus leitores) de "Crônicas escolhidas - José de Alencar" - São Paulo: Ed. Ática e Folha de S. Paulo, 1995

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circunstâncias ligadas à espontaneidade, ou seja, o cronista apresenta em seus

enunciados uma forma mais livre no dizer.

Como afirma Candido (1997), é pretexto para pequenas criações ficcionais

que, por vezes, poesia e prosa confundam-se. A partir disso, vê-se que, quando o

cronista registra o acontecimento, interpreta-o num contexto maior, deixa marcas de

seu estilo individual, no qual ultrapassa as questões padronizadas, podendo assumir

um texto plurissignificativo. Esse aspecto faz da crônica um material diferenciado,

que vai além da efemeridade de um periódico para compor algo mais completo e

inovador, pois perpassa pelo estilo, forma composicional de cada escritor e o “querer

dizer”, relacionado ao tempo, momento e circunstâncias vividos pelo autor.

A crônica atinge os valores éticos sem perder seu valor estético, ou seja, o

cronista consegue capturar com seu toque de lirismo e trazer à tona reflexões

tocantes às condições humanas. Antonio Candido diz que

Na crônica, "Tudo é vida, tudo é motivo de experiência e reflexão, ou simplesmente de divertimento, de esquecimento momentâneo de nós mesmos a troco do sonho ou da piada que nos transporta ao mundo da imaginação. Para voltarmos mais maduros à vida...” 17.

Como se vê no excerto acima, a crônica liga-se aos eventos da vida e é,

muitas vezes, motivada para gerar novas experiências e amadurecimento para o

cotidiano. Mesmo que a crônica seja revestida por um tom literário, ela deixa de lado

a métrica rigorosa dos “poetas parnasianos” e assume, em grande parte, sua

posição a favor e ao encontro da cultura. A crônica adotou um estilo peculiar, em

que a liberdade de tom sobrepõe-se a um simples relato e passa a compor um

panorama vivo de situações e comportamentos da vida cotidiana.

Candido (1981) salienta que um dos valores da crônica está em mostrar a

oralidade na escrita, na quebra de normas e na aproximação com os elementos

mais naturais do nosso tempo. Candido (idem) compreende que a crônica, por meio

de uma simples conversa cotidiana, consegue expressar coisas sérias de cunho

social, já que procura entrar na vida íntima (privada) das pessoas para gerar uma

17 Antonio Candido, no ensaio "A vida ao rés-do-chão”, p. 13. In: CANDIDO, A.et al. A crônica: o gênero, sua fixação e suas

transformações no Brasil. Campinas: Unicamp; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1992.

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reflexão sobre a prática social. Para ele, a crônica consegue recuperar com

simplicidade, leveza, rapidez o cotidiano e, assim, por meio da humanização, leva o

leitor a enxergar a realidade do jeito que ela é, possibilitando que recupere uma

dimensão de tudo que o rodeia.

Consideramos interessantes os apontamentos de Campos sobre releituras de

Candido, para a qual

O fato de a crônica não ter a pretensão de durar, porque se abriga num veículo transitório, faz com que seus escritores assumam a perspectiva não daqueles que escrevem do alto da montanha, mas do simples rés-do-chão. (CAMPOS, 2002 p. 78)

Dessa forma, compreendemos que, mesmo pelo fato da crônica durar pouco

tempo e ser considerada por alguns autores como gênero menor, isso não faz dela

um gênero pior ou melhor que os outros, mas sim nos faz pensar como a crônica é

rica e ampla de possibilidades dialógicas, interagindo em múltiplos contextos com

variados grupos sociais.

Para Rubem Braga (1980), o que importa são os pequenos momentos que

também fazem parte da condição de cada ser humano. Por isso, ele afirma: “A

verdade não é o tempo que passa, a verdade é o instante”. Conforme o autor, os

instantes são breves, onde se esconde a complexidade das nossas dores e alegrias.

Em outras palavras, a pressa de viver desenvolve no cronista uma sensibilidade

especial, que o predispõe a captar com maior intensidade os sinais da vida que

muitas vezes deixamos escapar. Ele vê na crônica uma forma de devolver a cada

ser humano o que a realidade, muitas vezes, nos sufoca e não nos permite

visualizar na vida cotidiana. Campos (2002) afirma que

Essas explicações acabam por afirmar que o cronista moderno é o narrador da história escrita na contemporaneidade. Com a modernização das sociedades, as relações de troca recíproca de experiências se fragilizaram e as prioridades se aglutinaram ao redor das meras vivências. (CAMPOS, 2002, p. 80)

Concordamos com Campos quando afirma que o cronista moderno é o

narrador da história escrita na contemporaneidade, e pensamos que toda crônica

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não deve ficar restrita somente às meras vivências dos interlocutores, mas buscar

uma reflexão sócio-histórica que agrega arte, vida, ciência, criatividade, humor,

política e muito mais. Pois a crônica não pode ficar restrita somente a um

determinado foco, ela precisa circular de forma que contemple as demandas sociais

e culturais. A esse respeito, Campos completa que

A narrativa nem tem fim e nem promete explicações. A conclusão parece estar sempre em aberto, pois a própria vida é suscetível de novo prolongamento. O cronista é também um historiador, um intérprete que apresenta e recria um acontecimento, alguém que narra e vive sob o primado do cotidiano (CAMPOS, p. 80)

Assim, entendemos que o cronista, ao construir seu texto, tem sempre

liberdade para construir novos dizeres livremente, mobilizar novas vozes sociais,

vozes que entrecruzam no texto, não são dizeres passivos, mas são vozes que

respondem, questionam, refletem, renovam a cada instante o dizer do outro de

forma a construir ou desconstruir o já dito muitas vezes.

Por isso, na crônica encontramos liberdade de tom (estilo), pois nenhum ser

humano pensa da mesma forma e a configuração e o funcionamento desse gênero

permitem plasmar e refratar a “arena de vozes” que constituem as manifestações

discursivas em crônica. A crônica é um gênero que acompanha de forma bastante

satisfatória o fluxo contínuo e rápido do tempo dos acontecimentos na

contemporaneidade e consegue refletir bem a grande incompletude humana. Assim

são as crônicas, não há como padronizá-las, uma vez que as mesmas apresentam

pontos diferentes em sua abordagem.

Bakhtin nos diz que os gêneros são fenômenos de pluralidade, múltiplos e

jamais podem ser vistos como algo passível de classificação, como se pode

observar em algumas classificações recorrentes para a crônica: crônica literária,

jornalística, crônica esportiva etc. Acreditamos que é possível romper com tal

classificação, se pensarmos na possibilidade de entender o projeto discursivo do

cronista e, assim, refletir sobre as diferentes perspectivas que a vida cotidiana

assume em uma determinada crônica. Partindo dessa proposição, ao analisarmos o

Caderno de crônicas produzido para a Olimpíada de Língua Portuguesa, buscamos

identificar qual a perspectiva assumida pelo material para o ensino da crônica.

As autoras Laginesta e Pereira (2010) afirmam que o Caderno foi pensado

para atender as necessidades do professor. Para isso, há uma série de oficinas e de

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atividades escolares elaboradas para os alunos participarem da Olimpíada da

Língua Portuguesa e, assim, eles serão levados a aperfeiçoarem seu conhecimento

em relação ao texto escrito e, ao mesmo tempo, desenvolver suas habilidades para

serem autores de crônica. Com base no trabalho do grupo de Genebra para o

ensino-aprendizagem dos gêneros, a organização do Caderno se dá via sequência

didática.

Para as autoras, a participação dos alunos no projeto da Olimpíada

demonstra que o trabalho com a escrita é desafiador, uma vez que escrever faz

parte de um ato consciente. Espera-se que, por meio da sequência didática, o aluno

(participante da Olimpíada), subsidiado pelo professor, consiga ver a escrita como

um instrumento imprescindível para a formação do cidadão e fomentador de novos

conhecimentos. Elas acreditam que produzir textos é um exercício complexo que

requer aprendizagem a longo tempo. Mas a equipe organizadora do Caderno arrisca

e confia que, por meio de várias sequências didáticas, o aluno pode acelerar a

construção do conhecimento em relação ao gênero Crônica.

Desse modo, entendemos que as autoras, nas orientações dadas aos

professores, de um lado, objetivam a formação deles, pois a sequência didática

constitui-se em uma ferramenta para aliar teoria e prática, pois há uma organização

que permite a esses professores compreenderem o gênero em si e também abre

possibilidades para entenderem a importância do contexto sócio-histórico para o

ensino da produção escrita. De outro lado, essa sequência é o ponto de partida para

os alunos tornarem-se autores autônomos, uma vez que já conheceram o

funcionamento do gênero crônica. Assim, podemos dizer que essa maneira de

ensinar o gênero seja uma das diferenciações da proposta.

Para melhor situar o leitor sobre como é conceituada a crônica pelo Caderno,

discorreremos brevemente como essa apresentação é realizada. As autoras do

Caderno de crônica colocam, na seção Introdução, a qual dará início ao conceito do

referido gênero, esta pergunta: O que é crônica? Para suscitarem respostas, fazem,

primeiramente, algumas perguntas básicas como podemos visualizar no trecho

abaixo:

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LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p.17.

Após esses questionamentos sobre a constituição do gênero crônica, a

equipe responsável apresenta uma crônica do escritor Ivan Ângelo, em que as

respostas das questões anteriores estão direcionadas para o texto do cronista,

conforme o excerto abaixo.

LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção

de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p.17.

Após a apresentação da crônica de Ivan Ângelo, as autoras fazem um breve

retrospecto da história do gênero, em que elas expõem como a crônica foi

apresentada no Brasil, de que forma ela influenciou a vida cotidiana e uma pequena

explicação de como serão tratadas as oficinas (tempo, organização, material

disponível com acompanhamento de coletânea de crônicas em CD- ROM). Os

comentadores do material apresentam que o professor deve estabelecer com o

aluno maior contato com o gênero crônica. É enfatizada, em todas as oficinas, a

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importância da preparação tanto do aluno como do professor na formação de

autores de textos socialmente eficazes em favor da proficiência e da cidadania.

Na análise do material, observamos que as autoras tecem comentários sobre

o contexto de produção das crônicas alicerçado à noção literária, pois fazem alusão

às crônicas literárias. As autoras falam sobre a produção de crônicas literárias,

procurando apresentar características que lhes são inerentes, como “recursos

literários e estilo pessoal”, “retrato de situações humanas atemporais”, os temas

estão relacionados à ética, relacionamento humano, relação entre grupos

econômicos, sociais e políticos, os personagens podem ser reais ou fictícias. Tudo

isso para que os professores consigam diferenciar essas crônicas de outras para

ensinarem, posteriormente, a seus alunos, participantes do projeto. Após essa breve

explicação, as autoras direcionam seu discurso para uma noção mais ampla, sem

especificar o tipo de crônica, conforme o excerto abaixo.

LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p.22.

Entendemos que o material apoia-se, neste instante, em duas noções para

compreender a crônica. A primeira diz respeito à literariedade, pois o tratamento

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didático sinaliza para uma visão pragmática, isto é, a crônica é descrita pelas suas

marcas literárias, pelos recursos linguísticos e estruturais, os quais determinam a

crônica como sendo pertencente à esfera literária.

A segunda noção está atrelada na tentativa do material em assumir uma

prática discursiva para a crônica, pois, em boa medida, nas atividades, há um

esforço em se trabalhar a tríade do gênero crônica (estilo, conteúdo temático e

forma composicional). Entretanto, como já dissemos, este material está ancorado na

escola de Genebra, cuja abordagem é textual, pois os pesquisadores genebrinos,

em especial Jean Paul Bronckart, renomeia o gênero discursivo como gênero

textual.

Essas duas noções nos fazem pensar que o tratamento didático dispensado

ao gênero crônica oscilou entre algumas esferas de produção do referido gênero,

em que a literária foi a mais destacada, conforme a tabela abaixo.

Autor Papeis sociais Título da Crônica Fronteiras entre as

Esferas de

Produção

Ivan Ângelo Jornalista e cronista Sobre a crônica Jornalística impressa

Fernando Sabino

Cronista, romancista, contista, editor e documentarista

A última crônica Literária

Joaquim Manuel de Macedo

Escritor e cronista A rua do ouvidor Literária

José Alencar Escritor e cronista Falemos das flores Literária

Paulo Mendes Campos

Escritor e cronista Ser brotinho Literária

Tostão Jogador, médico, comentarista esportivo e colunista

Conformados e realistas

Jornalística/literária

Maria Prata Escritor e cronista Quem tem medo da mortadela

Literária

Carlos Heitor Cony

Jornalista, escritor Do Rock Jornalística/Literária

Rachel de Queiroz

Escritor e cronista A arte de ser avó Literária

Armando Nogueira

Repórter, redator, colunista, Peladas Jornalística/esportiva/ literária

Affonso Romano de Sant’Anna

Escritor e cronista Variações em torno da paixão

Literária

Ferreira Gullar Escritor e cronista Sobre o amor Literária

Arnaldo Jabor

Cineasta, roteirista, diretor de cinema e TV, produtor cinematográfico, dramaturgo,crít

Amor

Jornalística/literária

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ico, jornalista, escritor, cronista

Machado de Assis

Escritor e cronista Um caso de burro Literária

Moacir Scliar Escritor e cronista Cobrança Literária

Rubem Braga Escritor e cronista O cajueiro Literária

Luis Fernando Verissimo

Escritor e cronista A bola Literária

Milton Hatoum Jornalista, professor, escritor e cronista

São Paulo: as pessoas de tantos lugares

Jornalística/literária

Quadro 2: Levantamento das crônicas selecionadas para o Caderno

Os dados desse quadro reafirmam algumas informações presentes no

Caderno “Na Ponta do Lápis” (doravante NPL) do Cenpec. Este material é uma

publicação complementar em que vários especialistas tecem comentários sobre as

produções dos alunos referentes a todos os gêneros contemplados na Olimpíada de

Língua Portuguesa. Neste caderno, observamos que autora Cloris Porto Torquato

conduz os professores a categorizar a crônica como um gênero pertencente à esfera

literária, embora reconheça seu hibridismo, por oscilar entre a esfera literária e

jornalística. Segundo a autora, “Distinta das notícias jornalísticas por ter um caráter

literário, a crônica caracteriza-se como um gênero híbrido e complexo” (CENPEC,

NPL, nº 15, 2010, p. 20). A própria avaliadora em outros momentos do seu texto “O

cotidiano em foco” assume a crônica como das artes verbais, da literatura. Conforme

a avaliadora:

Embora tenha herdado do jornalismo a variedade de assuntos, o

apego ao cotidiano e a aparência de simplicidade, a crônica, por ser

um gênero literário, partilha de uma característica da literatura: é

uma tentativa de apreender a vida, de recortar um momento vivido (já

que o todo da vida não pode ser condensado nem fixado, porque

está em processo, em acontecimento), para tentar refletir sobre

e compreender as ações, os acontecimentos, os costumes, as

emoções, os pensamentos, as crenças; enfim, o ser humano e a

vida (CENPEC, NPL nº 15, 2010, p. 21) [grifo nosso].

Essas ponderações apontam que o material acredita quea esfera literária seja

o lugar de produção da crônica. Talvez esse direcionamento deva-se às relações

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dialógicas estabelecidas com dois outros materiais da Olimpíada de Língua

Portuguesa pertencentes à esfera literária: memórias literárias e poemas.

Na próxima seção, apresentaremos a organização da sequência didática

pensada para o ensino do gênero crônica.

4.2 Da teoria à metodologia do Caderno “A ocasião faz o escritor”

O Caderno da Olimpíada, “A ocasião faz o escritor”, trouxe, em parte, grandes

avanços significativos para o processo de ensino-aprendizagem da escrita, uma vez

que muitos livros didáticos costumam trazer apenas poucas explicações

fragmentadas para definir crônicas, ou seja, pequenos trechos que, pela sua

simplificação, não proporcionam aprendizagem ao aluno, somente localização e

decodificação de conteúdo, o que, muitas vezes, compromete a compreensão do

gênero. Essa prática é um trabalho com a escrita sem função, visto que aparece

praticamente “destituído de qualquer valor interacional, sem autoria e sem recepção”

(ANTUNES, 2003, p. 26).

Os alunos escrevem sem estabelecer diálogos com outros textos e com

outros leitores. Outra prática comum é não fazer uso do discurso alheio, neste caso,

citações e aspas costumam aparecer pouco nas produções escritas escolares. Essa

prática, digamos, silencia o dialogismo que é constitutivo da linguagem. Assim, a

escrita seria uma atividade com a linguagem em que, infelizmente, “não há um

sujeito que diz, mas um aluno que devolve a palavra que lhe foi dita pela escola”

(GERALDI, 2006 [1984], p. 127).

Essa prática nos mostra como as atividades de produção de escrita

costumam ser trabalhadas e, em boa medida, mesmo hoje, encontramos alguns

materiais que abordam com superficialidade os gêneros propostos para a prática de

produção de texto.

Em contrapartida, nos últimos tempos, tem-se falado e pesquisado muito

sobre a prática de produção de texto, em que os gêneros são tomados como objetos

de ensino. De acordo com as teorias que apresentamos nos capítulos anteriores

deste trabalho, percebemos que a proposta do Caderno de crônica alinha sua

construção didático-pedagógica com a didática de ensino de língua materna da

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“Escola de gêneros de Genebra” que, por sua vez, dialoga com a teoria vigotskiana

e com o círculo de Bakhtin.

De maneira geral, conforme já citamos alhures, a Escola Didática de

Genebra, representada por Schneuwly (2004[1994]), toma o gênero como um

instrumento ligado ao processo semiótico, o qual dá subsídio e possibilita a

comunicação. Já na visão de Vigotski (1930), a aprendizagem dos usos da língua

sai do social para o individual e acontecerá por meio das interações sociais e

culturais.

