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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA JOÃO PAULO DANTAS PITA UM ESTUDO GEOGRÁFICO SOBRE OS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS: O CASO DE NOVA REPÚBLICA / SALVADOR-BA SALVADOR, BA 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

JOÃO PAULO DANTAS PITA

UM ESTUDO GEOGRÁFICO SOBRE OS CATADORES DE MATERIAIS

RECICLÁVEIS: O CASO DE NOVA REPÚBLICA / SALVADOR-BA

SALVADOR, BA

2015

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JOÃO PAULO DANTAS PITA

UM ESTUDO GEOGRÁFICO SOBRE OS CATADORES DE MATERIAIS

RECICLÁVEIS: O CASO DE NOVA REPÚBLICA / SALVADOR-BA

Monografia apresentada ao curso de Geografia da

Universidade Federal da Bahia, como requisito para

obtenção do título de bacharel em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Wendel Henrique

Baumgartner.

SALVADOR, BA

2015

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P681e Pita, João Paulo Dantas.

Um estudo geográfico sobre os catadores de materiais recicláveis: O

caso de Nova República / Salvador-BA / João Paulo Dantas Pita. –

Salvador, 2015.

67 f. : il. Color.

Orientador: Prof. Dr. Wendel Henrique Baumgartner.

Monografia (Conclusão de Curso) – Universidade Federal da Bahia.

Instituto de Geociências, 2015.

1. Catadores de lixo – Salvador (Ba). 2. Coleta seletiva de lixo –

Condições sociais. 3. Lixo – Reciclagem – Aspectos sociais. I.

Baumgartner, Wendel Henrique. II. Universidade Federal da Bahia. III.

Título.

CDU – 316.35

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JOÃO PAULO DANTAS PITA

UM ESTUDO GEOGRÁFICO SOBRE OS CATADORES DE MATERIAIS

RECICLÁVEIS: O CASO DE NOVA REPÚBLICA / SALVADOR-BA

Monografia apresentada ao curso de Geografia da

Universidade Federal da Bahia, como requisito para

obtenção do título de bacharel em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Wendel Henrique

Baumgartner.

Salvador, 30 de junho de 2015.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Wendel Henrique Baumgartner

Departamento de Geografia - UFBA

Prof. Dr. Catherine Prost

Departamento de Geografia - UFBA

Prof. MSc. Elissandro Trindade de Santana

SEC / Bahia

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Aos catadores e catadoras de todo o Brasil.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha mãe, Beth, por todo o esforço feito no sentido de me dar uma boa

educação. Nunca esquecerei os verdadeiros nós em pingos d’águas dados para me matricular

em boas escolas. Acima de qualquer bem material está o conhecimento. Obrigado, coroa!

Aos meus irmãos, Henrique e Pedro, verdadeiros companheiros, tanto nas alegrias

quanto nas dificuldades, dentro e fora de casa.

Aos meus tios Jorge e Rubens, que, juntos à minha mãe, são meus maiores exemplos

vivos. Agradeço por vocês sempre me ensinarem o valor e a importância do conhecimento.

Agradeço por estarem sempre presentes.

Aos amigos e amigas que fiz durante essa jornada. Em especial à Fabrine, Jullie e

Juranir, pelos momentos divertidos e pela leveza e alegria que juntos encaramos os momentos

complicados.

Ao meu orientador, professor, supervisor, Wendel, pelos conselhos e pela orientação

neste e em outros trabalhos. Obrigado pela seriedade com que encara a educação.

À todo o corpo docente da UFBA e em específico do curso de Geografia.

Ao Pimp My Carroça e aos amigos que enfrentaram e enfrentam comigo à missão de

trazer e fazer o projeto vivo em Salvador. Obrigado Hugo, Diogo, Iracema, Helen, Emerson,

Mônica e Gabriela. Obrigado Thiago Mundano, por idealizar este belo projeto.

À todos os catadores que contribuíram para este trabalho, em especial à Dona Bina,

Léo, Rogério e Isaac, sempre muito simpáticos e prestativos.

À UFBA, que me recebeu menino e me vê partir como homem. Obrigado pela

estrutura, programas, cursos e tudo mais.

Obrigado à todos vocês!

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“Nós vos pedimos com insistência:

Não diga nunca - Isso é natural -

Sob o familiar,

Descubra o insólito,

Sob o cotidiano, desvele o inexplicável.

Que tudo o que é considerado habitual

Provoque inquietação,

Na regra, descubra o abuso,

E sempre que o abuso for encontrado,

Encontre o remédio.”

(Bertold Brecht)

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RESUMO

O destino dos resíduos sólidos urbanos necessitou ser pensado com mais veemência no Brasil

em 1930, pós implementação da revolução industrial brasileira. Os diferentes tipos de

resíduos surgidos após o advento da industrial acumularam sem destinação adequada até

meados do século XX, quando surgiu a figura do catador, que logo passara a ser o principal

responsável por atribuir a destinação adequada aos “novos” resíduos. Passados mais de 50

anos, pouca coisa mudou neste cenário. Os catadores permanecem sendo o verdadeiro motor

da coleta seletiva brasileira. Bem verdade que ainda são o elo mais fraco da estrutura da

mesma. No entanto, estão mais organizados e até com um movimento nacional para lutar por

seus direitos principalmente no que tange à cidadania. Devido à pressão, a categoria passou à

ser alvo de políticas públicas, que, no entanto, tardam a sair do papel. A categoria se apoia,

então, em projetos e ações individuais de cidadãos que sabem a importância que faz o

tratamento adequado perante os seus resíduos.

Palavras-chave: catadores, coleta seletiva, resíduos

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 10

1.1. Objetivo geral 12

1.2. Objetivo específico 12

1.3. Metodologia 12

2. PERFIL DOS CATADORES NO BRASIL 13

2.1.1. Aspectos demográficos 13

2.1.2. Distribuição regional 13

2.1.3. Faixa etária 20

2.1.4. Divisão por sexo 21

2.1.5. Questão racial 22

2.1.6. Considerações 22

2.2. Trabalho e renda 23

2.3. Educação 31

2.4. Considerações 37

3. ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA CADEIA DE RECICLAGEM

BRASILEIRA E O MOVIMENTO DOS CATADORES 38

3.1. Indústria 38

3.2. Comércio e/ou comunidade 39

3.3. Cadeia de reciclagem pós-consumo 41

3.3.1. Catadores 41

3.3.2. Cooperativas e/ou pequenos sucateiros 42

3.3.3. Médios sucateiros 42

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3.3.4. Grandes sucateiros e aparistas 42

3.3.5. Empresas recicladoras 42

3.4. Considerações 43

3.5. O Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis 44

4. A POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS (PNRS) 48

5. ESTUDO DE CASO EM SALVADOR 52

5.1. Realidade da coleta seletiva de Salvador 52

5.1.1. Relevo 52

5.1.2. Clima 52

5.1.3. Violência urbana 52

5.1.4. Trânsito 53

5.1.5. Preconceito 53

5.2. Os catadores de Nova República, Nordeste de Amaralina 54

5.2.1. Os apoios e a formação da associação 55

5.2.2. A luta pelo espaço 56

5.2.3. Breve paralelo para entender o diferencial do estoque 58

5.2.4. Cobrança por mais consciência ambiental 59

5.3. O apoio dos projetos sociais: O Pimp My Carroça 60

5.3.1. Pimpex Salvador 62

5.3.2. Resultados 62

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 63

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 65

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1. INTRODUÇÃO

Desde o surgimento da humanidade o homem produz resíduos, resíduos estes que nem

sempre precisaram ser tratados como são atualmente. Os restos orgânicos já foram regra e a

população, na época nômade, não os via nunca acumular. Os resíduos tornaram-se realmente

problemáticos no século XVIII, com a era das revoluções industriais. Isso porque em meio

aos restos orgânicos, outrora únicos, foi possível encontrar naquele momento vidro, papel,

plástico, metal, materiais tóxicos, entre outros. Paradoxalmente, quanto mais desenvolvido

economicamente fosse um país, mais resíduos mal dispostos ele teria. Assim, os tipos e a

quantidade destes passaram a ser uma espécie de indicador de desenvolvimento de uma

nação.

O Brasil, que a essa altura ainda era colônia de Portugal, só veio ter sua revolução

industrial iniciada de forma concreta em 1930. A partir daí, mudanças radicais se iniciaram no

país, dentre elas o conteúdo do resíduo brasileiro, que, assim como nos países pioneiros no

quesito industrial, primeiramente eram compostos de materiais orgânicos. Posteriormente a

industrialização, o país passou a lidar com outros tipos de resíduos, de forma bastante

irresponsável, deve-se frisar.

As mudanças que o processo industrial trouxe não se restringiram ao conteúdo do

resíduo, obviamente. O advento da indústria gerou um êxodo rural acentuado devido à busca

por emprego na mesma. No entanto, a demanda era muito maior que a oferta. Assim, grande

parte do contingente que desejava preencher as vagas terminou aumentando as estatísticas do

subemprego e desemprego no país, principalmente nas cidades.

Fatalmente, esse fluxo migratório gerou uma mudança significativa na configuração

espacial do Brasil, sobretudo nas cidades. Para Henri Lefebvre (2001), a ascensão do

capitalismo industrial rompe com a característica de totalidade orgânica, outrora marcante nas

cidades. Dá-se lugar à fragmentos disjuntos; de um lado periferia, do outro lado centro. Outra

mudança importante nas cidades foi a relação de valor de troca em detrimento do valor de

uso, ou seja, a cidade como mercadoria.

Foi nesse cenário de desilusão que a atividade de catador de materiais recicláveis

surgiu e tornou-se alternativa para muitos desempregados, excluídos do processo industrial,

em meados do século XX. Desde então, muita coisa mudou. O Brasil cresceu e a sociedade do

consumo também, o que fez aumentar também vertiginosamente a quantidade de resíduos

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sólidos. Com isso, o exercício de catador veio deixando de ser apenas uma alternativa para se

tornar uma ocupação exclusiva e permanente de uma fatia considerável da população.

O que não mudou foi a dura realidade em que vivem os catadores, que carregam, além

do material coletado, o peso das contradições, pois o que simboliza um catador para um país?

Um catador é, no Brasil, um importante agente ambiental, o verdadeiro motor da coleta

seletiva. Os catadores são responsáveis por 90% do material que chega para ser reciclado pela

indústria de reciclagem brasileira (PORTAL BRASIL, 2013).

