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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO CAROLINA DE SOUZA LEÃO MACIEIRA GESTER LADRILHOS HIDRÁULICOS EM BELÉM: SUBSÍDIOS PARA A SUA CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO SALVADOR-BA 2013

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

    PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

    CAROLINA DE SOUZA LEÃO MACIEIRA GESTER

    LADRILHOS HIDRÁULICOS EM BELÉM: SUBSÍDIOS

    PARA A SUA CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO

    SALVADOR-BA

    2013

  • 2

    CAROLINA DE SOUZA LEÃO MACIEIRA GESTER

    LADRILHOS HIDRÁULICOS EM BELÉM: SUBSÍDIOS PARA A SUA

    CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO

    Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

    graduação em Arquitetura e Urbanismo, da Faculdade de

    Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia,

    como parte dos requisitos para a obtenção do grau de

    Mestre em Conservação e Restauro.

    Orientadora: Profª. Drª. Cybèle Celestino Santiago

    SALVADOR-BA

    2013

  • 3

    CAROLINA DE SOUZA LEÃO MACIEIRA GESTER

    LADRILHOS HIDRÁULICOS EM BELÉM: SUBSÍDIOS PARA A SUA

    CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO

    BANCA EXAMINADORA

    __________________________________________________________________

    Profª. Dra. Cybèle Celestino Santiago (orientadora)

    Doutora pela Universidade de Évora, Portugal

    Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – Universidade Federal da Bahia

    __________________________________________________________________

    Prof. Dr. Mário Mendonça de Oliveira

    Título de Notório Saber em Arquitetura, Universidade Federal da Bahia

    Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – Universidade Federal da Bahia

    ___________________________________________________________________

    Profª. Dra. Thais Alessandra de Bastos Caminha Sanjad

    Doutora pela Universidade Federal do Pará, Brasil.

    Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – Universidade Federal do Pará

    SALVADOR-BA

    2013

  • 4

    AGRADECIMENTOS

    Agradeço a todos que me apoiaram e que contribuíram de alguma maneira,

    para a realização deste trabalho. Principalmente à minha família, minha mãe, meu

    pai (in memoriam) e minha irmã, por estarem sempre ao meu lado. Impossível

    conseguir expressar o meu sentimento de gratidão.

    Pai, agradeço por ter sido meu pai com toda força e essência da palavra, por

    ter me incentivado, junto com a minha mãe, ir a busca dos meus sonhos. Hoje sei

    que estás orgulhoso da minha conquista.

    Ao tio João Cezar Moura, meus agradecimentos pelas passagens cedidas, de

    tantas idas e vindas à Salvador, as quais permitiram presenciar momentos

    importantes, mesmo que estes tenham sido difíceis, junto com a minha família.

    Agradeço, em especial, ao meu noivo Rui Borges, por sua companhia

    fortalecedora. Obrigada por estar sempre ao meu lado.

    Aos professores Cybèle Santiago e Mário Mendonça, meus sinceros

    agradecimentos pela confiança e pela dedicação a mim e ao meu trabalho.

    Agradeço pela compreensão, devido a meus momentos de ausência. Minha

    admiração por vocês motivou a minha ida à Salvador, assim como a enfrentar todas

    as dificuldades.

    Agradeço aos amigos baianos, pela ajuda e companhia. Com destaque as

    amigas Sthefania Habeyche e Ana Cristian Magalhães, pelo apoio às minhas

    estadias em Salvador e, principalmente, pela amizade. E Lisa Sahadia, pelos

    momentos de trabalho juntas.

    À professora Thais Sanjad, pela participação intensa em todos os momentos

    de decisão, com dedicação e sabedoria. Obrigada pelos anos de confiança e por

    todo apoio. Dedico-lhe imensa admiração.

  • 5

    Obrigada aos amigos do LACORE, que estão sempre dispostos a contribuir,

    nem que seja apenas com palavras de desespero. Com carinho especial, agradeço

    às amigas Flávia Palácios e Juliana Fortes, com as quais muitas vezes dividi

    experiências e compartilhei o mesmo teto de maneira muito divertida. À professora e

    amiga, Rose Norat, o meu agradecimento pelas contribuições e incentivos.

    Aos laboratórios da UFPA e da UFBA que possibilitaram a realização das

    análises laboratoriais: Laboratório de Conservação, Restauração e Reabilitação

    (LACORE/UFPA), Laboratório de Caracterização Mineral (LCM/UFPA), Laboratório

    de Mineralogia e Geoquímica Aplicada (LaMIGA/UFPA), Laboratório de Microscopia

    Eletrônica de Varredura (LABMEV/UFPA) e Núcleo de Tecnologia da Preservação e

    da Restauração (NTPR/UFBA).

    Ao Prof. Flávio Nassar, que gentilmente autorizou fotografar os catálogos

    antigos que pertenciam ao seu avô, José Sidrim. Aos entrevistados, Nelson Vale,

    Divo Picazio Júnior, Carlos Antônio Barbosa da Silva e José Leitão de Almeida

    Viana, pela disponibilidade.

    À CAPES, pela bolsa de mestrado a mim concedida.

  • 6

    RESUMO

    Em Belém, o ladrilho hidráulico está presente em várias edificações, principalmente

    as da década de 40 e 50, do século XX, quando alcançou o período auge da

    produção. Este material foi aplicado em palacetes e em edificações mais modestas,

    de uso residencial, e foram confeccionados majoritariamente pela produção local. A

    decadência da fabricação do ladrilho hidráulico ocorreu ao mesmo tempo em que

    novos revestimentos chegaram à cidade, como os “São Caetano”. Atualmente, em

    obras de restauro, este revestimento de piso é normalmente substituído por outros

    materiais. Na maioria dos casos, isso ocorre devido à falta de domínio de técnicas

    restaurativas compatíveis. O ladrilho hidráulico é composto por duas camadas. A

    primeira, que é superficial, pode ser decorada e possuir relevo em cimento branco

    pigmentado. A segunda, mais espessa, é constituída por cimento, areia e,

    eventualmente, pó de pedra finamente moído. Este material é conhecido pelo seu

    desempenho contra desgaste, pela facilidade de manutenção e por apresentar valor

    estético diferenciado, por ser um revestimento rústico e elegante. Este trabalho visa

    o estudo histórico e tecnológico de ladrilhos hidráulicos do século XX e réplicas do

    século XXI, presentes em Belém. Para isso, foi dividido em três etapas: 1) pesquisa

    histórica; 2) pesquisa tecnológica; 3) investigação laboratorial. A primeira etapa

    abrange a investigação acerca da origem do material, evolução tipológica,

    tecnologias de produção e de conservação e restauração. Tais informações foram

    pesquisadas em fontes primárias, como relatórios dos governantes do Estado do

    Pará dos séculos XIX e XX, notícias em jornais e periódicos da época, catálogos de

    fábricas de ladrilho, entre outros. A segunda etapa consiste na investigação sobre o

    processo de produção do ladrilho hidráulico, a partir de visitas a fábricas atuais de

    diversas cidades, e entrevistas com herdeiros, proprietários e funcionários dessas

    fábricas. Na última etapa realizou-se caracterização física, mineralógica e química

    das amostras de ladrilhos hidráulicos coletadas. Primeiramente, as amostras foram

    mapeadas quanto às patologias existentes com o auxílio do software CorelDraw 15.

    Para a caracterização física, as etapas foram: 1) identificação das fábricas das

    amostras; 2) dimensionamento com o auxílio de régua; 3) avaliação das cores

    utilizadas na decoração com o uso do colorímetro; 4) ensaio de absorção total em

    água; 5) ensaio de densidade pelo picnômetro de Hubbard; 6) ensaio de dureza; 7)

    teste de abrasão; 8) análise morfológica por meio de microscópio ótico e por

  • 7

    Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV); 9) Análise de traço provável por meio de

    ataque ácido; 10) granulometria. Quanto à caracterização mineralógica e química,

    foram utilizadas, respectivamente, a Difração de Raios-X (DRX) e a Fluorescência

    de Raios-X (FRX). Por meio da pesquisa histórica e tecnológica foi possível

    entender a abrangência do uso do ladrilho hidráulico em Belém, e a ocorrência de

    várias fábricas locais, nos séculos XIX e XX, tais como a A. Pinheiro Filho e Cia, de

    maior destaque na produção da cidade. Por meio das análises laboratoriais pode-se

    perceber que a amostragem utilizada na pesquisa é de formato quadrado, variando

    de 15 a 20 centímetros de lado. São materiais de pouca porosidade, entre 5 a 12%,

    e resistentes à abrasão. As imagens de microscópio mostram uma matriz

    homogênea e partículas distribuídas com formatos arredondados ou com formatos

    irregulares, de diferentes tamanhos. Em relação às cores, o colorímetro indicou

    variações entre as amostras. Por meio da caracterização química pode-se perceber

    que as amostras são constituídas principalmente de Ca, Si e Al, elementos

    provenientes do cimento. Os pigmentos utilizados para a coloração são constituídos

    de Fe, Mn e Cu, para as cores amarelo, marrom e azul, respectivamente. Elementos

    como Ti, Na e Cl também estão presentes, sugerindo a adição de componentes com

    outras funções ou contaminação. A areia é caracterizada pelos elementos Si e O. As

    análises de DRX indicaram, a presença de larnita, portlandita, calcita, biotita e

    quartzo. Os resultados obtidos na pesquisa são importantes para a conservação e a

    restauração deste tipo de material, pois auxiliam na investigação tecnológica para

    futuras intervenções restaurativas adequadas. As informações adquiridas também

    são essenciais para a documentação dos ladrilhos hidráulicos, como subsídio para

    salvaguarda de sua técnica construtiva, para entender técnicas de produção,

    procedência e uso.

    Palavras-chave: Ladrilhos hidráulicos em Belém; história de ladrilhos hidráulicos; tecnologia de ladrilhos hidráulicos; caracterização de ladrilhos hidráulicos.