De acordo com o que foi detalhado no capítulo dois desta pesquisa, Vigotski

mostra que é necessária uma avaliação da Zona Proximal do desenvolvimento

(ZPD) do aluno, a partir de suas produções, antes de qualquer intervenção, pois o

texto produzido pelo aluno, seja oral ou escrito, dá suporte para que se identifiquem

os recursos linguísticos que ele já domina e os que ainda precisa dominar. A partir

disso, pode indicar os conteúdos que ainda precisam ser tematizados dentro de uma

análise constituída linguisticamente.

Dolz e Schneuwly (2004[1996]) dizem que os gêneros são vistos como

“megainstrumentos”, necessários para as atividades de escrita, e, por meio desses

instrumentos, são organizados os textos forjados ao longo da história.

Além de perceberem que o trabalho com o gênero é importantíssimo para a

construção de um aluno autor, as produtoras do material deixam evidente, na página

9, que um dos objetivos do livro enviado ao professor é “reduzir o “iletrismo” e o

fracasso escolar”. Com isso, afirmam que o fracasso escolar ocorre por conta das

questões problemáticas ligadas à escrita. Sabemos que essa afirmação não pode

ser absoluta, já que existem outros fatores contribuintes para o insucesso escolar,

como: famílias desestruturadas ou total ausência delas; diversas condições sócio-

histórico-culturais, má formação de professores ou falta de formação continuada,

condições precárias das escolas, ensino precário nas séries iniciais responsável

pela aquisição da escrita e alfabetização dos alunos, e muitas outras situações que

podem limitar as possibilidades de aprendizagem, cerceando o desenvolvimento

intelectual do aluno.

Por essa razão, objetivamos observar e analisar em que medida as

orientações apresentadas teoricamente no material de apoio ao professor viabilizam

a formação de autores proficientes para produzirem textos no gênero crônica, e de

que maneira as atividades propostas nesse material, “Caderno de orientação para o

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professor”, auxiliam na construção de uma prática ativa do desenvolvimento do

adolescente que participa do concurso.

Para compreendermos as orientações dadas no Caderno, fizemos o

levantamento geral da proposta, para isso, procuramos seguir a ordem em que os

elementos são apresentados na sequência didática. Devemos reiterar que a

intenção do programa em organizar, no Caderno, contextos que satisfaçam

pressupostos tanto práticos como teóricos, está voltada para o ensino-aprendizagem

do gênero e, ao mesmo tempo, para a formação do professor sobre o trabalho com

gêneros textuais mediante uma sequência didática.

Iniciamos a apresentação do Caderno “A ocasião faz o escritor” pela capa,

uma vez que ela é “a porta de entrada” para o trabalho com o gênero crônica, pois

cativa os participantes do projeto a pensar em serem autores através da participação

na Olimpíada de Língua Portuguesa, como podemos observar abaixo.

LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, capa.

Na capa acima, encontramos a imagem de um jovem escritor, isso nos faz

pensar que só pelo fato do aluno participar do evento “Olimpíada de Língua

Portuguesa escrevendo o futuro”, ele de fato será responsável pelo seu futuro e será

um autor.

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As cores dispostas na capa buscam representar toda motivação do aluno em

participar do evento. A luminária que remete a um globo terrestre nos faz inferir que

se trata dos caminhos possíveis que esse futuro autor alcançará, como também

podemos dizer que esse mundo será o objeto de seu discurso, uma vez que o

material do cronista é o cotidiano das pessoas. Já os círculos coloridos podem

sugerir as diversas ideias que surgirão ao longo das oficinas e de seu fazer

enquanto cronista.

Observamos ainda que a capa é emblemática e nos faz pensar em uma visão

de escritor à moda antiga, tradicional, com postura bem comportada, em que o aluno

usa óculos, terno e gravata. De maneira geral, a roupa remete ao figurino europeu

do início do século XX, num contexto em que os burgueses representavam pessoas

“chiques”, além do mais, a sociedade de aparência qualificava ou desqualificava

homens e mulheres pela vestimenta. Diante disso, pensamos que os alunos que

estão participando da Olimpíada são bem diferentes dessa imagem. Percebemos

que a capa talvez ainda vislumbre um aluno bem preparado, letrado e tradicional,

como se fosse um aluno “genebrino”, digamos.

Essa imagem nos faz lembrar, também, a figura do poeta português Fernando

Pessoa, também considerado modelo europeu. Este poeta é considerado um

grande escritor, dada a sua habilidade com a escrita e dos diversos papéis que

assumiu para escrever seus textos. Assim, podemos dizer que a proposta do

material visa à formação de um aluno-autor, espelhando-se em modelos de início do

século passado.

A seguir, apresentaremos a organização interna do Caderno no que tange ao

encaminhamento didático do projeto de ensino que favorece a formação do aluno-

autor, isto é, a assunção da autoria do aprendiz do gênero crônica. Para isso,

fizemos uma leitura cuidadosa de todo o projeto de ensino e levantamos a

quantidade de oficinas e de atividades.

A sequência didática do gênero crônica no Caderno “A ocasião faz o escritor”

está organizada em 11 oficinas, que compreende 39 atividades. Abaixo, no quadro

1, apresentamos quais são essas oficinas e seus objetivos.

Sequência didática do gênero crônica no Caderno “A ocasião faz o escritor”, da OLPEF N. Oficinas Título Objetivos

01 É hora de combinar Falar sobre a Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro e a forma de participar dela; Estabelecer contato com o gênero crônica; Ler uma crônica de Fernando Sabino.

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02 Tempo, tempo, tempo Aproximar os alunos do gênero crônica; Possibilitar-lhes que identifiquem a diversidade de estilo e linguagem entre autores de épocas diferentes; Distinguir o tom de lirismo, ironia, humor; Ler crônicas escritas nos séculos XIX, XX e XXI.

03 Primeiras linhas Produzir a primeira escrita de uma crônica; Encorajar os alunos a continuar aprendendo a escrever crônicas.

04 Histórias do cotidiano Explorar os elementos constitutivos de uma crônica e os recursos literários utilizados pelo autor; Empregar as figuras de linguagem; Conhecer expressões próprias do mundo do futebol e também as diferentes formas de se tratar o tema “amor”, tendo como cenário a cidade; Ler uma crônica de Armando Nogueira e outra de Paulo Mendes Campos.

05 Uma prosa bem afiada Conhecer mais a vida e a obra de Machado de Assis; Ouvir, ler e analisar uma crônica de Machado de Assis, identificando personagens, cenário, tempo, tom e recursos literários.

06 Trocando em miúdos Refletir sobre a diferença entre notícias e crônica; Identificar os recursos de estilo e linguagem numa crônica de Moacyr Scliar.

07 Merece uma crônica Retomar as crônicas trabalhadas até o momento e analisar tema, situação escolhida, tom do texto e foco narrativo; Escolher fatos, situações ou notícias que serão foco da crônica e obter informações sobre eles; Escrever uma crônica como exercício preparatório à realização do produto final.

08 Olhos atentos no dia a dia Apurar o olhar para o lugar onde se vive; Esclarecer dúvidas a respeito do foco narrativo e de como iniciar uma crônica; Apreender as semelhanças entre o ato de escolher um assunto para uma foto e ação de escolher um tema para ser retratado em uma crônica.

09 Muitos olhares, muitas ideias Produzir coletivamente uma crônica, escolhendo uma situação do cotidiano da cidade; Confrontar a produção coletiva com os elementos do gênero crônica; Reescrever, ainda coletivamente, o texto da crônica para aperfeiçoá-lo.

10 Ofício de cronista Retomar os elementos constitutivos da crônica, com base nas ideias de Ivan Ângelo; Escrever, individualmente, a primeira versão de uma crônica.

11 Assim fica melhor Fazer o aprimoramento e a reescrita do texto; Além disso, no final, há um quadro-síntese para você utilizar para avaliação da crônica.

Quadro 3: Organização da sequência didática do gênero crônica

De acordo com o quadro acima, a sequência didática do gênero crônica está

organizada em onze oficinas. Essas oficinas ao longo do material apresentam três

objetivos. O primeiro é fazer com que professores e alunos conheçam o Programa

das Olimpíadas, o segundo objetivo é orientar os professores para aplicação do

material em sala de aula e o terceiro, é mostrar que é possível ter diversos módulos

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e atividades nas sequências didáticas para um gênero a partir das suas dimensões

ensináveis. Nesses módulos, observamos que diferentes objetivos são mobilizados

para que alunos e professores compreendam o gênero crônica.

Considerando essas informações, se faz necessário descrever como essas

oficinas estão organizadas no Caderno para que possamos, posteriormente, analisar

o tratamento didático dado ao gênero crônica nessa sequência didática. Para esse

intento, fizemos levantamento das seções internas do Caderno em relação às

oficinas. No quadro a seguir, apresentamos a estrutura dessas oficinas.

Oficinas Organização interna das oficinas

Oficina 1 É hora de combinar

Objetivos Prepare-se! Material 1ª etapa: Uma classe motivada Boxe explicativo: a importância de participar Atividades 2ª etapa: A descoberta de uma crônica Atividades Boxe explicativo: sobre suportes, olhares e palavras 3ª etapa: A arte da crônica com Fernando Sabino Boxe explicativo: Atenção Atividades Boxe explicativo: Buscando sentido Boxe explicativo: Há palavras que o vento não leva

Oficina 2 Tempo, tempo, tempo...

Objetivos Prepare-se! Material O processo para identificar assunto, personagens, ideias e emoções provocadas Atividades Quadro-síntese de análise Os recursos de uma crônica Boxe de Sugestão

Oficina 3 Primeiras linhas

Objetivos Prepare-se! Material 1ª etapa: Elementos que as crônicas têm em comum Atividades 2ª etapa: A escolha de um assunto, de uma situação, e o tom da narrativa Atividades 3ª etapa: O valor da primeira escrita 4ª etapa: Análise da primeira escrita Boxe explicativo: Atenção Boxe de Sugestão Hora de os alunos pesquisarem: atividade extra

Oficina 4 Histórias do cotidiano

Objetivos Prepare-se! Material 1ª etapa: Os recursos do cronista Atividades 2ª etapa: O mundo do futebol Atividades 3ª etapa: Um cronista que tem futebol nas veias Atividades 4ª etapa: “Conversando” com Armando Nogueira

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Atividades Boxe explicativo: Sobre “Peladas” 5ª etapa: O mundo amoroso Boxe explicativo: Sobre “O amor acaba” Boxe de Sugestão Boxe de Atenção O bruxo do Cosme Velho: atividade extra

Oficina 5 Uma prosa bem afiada

Objetivos Prepare-se! Material 1ª etapa: Machado de Assis, o cronista Boxe explicativo: Lembrete Atividades 2ª etapa: O confronto título-texto Atividades 3ª etapa: O que Machado queria mesmo dizer? Atividades Boxe explicativo: “Um caso de burro” Atividades

Oficina 6 Trocando em miúdos

Objetivos Prepare-se! Material 1ª etapa: Da notícia à crônica Atividades 2ª etapa: conversando sobre crônica Atividades 3ª etapa: Recursos discursivos e linguísticos Atividades Boxe explicativo: Sobre “Cobrança” 4ª etapa: Faça um desafio à turma Atividades Boxe explicativo: Estratégia de leitura

Oficina 7 Merece uma crônica

Objetivos Prepare-se! Material 1ª etapa: Os mestres da crônica Atividades Quadro-síntese: Diferentes maneiras de dizer 2ª etapa: O material da crônica Atividades 3ª etapa: O começo da produção textual Atividades Boxe explicativo: Lembrete

Oficina 8 Olhos atentos no dia a dia

Objetivos Prepare-se! Material 1ª etapa: Habilidades para iniciar uma crônica Atividades 2ª etapa: Habilidades para definir o foco narrativo de uma crônica Atividades 3ª etapa: Entre fatos e fotos Atividades 4ª etapa: Alunos fotografam o dia a dia Atividades 5ª etapa: Planejamento e escrita da crônica inspirada na foto Atividades 6ª etapa: Lendo imagens Atividades

Oficina 9 Muitos olhares, muitas ideias

Objetivos Prepare-se! Material 1ª etapa: Preparação para a escrita coletiva

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Atividades 2ª etapa: Escolha e exploração do tema e da situação Atividades Boxe exemplo: Notícia 3ª etapa: A escrita coletiva Atividades Boxe explicativo: Atenção 4ª etapa: O aperfeiçoamento do texto e a criação do título Atividades

Oficina 10 Ofício de cronista

Objetivos Prepare-se! Material 1ª etapa: Inspirando-se com Ivan Ângelo Atividades 2ª etapa: escrevendo crônica Atividades Boxe explicativo: lembrete

Oficina 11 Assim fica melhor

Prepare-se! Material 1ª etapa: Aprimoramento coletivo Boxe explicativo: Atenção Atividades 2ª etapa: Reescrita individual Atividades Boxe explicativo: Atenção 3ª etapa: Exposição ao público

Anexo Critérios de avaliação para o gênero crônica

Quadro 4: Organização das seções didáticas das Oficinas

Nesse quadro, é possível dizermos que há repetição de algumas seções ao

longo do Caderno, por exemplo, Objetivos, Prepare-se! e Material. Estas seções

visam auxiliar o professor, pois são postas informações para ele saber conduzir as

atividades durante as aulas e quais materiais serão necessários para aplicar a

sequência didática ou mesmo ampliá-los, conforme a necessidade da turma. Além

disso, as oficinas, com exceção da Oficina 2, são divididas em etapas. Essa

subdivisão no trabalho é característica da sequência didática, pois cada etapa, de

certa maneira, visa ampliar conceitos ou mesmo retomar alguns módulos de

atividades, no intuito de potencializar o aprendizado. Tomando as informações do

quadro anterior, acreditamos ser pertinente explicar, em linhas gerais, essas etapas

da sequência didática ao longo das 11 Oficinas.

Na Oficina de número 1, intitulada “É hora de combinar”, há três etapas para o

ensino da crônica. Na primeira, o discurso autoral motiva os professores em relação

ao ensino do gênero como também pede a eles que falem sobre o projeto e

direciona seu fazer em sala de aula, para que o projeto tenha um bom resultado. Na

visão das autoras, o responsável pela aplicação e sucesso da Olimpíada de Língua

Portuguesa é o professor, como observamos nestes trechos:

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LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção

de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 26-27.

A segunda etapa visa apresentar a crônica por meio de questões que levem

os alunos a refletirem sobre o suporte no qual esse gênero é veiculado e o assunto a

ser tratado na crônica.

LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 28.

A última etapa sugere que o professor leve diferentes crônicas para sala de

aula para que os alunos apreendam o gênero, por meio da leitura e discussão a

partir de um roteiro dado ao professor para explorá-lo. Trata-se de um trabalho de

escuta.

LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção

de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 28.

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A Oficina 2 “Tempo, tempo, tempo” visa aproximar o gênero crônica dos

alunos, para isso é sugerido ao professor que imprima as crônicas presentes no CD-

Rom para levar para sala de aula. Após leitura, os alunos deverão observar a

linguagem, os assuntos, as personagens, o estilo do autor etc. Tudo isso para que o

aluno fique preparado para produzir sua crônica.

LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 36, 39.

A Oficina 3 “Primeiras linhas” apresenta quatro etapas. Na primeira etapa, a

proposta encaminha para a observação de elementos que a crônica tem em comum,

por exemplo, local de publicação e o estilo do gênero. Na segunda, a ênfase está

no tom da escrita e na temática a ser escolhida pelos alunos. Já a terceira está

relacionada à primeira escrita, em que o objetivo é oferecer subsídio para o

professor corrigir as redações dos alunos. A última apresenta parâmetros para a

correção. Além disso, há dois boxes explicativos: um alerta sobre a necessidade de

levar a primeira produção, caso o aluno seja um semifinalista da Olimpíada e, no

outro, há sugestões de como o professor deve proceder na devolutiva do texto

corrigido. Ao final dessa etapa, sugere-se que os alunos façam uma pesquisa acerca

dos assuntos: bola e amor para a próxima aula.

A 4a Oficina “Histórias do Cotidiano” está dividida em cinco etapas. A primeira

etapa está voltada para apresentação de sugestões de trabalho com as figuras de

linguagem, pois o discurso autoral afirma que são recursos do cronista. Para isso, o

professor deverá confeccionar um cartaz e afixar no mural com as figuras.

Na segunda, pede-se para que o professor focalize nesta oficina a temática

do futebol e, para isso, oferece sugestões de trabalho, por exemplo, explorar o

significado de algumas palavras no jargão futebolístico. Na terceira, o propósito é

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explorar uma crônica esportiva, para isso, há atividades voltadas para o

conhecimento de mundo sobre o cronista Armando Nogueira, posteriormente,

atividades que exploraram o texto sobre ele e uma crônica produzida por ele.

Na quarta etapa, o foco está no texto de Armando Nogueira, pois orientam

levar os alunos a refletirem sobre diferentes aspectos da crônica ouvida na etapa

anterior. Na última etapa, apresenta-se outra crônica de Paulo Mendes Campos,

seguida de sua análise. Há dois boxes explicativos, um dá sugestão e o outro chama

atenção do aluno para que ele não se esqueça de fazer anotações no diário. Como

última atividade, solicita-se ao aluno que faça pesquisa sobre Machado de Assis

(vida e obra) e suas crônicas sobre cidade e seu cotidiano.

A Oficina 5 “Uma prosa bem afiada” tem três etapas. Na primeira, o aluno

deverá ler crônicas diversas para depois focalizar em Machado de Assis. Na

segunda, há orientações para que se explore o título de uma crônica escrita por

Machado de Assis. Na última, há atividades direcionadas para a crônica ouvida “Um

caso de burro”.