No entanto, para a imagem de um país, se existem catadores nas condições em que

estes vivem, é importante frisar, é porque algo não vai bem. A afirmativa é verdadeira em, no

mínimo, três aspectos. Se existe catador, o país é ambientalmente atrasado. Sendo breve, um

país cuja população necessita que terceiros realizem sua coleta seletiva possui uma

consciência ambiental demasiada atrasada. Se existe catador, as políticas sociais não estão

atingindo todos que precisam atingir. Se existe catador, a distribuição de renda não vai bem.

Frisa-se novamente a mais irônica das contradições: o catador nas ruas denuncia que o

país é atrasado ambientalmente, por ser ele o grande motor da coleta seletiva brasileira. Por

isso, se o poder público pretende levar a questão ambiental a sério, e provou isso através da

aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, o caminho mais curto são os próprios

catadores. Então, é preciso maximizar a produção dessa categoria que, mesmo diante das

mazelas do desemprego, optou por buscar uma atividade digna e crucial. Antes de pensar em

maximização de produção, no entanto, deve-se pensar na obtenção de direitos para a

categoria. Entre eles, o direito à cidade.

Citando novamente Lefebvre, o autor afirma que na cidade pós-industrial, poucos tem

o direito à cidade. O direito de habitar na cidade, vivendo-a na sua plenitude, participando da

formação desta. A maioria possui, no entanto, o direito ao habitat na cidade sem a mínima

inserção na dinâmica da mesma. Neste caso, o direito se resume simplesmente a moradia,

enquanto que o direito à cidade é amplo, como afirma o autor:

O direito à cidade se manifesta como forma superior dos direitos: direito à

liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar. O

direito à obra (à atividade participante) e o direito à apropriação (bem

distinto do direito à propriedade) estão implicados no direito à cidade.

(LEFEBVRE, 2001, p. 135).

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Visando discutir tais direitos, traçou-se os seguintes objetivos e metodologia:

1.1. Objetivo geral

Este trabalho possui como objetivo geral detectar e discutir os principais anseios dos

catadores de materiais recicláveis e levar informação ao público geral, para que este, de

alguma ou de várias formas possa contribuir para os direitos não só dos catadores, mas para

com a saúde ambiental da cidade.

1.2. Objetivos específicos

Conhecer e analisar a situação dos catadores de materiais recicláveis do Brasil.

Localizar, analisar a fundo e acompanhar o trabalho de um grupamento de

catadores. Este caso, na localidade de Nova República, Nordeste de Amaralina.

Detectar e discutir soluções para os principais anseios de tais catadores.

Entrar em contato e se inserir à projetos sociais voltados aos catadores. Este

caso, o Pimp My Carroça.

Acompanhar o trabalho de um dos catadores para entender a dinâmica e as

dificuldades do dia-a-dia da categoria.

Discutir junto aos catadores propostas que visem maximizar os seus ganhos e

atribuir mais direitos à classe.

1.3.Metodologia

Levantamento bibliográfico e jornalístico à respeito da temática e os elementos

que a envolvem, como cooperativas e empresas recicladoras.

Localização de grupamentos de catadores na cidade e posterior escolha de um

desses para trabalho aprofundado.

Aproximação de catadores para informações detalhadas.

Levantamento e leitura da legislação da Politica Nacional de Resíduos Sólidos.

Elaboração de entrevistas.

Registro de fotos da área escolhida.

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2. PERFIL DOS CATADORES1

Traçar o perfil dos catadores de materiais recicláveis brasileiros é uma tarefa

complexa. Isso se deve à heterogeneidade da categoria, à informalidade e, sobretudo, às

flutuações econômicas que impactam diretamente nos ganhos dos mesmos. Essa última

característica torna difícil, por exemplo, definir com precisão a quantidade de catadores

presentes no Brasil, uma vez que à depender dos ganhos, o trabalho da catação pode ficar em

segundo plano, dando lugar à uma ocupação, por ora, mais rentável.

Outra questão que impossibilita uma contagem com mais acurácia é a subjetividade de

quem pratica a catação. Muitas vezes a segregação, a invisibilidade e o preconceito fazem

com que catadores prefiram definir como profissão funções outrora praticadas. Isso porque

sob diversos olhares, a catação ainda é uma tarefa marginalizada por lidar com o refugo, o

lixo.

2.1.1. Aspectos demográficos

Como foi exposto acima, os dados que dizem respeito ao número de catadores variam

principalmente em épocas de oscilações econômicas, mas, com toda a dificuldade, foi

estabelecido pelo Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) um

número entre 400 mil e 600 mil catadores de resíduos sólidos no Brasil. O Censo

Demográfico de 2010 constatou um número próximo ao mínimo estabelecido pelo

movimento: 387.910 catadores.

2.1.2. Distribuição regional

A distribuição regional por catadores expõe uma característica importante da atividade

da catação como sendo essencialmente urbana. À partir do mapa 1, é possível notar que os

grandes centros urbanos são os que possuem a maior quantidade de catadores, assim como as

cidades e as metrópoles que possuem a urbanização como marca. Isso ocorre devido ao tipo e

à quantidade de resíduos dispostos em cada zona. Nas zonas urbanas, a disposição e

quantidade de resíduos recicláveis são superiores à zona rural e os seus compradores também.

Para reforçar tal essência urbana da atividade, o censo demográfico de 2010 definiu, através

de entrevista, que 93,3% dos catadores brasileiros residem em áreas urbanas.

1 Todos os dados apresentados à seguir foram coletados do relatório da Situação Social das Catadoras e dos

Catadores de Material Reciclável e Reutilizável do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2013,

baseados, por sua vez, nos dados do Censo Demográfico de 2010 e na Pesquisa Nacional por Amostras de

Domicílio (PNAD), ambos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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MAPA 1 - Distribuição do número de catadores.

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

Adiante, será apresentado o mapa 1 recortado e ampliado nas regiões brasileiras com

suas respectivas análises.

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Região Norte

A região Norte é a região brasileira com menor número de catadores. São 21.678 ou

5,6% do total. Tal fato se deve à duas características principais: a própria configuração

populacional nortista e à questão da urbanização do seu território.

Detentora da maior área entre as regiões, a região Norte representa 45,2% do território

nacional. No entanto, sua população, segundo o Censo Demográfico 2010, é de 16,3 milhões

de habitantes, logo, uma densidade demográfica de 3,77 hab/km², a menor do Brasil. Assim, o

pequeno número de catadores é reflexo também do pequeno número de residentes. Além

disso, a região possui uma taxa de urbanização de 73,53%, a segunda menor entre as regiões

e, como dito anteriormente, a catação é uma atividade essencialmente urbana. Ainda assim,

mesmo com a baixa taxa de urbanização, 93,2% dos catadores da região residem em áreas

urbanas.

Analisando o mapa 2, é possível observar que nesta região a preferência é notável

pelas capitais, que são normalmente as áreas mais urbanizadas de um estado. Dentre elas,

apenas Boa Vista (RR) e Palmas (TO) não possuem número acima de 493 catadores.

MAPA 2 - Distribuição do número de catadores da região Norte.

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

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Região Nordeste

A região Nordeste possui um panorama intrigante: possui a menor taxa de urbanização

entre as regiões (73,13%), mas, ainda assim, é a segunda região em número de catadores,

116.528, o que representa 30% do total.

Ao analisar o mapa 3, percebe-se que, assim como foi notado na região Norte, as

capitais são mais atrativas para os catadores, pelo mesmo motivo: a urbanização. Apenas a

capital São Luís (MA) não possui número de catadores superior aos 493. No entanto, ao

contrário do que ocorre na região Norte, a catação não se restringe às capitais. É possível

analisar que o interior da Bahia, quarto estado menos urbanizado do Brasil, possui uma

grande quantidade de catadores.

Visto isso, pode-se interpretar que na região Nordeste, ao contrário do que parece

ocorrer no Norte, os catadores parecem não ter outra opção de trabalho. Aceitam a catação

mesmo não dispondo de um território tão fértil para tal atividade. Esses fatos ajudam a

compreender o porquê da catação no Nordeste ser a pior remunerada entre as regiões, fato que

será visto mais adiante em pormenores.

MAPA 3 - Distribuição do número de catadores da região Nordeste.

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

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Região Centro-Oeste

Nesta região acontece fenômeno oposto do que ocorre no Nordeste: há uma elevada

taxa de urbanização (88,8%), no entanto não há um grande contingente de catadores. Apenas

29.359 dos catadores, que correspondem a 7,5% do total, escolheram a região Centro-Oeste

para realizar a catação.

Tal fato pode ser explicado em razão da população. A região, que é a segunda maior

do Brasil em extensão territorial, com 18,8% do total do território brasileiro, possui apenas 12

milhões de habitantes, o que faz com que ela detenha a densidade demográfica de 9,47

hab/km².

Analisando o mapa 4, nota-se o mesmo fenômeno que ocorre na região Norte: a

catação sendo mais forte nas capitais: Cuiabá, Campo Grande, Goiânia e Brasília detêm

número superior aos 493 catadores.

MAPA 4 - Distribuição do número de catadores da região Centro-Oeste.

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

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Região Sudeste

Esta região é o polo da reciclagem no Brasil, possuindo o maior número de catadores

(161.417), que representam 41,6% do total. O Sudeste soma as duas características principais

para contar com esse número: grande população (77 milhões de habitantes) e uma elevada

taxa de urbanização, com 92,95%, a maior do país entre regiões, deve-se frisar.

Muito desse número expressivo de catadores (161.417), urbanização (92,95%) e

população (77 milhões de habitantes) deve-se ao estado de São Paulo, que possui 79.770 dos

catadores brasileiros, ou seja, o estado soma mais catadores que as regiões Centro-Oeste e

Norte juntas.

Além de ser a maior metrópole brasileira e ter grande contingente populacional, o

estado de São Paulo possui 95,8% do seu território urbanizado. Todos esses elementos

reunidos fazem com que a atividade da catação seja atrativa não só na capital ou região

metropolitana, mas em todo o estado, como pode se observar no mapa 5.

MAPA 5 - Distribuição do número de catadores da região Sudeste.

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

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Região Sul

A região Sul é a terceira mais populosa do Brasil com 26 milhões de habitantes e

ocupa a mesma posição em relação à urbanização, com 84,93% do seu território urbanizado.

Também é a terceira região que mais possui catadores, com 58.928 do total ou 15,2%.

Nesta região, é possível observar através do mapa 6 que a catação é bem difundida,

não fugindo, no entanto, à regra das capitais serem fatores de atração, como em todas as

outras regiões.

Se no Sudeste o estado de São Paulo é o principal responsável por alavancar os

números de catadores, na região Sul esta função fica por conta do estado do Paraná, que

possui 85.31% do seu território urbanizado.

MAPA 6 - Distribuição do número de catadores da região Sul.