  • 8

    ABSTRACT

    In the city of Belém, floor tiles are present in several buildings, especially the ones

    from the 40’s and 50’s, of the twentieth century, during its peak in production. This

    construction material was applied in buildings of different social classes, and made

    by local production. The decay of the floor tile fabrication occurred at the same time

    in which new construction materials arrived in the city, such as “São Caetano” type.

    Currently, in restorative interventions, original floor tiles are normally substituted for

    other materials. In most of the cases, this occurs due to the lack of knowledge of

    compatible restoration techniques. Floor tiles are composed of two main layers. The

    first one is superficial and may be decorated and have relief made of pigmented

    white cement. The second one is thicker and constituted by cement, sand, and

    sometimes rock powder. Floor tiles are known for its performance against wear, to its

    ease of maintenance, and presentation of different esthetic value, for being rustic and

    elegant. This research aims to study floor tiles from the XX and XXI centuries in

    Belém, in a historic and technological approach. This study was divided in three main

    parts: 1) historical survey; 2) technological studies; 3) laboratorial investigation. The

    first part covers research on floor tiles origin, typological evolution, production

    technologies, and also conservation and restoration. Such information was found in

    original sources, such as records from Pará’s State Governors, and catalogues of tile

    manufacturers, among others. The second part consists in the investigation of floor

    tiles production, with factories visiting in several cities, and interviews with heirs and

    employees in factories. The last part covers the physical, mineralogical and chemical

    characterization of floor tiles samples. First, the samples were mapped according to

    weathering actions with the use of the software CorelDraw 15. The physical

    characterization was divided into the following steps: 1) identification of the samples’

    factory; 2) samples measurement; 3) evaluation of the colors on the sampling with

    the use of a colorimeter; 4) water absorption tests; 5) density test with the use of

    Hubbard’s picnometer; 6) hardness tests; 7) abrasion tests; 8) morphological

    analysis, with the use of optical microscopy and Scanning Electron Microscope

    (SEM); 9) probable trace analysis; 10) grains analysis. For mineralogical and

    chemical characterization it was used X-Ray Diffraction (XRD) and X-Ray

    Fluorescence (XRF), respectively. Through the historical and technological research

    it was possible understanding the basis of floor tiles in Belém, and the occurrence of

  • 9

    several local factories in the nineteenth and twentieth centuries, such as A. Pinheiro

    Filho e Cia, of great participation in the city’s production. Through the laboratorial

    analysis it was possible to observe that the samples used in the research are square

    shaped, varying from 15 to 20 centimeters. The samples are of low porosity, between

    5 and 12%, and abrasion resistant. Microscope’s images show a homogenous

    matrix, and particles with different shapes and sizes distributed along the sampling.

    The colorimeter indicated variations in colors among the sampling. The chemical

    analysis indicated mainly Ca, Si and Al, elements from the cement, and Fe, Mn and

    Cu for the pigments used for coloring, for the colors yellow, brown and blue,

    respectively. Elements such as Ti, Na and Cl are also present, suggesting the

    addition of components that provide other functions or sample’s contamination. The

    sand used is characterized by Si and O. Mineralogical analysis indicated larnite,

    portlandite, calcite, biotite, and quartz. The results obtained on the research are

    important for conservation and restoration of floor tiles: they improve technological

    investigation for future interventions. The information acquired are also essential for

    this construction material documentation, as subside for the safeguard of its

    manufacturing techniques, as well as to understand its production, origin and use.

    Key-words: Floor tiles in Belém; floor tiles history; floor tiles technology; floor tiles characterization.

  • 10

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Rua João Alfredo, a artéria comercial mais importante da cidade, em 1908. ....................... 19

    Figura 2: Palacete Vitor Maria da Silva: (A) lavatório em porcelana decorada inglesa, (B) painel de

    azulejos franceses da fábrica Choisy Le Roi, (C) forro em chapas metálicas decoradas e (D) ladrilhos

    cerâmicos. ............................................................................................................................................. 20

    Figura 3: Ladrilhos aplicados na parede do hall de entrada do Solar do Barão de Guajará em Belém.

    ............................................................................................................................................................... 21

    Figura 4: Fábrica da Phebo em Belém ................................................................................................. 22

    Figura 5: Seção transversal de ladrilho hidráulico que indica as camadas que o constituem. ............ 23

    Figura 6: Sala de refeições do Instituto Lauro Sodré ............................................................................ 24

    Figura 7: Comparação entre (A) mosaico de pedra e ladrilho hidráulico, (B) azulejo e ladrilho

    hidráulico e (C) ladrilho cerâmico e ladrilho hidráulico. ........................................................................ 28

    Figura 8: Exemplos de prensas mecânicas utilizadas para fabricação de ladrilhos hidráulicos: (A) de

    mão, (B e C) prensa parafuso e (D) prensa hidráulica para fabricação de ladrilhos ............................ 30

    Figura 9: Anúncio em periódico referente à premiação da fábrica Orsola, Solá e Compañia .............. 32

    Figura 10: (A) Forma utilizada para a fabricação do ladrilho hidráulico de Gaudí e (B) o ladrilho

    hidráulico pronto .................................................................................................................................... 33

    Figura 11: Catálogo da fábrica Devesas contendo imagens de ladrilhos cerâmicos (A) e ladrilhos

    hidráulicos (B)........................................................................................................................................ 34

    Figura 12: Fábrica de Ladrilhos Lunardi & Machado, (A) antes e (B) depois de 1990 ......................... 37

    Figura 13: Anúncio da Emanuele Cresta & Comp. no Almanak da Cidade de Minas .......................... 38

    Figura 14: Fábrica de Mosaicos, uma das fábricas mais antigas de ladrilho hidráulico do Brasil ........ 39

    Figura 15: Galpão de produção da fábrica Dalle Piagge. ..................................................................... 40

    Figura 16: (A) Imagem da capa do catálogo da A. Pinheiro Filho e (B) artefatos de marmorite

    produzidos por ela ................................................................................................................................. 43

    Figura 17: Ladrilhos produzidos na A. Pinheiro Filho assentados na capela do Colégio Marista ........ 44

    Figura 18: Anúncio da fábrica de ladrilhos e marmorite Hercules ........................................................ 46

    Figura 19: Ladrilhos hidráulicos antigos aplicados atualmente em balcão de uma padaria em

    Belém/PA. .............................................................................................................................................. 47

    Figura 20: (A) Ladrilho hidráulico do Colégio Santo Antônio e (B) ladrilho cerâmico do Palacete do

    Parque da Residência. .......................................................................................................................... 49

    Figura 21: Variação de tonalidade de acordo com o cimento utilizado ................................................ 54

    Figura 22: Fábrica de ladrilhos hidráulicos em atividade no final do séc. XIX ...................................... 56

    Figura 23: Operário manuseando a prensa hidráulica. ......................................................................... 57

    Figura 24: (A) Depósitos com as misturas de cimento branco com pigmentos a serem utilizados nos

    ladrilhos hidráulicos, (B) derramamento da mistura no gabarito com o “calchalote”. ........................... 58

    Figura 25: (A) Adição da massa de cimento e (B) ladrilho hidráulicos sendo pressionados. ............... 59

    Figura 26: (A) Ladrilhos hidráulicos secando em estantes, (B) tanque onde os ladrilhos hidráulicos são

    imersos para a cura e (C) resultado final. ............................................................................................. 60

    Figura 27: Composição de ladrilhos hidráulicos (A) geométricos e (B) florais. .................................... 61

  • 11

    Figura 28: (A) faixas sendo utilizadas como moldura, (B) rodapé em faixa de ladrilho hidráulico. ...... 62

    Figura 29: (A) ladrilhos hidráulicos sextavados e (B) composição de ladrilhos hidráulicos oitavados

    com tozetos. .......................................................................................................................................... 63

    Figura 30: Exemplo de padrões de ladrilhos hidráulicos semelhantes, porém com procedência

    distinta. (A) Salvador Bulet y Cia, Barcelona-Espanha, (B) Procedência desconhecida e (C) Mosaic

    del Sur, Málaga-Espanha. ..................................................................................................................... 64

    Figura 31: Eflorescência salina nos ladrilhos da parede do Solar Barão de Guajará. ......................... 66

    Figura 32: Piso em ladrilho hidráulico com fissuras devido à acomodação do terreno, na Farmácia

    República (Belém/PA). .......................................................................................................................... 67

    Figura 34: Piso em ladrilho hidráulico com fissuras decorrentes de processos de dilatação térmica, na

    igreja de São Pedro dos Clérigos, em Salvador (BA). .......................................................................... 68

    Figura 35: Remoção de ladrilho hidráulico de maneira imprópria, no antigo cinema de Cachoeira (BA).