Na Oficina de número 6, “Trocando em miúdos”, segue-se a subdivisão em

etapas para explorar a distinção entre notícia e crônica. Na primeira etapa, explora-

se o autor Moacyr Scliar. Na segunda, os alunos deverão ler a crônica produzida por

Scliar e, na terceira etapa, o foco está nos recursos de estilo e linguagem e há

também uma análise da crônica “Cobrança”, lida anteriormente. Na última atividade,

propõe-se que os alunos reflitam sobre a situação apresentada na crônica lida e

produzam seu texto, observando os tipos de discurso apresentados.

Na Oficina 7 “Merece uma crônica”, as autoras retomam, na primeira etapa,

todas as crônicas e autores já comentados anteriormente no Caderno. Na segunda,

o propósito é fazer com que os alunos façam pesquisa sobre assuntos novos para

serem motes para suas crônicas e a última etapa é destinada para a produção da

crônica. No fragmento abaixo, observamos as orientações das autoras:

LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção

de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 86.

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A Oficina de número 8, intitulada, “Olhos atentos no dia a dia”, é marcada pela

apresentação de seis etapas, com a seguinte distribuição: etapa 1: escrita coletiva

do primeiro parágrafo de uma crônica, cujo objetivo é desenvolver habilidades dos

alunos para iniciar uma crônica, para isso, há um quadro com sugestões para esse

início de texto. Na etapa 2, atividades voltadas para escolha do foco narrativo. Já na

etapa 3, o propósito das atividades é para que os alunos apurem seu olhar para a

realidade a partir de uma observação conduzida e depois leiam uma crônica. As

etapas 4, 5 e 6 estão interligadas, pois os alunos farão sua produção com base nas

imagens selecionadas pelos alunos na etapa 4.

Já na Oficina de número 9, “Muitos olhares, muitas ideias”, há quatro etapas

para a produção da crônica. Na primeira etapa, os alunos retomarão conceitos sobre

a situação de produção e dos elementos da crônica para a escrita coletiva. Na

segunda, atividades voltadas para a exploração do tema e da situação de produção,

pois, na etapa 3, eles farão a produção. Para isso, o professor é orientado a seguir

um roteiro de questões para ajudar os alunos na elaboração do texto. Na última

etapa, o professor é orientado a fazer o trabalho de reescrita dos textos após

correção e a pensar o título da crônica com os alunos.

A Oficina 10, intitulada “Ofício de cronista”, apresenta duas etapas que estão

interligadas, pois, na primeira, os alunos terão contato com a crônica de Ivan Ângelo,

para, na segunda, escreverem a crônica. Para as autoras, o professor desempenha

papel importante nesse processo.

LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 36, 39.

Para fecharmos nossa descrição geral, a Oficina 11 “Assim fica melhor” trata

do processo da reescrita. Na etapa 1, a reescrita será coletiva, para isso, o professor

deverá levar questões para que os alunos falem sobre suas crônicas de acordo com

o roteiro pré-estabelecido. Além disso, colocou-se um texto modelo para mostrar

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como foi o processo de sua reescrita. Na segunda etapa, a reescrita será individual,

para isso, o aluno deverá fazer uso do roteiro de revisão da crônica posta na página

seguinte, e a última etapa será a exposição da crônica para a comunidade escolar.

No final dessa oficina, foram colocados critérios de avaliação para o gênero trabalho.

Na seção seguinte, apresentamos a análise de algumas atividades presentes

nessas Oficinas.

4.3 Análise das Atividades do Caderno “A ocasião faz o escritor”

Tomando as informações da tabela e a descrição realizada anteriormente das

Oficinas, faremos análise de algumas atividades que são pertinentes para o nosso

objetivo de trabalho, uma vez que pretendemos saber como é encaminhamento da

proposta das autoras do Caderno “A ocasião faz o escritor” para a formação de

autores de crônica no espaço escolar.

Para esse intento, apresentamos a tabela de número 3, sobre os tipos de

atividades desenvolvidas nas Oficinas.

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Tipos de atividades Conjunto de tematizações enfocadas nas atividades do

Caderno “A ocasião faz o escritor”

Situação de produção: apresentamos, neste item, atividades que exploram elementos como autor, leitor, suporte, finalidade, título e temática da produção.

Atividade apresentação do projeto de escrita e de motivação para sua realização;

Definição do gênero crônica;

Leitura de mobilização dos conhecimentos prévios e apreciação afetiva acerca dos elementos da situação de produção do gênero;

Leitura com foco no reconhecimento da situação de produção do gênero;

Leitura com foco na apreciação temática;

Leitura de (re) conhecimento das principais características do gênero;

Escuta e interpretação de uma crônica de Armando Nogueira por meio de estratégias de antecipação de informações;

Leitura ou escuta de uma crônica de Paulo Mendes Campos com foco no reconhecimento do autor;

Leitura de antecipação de hipóteses sobre conteúdo da crônica de Paulo Mendes Campos;

Leitura de exploração do título de uma crônica de Machado de Assis, de Moacyr Scliar;

Checagem de antecipação do conteúdo da crônica a partir da leitura prévia do título de uma crônica de Machado de Assis;

Diferenciar notícia de crônica;

Formas de circulação da crônica produzida pelo aluno.

Alimentação temática: organizamos, neste tópico, as atividades que apresentam diferentes estratégias de busca e seleção de informações para fundamentar a produção de texto.

Sugestões de leitura em diferentes suportes (jornal, revista, internet, livros);

Sugestões de pesquisa em diferentes sites de banco de textos;

Estratégias de levantamento de assunto, de escolha de situação e de estilo narrativo;

Levantamento de informações e acontecimentos para a produção de crônica;

Exercícios de fotografar imagens cotidianas para fundamentar a produção da crônica;

Escolha do conteúdo e da situação com base nos textos exemplares em crônica fornecidos para estudo;

Elementos básicos da narrativa: dispomos, neste item, aquelas atividades que tematizam elementos como espaço-tempo do texto, personagens, enredo, foco narrativo, formas de introdução do texto narrativo.

Leitura de identificação do espaço-tempo do gênero;

Leitura de identificação dos elementos básicos da narrativa;

Leitura de apreciação afetiva dos personagens da crônica de Armando Nogueira;

Leitura de identificação e de (re) conhecimento dos elementos narrativos de uma crônica de Armando Nogueira; de Paulo Mendes Campos; de Machado de Assis;

Análise da crônica de Armando Nogueira, de Machado de Assis com foco nos elementos básicos da narrativa;

Estudo do foco narrativo voltado para as formas de introdução do discurso das personagens (discurso direto, indireto, indireto livre e misto);

Síntese dos elementos constitutivos da crônica como base de orientação para a produção escrita do aluno;

Leitura de uma crônica metalingüística para retomar elementos característicos da crônica.

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Quadro 5: Tipos de atividades e suas tematizações

Auxiliados pelo levantamento acima apresentado, observamos que a situação

de produção é plasmada no Caderno em vários momentos, apresentando uma

incidência de 13 vezes. Em segundo lugar, ficam os elementos básicos da narrativa

que se desdobram em 10 ocorrências, a alimentação temática e a produção escrita

empatam com 6 ocorrências cada. Em seguida, a reescrita com 05 incidências e

Estilo do autor: apresentamos, neste tópico, atividades voltadas para exploração do estilo pessoal do autor.

Leitura de identificação do estilo do autor com base em textos escolhidos pelos alunos;

Interpretação do estilo de Armando Nogueira com base na leitura de uma crônica;

Exploração de recursos linguísticos utilizados por Armando Nogueira;

Análise do estilo de Paulo Mendes Campos na crônica apresentada para leitura;

Breve apresentação da vida e estilo literário de Machado de Assis;

Retomada das situações e dos estilos dos cronistas estudados;

Explorar recursos e estilo de linguagem em uma crônica de Moacyr Scliar;

Elementos linguístico-textuais: classificamos, neste item, atividades voltadas o estudo do vocabulário, expressões e conhecimento de aspectos da gramática, figuras de linguagem.

Busca do significado de termos e palavras no dicionário;

Estudo do jargão futebolístico comparando-o com expressões do cotidiano com base em palavras retiradas do dicionário;

Reconhecimento de figuras de linguagem com base em exemplos descontextualizados

Produção oral: caracterizamos este tópico com temáticas voltadas para o uso oral da linguagem.

Discussão escolar sobre a importância da escrita coletiva;

Debate coletivo sobre o processo de escolha do conteúdo, da situação, dos elementos básicos da narrativa para compor a crônica dos alunos.

Produção escrita: agrupamos, neste tópico, atividades voltadas para o exercício da produção escrita coletiva e individual.

Produção escrita inicial para diagnóstico;

Produção individual orientada por um roteiro de elementos básicos da narrativa;

Produção coletiva de elementos da crônica (introdução, adoção de foco narrativo e seleção do espaço-tempo narrativo;

Produção de uma crônica baseada nas imagens fotografadas, com ênfase nos elementos narrativos;

Produção coletiva orientada por roteiro de elementos básicos da narrativa;

Produção individual final da crônica

Reescrita: organizamos, neste item, as atividades que envolvem atividades de reescrita orientadas coletiva e individualmente.

Análise da produção escrita inicial;

Ensaio de reflexão sobre o processo de tomadas de decisão entre o fotografar o cotidiano e o retratar na crônica;

Exercício de aperfeiçoamento da crônica com ênfase na construção do título, na adequação temática e linguístico-textual (coerência, vocabulário, redundância).

Reescrita coletiva com ênfase no aperfeiçoamento da produção individual do aluno;

Reescrita individual

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encerram com produção oral e elementos linguístico-textuais com 02 incidências

cada. Esses elementos antecipam, em termos, o que de fato está sendo privilegiado

na didatização da crônica, ou seja, situação de produção, elementos da narrativa,

atividades de reescrita.

Iniciemos pela Oficina 1:

LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p.26.

Para início de trabalho, as autoras do Caderno propõem como atividade ativar

o conhecimento prévio do aluno sobre a crônica, pois julgam ser o melhor caminho

para abordar o gênero. Essa concepção de ensino está embasada na perspectiva

interacionista, coerente com a proposta de didatização dos pesquisadores de

Genebra. As questões da atividade ativam o conhecimento de mundo do aluno

sobre o gênero e, ao mesmo tempo, esperam que os alunos antecipem informações

relativas ao conteúdo temático da crônica a partir de diferentes suportes.

Para efetivação plena dessa atividade, os alunos precisam saber o contexto

de produção e, além disso, saber de antemão o que é uma crônica, pois se trata de

um texto mais ou menos próximo do relato oral que, até certo ponto, o alunado pode

associar a outros textos da ordem do narrar, por exemplo, conto etc.

A outra atividade pensada para abordar o gênero também direciona para um

conhecimento de mundo anterior, pois os alunos precisarão escolher entre vários

gêneros presentes no material disponibilizado (jornal, revista, livro) uma crônica para

ser lida e apresentada, posteriormente, aos colegas. Nesta atividade, as

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propriedades do texto e de conteúdo serão mobilizadas pelo aluno para que este

consiga encontrar um texto no gênero crônica no suporte oferecido.

LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção

de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p.28.

Em relação à atividade, consideramos que essas questões iniciais, embora

sejam pertinentes para a aproximação da crônica, precisam ser repensadas,

precisamente as perguntas formuladas, uma vez que o leitor contemporâneo das

escolas públicas tem pouco contato com a crônica na esfera impressa e televisiva e,

muitas vezes, o aluno nem sempre reconhece o gênero em primeira instância. Como

sugestão de atividade, em virtude dessa situação por nós posta, seria o professor

levar as crônicas previamente escolhidas por ele ou auxiliar os alunos durante a

busca nos referidos suportes. Nesse auxílio, o professor comentaria brevemente

sobre a situação de produção e circulação para que os alunos compreendam os

caminhos que levam um texto a estar presente em um suporte específico.

Dando continuidade a essa oficina na terceira etapa, o propósito é fazer com

que o aluno fale sobre o autor Fernando Sabino. As autoras sugerem que o

professor pense em questões para explorar a crônica desse autor, a fim de saber o

que alunos antecipem seu conhecimento sobre o cronista.

No primeiro momento, o aluno deve falar o que sabe e, após leitura do texto

informativo sobre Fernando Sabino, ter mais informações do autor para fazer outra

atividade.

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LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p.30

A atividade seguinte explora o título, cujo objetivo é fazer com que o aluno

reflita sobre a importância da elaboração de um título para sua crônica. Mas

podemos dizer também que essa atividade busca antecipar conhecimento do aluno

em relação aos conteúdos previstos no texto a ser lido, formular hipóteses sobre o

que vai ser lido. Trata-se de uma estratégia cognitiva de leitura. Em vista disso, as

autoras elaboraram 4 questões de apreciação para o título de “A última crônica”.

LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 31.

A próxima atividade pretende sensibilizar os alunos em relação à temática

apresentada pela crônica de Fernando Sabino, intitulada “A última crônica”. Essa

atividade favorece o desenvolvimento da habilidade de percepção para a realidade

cotidiana do aluno.

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LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção

de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 31.

Na Oficina 2, localizamos uma atividade que propõe aos alunos identificar,

com base nas crônicas lidas, a situação de produção, circulação e recepção. Ainda

nela, temos um quadro que tematiza o contexto sócio-histórico da crônica literária de

1878 a 2009. Essa atividade demonstra ao professor e ao aluno que o gênero não é

um texto protótipo, pois sofre influências da evolução das relações sociais. Essa

atividade mostra-se bastante relevante, pois possibilita aos interlocutores do

Caderno compreenderem que o gênero crônica não pode ser tratado de forma fixa,

modular.

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LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 38.

Ressaltamos que, no boxe explicativo sugestões, na comanda 2, as autoras

sugerem o uso dos paradidáticos da biblioteca, no caso, os paradidáticos ofertados

pelo FNDE/PNBE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação/Programa

Nacional de Biblioteca na Escola). Em nossa experiência como professora e

coordenadora, notamos nas escolas estaduais a não utilização desse material e, por

isso, acreditamos importante a orientação das autoras. Além disso, pensamos que é

uma maneira interessante de integrar o trabalho da OLPEF com o PNBE, nas

bibliotecas escolares, pouco utilizadas. Outros meios de pesquisa sugeridos são:

jornais, revistas e sites de internet.

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LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 39.

A Oficina 3 inicia a produção escrita do aluno e solicita a identificação de

elementos sobre a orientação do discurso (dados do autor, conteúdo temático, o

veículo em que foi publicado o gênero, o tipo de leitor, o estilo do gênero).

LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção

de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p.42.

Ainda na primeira etapa, é brevemente descrita a forma composicional e o

estilo do gênero.

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LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 43.

Nas atividades acima, observamos que as autoras, para evidenciarem a

forma composicional e o estilo do gênero, reconvertem a noção dos elementos de

um texto narrativo para a crônica: cenário, foco narrativo, enredo, personagens,

desfecho. Em nosso entendimento, essas dimensões da ordem do narrar que são

mobilizadas durante as atividades para caracterizar a crônica, em certa medida,

contribuem para as tentativas de domínio do gênero tendo em vista que, talvez, as

autoras considerem os trabalhos anteriores com textos narrativos nas aulas de

Língua Portuguesa ao longo do Ensino Fundamental. Trata-se de uma transferência

de domínios de uma ordem para outra, como por exemplo, o domínio de alguns

elementos dos estilos do tipo narrativo (tempos verbais, advérbios de tempo,

pronomes, figuras de linguagem etc.) para o estilo dos gêneros do relatar e narrar.

Entretanto acreditamos que essas características não podem ser tomadas

como sendo totalmente do referido gênero, pois, muitas vezes, podemos ter uma

crônica apenas com diálogo, em que o foco narrativo se ausenta. Isso nos faz

pensar que o material elege a tipologia para nortear o estudo do gênero crônica.

Com base no estudo desses elementos, o aluno deverá produzir sua primeira

crônica na etapa 2.

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LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção

de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 44.

Na Oficina 4, “Histórias do cotidiano”, aparecem no próprio título algumas

controversas, ou seja, pelo título esperávamos encontrar textos e ações que

permitissem maior interação com a prática cotidiana, mas encontramos um estudo

sistemático de elementos linguístico–textuais, tais como as atividades voltadas ao

estilo do gênero – léxicos do jargão futebolístico, da linguagem cotidiana – para o

estudo do vocabulário, expressões e conhecimento de aspectos da gramática. Outra

dimensão de estilo trabalhada são os elementos semânticos, como as figuras de

linguagem.

Embora essas atividades estejam previstas nos objetivos da Oficina 4, para

nós, soa como incoerente, por não oportunizar aos alunos questões discursivas, que

levassem o aluno a refletir sobre o cotidiano, pois a temática da crônica, como bem

pontuaram as autoras do material, focaliza as situações do homem comum, da sua

vida cotidiana. Por isso, acreditamos que há essa incoerência, pelo não tratamento

exaustivo da discursividade, mas dos elementos linguístico-textuais. Conforme

podemos visualizar a seguir:

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LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 51-53.

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120

Em nosso entendimento, esse tratamento didático apresenta uma

lacuna, pois não há um trabalho sistematizado para o objeto de ensino eleito na

atividade, exemplo são as figuras de linguagem. Tal encaminhamento didático

liga-se às relações dialógicas do campo editorial, uma vez que o processo é

similar ao que os autores de livros didáticos, de alguma forma, apresentam na

didatização desse objeto de ensino. Este é apresentado de forma fragmentada,

em que a abordagem assumida é a transmissiva. Trata-se de uma prática

cristalizada nas situações escolares de ensino-aprendizagem da língua

portuguesa.

Além disso, temos outra prática docente bastante comum: a produção

textual de cartaz para fixação de conteúdos. Em certa medida, evidencia-se

que o Caderno operacionaliza o estudo das figuras de linguagem de forma

simples, de forma transmissiva, não havendo uma abordagem mais estética

para uso dessas figuras para a crônica literária. Este gênero, como pontuamos,

mescla a literatura com o jornalismo. Assim, seria fundamental que houvesse a

proposição de atividades voltadas para uso dessas figuras no texto, pois elas

estabelecem outros sentidos nos enunciados escritos.