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a)

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2.1.3. Faixa etária

Na catação, como trabalho braçal que é, as condições de saúde e forma física são

determinantes para a realização da função. Logicamente, cada corpo possui suas próprias

características e cada catador é mais ou menos resistente às mazelas do ofício. No entanto,

de acordo com dados do censo demográfico de 2010, vide Gráfico 1, é possível inferir

que, a partir dos 50 anos, a atividade começa a atingir o seu descenso.

A média de idade atual de um catador é de 39,4 anos e tal dado possui pouca

amplitude entre as regiões. A menor média de idade fica à cargo da região Norte com 36,5

anos e a maior na região Sudeste com 40,6 anos. Embora nessa faixa de idade (30 – 49

anos) uma pessoa já tenha ultrapassado seu auge físico, é nela que os catadores se tornam

resignados para com a atividade e a definem como ocupação principal.

GRÁFICO 1 - Catadores por faixa etária.

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

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2.1.4. Divisão por sexo

A catação se mostra uma atividade predominantemente masculina, com 68,9% de

homens contra 31,1% de mulheres. Tais indicadores, no entanto, podem variar de acordo com

alguns aspectos, como frisa o relatório da Situação Social das Catadoras e dos Catadores de

Material Reciclável e Reutilizável do IPEA:

Algumas questões estão relacionadas com a variação observada; por

exemplo, o fato de muitas mulheres exercerem outras atividades, como o

cuidado do lar e da família, e entenderem que a coleta de resíduos seja uma

mera atividade complementar. Ou seja, algumas catadoras podem não se

identificar com a atividade por manterem outra atividade como trabalho

principal. (2013, p.48)

Essa informação traz a tona novamente a dificuldade em realizar pesquisas voltadas

para a categoria, desta vez sendo apresentado a questão da subjetividade de se definir ou não

como catadora.

GRÁFICO 2 - Divisão entre homens e mulheres na catação.

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

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2.1.5. Questão racial2

Os dados mostram que 66,1% da categoria se define como negra ou parda.

Logicamente, esse foi o indicador com mais disparidade entre as regiões pela própria

distribuição racial das mesmas. Na região Sul, por exemplo, o número que se considera

branco ou outros chegou a 58,4%, bem diferente da média nacional, enquanto na região

Norte, 82% dos catadores se consideraram negros ou pardos, também se distanciando da

média nacional.

GRÁFICO 3 - Divisão por cor da pele.

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

2.1.6. Considerações

Diante do exposto acima, pode-se afirmar que o perfil dos catadores brasileiros se

apresenta da seguinte forma: predominantemente são moradores de grandes centros urbanos,

por uma questão de disponibilidade de resíduos recicláveis e de potenciais compradores;

possuem média de idade de 39,4 anos com um descenso apontado aos 50 anos em diante; são

em sua maioria homens e negros. Frisa-se novamente que tais dados estão expostos às

variações do próprio ofício.

2 O autor deste trabalho não concorda com a definição empregada pelo IBGE, acreditando que o termo cor da

pele seria mais apropriado para tal abordagem.

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2.2. Trabalho e renda

Neste ponto é possível evidenciar a forte informalização do trabalho do catador. Das

pessoas que se declararam catadores, apenas 36,8% possui algum tipo de vínculo trabalhista

formalizado. Ainda que haja disparidades ao se comparar as regiões, a verdade é que a

formalização do trabalho de catador ainda é uma realidade distante no Brasil inteiro, como

pode-se observar no Gráfico 4.

GRÁFICO 4 - Formalização dos catadores de materiais recicláveis.

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

À respeito da renda, a média da remuneração mensal de acordo com os catadores era

de R$ 571,56, superando em R$ 61,56 o salário mínimo da época do Censo (2010). Aqui,

mais uma vez, tornam-se visíveis as disparidades entre regiões, com o Sudeste sendo bem

superior às demais apresentando um salário médio de R$ 629,89, enquanto o Nordeste

apresenta o menor salário mensal (R$ 459,34), como ilustra o Mapa 7.

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MAPA 7 - Distribuição de renda mensal entre catadores por região.

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

Além das desigualdades regionais, estão presentes também no dia-a-dia da classe as

desigualdades devido ao gênero e à raça. Segundo o relatório do IPEA (2013), ao se

considerar somente a renda média dos homens que atuam como catador, esta chega a R$

611,10. Entre as mulheres catadoras a renda média é de R$ 460,54, ou seja, 32% menor que a

média do rendimento masculino. No que tange à questão racial, segundo a mesma fonte, os

catadores de cor branca recebem em média R$ 642,98, valor que representa 22% a mais que a

média dos catadores negros (pretos e pardos), que é de R$ 525,22.

Tais números são expressivos e sabe-se que isso é uma realidade no Brasil não só no

meio da catação, no entanto, é preciso frisar que a pesquisa do IPEA levou em conta somente

o rendimento mensal, não deixando claro se o rendimento foi baseado na mesma quantidade

de material coletado. Este fato, embora torne menos preciso os resultados, não nega a

realidade desigual entre os catadores em função da cor da pele e do gênero.

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Embora os catadores de todo o Brasil encarem problemas e questões parecidas, a

desigualdade ainda é barreira importante e reflete a própria desigualdade brasileira, seja por

região, por gênero ou por raça. Para ilustrar isso, o índice de Gini3 foi, em 2010, de 0,58 entre

trabalhadores brasileiros. Entre os catadores, o índice foi um pouco menor: 0,42. Ainda assim,

para uma categoria que divide os mesmos anseios, a disparidade é grande.

Adiante foi realizada a ampliação e recorte do mapa 7 em regiões juntamente com suas

respectivas análises.

3 O índice ou coeficiente de Gini é um cálculo utilizado para realizar a medição da desigualdade social. Os dados

vão de 0 à 1, com 0 sendo a igualdade plena e 1 a total desigualdade.

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Região Norte

Esta região apresenta um número curioso em relação ao rendimento médios dos seus

catadores. Enquanto a média nacional é de R$ 571,56, a média na região Norte é de R$

607,25.

Analisando o mapa 8, é possível perceber que a média é alavancada pelos pagamentos

efetuados pelas capitais. Todas elas oferecem remuneração superior à média nacional. O

restante da região se configura com a maioria dos estados oferecendo pagamento

intermediário, com poucos municípios pagando a remuneração inferior.

O pequeno número de catadores na região parece influenciar positivamente no

montante recebido pelos materiais coletados. Neste caso, a lei da oferta e demanda age em

prol dos catadores.

Tais fatos tornam-se interessantes de se observar, uma vez que o fato da catação não

estar dentre as atividades mais exercidas na região não consiste de um empecilho para uma

remuneração um pouco maior do que a média da mesma, pelo contrário, os catadores que se

aventuram no ofício são bem remunerados em comparação às demais regiões.

MAPA 8 - Distribuição de renda mensal entre catadores da região Norte.

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

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Região Nordeste

Esta região traz números preocupantes, uma vez que os R$ 459,34 de média de

rendimento dos seus catadores estão bem abaixo da média nacional (R$ 571,56). O Nordeste

funciona aqui como um peso que contribui de forma significativa para despencar o valor da

média nacional.

Como dito anteriormente na análise da distribuição populacional por região, o

Nordeste não consiste de uma região tão fértil para a catação. Sua baixa taxa de urbanização

(a menor do Brasil) vai na contramão da principal característica da atividade. A disposição de

materiais é menor em relação às outras regiões e o pagamento por eles também.

Para piorar, a região possui também um grande contingente de catadores, como foi

visto no mapa 9. Este fator pesa contra os mesmos, uma vez que, com a grande oferta, não

raramente existirá um catador disponível a receber menos que outro pelo seu material. Ocorre

o oposto da região Norte, com a oferta desta vez sendo muito maior que a demanda.

É justo dizer que grande parte dos catadores está na função por não ter opções

melhores, mas, no caso do Nordeste, esta realidade parece ser ainda mais próxima.

MAPA 9 - Distribuição de renda mensal entre catadores da região Nordeste.

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

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Região Centro-Oeste

Nesta região a remuneração média dos catadores é a segunda entre as regiões com R$

619,00 mensais, quase 50 reais superior à média nacional.

A região Centro-Oeste possui semelhanças com a Norte no que diz respeito ao

pequeno número de catadores que ambas possuem e uma taxa de remuneração melhor. Não

cabe, então, outra justificativa para a remuneração senão a mesma da região Norte: a lei da

oferta e da procura. Porém, no Centro-Oeste recebe-se uma remuneração ainda maior e

melhor distribuída. Quase a totalidade da região é remunerada acima do pagamento

intermediário, como pode-se observar no mapa 10.

MAPA 10 - Distribuição de renda mensal entre catadores da região Centro-Oeste

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

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Região Sudeste

Esta região é, mais uma vez, a que apresenta os melhores índices para com os seus

catadores. Os R$ 629,89 consistem no melhor rendimento médio de catadores entre as

regiões, ajudando a alavancar a média nacional.

Analisando o mapa 11, pode-se observar que mais uma vez o estado de São Paulo

aparece em destaque com a maioria do seu território obtendo rendimentos superiores a média

nacional. Espírito Santo e Rio de Janeiro ficam entre o intermediário e o acima da média.

Apenas Minas Gerais entra em discordância com os demais estados, apresentando médias

bastante inferiores em relação à SP, ES e RJ.

Aqui, apesar de ser a região com o maior número de catadores, a oferta demasiada não

parece ser um problema, pois, a demanda é também exagerada, por ser esta a região mais

urbanizada do Brasil.

MAPA 11 - Distribuição de renda mensal entre catadores da região Sudeste.

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

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Região Sul

Esta região apresenta R$596,90 de rendimento médio por catador e está acima da

média nacional, no entanto, é possível notar no mapa as desigualdades nesses dados. O Rio

Grande do Sul, por exemplo, é quase que tomado por rendimentos inferiores à média

nacional. Municípios pontuais em sua maioria no Paraná e em Santa Catarina é que ajudam a

alavancar a média da região, como pode-se observar no mapa 12.

Mais uma vez as capitais aparecem em destaque, com Curitiba, Florianópolis e Porto

Alegre obtendo a remuneração superior, como se pode observar no mapa 12.

Aqui, a relação demanda e oferta parece ser equilibrada, com os catadores não

recebendo nem tão abaixo da média nacional como no Nordeste nem tão acima da média

nacional quanto no Sudeste.

MAPA 12 - Distribuição de renda mensal entre catadores da região Sul

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

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2.3. Educação

Este é mais um dado nada otimista em relação aos catadores. O analfabetismo entre

eles é mais que o dobro da média nacional. Se, segundo o Censo de 2010, o número de

analfabetos atinge 9,4% da população brasileira, o número entre os catadores salta para

20,5%.