    ............................................................................................................................................................... 68

    Figura 37: Pisos desgastados por abrasão. .......................................................................................... 69

    Figura 38: Piso com diferentes tipos de deposição: tinta, argamassa e poeira, na Farmácia República

    (Belém, PA). .......................................................................................................................................... 69

    Figura 33: Ladrilhos hidráulicos com lacunas, sendo (A) com preenchimento e (B) sem

    preenchimento. ...................................................................................................................................... 70

    Figura 36: Peça de ladrilho hidráulico apresentando sulco produzido por Makita. .............................. 71

    Figura 39: Peças de ladrilho hidráulico apresentando mudança de cor. .............................................. 71

    Figura 40: Piso da biblioteca do Colégio Nazaré (Belém, PA) com aspecto brilhoso. ......................... 72

    Figura 42: (A) algas na superfície de ladrilhos hidráulicos, (B) plantas localizadas nas juntas. .......... 73

    Figura 43: Excrementos de pombos depositados no piso. ................................................................... 74

    Figura 44: (A) Pisos em ladrilhos hidráulicos com preenchimento de cimento e (B) e substituição. ... 75

    Figura 45: (A) Antes e (B) depois da peça restaurada pelo IEPHA/MG ............................................... 77

    Figura 46: Processo de aplicação de novos ladrilhos hidráulicos. (A) Piso em ladrilho hidráulico

    apresentando lacuna, (B) contrapiso nivelado, (C) assentamento das réplicas e (D) resultado final .. 78

    Figura 47: Piso coberto com papelão e gesso ...................................................................................... 79

    Figura 48: Piso com a aplicação do emplasto ...................................................................................... 81

    Figura 49: (A) Antes e (B) depois (B) da aplicação do ácido oxálico.................................................... 82

    Figura 50: Peças de vidro com plotagem substituindo ladrilhos hidráulicos originais. ......................... 82

    Figura 51: Aluna do CECI restaurando ladrilho hidráulico. ................................................................... 84

    Figura 52: (A) área do piso, na qual já foram tiradas as peças originais, (B) ladrilhos originais

    empilhados pós-remoção e (C) caixa contendo as peças de substituição. .......................................... 85

    Figura 53: Piso apresentando ladrilhos novos e ladrilhos antigos. ....................................................... 86

    Figura 54: Desenho esquemático da avaliação das dimensões dos ladrilhos hidráulicos. .................. 90

    Figura 55: Espectrocolorímetro PANTONE COLORCUE e tabela de cores PANTONE...................... 90

    Figura 56: (A) Corte da amostra e (B) pesagem em balança técnica (B). ............................................ 91

    Figura 57: (A) Picnômetro de Hubbard cheio de mercúrio, (B) pesagem do picnômetro com mercúrio

    em balança semi-analítica, (C) picnômetro com mercúrio e a amostra e (D) pesagem da amostra. .. 92

  • 12

    Figura 58: Equipamento para teste de abrasão: abrasímetro .............................................................. 93

    Figura 59: Amostra dividida por camadas. ............................................................................................ 95

    Figura 60: Ataque ácido às amostras. .................................................................................................. 95

    Figura 61: Filtragem do material suspenso. .......................................................................................... 96

    Figura 62: Difratômetro de Raios-X do Laboratório de Caracterização Mineral do Instituto de

    Geociências da UFPA. .......................................................................................................................... 97

    Figura 63: Metalizador do LABMEV do Instituto de Geociências da UFPA. ........................................ 98

    Figura 64: Dimensionamento e configuração do tardoz das amostras. ............................................. 101

    Figura 65: Imagem de MEV de seção transversal da amostra AM-4. ................................................ 103

    Figura 66: Identificação das camadas na amostra AM-8. ................................................................... 104

    Figura 67: Identificação das amostras de superfície lisa e das amostras de superfície áspera. ....... 104

    Figura 68: Imagens de MEV identificando as características morfológicas dos ladrilhos de superfície

    lisa. ...................................................................................................................................................... 106

    Figura 69: Imagem de MEV da amostra AM-6. ................................................................................... 107

    Figura 70: Imagem de MEV da amostra AM-7. ................................................................................... 108

    Figura 71: Imagem de MEV da amostra AM-8. ................................................................................... 108

    Figura 73: Separação das amostras por tipo de agregado. ................................................................ 112

    Figura 74: Digrafograma da amostra AM-1. ........................................................................................ 113

    Figura 75: Caracterização química por MEV/SED da amostra AM-1 ................................................. 114

    Figura 76: Difratograma da amostra AM-2. ......................................................................................... 115

    Figura 77: Caracterização química por MEV/SED da amostra AM-2. ................................................ 115

    Figura 78: Difratograma da amostra AM-3. ......................................................................................... 116

    Figura 79: Caracterização química por MEV/SED da amostra AM-3. ................................................ 116

    Figura 80: Difratograma da amostra AM-4. ......................................................................................... 117

    Figura 81: Caracterização química por MEV/SED da amostra AM-4. ................................................ 117

    Figura 82: Difratograma representativo das amostras AM-5, AM-6, AM-7 e AM-8. ........................... 118

    Figura 83: Caracterização química por MEV/SED das amostras AM-5, AM-6, AM-7 e AM-8. .......... 118

    Figura 84: Difratograma da amostra AM-9R. ...................................................................................... 119

    Figura 85: Caracterização química por MEV/SED da amostra AM-9R. ............................................. 119

    Figura 86: Difratograma da amostra 10R. ........................................................................................... 120

    Figura 87: Caracterização química por MEV/SED da amostra AM-10R. ........................................... 120

    Figura 88: Difratograma da amostras AM-11R. .................................................................................. 121

    Figura 89: Caracterização química por MEV/SED da amostra AM-11R. ........................................... 121

    Figura 90: Difratograma da amostra AM-12R. .................................................................................... 122

    Figura 91: Caracterização química por MEV/SED da amostra AM-12R. ........................................... 122

    Figura 92: AM-1 com fragmentação total e parcial. ............................................................................ 124

    Figura 93: Amostra AM-5 apresentando fissuras. ............................................................................... 125

    Figura 94: Amostras AM-2 e AM-5 apresentando sujidade. ............................................................... 125

    Figura 95: (A) Amostra AM-4 com deposição de pingos de tinta e (B) amostra AM-1 com deposição de

    argamassa. .......................................................................................................................................... 126

  • 13

    Figura 96: Amostra AM-11R com eflorescência. ................................................................................ 126

    Figura 97: Alteração cromática na amostra AM-7. .............................................................................. 127

    Figura 98: Marca causada pela máquina de corte na amostra AM-11R. ........................................... 127

    Figura 99: Imagem-resumo das etapas de caracterização, diagnóstico e intervenção. ..................... 136

  • 14

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Relação das amostras da pesquisa........................................................................ 88

    Tabela 2: Classificação das cores da decoração dos ladrilhos hidráulicos de acordo com a

    tabela de referência PANTONE..............................................................................................

    102

    Tabela 3: Traço provável da camada inferior das amostras................................................... 109

    Tabela 4: Absorção total em água e massa específica das amostras.................................... 110

    Tabela 5: Desgaste das amostras por meio do teste de abrasão........................................... 110

    Tabela 6: Percentual de desgaste em pedras ornamentais.................................................... 111

    Tabela 7: Composição química das amostras........................................................................ 121

  • 15

    LISTA DE SIGLAS

    APD – Automatic Powder Diffraction

    CECI – Centro de Estudos Avançados de Conservação Integrada

    DRX – Difratometria de Raios-X

    EDTA – Ácido etilenodiamino tetra-acético

    FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

    ICDD – Internacional Center for Diffraction Data

    IEPHA/MG – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais

    IG – UFPA – Instituto de Geociências da Universidade Federal do Pará

    IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

    LACORE – Laboratório de Conservação, Restauração e Reabilitação

    LCM – Laboratório de Caracterização Mineral

    MEV – Microscopia Eletrônica de Varredura

    MEV/SED – Microscopia Eletrônica de Varredura com sistema de energia dispersiva

    NBR – Norma Brasileira

    NOSELOUR – Nossa Senhora de Lourdes

    NTPR – Núcleo de Tecnologia da Preservação e da Restauração

    SCIAL – Sociedade de Construções e Indústrias Anexas

    UFBA – Universidade Federal da Bahia

    UFPA – Universidade Federal do Pará

  • 16

    SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO........................................................................................... 18

    2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA...................................................................... 27

    2.1 CONTEXTO HISTÓRICO.......................................................................... 27

    2.1.1 Contexto internacional............................................................................ 27

    2.1.2 Contexto nacional.................................................................................... 36

    2.2 SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE LADRILHOS HIDRÁULICOS

    E LARILHOS CERÂMICOS.......................................................................

    49

    2.3 PRODUÇÃO DE LADRILHOS HIDRÁULICOS.......................................... 51

    2.3.1 Matéria-prima utilizada............................................................................ 51

    2.3.2 Etapas da produção................................................................................. 55

    2.4 VARIAÇÕES TIPOLÓGICAS..................................................................... 60

    2.5 FATORES DE DEGRADAÇÃO.................................................................. 65

    2.5.1 Agentes físicos......................................................................................... 65

    2.5.2 Ataque químico........................................................................................ 72

    2.5.3 Agentes biológicos.................................................................................. 72

    2.6 TÉCNICAS JÁ USADAS EM CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO DE

    LADRILHOS HIDRÁULICOS.....................................................................

    74

    3 MATERIAIS E MÉTODOS.........................................................................

    88

    4 RESULTADOS E DISCUSSÕES............................................................... 100

    4.1 CARACTERIZAÇÃO FÍSICA...................................................................... 100

    4.2 CARACTERIZAÇÃO MINERALÓGICA E QUÍMICA.................................. 111

    4.3 IDENTIFICAÇÃO DAS PATOLOGIAS NA AMOSTRAGEM...................... 123

    5 CONCLUSÕES.......................................................................................... 129

    6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................... 138

    7 ANEXOS.................................................................................................... 144

  • 17

  • 18

    1 INTRODUÇÃO

    A cidade de Belém, capital do Pará, foi fundada em 12 de janeiro de 1616, por

    Francisco José Caldeira Castelo Branco. As primeiras construções constituíram os

    dois núcleos iniciais denominados de Cidade e Campina.

    Relatos de viajantes do século XVIII e meados do XIX1 descrevem a cidade

    de Belém com aspecto de aldeia em função da simplicidade da maioria das

    construções, principalmente da arquitetura civil, cujos materiais empregados foram

    aqueles que a região poderia oferecer, ou seja, o barro, a madeira, a palha e as

    pedras. No entanto, algumas construções, como igrejas e palácios, já se

    destacavam nesse cenário, pela sua arquitetura monumental, principalmente a partir

    de 1753, com a chegada do arquiteto italiano Antônio José Landi, cujos projetos

    contribuíram para mudar ainda mais a aparência da cidade.

    A arquitetura de Landi introduz o estilo neoclássico em Belém, mas é só a

    partir de meados do século XIX até o início do século XX que a cidade iria passar

    por profundas modificações patrocinadas pela riqueza gerada na economia da

    borracha. As ruas passaram a ser pavimentadas e as edificações construídas com

    materiais nobres importados da Europa. Belém se revela como uma das principais

    cidades brasileiras, cuja aparência em nada se assemelhava aos relatos mais

    antigos (Figura 1).

    1 BATES, Henry Walter. Um naturalista no rio Amazonas. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed.

    da Universidade de São Paulo, 1979.