Outro fato que nos chamou atenção é o trabalho com dois gêneros

crônicas: a esportiva e a literária. Em nosso entendimento, são gêneros

diferentes, pois Dolz e Schneuwly (2004[1996], p. 60) apresentam no quadro I

proposta provisória de agrupamentos de gêneros na ordem do relatar “crônica

social, crônica esportiva”. Já a crônica literária está na ordem do narrar. Por

consequência, mudam-se os estilos, as formas composicionais, os conteúdos

temáticos e as condições concretas de produção, circulação e recepção dos

discursos escritos. Em outros dizeres, muda-se o gênero discursivo. Assim,

podemos dizer que esse tratamento didático dado à crônica precisa ser melhor

definido pelo Caderno para eliminar essas falhas, embora saibamos que pela

proposta da escola de Genebra deve-se levar diferentes gêneros para sala de

aula. Mas se a proposta é fazer com que os alunos tornem-se autores de

crônicas, em pouco tempo, é necessário reformular a proposta para não

permitir que os alunos fiquem confusos quanto às características da crônica

literária.

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Em corroboração com os autores, entendemos que a crônica “Peladas”,

de Armando Nogueira, presente no Caderno, p. 51, representa um exemplar do

gênero crônica esportiva, o qual é diferente da crônica literária, intitulada “O

amor acaba”, de Paulo Mendes de Campos.

Em nosso olhar, as diferenças entre os gêneros notícia e crônica

apresentadas na Oficina 6 poderiam ser reconduzidas entre as diferenças entre

dois gêneros apresentados anteriormente: a crônica literária e a esportiva. Isso

porque acreditamos que os discentes podem distinguir o gênero crônica

esportiva por causa do domínio do conteúdo temático, muito familiar, de vários

outros gêneros primários de seu domínio, tal como o relato oral ou relato

esportivo de uma partida futebolística. Assim, a produção de uma crônica

literária pode ficar comprometida, pois não há um trabalho dirigido específico

para esse gênero.

Na Oficina 08, gostaríamos de destacar que a proposta dos alunos

fotografarem o dia a dia é bastante relevante para uma produção de crônica

envolvendo a prática cotidiana. Essa proposta vai possibilitar a eles a

contemplar o outro em um momento singular de suas vidas. Dessa forma, os

alunos vão aos poucos compreendendo os caminhos pelos quais um cronista

passa para produzir seus textos. É procurar nas atividades mais simples,

cotidianas, encontrar algo para dizer, para ressignificar, dar um novo olhar para

aquilo que nos parece ser tão banal.

LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p.99.

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Ainda na Oficina 08, observamos que a atividade tão rica centrou-se

apenas, mais uma vez, nos elementos básicos da narrativa, contemplando a

escrita com o foco voltado para as formas de introdução do texto narrativo, e

esquecendo-se de privilegiar atividades direcionadas para aspectos

discursivos, que contribuíram para compreensão do gênero crônica literária e

auxiliariam os alunos na produção.

LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p.99.

Podemos perceber que é recorrente nas Oficinas, para

explicar/exemplificar o gênero, as autoras respaldarem-se em crônicas escritas

por grandes nomes da literatura brasileira, o cânone, digamos: Machado de

Assis, Fernando Sabino, Moacyr Scliar, entre outros. Considerando que desde

o início do Caderno ocorre uma preocupação em se apresentar o gênero

através das regularidades do conjunto que rege a crônica, as autoras

pretendem fornecer um modelo didático “mais estável” do gênero. Nesse

sentido, percebemos que a proposta é buscar descrever a função ou a

materialização do texto por meio de unidades estáveis que compõem o gênero,

procurando evidenciar no material os tipos de elementos contidos em uma

crônica. Daí os elementos da narrativa entram em evidência.

Essa estabilidade aconteceu por dois caminhos ao longo do Caderno. O

primeiro foi ao elaborarem-se atividades voltadas para forma composicional,

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pois as autoras privilegiaram comandas direcionadas para os elementos do

texto narrativo. Esses elementos, segundo as autoras, estão presentes em toda

e qualquer crônica, por considerar que o gênero pertence à ordem do narrar.

LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 30, 43, 54.

Outro caminho assumido pelas autoras foi o estilo do gênero crônica e

do autor. Para elas, a crônica possui alguns tons na escrita que favorecem o

reconhecimento de tal gênero em relação a outros, como também diferencia de

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um autor para outro. Nossa percepção para o estilo individual e do gênero foi

orientada pelas questões presentes no material. Dessa forma, nos trechos das

atividades identificamos que o primeiro e terceiro exemplos marcam o estilo do

gênero e o segundo, o estilo individual.

LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a

produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 37, 43, 56

Em nosso entendimento, considerando o foco dado pelas autoras ao

longo do material, pensamos que o caminho a ser delineado para didatizar a

crônica enquanto gênero, a fim de possibilitar sua regularidade seja adotar esta

sequência: primeiramente, definir a esfera de produção, circulação e recepção

e, por conseguinte, o gênero e sua designação a ser didatizado (crônica

literária, esportiva etc.). Outra maneira é estabelecer relações dialógicas com o

documento oficial brasileiro (PCNLP), pois o Caderno trabalha com a etapa

final do Ensino Fundamental.

Tal encaminhamento dado por nós deve-se porque observamos que o

Caderno estabelece relações dialógicas com o discurso oficial constituído na

década de 1990, em particular, aqueles dos PCN de Língua Portuguesa 3º e 4º

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ciclos, quer dizer, a proposta do material, ao escolher a crônica como objeto de

ensino, segue as orientações dadas por esse documento oficial, pois esse

gênero está previsto como prática de escrita, conforme o quadro abaixo para a

produção textual:

Quadro 6: (BRASIL, 1998, p. 57) [ênfase adicionada].

Em vista dos gêneros elencados acima, as autoras respondem com

concordância ao discurso oficial delineando a crônica da esfera literária como

cerne de sua proposta e também respondem à proposta de Genebra, pois no

agrupamento de gêneros, a crônica também é vista como um objeto de ensino

e está organizada de acordo com os domínios de comunicação e seus

aspectos tipológicos: Cultura literária ficcional/Narrar (crônica literária) e

Documentação e memorização das ações históricas/Relatar (crônica social e

esportiva). Além disso, as autoras respondem a discursos alhures (passados,

já ditos) pelo documento oficial, pois escolheram a crônica como objeto de

ensino para sua proposta didática e levaram em conta a classificação posta

pelos PCNLP, pois a crônica está posta na esfera literária. Trata-se de uma

GÊNEROS SUGERIDOS PARA A PRÁTICA DE PRODUÇÃO DE TEXTOS ORAIS E

ESCRITOS

LINGUAGEM ORAL

LINGUAGEM ESCRITA

LITERÁRIOS

Canção

Textos

Dramáticos

LITERÁRIOS

Crônica

Conto

Poema

DE IMPRENSA

Notícia

Entrevista

Debate

Depoimento

DE IMPRENSA Notícia

Artigo

Carta do leitor

Entrevista

DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

Exposição

Seminário

Debate

DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

Relatório de experiências

Esquema e resumo de artigos ou verbetes de enciclopédia

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126

compreensão ativa responsiva, pois as autoras concordam com os PCNLP,

respondendo-o após uma década de sua publicação (1998).

No que se refere ao Ensino Médio, as OCEM dizem que:

o perfil que se traça para o alunado do ensino médio, na disciplina Língua Portuguesa, prevê que o aluno, ao longo de sua formação, deva: conviver, de forma não só crítica mas também lúdica, com situações de produção e leitura de textos, atualizados em diferentes suportes e sistemas de linguagem – escrito, oral, imagético, digital, etc. –, de modo que conheça – use e compreenda – a multiplicidade de linguagens que ambientam as práticas [...] em nossa sociedade, geradas nas (e pelas) diferentes esferas das atividades sociais – literária, científica, publicitária, religiosa, jurídica, burocrática, cultural, política, econômica, midiática, esportiva, etc; (BRASIL, 2006, p. 32) grifo nosso

Desse modo, professor e aluno poderiam não apenas conhecer a

crônica na sua tríade constitutiva, mas perceber que ela é uma modalidade

artística da palavra, e com ela pode-se perceber e observar várias

possibilidades de construções, as quais poderiam, de forma mais efetiva,

contribuir para a concretização da proposta em favor de escritores cidadãos.

Esses dados nos possibilitam voltarmos às páginas iniciais de

apresentação do Caderno. Lá há está afirmação: “Só o fato de participar desse

projeto já é importante para se tomar consciência do desafio que é a escrita.

Entretanto, o real desafio do ensino da produção escrita é bem maior [...]”

(LAGINESTRA; PEREIRA, 2010, p.13). Essa fala nos permite dizer que é

necessário que a proposta didática do Caderno reveja os módulos de

atividades para favorecer a prática de escrita do aluno, pois o ensino da

produção vai requerer do professor formação necessária para ensinar qualquer

gênero.

Por isso não basta focalizar apenas a forma composicional do gênero ou

mesmo centrar os estudos somente no estilo, é preciso organizar as atividades

de forma que os aspectos estrutural, composicional, textual, estilístico

funcionem como um passaporte para o entendimento da dimensão discursiva,

dos efeitos de sentido que esse todo organizado pode provocar no seu aluno-

leitor. Apesar de as atividades incidirem bastante sobre o estilo individual do

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autor, nem sempre esse aspecto é pontuado de forma clara para o aluno. Não

há um encaminhamento que permita a apreensão desses elementos de forma

sistemática, mas referências, localização, identificação, o que, a nosso ver, não

contribui para o conhecimento e posterior autonomia do aluno na sua própria

produção.

Bakhtin diz que a autoria se produz pela inter-relação, levando em conta

a atitude valorativa de um participante em relação ao outro. Assim, a relação de

autoria pede certo distanciamento entre interlocutor e autor-criador. Movimento

este que não pode estar fora de uma interação. É por meio desse dialogismo

interacional que o autor criador traz ao mundo do discurso seu texto, numa

compreensão responsiva, sempre criadora e ativa. Ainda sob essa perspectiva

sócio-histórica e dialógica da linguagem, de acordo com Bakhtin (2010 [1952-

1953/1979] p. 290), o interlocutor deve deixar de ser considerado um elemento

passivo no ato da interação para ser considerado um agente, da mesma forma

que é o locutor, tendo em vista que quando nos deparamos com um enunciado

(seja ele escrito ou oral), assumimos uma atitude responsiva ativa.

Outro ponto do Caderno refere-se à orientação dada para a correção

das crônicas. Na parte final, as autoras apresentam alguns critérios de

avaliação dos textos, priorizando os aspectos enfatizados nas atividades da

sequência. Em relação a esses critérios, tal como na apreciação valorativa, na

maneira como se estabelece o valor de pontuação, podemos notar que o tema

tem valor de (1,5), a adequação ao gênero está subdividido com dois itens

(adequação discursiva e adequação linguística); cada um obtendo pontuação

de (2,5) totalizando (5,0) pontos). As marcas de autoria receberam peso (2,0) e

a avaliação se encerra com as convenções da escrita com valor de (1,5). Como

podemos visualizar no quadro abaixo:

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LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. A ocasião faz o escritor: caderno do professor: orientação para a produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p.127.

Embora as autoras tenham mostrado anteriormente que os critérios

referem-se à forma como os gêneros textuais estão definidos no caderno,

“Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro (OLPEF), notamos que

os descritores deixam transparecer maior apreciação pelos fatores linguísticos

(apresentados com 3 descritores): “Os marcadores de tempo e espaço

contribuem para caracterizar a situação tratada?; Os articuladores textuais são

apropriados ao tipo de crônica escolhido pelo autor?; Os recursos de

linguagem estão adequados ao tom visado (irônico, humorístico, lírico ou

crítico)?”, em detrimento dos aspectos discursivos (apresentados com 2

descritores): “A situação de produção própria da crônica se manifesta no

texto?; A organização geral do texto está de acordo com o tipo de crônica

escolhido (política, cultural, esportiva...)”.

As autoras expressam que é necessária a utilização dos recursos

linguísticos e discursivos para que o aluno (leitor-autor) produza melhor.

Entretanto, no âmbito da proposta didática em análise, o entendimento da

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crônica como uma temática de transformação que pode facilitar e nortear a

compreensão e a produção escrita do aluno encontra, em alguns momentos do

material, pequenos equívocos, pois se o caderno é para orientar tanto

professor e aluno na prática da escrita e, consequentemente, o

desenvolvimento do cidadão crítico, então, ainda é preciso propor mais,

proporcionar a eles a construção de novas apreciações que forneçam

subsídios para a constituição da autoria pelos alunos.

Desse modo, professor e aluno poderiam não apenas conhecer a

crônica na sua tríade constitutiva, mas perceber que ela é uma modalidade

artística da palavra, e com ela pode-se perceber e observar várias

possibilidades de construções, as quais poderiam, de forma mais efetiva,

contribuir para a concretização da proposta em favor de escritores cidadãos.

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CAPÍTULO V

Um olhar sobre as vozes e a autoria na produção escrita de crônica da Olimpíada de Língua Portuguesa No capítulo anterior, fizemos a análise do Caderno dirigido ao professor,

material que apresenta encaminhamentos metodológicos para orientar o

desenvolvimento das atividades relativas ao ensino-aprendizagem da crônica

para a participação dos alunos na Olimpíada de Língua Portuguesa.

Neste capítulo 5, apresentaremos a descrição de dez crônicas escritas

por alunos do 9o ano do Ensino Fundamental e 1o ano do Ensino Médio de

escolas públicas do Brasil que participaram como finalistas da Olimpíada de

Língua Portuguesa do ano de 2010. Nosso objetivo é levantar quais vozes os

alunos mobilizam em suas produções discursivas e em que medida a autoria

possa estar presente nessas produções.

O corpus composto por dez crônicas é representativo das cinco regiões

do Brasil, sendo contemplados dois textos por região. Após uma leitura

cuidadosa de um corpus de 150 crônicas finalistas do concurso, selecionamos

dez18 textos que mais se aproximaram da prática discursiva do gênero crônica,

já aqueles textos cuja autoria estava “colada” (revozeada) nos textos

exemplares em crônica fornecidos pelo projeto de ensino foram descartados.

Apresentamos, no quadro abaixo, a proveniência regional e o título das

crônicas selecionadas e que serão foco de nossa análise neste capítulo.

Crônicas produzidas pelos alunos na OLPEF (2010)

Amostra Região Título das crônicas

Exemplo 1 Sudeste Até na igreja, Evaristo?

Exemplo 2 Sudeste As cidades

Exemplo 3 Sul Belezas da Cidade Mel

18

No tocante aos dez textos selecionados aparece um cabeçalho contendo alguns dados pessoais dos discentes

como: nome completo do aluno, município, Estado, nome da instituição escolar, e nome completo do professor. Os textos não definem idade, ano, nem etapas do ensino médio ou do fundamental dos participantes.

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Exemplo 4 Sul Espetáculo

Exemplo 5 Centro Oeste Descoberta Inocente

Exemplo 6 Centro Oeste Que barulho é esse?

Exemplo 7 Nordeste O armário

Exemplo 8 Nordeste O relógio não parou

Exemplo 9 Norte Castelo Branco agora é feira

Exemplo10 Norte O galho, o suspiro e o pulo

Quadro 7: As crônicas selecionadas e sua representatividade regional

Nosso objetivo, ao estabelecer esse critério de escolha, era não

restringir o alcance de nossa pesquisa a apenas uma determinada localidade.

É interessante observar que as crônicas finalistas por nós coletadas já

passaram por pelo menos quatro seleções: a melhor da sala, da escola, do

município e do estado. Era de pressupor, então, que os alunos, nessa etapa,

tivessem mais familiaridade com a prática discursiva do gênero, o mesmo

podendo ser estendido aos professores. A presença maciça de textos com

autoria “colada” nos textos exemplares no gênero fornecidos pelo projeto de

ensino nos serviu para refletirmos sobre a dimensão que adquire o material

didático em seu processo de circulação e recepção.

Na próxima seção, apresentaremos alguns apontamentos sobre um

Caderno, recém-lançado pela coordenação das Olimpíadas, intitulado “O que

nos dizem os textos dos alunos?”, material este que reúne análises de

especialistas nos gêneros didatizados pela Olimpíada de Língua Portuguesa

com base nas produções dos alunos participantes do concurso. Trazer para

este trabalho os resultados de uma análise crítica dos textos produzidos pelos

alunos, feita pelo próprio programa, parece bastante salutar, já que iremos

proceder também a uma leitura crítica dos textos.

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5.1 “O que nos dizem os textos dos alunos?”: apontamentos

O material “O que nos dizem os textos dos alunos?” foi organizado por

Egon de Oliveira Rangel (Cenpec) e resulta do trabalho de análise de quatro

especialistas, cada um com foco em um gênero específico, convidados pelo

organizador para realizar um levantamento sobre o perfil das produções dos

alunos participantes do concurso da OLPEF que conseguiram chegar à fase

estadual da competição no ano de 2010. Esse levantamento foi realizado com

base em uma amostra com uma média de 385 textos de cada gênero

contemplado no concurso, a saber, o poema, as memórias literárias, a crônica

literária e o artigo de opinião.

O material está composto de sete partes distintas, a primeira — a

introdução —, e a sexta — a conclusão —, são escritas pelo organizador do

material, Egon de Oliveira Rangel (Cenpec). Do segundo ao quinto tópico são

apresentadas as análises das amostras das produções selecionadas,

efetuadas por diferentes pesquisadores.