Esse é mais um item em que as disparidades entre as regiões se fazem notar. Se a

região Nordeste apresentou alarmantes 34% de analfabetismo, a Sudeste apresentou 13,4%

não menos alarmantes, mas muito menor. O mapa 13 ilustra tais disparidades entre regiões no

que tange o analfabetismo entre catadores.

MAPA 13 - Taxa de analfabetismo entre catadores.

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

Adiante foi realizada a ampliação e o recorte do mapa 13 em regiões e suas respectivas

análises.

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Região Norte

Como foi exposto anteriormente, a taxa de analfabetismo entre catadores brasileiros é

mais que o dobro da taxa nacional. Analisando as regiões, o cenário não é menos negativo. A

região Norte possui uma taxa de analfabetismo de 10,6%. Entre os catadores da região, no

entanto, esta taxa corresponde a 17,2%.

Esta região, no entanto, é a que apresenta melhor número em relação aos catadores de

mais de 25 anos que possuem ensino fundamental completo (30%) e também o melhor

número entre regiões para os catadores maiores de 25 anos que possuem ensino médio

completo (14%).

Analisando o mapa 14, pode-se perceber que neste aspecto observado, as capitais não

possuem influência considerável, uma vez que as menores taxas de analfabetismo estão

presentes em municípios do interior dos estados.

MAPA 14 - Taxa de analfabetismo entre catadores da região Norte

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

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Região Nordeste

Esta região novamente apresenta números pessimistas. Se o analfabetismo na região já

atinge o alto índice de 17,6%, a realidade entre os catadores é ainda pior: 34% dos catadores

nordestinos são analfabetos, quase o dobro da taxa da região.

Outra vez, o Nordeste contribui negativamente para a taxa nacional (20,5%), fazendo-

a despencar vertiginosamente, uma vez que as outras regiões não chegam a atingir 18% de

analfabetismo.

A região também apresenta a pior taxa entre os catadores acima de 25 anos que

possuem ensino fundamental completo (20,4%) e a segunda pior no que diz respeito aos

catadores maiores de 25 que possuem ensino médio (9,7%).

Analisando o mapa 15, observa-se a uniformidade como um fator marcante. De uma

maneira geral, não há áreas que “salvam” ou alavancam as taxas da região, uma vez que ela

inteira é marcada por taxas altíssimas de analfabetismo.

MAPA 15 - Taxa de analfabetismo entre catadores da região Nordeste

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

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Região Centro-Oeste

Esta região apresenta uma taxa de analfabetismo de 6,6% e entre os catadores o

número quase triplica: 17,6%. O número está abaixo da média nacional e se equipara com as

demais regiões, com exceção do Nordeste.

Entre os catadores maiores de 25 anos com ensino fundamental completo, a taxa

encontra-se um pouco abaixo da média nacional (24,6%) chegando aos 23,9%. Também está

um pouco abaixo da média brasileira a taxa de catadores acima dos 25 anos com ensino médio

completo. Se a média nacional é de 11,4%, a taxa centro-oestina entre catadores atinge apenas

os 10,8%.

Analisando o mapa 16, nota-se a diferença da escolaridade entre as capitais e o

restante do território, com as primeiras obtendo as menores taxas de analfabetismo (sempre o

número inferior).

MAPA 16 - Taxa de analfabetismo entre catadores da região Centro-Oeste

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

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Região Sudeste

Esta região possui a segunda menor taxa de analfabetismo entre regiões: 5,11% e entre

os catadores é a que possui o menor índice: 13,4%. Ainda assim, nota-se que este número

entre catadores mais que dobra em relação à taxa regional.

Dos catadores, são 28,3% com mais de 25 anos que possuem ensino fundamental

completo nesta região, o segundo melhor índice entre regiões e acima da média nacional

(24,6%).

Entre os catadores maiores de 25 anos com ensino médio completo, a taxa é de 13,5%,

novamente a segunda melhor entre regiões e acima da média nacional (11,4%).

Analisando o mapa 17, percebe-se, mais uma vez, a importância do estado de São

Paulo para com a região. Neste quesito, como nos outros, o estado é o principal responsável

pelos números positivos de alfabetização, se comparado com as demais regiões.

MAPA 17 - Taxa de analfabetismo entre catadores da região Sudeste

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

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Região Sul

Esta região, notada por ter elevado índice de alfabetismo, possui uma taxa de 4,7% de

analfabetos. O número, no entanto, entre catadores mais que triplica: 15,5%. Esta taxa não

consiste em um disparate; pelo contrário, está em consonância com as demais regiões (exceto

o Nordeste) e abaixo da taxa nacional, mas chama atenção o fato de ter triplicado ao

comparar-se a taxa de analfabetismo e a mesma taxa entre catadores.

Entre os catadores com mais de 25 anos possuindo ensino fundamental completo, a

região se equipara ao Nordeste (20,4%) com seus 20,6%, estando bem abaixo da média

nacional (24,6%).

No que diz respeito aos catadores maiores de 25 anos com ensino médio completo a

realidade é ainda pior: os 7,9% de catadores com tal titulação tornam a região a pior neste

quesito e estando bem abaixo da média nacional (11,4%).

Analisando o mapa, é possível perceber que os índices de analfabetismo são menores

nas capitais, mas não são o suficiente para fazer baixar o grande número de analfabetos na

região.

MAPA 18 - Taxa de analfabetismo entre catadores da região Sul

Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012a).

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2.4. Considerações

Diante do exposto, é possível inferir que a desigualdade entre os catadores obedece à

própria desigualdade presente no Brasil, seja por região, por gênero ou por raça. Além disso,

adianta-se que os catadores ainda são desprezados por políticas públicas e até perante parte da

população, que se nega a enxergar no catador um agente ambiental importante para a cidade,

mas antes de tudo, também um cidadão.

Os catadores estão presentes numa atividade essencialmente urbana e

concomitantemente são excluídos da sociedade urbana, do direito à cidade. Puxando suas

carroças, disputando espaços com carros, ônibus e caminhões, eles só possuem o direito ao

habitat na cidade e não à habitar nela, como dito na introdução deste trabalho fazendo

referência à Lefebvre (2001). Em outras palavras, estão ausentes da participação democrática

do processo de formação da cidade. Seu direito se resume ao simples acesso.

Neste sentido, os catadores lutam em duas frentes, que estão conectadas. Lutam pela

cidadania, pelo direito à exercer sua atividade se desvinculando do aspecto marginalizado e

lutam também pela ascensão dentro da cadeia de reciclagem. Pois não é novidade que existe

uma perversa lógica de exploração da mais-valia para a obtenção de lucros cada vez maiores

para quem está inserido no topo de tal cadeia. Mas quem está na base dela, recebendo valores

ínfimos para um esforço imenso? Os catadores, fato que será detalhado no próximo capítulo.

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3. ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA CADEIA DE RECICLAGEM

BRASILEIRA E O MOVIMENTO DOS CATADORES

O ciclo de uma cadeia de reciclagem no Brasil possui os seguintes agentes:

Indústria, comércio e/ou comunidade, catadores, cooperativas, sucateiros, aparistas

(trabalham apenas com aparas de papel) e empresas recicladoras. Para cada um destes

agentes, existem níveis variados. Será apresentado abaixo a função e as particularidades de

cada um deles.

FIGURA 1 - Ciclo da cadeia de reciclagem brasileira4.

Fonte: Elaboração do autor, baseado em informações do MNCR.

3.1. Indústrias

Iniciam e fecham o ciclo da cadeia de reciclagem ao lançar no mercado seus

produtos e ao recebê-los de volta das empresas recicladoras. Alguns ramos industriais

são, por lei, enquadrados na legislação da Logística Reversa (LR), que o Ministério do

Meio Ambiente (MMA) define da seguinte forma:

4 O ciclo apresentado na figura 1 representa o caminho usual do resíduo, porém há exceções. Cooperativas

podem conseguir um “atalho” direto para a empresa recicladora, por exemplo.

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É instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um

conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a

restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento,

em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação. (Ministério

do Meio Ambiente, 2010).

Em outras palavras, a LR estabelece que as empresas (indústrias) se responsabilizem

pelas suas embalagens mesmo após serem lançadas ao comércio, reintegrando-as no processo

produtivo como matérias-primas secundárias ou mercados secundários. No entanto,

atualmente, apenas as indústrias de pilhas, baterias, pneus e agrotóxicos possuem a LR como

obrigação. A Lei nº 12.305/2010 da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS),

sancionada em 2010, possui incisos que obrigam outros ramos industriais a essa

responsabilização, porém, a vigência de tais incisos tarda a acontecer, ainda assim, muitas

empresas já realizam a LR mesmo com a não obrigatoriedade, seja por uma questão de

associação da sua imagem a atitudes ambientalmente corretas, seja pelo fato da logística

representar uma economia significativa aos seus cofres.

Na Bahia, mais precisamente no polo industrial de Camaçari, a empresa de pneus

Continental possui a responsabilidade da LR. A empresa deve receber dos seus consumidores

de volta os pneus produzidos por ela. Além de ser uma obrigação, a LR, neste caso, é até uma

condição para que a empresa produza novos pneus, pois para cada pneu produzido na

Continental, outro deve ser retirado das ruas. Os destinos mais comuns de tais pneus já

utilizados são os mercados secundários, como a construção civil, por exemplo, para integrar

concreto ou massa asfáltica.

3.2. Comércio e/ou comunidade

Adquirem os produtos lançados pela indústria e, após uso, realizam o descarte.

Embora, no geral, se mostrem bem intencionados, comércio e comunidade se tornam na

maioria dos casos reféns da coleta de lixo convencional, aquela em que todos os resíduos são

recolhidos juntos sem nenhum tipo de tratamento, uma vez que em 2014 apenas 17% dos

municípios brasileiros dispunham do tratamento de coleta seletiva, segundo a pesquisa

Ciclosoft 2014.

Para os que separam os resíduos e não desejam entregar a coleta convencional,

existem algumas alternativas: a primeira são os Pontos de Entrega Voluntária, os chamados

PEVs, que são normalmente instalados em supermercados e farmácias. Um fator de

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complicação é que nem sempre tais pontos recebem todos os tipos de resíduos, ou seja, há

PEVs que recebem apenas papel/papelão, outros pilhas/baterias e as farmácias, por exemplo,

recebem somente medicamentos.

Em Salvador, embora não muito divulgado, existem PEVs que recebem desde

eletrônicos à óleo de cozinha. No sentido de divulgar tais pontos, a administradora ou cidadã

de Salvador, como prefere ser conhecida, Iracema Marques idealizou e colocou no ar o site

cidadanizese.com.br.