  • 19

    Figura 1: Rua João Alfredo, a artéria comercial mais importante da cidade, em 1908. Fonte: Lemos, 1902 – 1909 .

    As modificações foram também impulsionadas pelo código de posturas

    municipal de Antônio José de Lemos, intendente de Belém entre os anos de 1897 a

    1912, que obrigava a substituição de beirais por platibandas com sistema de

    captação de águas pluviais, a eliminação das “puxadas”2 das edificações, entre

    outras, em prol de melhores condições de higiene na cidade e nas suas edificações.

    O período da borracha também provocou mudanças culturais nas pessoas

    que residiam em Belém. A cidade tornou-se palco também de intensa vida social,

    com reuniões, bailes e espetáculos de ópera. Esses eventos faziam parte do

    cotidiano das pessoas mais “bem nascidas” e para atender a estas atividades as

    edificações passaram a ter salões ricamente ornamentados com pinturas artísticas,

    chapas metálicas estampadas, ladrilhos, azulejos etc., tudo importado, resultado do

    intenso comércio entre Belém, a Europa e os Estados Unidos. A residência Victor

    Maria da Silva é um dos exemplos mais representativos dessa época (Figura 2).

    2 As "puxadas" seguiam o modelo tradicional português, com ambientes anti-higiênicos, sem

    ventilação e iluminação natural, e com ambientes que eram verdadeiras estufas, provocadas pela colocação de extensos planos envidraçados.

  • 20

    Figura 2: Palacete Vitor Maria da Silva: (A) lavatório em porcelana decorada inglesa, (B) painel

    de azulejos franceses da fábrica Choisy Le Roi, (C) forro em chapas metálicas decoradas e (D)

    ladrilhos cerâmicos.

    Os mais avançados produtos de construção das principais fábricas europeias

    foram utilizados nas edificações de Belém. No que se refere aos revestimentos de

    piso, a mudança foi significativa pois, do século XVII ao início do século XIX, os

    materiais empregados como revestimentos correspondiam à madeira em tábuas

    espessas e largas aplicadas uma ao lado da outra, sem a preocupação de formar

    desenhos geométricos ou outros tipos de composição; a tijoleira, principalmente nas

    igrejas, fortificações, palácios; e o lioz, mas, em termos de piso, este ficou muito

    restrito às calçadas de Belém, às soleiras das mais diversas edificações e às lápides

    de túmulos dentro das igrejas.

    Com as facilidades advindas pelo intenso comércio a partir de meados do

    séc. XIX, surgem outros tipos de revestimentos. A madeira, mesmo sendo, ainda, de

    origem local, passou a ser aplicada diferentemente de até então, com composições

    constituídas por mais de um tipo de madeira e formando composições geométricas,

    A B

    C D

  • 21

    com técnica de parquetagem. O lioz continuou a ser muito utilizado. A novidade

    estava em outros tipos de pedras e nos ladrilhos.

    Os ladrilhos foram muito utilizados em áreas externas e no pequeno hall que

    antecede à escada que dá acesso ao interior da edificação. Em alguns casos, como

    no Solar do Barão de Guajará (Figura 3), foi aplicado na parede. Além de atribuir

    beleza pelas suas cores e composições geométricas e/ou orgânicas, os ladrilhos

    proporcionaram melhores condições de limpeza nestes ambientes.

    Figura 3: Ladrilhos aplicados na parede do hall de entrada do Solar do Barão de Guajará em Belém.

    A higiene e a resistência levaram o ladrilho a ser utilizado também no interior

    de fábricas de Belém, pela necessidade de manter o piso sempre limpo e de

    suportar o peso das máquinas (Figura 4).

  • 22

    Figura 4: Fábrica da Phebo em Belém (Fonte: www.ibge.gov.br).

    São dois os tipos de ladrilhos que chegaram a Belém, o cerâmico e o

    hidráulico, que apesar de terem a aparência muito semelhante, inclusive com os

    mesmos desenhos e cores, e serem materiais que passam por processos de

    moldagem, prensagem e secagem, são completamente distintos quanto à técnica de

    produção e à matéria prima utilizada. O ladrilho cerâmico corresponde a um material

    produzido com pasta cerâmica (argilas e óxidos metálicos) queimada a altas

    temperaturas. Já o ladrilho hidráulico é elaborado com cimento e pigmentos. Este

    trabalho se dedicará a estudar o ladrilho hidráulico, que corresponde ao material

    utilizado com maior frequência em Belém, além de ter sido produzido nesta cidade.

    Segundo a NBR 94573, o ladrilho hidráulico é uma placa de concreto de alta

    resistência ao desgaste para acabamento de paredes, pisos internos e externos,

    contendo uma superfície lisa ou em relevo, colorida ou não, de formato quadrado,

    retangular ou outra forma geométrica definida.

    3 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9457: Ladrilhos hidráulicos –

    Especificação. Rio de Janeiro, 1986.

  • 23

    Esta definição, porém, não está completamente correta, pois o ladrilho

    hidráulico não pode ser tratado como uma placa de concreto, já que não apresenta

    agregado graúdo em sua composição. Ele é uma placa de cimento.

    Eles são constituídos por duas camadas facilmente reconhecidas, a

    decorativa e a base. A primeira é a parte superior do material que fica aparente

    quando assentado. A segunda corresponde ao suporte da decoração, e geralmente

    apresenta impresso no seu tardoz4, o nome e/ou a marca da fábrica que o produziu.

    A grande diferença do ladrilho para outros revestimentos é que ele não tem

    uma camada de pintura e nem possui impressão, mas sim uma camada decorada

    por volta de 5 mm, o que garante a maior durabilidade da decoração (Figura 5).

    Figura 5: Seção transversal de ladrilho hidráulico que indica as camadas que o constituem.

    O ladrilho hidráulico possui diferentes significados em função das linguagens

    de diferentes culturas. A expressão mais antiga que se conhece é a de “mosaico”5.

    Apesar da denominação “mosaico” ser muito utilizada para ladrilhos hidráulicos, este

    termo deve ser considerado impróprio, pois a definição de mosaico é o conjunto de

    peças, cerâmicas, de pedra, de vidro ou outro material, embutidas em um plano,

    formando desenhos ou não.

    No Brasil é chamado ladrilho o material em placas regulares para pavimentos,

    que pode ser cerâmico ou de cimento. A denominação ladrilho hidráulico dá-se por

    ser um material para revestimento fabricado a partir de cimento hidráulico.

    4 Tardoz corresponde à face inferior do ladrilho.

    5 ORTEGA, Carmen; LORA, Ana Mitila. El Mosaico Hidráulico: Arte em evolucioón. República

    Dominicana: Grafisfon, 2008, p. 26.

    Camada inferior

    Camada decorativa

  • 24

    Apesar da sua importância histórica e estética, o ladrilho hidráulico é

    constantemente substituído por outro tipo de material nas intervenções em

    edificações da cidade de Belém, por diversos motivos. Entre eles pode-se citar: 1) a

    ideia equivocada da “volta ao original” na arquitetura religiosa, de modo a substituir o

    ladrilho assentado posteriormente à construção por tijoleira atual, esta sem valor

    histórico e estético; e 2) o nível de desgaste das peças aliado ao desconhecimento

    dos meios técnicos adequados à sua conservação.

    Um dos exemplos mais marcantes de remoção de ladrilhos diz respeito à

    Igreja de Sant’Anna, edificação do século XVIII, restaurada recentemente, cujos

    ladrilhos foram desenhados por Joseph Casse, segundo relatos do historiador Aldrin

    Figueiredo. Provavelmente em função do estado de conservação da tijoleira original

    e diante da novidade de produção local, os ladrilhos foram provavelmente lá

    assentados na primeira década do século XX e estavam inseridos na unidade

    artística do monumento, contribuindo assim para o valor estético do mesmo. A

    substituição por novas tijoleiras descaracterizou a edificação e não alcançou o

    mesmo efeito adquirido pelo ladrilho ao longo desses anos.

    Outra edificação que teve seus ladrilhos removidos foi o Instituto Lauro Sodré,

    atual Tribunal de Justiça do Estado. A edificação possuía uma grande variedade de

    ladrilhos hidráulicos (Figura 6), provavelmente produzidos pela fábrica paraense A.

    Pinheiro Filho e Cia Ltda. uma vez que todos estão no catálogo de produtos

    cimentícios da referida indústria. Os ladrilhos foram substituídos por porcelanato, o

    que contribuiu significativamente para a descaracterização da edificação.

    Figura 6: Sala de refeições do Instituto Lauro Sodré (Fonte: Pará, SECULT, 1998).

  • 25

    Dessa maneira, o objetivo deste trabalho consiste em estudar o ladrilho

    hidráulico, sob o viés histórico e tecnológico, da cidade de Belém de modo a traçar

    subsídios para a sua conservação e restauração.

    Os objetivos específicos dessa pesquisa consistem em:

    Identificar o contexto histórico da comercialização e produção dos

    ladrilhos hidráulicos, o início e o auge da utilização deste material em

    Belém;

    Caracterizar o processo de fabricação do ladrilho e os materiais

    utilizados na sua produção;

    Identificar prováveis diferenças e/ou semelhanças entre ladrilhos

    hidráulicos antigos e réplicas produzidas atualmente;

    Caracterizar fisicamente o ladrilho hidráulico e sua composição química

    e mineralógica, de modo a identificar os melhores meios de

    preservação deste material.

  • 26

  • 27

    2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

    2.1 CONTEXTO HISTÓRICO

    O ladrilho hidráulico está presente em vários locais do mundo. A

    contextualização histórica do surgimento e aplicação do material em diversos locais

    subsidia o entendimento da importância do mesmo como patrimônio artístico e

    histórico.

    2.1.1 Contexto internacional

    O cimento revolucionou a indústria da construção e passou a ser utilizado em

    diversos elementos arquitetônicos, entre eles, o ladrilho hidráulico. Apesar das

    diversas hipóteses quanto à origem dos ladrilhos hidráulicos, não há dúvidas de que

    são derivados do cimento tipo Portland.