Na introdução, o organizador informa que o objetivo do material é

apresentar um panorama das contribuições do concurso no que se refere à

produção escrita dos alunos participantes, com base no levantamento dos

conhecimentos efetivamente apreendidos pelos alunos e, a partir disso,

apontar ao professor quais aspectos requerem maior investimento de sua parte

a fim de elevar a qualidade das produções provenientes da aplicação das

propostas didáticas da OLPEF.

A segunda parte é dedicada à análise das produções em poema na

OLPEF sob assinatura da professora Ana Elvira Gebara (UNIC SUL). Na

terceira, encontramos a análise das produções em memórias, cuja responsável

é a professora Elizabeth Marcuschi (UFPE). Na quarta, a análise é apresentada

pela professora Cloris Porto Torquato (UEPG) e recai sobre as produções em

crônica, foco de nossa pesquisa. Na quinta, temos o perfil dos textos em artigo

de opinião, levantado pela professora Ana Luiza Marcondes Garcia (PUC/SP).

A autora do texto-base elaborado a partir da análise de 383 crônicas dos

participantes da 2a edição da OLPEF, Cloris Torquato, traz alguns

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apontamentos importantes que podem nos auxiliar na análise do conjunto de

crônicas por nós selecionadas para compor nosso corpus de pesquisa. Com

base em sua análise, podemos observar que os alunos estão conseguindo

apreender alguns conhecimentos relacionados ao uso do gênero de forma

positiva, mas ainda têm muito que avançar. Os problemas detectados pela

analista relacionados à produção da crônica apresentam-se em quatro ordens:

adequação temática, adequação do foco narrativo, construção de sentido

(tom/estilo) e convenções da escrita/questões gramaticais.

Torquato aponta que, no geral, os alunos conseguiram trazer para seus

textos a presença do cotidiano ainda que os recortes dos temas nele buscados

não tenham sido eficientes. Segundo a autora, o foco narrativo em um

acontecimento corriqueiro é substituído, na maioria das vezes, por relatos

descritivos de exaltação dos lugares apresentados. As ações são retratadas

como fatos e cenários e a insistência descritiva em várias direções faz com que

o aluno perca o foco em um aspecto preciso bem como o aprofundamento

necessário para gerar reflexão, emoção e encantamento, aspectos típicos da

crônica.

Em relação ao ponto de vista adotado para fazer a observação do

acontecimento selecionado para compor a crônica, a autora aponta que muitos

textos da amostra apresentaram com eficácia e, algumas vezes, criticidade, as

observações realizadas e até mesmo realizaram movimentos tão bem

explicitados que permitiam ao leitor o vivenciamento da situação, servindo-se,

para isso, de elementos linguísticos adequados para demonstrar o

deslocamento no espaço e no tempo. Nota-se até mesmo a presença de

estratégias narrativas um pouco mais complexas como as de se servir de um

narrador não onisciente que precisa interpretar ou supor fatos não apreensíveis

completamente do lugar assumido para observar. Outros, porém, incorreram

em inverossimilhança, ou seja, o ponto de observação adotado pelo aluno não

era capaz de abarcar o campo de visão apresentado no cenário e no conteúdo

do texto.

Os alunos tiveram sucesso em utilizar a norma culta adequadamente

sem quebrar a linguagem do dia a dia e também mantiveram uma linguagem

regional com diferentes variedades linguísticas algumas vezes de forma

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consciente e outras nem tanto. A autora chama atenção para o fato de alguns

textos apresentarem incorreções gramaticais que as atividades de reescrita e

revisão propostas poderiam sanar.

A autora observa que a maioria dos textos não consegue transpor o

cotidiano para o campo da ficção de forma adequada devido ao fato de os

textos apresentarem-se mais como relatos descritivos de cenas vividas ou

observadas do que necessariamente um enredo narrativo assentado em um

conflito ou tensão de base e um desfecho. Assim, os textos carecem de

ficcionalidade e literariedade, elementos cruciais em uma crônica literária. O

que podemos depreender dessa afirmação é que o movimento de

distanciamento, necessário em qualquer ato de criação, principalmente

estética, não foi assimilado pelos alunos que ainda ficaram presos à

proximidade, à empatia, ao vivenciamento do acontecimento no mundo ético.

Há também, aqui, indícios de que a expectativa do programa é que a crônica

fosse compreendida, sobretudo, como gênero literário.

Um achado importante da analista das crônicas diz respeito às

dificuldades dos alunos em assumir uma tonalidade (tom) específica para seus

textos. Para a autora, a construção do tom do texto está ligada aos efeitos de

sentido que se quer produzir no destinatário e esse trabalho requer a maestria

na manipulação dos recursos linguístico-estilísticos, a nosso ver, próprios do

gênero e do querer dizer do autor. Entretanto, esse trabalho de articulação

entre projeto de dizer e escolhas estilísticas adequadas não está bem

apreendido pelos alunos, problema, segundo Torquato, decorrente da falta de

conhecimento específico, por parte desse aluno, dos elementos da situação de

produção a exemplo de uma definição precisa do seu próprio querer dizer e do

perfil de seu público-leitor.

A nosso ver, a questão acima pontuada é muito importante para

pensarmos acerca da autoria dos textos produzidos na escola. Se a própria

analista aponta que o cronista, ao escrever, leva em conta o perfil de público-

leitor de um jornal ou mesmo de um caderno deste, de um blog, de uma

revista, como fazer para que as transposições didáticas não se afastem tanto

das esferas de produção, circulação e recepção originais do gênero a ponto de

deixar a cargo unicamente do aluno a tarefa de representar, supor ou, para

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utilizar o termo mais próprio, “inventar” para si um público-leitor? Não

estaríamos colocando em xeque a especificidade do gênero em nome da

ficcionalização? E não estaríamos correndo o risco de cairmos novamente em

propostas de produções de texto como mero exercício escolar? Há que se

pensar essa questão uma vez que a própria análise aponta que esse problema

incide justamente sobre a autonomia autoral do aluno, ou seja, este não sabe

bem o que pretende ao escrever nem para quem o faz precisamente.

O organizador observa, em suas conclusões, que a compreensão da

situação de comunicação circunscrita à proposta da OLPEF é um desafio para

o aluno porque este precisa articular de forma adequada os três principais

destinatários dos seus textos: a comunidade escolar (o professor, os colegas

de turma, etc.), a comissão julgadora e as situações sociais nas quais o gênero

é utilizado. Como o próprio organizador afirma que os alunos não têm

conseguido fazer essa articulação adequada, a nosso ver, bastante complexa

mesmo, de forma a ajustar a orientação valorativa do texto, conjecturamos que

se a proposta se aproximasse o máximo possível das situações de produção

original do gênero, talvez a proposta didática criasse melhores condições para

o sucesso dos alunos.

A iniciativa dos organizadores em disponibilizar ao professor esse tipo

de material é um passo importante, pois, por meio dele, é possível visualizar

um panorama das problemáticas enfrentadas pelos professores e alunos ao

aplicar a proposta didática. Entretanto, a nosso ver, detectar os problemas nas

produções dos alunos e deixar a resolução dos mesmos unicamente a cargo

do professor não é nada produtivo. Fazer sugestões pedagógicas sem a

contrapartida prática de um encaminhamento de ação didático-pedagógico

específica não ajuda na superação dos problemas. Há que se pensar se não

existem gargalhos em outras frentes da proposta como nos cursos de formação

e nos próprios materiais didáticos. Se a proposta é formar alunos e também os

professores em uma determinada perspectiva, é preciso dar conta dessas

questões.

Feito o giro pelo material, já Torquato demonstra que a maioria dos

textos produzidos com base na proposta do material didático “A ocasião faz o

escritor” (2010), da OLPEF, não constitui em si uma crônica, mas relatos

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descritivos das experiências vivenciadas pelos próprios alunos ou por eles

observadas. A autora também deixa transparecer que as fontes dessas

dificuldades dos alunos, em sua maioria, estão ligadas a ineficácia de

estratégias pedagógicas adotadas em sala de aula pelo professor, observação

essa confirmada em um trecho de sua conclusão que representa a própria voz

do professor: “E como posso trabalhar com todos esses aspectos ao mesmo

tempo?” (TORQUATO, 2011, p. 47). Nós, apesar de não desprezarmos as

suposições da autora, continuamos a interrogar se seriam apenas esses os

fatores que distanciam as produções dos alunos do gênero foco da intervenção

didática. Esses são alguns dos questionamentos que pensamos serem

importantes para darmos início a nossa análise, na próxima seção.

5.2 Os textos dos alunos: entre o proposto e o realizado

Nesta seção, faremos a análise dos textos elaborados pelos alunos que

foram finalistas de 2010 da Olimpíada de Língua Portuguesa escrevendo o

futuro - A ocasião faz o escritor, que traz como proposta didática, conforme já

assinalamos várias vezes, o ensino-aprendizagem da crônica. Nosso objetivo,

nesta etapa, é responder à nossa segunda questão de pesquisa: Quais vozes

os alunos mobilizam nas produções discursivas das crônicas? Vamos tomar

primeiro para análise os dois textos selecionados da região sudeste, o primeiro

versando sobre a temática do futebol e o segundo sobre imigração e

desigualdade social.

- Região Sudeste Exemplo 1: Até na igreja, Evaristo? Aluno: C. E.S. – MG

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No texto acima, o aluno-autor traz o cotidiano do lugar onde vive de uma

forma peculiar. Ele consegue filtrar esse cotidiano para o texto e traçar, de

certa forma, um perfil cultural da população local representando e contrapondo

em um tom humorado duas forças sociais que caracterizam o comportamento

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local: o amor pelo futebol e o compromisso religioso. A descrição do cenário ou

espaço local complementa, articulada às ações, o ambiente sociocultural e nos

leva a supor que a vida, naquele local, acontece de forma pacata e interiorana,

não obstante o aluno more em uma grande capital, o que nos faz cogitar se o

local retratado é mesmo o lugar onde vive o autor ou se trata de um lugar

totalmente ficcional.

Para representar as duas forças sociais em torno das quais gira a

unidade da narrativa, o aluno-autor busca representar o sofrimento do

personagem Evaristo em relação a seu compromisso sagrado com o jogo de

seu time e a presença na igreja para assistir a uma missa.

Esse conflito traz à tona duas vozes sociais. A primeira diz respeito ao

mundo do futebol, do torcedor fiel a seu time, pois deixa de lado quaisquer

atividades para assistir ao jogo. A segunda é a religiosidade, característica

ímpar do povo brasileiro.

Assim, entendemos que o aluno-autor, ao refratar o tema por esse

ângulo, nos sinaliza que o cotidiano do homem simples, talvez, esteja atrelado

a isso: assistir a um jogo, ir à igreja. Para mostrar isso, são mobilizados

diferentes recursos linguísticos no texto a fim de que o leitor perceba as

sensações vivenciadas pelo personagem principal.

Chama-nos atenção o fato de ele usar períodos curtos e longos, para

dar sensação de movimento, de indecisão. Ao lermos o texto, percebemos que

o tom dado pelo aluno-autor favoreceu sua produção.

Religioso como ele só e fanático como ele era, não poderia deixar de participar dos dois compromissos. Assim ele teve uma grande ideia: levaria seu radinho de pilhas à igreja, sentaria no último banco e usaria uma jaqueta com capuz onde colocaria seu radinho. A partir desse momento, a ansiedade contagiava Evaristo, que a todo momento olhava o relógio na expectativa da hora do jogo. (Aluno participante da Olimpíada- MG)

Outro recurso são os sinais de pontuação. Estes marcaram

discursivamente o ponto de vista do personagem, uma vez que esse recurso foi

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mobilizado de forma consciente, pois há um querer dizer para a apresentação

dessas forças sociais.

Ao lado de castanheiras, latidos de cães, choros de crianças, gritos de vendedores ambulantes... — Atenção! Hoje haverá missa especial para os moradores às 18 horas. Contamos com a presença de todos! (Aluno participante da Olimpíada- MG)

Outro fato que nos chamou atenção foi o uso da onomatopeia

“GOOOL!”. Esse recurso foi usado corretamente pelo aluno-autor em sua

produção. Esses recursos nos mostram que ele conseguiu assimilar as

informações dadas pelo professor e pelas atividades pensadas. Reforçamos

nosso ponto de vista em relação ao tom assumido no texto. O tom da escrita

vai em direção ao humor, pois o leitor é surpreendido na parte final do texto ao

se deparar com o padre e Evaristo saindo da Igreja aos pulos para comemorar

a vitória do time.

Embora alguns recursos tenham sido mobilizados corretamente a favor

do projeto discursivo do aluno-autor, percebemos que o estilo do gênero não foi

alcançado. Tal afirmação deve-se à falta de leveza, da plasticidade necessária

à crônica. Apesar do aluno-autor usar a sequência narrativa, característica

importante para os gêneros da ordem do narrar, ela não foi suficiente para

dizermos que temos uma crônica literária.

A crônica literária ocupa o espaço do entretenimento, da reflexão mais

leve e o cronista, ao escrever, busca emocionar e envolver seus leitores, de

forma a convidá-los a refletir, de modo simples, sobre determinada situação do

cotidiano. No texto, ora em análise, percebemos que o enfoque principal do

aluno-autor é provocar o riso por meio da junção e tensão de comportamentos

estereotipados como o fanático por futebol e o beato em um único sujeito.

Entretanto, a forma como o aluno-autor conduz o texto e lhe dá desfecho final

não nos permite depreender nada além do riso pelo riso. Não conseguimos

enxergar por trás da trama narrada qualquer orientação provocativa de reflexão

acerca desses tipos sociais na constituição do cotidiano local.

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Observamos também que o discurso do aluno-autor está preso a uma

ação, movida pela necessidade ética do personagem, pois este foi à igreja

pensando como estaria a partida de futebol. Nesse processo, há um querer

dizer do sujeito-autor, que se materializa em seu objeto do discurso, neste

caso, sua crônica, em que o personagem não se conforma em perder uma

partida de futebol para ir assistir à missa, como podemos ver abaixo:

“E agora? O que fazer? O jogo está marcado para o mesmo horário da missa!”, pensou ele. Religioso como ele só e fanático como ele era, não poderia deixar de participar dos dois compromissos. (Aluno participante da Olimpíada- MG).

Dessa forma, o texto é construído dentro de uma arquitetônica que

envolve o querer dizer desse locutor, pensamento do mundo que está em sua

volta, da temática, que envolve e transparece o estilo do autor, compondo um

todo de sentido que não diz respeito somente a ele, mas também enfatiza a

presença do destinatário, seus leitores da esfera escolar, em cumprimento as

exigências trabalhadas em sala de aula. Entretanto, a estética literária,

digamos, fica em segundo plano, ou inexiste de fato. Falta, portanto, um

trabalho consciencioso sobre a língua, sobre o material e, portanto, sobre a

forma.

Passemos, agora, à segunda crônica, em que a autora traz como

reflexão para o seu texto as contradições sociais da cidade onde vive sob o

olhar do imigrante recém-chegado.

Exemplo 02: As cidades Aluna: D. C. J. S - RJ

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Pela temática e o estilo escolhido, podemos perceber que o intuito da

autora era criar uma crônica social por meio da qual, percebe-se, quer provocar

uma reflexão crítica acerca das contradições sociais. Narrado em primeira

pessoa, notamos que o texto possui unidade de ação, cujo enredo gira em

torno da chegada e travessia da personagem focada pelo narrador na cidade

do Rio de Janeiro até o ponto em que tem ápice a ação: a chegada à favela

Rocinha. A travessia entre os dois mundos da cidade é o tempo da narrativa e

o espaço onde se desenrola a ação, por sinal, bastante delineados no texto.

O autor não retrata muito bem o cenário palco da ação, referindo-se a

ele por alusões “belezas naturais, arquitetônica da cidade, praias”, em vez do

foco no espaço, prefere voltar seu olhar para o comportamento psicológico da

personagem “sonhadora, determinada, curiosa, deslumbrada, encantada”, o

que aponta para a busca de impressão de um tom intimista ao texto, numa

tentativa de aproximação do estilo de Clarice Lispector, com a qual a aluna-

autora dialoga no processo de construção da personagem “Maria”.

Tendo como ponto de partida a obra “A hora da estrela”, de Clarice

Lispector, cuja personagem Macabéa, ignorante, limitada em termos de

vivência e conhecimento, vive uma vida pobre e cheia de ilusões, aspectos que

a levam para uma morte bestial, o aluno-autor traz para o seu texto uma visão

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sociocultural acerca do imigrante nordestino. Ao adjetivar a prima “nordestina”,

antecipa possíveis valorações do leitor acerca de sua personagem “Não vá

pensando que ela é como a personagem “Macabéa” e “nós conversamos muito

pela internet”. Com isso, demonstra que “Maria” não só tem conhecimento, a

supor por suas reflexões no confronto com a vida da favela, mas está

conectada no mundo virtual, atividade que exige algum grau de letramento.

A referência à obra de Clarice Lispector pode também se fazer presente

na crônica do autor não apenas para atender ao seu projeto discursivo, embora

sua mobilização tenha sentido no todo do texto, mas para demonstrar erudição

e provar ao seu destinatário-avaliador que houve um trabalho de pesquisa, de

leitura e um esforço posterior em estabelecer relações no processo de

alimentação temática do texto. Outro aspecto importante a ser pontuado é a

tentativa do autor em tomar distância do vivido, podemos perceber que o autor-

pessoa é uma menina, mas o narrador é um menino “Isso aqui é um mundo,

primo!”, o que demonstra um esforço em transfigurar o mundo retratado.

Podemos observar que o discurso que tece o texto é a voz do cidadão

comum, morador do local, cujo olhar sobre a contradição social é de reação

crítica e esperança e ao mesmo tempo de desânimo. O tom de crítica e de

esperança está assimilado na voz do imigrante recém-chegado que na tensão

com a situação estabelecida desvela possibilidades. Neste momento, ouvimos

a voz da Constituição Cidadã “Pena que essas pessoas não sabem que

podem...” e a voz do conhecimento que confrontam com o estado de

passividade e complacência da população.