O site traz, já no início, um mapa da cidade de Salvador com a localização de todos os

PEVs (47, até aqui) que chegam ao conhecimento de Iracema. Ao clicar no ponto referente ao

PEV, surgirão informações de tipos de resíduos recolhidos e qual cooperativa ou associação

será beneficiada.

FIGURA 2 - Site cidadanizese.com.br.

Fonte: Print screen do site cidadanizese.com.br (2015).

Qualquer pessoa, sabendo da existência de um PEV, pode entrar em contato no site e

indicar sua localização, tipos de resíduos recolhidos e a associação ou cooperativa

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beneficiada. O site, embora gerido por Iracema, é também uma construção coletiva e deve ser

utilizado como ferramenta de cidadania.

Uma segunda alternativa é entrar em contato com cooperativas, mas o interesse da

mesma dependerá de alguns fatores, como a quantidade de resíduos que o interessado produz,

a distância que deverá ser percorrida até a casa do mesmo e outros fatores que ficam a cargo

das próprias cooperativas, visto que pode não ser vantajoso para elas percorrerem grandes

distâncias para recolher quantidades ínfimas de material.

Uma terceira alternativa é entrar em contato com catadores autônomos que transitam

no bairro. Aliás, muitos destes já possuem seus “clientes” marcados, principalmente do setor

comercial.

3.3. Cadeia de reciclagem pós-consumo

A cadeia de reciclagem pós-consumo, ainda integra o ciclo, mas possui níveis

hierárquicos bem estabelecidos. No pós-consumo, Aquino et al. (2009) divide a cadeia em 5

níveis. Segundo os autores, os catadores integram atualmente o nível mais baixo na cadeia de

reciclagem brasileira, seguidos pelas cooperativas e pequenos sucateiros, categoria na qual os

catadores realizam suas vendas. Em terceiro lugar se encontram os médios sucateiros, que

possuem maior poder de processamento e dispõem de mais espaço para estocagem. Em quarto

lugar nessa escala estão os grandes sucateiros e aparistas, que vendem seu material

diretamente para as empresas recicladoras, que, por sua vez, são o último nível na cadeia,

vendendo o material direto para a indústria. É importante citar que um nível geralmente

consegue vender seus materiais apenas para o nível subsequente, sendo raros os casos em que

um catador (1º nível), por exemplo, consegue vender para um grande sucateiro (4º nível).

Abaixo encontram-se pormenores dos agentes e a estrutura de uma cadeia de

reciclagem pós-consumo.

3.3.1. Catadores

A partir deles se inicia a cadeia de reciclagem pós-consumo. O catador vai ao local de

descarte dos comerciantes ou comunidade para conseguir seu material e vendê-los para

cooperativas e sucateiros. São os elos mais frágeis desta estrutura, os que possuem a menor

remuneração por hora de trabalho e são obrigados à vender seus materiais a sucateiros ou

cooperativas (2º nível) por não possuírem uma forma de tratamento adequado para enviá-los

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diretamente à outros níveis. Neste nível, não há também uma capacidade grande de estoque.

Devido a isso os catadores realizam a venda assim que enchem seus carrinhos/carroças.

3.3.2. Cooperativas e pequenos sucateiros

Este nível conta, não raramente, com catadores conveniados. É emprestada a estes

uma carroça para que se faça o trabalho da catação, da qual o lucro é dividido entre

cooperativa e conveniado. Neste nível também há as compras de materiais provenientes dos

catadores autônomos. Aqui já é possível notar uma capacidade de estoque, geralmente em

balcões, além da disposição de caminhões e carros para coleta e entrega, no entanto não se

dispõe do tratamento adequado para almejar vendas à níveis maiores da estrutura. Efetuam

suas vendas ao 3º nível.

3.3.3. Médios sucateiros

Neste nível já é possível encontrar uma formalização maior do trabalho e uma maior

capacidade de estoque e processamento de materiais. Realizam a venda de materiais para os

grandes sucateiros e eventualmente diretamente para a empresa recicladora.

3.3.4. Grandes sucateiros e aparistas

Estocam e processam mais de 100 toneladas de material reciclável por mês. Vendem

seus materiais diretamente à empresa recicladora e possuem percentual alto de formalização

do trabalho.

3.3.5. Empresas recicladoras

Representa o último nível da pirâmide e possui a formalização do trabalho como regra.

São responsáveis pela transformação do material recebido (já com algum tipo de tratamento

realizado pelos níveis abaixo). Após esse processo, fazem o envio direto para a indústria, onde

o produto pode virar matéria-prima secundária ou ser lançado à mercados secundários. Um

bom exemplo de mercado secundário é a reciclagem de pneu, que pode ser lançado à

fabricação desde massa asfáltica à tapetes.

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FIGURA 3 - Cadeia de reciclagem pós-consumo

Fonte: Elaborado pelo autor à partir de Aquino et al, 2009.

3.4. Considerações

É possível concluir diante do exposto que a cadeia de reciclagem estruturada e

funcionando do modo atual não é justa nem traz boas perspectivas à classe dos catadores. É

possível notar a exploração acentuada da força de trabalho dessa categoria, como bem

expressa Rodriguez apud Godoy.

Trata-se da exploração econômica derivada da estrutura do mercado da

reciclagem e da conduta dos seus atores dominantes (isto é, grande indústria

e os intermediários), por um lado, e a dramática exclusão social de que são

alvos os recicladores, por outro. (RODRIGUEZ, 2001 apud GODOY, 2005,

p.5).

Se tal estrutura já é prejudicial aos catadores conveniados e cooperativas, a situação é

ainda pior quando se trata dos catadores autônomos, como expressa Demajorovic (2013),

reforçando dois pontos já citados aqui: a pequena capacidade de estoque (restrita ao volume

das carroças) e a informalidade, que faz com que catadores se tornem reféns das vendas de

valores ínfimos para sucateiros e ferros-velhos.

Essa forma de estruturação da cadeia produtiva reversa de pós-consumo

contribui para a distribuição desigual do valor gerado na atividade,

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impactando especialmente os catadores e suas cooperativas. No caso dos

catadores autônomos, que trabalham com pequenas quantidades de material,

sua única opção é vender aos pequenos sucateiros, que, em sua maioria,

atuam na informalidade e pagam preços muito baixos pelos materiais

recicláveis. Esses catadores são obrigados a vender, diariamente, o produto

gerado, puxando suas carroças pelas ruas da cidade, uma vez que não têm

como estocar o produto. (DEMAJOROVIC, 2013, p.58).

Diante do exposto, tornou-se inevitável pensar nas questões trabalhistas envolvendo os

catadores de todo o país. A categoria passou a se organizar e pensar em conjunto e, devido à

isso, o cenário está mudando. A classe vem se tornando mais organizada a cada dia e

conquistando direitos importantes.

3.5. O Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis

Devido às precárias condições de trabalho, injustiça dos ganhos, entre outros fatores,

na década de 1990 começaram a surgir com mais força encontros da categoria de catadores.

No fim daquela década, acontecia o 1º Encontro Nacional dos catadores de Papel. No ano de

2001, em Brasília, no 1º Congresso Nacional de Catadores(as) de Materiais Recicláveis, que

contou com 1700 catadores, foi fundado oficialmente o Movimento dos Catadores de

Materiais Recicláveis (MNCR).

O Movimento estabeleceu importantes elementos para a manutenção e crescimento da

categoria, citados em 6 importantes princípios inseridos em 4 artigos, segundo a declaração de

princípios e objetivos retirados do site oficial do MNCR, www.mncr.org.br.

1- Auto-gestão: é a prática econômica em que os trabalhadores são os donos das

ferramentas e equipamentos de produção. Auto-gestão é o modo de organizar o trabalho sem

patrões, tendo a decisão, o planejamento e a execução sob controle dos próprios

trabalhadores.

2- Democracia direta: é forma de decisão tomada pela participação coletiva e

responsável da base. Uma decisão pode ser feita por consenso ou por maioria de votos, mas

sempre deve respeitar antes de tudo a exposição das ideias e o debate.

3- Ação direta: é um princípio e método que carrega o sentido do protagonismo

do povo auto-organizado, ou seja, é o povo que deve fazer diretamente as transformações,

com o exercício de suas próprias forças, união, organização e ação, sem viver esperando

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para que os outros façam por nós, que caia do céu como um milagre ou um presente, sem que

nos esforcemos para isso (...)

4- Independência de Classe: é o principio histórico que orienta a luta do povo na

busca pela nossa verdadeira emancipação das estruturas que nos dominam; Significa que a

união do povo, nossa luta e organização, não pode ser dividida por diferenças partidárias,

nem se deixar manipular ou corromper pelas ofertas que vem das classes dominantes,

governos e dos ricos (...)

5- Apoio Mútuo: é o principio que orienta nossa atitude para a prática que

contribui para a construção da solidariedade e da cooperação, é contrario aos princípios da

competição, do egoísmo, do individualismo e da ganância;

6- Solidariedade de Classe: é o principio histórico da união de todos os pobres.

Sabemos que a sociedade que vivemos está dividida em classes: pobres e ricos, Opressores e

oprimidos, os que mandam e os que obedecem. Nosso povo faz parte das classes Oprimidas,

somo um setor dentro delas, porém existem vários outros setores de classes oprimidas pelo

sistema capitalista, como: os sem terra, os sem teto, os índios, os negros e quilombolas, os

trabalhadores assalariados, etc... É importante compreendermos isso, pois em nossa luta

sozinhos, não venceremos, a verdadeira vitória só pode ocorrer com uma profunda

transformação da sociedade, ou seja, onde não existam mais ricos ou pobres, opressores e

oprimidos, mas sim liberdade e igualdade. Para construirmos essa nova sociedade, temos

que construir na luta a “solidariedade com todos os setores das classes Oprimidas”.

Analisando estes princípios e observando o perfil dos catadores brasileiros, é possível

perceber que eles, mesmo os desvinculados ao MNCR, possuem a tendência natural à seguir

muitos dos princípios citados. O sucesso que o Movimento vem conquistando aparentemente

corresponde ao fato de catadores de ofício encabeçaram o movimento sem se deixar levar por

movimentos paralelos ou forças partidárias, como bem explicitou o 4º principio da declaração.

Desde sua fundação, o MNCR obteve importantes conquistas para a categoria. A

tabela abaixo elaborada por Demajorovic (2013) traz os principais marcos conseguidos pela

classe desde a fundação do movimento:

TABELA 1: CONQUISTAS DO MNCR

Ano Evento

2001 I Congresso Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis realizado em

Brasília;

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7 de junho é instituído como o Dia do Catador;

I Festival de Lixo e Cidadania em Belo Horizonte.

2002 Reconhecimento da profissão de “catador de material reciclável” na

Classificação Brasileira de Ocupações.