    O ladrilho hidráulico, assim como os elementos arquitetônicos em ferro e o vidro,

    pode ser considerado exemplo de produto advindo pós Revolução Industrial que,

    fabricado sob base artesanal, sobretudo, com aplicação de recursos relativamente

    inovadores para a época, tem técnica de produção manufatureira que transcendeu e

    se mantém viva, paralelamente ao processo industrial6.

    A técnica usada para a fabricação de ladrilhos hidráulicos baseia-se na técnica

    banchetto, que surgiu na Itália, no século XII7. A partir desta técnica, estima-se que a

    fabricação de ladrilhos hidráulicos imitativos de mármores tenha surgido entre os

    séculos XVII e XVIII na Itália, usando uma mistura de cal compactada em um molde

    de ferro, com sucessivas camadas de cor adicionadas e polidas à mão8.

    É comum no desenvolvimento de uma nova técnica que sua base esteja pautada

    em técnicas antecedentes Observam-se também na técnica do ladrilho hidráulico

    6 MACHADO, Luiz Gomes. Apresentação: texto para exposição “Se esta rua fosse minha”.

    Museu da casa Brasileira. 2005. Disponível em: http://www.mcb.sp.gov.br. 7 NAVARRO, Mario Arturo Hernández. Puerto Rico Tile Designs. Pepinpress, 2012. p. 37.

    8 JOYNT, Anna. Cuban Mortar Tiles. International Cooperation and Regeneration through the

    Rediscovery of a Lost Craft. Havana: 2009. Faculty of Architecture, University of Havana, s/p.

  • 28

    elementos residuais de outros revestimentos precedentes, como dos azulejos, dos

    ladrilhos cerâmicos e dos mosaicos.

    Na Figura 7 podem-se notar, comparativamente, as semelhanças entre ladrilhos

    hidráulicos (organizados na linha inferior) e exemplos anteriores de mosaico de

    pedra, azulejo antigo e ladrilho cerâmico (linha superior). Claramente, a composição

    formal, padrões e cores denotam a influência de mosaicos, azulejos e ladrilhos

    cerâmicos antigos na decoração dos ladrilhos hidráulicos.

    Figura 7: Comparação entre (A) mosaico de pedra e ladrilho hidráulico, (B) azulejo e

    ladrilho hidráulico e (C) ladrilho cerâmico e ladrilho hidráulico.

    Detalhadamente, observa-se: (A) o ladrilho hidráulico replica o desenho

    reticulado do mosaico; (B) semelhança na composição formal dos padrões

    decorativos entre azulejo e ladrilho hidráulico e (C) repetição de padrão formal

    decorativo com alteração somente das cores entre ladrilho cerâmico e ladrilho

    hidráulico.

    Alguns países destacam-se na produção e popularização dessa técnica como a

    França, Espanha e Portugal, na Europa, o que viria influenciar a produção na

    América Latina e no Brasil.

    A B C

  • 29

    França

    Na França, o ladrilho hidráulico surgiu por volta de 1850, logo depois da

    implantação da primeira fábrica de cimento no país, chamada Guilhon & Barthelemy,

    a qual foi responsável pela fabricação e exportação de peças, moldes e todos os

    utensílios necessários para a fabricação do ladrilho hidráulico para outras partes do

    mundo. Além desses materiais ela fornecia, também, um manual explicativo com os

    procedimentos necessários para o processo de fabrico e com a sugestão de que

    cada fabricante buscasse o desenvolvimento de suas peças, com desenhos

    próprios, estimulando a variedade de novas padronagens que se identificassem com

    seu local de origem9.

    Foi na França que o ladrilho hidráulico passou por uma revolução em seu

    processo de fabricação, impulsionando sua produção. A Guilhon & Barthelemy, já

    referida, introduziu a prensa hidráulica no processo de fabricação do ladrilho

    hidráulico, o que proporcionou melhor qualidade ao produto final, já que, com a nova

    prensa, as peças eram comprimidas com maior homogeneidade.

    Antes da prensa hidráulica, as prensas utilizadas para compactação dos

    ladrilhos hidráulicos eram de mão e, depois, em parafuso, necessitando maior

    esforço físico em sua operação e, naturalmente, levando à diferença nos resultados

    (Figura 8).

    9 ORTEGA, Carmen; LORA, Ana Mitila. El Mosaico Hidráulico: Arte em evolución. República

    Dominicana: Grafisfon, 2008, p. 39-42.

  • 30

    Figura 8: Exemplos de prensas mecânicas utilizadas para fabricação de ladrilhos hidráulicos:

    (A) de mão, (B e C) prensa parafuso e (D) prensa hidráulica para fabricação de ladrilhos. Fontes: (A) http://ardecol.inforoutes.fr, (B) Autora, (C) Segurado, s/d, (D) Autora.

    As prensas manuais, em geral, não atingem pressão superior a 30 ou 50 quilos

    por centímentro quadrado (3 à 5 MPa). Já as prensas hidráulicas podem atingir 150

    quilos por centímetro quadrado (15 MPa)10.

    O Institut Promoció de Ceràmica11 descreve que a mecanização do processo

    permitiu o aumento da produção e a diminuição da fadiga do trabalhador,

    ressaltando, contudo, que a produtividade é sempre limitada pelas operações

    manuais, indispensáveis em todo o processo, principalmente na decoração.

    Ressalte-se que a França foi a principal responsável pela propagação da técnica

    de produção do ladrilho hidráulico, ao contribuir para a sistematização do processo

    10 SEGURADO, João Emílio dos Santos. Biblioteca de instrução profissional: Materiais de

    construção. Lisboa: Livraria Bertrand, 7ª ed., s/d, p. 152. 11

    http://www.ipc.org.es/home.html.

    A B

    C D

    http://ardecol.inforoutes.fr/educationetpatrimoine/fiche415/fiche415contenu.htm

  • 31

    de fabricação e introduzir e estimular o tema de propriedade dos desenhos. O uso

    deste material expandiu-se assim pela Europa, Norte da África e América Latina.

    Inicialmente, os ladrilhos hidráulicos revestiam pisos de ambientes importantes,

    em edificações de alto padrão e em edifícios públicos. Porém, em meados do século

    XX, seu uso foi popularizado e passou a ser utilizado em vivendas em várias cidades

    francesas.

    Seu esplendor ocorre em consonância ao Art Nouveau, no final do século XIX,

    quando surgem modelos que reproduzem elaborados desenhos em linhas sinuosas

    e composições assimétricas, preferencialmente com motivos de vegetais estilizados.

    Devido à grande recessão no período entre as grandes guerras, os ladrilhos

    hidráulicos caíram em desuso na Europa. A partir da década de 1960, foram

    substituídos por outros materiais mais modernos no processo de reconstrução pós-

    guerra e de renascimento econômico refletido na indústria da construção, resultando

    no desaparecimento das fábricas de ladrilhos hidráulicos12.

    Espanha

    A origem do ladrilho hidráulico é discutida por vários autores e, por vezes,

    atribuída à diferentes países da Europa. Navarro13, cita a Espanha como o país que

    primeiro desenvolveu este tipo de material, sendo que a cidade de Barcelona seria a

    pioneira na produção, iniciada a partir de 1857. O auge das produções ocorreu

    durante o Art Nouveau, em 1880, e alcançou o mercado internacional.

    Uma das fábricas mais importantes da Espanha é a Bustsems y Cia, que é

    considerada a primeira do país, iniciando a produção de ladrilho hidráulico, em 1857.

    Entre os arquitetos que fizeram parceria com esta fábrica figura a personalidade

    marcante de Antoni Gaudí.

    12

    ORTEGA, Carmen; LORA, Ana Mitila. El Mosaico Hidráulico: Arte em evolución. República Dominicana: Grafisfon, 2008, p. 44. 13

    NAVARRO, Mário Arturo Hernádez. Havana tile designs. Singapura: Pepin Press, 2007, s/p.

  • 32

    Outras fábricas de grande reconhecimento na Espanha são as Orsola, Solá y

    Compañia e a Garret, Rivet y Cia. A primeira destacou-se na exposição de

    Barcelona em 1888, recebendo diploma de honra em Bruxelas, devido a seu

    reconhecimento como maior produtora nacional e internacional, com grande

    diversidade de modelos e ótima qualidade, enquanto a segunda caracterizava-se

    como das mais tradicionais produtoras de ladrilhos hidráulicos no país14 (Figura 9 e

    Anexo 1).

    Figura 9: Anúncio em periódico referente à premiação da fábrica Orsola, Solá e Compañia. Fonte: httpupload.wikimedia.orgwikipediacommons66fAnunci_orsola-sola.jpg.

    A Escofet, Fortuna y Cia, fundada em 1886, também desfrutou de muito prestígio

    e ficou conhecida por seus desenhos inovadores e rápida expansão por toda a

    Espanha e América Latina. O arquiteto Antoni Gaudí contribuiu para esse sucesso

    ao desenhar alguns modelos de ladrilhos hidráulicos para esta fábrica. Um exemplo

    é o ladrilho hidráulico hexagonal, com tema marinho (Figura 10), produzido

    especialmente para a casa Batlló (1904), que, no entanto, não foi utilizado nesta

    edificação e, sim, na casa Milá (1906), do mesmo arquiteto.

    14

    ORTEGA, Carmen; LORA, Ana Mitila. El Mosaico Hidráulico: Arte em evolución. República Dominicana: Grafisfon, 2008.

  • 33

    Figura 10: (A) Forma utilizada para a fabricação do ladrilho hidráulico de Gaudí e (B) o ladrilho hidráulico pronto. Fonte:ORTEGA y LORA, 2008.

    Segundo o Institut Promoció de Ceràmica, nas primeiras décadas do século

    XX, não havia cidade alguma ou município da Espanha que não possuísse fábricas

    de “mosaico hidráulico”. De acordo com o anuário geral de construção, de 1958, em

    fase inicial de declínio, havia 1.021 fábricas de mosaico hidráulico na Espanha,

    sendo 151 na província de Madri, 109 em Barcelona, 42 em Bilbao, e 36 em

    Alicante.