Por meio de nossa análise, pudemos perceber que a aluna deixa

transparecer que assimilou algumas técnicas da criação ficcional, que procura

responder às orientações do material didático, trazendo para o seu texto todos

os ingredientes que as autoras da proposta fornecem para se escrever uma

boa crônica. Entretanto, conforme se pode notar pela leitura do texto, a

articulação entre o conteúdo, a forma e o estilo ainda não se encontra bem

acabada, não convence o leitor.

Falta, no texto, o olhar atento, minucioso, sensível aos pormenores,

capaz de aguçar a curiosidade do leitor, além da linguagem literária não se

fazer presente efetivamente, por isso, não sensibiliza. O projeto discursivo do

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aluno-autor de provocar a reflexão crítica falha pela falta de um todo acabado

em que as partes inter-relacionadas demonstrem essa orientação. Assim,

podemos ter uma narração escolar, uma crônica jornalística, mas não literária.

Outro fator que nos chama atenção são as formas de valoração da

aluna-autora, pois nos mostra uma escrita que privilegia a realidade da vida

social, mesmo que em alguns momentos nos parece restringir somente ao

processo de globalização e imigração e também a responder à banca

avaliadora. Para nós, o endereçamento desse discurso em que as mazelas e

malefícios da cidade grande são postos revela o agir ético do sujeito autor.

Entretanto, a visão estética mostrou-se insuficiente, pois não percebemos as

particularidades da autora em seu querer dizer que traz singularidade do

referido gênero, mas cria uma escrita destinada a responder ao material.

A seguir, vamos analisar as crônicas 3 e 4 do corpus, escolhidas da

região Sul. A primeira intitula-se Belezas da Cidade Mel, escrita por um aluno

de Içara/SC, e a segunda, Espetáculo, pertence a uma aluna de Joinville/SC.

Trata-se de dois textos cujos projetos são produzir uma crônica social sobre o

lugar onde vivem os autores. Mas cada lugar é apresentado por uma entrada

diferente, no primeiro, o lugar se mostra pelo olhar inquieto do observador

voltado para várias direções, no segundo, o aluno-autor preferiu unir a

diversidade local em um palco de encontro da população, um centro de evento

onde acontece um festival de dança tradicional. Vejamos os textos.

Região Sul Exemplo 03: Belezas da Cidade Mel Aluno: J.T.I – SC

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Conforme podemos perceber, o objetivo do texto é emocionar o leitor por

meio da exaltação da realidade local, orientação apreendida por meio do

excesso de adjetivação positiva acerca do lugar, das pessoas, dos costumes

etc. O autor, para realizar seu projeto, esforça-se por dar um tom lírico ao seu

texto, lançando mão de recursos como sinestesia “nossa terra pura, doce e

amendoada”, metáfora “As pessoas vivem... na união da boa terra, no ventre

quente do amor”, ritmo “a fumaça brumosa... flutua levemente até pender

graciosa”. Entretanto, o resultado parece forçado e não emociona o leitor,

talvez pela insistência excessiva em convencê-lo das belezas do lugar por um

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caminho menos indicado: o abuso da descrição que desorienta o foco da ação

e impede o aprofundamento.

Assim, o autor não consegue imprimir no texto uma unidade de ação e

seu olhar volta-se a todo instante para um lado e para o outro sem conseguir

se deter, analisar, perscrutar, vasculhar um aspecto, um comportamento, um

acontecimento, uma ação qualquer. Apesar de apresentar uma linguagem

formal e ao mesmo tempo simples em trechos em que se possa perceber

incoerência ou falta de nexo com o projeto discursivo, o excesso de

informações faz com que o leitor não consiga apreender muito bem o querer

dizer do autor, aspecto que contribui para que o texto não provoque nenhum

tipo de reflexão, ou emoção.

É possível também apreender, de certa forma, para quem o aluno está

escrevendo e a imagem que representa desse interlocutor. O leitor do texto não

faz ideia do lugar de que fala o autor, por isso sua preocupação em apresentar

um relato o mais amplo possível desse local. Com base nisso, percebe-se que

o autor projeta seu texto para um público mais amplo, além das fronteiras da

escola. Mas o aluno conta também com um interlocutor mais especializado, a

perceber pela forma como se preocupa em utilizar, conscientemente, conforme

apontamos anteriormente, recursos da linguagem literária condizente com o

tom visado em seu texto — o lírico —, orientação posta nas atividades do

Caderno e como critério de avaliação do texto pela comissão julgadora.

A voz que alinha o texto do começo ao fim é a visão ufanista e

idealizada do lugar. É interessante observar o movimento do aluno-autor de

aproximar essa visão idealizada da cidade do discurso tradicional romanceado

acerca da figura feminina em nossa sociedade. Assim, o lugar é a mãe que

alimenta “Da nossa terra pura, doce e amendoada nascem os frutos valorosos,

alimentados no seio caloroso de Içara”; que aquece “As pessoas vivem

saciadas e ditosas aqui, na união da boa terra, no ventre quente do amor”; e é

a irmã “areia que conforta seu suor e suas lágrimas em seus doces e

carinhosos sulcos”. Desse modo, uma voz ufanista interpenetra-se com uma

voz romanceada acerca da mulher para nos apresentar uma visão idealizada

do lugar.

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O ético está presentificado na mostra do contexto social, da vida diária

de cada ser humano, como podemos ver no trecho abaixo:

O café neste momento ferve e borbulha quente e úmido, como nossos corações ávidos por amor. O suor dos dias de trabalho nas lavouras escorrega da face cansada e penetra com suavidade no solo, metamorfoseando-se lentamente no mel

puro [...].(Aluna participante da Olimpíada- SC)

A preocupação com o trabalho das pessoas reflete as questões éticas

mostrando as problemáticas da vida social, o agir de cada pessoa no mundo

para enfrentar essas precariedades que aparecem desde o nascer até o morrer

de cada ser humano. No excerto acima, a preocupação com a lavoura, o

trabalho no campo, as formas de subsistência familiar, o cansaço das pessoas

com o trabalho pesado.

A visão estética ocorre no próprio dizer singular da aluna quando

expressa

“mel puro, que existe só aqui, neste lugar de encantamentos, belezas e terna magia, rotulada a cidade mais doce do Brasil”.

(Aluna participante da Olimpíada- SC)

No dizer acima, percebemos a própria forma do dizer do locutor, que

contempla a terra natal como doce, mágica e pura. Tudo isso dentro de uma

concepção transfigurada a partir de um olhar valorativo que a aluna autora

lançou sobre a realidade da região que vive. Apesar de ela unir o conteúdo, a

linguagem e o estilo da crônica, ela não produziu crônica literária, pois ficou

presa à descrição do processo de tal forma que foge do contexto da crônica,

passando apenas pelo simples ato de detalhamento do ambiente local e

enfatizando as características básicas das narrativas apreendidas pelo material

da olimpíada.

Do ponto de vista temático, podemos pontuar que o autor consegue

trazer o cotidiano do lugar onde vive para o texto, mas não consegue

transfigurá-lo conforme seu projeto discursivo. A sensação é que, para o autor,

muitos aspectos de sua cidade merecem uma crônica, por isso, o esforço em

retratá-los todos, mas nada vale a pena um tratamento singular e profundo.

Passemos agora a observar o texto 4, Espetáculo, a fim de perscrutar como

essas questões se fazem presentes nele.

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Exemplo 04: Espetáculo Aluna: T.S – SC

O texto se apresenta de forma bem singular, narrado em primeira

pessoa. Diferentemente do texto anterior, a autora, apesar de também realizar

um percurso diversificado em diferentes direções da vida do lugar, esse

apanhado geral do cotidiano local, em forma de reflexão, converge para um

único centro de atenção: um acontecimento artístico-cultural que congrega toda

a cidade. Podemos dizer que a temática do texto é a vida artístico-cultural de

uma cidade e o objetivo da autora é provocar uma reflexão acerca da

capacidade de a arte unir as pessoas “Penso na cidade unida, como uma

grande corrente, todos pela mesma causa: a dança”.

Para a autora, a vida, nesse micro espaço-tempo da cidade, reverbera: é

notícia nos meios de comunicação, é motivo de festa nas ruas, desperta

amizades, amores, lástimas e tristezas, é fonte de riquezas econômicas e

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culturais, é referência para perseverança e superação e até válvula de

transformação da realidade:

[...]as pessoas que estejam na cadeia ou nas ruas, se tivessem presenciado algo de tanta sensibilidade como o nosso festival de Dança, se encantariam e poderiam saber que a vida pode ser bela, e talvez fizessem dela algo bem melhor do que é na realidade. [...] um espetáculo desses nunca, jamais, deveria ser perdido por alguém que tem essa oportunidade única de

cultura. (Aluna participante da Olimpíada- SC)

No trecho acima, a dança pode ser um agente transformador de

realidades capaz de mudar a visão de mundo e os valores das pessoas. Esse

enfoque reflexivo em direção à vida artístico-cultural do lugar afasta o texto da

simples descrição de lugares comuns do cotidiano da cidade e volta-o para

elementos do ambiente sociocultural e artístico do povo. Como o objetivo é a

reflexão poética acerca do tipo de arte que desperta o lugar, a autora quer

impressionar, recorrendo a recursos linguísticos como as comparações e as

metáforas, embora nem sempre alcançando um tom de literariedade.

A autora entende a proposta e consegue desdobrar a temática com certa

autonomia sem se prender às prescrições do material. Assim, apesar de em

seu texto não se presentificar todas as características de uma narrativa,

conforme orientam os autores da proposta didática, o texto consegue nos dar

uma amostra da vida do lugar onde vive o autor não do ponto de vista de um

personagem, de um cenário, de uma tensão entre um conflito e seu desfecho,

mas por meio de uma reflexão acerca de um acontecimento que marca e

constitui a vida local. O próprio título Espetáculo nos antecipa essa orientação,

a valoração está voltada para um acontecimento que é visto como espetáculo,

aqui, depreendido como uma apresentação artística, mas também como algo

grandioso, eloquente pela importância que tem para os moradores da cidade.

As vozes dos moradores da cidade são enfatizadas em diversas

instancias para contextualizar o momento da dança, as histórias de superação,

sensibilidade entre a realidade e a ficção, são vozes que extravasam as

limitações humanas para mostrar que independente de serem pessoas pobres

ou ricas, todos podem superar as dificuldades e vencer por meio da dança.

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Do ponto de vista ético, a preocupação passa pela questão social como:

“Penso no trabalho árduo das pessoas no cotidiano, nos sons das fábricas

funcionando a pleno vapor, na correria para pegar um ônibus”, preocupação

que passa pelo desenvolvimento econômico que, segundo a autora, traz

avanços, mas também desafia a humanidade de maneira desenfreada

causando precariedades no desenvolvimento humano, são mazelas que

infelizmente acompanham a humanidade junto ao progresso, mostrando o

desenvolvimento humano, num contexto econômico, social e político como

podemos verificar no trecho abaixo:

Penso no bem que faz à cidade, tanto no nível econômico quanto no cultural, e vejo que é mais do que apenas um festival para divertir-nos, mas sim um espetáculo fascinante que nos ensina mais do que possamos imaginar.

(Aluna participante da Olimpíada- SC)

Outro ponto enfatizado pela aluna autora é seu desejo e prazer pela

dança. Esse enfoque revela uma visão estética que possibilita a criação de

objetos artísticos, no caso deste texto, o enfoque destinado à dança e a cultura:

“Penso que um espetáculo desses nunca, jamais, deveria ser perdido por alguém que tem essa oportunidade única de cultura”. (Aluna participante da Olimpíada- SC)

Apesar de ser um texto interessante e criativo, a forma composicional, a

temática e o estilo se misturam sem dar um acabamento necessário ao texto.

Falar de aspectos estéticos sem transfigurá-los esteticamente, utilizando os

recursos da língua, é o que ocorre. Vale ressaltar ainda que o texto, em certa

medida, a autora não privilegiou as características da crônica, mas traz para a

escrita uma adequação linguística tipológica, preenchida com aspectos

descritivos e narrativos.

Vamos observar agora os textos da região Centro Oeste, intitulados

“Descoberta inocente” e “Que barulho é esse?”. O primeiro texto é de uma

aluna de Sinop e tematiza a grandeza econômica do lugar, o outro é de um

aluno de Campo Novo dos Parecis e versa sobre a restrição de lazer de

cidades interioranas, ambos do Estado de Mato Grosso.

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Região Centro Oeste Exemplo 05: Descoberta inocente Aluna: M. C. A. C – MT

Neste texto, o autor responde à proposta do material em termos do que

merece uma crônica. Para ele, merece uma crônica o rápido desenvolvimento

econômico de sua cidade que cresce no ritmo e compasso de desenvolvimento

da criança. O mundo, para o autor, está na vida produtiva da cidade, aspecto

incompreendido pela personagem criança, cujo olhar anseia pelo crescimento

cultural ausente, mas, posteriormente, entendido pela personagem adulta para

a qual vale a pena abrir mão da contemplação sensível (vida cultural): “A

cidade ainda não parou para admirar sua grandiosidade, mas agora o homem

já entende”, em prol do crescimento econômico “carregar nos ombros a tarefa

de desenvolver uma cidade juntas”.

O texto é curto e sintético, mas, no transcurso da ação, vemos aflorar a

visão de mundo do autor atrelada, conforme se depreende do texto, à cultura

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local desenvolvimentista “a cidade continua crescendo”, capitalista “exportando

mais do que a agricultura pode oferecer” e liberal “aprende a caminhar por si

própria. Entretanto, essa voz progressista que tece o texto em um tom de

elevação e elogio ao desenvolvimento econômico local, interpenetrada pelas

visões capitalistas e liberais, confronta-se com outra voz “a sócio-ambientalista”

que denuncia a exploração desenfreada da terra e a preocupação única com o

lucro “exportando mais do que a agricultura pode oferecer”. Aqui, podemos

observar a tensão dessas duas vozes interna à própria palavra nos dando uma

amostra da arena em que se dá o discurso.

No que diz respeito aos aspectos formais, apesar de o texto não

apresentar qualquer incorreção gramatical ou relacionada às convenções da

escrita e marcações do discurso, o autor não consegue imprimir um estilo

articulado ao objetivo visado, até mesmo porque não conseguimos depreender

muito bem se este objetivo é impressionar o leitor com o potencial econômico

do lugar ou emocioná-lo por meio da exaltação local.

O aluno-autor se reporta ao agronegócio, buscando mostrar os avanços

econômicos da região, e mostra-se preocupado com o progresso e a vida

cotidiana das pessoas. Assim, o agir ético desse aluno-autor responde, em

certa medida, a seu mundo social, pois há compreensão das mudanças

sofridas pelos moradores dessa região.

A visão estética se constitui pela outra orientação discursiva que o

aluno-autor faz em relação a sua região, pois o sujeito-autor não perde a

oportunidade de mostrar as belezas e prazer por viver no local, assim, a

valoração estética aparece pela forma singular de enxergar o lugar onde vive.

Assim, não sabemos se estamos diante de uma reportagem turística ou

de um relato descritivo do cenário local porque o autor até consegue organizar

no espaço e no tempo o que observou, mas não dá conta de imprimir nessa

organização uma unidade de ação nem um tom capaz de provocar apreciação

artística no leitor. Passemos para o próximo texto “Que barulho é esse?”.

Exemplo 06: Que barulho é esse?

Aluno: B.H - MT

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O texto acima, já pelo título, instiga o leitor, aguçando sua curiosidade. O

enredo, conduzido por um narrador em primeira pessoa, está muito bem

estruturado e bastante amarrado a uma unidade de ação qual seja: uma cidade

pacata e interiorana, que tem seu cotidiano modificado por uma visita

inesperada, a chegada de uma máquina locomotiva de diversão, a relação da

população com o objeto e o desfecho inesperado e bem humorado.

Assim, o tema proposto “O lugar onde vivo” é muito bem recortado e

desdobrado pelo olhar peculiar do autor que não só nos apresenta um

acontecimento singular e único no cotidiano da cidade em que vive, mas

transfigura-o para o texto de forma bem humorada e crítica: a restrição de

opção de lazer faz com que os moradores da cidade se entusiasmem com

qualquer tipo de diversão e cria condições fáceis de exploração da população.

Essa orientação valorativa para o acontecimento aponta que o objetivo

principal do autor é provocar o humor, servindo-se dessa limitação do lugar,

entretanto, podemos apreender também um desejo de provocar reflexão sobre

essa questão.

A linguagem utilizada reflete o estilo da prosa cotidiana, da contação de

causos, de estórias da tradição oral, apresentando uma seleção lexical

bastante adequada ao tom humorístico visado “surge do além uma espécie de

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trem com rodas, uma “maria-fumaça”, “pessoas de todas as idades pagavam

para andar naquela geringonça”, “como era novidade, também experimentei”,

“bendito trenzinho”. O estilo nos aponta para a voz que estrutura o texto que é

a da tradição da cultura popular, voz essa que povoa e predomina no cotidiano

das pequenas cidades brasileiras.

É a observação do lugar do ponto de vista da cultura popular que faz

com que o texto, diferente da maior parte do corpus, não apresente ao leitor um

cenário assentado na descrição física da paisagem natural local, mas esse

lugar onde se desenrola a ação é construído do ponto de vista sociocultural:

cidade pacata, interiorana, carente de lazer e habitada por pessoas desejosas

por novidades, inclusive o próprio narrador. A praça, como característico das

cidades interioranas brasileiras, é o ponto de encontro dos moradores, e de

onde ecoam os acontecimentos do texto.

A temática retratada é transposta para o texto de forma muito singular,

mas a forma como o autor a interpreta e apresenta faz com que pensemos não

apenas no lugar de vivência dele, mas também em tantas outras cidades do

interior do Brasil. Nesse sentido, a partir da reflexão proposta no texto é

possível até mesmo generalizar a situação apresentada.