2003 I Congresso Latino-Americano de Catadores (Brasil, Uruguai e Argentina),

organizado pelo MNCR, realizado em Caxias do Sul;

Decreto presidencial cria o Comitê Interministerial de Inclusão Social de

Catadores de Materiais Recicláveis;

Programas federais passam a condicionar o repasse de recursos aos

munícipios para a erradicação dos lixões e a elaboração de Planos de Gestão

Integrada de Resíduos Sólidos Urbanos com o componente de inclusão dos

catadores.

2005 II Congresso Latino-Americano de Catadores, realizado em São Leopoldo,

antecedendo o Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre.

2006 O governo federal institui que os resíduos recicláveis descartados pelos

órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta devem

ser doados para associações e cooperativas de catadores.

2007 Modificação do Plano Nacional de Saneamento Básico: autorização para a

contratação de associações ou cooperativas de catadores de recicláveis, sem

a necessidade de licitação, para a execução das atividades de coleta de

resíduos sólidos recicláveis.

2009 I Expocatadores em São Paulo.

Elaboração do autor. Fonte: Demajorovic (2013).

Como pôde ser observado, foram inúmeras as vitórias da categoria após a instituição

do MNCR. Através da organização e pensamento como unidade sem interesses paralelos, a

categoria vai conseguir, como já conseguiu, melhores condições de trabalho e, sobretudo,

conquistar mais cidadania. O movimento age como cidadão, no sentido de ter plena

consciência dos seus direitos e deveres e lutar para que estes saiam do papel e sejam

colocados em prática.

Através de pressão do MNCR e de movimentos menores de cooperados e associados,

porém não menos organizados, a categoria conseguiu e consegue adentrar nas pautas

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principalmente relacionadas aos resíduos sólidos urbanos, como será mostrado no capítulo a

seguir.

Em Salvador, o movimento age através da Cooperativa de Catadores Agentes

Ecológicos de Canabrava (CAEC), que é uma importante e renomada cooperativa

soteropolitana, possuindo apoio e financiamentos até da União Europeia. Pela seriedade e

renome, a CAEC possui preferência em eventos. Na Copa do Mundo de Futebol de 2014, por

exemplo, a cooperativa foi contatada pela organização do evento para disponibilizar catadores

para trabalharem aos términos dos jogos e festas (Fifa Fan Fest). Além de eventos, a

cooperativa oferece frequentemente cursos de capacitação para os catadores, tanto

conveniados quanto autônomos.

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4. A POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS

A aprovação da Lei nº 12.305/10 da Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS)

foi um marco na história brasileira no que diz respeito à responsabilidade perante os seus

resíduos sólidos. Com itens atuais e até ousados para um país que sempre negligenciou tal

questão, a aprovação da lei promete colocar o Brasil em patamar de igualdade com os países

desenvolvidos.

A PNRS propõe, entre outras importantes medidas, a extinção dos lixões à céu aberto,

a gestão compartilhada dos resíduos sólidos entre população, catadores, empresas e poder

público, a inclusão dos catadores nas diversas vertentes da reciclagem, assim como o forte

incentivo da mesma.

É fato que os prazos dessa lei não vêm sendo cumpridos. A extinção dos lixões à céu

aberto, por exemplo, que tinha como prazo agosto de 2014, não foi cumprida por mais da

metade dos municípios brasileiros. Segundo a pesquisa Ciclosoft (2014), dos 5.570

municípios brasileiros, apenas 2.300 obedeceram ao prazo estabelecido na lei para a extinção

dos seus lixões. Entre a tentativa de prorrogação de prazo (4 anos) pelo Senado e o veto da

presidente, o problema segue insolúvel não só na extinção dos lixões, mas em muitos outros

pontos da lei.

Ainda que o funcionamento pleno da lei gere desconfiança e pareça até utópico em

alguns incisos, é impossível deixar de pensar em quanto progresso ambiental, econômico e

social ela representaria. Se os brasileiros de modo geral se interessam pela vigência dessa lei,

os catadores mais ainda, uma vez que a PNRS possui itens totalmente voltados para a

categoria, como consta no documento oficial de sanção da Lei Nº 12.305 disponível no site

oficial do planalto.

A seguir, serão apresentados os trechos dos documentos que incluem diretamente os

catadores. É importante esclarecer, entretanto, que indiretamente os catadores estão

envolvidos em muitos outros artigos e incisos dos que os que serão citados abaixo.

A lei estabelece como um dos objetivos, segundo o artigo 7º da PNRS, “a integração

dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a

responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos”(BRASIL, Lei nº 12.305, de

2 de agosto de 2010, 2010).

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Como instrumentos para obtenção dos resultados, a lei estabelece, entre outros,

segundo o artigo 8º da PNRS, “o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou

de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis”

(BRASIL, Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, 2010).

À respeito da própria PNRS, será elaborado pela União, amparado pelo MMA, e

atualizados de 4 em 4 anos, o plano que terá, dentre outros conteúdos, segundo o artigo 15º da

PNRS, “metas para a eliminação e recuperação de lixões, associadas à inclusão social e à

emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis” (BRASIL, Lei

nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, 2010).

Sobre os municípios, o documento expressa que terão prioridade de acesso aos

recursos da União, os municípios que, dentre outros pontos, segundo o artigo 18º da PNRS,

“implantarem a coleta seletiva com a participação de cooperativas ou outras formas de

associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas

de baixa renda” (BRASIL, Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, 2010).

Ainda sobre os municípios, o plano municipal de gestão integrada dos resíduos sólidos

possui, dentre outros conteúdos mínimos, segundo o artigo 19º da PNRS, “programas e ações

para a participação dos grupos interessados, em especial das cooperativas ou outras formas de

associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas

de baixa renda, se houver” (BRASIL, Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, 2010).

Referente às normas, estarão em regulamento, segundo o artigo 21º da PNRS, “normas

sobre a exigibilidade e o conteúdo do plano de gerenciamento de resíduos sólidos relativo à

atuação de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais

reutilizáveis e recicláveis” (BRASIL, Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, 2010).

No que tange as empresas que possuem responsabilidade sobre suas embalagens pós-

uso e sobre a responsabilidade compartilhada, as empresas com sistemas de logística reversa

devem, segundo artigo 33º da PNRS, “atuar em parceria com cooperativas ou outras formas

de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis” (BRASIL, Lei nº 12.305,

de 2 de agosto de 2010, 2010).

Ao responsável pelos serviços públicos de limpeza urbana, por sua vez, cabe, segundo

artigo 36º da PNRS, “priorizar a organização e o funcionamento de cooperativas ou de outras

formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por

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pessoas físicas de baixa renda, bem como sua contratação” (BRASIL, Lei nº 12.305, de 2 de

agosto de 2010, 2010).

Economicamente falando, o poder público pode financiar, com prioridade, segundo

artigo 42º da PNRS, “a implantação de infraestrutura física e aquisição de equipamentos para

cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e

recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda” (BRASIL, Lei nº 12.305, de 2 de

agosto de 2010, 2010).

Assim como, segundo artigo 44º da PNRS, “projetos relacionados à responsabilidade

pelo ciclo de vida dos produtos, prioritariamente em parceria com cooperativas ou outras

formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por

pessoas físicas de baixa renda” (BRASIL, Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, 2010).

Como foi dito e pôde-se observar, são muitos os itens voltados para a categoria dos

catadores. Todos resultariam ou resultarão em mais respeito, dignidade, visibilidade e

cidadania para a classe. No entanto, passados 5 anos da aprovação da lei, pouca coisa mudou.

Se o otimismo tomou conta quando a lei foi aprovada em 2010, a lentidão da mesma traz um

pessimismo óbvio e faz com que os catadores não esperem muito, pelo menos a curto prazo.

Neste momento, os catadores contam com eles mesmos e se fortalecem através de

associações e cooperativas. Contam também com o apoio de pessoas que, mesmo com toda a

invisibilidade social da classe, os enxergam como, antes de importantes agentes ambientais,

cidadãos, que tem o direito básico à cidadania.

No que tange à cidadania, como conjunto de direitos e deveres civis, políticos e

sociais, os catadores estão presos à mais uma contradição. Levando-se em conta os direitos e

deveres do cidadão presentes na Constituição Federal de 1988, conclui-se o seguinte: o

catador, como agente que realiza a coleta seletiva de boa parte da população, cumpre um

importante dever da mesma enquanto cidadã, que é, segundo o artigo 23º, o de “proteger o

meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” (BRASIL. Constituição

Federal de 1988). Por outro lado, o catador tem o seu direito como cidadão cerceado no

seguinte ponto, segundo o artigo 6º, “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o

trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social (...)” (BRASIL. Constituição

Federal de 1988).

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Os catadores realizam, no Brasil, o trabalho que seria da população. Ainda assim, o

trabalho dos verdadeiros motores da coleta seletiva brasileira em vez de ser facilitado no

intuito de fazer progredir a destinação final adequada do lixo, é dificultado e/ou ignorado pelo

poder público e por parte da população.

No intuito de valorizar, desmitificar, dar visibilidade e mais cidadania procurou-se

conhecer de perto à realidade dos catadores e da catação na cidade de Salvador, assim como

formas de poder maximizar o rendimento destes em prol da saúde ambiental da cidade.

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5. ESTUDO DE CASO EM SALVADOR

5.1. Realidade da coleta seletiva de Salvador

Salvador se antecipou ao prazo para extinção dos lixões proposto na PNRS em 13

anos. Era 2001 quando a Empresa de Limpeza Urbana do Salvador (LIMPURB) desativava o

“Lixão de Canabrava”, onde cerca de mil pessoas circulavam diariamente. A empresa

direcionava à partir daquele momento o lixo para o Aterro Metropolitano Centro, situado na

região do CIA – Aeroporto, local que é até hoje o destino dos resíduos soteropolitanos.

Apesar desse possível indício de que a cidade trataria à partir daquele momento com

mais responsabilidade seus resíduos sólidos, as ações em relação à isso estagnaram. Isso

porque a coleta convencional ainda é regra, falta incentivo à catadores tanto autônomos

quanto cooperados e falta, sobretudo, uma conscientização em relação ao lixo doméstico e a

separação deste.

Como se não bastasse o descaso do poder público para com os resíduos sólidos, ou

mais que isso, à saúde ambiental da cidade, Salvador apresenta ainda fatores geográficos,

urbanos e/ou sociais que consistem de grandes barreiras para quem está inserido nos níveis

mais baixos da cadeia de reciclagem da cidade, os catadores.