    Portugal

    Em 1910, a fábrica Devesas, famosa por fabricar azulejos, lançou um

    catálogo contendo específicações e imagens dos produtos oferecidos pela mesma.

    Entre esses materiais, estão os ladrilhos hidráulicos e os ladrilhos cerâmicos (Figura

    11). Algumas fábricas de azulejos produziam também ladrilhos cerâmicos. Outro

    exemplo é a fábrica Villeroy & Boch, na Alemanha. Em Portugal, até o presente

    momento, ainda não foi encontrada referência de outra fábrica que trabalhasse

    principalmente com peças cerâmicas, e que produzisse, também, ladrilhos

    hidráulicos.

    A B

  • 34

    LADRILHOS CERÂMICOS LADRILHOS HIDRÁULICOS

    Figura 11: Catálogo da fábrica Devesas contendo imagens de ladrilhos cerâmicos (A) e ladrilhos hidráulicos (B). Fonte: Catálogo Devesas, 1910.

    Em Portugal, tem-se resgistro, também, da Sociedade de Construções e

    Industrias Anexas, conhecida por Mosaicos SCIAL, de 1921, certamente uma das

    principais fábricas do país. Seu objetivo era produzir ladrilhos hidráulicos de boa

    qualidade, com arestas vivas e perfeitas, desenhos e cores inalteráveis e com

    resistências compatíveis com os ladrilhos estrangeiros. A fábrica critica a produção

    do material em outras fábricas, destacando que a matéria-prima e o processo

    utilizado nas demais, não garantiam bom resultado15.

    Os primeiros operários da SCIAL, os quais foram responsáveis por repassar

    toda a técnica de fabricação dos ladrilhos hidráulicos para os operários portugueses

    15 Sociedade de Construções e Industrias Anexas. Mosaicos Scial. Lisboa.

  • 35

    eram de Barcelona. O cimento utilizado na produção era importado da França:

    Extra-Blanc LAFARGE e Gris LAFARGE. Os pigmentos também eram importados e

    garantiam concentração nas cores empregadas.

    América Latina

    A vinda dos ladrilhos hidráulicos da Europa para a América aconteceu devido

    à grande imigração espanhola, no final do século XIX e início do XX, quando os

    imigrantes trouxeram suas culturas e experiências de um negócio rentável, com

    grande potencial de produção. Além disso, em 1867, a empresa Garreta, Rivet y Cia,

    de Barcelona, exibiu sua coleção na Exposition Universelle de Paris. A sua

    popularização extravasou as fronteiras do continente europeu para as colônias16.

    Cuba foi o primeiro país da América Latina a fabricar ladrilhos hidráulicos. Por

    volta de 1884 e, em 1899, já contava com quatro fábricas17.

    A fábrica “A Cubana”, fundada em 1903, era considerada, na época, como a

    maior fábrica do mundo, com suas instalações que ocupavam dez mil metros

    quadrados. A fábrica era conhecida por utilizar ferramentas modernas e matéria-

    prima de primeira qualidade, como areia, constituída somente por silicatos e livre de

    sais, o que favorecia a qualidade das cores; cimento da indústria Lafarge e

    pigmentos da Ritcher. Além disso, muitos de seus trabalhadores eram antigos

    operários das fábricas Escofet, Orsola y Bustsems.

    Antes do século XX, os modelos usados nos ladrilhos hidráulicos de Cuba,

    em sua maioria, eram praticamente iguais aos de Barcelona. A fábrica La Havana,

    entretanto, aumentou a concorrência no mercado, depois que passou a elaborar sua

    própria coleção, utilizando cores e ornamentos diversos, fazendo com que a

    variedade de padrões aumentasse consideravelmente no país inteiro. Os ladrilhos

    hidráulicos passaram a ter desenhos compatíveis com a cultura local18.

    16 NAVARRO, Mario Arturo Hernández. Puerto Rico Tile Designs. Pepinpress, 2012. p. 37.

    17 ORTEGA, Carmen; LORA, Ana Mitila. El Mosaico Hidráulico: Arte em evolucioón. República

    Dominicana: Grafisfon, 2008, p. 49. 18

    NAVARRO, Mário Arturo Hernádez. Havana tile designs. Singapura: Pepin Press, 2007, p. 27.

  • 36

    No México, os ladrilhos chegaram por influência italiana e espanhola. Em

    1885, Eugenio Talleri, de origem italiana, começou a importar algumas peças de

    Milão e, posteriormente, de Barcelona, passando, em 1896, a produzir seus próprios

    ladrilhos hidráulicos.

    Em 1900, surgiu a segunda fábrica, de propriedade do alemão Wilhem

    Stevens Sarto o qual, a princípio, importava toda a matéria-prima e o maquinário da

    Alemanha.

    Somente em 1910 o México passou a produzir seus próprios ladrilhos

    hidráulicos, iniciando a popularização do material no país e, consequentemente, a

    abertura de diversas fábricas.

    Os ladrilhos hidráulicos espanhóis também influenciaram o início da produção

    na Argentina. Em 1896, o espanhol José Maria Cirtés fundou a Mosaicos

    Tradicionales Argentinos, uma das primeiras fábricas de pisos em Buenos Aires,

    passando a líder de mercado e, décadas depois, convertendo-se em exportador da

    mercadoria para países da Europa. Também, no século XX, a Argentina já exportava

    ladrilhos hidráulicos para o Brasil, Paraguai, Bolívia e Chile.

    2.1.2 Contexto nacional

    No Brasil, este material foi importado principalmente de Portugal, da França,

    da Bélgica e da Alemanha. Foi no final do século XIX que os segredos das técnicas

    de manufatura do ladrilho hidráulico foram passados aos imigrantes residentes no

    Brasil e, então, começaram a ser instaladas aqui as primeiras fábricas.

    Minas Gerais

    A primeira fábrica de ladrilhos hidráulicos do Brasil foi fundada em Juiz de

    Fora/MG, em 1889. Depois foi transferida para Belo Horizonte/MG, em 1896. O

    fundador da fábrica foi o italiano Giovanni Lídio Lunardi, neto de Giovanni Lunardi,

    que foi presidente sindical das Indústrias de Ladrilhos Hidráulicos e Produtores de

    Cimento de Belo Horizonte.

  • 37

    A fábrica Lunardi & Machado era localizada na área comercial central da

    capital mineira, na Rua Curitiba, 158, em uma área de quatro mil metros quadrados.

    A fábrica possuía máquinas elétricas da fábrica francesa A. Guilhon et Fils, as quais

    podiam produzir diariamente quatro mil ladrilhos hidráulicos de variadas cores e

    desenhos. O maquinário da fábrica era composto por oito prensas hidráulicas, uma

    bateria de bombas hidráulicas, um moinho para tintas e um britador, tudo acionado

    por um motor inglês de vinte cavalos.

    Além de ladrilhos hidráulicos, a fábrica produzia, também, artefatos de

    cimento armado, como manilhas de “qualquer diâmetro”, soleiras, banheiras,

    degraus, ornamentos para fachada de prédios e outros. Era também oficina

    marmoarista19.

    A Figura 12 mostra a fachada da loja e fábrica de ladrilhos hidráulicos da

    família Lunardi, em Belo Horizonte, em dois momentos distintos. Apesar da imagem

    “A” não ser datada, pode-se perceber que deve ser anterior a 1900, já que o cartão

    postal é desta data “B”. A fábrica já tinha sofrido reformas em sua fachada.

    Figura 12: Fábrica de Ladrilhos Lunardi & Machado, (A) antes e (B) depois de 1990. Fonte:

    LLOYD, 1913.

    19

    LLOYD, Reginald. Impressões do Brazil no Século Vinte. Londres: Lloyd's Greater Britain Publishing Company, 1913, p. 765.

    A

    B

    http://www.bhnostalgia.blogspot.com.br/

  • 38

    Quando da construção de Belo Horizonte, como a nova capital de Minas

    Gerais, foram importados diversos materiais construtivos do Rio de Janeiro para as

    obras. Na apresentação desses materiais eram utilizados catálogos de divulgação

    dos produtos, como o caso da Emanuele Cresta & Comp, que, dentre diversos

    materiais, fornecia também ladrilhos hidráulicos20 (Figura 13). Nesse período, as

    fábricas A Predial, Antiga Fábrica e Empresa Industrial, atendiam a demanda local

    por ladrilhos hidráulicos.

    Figura 13: Anúncio da Emanuele Cresta & Comp. no Almanak da Cidade de Minas. Fonte: Lima, 1900.

    Nas três primeiras décadas do século XX foram abertas mais duas fábricas, a

    Indústria Nacional e a Fábrica de Ladrilhos e Oficina Artística de Mármore Lupini &

    Comp.

    20 CAMPOS, Cláudia Fátima. História do Ladrilho Hidráulico em Belo Horizonte. 2011.

    Dissertação (Mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável) – Universidade Federal de Minas Gerais, p. 94.

  • 39

    Na década de 1940 existiam seis fábricas de ladrilhos hidráulicos, em Minas

    Gerais21.

    Rio Grande do Sul

    A Fábrica de Mosaicos localizada em Pelotas/RS é uma das fábricas mais

    antigas do país ainda em funcionamento. Fundada em 1914, a fábrica surgiu em

    meio a uma efervescência econômica no país e disputava o mercado com mais

    dezesseis fábricas de ladrilhos hidráulicos22. Em consonância à prosperidade

    econômica, vieram também grandes artistas e arquitetos estrangeiros. Com isso, o

    gosto pelo ladrilho hidráulico tornou-se mais presente. A Fábrica de Mosaicos

    (Figura 14) possui, ainda hoje, mais de 300 modelos, do início do século, nos mais

    diversos padrões: art nouveau, art deco, florais e geométricos23.

    Figura 14: Fábrica de Mosaicos, uma das fábricas mais antigas de ladrilho hidráulico do Brasil. Fonte: www.fabricademosaicos.com.br.