Em termos de escrita, não é possível encontrar qualquer inadequação

gramatical ou equívoco em suas convenções. O texto é sucinto, mas consegue

atrair o leitor do começo ao fim, pois cria um ambiente de curiosidade e

suspense em todo o desenrolar da ação e, quando o leitor menos espera,

surpreende-se com um desfecho crítico e bem humorado. Entretanto, apesar

de muito bem escrito e humorado, o texto aproxima-se mais dos causos e

anedotas populares do que de uma crônica literária, que exige uma linguagem

mais bem trabalhada, uma interpretação do acontecimento mais bem

elaborada.

Vejamos agora como estão organizados os propósitos dos textos da

região Nordeste. O primeiro é um texto de um aluno da cidade de São

Sebastião de Lagoa de Roça, na Paraíba, e explora, de forma humorada, o

ambiente do lugar por meio da representação de estereótipos local. O segundo

é de uma aluna de Regeneração, no Piauí, e a temática recortada é a questão

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do desenvolvimento sociocultural e econômico do lugar visto sob a tensão de

olhares e lugares diferentes.

Região Nordeste Exemplo 07: O armário Aluno: F. M. S. - PB

Na crônica acima, o autor apresenta um linguagem bastante

diversificada pela qual demonstram detalhes que buscam envolver o público de

maneira divertida, toda a história gira em torno de um armário, são conflitos,

informações indevidas, constrangimentos, mal entendidos. O texto se reporta

de forma significativa a um aspecto circunstancial do cotidiano local: a vida que

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corre solta nos espaços públicos como a rua e o lavatório. Desses espaços,

ecoam as vozes que povoam o lugar onde vive o aluno. O texto é plurilíngue,

pois, apesar de se servir de uma linguagem formal, própria da cultura letrada,

para desenvolver o enredo, o narrador mobiliza em seu texto muitas

expressões e estruturas da fala popular e regional, especificamente a

nordestina, que plasmam de forma mais singular as vozes sociais presentes no

ambiente sociocultural do lugar.

Expressões como “paus d’água”, “lambiam os beiços”, “morder o

calcanhar”, “espichavam o pescoço”, “qüiproquó”, “o veneno esguichava”, “feios

fuzuês” nos dão, em certa medida, uma imagem delineada do comportamento

de tipos sociais do lugar. O plurilinguismo e as vozes sociais tramadas no texto

apresentam tipos estereotipados como as fofoqueiras “as mulheres

mexeriqueiras”; os maridos complacentes “Não era novidade o fato de os

maridos de tais mulheres estarem envolvidos, isso banalizava a situação”; os

curiosos “uma população tão viciada em cotidianos barracos” e as carpideiras

“começaram então a entoar cantos ‘veloríficos’, envolvidos em estrondosos

berros”. Todas essas vozes só nos são acessíveis pelas lentes do narrador

observador.

O que torna o texto mais interessante é o diálogo do aluno-autor com

uma visão sócio-cultural acerca do comportamento das mulheres do local — as

fofoqueiras. As poucas descrições feitas do lugar atreladas aos tipos sociais

são suficientes para captarmos uma cidadezinha do interior nordestino com seu

“lavatório comunitário”, palco de encontro das “línguas afiadas”, da “turma da

fofoca”, onde “em vários sentidos, lavavam roupa suja”, aspectos que dão vida

à narrativa. A voz autoral vai articulando e compondo o texto de forma a deixar

evidente por meio da escolha do conteúdo, do léxico e da forma composicional

suspense o objetivo principal de provocar o humor. É essa voz que trama as

outras e funciona como um porta-voz da comunidade local.

Tal voz do aluno-narrador quer fazer-se observador atento e distanciado

daquele comportamento, refratando o episódio do ponto de vista dos tipos em

um tom que mistura desprezo, zombaria irônica e humor. Entretanto, o mesmo

não consegue se eximir e acaba confessando que também faz parte da turma

dos curiosos viciados em cotidianos barracos “Eu, de lado, deixei o almoço,

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quando me impressionei com a rapidez que a turma da fofoca largou a roupa e

correu atrás do que acontecera”, mais à frente, o narrador quer justificar seu

próprio comportamento “Como bom integrante da comunidade, também fui

observar o fato”, visto como “deliciosas confusões”.

Assim, deixa-nos escapar sua atitude complacente com o

comportamento dos tipos sociais da comunidade local, vista como uma “mega

família” e aqui vemos aflorar mais uma voz “a dos meios de comunicação de

massa” que é assimilada e utilizada para explicar o comportamento local e a

própria atitude de complacência do narrador.

Condizente com o tom humorístico e misterioso predominante no texto, o

aluno-autor cria um ambiente de expectativa e suspense do começo ao fim “—

Terá um monte de ladrões invadindo a casa da Tia Bia?” [...] era a “alma da Tia

Bia [...] um negócio de madeira pontiaguda que lembrava um caixão”. O

discurso envolve o leitor e o instiga a chegar até o fim para desvendar o grande

mistério em torno do qual se constrói o enredo. Nesse texto, o aluno-autor olha

tudo que está a sua volta e traduz o que sente, pensa e vê em arranjos

singulares, através do olhar apurado e particular que constrói uma unidade de

ação bastante articulada a partir do qual faz uma radiografia do dia a dia das

pessoas que vivem naquele local.

Assim, encontramos nessa crônica um processo de tomada de decisão

em que o aluno agrega elementos entre o fotografar o cotidiano e o narrar de

maneira que deixa transparecer que assimilou algumas técnicas da criação do

contexto ficcional, buscando dar respostas a algumas orientações do material

didático, mas é um texto que pelo emprego da linguagem, pelo plurilinguismo,

seria o que mais se aproxima da linguagem literária, incluindo a voz da cultura

popular, de forma leve e engraçada. Assim como no texto seis “Que barulho é

esse”, um enredo bem humorado e construído em torno de uma unidade de

ação bastante precisa, o desfecho inusitado e risível faz com que o texto se

apresente bem acabado, não como uma crônica literária, mas como uma

anedota ou um causo popular. Vejamos o texto seguinte.

Exemplo 08: O relógio não parou Aluna: J. F. F. M.- PI

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No texto acima, a aluna-autora escolhe um enfoque em primeira pessoa

para relatar, a partir de uma observação inicial, sua reação acerca do que

presenciou. Apenas o primeiro parágrafo do texto estrutura-se no tipo narração,

mais próprio da crônica literária, os outros parágrafos estão todos organizados

no tipo relato, mesclados com a descrição, não necessariamente de uma

experiência pessoal vivida da autora, mas do cenário do lugar tentando abarcá-

lo em um apanhado geral. No trecho narrativo, predomina a estrutura do

discurso indireto para enquadrar a voz do outro, o que aponta para um trabalho

de análise desse discurso e não de transfiguração do mesmo em um plano

literário. Já os trechos descritivos e de relatos estão, em boa parte, assentados

em sentenças comparativas e adversativas que servem para cotejar e

contrapor elementos diferentes.

O tema “O lugar onde vivo” é desdobrado no texto por meio do recorte

efetuado na temática do desenvolvimento sociocultural e econômico do lugar,

uma cidadezinha do interior nordestino, a partir da tensão entre o olhar do

morador nativo com o do morador migrante. O cenário do lugar nos é dado pela

comparação entre a realidade local e a de cidades desenvolvidas. No texto, há

sempre dois mundos em confronto onde uma voz interiorana luta com a uma

voz urbanizada, progressista e desenvolvimentista, a voz da cultura popular

tensiona com a erudita/letrada. Isso porque, trata-se de uma cidade pacata

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que, apesar de já se ressentir dos problemas das cidades grandes como a

violência, mantém um ritmo mais próximo da vida rural. O comércio local é

pouco desenvolvido, o cenário sociocultural ainda está ligado a tradições

populares manifestadas na música, “o pagode do Zabé Fulô”, e na dança,

“dança do boi” e a paisagem é bastante natural.

O texto constrói-se todo em cima da reação da aluna-autora em face do

olhar do “estranho” migrante sobre o lugar: “De repente, ouvi daquelas duas

pessoas que, pelo sotaque, reconheci que não eram da minha terra. Diziam,

em tom de zombaria, que aqui o relógio não parou”. Diante do comentário

zombeteiro do migrante, a autora reage em tom de indignação: “Quase não

consegui receber o dinheiro, tamanha a minha vontade de sair de perto delas”,

essa orientação valorativa está também antecipada no próprio título do texto

em forma de resposta negativa ao outro — o migrante — “O relógio não parou”.

A partir de então, a autora investe em um relato comparativo entre o

cenário local com os de cidades desenvolvidas, principalmente da região

sudeste, em um tom bastante indignado, refratado na escolha de sentenças

adversativas, comparativas e asserções imperativas, “se não existe [isso]... das

grandes capitais, tem [isso]”, “É certo que... mas não é por isso”, “Todos devem

ficar sabendo...”, “Aqui o relógio continua funcionando, sim!”, com o intuito

principal de convencer seu leitor acerca do desenvolvimento de sua cidade. O

argumento lançado pelo autor é de que se trata de ritmos de desenvolvimento

diferentes, adequados às realidades socioculturais e econômicas a que se

aplicam.

Podemos notar no raciocínio da autora um pensamento relacional, pois,

apesar do tom indignado, ela demonstra, no processo comparativo, que

conhece ritmos de cidades desenvolvidas e que não os despreza por completo,

mas também não aceita sua colocação como parâmetro para o

desenvolvimento de sua cidade, uma realidade diferente. Em virtude de a

reação da autora não estar direcionada a um acontecimento em si, mas para

um posicionamento valorativo do outro sobre o lugar onde vive, tal reação

acontece não apenas em forma de resposta indignada, mas também crítica

desse tipo de avaliação sobre as cidades pequenas.

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Não podemos afirmar que estamos diante de um enredo bem construído

com unidade de ação assentada em um conflito de base e um desfecho, pois,

com exceção do início narrativo, o texto é praticamente construído em cima do

relato e da descrição da vida e da paisagem do lugar por meio de sentenças

comparativas e adversativas com o objetivo principal de convencer o leitor. Não

há nenhum elemento que aponte para a presença de literariedade, aspectos

inusitados e singulares capazes de desencadear no leitor alguma emoção,

sensibilidade, surpresa, reflexão ou até mesmo convicção, uma vez que o

argumento apresentado pelo autor pode ser visto mais como uma constatação

bastante visível — cidades pequenas e grandes possuem ritmos diferentes — e

não de uma demonstração elaborada. Por isso, a nosso ver, não temos uma

crônica literária nem mesmo social, mas um relato descritivo mesclado com

uma orientação argumentativa.

Para finalizar esta etapa, vamos nos voltar agora sobre os textos

escolhidos da região Norte. Da cidade de Eirunepé, no Amazonas, uma aluna

escreve sobre o lugar onde vive por meio do retrato da vida que se passa na

feira. De Rondon do Pará, no Pará, outro aluno tenta representar a vida local

através de um retrato de um dia de criança neste lugar.

Região Norte Exemplo 9- Castelo Branco agora é feira Aluna: T. L. A. S.- AM

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No texto acima, observamos que a aluna-autora, ao discursar sobre o

tema dado, nos apresenta sua cidade, com um tom bastante descritivo, pois

busca mostrar que a cidade passou por mudanças, precisamente, a praça, pois

este local era ponto de encontro de todas as pessoas da cidade. Além disso,

percebemos que não houve linearidade durante a discussão do tema, pois se

perde o foco a partir do momento que a autora mostra as atividades

profissionais realizadas ao redor da praça, por exemplo, os mototáxis, a feira

como também as perdas das pessoas em relação à destruição da praça. Desse

modo, a aluna-autora não conseguiu refletir sobre o lugar onde vive devido a

esse tom descritivo, apoiado no relato dos acontecimentos. Em outras

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palavras, a crônica Castelo Branco agora é feira se restringe apenas ao

cotidiano do comércio local.

Esse tom não contribuiu para que houvesse conflito e um desfecho

inesperado, que suscitasse nos leitores questionamentos, quer dizer,

contrapalavras. Apesar de a autora tentar mobilizar as vozes dos envolvidos

diretamente com a situação exposta pela crônica, essas vozes não foram

suficientes para permitir o diálogo entre leitor-texto-autora.

Também percebemos que a praça talvez seja a indicação da memória

do personagem histórico ou da imagem do político, como foi enfatizada a figura

de Castelo Branco, um dos representantes políticos da história brasileira,

primeiro presidente do regime militar. Desse modo, o texto mostra várias vozes

sociais dentro de um mesmo espaço, ou seja, vários lugares dentro do mesmo

espaço são visíveis duas temporalidades, o passado representado pela

memória de Castelo Branco e o presente que nos revela, mais precisamente,

o cotidiano e o movimento de homens e mulheres simples, pobres, codificados

na figura de pequenos comerciantes, vendedores ambulantes entre outros

como podemos observar abaixo:

[...] como dizem os mais antigos da cidade, é hoje um ponto de vendas para feirantes, mototáxis loucos por clientes, estacionamento de bicicletas cargueiras que ficam juntas num cantinho à beira da rua, à espera de cargas. [...]” O que fizeram com minha estátua que um dia foi alvo de admiração?” É a voz de Castelo Branco trazida pelo vento que logo desaparece. Observo a mulher que chega, se aproxima dos jerimuns amontoados sobre a calçada e pergunta: — Quanto custa? Antes que o vendedor pudesse responder, um homem aparentando seus sessenta anos, usando óculos escuros e boné preto, interrompe: — Presta, não, minha filha, esses das cascas vermelhas eu conheço, já plantei muito. (Aluno participante da Olimpíada- AM)

Entendemos que o projeto discursivo da aluna-autora, de certa forma,

estava orientado para falar da ausência da praça e a consequência da sua

falta, mas como já pontuamos, esse querer dizer não foi bem realizado, pois a

visão estética para a realidade retratada ficou apegada à reprodução das vozes

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desses personagens, que ilustram os moradores da cidade. Isso demonstra

que o recorte temático dado não ajudou na estabilização do texto enquanto

crônica literária, uma vez que a autora buscou mobilizar apenas diferentes

recursos linguísticos (verbos discendi “pergunta”, os tempos verbais: presente

do indicativo e pretérito perfeito “o que um dia foi uma praça os namorados”, “a

feirinha vai aos poucos”, perguntas retóricas “será que nossa Eirunepé não

ficaria melhor do outro lado do rio”, e textuais (a estrutura narrativa:

personagens, diálogo, cenário, narrador observador, tempo), para caracterizar

sua produção como um texto da ordem do narrar. Passemos ao próximo texto.

Exemplo 10: O Gal ho, o suspiro e o pulo Aluno: A. R. M. V. - PA

No texto acima, o aluno-autor parte de seu cotidiano para apresentar sua

reflexão em relação à temática dada. Nele, há um detalhamento excessivo no

que se refere às brincadeiras realizadas durante a infância. Esse recorte

temático já nos sinaliza que o sujeito-autor não compreendeu efetivamente o

tema dado, pois deu ênfase à sua infância, como bem pontuado no título de

seu texto “O galho, o suspiro e o pulo”, quer dizer, são suas memórias

saudosistas desse período:

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De todas as brincadeiras que inventamos aquela de que mais gostamos é mesmo pega-pega e pular de galho em galho. Somos verdadeiros macacos, habilidosos e brincalhões, pulamos cheios de artimanhas sem errar o galho escolhido. (Aluno participante da Olimpíada- PA)

O detalhamento revela um tom descritivo, pois o foco do sujeito-autor foi

reavivar suas memórias e isso nos revela também outro tom, neste caso,

afetivo, como neste caso, “a tristeza estampada nos seus rostos mostra o

descontentamento inevitável, protestos e gritos são ouvidos lá de baixo [...]”.

Em nosso entendimento, o aluno, ao descrever com detalhes, não

deixou transparecer seu estilo de autor, tendo em vista que a espontaneidade

da escrita ficou comprometida pelo fato de não permitir diálogo entre autor-

objeto do discurso-leitor. Talvez o texto não deixe transparecer uma crônica

porque tenha faltado mostrar melhor um acontecimento cotidiano, uma

reflexão, em outras palavras, mostrar uma perspectiva única, singular, que

pudesse recorrer à literalidade e à ficção, pois entendemos que a relação

dialógica entre o autor, o objeto e seu interlocutor, não acontece do nada.

Observamos que aluno-autor mobiliza em seu enunciado as brincadeiras

de criança. Entendemos que a voz social presente são as memórias de uma

criança, que enaltece as brincadeiras simples, cuja única preocupação era

criar novas brincadeiras, viver a infância em todos seus sentidos. Assim, há

uma temporalidade nesse enunciado, pois o aluno-autor de forma sutil faz um

contraste do que seja viver a infância num passado distante, para aquilo que é

vivenciado hoje pelas crianças.

As análises das crônicas nos mostraram que a produção de textos exige

melhores articulações entre situação, relação entre interlocutores, temática,

estilo do gênero e estilo próprio do autor, isto é, o “querer dizer” do locutor

precisa estar claro para o próprio autor a fim de que ele possa suscitar

reflexões em seus leitores.

Ao longo da análise, pudemos observar que os alunos-autores não

conseguiram imprimir em seus textos o estilo do gênero, algo que marcasse

sua produção como sendo uma crônica literária. Essa questão nos faz pensar

nas dificuldades que esses sujeitos-autores sentiram para produzir seus textos,

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pois precisavam dar um recorte ao tema dado e, ao mesmo tempo, levar o

leitor a refletir e, além disso, dar conta dos recursos linguísticos e saber

mobilizá-los adequadamente em virtude do projeto discursivo.