5.1.1. Relevo

O relevo acidentado da cidade de Salvador não é o mais propício para quem anda

puxando carroças e carrinhos com centenas de quilos. Graças à esta característica do relevo, a

cidade é marcada por inúmeras ladeiras, que, não raramente, são marcadas pelos seus

tamanhos e por suas formas íngremes. Por isso, bairros altos como Brotas e Federação muitas

vezes tornam-se inviáveis para catadores com carroças maiores, uma vez que o controle

destas depende somente da força de quem as guia.

5.1.2. Clima

O clima é outro fator geográfico que dificulta a atividade da catação. Quente e úmido,

com temperatura média anual de 27ºC e marcado por chuvas: essas características fazem com

que os catadores optem muitas vezes pelo cansaço ou por determinados tipos de materiais. Se

o calor traz o cansaço mais rapidamente, a chuva impossibilita a catação de determinados

materiais, como papelão ou papel, por exemplo.

5.1.3. Violência urbana

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Para piorar, os índices de criminalidade na capital baiana crescem a cada dia. A

situação é ainda mais grave para os catadores que trabalhem expostos nas ruas e muitas vezes

em horários em que as ruas ficam desertas, justamente para não serem confrontados com o

trânsito caótico. Uma escolha complicada: enfrentar o trânsito caótico ou enfrentar a

exposição ainda maior a crimes.

No dia 23 de maio de 2015 o jornal Correio da Bahia5 noticiou que o catador Isaac de

Jesus Santos, um dos participantes do projeto Pimpex (será exposto adiante) em Salvador e

um dos catadores que contribuiu com informações para o presente trabalho, foi assassinado

em horário de pico, 18h30, de uma segunda-feira, enquanto coletava materiais no bairro do

Itaigara, considerado nobre. Isaac, que já era conhecido dos moradores e costumava coletar

materiais em pontos do bairro, endossa uma lista de catadores vítimas da insegurança da

cidade e a exposição da própria profissão.

5.1.4. Trânsito

Segundo levantamento da empresa holandesa de tráfego Tomtom e noticiado no jornal

Correio da Bahia6, a cidade de Salvador possui o quinto pior trânsito do mundo e o 2º pior do

Brasil. Pode-se inferir através dessa informação o quão complicada é a vida dos catadores que

são obrigados a dividir seus carrinhos e/ou carroças com carros, ônibus, caminhões,

motocicletas e bicicletas nas ruas da cidade.

5.1.5. Preconceito

Palavras como preconceito, invisibilidade e discriminação por vezes podem parecer

um clichê nas causas em prol dos catadores. Há alguns questionamentos a respeito do fato da

categoria ser vista com maus olhos atrapalhando realmente o seu rendimento. A resposta é

sim. Além da hostilidade no trânsito já citada, os catadores possuem seus rendimentos

prejudicados por não conseguirem, por vezes, ter acesso a materiais justamente por conta do

preconceito, contam eles. Bairros como Pituba, Itaigara e Caminho das Árvores já realizam a

coleta seletiva internamente, mas que não disponibilizam aos catadores, entregando ao

caminhão de lixo que realiza a coleta convencional. Ou seja, o material que fora separado em

cada condomínio será atirado com outros sem nenhum tipo de tratamento, sendo que o

catador, além de ser beneficiado do material, atribuiria um destino adequado ao mesmo.

5 http://www.correio24horas.com.br/detalhe/noticia/catador-e-morto-a-tiros-em-rua-do-

itaigara/?cHash=5000382459b87275f27cdffb50f90375 6 http://www.correio24horas.com.br/detalhe/noticia/salvador-tem-o-quinto-pior-transito-do-mundo-diz-

pesquisa/?cHash=7054950206d551f21897bf39a431049e

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5.2. Os catadores de Nova República, Nordeste de Amaralina

Nova República é a principal avenida de um dos bairros mais perigosos de Salvador: o

Nordeste de Amaralina. No começo da avenida a realidade é escancarada à tinta em um muro:

“Estamos tristes. Queremos paz”. Na avenida e adjacências falta asfalto, tratamento adequado

de água e esgoto e principalmente segurança.

A área estudada consta, claramente, de uma descontinuidade no espaço situado entre

os nobres bairros de Rio Vermelho e Pituba. Os moradores que lá estão são, em sua maioria,

os que não conseguiram a inserção no mercado formal de trabalho. Nova República é um

gueto de segregados. Aliás, a segregação é ponto forte na região estudada.

Citando novamente Lefebvre (2001), é notável a segregação espontânea, aquela

resultante da diferença de renda entre as classes; mora-se onde pode-se pagar pelo pedaço de

chão. Observa-se também em volta do Nordeste de Amaralina, principalmente no bairro da

Pituba (mais próximo), a segregação voluntária, aquela que resulta do desejo de distância, de

não misturar-se, a auto segregação.

Seja a segregação espontânea, voluntária ou até mesmo programada, o fato é que o ato

de segregar só reforça a desintegração da cidade como organismo. Há a perda de sentido da

função e da forma e a manutenção das formas de dominação. O morador de Nova República

acessa a cidade fria, sem o direito à habitar, apenas ao seu habitat.

Diante da segregação, pode-se dizer que os moradores da Avenida Nova República e

adjacências escolheram a reciclagem como atividade principal da localidade. Por todos os

lados é possível observar carrinhos, carroças e grandes sacos com materiais, os chamados big

bags, na tentativa de fazer um estoque.

A localização da área é estratégica para os catadores pela proximidade com os bairros

da Pituba, Itaigara, Caminho das Árvores e Iguatemi. Tais bairros possuem terreno

predominantemente plano sem a presença de muitas ladeiras. Junto à isso está o fato dos

residentes dos mesmos possuírem uma consciência ambiental no que se refere à separação do

lixo, segundo os próprios catadores, que frisam que a coleta seletiva ainda é fraca, mas em

comparação à outros bairros é avançada.

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FIGURA 4 - Área improvisada para estoque de materiais na Nova República.

Fonte: Autor (jun/2015)

5.2.1. Os apoios e a formação da associação

Devido à quantidade de catadores, a importância da reciclagem para eles e a

organização dos mesmos, surgem com alguma frequência projetos na localidade de Nova

República que visam auxiliá-los de alguma forma.

O último projeto que lá esteve foi o Transformando Catadores em Agentes Ambientais

do Programa de Inclusão Produtiva Vida Melhor da Secretaria de Desenvolvimento Social e

Combate a Pobreza (SEDES), do Governo do Estado. O projeto acompanhou de perto os

catadores da localidade, procurou ajudar em seus anseios, ofereceu diversas palestras sobre

reciclagem, coleta seletiva e a PNRS e foi vital para a criação da associação dos catadores, a

Associação dos Agentes Ambientais e Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis da

Nova República e Região. O projeto também encaminhou junto aos catadores uma proposição

de projeto de lei chamado Bolsa Reciclagem, que gira em torno de uma ajuda de custo para a

categoria, além de produzir um DVD, Transformando catadores em agentes ambientais, com

filmagens dos catadores da Nova República, expondo suas dificuldades e propostas.

A Associação mostrou a organização dos catadores da Nova República, que tinham

um objetivo principal claro: a obtenção de um espaço para a formação de um galpão, onde

seria possível, primeiramente, realizar um estoque de materiais, o que já ajudaria nos ganhos,

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e, posteriormente, profissionalizar as atividades através de máquinas de prensas e caminhões

para entrega.

5.2.2. A luta pelo espaço

Inicialmente, os catadores estavam certos de que possuíam o espaço para a construção

do galpão. A área é na própria localidade e segundo os moradores mais antigos, como a

catadora Albina Pereira dos Santos (Dona Bina), que reside há 28 anos em Nova República,

sempre esteve abandonada.

Empolgados com a ideia do balcão, os catadores investiram e limparam a área, que,

até então, estava entregue ao lixo e à plantas invasoras e até aplainaram parte do terreno. No

entanto, antes de avançarem nas obras, amparados pelo Programa Vida Melhor, pediram um

levantamento sobre o espaço em questão. O resultado foi desanimador: a área se trata de uma

área verde urbana e pertence à União, de acordo com o arquiteto urbanista Henrique

Azevedo7, baseado no Levantamento das áreas públicas de Salvador (APSAL) /MPBA.

FIGURA 5 - Área pretendida pelos catadores para construção de galpão.

Fonte: Google Maps (jun/2015)

7 Em relato dado na filmagem Transformando catadores em agentes ambientais. Produzido pelo Fórum Pró

Cidadania. Salvador, 2015. 1 DVD (13 min), DVD, son., color.

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Decepcionados, porém resignados, os catadores desistiram do espaço. No entanto, a

construtora EBISA - Engenharia Brasileira, Indústria e Saneamento S/A dias depois do

resultado do levantamento, surgiu requisitando a área, retirando areia, vegetação e até

murando-o. Logicamente, os catadores foram questionar o levantamento anterior.

Segundo o mesmo arquiteto urbanista do levantamento anterior, parte da área

realmente possui um proprietário particular, que nunca havia sido requisitado pela Ebisa, no

entanto, a construtora está ocupando uma área muito maior do que a pertence.

“Uma área pública que estava tendo uma função de resgate social de pessoas que

estavam sem moradia e também dessa associação de catadores que estava usando a área para

ter um benefício social, agora está na mão de uma empresa privada”, segundo Henrique

Azevedo8, arquiteto urbanista.

Após o ocorrido com a área em questão a associação perdeu força, os encontros

diminuíram e dos 40 catadores associados, 23 ainda frequentam as reuniões. Novamente se vê

o elo mais fraco da estrutura da cadeia de reciclagem tendo seu direito à cidade cerceado.

FIGURA 6 - Fachada da área, aberta e com a vegetação preservada, antes da intervenção da

construtora Ebisa

Fonte: Google Street View (jun/2015)

8 Transcrição de relato dado na filmagem Transformando catadores em agentes ambientais. Produzido pelo

Fórum Pró Cidadania. Salvador, 2015. 1 DVD (13 min), DVD, son., color.

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FIGURA 7 - Fachada da área, murada e com a vegetação suprimida, após intervenção da

construtora Ebisa

Fonte: Autor (jun/2015)

5.2.3. Breve paralelo para entender o diferencial do estoque

Após entrevista realizada em junho de 2015, na Nova República, traçou-se esse breve

paralelo entre os catadores Albina Pereira dos Santos, Dona Bina, e Leandro Bispo, Léo,

residentes de Nova República, para se fazer entender a diferença no rendimento que um

espaço para estoque pode proporcionar.

A catadora Dona Bina, que não possui exatamente um galpão, utiliza do seu quintal e

até parte de sua casa para estocar materiais. Com isso, ela junta o suficiente para requisitar um

caminhão de uma cooperativa de Narandiba, que passa duas vezes na semana. Assim, a

catadora relatou que possui rendimento de até mil reais mensais.