    Apesar da importância e recorrência de uso do ladrilho hidráulico no país, há

    poucos registros sobre este material, mesmo com sua constante presença nas

    edificações e calçadas de cidades históricas. Considerando a relevância desse

    material, foi desenvolvido em Pelotas um inventário dos ladrilhos hidráulicos usados

    21

    CAMPOS, Cláudia Fátima. História do Ladrilho Hidráulico em Belo Horizonte. 2011. Dissertação (Mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável) – Universidade Federal de Minas Gerais, p. 94-95. 22

    http://fabricademosaicos.com.br/ 23

    LEÓN, Zênia de. Pelotas: casarões contam sua história. 2ª edição. Editora: Dm. Hofstatter. 1º Vol. 1993, p. 257.

    http://www.fabricademosaicos.com.br/

  • 40

    em calçadas da cidade, reconhecendo esse instrumento de registro como um

    importante passo para a preservação de bens culturais24.

    São Paulo

    Em São Paulo, a fábrica Dalle Piage, uma tradicional produtora de ladrilhos

    hidráulicos, está em funcionamento desde 1922. Seu nome é inspirado em seu

    fundador, o italiano Federico Dalle Piagge, um dos precursores da técnica no Brasil.

    A fábrica Dalle Piagge, assim como diversas outras fábricas de ladrilhos hidráulicos,

    passou por um período de estagnação entre 1960 e 2000, tendo sido fechada neste

    período. Foi, entretanto, reaberta pela quarta geração da família em 2000.

    Atualmente a Dalle Piagge é uma das fábricas mais importantes do país (Figura 15).

    Figura 15: Galpão de produção da fábrica Dalle Piagge.

    Outra fábrica de ladrilhos hidráulicos tradicional de São Paulo/SP é a Ornatos.

    Ela tem a sua origem na década de 30, porém fechou as portas na época de crise

    do material. Já na década de 80, voltou a funcionar, com o principal objetivo de

    trabalhar com peças para restauro de edifícios. Os ladrilhos hidráulicos de

    substituição, preparados para obra de restauro do Palacete Pinho, foram produzidos

    nesta fábrica. Segundo o site da mesma, as peças são de 2004.

    24

    ZECHLINSKI, Ana Paula Polidori; ALMEIDA, Lílian Borges; OLIVEIRA, Ana Lúcia Costa. Ladrilho hidráulico: tentativa de preservação. Revista de pesquisa & Pós-graduação. Ano 2, volume 2, nº 2. Ouro Preto. 2000.

  • 41

    Maranhão

    Os ladrilhos hidráulicos de São Luís começaram a ser importados de

    Portugal, Inglaterra, França e outras países da Europa a partir do século XIX. Na

    cidade, também foi desenvolvido um trabalho de pesquisa sobre o assunto,

    abordando o contexto histórico e político-econômico da inserção do ladrilho

    hidráulico na cidade, apontando algumas edificações históricas que possuem o

    ladrilho hidráulico utilzado especialmente como revestimeento de pisos25.

    Pará

    Apesar de não ter sido encontrado, até o momento, registro algum

    documental que comprove a importação de ladrilhos hidráulicos em Belém/PA,

    possivelmente os primeiros exemplares da cidade foram importados da Europa,

    especialmente da França, Portugal e Alemanha, seguindo a lógica da chegada de

    praticamente todos os materiais construtivos utilizados na capital paraense no

    apogeu da economia do látex da região, entre o final do século XIX e início do XX,

    na Belle Epóque.

    Primeiramente, chegaram os ladrilhos cerâmico, que foram usados em

    diversas edificações importantes da cidade, como o Palacete Pinho e o Palacete

    Vitor Maria da Silva. Os ladrilhos cerâmicos eram originados nos principais pólos

    cerâmicos do mundo, a exemplo da fábrica alemã Villeroy & Boch. O uso desse

    material construtivo era justificado por sua beleza e durabilidade, porém, era um

    produto que somente pessoas de alto padrão aquisitivo poderiam obter.

    Já os ladrilhos hidráulicos, eram de mais fácil acesso, devido ao seu processo

    de fabricação ser mais simplificado, com relação ao ladrilho cerâmico, e,

    consequentemente, possuir menor custo.

    A difusão do uso do ladrilho hidráulico em Belém está provavelmente

    relacionada ao início da produção local, resultando em maior acessibilidade ao

    25 SILVA, Svetlana Maria Farias da. Ladrilhos de São Luís: reflexos estéticos de uma época. São

    Luis: Secretaria de Estado da Cultura – SESC, 2005, p. 29.

  • 42

    material e ao preço final de revenda. Com a possibilidade de adquirir peças na

    própria cidade ocorreu maior estímulo ao comércio de compra e venda desse

    material.

    A primeira fábrica em Belém deve ter sido a que foi fundada por Domingos

    Acatauassú Nunes em sociedade com o alemão Guilherme Frederico Humdemark.

    Segundo o senhor Nelson Vale, em entrevista concedida durante essa pesquisa em

    2012, o seu avô, Guilherme Frederico Humdemark, foi o responsável pela chegada

    da produção de ladrilhos hidráulicos em Belém. O relato, destaca que Guilherme

    possuía o conhecimento da produção de ladrilhos hidráulicos trazido da Alemanha,

    contudo não detinha recursos financeiros para montar uma fábrica própria.

    Guilherme, então, propôs sociedade à Domingos Acatauassú, dividindo a

    responsabilidade da gestão administrativa para o sócio, enquanto que ele próprio se

    encarregava do gerenciamento e produção das peças. Apesar desses relatos, ainda

    não foi possível precisar a data de fundação da fábrica, tampouco sua denominação

    oficial.

    Outra fábrica de muito prestígio na cidade era a A. Pinheiro Filho, localizada

    na Travessa Quintino Bocayuva, Nº 31. Além da fabricação de ladrilhos hidráulicos,

    esta fábrica produzia outros elementos construtivos e de ornamentação, tais como:

    marmorite (pedra artificial), escadarias, soleiras, peitoris, colunas, balaustradas,

    portais, tampos de mesas para bares, bancos de jardim, vasos, bacias com sifão

    para banheiro, pias, postes, estátuas, túmulos, guarda-corpos entre outros (Figura

    16).

  • 43

    Figura 16: (A) Imagem da capa do catálogo da A. Pinheiro Filho e (B) artefatos de marmorite

    produzidos por ela. Fonte: Catalogo A. Pinheiro Filho e Cia Ltda, 1927.

    Os catálogos da fábrica eram ricos e bem ilustrados. Um volume de 1927 da

    A. Pinheiro Filho relata que o objetivo da fábrica era oferecer um material que

    atendesse aos mais modernos requisitos de higiene e técnica, contando com o mais

    moderno em máquinas.

    Os ladrilhos produzidos na A. Pinheiro Filho eram prensados com força de

    150 a 200 Atm, com “esquadrias perfeitas e arestas vivas”26. A fábrica oferecia

    também grande variedade de desenhos criados por outras indústrias estrangeiras

    especialistas em ladrilhos, e a coloração dos desenhos era resultado de pigmentos

    de primeira qualidade, importados da Europa.

    A. Pinheiro Filho forneceu ladrilhos hidráulicos para diversas edificações da

    cidade, principalmente para escolas e prédios públicos. O Colégio Marista possui

    vários ladrilhos, distribuídos em diversos ambientes, produzidos por esta fábrica.

    26

    Catálogo A. Pinheiro Filho e Cia Ltda, 1927.

  • 44

    A Figura 17 mostra a capela do colégio, com ladrilhos hidráulicos assentados

    no piso e os modelos dos ladrilhos utilizados no catálogo da fábrica.

    Figura 17: Ladrilhos produzidos na A. Pinheiro Filho assentados na capela do Colégio Marista.

    Fonte: Catálogo da fábrica A. Pinheiro Filho e Cia Ltda, 1927.

    O filho do alemão Guilherme Frederico, suposto pioneiro na produção de

    ladrilhos hidráulicos em Belém, Henrique Ferreira do Vale, herdou a prática de

    produzir ladrilhos e também trabalhou como mestre ladrilheiro. Foi proprietário da

    fábrica de Ladrilhos Cruzeiro, a partir de 1946, até o momento de decadência do

    ladrilho hidráulico, com a introdução das lajotas cerâmicas.

    Em 1961, seguindo a tradição da família de trabalhar na produção de ladrilhos

    hidráulicos, o engenheiro Nelson Vale, filho de Henrique Vale, deu continuidade à

    fabricação do material, com a fábrica CONSTAR. Inicialmente, começou com a

    fábrica no quintal de seu sogro. Já em 1963, mudou-se para uma casa maior, onde

    fabricou ladrilhos até 1968.

  • 45

    Em sua entrevista, Nelson Vale relatou que chegou a ter quatro prensas

    funcionando e vinte funcionários trabalhando em sua fábrica, no período em que o

    ladrilho era mais valorizado. As prensas eram provenientes da fábrica de máquinas

    J. Gimines.

    Outra fábrica de ladrilhos hidráulicos que funcionava em Belém/PA foi a

    Fábrica Nossa Senhora de Lourdes, conhecida também como NOSELOUR. Essa

    fábrica iniciou seu funcionamento em 1959 e registrou falência em 1970.

    Em contato pessoal com o engenheiro José Leitão de Almeida Viana, filho de

    Orlando Viana, fundador da fábrica, este explicou que acompanhou do surgimento

    até a decadência a fábrica de ladrilhos do pai. Assim, sabe-se que Orlando Viana

    iniciou carreira militar aos 17 anos, e aos 38 anos já entrava para a reserva. A busca

    de um novo ofício o levou a comprar equipamentos para a fabricação de ladrilho, os

    quais foram adquiridos de uma fábrica em Icoaraci e instalados em seu quintal.

    Além dos equipamentos, foram contratados também, os operários que

    trabalhavam na fábrica de Icoaraci, com o objetivo de repassar a técnica de

    produção para os demais funcionários. No início do funcionamento, em 1959, a

    fábrica contava com uma prensa com quatro operários, mas, em 1961, a produção

    dobrou, sendo adquirida mais uma prensa, na qual também trabalhavam quatro

    operários.