Nas crônicas analisadas, percebemos que muitos textos dos alunos

finalistas ficaram restritos a informações sobre as cidades, afastando-se do

gênero proposto no evento: a crônica. Salientamos que eles buscaram trazer a

voz do narrador em primeira e terceira pessoa a fim de tentaram estabelecer

intimidade com o leitor, mas, em alguns textos, não ficou claro esse processo

dialógico.

Desse modo, mesmo com algumas tentativas de mostrar a singularidade

dialógica, as produções aproximaram-se mais ora do gênero escolar relato de

observação ou experiência vivida, ora de causos populares. A nosso ver, uma

explicação, talvez plausível, seria a semelhança do primeiro com as descrições

escolares e a convivência com o segundo em suas experiências na cultura

popular do cotidiano de suas "comunidades e famílias." Verifica-se que o foco

está em modelos prototípicos, em que os alunos se prenderam no processo de

descrever e relatar, não enfatizando com leveza o cotidiano e seus vários

enfoques, mas apresentando narrativas com interesse de moralizar, de passar

para seus leitores a concepção de certo e errado, e a questão literária acaba

ficando ausente nos textos. Assim, reafirmamos que a crônica não é um

trabalho que pretende ensinar como as pessoas devam se portar, vestir ou

viver. Pelo contrário, a crônica narra de maneira simples e de forma eventual o

cotidiano do homem, analisa comportamentos e modos de vida.

Com relação aos textos que caracterizamos como descritivos,

percebemos que faltaram aos alunos o olhar atento para o que realmente é

diferencial, acontecimentos que, sem dúvida, poderiam fazer a diferença em

uma dada situação. Eles não capturaram, nas coisas mais simples inusitadas

da vida, o acontecimento que definitivamente poderia ser o elemento de

interação entre o ser humano e seus feitos na vida. É importante ressaltar que

o interessante na crônica é pegar algo banal, sem interesse e transformar em

algo revelador e único na existência humana. Também pela tentativa de

abraçar o todo, falar de tudo sobre “o lugar onde vive”, o aluno- autor deixa de

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narrar um momento importante para descrever uma visão ampla e geral de

tudo que se vê a sua frente (TORQUATO, 2010).

Talvez tenha faltado o refinamento do olhar do aluno para observar

melhor o cotidiano e pensar melhor na questão da literatura, pois sentimos que

os alunos das amostras escolhidas por nós não produziram uma crônica

propriamente, mas permaneceram nas superficialidades do relato, da tipologia

descritiva e em nenhum momento expressaram o tom de uma crônica literária,

gênero este proposto pelo Caderno da Olimpíada.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

"Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o

irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada." (Clarice Lispector)

Nossa pesquisa se insere nos pressupostos da teoria enunciativo-

discursivo do círculo de Bakhtin e na abordagem sócio-histórica de Vigotski.

Tentamos compreender, primeiramente, as ideias do círculo de Bakhtin

no que tange à linguagem e suas interações dialógicas, as quais estão

interligadas aos conceitos de ético e estético, vozes e gênero discursivo. Com

isso, adquirimos maiores subsídios para ancorar nossas reflexões teóricas

sobre as produções dos alunos.

Após termos construído esse quadro teórico, direcionamos nosso olhar

para as décadas de 80 e 90, pois nesse período houve redimensionamento no

ensino de língua portuguesa no que se refere a seus objetos de ensino:

gramática, oralidade, leitura e produção textual. No tocante à produção textual,

buscamos compreender as teorias que foram mais largamente usadas em

materiais didáticos e também na prática do professor, neste caso, a cognitiva e

a textual. Procuramos expor que a perspectiva cognitiva empreendeu

pesquisas a fim de estabelecer padrões abstratos e universais para a produção

de textos, em vista disso, desenvolveram etapas para o processo da escrita,

por exemplo, contexto, planejamento, edição e revisão de uma produção. Estas

etapas tiveram espaço nas salas de aulas e materiais didáticos, pois se

buscava um formato padrão para orientar a escrita, assim, surgiram técnicas de

escrita, por exemplo, o planejamento para escrever uma redação entre outras

técnicas.

Já a abordagem textual pertencente à Linguística Textual buscou

ampliar as discussões em relação ao texto. Num primeiro momento, buscaram

romper com os estudos centrados apenas na oração isolada e passam levar

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em consideração o texto em si, mas, nesse início, o texto ainda era visto

apenas como estrutura, pois as análises feitas eram baseadas em trechos

retirados do texto, assim, essas análises tinham uma abordagem mais

estrutural, embora tivesse um contexto específico de produção, como expomos

no capítulo II desta pesquisa.

Outra influência direta dessa teoria foi o fato de os textos serem vistos

como protótipos, que tinham começo, meio e fim (introdução, desenvolvimento

e conclusão). Esse procedimento guiou o ensino de produção de texto. Embora

essa teoria tenha favorecido a entrada dos textos na sala de aula, ela ainda

não havia proporcionado, ainda, a autonomia do aluno, já que ele estava preso

a uma visão monologal, pois produzia apenas para um interlocutor específico, o

professor, e buscava tirar nota 10 para ser aprovado, principalmente, nos

exames vestibulares.

Em vista dessa abordagem, os pesquisadores na década de 90 iniciam

um movimento a fim de modificar essa visão, pois eles querem que a escola

favoreça a uma formação mais cidadã, mais autônoma e, para isso, ancoram-

se em outras teorias, neste caso, assumem a concepção de linguagem como

interação social, pois aqui há necessidade de uma prática mais sociossituada a

fim de mostrar ao aluno que as diversas práticas sociais que ele vivencia são

guiadas pela linguagem, e para o ensino-aprendizagem, a sócio-histórica de

Vigotski (1930-1934-1935). Em vista disso, os documentos oficiais (1997,

1998) PCNLP do Ensino Fundamental I e II apregoam que a concepção de

linguagem a ser assumida é a linguagem como interação social e os gêneros

discursivos devem ser os objetos de ensino. Dessa forma, as práticas de

linguagem realizadas em sala de aula devem responder ativamente a essas

orientações.

Também é importante salientar que recorremos à teoria vigotskiana para

observarmos os enfoques sócio-históricos formulados por ele e as questões

acerca do ensino-aprendizagem; posteriormente, também estudamos o modelo

didático da Escola de Genebra, uma vez que o Material da Olimpíada está

ancorado nessa Escola.

Compreender esses caminhos pelos quais passou o ensino de produção

textual foi importante para que pudéssemos fazer nossas apreciações em

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relação aos nossos objetos de pesquisa, pois, inicialmente, nosso objetivo era,

apenas, analisar se os alunos alçaram-se autores na produção de crônicas no

projeto da Olimpíada de Língua Portuguesa. Mas, para a realização eficaz de

nossa pesquisa, compreendemos ser necessário direcionar nossos olhares

para o Caderno dirigido ao professor para o preparo desse aluno participante

da referida Olimpíada. Sabemos que a Olimpíada de Língua Portuguesa realiza

hoje não apenas produções textuais voltadas para o gênero crônica, mas

desenvolve um trabalho que contempla outros gêneros, a saber: artigo de

opinião, memória, poema.

Além disso, nossa escolha pelo gênero crônica justificou-se pelo fato de

as crônicas serem vistas como literatura menor e, consequentemente na

escola, elas são trabalhadas de maneira rápida e fragmentada. Por conta

disso, resolvemos desenvolver nossa pesquisa pensando em desvelar a

autoria num contexto de produções de crônicas.

Feita a apresentação desses caminhos por nós traçado, nosso propósito

é responder às questões de pesquisa. No decorrer de nossa pesquisa,

analisamos dois corpora fundamentais para nosso trabalho, o primeiro corpus

buscou analisar o material de forma a observar o encaminhamento didático do

Caderno “A ocasião faz o escritor” e os efeitos de sentidos provocados no

espaço escolar. Mediante tal objetivo orientamos nossa investigação pela

seguinte questão:

1) De que forma o Caderno “a ocasião faz o escritor”, OLPEF encaminha a

proposta de formação de autores de crônica no espaço escolar?

Inicialmente, objetivamos compreender a crônica enquanto gênero

discursivo e literário. Por isso, historicizamos a fim de entender como ela se

constituiu ao longo dos séculos. Percebemos, mediante nossa pesquisa, que

há um olhar para a crônica no sentido histórico, quando ela ainda era vista

como um relato de acontecimentos históricos e, posteriormente, passa a ser

vista como uma mescla de literário e jornalístico, com o surgimento da

imprensa.

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Assim, após a leitura do material didático da Olimpíada, verificamos que

o tipo de gênero solicitado pelo material é a crônica literária, embora haja

outras crônicas, por exemplo, a jornalística, a esportiva. Por conta disso,

mapeamos o caderno para compreender a organização interna das 11 oficinas

e seus objetivos, para observar se havia repetição de seções e como estavam

organizadas. Desse modo, observamos que há uma repetição destas seções:

objetivos, material para orientar a prática do professor.

Durante a análise, observamos que o material encaminha as atividades

para as questões dos elementos do texto narrativo, para a questão da situação

de produção, também há momentos para os elementos linguístico-discursivos.

Mas estes, a nosso ver, ainda se mostram incipientes, pois não foram

trabalhados de forma mais elaborada. Assim, observamos que há um diálogo

com as instâncias oficiais, os PCNLP, as OCEM, MEC (Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação/Programa Nacional de Biblioteca na Escola).

Essas relações dialógicas mostram que o material está ligado a essas

instâncias, uma vez que também contribuem com orientações e verbas.

Um outro fator relevante sobre o material que observamos é o diálogo

com a Escola de Genebra, uma vez que o material segue as diretrizes da

sequência didática, mas acreditamos que, para este gênero, talvez esse não

seja o melhor caminho, pois acaba restringindo o ensino da crônica de forma

modular, não favorecendo a autonomia dos alunos, contribuindo para que eles

sejam autores de suas crônicas. Assim, é necessário pensar em atividades

mais abertas, mais plurais por considerar que o gênero crônica permite essa

abertura. Caso a sequência didática permitisse ao professor e ao aluno

vislumbrar a pluralidade que o gênero crônica traz, sem enquadramento num

modelo específico, o trabalho, seria, pensamos, bem mais produtivo.

Nosso ponto de vista está apoiado na perspectiva bakhtiniana, pois

entendemos a crônica como um gênero discursivo, constituído por diferentes

vozes, estilos, que a torna um gênero singular em relação aos outros da ordem

do narrar. Essa singularidade coloca em evidência as postulações feitas por

Bakhtin acerca da diversidade dos gêneros, os quais se diferenciam e

ampliam-se na medida em que a própria esfera de atividade humana se

complexifica. Desse modo, ao assumirmos a postura discursiva para a crônica

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literária, ao invés de vê-la apenas pelo eixo literário, conforme a abordagem do

material, teremos um melhor resultado nas produções finais dos alunos, uma

vez que estes poderão visualizar a crônica não apenas como um gênero

literário, mas como um objeto do discurso, que é multifacetado, dada sua

natureza híbrida. Essa postura favorece a uma formação mais cidadã, pois o

alunado compreenderia o funcionamento discursivo da crônica, já que a escola

não tem função social de formar autores literários.

Após termos analisado o Caderno, para entendermos a proposta de

produção da crônica, passamos para as produções dos alunos. Inicialmente,

analisamos um caderno destinado aos professores “o que nos dizem os textos

dos alunos?” em que especialistas da área expõem sua análise em relação às

produções dos alunos nos diferentes gêneros previstos na Olimpíada. O

importante da leitura desse material foi compreendermos as produções que

iríamos analisar até mesmo para perceber se de fato aquilo que foi apontado

pelos especialistas ocorreu nas produções que escolhemos para analisar.

No decorrer da análise tentamos responder nossa segunda questão de

pesquisa:

2) Quais vozes os alunos mobilizam nas produções discursivas das

crônicas?

Durante a análise dos textos dos alunos, percebemos que os alunos

tiveram muita dificuldade em refratar o tema dado, o que fez com que não

conseguissem produzir de fato uma crônica literária, conforme era o objetivo do

caderno. Assim, ora produziram um texto escolar, exemplo, uma narração, ora

uma crônica esportiva, ora uma crônica jornalística, ora uma anedota ou um

causo popular, às vezes, não dava para definir se era um relato, ou se era uma

descrição.

Essa mescla, talvez, seja por ser o texto mais próximo de sua realidade,

são textos que fazem parte de seu mundo social e talvez porque foi o mais

enfatizado durante a preparação para a escrita desse texto. Mas também há

momentos que os alunos-autores buscaram dialogar com outros textos, com as

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informações recebidas ao longo da preparação da redação, há textos bem

escritos, sem inadequação gramatical.

Com relação às vozes mobilizadas nos textos, notamos que os alunos

deixam claro a voz do destinatário real, aquele que efetivamente lê o texto,

visando uma instância posterior à escrita. Em outras palavras, escrevem para a

equipe avaliadora da Olimpíada e, além de ecoarem as vozes, esperam

ansiosamente por respostas.

Outra instância que percebemos nas vozes é o lugar do objeto

discursivo, pois nenhum enunciado e nenhum autor é o primeiro a falar sobre o

assunto abordado nas crônicas dos alunos. As temáticas já foram exploradas

em outros textos, algumas, inclusive, no próprio material da Olimpíada. Os

textos estão impregnados de apreciações ideológicas de outros lugares

discursivos, ou melhor, de outras pessoas, por exemplo, (o professor,

comunidade local e escolar, grupos políticos, familiares, visões de mundo), em

alguns textos, ainda apareceram muito a voz do autor-pessoa, cheio de suas

experiências pessoais, emotivas e a voz do autor-criador ficou um tanto

afastada do texto, em algumas instâncias da escrita dos alunos. Talvez tenha

faltado essa voz que traz um olhar do início ao fim de forma articulada, alguns

textos deixaram transparecer tudo o que queriam dizer sem proporcionar ao

leitor uma reflexão sobre o que já estava escrito, sem despertar nenhuma

novidade no texto. Pensamos que o ético suplantou o estético nesse processo.

Desse modo, pensamos que conseguir ou não ser autor vai depender

das interações dialógicas, de forma que toda a pessoa que escreve busque

interagir com o leitor de maneira a responder e dialogar com as vozes que nos

norteiam, uma vez que não somos solitários e nem autônomos na linguagem.

Diante do exposto, partimos para responder nossa terceira questão de

pesquisa.

3) Como a autoria se apresentou nas crônicas produzidas pelos alunos

participantes da OLPEF?

Tendo em vista os textos por nós analisados, entendemos e afirmamos

que os alunos são autores, mas não de crônicas literárias, conforme o material

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orientou a produção. Essa não autoria para o gênero solicitado deve-se à falta

de experiência suficiente para que eles produzissem a crônica literária, o

tratamento didático dispensado no material, a nosso ver, não foi suficiente para

favorecer a produção de uma crônica literária. A própria mescla de diferentes

gêneros crônica literária, esportiva, jornalística não contribuiu. Talvez seria

interessante realizar atividades direcionadas mais para a crônica literária,

buscando atividades que levassem o aluno a compreender a literariedade do

gênero, pois há mescla de literatura e jornalismo, para, posteriormente, eles

produzirem. Ou, ao contrário, o trabalho poderia ser de abertura para o mais

variados formatos de crônicas, como já assinalamos.

Assim, para dar mais ênfase a nossa terceira resposta de pesquisa, se

em conformidade a teoria bakhtiniana, o aluno conseguiu ser autor ou não,

ancoramos nos dizeres de Bakhtin (2010[1959-1961]p.316) que coloca o

seguinte: “Ver e compreender o autor [...] significa ver e compreender outra

consciência, a consciência do outro e seu mundo, isto é, outro sujeito. Em certa

medida, a compreensão é sempre dialógica”. Nesse sentido, entendemos que

só atingiram o patamar de autoria aqueles que foram capazes de fazer da voz

do interlocutor seu próprio dizer de modo a dar vida para a fala do outro,

encontrando sua própria palavra, seu jeito singular e criativo.

O que nos resta questionar se por meio da Olimpíada houve um avanço

nas produções escritas de aluno em sala de aula, mas só nos arriscamos dizer

que a iniciativa já é um caminho, mas ainda é preciso que as equipes de

elaboração do material pensem no gênero crônica como uma possibilidade de

oferecer ao leitor / ouvinte a oportunidade de comungar com o processo criativo

e inovador.

Por fim, todo o processo criativo vai depender não somente do autor,

mas também das vozes dos outros que façam levar o aluno a pensar e

transformar tudo o que aprende em suas próprias palavras de forma

significativa para si e para que o outro entenda a necessidade de ser criativo e

dialógico em contato com a outra palavra.

O autor necessita recuperar os sentidos da palavra alheia, de maneira a

evidenciar seus próprios anseios, de um jeito único que não fique parado em

uma só consciência ou uma só voz. Isso porque a palavra é um fator

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integrador, que envolve um conjunto de momentos e situações únicas,

irrepetíveis e vale salientar que nos constituímos também pela valoração

estética, nas próprias formas de dizer e agir na sociedade.

Acreditamos que tanto a equipe organizadora da Olimpíada, quanto

professores e alunos precisam alçar voos maiores, para dizer de fato que, na

produção de crônicas da Olimpíada, constituíram-se alunos definitivamente

autores no gênero crônica com foco na discursividade.

Entretanto, percebemos em algumas produções a possibilidade de que

qualquer pessoa pode ser autor de seu dizer. Mas, para isso, é necessário que

haja um grupo de trabalho com boa formação e preparo, para orientar as

atividades de escrita, em que os gêneros não sejam vistos apenas como

modelos prontos e acabados, mas precisam de um trabalho apurado em que

diferentes aspectos devem ser focalizados para permitir que o aluno seja autor

de seu dizer. Assim como na vida, nas práticas sociais, em que nos deparamos

com a multiplicidade de fatos, situações, pessoas, pontos de vista, assim é na

arte, quando nos deparamos com a heterogeneidade das composições,

infinitamente a serem criadas. Fora disso, é mero exercício escolar.

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