Já Léo, que não tem como improvisar uma área de estoque, é “obrigado” a vender todo

o material coletado diariamente a atravessadores. A capacidade de estoque do catador se

restringe ao que cabe na sua carroça. O rendimento, segundo relatado pelo mesmo, varia

muito, mas não passa dos 500 reais mensais.

Fica claro, através desse paralelo, como um simples espaço pode ser crucial para o

rendimento de um catador por meio de outra organização do trabalho. Não se pode deixar de

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imaginar que, se um quintal já consiste em tamanha diferença, o quão diferencial significaria

um galpão para os catadores de Nova República.

FIGURA 8 - Dona Bina junto ao seu estoque improvisado no quintal de casa

Fonte: Autor (jun/2015)

5.2.4. Cobrança por mais consciência ambiental

Os catadores cobram, com absoluta razão, mais conscientização ambiental da

população soteropolitana. Logicamente, e não podia ser diferente, a maior cobrança deles se

refere à separação de materiais já em casa. Inclusive, amparados pelo programa Vida Melhor,

eles elaboraram cartilhas que foram distribuídas em condomínios dos bairros Itaigara, Pituba,

Iguatemi e Caminho das Árvores informando a importância da coleta seletiva. A categoria

demonstra pleno interesse na gestão compartilhada dos resíduos sólidos, com eles realizando

o transporte entre fonte geradora e destinação segura, no entanto, é preciso que haja esforço

de todos os lados.

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Os catadores, ao menos os da localidade da Nova República, se informam, participam

de inúmeras palestras, em suma, eles vivem a temática da reciclagem, da coleta seletiva.

Sabem, por exemplo, que o trabalho deles faz com que menos lixo seja aterrado e,

consequentemente, a vida útil do aterro é aumentada. E eles querem fazer mais, por eles e pela

cidade. Neste sentido, os catadores são verdadeiros agentes ambientais que cumprem não só o

dever de si mesmos como cidadãos, mas também de boa parte da população.

5.3. O apoio dos projetos sociais: O Pimp My Carroça

Idealizado pelo grafiteiro paulista Thiago Mundano, o Pimp My Carroça foi criado, em

2007, na cidade de São Paulo, para ser um instrumento de conscientização, engajamento e

transformação social em prol dos catadores, sempre através da arte e da participação coletiva.

Mundano, sempre engajado em causas sociais, começou pintando as carroças ou carrinhos dos

catadores com alguma frase de efeito e protesto. No entanto, sentiu a necessidade de ir além

no sentido de valorizar e lutar contra a invisibilidade desses importantes agentes ambientais.

O Pimp My Carroça tornou-se, então, muito mais do que a pintura de carroças.

Geralmente uma edição do evento dura um dia inteiro e conta com atendimento de saúde e

bem estar para catadores e família, tais como clínico geral, dentista, oftalmologista,

cabelereiro e até veterinários para os catadores que possuem animais de estimação.

Para o evento são chamados renomados artistas do grafite, em sua maioria, para expor

sua arte nas carroças sempre com uma frase de efeito. “Pimpar” uma carroça também envolve

a instalação de itens de segurança, como retrovisores, cordas e até pneus. São dados aos

catadores luvas, capas de chuva e óculos de sol.

O evento também envolve uma “carroceata”, que é uma passeata com os catadores e

suas carroças prontas pelas ruas da cidade onde o evento ocorreu e, ao fim da mesma, é

entregue um manifesto que aborda a questão dos resíduos sólidos e os catadores nas mãos de

algum responsável do poder público.

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FIGURA 9 - Prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, recebe o manifesto do Pimp My

Carroça através de Thiago Mundano.

Fonte: facebook.com/pimpmycarroca.

Para demonstrar o real engajamento de Mundano e do Pimp My Carroça com os

catadores, em junho de 2015 foi realizada na cidade de São Paulo mais uma importante

intervenção urbana: as “reciclovias”. A ação girou em torno de mais de 500 marcações em 30

km de ciclovias pela capital paulista, sinalizando o uso das mesmas também para catadores.

A ação pôde ser realizada através da alteração do Decreto 55.790/14, da Prefeitura de

São Paulo, que autoriza o uso das ciclovias por triciclos, skates, cadeiras de rodas e outros

modais e agora faz menção aos meios utilizados pelos catadores como carroças e carrinhos.

Além de legal, a intervenção recebeu maciço apoio popular e através das redes sociais

centenas de pessoas apoiaram a ideia. Ciclistas e demais usuários das faixas não sentiram

incomodo por dividi-las com os catadores.

FIGURA 10 - Skatistas demonstrando apoio à causa em prol dos catadores.

Fonte: facebook.com/pimpmycarroca

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5.3.1. Pimpex Salvador

No início de 2014 ao tomar conhecimento do projeto, o autor deste trabalho contatou e

ingressou no grupo interessado em trazer o Pimp My Carroça à Salvador. Imediatamente

realizou-se contato com possíveis apoiadores, mas a edição aos olhos de todos era custosa

demais. A prefeitura, pelo mesmo motivo, negou-se a apoiar.

Então, em meados de 2014, a organização central do Pimp My Carroça lançou o

Pimpex, uma espécie de versão reduzida e menos custosa do projeto, sem tantos atendimentos

prestados, mas com a essência da edição: participação coletiva e o grafite como forma de

protesto. E, assim, o Pimp My Carroça chegou à Salvador, contando com 4 catadores. Isaac,

Ubirajara, Leandro e Rogério, os três últimos foram auxiliaram nos estudos na localidade de

Nova República.

5.3.2. Resultados

Os catadores aprovaram o projeto e a rapidez com o que o mesmo se deu, o

comparando com a lentidão das promessas do poder público, por exemplo. Contaram também

que a realidade do trajeto do trabalho mudou. Acostumados a ouvir gritos, buzinas e até

xingamentos no trânsito, Leandro, Ubirajara, Isaac e Rogério foram unânimes em concordar

que essa realidade mudou e todos relataram que agora são até fotografados.

Sendo assim, conclui-se que a ideia central do projeto foi alcançada. É importante

deixar claro que o ideal seria que não fosse necessária a arte para que a população tratasse e

visse com bons olhos os catadores, no entanto, como se faz necessário e até aumenta a

autoestima dos mesmos, é importante que projetos como este se expandam ainda mais.

FIGURA 11 - Catador Isaac e sua carroça “pimpada”.

Fonte: Diogo Galvão (2014).

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão dos resíduos sólidos em Salvador é urgente. Aliás, não seria exagero algum

afirmar que essa questão é urgente em todo o Brasil. Por conta disso foi aprovada, em 2010, a

lei que institui a PNRS. Passados 5 anos da implementação desta, pouca coisa mudou e

poucos incisos presentes na lei foram cumpridos. Não é difícil concluir, então, que a gestão de

resíduos sólidos, embora urgente, não conste ainda de uma prioridade para o país.

Por isso, não é absurdo prever que, se mudanças no panorama dos resíduos sólidos

ocorrerem à curto prazo, não será pelas mãos do poder público. No entanto, há parte da

população que enxerga essa urgência e enxerga que a saúde ambiental da cidade está

comprometida e, por isso, deveria ser alvo prioritário. Junto à essa parcela da população, há

uma categoria realmente responsável e preocupada com a coleta seletiva brasileira, com muita

vontade de ajudar com esforço próprio: os catadores.

É inegável o papel fundamental que a categoria possui no que tange a gestão de

resíduos sólidos e a saúde ambiental do país, sendo esta o verdadeiro motor da coleta seletiva

brasileira. Por isso, não seria favor algum o investimento do poder público nos catadores. Pelo

contrário, seria uma questão de reconhecimento e resgate de uma dívida histórica devido aos

tantos anos de serviços prestados com condições péssimas de trabalho.

Na Salvador ideal, a gestão compartilhada dos resíduos sólidos seria uma realidade.

População, catadores, empresas e poder público pensariam, dialogariam e agiriam juntos para

resolver esta questão que se mostra insolúvel na cidade, inclusive é o que propõe a PNRS. Já

na Salvador real, empresas e poder público ainda não demonstram nenhum esforço no sentido

de integrar-se ao processo, processo este que, sendo realista, a curto prazo funcionará apenas

com os dois atores, a população arcando com a responsabilização da separação de seus

resíduos e os catadores realizando a destinação adequada dos mesmos.

A cidade atual fragmentada, sem a essência orgânica, dificulta gestões compartilhadas,

não só no âmbito ambiental. Por isso, este estudo geográfico procurou utilizar o conceito de

direito à cidade de Lefebvre, que caminha em direção ao fim das segregações e à participação

dos grupos minoritários e excluídos do processo de formação da cidade. O direito à cidade é,

então, a (re)união do que outrora foi fragmentado em direção ao organismo da cidade.

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Por isso, espera-se que este trabalho auxilie no combate à segregação do espaço

urbano e às injustiças sofridas no que se refere ao uso e desfrute da centralidade da cidade

pelos catadores, uma vez que, como foi visto, estar inserido na mesma é muito diferente de

participar e usufruir dela e principalmente da sua centralidade.

Esta monografia intencionou também desmitificar e quebrar estigmas que carregam os

catadores, como, por exemplo, de uma categoria que cata em ritmo robótico, sem

necessariamente entender a causa na qual está inserida. Os catadores estudados mostram que,

a despeito do desejo pelo rendimento, ambição de todas as classes, escolheram a catação

também porque acreditam no propósito e mantém esperanças de que consigam melhorias para

si e para a cidade através da coleta seletiva.

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7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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catadores de materiais recicláveis na cadeia produtiva reversa de pós-consumo da região

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http://www.scielo.br/pdf/gp/v16n1/v16n1a03> Acesso em: abr/2015.

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em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso

em abr/2015.

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______. Salvador tem o quinto pior trânsito do mundo. Salvador. 31/03/2015. Disponível

em: < http://www.correio24horas.com.br/detalhe/noticia/salvador-tem-o-quinto-pior-transito-

do-mundo-diz-pesquisa/?cHash=7054950206d551f21897bf39a431049e> Acesso em:

mai/2015.

DEMAJOROVIC, Jacques. Cadeia de reciclagem: um olhar para os catadores / Jacques

Demajorovic e Márcia Lima. – São Paulo: Editora Senac São Paulo; São Paulo: Edições Sesc

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FÓRUM PRÓ CIDADANIA. Transformando catadores em agentes ambientais. Fórum

Pró Cidadania. Salvador, 2015. 1 DVD (13 min), DVD, son., color.

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Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.

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sao-responsaveis-por-90-do-material-que-chega-para-ser-processado-pela-industria-de-

reciclagem-do-brasil/view> Acesso em: jan/2015.