    José Viana garante que o material produzido por seu pai possuía ótima

    qualidade e que o ladrilho era muito utilizado na época. O modelo mais procurado

    pelo público era o tipo marmorizado, o qual imitava mármores, modelo que era

    produzido exclusivamente pela NOSELOUR. As peças possuíam dimensões de

    20cm x 20cm ou 30cm x 30cm, sendo que os maiores eram mais adequados para

    assentamento em calçadas. Na face posterior, as peças possuíam um círculo como

    sua marca.

    O maior comprador dos ladrilhos produzidos pela NOSELOUR era o

    município, que os usava para o revestimento de pisos de escolas e repartições

  • 46

    públicas. Infelizmente, muitos desses pisos não existem mais devido a demolições e

    reformas.

    Existiram outras fábricas de ladrilhos hidráulicos na cidade de Belém. Apesar

    de não se ter muitas informações sobre elas, foram encontrados anúncios em jornais

    de propagandas da Fábrica Hercules, por exemplo (Figura 18).

    Figura 18: Anúncio da fábrica de ladrilhos e marmorite Hercules. Fonte: O liberal, 1943.

    A queda da produção de ladrilhos hidráulicos, em todo o país, ocorre a partir

    da popularização das lajotas cerâmicas, as quais apresentavam preços muito mais

    baixos que os dos ladrilhos. No Pará, esta queda vem juntamente com a abertura da

    rodovia Belém-Brasília, a partir de 1960, que tinha por objetivo a integração

    comercial entre o norte e o sul do país. Através da rodovia, a comercialização de

    diversos produtos foi favorecida, incluindo materiais de construção como as lajotas.

    Hoje em dia, os ladrilhos hidráulicos voltaram a ser utilizados, principalmente

    por indicação de arquitetos de interiores e decoradores. Observam-se na atualidade

    ações antagônicas em relação ao uso de ladrilhos hidráulicos: ao mesmo tempo em

  • 47

    que o material tem sido substituído por outros tipos de revestimentos, também estão

    sendo aplicados em diversas construções contemporâneas e até mobiliário.

    O gosto por revestir pisos e paredes tende a voltar. A aplicação de ladrilhos

    hidráulicos é facilmente encontrada em estabelecimentos comerciais e residências,

    sendo principalmente utilizados como elementos decorativos. Os ladrilhos

    hidráulicos aplicados em edificações contemporâneas podem ser de fabricação atual

    ou antiga, provenientes de demolições (Figura 19).

    Figura 19: Ladrilhos hidráulicos antigos aplicados atualmente em balcão de uma padaria em Belém/PA.

    Atualmente, existem duas fábricas em funcionamento em Belém/PA:

    CONSTAR e Ladrilharq.

    A fábrica CONSTAR, citada anteriormente, voltou a produzir ladrilhos

    hidráulicos em 2006, devido à procura por este material no Estado, já que foi

    observado que para adquirir ladrilhos, até então, era necessário recorrer a fábricas

    de outros lugares do país.

    A CONSTAR conta com uma prensa e possui três funcionários, que

    produzem 20m² por dia. Os quarenta moldes utilizados na produção, todos originais

    da Alemanha, são herança do avô do proprietário.

  • 48

    A Ladrilharq funciona há 10 anos e pertence ao arquiteto Carlos Antônio

    Barbosa da Silva, com escritório situado à Rua José Bonifácio, em Belém/PA,

    enquanto sua produção concentra-se no município de Abaetetuba/PA.

    Em entrevista realizada com o proprietário, o mesmo relatou que a

    idealização da fábrica de ladrilhos surgiu a partir do seu gosto pessoal pelo material,

    presente em sua memória, a partir das diversas edificações ladrilhadas de sua

    cidade natal, a cidade histórica de Óbidos/PA, no interior do estado.

    O arquiteto relatou ainda que, ao se interessar em abrir a fábrica, lembrou-se

    de um amigo de infância, cuja família possuía uma fábrica de ladrilhos na década de

    1940 e de onde comprou, como sucata, sua antiga prensa. As demais prensas foram

    adquiridas em Abaetetuba/PA (duas) e Benevides/PA (uma), provenientes de

    fábricas desativadas.

    Em Abaetetuba, os padres locais haviam produzido ladrilhos no seminário,

    anteriormente, indicando também funcionário treinado nesse ofício, que foi

    contratado para a nova fábrica.

    Atualmente, a fábrica conta com o trabalho de 15 pessoas, sendo sete na

    produção do material e dois operários em cada prensa. A fábrica produz,

    aproximadamente, 200 peças simples por dia, por operário. A Ladrilharq possui

    ladrilhos assentados durante obras de intervenção restaurativa em diversas

    edificações em Belém, destacando o Museu da Universidade Federal do Pará e o

    Asilo Dom Macedo Costa, ambos importantes edificações históricas da cidade.

  • 49

    2.2 SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE LADRILHOS HIDRÁULICOS E

    CERÂMICOS

    No desenvolvimento da pesquisa, foi verificado que é muito comum a

    generalização do termo ladrilho hidráulico. Com frequência, os ladrilhos cerâmicos,

    pela semelhança de desenho, ou mesmo por desconhecimento das diferenças, são

    errôneamente enquadrados como “ladrilhos hidráulicos”.

    Isto acontece devido às semelhanças em aspecto entre os dois materiais.

    Contudo, há sensíveis diferenças entre os dois tipos de ladrilhos, especialmente

    quanto à sua estrutura e composição. Um olhar atento observará que os materiais

    diferem bastante entre si.

    O ladrilho hidráulico é constituído principalmente de cimento, enquanto que o

    cerâmico é confeccionado com o uso de argilas e é queimado em temperatura

    elevada (Figura 20).

    Figura 20: (A) Ladrilho hidráulico do Colégio Santo Antônio e (B) ladrilho cerâmico do Palacete do Parque da Residência.

    É provável que o ladrilho hidráulico tenha surgido com a intenção de substituir

    o ladrilho cerâmico, pois sabe-se que o declínio de sua produção aconteceu no fim

    do século XIX, quando os ladrilhos hidráulicos foram desenvolvidos. Outro aspecto

    fundamental é de caráter econômico, pois os ladrilhos hidráulicos eram muito mais

    baratos que os cerâmicos, o que atendia à crescente economia de massa.

    A B

  • 50

    Em Belém/PA, é possível destacar algumas edificações que apresentam o

    ladrilho cerâmico como pavimentação de piso. Entre eles está o Palacete Pinho,

    edificado no final do século XIX, em 1897, quando o comerciante Antônio José de

    Pinho, proprietário do imóvel, contratou o engenheiro Camilo de Amorim para

    executar a obra.

    O palacete apresentava ladrilhos cerâmicos em toda área externa de

    varandas e pátios, em áreas de circulação e áreas molhadas. Até sua restauração

    finalizada em 2011, era possível encontrar ladrilhos cerâmicos franceses no

    palacete, porém estes ladrilhos cerâmicos da fábrica francesa Sand & Co foram

    substituídos por réplicas em ladrilho hidráulico com o intuito de complementar áreas

    com peças degradadas ou faltantes. Segundo relatos, não foi identificada, na época,

    a diferença entre ladrilhos hidráulicos e ladrilhos cerâmicos na edificação: o piso em

    ladrilho cerâmico teria sido identificado como piso em ladrilho hidráulico, daí a

    substituição.

    O caso do Palacete Pinho reflete a perda das informações dos materiais e de

    técnicas antigas, que permitam, por exemplo, a identificação correta entre os

    diferentes ladrilhos.

    A identificação dos ladrilhos do Palacete Pinho poderia ter sido feita ainda in

    loco, utilizando ácido clorídrico (HCl), já que o ladrilho hidráulico é uma material

    carbonático, o qual sofreria efervescência na presença do ácido, enquanto que o

    ladrilho cerâmico não sofreria alteração alguma.

    Justifica-se assim, a relevância da identificação correta dos materiais,

    principalmente quando estes forem objetos a serem restaurados e conservados

    adequadamente de acordo com sua composição e características próprias.

  • 51

    2.3 PRODUÇÃO DE LADRILHOS HIDRÁULICOS

    O conhecimento sobre a matéria-prima e o processo de produção do material

    apresenta grande importância no seu âmbito histórico e tecnológico. A fabricação do

    ladrilho hidráulico corresponde a uma técnica artesanal, e por isso, tradicional. Ter

    registro sobre as etapas do processo torna possível retornar ao trabalho dos antigos

    mestres ladrilheiros.

    2.3.1 Matéria-prima utilizada

    A matéria-prima utilizada na fabricação de ladrilhos hidráulicos é composta

    por cimento Portland cinza, cimento Portland branco, areia, pó de pedra fino,

    pigmentos inorgânicos e água.

    Cimento Portland cinza

    Em 1824, o construtor inglês Joseph Aspdin patenteou o cimento Portland.

    Ele queimou conjuntamente pedras calcárias e argila, transformando-as em um pó

    fino. Percebeu que obtinha uma mistura que, após secar, tornava-se tão dura quanto

    às pedras empregadas nas construções.

    Após isto, houve um desenvolvimento do material, cujo uso ganhou força, por

    apresentar algumas vantagens com relação à cal.

    No Brasil, as primeiras toneladas de cimento foram produzidas e colocadas

    no mercado em 1926. Até então, o consumo de cimento no país, dependia

    exclusivamente do produto importado27, o que implica que, provavelmente, até esse

    momento os ladrilhos hidráulicos aqui produzidos utilizaram o cimento importado

    como matéria-prima.

    O cimento Portland é produzido a partir de mistura controlada de calcário e

    argila, ainda com outras matérias-primas minerais, em menores proporções. É uma

    27 http://www.abcp.org.br.

    http://www.abcp.org.br/

  • 52

    mistura rica em sílica, alumina e ferro que, após moída, é sujeita à calcinação a

    uma temperatura da ordem dos 1400 a 1500 ºC28.

    O cimento é o aglomerante mais utilizado